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MINISTERIO DA EDUCACAO E SAUDE gaening- a ag ANAIS (=m DO a MUSEU HISTORICO NACIONA ‘Raging® A, VOL. VI 1945 1950 AS ACULTURAGGES OLEIRAS E A TECNICA DA CERAMICA NA ARQUEOLOGIA DO BRASIL Sdo os tipos de culturas que definem os grupos humanos em relagdo ao seu teor de vida. Por éles adquirimos o conhecimento da sua evolucSo material e espiritual e adquirimos, também, o conhecimento da sua evolugdo, no tempo e no espago. Disciplina a que a capacidade de penetragdo e de detalhe deu corpo e¢ sis- tematica, a culturologia, que define o seu teor complexo, esta para a compreensao da etnografia na mesma relacao da necessi- dade da légica para a compreensdo da filosofia. Ficaremos, neste ensaio, no dominio e exame da ceramica indigena, isto é, no dominio e exame da arqueologia do Brasil, no que ela oferece de melhor, como espelho de velhas culturas que se desenvolve- ram em nossa terra. Sempre que falamos em arqueologia somos levados a asso- ciar éste vocdbulo a uma idéia de arte, talvez, porque, de inicio, arqueologia e arte andaram juntas, como mensagem désses remo- tos habitantes das ilhas do Egéo e das terras helénicas, désses encantados criadores de beleza surgidos da Grécia para dar harmonia, ritmo, volume, movimento e cér, aos gestos, atitudes e aspiragées dos homens. Mas, nem sempre os equilibrios se ajustam e. arqueologia é beleza, segundo o ponto de vista das concepgées do mundo classico. Muitas vézes a arqueologia sé encerra beleza para aquéles que possuem 0 espirito do arquedlogo e nao dissociam a idéia do belo de qualquer objeto sébre o qual se firmou a mao habil do homem. E, entdo, ésses privilegiados contemplam com a mesma admiracdo e igual respeito, tanto o marmore do Pen- ~ 36 — telico como o machado de Saint Acheul, tanto os trabalhos de ourivesaria que se conservaram nas mastabas, como a ceramica construida pelas tribos americanas. Para o caso brasileiro, arqueologia e arte precisam ser vistas num plano comum de compreenséo e unidade. Pobres uma e outra pela qualidade e quantidade de pecas, no caso, ceramica que as culturas indigenas nos transmitiram, serd sempre com ésses valores que o arquedlogo tera de encontrar-se & pro+ cura de orientagdo ou ilagées que nos esclaregam pontos ainda obscuros do aparecimento, procedéncia e caminhos das tribos americanas, Outros néo sao os intuitos com que os arquedlogos da América se defrontam num mesmo plano de trabalho, qual- quer que seja a zona geografica estudada. Arqueologia americana quer dizer pesquisa das origens do homem americano e foge inteiramente as questdes, aos fatos, aos problemas histéricos, localiza-se no periodo de tempo indemar- cado em que as Américas viveram sem o conhecimento, 0 trato, a presencga dos povos europeus que, dos fins do século XV por diante, alcangaram as nossas costas, aqui estiveram de passagem ou com o propésito deliberado de ficar. Todos os monumentos da arqueologia americana, seja uma igagaba guarani, uma tanga marajoara, uma fortaleza inca, um templo marga, ou uma ceramica santiaguena, se enquadram, rigoro- samente, neste sentido e, aqui, diante do ecletismo cultural désse publico ilustre que me da a honra de ouvir-me, ¢ a oportunidade itil de se afirmarem essas coisas simples, mas que ainda ndo se impuseram a todos os espiritos: a arqueologia americana se en- quadra na proto-histéria e na pré-histéria, nao chega, como na Europa, a interessar aquelas duas etapas ¢ a atingir, igualmente. © periodo histésico, ou, ainda, a circunscrever-se a éste. Historiadores e ensaistas americanos, pouco afeitos a essar peculiaridades, integrados na ciéncia nova resultante do conjunto de disciplinas a que os congressos especializados dio © nome de americanismo, criam confusdo quando se referem a um america nismo como conjunto de doutrina politica ou erram. o que é muito mais grave, quando localizam como elemento de arqueo- — 37 — dogia americana velhas construgdes, templos, igrejas, fortalezas estradas em ruinas, edificados pelos europeus de procedéncia nova em nossa terra, isto é, por aquéles que aqui vieram ao tempo dos Colombo, dos Cabral, dos Caboto, dos Pinzon, em poca compreendida como periodo da historia moderna ou de transicao para ela. Situamos, assim, em territérios diferentes os dois elementos, arqueologia e historia, sébre os quais projetam fixar-se dividas que o estado atual désses conhecimentos nao o permite. Demos as doutrinas politicas outro nome, o nome dg homem de Estado que a tenha formulado, do Congresso onde ela haja sido cons- truida, do fato ou data capital a que a doutrina se reporte, nao The demos, porém, 9 nome de americanismo, que ésse ja esté consagrado desde 1880 pelo Primeiro Congresso que o adotou, exatamente para definir e estudar as ciéncias ligadas ao homem e 4 terra da América, congresso que ja se reuniu vinte e oito vézes na Europa e na América e é um dos institutos de cultura viva, e permanente, com que se enriquecem os conhecimentos cientificos em nosso tempo. Referentemente 4 outra confusdo, que subsiste, a da classs- ficagdo, como assunto arqueolégico, das velhas cidades, templos, edificios, construidos no periodo luso-espanhol nas Américas, esta apenas é filha da irreflexdo e da pressa em afirmar e, aquéles ‘mesmos que nessa praxe tém incorrido, desde que se detenham sObre a parte manuseavel do precioso material histérico, logo se capacitarao do engano e corrigiraéo expressdes que, espalhadas a @smo, prejudicam, virtualmente, a definicdo, sendo o préprio conceito do que seja arqueologia e histéria americana. No Brasil, pelas condigées peculiares da sua natureza, ter- ritério imenso, onde 9s excessos e as vézes a prépria deficiéncia do meio fisico interceptaram a expanséo e desenvolvimento de primitivas culturas, a afirmagao é facil de fazer-se sem requerer exames ou raciocinios laterais para justifica-la, E que. em nosso pais, de estrutura geolégica tao antiga, o homem é um recém~ chegado, Excecéo désse misterioso povo de Marajé, ¢ de mais dois grupos situados nessa mesma Amazénia, o trabalho dessas wane BB tribos é de aculturagdo recente. & facil demarcar na evolucao crescente da vida brasileira aquilo que é indigena e o que repre- senta o trabalho construtivo dos seus primeiros poveadores. Velbas igrejas, velhas estradas, velhas imagens das regides missioneiras, fortalezas langadas duramente pelo portugués nos mais longinquos e fechados rios das nossas fronteiras, so, ex- clusivamente, por mais que se apresentem, agora, em estado de ruinas, obras rigorosamente histéricas, que no permitem con- fuséo com a arqueologia da América, com a arqueologia do Brasil. CERAMICA E CULTURA A cerémica é a arte por onde as culturas marcam a sua transigao para o trabalho dos metais. Antes do homem cria-la, ja iniciou e utilizou a arte dos utensilios liticos, a arte do tran- gado, a arte da plumagem, conforme a regigo onde viveu. Nea América do Sul, ela assinala, precisamente, 0 apogeu, 0 padrao mais alto de vida das tribos centro-leste americanas. Sua utili- dade nao precisa ser justificada. Exerce perfeitamente o papel de “meio de expressdo” de gue fala Vicente Licinto Carposo, ao estudar as tendéncias iniciais das artes. Entre as culturas primitivas, entre os individuos que esta- cionaram no inicio das civilizagdes, a arte, pelo pensamento de WINKELMANN, encontra um sentido ainda mais profundo e amplo: “l'objet principal que l'art s'est propose, c'est I'homme”. Em face do mundo ambiente, 0 homem vibra, sente 0 efeito do chogue produzido pela acéo multiforme da natureza, e pela arte procura revelar a compreensfo do ser. A ceramica, sendo de tédas as tentativas de arte primari verdadeira arte, porque acusa um desenvolvimento pleno de for- mas e desenhos, esta ao servigo de altos objetivos humanos. Ninguém deixara de ver nela um valioso instrumento de pesquisa etnografica, etnolégica e histérica. , aguela unica que é uma Ha uma profunda corrente, que tem a férca de um rio subterraneo, e entrelaga o homem & arte. E ainda é 0 génio admiravel gue escreveu a “Histoire de I'Art chez les anciens”, — 39 — quem a explica: “Dans le principe, les beaux arts etoient in- formes comme les beaux hommes le sont, & leur naissance; et ils se ressebloient entr'eux, comme les graines de quelques plantes, qu'on distingue 4 peine les unes des autres. Dans Jeur origine et dans leur decadance, ils sont semblables 4 ces grandes riviéres, que, aux endroits ot elles devroient étre si plus larges, se partagen en petits ruisseaux on se perdent dans les sables”. Elas s&o assim, comegam informes, semelhante aos brotos vegetais, para depois se desenvolver, formar largos estuarios ou perder-se como regatos na planicie. Na América, de preferéncia na nossa América, as artes resultam de um primeiro contato do homem com a natureza, dela procurando retirar utilidades. As- similam a beleza de alguns elementos e os ‘aproveitam nas mo- destas criagées indispensaveis 4 melhoria da vida material, A ceramica vem a ser, no grupo destas artes, a mais importante, pelo largo aproveitamento dos “motivos” da terra e pela consis- téncia que o material da A cerAmica, transmitindo-lhe uma grande duragdéo. Este segundo valor ¢ mesmo o maior titulo a encare- cé-la, como objeto de estudo. Tanto em nossa terra, como em toda a América, a ceramica ocupa um lugar proeminente na organizagao do corpo de disciplinas que se propdem a explicar as culturas, Nao fosse a ceramica e a ignorancia do mundo, diante do fenémeno da América, seria infinitamente maior. Os vasos riisticos encontrados nos “mound-buildings”, shell-mounds, paraderos, sambaquis, como os vasos da cerdmica adiantada, construida por mayas, incas, chibchas, quichias, diaguitas, cal- chaquis, nu-arwaks, guaranis, etc., sao os melhores documentos das velhas culturas amerindias. Jacquemarr defende perfeitamente esta tese: “Sil est une série de monuments céramiques interessante 4 étudier, c'est celle qui se rapporte aux peuples antiques de ce monde qualifié de nouveau par notre ignorance. Dans leur ambitieuse frénési, les nations occidentales se ruerent sur ce continent réputé vierge; elles anéantirent les aborigenes sans méme chercher 4 connaitre leur origine, et aprés avoir recueillit tout lor qu'elles croyaient pou- ~ 4 ~ voir demander aux trésors des malheureux indiens, elles lais- sérent la nature étendre le voile luxuriant des vegetations tropicales sur les ruines d'une civilisation éteinte”. ARQUEOLOGIA E CERAMICA Ninguém contesta que a principal riqueza arqueolégica do Brasil € a ceramica indigena e que, desta ceramica, a mais valiosa, justamente pela técnica, beleza e perfeicio de seus modelos, é ada Amazé6nia, especialmente a de Maraj6. Nao se presuma que o sul, onde predominaram povos Tupi-Guarani e Gé, ndo tenha contribuido com material da mesma espécie, mas a sua qualidade inferior, embora em abundante quantidade, nao permite margem a melhores afirmagées. Por muitos anos, ainda sera naquele campo que os arquedlogos iréo proceder a averiguagdes para poder explicar algo sSbre a vida antiga do Brasil. A ceramica esta ligada ao estudo das primitivas culturas, ao ciclo das indstrias que primeiro o homem construiu. Cor- responde ao fim da neolitico superior e surge muito depois da grande descoberta — o fogo — muitos anos antes dessa outra, que sera o terceiro grande invento da humanidade ~— a roda, e que os povos americanos nfo conheceram. Nasceu da necessi- dade de cozer o alimento, quando o homem féz a experiéncia, levado pelo acaso, de que a argila era argamassavel com Agua, € sujeita ao fendmeno de endurecimento, pelo sol ou pelo fogo. Aperfeigoou-se quando os imperativos da vida na cla comega~ ram a despertar no homem um indefinido desejo de melhora, uma insatisfagao de instintos que o levou a construir o conférte. Naquele momento ja a cerdmica exercia uma alta funcdo, dela se faziam as pecas para a mesa, as pecas de finalidade religiosa, as pecas destinadas a enterramentos. O oleiro j4 néo gzavava, apenas, o desenho rupestre, que aprendera a riscar, com o silex, no teto e na parede das cavernas, nas pedras e batrancos dos caminhos, Impressionava-se com as céres e os tuidos da natureza, e procurava distingui-los, verificar de onde vinham. Desta percepgao resuliou que os seus sentidos come- — 41 — catam a se apurar pela vista, ¢ a se manifestar pela habilidade da mao e dos dedos. E a tabatinga foi o material preciso, plas- tico e dictil, que apareceu na hora exata em que os sentidos se achavam aptos a funcao criadora. E surgiram os tragos em reta, os circulos, os pontos, inspirades pelo tecido de certas plantas, ainda a reproducdo de alguns animais, que viveram na floresta ou que o homem comecava a domesticar. O desenho singela adquiriu formas mais ricas, circulos, tracos, que se compdoem, reproduzindo coisas ou cenas da vida, conforme o grau de sen- sibilidade de cada grupo ou as circunstancias em que a cultura se desenvolveu. A ceramica, sendo uma arte inicial e muito antiga, resulta de uma técnica ja hoje perfeitamente vulgarizada, E bem a arte de utilizar a argila na confeccao de objetos. tanto do uso do- méstico, como religioso, funerario ou propriamente decorative. Pode ser feita com pasta porosa ou pasta impermeavel. A, pri- meira pertencem os objetos de barro cozido (terracota), as lou gas vidradas. esmaltadas, faiancas, ete: a segunda, as porcelanas finas, que supdem uma civilizagéo histérica florescente. Ao primeiro grupo pertence a louga dos oleiros de civilizagées nas- centes, a louga de Marajé, p. ex., a do tupi-guarani, da litoral, etc. Entre as tribos americanas e brasileiras em geral, a ceramica era trabalho atribuido as mulheres. Sabe-se que ésse costume se transmitiu de povo a povo, chegou aos nossos dias € resistiv sempre a-tédas as modificacées. ‘TECNICA DOS CERAMISTAS INDIGENAS Na Amazénia os oleiros empregavam como matéria prima a tabatinga pura ou misturada com diferentes pds, que exerciam geralmente a agio de desengordurantes. Esses pos eram con- seguidos de diferente maneira, segundo 0 testemunho de natu- ralistas e de arquedlogos que viram os nativos trabalhar. Déles wm dos mais preciosos era o de caraipé, cuja fabricagao Harit se compraz em descrever: “Vi prepararem a casca do caraipé empilhando os fragmentos e queimando-os ao ar livre. A cinza — 42— é muito abundante e conserva a forma original dos fragmentos. Tendo sido reduzida a pé e peneirada, € perfeitamente misturada com o barro a que da, quando imido, um aspecto de plombagina escura, mas com a acao do fogo esta c6r torna-se muito mais clara. O uso do caraipé faz a Jouga resistir melhor ao fogo.” Além do pé obtido por aquéle processo, o oleiro amazonense adiciona, a tabatinga, pés de pedra pomes, de cauichi, de esca- mas de pirarucu, de casco de tartaruga, de certos cipés e até da propria louga quebrada, uso éste ultimo que tem sido um motivo de desaparecimento de pecgas preciosas de ceramica, especial- mente em Marajé. A muther oleira, amassando ésses ou alguns désses ingredientes, conseguia dar a tabatinga uma ligagdo e consisténcia duravel, sem sacrificio da pega. O grande segrédo nao estava na escolha do material apro- priado, que éste havia em abunddncia, e sim no seu preparo. Depois da tabatinga amassada, era dividida em pequenos bélos, feitos com a mo, do tamanho que podia comportar. Esta massa passava a ser estendida sébre uma tabua ou esteira ou sébre um casco de tartaruga, conforme o vaso fésse de fundo chato ou convexo. Para o seu preparo eram elementos indispensaveis 2 agua e um fragmento de casco ou de cuia, para servir de alisador. Modelado o fundo, pela compressio da massa sébre a tabua, a esteira ou casco de tartaruga, a oleira comegava a construir-lhe as paredes pelo processo de enrolamento. Consistia o enrolamento na técnica de se fazerem cilindros, cordas ou torcidas de barro, com diametro proporcional 4 gros- sura que se queria dar 4 peca, e com um comprimento aproxi- mado da circunferéncia do vaso, dispondo-as, sucessivamente, sdbre a periferia do fundo, ja preparado, e fazendo-as aderir de modo conveniente, pelo achatamento ou compressdo feita com os dedos. Dada a primeira volta, a oleira dava, sempre com os mesmos cuidados, uma e outras mais, de maneica a ir erguendo harmoniosamente as paredes do waso, até sua fina] conclus&o. Para impedir as imperfeigdes ocorrentes em um trabalho manual desta ordem, a oleira empregava uma cuia chata ou cuipeua, molhava-a n’dgua, ¢ alisava com éste instrumento a wm 43 superficie até conseguir um perfeito polimento. Para evitar o achatamento, durante a fabricacAo dos vasos maiores, essa téc- nica tinha que ser modificada para as grandes igacabas, fazendo a oleira pequenas estagées na feitura das paredes laterais, a fim de permitic o endurecimento conveniente das partes inferioces, a proporcdo que a feitura do vaso ia avancgando. Evitava-se, por essa maneira, 0 fatal achatamento de toda pega provocado pelo péso das cordas superiores. Armada a arquitetura do vaso, alisadas as paredes externas com a cuipeua, eram elas ainda amidas, pulverizadas com uma fina camada de barro puro, cér de nata, parecendo as vézes brunidas antes de irem ao fogo, de onde resultava ficarem com uma bela superficie, dura e quase polida. Antes do fogo, a que todas as pecas estavam sujeitas, os vasos eram postos lentamente a secar a sombra e, depois, ao sol, sem 0 que, rachavam, O processo da queima era a segunda e mais importante aca> técnica a que se submetia a peca. Dependia de varios cuidados, do maximo de delicadeza na condugiéo dos vasos ainda moles, faceis de amassar ou achatar-se, Efetuava-se de diferentes mo- dos, geralmente, eram colocados distantes do foco de calor, a fim de que féssem aquecidos, gradualmente, sem contato direto com o fogo, chama ou brasa; depois, quando j4 haviam adquiri- do, pela acéo do rescaldo, uma forte consisténcia, eram entao postos diretamente em contato com o fogo, ficando totalmente cozidos, Algumas tribos usavam cozer a louga a fogo feito natural- mente sébre o chao, outras faziam o uso de covas, outras mais adiantadas j4 comecavam a empregar fornos, toscos é bem ver- dade, mas que representavam uma invengdo aperfeigoada. Hles eram feitos com a colaboragio da pedra e tinham paredes de argila. A seguir ao processo de queimacdo, enquanto as pecas ainda estavam quentes, usava-se empregar uma camada interior de resina de jutaicica que. com o calor, adquiria um aspecto vitreo, embora pouco duravel. Essa maneira de trabalhar a tabatinga — 4H esta perfeitamente enquadrada na técnica ensinada por LINNE, incontestavelmente a maior autoridade em ceramica americana. Segundo o americanista sueco, sdo os seguintes os métodos ado- tados pelos indigenas sul-americanos, para a fabricacéo de seus vasos: a) 0 da modelagio do fundo, obtida pela compressao da massa sObre uma esteira, tabua, ou um pedaco de casco de que- lénio; b) © do enrolamento, para a formagdo das paredes; c) 0 da moldagem, pela utilizagéo de cestas ou “6rmas especiais; d) © do movimento giratério, executado pelo artista, da direita para a esquerda. Os melhores produtos da ceramica brasileira sio decorados com desenho, pintura ou ornatos gravados e, algumas vézes, com dois désses elementos simultaneos. Usavam o desenho linear e o desenho em relévo, No desenho linear, 0 tracgo dos nossos indios nao apresenta, geralmente, movimento, o dinamismo e a aco raramente aparecem. Resultam da combinagdo da linha reta com a curva e foram copiados da industria dos trancados. No desenho em relévo, surgem de preferéncia figuras de homens, sempre muito feios, mais parecidos com caricaturas que propria- mente retratando a nobreza fisiondmica da mascara humana. Nessas figuras certos tracos sdo representados, entretanto, com absoluta fidelidade anatémica, o que se observa em alguns detalhes, como seja na contextura do nariz, aquilino e perfeito. Também o desenho das linhas em relévo era uma constante imitagdo do tecido e da nervura da palha. Da combinac&o do desenho linear e do desenho em relévo, formaram-se composicées que alguns autores chamam de desenho hiperbdlico e produzem uma super- posigaéo de formas aparentemente geométricas, representando muitas vézes simplificagées esquematicas de figuras de animais, como os sdurios, certos quelénios, etc. ~ 4H A PINTURA NA ARTE INDIGENA As céres com que o indigena jogava eram o branco, 0 ver- melho, o préto e o cinzento. A primeira, utilizava como cér auxiliar, da segunda retirava tédas as cambiantes, a terceira tinha sempre predominancia nas composigSes € a quarta, finalmente, era aplicada como meia-tinta, para as sombras e, mesmo, na confecgio de certos panos dos vasos, Os elementos colorantes empregados pelo indigena eram o géss9, 0 urucu, o caraju, a oca, 0 carvdo vegetal, o tijuco e outros ingredientes de que extraiam a cor negra. De tribo para tribo, segundo o convivio ou grau de cultura de cada uma, faziam os indigenas modifica- Ges na técnica de pintar, sendo que alguns misturavam o leite de sérva na tinta para torna-la mais brilhante e mais segura. Assim como era a natureza a fornecedora direta dos elementos corantes, também os instrumentos de que se serviam vinham da terra. Toscos, prestavam-se. entretanto, para que o oleiro habil pudesse dar ao barro as formas mais bizarras, os desenhos mais felizes. Manejavam, na sua técnica incipiente, varios utensilios, quase sempre fornecidos pela mata: a cuipeua, que era uma cuia chata ou concha; o itapuquiti, pedra de esfregar, geralmente seixo rolado ou carogo de inaja: 0 espinho de tucuma, empregado na gravacao da argila, chamado tainucatapiréra, o que quer di- set, em forma de escama; o dente de cotia que, ligado a um oso, fazia as vézes de buril; a taquara fina, que, cortada horizontal- mente, servia para tragar os circulos; os pontaletes de madeira ou de osso, aplicados como furadores para fazer os olhos e os ouvidos e dar outros furos que o desenho comportasse; as penas de passaro, que serviam as vézes de pincel; pélos de animal, com que fabricavam pincéis, e polpa de cipé, bem amassads, utilizada também como pincel. A pintura indigena copia os elementos que constituem a vida natural, reproduz aquéles que mais diretamente interessam e impressionam a visio do indio: a félha da palmeira nas com- ~~ 46 — posig6es flabeliformes, assim como certos animais caseiros, com- panheiros diarios, como o batréquio, o saurio, 0 quelénio, a meu ver, animais integrados no culto totémico, A GRAVURA NA ARTE INDIGENA A gravura € arte que se desenvolve quando a habilidade do artista j4 venceu tédas as dificuldades do desenho. Ela re- quer um sentido de composigéo muito desenvolvido e exige téc- nica apurada na confeccaéo da ceramica. Como o indigena bra- sileiro estava num grau de cultura de nivel muito baixo, as gravuras por éle criadas nas pecas que os seus dedos gravavam hem sempre apresentavam uma perfeita representac&o de beleza. Eram geralmente figuras estilizadas ou deturpadas, como é mais proprio cham4-las, que tanto podiam ser de animais, como do proprio homem. Nao sera facil afirmar que a gravura tenha alcangado, entre éles, 0 mesmo nivel obtido pelo desenho e pela pintura. Mesmo assim, quando pensamos que a maravilha da ceramica helénica 86 foi obtida depois que os povos primitivos da Grécia tiveram © conhecimento do térno, provavelmente, nio podemos negar louvores ao génio artistico dos ceramistas de Marajé, que mo+ delaram suas pecas utilizando uma técnica ainda tudimentar. Conhecendo a modéstia do material gue os nossos indigenas trabalhavam, nao é dificil classificar a arte da gravura por éles Ppraticada, nos seguintes tipos: a) gravura a trago simples, feito com estilete, geralmente um dente de cotia; 6) gravura a sulco lo em campo claro ou branco e amarelo claro: c) profudo, colo gravura feita na técnica que, modernamente, os franceses dis- tinguem pelo nome de champ levé, que consistia em alisar a superficie do ornato com qualquer objeto liso, polvilhando-se a superficie alisada com um barro muito fino, O auxilio de um dente de cotia servia para levantar depois a parte circunscrita ao desenho, que untavam com uma resina chamada jutaissica e levavam ao fogo. A queima e o tempo imprimiam depois ao barro as tonalidades mais variadas. ~ 47 ‘Tendo em consideracdo a qualidade dos materiais trabalha- dos pelo indigena, devemos reconhecer que ésses ceramistas realizaram prodigios. Nao poderemos pensar em equiparar o seu trabalho ao vaso etrusco, ou 4s anforas gregas, mas teremos de receber com alegria e admiragdo as igagabas, confeccionadas em pontilhados ¢ linhas, duas das mais curiosas maneiras do indigena interpretar a arte, Alias, ndo devemos dizer que esta é uma arte pobre, como composicdo, por isso que nela aparecem figuras humanas e de animais, uma ¢ outra concepgées arrojadas para a sua sensibilidade desajudada. As figuras de homens e animais gravadas na ceramica indigena brasileira eram esculpidas separadamente, isto é, disso- ciadas do corpo central da pega e s6 depois adicionadas, antes de comegarem a secar. As pegas em gue apareciam éstes ornatos faziam-se do barro mais fino, produto de melhor mistura, sem o gue o artista nao conseguia os efeitos desejados. Os ceramistas ainda usavem um quarto tipo de gravura, o da escama de peixe, cuja técnica implicava num trabalho de grande paciéncia e habi- lidade manual e era por isso pouco utilizado. © perfeito conhecimento da técnica dos ceramistas indige- nas desperta naturalmente o desejo de indagar dos utensilios da sua confeccdo, todos de utilidade multipla e aspecto variado, pecas que se podem considerar preciosas, tanto pela forma dos vasos, como pela ornamentacdo. Centenas ou milhares delas enriquecem os museus da Europa e dos Estados Unidos, muita coisa também estando reunida nos do Para e do Rio de Janeiro, Da ceramica a que se atribui finalidade religiosa, os mounds de Maraj6 apresentam, ao primeiro exame, trés tipos, que sao os idolos de figura humana, as tangas e os idolos falomorfos. CERAMICA DE MARAJO Ko ponto mais alto que atinge a aculturagdo oleira em nosso pais, éste distutido depésito arqueolégico de Marajé. Nao se chegara, entretanto, a uma compreensio clara sébre a existéncia désse nfleo, isolado na foz do grande rio, sem que. 3

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