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Dini justia no Bra: estos de hiscra acl onganiadoes: 28 Siva Hunold Lar Josel Maria Names Mendongs.~ Campinas SP Editors da Unit, 2006 1 Justia 2, Hsia soca. 3. Diet, 4 Ecravio — Lei Bra 5 Dirsito do erabalo. 1 Lara Sis Hunold, 1955: Il Men ,Jsell Mvin Nones. IL. Tio, pp 340.11 Séni013 IAN 85-268-0731-5 Bacar Tdies para eatiloge seman: 1 usin sion 22 latin soil oo 5. Die 30 4 Bardo Legis ~ Bri sicai01s 5: Dire dawabalho Saat Copyright © by Orpaizndores Copyright © 2006 by Evora da Unica [Nenhurs pare des publics pode ser rads armaseada mst cern, foroopads, repro pr mcios smecnicor ou outros quninguer sem autotasi pétia do eit. COLEGAO VARIAS HISTORIAS A CottgAo Vanins Hisronias divulga pesquisas recentes sobre a diversidade da formagio cultural brasileira, Ancoradas em sélidas pesquisas empiricas « focalizando pritica, tradigdes e entidades de diferentes grupos socias, as obras publicadas exploram os temas da cultura a partir da perspectiva dds histéria social, O elenco resulta de trabalhos individuals ou caletivos ligados aos projetos desenvolvidos no Centro de Pesquisa em Histdria Social da Cultura clo Instituto de Filosofia © Ci (www-unicamp.br/cecult) icine Humanas da UNicanr VOLUMES PUBLICADOS | BLCIENE AzevEDO. Onfew de carapinha. A trajetéria de Luiz Gama na imperial cidade dle Sio Paulo, 2 — JoseL MARIA NUNES MENDONCA. Entre a mio ¢ os anéis. A Lei dos Sexagenérios e 0s caminhos da aboligf0 no Brasil 3. FERNANDO ANTONIO MENCARELLL, Cena aberta, A absolvigio de um bilontra © 0 teatro de revista de Arthur Azevedo, 4 WLAMYRA RIBEIRO DE ALAUQUERQUE. Algazarra nas ruas, Comemoragdes dda Independéncia na Bahia (1889-1923) 5 — SUEANN CaULRELD, Em defesa dy honra, Moralidade, modernidade,e ago no Rio de Janciro (1918-1940). 6 — JaME RODRIGUES, O infame comércio, Propostas e experiéncias na final do trifico de africanos para o Brasil (1800-1850). 7— Cantos EUGENIO LIRANO SOARES, A capoeira escrava e outras tradigdes rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850). '8 — EDUARDO SPILLER PENA. Pajens da cosa imperial, Jurisconsultos, es cravidio e a Lei de 1871 9. ~ JoAo Pauto Costio DE Souza RonRIGuUES. A danga das cadeiras Literatura e politica na Academia Brasileira de Letras (1896-1913). REESCRAVIZACAO, DIREITOS E JUSTICAS NO BRASIL DO SECULO XIX Keila Grinberg Fazia muito tempo que os eseravos Martha e Sabino acompanhavam a familia Voz. da Silva. Nao € possivel precisar bem, mas pelo me nos desde que Joa0 Vaz da Silva 0s herdara do pai, Joo vivia com a esposa, 08 Filhos e esses dois escravos — ja que Conrado (“idio- ta", coitado) nao contava, Os dois permaneceram cativos até a ve Ihice de Joao, quando, por medo da morte ou pelos bons servigos prestados & familia, ele libertou Sabino e passou carta de alforria a Martha, Ela, no entanto, sé seria liberada depois que seu senhor falecesse Isso nao tardou a acontecer. Mesmo antes da morte de Joo, Sabino © Martha nao tinham diividas quanto a sua nova condigao. Afinal, nem quando receberam a liberdade sairam da vista dos an- tigos senhores, continuando a praticar “com estes atos de livre arbitrio, cantando e dangando com eles” e “reinando entre todos a igualdade de comunhio doméstiea, sem distingso de candigio ser Vil’, Mas a harmonia no lar dos Vaz da Silva s6 duraria até o fale- cimento de Jox0. Pouco tempo depois, Martha, que havia cont nuado a fazer companhia para sua ex-senhora, desgostosa da in terferéncia desta em suas rixas com uma tal Maria Bernardina, foi-se embora Martha foi morar na casa de Manoe! Rodrigues Vianna, Como era continuamente procurada pelos filhos de Joio Vaz da Silva, que insistiam em sua volta, mudour-se para além do rio das Velhas. Um dia, resolveu yoltar e, juntamente com Sabino, foi apreendida pelos fithos (¢ também herdleiros) de seu benfeitor. Isto aconte ceu em 1860, em Curvelo, Minas Gerais tor | Keren Gainaene Para justificar as apreensdes, os herdeiros de Joo sustentavam, {que este tinha mais de 80 anos quando passou as cartas de liberdade a Martha e Sabino, ¢ jé “no era mais senhor de suas faculdades”, Pediam que a justiga as anulasse e que os dois fossem declarados de condigio servil, como nunca deveriam ter deixado de ser. Di- ziam que “a velhice & uma enfermidade gravissima, perpétua”, que atingia a todos os maiores de 70 anos (conforme rezava o parégrafo 5, titulo 104, livro 4 das Ordenagées filipinas) — o que incluia, evidentemente, Jo30, que, 20 libertar seus eseravos, nao podia “dispor de suas ages por se achar incapaz de tudo, e [de] qualquer ato eivel judicial ou extrajudicial”, nao podendo “exercer direitos, rem contrair obrigagdes valiosas, muito principalmente dispor de todos os seus bens em prejuizo de sua mulher ¢ filhos”. O argu. mento era justamente este: as liberdades de Sabino © Martha eram 0s tinicos bens de Joo; portanto, elas néo podiam ser doadas as- sim, sem mais nem menos, deixando na miséria toda sua familia. De nada adiantou o curador alegar que a liberdade de seus clientes baseava-se no “direito social ¢ natural”, ou que as liberda- des haviam sido conferidas “por pessoa competente para o fazer”, nem muito menos denunciar “a ambigio ¢ a desumanidade” que haviam motivado as pretensdes dos autores da aco judicial, Tam- bém no foi suficiente mencionar que, se havia imperfeisio no estado mental de Joao Vaz da Silva, era necessirio provi-lo, 0 que no havia sido feito; ou que, como j se haviam passado mais de seis anos desde que Sabino e Martha viviam como livres, qualquer acdo de escravidio jé estaria prescrita por lei. Nada adiantou: o juiz Antonio Carlos dos Reis entendeu que as cartas de liberdade de Sabino © Martha deviam ser anuladas, Para ele, a doagio feita por Joio havia ferido “direitos adquiridos” de seus herdeiros ¢ nao era capaz de atestar “a fraternidade que dizem existia entre réus e autores durante a vida de Joao Vaz da Silva, fraternidade que jamais pode prejudicar os herdeiros”, Por isso, ainda que “circunscrevendo-se em certa drbita os favores concedidos i liberdade”, declarou Martha e Sabino cativos e, como tais, obrigados a prestar os servigos que os herdeiros de Joio de- sejassem.? ee eee Reescnavizagio, DInerros # pustigAs No AKANE | soy Pois sim, senhor: depois de tantos anos em liberdade, em ple. no Séeulo das Luzes — como o XIX era chamado por seus contem. porineos —, eis que esses dois libertos foram reescravizados, Ha algum tempo, a historiografia sobre escravidio e liberdade no Brasil do século XIX vemn-se dedicando a analisar as possibilidades de consecugio de alforria pela via judicial, principalmente por meio de ages de liberdade, isto é, processos impetrados por escra- vyos com vistas a conseguir a liberdade. Sidney Chalhoub, Hebe Mattos, Eduardo Spiller Pena, Elciene Azevedo ¢ Joseli Mendonga sio alguns dos historiadores que analisaram o papel das ages de liberdade, vendo-as como fatores que levaram 4 perda de legitimi dade da escravidio no Brasil no século XIX. Para os autores mencio: nados, esses processos, 20 redimensionarem as relagdes entre se- ores e escravos, foram um recurso usado por cativos ¢ advogados para pressionar pela obtengio da alforria, de direitos e até mesmo da emaneipagio geral, pelo menos a partir da década de 1860.7 Talvez pela indisfargvel simpatia 4 causa abolicionista, tal: vez pela surpresa que as atuagdes dos escravos e os argumentos juridicos favoraveis 4 liberdade ainda causam iqueles que lidam com esse tipo de processo, o fato € que pouca atensio, até hoje, foi dada as priticas de reescravizagio ocorridas no periodo, por intermédio tanto da revogacio da alforria quanto da escravizacio ilegal de descendentes de indigenas, de libertas ou de africanos chegados no Brasil apds a lei de 1831, que proibia o trifico atlan- tico de escravos. Uma excegio é o trabalho de Judy Bieber, que demonstra como o fim do tréfico atlintico de escravos acabou por fomentar priticas de reeseravizagio de libertos, com o objetivo de dar conta da demanda por escravos na regio do Vale do Paraiba.* ‘A autora cita casos de pessoas que jf haviam conseguido a alforria em regides como Minas Gerais ¢ Goids, mas foram escravizadas € vendidas para o sul, até mesmo com a participagio de autoridades ‘municipais. Foi o que aconteceu, por exemple, com Antonio Ba tista Neves, pardo livre que acusou o subdelegado de Paracatu de tentar reduzi-lo 4 escravidio, juntamente com sua mulher € 08 toy | Keita Gainaune sete filhos. Ou com Germana, que, a0 chegar na cidade de Patroci- ¢ ela e os quatro filhos eram livres,’ nio, declarou ao juiz local q Portanto, assim como foram abundantes as demandlas de ¢s- ceravos pela liberdade na justiga no século XIX, também muitas, foram as tentativas feitas por libertos de manter sua alforria, quan. do esta thes parece ameagada, e muitos foram os caso nos quais os préprios senhores tentaram reaver a posse sobre antigos ou supostos escravos por intermédio dos tribunais. Ao que parece, no entanto, a0 longo do século XIX, essas priticas foram se tor- nando cada vez menos legitimas, abrindo espago para uma intensa iscussio juridica a respeito da vigéncia das leis que tratavam das, ages de escraviddo e de revogagio da alforria. Tendo como ponte de partida ages de escravidio e de manutengio de liberdade jul gadas pela Corte de Apelagio do Rio de Janeiro, o objetivo deste artigo seré avaliar as priticas de reeseravizagio no Brasil do sécu- lo XIX e a crescente perda de legitimidade juridica dessas ayes, principalmente a partir do debate travado entre advogados ¢ juizes da Corte a esse respeito. ‘Ao enfatizar 0 embate judicial como arena fundamental na luta contra a eseravidao, a intengio & chamar a atengio para a importancia dos estudos dos debates sobre a condigio civil de al ‘guém — se livre ou escravo —, a partir da ética do direito, Ao tentar perceber como o direito brasileiro foi construido a partir dda experiéncia escravista no Brasil do século XIX, pretendo in: cluir este estudo na corrente historiogrilica que, sem abrir mio dos métodos, temas e debates historiogrificos da histéria social, lege a histéria do dircito e das priticas judiciais no Brasil como objeto.* Parte sc, portanto, de uma concepgio de direito na qual, por trés dos severos principios da legislagio civil, reconhece-se, & moda de Hespanha, a existéncia de uma “realidade mutavel e equi- voca”.” Seus personagens principais si0 os homens que lutaram pelo alargamento da nogio de direitos, pelo cumprimento de leis ou pela preservagio dos costumes por elas ameagados, ¢ também aqueles que se dedicaram a ler, estudar, discutir, elaborar © escrever as regras que, por arrogancia ou ingenuidade, acredi- tavam poder mediar as relagdes sociais. r Russcmavizagko, pinerros © JusTrEas No BRASIL | 105 Quando estudei as 402 ages de liberdade que chegaram 4 Corte de Apelagao do Rio de Janeiro, ha virios anos atrés, além de ana- lisar sua procedéncia geogratica, a época em que ocorreram e seus resultados, classifiquei-as conforme o argumento que seus auto- res — 0s eseravos — apresentavam, para tentar obter a liberdade.* Na ocasiao, nao atentando para as possiveis diferencas entre 0s varios tipos de ages, analisei apenas alguns dos argumentos usados por eseravos e seus curadores. Como estava interessada em entender a dindmica juridica e a Logica de resolugio das ages, acabei concen. trando-me nos casos mais conhecidos pela historiografia até entio existente, Clasifiquei-as segundo os mativos que Ihes deram origem: “carta de alforria’, quando os escravos argumentayam que 0s se nhores ou seus herdeiros thes haviam concedido alforria e depois se escravos tinham yoltado atris; “ventre livre”, quando as fami argumentavam ser filhos, netos ou bisnetos de pessoas ilegalmente escravizadas, fosse por serem libertas, fosse por terem origem indi gena; e“compra de alforria”, quando os escravos ou terceiros pediam arbitramento de seu valor para apresentar peciilio.” Assim, por tra tarem de questées semelhantes, essas ages foram consideradas um Conjunto rinico e classificadas por mim segundo mento que envolviam, (ver Grifico 1), Getco | ~ Classifica dos motives das abs de Mberdade da Coste de Apetagio de Be te Sancie conform" Vinci postin ata de alta Compra de alfa Tito ete le savin ¢ mautencio de iedade Fone: unl eli do Be de Jane ~ Ruut Nana do ia de lane, Tel: 402 yes 106 | Kris Gninaene Revendo, porém, a forma como classifiquei esses processos, percebi que muitos deles apresentavam uma dferenga cabal. Embo: ra a maior parte Fosse efetivamente constituida por agdes de liber- dade, um nimero expressivo foi classificado, no século XIX, como manutengio da liberdade ou agio da eseravidio (ver Grifico 2) Gritico 2 ~ Ayes dels velativa 8 berdade e reescraizagi ds Cort de Apel ele shal XDC Ages de mantegio de Used ov de escavio Damas es Fone itu da Reb de ie dene ~ Aru Naconal do Bio e Jaro, Tata: 402 as Quando atentei para a diferenga expressa na classificagio feita quando de sua ocorréncia no século XIX, percebi que eram pro- cessos de natureza diferentes das ages de liberdade, porque en- volviam a questio da reescravizagio, Nas agées de liberdade, os escravos — ou, a0 menos, individuos formalmente tidos como

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