You are on page 1of 9

Marcos dos Reis Batista (Marcos Eduardo Dimitri Reis)

Rafael Lemes de Aquino


Organizadores

Práticas de ensino e apropriação


de metodologia científica

Mentes Abertas
EDITORA MENTES ABERTAS

OBRA
CIENTÍFICO DA
COMITE

Prof. Dr. Afrånio


Mendes Catani (USP,Brasil)
Navarrete Tolomei (UFMA, Brasil
Profa. Dra. Cristiane
de Souza (UEPB, Brasil)
Prof. Dr. Fábio Marques
Prof. Dr. Helder Neves de Albuquerque (PPGRN - UFCG, Brasil)

Miranda Poza (UFPE, Brasil)


Prof. Dr. José Alberto
Pozzo (IRICE-Conicet-UNR, Argentinal
Profa. Dra. María Isabel
Mohamad Hawi (USP, Brasil)
Profa. Dra. Mona
Neto (UFRPE, Brasil)
Prof. Dr. Nefatalin Gonçalves

Copyright
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser repro-
duzida ou transmitida ou arquivada, desde que levados em conta os di.
reitos dos autores.

Marcos dos Reis Batista (Marcos Eduardo Dimitri Reis); Rafael Lemes
de Aquino (Organizadores)

Práticas de ensino e apropriação de metodologia cientifica.


São Paulo, Mentes Abertas, 2020. 244 p.

ISBN: 978-65-87069-09-8

Capa: Alexandre Borges Mesquita.


Projeto gráfico e diagramação: Ronyere Ferreira.
2005, p. 11-16.

em: https://prezi.com/pt/. Acesso


PREZI. Prezi. 2019. Disponível
em: 06 dez. 2019.

de mapas conceituais na pesquisa


TOLFO, Cristiano. "Aplicações
acadêmica'. In: TOLFO,
Cristiano. Mapas conceituais: aplicações Metodologia científica e decolonialidade
e extensão. 1a ed.
São Cristóvão: Editora UES.
no ensino, pesquisa

2017, p. 69-85.

Code'. Scientific American, v. 297,


TSIEN, Joe Z. "The Memory
n. 1, p. 52-59, jul. 2007. Disponível
em: https://panet.andover. Alef Monteiro'
edu/bbcswebdav/institution/SCIE/SCIE/science%20490/Me-

mory/the%20memory%20code.pdf. Acesso em: 20 jan. 2020. doi:


10.1038/scientificamerican0707-52.

Nas últimas duas décadas, as fronteiras do meio cientifico


XMIND. Xmind. 2019. Disponível em: https://www.xmind.net. latino-americano, principalmente entre as Ciências Humanas, têm
Acesso em: 06 dez. 2019.
passado por um considerável tensionamento. A causa da tensão
é a perspectiva decolonial elaborada pelo Grupo Modernidadel
Colonialidade' que pôs em xeque a geopolitica do conhecimento
e a colonialidade do poder em andamento no sistenma-mundo ca-
pitalista.
As criticas produzidas pelos decoloniais são contundentes
porque, entre outras coisas, evidenciam o envolvimento das ciên-
cias no processo de dominação/colonização que foi responsável

'Sociólogo discente de mestrado no Programa de Pós-graduação So- em

ciologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará, Belém-PA, Brasil.


E-mail: alefmonteirol@gmail.com
O Grupo Modernidade/Colonialidade é um coletivo interdisciplinar for-
mado em 1999 a partir de um convênio entre pesquisadores da Universidade
Javeriana de Bogotá (Colômbia), Universidade de Duke (EUA), Universidade
do Norte da Carolina (EUA) e Universidade Andina Simón Bolívar (Equa-
dor) com o objetivo de organizar atividades e publicações sobre o tema da
geopolítica do conhecimento e da colonialidade do poder. Para saber os deta-
Ihes de sua formação, ler o prólogo do livro El giro decolonial (CASTRO-GÓ-
MEZe GROSFOGUEL, 2007).
no decorrer da história. história da humanidade e tão antiga quanto
por inúmeros genocídios/epistemicídios ção é muito comum na
durante a "conquista"
Para citar alguns: o de muçulmanos e judeus nossa capacidade de registro histórico.
Porém, há uma grande dife-
o de povos das Améri
(invasão e ocupação) da Península Ibérica; rença entre o colonialismo europeu moderno, realizado a partir do

Africa, Ásia colonização (séc. XV-XIX)


Oceania durante a e século XV,eo colonialismo dos grandes
impérios da
cas, e
o genocidio/
Antiguidade.
neocolonização (séc. XIX). E, também, no presente, Diferente destes que dominavam diversos povos apenas
minoritárias nos paí-
exigindo
o pagamento de tributos, o colonialismo moderno
epistemicidio das mais diversas populações também consis-
ses outrora colonizados (DUSSEL, 1993; CASTRO-GÓMEZ, 2005; tiu na de toda a organização social e cultural dos
alteração povos
GROSFOGUEL, 2016). subalternizados, o que deixou marcas profundas tanto na cultura e
Em todos esses casos, mesmo hoje também servindo como sociedade das ex-colônias, quanto na geopolítica entre ex-colônias
reduto de resistência, a ciência foi e tem sido um dos pilares da co- e ex-metrópolis (BONNICI, 2005).
lonialidade ea saída para esse círculo de genocídios/epistemicídios ponto central da perspectiva decolonial é a per-
De certo, o

engendrados por um fazer científico colonizado passa pela buscar cepção da permanência de estruturas sociais, políiticase culturais
de alternativas morais e procedimentais para a atividade científica erigidas no período colonial, e, na adoção de posturas engajadas
e seu ensino. Dentre as alternativas oferecidas pelas correntes teó- e comprometidas com a luta pelo fim de tais estruturas. A com
ricas de resistência ao sistema-mundo capitalista, volto-me à críti- preensão é a seguinte: a divisão internacional entre centros e peri-
ca decolonial com o objetivo de extrair dos próprios conceitos de ferias, assim como a hierarquização étnico-racial das populações
decolonialidade e ciência algumas diretrizes gerais para o método não se modificou substancial e significativamente com o fim do
cientifico e seu estudo/ensino - a Metodologia Científica?. colonialismo, as antigas hierarquias e o modo como elas operam
Para tanto, apresento os conceitos de colonialismo, colonia- apenas assumiram outros formatos havendo, na verdade, não o fim
lidade, decolonialidade e ciência a fim de elucidar suas conexões. do colonialismo e o início de uma era pós-colonial, mas sim ape-
Em seguida falo de algumas alternativas decoloniais de ciência e nas uma transição do colonialismo moderno para o colonialismo
metodologia cientifica com a intenção de demonstrar a proposta global (CASTRO-GÓMEZ e GROSGOGUEL, 2007). O conjunto
que julgo mais coerente. E, feito este percurso, aponto as impli- dessas estruturas e o seu modo de operação é chamado de colo
cações do conceito de decolonialidade à disciplina Metodologia nialidade.
Científica. A colonialidade, por sua vez, está dividida em pelo menos
três matrizes: a colonialidade do poder, a colonialidade do saber e
2 Colonialismo, colonialidade, decolonialidadee ciência a colonialidade do ser. poder consiste em um
A colonialidade do
moderna
padrão mundial de poder capitalista baseado na imposição de uma
O colonialismo é definido como a dominação classificação étnico-racial das populações do mundo, esse é o ele-
política, mili mento constitutivo da divisão de classes e da exploração
no mundo
tar e/ou cultural de uma nação/povo ou sobre
país outro com fins
moderno colonial capitalista (QUIJANO, 2007).
de obtenção de vantagens materiais. Essa relação de subalterniza- Por outro lado, a colonialidade do saber
diz respeito aos
do saber em função do
Sigo as definiçöes de Becker (1999). paradigmas de pensamento e organização

114 115
colonialismo. As características fundamentais desses paradigmas Logo, como atividade de conhecimento baseada na razão e
com as hierarquias
e a hierarquização do conhecimento de acordo alicerçada em evidèncias
empíricas, a ciência se estrutura a partir
SOCiais (étnico-raciais) estabelecidas de
modo que o padrão é o eu- de necessidades da natureza dos fenômenos e da
de pensamen-
capacidade sen-
destruição de paradigmas sível e racional dos seres humanos (KANT, 1987). Porém, o uso da
rocentrismo, a negação e
dos
povos subalternizados ciência, bem como o seu ensino não são definidos pela natureza
to e organização dos saberes próprios
esse processo (LANDER, mesma da ciência, mas sim por fatores éticos corolários. Uma lei-
(epistemicidio) e a violência que permite
2005). tura rápida da resposta de Kant (2012) à pergunta 'o que é esclare-
de Maldona- cimento? é suficiente para perceber que a dimensão ética do pro-
Por conseguinte, segundo proficua definiço
a

do-Torres (2007, p. 130, tradução minha): "a colonialidade do ser


jeto iluminista de ciência foi completamente ignorada pelo Capital
se refere, então, à experiência vivida da colonização e seu impacto que fez um uso instrumental e escuso da ciência no colonialismo.
nalinguagem'. E que a colonização engendra nos individuos um Com efeito, o que define o fazer cientifico como colonial ou
modo de ser e de experienciar o mundo voltado à manutenção da decolonial não é a epistemologia empregada ou a lógica e a me-
ordem estabelecida. Dito o que écolonialidade, é fácil dizer o que tafisica' que substanciam as reflexões epistemológicas, mas sim o
a decolonialidade é: uma utopia' caracterizada pela negação e pro- caráter ético-politico dos cientistas e do uso dos conhecimentos
posta de superação das estruturas e modus operandi do colonialis- produzidos. Não importa se um cientista é cético ou xamä; ateu,
mo que ainda permanecem na contemporaneidade. agnóstico ou religioso; branco, indigena ou negro; homem cis,
Vale citar que a ciência moderna foi concebida em meio à LGBTQI+ ou mulher cis, etc. o que importa é a consciência da
colonialidade e o compromiss0 ou com a colonialidade, ou com a
expansão colonial europeia e nessa afirmação estão corretos Dus-
sel (1993), Castro-Gómez (2005) e Grosfoguel (2016). A revolução decolonialidade. E esse compromisso que faz da ciência um bem
cientifica que se iniciou no século XV com Copérnico, passou pe- colonial ou decolonial.
los séculos XVI e XVII com o idealismo de Descartes e Spinoza, o
empirismo de Bacon, Locke e Hume, culminando na síntese entre 3 Alternativas decoloniais de ciência e metodologia cientifica
essas duas correntes teóricas, em Kant, no séc. XVIII. 'Tudo isso
Entre os decoloniais há pelo menos duas propostas de ciên-
ocorreu pari passu com a colonização das Américas, mas, ao julgar cia e metodologia cientifica. Uma mantém os principiox filosóficos
que o problema do uso da ciència pelo colonialismo é algo da es-
do fazer cientifico e lhe restitui a dimensao ética eliminada pelo
sência da ciência e não de seu uso (problema ético), esses autores
necessidlades lógicas nnetalísicus em
decoloniais incorrem Capital e a outra rejeita as e
em
equívoco. infni
que a ciência moderna foi erigida c abre
uma possibilidade
Falo em utopia no sentido desenvolvido por Karl Mannheim (1972), Para dos distintos
la de princlpios que dizem vespeito às cosmovisoes
csse auto, a ideologia é uma ideia
que nao condiz com o real, pois é a inversio
da realidade a fim de mascarar, no âmbito das ideias, a violêncla c assunem o papel de cientista. Nesse
exploraçao povos c grupos sociais quc
reais. Em contra partida, a utopia também näo busca ser uma
do real, mas sim uma proposta de represenlaçio "Metalisica, neste texto, possui o signilicado que o termo tem,
desde Aristó
superaçâo da violência e cxploraçâo que se
apresentam no mundo real. A utopia reconhece o reale o nega näo por neio leles, cm l'ilosolia: a clêncla das primeiras causas e dos primciros prineipivs
do mascaramento, mas da propsta de Kant (1987) dlemonstrou que ess48 prinneirAs Cauaa priuciros prieipios
e

superaçáo. , a utopla que serve com razio e da sensibilidade


cmbasamento nas lutas dos grupos ninoritários.
i os elenentos a priori da
116 17
utimo caso, a ciência não pode ser conceituada, dela podemos ter dade rejeitando a hierarquizaçãão do conhecimento de acordo com
apenas uma noção. A ciência se torna uma atividade de "conheci as
hierarquias sociais (étnico-raciais) e o eurocentrismo.
mentos de arranjos infinitos. O ideal científico de Quijano se assemelha muito ao de
A primeira pode ser verificada nos trabalhos de Aníbal Qui- Frantz Fanon. Para Fanon (2008), as
foi conquistas da ciência não são
jano, herdeiro do
peculiar marxismo de Mariátegui'. Quijano conquistas dos brancos / conquistas dos colonizadores/ conquis-
risca método científico comum å So- dos opressores, mas
um
sociólogo que seguiu à o tas
conquistas da humanidade. A ciência não
ciologia, em sua fundamentação materialista histórica e dialética. é um bem particular, é um bem humano construído
coletivamente
Mas, diferente de boa parte dos marxistas do séc. XX, Quijano não eque, assim como muitos outros, o juízo de valor "bom" ou
cultivava concepções e valores positivistas. Ampliando o caminho
"ruim
que Ihe cabe depende do contexto e, sobretudo, do uso e das con-
aberto por Mariátegui, o sociólogo peruano enriqueceu o materia- sequências humanas que lhe seguem. Exatamente por ser um bem
lismo histórico e dialético com categorias fundamentais que vão humano, a ciência pode e deve ser utilizada na construção de outro
além da luta de classes (SEGATO, 2013). mundo possível onde a boa vida humana
seja real e a colonização
Ao analisar os processos de colonização desde América La- apenas um passado ruim.
tina e a configuração da geopolítica atual, Quijano percebeu que o Por alternativa decolonial de ciência e metodo-
sua vez, a

padrão de poder e exploração sempre estiveram imbricados a dife logia científica sustentada principalmente por Grosfoguel, Cas-
renças étnico-raciais, de modo que tentar explicaro surgimento e tro-Gómez e Dussel é não apenas eclética, mas radical. As raízes
desenvolvimento do sistema-mundo capitalista moderno descon- de sua epistemologia estão no pós-estruturalismo, o movimento
siderando a racialização que lhe é própria é uma tarefa fracassada. de desconstrução encabeçado por Derrida e o Pós-Modernismo.
Ainda que Quijano não tenha rompido epistemicamente Toma corpo nessas raizes a indignação de povos tradicionais, gru-
com a ideia de ciência social, seu rompimento foi com o ideal posi pos religiosos e populações minoritárias que desejam que seus sa-
tivista que ainda se abatia sobre muitos marxistas. Ele seguia o mé- beres sejam reconhecidos como possuidores do mesmo status do
todo materialista histórico e dialético; reconhecia as necessidades conhecimento científico. Esse desejo foi alimentado por anos de
metafísicas sem as quais o conhecimento científico não é possível; violência sofrida por essas populações. Ao violentá-las, os colo-
restaurou na ciência a dimensão ética eliminada nizadores tinham como instrumento a ciência, por esse motivo a
pelo Capital e as-
Sumiu uma postura engajada e
comprometida com a decoloniali- experiência que esses povos têm com a ciência foi sempre marcada
pela colonialidade.
Falo de "conhecimento porque, em Filosofia, existe Tal proposta de ciência e metodologia cientifica é proble-
entre conhecimento (um saber
uma distinção precisa
lógico, de conteúdo verdadeiro e fundamenta- mática porque, para permitir que existam várias maneiras de fazer
do em demonstrações lógicas elou
empíricas) e uma
simples noção/opinião ciencia negra, etc.), toma-se
ou um saber de experiência vivida. ciência (uma ciência indigena, uma

José Carlos Mariátegui foi um dos mais influentes e como pressuposto a ausência de principios necessários e transcen
originais intelectuais
marxistas latino-americanos do séc. XX. Seus trabalhos valorizam o dentais para o fazer científico. Esses autores caem em um sociolo-
mento dos povos tradicionais do Peru, o resultado é uma pensa-
voltada para a realidade local concreta. De nacionalidade
teoria socialista gismo, é como se toda teoria científica, social, histórica, filosófica,
1894 e faleceu precocemente em 1930. peruana, nasceu em
econômica ou crítica se baseasse exclusivamente na experiência só-

118 119
visão de mundo
de homens das potêéncias euro- De modo
cio-histórica e na
Alemanha, Itália) e os Estados
geral, os estudos de Metodologia Científica se con-
peias ocidentais (Inglaterra, França, centram entorno de questões
específicas do uso e desenvolvimento
tudo é uma questão de contexto social
de métodos,
Unidos. O argumento é que e daí existência de
inverter a direção do
a
seções deMetodologia Cientifi-
de poder, sendo assim, é possível conselhos e associações de
e relações ca em
pesquisadores profissionais, por
produzir ciências baseadas
processo e, contra-hegemonicamente,
mundo dos povos su-
exemplo, ou, entorno do ensino de métodos básicos e avançados
sócio-histórica e na visão de de pesquisa científica, daí a existência de
na experiência departamentos de Meto-
GROSFOGUEL, 2016),
balternizados (CASTRO-GÓMEZ, 2005; dologia Cientifica e/ou das disciplinas Metodologia Científica em
proposta éo que Lukács (1959) cha- de
Outro problema nessa cursos graduação e pós-graduação nas universidades. Contudo
mou de irracionalismo, pois, ao rejeitar a metafisica, a lógica e a aqui quero pensar em alguns princípios decoloniais que sirvam
"ocidentais" e "colonj-
epistemologia filosófica considerando-as tanto para quem pesquisa quanto para quem ensina/aprende Me
zadoras, as produções decoloniais ditas "cientificas" que seguem
todologia Cientifica.
essemodelo desprezam o entendimento e a razão, caracterizando- Fanon (2005)
lembra que na descolonizaço há a necessi-
-se pela arbitrariedade, afirmações contraditórias, precariedade dade integral e contínua de questionamento da situaço colonial.
dos fundamentos, argumentações falaciosas, baixo nível filosófico, Na verdade, o sucesso da barbárie colonial
depende da ausência de
glorificação da intuição, mitomania, e outros caracteres irraciona- reflexão contínua sobre a situaço vivida. Logo, o primeiro
princí-
listas. Em suma, o conceito de ciência é incompativel com essa
úl pio da descolonização da Metodologia Científica é a reflexão con-
tima proposta que dá origem a quase tudo, menos à ciéncia. tínua do metodólogo acerca da relação direta e indireta entre sua
atividade e a realidade social em que está inserido. Isso resultará
4 Descolonizando a disciplina de Metodologia Cientifica na tomada de uma postura consciente em relação à colonialidade
do poder em sua atividade de metodólogo
A maneira como concebemos a Metodologia Cientifica está pesquisador/docente
discente. O exercicio da consciência é condição indispensável da
intimamente marcada pelo contexto social e politico em que este
retomada da dimensão ética do fazer científico que torna
campo do conhecimento foi construído, qual seja, o sistema-mun-
o
meto
dólogo um homem totale não uma coisa colonizada que age como
doeuro-norteamericanocapitalista/racista/ patriarcal / moderno
colonial. E, a depender da situação ou do lugar, a colonialidade
mero operador do método a despeito de quaisquer consequências.
Outro princípio é o comprometimento e engajamento ético-
da metodologia cientiífica torna-se mais ou menos evidente. E cla-
ro que ao reconhecer isso
-político com a decolonialidade, pois permite o combate tanto da
não recomendo o fim da Metodologia
colonialidade do ser quanto da colonialidade do saber. O metodó-
Cientifica, porém, acredito ser mais do que busca por
urgente a
logo engajado busca maneiras de fazer ciência que estabeleçam la-
alternativas decoloniais que, sem
romper com os principios que ços humanos entre os sujeitos, laços que gerem respeito e horizon-
mantém a ciência em pé,
possam livrar nossas reflexões e ensino talidade em detrimento da violência e das hierarquias presentes
do método científico da
carga de racismo, sexismo, classismo e ou-
violências que historicamente foram a
tras processos de ensino-aprendizagem via colonialidade do saber.
ele atreladas, como bem Além disso, as hierarquizações da colonialidade se con-
denunciam os teóricos decoloniais.
solidam em uma barreira que impede tanto o reconhecimento e

120
121
humana, como também por seus
respeito pelo outro como pessoa quétipo do colonizador
que reafirma
conhecimentos. Castro-Gómez e Grosfoguel (2007, p.21), tradu- os
padrões racistas, sexistas,
classistas e eurocêntricos de nossa sociedade é a própria colo-
digo a ciência
-

-e eu
ção minha) observam que "a ciência social nialidade do ser. O importante cientista é a
em geral- "ainda não encontrou a
forma de incorporar o conhe-
uso do método, a criatividade firmada
no ser
rigorosidade no
cimento subalterno aos processos de produção
de conhecimento. princípios cientificos e
nos
a
conciliação de tudo isso com uma existência humana total e, por
do conhecimento
Sem isto não pode haver decolonização alguma isso, ética, que só é possível via
descolonização.
nem utopia social mais além do ocidentalismo'.
Em contrapartida, o metodólogo engajado coma descoloni Considerações finais
zação busca soluções para esse problema e valoriza procedimentos
de pesquisa que, respeitando o limite da verdade, criem diálogos Em suma, existe um modo correto de se fazer ciència, e,
entre o conhecimento cientifico e os saberes dos sujeitos pesquisa- tanto a ciência quando
Metodologia Cientifica não apresentam
a

dos ou que moram nos espaços geográficos onde as pesquisas são problemas originados na essência da própria ciência, mas sim na
realizadas. E devo dizer que diferente do que supõem os preconcei- organizaçâão em função da colonização a que por muito tempo fo-
ram e vêm sendo sujeitadas. E isso que caracteriza a colonialidade
tos positivistas, o comprometimento e engajamento não compro-
metem os resultados da pesquisa ao aproximar sujeito e objeto. O da ciência e da Metodologia Científica. Para descolonizá-las não é
distanciamento entre ambos deve necessário assumir uma postura irracionalista em que tudo passa
ser operado no campo da lógica
e não no campo da ética. a ser considerado ciência, é preciso apenas resgatar/ restituir a di-
Por fim, saliento o caráter que Becker (1999) chama de "pro- mensão ética da ciência que foi eliminada pelo Capital e, nesta fei-
selitizante" na Metodologia Cientifica. E bem verdade que a disci- ta, produzir uma ciência e uma Metodologia Cientifica engajadas e
plina é útil para explicar e aperfeiçoar a prática da pesquisa, elu- comprometidas com a decolonialidade.
cidar que tipo de método é mais útil, mas, não raramente, muitos
metodólogos tolhem a criatividade na defesa de uma dita "maneira Referências
certa de fazer as coisas";
exigem que os pesquisadores, especial- BECKER, Howard. Métodos de pesquisa em Ciências Sociais. 4. ed.
mente alunos, convertam-se a estilo de trabalho
um e a
aplicação São Paulo: Editora HUCITEC, 1999.
inflexível de algumas regras e
procedimentos que são dispensáveis.
Uma postura decolonial elimina esse BERNARDINO-COSTA, Joaze; GROSFOGUEL, "Ramón. Deco-
proselitismo, pois valoriza o
protagonismo dos pesquisadores em prejuízo do colonizado auto- lonialidade e perspectiva negra'. Revista Sociedade e Estado, Brasí-
ritarismo acadêmico. lia, v. 31, n. 1, p. 15-24, jan./abr. 2016.
Ademais, minha experiència acadêmica
em

metodólogos docentes são os que mais cobram de


percebo que os BONNICI, Thomas. "Avanços e ambiguidades do pós-colonialis-
seus alunos um
modo de se vestir, de se mo no limiar do século 21. Légua e Meia: revista de literatura e
portar e de falar que seja "universitário" diversidade cultural, Feira de Santana, v. 4, n.3, p. 186-202, set.
"acadêmico"/ "científico'". Não obstante, o
tário / acadmico / cientista que substancia
arquétipo do universi- out. 2005.
essas
cobranças é o ar
122 123
cero: ciencia, raza
La hybris delpunto
CASTRO-GÓMEZ, Santiago. Pontificia LUKÁCS, Georg. El asalto a la razón: la trayectoria del irraciona-
(1750-1816). Bogotá:
Nueva Granacda
e ilustración en la lismo desde Schelling hasta Hitler. Buenos Aires: Fondo de Cultura
Universidad Javeriana, 2005.
Económica, 1959.
GROSFOGUEL,
Ramón. (Orgs.).
CASTRO-GÓMEZ, Santiago;
una
diversidad epistêmica más MALDONADO-TORRES, Nelson. "Sobre la colonialidad del ser:
El giro decolonial: Reflexiones para
allá del capitalismo global. Bogotá:
Siglo del Hombre Editores; contribuciones al desarrollo de un concepto'. In: CASTRO-GO-
Estudios Sociales Contemporá- MEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón. (Orgs.). El giro decolo-
Universidad Central; Instituto de
Pensar, 2007. nial: Reflexiones para una diversidad epistêmica más allá del ca-
neos; Pontificia
Universidad Javeriana; Instituto
pitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad
encobrimento do outro: a origem do Central; Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos; Pontificia
DUSSEL, Enrique. 1492, o
de Frankfurt. Petrópolis, RJ: Universidad Javeriana; Instituto Pensar, 2007, p. 127-168.
mito da Modernidade, conferências
Vozes: 1993.
MANNHEIM, Karl. ldeologia e utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.
FANON, Frantz. Peles negras, máscaras brancas. Salvador: EDU-
FBA, 2008. QUIJAN, Aníbal. "Colonialidad del poder y clasifcación so-
cial. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón.
. Os condenados da terra. Juiz de Fora: Ed. UFJE, 2005. (Orgs.). El giro decolonial: Reflexiones para una diversidad epis-
temica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre
GROSFOGUEL, Ramón. "A estrutura do conhecimento nas uni- Editores; Universidad Central; Instituto de Estudios Sociales Con-
versidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os temporáneos; Pontificia Universidad Javeriana; Instituto Pensar,
quatro genocidios/epistemicidios do longo século XVT. Revista 2007, p. 93-126.
Sociedade e Estado, Braslia, v. 31, n. 1, p. 25-49, jan./abr. 2016.
Disponivel em: < http://www.scielo.br/pdf/se/v31n1/0102-6992- SEGATO, Rita Laura. Ejes argumentales de la perspectiva de la Co-
se-31-01-00025.pdf>. Acesso: 20 jan. 2020. lonialidad del Poder. Revista Casa de las Américas, Habana, n. 272,
P. 17-39, jul.-sep. 2013.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 3. ed. São Paulo: Nova
Cultural, 1987.

Resposta à pergunta:o que é Esclarecimento?" Cognitio,


São Paulo, v. 13, n. 1, p. 145-154,
jan./jun. 2012.
LANDER, Edgardo. (Org.). A colonialidade do saber. eurocentris-
mo e ciencias sociais, perspectivas latino-americanas.
Buenos Ai-
res, Argentina: CLACSO, 2005.

124
125

You might also like