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2 ‘Teoria Critica e 0 Legado Marxista do Século xx GORAN THERBORN Qualquer estudioso da histéria parlamentar inglesa encontra-sefamiliarizado com a ideia a Leal Oposigao a Sua Majestader. O marsismo, enquantofenémena socal histieo, pode Ser consideraco como a oposigio de sua majestade a modemidace, pois sempre ctitcon ou combat os sus regimes predominanes, apesar de nunca ter contetad alegitimidade da guasoberana ¢ sempre que se revelou necesito, a ter defendido deforma explicia, A seme, thangs de muitas oposies, também o marssm jd reve asua dose de poder No entanto ae eriodos em que passou pelo governo limitaram-no em termos de atractvidade © ctiatividade, tendo antes origina dlivda e desis, medida que se alimentavano pragmatism de poder, © mansismo ¢, apesar de tudo, a principal manifesto da dikéevica da modernidade, fanto num sentido saciolégico, como tebtice. Como forga socal, 0 marxismo foi um frac lcytime do eapitalismo moderno e da culsurailuminista Para o bem c parr o tal come, (1 crradamente, os partidos, 0s movimentos e as coctentes intdectuais marcsem Osean i lrante pelo menos cem anos, no periado compreendido entre o final do sévulo nik co Final do século x, na mais imporcante forma teria capaz de dar conta das ambiguidades da tmodemidade: afirmando, por um lado, os aspectos progresistas ¢ Positives do capitalismo, da induswalicacio, da urbanizacto, da alfabetiasio de masss, de uma ave eheda para puto, em vez de para o paso ou de com os olhasbulxos, prsos no pesentese, por outro lado, denunciando a exploragio, a alicnagao humana, o consumismo ey instrumentalizagio de soci as falas ideologias eo imperialism, inerentes ao proceso de mocleminede O liberalismo ¢ o racionalismo ‘iluminista, incluindo, mais ‘fecentemente, a democracia social pos marxistae 0 conservadorismo pés-tradicional tém-se consttuile, ‘em apologias da modernidade ¢ nao tém levantado questoes critieas acerca da ciéncia, da acumulacio capi- talista, do crescimento e da desenvolvimento. O conserindorismo tradicional, religioso ou ‘ccula, preparou-se a si préprio conta os aspectos negativos da modemidade, A uradigio intelectual nietascheana, desde o pr6prio Niewsche até Michel Foucault, em vindo awe pomnetnidadea partic de uma posisto de autodfinidaexterordade, como sede ume pore, Pectiva fora da lin se cratasse. Um niimero signficativo de movimentonerstos ou (ong Brat Inuito menor) de democratas iskimicos, de fascistas ¢ de populistas tercizo-mundises também ten, de variadas formas, cetado combinaros elementos da moremidath con oe da antimodemiclade. No seu conjunto, os marxistas, ‘encontravam-se sozinhas quer quando PN 52 ORIGENS saudavam a modemidade — e a forma como esta desta carapaca da widiodia rurale dis spa os furnos do wépio do povor —, quer quando a atacavam. E que, na verlade, o mar- Sismo defendia a modernidade de olhos postos numa outra modemidade mais desenvolvida. (© marsismo era pois uma eootia que nfo sé suporcava esta dialéctica da modernidade, como também sustentava a sua pritica. A teoria mandsta centrava-se na ascensio do capita lismo, enquanto estigio progressvo do desenvolvimento histérico, bem como nas suas scon- tradigées» ou, por outras palavras, na forma como o capitalismo permite a exploragio de clas- ses, nasa tendéncia para viver situagbes de crise e na sua capacidade para gerar confitos entre cdasses. A diléotica marsista, depois de ter visto as suas principais linhas esbogadas, em tragos langos, no Manito of the Communist Pargy* (Mars e Engels, 1848), também prestou, logo desde o inicio, atengfo a0 géneto e i questio moderna da emancipagio nacional. «A primeira «casce de antagonismo», escreveu Friedrich Engels (1884 [1972, p. 69]), na sua obra The Ori- _gns of Family of Private Property and he State™*, &a que surge entre o homem e a mulher, «2 primeira submissio de clase» é a da mulher em relacio ao homem. Uma das obras do movi- mento trabalhista marxista mais difundidas, foi a obra Woruan and Social, de August Bebel (1883).! Bebe! eo lider do principal partido comunista, o Partido Social: Democrata Alemo> ‘Como analistas politicos apaixonados, Marx e Engels acompanharam de perro os desen~ volvimentos da politica nacional do seu tempo, embora a maior parte dos seus trabalhos sobre «sca maria ndo tenham passado de merosexcritoscitcunstanciai, Todavia, de finais da década de 1860 em diante, estes autores comecaram a centrar a sua atengio numa problematica de aleance mais amplo, ao tentarem compreender como € quea opressio, exercida por uma deter- rminada nagdo sobre outra, inluenciava a lura de classes em ambas. O caso concteto que estu~ Feadgde poreuguess publica en Le (Oiras Compl Lisa: Edighes 70, 1970. (N. do 1 -TRORIA CRITICA EO LEGADO MARXISTA DO SECULO XX~ 53 arma a sua auronomia em relagio 4 reoria cconémica e n0 qual, acima de tudo, © proprio valor da modemidace ¢ problematizado, partindo da perspectiva da «pds», em vee de da pré- ‘vnodernidade. Nio obstante deve sublinhar-se que, apesar de estarmos perante vma nova ura, da qual Berman (1983) é o precursor, ea no nos ¢ imposta post ‘hoc. Embora esta no rare mute sido weoriaadn ou incegia no cinone manssta cisio, hi uma concepgio da vroddeidade que aves 0 ponsmento de Marx. Nas primis oto paginas do Manin af the Conunit Party, ntegtado ta cgi alent das obras completas de Mars Engel, sio-nos eee cc conhever a eindGstia movlera> (eferda tls vezs), a wociedade burguesa modernr (reel actos ves) dburgesa moder (elxida duns ers), «opearado modernoy fe dese lass vere) ceteris apenas uma ver, o «moderno poder estab, as eforcas proutives modetniasy e as amodernas relagbes de producio» (Marx ¢ Engels, 1848 (1972, pp- 462-9). (0 proprio eproposio kim ce Marx (lee Bndaec) erm Capital ero de sclesvendar & Teh ncendmie do desenvolvimento da sociedade moderna, tal como 0 préprio coloca 0 pre- blema no preficio da primeira edigio. Agarrat, ao mesma tempo, nos dois cornos da modernidade — 0 emancipador € 0 explorador — tem sido uma tarefs incrinsecamence delicada, mais facilmence assumida pelos vredecrusis, do que por aqucks que tém responsabilidades poiticas concretas, Por conse fuinte,enebatrarnos na eragio marssta uma cera props pats a ambiguidade, na sun pritica da dialéctica da modernidade, Na Segunda Internacional (1889-1914) € na posterior ve dicta social-democraca, verfica-se uma tencléncia para ofuscar progressivamente & nei aasaer aos uma concepeao evolucionista dos poderes crescenes ¢ equilibradores dos sind rarer Jos patos perio da sea inluécia, Em contraartid, a Teesiea Ineraconal (1919-43) e a tradigio comunista subsequente ceneram-se na inegatividade e nas suas contin~ toncts,atsavés da denncia sxtemcica dos males crescentes do capiaismo eda adopsse de {uma visio da stibita reviravolta revolucion: ‘A corrente pucamente intelectual da teoria critica ou, como é também designada, a [Pscoly de Frankfurt, enfatizwva a contradivoriadade e a negatividade da moclerniddade, Sem faver qualquer promessa utdpica de um fucuro melhor.’ O ‘trabalho cléssico, fundador desta iradigio critica, €a obra de Max Hotkheimer ¢ Theodor W. ‘Adorno, Dialectic of the Enligh- wee (aba de 1944, tradusida para o inglés em 1972), esrta ainda duranee Segunda Cae ndial por dis judeus alemiesexilados nos Estados Unidos. Enquanto sublinha {que aa sociedade, iberdade¢insepariel do pensamenco ilumsinisa 0 tama deste livro Se uodesttuigio do Muminismo (1972, p. 18). A tendéncia para o eilculo exiseetre ne rarao iluminista ¢ insetida no mito homérico, de Ulisses, a sua moralidade ‘emancipada esta cexpressa nas fantasias sado-masoquistas le Sade, asta ilustragio do povo € contrariada pelo sete em masa provoeado pela sindistra cultural» 6, no fundo, até os anc-semitas cso teprescntados conto wliberais que desejavam dar vor sua opin anders (. 230)- ‘A propria smentalidade de roto partidrio» exinente no dsremn eleitoral americano ery na sta roducao das diferensas individuais, ant-semita (p. 238). Entre as trevas dos fornos de Auschwitz ¢ 0 byrilhante fulgor do crescimento & da orga- nizagio da dlasse operitia, oscilava, pois, a dialéetica da modernidade marxista. Tad portuguese Mar, Ki, O Capita Lishor:Eaigbes 70 1979. (N. do 7) 54-ORIGENS. ‘Momentos da Tradigao Critica Accritica eo ctticismo, enquanco esforgos intelectuais de particular importincta, surgem tna Europa a0 longo do século Xvi (Koscllek, 1959 [1992, p. 87 ¢ segs). O foco da reflexio critica neste periodo inicial incidia sobre o exame filoldgico ¢ a avaliagio de textos antigos, Sem exclu cextos sigrados como a Biblia, No século que se Ihe seguiu, porém, o Ambito do ‘cicigmo foi alargad, por forma a abarcara critica da politics da relgiao e da uo. Poste- Formente, em 1840, 0 ctiticimo gozou, no seguimento de décadas de reacgio pés-revolu- Gondeia, de um significative alargamento intelectual na Alemanha, assumindo a forma de ert- tica da tligito e da politica. Friedrich Engels e Karl Marx iniciam a sua longa colabora¢io fom a obta The Holy Family” (1844), uma sitra da wertica evtica» da esquerda hegeliana, tal como a fazer Bruno Bauer € outros. ‘Nao abstante, a tradigio alert de rearascrticas que, encarada em vermos gerais incu tanto Kant, como os hegelianos de esquerda, acaba por ser trazida para o interior do mar- sismo. Apesrde tudo, Marx ¢ Engels autoproclamam:s¢ herdcitos da filosofiaalem ea prin~ Cipal obra de Marx tem por subtitalo «Critica da Economia Politica. Na literatura alem ou tna de inspiracio alema a wertica da economia police foi, durante muito tempo, sinsnimo de marxismo. ‘Com efeiro, na eciénciay a que Manx se entregou, a «critica € ineluida como um ele- mento nuclear, sendo o tipo de scriticar que nos €apresentado pretensamente cientifico, Para Marx e Engels nao havia qualquer tensio enere a ciéncia ea critica. Todavia, apés 1968, a recepeao académica da obra de Marx estabelecen, sobretuclo no mundo angléfono, wma clara distingio entre o marxismo «crtico» eo marxismo «cientifico» (Gouldner, 1980). Qual- quer que fosse a legitimidade da genealogia intelectual ¢ 0 mérito do seu uso, exist e nna academia marsizante, uma scparasio clara entre estilos e estratégias cognitivas, expressa nos tipos ideais de Gouldnet. Este ultimo, porém, atribuini a wcriticay um significado € papel mais limitado do que aquele que lhe tinha sido atribuido antes, embora a sua obra The “Tivo Marcisms represence mais um momento da tradicio critica, do que a tradigio propria- mente dita.’ O século x¥ constitui um period dificlmente comparivel Aquilo que foi o lluminismo, ‘qual, de acordo com Immanuel Kant ¢ muitos outros foi: «A verde (eigenticha) era da ‘critica. No entanto, o lugar da critica na teoria social contemporaine pode ser mais facil. :mente compreendido, através de uma abordagem do posicionamenco original da tcoria crf- 2, isto & como elemento de unificagio tedrica de um brilhante grupo de judeus alemaes, cexilados em Nova Torque nos finais da década de 1930. Enquanto conceito, a nogio de teoria critica € definida em 1937 por Max Horkheimer. Este era entio 0 director do exilado Frankfurt Insticute for Social Research, para 0 qual escteve em Nova lorque uma série de artigos destinados & revista do Instituto, na altura publicada em Paris, mas em lingua alema, Nessas fungGes, era assistido pelo seu associndo Herbert Marcuse (1937; 1968). O significado desta expresso decorre da concepgio refle- Trad portuguesa: Mars, Ke Engels, yA ari fii rca dae etn contra Brno aver vrsore, Lido: Presenga, 1976. (We oT) ans at {RORIA CRITICA E 0 LEGADO MARXISTA BO SECULO XX~35 sxiva ¢ autoconsciente do ponto de vista filesdfico, de uma seritica dialéctica da econamia poli- ticav (Horkheimer, 1937a [1988, p. 180n]; 1972). Enquanto conceito chav rior do cit catlo de Horkheimer, o qual mais tarde vini a ser -conhecido como Escola de Frankfurt, a nogao de teotia critica vem substtuir 2 de «materialismor. O colaborador intelectual mais proximo dde Hlorkheimer, Theodor W. Adomo, escreveri mas tarde que a tansformagio daquela expres: {nfo pretended tomar +o materialsmo aceive, mas sim dar a conhecer aos homens aguilo ‘que o distingues (1966 [1973, p. 197]}, Isto parece provével, uma vez que a posicio de Hr~ Ikheimer em relacio ao verdadciro mundo burgués era bastante mais intransigente em 1937 do {queem 1932, altura em que se romou, pla primeita ve, director eeior do refer Insti. Por outro lado, Horkheimer foi desde sempre um empresitio talentoso e causcloso, No 1 a teoria critica fancionava mais como um cédigo de leitura do wmacerialismo diakéc- ticon do que como uma critica do mesmo. Por conseguinte, esta também mantinhay de forma explicita, uma relagio especial com o proletariado que nfo era otalmente desprovida dle problemas (Hlorkheimer, 1937a [1988, p. 187 ¢ segs.) € que, em tragos Largos, asseve- tava a primazia da economia (Horkheimes, 1937b [1988, p. 222)). Contudo, quarenta anos mais tarde, Herbert Marcuse, que nos anos 1930 € uma das estrelas em ascensio no scio do Instituto, defendeu que «mais perto do fim, a weorin marxista foi a forga integradora [do Ins- titutol» (Habermas, 1981, vol. 2, p. 197), ‘A teora eftca, por oposigio «tcoria tradicional» — exposta, pela primeira vez, no Dix cours de la méabode (1637)", de Descarces, ¢ incorporada nas «disciplinas especiais (Fach ‘entchafien) —-demarcavase, antes de mais nada, a divisio intelecewal do trabalho e, poranto, de todas as forimas de concepgio tedrca existentes tanto nas ciéncias socials como nas eigrcas naturais, fossem elas empiricas ou no. Trata-se, portanto, de um «posicionamento humano [mechliches Verhater] que tem na prépria sociedade o seu objector (Horkheimer, 19378 1988, p. 180]; 1972). A vocagio do te6rico critica «é 0 combate 20 qual o seu pensamento pertence»(p. 190), A teoriaertica é «um juizo existencialtinico ¢ elaborado» (p. 201). Embora Uo tedricos erfticos se recusem a No centro da teoria extica, enquainco teoria, est o conceico marsista de trocay a partir do qual se desenvolveri, para ki da Europa, a «verdadeira sociedade capitalists globalizanter 1986 (Ne 1) Taio portugues: Deseret, Dicuno do Ms Pace Al, isos: Si da Cos 56-ORIGENS. (p.201), Fste conceio é, «em muitos lugares, reduzido a um certo econon sgnifica que o econo sj considerado como algo excessivamente importante, ras sims {que este & um conceto frequentemente encarado de um modo bastante esteio ¢limiralo, 6 process de formasio social (Vergslichafuy), se & que esti x ocomer precisa de ser ana- Tisado nfo 56 em cermos econdmicos restritos, mas também de uma forma que leve igual- mente em consideragio o funcionamento do Estado ¢ o desenvolvimento dos «momentos essenciais da verdadeira democracia ¢ associativismo» (Horkhimer, 1937b (1988, pp. 222- 53). «Seria errda [...] uma transformacio gradual dos conccitos econémicas em conceitos filoséficos. Muito pelo conttitio, sio antes [..] os abjectos filoséficos relevantes que se desen- ‘volvem a partir do contexto econémico» (Marcuse, 1937 [1965, p. 1021). Podera ser pertinente comparar de forma breve a teoria critica na sua forma clissica, ccom uma outta formulagio radical rlativa a0 lugar e uso do conhecimento social. Esta fltima, produzida na mesma cidade e quase em simulténco com o referido texto de Hlor- Ikheimer, é da aucoria de um professor di Universidade de Columbia (que também acolhew 0 cailado Instituto de Frankfurt), Referimo-nos & obra de Robert Lynd, Knowledge for What?, publicada em 1939, sob a forma de compilagio de uma sétie de conferéneias reali- zadas em Princeton na Primavera de 1938.6 As preocupagtes ¢ a perspectiva sociopolitica de Tonga duracio do filésofo alemo ¢ do sociélogo norte-americano sio, em muitos aspectos, semelhantes. Tal como Horkheimer, também Lynd adopta uma posicio critica relativa- mente.is modalidades de divisio acackémica do trabalho, criticando a tendéncia empirica das Giéneias sociais para tomar as instituigbes contemporineas como dados adquiridos. Lynd pretende orieni-las para o estudo «daquilo em que os actuais protagonistas huranos des- sa instiuigdes se esforgam por as tansformar» (1939, p. 180, énfase omissa), ito é, para o cestuclo das transformagoes institucionais. O sentido de tais transformagSes, com o qual Lynd se compromete, é também semelhante 20 que Horkheimer lhes atribuiz a expansio decisiva dda democracia, nfo apenas no governo, mas também na industria e noucras dreas da vida: a substituicao do ecapitalismo privado» (p. 220), “Todavia, a linguagem ea forma de pensar a que este aucor recorte sfo bastante diferen~ tes das de Horkheimer. Lynd nie se apoia numa tridicfo tebrica, argumentando em vez disso a partir das questoes empiticas do dia, A sua concep¢ao pragmiitica da ciéncia social — «a ciéncia social sobreviverd ou pereceri em fungio do seu caricter servigal em relagio aos homens que lutam pela sobrevivénciay(p. 177) — ¢ vista por Horcheimer com um céptica franzir de sobrancelhas” A sua perspectiva historico-critica ndo se baseia tanto nas nogdes de exploragio e de classe — apesar de defender que as classes ¢ 0s conflitos de classe deveriam ser objecto de umia muito maior atencio por parce dos cientistas sociais norte-americanos — mas ances numa espécie de antropologia do «dlesejo humanoy, enquanto medida compara- tiva na avaliagio das inscicuigoes exiscentes (pp. 192-¢ segs.) O sociaismo de Lynd nie cons- titui um argumento para a defesa do conflito, apresentando-se, antes, como tima «hipéreser de que 0 capitalismo «no funciona e, provavelmente, nunca poder ser posto em funciona- mento de uma forma que nos garana a quantidade geral de bem- 1926. No ana, aver o set mas famoso trabalho cena sido «sua intepreiago pessoal da Revol Go de Ouro, un argo insta “The Revolution gs Capital, publica, pela pri: meira vez, em 24 de ‘Novembro, de 1917. «A. revolugio dos bolcheviques ‘materializou-se mais a pte ds idcoogis do que dos Fats.) Es éa evelugio comers ‘Capital de Kast Maron (Gramsci, 1917 11964, p-265))- Car ancidlogo do conhecimenco ou un hisoriador das dein eouenico poderi definir sy mania ocidcal como una forma auténoma do pensamento poliico ot 08» rad Parga eapitalisas mais avangados,apés a Revels de Ours, Como tal, ele & dife- ee Pir df) mails) das ours partes do misndo, quer do rnarxismo, pratcamente re aoe de dos pais eagrupamencos poco. Todaia,o marsise ocidental & iota pest accom umn sigifcade parila, mesmo na ts WESSEL TE Fo a cee oi ent, Comecando por estima, como deinigtes sign HEE Te tos ag tener situaro fenémeno designado por emarxisme ‘ciently de uma forma algo “Trane euja vantagem decor da possiidade de wm maior distncamenet, Sera ger de algumas das melhores iverpretagies do marion ocidental bascia- “ce ne Labonte de sas de individuos. Asim, Remy Andewson (1976, 25.6) lista, por deci clment, Georg Lukics (asco em 1885), Karl Korsch, Anconio Gramsci, Wale ter Benjamin, Max Horkheimer, Galvano De lla Volpe, Herbert ‘Marcuse, Henti Lefebvre, er auorn, Jan Pal Sas, Lucen Goldeann, Louis Ahuser ¢ Vac Collet oseides em 1924), linha que ercunsereve este ical bealece em palmet™ Tuga urn erie Miao gercnal © mars cident consist, assim, rum cel de a0 sama Tener rca e polieamente, depois da Primeira Guetra Mundial, mas ta posigio 6 se see depois dt Segunda Guerra Mundi, Par Anderson, et marca de dlistingio escon- ddidas do marsisino ocidental é a derrora, uma caraceristica 96 inteligivel a partir da sun, algo Tui em Lenine, Obnas Compe Lisoa Fligies 70, 1970. (Md 7) -ORIGENS especial, periodizagao. O marxismo ocidental contrasca igualmente com o trotskismo, do qual Emest Mandel é visto como um dos teéricos contemporineos mais eminentes. Martin Jay (1984, p. 3) vé 0 manxismo ocidencal como algo «criado por um cireulo pouco coeso de autores que vo buscar as suas ideias a Lukes ¢ a outtos pais fundadores do perfado que se segue imediacamente ao termo da Primeira Guerra Mundial: Antonio Gramsci, Karl Korsch e Emst Bloch. A Adorno, Benjamin, Horkheimer ¢ Marcuse, cle junta Leo Lowenthal (ambém pertencente & Escola de Frankfurt) a0 grupo francés pré-Althusserjanta Maurice Merleau-Ponty. Aponta, ainda, os autores que se seguem, como sendo «frequente- rmenteadmitidos nas suas fileiras: Bertold Breche, Wilhelm Reich, Erich Fromm, os chamados (Comunistas do Conselho da Holanda (Herman Gorter, Anton Pannickock ¢ outros), 0 grupo dos Argumentsem Franga (em finais da década de 1950, Kostas Axclos, Edgar Morin ¢ outros) ¢ membros da segunda geracio da Escola de Frankfurt, como Jiirgen Habermas ¢ Alfied Schmidt. Finalmente, aurores como Alfred Sohn-Rethel, Leo Koller, Franz Jakubowsky, Claude Lefort e Comelius Castoriadise so também referidos.'* Embora deferda que inicial- mene, 0 marxismo ocidental tinha, em geral, o mesmo significado que o marxismo hegeliano, Jay accita basicamente a definigio mais socioldgica proposta por Anderson. ‘Com base nestaslistas de nomes emergiram alguns dos grandes temas. Merleau-Ponty (1955, pp. 80, 88) quis recordar aos seus leitores a «juventude da revolucao ¢ do marxismo» patentes no salegre (allzgr) e vigoroso ensaio» de Luks. Quis, ainda, lembré-los de como € que 0 mesmo ensaio contrastava com uma concepgio ciencifica do marxismo, atendendo A ssuperestruturay ¢ denunciando a incapacidade do mesmo marsismo paca sexprimir a inércia das infra-estruturas, da resistencia das condligoes econémicas e mesmo naturais ou de como as “relagdes pessoais’ se deixam sorerrar (Cenlsement) pelas “coisas” Anderson salienta as mudangas de posicio verificadas na obra destes intelectuais vindos de instiuig6es lgadas a0 movimento uabalhista e autores de estudos na dea da politica e da eco rnomia, em diieogio i acackemia e i flosofia. Depois da Seguncla Guerra Mundial, odos ague- des que the sobreviveram — Gramsci e Benjamin tinham sido, de diferentes formas, persegui- dos até A morte, por regimes fascistas!® — tinham-se tomado fildsofos académicos, de nivel catedritico, com a excepgao de Sartre que wocara uma promissora carrera académica, pela de esctitor. A «sua mais notével caracteristica [...] enquanto tradigio comum serd [...] talver a constante pressio ¢ influéncia que exercem sobre ela as tipos sucessivos de idealismo europeu» 5005 1976, p. 56). O trabalho dos marxistas ocidentais concentrava-se, em particulat, na epistemolog estética, ao mesmo tempo que produia inovacdes rematicas no préptio dis- curso marsista, de entre as quais, Anderson sublinha: © conceito de hegemonia de Gramsci a visio que a Escola de Frankfurt tinha da libertagio, mais como uma forma de reconeiliagio do ue de dominagio da naturezas bem como o recurso a Freud, Atravessando todas estas inova- .gées temticas, Anderson constata um «pessimism comum e larenter (p. 88; enfase omissa). Ao percorter o tetritério do manxismo ocidental, © trabalho de Martin Jay utiliza 0 con- ceito cle totalidade, como sbvissola» conceptual E certo que Jay se recusa, explicitamente,aacel- tar este conccito como sendo a tinica bissola possivel para aquele propésito, mas, a partir do momento em que foi evidenciado por Luks, o conceto de ttalidae tem, cereamente, estado no centro das arengdes do marxismo ocidental,sujico a vias definigdes, aboragées¢ aplicae «es que Jay persegue com enorme per “THOMA CRITICA EO LEGADO MARXISTA DO SEGULD XX = Embora se encontrcformalmentedefinido, o «marxismo ocidentay constitu ama Nuch- onsnatiion os sgn, uma construsio past hoce fo Um grupo ou corre que s¢ 340) 10° oe enquarto el Apes de uo, uma perspeciva mas ditancada do ques cde Merleate “Ponty, de Anderson « de Jay, exige € 20, mesmo fempo possibilic um posicionamento Naeoco porllment cfecne do do mandsmo cident uma outa ear, hscérica acessi- vel A falsificacio empities. qoannntamos Lulscs como fgara-chave esta colecgio de enstios, T8407) and Class Conseiousnes* (1923) como texto-chave, 0 que nso parece ser cOnmOvEED, podemos locali- var com alguma exatido quer a fliaglo, quer o locale dara de basement do marxismo. oe seo fundador foi eco em 1918, antes de Luis see lado no 0 eae ranisa Fldngao ste asociado tabortada revolugio hingar, Fae sinha por parte Bolchevsmo cormo Problema Moral ¢colocaa, com una lucien exemplar, 0 pro lems explicado no seu eu «quer se acrditasse que a clemocratia cr rictica tem- poriria do movimento socialist, wm vill Ferramenta a empregar {...], quer se acreditasse je a democracia era uma parte inregrante do socialism. Se et tlkima hipérese € verda- see cerneraia nao pode set abandonada sem se considera a5 subsegulnns OO Gquencas moras eideoldgicas «© bolchevismo oferece-nos ine fascinante saida para esta Gjuetio, no facto de nao nos obrigar a um compromiso, Fadavia,rodos aquiles que cxem a sino podem no esa ctalmente conscentes das implicahes dessa decisio. [Sexi possvel conseguir algo de bom, recorrendo a meioe condensiveis? Sera que se pode ticancar a liberdade através da optessiog»(Lulecs, 1918 (1977, Pp 419-23)). Neste artigo, autor deixa no ara questo, porém o scu marxismo) ‘ocidencal stirgia como via obliqua pars Tesponder afirmacivamente a estas das perguneas. re TOTS, Lukes nao era de forma alguma um «mands ocdentay nem no sentido que a expend astumin na sa obra de 1923, nem maguse que rule da fora como esta & a€0- thie por outros autores, Com efeito, sua visio do manismo a, PS alura, diametralmente owes eNo pasion career Lukes (1918p. 403 Elise oma. filosfia da histéria de Sra oseparada, com equénca, da sua sciologa. Em realtado dive, em sido muir re cues ques das laments consiivos dose strana de clsses€0 sociae Fe rr pcontram ingimarnenteracionads, mas no de fora igor produros Fame CS goa concepualO primero € um descobera fatal dasociologi marsista[.--] Corsa, por seu ado, €0 postulado upc da Flsoia da histia mans eleéo objec: Cae fe porvir na ondem mundial» Ta epesenca um ipo de arsine filrado pelo hheo-kantismo, o qual consticuia uma corrente filosfica ppredominancemente ae, muito pre- aananp clrato de Max Weber, em Heidelberg, lo qual Las fazia enc pas ramificando- sertmnbéen nuama espécie de marxismo ortodoxo, em parte, da esquerda, desenvolvido por Max Adler e pot toda a tendéncia eaustro-marsista» que retine Otto Baucr, Rudolf Hilferding, Kal Renner entre outros, em Viena, na década que ancecede a meira Guerra Mundi Rent aed mandsmo ecental consi a confluéncln ou se pecans 8 dean aan denas a istngda entte cine e ica, em diresio a uma dialécica hhegeliana da iatogieporuguese Laks Gy Mitre Conca de Cle ends de ila; mas Poreo: Escor- pit, 1974. (do Th 64 ORGENS ‘conscigncia de classe. © seu primeiro prentincio foi o primeiro artigo de Lukes, apés 0 seu regresso A Hungria como comunista: ‘Pctica ¢ Eticay, escrito antes da efémera Repiblica Sovidrica. Nele se considera que a acco moralmente correcta depende do conhecimento, cla ‘situacio filoséfica da Histéria» e da consciéncia de classe (1919 [1967, pp. 8-9]). O texto termina com uma nota que, mas tarde, seré desenvolvida no ensaio-chave History ad Class Consciousnes (1923), acetca da reificagio e da consciéncia do prolecarindo: «Este apelo 8 sal- vagio da sociedade € 0 papel histérico mundial do proletariacl ¢, s6 através da consciéncia de classe dos proletirios, se pode atingir 0 conhecimento ea compreensio deste processo la humanidade» (p. 19). O alvo imediato do segundo texto canénico do marxismo ocidental, a obra Maran and Philosophy? de Kasl Korsch, é 0 austro-marxismo, exemplificado no texto de Rudolf Hilterding, Finance Capital(1909). Este tltimo € aracado, em nome de uma dialéctica hege- liana que rejeita as suas tencativas para dissolver a «teoria unitéria da revolugdo social» em estudos cientificos ¢ em tomadas de posicio politicas (Korsch, 1923 [1964, p. 92 e segs.]). ‘Com base na anteriormence referida documentagao — que podia e devia ter sido desen- volvida num contexto mais especializado — podemos esbogar algumas conclusdes. O| mar- xismo ocidental surgi como uma recepgao intelectual curopeia da revolucio de Outubro. sta dlcima foi interpeetada por Gramsci, como sendo um bem sucedido atalho do pensa- mento marxista contra 0 Cipital ¢ contra © priprio desentolar dos factos © por Lukées ¢ ‘Korsch como um superar tanto de problemas morais como cientificos. Se bem que seja ver= dade que as perspectivas de uma revolugio a ocidente da Russia comegaram a esmorecer a partir de 1923, no penso que seja muito esclarecedor representar o marxismo ocidental como uma teoria caracterizada pela derrota, Isto nfo s6 ¢ falso relativamente 20 momento da ‘sa fundagio, como também em relagio A propria caracterizagao cle Anderson que pode agora parecer o produto de uma perspectiva demasiado limitada ou especializada, Assim, seni pre~ ferivel afitmar que todos os membros da sua lista se ooraram marxistas, porque encararam 3 Reyolugio de Outubro como um acontecimento decisive na Histéria mundial. Dos 13 rhomes que integram a lista de Anderson, sere eram comunistase, se excluirmos Korsch e Cole lett foram-no durante toda asua vida, O circulo de Florkheimer, com quatro dos seus mem- bros referidos na lsra de Anderson, permaneceu sempre it margem de qualquer ligagio par- tidiria, apesar de, antes da Segunda Guerra Mundial, este grupo ter manifestado uma clara simpatia para com a URSS e, depois do termo do conffico, nunca ter prestado muita atengio aos apelos da mobilizacio anticomunista caracteristicos do perfodo da Guerra Fria, Tanto Adorno, como Horkheimer, desprezavam os regimes autoritirios da Europa Oriental, mas rnunea os denunciaram aberramente ¢ Herbert Marcuse produziu um estudo extico, sdbrio & cerudito, intitulado Soviet Marsinm (1958), que acaba por apontar o aspecto racional e poten- cialmente critico da filosofia social soviética. Os dois que restam, Goldmann e Sartie, «stive- ram também na drbita da Revoluséo de Outubro. Goldmann f&-lo camo discipulo fervoroso do jovem Lukes e Sartre como simpatizance do Partido Comunista Francés, procurando ‘manter as suas distncias, embora, durante todo o periado que se segue A guerra, 0 tenha feito no intetior do circuito que teivindicava a revolugio do proletariado. Trad portugues: Kos, K, Manny ¢ ili, Port AMfortamento, 1977. (N. do 7) THORIA CRITICA E-0 LEGADO MARNISTA DO SECULO XK 65 Devide a importinia que a Revoligio de Outubro ea URSS assumem junto das duas sgeragies clisieas do marsismo ocidental, faz bastante sentido tragar wma linha dvisbria a Separaro periodo anterior 4 morte recente de Henri Lefebvre, do periodo que se Ihe segue. Enquanto existe um certo niimero de figuras da egeragao de 1968» passives cle ser reagru- ppadas em tomo da consinuagio de algo que cles proprios chamariam marxismo ocidenca hringuém pode estabelecer, entre os primeros e os segundos, o mesmo tipo de slaciona- mento com a possibilidade de ocorréncia de uma revolucio operiria ou qualquer outra mis- thvra de Fé desihusio remotamente scmelhante. © facto de Jtirgen Habermas, antigo assis- Tene de Adorno, ter quebrado a wortodoxia ticica» da Escola de Frankfure, © de a forma tomo o {ez 0 ter encaminhado em direegao a novos terrenos tedricos, server para exempli- ficar esta afrmagio. F claro que aclamar a Revolucio de Outubro significava, igualmence, aclamar a lide tanga de Lenine, um homem a quem Lukes jd antes, em 1919, tinha prestado homenagem, tpontando-o como #0 lider da revolugio do proletarado» (1919 [1967, p. 19)) ede quer» Rorsch tomou emprestado o lema para a sua obra, Marxism and Philosophy. Com efeito, sb tama efilea conseigncia» de esquerta americana seri capaz de ligar 0 marxismo ocidental a0 ‘movimento antileninista deste século» (Aranowirz, 1981, p. xii) "A questin que nao & respondida pelo que antes se disse 62 de se ser verdad que todos ou maior parte dos mandsts ocidenais eram filbsofose, se sim, porque? Aqui, as lstas de Ander~ son, Joy, MerleauPoney ¢ outros so, na melhor das hipdrcsc, tio idveis como o veredicto de coma cemisszo reunida para decidir sobre 0 preenchimenco de vagas no Ambito de um concurso snadéinico, Embora nio seja necessariamente assim, a verdade € que o argumento de Anclet- son ngo consegue demonstrar que nio & um argumento circular. Todos os nomes que apre- senta, com a excepsio dos de Benjamin e de Gramsci, sio nomes de fldsofos, mas come & que Sabentos que outros no filésofostinham possibilidade de se juntar& sua lisa A Mista de Jay € jgualmente dominada pelos flésofon” sendo aauséncia de cientists socials ede istoridons também af quase absoluta. Porém, uma vez que 0 smarxismo ocidentabs constitui uma construgio post foe esta dima conclasto no pode ser aceite, de forma acritica, camo um facto histérico. Suge, pois aque aquilo com que estamos lidar decorre da ineraogio entre dois factores: 0 ‘cenitio inte lectal europeu, na aleura do acolhimento da Revolugio de Outubro, ¢ a intagem do «mar xismo ocidental> que, posteriormente, se forma a Europa Ocidental ena América do Norte Por outras palavns, a resposta a esta questo pass por um lado, pelo facto de, em 1917, os fildsofos se encontrarem em cena ¢, por outro lado, pelo de os marxistas mais tardios terem querido escutar fildsofos. Ein primeito lug, deve se lembrado que um certo miimero de percursos ¢ de carte- ras ineleseuais se encontravam vedados Squcles que prematuramence se rinham identificado om a Revolugao de Outubro. © estabelecimento, na Europa, de uma ciéncia social empi- tica eta pouco (ou nenhium). A sociologia estava dividica na tenso entre «a politica da evo~ tusio burguesae a economia da revolugio do proletaiado» (Therbom, 1976) e sinha ainda luma precaria existéncia institucional. Os departamentas de economia eram tradicional mente hostis & critica da economia e a ciéncia politica ainda dava os seus primciros passos em diroceSo aos estudos politicos na area da sociologia, Quanto as faculdades de direito,

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