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HISTORIA
D em en tai do
Protestantismo no
D ificilm e n te p o d e ría m o s so b re e stim a r a
importância da obra que a ASTE, agora em sua
terceira edição, entrega ao público. Palavra alguma
seria capaz de agregar-lhe novos valores, diferentes
daqueles que a crítica, especializada ou não, tem
identificado na História Documental do
Protestantismo no Brasil, desde a primeira edição,
no ano de 1984. Trata-se, para dizer o mínimo, de
um texto que já nasceu clássico em virtude de seu
caráter inovador, rigoroso e, ademais, didático. Com
efeito, ele rompe com o tom apologético e
exclusivista predominante nas inúmeras histórias
denominacionais. Em vez de j u s t i f i c a r
institucionalmente esta ou aquela agremiação, que
reivindica unicamente para si a herança protestante,
o autor busca compreender, em seu conjunto, a
presença do protestantismo na sociedade brasileira
sem, contudo, omitir as diversas expressões deste
segmento religioso.

jo sé C arlos de So u za
Professor de história eclesiástica n a Faculdade de Teologia da Igreja Metodista
A publicação deste livro foi possível
graças às contribuições da
Evangelisches M issionsw erk in D eutsch lan d
(H am bu rgo, A lem anha) e das
Igrejas Protestantes U nidas n a H olan d a -
M inistérios G lobais (U trecht),
às quais a A ssociação de Sem inários
T eológicos Evangélicos agradece.

Associação de Seminários Teológicos Evangélicos


Presidente: Prof. José Carlos de Souza (São Bernardo do Campo)
Vice-Presidente: Prof. Dr. Zaqueu Moreira de Oliveira (Recife)
Secretário: Prof. Manuel Bernardino de Santana Filho (Rio de Janeiro)
Tesoureiro: Prof. Gerson Correia de Lacerda (São Paulo)

Vogais:
Prof. Dr. Leonardo Neitzel (São Paulo)
Prof. Dr. Nelson Kilpp (São Leopoldo)
Prof. Werner Wiese (São Bento do Sul)

Secretário Geral
Prof. Fernando Bortolleto Filho
História Documental do
Protestantismo no Brasil
Duncan Alexander Reily

3a edição revisada pelo autor

ASTE
São Paulo
2003
Primeira edição A STE © 1984. Segunda edição A STE © 1983. Terceira edição A ST E © 2003.
Todos os direitos reservados.

Direção Editoral
Fernando Bortolleto Filho

Revisão Final
José Carlos de Souza

Capa e Projeto Gráfico


Marcos Gianelli

Editoração Eletrônica
Ana Laura Gomes
emblema idéias visuais
tel/fax [11] 3023 4187
emblemaideias@aol.com

D ados Internacionais de Catalogação na Publicação (C IP )


(Câm ara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

D a d o s Internacionais de C atalo gação na Publicação (C IP )

Reily, D uncan Alexander


H istória docum en tal do protestan tism o no B rasil / D uncan
Alexander Reily. - 3 a ed. - São Paulo; A S T E , 20Q3

Bibliografia.

1. Protestan tism o - Brasil - H istória


2. Protestan tism o - H istória - Fontes I. T ítu lo

IS B N 8 5 -8 7 5 6 5 -0 9 -5

0 4 -2525 C D D -2 8 0 .4 0 9 8 1

ín d ices para catálogo sistem ático:


1. Brasil: P rotestan tism o: H istória docum en tal 2 8 0 .4 0 9 8 1
2 . Protestan tism o: Brasil: H istória docum en tal 2 8 0 .4 0 9 8 1

2003
Associação de Seminários Teológicos Evangélicos
Rua Rego Freitas, 530 F. 13
0-1220-010 São Paulo, SP
Brasil
Tel (11) 3257 5462 Fax (11) 3256 9896
aste@uol.com.br
www.aste.org.br
SUMÁRIO

Apresentação à Terceira Edição ............................................................................... 15


Uma palavra do autor ao leitor ............................................................................... 19
Parte I - Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889......................... 27
Introdução ao primeiro período ...................................................................... 27
Grã-Bretanha ............................................................................................. 27
Alemanha .................................................................................................... 32
Estados Unidos da América ........................................................................ 37
A separação de Igreja e Estado.................................................................. 37
A estrutura denominacional da Igreja americana.................................... 38
Dominava na América do Norte, a “Era Metodista” ............................... 40
A religião e a nação norte-americanas se encontravam profundamente
divididas por causa da escravidão............................................................ 41
Os ingleses ......................................................................................................... 45
Base legal para o culto anglicano no Brasil ................................................ 47
O status legal dos acatólicos no Brasil imperial ........................................ 48
Observações de viajantes protestantes que passavam pelo Brasil ............ 49
Excerto do diário de Heruy Martyn, missionário anglicano (1805) ........ 49
Carta de s. Broadbent, missionário wesleiano no Ceilão (1816) ............ 51
A primeira capela anglicana no Brasil ....................................................... 53
Observações sobre a religião no Brasil por dois capelães ingleses ............ 54
Excerto da Carta de Boys (1819) ............................................................ 55
Observações de Robert Walsh sobre o anglicanismo no Rio de Janeiro ...... 56
Os alemães ....................................................................................................... 57
Nova Friburgo e a primeira Igreja Protestante alemã ............................... 58
Os alemães no Brasil na década de 1820 .................................................. 60
A fundação da comunidade evangélica alemã-francesa no Rio de Janeiro 63
A comunidade alemã de São Leopoldo (c. 1844) .................................... 64
Oficialização dos estatutos da comunidade evangélica do Rio de Janeiro 66
A influência alemã na questão dos casamentos protestantes .................... 68
Fundação do Sínodo Rio-Grandense (1886) ............................................ 69
A Alocução de Rotermund à Assembléia Constituinte do
Sínodo Rio-Grandense (1886) ................................................................. 70
Estatutos do Sínodo Rio-Grandense (1886) ............................................ 71
A luta pela ampliação da liberdade religiosa dos acatólicos ....................... 72
Relações fraternais: luteranos e metodistas ................................................... 74
Á Igreja Luterana e os imigrantes na década de 90 ..................................... 74
As sociedades paraeclesiásticas ...................................................................... 76
As sociedades bíblicas .................................................................................... 77
Fundação da Sociedade Bíblica Americana (ABS) ..................................... 79
Constituição da Sociedade Bíblica Americana (excerto) ........................ 79
Declaração “Ao Povo dos Estados Unidos" ............................................. 79
Atitude oficial da Igreja Católica Romana quanto às sociedades bíblicas ... 82
Leigos, os agentes não-oficiais da BFBS ...................................................... 83
Carta do sr. S. R. McKay à BFBS .............................................................. 84
Documento composto: deliberações do comitê da BFBS ............................. 86
Os missionários e a Bíblia ........................................................................... 86
A venda da Bíblia por meio de publicidade em jornais ......................... 87
Proposta apresentada à Assembléia Legislativa da
imperialprovíncia de São Paulo ............................................................ 87
A Sociedade Bíblica do B rasil ..................................................................... 88
Outras sociedades paraeclesiásticas .............................................................. 89
A Sociedade Escolar Britânica e Estrangeira ............................................... 90
Decreto de I o de março de 1823 ............................................................ 90
Lei de 15 de outubro de 1827 (excerto) ................................................ 91
Missões entre marinheiros ........................................................................... 92
Kidder e Spaulding ministram aos marinheiros no porto do Rio ........... 92
James C. Fletcher descreve sua capelania entre os marinheiros
americanos no Rio deJaneiro ............................ .................................... 93
Missionários da União Cristã Americana e Estrangeira ................................. 94
A obra evangelística de Fletcher no Rio de Janeiro (1854) .................... 94
A obra missionária de Vernum D. Collins (1856) ................................. 95
Sociedades adenominacionais da juventude cristã .......................................... 96
Associação Cristã de Moços no Rio ........................................................ 97
União Mundial do Esforço Cristão —“Convenção Paulista” ................ 98
Os metodistas ........................................................................................................ 99
A missão de 1835 a 1841 ................................................................................. 99
Carta de Fountain E. Pitts recomendando o estabelecimento
de uma missão metodista no Brasil .............................................................. . 100
Justin Spaulding, primeiro missionário metodista no Brasil .......................... 102
Encerramento da primeira tentativa missionária metodista (1841) .............. 103
Dificuldadesfinanceiras prenunciam ofechamento da missão .............. 104
Missões sul-americanas.......................................................................... 104
Trabalho metodista permanente ....................................................................... 104
Junius Eastham Newman, iniciador do trabalho metodista permanente.... 106
John James Ransom, primeiro missionário oficial da IMES ....................... 107
Martha Hite Watts e o Colégio Piracicabano,
primeiro educandário metodista ................................................................. 109
O primeiro aniversário do Colégio Piracicabano ................................... 109
O progresso do Colégio ............................. .............................................. 109
A alforia da escrava Flora Maria Blumer de Toledo ............................... 110
Organização da primeira conferência anual da Igreja Metodista (1866) ... 111
A Associação da Igreja Metodista ............................................................... 111
João da Costa Corrêa, primeiro pregador metodista brasileiro ................... 112
Os congregacionais .............................................................................................. 114
A escola dominical fundada pelos Kalley em Petrópolis
(19 de agosto de 1855) ....................................................................................... 115
Instalação .................................................................................................... 115
19 de agosto de 1855 ................................................. ................................ 115
Robert Kalley e a definição da liberdade religiosa......................................... 116
Sarah Poulton Kalley e os Salmos e Hinos (primeiro hinário
protestante brasileiro) .................................................................................... 120
Número dezoito daprimeira edição de Salmos e Hinos ............................. 120
“Advertência” da primeira edição com música ........................................... 120
Consciência social da Igreja Fluminense ..................................................... 121
A base doutrinária dos congregacionais brasileiros ..................................... 122
Os Artigos Orgânicos da Igreja Evangélica Fluminense (1880) ................ 126
Os presbiterianos ................................................................................................ 128
A fundação da primeira Igreja Presbiteriana no Brasil (1862).................... 130
O presbiterianismo em Brotas, província de São Paulo ............................... 130
Excerto do relatório do missionário F. J. C. Schneider ............................... 131
Excerto do relatório do missionário George Chamberlain ......................... 131
Fundação do Presbitério do Rio de Janeiro ................................................. 131
Ata oficial da fundação do Presbitério ........................................................ 132
Blackford descreve a fundação do Presbitério ............................................ 132
Aprovação pelo governo imperial dos Artigos Orgânicos do
Presbitério do Rio de Janeiro ........................................................................ 132
Ex-padre José Manoel da Conceição, o primeiro ministro
protestante brasileiro........................................................................................ 134
Presbiterianos e luteranos em Petrópolis ...................................................... 136
O protestantismo e a abolição da escravidão ............................................... 138
O estabelecimento do Sínodo da Igreja Presbiteriana (1888)..................... 139
Os batistas ............................................................................................................ 140
A confissão de fé dos batistas ........................................................................ 142
Aprimeira missão batista no Brasil (1859-1861) ........................................ 145
A Igreja Batista de Santa Bárbara pede missionários .................................. 146
A carta da Igreja de Santa Bárbara ............................................................ 146
A comunicação da comissão ........................................................................ 147
Início da missão batista entre os brasileiros: fundação da
Igreja Batista em Salvador da Bahia, 1882.................................................... 148
Ata primeira da sessão de instalação da
Primeira Igreja Batista na cidade da Bahia ............................................... 148
Os missionários Bagby e Taylor descrevem os inícios da sua obra na Bahia . 149
Antônio Teixeira de Albuquerque, primeiro pastor batista brasileiro........... 150
Os episcopais ........................................................................................................ 153
O primeiro missionário episcopal no Brasil, Richard Holden (1861-1864) 154
O envio de missionários episcopais que estabeleceram
a obra permanente (1889) ............................................................................. 156
Os episcopais justificam sua missão no Brasil, terra católica ...................... 157
25 de maio de 1893 ................................................................................... 157
Nomeação de superintendente...................................................................... 158
Os princípios doutrinários dos episcopais .................................................... 158

Parte II - Crescimento e amadurecimento (1889-1964) ........................................ 161


Introdução geral ao período ................................................................................ 161
A busca da integridade denominacional e da autonomia ................................. 165
Os presbiterianos ................................................................................................ 166
Eduardo Carlos Pereira e a autonomia presbiteriana ................................ 166
A responsabilidade dos evangélicos brasileiros perante a sua pátria........ 166
Autonomia e sustento próprio ................................................................ 167
O cisma presbiteriano de 1903 .................................................................. 168
A plataforma .......................................................................................... 169
Protesto apresentado ao Sínodo da Igreja Presbiteriana do Brasil (1903) 170
O lugar do missionário na Igreja nacional ................................................ 171
Delimitação de campo de trabalho entre missões e Igreja nacional ............ 173
Os batistas ....................................................................................................... 178
A Convenção Batista Brasileira'(1907) ...................................................... 178
Nacionais e missionários: a “questão radical" entre os batistas do Nordeste .. 180
Decisão oficial da “questão radical” (1925) ............................................... 182
Novas bases de cooperação entre batistas brasileiros e
a Junta de Missões (1936) ......................................................................... 185
Plano de sustentofinanceiro do trabalho batista brasileiro (1957) ............ 188
Os metodistas ................................................................... ;............................. 190
O “Granbery” volta a ser administrado diretamentepela Junta de Missões . 190
Autonomia formal da Igreja Metodista (1930) .......................................... 191
César Dacorso Filho, primeiro bispo metodista brasileiro ........................... 197
Justus H. Nelson, missionário de sustentopróprio ........................................ 198
Resumo autobiográfico deJustus Nelson ................................................. 198
Nelson condenado à prisão: “Acordam do Tribunal Superior da Justiça” .... 200
Os luteranos .................................................................................................... 201
O Sínodo Rio-Grandense revisa seus estatutos (1923) ................................ 202
O Sínodo Rio-Grandensefilia-se à Federação Alemã
das Igrejas Evangélicas (1929) ................................................................... 203
O Gotteskastensynode (O Sínodo da Caixa de Deus) ................................. 204
A razão de ser do Gotteskastensynode .................................................... 205
Apresentação do nossojo rn a l ................................................................... 206
Sínodo de Santa Catarina e Paraná: atitude para com a “Caixa de Deus” 207
A fundação do Sínodo Evangélico do Brasil Central (1912) ...................... 207
A fundação da Igreja Luterana no Brasil ................................................... 208
Estatutos da Federação Sinodal de 1949 (excerto) ................................. 209
“As teses do pastor Hermann Dohms ” (1950) ........................................ 210
Mensagem do primeiro Concilio Eclesiástico da
Federação Sinodal às comunidades ......................................................... 211
Os episcopais ................................................................................................. 212
A Convocação Episcopal de 1898 ............................................................. 212
O primeiro bispo residente da Igreja Episcopal (1899) ............................... 215
Athalício Theodoro Pithan, primeiro bispo brasileiro
da Igreja Episcopal (1940).......................................................................... 216
Organização do Sínodo da Igreja Episcopal Brasileira (1952) ................... 217
A autonomia da Igreja Episcopal do Brasil (1965) .................................... 219
Os congregacionais ......................................................................................... 220
Relações entre protestantes e católicos ................................................................ 224
Liberdade de culto (1890)............................................................................... 226
A Igreja Católica Romana é apóstata?............................................................ 227
Resistência protestante a tentativas de nova oficialização do
catolicismo romano......................................................................................... 228
Manifesto à nação (1931)............................................................................ 229
O Manifesto do Sínodo Rio-Grandense (1933) .......................................... 230
O voto como arma cristã ................................................................................ 231
Respostas às acusações de d. Antônio dos Santos Cabral,
arcebispo de Belo Horizonte ......................................................................... 232
Ecumenismo ......................................................................................................... 234
Denominacionalismo ...................................................................................... 237
Atitudes denominacionais típicas............................................................... 237
O espírito denominacional..................................................................... 237
As excelências do sistema presbiteriano em geral e no Brasil em particular 238
Os batistas e o ecumenismo ..................................................................... 239
Atritos denominacionais.............................................................................. 242
Hidrolatria ............................................................................................. 242
ultimas chuvas ...................................................................................... 243
Obstáculos ao ecumenismo...................................... ..................................... 243
O tradicionalismo teológico ........................................................................ 243
Um presbiteriano forte depende deforte seminário presbiteriano .......... 244
Atos epalavras ....................................................................................... 244
Fundamentalistas e modernistas ............................................................ 244
Nós e o Concilio [sic] Mundial de Igrejas ..................................... 245
A Aliança Evangélica ..................................................................................... 245
O Congresso do Panamá e a Conferência do Rio (1916)........................... 248
Cooperaçãofutura no B rasil....................................................................... 248
A Conferência do Rio, 14 a 18 de abril de 1916 ...................................... 250
A Comissão Brasileira de Cooperação .......................................................... 254
A Confederação Evangélica do Brasil .......................................................... 257
As maiores necessidades do evangelismo brasileiro ..................................... 258
A Confederação Evangélica do Brasil aos colendos concílios gerais.............. 259
Modusvivendi............................................................................................ 261
Os luteranosfiliam-se a Confederação Evangélica do Brasil (1959) .......... 263
O Conselho Mundial de Igrejas..................................................................... 264
Os metodistas............................................................................................... 264
Carta da IMB aceitando o convite do CM I............................................ 265
Excerto do Credo Social Metodista.......................................................... 265
Os luteranos................................................................................................ 266
Os episcopais................................................. ............................................. 268
O “Manifesto Ecumênico” ..................................................................... 268
Carta ao CMIpedindo admissão........................................................... 270
Carta pastoral dos bispos da Igreja Episcopal do Brasil (1967) ............. 270
Motivação e missão .............................................................................................. 272
Compreensão protestante da missão ............................................................ 273
Protestantismo eprogresso ...................................... .................................... 273
Discurso patriótico de Alvaro Reis ......................................................... 274
A pregação do Evangelho ........................................................................ 275
Ecos do Evangelho Social no B rasil ............................................................. 275
Atitudes protestantes quanto à política ....................................................... 277
Decisão episcopal sobre o ministro metodista e a política ........................ 277
Responsabilidade política do cristão......................................................... 278
Estratégia e tipos de trabalhos realizados....................................................... 279
Estratégia missionária ................................................................................. 280
O trabalho de colportagem.......................................................................... 280
A obra social de Hugh Clarence Tucker ...................................................... 281
Missões entre índios..................................................................................... 286
Missão entre os índios ............................................................................ 287
Obra batista entre os Craôs..................................................................... 288
Trabalho da mocidade................................................................................. 291
Palavra do rev. José Borges dos Santos Júnior,
na 2 a considta sobre a responsabilidade social da Igreja ........................ 291
Quando o silêncio é estranho................................................................... 292
A crise atual e a sua solução.................................................................... 293
Presença da mocidade na Igreja .............................................................. 293
Seminário inferiorizado? ........................................................................ 294
A reestruturação da mocidade presbiteriana ........................................... 294
Problemas e frustrações ................................................................................. 295
Circidar sobre o uso do português nas prédicas............................................. 295
O esfriamento do fervor religioso.................................................................. 296
As reuniões de estudo promovidas pelo Setor de
Responsabilidade Social da Igreja .................................................................. 297

Parte III - A Igreja do golpe de 1964 até o presente............................................... 307


Os batistas............................................................................................................. 311
Uma opinião editorial sobre o país em abril de 1964 .................................. 312
Conselho aos batistas sobre seu comportamento frente ao golpe militar .... 314
A Campanha Nacional de Evangelização inspira poesia............................... 317
Pastor João Filson Soren fornece orientação pastoral à sua Igreja
(a Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro) ............................................... 319
O evangelista batista Billy Graham no Rio de Janeiro (1974)..................... 322
Campanha Nacional da Evangelização (1980) ............................................ 323
Os presbiterianos ............................................................. .................................... 324
O Supremo Concilio de Fortaleza (1966) ..................................................... 326
Conclave na encruzilhada ........................................................................... 326
Resoluções do Supremo Concilio sobre os seus seminários ............................ 327
Pastoral aos presbiterianos ...................................... ................................... 327
A Aliança das Igrejas Reformadas ................................................................. 328
Estatutos da Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil (excerto)................... 328
Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil:
Manifesto dirigido às igrejas evangélicas ..................................................... 328
Declaração de Princípios da Aliança de Igrejas
Reformadas do Brasil (excerto)................................................................... 331
A Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas (FEN IP)........................... 332
Documento da comissão defé e ordem da FENIP .................................... 333
O Manifesto de Atibaia (íxcerto)................................................................ 333
A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil recebe missionários
norte-americanos pela primeira vez (1978) ................................................. 334
AIPIB e a renovação .................................................................................... 336
Avivamento espiritual................................................................................ 337
Resolução da Mesa Administrativa (1973) ............................................... 339
Resoluções do.Supremo Concilio (1978)....................................................... 339
Os metodistas ...................................................................................................... 340
Um arcebispo católico paraninfa a formatura da Faculdade
de Teologia da IM B ......................................................................................... 342
A criação da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) ............... 347
Os metodistas buscam diretrizes para seu sistema educacional ................... 349
Os luteranos ........................................................................................................ 356
O Manifesto de Curitiba................................................................................ 357
Nossa responsabilidade social........................................................................ 361
O fenômeno pentecostal...................................................................................... 364
Luis Francescon e a Congregação Cristã no Brasil ....................................... 367
Daniel Berg e Gunnar Vingren: a Assembléia de Deus no Brasil.............. 369
A versão de Vingren..................................................................................... 370
A versão de Daniel Berg.............................................................................. 371
Uma versão batista ..................................................................................... 373
A Igreja Evangélica Pentecostal “O Brasil paraCristo” ............................... 374
Manoel de Mello e o Conselho Mundial de Igrejas...................................... 375
Manoel de Mello explica porque quer sefiliar ao CMI ......................... 375
Manoel de Mello pede admissão ............................................................ 376
A inauguração do templo............................................................................ 377
A Igreja do Evangelho Quadrangular .......................................................... 378
Declaração de F é ......................................................................................... 379
Ministério feminino............................................................................................. 381
Ministério feminino no Exército de Salvação............................................... 382
Catherine Booth advoga a preparação fem inina.......................................... 384
O princípio de igualdade dos sexos ....................... '................................. 386
A obra da capitã Maria Josefma Anderson, oficial brasileira...................... 386
Uma reportagem do Brado de Guerra......................................................... 386
Crônica sobre Maria Josefma Anderson...................................................... 386
Ministério feminino na Igreja do Evangelho Quadrangular........................ 387
As primeiras ordenações de ministras da Igreja Quadrangular.................... 388
Em Curitiba ministério vitorioso da pastora Odá ..................................... 388
Ministérios femininos em outras igrejas pentecostais .................................. 390
Ministério feminino entre os metodistas ...................................................... 391
Legislação canônica sobre a Ordem das Diaconisas.................................... 391
Art. 1 5 7 ...................................................................................................... 392
Zeni, a jovem senhora presbítera .................................................................. 392
Ministério feminino entre os luteranos ....................................................... 393
A obra de uma irm ã .................................................................................... 393
Art. 51 ...... ........... ..................................................................................... 394
Certificado de apresentação ........................................................................ 394
A IPI do Brasil debate a ordenação de presbíteras ....................................... 395
Decisão do Supremo Concilio de 1978 ....................................................... 395
Decisão do Supremo Concilio de 1981 ........................................................ 395

Notas da Parte I ......................................................................................................... 397


Notas da Parte II ........................................................................................................ 415
Notas da Parte III ...................................................................................................... 429

índice de assuntos ...................................................................................................... 441


índice onomástico..................................................................................................... 447

13
Apresentação à Terceira Edição

Dificilmente poderíamos sobreestimar a importância da obra que a A STE, agora


em sua terceira edição, entrega ao público. Palavra alguma seria capaz de agregar-lhe
novos valores, diferentes daqueles que a crítica, especializada ou não, tem identificado
na H istória Documental do Protestantismo no Brasil, desde a primeira edição, no ano de
1984. Trata-se, para dizer o mínimo, de um texto que já nasceu clássico em virtude de
seu caráter inovador, rigoroso e, ademais, didático. Com efeito, ele rompe com o tom
apologético e exclusivista predominante nas inúmeras histórias denominacionais. Em
vez de justificar institucionalmente esta ou aquela agremiação, que reivindica unica­
mente para si a herança protestante, o autor busca compreender, em seu conjunto, a
presença do protestantismo na sociedade brasileira sem, contudo, omitir as diversas
expressões deste segmento religioso.
O resultado é a superação do isolamento que cerca, com indesejável freqüência, os
círculos eclesiásticos e acadêmicos. Deste modo, temas silenciados nas interpretações
tradicionais —tais como, as sociedades paraeclesiásticas, as relações entre católicos e
protestantes, o ecumenismo, a atitude frente à política, em especial ao golpe de 1964,
a responsabilidade social das igrejas e o ministério feminino —sao considerados aten­
tamente.
N ão obstante, o método adotado, que privilegia os documentos —e estes sempre se
referem a uma organização particular - pode transmitir a sensação de que, no final,
prevalece uma simples sobreposição das narrativas históricas confessionais. Fazendo
frente a este perigo, contrapõem-se os esforços do autor tanto em estabelecer marcos
periódicos gerais quanto em contextualizar, da maneira mais ampla possível, na intro­
dução de cada seção, os vários documentos citados. Obviamente, é possível contestar
a inclusão ou a exclusão de um ou outro documento em função do caráter seletivo que

15
a própria investigação histórica pressupõe. Entretanto, não se pode deixar de reconhe­
cer a seriedade acadêmica e o paciente trabalho de coletar informações tão significati­
vas para o exercício da história. Se fazer história não se restringe à análise de documen­
tos, tampouco pode desprezar a interpretação cuidadosa das fontes. Nesse ponto,
manifesta-se o didatismo desta H istória Documental, na medida em que as pessoas que
a lêem são desafiadas a interpretar a documentação, ao invés de simplesmente aderir a
uma interpretação já consagrada.
Passados vinte anos da primeira edição, esta obra pode ser considerada clássica
também por resistir à prova do tempo. Desconsiderando as mudanças gráficas e a
alteração na numeração dos documentos, apenas duas novidades aparecem na presen­
te publicação: (1) a inserção da seção intitulada “O cristianismo norte-americano,
predominantemente protestante, era profundamente anticatólico”, a qual retoma uma
característica legada do protestantismo missionário, porém aguçada em terras brasilei­
ras, que nem sempre tem sido avaliada com a intensidade esperada; e (2) a inclusão do
documento de alforria da escrava Flora Maria Blumer de Toledo, com o qual se sugere
a necessidade de se rever as relações entre o protestantismo e a escravidão no Brasil
Império.
Cabe, ainda, uma advertência. O documento mais recente incluído na H istória
Documental do Protestantismo no Brasil é datado em 1981. Por essa razão, cogitou-se
em atualizar o livro pela introdução de uma nova seção abrangendo textos e docu­
mentação elaborados nas duas últimas décadas. De fato, não apenas a sociedade brasi­
leira passou por transformações inimagináveis no início dos anos 1980, como a pró­
pria dinâmica histórica levou as Igrejas a revisarem as suas posições em relação a vários
assuntos como, entre outros, a dimensão pública da missão cristã, o pluralismo religi­
oso presente no mundo atual e a participação crescente das mulheres nos ministérios
eclesiásticos. O desmantelamento do socialismo real, a ascensão do neoliberalismo, a
chamada globalização, o processo de abertura política, a elaboração de uma nova carta
constitucional e as eleições diretas para a presidência da República; bem como o
surgim ento de novas formas de pentecostalism o, a expansão dos movimentos
carismáticos e a predominância do néoconservadorismo nas igrejas, enfim, todos esses
fatores desafiaram o protestantismo a questionar seriamente não apenas práticas con­
sagradas, mas também paradigmas de interpretação admitidos pela grande maioria de
seus adeptos. As igrejas não são realidades estáticas, antes, buscam adaptar-se às exi­
gências dos tempos. Nem sempre o que gozava de aceitação no passado é aceito no

16
presente. Para citar apenas algumas mudanças, leve-se em consideração, a título de
exemplo, que, nesse último período, a Igreja Evangélica Pentecostal “O Brasil para
C risto” desligou-se form alm ente do Conselho M ündial de Igrejas, e a Igreja
Presbiteriana Independente aprovou a ordenação de presbíteras em sua Assembléia
Geral, realizada no ano de 1999.
As considerações acima formuladas indicam tanto a urgência de dar continuidade
à tarefa cumprida com singular competência pelo Dr. Reily, como a impossibilidade
de levá-la a cabo nos limites desta obra. N a verdade, há material para locupletar um
segundo volume! Aliás, o projeto já está previsto no programa editorial da A STE. A
sua efetivação, com certeza, demandará muito tempo e o esforço conjugado de vários
colaboradores, porém, este é o único caminho para dar justo prosseguimento à inici­
ativa pioneira do Dr. Reily, cuja contribuição reconhecemos com gratidão.

José Carlos de Souza


Tempo Pascal, 2003

17
Uma Palavra do
Autor ao Leitor

A presente H istória Documental do Protestantismo no Brasil nasceu de uma necessi­


dade que eu senti, a saber, a de material acessível para o ensino da história do cristia­
nismo no Brasil. Quando da concepção da obra, eu cria, ingenuamente, que, reunin­
do os esforços de um ou mais competentes historiadores de cada um dos principais
ramos protestantes e de alguns da Igreja Católica Romana, rapidamente completaria o
livro que tinha em mente. Os historiadores indicariam os documentos essenciais, far-
se-ia uma sucinta introdução a cada um, e assim surgiria uma história documental
ecumênica do cristianismo brasileiro, desde o descobrimento, em 1500. A realização
provou ser muito mais difícil do que o sonho. Logo tive que abandonar a idéia de
incluir a Igreja Católica; porém, nasceu o projeto da Comissão de Estudos de História
da Igreja na América Latina (CEH ILA), de escrever uma História Geral da Igreja da
América Latina, sendo que a partir de 1977 surgiu a primeira parte desta história
sobre o Brasil, referente à era colonial, e em 1980, referente ao século XIX, respectiva­
mente os tomos II e II/2 da H istória da Igreja no Brasil. Deixou de existir, portanto, a
urgência que sentira quanto à parte católica da história. Depois, por três principais
razões, decidi eliminar também da parte protestante os séculos XVI e XVII, a saber:
em primeiro lugar, embora interessante e gratificante aos evangélicos, pelo fato das
missões calvinistas dos referidos séculos não lograrem permanência, elas exerceram
pouquíssima influência no Brasil e no próprio protestantismo brasileiro. Em segundo
lugar, embora tendo localizado material bom e pertinente, pouco descobri não publi­
cado em outros livros. Em terceiro lugar, decidi eliminar o período para que o livro
não ficasse grande demais. Portanto, descobri que a gestação seria muito mais demo­
rada do que primeiro imaginara; demorou mais de uma década para vir à luz. Ade­

19
mais, nasce agora não uma história do cristianismo brasileiro desde 1500, e sim, ape­
nas uma história do protestantismo dos séculos X IX e XX.
Depois de grande investimento de tempo e energia, tanto meu próprio como de
dedicados colaboradores, cheguei quase a desistir do projeto por duas vezes. A primei­
ra resultou do meu próprio envolvimento na seção protestante da C EH ILA . O
engajamento no projeto de escrever uma história da Igreja protestante na perspectiva
do pobre me levou a questionar até a validade de uma história documental a qual
certamente não parte do pobre. Contudo, o uso que fiz dos documentos já coletados,
e isso em diversos níveis de ensino, inclusive o de pós-graduação, me convenceu do
valor do material contido no manuscrito ainda inacabado. Outra ocasião ocorreu em
1978, quando todo o material já reunido e parcialmente processado, ficou perdido
pelo espaço de quase três meses (enviei-o pelo frete aéreo, aos Estados Unidos, e se
extraviou). Parecia o fim, tanto da matéria-prima da obra como do meu ânimo para
recomeçar o projeto. A empresa aérea descobriu o caixote contendo os documentos e
mo remeteu. Desde então, resolvi terminar o livro tão rapidamente minhas tarefas o
permitissem. Eis o resultado, portanto, de uma longa e penosa caminhada.

A natureza da obra
O título já identifica a natureza geral da presente obra —é uma H IST Ó R IA D O ­
C U M E N TA L, ou seja, uma história cujo conteúdo essencial é composto de docu­
mentos. 1) N ão é, portanto, um simples arquivo de documentos, por mais valioso que
fosse; pretende ser, realmente uma história do protestantismo no Brasil. 2) N ão pre­
tende, contudo, ser uma história narrativa comum. E uma história contada essencial­
mente pelos documentos aqui exibidos. 3) D e modo geral, a escolha dos documentos
é paradigmática, não exaustiva. Isto é, não pretendemos publicar documentos parale­
los de todas as igrejas protestantes sobre um determinado assunto, a não ser nos casos
em que tal repetição nos pareceu muito conveniente, como, por exemplo, a implanta­
ção dessas denominações no país. Comparando a presente História Documental com
outras do gênero, será notado que ela se assemelha em escopo e método mais à American
Christianity de Smith, Handy e Loetscher, do que aos Documentos da Igreja Cristã de
Henry Bettenson.

20
Observações e sugestões para o uso do livro
Sugiro, antes de mais nada, que se leia o sumário integralmente, para se ter uma
idéia global do conteúdo do livro. O sumário cataloga todos os documentos da histó­
ria, ajudando o leitor a descobrir os eventos, assuntos e movimentos do seu interesse
particular.
A história é subdividida em três grandes períodos, os quais obedecem, a grosso
modo, os períodos da história política do Brasil: o período imperial, o período repu­
blicano, e o do regime militar de 1964. Cada período tem uma estrutura peculiar. O
primeiro período, o de 1808 a 1889, é o da implantação do protestantismo no Brasil.
Nessa parte, eu tentei apresentar documentação suficientemente abundante para reve­
lar a contribuição inglesa à implantação do protestantismo no Brasil católico (uma
espécie de cunha, que abriu a brecha para a penetração cada vez maior de outros
grupos) e a natureza da sua obra religiosa; o protestantismo dos imigrantes alemães e
a contribuição especial das sociedades paraeclesiásticas. Depois, tratei das principais
denominações que se fizeram presentes até a proclamação da República. Portanto, os
documentos do período refletem a estrutura que o protestantismo assumira, particu­
larmente, na América do Norte. O s documentos pretendem, no seu conjunto, tratar do
protestantismo brasileiro como um todo, destacando ao mesmo tempo algumas pecu­
liaridades de cada denominação e procurando manter um certo equilíbrio no
peso dos documentos, de Igreja para Igreja.
N o segundo período, de 1889 a 1964, o de crescimento e amadurecimento, a
orientação é basicamente tópica. Por essa razão, e pela limitação do tamanho do livro,
eu não incluí todas as denominações que se implantaram no país. Fui forçado a optar
por tratar as igrejas por “famílias” ao invés de tratar cada uma individualmente. (Por
isso, a história não contém grupos de documentos sobre a Igreja Presbiteriana Inde­
pendente, tratando-se apenas do significativo evento do cisma presbiteriano de 1903;
pelo mesmo motivo, os luteranos de M issouri não são tratados separadamente; e, por
fim, missões como a Igreja Adventista do Sétimo Dia, a Igreja do Nazareno, a Igreja
Menonita e outras não são representadas). Por motivos explicados infra (ver na parte
III “O fenômeno pentecostal”), as igrejas pentecostais são tratadas como um grupo,
no último período.
Tentei detectar, na seleção dos documentos do último período, de 1964 em diante
—a Igreja no período do regime militar —a atitude típica de diversas denominações
(nem todas elas) com referência ao regime militar e, daí, perceber como encaram

21
atualmente sua missão no Brasil. Nessa mesma seção, reuni os documentos sobre os
pentecostais e sobre os ministérios femininos nas igrejas brasileiras.
Quero acrescentar aqui mais uma nota geral sobre o conteúdo e, portanto, a sele­
ção dos documentos. Quem conhece a história do protestantismo no Brasil vai encon­
trar aqui documentos e referências já do seu conhecimento, pois não foi minha inten­
ção publicar só matéria inédita. Há, aqui, muito material que é tradicional. Por outro
lado, há elementos que geralmente são pouco mencionados nas histórias tradicionais
como, por exemplo, o ecumenismo, as sociedades paraeclesiásticas e os ministérios
femininos. Embora o livro contenha muitos documentos sobre a Igreja institucional
(elemento tradicional), mesmo nesses tentei detectar o processo de nacionalização de
cada grupo, nem sempre presente em outras histórias. Finalmente, esta história não
pretende ser uma história das idéias protestantes ou da sua teologia (o que ainda
inexiste), mas muitos dos documentos foram escolhidos pelos elementos dessa teolo­
gia que espelham, de maneira explícita ou implícita.
Devo advertir o leitor de que não vai encontrar aqui todos os documentos relevan­
tes à sua denominação particular. Suponho que as principais razões disso já estejam
claras pelo exposto acima. Devo acrescentar, porém, outras explicações sobre esse fe­
nômeno. Além do fato de que pretendo apresentar não uma história das denomina­
ções, mas, sim, uma história ào protestantismo, há mais duas considerações relevantes:
1) não existe ainda um consenso sobre quais são realmente os documentos imprescin­
díveis de cada denominação; 2) não sendo perito na história de cada denominação,
precisei valer-me da orientação de historiadores de reconhecido saber, de cada deno­
minação. Sem essa ajuda, esta história teria sido impossível. Mesmo assim, a ignorân­
cia do autor quanto a certos documentos, ou a inacessibilidade dos mesmos, pode ter
levado à omissão de alguns documentos deveras essenciais.

Como usar os documentos individualmente.


Em primeiro lugar, cada documento pode ser examinado como parte de um con­
junto. Para exemplificar, o documento 6 refere-se ao assunto: “A primeira capela
anglicana no Brasil” . Em segundo lugar, o documento pode ser utilizado isoladamen­
te, como um detalhe sobre a inauguração da primeira capela anglicana e a primeira
capela protestante construída no Brasil nos tempos modernos. Finalmente, o docu­
mento contém muitas informações não diretamente relacionadas à capela anglicana,

22
tais como: ele informa quem era o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros
(José Bonifácio de Andrade e Silva), quem era o deputado cônsul-geral da Grã-Bretanha
(Alexander Cunningham) etc. Para o documento 6, como para os demais, fiz uma
pequena introdução, uma espécie de “moldura”. Nas notas de rodapé, forneci ainda
outros dados suplementares, tudo visando capacitar o leitor a utilizar o documento
com o máximo de proveito. Portanto, espero que o leitor aproveite não apenas o
documento em si, como também sua respectiva introdução e notas.
O leitor que desejar ir além de meros fatos, também lucrará por ter o assunto à sua
disposição. Ele irá além da indagação, “O que”, para a pergunta, “Por quê?”. Por que
os ingleses e os portugueses firmaram um Tratado de Comércio em 1810 —e por que
em tal tratado devia haver um artigo sobre os privilégios religiosos dos ingleses no
Brasil? Em outras palavras, espero que muitos leitores leiam os documentos não ape­
nas como fatos e curiosidades, mas como degraus para uma compreensão progressiva­
mente profunda de nossa história religiosa.

Como entendemos o vocábulo "documento"


Documento, como aqui usado, não significa apenas uma decisão oficial, registrada
em ata ou em um pergaminho ou diploma. O livro contém esse “tipo” de documento:
declarações de fé, acordos formais, leis etc.; mas também compreende cartas, artigos,
diários, e outros escritos contemporâneos. Tentei descobrir documentos estritamente
contemporâneos, o que quase sempre consegui. Nem sempre me foi possível transcre­
ver diretamente do documento original; nesse caso, vali-me de transcrições do origi­
nal (1, 2, 3 etc.). Em alguns raros casos, na inexistência de documento estritamente
contemporâneo, empreguei material autobiográfico, na pressuposição de que o teste­
munho ocular teria informação fidedigna (144). N o caso de o mesmo documento ser
publicado em diversos lugares e maneiras, examinei e comparei todas as versões que
pude encontrar, para maior garantia de correção (129). O original de muitos dos
documentos se encontra em língua estrangeira. Mesmo quando já existia em portugu­
ês, preferi traduzir diretamente do original ou, pelo menos, comparar cuidadosamen­
te a versão com o original. Esse procedimento resultou, por exemplo, na correção de
um equívoco antigo, quanto ao dia da semana da fundação da primeira Igreja
Presbiteriana (56). Entendendo que a grande maioria dos leitores gostaria de conhecer
as origens da sua própria denominação, tentei incluir tais documentos no primeiro

23
período. N os poucos casos em que não encontrei um documento contemporâneo
oficial, empreguei outros documentos ilustrativos do mesmo evento (34, 35). Para
economia de espaço, freqüentemente usamos excertos e não documentos inteiros. Em
casos excepcionais, adotamos o expediente de “documentos compostos”, ou seja, do­
cumentos essencialmente originais, mas apresentados em forma dada por mim (24,
124, 125).

Ortografia e abreviaturas
Depois de muita reflexão e indecisão, resolvi adotar para o livro todo uma ortogra­
fia única, a vigente em 1982. 1) De 1810 a 1982, o português sofreu diversas reformas
ortográficas; preservar as muitas ortografias me pareceu mero pedantismo, sem qual­
quer utilidade prática. 2) Muitos dos documentos aparecem traduzidos pela primeira
vez agora. No caso de um documento em alemão, de 1827 (doc. 11), a ortografia seria
de 1827 ou do ano de sua tradução? Com o escolher a versão e, portanto, a ortografia
de um documento que existe em diversas traduções? 3) Finalmente, há o problema
quase, insuperável da revisão. A obra de revisão é quase sempre imperfeita no caso de
livros comuns, em uma única ortografia; a dificuldade multiplicar-se-ia muitas vezes
se tentássemos manter todas as variações ortográficas que o idioma português sofreu
nestes quase dois séculos.
Para economia de espaço, substituí longos títulos por siglas, indicando tal uso em
nota de rodapé (103, 184). Erros no original são geralmente assinalados [sic]; em
alguns poucos casos, acrescentei uma letra ou palavra que faltou no original, indican­
do tal acréscimo por incluí-lo entre colchetes ou por nota de rodapé.

Colaboradores
Com o mencionei acima, eu pretendi conseguir colaboradores de todas as denomi­
nações, os quais forneceriam ou indicariam os documentos das suas respectivas con­
fissões. N a realidade, consegui alguns colaboradores que fizeram quase isso. Segue
abaixo a lista dessa classe de colaboradores, por denominação ou organização:
Igreja Batista: José Reis Pereira
Igreja Congregacional: Rev. Ismael da Silva Junior
Igreja Episcopal: Rev. Nataniel Duval da Silva

24
Igreja luterana: (IECLB): Profs. Hans-Jürgen Prien e Joaquim Fischer
Igreja Presbiteriana: Klaus van der Grijp
Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira: Kathleen Cann, arquivista
Sem a preciosíssima colaboração destes, a realização da obra teria sido impossível.
Portanto, aqui vai nosso profundo reconhecimento e gratidão. É claro que eu assumo
a responsabilidade pela seleção final e pela grande maioria dos comentários; portanto,
os erros, equívocos e falhas ficam inteiramente por minha conta.
Bibliotecários e arquivistas no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa prestaram
um serviço inestimável na localização e fornecimento de documentos. Em geral, as
bibliotecas teológicas das principais denominações evangélicas de São Paulo me fo­
ram franqueadas —Batista, Episcopal, Presbiteriana Independente, Presbiteriana (de
Campinas), tendo colaborado seus respectivos bibliotecários e funcionários. Aprecia­
ção especial, entretanto, à d. Cleide Wolf, da biblioteca do Instituto M etodista de
Ensino Superior, onde trabalhei mais constantemente, e a José Virgílio Ramos André,
do Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil. Outros desse gênero que colabo­
raram incluem: James T. Magruder (Division of International Mision, PC U S), Louis
Charles Willard e Glenn R. Witting (Speer Library, Princeton), William O. Harris
(Christian Theological Seminary, Indianapolis, Indiana), V. Nelle Bellamy e Elionor
S. Hearn (Archives and Historical Collections, Episcopal Church), J. R. Goodwin
(Virginia Theological Ubrary), A. J. van der Bent (Biblioteca do Conselho Mundial
de Igrejas, Genebra), o bibliotecário da Southern Baptist Convention. Ou pesquisei
pessoalmente ou obtive documentos das bibliotecas deTulane University, New Orleans,
Lousiana; Indiana University, Bloomington, Indiana; M illsaps College, Jackson,
Mississipi; Biblioteca da Methodist Historical Society, Lake Junaluska, N C e da Board
o f Global Ministries, NY.
A lista de pessoas de todas as denominações que colaboraram com o fornecimento
de documentos, sugestões, encorajamento e outras espécies de auxílio é tão grande
que apenas posso mencionar os nomes dos principais com gratidão, e em ordem alfa­
bética dos sobrenomes. Eu me permito, porém, mencionar os nomes de três das mi­
nhas filhas que se tornaram minhas colaboradoras nessa História Documental: Célia
Reily Rocha, Lúcia Reily e Janet Reily.
Depois, Rev. Evaldo Alves, Rev. Rodolfo Anders, Rev. Israel Belo de Azevedo, D.
Henriqueta Rosa Fernandes Braga, Rev. Wilfrid Buchweitz, Dr. Onésimo de Oliveira
Cardoso, Rev. Paulo Cintra Damiao, Dr. Martin Dreher, Rev. Karl Gehring, Dr. Carl

25
Hahn, Revda. Dorothy Marguerite Hawley, Major William John Jones, Dr. Werner
Kaschel, D . Eula Kennedy Long, Srta. Hora Diniz Lopes, Dr. David Malta, Bispo
Paulo Ayres Mattos, Rev. Antonio Gouvêa Mendonça, Dr. David Mein, Pastora Rita
Panke, Pastora O dá de Castro Pessanha, Rev. Isnard Rocha, Rev. Ronaldo Sathler
Rosa, Rev. Sidney A. Ruiz, Dr. José Gonçalves Salvador, Rev. William Richard Schisler
Junior, Bispo Sady Machado da Silva, Rev. Richard Sturz e Dr. David Gueiros Viera.
Agradecimentos especiais ao Dr. Jaci Correia Maraschin, secretário-geral da Asso­
ciação dos Sem inários Teológicos Evangélicos (A ST E ), pela sua paciência e
encorajamento, ao Dr. Jorge César M ota e ao Rev. Odair Pedroso Mateus pelo dedica­
do serviço de revisão do português do presente livro.
Tendo se esgotado a primeira edição (a de 1984) da H istória Documental do Pro­
testantismo no Brasil, o secretário-geral da A STE, Dr. Jaci Correia Maraschin me soli­
citou a revisá-la para uma segunda impressão. Assim esperamos que o (a) leitor(a)
encontre a segunda impressão, ligeiramente modificada, com bem menos erros que a
primeira.

Campinas, dezembro de 1992

Duncan Alexander Reily

26
PARTE I
Implantação do protestantismo
no Brasil: 1808-1889

introdução ao Primeiro Período

O protestantismo brasileiro tem profundas raízes e vínculos com a Grã-


Bretanha, a Alemanha e os Estados Unidos da América. Para a melhor compreensão,
portanto, da sua história, é imprescindível um conhecimento dessas nações, particu­
larmente no tocante à religião. É com esse intuito que se oferece aqui, à guisa de
introdução, um sucinto ensaio sobre a religião e tópicos afins dos povos acima referi­
dos, durante o período em apreço.

Grã-Bretanha
Caracterizar um século é tarefa árdua e arriscada. O século XVIII, a partir da
física de Isaac Newton (1642-1727), centrada na lei da gravitação universal, que tor­
nou compreensíveis os movimentos de todas as partes do mundo físico, e da psicolo­
gia de John Locke (1632-1704), a qual parecia desvendar os mistérios da mente hu­
mana, é conhecido como o Século das Luzes. Acompanhou o Iluminismo o conceito
de religião natural, elaborado por Edward Herbert (1583-1648)', e o Deísmo, sendo
o livro de Matthew Tindal (1657-1733), Cristianismo Tão Velho Quanto a Criação
(1730), conhecido como a bíblia dos deístas. Os resultados mais espetaculares do
Iluminismo foram as Revoluções Americana (1775-1783) e Francesa (1789-1799),
aquela dando início à nova experiência política (a República) e religiosa (a desvinculação
de Igreja e Estado). Os reflexos desses acontecimentos alcançaram todos os recantos
do mundo ocidental, afetando profundamente o seu modo de pensar2.
27
História Documental do Protestantismo no Brasil

Ao Iluminismo, seguiu-se, também na Inglaterra, a Revolução Industrial. Com


a invenção de máquinas mais eficientes de fiar e tecer, e com a aplicação da força
(primeiro da água, e, depois de James Watt [1736-1819], do vapor) para propulsionar
essas máquinas, nasceu o sistema de fábricas (substituindo a fabricação caseira que
dominava até então) e divorciando a indústria do solo. A enorme expansão colonial da
Inglaterra transformou-a no império extenso no qual o sol nunca se punha. N o início
do século XIX, ela possuía na América do Sul a Guiana Inglesa e as Ilhas Malvinas,
também conhecidas como Ilhas Falkland, reivindicadas pela Espanha e pela Argentina
depois de sua independência.
O setor mais atuante da Igreja na Inglaterra, a Igreja dominante, era a ala evangé­
lica, que muito devia ao movimento metodista. De especial importância foi a “Seita
Clapham” (cuja designação provém do nome do subúrbio londrino onde se localiza).
O seu mais conhecido representante é William Wilberforce (1759-1833), membro do
Parlamento, que lutou de 1787 a 1833 contra a escravidão, conseguindo a abolição do
tráfico em 1807 e da própria instituição na Inglaterra e nos seus domínios, em 1833.
Os evangélicos deram as mãos aos não-conformistas (protestantes que não faziam
parte da igreja oficial, como Congregacionais, Presbiterianos e Batistas) para estabele­
cer uma rede de sociedades voluntárias, desde a Sociedade Missionária de Londres
(interdenominacional, mas principalmente congregacional, 1795), a Sociedade
Missionária da Igreja Anglicana, (da igreja “baixa”, 1799), a Sociedade de Tratados
Religiosos (interdenominacional, 1799), a Sociedade Bíblica Britânica (1804), e até as
sociedades para a promoção da educação popular, como a Sociedade Educacional
Britânica e Estrangeira (para a promoção do sistema lancasteriano de educação)3, para
mencionar apenas algumas, principalmente as que também atuaram no Brasil. Muito
mais devotados à filantropia que à teologia ou eclesiologia, os evangélicos consegui­
ram seu primeiro bispado em 1815 e, até meados do século, constituíram o partido
majoritário dentro da Igreja da Inglaterra.
O outro grande partido dentro da Igreja estabelecida teve por berço o Oriel College
da Universidade de Oxford. Alarmado pelo fato de o governo, então com considerável
representação não-conformista, propor substanciais reformas na Igreja, John Keble
(1792-1866), que havia publicado O Ano Cristão (1827), o volume de poesia religiosa
mais popular do século, pregou um sermão intitulado “Apostasia Nacional” (14 de
julho de 1833). O foco principal dos ensinamentos do grupo era “a Santa Igreja Cató­
lica” , e a restauração da sua pureza primitiva, anterior às infelizes divisões. O seu

28
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

ministério, na sucessão apostólica, oferecia aos fiéis o Corpo e o Sangue de Cristo na


eucaristia, que lhes era caminho da salvação. Propagaram seus princípios por meio de
“Tratados para os Tempos”, daí o apelido “tratarianismo”. O Tratado Nonagésimo, da
autoria de John Henry Newman (1801-1890) sustentava que não havia diferença
essencial entre os Trinta e Nove Artigos anglicanos e o catolicismo tridentino, o qual
levou o próprio bispo de Oxford a intervir, proibindo a continuação dessas publica­
ções. Quatro anos mais tarde, Newman foi recebido pela Igreja de Roma, em 9 de
outubro de 1845, sendo elevado a cardeal em 1879, pelo papa Leão XIII (1878-1903).
Depois, dirigido por Edward Bouverie Pusey (1800-1882), o partido ficou conhecido
popularmente por “puseísmo” . Alec R. Vidler, não obstante denominar o movimento
de “Renascimento Anglicano”, critica-o por ser “acadêmico, clerical e conservador”.4
A adesão de Newman à Igreja Romana parecia confirmar o receio dos evangélicos
de que o “puseísmo” fosse um caminho que conduzia à Roma. Certamente, n lo foi
pura coincidência que os evangélicos, a partir da Igreja Livre da Escócia, liderados
pelo seu moderador Thomas Chalmers (1780-1847), se mobilizassem, formando, em
Londres, a Aliança Evangélica (1846). Esta Aliança reuniu, desde a sua fundação,
cristãos evangélicos (não igrejas) da Grã-Bretanha, da Europa continental e da Améri­
ca do Norte, unindo-os contra os perigos do puseísmo e do romanismo ultramontano5,
como também para facilitar o testemunho positivo da sua fé. Alemães do quilate de
Friedrich August Gottreu Tholuck (1799-1877), de Halle, agora na sua fase evangéli­
ca6 , estiveram presentes, e levaram a Aliança para o seu país.
Entre os evangélicos e os anglo-católicos, ou seja, a igreja baixa e a igreja alta, havia
um grupo, não precisamente um partido, designado como “Igreja Liberal” (Broad
Church). Encontram-se nessa categoria, por exemplo, os “Socialistas Cristãos”, cujos
líderes mais conhecidos são John Malcolm Ludlow (1821-1911), Frederick Denison
Maurice (1805-1872) e Charles Kingsley (1819-1875). Este grupo questionou dura­
mente as pressuposições que a grande maioria dos ingleses, quer anglicanos, quer não-
conformistas, tinha como inquestionáveis: que as leis comerciais, como leis naturais
eram leis de Deus, e, portanto, intocáveis. De resto, Robert Owen (1771-1858), fun­
dador do socialismo e do cooperativismo na Inglaterra era anticlerical, e o “Cartismo”7,
movimento de operários, que reivindicava o sufrágio masculino universal, quer de
proprietário, quer não (c. 1838-1848), parecia perigosamente revolucionário. O mo­
vimento “Socialismo Cristão” durou pouco (c. 1848-1854), porém, além de protestar
contra a ideologia do laissez faire , conseguiu organizar associações cooperativas entre

29
História Documental do Protestantismo no Brasil

várias classes de operários, e ensinou o princípio positivo da cooperação contra a


rivalidade.
Talvez a sua maior conquista tenha sido a conscientização do povo, pois posterior­
mente, a partir de 1876, formou-se a Guild ofSt. Matthew, que visava a aproximação
entre Igreja e trabalhadores. A G uild foi logo (1880) absorvida pela União Social
Cristã, que advogava: 1) a lei cristã como a autoridade máxima na prática social; 2) a
aplicação dos princípios do cristianismo aos problemas sociais hodiernos; 3) a apre­
sentação de Cristo como Rei e Senhor vivo, inimigo do mal e do egoísmo e poder de
amor e justiça. Até 1897, os bispos, na Conferência de Lambeth, já haviam adotado os
princípios do Socialismo Cristão in totum.
Embora o Iluminismo tivesse tido a sua origem na Inglaterra, os eruditos ingleses
não se adiantaram tanto nos estudos bíblicos e teológicos científicos como ocorreu na
Alemanha.8 Portanto, quando as descobertas da geologia e os resultados das pesquisas
de Charles Darwin (1809-1892), no seu livro A Origem das Espécies (1859) foram
publicados, a aceitação foi quase totalmente negativa. Os liberais aceitaram mais pron­
tamente a nova ciência como amiga da fé, e de modo semelhante aceitaram os resulta­
dos da crítica bíblica. Figuras como Brooke Foss Westcott (1825-1901), Fenton John
Anthony H ort (1828-1892) e Joseph Barber Lightfoot (1828-1889) chegaram a fazer
significativas contribuições à erudição crítica do Novo Testamento.
Os protestantes que não estavam vinculados à Igreja do Estado, ou seja, os não-
conformistas (mais tarde conhecidos como igrejas livres), ainda sofriam os efeitos do
Código Clarendon (1661-1665) e da Lei de Provas (1672), leis estas cujo propósito
era forçar a uniformidade religiosa no país e proibir que não-anglicanos exercessem o
poder político. Portanto, no início do século XIX, apesar da Lei de Tolerância de 24
de maio de 1689 e a influência da filosofia de John Locke, os não-conformistas pro­
testantes ainda tinham que pagar dízimos para o sustento do culto anglicano. Ao
mesmo tempo, eram submetidos a restrições na participação política e também exclu­
ídos das universidades. O metodismo assumira, após a morte de João Wesley (1703-
1791), a forma de Igreja. Mais vigoroso que as antigas igrejas não-conformistas —
congregacionais, batistas e presbiterianas o metodismo também sofreu as mesmas
restrições impostas àqueles e, durante a primeira metade do século, teve o infortúnio
de ser dominado por Jabez Bunting (1779-1858), autocrático e conservador. Os cató­
licos romanos gozavam de menor liberdade ainda do que os não-conformistas no
começo desse século.

30
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Os excessos da Revolução Francesa fizeram atrasar certas reformas urgentes tanto


na Igreja como na nação inglesa. Em 1828, porém, aboliram-se as Leis de Provas e de
Corporações, possibilitando assim aos não-conformistas e até aos católicos romanos o
acesso à Câm ara dos Comuns e à maioria dos cargos públicos. Já em 1832, a reforma
de representação parlamentar resultou na transferência do poder político para as mãos
da pequena nobreza e da classe média, o que também aumentou o poder do não-
conformismo, o qual, a esta altura, já crescia e se consolidava rapidamente. Os
congregacionais, com sua eclesiologia voltada para a igreja local, chegaram a se orga­
nizar em uma União que abrangia a Inglaterra e o País de Gales e edificaram imponen­
te sede em Londres: o M em orial H all. O crescimento batista foi espetacular. Em 1801,
havia 652 edifícios batistas na Inglaterra; em 1851, 2.789. Em 1891, os batistas par­
ticulares (calvinistas) e gerais (arminianos) se uniram em uma só Igreja, e esta estabe­
leceu em Londres a sua “Câmara Batista” (1903). Os presbiterianos, em número bem
menor na Inglaterra (sua força se localizava na Escócia e no norte da Irlanda), consti­
tuíram sua Igreja em 1876 na Inglaterra e, no País de Gales, receberam importantes
reforços pela adesão dos metodistas calvinistas. Os metodistas wesleyanos, sob a lide­
rança autocrática de Jabez Bunting, consolídaram-se, melhoraram o nível de preparo
dos seus ministros etc., mas a aspiração de mais democracia na Igreja resultou na sua
divisão em diversos grupos. Destes, os Metodistas Primitivos foram praticamente o
único grupo não-conformista a se preocupar com a questão dos operários.9 Paulatina­
mente, as igrejas livres não apenas alcançaram a plenitude dos direitos religiosos como
também começaram a contribuir com sua justa parcela em benefício do país e do
m undo.10
Os católicos romanos, apenas 30 mil por volta de 1700, graças à imigração de
operários irlandeses, somavam 1 milhão um século depois, e a sua participação políti­
ca, até no Parlamento, tornou-se possível a partir de 1829. Com a elevação, em 1850,
de Patrick Stephen W iseman (1802-1865) ao cardinalato e ao arcebispado de
Westminster, o papa Pio IX restaurou a hierarquia católica na Inglaterra. Tratarianos
como Henry Edward Manning (1808-1892), sucessor de Wiseman, e Newman (men­
cionado acima) contribuíram para elevar o status do catolicismo inglês.11
A Igreja da Escócia (ou seja, a Igreja reformada por João Knox no século XVI) foi
essencialmente calvinista na doutrina e, após 1688, presbiteriana na sua forma de
governo. Com o passar do tempo, o desejo de uma Igreja livre do controle do Estado
levou a uma severa ruptura em 1843. Dessa ruptura, emergiram diversas denomina­

31
História Documental do Protestantismo no Brasil

ções, como a Igreja Livre e Unida —a Igreja Livre da Escócia, e outras, todas calvinistas
na doutrina e presbiterianas no governo. A Igreja Livre e Unida foi mais liberal na
interpretação bíblica e mais flexível quanto à doutrina calvinista, enquanto a tendên­
cia geral das outras igrejas era conservadora e inflexivelmente calvinista.12

Alemanha
No início do século XIX, existia um povo alemão, mas não um país corresponden­
te. Só com a unificação dos povos alemães em torno da Prússia, em 1871, é que
passaria a existir a entidade política chamada Alemanha; mas, para evitar o pedantis­
mo, e também por conveniência, o termo Alemanha será empregado normalmente
nesta introdução. As razões da desunião alemã remontam às lutas entre o imperador
do Sacro Império Romano Germânico e o papa, sendo vital à política deste fomentar
divisões entre os estados alemães para reduzir o poderio do imperador. A Guerra dos
Trinta Anos (1618-1648) dizimou o povo e devastou a Alemanha. Desde o século
XVIII, porém, desenvolveu-se notável atividade intelectual e político-militar, centra­
lizada na Prússia. Esta última viria a ter resultados ainda mais palpáveis no século
XIX.
É preciso que se tenha presente o fato de que o Sacro Império Romano Germânico,
desde a sua fundação em 962 por Otto I, pretendendo reunir toda a cristandade sob
um único soberano, era de fato muito mais germânico do que universal. Após a Guer­
ra dos Trinta Anos, o Império existiu apenas de nome, e até mesmo este foi extinto por
Napoleão em 1806. Já em 1806, a Prússia era uma potência importante; os tratados
de 1815, após as guerras napoleônicas, lhe atribuíram ainda Vestfália e a Renânia; a
diplomacia e a agressão armada combinadas deram-lhe Schleswig-Holstein em 1866,
presa da Guerra Austro-Prussiana. Antes dessa vitória prussiana, parecera provável
que a Áustria seria o núcleo ao redor do qual se formaria a Alemanha unificada. A
unificação ocorreu após a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), cujos termos de paz
incluíram a cessão do importante território Alsácia-Lorena. N a mesma ocasião, a co­
roação do imperador Guilherme I, em Versalhes, a 18 de janeiro de 1871, assinalou a
restauração e unificação do Império alemão. Guilherme subiu ao trono da Prússia em
1861 e reinou como imperador até 1888. Durante todo o seu governo, seu principal
ministro foi Otto von Bismarck (1815-1898), cuja diplomacia e conselho ao sobera­
no muito contribuíram para a grandeza política dos alemães.
Para se compreender adequadamente a situação religiosa na Alemanha, é necessá­

32
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

rio ter presente o fato de que a sua estrutura política, quando surgiu a Reforma luterana,
era feudal, com grande número de estados alemães, cada qual com o seu governo
semi-autônomo (apesar de vassalos do imperador), e crescente número de cidades
independentes (burgos). Tal situação favoreceu o estabelecimento da Reforma, pois
não havia nenhuma autoridade absoluta, como na Espanha ou na França, para esma­
gar o novo movimento; pelo contrário, os príncipes freqüentemente protegiam os
reformadores.13 Pela Paz Religiosa de Augsburgo (1555), baseada no princípio de
cujus regio, ejus religio, surgiram as igrejas “territoriais”, cada principado assumindo a
religião (católica ou luterana) do seu príncipe. Um terceiro elemento foi introduzido
no sudoeste da Alemanha, a partir do Palatinado: a Igreja Reformada (de orientação
teológica calvinista). O novo Eleitor do Palatinado, Frederico III, o Pio (Eleitor de
1559 a 1576) converteu-se à tradição reformada (1560) e ordenou a preparação do
Catecismo de Heidelberg (1562), resumo tradicional da fé dos reformados na Alema­
nha. Embora outros estados como Bremen, Anhalt e, no século seguinte, Hesse-Cassel
adotassem a Igreja Reformada, o reconhecimento pleno de sua existência legal só ocor­
reria por ocasião do Tratado de Vestfália (1648).
Um tema que parece ter dominado toda a vida religiosa da Alemanha protestante
era a tensão existente entre a tendência unionista e a confessional. O mais significativo
exemplo foi a união da Igreja Prussiana de 1817- A base espiritual para a união foi o
pietismo, movimento que se apresentou no século XVII em contraposição à escolástica
luterana, fruto da obra de Philip Jacob Spener (l635-1705)e August Hermann Francke
(1663-1727), tendo este último transformado Halle em sementeira e centro de irradi­
ação do movimento. Considerando o coração e não a cabeça como o centro da reli­
gião, os pietistas deploravam a polêmica doutrinária. O resultante desinteresse pelas
diferenças confessionais propiciou as condições para a união de 1817. O rei Frederico
Guilherme III (1797-1840) aproveitou o 300° aniversário da Reforma para esta união
de luteranos e reformados, a qual, enquanto apressava a consolidação dos territórios
recém-adquiridos na paz de 1815, apresentava um protestantismo unido contra a
Áustria (solidamente católica), principal rival da Prússia na “corrida” da unificação
alemã. O exemplo da Prússia foi logo seguido por Nassau, Baden, Baviera Renana,
Anhalt e, até certo ponto, Hesse.
Mas nesta Igreja, oficialmente unida, com um único governo eclesiástico e uma só
liturgia, alguns antigos luteranos e reformados nutriam ainda seus respectivos
confessionalismos. Fiéis luteranos, inflexíveis na sua posição contrária à união, forma­

33
História Documental do Protestantismo no Brasil

ram, em 1841, a Igreja Luterana na Alemanha. O rei a homologou quatro anos de­
pois. Dentro desta pequena Igreja, disputas sobre a eclesiologia produziram outra
cisão em 1861, o chamado Sínodo Emanuel.14
Outra instância desta tensão unionista/confessional apareceu na série de esforços
unionistas visando o fortalecimento interior das igrejas protestantes alemãs e, ao mes­
mo tempo, a defesa contra o catolicismo ultramontano: a) A primeira organização a
ser mencionada é a Sociedade Gustavo Adolfo, fundada em 1832, no 2 00° aniversário
da morte do homem tido como o salvador do protestantismo contra os seus inimigos
(os católicos romanos), na Guerra dos Trinta Anos. O propósito da Sociedade era
ajudar as igrejas protestantes fracas, especialmente nas regiões ocupadas pelos católi­
cos. Ela funcionou em quase todos os estados alemães, menos na Baviera e na Áustria,
solidamente católicas. “As massas foram atraídas pela simplicidade da sua base, que
era só a oposição ao catolicismo...” 15 b) Protestantes da ala evangélica se uniram com
elementos da mesma corrente da Europa e da América do Norte na Aliança Evangéli­
ca. A Aliança realizou sua reunião de 1857 em Berlim, ocasião em que enviou mensa­
gem ao rei Frederico Guilherme IV, atacando “o saduceísmo” e também “o farisaísmo
da Igreja Protestante alemã”. Os luteranos confessionais, que se opunham à Aliança,
entenderam que esta última crítica se referia a eles. Apesar de muitos deles serem
membros da Aliança, recusaram-se a comparecer à reunião. Os “Unidos”, consideran­
do os artigos da Aliança [doc. 123] demasiadamente ortodoxos, também não partici­
param .16 c) Em 1848, fundou-se a Aliança das Igrejas Luteranas na Alemanha, que
pretendia organizar uma confederação das Igrejas Luteranas Reformada, Unida e
Morávia. Ao realizar-se a segunda reunião, em 1849, em Wittemberg, muitos dos
luteranos já se haviam afastado. Outras crises ocorreram em 1853, quando se tentou
impor a Confissão de Augsburgo e, em 1857, ao tratar-se das missões estrangeiras. Em
1871, quando se instituiu o Império alemão, a Aliança praticamente agonizava.17 d)
A Liga Evangélica surgiu em 1887, espécie de resposta conjunta ao fracasso da
K ulturkam pf de Bismarck contra os católicos,18 mas teve pouca influência por ter
surgido quase no fim desse período.
A disputa de 1857, mencionada acima, sugere uma terceira área na tensão unionista/
confessional: o movimento missionário. As peculiaridades da estrutura eclesiástica da
Alem anha naturalm ente im prim iram certas características especiais às juntas
missionárias. Deve notar-se, de passagem, que um dos momentos-chave na história
das missões modernas liga-se à Missão Dinamarquesa-Halle, iniciada em 1706, na

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Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

qual o rei da Dinamarca recrutou os alemães Heinrich Plutschau (1677-1747) e


Bartholomaus Ziegenbalg (1682-1716) para missionar em Tranquebar, índia. No sé­
culo XIX, curiosamente, algumas missões alemãs tiveram sua origem na Suíça, quase
na fronteira meridional alemã, em Basiléia, onde, em 1815, se estabeleceu uma insti­
tuição para o preparo de missionários, os primeiros dos quais foram enviados por
sociedades inglesas. Entrementes, na Alemanha, aqui e acolá, surgiram sociedades
missionárias auxiliares da Junta de Basiléia; algumas destas se transformaram depois
em juntas autônomas. Obviamente, a Junta de Basiléia era evangélica, não-confessional.
Por exemplo, a Sociedade Missionária Renana, organizada em 1828, com elementos
reformados, luteranos e outros, cooperava com Basiléia. Ela organizou um seminário
em Barmen (atual Wuppertal), tornando-se uma das principais juntas missionárias
alemãs. A de Leipzig, também com raízes em Basiléia, organizou-se primeiramente em
Dresden, Saxônia (1836), porém mudou-se para Leipzig em virtude da universidade
local. Esta Junta, sob a liderança de Karl Graul, tomou-se essencialmente luterana
(confessional), tendo Graul tentado, sem sucesso, ganhar para ela o apoio de toda a
Alemanha. A Junta de Leipzig concentrou seus esforços na índia, tendo substituído a
antiga Missão Halle, de Tranquebar.19 A Sociedade Missionária de Berlim (1824)
naturalmente representou a União, mas com tendências luteranas. As primeiras orga­
nizações missionárias alemãs eram, então, essencialmente não-confessionais, mas as
de Berlim (1824) e Leipzig (1836) já eram confessionais. Estas juntas diferiam das
inglesas e norte-americanas pelo fato de não serem estritamente da Igreja. Para
exemplificar, as sociedades missionárias metodistas, quer da Inglaterra quer dos Esta­
dos Unidos, eram sociedades oficiais da denominação, e, por isso mesmo, também
nacionais. N a Alemanha, as sociedades eram fruto do esforço de cristãos individuais,
constituídas em determinado local, geralmente ligadas intimamente a um seminário
que formava missionários. Embora freqüentemente confessionais, não chegavam a ser
nacionais, sendo mais propriamente locais ou, quando muito, do Estado. Prestaram
relevantes serviços às missões protestantes.
A Alemanha veio a ser, assim, a terceira nação no esforço missionário, depois da
Inglaterra e dos Estados Unidos. Tão rica foi a fermentação intelectual, inclusive teo­
lógica, originada nesse país, que nos limitaremos a uma apreciação apenas superficial.
Primeiro, deve-se notar que os eruditos alemães, na maioria racionalistas, foram os
que lançaram no século XVIII as bases para ainda maiores avanços. N a Alemanha, o
racionalismo, do qual Christian von W olff (1679-1754) foi o maior protagonista, foi

35
História Documental do Protestantismo no Brasil

aplicado logo à hermenêutica e à crítica bíblica. Johann August Ernesti (1707-1781)


publicou o Institutio Interpretis N. T (1761), estabelecendo como axioma da exegese
que a Bíblia deveria submeter-se aos cânones da crítica literária como qualquer outro
livro. Hermann Samuel Reimarus (1694-1768), crítico radical de Jesus e do Novo
Testamento em geral, alegava terem os discípulos de Jesus deliberadamente falsificado
o caráter e os propósitos do Mestre. Suas conclusões foram publicadas postumamen­
te, sob o título de Fragmentos de Wolfenbüttel (1774-1778), pelo filósofo racionalista
Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781). Johann Gottfried Eichhorn (1752-1827)
publicou a primeira grande introdução ao Antigo Testamento, Einleitung ins Alte
Testament (1780-83), na qual retomou os estudos anteriores do médico francês Jean
Astruc.
A filosofia de Immanuel Kant (1724-1804), especialmente sua Crítica da Razão
Pura (1781), cortou as raízes da filosofia então dominante, o racionalismo de Wolff.
Estribado no pensamento de Kant, do romantismo e do pietismo, entre outros,
Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (1768-1834) elaborou sua teologia do senti­
mento de absoluta dependência, a teologia mais influente do início do século, tanto
na Alemanha como no estrangeiro. “Schleiermacher foi condenado pelos ortodoxos
de sua época, por ser radical demais, e pelos racionalistas, por ser utopista; mas nin­
guém influenciou o pensamento religioso nos círculos protestantes do século XIX
mais do que ele e das formas mais diversas.”20
Em lugar do sentimento, a essência da religião para Schleiermacher, o filósofo
idealista Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) colocou o conhecimento, pois
o alvo da religião cristã é realmente conhecer o Deus que se revela em Cristo. O
esquema hegeliano da fórmula “tese-antítese-síntese” tornou-se tanto a base da crítica
neotestamentária deTubinga, que teve como fundador Ferdinand Christian Baur (1792-
1860), quanto do pensamento filosófico de Karl Marx (1818-1883). Mencionaremos
apenas mais dois pensadores. O primeiro, David Friedrich Strauss (1808-1874), com
o seu estudo de 1835 sobre Jesus, em que defendeu a teoria de que o Jesus da história
foi um mero homem, sendo o Cristo do Novo Testamento criação mitológica, deu
início à longa caminhada da “busca do Jesus histórico” .21 O outro, Aibrecht Ritschl
(1822-1889), Walker designa como o “pioneiro do liberalismo e da teologia dos valo­
res morais”, e ainda opina: “Num a época na qual as abordagens de Schleiermacher e
de Hegel perdiam seu apelo, Ritschl se esforçou por estruturar uma nova síntese
apologética entre a fé cristã e o novo conhecimento alcançado graças à erudição cien­
tífica e histórica” .22
36
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Estados Unidos da América


A grande maioria dos missionários protestantes que atuaram no Brasil veio dos
Estados Unidos da América, país preponderantemente protestante. Quais as caracte­
rísticas da Igreja americana no século XIX, especialmente na segunda metade?23

A separação de Igreja e Estado convivia com um a religião civil


A própria diversidade confessional nas treze colônias fez com que estas, ao se con­
federarem após a Revolução (1775-1783), se recusassem a estabelecer uma Igreja ofi­
cial. De fato, a primeira emenda à Constituição reza: “O Congresso não fará nenhu­
ma lei com referência a um estabelecimento de religião nem proibindo seu livre exer­
cício” . Esta separação legal, porém, não excluiu o “estabelecimento” de uma religião
civil, cujas evidências são numerosas: o lema In God we trust (Confiamos em Deus) na
moeda; o capelão do Senado Federal, que diariamente dirige orações ao Deus dos
cristãos, quando o Senado se encontra reunido; os capelães das forças armadas, que
são seus oficiais e por elas são sustentados; os templos e outras propriedades religiosas
isentos de impostos, e assim por diante.
Mais importante ainda é o fato de que o estabelecimento civil se estriba na auto-
imagem religiosa do povo americano. Como Deus, por Moisés, libertou os israelitas
da escravidão no Egito, pela travessia maravilhosa do Mar Vermelho, os puritanos se
libertaram da opressão dos soberanos ingleses Tiago I e Carlos I, atravessando o Atlân­
tico no pequeno navio Mayflower. Deus estabelecera seu pacto com o povo liberto, no
Sinai; paralelamente, os puritanos, antes de pôr os pés em terra seca na América,
firmaram o Mayfloiuer Compact. Explicitaram que haviam encetado sua viagem de
colonização “para a glória de Deus, avanço da fé cristã e honra do nosso rei e país.
..solene e mutuamente, na presença de Deus, e cada um na presença dos demais,
compactuamos e nos combinamos em um corpo político civil” . Finalmente, como
Josué havia conquistado a terra da promissão, os americanos viam como seu “destino
manifesto” conquistar o Continente de oceano a oceano, espalhando os benefícios de
uma civilização republicana e protestante por toda a parte. Assim, os Americanos do
Norte observaram, jubilosos, o início do processo da libertação da América Latina,
com a revolução liderada por José San Martin, no Sul, e por Simón Bolívar, no Norte,
que resultou na criação de repúblicas em lugar das velhas colônias espanholas. Fica­
ram menos entusiasmados com a independência do Brasil, pois lhes parecia apenas
“meia-revolução” porque o país permanecia Império e não República.

37
História Documental do Protestantismo no Brasil

Logo que possível, após o processo da libertação, começaram a chegar os primeiros


missionários norte-americanos à América Latina. N ão apenas trouxeram, como parte
da bagagem cultural, a religião civil, mas esta forneceu uma parcela considerável da
motivação missionária, a de fazer com que os menos afortunados compartilhassem
dos benefícios da civilização protestante-bíblica-americana.

A estrutura denominacional da Igreja americana.


E pressuposição do presente livro que a célebre tipologia de Ernst Troeltsch de
“Igreja” e “seita” muito pouco ajuda a compreender a estrutura eclesiástica norte-
americana, a qual era (e é) essencialmente denominacional. Os estudiosos da religião
norte-americana, ao analisarem sua estrutura, detectaram diversas características es­
senciais que mencionamos a seguir. Robert Baird detectou, nos idos de 1844, oprincí­
pio do voluntarismo. Este, sugeriu Baird, despertava nos norte-americanos “energia”,
autoconfiança e esforço na causa da religião.24 Este princípio, mais do que adequado
ao desestabelecimento da Igreja na América (após a Revolução) e à rápida expansão do
país, tornou evidente o gênio da livre empresa do povo anglo-saxônico e da religião
americana, e ainda da disposição dos americanos para fazer funcionar a liberdade
religiosa em prol do Reino de Deus.
A denominação também se caracteriza por propósito ou intenção. Sidney E. Mead
define a denominação como uma associação voluntária de indivíduos com sentimen­
tos e pensamentos em comum, unidos na base de crenças comuns para o propósito de
alcançar objetivos tangíveis e definidos. Um dos objetivos primários é a propagação
do seu ponto de vista.25 Freqüentemente, a denominação via o seu propósito, a razão
da própria existência, como divino. Por exemplo, na conferência constituinte da Igre­
ja Metodista Episcopal (1784), a denominação declarou entender que Deus levantara
os metodistas para “reformar o Continente e espalhar a santidade bíblica por estas
terras .
Em terceiro lugar, no entender de Winthrop Hudson, a denominação pretendia
ser unitiva ou ecumênica, concepções diametralmente opostas à de seita. A palavra
“denominação” sugere que o grupo referido é apenas membro de um grupo maior,
chamado ou denominado por um' nome particular. A afirmação básica da teoria
denominacional da Igreja é que a Igreja verdadeira não deve ser identificada em ne­
nhum senso exclusivo com qualquer instituição eclesiástica particular... Nenhuma
denominação afirma representar toda a Igreja de Cristo. Nenhuma denominação afir­

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Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

ma que todas as outras igrejas são falsas... Nenhuma denominação insiste que a tota­
lidade da sociedade e Igreja deve submeter-se aos seus regulamentos eclesiásticos.27
Assim, a denominação indicava a unidade subjacente à desunião observável (a existên­
cia das próprias denominações), enquanto, pelo princípio voluntário, repudiava a
união exterior imposta por meio de coerção. Aliás, ela reconhecia que, por causa da
fragilidade humana, nenhuma instituição humana poderia refletir perfeitamente a
essencial unidade da verdadeira Igreja de Cristo. “O denominacionalismo era teste­
munha da verdadeira Igreja por indicar, além das divisões das estruturas humanas da
Igreja, a unidade compartilhada por todas.”28
Em quarto lugar, a denominação era um meio para um fim: “A denominação era
instrumental à cristianização da sociedade —à cristianização da nova República e tam­
bém do mundo” .29 Não raro, o serviço da missão comum se expressava em esforço
comum como, por exemplo, no “império benevolente” —a vasta rede de organizações
voluntárias como as sociedades bíblicas, as de tratados, as de reforma social (socieda­
des contra o duelo, contra a escravidão, contra a profanação do domingo etc.) e mes­
mo sociedades missionárias adenominacionais. Outras vezes, consoante a própria so­
ciedade norte-americana, surgiram competições entre as denominações.
Após um sucinto resumo dos pontos acima mencionados, Richey acrescenta: “A
denominação era então uma estrutura missionária e por intenção nacional nas aspira­
ções” .30 O aspecto missionário, que Richey entendeu ser inato no sentido da denomi­
nação, não se esgotou, é claro, na América do Norte, pois as principais confissões
enviaram missões ao estrangeiro, muitas das quais se estabeleceram no Brasil.
Não ofereceram nenhum produto rotulado “denominacionalismo” e nem “cristia­
nismo norte-am ericano” , mas vieram como emissárias da Igreja Presbiteriana,
Metodista, Batista ou outra denominação, e trazendo a bagagem acima descrita. Seu
propósito central era levar outros a compartilharem os benefícios da Bíblia, da Refor­
ma e da civilização cristã; mas não puderam esquecer-se das ênfases peculiares e, como
entendiam, das vantagens que a sua denominação particular oferecia.
O alvo comum propiciou larga faixa de cooperação, da qual segue-se um exemplo.
Os primeiros dois missionários da Igreja Protestante Episcopal no Brasil foram James
Watson Morris e Lucien Lee Kinsolving, este posteriormente bispo no Brasil. 1) Os
dois foram morar na residência do Rev. Benedito Ferraz, ministro presbiteriano, em
Cruzeiro, província de São Paulo, para ali aprender o português. 2) Quando se julga­
ram aptos para comunicar o Evangelho aos brasileiros na sua própria língua, escolhe­

39
História Documentai do Protestantismo no Brasil

ram o Rio Grande do Sul, propositadamente buscando um campo pouco “ocupado”


por outras denominações que trabalhavam no meio brasileiro. 3) Descobriram que
mesmo nessa província havia uma pequena congregação presbiteriana, na cidade do
Rio Grande. O pastor desta, o ministro presbiteriano Emanuel Vanorden, resolveu
passar sua congregação inteira, de trinta membros, aos episcopais! Claro que ilustra­
ções contrárias não faltam, como o caso do metodista Justus Nelson, em Belém do
Pará, que, irritado com o monopólio calvinista na hinologia, representado por Salmos
e Hinos, resolveu beneficiar os brasileiros com os hinos arminianos dos irmãos Wesley.

Dominava na América do Norte, a “Era Metodista”.31


Quando da pequena criação da Igreja Metodista Episcopal, em 1784, havia menos
de 15 mil metodistas nos Estados Unidos; nos meados do século XIX, estes já consti­
tuíam a maior Igreja do país. Com o ocorreu tão fenomenal crescimento? A explicação
parece ser que os metodistas se adaptavam, melhor do que as outras denominações, ao
fenômeno peculiar americano, chamado de “fronteira”. O termo significa a área do
Oeste que fazia parte do país, mas ainda pouco povoada por brancos; a fronteira ainda
não estava definida, pois o país expandia rapidamente os limites geográficos.32
Os métodos evangelísticos, o ministério itinerante, a estrutura eclesiástica e a pró­
pria teologia metodista contribuíram para os resultados mencionados. O principal
meio de evangelização usado pelos metodistas foi o camp meeting (acampamento),
desprezado pelos presbiterianos que primeiro o utilizaram, mas que se tomou o “tem­
po da colheita” para os metodistas, no dizer do bispo Francis Asbury. O circuit rider
(itinerante) metodista, geralmente com pouca instrução formal, e da mesma camada
social do povo da fronteira cujo minúsculo salário e constantes viagens lhe tornavam
o casamento inviável, tinha condições - que não tinha o ministro casado e acostuma­
do a servir numa igreja fixa - de acompanhar a marcha para o Oeste. Finalmente, a
estrutura metodista, baseada em classes e sociedades, não exigia nem edifícios (pois a
classe de doze pessoas podia se reunir em casa particular) nem a presença constante de
ministros (pois o líder era também leigo, com experiência pessoal de fé e vivência
cristã), situação ideal para as condições da fronteira.
Em virtude da sua melhor adaptação a tais condições, o metodismo se tornou, até
meados do século, a maior Igreja Protestante na América do Norte. As outras denomi­
nações, consciente ou inconscientemente, sofriam a influência metodista, o que resul­
tou em mudanças substanciais nas suas práticas e até na sua postura doutrinária! As

40
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

duas tendências podem ser detectadas, por exemplo, no célebre evangelista presbiteriano
Charles C. Finney (1792-1875). Finney foi um inovador da evangelização; o elemen­
to mais duradouro dos seus chamados “novos métodos”, a protracted meeting (série
evangelística prolongada) foi chamada por Winthrop Hudson, “o acampamento tra­
zido à cidade”. O acampamento, com seu barulho e manifestações emocionais, foi
rejeitado pelos presbiterianos em geral, mas a protracted meeting achou, muita acolhida
entre eles, bem como entre luteranos, reformados alemães e até Quakersl A teologia de
Finney devia muito a Nathaniel William Taylor (1786-1858), que enfatizava a capaci­
dade moral do ser humano. Finney, estribado no pensamento de Taylor, dizia aos
pecadores que eles pecavam porque queriam, náo por causa de uma pretensa natureza
corrompida! Assim, até o avivamento passou a ser mais obra de hábeis pregadores
capazes de convencer auditórios, do que “ato poderoso de Deus”, como se entendia
outrora. Em geral, as igrejas norte-americanas, ao enviarem missionários para o Brasil,
já se encontravam “metodizadas”.

A religião e a nação norte-am ericanas se encontravam


profundam ente divididas p o r causa da escravidão
Sul e Norte eram muito mais que designações geográficas nos Estados Unidos.
Desde os tempos coloniais, no Norte, desenvolveram-se pequenas lavouras (e, posteri­
ormente, também comércio, navegação e indústria) enquanto o sistema de fazenda
sempre predominou no Sul. Após 1793, quando Eli Whitney inventou a máquina
para separar o caroço do fio do algodão, este começou a tornar-se “rei” . Em 1860, o
algodão já constituía 60% de toda a exportação do país. Uma vez que se julgava
essencial ao cultivo do algodão a mão-de-obra servil, buscavam-se meios para defen­
der o sistema escravista.
No Norte, observa-se estreita ligação entre avivalismo e reforma social. Caso típico
é o de que, Oberlin, Ohio, sob a influência de Asa Mahan (1800-1889) e, posterior­
mente, de Finney, tornou-se centro de irradiação do movimento abolicionista e do
avivamento do próprio Finney, bem como do movimento da santidade.
No Sul, ocorreu o oposto. O complô de Denmark Vessey (Charleston, Carolina do
Sul, 1822) e a revolta de NatTurner (Virginia, 1831) convenceram muitos sulistas de
que até a alfabetização de negros era perigosa. Controle e repressão foram intensifica­
dos. A esta situação, a Igreja respondeu principalmente de três maneiras: 1) Desenvol­
veu a teoria, baseada na filosofia de Aristóteles (contra a de John Locke) e também na

41
História Documentai do Protestantismo no Brasil

Bíblia (na qual não se encontra nenhuma clara proibição explícita da escravidão), de
que a escravidão é essencialmente boa e não má. 2) Iniciou-se agressiva missão entre os
escravos nas fazendas sulistas, missão de evangelização e catequese oral, sem qualquer
perspectiva de emancipá-los. O maior expoente dessas missões foi William Capers
(1790-1855), posteriormente bispo da Igreja Metodista Episcopal, Sul. 3) A terceira
parte da resposta foi o desenvolvimento da Doutrina da Igreja Espiritual, que teve em
J. H. Thornwell seu maior expoente. Conforme esta doutrina, a Bíblia, considerada
como a própria Constituição da Igreja, pelo princípio “Dai a César o que é de César e
a Deus o que é de Deus”, já estabelece os parâmetros da atuação da Igreja. A esta
concernem assuntos “espirituais” , como a conversão e a conduta moral. Questões
como política e jurisprudência pertencem a César. Thornwell afirmou que “as Escri­
turas não apenas deixam de condenar a escravidão, mas claramente a sancionam tanto
quanto qualquer outra condição social do homem”. Quem condenasse a escravidão
como pecado, como faziam os abolicionistas, atacava a Bíblia. Aliás, a estratégia de
Thornwell consistia em insistir de tal forma no argumento bíblico que seus oponen­
tes, pela aparente oposição à Bíblia, passassem por incrédulos.
As maiores denominações se dividiram por causa da questão: os metodistas em
1844, os batistas em 1845, os presbiterianos em 186133 e os episcopais temporaria­
mente (apenas durante a Guerra de Secessão, de 1861 a 1865). A grande maioria dos
missionários Norte-Americanos enviados ao Brasil veio da ala sulista dessas igrejas. As
exceções são a Igreja Episcopal e a Igreja Presbiteriana cujos dois ramos, o do Norte e
o do Sul, estabeleceram missões aqui —Ashbel Green Simonton veio do Norte. No
caso da Igreja Episcopal, embora já reunida em uma só Igreja nacional quando do
envio dos missionários, todos os obreiros no período de formação, haviam estudado
no Seminário de Virgínia (Estado sulista) e residiam no mesmo Estado. Mesmo no
caso dos presbiterianos, Simonton filiou seu presbitério ao Sínodo de Baltimore, geo­
graficamente do Norte, mas de mentalidade conservadora e sulista. Sendo densamen­
te “sulista” , o grosso dos missionários enviados para o Brasil, o impacto seria natural­
mente a ênfase na conversão individual, na vida de oração e devoção, e na ética pessoal
impecável. Ficava faltando, pois, a tradução dessa vida cristã em luta pela justiça e
liberdade de todos.

42
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

O Cristianismo Norte-Americano, predominantemente Protestante,


era profundamente anticatélico
O anticatolicismo do cristianismo na América do Norte tem fortes raízes em
acontecimentos no período da Reforma Inglesa. No curto reinado da Rainha Maria
(1553-1558), apelidada de “Sanguinária”, aproximadamente 300 pessoas, inclusive
mulheres e crianças, foram queimadas como hereges no seu governo. Estas vítimas da
ira de Maria passaram a ser tidas como mártires, e sua história foi registrada no famo­
so livro de John Foxe (1516-1587). Williston Walker afirma que o livro de Foxe “pro­
vavelmente fez mais para promover o sentimento anticatólico do que todos os esfor­
ços governamentais haviam conseguido” (A History ofthe Christian Church, Charles
Scribners Sons, NY, 1958, 4 a Edição, p.493-494).
Elizabeth I foi coroada após a morte da Maria, reinando de 1558 a 1603. Nesse
período, a Igreja da Inglaterra assumiu sua forma tradicional, sob a direção dela como
“Suprema Govenadora” . Seu longo e popular reinado, porém, foi pontuado por toda
a sorte de oposição. O papa Paulo IV a considerou como ilegítima; em 1570, Pio V a
excomungou e chamou os súditos dela a destroná-la. Ao longo da sua carreira como
Rainha de Inglaterra, ela teve de enfrentar perigo por todo lado, a partir de Felipe II,
rei da Espanha e viúvo da Maria. Ele estabeleceu em Douai, no Noroeste da França,
uma universidade que treinaria muitos padres para tentar trazer novamente os ingleses
ao Catolicismo e à submissão ao Papa. Mais tarde, ele tentaria, por força de armas,
invadir a própria Inglaterra por meio da “Armada Invencível”, em 1588, ação essa que
foi um fiasco total. Por último, encontramos Maria, “Rainha dos Escoceses”, que
participou de diversos tramas para destronar ou matar Elizabeth. Mesmo prisioneira
na Inglaterra, ela teria participado de um complô para matar Elizabeth, pelo que foi
julgada, condenada e decapitada, em 1587. Em suma, a Rainha da Inglaterra, Protes­
tante, sofreu forte e traiçoeira oposição por parte de papas, reis e rainhas; tal trato
desleal só poderia aumentar no povo inglês a desconfiança e o ódio dos católicos e do
catolicismo.
Mais uma coisa deve ser mencionada. Elizabeth deixou na Inglaterra uma Igre­
ja Nacional, essencialmente Protestante, e seus sucessores imediatos, James I, Carlos I
e II mantiveram a mesma linha. James II (1685-1688), por sua vez, manifestou-se
Católico Romano e tentou levar a Inglaterra de novo para Roma. Forçado a fugir do
país, ele não renunciou seu direito ao trono. Nisso ele estava totalmente errado, pois
seu exército sofreu derrotas quando enfrentou um exército internacional, comandado

43
História Documental do Protestantismo no Brasil

por Guilherme de Orange. Mesmo hoje (2003) estas batalhas, comemoradas anual­
mente por meio de desfiles protestantes (especialmente na Irlanda do Norte), conti­
nuam a alimentar esses antigos ódios.
Nos Estados Unidos, o primeiro recenseamento, em 1790, mostrou claramente
que os cidadãos do país eram procedentes da Grã-Bretanha e Irlanda e predominante­
mente protestantes. Esta situação se manteria essencialmente a mesma até meados do
século X IX quando, entre 1846 e 1851, aproximadamente um milhão de irlandeses
morreram de fome ou doença, por causa da praga que atacou as batatas, a comida
principal do povo da época; no mesmo período e pelo mesmo motivo, mais de um
milhão e meio emigraram, principalmente para os Estados Unidos. Esta grande onda
de imigrantes, católicos na maioria, mudaria o quadro religioso do país, e causaria
conflitos em muitos setores — no mercado de trabalho; nas escolas públicas (tidas
como baluartes da democracia americana, mas, pelos imigrantes irlandeses, vistas como
escolas paroquiais, onde nas assembléias usavam-se hinos protestantes, Bíblias protes­
tantes —a saber, a versão de King James e não a de Douai —, professores e professoras
protestantes, etc.) o que levaria muitas famílias a matricularem seus filhos em escolas
paroquiais católicas e a exigir que o governo Americano sustentasse um sistema para­
lelo de educação. Além de atingir a carteira do protestante, tal exigência parecia ferir o
princípio de que a escola pública é baluarte da democracia.
Entrementes, o Catolicismo mundial sofria muito nas mãos de monarcas ilu­
minados. O Papa Clemente X IV foi obrigado por aqueles a suprir a ordem dos Jesu­
ítas em 1773. A Revolução Francesa desestabeleceu a Igreja Católica na França; Pio VI
(1775-1799) foi levado preso para a França, onde morreu. O próprio Napoleão bri­
gou com Pio VII (1800-1823), confiscou os Estados da Igreja, em 1809, e, prendeu-
o no mesmo ano, soltando-o apenas em 1814. O longo papado de Pio IX (1846-
1878) viu a elevação do prestígio da Igreja, mas os mais importantes atos do Papa
foram repudiados pelos protestantes, desde a proclamação do dogma da Concepção
Imaculada da Virgem Maria (1854), o Sílabo de Erros em 1864 (como separação da
Igreja e Estado, escolas não sectárias, tolerância de uma variedade de religiões etc.) e,
por fim, a promulgação do dogma da Infalibilidade Papal (1870). Cada um desses
fatores contribuiu para um forte sentimento anti-católico, como um bom número dos
documentos encontrados no presente livro mostrará.

44
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

OS IN G LESES

Introdução
A amizade anglo-portuguesa remonta à era das Cruzadas, è seus primeiros tratados
comerciais e políticos ao século X IV Os tratados do século XVII (1642, 1654, 1661)
garantiram ao crescente número de mercadores ingleses residentes em Portugal a juris­
dição extraterritorial e o privilégio de praticar, em particular a religião protestante.34
O célebre Tratado de Methuen (1703) estimulou o comércio de lã inglesa com o do
vinho do Porto, de Portugal. Além de lucrar enormemente com esse comércio, cujo
balanço desfavorável a Portugal era pago pelo ouro das Minas Gerais, a Inglaterra veio
a ter ascendência quase total sobre Portugal.35 O Marquês de Pombal, chefe absoluto
do governo português de 1750 a 1777, reagiu contra esse domínio, e sua política fez
minguar o comércio entre as duas nações, a ponto da política comercial da Inglaterra
voltar-se contra Portugal, pelo Tratado Comercial de 1786, com a França. Interrom­
pia-se temporariamente um relacionamento antiqüíssimo. Foi a Revolução Francesa,
seguida da guerra entre França e Inglaterra, que levou a Inglaterra e Portugal a reafir­
marem, por meio do Tratado de 26 de setembro de 1793, todos os acordos anteriores
e a se prometerem ajuda mútua contra a França. Apesar da vacilação do príncipe
regente D. João frente às exigências francesas quanto ao bloqueio continental, a longa
história de amizade com a Inglaterra e as vantagens imediatas (pois optando pela
França, ele salvaria apenas o pequeno Portugal; optando pela Inglaterra, salvaria as
colônias, inclusive o enorme Brasil) levaram-no a aceitar a proteção da Inglaterra,
transferindo a sede do governo português para o Rio de Janeiro.36
Assim, a fuga da família real e dos milhares de nobres e funcionários da corte,37 em
navios portugueses escoltados por navios da marinha inglesa, prenunciava a preemi-
nência inglesa no Brasil, formalizada dois anos depois pela série de tratados de feverei­
ro de 1810. O Tratado de Comércio garantiu grandes vantagens aos ingleses e o privi­
légio da prática particular do culto anglicano. O Tratado da Amizade e Aliança proi­
biu a implantação da Inquisição no Brasil (art. IX) e igualmente proibiu os súditos do
Príncipe Regente “de continuarem com o tráfico escravo de qualquer parte da África,
exceto das atuais possessões da coroa portuguesa naquele Continente” (art. X ).38
Os melhoramentos que se seguiram ao estabelecimento da corte real no Rio de
Janeiro são assaz conhecidos.39 Para os propósitos do presente ensaio, basta recordar
que a abertura dos portos aos países amigos de Portugal (28 de janeiro, 1808) só

45
História Documental do Protestantismo no Brasil

beneficiou, das nações européias, a Inglaterra, até o término da guerra continental.40


O influxo de ingleses significou também o início do culto protestante, praticado em
particular no Brasil. O anglicanismo no Brasil sempre se caracterizou por capelanias,
ou seja, pelo atendimento religioso dos ingleses, na sua forma litúrgica tradicional
(usando-se o Livro de Oração Comum) no idioma inglês, e não pela propagação da sua
fé protestante à população brasileira. Os ingleses se concentravam nos principais por­
tos, onde, antes de chegarem capelães consulares residentes, os capelães da marinha
britânica os atendiam. Assim, o registro da Igreja Anglicana no Rio de Janeiro acusa o
nome do capelão W. Meade, do navio Fondroyant, em 1810, seguido de outros nomes
de capelães da marinha, antes da chegada do primeiro capelão consular, Robert C.
Crane (1818); durante a capelania de Crane, no dia 18 de agosto de 1819, lançou-se
a pedra fundamental da Igreja de São Jorge e São João Batista honrando assim os
soberanos respectivamente da Inglaterra e de Portugal.41 Capelanias consulares foram
fundadas também no Recife e na Bahia. No Recife, o primeiro capelão foi nomeado
em 1822 e a capela, erguida em 1838.
Além das capelanias consulares, a South American Missionary Society42 também
estabeleceu capelanias no Brasil, como em outras partes da América do Sul. Fundada
para missionar entre os índios do Continente, esta Sociedade também “nomeou e
ajudou capelães para marinheiros britânicos e residentes de diversos portos” do Con­
tinente.43 A capelania de São Paulo foi fundada por esta Sociedade e auxiliada por ela
até 1908; a de Santos, São Paulo, foi também estabelecida por ela, sendo que o capelão
também cuidava da missão entre marinheiros (1914).44
A supervisão episcopal era nula nas primeiras décadas. A coroa inglesa nomeava os
capelães consulares, através do Ministério do Exterior (Foreign Office), os quais eram
licenciados pelo bispo de Londres, cuja jurisdição se extendia sobre congregações
anglicanas fora de qualquer diocese regularmente constituída, embora nunca tivesse
visitado a América do Sul. Provavelmente, a primeira visitação episcopal teve lugar em
1869, porThom as Nettleship Staley, bispo de Honolulu, o qual visitou, em nome do
bispo de Londres, as igrejas anglicanas dos principais portos do Brasil e de outras
nações sul-americanas, em sua viagem de regresso da Inglaterra para Honolulu. Visi­
tou e consagrou a Igreja Anglicana do Recife, onde confirmou 24 membros, e ainda
consagrou o cemitério inglês. Também consagrou a Igreja do Rio de Janeiro com o
nome de Christ Church, a 11 de maio de 1869.45 Finalmente, as capelanias e paróqui­
as anglicanas, espalhadas pela América do Sul, menos as da Guiana Inglesa, foram

46

»
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

constituídas em uma só diocese, da qual o bispo Waite Hockin Sterling (1829-1923)


foi encarregado, possivelmente em 1869- Conforme Latourette, “por décadas, ele ser­
viu sua enorme diocese, viajando quase incessantemente”.46
Por muitos anos, havia apenas as capelanias mencionadas acima: com a divisão da
diocese em duas (1910), tornou-se possível reativar uma antiga capelania junto à mina
de ouro em Morro Velho, Minas Gerais, e a criação de uma nova capelania em Belém
do Pará47 —mas isso já extrapola os limites do presente capítulo.

Base legal para o culto anglicano no Brasil


O Tratado do Comércio e Navegação, um dos três tratados48 firmados entre Por­
tugal e Inglaterra no dia 19 de fevereiro de 1810, pelo seu artigo XII transcrito abaixo,
concedeu a liberdade de culto aos ingleses e a tolerância religiosa a outros acatólicos
residentes no Brasil. Os limites destas concessões são explicitados no documento que
segue.

CO DOCUM ENTO: Artigo XII do Tratado do Comércio e Navegação.


XII. Sua Alteza Real, o Príncipe Regente de Portugal, declara, e se obriga no
seu próprio nome, e no de seus herdeiros e sucessores, que os vassalos de Sua
Majestade Britânica, residentes nos seus territórios e domínios, não serão per­
turbados, inquietados, perseguidos, ou molestados por causa da sua religião,
mas antes terão perfeita liberdade de consciência e licença para assistirem e
celebrarem o serviço divino em honra do Todo-Poderoso Deus, quer seja den­
tro de suas casas particulares, quer nas suas igrejas e capelas, que Sua Alteza
Real agora, e para sempre graciosamente lhes concede a permissão de edificarem
e manterem dentro dos seus domínios. Contanto, porém, que as sobreditas
igrejas e capelas sejam construídas de tal modo que externamente se asseme­
lhem a casas de habitação; e também que o uso dos sinos não lhes seja permiti­
do para o fim de anunciarem publicamente as horas do serviço divino. Ade­
mais, estipulou-se que nem os vassalos da Grã-Bretanha, nem quaisquer outros
estrangeiros de comunhão diferente da religião dominante nos domínios de
Portugal serão perseguidos, ou inquietados por matérias de consciência, tanto
no que concerne a suas pessoas como suas propriedades, enquanto se conduzi­
rem com ordem, decência e moralidade e de modo adequado aos usos do país,
e ao seu estabelecimento religioso e político. Porém, se se provar que eles pre­
gam ou declamam publicamente contra a religião católica, ou que eles procu­
ram fazer prosélitas [sic], ou conversões, as pessoas que assim delinqüirem po­
derão, manifestando-se o seu delito, ser mandadas sair do país, em que a ofensa

47
História Documental do Protestantismo no Brasil

tiver sido cometida. E aqueles que em público se portarem sem respeito, ou


com impropriedade para com os ritos e cerimônias da religião católica domi­
nante serão chamados perante a polícia civil e poderão ser castigados com multas,
ou com prisão em suas próprias casas. E se a ofensa for tão grave e tão enorme
que perturbe a tranqüilidade pública e ponha em perigo a segurança das insti­
tuições da Igreja e do Estado estabelecidas pelas leis, as pessoas que tal ofensa
fizerem, havendo a devida prova do fato, poderão ser mandadas sair dos domí­
nios de Portugal. Permitir-se-á também enterrar em lugares para isso designa­
dos os vassalos de Sua Majestade Britânica que morrerem nos territórios de Sua
Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal; nem se perturbarão de modo al­
gum, nem por qualquer motivo, os funerais, ou as sepulturas, dos mortos. Do
mesmo modo, os vassalos de Portugal gozarão nos domínios de Sua Majestade
Britânica de uma perfeita e ilimitada liberdade de consciência em todas as
matérias de religião, conforme o sistema de tolerância que se acha neles estabe­
lecido. Eles poderão livremente praticar os exercícios da sua religião pública,
ou particularmente nas suas casas de habitação, ou nas capelas, e lugares de
culto designados para este objeto, sem que se lhes ponha o menor obstáculo,
embaraço, ou dificuldade alguma, tanto agora como no futuro.45

O status legal dos acatólicos no Brasil imperial


O Tratado do Comércio (1810) traçou as linhas mestras que seriam inseridas na
primeira Constituição do Império do Brasil, garantindo a todos os residentes o direito
de praticar a sua religião em particular, uma vez que não perturbassem a paz pública
ou tentassem fazer prosélitos entre os brasileiros, presumivelmente católicos romanos.
Esta Constituição e as leis nela baseadas definiram o status dos acatólicos e estabelece­
ram os limites das suas atividades até a era republicana. O Brasil é definido como país
católico, sendo o imperador protetor da fé; as religiões acatólicas são apenas toleradas.

Ç T ) DOCUM ENTO: Artigo 5 o da Constituição de 1824


Art. 5o A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do
Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou
particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de tem­
plo.50

Ç T ) DOCUM ENTO: Leis do Código Criminal: aplicação do “Artigo 5 o”


“Ofensa à moral, à religião e bons costumes"
21G. Celebrar em casa ou edifício que tenha alguma forma exterior de tem-
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

pio, ou publicamente em qualquer lugar, o culto de outra religião que não seja
o do Estado:
PENAS. No grau máximo —serem dispersos pelo juiz de paz os que estive­
rem reunidos para o culto, demolição da forma exterior,, e multa de 12$, que
pagará cada um.
277. Abusar ou zombar de qualquer culto estabelecido no Império, por meio
de papéis impressos, litografados ou gravados, que se distribuírem por mais de
quinze pessoas, ou por meio de discursos proferidos em públicas reuniões ou
em ocasião e lugar em que o culto se prestar.
278. Propagar por meio de papéis impressos... que se distribuírem por mais
de quinze pessoas, ou por discursos em públicas reuniões doutrinas que direta­
mente destruam as verdades fundamentais da existência de Deus e da imorta­
lidade da alma.51

Observações de viajantes protestantes Que passavam pelo Brasil


O s mesmos ventos que levaram Cabral à costa brasileira e depois à índia, impeli­
ram ingleses e outros, no século XIX, a portos brasileiros, como escala nas suas viagens
à índia e Ceilão. Henry Martyn (1781-1812), missionário inglês, registrou em seu
diário observações sobre as necessidades espirituais do Brasil, colhidas durante sua
estada em Salvador da Bahia, de 12 de novembro a 6 de dezembro de 1805, a caminho
da índia. Dez anos depois, S. Broadbent, missionário wesleyano, aportou no Rio de
Janeiro por ocasião da páscoa de 1816; suas observações lançam luz sobre a motivação
missionária protestante, e, bem assim, sobre as condições religiosas do Brasil da época.

DOCUMENTO: Excerto do diário de Henry Martyn,


missionário anglicano (1805)
Nov. 12, 1805. Que missionário será enviado para trazer o nome de Cristo
a estas regiões ocidentais! Quando será que esta linda terra se libertará da ido­
latria e do cristianismo espúrio! Há cruzes em abundância; mas quando será
levantada a doutrina da cruz!
Nov. 19 ...Eu o deixei [o sr. Antônio] para voltar ao meu navio, mas achan­
do, ao longo do meu caminho, uma capela aberta, entrei para ver os quadros,
todos eles tendo, como figura preeminente, o frade de alguma ordem. Em um
quadro, algumas pessoas nas chamas seguravam a corda que ele trazia à cintura.
Que figura apta se, em lugar de frade, estivesse Jesus Cristo! Nesse momento,
um frade, de traje idêntico ao do quadro, estava andando devagar; eu o segui
pelos claustros e lhe falei em latim. Ele ficou um tanto surpreso, contudo res-

49
História Documental do Protestantismo no Brasil

pondeu. Ele me disse que a capela pertencia a um mosteiro de frades


franciscanos. Ele parou no claustro que cercava o primeiro andar do prédio e, a
esta altura, já nos entendíamos perfeitamente bem. Então lhe pedi que provas­
se, pela Escritura, as doutrinas do purgatório, da adoração de imagens, da su­
premacia do papa e da transubstanciação. Seus argumentos foram extrema­
mente fracos, e o Senhor me deu resposta a todos eles. Durante a nossa conver­
sação, chegaram mais dois ou três frades, os quais entraram na discussão. Eu
rebati todos os seus erros, tão claramente quanto possível, pela Palavra de Deus;
não tiveram nada para responder e, não obstante, não pareciam desconcerta­
dos. Toda uma tropa de outros frades, passando em procissão no claustro infe­
rior, do lado oposto, fez sinal a eles para descerem,52 o que fizeram, levando-
me consigo a uma cela - dois na frente e dois de cada lado. Enquanto andáva­
mos pela passagem, um me perguntou se eu era cristão. Quando todos nós
chegamos à cela, eu pedi uma Bíblia e a discussão foi reiniciada. Descobri que
eles não consideravam seus erros defensáveis em bases bíblicas; daí apelavam
para a autoridade da Igreja. Disse-lhes, então, que essa Igreja, pela própria con­
fissão deles, agia contra a lei de Deus e, portanto, não era a Igreja de Deus.
Também chamei a atenção deles para as últimas palavras do Apocalipse. Meu
conhecimento da Escritura parecia surpreendê-los muito. Quando eles silenci­
aram, e nada mais tendo a dizer, eu temi que o assunto terminasse ali, sem
nenhum proveito; portanto, eu disse: “Vocês, que professam ensinar o cami­
nho da verdade, como ousam, perante Deus, deixar o povo continuar nas práticas
idolátricas, que sabem ser contrárias à Palavra de Deus?” Aquele que falava o
francês, e também o melhor latim, ficou muito zangado durante a discussão;
ele falava de Scripturarum interpretes p ii sapientissimique viri Augustinus,
Bernardus53 etc.; “mas”, disse eu, “não eram inspirados”. “Sim”, ele respondeu,
mas foi corrigido pelos outros. Porque este homem parecia sério (os outros
estavam às vezes sérios, outra..., vezes riam), eu lhe perguntei por que assumira
o hábito de frade; ele respondeu: “ut me abstraherem a vanitate rerum
mundanarum et meipsum sanctumfaciam adgloriam Dei”.54 Falou com grande
compenetração e seriedade, e parecia o mais sincero de todos. Eles conheciam
lógica, e argumentavam conforme as regras. Começou dizendo, “ nullam salutem
esse extra Ecclesiam Catholieam, axioma est’\ “concedo”, disse eu —“sed extra
Romanam salus essepotest”. Minime, exclamaram todos. “ Quare”, disse eu, “pro­
ba”?'* mas não puderam. Finalmente fui-me embora, pois o sol já se pusera, e
todos me acompanharam pelas longas e escuras passagens. Quase tremia por
causa do lugar e da companhia em que me encontrava, mas eles eram extrema­
mente corteses e indagavam quando eu viria novamente à terra, para que me
esperassem. Eu havia ficado por tanto tempo que, mesmo depois de esperar

50
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

por horas em diversos cais, nenhum barco veio [para me levar ao navio]; e fui
obrigado a voltar à casa do senhor Antônio, do qual recebi uma saudação cor­
dial. Sua esposa e seus escravos, os quais pareciam ser admitidos à maior fami­
liaridade, se deleitavam em me cercar ensinar os nomes das coisas em portu­
guês.56

Ç P ) DOCUM ENTO: Carta de S. Broadbent, missionário wesleyano


no Ceilão (1816)
Domingo, 3 de março, às 6 da manhã, vimos Cabo Trio [Frio], América do
Sul e, aproximadamente às 17 horas, ancoramos no Rio de Janeiro, onde per­
manecemos por dez dias. E a Capital dos domínios portugueses na América, e
a família real reside aqui. A cidade é grande e populosa, e as ruas cheias de
escravos; aqui também o papismo prevalece universalmente: certamente, nem
a própria Roma a excede a esse respeito. As igrejas e mosteiros são numerosos e
os monges e frades [somam] 1.500. A primeira vez que visitamos uma destas
igrejas, o bispo e diversos sacerdotes estavam ocupados com a absolvição de
algumas pessoas dos seus pecados, por ser tempo de Quaresma. Isso terminado,
todos eles se ajoelharam brevemente perante a imagem da Virgem Maria e,
então, saíram. Quando o bispo passava, o pobre e enganado povo caía de joe­
lhos para obter dele uma bênção. Duma feita, vi o bispo descendo à praia acom­
panhado por diversos sacerdotes, os quais portavam velas acesas na mão e um
tocava um sino, todos guardados por uma companhia, soldados armados. To­
das as pessoas na rua, por distantes que estivessem, se ao menos pudessem
relanceá-lo, imediatamente caíam de joelhos e mantinham essa postura até que
desaparecesse de vista. Ele ia a um navio ancorado no porto, onde havia um
homem supostamente moribundo, ao qual ia ministrar o santo sacramento.
Ele se propôs, por uma certa soma de dinheiro, a libertar sua alma do purgató­
rio em seis semanas, como fui informado por uma pessoa presente, a qual havia
vivido lá por alguns anos. Multidões de pessoas, de joelhos, fitavam os olhos no
navio. Em alguns lugares, vimos grandes quadros, de pessoas cercadas pelas
chamas do purgatório, sob os quais havia uma caixa para que os que tivessem
compaixão dessas almas depositassem dinheiro para os sacerdotes libertá-las
mais depressa. Na esquina de quase todas as ruas, há imagens e crucifixos aos
quais o povo supersticioso presta adoração ao passar. As procissões são numero­
sas. Na sexta-feira, dia 8, tivemos a oportunidade de presenciar uma. De ma­
nhã, o povo estava muito ocupado com a construção de uma espécie de capela
temporária em várias partes da cidade. As capelas eram construídas como gran­
des degraus que subiam do chão, encostados em uma casa protegidos por um
pálio; no topo havia uma grande imagem [de Cristo] carregando uma cruz.

51
História Documental do Protestantismo no Brasil

Tudo coberto de diversos tipos de bordados e enfeitado de flores, muitas velas


e também imagens trazendo o brasão da coroa portuguesa. A grande procissão
teve início ao pôr-do-sol. Entramos no gabinete do cônsul britânico, donde
pudemos observar todo o panorama ridículo quando passasse por lá. As ruas e
as janelas estavam superlotadas de espectadores. De quando em quando havia
pilhas de folhas que, à medida em que a procissão se aproximava, eram espalha­
das nas ruas, exalando um agradável perfume. Imediatamente lembrei-me de 2
Co 2.15, 16. Uma ordem de sacerdotes estava na frente, e de cada lado da rua
uma fila de sacerdotes, com grandes velas acesas na mão. No centro da rua
andavam 24 meninas, de aproximadamente treze anos de idade, as mais boni­
tas encontradas num raio de trinta milhas; representavam anjos. Tinham al­
gum objeto acima das cabeças para representar raios de luz; toda a sua fantasia
era bastante curiosa e cara. Eram as figuras mais estranhas que jamais vi ou
espero ver. Uma delas carregava uma cruz; uma outra, uma pequena escada;
outra, um martelo e cravos etc. , e uma levava a cabeça de João Batista num
prato etc. etc. Então seguia o bispo sob um pálio e duas tendas, sob as quais
havia a santa eucaristia. Essas tendas teriam sido usadas nas Cruzadas. Seguia-
se um pálio preto, carregado por diversos homens, sob o qual, conforme se cria,
havia uma parte da vera cruz na qual Jesus fora pendurado; depois vinha um
dispositivo carregado à altura dos ombros, em que havia uma estátua de Cristo,
caído em um joelho, sob o peso da cruz sobre suas costas. Então vinham pesso­
as queimando incenso, e finalmente uma grande banda de música, soldados
armados e multidões e multidões de gente. Quando tudo havia passado, saí­
mos para ver as capelas temporárias, e encontramos pessoas ajoelhadas nas ruas,
adorando a imagem. Em frente à capela havia uma grande salva de prata, em
que as pessoas depositavam dinheiro, e depois passavam a beijar a imagem.
Algumas desejavam ardentemente beijar o dedo, o calcanhar etc. etc. Na igreja
principal, na qual a família real assiste, vimos uma imagem de Cristo pregado
na cruz. Foi realmente uma notável representação do sofrimento do nosso Se­
nhor: suas têmporas e diversas partes do seu corpo cruelmente dilaceradas, seu
lado traspassado, os ossos dos joelhos expostos por ter ele caído debaixo da
cruz; de fato, ele pareceu tão mutilado e contundido que, como as Escrituras o
representam, “Seu corpo era uma chaga só”.57 Há muitas imagens desse tipo
nos conventos. Um sacerdote inglês, da ordem de Santo Antônio, tendo ouvi­
do falar de nós, veio indagar a nosso respeito; achando-nos, ele foi muito fran­
co e aberto e se propôs a mostrar-nos o convento ao qual pertencia, se viésse­
mos no dia seguinte, o que fizemos. Ele nos apresentou ao guardião do conven­
to, o qual nos tratou com muita bondade; veio a bordo do navio, jantou conosco
e nos convidou para jantar consigo, o que fizemos; deu a cada um de nós uma

52
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

conta [de rosário] e uma cruz, que o núncio papal trouxera de Jerusalém, con­
sideradas por eles como mui valiosas, pois tinham tocado o Monte Calvário
etc. etc. O sacerdote também nos introduziu - a mim e ao irmão [Robert]
Carver - ao mosteiro da Ordem de São Bento, construído à moda do templo
de Jerusalém. Todo o madeiramento é de cedro (...) A igreja é muito rica.
Quase não se vê nada que não seja de ouro, a não ser o chão e os candelabros,
estes de prata. Uma das imagens, chamada Santo Amaro, segundo nos infor­
mou o sacerdote, cura doenças corporais, e, por uma certa soma de dinheiro,
cura os que a pedem. Havia ao lado uma perna e uma mão de cera, que pessoas
que teriam sido curadas pela imagem trouxeram em sinal de lembrança e grati­
dão. Teriam nos mostrado o lugar onde estavam depositadas as relíquias sagra­
das, mas o sacristão, que possuía a chave, estava ausente. Deram-nos uma hós­
tia não consagrada, e afirmaram que se a consagrassem, seria o verdadeiro Cor­
po de Cristo. Padre Paulo, pois era esse o nome do sacerdote inglês, veio ao
navio por diversas vezes. Mantivemos muita discussões sobre os pontos em que
os protestantes e católicos diferem. Quanto mais ouço o papismo explicado,
mais me provoca desgosto e abominação; e mais grato fico a Deus por ter nas­
cido num país protestante, uma terra de liberdade e de Bíblias. Oh, feliz a
Inglaterra! Ele [o padre inglês] freqüentemente se referiu, desdenhosamente, às
Escrituras como um nariz de cera, dizendo que não deviam ser colocadas nas
mãos do vulgo. Repetidamente, ele expressou o desejo de que nós parássemos
lá, dizendo que teríamos um lar confortável etc. etc., mas disse ter certeza que
não faríamos nenhum, benefício em Ceilão. Perguntei-lhe como nos receberi­
am no mosteiro se não pudéssemos abraçar seus princípios. Ele respondeu:
“Oh, vocês devem ter uma fé cega”. Mas, graças a Deus, Ele nos deu uma idéia
diferente de conforto daquela de ficar cerrados em uma escura cela monástica etc.
Eu lhe dei os Hinos, de (Charles e John) Wesley, a Apologia do Metodismo, de
Joseph Benson; Mensagem aos que Buscam a Salvação, de Fletcher; e Evidências
do Cristianismo, de Philip Doddridge.58 Eu tinha quase duzentos tratados no
idioma português, chamados “Excertos da Escritura”, que distribuímos quase
em toda a parte da cidade. Espero que Deus faça deles uma bênção para mui­
tos.59

A primeira capela anglicana no Brasil


Quando das negociações dos tratados de 1810, o núncio papal Lourenço Coleppi
dirigiu-se ao Príncipe Regente protestando contra a permissão da construção de cape­
las anglicanas; não sendo atendido nisso, insistiu em que a Inquisição fosse instalada
no Brasil. D om José Caetano da Silva Coutinho, o bispo do Rio de Janeiro, porém,

53
História Documental do Protestantismo no Brasil

replicou: “Os ingleses realmente não têm religião, mas são um povo orgulhoso e obs­
tinado. Se houver oposição contra eles, eles persistirão e farão disso assunto de máxi­
ma importância; mas se atender seus desejos, a capela será construída, e ninguém
chegará perto dela” .60 O Tratado do Comércio (doc. 1) permitia aos ingleses a cons­
trução de “igrejas e capelas”, mas só em 1822, poucos meses antes da independência
do Brasil, é que foi inaugurada a capela anglicana no Rio de Janeiro, que foi também
o primeiro edifício para o culto protestante erguido, em tempos modernos, no Bra­
sil.61

DOCUMENTO: “N ° 50 —Estrangeiros —Em 23 de Maio de 1822"


Declara ao intendente-geral da polícia que os ingleses pretendem abrir a sua
capela, no domingo 2 6 deste mês
Tendo Alexandre Cuningham, deputado cônsul-geral de Sua Majestade Bri­
tânica, participado que no domingo 26 do corrente pretendiam os ingleses
aqui estabelecidos abrir a sua capela na conformidade do art. XII do Tratado de
1810 que lhes faculta o dar princípio ao seu culto religioso, e sendo esta a
primeira vez que se abre nesta cidade uma Igreja Protestante, podendo por isso
acontecer que haja tal afluência popular, que mereça a atenção da polícia, que
deve prevenir as perturbações que resultam dos ajuntamentos: manda o Prínci­
pe Regente pela Secretaria do Estado dos Negócios do Reino e dos Negócios
Estrangeiros, que o intendente-geral da polícia tome as medidas necessárias
para se conservar a boa ordem e sossego público nesse dia, mandando para a
rua dos Barbonos,62 onde está situada a dita capela, patrulhas rondantes da
guarda da polícia encarregadas de manter a tranqüilidade.
(Assinado) José Bonifácio de Andrada e Silva63
Paço em 23 de maio de 1822.

Observações sobre a religião no Brasil por dois capelães ingleses


Seguem-se dois documentos, o primeiro do Rev. Boys, capelão inglês de Santa
Helena, ilha britânica no meio do Atlântico Sul, o qual foi obrigado a permanecer um
bom tempo no Rio de Janeiro, por causa da doença da sua esposa (1819). Ele encara
a situação religiosa do Brasil em geral, e a capelania inglesa, em particular, através da
ótica evangélica. O segundo é de Robert Walsh, o mais conhecido dos clérigos britâni­
cos que atuaram no Brasil, cujo livro sobre o Brasil, no final da terceira década do
século XIX, é freqüentemente citado. O documento abaixo, um excerto do livro de
Walsh, contém suas observações sobre a capelania do Rio de Janeiro.

54
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Ç / ^ DOCUM ENTO: Excerto da Carta de Boys (1819)


Rio [de] Janeiro , 17 de dezembro de 1819
[Não há saudação]
Agradou a Deus ordenar nossos passos de tal maneira'que o navio que nos
trouxe até aqui com segurança seguisse viagem sem nós. Para nossas mentes
míopes, isso não nos parecia desejável, pois estávamos confortavelmente aco­
modados a bordo do Camel, e agora podemos ficar largados aqui por alguns
meses. Mas como o Senhor reina, não era para nos entreter um desejo além da
linha do dever que sua Providência claramente determinara para nós.
(...)
Uma boa coisa, confio, já resultou desta demora [motivada pela doença da
minha esposa]. Uma reunião de oração foi iniciada, e promete continuar per­
manentemente a ser a fonte de muito benefício. Sr. Crane, [o capelão], que
esteve por alguns anos em Camberwall e foi meu conhecido na universidade,
não é um homem de opiniões evangélicas e embora mui bondoso e amável,
provavelmente não fará grande bem: eu lhe propus que estabelecesse esta reu­
nião de oração, tendo previamente consultado duas ou três boas pessoas aqui,
as quais sentiam muito a falta dela. Como eu previra, ele declinou, mas não
pôde colocar nenhuma objeção válida à reunião daqueles que estavam assim
dispostos. Isso era tudo que eu desejava, porque agora ele não pode dizer nada
contra aqueles com maior zelo do que o seu próprio. (A reunião) já se realizou
por três vezes, em uma casa particular e o número dos que se reuniram foi
nove, o que considero um bom começo. Creio que não é improvável que isto
acabe (talvez logo) por provocar o surgimento de um interesse religioso algo
diferente em forma da nossa comunhão; mas enquanto o Evangelho não for
ouvido na Igreja da Inglaterra, acho que todo o cristão sincero deve regozijar-se
ao saber que o Reino do Senhor floresce em outra parte.
Os católicos romanos aqui em todo o seu culto são ainda mais insensatos
que os chineses, dos quais, ou de outros como eles, parecem ter imitado o
absurdo costume de soltar toda espécie de fogos de artifício no seu culto. O
espetáculo das suas ridículas cerimônias —ou melhor, a forma vergonhosa na
qual nossa pura e santa religião se exibe aqui, e os 80 mil escravos que formam
uma parte da população desta cidade, que não parecem ter mais probabilidade
de serem libertados da sujeição ao pecado e a Satanás que dos grilhões da escra­
vidão: o espetáculo destas coisas, afirmo, torna este lugar, no meu modo de
pensar, um dos mais miseráveis do mundo.
Aqui existe uma população de 300 mil pessoas, que, com a exceção de bem
poucos da Europa, estão na escuridão total sem nada que possa lhes dar sequer
um vislumbre distante de libertação. Um lugar que professa ser cristão —mas

55
História Documental do Protestantismo no Brasil

que não possui nem a forma de santidade, pois suas próprias cerimônias são
piores que as pagãs. Não há escolas e nenhuma Bíblia à vista, exceto ocasional­
mente, aqui e acolá, nas casas dos negociantes europeus. Certamente, isso é por
demais triste - não devia nosso mundo cristão tomar sua atenção para esse
lugar(?)
Estou convencido de que as oportunidades de fazer o bem aqui são muito
grandes e o campo, sem dúvida, é muito extenso. Aqui temos residindo um
embaixador inglês, o sr. Thornton, e aproximadamente 1.500 negociantes in­
gleses mais os franceses, muitos dos quais sei que favorecem uma sociedade
bíblica auxiliar. A maioria deles possui escravos, os quais, naturalmente, eles
têm a obrigação de instruir, e não poderiam ser incomodados [por cumprirem
essa obrigação]. Daí haver bastante oportunidade para o estabelecimento de
uma escola para adultos em casa para o benefício deles próprios, a qual, confor­
me os termos do Tratado [de 1810], nem o próprio rei João [VI] (que não passa
de uma mulher velha e uma nulidade) poderia impedir. E quanta utilidade isso
teria aqui! Pois não devem existir menos de 2 mil escravos, propriedade de
negociantes ingleses (eu os estimaria em 3 mil ou 4 mil), inteiramente às or­
dens de nossos compatriotas - a distribuição também das Escrituras em portu­
guês poderia ser efetuada. Não acho nada improvável que mesmo o rei João e o
bispo romano com seu clero pudessem ser persuadidos a sancionar a distribui­
ção, pois realmente todos são tão ignorantes e cegos, que não perceberiam quanto
dano isso traria à causa romana.
De qualquer forma, algo deve ser tentado —os cristãos parecem totalmente
insensíveis à importância deste lugar —ou pode ser que até agora Deus, no seu
justo juízo pelas iniqüidades do tráfico de escravos, tem deixado este povo nas
suas próprias paixões loucas, e para que se fartem dos seus próprios caminhos.'64
Se for assim, poderemos deixar de nos admirar quanto a nada ter sido tentado
aqui até agora. E deveras notável que, embora esta cidade seja um grande mer­
cado para o tráfico de escravos, assim mesmo é universalmente admitido que o
tráfico já se tornou tão deficitário aponto de estar em rápido declínio. Deus
seja louvado! Que ele [o tráfico] morra65 para nunca mais levantar a cabeça.
Estes pensamentos, rabiscados, tenho posto no papel na esperança de que o sr.
[Charles] Simeon volte a sua atenção para este lugar.66

( j T ) DOCUM ENTO: Observações de Robert Walsh sobre o


anglicanismo no Rio de Janeiro
Fiquei preocupado ao descobrir que esta capela [do Rio de Janeiro] nunca
foi inteiramente concluída e que atualmente exibe sinais não só de negligência,
como também de deteriorização. O pórtico de entrada não foi chumbado, e a

56
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

chuva, penetrando, apodreceu o teto, [partículas de] que sempre caem sobre as
cabeças da pequena congregação presente. As janelas, que foram quebradas há
tanto tempo pelo ultraje que mencionei,67 não foram consertadas; as cortinas
estão todas desbotadas e manchadas por dentro, e ao invés da limpeza e decoro
que sempre marcavam a casa de Deus na Inglaterra, ela aparentava sujeira e
descuido, dolorosos de contemplar; e a congregação, como para confirmar a
profecia do bispo do Rio,fi!i não parece ter se interessado por ela depois de
construída, apesar do zelo em tê-la estabelecida. Tem capacidade para seiscen-
tas ou setecentas pessoas, e existe esse número de protestantes no Rio para lotá-
la, porém eu nunca contei mais que trinta ou quarenta pessoas presentes. Já
refleti, muitas vezes, com grande preocupação, sobre essa indiferença para com
o culto público entre nossas feitorias65 do além mar, (...) cheguei até a pensar
que era um grande impedimento ao progresso da Reforma em países católicos.
Ao invés de deixar “brilhar a nossa luz diante dos homens”, no domingo, “para
que eles, vendo nossas boas obras”, sejam conduzidos a “glorificar a nosso Pai
nos céus,70 da mesma maneira, eles só consideram nossa separação da sua Igre­
ja como o abandono de todo o culto, e apontam para nossa conduta como
prova disso.
Não há nada que mais claramente assinala o crescente sentimento de tole­
rância no mundo, que esta concessão [isto é, a da construção de uma capela
protestante] de um povo, antes caracterizado por seu espírito de perseguição.
Ela se deve ao bom senso e aos sentimentos cordiais dos luso-brasileiros, sendo
que a imprensa do país sempre se esforça para estendê-lo. Entre os distintos
escritores nativos [desta classe], cujas obras já foram impressas no Rio, consta
José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu.71

OS A LEM Ã ES

Introdução
Antes da independência, D.João VI acertou com a Confederação Suíça a vinda
para o Brasil de algumas famílias do Cantão de Friburgo, ocasião em que foi estabelecida
a colônia suíça em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, em 1820. A política de povoar o
Brasil com agricultores europeus foi seguida vigorosamente por D.Pedro I. Existia
uma ligação familiar entre D.Pedro e os teutônicos, porquanto ele era casado com
Maria Leopoldina Josefa Carolina, filha do então imperador Francisco I, da Áustria,
que já fora Francisco II, imperador do Sacro Império Romano Germânico antes da

57
História Documental do Protestantismo no Brasil

sua extinção por Napoleão, em 1806. A primeira leva de imigrantes alemães radicou-
se em Nova Friburgo, em 3 de maio de 1824, formando colônia de 334 imigrantes
acompanhados do seu pastor, Friedrich Oswald Sauerbronn (1784-1864).72
A parte preponderante da imigração alemã, no entanto, se radicou nas províncias
do Sul, particularmente no Rio Grande do Sul. Essa área só havia passado à jurisdição
portuguesa pelo Tratado de Paris (1750), tendo subido a capitania geral em 1807 e a
comarca, independente de Santa Catarina, em 1812. Quando da independência, foi
declarada província; entretanto, quando os alemães começaram a chegar, a partir das
treze famílias que se fixaram no Vale dos Sinos, a 25 de julho de 1824, o Rio Grande
do Sul estava ainda por ser desbravado (cf. does. 12 e 19) e cultivado.73 As mais
importantes colônias dos primeiros anos de colonização, nas outras regiões, são as das
províncias de São Paulo (1827-1829), Santa Catarina (1828-1830) e Paraná (1829).
Aproximadamente 4.800 alemães chegaram ao Rio Grande do Sul até 1830, e logo
fundaram suas igrejas e escolas. As primeiras destas comunidades e seus respectivos
pastores foram: São Leopoldo (1824), sendo Johann Georg Ehlers pastor de 1826 a
1844; Três Forquilhas (1826), sendo Karl Leopold Voges pastor de 1826 a 1829;
Campo Bom (1829), sendo Friedrich Christian Klingelhõffer pastor de 1829 a 1838.
Entrementes, evangélicos no Rio de Janeiro, principalmente diplomatas e comercian­
tes, estabeleceram a “Comunidade Protestante Alemã-Francesa” em 1827, que cons­
truiu um templo e passou a celebrar o culto evangélico regularmente em alemão.
As comunidades alemãs, assim estabelecidas, eram tipicamente igrejas de imigran­
tes. Usavam a língua materna nas igrejas e escolas, e muitos entenderam que a manu­
tenção do idioma era essencial à conservação da fé evangélica. Viveram, por via de
regra, à margem da vida e cultura brasileiras e, por força das condições da vida rural,
muitos tinham pouca oportunidade de participação regular na vida da Igreja. Nesse
caso, dependiam da leitura da Bíblia e do culto doméstico para a preservação da fé.
Outras igrejas evangélicas só se estabeleceram no Rio Grande na década de 80, por­
tan to , nos anos da sua form ação, tendo in existido q u alqu er in tercâm bio
transconfessional.74 A constituição do Sínodo Rio-Grandense, em 1886, sob a lide­
rança de Rotermund, foi um grande passo à frente. Os demais sínodos e desenvolvi­
mentos subseqüentes serão tratados na segunda parte desta História Documental.75

Nova Friburgo e a primeira Igreja Protestante alemã


Em 2 de maio de 1818, dom João VI autorizou a vinda de algumas famílias do

58
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Cantão de Friburgo (ou, em alemão, Freiburg), Suíça.76 O Cantão, essencialmente


católico, é dividido lingüísticamente pelo rio Sarine, que passa pelo meio, de Norte a
Sul. A parte ocidental é de fala francesa, a oriental, alemã. Não obstante, significativo
número de suíços protestantes já se encontrava em Nova Friburgo em 1827 (doc. 10).
O autor não descobriu, no entanto, evidência de que entre estes, se organizasse qual­
quer Igreja Protestante. Em 1823, foram contratados 334 agricultores protestantes, de
Kirnbecherbach, Alemanha, para imigrarem; seu pastor, Friedrich Oswald Sauerbronn,
resolveu acompanhá-los. O plano original foi do grupo se dirigir para a Bahia; mas
estando em decadência a colônia suíça, estabelecida em 1820, e precisando de refor­
ços, os alemães foram encaminhados para Nova Friburgo. A data de chegada a Nova
Friburgo, 3 de maio de 1824, é também considerada a data da fundação da igreja. Na
verdade, era a trasladação de uma igreja e do seu pastor para uma nova terra. Em
pouco mais de um mês foram registrados na comunidade o primeiro óbito, casamen­
to e Batismo.77
J. E. Schlupp, que pastoreou a igreja de 1937 a 1979, assim descreveu a comunida­
de nos primeiros anos:
Os cultos realizaram-se inicialmente ao ar livre na confluência dos rios San­
to Antônio e Cônego, onde os imigrantes acamparam durante meses, aguar­
dando os seus lotes. Em 1827, construíram o seu primeiro templo no mesmo
lugar, a então “praça do Pelourinho”, mas as autoridades locais mandaram de­
molir o mesmo. Somente em 1857, foi possível construir uma igreja perto do
local anterior (...) [hoje] praça Marcílio Dias.78
Por motivos que o autor não conseguiu descobrir, o pastor Sauerbronn “morava
distante de Nova Friburgo umas cinco horas” , tornando extremamente difícil o seu
ministério.79 Mesmo assim, ele pastoreou a igreja por 39 anos, só entregando-a ao seu
sucessor Johan Caspar Meyer em 1863, um ano antes de sua morte (1864).80

C T ) D O C U M EN TO : I o Assentamento na comunidade evangélica de Nova


Friburgo
Registro de óbitos da comunidade protestante de Nova Friburgo no Brasil,
do ano 1824, redigido por Friedrich Sauerbronn, pastor protestante dessa co­
munidade.
.1) No dia 13 de maio, às 8:00 hs da noite faleceu a mim, Friedrich
Sauerbronn, pastor protestante, um filhinho de nome Peter Leopold. Ele, nas­
ceu no dia 17 de novembro de 1823 no alto mar perto das Ilhas de Cabo Verde
e no dia seguinte faleceu sua mãe Charlotta, nascida Küchlenthal, devido às

59
História Documental do Protestantismo no Brasil

conseqüências desse parto. —Em 14 de maio às 4:00 hs da tarde ele foi enterra­
do como primeiro no novo cemitério “erigido” em Nova Friburgo e o próprio
pai fez o sermão do ofício.81

Os alemães no Brasil na década de I 820


A carta que o pastor Karl Leopold Vòges escreveu à Sociedade Bíblica em Londres
em 1827 fornece excelentes informações sobre a situação dos imigrantes alemães da
época: número, distribuição, situação religiosa e os privilégios concedidos pelo gover­
no imperial brasileiro.

( T o ) DOCUMENTO: Carta do pastor Voges a Sociedade Bíblica Britânica e


Estrangeira (1827)
Vossa Excelência!
Recebi corretamente a sua estimada carta do dia TI de janeiro de 1826 e a
fatura referente a cem Bíblias e 250 Novos Testamentos encadernados, os quais
a mui respeitável Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira se tem dignado
outorgar para o bem da comunidade evangélica alemã de São Leopoldo e que
foram enviados via Rio de Janeiro ao sr. M. Kay [sic].82 Mas, visto que ainda
não recebi esse presente, escrevi ao sr. M. Kay indagando se essas Bíblias já
chegaram ao Rio de Janeiro. Mandarei notícias sobre o recebimento correto
[das Bíblias] o mais breve possível.
V. Excia., bem como a mui respeitável sociedade tem manifestado o desejo
de saber a respeito dos membros da minha comunidade e o número de suíços
no Brasil. Por isso passo a relatar em seguida o número total conforme o meu
registro: no Rio de Janeiro há 2.500 militares, dos quais 2 mil professam a
religião evangélica; não conheço ainda o número de habitantes alemães do Rio
de Janeiro; em Pernambuco há seiscentas pessoas, das quais 581 se professam
evangélicas; esse número está sempre aumentando por causa dos novos colonos
que estão imigrando; os [militares] demitidos são enviados às colônias.
A colônia de São Leopoldo, na província do Rio Grande do Sul, ocupa uma
área de doze léguas quadradas, tem 308 famílias, 1.380 almas; destas 52 famí­
lias, 280 almas professam o catolicismo romano. A segunda colônia, São Pedro
de Alcântara, na mesma província, ocupando uma área de 28 léguas quadra­
das, conta agora com apenas 96 famílias, 448 almas, das quais oito famílias, 27
almas, confessam a religião católica romana.
Mais ao Norte, na missão, [imigraram] há um ano doze famílias e alguns
solteiros, naturais do grão-ducado de Mecklenburgo. Já tinham chegado à Ca­
pital do Rio de Janeiro, como tinha sido acertado. [Mas] para assegurar aos

60
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

colonos já estabelecidos as suas propriedades, [aqueles imigrantes] foram man­


dados pelo governo mais para o interior, habitado em parte somente por índios
convertidos.
Na província da Bahia, a colônia alemã de Leopoldina, denominada assim
segundo o nome de Sua Majestade, a saudosa imperatriz do Brasil, tinha a 8 de
agosto de 1825, data em que me foi enviada a lista, oitenta famílias, 345 almas,
em parte suíços reformados, em parte menonitas e protestantes alemães.
A colônia suíça de Nova Friburgo, na província do Rio de Janeiro, distrito
de Canta Galo, tem agora 130 famílias, 468 almas, de reformados da Suíça
francesa e 96 famílias de alemães, 237 almas, protestantes.83
Faltam pregadores e por isso os regimentos alemães não puderam até agora
contratar um para si.
As colônias alemãs no Brasil recebem um pregador, um professor, um médi­
co e uma farmácia [sic].84 O sr. Ehlers anteriormente sacristão-mór em Ham­
burgo, do Reino de Hannover, está exercendo agora o ministério de pregador
evangélico de São Leopoldo. O professor da colônia é Georg Heinrich Mootz
(ou Mrotz), do Reino da Prússia, província do Hesse Renano, formado na
Escola Normal do Ducado de Hesse em Friedberg.
A segunda colônia alemã no Brasil, São Pedro de Alcântara, onde eu estou
atualmente como pregador, construiu a primeira capela evangélica no Brasil,
com 66 pés de comprimento, 34 pés de largura, 24 pés de altura, tudo feito da
mais bonita madeira de cedro; mas o interior ainda está desarranjado e vazio,
porque a minha comunidade e eu somos pobres [demais] para terminar a igreja
adequadamente: esperamos novos imigrantes para que com a ajuda deles pos­
samos arrumá-la totalmente.85 O professor da colônia é Peter Paul Müller, do
Reino da Prússia, província da baixa Renânia, formado na Escola Normal Real
Prussiana de Neuwied, um moço erudito e um cientista, do qual tenho as
melhores esperanças de que semeará boa semente nos corações de seus alunos,
aquela que trará bons frutos também nos anos posteriores da sua vida.
V. Excia. e a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira se dignam oferecer-
me um número maior de Bíblias para as comunidades alemãs no Brasil, em
caso de necessidade. Por isso aceito a oferta benévola, pedindo mais oitocentas
Bíblias e oitocentos Novos Testamentos de que necessito muito para a divulga­
ção da religião cristã, a fim de poder suprir cada família com uma Bíblia ou
com um Novo Testamento. Pois nos corações de todos os alemães, protestantes
e católicos, se faz sentir penosamente a falta de livros de edificação espiritual, e
nas famílias, as quais possuem uma Bíblia, as Sagradas Escrituras estão sendo
lidas muito mais, e está lhes sendo atribuido um valor muito maior do que na
Alemanha. O pai da família, que possui uma Bíblia, lê aos seus familiares um

61
História Documental do Protestantismo no Brasil

capítulo da Sagrada Escritura, aos domingos e feriados, e eles cantam alguns


hinos que aprenderam em sua juventude, ou hinos de edificação espiritual que
as crianças aprendem na escola. Nisso consiste o seu culto. Pois é impossível
assistir à predica todos os domingos, em parte por causa da distância da casa do
pastor, em parte por causa do tempo freqüentemente chuvoso, e outros impe­
dimentos, mas mesmo assim a religião de Jesus vai se propagando.
V. Excia. e a mui respeitável Sociedade Bíblica também desejam saber se
porventura há membros da comunidade alemã que podem pagar uma certa
quantia por uma Bíblia ou um Novo Testamento. Notifico (...) que a grande
maioria dos colonos pode pagar uma certa quantia...
Sobretudo, peço duzentos Novos Testamentos em língua portuguesa para
acender a luz verdadeira da Sagrada Escritura entre os pobres portugueses. Por­
que nas cadeiras dos apóstolos e profetas estão assentados líderes cegos que não
pensam segundo os apóstolos. Entre os sacerdotes no Brasil raras vezes se acha
um Novo Testamento, e muito menos ainda uma Bíblia inteira. Entre os lei­
gos, não se acha nem um Novo Testamento nem uma Bíblia inteira; só um
rosário, e muita ignorância e superstição.
Tomo também a liberdade de informar (...) como estão sendo tratados os
colonos alemães aqui no Brasil.
1) Eles são bastante subsidiados por Sua Majestade o imperador; durante
dois anos recebem subsídios, oito vinténs diários por cabeça; um pai de família
que tem família grande, vive em melhores condições do que o que tem família
pequena; um pai de família que vivia na miséria na sua pátria, é homem abas­
tado aqui.
2) Os colonos recebem os utensílios necessários para a lavoura.
3) [Recebem] a roupa mais indispensável.
4) Durante dez anos, médico e remédios gratuitos.
5) Durante dez anos [estão] isentos de todos os impostos estatais.
6) Cada colono recebe seiscentas jugadas alemãs de terra.86
7) O colono alemão recebe três cavalos, uma vaca com bezerro, dois bois de
canga, porcos, gansos e galinhas.
Os colonos também recebem as suas casas, construídas em estilo brasileiro.
O clima aqui é moderado; há duas estações, a chuvosa e a seca, e uma perpé­
tua primavera; medram aqui todas as plantas e frutas européias.
Recomendando-me à futura estima de V. Excia. e mui respeitável Sociedade
Bíblica, tenho a honra de chamar-me o mais atenciosos servo de V. Excia.
Karl Leopold Voges Pregador da Colônia de São Pedro de Alcântara e Eforo
(Superintendente) das comunidades protestantes [alemãs] no Brasil.87
Colônia de São Pedro de Alcântara, 4 de fevereiro de 1827

62
Implantação do protestantismo 110 Brasil: 1808-1889

A fundação da comunidade evangélica alemã-francesa do Rio de Janeiro


(1 8 2 7 )
No dia 25 de junho de 1827, treze pessoas, entre alemães e franceses, se reuniram
sob a presidência do cônsul real prussiano, Wilhelm von Theremin, para se constitu­
írem em Igreja Evangélica. Esta pequena comunidade esperava receber ajuda da Igreja
da Prússia (Preussische Landeskirche), da qual o imperador Frederico Guilherme II era,
na terminologia de Lutero, o “bispo de emergência” .88 A Igreja tomou o nome de
Protestantisch Deutsh —Franzosiche Gemeinde zu Rio de Janeiro, adotando os dois idio­
mas (alemão e francês) e conscientemente unindo luteranos e calvinistas em uma só
comunidade de fé e adoração. Além dos alemães e franceses que fundaram a Igreja,
suíços reform ados também juntaram -se a ela. O Consistório da Província de
Brandeburgo contribuiu com a maior soma para a construção do templo na rua
Matacavalos (hoje Riachuelo) e anualmente ajudava a pagar o ordenado do pastor. O
primeiro pastor da Igreja, Ludwig Neumann, de Breslau, fez o culto inaugural no
novo templo, no dia 21 de maio de 1837.89 Esta comunidade foi a segunda, após
Nova Friburgo (1824), a ser organizada no território. Posteriormente, se tornaria o
Sínodo Evangélico do Brasil Central.

Ç i~P DOCUM ENTO: Ata da fundação (1827)


Hoje, segunda-feira, 25 de junho de 1827, realizou-se a primeira reunião
dos membros da fé evangélica protestante, tendo sido convidados para isso os
27 primeiros subscritores; e depois de o abaixo-assinado ler os nomes daqueles
que já contribuíram e dar a conhecer que a soma das subscrições atingiu até
agora 788$400, foram tomadas as seguintes decisões:
Io Que, embora estivessem presentes apenas treze membros, nós nos julga­
mos competentes, e por isso achamos que as decisões tomadas por nós são
válidas para a recém-formada congregação até que uma nova reunião, convocada
pelos presbíteros a serem eleitos, faça as necessárias modificações.
2o Que o assunto (Sacbe) da Igreja somente entrará em vigor depois de se
encontrar um pastor; pessoas ausentes também podem ser eleitas presbíteros,
excepcionalmente desta vez. Que o dinheiro não será arrecadado imediata­
mente, mas só depois que o auxílio esperado da Europa nos permitir iniciar a
obra [de construção da capela], porque os nossos recursos são insuficientes por
enquanto.
3o Os seguintes membros foram eleitos presbíteros: sr. Heinrich Riedy, com
treze votos; sr. Wilhelm von Theremin, com doze votos; sr. Heimich Terisse,

63
História Documental do Protestantismo no Brasil

com nove votos; Sr. Friedric Biesterfeld, com oito votos; sr. Peter Kielchen,
com oito votos. Assim terminou a reunião.
(Ass[inado]) W[ilhelm] v[on] Theremin)0

A comunidade alemã de São Leopoldo (c. I 844)


Por volta de 1844, o pastor João Ehlers redigiu um relatório que apresenta quadro
detalhado da “Colônia Alemã de São Leopoldo” (nome oficial da povoação) depois
dos primeiros vinte anos da sua existência.91

(1 7 ) DOCUM ENTO: Relatório do pastor Ehlers sobre São Leopoldo


Esta colônia (a colônia alemã de São Leopoldo) é um fenômeno particular
no Brasil. Logo que se entra em sua área, tudo se mostra completamente dife­
rente das povoações brasileiras: a gente acredita ter sido deslocado subitamente
para a Alemanha. Numa área de dezesseis léguas quadradas, ouve-se falar quase
que exclusivamente o alemão, vê-se apenas rostos alemães, [encontram-se ape­
nas] a língua, trajes, costumes e hábitos, economia, gentileza e descortesia,
rudeza, e às vezes a falta de caráter e habilidade alemãs. Mas a geração jovem, o
teuto-brasileiro, difere em muito dos velhos, por ser mais alegre e pelo seu
comportamento mais generoso, pela franqueza, sinceridade, e por um espírito
empreendedor que cedo já se manifesta. Os habitantes da mata virgem vivem
mais isolados do contato com outras pessoas; por isso os filhos assemelham-se
mais aos pais, sendo mais rudes.
O número de lotes colonizados naquela área é pouco mais de setecentos;
trezentos lotes situam-se no campo, o resto na mata virgem. O número cresce
de ano para ano... Em cada lote colonizado vivem aproximadamente sete a oito
pessoas, de modo que a colônia inteira tem 5.400 almas, aproximadamente. A
colônia já foi mais numerosa; a população já atingiu 8 mil almas. Os assaltos
dos índios [chamados “bugres”], a perturbação da guerra [dos Farrapos, em
1835], e o amor pelo lucro fizeram com que muitos emigrassem; por isso o
número dos habitantes da colônia diminuiu; mas pelo mesmo motivo encon-
tram-se agora em todas as partes da província alemães que vivem bem; em
parte eles até são ricos. Em todas as estradas o viajante encontra alemães que
em parte quase não têm sombra de serem alemães.92
Àquela população da colônia acrescenta-se ainda a de São Leopoldo.
O presidente da província do Rio Grande do Sul, Salvador José Maciel,
fundou essa cidade em 1829...93 Na cidade há uma Igreja Católica, uma pri­
são, duas escolas públicas, sendo uma de moços e a outra de moças, mais uma
. escola particular bem freqüentada... Em aproximadamente 250 casas vivem
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

1.200 pessoas; essas, acrescentadas às 5.400 [na colônia] totalizam 6.600 habi­
tantes na colônia de São Leopoldo...
Religião (...) um pouco mais de dois terços pertencem à Igreja Evangélica, e
um terço à Igreja Católica Romana. Considerando que pertencem ainda à Igreja
Católica de São Leopoldo as colônias portuguesas de Sapucaia e do Pinhal, as
duas comunidades [evangélica e católica], têm mais ou menos o mesmo núme­
ro de membros. Os católicos têm atualmente quatro templos, a saber, um na
cidade e os outros três nas picadas da mata virgem. Os evangélicos têm agora
sete templos, a saber, um na cidade, três nas picadas da mata virgem, três no
campo e um ainda em construção... A Igreja Evangélica tem dois pastores evan­
gélicos alemães, pagos pelo governo; um deles foi contratado para a mata vir­
gem, o outro para a cidade e o campo. Qualquer um facilmente entenderá que
aqui vários trabalhos já foram realizados, mas ainda falta muito; duas escolas
públicas para a colônia inteira, por exemplo, não bastam. Por falta de um salá­
rio adequado para os professores, a instrução da juventude muitas vezes está
confiada aos sujeitos mais indignos e mais incapazes, cujo trabalho tem mais
efeitos negativos que bons...
Os templos geralmente são bem freqüentados, e na vida religiosa há alguns
fenômenos agradáveis, e como tais devem ser mencionados principalmente os
dias das grandes festas, da Santa Ceia e da Confirmação: um dos dois pregado­
res já confirmou 1.135 cristãos jovens da colônia. A Igreja Evangélica já fez
muitas coisas, embora ela tenha enfrentado muito transtorno e opressão. Quando
a colônia foi fundada há vinte anos, os brasileiros consideravam os protestantes
como monstros; na mata virgem viviam selvagens rudes. A Igreja avançou, a
região está limpa, mas nas redondezas há ainda os indígenas... Essa vitória não
foi alcançada sem sacrifícios sangrentos; no início da colonização aquelas hordas
invadiram a colônia por duas vezes, e alguns alemães perderam a vida. Essas
invasões não se repetem há dezessete anos. [Os católicos já] consideram os
protestantes como bons cristãos; admitem que estes possuem várias qualidades
particulares em comparação à Igreja Católica; vivem com eles em boa amizade,
casam-se com eles, deixando batizar os filhos de matrimônios interconfessionais
ora na Igreja Protestante, ora na Católica, sempre conforme lhes convém; a
Igreja não é mais motivo de discórdia. O sacerdote católico inicialmente resis­
tiu ao casamento de pessoas de confissões diferentes, mas cedeu logo, realizan­
do todos os casamentos que houve. Os católicos alemães mostraram-se muito
mais teimosos que os brasileiros. A Igreja Evangélica teve apenas dois pastores,
a saber, Ehlers e [Frederico Cristiano] Klingelhoeffer, o último por apenas qua­
tro anos (1832-1836) e o primeiro desde a fundação da colônia até o presente
momento...94

65
História Documental do Protestantismo no Brasil

Oficialização dos estatutos da comunidade evangélica do Rio de Janeiro


A comunidade evangélica do Rio de Janeiro elaborou os seus estatutos para fins
civis, a 15 de novembro de 1874; foram aprovados pelo governo imperial em 9 de
agosto de 1876. D o artigo 11 percebe-se que ela pretendeu valer-se do decreto n°
3069, de 17 de abril de 1863, que permitia casamentos acatólicos com efeito civil e,
bem assim o registro de casamentos, nascimentos e óbitos de pessoas não católicas
(conforme doc. adiante). Os estatutos, um excerto dos quais segue abaixo, revelam
uma comunidade mais ou menos autônoma e auto-suficiente quanto às finanças, mas
que dependia da Alemanha para o seu clero. A expressão “Igreja Evangélica Unida”
encontrada no primeiro Artigo lembra a união de Luteranos e Reformados imposta
pelo governo prussiano em 1817.

(7 T ) DOCUMENTO: Estatutos da comunidade evangélica alemã do Rio de


Janeiro
Do Espírito e Doutrina da Comunidade Evangélica Alemã do Rio de Janeiro
Art. I o A comunidade evangélica alemã do Rio de Janeiro reconhece e pro­
fessa o credo religioso da Igreja Evangélica Unida tal como considerada na
Prússia a Igreja do Estado.
Quanto à doutrina, culto e disciplina, segue a confissão, liturgia e regras da
Igreja Evangélica da Prússia.
Dos Membros, Seus Direitos e Deveres
Art. 2o Poderá ser membro da comunidade todo o cristão evangélico, qual­
quer que seja a seita especial da Igreja Evangélica a que pertencer.
Art. 3o Pertencerão à comunidade, gozando de todos os direitos de mem­
bros natos, os membros da agregação suíça cujos nomes forem apresentados
anualmente à diretoria.
Art. 4o Todo e qualquer membro obriga-se a uma contribuição anual nunca
inferior a 5$000. Pela contribuição proporcional de uma firma social, todos os
sócios que nela figurarem serão membros da comunidade.
Art. 5° E dever de todos os membros observar escrupulosamente as disposi­
ções dos estatutos, dos quais receberão um exemplar no ato de sua admissão.
Art. 6o Os membros recentemente admitidos só terão direito de voto no
segundo ano de sua entrada para a comunidade; de serem eleitos para os cargos
no terceiro ano e de fazer parte da comissão incumbida de contratar novo pas­
tor, quando esse cargo estiver vago, no quinto ano.
Art. 7o Perderão o direito de membros da comunidade aqueles que se recu­
sarem a pagar a anuidade a que são obrigados.

66
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Do Pastor
Art. 8o A nomeação do pastor será feita por uma comissão de cinco mem­
bros, eleita em Assembléia Geral, à qual compete estipular as condições recí­
procas por meio de um contrato.
Art. 9o O ato de posse do pastor será realizado pela diretoria com o concurso
do pastor anterior.
Art. 10. E obrigação do pastor celebrar o serviço divino e todos os atos ecle­
siásticos, segundo os preceitos da Igreja Evangélica Unida.
Art. 1 1 .0 pastor deverá escriturar, de conformidade com as leis vigentes, os
seguintes livros da Igreja:
Registro dos batismos
Dito das confirmações
Dito dos matrimônios
Dito dos óbitos
Art. 12. Os registros serão feitos em duplicata e guardados pela diretoria.
Art. 13. O pastor apresentará uma vez por ano à diretoria, antes de formu­
lar-se o relatório, uma relação dos atos oficiais que houver celebrado durante o
ano eclesiástico findo.
Art. 14. A administração da caixa dos pobres fica a cargo do pastor, que
deverá prestar contas dessa missão no relatório anual.
Art. 1 5 .0 pastor, no exercício de seu cargo, é membro consultivo e votante,
não só da diretoria como da Assembléia Geral.
Art. 16. O pastor perceberá um ordenado anual estipulado no contrato e
pago em trimestres adiantados pelo tesoureiro da diretoria, principiando do
dia do embarque [da Alemanha] para o Rio de Janeiro e terminando com a
exoneração do cargo.
As despesas da viagem pata o pastor, sua mulher e filhos, serão pagas pela
comunidade, bem como as despesas da volta, se o pastor tiver exercido o cargo
durante cinco anos.
Art. 17. Se o pastor, em caso de morte, deixar viúva, esta receberá da caixa
da Igreja o ordenado de um semestre, que competia ao seu marido, e, caso
exigir, as despesas do seu regresso serão pagas pela comunidade.
Art. 18. Além do ordenado fixo, perceberá o pastor os emolumentos dos
batismos, confirmações, casamentos e óbitos.
Art. 19. A diretoria, único órgão e representante da comunidade, compete
administrar e zelar pelos negócios e interesses da associação, e velar pela manu­
tenção e execução fiel do ritual e dos estatutos.
(...)

67
História Documental do Protestantismo no Brasil

Art. 42. ...O idioma alemão será o único seguido em todas as sessões [da
diretoria ou da comunidade, ou seja, da Assembléia Geral].
(...)
Do Serviço Divino e dos Atos Religiosos
Art. 45. A diretoria, de combinação com o pastor, designará a hora do servi­
ço divino, o qual deverá realizar-se em todos os domingos, no primeiro dia do
ano, na sexta-feira da Paixão, dia da Ascenção e do Natal.
Art. 46. Para os dias de penitência e para a celebração da Santa Ceia são
designados a sexta-feira da Paixão, o dia da Confirmação e o último domingo
do ano eclesiástico.
A confissão e preparação serão celebradas imediatamente antes da Santa Ceia.
(Convém que os respectivos comungantes avisem com antecedência o pastor
para a recepção da Santa Ceia.)
Art. 47. O aniversário da sagração da igreja (27 de julho de 1845) será feste­
jado anualmente com um sermão em ação de graças.
Quando o dia 27 de julho não for domingo, a festa se efetuará no domingo
seguinte.
Art. 48. Os batizados e casamentos poderão ser celebrados na igreja ou em
casas particulares.
Art. 49. A Confirmação será celebrada na Quaresma depois da devida pre­
paração que começará logo depois do Ano Bom.
Dos Emolumentos
Art. 50. Nos atos eclesiásticos o pastor tem direito a perceber dos membros
que já pertenciam à comunidade no ano anterior os seguintes emolumentos:
Por batizado 2$500
Por Confirmação 8$000
Por casamento 5 $000
Por enterro 5$000
Em todos os casos pagar-se-á ao sacristão a espórtula de 2$000...95

A influência alemã na Questão dos casamentos protestantes


O decreto n° 1.144, de 11 de setembro de 1861, regulamentado pelo de n° 3.069,
de 17 de abril de 1863, permitia que os pastores protestantes, devidamente registrados,
realizassem casamentos com-efeito civil. Por causa de arbitrariedades praticadas por
alguns sacerdotes católicos contra imigrantes alemães, a legação do Império alemão96
interveio junto ao governo brasileiro, que finalmente resolveu proteger de tais abusos
o casamento de acatólicos.

68
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

(7 7 ) DOCUMENTO: Casamentos protestantes


Sem dúvida, deve ser do conhecimento de todos os membros da congrega­
ção a triste agitação do ano de 1857, causada pela declaração de anulação do
casamento protestante de Johann Schopp e Margarethe Kerth, pelo bispo
diocesano do Rio de Janeiro,97 posteriormente conde de Irajá. Com o tempo, a
lembrança deste acontecimento, que pôs seriamente em perigo os casamentos
acatólicos, tanto no que se refere aos interesses religiosos, quanto aos civis,
ficou um tanto apagada, mas nem por isso desapareceu o perigo para as congre­
gações protestantes no Brasil, como provam os acontecimentos recentes na pro­
víncia do Espírito Santo. Um padre católico de lá anulou, de autoridade pró­
pria, dois casamentos protestantes, e depois da conversão das respectivas mu­
lheres à fé católica, admitiu-as para segundas núpcias católicas com outros ho­
mens.
A Legação Imperial da Alemanha não deixou passar essa oportunidade para
recomendar ao governo brasileiro uma regulamentação da situação para a pro­
teção dos casamentos protestantes. Essas medidas foram coroadas de êxito e o
governo brasileiro, conforme decisão do Conselho do Estado (Staatsratbes) de
18 de maio de 1873, sancionada em 25 de junho de 1873 por Sua Majestade o
imperador do Brasil, determinou que tanto as mulheres que contraíram segun­
das núpcias, sem terem legalmente anulado as primeiras como o padre que as
oficializou, estão sujeitos [às sanções] dos artigos 147 e 149 do Código Penal.
Obviamente, estas decisões permitirão que, no futuro, os casamentos protes­
tantes gozem de maior segurança.98

Fundação do Sínodo Rio-Grandense (1886)


Em 1864, o Supremo Conselho Eclesiástico Evangélico da Igreja da Prússia en­
viou Hermann Borchard (1823-1891) para o Brasil. Pastor em São Leopoldo de 1864
a 1870, Borchard reuniu nove pastores e nove delegados leigos em São Leopoldo, os
quais fundaram, em fevereiro de 1868, um sínodo, que durou até 1875. A segunda
tentativa, coroada de êxito, foi iniciativa do dr. Wilhelm Rotermund (1843-1925),
enviado ao Brasil em 1874 pelo Comitê para os Alemães Protestantes no sul do Bra­
sil.99 Convidados e presididos por ele, reuniram-se em São Leopoldo, a 19 e 20 de
maio de 1886, doze pastores, nove delegados leigos das diversas comunidades e dois
professores, na assim chamada “Assembléia Preparatória” . N o segundo dia da reunião
sete comunidades, representadas por pastores e delegados leigos, fundaram o Sínodo
Rio-Grandense, sendo Rotermund eleito presidente. O s documentos que seguem
explicitam a motivação da fundação do Sínodo e as suas funções.

69
História Documental do Protestantismo no Brasil

(7 ?) DOCUM ENTO: A Alocução de Rotermund a Assembléia Constituinte do


Sínodo Rio-Grandense (1886)
... Aquilo que consideramos como sendo o fundamento de toda a moralidade,
que conserva sã a vida do povo, que constitui a base do comércio, e da indús­
tria, que garante o sucesso da educação dos nossos filhos, que sempre de novo
afrouxa o coração apertado na luta da vida, que proporciona consolo aos que
sofrem e a mais linda esperança aos que estão morrendo —tudo isso abrangem-
no as comunidades evangélicas também deste país. Pois na medida em que
nelas trabalham pastores ordenados, os tesouros da Igreja, a saber, a Palavra de
Deus e os sacramentos,100 estão sendo fielmente guardados, e podemos dizer
que o seu zelo tem sido abençoado. Aquela atitude frívola, que há dez anos,
aproximadamente, predominou aqui, destruindo as comunidades, deu lugar à
convicção de que sem a preocupação com a vida cristã desaparece tudo aquilo
que faz com que valha a pena viver... O interesse por assuntos religiosos au­
mentou consideravelmente.
A bênção da existência das nossas comunidades evangélicas evidencia-se na
vida pública ainda numa outra direção. Até agora elas mostraram-se como as
mais fiéis e mais solícitas protetoras e tutoras da língua, dos costumes, da vida
e do espírito alemão... A pregação alemã, a instituição diligente dos confirmandos
e sobretudo a escola, que tem sido uma companheira inseparável da Igreja
Evangélica desde o nascimento dela e que está sendo protegida e favorecida
pela Igreja, garantem às comunidades alemãs a existência da germanidade101
ainda por muitos anos...
Por isso temos motivos suficientes para agradecer às comunidades evangéli­
cas no Brasil como sendo abrigos e promotoras da fé e dos costumes, do cristi­
anismo e da índole nacional ( Volkstum).
Sem dúvida alguma, a bênção que há nelas e que delas emana pode ser ainda
incrementada, se as comunidades isoladas, que até agora têm tentado cumprir
a sua tarefa isoladamente, cada uma por conta própria, associarem-se umas às
outras através de seus órgãos competentes, para que dessa maneira aquilo que
uma comunidade pode oferecer como seu dom particular, venha a se tornar
mais facilmente um bem comum a todos, e para que, por outro lado, a resistên­
cia aos inimigos comuns de todas as comunidades evangélicas seja mais forte e
mais eficiente em benefício de todos.
Pois não devemos esquecer que nós, cristãos evangélicos alemães, vivemos —
um número relativamente pequeno - em meio a uma população cujo pensa­
mento religioso e, em parte, também nacional, é completamente diferente do
nosso. Nessa situação não apenas temos que cuidar da nossa particularidade,
mas também temos que nos defender das várias tentativas e ataques que estão

70
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

sendo feitos no sentido de que mudemos o nosso pensamento...


Já a inimizade contra o nosso crer, sentir e pensar nos obriga a enfrentá-la
em conjunto. Com insistência ainda maior estamos sendo admoestados a nos
unirmos firmemente pelo fato de vivermos num país no qual existe pelo menos
alguma reserva quanto à nossa característica religiosa, que sentimos como uma
legislação importuna que nos ofende. Enquanto temos que contribuir com os
nossos impostos para o sustento da Igreja Estatal, o Estado não nos concede
nenhum favor, a não ser uma tolerância restringida pela condição de que o
nosso culto não apareça em público em nenhum lugar, como se fosse vergonha
para o país. E embora as prescrições muitas vezes não tenham sido cumpridas,
em especial nos últimos anos, sempre temos contra nós a letra das leis, e uma
consciência não pode contentar-se com isso, até que o Estado, ao qual temos
de servir com os nossos bens e o nosso sangue, nos conceda aquilo que com
toda razão podemos reivindicar para nós.
Já foram feitas muitas reclamações por membros isolados de nossas comuni­
dades. Mas onde o indivíduo tem levantado sua voz em vão, lá tem de intervir
a totalidade das comunidades.
Isso se toma necessário também em relação a alguns outros pontos; lembro
apenas que as condições vergonhosas às quais deve submeter-se a parte protes­
tante num matrimônio interconfessional, e a desordem e discórdia destruido-
ras que surgem em muitas comunidades por ocasião da eleição do pastor; e
apenas aludo ao fato de que se o projeto já elaborado do matrimônio civil for
aceito, os evangélicos de novo sofrerão um revés que sua consciência de digni­
dade não pode tolerar .
Certamente, os senhores já deduzem destas breves explicações, porque eu
considero propícia e necessária uma união de todas as comunidades evangéli­
cas. Não sou da opinião de que através das nossas resoluções ou de uma ativida­
de a curto prazo será alcançado tudo o que desejamos. Mas com toda a confian­
ça eu espero que através do trabalho em conjunto se eleve a coragem, a crença
e a consciência do nosso valor (Selbstbewusstsein) e que prevaleça e seja fortale­
cido moralmente entre nós o sentimento alegre de sermos uma comunhão.
Nessa renovação do espírito está ao mesmo tempo a nossa força...102

Ç fT ) DOCUM ENTO: Estatutos do Sinodo Rio-Grandense (1886)


Alt. I o Sob a designação “Sínodo Rio-Grandense” estabelece-se uma associ­
ação de comunidades evangélicas da província do Rio Grande do Sul para zelar
pela boa ordem da Igreja Evangélica e defender os interesses das comunidades
na igreja e na escola. Comunidades que se situam fora da província podem
filiar-se ao Sínodo.

71
História Documental do Protestantismo 110 Brasil

Art. 2o Tendo por base a Sagrada Escritura, o Sínodo confessa os credos da


Reforma alemã, associando-se às igrejas da Reforma quanto ao culto, à doutri­
na e à disciplina (eclesiástica).103

A luta pela ampliação da liberdade religiosa dos acatólicos


Conforme os documentos 2 e 3, acima, era vedada aos acatólicos a construção de
edifícios religiosos que parecessem templos. N a prática, essa proibição tendia a se
relaxar com o passar dos anos. Assim, em 1887, quando foi lançada a pedra funda­
mental da torre da Igreja Luterana em Santa Maria, Rio Grande do Sul, representantes
das autoridades locais participaram do ato. Em 17 de maio de 1887, porém, o chefe
de polícia daquela província, baseando-se nos artigos 5o da Constituição e 2 76° do
Código Criminal, mandou sustar a construção. A comunidade de Santa Maria resol­
veu suspender os cultos na sua igreja, até que a ordem policial fosse revogada, e convo­
cou as outras comunidades evangélicas para exigirem juntas a plena liberdade religiosa
para os não católicos. Já em 28 de maio, o Conselho Diretor do Sínodo Rio-Grandense
redigiu uma petição aos “Representantes da Nação”, solicitando a derrogação dos
artigos supramencionados. Enviada a todas as comunidades de origem alemã no Bra­
sil, a petição recebeu 7.893 assinaturas até 20 de setembro de 1887.104

( J l ) DOCUMENTO
“[Aos] Augustos e Digníssimos Senhores Representantes da Nação!”
O Conselho Diretor do Sínodo Rio-Grandense, como órgão legítimo dos
interesses das comunidades evangélicas desta província, vem respeitosamente
implorar Vossa valiosíssima intervenção para que seja derrogado o art. 5° da
Constituição Política do Império, na parte que restringe o exercício dos cultos
acatólicos, e em conseqüência disto também o art. 276 do Código Criminal.
Segundo estes artigos são permitidos e tolerados neste Império os cultos
católicos; mas é expressamente proibido que se celebrem em casas com forma
alguma de templo e publicamente em qualquer lugar. Admite a Constituição a
imigração de colonos evangélicos; mas nada, absolutamente nada, deve paten­
tear aos católicos, que há cidadãos que não professam a religião do Estado. Se a
casa em cujo interior se reúne a comunidade evangélica tem alguma forma de
templo, se os membros, da Igreja Protestante em solene procissão a um irmão
falecido dão o acompanhamento para seu último jazigo, se os pastores rezam
sobre o túmulo de um correligioso ou se em seu hábito eclesiástico levam a
Santa Ceia a um enfermo —em todos estes e outros casos violam a Constituição
e são puníveis conforme as disposições do Código Penal. A religião católica

72
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

apostólica romana é a religião do Estado; estando no país adeptos de outras


crenças, não devem dar publicidade a seu culto, nem por sinal exterior de edi­
fício, como se qualquer outro culto, senão católico, fosse vitupério, urna vergo­
nha para esta terra.
Augustos e Digníssimos Senhores Representantes da Nação!
Ponderai, que tal suposição sustentada nos artigos mencionados deve ferir a
sensibilidade de cada um dos 40 mil protestantes nesta província, bem como
dos mais irmãos no resto do Império, os quais são vossos concidadãos, que
contribuem em larga escala com o seu trabalho e quiçá com o seu sangue para
a grandeza da pátria comum.
E verdade que as disposições constitucional e criminal caíram em desuso
nesta província há mais de trinta anos. As leis dormem. E é só por causa disto
que os acatólicos celebram seus cultos publicamente e em templos.
Um estado clamoroso! Porque em cada instante podem acordar as leis e
serem perseguidos como criminosos os protestantes que tinham a grande ousa­
dia de mostrarem-se com sua crença; em cada momento podem estar expostos
aos maiores vexames pelos referidos artigos, principalmente por falta de qual­
quer definição sobre a forma exterior de templos.
Senhores! Nós não pintamos quimeras fantásticas, e sim fatos reais e verda­
deiros. Basta lembrar um caso bem recente, em o qual o sr. Delegado da polícia
da cidade de Santa Maria da Boca do Monte, nesta província, por ordem do sr.
dr. chefe da polícia proibiu em oficio de 19 deste mês e ano, sob a ameaça de
um processo criminal, aos membros da comunidade evangélica do dito lugar a
reunião no seu templo, porque se acha ornado de uma torre!
O exmo. sr. vice-presidente da província, dr. Rodrigo de Azambuja Villanova,
entretanto, conformando-se com as considerações feitas a ele sobre este proce­
dimento deu contra-ordens. É um ato louvável por ser sinal de boas intenções
e de um espírito esclarecido e tolerante, mas não deixa de ser contra as leis em
vigor.
E indigno estar uma parte dos cidadãos brasileiros fora da lei, só vivendo da
graça e da benevolência das autoridades. Contrasta com o espírito do nosso
século, que uma certa religião seja privilegiada e as outras só toleradas com a
condição de que o culto destas não se celebre em público. O que é que impede
que Vós, que já concedestes generosamente igualdade política aos acatólicos
com os católicos outorgais também igualdade religiosa, e abolis o artigo 5o da
Constituição e o artigo 276 do Código Criminal! Estes artigos, já obsoletos
pelo espírito do nosso tempo, são prejudiciais ao progresso do país, à causa da
imigração e ao bem-estar dos brasileiros acatólicos.
Por isso, Augustos e Digníssimos Representantes da Nação, confiando em

73
História Documental do Protestantismo no Brasil

vossa magnanimidade, pedimos que derrogueis estes artigos, como já fizeram


outros países civilizados com disposições análogas.
Nestes termos,
E. R.M .105
O Conselho Diretor do Sínodo Rio-Grandense106
S. Leopoldo, 28 de maio de 1887.

Relações fraternais: luteranos e metodistas


Desde seu início, o Sínodo Rio-Grandense se interessou por relações amigáveis
com outras igrejas evangélicas. Em especial, manteve boas relações com a Igreja
Metodista. Por exemplo, o rev. João C. Correia, fundador da missão da Igreja Metodista
Episcopal (IME) no Rio Grande do Sul, representou sua Igreja em diversas sessões da
Assembléia Sinodal. O mesmo ocorreu posteriormente com ministros episcopais.

( T ? ) DOCUM ENTO:
Montevidéu, 12 de outubro de 1888
Sr. Presidente do Sínodo da
Igreja Luterana no Rio Grande do Sul
Caro irmão,
Tenho a honra de vos comunicar que a Assembléia Anual da Igreja Metodista
Episcopal na América do Sul, nomeou, na sua sessão de ontem, o rev. João C.
Correia, seu representante junto ao Sínodo que presidis.
Ao comunicar-vos esta nomeação, permita-me felicitar a vossa Igreja pelo
esforço que faz para estender o conhecimento do Evangelho e espero que ela
será, como tem sido no passado, abençoada, atraindo muitas almas ao nosso
Senhor Jesus Cristo.
Trinidad, Departamento Flores
Vosso irmão em Cristo,
Guillermo Tallon
Secretário Rep. Oriental do Uruguai107

A Igreja Luterana e os imigrantes na década de 1890


Conforme as estatísticas brasileiras oficiais, imigraram para o Brasil em 1890 e
1891 10.100 alemães e aproximadamente 39 mil “russos” . Muitos destes últimos eram
de descendência alemã. O Sínodo Rio-Grandense cuidou deles, sobretudo por inicia­
tiva do pastor Friedrich Pechmann (1851-1925). N a 5a Assembléia Geral do Sínodo,
em 1891, Pechmann proferiu uma prédica e uma conferência em que chamou a aten-

74
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

çao das comunidades e dos pastores, para os seus deveres frente aos novos imigrantes
evangélicos. O documento, embora um pouco fora dos limites cronológicos previstos
para este capítulo, é incluído aqui por causa do assunto de que trata.

ÇHQ DOCUMENTO: Conferência de Pechmann sobre os imigrantes alemães (1891)


... A emigração da Europa para cá aumentou em dimensões enormes, em
vez de paralizar-se... Os navios de Norddeutscher Lloyd108 não podiam acolher
os imigrantes... Sabemos qual é a causa deste movimento. O governo brasilei­
ro, na intenção firme de povoar suas selvas infinitas com uma população ativa,
enviara a Lisboa um plenipotenciário, subordinando-lhe todos os consulados
brasileiros [da Europa]. Esse senhor (...) mandara fazer propaganda oral e escri­
ta nos centros industriais, de modo que muitos tenham decidido quebrar as
barreiras apertadas ... O que foi prometido a essa gente? Viagem gratuita, ali­
mentação, fornecimento de animais de canga e de reses, sementes de toda espé­
cie, ferramentas etc...
... Na casa dos imigrantes na Ilha da Flor,109 que tem instalações apenas para
mil pessoas, no máximo, encontram-se às vezes 7 mil pessoas... O transporte
marítimo dos imigrantes da Europa ao Rio [de Janeiro]; e ainda mais o do Rio
ao Sul, em muitos casos infelizmente não pode ser qualificado como sendo
humano...
Se os imigrantes tivessem vindo às suas colônias logo após a sua chegada,
então teria terminado a morte múltipla entre eles. Isso, porém, não aconte­
ceu... Por causa da alimentação diferente, da água ruim e da vida desarranjada,
surgiu um grande número de doenças: disenteria, diarréia, tifo etc. De maneira
horrível a morte dizimou os pobres imigrantes...
Embora o governo tenha cuidado dos imigrantes, é uma vergonha que até
há poucos dias ele não proporcionou assistência médica a essas grandes multi­
dões... Pelo menos alguns desses pobres poderiam ter sido salvos, se tivesse
havido auxílio médico...
Agradeci a Deus que naquela época existiu uma comunidade evangélica em
Santa Maria e que a minha comunidade me permitiu visitar por diversas vezes
esses pobres que necessitam tanto de consolo. No barracão e no campo realiza­
mos cultos e celebramos a Santa Ceia, e o interesse religioso do povo me agra­
dou muito. Neles há ainda uma substância religiosa boa e um interesse vivo
pela Palavra de Deus...
No sábado e no domingo conferenciei com homens (na colônia de Ijuí)
sobre a questão do que poderia ser feito, para que pudessem ser criadas a comu­
nidade e as escolas. Primeiro, elegemos uma diretoria, dois homens de cada

75
História Documental do Protestantismo no Brasil

picada, os quais se reúnem de vez em quando para conferenciar sobre o bem da


comunidade... O povo está muito interessado na escola, e eu fui solicitado
pelos reunidos e pela diretoria recém-eleita da comunidade a pedir à mui lou­
vável Assembléia Sinodal, que ela, junto com eles, trate do estabelecimento da
escola. A nossa tarefa deve ser estimular o governo a aprovar, o mais breve
possível, escolas nas colônias novas... Certamente o governo hesitará ainda por
muito tempo em instalar escolas nas colônias novas, se nós não apoiarmos e
promovermos energicamente esse assunto.
... O que temos feito aqui para os nossos imigrantes?... Aqui e acolá há
indivíduos que se interessaram pelos imigrantes de maneira louvável... Se esse
trabalho deve ser abençoado, se ele deve ter um êxito sensível, então ele deve
ser organizado. Os imigrantes hão de saber a quem se devem dirigir: hão de
saber que aquele a quem eles se encomendam têm intenções honestas para com
eles. Deus, o Senhor, nos tem posto um grande trabalho diante da nossa porta.
Não queremos assumir agora a nossa parte? Se nos desincumbirmos desse nos­
so dever, então milhares nos abençoarão! ... Onde está o orfanato evangélico da
comunidade sinodal do Rio Grande do Sul, orfanato este que abre as suas por­
tas para os pobres órfãos e que cuida da educação cristã dos órfãos e dê bons
empregos para aquelas que ficaram sem pais e que não sabem o que fazer?... Se
hoje nós nos pudéssemos dar as mãos para fundar um orfanato evangélico,
então este dia seria realmente uma data marcante na história da Igreja Evangé­
lica deste país... Chegou a hora em que a nossa Igreja Evangélica se deve me­
xer... Mas não é assim que todas as multidões de cristãos evangélicos que nos
últimos meses vieram para cá, também são órfãos, sem pastores e professores,
sem assistência e consolo espiritual? E o dever de nossa Igreja Evangélica e
sobretudo do nosso Sínodo reunir esses cristãos em comunidades e prover os
reunidos de pregadores e professores...110

AS S O C IE D A D E S PA R A ECLESIÁ STICA S

Por causa da especial importância das sociedades bíblicas, particularmente a Soci­


edade Bíblica Britânica e Estrangeira (BFBS) e a Sociedade Bíblica Americana (ABS)
uma subseção inteira (1.4.1) será dedicada a essas instituições, e outra subseção (1.4.2)
a documentos representativos de todas as outras sociedades paraeclesiásticas.

76
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

As sociedades bíblicas
Introdução
Com o foi visto nos documentos 4 e 5, os observadores protestantes que visitaram
o Brasil no começo do século X IX sempre notaram a ausência da Bíblia e o conse­
qüente descontentamento dos brasileiros. João Ferreira de Almeida (1628-1691) já
havia traduzido das línguas originais, na Batávia, Java, todo o Novo e o Antigo Testa­
mentos até Ezequiel 48:21. Seu trabalho foi com pletado por m issionários em
Tranquebar, índia, e a Bíblia publicada em 1748. Também Antônio Pereira de
Figueiredo (1725-1797), exímio latinista, trabalhou por dezoito anos traduzindo a
Vulgata para o português. A versão de Figueiredo, tradicional Bíblia católica no Bra­
sil, já se encontrava em segunda edição em 1804. Portanto, as duas versões mais popu­
lares, respectivamente a protestante e a católica, já existiam antes do início do século
X IX .111 Sua distribuição no Brasil foi executada principalmente por duas Sociedades
Bíblicas: a Britânica e Estrangeira, fundada em 1804, e a Americana, fundada em
1816.112
C. H. Morris informa que a primeira edição da Bíblia em português realizada pela
BFBS nasceu do desejo da Sociedade de oferecer as Escrituras no vernáculo a refugia­
dos portugueses na Inglaterra, quando Napoleão invadira Portugal. Assim, em 1809,
a BFBS imprimiu o Novo Testamento na versão de Almeida, e iniciou sua distribui­
ção na própria Inglaterra entre estes refugiados e, depois, também em Portugal.113
N ão é improvável que algumas destas Bbílias tenham chegado ao Brasil, trazidas por
imigrantes portugueses. A primeira informação segura, no entanto, é de um corres­
pondente anônimo da BFBS, que distribuía Novos Testamentos em português a bor­
do de navios que deixavam Lisboa com destino ao Brasil.114 Já em 1816, um certo
Henry Koster, de Liverpool, movimentado porto inglês, havia solicitado Bíblias em
português para distribuição no Brasil. Sua carta, lida no Comitê no dia 30 de setem­
bro do mesmo ano, mereceu a seguinte providência: “Decide-se que 25 Testamentos
portugueses sejam colocados a disposição do sr. Koster para o propósito acima referi­
do” . '15 Semelhante atividade esporádica deu lugar, até a década de 20, a uma distri­
buição bem mais intensa. Esta nova fase aparentemente se liga a uma carta do Rev.
Boys, capelão britânico na Ilha de Santa Flelena, no Atlântico Sul, que passou algum
tempo no Rio de Janeiro em fins de 1819. Impressionado com a ausência da Bíblia, da
escola, e da “pura religião” que observava, Boys propôs o estabelecimento de uma
sociedade bíblica auxiliar, para facilitar a distribuição da Bíblia em português aos

77
História Documental do Protestantismo no Brasil

brasileiros. Sua carta, lida no Subcomitê para Impressão e Assuntos Gerais, a 27 de


março de 1820, levou a BFBS a buscar contatos com “pessoas de influência nos Brasis”
e, por meio delas, distribuiu-se considerável quantidade de Bíblias.116
O primeiro agente oficial da BFBS na América do Sul foi James Thompson, que
“aportou em Buenos Aires em 1818 e a intervalos até 1834 se ocupou da distribuição
das Escrituras na vasta área que se estende da Argentina ao México” .117 Thompson
pediu, em 29 de maio de 1820, cem Bíblias e duzentos Novos Testamentos para distri­
buição no Brasil, tendo o Comitê atendido o pedido em 4 de setembro do mesmo
ano.118
No primeiro dia de 1821, o Comitê deliberou: “...que doze Testamentos em por­
tuguês sejam apresentados ao sr. Robilliard da Alfândega para distribuição por um
capitão [do navio] que está a caminho de Pernambuco”.119 Esta decisão ilustra bem a
natureza da disseminação da Bíblia no Brasil na década, que dependia da boa vontade
de capitães de navio, de negociantes, de pessoal diplomático e militar e, naturalmente,
dos capelães britânicos radicados nos importantes portos do país. A atividade, intensa
nos anos vinte, diminuiu nos anos 30 devido à atividade dos missionários norte-
americanos, que recebiam Bíblias da ABS. O contato entre a Sociedade Britânica e o
Brasil diminuiu acentuadamente depois de 1843, até o envio do primeiro agente ofi­
cial, Richard Corfield, e o estabelecimento do primeiro depósito permanente de Bí­
blias, em 1856.120
A Sociedade Americana começou suas atividades no Brasil mais ou menos simulta­
neamente à vinda dos missionários metodistas Justin Spaulding e Daniel P. Kidder
(veja adiante, doc. 30). Em 1838, a ABS distribuiu cinqüenta Bíblias e cem Novos
Testamentos aos metodistas e um número igual a um certo Rev. William Torrey em St.
Catherines (a atual Florianópolis, SC). Em 1839, foram enviados a Spaulding e Kidder
“ 1.825 Bíblias eTestamentos, em português, alemão e francês”. William Peter Strickland
resume a atividade de 1840 assim: “ ... os missionários relatam que o suprimento envi­
ado a eles fora posto em circulação e que a causa [bíblica] florescia no Brasil” .121 Na
verdade, desde a vinda dos missionários, houve estreito relacionamento entre a obra
denominacional e a bíblica, pois o conhecimento da Bíblia era universalmente tido
como base indispensável para o trabalho evangélico.
A direção da obra bíblica esteve em mãos estrangeiras durante quase todo esse
período, muito embora grande parte da distribuição dia-a-dia se realizasse por
colportores e pastores nacionais. A Breve História da Sociedade Bíblica do Brasil: 1500-

78
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

1973 destaca quatro acontecimentos no processo de nacionalização da obra, a partir


da nomeação do primeiro agente brasileiro da BFBS, J. M. G. dos Santos, ministro
congregacional, em 1879. Os outros três eventos ficam fora desse período, mas, para
maior clareza, devem ser mencionados. Em 1942, a BFBS e a ABS se fundiram no
Brasil; já em 10 de junho de 1948, organizou-se a Sociedade Bíblica do Brasil, sendo
eleito presidente o bispo metodista, César Dacorso Filho. Dois anos mais tarde ele­
geu-se o primeiro brasileiro ao posto de secretário-geral, Ewaldo Alves.122

Fundação da Sociedade Bíblica Americana (ABS)


A BFBS, funcionando desde 1804, serviu de inspiração e modelo para a sociedade
irmã que nasceu nos Estados Unidos em maio de 1816, da fusão das numerosas soci­
edades bíblicas locais já existentes no país. Reunidos na Igreja Holandesa Reformada
em Nova York, no dia 8 de maio de 1816, 48 delegados de 29 sociedades locais, bem
como diversos observadores, decidiram unanimemente que convinha “estabelecer, sem
demora, uma organização bíblica, para a circulação das Sagradas Escrituras sem notas
ou comentários”.123 Uma comissão de onze elementos, eleita na mesma ocasião, pre­
parou um anteprojeto de Constituição e uma declaração ao público americano, com
maiores detalhes sobre a filosofia e os objetivos da Sociedade.

Ç2cT) DOCUM ENTO: Constituição da Sociedade Bíblica Americana (excerto)


Art. Io Esta sociedade será conhecida pelo nome de SOCIEDADE BÍBLI­
CA AMERICANA, cujo único objetivo será encorajar a circulação mais ampla
das Sagradas Escrituras sem notas ou comentários. Os únicos exemplares na
língua inglesa a serem postos em circulação pela Sociedade serão os da versão
agora em uso comum [King James].
Art. 2o Esta sociedade reunirá seus esforços aos de outras sociedades para
propagar as Escrituras nos Estados Unidos e seus territórios... Esta sociedade
estenderá, também consoante a sua capacidade, a influência das Escrituras a
/ * i- I 'JÁ
outros países, tanto cristãos, como maometanos ou pagaos.

(jT P ) DOCUM ENTO: Declaração “Ao Povo dos Estados Unidos”


Toda pessoa ponderada tem reparado que os tempos estão prenhes de gran­
des acontecimentos. O mundo político tem experimentado estupendas e ines­
peradas mudanças, suficientes para inspirar nos homens pensantes às mais ad­
miráveis expectativas.
Que estão reservadas a nós ocorrências de interesse profundo, permanente e

79
História Documentai do Protestantismo no Brasil

geral, parece ser o sentimento comum. Tais sentimentos não foram inspirados
sem causa, e nem existem sem objetivo. A causa será encontrada naquela pro­
vidência, que adapta, com maravilhosa exatidão, os meios aos fins; e a finalida­
de é clara demais para ser mal interpretada por aqueles que acrescentam um
sentido religioso às suas especulações sobre a condição presente e o futuro da
nossa raça sofredora.
Uma emoção, tanto extraordinária quanto poderosa, tem chamado a aten­
ção das nações para a importância da divulgação do conhecimento do único
Deus vivo e verdadeiro, revelado no seu Filho, o Mediador entre Deus e os
homens, Cristo Jesus. Esta emoção é mais digna de nota, porque sucede uma
era de filosofia, falsamente assim chamada, e tem caminhado no sentido da­
queles próprios desígnios que, sob os nomes imponentes de razão e liberalida­
de, tentavam desviar a humanidade de tudo o que pode abençoar a vida pre­
sente ou lançar alegre brilho sobre a vida vindoura.
Nós saudamos a reação como auspiciosa a tudo que é excelente na fruição
humana, ou precioso à esperança. Desejamos correr em socorro de tudo o que
é sagrado e contra todo o profano, em apoio ao mais puro interesse da comuni­
dade, da família e do indivíduo, e contra a intriga das trevas, do desastre e da
morte, para ajudar na grande obra do amor cristão e reivindicar nosso lugar na
era da Bíblia.
Temos (...) a honra, de andar nas pegadas daqueles que deram o exemplo
incomparável —o exemplo da benevolência e beneficência sem limites; não
pode ser para nós causa de sofrimento o fato de ter sido dado o exemplo por
aqueles que são do mesmo sangue da maioria de nós; e foi incorporado numa
forma tão nobre e católica com a BFBS.
O impulso 10 mil vezes mais glorioso que todas as façanhas da espada, que
esta instituição tem dado à consciência da Europa e à esperança sonolenta dos
milhões na região e na sombra da morte, demonstra aos cristãos de todas as
terras o que não podem fazer com zelo isolado, e o que podem conseguir pela
cooperação.
Na América, só nos falta a união para alcançarmos sucessos maravilhosos,
desanimadores aos adversários da verdade e piedade e muito encorajadores a
todo o esforço evangélico sobre a face da terra.
Nenhum espetáculo pode ser tão ilustre em si, tão tocante ao homem, tão
agradável a Deus, como uma nação derramando sua devoção, seu talento e seus
tesouros àquele Reino do Salvador que é justiça e paz.
Só pode existir uma única medida capaz de superar objeções, vencer oposi­
ção e exigir esforço; esta é a medida. Que todas as nossas vozes, nosso afeto,
nossas mãos se unam no grande desígnio de promover “paz na terra e boa von­

80
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

tade entre os homens”, que resistem ao avanço da miséria; que levam a luz da
instrução aos domínios da ignorância e o bálsamo da alegria na angústia; e
tudo para difundir os oráculos de Deus; [isso] leva à mente um argumento que
não pode ser respondido, e ao coração um apelo que suas mais santas emoções
se levantam para apoiar.
Sob tais impressões, e com tais pontos de vista, pais, irmãos, concidadãos, a
Sociedade Bíblica Americana foi formada. Sentimentos bairristas, preconcei­
tos partidários, ciúmes sectários, são excluídos pela sua própria natureza. Seus
membros estão ligados naquilo, e só naquilo, que convoca cada princípio santo
e repele cada princípio iníquo - a pregação das Escrituras nas versões recebidas
onde existem, e nas mais fiéis versões onde estas faltam. Em tal obra, tudo
aquilo que é digno, venerável e verdadeiro tem amplo campo de ação, porém
mesquinhez e rivalidade sectárias não terão acolhida.
A única questão é se um alvo de tão indiscutível magnitude pode ser melhor
alcançado por uma sociedade nacional, ou por associações independentes em
compreensão amigável e correspondência.
(...)
Ação concentrada é ação poderosa. As mesmas forças, aplicadas numa dire­
ção comum, produzirão resultados impossíveis ao seu exercício dividido e par­
cial. Qualquer objeto nacional une sentimento e concordância nacionais. A
unidade de um grande sistema combina energia de efeito com economia de
meios. Inteligência acumulada interessa e anima a mente pública. E os esforços
católicos de um país, assim harmonizados, lhe dão lugar na convenção moral
do mundo e permitem-no agir diretamente nos planos universais de felicidade
que ora tomam conta das nações.
E verdade que o prodigioso território dos Estados Unidos, o incremento da
sua população, que cada dia mais sobrepuja seu cultivo moral e as conseqüên­
cias funestas que advirão se o povo perder o conhecimento da vida eterna e
reverter a uma espécie de paganismo que terá todo o adestramento e vícios de
uma sociedade civilizada, sem qualquer controle religioso, [os Estados Unidos,
dizíamos] apresentam uma esfera de ação, que pode utilizar e ocupar durante
longo tempo os cuidados desta sociedade, e de todas as sociedades bíblicas
locais da nação (...)
Não se deve supor, entretanto, que os limites geográficos ou políticos são os
limites da Sociedade Bíblica Americana. Tal designação pretende indicar, não as
restrições do seu labor, senão a fonte da sua emanação. Abraçará, com gratidão
e prazer, toda a oportunidade de fazer raiar, por meio da Bíblia, consoante sua
capacidade, a luz da vida e da imortalidade, vencer em todas as partes do mun­
do que estão sem a benção [da Bíblia) e ao alcance [da sociedade]. Nesta subli-

81
História Documental do Protestantismo no Brasil

me vocação, sua ambição é cooperar com aqueles que são os cooperadores de


Deus.
Povo dos Estados Unidos
Já foste convidado a uma empresa de tanta grandeza e glória? Não valorizas
ali Sagradas Escrituras? Não as valorizas como contendo tua mais doce espe­
rança, tua mais eletrizante alegria? Podes admitir a idéia de que tu foste apático
nos teus esforços de distribuí-las, enquanto o resto da cristandade está desper­
tada e alerta? Relutarias, na indiferença fria, quando príncipes descem dos seus
tronos para abençoar o casebre do pobre com o Evangelho da paz, e soberanos
imperiais colhem suas mais lindas honras por espalhar por toda a parte os orá­
culos do Senhor teu Deus? Será possível não veres, nesse estado de coisas hu­
manas, um poderoso movimento da Divina Providência? (...)
Vinde, compatriotas, co-cristãos, unamo-nos à sagrada aliança. Que nenhum
coração esteja frio, nenhuma mão ociosa, nenhuma bolsa relutante! Vinde,
enquanto há lugar nas fileiras cujo trabalho é bondade e cuja recompensa é
vitória. Vinde alegre e prontamente. Vinde todos! Seja gravado em vossas al­
mas que uma contribuição, mesmo poupada de uma barata indulgência, pode
enviar a Bíblia a uma família desamparada; pode se tornar o ponto de irradia­
ção de “graça e verdade” para uma vizinhança de erro e de vício; e que algumas
tais contribuições podem iluminar grandes áreas e sucessivas gerações de imor­
tais naquele conhecimento celestial que assegurará sua felicidade presente e
futura.
Mas qualquer que seja a proporção entre a expectativa e a experiência, pelo
menos isso é certo: satisfaremos nossa convicção do dever —teremos o louvor
de alto esforço para os mais altos fins - ministraremos à bem-aventurança de
milhares, e dezenas de milhares, cuja face pode ser que jamais venhamos a ver,
ou o nome a ouvir. Poremos em movimento um sistema de felicidade que
continuará em movimento acelerado e vigor aumentado, depois de termos ter­
minado nossa carreira; e daremos aos nossos filhos e aos filhos dos nossos filhos
a satisfação de ver o deserto transformado em lavoura frutífera, pela bênção de
Deus sobre aquela semente que seu pai semeou e eles próprios regaram. Final­
mente, faremos nossa parte pela expansão e intensidade da luz divina, que
visitará no seu progresso, os palácios dos grandes e as povoações dos pequenos,
até que toda a “terra esteja cheia do conhecimento de Jeová, como as águas
cobrem o mar”.'25

Atitude oficial da Igreja Católica Romana quanto as sociedades bíblicas


A melhor indicação da atitude da Igreja Católica quanto ao programa das socieda-

82
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

des bíblicas, de ampla distribuição da Bíblia sem notas ou comentários, encontra-se nas
encíclicas papais da primeira metade do século XIX. As mais importantes destas encíclicas
são Ubiprimum, de Leão XII, de 5 de maio de 1824; Traditi humilitati, de Pio VIII, de
23 de abril de 1829, e Quipluribus, de Pio IX, de 9 de novembro de 1846. A advertên­
cia do papa Pio IX é ao mesmo tempo típica e reveladora da atitude católica, em marcante
contraste com a postura protestante:
Estas engenhosas sociedades bíblicas, que renovam o dolo antigo dos hereges,
não cessam de distribuir suas Bíblias insistentemente a todos os homens, mesmo
os iletrados; Bíblias que foram traduzidas contra as leis da Igreja, e que
freqüentemente contêm falsas explicações do texto. Portanto, as divinas tradi­
ções, o ensino dos pais e a autoridade católica são rejeitadas, e cada um interpre­
ta a seu modo as palavras do Senhor, e torce seu sentido, portanto caindo em
terríveis erros.126

( 22) DOCUM ENTO: Traditi Humilitati, encíclica do papa Pio VIII (1829-1830),
sobre as sociedades bíblicas (excerto)
Um outro objeto de nossa vigilância (...) são as sociedades que publicam no­
vas traduções das Escrituras em todas as línguas, traduções estas feitas contra as
mais salutares regras da Igreja, e cujos textos são habilmente distorcidos para
sentidos perversos, conforme um espírito particular. Estas traduções são distri­
buídas em todos os lugares, por elevado custo, e oferecidas gratuitamente aos
mais ignorantes, muitas vezes mesclando breves explicações, para que bebam
um trago venenoso, quando esperam tomar as águas salutares da sabedoria. A
Santa Sé de há muito advertiu o povo cristão sobre essa nova ameaça à fé... As
regras estabelecidas pelo Concilio de Trento e renovadas pela Congregação do
índice, foram logo lembradas aos fiéis... O Concilio de Trento (...) a fim de
conter as mentes inquietas e audazes, baixou este decreto: “Que em assuntos de
fé e assuntos que concernem à doutrina cristã, ninguém, confiado no seu pró­
prio juízo, torcerá o Espírito Santo ao sentido particular, ou interpretá-lo-á con­
trariamente ao sentido que a Igreja tem sempre seguido ou em oposição à opi­
nião unânime dos Pais”.127

Leigos, os agentes não-oficiais da BFBS


As atas e correspondência da BFBS em Londres são ricas em nomes de leigos
cuja cooperação gratuita e, às vezes entusiasta, tornou possível a larga distribui­
ção das Escrituras no Brasil muito antes da vinda do primeiro agente oficial, em
1856. A carta que segue, de um negociante britânico radicado no Rio de Janei­
ro, lança luzes sobre o importante serviço que muitos leigos prestaram à causa
bíblica.
83
História Documental do Protestantismo no Brasil

( 2 3 ) DOCUM ENTO: Carta do sr. S. R. McKay a BFBS


Rio de Janeiro, 22 de maio de 1826
Sr. John Jackson
Senhor,
(...)
Tenho, portanto, que informá-lo que me dá muito prazer acatar suas or­
dens, e muita satisfação de ser honrado com a confiança do comitê da BFBS.
Seu alvo benevolente de disseminar a palavra da vida, até onde der minha po­
bre capacidade, será promovido, e sob a bênção de Deus, agradecidamente
confio, não será vão, numa terra onde tanto falta a verdade, mas que agora em
diversos sentidos toma atitudes interessantes para sua recepção.
Em julho de 1824, o capitão Tanner, de Devonshire, deixou com meu ami­
go sr. Peter Gilfillan um pacote contendo vinte Bíblias e cem Testamentos, mas
naquela época o sr. G. estava na véspera da sua partida do país, e tudo foi
deixado comigo. Já dei cabo de tudo, conforme meu melhor juízo; a maior
parte vendi, e a outra parte foi distribuída publicam gratuitamente. Pouco an­
tes de sr. [Edmund] Pink deixar a cidade ele também me entregou um pacote
de duzentos Testamentos que estava aos cuidados do meu estimado amigo te­
nente Fowke do H. M. S. Blanche.12S Conforme o pedido desse cavalheiro,
estou distribuindo os Testamentos -vendendo ou dando. Quando eu terminar
a distribuição das Bíblias, todo o dinheiro apurado será remetido (...)
Na minha experiência, tenho descoberto que o Testamento não tem a mes­
ma procura que a Bíblia [completa], e por esta também um preço relativamen­
te melhor é obtido. A única causa a que posso atribuir esse fato é que o povo
que tem qualquer desejo de possuir as Escrituras prefere ter a Bíblia toda e não
apenas uma parte dela. Tenho visto entre o povo uma grande avidez de possuir
a Bíblia, mas acho que na maioria dos casos isso não nasce do amor ao seu
abençoado conteúdo, senão da curiosidade de conhecer aquilo que por tanto
tempo foi escondido dos seus olhos. Mas espera-se que, durante o ato de satis­
fazer essa curiosidade, a influência possa acompanhar o exame dos oráculos
divinos, a convicção se tome de tal forma firme e o conhecimento das coisas
divinas assim iniciado e aumentado, que sejam feitos sábios para a vida eterna.
Em todo o caso, qualquer que seja o motivo que os impulsiona, é uma circuns­
tância cheia de esperança ver as Escrituras procuradas, e enquanto tal disposi­
ção está evidente eu estou desejoso de supri-la tão extensamente quanto permi­
tem as circunstâncias, e colocá-las nas mãos de indivíduos que apreciam devi­
damente a Palavra de Deus e estão dispostos a pagar o preço, consoante suas
possibilidades, bem como verificar os elementos que são dignos de ter as Escri­
turas sem preço. Nisso, porém, há muita dificuldade, pois o caráter do povo
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

desse país é depravado, o que, infelizmente, é o caso de todos os países que


estão sob o domínio do homem do pecado,129 e exceto por auto-interesse, não
se pode confiar neles. Portanto, tenho que usar de muita cautela e vigilância
particularmente na distribuição gratuita, pois em várias ocasiões descobri que
indivíduos de posses respeitáveis têm se baixado ao ato desprezível de enviar
uma pessoa pobre e desprotegida, solicitando como para si, quando na realida­
de ela só agia como agente de alguém com possibilidade para pagar. Outros
que conheço pessoalmente foram supridos mediante a promessa de pagar sob
cobrança e, depois de receber, recusaram-se a fazer o pagamento. Se conheces­
sem a natureza da Sociedade ou o valor do Livro que receberam, tal conduta
nunca seria vista. Mas esperemos que, à medida que os divinos oráculos forem
distribuídos e conhecidos, algo mais digno de honra e louvor aconteça.
(...)
A Divina Providência pôde me dar a oportunidade de buscar despertar inte­
resse entre nossos compatriotas aqui na causa bíblica, e quem sabe se futura­
mente ela não se estenderá também aos nativos. Este é o dia de grandes coisas,
e o Senhor não está limitado nas suas operações. Prosseguindo no seu temor e
exercendo dependência na sua bênção, muito pode ser feito, mas tudo tem que
ser feito com prudência e o devido exercício do juízo. Em todo caso, prevejo
que o suficiente será levantado para cobrir todas as despesas adicionais deste
lado [do oceano] e deixar o produto (...) [palavra ilegível] das vendas para ser
remetido à Sociedade.
Em diversas partes do interior, onde a mente do povo está mais seriamente
inclinada, e onde há pouco ou nada da contaminação que prevalece nas cida­
des deste país, tenho razão para crer que não poucos há que anseiam pelas
Escrituras. Tenho conversado com três elementos que se incumbirão da distri­
buição, de acordo com os princípios da Sociedade; são homens em cuja inte­
gridade, penso eu, se pode confiar.
Quanto à questão de se a ausência dos livros apócrifos será desvantagem ou
não, ainda não tenho elementos para responder. Minha intenção é não dizer
nada sobre o assunto, mas distribuí-las como são, e então verei que reparos o
povo fará.
Parece-me que a maioria do povo não pode entrar nessa questão devido à
sua ignorância do conteúdo da Bíblia toda, e se eu fosse levantar o assunto com
o clero, é provável que faria disso motivo de objeção, não pela falta dos livros
apócrifos, mas meramente como pretexto para conseguir o objetivo de negar os
oráculos divinos ao povo. Entretanto, graças a Deus, o governo não coloca
nenhum obstáculo à distribuição da versão católica [da Bíblia]. Portanto, eu
acho que é melhor não dizer nada sobre isso, mas deixar tudo à providência de

85
História Documental do Protestantismo no Brasil

Deus, e deixar os resultados com ele (...)


Vosso mui obediente servo,
S. R. McKay.130

d ? ) DOCUM ENTO: Documento composto: deliberações do comitê da BFBS


... a Sociedade auxiliar mandou cinqüenta Novos Testamentos em portugu­
ês ao sr. Dickinson, o cônsul britânico em [Belém do] Pará, e recebeu dele uma
prestação de contas de sua distribuição... Como o Sr. Dickinson parece ter
agido com muito critério, o comitê da Sociedade Auxiliar de Liverpool resol­
veu entregar-lhe cinqüenta Testamentos em português, seis Bíblias e seis Testa­
mentos em inglês, seis Bíblias e seis Testamentos em francês; e se propõe a
repetir essa doação, na próxima ocasião em que um bom navio deixar o distrito
de Liverpool rumo ao Pará. [7 de maio de 1821; vol. 11, p. 354].
Foi lida uma carta do sr. E. R. Fletcher, datada de [Recife] Pernambuco, 11
de maio de 1822, mencionando que os habitantes de todas as classes, daquele
lugar, estão ávidos de receber as Escrituras e que o governo permite sua impor­
tação livre de imposto alfandegário. O sr. F. deseja ter uma quantidade de Bí­
blias e Testamentos que ele julga poder distribuir com vantagem. Em alguns
casos, altas ofertas foram feitas por um só exemplar e ainda muitos outros pedi­
dos.
Resolve-se que quinhentas Bíblias e mil Testamentos em português, versão
de [Antônio] Pereira [de Figueiredo], sejam colocados à disposição do sr. Fletcher
para venda ou distribuição gratuita; e pede-se que ele preste contas disso. [15
de julho de 1822; vol. 13, p. 30]. Resolve-se recomendar ao comitê geral que
faça uma doação de cem livros seletos em português e duzentos Novos Testa­
mentos, em favor do dr. Robert Landell, em Porto Alegre nos Brasis para serem
ali distribuídos. [4 de outubro de 1843; vol. 32, p. 65]-131

Os missionários e a Bíblia
A Igreja Metodista Episcopal iniciou os trabalhos junto ao povo brasileiro, em
1836. Seus missionários, entendendo que os males do país se ligavam à ignorância da
Palavra de Deus, se dedicaram à distribuição da Bíblia. Radicados na cidade do Rio de
Janeiro, vendiam a Bíblia pqr meio de anúncios de jornais. Também Daniel Parish
Kidder viajou por todo o Brasil, vendendo Bíblias com tanto ardor que os historiado­
res geralmente têm entendido, erroneamente, que fosse agente da ABS e não missio­
nário metodista.

86
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Q £ ) DOCUM ENTO: A venda da Bíblia por meio de publicidade emjornais


Vende-se, por 1$000 M., na rua Direita n° 114, o Novo Testamento de N.
S. J. C., traduzido (...) pelo rev. padre Antônio Pereira de Figueiredo; este livro
é muito recomendável a todos os mestres e diretores de aulas e colégios do
Império do Brasil, para o adotarem como livro de instrução para os seus alu­
nos, porque nele se acha o tesouro mais precioso que o homem pode exigir
neste mundo; ele é a fonte de luz, a fonte de moral, a fonte de virtude, a fonte
de sabedoria. Nele é incluído tudo quanto for necessário para fazer o homem
sábio, e para estar pronto para toda a boa obra; este livro é a base de instrução
[nos países protestantes, prósperos e adiantados].132

DOCUM ENTO: Proposta apresentada a Assembléia Legislativa da impe­


rial província de São Paulo
“Considerando que, tendo visitado a província na qualidade de estrangeiro,
foi grande a satisfação que experimentamos, não só em observar as vantagens
naturais do clima, do solo e dos produtos com que a providência magnânima
tão notavelmente a distinguiu, mas, ainda com a generosa hospitalidade e agra­
dável contato com vários de seus cidadãos; que, indagando sobre a instrução
fomos francamente informados da falta de livros escolares, especialmente no
interior; que, mantendo relações com a ABS, de Nova York, cuja finalidade
principal é a divulgação da Palavra de Deus, sem nota ou comentário, por
todas as partes do mundo e que o Novo Testamento de Nosso Senhor e Salva­
dor Jesus Cristo constitui esplêndida peça clássica, tanto em assuntos históricos
como religiosos e morais, além de encerrar em toda a sua pureza as verdades
sagradas do cristianismo, cujo conhecimento é de valor inestimável para todas
as pessoas, quer como indivíduos, quer como partes integrantes da sociedade; e
que tendo a mais ilimitada confiança na filantropia da dita sociedade e na
disposição em cooperar para o bem do Brasil, como de todas as outras nações,
especialmente em vista das relações amistosas existentes entre estes dois gran­
des países; propomos garantir, em nome da ASB, o fornecimento gratuito de
exemplares do Novo Testamento, traduzido para o português pelo padre Antô­
nio Pereira de Figueiredo, em quantidade suficiente para fornecer doze exem­
plares a cada uma das escolas primárias da província, mediante a condição úni­
ca de que tais volumes sejam desembaraçados, quando entregues à Alfândega
do Rio de Janeiro, distribuídos, conservados e usados pelas diversas escolas,
como livros de leitura geral e instrução para os alunos das mesmas.
Formulando os mais sinceros votos pela prosperidade moral e cívica da im­
perial província de São Paulo, humilde e respeitosamente submetemos a pro­
posta acima delineada.

87
História Documental do Protestantismo no Brasil

São Paulo, 15 de fevereiro de 1839”.


D. P. \sic\
(As letras D.P., sem qualquer dúvida, são as iniciais de Kidder, porém
com a falta da letra K.)

No mesmo dia recebíamos um recado, dizendo que a Assembléia havia aco­


lhido a nossa proposta com particular satisfação, tendo-a encaminhado para a
Comissão de Negócios Eclesiásticos e Instrução Pública. Mais tarde recebemos
a seguinte comunicação:

limo. sr. Kidder —Tenho o prazer de informar-vos de que a Assembléia


Legislativa recebeu com particular agrado o seu oferecimento de exemplares do
Novo Testamento, traduzido pelo padre Antônio Pereira de Figueiredo, e que a
Legislativa submeterá o assunto à deliberação, comunicando-vos o resultado.
Deus vos guarde!
M ig u e l Eufrásio de Azevedo Marques, Sec.
Palácio da Assembléia Provincial,
São Paulo, 20 de fevereiro de 1839.134

A Sociedade Bíblica do Brasil


Embora fora dos limites cronológicos do presente capítulo, a fundação da Socie­
dade Bíblica do Brasil completa a matéria da seção sobre as sociedades bíblicas. D e­
pois de muitos anos de trabalho paralelo, porém em estreita cooperação, a BFBS e a
ABS se fundiram em 1942, e em 1948 nasceu a Sociedade Bíblica do Brasil. A nature­
za de seu trabalho fica bem explícita no seu estatuto, cujo primeiro capítulo segue
abaixo.

( 27 ) DOCUM ENTO
I . Da Sede, Duração e Objetivos
Art. Io - A Sociedade Bíblica do Brasil, fundada em 10 de junho de 1948,
tem sede e foro na cidade de Rio de Janeiro —Estado da Guanabara, e sua
atividade se estende a todo o território nacional.
Art. 2o -A duração da Sociedade será por prazo indeterminado e terá núme­
ro ilimitado de sócios.
Art. 3o - A Sociedade, de natureza exclusivamente filantrópica, de caráter
geral e indiscriminado, tem como objetivo promover e intensificar, sem escopo
lucrativo, a difusão das Escrituras Sagradas como meio de elevação moral, soei-
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

al e espiritual do povo brasileiro.


Io - Para atingir o seu objetivo, a Sociedade se empenhará na obra de tradu­
zir, revisar, publicar e distribuir as Escrituras Sagradas, com seus próprios mei­
os e em cooperação com pessoas físicas ou jurídicas, bem como organizações
cristãs, recomendadas pela diretoria.
2o - Para a consecução do seu objetivo, a Sociedade aceitará a cooperação de
outras sociedades bíblicas.
3o - A natureza filantrópica da Sociedade verificar-se-á:
a) pela distribuição gratuita de livros e publicações de caráter moral, cívico,
educativo e religioso;
b) pela difusão de Escrituras Sagradas, sem escopo lucrativo;
c) pela promoção da assistência social, de caráter geral e indiscriminado,
fornecendo roupas, alimentos e remédios às pessoas necessitadas, em qualquer
parte do território nacional;
d) pela promoção de cursos de alfabetização para jovens e adultos, inteira­
mente gratuitos, inclusive com distribuição de merenda escolar, onde se fizer
necessário, em cooperação com entidades oficiais ou particulares; e
e) por serviços gerais prestados à comunidade.135

Outras sociedades paraeclesiásticas


Introdução
N a primeira metade do século XIX, proliferaram sociedades que procuravam unir
os esforços de cristãos ingleses das diversas igrejas, inclusive anglicanos da ala evangé­
lica. A mais famosa, a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira (BFBS) já foi apreci­
ada acima ; aqui será mencionada apenas a Sociedade Escolar Britânica e Estrangeira
da Inglaterra. Mas, geralmente inspiradas em modelos britânicos, sociedades congêneres
se multiplicaram nos Estados Unidos, a ponto de o seu conjunto chegar a ser conhe­
cido como o “Império Benevolente” .136 Diversas destas sociedades participaram da
missão no Brasil, na qualidade de sociedades paraeclesiásticas, geralmente mantendo
seus respectivos agentes residindo no país. Seguem documentos sobre a Sociedade
Americana de Amigos dos Marinheiros (.American Seamens Friend Society), a União
Cristã Americana e Estrangeira (American and Foreign Christian Union) e, mais tarde,
sociedades para a mocidade cristã (como a Associação Cristã de M oços —A CM —e o
Esforço Cristão). Geralmente, a existência e a atuação desses agentes e missionários
têm sido muito pouco notadas pelos historiadores do protestantismo brasileiro, dei­
xando assim uma lacuna nessa história.

História Documental do Protestantismo no Brasil

David Gueiros Vieira, cujo livro O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religi­


osa no Brasil alertou o autor para os missionários das organizações paraeclesiásticas,
destaca a importância de James Cooley Fletcher.137 Fletcher, co-autor, com Daniel P.
Kidder, de Brazil and the Brazilians (também em português sob o título O Brasil e os
Brasileiros), proporcionou aos norte-americanos, durante muitos anos, sua principal
fonte de informações sobre o Brasil. Além do seu trabalho missionário convencional,
Fletcher foi secretário interino da Legação dos Estados Unidos no Rio de Janeiro.138
Esforçou-se muito por estimular também o comércio e o intercâmbio entre os dois
países, Brasil e Estados Unidos. Seguro de que o “progresso” resultaria desse intercâm­
bio, Fletcher considerava tal atividade como parte integrante da sua missão e os resul­
tados como legítimo fruto missionário.139
Nos documentos a seguir são fornecidos exemplos da missão paraeclesiástica de
Fletcher, bem como de outros agentes dessas sociedades.

A Sociedade Escolar Britânica e Estrangeira


O inglês Joseph Lancaster (1778-1838), membro da Sociedade dos Amigos
(Quacres), desenvolveu um sistema de educação popular baseado na instrução de
monitores, os quais por sua vez ensinavam outras pessoas. O método, cuja eficiência e
baixo custo ficaram comprovados na Inglaterra e na América do Norte, foi promovi­
do pela Sociedade Real Lancasteriana (1808), cujo nome foi mudado para Sociedade
Escolar Britânica e Estrangeira (British andForeign SchoolSociety). O autor desta H is­
tória Documental não descobriu o processo pelo qual o método lancasteriano, tam­
bém conhecido por sistema de ensino mútuo, chegou a ser adotado no Brasil, mas foi,
isso é incontestável. Os documentos seguintes ilustram a influência do método nos
primórdios da educação primária no Brasil.

0 ^ 0 DOCUM ENTO: Decreto de I o de março de 1823


Cria uma escola de primeiras letras, pelo método de ensino mútuo para
instrução das corporações militares.
Convindo promover a instrução a uma classe tão distinta dos meus súditos,
qual a da corporação militar, e achando-se geralmente recebido o método de
ensino mútuo, pela facilidade e precisão com que desenvolve o espírito, e o
prepara para aquisição de novas e mais transcendentes idéias; hei por bem
mandar criar nesta corte uma escola de primeiras letras, na qual se ensinará
pelo método de ensino mútuo, sendo em benefício não somente dos militares

90
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

do Exército, mas de todas as classes dos meus súditos que queiram aproveitar-
se de tão vantajoso estabelecimento. João Vieira de Carvalho, do meu Conse­
lho de Estado, Ministro e Secretário do Estado dos Negócios da Guerra, o
tenha assim entendido, e faça expedir as ordens necessárias.-
Paço, 12 de março de 1823, 2o da Independência e do Império.
Com a rubrica de Sua Majestade e imperador,
João Vieira de Carvalho.'40

(^2íT) DOCUM ENTO: Lei de 15 de outubro de 1827 (excerto)


Manda criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares
mais populosos do Império.
D. Pedro I, por graça de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador
Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos
súditos que a Assembléia Geral decretou, e nós queremos a lei seguinte:
Art. I o Em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, haverá as escolas
de primeiras letras que forem necessárias.
Art. 2o Os presidentes das províncias, em Conselho e com audiência das
respectivas Câmaras, enquanto não tiverem exercício os conselhos gerais, mar­
carão o número e localidades das escolas, podendo extinguir as que existem em
lugares pouco populosos e remover os professores delas para as que se criarem,
onde mais aproveitem, dando conta à Assembléia para final resolução.
Art. 4o As escolas serão de ensino mútuo nas capitais das províncias; e o
serão também nas cidades, vilas e lugares populosos delas, em que for possível
estabelecerem-se.
Art. 5o Para as escolas do ensino mútuo se aplicarão os edifícios, que houver
com suficiência nos lugares delas, arranjando-se com os utensílios necessários à
custa da fazenda pública;141 e os professores que não tiverem a necessária ins­
trução deste ensino, irão instruir-se em curto prazo e à custa dos seus ordena­
dos nas escolas das capitais.
Art. 6o Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de arit­
mética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de
geometria, a gramática da língua nacional, e os princípios de moral cristã e da
doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreen­
são dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a
história do Brasil.
Art. 11. Haverá escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas em
que os presidentes em conselho julgarem necessário este estabelecimento.
Art. 12. As mestras, além do declarado no art. 6o, com exclusão das noções
de geometria e limitando a instrução da aritmética só às quatro operações,

91

História Documental do Protestantismo no Brasil

ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica...


Art. 15. Estas escolas serão registradas pelos estatutos atuais no que se não
opuserem à presente lei; os castigos serão os praticados pelo método de
Lancaster.142

Missões entre marinheiros


Em 1780, já nascera em Londres uma organização denominada The Bible Society
(Sociedade Bíblica), com o propósito de fornecer Bíblias a marinheiros ingleses. No
dia 23 de março de 1817, pela primeira vez a “bandeira Betei” foi desfraldada pelo
capitão Hindulph, de South Schields, Inglaterra. O inconfundível pombo branco na
bandeira convidava os marinheiros para o culto divino a realizar-se no navio que a
içasse. Logo surgiram diversas sociedades, que visavam à elevação intelectual, social e
espiritual dos marinheiros britânicos e outros. Uma das mais importantes dessas era a
Sociedade Britânica e Estrangeira de Marinheiros. Nos Estados Unidos, a mais im­
portante das sociedades congêneres foi a Sociedade Americana de Amigos dos M ari­
nheiros, que teve início em 1828. O segundo artigo da sua Constituição define a sua
razão de ser:
O objeto desta Sociedade será melhorar as condições sociais e morais dos
marinheiros a fim de que reunindo em favor deles os esforços das pessoas sábias
e boas, sejam promovidos em todos os portos pensões de boa reputação, ban­
cos, cartórios, bibliotecas, museus, salas de leitura, e escolas, e também admi­
nistração do Evangelho, e outras bênçãos religiosas.143
O primeiro capelão enviado pela referida Sociedade ao Rio de Janeiro foi o Rev.
Obadiah Johnson, que permaneceu apenas de 1836-1838, sendo retirado pela Socie­
dade por causa de dificuldades financeiras.144 Foi então que os missionários metodistas
Justin Spaulding e Daniel Kidder se tornaram capelães da Sociedade, sem remunera­
ção, e com a anuência da Sociedade Missionária Metodista. Anos mais tarde, veio
James Cooley Fletcher, como missionário da Sociedade Americana de Amigos dos
Marinheiros e também da União Cristã Americana e Estrangeira.145

C H ) DOCUM ENTO: Kidder e Spaulding ministram aos marinheiros no Porto


do Rio
Pretendemos continuar estes serviços enquanto o Independence permanece
no porto. Embora oportunidades fossem procuradas por diversas semanas, não
tivemos a felicidade de encontrar um capitão de navio mercante, que tivesse
tanto autoridade como vontade e de içar a bandeira Betei, até o último domin-

92
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

go, quando preguei a bordo de um navio britânico. O sr. Spaulding fará o


mesmo amanhã, e temos a possibilidade, pelos navios ancorados, de continuar
esses serviços ininterruptamente por bastante tempo. Presentemente, nossas
facilidades para visitar aos marinheiros estão limitadas, devido à nossa localiza­
ção numa área da cidade um tanto longe do cais. Isso torna nossa caminhada,
domingo de manhã, um pouco fatigante; no entanto, estamos dispostos a per-
severar em empregar nossos fracos esforços em prol desta interessante classe de
homens, cujas almas são de valor tão infinito, e ao mesmo tempo tão pouco
cuidadas por aqueles que colhem os frutos do seu labor.146
(...) Continuamos nossos serviços aos marinheiros como sempre, e com um
pouco mais de probabilidade de bons resultados, eu espero. Apesar do fato de
meu estimado colega ter estado ausente cerca de cinco ou seis meses, eu tenho
podido pregar um sermão em cada domingo (exceto um, por causa da chuva) e
dois sermões em seis desses domingos. Estou grato por ter achado menos difícil
do que antes conseguir a bandeira [Betei] erguida, e espero que sejamos no
futuro tão bem sucedidos como até aqui. Gasto a maior parte de dois dias por
semana, um na preparação para falar e um na visitação navio a navio; e quando
sou impedido de visitá-los, por causa do mau tempo ou outros motivos, man­
do sempre um recado aos que estão a bordo dos diversos navios, tanto ingleses
como americanos, convidando-os para assistir o culto Betei no domingo se­
guinte.
Não devo deixar de mencionar que tenho sido grandemente ajudado em
meu trabalho por um jovem oficial de uma fragata britânica ancorada no por­
to, o qual, dentro dos últimos meses, experimentou uma grande mudança nas
suas opiniões e sentimentos, bem como na sua conduta ostensiva. Sendo um
homem bem informado de bom juízo, zeloso e decidido, ele tem se tomado
muito útil nas suas visitas e conversações com os marinheiros. Sentimos que
ele vai deixar logo o lugar. Que o Senhor dos mares levante outros para preen­
cher seu lugar.147

( 7 T ) DOCUM ENTO: James C. Fletcher descreve sua capelania entre os


marinheiros americanos no Rio de Janeiro
A Sociedade Americana de Amigos dos Marinheiros... estabeleceu uma
capelania neste porto [Rio de Janeiro] há mais de vinte anos.148 Nenhuma
capela foi construída, pois os regulamentos particulares do porto são tais que os
navios têm que ancorar a certa distância da praia; daí ser usual realizar os cultos
a bordo de navios ancorados no porto. A bandeira Betei, com seu pombo bran­
co, é hasteada no mastro principal e, quando desfraldada pelo vento, como o
sino de uma igreja, embora mudo, chama os robustos marinheiros dos vários

93
História Documental do Protestantismo no Brasil

ancoradouros a comparecer ao tabernáculo flutuante, para entoarem os hinos


de louvor, ou ouvirem, nesta distante região, as lições da verdade sagrada. Por
diversos anos, foi meu privilégio juntamente com outros deveres, no litoral,
exercer o posto de capelão americano. Era meu costume, quando não havia
ameaça de epidemias no porto, visitar os navios ingleses e norte-americanos
todas as sextas-feiras, e deixando em cada mão um folheto que indicava o navio
em que a bandeira Betei tremularia no domingo seguinte. Quando a febre
amarela dominava, diariamente assistia aos doentes no hospital, e ia aos navios
administrar o conforto do Evangelho aos marinheiros doentes e moribundos.
Pobres homens! Muitos passaram desta vida para a eternidade sem mandarem
uma mensagem de despedida aos seus distantes. Mas, sempre que pude saber o
endereço dos seus parentes, eu lhes encaminhei as últimas palavras do mori­
bundo, que muitas vezes era a efusão de sua fé e esperança em Cristo.
No cumprimento desses deveres, fui materialmente auxiliado pelo sr.
Leopoldo [Augusto da Câmara Lima], guarda-mor da alfândega, que, com gran­
de bondade, abriu uma exceção em favor do capelão, permitindo-me visitar
todos os navios do porto sem uma licença diária especial.149

Missionários dà União Cristã Americana e Estrangeira


Várias sociedades pequenas foram criadas nos Estados Unidos na década de 30 e
40, visando à evangelização de católicos romanos. Três dessas organizações (American
Protestant Society, Foreign Evangelical Society, e Christian Alliance) se uniram para fun­
dar, em 10 de maio de 1849, a American and Foreign Christian Union (União Cristã
Americana e Estrangeira). O propósito dessa união, conforme sua Constituição, era:
“...por meio de missões, de colportagem, de imprensa, e de outras agências apropria­
das, difundir o princípio da liberdade religiosa, um cristianismo puro e evangélico,
tanto no país como no estrangeiro, onde existe um cristianismo corrupto”.150 A União
Cristã Americana e Estrangeira (AFCU) estava ainda na sua infância quando enviou
James Cooley Fletcher ao Brasil como seu agente (1851).151 Os documentos que se
seguem tratam da obra missionária de Fletcher e de Vernum D . Collins, um outro
missionário enviado pela AFCU .

(^32^) DOCUM ENTO: A obra evangelística de Fletcher no Rio de Janeiro (1854)


Há poucos domingos, convidei dois cavalheiros católicos romanos para as­
sistirem ao culto que realizo a cada domingo. Um deles nunca vira um culto
protestante. [O culto] esteve tão impressionante na sua simplicidade que ele
contou a alguns dos seus amigos que queria de coração tornar-se protestante.

94

*
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Disse sem imaginar que isso viesse ao meu conhecimento. Semanalmente, jo­
vens católicos romanos visitam minha casa, e eu me esforço por influenciá-los
através do diálogo, pois seus olhos já estão abertos para perceber o vazio de sua
própria Igreja. Que o Espírito do Senhor abra completamente os olhos do seu
entendimento. Depois de se convencerem da falsidade do papismo, Satanás
parece conduzi-los aos canais da infidelidade, e porque o Brasil é rico em livros
do ceticismo político e filosófico francês, eles serão vencidos pelos argumentos
plausíveis e “agradáveis ao coração humano” daqueles que se opõem à verdade
—a não ser que a verdade de Deus impressione os seus corações. Portanto reite­
ro: é preciso que a Bíblia —a Bíblia circule livremente.
Dei início a reuniões toda quarta-feira à noite para a leitura da Bíblia, uma
curta palestra e oração. Aqueles que participam representam quatro ou cinco
diferentes nações bem como três ou quatro denominações. Essa pequena reu­
nião se realiza na minha casa alugada, e espero que sua influência venha a ser
sentida. Atualmente, os que vêm, se constituem em colportores; durante a se­
mana, em conexão com outros deveres, distribuem a Palavra de Deus e litera­
tura de evangelização, ou emprestam bons livros àqueles brasileiros com quem
tiverem contato. Nosso número é ainda pequeno, mas rogamos a Ele que não
retenha a sua bênção por falta de número.152

(^3~T) DOCUM ENTO: A obra missionária de Vernum D. Collins (1856)


... Leciono para uns trinta alunos, devotando, porém, apenas uma hora por
dia à sala de aula; mas mesmo lá consigo comunicar muitas verdades valiosas.
Meu relacionamento social e particular com os estudantes é muito grande.
(...) Minhas conversações com eles são principalmente sobre assuntos religio­
sos, e muitas horas agradáveis e proveitosas tenho passado na sua companhia.
Estando muito desejoso de obter a correta pronúncia do idioma, passo muito
tempo lendo a Bíblia em português na companhia dos que me visitam, esco­
lhendo textos que são impressionantes pertinentes, e depois indagando ou ex­
plicando o sentido. Acho todos eles muito ignorantes quanto à Bíblia e seu
conteúdo; a maioria nem sequer tinha visto uma antes, ou, se viram, não a
associam com quaisquer recordações ou com a regra da fé dos seus pais, o livro
da sua própria infância, “a Palavra de Deus que pode fazê-los sábios para a
salvação”.153 Comecei a circular entre eles e pela cidade a Escritura e livros
religiosos, que em todos os casos são recebidos com verdadeira gratidão.
Decidi passar uma parte de cada domingo, durante alguns meses, dirigindo
uma escola dominical e pregando para os ingleses pobres que trabalham nas
fábricas e que constituem uma classe verdadeiramente negligenciada.154
(...)

95
História Documental do Protestantismo no Brasil

Continuo ainda a dirigir uma pequena escola dominical e cultos entre os


ingleses pobres, e através deles consigo espalhar considerável material de leitu­
ra entre os nativos. Eu mesmo fiz muito desse tipo de trabalho, mas o meu
suprimento de livros e tratados esgotou-se. Tenho distribuído e vendido mui­
tos exemplares da Escritura, bem como recebido pedidos que, por falta, não
posso atender.155

Sociedades adenominacionais da juventude cristã


A mais conhecida organização da juventude cristã é a Associação Cristã de Moços,
fundada em Londres por George Williams, a 6 de junho de 1844. Em dezembro de
1851, foram fundadas sociedades semelhantes em Montreal, Canadá, e Boston, Esta­
dos Unidos da América. A primeira convenção internacional ocorreu em 1854; na
cidade de Buffalo, Nova York, e no ano seguinte foi realizada uma conferência mundi­
al em Paris, França. A chamada “Base de Paris”, em linguagem que antecipou por mais
de um século a “base” do Conselho Mundial de Igrejas, deixou clara a ênfase cristã da
ACM : “A A C M procura reunir os jovens que, encarando Jesus Cristo como seu Deus
e Senhor de acordo com a Sagrada Escritura, desejam ser seus discípulos na sua dou­
trina e vida, e unir seus esforços para a extensão do Seu Reino entre os jovens”. A
A CM iniciou sua atividade missionária intencional após a longa viagem de reconheci­
mento feita por Luther D. Wisehard (1889-1892), que o convenceu da necessidade
de um atendimento especial à juventude da Ásia e América Latina. Logo foram envi­
ados secretários da A CM para os principais países da Ásia e para o Brasil, Argentina e
M éxico.156 Para o Brasil, foi enviado Myron Augusto Clark (1866-1920), em 1891;
que fundou a primeira ACM no Brasil, a do Rio de janeiro, a 4 de julho de 1893.
Posteriormente, fundou sociedades em Porto Alegre (novembro, 1901) e São Paulo (3
de janeiro, 1903).157 Em l915, Clark transferiu-se para Portugal para organizar a
A CM na Universidade de Coimbra, de onde acompanhou tropas portuguesas à Fran­
ça, na Primeira Guerra Mundial, tendo sido posteriormente condecorado pelo gover­
no português com as insígnias de Cavaleiro da Ordem de Cristo.158
Uma outra organização da mocidade cristã teve sua origem na Igreja Congregacional
de Portland, Maine, (EUA), em 1881, sendo seu fundador o pastor da igreja, Francis
E. Clark. Sua expansão rápida é perceptível pela organização da união nacional já em
1885 e da União Mundial do Esforço Cristão em 1895. A Sociedade floresceu no
Brasil. Em 1903, contava com 21 sociedades locais, organizadas numa união nacio-

96

à
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

nal, e publicava um jornal, O Esforço Cristão.159 Os documentos a seguir ilustram essas


missões à juventude brasileira.

DOCUM ENTO: Associação Cristã de Moços no Rio


... a esperança de qualquer nação está na sua mocidade. Os futuros legisla­
dores, estadistas e governadores são os jovens de hoje, e somente quando estes
são moralizados pelo Evangelho pode resultar a felicidade da nação. Segundo:
que em nenhuma outra época da vida do homem são tão grandes os perigos e
tão ferozes as tentações como durante a sua juventude.
(...)
... hoje as Associações Cristãs de Moços são encontradas em toda parte do
mundo, constituindo uma enorme comunidade com 6 mil filiais, e mais de
500 mil associados.
Durante muitos anos houve da parte dos moços evangélicos do Rio de Ja­
neiro um desejo de se arregimentarem todos num grêmio com o fim de se
estimularem mutuamente, e de chamarem os companheiros ao conhecimento
do Evangelho. Por muitos motivos (...) malograram várias tentativas neste
sentido. Em [4 de julho de] 1893, porém, contando maior número de elemen­
tos, com a experiência do passado, e a de alguns que conheceram as associações
da Europa e da América do Norte, foi definitivamente organizada a Associação
Cristã de Moços do Rio de Janeiro.
Por quase cinco anos a Associação foi domiciliada em salas alugadas à rua da
Assembléia n° 96, onde foram realizados importantes trabalhos. Por meio das
reuniões e das comissões da Associação, moços crentes e membros das igrejas
evangélicas adquiriram experiência em trabalho cristão, tornando-se assim
melhores trabalhadores nas suas respectivas igrejas. E alguns que não conheci­
am o Evangelho foram atraídos e convertidos ao Senhor .
Com o crescimento da Associação as salas ficaram acanhadas, e foi preciso
cogitar algum meio de adquirir melhor sede. Devido à generosidade de dois
consócios, que facilitaram os meios, foi comprado um edifício em construção à
rua da Quitanda n° 39, onde foram feitas as obras necessárias para adaptar o
prédio aos trabalhos da Associação, e em 31 de dezembro de 1897 foi ocupado
pela primeira vez o edifício cuja estampa acompanha este artigo.
O trabalho é realizado por meio de diversas comissões de sócios, que pro­
movem as reuniões. A Comissão de Religião organiza as conferências evangéli­
cas, efetuadas no grande salão do edifício aos domingos à tarde, onde se reúne
uma congregação de cerca de sessenta ou oitenta moços para ouvir o Evange­
lho, pregado pelos pastores e missionários a convite da Comissão.

97
História Documental do Protestantismo no Brasil

A mesma Comissão organiza as reuniões semanais de oração e estudos bíbli­


cos para moços. A Comissão de Convites emprega cartões e outros meios para
convidar os moços a freqüentar estas reuniões.
A Comissão de Instrução toma conta das aulas noturnas para os sócios, que
se realizam numa sala apropriada no edifício. Essas aulas constituem um curso
comercial, adequado às necessidades de empregados do comércio, como por
exemplo, Aritmética, Português, Francês, Inglês, Escrituração Mercantil etc. A
mesma Comissão promove séries de conferências científicas, médicas, filosófi­
cas e higiênicas, que de vez em quando são realizadas no salão grande.
A Comissão de Leitura trata da Biblioteca (que consta atualmente de cerca
de mil volumes), e do Gabinete de Leitura, sobre cujas mesas são expostos os
jornais evangélicos do país, revistas ilustradas do estrangeiro, boletins das asso­
ciações e outros jornais de diversas categorias.
A Comissão de Divertimentos promove todas as diversões da Associação:
tem uma sala com diversas mesas de jogos lícitos e inocentes, onde seus amigos
podem passar as horas de folga em jogos ou em palestras. No mesmo salão há
dois ou três simples aparelhos de exercícios ginásticos. Esta Comissão promove
os concertos, as festas, as sessões de Lanterna Mágica —e outros entretenimen­
tos, realizados nos salões, e bem assim os passeios ou excursões sociais a diver­
sos arrabaldes pitorescos da cidade.
(...) Ela [ACM] pertence à mocidade evangélica, e conta com todas as con­
gregações e igrejas evangélicas. Ela pede as simpatias, a cooperação e as orações
de todos os leitores deste novo campeão do Evangelho, ao qual agradece a boa
vontade e os bons desejos expressos no benévolo convite para ocupar este lugar
de honra com estas toscas e despretenciosas linhas.160

DOCUM ENTO: União Mundial do Esforço Cristão —“Convenção Paulista"


Na vida do protestantismo evangélico no Brasil, a primeira convenção paulista
do Esforço Cristão, reunida em 5, 6 e 7 de setembro último, nesta Capital, foi
um verdadeiro acontecimento. Em época de tão grandes dificuldades inter­
nas,1'’1 foi esta convenção indubitavelmente, um sopro da graça de Deus sobre
os seus filhos que trabalham nesta grande seara do Estado de São Paulo. Nesta
importante assembléia, 36 delegados representaram onze sociedades, três de­
nominações evangélicas1® e sete cidades, isto é, a representação atingiu o do­
bro da primeira convenção nacional em 25 de novembro do ano passado. Foi
uma convenção verdadeiramente espiritual, predominando, em todas as suas
sessões, de uma maneira visível, o espírito de oração.

98
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Representaram-se as seguintes sociedades: Santos, São Paulo, Jundiaí, Campi­


nas, Jaú, Sorocaba, Lençóis.
De O Esforço Cristão163

OS M ETO D ISTA S

A missão de 1835 a 1841

Introdução
O metodismo, como movimento, tem sua origem em John Wesley (1703-1791)
ministro da Igreja da Inglaterra. A partir de 1739, Wesley organizou pequenos grupos
de pessoas que buscavam uma fé mais existencial e atuante, segundo a estratégia pietista
de eccsesiolae in ecclesia. Encorajado por George Whitefield (1714-1770), Wesley in­
troduziu no seu movimento a pregação ao ar livre (1739) e, poucos anos depois, a
pregação leiga. Apesar dessas inovações, que causavam estranheza às autoridades
anglicanas, Wesley não rompeu com a Igreja da Inglaterra, permanecendo nela até a
morte. O metodismo contribuiu grandemente para a renovação espiritual da Igreja da
Inglaterra, bem como para a reforma dos costumes do povo inglês e a reforma social
da nação.
Adeptos do metodismo emigraram para as “Treze Colônias” na América do Norte,
resultando sua pregação na propagação espontânea do movimento, nas colônias de
Nova York e Maryland na década de 1760. Atendendo apelo dos núcleos metodistas
criados, Wesley enviou pregadores (todos eles leigos) como missionários; apesar das
dificuldades causadas pela Revolução (1775-1783),164 houve expansão metodista nes­
ses anos. A situação peculiar dos metodistas, de não serem uma Igreja e, portanto, de
dependerem do clero anglicano para os sacramentos, pesou fortemente na decisão de
Wesley de organizar os metodistas norte-americanos em Igreja —pois a maioria do
clero anglicano abandonara as colônias durante a Revolução. Por isso, Wesley desta­
cou Thomas Coke (1747-1814) e mais dois pregadores, que o próprio Wesley ordena­
ra, para organizar, entre os aproximadamente 15 mil metodistas norte-americanos, a
Igreja M etodista Episcopal.
O que caracteriza o metodismo não é, portanto, nem sua doutrina e nem sua
forma de culto. John Wesley nunca repudiou sua herança a esse respeito. Ele dotou o

99
V

História Documental do Protestantismo no Brasil

metodismo norte-americano de urna liturgia basicamente anglicana (na verdade, ape­


nas uma simplificação do Livro de Oração Comum), uma declaração de fé, os Artigos
de Religião, que não passam de uma simplificação dos tradicionais Trinta e Nove
Artigos (Wesley expurgou os elementos calvinistas, pois era arminiano, como tem
sido o metodismo wesleyano). O que caracteriza o metodismo é a sua política eclesi­
ástica, seu ministério (tanto itinerante quanto laico), sua ênfase sobre a experiência
pessoal da fé e a conseqüente santificação, seu padrão moral (As “Regras Gerais”) etc.
Quando a Igreja Metodista Episcopal (IME) organizou-se, emBaltimore, Maryland,
em 1784, o superintendente (bispo) Francis Asbury enviou três dos seus 81 pregado­
res para a missão fora dos Estados Unidos. Só em 1820, a IM E oficializou sua socieda­
de missionária, que enviou o primeiro missionário para o além-mar.165 Entretanto, a
libertação da América do Sul abrira o Continente para a atividade missionária protes­
tante. Metodistas que negociavam na América do Sul encorajaram o início da obra
missionária; as sociedades bíblicas semeavam ativamente as Escrituras; a missão Parvin-
Brigham provou a viabilidade da missão protestante no Continente. A Conferência
Geral de 1828 recomendou uma pesquisa sobre a viabilidade de uma missão metodista
na América do Sul; contudo, nada disso resultou de concreto.166 Em 1832, repetiu-se
quase a mesma recomendação,167 sendo que três anos depois o bispo James Osgood
Andrew comissionou o jovem pregador Fountain E. Pitts para fazer uma viagem de
reconhecimento às mais importantes cidades da costa ocidental (Rio de Janeiro, M on­
tevidéu, Buenos Aires). Pitts efetivamente fez a viagem, chegando a organizar peque­
nos grupos metodistas no Rio de Janeiro e Buenos Aires. Em resposta à sua recomen­
dação, estabeleceu-se a primeira missão metodista no Brasil, que durou de 1836 a
1841.

(^36^) DOCUM ENTO: Carta de Fountain E. Pitts recomendando o estabelecimento


de uma missão metodista no Brasil
Prezado irmão
(Secretário-correspondente da sociedade missionária da IME)
Estou nesta cidade [Rio de Janeiro] há duas semanas, e lamento que minha
permanência seja necessariamente breve. Creio que uma porta oportuna para a
pregação do Evangelho está aberta168 neste vasto Império. Os privilégios religi­
osos permitidos pelo governo do Brasil são muito mais tolerantes do que eu
esperava achar em um país católico...
Já realizei diversas reuniões e preguei oito vezes em diferentes residências

100

A
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

onde fui respeitosamente convidado e bondosamente recebido pelo bom povo.


Graças a Deus, tenho razão para crer que o bom Espírito tem estado conosco
nesta antiga fortaleza de Satanás. Diversas pessoas parecem preocupadas com
suas almas —e formei uma pequena classe dos que desejam fugir da ira vindou­
ra —e ser remidas dos seus pecados.IGS Nosso pequeno grupo de metodistas
precisará muito de um cristão experimentado para conduzi-lo; no entanto, eles
estão decididos a se unirem e a se ajudarem mutuamente no desenvolvimento
da salvação de suas almas. Que o céu permita que eles sejam as primícias de
uma safra gloriosa. Eu lhes forneci alguns hinários e disciplinas [metodistas] é
estou encomendando um pedido, por este navio, de um pequeno sortimento
de livros para este lugar.
Um dos nossos membros, a única professora de uma escola inglesa flores­
cente, terá grande prazer em distribuí-los por todo o Rio. Não existe proibição
da imprensa, e nem da livre circulação de quaisquer livros, quer literários, quer
religiosos, e os impostos alfandegários são insignificantes. Há muitos, tanto
americanos como ingleses, que parecem ávidos de terem um pregador metodista
entre eles. E meus inteligentes amigos me informam que muitos dos portugue­
ses estão investigando a verdade da religião experimental,170 e estão desejosos
de ler a Bíblia por si próprios. A população alemã, com a assistência do cônsul
prussiano [WilhelmTheremin?] se esforça para conseguir um ministro da Igreja
Luterana, que lhes pregue em seu próprio idioma. Entendo também que espe­
ram para breve um pregador da Sociedade Americana de Amigos dos Mari­
nheiros...171 Há uma grande procura de Bíblias em português aqui (...)
Porque esse governo avança tão rapidamente no comércio e nas artes, por­
que é o mais liberal de todos os países católicos do mundo na tolerância religi­
osa e porque abarca diversos portos populosos, tais como São Salvador, Rio
Grande e Rio de Janeiro, esta última a maior cidade da América do Sul, sou da
opinião que ele apresenta um campo perante os servos do Senhor Jesus Cristo
que pode ser corretamente descrito como “pronto para a ceifa”.
O missionário a ser enviado para cá deve vir imediatamente e iniciar o estu­
do do idioma português sem demora... Deve ser enviado para este lugar um
homem de vivo zelo, da paciência de Jó, e de verdadeira filosofia cristã. Um
pregador que coloque todos os seus cuidados no Senhor Jesus, e que pregue
com o “Espírito Santo mandado do céu” é o que querem aqui. Mas um mala­
barista metafísico, com uma compreensão artificial da santidade do coração,
será tão inócuo como um frio raio de lua sobre uma montanha de gelo. Já
comprei passagem no La Plata, e viajarei amanhã [para Buenos Aires].172

101
História Documental do Protestantismo 110 Brasil

Justin Spaulding, primeiro missionário metodista no Brasil


Partindo de Nova York, Justin Spaulding e sua família chegaram ao Rio de Janeiro
em 29 de abril de 1836, após uma viagem de 37 dias. Começando com o pequeno
grupo reunido por Pitts, Spaulding organizou uma pequena escola dominical, a pri­
meira no Brasil, e projetou uma escola diária, antes de completar um mês de perma­
nência no Brasil.173 Três meses após sua chegada fez um relatório pormenorizado,
cujo excerto segue abaixo.

^37^) DOCUM ENTO: Carta-relatório de Justin Spaulding sobre os primórdios do


trabalho metodista
Imediatamente após a minha chegada, iniciei cultos públicos na minha resi­
dência. A assistência logo aumentou de trinta para quarenta, e assim fomos
obrigados a procurar um lugar maior e mais conveniente. O salão que aluga­
mos acomoda 150 a duzentas pessoas, e nos domingos à noite fica repleto...
Agora temos uma reunião de oração semanal além da reunião de oração
missionária mensal. Poucos, porém, assistem a elas. Fora nossa família, há ape­
nas dois jovens que participam ativamente...
Conseguimos organizar uma escola dominical, denominada Escola Domi­
nical Missionária Sul-Americana, auxiliar da União das Escolas Dominicais da
Igreja Metodista Episcopal... Mais de quarenta crianças e jovens se tornaram
interessados nela... Vieram, voluntariamente, com seus vinténs, a fim de con­
tribuir para o mesmo objetivo [isto é, compra de livros para a escola dominical,
pois nessa época inexistiam revistas], e continuam até agora. A importância
arrecadada soma 10 ou 12 mil réis (quase oito dólares)... Está dividida em oito
classes com quatro professores e quatro professoras. Nós nos reunimos às 16:30
aos domingos. Temos duas classes de pretos, uma fala inglês, a outra português.
Atualmente, parecem muito interessados e ansiosos por aprender...
Qual será o resultado final da escravidão e quando ela terminará neste país,
é impossível dizer. Muito embora o tráfico de escravos seja contra a lei da na­
ção, mesmo assim estou informado de que nunca foi explorado em tão grande
escala como agora. Navios continuamente se preparam e zarpam deste porto
com destino às margens sangrentas da infeliz África, nesse negócio de pirata.
Os magistrados, solenemente juramentados a fazer cumprir as leis,
freqüentemente fecham os olhos e recebem subornos. Ninguém ousa cumprir
as leis, e ninguém poderia se quisesse, tão fraco é o princípio moral neste gover­
no. Tudo o que podemos fazer é usar diligente e mui discretamente os meios,
observar os sinais dos tempos, e entrar por toda a porta aberta pela Providência,
para prestar-lhes serviço...

102
Implantação do protestantismo no Brasil: 180S-1889

Sob a recomendação e pedido de alguns dos meus amigos aqui, abri uma
escola diária... Geralmente, crê-se que o estabelecimento de escolas de aprendi­
zagem sobre princípios largos e liberais será um dos meios mais diretos de aces­
so ao povo deste país. Há muitos que valorizam o aprendizado e, porque não
podem educar os filhos aqui, mandam-nos a outros países. Se pudéssemos pres-
tar-lhes esse serviço, creio que, com a bênção de Deus, talvez poderíamos nos
aproximar deles para prestar-lhes um serviço maior, sim o maior dos serviços, o
de encaminhá-los ao “cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”.
(- )
Por que não se cultivam aqui as artes e ciências como na Inglaterra e na
América do Norte? O opróbrio cai principalmente sobre eles [o clero romano],
... E quase certo que, se tivesse feito o que sempre esteve dentro das suas
possibilidades realizar, o caráter deste povo, de todos os modos, teria sido mui­
to mais elevado...
Não pude acreditar, antes de estar entre eles, quão flagrantemente imorais
são as suas vidas; mas sou forçado a crer, pois é impossível descrer do que todo
o mundo diz ser verdade e que ninguém nega... Embora façam voto de um
celibato eterno, e embora sejam santos demais para entrar legalmente para o
santo estado do matrimônio, mesmo assim muitos deles têm grandes famílias
de filhos, e não se envergonham disso! Pode-se avaliar até que ponto são leva­
das essas vis abominações, do fato que um projeto foi apresentado ao parla­
mento, durante a presente sessão, visando acabar com o celibato. E um dos
mais importantes argumentos ou razões apresentadas em abono da medida foi
a necessidade de redimir e salvar a conduta moral do clero e do povo...
Um outro projeto da maior importância foi apresentado, a saber, romper
toda a conexão com o papa de Roma. (...) Não é nada provável que qualquer
deles seja aprovado nesta sessão...174

Encerramento da primeira tentativa missionária metodista (1841)


A “Missão Spaulding” durou apenas seis anos, e um quarto de século se passou
antes do reinicio da obra. Nesse intervalo houve cisão na Igreja M etodista e ainda uma
sangrenta guerra civil (1861-1865), que alguns historiadores citam, inexplicavelmente,
como causas do fechamento da missão, o que é absurdo. As principais causas reais
foram bem outras como os documentos abaixo deixam claro: 1) falta de pessoal mis­
sionário; 2) dificuldade de acesso direto ao povo brasileiro devido a superstições e
limitação da liberdade religiosa; e 3) arrocho financeiro provocado pela depressão
econômica nos Estados Unidos, o chamado “Pânico de 37”.

103
w

História Documental do Protestantismo no Brasil

(fJÍT) DOCUM ENTO: Dificuldadesfinanceiras prenunciam ofechamento da mis­


são
Que foi feito em mais ou menos doze meses que tivemos para sanar a dívida
de $ 40.000 [da sociedade missionária] e ajeitar as coisas para operações futu­
ras? O que? Pois temos aumentado a dívida em mais 10 mil, e agora devemos
50 [mil] ao invés de 40. Que faremos? Os missionários serão retirados da Amé­
rica do Sul. Isso, como entendo, é certo (...) O que representa a retirada dos
missionários senão o abandono de almas à morte e ao Diabo? Estranha
infanticida, que a Igreja de Cristo matasse seus filhos.175

DOCUM ENTO: Missões sul-americanas


...O Rev. sr. Spaulding está sozinho no Rio [de] Janeiro, tendo o irmão
Kidder voltado para os Estados Unidos trazendo consigo seus dois filhos me­
nores [o casal Robert e Marcella M ’Murdy tinham voltado antes]. O estado
instável do país, a religião estabelecida da América do Sul, e a natureza peculiar
das superstições por todo o Continente são todos obstáculos formidáveis à obra
missionária. De fato, em todos os lugares [Rio, Montevidéu, Buenos Aires]
pouco mais foi feito que instruir os filhos dos residentes ingleses e americanos,
e pregar a seus pais; pouquíssimos nativos do país estando acessíveis. Nossos
missionários conseguiram, porém, circular Bíblias e Testamentos em portugu­
ês e (...) tratados... Como um todo porém, lamentamos dizer que nossos labo­
res até agora na América do Sul vêm sendo menos produtivos do bem visível do
que esperávamos...176
(...)
A Sociedade lamenta informar que a Missão Sul-Americana foi abandona­
da. Embora o estado da tesouraria não justificasse a continuação de uma mis­
são que só oferecia promessa bem remota da consumação do objetivo para o
qual fora estabelecida - a iluminação do povo entenebrecido e pior que pagão
(se isso é possível) - não há nenhuma evidência contudo, de que dinheiro e
labor empregados na missão foram inúteis.177

Trabalho metodista permanente


Introdução
Os anos que se seguiram à decisão de encerrar a missão metodista no Brasil (1841)
presenciaram uma intensificação do conflito dentro da Igreja M etodista no tocante à
escravidão. Crescia no Norte o sentimento antiescravista, alguns setores abraçando o
abolicionismo, baseados na premissa de que ser dono de escravos era, por si só, peca­
do. A Conferência Geral de 1844, por se recusar a aceitar James Osgood Andrew

104
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

como bispo, por ter o mesmo se tornado dono de escravos por herança, iniciou o
processo da cisão formal da Igreja. Os metodistas do Norte simplesmente não tolera­
vam um bispo que possuísse escravos. Em 1846, foi assim criada a Igreja Metodista
Episcopal do Sul (IMES), que aceitou Andrew como bispo e ainda elegeu bispo William
Capers, um outro ministro sulista dono de escravos.
A criação da Convenção Batista do Sul, no ano anterior, também se ligara à ques­
tão da escravidão. Estadistas como John C. Calhoun viam na separação destas grandes
denominações o prenúncio da divisão da própria nação, o que efetivamente ocorreu
com a secessão dos estados sulistas em 1861 a partir de Carolina do Sul, o que provo­
cou a guerra civil (1861-1865). Esta guerra custou mais vidas norte-americanas que
qualquer outra luta na história da nação. Uma declaração do presidente Abraão Lincoln
é muito reveladora: Ele cumprimentou os metodistas por terem enviado “mais solda­
dos ao campo da batalha, mais enfermeiras aos hospitais e mais orações aos céus” 178
que qualquer outra Igreja. Naturalmente, o presidente Lincoln se referia aos metodistas
do Norte; mas deve ser lembrado que, dos soldados sulistas, uma significativa porcen­
tagem também era metodista.
A superioridade demográfica e industrial do Norte, aliada ao idealismo gerado
pela convicção de que lutava pela libertação dos escravos,179 resultou na sua vitória
sobre o Sul, na reintegração dos estados sulistas à União e no fim da escravidão. Além
da terrível mortandade, a guerra trouxe derrota ao Sul, prejuízo à sua agricultura e
ocupação dos seus territórios, como inimigo vencido na guerra. Esta ocupação no
período de “Reconstrução” incluiu, em muitos casos, a “ocupação” de igrejas sulistas e
sua entrega a pastores do Norte. Derrotados pelo Exército dos Estados Unidos e arru­
inados financeiramente, muitos sulistas procuravam recomeçar sua vida em outras
partes, onde ainda fosse legal possuir escravos. A América do Sul e Central, eram
fortes atrativos. Com o aconteceu com os presbiterianos do Sul e com os batistas, a
Igreja Metodista Episcopal do Sul (IM ES) surgiu no Brasil com os sulistas que imigra-
ram para Santa Bárbara do Oeste, São Paulo. Seu fundador e principal obreiro foi
Junius Eastham Newman, que chegou ao Brasil em agosto de 1867, organizando sua
primeira congregação em Saltinho quatro anos depois. O próprio Newman percebeu
a limitação da sua obra, e entendendo que era a legítima missão do metodismo atingir
toda a população brasileira, apelou repetidamente à IM ES, pedindo o envio de missi­
onários. Finalmente, em resposta a tais apelos veementes, a Igreja enviou seu primeiro
missionário oficial, John James Ransom (1876), que organizou sua primeira Igreja,

105
História Documental do Protestantismo no Brasil

no Rio de Janeiro, em 1878. Com o envio de outros obreiros e a conseqüente expan­


são da obra, a questão da legalização das propriedades metodistas no Brasil tornou-se
séria. A IM E S autorizou o bispo John C. Granbery a organizar a obra brasileira numa
Conferência Anual, que visava atender à questão acima referida, e dar estabilidade e
forma à Igreja Metodista no Brasil. Contrária ao padrão comum da obra missionária
oriunda da América do Norte, a “missão”, como órgão administrativo do trabalho no
país, durou pouco, sendo substituída pela “Conferência”, uma organização que abrangia
os esforços “nativos” e “missionários”.
Até a autonomia (1930), a Conferência Anual Brasileira, bem como as outras duas
posteriormente estabelecidas, eram parte integrante da IM ES, sediada nos Estados
Unidos.
N a década de 1880, a Igreja Metodista Episcopal (IM E), popularmente conhecida
como a Igreja Metodista do Norte, também estabeleceu trabalho missionário no Bra­
sil. Nesse período o Rev. William Taylor180 organizou missões metodistas no norte e
nordeste do Brasil, como parte de uma obra que abrangeu toda a costa norte e oeste do
Continente. No Brasil, o mais conhecido obreiro desta missão foi Justus Nelson. Tam­
bém em 1885, foi instalada uma missão em Porto Alegre, extensão da obra metodista
em Montevidéu, e cujos primeiros missionários no Brasil foram João da Costa Corrêa
e Carmen Chaccon. Esta última missão foi incorporada posteriormente à missão da
IM ES. A missão do Norte, cujo centro maior foi Belém do Pará, nunca foi incorpora­
da —pelo contrário, foi organizada como parte da Conferência Anual do Leste da
América do Sul, da IME.

Junius Eastham Newman, iniciador do trabalho metodista permanente


O Rev. Junius Eastham Newman (1819-1895), pregador metodista da Conferên­
cia Anual de Mobile, IM ES, resolveu acompanhar seus compatriotas sulistas que emi­
graram para o Brasil após a guerra civil. Embora recomendado como missionário pelo
bispo William May Wightman, Newman teve que pagar sua própria passagem para o
Brasil, pois uma pesada dívida de U S$ 60.000,00 impossibilitava a Junta de Missões
de qualquer gasto adicional. Quatro anos depois de aportar ao país, Newman fundou
uma pequena Igreja M etodista em Saltinho; província de São Paulo, no 3o domingo
de agosto de 1871. O documento abaixo compõe-se de excertos de duas cartas que
Newman escreveu logo após sua chegada.

106
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

® DOCUM ENTO: Cartas que Newman escreveu aos metodistas do Sul, EUA
No dia 5 de agosto [1867] estávamos entrando no porto do Rio, enquanto
todos a bordo olhavam com espanto e deleite a paisagem suntuosamente agres­
te e majestosa de ambos os lados do canal que conduz à cidade.
(...)
A liberdade religiosa aqui, na prática, é quase tão completa como nos Esta­
dos Unidos e, legalmente, mais ou menos como na Inglaterra. A imprensa é tão
livre como nos Estados Unidos, ou mais ainda, pois não há aqui o perigo da
“lei da turba” (mob-law) como nos Estados Unidos e as provisões constitucio­
nais são tão boas como em qualquer parte do mundo —e devo acrescentar que
esta liberdade é usada livremente pelos brasileiros. O imperador recebe sua
parte de crítica, e os seus ministros também.181
Há uma classe [de imigrantes] (...) quase certa de permanecer contente e
feliz no Brasil, eu me refiro àqueles que, com seriedade e oração, consideraram
a questão da imigração e todas as suas implicações, e após consultarem com
franqueza esposas e filhos (...) concluíram que, em vista das sombrias perspec­
tivas na terra natal, era melhor emigrarem para o Brasil. Quando tais pessoas
vierem, permanecerão e agradecerão a Deus por esta linda e favorecida terra de
refúgio... Pois aqui acharão “liberdade para adorar a Deus”. O caminho “à
vida, liberdade e à busca da felicidade”182 está novamente aberto para eles.
Aqui também erguerão firmemente a bandeira do nosso cristianismo protes­
tante e cantarão os doces cânticos de Sião, como antes, na sua terra natal. E
ainda que a linda mangueira, com seus largos ramos e agradável sombra seja,
temporariamente, sua única casa de oração, mesmo assim se reunirão para ado­
rar a Deus, e os hinos de Watts e Wesley serão cantados no Brasil, como em
outras terras.
Fraternalmente vosso,
J. E. Newmanni

John James Ransom, primeiro missionário oficial da IMES


Newman organizou o “circuito da Santa Bárbara” entre sulistas que emigraram
para o Brasil depois de derrotados na guerra civil. Sob sua insistência, a IM ES enviou
John James Ransom como missionário oficial, visando o trabalho entre a população
brasileira. Ransom esteve no Brasil por dez anos (1876-1886), período em que, sob
sua direção, o metodismo tomou sua forma característica. Ransom determinou que a
sede da Missão Metodista fosse o Rio de Janeiro onde, em janeiro de 1878, ele iniciou
a pregação em inglês e português. A data da organização da primeira igreja é desco­

107

História Documental do Protestantismo 110 Brasil

nhecida, mas segundo o relato de Ransom já havia “dezenove membros, ingleses e


brasileiros” 184 no final daquele ano. No segundo domingo de novembro de 1878,
Ransom recebeu o ex-sacerdote católico romano Antônio Teixeira d’Albuquerque,185
sem rebatizá-lo. Ransom lutou pela fundação do primeiro educandário metodista (em
Piracicaba, São Paulo, setembro de 1881). Desde sua chegada ao Brasil, interessou-se
pela tradução de obras metodistas para o português. Uma das mais significativas des­
sas obras, embora pouco conhecida, é o Compêndio da Igreja Metodista Episcopal, pu­
blicado em 1878. O documento abaixo é parte do prefácio, no qual Ransom explica a
natureza e a utilidade do Compêndio.

d D DOCUM ENTO: Prefácio do Compêndio Metodista


Algumas palavras a respeito desta coleção de orações, que é quase uma sim­
ples revisão do Livro de Oração Comum da Igreja Anglicana. Não queremos
ensinar que os homens têm obrigação de usar destas formas. Junto com esta
coleção no inglês, publicou-se a autorização da Igreja Metodista Episcopal do
Sul, e a última parte do Prefácio oficial reza: “O Culto Dominical ( The Sunday
Service, em inglês, que foi preparado pelo próprio Wesley para os Metodistas
Norte-Americanos, em 1784) reimprime-se para qualquer congregação que
queira usá-lo mas não é obrigatório, como as fórmulas da Ordenação, dos Sa­
cramentos, do Casamento e dos Enterros (que no princípio foram encaderna­
das junto com ele)”. No entanto, nos parece que no estado atual da causa evan­
gélica, no Brasil, há um vácuo que este livro vem preencher.
Em muitos lugares têm-se espalhado numerosos exemplares das Escrituras
Sagradas, e há muitos que desejam um culto simples, racional, puro, e agradá­
vel a Deus. Há lugares não visitados por pregador algum, e onde, contudo, há
quem deseje um culto dominical em língua inteligível. A todos esses fazemos a
seguinte PROPOSTA:
Onde houver em qualquer cidade, vila, aldeia ou vizinhança, dez pessoas
que se comprometam a se reunir em um lugar conveniente, de manhã, ou de
manhã e de tarde, nos domingos, obtenham este livro, e uma delas faça as vezes
de ministro, dizendo no competente lugar as partes que lhe pertencem e as
outras dando as respostas, e juntamente com a primeira, fazendo as confissões
gerais etc.
(...)
Em todos os lugares onde fizerem uso deste livro, peço que me escrevam
sobre o fato, e farei esforços para ajudar-lhes a compreender não só a letra, mas
também o espírito do culto divino.

108
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Na Igreja Metodista (...) reconhecemos como verdadeiro o Batismo feito


em nome da Santa Trindade, assim como seja o da Igreja Romana, ou de qual­
quer organização protestante, mas no caso de romanista querer ser batizado de
novo, o batizaremos.I8fi
Cremos na salvação de todos os que morrem crianças, e não batizamos as
crianças para assegurar-lhes a salvação.187

Martha Hite Watts e o Colégio Piracicabano, primeiro educandário metodista


Marta Watts (ou Mattie, como era conhecida no seu país de origem) foi missionária
da Junta Missionária Feminina da IM ES, empenhada no trabalho com mulheres e
crianças. Assim, ela fundou em Piracicaba, a 13 de setembro de 1881, uma pequena
escola para a educação das jovens brasileiras. Mais tarde, o Colégio viria a admitir
também rapazes e, em 1975, a obra se completou com a fundação da Universidade
Metodista de Piracicaba (U NIM EP), a primeira universidade da denominação no
Brasil.

( 4 2 ) DOCUM ENTO: O p rimeiro aniversário do Colégio Piracicabano


Hoje é o aniversário da escola feminina deste lugar, sob a direção de miss
[Marta] Watts e miss [Mary] Newman —aberta no ano passado com uma aluna
[Mary Escobar], número que não aumentou durante o primeiro trimestre. Era
quase ridículo ver quatro professores reunindo-se diariamente com uma única
aluna, o que despertou a curiosidade dos brasileiros para perguntar o que “aqueles
americanos” faziam, e freqüentemente nos indagar se estávamos desanimados.
Respondíamos que NÃO... Hoje a escola conta com trinta alunas. A necessida­
de premente é de um prédio grande e adequado. Esperamos que o prédio do
Colégio logo esteja pronto para ser ocupado.’88

( 43) DOCUM ENTO: O progresso do Colégio


Prezada Senhora Butler
Julgamos necessário realizar um outro exame público no fim de dezembro,
esperando assim despertar mais o interesse do povo na educação das suas filhas.
Em 23 de novembro, mudamos para uma casa maior e nosso exame seguiu-se
logo... A Gazeta de Piracicaba fez uma brilhante reportagem do exame... “O
benefício do ensino proporcionado por aquela instituição é real; todos os pais
devem se convencer desta verdade e as suas filhas devem ser encaminhadas para
receber uma educação sólida, baseada em princípios seguros, de acordo com o
progresso dos tempos... Além de uma paciência invejável, miss Watts possui

109
História Documental do Protestantismo no Brasil

um método que pode ser considerado original... Não exageramos quando dize­
mos que o estabelecimento, debaixo de sua direção, é o primeiro na província
de São Paulo; e esperamos vê-lo procurado por aqueles pais que desejam dar às
suas filhas uma verdadeira educação - aquela que vai além do eterno e univer­
sal ‘decorar, decorar, decorar’. [Após dois dias de exames públicos, houve o
encerramento, à noite.]... As ginásticas, ensinadas por miss Watts, foram todas
executadas com admirável uniformidade, e nós aconselhamos os nossos leito­
res a aproveitarem a primeira ocasião que tiverem para testemunhar os exercí­
cios tão úteis à educação física.” 189

A alforria da escrava Flora Maria Blumer de Toledo


D os Sulistas que fixaram residência no Brasil após o fim da Guerra Civil, mui­
tos tinham sido donos de escravos na sua terra de origem. Sem dúvida, o fato de que
as leis brasileiras permitiam a escravidão na época fora fator na sua escolha do Brasil
como seu novo lar. Mas nem todos eles concordavam. Prova disso é o fato que a
educadora M arta Watts, pouco mais de dois meses depois da fundação do Colégio
Piracicabano, comprou Flora para poder dar-lhe liberdade e empregá-la no educandário
para meninas como cosinheira. E significativo que Prudente de Moraes, amigo do
Colégio e da sua Diretora, fora o procurador desta transação. Flora não só trabalharia
nesse colégio até a época da sua morte em 1883, como seria recebida pelo Pastor-
fundador e arrolada sob o número 14 do Registro Permanente da Igreja.

Ç 44]) DOCUM ENTO: “Carta da liberdade da preta Flora”.


Pela presente concedemos liberdade a nossa escrava Flora, preta, solteira, de
serviços domésticos, matriculada com a idade de quarenta e um anos, na
Collectoria de Capivary, com os números oitocentos e vinte e três da matrícula
geral e quinze da relação, e averbada na Collectoria desta cidade em vinte de
Abril de mil oitocentos e setenta e cinco, o que fazemos mediante a indeniza-
. ção de quatrocentos mil reis, dos quais já recebemos trezentos e quarenta mil
reis, ficando a nos dever sessenta mil reis, que pagará em dinheiro ou em servi­
ços. Para servir a título passamos a presente carta. Piracicaba, vinte e cinco de
Novembro de mil oitocentos e um. P.P. de Pedro Blumer —com poderes espe­
ciais - Prudente José dé Moraes Barros - Maria Isabel Blumer —Nada mais em
dita carta que à pedido aqui fielmente registrei, conferi e entrego o original ao
representante que é o primeiro signatário do mesmo e dou fé. Piracicaba, vinte
e cinco de Novembro de mil oitocentos e oitenta e um. Eu Joaquim Borges da
Cunha, tabelião interino que escrevi e assino. Joaquim Borges da Cunha.
Conferida... [nome ilegível] Borges.190
110
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Organização da primeira conferência anual da Igreja Metodista (1886)


N a política eclesiástica do metodismo, a peça central da estrutura é a conferência
anual (ou, na nomenclatura atual, “concilio regional”). A conferência admite candida­
tos ao ministério itinerante e a ela cada itinerante se reporta. Para completar a organi­
zação do metodismo brasileiro e criar um órgão que servisse como depositário das
propriedades metodistas no Brasil, a Conferência Geral da IM ES autorizou a trans­
formação da Missão Brasileira em conferência anual. O bispo John C. Granbery foi
enviado para visitar o campo missionário e organizar a Conferência. D os poucos mis­
sionários metodistas atuantes no Brasil, um (J. W. Koger) morrera da febre amarela e
um outro (J. J. Ransom), fora enviado de volta para os Estados Unidos pelo próprio
bispo Granbery. Apesar de terem ficado apenas três presbíteros, o bispo Granbery
constituiu a conferência anual, tida como a menor já estabelecida na história do
metodismo mundial. Contrariando o que aconteceu com os presbiterianos dois anos
depois, os missionários metodistas foram incorporados à conferência anual, e a mis­
são, como organização separada, foi dissolvida.

( 4 5 ) DOCUM ENTO: A organização da conferência anual brasileira


Hoje (dia 15 de setembro [1886]) nossos três missionários190 se reuniram na
capela [da Igreja Metodista do Catete, Rio de Janeiro] para que a missão pu­
desse ser constituída em conferência anual. Este passo foi tomado para com­
pletar o plano de incorporação legal da organização, para ela poder obter o
direito de ter propriedades. Os detalhes serão submetidos à Junta de Missões
quando eu retornar. O Advance, no qual espero retomar, já está no cais. Por
termos realizado recentemente a reunião anual da missão e por sermos um
“pequeno rebanho”, a sessão foi breve; mas sentimos que Deus estava conosco,
e olhamos para frente com fé e esperança.
Acolhei, irmãos, esta estrela solitária do Hemisfério Sul.191

A Associação da Igreja Metodista


Um problema que as igrejas protestantes em geral enfrentaram foi o direito de
terem propriedades em seu próprio nome. O bispo John C. Granbery havia fundado
a conferência anual, principalmente por esse motivo. N o entanto, o metodismo, ao
contrário de outras denominações, teve dificuldade para conseguir a oficialização dos
seus “estatutos” pelo governo. N a realidade, isso só ocorreu depois da instalação da
República.

111
História Documental do Protestantismo no Brasil

Ç46^ DOCUM ENTO: Aprovação da Associação da Igreja Metodista pelo governo


O marechal Manuel Deodoro da Fonseca, chefe do governo provisório cons­
tituído pelo Exército e Armada, em nome da nação, atendendo ao que reque­
reram os membros da Associação da Igreja Metodista Episcopal do Sul, no
Brasil, resolve aprovar, para os efeitos civis, os estatutos, da mesma Associação,
datados de 22 de julho último, divididos em dezesseis artigos, escritos em oito
folhas, as quais vão rubricadas pelo diretor da Segunda Diretoria da Secretaria
de Estado dos Negócios do Interior.
A Associação deverá, nos casos e para os fins designados no decreto n° 1.225
de agosto de 1894 [sic], solicitar licença especial quanto aos bens que dora em
diante adquirir e a parte dos bens que, na forma do art. 15 dos estatutos tem de
ficar empregada no Brasil, se aplicará a alguma instituição de beneficência ou
de ensino, a juízo do governo, no caso de se não organizar oportunamente a
Associação, independente do que trata o mesmo artigo.
Sala das sessões do governo provisório em um de dezembro de mil oitocen-
tos e oitenta e nove, primeiro da República.
Manuel Deodoro da Fonseca
Aristides da Silveira Lobo

Artigo I o - Os abaixo-assinados, J. B. Granbery, bispo; J. L. Kennedy, John


Tarboux, Hugh C. Tucker, James W. Wolling, Edmond A. Tilly, Michael Dickie,
John S. Matdson, John Mac P. Lander, James H. Harwell e John J. Ransom,
por seu procurador Sam D. Rambo, reúnem-se sob o título de Associação da
Igreja Metodista Episcopal do Sul no Brasil, com o fim de adquirir, possuir,
manter, administrar e usar bens de raiz e bens móveis necessários à manuten­
ção e promoção do culto de Deus onipotente em conformidade com as doutri­
nas e cerimônias da Igreja Metodista Episcopal do Sul (Methodist Episcopal
Church, South)-, como ainda manter as casas de culto e instrução, residências
dos pastores, hospitais e cemitérios, reconhecidos necessários e úteis a esta So­
ciedade.192

João da Costa Corrêa, primeiro pregador metodista brasileiro


João da Costa Corrêa, natural de Jaguarão, RS, mudou-se para o Uruguai, onde se
converteu, através da leitura da Bíblia e da pregação metodista. Tornou-se colportor
da Sociedade Bíblica Americana e, como tal, fez diversas viagens ao Brasil, distribuin­
do a Bíblia e pregando nas maiores cidades da província do Rio Grande do Sul. John
James Ransom conheceu-o na sua viagem de reconhecimento ao Rio Grande do Sul e
às repúblicas do Rio da Plata.193 Posteriormente, Corrêa se tornou ministro da IM E,

112
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

com sede em Montevidéu, de onde foi enviado para iniciar a missão metodista em
Porto Alegre. Nessa cidade, ele fundou uma congregação metodista com seis mem­
bros, em 27 de setembro de 1885; com a colaboração da professora Carmen Chaccon,
fundou também o Colégio Americano, em 19 de outubro de 1885- O trabalho
metodista no Rio Grande do Sul foi transferido para a IM ES, em 1899, como distrito
da Conferência Anual Brasileira. Em 1910, o metodismo rio-grandense foi organiza­
do em Conferência Anual (“Sul Brasileira”), sendo agora a Segunda Região Eclesiásti­
ca.

(^_47 ) DOCUM ENTO: Trabalho metodista em Porto Alegre


“Montevidéu, Uruguai, 21 de março de 1885
Sr. João C. Corrêa
Estimado irmão em Jesus Cristo,
Em vista da nomeação desta Superintendência, datada de 28 de fevereiro
p.p., designando-lhe o cargo o Circuito da província do Rio Grande do Sul e
de já terem sido preenchidos todos os requisitos preliminares necessários à sua
entrada nesse cargo, mude-se com sua família o mais breve para a cidade de
Porto Alegre, a fixar sua residência ali, formando o centro das operações da sua
obra a qual iniciará e prosseguirá avante baixo o sistema que é de prática nesta
missão.
Fraternalmente em J. Cristo,
Thomas B. Wood, Superintendente”

Ao receber esta comunicação, preparamos tudo para cumprir ordens e em


poucos dias estávamos em nosso campo de operações onde tínhamos um vasto
horizonte diante dos nossos olhos, que sorria prazenteiro anunciando um tem­
po benigno para ótima colheita. Junto conosco vinha uma jovem professora,’54
ajudante que fora desligada duma das escolas evangélicas de Montevidéu, de­
signada para tomar cargo da instrução da mocidade, que era o preliminar da
nossa obra. Em princípios de outubro do mesmo ano, abrimos ao público à
praça do General Marques um colégio misto que foi inaugurado com três alu­
nos, e o número destes chegou a oito no fim do ano que o clausuramos para
reabri-lo no mês de janeiro do ano próximo. Neste mês, abrimos as portas do
colégio com o número de doze, que foi aumentando semana após semana e
quando chegamos ao mês de maio, tínhamos número superior a cem e quando
terminou o ano letivo 187 crianças de ambos os sexos prestando exame das
matérias do programa de ensino, que além das matérias referidas, se pratica-

113
História Documental do Protestantismo no Brasil

vam os cânticos religiosos que as crianças gostavam de cantar a cada instante e


a leitura do Novo Testamento no começo dos trabalhos diários. Durante o ano,
inauguramos uma escola noturna para mulheres pobres e o número foi acresci­
do, contando uma matrícula de 84. Essa escola funciona todas as noites com
grande proveito para as alunas. E nos grato mencionar aqui, que presentemen­
te existe numa das povoações perto da Capital uma dessas alunas dirigindo
uma escola pública, havendo tido a primeira parte dos seus estudos em nossa
humilde escola, conservando ela ainda as impressões recebidas na prática dos
nossos trabalhos evangélicos.
Como essa, há muitos outros alunos que sabemos que conservam as mesmas
impressões e simpatias pela causa do Senhor adquiridas em nossas escolas.
A Escola Dominical foi inaugurada esse mesmo ano havendo todos domin­
gos um número de assistentes que oscilava entre vinte e trinta.
As reuniões para pregação do Evangelho publicamente não foi-nos possível
inaugurar este ano pela falta de local aparente, porém tínhamos reuniões priva­
das em nossa sala de visitas com a assistência da família e alguns visitantes que
convidávamos para este fim.195
Estava em nosso ânimo a idéia de estender a obra da educação em primeiro
lugar para contar logo com o apoio dos alunos e os pais dos mesmos no futuro.
Este ramo de trabalho teve um desenvolvimento surpreendente porque ti­
vemos de alugar outra casa e tomar mais quatro professores para atender solici­
tamente ao trabalho em vista da corrente sempre crescente do número de alu-

OS C O N G R EG A C IO N A IS

Introdução
A obra congregacional no Brasil, a primeira “Igreja de missão” que conseguiu lan­
çar raízes permanentes em solo brasileiro, foi iniciada pelo Dr. Robert Reid Kalley
(1809-1888) e sua esposa Sarah Poulton Kalley (1825-1907). Natural de Monte Flo­
rida, próxima de Glasgow, Escócia, os pais presbiterianos de Robert Kalley mandaram
batizá-lo na infância. Kalley diplomou-se em medicina e cirurgia em Glasgow, tendo
depois clinicado por quase oito anos na Ilha da Madeira, onde também ministrava
instrução evangélica aos seus pacientes. Chegou a organizar uma Igreja Presbiteriana
na Ilha, em 1846; a perseguição forçou-o, entretanto, a retirar-se em agosto do mesmo
ano. Em 10 de maio de 1855, o casal aportou à cidade do Rio de Janeiro, iniciando
114
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

uma obra evangélica pioneira. Três meses após sua chegada, os Kalley organizaram sua
primeira Escola Dominical. Em 11 de julho de 1858, Kalley organizou a Igreja Evan­
gélica (posteriormente denominada “Fluminense”), constituída de cinco britânicos (o
casal Kalley e três ingleses), oito portugueses (inclusive três casais também haviam
fugido da Ilha da Madeira, bem como José Pereira de Souza Louro, o primeiro crente
que Kalley havia batizado no Brasil) e ainda um brasileiro, Pedro Nolasco de Andrade,
batizado no dia da organização da igreja. Cauteloso após a perseguição na Ilha da
Madeira, Kalley trabalhava dentro dos limites estabelecidos pelas leis brasileiras, ado­
tando como modelo básico de evangelizaçao o “culto doméstico”, o qual, aliás, influiu
profundamente na forma do culto protestante brasileiro.197
Os congregacionais nunca atingiram grandeza numérica no Brasil. Entretanto,
por ser a primeira das “igrejas de missão” a se instalar permanentemente, pelas signifi­
cativas contribuições do casal no setor da hinologia e ainda pelo êxito de uma inter­
pretação mais ampla da liberdade religiosa, a igreja estabelecida pelos Kalley merece
destaque. Sua história subseqüente é contada em esboço na próxima seção sob o título
“Nosso N om e Denominacional”.

A escola dominical fundada pelos Kallej em Petrópolis (1 9 de agosto de


18 55)
Tendo chegado ao Brasil em 10 de maio de 1855, o casal Robert e Sarah Poulton
Kalley fundaram em Petrópolis a 19 de agosto do mesmo ano uma escola dominical.
O documento que segue é composto de dois pequenos comentários, não-contempo-
râneos, de pessoas que tiveram acesso aos fatos relativos à fundação da primeira escola
dominical que logrou permanência Brasil.198

DOCUM ENTO: Instalação


... a Sra. Kalley instalou, na tardinha do domingo, 19 de agosto de 1855, a
classe dominical, dando ensino aos filhos da sra. Webb [esposa do embaixador
inglês] e da sra. Carpenter. Nesse dia, leram a história de Jonas, no Velho Tes­
tamento, cantaram hinos e deram graças ao Senhor por sua bondade e por seu
grande amor.199

DOCUM ENTO: 19 de agosto de 1855


Foi no domingo, 19 de agosto de 1855, que a Sra. Kalley inaugurou a escola
dominical, para a instrução bíblica de crianças.

115
História Documental do Protestantismo no Brasil

Cinco filhos duma família inglesa foram os primeiros alunos das classes
bíblicas, que duraram muitos anos e produziram algum fruto bom e perma­
nente.
Dois ou três domingos depois, o serviço já estava ampliado: o Sr. Dr. Kalley
dirigia uma classe, composta de homens de cor, com os quais conversava a
respeito das Escrituras.200

Robert Kalley e a definição da liberdade religiosa ( I 859)


Quando Kalley iniciou seu trabalho no Brasil, o culto protestante era tolerado.
Mas existia base legal para a evangelização de brasileiros? Kalley iniciou sua obra com
estrangeiros: britânicos, alemães e portugueses. N o entanto, ao inaugurar sua primei­
ra igreja, ele também batizou um brasileiro e o recebeu como membro. Em meio à
oposição em diversos níveis, Kalley procurou o parecer de eminentes juristas brasilei­
ros quanto à amplitude da liberdade religiosa e da propagação do protestantismo no
país.

CsçT) DOCUMENTO
Vamos passar em revista os meios empregados pelo nosso pastor para esten­
der o conhecimento do Evangelho, antes de acompanhá-lo na sua formidável
luta em defesa da liberdade de cultos.
Os principais meios empregados, para propagar o Evangelho, pelo Dr. Kalley,
eram:
Io Publicar artigos ou obras na imprensa diária, para firmar certas doutrinas
cristãs e expor os costumes da Igreja Primitiva, que eram desconhecidos do
povo.
2° Vender e distribuir livros e folhetos, para instruir o povo no único cami­
nho seguro da Salvação.
3o Visitar casas particulares, lojas e oficinas, para conversar sobre o amor de
Deus, revelado na pessoa de Cristo Jesus, e indicar as boas dádivas que o Pai
Celeste tem para todos os que recebem a redenção adquirida pelo Sangue de
seu Filho amado.
4o Instituir a prática diária do Culto Doméstico e ter reuniões familiares
para a leitura e o estudo da Palavra e para louvar e adorar a Deus em espírito e
verdade.
5o Socorrer os enfermos e aconselhá-los a confiar em Jesus somente para o
bem eterno de suas almas.
(...)
No dia 26 de maio em Petrópolis, o subdelegado proibiu o Dr. Kalley de

116
p----------------------------

Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

exercer sua profissão de médico (...)


O governo imperial foi impelido pelo Núncio a tapar a boca ao “Inglês”.
Arranjaram uma espécie de “acusação” e dirigiram-se à Legação Britânica.
No dia Io de julho de 1859, o Sr. Hon. W[illiam] Stuart, “Chargé d’Affaires”,
naquela legação, assinou um despacho para ser enviado ao Dr. Kalley [que diz
em sua parte principal]:
E, visto que o Sr. Paranhos,201 informando que a Tolerância Religiosa garantida pela
Constituição Brasileira não é tão plena que admita a propaganda de doutrinas contrárias
à religião do Estado, me pede que vos aconselhe a retirar-vos de Petrópolis, ou a desistir
dos atos acima atribuídos a vós - fazei-me o obséquio de mandar: em primeiro lugar,
quaisquer esclarecimentos que queirais oferecer a Sua Excelência, em justificação de vos­
sa conduta; e de declarar-me se desejais evitar no futuro atentar a conversão de católicos
romanos à fé protestante, durante a vossa residência em Petrópolis. Também me será de
proveito saber até que ponto o Sr. Paranhos está corretamente informado sobre as alegadas
expulsões da Trindade e Madeira (traduzido).
O Dr. Kalley tratou logo de tomar duas medidas importantes:
I a Submeter-se ao competente “exame de habilitação”, perante a Escola de
Medicina, no Rio, a fim de poder exercer legalmente a sua profissão.
2a Consultar os melhores juristas do Império sobre certos pontos referidos
no “despacho” [ou “ofício”].
Formulou onze quesitos e apresentou-os simultaneamente a S. Excia., o Sr.
Dr. Nabuco, ao Dr. Urbano S. Pessoa de Mello e ao Dr. Caetano Alberto Soa­
res. Os onze quesitos eram os seguintes:
Io Os cidadãos brasileiros adultos têm ou não têm liberdade perfeita de
seguir a religião que quiserem?
2o Se algum deles consultar alguma pessoa que não segue a religião do Esta­
do e essa pessoa lhe explicar sua crença, será um ou outro incurso em qualquer
pena legal?
3o Será criminoso aquele que nesse caso aconselhar o cidadão brasileiro a
adotar uma religião que não seja a do Estado?
4o O caso será o mesmo, estando a pessoa em sua casa ou fora dela, em
público ou em particular?
5o Se um cidadão brasileiro unir-se a qualquer outra comunhão que não
seja a do Estado, será por isso incurso em qualquer pena, seja debaixo do título
de apóstata, blasfemo ou outro qualquer?
6o Os membros da Comunhão que o receberem (ou qualquer deles) serão
por isso incursos em qualquer pena da lei?
7o E lícito aos estrangeiros seguir o seu culto doméstico em suas casas parti­
culares?

117
História Documental do Protestantismo no Brasil

8o Se algum dos seus amigos brasileiros quisesse estar presente com eles,
tornar-se-ia por isso o seu culto criminoso?
9o Se o culto estrangeiro estivesse em uma casa sem forma alguma de tem­
plo, mas com a entrada franqueada àquele que quisesse —sem limitar-se aos
amigos do morador —seria criminoso?
10° Um estrangeiro pode ser obrigado a sair do sítio onde mora, ou ser
deportado do país à vontade do governo, sem culpa formada?
1 Io O que se deve entender pelas palavras publicamente e reuniões públicas,
nos arts. 276 e 277 da Carta Constitucional?202
As respostas dos três juristas aos quesitos formulados eram, em alto grau,
satisfatórias.
Armado desses pareceres, o Sr. Dr. Kalley sentou-se, no dia 16 de julho, para
compor a resposta ao “Despacho” e para dar um resumo explicativo da sua
verdadeira situação, em carta particular, dirigida à Legação Britânica.
Na “resposta” ele declarou que não podia descobrir nada em que houvesse
transgredido a Constituição ou as leis do Brasil, em ter prestado auxílio grátis
aos pobres, sem ser licenciado pela Escola Médica Brasileira; que não imagina­
va que isso fosse uma ofensa grave para um governo que ansiava promover a
colonização dos seus territórios, especialmente tendo em vista que, quando
ofereceu os seus serviços ao presidente do Corpo Sanitário de Petrópolis, du­
rante a epidemia de cólera e lhe mostrou seus diplomas - a autoridade não lhe
declarou que a falta de licença da Escola Médica Brasileira o impedia de aceitar
este auxílio, a favor dos enfermos. Declarou ainda o Dr. Kalley, na sua resposta,
que, quando o novo subdelegado lhe pediu para abster-se de ver qualquer do­
ente ou escrever qualquer receita, logo obedeceu.
Esperava, portanto, terminou ele, que recebidas estas explicações, o Minis­
tro do Governo se daria por satisfeito e concluiria que não havia base para o
“comunicado” dirigido à Legação Britânica.
Quanto à “carta particular”, dirigida ao “Chargé dAffaires”, sr. Hon. William
Stuart, dela constam os seguintes trechos:
Quanto à minha propaganda-.
Desde que fiquei convencido de que a Bíblia contém a revelação divina, tenho tido
por costume guardar exemplares dela, na língua do país onde moro, para colocá-los,
quando se oferece ocasião, nas mãos daqueles com quem tenho relações.
A única Bíblia que hei posto nas mãos dos brasileiros é a tradução católica romana do
padre Antonio Pereira de Figueiredo. A Sua Excelência, o Sr. Ministro de Negócios Es­
trangeiros, há de ser quase impossível considerar a circulação da Bíblia romana como
prova de “propaganda protestante”.
Quanto à minha pregação-.

118
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Cada manhã e cada noite toda a minha família se reúne comigo para o Culto Domés­
tico. Lemos uma parte da Bíblia, conversamos sobre o seu conteúdo, lemos ou cantamos
um ou dois hinos, e unimo-nos em oração ao Deus Todo- Poderoso. Qualquer de nossos
hóspedes pode ajuntar-se conosco e é bem-vindo.
No dia do Senhor gastamos mais tempo, de dia e de noite, nesta ocupação, do que
nos outros dias, mas é no mesmo propósito e da mesma maneira. Sentados à roda da
mesa, na sala de jantar, lemos versos de algumas passagens das Escrituras, às vezes cada
um por seu turno. Sempre conversamos tão familiar e livremente como em qualquer
outro tempo de entretenimento social. Fazemos oração e cantamos alguns versos, sem
forma alguma de serviço [ou culto formal]. Quanto aos grupos de pessoas ou “assembléi­
as” em minha casa: um velho soldado, súdito de Portugal, às vezes está conosco e rara­
mente traz sua mulher. Outro súdito português algumas vezes trazia os dois filhos; estes
já saíram de Petrópolis, e ele ou se foi também, ou está para ir embora.
Um cidadão protestante dos Estados Unidos vem freqüentemente com a mulher e
dois filhos.
Também freqüenta a casa uma senhora brasileira e sua filha já de idade.
Estas pessoas são o todo que constitui o que Sua Excelência há honrado com o título
de Assembléia.
Creio que é por causa das senhoras brasileiras que a atenção tem sido voltada para
mim; ambas, porém, tinham já renunciado às idéias católico-romanas a respeito do cris­
tianismo antes que eu as conhecesse; acredito, pois, que se não obstante os termos ex­
pressos na Carta Constitucional, forem elas consideradas transgressoras, por terem esco­
lhido sua própria religião, de minha parte, não sou culpado.
Refere-se depois aos quesitos que havia submetido à apreciação dos três dou­
tores jurisperitos e as respostas dadas nos respectivos pareceres. Daí conclui que
é evidente que a liberdade por ele exercida estava bem dentro dos limites deter­
minados pelas leis. Por isso estranhava o ato e causava-lhe surpresa que o Sr.
Ministro Brasileiro incomodasse a Legação Britânica desta maneira, e que ele
julgasse legítimo oferecer semelhante conselho. Mas, se acaso quisesse que o
conselho fosse obedecido, declarava de antemão que estaria no seu direito de
publicar os motivos apresentados para a sua exclusão e fazê-los conhecidos em
todos os países donde o Brasil esperava colonos. E isto faria para que os cida­
dãos livres de outras nações não fossem enganados pela liberdade aparente da
Constituição do Império, mas conhecessem claramente a interpretação dada
pelo governo.203

119
História Documental do Protestantismo no Brasil

Sarah Poulton Kalley e os Salm os e Hinos


(primeiro hinário protestante brasileiro)
Robert Reid Kalley compôs a letra de pelo menos oito hinos entre 1842 e 1846;
Sarah Poulton Kalley (1825-1907) é a criadora do mais antigo hinário evangélico,
cuja primeira edição brasileira sem música foi publicada no Rio de Janeiro em 1861,
contendo dezoito salmos e 32 hinos.204 A primeira edição dos Salmos e Hinos com
música foi publicada em Leipzig, Alemanha, em 1868, com 76 músicas. Durante a
vida dos Kalley, o hinário passou por diversas edições, sempre aumentadas; depois
Sarah encarregou o fdho adotivo, Dr. João Gomes da Rocha, da tarefa de continuar a
obra. Tanto Robert quanto Sarah “escreveram hinos originais e traduziram inspirados
cânticos (dos 182, número que hoje se encontram em Salmos e Hinos com a inicial K,
169 foram produzidos por D. Sarah, e treze, pelo Dr. Kalley)” .205 O cântico de hinos
e não apenas salmos, contrário ao ensino de João Calvino, foi aceito tanto nas igrejas
de Kalley (congregacionais) quanto nas presbiterianas, embora em outros países tal
prática tenha ocasionado acirrada controvérsia entre os calvinistas.

(jTP) DOCUM ENTO: Número dezoito da prim eira edição de Salmos e Hinos
SALMO CXXXII
1. Que linda vista é!
Os irmãos com amor
Na união da divina fé
Adorão o Senhor!
2. Aquella suave paz
O mundo póde cheirar
E como um perfume que faz
A todos alegrar.
3. Envia-nos Jesus!
Do santo monte Sião
O bom Espírito que produz
Aquella doce união.206

(^52^) DOCUM ENTO: “Advertência” da prim eira edição com música


A música neste livro está arranjada para quatro vozes: soprano, contralto,
tenor e baixo.
As partes do soprano e do contralto acham-se colocadas nas primeiras li­
nhas, sob a clave de sol; e distinguem-se uma da outra, pela direção em que
correm as hastes de cada nota; as de soprano têm a haste para cima, as de

120
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

contralto, ao contrário, para baixo.


Da mesma maneira estão arranjadas as partes do tenor e do baixo, nas se­
gundas linhas, sob a clave de fá.
Em todo o caso, deve-se evitar a introdução de quaisquer notas que não se
achem na música.
Aconselha-se a todos de nunca forçar a voz; melhor é cantar com demasiada
brandura, do que com aspereza.
Lembramos, também, que convém haver muita solenidade e reverência no
modo de cantar louvores ao altíssimo Deus, todavia o costume de pronunciar
as palavras com grande lentidão, não corresponde à santa alegria que deve ca­
racterizar o culto dos remidos pelo precioso Sangue de Cristo.
A principal coisa, porém, é tributar a Deus o verdadeiro louvor do coração,
e bem triste será se, pelo uso deste livrinho, alguém seja induzido a prestar
maior atenção à música, do que às palavras que se expressam por meio dela.
O desejo ardente do compilador destas harmonias é que resulte do emprego
delas maior facilidade e perfeição no modo de entoar os louvores daquele gran­
de salvador, a quem devemos consagrar poderes e faculdades da vida, por ele
tão maravilhosamente abençoada.207

Consciência social da Igreja Fluminense


No ano em que os Kalley chegaram ao Brasil, o Dr. Kalley prestou assistência
médica gratuita às vítimas da epidemia de cólera que assolava a cidade do Rio de
Janeiro. Aliás, ele sempre considerou sua clínica médica parte integrante do seu minis­
tério cristão. Muito embora o objetivo principal de Kalley e da Igreja Fluminense
tenha sido “espiritual”, há evidência de preocupação com questões como a escravidão,
sistema social então vigente no país. No dia 3 de novembro de 1865, preocupado com
o fato de Bernardino de Oliveira Rameiro, membro de sua igreja, possuir escravos,
Kalley fez uma “exortação” expondo seu ponto de vista sobre a escravidão.

(^53^) DOCUMENTO: “Exortação” de Kalley sobre a escravidão


Nas epístolas, temos regras boas e sábias, que Deus aprovou para a conduta
dos crentes, em relação aos seus escravos. Vamos apresentar duas:
“Fazei com os vossos servos o que é de justiça e eqüidade” (Cl 4.1); “... dei­
xando as ameaças” (Ef. 6.9).
Para chegarmos ao que é reto (ao que é dejustiça e eqüidade), temos de aten­
der ao DIREITO DE PROPRIEDADE.
Assim —há diferença entre as coisas que me pertencem e as coisas que perten­
cem aos outros. Por exemplo, a mim me pertencem os olhos, os ouvidos, a boca,
121
T

História Documental do Protestantismo 110 Brasil

as mãos, os pés etc.; conheço bem o que sinto nestas partes do meu corpo. A
outro indivíduo pertencem órgãos semelhantes..., mas esses órgãos não são meus,
e os meus não são dele-, tenho direito aos meus como ele tem direito aos seus.
Além de ter direito à posse dos órgãos que representam dádivas do Supremo
Criador, o homem tem também o direito de tomarposse dosfrutos, obtidos pelo
exercício desses órgãos, de modo honesto e justo.
... O que Deus dá ao escravo é para ser usado por ele, em seu próprio proveito.
E escravo? Ninguém tem o direito de fazê-lo escravo, roubando-lhe a liberdade
pessoal, negociando com uma criatura humana, como se fosse uma máquina
ou um objeto qualquer!
Cada um tem de dar contas ao Altíssimo Juiz do que pratica, quando obriga
, um seu semelhante a trabalhar, contra a vontade e sem salários e sob ameaças de
castigo e sofrimentos diversos, para produzir em seu favor (do senhor, que o mal­
trata injustamente) bons serviços e excelentes lucros! Isto é um ROUBO VIO­
LENTO dos dons que o Criador concedeu ao pobre estrangeiro, que não éuma
criatura diferente do senhor que o comprou!
Para o senhor, o escravo é SEU PRÓXIMO; portanto está incluído na gran­
de lei que diz: “Amarás ao teu próximo, como a ti mesmo”. Porventura o senhor
gostaria de ser tratado por outro homem como escravo?
...O escravo não é filho do seu proprietário; não trabalha^or^wi? o ama nem
porque quer ser generoso, trabalhando para ele como uma besta, sem obter re­
compensa de espécie alguma do seu trabalho; o escravo só trabalha porque
teme as ameaças de pancadas e castigos desumanos da parte de um roubador da
liberdade alheia!
O senhor que procede desse modo é inimigo de Cristo-, não pode ser mem­
bro da Igreja de Jesus, daquele Jesus que nos resgatou da maldição (G1 3.13) e
da lei do pecado da morte (Rm 8.2) e nos deu a liberdade, fazendo-nos FI­
LHOS DE DEUS (Rm 8.15 e 16)!208

A base doutrinária dos congregacionais brasileiros


Kalley elaborou e imprimiu 27 artigos de fé, apresentando o documento à Igreja
Fluminense no dia I o de janeiro de 1876. Após o acréscimo de um artigo sobre a
natureza de Deus (atual artigo 4), a Igreja formalmente aceitou os 28 artigos, a 2 de
julho de 1876. Em novembro de 1880, o governo imperial sancionou tanto os “Arti­
gos Orgânicos” da Igreja Fluminense quanto à sua base doutrinária.

(^54^) DOCUM ENTO; Breve Exposição das Doutrinas Fundamentais do Cristia­


nismo

122
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

1. Existe um só Deus, vivo e pessoal: suas obras no céu e na terra manifes­


tam não meramente que existe, mas que possui sabedoria, poder e bondade tão
vastos que os homens não os podem compreender; conforme sua sabedoria e
livre vontade, governa todas as coisas.
2. Ao testemunho das suas obras, Deus acrescentou informações a respeito
de si mesmo e do que requer dos homens. Essas informações se acham no
Velho e Novo Testamentos,205 nas quais possuímos a única regra perfeita para
nossa crença sobre o “Criador” e preceitos infalíveis para o nosso proceder nes­
ta vida.
3. As Escrituras Sagradas foram escritas por homens santos, inspirados por
Deus, de maneira que as palavras que escreveram são as palavras de Deus. Seu
valor é incalculável e devem ser lidas por todos os homens.
4. Deus, o soberano proprietário do universo, é espírito, eterno, infinito, e
imutável em sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade, e verdade.
5. Embora seja um grande mistério que existam diversas pessoas em um só
ente, é verdade que na Divindade há uma distinção de pessoas, indicadas nas
Escrituras Sagradas pelos nomes “Pai”, “Filho”, e “Espírito Santo”, e pelo uso
dos pronomes “Eu”, “Tu” e “Ele”, empregados por elas mutuamente entre si.
6. Deus, tendo preparado este mundo para a habitação do gênero humano,
criou o homem, constituindo-o de uma alma que é espírito e de um corpo
composto de matérias terrestres. O primeiro homem foi feito à semelhança de
Deus, puro, inteligente e nobre, com memória, afeições e vontade livre, sujeito
Àquele que o criou, mas com domínio sobre todas as outras criaturas deste
mundo.
7. O homem, assim dotado e amado pelo Criador, era perfeitamente feliz;
mas, tentado por um espírito rebelde (chamado por Deus “Satanás”), desobe­
deceu ao seu criador; destruiu a harmonia em que estivera com Deus; perdeu a
semelhança divina; tornou-se corrupto e miserável; deste modo, vieram sobre,
ele a ruína e a morte!
8. Estas não se limitaram ao primeiro pecador. Seus descendentes herdaram
dele a pobreza, a desgraça, a inclinação para o mal e a incapacidade de cumprir
bem o que Deus manda; por conseqüência todos pecam, todos merecem ser
condenados e de fato todos morrem.
9. A alma humana não acaba quando o corpo morre. Destinada por seu
Criador a uma existência perpétua, continua capaz de pensar, desejar, lembrar-
se do passado, e gozar da mais perfeita paz e regozijo; e também de temer o
futuro, sentir remorso e horror e sofrer agonias tais que mais quereria acabar do
que continuar a existir; o pecador pela rebelião contra o seu Criador merece
para sempre esta miséria, que é chamada por Deus a segunda morte.

123

História Documental do Protestantismo no Brasil

10. Deus constitui a “consciência” juiz na alma do homem. Deu-lhe man­


damentos pelos quais se decidissem todos os casos; mas reservou para si o julga­
mento final, que será em harmonia com o seu próprio caráter. Avisou os ho­
mens da pena com que punirá toda a injustiça, maldade, falsidade e desobedi­
ência ao seu governo; cumprirá suas ameaças, punindo todo o pecado em exata
proporção à culpa.
11. Deus vendo a perversidade, a ingratidão e o desprezo com que os ho­
mens lhe retribuem seus benefícios e o castigo que merecem, cheio de miseri­
córdia compadeceu-se deles; jurou que não deseja a morte dos ímpios; além
disso, amou-os e mandou declarar-lhes, em palavras humanas, sua imensa bon­
dade para com eles; e quando os pecadores nem com tais palavras se importa­
vam, Ele lhes deu a maior prova do seu amor, enviando-lhes um Salvador que
os livrasse completamente da ruína e da miséria, da corrupção e condenação, e
os restabelecesse para sempre no seu favor.
12. Esta salvação, tão preciosa e digna do Altíssimo (porque está inteira­
mente em harmonia com o seu caráter), procede do infinito amor do Pai, que
deu seu unigênito Filho para salvar os seus inimigos.
13. Foi adquirida, porém, pelo Filho, não com ouro, nem com prata, mas
com seu Sangue; pois tomou para si um corpo humano e alma humana, prepa­
rados pelo Espírito Santo no ventre da virgem; assim sendo Deus e continuan­
do a sê-lo, se fez homem. Nasceu da Virgem Maria, viveu entre os homens,
como se conta nos Evangelhos; cumpriu todos os preceitos divinos, e sofreu a
morte e a maldição como o substituto dos pecadores; ressuscitou e subiu ao
céu, ali intercede pelos seus remidos; e, para valer-lhes, tem todo o poder no
céu e na terra. E nosso senhor e salvador Jesus Cristo, que oferece, de graça a
todo pecador, o pleno proveito da sua obediência e sofrimentos, e o assegura a
todos os que, crendo nele, aceitam-no por seu salvador.
14. O Espírito Santo enviado pelo Pai e pelo Filho, usando das palavras de
Deus, convence o pecador dos seus pecados e de sua ruína, mostra-lhe a exce­
lência do Salvador, move-o a arrepender-se, a aceitar e confiar em Jesus Cristo.
Assim, produz a grande mudança espiritual chamada “nascer de Deus”. O pe­
cador nascido de Deus está desde já perdoado, justificado e salvo; tem a vida
eterna e goza das bênçãos, da salvação.
15. Os pecadores que não crerem no Salvador e não aceitarem a salvação
que lhes está oferecida de graça, hão de levar a punição das suas ofensas pelo
modo e no lugar destinados para os inimigos de Deus.
16. Para os que morrem sem aproveitar-se desta salvação, não existe, no
porvir, além da morte, um raio de esperança. Deus não deparou remédio para
os que, até o fim da vida neste mundo, perseveraram nos seus pecados. Per­

124
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

dem-se. Jamais terão alívio.


17. O Espírito Santo continua a habitar e a operar naqueles que faz nascer
de Deus; esclarece-lhes a mente mais e mais com as verdades divinas, eleva e
purifica-lhes as afeições adiantando neles a semelhança de Jesus; estes frutos do
Espírito são provas de que passaram da morte para a vida, e que são de Cristo.
18. Aqueles que têm o espírito de Cristo estão unidos com Cristo; e como
membros do seu Corpo, recebem a capacidade de servi-lo. Usando desta capa­
cidade, procuram viver, e realmente vivem, para a glória de Deus, seu salvador.
19. A Igreja de Cristo no céu e na terra é uma só210 e compõe-se de todos os
sinceros crentes no Redentor, os quais foram escolhidos por Deus, antes de
haver mundo, para serem chamados e convertidos nesta vida, e glorificados
durante a eternidade.
20. E de obrigação aos membros de uma igreja local... reunirem-se para
fazer orações e dar louvores a Deus, estudarem suas palavras, celebrarem os
ritos ordenados por Ele, valerem uns aos outros e promoverem o bem de todos
os irmãos —receberem entre si como membros aqueles que o pedem e que
parecem verdadeiramente filhos de Deus pela fé - excluírem aqueles que de­
pois mostram, pela desobediência aos preceitos do Salvador, que não são de
Cristo -, procurarem o auxílio e a proteção do Espírito Santo em todos os seus
passos.
21. Ainda que os salvos não obtenham a salvação pela sua obediência à lei
senão pelos merecimentos de Jesus Cristo, recebem a lei e todos os preceitos de
Deus como um meio pelo qual Ele lhes manifesta sua vontade sobre o procedi­
mento dos remidos e guardam-nos tanto mais cuidadosa e gratamente por se
acharem salvos de graça.211
22. Todos os crentes são sacerdotes para oferecer sacrifícios espirituais agra­
dáveis a Deus por Jesus Cristo que é o mestre, pontífice e único cabeça da sua
igreja; mas, como governador da sua casa, estabeleceu nela diversos cargos como
de pastor, presbítero, diácono e evangelista; para eles escolhe e habilita, com
talentos próprios, os que Ele quer para cumprirem os deveres destes ofícios, e
quando existem devem ser reconhecidos pela Igreja como preparados e dados
por Deus.
23. O altíssimo Deus atende às orações que, com fé, em nome de Jesus, o
único mediador entre Deus e os homens lhe são apresentadas pelos crentes,
aceita os seus louvores e reconhece como feito a Ele, todo o bem feito aos seus.
24. Os ritos judaicos, divinamente instituídos pelo ministério de Moisés,
eram sombras de bens vindouros e cessaram quando os mesmos bens vieram;
os ritos cristãos são somente dois: o Batismo d’água e a Ceia do Senhor.
25. O Batismo com água foi ordenado por nosso Senhor Jesus Cristo como

125
História Documental do Protestantismo no Brasil

figura do Batismo verdadeiro e eficaz, feito pelo Salvador quando envia o Espí­
rito Santo para regenerar o pecador. Pela recepção do Batismo com água, a
pessoa declara que aceita os termos do pacto em que Deus assegura aos crentes
as bênçãos da salvação.212
26. Na Ceia do Senhor, como instituída por nosso Senhor Jesus Cristo, o
pão e o vinho representam, vivamente, ao coração do crente, o Corpo que foi
morto e o Sangue que foi derramado no Calvário;213 e participar do pão e do
vinho representa o fato que a alma recebeu seu Salvador. O crente faz isto em
memória do Senhor, mas é da sua obrigação examinar-se primeiro, fielmente
enquanto à sua fé, seu amor e seu procedimento.
27. Nosso Senhor Jesus Cristo virá do céu como homem, em sua própria
glória e na glória do seu Pai, com todos os santos e anjos; se apresentará no
trono de sua glória e julgará todas as nações.
28. Vem a hora em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus e ressus­
citarão, os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; os crentes que nesse tempo
estiverem vivos serão mudados e sendo arrebatados estarão para sempre com o
Senhor; os outros também ressuscitarão, mas para a condenação.214

Os Artigos Orgânicos da Igreja Evangélica Fluminense ( I 880)


O governo imperial tomou os passos necessários para facilitar a permanência de
grupos acatólicos, acomodando as leis do país a esta finalidade. Entre outras coisas,
reconheceu oficialmente confissões protestantes, freqüentemente pela aprovação dos
estatutos de uma igreja local, tornando assim possível a aquisição e posse de imóveis
pela Igreja.

(H T ) DOCUM ENTO: Decreto n° 7907 de 22 de novembro de 1880 (Aprovação


dos Artigos Orgânicos)
Atendendo ao que requereram os membros da Igreja Evangélica Fluminense,
e conformando-me, por minha imediata resolução de 16 de outubro próximo
findo, com o parecer da Seção dos Negócios do Império do Conselho de Esta­
do... hei por bem aprovar, para os efeitos civis, os artigos orgânicos ou estatutos
da mesma Igreja, datados datados de 22 de agosto de 1879 (...)
Com a rubrica de Sua Majestade o imperador
Barão Homem de Mello
Artigos Orgânicos da Igreja Evangélica Fluminense
Da Sua Instituição, Natureza, Governo e Fins
Art. Io A Igreja Evangélica Fluminense é uma comunidade religiosa que faz
parte da Igreja de Deus Nosso Senhor Jesus na terra, e que, como igreja local,

126
T
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

se congrega na cidade do Rio de Janeiro para prestar culto a Deus, adorando-o


em espírito e verdade e conduzir-se de acordo com os preceitos de Cristo nas
escrituras sagradas.
Art. 2o A Igreja Evangélica Fluminense compõe-se de ilimitado número de
pessoas de ambos os sexos e de qualquer nacionalidade ou condição, crentes
em Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja profissão seja corroborada pelo bom com­
portamento recomendado nas escrituras sagradas.
Art. 3o Esta Igreja só reconhece por seu cabeça Nosso Senhor Jesus Cristo, e
para o seu governo em matéria de culto, de doutrinas, disciplina e conduta,
não tem outra Constituição senão a Bíblia Sagrada.
Art. 4o A Igreja Evangélica Fluminense recebe o seu governo e autoridade
unicamente de Nosso Senhor Jesus Cristo pelas escrituras sagradas, e como
Igreja o exerce em sua assembléia; é, porem, dirigida e representada em negóci­
os de seu patrimônio por uma administração que será o seu órgão secular.
Do Patrimônio e Sua Administração
Art. 5o O patrimônio desta igreja será criado com os donativos e legados
que lhe forem feitos, e consistirá dos edifícios que adquirir para culto, escolas
de instrução, apólices da dívida pública e todos os bens cuja posse lhe seja
permitida pelas leis do Império.
Art. 6o A administração será eleita anualmente dentre os membros da Igre­
ja, e compor-se-á de um presidente, de Io e 2o secretários, um tesoureiro e um
procurador; e tem a seu cargo:
Io Representar a Igreja em todos os negócios concernentes ao seu patrimônio.
2o Receber os donativos ou legados que forem feitos à Igreja para qualquer
fim, pagar todas as despesas ordinárias e extraordinárias que forem autorizadas
pela assembléia, depois de competentemente averbadas, dando ao excedente a
aplicação que for ordenada pela mesma assembléia.
3o Zelar dos edifícios para culto e escolas de instrução, atender a quaisquer
consertos e outros arranjos para a boa ordem do serviço; e prestar anualmente
contas à Igreja, ou quando lhe sejam pedidas.
Art. 7° O tesoureiro será responsável à Igreja, com seus bens havidos e por
haver, pelos valores ou objetos pertencentes à Igreja, confiados por inventário à
sua guarda, não podendo dar-lhes destino nem pagar qualquer despesa extraor­
dinária sem autorização de toda a administração.
Da Assembléia Geral
Art. 8o A assembléia geral compõe-se de todos os membros em comunhão
com esta Igreja, e as suas sessões são ordinárias e especiais, ou extraordinárias,
quando sejam necessárias.
(...)

127
História Documental do Protestantismo no Brasil

Da Eleição
Art. 12. Posto que todos os membros em comunhão com esta Igreja gozem
do direito de voto na assembléia, e têm mesmo o dever de tomar parte em seus
trabalhos, somente podem ser eleitos para cargos da administração aqueles que
aceitam as doutrinas expressas na “Breve Exposição das Doutrinas Fundamen­
tais do Cristianismo” aceitas por esta Igreja e apenas a estes artigos orgânicos.
(...)
Disposições Gerais
Art. 15. São sujeitas ao juízo desta Igreja e dela excluídas as pessoas em sua
comunhão cujo procedimento não se conforme com o ensino e preceitos de
Deus nas Escrituras Sagradas; e por essa exclusão e mesmo eliminação ou des­
ligamento voluntário, perdem todos os direitos que antes tinham ao seu
patrimônio como membros da Igreja.
(...)
Art. 17. Além destes artigos orgânicos, a Igreja poderá adotar um regimento
interno, se assim lhe convier, para regularização de seus trabalhos particulares.
Art. 18. No caso de uma divisão nesta Igreja o seu patrimônio pertencerá
àquela parte que continuar a apoiar e praticar as doutrinas expressas nos 28
artigos da “Breve Exposição”; no caso de ambas as partes os aceitarem no seu
lado, pertencerá à parte que possuir a maioria.
Art. 19. Se por uma perseguição ou outro qualquer motivo esta Igreja venha
a dissolver-se, de sorte que não restem três pessoas que recebam e pratiquem as
doutrinas expressas nos 28 artigos da “Breve Exposição”, reverterão todos os
bens desta Igreja em favor da sociedade bíblica, intitulada The British andForeign
Bible Society,
Art. 20. Aprovados pelo governo imperial os presentes artigos orgânicos da
Igreja Evangélica Fluminense, nenhuma reforma neles será adotada sem a apro­
vação do mesmo governo (Seguem-se as assinaturas).215

OS PRESBITERIAN O S

Introdução
Os presbiterianos constituem um dos principais grupos calvinistas da Grã-Bretanha.
João Knox (1505?-1572), devoto discípulo pessoal de Calvino, reformou a Igreja da
Escócia, que se tornou baluarte do presbiterianismo. No entanto, a formulação de fé
mais acatada pelos presbiterianos é a Confissão de Westminster, elaborada na Inglater­

128

á
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

ra em 1646. Imigrantes britânicos escoceses, irlandeses do Norte, e ingleses levaram o


presbiterianismo para a América do Norte, e o irlandês Francis Makamie organizou o
primeiro presbitério em 1706. Já em 1729, o Sínodo presbiteriano adotava a Confis­
são de Westminster. O envolvimento dos presbiterianos na Revolução Americana (1775-
1783) é evidenciado pelo fato de o único ministro a assinar a Declaração da Indepen­
dência (1776) ser o Rev. John Witherspoon (1723-1794), pertencendo à mesma de­
nominação o presidente, o secretário e o capelão do Congresso Continental.216
Constantemente preocupados com um ministério academicamente bem prepara­
do, os presbiterianos fundaram 49 escolas de ensino superior antes da Guerra de Se­
cessão (1861-1865), inclusive Princeton, em Nova Jersey, e Hampden-Sydney, na
Virgínia.
Fortes tensões internas atormentaram os presbiterianos, primeiro na luta “Velha
Escola-Nova Escola” (na qual o partido tradicional, a Velha Escola, resistiu à crescente
tendência para o avivamento e antiescravismo da Nova Escola, que também favorecia
o Plano de União com os Congregacionais), chegando-se à ruptura formal em 1837.
Mais tarde, houve uma divisão definitiva entre as partes Norte e Sul da Igreja, por
causa da escravidão. D aí em diante haveria duas grandes igrejas presbiterianas, a Igreja
Presbiteriana nos Estados Unidos da América (PCUSA), ou seja, os presbiterianos do
Norte, e a Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos (PCU S), os presbiterianos do Sul.
Estas duas igrejas estabeleceram notáveis missões no Brasil.217
Em 1859, às vésperas da guerra entre o Norte e o Sul, a PCU SA enviou seu primei­
ro missionário ao Brasil, o jovem pastor Ashbel Green Simonton (1833-1867), que
aportou no Rio de Janeiro em 12 de agosto. H á uma tendência natural de se transfor­
mar o pioneiro em herói; Simonton em nada desencorajou essa tendência. De fato,
Simonton e seus colegas conseguiram uma lista impressionante de realizações durante
os oito anos de seu trabalho no Brasil: a fundação de uma Igreja no Rio de Janeiro (12/
1/1862); a fundação do primeiro jornal evangélico no Brasil, a Imprensa Evangélica
(5/11/1864); a organização do primeiro presbitério, do Rio de Janeiro (16/12/1865);
e ainda a fundação do primeiro seminário teológico, no Rio de Janeiro (14/5/1867).
A missão da P C U S teve origem depois da Guerra de Secessão, com sulistas norte-
americanos que emigraram para o Brasil. Atraídos pela boa terra a preços acessíveis,
pelo clima e pela ajuda do governo imperial, e ainda a possibilidade de adquirirem
escravos no Brasil, o que não lhes era mais possível na sua terra de origem, estabelece­
ram colônias em diversos locais do Brasil. A que mais prosperou foi a colônia de Santa

129
História Documental do Protestantismo no Brasil

B árbara do O este, província de São Paulo, onde foram con stituídas igrejas
presbiterianas, batistas e metodistas. George Nash Morton e Edward Lane foram os
primeiros missionários enviados ao Brasil pela PC U S, em 1867.218
Logo criou-se um ministério autóctone, cujo exemplo mais conhecido é o do ex-
padre José Manoel da Conceição, o primeiro ministro protestante brasileiro. Estes
obreiros nacionais, ao lado dos missionários, foram agentes de uma rápida expansão
da obra missionária, tanto numérica como geográfica. Por essa razlo, e de acordo com
a política mundial que favorecia a aproximação dos diversos ramos do presbiterianismo,
as duas juntas missionárias aprovaram a fusão dos esforços presbiterianos numa só
Igreja Presbiteriana nacional, o que efetivamente ocorreu em 1888. Com a criação do
Sínodo da Igreja Presbiteriana no Brasil, o presbiterianismo brasileiro se tornou for­
malmente uma Igreja nacional autônoma, situação estratégica tanto frente à nação
brasileira, às vésperas de se tomar uma República, quanto em relação às igrejas irmãs.

A fundação da primeira Igreja Presbiteriana no Brasil (1862)


Ashbel Green Simonton realizou seu primeiro culto regular no Rio de Janeiro em
19 de maio de 1861; nessa oportunidade constituiu diácono um de dois assistentes.
Das pregações subseqüentes, houve conversões. Simonton recebeu esses conversos à
comunhão da Igreja, no dia 12 de Janeiro de 1862, no culto que marcou a fundação
da igreja e, provavelmente, a primeira celebração da Santa Ceia.219

(fsiT) DOCUM ENTO: Excerto do diário de Ashbel Green Simonton


Domingo, dia 12 [de janeiro de 1862], celebramos a Ceia do Senhor, rece­
bendo por profissão de fé Henry E. Milford e Cardoso Camilo de Jesus.
Organizamo-nos assim em Igreja de Jesus Cristo no Brasil. Foi um momento
de alegria e satisfação. Muito mais cedo que esperava minha pouca fé, Deus
nos permitiu os primeiros frutos da missão. Senti-me a até certo ponto agrade­
cido, mas não como devia. A comunhão foi dirigida por Mr. [Francis Joseph
Christopher] Schneider e por mim, em inglês e português. O Sr. Cardoso, a
seu pedido e de acordo com o que consideramos melhor, depois de muito estu­
do e certa hesitação, foi batizado. Prestou um exame que satisfez completa­
mente a Mr. Schneider e a mim, sem deixar dúvida em nossas mentes com
respeito à realidade sua conversão. Graças sejam dadas a Deus pela confirma­
ção de nossa fraca fé, por vermos que não pregamos em vão o Evangelho.220
O presbiterianismo em Brotas, província de São Paulo
Não obstante estar a sede no Rio de Janeiro, a maior congregação

130
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

presbiteriana, por vários anos, foi a de Brotas, província de São Paulo, devido à
influência do ex-padre José Manoel da Conceição. O avanço da obra
presbiteriana, na cidade de Brotas e arredores, prenunciava a importância da
zona rural para o protestantismo brasileiro.

(^57^) DOCUM ENTO: Excerto do relatório do missionário F. J. C. Schneider


O desejo desse povo de ouvir e aprender o Evangelho faz gosto ver. Poucos
deles sabem ler; e contudo muitos fazem progresso mui rápido na vida espiritu­
al, e com muito zelo propagam, quanto lhes é possível, o conhecimento do
Evangelho entre seus parentes e conhecidos. As vezes, ficava de todo admirado
de ver gente que nenhuma letra sabia ler, falar com tanto acerto e animação
sobre a graça de Deus e a salvação que Jesus nos adquiriu. Foi para mim uma
prova evidente de ser o Evangelho de Jesus Cristo uma virtude de Deus para
tomar sábios os simples, capaz de encher duma sabedoria divina os mais igno­
rantes que o recebem em seu coração.221

C s£ ) DOCUM ENTO: Excerto do relatório do missionário George Chamberlam


A Igreja de Brotas, não por ser importante em si, mas em razão da sua posi­
ção, é calculada para prestar grande auxílio na evangelização do interior. Hoje
é digna das ricas promessas. O interesse no Evangelho manifesta-se mais nos
sítios circunvizinhos do que na própria vila. A vantagem nisso é:
1. A obra não dá tanto na vista dos adversários, e por isso é livre de embara­
ços que aliás seriam postos nos caminhos.
2. A simplicidade da vida dos ocupados na lavoura oferece a propagação
mais rápida da verdade. Vivem mais isolados, sabem menos das afamadas “con­
veniências sociais”, e não na luz destas, mas na sua própria luz, pregarão o
Evangelho. Têm-no ouvido e aceito muitas vezes antes de saberem o que dizem
fulano e sicrano, e estão firmes em opiniões formadas sobre a Palavra de Deus,
independente das prevenções dos homens. São mais mestres de si mesmos.222

Fundação do Presbitério do Rio de Janeiro: 16 a I 7 de dezembro de 1865


Com três igrejas organizadas, respectivamente as do Rio de Janeiro, São Paulo e
Brotas,223 os missionários se reuniram em São Paulo para organizar o pequeno presbi­
tério, afim de ordenar José Manoel da Conceição ao ministério presbiteriano. Simonton
registrou o evento mui laconicamente no seu diário: “ ...quando o Sr. Schneider che­
gou, organizou-se o presbitério e o Sr. Conceição foi ordenado”.
Os documentos abaixo são versões mais detalhadas do evento.

131
História Documental do Protestantismo no Brasil

Çs9^) DOCUM ENTO: Ata oficial da fundação do Presbitério


Nós, Ashbel G. Simonton, do Presbitério de Carlisle; Alexandre L. Blackford,
do Presbitério de Washington; e Francis J. C. Schneider, do Presbitério de Ohio,
querendo melhor promover a glória e o Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo no
Império do Brasil, julgamos útil e conveniente exercer o direito que nos confe­
re a Constituição de nossa Igreja, constituindo um presbitério sob o governo e
direção da Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da
América do Norte. Portanto, de conformidade com a forma da referida Igreja,
de fato nos constituímos em um presbitério que será chamado pelo título de
Presbitério do Rio de Janeiro.
Simonton fdiou seu presbitério ao Sínodo de Baltimore, geograficamente
do Norte, mas de mentalidade conservadora e sulista.224

( 6 0 ) DOCUM ENTO: Blackford descreve a fundação do Presbitério


Reunidos os Revs. A. G. Simonton do Presbitério de Carlisle, F. J. C.
Schneider do Presbitério de Ohio e eu [Alexander L. Blackford] do Presbitério
de Washington, membros da missão no Brasil, em nossa sala de estar, o Sr.
Simonton propôs que nós nos constituíssemos num presbitério ligado ao Sínodo
de Baltimore. Eu fui eleito moderador, o Sr. Simonton, secretário permanente,
e o Sr. Schneider, secretário pro-tempore.
O Sr. José Manoel da Conceição foi recebido como candidato ao ministério,
examinado sobre religião experimental e seu conhecimento e aceitação das dou­
trinas e forma de governo da nossa Igreja; sendo satisfatório [o exame], foram
dispensados os exames de ciência, língua etc. Seu sermão (de prova) foi marca­
do para domingo, dia 17 às 10:30 hs, e às 5 da tarde D. V.,225 a ordenação.
Domingo, 17 de dezembro, 10:30 hs. O Sr. Conceição pregou sobre Lucas
4:18, 19. Seu sermão foi aprovado e sua ordenação marcada para às 5 da tarde.

Aprovação pelo governo imperial dos Artigos Orgânicos do Presbitério do


Rio de Janeiro
Para que pudesse adquirir propriedade em seu próprio nome, e não em nome dos
missionários, como vinha ocorrendo, o Presbitério do Rio de Janeiro pediu aprovação
dos seus “artigos orgânicos”, em documento de 15 de julho de 1871, assinado por
cinco dos seus ministros. O deferimento após quinze meses mostra que o governo
estava paulatinamente tornando viável o pleno funcionamento de grupos acatólicos
no Brasil.

132
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

(jTT) DOCUM ENTO: Decreto n° 5105 de 3 de outubro de 1872


Artigos orgânicos ou Compromisso da Sociedade —
Presbitério do Rio de Janeiro
Art. I o Os abaixo-assinados, membros da Igreja Presbiteriana, incorporan­
do-se em sociedade, sob o título de —Presbitério do Rio de Janeiro —, para o
fim de adquirir, possuir e administrar os estabelecimentos necessários ao culto
e instrução das comunidades que pertencem à mesma Igreja neste Império, à
residência dos respectivos pastores, e para hospitais.
Art. 2o Serão membros desta sociedade os abaixo-assinados, e todos os mais
ministros e pastores do mesmo rito, que se reunirem ao mesmo presbitério,
segundo as constituições e disciplina da mesma Igreja.
Art. 3o A duração desta sociedade será até que se dissolva por acordo próprio
ou pela ação legal da autoridade pública. O acordo próprio porém só poderá
ser tomado em reunião da assembléia geral do presbitério, convocada especial­
mente para este fim, e a que esteja presente a maioria de seus membros.
Art. 4o Haverá reunião ordinária da assembléia geral do presbitério uma vez
por ano, em dia designado no regimento interno; e extraordinária, quando a
convocar a mesa administrativa, ou for requisitada por três membros do pres­
bitério. As reuniões, tanto ordinárias como extraordinárias, poderão deliberar,
em falta da maioria dos seus membros, quando estiver presente um terço dos
membros. Os membros do presbitério têm o direito de votar e serem votados
para os cargos da Sociedade.
(...)
Art. 12. Os estabelecimentos para serviço das diversas comunidades serão
administrados pelo respectivo pastor ou pastores, sob a direção da mesa do
presbitério, e na falta de pastor pela pessoa nomeada pela mesa e também sob
sua direção.
Art. 13. A Sociedade fica com licença para adquirir os terrenos e prédios que
lhe forem precisos para seu culto, morada dos pastores e instrução, tudo na
forma do decreto legislativo n° 1225 de 20 de agosto de 1864.
Art. 14. Os abaixo-assinados A. L. Blackford226 e F. J. C. Schneider entram
para a Sociedade com o prédio e o terreno situados nesta cidade à travessa da
rua Barreira n° 11, dos quais são co-proprietários, tendo-os comprado para, em
casa sem forma exterior de templo, servirem como servem para seu culto parti­
cular e doméstico, como é permitido pelo art. 5o da Constituição do Império;
e também para residência dos pastores, e casas de instrução já legalmente auto­
rizadas. E o abaixo-assinado Roberto Lenington também entra para a Socieda­
de com um terreno e casa que possui na vila de Brotas, província de S. Paulo...

133
História Documental do Protestantismo no Brasil

Art. 15. No caso da dissolução desta sociedade os seus bens reverterão ao


tesoureiro da sociedade das missões no estrangeiro da Igreja Presbiteriana nos
Estados Unidos, que tem a sua sede no Estado de Nova York, ao qual ficarão
pertencendo pelo simples fato da dissolução, e o supradito tesoureiro autoriza­
do para os receber e dispor deles.
Art. 16. A mesa do presbitério fica autorizada para representar a Sociedade
em juízo e fora dele, e com todos os poderes necessários, mesmo os de procura­
do r em causa própria.
Art. 17. Aprovado que seja este compromisso pelo governo imperial, ficam
obrigados ao cumprimento de todas as suas cláusulas os abaixo-assinados e
todos os mais membros da Sociedade presentes e futuros. Qualquer reforma
fica dependendo da assembléia geral do presbitério, e somente será executada
depois da aprovação pelo governo imperial.
Rio de Janeiro, 15 de julho de 1871.227 (Seguem-se as assinaturas.)

Ex-padre José Manoel da Conceição, o primeiro ministro protestante


brasileiro
José Manoel da Conceição (1822-1873) foi o primeiro brasileiro a se tornar minis­
tro protestante. No tratado citado a seguir, escreveu: “... por dezoito anos paroquiei
nas igrejas de Água Choca, Piracicaba, Santa Bárbara, Taubaté, Sorocaba, Limeira,
Ubatuba e Brotas” , pois fora sacerdote desde 1844. Durante grande parte do seu sa­
cerdócio, nutriu dúvidas e, finalmente, pelo contato com missionários presbiterianos,
renunciou formalmente à Igreja Católica Romana228 e foi batizado e recebido na co­
munhão da Igreja Presbiteriana, em 23 de outubro de 1864. Foi ordenado ministro
presbiteriano na reunião constituinte do Presbitério do Rio de Janeiro (does. 59 e 60).
A seguir foi condenado como cismático e recebeu a sentença de excomunhão maior.
Sua obra evangelística —até 1873, quando faleceu —foi um dos principais fatores da
expansão da Igreja Presbiteriana.229

DOCUM ENTO: A Sentença de Excomunhão ou Desautoração Fulminada


contra o padre José Manoel da Conceição, (...) e a resposta do mesmo
IV O que devia eu fazer?
Perguntar-se-á, talvez:
Io Porque não trabalhou pela reforma, sem deixar a Igreja Romana? A isto
respondo: quando um edifício em desmoronamento ameaça completa ruína, é
impossível continuar a residir nele, mas sai-se dele, ao menos até que seja
reconstruído sobre bases firmes, sob pena de ficar com ele sepultado.

134
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Seria, porventura, possível combater os erros e abusos do romanismo per­


manecendo membro do mesmo?
A história, tanto sagrada como a profana nos respondem: é impossível! Quan­
to a mim em particular, a minha vida inteira me diz: é impossível! Do sentir a
necessidade de uma reforma ao tomar-se o reformador mesmo, a diferença é a
que vai do possível ao impossível. Sentir a necessidade da reforma, e por conse­
qüência fugir à ruína iminente, eis a parte do homem, que compara o Evange­
lho com a prática e os dogmas da Igreja Romana; porém, o efetuar eu a refor­
ma, ficando no seio da Igreja, não cabia no possível.
A reforma veio, mas veio de Deus, donde só podia vir. Os instrumentos
porém, de que Deus se quis servir, foram os seus servos eleitos, que conhecem,
professam e ensinam as puras doutrinas de sua santa palavra. Quanto a mim,
louvo e bendigo o santo nome de Deus, que em sua misericórdia se dignou
olhar para a minha miséria, tirando-me da submersão em que jazia para uma
vida mais conforme com as leis do Evangelho, colocando-me na principal pe­
dra do ângulo, escolhida, preciosa, posta por ele mesmo em Sião, ou na sua Igreja
verdadeira. (Vide Io Ep. de S. Pedro cap. 2o v. 6.)
Não me era possível ficar onde estava.
Obedecia à voz que nos diz: Saí do meio deles, e separai-vos dos tais, diz o
Senhor. (2a Ep. aos Coríntios, cap. 6o v. 17.) Sai dela, povo meu; para não serdes
participantes dos seus delitos, e para não serdes compreendidos nas suas pragas.
(Apoc. cap. 18 v. 4.)
2o Pretender-se-ia, talvez, que retirando-me guardasse silêncio?
A isto respondo: Depois de conhecer a Bíblia e crer nela, é impossível. O
mesmo se deu a respeito dos apóstolos S. Pedro e S. João, aos quais os sacerdo­
tes e magistrados do templo intimaram que absolutamente não falassem mais,
nem ensinassem em nome de Jesus. Mas eles disseram: “Se é justo diante de
Deus ouvir-vos a vós antes que a Deus, julgai-o vós; porque não podemos
deixar de falar das coisas que temos visto e ouvido” Atos 4:18, 19.
(...)
O último mandamento dirigido por Nosso Senhor à sua Igreja, antes de
subir para o céu, impõe uma obrigação a todo o seu discípulo. A promessa que
acompanha o mandamento compete a todo o servo de Jesus. Mateus 28:19,
20.
Quanto me tem sido possível, tenho procurado cumprir com este manda­
mento. Jesus tem sido fiel à sua palavra. Tem-se realizado a promessa de sua
presença comigo.
Estes dois anos e meio decorridos para lavrar e fulminar a sentença contra a

135
História Documental do Protestantismo no Brasil

minha chamada apostasia, tenho me ocupado em anunciar o Evangelho de


salvação de graça por Jesus Cristo o redentor, na corte, nesta província [de São
Paulo], na de Minas Gerais, a milhares de pessoas famintas e sedentas da pala­
vra da vida.
Com profunda gratidão a Deus, recordo aqui o fato, que, com poucas exce­
ções, o Evangelho tem tido o melhor acolhimento, em toda a parte onde tem
sido pregado por mim mesmo ou por meus colegas.
Meu desejo ardente e súplica constante a Deus são —que possa prosseguir
no mesmo trabalho sagrado durante o resto desta minha vida mortal.
O bem-estar da minha pátria, a moralização da sociedade, cuja felicidade só
o Evangelho pode assegurar, e a salvação eterna dos homens, são os fins que
tenho em vista. Estou nas mãos de Deus, e à disposição de todos a quem possa
servir no Evangelho de Jesus Cristo.
(...)
Lembro-me de ter lido nas obras do cardeal Wiseman: “A religião não tem
outro inimigo a combater senão a ignorância”. Esta é a missão do Evangelho e
da Igreja Evangélica.
Quando a Bíblia correr pelas mãos de todos os povos, então se hão de reali­
zar as promessas do Salvador, que a religião dele prevalecerá em toda a terra.230
Manifestar-se-á então a universalidade de sua Igreja. Gozar-se-ão a paz, a felici­
dade e prosperidade, prometidas por Deus ao mundo, e aneladas agora pelas
nações.
Deus apresse a vinda desse tempo.
Amém.
José Manoel da Conceição23'
São Paulo, 3 de maio de 1867

Presbiterianos e luteranos em Petrópolis


Quando A. L. Blackford iniciou atividade missionária em Petrópolis, (RJ), em
1871, os luteranos lhe cederam o uso do seu templo.232 O arranjo foi dificultado pela
estranheza do missionário presbiteriano do crucifixo no templo, reveladora de uma
postura biblicista e anticatólica (postura esta nutrida pela maioria das igrejas evangé­
licas). O crucifixo provou ser o pomo da discórdia que levou os presbiterianos a abri­
rem mão do privilégio do uso do templo luterano em 1875.

136
W ------------------------------------------------------------------

Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

DOCUM ENTO: Carta de Blackfordaj. Vorster, pastor luterano de Petrópolis


30 de março de 1875
Rev. J. Vorster
Caro irmão,
O Sr. [Emanuel] Vanorden me mandou, de Palmeiras, a carta que o Sr. lhe
dirigiu em 27 deste. Em resposta, peço licença para dizer que penso que, pelo
presente, não continuaremos a realizar nossos cultos na sua igreja. Eu lhe agra­
deço muito pela sua bondade e cortesia em nos acomodar até agora, mas não
desejo usar sua igreja de forma tal a provocar qualquer desarmonia no meio do
seu povo, ou entre ele e o nosso. Falei do crucifixo com o irmão e com o Sr.
Guilherme [Lindscheid] dos alemães. Nosso povo naturalmente conhece mais
ou menos o meu ponto de vista, o qual me sinto obrigado a lhe expressar clara­
mente. Falei sobre o assunto com o irmão porque julguei ser isto o meu dever,
e esperei que algum bem disso resultasse. Certamente, não posso esperar que
remova o crucifixo da igreja para agradar ou acomodar-se a mim e à nossa
congregação. Eu coloquei a questão em um nível mais elevado, esperando que,
ao examinar o assunto, o irmão talvez se convencesse daquilo que eu entendo
ser a posição correta sobre a questão, pois é, no meu entender, de importância
vital ao seu próprio trabalho e à causa da verdade. Como o irmão não tem
podido encai'ar o assunto dessa maneira, espero que nossa diferença não per­
turbe nossas relações amistosas, mas não me sinto à vontade para reunir nosso
povo por mais tempo diante daquilo que Deus proíbe de ser usado na adora­
ção. Sinto muito que tenha sido necessário discutir tal assunto; entretanto, o
fato de ter sido necessário não me entristece, uma vez que o debate foi iniciado.
Se o objeto e costume em pauta não passarem por um justo exame, isso não
lhes seria uma circunstância muito favorável.
Estou profundamente persuadido de que, até que se faça uma modificação,
os seus labores e os dos seus colegas que permitem a mesma prática de modo
algum produzirão qualquer bem espiritual.
A alta estima em que tenho o irmão e outros da sua irmandade me leva a
lamentar profundamente o que considero tão grave e danoso erro. Espero que
Deus possa conduzi-lo a ver e a fazer o que é correto para que obtenha a bênção
divina sobre o seu trabalho.
Seu fraternalmente,
A. L. Blackford
P.S.: Pretendo estar em Petrópolis no 22 domingo de abril e, nessa oportuni­
dade, espero vê-lo.233

137
História Documental do Protestantismo no Brasil

O protestantismo e a abolição da escravidão


A opinião dos protestantes no Brasil variava grandemente quanto à escravidão. Já
vimos que um dos fatores que atraíram os sulistas norte-americanos foi a possibilida­
de de adquirirem escravos no Brasil. Por outro lado, os documentos exibidos nesta
História Documental revelam considerável preocupação, em diversos níveis, com o
problema da escravidão. A carta do capitão Boys explicita sua preocupação com a
alfabetização e a instrução religiosa dos escravos (doc. 7). As cartas de Justin Spaulding,
na década de 30, deixam clara sua oposição à escravatura (cf. doc. 37), e a atuação da
Igreja Fluminense na expulsão de um dono de escravos assinala o seu repúdio à prática
(doc. 53). O documento abaixo, embora superestime ao exagero a influência protes­
tante no processo da abolição, pelo menos documenta a preocupação, tanto com os
escravos como com os negros libertos.234

( J a ) DOCUM ENTO: Palestra de Emanuel Vanorden, missionário presbiteriano


... milhões de escravos receberam a sua liberdade incondicional. Como é
que ela foi obtida? Não pela Igreja de Roma. A Igreja de Roma teve domínio
sobre o escravo por trezentos anos, e ainda o deixou escravo. Foi pelos missio­
nários dos Estados Unidos, com a Bíblia aberta nas suas mãos, ajudados pela
sua sociedade bíblica [ABS] e pelas sociedades missionárias de Londres, que
espalharam milhões de exemplares da Palavra de Deus; e... [foi] o povo do
Brasil ensinado a amar o próximo como a si mesmo. Aquela sentença [“Amarás
o teu próximo como a ti mesmo.”] trouxe a revolução à mente e ao coração dos
brasileiros. O governo não pôde conter o movimento abolicionista. Quinze
dias depois da promulgação da lei, os escravos já se encontravam livres.
Há três anos na qualidade de membro correspondente da Sociedade
Antiescravista de Londres, enviei telegramas ao Imperador do Brasil congratu-
lando-me com Sua Majestade pela libertação dos escravos em uma das provín­
cias do país. O primeiro ministro me respondeu por telegrama, agradecendo a
mensagem... Eu havia dito a Sua Majestade que orava a Deus para prolongar
sua preciosa vida a fim de que pudesse chegar a ver a inteira abolição da escra­
vatura dentro dos seus domínios... [Agora que os escravos já obtiveram sua
liberdade] Temos que ter escolas para eles; temos que ter professores para eles...
Eles devem receber instrução; estão dispostos a serem conduzidos ao trono da
graça; lançarão fora o romanismo e o paganismo, e aceitarão a singela história
do Evangelho do Senhor Jesus Cristo.235

138
T

Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

O estabelecimento do Sínodo da Igreja Presbiteriana (1888)


Problemas de escravidão e regionalismo resultaram na separação dos presbiterianos
norte-americanos, surgindo com isto, em 1861, a Igreja Presbiteriana nos Estados
Unidos (PCU S), popularmente conhecida como a Igreja Presbiteriana do Sul. Este
ramo presbiteriano enviou seus primeiros missionários ao Brasil —George Nash Morton
e Edward Lane —em 1869. A missão da PC U S, cujo centro de irradiação foi Cam pi­
nas, manteve relações cordiais com a da PCUSA, porém não se filiou ao Presbitério do
Rio de Janeiro.
A Aliança Mundial de Igrejas Reformadas realizou seu primeiro conclave mundial
em 1877, ajudando a criar um espírito de cordialidade e unidade entre os diversos
grupos de presbiterianos e reformados ao redor do mundo. Depois, por iniciativa do
Presbitério do Rio de Janeiro (PCUSA), após consulta com sua Junta de Missões em
Nova York, um “Plano de União das Igrejas Presbiteriana no Brasil” foi submetido às
respectivas juntas missionárias (Nova York e Nashville) em 1885. As duas igrejas con­
cordaram no plano. A Assembléia Geral da PC U S (Sul) aprovou, em 1887,
a criação de um Sínodo Brasileiro formado pelos presbitérios que se desligarão
de ambas as assembléias neste país [Estados Unidos], assim constituindo no
Brasil uma Igreja distinta e independente, livre de controle do estrangeiro.236
O Sínodo se constituiu do Presbitério do Rio de Janeiro (da PCUSA , formado em
1865) e dos dois presbitérios da PC U S, respectivamente o de Campinas e Oeste de
Minas (fundado em 1887) e o de Pernambuco (1888).

Ç 6 5 ) DOCUM ENTO: O ato constitutivo do Sínodo (1888)


Nós, os membros dos Presbitérios do Rio de Janeiro, de Campinas e oeste
de Minas e de Pernambuco, autorizados pelas Assembléias Gerais de nossas
respectivas igrejas nos Estados Unidos, nos desligamos delas, e, juntamente
com as igrejas pertencentes aos presbitérios acima mencionados, nos constitu­
ímos em um sínodo que deverá ser chamado Sínodo da Igreja Presbiteriana no
Brasil, sobre as seguintes bases:
I. Da Organização
§ 1 . 0 Sínodo terá sob sua jurisdição todas as igrejas pertencentes aos pres­
bitérios acima mencionados, as que no futuro forem por eles organizadas, e as
que se lhes associarem.
§ 2. Os símbolos da Igreja assim constituída serão a Confissão de Fé e os
Catecismos da Assembléia de Westminster, recebidos atualmente pelas igrejas
presbiterianas nos Estados Unidos, e o Livro de Ordem publicado na Imprensa

139
História Documental do Protestantismo no Brasil

Evangélica de 1881, com as emendas já anotadas pelos presbitérios.


(...)
§ 6. O Sínodo terá a prerrogativa de dividir-se em dois ou mais sínodos,
quando julgar conveniente, para constituir-se então uma assembléia geral se­
gundo as determinações do Livro de Ordem.
II. Das Relações Entre a Igreja Presbiteriana no Brasil e as Igrejas no Estran­
geiro, que Mantêm Atualmente ou Venham a Manter no Futuro Missões no
Brasil, ou a Prestar seu Auxílio à Obra de Evangelização
§ 1. As ditas igrejas no estrangeiro escolherão as obras ou trabalhos de
evangelização que quiserem manter ou auxiliar no país, contanto que nada se
faça contra a vontade expressa do conselho supremo da Igreja no Brasil.
§ 2. Nomearão também as referidas igrejas os seus agentes e comissões locais
para administrarem na parte que lhes tocar os referidos trabalhos, e para o
dispêndio e fiscalização do auxílio pecuniário que fornecerem. Os presbitérios,
porém, respeitarão, quanto for compatível com as suas prerrogativas eclesiásti­
cas, as disposições que as referidas igrejas ou as suas comissões locais quiserem
fazer dos missionários ou outros trabalhadores evangélicos que mantiverem no
Brasil.
§ 3. As igrejas auxiliadoras no estrangeiro regularão entre si suas relações
mútuas e, por meio de suas respectivas mesas administrativas, combinarão so­
bre as obras e trabalhos que empreenderem e sobre as localidades e territórios
que quiserem ocupar.237

OS BATISTAS

Introdução
Os batistas das duas alas principais são fruto do movimento puritano-separatista
da reforma inglesa. Os batistas gerais, arminianos na sua teologia, muito devem a
John Smyth (1570-1612), um separatista que levou a congregação de Gainsborough a
Amsterdam, onde, por influência menonita, batizou a si próprio (1608 ou 1609) e em
seguida outros da sua congregação. Uma parte dessa congregação voltou para a Ingla­
terra e fundou, em 1611 ou 1612, à rua Newgate, Londres, a primeira congregação
batista em solo inglês. Um grupo, de convicções batistas, se separou da Igreja
Congregacional de Southwark,238 em 1633, para fundar a primeira congregação ba­
tista particular, de teologia calvinista. Em 1641, esta congregação adotou o Batismo
por imersão, prática logo aceita por todos os batistas ingleses.

140
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

As convicções religiosas que levaram puritanos e separatistas à Holanda, levaram


outros, com semelhantes idéias, a emigrarem para o Novo Mundo, notadamente uma
parte da congregação de Leiden que estabeleceu a colônia da Baía de Plymouth
(Massachusetts) em 1620.239 Roger Williams (1604P-1683) e outros, banidos de
Massachusetts, fundaram a primeira Igreja Batista na América do Norte (1639) em
Providence, Rhode Island.
Os batistas organizaram sua primeira convenção em Filadélfia em 1707, no mes­
mo local onde os presbiterianos tinham organizado o seu primeiro presbitério no ano
anterior, adotando a chamada “Confissão de Filadélfia”. “A Confissão de Fé de Fila­
délfia... era uma versão, ligeiramente emendada da Confissão de Fé de Westminster,
segu indo as m udan ças in trodu zid as pela D eclaração de Savoy (1 6 5 8 ) dos
congregacionais ingleses, com uma modificação adicional sobre o Batismo.”240 A ex­
pansão batista durante o período colonial (até 1783) se deveu principalmente aos
farmer-preachers, pessoas que se sentiam vocacionadas para proclamar a Palavra de
Deus, mas que não tinham muito preparo nem sentiam necessidade dele. Ganhavam
o seu sustento na própria lavoura, pregando conforme a oportunidade surgia. Conse­
qüentemente, não houve muita preocupação com a preparação teológica nos tempos
coloniais, ainda que nesse período —1764 —tenha sido fundado o Rhode Island College,
a atual Brown University.
Adoniram Judson (1788-1850), que influiu na fundação do BoardofCommissioners
for Foreign Missions (1810), basicamente congregacional, aceitou a posição batista
quanto ao Batismo, durante a viagem que o conduzia à índia como missionário da
referida Junta. Sua conversão precipitou a formação, pelos batistas, da sua Junta
Missionária (1814). A necessidade de reunir as forças batistas para a manutenção da
obra missionária forçou-os, com sua política eclesiástica congregacional, a se constitu­
írem em denominação.
A exemplo das outras igrejas protestantes norte-americanas, os batistas também se
dividiram por causa da escravidão: as juntas missionárias, tanto a nacional como a
estrangeira, recusaram-se a aceitar donos de escravos como missionários. Nasceu as­
sim em Augusta, Geórgia, a 8 de maio de 1845, a Convenção Batista do Sul.
A vinda deThom as Jefferson Bowen para o Rio de Janeiro representou a primeira
tentativa da convenção sulista de fundar uma missão no Brasil. Com o foi visto acima,
pregadores metodistas e presbiterianos organizaram congregações na colônia sulista
de Santa Bárbara do Oeste, SP; o mesmo ocorreu com os batistas que organizaram

141
História Documental do Protestantismo no Brasil

duas igrejas em 1871. Uma década depois, teve início o trabalho permanente entre
brasileiros, com a vinda dos missionários William Buck Bagby e Zachery C. Taylor e
suas respectivas esposas, Anne Luther Bagby e Kate Crawford Taylor. A igreja que
fundaram em Salvador da Bahia, em 15 de outubro de 1882, é considerada a primeira
Igreja Batista brasileira.

A c o n fissão de fé d o s b atistas
A Confissão de Fé de Filadélfia, bastante parecida com a de Westminster, menos
na eclesiologia e na compreensão do Batismo, foi, em grande medida, substituída por
uma outra, redigida por John Newton Brown, c. 1833, e adotada pela convenção
batista de New Hampshire, de onde deriva seu nome. Quando da fundação da Igreja
Batista da Bahia (12 de outubro de 1882), a Confissão de Fé de New Hampshire foi
oficialmente adotada, e desde então tem sido a confissão de maior aceitação entre os
batistas brasileiros.241

(^6fT) DOCUM ENTO: A Confissão de Fé New Hampshire (c. 1833)


I. Das Escrituras. Cremos que a Bíblia Sagrada foi escrita por homens divi­
namente inspirados, e é um perfeito tesouro de instrução celestial; que Deus é
seu autor, a sua finalidade é salvação e verdade, a sua matéria não tem qualquer
mistura de erro; que a Bíblia revela os princípios pelos quais Deus há de nos
julgar; portanto ela é, e será até o fim do mundo, o verdadeiro centro da união
cristã, e o supremo cânon pelo qual devem ser julgados toda conduta, credo e
opinião dos homens.
II. Do Deus Verdadeiro. Cremos que há um, e apenas um, Deus vivo e verda­
deiro, um Espírito infinito e inteligente, cujo nome é Jeová, criador e soberano
supremo dos céus e da terra, inefavelmente glorioso em santidade e digno de
toda honra, confiança e amor possíveis; que na unidade da divindade há três
pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito; iguais em toda a divina perfeição, e execu­
tando distintas e harmoniosas funções na grande obra da redenção.
III. D a Queda do Homem. Cremos que o homem foi criado em santidade,
sob a lei do seu criador; mas por transgressão voluntária caiu daquele santo e
feliz estado; como conseqüência todos os homens são pecadores, não por ne­
cessidade, mas por escolha; sendo por natureza totalmente destituídos daquela
santidade exigida por Deus, positivamente inclinados ao mal; e, portanto, sob
justa condenação à ruína eterna, sem defesa nem desculpa.
IVDo Caminho da Salvação. Cremos que a salvação dos pecadores é só pela
graça através do ofício mediador do Filho de Deus; que pela determinação do

142
T

Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Pai, tomou livremente sobre si a nossa natureza, porém sem pecado; honrou a
lei divina por sua obediência, e por sua morte operou plena expiação dos nos­
sos pecados; que tendo ressurgido dos mortos, agora está entronizado no céu; e
unindo na sua maravilhosa pessoa as mais tenras simpatias com divinas perfei-
ções, ele é qualificado em todo sentido para ser um aptó, misericordioso e
todo-suficiente salvador.
V D a Justificação. Cremos que a grande bênção evangélica que Cristo pro­
porciona aos que nele crêem é a justificação; que a justificação inclui o perdão
dos pecados, e a promessa da vida eterna [na base de] princípios de justiça; que
é concedida, não em consideração a quaisquer obras de justiça que temos feito,
mas unicamente pela fé no Sangue do Redentor; por virtude desta fé, sua per­
feita justiça nos é imputada livremente por Deus; que nos conduz ao estado da
mais abençoada paz e favor com Deus, e nos proporciona toda a bênção neces­
sária para o tempo e a eternidade.
VI. Da Natureza Livre da Salvação. Cremos que as bênçãos da salvação são
colocadas à disposição de todos pelo Evangelho; que é o dever imediato de
todos aceitá-las por uma fé cordial, penitente e obediente, e que nada priva da
salvação o maior pecador do mundo senão sua própria e inerente depravação e
rejeição voluntária do Evangelho; e esta rejeição o envolve em condenação agra­
vada.
VII. D a Graça na Regeneração. Cremos que, a fim de serem salvos, os peca­
dores têm que ser regenerados, ou nascidos de novo; que a regeneração consiste
em dar uma santa disposição à mente; que é efetivada de uma maneira acima
da nossa compreensão pelo poder do Espírito Santo, em conexão com a verda­
de divina, de tal maneira a conseguir nossa obediência voluntária ao Evange­
lho; e que sua apropriada evidência aparece nos santos frutos do arrependi­
mento, fé e novidade de vida.
VIII. Do Arrependimento e Fé. Cremos que o arrependimento e a fé são
deveres sagrados e também graças inseparáveis, operadas em nossas almas pelo
Espírito regenérador de Deus; pelo que, estando profundamente convencidos
da nossa culpa, perigo e debilidade, e do caminho da salvação por Cristo,
voltamo-nos para Deus com contrição, confissão e súplicas de misericórdia
não fingidas; ao mesmo tempo, de coração recebendo o Senhor Jesus Cristo
como nosso Profeta, Sacerdote e Rei, confiando só nele como o único e todo-
suficiente Salvador .
IX. Do Divino Propósito da Graça. Cremos que a eleição é o eterno propósito
de Deus, pelo que ele graciosamente regenera, santifica e salva pecadores; que,
sendo perfeitamente coerente com a livre agência do homem, abrange todos os
meios relacionados a este fim; que é uma gloriosíssima demonstração da sobe­

143
História Documental do Protestantismo no Brasil

rana bondade de Deus, infinitamente livre, sábio, e imutável; que ela elimina
completamente a vangloria e promove humildade, amor, oração, louvor, confi­
ança em Deus e ativa imitação da sua livre misericórdia, que encoraja o uso dos
meios no mais alto grau; que pode ser percebida pelo efeito em todos os que
verdadeiramente crêem no Evangelho; que é o fundamento da segurança cris­
tã; e que torná-la certa quanto a nós exige e merece a máxima diligência.
X. D a Santificação. Cremos que a santificação é o processo pelo qual, con­
forme a vontade de Deus, somos feitos participantes da sua santidade; que é
uma obra progressiva; que começa com a regeneração e é efetivada no coração
dos crentes pela crença e poder do Espírito Santo, o selador e confortador, no
uso contínuo dos meios designados, especialmente a Palavra de Deus, auto-
exame, abnegação, vigilância e oração.
XI. D a Perseverança dos Santos. Cremos que só aqueles que permanecem até
o fim são verdadeiros crentes; que seus perseverantes vínculos com Cristo são o
grande marco que os distingue dos processos superficiais; que uma providência
especial vela pelo seu bem-estar; e são guardados por intermédio do poder de
Deus pela fé para salvação.
XII. D a Harmonia de Lei e Evangelho. Cremos que a lei de Deus é a regra
eterna e imutável do seu governo moral; que é santa, justa e boa; e que a inca­
pacidade de cumprir seus preceitos, que as Escrituras atribuem ao homem de­
caído, nasce inteiramente do seu amor ao pecado; redimi-lo disso e restaurá-lo
pelo Mediador à obediência não fingida da lei santa é o único grande fim do
Evangelho, e dos meios de graça ligados ao estabelecimento da Igreja visível.
XIII. Da Igreja Evangélica. Cremos que a Igreja visível é uma congregação
de crentes batizados, associados por pacto na fé e comunhão do Evangelho;
observando as ordenanças de Cristo; governados por suas leis e exercendo os
dons, direitos e privilégios investidos neles por sua Palavra; que suas únicas
autoridades oficiais bíblicas são bispos, ou pastores, e diáconos, cujas qualifica­
ções, direitos e deveres estão definidos nas epístolas a Timóteo e Tito.
XIV. Do Batismo e da Ceia do Senhor. Cremos que o Batismo cristão é a
imersão de um crente na água, em nome do Pai, do Filho e do Espírito; para
mostrar, num distintivo solene e belo, nossa fé no Salvador crucificado, sepul­
tado e ressurreto, resultando em nossa morte para o pecado e ressurreição para
a nova vida; que é o requisito indispensável aos privilégios tanto da relação com
uma Igreja [ou seja, de tornar-se membro dela] quanto da Ceia do Senhor, em
que os membros da Igreja, pelo uso sagrado do pão e do vinho, devem come­
morar juntos o amor do Cristo crucificado, precedido sempre de solene auto-
exame.
XV. Do Sábado Cristão. Cremos que o primeiro dia da semana é o dia do

144

Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Senhor, ou seja, o sábado cristão; e ele deve ser mantido sagrado para propósi­
tos religiosos, pela abstenção de todo labor secular e recreações pecaminosas;
pelo uso devoto de todos os meios de graça, tanto particulares como públicos;
e pela preparação para o repouso que resta para o povo de Deus.
XVI. Do Governo Civil. Cremos que o governo civil é de mandato divino,
para o benefício e boa ordem na sociedade humana; e que magistrados devem
ser o objeto de oração; conscienciosamente honrados e obedecidos, exceto uni­
camente em coisas contrárias à vontade de nosso Senhor Jesus Cristo: único
Senhor da consciência, e príncipe dos reis da terra.
XVII. Dos Justos e Injustos. Cremos que há uma radical e essencial diferença
entre os justos e os injustos; e só aqueles justificados pela fé no nome do Se­
nhor Jesus e santificados pelo Espírito do nosso Deus são realmente justos aos
seus olhos, enquanto todos os que continuam na impenitência e incredulidade
são injustos aos seus olhos, e sob maldição; e esta distinção existe entre os ho­
mens tanto na morte como depois dela.
XVIII. Do Mundo Vindouro. Cremos que o fim do mundo se aproxima; que
no último dia Cristo descerá do céu e levantará os mortos da sepultura para a
retribuição final; que uma separação solene então acontecerá, que os injustos
serão condenados à punição eterna e os justos irão para o gozo eterno; e que
esse juízo fixará para sempre o estado final dos homens no céu ou no inferno,
conforme princípios da justiça.242

A prim eira m issão b atista no Brasil ( I 8 5 9 - 1 8 6 1 )


Desde 1850, a Convenção Batista do Sul buscava estabelecer missões no Brasil,
mas os esforços de quase uma década não produziram nenhum resultado positivo.
Novamente em 1859, mediante recomendação da Junta Missionária, a Convenção
deliberou: “Um a missão deve ser aberta lá [no Brasil] no ano que vem, se possível”.243
N a realidade, Thomas Jefferson Bowen e sua esposa missionários que haviam traba­
lhado entre os Ioruba, na África Ocidental, pediram transferência para o Brasil por
motivos de saúde. Bowen utilizou seu conhecimento do idioma dos Ioruba para fazer
contato com escravos nos arredores do Rio de Janeiro. H á evidência de que sua comu­
nicação com os escravos, na sua própria língua, causou suspeitas e resultou na sua
• " 244
prisão.

© DOCUM ENTO: A missão do casal Thomas Jejferson Bowen no Brasil


Em 1860, a Junta [de Missões] relatou: “O Rev. T. J. Bowen, tendo-se ofe­
recido à Junta, foi transferido da missão Ioruba para levar a mensagem de salva­

145
História Documental do Protestantismo no Brasil

ção ao Brasil. Ele receiou ter de voltar a Ioruba em virtude das dificuldades
surgidas no seu sistema nervoso”. O Sr. e a Sra. Bowen, com sua filhinha,
zarparam de Richmond [Virgínia] na barca Abigail, na sexta-feira, dia 30 de
março de 1859. Em quatro ou cinco semanas chegaram, contentes, à cidade de
Rio de Janeiro, onde por algum tempo, ou talvez em caráter permanente, espe­
ravam fixar residência. Em 1861, as notícias funestas foram comunicadas à
Convenção: A missão encetada pelo irmão Bowen no Rio [de] Janeiro foi aban­
donada. Um completo abatimento de saúde forçou-o a voltar. Chegou mais ou
menos no primeiro dia de abril. Que Deus graciosamente restaure sua saúde e
lhe conceda prolongada e grande utilidade no lar e que nossa irmã sinta o apoio
e a consolação da divina presença. Os obstáculos pareciam tão grandes e a
probabilidade de superá-los tão pequena, que, mesmo antes que a saúde do
irmão Bowen o obrigasse a voltar, a Junta resolveu submeter à Convenção a
questão da sua retirada. A Junta não considera aconselhável reabrir esta mis­
são.245

A Igreja Batista de Santa Bárbara pede missionários


A maioria dos imigrantes sulistas norte-americanos que fixaram residência no Bra­
sil depois da guerra de secessão era protestante. Os batistas organizaram duas igrejas
entre esses imigrantes de Santa Bárbara do Oeste: a de Santa Bárbara propriamente
dita (cf. doc. a seguir) e uma menor no local chamado Station , a estação da nova
estrada de ferro, atual Americana.246 Em 1872, a Igreja de Santa Bárbara resolveu
lançar um apelo para a vinda de missionários, pelos motivos expostos nos documen­
tos abaixo.

(e £ ) DOCUMENTO: A carta da Igreja de Santa Bárbara


Província de São Paulo, Sta. Bárbara
Brasil, 11 de janeiro de 1873
Ao secretário-correspondente da junta de Missões Estrangeiras,
Permita-nos declarar-lhe que, desde 1865, diversos cidadãos do Sul dos Es­
tados Unidos mudaram-se para o Império do Brasil e estão localizados nesta
província - em São Paulo e no distrito de Santa Bárbara - a maioria dos quais
se dedica à lavoura (donos de terras etc.) e está radicada aqui. Que, no dia 10 de
setembro de 1871, alguns deles, com cartas de várias igrejas batistas dos estados
acima mencionados, uniram-se e organizaram uma igreja sob o nome de Pri­
meira Igreja Batista Norte-Americana do Brasil, que a esta altura possui vinte e
três (23) membros, com um pastor e os oficiais adicionais que as igrejas batistas

146
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

geralmente possuem. Que no dia 12 de outubro de 1872, a igreja, em assem­


bléia, adotou a seguinte resolução:
Resolve-se que os irmãos R[obert] Meriwether, R[obert] Brodnax, e D[avid]
Davis, sejam nomeados para se comunicarem com a Junta de Missões Estran­
geiras, da Igreja Batista, em Richmond, Virgínia, no tocante ao envio de missi­
onários para este país.
Dado em assembléia da igreja, 12 de outubro de 1872.
Assinado, R[ichard] Ratcliff, pastor
W. H. Meriwether, sec.247

DOCUM ENTO: A comunicação da comissão


... Agora, enquanto Igreja, não solicitamos auxílio financeiro para construir
uma casa de adoração ou para pagar o nosso pregador; somos capazes, sob as
bênçãos da Providência, de manter a nossa própria casa. Mas não temos a pos­
sibilidade de enviar homens para pregar aos outros; não dispomos nem de ho­
mens e nem de meios para esse propósito. Como o varão da Macedônia, nós
“rogamos que passe à Macedônia, e ajude-nos” Se vier, sua recepção não será
semelhante à do grande apostólo,248 mas nossos lares estarão abertos, nosso
progresso, nossa influência e nossos labores estarão com o Sr. e a seu favor.
Esperamos que uma grande comunidade batista neste país será somada à gran­
de família batista mundial, ensinando, pregando, e praticando a fé que uma
vez foi dada aos santos.249 O pastor da igreja, (Rev. Richard Ratcliff) vindo de
Luisiana, já está no país há cinco anos ou mais, tendo sido aluno do falecido
Rev. Hartwell. Ele é bem qualificado para a posição, e mui aceitável membros;
prega uma vez por mês, e recebe o salário anual de 150 dólares. Um outro
pregador batista, Rev. R[obert Porter] Thomas, de Arkansas, que está aqui há
mais de um ano, prega gratuitamente. Estes, com o Sr. Piles, da Flórida (que
reside) a uma distância de 75 milhas, cercado inteiramente de brasileiros, cre­
mos serem os únicos pregadores batistas no país.250 Devemos acrescentar que
muitos sacerdotes aqui são homens de grande capacidade e erudição.
Respeitosa e verdadeiramente, em amor cristão,
Robert Meriwether
Robert Broadnax
David Davis

147
História Documental do Protestantismo 110 Brasil

Início da m issão b atista entre o s b rasileiro s: fu n dação da Igreja B atista em


Salv a d o r da Bahia, I 8 8 2
Os primeiros missionários batistas enviados ao Brasil - William Buck Bagby e sua
esposa Anne Luther Bagby - chegaram ao Rio de Janeiro em 2 de março de 1881, após
uma viagem de 48 dias. Partiram imediatamente de trem para Santa Bárbara, via São
Paulo.251 Foram seguidos um ano depois pelo casal Zachery Clay Taylor e Kate
Crawford Taylor, que após 42 dias de viagem marítima chegaram ao Rio de Janeiro
em 23 de fevereiro de 1882.252 Bagby se ocupou da pregação nas duas pequenas igre­
jas batistas de Santa Bárbara e no aprendizado do português, em Campinas. Encon­
traram em Santa Bárbara o ex-padre Antônio Teixeira de Albuquerque, já integrado à
Igreja Batista. Após extensas viagens para descobrir o lugar mais apropriado para a sua
primeira sede, os dois casais de missionários, acompanhados do ex-sacerdote, rumaram
para Salvador da Bahia, onde se constituíram em igreja.

Ç 7 ^ ) DOCUM ENTO: Ata prim eira da sessão de instalação da Primeira Igreja


Batista na cidade da Bahia, 1882
No dia 15 de outubro de 1882 da era cristã, estando nesta cidade da Bahia,
no lugar denominado Canela, às 10 horas da manhã os abaixo-assinados, mem­
bros da Igreja Batista de Sta. Bárbara, na província de São Paulo, tendo-se
retirado daquela província para esta, uniram-se à Igreja Batista, fazendo a sua
instalação legalmente. São os seguintes: Sr. Antônio Teixeira de Albuquerque,253
Sr. Z. C. Taylor, D. Catharina Taylor, Sr. W. B. Bagby, D. Anna L. Bagby.
(...)
Depois de instalada a igreja, com os cinco membros supra mencionados,
adotamos unanimamente a Confissão de Fé, chama-se “The Neu [sic]
Hampshire” Confissão de Fé, como praticada geralmente pelas igrejas batistas
missionárias.
Adotamos o seguinte pacto: o Sr. Bagby foi eleito por unanimidade de votos
- moderador - o Sr. Antônio Teixeira de Albuquerque —idem - secretário. O
nome da igreja foi intitulado: Primeira Igreja Batista na Bahia. Por unanimida­
de de votos, foi designado o 2o domingo de cada mês para Ceia do Senhor,
depois da pregação às 11 horas da manhã. —Foi designado que haveria reunião
da igreja para oração e negócios da igreja.
Encerrada a sessão, tem em seguida: culto, pregação do Evangelho e celebra­
ção da Ceia do Senhor.

148
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Eu secretário a escrevi e assino-me,


Antônio Teixeira de Albuquerque
Bahia, 10 de maio de 1883.254

DOCUM ENTO: Os missionários Bagby e Taylor descrevem os inícios da sua


obra na Bahia
Em 15 de outubro [1882] os missionários se constituíram na “Primeira Igreja
Batista na Bahia” e no que se chama, tecnicamente, uma “missão”.255 Um gran­
de edifício, na parte central da cidade, que, como dizem, “serve de casa e de
igreja”, foi conseguido por $ 650 U.S., por ano. O salão de pregação acomoda
umas duzentas pessoas. No dia 15 de novembro a Sra. Bagby escreveu:
Estamos prestes a iniciar a obra verdadeira. O Sr. Bagby está pronto agora
para pregar, tendo já pregado (algumas vezes), e o Sr. Taylor já leu diversos
sermões em português, de sua própria autoria. Naturalmente, a Sra. Taylor e eu
nos alegramos desde já com a formação de classes bíblicas para senhoras, visitas
aos lares nativos, e a realização da legítima obra da igreja. Estou quase desani­
mada pela demora, porém, esforço-me por trabalhar enquanto espero.
No dia 13 de dezembro o irmão Bagby relatou:
Durante o trimestre próximo passado, preguei doze sermões em português,
seis na capela presbiteriana e seis em nossa própria casa. Já traduzi O Catecismo
Batista para crianças, e agora estou trabalhando numa História dos Batistas.
Em 15 de janeiro [1883] o irmão Taylor escreveu:
Estamos no começo do nosso trabalho há tanto esperado. Temos três cultos
públicos por semana. Na noite passada tivemos vinte ouvintes. Ainda não te­
mos feito muito trabalho de “caminhos e atalhos”256 pois estávamos pondo em
ordem a nossa casa e acompanhando a publicação dos nossos livros A Bíblia
sobre o Batismo e Usos da Igreja e Regras de Ordem. Temos em mãos o valor de $
500 U.S. em Bíblias e folhetos.
Usamos a versão de Figueiredo da Bíblia, publicada pela Sociedade Biblica
Britânica e Estrangeira em Lisboa, que tem a aprovação do arcebispo da Bahia.
Segue-se uma comparação com a versão King Jam esP7 Figueiredo tem, em
lugar de com (with, em inglês), a preposição fw...2SS
No último relatório trimestral o irmão Bagby escreveu:
No segundo Dia do Senhor, em janeiro, iniciamos cultos públicos em nosso
salão de pregação.25‘J Desde então, tenho pregado em todo domingo, menos
um. Estou adquirindo algum desembaraço no falar e pregar em português, mas
pode ser que eu demore alguns anos até que possa usar a língua com perfeita
fluência. Espero logo poder falar totalmente sem manuscrito.
Domingo à noite tivemos cerca de setenta pessoas presentes. Nossa influên-

149
História Documental do Protestantismo no Brasil

cia parece estar sempre aumentando. Muitos estão lendo os tratados e folhetos
que distribuímos. Os sacerdotes nos denunciaram publicamente, e advertiram
o povo contra a assistência aos nossos cultos, apesar disto eles vêm.260

Antônio Teixeira de AlbuQuerQue, primeiro pastor batista brasileiro


Antônio Teixeira de Albuquerque (1840-1887), alagoano, foi ordenado em Forta­
leza, Ceará, em 1871; exerceu o sacerdócio em Maceió, Alagoas, e no Recife. Tendo
conhecido a Bíblia no Seminário de Olinda, pelo seu estudo foi levado a “abjurar a
Igreja de Roma”.261 Foi evangelizado por um antigo colega de escola, Wandregésilo de
Mello Lins, que freqüentava os cultos presbiteriano e congregacional, no Recife. De­
pois, o Rev. John Rockwell Smith, que organizou a Igreja Presbiteriana do Recife, em
11 de agosto de 1878, oficiou o seu casamento com D . Senhorinha Francisca de Jesus,
no dia 7 de setembro do mesmo ano.262 A seguir o Rev. John James Ransom, metodista,
recebeu o casal Antônio e Senhorinha à comunhão da Igreja M etodista (sem os
rebatizar), no Rio de Janeiro, a 9 de março de 1879. Ransom colocou Antônio imedi­
atamente como pregador e pensou em empregá-lo como evangelista metodista.263
Poucos meses depois, o ex-padre juntou-se aos batistas em Santa Bárbara, onde se
tornou membro da Igreja da Estação, e o primeiro pregador batista brasileiro.264
Co-fundador da Igreja Batista da Bahia, o ex-padre expôs num panfleto as razões
que o levaram a deixar a Igreja Católica Romana.265 O panfleto circulou largamente
em Maceió, onde o autor fora padre, e que agora revisitava em campanhas evangelísticas
batistas. Foi ele o principal responsável pela fundação da Igreja Batista de Maceió, da
qual ele, sua esposa e seu filho foram membros fundadores (17 de maio de 1885), e da
qual foi pastor até sua morte em 9 de abril, 1887.

( jF l) DOCUM ENTO: Três razões por que deixei a Igreja de Roma (excerto)
Pelo ex-padre Antonio Teixeira d’Albuquerque
Missa ou transubstanciaçao - celibato obrigatório - confissão auricular
As três razoes que servem de epígrafe a este livrinho foram as que primeira­
mente me fizeram vacilar sobre a veracidade da Igreja de Roma, ainda que me
achasse longe da Bíblia e sem conhecimento pleno dela.
Abalado na razão e na consciência, tive uma hora feliz; compenetrei-me no
dever de estudar séria e cuidadosamente a Palavra de Deus, ora confrontando
as diversas versões, para certificar-me se havia Bíblia falsa, ora meditando sobre
cada mandamento de Deus, ensinos e preceitos de Jesus Cristo, Fiquei surpre­
endido; pois todas as versões vinham do mesmo original (grego)266 e eram

150
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

iguais. Não havia Bíblia falsa. Estas coisas eram inteiramente novas para mim.
O véu dos mistérios do papa foi se rasgando pouco a pouco ao passo que ia
lendo a Bíblia, vendo a vontade de Deus revelada aos homens; e de tal maneira
que pude descobrir muitas outras razões por que não devia mais me demorar
em tal igreja.
As más doutrinas por si mesmas se condenam: erros, superstições, idolatrias,
contradizem-se à vista da Bíblia e da razão. Vi a condenação da Igreja de Roma.
Então chegou aos meus ouvidos um aviso imperioso, mas consolador, qual
nos dias de Noé e de Ló; um aviso e salvação, e salvação divina, perfeita e
eterna: “Sai dela, povo meu; para não serdes participantes dos seus delitos, e
para não serdes compreendidos nas suas pragas” (Ap. 18.4).
Educado na solidão de um antigo convento de jesuítas, sob a direção de seis
padres da Companhia, aprendi a teologia romana, tendo de obedecer a todos os
dogmas cegamente. Não tive tempo de engolfar-me na cobiça, nem e enredar-
me nos turbilhões políticos em que tomaram parte muitos do clero, desampa­
rando suas vigararias, para intrometerem-se nos negócios seculares e nas elei­
ções.
Nem a política secular ou religiosa, nem pretensão alguma de empregos,
categorias ou benefícios eclesiásticos, foram a causa da minha saída do
romanismo; mas, somente a sua doutrina, principalmente os três pontos se­
guintes a missa ou transubstanciação, o celibato obrigatório, e a confissão auricular.
Caro eleitor, cumpre-me declarar-vos, que não fui levado a abjurar a Igreja
de Roma por promessa de dinheiro ou emprego nas Igrejas evangélicas; ao
contrário, desde aquele tempo tenho sofrido muitas privações; e mais: o
romanismo, sim, sempre me tem oferecido vantagem, vigararias (no princípio,
para voltar a ele; dinheiro, casa e empregos - hoje mesmo). Todos estão enga­
nados; porque não fui arrastado ou convencido por homens, mas pela Bíblia,
que também ouvia dizer na Igreja de Roma que era a Palavra de Deus.
Outrossim, importa dizer-vos ainda, que não fui banido, expulso ou
exaustorado de padre, por bispo algum até hoje (que podiam ter feito, sem que
me incomodasse com isso); mesmo remeti ao bispo um oficio comunicando-
lhe a minha retirada definitiva da sua igreja, pedindo-lhe que me riscasse da
linhagem sacerdotal, por não ser verdadeira, nem autorizada por Cristo, pois
não consta da Bíblia que Jesus Cristo instituísse tal ofício.
Ainda mais, caro leitor; deixei o romanismo, não por causa duma mulher,
como alguns apregoam, não achando outro motivo; pois, todos sabem que,
quando muito, um padre poderá ser suspenso (raramente) por algum tempo, e
depois pode continuar no seu ofício, embora o crime de honra permaneça!
quem pode contestar esta verdade? verdade triste prejudicial; mas é verdade.

151
História Documental do Protestantismo no Brasil

Portanto, retirei-me do romanismo, livre e espontaneamente, assim como


abracei o Evangelho livre, espontânea e cordialmente.
Agora passo a explicar as três razões.
I. A missa ou transubstanciação
Este dogma tão extraordinário, em que está fundada a Igreja de Roma, efei­
to do poder supositício do padre,161 nunca foi inteiramente crido por mim,
apesar de nunca ter lido este ponto na Bíblia. Adorava todas as hóstias e cálices
consagrados pelos padres, talvez com alguma crença; mas, depois que eu mes­
mo passei a possuir o dito poder (?) de transubstanciá-los, não pude mais ter um
só vislumbre de crença.
(...) .
II. O celibato obrigatório
A ignorância em que vive o povo é a causa do clero viver como quer, porque
não pode ser casado!
Não é de instituição divina o celibato obrigatório, ou o padre não poder ser
casado; mas só veio do cérebro papal.
Eu sabia bem que o padre era obrigado a guardar o celibato por causa de
dizer-se - “ser um estado mais puro, mais santo, consentâneo ao ofício sacerdo­
tal”, e também que eles tomavam este exemplo de Cristo pretendendo ser como
Ele.
Lastimo que tantos têm-se obrigado a imitá-lo neste sentido, mas acabam
como Le grenouille qui veut sefaire aussi grosse que le boeup.2('s
Eu sabia e via, porém, outras cousas mais: - sabia e via como era que os
padres em roda de mim guardavam a suposta castidade —com impureza, tendo
cada qual sua família; alguns, hipocritamente, escondendo-a algumas léguas
distante, outros como o meu vigário, o coadjutor e o meu lente de latim et
reliquia, preferiam çonservá-la em sua própria casa!
À vista do que, todos os moços ficam sabendo que a teoria é castidade, mas
a prática é mancebia; de maneira que, à vista da prática, não faz muito medo
ser-se um padre, pois consolar-se-ão uns com os outros: farão com eles, tendo
cada um, logo depois de ordenado, sua família.
(...)
III. Confissão auricular e absolvição
A confissão feita ao ouvido do padre é uma invenção perigosa, que não tem
fundamento algum nas Escrituras Sagradas.
O romanismo tem inventado causas prejudiciais e de efeitos impuros. A
confissão auricular é a chave que abre, muitas vezes, o tesouro das iniqüidades:
qual sedutora serpe no Éden, assim o padre sibila ao ouvido da jovem incauta.
Quantos casos tristes, negros e horrorosos tinha de narrar, efeitos da confis-

152
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

são? O penitente, o padre, o segredo!


Oh! pais de famílias, tende cuidado e compaixão de vossos filhos! Dai-lhes a
fé e a moral do Evangelho, e tereis aberto para eles um tesouro inesgotável das
riquezas inefáveis de Cristo! No Evangelho achareis para vós .e para eles todos
os remédios capazes para curar as vossas enfermidades, que são os vossos peca­
dos, e vereis aquele que somente pode perdoar os vossos pecados e dar-vos uma
perfeita e completa absolvição deles, sem ser preciso a intervenção do padre.
“Quem pode perdoar pecados senão só Deus?” (S. Marcos 2.7).269

OS EPISCOPAIS

Introdução
Estabelecida na América do Norte antes da chegada dos puritanos à Nova Inglater­
ra, em 1620,270 a Igreja da Inglaterra foi a Igreja oficial nas colônias do Sul (dos atuais
Estados Unidos) antes da Revolução Americana (1765-1783). Durante a luta pela
independência, grande parte do clero anglicano, inclusive muitos missionários da
Sociedade para a Propagação do Evangelho no Estrangeiro (S.P.G.), tories em política
(contrários, portanto, à Revolução), voltaram para a Inglaterra. Depois da guerra, a
própria existência da Igreja da Inglaterra, nos Estados Unidos da América, era uma
anomalia. Iniciou-se o penoso processo da sua americanização, a partir da obtenção
do seu episcopado, pois desde 1634 o bispo de Londres superintendia a Igreja da
Inglaterra nas colônias (mais tarde, o fazia por meio de comissários), nunca havendo
um bispo residente nas “Treze Colônias”. Houve também a necessidade de adequar o
Livro de Oração Comum à nova autonomia dos ex-súditos britânicos e à adaptação
geral da política eclesiástica a esta nova situação.
Naturalmente, tiveram que recorrer aos bispos britânicos para a obtenção de um
bispado americano, a fim de garantir sua sucessão apostólica. Assim, Samuel Seabury
(1729-1796), com o apoio de dez clérigos de Connecticut, foi sagrado por bispos
escoceses (1785), ação que não alcançou apoio geral. Depois, organizou-se a Igreja
Protestante Episcopal (1786), e esta escolheu Samuel Provost (1742-1815), de Nova
York, e William White (1748-1836), de Pensilvânia, e os enviou à Inglaterra, onde
foram devidamente sagrados pelos arcebispos de Cantuária e de York, e por diversos
bispos, no dia 4 de fevereiro de 1787.

153
História Documental do Protestantismo no Brasil

A Igreja Protestante Episcopal não se expandiu tão rapidamente quanto igrejas


mais populares como a Metodista, a Batista e a Presbiteriana. Tanto é que o bispo
Provost renunciou ao seu episcopado em 1801, pois previa o definhamento e até a
extinção da Igreja, devido à morte das velhas famílias. Só a sagração de uma nova
geração de bispos como John H. Hobart (1775-1830) infundiu nova vitalidade à
Igreja.
A escravidão, obstáculo que efetivamente dividiu as principais denominações nor­
te-americanas, somente separou os episcopais durante a Guerra de Secessão. Isto não
significa que episcopais não participaram do conflito, pois o bispo Leonidas Polk
(1806-1864), ardente defensor da causa sulista (embora favorecesse a emancipação
gradativa!), foi general confederado durante a guerra, e morreu em ação.271
N o tocante a missões, a Igreja Protestante Episcopal fundou sua Sociedade
Missionária Doméstica e Estrangeira em 1820. Quarenta anos mais tarde, a ala “evan­
gélica” fundou a Sociedade Missionária da Igreja Americana, “imitando a sociedade
missionária da Igreja inglesa, sob domínio evangélico” .272 Foi a antiga sociedade, en­
tretanto, que recrutou os primeiros missionários destinados ao Brasil. O primeiro
obreiro, W. H . Cooper, embarcou em 1853, num navio que naufragou; depois disso
desistiu, sem ter sequer iniciado a missão. O próximo, o escocês Richard Holden
(1828-1886), diplomado pelo Seminário da Diocese de Ohio, associado à Faculdade
de Kenyon, em Gambier, trabalhou por três anos (1860-1864) no Pará e na Bahia,
sem conseguir estabelecer uma missão permanente. Só às vésperas da República é que
alguns acadêmicos do Seminário de Virgínia (no Sul),273 empolgados com a missão
do presbiteriano Ashbel Green Simonton, se candidataram à Sociedade Missionária
da Igreja Americana. Esta Sociedade enviou James Watson Morris e Lucien Lee
Kinsolving como seus primeiros obreiros no Brasil, os quais estabeleceram a missão
episcopal no país.

O primeiro missionário episcopal no Brasil, Richard Holden (1860-1864)


Enviado ao Brasil pela Sociedade Missionária Nacional e Estrangeira e pela ABS, o
Rev. Richard Holden chegou em fins de 1860. N ão estão muito claros os dados da sua
infância, mas Alexander Lattimer Blackford informa que ele “residira no Brasil como
comerciante antes de 1851” . Já no seu tempo de seminário traduziu para o português
trechos do Livro de Oração Comum bem como outros escritos religiosos com a ajuda
do pastor presbiteriano português Rev. Antônio José de M atos.274

154
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

Durante pouco mais de três anos, Holden missionou no Pará e na Bahia. Nos dois
lugares propagou a doutrina protestante, pela imprensa, pela venda de e Bíblias e
panfletos e através de contatos pessoais. Manteve polêmica com o recém-chegado
bispo D om Antônio de Macedo Costa (1830-1891), em Belém do Pará, e com o
arcebispo D om Manuel Joaquim da Silveira, na Bahia. Pela diferença de estratégia
entre Holden e a sociedade missionária (pois esta queria que Holden trabalhasse na
surdina, distribuindo Bíblias sem entrar em polêmica com as autoridades), Holden se
desligou da missão episcopal, aceitando, porém, ser agente da BFBS. Em 1864, acei­
tou o convite do Dr. Robert Kalley para ser seu co-pastor no Rio de Janeiro.275 Partiu
do Brasil em 1872, voltando ao Rio de Janeiro em 1879, como propagandista da ala
darbista dos “Irmãos de Plymouth” .276 Morreu em Lisboa a 17 de julho de 1886.

( 7 T ) DOCUM ENTO
O Rev. sr. [Richard] Holden deu início ao seu trabalho na cidade do Pará,277
há uns dezoito meses. Seu objetivo foi aproveitar as oportunidades oferecidas
para a pregação do Evangelho e a distribuição das Escrituras e outros livros nas
regiões vizinhas. Continuou esse labor por alguns meses sem interrupção, pe­
netrando a área por meio dos seus múltiplos rios, e foi abençoado em grande
medida, como era de se esperar.
Em junho e julho do ano passado, ele subiu, dessa maneira, o rio Guamá,
atravessou a pé até perto da nascente do Cayetê e desceu aquela corrente até a
cidade de Bragança.278 Conseguiu distribuir todos os livros que ele e os dois
canoeiros puderam carregar; retomou pelo mesmo caminho e desceu o Guamá,
visitando ao longo das suas margens e seus afluentes, tendo tido muitas opor­
tunidades de oferecer Cristo crucificado a indivíduos e famílias, de casa em
casa.
O missionário foi interrompido no meio do seu trabalho por interferência
da polícia, e voltou ao Pará. Estava convencido de que, naquilo que fizera, não
tinha havido qualquer violação das leis do país; esta opinião foi confirmada
pelo fato de as autoridades não o terem levado a julgamento.
O bispo romanista do Pará atacou o missionário pela imprensa pública, o
que deu início a uma longa polêmica, pelo jornal, entre o bispo e alguns do seu
clero de um lado, e o missionário de outro (...) os esforços dos seus oponentes
para esmagá-lo não lograram êxito... depois [seus adversários retiraram suas]
assinaturas do jornal em que os artigos estavam sendo publicados. Este apelo
ao interesse financeiro dos donos obteve o efeito almejado, e assim teve fim a
controvérsia.

155
História Documental do Protestantismo no Brasil

(...)
O resultado de tudo isso foi estimular investigação por parte de alguns, mas,
da parte da maioria, o medo e o preconceito de tal forma prevaleceram que,
durante sua subseqüente estadia no Pará, o missionário teve sua esfera de traba­
lho severamente limitada.
Conforme as últimas notícias, o sr. Holden iniciou uma viagem no Amazo­
nas acima, pretendendo chegar até o Peru, para a distribuição das Escrituras e
outros trabalhos missionários.
Por ordem e em nome da Comissão Estrangeira.
Nova York, 12 de outubro, 1862.279
S. D. Denison
Secretário e agente-geral

O envio dos missionários episcopais Que estabeleceram a


obra permanente (1889)
Inspirados pela obra missionária do presbiteriano Ashbel Green Simonton (doc.
56) e pelo folheto The Brazilian Leaflet, alguns acadêmicos de teologia do Seminário
Teológico de Virgínia, em Alexandria, se candidataram como missionários. Dois des­
tes, R. A. Roderick e F. P. Clark, foram a Nova York para entrevistar-se com a comissão
executiva da Sociedade Missionária da Igreja Americana na sua reunião de 10 de de­
zembro de 1888. Conforme a ata da reunião, “fizeram uma interessante e instrutiva
palestra sobre o trabalho missionário no Brasil, rogando que esta Sociedade... os acei­
tasse como os seus primeiros missionários [ao referido país]” . Os dois candidatos,
depois impedidos respectivamente por acidente e doença, foram substituídos por dois
colegas do mesmo seminário e Estado, a saber, James Watson Morris e Lucien Lee
Kinsolving.

( j7 \ ) DOCUMENTO: Ata da comissão executiva da Sociedade Missionária da Igreja


Americana, em que Morris e Kinsolvingforam aceitos como missionários
... Resoluções tomadas pela comissão executiva da Sociedade Missionária da
Igreja Americana:
Que, tendo recebido um relatório do Dr. McGuire, informando que o Sr.
R. A. Roderick sofreu um sério acidente, que o incapacitará para o trabalho
pelo menos por dezoito meses, e poderá deixá-lo permanentemente manco,
nós nos vimos forçados a retirar sua nomeação como missionário no Brasil.
Que, tendo recebido o relatório da junta médica composta dos Drs. Powell,
Purvis e Slaughter, informando que o Sr. E P. Clark recentemente sofreu um

156
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

ataque de epilepsia, e pode estar sujeito a outros ataques, nós nos vimos força­
dos a retirar sua nomeação como missionário no Brasil.
Que, tendo sido recebido o pedido do Sr. James W[atson] Morris de 15 de
maio de 1889, para ser enviado ao Brasil como nosso missionário, declarando
que já enviara o seu pedido de demissão como missionário no Japão ao conse­
lho diretor, bem como a permissão do bispo de Virgínia e o endosso da sua ação
pelos professores do seminário; que o Sr. James Wjatson] Morris seja, e de fato
está nomeado como missionário desta Sociedade no Brasil, efetivo após a sua
ordenação ao diaconato, sendo entendido que ele fica exonerado do seu acordo
com o conselho diretor.
Que, o pedido do Sr. Lucien L[ee] Kinsolving, para ser enviado ao Brasil
como nosso missionário, datado de 17 de maio de 1889, tendo sido recebido
juntamente com um certificado médico do Dr. Powell, recomendações dos
professores do Seminário de Virgínia, do Rev. Dr. Norton, e permissão do bis­
po de Virgínia, o Sr. Lucien Lee Kinsolving seja, e de fato está nomeado como
missionário desta Sociedade no Brasil, efetivo após sua ordenação ao diaconato.
Que se for julgado conveniente pelo bispo e comissão permanente de
Virgínia, os Srs. Morris e Kinsolving sejam ordenados ao presbiterato antes de
viajar em julho próximo, pois é regra da Sociedade que um missionário não
deve voltar do seu campo antes de sete anos.280

Os episcopais justificam sua missão no Brasil, terra católica


Deve uma Igreja Protestante enviar missionários para países católicos? Outras igre­
jas já tinham respondido que sim; os episcopais, a última “Igreja Histórica” a estabe­
lecer uma missão permanente no Brasil, também ponderaram a questão. A redação de
The Echo, o órgão oficial da A CM S propôs a questão da legitimidade de missões na
América Latina a treze bispos. Os bispos consultados não apenas justificaram o envio
de missionários como também defenderam a nomeação do bispo George W. Peterkin
como superintendente da missão episcopal no Brasil.

(^75^) DOCUMENTO: 25 de maio de 1893


25 de maio de 1893
... Não estou de forma alguma preocupado com a inexequível teoria da “in­
tromissão” no campo de uma Igreja que nos considera hereges e filhos do ma­
ligno, e deixa de reconhecer quanto a nós qualquer princípio de lei ou ordem
eclesiástica.281 A questão é simples e prática. Podemos fazer algum bem [no
Brasil e em Cuba] ? Podemos sustentar o trabalho? Confio e oro para que possa-

157
História Documental do Protestantismo no Brasil

mos fazer as duas coisas.


Seu, mui sinceramente,
(Assinado) Hugh Miller Thompson
Bispo de Mississippi282

C~76^) DOCUM ENTO: Nomeação de superintendente


Middletown, Conn., 16 de fevereiro de 1893
Terei muito prazer em nomear meu caro irmão de West Virginia [bispo
George W. Peterkin] para superintender o trabalho no Brasil, e hei de insistir
que ele o faça. Como não creio que o bispo de Roma tenha qualquer jurisdição
fora dos confins do seu próprio patriarcado - até certo ponto duvido que o
tenha mesmo lá —não tenho a menor dificuldade em fazer isto, e em estar
pronto para ajudar no bom trabalho, se puder.
Fielmente seu,
(Assinado) ][obn] Williamp-Si
[Bispo de Connecticut]

Os princípios doutrinários dos episcopais


Desde fins de 1889, os missionários James Watson Morris e Lucien Lee Kinsolving
se encontravam em terra brasileira.284 Por não ter sido muito ocupado por outras
missões protestantes,285 o Estado do Rio Grande do Sul foi escolhido como o local
para o início da missão. Em junho de 1890, iniciaram cultos regulares, segundo o rito
episcopal. Logo estabeleceram uma escola em Porto Alegre e, em agosto de 1891,
receberam dos presbiterianos uma congregação na cidade do Rio Grande. Fundaram
também o seu jornal, o Estandarte Cristão. Por ocasião da primeira visita episcopal do
bispo George William Peterkin, em 1893 (cf. doc. 76), a nova missão tornou pública
a base das suas doutrinas, com realce aos princípios do “Quadrilátero de Lambeth”286
e o Livro de Oração Comum..

(j7 7 ) DOCUM ENTO: Uma Declaração de Princípios


I
Para melhor organização da missão da Igreja Protestante Episcopal no Esta­
do do Rio Grande do Sul, Brasil, e agora sustentada pela ACMS e para melhor
compreensão das relações desta Igreja reformada com a santa Igreja Católica,
por toda parte do mundo, a Convocação do Rio Grande do Sul publica a se­
guinte declaração de princípios, que são substancialmente as conclusões adotadas

158
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

na Segunda e Terceira Conferências Pan-Anglicanas de 1878 e 1888 e por elas


recomendadas aos fiéis.
Proclamamos a suficiência e supremacia das Santas Escrituras como a últi­
ma regra de fé, e recomendamos a todo o nosso povo o diligente estudo das
mesmas.
Confessamos nossa fé pelas palavras do antigo credo católico.
Conservamos as ordens apostólicas de bispos, presbíteros e diáconos.
Sustentamos as justas liberdades das igrejas particulares e nacionais.
Fornecemos ao nosso povo, na sua própria língua, um “Livro de Oração
Comum e ofícios para a Administração dos Sacramentos” Az acordo com os me­
lhores e mais antigos tipos da fé e culto cristãos. Estes documentos estão diante
do mundo e podem ser conhecidos e lidos por todos os homens.
Acolhemos de boa vontade todo o esforço para reforma, segundo o modelo
da Igreja Primitiva. Não exigimos uma rígida uniformidade: somos contra as
divisões inúteis, porém aos que a nós recorrerem com o fim de livrarem-se a si
próprios do jugo do erro e da superstição, estamos prontos a oferecer todo o
auxílio, e os privilégios que lhes forem aceitáveis e consistentes com a manu­
tenção de nossos próprios princípios, como se acham enunciados em nossos
formulários.
Para mais confirmar esta posição afirmamos nossa aceitação, como partes
inerentes do sagrado depósito da fé e ordem cristãs cometidas por Cristo e seus
apóstolos à Igreja de todos os séculos, das seguintes coisas principais, a saber:
Io As Santas Escrituras do Velho e Novo Testamentos como a palavra reve­
lada de Deus.
2o O Credo Niceno como suficiente declaração da fé cristã.
3o Os dois sacramentos: Batismo e Ceia do Senhor —ministrados com o
infalível uso das palavras da instituição proferidas por Cristo, e dos elementos
ordenados por ele.
4o O episcopado histórico, localmente adaptado nos métodos de sua admi­
nistração às várias necessidades das nações e povos chamados por Deus à união
de sua Igreja.
II
Reconhecemos e aderimos à doutrina, disciplina e culto da Igreja de Deus
como se acha no livro intitulado “O Livro de Oração Comum e Administração
dos Sacramentos e Outros Ritos e Cerimônias da Igreja Segundo o Uso da Igreja
Protestante Episcopal nos Estados Unidos da América’’, sujeito às mudanças e

159
História Documental do Protestantismo no Brasil

alterações em coisas indiferentes e alteráveis, que por justas e importantes con­


siderações pareçam às autoridades —e por consenso comum —necessárias ou
expedientes, segundo os princípios estatuídos no prefácio do dito Livro de Ora­
ção Comum.
III
Para ordem geral de nosso trabalho, governo de nossas congregações, con­
duta de nosso culto, regulamento de nossas ações oficiais e outras coisas seme­
lhantes adotamos a Constituição e Cânones da Igreja Protestante Episcopal
nos Estados Unidos da América e também as da Diocese de West Virginia,
enquanto forem aplicáveis às nossas circunstâncias e condições, podendo pela
autoridade competente, e comum consentimento, serem alteradas, revistas, ou
emendadas, segundo as nossas necessidades.287

160
PARTE II
Crescimento e Amadurecimento
( 1889- 1964)

Introdução Geral ao Período


A intenção da presente obra não é, obviamente, contar a história política do Brasil.
Foram escolhidos, no entanto, os grandes períodos cronológicos desta história como
parâmetros aproximados para a história do protestantismo que ela pretende ilustrar
com os documentos aqui reunidos. A orientação deste segundo capítulo será bem
diversa da do capítulo anterior, no qual os documentos foram arranjados aproximada­
mente em ordem cronológica, por denominação. Aqui o arranjo será tópico, mas a
cronologia será parcialmente respeitada dentro de cada tópico, buscando um equilí­
brio de Igreja para Igreja, porém não ao ponto de insistir em que haja documentos de
cada denominação em cada tópico. Geralmente há paralelismo, de tal forma que o
documento de uma denominação é mais ou menos típico dos documentos das de­
mais.
Como se viu no capítulo anterior, o imperador dom Pedro II recebeu com simpa­
tia os missionários protestantes. M ultiplicaram-se os casos de contatos amistosos com
missionários de diversas denominações. Contrariamente a essa simpatia, cresceu com
a “questão religiosa” a luta entre o imperador e a Igreja Católica, que acabou por lhe
valer a inimizade da hierarquia e a perda do apoio da Igreja. A abolição da escravatura,
cujo processo se completou quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea em 1888,
assinalou por sua vez a perda do apoio da classe dos fazendeiros. Finalmente, o confli­
to com a classe militar, na qual já se nutriam ideais de governo republicano, retirou-
lhe suà últim a base de sustentação. A abdicação tornou-se inevitável. Tanto do ponto
de vista religioso como fdosófico, a base da República foi o positivismo de Auguste
Comte (1798-1857). O comtismo era profundamente diverso tanto do protestantis­

16 1
w

História Documental do Protestantismo no Brasil

mo como do catolicismo, porém, com sua crença no progresso e na evolução social,


apresentava aparentes afinidades com o protestantismo; e imediatamente aprovaram-
se leis que acabavam por favorecer os protestantes, como as do casamento civil, e da
separação Igreja e Estado. Portanto, não obstante a disparidade entre positivismo e
cristianismo protestante, este recebeu a República com entusiasmo.
É comum pensarmos o século XIX como o “grande século das missões”. Um dos
frutos desse século foi a crescente busca da unidade da Igreja, que resultou no movi­
mento ecumênico. Essa busca se processou de vários modos. Houve tentativas de se
descobrir um denominador comum em matéria de doutrina como base de união dos
protestantes (por exemplo, a Aliança Evangélica, que, desde sua fundação em 1846,
em Londres, procurou unir cristãos evangélicos em torno de um conjunto de princí­
pios doutrinários julgados essenciais, ou o Quadrilátero de Lambeth, proposto pelos
anglicanos, em 1888). Grupos de denominações a partir da Igreja Anglicana busca­
ram estreitar os seus laços num esforço de recuperar a essência da sua herança comum,
resultando na formação de alianças mundiais de todas as principais confissões protes­
tantes. Juntas missionárias e outros grupos engajados na missão m undial descobriram
meios de intensificar sua cooperação. Em 1886, nasceram os Estudantes Voluntários
para missões estrangeiras, numa conferência de verão de D wight L. M oody (1837-
1899); John Raleigh M ott (1865-1955) organizou, na Suécia, a Federação M undial
Cristã de Estudantes (1895). É geralmente aceito que o movimento ecumênico teve
início formal com a Conferência Missionária M undial de Edimburgo (1910), na qual
a antiga tendência centrífuga (de freqüentes divisões e subdivisões) foi substituída
pela tendência centrípeta (a busca sincera da unidade cristã). As missões na América
Latina foram propositadamente excluídas desta reunião em Edimburgo, mas as mes­
mas preocupações que motivaram esta conferência estavam presentes na comunidade
missionária na América Latina. A Conferência de Panamá (1916), um a réplica de
“Edimburgo 1910”, externou estas preocupações, e há muitas evidências de que o
espírito de “Panamá 1916” influenciou nas atitudes das juntas missionárias, bem como
nas de muitos missionários e obreiros nacionais. É certo que tal espírito jamais chegou
a suplantar totalmente o espírito denominacional, fazendo da história do ecumenismo
no Brasil uma curiosa justaposição de cooperação e preocupação ecumênica de um
lado e denominacionalismo e indiferença pela unidade visível da Igreja de Cristo de
outro. O presente capítulo procura documentar os momentos principais desta histó­
ria, destacando a Comissão Brasileira de Cooperação (desde 1920, sob a direção de

162
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

Erasmo Braga, seu secretário-executivo), a Confederação Evangélica do Brasil (cujo


mais conhecido dirigente foi Rodolfo Anders), e o Conselho M undial de Igrejas. No
período em apreço, o termo “ecumenismo” exclui a Igreja Católica Romana, reservan­
do esse aspecto para o período pós-Vaticano II.
Outro fator importante que afetou o cristianismo protestante foram as ênfases
teológicas correntes nos Estados Unidos na primeira metade do século. (Isto não nega
a importância das teologias européias, onde os nomes de Barth, Brunner, e Bonhoeffer
sugerem algumas das correntes mais importantes; a questão é que o pensamento euro­
peu sempre demorou muito para exercer influência apreciável nas Américas do Norte
e do Sul). Destas correntes, as mais importantes foram o Evangelho Social (especial­
mente associado ao nome de Walter Rauschenbusch —1861-1918), o liberalismo (cujo
maior expoente talvez tenha sido Harnack, ainda que o nome popularmente associa­
do ao liberalismo teológico seja o de H arry Emerson Fosdick (1878-1969), célebre
pastor da Riverside Church em Nova York) e o fundamentalismo (termo que, em
geral, significa crença na inspiração verbal e na inerrância das Escrituras, no nasci­
mento virginal de Jesus etc.). Houve evidente afinidade entre os primeiros grupos
mencionados. Talvez não seja demais afirmar que o Evangelho Social levou a sério o
pensamento de Karl M arx (1818-1883), insistindo em que o pecado é tanto social
quanto individual e recuperando o conceito de Reino de Deus em substituição à visão
individual e espiritualista do Céu. O liberalismo, por sua vez, levou a sério o pensa­
mento de Charles Darwin (1809-1882) e as conseqüências da aplicação da ciência
moderna à religião. O fundamentalismo, que teve início formal como movimento por
ocasião da Conferência Bíblica de Niagara (1878) e a elaboração dos “cinco pontos do
fundamentalismo”, é uma defesa da velha ortodoxia na base de uma Bíblia infalível, e
uma resistência a qualquer reinterpretação dela à luz da ciência moderna.
A influência do Evangelho Social e do liberalismo teológico enfatizando o concei­
to do Reino de Deus, se fizeram sentir de diversas maneiras. Nasceram as “settlem en t
h ou ses” ou centros sociais,1 com as igrejas institucionais, e organizações semelhantes,
buscando prestar serviços sociais, educativos e recreativos, bem como os já tradicio­
nais serviços “religiosos”. Questões, como, por exemplo, justiça ao operário (redução
nas horas de trabalho, proteção do menor e da mulher operária, direito de negociar
coletivamente com o empregador inclusive o direito de greve, melhores condições de
trabalho, paz mundial, discriminação racial etc.), encontraram expressão institucional
no Credo Social do Conselho Federal de Igrejas de Cristo na América (1908), Apesar

163

História Documental do Protestantismo no Brasil

de o Brasil ainda se apresentar como país essencialmente rural e agrícola no começo


do século, missionários imbuídos destes ideais trouxeram para o Brasil —particular­
mente para cidades como Rio de Janeiro e Porto Alegre —algumas das instituições
acima mencionadas. O Credo Social foi largamente adotado pelas denominações lo­
cais, geralmente sem uma profunda compreensão do seu alcance.
Do que foi dito até agora, nesta introdução, depreende-se que continua a existir
considerável influência norte-americana nas diversas denominações operantes no Bra­
sil. Uma parte importante da história no período em apreço é a questão da autono­
m ia, form al e real, das referidas denom inações. No sentido form al, as igrejas
congregacionais nunca foram subordinadas às da Inglaterra. D a mesma forma, desde
a fusão do trabalho presbiteriano (daP C U SA eP C U S em 1888), a Igreja Presbiteriana
no Brasil possuía autonomia formal. Mesmo estas denominações, porém, tinham que
lutar com questões como sustento próprio e relacionamento com o pessoal missioná­
rio. O processo de aquisição da autonomia é assim aspecto essencial à compreensão da
história do protestantismo nacional, revelador do seu autoconceito e da compreensão
do sentido da sua missão no Brasil.
Apesar da influência do Evangelho Social durante quase todo o período em estu­
do, as igrejas protestantes relutaram muito em se envolver com a política, a não ser
quando a liberdade de culto e de propaganda evangélica pareciam estar em perigo. Na
década de 50 e começo de 60, a ação social e política, como expressão da fé cristã,
empolgaram setores da juventude, enquanto a Confederação Evangélica do Brasil criou
seu Departamento de Igreja e Sociedade (1955), que promoveu uma importante série
de conferências sobre a responsabilidade social da Igreja. A terceira dessas conferênci­
as, a de Recife (1962), teve como tema “Cristo e o Processo Revolucionário Brasilei­
ro”. No mesmo ano, o Supremo Concilio da Igreja Presbiteriana do Brasil aprovou o
“Pronunciamento Social da IPB”, que anunciava um “Evangelho total de redenção do
indivíduo e da ordem social” e exortava os presbiterianos a “assumirem uma cidadania
responsável, como testemunhas de Cristo, nos sindicatos, nos partidos políticos, nos
diretórios acadêmicos...”2 Esta nova postura, porém, sofreu um a radical mudança
com a eclosão do golpe de 31 de março de 1964.

1 64

Jk
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

A BU SC A DA IN TEGRID AD E DENO M INACIO NAL


E DA A U TO N O M IA

Introdução
Caracteriza o protestantismo brasileiro, sua origem estrangeira, sendo todas as de­
nominações históricas originárias da Europa ou da América do Norte. Como ficou
patente no tópico “Os alemães”, as “igrejas imigrantes”, tanto de ingleses quanto de
alemães, eram intencionalmente igrejas do tipo “capelania”, que visavam a atender às
necessidades espirituais de seus compatriotas, em sua língua de origem. (Os alemães
posteriormente mudaram a orientação do seu trabalho, adotando paulatinam ente o
português, instituindo um ministério nacional, trabalhando entre brasileiros de ori­
gem não-germânica etc.; os anglicanos têm permanecido principalmente uma Igreja
tipo capelania).3 Três outras denominações, originárias do Norte ou do Sul, funda­
ram suas primeiras congregações brasileiras entre os imigrantes americanos de Santa
Bárbara. Nenhuma destas (PCUS, Batista, IMES) demorou muito nesta obra. Todas
passaram logo para a propagação de sua confissão entre a população brasileira, e os
batistas chegaram quase a desprezar a Igreja de Santa Bárbara, ao datar o início formal
de sua missão com a fundação da Igreja Batista em Salvador da Bahia. M as todas as
denominações aqui tratadas continuaram por uma considerável margem de tempo a
depender grandemente de pessoal missionário para seus ministros, de finanças do
estrangeiro e mesmo de direção das respectivas “igrejas-mães”.
Havia da parte das igrejas no estrangeiro que enviavam missionários ao Brasil uma
sincera preocupação de encorajar a evolução das igrejas brasileiras ou “nativas”. Quase
inevitavelmente, houve três momentos nesta evolução: 1 ) “missão”, em que a própria
estrutura do trabalho era a missão, dominada pelos missionários; 2) “missão” e “igre­
jas” lado a lado, em que houve uma certa paridade entre missionários e ministério
nacional etc.; e 3) “Igreja” em que a Igreja nacional suplantou a missão ou, pelo me­
nos, a eclipsou em importância e assumiu efetivamente a direção. A terminologia
geralmente aplicada a estas igrejas nacionais pelas juntas missionárias foi “igrejas jo­
vens” {younger ch urches). Era consenso que a integridade destas igrejas jovens dependia
do sustento próprio,4 autonomia e autopropagação. Na prática, a prim eira fase durou
relativamente pouco tempo. Em certo sentido, as congregações fundadas por Kalley
sempre eram autônomas, não estando sujeitas a qualquer junta missionária (pois Kalley
não fora enviado por nenhuma junta) e a Igreja Presbiteriana no Brasil era autônoma

165
História Documental do Protestantismo 110 Brasil

desde 1888. Mesmo assim, pelo fato de a verdadeira autonomia também implicar
sustento próprio e autopropagação, estas também devem ser examinadas em termos
do esquema de evolução mencionado acima. Durante a maior parte do período em
apreço, todas as denominações (menos a anglicana) se encontravam no segundo mo­
mento, com missão e Igreja nacional lado a lado, sendo que esta buscava sua autono­
mia. No fim do período, quase todas haviam atingido, pelo menos no sentido formal,
a sua autonomia, a qual procuravam tomar mais plena, ao mesmo tempo em que
lutavam com questões básicas da sua nova identidade, as dimensões da sua m aturida­
de, as profundas implicações da sua responsabilidade, e o sentido da sua missão como
igrejas autônomas no Brasil moderno. Esta luta consumiu m uita energia e não ocor­
reu sem tensão, incompreensão e conflito entre obreiros missionários e nacionais.

O s p re s b ite ria n o s
Eduardo Carlos Pereira e a autonomia presbiteriana
Problema comum das igrejas originárias da obra missionária foi a autonomia, tema
intimam ente vinculado ao sustento próprio. Quem mais se destacou nesse movimen­
to entre os presbiterianos foi Eduardo Carlos Pereira (1856-1923), posteriormente
proeminente líder da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. Para ele, a formação
da Sociedade Brasileira de Tratados Evangélicos em 1883 foi “o prenuncio sagrado da
independência eclesiástica”, sendo o próprio Pereira autor de nove dos dezessete folhe­
tos da prim eira série publicada.5 Liderou ainda a publicação da R evista das M issões
N acionais, surgida a 31 de janeiro de 1887, e dedicada ao incentivo do sustento pró­
prio e autonomia. Nesta revista, Pereira perguntou aos presbiterianos brasileiros: “Não
é revoltante à dignidade cristã, deixar o estrangeiro... puxar sozinho o bote do
romanismo para as praias do Evangelho, enquanto que nós, nacionais, contemplamos
com indolência criminosa seus novos esforços?”.6 No comentário ao segundo Sínodo
Presbiteriano (1891), ele claramente vinculou autonomia ao sustento próprio.7

( 7 8 ) DOCUMENTO: A responsabilidade dos eva n gélicos brasileiros p era n te a sua


p á tria
A tua consciência e dignidade de filho de Deus devem repetir-te esse dever,
de que te fala o Salvador em face do perigo do nosso povo prestes a naufragar
nos bancos da areia do romanismo. (Não é revoltante à dignidade cristã, deixar
o estrangeiro, em seu amor e dedicação, puxar sozinho o bote do romanismo
para as praias do Evangelho, enquanto que nós nacionais, puxados, há pouco,

166
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

pelo generoso sacrifício do mesmo estrangeiro, contemplamos com indolência


criminosa seus novos esforços?). A comparação ainda não exprime toda a tua
falta de dignidade cristã se te conservares indiferente ao movimento das mis­
sões nacionais. Imagina que atado à mesma corda há um outro bote, e que
neste te conservas deitado, aumentando o peso e dificultando a salvação do
primeiro bote; entretanto que a teu lado jaz inerte o remo com que podias
remando, aliviar ao menos o teu peso. Pensa na comparação, que é exata, e
responde-me: A fé briosa do Evangelho, a caridade magnânima do cristão, po­
dem deixar de te fazer concorrer com o que puderes para as missões nacionais?
Somos quase 2 mil comungantes sob os cuidados do nosso presbitério; ora se
cada um de nós remar na medida de nossas forças, não somente aliviaremos as
igrejas irmãs dos Estados Unidos de nosso peso, mas com certeza nossa embar­
cação ganhará distância bastante para ajudar a passar para o porto seguro da
salvação o bote encalhado.8

DOCUMENTO: A utonom ia e sustento p ró p rio


Autonomia, direção própria, self-governm ent, quer dizer sustentação pró­
pria. Razão por certo não teremos de ser tão zelosos, tão susceptíveis em nosso
pundonor nacional, se como igrejas organizadas não sustentamos a nós mes­
mos. Sejamos pois consistentes, e aliviemos as missões estrangeiras das despesas
com as igrejas organizadas ao menos. Que cada Igreja particular sinta pro­
fundamente o dever de fazer sacrifício para manter-se a si própria, e que as
igrejas mais fortes se compenetrem do glorioso privilégio de ajudar suas irmãs
no plano das missões nacionais. Não fica com certeza bem para as nossas igrejas
permitirem que a nímia susceptibilidade de seus concílios sejam apenas assomos
temporãos de independência moral; pois sem nenhuma constestação não é digna
a posição dos filhos-famílias que, continuando a sobrecarregar os pais e os ir­
mãos menores com as próprias despesas, vangloriam-se, entretanto, em sua
maioridade, ao passar os dedos no viço esperançoso que negreja no lábio supe­
rior. Contrafeita, humilhante mesmo, será nossa posição na atitude assumida,
se não continuarem a realizar-se, e em mais larga escala, os grandes intuitos de
nossas missões nacionais. Lembrem-se portanto os pastores, lembrem-se as igre­
jas, lembre-se cada crente que o supremo tribunal de nossa Igreja brasileira
assumiu um compromisso de honra, e que somente na realização fiel desse
compromisso poderão nossas bondosas mães, tão distantes de nós, apreciar
honrosamente nossa atitude. Só assim serão elas estimuladas, como desejamos,
a continuar a cooperação conosco, nos grandes trabalhos que temos em mãos.
Se realmente temos atingido a maioridade, promovê-la com fatos, e, entre as
saudações calorosas que nos há de animar, nenhuma mais ardente do que as das

167
História Documental do Protestantismo no Brasil

igrejas-maes dos Estados Unidos do Norte.9

O cisma presbiteriano de 1903


As causas da divisão da Igreja Presbiteriana são complexas e difíceis de se analisar
em poucas linhas. No entanto, o grande problema subjacente era o da autonomia da
Igreja nacional A jovem Igreja nacional, criada em 1888, controlaria o seu próprio
destino, determinaria a sua própria estratégia, estabeleceria as suas próprias priorida­
des —ou tais coisas seriam determinadas em Nova York e Nashville, sedes respectivas
do “b o a r d ” e do “comitê”, e pelos missionários por eles enviados? O Mackenzie (atual
Universidade Mackenzie) tornou-se o centro da luta, porque simbolizava a estratégia
educacional do “b o a rd ” de Nova York, em contraste com o ponto de vista de Eduardo
Carlos Pereira e o grupo nacionalista. Estes visavam educação em termos de escolas
paroquiais, para “crentes”, enquanto o “board” queria escolas abertas ao público, que
contribuíssem para o progresso do Brasil através da influência da cultura norte-ameri­
cana cristã. O “b o a rd ”também pretendia que houvesse no M ackenzie um bom semi­
nário teológico para o treinamento do pastorado brasileiro. Deveria a educação teoló­
gica estar em mãos de brasileiros ou norte-americanos? Eis a importância do “Institu­
to Teológico” que Pereira e seus adeptos fundaram em fins de 1892. As diferenças em
estratégia foram complicadas pelo fato de os missionários americanos serem membros
dos presbitérios, onde exerciam influência, e ainda das missões, que tinham o poder
financeiro nas mãos. No entanto, as juntas missionárias ignoravam por vezes tanto o
desejo dos brasileiros como o dos seus próprios missionários. Além disso, entre Perei­
ra, pastor da Primeira Igreja Presbiteriana, e Horácio Lane, presidente do Mackenzie
e membro da igreja de Pereira, havia sérios problemas pessoais, ao ponto de Pereira ter
lhe aplicado disciplina eclesiástica.
Estes eram, sem dúvida, os motivos mais importantes na prim eira fase da luta para
maior autonomia de fato (que já existia de direito): educação, educação teológica,
relações missionários-Igreja nacional e atritos pessoais. A questão maçônica só entrou
em debate em dezembro de 1898 quando o E standarte (jornal do grupo nacionalista)
começou a atacar a maçonaria na Igreja, sendo que a antim açonaria chegaria a se
tomar questão de consciência do grupo de Pereira. A questão “pode o crente filiar-se à
maçonaria?”, levantada em 1899 na igreja de Pereira, foi levada ao Presbitério de São
Paulo e depois ao Sínodo (1900). O Sínodo decidiu que cada crente teria liberdade de
aderir ou não à maçonaria, e recomendou que não fosse feita propaganda a favor ou

168
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

contra, em prejuízo do Evangelho. Insatisfeitos com essa decisão, Pereira e seu grupo
prepararam uma “Plataforma” do seu programa, a ser considerada no Sínodo de 1903.
(Ver documento abaixo.)
O Sínodo reuniu-se de 28 de julho a 6 de agosto de 1903, na Igreja Presbiteriana
U nida em São Paulo. A questão maçônica foi debatida nos dias 30 e 31, sendo que o
Sínodo, após debates muito acalorados, manteve a posição de 1900. Pereira e seus
simpatizantes se retiraram, o primeiro declarando que “a maçonaria cavou um abismo
entre nós e vós”.
Até que ponto se pode considerar a questão maçônica a “causa” do cisma? No seu
valioso livreto, As O rigens da Igreja P resbiterian a In d ep en d en te d o Brasil, Pereira decla­
ra: “As origens da independência presbiteriana são os antecedentes históricos, que, por
mais de três lustros, vieram, de onda em onda, desdobrar-se no auspicioso movimento
de 31 de julho de 1903”.10 Como demonstramos acima, estes “antecedentes” incluem
muito mais que a maçonaria. A própria “Plataforma” sugere, pela ordem das suas
exigências, que o estabelecimento de verdadeira autonomia da Igreja Presbiteriana e o
controle de seus presbitérios pelos nacionais eram mais importante que a expulsão dos
maçons. Porém, Paul Everett Pierson, na sua excelente análise da questão, conclui que
o grupo nacionalista teria conseguido os pontos principais da sua “plataforma” sem
cisma, “se a questão maçônica não tivesse sido introduzida na controvérsia”.11 Outro
analista da questão, Agnelo Rossi (então catedrático da Pontifícia Universidade Cató­
lica de Campinas, atualmente cardeal), concluiu, não sem exagero: “É de clareza
meridiana que a questão maçônica gerou o cisma no presbiterianismo brasileiro...”12
É também significativo que, no “protesto” do grupo que saiu, o único ponto levan­
tado foi “a maçonaria e seus erros”. A questão maçônica tem se mantido significativa
para a história do protestantismo nacional, uma vez que frustou as tentativas de reu­
nião entre a “Igreja Presbiteriana Independente, visceralmente antimaçônica; aliás a
única entre as seitas protestantes do nosso meio”13 e a Igreja Presbiteriana do B ra sil.14

Ç8(T) DOCUMENTO: A p la ta form a


Io - Independência absoluta ou soberania espiritual da Igreja Presbiteriana
do Brasil.
2o - Desligamento dos missionários dos presbitérios nacionais.
3o - Declaração oficial da incompatibilidade da maçonaria com o Evange­
lho de nosso Senhor Jesus Cristo.
4° - Conversão das missões nacionais em missões presbiteriais ou autono­

169
História Documental do Protestantismo no Brasil

mia dos presbitérios na evangelização de seus territórios.


5o - Educação sistematizada dos filhos da Igreja pela Igreja e para a Igreja.15

(jTP) DOCUMENTO: P rotesto apresentado ao Sínodo da Igreja P resbiterian a do


B rasil (1903)
Nós, abaixo-assinados, ministros do santo Evangelho e presbíteros represen­
tantes de diversas igrejas do Sínodo da Igreja Presbiteriana do Brasil, vimos
humilde e respeitosamente apresentar-vos o seguinte protesto, pelo qual decla­
ramos nosso desligamento de vossa jurisdição eclesiástica.
Considerando que a maçonaria é uma religião que, para confraternizar to­
dos os homens, só admite dois dogmas —a existência de Deus e a imortalidade
da alma, e que pretende regenerar e salvar a humanidade pela prática das boas
. obras, de tal modo que o verdadeiro maçom, por seu próprio mérito e não pela
graça salvadora de Nosso Senhor Jesus Cristo, passa das lojas cá de baixo à “loja
de cima”;
considerando que ela afirma a eternidade da matéria e rende culto a um
Deus que é somente “Supremo Arquiteto do Universo”, e não Criador, o qual
não pode ser o nosso Deus, porque Este só é e pode ser conhecido mediante
Nosso Senhor Jesus Cristo;
considerando que em suas orações e outros atos de culto a maçonaria profes­
sa que todos os homens podem se chegar a Deus sem a divina mediação de
Cristo, e que no Sínodo os defensores da maçonaria sustentaram não ser em
absoluto necessária a mediação de Jesus Cristo para que o pecador se chegue a
Deus em oração, bastando apenas “crer o único que Deus existe e que é remu-
nerador dos que o buscam”, doutrina esta que derroga a Jesus Cristo de sua
função sacerdotal;
considerando que o secretismo maçônico e de outras sociedades congêneres
“destoa do gênio do cristianismo” e constitui uma ameaça ao funcionamento
normal da família, do Estado e da Igreja;
considerando ainda que o juramento maçônico em virtude do qual o crente
se liga para sempre a uma sociedade mundana constitui um jugo reprovado
pela Palavra de Deus;
considerando que a maçonaria mantém uma fraternidade entre todos os
homens como filhos de um só Deus, fraternidade essa que o crente só pode
aceitar se os homens aceitarem a Cristo como Salvador;
considerando que na maçonaria o santo nome de Deus é proferido no meio
de práticas irrisórias, o Batismo e a Santa Ceia imitados e desvirtuados do seu
sentido escriturístico e a Palavra de Deus citada irreverentemente sem se aten-

170
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

der à mente do Divino Espírito Santo, em manifesta oposição ao 3o manda-


mento;
considerando que o nome do Nosso Senhor e sua santa religião são constan­
temente vilipendiados nos atos oficiais, livros e jornais maçônicos;
considerando que o Sínodo julgou que esses erros tão graves eram apenas
“coisas secundárias”;
considerando que, a pretexto de ser o gênio do protestantismo a “liberdade
de consciência” e o “livre exame”, abriu o Sínodo larga porta à entrada de todas
as heresias na Igreja, e considerando que nós, reconhecendo em todo o homem
o direito de examinar por si as coisas e só aceitar o que a sua consciência julgar
bom, sem que possa ser coagido por nenhum homem, todavia só podemos
admitir em nossa comunhão os que aceitarem a Palavra de Deus como a única
regra de fé e prática e rejeitarem “todas as doutrinas, práticas e cerimônias
contrárias a essa Palavra”;
considerando que o Sínodo se recusou a cumprir o seu dever prescrito pelo
Livro de Ordem, pág. 19, “de dar testemunho contra todo o erro de doutrina e
de prática bem como decidir casos de consciência” a pretexto de que a Palavra
de Deus e nossos símbolos de fé nada falam sobre a maçonaria, quando o fato
é que os princípios e práticas da maçonaria são condenados não só por “ensinos
claros e positivos da Palavra de Deus” como por “inferências boas, lógicas e
necessárias de suas doutrinas”;
considerando, finalmente, que nossos irmãos maçons não quiseram atender
ao nosso pedido de abandonarem a maçonaria por amor da Igreja de nosso
Salvador escandalizada, isto é, não quiseram abrir mão de uma coisa, a seus
olhos, secundária conforme ensina S. Paulo em Rm XIV, por amor a seu irmão
em Cristo e assim manifestaram ter mais amor à maçonaria que à Igreja de
Deus;
nós, abaixo-assinados... em nome da suprema autoridade da Palavra de Deus
sobre todo o entendimento, solenemente protestamos contra o ato do Sínodo
em colocar erros maçônicos no rol de coisas secundárias e declaramos a maço­
naria incompatível com o Evangelho e com a supremacia de Jesus Cristo como
profeta, sacerdote e rei no seio da Igreja e isto fazemos para honra e glória, de
nosso Senhor Jesus Cristo.
São Paulo, 3 de agosto de 1903.16
[Seguem vinte assinaturas.]

O lugar do missionário na Igreja nacional


O lugar do missionário na Igreja nacional foi ponto de tensão e, não raro, de
desentendimento. Erasmo Braga faz uma excelente análise da questão em vésperas da
171
1

História Documental do Protestantismo no Brasil

Prim eira Guerra M undial, tendo em vista especialmente a experiência da Igreja


presbiteriana, a qual se tomou oficialmente autônoma em 1888. Claramente, é um
prelúdio, do famoso “Brasil Plan” de 1917.

DOCUMENTO: As relações en tre os m issionários e os con cílios


... As relações mútuas em que entram as igrejas nascentes e os missionários,
estabelecem-se dentro de um terreno de ação comum e a definição dessas rela­
ções, em função da autoridade que lhes dão origem, é às vezes difícil e sempre
complexa. Por isso, como na ação diplomática entre povos autônomos e sobe­
ranos, aqui a suavidade e a boa harmonia e o êxito dessas relações dependem d e
um alto desenvolvim ento m oral das partes contratantes, quanto à noção do fim a
que se propõe e de um desejo sincero de cooperação para atingirem o objetivo co­
mum.
(...) Mas, a harmonia administrativa entre os corpos eclesiásticos que ope­
ram no Brasil depende do reconhecimento de certos princípios:
1. Os missionários são agentes das igrejas que os enviam ao estrangeiro, das
quais derivam a sua autoridade e às quais são prim ariam ente responsáveis pelas
contas de seus trabalhos.
Decorre daí, que o missionário não pode transferir-se de sua jurisdição, para
os concílios organicamente diversos da sua, a não ser que daí advenha uma
duplicidade anômala de relações.
As circunstâncias em que se formaram as primeiras igrejas missionárias con­
duziram ao estabelecimento dessas condições de relação dupla. Foi a solução
mais prática e natural no momento.
Essas relações devem ser continuadas em caráter provisório, como meio de
auxiliar as igrejas novas a chegarem à plena maturidade. A cessão delas abrup­
tamente importando em um descalabro administrativo e espiritual.
Essa é, de fato, a verdade expressa pelo Sínodo em 1903, quando declarou
“que os missionários continuam a ser necessários, como membros efetivos dos
nossos concílios, à prosperidade da causa evangélica em nossa pátria”.
2. Tal convívio, em simbiose, ê transitório
Isso decorre da essência da comissão recebida pelo missionário da Igreja que
o enviou, e está incorporada na redação do parecer do Sínodo de 1903... Essa
opinião é prevalecente entre os missionários de todas as terras e é a opinião de
muitos no Brasil, havendo divergências quanto à oportunidade dela, em casos
específicos (...)
Em sua carta documental à Conferência de Edimburgo (1910), os “boards”
americanos afirmam esperar que essas relações podem achar fórmula apropria-

172
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

da —durante o período interm ediário entre o da prim itiva fu n d a çã o da Igreja e o


seu p len o desenvolvim ento (...)
Divide-se pois esse estádio em dois períodos:
a) o da cooperação orgânica dos nacionais e estrangeiros como membros dos
concílios locais —a ser continuada até quando for necessária. (Atas do Sínodo,
1903, p. 14, n° 17-A); e
b) o da colaboração, sem autoridade nem responsabilidade p o r p a rte do missi­
onário (Conferência de Edimburgo, II, 37), em trabalhos de evangelização que
sejam paralelos sem constituir um Estado no Estado. (Conferência de Edimbur­
go, II, 36-38).
Que temos chegado ao princípio deste período, é claro do m odus viven di do
Presbitério da Bahia e Sergipe e da recente resolução do Presbitério do Rio de
janeiro, em 1913, “aprovando a política da missão em aconselhar os missioná­
rios nos grandes centros a que não sejam membros dos presbitérios”, e no ato
do Presbitério de São Paulo que convidou O Rev. C. A. Carriel, membro de
um presbitério norte-americano, a tomar trabalho de evangelização em seu
território, sem se tornar membro do Presbitério de São Paulo, ao passo que
recebeu o Rev. Murdoch Gillespie como membro efetivo, porquanto ele traba­
lhava em caráter individual no Brasil e não como representante de uma Igreja
fora do país.17

Delimitação de campo de trabalho entre missões e Igreja nacional


Problema perene é o relacionamento do missionário com a Igreja nacional, qual­
quer que seja a denominação. Os missionários presbiterianos, desde a autonomia (1888),
foram arrolados como ministros da nova Igreja nacional. Porém, continuaram a par­
ticipar de uma organização paralela, a “missão”. Por exemplo, a “Brazil Mission” da
PCUSA se reuniu na mesma época e local do Sínodo em 1891. Em consulta com os
missionários da PCUS, esta propôs um plano ao Sínodo que, com pequenas m odifi­
cações, foi aceito. Este plano delineou “limites de direitos e poderes” de sínodo e
missão, respectivamente e reteve para as missões um considerável grau de autono­
m ia.18 É geralmente entendido que o relacionamento de missionários e nacionais foi
um dos mais importantes fatores na ruptura em 1903, da qual resultou a Igreja
Presbiteriana Independente do Brasil. O debate de 1916, que culminou no “modus
operandi” de 1917, mostra que o problema criado pelas diferenças na estratégia
missionária entre missionários e nacionais não fora ainda satisfatoriamente resolvido.

173
História Documenta] do Protestantismo no Brasil

DOCUMENTO: O “m odus op era n d i” d e 1917 da Igreja P resbiteriana, atas


da A ssem bléia Geral, 1917
As 13 horas reabriu-se a sessão, e o Rev. Mattathias G. dos Santos, como
relator da comissão, especial sobre o plano de cooperação com as missões es­
trangeiras, apresentou a nova redação do plano, que foi lida, discutida e votada
por partes e em seguida em conjunto, nos termos seguintes:
“Nos dias 6, 7, 8 e 9 de dezembro do ano próximo passado estiveram reuni­
das em São Paulo as comissões, nomeadas para redigirem um projeto de regu­
lamento das relações que devem existir entre a Igreja Presbiteriana do Brasil e
as missões estrangeiras que trabalham no país. Estiveram presentes, como re­
presentantes desta Assembléia, os Revs. Belmiro de Araújo e Mattathias Go­
mes dos Santos; pelo B oard ofN ew York, os Revs. Dr. W. A. Waddell, Salley,
Lenington, Anderson e Bixler; pela C omm ittee o f Nashville, os Revs. Samuel
Gammon, Roberto Daffm e W. M. Thompson. Depois de demorada e deta­
lhada discussão foi unanimemente adotado o seguinte:
Plano de cooperação entre a Igreja Presbiteriana no Brasil e as missões
estrangeiras que trabalham no país
O fim do trabalho missionário é estabelecer a Igreja nacional autônoma e
esse fim já está realizado no Brasil. Esse fato já tem sido várias vezes referido,
tanto pelos concílios nacionais, como pelas missões. Há, porém, ainda vastas
regiões intactas, multidões não alcançadas pela voz do Evangelho puro o que
plenamente justifica o prosseguimento do trabalho missionário. Torna-se, pois,
imprescindível o estabelecimento de um novo regime que harmonize os inte­
resses e defina os limites do campo de atividade das duas forças, a das missões e
a da Igreja no Brasil. Foi inspirada nesses fatos que a Assembléia de 1916 to­
mou as deliberações já conhecidas e referentes a este novo regime.
Para dar cumprimento, ao que foi proposto por aquela Assembléia Geral em
referência às novas relações que devem existir entre a Igreja Presbiteriana e as
missões que com ela cooperam, a comissão mista, para esse fim, vem respeito­
samente recomendar o seguinte:
MODUS OPERANDI
Capítulo I
Campo de trabalho
Art. Io —Esse vasto território fica sob a responsabilidade da Assembléia
Geral e das missões. Considera-se campo da assembléia o atualmente ocupado
pelos seus presbitérios, e campo das missões o em que elas exerçam a sua ativi­
dade.
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

Capítulo II
Relação entre obreiros
Art. 2o —Nenhum dos obreiros da Igreja Presbiteriana no Brasil, ou das
missões, poderá fazer parte de duas dessas corporações simultaneamente, salvo
nos casos adiante referidos.
Art. 3o —Quando qualquer presbitério tiver número de ministros nacionais
inferior a cinco, poderão ser convidados para fazer parte efetiva dele um ou
mais dos missionários mais velhos que estiverem trabalhando na mesma zona.
Esse fato não prejudicará as relações desses obreiros com as respectivas missões,
nem importará na transferência de seu campo, da missão para o presbitério.
§ Único —Em caso algum um ministro pertencerá a dois presbitérios simul­
taneamente.
Art. 4o - Nenhum missionário servirá como pastor de qualquer Igreja dos
presbitérios e, igualmente, a missão não empregará membros dos presbitérios
em trabalho de evangelização. Essas corporações terão direito de conceder uma
a outra, por tempos curtos, para trabalhos específicos, os serviços dos seus mem­
bros. A permuta do trabalho e auxílio pessoal será livremente combinada den­
tro dos limites ordinários da cortesia.
§ Único —Disposição transitória.
Os missionários que atualmente pastoreiam igrejas dos presbitérios, pode­
rão continuar a fazê-lo nas condições atuais enquanto eles, a missão e o presbi­
tério desejarem.
Art. 5o —Respeitada a deliberação n° 3(*)19 da assembléia, em que tratou
dos Drs. J. R. Smith e Thomas Porter, os missionários que forem cedidos pelas
missões para trabalhos especiais da Igreja, devem manter as suas relações com
os seus presbitérios no estrangeiro, devendo, contudo, prestar aos competentes
concílios todas as informações e relatórios solicitados, ficando o seu trabalho
sob a fiscalização única e direta desses concílios.
§ Único - A concessão desses obreiros será sempre feita mediante pedido
dos concílios, com prazo fixo, e a renovação dela dependerá de novo pedido.
Art. 6o —Os missionários deverão promover no seus campos o sustento das
diversas causas apresentadas pelos concílios da Igreja e farão o possível para
desenvolver um espírito de solidariedade entre as suas congregações e as igrejas
dos presbitérios.
Capítulo III
Jurisdição
Art. 7o - A autoridade eclesiástica dos missionários será final nos seus cam­
pos: terão plenos poderes para receber membros, organizá-los em congregações
e igrejas e manter entre eles a disciplina.

175
História Documental do Protestantismo no Brasil

Art. 8o —A jurisdição sobre os candidatos ao ministério evangélico, e licen­


ciados, pertencerá exclusivamente aos presbitérios. A missão de forma alguma
se relacionará eclesiasticamente com eles ou com as igrejas jurisdicionadas pe­
los presbitérios, senão por intermédio desses concílios.
Art. 9o —Os missionários e os pastores respeitarão mutuamente limites dos
diversos campos e paróquias e nenhuma das partes sancionará a invasão do
campo ou das funções de outra.
Art. 10 — As cartas demissórias e atos disciplinares serão mutuamente res­
peitados pelos membros dos presbitérios e das missões.
Art. II —E altamente conveniente que os presbitérios e as missões troquem
anualmente informações minuciosas do movimento geral do seu trabalho.
Capítulo IV
Subvenções
Algumas vezes acontece que um campo missionário está perfeitamente em
condições de ser incorporado à Igreja nacional, mas são insuficientes os meios
de que dispõe para custear o sustento pastoral.
Nesses casos é necessário que as missões continuem a subvencionar o traba­
lho, o que deverá ser feito nos termos dos artigos que se seguem.
Art. 12 — Devido às condições sob que os “boards” trabalham, os auxílios
concedidos pela missão a qualquer Igreja ou paróquia serão combinados por
prazos de ano.
A renovação, quando houver, sofrerá um abatimento de 8% sobre a quantia
primitiva, podendo este abatimento ser suspenso ou modificado em casos es­
peciais pela comissão permanente executiva.
§ Único —Esses pagamentos serão feitos mensalmente pelos tesoureiros das
missões diretamente aos dos presbitérios.
Art. 13 - Quando uma Igreja subvencionada vier a ficar sem pastor ou
evangelista pastor, a verba que lhe fora destinada ou será paga ou retirada ao
juízo da missão.
Art. 14 - Os presbitérios informarão anualmente as missões, se as igrejas
subvencionadas cumpriram o seu contrato pastoral, e enviarão ao mesmo tem­
po um relatório minucioso do movimento geral dessas igrejas.
Art. 15 —No caso de qualquer Igreja faltar ao cumprimento do seu contra­
to, as missões poderão negar o seu auxílio para os exercícios futuros, até que
sejam certificadas pelos presbitérios da retificação da falta.
Capítulo V
Transferência de cam po d e trabalho
Sendo transitória a autoridade dos elementos missionários e permanente o
serviço da Igreja nacional deve haver facilidade no modo de transferir campos,

176
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

das missões para os presbitérios.


Essa transferência deverá ser feita nos termos dos artigos que se seguem.
Art. 16 —Quando uma congregação ou uma Igreja do campo missionário
atingir desenvolvimento que promete sustento permanente de um pastor, a
missão ou a congregação pedirá ao presbitério o seu parecer. Sendo este favorá­
vel, a missão e o presbitério procederão a delimitar a paróquia e a combinar os
termos em que a missão ajudará o sustento pastoral. Firmado o contrato, o
presbitério procederá à colocação de um pastor e governará a paróquia, cessan­
do de uma vez e perpetuamente a autoridade e os direitos eclesiásticos da mis­
são.
Art. 17 —Quando o presbitério julgar-se em condições de assumir a respon­
sabilidade de qualquer campo missionário, pedirá à missão que lhe conceda,
expondo os elementos de que dispõe para esse fim. A missão terá pleno direito
de aceitar ou não.
Art. 18 —Quando a missão quiser passar qualquer campo de trabalho para
os cuidados do presbitério, fará proposta neste sentido, indicando os recursos
que oferece para subsidiar o serviço. O presbitério reserva-se o pleno direito de
aceitar ou recusar a proposta.
Art. 19 —Caso haja conveniência de se abrirem trabalhos missionários nas
capitais ou outros centros de população, competirá ao presbitério determinar o
campo que deverá ser considerado como missionário.
Capítulo VI
Comissão perm an en te executiva
Reuniões e atribuições
Art. 20 - Para promover a maior eficiência possível na execução deste plano,
deve haver uma comissão permanente, composta de três representantes das
missões do Com m ittee de Nashville, três das do B oard o f New York e seis da
Igreja Presbiteriana no Brasil, procurando-se tanto quanto for possível consul­
tar os interesses dos presbitérios que tenham relações com as missões.
§ Único —Esta comissão reunir-se-á anualmente, convocada para o mês de
dezembro, devendo o lugar, dia e hora serem determinados pelo presidente.
Art. 21 - Esta comissão deverá:
Io - Zelar pelo cumprimento dos termos deste plano e remover dificuldades
que venham a surgir na execução dele, recebendo e encaminhando representa­
ções, queixas etc.
2o - Servir de intermediária entre as missões e a Assembléia Geral.
3o - Estudar as condições religiosas do país e promover a unificação de uma
campanha geral de evangelização pelas corporações associadas neste plano.20
História Documental do Protestantismo no Brasil

Os batistas
A Convenção Batista Brasileira (1907)
Os batistas no Brasil, na sua grande maioria, estão vinculados à Convenção Batista
do Sul dos Estados Unidos. Primam pelo governo congregacional, havendo, entretan­
to, fortes laços que unem as congregações batistas num a legítim a denominação. Estes
laços incluem uma lealdade doutrinária (o calvinismo), um conceito peculiar do Ba­
tismo (imersão de crentes) e limitação da mesa da comunhão aos batistas. Além desses
elementos, há uma consciência da sua identidade como batistas. Esta identidade acha
uma expressão estrutural ou orgânica na Convenção. A fundação da Convenção das
Igrejas Batistas do Brasil, em 1907, constitui, portanto, o primeiro passo maior na
nacionalização dos batistas brasileiros e na busca de uma verdadeira autonom ia como
denominação nacional.
Nos dias 22 a 27 de junho de 1907, 43 delegados, representando 39 igrejas e
corporações, se reuniram na Primeira Igreja Batista da Bahia, onde, na terceira sessão,
no dia 24, foi aprovada a “Constituição Provisória da Convenção das Igrejas Batistas
do Brasil”.

(^84^) DOCUMENTO: C onstituição P rovisória da C onvenção das Igrejas B atistas


do B rasil
Nós, mensageiros das igrejas, sociedades e outras organizações da denomi­
nação batista de várias partes do Brasil, reunidos na cidade da Bahia, Capital
do Estado do mesmo nome, nos dias 22 a 27 de junho de 1907, para executar
a vontade das corporações que representamos —unir todas as forças batistas do
Brasil em uma organização nacional maior, para o desenvolvimento e eficácia
da pregação do Evangelho de Jesus Cristo segundo a nossa crença —concorda­
mos em obedecer às seguintes regras ou artigos:
Art. Io —Esta organização denomina-se Convenção das Igrejas Batistas do
Brasil.
Art. 2o —O fim desta organização é promover missões domésticas e estran­
geiras, e tudo mais que direta ou indiretamente tenha relação com o Reino de
Nosso Senhor Jesus Cristo, respeitando-se a soberania das igrejas e igualdade
de direitos umas para com as outras.
Art. 3o - A Convenção compõe-se de irmãos que contribuam, ou que se­
jam enviados por corporações que contribuam para a manutenção do trabalho
regular da Convenção, na proporção de um mensageiro por cada 50$000 en­
tregues ao tesoureiro da junta sob a direção da Convenção, durante cada ano

178
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

financeiro próximo findo; e também se compõe dos mensageiros de cada orga­


nização missionária gerai, composta de igrejas batistas da mesma fé e ordem.21
§ Io —Tais mensageiros serão eleitos na reunião regular anual de cada uma
dessas organizações.
§ 2o —A eleição de cada mensageiro à Convenção será oficialmente
comunicada pelo secretário da corporação que o elege ao secretário da Con­
venção.
Art. 4o —O ano financeiro da Convenção começa em Io de julho de cada
ano e termina em 30 de junho do ano seguinte;
Art. 5o - Os oficiais desta Convenção serão os seguintes: um presidente,
dois vice-presidentes, dois tesoureiros (um ativo e um substituto) e dois secre­
tários de registro, Io e 2°.
§ Io —Estes oficiais serão eleitos em cada reunião anual da Convenção e
ocuparão os seus cargos até a eleição da nova diretoria.
§ 2o - Os oficiais da Convenção serão, cada um, ex-ojficio, membros das
várias juntas sob a direção da Convenção.
Art. 6o —A Convenção elegerá em cada reunião anual tantas juntas quantas
julgar necessárias para melhor atingir os fins a que se propôs, e tais juntas exer­
cerão os seus cargos até a eleição de novas juntas.
§ Io —Cada uma dessas juntas compõe-se de um presidente, um vice-presi­
dente, um secretário de registro, um secretário-correspondente, um tesoureiro
e dois vogais.
§ 2o —Três membros ativos das juntas formarão quorum para sessão legal.
§ 3o —A cada uma dessas juntas será entregue, durante o intervalo da Con­
venção, a completa direção de todos os negócios dos quais estiver encarregada,
direção essa que será de acordo com a presente Constituição.
§ 4o - Cada uma dessas juntas tem poder de eleger dentre os seus vogais
algum ou todos para substituir qualquer vaga que se dê na diretoria ativa.
§ 5o —Estas juntas têm a faculdade de fazer as regras internas do seu governo
de acordo com a letra e espírito da presente Constituição.
Art. 7o - O tesoureiro de cada junta prestará contas fielmente de todos os
dinheiros recebidos e gastos, dando disso relatório à Convenção, quando a
mesma se achar reunida em sessão, e à junta sempre e no tempo que a mesma
determinar.
Art. 8o - Os tesoureiros das juntas não poderão fazer uso dos dinheiros à sua
guarda nem mesmo temporariamente; e só poderão dispendê-los segundo or­
dem especial e para os fins que a junta se acha constituída.
Art. 9o - Os secretários-correspondentes das juntas manterão relações por
correspondência com todas as pessoas ou organizações segundo o interesse das

179
História Documental do Protestantismo no Brasil

mesmas juntas, e guardarão cópia de tal correspondência.


Art. 10 - Os secretários de registro das juntas farão registro claro de tudo o
que se der durante as sessões lavrando atas minuciosas que assinarão com o
moderador, atas que apresentarão na sessão seguinte de cada uma das juntas
para serem discutidas e aprovadas, e arquivarão todos os documentos da junta
que ficarem sob sua guarda e responsabilidade.
Art. 11 - Todos os oficiais, juntas missionárias e agentes nomeados por esta
Convenção, ou por qualquer das suas juntas, têm de ser membros de igrejas
batistas em união e harmonia com esta Convenção.
Art. 12 - Todos os que se propuserem a ser missionários por qualquer das
juntas desta Convenção devem dar provas claras de piedade, zelo cristão, escla­
recimento e firmeza nas doutrinas das igrejas batistas, e capacidade para o car­
go a que se propõem.
Art. 13 - As corporações e indivíduos de que esta corporação se compõe,
têm direito de especificar os fins aos quais as suas contribuições devem ser
aplicadas; não havendo, porém, especificação alguma, a Convenção dará às
contribuições o destino que lhe parecer melhor.
Art. 14 - Esta Convenção reúne-se anualmente.
§ Io - O presidente, com aprovação das juntas, pode em qualquer ocasião
convocar uma reunião extraordinária.
§ 2o —Não será necessária a maioria dos mensageiros enviados para transa­
ção de negócios na convenção.
§ 3o - O presidente, ou por morte dele, qualquer dos vice-presidentes, pode,
a pedido de duas juntas, transferir o tempo e mudar o lugar da reunião da
Convenção quando julgarem inconveniente o lugar e tempo já antes determi­
nados pela Convenção.
Art. 15 —Qualquer alteração nesta Constituição que se mostre necessária e
conveniente, poderá ser feita, mas não sem os votos de dois terços dos mensa­
geiros presentes na convenção anual.22

Nacionais e missionários: a “questão radical” entre os batistas do Nordeste


Líderes batistas nacionais do Nordeste ventilaram, através de um “M emorial dos
pastores batistas do campo regional aos missionários batistas da região”, preparado em
fins de outubro de 1922, o desejo de terem uma parte maior nas decisões quanto às
prioridades e aplicação de dinheiros provindos dos Estados Unidos.23 Não atendidos
a contento, pastores como Adrião Onésimo Bernardo e Antônio Neves de M esquita
levaram o seu apelo, em termos claros, à Convenção Brasileira em 1925. Naturalmen­
te, com o passar de 25 meses, o desentendimento conhecido como a “questão radical”

180

______ M
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

avolumara e a posição dos “radicais” foi explicitada no “manifesto” apresentado à


Convenção.

Ç ss^ DOCUMENTO: M anifesto aos batistas brasileiros


E conhecida da maioria dos batistas brasileiros a posição que a maioria das
igrejas batistas do norte do Brasil tomou desde 12 de novembro de 1922 até
esta data...
(...)
Por que todas as instruções que dizem ser da Convenção Batista Brasileira,
como colégios, seminários, casa publicadora e até templos comprados com bom
dinheiro brasileiro são todos passados em nome da Junta de Richmond ou de
quem a representa aqui? A denominação brasileira, representada na Conven­
ção, não possui uma telha sequer, mas passa dias reunida, com grandes dispên-
dios, discutindo o planejamento sobre essas instituições que não lhe perten­
cem e que não lhe cabe dirigi-las. Em tudo, vemos a desconfiança em nós e no
nosso povo, e a desconfiança só pode produzir a desconfiança (G1 6.7).
(...)
Por isto mesmo, pugnamos por uma mudança “radical” nos métodos de
trabalho entre os batistas do Brasil. Eis porque entramos nessa gloriosa e já
vitoriosa campanha, visando:
I o Tornar a evangelização da pátria a fa se prim ordial e basilar d e nossas a tivi­
dades cristãs
...Isto não quer dizer que vamos negligenciar as outras fases do trabalho
evangélico, mas que daremos à evangelização o lugar devido no programa cris­
tão. A educação segue sempre a evangelização e não esta àquela.
(...)
2 o Aplicar o m étodo apostólico à atualidade
Os missionários de então fundavam igrejas, organizavam-nas direitinho e
prosseguiam sempre em busca de novos campos. Os hodiernos, com raras e
honrosas exceções, aboletam-se nas grandes cidades, plantam-se nos grandes
centros caçando conforto e meios de viver no nível de vida de um cidadão rico,
culto e respeitável, agindo e impondo-se diplomaticamente entre as igrejas or­
ganizadas, fazendo o seu trabalhozinho de gabinete e menosprezando e depre­
ciando muitas vezes os seus colegas de ministério nacional.
(...)
3 o M anter a independência e a soberania das igrejas e do trabalho local
(...)
As igrejas de um campo não podem sozinhas dar cumprimento a um pro­
grama de missões e educação. Vem auxílio de fora, de irmãos bem intenciona-
181
História Documental do Protestantismo no Brasil

dos, mas o missionário é o intermediário único e só entrega o referido auxílio


se tudo for feito como ele quer, ainda mesmo que queira uma grande asneira
(...) o missionário é o único (...) que tem a confiança da junta.
(...)
4o Trabalhar pela emancipação, educação e riqueza espiritual do m inistério
nacional
A educação ministerial entre nós é deficientíssima. E uma educação impor­
tada e mal aplicada. Se a denominação ainda não pode sustentar dois seminári­
os, por que tentar? Não seria melhor ter um só, mas que verdadeiramente pre­
parasse os jovens pregadores para a tarefa multiforme e a condição especial
delicadíssima dos nossos patrícios que eles vão enfrentar? Mas a política e o
comodismo entram em campo, e o bem-estar da causa é olvidado.
(...)
5 o Tornar a Convenção Batista Brasileira uma fo n te d e vida e de serviços, sem
peias, sem suborno e sem “partnership” inverossím il
(...)
6o M elhor descoberta e aplicação d e talentos e dons?'

Decisão oficial da “questão radical” (1925)


Os “radicais” sintetizaram sua posição no “Manifesto aos batistas brasileiros” . O
“manifesto” e ainda o memorial de 1922, tomam claro que o grupo de “radicais”
desejava que o processo decisório e o controle das finanças (quer oriundas do Brasil ou
de “Richmond”) estivessem em mãos nacionais. A Convenção, na sua 14a sessão (16 a
20 de janeiro de 1925), optou por um princípio baseado em uma interpretação pecu­
liar da autonomia. A Convenção claramente delineou as esferas de responsabilidade:
dinheiro levantado por batistas norte-americanos seria aplicado e administrado pela
Junta Americana por meio dos seus agentes, os missionários; fundos levantados no
Brasil seriam administrados pela Convenção e outras entidades brasileiras, obviamen­
te através dos seus agentes. Em outras palavras, a posição dos “radicais” não prevale­
ceu, e seus simpatizantes organizaram-se subseqüentemente como uma facção batista
separada da Convenção e da Junta.

(^86^) DOCUMENTO: Bases d e coop era çã o desta C onvenção e da J u n ta d e M issões


E strangeiras da C onvenção B atista do Sul dos Estados Unidos
1. A autonomia das igrejas —A cooperação destas duas organizações —a
Convenção Batista Brasileira e a Junta de Missões Estrangeiras, de Richmond
—precisa necessariamente basear-se em um princípio batista geralmente aceito,

182
w

Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

a saber: a autonomia das igrejas. Nem esta Convenção nem a Junta Americana
pode arbitrariamente forçar as igrejas a fazerem qualquer coisa. A co-participa-
ção das igrejas nos planos comuns desta Convenção e da Junta Americana é de
livre aceitação por parte das mesmas igrejas; isto é plena e francamente reco­
nhecido por todos os que entram neste convênio.
2. A autonomia das juntas —Este convênio visa a cooperação de todas as
juntas desta Convenção com os planos desta mesma Convenção. Precisa ficar
bem entendido, sem dúvida, que as juntas brasileiras e a Junta Americana são
organizações criadas para servirem às mesmas igrejas, respectivamente no Bra­
sil e nos Estados Unidos, e que a autonomia das juntas está dentro de funções
que lhes são designadas na sua criação. Nem a Junta Americana nem nenhuma
junta desta Convenção é uma criação própria, independente de limitações.
Contudo, o princípio que reconhecemos é este: que as juntas brasileiras e as
juntas da Convenção do Sul dos Estados Unidos são, no limite de suas atribui­
ções, inteiramente autônomas.
3. Convenção Batista Brasileira —Do mesmo modo que as juntas, as con­
venções, dentro dos limites que lhe são fixados, são corpos autônomos, cujo
fim é executar a vontade das igrejas, e estão sujeitas às igrejas. Isto se aplica
tanto à Convenção Batista Brasileira, quanto à Convenção Batista do Sul dos
Estados Unidos.
4. Cooperação —Procurando planos de cooperação entre esta Convenção e
a Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos de um lado, e entre as juntas
desta Convenção e a Junta Americana do outro, é necessário que tomemos em
consideração as definições dadas acima como a expressão da autonomia das
várias organizações dentro da vida denominacional. Cada uma destas organiza­
ções precisa, a fim de promover cooperação cordial, reconhecer estes princípi­
os, que devem ser aplicados em pé de igualdade a cada uma das unidades coo­
perativas; isto é, não deve haver violação alguma destes princípios em nossos
planos ou em nossas atividades, quer sejam tratados pela Junta Americana, ou
pela Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos.
Cada um deve respeitar a autonomia própria e legítima do outro. Por conse­
qüência, aventuramo-nos a sugerir a aplicação destes princípios em pontos onde
essas definições de autonomia precisem ser cuidadosamente estudados e res­
peitados, a menos que uma ou outra das convenções ou das juntas no exercício
da sua autonomia não infrinja a autonomia da outra.
As igrejas, na sua cooperação, permanecem de plena posse da sua legítima
autonomia. Por exemplo: as igrejas têm o direito de chamar os seus próprios
pastores e administrar os seus negócios locais por votação expressa da maioria
dos seus membros. Nenhum indivíduo ou organização se acha revestido de

183

A
História Documental do Protestantismo no Brasil

autoridade para interferir em tais questões. A cooperação, contudo, como a


não-cooperação, exige o exercício do princípio de voluntariedade que governa
uma Igreja Batista. Uma Igreja tem tanto direito de exercer a cooperação e
entrar em comunhão de serviço com outras igrejas, com juntas estaduais e
convenções, como tem de declinar. Sem dúvida alguma, cooperação é em si
mesma um princípio ensinado pelas Escrituras. As afirmações e negações de
uma Igreja por si só declaram a sua independência e o seu direito de seguir o
curso que bem lhe pareça.
Além disto, quando igrejas, juntas ou convenções, entram em cooperação
com outras igrejas, juntas e convenções, precisam não somente garantir a sua
própria liberdade e autonomia, mas também de respeitar a liberdade e autono­
mia das demais com as quais cooperam.
Também estas juntas e convenções devem reconhecer que outras juntas e
convenções, como elas próprias, são criações das igrejas e têm o seu propósito
determinado e suas ações limitadas dentro da esfera prescrita pelas igrejas.
Aplicando-se este princípio, ver-se-á que nenhuma junta ou convenção bra­
sileira pode tocar na esfera ou prerrogativa pertencente às convenções e juntas
brasileiras. A Convenção Batista Brasileira tem juntas que ela mesma governa e
que são responsáveis perante ela segundo os regulamentos que ela estabelece; e
a Junta Americana tem agentes que são responsáveis perante ela somente, e
além dos quais não pode ir a sua autoridade, mas deve chegar até este ponto.
Na cooperação que esta Convenção goza com a Convenção do Sul nos Esta­
dos Unidos, e que as juntas desta Convenção gozam com a Junta Americana,
há coisas em que cada uma destas juntas condescende com o fim de cooperar,
mas condescende voluntariamente; enquanto que há coisas que nem as juntas
brasileiras nem a Junta da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos po­
dem ceder, por causa das responsabilidades que têm perante os seus constituin­
tes, responsabilidades estas que não podem ser delegadas e não podem ir além
do controle dessas juntas e da possibilidade de uma mordomia fiel exercida por
essas juntas para com as igrejas que elas servem. Por exemplo, o dinheiro que as
juntas destas convenções levantam nas igrejas do Brasil, é uma questão entre
estas juntas brasileiras e as igrejas brasileiras. E esta Convenção responsabiliza
estas juntas pelo emprego deste dinheiro; e não pode permitir que a adminis­
tração vá além do seu controle. Da mesma maneira, a Junta Americana, como
uma criação da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, precisa admi­
nistrar seus fundos por meio das agências que lhe sejam responsáveis, a fim de
que ela por sua vez possa dar devidas contas à Convenção de que ela é mandatária.
Não devem, pois, ser recebidas com suspeição ou desagrado as exigências de
qualquer junta, no exercício de suas atribuições, que só tem como causa o

184
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

dever que ela tem de exercer fielmente a sua mordomia. É necessário frisar que
o dinheiro não compra qualquer direito ou prerrogativa sobre Igreja ou indiví­
duo, e nenhum batista de verdade alguma vez pretendeu que o fizesse. Por
outro lado, nenhum batista de verdade ou agência batista pode pretender con­
trolar dinheiro pelo qual outro batista ou agência batista é responsável. Isto é,
uma criação das igrejas ou de uma convenção não ousará assumir prerrogativas
além das que lhe foram traçadas, e ir além de seus limites na distribuição fiel do
dinheiro, ficando assim incapacitada de prestar contas desse dinheiro àqueles a
quem é peculiarmente responsável. A autonomia das igrejas e convenções ba­
tistas brasileiras, que proíbe que uma junta ou convenção norte-americana as
governe de quaisquer maneiras, ou as faça responsáveis, implica que a conven­
ção ou Junta Americana deve conservar a administração financeira nos campos
missionários debaixo do governo daqueles que por acaso possam ser chamados
a prestar contas da sua mordomia, sem infringir esta autonomia. Isto não quer
dizer que negamos a autoridade das nossas igrejas brasileiras se reclamarmos
para aquela Junta o direito de administrar o dinheiro contribuído pelas igrejas
norte-americanas, do qual precisa prestar contas perante a convenção que as
representa.25

Novas bases de cooperação entre batistas brasileiros a sua e a Junta de Missões


(1936)
A Assembléia da Convenção Batista Brasileira de 1935 nomeou uma comissão
para entender-se com o secretário-executivo da Junta de Missões, o Dr. Charles E.
Maddry. O mesmo esteve presente à assembléia em junho de 1936, na qual as novas
bases de cooperação foram acertadas. O novo convênio cedeu maiores privilégios aos
brasileiros, porém permaneceram o princípio de “autonomia” como definido em 1925,
e as “missões”, estruturas administrativas missionárias paralelas à convenção.

(JS7^) DOCUMENTO: R elatório da com issão esp ecia l con stitu íd a p e la assem ­
bléia d e 1935, p a ra en ten d er-se com o Dr. Charles E. M addry, DD, secretá rio-
ex ecutivo da J u n ta d e R ichm ond, Vã., Estados Unidos da A mérica, qu an do da
sua estada no Brasil, sobre a reform a das bases d e coop era çã o en tre esta Con­
v en çã o e aquela J u n ta
(...)
Io) Constituição das juntas da Convenção Batista Brasileira
Considerando que o critério adotado na constituição das juntas desta Con­
venção, que estabelece percentagem de brasileiros e missionários, tem motiva­
do sérios embaraços ao desenvolvimento do trabalho batista no Brasil, que exi-

185
História Documental do Protestantismo 110 Brasil

ge maior fraternidade, ao lado de leal entendimento e cordial cooperação; con­


siderando que os membros das juntas devem ser escolhidos democraticamente
pela Convenção, devendo os preconceitos de raça ceder lugar às virtudes dos
caráteres verdadeiramente cristãos; considerando que o critério para a escolha
dos membros da junta desta Convenção deve consultar o preparo dos seus
componentes, para as especialidades a que cada uma se destina: A comissão
propõe que seja eliminada, doravante a percentagem entre missionários e brasilei­
ros, na constituição das ju n ta s da Convenção Batista Brasileira; fica n d o autom ati­
cam ente dissolvidas as ju n ta s atuais, a fim de que sejam eleitas as novas, na base da
presente resolução.
2o) Autonomia dos seminários
Considerando a relevante missão destinada aos nossos seminários de prepa­
rar um ministério idôneo, para a evangelização do Brasil; considerando que o
grande desenvolvimento da cultura brasileira exige que os nossos pastores te­
nham um preparo muito sólido, de modo a colocá-los à altura de sua nobre
missão, no seio da sociedade brasileira; considerando que os seminários, como
faculdades superiores de nossa denominação, perdem muito do seu mereci­
mento pela sua situação de dependência dos colégios a que se acham anexados;
considerando as grandes vantagens, para o aprimoramento do trabalho das pró­
prias faculdades com o ensejo que se lhes oferece e aos professores de realiza­
rem trabalhos mais eficientes dentro de suas especialidades; considerando o
bem que trará para o conforto moral, espiritual, dos próprios seminaristas a
separação dos seminários dos colégios; considerando que os nossos seminários
constituem, depois das nossas igrejas, as instituições mais importantes dos ba­
tistas no Brasil: A comissão propõe que sejam separados os sem inários dos colégios,
d even d o ser constituídas p ela C onvenção, ju n ta s e diretorias próprias, para
administrá-los.
Esta separação não significa, de modo algum, quebra das relações de amiza­
de e cooperação que deve haver entre os seminários e os colégios e os respecti­
vos diretores; pois ambas as instituições pertencem à Convenção Batista Brasi­
leira, para servirem à causa de Deus.
3o) Direitos de propriedades
Considerando, finalmente, o espírito louvável da Junta de Richmond de ver
usadas, para os fins de servirem à causa de Deus, as propriedades que fez cons­
truir em nosso país; e atendendo a que, conforme consignam as bases que se
vão reformar e as declarações do Dr. Maddry, a Junta de Richmond não espera
qualquer vantagem das suas propriedades no Brasil, além de vê-las usadas para
o serviço do Mestre, na educação e evangelização dos brasileiros: A comissão
ju lga -se no dever de declarar para que esta convenção possa ratificar, que as altera­

186
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

ções p o r que o trabalho batista no Brasil vai passar com as m edidas aqui propostas,
não m odificam a situação relativa aos legítim os direitos d e propriedade dos im óveis
ocupados com as instituições da Convenção Batista Brasileira; direitos esses que
continuarão com o até agora com a Junta de Richmond.
4o) Reforma das bases de cooperação
Propõe ainda a comissão que seja constituída por esta assembléia uma co­
missão, representativa das várias atividades denominacionais, para estudar com
o Dr. Maddry a reforma das bases de cooperação, de acordo com o que prescre­
vem os três primeiros artigos das conclusões, deste relatório e dar parecer na
sexta sessão desta assembléia (...) [Segue-se o parecer da comissão proposta
acima.]
1. Achamos por bem reafirmar o princípio fundamental da autonomia das
igrejas, constante das antigas bases de cooperação, aprovadas na sexta sessão da
14a Convenção Batista Brasileira, realizada no templo da Primeira Igreja Batis­
ta, no Rio de Janeiro, no mês de janeiro do ano de 1925.
2. Não obstante haver esta Convenção assumido maiores responsabilidades
firmando o novo pacto, pedimos que continue a franca e eficiente cooperação
da Junta de Richmond.
3. Recomendamos no tocante às juntas do colégio do Rio e do colégio do
Recife; às juntas do seminário do Rio e do seminário do Recife; à Junta do
Colégio “D. Anna Bagby” e bem assim à Junta de escolas dominicais e uniões
de mocidade:
a) que sejam compostas de 15 (quinze) membros cada uma, eleitos pela
Convenção, sem distinção de nacionalidade, não podendo fazer parte de qual­
quer destas juntas as pessoas que trabalham sob a direção das mesmas;
b) que estas juntas sejam constituídas dos elementos mais representativos
possíveis no território servido por elas; e
c) que sejam incluídas duas senhoras nas juntas dos colégios.
(...)
4. As juntas dos colégios e dos seminários elegerão os seus diretores e profes­
sores, fixando os seus ordenados.
5. As funções de diretor dos educandários serão ocupadas por qualquer ba­
tista competente e de conhecida cultura, sem distinção de nacionalidade.
6. Os princípios aqui empregados a respeito das juntas dos colégios e semi­
nários são extensivos em toda a sua aplicação à Junta de Escolas Dominicais e
Mocidade, devendo, “ipso fa cto ”proceder-se à reforma dos seus respectivos es­
tatutos.
7. A comissão declarou que o ideal é que as escolas de treinamento de moças
venham a ficar sob a direção das juntas dos seminários, continuando, entretan-

187
História Documental do Protestantismo no Brasil

to, como estão, isto é, sob a direção dos colégios, até que se tome viável este
ideal.
8. Recomendamos mais, que seja eleita sob a indicação da comissão de reno­
vação de juntas, uma comissão executiva da Convenção Batista Brasileira, com­
posta de 11 (onze) membros, para se entender com as missões batistas do norte
e do sul do Brasil, apresentando-lhes os pedidos que devem ser enviados à
Junta de Richmond, no tocante à vinda de novos missionários, sendo declara­
dos nestes pedidos o lugar e o trabalho para os quais deverão ser destinados,
podendo esta mesma comissão executiva encarregar-se de quaisquer outros
negócios que a Convenção lhe queira entregar.
9. Este convênio durará pelo tempo de 10 (dez) anos.26

Plano de sustento financeiro do trabalho batista brasileiro (1957)


Cônscios da impossibilidade de uma verdadeira autonomia dos batistas brasileiros
sem o sustento próprio, dez “secretários-correspondentes —tesoureiros ou secretários-
executivos”, nove dos quais missionários, sob a presidência do brasileiro José dos Reis
Pereira, elaboraram um plano de sustento financeiro, que apresentaram à Quadragési­
ma Assembléia da Convenção Batista Brasileira. O plano, conhecido como o “Plano
Cooperativo”, foi adotado em princípio pela Convenção de 1958, e já se encontrava
parcialmente em funcionamento em 1959, embora 1961 fosse fixado para a adoção
plena.

DOCUMENTO: M em orial dos secretários-correspon den tes


Os secretários-correspondentes-tesoureiros ou secretários-executivos de vá­
rios campos batistas do Brasil, aproveitando a realização da presente Assem­
bléia da Convenção Batista Brasileira, tiveram duas reuniões a fim de trocar
idéias sobre o trabalho que vem sendo realizado nos diversos estados e, nessa
oportunidade, por decisão unânime, resolveram trazer à consideração da Con­
venção, a seguinte proposta:
considerando que nestes cinqüenta anos de existência da Convenção Batista
Brasileira o progresso do trabalho batista no Brasil tem sido excepcional;
considerando que as possibilidades e necessidades do trabalho convencional
crescem dia-a-dia;
considerando, entretanto, que esse crescimento traz grandes problemas no
que diz respeito à coordenação das atividades, dos apelos financeiros e da dis­
tribuição da contribuição das igrejas;
considerando que os métodos atualmente empregados pela Convenção Ba-

188
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

tista Brasileira para o sustento da obra denominacional não asseguram o desen­


volvimento proporcional de todas as suas instituições;
considerando que o [sic] o sistema atual dificilmente se poderá conseguir a
autonomia do trabalho batista brasileiro, que continuará assim, por muito tempo
ainda, a depender de dinheiro de fora para a sua manutenção;
considerando que nos depara o perigo eventual de fragmentação da obra
batista em linhas regionais, se continuarmos a seguir a presente orientação e
que um plano cooperativo de âmbito nacional, que vise o sustento de todas as
instituições em quaisquer regiões da pátria servirá para unificar o trabalho;
considerando que as grandes oportunidades evangelísticas nos estados têm
levado as igrejas a reconhecer sua responsabilidade pela evangelização estadual
sendo, portanto, imprescindível levantar fundos substanciais para atender de­
vidamente a essas necessidades;
considerando que já é tempo de ser adotado um plano financeiro cooperati­
vo racional, por meio do qual as igrejas contribuam proporcionalmente para a
manutenção do trabalho da denominação;
considerando que um plano financeiro unificado permitirá a cada membro
da igreja local participar do programa total da Convenção;
considerando, finalmente, que um plano geral e unificado de contribuição
abrirá a visão das igrejas para as necessidades e oportunidades do Reino de
Deus e dará um sentido mais prático e mais amplo à doutrina da mordomia
cristã.
Propomos
que a Convenção Batista Brasileira adote um plano de cooperação financei­
ra rias seguintes bases:
1. Que se faça um apelo às igrejas, através de suas juntas estaduais, no senti­
do de que enviem uma oferta regular mensal, proporcional e global para o
sustento tanto dos fins da Convenção Estadual como dos fins da Convenção
Batista Brasileira, sendo a quantia determinada para cada convenção segundo
proporção estabelecida pelas juntas estaduais.
2. Que na determinação da proporção ideal para as ofertas das igrejas para
os fins denominacionais o dízimo das entradas seja apresentado como o míni­
mo a ser ofertado.
3. Que a Junta Executiva da Convenção Batista Brasileira apresente à pró­
pria Convenção um plano de divisão proporcional das contribuições que por
ela forem recebidas das juntas estaduais e das igrejas, tendo em vista todos os
fins da Convenção.
4. Que a Junta Executiva estude um plano pelo qual esteja aparelhada para
servir como coordenadora e distribuidora das ofertas que lhes forem enviadas.

189
História Documental do Protestantismo 110 Brasil

5. Que a Junta Executiva crie o cargo de secretário-executivo, de acordo


com seu próprio regimento interno, objetivando a propaganda do plano e o
levantamento de recursos financeiros para o sustento da obra batista no Brasil.
6. Que a propaganda do plano seja feita no púlpito e na imprensa, nas con­
venções, nos congressos e associações, de tal modo que as igrejas venham a
adotá-lo por convicção e com pleno conhecimento de suas vantagens e benefí­
cios; mas que em todo o tempo e em toda a linha tanto a Junta Executiva da C.
B. B. como as juntas estaduais respeitem a autonomia das igrejas que lhe envi­
arem ofertas designadas.
Belo Horizonte, 19 de janeiro de 1957.27

Os m eto d istas
“0 Granbery” volta a ser administrado diretamente pela Junta de Missões
Durante a Primeira Guerra M undial, em circunstâncias que considerou bastante
críticas, a Junta insistiu em nomear o presidente do Colégio Granbery pelo espaço de
cinco anos. Frente a essa intromissão, a diretoria simplesmente abriu mão dos seus
direitos e responsabilidades para com o educandário, entregando toda a responsabili­
dade à Junta em Nashville. Foi o clímax de uma série de interferências e decisões
arbitrárias da parte da Junta, que mostram o grau de controle exercido por ela e os
conflitos resultantes dessa situação,

( 8? ) DOCUMENTO: “O G ranbery’’
Os abaixo-assinados, representantes da conferência anual na diretoria d’0
Granbery pedem licença para trazer ao conhecimento da conferência, que, numa
reunião da dita diretoria na cidade do Rio de Janeiro no mês de fevereiro, em
que foi-lhe apresentado pelo presidente um pedido da comissão executiva da
Junta de Missões, Nashville, Tenn., de que a diretoria entrasse num acordo
com a Junta, pelo qual a Junta poderia contratar nos Estados Unidos um presi­
dente para O Granbery por um prazo de cinco anos e a diretoria se comprome­
tesse a apoiar e ajudar o dito presidente na sua administração do instituto, foi
apresentada a seguinte resolução:
1. que os membros da diretoria d’0 Granbery são somente os representan­
tes e servos da Junta de Missões e da Conferência Anual Brasileira;
2. que todos os direitos e poderes que a dita diretoria possa ter perante o
governo e as leis brasileiras, ela possui pelo consentimento e autorização das
duas ditas corporaçães;
3. que, quanto ao sucesso e triunfo d’0 Granbery, é necessário que haja da

190
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

parte das duas corporações, mandantes da diretoria, a mais cordial e leal


cooperacão e apoio ao instituto;
4. que atualmente parece impossível que esta tão necessária cooperação e
apoio das duas partes possa ser alcançada em harmonia com a fiel execução dos
estatutos desta diretoria;
resolve-se, pois, que a diretoria faça mais do que a comissão executiva da
Junta de Missões pede em suas comunicações quanto à presidência d’0
Granbery, isto é, que esta diretoria, abrindo mão dos direitos, poderes e res­
ponsabilidades, dados pelas partes constituintes e reconhecidas pelas leis brasi­
leiras, entregue à Junta das Missões nos Estados Unidos a direção e administra­
ção direta do instituto pelo tempo que ela julga necessário, isto é, de cinco
anos, comprometendo-se os membros representantes da Conferência Anual
Brasileira a recomendar à dita conferência a aprovação deste nosso ato.
Resolve-se mais, que os membros desta diretoria, dando este passo, não por
picardia, mas seriamente por causa do seu amor para com O Granbery, se com­
prometem a encorajar e apoiar esta administração d’0 Granbery, trabalhando
lealmente para o triunfo da sua causa, declarando desde já que entendemos
que, adotando esta proposta, a Junta de Missões poderá escolher o presidente e
os professores e fazer com ele os contratos que desejar, mesmo sem consultar a
opinião da diretoria, ficando a dita Junta com a liberdade e responsabilidade de
cumprir os contratos e executar os seus planos durante o período marcado
desta sua gestão.
De acordo com esta resolução, pedimos e recomendamos que a conferência
anual aprove o ato da diretoria, visto que na atualidade parece que somente
nestas condições poderemos vencer a desconfiança da Junta, ou melhor dizer,
dos seus oficiais, e ter a sua plena cooperação e interesse com o nosso Granbery.
Rio, 16/7/1917. - J. W. Tarboux, J. E. Tavares, Arino Fernandes Moraes.28

Autonomia form a l da Igreja Metodista (1930)


A IMES, como as demais denominações, reproduziu no Brasil as mesmas estrutu­
ras eclesiásticas existentes no país de origem. A Conferência Anual (hoje denominada
Concilio Regional) surgiu em 1886. Com o crescimento do trabalho surgem outras
conferências e m l 9 1 0 e l 9 1 9 - do Norte, Sul e Centro. A expansão territorial e o
crescimento numérico exigiram medidas como; supervisão episcopal permanente, atra­
vés de um bispo residente;29 a adaptação da D isciplin a (as leis da Igreja) à situação
brasileira e, finalmente, melhor coordenação das três conferências anuais (hoje, regi­
ões eclesiásticas). O movimento em favor do sustento próprio, liderado por Guaracy
Silveira é um a importante evidência do desejo de uma verdadeira autonom ia do
História Documental do Protestantismo no Brasil

metodismo brasileiro. Duas Conferências Centrais manifestaram ainda esse desejo e,


em 1930, a IMES cedeu a autonomia almejada, concordando com a criação da Igreja
M etodista do Brasil.30 Curiosamente, a Igreja autônoma, podendo pela prim eira vez
eleger o seu próprio bispo, escolheu não um brasileiro e, sim, o velho missionário
John W illiam Tarboux.
A autonomia não esperou a obtenção do sustento próprio e nem totalmente a
autopropagação (expansão através de obreiros nacionais), pois foi criado um Conse­
lho Central, elo de ligação entre as igrejas “mãe” e “filha”, através do qual questões
concernentes ao pessoal missionário e auxílio financeiro seriam tratadas.

0 ^ 0 DOCUMENTO: P roclam ação da a u ton om ia da Igreja M etodista do B rasil


Considerando que a Conferência Geral da Igreja Metodista Episcopal do
Sul elegeu uma comissão para estabelecer uma Igreja autônoma no Brasil, cujo
certificado de eleição reza assim:
“Dallas, Estado de Texas, 27 de maio de 1930. A quem interessar: Certifico
que no sábado, 17 de maio de 1930, a Conferência Geral da Igreja Metodista
Episcopal do Sul, em sessão quadrienal, devidamente reunida na cidade de
Dallas, Texas, por uma proposta formal, apoiada, elegeu as seguintes pessoas
para constituírem a comissão para estabelecer a Igreja autônoma no Brasil:
bispo Edwin D. Mouzon, Charlotte, N. C., D. Esther Case, Nashville, Tenn.,
Juiz W. Erskine Williams, Fort Worth, Texas, Rev. J. L. Clark, Danville,
Kentucky, Rev. F. S. Love, Raleigh, North Carolina. Assinado por L. H. Estes,
secretário da Conferência Geral”;
Considerando que, em obediência às instruções acima mencionadas, a refe­
rida comissão veio ao Brasil e apresentou o plano da autonomia às três confe­
rências anuais brasileiras que foram convocadas em sessões regulares pelo bispo
Jaime Cannon Junior, bispo encarregado do trabalho no Brasil;
Considerando que as três conferências anuais do Brasil, a saber, a Conferên­
cia Anual Brasileira, reunida na cidade de Petrópolis, de 7 a 9 de agosto; a
Conferência Anual Central Brasileira, reunida na cidade de São Paulo, de 13 a
15 de agosto; e a Conferência Anual Sul-Brasileira, reunida na cidade de Passo
Fundo, de 21 a 22 de agosto, 1930, unanimemente aprovaram o plano de
autonomia adotado pela Conferência Geral na cidade de Dallas, Texas, e que
cada uma delas elegeu cinco delegados, a saber:
A Conferência Anual Brasileira - W. H. Moore, César Dacorso Filho,
Epaminondas Moura, D. Ottília Chaves e Oswaldo Lindenberg.
A Conferência Anual Central Brasileira - Guaracy Silveira, W. B. Lee,
Oswaldo Luiz da Silva, Elias Escobar Junior e D. Francisca de Carvalho.
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

A Conferência Anual Sul-Brasileira —G. D. Parker, A. M. Ungaretti, João


Ignácio Cerilhanes, D. Eunice Andrew e Ephraim Wagner.
Considerando que a comissão conjunta, composta das pessoas
supramencionadas, se reuniu na cidade de São Paulo, na Igreja Metodista Cen­
tral, nos dias 28, 29 e 30 de agosto e 2 de setembro de 1930, elaborou a seguin­
te Constituição, devidamente assinada pelo presidente e secretários da dita co­
missão:
Constituição da Igreja Metodista do Brasil
Artigo I
Do Nome
A Igreja Metodista do Brasil chamar-se-á Igreja Metodista do Brasil.
Artigo II
Das Doutrinas
1 —0 fundamento das doutrinas da Igreja Metodista do Brasil são as Sagra­
das Escrituras do Velho e do Novo Testamento, divina revelação dada por ho­
mens piedosos movidos pelo Espírito Santo, as quais contêm tudo quanto é
necessário para a salvação, sendo suficiente regra de fé e prática dos cristãos.
2 - A interpretação metodista das Sagradas Escrituras se encontra no Credo
Apostólico, nos Vinte e Cinco Artigos de Religião e nos sermões de João Wesley.
Artigo III
Dos M embros
Os requisitos para admissão de membros à comunhão da Igreja são:
1 - Desejo de fugir à ira vindoura e de ser salvo dos seus pecados.
2 - Batismo ou ratificação do pacto batismal.
3 —Promessa de sujeitar-se às leis da Igreja, atendendo às suas ordenanças, e
contribuir para as suas instituições.
(...)
Artigo V
Do M inistério
2 - 0 episcopado na Igreja Metodista do Brasil não é uma ordem diferente
da ordem do presbiterato, mas é um encargo de serviço especial e sagrado na
superintendência eclesiástica.
3 - Ao bispo compete:
a) Presidir ao Concilio Geral, ao Concilio Regional e, estando presente, ao
Concilio Distrital.
b) Determinar o número e os limites dos distritos de cada concilio regional,
depois de prévia consulta com os presbíteros presidentes dos distritos.
c) Ordenar diáconos e, com o auxílio de presbíteros, ordenar presbíteros e
consagrar bispos.

193
História Documental do Protestantismo no Brasil

d) Viajar pelos distritos, pregando e superintendendo aos interesses espiri­


tuais e temporais da Igreja.
e) Decidir questões de lei apresentadas por escrito aos concílios regionais e
distritais.
f) Decidir questões de ordem, quando presidindo às sessões do Concilio
Geral, sujeitas a apelação para o mesmo concilio, que a votará sem debates.
g) Nomear:
1 - Os pastores, depois de consultar os presbíteros presidentes dos distritos.
2 - Os obreiros das instituições subvencionadas pela Igreja Metodista Epis­
copal do Sul, sob recomendação do Conselho Central.
3 —Os obreiros das instituições sustentadas pela Igreja Metodista do Brasil,
sob a recomendação das juntas ou corporações que as dirigem.
4 —Os presbíteros presidentes dos distritos, sujeitos à confirmação do Con­
cilio Regional, e mudá-los quando necessário.
Artigo VI
Dos Concílios
1 - Os Concílios Regionais, Distritais, Trimensais e as Assembléias da Igreja
têm as suas atribuições conforme se encontram na Disciplina de 1922 da Igreja
Metodista Episcopal do Sul, sujeitos às modificações que a Igreja Metodista do
Brasil determinar.
2 - 0 Concilio Geral, porém, obedecerá às seguintes disposições:
a) Será constituído de um membro clérigo e um membro leigo para cada
mil membros, ou fração maior de quinhentos, de cada Concilio Regional, po­
dendo a base da representação ser modificada de oito em oito anos.
b) Os membros clérigos e os membros leigos serão eleitos por escrutínio,
respectivamente pelos membros clérigos e pelos membros leigos do Concilio
Regional.
c) Elegerá dentre os presbíteros, por escrutínio, sem indicação e sem deba­
tes, os bispos que forem necessários. Os bispos assim eleitos servirão até à se­
guinte sessão regular do Concilio Geral e, caso não sejam reeleitos, até que
sejam consagrados os seus sucessores.
d) Será presidido pelos bispos na ordem que eles convencionarem e, na falta
de algum bispo, por um membro clérigo, eleito por escrutínio dentre os
presbíteros.
e) O bispo será consagrado pela imposição das mãos de um bispo e dois ou
mais presbíteros e, na falta de um bispo, por três ou mais presbíteros escolhidos
pelo Concilio Geral.
3 —0 Concilio Geral tem plenos poderes para legislar para a Igreja, de
acordo com esta Constituição, sujeitos às seguintes restrições:

194
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

a) Não mudará, nem alterará nem revogará os Vinte e Cinco Artigos da


Religião, nem estabelecerá novas doutrinas ou regras contrárias às atuais.
b) Não mudará, nem alterará, nem revogará qualquer órgão ou regra do
governo da Igreja Metodista do Brasil de modo a extinguir o sistema itinerante
ou a superintendência itinerante do episcopado.
c) Não mudará, nem alterará, nem revogará as Regras Gerais da Igreja
Metodista Episcopal do Sul, que estão adotadas pela Igreja Metodista do Brasil.
d) Não extinguirá o direito que assiste aos ministros de julgamento perante
uma comissão e do recurso de apelação; nem extinguirá o direito que assiste
aos membros de um julgamento perante a Igreja ou uma comissão, e do recur­
so de apelação.
4 —Criará uma Comissão Judiciária constituída de um bispo, três presbiteros
e três leigos, à qual compete julgar afinal da constitucionalidade de qualquer
legislação impugnada como inconstitucional por um quinto, pelo menos, dos
membros presentes do Concilio Geral.
5 —Reunir-se-á de quatro em quatro anos, perpetuamente, nos lugares por
ela determinados, exceto a segunda sessão ordinária que será no mês e ano a
serem designados na primeira sessão.
6 —Em suas sessões extraordinárias será constituída pelos mesmos delegados
eleitos para a sessão ordinária anterior; todavia, qualquer Concilio Regional
poderá eleger novos delegados se assim o desejar.
Artigo VII
Das Relações Entre a Igreja M etodista do Brasil e a
Igreja M etodista Episcopal do Sul
A filiação orgânica da Igreja Metodista do Brasil à Igreja Metodista Episco--
pal do Sul, enquanto permanecer a legislação que com este objetivo se fez na
Conferência Geral de 1930, em Dallas, Texas, obedecerá às seguintes disposi­
ções:
Seção I
Do Conselho Central
1 - Haverá um Conselho Central, composto de nacionais e missionários
membros da Igreja Metodista do Brasil em igual número. Os nacionais serão
eleitos pelo Concilio Geral do Brasil e os missionários pela Junta de Missões da
Igreja Metodista Episcopal do Sul, e um dos bispos do Brasil será membro ex-
officio do referido Conselho.
2 - 0 Conselho Central reunir-se-á anualmente para considerar os traba­
lhos da Igreja Metodista do Brasil, sugerir planos e fazer recomendações a esta
Igreja e à Junta Geral de Missões da Igreja Metodista Episcopal do Sul com
referência a trabalhadores e assunto econômicos.

195
História Documental do Protestantismo no Brasil

Artigo IX
Da Revisão C onstitucional
1 - Esta Constituição e qualquer das restrições opostas aos plenos poderes
do Concilio Geral, exceto a primeira, dos Artigos de Fé, poderão ser mudadas,
se houver, para este efeito, recomendação de dois terços dos membros presen­
tes de todos os Concílios Regionais e voto favorável da maioria do Concilio
Geral, ou recomendação da maioria do Concilio Geral e voto favorável de dois
terços dos membros presentes de todos os Concílios Regionais.
2 —A primeira restrição oposta aos plenos poderes do Concilio Geral, dos
Artigos de Fé, poderá ser mudada se houver, para este efeito, recomendação de
três quartos dos membros presentes de todos os Concílios Regionais e voto
favorável de dois terços dos membros presentes do Concilio Geral, ou reco­
mendação de dois terços dos membros presentes do Concilio Geral e voto fa­
vorável de três quartos dos membros presentes de todos os Concílios Regio­
nais.
(...)
[Assinado pelo bispo Mouzon e os secretários.]
Considerando que a Comissão Conjunta deu todos os passos necessários
para a convocação do Concilio Geral da Igreja Metodista do Brasil e convocou
o mesmo para a cidade de São Paulo em dois de setembro do ano de Nosso
Senhor Jesus Cristo de 1930.
Nós os membros da Comissão Conjunta, rendendo graças a Deus por sua
direção e pelo espírito de cooperação que reinou em nossas deliberações, decla­
ramos aberto o primeiro Concilio Geral da Igreja Metodista do Brasil e decla­
ramos que os membros e ministros da Igreja Metodista Episcopal do Sul, no
Brasil, passam por este ato a ser membros e ministros da Igreja Metodista do
Brasil; que a Igreja Metodista Episcopal do Sul deixa de existir no Brasil, e que
a Igreja Autônoma por esta proclamação fica constituída.
Cidade de São Paulo, 2 de setembro de 1930.
[Seguem as assinaturas de todos os vinte membros da comissão.]
Sessão solene da proclamação e promulgação da Constituição
da Igreja Metodista do Brasil
Às 19 horas e meia, do dia 2 de setembro de 1930, no salão de cultos da
Igreja Metodista Central de Sáo Paulo, a Comissão Constituinte reuniu-se sob
a presidência do Revmo. Bispo Edwin D. Mouzon. Acompanhado dos Revs.
César Dacorso Filho e Epaminondas Moura o Bispo Mouzon subiu ao púlpito
e leu a proclamação e Constituição da Igreja Metodista do Brasil, depois de
chamado o rol e declarada aberta a Ia sessão do Concilio Geral do Brasil.
O Bispo chamou ao púlpito o Rev. Guaracy Silveira, indicado por votos dos

196
w

Crescimento e Amadurecimento ( i 889-1964)

membros nacionais da Comissão Constituinte para receber de suas mãos a


Constituição e presidir ala sessão do Concilio Geral até à eleição do presidente
pro-tem pore?''

César Dacorso Filho, prim eiro bispo metodista brasileiro


César Dacorso Filho (1891-1966), natural de Santa M aria, Rio Grande do Sul, foi
recebido em caráter experimental no ministério metodista em 1915 e ordenado
presbítero em 5 de setembro de 1920. Exerceu o pastorado em Juiz de Fora e Belo
Horizonte, em M inas Gerais; Petrópolis no Rio de Janeiro e São João e Catete na
cidade do Rio de Janeiro. Eleito bispo em 1934, sua escolha marcou um passo impor­
tante na nacionalização da Igreja M etodista do Brasil, pois foi o primeiro brasileiro a
ocupar o cargo. Exerceu o episcopado por 25 anos, doze dos quais (1936-1948) como
o único bispo da Igreja. Mais do que qualquer outra pessoa, deixou na Igreja a marca
da sua personalidade. Foi reeleito em cada Concilio Geral até 1955 quando, após sua
reeleição, pediu demissão do cargo, sendo imediatamente eleito bispo emérito.32

(T T ) DOCUMENTO: A eleiçã o e sagração d e César D acorso Filho


Num ambiente de intensa vibração espiritual, por isso que já se haviam
realizado reuniões de oração desde cedo, inicia-se a eleição dos bispos.
Em primeiro escrutínio, o bispo J. W. Tarboux é reeleito por unanimidade,
tendo votado todos os delegados.
(...)
Verificada a eleição de César Dacorso Filho [no terceiro escrutínio, com
vinte votos em um total de 36], há expressivas manifestações de fraternidade
cristã. Canta-se a doxologia e, ainda, o hino n° 306. O bispo Tarboux convida
o bispo César Dacorso Filho a tornar assento na plataforma, agradece ao conci­
lio por tê-lo conservado no episcopado e, logo, passa a presidência da sessão ao
novo colega.
Resolve-se telegrafar imediatamente ao secretário da Junta de Missões da
Igreja Metodista Episcopal do Sul, participando a eleição dos bispos e, bem
assim, às famílias Tarboux e Dacorso e ao “Expositor Cristão".
Por proposta de A. Romano Filho, resolve-se participar oficialmente ao Chefe
do Governo Provisório da República e ao Interventor Federal neste Estado
[Rio Grande do Sul], a eleição do primeiro bispo brasileiro na Igreja Metodista
do Brasil.33
(...)

Perí Machado propõe e é aceito que se envie uma comissão composta de seis

197
História Documental do Protestantismo no Brasil

membros para visitar o Interventor Federal neste Estado e apresentar-lhe o


primeiro bispo brasileiro da Igreja Metodista do Brasil.
(...)
A sessão é reaberta às 20 hs., com um culto dirigido pelo bispo Tarboux que,
a seguir, faz o anúncio da solenidade da consagração do bispo César Dacorso
Filho. Convida para auxiliá-lo na cerimônia da consagração aos irmãos J. L.
Kennedy e H. C. Tucker, que, com ele, bispo Tarboux, são os mais antigos
missionários metodistas no Brasil e são, também, os três pregadores que forma­
ram a primeira Conferência Anual do Brasil. Convida, ainda aos irmãos José A.
Figueiredo, Osvaldo L. Silva e j. W. Daniel, superintendentes distritais, respec­
tivamente dos distritos de Rio de Janeiro, S. Paulo e Porto Alegre; Derli de A.
Chaves e S. U. Barbieri, diretores, respectivamente da Faculdade de Teologia
do “O Granbery” e do “Porto Alegre College”, e ainda, J. I. Cerilhanes, pastor
da Igreja Central de Porto Alegre.34

Justus H. Nelson, missionário de sustento próprio


Na década dos 1880, os metodistas “do Norte” (IME) estabeleceram uma rede de
missões nos extremos geográficos do Brasil, Norte e Sul. A obra do Norte foi estabelecida
pelo Rev. W illiam Taylor, famoso pelas suas “missões de sustento próprio” na Ásia,
América do Sul e África. O mais conhecido dos missionários de Taylor, no norte do
Brasil, foi Justus H. Nelson. Um outro foi o cunhado deste, George Benjam in Nind,
que trabalhou no Recife (1882-1892). As iniciais JH N e GBN no Hinário Evangélico
atestam o serviço dos dois na tradução de hinos. Os documentos abaixo ilustram a
obra realizada e as dificuldades encontradas por Nelson, inclusive condenação a qua­
tro meses de prisão, por causa de declarações julgadas ofensivas à religião católica, no
seu jornal A pologista Cristão B rasileiro. A missão de Nelson nunca foi integrada à da
IMES; e quando ele regressou aos Estados Unidos após 45 anos (em 1925), os
metodistas de Belém do Pará foram absorvidos por outras igrejas evangélicas ou aban­
donaram o protestantismo.

(^92^ DOCUMENTO: Resum o a u tob iográ fico d e Ju stu s Nelson


Sou formado da Faculdade de Teologia da Universidade de Boston, classe de
1879. Durante meu curso teológico servi como pastor suplente em pequenas
igrejas nos arredores da cidade. Na sessão da primavera da então “Conferência
de Providence” (mais tarde chamada Conferência do Sul da Nova Inglaterra)
em 1880 fui admitido à conferência em experiência, e ordenado presbítero sob
a “Regra Missionária”, e fui nomeado para Pará, Brasil, pelo bispo Bowman.

198
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

Embarquei para o Pará em junho do mesmo ano, e tenho estado lá trabalhando


desde aquela data até 8 de novembro de 1925, quando disse “adeus” ao traba­
lho no referido país.
Logo depois de chegar ao Brasil, pedi a minha transferência à Conferência
Anual de Wisconsin, sendo que sou natural de Wisconsin, e recebi a minha
educação colegial35 na universidade de Lawrence (agora Lawrence College).
Sendo um dos missionários de sustento próprio do Rev. William Taylor, e,
havendo algum desentendimento depois da minha ida para o Brasil, levou mais
ou menos um ano e meio para o meu nome ser transferido de Providence à de
Wisconsin. Pouco tempo depois (mas esqueci a data) fui recebido em plena
conexão na Conferência Anual de Wisconsin.
Em 1889, tirei as primeiras férias e gastei cinco ou seis meses nos EUA.
Aproveitei a oportunidade para escrever para a Junta dos Bispos, pedindo que
o trabalho no Brasil fosse organizado de acordo com um novo parágrafo da
Disciplina. Meu pedido foi logo deferido; o trabalho foi organizado como o
“Distrito do Brasil da Conferência Anual de Providence”, e fui nomeado
presbítero presidente do distrito. Permaneci como presbítero presidente até
que o trabalho fosse incorporado na missão da América do Sul, e foi feito uma
parte do Distrito do Uruguai, se não me falha a memória. Quando a Conferên­
cia Anual do Leste da América do Sul foi organizada, meu nome foi colocado
no rol da conferência, e tem permanecido lá sempre; tenho sido nomeado anu­
almente pelos respectivos bispos como o pregador a cargo em Pará (a maioria
do tempo, em Pará e Manaus).
Durante estes 45 anos tenho ganho meu próprio sustento, principalmente
ensinando inglês, alemão e português e mais algumas matérias. Entrementes...
tenho em diversas ocasiões recebido pequenas somas dos fundos missionários
para despesas correntes, pelas quais sempre estive grato; embora nunca tenha
pedido nenhum dólar. Por este motivo, sempre foi mais aceitável para mim.
Durante muitos anos, tem sido minha intenção ficar no mesmo lugar traba­
lhando até 1930, e assim completar cinqüenta anos de trabalho no Brasil. Mas...
a presente crise financeira no vale do Amazonas acidentalmente tornou impos­
sível aos vencimentos do meu ensino fazerem face ao presente custo de vida,
aumentando de repente, sem um terrível corte no meu trabalho evangelístico e
filantrópico. Isto seria um desastre. Durante muitos anos tenho feito algum
serviço social independente de qualquer organização congênere. Fiz o “curso
eclético” de um ano na Faculdade de Medicina da Universidade de Boston
depois de completar meu curso teológico, enquanto esperava William Taylor
fazer os preparativos para sua viagem para a parte leste da América do Sul. Mais
tarde, no Pará, fiz curso de enfermagem prática, e me foi permitido atender aos

1 99
História Documental do Protestantismo no Brasil

pobres gratuitamente. Ajudei pessoas indiferentes a credo, raça ou caráter mo­


ral e graciosamente. Casos sérios ou além do meu conhecimento técnico, sem­
pre os mandava ao hospital de caridade ou a um dos meus amigos médicos, os
quais trataram meus pacientes de graça...36

DOCUMENTO: Nelson con d en a d o a p risã o : “A cordam d o T ribunal S uperi­


o r da J u stiça ”
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal da comarca da
Capital, em que é apelante o segundo promotor e apelado o pastor metodista
Justus H. Nelson.
Considerando que, no periódico “A pologista Cristão Brasileiro", oferecido
pela promotoria, como base de sua denúncia, junto a fls. 4, o denunciado Justus
H. Nelson refere-se claramente à religião católica, como se vê dos seguintes
períodos do artigo sob aepígrafe ‘ACatedral do Pará”: “Escolheu-se o dia Io de
maio para a reabertura, por ser maio o mês de Maria e ser ela chamada - padro­
eira desta diocese. A catedral foi preparada especialmente com vistas ao culto
mariano. É de esperar que as cerimônias da reabertura dêem grande impulso à
idolatria m ariana que sempre im porta o desprezo e abatim ento da religião cristã.
Da adoração da Virgem à das virgens é passo curto. Não é de admirar que esses
celibatários coroados sejam propagandistas tão acirrados da novíssima religião
da Maria”.
Considerando que, em face do art. 185 do Código Penal, comete crime
quem ultraja qualquer confissão religiosa, vilipendiando ato ou objeto do seu
culto, desacatando ou profanando os seus símbolos publicamente;
considerando que o denunciado vilipendiou ato e objeto do culto da religião
cristã e desacatou os seus símbolos, como se evidencia dos períodos acima trans­
critos;
considerando que as testemunhas do processo afirmaram que o periódico
“A pologista Cristão Brasileiro”, do qual é redator e proprietário o denunciado,
como se vê da certidão de fls. 5, é distribuído por mais de quinze pessoas, e,
portanto, verifica-se a condição de p u blicidade exigida no final do citado art.
185 do Código Penal;
considerando que o denunciado não pode prevalecer-se da disposição do
art. 179 do cit. código para, a pretexto de propaganda religiosa, lançar o ridícu­
lo sobre a im agem da Virgem M aria e sobre as cerim ônias do culto especial de
veneração (hyperduliae não idolatria), que lhe tributam os católicos, porquan­
to a propaganda permitida pela lei, mesmo no tempo em que a religião católica
era oficial, é a que se faz por meio da análise razoável dos princípios e usos
religiosos, o que de nenhum modo se pode confundir com a linguagem usada

200
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

pelo denunciado no aludido periódico;


acordam em tribunal dar provimento à apelação para reformar a sentença
apelada e condenar o réu a cumprir a pena de quatro meses, dois dias e doze
horas, grau^médio do art. 185, combinado com os arts. 62 e 409 do Código
Penal, e pagar as custas.
Belém, 14 de novembro de 1892.37
[Seguem-se os nomes dos quatro signatários.]

Os lu tera n o s
Introdução
Algo da complexidade da história eclesiástica alemã é refletido no processo de
amadurecimento das igrejas alemãs no Brasil. Alguns dos pontos mais salientes desta
história devem ser lembrados aqui38 para a orientação do leitor. Primeiro, deve-se ter
em mente que a Reforma de Lutero nunca logrou conquistar todo o território alemão,
nem as forças da contra-Reforma conseguiram reconquistá-lo todo. A paz religiosa de
Augsburgo (1555) reconheceu esse fato pelo princípio cu ju s regio, eju s religio, ou seja,
a religião do príncipe, quer luterana, quer católica, seria a religião do respectivo prin­
cipado (não da nação alemã como um todo). Doravante, então, haveria estados ofici­
almente católicos, outros oficialmente luteranos. Essa solução, embora importante,
não levou em consideração os reformados, cujo maior símbolo doutrinário é a Con­
fissão de Heidelberg, importante credo calvinista. Somente pelo Tratado de Westfália
(1648) após a devastadora Guerra dos Trinta Anos que dizimou a população alemã, é
que os reformados foram reconhecidos oficialmente.
H avia, então, na Alemanha, uma variedade religiosa muito mais rica do que
comumente sé pensa. Além das três religiões oficiais, mais dois fatores devem ser
igualmente mencionados como pertinentes.39
1) O p ietism o. Depois de Westfália, seguiu-se um período de controvérsia teológica
entre luteranos e calvinistas e ainda a estéril escolástica luterana. Esta situação propor­
cionou o palco para o surgimento do pietismo, que propunha uma “religião do cora­
ção” para substituir a “da cabeça” representada pela religião oficial. Basicamente, o
pietismo não significou a criação de uma outra denominação, senão uma nova fer­
mentação dentro do luteranismo.40
2) A União de 1817. Na Alemanha, a religião nunca tinha ficado alheia à política.
Em 1817, o rei da Prússia forçou a união dos luteranos e reformados dentro do seu

2 01
História Documental do Protestantismo no Brasil

território. Desse modo, quando do início da imigração para o Brasil, a influência do


pietismo já tendia a dim inuir a importância das distinções confessionais e o decreto
unionista do rei oficialmente as obliterou. As primeiras comunidades que se forma­
ram no Brasil, portanto, não eram nitidamente “luteranas” senão “igrejas protestantes
alemãs” sem m uita preocupação denom inacional.41
Estas comunidades tiveram, assim, uma origem bem diversa das denominações
provindas da América; conseqüentemente, a consecução da sua m aturidade não podia
ser idêntica. Não tendo surgido como resultado de esforço missionário do exterior, as
igrejas protestantes alemãs nunca estiveram propriamente sujeitas a juntas missionárias
alemãs, muito embora recebessem obreiros e outros auxílios de lá. O problema mais
óbvio foi o da organização. Comunidades locais nasciam, não da evangelização de
brasileiros, mas da reunião de fiéis em comunidades de adoração. Estas careciam da
comunhão e orientação de sínodos, que surgiram morosamente. O primeiro deles foi
o Sínodo Rio-Grandense (1886). Cada sínodo tinha vida própria e funcionava inde­
pendentemente dos demais. Pelo tamanho e idade, o Rio-Grandense sempre esteve na
dianteira. O outro sínodo foi a chamada “Igreja Luterana”, (1905), conhecido como o
G otteskastensynode (Sínodo da Caixa de Deus), o qual primava pela ortodoxia luterana.
Funcionando no mesmo território da “Igreja Luterana” havia outras comunidades
alemãs, as quais se organizaram no Sínodo Evangélico de Santa Catarina e Paraná
(1911). Finalmente, em 1912, fundou-se o Sínodo do Brasil Central, que incluía a
igreja alemã mais antiga do Brasil, a de Nova Friburgo (1823).
Os documentos desta seção ilustram alguns dos passos principais na fundação e
desenvolvimento dos sínodos até 1949, quando se organizou a Federação Sinodal que
é, na realidade, a Igreja Luterana. Tendo conseguido reunir os quatro sínodos em uma
só Igreja nacional, os luteranos começaram a tomar consciência de um a questão ainda
mais importante do que a sua organização, a saber, o que significa ser “Igreja de Cristo
no Brasil”? Portanto, contar a história da “autonomia” do luteranismo no Brasil é
narrar o processo da sua consecução da maturidade de organização e a paralela cons­
ciência da sua missão como Igreja brasileira.

O Sínodo Rio-Grandense revisa seus estatutos (1923)


O desenvolvimento do Sínodo Rio-Grandense exigiu, após a Primeira Guerra
M undial, uma revisão dos seus estatutos. A nova versão, elaborada por Hermann Dohms
e uma comissão, foi discutida nas assembléias gerais de 1921 e 1922 e nas assembléias

2 02
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

distritais. Foi aprovada na 30a assembléia do Sínodo, entrando em vigor no primeiro


dia de maio de 1923. Segue um excerto dos seus primeiros dois artigos.

Ç 5 7 ) DOCUMENTO: E statutos do Sínodo R io-G randense (1923)


§ Io
A tarefa da associação é o fortalecimento e a propaganda da Igreja Evangéli­
ca Alemã no Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul. A associação tenta
desincumbir-se dessa tarefa zelando pela boa ordem da Igreja Evangélica, cui­
dando da formação de pregadores e professores, promovendo os estabeleci­
mentos e as instituições de caridade cristã, cuidando da assistência aos obreiros
profissionais na igreja e na escola, e fazendo tudo com que ela possa contribuir
à formação verdadeiramente evangélica da vida do povo na família e na comu­
nidade.
§ 2°
Tendo por base a Sagrada Escritura, o Sínodo confessa-se aos credos da Re­
forma de Martim Lutero, sobretudo a Confissão de Augsburgo e ao Catecismo
Menor de Lutero. Quanto à ordem do culto, à doutrina e à disciplina eclesiás­
tica, ela associa-se à Igreja Evangélica da Alemanha.42

O Sínodo Rio-Grandense filia-se a Federação Alemã das Igrejas Evangélicas


(1929)
Em 1900, a Igreja Territorial da Prússia43 promulgou uma lei tornando possível
que comunidades alemãs do exterior a ela se fdiassem, e muitas no Brasil se valeram
desta possibilidade. A partir de 1922, porém, a Federação Evangélica Alemã de Igre­
jas, fundada no mesmo ano, assumiu progressivamente a responsabilidade pelas co­
munidades no exterior. No primeiro dia de janeiro de 1929, o próprio Sínodo Rio-
Grandense ftliou-se à Federação. Nessa oportunidade, o conselho-mor da Igreja
Territorial da Prússia dirigiu uma palavra de despedida aos pastores e comunidades
até então filiados a ela. A mensagem revela como a Igreja da Prússia encarava suas
tarefas principais, frente às comunidades de origem alemã no Brasil.

G D DOCUMENTO: A Igreja da Prússia despede-se do Sínodo R io-G randense


A Io de janeiro de 1929 entrará em vigor a filiação da Igreja Evangélica
Alemã do Rio Grande do Sul à Federação Evangélica Alemã de Igrejas. Muitas
comunidades que, junto com os seus pastores se têm encomendado até agora à
assistência particular da nossa Igreja, devem encontrar, de agora em diante, um
apoio firme na comunhão inteira das igrejas evangélicas alemãs (...)

2 03
História Documental do Protestantismo no Brasil

Agradecendo a Deus, olhamos hoje para trás aos anos de nossa comunhão.
Foi a nossa intenção servir os nossos compatrícios e companheiros de fé, provê-
los de obreiros (pastores), promover a sua união em comunidades e sínodos e
proporcionar-lhes a possibilidade para o pleno desenvolvimento de todas as
suas forças espirituais (...)
Deus, o Senhor, abençoou esse trabalho. O crescimento nas comunidades
desdobrou-se de maneira sempre mais rica, e o vínculo da confiança entre elas
e a Igreja-mãe tomou-se sempre mais firme (...)
De novo está sendo atado agora o vínculo eclesiástico entre eles e a pátria do
povo do qual descendem, desta vez numa forma nova, conforme a nova situa­
ção. Como comunhão eclesiástica unida, o Sínodo filia-se à Federação Alemã
das Igrejas Evangélicas... Também no futuro pastores da nossa Igreja sairão
para servir as comunidades do Sínodo; o nosso seminário para a diáspora abrirá
as suas portas para aqueles que querem preparar-se para pregar o Evangelho a
comunidades evangélicas alemãs no exterior; as nossas comunidades lembrar-
se-ão dos companheiros de fé que estão distantes, intercedendo por eles diante
de Deus em suas orações (...)
Em vista do futuro admoestamos as comunidades a permanecerem firmes
na confissão evangélica e à perseverança na comunhão com a Igreja da pátria
alemã (...)44

O Gotteskastensynode (0 Sínodo da Caixa de Deus)


O Sínodo conhecido como o G otteskastensynode foi fundado em 1905, quando
somava cinco comunidades, onze pastores e 15.404 fiéis. Foi convocado para promo­
ver a pureza da doutrina luterana, deturpada, como entenderam seus adeptos, pela
união que Frederico Guilherme III impôs em 1817 (o 300° aniversário da Reforma)
aos luteranos e reformados da Prússia. Na realidade, não logrou um a união perfeita,
pois os luteranos e reformados mais firmes na fé continuaram a nutrir suas respectivas
crenças antigas, e ainda um terceiro grupo conhecido como os “unidos” veio à existên­
cia. Portanto, há alguma justiça na alegação dos adeptos da “Caixa de Deus” de que o
imperador, ao invés de unir duas confissões, criara ainda uma terceira. No Brasil,
predominou a tendência de reunir luteranos e reformados nas mesmas comunidades,
enfatizando mais a origem comum alemã que sistemas doutrinários específicos.
E compreensível, nessas circunstâncias, que os da “Caixa de Deus” tivessem logo
assumido as feições de uma Igreja Luterana separada dos demais protestantes alemães:
fundaram seu próprio jornal (1905) e posteriormente se denominaram membros da

204
Crescimento e Amadurecimento { 1889-1964)

“Igreja Luterana no Brasil” (1946), que contava então com 31 pastores, 146 com uni­
dades e 90.210 fiéis. Os documentos exibidos abaixo revelam as ligações desse grupo
com as “Caixas de Deus” na Alemanha, sua ênfase doutrinária, e algo das diferenças e
conflitos havidos com as outras comunidades protestantes de origem germânica.

CÜD DOCUMENTO: A razão d e ser do G otteskastensynode (1906)


Não pelo gosto de muito escrever começou-se a publicação deste jornal da
Igreja, mas [foi] pela necessidade e encorajamento dos irmãos na fé em
Neuendettelsau (incentivados pelo pastor Wilhelm Lohe do centro luterano
na Bavaria) e na América do Norte. O jornal45 deve servir para impedir a
expansão do “protestantismo salada”. Deus chamou o Sínodo para difundir as
confissões da Igreja Luterana, puras como o ouro. A união é uma violação das
igrejas, realizada por um decreto do rei mas, ao invés de criar uma unidade dos
luteranos e reformados, causou uma divisão ainda maior, a saber, unidos,
luteranos e reformados. Como não foi possível uma união entre luteranos e
reformados, por causa de diferenças dogmáticas, criou-se uma nova seita. As­
sim é óbvio que este protestantismo misturado só significa confusão e sectaris­
mo. Por isso, “nós rejeitam os e condenam os”qualquer união. Ao invés de fortale­
cer a resistência contra Roma, como alegam os defensores da união, ela ajuda
Roma, porque o papa não precisa temer esta conglomeração sem confissão, do
protestantismo salada. Quem abandonou a posição firme de confissão e decla­
rou sem importância as diferenças confessionais, deixou o firme campo da Es­
critura, e assim escancara a porta ao inimigo. Por isso mais uma vez: nós rejei­
tamos toda a mistura da fé, como sendo contrária à Sagrada Escritura, e roga­
mos ao Senhor que guarde nossas congregações na verdade pura, como ensina
a Igreja Luterana. Nós rejeitamos uma cooperação com a Comissão da Igreja
Evangélica Alemã, porque é uma instituição para apoiar o edifício decrépito,
pobre e quebrado da Igreja Estatal. Foi dada a presidência desta comissão para
o presidente da superintendência geral da Prússia, um dos “mais destacados do
protestantismo misturado” e também a responsabilidade do trabalho na diáspora.
Isto não é possível sem uma confissão. Mas, a comissão da Igreja Evangélica
não quer ter nada com a confissão. Assim, ela se torna um agente da união e o
“diabo da união” aparece.
Queremos mais uma vez delinear o objetivo do nosso trabalho: “Congrega­
ções independentes, com uma base confessional definida, filiadas a um sínodo
fiel à confissão, e que cultivem os vínculos de fé e vivência com a velha pátria.
O Senhor da Igreja nos ajude a alcançar esse alvo!”
Paulatinam ente o Gotteskastensynode aproximou-se dos

2 05
História Documental do Protestantismo no Brasil

dem ais sínodos luteranos


Quando, em 1923, o Sínodo Luterano se dividiu em dois distritos, Norte
(Espírito Santo) e Sul (Santa Catarina e Paraná), decidiu-se que se pediriam
pastores apenas aos seminários confessionais-missionários de Neuendettelsau e
Hermannsburg na Alemanha, e ainda que se solicitaria ao Sínodo de Ohio e
Iowa, nos Estados Unidos, a instituição de uma conferência sinodal, com sig­
nificativa colaboração financeira. Esta última decisão não chegou a concreti­
zar-se.46 Em 1932, o Sínodo Luterano associou-se à Federação Evangélica Ale­
mã de Igrejas com os outros três sínodos, sob a condição de manter a sua pró­
pria base confessional.
Assim, o abismo entre o Sínodo Luterano e os outros sínodos começou a
diminuir. Símbolo dessa nova atitude é o artigo abaixo, da nova revista sinodal,
O Castelo Forte .

DOCUMENTO: A presentação d o nosso jo r n a l


De novo o “jornal da congregação” do nosso Sínodo está saindo, como ór­
gão da nossa “Igreja Luterana no Brasil”.
Desde 1905, serviu mais que trinta anos como “jornal evangélico luterano
das congregações” levando a Palavra de Deus e a doutrina conforme as Escritu­
ras ricamente para as igrejas e fortalecendo-as na edificação do nosso Sião. Depois
de uma interrupção indesejada de alguns anos, vai novamente caminhar agora
sob o nome “Castelo Forte”. No entanto, o objetivo e a finalidade do jornal
ficaram os mesmos, como j á mostra a fo rm a desta edição. Como antes, traz uma
gravura de Lutero. Antes usava a frase, “Eles devem deixar em pé a palavra”;
hoje, “Castelo Forte”. Já na primeira edição foi escrito: O seu nome claramente
expressa o espírito e finalidade nos quais será editado este jornal”. Com isto
temos indicado as bases do nosso trabalho. E o ensino puro da Escritura Sagra­
da como foi elaborado pelos nossos pais no tempo da Reforma nas maravilho­
sas confissões da nossa Igreja Evangélica Luterana, a cara Palavra de Deus, pelo
que nossos pais deram seu sangue e seus bens. Neste fundamento pretendemos
continuar construindo, com a ajuda deste jornal em nossas igrejas. Durante
este tempo também avançamos. Queremos trabalhar juntos com os três sínodos,
no país, que aceitam a mesma base confessional, para que surja uma “Igreja
Evangélica Luterana no Brasil”. Assim seria verdade o que já foi dito em 1905
no primeiro número: “Em nome de Deus erguemos a bandeira, porque é seu o
trabalho que fazemos”. A seu tempo ele nos atenderá em nosso pedido mais
profundo e nos trará um Sião luterano... [Aqui, cita-se o SI 102.13, 14] P.
Schulünzen.47

206
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

Sínodo de Santa Catarina e Paraná: atitude para com a “Caixa de Deus”


M uitos imigrantes alemães se radicaram nos estados sulistas do Paraná e Santa
Catarina. Entre eles emigraram duas formas de protestantismo alemão, algo parecidas
com duas denominações, que desenvolveram uma espécie de concorrência eclesiásti­
ca. O documento 95 ilustra a primeira destas, o luteranismo confessional da “Caixa
de Deus”. A outra se assemelhava ao Sínodo Rio-Grandense sendo bem mais flexível
em questões dogmáticas luteranas. As comunidades do segundo grupo se organizaram
em sínodo, o de Santa Catarina e Paraná, em 1911. O documento que segue ilustra a
maneira como os ministros deste Sínodo encaravam o trabalho da “Caixa de Deus”.

(^9jT) DOCUMENTO: O p a sto r Gustav S ch rein er escreve sobre a “Caixa d e D eus”


Como já foi demonstrado, a grande maioria das comunidades da “Caixa de
Deus” não foi fundada (literalmente “reunida”), mas tomada. Seria infantil
acreditar que foi o desejo de um luteranismo puro que levou estas congrega­
ções para a “Caixa de Deus”. Quando é vitoriosamente proclamado em um
relatório, que “uma comunidade evangélica se tornou uma comunidade evan-
gélica-luterana”, isto só pode indicar que o nome foi mudado; o modo de pen­
sar desta gente certamente não mudou. Que é que o povo entende das distin­
ções entre luterano, reformado, unido, ou outro, e que importância tem isto
para ele? Um pastor é para eles simplesmente um pastor e naturalmente tem de
pregar o Evangelho, e muitos já estão satisfeitos se ele “faz os serviços”, isto é,
batiza e confirma seus filhos e, se necessário, um “sermão confortador no en­
terro”! Se uma comunidade fica por muito tempo sem pastor, acaba finalmente
aceitando o que é oferecido. E se há divisões e separações, o que é freqüente nas
congregações (e certamente não por escrúpulos de fé ou problemas de consci­
ência), então é normal que os separados não se unam com a Igreja anterior, mas
com uma “concorrente”. Porém, como nestes casos a fé e a confissão não são
fatores importantes, não faltam as dificuldades. Isto aconteceu também com os
da “Caixa de Deus” no Brasil. Repetidamente, houve divisões nas congrega­
ções tomadas, que em parte poderiam ter sido resolvidas anos depois (como em
Pedreira), mas outras continuam até hoje (Indayal, Itoupava, Papagaios No­
vos) e uma congregação que foi atendida durante algum tempo (Rio Negro),
depois foi perdida.48

Afundação do Sínodo Evangélico do Brasil Central (1912)


Curiosamente, a primeira comunidade evangélica alemã estabelecida no Brasil foi
a de Nova Friburgo, no atual Estado do Rio de janeiro, em 1823. Pelo fato de a grande

207
História Documental do Protestantismo no Brasil

m aioria dos imigrantes alemães ter se radicado nos estados do Sul, também nestes
estados se organizaram os respectivos sínodos mais cedo. O último Sínodo a ser fun­
dado foi o do Brasil Central, em 1912. Antes de um a congregação se tornar membro
do Sínodo, era-lhe necessário filiar-se à superintendência evangélica de Berlim.

DOCUMENTO: E statutos do Sínodo das Igrejas E vangélicas A lemãs do


B rasil C entral
I. Do D istrito Sinodal
1. Sob [o título] de “Sínodo Evangélico do Brasil Central”, forma-se uma
associação à qual todas as congregações alemãs-evangélicas deste distrito po­
dem filiar-se.
2. Para a admissão ao Sínodo de algumas congregações não fdiadas à supe­
rintendência evangélica de Berlim, será necessária a aprovação da superinten­
dência.
3. O Sínodo se fundamenta nas verdades da salvação reveladas nas Sagradas
Escrituras e vincula-se às igrejas da Reforma.
II. Da Finalidade do Sínodo
4. A finalidade da associação é fortalecer em todas as congregações a consci­
ência de serem membros de uma só Igreja Evangélica.
5. Através do Sínodo deve ser criado um centro unificador a fim de conser­
var e fortalecer a vida evangélica alemã. Algumas finalidades são p[or] ejxemplo]:
a) aumento da prontidão em contribuir para a causa evangélica-alemã no
Brasil;
b) provimento de diaconisas para assistência aos doentes e às congregações;
c) preparação de professores capacitados para o ensino nas escolas;
d) atendimento espiritual aos evangélicos que vivem dispersos, bem como a
fundação de novas congregações;
e) regulamentação para providenciar o culto para as igrejas onde não há
pastor;
f) arbitragem de disputas nas congregações, ou entre [duas ou mais] delas.49

Afundação da Igreja Luterana no Brasil


Como foi visto acima, os quatro sínodos alemães desenvolviam vida própria, cada
um deles funcionando de acordo com o seu estatuto. Em 1938, os presidentes dos
quatro sínodos se reuniram para coordenar as suas atividades, mas, durante a Segunda
Guerra M undial, a situação reinante não permitiu a realização desses planos. Depois
da guerra, reiniciou-se o processo, surgindo a Federação Sinodal cujos estatutos foram

2 08
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

aprovados pelos sínodos, entrando em vigor a 26 de outubro de 1949. Na realidade,


esta Federação Sinodal era a Igreja Luterana, como a sua liderança logo reconheceu.
Firmada nessa convicção no seu primeiro concilio (1950), a Federação Sinodal pediu
admissão ao Conselho M undial de Igrejas (2.4.8.2). Em 1954, o segundo concilio da
Federação Sinodal acrescentou ao nome o de “Igreja Evangélica de Confissão Luterana
no Brasil”.50

( mo) DOCUMENTO: Estatutos da F ederação S inodal d e 1949 (excerto)


Capítulo I
Nome, fim , sede e fo ro ju ríd ico da Federação
Sobre o fundamento da fé cristã, que lhes é comum, e com a finalidade de
serem Igreja de Jesus Cristo no Brasil, congregam-se as seguintes entidades
evangélicas: Sínodo Evangélico de Santa Catarina e Paraná, Sínodo Rio-
Grandense (Igreja Evangélica no Rio Grande do Sul), Igreja Luterana no Brasil
e o Sínodo Evangélico do Brasil Central, com o nome de “Federação Sinodal”,
a qual terá um centro administrativo na localidade em que residir o presidente
da Federação, tendo por sede e foro jurídico a cidade do Rio de Janeiro.
A Federação é constituída por tempo indeterminado.
Capítulo II
Fundamento da f é
Constitui fundamento da Federação Sinodal o Evangelho de Jesus Cristo,
na forma constante das Sagradas Escrituras do Velho e do Novo Testamento.
Em reconhecendo este fundamento, confessam as federadas sua fé no Senhor
da universal, una, santa e apostólica Igreja.
A Federação Sinodal confessa sua fé pelos credos da Igreja antiga e pela
Confissão de Augsburgo (confessio augustand) como credo reformatório, consi­
derando-se vinculada pela fé à Igreja-mãe (na conformidade com o preâmbulo
e o art. Io da Ordem fundamental desta), bem como às demais igrejas existen­
tes no mundo, que a esta última se acham unidas pelo mesmo fundamento da
fé.
0 Catecismo Menor de Lutero está em uso nas entidades federadas e é por
elas reconhecido como confissão reformatória.
Capítulo III
Finalidades da Federação
1 —A Federação empenhar-se-á para tomar mais forte e profunda a união
entre os seus membros, auxiliando-os no cumprimento de sua missão, promo­
vendo o intercâmbio de suas forças e meios, e visando uma vida e ação eclesiás-

2 09
História Documental do Protestantismo no Brasil

tica em comum.
2 - A Federação protege, favorece e auxilia instituições que se revestem de
interesse e importância comuns às associadas, tais como: a Ordem Auxiliadora
das Senhoras, a Juventude Evangélica e os trabalhos da Missão Externa e Inter­
na (evangelização, distribuição de impressos etc.). Merecerão sua especial pro­
teção e auxílio os estabelecimentos fundados e dirigidos pela Igreja Evangélica
no Rio Grande do Sul, que constituem instituições para o aprendizado e for­
mação de pastores, professores, diáconos e diaconisas.
3 - A Federação pode externar sugestões com referência aos princípios que
constituem a ordem fundamental dos seus membros, à administração financei­
ra e aos levantamentos estatísticos dos mesmos.
Poderá, ainda, estabelecer diretrizes para a formação científica e prática dos
pastores, professores, diáconos e diaconisas, e criar instituições em garantia de
sua situação jurídica, bem como de provisão econômica durante o tempo de
atividade e aposentação dos mesmos.
4 —A Federação Sinodal representa e defende os interesses eclesiásticos co­
muns perante outras entidades, e em especial perante os órgãos do governo
federal, a Confederação Evangélica do Brasil, a Igreja-mãe e as agremiações
ecumênicas.
5 —Os membros da Federação podem, com aprovação do conselho diretor
desta, entregar-lhe a execução de determinadas tarefas, ou confiar-lhe a decisão
em assuntos de sua própria competência.
6 - No cumprimento de suas finalidades pode a Federação:
a) publicar manifestos, convocar os seus membros, na pessoa dos órgãos
dirigentes, para reuniões, e pedir aos mesmos informações e pareceres;
b) fixar contribuições para a execução de tarefas eclesiásticas comuns a seus
membros, prescrever coletas nas igrejas, bem como recomendar coletas a do­
micílio para obras que sirvam aos objetivos da Federação e correspondam ao
interesse das igrejas congregadas.51

(TÕT) DOCUMENTO: D ohm s fa la do sign ifica d o dos p rim eiro s dois a rtigos dos
estatutos da F ederação:
“As teses do pastor Hermann Dohms” (1950)
Io A Federação Sinodal é Igreja de Jesus Cristo no Brasil com todas as con­
seqüências que daí resultarem para a pregação do Evangelho neste país e a co-
responsabilidade para a formação da vida política, cultural e econômica de seu
povo.
2o Esta Igreja é confessionalm ente determ inada pela Confissão de Augsburgo
e o Pequeno Catecismo de Luther, pertencente à família das igrejas moldadas

210
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

pela Reforma de Martin Luther, e quando adotará em lugar de “Federação


Sinodal” a denominação de Igreja, o que esperamos para breve, exprimi-lo-á
nesta mesma denominação.
3o Como Igreja assim determinada confessionalmente a Federação Sinodal
se encontra na com unhão das igrejas representadas no Conselho E cum ênico52 as
quais admitem o Evangelho de Jesus Cristo, que nos transmite a Sagrada Escri­
tura, como única regra e diretriz de sua obra evangélica e de sua doutrina.
4o A Federação Sinodal cultiva a com unhão de f é com a igreja-m ãe, a Igreja
Evangélica na Alemanha, que pela sua organização básica evidencia a comu­
nhão da cristandade evangélica na Alemanha e se enquadra na Ordem da
Ecúmena.53

0 02) DOCUMENTO: M ensagem do p r im eiro co n cilio eclesiástico da F ederação


S inodal às com u n idades
De 14 a 16 de maio de 1950, teve lugar em São Leopoldo, no Estado do Rio
Grande do Sul, o primeiro Concilio Eclesiástico da Federação Sinodal, consti­
tuída pelos quatro sínodos evangélicos no Brasil.
Este primeiro Concilio evidenciou que os quatro sínodos são mutuamente
ligados entre si pela igualdade da confissão e pela igualdade da sua origem da
Igreja da Reforma e que lhe é confiada uma missão comum: a de ser Igreja de
Jesus Cristo no Brasil. O Concilio transmite saudações a todas as comunidades
sinodais dos estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, de
São Paulo, do Rio de Janeiro, do Distrito Federal, dos estados do Espírito San­
to e Minas Gerais bem como nos demais estados e territórios do Brasil, comu­
nidades da Federação, desejando-lhes paz e consolação e alegria em Cristo.
A Igreja está onde a Palavra de Deus é pregada pura e simples e os sacramen­
tos são corretamente administrados. Por esta Palavra o Senhor Jesus Cristo cria
para si comunidades vivas, conscientes de que a Ele pertencem e que pela pre­
gação e exemplo são testemunhas de Sua força que tudo renova. Que esta pre­
gação se realize cada vez mais entre nós, para que Cristo se apodere cada vez
mais de todos nós, para nós, para nisso servir e nisso ajudar, eis a razão de ser da
congregação dos sínodos da Federação Sinodal.
Por isso, o Concilio assumiu em nome da Federação a responsabilidade pela
formação de pastores para as nossas comunidades no Instituto Pré-Teológico e
na Escola de Teologia em São Leopoldo. Este encargo de responsabilidade co­
mum é agora recomendado a todas as comunidades como sendo missão genu­
ína sua, de coração e alma. O Concilio pede às comunidades que se empenhem
por esta missão sem cessar; orar por ela; contribuir para a sua efetivação; amá-
la, como sendo o primeiro encargo comum da Federação Sinodal...

211
História Documental do Protestantismo no Brasil

Presidente da Federação Sinodal54


(Assinado) D. H. Dohms

O s ep isc o p a is
A Convocação Episcopal de 1898
O s missionários episcopais Morris e Kinsolving chegaram ao Brasil em 1889 e
iniciaram cultos em português no ano seguinte. Já em 1891, a pequena Igreja
Presbiteriana da cidade do Rio Grande, no Rio Grande do Sul, foi cedida à missão
episcopal. O relacionamento formal entre a missão e a Igreja Episcopal dos Estados
Unidos foi explicitado na convocação especial realizada na Capela do Bom Pastor, em
Porto Alegre, no dia 30 de maio de 1898. A Convocação aceitou, em princípio, o
“pacto” que governava o relacionamento entre os episcopais do H aiti e os da América
do Norte, ao qual se acrescentou o privilégio de indicar bispos para a Igreja brasileira.
Logo a seguir elegeu a Lucien Lee Kinsolving, o qual se tornou o primeiro bispo
residente da Igreja Episcopal Brasileira. O documento abaixo, e ainda os quatro sub­
seqüentes, explicitam a grande importância do episcopado nacional no processo da
nacionalização desta Igreja.

(TÕ3) DOCUMENTO: O “p a cto ” en tre a Igreja E piscopal do B ra sil e a dos


Estados Unidos
Em nome da santíssima e inseparável Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo.
Amém.
O seguinte pacto ou artigos de contrato, concórdia e união entre a Câmara
dos Bispos da Igreja Protestante Episcopal nos Estados Unidos da América55 da
primeira parte, e a Convocação da Igreja Protestante Episcopal na República
de Haiti56 da segunda parte, estabelece as seguintes estipulações mutuamente
convencionadas pelas ditas duas igrejas:
Art. Io A dita Câmara dos Bispos, em consideração do fato de que todos os
clérigos, em número de onze, pertencentes à Igreja em Haiti não devem obedi­
ência ao governo destes Estados Unidos, porém são cidadãos de Haiti, por isso
reconhece a dita Igreja de Haiti como de lei e também de fato uma Igreja
estrangeira, quanto a todos os intentos e desígnios no sentido do art. 10 da
Constituição da Igreja Protestante Episcopal nos ditos Estados Unidos da
América. Mas enquanto a dita Câmara dos Bispos assim reconhece a Igreja em
Haiti como uma Igreja estrangeira, contudo durante o primeiro período de seu
progresso e desenvolvimento, ela continuará a gozar do cuidado sustentador da

212

i
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

Igreja nestes Estados Unidos até que a Igreja em Haiti chegue ao estado de
poder sustentar-se a si mesma; e à suficiência no seu bispado para a administra­
ção de seus próprios negócios, conforme os requisitos dos antigos cânones e
dos primitivos costumes da Igreja de Cristo.
Art. 2o A Câmara dos Bispos agindo conforme o dito art. 10 da Constitui­
ção da IPE-EUA, aproveitando-se da concessão feita a eles pela IPE-Haiti na
estipulação contida no seguinte art. 5o deste convênio, designará e consagrará
para ofício de bispo, um dos clérigos da dita Igreja de Haiti, (fazendo escolha
de uma pessoa conforme lhe parecer melhor no seu juízo piedoso quanto à
aptidão e qualificações desta pessoa para tão alta e santa vocação).
Art. 3o A dita Câmara dos Bispos além disso determina nomear dentre seus
próprios membros uma comissão de quatro bispos, com a qual os ditos bispos
ou bispos a ser consagrados para a Igreja em Haiti estarão associados, e esta
comissão formará uma mesa temporária de administração para o governo epis­
copal para a Igreja em Haiti, e como tal uma maioria da mesma será competen­
te para dar os passos para a designação e consagração dum futuro bispo em
Haiti, como a necessidade o exigir, a pedido da Convocação da Igreja naquela
república; a dita mesa temporária de administração ficará além disso com po­
deres para administrar toda a disciplina concernente à ordem episcopal do
ministério para a Igreja em Haiti, até que ao menos três bispos tenham sido
designados, consagrados, e canonicamente estabelecidos na dita Igreja. Fica
entendido que esta comissão dos bispos será governada, no exercício de sua
administração, julgamentos e atos, pelas provisões contidas na Constituição e
cânones da IPE-EUA, enquanto as mesmas forem aplicáveis às circunstâncias
divergentes da Igreja em Haiti.
Art. 4o A IPE-Haiti por sua parte concorda em guardar sempre em todas as
suas coisas essenciais uma conformidade com as doutrinas, cultos, e disciplina
da IPE-EUA como se acham nos estandartes devidamente autorizados da dita
Igreja, e em não se afastar deles mais do que as circunstâncias locais tornarem
necessárias.
Art. 5o A IPE-Haiti concorda em conceder à Câmara dos Bispos da IPE-
EUA a escolha de seu primeiro bispo a ser consagrado e depois disto conceder
a mesma prerrogativa a uma maioria da comissão de bispos que formam a mesa
temporária da administração, para escolher ou designar, dentre os clérigos
haitianos, a pedido da Convocação do Haiti, os futuros bispos. E esta prerroga­
tiva continuará até que na providência de Deus três bispos sejam canonicamente
residentes, exercendo jurisdição na Igreja de Haiti. Então esta prerrogativa ces­
sará da parte da dita comissão e todas as suas funções reverterão àqueles três
bispos assim estabelecidos em Haiti. Em testemunho de que estas atas foram

213
História Documental do Protestantismo no Brasil

assinadas em duplicata, da parte da Câmara dos Bispos pelos bispos designados


para esse fim, e da parte da Convocação da Igreja em Haiti pelo seu deão o qual
exibiu credenciais devidamente autenticadas, revestindo-o com plenos poderes
para agir neste negócio em nome e a favor da dita Convocação. Feito na cidade
de Nova York, aos 3 dias de novembro de 1874.
(...)
1. A convocação57 resolve revogar todas as disposições anteriores referentes
ao pedido da consagração de um bispo para o Brasil.
2. A Convocação resolve aceitar a concordata de Haiti (m utatis nom inibus),
mas, se for possível, nas condições do memorial seguinte, o qual também serve
de credencial ao Rev. John Gaw Meen para tratar com a Câmara dos Bispos da
IPE-EUA.
Considerando que a Igreja Protestante Episcopal nos Estados Unidos no
Brasil58 tem evidenciado desenvolvimento substancial nos moldes nacionais e
maiores esperanças de mais vasto crescimento nacional da Igreja;
considerando que a área de possível desenvolvimento é incomparável com o
da República de Haiti; e
considerando que o povo brasileiro ocupa uma posição mais eminente na
família das nações do que o Haiti poderá jamais alcançar:
portanto seja resolvido que, apesar de estarmos prontos a aceitar a concordata
de Haiti (mutatis nom inibus), humildemente impetremos aos reverendíssimos
pais em Deus da IPE-EUA se dignem conceder à IPE-Brasil o direito de desig­
nar os futuros bispos brasileiros à câmara ou à comissão que a esta aprouver
nomear, salvaguardando a dita designação por uma reserva de si mesmos, da
sanção dela e da consagração dos futuros bispos brasileiros, devendo cessar esta
prerrogativa da parte da IPE-EUA, quando houver três bispos residentes do
Brasil.
3. Seja resolvido que o rev. John Gaw Meen, presbítero missionário e irmão
amado seja e fique desde já autorizado a conseguir a citada concessão.
4. Seja resolvido que o sobredito presbítero, Rev. John Gaw Meen, seja re­
vestido de plenos poderes para assinar a concordata haitiana, emendada de
acordo como acima ficou dito; porém, no caso de não conseguir o que
impetramos, o mesmo presbítero fica desde já autorizado, e revestido de plenos
poderes, como representante da IPE-Brasil, para assinar em nome dela o docu­
mento haitiano, mutatis nominibus.
Em testemunho do que, nós os clérigos e delegados leigos da Convocação
Especial da IPE-Brasil reunidos da cidade de Porto Alegre nesta terça-feira da
semana do Espírito Santo, sendo 31 de maio do ano de Nosso Senhor, 1898,
assinamos aqui nossos nomes.5’

214
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

O prim eiro bispo residente da Igreja Episcopal (1899)


O primeiro requisito de uma Igreja Episcopal nacional é ter um bispo residente.
Durante os primeiros anos da obra episcopal no Brasil, o bispo George W illiam Peterkin
visitou a missão brasileira, ordenando quatro diáconos e confirmando 147 membros60
(1893); o bispo W. H. Sterling, das Ilhas Malvinas, visitou a missão em 1897, orde­
nando Antônio Machado de Fraga, Vicente Brande (ex-obreiro metodista) e Américo
Vespúcio Cabral ao presbiterato e confirmando 159 membros, daí elevando o número
de comungantes a mais de trezentos. Na Convocação Especial de 1898, os obreiros
episcopais indicaram sua preferência por Lucien Lee Kinsolving, um dos primeiros
missionários que a Igreja Episcopal enviou ao Brasil. Kinsolving foi o único bispo
episcopal no Brasil até 1925 quando, com a saúde abalada, pediu um coadjutor. Em
atenção à sua solicitação, o missionário W illiam M . M. Thomas foi sagrado bispo (28
de dezembro de 1925).

(j~04) DOCUMENTO: Sagração do rev. L ucien Lee K in so lv in g bispo p a ra a Igreja


E piscopal dos Estados Unidos do B rasil
Confirmação e coroação de uma obra de notáveis frutos foi a sagração do
Rev. Lucien Lee Kinsolving, na Igreja de São Bartolomeu, na cidade de Nova
York, por ocasião da Festa da Epifania, a 6 de janeiro de 1899, como bispo [da
Igreja Episcopal] nos Estados Unidos do Brasil. Poucos dias após sua ordena­
ção ao ministério pelo venerável bispo [Whittle] de Virgínia, em agosto, 1889,
com a idade de 27 anos, saiu, acompanhado de um colega do Seminário Teoló­
gico de Virgínia61 para partir o pão da vida, livre de corrupções romanas e de
condições ilícitas de comunhão, aos milhões de brasileiros. Durante nove anos,
a obra cresceu em tais proporções e prometeu tanto para o futuro que, em 20
de outubro de 1898, a Câmara dos bispos o indicou ao bispo presidente (se­
gundo consta, por unanimidade) para ser sagrado bispo da Igreja dos Estados
Unidos do Brasil, e o bispo presidente autorizou o bispo de Kentucky, o Revmo.
Thomas Undelwood Dudley, DD, com os Bispos de Nova York e Massachusetts,
respectivamente o Revmo. Henry Codman Potter, DD, e o Revmo. William
Lawrence para sagrá-lo
(...)
O sermão foi pregado pelo Revmo. George Herbert Kinsolving, DD, bispo
de Texas, e irmão do bispo eleito, com grande poder e clareza.
(. ..)
Então, o bispo eleito proferiu o seguinte compromisso de conformidade:
“[prometo] que serei submisso, tanto na minha conduta pessoal quanto na

215
História Documental do Protestantismo no Brasil

minha administração episcopal, à Constituição e cânones da referida Igreja


Protestante Episcopal nos Estados Unidos da América, até que três bispos, te­
nham sido sagrados pela referida Câmara de Bispos, para ter jurisdição nos
Estados Unidos do Brasil, e tenham organizado uma Igreja nacional naquele
pais/ » .
(...)
agora (...) veio o momento supremo da imposição de mãos.'52

Athalício Theodoro Pithan, prim eiro bispo brasileiro da Igreja Episcopal (1940)
No 42° Concilio da Igreja Episcopal Brasileira, denominado o “Concilio Jubi-
lar”,63 foi eleito Athalício Pithan como o primeiro bispo brasileiro, importante passo
em direção à maturidade e eventual autonomia da Igreja. Formado pelo Seminário
Teológico da Igreja Episcopal Brasileira, bacharel em direito pela Universidade de La
Salle, nos Estados Unidos da América e doutor em teologia honoris causa pelo Semi­
nário de Virgínia, o Dr. Pithan foi sagrado no dia 21 de abril de 1940.

Çlõs) DOCUMENTO: A sagração d e P ithan


Segundo o rito da Igreja Episcopal, são necessários três bispos para a devida
sagração de um novo prelado. Um atraso do avião em que viajavam os bispos
do México e de Cuba retardou, por algumas horas, a sagração do Rev. Athalício
Theodoro Pithan, bispo sufragâneo eleito da Igreja Episcopal Brasileira.
A cerim ônia
Precisamente ao meio dia, precedidos de extensa procissão formada pelo
coro e clérigos, entraram na Igreja da SS. Trindade, juntamente com o bispo
eleito, os prelados sagradores Revmos. Drs. William M. M. Thomas, Efrain
Salinas y Velasco, do México, e Alexander Jugo Blankinship, de Cuba. Na ampla
nave do referido templo comprimia-se grande multidão, além de representan­
tes das altas autoridades e de outras denominações religiosas.
Após o hino processional, iniciou-se o sagrado ofício da Santa Comunhão,
celebrada pelo bispo consagrante, Revmo. Dr. William Thomas, diocesano da
Igreja Episcopal Brasileira. Leram a epístola e o Evangelho, respectivamente, os
bispos do México e de Cuba. Ocupou a tribuna sacra o Revmo. Dr. Salinas y
Velasco, o qual, em palavras repassadas de grande unção espiritual, proferiu
erudita e piedosa parênese que profundamente comoveu a enorme assistência.
A seguir, na companhia dos presbíteros, Revs. Carlos Sergel e Alberto Roberts,
o bispo eleito subiu ao santuário para ser apresentado à sagração. Seguiu-se,
então, a leitura de todos os documentos canônicos, sem os quais o ato não se
poderia realizar. Após o bispo eleito declarar, de público, a promessa de confor­

216
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

midade com a doutrina, disciplina e culto da Igreja Episcopal Brasileira, o Ven.


Arcediago Rev. Mário Bohrer Weber, pronunciou com o povo, a litania de
ordenação. O Revmo. Bispo consagrante expôs então, ao bispo eleito, nas pala­
vras rituais, todos os seus deveres e obrigações, como bispo da Igreja de Deus,
as quais ele se comprometeu a corresponder, com o auxílio de Deus.
Ao “Veni Creator Spiritus” segue-se aparte principal do ofício, o momento
solene e tocante em que os três bispos impõem as mãos sobre o novo prelado,
sagrando-o bispo da Igreja e sobre ele impetrando o dom do Espírito Santo.
Após, foi lhe entregue um exemplar das Santas Escrituras, sua norma de fé.
Finda a sagração, o bispo celebrante prosseguiu na celebração da Santa Eucaris­
tia.
O Revmo. Dr. Athalício Theodoro Pithan foi, terminada a solene cerimô­
nia, efusivamente cumprimentado pela multidão que aguardava a sua saída do
templo.
A noite... o Revmo. bispo Thomas apresentou o novo bispo, o qual ocupan­
do o púlpito, proferiu entusiasta e animadora alocução, concitando os presen­
tes a formarem fileiras sob o estandarte de Cristo Jesus, nos dias confusos que
atravessamos.64

Organização do Sínodo da Igreja Episcopal Brasileira (1952)


A partir de 1950, atuava o Conselho Nacional, autorizado pela Convenção Geral,
o qual “seria o poder executivo da Igreja nacional, quando fosse oportuno estabelecer
aqui um ramo independente da grande Comunhão Anglicana”. Conforme relata o
bispo Louis Chester Melcher, seu presidente, ao conselho “a Igreja-mãe concedeu (...)
bastante liberdade no governo dos negócios da Igreja brasileira”.65 Dois anos depois,
de 17 a 20 de abril de 1952, instalou-se o primeiro Sínodo da Igreja Episcopal Brasi­
leira. Contando já com três bispos, conforme exigência da Igreja-mãe, a Igreja brasi­
leira estava apta, a qualquer momento, para se tornar autônoma (ainda que, de fato,
ela só tenha conquistado sua autonomia doze anos depois).

(W 6) DOCUMENTO: C onstituição e C ânones Gerais da Igreja E piscopal


B rasileira
Artigo I —Do Nome e Fins. A Igreja Episcopal Brasileira (...) [tem] por fim
disseminar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo a doutrina e
culto da tradicional Comunhão Anglicana, em conformidade com as leis brasi­
leiras.
(...)

217
História Documental do Protestantismo no Brasil

Artigo V —Do Sínodo. O Sínodo reunir-se-á cada três anos, para tratar de
todos os assuntos referentes às atividades e progresso da Igreja.
(...)
Artigo X —Do Suplemento Legal. Como suplemento legal desta constituição,
a Igreja Episcopal Brasileira aceita e adota a Constituição e cânones da Igreja
Protestante Episcopal nos Estados Unidos da América, no que forem aplicáveis
às nossas circunstâncias e necessidades.
(...)
Canon 2 —Do Conselho N acional
Sec. Ia —O Conselho Nacional da Igreja Episcopal Brasileira compor-se-á:
a) do bispo de cada diocese ou distrito missionário;
b) de um presbítero e de um delegado leigo de cada diocese, eleitos pelos
respectivos concílios;
c) de um delegado eleito pelo Sínodo;
d) de secretário-executivo nomeado pela Igreja-mãe.
Sec. 2a - O Conselho Nacional reunir-se-á, pelo menos, duas vezes ao ano.
(...)
Sec. 7a —São atribuições do Conselho Nacional:
a) orientar e superintender as instituições gerais da Igreja;
b) desenvolver e dirigir a instrução e educação religiosa da Igreja;
c) fixar as cotas de cada diocese ou distrito missionário, para a manutenção
do trabalho geral;
d) delinear as campanhas de evangelização e contribuições para o sustento
da Igreja;
e) organizar o orçamento geral anual da Igreja;
f) promover o que for aconselhável a bem da unidade, o progresso e a esta­
bilidade da Igreja em geral.
(...)
Sec. 12a- O Conselho Nacional elegerá, por indicação do departamento de
instituições gerais, as juntas administrativas, em sua primeira reunião após o
Sínodo.
Sec. 13a - Incumbe ao Departamento de Educação Religiosa o preparo, a
impressão, e a distribuição, entre as dioceses, de trabalhos recomendáveis sobre
a instrução e educação religiosa em geral.
Sec. 14a - Cabe à Comissão de Finanças a organização do orçamento geral
anual da Igreja e a distribuição das cotas às dioceses.
Sec. 15a - Compete ao Departamento de Propagação delinear as campa­
nhas evangelísticas e financeiras.
Sec. 16a - Correspondem ao Departamento de Assistência Social as suges-

218
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

tões, estudos e iniciativas que visem uma ação ampla da Igreja, no meio social.
Sec. 17a —A fim de desempenharem seus encargos, terão os vários departa­
mentos e comissões verbas especiais, votadas pelo Conselho Geral.
(...)
Canon 3 —Das Instituições Gerais
Sec. Ia - São consideradas instituições gerais ou interdiocesanas da Igreja
Episcopal Brasileira:
a) o Seminário Teológico, situado em Porto Alegre...
b) o Colégio Cruzeiro do Sul, também situado em Porto Alegre, e cujo fim
é proporcionar, de preferência aos filhos de eclesianos, a instrução e educação
geral, sob a influência do Evangelho e particularmente dos ensinos da Igreja;
c) o Ginásio Santa Margarida, situado em Pelotas...
d) O “Estandarte Cristão”, periódico que tem por fim estreitar os laços de
fraternidade cristã entre as dioceses e exercer o ministério da pregação por meio
da Palavra escrita.
(...)
Canon 5 —Da Comissão Litúrgica
Sec. 2a —Serão atribuições da Comissão Litúrgica:
a) fiscalizar a impressão do Livro de Oração Comum;
b) coletar e coligir todo o material que seja de interesse para futuras revisões
do Livro de Oração Comum;
c) preparar e publicar ofícios para ocasiões especiais, que poderão ser usados
em todas as dioceses ou distritos missionários, sob a autorização de seus respec­
tivos bispos.66

A autonomia, da Igreja Episcopal do Brasil (1965)67


Desde o “pacto” de 1898 (doc. 103), ficou estabelecido que a Igreja brasileira
poderia requerer sua autonomia quando tivesse “três bispos residentes no Brasil”. Pithan
fora sagrado em 1940; Luís Chester Melcher, eleito pela Câm ara de Bispos, em 1948;
e Egmont Machado Krischke fora escolhido no 5 I o Concilio no Brasil e formalmente
eleito pela câmara e sagrado em 12 de março de 1950, completando assim o número
exigido. A Igreja brasileira solicitou em 1961, e a Câm ara de Bispos aprovou em 1963,
a autonomia administrativa, uma vez que seus termos eram satisfatórios
a ambas, especificando que os respectivos documentos deveriam incluir uma
declaração de fé e ordem, um plano financeiro, uma estrutura canônica, uma
declaração de reconhecimento de responsabilidade pela evangelização progres­
siva do Brasil e de participação na missão mundial da Igreja...68
A Igreja brasileira, em sessão extraordinária do seu Sínodo, aprovou unanimamente

219
História Documental do Protestantismo no Brasil

o plano de autonomia, e preparou os competentes documentos para apresentação na


convenção geral da Igreja Protestante Episcopal dos Estados Unidos da Am érica.69 A
Igreja Americana deu a sua aprovação, concedendo a almejada autonomia adm inistra­
tiva.

(J0 7 ) DOCUMENTO: A p rocla m a çã o da a u ton om ia da Igreja E piscopal do B rasil


John Elbridge Hines, pela Divina Providência bispo presidente da Igreja
Protestante Episcopal nos Estados Unidos da América, pela autoridade a nós
conferida por resolução da Câmara dos Bispos, reunida em Saint Louis, Missouri,
no dia 18 de outubro de 1964, por este meio declaramos que as jurisdições do
Brasil Meridional, do Brasil Sul-Ocidental e do Brasil Central cessam de ser
distritos missionários da Igreja Protestante Episcopal nos Estados Unidos da
América, e que seus bispos e clero são dispensados do juramento de conformi­
dade à doutrina, disciplina e ao culto da referida Igreja. Declaramos outrossim
que nesta data a Igreja Episcopal do Brasil passa a ser província autônoma da
Comunhão Anglicana.
Dado e passado sob o selo das nossas armas nesta cidade de Porto Alegre,
Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, no dia 25 de abril de \965,A nnoD omini.
(Assinado) John E. Hines
Bispo presidente da Igreja Protestante Episcopal
nos Estados Unidos da América

Os c o n g re g a c io n a is
Desde a fundação de sua primeira igreja no Rio de Janeiro (1858), o povo de
Robert Kalley gozou de autonomia. Mas, se não teve que lutar pela autonomia, teve
de buscar longamente sua identidade denominacional. No documento abaixo, Ismael
da Silva Junior descreve a busca do nome denominacional, esboçando, ao mesmo
tempo, a história da Igreja. Curiosamente, a questão do nome mereceu atenção já nos
primeiros cinco anos da vida da Igreja, pois tornou-se conveniente m udar o nome de
“Igreja Evangélica” para “Igreja Evangélica Fluminense” para se evitar confusão com a
Igreja de Simonton, fundada no Rio de Janeiro em 1862. Kalley e seus cooperadores
fundaram diversas outras igrejas congregacionais ao longo dos anos.
Entretanto, outras associações sediadas na Grã-Bretanha encetaram missões na
América do Sul, tais como: H elp fo r B r a z il (fundada em 1892, por iniciativa de Sarah
Poulton Kalley e outros), S outh A m erican E va n gelical M ission (com trabalho na Argen­

220
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

tina) e R egions B eyon d M ission a ry U nion (com missão no Peru). Desapontados com a
exclusão da América Latina na conferência de Edimburgo, 1910 (does. 124 e 125),
líderes evangélicos da Inglaterra, formaram, das missões acima mencionadas, a União
Evangélica Sul-americana (1911), para estimular a obra evangélica e canalizar recursos
para a América do Sul. Dos esforços dessa União veio à existência no Brasil a Igreja
Cristã Evangélica. Esta se uniu com os Congregacionais em 1942, perfazendo uma
união que durou até 1969. Houve nova separação em 1 969; a antiga ala congregacional
assumiu o nome de União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil; a outra
ala ainda dividiu-se em duas, a Igreja Cristã Evangélica no Brasil e a Igreja Cristã
Evangélica do Brasil, com sedes, respectivamente, em Anápolis, Goiás, e em São Pau­
lo.

ÇÍÕ8) DOCUMENTO: Nosso n om e d en om in a cion a l


De 11 dejulho de 1858, quando foi fundada a Igreja Evangélica Fluminense,
até 10 de julho de 1913, só foram organizadas treze igrejas do nosso regime
(congregacional) no Brasil. Não houve, entretanto, nenhuma entidade a que
estivessem elas filiadas. Eram independentes, autônomas, como são todas as
verdadeiras igrejas congregacionais. Não obstante, estavam elas unidas pelos
laços estreitos da fraternidade cristã. Oito delas eram filhas diretas da Igreja
Fluminense, organizada em 11 de julho de 1858 —Passa Três, organizada em 6
de novembro de 1897; Niterói, em 5 de abril de 1899; Encantado, em 10 de
maio de 1903; Paranaguá, em 17 de junho de 1912; Paracambí, em 27 de
setembro de 1912; Santista, em 2 de março de 1912 e Paulistana (criada em 8 >'
de dezembro de 1913, depois da Ia convenção) e três, da Igreja Evangélica
Pernambucana, que é filha da Igreja Evangélica Fluminense, organizada em 15
de setembro de 1905; pelo Dr. Robert Reid Kalley —Vitória, organizada em 15
de setembro de 1905; Jaboatão, em 15 de novembro de 1905 e Monte Alegre,
em 4 de agosto de 1912.
Só em 1913, de 6 a 10 de julho, é que essas igrejas se reuniram em Ia Con­
venção Geral, no templo da Igreja Evangélica Fluminense, à rua Larga de S,
Joaquim, 185, hoje Marechal Floriano, e resolveram organizar a sua União.
“Houve muitas lutas, quando se procurava um nome para a nova entidade
denominacional. Os irmãos estavam divididos em dois grupos - um, que com­
preendia os que não queriam que nele constasse a palavra congregacional, ale­
gando que os congregacionais dos Estados Unidos da América do Norte, da
Inglaterra e outras naçÔes batizavam crianças e eram modernistas e, outro, que
compreendia os que, embora sabendo que tudo isso era verdade, entendia que

221
História Documental do Protestantismo no Brasii

esse vocábulo devia aparecer no referido nome para determinar apenas a forma
de governo que era adotada pelas igrejas da nova União, que nada tinham a ver
com as igrejas estrangeiras que batizavam crianças e eram modernistas, às quais
elas nunca se uniriam. Depois de muita discussão, foi adotado o seguinte nome:
Primeira Convenção das Igrejas Evangélicas Indenominacionais, que não agra­
dou a um número considerável de irmãos. O Cristão, de 15 de março de 1916,
publicou a seguinte nota editorial, à página 50: “A palavra indenominacional
quer dizer o que não tem denominação; mas isso, quanto a nós, é um absurdo.
Nós somos uma denominação, porque adotamos um certo padrão de doutri­
nas, que nos distinguem das demais igrejas irmãs; temos uma forma de gover­
no que também nos separa das outras denominações e formamos para aí mais
de vinte igrejas locais e algumas bem numerosas. E como é que não somos uma
denominação? Não o nome que nos assenta, o nome que nos pertence, o nome
que consagramos pela nossa forma de governo é o congregacionalismo, muito
embora não o entendam assim alguns irmãos que têm a veleidade de quererem
estar fora dos princípios denominacionais que seguem o cristianismo reforma­
do, do qual somos parte integrante e do que muito nos sentimos desvanecidos.
Que venham, pois, os delegados, que pensem, peçam a direção do Senhor e
decidam com os sãos princípios de independência de caráter que deve ser o
apanágio de toda a família evangélica”. Convém esclarecer que o nome em
foco foi aprovado na Primeira Convenção Geral, em julho de 1913. Agora, está
próxima a Segunda Convenção Geral, que foi realizada no templo da Igreja
Evangélica de Niterói, nos dias 22 a 26 de março de 1916. Daí a publicação do
referido editorial. Depois de muita discussão, foi aprovado um novo nome
para a União: Aliança das Igrejas Evangélicas Congregacionais Brasileiras e
Portuguesas. Justifica-se o aparecimento desta última palavra —portuguesas —
por causa da inclusão da Igreja Evangélica Lisbonense, organizada em 12 de
julho de 1908, sob os auspícios da Sociedade de Evangelização do Rio de Janei­
ro, hoje Missão Evangelizadora do Brasil e Portugal, por intermédio do Rev.
João Manoel Gonçalves dos Santos, seu presidente, que esteve em Lisboa, Por­
tugal, para esse fim (o Rev. Santos era o pastor da Igreja Evangélica Fluminense,
onde foi fundada a referida Sociedade, em 8 de novembro de 1890). Esse novo
nome, entretanto, desgostou a diversos irmãos, que ficaram profundamente
tristes com a inclusão nele da palavra congregacionais. A Junta Geral, como
medida de prudência, resolveu não adotá-lo oficialmente. Justificando sua re­
solução, publicou em O Cristão, à página 74, a seguinte nota: “Por amor à paz
e por querer a Junta evitar, por todos os meios e modos, qualquer desinteligência
entre os membros da Aliança, sabendo que alguns irmãos se mostraram contra­
riados com o nome congregacionais, aprovado no primeiro artigo dos nossos

222
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

estatutos..., resolveu não usar o dito nome, até à próxima convenção, que de­
cidirá, definitivamente, o assunto”. Em maio de 1919, por ocasião da Terceira
Convenção Geral, realizada no templo da Igreja Evangélica Fluminense (agora
à rua Camerino, 102), nos dias 7 a 11, com representantes do Brasil e Portugal,
foi aprovado este novo nome: União das Igrejas Evangélicas que aceitam a Bre­
ve Exposição das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo, recebidas pela Igreja
Evangélica Fluminense.70 Esse nome, aliás bastante comprido, só foi usado até
a Quarta Convenção Geral, levada a efeito na Igreja Evangélica Fluminense, a
1 a 6 de maio de 1921, quando foi substituída por este: União das Igrejas
Evangélicas Congregacionais do Brasil e Portugal. Na seguinte convenção ge­
ral, foi esse nome mudado para: União das Igrejas Evangélicas Independentes.
Essa convenção foi realizada no templo da Igreja Evangélica do Encantado, à
rua Clarimundo de Melo, 50, dos dias 6 a 13 de maio de 1923. Pouco mais de
dez meses figurou esse nome nos nossos anais. Em 20 de março de 1924, sob o
título: Comunicação Importante, assinado pelo Dr. Henrique de Souza Jar­
dim, Io secretário da Junta Geral, O Cristão publicou o seguinte: “Tendo a
Junta recebido a resposta da grande maioria das nossas igrejas, aceitando o
nome proposto pela Igreja Evangélica Fluminense, para a nossa união de igre­
jas: União Evangélica Congregacional Brasileira, a referida Junta, em sua reu­
nião de 20 de março de 1924, resolveu, assim autorizada, adotar o novo nome,
oficialmente, para todos os efeitos”. De 24 a 31 de maio de 1925, esteve reuni­
da na Igreja Evangélica Santista, à rua Brás Cubas, 256, Santos, S. Paulo, a
Sexta Convenção Geral, que resolveu mudar, novamente, o nome da uniao
que passou a chamar-se: União Evangélica Congregacional do Brasil e Portu­
gal. Esse nome foi conservado durante nove anos. Em maio de 1934, esteve
reunida a Décima Convenção Geral, de 20 a 27, na Igreja Evangélica de Passa
Três, no Estado do Rio de Janeiro. Por haver sido fundada a União de Igrejas
no Nordeste, e por não querer a Décima Convenção Geral perder a cooperação
das igrejas nordestinas, foi aprovada a idéia da organização de uma federação,
composta de três uniões, a do Norte, a do Sul e a de Portugal, e mais a Missão
Evangelizadora do Brasil e Portugal, cujo nome completo era: Federação Evan­
gélica Congregacional do Brasil e de Portugal. Infelizmente, essa Federação
teve vida efêmera. Por haver falhado o plano das uniões, o primeiro congresso
dessa Federação, realizado na Igreja Evangélica Fluminense, reunido nos dias
20 a 27 de junho de 1937, resolveu readotar o nome que fora aprovado na
Décima Convenção Geral: União Evangélica Congregacional do Brasil e Por­
tugal. Em junho de 1940, dias 23 a 30, reuniu-se a Décima Segunda Conven­
ção Geral, na Igreja Evangélica Fluminense. Para continuar a contar com a
cooperação dos irmãos nordestinos, e para deixar uma porta aberta para uma

223
História Documental do Protestantismo no Brasil

possível fusão nossa com a Igreja Cristã Evangélica do Brasil e outras igrejas, a
Convenção determinou que a Junta Geral, depois de consultas indispensáveis,
adotasse um destes dois nomes, sugeridos pelos irmãos do Nordeste —União
das Igrejas Cristãs do Brasil (Governo Congregacional) ou União das Igrejas
Evangélicas do Brasil (Governo Congregacional). A Junta Geral, cumprindo
essa determinação convencional, resolveu, na sessão de 11 de março de 1941,
adotar o seguinte nome: União das Igrejas Evangélicas do Brasil (Governo
Congregacional). Esse nome, convém esclarecer, não agradou a diversos ir­
mãos, que só o aceitaram por amor à paz denominacional. Depois dos entendi­
mentos que a nossa Sociedade (congregacional) teve com a outra (Igreja Cristã
Evangélica), chegou-se à conclusão que o nome a ser adotado depois de feita a
fusão de ambas as alas, era: União das Igrejas Congregacionais e Cristãs do
Brasil. Com efeito, em Santos, S. Paulo, na Igreja Evangélica Santista, reuni-
ram-se os representantes da Décima Terceira Convenção Geral e do Concilio
da Igreja Cristã Evangélica do Brasil, nos dias 21 e 22 de junho de 1942, que,
depois dos estudos necessários, encerraram as suas atividades, surgindo uma
nova entidade denominacional, fusão das duas, que recebeu o nome acima:
União das Igrejas Congregacionais e Cristãs do Brasil. Coube ao Rev. Rodolfo
Anders, secretário-geral da Confederação Evangélica do Brasil, na noite me­
morável de 22 de junho de 1942, autorizado pelas duas entidades que se uni­
ram, proclamar oficialmente a referida união, em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo.71

RELAÇÕES ENTRE PROTESTANTES E CATÓLICOS


In trodução

A tônica do relacionamento protestante-católico romano continuou no presente


período a ser basicamente de rivalidade e conflito. Os protestantes prosseguiram o
combate aos “erros do romanismo”: idolatria (uso de imagens, mariolatria), negligên­
cia na difusão e leitura da Bíblia, ignorância e superstição do povo católico e im orali­
dade do clero. Na realidade, desde a “questão religiosa”72 e especialmente desde a
separação da Igreja e Estado na República, pelo decreto n° 119-A de 7 de janeiro de
1890 (doc.109, abaixo), com a extinção do padroado, o catolicismo brasileiro entrou
numa nova fase.73 A mudança, no entanto, pouco afetou a oposição ao protestantis­
mo. As decisões que assinalaram o longo papado de Pio IX (1846-1878), a saber: o

2 24
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

dogma da Imaculada Conceição (1854), o syllabus de 1864, e o dogma da Infalibilida­


de Papal, promulgado no Primeiro Concilio Vaticano (1870), simbolizavam para os
protestantes o espírito do catolicismo romano o fato de mais três dos cinco papas no
período em apreço assumirem o mesmo nome “Pio” parecia confirmar a impressão
generalizada dos protestantes. Desse modo, uma boa parte da motivação do trabalho
protestante continuava a ser o anticatolicismo. Por outro lado, crendo que extra
ecclesiam , n u lla salus, e classificando os protestantes de hereges, o catolicismo não
podia deixar de se opor ao protestantismo. Geralmente, a oposição não tomou a for­
ma de perseguição aberta (embora tenham ocorrido casos de perseguição, em geral em
virtude de provocação pelos protestantes), mas assumiu formas mais sutis.
Mas, se não houve mudança essencial na hostilidade m útua entre católicos e pro­
testantes, a República trouxe novidades dignas de nota.
1) Na República, em lugar de mera tolerância do culto protestante, o decreto n°
119-A, adiante, garantia a “plena liberdade de cultos”, e a Constituição garantia o
livre exercício e propaganda da religião evangélica. Assim, havendo abuso dos direitos
legais, ameaças ou perseguições, os protestantes poderiam apelar às autoridades reque­
rendo proteção e reparação. A nova situação não foi aceita passivamente pelos católi­
cos, os quais, de tempos em tempos pressionavam a seu favor —atitude interpretada
pelos protestantes como quebra do princípio de separação entre Igreja e Estado. O
cardeal Joaquim Arcoverde, primeiro cardeal brasileiro, advogou a revogação do arti­
go 183 do Código Civil, que proibia casamento entre tios e sobrinhos, argumentando
que a Igreja não proibia tais casamentos.74 M uito mais importante foi o esforço do
cardeal Sebastião Leme, arcebispo do Rio de Janeiro, para novamente oficializar a
religião católica romana. O cardeal não alcançou o seu alvo, mas a nova Constituição
de 1934 favoreceu o catolicismo, sem, contudo, oficializá-lo. Outras pressões, tam ­
bém vistas por protestantes como atentatórias à separação Igreja e Estado eram: pres­
sões para instalar crucifixos em câmaras municipais, estaduais e federal; o uso de fun­
dos públicos para a construção de templos e catedrais; o esforço em prol da dedicação
do Brasil ao Sagrado Coração de Jesus; estabelecimento de relações diplomáticas com
o Vaticano, e outras coisas semelhantes.
2) Foi um período de freqüentes polêmicas, quer por meio de debate público, quer
pela imprensa religiosa e secular. Estas polêmicas variavam muito em tom e seridade,
e a “munição” dos protestantes era fornecida em larga escala por escritos de ex-padres
dos quais o mais famoso talvez tenha sido Charles Paschal Telesphore Chiniquy (1809-

225
História Documental do Protestantismo no Brasil

1899),75 bem como por tratados escritos pelos ex-padres brasileiros que se tornaram
pregadores protestantes (como José Manoel da Conceição, presbiteriano; Antônio
Teixeira de Albuquerque, batista; Hipólito de Campos, metodista e outros).
3) Houve campanhas, às vezes sutis, para desacreditar a obra missionária e os mis­
sionários protestantes, visando dificultar senão impossibilitar a vinda de missionários
norte-americanos. Contra essas campanhas, os protestantes se defenderam (geralmen­
te através da Confederação Evangélica do Brasil) e não foi pequeno o número de
brasileiros, nem sempre membros de igrejas protestantes, mas apreciadores da obra
protestante nas suas dimensões educativa e social, dispostos a quebrar lanças em defe­
sa dos evangélicos.
4) O clim a de oposição católica estimulou a criação de mecanismos de defesa
protestantes. Talvez os mais importantes destes foram uma maior aproximação entre
protestantes, como indivíduos e denominações, no afã de se conseguir um a entidade
que falasse em nome do protestantismo nacional, e a consecução nos diferentes níveis
do governo de vozes que poderiam se levantar em protesto contra os abusos mencio­
nados acim a e ganhar vantagens para os protestantes, bem como ser um a influência
moralizante no governo e na sociedade brasileira. Havia, no entanto, uma certa relu­
tância do protestante em adentrar nos círculos poluídos da política, e, ao mesmo
tempo, uma insistência em que o leigo se tornasse eleitor e votasse naqueles que favo­
reciam a liberdade religiosa, educação leiga e liberdade de pensamento e de expressão.

Liberdade d e cu lto ( 1 8 9 0 )
O Governo Provisório não perdeu tempo em estabelecer a liberdade de culto no
Brasil, pelo decreto n° 119-A, transcrito abaixo.

(TÕsj) DOCUMENTO: D ecreto n° 119-A d e 7 d e ja n e ir o d e 1890


O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório da
República dos Estados Unidos do Brasil, constituído pelo exército e armada,
em nome da nação decreta:
Art. Io - E proibido à autoridade federal, assim como àdos estados federados,
expedir leis, regulamentos ou atos administrativos, estabelecendo alguma reli­
gião, ou vedando-a e criar diferenças entre os habitantes do país, ou nos servi­
ços sustentados à custa do orçamento, por motivo de crenças ou opiniões filo­
sóficas ou religiosas.
Art. 2° —A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de

226
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

exercerem o seu culto, regerem-se segundo sua fé e não serem contrariados nos
atos particulares ou públicos, que interessem o exercício deste decreto.
Art. 3o - A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos atos
individuais, senão também as igrejas, associações e institutos em que se acha­
rem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e viverem
coletivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção do po­
der público.
Art. 4o —Fica extinto o padroado com todas as suas instituições, recursos e
prerrogativas.
Art. 5o —A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalida­
de jurídica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos
pelas leis concernentes à propriedade do mão-morta, mantendo-se cada uma o
domínio de seus haveres atuais, bem como dos seus edifícios de culto.
Art. 6o - O governo federal continua a prover à côngrua, sustentação dos
atuais serventuários do culto católico e subvencionará por um ano as cadeiras
dos seminários; ficando livre a cada Estado o arbítrio de manter os futuros
ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos
antecedentes.
Art. 7o —Revogam-se as disposições em contrário.76

A igreja C ató lica Rom ana é a p ó sta ta ?


Todas as igrejas protestantes criticavam fortemente a Igreja Católica Romana. Na
maioria dos casos, conversos vindos do catolicismo eram rebatizados ao ingressarem
nas comunidades evangélicas, muito embora houvesse diferença de opinião de deno­
minação para denominação quanto à validade do Batismo romano.77 Sem dúvida, a
opinião difundida pela Aliança Evangélica de que a Igreja Católica “apostatou de
Cristo” representava a opinião evangélica brasileira majoritária, mas muitos missioná­
rios discordavam. Deve ser lembrado ainda que outros pensavam em termos de um
“catolicismo evangélico”, como Salomão Ferraz que mais tarde fundou a Igreja Cató­
lica Brasileira.78

(no) DOCUMENTO: A C onvenção d o P anam á - a op ortu n id a d e dos brasileiros


“Graças a Deus”, exclamou um dos santos quando a recente Convenção da
Aliança Evangélica no Rio votou o seu juízo sobre a Igreja Romana como um
ramo que “apostatou de Cristo”. Este voto, porém, foi tomado depois de longo
debate e deu um resultado na proporção de dois para um, patenteando assim
nova diversidade de idéia... É notável... que a votação se dividiu quase sem

227
História Documental do Protestantismo no Brasil

exceção em brasileiros na maioria e americanos na minoria. Decerto, porém,


estes conhecem seus patrícios na pátria e devem saber os seus sentimentos, e
todos estes missionários estão acostumados a persuadirem seus patrícios a
promoverem a evangelização no Brasil... Ora... achamos que chegou a hora
para os brasileiros patentearem seu desejo e seus motivos de receberem mais
missionários americanos... Qual pode ser o argumento persuasivo e eficiente
dos brasileiros pedindo o auxílio para a obra de evangelização? O testemunho
pessoal: “Nós fugimos da Igreja Romana para acharmos a vida eterna. Como
quer que seja esta Igreja em outras partes, sejam quais forem as suas prédicas e
profissões no estrangeiro, nós sabemos por triste experiência que, até que o
Espírito de Deus nos deu a luz, andamos nas trevas do pecado e no lusco-fosco
de erros mortíferos no seio da Igreja que nos batizou. Fugimos dela em deman­
da da salvação. Portanto, suplicamos aos irmãos na América do Norte que aten­
dam às necessidades dos nossos patrícios que andam sacramentados pelas fór­
mulas do romanismo, mas não revivificados por Cristo Nosso Senhor”.
“Os distintos irmãos que são membros do gabinete da Aliança Evangélica
saberão exprimir à Convenção do Panamá o testemunho dos brasileiros muito
melhor elaborado e mais eloqüentemente do que nós podemos. Entretanto,
achamos do maior proveito que os jornais evangélicos tratem ponderadamente
dos modos pelos quais deve ser expresso este testemunho, porque por exemplo,
a própria Junta de Missões Estrangeiras da Igreja Episcopal nos Estados Uni­
dos, que mantém no Brasil os missionários que todos nós respeitamos e ama­
mos, resolveu não enviar representação ao Congresso do Panamá; também há
nos grêmios metodistas e presbiterianos da América do Norte muitos cristãos
que não compreendem a necessidade do auxílio estrangeiro na evangelização
do Brasil. Os descontentes dentro das Igrejas Metodista e Presbiteriana no Bra­
sil que criticaram a influência missionária em anos passados têm feito alguma
coisa para produzir esta opinião na América e a própria convocação no Panamá
é o fruto do protesto de milhares de cristãos evangélicos porque a Conferência
Ecumênica de Missões em Edimburgo em 1910 não contemplou a evangelização
das terras da Igreja Romana e não tem outro fim senão preencher esta lacuna
promovendo a obra de dar o Evangelho a toda a América Latina. Ela é, pois, a
oportunidade para os brasileiros. Ouçamo-lo.”79

R esistência p ro te s ta n te a ten ta tivas de no va o fic ia liz a ç ã o d o ca to lic ism o


ro m ano
A hierarquia católica jamais concordou plenamente com a Constituição de 1891,
tendo-a como ateísta.80 Assim, Plínio Marques propôs, em 1925, uma emenda cons­

228
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

titucional, visando tornar o catolicismo novamente a religião oficial. A emenda não


logrou êxito, mas o Centro Dom Vital, liderado por Jackson de Figueiredo até sua
morte em 1928, e depois por Alceu Amoroso Lima, preeminente crítico literário,
continuou a luta. A Liga Eleitoral Católica constituiu o instrumento principal para
reunir o eleitorado católico em torno dos seus ideais, a saber: uma nova Constituição
que oficializasse o catolicismo, com casamento religioso, ensino religioso nas escolas,
capelanias católicas nas forças armadas e sindicatos católicos paralelos aos seculares.
Um decreto do governo Vargas em abril, 1930, perm itiu o ensino religioso nas
escolas públicas nas quais vinte ou mais estudantes o solicitassem. O decreto, inter­
pretado pelos protestantes como o primeiro passo na direção de um Estado católico,
com conseqüentes restrições da liberdade religiosa, provocou a reunião do Congresso
Evangélico Brasileiro, nos dias 30 de abril a 4 de maio de 1931, publicando um “M a­
nifesto à nação”.81 Dois anos depois, o presidente Getúlio Vargas mandou elaborar
um anteprojeto da nova Constituição, que deixou os evangélicos muito insatisfeitos.

(TTT) DOCUMENTO: M anifesto a n a ção (1931)


Os evangélicos brasileiros, agradecidos a Deus altíssimo por esta grande pá­
tria, sentem-se a vontade para declarar que jamais desertarão de seu posto de
honra e de fé patriótica. E assim desejam falar hoje ao povo que é o seu povo, a
gente que é a sua gente. Não é de agora que espíritos levianos têm insinuado,
por vários métodos, julgamentos injustos e cruéis sobre os intuitos e propósitos
dos cristãos evangélicos, apontando-os à alma brasileira como “mercenários da
fé, aliados de missões estrangeiras que visam roubar a nação, traidores da pá­
tria, desnacionalizadores disfarçados, heréticos e hereges, gente desunida,
expoliadores dos sãos princípios da moral, povos sem fé e sem civismo”. (...) Os
cristãos evangélicos brasileiros têm propagado e mantido com entusiasmo e fé
os elevados ideais cívicos e finalidades da República brasileira. Tudo quanto
nela visa o soerguimento da nação, a unanidade da família nacional, a plena
liberdade de consciência, o império da lei, a ordem da pátria, a grandeza espi­
ritual, moral e política do Brasil, tudo isso tem sempre nos crentes evangélicos
colaboradores irredutíveis, leais, fiéis, unidos. A Igreja Evangélica nacional, em
todos os seus ramos, não tem política coletiva, nem faz obra partidária. Dá
liberdade a seus membros de, individualmente, em consciência e dentro da lei
e da ordem, exercerem todos os deveres cívicos. Sua esfera é precipuamente
espiritual, Ordena acatamento às autoridades reconhecidas e só admite a defe­
sa de direitos ofendidos pelos meios legais e legítimos... Os cristãos evangélicos
brasileiros aceitam, propagam e executam, com máximo empenho, todas as

229
História Documental do Protestantismo no Brasil

boas obras, de valor moral e social, trabalham pelos direitos iguais e justiça
completa para todos os homens e todas as camadas sociais; pela proteção à
família exigindo-se o mesmo grau e pureza tanto para os homens como para as
mulheres, leis uniformes sobre o divórcio, regulamentação apropriada sobre os
casamentos e habitações convenientes para famílias; pelo desenvolvimento o
mais completo possível da criança, especialmente pela instrução e recreação
apropriadas; pela abolição do trabalho operário de crianças; pela regulamenta­
ção das condições de trabalho para mulheres, de modo que seja salvaguardada
a saúde física e moral da sociedade; pelo esforço a fim de minorar e prevenir o
desenvolvimento da pobreza etc.82

(772) DOCUMENTO: O M anifesto do Sínodo R io-G randense (1933)


O Sínodo Rio-Grandense, em nome das 388 comunidades evangélicas que
são filiadas, e dos 174.086 rio-grandenses evangélicos que lhe são associados,
dirige um respeitoso, mas veemente apelo à augusta Assembléia Constituinte,
para que na nova Constituição seja garantida a liberdade e igualdade religiosa
com a mesma amplitude, precisão e clareza da Constituição de 24 de fevereiro
de 1891, cujo sistema deu os melhores frutos e se acha profundamente arraiga­
do na consciência nacional.
O Sínodo Rio-Grandense pede vênia para definir a sua posição e expor as
suas aspirações diante do problema das relações entre a Igreja e o Estado, nos
seguintes termos:
1. O Sínodo Rio-Grandense aplaude o projeto da nova Constituição que,
mantendo a nossa tradição política-jurídica, coloca em primeiro plano e como
princípio fundamental o dispositivo do art. 72 § 7 da Constituição de 1891,
reconhecendo a autonomia e a independência da Igreja e do Estado.
2. O Sínodo Rio-Grandense reconhece e proclama que o sistema de separa­
ção vigorante no regime republicano não teve um caráter de hostilidade à reli­
gião, mas concretizava uma atitude de apoio à religião e igualdade de trata­
mento de todas as igrejas, que não deve sofrer solução de continuidade.
O Sínodo Rio-Grandense interpreta os dispositivos do projeto permitindo
o ensino facultativo da religião e o culto religioso nos estabelecimentos oficiais
como outorga de uma faculdade concedida a todas as igrejas, sem restrição
alguma, pois qualquer limitação seria injusta e odiosa.
3. O Sínodo Rio-Grandense concorda com a faculdade referida, nos termos
expostos, mas não pode deixar de manifestar as suas apreensões sobre os males
que poderão advir da sua outorga e chamar a atenção dessa augusta assembléia
para as dificuldades que dela surgirão na prática, pois receia que, em virtude da
diversidade das confissões religiosas, haverá ou desigualdades, vexatórias e inad-

2 30
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

missíveis, ou desinteligência, atritos e lutas, que seriam profundamente preju­


diciais para paz e harmonia da família brasileira.
O Sínodo Rio-Grandense julga, por isso, preferível um sistema que não
abranja tais faculdades, embora importe em restrições, que traduzem um sacri­
fício feito para evitar males maiores e garantir mais solidamente a liberdade de
todos.
4. O Sínodo Rio-Grandense, entretanto, confia que, se forem admitidos os
dispositivos referentes ao culto religioso nos estabelecimentos públicos, sejam
consignados na nova Constituição dispositivos que garantam o reconhecimen­
to da parte do Estado, como corporação pública, daquelas igrejas e associações
religiosas que, como o Sínodo Rio-Grandense, pelos seus elementos de eficiên­
cia, pela sua organização e pela sua tradição apresentem garantias suficientes de
estabilidade.83

O v o t o c o m o arma cristã
De acordo com a Constituição de 1891, brasileiros adultos natos ou naturalizados,
do sexo masculino, menos os mendigos, analfabetos, praças de p r e t e membros de
ordens religiosas, votavam. Vale dizer que menos de 10 % da população podia votar,
uma vez que a taxa e analfabetismo atingia aproximadamente 80% , e mulheres não
votavam.84 No artigo abaixo, Júlio C. Nogueira prevê a possibilidade de uma positiva
influência evangélica na nova Constituição, por meio do seu voto, além de frustrar os
desígnios a hierarquia.85

0~i~T) DOCUMENTO: A specto so cia l e cív ico a missão da Igreja


... Por multo tempo esteve a Igreja no Brasil preocupada tão somente com a
sua missão espiritual de evangelizar diretamente, e proclamar as boas novas de
salvação, de salvar as almas. Agora porém, começou ela, melhor esclarecida, a
compreender que não pode deixar de interessar-se pelos problemas sociais, já
tratando estes assuntos no púlpito e na imprensa, já os ventilando nas lições
bíblicas dominicais, já cogitando de reuniões sociais e esportivas para a juven­
tude, já, quando possível, criando postos e empresas de assistência social, como
hospitais, asilos, orfanatos, consultórios etc... Há um aspecto, porém, da mis­
são da Igreja, que tem sido deliberadamente posto à margem: a cultura direta­
mente cívica do crente como cidadão, o seu dever de se interessar positivamen­
te pelos negócios públicos, a sua obrigação de intervir imediatamente no desti­
no nacional pelo exercício do voto... Agora nós, os que pela história e pela
experiência conhecemos as tendências e as finalidades do movimento

231
História Documental do Protestantismo no Brasil

ultramontano do clero, não estaremos nesta hora sendo chamados para, com o
nosso voto esclarecido, ajudarmos no melhoramento de nossa pátria, pela ado­
ção de uma Constituição verdadeiramente liberal, progressista e portanto cris­
tã no seu espírito? Cremos que a resposta só pode ser positiva e dela decorre o
dever, portanto, de todos os crentes que possam fazerem-se eleitos e votarem
para a constituinte, em cidadãos que pugnem pelos princípios de plena liber­
dade de cultos, da laicidade do ensino, da livre manifestação do pensamento,
da igualdade, enfim, de todos os cidadãos perante a lei.86

R e sp o sta s às a c u s a ç õ e s d e D. A n t ô n i o d o s S a n t o s C ab ra l, a r c e b is p o de
B elo H orizo n te
A hierarquia católica não conseguiu convencer o país a oficializar novamente o
catolicismo. Em 1941, o arcebispo de Belo Horizonte tentou convencer o governo
norte-americano de que o envio de missionários protestantes era contraproducente,
pois despertava “antipatia e reservas para com os Estados Unidos”. Através da Confe­
deração Evangélica do Brasil, o órgão que falava em nome dos seus membros em tais
casos, uma longa carta foi endereçada a Jefferson Caffery, Embaixador dos Estados
Unidos. O documento que segue é um excerto da carta, datada de 15 de junho de
1942.

Q 14 ) DOCUMENTO: Carta ao em baixador J efferso n C affery


...importa declarar que a Confederação Evangélica do Brasil, porque man­
tém sempre a sua atenção voltada para o desenvolvimento da obra evangélica,
em todos os seus aspectos, e acompanha, como é de seu dever, todo o trabalho
missionário no país, está habilitada a afirmar que os missionários norte-ameri­
canos são apreciados pelo nosso povo e pelas classes conservadoras e até por
sacerdotes brasileiros. E a nossa pátria, que tem obtido o concurso de comis­
sões técnicas norte-americanas, em outros setores da vida nacional, vem rece­
bendo, sem ônus para o tesouro público, desses despretenciosos colaboradores
da formação intelectual, moral e espiritual do nosso povo —os missionários
norte-americanos —a mais leal e abnegada contribuição “em modéstia e singe­
leza, sem alarde de superioridade” e “com profundo respeito às tradições naci­
onais”.
A nossa história não registra um só caso em que qualquer preposto ou mem­
bro das missões em apreço87 se tenha envolvido na política, participando de
movimentos subversivos, ou praticando atos contrários aos interesses da nação
que o acolheu. Todos eles primam, em obediência a regulamentos severos de
suas missões, pela absoluta abstenção de tudo que seja contrário às leis do país
232
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

em que trabalham, ocupando-se, exclusivamente, da obra religiosa, social, ou


educativa, para que foram comissionados.
A obra social que as missões evangélicas têm liderado, possivelmente pre­
cursora da grande obra de assistência social que tem hoje a sua expressão máxi­
ma no “Abrigo Redentor”, como o antigo “Abrigo para Pobres”, fundado na
cidade de Castro, Paraná, pelo ilustre missionário norte-americano, Dr. Henry
P. Midkiff, e a instituição congênere da cidade de Lavras, igualmente inspirada
por missionários evangélicos, além de muitos outros, longe de despertar anti-
patias e reservas, tem provocado o mais franco aplauso e grande admiração da
nossa gente.
E, se ingressarmos no terreno educativo, ainda são mais abundantes as pro­
vas de que as missões norte-americanas têm sido, reconhecidamente, fatores de
progresso em nosso país. Desde os dias do Império, as missões evangélicas têm
concorrido para a implantação dos princípios mais modernos de ensino em
nossas escolas. Reportemo-nos ao testemunho insuspeito da grande figura re­
publicana de Rangel Pestana. Referindo-se ao Colégio Internacional, fundado
pelo Rev. G. Morton, em Campinas, assim se expressou: “penso desassombrado
no futuro da província de Sao Paulo todas as vezes que assisto a uma festa no
Colégio Internacional de Campinas; parece que minha alma rasga para si pró­
pria novos horizontes, e, daí, eu meço o porte respeitável dos homens que hão
de suceder aos enfezados políticos do presente”. E, (...) teve, na assembléia
provincial, palavras de apreço à excelência do ensino que se ministrava e ainda
se ministra naquele educandário: “Há em Piracicaba, província de S. Paulo,
um colégio de instrução primária e secundária dirigido por diretores acatólicos,
que, pela excelência do seu ensino tem merecido a confiança dos pais de famí­
lia” (...)
E, como prova irrefutável de que missões norte-americanas não provocam
antipatia e reservas em nosso meio, citaremos o fato de que os colégios evangé­
licos, fundados por missionários, embora dirigidos agora por educadores naci­
onais, mas inspirados nos métodos americanos, têm eles, desde o Império até
os nossos dias, alcançado a aceitação máxima de nossa gente, particularmente
das classes cultas do país. Não só lhes tem sido impossível atender a todas as
solicitações de matrícula, como 50 a 80% de seus alunos são católicos, filhos
das mais respeitáveis famílias católico-romanas de nossa pátria, e que enviam
os seus fdhos a esses colégios, cientes de que são educandários evangélicos e
principalmente porque perpetuam a orientação que lhes foi dada pelos missio­
nários norte-americanos e conservam em seus programas o elevado ideal da
vida, do caráter, do serviço, da disciplina e da obediência às autoridades cons­
tituídas, diretriz lançada pelos seus fundadores. Os alunos dos colégios norte-

2 33
História Documental do Protestantismo no Brasii

americanos e os membros das comunidades evangélicas, dirigidas por missio­


nários norte-americanos, alinham-se entre os elementos mais patrióticos e úteis
de nossa terra.
(...)
Alijar esses homens de nossa terra, ou fechar-lhes as portas, seria obra
antipatriótica, e não condiria com os nossos sentimentos de solidariedade e
fraternidade americanas, que têm no Exmo. Sr. Presidente da República, Dr.
Getúlio Vargas, e no Exmo. Sr. Dr. Ministro Oswaldo Aranha, a sua mais alta
expressão.88

ECUM EN ISM O
Introdução
Uma compreensão do desenrolar do ecumenismo89 no Brasil pressupõe um co­
nhecimento do tipo de protestantismo que veio para cá principalmente da América
do N orte — o cristianism o como estrutura “denom inacional”. A raiz da teoria
denominacional está na recusa dos reformadores em identificar a Igreja como qual­
quer instituição eclesiástica, pois para eles “a verdadeira sucessão é uma sucessão de
crentes, e a verdadeira unidade é aquela achada onde quer que se despertar a fé”.
Depois, os teólogos da Assembléia de Westminst-er, não podendo chegar a um acordo
sobre a forma ideal da Igreja da Inglaterra, elaboraram os princípios da teoria
denominacional. (1) Nem entre os apóstolos havia perfeito consenso sobre a estrutura
eclesiástica; inevitavelmente a diferença de opinião continuaria. (2) Uma vez que cada
cristão tem que obedecer sua própria consciência, tais diferenças não são desprezíveis.
(3) Das diferenças pode surgir discussão e daí uma apreensão mais plena da verdade.
(4) Nenhuma Igreja tem a absoluta compreensão da verdade divina; daí, a Igreja de
Cristo não poder se lim itar a uma única estrutura eclesiástica. (5) Portanto, a unidade
que de fato existe entre pessoas piedosas deve ser reconhecida, apesar das diferenças
que também há entre elas. (6) Separação só constitui cisma quando o rompimento for
“descaridoso, injusto, impensado e violento”. O mesmo espírito de Westminster se
expressou no Grande Despertamento nos Estados Unidos da América. GilbertTennant
(1703-1764), por exemplo, dizia “todas as sociedades que professam o cristianismo e
conservam os seus princípios fundamentais, quaisquer que sejam as suas diferentes
denominações e diversidade de sentimentos em coisas menores, são na realidade ape-

234
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

nas uma Igreja de Cristo, apenas diversos ramos... do único reino visível do Messias”.
W inthrop Hudson percebe a unidade da história eclesiástica americana exatamente
no fenômeno da denominação, que produziu um “protestantismo americano” até fins
do século XVIII e formou uma “América protestante durante o século XIX”.90
No século XX, nasceu o movimento ecumênico, cujo conceito da unidade essenci­
al colocou em cheque o conceito denominacional. O cristianismo vinha afirmando
sua unidade como artigo de fé desde o fim do segundo século (“creio na santa Igreja
Católica...”); agora, procurava torná-la visível “paraqueo mundo creia...” (João 17.21).
Divisões passaram a ser encaradas como escândalo, pois dificultavam a chegada de
pecadores a Cristo. Pronunciava-se o fim do cristianismo denominacional (mas o
moribundo tem demonstrado uma impressionante teimosia, recusando-se a se tornar
cadáver) e os pensadores perguntaram seriamente o que suas respectivas denomina­
ções poderiam legar à “grande Igreja” que deveria nascer.
O impulso do espírito ecumênico, qual w eltgeist, reforçou duas importantes carac­
terísticas inerentes à missão protestante conjunta no Brasil:
1) A herança comum: teologia fortemente calvinista de origem, porém modificada
na direção do arminianismo; ênfase evangelística centrada em conversão individual,
preferivelmente numa p r o tra cte d m eetin g, uma orientação americana, que pressupu­
nha a separação da Igreja e Estado e o sistema denominacional, mas também sulista,
adotando a doutrina da Igreja espiritual.91
2) Oposição ao catolicismo romano, aparentemente um a estrutura monolítica,
contra o que uma frente unida oferecia óbvias vantagens. H á muitas evidências de
que, particularmente na época das conferências do Panamá (1916), Montevidéu (1925)
e Havana (1929), o espírito ecumênico influenciou o protestantismo brasileiro.
D om inou, en tretan to , em solo b rasileiro , o d en o m in acio n alism o , não o
ecumenismo. Não está claro por que assim aconteceu, porém há uma série de fatores
que lançam alguma luz sobre a questão. 1) Nem todas as denominações americanas
aceitaram o ecumenismo: os batistas do Sul, os luteranos do Sínodo de Missouri, as
igrejas pentecostais e as denominações oriundas do movimento da santidade, como os
nazarenos, são os grupos principais,92 que, naturalmente, conservaram a mesma pos­
tura no Brasil. 2) Salomão Ferraz, então ministro presbiteriano, via no anticatolicismo
do protestantismo uma fonte de atritos entre protestantes e protestantes.
A amarga recíproca, seguida de ásperas invectivas, entre as várias comunida­
des protestantes no Brasil é apenas o mórbido reflexo da atitude de incondici­

2 35
História Documental do Protestantismo no Brasil

onal oposição, da parte dos evangélicos, para com os elementos religiosos que
preponderam no país.
Há anos —e disto jamais nos esquecemos —um dos ministros experimenta­
dos, um dos mais moderados e judiciosos, que também provara as mais pun­
gentes desilusões, dizia-nos que uma das causas das nossas discórdias e lutas
intestinas, esse mútuo desrespeito até entre ministros, era o resultado da nossa
própria sementeira. No ânimo dos nossos, inoculara-se desde cedo, o princípio
de ser virtude e obra meritória o dar batalha devastadora sem tréguas sem can­
dura e sem piedade, aos padres; e agora, esse mesmo espírito disciplinado nas
arremetidas furiosas contra o clero, assentava e disparava as armas contra os
próprios companheiros —sem delicadeza, sem cortesia, sem respeito, desuma­
namente.93
3) O ditado popular “mais realista do que o rei” lembrava um curioso fenômeno:
o converso freqüentemente se tomava mais ferrenho defensor da fé do que os antigos
adeptos. Para os conversos ao protestantismo no Brasil, lealdade a Cristo significava,
não raro, uma intransigente aceitação de fórmulas e sistemas, a roupagem em que a fé
é recebida, e uma resistência a qualquer modificação destas coisas, por medo de
apostasia. Nos documentos exibidos na presente seção, há diversas referências a dife­
renças entre missionários e nacionais, estes defendendo a linha tradicional contra a
aparente “inovação” do ecumenismo.
4) O ecumenismo no Brasil foi muito mais um projeto dos missionários e das
sociedades missionárias do que dos brasileiros, malgrado elementos nacionais da esta­
tura de Erasmo Braga. Ao final da Conferência do Rio, realizada logo após o Congres­
so do Panamá (1916), diversos participantes fizeram breves declarações. Eis duas de­
las:
O rev. J. W. Tarboux declarou-se a favor de uma única Igreja Cristã Evangé­
lica no Brasil como ideal pelo qual devemos trabalhar e orar. Enquanto espe­
rando e apressando esse ideal todos devem se esforçar pela cooperação de todos
os meios possíveis (...)
O Rev. Eduardo Carlos Pereira expressou dúvidas de que o tempo tenha
chegado para a união orgânica, mas todos devem esforçar-se pela unidade e
solidariedade do cristianismo evangélico. A verdadeira unidade é de espírito e
propósito em meio à diversidade. Ele exortou todos a trabalharem sinceramen­
te por uma confederação que pudesse resultar na produção de literatura, um
seminário unido, orfanatos, e congressos religiosos.94
É evidente que, com o crescimento do nacionalismo em determinadas denomina­
ções, também ganhava força a rejeição do ecumenismo.95 Durante um a grande parte

236
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

do período em apreço, a maior das igrejas “históricas” pouco contribuiu para a forma­
ção da mente protestante do Brasil, pelo fato histórico de ser um a Igreja de im igran­
tes, intimam ente ligada ao povo e idiom a alemães. Só depois da Segunda Guerra
M undial é que os luteranos brasileiros começaram a tomar parte efetiva nas organiza­
ções interdenominacionais e ecumênicas, inclusive no Conselho M undial de Igrejas.
6) Entrementes, chegavam ao Brasil três categorias de obreiros que entendiam o mo­
vimento ecumênico como uma ameaça às verdades cristãs e ao verdadeiro cristianis­
mo:
1) grupos pentecostais, mormente da Assembléia de Deus, cuja postura teológica
sempre fora conservadora e antiecumênica;
2) missões de grupos e denominações fundamentalistas, as chamadas “missões de
fé” e “missões não-denominacionais”;
3) a cruzada de Carl M clntire contra o Conselho M undial de Igrejas, taxando-o de
“modernista”; M clntire também atacou o Conselho pelas suas supostas tendências
marxistas e, não menos importante, condenou-o pela sua aproximação com Roma.
Os debates sobre “m o d ern ism o -fu n d am en talism o ” assim fom entados entre
presbiterianos chegaram a criar cisma e, por medo de que outros cismas ocorressem,
contribuíram efetivamente para a indecisão presbiteriana quanto à adesão ao Conse­
lho M undial de Igrejas. Em alguns círculos, ecumenismo e apostasia chegaram a ser
quase sinônimos.

D e n o m in ac io n a lism o
Atitudes denominacionais típicas
Os docum entos seguintes ilustram o que W in th ro p H udson (ver tópico
“Ecumenismo - Introdução”) chamou “teoria denominacional da Igreja”.

(TTs) DOCUMENTO: O espírito d en om in a cion a l


...Muitos dizem: “Se não houvesse denominação seria melhor: todos devi­
am ter um só nom e - o de “cristão”. Não sou de igual parecer sobre certos
pontos nesta queixa. Em primeiro lugar, é um fato que a Providência tem per­
mitido esses ramos dentro da Igreja. Se fosse melhor não havê-los, penso que o
Senhor Jesus não os permitiria. Em segundo lugar, as denominações dentro do
catolicismo evangélico são mesmo um bem. Comparo as denominações às tri­
bos de Israel. Este povo era um povo só, - mas subdividido em tribos e famí-

237
História Documental do Protestantismo no Brasil

lias, cada qual com os seus direitos próprios, característicos próprios e serviços
peculiares. O fato dessa divisão não punha em perigo a unidade a raça ou da
igreja hebraica. Assim entre nós. As denominações são nom es apenas, das famí­
lias cristãs —mas todos são “um só povo eleito”, “uma só raça adquirida”, enfim
são cristãos. “Cristão” é uma unidade, é a raça, é o título completo, subdividido
nas tribos presbiterianas, metodistas, batistas etc... O espírito denominacional
não é sectarismo, não é desprezo dos outros, não é vaidade religiosa, não é
desprestígio dos irmãos: é a consciência cristã esclarecida, fiel à Igreja e ao
trabalho onde Jesus o colocou. O espírito denominacional é a abnegação à
Igreja a que se pertence. E o carinho que se deve ter para com o ramo cristão
em que se encontrou a fé. E o civismo cristão posto em prática dentro de seu
círculo religioso... Este “espírito” procura conhecer as causas denominacionais,
os jornais de sua Igreja, o seu progresso, desenvolvimento e avanço. Enfim: o
espírito denominacional é lealdade sincera à Igreja de que se faz parte, para
honra e glória de Deus.96

j~^) DOCUMENTO: As ex celências d o sistem a p resb iteria n o em g e r a l e no B rasil


em p a rticu la r
O p resbiterianismo é um regime cristão bíblico. A sua estrutura é
inquestionavelmente neotestamentária. Tem mensagens permanentes. Tem prin­
cípios imortais. Tem virtudes democráticas representativas, fonte de equilíbrio
e de boa compreensão. Tem liberdade sem extremos, caridade sem sentimenta-
lismo, vagares sem desânimos, tolerância sem anarquias, e convicções sem or­
gulhos. Os princípios com que Calvino, embora todos os seus explicáveis de­
feitos, alindou o nosso empolgante sistema, mestre culto que foi o intérprete
piedoso e sincero da palavra eterna, são básicos e perduráveis —o reconheci­
mento enérgico e sistemático da soberania de Deus, sobre todas as coisas e
pessoas; a doutrina irrecorrível da predestinação divina; a infalibilidade da Pa­
lavra de Deus como padrão de vida e de doutrina, a responsabilidade da criatu­
ra; a unidade espiritual de todos os crentes, como povo sacerdotal cristão, livre
para organizar-se e viver na forma coletiva de Igreja militante, visível, mas par­
te integral da Igreja triunfante e remida, invisível, no passado, presente e futu­
ro - esses princípios fazem do presbiterianismo uma chave áurea da fé evangé­
lica e um padrão forçado dos melhores sistemas teológicos. Há dois fatos inte­
ressantes que se observam no clima presbiteriano. Um, o seu irredutível reco­
nhecimento da autonomia dos poderes civis, como instituições úteis e à parte,
quanto à autonomia da Igreja em sua posição distinta e livre. Outra, a sua
enérgica, cerrada e quase violenta atitude de intransigência contra as novidades
doutrinárias, racionalistas e modernistas. Se alguns desses males rondam às

238
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

vezes, sorrateira ou manhosamente, os arraiais presbiterianos, a verdade é que


no fim, estes se fecham às suas matreirices e se entrincheiram nas suas velhas,
provadas e fortes defesas das antigas doutrinas... E no Brasil, diga-se com fran­
queza, o sistema eclesiástico presbiteriano é o mais consentâneo com a própria
índole do nosso povo liberal, bondoso, tolerante, filho da paz e da arbitragem
amiga, com uma grande e imensa prática das experiências do governo federalista,
tipo clássico, das democracias representativas, pacíficas.57

Os batistas e o ecumenismo
A seguinte declaração, aprovada pela Convenção Batista Brasileira, em 1918, é
uma clara explicação da posição que lim ita e dificulta a participação batista no movi­
mento ecumênico.

(777) DOCUMENTO: P arecer a cerca da un ião cristã (excerto)


1. A relação do indivíduo para com Deus. Cremos que todos igualmente
têm o acolhimento de Deus; e que a responsabilidade e a liberdade são
inseparáveis... Portanto, é-nos impossível aceitar ou aprovar o Batismo de in­
fantes, porque lhes nega o privilégio da sua obediência pessoal a Cristo. Tam­
bém temos de recusar qualquer forma de religião que permita um sacerdócio
ou sacramento entre a alma e Deus. Da mesma maneira, desaprovamos todos
os sistemas eclesiásticos que usam autoridade sobre as consciências daqueles a
quem Cristo tem dado liberdade. Portanto, a nossa convicção sobre as orde­
nanças, os sacerdócios, e os sistemas eclesiásticos não é devida a considerações
de expediente ou de conveniência, mas à natureza espiritual do cristianismo,
como está revelado no Novo Testamento.
2. A natureza da mudança num indivíduo quando as relações com Deus
estão estabelecidas... É uma regeneração radical da natureza espiritual do ho­
mem, por causa da ação direta do Espírito Santo e sempre em conexão com a
aceitação consciente de Jesus Cristo como Senhor e Salvador. O arrependi­
mento e a fé andam sempre associados com ela. Não depende do uso de sacra­
mentos ou da mediação do clero... Sustentando que a regeneração especial pela
obra do Espírito de Deus é a essência do cristianismo, seria uma contradição se
os batistas aprovassem o Batismo infantil ou qualquer outra forma de obediên­
cia por procuração.
3. A ordenança inicial duma vida cristã. O motivo porque os batistas ensi­
nam que a imersão dum crente na água, em nome do Pai, do Filho e do Espí­
rito Santo, é o único Batismo verdadeiro, pode ser resumido assim: primeiro e
principalmente é o mandamento de Cristo e a prática dos apóstolos. Em se-

239
História Documental do Protestantismo no Brasil

gundo lugar, seu simbolismo é devido, em grande parte, à sua forma como
imersão. A morte, a sepultura e a ressurreição não podem ser representadas
pelo ato, se a forma for mudada... Em terceiro lugar, os maiores eruditos do
mundo concordam que a imersão foi a prática das igrejas do Novo Testamento.
(...)
Sustentando assim que o Batismo é um símbolo, defendemos as realidades
espirituais que são simbolizadas, de serem indentificadas com a forma, e ao
mesmo tempo asseguramos o símbolo contra a tendência humana de converter
cerimônias exteriores em causas espirituais. Observando estes ensinos das Es­
crituras, sobre a ordenança do Batismo, e crendo que o Batismo cristão é neces­
sário ao acesso à Santa Ceia, não podemos agir de outra maneira a não ser
seguir a ordem divina.
4. A Igreja é uma organização que preserva e dissemina os princípios espiri­
tuais que temos traçado. Sua política e ordenanças são expressões formais da
vida espiritual em Cristo. A igualdade dos crentes numa Igreja é o efeito neces­
sário da igualdade dos homens perante Deus.
Que cada igreja local é e deve ser independente e governada por si mesma, é
uma verdade inseparável da outra verdade que todo o mundo é diretamente
responsável a Deus. O sacerdócio de todos os crentes reclama o governo pró­
prio na vida da Igreja. A liberdade dos filhos de Deus é uma liberdade que
requer a democracia para sua expressão adequada.
...nossa ênfase é sobre a natureza espiritual do cristianismo e sobre as formas
exteriores somente quando dizem respeito a tal religião. (...) Nosso interesse
não está de maneira alguma com ordenanças por causa de seu próprio valor.
Achamos que o Novo Testamento prescreve duas ordenanças e, portanto, as
mantemos. Achamos no Novo Testamento uma forma de vida da Igreja adap­
tada à universalidade, à simplicidade e à espiritualidade da fé cristã. Nosso
maior desejo é anunciar aos homens esta religião universal e espiritual. Quan­
do nos é sugerido que abandonemos a nossa atitude para com as ordenanças e
a Constituição das igrejas, não podemos achar motivos suficientes para assim
fazer. Nossa submissão absoluta à soberania de Jesus Cristo obriga-nos a ficar
nesta atitude. A relação íntima entre as convicções bíblicas para com as cerimô­
nias e o dever de conservar a espiritualidade e a universalidade do Evangelho,
reforça o nosso sentimento de lealdade a Cristo. O serviço que podemos pres­
tar à civilização pela propagação destes ensinos, influi muito sobre nós. Que
estes ensinos são tanto práticos como consistentes é demonstrado pelo cresci­
mento maravilhoso do nosso povo e pela extensão dos nossos princípios.
5- A separação completa da Igreja e o Estado é claramente a única relação
própria entre as organizações eclesiásticas e as civis.

240
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

(...)
[Enquanto não chega] a realização da união cristã ideal, podemos praticar o
princípio de cooperação cristã.
A consideração e respeito mútuos são fundamentos em todo o trabalho co­
operativo. Cremos firmemente que pode ser encontrado através do labirinto
do cristianismo dividido um caminho que dará entrada à liberdade da união
cristã somente quando o povo de Cristo seguir o fio áureo do desejo ardente de
saber e de fazer a vontade divina. Entretanto, podemos ter a alegria rara de
cooperação em muitas formas de trabalho nas quais até os anjos desejariam
tomar parte.
E ficiência denom inacional
Em harmonia com tudo aqui exposto sobre o assunto da união cristã, cre­
mos que a maior eficiência dos batistas na propagação e na confirmação do
Evangelho pode ser alcançada.
1. Pela observância da lealdade absoluta a Cristo como o cabeça da Igreja,
num espírito de candura e cortesia crista para com todos os que professam ser
seus discípulos.
2. Pela preservação da autonomia completa, sem embaraço pelas alianças
com outras denominações de diferentes doutrinas, vida e ordem nas igrejas.
3. Pela devoção das nossas energias e dos nossos próprios recursos com uni­
dade —de coração para ajudar a multiplicar colégios denominacionais e outras
agências em nossa própria terra e no estrangeiro, sob a direção denominacional
e em harmonia completa com o espírito e a doutrina das igrejas que contribu­
em para nossas juntas.
4. Por uma concórdia completa de todas as nossas forças denominacionais,
igrejas, escolas dominicais, jornais, sociedades de senhoras e sociedades de ju­
venis, em alvo, espírito e prática como o programa de Cristo ensinado na gran­
de comissão, evitando assim a fraqueza do vago e da difusão da força
denominacional em caminhos que desviam das igrejas.
5. Pela maior ênfase sobre o dever de educar, de ensinar e de interessar todo
o nosso povo para que ele possa inteligente e alegremente participar de todo o
trabalho da denominação.
6. Tocando uma chamada persistente aos batistas para entrar de todo o cora­
ção em planos maiores pelo progresso e com modelos mais altos de consagra­
ção e de contribuição.
7. Buscando ativamente manter e promover a paz e a harmonia de denomi­
nação para que o gasto de fricção possa ser evitado e que se apresse a hora em
que todos nós teremos a unidade de espírito e de mente, pelejando juntamente
pela fé do Evangelho.
História Documental do Protestantismo no Brasil

Ainda que reconheçamos a necessidade e o grande valor da discussão livre


de todas as questões interdenominacionais, insistimos em que todas estas dis­
cussões sejam fraternais e nunca pessoais ou irritantes e de tal maneira que
conservem e não prejudiquem as agências denominacionais. Devemos cons­
tantemente procurar a paz e segui-la pela aplicação dos princípios da Escritura
à solução de todas as dificuldades interdenominacionais, fazendo isto no espí­
rito de amor, sempre dando a maior ênfase nas coisas principais.98

Atritos denominacionais
O que caracterizou o relacionamento entre as igrejas históricas foi um espírito de
cooperação ou, quando menos, de coalizão contra o catolicismo romano. Cada deno­
minação possuía certas características próprias que as outras criticavam, às vezes com
severidade. Linguagem mais dura era geralmente reservada para grupos pentecostais e
adventistas do sétimo dia, e para organizações consideradas não-cristãs, como as Tes­
temunhas de Jeová e os Mórmons.

( T is) DOCUMENTO: H idrolatria


Entre as diferentes denominações evangélicas, que militam no Brasil, ne­
nhuma existe que, por certas doutrinas fundamentais, mais se aproxime de
denominação presbiteriana do que a Igreja imersionista, comumente denomi­
nada Batista. O seu corpo de doutrinas tem quase as mesmas cores que o nosso:
as características de seu estandarte de fé fazem-no sobremodo parecido com o
estandarte calvinista. Encontram-se no seio desta Igreja verdadeiros cristãos,
almas abnegadas, e a toda prova dedicadas à causa do Salvador para a remissão
dos pecados... Para contrastar, porém, com esses leais servidores do Senhor,
cujas qualidades cristãs são dignas de imitação, levantam-se no seio de denomi­
nação imersionista corifeus do sectarismo, possuídos de cegueira, capazes dos
maiores absurdos, tornando antipático e odioso o movimento de uma denomi­
nação que, sem dúvida nenhuma, nasceu da boa fé e pura consciência de servos
de Jesus. Entre esses proselitistas cegos acentua-se, de dia-a-dia, uma tendência
perigosíssima para a vida do cristianismo: avoluma-se, de cada vez mais, a ten­
dência materializadora do Batismo, assumindo as proporções ameaçadoras de
um culto pagão: - a hidrolatria... Faz parte da índole da Igreja Cristã
Presbiteriana, não combater erros das outras denominações, e simplesmente
defender o seu corpo de doutrinas. Julgamos porém que a hidrolatria deve ser
combatida sem tréguas, porque constitui um perigosíssimo desvirtuamento das
doutrinas e do caráter do cristianismo."

242
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

CÍJJ> DOCUMENTO: Ú ltimas chuvas


Assim se denomina uma seita de princípios danosos, que para mal da famí­
lia evangélica paraense veio se estabelecer entre nós. Entre outros erros, os
pentecostais têm a vaidade de falar línguas estranhas, e tão estranhas que nin­
guém, nem mesmo os que falam compreendem; o orgulho de ser batizado com
o Espírito Santo e com fogo, e finalmente a hipocrisia da frase —glória a Jesus
—em toda parte e toda hora, o que oportunamente pretendemos refutar nestas
colunas... Como vendedores de Bíblias, os modernos anabatistas vão por toda a
parte escolhendo de preferência os lugares onde há trabalho de qualquer deno­
minação. Uma vez recebidos pelos crentes desprevenidos, escusam-se de dizer a
que denominação pertencem, e, com a sua hipócrita humildade e prudência de
serpentes eles vão inoculando o veneno das suas heréticas doutrinas, e daí o
esfacelamento das congregações e igrejas. Eles, como os jesuítas, sustentam a
máxima: os fin s justificam os meios. Para o progresso da seita é lícito mentir,
enganar etc... As igrejas e congregações sem pastores devem se prevenir contra
estes lobos que se vestem de ovelhas, cujo fim é a destruição do rebanho. Os
seus princípios e práticas são antagônicos ao verdadeiro espírito evangélico,
como em subseqüentes artigos obrigar-me-ei a provar.1011

O b s tá c u lo s ao e c u m en ism o
O tradicionalismo teológico
A teoria da evolução orgânica de Charles Darwin (1809-1882), a alta crítica bíbli­
ca e o “Evangelho Social” foram os elementos principais na fermentação teológica que
resultou na polarização entre “fundamentalistas” e “modernistas”, cuja controvérsia se
fez sentir fortemente nos Estados Unidos durante e depois da Primeira Guerra M un­
dial.101 Apesar do clima teológico conservador brasileiro, a controvérsia foi introduzida
aq u i tam b ém . 102 Sem desejar propriam ente o fundam entalism o, o Sem inário
Presbiteriano de Campinas assumiu o papel de conservador da ortodoxia presbiteriana
brasileira e baluarte das “velhas doutrinas da Palavra de Deus”. Qualquer inovação
teológica, portanto, era vista com suspeitas, bem como qualquer organização ou mo­
vimento acusado de “modernismo”, o que incluía o ecumenismo. Esta convicção por
parte dos presbiterianos fez com que relutassem em particular no seminário unido,
criado após o Congresso do Panamá.103

243
História Documenta! do Protestantismo no Brasii

120) DOCUMENTO: Um p resb iteria n ism o f o r t e d ep en d e d e f o r t e sem in á rio


p resb iteria n o
O seminário presbiteriano é hoje mais necessário do que nunca. O mundo
geme sob o tufão dissolvente da incredulidade. O pior inimigo porém não é o
ateísmo confesso e desmascarado. É o racionalismo disfarçado e sorrateiro que
nasce às vezes e se aceita dentro da mesma Igreja. Nisso, reside a fraqueza que
hoje é moda proclamar, se ela existe, do protestantismo. Não está ela nas divi­
sões denominacionais, que também hoje é moda exagerar, tão combatidas pe­
los adoradores da união orgânica, embora a história eclesiástica, e em particular
a Igreja Romana, aí estejam a nos ensinar que não é essa união que mais deve­
mos almejar, e as Escrituras confirmam o ensino de que a união tão desejável,
pedida por Cristo, não depende de união orgânica. A Igreja mística de que S.
Paulo fala aos Efésios não consiste em organizações terrenas nem coincide em
seus limites com nenhuma das que existem sobre a terra. As denominações
ainda têm o seu lugar, o seu papel a desempenhar. Não é por certo, por acaso,
que no seio do presbiterianismo têm tido sua origem grandes movimentos re­
acionários de fidelidade à Bíblia e à cruz redentora desse Cristo... as ondas do
racionalismo estrondarão cedo sobre nossas praias, atirando-nos em sua
salsugem, depois à sua escuma, e mais tarde às águas corrosivas e destrutivas de
suas negações. Um presbiterianismo forte e coeso oferecerá resistência inabalá­
vel, será uma das muralhas mais eficazes erguidas ao ímpeto dessas águas.104

ÇjTT) DOCUMENTO: Atos e pa la vras


...Casa de fé, tem sido também o lar dos filhos da Igreja, dedicada ao minis­
tério. Em cinqüenta anos, cheios de peripécias, ora de bons e alegres dias, ora
de aflições, o seminário nunca recuou de sua posição forte. Os ventos de
racionalismo e do modernismo orgulhosos têm decapitado, lá fora, nos países
mais velhos do que nós, as raízes de muitas convicções. Pois é bom que se saiba
que no nosso seminário essas vaidades não conseguiram guarida. Conhecendo-
as, e fazendo-as mesmo objeto de estudo, as nossas cátedras no seminário sou­
beram manter perpendicular a ortodoxia presbiteriana, fortalecendo nos novos
pastores, de lá saídos, cada vez mais, as velhas doutrinas da Palavra de Deus,
que é una e clara.105

Fundamentalistas e modernistas
N a d écad a de 4 0 , os fu n d am en talistas m oderados já se co n sid erav am
“ev a n gelica ls”.m Carl M clntire, líder da ala fundamentalista radical, criou o Conselho
Americano de Igrejas (1941) para combater o Conselho Federal de Igrejas de Cristo

2 44
Crescimento e Amadurecimento ( i 889-1964)

na América (desde 1950, Conselho Nacional de Igrejas); contra o Conselho M undial


de Igrejas (1948), organizou seu Conselho Internacional de Igrejas Cristãs. Vindo ao
Brasil em 1949, M clntire atacou severamente o Conselho M undial de Igrejas. Embora
Samuel Rizzo tivesse assistido à Assembléia do Conselho M undial em Amsterdã
(1948)107 como representante da Igreja Presbitetiana do Brasil, em maio de 1949, o
Supremo Concilio negou qualquer filiação ao Conselho M undial. Pela postura con­
servadora da Igreja, e para evitar cisma (pois Israel Gueiros, do Recife, procurava levar
a Igreja P resb iteriana a filiar-se ao C onselho In tern acio n al), ela optou pela
“eqüidistância” entre o CM I e o CIIC.

Q 22) DOCUMENTO: Nós e o C oncilio [sic] M und ial d e Igrejas


...por enquanto, o que podemos afirmar é que a Igreja Cristã Presbiteriana
do Brasil não está regularmente filiada ao Concilio Mundial de Igrejas. A visita
do Rev. Dr. Carl Mclntire do Concilio Internacional de Igrejas inflamara os
ânimos de alguns dos nossos companheiros de ministério, sendo dentre eles o
mais contaminado o Rev. Dr. Israel Gueiros. A este prezado colega encontrei
muito exaltado, dando por consumada a nossa filiação ao Concilio Mundial de
Igrejas, que, para o Rev. Mclntire e para o Dr. Gueiros, seriam um foco de
modernismo teológico a ser transplantado para o Brasil. Tratei o assunto cordi­
almente com o Dr. Israel Gueiros, num espírito de paz e fraternidade, chegan­
do a esta conclusão, que o bom senso e o amor à nossa Igreja conselham: Nós,
da Igreja Cristã Presbiteriana do Brasil, não queremos as idéias modernistas do
Concilio Mundial de Igrejas, se é que ele as tem, nem também queremos trans­
plantar para o seio de nossa Igreja no Brasil as divergências que o Rev. Dr. Carl
Mclntire alimenta, com ou sem razão, para com o referido Concilio Mundial,
ou os seus próceres, e para com a Igreja Presbiteriana dos Estadas Unidos, o
B oard de Nova York e o Concilio [sic] Federal de Igrejas. O bom senso nos diz
que nos devemos manter eqüidistantes desses movimentos antagônicos e que
se processem fora dos nossos limites eclesiásticos. Graças a Deus, os resultados
dos meus entendimentos pessoais parecem satisfatórios.108

A A lia n ç a Evangélica
O revigoramento do catolicismo no século XIX (cujos sinais incluem a restauração
da Com panhia de Jesus em 1814, a reação romântica à aridez do racionalismo e os
excessos da Revolução Francesa, e o crescente ultramontanismo, que depois se expres­
saria na proclamação do dogma da Imaculada Conceição, o Sílabo de Erros e a Infali­
bilidade Papal) estimulou a criação de uma “frente unida” evangélica. A reunião cons­
245
w

História Documental do Protestantismo no Brasil

tituinte da Aliança Evangélica em Londres (1846) foi convocada para “...concentrar a


força do protestantismo iluminado contra as incursões do papismo e puseísmo,109 e
promover os interesses do cristianismo escriturístico”. Ao mesmo tempo, a Aliança
representou um esforço para descobrir um denominador comum doutrinário, na base
do qual cristãos evangélicos (e não as denominações às quais pertenciam) poderiam
juntos promover seus interesses.110 A Aliança surgiu nos Estados Unidos em 1867, e a
grande maioria dos missionários americanos que vieram trabalhar no Brasil já com­
partilhava do seu espírito. No Brasil, a reunião constituinte da Aliança teve lugar em
São Paulo, nos dias 25 a 28 de julho de 1903, dias antes da Conferência Anual Metodista
e do Sínodo Presbiteriano (ironicamente, o mesmo em que ocorreu o cisma). Foram
eleitos Hugh Clarence Tucker, missionário metodista, presidente, e F. P. Soren, batis­
ta, secretário. A Aliança Evangélica M undial foi organizada em 1923.

DOCUMENTO: P rojeto d e um a A liança E vangélica B rasileira, ad ota do p e lo


congresso eva n gélico
Artigo I. A Aliança Evangélica Brasileira é um ramo da Aliança Evangélica
universal e tem por fim realizar no Brasil os intuitos espirituais desta. Ela é,
pois, uma organização que mira realizar de modo visível a união substancial
das igrejas evangélicas no Brasil, e a comunhão dos santos na vida e marcha
triunfante da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a terra. União dos
corações e dos esforços de todos os crentes evangélicos no Brasil, sem qualquer
intervenção na economia ou liberdade de ação das diversas denominações evan­
gélicas é o seu fim.
Artigo II. São membros da Aliança Evangélica Brasileira todos os cristãos no
Brasil em plena comunhão com qualquer Igreja Evangélica que, desejando
cooperar nos intuitos da Aliança, subscreverem os seguintes artigos de fé:
1. a inspiração, autoridade e suficiência das Santas Escrituras;
2. o direito e o dever do juízo privado na interpretação das Santas Escrituras;
3. a unidade de Deus e a trindade de pessoas na Divindade;
4. a total depravação da natureza humana em conseqüência da queda;
5. a encarnação do Filho de Deus, sua obra expiatória pelos pecadores, sua
intercessão mediadora e seu Reino;
6. a justificação dos pecadores pela fé somente;
7. a obra do Espírito Santo na conversão e santificação do pecador;
8. a imortalidade da alma, a ressurreição do corpo, o julgamento do mundo
por Nosso Senhor Jesus Cristo, com a bem-aventurança eterna dos justos e a
punição eterna dos maus;

246
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

9. a divina instituição do ministério cristão, a obrigação e perpetuidade das


ordenanças do Batismo e da Santa Ceia;
10. a vigência do decálogo na totalidade de seus artigos.
§ Único. Este sumário não deve ser considerado de modo nenhum como
um credo formal ou eclesiástico, nem implica ele que só estes pontos doutrinais
são importantes e que os outros são sem importância.
Congressos
Artigo III. A Aliança Evangélica Brasileira celebrará congressos gerais e
reginais (...)
Artigo VI. Estes congressos evangélicos são coordenados e suas atribuições
não se estendem à esfera eclesiástica, mas permanecem na esfera moral e espiri­
tual, bem como de livre cooperação em trabalhos comuns.
Artigo VII. Das discussões desses congressos são excluídos os pontos contro­
vertidos entre as diversas denominações evangélicas.
Artigo VIII. Estes congressos terão duas esferas distintas de ação —a esfera
moral de testemunho e a esfera prática da cooperação em trabalhos evangéli­
cos. Na esfera moral, estudarão eles todos os problemas que interessem à vida e
ao bem-estar da sociedade civil e da religiosa, bem como farão pesar sua opi­
nião contra todos os males públicos na doutrina e nos costumes. Na esfera
prática da cooperação, procurarão unir esforços em trabalhos evangélicos co­
muns, bem como delimitar os campos de trabalhos das diversas denominações,
sempre que for possível.
Artigo IX. Além do que fica em geral determinado no artigo anterior com­
pete especificadamente a esses congressos:
1 . discutir tópicos do dia e teses bíblicas para instrução e orientação do povo
de Deus;
2. indagar dos melhores métodos para evangelizar o Brasil;
3. promover cordialidade fraternal nas relações interdenominacionais, bem
como servir de árbitro, a pedido das partes, nas questões suscitadas no seio do
protestantismo evangélico nacional;
4. representar as autoridades públicas superiores contra todas as persegui­
ções religiosas, contra a violação da liberdade de consciência, das leis civis e
morais, bem como a violação do descanso dominical;
5. promover uma literatura cristã e publicações apologéticas e de propagan­
da;
6. promover oportunamente fundação de uma sociedade bíblica e de trata­
dos evangélicos;
7. criar, quando for possível, orfanatos evangélicos, missões entre os selva­
gens, e, em geral, unir esforços em todas as empresas de interesse comum, sem

247
História Documental do Protestantismo no Brasil

prejuízo da atividade particular;


8. convidar o povo de Deus à oração e louvor, exortá-lo à obediência e à
piedade, dar fiel testemunho, no seio da Igreja Evangélica, contra todo o erro
de doutrina e de prática, e estudar os sinais dos tempos;
9. nomear delegados às reuniões da Aliança Evangélica Universal.111

O C o n g r e s s o d o Panamá e a C o n fe rê n c ia d o Rio ( 1 9 1 6 )
A Conferência M issionária M undial de Edimburgo (1910) marcou o início for­
mal do movimento ecumênico. Mas, pela limitação de participação a missões em
“terras pagãs”, a América Latina ficou excluída, exceto no caso de missões a índios
não-cristãos. No entanto, durante a própria conferência, Robert E. Speer, executivo
da Junta Presbiteriana de missões, informado da exclusão, reuniu diversas pessoas que
trabalhavam no Brasil, e o grupo decidiu que uma reunião nos moldes de Edimburgo
devia ser realizada na América Latina.112 Já em março de 1913, foi convocada a “Con­
ferência sobre Missões na América Latina”, uma breve reunião de duração de apenas
dois dias, em Nova York. Esta Conferência nomeou o Com itê de Cooperação na
América Latina (CCLA), o qual, por sua vez, planejou e fez realizar o célebre Congres­
so do Panamá, em 1916. O Congresso teve um a estrutura idêntica à Conferência de
Edimburgo, mas lim itou o seu escopo à América Latina; participaram principalmente
latinos e missionários trabalhando no Continente, embora fosse presidido pelos nor­
te-americanos Robert E. Speer e John R. M ott, sendo o inglês o idiom a oficial do
conclave. Como comentou um presbiteriano anônimo no ano anterior ao congresso,
esta seria “a oportunidade dos brasileiros”.113
Imediatamente após o Congresso do Panamá, realizou-se uma série de Conferênci­
as Regionais nas grandes cidades da América Latina. A do Rio de Janeiro deu-se nos
dias 14 a 18 de abril de 1916, na Igreja Presbiteriana, cujo pastor era o rev. Álvaro
Reis. Os documentos seguintes consistem de excertos das atas das respectivas reuni­
ões, que pareciam prometer muito para o desenvolvimento de estreita cooperação
entre as missões das igrejas históricas.

DOCUMENTO: C ooperação fu tu r a no B rasil


Para o Brasil foram feitas as seguintes sugestões:
1) Comissão de Cooperação —Os deveres desta comissão deverão ser defini­
dos nos regulamentos adotados pelas denominações funcionando dentro do

2 48
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

país. Em geral, os dcvercs da comissão devem estar relacionados com a supervi­


são de assuntos ecumênicos; o permanente estudo das condições e necessidades
existentes e a recomendação de tempos em tempos a uma organização legislativa
de política e proceder definidos; a convocação e preparação de congressos peri­
ódicos, representativos de todas as agências em atividade na região, sendo o
objetivo de tais congressos a consideração de métodos e políticas, legislação
dentro de limites definidos, e a eleição de todos os oficiais da união.
2) Trabalho educativo —A administração de um seminário teológico e de
uma ou mais escolas de treinamento [de obreiros], de um sistema de educação
secular abrangendo os graus primário, intermediário e secundário, bem como
o superior, e uma adequada imprensa e depósito de livros para fornecer litera­
tura para as escolas dominicais do distrito, outra literatura técnica, e uma revis­
ta cristã. Sob o controle dessa administração deve haver uma capelania não-
sectária em cada grande centro estudantil, hospitais e assistência social.
3) A divisão do território —Divisão entre as agências agora existentes e outras
que venham a cooperar, tendo em vista a possibilidade de se abranger todo o
distrito sem interferências indébitas. Este trabalho seria ainda mais eficaz se
pudéssemos encontrar um nome não-denominacinal para todas as igrejas como,
por exemplo, Igreja Cristã Brasileira.
4) O p la n o d e Lavras, da Missão “Leste do Brasil” - Como exemplo da ten­
dência à união na obra educacional mereceu consideração o plano a seguir,
sugerido pelo Dr. Gammon, diretor do Instituto Evangélico de Lavras, e ado­
tado pela Missão Brasil Leste, da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Uni­
dos.
“Considerando que os princípios da união e federação estão sendo
exemplificados em muitos setores de atividade cristã, tanto na vida das igrejas
na pátria e no trabalho institucional nos campos missionários; e considerando
que a manutenção de diversas escolas de grau superior exige maior gasto de
dinheiro e esforço, que poderiam ser usados eficientemente em aperfeiçoar o
trabalho de um número menor de instituições;
a Missão Brasil Leste, tendo sob seus cuidados o Instituto Evangélico, situ­
ado em Lavras, no Estado de Minas, deseja respeitosamente consultar suas
missões irmãs interessadas em trabalhos semelhantes, solicitando consideração
cuidadosa das seguintes perguntas e uma franca expressão de opinião nas res­
postas a elas:
1) Não seria viável e desejável tomar passos visando um curso de estudo
uniforme, ou de cursos que garantissem um grau uniforme de bagagem inte­
lectual, a serem adotados pelas escolas sob nossos cuidados, e prevendo entre
elas alguma forma de federação que evitasse os pesados gastos em homens e

2 49
História Documental do Protestantismo no Brasil

dinheiro necessários à manutenção do atual número de educandários, procu­


rando manter cursos de nível superior?
2) Não seria possível agora, sob um tal plano, para alguns dos educandários
ora mantendo cursos de estudo mais pleno, suprimirem aquela parte corres­
pondente aproximadamente aos últimos anos do velho curso “ginásio nacio­
nal”, encaminhando seus estudantes que desejam estudar mais nas escolas pre­
paratórias a uma ou outra instituição mais favoravelmente situada para manter
classes avançadas de estudo?
3) Não seria possível aplicar esse mesmo princípio aos cursos profissionais já
organizados ou em processo de organização, em duas ou três das escolas? O
Granbery agora oferece cursos de odontologia, farmácia e direito; o Mackenzie
oferece um curso de engenharia civil; Lavras mantém uma escola de agrono­
mia. Não poderiam estes centros, ou outros, ser usados para o desenvolvimen­
to de dois cursos adicionais —um de medicina e um de pedagogia?
4) Não séria possível, em harmonia com esta idéia de federação, organizar
nossas escolas em uma universidade protestante, sob uma grande junta de
curadores, composta de representantes de todos os corpos protestantes traba­
lhando no Brasil, tendo um curso de estudo uniforme, ou padrão de preparo
como indicado acima, com exames uniformes preparados e corrigidos por uma
comissão central de homens capazes, assegurando assim um padrão uniforme
de erudição em todas as escolas federadas?
5) Não se poderia fazer o sistema suficientemente flexível para admitir ou­
tras escolas aos mesmos privilégios e fiscalização, e permitir que todas as escolas
aumentem seus cursos e alarguem seus objetivos, assim tornando o sistema
capaz de ilimitada cooperação?114

A Conferência do Rio, 14 a 18 de abril de 1916


O documento, de quase quarenta páginas, é aqui resumido em citações, ligeiros
comentários e explicações. Para simplificar, o autor optou pelo uso de itálico para a
citação, seguida do número da página onde a citação ocorre no original; oradores e
suas respectivas denominações são também identificados.115

(T is) DOCUMENTO
Levantamento e ocupação. S. S. Ginsburg (B) enfatizou a necessidade de se
ocupar o país inteiro. Pediu três casais de missionários para cada um dos 1.218
lugares com correio, conforme a estatística governamental, ou seja 7.308 obreiros
(em contraste com os aproximadamente cem casais já trabalhando no país). O

250
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

plano, talvez por parecer ambicioso demais, não foi comentado pela comissão
(226-227). H. C. Tucker (M) enfatizou diferentes tipos de trabalho para alcan­
çar as diferentes classes da população (227). Layona Glenn (M) lembrou a
necessidade de as igrejas nacionais, e não as missões, organizarem suas escolas,
enquanto J. L. Kennedy (M) entendeu que para alcançar as classes educadas e
governantes era necessário uma universidade, o que exige o esforço unido d e todos
(228). Várias classes da população foram lembradas: os alemães e teuto-brasi-
leiros, por Alvaro Reis (P, 228), os 2 milhões de índios, por S. R. Gammon (P,
227) e os estudantes, por James P. Smith (P, 228).
Sustento próprio e autonom ia. E. C. Pereira (PI) entendeu que a base da
autonomia era o sustento próprio, enfatizando especialmente o sustento do
ministério. Ele submeteu o plan o escocês de um fu n d o com um , ou fu n d o nacio­
nal, para o sustento dos evangelistas que servem congregações fracas que não podem
sustentar seus pastores ... Desde 1887, a Igreja Presbiteriana do Brasil, e especial­
m ente agora a Igreja Presbiteriana Independente, tem posto em p rática o plano,
com notável sucesso. Pereira cria que o sustento das igrejas nativas p o r missões
estrangeiras era um a anomalia, não bíblica e passageira (232). J. L. Kennedy
comentou que o trabalho secular dos pastores encoraja a Igreja a negligenciar
um dos seus deveres fundam entais, a saber, o sustento pastoral (234).
Educação. Rev. José Ferraz (P) acreditava ser um erro dar grande atenção às
escolas secundárias. As necessidades mais urgentes são para escolas paroquiais p r i­
márias e escolas norm ais para a preparação de professores (240). Layona Glenn
apoiou escolas paroquiais, não mistas, afirmando também que a Junta Femini­
na Metodista tinha interesse em tais escolas (240).
Seminário unido. Dwight Goddard, da “Junta Americana” (a Junta de Mis--
sões da Igreja Congregacional), defendeu entusiasticamente a causa de um se­
minário unido, julgando que nenhuma denominação tinha a capacidade de
manter sozinha um bom seminário e ainda entendendo que contato entre os
alunos das diversas igrejas criaria amor e harmonia entre estas. Seria um fo rte
fa to r na criação de um a Igreja nacional unida (241). Álvaro Reis disse: Há uma
boa perspectiva de adoção de um plan o d e cooperação ou união entre o sem inário
presbiteriano em Campinas e o sem inário da Igreja Presbiteriana Independente em
São Paulo (241).'16
Relatório sobre cooperação e unidade
S. R. Gammon (P) apresentou relatório pormenorizado, historiando mui­
tos exemplos de esforço de cooperação e unidade, apelando para a adoção de
um plano de união ou federação. Em 1889, os presbiterianos do Norte se reti­
raram do Rio Grande do Sul, dando lugar aos episcopais e metodistas. Depois
os metodistas do Norte entregaram o seu trabalho no Rio Grande do Sul à

251
História Documental do Protestantismo no Brasil

IMES (242). Em 1892, fez-se um acordo entre presbiterianos da Missão Brasil


Leste e metodistas; aqueles trabalhariam ao longo da Estrada de Ferro Oeste de
M inas, enquanto que estes acom panhariam a C entral do Brasil.
Semelhantemente, a Missão Presbiteriana do Brasil Central ao iniciar sua ex­
pansão pela Bahia e estados vizinhos, procurou entendimentos com batistas,
metodistas e presbiterianos do Sul (243).
Em 1897, o Sínodo Presbiteriano nom eou uma comissão d e relações fraternas
com outros grupos e convidou comissões de outros grupos para se unirem no estabe­
lecim ento das bases para uma aliança entre as igrejas evangélicas com base no p la ­
no d e “cortesia missionária” 1,7 do M éxico (243). Os metodistas e presbiterianos
adotaram um modus vivendi, pelo qual concordaram em não duplicar traba­
lhos nas cidades com menos de 25 mil habitantes e estabeleceram um mecanis­
mo para implementar o acordo (244).
Gammon considerou a Aliança Evangélica (1903, doc. 123) um a outra m a­
nifestação da solidariedade das igrejas evangélicas no Brasil, todas as quais aderi­
ram à Aliança com grande prontidão (244).
O mais radical desses movim entos visando a cooperação f o i a resolução adotada
unanim ente p elo Sínodo Presbiteriano de 1906; nom eando uma comissão para
analisar com um a comissão sem elhante da conferência metodista, caso fosse nom e­
ada, a possibilidade e a vantagem da união orgânica entre os dois corpos, —seguin­
do, mais ou menos, as linhas do m ovim ento no Canadá.118 Embora, nada de d efi­
nido resultasse da decisão, o fa to da nom eação de tal comissão é evidência d e uma
fo r te tendência para cooperação e união (245).
Vários esquemas de cooperação no setor de publicações foram tentados. A
Aliança planejou, em 1903, periódicos e lições comuns para a escola domini­
cal, a unificação de imprensas e estoques d e livros no Rio d e Janeiro para fo rm a r
uma única com petente empresa ao invés d e várias pequenas e fracas imprensas.
Estas recom endações (...) foram adotadas p elo Sínodo Presbiteriano e p ela con fe­
rência m etodista (245), mas não executadas. Em 1911, a União d e Obreiros
Cristãos do Rio de Janeiro fez uma tentativa semelhante, também fracassada
(246).
No que tange à cooperação na obra educacional, f o i declarado que em 1912,
diversos missionários e outros engajados na obra educacional se reuniram em Juiz
de Fora para estudar planos para a organização e padronização d e cursos de estudo
e providên cia de uma adequada literatura educacional (246). A falta de lugar
adequado frustrou o desejo de reuniões anuais desse tipo. Mais ambicioso foi o
plano adotado pela Missão Brasil Leste (já detalhada no doc. 124).
A comissão recomendou a união orgânica das várias igrejas evangélicas no
Brasil em um a Igreja E vangélica no Brasil e, mesmo que inviável a curto prazo,

2 52
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

tal deveria ser o ideal que devem os ter em m ente e p elo qual devem os constante­
m en te nos esforçar e orar (247). Invocando os exemplos de movimentos
ecumênicos nos Estados Unidos e Canadá, e nos “campos missionários” orien­
tais como Japão, China e índia, a comissão lamentou divisões importadas: Trans­
p lan tar a estas terras missionárias as múltiplas divisões que nasceram entre outros
povos, p a rece quase um crim e contra a unidade da Igreja d e Cristo e a oração
intercessória do Senhor (248). Admitido que o elem ento nativo, que éperm anente,
votasse p ela união, o elem ento missionário, que ê tem porário (...) não deveria ousar
obstruir ou estorvar (249). Significativamente, porém, a comissão não propôs
um plano de união, alegando que as bases desta união devem ser cuidadosam en­
te elaboradas p o r representantes das diversas igrejas em seguidas conferências (249).
Foi proposto um plano genérico de federação, nas seguintes bases:
1) Todas as igrejas devem adotar um único nome, Igreja Evangélica no Brasil,
com o nome denominacional como subtítulo, se assim desejado (249).
2) Um conselho superior representando as várias denom inações federadas ...
com os seguintes deveres e poderes: a) decidir, com autoridade fin a l, todas as ques­
tões denom inacionais; b) delim itar a área de ação das denom inações federadas em
território não ocupado... procurar evitar a duplicação de esforços nas cidades
com menos de 25 mil habitantes e não abrir novos locais de culto a menos de
um quilômetro dos locais já existentes; c) procurar unir pequenas congrega­
ções das denominações federadas, nos lugares onde há duplicação de trabalho;
d) insistir na transferência, p o r carta, d e m embros d e um a denom inação que se
m udem para um território ocupado exclusivamente p o r outra denom inação; insis­
tir em rigoroso respeito mútuo p ela disciplina das igrejas federadas; e) p la n eja r e
organizar congressos religiosos com o propósito d e fo rta lecer a vida espiritual e os
vínculos d e união e cooperação entre os m embros das igrejas federadas. (Todo o
número 2, nas páginas 249-250).
Da discussão gera l do relatório, dois comentários merecem especial atenção.
O Rev. J. W. Tarboux (M) declarou-se a fa v o r d e um a única Igreja Cristã Evangé­
lica no Brasil, com o o ideal p elo qual todos nós devem os trabalhar e orar. Enquanto
se aguarda e se apressa a vinda do ideal, todos devem se esforçar p ela cooperação de
todos os modos possíveis (253)... O Rev. Eduardo C. Pereira expressou dúvida de
que chegou o tempo para a união orgânica, mas todos devem esforçar-se em p r o l da
unidade e solidariedade do cristianismo evangélico. A unidade verdadeira é unida­
d e de espírito epropósito em m eio à diversidade (254).119

2 53
História Documental do Protestantismo no Brasil

A C o m is s ã o Brasileira de C o o p e r a ç ã o
Fruto do Congresso do Panamá, a Comissão Brasileira de Cooperação iniciou suas
atividades em 1920. Inicialmente, funcionou no escritório do presidente, H. C. Tucker,
secretário da Sociedade Bíblica Americana, sob o mesmo teto da União das Escolas
Dominicais e da Junta Nacional das Associações Cristãs de Moços (ACM ). Sob a
liderança de Erasmo Braga, desde o início até a morte deste, em 11 de maio de 1932,
a Comissão veio a abranger dezenove entidades entre igrejas, missões e organizações
evangélicas cooperativas. Erasmo claramente desejava que a comissão se tornasse um
conselho nacional de igrejas, tomando como modelo o Conselho Federal de Igrejas de
Cristo na América. A comissão não substituiu, porém, a Aliança Evangélica que con­
tinuou a existir, embora desempenhando pouco serviço. Erasmo Braga era o secretá-
rio-executivo de ambas.120

(T26) DOCUMENTO: Comissão B rasileira d e C ooperação: relatório d e 1927-1928


O rganizada com quatro ( 4) delegados das cinco denom inações
cooperantes121 e um (1) de cada sociedade ou board com obra geral no país,
tem atualmente 29 membros, sendo um cooptado —a Associação Cristã Femi­
nina, que só tem sua organização continental em Buenos Aires. Os obreiros
cristãos presentes às reuniões são considerados membros consultores. A
subcomissão executiva, constante dos oficiais eleitos pelo plenário e quatro (4)
vogais, tem a gerência permanente dos negócios, durante o ano. Alguns depar­
tamentos, que têm chegado a possuir economia própria, constituem-se em en­
tidade autônoma, porém, intimamente relacionada com o nosso movimento.
Consideramo-los subcomissões para a execução de seus respectivos programas.
Exemplo: A União das Escolas Dominicais do Brasil, nosso Departamento de
Educação Religiosa, a Federação das Escolas Evangélicas, e a Associação
Umuarama.
Esperamos em breve que as missões aos indígenas e o departamento de pu­
blicidade cheguem a constituir-se também com economia própria.
■ (-)
No Brasil, nosso movimento é mais nacional que missionário...
(...)
Relações Internacionais... Um diplomata francês visita-nos em missão das
igrejas protestantes da França e pede que os crentes brasileiros participem da
reconstrução da casa de Calvino em Noyon. A nova Federação das Igrejas Evan­
gélicas da Tchecoslováquia está em contato com nossa organização. O movi­
mento Pró de Paz [sic] por meio das igrejas pede que nossa comissão se encar-

2 54
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

regue da propaganda pacifista na América do Sul. Uma visita oportuna em


Nova York produz um donativo de 10 mil dólares para a Escola Nipo-Brasileira
de São Paulo. É a nossa comissão que tornou possível no Japão intervir junto às
autoridades em beneficio da liberdade de consciência dos que emigram de lá
para o Brasil, e que estabeleceu uma agência de informação e estudos do pro­
blema colonial na África portuguesa...
Vários serviços... Interessamo-nos pela organização de uma Igreja luso-brasi-
leira, em Nova York, aproveitando os serviços ali do rev. Samuel S. Rizzo (...)
Educação religiosa. Está ainda na memória de todos a repercussão que teve a
Missão Barclay à América do Sul, a fim de estudar in loco o problema da refor­
ma do currículo de educação religiosa. A execução do vasto programa elabora­
do em Buenos Aires à vista dos dados colhidos pelo Dr. Wade C. Barclay no
Brasil, no Rio da Prata e no Chile, estão a cargo do Conselho Nacional de
Educação Religiosa, sob a direção do Rev. H. S. Harris, secretário da União das
Escolas Dominicais do Brasil. Foi esse o início de um novo movimento mundi­
al que já influiu fortemente nos trabalhos do Conselho Internacional de Mis­
sões em Jerusalém. O programa esboçado só pode ser levado à execução por
processo cooperativo em toda a América Latina, e depende de cooperação local
também indispensável.
Missão aos índios. Temos acumulado em nosso arquivo grande soma de do­
cumentos referentes aos índios, obras de assistência e catequese. Nossa corres­
pondência com as missões no Amazonas, no Araguaia e em Mato Grosso se
não é volumosa, é contudo interessante. Temos concorrido para aproximar os
elementos interessados na evangelização dos índios. O Sr. Kenneth Grubb, da
Heart of Amazônia Mission, fez de nossa sede seu centro de ação, quando veio
ao sul do Brasil. A nossa subcomissão de missões aos índios elaborou um proje­
to de estatutos de uma associação de evangelização dos índios, em vias de for­
mação, e na qual estão interessadas a West Brazil Mission da Igreja Presbiteriana...
/ * ^ 9 1*7*7
e varias outras corporaçoes, e com um vasto programa cooperativo.
Evangelização... a recente viagem do Dr. E. Stanley Jones à América do Sul,
(...) constituiu (...) um desenvolvimento do programa delineado pelo Congres­
so de Montevidéu em 1925 para intensificar nas nossas igrejas o espírito
evangelizador. Cumpre aproveitar os resultados... para mais eficazmente orga­
nizarmos uma campanha de evangelização nacional, em correspondência com
a comissão continental que tem sua sede em Buenos Aires.
M ovim entos sociais... Podemos com especialidade referir-nos aos trabalhos
da Associação Brasileira de Educação, da Liga de Higiene Mental, da União
Pró-Temperança, sob a direção de Miss Strout da Womens Christian
Temperance Union. Intensifica-se o movimento feminista. As correntes

255
História Documental do Protestantismo no Brasil

imigratórias avultam, sobretudo as do extremo oriente. A situação econômica


do país avoluma o problema das classes laboriosas. Há um despertamento de
forças sociais que buscam expandir-se em benefício do país...
Educação teológica... A remessa de uma quantia que já resulta do educational
advance, movimento nos E. Unidos em favor de obras educativas na América
do Sul, habilita a faculdade de teologia do Rio de Janeiro a dar passos a fim de
adquirir uma propriedade para sua sede. Essa escola promove meios de desdo­
brar seus cursos de modo a preparar não só os ministros, mas também diretores
de educação religiosa e de obras sociais. Seu curso teológico está em processo
de reforma para coordenar-se com um currículo mais amplo de preparatórios
do tipo adotado pelo curso “José Manoel da Conceição”, estabelecido em
Barueri, S. Paulo, pela cooperação inicial dos boards de missões presbiterianas
de Nova York e pelo B oard de Trustees do Mackenzie College.
JJmuarama. Eis o nome do futuro retiro, centro de recreio e de cultura espi­
ritual, formosa criação do espírito cooperativo no sul do Brasil —a cidadezinha
das montanhas dos Campos do Jordão, no Estado de São Paulo.
Está organizada a sociedade que recebeu a doação das terras para o fim indi­
cado e adquiriu mais terras anexas. Essa sociedade será o nosso departamento
para levar a cabo o programa de curso de verão, conferências, retiros espirituais
em local apropriado.
De sociedade com a Federação das Escolas Evangélicas estamos inscritos na
Sociedade Umuarama, como foreiros de um lote grande para cuja aquisição o
Sr. B. H. Hunnicutt angariou nos Estados Unidos um donativo especial...
Federação das Escolas Evangélicas... não se cogita ao presente da coordenação
de cursos superiores, havendo deixado de funcionar, em virtude das alterações
na legislação sobre escolas, alguns dos estabelecimentos missionários desse grau.
Na fase nova, a Federação defronta grandes problemas, a saber: 1) a criação de
normas de educação secundária capazes de contribuir para a solução do proble­
ma nacional de educação secundária; 2) a integração do programa de educação
religiosa nas escolas diárias evangélicas; 3) o preparo de candidatos para as obras
cristãs - ministério, educação religiosa, obras de assistência social.
Publicidade... nosso programa específico: 1) a produção de livros do tipo
(...) que dificilmente seriam produzidos por iniciativa privada, ou apenas com
os recursos de uma só denominação (...) 2) a distribuição de literatura, por
meio de um depósito central, para o que estamos desenvolvendo na nossa sede
o “Centro Brasileiro de Publicidade”. Esse deve ser o órgão neutro para o servi­
ço comum de distribuição de livros. Tivemos este ano os seguintes trabalhos:
(I) O D icionário da Bíblia —que está no prelo, havendo-se conseguido que
vários boards e vários elementos nacionais contribuíssem com o capital neces-

256
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

sário para imprimi-lo. (II) A Concordância —cujos originais estão a ultimar-se.


(III) Broadus - A Arte d e Pregar... (IV) O Livro do Professor para 1928... Está
ainda sob a responsabilidade de nosso secretário a produção de um livro sobre
o Brasil, para o World Dominion Press, de Londres, como contribuição nossa
à literatura missionária.123
Conselho Internacional d e Missões. Avulta nos fatos de nossa comissão o acon­
tecimento mais significativo de nossa história —a representação de nossas igre­
jas nacionais na reunião do Concilio em Jerusalém, pelo secretário da Comis­
são Brasileira, e a escolha do nosso presidente Dr. H. C. Tucker para represen­
tar as missões sul-americanas na última reunião do Concilio. Não se poderia
prever, por ocasião da Conferência Ecumênica de Edimburgo em 1910, que
em 1928 o movimento evangélico latino-americano não só tomaria parte ofici­
al do Conselho, mas entraria para o comitê executivo no qual caberá um lugar
permanente para o Brasil, como representante do mundo evangélico de língua
portuguesa.
A delegação latino-americana em Jerusalém foi constituída pelos Srs. S. G.
Inman, Dr. H. C. Tucker, Dr. John Mackay, Rev. Roberto Elphick, Rev. Gabino
Rodriguez, Sr. J. Marroquin e professor Erasmo Braga: No comitê foram dados
três lugares à América Latina, integralizando-se dessa forma a obra missionária
no mundo. E impossível exagerar a importância desse acontecimento para nós.
O público, fora das igrejas evangélicas, considera o nosso escritório como o
centro do movimento evangélico do Brasil. O número de pessoas que ali bus­
cam informações, pedem dados, buscam conselhos, já causa embaraços à regu­
laridade dos nossos trabalhos.
(...)
Odilon D.R. de Moraes, vice-presidente em exercicio
e Erasmo Braga, secretário-executivo124

A C o n fe d e r a ç ã o Evangélica d o Brasil
A Comissão Brasileira de Cooperação parecia destinada a se transformar em
um conselho nacional de igrejas. Antes, porém, surgiu um a federação de igrejas
cooperantes.
O anteprojeto está agora perante os diversos conselhos ou convenções naci­
onais para ratificação. Federações locais estão em processo de organização em
Rio de Janeiro e São Paulo.
As igrejas evangélicas do país já chegaram ao grau de desenvolvi­
mento em que têm que enfrentar a escolha de desintegração ou federação.

257
História Documental do Protestantismo no Brasil

O movimento reacionário, que agora procura introduzir na nova


Constituição do país algumas restrições sobre a liberdade religiosa, tem apres­
sado o movimento pró-federação. E óbvio que tal federação poderia falar à
nação em nome das igrejas nacionais, expressando a mente comum de milhares
de evangélicos sobre assuntos públicos e, particularmente, em defesa da liber­
dade religiosa. As suspeitas que existem quanto a missões estrangeiras e a cres­
cente maré de nacionalismo tornam muito oportuna a organização de uma
federação nacional.125
A Federação de Igrejas Evangélicas do Brasil tornava assim seu lugar ao lado de
duas outras organizações cooperativas: o Conselho Evangélico de Educação Religiosa
no Brasil e a Comissão Brasileira de Cooperação. Da fusão dos três surgiu um a entida­
de abrangente, a Confederação Evangélica do Brasil. A Confederação foi também o
principal elo de ligação entre o protestantismo brasileiro e o Conselho Internacional
de Missões.126 As “reuniões de estudo”, inclusive a “Conferência do Nordeste” (1962)
são tratados adiante (p. 297ss).

( H 7) DOCUMENTO: As m aiores necessidades do evan gelism o brasileiro


...Partindo do aspecto mais relativo ao espírito, às concepções, à visão que o
evangelismo deve ter, diríamos nós que uma de suas grandes necessidades no
Brasil é cultivar um conceito elevado e largo do cristianismo —conceito que
importe em dar supremacia à idéia do Reino de Deus, que signifique a sobera­
na preocupação dos grandes interesses que preocuparam o Mestre, e que se
traduza na atenuação do “eclesiasticismo” erigido em padrão supremo. Se as­
sim for, ganharemos em tolerância e simpatia humana, saberemos abafar o
espírito inquisitorial dos que se consideram intérpretes únicos e supremos da
verdade, e cortaremos de nós o pendor, tão infeliz, de uma tendência
desordenada para a polêmica incessante. Saberemos respeitar irmãos e melhor
ganhar os que são obstáculos ao progresso do Reino de Deus.
2. Passando ao terreno das relações mútuas e da confraternização prática,
defrontamos matéria que demandaria de nós uma ampla discussão. Nessa esfe­
ra, cumpre-nos afirmar decididamente que o protestantismo brasileiro tem como
necessidade iniludível a coordenação de suas forças, sob a inspiração de objeti­
vos comuns, sob a pressão de angústias e problemas idênticos. A análise mais
séria das grandes empresas que a Providência nos oferece dará claramente a
medida da necessidade real de uma cooperação pragmática, que aliás é facil­
mente compreensível, mesmo à vista dos problemas que se mencionam, de
leve, nestas linhas. Mas a nossa convicção pessoal, profunda, é de que a frag­
mentação do protestantismo obscurece e perturba a sua unidade espiritual, e
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

que, assim, lhe incumbe no terreno prático da confraternização, envidar esfor­


ços bem sérios, bem reais, bem sinceros, para reunir organicamente, na medida
o possível —e essa medida não é demasiado limitada, como às vezes queremos —
as forças que se dispersam.127

Q 28) DOCUMENTO: A C onfederação E vangélica do B ra sil aos colen d os con ctlios


gera is
...Através de três conselhos —o de igrejas, de cooperação e de educação reli­
giosa —de certo modo continuadores das entidades desaparecidas [com a cria­
ção da CEB], a Confederação vem exercendo, durante quase dois biênios, as
suas atividades, com os elementos que tem podido utilizar.
No terreno das relações com os governos... vários assuntos foram encami­
nhados pelo Conselho de Igrejas como: a freqüência dominical de atos escola­
res; ensino religioso; movimento comunista, casamento religioso, perseguições
religiosas. Pelo mesmo conselho alguns assuntos de relações entre igrejas têm
sido tratados, como o pacifismo internacional, Santa Ceia em comum.
O Conselho de Cooperação tem dado atenção a várias matérias de caráter
mais extenso e mais permanente. Durante 1935 e 1936, uma comissão especial
dirigiu a campanha de espiritualidade, oferecendo assuntos comuns para o in­
teresse e a obra espiritual das igrejas, tanto ao aspecto da piedade, como da
evangelização e ação social. Outra comissão especial, a de hinário, delineou,
em fins de 1935, o plano de um novo livro para uso comum das igrejas, que
unifique e melhore a situação da hinologia de língua portuguesa (...) há espe­
rança de que não seja muito retardado o remate final (...) o conselho (...) está
levando a termo, após tentativas e esforços, a adoção de um “m odus v iven d i”
que regule as relações entre Igreja (e missões) na ocupação do campo e relações
mútuas. Já elaborado o plano, está sendo submetido ao julgamento dos concí-
lios e missões. E de esperar que em breve funcione, para executá-lo um conse­
lho de relações intereclesiásticas, e que resultem os mais abundantes frutos, de
paz e progresso. Outros trabalhos, como atenção à obra da mocidade e o pro­
blema da sua organização geral no Brasil; atenção a assuntos de literatura e de
cultura, a questões sociais... devendo merecer especial referência a publicação
da “Chave B íblica”, já próxima de seu termo.
O Conselho de Educação Religiosa... tem emprestado cuidados particulares
à literatura: nove revistas diferentes são publicadas para lições dominicais, e
além disso, mais três cursos para escolas bíblicas de férias, e já está iniciada a
biblioteca de educação religiosa, especialmente para os cursos normais...
Deve destacar-se a notícia referente ao 5o Congresso Evangélico, promovi­
do pela Confederação, e realizado em S. Paulo, em dezembro de 1936, com

2 59
História Documenta] do Protestantismo no Brasil

representantes da quase unanimidade das igrejas e mais organizações a ela filiadas.


Teve pleno êxito, com estudos e conclusões valiosos. Várias recomendações do
congresso estão sendo ou vão ser tratadas pela Confederação, e algumas são
apresentadas agora aos concílios, devendo mencionar-se providências relativas
a um estudo minucioso da situação dos campos evangélicos, organização geral
do movimento da mocidade, revisão da versão brasileira da Bíblia; interesses
especiais da imprensa periódica, dos seminários; elaboração de uma liturgia.
No campo internacional, a Confederação tem mantido as relações possíveis,
especialmente com a Comissão de Cooperação na América Latina, Associação
Mundial de Escolas Dominicais, Conselho Missionário Internacional, movi­
mento de Estocolmo (cristianismo prático).128
A experiência de alguns anos recomendou à Confederação a idéia, que ago­
ra é apresentada às igrejas e mais organizações a ela filiadas, de fazer-se uma
reforma na sua Constituição. O objetivo é simplificar o mecanismo e torná-lo
fácil e racional, de forma que a diretoria passe a ser o órgão central de orienta­
ção e administração, como representante da assembléia, e que os conselhos —
órgãos especializados e de certa autonomia —sejam peças do mecanismo me­
lhor ajustadas, e existentes na medida da crescente imposição das necessidades.
Seria recomendável, assim, desaparecerem o de igrejas e o de cooperação, cujas
obras seriam executadas pela diretoria, manter só o de educação religiosa, e
acrescentar-lhe o de relações intereclesiásticas, para execução do “modus viven d i”.
Tomamos a liberdade de chamar especialmente a atenção bondosa do colendo
concilio para estes pontos de interesse imediato, apresentados em papéis espe­
ciais:
1) recomendações do 5o congresso (sobre sociedades bíblicas e educação
ministerial);
2) o plano do “modus vivendi
3) o projeto de reforma da Constituição da Confederação... Rio de Janeiro,
janeiro de 1938.129

Modus vivendi
É de longa data a preocupação com a efetiva ocupação do Brasil pelas igrejas evan­
gélicas de forma a eliminar duplicação de esforços. Metodistas e presbiterianos firma­
ram um acordo semelhante ao do “cortesia missionária” (cf. doc. 125) já em operação
no México, cujo artigo principal foi o seguinte:
No lugar [com menos de 25 mil habitantes] onde houver uma congregação
ou trabalho regular da Igreja Evangélica Presbiteriana, não devem encetar tra­
balho evangélico pregadores metodistas; no lugar onde houver congregação ou

260
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

trabalho metodista regular da Igreja Evangélica Metodista, não devem encetar


trabalho evangélico pregadores presbiterianos.
Um outro artigo regulamentava a transferência de membros de uma denominação
para a outra, e advertia contra a sedução de ovelhas “com vantagens, empregos etc.,
pois são meios indignos de cristãos”. O plano, aprovado pelo Sínodo Presbiteriano,
foi também aprovado por unanimidade na conferência anual metodista em 1900.130
Apesar da entusiasta aprovação do acordo, houve freqüentes desentendimentos e atri­
tos, alguns tão sérios que acordos locais chegaram a ser anulados.131
O Congresso do Panamá (1916) se preocupara com a “divisão dos territórios”
(doc. 124), e há referências ocasionais a atritos interdenominacionais nos relatórios da
Comissão Brasileira de Cooperação.132 A CEB também levou a sério a questão de um
m od u s v iv en d i e sua implementação (doc. 128), submetido às igrejas emissões para sua
aprovação.

0~2?) DOCUMENTO: “M odus v iv en d i” en tre igrejas (e m issões)


Igrejas e missões filiadas à Confederação Evangélica do Brasil, desejosas de
concorrer para o cultivo da fraternidade cristã e para a extensão do Reino de
Deus, estabelecem entre si, como partes contratantes, um ajuste especial ou
“m odu s v iv e n d i”, que poderá ser subscrito, posteriormente, por outras
corporaçães.
I. O “m odus viven d i”tem os seguintes objetivos:
1 —Eliminação de atritos na ocupação dos campos de trabalho, de modo
que ela se processe racional e pacificamente.
2 —Reajustamento de regiões e locais já ocupados pelas corporações evangé­
licas.
3 —Maior expansão da obra comum, pela ocupação de regiões vagas.
4 - Eliminação de litígios nas relações gerais mútuas entre as corporações.
II. Para conseguir os objetivos do “modus viven d i”, as partes contratantes
constituem, com funcionamento no mecanismo da Confederação Evangélica
do Brasil, um aparelho permanente, denominado C onselho d e R elações
Intereclesiásticas,'[ii com função coordenadora, conciliatória e arbitrai. [Seguem-
se três parágrafos, explicando a natureza da representação no conselho, sua
presidência e o encaminhamento dos casos a ele].
III. As partes contratantes, para a execução dos objetivos do “modus v iven d i”,
aceitam os seguintes pontos básicos, normas e meios de ação.
1 —Empenham-se todas as partes, mutuamente, no maior respeito aos atos
administrativos e à disciplina eclesiástica respectivamente exercidos.

261
História Documental do Protestantismo no Brasil

2 - Cada corporação somente deve receber, provindos das demais, os mem­


bros em plena comunhão que trouxerem carta de transferência ou demissória,
ou os que, não tendo obtido carta, sejam admitidos por ato de jurisdição dire­
ta, e isso três meses após o pedido daquele documento. Todavia, poderá rece­
ber, a seu pedido:
a) os membros que estiverem sob disciplina, e após entendimento entre as
autoridades das igrejas interessadas;
b) os que tiverem sido judicialmente excluídos do rol, somente um ano após
a exclusão, ou antes desse prazo, se houver entendimento entre autoridades das
igrejas interessadas.
3 —Nenhuma corporação receberá grupos, que se separem das demais em
[sic] audiência do CRI.134
4 —As partes contratantes devem esforçar-se para um entendimento contí­
nuo e efetivo, mediante o CRI se necessário, a fim de que, nas regiões ou locais
que estejam ocupados por trabalho de várias corporações, sejam reduzidos ao
menor número possível, e no interesse comum da causa cristã:
a) as igrejas de um mesmo local;
b) as congregações ou pontos de pregação de um mesmo local;
c) as visitas pastorais a pequenos grupos residentes próximos de igrejas ou
grupos maiores regularmente pastoreados.
5 —Nos locais em que houver igrejas maiores ou mais regularmente cuida­
das, as pequenas igrejas, congregações ou grupos filiados a outra corporação
evangélica devem - no caso de desejarem conservar a sua primitiva filiação —
cooperar com aquelas igrejas em todas as suas atividades, como se a ela estives­
sem filiadas:
a) havendo, para esse fim, róis especiais, anexando aos da Igreja, e em que
figurem as igrejas ou grupos cooperantes;
b) devendo as autoridades eclesiásticas celebrar batismos, profissões e con­
firmações de pessoas que serão inscritas nesses róis especiais;
c) devendo haver, no caso de necessidade de disciplina judicial e após as
competentes comunicações ou a ação das autoridades a que estejam sujeitos os
delinqüentes, ou, a pedido destas autoridades, a ação da Igreja com a qual eles
cooperam.
6 - Para reduzir o número de igrejas, congregações e pontos de pregação,
nas regiões ou nas localidades em que trabalham diferentes corporações - para
o que o CRI dará auxílio coordenador - devem ser atendidas as seguintes con­
siderações:
a) a população das localidades;
b) o número de corporações eclesiásticas do local ou da região;

2 62
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

c) a intensidade do trabalho de cada corporação eclesiástica na região;


d) a antigüidade de ocupação eclesiástica efetiva, no local ou na região;
e) a possibilidade de nova ocupação de território limítrofes.
7 —Com base em estudos das diferentes regiões do país, o CRI deverá coor­
denar os esforços das corporações, no sentido da maior e melhor ocupação
possível, pelas forças evangélicas, de território não ocupado.
8 —Nas cidades em que haja trabalho evangélico regular e efetivo, as
corporações contratantes não estabelecerão novo trabalho, quando a popula­
ção for inferior a 15 mil habitantes, e só o estabelecerão em ponto afastado pelo
menos um quilômetro dos já existentes, quando a população for superior a 15
mil; devendo haver prévia audiência do CRI, em casos excepcionais.
9 - Logo depois de entrado em vigor o “m odus viven d i”, o CRI estudará um
plano geral de reajustamento do campo de trabalho evangélico em que operam
as partes contratantes.
10 - De sete em sete anos, o CRI estudará de novo, em conjunto, o reajus­
tamento dos campos.
IV. As missões evangélicas estrangeiras que tiverem trabalho em separado
das igrejas do Brasil, e que assinarem o presente “modus v iven d i”, serão aplica­
das, m utatis mutandis, as disposições nele atribuídas às igrejas, [os arts. V e VI
tratam de quando entrará em vigor o modus vivendi e a maneira de modificá-
lo].135

Os luteranos filiam -se a Confederação Evangélica do Brasil (1959)


Tradicionalmente órgão do “Protestantismo de Missão”, a CEB se tomou muito
mais representativa do protestantismo nacional mediante a adesão da Federação Sinodal.
No dia 4 de janeiro de 1960, a comissão teológica do Sínodo Rio-Grandense elaborou
uma série de normas para nortear a atuação luterana frente à CEB. Esta preocupação
teológica dos luteranos acrescentaria uma nova dimensão à CEB.

(^30) DOCUMENTO: Sugestões da Comissão Teológica (1960)


1. A colaboração da Federação Sinodal na Confederação Evangélica baseia-
se e orienta-se na constituição da Federação Sinodal136...
3. Partindo dessa compreensão fundamental da nossa existência como Igre­
ja, os representantes da Federação Sinodal da Confederação (Evangélica do
Brasil) deveriam examinar a questão, com quais das igrejas filiadas à Confede­
ração podemos entrar numa comunhão eclesiástica mais estreita ou numa co­
munhão de púlpito e de altar por haver parecença quanto ao fundamento e à
orientação (da Igreja). Ao mesmo tempo os nossos representantes deveriam

2 63
História Documental do Protestantismo no Brasil

convidar, no diálogo entre as igrejas dentro da Confederação, as igrejas-mem-


bros da mesma a filiarem-se ao Conselho Mundial de Igrejas.
4. Na Confederação deveríamos estar dispostos a colaborar numa comissão
que cuida da criação e manutenção de uma faculdade teológica ecumênica.
5. Deveria ser sugerida a criação de uma comissão teológica da Confedera­
ção. Essa comissão poderia promover o diálogo teológico e eclesiástico entre as
igrejas-membros da Confederação. Essa comissão poderia estimular e organi­
zar reuniões teológicas e eclesiásticas de caráter interdenorninacional, as quais
se ocupem com questões teológicas e eclesiásticas que se referem ao protestan­
tismo na América Latina em sua totalidade.
6. Nas diversas comissões de Confederação teríamos que cooperar na fixa­
ção dos vários setores de trabalho da Confederação. Deveriam ser nomeados
para as diversas comissões representantes da nossa Igreja que são peritos no
respectivo setor de trabalho.137

O C o n s e lh o M undial de Igrejas
A semente ecumênica lançada em Edimburgo (1910) germinou e produziu frutos
na forma do Conselho Internacional de Missões e dos movimentos mundiais Vida e
Ação e Fé e Constituição. Cada um desenvolveu vida própria, realizando grandes
reuniões mundiais das principais denominações evangélicas. Em 1937, as conferênci­
as mundiais de V ida e Ação e Fé e Constituição foram realizadas respectivamente em
Oxford, Inglaterra, e Edimburgo, Escócia (propositalmente em datas e locais próxi­
mos, permitindo às mesmas pessoas participarem das duas reuniões). Os dois conclaves
determinaram o estabelecimento do Conselho M undial de Igrejas (C M I), em forma­
ção, o que se concretizou em 1938, em Utrecht. Só na sua prim eira Assembléia, a de
Amsterdã, em 1948, é que o CM I se constituiu oficialmente, devido à Segunda Guer­
ra M undial. No período em apreço (até 1964), só as Igrejas Metodista (1942) e Luterana
(1950) haviam se filiado; em 1965 e 1968 aderiram respectivamente a Igreja Episco­
pal Brasileira e a Igreja Pentecostal “O Brasil para Cristo”,138 e em 1972 ou 1973 a
Igreja Cristã Reformada Latino-Americana.139 Diversas denominações tradicional­
mente ecumênicas em outras partes do mundo, mostram-se, no Brasil, indiferentes ou
mesmo hostis ao Conselho M undial de Igrejas.

Os metodistas
Tendo herdado de seu fundador João Wesley (1703-1791) uma tradição de tole­
rância e abertura para com as outras denominações, os metodistas brasileiros partici­

264
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

param de todas as entidades nacionais de cooperação (does. 124, 126-130), bem como
enviaram seus representantes aos conclaves ecumênicos mundiais. Epaminondas Moura,
representou o metodismo brasileiro nas conferências de Vida e Trabalho, em Oxford,
e, Fé e Ordem em Edimburgo; recomendou ao 3o Concilio Geral da IMB a filiação ao
C M I.140 Em 1942, o Concilio Geral formalizou a adesão da Igreja, aceitando convite
que o CM I lhe dirigiu.141

DOCUMENTO: Carta da IM B a ceita n d o o co n v ite do CMI


A Comissão Executiva do Conselho Mundial de Igrejas
(em processo de formação) Nova York, EUA
Saudações cordiais,
A Igreja Metodista do Brasil, através do bispo César Dacorso Filho, DD,
recebeu o convite oficial datado de 15 de nov. de 1938, para tornar-se membro
do projetado Conselho Mundial de Igrejas. Isto foi depois da sua sessão
quadrienal de 1938: portanto nenhuma ação oficial poderia ser tomada antes
da reunião de fevereiro de 1942.
O memorando explicativo, a Constituição e administração ad-interim fo­
ram traduzidos, impressos e distribuídos em português para informação e estu­
do.
Agora estamos contentes em informar-vos que o Concilio Geral da Igreja
Metodista do Brasil, na sessão quadrienal em Piracicaba, Estado de S. Paulo,
fev. 8-20, 1942, votou, por uma maioria considerável dos seus membros, acei­
tar o convite e aprovar o plano sob consideração.
Nossa Junta Geral de Ação Social está encarregada de assuntos pertencentes
a relações interdenominacionais e ao movimento ecumênico.
O seu secretário-executivo é: Rev. H. C. Tucker (...)
Ficaremos contentes em receber literatura e informações adicionais.
Somos fraternalmente, nos vínculos de amor e serviço cristãos,
(Assinado) H. C. Tucker (Assinado) César Dacorso Filho
Secretário-executivo da Bispo da Igreja Metodista
Junta Geral de Ação Social do Brasil142

DOCUMENTO: Excerto d o Credo S ocial M etodista (1960)


...o metodismo sempre se caracterizou pelo espírito ecumênico, pela tole­
rância e respeito à opinião alheia. A Igreja participa ativamente dos movimen­
tos de cooperação internacional. Em alguns países, a Igreja Metodista já en­
controu o caminho para tomar parte em programas de união que resultaram na
formação, com outras igrejas cristãs, da Igreja Unida do Canadá, da Igreja de

2 65
História Documental do Protestantismo no Brasil

Cristo no Japão e da Igreja Cristã do Sul da índia.


A Igreja Metodista do Brasil é parte integrante do Conselho Mundial de
Igrejas.
Seu fundador João Wesley tinha uma visão universal da obra da Igreja quan­
do disse: “A minha paróquia é o mundo”. Ele mesmo considerava todos os
crentes como irmãos e por isto dizia, “Se teu coração é reto perante Deus como
é o meu coração, dá-me a tua mão, somos irmãos”. O ecumenismo não somen­
te manifesta a unidade da Igreja, mas é a prova da fraternidade dos crentes e seu
testemunho de fé perante o mundo. Com esta atitude responde a Igreja à ora­
ção sacerdotal de Jesus, quando disse: “Que eles sejam um... para que o mundo
creia que tu me enviaste”.
Em vista do exposto, propugnamos pelo seguinte:
1 —Estreitamento dos laços de amizade com as denominações irmãs, através
da troca de informações, encontro com os líderes e participação nos movimen­
tos especiais de confraternização.
2 —Promoção de trabalhos em conjunto nos setores social, educativo e
evangelístico.143

Os luteranos
Forçados pelo governo, durante a Segunda Guerra M undial, a empregar o idioma
nacional na pregação (doc. 153), os alemães iniciaram um processo de integração
mais efetiva à vida do país. A transição foi difícil, marcada pelo uso paralelo do ale­
mão e do português nos ofícios religiosos e nas publicações, e pela ascendência cada
vez maior do português. Semelhantemente, aproximaram-se os quatro sínodos, ou-
trora independentes, na Federação Sinodal e na IECLB. Esta nova Igreja, em processo
de nacionalização, procurava relacionar-se com outras denominações evangélicas, na
CEB; ao mesmo tempo, tomava seu lugar na família luterana m undial e no CM I.

Q 33) DOCUMENTO: Os luteran os p ed em adm issão ao C onselho M u n d ial


d e Igrejas (1950)
31 de maio de 1950
À secretaria-geral do Conselho Mundial de Igrejas...
Mui respeitável senhor secretário-geral,
A B u n d der Synoden (Federação Sinodal) cujo estatuto nas versões em portu­
guês e alemão segue junto com esta carta, no seu primeiro concilio eclesiástico,
que ocorreu nos dias 14 a. 16 de maio, após tomar conhecimento da “Consti­
tuição do Conselho Mundial de Igrejas” (Assembléia de Amsterdã, volume 5) e

266
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

após explicações do senhor presidente da Igreja, Dr. Martinho Niemoeller, e o


abaixo-assinado presidente da Federação sob acordo com base declarada da
Constituição do Conselho Mundial, autorizou o Conselho da Federação a pe­
dir admissão ao Conselho Mundial.
Em execução desta resolução, peço, como presidente da Federação e tam­
bém do Conselho, admissão da Federação Sinodal como membro do Conselho
Mundial de Igrejas.
A mencionada resolução foi precedida por uma conferência, na sessão da
manhã do dia 15 de maio, pelo presidente da Federação sobre o conteúdo dos
artigos I e II do estatuto da Federação, que foram resumidos nas seguintes
teses:
1. A Federação Sinodal é Igreja de Jesus Cristo no Brasil, com todas as
conseqüências que isto tem para a proclamação do Evangelho neste país e a co-
responsabilidade da formação da vida política, cultural e econômica do povo.
2. Esta Igreja é doutrinariamente definida pela Confissão de Augsburgo e o
Catecismo Menor de Lutero, pertence à família das igrejas caracterizadas pela
Reforma de Martinho Lutero, e quando, como esperamos logo, não mais cha­
mar-se de “Federação Sinodal”, mas sim Igreja, expressa-lo-á no seu nome.
3. Como Igreja confessional assim definida, a Federação Sinodal participa
da comunidade das igrejas-membros do Conselho Mundial, as quais aceitam o
Evangelho de Jesus Cristo, como ele nos é dado nas Sagradas Escrituras como a
única regra e orientação para o seu serviço ao Evangelho e sua doutrina.
4. A Federação Sinodal cultiva vínculos de fé com a Igreja-mãe, a Igreja
Evangélica na Alemanha, que revela pela Constituição sua comunhão com a
cristandade evangélica na Alemanha e está na ordem do “Oikoumene".
O concilio aprovou unanimemente a palestra e as teses aqui repetidas.
A “Federação Sinodal” sob este nome é Igreja, compreende-se como Igreja e
funciona como tal. Se esta Igreja fez registrar seu nome “Federação Sinodal” no
registro geral nacional, falou assim somente por motivo de conveniência em
vista da lei nacional de associações (...)
A “Federação Sinodal” é autônoma, conforme a definição do Conselho
Mundial de Igrejas, I, 3, a. Isto não se aplica aos sínodos membros se não de
um, o Sínodo Rio-Grandense, que realmente é independente, em todos os
respeitos, especialmente na preparação do ministério eclesiástico (...)
O Sínodo Rio-Grandense tem porém apesar de seus direitos legais sobre os
bens de suas instituições de preparação de pastores, diaconisas e professores,
por decisão própria posto estas instituições à disposição da “Federação Sinodal”,
conforme o artigo III (...)
Sobre a estabilidade da Igreja Evangélica da Reforma Luterana no Brasil, o

267
História Documental do Protestantismo no Brasil

conselho da Federação está pronto, onde isto não seja óbvio, a fornecer as in­
formações desejadas.
A Igreja conta, conforme a estatística eclesiástica de 1948, na área do Sínodo
Rio-Grandense (fundado em 1886), 248.000 almas e 102 paróquias, na área
da Igreja Luterana (fundada em 1905), 71.000 almas e 29 paróquias, na área
do Sínodo Evangélico de Santa Catarina e Paraná (fundada em 1911), 62.000
almas e 23 paróquias, na área do Sínodo do Brasil Central (fundado em 1912)
aproximadamente 50 mil almas e quinze paróquia.
Ela cultiva a união com a Confederação Evangélica do Brasil e com as igre­
jas evangélicas do Brasil, representadas pelas: Igreja Episcopal, Igreja Metodista,
Igrejas Presbiteriana e Presbiteriana Independente, e com a Igreja Evangélica
na Alemanha. No seu primeiro concilio eclesiástico, ela decidiu solicitar ad­
missão ao Conselho Mundial de Igrejas e à Federação Luterana Mundial.
Enquanto submeto-lhe nosso pedido de admissão ao Conselho Mundial de
Igrejas, para deliberação e decisão, assino com fraternal saudação,
Seu,
S. H. D
Presidente da Federação Sinodal144

Os episcopais
Os bispos episcopais norte-americanos (1886) e, depois (1888), os bispos anglicanos
da conferência de Lambeth, elaboraram os quatro pontos cuja aceitação julgavam
essencial à “unidade visível da Igreja”.145 Esta preocupação com a unidade da Igreja
está também evidente nas declarações e manifestos da Igreja Episcopal do Brasil. O
Sínodo de 1952 aprovou o “Manifesto Ecumênico” da autoria de José dei Nero, resol­
vendo fazer, através da CEB, “um apelo contendo os argumentos desse manifesto,
visando a unidade orgânica do povo cristão”. 146 Quando da proclamação da autono­
m ia da Igreja (abril de 1965), a Igreja Episcopal do Brasil solicitou fdiação ao CM I, o
que lhe foi prontamente concedido.147

(J3~4) DOCUMENTO: O “M anifesto E cum ênico”


A todo o bom povo cristão nas plagas do Cruzeiro do Sul,
Considerando que nossas infelizes divisões constituem um grave pecado
contra:
1. O bom senso. Somos uma minoria alienígena e desunida. Se estas divi­
sões são uma absoluta excrescência nas suas terras de origem, no campo missi­
onário, são imperdoáveis. Não só militam contra o nosso bom senso, mas con-
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

tra nossa integridade psicológica. Está escrito na natureza das coisas que cada
povo deve ser uma voz e não um eco, uma escrita original e não um papel
carbono.
2. Imperativo da conversão dos pecadores, ao invés de os converterter, nós
os confundimos. A espessa folhagem os inibe de ver, bastas vezes, o tronco.
3. Corpo místico de Cristo que é a Igreja. Sendo o corpo místico de valor
substantivo e não de valor meramente utilitário. Crer no Evangelho é identifi-
car-se com a Igreja —gravíssimo pecado é portanto condescender com os teci­
dos rasgados e com os ossos moídos de Nosso Senhor Jesus Cristo.
4. Padrões do céu e da terra que são na sua vera essência unidades de
dissimilantes. Com efeito, não cremos num gigante solitário e monolítico, mas
num Deus Trino, diversificado. Na terra, não há duas folhas iguais.
Dessemelhanças sim, mas na unidade.
5. Padrões da Igreja Primitiva: A Igreja era una. A Igreja em tal ou qual lugar
era simples manifestação de uma realidade única.
6. Caridade e devida humildade intelectual no que concerne aos conceitos
de cisma, ordem e teologia. Convém lembrar que, em virtude de nossa
cissiparidade pecaminosa, todas as comunhões são cismáticas, é mal que a to­
dos agrava; todos portanto têm maior ou menor parcela da realidade católica,
dolorosamente fragmentada. “Não te ensoberbeças, mas teme.” As ordens com
as nossas pecaminosas divisões têm valor somente para cada comunhão e não
para toda a Igreja de Deus. Quanto à teologia, bom é lembrarmos que o qui­
nhão da terra são os arcos quebrados e não o círculo perfeito; bom é lembrar­
mos que “agora nós vemos em espelho...” A teologia é, na sua mais íntima
essência, a expressão de uma experiência religiosa. São Paulo, ao escrever a
Epístola aos Gálatas, que é um como que tratado de teologia, inicia com uma
experiência religiosa: “Não sou eu mais quem vive, mas é Cristo que vive em
mim”. Portanto, se a teologia é expressão de uma experiência, ela, de necessá­
rio, deve variar através dos séculos: ela é relativa. Não se erijam, pois, em abso­
luto aquilo que é de substância relativa.
7. Contra Cristo, na sua palavra categórica —Ora em termos ineludíveis pela
unidade de seus discípulos - e no seu exemplo: Jesus não destruiu mas cum­
priu - ele não fundou uma Igreja, ela refundou uma Igreja. Não há o menor
resquício na mente de Nosso Senhor de separatismo.
8. O Espírito Santo é o vínculo da paz, tanto no céu como entre todos “os
que dizem e confessam ser cristãos”. E o vínculo da paz nos céus, porque a
união que o Espírito Santo produz entre o Pai e o Filho é tão grande que se
erige por assim dizer em uma pessoa. Ele procede do Pai e do Filho. E o vínculo
da paz entre os homens. Note-se que quando ele baixou gloriosamente sobre a

269
História Documental do Protestantismo no Brasil

terra, no memorável episódio das línguas repartidas, Ele encontrou os cristãos


em um só lugar.
9. Babel no mundo. Oferecemos à babel do mundo uma babel eclesiástica,
e babel importada nestas plagas do Cruzeiro do Sul. Somente uma Igreja unida
poderá unir o mundo. A Igreja somente terá força moral de falar em paz e boa
vontade, quando ela estiver vivendo em união e santa caridade.148

(J~3~s) DOCUMENTO: Carta ao CM I p ed in d o adm issão


16 de julho, 1965
Dr. Willem A. Vissert Hooft
Conselho Mundial de Igrejas
Genebra, Suíça
Prezado Dr. Vissert Hooft,
É meu privilégio informar-lhe que as três antigas dioceses missionárias do
Brasil Meridional, Brasil Sul-Ocidental e Brasil Central, segundo um prévio
acordo firmado com a Igreja Protestante Episcopal nos Estados Unidos da
América, e por uma resolução formal da casa dos bispos daquela Igreja no dia
20 de outubro, 1964, agora constituem um novo ramo nacional autônomo da
comunhão anglicana, sob o título de Igreja Episcopal do Brasil (Episcopal
Church of Brazil. Esse passo foi tomado oficialmente pelo ramo brasileiro no
seu Sínodo Geral, reunido no dia 25 de abril de 1965, na cidade de Porto
Alegre.
A nova Igreja nacional está muito interessada no movimento ecumênico e
deseja participar no Conselho Mundial de Igrejas como um dos seus membros
ordinários.
Tenha a bondade de nos informar se isso é possível para uma Igreja tão
jovem e, se é, quais são as condições exigidas para um requerimento formal [de
admissãol.
Sinceramente, seu, no Senhor,
(Assinado) Egmont M achado Krischke
Bispo do Brasil Meridional e Primaz
da Igreja Episcopal do Brassil

(J3 6 ) DOCUMENTO: Carta p a stora l dos bispos da Igreja E piscopal do B rasil (1967)
(...)
Desde o início da sua existência, a Igreja Episcopal do Brasil tem mantido
relações de cooperação fraternal com os nossos irmãos evangélicos. Na conjun­
tura atual, consideramos a preservação e ampliação destas relações de singular
importância. A CEB está passando por uma fase de reorganização, que deverá

270
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

permitir a adesão de igrejas evangélicas que até hoje não ingressaram nesta
organização, tornando-a desta forma mais representativa do evangelismo pátrio,
e possibilitando um diálogo mais amplo. As igrejas evangélicas representam
entre si tradições e convicções diversas, o que torna a obra de cooperação às
vezes deveras difícil. Julgamos ser o Espírito Santo que lhes dá o poder dinâmi­
co que manifestam na divulgação da mensagem cristã e em boas obras, e cre­
mos que a sua própria dedicação a Cristo há de levá-las cada vez mais à consci­
ência da união inseparável dos que o confessam como Senhor.
Desde julho de 1966, fomos aceitos pelo CMI como um dos seus membros
oficiais. Há, portanto, motivos legítimos que nos levam a procurar agir de co­
mum acordo com as outras igrejas-membros do Conselho: a Igreja Metodista
do Brasil e a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil. E nosso desejo
que todos os episcopalianos sejam informados sobre a obra do Conselho Mun­
dial, e incentivados a divulgar o que ela representa quanto à reconciliação e
renovação do Corpo de Cristo. Convém notar aqui a rica contribuição ao
ecumenismo mundial por parte das Igrejas Ortodoxas, pois esperamos que as
comunidades de cristãos orientais radicados no Brasil passem a desempenhar
um papel cada vez mais positivo no quadro ecumênico nacional. A família
eclesiástica a que pertencemos nunca ignorou as riquezas espirituais da comu­
nhão ortodoxa. Isto nos impele a procurar relações mais profundas com os
representantes desta tradição em nosso meio.
O Concilio Vaticano II, recentemente encerrado, abriu novas perspectivas
em nossas relações com a Igreja Católica Romana. Regozijamo-nos com todas
as manifestações deste novo espírito de diálogo, de fraternidade e de caridade
que mutuamente nos fortalece. Sabemos, porém, que o caminho do verdadei­
ro ecumenismo é árduo, exigindo humildade e franqueza de parte a parte,
requerendo o estudo e o reestudo sérios da nossa obediência a Cristo, à luz das
Escrituras, e em resposta às necessidades do mundo atual. Encaramos o diálogo
com os irmãos católicos sem receio e sem preconceitos, mas com o ardente
desejo de que o mesmo nos leve a enfrentar com a necessária seriedade tudo
quanto impede a nossa plena união cristã.
A união dos cristãos não é um fim em si mesmo, embora represente a von­
tade clara do Senhor da Igreja, conforme as Escrituras Sagradas. A união dos
cristãos e o movimento ecumênico que visa a este fim têm um propósito niti­
damente missionário, a evangelização da humanidade, o ministério da reconci­
liação. A voz divina, que nos conclama à união, não é ouvida apenas através das
Escrituras e das tradições passadas e não será obedecida mediante meros arran­
jos eclesiásticos. Esta voz nos fala por meio das necessidades dos nossos irmãos,
vítimas das divisões e das violências humanas, e nenhuma Igreja, isoladamen-

271
História Documental do Protestantismo no Brasil

te, poderá servir ao povo brasileiro conforme a vontade divina. Nas universida­
des, nas fábricas, entre a juventude, nos centros urbanos que dobram a sua
população de dez em dez anos, nas vastas zonas rurais, os cristãos precisam se
unir, a fim de que o mundo creia, para què se opere o ministério da reconcili­
ação.
(...)
Recomendamos que haja em todas as congregações estudos específicos so­
bre o movimento ecumênico, inclusive a formação e obra do CMI e as decisões
do Segundo Concilio do Vaticano. Desejamos incentivar os nossos clérigos e
leigos a continuar a ampliar a sua atuação ecumênica, aproveitando todos os
contatos possíveis com irmãos de outras confissões, e participando consciente­
mente da obra de cooperação cristã no âmbito local. Acima de tudo, oramos no
sentido de que, por meio destes estudos e trabalhos, a nossa própria fé seja
fortalecida, a nossa visão do Reino de Deus se torne mais clara, e a nossa obedi­
ência a Cristo mais dinâmica.149

MOTIVAÇÃO E M ISSÃO
In trodução
Como é que as igrejas protestantes definiram sua missão no Brasil no período da
República? Quais foram suas motivações? Que revelam os documentos do período, da
auto-imagem e das pressuposições filosóficas e teológicas subjacentes, quer conscien­
tes, quer não?
O segundo passo é ilustrar alguns dos mais importantes tipos de trabalho, com
ênfase nos trabalhos não tão corriqueiros. Não há, na presente seção, uma parte dedicada
à pregação, muito embora para muitos seja a obra mais importante da Igreja.150 Há,
sem dúvida, referência à proclamação e ainda à distribuição da B íblia a um povo
virtualmente sem ela, mas esta atividade já foi tratada amplamente no tópico “As
sociedades bíblicas”. Também não se trata novamente aqui da escola dom inical, que
continuou no período a ser um importante instrumento para a edificação dos mem­
bros e também para a evangelização, pois muitos documentos do capítulo anterior
ocupam-se especialmente do assunto (e.g. 3 7 ,4 8 e 49 etc.). Orientou a presente histó­
ria a escolha de documentos típicos, capazes de servir como paradigmas, e não a exibi­
ção de muitos documentos sobre o mesmo assunto.
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

C o m p r e e n s ã o p ro te s ta n te da m issão
O individualismo do norte-americano e da sua religião é lugar comum. Esta carac­
terística origina-se na herança puritana, com uma ênfase na apropriação pessoal da fé
pela qual o indivíduo se tornava “cristão visível”. W inthrop Hudson assim resume o
pensamento:
Conforme a teoria congregacional, tanto o adulto crente quanto o seu filho
infante pertenciam a Igreja, este último sendo “federalmente santo”,151 com
direito a receber o Batismo. Ao chegar à idade da razão, porém, a criança deve­
ria dar conta do seu próprio arrependimento e fé a fim de habilitar-se como
comungante pleno, que incluía o direito de participar da Santa Ceia e votar nas
reuniões da Igreja. Entendia-se que a verdadeira fé, mesmo entre os cristãos
mais fracos, seria confirmada por alguma experiência específica da graça reden­
tora de Deus, e que, na ausência de uma tal experiência, ninguém deveria ser
admitido como membro pleno da Igreja.152
A importância da experiência pessoal e individual da fé foi enfatizada ainda mais
no Grande Despertamento e no avivamento tão típicos da religião da fronteira ameri­
cana. O autor sustenta em outro lugar que a religião norte-americana, na época da
vinda dos missionários protestantes para o Brasil, sofria forte influência da “Era
Metodista”, com sua ênfase no avivamento.153
Não raramente, esse individualismo tendia a reduzir o cristianismo à experiência
pessoal da fé e à resultante vida piedosa. Mas muitos protestantes, talvez a m aioria de
seus pensadores, esperavam que a reforma geral da nação resultasse da multiplicação
das conversões e da aplicação dos saudáveis princípios do protestantismo à vida do
povo. É impossível ler os relatórios dos grandes conclaves do protestantismo do século
XX sem perceber uma preocupação com o bem-estar em geral.154 Além disso, em
oposição à opinião muito generalizada, os missionários que vieram para o Brasil ti­
nham como meta a transformação total do país e não apenas a salvação de almas
individuais do fogo do inferno. Os documentos desta seção revelam algumas das pre­
ocupações das diversas denominações, que vão muito além da mera salvação de “al­
mas”.

Protestantismo e progresso
Ernst Troeltsch, escrevendo na primeira década do nosso século, caracterizou o
“espírito moderno” pelo “otimismo” e “crença no progresso”.155 Sem dúvida, a paz, o
progresso industrial, o avanço da ciência e a elevação do padrão de vida do mundo

273
História Documental do Protestantismo no Brasil

ocidental, bem como o evolucionismo de Comte, Darwin e Spencer, conduziram a


este otimismo. No Brasil, os protestantes, quer missionários quer obreiros nacionais,
não só aceitaram o conceito de progresso, como também identificaram o progresso
com o protestantismo.
Por isso, apesar da sua ética predominantemente individualista, os protestantes
não se desinteressaram pelo progresso do Brasil. Pelo contrário, subjazia o axioma de
que a marcha do protestantismo seria acompanhada automaticamente do progresso e
do desenvolvimento da nação e da liberdade dos seus cidadãos e instituições. Em
excelente resumo deste conceito, Paul Everett Pierson indica três ingredientes princi­
pais: l ) o protestantismo im plica numa norma mais alta da moralidade pessoal, tra­
zendo benefícios de saúde e prosperidade individuais, benefícios estes que seriam tra­
duzidos em vantagens semelhantes para a nação; 2) o protestantismo, e particular­
mente o calvinismo, é a única base da democracia. Alguns presbiterianos reduziam o
pensamento à seguinte fórmula: “O presbiterianismo é igual ao calvinism o e o
calvinismo é igual ao republicanismo”; 3) o protestantismo proporciona tanto escolas
como a busca da educação, resultando no progresso geral do povo.156

(j~37) DOCUMENTO: D iscurso p a trió tico d e Á lvaro Reis


A religião de Jesus Cristo converte a mente, regenera o espírito, saneia o
corpo, faz com que o homem sinta que um coração puro não pode palpitar
dentro de um corpo sujo. O verdadeiro crente é um homem asseado, é uma
pessoa asseada. Quando o homem tem cuidado com o asseio do corpo, tam­
bém não quer morar numa casa suja, imunda. O homem que tem asseio no
corpo, necessariamente há de ter asseio no lar. Quando o homem tem asseio
em sua residência, concorre para que outros, contemplando o seu exemplo,
procurem imitá-lo. À proporção que o Evangelho conquista os corações, con­
quista a família, e necessariamente a higiene há de ser um fato geral na socieda­
de, e quando a higiene for geral na sociedade, as pestes desaparecerão!
O homem convertido pela Palavra de Deus, convertido pela fé em Cristo,
compreende que deve trabalhar seis dias, e, trabalhando seis dias, estanca uma
das fontes da tuberculose, que é a miséria.
A miséria, pela má alimentação e falta de conforto, é uma das causas da
tuberculose. Mas o homem pelo labor adquire saúde para o corpo. E não so­
mente saúde para o corpo, mas também os recursos para sustentar a sua vida e
a de sua família com dignidade e conforto relativos ao seu salário. O homem
convertido não somente trabalha seis dias, mas tem cuidado de dispensar o
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

sétimo, o domingo. E o homem que descansa no dia de domingo economiza as


forças necessárias para a labutação cotidiana da semana.157

ÇÍ38) DOCUMENTO: A p rega çã o d o Evangelho


A pregação do Evangelho, como o maior fator moral na prosperidade futura
e permanente deste grande país, não tem tido seu lugar próprio no pensamento
dos estadistas brasileiros. Alguns destes já reconheceram devidamente os bene­
fícios das escolas missionárias protestantes, mas os benefícios temporais que
seguem as bênçãos espirituais do Evangelho ainda não se multiplicaram sufici­
entemente no Brasil para convencer os incrédulos da sua importância funda­
mental. Naturalmente, suas bênçãos espirituais lhes estão inteiramente desco­
nhecidas. O Evangelho tem que provar sua importância, e isto leva tempo.158

Ecos do Evangelho Social no Brasil


Na aplicação do ensino de Jesus sobre o Reino de Deus e na ênfase na im anência de
Deus, pensadores como Washington Gladden, congregacional (1836-1918), Walter
Rauschenbusch, batista (1861-1918) e Josiah Strong, congregacional (1847-1916)
começaram a questionar o conceito de laissez-faire na economia,159 a ênfase individual
e moralista na ética e a idéia de que a Igreja deveria concentrar-se apenas na esfera
“espiritual”. O advento do Evangelho Social, que floresceu na últim a década do século
XIX e no começo do século XX, foi um fator determinante na criação do Conselho
Federal de Igrejas de Cristo (1908), cujo “Credo Social” incorporou muitos dos seus
princípios. A publicação da R erum N ovarum pelo papa Leão XIII (1891) assinalou a
nova atitude católica, especialmente com referência ao operariado, porém, o medo do
socialismo neutralizou em parte seus efeitos nos Estados Unidos até o fim do século.
Alguns dos aspectos institucionais do Evangelho Social, como igrejas “institucionais”
(com serviços sociais, educativos, recreativos durante a semana), centros sociais como
o “Instituto Central do Povo” na cidade do Rio de Janeiro e outros foram fundados no
Brasil. E alguns perceberam claramente a profunda responsabilidade social do protes­
tantismo, como testemunha o documento abaixo, muito embora o Evangelho social
nunca tenha chegado a dominar o pensamento do protestantismo brasileiro.

(j~39) DOCUMENTO: Q ue fa rem o s p e lo p o v o ? Não nos interessa a a çã o so cia lí


Tornem os o E vangelho sim pá tico ao p ovo, qu e ele 0 aceitará.
Os sábios investigam, os filantropos se agitam, os estadistas meditam, o
mundo inteiro hoje se abala na procura de uma solução adequada da questão

2 75
História Documental do Protestantismo no Brasil

social.
E a solução está no Evangelho.
Que quer dizer isto? Quer dizer que nós somos os detentores da solução,
que o mundo procura, e, restringindo a nossa atividade à esfera espiritual, não
nos apercebemos sequer da injustiça que praticamos para com a humanidade e
o próprio Evangelho.
Devemos ir ao povo, em nome das suas necessidades temporais, para, com
este bilhete de ingresso, sermos recebidos com simpatia no seu próprio lar, e ali
implantarmos a fé e as esperanças de melhor valia que as deste mundo.
Devemos apresentar à sociedade, em nome de Cristo, a solução cristã, a
única eficiente e perfeita, para que a própria sociedade reconheça que o seu
bem está em Jesus Cristo.
Devemos ir (...) sim (...) de que modo? Com belas palavras? Não. O povo já
se não ilude com palavras. Ele quer o apoio moral, a cooperação eficiente dos
que se interessam por ele, a instrução, a liberdade, a melhora das suas condi­
ções de vida, e confiante esperança de melhor futuro para si e para a sua prole,
a eqüidade no salário, a participação na distribuição dos lucros, o acesso à posse
do solo para produzir, dessa imensa porção de terras incultas, sem proveito,
sem produção, sem impostos nas mãos de poderosos latifundiários, que ao po­
bre não permitem cultivá-las, senão para lhes arrancarem, gota a gota, todas as
bagas de suor...
O povo quer o gozo do seu legítimo direito à vida... E o povo tem razão.
Os ricos e os remediados ignoram as insônias, por exemplo, de milhares de
viúvas, carregadas de filhos, perseguidas de biltres, atassalhadas de línguas pér­
fidas, exploradas de miseráveis indústrias que lhes pagam 2$400 por dúzia de
camisas, tendo elas mesmas de dar a linha com que as devem coser! (...) Cada
dia, trabalhando desde a madrugada até às 11 horas da noite, tendo ainda de
cuidar da alimentação, da roupa, das doenças dos filhos, mal conseguem ga­
nhar o miserável pão, (...) e que futuro negro se lhes depara! Como aquelas
horas, ao rodar da máquina, lhes correm amarguíssimas, ao borbulhar das lá­
grimas! (...)
Quantas blasfêmias irrompem daqueles corações incultos, isolados, que ig­
noram Deus, Jesus e a caridade, o amor cristão!
Não podemos ser indiferentes às calamidades que afligem uma grande por­
ção da humanidade, quer nas cidades quer nos campos.
Se o protestantismo é desdenhado pelo povo, é porque ainda não procurou
como deveria procurar o povo, ainda não se interessou como deveria interes­
sar-se por ele.
Irmãos, lembremo-nos daquele que “passou fazendo o bem”, que “teve com-

276
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

paixão da multidão”, que mandava que se desse aos pobres, que alimentava
milhares de pessoas no deserto, que curava os enfermos, que se fazia amar pelo
seu amor aos homens!
Estudemos as necessidades do povo...
Empenhemo-nos nessa grande campanha, que se denomina “questão soci­
al”. “Charitas Christi urgetnos”, “o amor de Cristo nos constrange” 2Cor. 5:15-'60

Atitudes protestantes quanto a política


As igrejas protestantes, a maioria originária do sul dos Estados Unidos, trouxeram
consigo a forte influência da “Igreja espiritual”, que relegava a política a César. No
Brasil, o conceito ganhou considerável reforço pelo fato de que o número de possíveis
votos protestantes era inexpressivo e pelo axioma de que os protestantes eram diferen­
tes dos católicos; se católicos se envolviam na política, os protestantes deviam então
afastar-se dela. A ditadura de Getúlio Vargas também tirou do povo inteiro, por m ui­
tos anos, o direito de voto. As igrejas protestantes, de modo geral, repudiavam a par­
ticipação da Igreja como tal na política partidária.161 M ais tarde, novamente com o
direito do voto, os protestantes freqüentemente viram o voto como arma para prote­
ger interesses evangélicos. A Igreja Luterana, que começou a exercer maior influência
na vida do protestantismo brasileiro na década de 50, discernia melhor a natureza
abrangente do poder político, bem como a necessidade do cristão participar dele,
porque ele devia preocupar-se com todos os problemas importantes do mundo e usar
sua influência e poder na sua solução.

(T40) DOCUMENTO: D ecisão ep iscop a l sobre o m inistro m etodista e a p o lítica


Resposta à pergunta: “Em que posição fic a 0 m inistro ativo eleito na fu n çã o
p o lítica ?”
Considerando que o bispo só pode nomeá-lo para pastorados, instituições
da Igreja, serviços de evangelização (Cân. 99-i);
que a Igreja não se interessa em política, não adota partidos, não recomenda
candidatos, não toma compromissos dos que aspiram a função pública;
que o ministro eleito para função pública pode renunciar sua escolha para
continuar na itinerância, e só pois, por conveniência pessoal, pode aceitá-la
(Cân. 126-a);
que o ministro em disponibilidade pode reverter ao ministério ativo (Cân.
129-a).
O ministro ativo eleito para a função pública fica em disponibilidade (Cân.
126-a).'62

277
História Documental do Protestantismo no Brasil

ÇTTT) DOCUMENTO: R esponsabilidade p o lítica d o cristão


Muita gente acha que o cristão não se deve meter na política, já porque a
política, em muitos casos, é corrompida, e se o cristão participa dela, pode se
corromper também. Seria, pois, muito melhor não ter nada que ver com coisas
que assim nos podem prejudicar.
Mas, de outro lado, ninguém pode negar que o cristão tem a responsabilida­
de de se preocupar com todos os problemas importantes do mundo em que
vive, e no mundo em que vivemos, a política é sumamente importante. De
fato, a política tem mais influência sobre a nossa vida e a vida do nosso povo
que qualquer outra instituição no mundo moderno. Podemos dizer até que
hoje a política tem muito mais influência sobre as nossas vidas do que antes.
Pois, com os modernos meios de comunicação, todo o país está unido para
formar uma só sociedade. Portanto, os que têm poder político, podem contro­
lar todas as partes do território nacional. Aliás, o poder comercial e industrial,
tanto como a educação e todas as outras instituições, estão organizadas nacio­
nalmente. Tremendo poder está concentrado nas mãos de pouquíssimas pesso­
as. Daí, só na medida em que o poder político puder controlar e equilibrar
sabiamente estas instituições, poderemos ter uma vida ordenada e feliz.
Por causa da união de todas as partes do país numa só sociedade industrial,
econômica e cultural, muitos problemas que antes não tinham nada que ver
com a política, são hoje problemas políticos. Antes, p. ex., o problema de terras
para os agricultores não era problema para a política. O homem do campo
podia conseguir terras baldias e cultivá-las. Hoje, porém, não, pois as terras
estão em mãos de algumas poucas pessoas ricas ou de sociedades. É difícil com­
prar terras e o preço é alto. Portanto, a reforma agrária é um problema político
que só o governo pode resolver. E o mesmo acontece com muitos outros aspec­
tos da vida moderna; assim é na educação. Hoje o governo controla todo o
desenvolvimento educacional do país. Por conseguinte, a correta orientação
deste programa é problema político.
Também é o custo da vida, porque com a concentração do poder comercial
e industrial em mãos de poucas pessoas, o governo tem que intervir para esta­
belecer um certo grau de equilíbrio e justiça para evitar graves prejuízos para a
nação. Por isso temos que agir na política, pois se queremos resolver hoje qual­
quer dos graves problemas que nos afligem, precisamos reconhecer que só atra­
vés da ação política será possível fazê-lo.
Mas, que tem tudo isso a ver com a Igreja? Eis a resposta: se a Igreja Cristã se
preocupa pelos graves problemas do nosso mundo, ela terá que ver que tem
uma grande responsabilidade neste campo. Aliás, até o problema religioso é
problema político nos nossos dias. Como o governo pode dominar todas as

2 78
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

instituições do país, assim também pode controlar a Igreja, pode perseguir e


até destruí-las como já está acontecendo nos países dominados pelo comunis­
mo. Nós, como cristãos, temos que agir dinamicamente na política para garan­
tir a existência de governos com certa orientação e influência cristãs. Se não
fizermos isso, poderão se levantar governos hostis à nossa fé, sem influência
cristã, dispostos a nos destruir, Por isso é que o problema político é de suma
urgência para cada um de nós.163

Estratégia e tipo s d e tra b a lh o s re a liz a d o s


No auge do “grande século” das missões protestantes, as principais igrejas envia­
ram missionários ao Brasil. Com a multiplicação de missões veio o reconhecimento
da necessidade de se usar sábia e eficientemente os recursos humanos e financeiros
para a efetiva “ocupação” do país como um todo (doc. 125). Algumas missões,
notadamente as presbiterianas e a metodistas, concentraram seus esforços no interior
e não nos grandes centros da população. Paul Everett Pierson contrasta, a essa respei­
to, os presbiterianos com os batistas e os da Assembléia de Deus, que concentraram
seus esforços nos grandes centros urbanos, “enquanto quase todo o esforço missioná­
rio presbiteriano e muito da Igreja [Presbiteriana] nacional estavam dirigidos para o
interior muito pouco povoado”.164
Além da proclamação, da promoção do culto e da edificação dos membros, as
igrejas protestantes enfatizaram a distribuição da Bíblia, desempenharam obras soci­
ais, fizeram algum esforço para alcançar os índios e outros grupos étnicos. Os docu­
mentos abaixo são ilustrativos desses vários tipos de serviço.

Estratégia Missionária

<K2> DOCUMENTO: E vangelização das cida des


(...) entretanto não nos devemos esquecer da importância da evangelização
das cidades. Os novos missionários e ministros nacionais não estão errados em
começar o trabalho nas capitais e cidades mais importantes dos estados brasilei­
ros. Foi este o método seguido por Nosso Senhor Jesus Cristo e seus discípulos,
como podemos verificar no Novo Testamento (...) Se, pois, temos errado, é
onde deixamos os centros donde poderia o Evangelho irradiar ao redor, e va­
mos começar ou mesmo centralizar no mato —na roça a nossa principal ativi­
dade cristã. Em Pernambuco, a Igreja Presbiteriana está sofrendo as conseqü­

2 79
História Documental do Protestantismo no Brasil

ências deste método. Desde 1878, que se organizou a Igreja Presbiteriana do


Recife, que foi então o centro do trabalho presbiteriano neste Estado. Anos
mais tarde os batistas entraram e estabeleceram também aqui uma Igreja. Nós
os presbiterianos, embora mantendo no Recife uma Igreja, fizemos em
Garanhuns o centro de nosso trabalho educativo e missionário. Os batistas,
porém, centralizaram-se no Recife, mantendo aqui escola e seminário e daqui
evangelizando o interior do Estado. O resultado é que eles têm no Recife a
maior igreja, nos subúrbios diversas igrejas prósperas, mantêm um importante
colégio e uma escola teológica anexa e possuem pelo interior do estado maior
número de igrejas do que nós.165

O trabalho de colportagem
Das narrativas de “aventura” da obra evangélica no Brasil, as de colportagem figu­
ram entre as mais emocionantes, havendo diversos livros a respeito. Entre muitos
obreiros destemidos, Frederick C. Glass, da Igreja Cristã166 foi escolhido para ilustrar
esta importante obra. Uma viagem que ele fez a Mato Grosso em 1902 constitui a
matéria do documento seguinte.

GB) DOCUMENTO: C olportagem em M ato Grosso: ex certos do d iá rio d e


F rederick C. Glass
Em fins de março, 1902, deixei o Rio de Janeiro para fazer uma viagem com
a Bíblia até Cuiabá, a cidade mais central da América do Sul. Tive por compa­
nheiros meu próprio irmão George e um obreiro nacional chamado Diniz.
Após mais de quatro meses de viagem, inclusive mil milhas a cavalo, vendendo
grandes números de Escrituras pelo caminho, (...) chegamos à cidade mencio­
nada.
Io de setembro. Hoje atacamos o centro da cidade, onde os negociantes e a
classe mais abastada moram, entre os quais encontrei muita descrença,
indiferentismo e espiritismo. Apesar disso e do tratamento descortês da parte
de um ou dois, foram excelentes as vendas de livros, somando oito Bíblias e 43
[Novos] Testamentos. Durante o dia, George e Diniz visitaram o grande hospi­
tal militar e distribuíram evangelhos grátis aos soldados enfermos (...)
5 de setembro. As vendas de hoje foram doze Bíblias e 32 Testamentos. À
tardinha fizemos uma reunião no largo da Matriz, importante praça defronte à
catedral, e umas cinqüenta ou sessenta pessoas se reuniram evidentemente atô­
nitas pelo método sem precedentes. Muitos zombaram, enquanto outros fo­
ram atraídos. Fomos informados de que, depois da reunião, os sacerdotes as-
pergiram água ao redor do lugar para afastar “influência má e contaminadora”

280
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

da nossa presença!
Hoje visitei o presidente do Estado e lhe presenteei com uma Bíblia em
nome da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira. Ele nos recebeu cortesmen­
te e inquiriu sobre nossa jornada: deveras, todos parecem estar pasmados pelo
empreendimento. Depois visitei um dos principais representantes do sacerdó­
cio católico, um velho e aparentemente bondoso homem de 82 anos. Após
uma longa conversa sobre diversos tópicos de somenos importância, evitando
o assunto principal —pois ele estava evidentemente nervoso e desconfiado —ele
me mostrou a sua biblioteca, a qual incluía uma tradução de Paraíso Perdido de
Milton. Ofereci-lhe um Novo Testamento, e quando ele hesitou em tocá-lo, eu
me dei ao trabalho de provar que era o mesmo Testamento que o próprio papa
usava (ou devia usar!), sendo uma tradução da Vulgata. Então ele disse que não
podia ler o Testamento depois de oficiar por tantos anos como sacerdote cató­
lico, e ele já era velho demais para mudar de religião. “Que falaria o povo se eu
assim fizesse?”, perguntou ele, pateticamente. Dei-lhe o meu testemunho aten­
tamente. Finalmente, aceitou um Testamento em tipo grande e, ao partirmos,
ele nos desejou felicidade e rogou que Deus abençoasse e fizesse prosperar nos­
so trabalho... Também visitei o quartel hoje e vendi um bom número de livros
aos soldados e prisioneiros.
6 de setembro. Praticamente terminou a visitação de casa em casa hoje (...)
e das três grandes caixas de Escrituras, sobraram só seis Bíblias, seis Testamen­
tos e alguns evangelhos. Diniz visitou a prisão estadual hoje e distribuiu alguns
evangelhos entre os presos. Vendemos o resto... em Cuxipó onde havia mais
compradores que livros a serem vendidos.
Assim, em oito dias de tal forma despertamos o povo apático de Cuiabá, que
vendemos noventa Bíblias, 315 Testamentos, e setenta evangelhos, além de
distribuirmos grátis alguns Testamentos e mais de seiscentos evangelhos, ou
um total de mais ou menos 1.100 exemplares [de Bíblias, Novos Testamentos,
e porções].
Tendo vendido minha tropa de animais por mais que o seu preço original,
em poucos dias nossa pequena equipe se achava a bordo de um vapor rumo a
Buenos Aires, a umas 2 mil milhas rio abaixo.167

A obra social de Hugh Clarence Tucker


Dr. Hugh Clarence Tucker (1857-1956), missionário metodista e por muitos anos
secretário da Sociedade Bíblica Americana, era homem apaixonado pelo serviço ao
semelhante. Ele, sua esposa e sua fdha, sofreram de febre amarela. Tendo lido sobre o
trabalho do Dr. Walter Reed no saneamento de Cuba, Tucker pôs o Dr. Osvaldo Cruz

281
História Documental do Protestantismo no Brasil

em contato com Reed e outros nos Estados Unidos, e serviiu de intermediário durante
a campanha de saneamento que livrou o Rio de Janeiro desse flagelo (1903-1908). Foi
a mola propulsora na fundação do Hospital dos Estrangeiros e, depois, do Hospital
Evangélico, no Rio de Janeiro. Sem dúvida, porém, o maior monumento do seu tra­
balho social foi o Instituto Central do Povo, o primeiro centro social a ser organizado
no B rasil.168 O centro nasceu em resposta às necessidades dos habitantes da favela da
Saúde e Gamboa, muitos deles operários que trabalhavam na remoção do Morro do
Senado e na construção do porto. Colportores da Sociedade Bíblica Americana, sob
direção de Tucker vendiam Bíblias entre esses operários, um grupo dos quais se reunia
na hora do almoço para a leitura do Novo Testamento. Para atender esse grupo, Tucker
alugou um salão e iniciou o trabalho que viria a se tornar mais tarde o Instituto Cen­
trai do Povo (1906).

(T4-4) DOCUMENTO: Excerto da au tobiogra fia in édita d e H. C. Tucker


As necessidades das massas, especialmente das numerosas crianças nas ruas e
becos da redondeza do nosso salão alugado, constituíram um apelo para um
serviço muito além do nosso programa original de pregação e distribuição da
Bíblia, que exigiu mais espaço e obreiros do que os que poderiam ser obtidos
com os fundos que levantávamos. Coloquei a situação perante o presidente de
uma grande empresa de serviço público, que se interessou e me levou ao geren­
te geral, ao qual repeti o apelo, “Dois contos de réis dão para começar?” per­
guntou o gerente. Isto valia US$600, muito mais do que ousara esperar. Com
esta soma acrescentamos uma escola diurna, noturna e um jardim da infância,
Era o primeiro jardim da infância [da cidade] e ele atraiu muita atenção. Estu­
dantes da escola normal vieram ver e aprender, e já tive a satisfação de ver
outros jardins da infância estabelecidos sob controle governamental...
Falei com o Dr. J. W. Coachman, chamado o “pai da odontologia americana
no Rio”. Ele ofereceu seus serviços profissionais, forneceu escovas de dentes e
ensinou as crianças a usá-las. Médicos foram consultados e solicitados a doa­
rem seus serviços para o tratamento de crianças cujos pais não podem pagar
pelos serviços médicos. Esses passos levaram à organização permanente de clí­
nicas dental e médica. Publiquei, no Jorn a l do Comércio, um artigo sobre a
necessidade de escolas de enfermagem, que despertou algum interesse. Conse­
gui a ajuda de uma enfermeira do Hospital dos Estrangeiros e ela, com o médi­
co encarregado da nossa clínica, ministrou a primeira instrução de enferma­
gem dada nesta cidade.
Quando foi aberta a avenida central e uma outra rua próxima da nossa mis-

282
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

são... centenas de crianças correram... para brincar na rua alargada. Logo houve
acidentes e um dia uma criança foi morta por um automóvel que passava; daí
as outras crianças voltaram às pressas para suas “tocas”. Consegui uma balsa de
uma firma amiga e levei trezentas destas crianças a uma ilha na baía para um
piquenique. Tiraram os sapatos e saltitavam na grama como cordeiros, e uma
menininha chegou bem perto de mim e disse, “Esta é a primeira vez que meus
pés descalços tocam a grama verde”. Voltei para casa aquela noite perguntando
o que se poderia fazer para providenciar um parque de recreio para estas crian­
ças...
Comecei no dia 3 de julho de 1909 publicando no Jorn a l do Comércio um
artigo sobre o valor dos parques de recreio modernos... artigos semelhantes em
dezembro e fevereiro (...)
Quando esteve no Rio em março de 1910, William Jennings Bryan1® visi­
tou o Instituto Central do Povo e deu uma palestra sobre parques de recreio...
e, a meu pedido, apelou à esposa do prefeito para influenciar no plano. O
interesse cresceu entre círculos seletos, mas as autoridades não estão muito
impressionadas.
[A prefeitura doou um terreno para o parque e montou o equipamento
doado pela “Light” e outras empresas.] A inauguração formal do primeiro
“p layground" moderno para crianças no Rio se deu a 12 de outubro de 1911,
como parte do feriado nacional em comemoração à descoberta da América. O
prefeito, o superintendente dos parques de recreio, e muitas pessoas preemi-
nentes estiveram presentes. Houve banda, muitos discursos de parabéns, o pa­
vilhão nacional foi erguido e as crianças cantaram o hino nacional. A Associa­
ção Cristã de Moços (ACM) cumpriu sua promessa de providenciar um dire­
tor. O playgroun d tem sido uma instituição aceita e apreciada desde aquela
época. (...)
A pesquisa da redondeza da missão revelou a incidência de muita tuberculo­
se e a falta de conhecimento a respeito dela. Consegui dos Estados Unidos um
cartaz de prevenção170 e mandei imprimi-lo em português. Também tomei as
providências para projetar [pela “lanterna mágica”] uma coleção de lantern slides
sobre a tuberculose, sua disseminação e prevenção, e consegui que nosso médi­
co fizesse uma conferência para acompanhar a projeção. Eu sabia que, se o
embaixador americano, homem muito popular e interessado no problema,
consentisse em assistir, eu poderia contar com a presença de um bom número
de brasileiros oficiais e homens de influência. O embaixador bondosamente
prometeu comparecer, e disso informei o prefeito do Rio, o diretor de Depar­
tamento de Saúde Pública, jornalistas e muitos outros, ao fazer o convite. Qua­
se todos os convidados e duzentos outros viram a projeção, ouviram a confe­

283
História Documental do Protestantismo no Brasil

rência e receberam os cartazes. Nossa campanha foi lançada com êxito.


Os jornais noticiaram o evento e fizemos uma distribuição em maior escala
dos cartazes contendo conselhos práticos. O diretor do departamento de Saúde
Pública, o Dr. Carlos Seidh, solicitou que os desenhos fossem mostrados nas
escolas públicas; foram exibidos também ao ar livre nas praças públicas da cida­
de. Chamei a atenção para a expectoração descuidada e os hábitos da mosca
como fatores na propagação da doença. O Departamento de Saúde Pública
decidiu imprimir e distribuir um livreto sobre o assunto se eu fornecesse os
dados. Conseguiram-se publicações de Washington e Londres, e, com a ajuda
do médico do Instituto, preparei um livreto de 124 páginas, intitulado M oscas
e Doenças, que foi publicado e espalhado pela cidade aos milhares.
(...)
Entre as atividades da missão tínhamos agora culto, instrução religiosa, jar­
dim da infância, educação primária, aulas de arte culinária, costura, datilogra­
fia, enfermagem, recreação, serviço dental e médico de graça, jogos ao ar livre e
educação física, e melhora no meio ambiente material e moral. Tínhamos a
alegria de ver pessoas convertidas, vidas reformadas, crianças e adultos avan­
çando para uma vida intelectual mais elevada, física e moral.
( . .. )
Mas eu percebia [entre as crianças] o espectro da subnutrição, e planejei
meios para combatê-la. De negociantes amigos obtive leite, farinha de trigo
integral e açúcar. Consegui também pratos adequados e uma balança médica.
Nosso médico examinou e pesou as crianças e começamos nossos experimen­
tos sobre nutrição. Muitos profetizaram a derrota e declararam que as crianças
não comeriam essa nova comida. Mas comiam, e pediam mais. Os resultados
logo se tornaram visíveis no seu rosto e movimentos. Estavam se tornando
melhores, mais obedientes à disciplina, e mais fáceis de serem dirigidas nas
brincadeiras. O diretor do Departamento de Saúde Pública soube do experi­
mento e indagou a respeito. Eu o convidei para nos visitar; ele comeu um prato
do mingau de trigo integral e gostou. Hoje o cuidado dos dentes, inspeção
médica, parques de recreio e alimentação de crianças estão se espalhando pelo
Rio e estão sendo proporcionados em outras cidades brasileiras.
(...)
[Em 1922, como parte da comemoração do centenário da Independência,
resolveu-se realizar um congresso do bem-estar da criança.] A comissão do pro­
grama [do congresso] pediu que eu preparasse um ensaio sobre a educação
física da criança pré-escolar. Foi um chamado para um novo tipo de serviço
missionário; mas preparei o trabalho e o congresso expressou sua apreciação
pelo esforço e o publicou nas suas atas oficiais. Poucos anos depois, um segun­

284
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

do congresso do bem-estar da criança se realizou, sob a direção do ministro de


saúde pública, no gabinete do presidente, e me pediram para preparar e apre­
sentar uma conferência sobre “a educação sexual: quando e como ministrá-la”.
Foi um assunto muito mais delicado e difícil, mas acedi e tive o prazer de
receber do congresso palavras de apreciação e apoio.171
O Departamento de Saúde Pública do Brasil começou, em 1924, a estabele­
cer clínicas de higiene infantil (postos de saúde) para dar atenção especial a
crianças novas e às mães. Houve dificuldade para se achar um prédio apropri­
ado para uma clínica perto do Instituto Central do Povo, e eu sugeri às autori­
dades um acordo pelo qual poderiam usar uma parte do nosso prédio. Fez-se o
acordo, e a clínica foi publicamente inaugurada no dia de Natal em 1925.
Conforme o uso brasileiro, houve uma cerimônia apropriada, com diversos
discursos, e eu me referi à feliz coincidência da abertura da clínica no aniversá­
rio daquele que disse, “Deixai vir a mim as criancinhas”. O jovem médico
encarregado da clínica estudara nos Estados Unidos, e a enfermeira no Granbery.
Esta obra cooperativa com as autoridades públicas tem florescido por treze
anos e continua com crescente utilidade.
A velha e odiosa doença da lepra era comum por toda a parte no Brasil. Nas
minhas viagens, freqüentemente vi leprosos nas mais avançadas fases da doen­
ça pedindo esmolas nas ruas. Pouco ou nada se fazia a respeito da situação; as
atitudes comuns do fatalismo obstruíam todos os esforços. Os leprosos viviam
com suas famílias, geravam filhos, e misturavam-se com a população geral no
trabalho e nas ruas. Quando algumas jovens professoras que foram educadas
em nossas escolas protestantes contraíram a doença, sentimos na carne a situa­
ção e resolvemos sensibilizar a consciência pública. As autoridades e alguns
cidadãos influentes foram despertados ao ponto de buscar separar as crianças
sãs dos pais leprosos e algumas das vítimas da lepra foram afastadas. Grupos
isolados de mulheres se interessaram tanto pelo bem-estar social e espiritual das
crianças separadas como pelos próprios leprosos, mas esse foi um começo mui­
to tímido que mal tocou o problema nacional.
Numa conferência de médicos e outros, convocada para efetivar uma orga­
nização mais sólida e estender as atividades já iniciadas, fui convidado para
abordar o assunto “cooperação da iniciativa privada com a autoridade pública”,
no que dizia respeito à lepra e explicar a obra da Missão Americana entre os
Leprosos. Essa ocasião me pôs em contato com um grupo de eminentes cien­
tistas, oficiais de governo e líderes sociais.
A conferência revelou o fato de que, em várias partes do país, pequenos
grupos de mulheres procuravam ajudar os leprosos. Esse esforço parecia ofere­
cer a oportunidade para uma organização mais abrangente, e decidiu-se orga-

2 85
História Documental do Protestantismo no Brasil

nizar-se uma federação para troca de idéias e desenvolvimento de melhores


métodos de trabalho. ..O trabalho principal da federação tem sido o estabeleci­
mento de lares para os filhos sãos de pais leprosos, porém ela tem promovido
também as colônias de leprosos e hospitais para os próprios doentes. Não tí­
nhamos verba, mas quando conseguimos conscientizar o povo local, os gover­
nos federal e estadual resolveram financiar a operação. A federação já construiu
três lares e quatorze outros estão em construção enquanto escrevo estas linhas.
A oficial executiva da federação é uma cristã protestante, Dona Eunice
Weaver, esposa brasileira de um missionário metodista americano, o Prof.
Anderson Weaver. Trabalhando sem salário, ela tem viajado por todo o país e
agora é reconhecida como a mais importante autoridade leiga no Brasil no
problema dos leprosos. Eu fui nomeado representante no Brasil da Missão
Americana entre os Leprosos, e apoiei o movimento tão ativamente quanto
possível, em vista das numerosas outras responsabilidades que tinha. Dona
Eunice tem visitado muitas partes do mundo, inclusive os Estados Unidos,
para estudar o problema e ela foi a única mulher no programa da Conferência
Mundial sobre a Lepra, realizada no Cairo, Egito, em 1938.
(...)
A Liga das Nações ficou interessada na importância do Brasil na luta mun­
dial contra a lepra, e negociações foram iniciadas para o estabelecimento de um
laboratório para pesquisas especiais, no Rio. Elaborou-se um plano conjunto
entre um comissário da Liga das Nações, o governo brasileiro, e um filantropo
brasileiro, e ele foi firmado no Ministério do Exterior no Rio, com a costumei­
ra formalidade e cerimônia brasileiras. Convidaram-me para afixar a minha
assinatura ao documento, por causa do meu interesse e atividade pioneira rela­
tiva ao problema. Fui ao Brasil como o servo daquele que mandou “purificai
leprosos”; não sosseguei até que pudesse dizer, como os primeiros apóstolos,
“os leprosos são purificados”.172

Missões entre índios


Enviado ao Brasil em 1556 pelo próprio João Calvino, o ministro calvinista Pierre
Richer se preocupou com a evangelização dos verdadeiros brasileiros, como revela sua
importantíssima carta, de 30 de abril de 1557. Quando, no século seguinte, os holan­
deses ocuparam o Nordeste do Brasil, sua preocupação não demorou em manifestar-
se. A III Assembléia da Classis do Brasil, da Igreja Reformada Holandesa, reunida na
cidade do Recife, em 3 de janeiro de 1638, nomeou o pastor David van Dorenslaer
para trabalhar nas aldeias indígenas.173 No período moderno, missões adenominacionais

286
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

como a Missão Caiuá (associação de catequese dos índios ), a H eart o f A m azônia


M ission, a obra do S u m m er Institu te o f L inguistics, a M issão N ovas Tribos e também de
igrejas individuais como a Batista no norte do país, a Luterana no oeste do Paraná, e a
M etodista no Mato Grosso do Sul, entre outras, trabalham com o índio brasileiro. O
conjunto das missões protestantes representa, porém, apenas um a pequena fração da
obra total de catequese dos índios, tendo cabido aos católicos romanos uma parcela
muito maior.

DOCUMENTO: M issão en tre os índ ios


Como já foi relatado organizou-se a Sociedade de Evangelização aos índios,
em que cooperam três denominações e uma missão estrangeira. Podemos este
ano incorporar ao nosso relatório geral as seguintes informações recebidas do
Rev. A. S. Maxwell, superintendente da Missão aos Caiuás:
A missão possui cerca de mil hectares de terra, comprados em 1930 por
15:884$000 (incluindo 30$000 de imposto para o ano de 1931), uma chácara
com uma casa comprada há pouco tempo por 2:486$000 e mais 25 hectares de
terras já compradas anteriormente. A chácara foi adquirida por oferecer um
excelente local para a sede da missão, ficando muito próxima ao posto de pro­
teção aos índios. É aí que estamos fixando a nossa residência. Temos os seguin­
tes animais: um cavalo, um burro, uma charrete, dois arados, pedras para mo­
inho de fubá e um automóvel Chevrolet.
Temos empregado este ano os nossos esforços principalmente para desen­
volver a sede da missão, quer trabalhando na derruba e plantação de uma roça
de três alqueires de terra, quer tirando e buscando madeiras para construção de
casas. O trabalho do médico entre os índios tem sido limitado; entretanto,
estes já começam a compreender que temos um médico ao seu dispor e espera­
mos conseguir, para o ano, muito maior atividade, neste serviço da missão, do
que temos conseguido até o presente. Logo que o médico esteja estabelecido
perto do posto, o contato com os índios será mais fácil.
O agrônomo tem se dedicado, até o presente, ao serviço da roça e constru­
ções. Esperamos, entretanto, logo que possível que comece a dar instruções aos
índios sobre a maneira de plantar e cultivar as suas chácaras, ensinando-lhes
novos métodos e introduzindo novas plantações, especialmente de verduras,
que são tão necessárias à sua alimentação.
Infelizmente, nada temos feito quanto à educação escolar, tendo o professor
nomeado deixado a missão sem ter organizado a escola. O Sr. Dr. Nelson [de
Araújo] ofereceu-se ao Serviço de Proteção aos índios para auxiliar na escola
que está sendo estabelecida no posto. Esperamos que o substituto do professor

287
História Documental do Protestantismo no Brasil

Esthon Marques venha o mais breve possível. A importância do trabalho esco­


lar como serviço da missão é muito grande, sendo desnecessário falar do seu
valor. Temos conseguido alguns resultados favoráveis no serviço de evangelização,
embora estejam ainda esses resultados muito aquêm dos nossos desejos. Du­
rante o ano temos realizado cultos, quase todas as semanas, apresentando-se o
Evangelho por meio de leituras, cânticos e pregações, na língua guarani. E
nosso ajudante, Don Antônio, natural do Paraguai, membro da Igreja Episco­
pal, sendo ele o pregador. Antes da sua vinda para cá, tínhamos como intérpre­
te o Sr. Albino, nosso amigo daqui, interessado no Evangelho. Calculamos que
cerca de 250 índios têm tido o privilégio de ouvir, pelo menos, alguma coisa do
Evangelho. O ministro espera dedicar, no próximo ano, a maior parte de seu
tempo ao trabalho de evangelização. E de esperar-se que o serviço evangélico
seja bem organizado entre os índios dos quatro postos já estabelecidos para os
Caiuás, no sul do Mato Grosso. Desejamos atingir também, mais tarde, os
índios Caiuás do lado do Paraguai. Com o auxílio do automóvel tornar-se-á
muito mais fácil o contato com os diversos grupos, coisa que tem sido até agora
quase impossível, por ser demasiadamente caro o aluguel do automóvel. O
movimento financeiro acusa o total de 29:650$100 de despesas efetuadas no
exercício findo. O total de ofertas recebidas durante o ano foi 1:764$ 100. O
orçamento para 1932 inclui as seguintes verbas: 2:850$000 para o serviço
médico; 5-‘000$000 para o departamento agrícola e 2:000$000 para o departa­
mento escolar.174

(J4 6 ) DOCUMENTO: O bra batista en tre os Craôs


Nesta primeira fase de vida e de trabalho na aldeia [1926], limitamo-nos a
fundar a primeira escola para índios. Logo no terceiro dia de aldeia mandei aos
índios que trouxessem palha e madeira, construíssem uma barraca aberta, e
pusessem linhas de madeira, a guisa de bancadas, e, aí, sem mesa nem cadeira,
começamos a escola. Minha irmã Constância Campêlo foi a primeira professo­
ra. O trabalho de pregação era feito nas tabas, ao ar livre. Os índios se reuniam
no centro da taba, no mesmo lugar em que se reuniam para suas danças e seus
cultos pagãos. Via de regra, ouviam a pregação sentados no chão ou deitados.
Eu falava em português, visto que os homens sabiam a língua. Eles, porém,
nunca traduziam para as mulheres o que eu pregava. Sempre diziam a elas que
eu estava ralhando com elas por causa dos furtos que elas praticavam. Era uma
maneira de sabotar a pregação.
Fiz também nesse período um começo de lavoura, comprando uma rocinha,
plantando-a e entregando-a, em seguida, a um índio —para receber depois
somente reclamações e cobranças. Nenhum resultado da lavoura.

288
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

Era o mês de maio de 1927. Novamente nós chegamos à aldeia. Nossa velha
barraca não servia mais para nos abrigar, porém agora o tempo favorecia a cons­
trução - pois havia palha nos campos enquanto os índios não ateassem fogo de
novo. Reconstruí nossa casinha, e recomecei as atividades educacionais e
evangelísticas (...)
A aldeia de Pedra-Branca (Iquene-pó-icré), com 405 almas, distava da nossa
umas quatro léguas. Os chefes daquela aldeia tinham exigido de mim o mesmo
trato que estava dando a Craonópolis. Como não era possível residir em duas
aldeias, resolvi abrir lá uma outra escola para ir começando a obra. O rapaz
nosso auxiliar era dono duma caligrafia invejável. Lia fluentemente e sabia
falar correto, sem os sotaques matutos. Sabia um pouco da língua N hêengatu e
conhecia bem os costumes dos guajajaras. Seu nome —Joaquim Lopes Leão —
era simplesmente discordante de sua figura. Eu o julguei um cordeirinhopreto;
porém ele era um autêntico leopardo, os anos o iriam provar. Nomeei-o profes­
sor de Pedra Branca. Era nossa segunda escola fundada entre os índios. Seu
salário de início seria de 20 mil réis mensais e a alimentação.175
(...)
Os cristãos, como são chamados os civilizados que moram nas vizinhanças
dos índios, comerciavam com os selvagens na base da exploração. Vendiam
cachaça por peles de animais selvagens. Exploravam também as mulheres índi­
as —razão por que se julgavam prejudicados com a minha presença. Daí as
mentiras, os fuxicos e as intrigas criadas pelos matutos, com o objetivo de con­
seguir o meu afastamento da aldeia. Em contrabalanço, os sertanejos benefici­
ados em seus contatos conosco se constituíam nossos incondicionais amigos.
Segue um exemplo de reconhecimento de matutos, pelos serviços a eles presta­
dos:
“O Homem de Bem”
Esse fato ocorreu muito no fim do meu ministério entre os Craôs.
João Campos era um homem honesto e trabalhador que morava a umas dez
léguas de minha casa. Era analfabeto, porém sabia economizar e possuía sua
centena de vacas. O Juiz Distrital, carola desonesto, apaniguado pelo Coletor
Estadual, o qual dispunha da força pública policial, prendeu sem justa causa o
matuto e o manteve em trabalhos forçados durante doze dias. Depois forçou-o
a comprometer-se em dar quinze vacas, escolhidas de seu rebanho, às desones­
tas autoridades. O matuto mandou que eles fizessem o documento, porém
alegou sua condição de analfabeto, pelo que deixou-o só na base da validade
que lhe dava a autoridade. Solto, foi a casa para buscar as vacas, porém não
regressou, indo antes entender-se comigo. Era a primeira vez que me visitava.
História Documental do Protestantismo no Brasil

Falou-me:
- Sou preto e pobre. O que digo, porém, pode escrever e mandar para o céu.
Fui com o sertanejo à sede da Comarca, entendi-me com o Juiz de Direito e
trouxe de volta uma correspondência que colocou tudo nos eixos. Dias depois,
fui com minha esposa 176 fazer uma visita de evangelização ao Sr. João Campos
e à sua vizinhança. O homem havia convidado o sertão vizinho até a vinte
léguas ao redor. Foi uma reunião como as que se fazem nas festas dos matutos
ricos quando casam suas filhas. Havia gente por todas as casas da
circunvizinhança, por debaixo das árvores e a casa dele não tinha um só lugar
vago. Matou boi, porco cevado, dezenas de aves de várias espécies —fez uma
provisão para centenas de pessoas. Avisou a todos os convidados que não fu­
massem em sua casa onde eu estava hospedado, que houvesse todo o respeito,
como se estivessem na missa.
Um grande vão de casa estava destinado ao culto. Havia mesa coberta de
toalha branca e, além, estavam as mesas do refeitório. Era uma festa muito sem
graça para os matutos, pois eu não fazia nada além de pregar e cantar, ajudado
por D. Orfisa177 que começava a aprender alguns hinos no órgão. Nosso hos­
pedeiro, porém, não se continha de contentamento. Dava atenção a todos os
seus convivas, servia-os de quando em quando, era vida sintetizada em comer e
cantar (para nós), pois eles simplesmente comiam e ouviam. No meio daquela
gente, um lhe perguntou: —Então, você agora é crente? O homenzinho, cheio
de entusiasmo, respondeu: —Os hom ens de bem são. Assim tam bém eu.
(...)
Minhas pretensões eram que, com um ano de vida entre os índios, eu já
teria uma igreja organizada e próspera —pois julgava que eles não reagiriam
contra a pregação, por lhes faltar uma religião. Aí, porém, estava o meu erro.
Os índios são muito mais religiosos do que qualquer povo que conheço. A
idéia já tradicional de que os índios não têm religião se fundamenta num erro
grave de observação dos estudiosos do assunto. É que o índio se mostra
irreverente para com os ídolos dos civilizados. De fato, quem tem o sol por seu
deus, não o vai trocar por uma imagem feita, seja lá de que material for. Quan­
do se dá uma imagem a um índio, ele a troca por fumo ou por qualquer outro
objeto. Só o que não acontece é levá-la para sua aldeia. Eles até pensam que elas
podem causar medo aos meninos. E a irreverência do índio para com os obje­
tos de culto dos católicos que levou os “cristãos” a pensarem que os índios não
são religiosos. E essa idéia generalizada me prejudicou, pois fui na onda dos
temerários. Muito mais tarde, quando a vida do índio deixou de ser um misté­
rio para mim, é que cheguei a saber, por um processo profundamente reflexivo,
as razões do comportamento do índio, tanto no que diz respeito à religião

290
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

como aos costumes de que se não apartam.


(...)
Quando me convenci de que a solução número um para todas as dificulda­
des no trabalho entre os índios era produzir até extinguir a fome, não hesitei
um só instante. Lancei mãos da ferramenta, pus os sertanejos na lavoura, co­
mecei a criação de gado e de aves em boa quantidade, incentivei os índios à
lavoura, e tudo começou a mudar.178

Trabalho da mocidade
A mocidade presbiteriana exige mudanças
Enquanto a Igreja Presbiteriana oficial, representada pelos seus ministros, tomava
em geral uma posição teológica conservadora, a juventude questionava a atitude da
Igreja quanto ao “modernismo” e ecumenismo e exigia novas formas de pensamento e
prática mais adequados a um mundo em contínua evolução. O trabalho da juventude
teve, a partir de 1944, o jornal M ocid a d e como veículo das suas idéias e, desde 1946,
contou com a jovem Billy Gammon como secretária da mocidade. Sob sua liderança,
o número de sociedades locais cresceu de 150 para seiscentos, com 17 m il membros,
até 1958. Nesse meemo período, M. Richard Shaull veio ao Brasil para trabalhar entre
universitários. Professor do seminário em Campinas desde 1953, ano em que come­
çou a cooperar com o departamento da mocidade e a União Cristã de Estudantes do
Brasil (UCEB), tornou-se uma das vozes mais influentes na mocidade presbiteriana e
evangélica em geral. Crendo ultrapassada a controvérsia modernista-fundamentalista,
Shaull se concentrava na missão de Deus no Brasil, enquanto deixava evidente seu
espírito ecumênico. Veio o inevitável choque e, após uma década de calorosos debates,
o Supremo Concilio, em 1962, de tal forma reestruturou o Departamento de M oci­
dade que esta perdeu sua autonomia, ficando sujeita ao firme controle da Igreja.179

( k 7) DOCUMENTO: P alavra d o Re v. J o s é B orges dos Santos Jú n ior, na 2 a co n ­


sulta sobre a responsabilidade so cia l da Igreja (1957)
Não hesito em dizer que uma Igreja fora do mundo é uma Igreja que deser­
tou. Não hesito em afirmar que o lugar da Igreja é no mundo, bem como
insisto em dizer que é indispensável trazer o mundo para dentro da Igreja.
Porque só a Igreja como instrumento do poder e da graça de Deus tem recursos
para salvar o mundo, isto é: a política, a indústria, a lavoura, o trabalho e tudo
que é do homem. Porque no momento há uma situação grave, periclitante no
grande conflito entre o Reino de Cristo e o Reino das trevas: o princípio do

291
História Documental do Protestantismo no Brasil

mal está usando aquilo que é do homem —o comércio, a política, o magistério


e outras coisas mais —para degradar, explorar e destruir o homem. A Igreja
como serva de Cristo, seu rei e cabeça, tem a obrigação de trazer todas essas
coisas para junto de si e resgatá-las para o serviço do Senhor, para benefício,
salvação e felicidade do homem. Não estou dizendo que a Igreja tem de entrar
no comércio, na indústria, na política ou em qualquer outra atividade huma­
na, mas que o crente tem de ser homem dentro do mundo, fazendo suas ativi­
dades do homem, para exercê-las como instrumentos de vida, alegria, liberta­
ção e felicidade, e não de morte e degradação do homem. Se fosse para ficar­
mos alheios, o Senhor não teria pedido ao Pai: “Não rogo que os tires do mun­
do, mas que os livres do mal”.180

(T48) DOCUMENTO: Q uando o silên cio é estranho


Há um silêncio... que é detestável e prejudicial; não o silêncio na Igreja —
que muitos já o cultivam - , mas o silêncio da Igreja: qual o tem rompido com
palavras atuais e corajosas? E evidente que certos assuntos não podem ser trata­
dos no púlpito; mas este tem-se tornado um lugar de repetições extenuantes,
frases feitas e sem nenhum efeito novo, lugar onde se demonstra falta de estudo
e de leitura. Fora dali, nada mais, pouco mais para atender tremendos casos
pessoais e grandes problemas universais —da Igreja e do mundo. E é no púlpito
que se prepara o encontro pessoal posterior entre o pastor e o ouvinte. Este
silêncio da Igreja está durando mais do que deve. Por que ela não se pronuncia
sobre a situação desconcertante do mundo de hoje? As doutrinas políticas e
sociais tomam conta de todos nós em doses diárias. No entanto, ou o púlpito
nada diz, ou repete coisas superficiais em frases condenatórias apenas. Há tam­
bém o silêncio da Igreja sobre a questão sexual. Uma juventude inteira se cria e
se desenvolve sem que haja uma palavra da Igreja, que não seja provocada em
reuniões muito especiais ou em congressos (que adianta tratar disso somente
em congressos, onde uns p o u co s têm a oportunidade de comparecer?). E ainda
há o grande, recentíssimo silêncio sobre um ideal de gente moça, de alma reno­
vadora, ávida de novas formas num mundo que não pára: o movimento
ecumênico. A Igreja se fecha, rotula o grande movimento de perigoso, avança­
do, modernista (quanta coisa dos “fundamentalistas” de hoje já foi modernis­
mo!). Um dia, quando se ouve ou se lê certas coisas, assustam-se aqueles que
acham cômodo calar. Nesse dia cai a máscara da coação que o silêncio gera;
parece que tudo saiu dos eixos; há medidas quase violentas. Este é o estranho
silêncio e absurdo que, se continua assim, outros falarão em lugar da Igreja.181

292
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

(J4 9 ) DOCUMENTO: A crise a tu a l e a sua solução


...A mocidade, sem o mínimo conhecimento de causa, mas com grande
presunção de saber, redige os seus jornais, e no uso e no abuso dos direitos que
a Igreja lhe concede enxovalha ministros e até igrejas, exalta esses falsos mes­
tres, revelando uma ignorância revoltante dos fatos que se põem a comentar, e
das verdadeiras doutrinas em que devia crer, e recomenda ao leitor a sabedoria
e a quase infalibilidade de tais mestres. Confusão e mais confusão. Desautoração.
A velha Bíblia não vai perecer por isso. Sabe-se disso de sobra. Mas os corações
que a estão examinando como a regra de fé e prática, serão edificados? Vão
encontrar paz em Cristo os que lêem em jornais da Igreja um artigo de achincalhe
aos que ainda crêem nessas velharias? Esses notáveis racionalistas da crença na
Bíblia e em seus milagres, que fazem para o bem das almas, que estão nas trevas
do pecado? Que já fizeram alguns deles? E os seus presbíteros ou concílios, para
que existem? Admiram-nos, toleram apenas? Qual será o futuro da Igreja fiel
que nos legaram os pioneiros das missões?.. E para a luta sem tréguas do bem e
da verdade no seu aspecto doutrinário e prático da vida moral, que sois chama­
dos.182

CÜ2) DOCUMENTO: P resença da m ocid a d e na Igreja


Mais do que em qualquer fase na vida da Igreja, estamos sentindo hoje a
presença da mocidade. E uma constatação que nos alegra e nos preocupa. O
fato positivo e palpável é o resultado do esforço hercúleo de alguns dedicados
líderes, mas é principalmente o sinal da aprovação de Deus por tudo o que se
tem planejado e realizado neste importante setor da obra do Reino. Por outro
lado, esses contingentes de energias moças, introduzidos no organismo eclesi­
ástico, podem suscitar reações que venham a criar dificuldades e prejudicar-lhe
a harmonia. São idéias, temperamentos, emoções, toda uma cultura nova, fru­
to das imensas transformações deste meio século. Porque o que temos verifica­
do no convívio com a mocidade nestes últimos dez anos é que ela, se de um
lado está disposta a assumir a sua responsabilidade na tarefa da salvação das
almas, por outro não se esquece do corpo, e anseia por encontrar a solução para
os problemas que afligem o homem dentro da sociedade. Essa dualidade de
interesses que, segundo cremos, não se opõem, mas se completam, choca-se
por vezes com a concepção dominante na Igreja Evangélica em nosso país. A
mocidade hoje se interessa por todos os problemas, e a todos se atira com o
dinamismo e a sinceridade que lhe são característicos. Aos responsáveis pela
salvação das almas dessa mocidade cumpre compreender este anseio natural, e
restabelecer o desejado equilíbrio. Essa tarefa delicada está afeta aos pastores,
conselheiros e líderes moços, que vêm-se desincumbindo, salvo as indefectíveis

2 93
História Documental do Protestantismo no Brasil

exceções, com o melhor êxito. Mas no meio da comunidade presbiteriana, há


muita gente que não se conforma com as aspirações dos moços, expressadas em
seus congressos ou no seu jornal. Contudo, cremos que está próximo o dia em
que todas as diferenças se aplainarão, e dessa simbiose se beneficiará ainda mais
a nossa amada Igreja Presbiteriana, para honra e glória do Reino de Deus.183

(TsT) DOCUMENTO: S em inário inferiorizado?


Ouvi, não há muito, de dois vultos havidos por destacados no âmbito da
mocidade presbiteriana no país, que comparavam desfavoravelmente o semi­
nário de Campinas com instituição congênere desta parte do hemisfério... Nin­
guém que se ponha em contato direto e prolongado com o seminário de Cam­
pinas poderá deixar de reconhecer-lhe múltiplas e profundas deficiências... Há
porém um aspecto em que é o seminário de Campinas insuperável, em que
nem os mais decantados e festejados centros de educação teológica do país e do
estrangeiro lhe podem levar a palma: é sua tradicional firmeza doutrinária, a
sua irrestrita fidelidade às Escrituras, a sua inabalável ortodoxia, a sua inflexível
lealdade à fé evangélica, a sua absoluta aceitação da verdade de Cristo. Firmado
na premissa augusta da Bíblia como a Palavra de Deus, tem o seminário man­
tido os princípios eternos e imutáveis da fé bíblica, sem reservas nem restrições
acomodantes, jamais cedendo às falazes blandícias daqueles que, pretensos eru­
ditos, ou empavonados sábios, vivem a deblaterar contra o espírito arcaico, a
teologia musgosa, a perspectiva anacrônica, a mentalidade atrasada, ainda que
apostólica, ainda que bíblica, ainda que genuinamente cristã, dos lídimos mes­
tres da casa e de seus dignos discípulos... Prouvera que a dinâmica e talentosa
mocidade presbiteriana da pátria viesse a compreender que o verdadeiro crité­
rio por que aferir da grandeza, da superioridade real do indivíduo ou da insti­
tuição do seminário ou da Igreja reside na extensão em que se submetem hu­
mildemente à vontade de Deus; em que se sujeitam lealdade a Cristo, o Se­
nhor; em que acatam reverentemente o ensino da Bíblia; porquanto Evange­
lho, verdade divina, que pode mudar a cegueira, a petulância ou a estulta sabe­
doria humana.184

dH > DOCUMENTO:A reestrutu ração da m o cid a d e p resb iteria n a


O Supremo Concilio resolve com relação à reestruturação do trabalho da
mocidade: 1. Reconhecer que efetivamente havia necessidade de uma
reestruturação e reconceituação da estrutura das atividades das mocidades in­
ternas, que caminham à deriva do governo e da orientação presbiteriana, cau­
sando uma hipertrofia de entidades, que deveriam existir apenas como depar­
tamentos diversos, orientados pelos concílios, e visando a aproximação dos di-

2 94
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

versos grupos das comunidades evangélicas. 2. Homologar, em linhas gerais, a


nova estruturação adotada pela CE do SC [Comissão Executiva do Supremo
Concilio]... No âm bito local: Art. IoAs Uniões da Mocidade sejam estruturadas
para se colocarem como parte da igreja local, funcionando como departamen­
to da mesma, dentro do governo presbiteriano, e serem assim melhor assisti­
das... No âm bito presbiterial: Art. 3o Os presbitérios promoverão congressos
presbiteriais de mocidade sob a supervisão de seus secretários presbiteriais com
a participação de representantes das UMPs de igrejas ou congregações, escolhi­
dos anualmente na proporção de 1 (um) para cada 10 (dez) membros, na for­
ma prescrita para eleições de diretorias locais... No âm bito sinodal-, Art. 7o Os
sínodos promoverão congressos sinodais de dois em dois anos sob a supervisão
de seus secretários sinodais, com a participação de representantes na proporção
de um para cada vinte membros... No âm bito geral-. Art. 12° A supervisão geral
do trabalho da mocidade estará a cargo da JOM (Junta de Orientação da Mo­
cidade], que é formada dos secretários sinodais, um representante de cada
congresso sinodal e o SGM [Secretário-Geral da Mocidade] que a presidirá.
Art. 13° Serão membros “ex-officio" da JOM o presidente e o secretário-execu-
tivo do Supremo Concilio, bem como o secretário-executivo da Junta de Edu­
cação Religiosa... Art. 16. A JOM prestará anualmente o relatório de seus tra­
balhos à CE do SC.185

P ro b lem as e fr u stra ç õ e s
A política de nacionalização do Estado Novo e o início da Segunda Guerra M un­
dial levaram o governo brasileiro a exigir que toda a pregação pública fosse feita no
idiom a pátrio, o que dificultou bastante o trabalho dos ministros luteranos, acostu­
mados a pregar em alemão. Ao mesmo tempo, o uso forçado do português nas prédicas
provou ser um passo importante na nacionalização do luteranismo no Brasil.

(JS 3 ) DOCUMENTO: C ircular sobre o uso do p o rtu gu ês nas p réd ica s


Aos senhores pastores do Sínodo Rio-Grandense,
Sobre os cultos divinos e atos solenes devem ser observadas as seguintes
instruções, expedidas com conhecimento prévio e consentimento do senhor
chefe de polícia.
Io Os senhores pastores devem tomar devidamente em consideração o arti­
go 16 do decreto-lei n°1545 e as instruções baixadas pelo senhor chefe de po­
lícia no tocante à execução deste decreto, relativamente às prédicas ou sermões
religiosos.

2 95
História Documental do Protestantismo no Brasil

2o São predicas ou sermões todos os discursos dirigidos à comunidade pre­


sente na celebração do culto divino regulamentar.
As breves alocuções pronunciadas comumente por ocasião de atos solenes,
como por exemplo a pronunciação de palavras co n fo rta d o ra s n o ato de
encomendação dos mortos, nunca proferidos do púlpito, não chamamos
prédicas. Declarou-nos o chefe de polícia a respeito dessas alocuções que em
casa podem ser feitas na língua oficial da Igreja, vigorando quanto às alocuções
feitas na igreja ou em lugares públicos as instruções do sr. chefe de polícia
relativas às prédicas.
3oAs autoridades estaduais não submetem o ritual da Igreja a restrição algu­
ma, nem a respeito da língua original do ritual luterano. Os cultos litúrgicos,
incluindo responsórios, hinos, cantados pela comunidade ou pelo coro, leitura
do Evangelho, da epístola e de textos clássicos dos patriarcas da Igreja, orações,
serão celebradas conforme os textos originais do ritual.
Do mesmo modo, serão usados os formulários de agenda relativos aos atos
solenes do Batismo, Confirmação, casamento, celebração da Santa Ceia,
encomendação de mortos e outras solenizações regulamentares, tais como inau­
gurações de igrejas, ordenação e introdução de pastores etc.
4o No tocante à prédica dominical o sr. chefe de polícia nos declarou que,
excluídas as sedes de município, em todos os outros lugares a prédica em por­
tuguês pode ser repetida em alemão, a juízo do pastor.
5o Oportunamente expedirei instruções mais detalhadas sobre as prédicas.
Saudações fraternais,
D. H. Dohms186

0 esfriamento do ferv or religioso


No começo, a evangelização aceitou acriticamente o cristianismo norte-america­
no, cujo “metodismo” (avivamento, “religião do coração”) caracterizava todas as de­
nominações em maior ou menor grau. Após a Guerra de Secessão, igrejas “sulistas”,
que nutriam o conceito da “espiritualidade da Igreja”, 187 e, pelo seu isolamento eclesi­
ástico do resto da nação norte-americana, permaneceram no seu eva n gelica lism resis­
tente a qualquer mudança de pensamento ou prática durante muito tem po.188 Esse
zelo moveu muitos missionários a virem para o Brasil, e aqui se propagou com notável
vigor. Com o passar do tempo, principalmente a partir da década de 40, começou o
inevitável esfriamento.

2 96

Jk
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

dB> DOCUMENTO: Um g rito d e alarm e


...Ia Os cristãos evangélicos contraíram algumas corrupções, que haviam
censurado na Igreja de Roma. Tornaram-se apáticos e mundanos, perderam o
entusiasmo pela causa e desviam sua atenção e energia para outras direções.
Realmente, poucos são os adeptos do cristianismo evangélico que demonstram
hoje zelo e fervor. Entre os próprios pregadores, muitos são os que demandam
serviços alheios ao seu mister, movidos por interesse próprio ou pela vaidade.
Há os que se vêem forçados a recorrer a trabalhos seculares para se manterem;
todavia outros o fazem para angariar mais do que precisam. Num e noutro caso
aniquila-se o entusiasmo que é a alma do propagandista.
...2a As forças evangélicas consomem a maior porção de suas energias em
lutas intestinas. Enquanto o mal campeia e o pecado assola indivíduos, famílias
e nações, os profetas maiores e menores dos diversos ramos evangélicos travam
polêmicas estéreis pela imprensa e provocam questiúnculas entre seus seguido­
res ou prosélitos. As diminutas divergências interdenominacionais não justifi­
cam de modo nenhum esses prélios, em que se refletem mais as vaidades pesso­
ais.
...3a Falta de organização. A maquinaria protestante, reconhece-se, é falha.
A máquina local é mais ou menos eficiente. A geral é falhíssima. Daí os erros
na distribuição de forças e na solução de pequenos casos que se tomam, por
isso, grandes e muito prejudiciais.
...4a Aniquilamento dos entusiastas. Estes são considerados elementos peri­
gosos. Encontram os maiores obstáculos e são forçados a ser cismáticos para
não sofrerem disciplina ou cair em letargia... O número de obreiros capazes,
cujo entusiasmo desapareceu pelo motivo exposto, aumenta seriamente e está
requerendo medidas enérgicas. Estão permanecendo no ministério, com raras
exceções, os menos capazes e os mais apáticos.189

A s r e u n iõ e s d e e s t u d o p ro m o v id a s p e lo S e t o r de R esp o n sa b ilid a d e S o cial


da Igreja
Poucas igrejas brasileiras190 pertenciam ao Conselho M undial de Igrejas quando
da sua Segunda Assembléia, em Evanston, Estados Unidos (1954), mas repercutiram
aqui as suas conclusões sobre a responsabilidade social dos cristãos frente às estruturas
do mundo. A Confederação Evangélica do Brasil criou, em 1955, a Comissão de
Igreja e Sociedade, que promoveu no mês de novembro do mesmo ano, a I Reunião de
Estudos sobre a responsabilidade social da Igreja. Participaram desse encontro realiza­
do na cidade de São Paulo, dezenove pastores e 21 leigos, representando doze igrejas.
História Documental do Protestantismo no Brasil

A II reunião, realizada em Campinas, tratou do tema “A Igreja e as rápidas transfor­


mações sociais do Brasil” (1957).191 Já a III reunião foi patrocinada pelo Setor de
Responsabilidade Social da Igreja, que havia substituído a Comissão de Igreja e Soci­
edade. Esta reunião, presidida por Waldo César, tratou do tema “A presença da Igreja
na evolução da nacionalidade” (1960). A IV reunião, a mais importante de todas, que
abordou o tema “Cristo e o processo revolucionário brasileiro” (Recife, 22 a 29 de
julho, 1962), é conhecida como a “Conferência do Nordeste”. Foi liderada pelo Prof.
Carlos Cunha, secretário-executivo da conferência; Rev. Almir dos Santos, presidente
do Setor da Responsabilidade Social; e Waldo César, secretário-executivo do setor.
Participaram 167 delegados de dezesseis estados brasileiros, representando quatorze
denominações. A Conferência causou, sem dúvida alguma, grande impacto.
Os estudos teológicos que nortearam as discussões foram os seguintes: “Cristo, a
única solução para o problema do Brasil”, Rev. Sebastião Gomes Moreira; “Os profe­
tas numa época de transformações políticas e sociais”, Rev. Joaquim Beato; “A revolu­
ção do Reino de Deus”, Rev. João Dias de Araújo; e “A missão total da Igreja numa
sociedade em crise” —Bispo Edmundo K. Sherrill. O documento que segue é um
excerto da conferência de João Dias de Araújo.192

(T ??) DOCUMENTO: “A R evolução d o R eino d e D eus”


Introdução —A revolução que Jesus trouxe ao mundo está revelada no seu
ensino sobre o Reino de Deus.
(...)
Os contemporâneos de Jesus usavam a expressão Reino de Deus em dois
sentidos principais.
1. “Deus é o rei de seu povo Israel e seu governo real é efetivo enquanto
Israel é obediente à vontade divina como revelada naTorah.”
2. “O Reino de Deus é algo que ainda será revelado. Deus é mais do que rei
de Israel: Ele é rei de todo o mundo. Mas o mundo não o reconhece como
Deus... Neste sentido o Reino de Deus é uma esperança para o futuro. E em si
mesmo o “echaton” [sic] ou o “último” de que trata a escatologia” (C. H. Dodd).
Jesus não aceitou todas as idéias dos seus contemporâneos sobre o Reino de
Deus. Corrigiu algumas e rejeitou outras:
a) rejeitou a idéia rabínica de que entrar no Reino de Deus é submeter-se à
Torah (...)
b) rejeitou toda a idéia de força e violência para o estabelecimento e do
processo do Reino de Deus (...)

2 98
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

c) rejeitou toda a idéia que o Reino de Deus significava a vitória triunfal do


judaísmo e a supremacia política universal dos judeus.
d) rejeitou a idéia de despotismo que colocava Deus ou o Messias como um
monarca absoluto (...)
e) rejeitou a idéia de que no Reino de Deus a lei mosaica e a lei rabínica
seriam entronizadas e universalmente observadas (...)
f) rejeitou a idéia de que no Reino de Deus haveria abundância de conforto
material, riquezas, luxos, embora falasse Jesus numa situação melhor para o
homem (...)
g) para Jesus o Reino de Deus não é uma utopia irrealizável, mas uma res­
ponsabilidade presente (...)
3. Diferentemente dos seus contemporâneos Jesus afirmou a presença do
Reino de Deus na terra e não o localizou apenas no futuro... Mas, não havia
somente uma diferença entre o ensino de Jesus e o pensamento dos seus con­
temporâneos, mas entre o Novo Testamento e o Velho Testamento... “Isto é, a
idéia do Reino de Deus no Novo Testamento implica na presença do divino
poder aqui sobre a terra, seu exercício na História e através dela” (Otto Piper).
Entremos agora a considerar as sementes da revolução que estão no ensino
de Jesus sobre o Reino.
1. A Soberania de Deus - Esse é o primeiro aspecto. Deus é o Rei da Histó­
ria e da Supra-História. Rei do Tempo e da Eternidade. O ponto central do
ensino de Jesus é a convicção forte de que Deus governa. Todos devem ser
submetidos a esse governo que está presente na terra e será consumado.
Gustaf Dalman disse: “A expressão Reino d e Deus é equivalente à Soberania
de Deus...
A revolução de Cristo foi a centralização teológica da vida humana. O cen­
tro da vida humana foi mudado daquilo que é terreno para aquilo que é divino.
O centro da vida humana... é Deus, o Deus vivo e verdadeiro
(...)
Como discípulos de Cristo e filhos do Reino de Deus, devemos proclamar a
soberania de Deus. Ele dirige os povos. Ele dirige os monarcas e os líderes dos
povos, mesmo os que não percebem. Ele dirige seu povo nas crises da História.
Eie intervém na História. Quando chegou a plenitude dos tempos ele enviou o
seu Filho. O Fim da História está nas mãos de Deus. A crença na soberania de
Deus deve ser o ponto básico da nossa fé na época em que vivemos.
A vida humana está descentralizada e subdividida. Precisamos voltar à uni­
dade da vida. A vida do homem está dividida em compartimentos: vida secu­
lar, vida religiosa, vida pública, vida particular, vida do corpo, vida do espíri­
to... etc. Tudo isso estrangula a unidade da vida humana. Na Bíblia não há essas

299
História Documental do Protestantismo no Brasil

separações. Deus é o começo, o centro e o fim da vida humana... Todos os


homens são propriedade de Deus, embora muitos não reconheçam essa propri­
edade. O Reino de Deus é a soberania de Deus. A soberania de Deus é expressa
na terra através do ato de fazer a vontade de Deus (...)
A aspiração principal de Jesus é ver o homem submisso à soberania de Deus,
fazendo a vontade divina. Jesus não só ensinou que o homem deve fazer a
vontade de Deus, mas deu exemplo... Finalmente, no Getsemane e na cruz
vemos Jesus curvando-se perante a soberania de Deus e fazendo a sua vonta­
de... “Porque qualquer que fizer a vontade de meu Pai Celeste, esse é meu
irmão e mãe” (Mt 12:48-50) .
II. O Reino de Deus Visa o Homem - “A soberania de Deus é uma ordem
de coisas sob a qual o homem é colocado.” (G. Dalman)... Vamos considerar
em que aspectos o Reino de Deus visa o homem.
1. H umanismo —O ensino de Jesus sobre o Reino de Deus objetiva o ho­
mem em toda a sua expressão individual e social... Jesus veio ao mundo por
causa do homem, exclusivamente, por isso o Verbo se fez carne. Com a vida e
o ensino de Jesus inaugurou-se o verdadeiro humanismo. Jesus via no homem
o ser criado à imagem de Deus, o ser que foi criado para uma vida superior de
comunhão com Deus e com o próximo. O homem [é] coroa e rei da criação.
Por outro lado, Jesus encarava o pecado do homem. O homem rebelado contra
Deus, inimigo de Deus, e, por isso, infeliz e sofredor. Mas, a tarefa de Jesus é
restaurar o homem e salvá-lo. Fazê-lo voltar à comunhão com Deus e com o
próximo. Levar o homem a viver debaixo da soberania de Deus. Jesus era o
segundo Adão, que veio restaurar o primeiro Adão, “para que todos cheguemos
à unidade da fé, e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varoni-
lidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” Ef 4.13.
Para Jesus o homem não é produto da sociedade como para os comunistas,
nem produto de si mesmo como para os existencialista[s]. O homem não é
objeto nem projeto, mas é sujeito, é pessoa criada por Deus. Por isso, não
encontra a sua expressão total numa estrutura social, nem dentro de si mesmo,
mas na comunhão com Deus que se reflete em si mesmo e na sociedade; sob a
sabedoria193 de Deus... Lc 10:27... O alvo do Reino de Deus é colocar o ho­
mem e a sociedade sob a soberania de Deus.
2. Evangelização... A obra da evangelização estava dentro da obra geral do
estabelecimento do Reino de Deus na terra. A Igreja tem de encarar a
evangelização neste sentido. Os Evangelhos afirmam que quando Jesus
evangelizava estava “pregando o Evangelho do Reino”...
a) Evangelizar ép ro cla m a r o Reino de Deus... A “soberania de Deus” é o
conteúdo de uma mensagem de “boas novas”.

3 00
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

A missão principal da Igreja de Cristo é proclamar ao mundo a soberania e


o governo de Deus sobre toda a realidade.
b) “Evangelizar é hum anizar” —Não é possível separar a proclamação da
humanização. Todas as vezes que aparece nos Evangelhos a proclamação do
Reino de Deus, ela está relacionada com a situação humana e a humanização...
Jesus não humanizava primeiro para depois evangelizar, nem evangelizava pri­
meiro para depois humanizar, mas evangelizava humanizando e humanizava
evangelizando... Por isso, a evangelização que não considera o corpo e a realida­
de integral do homem está incompleta e errada. Outro extremo errado... está
em afirmar que o dever da Igreja é humanizar sem proclamar, sem pregar. ... É
também mutilar o Evangelho de Cristo, dizer que a única missão da Igreja é
melhorar a situação [do] homem... Alguns dizem: “Vamos pregar... e depois, se
der tempo, vamos cuidar dos problemas sociais”. Outros dizem: “Vamos
humanizar primeiro, e, quando a sociedade estiver evoluída e ideal então pode­
remos pregar o Evangelho” ... A obra de Cristo [,porém,] foi levantar o ho­
mem, restaurá-lo em todos os sentidos e em todas as suas implicações existen­
ciais. Isto significa colocar o homem debaixo da soberania de Deus fazendo a
vontade do Pai celeste.
A Igreja precisa reformular e corrigir sempre seus métodos de evangelização
para que a sua obra se enquadre dentro do ensino e da prática de Jesus.
3. Sociedade —O ensino de Jesus sobre o Reino de Deus não considera ape­
nas o indivíduo, mas também a sociedade. Não era possível que ficasse somen­
te com o indivíduo, pois o indivíduo não existe isolado do grupo. Na Bíblia
não existe o homem solitário, mas solidário. O homem como indivíduo não é
produto da sociedade, nem é o produtor da sociedade, mas é parte integrante
da sociedade, sem a qual ele não pode se expressar como ser humano.
A mensagem do Evangelho somente atinge o indivíduo no contexto da so­
ciedade. Os cristãos têm errado na ênfase demasiada ao indivíduo, sem relacioná-
lo com a comunidade.
a) Deus é Pai —Um dos grandes ensinos de Jesus sobre o Reino de Deus é
que esse Deus é nosso Pai... Todos nós somos filhos desse Deus. Há também os
filhos rebeldes, que abandonaram a casa do Pai e se fizeram inimigos. Todavia,
“Ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e vir chuvas sobre justos e injustos”
(Mt 5:45).
b) Espirito fam ilial, cooperativista e com unista - “O Reino de Deus é de fato
uma família” (S. Jones). “A vida em família é cooperativa.” A família conforme
sublinha Stanley Jones, tem resistido o embate dos séculos, justamente por
estar baseada no princípio cooperativo. Todavia, a atual ordem econômica está
baseada no princípio egoístico da competição. Suponhamos, prossegue Stanley

301
História Documental do Protestantismo no Brasil

Jones, que numa família o filho mais velho, mais forte e mais hábil, tomasse
em cada refeição todo o alimento que pudesse dos membros mais fracos, acu­
mulando-o ao redor do seu prato, indiferente às suas próprias necessidades e às
dos outros. Felicitá-lo-iam os membros da família, dizendo: “Você venceu na
vida?” Absolutamente! O espírito de família seria ultrajado por este ato e esta
atitude anti-social... O princípio de família é cooperativo e não o do domínio
do mais forte. Por isso, os que entram no Reino de Deus lembram-se do próxi­
mo... Todavia, essa irmandade não é baseada em economia, mas na prática da
vontade de Deus. Os que fazem a vontade de Deus são irmãos entre si e são
irmãos e parentes de Jesus.
Eles fazem a vontade de Deus, por isso é que o princípio cooperativo fami­
liar é praticado. E nesse princípio que está baseado o comunismo da Igreja de
Jerusalém e de várias comunidades e ordens cristãs, através dos séculos. É esse
o princípio que ainda domina vários governos de igrejas contemporâneas. Como
afirma Ernst Troeitssa [sic; o correto é Ernst Troeltsch]: “Contudo, um dos
permanentes resultados do ensino de Jesus foi esta idéia de Comunismo de
Amor. Esta idéia contém um elemento revolucionário...”
Quando Jesus anunciou o Reino de Deus estava estabelecendo os princípios
para a ordem social baseada nesse espírito familial. Espírito que foi esquecido
pela maioria da Igreja cristã, que hoje tem defendido ordens sociais baseadas
em princípios de rapina.
Tem razão Arnold Toynbee em afirmar que “os elementos que fizeram o
comunismo uma força explosiva não são criação de Hegel”, mas são os elemen­
tos do cristianismo e do judaísmo. Baseados no princípio familial é que vemos
a Bíblia considerando o problema das riquezas dentro do conceito cristão sobre
o Reino de Deus. A Bíblia condena todo o acúmulo de riquezas nas mãos de
poucos que usufruem. Is 5.8; Mt 6.19; Lc 12.15-21. O dinheiro não deve ser
acumulado, mas repartido; não há capital. 1 Tm 6.17-19; Mc 10.21-25; Lc
19.8. Devemos ser trabalhadores e a renda do nosso trabalho deve servir para o
sustento condigno de nossa família. O que exceder deve ser sabiamente distri­
buído para ajudar os necessitados e para criar oportunidades para o bem de
todos. Ef 4.28; lT s 4.11-12; lT m 6.7-10, 17-19; At 4.34-37. No Velho Testa­
mento as leis protegem o escravo e o assalariado. Após a conquista de Canaã
não foi usado o sistema latifundiário, mas a terra foi distribuída equitativamente
entre as famílias. Js 13.7; 19.48, 49. Só poderemos entender o problema da
propriedade privada na Bíblia à luz da mordomia. A terra é propriedade de
Deus. Nós somos mordomos. SI 24.1; Lv 25.23, 24; 1 Cr 29.11-14. Jesus deu
ênfase ao trabalho e não ao capital. Jo 5.17; 15.12-16.
A. Justiça —Um dos aspectos mais importantes do Reino de Deus é a justiça.
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964)

Muita ênfase é dada por Jesus à justiça... Mas, que justiça? É a justiça de Deus.
O Reino de Deus é o estabelecimento da justiça de Deus na terra. Jesus é a
revelação da justiça de Deus. Ele mostra que a motivação da justiça é o próprio
Pai. “Para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus.” A justiça de Deus
está baseada no seu amor (...) Jesus lutou contra a opressão do pecado, (...) da
ignorância, da doença, da fome, da tirania de Satanás e dos homens poderosos.
A vida de Jesus é a manifestação de Deus que “agiu com seu braço valorosa­
mente; dispersou os que no coração alimentavam pensamentos soberbos. Der­
rubou dos tronos os poderosos e exaltou os humildes. Encheu de bens os fa­
mintos e despediu vazios os ricos”. Lc 1.51-53. [Em seguida, cita Lc 4.18, 19 e
Mt. 11.4, 5].
Jesus não vacilava na condenação das injustiças das classes dirigentes... Mt.
23.14. Jesus expulsou os vendilhões do templo e chamou-os de “ladrões e salte­
adores”. Foi uma denúncia aberta contra os sumo-sacerdotes Anás e Caifás,
donos daquele comércio demoníaco... A paixão de Jesus pela justiça é expres­
são viva da implantação do Reino de Deus...
A Igreja tem apoiado sistemas econômicos e políticos opressores, ou tem se
silenciado pecaminosamente, muitas vezes diante da injusta opressão do ho­
mem pelo homem. A Igreja deve fazer muito mais empenho para o estabeleci­
mento da justiça nas relações familiares, nacionais e internacionais. Muitas
vezes a Igreja não tem sido instrumento eficaz para a prática da justiça entre os
homens, antes tem sido instrumento para a injustiça. Instrumento para injus­
tiças de patrões contra os empregados. Instrumento para o aumento da opres­
são dos ricos e poderosos. Instrumento para dar apoio aos imperialismos e
colonialismos execrandos e desumanos. Foi tanta a displicência dos cristãos
que a palavra justiça foi arrebatada da bandeira cristã para hoje ocupar lugar de
destaque na bandeira vermelha do materialismo. A palavra justiça está mais na
boca de ateus do que na de cristãos. Chegou ao ponto de que quando um
cristão começa a falar em justiça, é considerado inimigo do cristianismo e ele­
mento perigoso para a “Sociedade cristã democrática”.
Mas o Reino de Deus anunciado por Jesus é o grande Reino da Justiça, por
isso um Reino Revolucionário.
III. O Reino de Deus é escatológico - No ensino de Jesus sobre o Reino
vemos claramente dois fatos: o Reino já está no mundo e o Reino ainda será
consumado. Entre o presente e a con su m a çã o há um processo. Jesus inaugurou
a primeira etapa com a sua vinda ao mundo, trazendo o Reino. O mesmo Jesus
vai inaugurar a segunda etapa, quando viver na sua glória e consumar o Reino
(...)
Como observa Otto Piper, devemos evitar dois erros, quando falamos no

3 03
História Documental do Protestantismo no Brasil

fim. O primeiro é pensarmos que Deus vai interromper abruptamente o curso


do tempo e, de modo súbito e arbitrário, estabelecer o juízo final, sem ligações
com o processo que o próprio Deus desenvolve dentro da história. Não pode­
mos entender o fim, sem ligá-lo com aquilo que Deus vem fazendo, através do
estabelecimento do seu Reino. O segundo erro é pensarmos que o fim é a
terminação de tudo, é a extinção total. O fim, só é o término do pecado e da
rebelião. Por outro lado é a continuação do propósito de Deus a desenvolver-se
nos novos céus e na nova terra, após a palingenésia universal. Não é o término,
mas a transformação.
A escatologia do Reino de Deus difere de todas as utopias humanas, porque
não apresenta uma “idade de ouro”, uma “época sonhada” como que boiando
nas nuvens de um futuro distante, mas apresenta a esperança do domínio da
soberania de Deus sobre todo o universo.
Por outro lado, a esperança cristã é diferente da esperança comunista, por­
que esta sonha com uma “idade áurea” dentro do processo histórico e alcançada
pelo esforço humano sem intervenção sobrenatural, ao passo que o messianismo
cristão reconhece o elemento Pecado no processo histórico, e, crê que somente
Deus pode transfigurar a humanidade e estabelecer a Nova Jerusalém.
...Todos aspiram por um “bom tempo” de liberdade, igualdade, fraternidade,
justiça, amor etc. Os cristãos acham que esse “bom tempo” virá na expressão
total do Reino de Deus. Mas, o processo desse Reino já está presente, efetua-se
na História e terá a sua consumação na supra-História.
Esse aspecto escatológico (...) mostra que Deus tem um propósito para a
História. Isto dá ânimo para luta, e, nisto está a dinâmica do Reino de Deus,
isto é, que o Reino de Deus é o elemento que opera no mundo e continuará
operando até a consumação final.
O Brasil espera por um tempo melhor. Há um messianismo brasileiro, espe­
cialmente no Nordeste. Esta área que há muito sofre sob o guante de grandes
injustiças, flagelos e desprezos. Entre secas prolongadas e enchentes violentas o
nordestino é o povo que espera por uma situação melhor... Daí entendermos
porque o messianismo comunista fala de perto ao homem do Nordeste brasi­
leiro. O nordestino é o povo mais messiânico do Brasil. Daí também notarmos
com grande tristeza que os cristãos deixaram de lado a revolução do Reino de
Deus, revolução que traz bênçãos para o presente e esperança para o futuro.
O cristianismo proclama que a História atual está no interim que tem como
limítrofes a ascensão de Cristo e a sua Parousia. Entre a sístole e a diástole da
eternidade palpita a História.
Não haveria razão de ser para a existência da Igreja se não houvesse a espe­
rança da Parousia. A sombra escatológica que atravessa a Bíblia tem sua expres­

304
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

são no “dia de Jeová” do Velho Testamento e no “dia do Senhor” no Novo


Testamento. Ambos expressam a Parousia divina.
Conclusão... A revolução do Reino de Deus foi inaugurada há 2 mil anos
atrás, com a presença de Cristo e continua alvoroçando o mundo. O que nós
cristãos precisamos fazer hoje é, através das nossas vidas, darmos mais oportu­
nidades para o desencadear dessa revolução gloriosa.
Como filhos do Reino de Deus somos parte da rebelião dos tempos atuais.
Devemos estar na vanguarda dos movimentos de transformação do mundo
contemporâneo. O clima revolucionário do século XX é percebido através da
revolução marxista-leninista, da revolução racista, da revolução nacionalista,
da revolução da autodeterminação, da revolução do proletariado etc. Dentro
desse vulcão em ebulição, está operando a revolução do Reino de Deus, isto é,
a soberania de Deus sobre História dando a diretriz segura para a humanidade
no presente e no porvir.194

305
PARTE III
A Igreja do Golpe de 19 6 4
até o Presente

Introdução
O protestantism o m undial já sentira os efeitos da III A ssem bléia do Conselho
M undial de Igrejas, em N ova D elhi (1961), durante a qual a adesão do Conselho
Internacional de M issões patenteou o vínculo essencial entre m issão e unidade, e a
adesão da grande m aioria das igrejas ortodoxas e de duas igrejas pentecostais do Chile
tornou o C M I mais católico (universal). A Assem bléia de U psália (1968) apresentou
m enos novidades form ais; entretanto, nas palavras de Aharon Sapsezian, esta A ssem ­
bléia foi a m ais representativa quanto à participação da juventude (em bora ainda um a
m inoria dos delegados) e, de todas as realizadas até então, a m ais voltada para o m un­
d o .1 Observadores católicos rom anos declararam inexistirem “obstáculos insuperá­
veis” à filiação da Igreja C atólica R om ana ao C M I.2 Finalmente, na V Assembléia,
reunida em N airobi em 1975, a educação cristã —um com ponente essencial do pro­
testantism o — fez-se form alm ente representar pela prim eira vez graças à presença do
Conselho M undial de Educação Cristã, que se tornou um dos departam entos do
C M I. Sob a liderança de Philip Potter, o prim eiro secretário geral originário do Ter­
ceiro M undo, a Assem bléia de N airobi foi a que m ais se voltou para essa vasta região,
sensivelmente influenciada pelas teologias da esperança e da libertação.
D o ponto de vista teológico, a tônica do período é o secular: D ietrich Bonhoeffer
e seu cristianism o sem religião; T h om as J. J. Altizer e seus correligionários que insisti­
am, com Nietzsche, que D eus, pelo m enos no sentido do D eus transcendental, m or­
rera; ou H arvey Cox, com seu célebre livro The Secular City (A C idade do H om em ).3
D epois aparece a teologia da esperança de Jürgen M oltm ann, da libertação, a partir de
G ustavo G utierrez4 e, na fase norte-am ericana, a teologia negra, representada por
Jam es C o n e.5

307
História Documental do Protestantismo no Brasil

O ecum enism o sofreu um a m udança radical, em decorrência do fato de o próprio


C M I ter adm itido tam bém , desde 1961, m uitos ortodoxos e pentecostais, além das
“igrejas históricas” , mais diretamente vinculadas à R eform a protestante do século XVI.
A proliferação e crescimento das igrejas pentecostais forçou as igrejas históricas a levá-
las a sério. E, m ais significativamente ainda, sob a influência do p ap a João X X III e do
C oncilio do Vaticano II, o catolicism o rom ano entrou na arena ecum ênica de maneira
efetiva. N ão apenas se alargou de maneira impressionante a fronteira ecumênica, como
tam bém o próprio conceito de ecum enism o foi progressivam ente m odificado. Sem
abandonar os antigos esforços de diálogo e de consenso teológico (conversações em
m uitos níveis estão hoje em andam ento), em grande parte pela ênfase da teologia da
libertação (ono-praxis muito mais im portante que orto -doxid), o ideal do ecum enism o
parece ser a conjunção de forças para trabalhar efetivamente em prol da hum anização
e da unidade da raça hum ana, o que im plica em liberdade, justiça e direitos hum anos
para todos.
A história do protestantism o brasileiro do presente período, porém , deve ser estu­
dada à luz de dois eventos cruciais e os m ovim entos por eles desencadeados. O pri­
meiro é o C oncilio do Vaticano II (1962-1965), concilio ecum ênico da Igreja C atóli­
ca Rom ana. O C oncilio, pela Constituição D ogm ática Lumen Gentium (Luz às na­
ções) am pliou as fronteiras da Igreja para incluir protestantes com o irm ãos, em bora
separados de Rom a, e no D ecreto sobre o Ecum enism o, Unitatis Redintegratio, estabe­
leceu os parâm etros do ecum enism o católico. Através da C onstituição Gaudium et
Spes (alegria e esperança), afirm ou o m undo m oderno e definiu o relacionam ento com
ele em term os de Igreja-serva, esboçando seu program a de aggiornamento e missão.
N ão tardaram a aparecer os prim eiros sinais de efetiva transform ação na Igreja C ató­
lica R om ana. O Decreto sobre a Sagrada Liturgia perm itia, com a anuência do bispo,
o culto no vernáculo, sendo que o português logo se tornou a língua do culto no
Brasil. A nova visão da revelação divina da Constituição D ogm ática Verbum D ei levou
sacerdotes a exibirem o entusiasm o de colportores protestantes em dar a B íb lia ao
povo. N ão seria correto afirm ar que as diferenças entre católicos e protestantes desa­
pareceram da noite para o dia, pois muitas delas perm aneceram (atitudes para com a
virgem M aria, a infalibilidade papal, a veneração de imagens, o purgatório etc.). A
remoção de im agens não ocorreu em todos os tem plos. Se a C atedral da cidade de São
Paulo é de um a austeridade quase puritana, na Igreja dos Enforcados, que dela dista
poucas centenas de metros, continua a venda de velas que são queim adas aos m aços na

308
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

parte inferior, enquanto no santuário o aspecto permanece com o se o Vaticano II não


tivesse acontecido.
A renovação da Igreja C atólica, porém , ob rigou os protestantes a um sério
questionam ento. N os docum entos acima, referentes à m otivação da m issão protestan­
te, ficou patente que um aspecto fundam ental consistia no esforço de expor e corrigir
os “erros rom anos” e proporcionar ao povo brasileiro o que o rom anism o lhe negava
(com o dar a B íblia ao povo). D e repente, um a boa parte da antiga m otivação deixou
de existir. Q ual, agora, seria a atifude das igrejas protestantes frente ao novo catolicis­
mo? Q ual seria sua motivação?
O outro evento foi o golpe de 1964 e o duradouro regime m ilitar que dele resultou
e que vem perdurando há quase duas décadas. N a realidade, a história da própria
Igreja C atólica não pode ser entendida sem referência constante ao regime militar. A
suscinta descrição a seguir, da autoria de José O scar Beozzo, merece ser citada.
No plano político, a mudança maior deu-se com a Revolução de 1964, com a
política econômica de total abertura do país ao capital estrangeiro, de acumula­
ção rápida do capital via compressão salarial e concentração da renda nas mãos
de poucos, liquidação política e por vezes física da oposição, sobretudo após a
instauração do estado de arbítrio com o Ato Institucional n° 5. Os conflitos
entre a Igreja e o Estado por causa da prisão de militantes da Ação Católica, de
colaboradores do M EB,6 por causa da política salarial e do “desenvolvimento
sem justiça”, agravaram-se depois de 1968, com a prisão e expulsão de inúmeros
padres, processos contra bispos, instalação da tortura como modo generalizado,
levando a Igreja a uma virtual ruptura com o regime.7
H ouve um alto grau de aceitação da intervenção m ilitar pelos protestantes, a prin­
cípio pelo m edo de que Jo ão “Jan go” G oulart estivesse conduzindo o país a um caos
socialista e possivelmente à guerra civil. N esse caso, o novo regime representava a
salvação política da pátria. M edo da esquerda e sim patia pela direita parecem refletir
fielmente a m entalidade protestante m ajoritária. Entretanto, em diversas denom ina­
ções, particularm ente nos seus m ovim entos de juventude e nos seus sem inários teoló­
gicos, houve questionam ento e confrontação; estes m ovim entos porém não alcança­
ram a aprovação geral das igrejas e foram levados ao m alogro, não raro com o fecha­
m ento de sem inários. Por diversos m otivos, um a geral apatia política se instalou nos
meios evangélicos em razão da falta de experiência na política, que degenerou em
desinteresse, preferência pelos assuntos “espirituais”, ou resignação frente a um a situ­
ação na qual parecia que as m inorias protestantes pouco poderiam influir. Por via de

309
História Documental do Protestantismo no Brasil

regra as igrejas voltaram-se para problem as e assuntos internos (ortodoxia doutrinária,


organização), cam panhas evangelísticas de âm bito nacional, ou declarações e procla­
mações.
Deve ser lem brado que tam bém no interior da Igreja C atólica houve problem as
angustiantes, especialmente nos primeiros anos do regime militar. Verificou-se forte
resistência às inovações introduzidas pelo Vaticano II, um a profunda crise vocacional,
a subseqüente perda de centenas de padres e religiosos, e a virtual desarticulação da
Ação Católica. N o entanto, a nova visão do Vaticano II, aplicada à realidade latino-
am erican a na célebre II C o n ferên cia G eral do E p isco p ad o Latin o-A m erican o
(C E L A M ), realizada em M edellín, C olôm bia, em 1968, encontrou eco nas com uni­
dades eclesiais de base, na luta pela justiça e no serviço aos pobres. Adem ais, o catoli­
cism o renovador do Brasil descobriu um apoio na Conferência N acional dos Bispos
do Brasil (C N B B ) que resolveu, na sua reunião de Brasília, denunciar a tortura siste­
m ática em pregada pelo regime, um forte instrum ento do seu novo espírito e m issão.8
A inda que tardiamente, com eça a emergir um novo nível de ecum enism o, no espí­
rito de M edellín. Em Junho de 1978, D o m Helder C âm ara com entou: “D epois do
Vaticano II fom os convocados para M edellín, cham ados pelo próprio papa que esteve
presente para inaugurar a reunião” .9 Seguiu-se, em 1979, a III Conferência do E pis­
copado Latino-Am ericano em Puebla, M éxico, 1979, na qual os bispos optaram cons­
cientemente pelos pobres. Surge assim , o novo ecum enism o; observa sobre isto, o
teólogo mexicano Raul Vidales:
Há católicos que adotam o modelo da dominação. Eles se entendem muito
bem com protestantes que também assumem o projeto de dominação.
Entrementes, católicos comprometidos com os pobres entendem-se facilmente
com protestantes que têm a mesma atitude.
Portanto, creio que o futuro do ecumenismo está nesse caminho e não ao
longo do caminho tradicional burocrático, diplomático ou doutrinário.
As igrejas protestantes tiveram de se posicionar em face da realidade esboçada aci­
ma. O s docum entos desta seção foram selecionados com o objetivo de se tentar distin­
guir os diferentes matizes desse posicionam ento, ainda que a proxim idade cronológi­
ca dos eventos dificulte um a perspectiva mais am pla. Por esse m otivo, não aparecem
docum entos de todas as denom inações, com o seria necessário se pretendesse um a
abordagem mais completa.
N a verdade, a estrutura desta últim a parte do livro constitui um a das principais
razões d a inclusão do pentecostalism o aqui e não na parte anterior. A p ostu ra
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

pentecostal, basicam ente apolítica, em bora adotada m uito antes de 1964, é um a das
atitudes características dos protestantes frente ao regime militar. O s outros fatores
principais que levaram o autor a incluir aqui os docum entos sobre pentecostalism o
são: 1) a im portância num érica das igrejas pentecostais de fato só recentemente com e­
çou a im pressionar as igrejas históricas. N os últimos vinte anos, seu crescimento tem
sido fenom enal; 2) só recentemente o seu significado teológico com eçou a ser sentido
e pesquisado pelas demais com unidades evangélicas.10
Esta seção conclui com um a série de docum entos relativos ao m inistério feminino.
C o m o os m esm os docum entos deixam claro, os m inistérios fem ininos, inclusive o
exercício do m inistério pastoral, não se originaram depois de 1964. Entretanto, foi
nesse período, em outras partes do m undo, que a m aioria das igrejas optou pelo reco­
nhecim ento dos plenos direitos clericais da mulher. O assunto continua em debate no
Brasil. Pareceu justificável ao autor reunir num só lugar, para conveniência do leitor,
todos os docum entos relativos à questão.

OS BATISTAS
Introdução
D e todas as igrejas históricas, só os batistas conseguiram m anter sua antiga ênfase
evangelística, sem passar por um a crise de maiores proporções. A característica mais
m arcante da denom inação no período do regime m ilitar tem sido suas grandes cam ­
panhas de evangelização nacionais e continentais. E m 1960, o ano em que.a Aliança
Batista M undial realizou o seu X Congresso na cidade do R io de Janeiro (26 de junho
a 3 de julho), o renom ado evangelista Billy Graham pregou a 200 m il pessoas no
estádio do M aracanã e o brasileiro João Filson Soren foi eleito presidente da Aliança
Batista M un d ial.11
A pregação de Billy Graham no M aracanã, prenúncio das cam panhas de 1965 em
diante, é coerente com o zelo evangelístico batista desde os prim órdios. H á, porém ,
evidência sólida de que os batistas encararam a Cam panha N acional de Evangelização
(1965) com o sua resposta ao golpe de 1964. Devidam ente aprovada pela 4 6 a A ssem ­
bléia da Convenção Batista Brasileira, os preparativos com eçaram im ediatam ente, sob
a dinâm ica liderança do presidente da com issão coordenadora, Rubens Lopes, pastor
da Igreja Batista de Vila M ariana, São Paulo.12 D urante 1964, o ano preparatório, por
quase todos os núm eros do Jo rn al Batista e pela quase onipresença do lem a “C risto, A

311
História Documental do Protestantismo no Brasil

Ü n ica Esperança” , em cartazes e pintado ao longo das estradas, os batistas e os brasi­


leiros em geral foram inform ados de que soluções meram ente políticas são insuficien­
tes para fazer face aos problem as mais profundos do ser hum ano. A rtigos com o “A
cam panha nacional de evangelização é a vontade e o plano de D eus” 13 reforçaram essa
im pressão. O ano de 1965 foi dedicado à execução do plano em todas as igrejas e
congregações batistas nacionais.
T ão logo term inou a Cam panha N acional, iniciaram-se os preparativos para a
C am panh a das Américas. As reuniões de pregação e organização se realizaram em
1966 no mês de julho, em C ali, C olôm bia, e em dezembro na cidade do M éxico. A
cam panha durou quatro anos, com suas diversas fases: 1967, Prom oção; 1968, Prepa­
ração; 1969, Realização; e 1970, Conservação. A partir de abril de 1 9 6 6 ,14 os batistas
brasileiros liam notícias da C am panha das Américas, cujo ritmo foi m uito acelerado
durante o ano de preparação (1968 que, por sinal, foi para a m aioria das igrejas um
ano de crise, fechamento de sem inários etc.) Rubem Lopes, coordenador para o Bra­
sil, manteve duas séries de artigos: “M icroscópio da C am panha” (desde 17 de março
de 1968) e “Retratos do meu álbum ” (desde 7 de abril de 1968), tendo publicado 46
artigos na prim eira série, 43 na segun da.15 A pós o ano de Preparação, o de Realização
teve início form al a 25 de janeiro de 1 9 6 9 .16
O utro grande esforço evangelístico foi a cam panha de Billy Graham no R io de
Janeiro em 1974, quando mais um a vez o evangelista lotou o M aracanã. N ão foi,
porém , um a cam panha nacional. N a Assembléia da Convenção, realizada em Curitiba,
foi aprovado o plano da segunda C am panha Sim ultânea N acional de Evangelização, a
ser executada em 1980, após três anos de preparação. Especialm ente a partir de 1978,
intensificaram-se as informações e incentivo à participação nessa cam panha, um a das
maiores ênfases da convenção de 23 a 28 de janeiro de 1979, realizada na Igreja Batista
de V ila M ariana, São Paulo, a igreja do coordenador do m ovim ento.
O s docum entos que seguem esta explicação um tanto extensa pretendem m ostrar
a reação batista ao golpe militar, a ênfase e m etodologia evangelizadoras dos batistas
no período, e sugerir a interrelação entre essas coisas.

Uma opinião editorial so b r e o país em abril de 1 9 6 4


O docum ento a seguir é um editorial, escrito por José Reis Pereira, redator do
Jornal Batista.
Foi publicado no dia 5 de abril de 1964, m as o seu conteúdo m ostra que fora

312
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

escrito antes de deflagrado o golpe militar. O fato de ter sido publicado norm alm ente,
não obstante o início do regime militar, é revelador. O tema, “Jesus C risto, Esperança
N ossa” é de 1 Tm 1.1 (cf. C l 1.27), sendo tam bém o tem a da C am panh a N acional de
Evangelização.17

Q 56) D O C U M EN TO : Jesus Cristo, Esperança Nossa


Que o Brasil está à beira do abismo, todo mundo sabe e há muito tempo. Não
sei quem é o autor da frase, mas ela já deve ser velha de uns cinqüenta anos. O
ciclo das revoluções de 20 e 30 surgiu e terminou, para afastar a pátria de tão
grave perigo. O que aconteceu, entretanto, é que ela chegou ainda mais perto de
despencar-se. Depois veio a ditadura, veio a guerra, veio a re-democratização. E
o Brasil continua periclitando, prestes a precipitar-se. Vai ficar assim perene­
mente, nessa posição instável e dramática? Não é possível. Alguma coisa deve
acontecer.
Há quem pense que no passado dizer tal coisa do Brasil era exagero dos pessi­
mistas. Nossa moeda era respeitada, gozava-se tranqüilidade em todo o território
nacional, havia honestidade se não de todos pelo menos de grande maioria dos
políticos e administradores. Mas hoje ninguém aceita mais o cruzeiro fora do
país, a intranqüilidade é geral, a corrupção política e administrativa campeia à
solta.
Não quero fazer comparações. Não pretendo fazer estudo político ou socioló­
gico sobre a matéria neste artigo tão curto. Mas o que sei, o que todos sabem é
que o Brasil está mesmo mal e que nunca esteve tão mal na sua ainda breve
existência de nação independente. Está tão mal que remédios heróicos vêm sen­
do propostos, e salvadores de várias espécies estão aparecendo. Há lugares, oca­
siões e situações em que o ambiente nacional se torna mesmo irrespirável. Há
instantes em que os mais otimistas perdem a esperança.
Talvez o grande perigo seja esse: o de perder a esperança. Gente desacorçoada
não é capaz de resistir ao mal, não é capaz de fazer as opções próprias, não é
capaz de empreender nada, deixa-se levar pela corrente. E a falta de esperança
que toma os povos abúlicos e amorfos, indiferentes, letárgicos.
Outro perigo é o de confiar em salvadores humanos, em miríficas soluções
humanas. Há certos pregadores da salvação política que fazem lembrar um per­
sonagem famoso das histórias infantis: o tocador de flauta de Hamelin, o tal que
arrebatou após si, com o sonido misterioso de seu instrumento, as crianças todas
da cidade. Desconfio que há muitos que ao soprar as buzinas da demagogia estão
atraindo grande parte deste povo ainda infante em matéria de democracia.
Por isso é preciso dizer com todas as forças, com toda a convicção, com pro­

313

á
História Documental do Protestantismo no Brasil

fundo amor, em todos os momentos, em todos os lugares, que há uma esperança:


Jesus Cristo... Eu não posso vibrar numa campanha política, porque sei que as
meras soluções políticas são simples paliativos e freqüentemente determinam
dolorosas decepções. Quanto à nossa política, sou quase completamente cético:
só creio em Cristo. Eu não posso me empolgar por movimentos sociais, porque
os vejo muitas vezes completamente desvirtuados, usados como simples antepa­
ros destinados a ocultar outros objetivos e, sobretudo, orientados por pessoas nas
quais não posso confiar, visto faltar-lhes na respectiva filosofia de vida um ele­
mento essencial que é respeito pela pessoa humana. Não creio, e muitas vezes já
o tenho dito, no valor, na eficácia, na permanência de nenhum movimento de
redenção social e política liderado e realizado por pessoas que não tenham sido
previamente transformadas pelo poder do Espírito Santo de Deus.
Mas o Brasil precisa mudar, o Brasil não pode cair de vez. E necessário fazer
alguma coisa. Pois bem: façamos essa coisa.
Se os crentes deixarem de viver o Evangelho a sério; se os crentes deixarem de
pregar o Evangelho convictamente, 24 horas por dia; se os crentes se alistarem
em movimentos outros em que a pessoa de Cristo não é respeitada e as idéias de
Cristo não são seguidas; se os crentes deixarem que o ódio, a violência e o desejo
de vingança lhes dominem o coração; se os crentes deixarem de crer nas soluções
cristãs, aí sim é o caso de se perder a esperança.
Não acredito, entretanto, que tal desastre venha a acontecer. A frase de Paulo,
uma das mais belas frases da Bíblia, “Jesus Cristo, Esperança Nossa”, se prende a
experiências profundas que temos tido e de que temos sabido. Temos visto e
temos ouvido acerca do que Cristo tem feito e pode fazer. Ora, ele tem estado
ausente da vida brasileira. Este país pretensamente cristão muito pouco sabe de
Cristo. É por isso mesmo na hora do maior desespero, na hora em que parece
que a pátria vai mesmo despenhar-se, há tantos que buscam uma salvação com­
pletamente materialista. Deveria dizer “salvação”. Que com tais os crentes não se
aliem. Que mantenham firmemente suas convicções. Que continuem a buscar
as fontes da verdadeira salvação. Que não cedam nem por medo, nem por timi­
dez.
“Jesus Cristo, Esperança Nossa”, nós dizemos. Mais do que dizer: é preciso
sentir isto. Mais do que sentir: é preciso viver isso. E assim transmitir ao nosso
povo em desorientação e agonia essa mensagem de esperança.'8

C on selh o a o s batistas so b r e seu com portam ento frente a o g o lp e militar


O redator do Jornal Batista procurou orientar os batistas do Brasil quanto ao com-

314
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

portam ento frente ao golpe militar, que ele interpretou com o um a vitória da dem o­
cracia sobre o com unism o.

Q 57) D O C U M EN TO : Responsabilidade dos crentes nesta hora


Os acontecimentos políticos militares de 31 de março e I o de abril que culmi­
naram com o afastamento do presidente da República vieram, inegavelmente,
desafogar a nação. Porque estávamos vivendo num clima pesado de provocações,
de ameaças, de agitações, que nos roubavam o mínimo de tranqüilidade necessá­
ria para poder trabalhar e progredir. Necessária inclusive para a pregação do
Evangelho. Agora as coisas mudaram. Era tempo.
(...)
Esse clima artificial, estranho à índole brasileira, estava sendo mantido por
uma desabusada minoria que, paulatinamente, ia exercendo influência nos mais
diversos setores da vida nacional. Referimo-nos à minoria comunista. Como em
todos os outros lugares, tratava-se de uma minoria, mas ativa, diligente, corajo­
sa, esperta e oportunista. Quando sabíamos de certas medidas tomadas no Brasil
e certos planos lembrávamos com alguma apreensão de fatos semelhantes ocor­
ridos há bem pouco tempo e aos quais, ao que nos parecia, nossos líderes não
estavam dando a devida atenção. Referíamo-nos àTchecoslováquia e à Hungria.
Democratas ali se uniram aos comunistas em favor da pátria, para depois serem
superados e sacrificados pelos aliados da véspera. Ir-se-ia repetir o drama no
Brasil? Deixar-se-iam democratas brasileiros enganar, apesar de todas as adver­
tências da história recente?
(...)
Preocupava-nos a posição do presidente da República. Como cristãos devía­
mos-lhe todo o respeito aconselhado nas Escrituras. Era objeto constante de
nossas orações. Mas suas atitudes eram-nos, muitas vezes, inexplicáveis. Muitos
de nós, veteranos de 37, pensávamos: ele vai fazer com os comunistas o mesmo
que Vargas fez com os integralistas. Está dando corda, fazendo-os crer que está
com eles. Esse pensamento, entretanto, não tranqüilizava, porque sabíamos muito
bem que os métodos comunistas são muito mais eficientes e a sua organização
muito mais perfeita que a de nossos bisonhos integralistas. Numa vitória comu­
nista, o presidente iria ter um fim inglório, tipo Masaryk.19
(...)
Agora, enquanto escrevemos estas notas, parece que tudo acabou. O presi­
dente que estava fazendo um jogo extremamente perigoso foi afastado. A demo­
cracia já não está mais ameaçada. A vontade do povo foi entendida e respeitada.
Porque é preciso que se diga que o povo brasileiro pela sua índole, pela sua

315
História Documental do Protestantismo no Brasil

formação, repele os regimes totalitários e muito particularmente o regime comu­


nista. O povo brasileiro não apóia um sistema materialista na sua Filosofia e que
tem por método a violência e a mentira. Muitos estavam enganando o povo e
muito ingenuamente se estavam deixando enganar. Mesmo em nossas igrejas
havia infiltração. Havia a idéia louca de que era possível embarcar com os comu­
nistas no mesmo barco para a construção dos mesmos ideais. Mas a história
contemporânea prova, cabalmente, que era impossível cooperar com os comu­
nistas, que a política da mão estendida é imprudência quando não é suicídio,
que todos que acreditaram nas boas intenções comunistas acabaram liquidados
quando estes venceram.
(...)
E lamentável assinalar que até mesmo em algumas igrejas houve infiltração.
Moços cheios de ideal e com a impaciência natural da mocidade julgaram que
apoiando os totalitários vermelhos conseguiriam reformas salutares para o Bra­
sil. Não tinham perspectiva suficiente, não tinham conhecimento suficiente das
lições da história embora tão próximas. Por isso deixaram-se embair. E deixa-
ram-se levar até o ponto de justificar uma luta armada, uma revolução sangren­
ta, para impor novas estruturas ao Brasil. Esqueceram-se, por um momento, que
eram cristãos e que o cristão é pacífico. Cristianismo e guerra não combinam.
Mas sendo moços compreende-se que se deixassem levar pela propaganda insidi-
osa, demorada, constante, eficiente, bem feita.
(...)
Alegra-nos saber (pelo menos até agora) que o movimento de salvaguarda da
democracia verificou-se sem sangue. Os objetivos do movimento estavam tão de
acordo com o que quer o povo, que não houve resistência. Toda a pregação da
violência feita com estranha complacência das autoridades através do rádio, da
imprensa, do livro, dos comícios, não bastou ainda para mistificar suficiente­
mente a imensa maioria do povo brasileiro. E este agora respira aliviado. Agora
é possível prosseguir na conquista de tanta coisa que é, realmente, necessária
para que tenhamos um Brasil melhor.
(...)
Entre essas coisas necessárias estão diversas reformas, a começar pela reforma
agrária. Uma reforma agrária que dê terra a quem a quer e que nela sabe traba­
lhar: uma reforma agrária que dê estradas para o transporte fácil dos produtos da
terra; uma política agrária que desbaste esses sertões brasileiros num outro movi­
mento de bandeirismo incompreensivelmente ainda não completado. Mas uma
reforma sem ódio, sem vinganças, uma reforma segundo a inspiração cristã.
(...)
Como será isso possível? A responsabilidade do povo de Deus aumentou ago-
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

ra. Estamos certos, por exemplo, de que Deus atendeu às orações incessantes de
seu povo pela pátria. Quando tudo parecia turvo, quando os defensores da de­
mocracia pareciam estar desavindos uns com os outros, quando parecia que to­
dos estavam mistificados, tudo se esclareceu e viu-se, por exemplo, que as forças
armadas brasileiras não estavam tão infiltradas como se supunha; que a indisciplina
não tinha dominado os quartéis, e que o regime democrático podia confiar nos
seus defensores. Um milagre de Deus, atendendo as orações de seu povo. E o que
cremos. Agora é preciso continuar. Orar mais do que nunca. Trabalhar mais do
que nunca na pregação do Evangelho. Já dissemos mais de uma vez que esse é o
grande remédio. Já dissemos que só acreditamos em Cristo como a esperança.
Os crentes têm que viver à altura das circunstâncias atuais. A vitória da democra­
cia, o restabelecimento do respeito à constituição, o crédito da confiança dado ao
congresso nacional, tudo isso significa para nós, crentes, oportunidades. Não
será agora que se vai estabelecer censura e limitação da liberdade no Brasil. Mas
que tal hora nunca chegue. Orem os crentes, velem os crentes, trabalhem os
crentes. Quanto mais o Evangelho de Jesus Cristo, em toda a sua pureza e inte­
gridade, vencer no Brasil, tanto mais longe ficaremos de qualquer ditadura ou
forma de opressão. Porque um crente legítimo é o antitotalitário por excelência;
o crente legítimo é o adversário natural da corrupção em qualquer das suas for­
mas, e da injustiça social, e da exploração do homem pelo homem. Justiça, liber­
dade, verdade, honestidade, pureza, esses belos ideais só se alcançam quando
Jesus domina os corações. Vivamos e lutemos para que Jesus Cristo impere em
nossa pátria.21’

A C am panha Nacional de Evangelização inspira po esia


A seguinte poesia, de parco valor literário, dedicada a Rubens Lopes, “ inspirador
da C am panha N acional de Evangelização” , afirm a que a ação evangelizadora, não a
política, resolverá os problem as do país.

Q 58) D O C U M EN TO : Essa é a nossa hora


... Para que a nossa fé se contraponha
Aos ardis inconfessos dos incréus,
é preciso que o crente se disponha
a espargir a bondade e a luz dos céus;
não podemos parar; a força viva
que a esperança nos põe no coração,

317
História Documental do Protestantismo no Brasil

exige de cada um a iniciativa


para o ataque à injustiça e a corrução.
(...)
Aguardar sem ação os resultados
do processo político e social
é deixar-se vencer pelos cuidados
excessivos de um medo temporal;
daí ser necessária uma atitude
que defina o dinâmico labor
de amparar os humildes, em virtude
de ser essa a missão do eterno amor.
Nossa pátria que, plácida, processa
as reformas de base, há de convir
que a reforma do homem tem mais pressa
pra firmá-la em justiça, no porvir;
só assim, renovados no Evangelho,
poderemos fazer deste país
uma terra onde o infante, o moço e o velho
glorifiquem o dom de ser feliz...
Somos poucos; talvez, um quase nada;
mas, unidos a Deus, somos milhões:
— Vidas postas no altar para a jornada
das sublimes e santas decisões;
temos nós a verdade e a liderança
que os preceitos do mal vencendo vão.
pois Cristo é a nossa Ú N ICA ESPERANÇA
e Jesus, para o mundo é a SOLUÇÃO.
Campanha Nacional - evangelismo —
clarinada de fé a conclamar
os cristãos para o NEO-PIONEIRISM O
que a PALAVRA DE DEUS há de pregar;
glória aos céus pela luz de tua aurora
e por teu resplendor primaveril,
que esta hora que passa é a NOSSA HORA,
para o bem e a grandeza do BRASIL.21
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

Pastor João Fiison So ren fornece orientação pastoral à su a Igreja


(a Primeira Igreja Batista d o Rio de Janeiro)
O pastor João Filson Soren preparou um docum ento para a orientação pastoral da
sua Igreja, publicado logo a seguir no Jornal Batista. O prestígio do pastor e professor
de teologia, som ado ao fato da publicação do seu trabalho no jornal oficial dos batis­
tas brasileiros, tornaram o docum ento norm ativo, em bora não-oficial. A teologia
subjacente é a doutrina da espiritualidade da Igreja (cf. p.40).

(J 5 9 ) D O C U M EN TO : A Igreja em face das injunções políticas


A Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo é uma entidade de natureza religiosa,
cuja missão e tarefa são de finalidade precípua e essencialmente espiritual. Um
dos mais graves perigos com que a Igreja se tem defrontado desde os primórdios
de sua existência é o perigo da secularização. A tentação... que o diabo armou...
a tentativa de envolvimento secularizador de sua missão redentiva neste mundo
...levou [Jesus] a declarar peremptoriamente que o seu Reino não é deste mun­
do.
(...)
O processo de secularização [iniciado por Constantino] tanto desfigurou a
Igreja de Roma, a ponto de se lhe obliterarem as características das igrejas apos­
tólicas do Novo Testamento.
A observância do chamado princípio de separação entre a Igreja e o Estado, é
um dos mais poderosos baluartes de defesa da Igreja contra o perigo da seculari­
zação. O citado princípio consiste, em suma, no reconhecimento de que são
distintas as esferas de ação, estrutura e finalidade, respectivamente da Igreja e do
Estado.
Cabe observar, outrossim, que em nenhum outro setor, mais do que no terre­
no desse princípio, tem se verificado mais luta e conflito na história do cristianis­
mo. Tal luta persiste no presente. A história dos batistas é, em grande parte, a
história dessa luta sem fim, em que os batistas se caracterizaram na história como
paladinos da liberdade religiosa.
O aspecto contemporâneo dessa luta tradicional dos batistas apresenta algu­
mas facetas novas em conseqüência da evolução nos conceitos políticos e socio­
lógicos. Há, entretanto, mais dois fatores que concorrem para reascender essa
luta. Um deles é a pobreza da cultura teológica... [e a conseqüente] indefinição e
insegurança das idéias e convicções... Outro fator, que também é de fundo teoló­
gico se prende à confusão... sobre o que na realidade são a natureza e missão da
Igreja de Cristo.

319
História Documental do Protestantismo no Brasil

(...)
1. Incompetência política da Igreja
Não compete à Igreja, como o Corpo de Cristo que é, qualquer prerrogativa
em função política. Tais prerrogativas lhe são estranhas, quanto são alheias ao
Estado as atividades e atribuições religiosas e eclesiásticas.
Também não compete à Igreja a chamada função politizadora. Compete isso
aos órgãos políticos e não aos eclesiásticos. E tão incompatível a ação politizadora
com as atribuições de uma Igreja quanto são as funções do Estado e o
doutrinamento teológico e a formação religiosa dos cidadãos.
... [Os cristãos devem atuar na política, mas] na qualidade de cidadãos, e não
na qualidade de porta-vozes ou de representantes de igrejas.
2. Pronunciamentos e manifestos eclesiásticos de natureza política
Tais pronunciamentos, quando emitidos por igrejas, ou por entidades vincu­
ladas a igrejas, constituem transgressões do princípio de separação entre a Igreja
e o Estado. Tanto direito assiste à Igreja de emitir pronunciamentos sobre injunções
políticas, quanto tem o Estado de pronunciar-se sobre injunções eclesiásticas e
teológicas.
(...)
3. Vinculação da Igreja a organizações e movimentos políticos
A Igreja, a ser fiel à sua missão, não poderá aliar-se a organizações ou movi­
mentos políticos, ideológicos ou partidários, mesmo quando tais correntes
desfraldam bandeiras e ostentam legendas que afinem com os ideais da Igreja e o
Evangelho.
Não deve a Igreja formar, quer na “marcha dos camponeses”, quer na “mar­
cha da família” . Trata-se de movimentos políticos cujas fileiras as igrejas não
devem engrossar. Outra, muito outra é a marcha da Igreja de Jesus Cristo. Sem­
pre que a Igreja se deixa prender a tais movimentos, não só se afasta ela do seu
autêntico roteiro divino e espiritual, como também perde em prestígio, tanto da
parte a que se alia, como também da parte divergente e politicamente adversa.
4. Penetração político-partidária no ambiente eclesiástico
Assiste aos crentes individualmente o direito de preferências político-partidá-
rias, mas não lhes assiste o direito de utilizarem a sua qualidade de membros das
igrejas para os fins de propaganda ou contrapropaganda política através das ins­
tituições, reuniões, e demais serviços mantidos pelas igrejas. Tal abuso acarreta
inevitavelmente conseqüências desastrosas. Além de transferir para o seio da Igreja
as tensões de refregas e competições seculares, atenta frontalmente contra a dig­
nidade e autonomia das igrejas.
5. A Igreja e os regimes políticos
Se não cabe a vinculação da Igreja em partidos políticos, também não é cabí­

320
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

vel jungi-la a regimes de governo (...)


Embora reconhecendo que alguns regimes políticos mais do que outros favo­
recem e facilitam as atividades da Igreja, não se deve incorrer no erro de supor
que um regime tem a sanção da Igreja enquanto que outro não. É fato que al­
guns regimes assentam sobre princípios e filosofias materialistas inaceitáveis para
os cristãos. Isso não quer dizer, entretanto, que outro regime político que não
esses, seja o regime sancionado ou aprovado pela Igreja. Tal sanção não é da
competência da Igreja. A Igreja de Jesus Cristo não pode estar jungida a qual­
quer regime político.
6. Uso tendencioso de terminologia política e ideológica em assunto eclesiástico e
teológico
Muita confusão e mal-entendido tem surgido do emprego dos chavões e
“clichês” do jargão político em questões de natureza religiosa. Até mesmo nos
púlpitos isso às vezes ocorre. (...)
b) Realizava-se recentemente, em um templo batista, uma conferência sobre
problemas sociais hodiernos. A certa altura o conferencista declarou que “o cris­
tianismo é por natureza e por índole revolucionário”.
Em se tratando do sentido espiritual da palavra “revolucionário”, vá lá. Quando
não, está errado. No sentido usual em que se emprega o termo, a afirmação,
sobre ser temerária, carece totalmente de fundamento teológico e histórico. O
cristianismo é a religião da paz, do amor, da fraternidade, da irmanaçao. Não é
tumulto, sedição, revolta, baderna, convulsão, violência e ódio. Não faltou quem
pretendesse fazer de Jesus Cristo o ídolo e o mentor de suas aspirações revoluci­
onárias. Mas o Senhor sistematicamente resistiu a todos os empenhos e a todas
as manobras no sentido de fazerem dele um chefe revolucionário.
c) Há dias um jovem crente, possivelmente citando terceiros, asseverou de
público que o “Evangelho é subversivo” . Errado. Subversivo é o pecado, não o
Evangelho. O arquiteto da subversão universal é Satanás. No Evangelho, não
existe programa e propósito subversivos.
d) Ardoroso adepto da chamada tese da presença da Igreja na realidade brasi­
leira, declarou em inflamado discurso, que “cumpre à Igreja defender as institui­
ções e a legalidade”. (...) [replica Soren] Para a defesa de suas instituições e a
legalidade, dispõe o estado das forças armadas, da polícia, dos órgãos da justiça e
outros. Esse papel não compete à Igreja.
e) Certo ministro evangélico escreveu recentemente isto: “A Igreja não pode
se acomodar e se silenciar diante das iniqüidades e das injustiças sociais neste
século”. O que o escritor pretendia, porém, é que a Igreja fizesse coro com as
vozes políticas que defendem determinada fórmula (reforma de base) para com­
bater tais injustiças. As autênticas igrejas de Jesus Cristo sempre combateram o

321
História Documental do Protestantismo no Brasil

mal e a iniqüidade. São elas as vozes mais antigas e mais poderosas nesse comba­
te. Mas também as autênticas igrejas de Jesus Cristo não se apoiam em
messianismos políticos, sociais e econômicos do século para o cumprimento de
uma missão profética neste mundo. Quando esses movimentos efêmeros surgi­
ram, já encontraram a Igreja na peleja.
(...)
E esta uma hora que requer sabedoria e prudência. Havemos de estar lembra­
dos de que o Evangelho de Jesus Cristo é poder de Deus para a salvação: salvação
da alma e da vida, salvação presente e salvação eterna, salvação da pessoa huma­
na em todas as suas relações e potencialidades. A política da Igreja é a política de
um reino espiritual, cuja alma é a verdade e cujo poder é o Espírito Santo.22

O evangelista batista Billy Graham no Rio de janeiro ( 1 9 7 4 )


O evangelista m ais renom ado na época, Billy G raham , realizou um a cruzada
evangelizadora no estádio do M aracanã, no Rio de Janeiro, de 2 a 6 de outubro de
1974. D urante os cinco dias um total de 615 mil pessoas assistiram , das quais 250 mil
na últim a noite. M ais de 25 mil pessoas assinaram cartões de “decisão para C risto”
durante a cam panha. N o docum ento abaixo, o pastor N ilson Fanini, presidente da
cruzada, é entrevistado.

D O C U M EN TO : Entrevista sobre a campanha Billy Graham


Quando os líderes evangélicos do grande Rio se reuniram, no salão de cultos
da Sociedade Bíblica do Brasil, para considerar a possibilidade da vinda de Billy
Graham à nossa cidade, o pastor Nilson Fanini, então presidente da Convenção
Batista Brasileira, foi quem abriu a reunião. Em seguida, foi aclamado para
moderá-la e depois eleito presidente da comissão que se organizou. Sua liderança
entre os batistas brasileiros, sua experiência como evangelista, o pastorado de
uma das maiores igrejas evangélicas do país, seus contatos com Billy Graham,
seu domínio perfeito da língua inglesa, além de sua enorme simpatia pessoal
indicavam-no, naturalmente, para o exercício dessa cruzada, cuja magnitude todos
já podiam antecipar. E Fanini correspondeu plenamente ao que dele se esperava.
Foi um presidente modelar, atuante, dedicado, fiel. Assim agora, terminada a
cruzada, tínhamos que ouvi-lo, a fim de saber suas primeiras impressões. O que
se segue foi o que ele nos disse.
Não direi que a cruzada correspondeu à expectativa. A verdade é que ela
foi muito além de nossa expectativa. Muito além daquilo que esperáva
mos e podíamos. Não pense que estou apenas fazendo uma frase. Quando

322
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

eu falava da cruzada citava sempre aquele texto de At 13.44 - “quase toda


a cidade ajuntou-se para ouvir a palavra de Deus”. Pois bem, a verdade é
que todo o Brasil ouviu graças à transmissão que espontaneamente foi
feita pela televisão.

Avivamento para os crentes


O número de decisões foi grande e ainda não temos toda a contagem
feita, mas quero salientar que foi grande também o avivamento dos cren
tes. Vendo o que estava acontecendo no Maracanã os crentes se sentiram
mais dispostos e animados a entregar suas vidas ao serviço desse Deus tão
maravilhoso.

Oportunidade de distribuição de Palavra de Deus


E preciso salientar isso também. Tivemos, como nunca, uma oportunida
de de distribuir a Palavra de Deus. Milhares de Novos Testamentos foram
entregues e outros milhares serão enviados porque os pedidos continuam
a chegar.
Telefonemas de vários lugares
Parece que toda a cidade está falando da cruzada e de Billy Graham. Te
mos recebido telefonemas inúmeros e não apenas do Rio e adjacências,
mas também do Recife, de Brasília, do Paraná e outros lugares solicitando
Novos Testamentos, depois de ouvida a mensagem pela TV.23

C am panha Nacional de Evangelização (1 9 8 0 )


A provada na Convenção de Curitiba, houve um a intensa cam panha de prom oção,
preparatória à execução da cam panha evangelizadora em si. A “m ensagem ” da cam pa­
nha, transcrita abaixo, deixa m uito clara a m otivação e os propósitos desse grande
esforço evangelizador, que visava envolver toda a com unidade batista brasileira.

( j~6~P) D O C U M EN TO : Mensagem
A situação religiosa do Brasil no momento atual é constrangedora. Não é
preciso dizer o que faz e o que significa a Igreja Católica;24 a macumba se vai
alastrando de tal maneira que dizem haver mais de 30 milhões de macumbeiros
em nossa pátria; as religiões de origem oriental vão tendo impressionante cresci­
mento como a chamada Igreja Messiânica; grupos tidos como carismáticos, a
apregoar curas e outros milagres, vão-se multiplicando e com seus fracassos au­
mentando também o número dos desiludidos. O panorama religioso geral é de

323
História Documental do Protestantismo no Brasil

confusão, com milhões à procura da verdade sendo transviados por centenas de


falsos profetas.
E a hora em que o povo evangélico deveria estar na maior atividade para
transmitir a mensagem de Cristo, o único que salva. Mas uma vista de olhos para
nossas igrejas nos deixa preocupados e entristecidos. Há muitas que demons­
tram a maior frieza e desinteresse. Tal comportamento se revela no lento pro­
gresso ou mesmo no progresso nulo dessas igrejas. As estatísticas nos informam
que o crescimento das igrejas batistas no Brasil é da ordem de 4,5% ao ano
apenas.
E preciso que haja uma sacudidela enérgica não para conquistar números mas
a fim de que as igrejas se despertem para a realidade moral e religiosa brasileira e
para sua responsabilidade como igrejas. Por essa razão foi lançada a Campanha
Nacional de Evangelização (1980). Usada por Deus, essa campanha, a partir de
sua preparação, será o brado de alerta, a tomada de consciência de que nossas
igrejas necessitam.
A comissão coordenadora da Campanha Nacional de Evangelização marcada
para 1980 apela a todas as igrejas batistas do Brasil no sentido de que se alistem
nesse grande movimento. Que nenhuma delas falte a esse toque de reunir. Que
todas juntas se levantem para proclamar, com todos os recursos de que dispo­
nham e com todos os seus membros que só JESU S CRISTO SALVA!25

OS PRESBITERIANOS
Introdução
Para um a m elhor apreciação do presbiterianism o brasileiro após o golpe militar,
será necessário recordarmos suas tendências desde 1950. Por exemplo, form ou-se, em
1954, o Conselho Interpresbiteriano assim integrando os esforços da Igreja Presbiteriana
do Brasil e as missões da P C U S (Sul) e P C U S A (N orte). E m 1962, a m issão Brasil
Central (P C U SA ) determinou-se a entregar à IPB toda a sua obra evangelizadora, e, a
associações controladas pela m esm a Igreja, sua obra educativa e m édica.26 A execução
desta últim a parte tem sido bastante lenta. A IPB m anifestava interesse no m ovim ento
ecum ênico, tendo havido m em bros seus na Assem bléia do Conselho M undial de Igre­
jas em Am sterdã (doc. 122) e observadores de outras assembléias. N esse período tam ­
bém vieram m issionários, especialmente da P C U S A —com o Richard Shaull, o mais
influente de todos —que insistiram na aplicação prática do Evangelho em term os de
justiça social. Enquanto era sentida a influência de novas correntes teológicas da E u ­

324
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

ropa e da Am érica do N orte, trazidas tanto pelos m issionários com o por brasileiros
que estudaram no estrangeiro, ao lado da teologia tradicional de Charles e Archibald
Alexander H odge e seus correligionários, acom panhada de inevitável fermentação
dentro dos sem inários, progressivamente a m ocidade presbiteriana se politizava. O
im pacto destas ênfases e tendências é claramente perceptível no Suprem o C oncilio de
1962, reunido no R io de Janeiro, quando a IPB fez seu significativo “pronunciam ento
social” , cujo texto encontra-se adiante.
D e 1962 a 1966, com o advento do regime militar, m udou radicalm ente o clima
dentro da IPB. O Suprem o Concilio de 1966, realizado em Fortaleza, m arcou o início
da era Boanerges Ribeiro. A seguinte avaliação da nova postura da Igreja foi feita por
observadores norte-americanos, após o prim eiro quadriênio da nova adm inistração:
O moderador (presidente), que completou um mandato de quatro anos foi
reeleito pela Assembléia Geral (Supremo Concilio) na sua reunião em meados
de 1970. Ele é a encarnação da posição assumida pela Igreja, e proporciona uma
liderança dinâmica, baseada em um forte governo central que não permite ne­
nhum desvio ou diferença de opinião... [Observa-se] o surgimento e cristaliza­
ção das seguintes políticas...
1) A ênfase primária na evangelização e na missão da proclamação da Igreja,
a preocupação social tida como derivada. Primeiro a evangelização; depois, o
bem-estar social.
2) A prática do ecumenismo só dentro de parâmetros restritos limitada a rela­
cionar-se ou cooperar com outras denominações protestantes.
3) Uma posição anti-romana intransigente, extensiva a manifestações
pentecostais dentro da Igreja Presbiteriana do Brasil.27
A postura anti-romanista, antiecumênica, antipentecostal (tam bém anticom unista,
antim odernista) continua a caracterizar a Igreja, enquanto os valores tradicionais do
calvinism o e presbiterianismo são enaltecidos. Jam es W right adm ite com o um a das
possíveis raízes do rom pim ento entre a IPB e a M issão Brasil Central, a adoção pela
U P C U S A da C on fissão de 1967, “a qual, alega a IPB , substitui a C o n fissão de
W estm inster” , sendo que um dos m arcos da atual IPB é a ferrenha lealdade a
W estminster.28 Q ue a posição assum ida em 1966, aliás análoga então à situação polí­
tica do país, goza de considerável grau de apoio dentro da IPB é atestado pela sua
longa duração.
E m 1973, a IPB rom peu, unilateralmente, relações com a U P C U S A depois de
bem m ais de um século de colaboração, firm ando logo um novo convênio com a

325
História Documental do Protestantismo no Brasil

m issão da P C U S (Sul).29 N esse período, ou a adm inistração da IPB afastou pastores,


igrejas locais e até presbitério, ou, por estarem em desacordo com o atual regime da
Igreja, núm eros significativos de indivíduos e grupos se retiraram. A ssim nasceu, por
exemplo, a A liança de Igrejas Reform adas, que tem com o núcleo o Presbitério de São
Paulo, afastado da IPB. Esta Aliança é um a federação descentralizada e liberal quanto
à doutrina e política eclesiástica. A Aliança reluta em se considerar um a denom inação,
tendo esperança na futura reintegração presbiteriana. U m segundo grupo, cuja m aio­
ria da liderança é constituída de professores afastados de sem inários presbiterianos,
organizou a Federação N acional de Igrejas Presbiterianas (F E N IP ) por ocasião da
Assem bléia do III Encontro de Presbiterianos, realizada em Atibaia, SP, em setembro
de 1978.
Á Igreja Presbiteriana Independente, organizada em 1903 sob a liderança de Eduardo
C arlos Pereira, num a fase de luta pela autonom ia real do presbiterianism o brasileiro,
tem assum ido um a postura m enos rígida que a da IPB. N o entanto, m ovida pelo
m edo do cism a, assum iu a “eqüidistância” entre o Conselho M undial de Igrejas e o
C oncilio Internacional de Igrejas Cristãs (o grupo de Carl M clntire) e, desde 1972,
tem sido mais inflexível, tanto frente ao movimento de “renovação”, interpretado como
um a infiltração pentecostalista na Igreja, com o no que se refere à participação, parti­
cularmente dos pastores, em atividades ecumênicas. O rigor dessa oposição ecum ênica
foi relaxado um pouco em 1981. Deve ser observado que, em 1978, depois de 3/4 de
século sem o concurso de m issionários norte-americanos, a Igreja Presbiteriana Inde­
pendente adm itiu aos seus presbitérios os três prim eiros m issionários da sua história,
a saber: Richard Irwin, Albert Jam es Reasoner e G ordon S. Trew.30

O S u p re m o Concilio de Fortaleza (Julho de 1966 )


O s docum entos desta seção traduzem a decisão básica da IPB de voltar suas aten­
ções para si mesma, num a preocupação com a fidelidade à B íblia e aos sím bolos da fé
presbiteriana, a pureza doutrinária e com portam ental da denom inação, não m aculada
por influências do ecum enism o m oderno, tanto do catolicism o rom ano pós-Vaticano
II, quanto do Conselho M undial de Igrejas.

(J 6 2 ) D O C U M EN TO : Conclave na encruzilhada
A Igreja Presbiteriana do Brasil está na encruzilhada. O caminho bifurca-se
em Fortaleza, Ceará. O caminho da esquerda é o "Evangelho Social”, que diz ser

326
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

a Igreja responsável pela miséria de que sofre grande parte da humanidade, e que
devemos dar assistência social ao mundo, para conversão dos pecadores. Esse
caminho, o da esquerda, está facilitando a licenciosidade teológica. E o caminho
da confusão doutrinária, da inversão dos valores espirituais, da corrupção eclesi­
ástica, do sincretismo religioso universal, ao qual dão nome falso de ecumenismo.
E o caminho perigoso do negativismo bíblico. O outro caminho é do Evangelho
de Cristo, dos apóstolos, de Lutero e Calvino, da Assembléia de Westminster...
da Igreja Presbiteriana do Brasil desde 1859 até agora —Evangelho que prega
assistência social ou boas obras como conseqüência da salvação, e não como
causa da conversão. Os países em meio de cujo povo não se encontram párias
nem marginais, porque varreram de seus solos a miséria e o analfabetismo, não
precisaram do “Evangelho Social”, apegaram-se ao Evangelho de Cristo, exclusi­
vo das Santas Escrituras. Na encruzilhada de Fortaleza os legítimos e fiéis repre­
sentantes da Igreja Presbiteriana do Brasil, parte dos 7 mil que não dobraram os
joelhos a Baal, precisam estar cheios do poder e da graça de Deus —cheios do
Espírito Santo, revestidos de humildade e divina coragem, a fim de resistirem às
tentações da grandeza ofuscante do sincretismo programado pela Igreja Romana
e o Conselho Mundial de Igrejas, com a roupagem de ecumenismo.31

( j6 3 ) D O C U M EN T O : Resoluções do Supremo Concilio sobre os seus seminários


O Supremo Concilio resolve: 1) Reconhecer que uma situação de fato existe,
que compromete o futuro da Igreja. 2) Declarar que, embora respeitando o foro
íntimo de cada indivíduo, a IPB não entende que a liberdade de exame implica
na abertura de suas portas a toda sorte de dúvidas e heresias. 3) Determinar que
os professores dos seminários da IPB se dediquem ao preparo intelectual e espi­
ritual de seus alunos e se abstenham de propaganda e práticas ecumenistas e
ideólogo-políticas. 4) Determinar às congregações que cancelem as matrículas
de todos os alunos cujas idéias ou cuja conduta sejam havidas pela congregação
de professores ou pelas entidades superiores da administração incompatíveis com
os padrões éticos e doutrinários da IPB. 5) Nomear uma comissão especial com
plenos poderes para dar execução às providências desta resolução.32

(j~64) D O C U M EN T O : Pastoral aos presbiterianos


...Na histórica reunião do Supremo Concilio da nossa Igreja na cidade de
Fortaleza, em julho de 1966, a mais numerosa assembléia jamais realizada por
nosso concilio superior, presentes representantes legítimos de 64 presbitérios,
num total de mais de 250 delegados, homens esclarecidos com vibração e luci­
dez, afirmaram uma vez mais a fidelidade completa da Igreja Presbiteriana do
Brasil às Sagradas Escrituras, aos símbolos da nossa fé presbiteriana, à missão de

327
História Documental do Protestantismo no Brasil

proclamar a verdade do Evangelho ao povo brasileiro sofrido e paganizado, à


obediência à forma do governo presbiteriano e aos concílios, ao respeito às auto­
ridades constituídas, e mui principalmente à soberania de Jesus Cristo, nosso
Senhor e Redentor, único salvador, esperança nossa, logos divino, que nos com­
prou pelo preço de seu sangue vertido na cruz do Calvário. O zeloso e fiel cum­
primento das determinações do Supremo Concilio, cremos, nos cabe executar a
nós e às juntas e comissões eleitas em Fortaleza, com diligência e exatidão. Se
assim não fizéssemos, trairíamos o povo presbiteriano, e nos tornaríamos indig­
nos do mandato que recebemos. E claro que nem todas as medidas serão do
agrado de todos. Há as severas, exigidas pelos interesses magnos da Igreja, e por
isso mesmo imperativas. Talvez o mais agudo de todos os problemas se referisse
à educação teológica, aos seminários. Espera a IPB que as nossas casas de profe­
tas sejam na mais rigorosa medida centro de zelosa preparação de homens com
indiscutível vocação e mentalidade cristã e propósitos insuspeitos, capacitados
pela cultura e piedade a ser dignos guias do rebanho de Jesus Cristo, competen­
tes intérpretes da fé, uma vez dada aos santos. Denúncias graves, que tinham de
ser apuradas cabalmente, afirmavam ao Supremo Concilio que se processava
doloroso desvirtuamento nesta esfera, reclamando enérgicas providências. Or­
denou o Supremo Concilio essas providências. Mal avisados, tentaram alguns
obstar ao cumprimento das ordens do Concilio, expondo-se às conseqüências de
sua rebeldia.33

A Aliança de Igrejas Reform adas


O Presbitério de São Paulo, após seus desligam ento da IPB, nom eou um a com is­
são para tom ar os passos iniciais para a organização de um a A liança de Igrejas Refor­
m adas. O presidente do presbitério, João de N oron h a M elo, convocou-a e presidiu-a
a 27 de abril de 1974 no tem plo episcopal à praça Olavo Bilac, em São Paulo. C om o
dem onstram os docum entos abaixo, a Aliança adotou um a postura de grande flexibi­
lidade doutrinária, em contraste com a rígida ortodoxia da IPB, optando por um a
abertura para o diálogo e um a ênfase na vivência da vida cristã.

(J 6 5 ) D O C U M EN TO : Estatutos da Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil (excerto)


Artigo 1 - Sob a denominação de Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil
fica constituída, sem fins lucrativos, uma federação de igrejas, estabelecida no
território da República Federativa do Brasil.
Artigo 2 - Esta Aliança adota o sistema representativo e se baseia no princípio
de autonomia das igrejas locais e da sua interdependência comunitária.
Artigo 4 - A Aliança das Igrejas Reformadas do Brasil tem por finalidade

328
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

coordenar o trabalho das igrejas locais que a ela se associam e promover a obra de
evangelização e implantar os ideais do Reino de Deus e da bondade, da justiça e
da verdade em todas as esferas da vida e da cultura, (...)
Artigo 6 - A Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil é administrada por um
conselho geral, composto pela sua diretoria e pelos representantes legais dos con­
selhos regionais associados a esta Aliança.
§ I o — Os conselhos regionais serão constituídos de representantes de
agremiações de igrejas e de igrejas locais, que se reúnem para melhor desenvolver
os trabalhos das regiões em que se encontram.
§ 2o - E de natureza espiritual o vínculo das igrejas locais e dos conselhos
entre si e com esta Aliança, excluída qualquer subordinação compulsória e
patrimonial.34

Q 66) D O C U M EN TO : Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil: Manifesto dirigido


às igrejas evangélicas
A Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil saúda a todas as igrejas irmãs, a
quem dirige o presente manifesto, e estende-lhes a destra da fraternidade, fazen­
do votos para que o Espírito de Cristo esteja presente na vida e no trabalho de
cada comunidade cristã, ajudando-nos todos a buscar a grande renovação que
nos torne testemunhas mais fiéis do Evangelho cuja promoção e implantação
nos foram confiadas, como membros que somos do seu Corpo, da Igreja.
A Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil é, como o próprio nome indica,
uma agremiação de comunidades cristãs, de tradição evangélica, que, admitindo
a excelência dos princípios históricos da reforma protestante do século XVI, não
faz desses princípios um estalão dogmático de rígida ortodoxia, crendo que na
liberdade em Cristo e na preocupação de fazer a vontade de Deus em uma vida
de amor e de justiça na regra áurea, mais do que na uniformidade doutrinária,
deve estar o vínculo da nossa união.
A Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil não é e não pretende ser uma outra
denominação protestante. Ela se constitui originalmente de congregações de for­
mação presbiteriana, que, entretanto, decidem centralizar na congregação local
o poder de, sem quebra dos vínculos espirituais que a ligam às demais comuni­
dades cristãs, aceitar ou não as deliberações que emanam de suas convenções e
conselhos regionais.
A Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil não está interessada em estimular
movimentos que redundem em ruptura das estruturas ou da unidade das igrejas
tradicionais que operam no Brasil, mas, sendo uma agremiação de comunidades
cristãs, de tradição evangélica, está aberta a toda congregação cristã, que,
desvinculada de qualquer organização eclesiástica, solicita arrolamento em seu

329
História Documental do Protestantismo no Brasil

quadro de igrejas.
A Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil dirige às igrejas reformadas de
minorias étnicas, atualmente em operação no Brasil, a expressão de sua solidari­
edade cristã e de sua apreciação pela obra que realizam em nossa pátria, e ao
mesmo tempo manifesta a essas igrejas o seu sincero desejo de maior comunica­
ção intercomunitária, certas [sic] de que dessa comunhão espiritual advirá neces­
sariamente um fortalecimento recíproco para ambas as partes.
Imbuída dos ideais de Jesus Cristo, que não fazia distinção entre judeus e
samaritanos nem os discriminava pela coloração dogmática que porventura pro­
fessassem, a Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil tem uma orientação decidi­
damente ecumênica. Entendemos que nem nossa herança histórica, por mais
preciosa que nos possa parecer, nem nossas distinções teológicas, por mais segu­
ros que possam estar da veracidade do sistema que professamos, podem ser razão
para deixarmos de considerar irmãos, indivíduos de filiação religiosa diferente da
nossa.
A Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil não desconhece que a vida tem
uma projeção transcendental e uma dimensão extraterrena, mas entende que os
aspectos metafísicos da mensagem cristã não podem levar a Igreja a perder de
vista a responsabilidade que tem para com o homem e com sua situação na vida
aqui e agora. Tudo o que diz respeito ao homem, tanto no plano material —o
pão, o agasalho, a saúde, a educação etc. - bem como no plano de seus ideais e de
seus direitos fundamentais como pessoa humana, concerne à Igreja e à sua mis­
são. A Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil, fiel à sua missão como Igreja,
acompanha com o mais vivo interesse e em constante intercessão, as lutas de
nosso homem brasileiro por uma vida melhor, mais sadia, mais rica e mais com­
pleta.
Em suma, ela deseja cooperar com todas as boas causas humanas, trazendo-
lhes o concurso da inspiração renovadora e humanizadora do Evangelho, e aju­
dar todos os homens a descobrir os tesouros de vida, de renovação moral, de
fraternidade e de harmonia que existem em Jesus Cristo. Por isto mesmo —estamos
convencidos —em Cristo crido e obedecido está a chave para a solução de todos
os problemas do homem moderno da nossa civilização. Nele está a fonte de
todos os valores que nos podem assegurar uma civilização integral.
Deus nos ajude a nós e a todos os discípulos do Senhor Jesus Cristo para que
sejamos testemunhas eficientes desse Evangelho eterno que é a esperança do
mundo.
Presidente: Luís Boaventura
Vice-presidente: Th. Henrique Maurer Jr.
I o Sec. : Márcio Moreira

330
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

2o Sec. : Manoel Barbosa de Souza


Tesoureiro: Edval Queiroz Matos
Sec. executivo: Mozart João de Noronha MeloK

0 67) D O C U M EN TO : Declaração de Princípios da Aliança de Igrejas Reformadas


do Brasil (excerto)
A Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil, constituída de igrejas autônomas e
livres na sua orientação doutrinária e práxis administrativa e de culto, reúne-as
todas em torno dos seguintes princípios fundamentais de fé, vida e ação:
I - A fidelidade à visão bíblica de Deus, o bem perfeito, infinito e pessoal...
criador de todas as coisas e fonte de todo o bem existente no universo. Ele nos
criou à sua imagem e semelhança e, depois de caídos e rebelados contra Ele, nos
redimiu por sua graça em Jesus Cristo, o seu Filho unigênito - o Verbo encarna­
do —e nos deu o dom do Espírito Santo, a fim de que nos tornássemos partici­
pantes do seu Reino e herdeiros da vida divina do bem, da justiça e da verdade
(Ef 5.9), os grandes tesouros da vida espiritual, de acordo com ... Efésios, 2.8-
10:...
II - A defesa da liberdade que Cristo nos alcançou pela sua obra redentora (Jo
8.32). Esta liberdade —cremos - assegura a cada crente e a cada comunidade
cristã o direito de pensar e agir de acordo com a sua inteligência e a sua consciên­
cia esclarecida e responsável diante de Deus... (Rm 14.13; GI5.13).
III —A convicção de que na tríade bíblica da bondade, da justiça e da verdade
(Ef 5.9), alicerçada sobre o fundamento do amor - o vínculo da perfeição - está
a única maneira de viver “divinamente”, realizando a vontade de Deus e imitan­
do-o a Ele e ao seu filho Jesus Cristo para o que fomos chamados (Mt 5.48; Ef
5.1; F1 2.5-8; 1 Jo 2.6 e 29; 3.3 e 7; Mt 22.34-40; 7.12; 25.31-46)...
IV —A convicção de que o bem que Deus põe diante de nós como programa
e alvo da vida é algo abrangente e integral, incluindo todas as atividades e todas
as esferas da vida espiritual, moral, física, e social (1 C ol0.31; FI 4.8)...
V - Como conseqüência dos itens anteriores, a afirmação da primazia da vida
cristã de fé, de amor e de boas obras sobre as afirmações puramente dogmáticas,
em que tantas vezes nos esquecemos das limitações da inteligência humana, bem
como sobre as práticas do culto, da devoção e das manifestações milagrosas,
quaisquer que sejam... o culto verdadeiro... de que Deus se agrada consiste na
vitória sobre o egoísmo e as paixões e na prática do bem e da justiça nas relações
humanas, antes que em palavras e gestos devocionais (Hb 13.16; Mt 7.21-23; 1
Co 13.2; 1 Co 8.1)...
VI - O reconhecimento do caráter integral da ação evangelizadora e redentiva

331
História Documental do Protestantismo no Brasil

da Igreja no mundo, que não pode consistir simplesmente em pregar, adminis­


trar sacramentos e trabalhar pela conversão de “almas”, mas, fiel à responsabili­
dade profética da Igreja, deve atender muito especialmente à orientação e à edu­
cação dos indivíduos, dos povos e das nações, em uma luta contínua e incansável
pela renovação de todas as instituições políticas, econômicas, sociais, científicas e
culturais, a fim de que possam realizar os fins humanos de cooperação, da
fraternidade dos valores espirituais, para os quais foram criadas de acordo com a
vontade santa e bondosa de Deus [Mateus 28.19-20 mostra que] toda a missão
confiada por Cristo à Igreja visa as nações do mundo, não apenas os indivíduos.
Por outra parte ...Mt 5-13-16 nos adverte que é pela vida de boas obras que
levamos os homens a glorificar o nome de Deus, não pelas nossas palavras...
VII —A participação ativa no movimento ecumênico, por estarmos convenci­
dos de que só por meio dele podemos dar a outros ramos da cristandade aquilo
que de melhor existe na tradição evangélica reformada, conscientes, porém, de
que será também este movimento o grande meio de recebermos aquilo que ou­
tros ramos da Igreja têm para dar-nos de preciosos tesouros espirituais.
Ecumenismo não significa imposição de pontos de vista pessoais nem renúncia a
princípios próprios; antes, anuncia uma humilde disposição de dialogar com
franqueza, de dar e de receber, bem como de comungar com pessoas que, junta­
mente pelo diálogo, descobrimos serem nossos irmãos, ... embora herdeiros de
tradições ... diferentes das nossas ... É um convite para que todos juntos procure­
mos participar do grande movimento de renovação espiritual que ajudará a Igre­
ja a redescobrir, de uma maneira mais real e completa, a vontade do seu senhor
e salvador, e, por essa redescoberta, entrar decididamente no caminho da verda­
deira unidade ... Entenda-se bem: ecumenismo não significa a união total da
cristandade; ele é, sim, o grande meio redescoberto pelos cristãos de hoje, para
que todos cheguemos para mais perto de Cristo e, desse modo, para mais perto
uns dos outros. É daí que há de resultar um dia a grande união “a fim de que o
mundo creia que Tu me enviaste” (Jo 17.21).36

A F ederação Nacional de Igrejas Presbiterianas (FEN1P)


N o III encontro de presbiterianos, realizado em Atibaia, de 7 a 10 de setem bro
de 1978, egressos da IPB organizaram a Federação N acional de Igrejas Presbiterianas
(FE N IP ). O evento e suas circunstâncias receberam am pla cobertura dos jornais secu­
lares, do país.37 O Jo rn al da FE N IP , no seu prim eiro número (janeiro de 1979), tam ­
bém conta a história com riqueza de detalhes.

332
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

O 68) D O C U M EN TO : Documento da comissão de fé e ordem da FEN IP


1. Aceitamos o Senhor Jesus Cristo como Deus e salvador, conforme o regis­
tro das Escrituras Sagradas do Velho e do Novo Testamentos.38
2. Aceitamos, defendemos e promovemos a tradição presbiteriana como in­
corporada nos credos da Igreja universal, representada nas confissões históricas
das igrejas reformadas.
3. Constituímo-nos em Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas forma­
da de todas as igrejas organizadas a ela associadas ou que venham a associar-se,
obedecidos os princípios básicos de autonomia e soberania da comunidade local.

§ Único: As igrejas associadas à FENIP que já se encontram agrupadas em


presbitérios e sínodos deverão permanecer nessa posição, nada impedindo, no
entanto, que as demais isoladas, se congreguem à FENIP, mesmo que não este­
jam agrupadas a esses órgãos.

4. Como igrejas reformadas e que, por isso, estão sempre se reformando, acei­
tando a multiforme operação do Espírito Santo na vida do povo de Deus, e em
obediência às estratégias de Deus nas mutáveis situações, reconhecemos o direito
a diferentes formas de fidelidade e posicionamentos exegéticos e teológicos pe­
rante as Escrituras Sagradas.
5. Reconhecemos que o ministério da Igreja total não pode ser reduzido ao
ministério pastoral, mas que a diversidade de dons e vocações do Espírito é con­
cedida a todos os membros do povo de Deus, sem exclusão de nenhum deles por
motivo de sexo, de cor, de cultura e de posição social.
6. Reconhecemos a necessidade de orientação pastoral e pedagógica mais uni­
forme, em maior consonância, com as prioridades doutrinárias, conforme
estabelecidas nos símbolos da fé, para mais eficiente doutrinação das comunida­
des.
7. Fiéis à oração sacerdotal do Senhor e ao empenho de Calvino em favor da
unidade da Igreja, sentimo-nos obrigados à convivência com o movimento de
diálogo interconfessional nacional e mundial e à participação na Aliança Mun­
dial das Igrejas Reformadas, e recomendamos orações pela unidade cristã.
8. Adotamos, como expressão da responsabilidade social da Igreja, o Manifes­
to Social da IPB aprovado pelo Supremo Concilio no ano de 1962.39

(J~69) D O C U M EN TO : O Manifesto de Atibaia (excerto)


1. Declaramos constituída, nesta data a Federação Nacional de Igrejas
Presbiterianas, que se regerá na esfera civil, pelos seus estatutos e na esfera eclesi­
ástica, pelo seu regimento.

333
História Documental do Protestantismo no Brasil

2. Declaramos que é nosso desejo prosseguir na obra do Reino de Deus, do­


minados pelo espírito de Cristo, em harmonia e alegre comunhão uns com os
outros, paz e respeito mútuo.
[3] Expressamos nossos propósitos nos seguintes termos: Declaramos que é o
nosso propósito edificar nova comunidade onde reine o amor e a consagração à
obra de redenção do homem e não interesses humanos subalternos, indignos
daqueles que fazem profissão de fé cristã.
4. Declaramos que como mordomos do Senhor Jesus, não podemos gastar o
tempo retornando às questões passadas reavivando injustiças sofridas ou reivin­
dicando direitos de que fomos esbulhados, mas, com a visão voltada para o futu­
ro, colocamos o nosso coração na obra que temos para fazer, na consciência clara
de nossa responsabilidade diante do Senhor da Igreja, a quem teremos de prestar
conta do uso que fizemos da nossa vida. Assim Deus nos ajude. Amém.40

A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (1PIB) receb e m issionários


norte-am ericanos pela primeira vez (1 9 7 8 )
A ruptura que ocorreu entre os presbiterianos (1903), provocada pela questão
da autêntica autonom ia (isto é, autoridade decisória nas m ãos dos nacionais), está na
origem da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB). Esta, por coerência,
dispensou a colaboração m issionária. D epois de 3/4 de século, a IPIB recebeu nos
seus presbitérios três m issionários que vinham colaborando com a IPB. Tal atitude,
em 1978, já não representava mais um a ameaça à autonom ia e integridade da Igreja,
firm em ente estabelecida e dirigida por elementos nacionais.

(TtÒ) D O C U M EN TO : Dois presbitérios históricos


...75 anos depois [da organização da IPIB, em 1903], organizada a Igreja
Presbiteriana Independente sem qualquer ligação, dependência ou influência da
Igreja norte-americana, vemos a correção da atitude que tiveram, em 1903, os
nossos maiores, cortando os laços que chegavam a colocar os brasileiros sob a
humilhação até de ameaças.
Ressentimentos foram, infelizmente, guardados em alguns corações nos pri­
meiros anos, mas, à medida que o presbiterianismo continuou a crescer na obra
de evangelizar a pátria amada, foram se estreitando os vínculos com a Igreja
“Sinodal” a ponto de, em 1959, celebrarem juntas, as duas maiores igrejas
presbiterianas do país, o centenário da chegada de Simonton a 12 de agosto. Foi
um grande passo.

334
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

E no início deste ano, outro momento histórico importante aconteceu. Os


Presbitérios de São Paulo e do Brasil Central receberam, pela primeira vez em
setenta e cinco anos, como pastores votantes dos seus concílios, portanto como
membros efetivos, três ministros da Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Uni­
dos. São os Reverendos Richard Irwin, Albert James Reasoner e Gordon Stanley
Trew, o primeiro recebido por unanimidade pelo Presbitério de São Paulo e os
dois outros pelo Presbitério do Brasil Central.
É com alegria que O Estandarte apresenta à Igreja Independente estes três
novos amados companheiros de trabalho na seara do Senhor, orando para que o
nosso Deus e Pai sobre eles derrame porção excelente de sua abundante graça,
para que, em tudo e por tudo, sejam eles sempre achados fiéis no ministério para
o qual o Senhor os vocacionou. Estende a eles as boas-vindas do povo indepen­
dente, rendendo graças a Deus pela atitude de amor que foi possível ser tomada.
Por julgarmos ser para edificação do povo independente, transcrevemos a
seguinte carta, enviada com data de 11 de novembro de 1977 ao então presiden­
te do Presbitério Brasil Central Rev. José Inocêncio de Lima:
Prezado irmão,
Saúde e paz no Senhor.
Recebi as duas comunicações de 26/10/77 desse concilio referentes ao
Rev. Albert James Reasoner e ao Rev. Gordon Stanley Trew, respectiva
mente. Esta tem por fim informar que ambos os referidos obreiros
aceitam com alegria e gratidão os convites que lhes foram feitos para ingressa
rem no Presbitério do Brasil Central da IPI do Brasil. Juntamente com
eles, a Igreja Presbiteriana Unida nos EUA rende graças a Deus pelo pri
vilégio que Ele nos concede de podermos colaborar com o presbitério na
evangelização do seu povo em tão vasto território.
O Rev. Gordon S. Trew comparecerá à próxima reunião ordinária confor
me seu convite. Uma vez recebido como membro do concilio, entende
mos que o referido obreiro estará sob a jurisdição desse concilio para rece
ber a designação do seu campo de trabalho, bem como quaisquer outras
instruções e orientações que o concilio julgar de conveniência para o seu
trabalho...
O Rev. Alberto Reasoner voltará ao Brasil em agosto vindouro e não po
derá, por conseguinte, estar presente na reunião plenária de janeiro. En
tendemos, no entanto, que o presbitério pode delegar poderes à sua co
missão executiva, para receber o referido ministro no seu concilio, a fim
de que ele possa administrar os sacramentos e realizar atos pastorais em
nome da IPI tão logo ele volte. Dadas as necessidades educacionais de
seus filhos, o Rev. Alberto terá que residir em Brasília por uns quatro

335
História Documental do Protestantismo no Brasil

anos, após o que ele poderia residir em outra cidade que o concilio
porventura determinar. Entendemos, no entanto, que, desde a sua volta
ao Brasil, o presbitério terá plena liberdade de designar o seu campo de
trabalho, porquanto embora residindo em Brasília —ele terá o avião PT-
CK C à sua disposição para suas viagens evangelísticas.
Queremos deixar claro que a Igreja Presbiteriana Unida dos EUA não
interferirá nos trabalhos do Rev. Alberto Reasoner e do Rev. Gordon Trew.
Eles receberão suas instruções do Presbitério Brasil Central e prestarão a
ele seus relatórios. Ambos já estão de posse da Constituição da IPIB e
sabem que deverão pautar os seus trabalhos sob a jurisdição da IPIB.
Confirmamos que os serviços a serem prestados pelos nossos obreiros se
rão sem ônus para esse concilio. Confiamos, no entanto, que o presbitério
—preocupado com a mordomia e em evitar a formação de elos de depen
dência que sejam prejudiciais ao desenvolvimento da obra e da eventual
independência financeira das congregações —estabelecerá planos que vi
sem à participação dos crentes nas despesas desses obreiros.
O Espírito Santo está agindo em sua Igreja. Somente assim podemos en
tender o milagre de reconciliação que une agora nossas duas denomina
ções presbiterianas, pela primeira vez desde 1903. Ao mesmo tempo, em
que rendemos graças e louvor ao nosso Deus por tão gloriosa dádiva, ro
gamos que Ele abençoe o Presbitério Brasil Central, orientando os planos
desse concilio para que a sua vontade prevaleça e o seu reino seja fortale
cido.
Almejando as bênçãos contínuas de Deus sobre o seu trabalho, bem como
o de todos os irmãos de presbitério, abraça-o, fraternalmente,
Rev. Jaime Nelson Wright, representante no Brasil da IPU nos EUA41

A IPIB e a renovação
O m ovim ento cham ado “carism ático” pela ênfase nos dons (charismata , no grego)
do E spírito, teve nova expressão no cristianism o ocidental, protestante e católico,
nestas últim as duas décadas. N enhum a denom inação ficou isenta da influência do
m ovim ento, que resultou, não raro, em cism as em igrejas locais e nas próprias deno­
minações. N a IPIB , tomaram-se providências enérgicas no Suprem o C oncilio de 1972,
e no ano seguinte um segm ento da Igreja separou-se para form ar a Igreja Presbiteriana
Independente Renovada, que posteriormente se jun tou a um grupo semelhante egres­
so da IPB , form ando a Igreja Presbiteriana Renovada. O órgão oficial desta nova

336
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

Igreja se intitula, caracteristicamente, Aleluia. As decisões oficiais da IPIB revelam


com o a cham ada “renovação” é encarada oficialmente pela Igreja.

(m ) D O C U M EN TO : Avivamento espiritual
Sobre o relatório da comissão especial da Mesa Administrativa do Supremo
Concilio para tratar do assunto “avivamento espiritual” em nossas igrejas e cole­
tar informações sobre o assunto. Parecer:
1. Examinados os documentos, verificou-se:
a) que o movimento chamado “avivamento”, “reavivamento”, “despertamento
espiritual”, “avivantismo” etc., tem adquirido em determinadas circunstâncias,
no tempo e no espaço, formas nitidamente pentecostalistas;
b) que em suas práticas, muitas vezes, apresentam um comportamento que
está fora das nossas tradições presbiterianas, doutrinárias e forma de culto;
c) que em seus movimentos muitas vezes sem um controle criterioso têm
dado oportunidade à exploração por indivíduos mal intencionados, aproveitadores
das comunidades presbiteriano-independentes;
d) que grupos muitas vezes criados dentro de nossas comunidades, represen­
tados pelos chamados “profetas”, “profetizas”, “servos do senhor”, e práticas como
“unção com óleo”, “ósculo santo”, “cumprimentos —na paz do Senhor”, “uso de
línguas estranhas”, “atividades de cura divina” etc., são identificações das igrejas
pentecostais, assumindo atitudes concorrentes e de substituição aos que conti­
nuam fiéis à nossa tradição presbiteriana e da autoridade regente e docente do
nosso presbiterato que até hoje tem dado tantas glórias à IPI do Brasil em nome
do senhor da Igreja, Jesus Cristo;
e) que é público e notório as infiltrações de elementos das igrejas pentecostais
nesses movimentos, minando a estabilidade e abalando os nossos princípios em
favor daquelas denominações;
f) que a fidelidade aos nossos princípios doutrinários e forma de culto é ele­
mento fundamental de identificação da nossa denominação e criador da unida­
de da nossa amada IPI do Brasil.
A comissão propõe:
2. Que o Supremo Concilio:
a) reafirme sua fidelidade às doutrinas e normas bíblicas do presbiterianismo
consubstanciados nos seus símbolos de fé e catecismo;
b) embora respeitando os pentecostais em suas denominações, o Supremo
Concilio não consente que suas doutrinas e práticas pentecostais, sejam adotadas
pelas nossas igrejas, quer nos templos ou em outros locais, visto haver elementos
estranhos aliciando membros de nossas igrejas para reuniões em casas particula-

337
História Documental do Protestantismo no Brasil

res, recebendo mesmo donativos para o seu sustento;


c) que os conselhos, presbitérios e sínodos tomem as medidas necessárias den­
tro de suas atribuições, defendendo intransigentemente o sistema doutrinário,
presbiteriano e bíblico;
d) que os pastores e oficiais, declaradamente adeptos ou coniventes dessas
doutrinas sejam advertidos pelos responsáveis eclesiásticos mais próximos, fa-
zendo-os cientes de que poderão ser enquadrados no Código de Disciplina da
IPI do Brasil, pela desídia doutrinária, conforme art. 9, letras “a” e “d” do C.D.;
e) que os pastores e conselhos sejam zelosos com seus púlpitos, não permitin­
do a presença de pregadores que possam criar confusão na consciência de nossos
membros;
f) que elementos vindos das igrejas pentecostais, em transferência para a IPI,
sejam rigorosamente examinados sobre suas convicções doutrinárias pelos con-
cílios correspondentes, procurando eliminar a infiltração inconveniente às nos­
sas igrejas.
3. Que o Supremo Concilio:
a) determine à Mesa Administrativa que faça uma fiscalização efetiva do cum­
primento dessas reafirmações de princípios;
b) dê plenos poderes à Mesa Administrativa para funcionar como assembléia
geral da Igreja, no sentido de advertir, disciplinar e tomar todas as providências
necessárias à manutenção da ordem e fidelidade à IPI do Brasil em todos os seus
arraiais.
4. Para um cumprimento mais efetivo e urgente destas resoluções:
a) que a Mesa Administrativa elabore um roteiro do seu trabalho e comuni­
que em ofícios aos sínodos, presbitérios e conselhos de toda IPI do Brasil, as
providências que estará tomando;
b) que a Junta de Missões fique encarregada de elaborar um documento de
orientação sobre o genuíno trabalho de evangelização e avivamento espiritual
para as nossas igrejas;
c) que a comissão de educação cristã procure publicar uma literatura apropri­
ada de orientação sobre evangelismo e avivamento espiritual para uso de nossas
igrejas;
d) que a comissão de educação cristã, em colaboração com a comissão de
atividades leigas, promova cursos intensivos sobre a matéria em nossas igrejas e
em nossos seminários, nestes, de acordo com as suas direções;
e) que em tudo se proceda com a maior cautela, maior amor e que sempre se
considere cada caso separadamente e nunca em grupo.42

338
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

(J7 2 ) D O C U M EN TO : Resolução da Mesa Administrativa (1973): Doc. Sec. II.


Quanto à consulta do Sínodo Meridional a respeito de cooperação mútua
entre nossa Igreja e a Igreja Presbiteriana Independente Renovada (nome adota­
do por movimento revoltoso dentro da IPI do Brasil) aprova-se:
1. Que a divisão ainda é muito recente e ainda pairam dúvidas e ressentimen­
tos de ambos os lados. Há ainda extenso proselitismo da IPIR dentro de nossos
arraiais.
2. Que não se sabe ainda os rumos que a IPIR está tomando, persistindo a
idéia de que há antagonismos doutrinários entre nós e eles.
Portanto, não é conveniente qualquer tipo de cooperação, pelo menos por
enquanto, especialmente troca de púlpitos.43

(j7 3 ) D O C U M EN TO : Resoluções do Supremo Concilio (1978)


Moção do Presbitério de Osasco... O presbitério considera que “tem havido
diferenças de tratamento nos vários concílios inferiores quanto ao problema do
pentecostalismo”... Decide o concilio que sejam tomadas as providências
requeridas pela moção, no sentido de se regulamentar de uma maneira clara o
procedimento da Igreja quanto ao pentecostalismo... Uma comissão especial será
nomeada para estudar detalhadamente todos os aspectos da questão.44

(J~74) D O C U M EN TO : Parecer da comissão especialpara regulamentar a posição da


Igreja Presbiteriana Independente do Brasil sobre opentecostalismo e ecumenismo
—aprovado pela mesa administrativa do Supremo Concilio
I. Pentecostalismo
A IPI do Brasil tem assumido posição bem definida com respeito ao movi­
mento pentecostal. Fiel à sua origem calvinista, recomenda que sejam evitados
excessos nos cultos públicos ou nas reuniões de oração, quer nos templos, quer
em outros locais, principalmente no que se refere aos dons de línguas, profecia e
cura divina, dentro do espírito do apóstolo Paulo, “Tudo, porém, seja feito com
decência e ordem” (1 Co 14.40).
Todavia, se algum crente preferir esse tipo de manifestação cúltica, melhor
será que procure filiar-se a uma das muitas denominações existentes, a fim de
evitar problemas de disciplina. Assim, os conselhos da Igreja são instados a pro­
mover constante vigilância sobre as chamadas “manifestações carismáticas”, pois
casos isolados, se controlados a tempo, evitarão novas cisões nas igrejas, o que
sempre causa “escândalo àqueles que não pertencem à Igreja”.
Em caso de recebimento de algum membro da Igreja Pentecostal (inclusive
Presbiteriana Renovada), não será necessário submeter o interessado a nova pro­
fissão de fé. Será suficiente que o conselho da Igreja, segundo critério próprio,

339
História Documental do Protestantismo no Brasil

ouça o pretendente a respeito de suas convicções e experiências religiosas dentro


dos limites da confissão de fé, registrando o fato sucintamente em ata.
II. Ecumenismo
No tocante ao movimento ecumênico, é preciso distinguir duas situações:
1) O relacionamento entre a IPI do Brasil e as denominações cristãs evangé­
licas, sempre houve, ora mais, ora menos, variando segundo as possibilidades e
oportunidades em cada região do Brasil. Esse tipo de ecumenismo tem-se mos­
trado benéfico, devendo mesmo ser desenvolvido mais freqüentemente, quer em
campanhas de evangelização, quer em obras de assistência social.
2) Já bem diferente é o relacionamento com a Igreja Católica Romana. Do
ponto de vista de Roma, o que se deseja é que os protestantes voltem à subordi­
nação do Vaticano. Ora, isso não deve ser compactuado pelos evangélicos.
Assim, a IPI do Brasil entende que nenhuma cerimônia ou ato de caráter
religioso deve ser praticado em conjunto com clérigos católicos, tanto nos tem­
plos católicos, como em outros locais.
Entretanto, as solenidades cívicas e sociais, bem como por ocasião de ofícios
fúnebres, a critério e dentro do bom-senso de cada pastor, poderá o pastor fazer
uso da palavra.
Fica assim ressalvada a participação do pastor em órgãos públicos de que par­
ticipem religiosos de outros credos, visto ser um[a] honra, para a IPI do Brasil,
que alguns de seus pastores sejam convidados para essas funções.
São Paulo, 26 de julho de 1980.
A comissão
Rev. Dr. Paulo Cintra Damião —relator
Rev. Dimas Barbosa Lima
Rev. Fldvio Antonio Santana'*5

OS METODISTAS
Introdução
O pano de fundo dos acontecim entos e tendências nacionais, entre o fim da Se­
gunda Guerra M undial e o golpe m ilitar no Brasil foi a “guerra fria” entre as superpo­
tências capitalista e comunista. O nacionalismo brasileiro, pouco evidente no regime
D utra (1945 -1 9 5 0), quando o com unism o foi proibido (1947) e o país estava em
quase com pleta subserviência aos Estados Unidos, ressurgiu sob Getúlio Vargas (1950-
1954) e se fortaleceu sobremaneira no regime de Jo ão (“Jan go”) G oulart. Representa­

340
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

va resistência à dom inação norte-americana; e por essa razão adquiriu o colorido m ar­
xista, tanto russo quanto chinês m aoista. Em meio a estas tensões criadas pela guerra
fria, crescia um a população universitária evangélica cuja presença se fazia sentir em
diversos níveis, desde o m ovim ento de estudantes cristãos até a Sociedade M etodista
de Jovens, especialmente nos congressos regionais e nacionais. A juventude universitá­
ria e os acadêm icos de teologia pleiteavam um a Igreja m ais voltada para a ação social
e a política, e exigiam as m udanças estruturais necessárias para tanto.46
Desenvolveram-se diversos m ovim entos e tendências dentro da Igreja, a partir do
“esquem a” liderado por Nathanael Inocêncio do N ascim ento, então reitor da Faculda­
de de Teologia. O “esquema” visava substituir a liderança m issionária por brasileira,
segundo o m odelo presbiteriano adotado em 1917 (doc. 83) bem com o dar um a
direção mais nacionalista à Igreja em geral. A demissão voluntária de dois secretários
gerais, respectivamente Robert D avis e D uncan Alexander Reily esvaziou o m ovim en­
to, pois conseguiu, sem coerção, um dos seus principais objetivos.47 D o is brasileiros
assum iram os postos deixados, a saber, Alm ir dos Santos e O m ar D aibert, que poste­
riormente se tornaram bispos.
O utro fator im portante foi o trabalho da Ju n ta G eral de A ção Social, ponto
nevrálgico no período em apreço. D esde a gestão de R obert D avis, a Ju n ta com eçou a
enfatizar a sociedade responsável48 e a urgência da aplicação prática do Credo Social,
com sua forte ênfase na justiça social. Esta política foi seguida pelo novo secretário,
Almir dos Santos, até sua eleição ao episcopado em 196 5,49 e tam bém foi seguida
durante os prim eiros anos do regime militar, por João Paraiba D aronch da Silva,
eleito pelo C oncilio Geral para substituir Alm ir dos Santos.50 Semelhante tendência
dom in ou a Faculdade de Teologia nos prim eiros anos do regime militar, culm inando
com o convite para que D o m Helder C âm ara paraninfasse a form atura de 1967 -
gesto ao m esm o tem po ecumênico e sim bólico de apoio ao program a social do arce­
bispo — e, no ano seguinte, na greve que ocasionou o fechamento da Faculdade de
T eologia pelo G abinete G eral e sua reestruturação pelo C on cilio Extraordinário
(1 9 6 8 ).51 N ão houve, entretanto, um a análise profunda das causas da “crise” .
D e 1968 em diante, a IM B tendeu a voltar-se m uito mais para si m esm a do que
para o m undo. V isando aperfeiçoar sua própria organização e estrutura, ela de fato
introduziu m udanças estruturais substanciais sem, contudo, se tornar mais apta para
a efetiva participação na m issão de D eus no Brasil. A mais evidente tendência foi o
regionalism o; já em 1971, cada concilio regional elegeu, pela prim eira vez, seu pró­

341
História Documental do Protestantismo no Brasil

prio bispo (sempre os bispos tinham sido eleitos no C oncilio Geral, com o superinten­
dentes gerais da IM B ).52 A tendência regionalista, reforçada pela atitude de desconfi­
ança da Igreja quanto à Faculdade de Teologia na sua nova fase, se expressou na proli­
feração de sem inários regionais, cuja criação teve o respaldo dos Cânones de 1971.53
O regionalism o, que tendia a gerar seis pequenas igrejas m etodistas, foi contestado
no C oncilio Geral de 1978, m as não inteiramente repudiado; de fato, pode ser visto
com o a antítese da anterior centralização de autoridade (tese) cuja síntese foi alcançada
em 1978. O s bispos seriam eleitos novamente pela Igreja toda, no C oncilio Geral,
m as “p a ra as regiões eclesiásticas” logo, não para toda a Igreja.54 Tam bém , a prolifera­
ção de sem inários regionais tão evidente no começo da década já se encontrava freiada,
estando em funcionam ento apenas dois em 1978 e um em 1981.55
O m etodism o, na década dos 70, em meio à explosão da população estudantil
universitária, entrou com decisão na educação superior, e nesse período quase todos
os seus principais colégios criaram faculdades; no cam pus da antiga Faculdade de
Teologia surgiu o Instituto M etodista de Ensino Superior (IM S ); o m ais antigo
educandário m etodista passou a ser um a universidade: a Universidade M etodista de
Piracicaba (U N IM E P ), que celebrou seu centenário em 1981.
N ão é m uito seguro se o m etodism o já se definiu, na data que estas palavras estão
sendo escritas (6 /1 2 /1 9 8 1 ), mas parece ao autor que as linhas m estras da nova postura
m etodista se definiram no docum ento sobre educação, que ainda está em debate, e
cujo posicionam ento será evidente ao leitor.

Um arc eb isp o católico paraninfa a formatura da Faculdade d e Teologia da


IMB
Preocupados com a presença da Igreja M etodista na vida sócio-política do país, os
form andos em teologia de 1967 convidaram para seu paraninfo D o m Helder C âm a­
ra, arcebispo de O linda e Recife, tido por eles com o um sím bolo do engajam ento
sadio do cristão nessa realidade. A oração do arcebispo foi transcrita na íntegra no
órgão oficial da IM B , deixando clara assim a postura da Faculdade de Teologia frente
à conjuntura nacional e ao ecum enism o na sua nova feição pós-Vaticano II; e ao
m esm o tem po contribuindo para a polarização de posicionam entos dentro da Igreja e
fechamento da Faculdade de Teologia em 1968.

342
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

(T 7 5 ) D O C U M EN TO : O diálogo não deve excluir ninguém


“Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, Pai da misericórdia e
Deus de toda a consolação.” Bendito seja, pela alegria desta noite, impensável,
para vós e para nós, anos atrás.
O Espírito Divino soprou e o movimento ecumênico surgiu; então, do lado
evangélico, o Conselho Mundial das Igrejas; do lado católico, houve um homem
chamado João, realizou-se o Concilio Vaticano II e aconteceu Paulo VI.
(...)

1. Ao encontro dos irmãos ateus
A felicidade e responsabilidade de crer em Deus e de sentir-nos guardados por
Ele como a pupila dos olhos leva-nos, de maneira discreta e fraterna, obrigatori­
amente, ao diálogo com nossos irmãos ateus...
[Roger] Garaudy descobre, no pensamento cristão contemporâneo, três cor­
rentes que tornam o cristianismo audível e inteligível a um ateu: a demitização
de RudolfBultmann ou do bispo (John A. T.] Robinson; o relacionamento entre
religião e ciência, tal como o coloca Teilhard de Chardin; a construção do futuro,
como a entrevê um teólogo como Karl Rahner...
Há, no entanto, na demitização, um ponto de partida que parece indiscutível:
Deus, por mais que seja Pai, por mais que deseje ficar ao alcance de suas criaturas
a quem ergue à categoria de filhos, foi, é e será Deus, infinito e transcendente,
enquanto nós fomos, somos e seremos criaturas, finitas e contingentes. Daí a
Palavra de Deus, base e fundamento de nossa fé, ter que se vestir de indispensá­
veis roupagens humanas...
O problema é mais grave ainda: a ligação entre a idéia e expressão que a
traduz, é mais profunda do que a simples relação entre corpo e vestimenta. Che­
ga um momento em que a inteligência rejeita expressões de ontem, não só como
superadas, mas não raro, como impróprias e inadequadas. Criados, à imagem e
semelhança divina, não é de espantar que nós homens avancemos sempre e te­
nhamos a “chance” de sempre mais progredir, e ver mais claro, mais dentro, mais
longe.
Nem é preciso alertar para os perigos que esta tentativa de alcançar o essencial
da mensagem divina, libertando-a de roupagens superadas, tentando exprimi-la
de modo mais consentâneo, é problema delicado e grave. Se se tratasse apenas
das formulações teológicas, ainda poderíamos, com relativa facilidade, nos en­
tender. Mas o que é a teologia que não se apóia na Sagrada Escritura, e nela se
movimenta, e alimenta e cresce?... Podemos ter, então, a audácia de tocar a Pala­
vra de Deus?... Que fazer? Conseguiremos reter inovações indébitas? Há um
trabalho de renovação a operar. Para serenar-nos basta lembrar que não estamos

343
História Documental do Protestantismo no Brasil

largados a sós. Afinal, a Igreja é nossa ou do Cristo? Quem a conduz, somos nós
ou o Espírito Santo? Desde quando as portas do inferno prevalecem contra ela?
Do lado evangélico e do católico há reservas a Teilhard de Chardin —e que
teólogo não suscita reservas? —mas parece, em definitivo, para o pensamento
cristão, que é perfeitamente possível ver a criação como uma evolução criadora e
aceitar que, nos planos de Deus, o homem, criado à Sua imagem e semelhança,
a partir do momento em que surge, recebe a incumbência de dominar a natureza
e completar a criação.
Para o marxista levado a encarar a Bíblia com atenção e respeito, o cristianis­
mo conquista simpatia com sua visão do homem como artífice da história.
Quem fica provocando os marxistas e servindo-lhes de tentação é Rahner
com a força que descobre no cristianismo como religião do futuro absoluto. “Se
o homem progride, se existe uma verdadeira história, isto se deve a que existe
uma plenitude absoluta, transcendente, que impele para diante o projeto huma­
no.”
Porque existe em cada homem esta presença ativa e exigente, o homem,
submerso em sua história, pode transcendê-la e promover-lhe a superação.
O ateísmo nasce quando o homem não reconhece seu Deus neste chamado,
mas confunde seu futuro absoluto com um dos futuros concretos. Reconhecer a
Deus no futuro absoluto do homem é tornar possível um humanismo integral.
O marxista reconhece a exigência nunca satisfeita, de totalidade e de absolu­
to. Mas acha que sua sede não prova a existência da fonte. Transformar as per­
guntas angustiadas em respostas, seria, para ele, alienação religiosa.
Garaudy chega a perguntar: “Será empobrecer o homem ensinar-lhe que ele é
um ser incompleto, mas que tudo depende dele, que toda a nossa história e o seu
significado se desenvolvem na inteligência do homem, em seu coração e em sua
vontade, e em nenhuma outra parte mais?”
Ao que ele mesmo responde: “Creio que o ateu marxista deixa ao homem
apenas a ilusão de incerteza. Creio que a dialética marxista vivida em sua pleni­
tude acaba sendo mais rica em infinito e mais exigente do que a transcendência
cristã”.
Infelizmente, nosso testemunho cristão não raro escandaliza, ao invés de fir­
mar na fé; afasta da prática religiosa e quem sabe, da crença religiosa. Imagine-se
o que representaria para marxistas:
—descobrir, em volta de si, religião que nada tem de alienante, cristianismo
encarnado como o próprio Cristo;
—ter a surpresa de ver cristãos que longe de imaginarem um Deus pequenino
com ciúme do homem, apresente[m] um Deus largo e generoso que exulta ven­
do o homem deflagrando forças capazes de abalar o universo, semeando estrelas

344
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

e quase atingindo o domínio da vida;


—encontrar cristãos pelo menos tão severos como eles na análise da imorali­
dade de um sistema que considera o lucro como motor essencial para o progresso
econômico; a concorrência como lei suprema da economia; a propriedade priva­
da dos bens de produção como direito absoluto;
—saber que o cristianismo não se prende a nenhum regime político, como
não se amarra a nenhum sistema econômico, a nenhuma escola literária, a ne­
nhuma hipótese científica;
—sentir que, na prática, e, amanhã, se Deus quiser, na teoria, existe e existirá,
a liberdade cristã de aceitar, dentre as várias modalidades de socialismo, as que
possibilitem e ajudem a expansão da pessoa humana, e do desenvolvimento co­
munitário.
Imagine-se o que representará para irmãos ateus - marxistas e não marxistas —
sentir que religião para nós é vida, que Deus para nós é realidade dentro da qual
respiramos, nos movemos e somos; que viver não só diante de Deus, mas em
Deus, longe de afastar-nos dos homens, nos torna de verdade irmãos de todos;
longe de desenraizar-nos da terra, nos leva a exercer com plenitude nossa missão
de domar a natureza e completar a criação; longe de tornar-nos tristes, faz de nós
criaturas realizadas e felizes!
Quem sabe, nosso exemplo de fé os atrairá para Deus!
ESPERANÇA
2. Ao encontro dos irmãos, marcados pelo desespero
É difícil, dificílimo ser cristão autêntico. No meio de irmãos marcados por
desesperos materiais - e mais de 2/3 da humanidade, nós sabemos, vegetam em
situação infra-humana ou lutam para arrancar-se do subdesenvolvimento e da
fome; no meio de irmãos marcados por desesperos morais —não raro, o conforto
e o luxo longe de trazerem a paz e darem alegria criam e levam ao desalento e à
amargura; em pleno mundo, dividido entre a subvida amargurada dos pobres e
a supervida inumana dos ricos, nós cristãos, não somos de massa diferente. Cor­
remos os mesmos riscos que os nossos irmãos em humanidade.
No entanto, em nós, nossos irmãos não-cristãos ou não-religiosos devem en­
contrar um claro testemunho de esperança, onde quer que vivamos.
Sendo pobres, a nós nos cabe viver as humildes esperas que não chegam; lutar
sem cansaço e sem tédio; enfrentar a situação, sem ingenuidade, sem alienação e
sem fuga; ser modelo de coragem na hora em que o abatimento se apodera de
todos; difundir ânimo quando parece impossível qualquer saída, vencer e levar a
vencer ressentimentos, amarguras e ódios. E fazer tudo isso sem ares de quem é
mais poderoso ou mais forte, mas como transbordamento da esperança que se
instalou, em definitivo, em nossas almas porque Jesus Cristo ressuscitou.

345
História Documental do Protestantismo no Brasil

Sendo ricos, a nós nos cabe tentar evitar em nós e em volta de nós atordoa­
mentos conscientes ou inconscientes. E tão fácil o rico ter escamas nos olhos,
tornando impossível descobrir misérias em volta de sua casa ou de sua empresa!
É tão comum que a ambição de ter vá levando a pisar direitos, esmagar cria­
turas humanas, atrasar famílias inteiras! E tão natural que a sede de bens não
tenha limites!
A felicidade, então, se torna quase impossível. Não falta bem-estar material,
nem satisfação de caprichos, nem requintes de conforto. Mas como a família fica
exposta ao perigo de lares paralelos, ao risco de um mínimo de vida em comum,
ao flagelo do desamor...
Se a Providência nos coloca em meio assim a nós, nos cabe a missão difícil e
delicada de romper carapaças, quebrar gelo, tirar escamas, desemburguesar,
humanizar, acender amor...
E tudo isso partindo do exemplo pessoal e realizado com inteligência e tato,
com humildade e sem sombra de arrogância, como transbordamento da espe­
rança de quem sabe que não age sozinho, mas serve de instrumento a Jesus Cris­
to.
Que seria do mundo se nós cristãos, além de agirmos assim, individualmente,
nos uníssemos para uma ação coletiva de reacender a esperança na terra dos
homens!
Hora estranha e curiosa! Nossos contemporâneos têm tudo para tornar feliz a
humanidade inteira. No entanto, dois terços e mais de dois terços dos homens
são infelizes pela miséria; o restante dos homens é infeliz pela ambição, pelo
atordoamento, pelo sobressalto, pela angústia.
Homens que carregam em si a fraqueza humana, nós cristãos somos, ao mes­
mo tempo, filhos da esperança. Ajudemos nosso século a ir à raiz do desespero.
Denunciemos o egoísmo como responsável pelos desesperos materiais e morais,
pelas desesperanças, pela tristeza que cai sobre a terra, pelo medo que tende a
projetar sombra sempre maior sobre o chão dos homens...
AM OR
3. Ao encontro de irmãos, vítimas do desamor
... depois da energia nuclear, o homem ainda poderá ir incomparavelmente
mais longe em matéria de energia, quando, enfim, aprender a captar e a utilizar
o amor “a mais universal, a mais formidável e a mais misteriosa das energias
cósmicas”...
No dia em que o amor tornar realidade o sonho de paz do profeta Isaías então
não só as espadas se transformarão em arados, mas o que não será possível cons­
truir com as astronômicas despesas da guerra de hoje?
Ficou célebre o apelo feito simultaneamente a Kennedy e Kruschev: com um

346
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

avião de bombardeio que cada um dos dois oferecesse, seria possível manter,
durante um ano, todos os leprosários do mundo...
E verdade que todas as famílias cristãs reunidas, somadas, ainda somos um
pugilo dentro da humanidade. Mas não faltariam, para além do cristianismo e
até de qualquer fé explícita, cristãos que se ignoram, cristãos de atos, homens de
boa vontade, para acompanhar-nos nesta escalada de amor.
E o mais importante e mais sério é que teríamos por nós e conosco o Cristo,
pois dele é a promessa de estar com dois ou três que se reúnem em seu nome.
Como não estaria, com a revolução de amor, tramada, em escala planetária,
pelos cristãos? ...
De que não seria capaz esta explosão de amor, se dentro do amor humano
estaria o amor divino, se dentro do amor mesclado do desamor estaria, poderoso
e invencível, o puro e belo amor?...
APELO
O mundo sofre de uma sede desconhecida de fé, esperança e amor. Levemos
Cristo ao encontro dos irmãos ateus que ignoram como andam sedentos de fé.
Levem os C risto ao encontro dos irm ãos m arcados pelo desespero e
necessitadíssimos de esperança viva e verdadeira.
Levemos Cristo ao encontro dos irmãos, vítimas do desamor e eles serão saci­
ados.5'’

A criação da Universidade M etodista de Piracicaba (UN1MEP)


O antigo C olégio Piracicabano, fundado em 1881,57 com eçou, no período pós-
golpe militar, um a expansão em faculdades, chegando a denorninar-se Faculdades
Integradas do Instituto Educacional Piracicabano. o C oncilio Regional da V Região
Eclesiástica aprovou, a 20 de janeiro de 1974, m odificação dos seus estatutos, visando
à transform ação das faculdades integradas em universidade. E m junho de 1975, o
C o n selh o Federal de E d u cação enviou u m a co m issão p ara verificar in loco o
educandário, dando parecer favorável, em bora apontando necessários reparos. C o n ­
cluídos os reparos, o Conselho Federal de Educação do M inistério da Educação e
Cultura reconheceu form alm ente a Universidade M etodista de Piracicaba, realizando
assim um antigo sonho m etodista.

(j 7 6 ) D O C U M EN TO : Excerto do parecer 4.027/75, “projeto p ara integrar em uni­


versidade os cursos efaculdades mantidos pelo Instituto Piracicabano”
Em 20 de janeiro de 1974, o Concilio Regional da Igreja Metodista aprovou
a mudança dos estatutos do Instituto Educacional Piracicabano, propondo que

347
História Documental do Protestantismo no Brasil

fosse solicitado aos poderes públicos, a transformação das faculdades integradas


do Instituto Educacional Piracicabano em universidade Metodista de Piracicaba.
Em setembro de 1974, mediante o protocolo n° 9491, deu entrada no Conselho
Federal de Educação o pedido de reconhecimento.
O seu desenvolvimento, nos últimos cinco anos é bem demonstrado pelos
números: de 1.397 para 4.393 alunos. O patrimônio cresceu de Cr$ 1.486.252,00
para Cr$ 48.986.209,00. A receita aumentou de Cr$ 900.000,00 para Cr$
12.358.263,24. De nenhum professor com título de mestre ou doutor em 1970,
para uma maioria de professores com tais títulos ou muito perto de consegui-los,
há um grande passo. Antes, a ausência de pesquisa; agora, um programa de ação
de integração total com a metodologia do mundo moderno. De prédios velhos e
novos inacabados, passamos para novas e bem instaladas acomodações, confor­
me ficou comprovado pela comissão verificadora. A biblioteca, com pouco mais
de 3 mil volumes em 1970, tem agora mais de 27 mil títulos e algumas centenas
de periódicos nacionais e estrangeiros.
No decorrer deste desenvolvimento, jamais sofreu uma sanção, advertência
ou repreensão por órgão fiscalizador. Todos os seus processos de autorização e
reconhecimento foram aprovados, muitas vezes sem nenhum pedido de diligên­
cia.
Chegou a hora de seu reconhecimento como universidade, o que parece a
todos um ato normal e natural para uma instituição que há muito escolheu a
meta de seriedade e bom ensino.
(...)
II. Voto do relator
A universidade atende a resolução n° 29/74, uma vez que apresenta quatro
cursos na área básica e os demais cursos da área profissional em número maior
do que o exigido.58
A instituição dispõe de material e pessoal capaz de apoiar a pesquisa científi­
ca, possuindo computador, laboratórios, equipamentos e instalações e já desen­
volve, na área da educação, curso de pós-graduação com a colaboração de douto­
res e mestres. Nessas condições, atende a exigência do art. 17 da resolução n° 29/
75.
Em face dessas considerações é o relator de parecer que pode ser reconhecida
a Universidade Metodista de Piracicaba...
III. Conclusão da Câmara
A Câmara de Ensino Superior, Io grupo, acompanha o voto do relator.
(...)
IV. Decisão do plenário
O Conselho Federal de Educação, em sessão plenária, aprova a conclusão da
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

Câmara de Ensino Superior, 12 grupo, decidindo favoravelmente ao reconheci­


mento da Universidade Metodista de Piracicaba, SP, mantida pelo Instituto Edu­
cacional Piracicabano.
Sala Barreto Filho,
Em Brasília, DF, 10 de outubro de 1975.w

O s m etod istas buscam diretrizes para seu sistem a educacional


A Ig re ja M e to d ista vem b u sc a n d o , e sp e cialm e n te a p a rtir de 1 9 7 4 , um
direcionam ento pastoral que se form aliza nos seus “planos quadrienais” . E m 1974, o
Concilio Geral adotou um plano para 19 7 5 /1 9 7 8, cujo tema foi “M issão e M inisté­
rio”, im plantado muito parcialmente. Novamente, em 1978, adotou-se um plano 1979/
1982 , “ U n id o s pelo E sp írito , M eto d istas E van gelizam ” . O plan o previa um a
evangelizaçao “do ser hum ano na sua totalidade” , libertação, e “transform ação dos
seres hum anos e das estruturas sociais” .60 Pretendeu envolver todas as áreas de vida e
trabalho da Igreja na missão de Deus. Especificam ente, na área de educação, entre
outras coisas, propôs o “estabelecimento de um a filosofia educacional” .61 Para a ela­
boração desta filosofia, foi realizada no Rio de Janeiro, de 7 a 11 de julho de 1980,
um a consulta nacional que resultou no Plano N acional de Educação M etodista, acei­
to im ediatam ente pelo Conselho Geral da Igreja “com o expressão da sua intenção”
sendo ordenada sua publicação e estudo pela Igreja.62 A inda que nos lim ites de um
plano educacional, sua fundam entação teológica e política deixam evidente que a
im plantação significa um a clara opção pelos pobres e por um a teologia centralizada
no conceito do Reino de Deus. N o m om ento em que estas linhas estão sendo escritas
um segundo seminário está sendo realizado (janeiro de 1982) visando o aperfeiçoa­
m ento do docum ento. Entende o autor, porém , que a razão da fermentação causada
no m etodism o brasileiro pelo cham ado “D ocum ento do R io” , é a sua form a original,
que deve constar desta H istória Docum ental.

^1 7 7 ) D O C U M EN TO : Fundamentos, diretrizes, políticas e objetivos p a ra o sistema


educacional metodista
Introdução
(...) 1) A partir de nossa visão histórica conclui-se que os missionários que
chegaram acreditavam ter o Evangelho uma mensagem para os indivíduos e a
sociedade...
2) A educação é um dos instrumentos de transformação social e é parte essen­
cial do envolvimento da Igreja no processo de implantação do Reino de Deus,

349
História Documental do Protestantismo no Brasil

conforme proclamado na vida, morte e ressurreição de Cristo.


3) As instituições de ensino metodistas são fruto desta visão missionária que
levou em conta a dimensão total da vida e do Evangelho. Neste sentido as pro­
postas educacionais foram inovadoras e humanizantes.
4) A visão teológica missionária vigente na época, contudo, estava compro­
metida com a opção política liberal, em sua proposta de democratização e
liberalização da educação brasileira. A medida em que o processo social brasilei­
ro assume características liberais capitalistas, se evidencia que os objetivos pro­
postos pelos missionários não são realizáveis. Neste contexto, o processo educa­
cional desenvolvido através da Igreja passa a ser mero reprodutor da educação
oficial, esvaziando-se e perdendo sua identidade confessional, desvinculando-se
do seu comprometimento com o Evangelho de Jesus Cristo...
I. Bases bíblico-teológicas
O fundamento teológico para todo esforço educacional empreendido pela
Igreja Metodista é Jesus Cristo e sua missão histórica de estabelecer o Reino de
Deus (Plano Quadrienal, 1978, páginas 10 a 12).
Toda ação da Igreja implica necessariamente numa análise dialética da reali­
dade, numa hermenêutica engajada da tradição bíblica e numa práxis libertadora;
em outras palavras: uma relação entre a realidade, a fé e a vida.
O Deus da Bíblia, que é Pai, Filho e Espírito Santo, se revela na história
humana como criador, redentor e fortalecedor. Deus, em sua própria natureza
não é, pois, uma realidade individualista, mas social, comunitária, colegiada.
Este Deus Trino constitui, também, em seu relacionamento com o ser humano,
uma nova comunidade, historicamente conhecida na vida do povo de Israel e da
Igreja. A ação divina sempre nos aponta para a realização plena do Reino.
A esperança neste Reino é vivida e experimentada parcialmente na vida do
povo de Israel (promessa de Abraão —Gn 12.1-4; 13.14-17; 17.9-8 [sic! prova­
velmente devia ser 1-8]; a experiência do êxodo —Dt 3.7-8; 6.1-9, 7.6-7-8; Ex
3s; a conquista da te r r a -Js 1.5-9; 13-15; a pregação dos profetas - Is 49s; Ez
36-37; J1 2.12-32; M q 2.12-13; 4.1-13; e manifestada de maneira plena na vida
de Jesus de Nazaré —Mc 1.15; Mt 6.9-13; Lc 4.19-21; Mc 14.23-25; 1 Co
11.25-26; Mt 28.1-10). Através da vitória de Jesus Cristo sobre o poder do
pecado e da morte temos a certeza da realização plena do Reino de Deus.
A ação do Deus Trino - Pai, Filho e Espírito Santo - se faz atual mediante a
manifestação do Espírito. O dom do Espírito é a força e o poder de Deus que faz
brotar, aqui e agora, entre nós, os primeiros sinais do Reino de Deus e de sua
justiça, da nova criação, do novo homem, da nova mulher, da nova sociedade. O
Espírito nos revela que o Reino de Deus transcende a qualquer instituição, a
qualquer projeto histórico, sendo o critério que julga toda nossa prática. O Espí­

350
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

rito é livre e soberano: age onde, como e quando lhe bem apraz, em seu objetivo
de fazer amadurecer a condição para a consumação do Reino. Esta consciência
nos compromete sempre com o projeto de Deus e nos liberta da ilusão totalitária
dos projetos humanos, levando-nos a renunciar a toda e qualquer atitude de
triunfalismo institucional.
A fé nos desperta uma consciência crítica, a partir da percepção de que os atos
de Deus na história se constituem num processo de ensino (Dt 6; Mt 28.19). O
Reino de Deus, manifesto em Jesus Cristo, revela o propósito libertador de Deus
concedendo ao ser humano “uma nova vida à imagem de Jesus Cristo, através da
ação e poder do Espírito Santo” (Plano Quadrienal, 1978, item 4, pág. 10; Jo
8.32; Lc 4.18-21) em confronto com todas as forças opressoras (Lc 11.39-46;
22.1-2; 1.51-53; 4.18; 6.20-21; 24-25; 12.15-21; 18.24-30). Essas forças opres­
soras são condenadas como expressão do pecado tanto individual quanto soci­
al...
A salvação, portanto, deve ser vista globalmente, como resultante da ação de
Deus na história e na vida das pessoas (...) não se restringe à idéia de salvação da
alma (...) mas (...) a ação do Deus que age na realidade cultural-ideológica de
cada povo e cada indivíduo, libertando-se para servir a Deus e ao próximo e
participar da vida plena no Reino de Deus.
A Revelação do Reino de Deus em Jesus Cristo é para a Igreja motivo de
esperança. Sua realização parcial na história se dá na forma de sinais que mos­
tram a possibilidade de plenitude futura... Desenvolve consciência crítica à me­
dida em que desmascara todas as ideologias que pretendem possuir a verdade de
modo absoluto. A esperança do Reino permite à Igreja viver projetos históricos
visando a libertação da sociedade e do ser humano.
A ação de Deus, modelo da ação missionária da Igreja, atinge, transforma e
promove o ser humano na medida em que o vocaciona para um relacionamento
pleno e libertador com Deus e o outro para o serviço concreto na comunidade. A
natureza do Reino é também temporal na medida em que exige compromisso
com o novo homem e sua sociedade, na direção da vida abundante, da justiça e
liberdade (Jo 8.32; Rm 12.2). Em Jesus, o Reino de Deus desabrochou para
todos, principalmente para o pobre (Mt 5.3-11; Lc 1.51-53; 4.18; 6.20-21,24,25;
12.15-21; 18.24-30) que é acolhido como privilegiado do Reino exatamente
por sua necessidade maior de libertação.
Deus, em seu propósito de salvar o mundo, se manifesta sempre mediante
atos de amor, pois ele é amor (Jo 3.16; 1 Jo 4.8, 16). Seu amor tem como objeto
a totalidade da criação, pois nada foge à graça divina (Rm 8)... Em Cristo nos
ama de tal maneira que dá sua vida por todos nós e de modo muito especial pelos
pobres, oprimidos e marginalizados (Lc 4). Seu amor quebra as cadeias da opres­

351
História Documental do Protestantismo no Brasil

são, do pecado em todas as suas dimensões. Por seu amor nos liberta do egoísmo,
para uma vida de comunidade em amor e serviço ao próximo. A nova vida que
Cristo nos oferece se manifesta quando comunitariamente nossa ação revela o
seu amor. Assim como o amor foi o fundamento da ação de Deus, toda a ação da
Igreja deve expressar este amor que Deus nos oferece.
A natureza do Reino de Deus é, também, abrangente, na medida em que
exige compromisso com o ser humano e sua sociedade, alcançando todas as pes­
soas, todas as instituições e todos os setores da vida, bem como a pessoa total,
nos diferentes aspectos de sua vida...
II. Fundamentos para o estabelecimento de uma filosofia da educação
Nenhuma tarefa educacional é desenvolvida sem base filosófica... fundamen­
tos implícitos da filosofia liberal, típicos de uma sociedade capitalista, têm
direcionado o processo educativo das instituições educacionais... [a saber]
—preocupação com ascensão social individualista, visando exclusivamente ao
êxito pessoal;
—acentuação do espírito de competição;
—aceitação do utilitarismo como norma de vida;
—colocação do lucro, decorrente da exploração do ser humano pelo ser hu­
mano, como base das relações econômicas.
Nenhum desses elementos se harmoniza com a teologia e a filosofia que de­
vem servir de base para a prática educativa metodista.
Torna-se, por isso, indispensável novo instrumental filosófico de dimensão
libertadora, ...permeando todo o trabalho desenvolvido nas instituições educaci­
onais metodistas, desde a programação dos currículos, até suas práticas adminis­
trativas, através do qual se possa desenvolver:
—consciência crítica da realidade;
—valorização social;
—ação solidária;
—espírito e prática de justiça;
—educação inserida na realidade concreta com proposta de libertação indivi­
dual e social;
—realização da pessoa humana como fruto de esforço conjunto;
—distribuição equitativa do resultado do esforço social;
—a idéia de que é útil aquilo que tem valor social dentro de uma perspectiva
cristã e em consonância com uma escala de valores que promova a pessoa huma­
na.
III. Política e objetivos para o sistema educacional metodista brasileiro
—área secular
...[A escola metodista] teve o seu lugar na história e contribuiu para o desen­

352
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

volvimento do ensino em nosso país como um tipo de educação alternativa ao


rígido sistema jesuíta e governamental.
Não obstante os benefícios dessa prática educativa, ela se encontra superada
por diversas razões: por não ter se identificado com a cultura nacional na sua
totalidade; por ser baseada exclusivamente no indivíduo sem uma preocupação
social mais ampla; por se ter tornado elitista e apresentar pouca preocupação
com os pobres e desvalidos sem responder satisfatoriamente às necessidades da
maioria do povo brasileiro, limitando a visão cristã da educação.
...chegou o momento de romper, embora gradativamente, com este compro­
misso que a manteve relacionada a uma educação baseada em pressupostos do
capitalismo liberal e por isto mesmo privilegiadora das elites dirigentes. O siste­
ma educacional brasileiro é também elitista... e visa a conservar o “status quo”,
impondo a cultura da classe dominante à classe popular é aumentando cada vez
mais o seu nível de dependência.
A existência das instituições metodistas de ensino não está condicionada à
insuficiência do Estado em cumprir seus compromissos para com a educação,
mas à convicção da Igreja de que o ensino particular confessional tem que ser
preservado com [o] uma opção democrática. A partir dessas constatações, decla­
ra-se:
1) que as instituições metodistas não devem funcionar como meras repetidoras
da filosofia educacional vigente;
2) que devem operar diferenciadas, com uma postura de libertação e
compromissadas com a educação formal e não formal, com vistas a libertar os
pobres, os oprimidos, os desvalidos e os opressores do jugo das estruturas opres­
sivas.
A educação feita a partir da própria expressão popular não formal deve estar
voltada contra todo tipo de discriminação e dominação e, mais especificamente,
neste momento e nas atuais circunstâncias deverá voltar-se prioritariamente para
o problema dos menores e velhos marginalizados, do machismo, da opressão da
mulher, da proliferação e confinamento da prostituição, do racismo, do êxodo
rural resultante do mau uso da terra e da exploração dos trabalhadores do cam­
po, gerando o aumento de contingentes humanos que passam a viver na perife­
ria das cidades em condições de extrema miséria.
A prática educativa deverá, portanto, ser libertadora e procurará transformar
o educando em agente positivo da libertação.
Há plena consciência dos grandes obstáculos que as instituições terão de en­
frentar na luta educacional em favor dos menos favorecidos. Tais obstáculos es­
tão: no pouco espaço deixado pelo sistema educacional dentro da educação for­
mal; no nível econômico privilegiado do corpo discente em relação à maioria da

353
História Documental do Protestantismo no Brasil

população brasileira; na formação do professorado das instituições; na mentali­


dade das atuais administrações que representam a mantenadora, muito preocu­
padas com a situação patrimonial e amparadas por estruturas de poder muito
rígidas; e no fato de estarem as instituições na absoluta dependência das anuida­
des dos alunos, sempre defasadas em relação aos custos do ensino, o que limita
sua potencialidade libertadora. Apesar de tais obstáculos, é dever das instituições
assumir o pobre em sua concretude e utilizar todos os recursos disponíveis no
sentido de fazer chegar a ele nossa solidariedade em sua miséria.
Com base nos posicionamentos expostos, ficam estabelecidas as seguintes di­
retrizes:
1) Todos — Igreja, professores, funcionários, alunos e comunidade —serão
informados do nosso compromisso com o pobre e empenhados em sua liberta­
ção.
2) O ensino formal transmitido àqueles que freqüentam nossas instituições
não terá como finalidade a simples transmissão da cultura dominadora e a mera
preparação para o mercado de trabalho, mas a formação de consciências críticas
e sensibilizadas para o problema dos oprimidos e reprimidos.
3) A abertura e montagem de novos cursos levará sempre em consideração os
objetivos da missão da Igreja, ...
4) Serão promovidas pesquisas... quanto ao desenvolvimento de currículo dos
cursos existentes, tendo em vista a sua adequação aos propósitos aqui menciona­
dos.
5) Parcela significativa dos orçamentos será colocada à disposição da educa­
ção popular, com vistas a desenvolver a consciência crítica da população perifé­
rica.
6) As instituições manterão um estreito relacionamento com as comunidades
onde se encontram inseridas, compartilharão de seus problemas e deverão atrair
para suas instalações e dependências a discussão de temas de interesse comunitá­
rio.
7) As instituições colocarão à disposição da comunidade, principalmente dos
pobres e das organizações de classe, inclusive nos fins-de-semana e períodos de
férias, seus espaços físicos, salas e auditórios.
8) Serão criadas com prioridade, pastorais escolares vigorosas, para funcionar
como consciência crítica das instituições, em todos os seus aspectos, e para acom­
panhar e promover as atividades extraclasse, bem como os trabalhos com a co­
munidade, dando a todas as iniciativas um sentido de libertação.
9) As administrações deverão encontrar um ponto de equilíbrio em sua estru­
tura de poder, de modo a garantir a tranqüilidade dos professores, alunos e fun­
cionários e a segurança da mantenedora.

354
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

10) Deverá se desenvolver nas instituições uma vivência cristã coerente com
as diretrizes ora adotadas.
11) As instituições de ensino desenvolverão programas que proporcionem
condições aos participantes do processo educacional de libertarem-se das injusti­
ças e males sociais visíveis, por exemplo, na organização da sociedade, na
deteriorização das relações entre pessoas, na deturpação do sexo, nos vícios, e
outros.
12) Serão desenvolvidos projetos de atendimento ao pré-escolar carente, como
ação preventiva à marginalidade e delinqüência.
13) [As igrejas locais também deverão] colocar seus recursos humanos e
patrimoniais em favor da comunidade, acima de tudo em favor dos pobres, e,
onde possível, em projetos que unam instituições educacionais e igrejas.
14) Deverá ser desenvolvida nas escolas e igrejas a preocupação com a forma­
ção de docentes e especialistas, a fim de suprir essa deficiência em nossas institui­
ções.
15) As instituições que, eventualmente, não se enquadrem ou não
correspondam às exigências das presentes diretrizes, serão socorridas e ajudadas
a redimensionar seus objetivos; se, após acurada e profunda avaliação, for cons­
tatada a impossibilidade de reencontrar o seu caminho, serão fechadas.
TV Política para o sistema educacional metodista, na área teológica
...1. Aspectos organizacionais - Urge centralizar a formação pastoral na Fa­
culdade de Teologia em São Paulo e diversificá-la nas especializações. Ao mesmo
tempo, a atualização de pastores e a capacitação dos leigos devem ser descentra­
lizadas em Centros Regionais. Tais Centros Regionais também estarão envolvi­
dos com a pesquisa e o debate teológico.
2. Aspectos acadêmicos - Serão estabelecidos currículos fundamentados nas
bases teológicas reconhecidas pela Igreja Metodista, com vistas a:
—mudanças na prática da pastoral, na ação do laicato e na igreja local;
—mudanças na metodologia do trabalho teológico, a partir do povo;
—mudanças nos programas de educação teológica destinados a leigos e pasto­
res, por meios formais, não-formais e informais.
A CO G ETE63 identificará estruturas curriculares que permitam aos futuros
pastores manterem relacionamento freqüente com as suas regiões de origem,
visando adaptabilidade no seu retomo.
3. Docência - No recrutamento e seleção de professores de teologia para lei­
gos e pastores, se observará a adequada qualificação dos docentes aos cursos a
serem ministrados.
Dever-se-á oferecer aos professores oportunidades de permanente atualização
e aperfeiçoamento.

355
História Documental do Protestantismo no Brasil

Os professores de teologia, quando ministros metodistas ativos, deverão exer­


cer simultaneamente o pastorado.
4. Aspirantes ao pastorado —O processo de recrutamento de discentes que
aspiram ao pastorado incluirá sistematicamente, um programa pré-teológico. O
processo seletivo compreenderá, obrigatoriamente, a avaliação da aptidão do
candidato e, paralelamente, avaliação dos requisitos intelectuais e cumprimento
das demais exigências previstas pela Igreja.
5. Complementação teológica —A obtenção do grau de bacharel em teologia
será possível, também, através do Curso de Complementação, sem exigências de
freqüência regular à Faculdade de Teologia, para pessoas de comprovada vocação
e serviço e de formação acadêmica de nível superior, impossibilitadas de fazer o
curso teológico regular.
6. Administração da Faculdade de Teologia —Deverá ser estabelecida admi­
nistração autônoma para a Faculdade de Teologia da Igreja Metodista...
8. Dimensões de relacionamento...
Relacionamento com o contexto social; a metodologia do trabalho, em todos
os níveis, terá relação direta com a realidade dos menos favorecidos da sociedade
brasileira, visando ao processo de sua libertação;
relacionamento com o contexto da Igreja: o trabalho teológico... se fará numa
dimensão profética e, para isto, deverá manter a necessária autonomia em rela­
ção aos órgãos superiores da Igreja;
relacionamento com outras instituições de ensino: o trabalho teológico deve­
rá estar preferencialmente integrado à vida universitária mais ampla;
relacionamento entre as instituições metodistas de ensino teológico: encon­
tros de avaliação e planejamento da prática teológica;...
relacionamento ecumênico: a educação teológica será enriquecida pelo conta­
to com outras igrejas, inclusive de outros países, sem que isso prejudique os
aspectos confessionais específicos metodistas/’4

OS LUTERANOS
Introdução
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IE C L B ) tem se distinguido
pelos seus esforços de nacionalização e participação responsável na vida brasileira. Sua
seriedade nessa busca é ilustrada pela publicação do livro Quem Assume esta Tarefai
que tem com o subtítulo “U m docum ento de um a Igreja em busca da sua identidade” .

356
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

A introdução do referido livro, com ligeiras alterações, é tam bém a introdução do


presente capítulo.
A IECLB é urna Igreja caracterizada pelo seu passado de uma “Igreja de imi­
grantes”. A maior parte dos nossos membros ainda hoje consiste de pequenos
agricultores, cuja maioria é integrada apenas passivamente na dinâmica sócio-
política do nosso país... Em 1968, os quatro sínodos, que se haviam formado
independente um do outro, se integraram definitivamente na IECLB, aceitando
uma nova constituição de Igreja. A preparação da 5a Assembléia Geral da FLM®
e, especialmente, a transferência da mesma ajudou a aprofundar o processo para
uma mentalidade e atuação eclesiásticas de âmbito geral e o tornou conhecido
além dos nossos limites eclesiais. No VII Concilio Geral (1970) foi aceito unani­
memente o “Manifesto de Curitiba” .66No VIII Concilio Geral (1972) foi subs­
tituída a tradicional Ordem da vida eclesiástica. Em seu lugar foi aceito um
“Guia para a atuação comunitária em fé e ação” (“Nossa Fé —Nossa Vida”). Este
“guia” certamente é, até agora, a manifestação comum e autônoma mais expres­
siva da nossa Igreja em relação à sua renovação interna. Ao mesmo tempo este
concilio colocou mais duas prioridades: “Novas áreas de atuação” (incluindo...
as novas áreas de colonização no norte e noroeste do país) e “autonomia finan­
ceira”.67
O IX Concilio Geral (1974) foi realizado sob o tema “IECLB, Igreja
missionária no Brasil. ...foi aceita a programação do “catecumenato permanen­
te” como meta prioritária que envolve toda a programação e atuação da Igreja.
(...)
Em 1975, entrou em vigor a reforma de estudo da faculdade de teologia em
São Leopoldo. Esta reforma é resultado de opções relativas ao currículo e à tarefa
da Igreja no mundo. Neste mesmo ano (...) o documento “nossa responsabilida­
de social” (...) foi enviado às comunidades como um primeiro passo na elabora­
ção de um “guia diacônico” .íís
Em março de 1976, foi realizada uma semana de reflexão... Além de outros
documentos relevantes para a busca da nossa identidade, os presentes aprecia­
ram especialmente o documento “discipulado permanente —catecumenato per­
manente”.®

O Manifesto de Curitiba
A transferência para Evian, França, da Assem bléia da Federação Luterana M un di­
al, planejada para se reunir em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, foi o evento que
estim ulou a IE C L B a elaborar claramente seu posicionam ento político-social. O VII

357
História Documental do Protestantismo no Brasil

Concilio elaborou o “M anifesto de Curitiba” entregue ao presidente M édici em Brasília


(5 e 6 de novembro de 1970) pelos eminentes pastores Karl G ottschald, Kunert e
Ernesto Schlieper.

( 7 78) D O C U M EN T O : O M anifesto de Curitiba (1970)


A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, reunida em seu VII
Concilio Geral em Curitiba nos dias 22 a 25 de outubro do corrente ano, obedi­
ente à missão que lhe é inerente como Igreja de Cristo, resolve manifestar o
seguinte:
1. Teses sobre as relações entre a Igreja e o Estado
1.1. A mensagem da Igreja cristã visa à salvação do homem, salvação que
transcende as possibilidades humanas, inclusive as políticas. É mensagem de
Deus - não deste mundo. Mas ela é destinada a este mundo e quer testemunhar
Jesus Cristo como senhor e salvador do mundo. Por isso, a Igreja não pode viver
uma existência sectária, guardando para si mesma a mensagem que lhe foi con­
fiada. Ela tem o ministério de testemunhar a palavra de Deus, ministério do qual
ela não se poderá esquivar, a não ser pelo preço da desobediência para com seu
Senhor.
A mensagem da Igreja sempre é dirigida ao homem como um todo, não só à
sua “alma”. Por isso, ela terá conseqüências e implicações em toda a esfera de sua
vivência —inclusive física, cultural, social, econômica e política. Não tenderá
apenas a regular as relações entre cristãos, mas visará igualmente ao diálogo com
outros cidadãos ou agrupamentos, sobre todas as questões relacionadas com o
bem comum.
1.2. A mensagem “pública” da Igreja cristã, no que se refere aos problemas do
mundo, não poderá ser divorciada do seu testemunho “interno”, já que este
implica naquela. Assim, a Igreja não pode condicionar seu testemunho público
aos interesses de ideologias políticas momentaneamente em evidência, ou a gru­
pos e facções que aspiram ou mantêm o poder. Em seu testemunho público, não
poderá usar métodos incompatíveis com o Evangelho.
1.3. Em princípio, Estado e Igreja são grandezas separadas, como o define
também a Constituição do nosso país. Mas em virtude das conseqüências da
pregação cristã que se manifestam na esfera secular, e pelo próprio fato de os
cristãos serem discípulos de Cristo e simultaneamente cidadãos do seu país, não
será possível separar totalmente os campos de responsabilidade do Estado da­
queles da Igreja, embora seja necessário distingui-los. Na esfera onde os respec­
tivos campos se fundem, a Igreja, por sua vez necessitando da crítica do mundo,
desempenhará uma função crítica - não de fiscal, mas antes de vigia (Ez 33-7) e

358
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

de consciência da nação. Ela alertará e lembrará as autoridades de sua responsa­


bilidade em situações definidas, sem espírito faccioso, e sempre com a intenção
de encontrar uma solução justa e objetiva.
1.4. A Igreja busca o diálogo franco e objetivo com o Estado em atmosfera de
abertura, de liberdade e de autêntica parceria - diálogo que tem por finalidade
encontrar soluções para os problemas que afligem a sociedade. Como parceria
co-responsável do governo secular, ela obedece ao preceito do Senhor que diz:
“Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Marcos 12.17).
Baseada nesta premissa fundamental, ela se sente chamada a cooperar com as
autoridades governamentais em uma vasta gama de tarefas, como, por exemplo,
na educação das novas gerações, na alfabetização de adultos, no apoio a ações
sociais do governo, no combate a doenças, à pobreza, à marginalização do ho­
mem, e em outras atividades que não sejam de caráter puramente técnico. Esta
cooperação implica no constante esforço destinado a eliminar as causas que even­
tualmente provoquem os males em questão.
1.5. Em conseqüência da pregação pública da Igreja poderão surgir tensões
com autoridades governamentais, seja por equívocos humanos, seja por razões
de caráter fundamental. A Igreja, em tais casos, não procurará contestar o poder
do Estado, como se ela fosse um partido político, mas proclamará o poder de
Cristo. Onde ela sentir-se compelida a contrariar medidas governamentais, an­
tes de tomar qualquer atitude pública, procurará dialogar com as autoridades
respectivas. Em todos os casos agirá sem intuitos demagógicos deixando claro
que ela se sabe chamada a advogar em prol de todos os homens que sofrem.
2. Assuntos que preocupam a Igreja
2.1. O caráter do culto cristão
A Igreja entende que o culto, sendo o evento central da vida do cristão, atra­
vés do qual se nutre sua vida espiritual, deverá ter resguardado o seu caráter de
serviço a Deus, de adoração, de comunhão cristã e de diálogo com Deus. Jesus
Cristo é o único Senhor do culto cristão.
O culto terá conseqüências políticas, por despertar responsabilidades políti­
cas, mas não deverá ser usado como meio para favorecer correntes políticas de­
terminadas. Pátria e governo serão objetos de intercessão da comunidade reuni­
da para que possam promover justiça e paz entre os homens, e os fiéis darão
graças a seu Senhor por estas preciosas dádivas. A pátria será honrada e amada;
seus símbolos serão respeitados e usados com orgulho cívico, no sentido mais
legítimo, mas o cristão não poderá falar da pátria em categorias divinizadoras.
O diálogo entre Igreja e Estado poderá resultar numa responsabilização con­
junta pela programação dos dias festivos nacionais que rendem homenagem à
pátria.

359
História Documenta! do Protestantismo no Brasil

2.2. Ensino cristão e educação moral e cívica


Embora numa sociedade pluralista e multiconfessional, como a brasileira, o
Estado, compreensivelmente, esteja interessado em evitar uma orientação sectá­
ria no campo educacional, julgamos ser indispensável que nas escolas seja man­
tido, inequivocamente, o ensino cristão. Consideramos ser a educação moral e
cívica uma matéria necessária para a formação do cidadão, porém não a julga­
mos uma matéria que possa ou deva suplantar o ensino cristão. O ensino moral
e cívico, com bases ideológicas declaradas, para muitos cristãos deixou impreci­
sos os limites entre a esfera da Igreja e a do Estado. Entendemos que qualquer
atitude moral e cívica autêntica tenha as suas raízes em uma confissão autêntica.
Um ensino “teísta, mas aconfessional” , como o define o decreto-lei n° 869/69,
pode induzir muitas pessoas a compreendê-lo como substitutivo do ensino cris­
tão, e as suas bases ideológicas como alternativas para uma orientação confessional
cristã. Tanto professores como educandos serão levados necessariamente a con­
flitos de consciências, caso estes conceitos se fixarem.
E do interesse da IECLB que esta questão seja objeto de um exame em con­
junto de representantes das igrejas e do Estado.
2.3. Direitos humanos
Numerosos cristãos sentem-se perturbados pelo fluxo de notícias alarmantes
sobre práticas desumanas que estariam ocorrendo em nosso país, com relação
principalmente ao tratamento de presos políticos, donde surge uma atmosfera
de intranqüilidade, agravada com a carência de informações precisas e objetivas.
Embora as notícias veiculadas no exterior, freqüentemente evidenciam caráter
tendencioso, e embora órgãos oficiais do país seguidamente tenham informado a
improcedência das mesmas, permanece um clima de intranqüilidade, em virtu­
de das informações não desmentidas da imprensa do país, sobre casos onde se
incluam órgãos policiais de terem empregado métodos desumanos —seja no tra­
tamento de presos comuns, seja de terroristas políticos, ou seja de suspeitos de
atividades subversivas.
Entendemos mesmo, como Igreja, que nem situações excepcionais podem
justificar práticas que violam os direitos humanos.
E como Igreja sentimos necessidade de dialogar com o nosso governo tam­
bém sobre este assunto —uma vez para apontar a extrema gravidade da questão,
tendo em vista os princípios éticos em jogo, mas também para promulgar o
nosso inteiro apoio a quem se acha seriamente empenhado em coibir abusos
cometidos e em oferecer ao mais humilde dos brasileiros —inclusive ao politica­
mente discordante - a absoluta certeza de que será tratado segundo as normas da
mesma lei com a qual possa ter entrado em conflito.
Karl Gottschald, pastor presidente70
Curitiba, 24 de outubro de 1970
360
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

N o s s a responsabilidade social
A Igreja Evangélica de C onfissão Luterana no Brasil - IE C L B - preocupada com o
despertam ento da responsabilidade e a ação social de seus m em bros, encam inha às
suas com unidades o docum ento abaixo com o seu prim eiro passo na elaboração de um
G u ia Diacônico.

<Í79) D O C U M EN T O : 1. Nossa omissão


A fé em Cristo leva necessariamente à ação em favor do próximo. Sempre que
essa ação faltar, na verdade há falta de fé e desobediência à vontade de Deus...
Vezes sem conta aconteceu que Jesus, passando fome, não lhe demos de comer;
estando Jesus com sede, não lhe demos de beber; sendo Jesus forasteiro, não o
hospedamos; estando Jesus nu, não o vestimos; estando Jesus preso, não fomos
vê-lo (Mt 25.35-36).
Nós assim nos omitimos no âmbito das nossas comunidades, onde fechamos
os olhos diante do que se passa ao redor de nossos templos. Nós assim nos omi­
timos em âmbito nacional, fechando os olhos diante das injustiças sofridas por
compatriotas nossos. Nós assim nos omitimos diante do sofrimento de povos e
indivíduos em todo o mundo... Cabe-nos, pois, como cristãos, como comunida­
de e como Igreja, reconhecer a nossa culpa, arrepender-nos e pedir perdão, ex­
pressando tudo isto numa ação eficaz em favor do Jesus faminto, sedento, foras­
teiro, nu, enfermo, e preso, ao nosso redor.
2. Compromisso de fé
Como cristãos confessamos que a vida é uma dádiva de Deus. Tudo o que
somos e tudo que temos dele provem: Nossas capacidades técnicas e intelectuais,
a natureza e o mundo. A responsabilidade pelo uso disto devemo-la ao próprio
Deus doador (Gn 1.26-28). Não temos direito a fazer uso [dos nossos semelhan­
tes]... Ao contrário, devemos garantir-lhes tudo quanto lhes é de direito. Mais
uma vez devemos prestar contas ao Criador, Senhor único de todos os homens.
A boa criação compreende para todos trabalho e saúde, moradia e sustento,
cultura e lazer, convivência e liberdade. Sempre que um desses elementos faltar
para um só ou mais seres humanos divisamos o mundo caído, rebelde a Deus
(Rm 1.28-32). A consciência cristã acusa o pecado - tanto na esfera individual
quanto na social (Rm 3.9-18). O excesso e o abuso, bem como as distorções
destes elementos, são o outro lado da moeda; sustento sem trabalho próprio,
mas às custas do alheio (2 Ts 3-10-13); consumismo esbanjador em vez de sus­
tento básico (Ex 20.8-11); trabalho escravo sem lazer, convivência marginaliza­
da sem escola (Jr 6.11-17); subsistência sem liberdade... (Is 5.8). Destruição da
natureza, concentração de riqueza, emprego de força, infração dos direitos dos

361
História Documental do Protestantismo no Brasil

outros são (...) conseqüências daquelas distorções... (Am 5.7, 10-12) Seu resul­
tado para os homens é auto-suficiência, orgulho, ganância, ânsia de consumo e
arbitrariedade entre os privilégios (Am 8.4-6); fome, miséria, desalento e injus­
tiça ante os demais...
Contudo, onde a consciência acusa, o Evangelho levanta a voz profética para
chamar ao arrependimento, à libertação e à mudança radical (Mc 1.15). O Evan­
gelho é o próprio Jesus Cristo que sofreu o mundo caído para libertar o homem
pecador (Lc 4.18-21). Em sua cruz confessamos a ação de Deus (1 Cor 1.18-
25). Por isso, também hoje não conseguimos ver Deus no progresso, mas sim
naqueles que são por ele abatidos, não no dinheiro, mas naqueles que não têm
como comprar o elementar para suas vidas (Mc 8.34-38). Deus simultaneamen­
te padece e liberta ainda hoje. Assim a neutralidade se nos torna impossível (Rm
12.9-21). Somos chamados a tomar partido: Queremos subir na vida ou descer
à cruz de nosso semelhante? Queremos nos unir ao círculo dos interessados em si
mesmos ou dar as mãos para viver o amor de Cristo?
A renúncia a nós mesmos e o discipulado de Cristo nos são possíveis quando
acatamos esse mesmo serviço de Deus na cruz, que nos arranca de nossa profun­
da insegurança e nos faz andar o caminho de Deus no mundo (1 Jo 4.9-17).
Assim colocam os toda a nossa capacidade, profissão, obra, posição, bens e vida a
serviço de quem de nós necessita. Esse caminho da renúncia e da solidariedade é
e será vitorioso. Isso confessamos como nossa esperança inabalável.
3. Realidade
- ... aproximadamente 1/3 dos brasileiros em idade escolar obrigatória, não
freqüentam a escola, devido ao trabalho prematuro, à enfermidade, à distância
da escola, à subnutrição ou à falta de vagas (l):71
- ...em várias partes do Brasil, o salário mínimo real em 1970, era cerca de
30% inferior ao de 1961 (2).
- A taxa de mortalidade infantil em países desenvolvidos é de 25 mortes para
cada grupo de mil crianças de zero a um ano de idade. No Brasil [há]... cem
mortes por mil crianças situadas em tal faixa etária. Tais taxas são especialmente
elevadas entre os setores de baixas rendas, geralmente com famílias numerosas,
mas com poucos recursos para atenderem às necessidades sanitárias e alimenta-
res de seus filhos (3).
- ... grandes parcelas de nossa população, especialmente no Nordeste e nos
bairros marginalizados de nossas metrópoles, passam fome, sendo por isso víti­
mas fáceis das doenças de massa como a varíola, tuberculose, a verminose, a
esquistossomose, a meningite etc. Tal problema ainda se agrava pela insuficiên­
cia de médicos... estes tendem a concentrar-se nas grandes áreas urbanas, dei­
xando 1.500 municípios do país sem atendimento médico (4).

362
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

- ... Os frutos de nosso processo de desenvolvimento —embora tenham leva­


do alguns benefícios às classes menos favorecidas - tendem a concentrar-se nas
mãos de minoria privilegiada, acentuando-se tal tendência na última década: a
camada superior, ou seja 10% da população com renda, aumentou sua partici­
pação de 39,66% para 47,9%, no total da renda gerada no país. Enquanto isso,
os 90% restantes da população diminuíram a sua participação na mesma. Dos
brasileiros que percebiam renda em 1972, cerca de 44% obtinham a minguada
renda de um salário mínimo... e 30% percebiam de um a dois salários mínimos
(5) •
- ...apresentamos uma industrialização incapaz de absorver a numerosa mão-
de-obra subempregada, nas regiões urbanas. Contamos igualmente com uma
atividade agrária baseada numa estrutura de concentração de extensas áreas de
terra nas mãos de poucos, pois 1,3% dos imóveis rurais detêm 48,9% da área
total agricultável do país, impedindo aos que querem trabalhar na agricultura,
de terem uma propriedade com tamanho adequado para obterem, com o seu
uso, um sustento honesto (6).72
- Todos têm o direito a uma habitação decente. Mas o déficit habitacional no
Brasil é de 7 milhões de casas e nas zonas urbanas 600 mil casas seriam anual­
mente necessárias, para atender às famílias que ali se formam em decorrência do
aumento vegetativo, das populações urbanas e das migrações procedentes da
área rural (7) ...
[Segue-se uma lista de outros problemas, sem comentário.]
4. Desafio
Existem ao nosso redor inúmeros problemas que clamam por uma solução. A
pergunta que surge é: sobre quem recai a responsabilidade? De quem se espera
uma solução? Unicamente dos órgãos governamentais? Não! Todo aquele que se
diz discípulo de Jesus Cristo, individualmente, é responsável, pois um cristão
que é indiferente à injustiça e se furta à responsabilidade em questões sociais e
econômicas, preocupando-se unicamente com o seu próprio bem-estar, não se­
gue o seu Senhor. Neste particular, mais do que a participação ativa em iniciati­
vas da Igreja, impõe-se a cada cristão que seja fiel a seu Senhor no âmbito con­
creto de seu viver e atividade profissional. Isso significa encarar toda a sua vida
como estando a serviço de Cristo e do próximo. Embora possa ser por vezes
necessário renunciarmos a atividade ou profissão em que nos encontramos, para
melhor servir, via de regra, ali onde estamos somos chamados a esse apostolado
de amor. De outra parte, assim como o cristão individualmente, também a co­
munidade cristã e a Igreja são responsáveis pelo mal e, portanto, chamadas ao
discipulado.
Na prática, há problemas que podem ser solucionados por atos individuais.

363
História Documental do Protestantismo no Brasil

Muitos, porém, só podem ser atacados pela ação coletiva. Tampouco basta a
ação meramente caritativa e assistencial; é necessária igualmente a ação pública e
transformadora. Como agir numa comunidade? Cada qual deverá encontrar a
solução mais condizente com a situação peculiar. Sugerimos a criação de peque­
nos círculos com a finalidade de:
—identificar, numa reflexão conjunta, as situações de necessidade na socieda­
de em geral e particularmente na comunidade local;
—procurar agir no sentido de transformar tais situações, levando à comunida­
de impulsos para um engajamento social que envolva o maior número possível
de membros;
—colaborar e solidarizar-se com outros grupos de propósitos idênticos.
Se nos voltarmos assim para o pequeno círculo de nossa comunidade local ou
eclesial, podemos questionar-nos para saber quantos de nossos irmãos são víti­
mas da injustiça, do pecado no âmbito social, em suas diversas formas? Quantos
de nossos vizinhos ou conhecidos são vítimas da ignorância por falta de oportu­
nidade? Quantos deles, querendo trabalhar, não obtêm um emprego a um nível
de renda conveniente para satisfazerem suas necessidades básicas? Quantas pes­
soas são oprimidas por doenças decorrentes da fome e da miséria e não podem
valer-se por si mesmas? Quantas são vítimas de preconceitos ou de perseguições?
Quantas vezes já dedicamos algum tempo de interessar-nos por pessoas necessi­
tadas e indefesas? Ou será que sempre e exclusivamente nos preocupamos apenas
com o nosso bem-estar individual e familiar? Examinando, pois, os problemas
de subsistência, habitação, saúde, educação, emprego, distribuição de renda,
criminalidade, vício e outros em nosso meio, quais são os recursos de que dispõe
a nossa comunidade? Qual é a composição profissional de seus membros? Quais
são os instrumentos e organizações para a transformação? São eles apropriados
para tal objetivo? Em suma: que quer Cristo de nós diante de tais situações?73

O FENÔMENO PENTECOSTAL
Introdução
O m ovim ento pentecostal surgiu do m ovim ento de “santidade” , que por sua vez
deve m uito ao conceito wesleyano da perfeição cristã com o um a segunda obra da
graça, distinta da justificação. A sementeira específica provavelmente foi a E scola B í­
blica deT opeka, Kansas, nos Estados U nidos. N essa escola, Charles Pahram defendia
a idéia de que o falar em línguas era um dos sinais que acom panhavam o Batism o do

364
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

Espírito Santo.74 U m discípulo de Parham, o pregador negro W. J. Seymour, foi con­


vidado para pregar na Igreja de tipo holiness da evangelista negra N elly Terry, em Los
Angeles, Califórnia. Pregando sobre At 2.4, Seym our declarou que D eus tem um a
terceira bênção, além da santificação, a saber, o Batism o do Espírito Santo, acom pa­
nhado do falar em línguas. N elly Terry, escandalizada, expulsou-o d a sua Igreja!
Seymour, porém , prom oveu reuniões em outras partes da cidade e no dia 6 de abril de
1906 em um a reunião de oração à rua Azuza, n ° 312, um m enino de oito anos falou
em línguas, seguido de outras pessoas. Foi o início formal do m ovim ento pentecostal.
W H . D urham , pastor de um a Igreja Batista de Chicago, foi um dos que falaram
em línguas nas reuniões de Seymour. D urham discordou de Seym our sobre a explica­
ção teológica da experiência, entendendo justificação tam bém com o o início da
santificação; o Batism o do Espírito Santo seria então a segunda bênção. D aniel Berg
foi m em bro da Igreja de D urham , em Chicago, e de lá saiu com o m issionário para o
Brasil.
O s líderes do m ovim ento pentecostal nascente procuraram evitar que o m esm o se
transform asse em denom inação ou denom inações. As designações Igreja de D eus,
m ovim ento da fé apostólica, ou m ovim ento das últimas chuvas75 refletem esta preo­
cupação. Aos poucos, porém , a designação Assem bléia de D eus76 se popularizou, e o
grupo m aior se transform ou em denom inação, com credo, escola bíblica, e outros
apetrechos típicos das outras denom inações. O utros ramos do m ovim ento preferiram
o nom e genérico Igreja de D eus. A m edida em que assum iam as características de
denom inações, freqüentemente acrescentavam um nom e geográfico, indicativo da sua
origem e ou sua sede, com o a Igreja de D eus (Cleveland, Tennessee).77
O m ovim ento pentecostal estava na sua infância quando chegou ao Brasil. O d o ­
cum ento 180, abaixo, do próprio punho de Luigi Francescon, narra com o este fun­
dou a Congregação Cristã no Brasil (1910), enquanto escritos de D aniel Berg e Gunnar
Vingren relatam a im plantação da Assem bléia de D eus em 1911 (181). Entretanto, ao
lado do pentecostalism o clássico, oriundo dos Estados U nidos, surgiu em 1932 da
Igreja Adventista do Sétim o D ia, no Recife, a Igreja Adventista da Prom essa (1 9 3 2 ).78
O s últim os anos presenciaram a proliferação de novos ramos e notável crescimento e
expansão geográfica do movim ento. Por exemplo, em 1951, H arold W illiam s fundou
a prim eira congregação da Igreja do Evangelho Q uadrangular, em São Jo ão da Boa
V ista, e em 1953, teve início a “C ruzada N acional de Evangelização” .79 U m dos
evangelistas da “cruzada” , M anoel de M ello, anteriormente da Assem bléia de D eus,

365
História Documental do Protestantismo no Brasil

separou-se da Igreja Q uadrangular em 1956 para fundar sua própria cam panha de
evangelização, da qual surgiu a Igreja Evangélica Pentecostal “O Brasil para C risto” .
Por causa dos m étodos e do tipo de espiritualidade com uns entre os pentecostais
(tendência proselitista; m oralism o rigorista proibindo cinema, teatro, TV, fum o e ál­
cool; proibindo às mulheres o uso de m aquiagem , roupa ju sta e cabelos curtos), de
aspectos da sua teologia (sua interpretação da doutrina do Espírito Santo, especial­
mente quanto aos dons, seu biblicism o, sua postura antiecumênica) e ainda por razões
sociológicas (seus m em bros parecem ser das classes inferiores e m arginalizadas, e as
igrejas pentecostais constituem-se, desse m odo, em “refúgio das m assas”), houve p o u ­
co diálogo entre pentecostais e igrejas históricas no Brasil. O relacionam ento foi m ar­
cado pela polêm ica, desprezo e desconfiança. N a década dos 60, tanto protestantes
quanto católicos-rom anos começaram a tom ar os pentecostais m uito m ais seriam en­
te. A sua expansão foi um fator decisivo nesta m udança de atitude, pois os pentecostais
ultrapassaram num ericam ente as igrejas históricas, inclusive a luterana. Por causa do
grande número dos seus seguidores, M anoel de M ello, por exemplo, concluiu que sua
Igreja deveria partir para a eleição de Geraldino dos Santos e Levi Tavares, am bos ex-
m etodistas, para a Assem bléia Legislativa do Estado de São Paulo e C âm ara dos D e ­
putados.80 Q uando a m esm a Igreja tornou-se m em bro do Conselho M undial de Igre­
jas, de repente m etodistas, luteranos, episcopais e pentecostais se encontravam irm a­
nados na m esm a organização ecumênica m undial. M ais im portante, talvez, teólogos
protestantes e católicos começaram a perceber que, apesar da pobreza do discurso dos
pentecostais e da superficialidade das suas análises bíblicas, eles, na sua atuação junto
ao povo, e especialmente junto ao povo oprim ido, estavam “fazendo teologia” .
O m ovim ento continua em franco crescimento, facilmente constatável pelo uso
m aciço do rádio81 e pela construção ou adaptação de enorm es tem plos,82 em bora
dados exatos sejam difíceis de serem obtidos. U m a recente reportagem , resultado de
razoável, em bora não exaustiva pesquisa, resume assim o recente crescimento e a situ­
ação atual:
Em 1940, a Igreja [Pentecostal] já possuía 912 templos; 1.929 em 1950;
4.583 em 1960; 11.118 em 1970, sendo que somente nos últimos dez anos este
número passou para mais de 40 mil... Os últimos dez anos foram muito impor­
tantes para a sedimentação das igrejas pentecostais no Brasil, quando se deu uma
maior proliferação de membros e a conseqüente construção de novos templos e
fortalecimento econômico das seitas (devido ao aumento do número de contri­
buições do dízimo)...83

366
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

Além deste im pressionante crescimento, elevando possivelm ente a 8,5 m ilhões o


número de pentecostais em todo o país,84 novos líderes continuam a surgir, e com eles
suas respectivas denom inações. Dentre elas a m ais im portante dos últim os anos é a
Igreja Pentecostal “D eus é A m or” , liderada por D avid M iranda que recentemente
estabeleceu sua sede nacional na baixada do Glicério, próxim o do centro de São Pau­
lo, num galpão adaptado de 9 mil m 2, para onde teriam afluído 50 mil pessoas no dia
I o de janeiro de 1982.85
U m aspecto da questão pentecostal é o recente “m ovim ento carism ático” que sur­
giu entre professores católicos leigos da Universidade de D uquesne, em Pittsburg,
Estado da Pennsylvania, nos Estados U nidos da América, os quais teriam recebido o
“Batism o do Espírito Santo” em fevereiro de 1967.86 M ais ou menos no m esm o perí­
odo, o fenôm eno foi observado em igrejas protestantes tradicionais, inclusive no Bra­
sil. A qui, as m anifestações carism áticas freqüentemente resultaram em cism a nas igre­
jas, resultando em novas denom inações, com o a Igreja M etodista W esleyana e a Igreja
Presbiteriana Renovada (does. 171-174, acim a).87

Luis Francescon e a C o n g re g aç ão Cristã no Brasil


Luigi Francescon nasceu em Cavasso N uovo, província de U dine, Itália, a 29 de
m arço de 1866. A exemplo de m uitos dos seus conterrâneos, em igrou para os Estados
U nidos e radicou-se em C hicago em 1890. Valdense, Francescon filiou-se à Igreja
Presbiteriana Italiana de Chicago, e posteriorm ente foi batizado por im ersão, prova­
velmente no lago M ichigan, no dia 7 de setembro de 1903. Foi influenciado por W.
H . D urham , pastor batista de C hicago, que participou do avivamento de Los Angeles
(1906). Francescon afirm a que a 25 de agosto de 1907 “o benigno Senhor se comprazeu
delas tam bém a m im ” , isto é, deu-lhe o dom de línguas. Ele prossegue com seu teste­
munho:
Naquele tempo enquanto se esperava a Promessa, o Senhor fez saber ao irmão
W. H. Durham e outros que ele me havia chamado e preparado para levar Sua
mensagem à colônia italiana; após fui eu mesmo também confirmado por Deus.88
Francescon proclam ou sua fé no meio italiano, não apenas em Chicago, m as tam ­
bém em Saint Louis, Los Angeles, N ova York e Filadélfia. A 4 de setem bro de 1909,
“por santa revelação” , partiu de Chicago com destino a Buenos Aires, acom panhado
de G iacom o Lom bardi e Lúcia Menna.

367
História Documental do Protestantismo no Brasil

(J8Ò ) D O C U M EN TO : Resumo de uma ramificação da obra de Deus, pelo Espírito


Santo, no século atu al (excerto)
Em 8 de março de 1910, por determinação do Senhor, partimos direto a São
Paulo, (Brasil). No segundo dia de nossa chegada àquela Capital, divinamente
guiados, encontramos no Jardim da Luz um italiano chamado Vicenzo Pievani
(ateu) morador em Sto. Antonio da Platina, Estado do Paraná, e lhe falamos da
Graça de Deus.
Dois dias após, V Pievani voltou a Sto. Antonio da Platina, e nós permanece­
mos em S. Paulo até aos 18 de abril, quando então por vontade de Deus, o irmão
G. Lombardi partiu para Buenos Aires e eu para Sto. Antônio da Platina, ...che­
gando... em 20 de abril...
Outra dificuldade que encontrei foi não conhecer uma palavra do idioma
português e achar-me sem dinheiro e doente; Deus, porém, que tem todos os
corações em Suas mãos, me fez ver a primeira maravilha; ao chegar àquele lugar
encontrei na janela a esposa do italiano Vicenzo Pievani tendo o Senhor lhe dito:
“Eis o homem que eu vos enviei”. (Note-se que eu não era lá esperado.) Assim,
fui recebido em sua casa e poucos dias depois, o Senhor comprazeu-se abrir seus
corações e de mais nove pessoas. Foram batizadas na água onze pessoas e confir­
madas com sinais do Altíssimo.
Estas foram as primícias da grande Obra de Deus naquele país.
Logo após, o inimigo começou a trabalhar para desfazer aquela obra, mas foi
em vão o seu trabalho.
O resto do povo daquele lugar, sabendo da minha chegada e da minha mis­
são, juraram matar-me, tendo como chefe um sacerdote de determinada deno­
minação.89 Isto teria sucedido se Deus não interviesse com Seus meios. O Se­
nhor me fez saber de permanecer lá até 20 de junho; nessa prova eu estava pron­
to a me entregar aos inimigos, a fim de poupar a vida dos poucos crentes que o
Senhor havia chamado Deus é testemunha disto, como também os irmãos que lá
vivem.
Parti de Sto. Antônio da Platina em 20 de junho, com destino a São Paulo.
Apenas chegando àquela Capital, o Senhor permitiu abrir uma porta resultando
que cerca de vinte almas aceitaram a fé e quase todos provaram a Divina virtude.
Uma parte eram [sic] presbiterianos e alguns batistas e metodistas e alguns tam­
bém católicos romanos. Alguns foram curados e outros selados com o Bendito
Dom do Espírito Santo.
Em fins de setembro parti para o Canal do Panamá, deixando-os nas mãos de
Deus e com os conselhos que o Senhor mandou dar para que por meio deles,
continuassem a obra de Deus naqueles lugares...
Esta é uma prova que a obra no Brasil foi plantada pelo Espírito Santo e por

368
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

Ele guiada; na Capital de São Paulo existem cerca de trinta igrejas, todas de
comum acordo e com mais de 6 mil almas que rendem testemunho da Graça de
Deus.
Segundo o relatório do ano de 1940, o número das Casas de Oração da nossa
irmandade no Brasil era de 305; do ano de 1935 a 1940, obedeceram 17.761
almas ao mandamento de nosso Senhor Jesus Cristo, ao Qual seja dada toda
honra e glória.50
(...)
De acordo [com] o relatório anual de 1951 (exigido pela lei), no qual relata
que o número das Casas de Oração atingiu 815, sendo 217 de sua propriedade.
Do ano de 1942 ao 1951, obedeceram ao mandamento do Senhor, 74.775 al­
mas. As 46 congregações existentes atualmente na Capital do Estado de São
Paulo, e seus arredores são representadas por uma Diretoria Administrativa, com­
posta de cinco membros, os quais cuidam da parte material, apresentando em
assembléia anual o balanço da Receita e Despesas, em obediência às determina­
ções legais, isto é: Dar a César o que é de César.
A parte espiritual é governada pelos Anciãos sob a Guia do Espírito Santo, os
quais se reúnem semanalmente em oração para obter o conselho e Guia do Se­
nhor, o que depois é levado ao conhecimento da irmandade nas congregações. O
mesmo fazem os anciãos de outras cidades do interior de S. Paulo, e outros esta­
dos do Brasil.
Para os serviços de batismos e santas ceias, ou alguma outra necessidade ur­
gente, os Anciãos se reúnem, e em oração buscam o conselho do Senhor, para
que ele inspire a quem ele quer enviar para tal missão, fazendo pois por eles o que
prometeu na sua Palavra, porque a vontade e o operar pertencem ao redentor e
Senhor nosso, quando a nossa confiança é depositada inteiramente n’Ele.
Aleluia.91

Daniel Berg e G unnar Vingren: a A ssem b léia de D e u s no Brasil


As vidas de D aniel Berg (1885-1963) e G unnar Vingren (1879-1933) são notavel­
mente paralelas. N ascidos da Suécia, os dois se tornaram batistas, e foram batizados
por imersão no país de origem ; depois emigraram para os Estados U nidos, respectiva­
mente em 1902 e 1903. O s dois homens afirm am ter recebido o dom do Espírito
Santo em 1909. D e volta à Suécia para visitar seus familiares, Berg soube sobre o
Batism o no Espírito Santo através de um ex-amigo de infância, agora pastor, e alega
ter recebido essa graça na viagem de regresso aos Estados U n idos.92 Logo a seguir,
passou para a Igreja batista de W. H . D urham , em Chicago.93 Vingren estudou teolo­

369
História Documental do Protestantismo no Brasil

gia em C hicago de 1904 a 1909, no Sem inário Batista Sueco. Foi a C hicago para
assistir a urna conferência pentecostal, onde, conform e seu próprio testem unho, rece­
beu o Espírito e o dom de línguas.94 N esta conferência, Berg e Vingren se conheceram
e se tornaram amigos. Ao voltar à sua paróquia, Vingren escandalizou sua Igreja e foi
despedido, assum indo logo depois um pastorado em South Bend, Indiana, que dista
uns cem quilôm etros de Chicago. Foi a essa altura que os dois se julgaram chamados
divinam ente para a m issão no Brasil.95
O bedientes ao cham ado, embarcaram para o Brasil, aportando em Belém do Pará
a 19 de novembro de 1910. Localizaram a Igreja Batista, onde foram hospedados pelo
pastor; colaboraram nesta Igreja, na m edida do possível. Suas práticas pentecostais
resultaram em dissenções, e depois de algum tem po Berg e Vingren foram convidados
a se retirar; saíram, levando dezoito m em bros da Igreja Batista com eles. O s docum en­
tos abaixo são versões diferentes dos acontecim entos que m arcam o com eço das as­
sembléias de D eus no Brasil, em m eados de 1911.

( m ) D O C U M EN TO : A versão de Vingren
Mais ou menos seis meses depois da nossa chegada, os diáconos da Igreja
Batista me disseram: “Irmão Vingren, na próxima terça-feira o irmão dirigirá o
culto de oração!”
Eu atendi o seu pedido e li alguns versos no Novo Testamento sobre o Espírito
Santo e disse algumas palavras. Isto foi em maio de 1911. Os diáconos tinham as
suas Bíblias abertas para conferir se eu estava lendo certo. Parece que ficaram
satisfeitos com o que eu disse.
Durante aquela semana tivemos cultos de oração cada noite na casa de uma
irmã, que tinha uma enfermidade incurável nos lábios e nós sentíamos tristeza,
porque ela não podia assistir aos cultos na igreja. O primeiro que fiz foi pergun­
tar se ela cria que Jesus podia curá-la. Ela respondeu que sim. Dissemos então
para que ela deixasse, desde aquele instante, todos remédios que estava tomando.
Oramos por ela, e o Senhor Jesus a curou completamente. Nos cultos de oração,
que se seguiram, ela começou a pedir e orar pelo Batismo com o Espírito Santo.
Na quinta-feira, depois do culto, ela continuou orando em sua casa. O seu nome
era Celina Albuquerque. Ela continuou pois, orando em sua casa juntamente
com outra irmã. E a uma hora da madrugada esta irmã Celina começou a falar
em novas línguas e continuou falando durante duas horas. Foi, portanto, a pri­
meira operação de Batismo com o Espírito Santo feita pelo Senhor Jesus em terra
brasileira.
No dia seguinte a outra irmã, que presenciara tudo, foi e contou tudo o que

370
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

vira aos outros membros da Igreja Batista. O seu nome era Nazareth. Na sexta-
feira, depois de terminado o culto na igreja, veio a irmá Nazareth juntamente
com outras irmãs para o nosso culto de oração. Aí mesmo Jesus batizou a irmã
Nazareth com o Espírito Santo e ela também cantou um hino no Espírito.
Todos os demais que tinham vindo da Igreja Batista creram então que isto era
uma obra de Deus, todos menos dois, o evangelista e a mulher de um diácono. O
evangelista, que não quis crer, ficou muito orgulhoso e caiu debaixo do juízo do
Diabo. Já no domingo seguinte notamos que ele havia sido tomado por um
poder estranho e isto se notava mais ainda quando ele falava. Não era de admi­
rar-se, pois ele era tão jovem e tinha tão pouca experiência.
Na terça-feira seguinte, ele convocou os membros da Igreja para um culto
extraordinário e não permitiu nem que o pastor falasse. Ele somente disse:
“Todos os que estão de acordo com a nova seita levantem-se.” Dezoito irmãos
se levantaram e foram imediatamente cortados da comunhão da igreja. O pastor
da igreja, que era um homem verdadeiramente crente e muito sereno, orou então
a Deus no seu coração e pediu uma palavra. Abriu depois a sua Bíblia e encon­
trou o verso que diz: “Pelo que saí do meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor, e
não toqueis nada imundo, e eu vos receberei; e eu serei para vós Pai e vós sereis
para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso.”96
Estes dezoito irmãos saíram então da Igreja Batista para nunca mais voltar
outra vez. Isto aconteceu no dia 13 de junho de 1911.97

(T s2 ) D O C U M EN TO : A versão de D aniel Berg


As visitas dos membros da Igreja ao nosso quarto-corredor eram cada vez
mais intensas. Os membros da Igreja desejavam que orássemos por eles. Alguns
já tinham recebido o Batismo com o Espírito Santo, e muitos doentes haviam
sido curados. Resolvemos, por isso, improvisar cultos à noite, naquele local aper­
tado.
Certa noite, o pastor da Igreja apareceu na nossa modesta morada. Quando
abriu a porta, defrontou-se com uma onda de hinos e orações. Levantamo-nos,
saudamo-lo e convidamo-lo a participar do culto improvisado. Ele recusou e
declarou que havia chegado a hora de tomar uma decisão. Disse, ainda, que
ultimamente ouvira discussões acerca de doutrinas, coisa que nunca antes acon­
tecera. Acusou-nos de havermos semeado dúvidas, inquietações e de separatistas.
Gunnar Vingren levantou-se e explicou que não desejávamos a desunião, ao
contrário, desejávamos que todos se unissem. Se todos alcançarem a experiência
do Batismo com o Espírito Santo, então nunca mais se dividirão, serão mais do
que irmãos, serão uma só família.
O pastor da Igreja voltou a falar. Estava aberta a discussão. Disse o pastor que

371
História Documental do Protestantismo 110 Brasil

a Bíblia fala realmente do Batismo com o Espírito Santo e na cura de enfermida­


des por Jesus, porém que essas coisas foram para aquele tempo. Seria absurdo,
disse ele, que pessoas educadas, em nossos dias, pensassem que tais coisas pudes­
sem acontecer. Hoje temos que ser realistas - disse ainda o pastor —e não ocupar
o tempo com sonhos e falsas profecias. Hoje, temos a sabedoria para ser usada.
Se não vos corrigirdes e reconhecerdes que estais errados, é meu dever comunicar
a todas as igrejas batistas o que está acontecendo, para que se previnam contra as
vossas falsas doutrinas.
Vingren ouviu essas palavras com muita calma e depois respondeu: Caro ir­
mão, não devemos permitir que assuntos tão importantes se transformem em
discussão pessoal. Somos ambos servos de Deus, desejamos, por isso, estar na
verdade, pois Aquele a quem nós pregamos é a Verdade. Na minha opinião,
somos colegas e não concorrentes. Saber-se quem leva as almas a Deus é coisa
secundária. O que importa é que o número de almas salvas aumente e seja cada
vez maior. Não direi que o irmão não esteja na verdade, mas que não achou toda
a verdade. A verdade do Batismo com o Espírito Santo e das curas maravilhosas
que Jesus pode realizar em nossos dias.
Quando Vingren terminou de falar, o pastor olhou para todos os presentes,
esperando que algum dos membros da Igreja o apoiasse. Entretanto, ninguém o
apoiou. Continuou a olhar insistentemente para um diácono, como quem pede
que se defina sobre a questão. O referido diácono, um dos membros mais anti­
gos e sustentáculos da Igreja, após aquele olhar insistente, levantou-se e declarou
em nome de todos os presentes:
“Compreendo muito bem os seus sentimentos, pastor; o senhor declara que
está entre um grupo de traidores, que se distanciaram dos ensinos que lhes mi­
nistrou. Acha que não estamos seguindo o caminho que nos ensinou. Entretan­
to, isso não é verdade. Nunca estivemos mais certos do que agora, jamais tivemos
tanta fé como atualmente. O que aconteceu foi que agora achamos alguma coisa
mais, a fé e o poder do Espírito Santo.
Não temos queixa, pastor, de não haver falado destas coisas, pois o senhor
desconhecia estas verdades, de modo que, não as conhecendo, não as poderia
ensinar a outros. Nós desejaríamos que o senhor também recebesse estas bênçãos
de Deus, a fim de nos entendermos melhor uns aos outros e sentir a mesma
comunhão com os irmãos que vieram de outras terras.
Todos os membros desta Igreja, pastor, encontram-se agora em plano mais
elevado, e mais perto do céu. O senhor disse que é realista; pois bem, vou mos­
trar-lhe alguns exemplos de coisas realistas, do poder de Jesus para curar em
nossos dias: Uma irmã, que é membro da Igreja há muitos anos. E possível que o
senhor lhe tenha prestado atenção, pois ela andava amparada por duas muletas.

372
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

Ela ainda tem as muletas, porém não as usa. Estão penduradas na parede da casa
em que mora, em local bem visível, para que todos vejam de que modo milagro­
so Jesus a curou, não só a ela, mas também a um irmão que foi curado de um
tumor no pescoço.
Caro pastor —continuou o diácono —não queremos nem podemos acusá-lo;
o senhor tem trabalhado para ganhar almas para Jesus; tem orado para que Jesus
dê forças aos enfermos para suportar as enfermidades, mas não orou para Jesus
curar as mesmas enfermidades, porque não crê nessas verdades. Agora, entretan­
to, o senhor viu com seus próprios olhos os dois exemplos que citei.”
O pastor olhou mais uma vez em redor e esperou que alguém se manifestasse
a seu favor, mas foi em vão. A seguir, dirigiu-se a mim e ao irmão Vingren e disse:
Já tomei a decisão. A partir deste momento não podem ficar morando aqui.
Procurem outro lugar; depois de tudo o que aconteceu, não os queremos mais
aqui.
A seguir o pastor dirigiu-se ao pequeno grupo e perguntou: “Quantos estão
de acordo com essas falsas doutrinas?” Decididamente dezoito pessoas levanta­
ram suas mãos. Elas sabiam que essa atitude eqüivalia a serem expulsas da Igreja.
(...)
Porém, o irmão que se levantou e falou em nome dos demais, chegou perto de
nós e, como se houvesse lido os nossos pensamentos, disse: “Compreendo a
vossa preocupação; tenho uma grande sala em casa; está à vossa disposição, para
realizar os cultos, e para morar, também há lugar para os irmãos”.
É claro que aceitamos o oferecimento, com muito alegria; naquela noite nós e
muitos que desejavam receber o Batismo com o Espírito Santo, reunimo-nos
naquela casa, para realizar oficialmente o primeiro culto pentecostal no Brasil. O
primeiro culto foi realizado na rua Siqueira Mendes, 67, na casa da irmã Celina
Albuquerque, esposa de um comandante de navio do Amazonas, cujo nome era
Henrique. Esta irmã Celina foi a primeira crente batizada com o Espírito Santo
no Brasil.98

(J 8 3 ) D O C U M EN TO : Uma versão batista


Em abril de 1911, aportavam a Belém dois senhores suecos Gunnar Vingren
e Daniel Berg dizendo-se batistas e chegaram a mandar buscar suas cartas. Logo
procuraram [o pastor Eurico] Nelson seu compatriota para pedirem abrigo algu-
res. O porão do templo lhes foi oferecido e lá se ficaram aprendendo a língua
para então ajudarem Nelson na evangelização. Este bom missionário fez uma de
suas muitas viagens ao Piauí, deixando esses homens na igreja na doce esperança
de que, mesmo sem saberem falar, ajudariam o trabalho. Eis que pouco depois,
por ocasião das reuniões, começavam esses batistas a tremer e a gritar sendo já, a

373
História Documental do Protestantismo no Brasil

esta altura, imitados por alguns brasileiros. Que seria aquilo, que espécie de nova
religião seria essa? eram as perguntas. Eles deram para responder que era Batismo
do Espírito Santo. Línguas e balelas tornaram os cultos um horror. Nelson estava
fora e à frente dos trabalhos estava o jovem inexperiente, Raimundo Nobre.
Toda Igreja estava sendo contaminada, pois já muitos falavam as tais línguas,
menos os diáconos que não chegaram a fazer este “progresso". Que fazer? O
evangelista, ajudado por Felí de Barros Rocha, organista da igreja, convocou
uma sessão extraordinária, declarou fora de ordem os pentecostais que já consti­
tuíam a maioria, e com a minoria excluiu os que se tinham desviado das doutri­
nas. Eles procuravam fazer valer os seus direitos de maioria, mas ficaram excluí­
dos mesmo. Ficou dizimada a igreja. Sem diáconos, uma desolação, este fim de
1911. Foi o começo do pentecostalismo no Brasil.99

A Igre ja E v an g élica P e n te c o sta l “O B rasil p ara C r isto "


Introdução
U m dos mais destacados evangelistas brasileiros é M anoel de M ello, fundador da
Igreja Evangélica Pentecostal “O Brasil para Cristo” . N atural de Pernam buco, ali se
filiou à A ssem bléia de D eus e se tornou evangelista da Igreja. Foi ordenado para o
ministério da Igreja do Evangelho Quadrangular —Cruzada N acional de Evangelização
— e consagrado m inistro da m esm a.’00 Excessão feita à cam panha de Curitiba, no
inverno de 1952, onde foi apresentado com o “o hom em que ressuscitou” , e cujas
pregações foram assistidas diariam ente por cerca de sete mil pessoas, o autor pouco
descobriu sobre sua atuação na C ruzada.101 D esejoso de iniciar um a obra evangelística
independente, separou-se da Cruzada em 1956 levando consigo um bom número de
evangelistas, e organizou a cam panha “ O Brasil para C risto” , da qual surgiu a atual
Igreja Evangélica Pentecostal “ O Brasil para C risto” .102
Diferente da m aioria das igrejas pentecostais, a de M anoel de M ello se distingue
por ser mais brasileira (não foi fundada por estrangeiros e nem se liga a nenhum a
denom inação no exterior), mais flexível (M anoel de M ello não exige, em bora encora­
je, o “falar em línguas”), mais voltada para problem as político-sociais e mais ecumênica
(é m em bro do Conselho M undial de Igrejas). O s docum entos abaixo explicam os
m otivos que levaram o m issionário a aderir ao C M I e contam d a inauguração do seu
tem plo no largo da Pompéia, tido com o “o m aior tem plo evangélico do m undo” .103

374
A Igreja do Golpe de i 964 até o Presente

M anoel de Mello e o Conselho M undial de Igrejas


Entre as novas igrejas pentecostais no Brasil, a Igreja Evangélica Pentecostal “O
Brasil para C risto” é a mais ecumênica. J á em 1961, quando da III Assem bléia do
C M I, a Igreja Pentecostal do Chile e a Igreja M etodista Pentecostal (tam bém do C h i­
le) tinham se filiado ao Conselho, apesar das constantes acusações de ser o C M I libe­
ral, am igo do rom anism o e infiltrado por com unistas. Sete anos depois, M anoel de
M ello resolveu levar sua Igreja tam bém a filiar-se ao C M I. N um a entrevista concedida
ao Rev. João Parahyba D aronch da Silva, Secretário da Ação Social da Igreja M etodista,
o m issionário citou a obra de D o m H elder C âm ara com o exemplo da verdadeira
evangelização: “D o m Helder C âm ara está ganhando o povo porque a sua mensagem
conscientiza o hom em ”. Seguem as explicações das razões e ainda o pedido formal
desta filiação.

(j 84) D O C U M EN TO : M anoel de Mello explica porque querfiliar-se ao CM I


Missionário, sei que o irmão esteve presente à IV Assembléia do nosso Conse­
lho Mundial de Igrejas.104 Em que qualidade foi? Por que razão aceitou o convi­
te? Quais as impressões mais profundas?
Resposta: “Aceitei o convite porque ouvia falar as coisas mais bárbaras a res­
peito do CMI. Tudo que é combatido, torna-se vedete, então aceitei para conhe­
cer. Eu só aceito as coisas e falo sobre elas depois de conhecer mesmo. Eu preci­
sava conhecer o Conselho tão combatido. Cheguei lá e me senti como um Ezequiel
no vale dos ossos secos. Estamos na era dos jatos e do ponto de vista religioso o
Conselho Mundial está de bicicleta. Mas, ele está fazendo uma obra enorme que
nós não conseguimos fazer com toda a nossa religiosidade: a obra gigante da
obra social. O que é que adianta converter uma pessoa e mandá-la de volta para
a sociedade brasileira apodrecida? “O Brasil para Cristo” já reuniu sua equipe de
direção e conselho, e vamos ser membro do CMI. Vamos fazer pedido de inscri­
ção com uma ressalva apenas: considerando que no plano religioso estão aquém
de onde já chegamos, não entraremos para receber orientação religiosa, mas ori­
entação social. Enquanto nós convertemos um milhão, o Diabo converte 10
milhões através da fome, da miséria, do militarismo, da ditadura, e as igrejas
continuam acomodadas. O ateísmo cresce devido às situações de injustiça, de
miséria em que o povo vive. Os pregadores estão pregando sobre um futuro
longínquo e se esquecem que Jesus deu valor e atenção ao momento em que o
povo vivia. O CMI se preocupa com o tempo atual do povo. “O Brasil para
Cristo” vai ingressar no CMI por causa da sua missão social no mundo presente.
Mas, há outra razão; temos que acabar com a mente tacanha que divide os ho-

375
História Documental do Protestantismo no Brasil

mens em denominações. O Conselho Mundial está fazendo isso. O ecumenismo


é outra coisa boa do Conselho Mundial para nós.105

0~85) D O C U M EN TO : M anoel de Mello pede admissão ao CM I


São Paulo, julho de 1969
Conselho Mundial de Igrejas...
Atenção do secretário-geral, o Rev. Dr. Eugene C[arson] Blake e do Comitê
Central
Prezados irmãos,
A Igreja Evangélica Pentecostal “O Brasil para Cristo” tem sua sede em São
Paulo, Brasil. Sua jurisdição se estende a todo o Brasil; há presentemente 300
(trezentos) pastores, 4.200 (quatro mil e duzentos) obreiros fraternais e pregado-
. res leigos. A comunidade evangélica pentecostal abrange homens e mulheres e
ela possui aproximadamente 1.100.000 (um milhão e cem mil) membros. Em
nome desta comunidade, o signatário, seu fundador e guia espiritual, solicita o
que segue:
considerando os contatos e encontros mantidos com o secretário-geral e ou­
tros membros e associados do CMI;
considerando que o Conselho Mundial de Igrejas é uma organização mundial
que representa aqueles cristãos que verdadeiramente buscam a unidade cristã;
considerando como autênticas as ações sociais, educativas, evangelísticas e
ecumênicas do CMI;
considerando que a Constituição do CMI está fundamentada em princípios
eminentemente bíblicos e cristãos, não vimos nada, até o presente momento,
contrário à nossa Declaração de Fé, nós portanto aceitamos, para a orientação da
nossa Igreja, a seguinte citação da Constituição e Regimento do CM I, conforme
confirmada em Upsala, em 1968.
A. A constituição
1. A base
O CMI é uma comunhão de igrejas que confessam o Senhor Jesus Cristo
como Deus e Salvador segundo as Escrituras e, portanto, buscam cumprir juntas
sua vocação comum para a glória do único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo.
Em vista do acima exposto, e após ouvir as igrejas membros do Conselho
Mundial de Igrejas, no Brasil, a saber:
—a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil;
—a Igreja Metodista no Brasil; e
—a Igreja Episcopal Brasileira;
solicitamos a aceitação do nosso pedido formal como membro do CM I, como
a quarta Igreja brasileira associada. Esta decisão foi feita após muitas orações e

376
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

com uma consciência limpa perante Deus e na certeza de que estamos cumprin­
do as palavras de Cristo:
“...que todos sejam um em Ti, ó Pai”106
Vosso, em Cristo,
Manoel de Mello
Fundador e guia espiritual107

A inauguração do templo de “O Brasil para Cristo” em São Paulo


Dezessete anos após o lançamento da pedra fundam ental, deu-se a reunião solene
da inauguração do enorme tem plo da Igreja Evangélica Pentecostal “ O Brasil para
C risto” no dia 12 de julho de 1979. O docum ento abaixo dá ênfase à dim ensão
ecum ênica da solenidade de inauguração, da qual foi orador oficial Philip Potter,
secretário-geral do Conselho M undial de Igrejas. Esteve presente tam bém o cardeal
arcebispo de São Paulo, D . Paulo Evaristo Arns.

(T sè) D O C U M EN TO : Philip Potter em São Paulo inaugura o templo evangélico


Manoel de Mello construiu, com recursos exclusivamente brasileiros e sem
subvenções governamentais, “o maior templo evangélico do mundo”, localizado
perto do largo da Pompéia, à rua Carlos Vicari, 124. Constituída em sua grande
maioria pelo “povão” que, igualmente a ele, migrou a São Paulo, é natural que
Manoel de Mello tenha se sacrificado tanto e aos seus pares a fim de que sua
enorme comunidade pudesse se abrigar sob um só teto.
Com a pedra fundamental lançada em 13/5/62, o grande templo foi oficial­
mente inaugurado na noite de I o de julho, com a participação de enorme mul­
tidão, o sermão do Dr. Philip Potter, e a presença do bispo presidente da Igreja
Metodista, Rev. Sady Machado da Silva, o cardeal arcebispo de São Paulo, D.
Paulo Evaristo Arns, numerosos líderes de várias igrejas evangélicas, incluindo
uma delegação de quinze pastores pentecostais do Chile.
Nos momentos que antecederam a chegada de D. Paulo à celebração, Manoel
de Mello havia anunciado essa expectativa, levando o povo a bradar em alta voz,
por três vezes consecutivas: “Eu amo meu irmão católico!” Foi de fato, muito
emocionante ouvir D. Paulo dirigir breves palavras àquele auditório constituído
de gente que, ao contrário de muitas outras congregações evangélicas, havia apren­
dido não só a admirar como também amar o cardeal de São Paulo...
Dados os pronunciamentos proféticos de Manoel de Mello ao longo [do]
período de repressão, o seu apoio às freqüentes denúncias e declarações dos bis­
pos brasileiros, não é de se admirar que Dr. Potter tenha aceito convite de um
dos membros brasileiros do Comitê Central do CMI para visitar o Brasil... oca-

377
História Documental do Protestantismo no Brasil

silo em que teria oportunidade de conhecer e entrar em contato com líderes das
igrejas nacionais. Além de reuniões com lideranças luteranas e metodistas, Dr.
Philip Potter teve longos encontros com D. Paulo e com D. Ivo Lorscheiter,
presidente da CNBB.
Os encontros com D. Paulo e com D. Ivo foram realizados na Igreja Evangé­
lica Pentecostal o Brasil para Cristo, ocasiões em que ambos puderam constatar
as dimensões gigantescas do grande templo (a área interna, livre de colunas, tem
o comprimento de 68m2 e a largura de 69m 80, com 4.760 m2).108
... D. Paulo serviu de intérprete (em francês) durante a entrevista realizada
pela TV Globo, no interior do templo, com Dr. Philip Potter.
Acompanhado de representantes das igrejas brasileiras que compõem a CESE
e o C M I109 (inclusive um representante da CNBB), Dr. Philip Potter fez breve
visita de cortesia ao presidente João Figueiredo. Nessa ocasião Dr. Philip Potter
manifestou ao chefe da nação a esperança de que a abertura política em favor da
anistia, dos direitos humanos, do direito dos índios à terra seja considerada ape­
nas como “um começo”.110

A Igreja do Evangelho Quadrangular


Aim ee Sem ple M cPherson (1890-1944), evangelista norte-americana, pregando a
um auditório de 8 mil pessoas em O akland, Califórnia, alega ter recebido, por revela­
ção, a interpretação dos querubins com quatro rostos —de hom em , leão, boi e águia —
cf. Ez 1.10. Para Aimee, sim bolizavam “os quatro ângulos do m inistério de Cristo: o
salvador, o batizador com o Espírito Santo, o grande m édico e o rei que há de vol­
tar” .1" Pregando a mensagem de salvação, o Batism o do Espírito Santo, a cura divina
e a im inente volta de C risto, a evangelista construiu em 1923 em Los Angeles,
Califórnia, o tem plo “Angelus” que se tornou sede de um a Igreja com ramificações
m undiais. Deve ser notado, porém , que, com a m orte da fundadora, o m ovim ento
não m ostrou mais nos Estados U nidos a m esm a vitalidade.112
O fundador da Igreja Q uadrangular no Brasil foi H arold W illiam s, que fora m is­
sionário na Bolívia. W illiams fundou a Igreja Q uadrangular em São Jo ão da Boa
Vista, SP, a 15 de novembro de 1951. A expansão da obra com eçou por volta de 1953
através da “Cruzada N acional de Evangelização”, cuja característica foi o uso de enor­
mes tendas de lona, conhecidas com o “tendas de Jesus” - daí os adeptos serem cham a­
dos “tendeiros” . Nessas tendas, com Raym ond Boatright com o principal evangelista,
a tônica foi a cura divina.
R osa assim resumiu a situação da Igreja Quadrangular, que se alastrou por todo o

378
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

Brasil: em 1976, ela contava “com 268 m inistros, 203 obras localizadas em tem plos,
salões e tabernáculos, distribuídos em 24 regiões eclesiásticas e quarenta cam pos m is­
sionários. C on ta com aproxim adam ente 100 m il m em bros entre fichados e não ficha­
dos” . " 3

Declaração de f é
A principal preocupação teológica do pentecostalism o é o Espírito Santo e seus
dons. A Declaração de Fé da Igreja Q uadrangular ilustra esse reducionism o doutriná­
rio. Ele se preocupa pouco com os grandes temas teológicos clássicos. Estão ausentes
vocábulos com o “trindade” , “encarnação” , “procedência do Espírito” e outros, sem se
negar, contudo, as doutrinas por eles representados. M odifica significativam ente a
tradicional form ulação protestante “justificação pela fé” para justificação por “arre­
pendim ento e aceitação” . T oda a ênfase cai nos quatro “ângulos” —salvação em Cristo,
o Batism o no Espírito Santo, a cura divina e a iminente segunda vinda de C risto e suas
conseqüências. O docum ento a seguir é um a transcrição dos artigos relacionados a
esses pontos; os títulos dos outros artigos se acham em nota de rodapé.114

(T87) docum ento


IV. O plano de redenção. Cremos, que sendo nós ainda pecadores, Cristo mor­
reu por nós - o justo pelo injusto - espontaneamente, e por eleição do Pai,
tomando o lugar dos pecadores, levando seus pecados, recebendo sua condena­
ção, morrendo sua morte, pagando inteiramente suas faltas, e assinando, com o
sangue de sua vida, o perdão de todos aqueles que haveriam de ríEle crer; que,
simplesmente pela fé e aceitação da expiação adquirida no Monte do Calvário, o
mais vil pecador pode ser limpo de suas iniqüidades e tornado mais branco do
que a neve.
V. Salvação pela graça. - Cremos que a salvação dos pecadores é inteiramente
pela Graça; que não temos justiça alguma ou bondade, em nós mesmos, por
onde procurar o Divino amparo, havendo que lançarmo-nos, portanto, à inaba­
lável misericórdia e amor daquele que nos comprou e nos lavou no Seu próprio
Sangue, clamando os méritos e a justiça de Cristo o Salvador, firmados na Sua
palavra e aceitando o livre dom de Seu amor e perdão.
VI. Arrependimento e aceitação - Cremos que, pelo sincero arrependimento,
verdadeira tristeza pelo pecado, e verdadeira aceitação de coração para com o
Senhor Jesus Cristo, aqueles que O invocam podem ser justificados pela fé, atra­
vés do Seu precioso Sangue e que, em vez da condenação, podem obter a mais
bendita paz, segurança e amparo com Deus; que, com braços abertos de perdão

379
História Documentai do Protestantismo no Brasil

e misericórdia o Salvador espera para receber, em contrição não fingida e súpli­


cas por misericórdia todo arrependido que queira abrir a porta do seu coração e
aceitá-lo como Senhor e Rei.
IX. Batismo e Santa Ceia —Cremos que o Batismo nas águas, em nome do Pai
e do Filho e do Espírito Santo, de acordo com o mandamento de nosso Senhor,
é um sagrado sinal exterior de uma obra interior; um belo e solene símbolo a
lembrar-nos de que, assim como nosso Senhor morreu sobre a cruz do Calvário,
assim também, contamo-nos como mortos para o pecado, e a velha natureza
com ele pregara no madeiro; e que, assim como ele foi descido do madeiro e
sepultado, assim nós somos sepultados com ele pelo Batismo na morte —para
que, assim como Cristo foi levantado dentre os mortos pela glória do Pai, assim
também, andemos em novidade de vida.
Cremos na comemoração e observância da Ceia do Senhor pelo sagrado uso
do pão partido, um precioso tipo do Pão da V ida-Jesu s Cristo, Cujo Corpo foi
partido por nós; e da seiva da videira —um maravilhoso tipo a lembrar sempre o
participante, do Sangue derramado pelo Salvador, Que é a videira verdadeira, da
qual Seus filhos são as varas; que esta ordenança é como um glorioso arco-íris, a
transpor a ampliação do tempo entre o Calvário e a vinda do Senhor, quando,
no Reino do Pai, Ele compartilhará, novamente, da companhia dos seus filhos; e
que, o servir e o receber esse sagrado sacramento, deve ser sempre precedido pelo
mais solene exame do coração, autocrítica, perdão e amor para com todos os
homens, para que ninguém participe indevidamente, e beba condenação para
sua própria alma.
X Batismo no"5 Espírito Santo —Cremos que o Batismo no Espírito Santo é
o recebimento do prometido Consolador, em poderosa e gloriosa plenitude, a
fim de revestir o crente com poder do alto; para glorificar e exaltar o Senhor
Jesus; para dar uma palavra inspirada em testemunho d’Ele; para promover o
espírito de oração, santificação, sobriedade para capacitar o indivíduo e a Igreja
a ganhar almas de maneira eficiente, prática, alegre, cheio do Espírito; e que,
sendo esta, ainda, a dispensação do Espírito Santo, tem o crente todo o direito
em esperar o seu recebimento à mesmo [sic] maneira pela qual O receberam
judeus e gentios igualmente, nos dias bíblicos, conforme se encontra registrado
na Palavra, de modo que possa ser dito de nós o que foi com respeito à casa de
Cornélio; o Espírito Santo caiu sobre eles, no princípio, assim como em nós
agora.
XIV. Cura Divina - Cremos que a cura Divina é o poder do Senhor Jesus
Cristo para curar os enfermos e os aflitos, em resposta à oração sincera; que Ele,
sendo o mesmo ontem, hoje e para sempre, jamais mudou, mas é ainda, um
auxílio plenamente suficiente na hora da dor, capaz de saciar as necessidades,

380
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

vivificar o corpo, a alma e o espírito a uma novidade de vida, em resposta à fé


daqueles que oram com submissão à Sua vontade divina e soberana.
XV. A segunda vinda de Cristo —Cremos que a segunda vinda de Cristo é
pessoal e iminente; que Ele descerá do Céu nas nuvens de Glória com voz de
arcanjo e com a trombeta de Deus; e que, nessa hora, a qual ninguém sabe
antecipadamente, os mortos em Cristo se levantarão e os remidos que estiverem
vivos serão levados acima, junto com eles, nas nuvens a encontrar o Senhor nos
ares, para estarem sempre com o Senhor; e, vendo nós também, que mil anos são
como um dia, para o Senhor, e que ninguém sabe a hora do Seu aparecimento, o
qual cremos estar iminente, cada dia deve ser vivido como se fosse esperado
aparecer antes de findar o dia; todavia, em obediência à Sua ordem categórica:
“Trabalhai até que Eu venha”, a hora de propagação do Evangelho, o envio de
missionários, e as obrigações gerais para a edificação da Igreja devem ser promo­
vidas tão ampla e diligentemente como se nem a nossa geração nem, a vindoura
fosse viver em carne para que pudesse ver aquele glorioso dia."s

MINISTÉRIO FEMININO
Introdução
A atual abertura ao m inistério fem inino constitui um a recuperação dos serviços
que mulheres cristãs prestaram norm alm ente a Jesus e à Igreja Primitiva. As mesm as
discípulas que acom panharam Jesus a Jerusalém estiveram presentes na hora da sua
agonia e viram o Cristo ressurreto diante dos discípulos, foram com issionadas pelo
Senhor para lhes anunciar a ressurreição (M t 2 7 .5 5 , 56, 61; 2 8 .1 -1 0 ; Jo 19.25-27).
Desse m odo, sem o título específico, desem penharam não som ente o discipulado
com o tam bém o apostolado (At 1.22-25). Entretanto, a Igreja, estranhamente surda a
um Paulo que explicitamente repudia distinções e de sexo dos que estão em Cristo (G1
3.28) e caracteriza com o apostólico o ministério da sua co labo rad o rajú n ia (Rm 16.7),
tem fixado sua atenção em um a única palavra do apóstolo: “conservem-se as mulheres
caladas nas igrejas” (1 C o 14.34; cp. 1 Tm 2.11-12). J á em fins do segundo século,
porém , Irineu comentava que Paulo “fala expressamente de dons proféticos e reconhe­
ce hom ens e mulheres profetizando na Igreja” .117
Por razões diversas, a Igreja restringiu severamente até o fim da era prim itiva a
esfera da ação fem inina; no m osteiro, porém , a mulher sempre gozou de mais liberda­
de para desem penhar ministérios. O s principais reformadores pouco fizeram para

381
História Documentai do Protestantismo no Brasil

m odificar a situação, a despeito do exemplo dos Valdenses (século X II); m as os A m i­


gos (Q uacres), do século X V II, prestigiaram os m inistérios fem ininos. As igrejas pro­
testantes no Brasil herdaram, em geral, a atitude dos reform adores, particularm ente
quanto à pregação e ordenação para m inistério pastoral. Por outro lado, nos Estados
U nidos, entre 1956 e 1 9 7 6 ,118 quase todas as grandes denom inações abriram plena­
mente suas portas ao ministério feminino. O s m etodistas elegeram, em 1980, sua
prim eira bispa, a D ra. M arjorie M atthews. N o Brasil, tom aram a dianteira o Exército
da Salvação e a Igreja Q uadrangular —am bos não ligados a igrejas históricas.
Luteranos e m etodistas seguiram tardiamente o exemplo das denom inações funda­
doras no exterior. A Igreja Episcopal, as igrejas de orientação calvinista, e a m aioria
das igrejas pentecostais, ainda hesitam em dar à mulher acesso ao púlpito e ao altar. O s
docum entos a seguir procuram revelar, na m aioria das igrejas que adm item plenam en­
te o m inistério da mulher, a teoria e a prática desse ministério.

Ministério feminino no Exército da Salvação


W illiam B ooth (1829-1912) — pregador da U nião W esleyana R eform ada e, de­
pois, da N ova Conexão M etodista - juntam ente com sua esposa Catherine M um ford
Booth (1829-1890) fundaram o Exército da Salvação. E m fins de 1859, Catherine
escreveu seu prim eiro panfleto, um a defesa da pregação fem inina, em resposta a um
ataque a Phebe Palmer, evangelista norte-americana. N o ano seguinte, encorajada por
seu m arido, Catherine com eçou a pregar. Sua prim eira pregação, no prim eiro dom in­
go de junho de 1860, foi apoiada pelos oficiais da igreja local. Portanto, quando o
casal foi a Londres, onde teve início, na zona leste da cidade, a “m issão cristã” (1865),
núcleo do Exército da Salvação (1878), Catherine já erapregadora e evangelista expe­
riente; ela cooperou plenamente na obra social-evangelística que se espalhou pelo
m undo inteiro.
O m inistério feminino é elemento essencial do Exército da Salvação, já a partir da
fam ília dos fundadores. E m m a M oss Booth-Tucker (1860-1903) com andou o Exér­
cito da Salvação nos Estados U nidos de 1896 a 1903 juntam ente com seu m arido
(que acrescentou Booth ao seu próprio nome, por ocasião do casam ento!). A mais
fam osa das filhas, Evangeline C ory Booth (1865-1950) foi com andante no Canadá
(1895 -1 9 0 4 ), nos Estados U nidos (1904-1934) e, finalmente, general, ou chefe m un­
dial (1935 a 1939). Provavelmente não existe outra Igreja em que haja tanta abertura
para o m inistério feminino.
382
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

N o Brasil, não tem sido diferente. O casal fundador do Exército da Salvação eram
dois suíços, já experim entados na obra. Ele, D avid M iche (1867-1938), servira na
Suíça e na França antes do casam ento e ela, Stella Delisle (1873-?) tam bém servira na
França; jun tos, trabalharam na Bélgica, na Itália e, finalmente, na cidade de Berna,
Suíça. D esse m odo, quando o general Bramwell Booth os convidou para iniciar a obra
do Exército no Brasil, ele já contava 55 anos e ela 49.
Stella Delisle M iche, que chegou com o m arido ao Rio de Janeiro em 8 de m aio de
1922, foi assim a prim eira oficial —logo m inistra —do Exército da Salvação no Brasil.
D os contingentes que o Exército enviou ao Brasil, aproxim adam ente m etade eram
mulheres: em 1922, chegaram Zelm ira N ascim ento, oficial argentina, e a capita Reid,
inglesa. Q uatro dos cinco oficiais ingleses que chegaram em junho de 1925 eram
mulheres —tenentes Ethel H arland, Silvia Gray e Ann H oland, e a capita Zetta Leach.
As prim eiras obreiras recrutadas no Brasil foram as “Enviadas” .119 Provavelmente a
prim eira dessa categoria foi a jovem professora Huber, natural do R io de Janeiro, m as
de origem alemã. Falava alemão com o língua materna, bem com o português, francês
e inglês. O casal M iche teve contato com essa professora inteligente e de profunda
experiência religiosa, antes m esm o de deixar a Europa. A “enviada” H uber provou ser
extremamente útil no serviço de visitação aos am igos do Exército para receber suas
contribuições para a m anutenção da obra.
...o coronel e Mme. Miche procuravam os suíços e os franceses, o brigadeiro
Steven os ingleses e os americanos. Todavia a principal colaboradora, consagran­
do todo o seu tempo a esse trabalho, era Mlle. Huber, Enviada Huber, para dar-
lhe o seu título. Ela cumpria muito conscienciosamente o seu dever, reduzindo
suas despesas ao mínimo, preocupada não somente em receber donativos, mas
também em exercer uma influência espiritual sobre as pessoas, abastadas na sua
maior parte, dos quais ela solicitava apoio. Poliglota notável, ela traduzia tam­
bém para o “Brado”120 artigos, publicados em francês e em inglês, extraídos de
outros periódicos salvacionistas.121
U m outro casal de enviados, D em itri Heuer e sua esposa, alemães, fixaram-se em
Blum enau, Santa Catarina. Ex-oficial do Exército da Salvação, já idoso, escreveu para
o Cel. M iche, pedindo oficiais do Exército; mas ele já havia estabelecido na sua pró­
pria residência um posto (congregação) do Exército. O Cel. M iche requereu da Euro­
pa um oficial que falasse alemão; sem esperar que este chegasse, D avid e Stella M iche
foram até Blum enau, onde oficializaram a obra assim começada. M iche prom eteu
enviar um oficial, m as prom oveu o casal H euer ao grau de enviados, com a responsa­

383
História Documental do Protestantismo no Brasil

bilidade oficial da obra em Blum enau até que esse chegasse.122


N o Brasil, há quatorze oficiais solteiras e 35 casadas; há aproxim adam ente o m es­
m o número de oficiais do sexo m asculino. Oficial só casa com outro (a) oficial, e os
dois m em bros do casal devem ser igualmente com issionados (ordenados) e, portanto,
ministros do Exército da Salvação reconhecidos com o tais pelo governo brasileiro. N o
Colégio de Cadetes, fundado em 1962, geralmente estudam m ais m oças do que m o­
ços. Antes de 1962, brasileiros de am bos os sexos que se preparavam para o oficialato
no Exército da Salvação estudavam no estrangeiro, com o fez M aria Josefína Anderson
(does. 190 e 191). O s docum entos abaixo fundam entam e ilustram os m inistérios do
Exército da Salvação.123

Catherine Booth advoga a preparação fem inina


Em 1859, o Rev. Arthur Augustus Rees, m inistro independente (congregacional),
atacou com o antibíblica a pregação feminina. Catherine Booth ainda não pregava,
m as escreveu em resposta a Rees um tratado de 32 páginas que se tornou um a apolo­
gia clássica do direito da mulher ao púlpito. Segue um pequeno excerto do trabalho,
cujos argum entos convenceram W illiam Booth que, por sinal, diria anos mais tarde:
“M eus melhores hom ens são mulheres” .124

0~88) D O C U M EN TO : M inistério fem inino (excerto)


É apenas uma questão de tempo a Igreja permitir que as mulheres falem nas
assembléias: o bom senso, a opinião pública e os resultados abençoados do con­
curso feminino forçá-la-ão a interpretar honesta e imparcialmente o único texto
em que fundamenta suas proibições. Então, quando a verdadeira luz brilhar e as
obras de Deus substituírem as tradições dos homens, o doutor em teologia que
ensinar que Paulo manda que a mulher fique quieta quando o Espírito de Deus
a incita a falar será encarado como seria encarado um astrônomo que ensinasse
que o sol é satélite da terra.
(...)
Quanto à obrigação da mulher trabalhar por seu Mestre, presumo que não
haverá controvérsia. A esfera particular em que cada um fará isso deve ser deter­
minada pelo ensino do Espírito Santo e os dons com que Deus a dotou. Se ela
possui os dons necessários, e se sente chamada pelo Espírito para pregar, não
existe uma palavra sequer em todo o livro de Deus para restringi-la, mas muitas
para incentivá-la e encorajá-la. Deus manda que ela o faça. Paulo prescreve o
modo de fazê-lo, e Febe, as quatro filhas de Filipe, e muitas outras mulheres,
realmente pregaram e falaram na Igreja Primitiva. Se não fosse assim, teria havi-

384
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

do menos liberdade sob a nova dispensação que sob a velha, maior escassez de
dons e recursos sob o Espírito que sob a lei, poucos trabalhadores, havendo mais
trabalho a ser feito.
Quem ousará disputar o fato de que Deus, na velha dispensação, dotou suas
servas com os dons e vocação de profetas, o que corresponde à nossa idéia hodierna
de pregadoras? Estranho seria se, sob a plenitude da dispensação do Evangelho,
nada houvesse análogo a isso, mas “regras positivas e explícitas” para prevenir
qualquer aproximação. No Novo Testamento lemos que Ana “era viúva de 84
anos. Esta não deixava o templo, mas adorava noite e dia em jejuns e oração. E,
chegando naquela hora, dava graças a Deus, e falava a respeito do menino a
todos os que esperavam a redenção de Jerusalém” (Lc 2.37, 38). Pode alguém
explicar em quê esse exercício de Ana diferia daquele de Simão, registrado imedi­
atamente antes? Aconteceu no mesmo lugar público, o templo. Ocorreu durante
o mesmo culto. Era igualmente público...
Depois da Ressurreição, elas (as duas Marias) “correram a anunciá-lo aos dis­
cípulos. E eis que Jesus veio ao encontro delas e disse: Salve! E elas, aproximan-
do-se, abraçaram-lhe os pés, e o adoraram. Então Jesus lhes disse: “Não temais.
Ide avisar a meus irmãos que se dirijam à Galiléia, e lá me verão” (Mt 28.8-10).
Há dois ou três pontos desta linda narrativa para os quais desejamos chamar a
atenção dos nossos leitores.
[1] Foi o primeiro anúncio das gloriosas novas a um mundo perdido e a um
grupo de discípulos que abandonavam [seu senhor], [2] Era tão público como
necessário no caso e pretendia ser anunciado até aos confins da terra. [3] Maria
foi explicitamente comissionada para revelar o fato aos apóstolos, e assim ela se
tornou literalmente sua mestra naquela ocasião memorável. Como pôde nosso
Senhor escolher uma mulher para tal honra? Talvez uma razão seja que todos os
discípulos do sexo masculino estavam ausentes naquela hora. Todos o abando­
naram e fugiram. Mas a mulher esteve presente, como sempre havia estado,
pronta para ministrar ao seu Senhor ressurreto, como ao seu Senhor moribundo.
(...)
Somos informados explicitamente em Atos dos Apóstolos [1.14; 2.1-4] que
as mulheres estavam com os discípulos no dia de Pentecoste, que as línguas [como
de fogo] pousaram em todos e todos ficaram cheios do Espírito Santo, e que
falaram segundo o Espírito lhes concedia que falassem. O Espírito foi dado igual­
mente a discípulos e discípulas, e isso é mencionado por Pedro [At 2.16-18]
como uma peculiaridade da nova dispensação. Que notável trapaça do Diabo ele
ter logrado por tanto tempo manter escondida esta característica da glória dos
últimos tempos! Ele sabe, quer a Igreja saiba ou não, quão eminentemente dano­
sos aos interesses do seu reino têm sido os labores religiosos da mulher, e en-

385
História Documental do Protestantismo no Brasil

quanto sua semente tem ferido mortalmente sua cabeça, ele não cessa de ferir seu
calcanhar; mas o tempo da salvação está próximo...125

(J 8 9 ) D O C U M EN TO : O princípio de igualdade dos sexos


1. No Exército da Salvação as mulheres são tão qualificadas quanto os ho­
mens para anunciar o Evangelho. U ’a mulher pode preencher qualquer função,
desde a de oficial até a de general.
2. Esse princípio de igualdade dos sexos se justifica não somente por alguns
textos bíblicos, mas tem sido confirmado através da história do Exército da Sal­
vação pela influência notável deixada pelas mulheres.126

A obra d a ca p itã M a ria Jo se fin a A nderson, o fic ia l b rasileira


M aria Josefina Anderson (1915-1946), nascida no R io de Janeiro, e treinada no
W illiam B ooth M em orial Training College, Londres, desem penhou um ministério
intensivo, com o redatora do Brado de Guerra-, oficial dirigente do corpo (igreja local)
creche de Santos, e no “Lar das M oças” em São Paulo.127 N os dois breves parágrafos
abaixo, encontram os a jovem capitã salvacionista em sua obra.

ÇÍ90) D O C U M EN TO : Uma reportagem do Brado de Guerra


—E a capitã? perguntou uma vez [sic; voz] ao telefone —eu desejava falar-lhe.
Estou desesperada.
Eram quase dez horas da noite, mas a oficial que recebera aquele recado resol­
veu ir ver a pessoa que a chamara.
Dirigindo-se ao endereço que lhe fora dado, a salvacionista foi ter a um con­
fortável apartamento, bem mobiliado, num dos melhores bairros da cidade.
A pessoa que a chamara era uma mulher de negócios. Estava doente, triste, e
tinha um futuro negro em perspectiva. Necessitava de conforto espiritual e mo­
ral.
Sem fazer interrogatório algum sobre a vida passada da mulher, a capitã abriu
a Bíblia e leu alguns versículos cheios de conforto para aquela alma aflita.
Depois de uma longa conversa, a capitã deixou o apartamento, certa de que a
oração e a leitura da Palavra de Deus tinham modificado por completo a visão
daquela mulher, e enchido de consolo uma alma aflita.128

Í7T) D O C U M EN TO : Crônica sobre M aria Josefina Anderson


E um dia as mulheres portuguesas param de bater a roupa nas pedras junto às
bicas, outras vão correndo cochichar às vizinhas que preparam o almoço dos

386
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

maridos e, até aquelas que dão banho nos filhos irrequietos, deixam-nos
ensaboados e nus a berrar dentro da tina de água fria e vão ver a grande novida­
de. Lá no pequeno salão salvacionista, a água sai imunda pela porta. Espumas de
sabão navegam céleres naquele rio escuro que ganha velocidade açoitado por
vassouradas enérgicas. A capitã, de tamancos aos pés e toalha amarrada como
turbante na cabeça, (assim usavam também as imigrantes portuguesas), o rosto
molhado de suor, com duas manchas rubras na pele muito clara, fazia uma faxi­
na em regra no modesto quartel.
As mulheres riam zombeteiras. Depois gargalharam satisfeitas e foram ajudar
Maria Josefma, dando-lhe, além da cooperação muscular, um dilúvio de conse­
lhos maternais, que a capitã recebeu como se fosse, de fato, a última palavra de
limpeza e higiene doméstica. E, quando chegou a hora dela regressar à creche,
muitas mulheres insistiram com Maria Josefma para que ficasse com elas. De
uma para outra, aquelas imigrantes simples e boas comentavam exultantes:
—Ela é portuguesa, ela é uma das nossas.
No dia seguinte, o quartel encheu-se de candidatas e recrutas... porque, afinal
de contas, a capitã era uma das nossas.129

Ministério feminino na Igreja do Evangelho Quadrangular


Fundada por um a evangelista, Aim ee Sem ple M cPherson, a Igreja do Evangelho
Q uadrangular tem sempre prestigiado as mulheres no m inistério da pregação. M ary
Elizabeth W illiam s já era m inistra da Igreja do Evangelho Q uadrangular quando se
casou com H arold Edw in W illiam s; só depois do casamento é que ele ingressou no
sem in ário,130 o próprio sem inário da denom inação no Brasil. O Instituto Bíblico
Q uadrangular, vem sendo dirigido desde seu segundo ano por um a mulher, D orothy
M arguerite Hawley.131 Além das m issionárias, a Igreja logo aproveitou obreiras brasi­
leiras, pois já em 1958 seis m inistras foram ordenadas.132 N os últim os nove anos, 121
pessoas do sexo m asculino e 117 do sexo fem inino form aram -se no Instituto Bíblico e
hoje a Igreja conta com 4 6 ministras, quase 11% da totalidade do seu m inistério
ordenado.133 Para um exemplo marcante, pode ser citado o m inistério da pastora O dá
de Castro Pessanha. O pai de O dá, Rev. M ariano de Castro, fundou a Igreja de Á gua
Verde, a terceira da denom inação em Curitiba. O d á se tornou co-pastora da Igreja e,
m ais tarde, pastora titular. O d á construiu um novo tem plo (1965-1966), que se tor­
nou pequeno para os “650 m em bros fichados, e perto de uns oitocentos não ficha­
dos” . Por isso, em setembro de 1979, teve início a construção de um novo tem plo que

387
História Documenta] do Protestantismo no Brasil

deverá acom odar mil e trezentas pessoas.134 Conclui-se que a Igreja do Evangelho
Q uadrangular é um a das m ais abertas ao m inistério pastoral fem inino no país.

( j9 2) D O C U M EN TO : Asprim eiras ordenações de m inistras da Igreja Quadrangular


O presidente da convenção, Rev. Syr Martins, tomou a palavra... Foram as
seguintes... as ministras ordenadas: Sra. Ana Ruch, Sra. Genny Miscolty, Srta.
Tabita Bueno, Sra. Maria de Oliveira Suhett, Srta. Eunice V. Barros, Sra. Cacilda
de Oliveira... Eu, secretário, lavrei a presente ata que vai por mim assinada e pelo
Sr. presidente em 12 de janeiro de 1958.
Carlos A. Borsoi Syr M artinsni

D O C U M EN TO : Certificado de ordenação da m inistra Genny Miscolty


CRUZADA NACIONAL D E EVANGELIZAÇÃO
Certificado de Ordenação de Ministro da Igreja do Evangelho Quadrangular
Certifico que a Sra. Genny Miscolty foi ordenada como ministra do Evange­
lho e autorizada a pregar a Palavra de Deus, administrar os sacramentos e exercer
todas as funções atinentes ao cargo, enquanto a sua vida e conduta estiverem de
acordo com o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Concedido na data da ordenação solene, em S. Paulo aos doze dias do mês de
janeiro do ano de um mil e novecentos e cinqüenta e oito.
Rev. Geraldino dos Santos
Secr. Executivo
Rev. Harold Edwin Williams
Presidente136

(T 9 4 ) D O C U M EN TO : Em Curitiba ministério vitorioso dapastora Odd


...ao visitar a escola dominical, (...) observamos uma perfeita organização num
ambiente de muito entusiasmo e de fraternidade. O Templo, entretanto, já se
tornou pequeno para atender 0 grande número de freqüentadores dessa tão im­
portante escola dominical. Quando a campainha soou, de todos os cantos saí­
ram estudiosos da Palavra de Deus e a igreja foi completamente lotada por crian­
ças, jovens e adultos...
Quem. é a pastora Odá?
Com a chegada da Cruzada Nacional de Evangelização à Curitiba, toda a
família da pastora Odá de Castro Pessanha se levantou para integrar-se com
muito entusiasmo e muita fé a essa missão. Nela se destacaram os saudosos
Mariano e Lauro de Castro, os quais se entregaram completamente à causa do
Evangelho de Cristo. O seu exemplo foi seguido pelo irmão Raul e também por
Odá. Desta forma, todos se empenharam com muito espírito de luta para que a

388
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

nossa Cruzada saísse vitoriosa em todas as campanhas de evangelização. A pasto-


ra Odá soube vencer com muita fé e coragem todos os obstáculos que surgiram
no seu caminho, para se tomar finalmente uma grande líder por vocação, fazen­
do jus aos méritos que são tributados à sua pessoa por todos aqueles que conhe­
cem sua obra de perto.
Professora no Instituto Bíblico Quadrangular
Na época em que a Cruzada registrava as suas primeiras grandes vitórias em
Curitiba e no interior do Estado, a atuação da pastora Odá ocupava lugar de
destaque, também como professora do Instituto Bíblico. Ela foi a responsável
pela formação de muitos obreiros, hoje espalhados por todas as partes.
Programa com 2 milhões de ouvintes
O programa radiofônico da pastora Odá através da Rádio Morumbi, já se
tornou tradicional e conta com cerca de 2 milhões de ouvintes, no município de
Curitiba e cidades vizinhas. A sua palavra inconfundível é levada ao ar diaria­
mente.
Uma igreja sempre lotada
A movimentação na igreja é impressionante. Basta dizer que todos os dias
passam pela igreja cerca de quinhentas pessoas. Em todas as concentrações reali­
zadas se destaca um ambiente de muita fé e, Deus, o que permite aos fiéis a
obtenção de bênçãos e curas divinas. Pessoas de todas as classes sociais, proveni­
entes de diversos pontos da cidade de Curitiba e localidades vizinhas, vêm en­
contrando na pastora Odá de Castro uma assistência espiritual das mais louvá­
veis.
Para atender o elevado número de pessoas que procura diariamente a Igreja
de Água Verde, a pastora Odá de Castro conta com o rev. Antônio Luiz de Freitas
e com auxiliares capacitados e disponíveis para ministrar igrejas. São eles: Altair
Cardoso dos Santos, lrani de Souza, Beatriz Witrowski, Adoracy Castro (espo­
sa137 do pastor Lauro de Castro) e Bernadete Gonçalves da Silva.
A construção da catedral da fé .,3S
O novo templo —a catedral da fé - terá capacidade para 2 mil pessoas, pri­
mando por suas linhas arquitetônicas. Esse imponente templo [está] no local da
antiga igreja, onde os trabalhos já estão sendo desenvolvidos.
Interessante é lembrar que, quando tudo parecia estar concluído, Deus des­
pertava sua laboriosa e devotada serva para mais um grande desafio; construir
um templo diferente, bonito e mais espaçoso, pois muitas almas haveriam de se
abrigar debaixo dele.
Quando Deus impelia a pastora Odá de Castro a construir esse grande tem­
plo, tudo parecia muito difícil e impossível. O custo da obra seria elevadíssimo e
portanto impossível arrecadar tanto dinheiro. Era necessário também possuir

389
História Documentai do Protestantismo no Brasil

um terreno nas imediações, o que se tomaria difícil por ser zona residencial.
Merece lembrar que quando Deus prepara um plano e impele alguém a fazer
algo mais, todas as lutas são recompensada[s] e tudo dá certo. Assim ocorreu
com a pastora Odá. Ela passou a acreditar que seria possível a construção desse
novo templo. O terreno, afinal, está ali mesmo debaixo da antiga sede da igreja.
Tratava-se apenas de planejar com calma todos os detalhes, principalmente os da
estrutura, visando ao máximo o aproveitamento de espaço. A pastora Odá con­
cluiu que tudo seria possível com a ajuda de Deus e que o novo templo tomar-se-
ia uma realidade.
Com a morte do seu pai, Rev. Mariano, bem como dos seus dois irmãos,
Lauro e Raul, a pastora Odá sofreu um abalo tremendo. Caiu num profundo
desânimo. Parecia ter chegado o fim do seu ministério e que não teria condições
de realizar a nova construção da igreja. Deus, entretanto, não permitiu que ela
fosse derrotada. Tudo voltou à normalidade, fazendo que a pastora Odá prosse­
guisse a sua importante missão...139

Ministérios femininos em outras igrejas p en tecostais


É im pressão com um , dado o uso obrigatório do véu no culto, a proibição da “vai­
dade” e a separação de hom ens e mulheres no tem plo, que o m inistério é negado às
mulheres pentecostais. O que parece ao autor mais correto é que reina um a situação
paradoxal nestas igrejas. H á, de fato, severas restrições im postas pelas igrejas (nem
sempre com pleno sucesso); mas o ministério pentecostal é essencialmente carismático.
O Espírito Santo “sopra onde quer”, não se lim itando ao sexo m asculino na distribui­
ção dos seus dons. Desse m odo, um a vez que mulheres recebem os dons espirituais,
elas desem penham o m inistério sem o benefício da ordenação. Beatriz M uniz de Sou­
za cham ou atenção para esse fato ao declarar;
A mulher, entretanto, não se limita a seguir as prescrições de conduta que lhe
são impostas, mas assume algumas posições destacadas na hierarquia de status,
que lhe proporcionam reconhecimento e lhe trazem prestígio junto aos demais
fiéis. Assim, (...) percebe-se, com freqüência, no setor destinado às mulheres,
certa concentração em torno de algumas que exercem o papel de liderança, espe­
cialmente as que se manifestam em “línguas”...
As que possuem o “dom de cura”, extremamente valorizado na “seita”, são
procuradas em suas residências e na própria igreja, no início ou após o término
do culto, por inúmeras pessoas que lhes pedem orações especiais. Essa constitui,
sem dúvida, a posição feminina de maior destaque, segundo o julgamento dos
fiéis. O ritual de cura - incluindo a prece com imposição de mãos e unção com

390
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

óleo —deixa de ser privativo dos pastores, participando as mulheres, desse modo,
de importante dimensão do “sagrado”.140
O docum ento abaixo é o depoim ento de um a mulher pentecostal, tecnicamente
leiga, m as que, possuindo m últiplos dons, efetivamente exerce m últiplos ministérios.

< 3 ) DOCUMENTO: Uma mulher pentecostal depõe sobre seus múltiplos “dons”
Os dons nascem com a pessoa; a pessoa é o aparelho. Desde criança tenho
revelações. Tenho os dons de cura, revelação, evangelização e línguas. Uma vez vi
um irmão em um caixão e três dias depois ele morreu. Tenho ganho muitas
almas —é o dom de evangelizar, dom da palavra. Prego na feira. Uma vez, pre­
guei para um preto mendigo e disse para ele orar que Deus indicaria a maneira
dele deixar de pedir e daria iniciativa para ele arranjar trabalho e que ele seria
curado. Umas semanas depois, o preto estava curado e com uma banca de bombril
na feira. O dom de cura é maravilhoso porque, com o poder de Jesus Cristo,
sabemos que vai curar. Orei por um surdo e ele está curado. Orei por uma
fazendeira com câncer, curou e toda a família está na igreja. Orei por uma mu­
lher que estava grávida e a criança morreu no ventre; ela precisava operar para
tirar a criancinha morta, mas não tinha dinheiro. Orei e depois a criança come­
çou a se mexer no ventre dela e um mês depois a criança nasceu viva. O dom de
revelação pode ser dormindo ou acordado; por ele se vê um perigo que vai passar.
O dom de evidência (vidência, provavelmente confundido com “discernimento
de espíritos”)141 vê uma pessoa com espírito do demônio, com demônio, com
doença. Não existe um dom mais importante que outro.142

Ministério feminino entre o s m etodistas


N a C onstituinte da Igreja M etodista do Brasil (1930), foi proposta, sem sucesso, a
adm issão de mulheres à ordem do presbiterato. Só em 1954, é que se criou a O rdem
das D iaconisas, que se extinguiu no Concilio Geral de 1970-1971, oportunidade em
que tam bém foram elim inadas as distinções de sexo no m inistério ordenado da Igreja.
Seguem as decisões canônicas e um a reportagem sobre a prim eira presbítera da Igreja
M etodista.

(j~9&) DOCUMENTO: Legislação canônica sobre a Ordem das Diaconisas


Art. 76 - A Ordem das Diaconisas, criada pelo Concilio Geral de 1946, é o
corpo de obreiras leigas vocacionadas para o trabalho cristão, e, mediante voto,
consagradas pela imposição das mãos de um bispo, para a obra educativa, social
e evangelizante da Igreja.143

391
História Documental do Protestantismo no Brasil

(T97) D O CU M EN TO : Artigo 157


Art. 157 —As Ordens na Igreja Metodista são duas: presbiterial e diaconal,
constituídas respectivamente de presbíteros e diáconos, sem distinção de sexo.
§ Único - Na ordem presbiterial, a Igreja acolhe homens e mulheres que
reconhece vocacionados para a plenitude do ministério ordenado e na diaconal
acolhe homens e mulheres que, por voto, prometem servir à Igreja de acordo
com sua capacidade e dons.144

(T?S) D O C U M EN TO : Zeni, a jovem senhora presbítera


Num plenário com 72 eleitores, 66 votaram “sim” para o ingresso da jovem
senhora Zeni Lima Soares à Ordem Presbiterial da Igreja Metodista no Brasil.
Isto aconteceu em Guaratinguetá, SP, no Concilio da 3a Região Eclesiástica.
(...)
Sendo a “primeira mulher presbítera”, Zeni previa que muita coisa precisaria
ser reformulada, inclusive a legislação, que abriu as portas, não deixou a casa
preparada para os “hóspedes”. Com uma pastora legalmente credenciada, virão
os acertos. Era necessário que alguém começasse, diz ela, esse alguém fui eu. E
pretendo levar a sério minha decisão.
(...)
Acho —opina Zeni —que uma vez que a oportunidade foi dada ao ministério
feminino, a mulher deve corresponder a ele dizendo “presente”. Sei —continua -
que nos próximos anos muitas colegas que estudaram no extinto Instituto
Metodista serão ordenadas presbíteras. A maioria desempenha função pastoral,
como diaconisas, em regiões mais abertas à participação da mulher.
Recorda Zeni que - até 1967, o Instituto Metodista tinha como finalidade
preparar moças para o trabalho nas igrejas. Do currículo do curso constava, além
da matéria básica - educação cristã —uma série de cursos práticos, que colocava
a moça ao par dos problemas existentes na Igreja.
O curso não existe mais. As moças que queiram se preparar para servir na
Igreja estão sendo dirigidas ao Instituto Metodista de Ensino Superior —o IMS —
em Rudge Ramos, SP. Segundo observa Zeni “isto diminuiu um pouco o núme­
ro de moças interessadas. No Instituto Metodista - o de Santo Amaro - a instru­
ção mínima exigida era o ginásio completo. Na Faculdade é o colegial. Isto tam­
bém dificulta os planos de muita gente.
O sonho realizado
Desde a minha adolescência - conclui Zeni - sonhava ser, um dia, missionária.
Terminei o ginásio. Comecei contabilidade. Parei de estudar por dois anos. Um
dia, veio a oportunidade para estudar no Instituto Metodista, ao lado de 36
moças de outras regiões do Brasil, reunidas em São Paulo. Terminado o curso,

392
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

fui trabalhar em Ourinhos, no “Lar das Meninas” na função de Provedora. Isto


foi em 1966. Em 1967, casei-me145 e voltei para São Paulo. Em 1969, comecei
a trabalhar como Diretora Geral das Crianças [da IMB], Resolvi ingressar na
então Ordem Leiga e receber nomeações episcopais. Em 1971, fui consagrada
Diaconisa da Igreja Metodista pela 3a Região Eclesiástica.
As portas estavam abertas ao ministério feminino, pois no Concilio Geral de
1970, a lei permitiu às mulheres serem até presbíteras da Igreja.
Completei o período chamado “probatório”. Fui ordenada presbítera, com o
objetivo de servir à Igreja com todas as suas exigências cumpridas e também para
aproveitar a oportunidade que se ofereceu ao ministério feminino.146

Ministério feminino entre o s luteranos


O pastor luterano T heodor Fliedner (1800-1864) estabeleceu, em 1836, na pe­
quena cidade de Kaiserwerth, predom inantem ente católica, o Instituto de D iaconisas,
centro de onde esta im portante dim ensão do serviço se irradiou para o resto da Ale­
m anha e para m uitas partes da Europa continental, bem com o para a Inglaterra e as
Américas, tendo m uitas igrejas adotado o serviço das diaconisas. As diaconisas de
Kaiserwerth eram preparadas para trabalho nos hospitais, nas obras sociais e nas paró­
quias, com o auxiliares do pastor. C edo, essas obreiras chegaram ao Brasil, e têm de­
sem penhado significativo ministério. O A nuário Evangélico de 1982 registra 79 “ir­
m ãs” no serviço ativo, além de 25 “assistentes com unitárias” ativas.147 Atualmente,
m oças luteranas vocacionadas para esse serviço preparam -se na C a sa M atriz de
D iaconisas, estudando por três anos no Sem inário Bíblico.
O pastorado, para mulheres luteranas, só foi aceito m uito m ais tarde, depois de
anos de estudo e reflexão teológica. O s fundam entos bíblico-teológicos estabelecidos
nos debates teológicos na Alem anha alcançaram aceitação tam bém na IE C L B . Atual­
mente cinco pastoras exercem o ministério pastoral, duas delas ao lado de m aridos
tam bém pastores.148 M uitas outras, ao se casarem com pastores, deixaram oficialm en­
te o pastorado mas, na realidade, trabalham ao lado do m arido no m inistério. Os
docum entos abaixo constituem a fundam entação legal dos m inistérios fem ininos na
IE C L B e ilustram algum as das suas dimensões.

D O C U M EN TO : A obra de uma irm ã


Certo dia estudei 2 Co 5.17 com o grupo de mães solteiras do Centro Cristão
Feminino: “Se alguém está em Cristo é nova criatura, as coisas antigas já passa-

393
História Documental do Protestantismo no Brasil

ram, e eis que se fizeram novas” . Após o estudo, uma mãe veio ao meu escritório
e sem qualquer explicação deu-me um abraço com tanta convicção e alegria que
fiquei sem palavras. Ao perguntar sobre o motivo de tudo isto, ela disse:
- Irmã, eu não sabia que isto é possível. Jesus esquece o meu passado e com
ele eu posso ter um novo começo. Ele me perdoa.
Neste momento lembrei-me das palavras de Jesus: Por isto te digo: perdoados
lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem
pouco se perdoa, pouco ama (Lc 7.47).149

(jjçio) D O C U M EN TO : Artigo 51 do Regulamento do M inistério Pastoral da Igreja


Evangélica de Conjlssão Luterana no B rasil
As disposições do presente regulamento aplicam-se aos pastores, às pastoras,
aos obreiros em funções pastorais e a todos aqueles que assumirem funções pas­
torais, mesmo em caráter provisório, na IECLB.150

(2ÕT) D O C U M EN TO : Certificado de apresentação


A pastora Rita Marta Panke, depois de ter sido chamada, de acordo com as
normas da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, pela Paróquia de
Candelária, foi apresentada neste ano litúrgico à comunidade reunida, o que se
atesta pelo presente documento, no cargo de pastor de Candelária.
Na incumbência de difundir o Evangelho de Jesus Cristo no meio social são
válidas para o trabalho de Pastor, Paróquia e Comunidade as Sagradas Escrituras
do Antigo e Novo Testamento, a Confissão de Augsburgo, o Catecismo Menor
de Martin Lutero, o Guia da Vida: Nossa Fé - Nossa Vida, os Estatutos, Regi­
mentos e Determinações da IECLB e da Paróquia de Candelária.
A pastora Rita Marta Panke se compromete a proclamar e viver o Evangelho,
ministrar os Sacramentos e empenhar-se pela Salvação e pelo Bem-Estar do ho­
mem na referida Paróquia, dando especial atenção à orientação da Juventude.
A Paróquia de Candelária aceita a sua Pastora de boa vontade e sente-se co-
responsável pela edificação externa e interna da comunidade cristã em seu ambi­
ente.
A Paróquia Evangélica de Candelária providencia para esse trabalho subsis­
tência, moradia e recursos necessários para o desempenho de suas funções. Ela
assume o compromisso com a Caixa de Aposentadoria dos Pastores, as contri­
buições para a IECLB e as Coletas Dominicais fixadas pelo Conselho Diretor da
Igreja.
Na hora da apresentação no cargo a comunidade presente roga a Deus, queira

394
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

ele abençoar o trabalho conjunto da Pastora, Paróquia e Comunidade para que,


por seu intermédio, seja edificado o Reino de Deus nessa terra.
Candelária, no dia da investidura, I o de agosto de 1976.151

A IPI d o B rasil d e b a te a o r d e n a ç ã o d e p r e s b íte r a s


H á igrejas no país que não adm item mulheres ao diaconato (oficial da igreja local),
outras que não as adm item ao presbiterato (oficial da igreja local) e outras que, em bo­
ra dêem plenos direitos aos leigos, relutam em adm itir mulheres ao m inistério pleno,
de púlpito e altar.152 O s docum entos a seguir constituem as recentes decisões oficiais
da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, que atualmente debate a questão.
Para m elhor compreensão da decisão (doc. 203), deve ser lem brado que as igrejas
presbiterianas adm item apenas um a ordem espiritual, o presbiterato. Fazem parte des­
sa ordem, na igreja local, o pastor, que prega e m inistra os sacramentos, e os presbíteros,
que participam dos cuidados espirituais da congregação. O pastor é presbítero docen­
te, os outros, presbíteros regentes. A IPI do Brasil adm ite mulheres ao diaconato desde
1934, porém o diaconato desem penha funções consideradas não-espirituais. O ponto
de debate na IPI do Brasil é a adm issão da mulher ao presbiterato da igreja local, não
ao pastorado. A questão foi ventilada no Suprem o C oncilio de 1978, obtendo o apoio
de um bom número de líderes do ministério, m as não logrou a aprovação do Suprem o
C oncilio de 1981.

( 202)' D O C U M EN TO : Decisão do Supremo Concilio de 1978


Com respeito à ordenação de presbíteras, somos do parecer que a matéria seja
estudada pela comissão de estudos especiais e remetida à próxima reunião ordi­
nária do Supremo Concilio.153

(jÕ~T) D O C U M EN TO : Decisão do Supremo Concilio de 1981


Resoluções do S.C.
11) Do Presbitério do Rio de Janeiro, quanto à eleição de presbíteras, tomou-
se a seguinte resolução: “a matéria versada no documento é extemporânea por
ter ainda subido ao S C ” .154

395
Notas da PARTE I
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889

1Freqèntemente chamado Herbert de Cherbury.


2 O Uuminismo foi fator im portante 110 processo de libertação da Am érica do Sul. T a m b ém a influ­
ência do deísmo inglês e do naturalismo francês foram marcantes na Alemanha.
3 Sistema desenvolvido por Joseph Lancaster (1778-1838), membro da sociedade de amigos (Quakers),
tam bém cham ado de sistema de ensino m útuo, baseado em monitores, geralmente com pouca instru­
ção. O sistem a foi empregado na Inglaterra, na Am érica do Norte, e em diversas partes da Am érica do
Sul. N o Brasil, “O decreto de I o de março de 1823 criou, no Rio, um a escola, segundo o método
lancasteriano ou de ensino mútuo”. Francisco Larroyo, História Geral da Pedagogia, SP, Mestre Jou, 2 a
ed., 2 vols., 1974, II, 897. Cp. Afrânio Peixoto Noções de História da Educação, SP, Com panhia Editora
Nacional, 1933, p. 220. Peixoto também historia o projeto de Januário da Cunha Barbosa et. al., de 16/
6 /1 8 2 6 , e a lei de 15 de outubro de 1827, a qual prescrevia a criação de escolas prim árias por todo o
Brasil, segundo o m étodo de Lancaster (ibid., pp. 223-225).
iA Igreja N u m a Era de Revolução, de 1 7 8 9 aos Nossos Dias, vol. V da “ História da Igreja Pelicano”,
Lisboa, Ulissêia, s/d, p. 53.
5 O papa Pio X reestabeleceu a hierarquia romana na Inglaterra em 1850; cf. adiante.
6 Halle havia passado pelo estágio pietista sob Francke, e o racionalista, de Wolff, ao estágio evangé­
lico, um a síntese dos dois anteriores.
7 N om e derivado de “People’s Charter” (A C arta do Povo), plataforma do movimento cujos principais
lideres foram W illiam Lovett e Francis Place.
8 O assunto é discutido adiante, na seção que trata da Alemanha.
9 O s três principais ramos metodistas eram a Igreja Wesleyana, os metodistas primitivos e os metodistas
unidos. Em 1932, quase todos os metodistas ingleses, menos os m etodistas primitivos, se uniram para
formar A Igreja M etodista ( The M ethodist Church).
10 A situação dos não-conformistas na Inglaterra era paralela à dos acatólicos brasileiros no período:
não podiam realizar casamentos nas suas capelas, nem ter seus próprios cemitérios ou estudar nas únicas
universidades do pais (O xford e Cam bridge). Estas restrições foram sendo corrigidas paulatinamente,
principalmente durante a segunda metade do século.
" A. Galli e D . Grandi, História da Igreja, 3 a ed., SP, Edições Paulinas, 345-346.
12 Vidler, op. cit., pp. 46-56, 171-180, passim.
13 C om o o próprio Lutero, por exemplo, foi protegido por Frederico o Sábio, Eleitor Saxônia.
14 Professor Kurtz, Church History, 3 vols., NY, 1889, III, 179. Kurtz escreveu em 1889: “ O s sepa­
ratistas alegam ter 50 mil membros, com cinqüenta pastores e sete superintendentes” .
15 Kurtz, op. cit., III, 180.
16 I b id , III, 181.
17 Ibid., III, 182.
18 Ibid., III, 182-183.
19 Desde 1955, o seminário de Leipzig treina missionários tam bém para o Brasil.

397
História Documental do Protestantismo no Brasil

20 Willisron Walker, A History o ftb e Cbristian Church, rev. ed., NY, Charles Scribners’ Sons, 1959,
p. 488.
21 E o titulo inglês do fam oso livro de Albert Schweitzer ( The Quest o ftb e Historical Jesus), que
historia essa busca.
22 Walker, op. cit., 493.
23 Segue-se substancialmente o que o autor publicou sob o título “A Igreja americana na época
missionária”, M etodism o Brasileiro e Wesleyano, SP, Imprensa M etodista, 1981, pp. 201-229. O ensaio
não se restringe à última metade do século, mas enfatiza esta parte.
14A presente análise do denominacionalismo segue o argumento de Russell E. Richey, “T h e social
sources o f denominationalism M ethodism” , M etbodist History, XV, n ° 3 (abril, 1977), pp. 167-185. O
livro de Baird, Religion in America, é citado por Richey, ibid., 169.
25 The Lively Experiment, N ova York, Harper & Row, 1965, p. 104.
26 D a M etbodist Discipline, primeira ed., 1785, p. 4, apud. Wade Craw ford Barclay, To Reform the
N ation, vol. II da “History o f m ethodist missions”, obra projetada em seis volumes, N ova York, The
Board o f M issions o f the M ethodist Church, 1950, p. 2.
27“D enominationalism as a basis for ecumenicity: A seventeenth century conception", Churcb History,
X X IV (março, 1956), p. 32.
28 Richey, op. cit., p. 173.
29 Ibid.
30 Ibid., pp. 175-176.
31 O termo, que parece triunfalismo metodista, é largamente empregado por não-metodistas, como,
por exemplo, W inthrop Hudson, “T h e methodist age in America” , M etbodist History, X II, n ° 3 (abril,
1974), pp. 3-15.
32 O território dos Estados Unidos, no fim da Revolução (1783), com preendia aproximadam ente
2 .2 2 3 .0 0 0 quilômetros quadrados; em 1803, com a com pra de Luisiana, passou a 4 .3 6 7 .0 0 0 quilôm e­
tros quadrados; em 1853, tinha 7.7 1 0 .0 0 0 . Historiadores seculares com o Frederick Jackson Turner
vêem na fronteira a chave para a compreensão da história da nação e o desenvolvimento das suas institui­
ções; historiadores eclesiásticos, como W illiam Warren Sweet, têm aplicado a teoria de Turner à com pre­
ensão da história religiosa do país.
33 A cisão “Escola Velha-Escola Nova” de 1837 foi motivada parcialmente pela questão da escravi­
dão.
34 Alan K. Manchester, Preeminência Inglesa no Brasil, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1973, pp. 17-24.
35 Manchester, op. cit., apud. John A. S m ith, M emoirs o ftb e M arquis o f Pombal, 1 ,8 5 , 112- 116, cita
um revelador comentário do próprio Pombal de que, por volta de 1755, “A m onarquia portuguesa
estava no fim. O s ingleses submeteram firmemente a nação a um estado de dependência... A Inglaterra
tinha se apoderado inteiramente do comércio de Portugal, e todo o comércio do país era feito por seus
agentes. O s ingleses eram, ao mesmo tempo, os fornecedores e os varejistas de tudo o necessário para a
vida do país. Possuindo o m onopólio de tudo, os negócios só se realizavam pelas suas m ãos... O s ingleses
chegaram a Lisboa para m onopolizar até o comércio do Brasil. Toda a carga dos navios que para lá era
enviada - e conseqüentemente as riquezas em troca - lhes pertencia” .
36 Manchester, op. cit., 48-72.
37 O s historiadores variam nos cálculos do número, entre 8 mil e 15 mil.

398
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889 - NOTAS

38 Manchester, op. cit., p. 90. Gilberto Freire, Ingleses no Brasil, SP, Livraria José O lym pio Editora,
1948, menciona a presença de capelães a bordo dos “tumbeiros” palavra derivada de “tum ba” , ou seja, os
navios que transportavam escravos. C ita Luís Viana Filho , O Negro na Bahia, Rio de Janeiro, 1946, p.
36: “ Queixavam-se [os traficantes] de não suportar o negócio da despesa feita com o representante da
Igreja que, em 1799, ganhava 450$ por viagem. Era, porém e sobretudo, um incôm odo companheiro
de viagem, nem sempre disposto a transigir com os mil ardis dos traficantes que lesaram o erário públi­
co” .
39 Tais como: o banco nacional, a biblioteca nacional, duas faculdades de medicina, o instituto de
belas artes, o museu, o jardim botânico, a imprensa etc.
40 Manchester, op. cit., 75.
41 E. F. Every, The Anglican Church in Soutb America, London, SP C K , 1915, p. 61; Christ Church,
Rio de Janeiro, History in B r ie f panfleto particular da Igreja, sem dados bibliográficos, p. [5].
42 A “Sociedade M issionária Sul-Americana” , foi fundada por Allen Francis Gardiner, em 1844,
visando a evangelização dos indígenas do Continente. O próprio Gardiner morreu de fom e e abandono
ao relento, na tentativa de evangelizar os índios da Terra do Fogo, em 1851. A SA M S, um a sociedade
missionária da Igreja da Inglaterra, seguia a linha evangélica, ou igreja baixa.
43 K. S. Latourette, A History o fth e Expansion ofC hristianity, NY, Harper, 1943, V, 105.
44 Every , op. cit., p. 59.
45 Citado em um manuscrito inédito de Andrew Forest M uir intitulado “A n Episcopal Visitation to
South America, 1869", gentilmente cedido ao autor pelo bispo Edm und K. Sherrill.
46 O p. cit., v. 103. Latourette sustenta que, em 1869, Stirling foi sagrado bispo das Ilhas Malvinas
(ou Falklands), com jurisdição sobre o resto da América do Sul, menos Guiana: mas Stephen N eill, et
a i, diz que depois de 1869, ele se tom ou “o primeiro bispo anglicano da Am érica do Su l” (A Concise
Dictionary ofC hristian W orldMission, Londres, U SC L , p. 563).
47 Every, op. cit., p. 59.
48 O s outros são: Tratado de Amizade e D efesa e a Convenção sobre o Correio.
49 Edward Hertslet, ed., Hertsleú Commercial Treaties, Londres, 1885, II, 42, 44.
5(1 Transcrito de Constituição política do Império do Brasil, seguida do Acto Addicional da Lei da Sua
Inperpretação... analyzada... por José Carlos Rodrigues, Rio de Janeiro, 1868, p .9.
51 Transcrito de Código C rim inal do Império do Brasil, anotado com os Actos dos Poderes Legislativo,
Executivo, e Judiciário (...) por Araújo Filgueiras Junior, 2. ed., Rio de Janeiro, 1876, pp. 199-200.
O catolicismo tradicional do povo brasileiro dificultou até a aquisição de propriedade para propósi­
tos de culto. Ataliba N ogueira escreveu em “Teoria de M unicípio” , Revista de Direito Público, vol. 6, p.
8: “Houve um dia em que o colonizador quis testemunhar a sua fé e erigiu o templo. Fez doação do
terreno, constituiu-lhe patrim ônio e aquela gleba de terra em que se erguia a capela e terrenos adjacentes
passaram para um a pessoa jurídica. Aliás, a expressão “capela” originalmente não significava templo,
mas certo instituto jurídico canônico. O s terrenos a seguir eram aforados para produzirem renda com
que se atendessem as despesas do culto” . Eugênio Egas, em Os M unicípios Paulistas, SP, 1925, escreve:
Brotas, importante centro presbiteriano, foi iniciada pela construção, c. 1839, por iniciativa de d. Francisca
Ribeiro dos Reis, de “um a capela sob a invocação de N . S. das Dores de Brotas” (p. 319); Franca, pela
fundação de “um a Igreja com a invocação de N ossa Senhora da Conceição (p. 675), para mencionar
apenas dois casos. V isto que esses terrenos eram aforados para, com seu produto, sustentar o culto

399
História Documental do Protestantismo no Brasil

católico, freqüentemente era difícil para os protestantes adquirirem propriedades dentro do “patrim ônio”
e, quando o conseguissem, tinham que pagar foro à Igreja Católica. O Rev. A ntonio Gouvêa M endonça,
que chamou a atenção do autor para a importância do “patrim ônio dos santos” , inform ou-o de que,
entre outras igrejas da sua denominação, a Igreja Presbiteriana Independente, as de Assis e São José do
Rio Preto, Estado de São Paulo, pagam foro à Igreja Católica até hoje (informação em carta particular ao
autor, 2 4 /2 /1 9 7 9 ).
52 A palavra no original, retire, significa retirar-se, recolher-se etc.: o contexto parece exigir descerem.
53 Esta frase em latim, e as outras no mesmo texto, estão traduzidas na fonte da qual se extraiu o
documento, como segue: “Interprétes da Escritura - homens piedosos e m ui sábios, Agostinho, Bernardo
etc” .
54 “Q ue eu pudesse me afastar da vaidade das coisas mundanas e me devotar à glória de D eu s.”
55 “Q ue nenhum a salvação há fora da Igreja Católica é axioma.” “Adm ito” , respondi, “mas h á salva­
ção fora da Igreja Romana” . “ D e jeito nenhum” todos exclamaram. “Então” , disse eu, “provem” .
56 O documento acima foi transcrito de John Sargent, A M em oir ofRev. H enry M artyn, N ova York,
American Tract Society, s/d. Vol. VIII da RvangcliculFamily Ltbrary, pp. 127, 133- 136. Em S. Wilberforce,
ed., Journal a n d Letters o f the Rev. Henry M artyn, Londres, 1837, 2 vols., encontram-se outras impres­
sões do missionário sobre o Brasil.
57 N ão existe na Bíblia inglesa o versículo citado. Broadbent provavelmente estava pensando em Is
53:5.
58 N o original, os títulos não são grifados. O s livros m encionados são obras clássicas do m etodism o
inglês, menos o de D oddridge, o qual era ministro dissidente, mas muito apreciado pelos metodistas.
59 Carta, S. Broadbent ao Com itê M issionário, Colom bo, Ceilão, 6 /7 /1 8 1 6 , publicada na Wesleyan-
M etbodist M agazine, vol. X L (fevereiro, 1817), pp. 150-152.
60 Robert Walsh, Notices o fB ra zil in 1828 a n d 1829, Boston, 1831, 2 vols. em 1, 1,182. C om o foi
visto acim a (1.2.1), oT ratado de Amizade e Aliança proibiu ainstalação da Inquisição no Brasil. Walsh,
ibid., inform a que os ingleses impuseram uma taxa de metade de 1% sobre todos os produtos ingleses
im portados no Brasil, um terço de cuja renda era designado à “capela, capelão, pobres e doentes”.
61 N ão se pode sustentar a afirmação freqüentemente feita de que a Capela de São João Batista no
Rio de Janeiro foi tam bém o primeiro templo protestante da Am érica do Sul. W ilhelm Goetz, no artigo
“ Guiana” , The N ew Schaff-Herzog Encyclopedia ofReligious Knowledge, 1950, V, 93, inform a que os
morávios estabeleceram missões entre escravos negros da Guiana c. 1739; “eles consagraram a prim eira
igreja [templo] em 1796”. Referências posteriores a essa Enciclopédia serão feitas através da sigla N S H .
Cf. Latourette, op. cit., V, 63.
62 Atual rua Evaristo da Veiga.
63 Decisões do Governo, Rio de Janeiro, 1823, pp. 37-38. O m edo de José Bonifácio era infundado
pois “um a numerosa assistência de mui respeitáveis brasileiros, os quais igualaram os protestantes” em
número e reverência esteve presente; mais tarde, porém, a capela foi apedrejada, e suas janelas quebra­
das, por “um espanhol que tinha uma venda perto da capela” (Walsh, op. cit., I, 182-183).
64 Boys alude a Pv 1 4 .14a, “O infiel de coração dos seus próprios caminhos se farta” .
65 Boys escreveu “Let it D ie the Death” , uma clara alusão a M t 15:4, na versão inglesa ( “L e th im D ie
the D eath’). A m esm a expressão na versão em português é “seja punido de m orte” , o que não exprime o
sentido correto. A tradução literal, “que m orra à morte” é redundante; daí a tradução acima, “ Q ue ele

400
implantação do protestantismo no Brasil: 1808-i 889 - NOTAS

m orra...” .
“ Carta de Boys a Charles Simeon, 1 7/12/1819, transcrita pela sra. E. D ornford, nos arquivos da
British andForeign Bible Society (BFBS), Londres. Acredita-se que esta carta foi o catalizador da distri­
buição bem mais intensa e sistemática da Bíblia no Brasil pela BFBS. {Vide tópico "Outras sociedades
paraeclesiáticas ”.)
67 Doc. 6, acima.
68 Ibid.
69 Feitoria significa aqui “estabelecimento comercial”, que a Inglaterra, em com um com as outras
nações comerciais, m antinha nos principais portos das nações com que comerciava.
7,1 M t 5.16, parafraseado.
71 Walsh, op. cit., I, 184-185.
72 Por ser a prim eira Igreja Protestante de origem alemã no Brasil e pelas circunstâncias peculiares da
fundação da colônia de N ova Friburgo, o assunto é tratado detalhadamente adiante (doc. 9).
73 A colônia do Vale dos Sinos, São Leopoldo, se tornou o centro da obra luterana no Brasil, abrigan­
do hoje entre outras instituições a Editora Sinodal, a Falculdade de Teologia e a C asa Matriz de Diaconisas
da Igreja Evengélica de Confissão Luterana no Brasil (IE C LB ), embora sua sede legal seja Porto Alegre,
RS. Pela chegada dos alemães em São Leopoldo, 25 de julho é celebrado nacionalmente com o D ia da
Imigração Alemã.
74 O s m etodistas do N orte (IM E) em 1885 (doc. 47) e os episcopais em 1889-1890 (doc. 77)
estabeleceram missões em Porto Alegre.
75 Esta introdução é bastante sucinta, porquanto na introdução ao presente período encontram-se
abundantes dados sobre a Alemanha da época.
76 “C arta Régia de 2 de maio de 1818” , em Cartas da Lei, Alvarás, Decretos e Cartas Régias, 1818, p.
39.
77 Esta informação sobre Sauerbronn está baseada em J. E. Schlupp, “N ova Friburgo, a I a C om uni­
dade Evangélica, fundada em 3 /5 /1 8 2 4 ”, A nuário Evangélico, IE C LB , Porto Alegre, RS, 1974, pp. 151-
155. (U m a outra versão, ligeiramente diferente nos detalhes encontra-se em um a publicação avulsa
intitulada “ Unser Tag , 1935, sem outras indicações bibliográficas. “Unser Tag”, em colunas paralelas de
alemão e português afirma ser a paróquia de Sauerbronn na Alemanha Kimberherbach, e fixa o número
de imigrantes em 342, e ainda o pastor.) Schlupp, op. cit., p. 151, data os ofícios mencionados, respec­
tivamente de 14/5, 30/5 e 6/6.
78 Op. cit., p. 151.
75 “ Unser Tag , [p. 7].
80 Jam es Cooley Fletcher e Daniel P. Kidder, B razil a n d the Brazilians, 9a ed. , Boston, M ass., 1897,
p. 297 assim descrevem a capela e seu pastor. “Um a capela protestante de pequenas dimensões é presi­
dida por um velho clérigo luterano que veio ao Brasil com os antigos imigrantes alemães” . A Igreja
M etodista com prou a velha capela em 1954, demolindo-a em 1962 para construir no mesmo lugar o
templo m etodista (“Templo de 105 anos precisa ser demolido em N ova Friburgo” , Expositor Cristão, 12
de setembro, 1962, p. 2).
A tradução do documento acima, a evidência mais antiga da existência da com unidade alemã de
N ova Friburgo, foi feita pelo pastor J. E. Schlupp, o qual gentilmente forneceu ao autor um a cópia do
docum ento em alemão, e outro material valioso. Q uanto ao nome da cidade onde nasceu Charlotta,

401
História Documental do Protestantismo no Brasil

“Unser Tag”, [p. 4] diz que ela era “a filha do presidente do Consistório [de] Hichlenthal” .
82 Provavelmente trata-se de S. R. M cKay (doc. 23).
83 O número aqui citado está bastante aquém do mencionado em outros lugares. A publicação avulsa
“Unser Tag” [p. 5], fixa o número em 342; Johannes Schlupp, no seu artigo “N ova Friburgo: A I a
Com unidade Evangélica, fundada em 3 /5 /1 8 2 5 ”, afirma que “N ova Friburgo com eçou com 334 pesso­
as evangélicas” (p. 5). Presumivelmente, ele se refere à com unidade alemã.
84 Presumivelmente, Voges pretendia escrever “farmacêutico”.
85 Obviam ente, a capela de S. Leopoldo não foi a prim eira capela protestante erguida no Brasil (doc.
6). Possivelmente, Voges usou o termo “evangélica” no sentido de “luterana” .
86 U m a jugada eqüivale aproximadamente a um quarto de hectare.
87 Carta de Voges à Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, 4 /2 /1 8 2 7 , no arquivo da BFBS, Lon­
dres.
88 O doc. 12, infra, “ Decreto n ° 6282 de 9 de agosto de 1876”, a oficialização da Com unidade
Evangélica Alem ã do Rio de Janeiro, torna muito claro o estreito relacionamento entre ela e a Igreja
Estatal da Prússia.
89 Johann Schlupp, op. cit., p. 153, inform a que Sauerbronn, pároco de N ova Friburgo “visitou
tam bém periodicamente o Rio de Janeiro para batizar e casar os evangélicos da C apital” até 1837.
9(1 D o arquivo n° 1 da Com unidade Evangélica do Rio de .Janeiro.
91 A Com unidade data de 25 de julho de 1824.
92 Isto é, quase não podem ser reconhecidos como tais.
53 M aciel foi presidente de 4 /1 1 /1 8 2 6 a 1 7/11/1829. A colônia de São Leopoldo, a mais velha
colônia alemã do Rio Grande do Sul, foi fundada em 1824 pelo primeiro presidente da província, José
Feliciano Fernandes Pinheiro (Enciclopédia M irador Internacional), 1975, vol. 16, p. 9941.
94 Ham burger Z eitung flir A uswam derungs-und Kolonisationsange-Legenbeiten, 1858, número 1-3,
citado em Ferdinand Schrõder, Brasilien undW ittenberg. U rsprungund Gestaltung deutschen evangelischen
Kirchentums in Brasilien, Berling-Leipzig, de Gruyter, 1936, pp. 56-60.
95 Atos do Poder Executivo, 1876, pp. 894-900. O art. 51 estipula os em olum entos no caso de
pessoas não-membros da comunidade, geralmente o pobre; os pobres eram geralmente dispensados
deles.
96 A criação do Império alemão foi assinalada pela coroação de Guilherme I com o imperador (Kaiser,
em alemão, ou seja, César), no dia 18/1/1871, em Versailles, França.
97 Pedro M aria de Lacerda.
98 Com unidade Evangélica do Rio de Janeiro, Livro de Atas, “Relatórios Anuais da D iretoria da
Com unidade Evangélica do Rio de Janeiro, 1872-1873” .
99 Rotennund foi pastor em São Leopoldo até sua aposentadoria em 1917; o Com itê mais tarde
tom ou o nome de “Sociedade Evangélica para os Alemães Protestantes na América” .
100 A referência à Palavra de D eus e aos sacramentos como o tesouro da Igreja lem bra a tese n ° 62 das
“ 95 teses de Lutero” : “ O verdadeiro tesouro da Igreja é o sacrossanto Evangelho da graça de D eus” ;
citado de H . Bettenson. Documentos da Igreja Cristã, São Paulo, A S T E , 1967, p. 236. Convém lembrar
que, para Lutero, a Palavra cria o Sacramento, que é “Palavra visível” .
101 O termo no original é D eutschtum , às vezes traduzido por “cultura alemã” .

402
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889 - NOTAS

102 D ie Vorsynode am 19 u n d 20. M a i 1 8 8 6 z u S. Leopuldo, pro vin z Rio Grande do Sul, 2a ed.,
aum entada pela reprodução das atas, São Leopoldo, Livraria Evangélica, Leipzig, Koehler, 1887, pp. 17-
20 .
103 D ie Vorsynode, vol. 3, p. 41.
104 Erich Fausel, D. Dr. Rotermund, Ein K a m p fu m Recht undR ichtungdes evangelischen Deutschtums
in Südbrasilien, S. Leopoldo, Sínodo Rio-Grandense, 1936, p. 102.
105 Espera receber mercê.
106 Arquivo do ex-Sínodo Rio-Grandense, vol. 1887, fl. 3. A petição vem assinada pelo dr. Guilheme
Rotermund, presidente, e mais quatro membros, e traz, no final da segunda folha, espaço para assinatu­
ras dos pastores e m embros favoráveis à petição. O governo imperial não atendeu à petição dos luteranos,
mas o governo republicano o fez, m enos de dois anos depois. Q uanto à torre com seus três sinos da
fundição B. V. Bochum, na Alemanha, “...no dia 30 de outubro do ano de 1888, o reverendo Miguel
Haetinger de Candelária (então Vila Germânia) entregou, em comovente cerimônia, torre e sinos ao uso
da com unidade... A s autoridades não puseram obstáculo nenhum” . (Alcides Santos, “Síntese histórica
das igrejas evangélicas de Santa M aria”, Instituto Histórico e Geográfico de Santa M aria, 1964, p. 124.
1117 Arquivo do ex-Sínodo Rio-Grandense, vol. 1888, fl. 1 5 . 0 espírito de cooperação e fraternidade
aqui exemplificado foi típico. H á, entretanto, exemplo contrário: veja-se a desavença luterana-presbiteriana
em Petrópolis (R J), c. 1872, infra (doc. 63).
108 Em presa alemã de navegação.
109 Presumivelmente se refere à Ilha das Flores, atualmente Brocoió, pequena ilha contígua à de
Paquetá, na Baía da Guanabara.
110 Arquivo do ex-Sínodo Rio-Grandense, vol. 1891, f. 35, apud. Estudos Teológicos (São Leopoldo),
N ova Seqüência 7 (1967), pp. 50-56.
111 Gerson S. Veiga, A Comparative Study o fF ive M ajor Portuguese O ld Testament Versions; tese de
doutoramento, inédita, Evanston, Illinois, Northwestern U., 1969, pp. 42-57, passim.
1,2 A Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira indicada daqui em diante pela sigla B FB S; a Socieda­
de Bíblica Americana, pela sigla ABS.
113 The Bible in B razil, 1954, p. 20.
1,4 Tenth A n n u a l Report o f the BFBS, 1814, p. 177.
115 M inutes o fth e Committee o fth e BFBS, vol. 8, p. 84, nos arquivos da Sociedade, em Londres.
1,6C arta de Boys à BFBS, 1 7/12/1819. Q uanto à leitura da carta e decisão, M inutes o fth e Committee
o fth e BFBS, vol. 10, p. 366.
117 Morris, op. cit., na página erroneamente numerada 17, pois na realidade é p. 19.
118 M inutes o fth e Committee o fth e BFBS, vol. 11, p. 81.
115 Ibid., vol. 11, p. 213. “Pernambuco” significa Recife, pois na época usava-se designação “Pará” (e
não Belém), Bahia (e náo Salvador) etc.
120 C arta de Kathleen J. Cann, arquivista da BFBS, ao autor, 3 0 /4 /1 9 7 3 . Deve-se notar que, após a
chegada de Corfield, intensificou-se novamente a atividade da B F B S no Brasil.
121 History o f the Am erican Bible Society fro m its Organization to the Present Time, N ova York, 1849,
p. 183. A informação sobre 1838 e 1839 encontra-se respectivamente na Twenty-SecondAnnual Report,
A BS, p. 50, e na Tw enty-Third A n n u a l Report, A B S, p. 43.
122 [Benedito N atal Quintanilha], Rio de Janeiro, Sociedade Bíblica do Brasil, [1973, p. 2]. Deve-se

403
História Documental do Protestantismo no Brasil

notar que, em outros capítulos desta História Documental, constam documentos e informações a res­
peito de homens que se destacaram na obra bíblica, como Richard H olden e Hugh C. Tucker, agentes
das sociedades bíblicas, e de colportores como Frederick C. Glass e outros.
123 “American Bible Society” , Panoplist andM issionary M agazine, X II (1816), 269. O espírito e, em
grande parte, a linguagem desta decisão foram incorporados à própria Constituição da A B S, art. I o.
124 Ibid. H á dezessete artigos na Constituição, mas os primeiros dois deixam bem clara a natureza e
os propósitos da A BS.
125 Panoplist a n d Missionary M agazine, ibid., pp. 271-273. A citação é de H c 2.14.
126 Citação e informação do parágrafo de Jam es M . Gillis, “ Bible Societies”, The CatholicEncyclopedia,
N ova York, The Encyclopedia Press, s/d, II, 545, col. 2.
127 Citado de Anne Freemantle, ed., The Papal Encyclicals in their Historical Context, NY, Mentor,
1960, impressão, p. 123.
128 “ H. M . S .”, em inglês, H isM ajestys Ship, ou seja, o N avio de Sua M ajestade, é a designação usual
para navios da M arinha Real Britânica.
129 2 Ts 2.3; esta expressão paulina é aplicada ao papa.
130C arta de S. R. M cKay à BFBS, 2 2 /5 /1 8 2 6 , nos arquivos da Sociedade em Londres. Além dos
volumes referidos na carta, as atas da B F B S revelam que o comitê consignou a M cK ay m ais mil Bíblias
no mesmo ano: M inutes o fth e Committee, 1 2/6/1826, vol. 16, p. 179.
131 Este docum ento com posto é obtido das M inutes o fth e Committee, BFBS, com indicação da data
da respectiva reunião, bem como o volume e página onde se encontra cada ata. Propositadamente,
omitiu-se o Rio de Janeiro, local de m aior distribuição, pelo motivo da inclusão da carta de M cKay (doc.
23). As atas do período tam bém se referem a carregamentos para “M aranham” em 1820, Paraíba (1823)
e outros locais, m ostrando um a atividade significativa, toda ela realizada por agentes não-oficiais.
132 Jornal do Comércio, 12 de dezembro de 1837, p. 4. A BFBS adotou a política de publicar e
distribuir versões católicas em países católicos, orientação evidentemente seguida pela A B S, o que expli­
ca o uso da versão de Figueiredo. Em correspondência particular de 20 de dezembro de 1978, a arquivis­
ta da BFBS escreveu ao autor: “ ...foram avisados de que Figueiredo era m elhor lingüisticamente, pois a
ortografia de A lm eida era arcaica. Por isso publicaram o Novo Testamento de Figueiredo em 1818 e a
Bíblia, com os livros apócrifos, em 1821” .
133 O nome correto é M anuel, não Miguel.
134 O docum ento é de Daniel P. Kidder, Reminiscências de Viagens e Pemanência no Brasil, Rio de
Janeiro e São Paulo, São Paulo, Livraria M artins, s/d, n° III da Biblioteca Histórica Brasileira, pp. 269-
270. O projeto, aparentemente tão bem encaminhado, foi rejeitado pela comissão, e os termos da
rejeição comunicados a Kidder. O único documento encontrado pelo autor é a versão para o inglês do
parecer da Com issão de N egócios Eclesiásticos e Instrução Pública, feita por Kidder em agosto de 1840
para a A BS. As razões alegadas eram principalmente que a Igreja Católica não aprovava a leitura da
Bíblia desacom panhada da interpretação oficial da Igreja e o temor de que a aceitação da oferta fosse
interpretada pelo público “como adesão às idéias religiosas e princípios daquela Sociedade, a qual a
Assembléia nem conhece” . "ABS History”, D istribution Abroad, Essay 15, Part I I I C. L atin America
1821-1840, C-16.
135 Estatuto e Regimento Interno da Sociedade Bíblica do Brasil, Rio de Janeiro, 1969, primeiro capí­

404
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889 - NOTAS

tulo.
136 A lista de tais sociedades existentes nos Estados Unidos é longa; para exemplificar, havia socieda­
des antiescravistas, sociedades antiduelo, sociedades missionárias adenominacionais, sociedades para a
distribuição de literatura cristã etc.
137 Publicado pela Editora Universidade de Brasília, 1980. Vieira atribui a marginalização de Fletcher
à rejeição do seu estilo missionário pelos colegas, a partir do seu primeiro historiador, o presbiteriano A.
L. Blackford, que omitiu Fletcher de sua história (op. cit., p. 68, e n° 42). O autor desta H istória
D ocum ental entende que a razão da om issão de Fletcher pode ser outra, a saber, a orientação
denominacional das histórias existentes simplesmente não abre espaço para missionários paraeclesiásticos.
138 Fletcher and Kidder, B ra zila n d the Brazilians, Boston, 1879, 9o ed., p. 234.
135 Fletcher defendeu sua postura missionária em um a carta que enviou ao Journal o f Commerce, de
N ova York, na qual escreveu “Sei que alguns poderão dizer que não é papel de um m issionário envolver-
se em negócios. M as creio que tenho uma visão mais alta do que o mero interesse mercantil do meu país,
pois sou dos tais que crêem que a religião e o comércio são servos que, unidos com a bênção de D eus,
servem para a prom oção dos interesses mais nobres e mais altos da hum anidade” . (C arta na Indiana
Historical Society, Calvin Fletcbers Pupers, apud. Vieira, op. cit., p. 65.)
140 Decretos, Cartas e Alvarás, 1823, pp. 41-42.
141 M udam os a colocação do ponto e vírgula que, no original, seguia “professores”.
142 Actos do Poder Legislativo, 1827; pp. 71-73.
143 Toda a informação do parágrafo, inclusive a citação, é de George M cPherson Hunter “M issions
to Seam en”, N S H , X , 316-318.
144 Vieira, op. cit., p. 61. A mesma crise financeira tam bém foi o fator essencial que levou ao fecha­
mento da missão m etodista em 1841 (adiante, doc. 38).
145 Vieira, op. cit., p. 62.
146 Eleventh A n n u a l Report, American Seamens F riend Society, m aio de 1839, p. 16. A citação é um
excerto de um a carta de Daniel Kidder à Sociedade.
147 Twelth A n n u a l Report, American Seamens F riend Society, 1840, p. 11. A citação é um excerto de
um a carta de Justin Spaulding à Sociedade escrita em novembro de 1839. U m a outra carta, anônima,
escrita em dezembro de 1839, assim se referiu a um culto dirigido por Spaulding: “Tivem os uns cin­
qüenta na congregação, ingleses e americanos. Creio que todos os capitães de navios no porto estiveram
presentes (...) Sr. Spaulding é o nosso ministro, e estou muito contente por ouvir semanalm ente a
Palavra de D eus pregada com fidelidade neste lugar pecam inoso”. (ib id ., p. 12.)
148 D oes. 28 e 29, acima.
149 Fletcher and Kidder, op. cit., pp. 200-201. Em geral, seguiu-se a versão de O Brasil e os Brasileiros,
SP, Com panhia Editora N acional, 1941, II, 226-228, com algumas correções feitas pelo autor desta
História Documental.
150 N S H I, 153-154.
151 Vierira, op. cit., p. 62.
152 Excerto de uma carta de Fletcher à A F C U , sem data; publicada em The American Foreign Christian
Union, V, 203 (maio de 1854).
153 Collins citou, sem precisão, 2 Tm 3.15.
154 C arta de Vernum D . Collins, sem data; publicada em The American a n d Foreign Christian Union,

405
História Documental do Protestantismo no Brasil

VII, 54-55 (fev., 1856).


153 Ibid., p. 115 (abril, 1856). Suas referências aos “ingleses pobres” devem ser tom adas em sentido
literal: eram operários, com baixo poder aquisitivo. Este esforço pelos missionários da A F C U era “Igre­
ja” ? O autor hesita em denominá-io assim, como o faz Vieira (op. cit., p. 67). Fletcher aparentemente
não o chamava de Igreja, apesar de ser um núcleo de adoração. Ali se fundou um a escola, que serviu à
comunidade inglesa por m uitos anos (Kidder and Fletcher, op. cit., pp. 318/9).
156 H enry Otis D w ight et a i, eds., The Encyclopedia ofM ission, 2 a ed., N Y .1910, pp. 801-803.
1.7 “A C M de São Paulo, 78 Anos de Serviços Prestados à Com unidade”, [SP, 1981, p .6 ]. Folheto
mimeografado.
1.8 Grande Enciclopédia Delta Larousse, Rio, 1970, III, 1711.
159 Dwight, op. cit., p. 809. Deve-se notar que o nome oficial é Young Peoples Society o f Christian
Endeavor. Cf. doc. 35; onze destas sociedades existiam no Estado de São Paulo.
160 M yron A. Clark, O Jornal Batista, 1 0/1/1901, p. 1. Clark foi honrado com a privilégio de
publicar no número inaugural do órgão batista um artigo que ocupou quase toda a prim eira página.
C om o informa Hugh C. Tucker, The Bible in Brazil, N Y , Fleming H . Revell C o., 1902, p. 49, e Ismael
da Silva Junior, N otas Históricas sobre a Missão Evangelizadora do B razil e Portugal, Rio de Janeiro, 1960,
I, pp. 49-51, a reunião inicial ocorreu no edifício da Saciedade Bíblica Americana, a 6 de junho de
1893, quando foi nomeada um a comissão para preparar os estatutos da A C M . A 4 de julho os estatutos
foram aprovados e a diretoria assim constituída: N icolau Ricardo Soares de C outo Esher, presidente;
Antônio Meireles, vice-presidente; Luiz de Paula e Silva, secretário-arquivista; M yron A. Clark, secretá-
rio-geral; e L. C. Irvine, tesoureiro.
161 Presumivelmente se refere à recente ruptura na Igreja Presbiteriana, da qual resultou a criação da
IPIB.
162 Provavelmente seriam a M etodista, Presbiteriana e Congregacional.
163 O artigo é um a transcrição do órgão oficial do Esforço Cristão no Brasil. Esta transcrição foi
publicada no Expositor Cristão de 12/11/1903, p. 3, na coluna “Liga Epworth”, evidência de um consi­
derável grau de afinidade espiritual entre a Liga (metodista) e o Esforço Cristão (não-denom inacional).
O autor não conseguiu localizar nenhum exemplar do Esforço Cristão, nem no Brasil e nem na sede
m undial da organização, nos EUA. O aspecto ecumênico do Esforço Cristão é evidente pela promoção,
conjuntamente com outras sociedades de juventude, de uma convenção cristã sul-americana, em Santi­
ago do Chile, em 1900, cujo lema foi “Am érica do Sul para Cristo”; E C , 19/4/1 9 0 0 , p. 5.
164 Além das dificuldades oriundas das próprias hostilidades, a oposição de Wesley à Revolução fez
com que os metodistas na Am érica fossem considerados inimigos dela também.
165 O primeiro obreiro foi Melville Cox, enviado à Libéria, África, em 1832.
A Conferência Geral determinou que os bispos obtivessem “toda a informação possível referente
ao estado das coisas na Am érica do Sul, visando o estabelecimento de urna missão, e que, quando, a seu
juízo, for viável e conveniente enviar um ou mais missionários, pede-se que eles escolham um a ou mais
pessoas aptas...” para tal missão mediante consulta com a Sociedade M issionária quanto às possibilida­
des financeiras. D e “ Proceedings o f General Conference,” The M ethodistM agazine, X I (julho, 1828), p.
272.
167 N athan Bangs, A History o fth e M ethodist Episcopal Church, N ova York, 1840, IV, 79.
168 Alusão a 1 C o 16.9.

406
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889 - NOTAS

165 M t 3.7. O s metodistas, desde os tempos de João Wesley, adm itiam pessoas às suas “sociedades”
(igrejas) mediante seu desejo de “fugir da ira vindoura” (Cf. o texto citado). Elas deveriam demonstrar a
manutenção desse desejo pautando suas vidas pelas “ Regras Gerais” elaboradas por Wesley, e participan­
do assiduamente das numerosas reuniões metodistas. A “classe” era um núcleo de aproximadam ente
doze pessoas, sob a orientação de “líder” leigo.
170 Desde a célebre experiência religiosa de João Wesley, no dia 24 de m aio de 1738 (e do seu irmão
Carlos, três dias antes), os m etodistas vêm enfatizando a apropriação pessoal de fé ou seja, a experiência
pessoal da conversão; daí o uso da expressão “religião experimental” .
171 O badiah M . Johnson, o primeiro missionário da referida Sociedade, chegou em janeiro de 1836,
permanecendo até 1838. Q uando se retirou, por m otivos financeiros, os missionários m etodistas Justin
Spaulding e Daniel Kidder serviram “como capelães não-comissionados e não-remunerados” , informa
D avid Gueiros Vieira, op. cit., p. 61.
172 C arta de Fountain Pitts, datada Rio de Janeiro, S. A., 2 de setembro de 1835, publicada em
Christian Advocate a n d Journal 4 /1 2 /1 8 3 5 .
173 C arta de Spaulding ao secretário-correspondente da Sociedade M issionária da IM E, datada do
Rio de Janeiro, 5 1 511836, e publicada no Christian Advocate a n d Journal, edição extra, s/d; carta de
Spaulding ao secretário-correspondente, datada do Rio de Janeiro, 9 /6 /1 8 3 6 e publicada no Christian
Advocate a n d Journal, 5 /8/1836. D aqui em diante, Christian Advocate a n d Journal será indicado por
N YCA .
174 C arta de Spaulding ao secretário-correspondente da Sociedade M issionária da IM E, I o de setem­
bro de 1836, publicada em N Y CA , 2 /1 2 /1 8 3 6 . Spaulding form ou um a pequena igreja no Rio que
contava, até fins de 1838, onze membros; provavelmente metade dos m em bros eram missionários; se
houve ou não algum m em bro brasileiro é incerto. Veja A n n u a l Report o fth e Missionary Society o fth e M .
E. Church, anos 1836 e 1842 para resumo da situação da m issão ano por ano. A m aior reação ao
relatório de Spaulding foi a do padre Luiz G. Santos, que escreveu Desagravo do Clero e do Povo Catholico
Fluminense, Rio de Janeiro, 1837, e O Catholico e o M ethodista, Rio de Janeiro, 1838. N este, à página
176, ele escreveu: “Ora, aqui temos a missão m etodista com duas partes ou dois fins. O I o é descatolicizar
o Brasil (...); o 2 o é emancipar os nossos escravos, fazendo o mesmo que seus irmãos anabatistas fizeram
na Jam aica e na Virgínia e que tanto sangue fez correr tanto dos brancos com o dos negros não h á muitos
anos” . [Pe. Luiz provavelmente se refere à insurreição de N at Turner na Virgínia, onde ao invés do
derramamento de sangue ter ocorrido pela emancipação, aconteceu no esforço de Turner conquistar,
pela força de armas, a emancipação dos escravos. N o m esm o ano de 1831, houve na Jam aica urna
revolta de escravos que criam que o governo inglês já havia concedido sua emancipação. Esta veio em
1833, não por ação “anabatista”, mas por legislação parlamentar .] O s projetos referidos no fim consti­
tuíam parte da reforma proposta pelo regente Feijó.
175 Carta, W illiam Capers a George Lane, 20/11 /1840, nos arquivos do Garrett TheologicalSeminary.
Capers era um de três agentes de tem po integral encarregados do levantamento de fundos para o susten­
to da Sociedade M issionária da IM E.
176 Twenty-second A n n u a l Report o f the Missionary Society o f the M ethodist Episcopal Church, NY,
1841, pp. 14-15.
177 Twenty-third A n n u a l Report, 1842, p. 12.
178 Citação famosa, aqui tirada de Bartlett, Familiar Quotations, Garden City, NY, Garden C ity Pub.

407
História Documental do Protestantismo no Brasil

Co, 11a ed., setembro, 1945, p. 456.


179 A convicção de que a guerra era um a luta contra a escravidão cresceu m uito após a “Proclamação
de Em ancipação” pelo presidente Lincoln em 1/1/1863.
180 W illiam Taylor, ministro m etodista norte-americano, organizou missões m etodistas de sustento
próprio em três continentes: Ásia, África e América do Sul, tendo sido tam bém um dos primeiros
pregadores protestantes a chegar à Califórnia, por ocasião da corrida do ouro em 1849.
181 C arta de 2 4 /8 /1 8 6 7 ; Rio de Janeiro; publicada em N ew Orleans Christian Advocate, 2 6 /1 0 /1 8 6 7 ,
p .l.
182 A citação é da D eclaração de Independência, da autoria de Tomás Jefferson. Curiosamente os
sulistas, que na grande m aioria apoiaram o Partido D em ocrata, fundado pelo próprio Jefferson, se viram
forçados a repudiar a Declaração, pois ela afirmava com o “auto-evidente” que todos os hom ens foram
criados “iguais” e dotados pelo Criador de “liberdade” . Perceberam corretamente que tais sentimentos
são diametralmente opostos à escravidão e aos preconceitos raciais.
183 C arta de Newm an, s/d, publicada no N ew Orleans Christian Advocate, 2 3 /1 /1 8 6 7 , p. 1. N orm al-
. mente as longas missivas de Newm an foram publicadas na primeira página desse órgão eclesiástico
sulista.
184 Citado de um a carta de Ransom, de 2 7 /1 1 /1 8 7 8 , e publicada no A n n u a l Report o fth e B oard o]
Foreign Missions, M E C S , 1879, p. 35.
185 Ibid. N as histórias do m etodism o brasileiro, a data da recepção do ex-padre é geralmente dada
com o 9 /3 /1 8 7 9 . Veja-se J. L. Kennedy, Cincoenta Annos do M ethodismo no Brasil, São Paulo, Imprensa
M etodista, 1928, p. 21, ou Eula Kennedy Long, D o M eu Velho B aú Metodista, São Paulo, Ju nta Geral de
Educação Cristã, 1968, p. 60. Deve ser notado ainda que, antes mesmo de ter recebido o ex-padre,
Ranson recebera em 3 /9 /1 8 7 7 , por transferência da IM E, o sr. João Correa, primeiro brasileiro m em bro
da IM E S (AnnualR eport, 1878, p. 126).
186 O reconhecimento do Batismo romano não significa que Ransom concordava com a doutrina
católica. Dizia ele no mesmo “ Prefácio”, “A Igreja de Rom a é um monstro... a sua corrupção é coisa
velha, e a gangrena do erro já toca nas suas funções vitais” .
187 Ransom , Compêndio, Rio de Janeiro, 1878, pp. 4-5.
188C arta do rev. Jam es W. Koger, de 13/9/1882, publicada em W omans Missionary Advocate, dezem­
bro de 1882, p. 5. Koger era o fundador da Igreja M etodista em Piracicaba e professor de m atem ática do
Colégio.
189 C arta de M arta Watts a mrs. Frank A. Butler, publicada na Womans M issionary Advocate, março
de 1883.
,9“ C óp ia fiel do documento de alforria encontrado no Segundo Tabelião de N otas de Piracicaba,
Livro 33, Pag 45.
191 O s três eram Jam es Lillbourn Kennedy, John W illiam Tarboux e Hugh Clarence Tucker, conhe­
cidos nos anais m etodistas com o o “Trio de O uro”. Deve ser notado que na época apenas os itinerantes
eram m em bros da Conferência Anual; as missionárias da Junta Feminina, sendo leigas, não eram.
192 C arta escrita por bispo John C. Granbery , publicada no Nashville Christian Advocate, de 6/11/
1886. Se houve ata oficial, ela se perdeu; aparentemente, a carta do bispo é o m elhor resumo do acon­
tecimento, feito por um a testemunha ocular.
193 O presente documento é transcrito do Expositor Cristão, 17/1/1 9 3 9 , p. 7. O autor não encontrou

408
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889 - NOTAS

o docum ento original. M as na época, o Expositor Cristão, de I o de janeiro de 1890, assim se expressou:
“N o dia 9 do mês passado, o novo governo com apenas 24 dias de idade, fez por nós o que a m onarquia
não conseguiu fazer em mais de três anos. Devemos ser muito gratos ao novo governo federal. A nossa
propriedade está segura, e os nossos direitos de propriedade garantidos” .
194 Ransom chegou a receber Corrêa por transferência da IM E para a Igreja M etodista Episcopal,
Sul, a 3 /9 /1 8 7 7 , sendo sua intenção empregá-lo como pregador da IM E S, no Brasil. O plano falhou por
falta de verba. A n n u a l Report, 1878, p. 126.
195 Carm en Chaccon.
196 C om o visto na introdução, Corrêa organizou sua prim eira igreja em 2 7 /9 /1 8 8 5 ; o culto realizado
nos prim eiros anos era um culto doméstico, cujo estilo lembra o de Kalley, trinta anos antes.
197 O docum ento é um artigo de Corrêa, “ H istória da nossa Igreja no Estado do Rio Grande do Sul”
em O Testemunho, 1/3/1905, p. 18. Detalhes relativos à fundação do Colégio se encontram em Daniel
R M onti, A si Brillle Vuestra Luz, Buenos Aires, La Autora, 1945, e João do Prado Flores, Seu M aior
Amor, São Paulo, Colégio Americano, 1955.
198 Carl Joseph Hahn, EvangelicalWorship in Brazil: Its Origin andDevelopment, Edinburgh, University
o f Edinburgh, tese de doutoramento, 1970, pp. 189-211, passim.
199 A Escola D om inical estabelecida por Ju sd n Spaulding, em 1836, deixou de existir com o fecha­
mento da missão metodista, em 1841. Vernum D . Collins fundou um a escola D om inical no Rio de
Janeiro, entre 28 de julho de 1855, a data da sua chegada ao Rio, e 2 7 de setembro, quando mencionou
a escola em seu relatório à A F C U (TheA m erican andForeign Christian Union, 1855; ele partiu no dia 8
de junho, chegando 51 dias mais tarde - pp. 330-531). A data da fundação da escola dominical é
desconhecida, mas provavelmente ela foi fundada depois da escola dominical do casal Kalley (doc. 31).
200 ísboço Histórico da Escola D om inical da Igreja Evangélica Fluminense, 1855-1932, Rio de Janeiro,
1932, pp. 38-39.
201 João G om es da Rocha, Lembranças do Passado, Rio de Janeiro, 1941-1956, I, 33.
202 José M aria da Silva Paranhos, (1819-1880), Visconde do Rio Branco, então M inistro de N egó­
cios Estrangeiros.
2113 O s artigos 276 e 277 (e ainda 278) se encontram na íntegra na presente História Documental
(Doc. 3).
204 João G om es da Rocha, op. cit., vol. I, pp. 92-100. C om o resultado deste teste da liberdade
religiosa, ela foi am pliada, tornando possível uma propaganda protestante mais agressiva.
205 A prim eira edição de Salmos e Hinos já fora impressa em Londres, em 1855 (Rocha, op. cit., 1,8).
106 Henriqueta Rosa Fernandes Braga, M úsica Sacra Evangélica no Brasil, Rio de Janeiro, Livraria
Kosm os Editora, 1961, p. 125.
2117 Transcrito da primeira edição brasileira de Psalmos e Hymnos, 1861, da coleção particular de
H enriqueta R. F. Braga. Encontra-se também em fac-símile em Esboço Histórico da Escola D om inical da
Lgreja Evangélica Fluminense, 1855-1932, Rio de Janeiro, 1932, p. 56. Psalmo C X X X II e o s a lm o 133
nas versões protestantes da Bíblia.
208 M úsica Sacra Arranjada para Quatro Vozes, Lípsia, 1 8 6 8 ,1 a ed. Transcrito da prim eira edição, por
obséquio da profa Henriqueta Rosa Fernandes Braga.
209 Transcrita de Rocha, op. cit., II -80-82. N a sessão extraordinária, do dia 2 0 /1 2 /1 8 6 5 , o Sr.
Bernardino foi excluído. N a mesm a sessão “são lidas duas cartas de liberdade, concedidas pelo Sr. João

409
História Documental do Protestantismo no Brasil

Severo a Joaquim e a Pedro”. (Ib id., p. 85). N o documento acima, os grifos e maiúsculas obedecem o
texto da obra citada.
210 O próprio Kalley acrescentou uma nota aqui: “O s livros apócrifos não são parte da Escritura
divinamente inspirada” .
211 Kalley acrescentou aqui um a nota, dizendo que o Novo Testamento, às vezes, se refere às “igrejas”
no sentido de igrejas locais, com o “um a associação de crentes... congregada no nom e do Salvador para
conduzir-se de acordo com as regras que Ele deixou às suas igrejas” .
212 N ota de Kalley: “O tributar culto a qualquer criatura, quer seja hom em , anjo, cruz, livro ou
imagem, ou a D eus por meio deles, opõe-se inteiramente a estes preceitos e a todo o gênio do verdadeiro
cristianismo. Êx 20.3-5, C l 2.18 -1 9 ” .
213 M uito embora Kalley não tenha dado destaque ao fato, este artigo exclui o Batism o infantil. A
rejeição distingue os congregacionais brasileiros dos demais congregacionais do m undo, um a vez que o
Batism o dos filhos dos crentes é uma conseqüência da teologia federal.
214 N ota de Kalley: “A idéia que o pão e o vinho tornam-se em D eus e devem ser adorados opõe-se
aos sentidos, à razão e às Escrituras. Adorá-los é idolatria...”
2,5 Transcrição da Imprensa Evangélica, 2 4 /1 2 /1 8 8 0 , pp. 2 0 2 /4 0 4 , atualizada ortograficamente; as
m uitas referências bíblicas foram eliminadas e foi feita um a pequena adaptação na segunda nota de
Kalley. A prim eira impressão da Breve Exposição das Doutrinas Fundamentaes do Christianismo Recebidas
pela Igreja Evangélica Fluminense, foi feita no Rio de Janeiro em 1876 e dela consta um fac-símile no
frontispício no Esboço Histórico da Escola Dominical, p. 120. D epois de ter sua existência legal reconhe­
cida pelo governo imperial, a Igreja Fluminense publicou seus "Artigos Orgânicos” e a Breve Exposição
no Jornaldo Comércio (27 e 2 8 /1 2 /1 8 8 0 ) e na Imprensa Evangélica (10 e 2 4 /1 2 /1 8 8 0 ). U m a versão mais
recente da Breve Exposição que se encontra em Ismael da Silva Junior, Notas Sobre a “Breve Exposição das
D outrinas Fundamentais do Cristianismo”, Rio de Janeiro, Tip. Batista de Souza, 1962, constitui um
comentário sobre os 28 artigos.
2if> O decreto n ° 7907, de 2 2 /1 1 /1 8 8 0 , foi transcrito de Atos do Poder Executivo, Rio de Janeiro,
1881, pp. 806-809. Rocha, em Lembranças do Passado, IV, 239, informa que, na versão original apresen­
tada ao governo, o art. I o continha a expressão “disseminar o Evangelho” e no art. 19, “circulação das
Escrituras” . Estas expressões foram eliminadas a pedido do Conselho do Estado.
217 São respectivam ente Elias B oudinot e Charles T h om p so n , am bos presbíteros de igrejas
presbiterianas, e o Rev. George Duffield, ministro presbiteriano.
2.8 Ocorreram outras cisões presbiterianas, como em todas as principais igrejas protestantes norte-
americanas; as duas mencionadas são as mais importantes, e as únicas pertinentes à compreensão da
atuação presbiteriana no Brasil.
2.9 D e acordo com a estratégia missionária corrente, os missionários se organizaram em “missão” ,
um a estrutura paralela ao presbitério e sínodo. O s missionários e sua respectiva m issão m antinham
contato e um a certa subordinação à sua respectiva junta m issionária nos Estados Unidos, os da P C U S
com o “com itê” de Nashville, os da P C U SA com o “ board" de N ova York. M esm o depois do estabeleci­
m ento de igrejas nacionais autônomas as missões mantiveram sua existência separada.
220 D o “ Relatório sobre a origem e marcha da Igreja Evangélica do Rio de Janeiro, apresentado ao
Presbitério do Rio de Janeiro no dia 10 de julho de 1866, por A. G. Sim onton”, no arquivo da Igreja
Presbiteriana, em Cam pinas. Em 15/5/1863, a igreja foi organizada legalmente, a fim de se beneficiar

410
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889 - NOTAS

do decreto n° 3 .0 6 9 de 17/4/1863, que autorizava ministros evangélicos a celebrarem casamentos de


acatólicos; na m esm a ocasião, A. L. Blackford foi eleito pastor e F. J. C. Schneider e A. G . Sim onton
(ausente) foram eleitos co-pastores. Júlio de Andrade Ferreira, História da Igreja Presbiteriana do Brasil,
SP, Casa Editora Presbiteriana, 1952, I, 25; Robert Leonard M clntire, Portrait o f H a l f a Century,
Cuernavaca, M éxico, C ID O C , 1969, pp. 4/49.
221 M aria Am élia Rizzo, ed. , Sim onton, Inspirações de Uma Existência, SP, Editora Rizzo, 1962, p.
82. C orrigiu-se a tradução da palavra Sa b b a th , que sign ifica dom in go e não sábado, um erro
freqüentemente encontrado em histórias presbiterianas.
222 D o relatório de F. J. C. Schneider, 12/7/1867, arquivo da IPB, em Cam pinas, SP.
223 D o relatório de George Chamberlain, 10/7/1866; arquivo da IPB, Cam pinas, SP.
224 As igrejas foram fundadas respectivamente em 12/1/1862, 5/3 /1 8 6 5 e 1 3/11/1865.
225 D e “Atas do Presbyterio do Rio de Janeiro, 1865-1910”, citado por Julio de Andrade Ferreira, op.
cit., 1,42; cf. Boanerges Ribeiro, O Padre Protestante, SP, Casa Editora Presbiteriana, 1950, p. 138. Deve
ser notado que o Sínodo de Baltimore era, essencialmente, da “Velha Escola” .
226 D . V., ou Deo valente, “D eus querendo”, ou “Se D eus quiser”.
227 Alexander Latim er Blackford, “Journal Record ofM ission Work in the City ofS ã o Paulo, Brazil,
from October 9th, 1863, to December 25th, 1 8 6 5 ”, apud. Mclntire, op. cit., 4/48-49.
228 A tos do Poder Executivo, 1872, pp. 859-862.
229 Ele entregou um a carta, renunciando seu lugar na Igreja Católica, ao bispo em 4 de outubro de
1864, apenas semanas antes de ser recebido na Igreja Presbiteriana.
230 U m a considerável bibliografia existe sobre o primeiro ministro protestante “nativo” do Brasil,
tanto em português com o em inglês, por ex.: Vicente Th em udo Lessa, Biografia do Ex-Padre José M anuel
da Conceição, SP, 1955; B. Ribeiro, O Padre Protestante, SP, 1950; Mclntire, R. L „ “José M anoel da
Conceição” , tese inédita, Princeton Theological Seminary, 1946. Para um ponto de vista católico roma­
no da época, veja-se [Frei Joaquim do M onte Carm elo], O Padre Conceição e a Igreja, Rio, 1874.
231 N ão é inteiramente claro a que texto Conceição se refere, pois no N . T. há apenas duas claras
referências à Igreja atribuídas a Jesus, e nenhuma delas promete claramente “que a religião dele prevale­
cerá em toda a terra” . M t 16.18 d iz “ ... edificarei a m inha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão
contra ela” . Talvez Conceição juntou M t 16.18 a passagens tais com o M t 2 8 .1 9 , 20; Jo 12.32; 10.16
etc., para chegar a tal conclusão.
232 A Sentença de Excomunhão ou Desautoração Fulm inada Contra o Padre José M anoel da Conceição,
A tualm ente M inistro da Igreja Evangélica e a Resposta do Mesmo, Rio, 1867, pp. 27-32, excerto. O mes­
m o tratado foi publicado no Correio Paulistano de 2 0 /4 /1 8 6 7 .
233 A presente história do protestantismo exibe muitos exemplos de cooperação, tanto no período
em apreço co m o mais tarde (does. 17, 28 e 29)
234 Tradução da carta que existe em inglês no “Arquivo datilografado da Igreja Luterana de Petrópolis” ,
pp. 86-87.
235 A pressão do governo inglês, particularmente sobre o tráfico de escravos, foi fator crucial na longa
cam inhada para a abolição. O assunto, que escapa aos limites desta H istória Docum ental, já foi investi­
gado nas suas diversas facetas por competentes historiadores.
236 Report o f the Centenary Conference o fth e Protestant Missions o f the World, 2 vols. em um, 3 a ed.,
Londres, 1889, I, 356-357. Vanorden foi um inglês que serviu com o m issionário presbiteriano no Rio

411
História Documental do Protestantismo no Brasil

Grande do Sul e em vários outros lugares.


237 M inutes o fth e General Assembly o fth e Presbyterian Church in tbe U nited States, 1866- 1911,
Atlanta, 1866-1912, 1887, p. 229.
238 Actas do Synodo da Igreja Presbiteriana no Brasil, Setembro, 1888, SP, 1888, pp. 5-7. Foram eleitos
na ocasião A. L. Blackford da PC U SA , moderador; Edward Lane, da P C U S, vice-moderador; e o líder
brasileiro M odesto P. B. de Carvalhosa, secretário-permanente. Será notado que o parágrafo n ° 3 trata
da questão de mission comity, assunto tratado mais plenamente adiante nos does. 124, 125 etc.
239 Esta congregação, fundada por H enry Jacob (1563-1624), da congregação de Scrooby, que John
Robinson (1575?-1625) levara a Leiden, Holanda, é considerada a prim eira Igreja Congregacional
estabelecida na Inglaterra (1616).
240 Assim, a Igreja Congregacional se instalou na Am érica do N orte; ela seria a Igreja dom inante da
“N ova Inglaterra”, atualmente o nordeste dos Estados Unidos da América.
241 W inthrop S. Hudson, Religion in America, 2 a ed., NY, Scribners, 1973, p. 44. H á, portaanto, um
significativo parentesco doutrinário entre presbiterianos, congregacionais e batistas.
242 Z. C. Taylor traduziu a N ew Hampsbire, que foi adotada como a “ D eclaração de Fé das Igrejas
Batistas do Brasil”. A Convenção Batista Brasileira alterou, em 1916, o seu estatuto quanto à com posi­
ção da convenção, com o segue: “Art. 3 o - A convenção se com porá de mensageiros eleitos por igrejas
batistas regulares. I o - Igrejas batistas regulares são as que aceitam as Sagradas Escrituras com o sua única
regra de fé e de prática, reconhecem como fiel a exposição de doutrina, intitulada Declaração de Fé das
Igrejas Batistas do Brasil..." (Atas da Convenção Batista Brasileira, 1916, p. IX.) Curiosamente, apesar de
constar no próprio estatuto da convenção, testemunhas oculares como João F. Soren afirm am que a
confissão foi aceita por consenso, não por aprovação formal da convenção. O autor não conseguiu
sequer achar um exemplar da “Declaração de Fé” em português, o que sugere pouco uso dela pelas
igrejas batistas locais.
243 Philip Schaff, Creeds ofChristendom , 3 a ed., NY, 1919, III, 742-748.
244 C itado por H enry Allen Tupper, The Foreign Missions o f the Southern B aptist Convention,
Philadelphia e Richmond, 1880, p. 9.
243 J. Reis Pereira, Breve H istória dos Batistas, Rio de Janeiro, C asa Publicadora Batista, 1972, p. 93.
246 O docum ento é de Tupper, op. cit., p. 9. O autor não conseguiu as respectivas atas da Convenção
Batista do Sul e da Junta de Missões. Igualmente, o autor lamenta não ter podido localizar nos jornais,
e outra documentação da época maiores detalhes do trabalho de Bowen, sua prisão etc.
247 Segundo o Southern B aptist Convention A nnual, 1881, a Igreja de Santa Bárbara tinha 32 m em ­
bros, a de Station 12. Ibid., p. 40.
248 Apud. Tupper, op. cit., p. 10.
249 O versículo citado é At 16.10. Paulo fora açoitado e preso em Filipos, a prim eira cidade da
M acedônia que visitou (At 16.23, 24).
250 Cf. Judas, v. 3.
251 A pud. Tupper, op. cit., p. 11.
252 Southern B aptist Convention A n n u a l Report, 1881, p. 34.
253 I b id , 1882, p. 53.
254 A esposa de Teixeira, D . Senhorinha Francisca de Jesus (cf. doc. 1.8.6), em bora presente, não era
batista ainda.

412
Implantação do protestantismo no Brasil: 1808-1889 - NOTAS

255 C óp ia fiel da primeira ata lavrada no “ Primeiro livro de atas da prim eira Igreja Batista da Bahia” ,
no arquivo da própria Igreja. A discrepância entre a data da fundação da prim eira igreja e a da sua
transcrição sugere a possibilidade de a ata ter sido escrita em papel avulso, sendo passada no livro meses
depois.
256 Ver tópico “O s presbiterianos - Introdução” (p. 124) para uma breve explicação do termo “m is­
são”; para a com posição da Igreja, veja-se doc. 70.
257 Literalmente, o’ inglês diz “estradas e sebes”, um a alusão a Lc 14.23. O sentido é um a busca de
pessoas por toda a parte, onde quer que se encontrem.
258 versj 0 K ing James, de 1611, era na época a Bíblia protestante mais usada nos Estados Unidos.
259 A tradução de Figueiredo favorecia a postura imersionista dos batistas. Ele se refere a versículos
com o Jo ão 1.31 etc.
2611 Bagby indica assim ter alugado um salão de cultos, não mais se lim itando à pregação na própria
residência.
261 Southern Baptista Convention A nnual, 1883, p. 11.
262 Três Razões por que D eixei a Igreja de Roma, Rio de Janeiro, C asa Publicadora Batista, 1938, p. 2.
263 E m 1872, o padre Antônio fugira com Senhorinha, então com dezessete anos de idade, contra a
vontade dos pais dela. Vieira, op. cit., p. 332. O casamento realizado pelo pastor presbiteriano revela,
porém, a aproximação do padre com o protestantismo.
264 Ransom deixou o ex-padre substituí-lo, por exemplo, de 20/5 a 13/6 de 1879 (logo após a adesão
deste à Igreja M etodista), enquanto visitava São Paulo. Pensou em m andar Antônio para Cachoeira, SP,
para começar ali o trabalho metodista, mas o plano não se concretizou (Carta, 14 /7 /1 8 7 9 publicada sob
o título “M y journey to the province o f San Paulo”, Nashville Christian Advocate, 30/8 e 6 /9 /1 8 7 9 ).
265 H á um a controvérsia entre historiadores batistas sobre as circunstâncias do Batism o do ex-padre.
Ebenezer G om es Cavalcanti e M ário Ribeiro M artins, por exemplo, sustentam que ele foi batizado, em
data desconhecida, por R. H . R atcliff (JornalBatista, 2 8 /1 1 /1 9 7 6 , p. 10; 9 /2 /1 9 7 5 , p. 4). O thon Avila
Amaral (idem , 2 /1 /1 9 7 7 , p. 5) e Helen Bagby Harrison, (The Bagbys ofB razil, Nashville, Tenn., 1954,
p. 49) afirm am que ele foi batizado por Robert Porter Thom as.
266 Cf. nota 261, acima, José M anoel da Conceição também tornou públicas as razões por que
deixou a Igreja de R om a (doc. 62).
267 Só o N . T. vem do grego, o A. T. vem do hebraico.
268 “O efeito do poder supositício do padre” significa o poder, falsamente atribuído ao padre, de
transformar pão e vinho em C orpo e Sangue de Cristo.
269 A rã que queria tornar-se tão grande com o o boi.
270 Rio de Janeiro, Casa Publicadora Batista, 1938, sem indicação da edição, pp. \ - \ l , passim.
271 C ultos regulares foram iniciados por Robert H unt em Jamestow n, Virgínia, desde 2 1 /6 /1 6 0 7 .
272 W illiam W ilson M anross, A History o f the American Episcopal Church, NY, M orehouse-Gorham ,
1959, pp. 290, 293. Polk foi diplom ado pelo Seminário de Virgínia.
273 M anross, op. cit., p. 262.
274 O seminário foi fundado em 1824. “Tem continuado até agora sua carreira útil, merecendo
honra especial pelo número de form andos que foram ao campo missionário. C om o é de se esperar, pela
origem, sua tradição eclesiástica tem sido evangélica” (Manross, op. cit., 242). N este m esm o seminário
sulista prepararam-se todos os missionários episcopais enviados para o Brasil nas décadas formativas da

413
História Documental do Protestantismo no Brasil

missão.
275 Vieira, op. cit., pp. 163-164; a citação direta é da p. 163.
276 Vieira, ibid., pp. 1 6 5 -2 0 7 ,passim.
277 O s “ Irmãos de Plymouth” tiveram com o seu mais destacado líder o m inistro anglicano John
N elson D arby (1800-1882). O grupo nasceu da preocupação de restaurar o cristianismo primitivo, sem
clero e não institucionalizado. Tom ou form a por volta de 1828 em D ublin, Irlanda, onde D arby
pastoreava. O s Irmãos enfatizam a celebração dominical da Ceia do Senhor, o Batism o dos crentes, a
autoridade exclusiva da Bíblia; milenarismo; predestinação; conduta puritana. C. 1849, houve cisão no
grupo, os “Irmãos exclusivistas” ou “darbistas” seguindo Darby, os outros, mais m oderados, ficaram
conhecidos com o os “irmãos abertos” . Holden, é claro, seguiu os darbistas.
278 Belém do Pará.
279 M ais ou menos duzentos quilômetros a leste de Belém.
280 The S pirit o f Missions, X X V II (1862), pp. 348-349.
281 A ta da Com issão Executiva da Sociedade M issionária da Igreja Am ericana (A CM S) reunião 21/
5/1889, realizada na Igreja da Santíssim a Trindade, Filadélfia. D e fato, os dois m issionários foram orde­
nados ao diaconato em junho, na capela do seminário, tendo pregado o sermão de ordenação o bispo
George Herbert Kinsolving, irmão de Lucien Lee. N o dia 4 de agosto, o bispo W hittle, de Virginia, os
ordenou ao presbiterato na Grace Church, em Richmond.
282 Três anos depois (1896), o papa Leão X III declarou inválidas as ordens anglicanas.
283 The Echo, setembro de 1893, p. 3.
284 Ibid.
285 Partiram de N ew port News, Virginia, em 1/9/1889, chegando ao Rio de Janeiro no dia 26 do
m esm o mês, tendo passado, na viagem, por um a tremenda tempestade.
286 Por não estar m issionando entre brasileiros, as igrejas alemãs não foram levadas em conta! A ata
da comissão estrangeira da A C M S, de 2 9 /1 /1 8 8 9 deixa claro que a Sociedade nutria esta m esm a preocu­
pação: “ Resolvido que, ao enviar missionários ao Brasil, é nosso propósito ocupar aqueles pontos que
não estejam sob os cuidados de outros missionários protestantes.” - Arquivo da Church Historical
Society.
287 A substância do Quadrilátero se encontra na parte final do n ° 1 da “Declaração de Princípios” .
288 Estandarte Cristão, outubro de 1893, p. 1.

414
Notas da PARTE II
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964)

1 U m dos mais fam osos “settlements”d.os EU A é HulI House, estabelecido em 1889 em humanidade
e Chicago por Jan e Adarns (1860-1935).
2Resumo das Atas, Supremo Concilio, X X V R eunião Ordinária, Rio de Janeiro, 1962, doc. SC -62-200,
p.46.
3 H á agora um a im portante exceção a isto: a Igreja Anglicana em São Paulo, que continua a realizar
cultos em inglês para os anglicanos, está integrada na Diocese de São Paulo da Igreja Episcopal Brasilei­
ra.
4A questão do sustento próprio com o ingrediente essencial para a verdadeira autonom ia preocupou
muito o Conselho Internacional de Missões, que com issionou J. Merle Davis para estudar a base econô­
m ica de várias igrejas jovens. Sua análise está no livro H ow the Church Grows in B razil (Conselho Inter­
nacional de M issões).
5 Lessa, Vicente T hem udo, Annaes da I a Egreja Presbyteriana de Sao Paulo (1863-1903). São Paulo,
I a Egreja Presbyteriana Independente de São Paulo, 1938, pp. 229, 232.
6 C itado do docum ento de 2 8 /2 /1 8 8 7 , abaixo.
7 D ocum ento, 3 0 /1 0 /1 8 9 1 , abaixo.
8 Eduardo Carlos Pereira, na Revista das Missões Nacionais 281211887.
9 Eduardo Carlos Pereira, comentando o sínodo (presbiteriano) de 1891, na Revista das Missões
Nacionais, 3 0 /1 1 /1 8 9 1 .
10 C itam os da 3 a edição, (São Paulo, Livraria Alm enara Editora), 1965, p. 7.
11 Younger Chruch, p. 70.
12 Eduardo Carlos Pereira e a questão maçônica entre os presbiterianos, Revista de Universidade de
Campinas, ano III, junho e outubro de 1956, n ° 11 e 12, p. 13. Veja-se tam bém pelo m esm o autor, “A
maçonaria e o cism a no presbiterianismo brasileiro” , em Revista Eclesiástica Brasileira, março, 1948, pp.
35-57.
13 Frase de Agnelo Rossi, op. cit., p. 13.
14 Para lim itar o tamanho da presente história, optam os por não tratar individualmente dos diversos
ramos de cada denominação. Por esta razão, lamentavelmente, não haverá documentos específicos sobre
a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, muito embora o autor reconheça sua importância.
15 D ’ O Estandarte de 6 /3 /1 9 0 2 , citado em Pereira, Origens, p. 51.
16 Publicado em O Estandarte, agosto, 1903. O mesmo foi transcrito no Expositor Cristão de 2 0 /8 /
1903, pp. 2-3, com comentário do redator, Jam es L. Kennedy.
l7Artigo de Erasm o Braga em Revista de Missões Nacionais, julho, 1914, pp. 2-3.
18M clntire, Portralt, 8/23-24.
19 (*) Atas de 1916, p. 22, referentes aos Drs. J. R. Sm ith e Thom as Porter.
20A tas da Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana no Brasil, 1917, pp. 10-16.
21A Convenção deixou clara, em 1907, sua intenção de aperfeiçoar a Constituição em 1908. N a
verdade, a única m udança de m aior importância foi um a nova redação do art. 3 o, que passou a ser lido
com o segue: “A Convenção se compõe de todas as igrejas batistas do Brasil, da m esm a fé e ordem e em

415
História Documental do Protestantismo no Brasil

harm onia de vistas e de trabalho com a m esm a Convenção e a sua representação será de um mensageiro
ou representante por cada Igreja e mais um por cada 50$000 que a Igreja contribuir para a Convenção
ou para qualquer de suas juntas” . (Atas da Convenção Batista Brasileira, 1908, p. 5).
22Actas da I a Reunião da Convenção Baptista Brasileira, 1907, pp. 5-7.
23 Tanto o “M em orial” , assinado por quinze pastores nacionais, quanto a resposta, assinada por treze
missionários, foram publicados no Correio D outrinai [Recife], 6 de abril de 1923, pp. 9-10.
24M anifesto aos Batistas Brasileiros, 1925, panfleto.
25Actas da I a Reunião da Convenção Baptista Brasileira. Rio de Janeiro, 1925, pp. 28-33. O docu­
m ento traz a assinatura de três missionários e cinco brasileiros, inclusive A. N . M esquita
262 3 a Reunião da Convenção Baptista Brasileira, Rio de Janeiro, C asa Publicadora Baptista, 1936, pp.
26-30.
11 Atas, Relatórios e Pareceres da Quadragésima Assembléia A n u a l da Convenção Batista Brasileira, Rio
de Janeiro, C asa Publicadora Batista, 1957, pp. 187-188.
28 A tas da Conferência A n u a l Brasileira, 1971, pp. 39-40. A administração da missão brasileira foi
difícil durante a guerra, pois o próprio bispo faltou diversas vezes na sua visitação anual no quadriênio
1914-1918. Tais acontecimentos tornaram evidente a conveniênda de um a adm inistração local e autô­
noma.
25 A urgência dessa m edida ficara patente durante a Primeira G uerra M undial, quando por diversos
anos nenhum bispo norte-americano pôde vir presidir as conferências anuais, ordenar m inistros etc.
30A m esm a Conferência Geral da IM E S que criou a Igreja M etodista do Brasil, criou igrejas autôno­
mas tam bém no M éxico e na Coréia, como alternativa à Conferência Central, estrutura em pregada nos
cam pos missionários da IM E (Igreja M etodista do N orte).
31Actas da Comissão Constituinte e Actas do I o Concilio Geral da Igreja M etodista do Brasil (em um só
volum e), 1930, pp. 15 a 25.
32 Informação sobre o bispo César em N elson de G odoy Costa, César Dacorso Filho; Príncipe da
Igreja M etodista do Brasil, São Paulo, Imprensa Metodista, 1967, passim. O m etodism o, desde João
Wesley, aceitou o conceito da Igreja Primitiva de que bispo e presbítero são essencialmente da mesm a
ordem. D aí, o m etodism o americano, ao estabelecer o episcopado metodista, o estabeleceu como cargo
vitalício, mas não com o uma terceira ordem. A Igreja M etodista do Brasil levou a lógica um passo
adiante, criando um episcopado de termo fixo, sujeito à sucessiva reeleição.
33 Esta segunda sessão do Concilio Geral se realizou em Porto Alegre.
34 D ocum ento extraído de A tas e Documentos do Concilio Geral da Igreja M etodista do Brasil, São
Paulo, 1934, pp. 44, 45, 48.
35 A tradução é infeliz, pois Nelson realmente se refere aqui ao seu curso superior ou universitário.
36 C arta de Justus H. N elson a T. S. Donohugh de 2 8 /1 /1 9 2 6 , logo depois de sair do Brasil. A carta
foi transcrita no Expositor Cristão, 2 /6 /1 9 6 0 , p. 2. Ele conta a m esm a história, com m uitos outros
detalhes, no Suplem ento de O Apologista Christão Brasileiro, outubro de 1925, pp. 1-4.
37 J. M. M ac-Dowell, E m Defesa da Fé e da Liberdade, Pará, Belém, 1919, pp. 12-14. Deve ser
observado que, em 1892, nos começos da República, a Igreja Católica não era m ais a religião oficial do
país. Em teoria, se um católico romano desacatasse publicamente o culto m etodista, ou de outra Igreja
Evangélica, tam bém seria passível de prisão.
38 Veja-se a introdução geral do primeiro período (p. 27 ss) para um tratamento mais geral.

416
Crescimento e Amadurecimento ( 1889-1964) - NOTAS

39 Houve tam bém um a riquíssima fermentação intelectual na Alemanha. Basta lem brar figuras como
o teólogo Friedrich D aniel Ernst Schleiermacher (1768-1834), o filósofo religioso G eorg W ilhelm
Friedrich Hegel (1770-1831), o discípulo deste, Ferdinand Christian Baur (1792-1860), que aplicou a
filosofia hegeliana ao Novo Testamento, e ainda David Friedrich Strauss (1808-1874), cuja interpreta­
ção m ítica da vida de Jesus (1835) marcou época - todos estes da prim eira metade do século. N a
segunda metade, destacam-se nomes como o de Albrecht Ritschl (1822-1889), influente teólogo e
historiador da Igreja Primitiva, e seu discípulo, o historiador eclesiásdco-liberal A d olf von H am ack
(1851-1930).
40 O s principais expoentes do pietismo foram Felipe Jacó Spener (1635-1705), fundador do movi­
mento, e Augusto Herm an Francke (1663-1727), que fez de Halle o centro de irradiação do movimen­
to. O u tra fase do pietismo, a dos morávios — a Unitas Fratrum - gerou um a denominação. Eles se
estabeleceram em Herrnhut, terras do conde Ludw ig von Z inzendorf (1700-1760), que se tornou o
bispo.
41 Hostis ao calvinismo, os “velhos luteranos” (após 1840, liderados por Ernst W ilhelm Hengstenberg),
recusaram-se a participar da união. O rei Frederico Guilherme III (1797-1840) tentou forçá-los a aderir,
proibindo-os de sair do país. D epois de 1840, m uitos emigraram, formando, nos Estados Unidos, o
Sínodo de Missouri e, no Brasil, o Gotteskastensynode; na Alemanha, Neudettelsau passou a ser o seu
centro.
42 Edição Impressa dos Estatutos, São Leopoldo, 1923.
43 A expressão “Igreja Territorial da Prússia” , comumente usada nos círculos luteranos brasileiros,
significa a Igreja Evangélica da Prússia, criada pela união das Igrejas Luterana e Reformada, em 1817.
Em inglês, é cham ada Evangelical N ational Church ofPrussía ou Evangelical Church o f Prússia, ou ainda
Prussian Union.
44 “Palavra de despedida do conselho-mor eclesiástico evangélico da Igreja Territorial da velha Prússia
às com unidades e aos pastores evangélicos alemães do Sínodo Rio-Grandense, filiados ao conselho-mor,
de 1928” , em D er Deutsche Ansiedler, 67 (1929), março/abril, pp, ls.
45 Evangelisch-Lutherinches Gemeindeblatt. O documento é um resumo da declaração dos editores
sobre a postura confessional do jornal e da “Igreja”; primeiro número, ano 2, 1906, pp. 1-3.
46 Protokollbuch, Bd I.
47 D e O Castelo Forte, Ano I, n ° 1 (março de 1947), p. 2. O pastor Ferdinando Schlünzen foi o
presidente do sínodo luterano de 1933 a 1954. Q uanto ao lema, foi no princípio um a frase de Carl
Ferdinand W ilhelm Walther, fundador do Sínodo de M issouri: Gotts Wort u n d Lutbers Lehr vergehen
nun u n d nim m erm ehr (A Palavra de D eus e o ensino de Lutero nunca desaparecerão), permanece como
lem a do trabalho dos missourianos no Brasil. D epois foi substituída pela frase de Lutero: Das Wort sie
sollen lassen stahn. “Eles devem deixar em pé a palavra.”
48 Gustav Schreiner, “25 Jahre Gotteskastenarbeit in Brasilien”, Deutsche Evangelísche Blatter fu r
Brasilien, 1923, p. 74ss.
49 D o Arquivo da Com unidade Luterana do Rio de Janeiro, folhas soltas. O s outros capítulos são:
III. D a Direção do Sínodo; IV. D a Reunião do Sínodo; V. D a C aixa do Sínodo.
50 D epois, o acréscimo ficou sendo o nome oficial da Igreja, cuja sigla é IE C LB . D ocum entos relaci­
onados com esse acontecimento se encontram no capítulo final deste livro.
51 D a edição impressa dos estatutos da Federação Sinodal, São Leopoldo, Rio Grande do Sul.

417
História Documental do Protestantismo no Brasil

52 A expressão traduzida por “conselho ecumênico” corresponde a “Conselho M undial de Igrejas”


(CM I).
53 Estas teses, proferidas pelo pastor Hermann D ohm s, presidente do Sínodo Rio-Grandense e tam­
bém da Federação, foram expressamente aprovadas pelo Concilio reunido em São Leopoldo. “A signifi­
cação dos artigos I e II da ordem básica (estatutos) da Federação Sinodal” , Primeiro Concilio Eclesiástico
da Federação Sinodal, 14-16/5/1950, São Leopoldo, 1950, pp. 25-38.
54 Esta mensagem é de 17/5/1 9 5 0 , o dia seguinte ao do I o Concilio. Primeiro Concilio, p. 44.
55 D aqui em diante IPE-EUA.
56 D aqui em diante IPE-Haiti.
57 U m a comissão com posta de todos os clérigos, membros da Convocação da Igreja brasileira, reu­
niu-se para considerar não só o pacto como tam bém outros assuntos afins. O relatório da com issão foi
aprovado pela Convocação, na form a das quatro resoluções aqui transcritas.
58 D aqui em diante IPE-Brasil.
55 Estandarte Cristão, 15 de junho, 1898, pp. 1-2.
60 O s documentos episcopais empregam o termo “eclesianos”, mas aqui se usou o vocábulo mais
comum, “m em bros”.
61 O colega mencionado foi Jam es W. Morris. É altamente significativo para a compreensão da
história do protestantismo brasileiro notar que todos os missionários que a Igreja Episcopal enviou ao
Brasil nas primeiras décadas da missão eram egressos deste mesmo seminário sulista.
62 The Churchman, 14 de janeiro de 1899, p. 49. Onze bispos participaram da cerimônia de im po­
sição de mãos.
63 Coincidia com o 5 0° aniversário da fundação da Igreja Episcopal.
64Estandarte Cristão, 15 de m aio de 1940, p. 25.
65 “Relatório do Conselho Nacional da Igreja Episcopal Brasileira aos m em bros do sínodo” , Atas e
Outros Documentos do I o Sínodo da Igreja Episcopal Brasileira, 1952, Porto Alegre, Editora C oruja, 1952.
p. 39.
“ Atas e Outros Documentos, ...1952, pp. 51-65.
67A data de 1965 escapa aos limites cronológicos do capítulo 2. N a realidade, porém, am bas as duas
igrejas - brasileira e americana - aprovaram a autonom ia em 1964; em 2 5 /4 /1 9 6 5 deu-se apenas a
formalização do acontecimento (V IIR eunião Extraordinária do Sínodo... 1964, p. 14).
68 D o “D ocum ento a ser apresentado à convenção geral”, Atas e Outros Documentos da Sessão Extra­
ordinária, op. cit,, pp. 11-12; a Câm ara o aprovou a 18 de outubro, conforme o docum ento que segue.
65 O sínodo brasileiro aprovou o plano a 7 de agosto de 1964.
711Texto transcrito em documento 54.
71 Ismael da Silva Junior, O Cristão, 31 de dezembro, 1960, pp. 129-130.
72 A “questão religiosa” de 1872-1875, na qual o Império condenou à prisão os bispos Vital M aria
Gonçalves de Oliveira, de Olinda, e Antonio M acedo Costa, de Belém do Pará, por terem infringido o
direito do padroado, no ato de interditar confrarias que tinham maçons com o membros, é universal­
mente reconhecida como um m omento de m uita importância no catolicismo brasileiro. O próprio dom
Vital, no seu Resumo Histórico, declarou; “A questão despertou o sentimento católico no Brasil” (citado
em Antonio Carlos Villaça, História da Questão Religiosa no Brasil, Rio de Janeiro, Francisco Alves,
1974, p. 148).

418
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964) - NOTAS

73 O padroado constituiu uma forte barreira às reformas do Concilio de Trento (1545-1563). H ugo
Fragoso, em História da Igreja no Brasil, II/2, p. 184, assevera que “o esforço para fazer valer na Igreja do
Brasil os princípios do Concilio de Trento é mesmo a característica principal da atuação do nosso epis-
copado no segundo Império” . Só com a extinção do padroado, porém, é que as decisões de Trento
poderiam ser aplicadas na sua íntegra. D om Antônio M acedo Costa percebeu, com o transpira na pasto­
ral de 19/3/1 8 9 0 , vantagens na separação Igreja e Estado: “o decreto assegura à Igreja Católica no Brasil
certa som a de liberdade que jam ais logrou no tempo da monarquia” (citado por Villaça, op. cit., p. 147).
74 Houve protesto por parte daqueles que entendiam que a lei 183, que proibia casamento de colaterais
até o terceiro grau, diminuía o número de nascimentos de aleijados e dementes. Tam bém havia fortes
suspeitas de que o verdadeiro motivo por trás do caso era possibilitar “o casamento de filho de um
deputado paulista, milionário, com uma senhorita também milionária, sua parenta em terceiro grau” .
Ver, por exemplo, Guaracy Silveira, “Casamentos de tios com sobrinhos e o cardeal Arcoverde”, Exposi­
tor Cristão 5/6/1919, pp. 4-5, e João França, “O código civil e o casamento entre tios e sobrinhos”,
Expositor Cristão, ibid., p. 5.
75A variedade das publicações de Chiniquy é impressionante. U m a das primeiras a sair do prelo na
Am érica Latina foi E l Sacerdote, la M ujer y el Confesionario, M ontevidéu, E I Siglo Ilustrado, 1886
(republicado, por exemplo como E l cura, la M u je r y el Confesionario, Buenos Aires, La Aurora, 1936).
Chiniquy freqüentemente ridicularizava certos dogmas e práticas católicos, com o no seu tratado Le Bon
D ieu de Rome M angépar les Ratsl Montreal, Librarie Évangélique, 1876. Seus livros C inqüenta Anos na
Igreja de Roma e Quarenta Anos na Igreja de Cristo (edição póstum a), constituem um a espécie de autobi­
ografia.
7S Decretos do Governo Provisório, vol. I, p. 10. Além de estabelecer liberdade de culto, o governo
provisório tam bém secularizou aspectos da vida social que antes estavam sob controle religioso. Por
exemplo, a decisão n ° 16 de 11 de setembro de 1890, “ ... o governo não reconhece outro casamento
celebrado no Brasil,... senão o civil...” Esta decisão, encontrada em A dditam entos às Decisões do Governo
Provisório, Rio, 1895, p. 154, anulou o efeito do decreto n° 3069 de 1 7/4/1863. Após a decisão n ° 16,
nenhum casamento católico ou protestante teria validade legal.
77 O s reformadores rejeitaram severamente o rebatismo, chegando a perseguir os anabatistas por
causa dessa prática. Conform e Calvino, o Batismo não inicia ninguém na Igreja em nome de qualquer
hom em , senão “no nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo;... portanto, o Batismo não é do hom em
e, sim, de D eus, não importando por quem possa ter sido m inistrado”. Calvino manteve esta posição
desde a prim eira edição da Instituição da Religião Cristã, em 1536 (cap. 4) até a última, em 1559
(IV.xv. 16), sem m udar sequer a linguagem. O s calvinistas m odernos repudiaram a posição de Calvino a
esse respeito, sendo típico o artigo de Laudelino de Oliveira Lima, “É Cristã a Igreja Rom ana?” (O
Puritano, 17/6/1915), que ele iniciou citando a advertência do Ap. 18.4: “fugi dela, povo meu, para não
serdes participantes das suas maldições” .
78 Veja seu artigo, “A razão de ser do catolicismo evangélico” , em Revista das Missões Nacionais, 1/
1915, pp. 1-2.
79Anônim o, Revista das Missões Nacionais 6/1915. Eduardo Carlos Pereira notaria esta m esm a dife­
rença entre latinos e anglo-saxões, no próprio congresso do Panamá. “ Reunido com o fim de estudar o
problem a religioso da Am érica Latina, não podia o congresso desconhecer o fato capital de que a Igreja
C atólica Rom ana dom ina esta parte do Continente. Aos latinos, apoiados por alguns missionários,

419
História Documental do Protestantismo no Brasil

parecia que a assembléia, em declaração formal e solene, deveria reconhecer este fato, e, diante dele,
definir franca e lealmente a sua atitude... Assim, porém não sentiam os irmãos do N orte. Julgavam eles
que sobre o assunto era suficiente o que esparsamente se dizia nos relatórios. Havia ali um conflito
latente de temperamentos. Eles a temer a loquacidade latina, nós a recear a taciturnidade saxônica...” (O
Problema Religioso da América Latina, São Paulo, 1920, p. 176-77).
8(1 O s protestantes, via de regra, eram entusiastas da República, por ter concedido plena liberdade
religiosa. D iscursos protestantes no dia 15 de novem bro eram com uns com o, por exem plo o do
presbiteriano Álvaro Reis, que receitou a religião evangélica como o remédio dos males do corpo, da
família, e da nação. Ele advertiu: “Sejamos pregadores do Evangelho, pois quando o Evangelho estiver
dissem inado por todos os lares e influir geralmente no caráter do nosso povo, ele será rico, será grande.
Será rico, porque possuirá as maiores bênçãos temporais e as inúmeras bênçãos espirituais que são gran­
des e eternas, com o grandes e eternas são o poder, a sabedoria e o am or de D eus” (em O Puritano, 4 /1 2 /
1913, p. 7).
81 O s protestantes interpretavam corretamente a intenção católica, pois o cardeal Leme declarou:
“ Faremos do catolicismo a religião oficial... Som os a maioria e nós o queremos. Podemos im por nossa
vontade” (no Diário Popular de 8 /6/1931). A importância da posição do Cardeal foi notada por obser­
vadores da época. Foi citado por Santos Saraiva em O Catolicismo Romano, São Paulo, 1932, entre
outros.
82 O “M anifesto” foi publicado em O Puritano, em 16/5/1931, tendo sido redigido pelo presbiteriano
G aldino Moreira. Convém notar que, na últim a parte, o “M anifesto” era quase um a transcrição do
Credo Social, aceito na época por diversas denominações brasileiras. Outros grupos tam bém se manifes­
taram; por exemplo, o comitê pró-liberdade de consciência emitiu um “m anifesto à nação” em 20/6/
1931 (reproduzida no Expositor Cristão em 8 /7 /1 9 3 1 , p. 7). N a m esm a página do Expositor Cristão,
Ernesto Bagno deplora a tentativa católica de revogar o casamento civil. Bagno apela aos seus leitores
para que orem em favor de Getúlio Vargas, a fim de que “vença as insinuações que lhe serão feitas por
um D . Sebastião Lem e” .
83 Deutsche Evangelische Blatter fü r Brasilien, jornal mensal, vol. 15 (1933), pp. 114-116.
84John Edwin Fagg, Latin America-, A General History, N ova York, M acmillan, 1964, 2 a edição, pp.
962, 971, diz que Vargas alegava ter reduzido o analfabetism o de 80 para 60% entre 1930 e 1940, mas
Fagg acha que ele exagerou o seu sucesso.
85 N a realidade, a nova Constituição favoreceu a Igreja Católica, dando o sufrágio aos religioso e
lim itando a capelania m ilitar a sacerdotes católicos (art. 113, n ° 6), m antendo “representação diplom á­
tica junto à Santa S é ” (art. 176). O direito de votar foi estendido a mulheres e a idade lim ite baixada a
dezoito anos (art. 108).
86 Artigo de Jú lio C. N ogueira em O Puritano, 2 5 /3 /1 9 3 3 .
87 O s autores da carta, Synesio Lyra, presidente, e Rodolfo Anders, secretário-geral, se referem aos
m issionários episcopais, metodistas, batistas e presbiterianos.
88 Esta carta, enviada ao embaixador Cafferey, foi publicada na integra em U num Corpus, julho,
1942, pp. 1-3.
89 “Ecum enism o” no período em apreço significa “pan-protestantism o”, pois as Igrejas Ortodoxas
participaram muito pouco do movimento ecumênico antes da Assembléia do Conselho M undial de
Igrejas em N ova Delhi, 1961, como os católicos romanos só depois do concilio Vaticano II.

420
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964) - NOTAS

90 Parágrafo baseado em W inthrop S. Hudson, American Protestantism, Chicago, University o f C hi­


cago Press, pp. 33-48.
91 N o Brasil, por exemplo, as missões de dois ramos do presbiterianismo (P C U S-P C U SA ) se uniram
em 1888 num a única Igreja Presbiteriana brasileira. Semelhantemente, os m etodistas “do N orte” (IM E)
cederam aos do Sul (IM ES) sua missão no Rio Grande do Sul, em 1900, assim unindo a obra m etodista
no Brasil 39 anos antes do m esm o ocorrer no país de origem. A doutrina da “Igreja Espiritual”, que tem
com o chave hermenêutica M t 22.21 (“D ai a César o que é de César e a D eus o que é de D eus”),
restringe a atividade da Igreja à esfera “espiritual”.
92 N o fim do período em apreço, duas igrejas pentecostais do Chile ingressaram no C M I (1961) e a
Igreja Pentecostal “ O Brasil para Cristo” ingressou em 1968. Diversas denominações do tipo “santida­
de” iniciaram trabalhos no Brasil no fim do período em consideração.
83 “A razão de ser do catolicismo evangélico”, Revista das Missões Nacionais, 1/1915, p. 1.
94 Regional Conferences in Latin Am erica, Nova York, 1917, pp. 253-254.
93 Cp. a postura oficial anticatólica da Igreja Presbiteriana do Brasil com o um a expressão da sua
“consciência de personalidade” (consciousness o f selfood) no A n n u a l Report 1970 do Board o f World
M issions, P C U S, citado por ]ames Wright no seu relatório m im eografado “ 1972 Annual Narrative
Report Brazil”, [São Paulo], 1972, p. 10.
96 G aldino Moreira, Revista das Missões Nacionais, 8/1924, p. 4.
97 O Puritano, 2 5 /1 0 /1 9 4 2 .
98A tas da Convenção Batista, 1918, pp. 29-33.
"M a tta th ia s Gom es dos Santos em O Puritano, 6 /7 /1 9 1 1 , p. 2.
100 J. M artins em O Puritano, 2 4 /6 /1 9 1 5 . O termo “últimas chuvas” se encontra em Joel 2.23, o
mesmo capítulo que profetiza o derramamento do Espírito, e em diversos outros lugares (Jr 3.3, 5.24; os
6.3; Z c 10.1 e Ez 34.2 6 - “chuvas de bênção”). As últimas chuvas seriam os dons espirituais associados
ao pentecoste. C om o passar do tempo, abrandou-se a maneira de se pensar sobre a Assem bléia de Deus
e outras igrejas pentecostais. Para um exemplo disso, veja-se “O exagero é que é ruim”, em O Puritano,
10/1/1939.
101 O movimento fundamentalista remonta à Conferência Bíblica de N iagara, logo sendo elaborados
os “cinco pontos” considerados fundamentais (o nascimento virginal de Jesus, sua ressurreição corpórea,
a inerrância das Escrituras, a teoria substitutiva da expiação, e a iminente volta de Cristo). A exposição
clássica do Fundamentalismo se encontra em dez livros editados por Amzi C. D ixon e Reuben A. Torey,
respectivamente pastor da Igreja M oody e superintendente do instituto bíblico Moody, de Chicago. Os
livros, intitulados coletivam ente The F undam entais saíram do prelo de 1909 a 1912. O rótulo
“fundamentalista” foi cunhado por Curtis Lee Laws, batista, redator do Watchman-Examiner, em 1920.
102 Luiz Pereira Boaventura escreveu um instrutivo artigo sobre “M odernism o e Fundam entalism o”,
publicado em O Puritano (25 /7 /1 9 5 0 ), no qual estranhou a controvérsia no seio da Igreja conservadora.
D iz Boaventura, “Acho que posso assinalar a dedo aqueles que se proclam am fundamentalistas, mas
vejo-me em dificuldade em apontar o indicador para um ministro que seja realmente modernista” .
103 Coriolano de Assum pção escreveu na Revista das Missões Nacionais de 8/1919: “Abrir m ão da
orientação segura, proveitosa, progressista do seminário presbiteriano, que dia-a-dia se aperfeiçoa para
ter ministério educado, preparado a mercê de pulsos menos firmes no m anejo do leme, é correr grave
risco de ver soçobrar a Igreja Presbiteriana”.

421
História Documental do Protestantismo no Brasil

104 Guilherme Kerr, Atas da Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana do Brasil, 1926, pp. 76-78. Kerr
foi, por m uitos anos, reitor do seminário de Cam pinas.
105 O Puritano, 10/5/1938.
106 Surgiram entre os evangelicals a Associação Nacional de Evangélicos (1942) e M ocidade para
C risto (1943). M ocidade para Cristo recrutou Billy Graham (nascido em 1918) em 1945; campanhas
evangelísticas em Los Angeles, Boston e Portland (1949-1950) lhe deram fam a nacional , que foi au­
m entada pela sua “invasão” da Inglaterra em 1954. Graham usou com unicação de m assa e eficiente
organização nas suas campanhas, conseguindo apoio de muitas denominações. Graham tam bém com ­
batia o com unism o, coincidindo sua campanha com a notória “caça aos com unistas” do senador Joseph
M cCarthy (1950-1954).
107 O relatório oficial da Assembléia de Am sterdã traz uma lista das igrejas-membros e seus respecti­
vos delegados; consta da lista o nome do Dr. Samuel Rizzo como delegado da Igreja Cristã Presbiteriana
do Brasil; Dr. Richard L. Waddell constava da lista dos consultores. W. A. Visser’t H ooft, The First
Assembly o fth e World Council ofChurches, NY, Harper, 1949, vol. V, pp. 2 3 6 e 259.
i08N atanâel Cortez, O Puritano, 2 5 /1 /1 9 5 0 .
105 O movimento é conhecido por uma variedade de nomes e apelidos: M ovimento de O xford por ter
surgido entre diversos clérigos jovens, principalmente ligados ao Oriel College, da Universidade de Oxford;
M ovim ento Tractariano, por causa dos noventa “Tratados Para os Tem pos” , escritos por John Henry
N ewm an (1801-1890) e outros líderes do movimento; ou puseísmo, de Edward Bouverie Pusey (1800-
1882), que assumiu a liderança do grupo depois que Newm an passou para a Igreja Católica Romana, em
1845. (Newm an foi elevado a cardeal em 1879, pelo papa Leão X III). D este movimento, veio o partido
anglo-católico, que suplantou o Movimento de Oxford e, sob a liderança de Pusey, tornou-se elemento
permanente do anglicanismo.
' 10 O preâm bulo da Aliança Americana declara: “N ão temos intenção de criar um a nova denom ina­
ção ou efetuar um a am álgam a de igrejas...” , N ew Schajf-Herzog Encyclopedia o f Religious Knowledge,
1950, IV, 222. U m a outra tentativa de se descobrir um a base doutrinária m ínim a foi o “ Quadrilátero de
Lam beth” aprovado pelos bispos anglicanos na conferência de Lam beth em 1888.
1,1Expositor Cristão, 13/8/1903, p. 6.
112W illiam Richey H ogg em Ecumenical Foundations, a History o fth e International M issionary Council
a n d its N ineteenth-Century Background, N ova York, 1952, p. 131, diz: “Para m uitos, a om issão mais
importante de Edim burgo foi a América Latina”. Apesar da omissão, alguns obreiros, principalmente
missionários, estiveram presentes. Álvaro Reis compareceu com o um dos “delegados nomeados pela
comissão executiva americana para preencher vagas nas listas dos boards” . J. W. Tarboux, missionário no
Brasil, fez parte da delegação da IM E S; H. C. Tucker tam bém esteve presente, pela Sociedade Bíblica
Americana, da qual era agente no Brasil. Além destes, apenas dois secretários da Associação Cristã de
M oços, G. I. Babcock e C. D . Hurrey, respectivamente trabalhando no M éxico e na Argentina. J. W.
Butler, superintendente da missão m etodista na Cidade do M éxico, tam bém esteve presente. Veja-se
World Missionary Conference 1910, NY, 1910. O s nomes m encionados encontram-se no vol. 9, como
segue: Reis (p. 63), Tarboux (p. 57), Tucker (p. 62), Babcock e Hurrey (p. 62). A presença de Butler está
m encionada em Christian Work in Latin Am erica, NY, 1917, vol. I, p. 7.
113 “A Convenção do Panamá - a oportunidade dos brasileiros” , em Revista das Missões Nacionais, 61
1915.

422
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964) - NOTAS

114 Christian Work in Latin Am erica, III, 79-82. A história subseqüente m ostra que, de fato, a com is­
são de cooperação trabalhou com relativo sucesso; chegou-se a fundar um seminário unido, que funcio­
nou, por poucos anos, sem o apoio da m aioria das igrejas; a divisão de territórios funcionou, em parte;
o am bicioso plano de Lavras nunca logrou formar a universidade prevista. Se o esquem a de “cooperação
futura” aqui esboçado tivesse se concretizado, a história do ecumenismo no Brasil teria sido bem outra.
115 B (batista), M (metodista), P (presbiteriano), PI (presbiteriano independente).
116N o relatório sobre cooperação e unidade, G am m on declara que o seminário m etodista no Granbery,
Juiz de Fora, tam bém negociava a união. “Parece haver boas perspectivas para a consum ação desta união,
apoiada com o está por homens de influência em am bos os lados” (247).
117A expressão refere-se à prática de dividir o território de determinado país entre diferentes juntas
missionárias, para evitar conflitos e duplicação de esforços.
118 A união da obra m etodista, congregacional e parte da presbiteriana foi consum ada em 1925,
dando origem à Igreja Unida do Canadá.
119 Regional Conferences in Latin America, NY., 1917, pp. 217-255.
120 C om a criação do Conselho Federal (1908) diminuiu bastante nos E U A o entusiasmo pela Alian­
ça Evangélica.
121 Episcopal, presbiteriana, presbiteriana independente, metodista, congregacional.
122A m issão Caiuá, em Dourados, M T, representa a concretização desse planejamento.
123 O livro foi publicado, tornando-se célebre: Erasm o Braga e Kenneth G. G rubb, The Republic oj
B razil, London, World D om inion Press, 1932.
124Relatório da Comissão Brasileira de Cooperação, 1927-1928, passim. Braga emprega m uitos termos
em inglês, com o Board, H eart o f A m azônia Mission, Womens Christian Temperance Union e outros, sem
grifos; o texto transcrito acima, portanto, respeitando o original, não grifa esses vocábulos.
125 Erasm o Braga e Kenneth G. Grubb, op. cit., pp. 92-93.
126 O relacionamento foi um pouco complexo, e por isso pede ligeira explicação. A Com issão Brasi­
leira de Cooperação sempre esteve ligada ao Com itê de Cooperação na Am érica Latina (C C L A ); assim
a Com issão ficou vinculada ao Conselho Internacional de Missões (C IM ) quando o. C C L A se filiou ao
C IM na reunião deste em W illiamsburg, em 1929. (Relatório anual da CBC, 1929-1930, p. 4). H ogg
diz em EcumenicalFoundations, p. 268, que a Confederação Evangélica do Brasil (C E B ) tornou-se parte
do C IM na reunião deste em N orthfield, em 1935.
127Epam inondas Melo do Amaral, O Puritano, 25/6/1935. D epois da morte de Erasm o Braga, Amaral
surgiu com o o brasileiro mais destacado em assuntos ecumênicos. Im buído desse espírito foi muito
influente na Confederação Evangélica do Brasil desde a sua criação.
128 O cham ado “movimento de Estocolm o (cristianismo prático)” é geralmente designado “V ida e
Ação” . A Conferência de Estocolm o (1925) enfatizou a reforma social por m eio do esforço individual; a
de Oxford, Inglaterra (1937) do mesmo movimento, “convocou as próprias igrejas para m obilizar suas
forças espirituais a fim de combater a injustiça, crueldade e ódio” (W. Stanley Rycroft, The Ecumenical
Witness o fth e UnitedPresbiterian Church in the U.S., NY, 1968, p. 112). Tam bém em 1937, um outro
movimento gerado por Edim burgo 1910, Fé e Constituição, realizou sua segunda conferência mundial,
em Edim burgo. As duas conferências votaram, em 1937, fundir-se para formar o Conselho M undial de
Igrejas (C M I). N un ca relacionada ao movimento “Fé e Constituição”, a Confederação tam bém nunca
chegou a ter um relacionamento mais profundo com o C M I. Por ser um conselho de igrejas, o C M I

423
História Documental do Protestantismo no Brasil

poderia adm itir com o membros apenas igrejas.


129A nais do 3 o Concilio Geral da Igreja M etodista do Brasil, 1938, pp. 199-122.
130 “Com issão Interdenominacional”, A nuário Brasileiro de 1899-1900, pp. 30-31. A votação está
registrada na p. 17.
131 U m exemplo disso foi o atrito entre os metodistas e presbiterianos independentes de A m paro e
Serra Negra, SP (A nuário da Igreja M etodista Brasileira 1903-1904, p. 30). A esta altura é difícil desco­
brir a quem cabia a maior parcela de culpa.
132N o Relatório 192 9 -1 9 3 0 da C B C , p. 10, encontra-se: “Certas emergências têm tornado imperioso
que a nossa comissão tome a iniciativa de apresentar a determinados corpos cooperantes, umas tantas
situações que têm precisado ação imediata e eficaz coordenada... Há, todavia, sintomas de um a revivência
de ação individualista...”
133 D aqui em diante, neste documento: CRI.
134 O texto acima é transcrição fiel de U num Corpus. N o entanto, no Expositor Cristão de 2 7 /1 2 /
1938, p. 8, o M odus vivendi “de acordo com o ponto de vista m etodista”, tem a seguinte redação:
“N enhum a corporação receberá grupos que se separem das demais sem ouvir a outra parte interessada”
(grifos nossos). O “em” no texto acim a deveria então ser “sem”.
135Transcrito de U num Corpus, jan., 1938, pp. 3-4.
136A referência parece ser particularmente ao cap. II (doc. 100).
137 D o arquivo da Com issão Teológica do Sínodo Rio-Grandense.
138 O docum ento referente à adesão da Igreja “ O Brasil para Cristo” se encontra no últim o capítulo,
na seção de pentecostalismo (doc. 185).
139Apesar da solicitação ao próprio C M I e ainda ao Rev. Janos Apostol, pastor-fundador da Igreja
C ristã Reform ada do Brasil, o autor não conseguiu nenhum docum ento significativo da adesão desta
Igreja ao C M I. As raízes desta Igreja remontam à Primeira Guerra M undial (1914-1918) quando, tendo
perdido 2/3 do seu território nacional, m uitos húngaros emigraram, dos quais um considerável contin­
gente veio para o Brasil e outros países sul-americanos. O Rev. M iguel Rizzo Jr. organizou um grupo
deles em congregação, no dia de N atal de 1930; seus cultos eram realizados no tem plo da Igreja
Presbiteriana Unida em São Paulo. Em 1932, a Igreja Reformada Magyar enviou ao Brasil o Rev. Janos
Apostol, que organizou a Igreja Cristã Reformada do Brasil em 3 1 /1 0 /3 2 e, em 2 8 /1 2 /1 9 4 1 , inaugurou
o tem plo próprio do grupo, no estilo arquitetônico da Transilvânia. Entrementes, formaram-se igrejas
na Argentina e Uruguai, e missões no Paraguai, Bolívia, Peru e Chile. Formou-se destas igrejas húngaras
reformadas um a federação que assumiu o nome de Igreja Cristã Reform ada Latino-Americana. A Igreja
solicitou admissão como membro do C M I e, conform e correspondência do C M I com o autor, foi
adm itida em 1972. U m a carta do Rev. Janos Apostol ao autor, em 2 4 /5 /1 9 7 9 , indica 1973 com o a data
de aceitação. N a ausência de documentação oficial, parece impossível decidir entre 1972 e 1973.
,40Leonard H odgson, ed., The Second World Conference on Faith a n d Order...London, 1938, p. 371.
Anais do 3 o Concilio Geral da IM B , 1938, pp. 89-90, M oura era m em bro do comitê de Fé e Constitui­
ção.
141A nais do 4 o Concilio Geral da IM B , 1942, p. 39.
142 C arta no arquivo do C M I, Genebra. O Dr. H enry Smirh Leiper, secretário do C M I nos EUA ,
escreveu a H. C. Tucker e César Dacorso Filho, em 23 de março de 1942, “A sua Igreja é a prim eira da
Am érica do Sul a tornar-se m em bro [do C M I]” . O Dr. W. A. Visser’t H ooft, secretário-geral do C M I,

424
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964) - NOTAS

tam bém se congratulou com a IM B pela aceitação do convite, em carta de 2 4 /4 /1 9 4 2 . O C M I gentil­


mente cedeu ao autor cópia das três cartas mencionadas.
143Dos Cânones da IM B , 1960, pp. 240-241. O Credo Social foi grandemente aum entado em 1960,
aparecendo nele pela primeira vez um capítulo sobre ecumenismo. N os mesmos Cânones, o art. 243,
alínea 3, letra d, diz que é da competência da Junta Geral de Ação Social “prom over o desenvolvimento
do ecumenismo” (Cân., p. 135).
144 C arta original no arquivo da IE C LB , Federação Sinodal, presidente, n ° 1366/50.
145“Lam beth Quadrilateral”, em F. L. Cross, ed., Oxford Dictíonary o f the Christian Church, London,
O xford U . Press. 1957, p. 781.
w'A tas e Outros Documentos..., 1952, p. 32.
147A tas e Outros Documentos, 1965, p. 14. Tam bém carta, Krischke a W illem A. V issert H ooft, 16/7/
1965, arquivos do C M I, Genebra.
148 Estandarte Cristão, 2 a quinzena de julho, 1952. O “M anifesto Ecum ênico” foi aceito pelo I o
Sínodo da Igreja Episcopal Brasileira, que resolveu “enviar, por intermédio da Confederação Evangélica
do Brasil, às igrejas a ela filiadas e aos órgãos representativos das igrejas evangélicas nacionais, um apelo
contendo os argum entos desse manifesto, visando a unidade orgânica do povo cristão” . A tas e Outros
Documentos do I a Sínodo da Igreja Episcopal Brasileira, 1952, p. 32.
149A tas e Outros Documentos... 1967, pp. 19-21: documento assinado pelos três bispos da Igreja,
Egm ont M . Krischke, Plínio Lauer Simões e Edm und Knox Sherrill.
150 O conceito de Lutero de que Cristo é trazido por meio da palavra, quer proclamada, quer visível
(no sacramento) tem como conseqüência a importância da pregação no protestantismo em geral, e da
distribuição da Bíblia ao povo. Estas ênfases estão especialmente em evidência na PA RTE I desta H is­
tória.
151 A expressão “federalmente santo” significa “santo por meio do pacto” . O s pais, sendo cristãos,
participam do pacto com D eus, cujos benefícios, especialmente o Batismo, se estendem aos seus filhos.
152 Religion in America, p. 39.
153 “A Igreja americana na época missionária”, Metodismo Brasileiro e Wesleyano, SP, Imprensa Metodista,
1981, 211-217. A expressão “era m etodista” é de W inthrop Hudson, “T h e M ethodist Age in America”,
M ethodist History, X II, n ° 3 (abril, 1974), pp. 3-15.
1,4 Does. 126, 127 etc.
155Protestantism andProgress, Boston, Beacon Press, 1966, p. 25. E evidente que, desde a Primeira
Guerra M undial e subseqüentes eventos, m uitos pensadores têm colocado em dúvida a validade da
teoria do progresso, mas é igualmente evidente que, no primeiro quartel do século X X e mesmo depois,
esta teoria foi a dinâmica das missões protestantes.
,56A Younger Church in Search o fM aturity, tese, Princeton, 1971, pp. 203-222.
157 O Puritano, 4 /1 2 /1 9 1 3 ; discurso pronunciado no dia 15 de novembro, 1913.
158Jam es W. Koger, em A n n u a l Report o ftbe Board ofMissions o f the M ethodist Episcopal Church South,
1884, p. 83.
159 O conceito de laissez-faire pertence à ideologia que encara a economia como determ inada por
certas leis inflexíveis, com o a de oferta e procura. Estas leis constituem algo parecido com a providência
divina, ou seja, representam a vontade do Criador. Conform e tal ideologia, se ninguém interfere na
operação dessas leis, elas trazem benefícios a todos.

425
História Documental do Protestantismo no Brasil

160 Dr. V. C. A., O Puritano, 9 /9 /1 9 2 0 , p. 3.


1,11A atitude metodista, por exemplo, está clara na “M ensagem à IM B ” p or ocasião do Concilio Geral
de 1946: “ C om o Igreja, dissemos sempre, em alto e bom som, não temos política, não temos partidos,
não temos candidatos a posições governamentais”, Expositor Cristão, 7 / 2 /1 9 4 6 , p. 2.
'“ Bispo César D acorso Filho. “Superintendência-geral”. Expositor Cristão, 2 0 /1 0 /1 9 4 5 , p. 4. Esta
posição, de que o ministro m etodista não podia ser ao mesmo tem po pastor e político, fez com que os
poucos ministros da IM B que participavam ativamente na política, com o o Rev. Guaracy Silveira renun­
ciassem ao ministério ativo.
163 O Mensageiro do Evangelho, n° 8, agosto de 1955, ano 10, p. 2. O M ensageiro era o órgão do
Sínodo Evangélico da IE C LB , publicado em Joinville. Ainda que m anifestada por alguns pensadores,
esta preocupação com a política e suas implicações não era algo comum.
]MA Younger Church in Search o f M aturity, tese, Princeton, 1971, p. 354. Pierson cita, na mesm a
obra, p. 103, um a moção registrada em “M inutes o f the South Brazil M ission,” 1917, p. 2, em que os
missionários solicitam que a Assembléia Geral concorde em suprir de pessoal os trabalhos do interior
antes de cóncentrá-los nas cidades. Esta mesma preferência, entre metodistas, fica patente no seguinte
registro no A n n u a l Report de 1898, p. 68: “Em bora sejam pequenas as cidades, o nosso trabalho mais
promissor está entre o povo da zona rural. São mais livres de influências sociais e sacerdotais, mais
independentes em todo o sentido, e menos sujeitos aos divertimento que corrom pem e às distrações da
vida urbana. N ossas paróquias, portanto, todas são circuitos, com a m aioria dos pontos de pregação em
plena zona rural. Estes fatos são a promessa de um grande futuro para a Igreja M etodista, em M inas” . O s
. “circuitos” eram paróquias metodistas, cujas várias capelas e pontos de pregação eram visitados m ais ou
menos mensalmente pelo pregador itinerante m etodista - nos Estados Unidos freqüentemente cham a­
do de Circuit Rider. M esm o nas cidades e povoações do interior, freqüentemente tornava-se impossível
aos protestantes adquirem propriedade, por ser patrim ônio de algum santo católico (cf. doc. 156).
165 Artigo de Antônio Almeida, datado Recife, 2 /1 0 /1 9 1 2 , publicado na Revista das Missões Nacio­
nais, 12/1912, p. 1.
'“ A Igreja Cristã se uniu posteriormente, por um período, com a Igreja Congregacional.
167 Frederick C . Glass, Adventures w ith the Bible in Brazil, London, s/d, pp. 121-125, A parte
reproduzida acima é transcrita do diário de Glass.
lf’s Regional Conferences in Latin America, NY, 1917, p. 22 2 fornece a seguinte descrição detalhada do
instituto: “É um a combinação de centro social, Igreja institucional, escola da vizinhança, dispensário
gratuito, parque infantil e diversas outras coisas que o cristianismo m oderno apresenta. E a primeira
tentativa de aplicar o Evangelho positivamente e de maneira organizada às reais necessidades da com u­
nidade, feita nesta cidade de um milhão de almas, depois de meio século de trabalho missionário” .
169W illiam Jennings Bryan (1860-1925), fam oso orador americano, era candidato oficial à presidên­
cia dos Estados Unidos pelo partido democrata, quando de sua visita ao Brasil. Três anos depois serviu
com o Secretário de Estado no governo de Woodrow W ilson (1913-1915).
170 Eram cham ados em inglês D O N ’T C A R D S. Traziam um a lista de coisas que não deviam ser
praticadas, a fim de se evitar contrair e disseminar a tuberculose.
171 As páginas 13 e 14 do mesmo capítulo do qual o presente documento é um trecho, Tucker conta
com o ele e M yron C. Clark, secretário da A C M , realizaram um a obra pioneira na educação sexual,
tendo abordado questões com o as doenças venéreas, valendo-se de filmes fixos e palestras médicas com o

426
Crescimento e Amadurecimento (1889-1964) - NOTAS

os meios principais do processo.


l72M t 10.8, Lc 7.22. O documento, um tanto extenso, é um excerto do capítu loX II, “SocialService”,
da “Autobiografia” inédita do dr. Hugh Clarence Tucker, p. 8-19 (as páginas de cada capítulo do m anus­
crito são numeradas independentemente, cada capítulo começando com a de n ° 1).
173 C arta de Richier in Corpus Reformatorum, N Y & London, Johnson Reprint Corporation, vol.
XLIV, de Thesãurus Epistolicus Calvinianus, n ° 2609 , V II, 434. “A Religião Christã Reform ada no
Brasil, no século X V II”, A ta da “III Assembléia Classical do Brasil, reunida a 3 de janeiro de 1638, em
Pernambuco” , in Revista do Instituto Geographico Brasileiro, Rio de Janeiro, Imprensa N acional, 1915,
vol. I, p. 723.
174 D o Relatório 1931-1932 da Com issão Brasileira de Cooperação, pp. [17-19]. Já na conferência do
Rio, que se seguiu ao congresso do Panamá (1916), Álvaro Reis fez um apelo em favor de missões entre
os índios (Regional Conferences in Latin America, p. 228). A Com issão Brasileira de Cooperação, fruto
do “Panamá”, logo se interessou em promover missões interdenominacionais entre os brasileiros. N o
Relatório da C B C de 1927-1928, após referir-se à correspondência com missões no Am azonas, Araguaia
e M ato Grosso e um a visita de Kenneth Grubb de H eart o f Am azônia Mission, se lê: “A nossa subcomissão
de missões aos índios elaborou um projeto de estatutos de um a associação de evangelização dos índios,
em vias de form ação...” O Relatório de 1928-1929, recomendou às igrejas cooperantes que levassem “em
grande consideração as obras que se estão realizando na catequese aos índios” (pp. 23-24). O Relatório de
1929-1930 informou: “Sociedade de Evangelização dos índios. Está definitivamente organizada, haven­
do adquirido terras em M ato Grosso esta associação cooperativa, em que têm responsabilidade solidária,
m etodistas, presbiterianos, presbiterianos independentes, três organizações eclesiásticas, e um a missão
[a West Brazil M ission da P C U S ]” . A Igreja Episcopal também apoiava financeiramente a missão, con­
forme p. 15 do m esm o Relatório.
175Joaquim Lopes Leão era um órfão, criado em Carolina, Maranhão, pelo m issionário inglês Ernesto
W ooton, sob cuja tutela aprendera as primeiras letras, noções da Bíblia e um pouco de inglês. Posterior­
mente, foi empregado pela firm a Medeiros e Irmão, na qual trabalhou com o cozinheiro de barco no
Tocantins. Cam peio levou para sua casa o jovem asmático, que cuidava dos animais e de alguns serviços
domésticos.
176N oem ia, missionária ao lado do m arido, morreria logo depois - 2 de m aio de 1928 - esgotada pelo
árduo trabalho da missão, um mês após o nascimento da segunda criança, Esmeralda. Foi enterrada em
Carolina, tendo com o epitáfio “A Heroína de Craonópolis” .
177O rfisa Batista de Souza, m em bro da Igreja Batista de Carolina, M aranhão, foi professora da Escola
Popular Batista na m esm a cidade. Em 2 3 /3 /1 9 2 9 , ela se casou com Cam peio, passando a trabalhar lado
a lado com o m arido “na evangelização dos índios, ensinando-os a ler e a trabalhar e, sempre que eu
viajava, realizava os trabalhos de pregação”, diz Zacarias Cam peio em M in h a Vida e M in h a Obra, Rio de
Janeiro, C asa Publicadora Batista, 1970, p. 180.
178 O docum ento é de Zacarias Cam peio, op. cit., p. 141 a 151 ,passim\ Cam peio trabalhou entre os
Craôs de 1926 a 1935.
175 N o mesmo ano, Shaull deixou o Brasil para lecionar na Universidade de Princeton, EUA.
180 Publicado em O Puritano, 10/4/1 9 5 7 ; a citação é de Jo 17.15. Borges falou na segunda reunião de
estudos prom ovida pelo Departam ento de Igreja e Sociedade da C E B , em Cam pinas, cujo tem a “Pre­
sença da Igreja na Evolução da Nacionalidade” (1960); a quarta e m ais influente foi a do Recife, sob o

427
História Documental do Protestantismo no Brasil

tem a “ Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro” (julho de 1962). A posição de Borges era represen­
tativa de um a influente minoria dentro da IPB.
181 Mocidade, março de 1951.
1S2Guilherme Kerr, O Puritano, 10/2/1953, professor do seminário em Cam pinas de 1926 a 1956,
ele tipifica a ala conservadora da IPB, na sua postura ortodoxa, de lealdade denominacional e resistência
ao ecumenismo.
183 Rubens Nogueira, Mocidade, julho de 1954.
l84Waldyr Carvalho Luz, O Puritano, 2 5 /4 /1 9 5 8 . Luz, então professor do seminário de Cam pinas,
assumiu a reitoria após a saída de Júlio Andrade Ferreira, que renunciou a 2 1 /8 /6 6 e foi expulso logo a
seguir por ter assinado a “representação” feita pela congregação dos professores contra a “comissão espe­
cial dos seminários” (C E S), cf. João D ias de Araújo, Inquisição sem Fogueiras, Instituto Superior de
Estudos da Religião, Rio de Janeiro, 1982, 2 a edição, p. 58. Luz, um dos dois únicos que não assinaram
a “representação”, foi “expulso” em 1974 (Araújo, idem).
185A tas do Supremo Concilio, 1962; SC -62-69, p. 12-14.
186 Circular n ° 24 6 6 /3 9 , Sinodo Rio-Grandense, presidente, São Leopoldo, RS, de 17/11 /1 9 3 9 ,
publicação avulsa.
187A doutrina da “espiritualidade da Igreja” foi primeiro form ulada pelo presbiteriano John H olt Rice
(1777-1831). Já em 1827, Rice percebeu que a questão da escravidão poderia se lim itar a “fazer bons
cristãos”, e a não se preocupar com coisas além da sua competência, com o a política. U m versículo chave
do conceito era “D ai a César o que é de César e a D eus o que é de D eus”.
188W inthrop S. Hudson, Religion in America, 2. ed., N ova York, Scribners, 1973, pp. 216-219.
189 M ário Lício, O Puritano, 2 5 /6 /1 9 4 5 .
190Apenas a M etodista e a Luterana (does. 131-133).
191 Cf. doc. 147 acima, e respectivas notas.
,92 Informação baseada em João D ias de Araújo, Inquisição sem Fogueiras, op. cit., p. 32; também
“Igrejas chamadas para ação mais dinâmica no processo revolucionário brasileiro” , Expositor Cristão, 1/
11/62, últim a página; “A Conferência do Nordeste: um pouco de História” , E C 1/10/62, p. 5, “Cristo
e o Processo Revolucionário Brasileiro”, E C 1/9/62, p. 1.
193 [Sic.] O certo, mais provavelmente, seria “soberania” .
194João D ias de Araújo, “A revolução do Reino de D eus” , conferência apresentada na “ Conferência
do N ordeste”; transcrita do Expositor Cristão, 1/10/1962, pp. 1 ,9 , ibid., 15/1 0 /1 9 6 2 , últ. página e p. 4.
Foi publicado um livreto, sem notas bibliográficas, intitulado A Conferência do Nordeste (Cristo e o
Processo Revolucionário Brasileiro), com prefácio de Am antino Adorno Vassão, Rio de Janeiro, 21 de
novembro de 1962. Traz um breve excerto da conferência de João D ias de Araújo, pp. 62-64.
Notas da PARTE III
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente

1 N o “prefácio” de J.C . Maraschin, editor , Upsala 1968, Porto Alegre, Publicadora Eclesia, 1968,
p.9
2Ib id
3 Primeira edição, em inglês, 1965. I a edição em português: Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1968.
4 Teologia de la Liberacion, Perspectivas, Lima, CEP, 1971. O utros logo seguiram a m esm a linha,
com o H ugo Assmann, Juan Luis Segundo, José M iguez Bonino etc.
5 U m a outra teologia m uito influente nos EUA , e pouco no Brasil, é a do “processo”, inspirada na
filosofia de Alfred N orth W hitehead (1861-1947), que por sua vez deve m uito à noção heraclitiana do
eterno fluir.
6 M ovim ento de Educação de Base.
7 “H istória da Igreja Católica no Brasil”, Cadernos do ISE R n ° 8, abril de 1979, p.9. O uso do termo
“Revolução” por Beozzo não implica na sua aprovação do regime militar, com o um a leitura da curta
citação torna abundantemente claro.
8 Conteúdo do parágrafo baseado em Beozzo, op. cit., p.9.
9 D ow Kirkpatrick, “An Interview in Rio de Janeiro, Brazil, June 24, 1978, with D om Helder,
Archbishop o f Recife & Olinda”, (1978), mimeografado, p. 1.
10 Veja o tópico “O fenômeno pentecostal” (p. 364ss)
11 O Jornal Batista (JB) transcreveu na integra o sermão de Graham, pregador na noite de 3 /7 /1 9 6 0
(JB, Ano LX , n ° 29, pp. 1,4,7). Soren era pastor da Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro, e professor
de teologia do Sem inário Teológico do Sul quando da sua eleição. A escolha do Brasil com o local do X
Congresso e de um brasileiro para a presidência da Aliança significou o reconhecimento do progresso da
Igreja Batista no Brasil.
12 O J B diz que a aprovação da campanha nacional, na convenção do Recife, “Foi incontestavelmente
o ponto alto da 4 6 a assembléia onde convergiam todas as atenções” (8/2 0 1 9 6 4 , p .l).
13 H arald Schaly, no JB , 2 8 /3 /1 9 6 4 , p .l.
14 O J B de 2 /4 /1 9 6 7 , pp. 1-2, traz notícias da Cam panha e o seu hino oficial, da autoria de Gióia
Júnior. N a edição de 9 /4/67, na última página, encontra-se “A prim eira clarinada da C am panha das
Américas” .
15JB , 2 3 /1 /1 9 6 9 . p .l.
16 Ibid. N úm eros subsequentes do J B fornecem informaçõs suplementares.
17JB , 5 /4 /1 9 6 4 , portanto publicado quando o regime militar tinha apenas dias de existência.
18 J.R.P. (José Reis Pereira), JB , 5 /4/1964, p. 1. M uitas das alusões deste artigo se tom am m uito mais
claras quando com paradas com o documento 157.
19 A m orte de Jan Garrigue M asaryk (1886-1948) ocorreu logo após o golpe com unista em fevereiro,
1948. O corpo do M inistro do Exterior da Tchecoslováquia foi descoberto no pátio, três andares abaixo
do seu apartamento, de onde fora jogado ou, como alguns pensam, jogara-se em protesto contra o golpe
comunista. A alusão à Hungria, no parágrafo anterior, se refere à mal sucedida revolta do povo húngaro
contra a dom inação comunista, em 23 de outubro de 1956, pela qual o Primeiro M inistro Andreas

429
História Documental do Protestantismo no Brasil

Andreas Hegedua foi substituído por Imre Nagy. Em novembro, tropas russas invadiram a Hungria
para esmagar a revolta.
20 J.R.P. (José Reis Pereira), JB , 12/4/1964, p .3. Para ênfase, o editorial foi impresso em negrito, e
com a separação dos parágrafos aqui observada.
21 Poesia de M ário Barreto França, JB , 2 6 /4 /1 9 6 4 , p.8.
22 João Filson Soren, JB , 311511964 , p.8.
23 JB , 2 0 /1 0 /1 9 7 4 , p .l.
24 Tendo aceito a teoria valdense-anabatista de que a constantinização da Igreja marcou sua queda e
apostasia(cf. parte inicial do doc. 159), os batistas brasileiros não se conscientizaram das reais transfor­
mações que ocorreram na Igreja Católica Rom ana em geral, pelas decisões do Concilio do Vaticano II,
e na Igreja na Am érica Latina em particular, a partir da II Conferência do Episcopado Latino-Americano
em Medellin (1968).
25JB , 2 4 /9 /1 9 7 8 , p .l. Esta “mensagem” , na primeira página do órgão oficial batista, com tipos duas
vezes maiores que os comumente empregados pelo JB , ocupa um a faixa de 2 1/2 colunas de largura
dom inando a página.
26 O s principais ramos presbiterianos que trabalharam no Brasil desde o início foram a P C U SA
(Norte) e a P C U S (Sul). Aquela uniu-se com a Igreja Presbiteriana U nida da Am érica do N orte (fruto da
união de duas denominações presbiterianas, oriundas da Escócia) para form ar a Igreja Presbiteriana
Unidas dos Estados Unidos da Am érica ((U PC U SA ) em 2 8 /5 /1 9 5 8 . Para m elhor compreensão da
“geneologia” do presibiterianinsmo ligado ao Brasil, veja-se o esquema abaixo, baseado em W. Stanley
Rycroft, The Ecum enical Witness o fth e U nited Presbyterian Church, Board o f Christian Education o f te
U P C U SA s / l , 1968, p.216 e apêndices 9 (s/pp.).

Escócia Presbitério de Filadélfia (1706)

Ig. Presb. Ig. Presb. Sínodo Geral da Filadélfia (1717)

Reformada Associada
I
N ovo Lado
I
Velho Lado
(conventers-1774) (Seceders-1753)
Ig. Presb. nos E U A (P C U SA - 1758)
------- [
U nited Presbiterian Church o f N ova escola Velha escola
N orth Am erica (1858)
P C U SA (1870) P C U S (1865)
(Norte) (Sul)

United Presbiterian Church in the United States o f Am erica (1958)


(U PC U SA )

430
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente - NOTAS

17 A n n u a l Report 1970, Board o f World Missions, P C U S, p.3.


2s A n n u a lN a rra tive Report: Brazil", s.n.b., p. 11.
29 A com issão executiva do Suprem o Concíio da IPB rom peu, unilateralmente, relações com a
U P C U SA . O novo convênio com a P C U S, firmado em fins de maio de 1973, estabeleceu um a comissão
de seis representantes de cada Igreja, que tom a decisões administrativas e de planejam ento. Houve
protestos, inclusive do importante sínodo da Guanabara da IPB (C E I, n ° 80 [julho, 1973], pp. 3,5; cf.
tam bém C E I, n ° 79, p. 7).
30 O s docum entos sobre a FENIP, Aliança de Igrejas Reformadas, decisões e novas direções da IPB,
em 1966 e a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil são exibidos a seguir. O s demais documentos
ilustrativos do presbiterianismo no período revolucionário se encontram com os congêneres de outras
denominações por assunto.
31 O artigo, da autoria de Benedito Alves da Silva, Brasil Presbiteriano (BP), 15/7/1 9 6 6 , foi profético
do que realmente aconteceu em Fortaleza. A menção de setemil... é um a alusão a 1 Reis 19.18.
32 BP, 15/7/1966. Apesar das resoluções do Supremo Concilio, cujuo cum prim ento teria isolado os
seminários dos acontecimentos do país sofreram os efeitos da crise estudantil de 1968 e foram fechados,
com o fechadas as Faculdades de Teologia das Igrejas M etodista, Episcopal e Presbiteriana Independente.
33 BP, 15/3/1967. O s documentos 163 e 164 espelham a posição oficial da IPB. Rubem Alves procu­
rou encarar a situação como crise, na perspectiva bíblica. Escreveu Alves; “Se a crise é parte da economia
divina, nossa atitude não pode ser a de tentar primariamente resolvê-la ou vencê-la. N ossa pergunta tem
de ser: “O que é que a crise nos diz?” Q uais são os alicerces que estão sendo abalados? Q uais as form a de
confiança e presunção humanas que estão sacudidas? Quais os novos caminhos que estão sendo abertos?
Q uando nos defrontamos assim com a crise, ela deixa de ser um a inimiga, e passa a ser um a voz. Paulo
decalara que a criação geme em dores de parto (Rm 8,22). Creio que esta é a mais bela e precisa imagem
em toda a Bíblia para descrever o caráter crítico da nossa condição humana. A situação está cheia de
contradições dolorosas, de angústias e de lágrimas. M as a dor está iluminada pela esperança. U m a nova
vida vai nascer. Em meio às dores podem os sentir as pulsações da vida nova, que está nascendo. A crise,
que era mensageira do desespero, se torna o primeiro sinal da esperança” . Artigo “Crise: desespero ou
esperança?” -fiP, 1/10/1966.
34 O s estatutos adotados na constituinte (27/4 /1 9 7 4 ) são publicados com o docum ento avulso. O s
três docum entos aqui exibidos (165, 166 e 167) foram fornecidos ao autor pelo presidente da aliança, o
Rev. Luís Boaventura, que os indicou com o os documentos fundamentais da agramiação.
35 Transcrição, na íntegra, do “manifesto”, documento avulso gentilmente fornecido ao autor por
Luís Boaventura. Conform e o art. 7 dos Estatutos, a diretoria da Aliança é com posta pelo presidente,
vice, os secretários e o tesoureiro; a diretoria elege o secretário executivo, que participa de suas reuniões.
D a primeira diretoria, todos, menos Maurer, foram ministros presbiterianos; M aurer foi m inistro da
Igreja Cristã de São Paulo, tam bém de origem presbiteriana.
36 Excerto do documento avulso, gentilmente cedido por Luís Boaventura.
37 M uitos artigos e reportagens foram transcritos no primeiro número do Jornal da FENIP.
38 O primeiro artigo é um a paráfrase da base do Conselho M undial de Igrejas, revisada na Assembléia
de N ova Delhi, 1961.
39Jornal da FENIP, jan., 1979, p. 1. O documento tam bém foi transcrito nesse primeiro número, à p.
20, e no segundo número do Jornal, p. 2, onde se declara que “foi aprovado por unanimidade pela

431
História Documental do Protestantismo no Brasil

assembléia do III Encontro de Presbiterianos” .


40 Jornal da F EN IP , n° 1, p .3. O manifesto foi aprovado por unanimidade pela assembléia do III
Encontro de Presbiterianos. Apesar dos nobres sentimentos expressados, era evidente nas páginas do
jornal a animosidade contra a lideraná da IPB.
41 O Estandarte, 3 1 /5 /1 9 7 8 , p.3 cf. resolução 3 do Presbitério de São Paulo, jan., 1978: “Aceitar as
seguintes transferências... Pela primeira vez na história da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil
foi recebido um obreiro norte-americano, da missão presbiteriana do Brasil Central, da Igreja Presbiteriana
Unida dos Estados Unidos, na pessoa do Rev. W illian Irwin, form ado em teologia pelo seminário de
Princeton. A resolução foi tom ada por unanimidade, hom ologando as gestões realizadas pela comissão
executiva junto ao presidente da referida missão, Rev. jaim e NelsonW right” (O Estandarte, 15/4/1978,
p. 15). O Presbitério do Brasil Central, reunido de 11 a 15 de janeiro, 1978, tom ou semelhante resolu­
ção referente a Gordon Stanley Trew e Albert Reasoner {O Estandarte, 15/4/1 9 7 8 , p.9).
42 “Suprem o Concilio: resumo de Atas da 6 a reunião em Brasília, dia 21 de janeiro” , O Estandarte,
3 1 /3 /1 9 7 2 ,'p. 16.
43 Reunião da M esa Administrativa do Suprem o Concilio, de 2 0 /2 /1 9 7 3 , em Betel-Lar da Igreja,
Sorocaba, SP; resolução publicada em O Estandarte, 3 0 /4 /1 9 7 3 , p. 7. O Sínodo M eridional é o concilio
que abrange uma das regiões m ais conturbadas pelo “golpe militar” e onde a IPI perdeu mais membros,
inclusive pastores, particularmente no norte do Paraná.
44 “Atos Oficiais da Igreja: Supremo Concilio” , O Estandarte, 15/4/1 9 7 8 , p. 3. O texto com pleto da
moção de O sasco se encontra no mesmo número do jornal, p. 12. A comissão referida foi devidamente
nomeada.
45 O “parecer” acim a atendeu à decisão do Supremo Concilio de 1978. O Suprem o Concilio de 25-
28 /1 /1 9 8 1 entendeu que o parecer supra foi redigido “em termos claros, precisos e objetivos, dispensan­
do qualquer outra manifestação com plem entar” sobre o assunto. “Atos do Suprem o Concilio”, O Estan­
darte, 2 8 /2 /1 9 8 1 , p. 3; idem, 15/6/1981, p. 2. O parecer foi publicado em O Estandarte, 3 0 /1 1 /1 9 8 1 ,
p. 2.
46 Em atendimento ao urgente apelo da IM B, a Ju n ta de M issões enviou o Dr. Brady Tyson, o qual
conseguiu atuar tanto na União Cristã de Estudantes do Brasil (U C E B ) com o na Aliança Bíblica U ni­
versitária (ABU). Por causa do seu trabalho com universitários altamente politizados, e por certas atitu-
. des tom adas, com o a de criticar a invasão da República D om inicana pelos Estados U nidos, Tyson foi
pressionado pelo governo brasileiro a deixar o país. N ão foi formalmente acusado e nem expulso, mas
deixou o país, sob pressão, em 1966. Para mais detalhes: EC, 2 a quinzena de agosto, 1979.
47 O esquem a nasceu quando o gabinete geral, com posto pelos três bispos, todos brasileiros, e três
secretários gerais de tem po integral, todos missionários, efetivamente dirigia a vida da IM B. Pelas cir­
cunstâncias, os três missionários controlavam o gabinete geral. Davis e Reily eram secretários, respecti­
vamente, de Ação Social e de Missões e Evangelização; o terceiro, Charles Wesley Clay, era secretário de
Educação Cristã.
48A I I Assem bléia do C M I, Evanston, 1954, elaborou esse significativo conceito, cf. “M ensagem do
Gabinete Geral à Igreja M etodista do Brasil”, EC\ 15/8/1962, p. 3, para a aceitação do princípio pela
IM B.

432
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente - NOTAS

49 Alm ir dos Santos, presidente do Setor de Responsabilidade Social da Igreja da C E B , foi um dos
dirigentes da “Conferência do N ordeste” (doc. 155, supra), foi tam bém presidente de Igreja e Sociedade
na Am érica Latina (ISAL), criada na prim eira consulta evangélica de Igreja e Sociedade, 2 3 -2 7 /7 /1 9 6 1 ,
em H uam pani, Peru, por ocasião da II Conferência Evangélica Latino-Americana (II CELA ).
50 A lm ir dos Santos foi eleito bispo em primeiro escrutínio; para substituí-lo, o Concilio Geral
elegeu João Parahyba Daronch da Silva. A tas e Documentos do I X Concilio, 1965, pp. 66, 69.
51 O Expositor Cristão de 1968 informa as decisões oficiais a respeito da Faculdade de Teologia, tais
como: fechamento (1 5 /5 /1 9 6 8 , p. 4); situação do Gabinete Geral no caso e convocação do Concilio
Geral Extraordinário {1 5 /9 /1 9 6 8 , p. 8); suspensão das atividades até o fim do ano letivo (1 /7 /1 9 6 8 , p.
8).
52 “A eleição do bispo é feita no concilio regional...” (Cânones, 1971, art. 65). A s Atas e Documentos de
1971, para todas as regiões eclesiásticas, acusam as seguintes eleições episcopais: A lm ir dos Santos, A tas
I a Região, p. 55; Sady M achado da Silva, Atas 2 a Região, p. 20; Alípio da Silva Lavoura, A tas 3 a Região,
p. 28; O m ar D aibert, Atas 4 a Região, p. 30; Oswaldo Dias da Silva, A tas 5 a Região, p. 20; e W ilbur K.
Smith, Atas 6 a Região, p. 20.
53 Em bora definissem a Faculdade de Teologia em Rudge Ramos, SP, com o a única “instituição de
preparo bíblico-teológico de nível superior” (art. 149), os Cânones de 1971 facultaram “às regiões a
criação de seminários regionais” (art. 150). Portanto, além dos seminários regionais já existentes em
Porto Alegre, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, criaram-se outros dois, respectivamente em Piracicaba e
São Paulo.
54 Cânones, 1978, art. 52, alínea 7: grifos do autor.
55 Sem inário César D acorso Filho, no Rio de Janeiro; e Seminário João Ramos Júnior, em Belo
Horizonte, em 1981, todos os alunos deste último foram transferidos para a Faculdade de Teologia de
Rudge Ram os, em São Bernardo do Cam po, São Paulo.
56 O ração do paraninfo, pronunciada no dia 9 de dezembro de 1967. O texto foi reproduzido na
íntegra no Expositor Cristão, 12 e 15 de janeiro, 1968, pp. 11-13. C onsta também, em italiano, de: D om
Helder Câm ara, Fame e Sete D i Pace con Giustizia, Milano, Editrice M assim o, 1970, pp. 156-168.
57 D e 13 de setembro de 1980 a 13 de setembro de 1981 a instituição celebrou seu centenário.
58 O s quatro centros, por ocasião do reconhecimento da universidade eram: Centro de Ciências
Hum anas; Centro de Ciências Aplicadas, Centro de Ciências Biológicas e Profissões da Saúde e Centro
de Ciências Exatas e Tecnologia.
59Transcrito de cópia m imeografada do parecer 4.02 7 /7 5 .
m Igreja Metodista: Plano Quadrienal 1979-1982, Imprensa Metodista, São Paulo, dezembro de 1978,
p. 37.
61 Ibid., p. 32.
62 O Expositor Cristão da 1a quinzena de outubro de 1980, publicou resoluções da M esa Adm inistra­
tiva do Conselho Geral (de 11/9/80) e do Conselho Geral (de 1 2/7/80 e de 1 3/9/80), às páginas 7 e 10,
contendo as decisões acima. O mesmo número transcreveu, na íntegra, o plano nacional de educação, às
páginas 8/10. O mesmo documento foi publicado como “suplemento especial” do Jornal da U N IM E P
agosto de 1980, e em diversas outras formas, alcançando am pla circulação na Igreja Metodista.
63 Com issão Geral de Educação Teológica.
64Transcrito do Expositor Cristão, I a quinzena de outubro de 1980, pp. 8-10, com parado com a

433
História Documentai do Protestantismo 110 Brasil

versão não oficial do Jornal da U N IM EP, suplemento especial, agosto de 1980, p. 14.
65 Federação Luterana Mundial. A reunião foi transferida para Evian, França, por causa do clima
político no Brasil sob o presidente Em ílio Garrastazu M édici (3 0 /1 0 /1 9 6 9 -1 5 /3 /1 9 7 4 ).
“ Transcrito infra, sob 3.5.2.
67 A Igreja Evangélica Alemã ainda financia 22% do orçamento da IE C L B , conform e Coojornal,
outubro de 1981, p. 3.
68 Transcrito adiante, sob n ° 179. E significativo que o editor, Germ ano Burger, não m encionou que,
em 15 de março de 1974, o general Ernesto Geisel (nascido em 1908) tornou-se presidente, tendo
servido até 15/3/1 9 7 9 , pois Geisel, filho de imigrante alemão, foi o primeiro protestante e luterano a ser
presidente do Brasil, o maior país católico do mundo. Geisel reatou o diálogo entre governo e Igreja
Católica, que fora totalmente interrompido no governo de Em ílio Garrastazu M édici. M enciona, entre­
tanto, que o IX Concilio Geral elaborou um a mensagem ao presidente da República, entregue meses
depois pelo pastor Karl Gottschald, presidente da IE C L B , na prim eira entrevista que Geisel concedeu
no ano de 1975. (Q uem Assume esta Tarefa, Editora Sinodal, São Leopoldo, RS, 1977, p. 16.)
65 “ Este documento define o cristão como discípulo de Cristo e o relacionamento entre discipulado
e com unidade num processo integral de aprendizagem.” Citado de Quem Assum e esta Tarefai, p. 18.
Toda a citação é do mesmo livro, pp. 13-14.
70Transcrito de Quem Assume esta Tarefa?, pp. 37-40.
71 O s números entre parênteses constam do texto transcrito e correspondem às “notas” da página
seguinte.
72 Por ocasião da sua eleição como pastor regional do Sínodo Rio-Grandense, o pastor Hum berto
Kirkheim explicou as três direções da atuação pastoral da IE C L B , a saber: “N o sentido de um a pastoral
rural, em que tratamos dos problemas fundiários, de êxodo rural, aconselhando o pequeno produtor a
adotar um a agricultura alternativa, orgânica e compartilhada, para fugir às imposições e explorações das
multinacionais de adubos e defensivos, semeando o am or à terra... N o sentido de um a pastoral urbana,
em que discutim os os problemas das massas das periferias, e estamos estimulando a descentralização das
nossas igrejas e a criação de centros comunitários e associações de bairro. E no que chamam os de presen­
ça relativa à valorização da pessoa em seu sentido existencial, de solidão, de m edo e de sentido da vida.”
(Coojornal, outubro de 1981, p. 3).
Notas:
1 - Desenvolvimento brasileiro, elementos básicos para a compreensão do desenvolvimento, São
Paulo, Convívio, Sociedade Brasileira de Cultura, 1972. Caderno sobre Problemas Educacionais.
2 - H offm ann R. e Duarte J. Carlos. ‘A distribuição da renda no Brasil", Revista de Administração de
Empresas, G B , FGV, vol. 12, n ° 2, junho de 1972, p. 61.
3 - Lenz M . M artinho e outros. Realidade Brasileira, Porto Alegre, Editora Sulina, 1975, 2 a edição,
p. 46.
4 - Newton Carlos, em “Zero Hora” , Porto Alegre, 3 /1 1 /7 4 ; Lopes, Lem e e outros. Estudos de
Problemas Brasileiros, M anuel Diégues Jr. e José Artur Rios, C am po Psico-Social, Ed. Renes, Rio, 1971,
p. 65.
5 —Carlos Gem ido Langoni. Distribuição de Renda e Desenvolvimento Econômico no Brasil, Rio, Ed.
Expressão e Cultura, 1973, Rio, p. 64; Hélio Jaguaribe. Brasil: Crise e Alternativas, Rio, Ed. Zahar,
1974, pp. 59 e 60.

434
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente - NOTAS

6 - Fonte: D epartam ento de Cadastro e Tributação do Ibra, 1967, apud Lenz e outros, op. cit., p.
148.
7 - M urilo M ello Filho. O Desafio Brasileiro, Rio, Edições Bloch, 1970, p. 331; Rubens Vaz da
Costa. Estratégia e Programa de Desenvolvimento Urbano, A Experiência Brasileira, Exposição ao X X IV
Congresso da Câm ara Internacional do Comércio, Rio, 22 de maio de 1973. Editado pela Secretaria de
Divulgação do B N H .
73 D ocum ento transcrito de Quem Assume esta Tarefa?, pp. 43-49. O docum ento data de 1975.
74 A reputação de Parham sofreu pela sua defesa da teoria desacreditada de serem os anglo-saxões
descendentes das dez tribos de Israel.
75A expressão “últimas chuvas” é de Joel 2.23; cf. doc. 119.
7r’ Assem bléia de D eus é uma tradução literal da expressão bíblica ekklesia tou theou, geralmente
traduzida por “Igreja de D eus” .
77A Igreja de D eus (Cleveland, Tennessee) nasceu entre o povo montanhês na divisa entre os estados
de Carolina do N orte e Tennessee, EUA , sob a liderança do pastor batista Richard B. Spurlind, sendo
depois longamente pastoreada por A. J. Tomlinson colportor da Sociedade Bíblica Americana, declara­
do superintendente-geral vitalício, em 1920.
78 O s “prom essistas” datam sua origem da experiência do pastor João Augusto da Silveira, de 2 4 /1 0 /
1932, na qual ele teria recebido a “promessa do Consolador”. N a época, Silveira estava afastado da Igreja
Adventista do Sétim o Dia. (Godofredo Rodolfo Wanderley, “U m flash do passado”, O Mensageiro da
Ú ltim a Hora, jan., 1981, p. 4.).
79Julio O . Rosa, O Evangelho Quadrangular no Brasil, 2. ed., 1978, pp. 251-253.
8(1Atualmente, [a saber, na época em que o livro foi escrito] contra a tradição da Assem bléia de Deus,
o pastor Alfredo Reikidal, dirigente do ministério do Ipiranga, é candidato a deputado estadual pelo
PT B (Paulo Sérgio Scarpa, “Pentecostalismo já tem 8,5 milhões de seguidores no país” , Folha de São
Paulo, 18/1/1 9 8 2 , p. 15).
81 Por exemplo, “A voz da libertação” diariamente das 4 às 9 hs. e do m eio-dia às 17 hs., do m issioná­
rio D avid M iranda, e o program a diário de M anoel de Mello na Rádio Tupi, São Paulo.
82 Veja-se doc. 186, abaixo, para informações sobre a inauguração do “m aior tem plo evangélico do
m undo”.
83 Scarpa, ibid.
84 Estimativa de Scarpa, ibid.
85 Scarpa, ibid.
86 Roberto Dom inguez, Cultura Pentecostal, San Juan, Puerto Rico, 1977, p. 3.
87 O autor do presente volum e reconhece que, pelo número e im portância que os pentecostais ganha­
ram nos últimos vinte anos no Brasil e no mundo, um a considerável parte deste volum e deveria ser
dedicada a eles. As razões por que ele não procedeu assim são basicamente as seguintes; 1) O autor
resolveu focalizar sua atenção principalmente nas “igrejas históricas” , crendo que foram elas que deram
a m aior parcela de form a e conteúdo ao protestantismo brasileiro. 2) A influência dos pentecostais tem
sido grande principalmente nos últimos vinte anos. Se o autor levasse em consideração sua presente
expressão e influência, talvez tivesse de dobrar o tamanho do livro, o que significaria ou um livro duas
vezes m aior (o que está fora de cogitação) ou um a redução drástica da porção que toca às igrejas históri

435
História Documental do Protestantismo no Brasil

cas (o que parece injustificável ao autor). 3) H á outro motivo, de ordem prática; as fontes da história
pentecostal são de acesso muito difícil e o autor não as tem pesquisado suficientemente. M ais claramen­
te, trata-se de um a área a respeito da qual o autor tem que confessar sua ignorância e incompetência.
88 Louis Francescon, Resumo de uma Ramificação da Obra de Deus, pelo Espírito Santo, no Século
A tual, São Paulo, Ind. Reunidas Irmãos Spina, 1958, 3. ed., p. 12. Encontra-se a m esm a citação na
edição de 1942, à página 10.
S9Só poderia ser um sacerdote católico romano, pois, na p. 21, Francescon escreveu que, exceto dois
italianos, todos os outros moradores do lugar eram “brasileiros e da fé católica romana” .
90 Francescon escreveu este trecho em 1942. Em 1948-49, visitou novamente o Brasil e, em 1952,
acrescentou uma segunda parte ao seu resumo. “ Obedecer o mandam ento do Senhor” significa aceitar o
Batismo por imersão pois, nos idos de 1894, enquanto Francescon lia C l 2.12, “um a voz” lhe teria dito,
“Tu não obedeceste a este mandam ento” (p. 8).
91 Francescon, op. cit., pp. 21-25, 29-30.
92 D aniel Berg, Enviado por Deus, Rio de Janeiro, Casa Publicadora das Assembléias de D eus, 1973,
3 a ed., p. 27.
93 O m esm o D urham foi influente na conversão pentecostal de Francescon (doc. 180). A fé de
Aimee Sem ple M cPherson na “cura divina” se liga à sua própria cura do tornozelo m achucado, por meio
da oração de Durham , c. 1908 (Julio O. Rosa, op. cit., p. 275).
94 Ivar Vingren, G unnar Vingren. O Diário do Pioneiro, Rio de Janeiro, C asa Publicadora das Assem­
bléias de D eus, 1973, p. 19.
95 Vingren, op. cit., p. 20, deixa entender que a revelação segundo a qual deveriam seguir para o
Brasil veio num a reunião de oração, na qual Adolfo U lldin teve um “arrebatamento profético”. Berg, op.
cit., p. 28, diz que a revelação a U lldin veio num sonho. Lawrence Olsen concluiu que a “revelação”
provavelmente veio por meio da “língua estranha”. “Sendo repetida tantas vezes a palavra “pará-pará-
pará” , entenderam que para algum lugar por esse nome D eus os estava cham ando.” ("Ênfase do M ovi­
m ento Pentecostal” , em O Espírito Santo e o M ovim ento Pentecostal: Simpósio, São Paulo, A S T E , 1966, p.
28).
96 2 C o 6.17-18.
97 Vingren, op. cit., pp. 32-33.
98 Berg, op. cit., pp. 42-46.
99 Antônio N . de Mesquita, História dos Batistas do Brasil de 1 9 0 7 até 1935, II vol., Rio de Janeiro,
C asa Publicadora Batista, 1940, pp. 136-37. Um a comparação dos três docum entos, nenhum dos quais
contemporâneos, m ostra a precariedade de documentos desta natureza. M esm o entre as versões de Berg
e Vingren, testemunhas oculares, há sérias discrepâncias; estas versões parecem ser baseadas na m em ória
dos dois. Infelizmente, o autor não descobriu nenhuma narrativa estritamente contemporânea. Para
melhor compreender as versões de Vingren e Berg, será conveniente lembrar que a Igreja Batista de
Belém, fundada por Eurico Nelson, passava por um período difícil, marcado por dissenções, nas quais
figuravam três pastores batistas, permanecendo infelizmente o pastor Jerônim o Teixeira de Souza. O
missionário N elson, fundador, ainda visitava a igreja de quando em vez, e aparentemente ainda tinha
um a certa influência na mesma. E provável que o “evangelista” na versão de Vingren seja Raim undo
N obre e o “pastor” , aquele não lhes permitiu falar, tenha sido o Rev. Jerônim o. O “pastor” na versão de
Berg, aliás bem diferente, provavelmente era, na realidade, o evangelista Raim undo Nobre.

436
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente - NOTAS

100Jú lio O . Rosa, O Evangelho Quadrangular no B rasil 2 a ed., 1978, p. 128. As circunstâncias nas
quais M anoel de Mello deixou a Assembléia de D eus não são do conhecimento do autor. O antigo líder
da Assem bléia de D eus, Cícero Canuto de Lima, declarou recentemente: “... eu m esm o lo l expulsei da
Assembléia de D eus” . (Citado por Paulo Sérgio Scarpa no artigo “ Pentecostalismo já tem 8,5 milhões de
seguidores no país”, Folha de São Paulo, 19/1/1982, p. 15).
101 Ibid, p. 88ss. 0 apelido se deve à sua alegação de que, na infância, devido a um a grave enfermida­
de, esteve m orto por um a hora e 45 minutos ressuscitando em resposta à oração de sua mãe.
102Ibid., p. 129.
103 Desde o lançamento da pedra fundamental do enorme templo, M anoel de M ello vem usando
inclusive em papel tim brado de sua igreja a expressão, “o m aior tem plo evangélico do m undo” . Entre­
tanto, D avid M iranda com prou um velho galpão na baixada do Glicério, cidade de São Paulo, e ali
instalou a sede nacional da Igreja Pentecostal “ D eus é Am or” . Calcula-se que no primeiro dia do ano
(1982), afluiram para lá 50 mil pessoas. Para uma descrição bem atualizada, embora popular, veja-se o
artigo de Paulo Sérgio Scarpa, op. cit.
104N os docum entos abaixo o autor tam bém empregou a sigla C M I.
105 O Expositor Cristão, 1/10/1968, p. 11. A entrevista teve am pla circulação, por exemplo: Carta
mensal sobre a evangelização do C M I, publicada em francês, inglês e alemão (fev ./mar. 1969), um
resumo no Ecumenical Press Service, boletim n ° 15, de 2 4 /4 /1 9 6 9 ; International Review o f M ission, april,
1971, pp. 245-248).
106Jo 17.4; citação livre.
1,17C arta no arquivo do C M I em Genebra. Walter J. Hollenwegger, The Pentecostais, London, S.C .M .,
1972, p. 104, informa que a Igreja foi aceita com o m em bro do C M I pelo comitê central, na sua reunião
de 1969 em Cantuária, Inglaterra.
108 “ O templo ocupa um a área de 20 mil metros quadrados, podendo abrigar 20 m il pessoas” afirma
C E I, jun h o /1979, número especial, [p. 4],
109 C E S E , a Coordenadoria Ecumênica de Serviço, congrega a Igreja Evangélica Pentecostal “ O
Brasil para C risto,” a Igreja Episcopal do Brasil, a Igreja M etodista e a C N B B . N o Brasil, os m em bros do
C M I são as igrejas evangélicas mencionadas acima, a IE C L B e a Igreja Cristã Reform ada (de origem
húngara).
110 O docum ento é trecho de um a reportagem de O São Paulo, 13-19/7/1979, p. 7. O acontecimen­
to foi relativamente pouco comentado na imprensa religiosa e secular, havendo, por exemplo, apenas
menção passageira em O Expositor Cristão, e nenhuma em revistas com o Isto E, Veja etc. S E D O C , vol.
12, n ° 124, setembro de 1979 faz breve menção na coluna 257; Rápidas, de setembro de 1979, vol. 1,
número 93, p. 5 lhe dedica um breve comentário de 21 linhas; na edição de dezembro, Rápidas traz na
capa um a foto de M ello e a congregação com o título, ‘L a iglesia m as grande dei m undo en San Pablo,
Brasil” . Convém notar que as atividades de inauguração se prolongaram por todo o mês de julho.
111 Rosa, op. cit., p. 281.
ll2Hudson, Religion in America, p. 346. Em 1960, por exemplo, a Igreja tinha apenas 82.624
m em bros nos Estados Unidos.
1,3 Op cit., p. 2 85. Veja-se does. 192-194, adiante, quanto ao m inistério fem inino da Igreja
Quadrangular.
114 Por serem muitas, omitem-se as citações bíblicas. O s títulos dos artigos não citados são: I. As

437
História Documental do Protestantismo no Brasil

cristã diária; XI. A vida cheia do Espírito Santo; XII. O s dons e frutos do Espírito; X III. M oderação;
XV I. Relações para com a Igreja; X V II. Governo civil; XV III. O juízo final; X IX . O céu; XX . O inferno;
X X I. Evangelismo; X X II. D ízim os e ofertas. H á mais um capítulo intitulado “m em bros” que não tem
número e que Rosa tam bém não incluí como artigo de fé.
115 Rosa, op. cit., p. 312, num resumo da declaração, usa Batismo do Espírito Santo.
116 D a Declaração de Fé da Igreja do Evangelho Quadrangidar, São Paulo, s/d. E sta declaração, confor­
me se afirm a à p. 3, foi “com pilada por Airnee Sem ple McPherson” . Presumivelmente, a declaração foi
traduzida em 1955 (Rosa, op. cit., p. 192).
117 “ Contra Heresias”, III, xi, in A N C L V, 296.
118Em 1956, a Igreja Presbiteriana do N orte (PCU SA ) decidiu ordenar mulheres e a Igreja M etodista
as adm itiu como membros plenos das conferências anuais (ou concílios regionais); em 1970, os dois
principais ramos da Igreja Luterana nos E U A decidiram ordenar mulheres, o m esm o ocorrendo com a
Igreja Episcopal em 1976. O s luteranos europeus adotaram a ordenação de mulheres na década de 60.
(Virginia Lieson Brereton e Christa Ressmeyer Klein, “American Women in M inistry” , in Janet Wilson
Jam es, Ed., Women in American Religion, Philadelphia, Pa., University o f Pennsylvania Press, 1980, pp.
171, 188).
"'■'David Michee os Acontecimentos Iniciais do Exército da Salvação no Brasil, s.d.b., p. 52, assim
descreve os enviados: “Este grau foi concedido durante os prim eiros anos a soldados idosos demais para
serem treinados como oficiais, mas qualificados para tarefas exigindo um serviço de tem po integral” . A
Enviada H uber deveria ter auxiliado a capitã Reid no novo posto aberto em S. Paulo (1923); aquela,
porém, adoeceu e logo a capitã Reid regressou à Inglaterra, tornando necessário o adiam ento da obra em
São Paulo (ibid., p. 52).
120 O Brado de Guerra, órgão oficial do E. da S., fundado no Brasil em 1923.
121 D a v id M ich e..., p. 62.
122D a v id M ich e..., p. 60.
123As informações deste parágrafo foram fornecidas em 17/2/1982 pessoalmente pelo M ajor W illiam
John Jones, que gentilmente emprestou ao autor os livros citados aqui.
124 O panfleto de Rees foi ocasionado pela pregação de Phebe Palmer (1807-1874), que com o seu
marido, Dr. Walter C. Palmer (1804-1883), médico e pregador leigo, pregava em Newcastle, Inglaterra,
M iriam M . Richards, em Trabalhadores Unidos, s.n.b., p. 33, cham a atenção para o fato de que os
argum entos de Catharine convenceram seu marido. A frase é célebre, sendo porém o título de um
im portante livro sobre o ministério feminino no Exército da Salvação. Flora Larsson, M y Best M en are
Women, London, H odder and Stoughton, 1974.
125 O autor não teve acesso ao panfleto original. O excerto acima é traduzido e transcrito de Catherine
Booth, The Highway o f our God, London, Salvationist Publishing and Supplies. s/d, que consiste de
seleções dos escritos de C. Booth. Especificamente é do capitulo intitulado “W omen and the Ministry” ,
pp. 101-104. Foi com parado com trechos do mesmo panfleto, publicados em F. de L. Booth-Tucker,
The Life o f Catherine Booth, Londres, Salvationist Publishing and Supplies, 1 9 2 4 ,1, 199-80. cf. também
o pequeno estudo, M iriam M . Richards, Trabalhadores Unidos, no qual a autora com enta o panfleto e
traduz pequenos trechos (pp. 32-33).
126M a n u a l dos Princípios e Métodos para oficiais do Exército de Salvação, São Paulo, E. da S., s.d., pp.
7-8. O trecho citado é do livro I, primeira parte, cap. III.

438
A Igreja do Golpe de 1964 até o Presente - NOTAS

127 Isabel Botelho de Cam argo Schützer, Nas Mãos de Deus, s. lugar, Fundação Walter Schützer, s.d.,
pp. 72-115.
128Brado de Guerra, 15/5/1942, p. 5, apud. Isabel Botelho de Cam argo Schützer, op. cit. A autora
afirm a que a capitã da reportagem é M aria Josefina Anderson.
125 D o artigo, “Ela é um a das Nossas” , Aurora Evangélica, N ew Bedford, M ass., E .U .A ., n ° 51 (junho
de 1946), p. 3. {apudSchützer, op. cit., pp. 99-100). O artigo é póstum o, pois M aria Josefina morreu no
dia 9 de maio, 1946. Entende o autor desta História Docum ental que os dois pequenos documentos
acim a ajudam a conhecer, de maneira mais intima, o sentido da vida e trabalho da capitã M aria Josefina
Anderson.
130Jú lio O . Rosa, O Evangelho Quadrangular no Brasil, 2 a ed., 1978, p. 248. W illiams foi o fundador
da Igreja do Evangelho Quadrangular.
131 Ibid., p. 303.
132Veja-se doc. 192 infra.
133 C arta de D orothy Marguerite Hawley ao autor, 1/2/1982.
134 Voz Quadrangular, setembro de 1979, pp. 1 , 8 ,9 ; carta de D orothy M arguerite Hawley ao autor.
135 Transcrito do livro de atas da convenção nacional da Igreja do Evangelho Quadrangular, livro n°
2, ata da sexta sessão plenária, realizada em 12 de janeiro de 1958, à rua Brigadeiro Galvão, 7 23, São
Paulo; gentilmente fornecida ao autor por D orothy Marguerite Hawley. N a m esm a ata constam as
ordenações de sete pessoas do sexo masculino.
136 D e um a cópia xerográfica do certificado, gentilmente fornecida ao autor pelas pastoras Genny e
D orothy Marguerite Hawley.
137Viúva.
138 Em carta particular ao autor, em 3 /4 /1 9 8 2 , a pastora O d á informa: “ ...a denom inam os Catedral
da Salvação e não da Fé, ela será para 1.300 pessoas sentada comodamente no salão de cultos e setecen-
tos no salão social...
135 Voz Quadrangular, setembro de 1979, pp. 8-9. O artigo, gentilmente cedido ao autor pela pastora
O dá, é ilustrado por inúmeras fotografias na primeira página e nas páginas 8 e 9.
140A Experiência da Salvação: Pentecostais em São Paulo, SP, D uas Cidades, 1969, pp. 141-142.
141A explicação, entre parênteses, é de Beatriz Muniz de Souza.
142 C itado em Beatriz M uniz de Souza, op. cit., p. 144.
143 Cânones da Igreja M etodista do Brasil, 1955. Apesar da decisão de se criar a O rdem das D iaconisas
ter sido tom ada em 1946, foi nos Cânones de 1955 que a m atéria foi prim eiro form ulada com o lei da
Igreja.
144 Cânones da Igreja Metodista, 1971 •
145 C om Sinclair Corrêa Soares, então acadêmico de teologia na Faculdade de Teologia da Igreja
M etodista do Brasil e atualmente pastor da denominação.
146 Cláudia Romano de Sant’Ana, “Zeni, A Jovem Senhora Presbítera”, EC, 2 a quinzena de abril,
1974, pp. 6-7. Zeni fora eleita e ordenada presbítera respectivamente nos dias 19 e 20 de janeiro de
1974, conforme A tas e Documentos do Concilio Regional da Terceira Região Eclesiastica, 1974, pp. 25-26.
Zeni foi nom eada para a “comissão geral de educação cristã” {Ibid., p.70).
147 São Leopoldo, RS, Editora Sinodal, 1982, pp. 217-219.
148A revista Veja, no artigo “U m a opção difícil” , de 3 /2 /1 9 8 2 , p. 44, menciona quatro; mas um a

439
História Documental do Protestantismo no Brasil

delas, R ita M arta Panke, em carta de 1 5 /3/1982 ao autor, afirma haver cinco: Ana M aria Koch, Edna
Raminger, M ariane Beyer Ehrat, M arion Freitag e ela própria. Cp. tam bém o A nuário Evangélico, 1982,
pp. 209, 211, 212.
149 U m a crônica escrita por irmã Hildegart Hartel, de Novo H am burgo, RS, parte do artigo “Por Um
D ente”, A nuário Evangélico, 1982, pp. 52-53. A dimensão pessoal da obra da irmã Hildegart é evidente
nessa singela narrativa.
15(1D ados sobre o regulamento.
151A pastora Rita M arta Panke cursou a Faculdade de Teologia da IE C L B , em S. Leopoldo, RS, de
1971 a 1976, sendo apresentada e investida na comunidade de Candelária nesse ano pelo pastor distrital,
Klaus Ulrich Werner. Posteriormente ela prestou o exame pró-ministério (2 6 -2 7 /7 /1 9 7 8 ), no qual pas­
sou, sendo “considerada apta para o exercício do ministério pastoral”, conforme certificado assinado
pelo então presidente da IE C L B Karl Gotteschalt, do qual o autor possui cópia xerográfica. Em carta de
15/3/1982, a pastora Rita afirma que ainda não foi ordenada “por questões pessoais” .
152 Em diversas dessas igrejas, inclusive a Batista, há mulheres cursando faculdades de teologia, as
quais esperam ser ordenadas com o pastoras.
153 “Atos oficiais da Igreja - Suprem o Concilio” (1 5-18/2/1978), em O Estandarte, 15/4/1 9 7 8 , p. 5.
N os anos seguintes O Estandarte trouxe freqüentes artigos e editoriais a respeito do assunto, inclusive
um “A mulher poderá ser presbítera?” no mesmo número mencionado (151 4 /1 9 7 8 ), à página 20.
154 O autor não encontrou menção do relatório da comissão especial, mas a IPI do Brasil recusou a
ordenação de presbíteras {O Estandarte, 15/6/1981, p. 2). O texto acima foi transcrito de O Estandarte,
mas o sentido do mesmo exige o acréscimo do vocábulo “não”.

440
ÍNDICE DE ASSUNTOS

Abolicionismo, 104
Acatólicos, 48, 72, 73, 421 (nota 95)
ACM, 89, 96-98, 254
Alemães, 57-76
Alemanha, 32-36
Aliança Bíblica Universitária, 432 (nota 46)
Aliança de Igrejas Reformadas, 328-330
- declaração de princípios, 331
- estatutos, 328-332
- manifesto, 431 (nota 35), 432 (nota 40)
Aliança Evangélica, 29, 34, 245, 248, 252, 254
Anglicanos, 45-48, 56, 57, 108
- Congresso Pan Anglicano, 159
- Lambeth, conferência de, 30, 268
- primeira capela, 53, 54
- Quadrilátero de Lambeth, 162
- SAMS, 399 (nota 42)
- tratarianismo, 29
Arminianos, 31
Assembléia de Deus, 271, 364-366, 369-374
Associação Mundial de Escolas Dominicais, 260
Atibaia, 326, 332, 333

Barclay, missão, 255


Batistas, 3 0 ,3 1 , 105, 140-142, 146-153, 165, 178-190,311-324
- Aliança Batista Mundial, 311
-autonomia, 182-185, 187, 189
- bases de cooperação entre nacionais e missionários, 183-187
- Campanha Nacional de Evangelização, 178, 328
- Confissão de Fé, 141, 148
- Convenção Batista Brasileira, 141, 142, 145 (nota) 178, 181-187, 311, 412 (nota 242)
- Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, 178-185
- em Santa Bárbara d’Oeste, 141, 146
Brasil para Cristo, O, 366, 374-378, 421 (nota 92)
- e o Conselho Mundial de Igrejas, 374-378
- inauguração do templo, 374, 377
- Manoel de Mello, 366, 374-378

441
História Documental do Protestantismo no Brasil

Calvinismo, 178, 201


Capela
- luterana de Nova Friburgo, 401 (nota 80)
- de São Leopoldo, 402 (nota 85)
- Bom Pastor, 212
Capelães
- dos marinheiros, 399 (nota 38)
- presbiterianos, 128
Carismáticos, 336, 340, 367
Casamentos protestantes, 108
CCLA, 423 (nota 126)
Colportagem, 280
Comitê de Nashville, 168, 174, 178, 410 (nota 219)
Comissão Brasileira de Cooperação, 254-258, 261, 427 (nota 174)
Comunidade Evangélica (Protestante) Alemã-Francesa, 58
Comunismo, 315, 340, 422 (nota 106)
Concilio Internacional de Igrejas Cristãs(McIntire), 326
Confederação Evangélica do Brasil, 164, 257, 260, 263, 264, 268, 297, 423 (notas 126 e
127)
Conferência de Edimburgo, 248
Conferência de Estocolmo, 423 (nota 128)
Conferência do Nordeste, 258, 298, 428 (notas 192 e 194)
Conferência de Oxford, 423 (nota 128)
Conferência Evangélica do Brasil, 164
Confissão de Augsburgo, 203, 209-210
Confissão de Heidelberg, 201
Confissão de 1967, 325
Congregação Cristã no Brasil, 365, 367
Congregacionais, 31, 36, 114-128, 140-141, 220-224, 426 (nota 166)
- Artigos Orgânicos da Igreja Evangélica Fluminense, 122, 126-128
- Igreja Fluminense, 115, 122, 128
Congresso do Panamá (1916), 227, 235, 243, 248, 249, 261, 427 (nota 174)
Conselho de Educação Religiosa, 259
Conselho Federal de Igrejas de Cristo, 275
Conselho Federal de Igrejas de Cristo na América, 254
Conselho Internacional de Missões, 257 415 (nota 4)
Conselho Internacional de Missões em Jerusalém, 255, 257, 264
Conselho Missionário Internacional, 260
Conselho Mundial de Igrejas (CMI), 163, 209, 237, 245, 264, 272, 297, 307, 324, 326,
374-377, 423 (nota 128), 437 (notas 105, 107 e 109)
Crucifixo, 137
Culto, 116, 130, 359
Cruzada Nacional de Evangelização, 365

442
índice de Assuntos

Denominacionalismo, 39, 424 (nota 131)


Doutrina da Igreja Espiritual, 421 (nota 91)

Ecumenismo, 234-272, 308, 326, 327, 332, 339, 342, 376, 420 (nota 89)
Edimburgo (1910), 162, 173, 221, 228, 248, 257, 423 (nota 128)
Educação, 168, 170, 181, 182, 187, 218, 226, 248-250, 253, 347-356, 364
Educação Teológica, 168, 186-188, 247, 253, 256, 294, 355, 356, 418 (nota 61)
Episcopais, 153-160, 212, 220, 264, 268, 272
- autonomia (1965), 219, 220, 268, 270
- Constituição e cânones, 217-219
-Diocese de São Paulo, 415 (nota 3)
- Missão em Porto Alegre, 212
- O E sta n d a rte Cristão, 158
- pacto, 212
- primeiro sínodo, 418 (nota 65)
-princípios doutrinários, 158
- Seminário Teológico de Virgínia, 156
Escola dominical, 102, 113-115
Escravidão, 42, 121, 138-139
- abolição, 138
- dono de escravos na Igreja Fluminense, 138
Esforço Cristão, 96, 97, 98
Estados Unidos, 37, 44, 107, 129, 132, 134, 138, 139, 398 (nota 32)
Evangelho Social, 163, 275, 276, 326
Exército de Salvação, 382-387

Federação das Escolas Evangélicas, 254, 255


Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas (FENIP),depois Igreja Presbiteriana Unida
(IPU), 326, 332-333
Fé e Ordem, 264, 265
Fundamentalismo, 163, 421 (notas 101 e 102)

Grã-Bretanha, 27-32
Guerra dos Trinta Anos, 32, 34

Hidrolatria, 242

Igreja Adventista da Promessa, 365


Igreja Adventista do Sétimo Dia, 365
Igreja Batista, ver Batistas
Igreja Católica Apostólica Romana, 31, 49, 53, 55, 82, 134, 163, 308, 323
- Ação Católica, 309
- CNBB, 309
- Concilio de Trento, 83
- considerada apóstata, 227

443
História Documental do Protestantismo 110 Brasil

- Inquisição, 55
- Medellin, 430 (nota 24)
-O São Paulo, 437 (nota 110)
- Rerum Novarum, 275
- salvação, 400 (nota 55)
- Vaticano II, 163, 271, 308-310, 430 (nota 24)
Igreja Congregacional, ver Congregacionais
Igreja Cristã Reformada do Brasil, 424 (nota 139)
Igreja do Evangelho Quadrangular, 365, 374, 378-381, 387-390, 437 (nota 100)
Igreja e Estado, 48, 359-360
Igreja Episcopal do Brasil, ver Episcopais
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, ver Luteranos
Igreja Evangélica Pentecostal “Deus é Amor”, 367
Igreja Evangélica Pentecostal “O Brasil para Cristo”, ver Brasil para Cristo, O
Igreja Evangélica Unida, 66
Igreja Metodista do Brasil, ver Metodistas
Igreja Metodista Wesleiana, 367
Igreja Presbiteriana do Brasil, ver Presbiterianos
Igreja Presbiteriana do Norte, 438 (nota 118)
Igreja Presbiteriana Independente, 166-171
- origem, 170
- e a “renovação” , 336-340
- O Estandarte, 168, 335, 432 (notas 41 e 45)
- recebe missionários dos Estados Unidos, 326, 334
Igreja Presbiteriana Italiana de Chicago, 367
Igreja Presbiteriana Unida, ver Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas
Igreja Presbiteriana Unida da América do Norte, 430 (nota 26)
Igreja Unida do Canadá, 423 (nota 118)
Igreja Protestante Alemã, 58, 59
índios, missões protestantes entre os, 286-291
Inglaterra, 107, 140
Ingleses, 45-57, 140, 406 (nota 155)
Instituto Central do Povo, 282
ISAL, 433 (nota 49)

Liberdade religiosa, 226, 229


Livro de Oração Comum, 153, 154
Luteranos, 136, 263-264, 266, 277, 356, 364, 393, 417 (nota 50), 418 (nota 53)
- de Missouri, 21
- Federação Luterana Mundial, 268
- Federação Sinodal (1948), 202, 209-210, 267, 268
- Gotteskastensynode (Sínodo da Caixa de Deus), 204-206
- Manifesto à nação (1931), 229
- Nova Friburgo, 207
- O Castelo Forte, 206

444
índice de Assuntos

- O Manifesto de Curitiba (1970), 357-364


- São Leopoldo, 64, 69, 211
- Sínodo de Santa Catarina e Paraná, 202, 206, 207, 209, 268
- Sínodo Rio-Grandense, 63, 69-71, 202-204, 207, 209, 230, 231, 267, 268
- Teses de H. Dohms, 210, 267, 268, 418 (nota 53)
- Vale dos Sinos, 401 (nota 73)

Maçonaria, 168-171
Messianismo, 304
Metodistas, 74, 86, 99-101, 104, 105, 109-114, 190-201, 260, 261, 264, 273, 340-356,
416 (nota 30)
- autonomia formal (1930), 106
- Conferência Anual, primeira, 104, 106, 111, 112, 190-193
- Credo Social, 265
- Faculdade de Teologia, 342
- Granbery, 106, 111, 423 (nota 116)
- Igreja Metodista Episcopal do Sul, 192-198, 416 (nota 30), 422 (nota 112)
- Instituto Metodista de Ensino Superior (IMS), 342
- O Expositor Cristão, 197, 433 (notas 51, 56, 62 e 64), 437 (notas 105, 110)
Ministérios Femininos, 381, 395, 438 (nota 118)
Missão, missões, 285, 290, 405 (nota 144)
- Missão Brasil Central, 324
Mocidade Evangélica, 291-295

Pentecostalismo, 310,339, 365, 378, 424 (nota 138)


Pietismo, 417 (nota 40)
Política, 274, 277-279, 426 (nota 162)
Presbiterianos, 31, 32, 42, 105, 128-131, 132, 133, 138, 140, 166-178, 279, 293, 294,
324-340, 431 (nota 39), 432 (nota 40)
- Brazil Mission, 173
- Modus vivendi, 260-263
- ortodoxia teológica, 243, 244
- Protesto Apresentado ao Sínodo de 1903, 172
- Questão Maçônica, 415 (nota 12)
- Seminário de Campinas, 291, 421 (nota 103)
-Sínodo (1888), 130, 132, 139, 140
Protestantes e católicos, 224-234

República, 112-130, 225

Salmos e Hinos, 40, 120


Sociedades Bíblicas, 62, 77-89
Sulistas norte-americanos,
- batistas, 142, 146
- metodistas, 142(?)

445
História Documental do Protestantismo no Brasil

- presbiterianos, 142(?)
-Santa Bárbara d’Oeste, 105, 107, 130, 141

Teologia da Libertação, 429 (nota 4)

UCEB, 291, 432 (nota 46)


Últimas Chuvas, 243
Universidades, 186, 250
- Instituto Metodista de Ensino Superior (IMS), 342, 392
- Mackenzie, 168
- UNIMEP, 109, 342, 347

Voto, 231, 277, 420 (nota 85)


Vulgata, 281

446
INDICE o n o m á s t ic o

Albuquerque, A. T., 108, 148, 150, 226


Albuquerque, C., 370
Almeida, J. F., 77
Altizer, Th., 307
Alves, E., 79
Amaral, E. M. do, 423 (nota 127)
Amaral, O. A., 413 (nota 265)
Anders, R., 163, 224
Anderson, 174
Anderson, M. J., 384
Andrade, N. R, 115
Andrade e Silva, J. B., 54
André, J. V. R., (?)
Andrew, E., 193
Andrew, J. O., 104
Apostol, J., (nota)
Araújo, B., 174
Araújo, J. D. de, 298, 428 (notas 184)
Araújo, N., 287
Arcoverde, J., 225
Aristóteles, 41
Arns,Dom R E., 377, 378
Asbury, F., 40, 100
Astruc, J., 36

Babcock, G. I., 422 (nota 112)


Bagby, W., 142, 148, 149
Baird, R., 38
Barbieri, S. U., 198
Barros, E. V., 388
Barth, K., 163
Baur, F. C., 336
Beato, J., 298
Benjamin, G., 198
Benson, J. 53
Beozzo, J. O., 309
Berg, D., 365, 369, 373, 436 (nota 99)
Bernardo, A. O., 180
Bixler, 174
Blackford, A. L „ 132, 130, 131, 135-137 405 (notas 137), 410 (notas 220)
Blake, E. C. 376
Blankinship, A. J., 216

447
História Documental do Protestantismo no Brasil

Boaventura, L., 330, 431 (nota 34)


Bochum, B. V., 403 (nota 106)
Bolívar, S., 37
Bonhoeffer, D., 163, 307
Bonifácio, J., 400 (nota 63)
Booth, B., 383
Boot, C. M. 382, 384
Booth, E. C., 382
Booth-Tucker, E. M., 382
Booth, W., 382, 384
Borsoi, C. A., 388
Boudinot, E., 410 (nota 217)
Bowen, T. J., 141, 145, 146
Boys, cap., 54, 138
Braga, E., 163, 171, 236, 423 (nota 127)
Brande, V., 215
Broadbent, S., 49, 61
Brodnax, R., 147
Brown, N., 142
Brunner, E., 163
Bryan, W. J „ 278, 426 (nota 169)
Bueno, T., 388
Bultmann, R. 343
Bunting, J., 30
Buther, 109
Butler, J. W., 422 (nota 112)

Cabral, A. dos S., 232


Cabral, A. V., 215
Caffery, J., 232
Calhoun, J. C., 105
Calvino, J „ 120, 128, 327 419 (nota 77)
Câmara, H „ 310, 341, 342, 375
Campeio, Z., 427 (nota 177)
Campos, H. de, 226
Campos, J., 290
Cann, K., 25
Cannon Jr. J., 192
Capers, W., 105
Carpenter, 115
Carvalho, F., 192
Carvalhosa, M. P. B. de, 412 (nota 238)
Carver, R. 53
Case, E., 192
Castro A., de 389

448
índice Onomástico

Castro, L. de, 389


Castro, M. de, 387, 388
Castro, O. de, 387-389
Cavalcanti, E. G., 413 (nota 265)
Cerilhanes, J. I., 193, 198
César, W., 298
Chaccon, C., 106, 113
Chalmers, Th., 29
Chamberlain, G., 131, 411 (nota 223)
Chardin, T., de, 344
Chaves, D. de A., 198
Chaves, O., 192
Cherbury, H., 397 (nota 1)
Chiniquy, Ch. P. T., 225
Clarck, M., 406 (nota 160), 426 (nota 171)
Clark, F. P., 156
Clark, J. L „ 192
Clark, M. A., 96
Coachmann, J. W., 282
Coke, T h „ 99
Coleppi, L., 53
Collins, V. D., 94, 95, 405 (nota 153), 406 (nota 154)
Comte,Al., 161
Conceição, J. M. da, 130-136, 226, 411 (notas 230 e 231)
Cone, J. 307
Correa, J., 156, 408 (nota 185)
Correia, J. C., 74
Correia, J. da C., 106, 112
Costa, A. M. D., 155, 418 (nota 72)
Coutinho, J. C., da S., 53
Cox, H, 307
Cox, M., 406 (nota 165)
Crane, R., 46
Cruz, O., 281
Cunha, C., 298
Cuningham, A., 54

Dacorso Filho, C., 79, 192, 197, 265, 416 (nota 32), 424 (nota 142)
Daffin, R., 174
Daibert.O., 341
Dalman, G., 300
Damião, P. C., 340
Daniel, J. W., 198
Darby, J. N „ 414 (notas 277 e 281)
Darwin, Ch., 30, 163, 243

449
História Documental do Protestantismo no Brasil

Davis, D., 147


Davis, J. M., 415 (nota 4)
Davis, R., 341
Delisle, S., 383
Del Nero, J., 268
Deodoro da Fonseca, 112, 226
Dickie, M. 112
Diniz, 280
Dixon, A. C., 421 (nota 101)
Doddridge, P., 53
Dohms, H „ 202, 210, 268
Dudley, Th. U., 215
Duffield, G., 410 (nota 217)
Durham, W. H. 365, 367, 436 (nota 93)
Duval da Silva, N., 24

Eichhorn, J. G., 36
Ehlers, J. G., 58, 61
Elphick, R., 257
Ernesti, J. A., 36
Escobar Jr., E., 192
Esher, N. S.do C., 406 (nota 160)

Fanini, N., 322


Ferraz, B., 39
Ferraz, J. 251
Ferraz, S., 227, 235
Ferreira, J. A., 411 (nota 225)
Figueiredo, A. P., 77
Figueiredo, J. A., 198
Figueiredo, J. de, 229
Finney, Ch. C., 41
Fischer, J., (?)
Fletcher, E. R., 86
Fletcher, J. C., 90, 93-95, 405 (notas 137 e
Fletcher, 53
Fliedner, Th., 393
Flores, J. do P., 409 (nota 197)
Fraga, A, M., 215
Francescon, L., 367
Francke, A. H., 33
Frederico III, 33
Frederico Guilherme III, 33
Frederico Chilherme IV, 34
Freitas, A. L. de, 389
Indice Onomástico

Garaudy, R., 346


Gardiner, A. F., 399 (nota 42)
Gammon, 423 (nota 116)
Gammon, B., 291
Gammon, S., 174
Gammon, S. R., 249, 251
George, 280
Ginsburg, S., 250
Gladden, W., 275
Glass, F. C., 280, 404 (nota 122)
Glenn, I., 251
Godard, D., 251
Goulart, J., 309
Gottschald, K., 360
Graham, B„ 311, 312, 322, 323, 422 (nota 106)
Granbery, J. B., 112
Granbery, J. C., 408 (nota 192)
Graul, K., 35
Gray.S., 383
Grijp, K. van der, 25
Grubb, K., 255, 427 (nota 174)
Gueiros, I., 245
Guilherme I., 32
Gutierrez, G., 307

Haetinger, 403 (nota 107)


Harland, E., 383
Harnack, A., 163
Harris, H. S., 255
Harris, W. O., (?)
Harrison, H. B., 413 (nota 265)
Harwell, H. H., 112
Hawley, D. M., 387
Hearn, E. S., (?)
Hegel, B. W. F., 36
Herbert, E., 27
Heuer,D., 383
Hines, J. E., 220
Hodge, A. A., 325
Hodge, C., 325
Holand, A., 383
Holden, E., 154-156, 404 (nota 122)
Hort, F. J. A., 30
Huber, profa., 383
Hudson, W., 231, 237, 273, 425 (nota 153)

451
História Documental do Protestantismo no Brasil

Hunnicutt, B. H., 256


Hurrey, C. D., 422 (nota 112)

Irwin, R., 326, 335

Jacob, M., 412 (nota 239)


Jardim, H. de S., 223
Jefferson, T., 408 (nota 182)
Jesus, C. C., 130
João XXIII, 308
Jones, E. S., 255, 301
Judson, A., 141

Kalley, R., 114-121, 165, 220, 221


Kalley, S., 114, 120
Kant., I., 36
Kay, M., 60
Keble, J., 28
Kennedy, J. L., 112, 198, 251, 408 (notas 185 e 191)
Kerr, G., 428 (nota 182)
Kidder, D., 78, 88, 90, 92, 405 (nota 146)
Kingsley, Ch., 29
Kinsolving, G. H., 215, 414 (nota 281)
Kinsolving, I. L., 154, 156, 212, 215
Klingelhõffer, E, C., 58
Knox, J. 128
Krischke, E. M., 270, 425 (nota 149)

Lancaster, J., 397 (nota 3)


Lane, E., 130
Lane, H., 168
Lander, J. M., 112
Lawrence, W., 215
Leach, Z., 383
Leão, J. L., 289, 427 (nota 175)
Leão XIII, 29, 275, 414 (nota 282)
Lee, W. B„ 192
Leiper, H. S., 424 (nota 140)
Leme, S., 225, 420 (nota 81)
Lenington, R., 133, 174
Leopold, E, 59
Lessing, G. E., 36
Lightfoot, J.B., 30
Lima, A. A., 229

452
índice Onomástico

Lima, D. B., 340


Lima, J. I., 335
Lincoln, A., 105
Lindenberg, O., 192
Lindscheid., G., 137
Lisboa, J. da S., 57
Lobo, A. da S., 112
Locke, J., 27, 41
Lohe, W., 205
Lombardi, G., 367, 368
Long, E. K., 408 (nota 185)
Lopes, R., 312
Lorscheiter, I., 378
Louro, J. P. S., 115
Love, E S., 192
Lovett, W., 397 (nota 7)
Ludlow, J. M., 29
Lutero, M „ 201, 203, 206, 209, 211, 267, 327, 394, 402 (nota 100)

Machado, P., 197


Mackay, J., 257
Maddry, C. E., 185, 186, 188
Mahan, A., 41
Makamie, E, 129
Marques, P., 228
Marroquim, J., 257
Martins, M. R., (nota)
Martins, S., 388
Martyn, H., 49
Mark, K., 36, 136
Masaryk, J. G., 429 (nota 19)
Matos,A. J., 154
Matos, E. Q., 331
Matthews, M., 382
Mattison, J. S. 112
Maurer Jr., Th. H., 330
Maurice, F. D., 29
McCarthy, J., 422 (nota 106)
McGuire, 156
Mclntire, C., 237, 244, 245
Mclntire, R. L., 410 (nota 220)
McKay, S. R., 86
McPherson, A. S., 378
Meade, W., 46

453
História Documental do Protestantismo no Brasil

Meen, J.G ., 214


Meireles, A., 406 (nota 160)
Melcher, L. Ch., 217
Mello, B. H., 126
Mello, M. de, 365, 366, 375-377, 379, 437 (notas 100 e 103)
Mello U „ 117
M elo .M .J. N „ 328, 331
Mendonça, A. G., 399 (nota 51)
Menna, L., 367
Meriwether, R., 147
Mesquita, A. N., 180
Meyer, J., 59
Miche, D. e S., 383
Midkiff, H. P., 233
Milford, H „ 130
Miranda, D., 367, 437 (nota 103)
Miscolty, G., 388
Moltmann, ]., 307
Monti, D. P., 409 (nota 197)
Moodey, D. L., 162
Moore,W. H „ 192
Mootz, G. H., 61
Moraes, A. F., 191
Moraes, O. D. R. 257
Moreira, M., 330
Morris, C. H., 77
Morton, G. N., 139
Mott, J. R. 162, 248
Moura, E., 192, 196, 265
Mouzon, E., 192, 196
Müller, P. P., 61

Nabucoo, J., 117


Nascimento, N. I., 341
Nascimento, Z., 383
Nelson, J. H., 106, 198, 416 (nota 36)
Newman, J. H „ 29, 105, 106, 422 (nota 109)
Newman, M., 109
Newton, I., 27
Niemoeller, M., 267
Nietzsche, 307

Oliveira, V. M. G. de, 418 (nota 72)


Owen, R., 29

454
índice Onomástico

Pahram, Ch., 365


Palmer, Ph, 382
Panke, R., 394, 439 (nota 148), 440 (nota 151)
Parker, G. D., 193
Paula e Silva, L. de, 406 (nota 160)
Paulo VI, 343
Pechmaan, F., 74
Pedro I, 57, 91
Pedro II, 161
Pereira, E. C., 167, 168, 169
Pereira, J. R., 188, 312
Pessanha, O. de C., 387
Peterkin, G. W., 215
Pierson, P. E., 169, 274
Pievani, V., 368
Pinheiro, J. F. F., 402 (nota 93)
Pio VIII, 83
Pio IX, 83
Pio X, 397 (nota 5)
Piper, O., 299, 303
Pithan, A. Th., 216, 219
Pitts, F., 100
Place, F., 397 (nota 7)
Plutschan, H., 35
Pombal, Marquês de, 45, 398 (nota 35)
Porter, T., 175
Potter, H. C., 215
Potter, Ph., 307, 375, 378
Pusey, E. B„ 29, 422 (nota 109)

Rahner, K., 343


Rambo, S. D., 112
Rameiro, B. de O., 121
Ranson, J. J „ 107, 108, 111, 112, 408 (notas 186 e 187)
Rauschenbusch, W., 163, 275
Reed, W., 281
Rees, A. A., 384
Reid, Capitã, 383
Reily, D. A., 341
Reimarus, H. S., 36
Reis, A., 248, 251, 420 (nota 80)
Ribeiro, B „ 325, 411 (nota 225)
Rice,J. H „ 428 (nota 187)
Ritschl, A., 36

455
História Documental do Protestantismo no Brasil

Rizzo, S., 245, 255, 422 (nota 107)


Rizzo Jr., M., 424 (nota 139)
Roberts, A., 216
Robinson, J., 412 (nota 239)
Robinson, J. A. T., 343
Rocha, J. G., 120
Roderick, R. A., 156
Roger, J. W., 111
Romano Filho, A., 197
Rossi, A., 169
Rotermund., G., 58, 70, 402 (nota 99), 403 (nota 106)
Ruch, A., 388

Salinas y Velasco, E., 216


Salley, 174
San Martin, J., 37
Santana, F. A., 340
Santos, A. dos, 298, 341
Santos, A. C., dos, 389
Santos, G. dos, 366, 388
Santos, J. M. G. dos, 222
Santos, L. G., 407 (nota 174)
Santos, M. G. dos, 174
Santos Jr., J. B. de, 291
Sapsezian, A., 307
Sauerbronn, F. O., 58, 59, 401 (nota 77), 402 (nota 89)
Schleiermacher, F. D. E., 36
Schlupp, J. E., 59
Schneider, F. J. C., 131-133, 410 (nota 220), 411 (nota 222)
Schreiner, G., 204
Seidh, C., 284
Sergel, C., 216
Seymour, W. J., 365
Shaull, R., 291, 427 (nota 179)
Sherrill, E. K „ 298, 399 (nota 45), 425 (nota 149)
Silva, J. P. da, 341, 375
Silva, O. L„ 192, 198
Silva, S. M. da, 377
Silvai Jr., I., 220
Silveira, G., 192, 196, 426 (nota 162)
Silveira, M. J. D., 155
Simeon, Ch., 56
Simões, P.L., 425 (nota 149)
Simonton, A. G., 42, 129-132, 154, 156, 410 (nota 220)
Smith, J. P., 251

456
índice Onomástico

Smith, J. R., 175


Smyth, J., 140
Soares, Z., 392
Soren, J. F., 311, 319, 412 (nota 242)
Souza, O. B., (nota)
Spaulding, J „ 78, 92, 93, 102, 138, 405 (nota 147)
Speer, R. E., 240
Spener, Pr. )., 33
Sterling, W. H., 215
Steven, 383
Stirling, 399 (nota 46)
Strauss, D. F., 36
Strong, J. 275
Stuart, H. W., 117
Suhett, M. de O., 388

Tanner, Cap., 84
Tarboux, I. W., 112, 191, 192, 197, 236, 253, 408 (nota 191), 422 (nota 112)
Tavares, J. E., 191
Tavares, L., 366
Taylor, W., 106, 198, 408 (nota 180)
Taylor, Z. C., 142, 148
Tennant, G., 234
Terry, N., 365
Theremin, W. von, 63, 101
Tholuck, F. A. G. 29
Thomas, W. M. M., 215-217
Thompson, W. M., 174
Thornton, 56
Tilly, E.. 112
Tindal, M., 27
Toynbee, A., 302
Toreltsch, E., 38, 302
Tucker, H. C., 112, 197, 246, 251, 257, 265,282, 404 (nota 122), 408 (nota 191), 422
(nota 112), 424 (nota 142), 426 (nota 171), 427 (nota 172)

Ungaretti, A. M., 193

Vanorden, E., 138, 411 (nota 236)


Vargas, G., 234, 277
, inales, R., 310
Vingren, G „ 365, 369, 370,371, 372, 373, 436 (notas 94, 95 e 99)
Visser’t Hooft, W. A. 270, 424 (nota 142)
Voges, K. L., 58, 62, 402 (nota 85)
Vorster, J., 137

457
História Documental do Protestantismo no Brasil

Waddell, R. L„ 422 (nota 107)


Waddell, W. A., 174
Wagner, E., 193
Walsh, R., 54
Watt, J., 28
Watts, 109, 110
Weaver, A., 286
Weaver, E., 286
Webb, 115
Weber, M. B „ 217
Wesley, Ch, 53
Wesley, J „ 30, 99, 193, 264, 266,
Westcott, B. E, 30
Whitefield, G., 99
Whitney, E., 41
Wightam, W. M., 106
Wilberforce, W., 28
William, R., 141
Williams, H „ 365, 378
Williams, H. E., 387
Williams, M. E, 387
Williams, W. E., 192
Wisehard, L. D., 96
Wiseman, C., 136
Witherspoon, 129
Wolff, Ch. von, 35
Wolling, J., 112
Wood, T., 113
Wooton, E., 427 (nota 175)
Wright, J „ 325, 336

Ziegenbalg, B., 35

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