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8 O Interaccionismo Simbélico no Século xx: a Emergéncia da Teoria Social Empirica KEN PLUMMER ‘A wor da inceraciosimbica tem sido, desde sempre, 0 compo elma dasocologia nort-americana, ‘TLR Young «Symbolic Interactional Theory: Hard Times and Hard Tomatoes ‘De uma forma discreta, 0 interaccionismo simbélico tem sido, ao longo do século xx, ‘uma das correntes socioldgicas de maior Jongevidade. Com fases de crescimento e outras em que tevea sua morte anunciada, a sorte desta correntetedrica tem variado bastante no decurso das intimeras transformagées por que passou 20 longo do processo de adapracio 20 mundo ircundante, Enquanto alguns dos seus criticos mais recentes falam do «envelhecimento do interaccionismo simb6lico» (Saxton, 1989); outros referem um «rejuvenescimento do inte- raccionismo simbélico» (Stryker, 1987); hé também quem fale do strste ocaso, do misteioso desaparecimento edo glotioso triunfo do interaccionismo simbdlico» (Fine, 1993); enquanto outros, ainda, se referem a esta corrente como 0 arauto da teoria social pés-moderna. Em qualquer dos casos, ainda hoje nos deparamos com teorias interaccionistas que assumem uma ‘mukiplicidade de formas que vio da «sociologia do quotidiano» & wsociologia do absurdo», da wociologia criativa sociologia incerprecativa, exstencial, fanomenoldgica ¢ wpds-blume- riana» (veja-se Denzin, 1992, p. xiv; Fine, 1990). O meu objectivo, ao longo deste capieulo, seri o de tragar tum esbogo dos vitis destinos que esta corrente tebica heterogénea conhe- cen 20 longo do séeulo xx. Interaccionismo Simbélico: Imagens, Histérias e Temas Nao obstante as diferencas que possam existir entre si, a maior parte das sociologias interacionistas simbdlicas resulta da inti de quatro temas fundamentais. © pri- rmeiro destes sugere que os muni wundos material mas também mundos fortemente: Sinbal :09 Na yerdade, para os interaccionis- ilo que distingue o ser humano dos restantes animais ¢ a sua complesa capacidade afi Zerar‘os’simbolos que lhe permirem produzir uma hisiéria, uma cull & incr ‘Goimiinicaeso. Uma preocupagio-chave da sociologia inceraccionista rem qué Ve como 0 ser mano leva cabo a tare de consrug de ignifcades como 2260 PROBLEMA DA RELACAO MICRO.MACRO nos definimos a nés préprios, aos nossos corpos ¢ impulsos, como definimos os nossos sen tirfentos ¢ emogdes, os nossos comportamentos € actos, como definimos a8 que estamos envolvidos, desenyolvemios uma visio da ordem social mais vasta, produzimos rela- (0s explicativos das nossas accGes e clas nossas vidas; como € que, na interacgao com 0s outros, esses significados sio permanentemente construidas, como sio manipulados,cransformads, alterados e, consequentemente, evoluem através de encontros. No mundo da interaccionista © significado nunca ¢ estitco e imuravel. Hle é antes algo em constante mittagao, emergente © ei tltima anélise, ambguo, Mesmo que regularmente possamos criar significado relati~ vamente estives, rotinciros e partithados, estes encontram-se sempce abertos a reavaliagBes ¢ a0s subsequentes ajustamentos. ee Isto remete-nos para o segundo tema: o da ideia dé processo, Sempre ecm todos os fuga res, as vidas, as i icdades evoluem, ajustando-se, emergindo, ranstor- mmiando-se. Este proceso ¢ ‘05 interaccionistas a focar a sua atengio nas estraté= gs de aquisicio de um sentido de eng de desenvolvimento de uma biografia, de ajustaments a0s outros, de orgunizacao da nocio de tempo, de negociagio da ordem, de construsio de civillzagSes. Trata-se de uma visio bastante dinimica do mundo social, na qual o ser hunano, i compondo linhas de actividade articuladas e construindo 2 sociedade por intermédio das interaccdcs que dai resultam, Eeis-nos chegados ao terceiro grande tema adh Gir 9) O foco dla arengo em todo 6 trabalho interaccionista ndo incide nem sobre o indiVtdacr nem sobre a sociedade-per sa cle incide antes sobre as acgdes conjuntas através das quais as vidas se orgunizam e as socie. «ladles se constituem. A sua preocupacdo sio os «comportamentos colectives». O mais hisico clos seus conccitos — 0 eu — implica queaideia de auaro exten sempre presente: do nos ¢ ppossivel esear a sés connosco prdprios. Todas as suas ideias ¢ conceitos nucleares sublinharn este outro social que constantemente se impée junto do individuo: vido én verdade, construida através do ouiro. No seu émago, o inceraceionismo interessa. se em compreender como é que as pessoas «fazem coisas juntas» (Becker, 1986). O quarto tema prende-se com o set envolvimenta no mundo empitico. Ao contrisio de ‘muitas ourras teorias socioldgieas, capazes de se elevar até &s constelagbes da abseraccio te6- fica o interaccionismo simbolico permanece com os pés assentes na terra. A teotia interac. cionista € capaz de guiar o estuclo de todo e qualquer aspecto da vida social, no encanto, tudo © que vem a ser descoberto ¢ sempre objecto de investigacio empirica. Mas, em prinefpio, os interaccionistas podem inspecciona explorar qualquer aspecto do mundo social. Conforme Blumer coloca esta questio (1969, p. 47): © Intcracconismo simbalco € uma abortager rrciaterrs do eau centifco da vida do gn pmenio humans eds condaasrespectvas, © seu universe emptico éo mundo nasal da vida eda conta dos grupos Iierevendo as suas problemas nesse mundo natural onde conde a investiga, Prodi inerpreages pai dese mesmo etudo naturalistic, Se pretende eda um dado comport ‘mento eigioo ritual, ek, efctivamene, até a0 local onde se prticam os cukos que the dio orgem, chserando atentamente os seus proagonisas nas suas priics quotlianas. Se prtende esudar mov ‘mentos sci investigarécuidadasamentea carer, histria ea vd do movimento comereto em ani lise, Se quer craadar 9 modo como os adclescentes consomcm dings, ints na sua vida red obver- ae iis i$ CO INTERACCIONISMO SISIROLICO NO SECULO XX =227 sande eanglisando a. mosalidades de consumo em causa. E procede da mest forma reacvamente ‘qualgucr outa matin quc pda awa tengo. Posto iso, vsifiease que o seu posiionamentn meto- doldgico passa por un exame ditecco do mundo empitio. “Todos estes temas se misturam, Os préptios significado sto process inreractivos cemeigem da interacgio. Q.a¥é um processo construldo com base em encontros ¢ Grace ‘ado pelos seus signicados mutiei. Os objectos socal assumem o seu significado de acordo Goma forma como sio manipulados no contexto das acgoes colectivas. Os agrupamentos sociis fo incessantemente envolvidos em processos de negociagio de sigificados, As socie~ des Go construias através de interacyéecs simbélicas entre 0 et € 08 outros, $6 no mundo ‘erapirico conereto, que se abre A observacio, podem o ett, 0 encontro, © objecto social ou 0 significado ser investigados. Existe, pois, por dees das sociologias interaccionistas simbélicas, um persistente imagindrio de simbolos, processos, interacybes ¢ fami wtidade intima. Histirias Controversas Na ventativa para delinear a histéria do interaccionismo simbdlico ao longo deste “lkimo século, espero iniciaro Ieitor na obra de alguns dos principals autores ¢ ideias desta tradicio tebriea, sendo 0 meu propésito claramente sindptico ¢ cronolégico, Existe actual- thente um importance ngimero de versbes da historia do interaccionismo simbolico que nos provam que este € um dominio contzoverso onde € dificil alcangar o eansenso, Denzin £1992, p-8), provavelmente o expocate miximo desta teoria na actualidade, suger recen- temente umma historia cm sci fases que se estenddem desde o estabelecimento do «einone>, centre 1890 e 1932, avangando através de outras: fases, até A mais recente, a da adiversidade da nova teoria: 1981-1990». No entanto, a sua proposta de periodizagio resulta algo arbi- frit, existindo muitas outras rentativas para produzir cronologias que no coincidem com esta, [sto nao constitui motivo para surpresa, pois se o mundo & come os interaccionistas © represeneam, eno podemios assumir que (1) 0 inceraccionismo simbélico ni cer um sg- hrifcado fix, Q) que as «eses» sobre a sua nacureza e arigens se podem transformar com 0 tempo ese encontram, efecrivamente, abertas a uma (te)negociagio, ¢ que (3) 0 seu esigni- fieado» depende, na venlade, das definigSes prochizidas pelos outros significantes, em cuja interacgiio 0 seu sentido se forma. “Assim, as prOprias origens c histéria da teoria so, clas mesmas, um dominio contes ado, Durante muito tempo, ensinou-se aos estudantes de sociologia que George Herbert ‘Mead foi o fundador do interaccionismo nos anos 1920. Mas o terme, propriamente dito, 46 fol cunhado por Herbere Blumer em 1937, no decurso de um pequeno autgo retrospe tivo acerea do extado da psicologia social de entio, destinado a um piblico estudancil (Bl mer, 1937). Poder-se-ia adoptar simbolicamente esta data como sendo a da fundacao desta feoria ¢ Blumer como seu fundador. No entanto, fané-lo representaria uma simplificags temseira de um problema de comunicagio comple e filsearia a propria ori inerteciow hista simbslica, Isto porque pata alguns 0 seu fundador é Robere Park (Strauss Fischer, 1978). Para outros & de uma fornia mais: ‘rica, a Escola de Chicago (Joas, 1987). Para ‘outros ainda é possivel encontrar as suas origens num tempo bastante mais remota: com a PROBLEMA DA RELAGAO MICRO-MACRO niidades num recorno 20s filisofos gregos da era clssica, a Heraclico, ao nominalismo esco- léscico do século x1 ou, mais recentemente — hd uns meros 200 anos —, aos moralistas escocests ou «Escola do senso comum da filosofia moras, conforme se enconera patente no trabalho de David Hume e Adam Smith, Para eles a «sociedade é, necessariamente, a matriz a parcir da qual a mente humana adquite a inecligéncia e os sentimentos moraisy, desenvolvendo uma perspectiva rudimentar do processo de adopo de papeis socials, do ew eda mente (Shott, 1976). Todavia, parece pouco proviivel que muitos dos primeicos inte raccionistas americanos tenham sido particularmente influeniciados por esa literatura Quando chegamas aos desenvolvimentos mais recentes, © «signiticadow do interaccio- nismo simbélico nao se torna mais claro. Durance virias décadas apds a cunhagem eo termo por Blumer, a sua utilizagio nfo parece ter-se popularizado. Howard Becker, um dos mais proeminentes interaccionistas contemporineos, pode afirmar ter estado em Chicago no final dda década de 1940 e no inicio da de 1950, sem, na altura, ter conhecido verdadeiramente 0 termo, De forma mais incsiva, o relato de Manford Kuhn sobre as principals tendéncias no interaccionismo simbélico entre 1937 ¢ 1964 — a que chamma a widade da inquitigion — refere «uma enorme profuse de subteorias, em cuja variedade de nomes nem sempre se incluis o interaccionisma simbdlico»¢ lista, de entre estas, as reotias dos papeis sociais, os grupos de referéncia, do ex, a reoria interpessoal, as teorias da linguagem ¢ da cultura e a teo fa da percepgio pessoal. Poralturas de 1970, quanto mumerosos mantisis cartigos ja tinham. sido publicados ¢ 0 tetmo sinteraccionisma simbélico» se encontrava plenamente estabele- ido, Melzer, Petras ¢ Reynolds (1975) introdzem a sua propria classificacao de escoas, hoje cm dia, largamente citada, dividindo-as em quatro eorrentes principais (Chicago, lowa, Dae matitgica e Emomerodolégica), tentando assim impor a um conjunto de teorias here reas um nivel de ordenameenco que pode bem nunca ter existido. A Escola de Chicago & sim- bolicamente associada ao trabalho de Blumer (apesar deste, na aluura, jf se encontrar em Berkeley iniciando uma vescola caifonianay) e cra vista como mais humanistca do que a «escola positvista, associada a Manford Kuhn, na Universidade de lowas no entanto, ambas as escolas redamavam ser interaccionistas simbolicas. Apesar das controvérsias, nem a di. acurgia de Goffman, nem a emnometodologia de Garfinkel poderiam set Go facilmente incegradas nesta familia tedrica — uma com raizes em Durkheim e a outra com rafzes em Parsons. Qualquer rentativa para produzir uma histéria do interaccionismo simbélico no séoulo XX seré consequentemente parcial eselectiva. Primeiros Tempos: os Alicerces do Pensamento Interaccionista Encarado como um dominio alargado do pensamento, pode enconcrar-se no interac cionismo simbélico alguma afinidade com um certo nimero de tradigdes intelectuais, mul- tas das quais emanadas — ou pelo menos residentes — na sociedade norte-americana, (E interessante que apenas exista um ntimero muito reduzido de interaccionistas a trabalhar fora dos Estados Unidos e do Canadi,) Conforme Shaskolsky (1970, p. 20) sublinhow. O iimeracionismo simblco epresnea una tentativa eft para racionalizas num stem floss fico diivo alguns dos mais ube aspects da socedale norteamercana—aquilo que um nivel mais iki A es (0 INCTERACCIONISMO SIMBOLICO NO SECUILO SX 229 cil éconbecid como anon uy of life que, enquno al se eatacetia po respi pl in vidas « por uma cenga na vanformagao geal, com vss a dar uma repose Se necesidades fuentes lla sodedade. nuinecas a eta tora si o sent de fuer ea én que auibu [1s relagoes iwerpe seas lexis, enguando base para compreener os woxcanismos de fancionaments da sociedad Hi muitos dos pensadores iniciais que podem ser vistos como tendo contibuide para a fandagio do inceraccionismo simbolico, existe, porém, um que nfo pode deisar de ser aati teferido. Charles Horton Cooley (1864-1929) foi membro da primeira geragio de sociblo- {gos americanos € um dos precursres do interaccionismo simbélico (ori que ento ainda eo revcbera esta designagao). © seu trabalho era diferente do da maioria dos seus pares. Onde a grande maioria destes pionciros defendlia o darwinismo social, Cooley professava tim tipo de evolucionisme menos mecinico; onde a maioria adoptava uma posigio sor tists inspira com frequéncia na religito, Cooley era mais atistico ¢ zomincicos onde a tnatoria pretendia fazer da sociologia uma ciéncia rigorosa ¢ objectiva, Cooley era um idea: fista mais preocupado com a introspecgio ea imaginagio — um dos primeiros «socislogos hhumanistas. Ele pretendia abolir os dualismos sociedade/individuo ¢ corpofmente — pers pectivundo a suas intrlgasBes como tum todo funcional orginico. O problema de rai dis ranciassociaistesidia para ele nas erclagbes mnituas entre o individuo e a ordem social, de como 2 sociedade fiz 0 homem ¢ 0 homem faz a sociedade» (Jandy, 1942). E, contudo, «a Vida da mente é essencialmence, uma vida de relagGes» — imaginando imaginagdes. Deis dos seus conceitos captaram a atengio interaccionista, O primero foi o conceito dle epersonalidade esplhos", no qual um sentido do ex se wespethare reflec, auavés dos Suto, uma iia que sera bastante descavolvida por James ¢ Mead. O segundo & o de sgrupo primiios — caraterzado pela interaccio «inima, face a face» — ques para Coo" Ig 2 opuinha ao conceito de «grupo nucleado»(o qual ser, posttiormente, esignalo por grupo secundirio), obstante a importincia de Cooley & no traballio dos pragmatistas noste-america- thos quc'a heranga inrelectual-chave deve ser procurads, Paul Rock (1979) demonstrou com daroea, na sua andlise das razesflosGfieas do interaccionismo, que a sua fundagio dimana, fo cevencial, de uma amélgama contraditéria de pragmatismo € formalismo (ambos com raizes no peasamento europet). A Henanga Pragratista O mais significativo alicerce intelectual do interaccionismo simbdlico é, sem duivida, o pragmatism: ele abarca a toralidade desta cracigao, O pragmatism € a filosofia central da Fi nriea do Norte que rejeta a busca de verdades fundadoras fandamentais ¢ repudia a constragao de sistemas filosdficos abstraros. Em altemativa,sugere uma pluralidade de ver- Gades muriveis, assentes na experiéncia concreta ¢ na linguagem, onde determinada verdade avaliada em termos das suas consequéncias ou valor utilitirio. Trata-se de uma linha de pensamento filosifico bastante terre {que surge numa épaca de mudanga social ace- * Looking ls lf no orginal. (N. do 1) 200 ~ 0 PROBLEMA DA REIACAO MICRO.MACRO lerada e que, curiosamente, vem a ser revitalizada no fim do século XX, pelos trabalhos de Richard Rorty, Giles Dunn e Cornell West (por ex. Dunn, 1992; Joas, 1993), Nela se pro- cura unificar 0 pensamento racional c os mécodos lgicos com as actividades priticas ¢ os apelos & experiencia. George Herbert Mead (1863-1931) é um dos nomes mais citados quando se fila da liga ‘io entre o interaccionismo e o pragmatismo. Mind, Self and Society, texto péstuma publi- cado em 1934, € uma obra de charneita na qual se transmirem muitas das idelas-chave tra- balhadhas pelo interaccionismo: o forte enraizamento na sociedade da andlise da experigncias « importincia da linguagem, dos simbolos e da comunicagao na vida dos grupos humanos; a forma como as nossas palavras ¢ aegoescescncadeiam respostas nos outros mediante pro- cessos de adopgio de papeiss a naturcza reflexiva da personalidade: ou a centraidade do «actor, Unindo tudo isto encontramos o seu grande compromisso face a0 papel da ciéncia ‘nos assuntos humanos; « método cientifico [..] mais nfo é do que uma forma de inteli= géncia parcial, aleamente desenvolviday, wé 0 método do progresso socials. Defendendo ma posigio que foi algumas vezes designadh por erelativismo objectivor, Mead referuese & utea_ Tidade objectiva das perspectivas». Sio possiveis intimeras verses da realidade, dependendo clo ponto de vista acloprado na sua construgio. A histria, por exemplo, ¢ sempre uma nar. rativa do pass, construida a partir do presente de algaém, Do mesmo modo, qualquer auror ou teoria permnanecem abertos a miiltpla e diferentes interpretagdes e reineerpreta- ses. Fince Kleinman, por exemplo, discutiram num intrigante artigo de 1986 o «"verdadeiro” significado de Mead, sugerindo que Mead pode ser visto como interaccionista simbdlico, bchaviorista socal, psicofuncionalista, fenomendlogo, comporativisa liberal, pragmatista, neo. -kantiano, monista, idealista, hegeliano, realista, nominalista, estruturalisea cempirista. Sera que 0 verdadeiro George Herbert Mead poderia, por favor, avanga? No cntanto, limitar a nossa atengo a Mead um procedimento enganador, pois existem, pelo menos, trés outros pragmatistas cujas obras tiveram impacto nas ideiss interacclonistas James (1842-1910), Dewey (1859-1952) ¢ Peirce (1839-1914). As suas obras. so muito dife- rentes, sendlo possivel antever nas suas diferengasalgumas das faturas eonrovésias intelecuats que ito surgir no scio do interaccionismo: Peirce e Dewey sio frequentemente vistos como realists, enquanto James ¢ Mead sio considerados nominalisas. mes, por exemplo, apro- xima-se da fenomenologia, 20 passo que Peirce defende uma prisca realise na andlise dos sig nos. Com feito, Charles Sanders Peirce € um dos fundadorcs da semiologia¢ 0 seu trabalho segue, geralmente, linhas de orientacio distintas das da corrente interaccionista principal. Quaisquer que sejam as diferengas entre eles, todos abtagaram o pragmatismo, Fre. uentemente, esta distintivafilosofia norte-americana ¢ grossciramente decurpada como sucede na filosofia do capitalismo de mercado, onde todas as idefas tém que scr ou ttcis on ter walorfinanceiros, Ieo, como reconcceto proprio James, constitai uma seria discorsdo. Ges, mas no sew émago pode O pragmatismo acolhe uma enorme muiplicidade de posicdes, sugerit-nos ts coisas. Em primeiro lugar, adverte-nos para a importincia da sobreposigio do concreto ¢ do particular, ao abscracto e universal. Assim, James afitma em Pragmatism (Perry, 1935, vol, 2, p. 315): «Malditos sejam os grancles impeérios, incluindo o do absclure (.] déem-me os individuos eas suas esferas de actividades, enquanto Cooley (1956, pp. 36- 7) anuncia em Htonan Nature and the Social (Order: «Um individuo isolado é uma abstrac- © INTERACCIONISMO SIMBOLICO NO SECLTO XX 281 ‘Go desconhecida da experincia, tal eomo acontece com a sociedad, quando encarada como algo separado dos individuos. © que é real é vida humana.» Com a importante excepsio de Peirce, nenhum dos outros aucores pragmatstas era ennusasta da construgio de sistemas flor séficos ou — corespondentemente — da persccuigio de esséncias plaSnicas. Como di (1982, p. 162): «A minha primeira caracterizagio do pragmatismo & a de que este mente um antiessencialismo, aplicado a nogdes como a “verdade”, 0 “conhecimento”, a “li guagem’, a “‘moralidade” ea outros objectos semalhantes da teorizagio filoséfica» ‘Consequentemente, temos em segundo lugar que a procura da «verdade> ¢ indefensivel, smbora a busca de verdades e significados seja uma tarefa necessiria © possive. As verdades Zio coneebidas em termos dos efeitos sensiveis produzidos pea linguagem, elas dependem do waunilio que nos dio no estabelecimento de relagbes saisftdrias com outros dominios da rnossa experiéneay, Na sta expressio mais erua, temos o Famoso dicaun de W. 1. Thomas — ‘quando alum define situagSes como reais, estas ornam-se tenis nas suas consequéncia>, De uma forma menos aforstica, Peirce coloca isto na sua celebrada «maxima pragmétice, CConsideremse quisquer eos que conesbivelmeate possum ter as immpicgdespriicas que ssi aos 20 objecto da nossa perepeio. Eno frets como concebemos ess eitas consis a wordade «ds nonsa concep do ubjecto [| A concep total de [una] qualidade, el como qualquer our, reside na concep dos seus cits. (Ctado em Schell, 1974, pp. 7-8) em terceiro lugar, tal como foi ja indicado, a posigao pragmatista evita os dualismos, Glosdticos, nao existinda espaco na teoria para o divércio entre 0 conheeedor ¢ 0 conhecido, 6 sujeito ¢ 0 abjecro ot o exiado ¢ 0 determinadlo. Através de um enfoque no concreto, os rerminiveis dualismos do pensamento filoséfico ocidental poclem, simplesmente, ser twanscendidos. © Formatiomo eo Legado de Simmel ‘Uma segunda tradigio intelectual com um importante papel na formagio do interac cionismo, pode ser encontrada na preocupacio de Simmel com as formas. Georg (1858-1918) escreveu breves ensaios, vinhetas da vida social, ricos e texcurad menorizacao da ordem 1 ica-do social, mas, no Seu todo, muito pouco sistemsticos @ inacabads. De qualquer modo, Simmel ancecipa, em grande medida, muitos dos eserivos interaccionistas mais turdios. O simbito das questées que coloca € vasto ¢ variado: das obras sobre Kant ¢ Goethe, passando pelos estuclos sobre a arre e a cultura, até As suas importan- tes andlises da religito, do dinheiro, do eapitalismo, dos géneros, dos grupos, do urbanismo, da moralidade ou mesmo do amor — todos se integram. nos scus muitos tépicos. O por- menor, € nao a generalizagao abstracta, feve uma importincia fundamental no trabalho. de Simmel, uma vez que este defendia que, na medica em que nao era possivel aprender. o odo oua toralidade em si mesmos, qualquer fragmento de estudo podia permitir 20 inves- tigador uma apreensio do todo. ‘A sua muito caracteristica sociologia distingue a forma do conterido e aspina reali de um corte transversal, através ca mieiade de expetigneias socias contrastantes, como mei 2320 PROBLEMA DA RELAGEO MICRO.MACRO de penetrar nas formas subjacentes & associagzo humana: 0 conflito ¢ a acomodagio, a defe- réncia e hierarquia, o prendimento ea degradagio. Ela procura capeura as «formas» que se encontram por detris da vida social e proporcionar uma ageometiia da vila social», Nos seus originais escrtos, Simmel fez uma distingio encre os scontetidos» da vida social (a guetta 0 sex0, 1 etlucaio, a politica) eas formas» (como por exemplo, o confliro) que actavessam essey ‘mnesmos conteridos ¢ através das quais a vida soctal é padzonizada, O conflico, enquanto forma, pode ser identificado em diversas situagdes, tais como a guerra, 0 amor ou a politica ¢ certas caracteristcas comuns podem ser ai encontradas. Assim, enquanto os wconteidos> variam, as «formas» emergem como caracteristicas organizadoras da vida social. De entre as formas centrais no pensamento de Simmel, destacam-se 0 significado dos niimeros no ali- nhamenco dos grupos (0 individuo isolado, 0 par, o trio, etc.), os padrées de sobreordenacio ede subordenagio, as telagbes de grupo (conti, comperigdes,aliansas) a identidades ¢ 0s papéis (0 estrangeiro, 0 pobre), as revelagoes (segredlos,sociedades secretas) ea avalingao (pre- 905, tocas). Em certo sentido, ¢ trabalho de Simmel consttui uma forma elementar de teo- fia estrutural, podendo ser encarado como algo parcialmente oposto is raizes pragmticas do interaccionismo. No entanto, conforme demonstrarei mais adiante neste capictlo, no decurso da histéria do interaccionismo houve uma preocupago importance com as formas, pois no centro da empresa interaccionista enconcr-se a demanda das formas da inceracgdo socal. Assim, dispersos pelas suas andlises, encontrams um conjunto de micro-concei 0s de carreira, mundo social, personalidad, estigma, context de percepgio, enredo, mudanga de stains, estratéyia, papel, comportamento colectivo, perspectiva, desempenho, srabalho emocional, e assim por diante. Estes talver nfo sejam exactamente 0 que Simmel sinha em mente, mas ndo deixam de nos proporcionar arcculagbes intelighveis que atraves- sam diversos campos substancivos e trazem luz aos processos subjacentes em operacio, atm- vés dos quais a interacgio ¢ aleangada O Apogeu Interaccionista: a Sociologia de Chicago em Acgio As tradigdes da filosofia pragmaista € da teoria formalista convergem na sociologia cempiriea da Escola de Chicago: em grande medida, acravés da obra de Robert E. Park (1864- -1944) — ele prdprio um estudioso da obra de Simmel, que vem a tomnar-s¢ director do departamento ¢, para alguns, no verdadeiro fundador do interaccionismo simbdlico. Park evou para Chicago a preocupacio, quer com o estuds da riqueza do mundo emipitico, ta como este se revela na ciclade, quer com a deteccéo de epadrées» na vida urbana (Mathews, 1977). Nas quatro primeiras décadas do século xx, a sociolagia de Chicago dominou a sociolo- gia norte-americana. Ela marca profundamence 0 adyento da sociologia moderna, tendo como teoria implicica © interaccionismo. Foi em Chicago que se estabeleceu o primeira departamento de sociologia (fundado, em 1892, por Albion Small) surgindo com clea pri- meira grande revista sociolégica, o American Journal of Sociology (em 1895), a American Sociological Association, em 1905, 0 primeiro importante manual universicitio inticulado nvedtction to the Science of Sociology (em 1921), obra da autoria de Robert Park e E. Burg bem como um mimero significativo de programas de doutoramento ¢ uma importante série (0 INTERACCIONISMO SIMBOLICO NO SECULO SX ~285 de monogralias de investigagio, A sociologéa de Chicago encontravase firmemente empe- nnhada na realizagio de um trabalho directo no terreno € no estudo do mundo empirico, © {que contrastava com as tendncias mais abstracts, sistematizadorascteGricas unc dos socio- Togos norteamericanos que precederam, como dos que se Ihe succderam. Foi af que Tho- mas e Znaniecki escreveram The Polish Peasane in Eiarope and America, urna das obras do ink Go do século XX que mais marcou a socialagia norte-americana, actualmente negligenciada ‘com demasiada prontido. Foi ai que Park dise aos seus alunos evlo ¢ seneem-se nos strios dos hots de luxo © na entrada das pensdes baratas; sentem-se nos sofis da Costa Douradla nos eatres dos bairros pobres; sentem-se nos salbes de orquestra & nos teatros burlescos, Thm resumo, vio e gastem 0 fundilho das calgas a fazer veradeira investigagior (Bulmer, 1984, p. 97). Foi af que a cidade irrompeu viva, como um slaboratério social ¢ como um imosiieo de mundos socials» que aguardavam uma investigacio deralhada. F. foi eambém af Gquc surgiu uma torrente de estudos de caso csscos, onde obras como The Gang de Treshet “The Jace Roller de Shass, The Hobo de Anderson, The Gold Coast and the Slum de Zorbaugh ¢ The Ghetto de Wirth, mais nao sfo do que meros exemplos (veja-se Faris, 1970), Dignos ‘Je uma nota particular foram 0 desenvolvimenco da observago pasticipante ¢ do métndo de tstudos de caso. E esta preocupacso com a teoria empirica que continua a permear a escrita sntersecionista ¢ a tora, possivelmente, na tinica teoria empitica importante do século %%, AAs fundagées do interaccionismo estio assentes numa observagio naturalista directa do smundo empitico, Fs uma preacupacto persistent com as questoes do metodo (veja-se Ham- tmetsley, 1989). Trau-se de um aspecto que no final do século, continua. fazer parte do inte- tneciontamo, embort actualmente se tenha tornado num problema bastante mais complexo (vejarse Denzin, 19915 1992). ‘Nos anos 1930, Herbert Blumer (1900-86) levou. tudo isto bem mais longe. Tendo estudado na Universidade de Chicago, iré continuar 0 trabalho lectivo de George Herbert Mead, substituindo-o, apés a sua morte no inicio da década de 1930, nas cadeiras por que ct responsivel. A ee se deve a cunhagem do rermo interaccionisino simbélico ea sta mais persistence preocupacio foi a conversio da sociologia num estudo terraa-era da ida dos trupos. A sti posigio encontra-s patente ce uma forma clara na sua mais importante obras Symbolic Intenzctioniso (1969). ‘Com efvico, é Blumer quem providencia o «cinones interaccionista mais frequente- mente referido, pelo que vale a pena cicélo, Sugere-nos que esta teoria se encontra cons- trufda em torno de trés premissas bisicas: Arima prensa € de quo es umanos agem em elo vss com ase nos signifies gu tas tm ara es oA snd premiss ade que sgifeado de as co deri ow eens a iineraco sca enteoindviduo sss pares, A terciapremissa éa de que ets sigifcnds 0 mani pulse eansormedas por icermdo de ur procoso interpretive utiado pla individu pasa ae com as eas comm que se depara (1969, p. 2) sas premisss si de grande importancia para condi do trabalho de campo, do cen- tl nesta perpeciva teérica, embora difclmente constituam uma «tcoria caborida. No ano, Blumer epuciava as weorizasies abstracas. Nao the agradava a tendéncia dos scilo- 231-0 PROBLEMA DA RELAGAO MICRO-MACRO. 80 para analisar fendmenos que nfo tinham testemunhado cm primeira mao e alimentava uma aversio particular pelas teorias macrossocioldgicas abstracts, Em alcernativa, defendia uma. :metodologia que permitsse explorar e examinar a rica variedade da experiéncia social tal como (veja-se Plummer, 1991). No entanto, apesar da proemingncia de Becker no campo da teoria do desvio social, muico do seu trabalho continuava a evidenciar preocupagées bastante mais amplas com 2 problemitica da cuftuna: no trabalho (conforme sucede com o seu estudo de uma escola * Ladin door 0 signal. (do) 236.~0 PROBLEMA DA RELAGAO MICRO-MACKO medica, intculado Boys in Whitd), na ante (no seu Art World) e na culeura de um modo geral (Becker ¢ McCall, 1990). Tendo revelaclo um inceresse constante pelo estudo dos prinetpios da organizagio social ¢ das formas como as pessoas continuam a «fazer coisas juntas», Bec ker recomendava, constantemente, 0 rigor metodolégico na condugio do trabalho de campo ¢ no estudo directo dos grupos. Porém, & imagem da maioria dos interaccionistas, no utilizava nunca tuma metodologia fixa, consubstanciada em uférmulass — em trabalhos posteriores, por exemplo, cle foi pioneiro na utilizacio da forografia na ceoria sociolégica (Becker, 1981). (Becker discuce a evolugio do seu pensamento numa enerevista com Bob Mullan [1987].) Goffnan Erving Goffiman (1922-1982) foi pionciro na aplicaczo da perspectiva dramauiirgica 4 sociologia. As influéncias em Goffman sio muitas. Apds ter concluldo @ licenciatura em Toronto, Goffman prosseguiu com os seus estudos de douroramento em Chicago no final da década de 1940, onde ver a sofrer a influéncia do trabalho desenvolvido por intetaccio- nistas simbdlicos como, por exemplo, Everett Hughes ¢ Herbert Blumer, Existiram, porém, ‘outras influéncias que tiveram o efeito de colocar Goffman numa posicéo diferente, senio mesmo tinica. A mais cvidente destas encontramo-la no trabalho dos neodurkheimianos, specialmente no de Wamer ena sua preacupagio com o simbélico ¢o tcual na vida quod dliana (semelhante aquela que se poce encontrar em Shils ¢ Banfield). No inicio da década de 1950, Goffman realizow o seu primeito trabalho de campo imporcance nas ilhas Shetney, na Exeécia (vivia, entio, em Edimburgo), onde efectua as primeiras observagoes da vida quod- diana que itio conduzi-lo 3 elaboracio da influente obra The Preentation of Seifin Everyday Life® (1959) « a0 esbogo da sua grelha de andlise dramatirgica. Analisaa vida social através da metifora do teatro, interessando-se pela forma como os individuos desempenham papeis € getem as impresses que de si pr6prios transmitem uns aos outros em diferentes cendtios Gadministragio de impressoes). Nesta obra é revelada a persistence preocupagio de Goffman com a ordem da interacg3o — aquilo que as pessoas fazem na preserga dos outros, Nas suas duas obras seguintes,o inceresse dramartirgico mantém-sc, mas aplicado agora a0 campo do desvio social. ‘Stigma (1961) continua a ser um trabalho em moldes simmelia~ nos, oferecendo-nos uma anélise formalista das caracteristcas daqueles que experimentam situagdes de estigmatizagao, ao passo que Asylns(1963) se refere ao trabalho cle campo rea- lizado no interior de um hospital psiquicitrico e traga a carteira moral de um doente mental. Com base neste escudo de caso, Gofiman desenvolve um relato mais genético do modo de fancionamento das instituigdes totais. Ambos os trabalhos, uma vez mais, vieram a revelar- -se bastante influentes no desenvolvimento da teoria da rotulager, ‘Muitos dos seus eabalhos posteriores — incluindo Encounters, Bebavior in Public Plax cese Relations in Public— prosseguem com a sua anilise dramacirgica e providenciaram um dicionério de novos conceitos (miniconceitos, como um comentadlor hes chamou) que nos *Tiadugio portugues: Goma, EA aprsetasi do x maw eros oles Relig dl gua: Lshoa, 1998. bod

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