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Lista de conteúdos

CAPÍTULO I ........................................................................................................................... 15
1. Introdução ........................................................................................................................... 15
1.1. Motivação .......................................................................................................................... 16
1.2. Objectivos .......................................................................................................................... 16
1.3. Relevância do estudo .......................................................................................................... 17
1.4. Problema da investigação ...................................................................................................17
1.5. Hipóteses............................................................................................................................ 17
1.6. Dados da língua Citshwa .................................................................................................... 18
1.7. Organização do estudo .......................................................................................................18
CAPÍTULO II: Revisão de literatura ..................................................................................... 20
2. Quadro teórico..................................................................................................................... 20
2.1. Morfologia e Fonologia Lexical.......................................................................................... 20
2.2. Teoria de traços distintivos de Chomsky e Halle (1968) ..................................................... 23
3. Quadro conceitual ............................................................................................................... 25
3.1. Fonologia ........................................................................................................................... 25
3.2. Sílaba ................................................................................................................................. 30
3.3. Tom ................................................................................................................................... 33
3.4. Morfologia ......................................................................................................................... 36
3.4.1. Tempo ............................................................................................................................. 39
3.4.2. Aspecto ........................................................................................................................... 42
3.4.3. Divergências e semelhanças entre tempo e aspecto .......................................................... 45
3.4.4. Modo ............................................................................................................................... 48
3.4.5. Negação .......................................................................................................................... 49
3.4.6. Estrutura do verbo em bantu ............................................................................................ 50
3.4.7. Conclusão ........................................................................................................................ 53
CAPÍTULO III: Revisão bibliográfica ................................................................................... 54
3.1. Uma abordagem sobre Morfologia e Fonologia Lexical ...................................................... 54
3.2. As categorias tempo, aspecto, modo e polaridade em bantu ................................................ 59
3.3. Prévios estudos sobre a gramática do Citshwa .................................................................... 63
3.4. Conclusão .......................................................................................................................... 65
CAPÍTULO IV: Metodologia .................................................................................................66
4.1. Recolha de dados................................................................................................................ 66
4.1.1. Pesquisa documental ....................................................................................................... 66
4.1.2. Questionário .................................................................................................................... 66
4.1.3. Entrevista semi-estruturada.............................................................................................. 67
4.1.4. Delimitação da amostra e local de estudo ......................................................................... 68
4.2. Método de abordagem ........................................................................................................ 68
4.3. Métodos de análise ............................................................................................................. 68
4.4. Conclusão .......................................................................................................................... 69
CAPÍTULO V: Fonologia do Citshwa ................................................................................... 70
5.1. Vogais ................................................................................................................................ 70
5.2. Processos fonológicos envolvendo vogais do Citshwa ........................................................ 73
5.2.1. Semivocalização .............................................................................................................. 73
5.2.2. Elisão .............................................................................................................................. 75
5.2.3. Coalescência.................................................................................................................... 77
5.2.4. Vogal harmónica ............................................................................................................. 77
5.3. Consoantes ......................................................................................................................... 80
5.4. Processos fonológicos envolvendo consoantes do Citshwa ................................................. 83
5.4.1. Assimilação ..................................................................................................................... 84
5.4.2. Velarização/labialização ..................................................................................................85
5.4.3. Nasalização ..................................................................................................................... 85
5.4.4. Aspiração ........................................................................................................................ 86
5.4.5. Africatização ................................................................................................................... 87
5.5. Semivogais ......................................................................................................................... 88
5.6. Tom verbal em Citshwa ...................................................................................................... 89
5.7.1. Função lexical do tom em Citshwa .................................................................................. 89
5.7.1. Função gramatical do tom em Citshwa ............................................................................ 90
5.8. Sílaba ................................................................................................................................. 93
5.9. Conclusão .......................................................................................................................... 96
CAPÍTULO VI: tempo, aspecto e modo verbal em Citshwa ................................................. 97
6. 1. Tempo verbal em Citshwa ................................................................................................. 97
6.1.1 Tempo passado ................................................................................................................. 97
6.1.1.1. Passado na forma afirmativa ......................................................................................... 97
6.1.1.2 Passado na forma negativa ............................................................................................ 99
6.1.2. Tempo presente ............................................................................................................. 101
6.1.2.1. Presente pontual na forma afirmativa .......................................................................... 102
6.1.2.1. Presente pontual na forma negativa ............................................................................. 103
6.1.3.1. Presente habitual na forma afirmativa ......................................................................... 104
6.1.3.2. Presente habitual na forma negativa ............................................................................ 104
6.1.4. Tempo futuro................................................................................................................. 105
6.1.4.1. Futuro na forma afirmativa ......................................................................................... 105
6.1.4.12. Futuro na forma negativa .......................................................................................... 106
6. 2. Aspecto verbal em Citshwa ............................................................................................. 110
6.2.1. Aspecto perfectivo ......................................................................................................... 110
6.2.1.1. Aspecto perfectivo na forma afirmativa ...................................................................... 110
6.2.2. Aspecto imperfectivo ..................................................................................................... 111
6.2.2.1. Aspecto imperfectivo habitual .................................................................................... 111
6.2.2.2. Aspecto imperfectivo pontual ..................................................................................... 113
6.2.2.3. Aspecto imperfectivo progressivo ............................................................................... 114
6.3. Modo verbal em Citshwa .................................................................................................. 116
6.3.1. Modo imperativo ........................................................................................................... 116
6.3.2. Modo conjuntivo ........................................................................................................... 117
6.4. Conclusão ........................................................................................................................ 119
CAPÍTULO VII: Conclusão ................................................................................................. 120
8. Referências bibliográficas ................................................................................................. 123
vii

Lista de símbolos e abreviaturas

Símbolos

ı«««««««««««««««««6ílaba
2……………………………………………..Morfema Zero
ĺ«««««««««««««««««5HDOL]D-se
//……………………………………………. Fonema
[ ]…………………………………………… Fone
/……………………………………………...Contexto fonológico
P……………………………………………..Mora
(‫«««««««««««««««« މ‬7RPDOWR
(`)………………………………………….....Tom baixo
cf…………………………………………… Confira
[:]…………………………………………….Alongamento

Abreviaturas

A Aspecto
Adj Adjectivo
Alt Traço Alto
Ant Traço Anterior
Arred Traço Arredondado
Adv Advérbio
Afir Afirmativo
Bx Traço Baixo
C Consoante
Cons Traço Consonântico
Cont Traço Contínuo
Conj. Conjunção
Cor Traço Coronal
Cd Coda
viii

D. Suf Sufixos derivacionais


DO Objecto Duplo
Estrid Traço Estridente
Exts Extensões verbais
FG Fonologia Generativa
Fonol Fonologia
FutS Futuro simples
G Glide/semivogal
Hab Habitual
Imperf Imperfectivo
L1 Língua materna
L2 Língua segunda
LB Língua bantu
M Modo
MIMP Modo imperativo
MCONJ Modo conjuntivo
MO Marca de objecto
Morf Morfologia
MS Marcas de sujeito
Neg Negação
Nas Nasal
PB Proto-Bantu
PresP Presente pontual
PresH Presente habitual
Pron Pronome
PS Passado
PSC Passado composto
PBra Português Brasileiro
Perf Perfectivo
Post Traço Posterior


ix

pp Pessoa do plural
ps Pessoa do singular
R Rima
Rel Relativo
Rec Traço Recuado
Sil Traço Silábico
Son Traço Sonorante
SPE Sound Patter of English
T Tempo
TAMP Tempo, aspecto, modo e polaridade
Tens Traço Tenso
TV Tema verbal
V Vogal
VV Sequência de duas vogais
VF Voga final
Voz Traço Vozeado


[

Lista de tabelas e figuras


Lista de tabelas

Tabela 1: Diferenças entre tempo e aspecto segundo Macalane (2009)………………………...48


Tabela 2: Estrutura da unidade do verbo proposta por Meeussen (1959)……………………….52
Tabela 3: Estrutura da unidade do verbo proposta por Nurse (2008)…………..……………….52
Tabela 4: Sequência de morfemas e sua distribuição em bantu (Salting, s/d)…………………..53
Tabela 5: Posições dos morfemas derivacionais e flexionais no bantu, segundo Mutaka &
Tamanji (2000)…………………………………………………………………………………...45
Tabela 6: Estrutura do verbo do Xichangana segundo Langa (2012)…………………………...54
Tabela 7: Estrutura básica do verbo em bantu, segundo Childs (2003)………………………....45
Tabela 8: Fenómenos morfológicos condicionados fonologicamente (Inkelas, s/d: 2)…………57
Tabela 9: Representação da palavra imoralidade no quadro da Morfologia e Fonologia
Lexical……………………………………………………………………………………………59
Tabela 10: Estrutura do verbo do Lembaama segundo Okoudowa (op. cit)…………………….62
Tabela 11: Distribuição das (5) vogais do Citshwa tendo em conta os traços distintivos……....76
Tabela 12: Consoantes do Citshwa a partir de diferentes pontos e modos de articulação……....84
Tabela 13: Traços distintivos das sonorantes do Citshwa……………………………………….87
Tabela 14: Traços distintivos das obstruentes do Citshwa……………………………………...87
Tabela 15: Distribuição dos morfemas nos tempos simples, passado composto, presente habitual
e pontual, e futuro simples, nas formas afirmativa e
negativa…………………………………………………………………………………………110
Tabela 16: Distribuição dos morfemas aspectuais, nas categorias: perfectivo, imperfectivo
habitual, pontual e progressivo em
Citshwa…………………………………………………………………………………………117
Tabela 17: Distribuição dos morfemas modais, nas categorias: imperativo e conjuntivo, na forma
afirmativa……………………………………………………………………………………….120

Lista de figuras

Figura 1: Representação da categoria tempo segundo Ngunga (2004)………………………....40


Figura 2: Representação da oposição aspectual segundo Comrie (1976)……..………………...45


[L

Dedicatória

À memória do meu Pai, SARMENTO FILIPE GUNDANE,


dedico este trabalho, resultado de um empenho ao longo de muitos
anos de convicção, inconformismo e, acima de tudo, de
responsabilidade e confiança.

Paz à sua alma!


[LL

Agradecimentos

Quero expressar aqui meu profundo agradecimento a todos os que não só tornaram
possível a elaboração deste trabalho, mas também, sob o ponto de vista moral, expressaram o
seu valor durante a formação.

Em primeiro lugar, ao Prof. Doutor David Langa, meu supervisor, pelo encorajamento,
compreensão e encaminhamento durante o processo de elaboração do trabalho.

Em segundo lugar, à minha Mãe, Raquelina Manhique, aos meus irmãos, Flugêncio,
Ercília e Nilza da Rosa, pela motivação, paciência, companhia e compreensão.

Em terceiro lugar, a todos os meus docentes do Programa de Mestrado em Linguística


Bantu, especialmente ao Professor Catedrático Armindo Ngunga, pelo apoio, disponibilidade,
em tornar possível este sonho, bem como em outras indicações por ele facultadas durante a
elaboração do trabalho. Ao Prof. Doutor Geraldo Macalane, Director do Curso, pelo incentivo
e pela ajuda incondicional por ele proporcionados durante a fase curricular.

Em quinto lugar, à Direcção da Universidade Pedagógica e estudantes da Delegação de


Maxixe, pela compreensão nos meses em que me desloquei a Nampula a fim de frequentar os
módulos.

Em último, não menos importante, agradeço a todos os colegas da UP – Maxixe/UniSaF,


amigos, colaboradores, todos aqueles que me ajudaram na realização deste trabalho.

O meu obrigado!


[LLL

Resumo

À luz do quadro teórico de Morfologia e Fonologia Lexical de Kiparsky (1982, 1985), o


presente trabalho pretende, a partir da proposta de Meeussen (1967), identificar, descrever e
analisar a distribuição dos constituintes tempo, aspecto, modo e polaridade (TAMP) na língua
Citshwa (S51). O problema que se levanta neste estudo reside na análise da distribuição destes
constituintes na estrutura do verbo, bem como a forma como eles são expressos. Por tratar-se
de um estudo de natureza qualitativa, durante a recolha de dados, foi, essencialmente, aplicado,
à população-alvo previamente seleccionada, não só o questionário, como também a entrevista
semi-estruturada. Descritos e analisados os dados, estes validam o estudo, visto que, em
Citshwa, os constituintes TAMP afixam-se ao verbo e distribuem-se dentro das (11) posições
na estrutura interna. Estes constituintes são expressos por morfemas segmentais e, nalguns
casos, suprassegmentais (cf. tempo, polaridade). Em relação à fonologia segmental, mostrou-se
que as vogais do Citshwa se distribuem dentro das específicas características morfológicas e
são, fonologicamente, condicionadas por vários factores. Quanto às consoantes, em Citshwa,
estes sons sofrem, por um lado, alguns processos fonológicos (assimilação), e, por outro lado,
modificações (cf. aspiração, labialização, velarização, nasalização, africatização), em
determinados contextos. No âmbito da fonologia suprassegmental, o estudo do tom mostrou
que esta língua faz o contraste entre o tom alto e tom baixo, distinguindo os significados das
palavras. O tom não só se manifesta nos nomes, como também na estrutura do verbo, e é
contrastivo tanto a nível lexical como gramatical. Por fim, a análise da sílaba permitiu concluir
que esta língua apresenta uma estrutura básica do tipo -CV-. Já no domínio da morfologia
flexional, foi descrito o tempo nas categorias passado simples, passado composto, presente
habitual, presente pontual e futuro simples, nas formas afirmativa e negativa. Verificou-se que
o tempo é expresso por morfemas específicos que se encontram aglutinados ao verbo.
Relativamente ao aspecto, o estudo descreveu as (4) categorias aspectuais, nomeadamente,
perfectivo, imperfectivo habitual, imperfectivo pontual e imperfectivo progressivo, tendo-se
concluído que tais morfemas se distribuem por diversas posições na estrutura do verbo e,
nalguns casos, como é o aspecto perfectivo, a sua posição coincide com a do passado simples.
Assim, neste estudo, a posição do pós-fomativo subdivide-se em duas: pós-formativo 1 e pós-
formativo 2. Note-se que no formativo ocorrem os morfemas temporais e aspectuais. Em face
disso, o estudo mostrou a necessidade de se aumentar mais uma posição, ou seja, a do pós-
formativo 2, em que, especificamente, ocorre a marca do aspecto progressivo, visto que na
posição do pós-formativo (1) ocorrem as marcas dos aspectos pontual e habitual. Ainda na
morfologia flexional, foram, também, sistematizados os morfemas que expressam o modo
imperativo e conjuntivo. Viu-se que estes morfemas ocupam as mesmas posições com as do
tempo e aspecto. Quanto ao primeiro modo, o estudou mostrou que os morfemas que o
expressam variam em função do número e pessoa. Em relação ao conjuntivo, em todas formas
verbais, é assinalado pelos mesmos morfemas, que se distribuem na estrutura do verbo.

Palavras-chave: Morfologia, Fonologia Lexical, Tempo, Aspecto, Modo e Polaridade.


[LY

“ […] Fazer da linguagem um objecto privilegiado de


reflexão, da ciência e de filosofia, eis um gesto cujo alcance
ainda não foi completamente avaliado. Com efeito, embora a
linguagem se tenha tornado um objecto de reflexão
específico há já muitos séculos, a ciência linguística, essa, é
muito recente […]”. Kristeva, J. (2007). História da
Linguagem. Lisboa


15

CAPÍTULO I
1. Introdução
A presente dissertação para obtenção do grau de Mestre em Linguística Bantu pretende
identificar, descrever e analisa os constituintes tempo, aspecto, modo e polaridade (TAMP) no
verbo em Citshwa, a partir da proposta de Meeussen (1967), segundo a qual, nas línguas
bantu1, (LB) se afixam, ao verbo, todos os morfemas flexionais e derivacionais.

Esta língua é codificada S.51 por Guthrie (1967-71). À luz do quadro teórico de
Morfologia e Fonologia Lexical de Kiparsky (1982, 1985), que refere que a análise dos
fenómenos morfológicos é condicionada fonologicamente, uma vez que a entrada de cada
processo de formação de palavra é submetida às regras fonológicas; bem como de Fonologia
Generativa (FG) de Chomsky & Halle (1968), paralelamente à proposta que estes autores
trazem, a de traços distintivos como unidades mínimas que capturam melhor as propriedades
fonético-fonológicas dos fonemas; especificamente, o estudo pretende identificar os
constituintes tempo, aspecto, modo e polaridade no verbo em Citshwa; analisar os constituintes
tempo, aspecto, modo e polaridade a partir da proposta de Kiparsky (1982) e descrever a sua
distribuição na estrutura do verbo.

O problema que se levanta para esta pesquisa centra-se na necessidade de, a partir da
proposta de Meeussen (1967), analisar-se a distribuição dos constituintes tempo, aspecto, modo
e polaridade no verbo em Citshwa, bem como a forma como eles são expressos. Como
respostas preliminares, são avançadas as seguintes hipóteses: os constituintes tempo, aspecto,
modo e polaridade afixam-se ao verbo e distribuem-se tendo em conta as posições que eles
ocupam na estrutura interna do verbo; no verbo, os constituintes tempo, aspecto, modo e
polaridade são expressos por morfemas segmentais e suprassegmentais.


1
Grupo de línguas que são faladas na África subsaariana. Trata-se de línguas pertencentes à família Níger-
Kordofaniano, sub-família Níger-Congo, segundo a classificação genealógica de Greenberg (1955).


16

1.1. Motivação
O presente estudo é motivado pelas seguintes razões: a primeira reside no facto de se ter
constatado que o Citshwa é uma língua franca, e menos descrita e sistematizada
cientificamente; a segunda, tratando-se de um estudo que se integra na linguística bantu como
área académica de especialização, tem que ver com a necessidade de descrição, sistematização
e documentação deste património linguístico, pois o autor deste estudo reside em Inhambane,
província onde esta língua é maioritariamente falada pela população (vd. Censo, 2007); a
terceira razão centra-se na necessidade de fornecimento de dados para o enriquecimento de
pesquisas sobre as línguas moçambicanas (de grupo bantu), facto que irá ajudar na preservação
destas línguas e dos seus sistemas.

1.2. Objectivos
O estudo fundamenta-se nos seguintes objectivos:

x Identificar os constituintes tempo, aspecto, modo e polaridade no verbo em


Citshwa;
x Descrever a distribuição dos constituintes tempo, aspecto, modo e polaridade em
Citshwa;
x Analisar os constituintes tempo, aspecto, modo e polaridade a partir da proposta de
Kiparsky (1982).


17

1.3. Relevância do estudo


Em primeiro lugar, ao nível da teoria linguística, o estudo contribuirá para avaliar a
aplicabilidade e funcionalidade da Morfologia e Fonologia Lexical de Kiparsky (1982, 1985)
no estudo das categorias tempo, aspecto, modo e polaridade no verbo em Citshwa. Por um
lado, aos falantes do Citshwa, a partir do modelo de Meeussen (1967), o estudo prova que na
ortografia desta língua, todos os morfemas flexionais devem ser aglutinados ao verbo. Por
outro lado, o estudo ainda mostra que o Citshwa faz o contraste tonal, distinguindo significados
de palavras, facto que justifica a sua marcação na ortografia.

Ao nível educacional, espera-se que este estudo contribua para a elaboração de


orientações tanto teórico-práticas, como metodológicas, no âmbito da educação bilingue na
província de Inhambane, situação esta, que motivará a comunidade linguística dos vatshwa 2,
vendo a sua língua descrita, estudada e valorizada.

1.4. Problema da investigação


Em bantu, à medida que ao verbo são aglutinados todos os morfemas flexionais e
derivacionais, para o presente estudo propõem-se as seguintes questões:

x Através da proposta de Meeussen (1967), de que forma os morfemas flexionais,


particularmente os constituintes tempo, aspecto, modo e polaridade se encontram
distribuídos no verbo em Citshwa?
x Na estrutura interna do verbo, como é que os constituintes tempo, aspecto, modo e
polaridade são expressos?

1.5. Hipóteses
Em resposta às questões colocadas anteriormente, são avançadas as seguintes hipóteses:

x Tendo em conta a proposta de Meeussen (1967), em Citshwa, os constituintes


tempo, aspecto, modo e polaridade afixam-se ao verbo e distribuem-se tendo em
conta as posições que eles ocupam na estrutura interna do verbo;

2
Comunidade linguística ou grupo linguístico que tem Citshwa como língua materna (L1), maioritariamente
residente na província de Inhambane.


18

x No verbo, os constituintes tempo, aspecto, modo e polaridade são expressos por


morfemas segmentais e suprassegmentais.

1.6. Dados da língua Citshwa


O Citshwa é falado nas províncias de Maputo, Gaza e Inhambane, e na zona meridional
das províncias de Manica e Sofala. Esta língua é falada ainda na zona meridional de Zimbabwe
e na África do Sul, na província do Transvaal, (Ngunga & Faquir, 2011. p. 195). Em termos
numéricos, esta língua é falada por 693.386 pessoas de cinco anos e mais de idade,
representando um total de 4.4%, sendo falada nas províncias de Inhambane, Gaza, Maputo,
Sofala, (INE, 2010)3.

De acordo com Ngunga & Faquir (ibid), o Citshwa apresenta 6 variantes,


designadamente:
a) Xikhambani, falada no distrito de Panda;
b) Xirhonga, falada na zona ocidental do distrito de Massinga;
c) Xihlengwe, falada nos distritos de Morrumbene e Massinga, na zona de Funhalouro;
d) Ximhandla, falada no distrito de Vilankulo;
e) Xidzhonge (ou Xidonge), falada na parte meridional do distrito de Inharrime;
f) Xidzivi, falada nos distritos de Morrumbene e Homoine.

O Citshwa4 é falado mais particularmente em áreas rurais a oeste de Inhambane. O seu


maior grupo dialectal, Xihlengwe, estende-se para oeste, assim como para o sul do Zimbabwe.
Estimativas dizem que mais de um milhão de pessoas da Etnia vatshwa são falantes desta
língua como L1. O Citshwa é mutuamente inteligível com Xirhonga e Xichangana.

1.7. Organização do estudo


O estudo encontra-se subdividido em sete capítulos. O primeiro capítulo (introdução)
delimita as motivações teóricas e práticas, língua de estudo, objectivos, relevância, problema


3
Cf. Ngunga & Bavo (2011: 15).
4
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_tswa. Acesso em 12 de Maio de 2015.


19

da investigação e hipóteses; o segundo capítulo é reservado à revisão da literatura, onde,


primeiramente, é apresentado o quadro teórico, de seguida, o quadro conceitual, em que são
definidos os principais conceitos operatórios que norteiam a pesquisa; o terceiro capítulo faz a
revisão bibliográfica, onde se traz diversas abordagens no âmbito da Morfologia e Fonologia
Lexical, estudo das categorias tempo, aspecto, modo e polaridade em bantu, e alguns estudos
envolvendo a gramática do Citshwa; segue-se o quarto capítulo que indica os métodos
inerentes à recolha e análise dados; o quinto capítulo estuda a fonologia do Citshwa; o sexto
capítulo descreve a morfologia do verbo em Citshwa; e, por fim, o sétimo apresenta as
conclusões e a bibliografia.


20

CAPÍTULO II: Revisão de literatura


2. Quadro teórico
2.1. Morfologia e Fonologia Lexical
Este quadro constitui um programa de pesquisa desenvolvido sobretudo nos anos 80,
juntando um número de fonólogos, de entre eles, Paul Kiparsky; K. P. Mohanan; Douglas
Pulleyblank; Steven Strauss. Para estes teóricos, a fonologia de uma língua é dividida em dois
componentes distintos, nomeadamente, fonologia lexical e fonologia pós-lexical, (Goldsmith &
Laks, s/d. p. 14).

Fundamentalmente, o modelo foi proposto por Kiparsky (1982, 1985), usado


posteriormente por Mohanan (1982), Hyman (1991), Ngunga (2000), Langa (2012), entre
outros. Neste modelo, assume-se que as regras fonológicas são aplicáveis aos diferentes níveis
na gramática (léxico). Esta teoria pode variar de língua para língua, mas, genericamente, há
regras que se aplicam ao nível lexical e outras que se aplicam ao nível pós-lexical, (Ngunga,
2000. p. 4).

Neste modelo5, há dois tipos distintos de regras fonológicas: um tipo que se aplica ao
léxico, que corresponde às chamadas regras lexicais; outro tipo, cuja aplicação se dá na saída
da Sintaxe, fora do léxico, e que corresponde às chamadas regras pós-lexicais. Entretanto, na
FG não há distinção entre as variações fonológicas condicionadas pela morfologia e as
variações fonológicas condicionados pelos factores fonéticos. O componente fonológico é
separado do morfológico. Pelo contrário, na fonologia lexical, o léxico é considerado como
estrutura composta de alguns níveis ordenados, que são os domínios de algumas regras
fonológicas, de modo que o componente fonológico existe não só depois da sintaxe, mas
também no léxico, (Lee, 1992. p. 118).

Tal como referem Katamba & Stonham (2006: 89), há uma relação simbiótica entre as
regras que operam na estrutura morfológica e fonológica das palavras. Lembre-se que estas


5
Na perspectiva de Vannest (1999: 325), o modelo misto de Kiparsky (1982), “Morfologia e Fonologia Lexical”,
reside não só na divisão dos afixos (lexicais e derivacionais) em diferentes níveis da sua inserção na base
(radical/raiz), como também na interacção entre os processos fonológicos (incluindo os supra-segmentais).



21

regras actuam no léxico e são organizadas em três níveis hierárquicos. O nível 1 actua nos
domínios da flexão e derivação, ambas irregulares; o nível 2 opera ao nível da derivação
regular e composição e, finalmente o nível 3 centra-se com a flexão regular.

Entretanto, depois desta breve revisão bibliográfica, pode-se perceber que os processos
morfológicos se organizam em níveis, e, em cada nível, aplica-se um conjunto de regras e/ou
processos fonológicos. Observe-se que tais regras são denominadas cíclicas e só se aplicam no
componente lexical em ambientes derivados.

Uma vez apresentado o modelo em que circunscreve o presente estudo, a seguir, com
base nos dados do Citshwa, apresenta-se a sua aplicação.

Observe-se a palavra mwana:

Nível 1. ° Morfologia: formação da palavra


i) mwànà = (prefixo + tema nominal) (<mu + na>) ‘filho/a’

Nível 2. ° Fonologia

V V V V V V
_ _ _ _ _ _
P P P P P P
_ _ _ _ _ _
C V V CV CV V C V
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _
m u -a -na mw - a - n a

Como se pode ver, no primeiro nível (1), morfológico, ocorre a afixação do prefixo
nominal mu-, da classe 1 ao tema nominal –ana, resultando na formação da palavra /mu-ana/.
Contudo, já no segundo (2) nível, fonológico, ocorre uma regra fonológica – semivocalização,
devido ao encontro vocálico de dois segmentos, ambos [+sil], isto é, [u] e [a], que criam um
hiato –VV-, uma sequência de sons não admissível em bantu. Assim, a vogal [+alt, + rec], [u]
do prefixo nominal perde o traço [+sil], resultando numa semivogal velar [w].


22

Fazendo-se uma interacção destes processos com as concepções do modelo da fonologia


auto-segmental6, na estrutura da sílaba da palavra mwànà, tal como o traço indica, a vogal do
prefixo nominal perde a propriedade fonológica anteriormente descrita e, consequentemente, a
vogal do tema nominal passa a ter duas moras7 (geralmente designada por vogal densa). A
perda deste traço não implica necessariamente o desaparecimento de todos os traços que o
compõem a vogal [u], em contrapartida, o traço [+sil] estende-se à vogal do tema nominal.

Assim, com este exemplo, pode-se depreender que a relação entre a morfologia e a
fonologia ocorre ao nível lexical, à medida que ambas áreas interagem entre si com vista à
formação da palavra mwànà.

Portanto, esta teoria é fundamental para o presente estudo, pois, ao se pretender


identificar, analisar e descrever os constituintes tempo, aspecto, modo e polaridade em
Citshwa; ela permitirá mostrar que os fenómenos morfológicos são, de facto, condicionados
fonologicamente, se se partir do princípio de que cada entrada morfológica, ou seja, cada
processo de formação de palavra pode ser submetida às regras fonológicas específicas, no
domínio lexical e/ou pós-lexical.


6
A fonologia auto-segmental é um modelo de análise proposto por Goldismith (1976). Primeiramente, foi adoptado
para o estudo do tom nalgumas línguas tonais. Este modelo desenvolve uma hipótese segundo a qual as
representações fonológicas consistem de vários níveis paralelos independentes chamados tiers. Estes tiers da
representação fonológica são organizados e independentes, mas não são isolados uns dos outros; pelo contrário, eles
associam-se numa estrutura hierárquica complexa e são passíveis de interacção, (cf. Gonçalves, 2009, p. 211/214).
7
Mora como unidade de peso fonológico. Unidade de som usada em fonologia que determina o peso silábico em
algumas línguas. Uma sílaba com uma mora é chamada monomoraica, e uma com duas moras é chamada de
bimoraica. Há também raros casos de sílabas trimoraicas (com três moras).


23

2.2. Teoria de traços distintivos de Chomsky e Halle (1968)

As linhas gerais deste modelo foram introduzidas principalmente com o trabalho de


Chomsky e Halle (SPE), no seu livro The Sound Patter of English (1968). Este modelo traz
uma das novas propostas, ou seja, a unidade mínima, que passa a ser a dos traços distintivos.
Esta mudança permite não só meras generalizações, mas também uma melhor manipulação das
regras e processos fonológicos, (cf. Ngunga, 2014; Malmkjær, 2002. p. 193; Fernandes, s/d).

Chomsky e Halle (1968) distinguem explicitamente duas funções dos traços distintivos.
Uma função, que é idêntica à função dos traços de Jakobson, é captar os contrastes fonológicos
das línguas. Outra função, que não faz parte das preocupações de Jakobson, é que os traços
distintivos devem descrever o conteúdo fonético tanto dos segmentos derivados através de
regras fonológicas, como segmentos subjacente, (Ngunga, 2014, p. 61).

Os traços distintivos funcionam de modo binário, com valor [+] que indica a sua
presença, e o valor [-] que indica a sua ausência, e são entendidos como propriedades que os
falantes reconhecem intuitivamente e entendidos como identificadoras dos elementos do seu
sistema fonológico. A classificação de Chomsky e Halle tem pontos comuns com a
classificação tradicional e, de acordo com ela, alguns traços correspondem ao modo de
articulação e outros ao ponto de articulação, (Mateus et al., 2005. p. 186).

Baseados nos trabalhos de Jakobson, Fant & Halle (1952) e Kakobson & Halle (1956),
Chomsky & Halle (1968) introduzem algumas modificações concernentes aos traços
distintivos. Eles conservam os traços: consonontal [±cons], tenso [± tens], vozeado [± voz],
contínuo [± cont], nasal [± nas] e estridente [± estr], e adicionam novos traços como silábico [±
sil], sonorante [± son], alto [± alt], posterior [± post], baixo [± bax], anterior [± ant], coronal [±
cor], arredondado [± arred], (Fernandes, s/d. p. 1/6).

Ainda em SPE é introduzido o conceito de classes naturais8, descrevendo-se,


formalmente, os fenómenos fonológicos com as regras fonológicas e as fronteiras, para derivar

8
Uma classe natural é o conjunto de segmentos que compartilham traços semelhantes e, juntamente, sofrem regras
fonológicas. Por exemplo, as vogais e as consoantes formam grupos que se distinguem em todas as línguas por
terem comportamentos diferentes. Essas diferenças de comportamento entre grupos de segmentos a traços que
possuem em comum, marcados com o mesmo valor, (Mateus, 1996, p. 185).


24

as correctas representações fonéticas. No entanto, em SPE, não existe lugar para a interacção
entre a fonologia a morfologia e, além disso, há muitas deficiências, tais como a complexidade,
a abstracção, a arbitrariedade, etc. Na óptica de Goldsmith & Laks (op. cit: 8), as
representações fonológicas usadas neste modelo não incluem outras estruturas além das dos
segmentos; de forma particular, não se inclui a estrutura da sílaba. Com base nos dados da
língua em estudo, apresenta-se a aplicação da teoria de traços distintivos:

Morfologia: formação da palavra

i) Mwànà = (prefixo + tema nominal) (<mu + ana>) ‘filho/a’

Em (i), mwànà resulta da aglutinação do prefixo nominal mu- ao tema nominal -ana. O
processo fonológico que explica a ocorrência de [w] na estrutura fonética é representado pela
regra que se segue:

/ u / o [w]   [a]

Como é óbvio, esta regra é baseada apenas na representação fonémica (representação de


fonemas) e não revela com clareza o processo fonológico que ocorre; ou seja, o segmento /u/
apenas se transforma em outro [w] num determinado contexto [-a]. Em conformidade com a
teoria de traços distintivos, neste processo, não são capturados os contrastes ou transformações
fonéticas e fonológicas envolvidas, daí, a necessidade de se buscar outras unidades que capturem
melhor as propriedades fonético-fonológicas dos fonemas envolvidos. Segundo os traços
distintivos, a mesma regra anteriormente formulada pode ser representada da seguinte maneira:

+sil -sil +sil


+rec o -cons / - +bx
+alt +rec -rec
+ tens +cont


25

3. Quadro conceitual
3.1. Fonologia
A Fonologia é uma área da linguística que investiga os mecanismos pelos quais os sons
são usados sistematicamente em diferentes línguas, visando formar palavras e sua forma de
expressão, (Katamba, 1989. p. 60). Por seu turno, Ngunga & Simbine (2012: 43) definem
fonologia como sendo o estudo dos sons da fala, preocupando-se sobretudo com o seu papel na
transmissão de mensagens entre os membros de uma comunidade linguística. Refere ainda
Ngunga (2004: 65) que a fonologia estuda a função dos sons tanto segmentais como
suprassegmentais. Já para Veloso (s/d: 123)9, a fonologia é um ramo da linguística que estuda
os sistemas sonoros das línguas.

Com base nesses autores, pode-se entender que a fonologia estuda o sistema dos sons das
línguas, sua funcionalidade, factores da sua estrutura, bem como a função do próprio sistema
linguístico. Os sons nas línguas são organizados de forma sistemática, em contrastes, podendo
ser analisados e descritos sob o ponto de vista de fonema e de traços distintivos. A fonologia,
tendo o fonema como unidade mínima de análise, responde a questões como, p. e., como é que
o falante reconhece os sons que funcionam na sua língua? Como as propriedades fonéticas são
utilizadas pelos falantes na transmissão das mensagens? (cf. Mateus et al. 2005).

Na óptica de Katamba (op. cit. p. 42/3), para a análise fonológica, são propostas algumas
classes. A maior classe inclui traços que distinguem sons:

i) consonânticos [± consonânticos]: são sons produzidos com uma obstrução total


no tracto vocal, e distinguem-se dos não consonânticos, aqueles que são
produzidos sem obstrução.

ii) Silábicos [±silábico]: trata-se de sons que funcionam como núcleo da sílaba. Estes
distinguem-se dos não silábicos, aqueles que ocorrem à margem da sílaba.

iii) sonorantes [± soante]: são sons produzidos com um vozeamento espontâneo (uma
vez que na produção das vogais, líquidas, glides e nasais, o ar passa de maneira


9
Veloso, João. (s/d). A fonética e a fonologia na nova terminologia linguística para os ensinos básico e secundário.
Porto: Universidade de Porto.


26

relativamente livre ou através da boca ou através das fossas nasais) e distinguem-


se dos não sonorantes (oclusivas, fricativas e africadas).

Traços de cavidade: referem-se ao lugar de articulação. Eles especificam o lugar onde


ocorre a constrição que o fluxo do ar sofre no tracto vocal10:

i) coronal ([±coronal]): na produção deste sons, a lâmina da língua eleva-se acima


da posição neutra em direcção aos dentes incisivos superiores, à arcada alveolar
ou ao palato duro. Fazem parte deste grupo, sons dentais, alveolares, pós-
alveolares, palatais, retroflexos, enquanto os labiais, velares, uvulares, faringais
são não-coronais.

ii) anterior ([±anterior]): na produção destes sons, verifica-se uma obstrução na


região da cavidade bucal situada entre os lábios e a arcada alveolar. São
consoantes anteriores as labiais, alveolares, alveopalatais e dentais. São
consoantes não-anteriores todas as restantes: as palatais, velares, uvulares,
faringais e glotais.

iii) arredondamento ([±arredondamento]): trata-se de sons que são produzidos com


um estreitamento do orifício dos lábios. São arredondadas as vogais cardinais
primárias recuadas, vogais cardinais secundárias, glide lábio-velar, bem como as
consoantes labializadas.

iv) distribuído ([±distribuído]): estes sons são produzidos com uma constrição
relativamente longa a nível da linha central do tracto vocal. Nos sons
distribuídos, o comprimento da constrição é consideravelmente mais reduzido.
São distribuídas as consoantes bilabiais, dentais e são não-distribuídas, as
consoantes lábio-dentais, as apicais e as retroflexas.

No tocante aos traços inerentes ao corpo de língua, (cf. Katamba, op. cit; Ngunga, 2014
e Fernandes, s/d), destacam-se os seguintes:


10
(cf. Katamba, op. cit. p. 44, Ngunga, 2014, Fernandes, s/d).



27

i) alto ([±alto]): são sons produzidos pelo levantamento do corpo da língua acima do
nível ocupado pela posição neutra. São sons altos as vogais (ex: [i, y, I, Á, u,], as
glides [w, j]), as consoantes alveopalatais (ex: [ì, ò]), palatais (ex: [c, Î]),

palatizadas, velares (ex: [k, g]), velarizadas. São sons não-altos todos os restantes:
as vogais (ex: [e, o, o, (], as consoantes labiais, dentais, alveolares, uvulares e

faringais.

ii) baixo ([±baixo]): na produção de sons baixos, verifica-se um abaixamento do


corpo da língua em relação à posição neutra. São baixas as vogais abertas (ex: [a,
A, 4]), as consoantes faringais (ex: [Ì, µ), faringalizadas.

iii) recuado ([±recuado]): na produção destes sons, o corpo da língua retrai-se para a
parte posterior do tracto, o que não acontece na produção de sons não-recuados.
São sons recuados as vogais (ex: [o, o, u, I, Á]), as consoantes velares, uvulares,

faringais, velarizadas, faringalizadas e glotais.

iv) sucção velar ([±sucção velar]): há sucção na produção de cliques, de consoantes


implosivas. Este traço descreve o fenómeno de retracção do corpo da língua para
atrás, criando um espaço vazio no espaço entre as duas oclusões.

Já nos traços da raiz da língua, a língua pode ajustar-se às exigências do som a ser
produzido avançado ou retraindo-se, daí resultando sons executados com raiz da língua
avançada ou retraída, (Ngunga, 2014).

i) raiz da língua avançada ([±RLA]): na produção destes sons, a raiz da língua estica-
se para frente, ocasionando a expansão da caixa de ressonância da faringe e provavelmente
empurrando o corpo da língua para cima. Em muitas línguas da África Ocidental, as vogais [ê,
E, O] são produzidas com a raiz da língua em posição neutra.


28

ii) tenso ([±tenso]): a produção destes sons (ex: do inglês: [i, u]) exige um grande
esforço muscular que se mantém durante um tempo relativamente longo, o que não acontece na
produção de sons não-tensos, ou relaxados.

Quanto aos traços laringais, segundo Ngunga (2014), salientam-se apenas dois:

i) expansão glotal ([±exp gl]): quando as cordas vocais são completamente abertas,
aumentando, assim, o fluxo do ar que deve passar pela glote, o que inibe o vozeamento. Desta
maneira, são produzidos os sons aspirados (ex: [p+, t+, c+, k+]).

ii) constrição glotal ([±constr gl]). Na produção destes sons há estreitamento da


abertura glotal superior, tal como acontece na produção de vogais faringalizadas, consoantes
implosivas, ejectivas, glotais, glotalizadas, faringais e faringalizadas.

Referem, ainda, Katamba (op. cit. p. 45/9), Ngunga (2014)11, que o traço do modo de
articulação distingue:

i) contínuo ([±contínuo]): são contínuos todos sons em cuja produção não existe
oclusão. É o caso das vogais, semivogais. Também é parcial na produção de (ex: [F, B, f, v, X,
Â, h, H]). Ao contrário do que acontece com os sons contínuos, os sons não-contínuos são
produzidos com um bloqueamento total do fluxo do ar (ex: [p, b, t, d, m, n]).

ii) lateral ([±lateral]): na produção de sons laterais, a parte média da língua abaixa-
se de um dos dois lados, permitindo a saída do ar pelos bordos laterais da língua.

iii) nasal ([±nasal]): durante a produção destes sons, ocorre o abaixamento da úvula,
permitindo a saída do ar pelas fossas nasais.

iv) estridente ([±estidente]): este traço distingue sons que são produzidos com maior
intensidade de ruído.


11
Por fim, Ngunga (2014) apresenta o traço labial, aquele que descreve todos sons em cuja produção estão
envolvidos os lábios.



29

v) distensão ([±distensão]): os sons com distensão retardada são produzidos com uma
oclusão total nalguma região da cavidade bucal seguida de uma ligeira libertação gradual do
fluxo de ar tal como acontece na produção de africados (ex: [pf, bv, ts, dz]).

Feita a descrição dos traços distintivos, ainda que tenham sido agrupados em respectivas
classes de acordo com os posicionamentos dos autores aqui apresentados, todos eles (traços)
justificam-se pertinentes ao presente estudo, à medida que serão usados durante a descrição das
vogais, consoantes, bem como das semivogais, no âmbito do estudo da fonologia do Citshwa
(vd. capítulo V).


30

3.2. Sílaba

A sílaba (V) constitui uma entidade de análise fonológica que tem sido estudada por
vários linguistas (cf. Goldsmith, s/d; Katamba, 1989; Ngunga, 2000; Okoudowa, 2005;
Gonçalves, 2009; Langa, 2012; entre outros). Katamba (op. cit: 153) destaca o facto de a sílaba
ser uma unidade da representação fonológica, visto que não pode ser identificada como uma
unidade semântica ou gramatical.

Para Wiesemann et al. (1983) apud Ngunga (2004: 82), a sílaba é uma unidade de som
situada ao nível imediatamente superior ao do fonema. Diz-se que ela é um suprassegmento
porque se situa acima do segmento, na medida em que ela pode abranger mais do que um
segmento.

Ao longo do desenvolvimento da Linguística como ciência, a estrutura da sílaba foi


apresentada de formas diferentes, nomeadamente, a que colocava os constituintes sem
nenhuma hierarquia (tradicional) e a que os coloca em hierarquias (generativista), (Langa, op.
cit: 25). Em relação à estrutura da sílaba, tal como frisa Ngunga (op. cit: 82/3), as línguas
escolhem formas específicas que são adequadas à organização do seu sistema fonológico. Toda
a sílaba tem um núcleo, que geralmente é uma vogal. Nalguns casos, o núcleo pode ser uma
simples consoante (uma nasal ou uma líquida).

A seguir, na abordagem de vários autores, são apresentados alguns modelos concernentes


à estrutura da sílaba:

i) V

(M) (Nc) (m)

Em i) é apresentado o modelo de Kindell (1981) apud Ngunga (op. cit: 83), segundo o
qual, numa sílaba pode-se identificar núcleo (Nc) e margem ou margens (consoante ou
conjunto de consoantes, simples ou modificadas, que ocorrem antes ou depois de núcleo). A


31

consoante que precede o núcleo chama-se margem pré-nuclear (M) e a que segue o núcleo
chama-se margem pós-nuclear (m).

ii. ) V

A R

Nc Cd

Como se pode observar em ii), neste modelo, na óptica de Mateus & Andrade (2000)
apud Ngunga (ibid), a sílaba possui uma estrutura hierarquizada que compreende um ataque
(A) e uma rima (R) em que, por sua vez, se identifica um núcleo e uma coda (Cd).

iii) V

(O ) R

Em iii) observe-se a proposta da estrutura da partição binária da sílaba na perspectiva de


Katamba (op. cit: 153), em que a rima (R) pode ser simples – uma vogal, ou composta, o
constituinte máximo da sílaba e a margem ou ataque (O), podendo ser uma consoante simples
ou modificada.

Este modelo proposto por Katamba (op. cit), na sua versão mais actualizada à descrição
do português, também é designado por modelo de ‘ataque e rima’ (cf. Mateus et al., 2005:
246/7). Aqui, a unidade silábica não domina directamente as unidades segmentais: estas
unidades segmentais agrupam-se em constituintes de planos intermédios, que são dominados
pelo nó máximo, i. e., o nó sílaba:


32

Sílaba

Ataque Rima

Núcleo Coda

No presente estudo, em função da estrutura aberta da sílaba em Citshwa à semelhança de


outras LB, geralmente, do tipo –CV-, será adoptado o modelo proposto por Katamba (op. cit),
por ser mais aplicável. Porém, em palavras onde este modelo não se adeqúe, sempre que se
julgar conveniente, recorrer-se-á ao modelo usado na descrição da sílaba em português,
proposto por Mateus et al., (op. cit).


33

3.3. Tom
O tom é um elemento imprescindível no âmbito da revolução auto-segmental na
fonologia generativa. Os falantes em todas as línguas fazem variar o tom de voz quando
articulam os segmentos fonéticos. O tom depende da rapidez com que as cordas vocais vibram
por segundo, ou seja, quanto maior for a vibração, mais alto será o tom.

Muitos autores são da opinião de que o tom é uma proeminência relativa resultante de um
nível da altura de voz durante a emissão de uma sílaba e/ou palavra. Ele corresponde à
frequência das vibrações das cordas vocais por segundo. É importante sublinhar que muitas
línguas faladas no mundo são tonais, e o modo como o tom é usado linguisticamente varia de
língua para língua, (cf. Ngunga, 2004, 2014).

Muitas LB apresentam um sistema tonal complexo na sua estrutura fonológica. Com isto,
se pretende mostrar que há uma considerável variação do tom12 nas diversas LB, incluindo os
seus dialectos. São poucas línguas (Swahili, Tumbuka, Pogolo, entre outras) que não são
tonais, em contrapartida, muitas LB fazem o contraste entre o tom alto e o tom baixo. Ainda
em África, destacam-se algumas línguas que distinguem (4) níveis de assimetria do tom
(Kamba, Chaga), (cf. Kisseberth & Odden, 2003).

Por um lado, o tom pode desempenhar a função lexical, quando distingue palavras que
tenham mesmos segmentos uma vez dispostas na mesma ordem, i. e., ele desempenha uma
função distintiva ao nível do léxico. A altura do tom é percebida pelo contraste. Ele pode
assinalar a posse, transição verbal e transição do tempo. O tom pode ser pontual (alto, médio e
baixo) e melódico (alto-baixo e baixo-alto). Por outro lado, o tom desempenha a função
gramatical, quando não distingue o significado das palavras, e apenas estabelece certos
aspectos gramaticais (posse/tempo verbal/aspecto verbal/negação/afirmação, etc.), (Ngunga,
op. cit. p. 90/2).

Childs (op. cit: 81/3) refere que o tom é usado, lexical e gramaticalmente em muitas LB
faladas em África. Além destas duas funções, o tom pode marcar distinções semânticas e


12
A discussão do tom em bantu relaciona-se com a do acento. Muitas línguas têm uma proeminência automática na
penúltima sílaba, realizada como vogal longa, (cf. Kisseberth & Odden, 2003).


34

pragmáticas (referência). Hyman & Kisseberth (1998:vii) apud Childs (op. cit: 87), ao se
debruçarem sobre várias questões que justificam a harmonização de sistemas tão complexos de
tom em bantu, apontam o facto de este grupo de línguas dispor de uma rica morfologia verbal;
mobilidade de expansão e/ou contrastes entre tons altos (‫ މ‬HEDL[RV C HDVXVFHSWLELOLGDGHGH
tons altos na estrutura da palavra, resultando em interacções significantes entre tonalidade e
estrutura sintáctica.

Sublinhe-se ainda que muitas LB carecem do contraste lexical na estrutura do verbo. O


tom do radical é determinante à marcação de certas particularidade gramaticais, p. e., tempo e
aspecto. Este fenómeno pode ser verificado nas línguas da zona P (algumas línguas faladas na
Tanzânia). No Yambasa, o tempo passado (remoto) é assinalado pelo tom alto; Namwanga é,
também, uma das línguas cujo tom alto na V2 assinala o tempo futuro e o modo conjuntivo; no
Kuria, o tom alto somente aparece na primeira das (4) vogais do seu macrosistema (para o caso
de verbos que se iniciam com um prefixo do tipo objecto); no Emakhuwa, este fenómeno
afecta as posições da V1, V2, V3 e a penúltima; em Ciyaawo, tal situação ocorre com a V1, V2
e com a VF, Portanto, qualquer língua que faz o contraste lexical no verbo, este pode ser
assinalado pelo tempo e aspecto, e, geralmente, é designado por tom gramatical13, (cf.
Kisseberth & Odden, op. cit).

Tendo estudado o tom verbal em Citshwa, Ugembe (2011) mostra que esta língua
apresenta dois contrastes tonais: o tom alto e o tom baixo. Analisados os verbos de diferentes
raízes nos três tempos verbais básicos, este autor concluiu que a ocorrência do tom alto no
verbo é predizível: para verbos com raízes de estrutura do tipo -C- e do tipo -V-, no presente, a
ocorrência do tom alto na última sílaba é motivada pela estrutura da raiz verbal. Em outros
tempos verbais, passado e futuro, a ocorrência do tom alto em verbos de raízes de estrutura do
tipo -C- e -V- é motivada pela marca de sujeito.

Para verbos com raízes de estrutura mais longa -CVC- e -CVCVC-, em todos os tempos
verbais, a ocorrência do tom alto é motivada pela marca de sujeito. Este tom propaga-se a
partir da sílaba a que está associado para outras sílabas do verbo. Ugembe constatou que


13
A posição do tom gramatical pode também depender do tom lexical do radical nalgumas línguas (Shona).


35

quando a unidade portadora do tom alto ocorre entre duas sílabas de tom baixo, o tom alto fica
bloqueado e, por conseguinte, assimila os traços do tom baixo.


36

3.4. Morfologia
Nas áreas de estudo da linguagem, a morfologia aparece como uma área polémica. Para
muitos especialistas, ela é tida como a principal componente da gramática, porém, para uns
não14.
No âmbito dos estudos linguísticos, confere Villalva (2008: 17) que a morfologia se
dedica ao conhecimento de um tipo específico de formas, que são as palavras. Mas dizer que a
morfologia se ocupa do conhecimento da forma das palavras é, simultaneamente, dizer pouco e
dizer demais: há aspectos da forma das palavras, como a sua realização fonética, que
competem, não à morfologia, mas sim à fonologia. Também não se pode afirmar que a
morfologia se ocupa apenas da forma das palavras, dado que trata também das relações que se
estabelecem entre a forma, função e o significado das palavras.

A definição de Villalva parece ser exaustiva, não obstante, ao se referir ao significado das
palavras, naturalmente que é um tópico de extrema importância discutido no domínio da
semântica. De lembrar que a semântica é uma área que se ocupa das relações que as palavras,
frases, enunciados linguísticos estabelecem entre si, bem como das relações de significado que
essas expressões estabelecem com o mundo.

Numa outra abordagem, Haspelmath & Simis (2010: 2/4) sustentam que a morfologia é:
(i) o estudo da ‘co-variação’ na forma e nos significados que ocorrem sistematicamente nas
palavras ou nos grupos de palavras. Ela consiste na identificação das partes de palavras, ou,
tecnicamente, dos constituintes internos das palavras; (ii) o estudo da combinação dos
morfemas que produzem palavras, (veja-se também Katamba & Stonham, 2006).

Após esta breve revisão, pode-se entender que a morfologia é uma disciplina que tem a
palavra como objecto de estudo, estudando, desse modo, a sua estrutura interna, organização
dos seus constituintes e o modo como essa estrutura reflecte a relação com outras palavras


14
Veja-se: Sandalo, Maria. (2003). “Morfologia”. In: Mussalim, Fernanda & Bentes Anna. (orgs.). Introdução à
Linguística: domínios e fronteiras. 3ª Edição. Vol. I. São Paulo: Cortez.


37

dentro de um sistema; ou seja, é uma disciplina linguística que tem morfema, unidade mínima
de análise morfológica como objecto, estudando a sua estrutura interna.

A morfologia preocupa-se em analisar as formas de palavras – alterações sistemáticas na


forma dessas unidades. Uma palavra é, geralmente, constituída por duas classes de morfemas:
lexemas (raiz/radical) – são unidades lexicais abstractas que reúnem todas as flexões da mesma
palavra; grafema (afixos) – são unidades que constituem a parte variável da palavra e são
responsáveis pela expressão de relações gramaticais, (cf. Azuaga, 1996. p. 216; Sandalo,
2003).

Ainda no âmbito da morfologia, linguistas estruturalistas dos anos 40/50 concluíram que
as palavras são constituídas por unidades mínimas significativas, mais pequenas – os
morfemas15. Quanto (i) à natureza do significado16, eles podem ser lexicais/classe aberta (têm
uma significação externa, pois, referem-se aos factos do mundo extralinguístico. Exemplos:
(símbolos, céu, terra, animal, substantivos, adjectivos, verbos, etc.); gramaticais/classes
fechadas (têm uma significação interna ao nível da língua, assinalam certas relações
gramaticais. É o caso das preposições, conjunções, pronomes, etc. (ii) à ocorrência – presos
[prefixos, sufixos, infixos]; aqueles que se afixam a outros morfemas ou a palavras para a sua
ocorrência. Estes podem ser derivacionais uma vez que são responsáveis pela formação de
novas palavras; e – livres, aqueles que detêm de autonomia morfossintáctica; (iii) ao domínio
de inserção – aditivos e substitutos. (veja-se: Ngunga, 2004; Azuaga, op. cit. p. 232/3).

Em morfologia, é importante distinguir radical – sintacticamente morfemas presos, sem


autonomia sintáctica, portadores de informação lexical (significado básico de uma palavra) e,
morfologicamente, são morfemas sem fronteira interna, indivisíveis, isto é, não são analisáveis
em constituintes; da raiz – formas mínimas irredutíveis que guardam a essência significativa de
uma estrutura morfológica, (cf. Ngunga, op. cit; Haspelmath & Simis, op. cit; Azuaga, op. cit.).

15
Morfema é a mais pequena unidade da palavra (forma) que se relaciona com o significado da estrutura dessa
palavra ou de uma determinada frase. A análise das palavras (morfemas) dá origem a formas isoladas – ‘morfes’ –
formas físicas que representam morfemas de uma determinada língua, distinguindo fonemas ou sequências de
fonemas, (Katamba & Stonham, op. cit. p. 24).
16
Esta tipologia de classificação dos morfemas é da responsabilidade do autor deste trabalho.


38

Depois desta breve discussão em torno do conceito – morfologia, a seguir são discutidas
as (4) categorias verbais, a saber: tempo, aspecto, modo e polaridade, justamente por se tratar
destas que constituem o objecto do estudo. Porém, antes de se proceder à sua definição, tal
como sublinha Dahl (1985: 23), usualmente, o tempo, o aspecto e o modo são definidos sob o
ponto de vista semântico como categorias relacionadas com o tempo, uma abordagem que, às
vezes, é problemática e contrastiva nalgumas línguas.


39

3.4.1. Tempo
Na asserção de Mateus et al. (2003: 130), normalmente, considera-se que os tempos
gramaticais se referem ao tempo entendido como ordenação linear orientada do passado em
direcção ao futuro. Esta concepção tem como consequência considerar que os tempos
gramaticais se articulam em três domínios, o passado, o presente e o futuro, permitindo-nos
falar de uma relação de anterioridade, simultaneidade ou posterioridade do tempo
relativamente a um momento escolhido como o de referência e que normalmente é o da
enunciação17.

Comrie (1976: 2/4) refere que o tempo relaciona o momento da ocorrência de uma
situação com o momento do discurso. De acordo com Vários (2010: 171), o tempo é uma
categoria verbal que localiza situações, eventos ou estados num determinado ponto de
ordenação linear, orientando do passado para o futuro. Os tempos verbais orientam-se em três
domínios: passado, presente e futuro, tendo como referência três pontos de localização
temporal: ponto de articulação; ponto de evento e ponto de referência.

Coan (2006: 1464) citando Enç (1996: 345) e Comrie (1990) referem o facto de o tempo
verbal ser uma das várias estratégias desenvolvidas para codificar tempo. Geralmente, não
expressa o fluxo do tempo, mas, simplesmente uma sequência de eventos. Além disso, as
sequências temporais representadas pelos tempos verbais podem não espelhar as relações de
tempo real, embora frequentemente o façam.

O tempo (cf. Dahl, 1985. p. 103; Mateus, et al., op. cit. p. 131) é uma categoria deíctica
relacionada com os posicionamentos temporais inerentes a cada momento da fala. À
semelhança de outros autores, Reichenbach (1947) apud Arin (2003: 3), um dos autores que
desencadeou estudos envolvendo o tempo e o aspecto através de critérios semânticos, divide o
tempo em três categorias, a saber: tempo da fala (tempo em que se desenrola a acção, ou seja,
tempo que coincide com o momento da fala ou da enunciação); tempo do evento (diz respeito
ao tempo de acontecimento descrito, isto é, tempo em que se descreve a enunciação) e tempo


17
Se o presente se pode considerar como coincidente com o momento em que se fala, o passado e o futuro são
domínios que referem situações que são apenas conceptuais, embora divergindo entre si epistémica e
ontologicamente, (Mateus et. al., op. cit.).


40

de referência (tempo que serve como ponto intermédio a partir do qual se pode situar o evento
ou estado descrito).

Já na gramática tradicional, em conformidade com Cunha & Cintra (2010: 379), o tempo
é a variação que indica o momento em que se dá o facto expresso pelo verbo. Tal como outros
autores o fazem, os três tempos naturais são o presente, o pretérito (ou passado) e o futuro, que
designam, respectivamente, um facto ocorrido no momento em que se fala, antes do momento
em que se fala e após o momento em que se fala.

Ngunga (2004) define tempo como um fenómeno que reflecte a cultura de um povo e
pode ser considerado como uma categoria filosófica. Este autor, além dos três tempos básicos
(passado, presente e futuro) que reflectem o senso comum, mostra que nalgumas línguas, o
passado e o futuro podem ser repartidos numa relação simétrica. Observem-se os esquemas que
se seguem:

Passado Presente Futuro


Remoto recente Próximo Distante

Passado Presente Futuro


Remoto Médio recente Próximo Médio Distante

Figura 1: Representação da categoria tempo segundo Ngunga (2004)

Com base nos dados recolhidos nalgumas LB, Ngunga (op. cit.) chega à conclusão de que
tanto o passado como o futuro podem ser tripartidos em: remoto, médio e recente; próximo,
médio e distante, respectivamente; onde o presente, basicamente, é aspectual. Acrescenta ainda
que nas LB, a marca de tempo como tal não tem posição fixa na estrutura verbal. Em cada
língua ou cada grupo pequeno de línguas, o seu lugar pode variar em função do tempo
específico, havendo casos em que ela é descontínua.


41

Embora cada língua apresente o seu sistema de organização de eventos em diversos


posicionamentos temporais, independentemente das perspectivas que aqui foram arroladas, no
presente estudo, a noção de tempo será entendida como uma categoria gramatical, deíctica, que
se circunscreve aos verbos; tais verbos podem variar entre o passado e o futuro, passando pelo
presente, tendo como referência três pontos de localização temporal, nomeadamente, ponto de
fala, ponto de evento e ponto de referência.


42

3.4.2. Aspecto
Soares (1997: 162), a partir da perspectiva histórica, apresenta várias teorias semânticas
relativas ao tempo e ao aspecto. Trata-se de Aristóteles (1048); Reichenbach (1947); Ryle
(1949); Kenny (1963); Vandler (1967); Comrie (1976) e Dowty (1979), chagando à conclusão
de que estes autores apresentam uma preocupação com a classificação verbal de categorias
lexicais. Ao classificarem os lexemas não considerando o aspecto envolvido nas ocorrências
temporais se mostrou insuficiente ao ser aplicado em outras línguas, gerando o paradoxo do
imperfectivo. Assim, a gramática tradicional introduz a noção de aspecto verbal de maneira
inadequada, tratando de maneira homogénea e flexão, o modo e o tempo.

Numa reflexão sobre o aspecto verbal em Português, Diesel (s/d: 2) sustenta que esta
categoria verbal não é muito conhecida. Professores e professoras, estudantes dos cursos de
Letras e até académicos/as de pós-graduação em Linguística não raro jamais ouviram falar em
aspecto verbal. De facto, o assunto não é abordado na maioria das obras que envolvem estudos
linguísticos e/ou gramaticais. Comrie (1981: 1) apud Diesel (op. cit: 2) afirma que o termo
aspecto é menos familiar para estudantes de Linguística que outros termos de categorias
verbais, tais como tempo e modo.

Esta realidade verifica-se no ensino de línguas em geral, pois, no contexto moçambicano,


envolvendo quer o Português, quer as LB, pode-se dizer que pouco se sabe sobre o aspecto
verbal e seu funcionamento, daí o interesse pelo seu estudo na presente pesquisa.

Coan et al. (2006: 1466/7), numa abordagem sobre os pressupostos teóricos referentes às
categorias verbais: tempo, aspecto, modalidade e referência, referem que o aspecto não é
marcado exclusivamente por um elemento gramatical, mas por diferentes categorias (aspecto
inerente ao verbo, aspecto codificado pela morfologia verbal, aspecto codificado pelos
modificadores adverbiais) que interagem entre si. Estes autores classificam os valores
aspectuais denotados pelos verbos, assumindo a proposta aspectual de Castilho (1994), (2003),
que subespecifica o perfectivo em resultativo e pontual, e o imperfectivo em inceptivo, cursivo
e culminativo.


43

Quanto à qualidade, as situações são classificadas em perfectivas e imperfectivas. A


perfectividade está relacionada ao traço de telicidade da situação, ou, mais especificamente,
uma situação perfectiva só tem existência quando do seu desfecho. A imperfectividade está
relacionada ao traço de atelicidade. Uma situação imperfectiva tem sua existência já quando
inicia, independentemente de um ponto final no intervalo da estrutura temporal, (Coan et al.
op. cit. p. 1467).

Diferentemente do tempo, do modo e da voz, o aspecto designa uma categoria gramatical


que manifesta o ponto de vista do qual o locutor considera a acção expressa pelo verbo. Pode
ele considerá-la como concluída, isto é, observada no seu término, no seu resultado; ou pode
considerá-la como não concluída, ou seja, observada na sua duração, na sua repetição. Além
desta distinção básica, o aspecto inclui outros valores semânticos pertinentes ao verbo
(icoativo, conclusivo, permansivo, durativo, pontual, continuo, descontinuo, contínuo), (cf.
Cunha & Cintra, op. cit. p. 380).

Vários (op. cit: 179) definem aspecto como categoria que permite descrever e identificar
o sentido de uma situação, a partir da informação lexical e gramatical. Diferentemente de
outros autores até aqui apresentados, a novidade destes reside na tipologia por eles adoptada,
que distingue o aspecto gramatical do lexical. Por um lado, aspecto lexical apresenta-se através
do significado intrínseco que a palavra ou conjuntos de palavras veiculam; este permite
estabelecer a distinção entre situações estativa ou estados, eventos durativos dos não durativos.
Por outro lado, o aspecto gramatical verifica-se no domínio da predicação, podendo o valor
aspectual variar em função do valor temporal e das combinações com verbos auxiliares
(iterativo, genérico, habitual, não culminado e culminado).

O aspecto diz respeito ao tempo, mas em termos de contorno ou distribuição temporal de


uma situação e não a sua localização no tempo, (Lyons, 1977, p. 707 apud Macalane, 2009, p.
182). O aspecto é uma categoria que indica as diferentes formas de se conceber a constituição
temporal interna de uma situação e Comrie (1976: 35) classifica-o a partir de valores
semânticos, tendo em conta várias oposições. Veja-se o esquema que se segue:


44

Habitual Contínuo

Não Progressivo
progressivo

Figura 2: Representação da oposição aspectual segundo Comrie (1976: 25)

Tal como ilustra o esquema, Comrie divide o aspecto em duas categorias principais,
nomeadamente, perfectivo e imperfectivo. Por sua vez, o imperfectivo subdivide-se em
habitual e contínuo. Por fim, o contínuo pode ser não progressivo ou progressivo.

Na óptica de Arin (2003), o aspecto situa-se ao nível gramatical, pois, alguns


componentes que primeiramente formam o tipo de situação da frase podem contribuir para a
formação de uma categoria aspectual particular. Para Travaglia (1985: 53) apud Diesel (op. cit:
4), o aspecto é uma categoria verbal de tempo, não deíctica, através da qual se marca a duração
da situação e/ou suas fases, sendo que estas podem ser consideradas sob diferentes pontos de
vista, a saber: o do desenvolvimento, o do completamento e o da realização da situação. O
aspecto diz respeito ao tempo interno, de realização da situação que não se relaciona com um
ponto de referência externo à situação e que implica a observação do desenvolvimento da
situação em si, como uma actividade que dispensa um certo tempo para se realizar.

Assim, o conjunto dos constituintes do sintagma verbal pode marcar uma ou várias
propriedades internas do processo (sua duração, sua frequência, seu grau de realização, etc.). É
essa expressão de uma propriedade interna ou não relacional do processo, expressa pelos


45

constituintes do sintagma verbal, que é chamada de aspecto ou aspectualidade, (Bronckart,


1999. p. 278)18.

Tendo se discutido a categoria aspectual na perspectiva de vários autores, o presente


estudo assenta na oposição aspectual de Comrie, justamente por se mais abrangente e menos
abstracta com vista à descrição de dados envolvendo a língua de estudo. O estudo irá testar a
aplicação deste modelo tendo em conta os morfemas aspectuais nas categorias (i) perfectivo,
(ii) imperfectivo (habitual e contínuo – não progressivo ou progressivo).

Estas distinções semânticas propostas por Comrie foram primeiramente aplicadas à


língua inglesa. Contudo, pode-se depreender que elas dependem da estrutura do sistema de
cada língua, pois, havendo uma intrínseca relação entre o tempo e o aspecto, nalgumas línguas,
sobretudo de grupo bantu, os morfemas que indicam as categorias temporais e aspectuais são
assinalados por elementos suprassegmentais. Há línguas que apresentam uma simples categoria
que expressa o aspecto imperfectivo e há outras complexas, que dividem o imperfectivo em
outras categorias. Desta forma, durante o estudo do aspecto verbal em Citshwa, caso este
modelo não se aplique tal como é sistematizado por Comrie, recorrer-se-á a outros valores
aspectuais julgadas pertinentes.

3.4.3. Divergências e semelhanças entre tempo e aspecto


Em conformidade com Diesel (op. cit: 5), o aspecto contrapõe-se a outra categoria verbal:
o tempo. Enquanto o tempo marca a realização de uma situação em relação a outras situações
presentes no texto, sendo que essa relação se apoia em um tempo referencial, o aspecto
determina a extensão interna da situação, sem nada dizer sobre sua realização em consideração
ao ponto de referência temporal estabelecido no texto. Outra diferença que o aspecto apresenta,
quando comparado com o tempo verbal, é que este vem marcado morfologicamente de maneira
clara, através de desinências temporais específicas, enquanto aquele, como já se afirmou, não
depende exclusivamente dessas marcas.


18
Bronckart (1999) apud Diesel (op. cit: 5), assim como Travaglia (op. cit), apontam o aspecto verbal como um dos
elementos responsáveis pela coesão verbal, ou seja, como um mecanismo de textualização.


46

Dahl (1985: 25) realça que desde a gramática tradicional, o tempo e o aspecto são
considerados como categorias morfológicas. A diferença reside no facto de o tempo constituir
uma categoria tipicamente deíctica relacionada com o tempo no determinado momento da fala,
enquanto o aspecto é uma categoria não deíctica.

O quadro que se segue sistematiza as principais divergências entre o tempo e o aspecto,


(Macalane. op. cit. p. 182).

Tempo Aspecto
O tempo é uma categoria relacional ou O aspecto, pelo contrário, diz respeito
indexal: localiza o momento de à perspectivação temporal do interior
ocorrência da situação em relação ao de uma dada eventualidade,
momento da enunciação ou qualquer concentrando-se unicamente no
outro ponto tomado como tempo intervalo de tempo em questão.
referencial ou de ancoragem
O tempo tem um carácter deíctico: O aspecto é, por sua vez, uma
assenta no presente enunciativo como categoria autónoma em termos
marco de referência em relação ao qual referenciais
podem ser determinados um antes e um
depois
O tempo aborda as situações ou estados O aspecto perspectiva as situações a
de coisas de um modo essencialmente partir do seu ‘interior’, analisando-as
exterior, encarando-as como um todo subatomicamente
‘atómico’

Tabela 1: Diferenças entre tempo e aspecto segundo Macalane (2009: 182)

Ainda na óptica deste autor, embora se assinalem as divergências entre o tempo e o


aspecto, destacam-se algumas relações, como, por exemplo, os tempos gramaticais determinam
não só o tempo, mas também valores aspectuais: o perfeito e o imperfeito, remetendo ambos
para o mesmo eixo do passado, constituem, em certos casos, a realização da oposição aspectual
entre o perfectivo e o imperfectivo, (Macalane, op. cit. p. 183). Entretanto, muitos autores são


47

unânimes em afirmar que tanto o aspecto como o tempo são categorias verbais relacionadas
com o tempo.


48

3.4.4. Modo
Semelhantemente ao tempo e ao aspecto, o modo é uma das categorias verbais que tem
sido estudada principalmente na linguística bantu. Note-se que as línguas dispõem de
categorias gramaticais que expressam a localização de uma determinada situação num contexto
espácio-temporal, tais categorias são designadas por modo.

Na gramática tradicional, para Cunha & Cintra (op. cit: 378), os modos são as diferentes
formas que o verbo toma para indicar a atitude (de certeza, de dúvida, de suposição, de mando,
etc.) da pessoa que fala em relação ao facto que enuncia. Na língua portuguesa, p. e., há três
modos, a saber: o indicativo, o conjuntivo e o imperativo. Além destes três modos, existem
outras formas nominais do verbo, como é o caso do infinitivo, gerúndio e particípio.

Outra definição que se aproxima à anterior encara os modos verbais como constituintes
que expressam gramaticalmente as atitudes e opiniões dos falantes, tais como: constatação,
certeza, dúvida, suposição, permissão, obrigação, etc. Os modos são classificados em duas
formas: forma verbal finita, incluindo o indicativo, o conjuntivo, o condicional e o imperativo)
e forma verbal não finita, que inclui o infinitivo, gerúndio e particípio, (Vários, op. cit. p. 168).

Relativamente ao modo, o presente estudo cingir-se-á na forma verbal finita, incluindo,


principalmente, o indicativo, o imperativo e o conjuntivo. Ainda que o condicional seja
integrado na forma finita, este não constituirá centro da pesquisa, bem como outras formas
infinitas (infinitivo, o gerúndio e particípio). Apesar de o modo condicional ser entendido por
alguns autores como uma categoria temporal e não modal e, frequentemente, referido como
futuro do perfeito simples, é usado, regularmente, para, em orações condicionadas, para
designar factos que não se realizam e cuja realização é incerta, (Vários, op. cit. p. 169).


49

3.4.5. Negação
Como confere Langa (op. cit: 44), nas LB, normalmente, se usa mais de um morfema
para marcar a negação em enunciados. Geralmente, a escolha do morfema, de entre vários
factores, é determinada pela sintaxe, semântica e pragmática. Os diferentes morfemas de
negação19 ocupam várias posições sintácticas também diferentes, dependendo do escopo da
negação, i. e., o constituinte directamente afectado pelo morfema de negação.

Petter (op. cit: 268) refere que os estudos comparatistas tradicionais realizados sobre as
LB observaram que o verbo influencia na posição do morfema negativo, que aparece em
posição pré-inicial, no indicativo, e em posição pós-inicial, nos outros modos. A forma verbal
negativa traz ela mesma a negação; ela é flexional, ao contrário das línguas europeias que
recorrem à adjunção de um morfema negativo. A maioria das LB utiliza uma forma verbal
negativa, caracterizada pela presença de um morfema negativo.

Crystal (1993: 231)20 define negação como sendo um processo ou uma construção em
análises gramaticais e semânticas que, tipicamente, expressa um significado de contradição. Na
asserção de Chumbow & Tamanji (1994) 21, em muitas LB, o morfema da negação é periférico
e coexiste claramente com outras categorias funcionais, incluindo, p. e., tempo, aspecto e
modo. Porém, este morfema pode variar tendo em conta cada tipo de construção temporal,
sendo possível identificar um ou mais morfemas que exprimem a negação.


19
De entre vários autores que descreveram a negação em bantu, destacam-se: C. Meinhof (1906-1948); Werner
(1919), Guthrie (1967-1971), Meeussen (1967), Muzenga (1978), Pedro (1993), Ngunga (2000), Petter (2004),
Okoudowa (2010); Langa (2012), entre outros.
20
Cf. Crystal (1993: 231) apud Tanda, Vincent & Neba, Ayu’nwi n. (2005). “Negation in Mokpe and two related
coastal bantu languages of Cameroon”. In: African Study Monographs. pp. 201-219.
21
Cf. Chumbow & Tamanji (1994) apud Tanda & Neba (op. cit: 201/2).


50

3.4.6. Estrutura do verbo em bantu

Hyman (2007) problematiza a natureza do verbo do PB com um argumento segundo o


qual o verbo apresenta uma estrutura complexa, fazendo parte dele o pré-tema e o tema. Por
sua vez, o tema subdivide-se em base (radical e extensões verbais) e uma VF; quer dizer, o
tema funciona como um constituinte ao nível do PB de que constam, obrigatoriamente, (i) a
raiz e/ou radical, (ii) as extensões opcionais, prefixos e sufixos, sejam derivacionais, sejam
flexionais e (iii) a VF (flexão obrigatória). Por isso, em muitas LB, as marcas de sujeito,
negação, tempo, objecto, aspecto, modo, etc., associam-se ao tema verbal.

Segundo a tradição bantuísta iniciada por Meeussen (1959) apud Okoudowa (op. cit: 45),
nas LB, o verbo tem a seguinte estrutura:

1 2 3 4 5 6 7 8 9
Pré- Inicial Pós- Marca Infixo Radical Sufixo Final Pós-final
incial inicial

Tabela 2: Estrutura da unidade do verbo proposta por Meeussen (1959)

Fazendo-se uma observação atenta a esta tabela, Meeussen (1959) apresenta um total de
(9) posições pelo que se distribuem os constituintes internos do verbo em bantu. A partir desta
estrutura, Nurse (2008) apud Okoudowa (op. cit) distingue as seguintes posições:

1 2 3 4 5 6 7 8 9
Pré- Inicial Pós- Formativo Limitativo 6.1 6.2 6.3 Pré- Final Pós-
incial inicial Infixo Radical Sufixo final ou final
Extensão Vogal
final

Tabela 3: Estrutura da unidade do verbo proposta por Nurse (2008)

Nota-se, claramente, uma diferença entre ambas as estruturas. Na posição (4), Meeussen
usa a terminologia (marca) comparativamente a Nurse que usa formativo; a posição (5) na
primeira tabela é ocupada pelo infixo, enquanto na segunda é pelo limitativo. A posição (6) na
proposta de Meeussen é reservada ao radical, contrariamente a de Nurse que se subdivide em
três categorias, infixo, radical e sufixo (extensões verbais); por fim, a posição (7) na primeira


51

tabela é ocupada pelo sufixo, facto que não se sucede na segunda, pois a mesma posição é
reservada ao constituinte pré-final. De forma resumida, Meeussen propõe (9) lugares, diferente
de Nurse que acrescenta mais (2), totalizando (11) lugares que compõem o verbo em bantu.

Numa outra perspectiva, segundo Salting (s/d: 4), as LB são aglutinantes e cada morfema
é integrado no seu respectivo nível, ocupado uma posição específica na estrutura da palavra. Este
autor propõe uma sequência simples de (8) posições ocupadas pelos morfemas flexionais e
derivacionais tal como ilustra a tabela a seguir.

Sequência Símbolo (nome) Estatuto


1 Neg. (Negação) Opcional
2 SP (Pronome do sujeito) Obrigatório
3 TA (Tempo e aspecto) Obrigatório
4 OP (Pronome do objecto) Opcional
5 Radical (raiz) Obrigatório
6 D. Suf (sufixos derivacionais) Opcional
7 TA (Tempo e aspecto) Opcional
8 FV (Vogal final) Obrigatório

Tabela 4. Sequência de morfemas e sua distribuição em bantu (Salting, s/d: 4)

Na tabela 5, Salting propõe (8) posições, algumas obrigatórias, outras opcionais, para a
estrutura do verbo em bantu.

A tabela que se segue mostra as posições ocupadas pelos morfemas flexionais e


derivacionais na asserção de Mutaka & Tamanji (2000: 173) apud Langa (op. cit. 46).

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Pré- Inicia Pós- Formati Pós- Infixo Radical Sufixo Pré- Fina Pós-
inicia l inicia vo formativo object Extensã fina l fina
l l o o l l
MN Prefix MN MT MA Marca Raiz Extensão MA MT
Prefix o do verbal verbal -
o verbal objecto
relativ
o


52

Tabela 5. Posições dos morfemas derivacionais e flexionais no bantu, segundo Mutaka & Tamanji (2000:
173) apud Langa (op. cit: 46)

Por sua vez, Langa (op. cit), a partir desta proposta, com vista ao estudo do verbo 22 em
Xichangana, apresenta mais uma posição, a do pré-formativo, que se pode visualizar na
seguinte tabela:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Pré- Inicia Pós- Pré- Formati Pós- Pré- Radical Pós- Pré- Final Pós-
inicia l inicia For vo format radical radic Final fina
l l mat ivo al l
ivo
NEG/ INF/ ANT/ PRE PRES/F FACT/ MO Raiz EV NEG VF/P PA
ANT MS NEG/ S/N UT HAB/C /REL FV/S RT
POT/I EG/ ONT/E UBJ/
MED/ CO XCL/I HAB
REL NT MED/ /NE
REL G/IM
P
Tabela 6. Estrutura do verbo do Xichangana segundo Langa (op. cit)

Nesta tabela, Langa (op. cit) mostra que a estrutura do verbo em Xichangana apresenta
(12) posições face à criação da posição do pré-formativo, antes da do formativo e pós-
formativo. Assim, o Xichangana passa a ter mais uma posição em relação à estrutura das LB
apresentada por Mutaka e Tamanji (2000) e mais duas posições relativamente à apresentada
por Meeussen (1967).

Por último, Childs (2003: 104) apresenta uma estrutura básica do verbo em bantu. Veja-
se a tabela seguinte:


22
Nesta estrutura, na posição pré-inicial ocorrem as marcas de negação e passado anterior; na posição inicial ocorre
a marca de sujeito; na posição pós-inicial ocorrem os morfemas de passado anterior, relativo, imediato, negação,
modo potencial e aspecto contínuo; a posição pré-formativo é reservada ao aspecto contínuo e modo potencial; na
posição formativo ocorrem as marcas de tempo presente e futuro; na posição pós-formativo ocorrem as marcas de
aspecto factual, habitual, contínuo, exclusivo e do relativo; na posição pré-radical ocorre a marca de objecto; na
posição radical ocorre apenas a raiz verbal; na posição pós-radical ocorre a extensão verbal; na posição pré-final
ocorrem as marcas de negação e do relativo; na posição final ocorre a vogal final, marca do aspecto perfectivo,
aspecto habitual, modo imperativo, subjuntivo e marca de negação; por fim, na posição pós-final ocorre a marca de
participantes, (cf. Langa, op. cit. p. 263/4).


53

1 2 3 4 5 6 7
NEG SM T M A OB RAD EXT 1 VF
EXT 2
EXT 3

Tabela 7. Estrutura básica do verbo em bantu, segundo Childs (2003: 104)

Para este autor, o primeiro elemento nesta estrutura é a marca de sujeito (SM), que pode
ser somente precedida por um morfema que exprime a negação (NEG). Seguem-se as marcas
de tempo (T), modo (M) e aspecto (A), respectivamente. De seguida, é afixada a marca de
objecto (OB), que ocupa uma posição antes da do radical (RAD). Após o radical, as posições
disponíveis são ocupadas pelas extensões verbais (EXTs). Por fim, ocorre a vogal final que irá
determinar o tipo de modo a ser seleccionado pelo verbo.

Portanto, de entre as várias propostas que incidem sobre a estrutura do verbo em bantu, a
de Mutaka & Tamanji (2000), contendo as (11) posições, Nurse (2008), também com (11)
posições, assim como a de Langa (2012) com um total de (12) posições parecem ser as mais
aplicáveis ao estudo do verbo em Citshwa. Note-se que estes autores são claros na distribuição
dos morfemas, tanto derivacionais como flexionais. Todavia, para uma melhor abordagem com
vista à descrição do verbo em Citshwa, o estudo das categorias tempo, aspecto, modo e
polaridade vai obedecer às asserções de Mutaka & Tamanji (2000), Nurse (2008) e Langa
(2012), e, em contextos onde estas estruturas não se apliquem, recorrer-se-á a outras propostas.

3.4.7. Conclusão

Este capítulo consistiu na revisão de literatura, que se circunscreveu, primeiro, à


delimitação do quadro teórico, Morfologia e Fonologia Lexical, segundo, à discussão dos
principais conceitos operatórios que norteiam a pesquisa, nomeadamente, fonologia, traços
distintivos, sílaba e tom; morfologia, categorias tempo, aspecto, modo e polaridade. Ainda no
quadro conceitual, fez-se uma abordagem em torno da natureza e estrutura do verbo em bantu
na óptica de vários autores.


54

CAPÍTULO III: Revisão bibliográfica


3.1. Uma abordagem sobre Morfologia e Fonologia Lexical

Ao se pretender, no quadro da Morfologia e Fonologia Lexical, identificar e descrever as


categorias verbais: tempo, aspecto, modo e polaridade na língua Citshwa, esta secção traz, à
luz, diversas abordagens que aludiram sobre esta teoria.

Ao demonstrar fenómenos morfológicos que são condicionados fonologicamente, Inkelas


(s/d: 2), citando Allen (1978), Siegel (1974), Chomsky & Halle (1968) e Kiparsky (1982a),
mostra que em inglês, os afixos são organizados em duas maiores classes (derivação e
composição), que podem influenciar na deslocação do acento da base a que eles se afixam:

Base Acentuação/mudança da Acentuação/sem mudança da


posição do acento posição do acento

párent23 ‘parente’ parént- al ‘paterno’ párent-ing ‘cuidados paternais’

président ‘presidente’ prèsidént-ial ‘presidencial’ présidenc-y ‘presidência’

áctive ‘activo’ àctív-ity ‘actividade’ áctiv-ist ‘activista’

démonstràte ‘demonstrar’ demonstrative ‘demonstrativo’ démonstràtor ‘demonstrador’

Tabela 8: Fenómenos morfológicos condicionados fonologicamente (Inkelas, s/d: 2)

Nos exemplos, a derivação e a composição são associadas ao um mesmo padrão que, não
obstante, não se verifica em outras construções, visto que estas últimas, uma vez concatenadas,
são condicionadas por vários factores fonológicos.

Descrevendo as relações existentes entre a Morfologia e Fonologia Lexical com base na


língua inglesa, Jensen (1990) sublinha que todas as operações morfológicas desempenham um
papel crucial nos processos e na aplicação de regras fonológicas. Refere Siegel (1974) apud


23
Os negritos são da responsabilidade do autor deste estudo.


55

Jensen (op. cit.) que alguns afixos24 são sensíveis à estrutura morfológica das palavras a que se
ligam, onde a estrutura fonológica por si mesma é condicionada por certas regras.

Ainda no quadro da Morfologia e Fonologia Lexical, Lee (1995), (1997), (2013) discute e
reanalisa a formação de diminutivos no Português Brasileiro (PBra) e suas propriedades
fonológicas, morfológicas e sintácticas. Este autor conclui que a formação de diminutivos
ocorre no nível lexical. P. e., o diminutivo –inho apresenta propriedade de um sufixo e o
radical sofre a desacentuação após a afixação, enquanto o diminutivo –zinho pode deslocar o
acento da base e apresenta propriedade de um composto fonológico. Confirme-se nos dados
abaixo:

Nível 1:

/sapato i݄R /kaf‫]ܭ‬L݄R /ot‫ܭ‬O]L݄R


<sapato> <i݄R! <kaf‫]!ܭ‬L݄R! <ot‫ܭ‬O!]L݄R! MCF
[sapat] o [i݄@R [kaf‫]>ܭ‬L݄@R [ot‫ܭ‬O@>]L݄@R PCF
[sapát]o [í݄@R [ka’f‫>@ܭ‬µ]t݄@R [ot’‫ܭ‬O@>]t݄@R Acento

Nível 2:

<sapato> <i݄R! <kaf‫]!ܭ‬L݄R! <ot‫ܭ‬O!]L݄R!


MCF
[sapáto] [í݄R@ [kaf‫]>@ܭ‬t݄R@ [ot‫ܭ‬O@>]t݄R@ PCF
<sapati݄R! ________ ________ MCF
[sapatí݄R@ ________ ________ PCF
[sapatí݄R@ ________ ________ desacentuação
________ ________ <oteis> <zi݄RV! Plural
________ <kaf‫]ܭ‬L݄R! <oteiszi݄RV! MCF
________ [kaf‫]ܭ‬t݄R@ [otéis] [zí݄RV@ PCF
________ [kaf‫]ܭ‬t݄R@ [otéizí݄RV@ Simplificação

________ [káf‫]ܭ‬t݄R@ [óteizí݄RV@ Deslocamento de


acento
[sapatí݄X@ [kàf‫]ܭ‬t݄X@ [òt‫ܭ‬L]t݄XV@


24
É o caso do sufixo –al ligado a certos verbos fazendo com que haja mudança da categoria verbal para categoria de
nome em Inglês. Ainda nesta língua, não só o sufixo adjectival –ful como em artful normalmente se liga aos nomes
acentuados, como também se liga ao penúltimo nome acentuado. Por exemplo: fanciful, pitiful, beaultiful, etc.


56

Essa proposta prevê que o composto coordenado é formado no componente pós-lexical,


enquanto os diminutivos são formados no componente lexical. Isso explica por que é que o
composto coordenado não motiva o deslocamento do acento, (cf. Lee, op. cit.).

Numa outra abordagem, tendo estudado os fenómenos fonológicos do PBra que, de


acordo com a fonologia lexical são condicionados morfologicamente, Lee (1992), na tabela
que se segue, descreve a interacção entre a fonologia e a morfologia:

/moral/ Representação da base


Aplicação de regra lexical [morál] Acento
iN[morál] Afixação
i[morál] Supressão da nasal
i[moralidade] Afixação
i[moral]idáde Acento
[i[moral]idáde]s] Afixação
Saída do léxico
[imoralidadeš]
s---> š
[imoralidádiš]
Aplicação da regra pós-lexical Alcançamento da vogal
[imoralidádziš]
Palatização

Tabela 9: Representação da palavra imoralidade no quadro da Morfologia e Fonologia Lexical

Nesta tabela, tendo se usado a derivação para a formação da palavra imoralidades, as


regras lexicais foram aplicadas depois de cada operação morfológica.

Ferreira & Tenani (2009), à luz da Fonologia Lexical, descrevem os processos que
condicionam a redução do gerúndio no dialecto de São José do Rio Preto, tal como ilustram os
exemplos:
[falar]
[fal[a[ndo]]] sufixação
[fal[ã[ndo]]] nasalização
[fal[ã[nno]]] assimilação
[fal[ã[no]]] redução do “n”
[falãnu] representação fonética


57

Estas autoras centram as suas análises no nível pós-lexical, e mostram que em [falãnu], a
consoante [d] assimila os traços da consoante nasal [n] e esta, além de cumprir o papel de
nasalizar a vogal precedente, também ocupa aposição de consoante inicial da sílaba final. Os
processos que levam à forma reduzida.

Numa outra discussão sobre a interface entre fonologia e morfologia com base no
português falado no Brasil, Dias (2011), a partir da palavra tardiamente, exemplificou a
interface entre estas áreas, mostrando que o léxico se define com o apagamento dos colchetes,
ao final de cada nível, veja-se:

1. Nível da raiz
[tard +e]
[tar.dE] silabificação
[tár.dE acentuação
[tár.dE] contexto para alçamento

Dentro do componente lexical, esta autora mostra que se tem o nível da raiz, em que se
aplica a silabificação e acentuação, e o nível da palavra, nos dados abaixo:

2. Nível da palavra

[tardE+io]
[tardEio] apagamento de colchete: adjunção
[tardio] apagamento da vogal temática
[tar.dio] silabificação
[tar’.di.o] acentuação
[tar.’di.w] harmonia: ditongação
[tar.’diw] ressilabificação
[tar.’d‫ݤ‬LZ@ palatização

No nível da palavra, verifica-se o espraiamento do traço [+alt], e, na sequência, em


relação ao peso da vogal, aplica-se a ressilabificação, onde o hiato se transforma em ditongo
decrescente. Ainda neste nível, ocorre a palatização da oclusiva dental [d] seguida da vogal
alta, anterior [i].


58

Langa (op. cit), durante o estudo do verbo em Xichangana, concretamente no estudo na


polaridade, descreve a relação entre a Morfologia e Fonologia Lexical, como se pode ver num
dos exemplos abaixo:

Base: -kwhel- ‘subir’


Morf1: forma afirmativa: ahikwhelilè ‘tínhamos subido’
Morf2: inserção da marca de negação: àahikwhelanga
Fon1: bloqueamento de [a:] áhikwhelanga
Fon2: inserção de –nga- áhingakwhelanga
Resultado: ahingakwhelanga ‘não tínhamos subido’

Através destes dados, Langa (op. cit: 214) sistematiza os constrangimentos fonológicos
envolvendo a concatenação do morfema descontínuo de negação em formas afirmativas do
passado anterior complexo. À base, do tipo –CVC-, foi aplicada a (morf1), onde se flexiona no
passado anterior complexo (a- -(il)è), a forma básica na primeira pessoa do singular (-hi-). Em
(morf2), aplica-se o morfema de negação à (ng)- -ang) na primeira morfologia. Aqui, a (fonol1)
consiste na elisão da vogal da marca de negação. A (fonol2) consiste na inserção da forma –
nga- na posição pós-inicial. Por fim, a última linha mostra a palavra formada depois de se ter
desencadeado todos os processos morfofonológicos.

Booij (s/d: 1), ao relacionar a fonologia lexical com a morfologia, em alemão, por
exemplo, as obstruentes (oclusivas e fricativas) são sempre não-vozeadas no final de cada
sílaba. Observe-se os dados:

a) vind –er [vin.dԥU@ ‘achador’


b) vind er [vin.tԥU@ ‘encontrá-la’

Em a), no nível morfológico, tem-se o (nome) adjectivo, que resulta da sufixação do


morfema derivacional –er ao verbo vind, ‘encontrar’. Contudo, esta consoante não perde o seu
traço [+voz], pois ocorre na posição final e é silabificado como ataque. Em b), /d/ realiza-se


59

como [t], uma vez que ocupa o lugar de coda no nível pré-sintáctico, pois antes da palavra foi
combinada com o pronome clítico -er [ԥU@ (VWHV GDGRV PRVWUDP TXH R Qão-vozeamento da
oclusiva é contrastivo e faz parte do sistema fonológico do alemão e actua ao nível pós-lexical.

Entretanto, esta secção consistiu na apresentação de alguns estudos que mostram a


relação entre a Morfologia e a Fonologia Lexical. Na verdade, os fenómenos morfológicos são
condicionados fonologicamente, porque durante a aplicação de processos morfológicos,
sobretudo na derivação e na composição, intervêm processos fonológicos, responsáveis pela
determinação do tipo de estrutura a ser formada ao nível lexical ou pós-lexical. Também,
conclui-se que este modelo pode ser aplicado a qualquer língua, se se partir do princípio de
que, em todas as línguas25, existem mecanismos para formação e/ou inovação lexical.

3.2. As categorias tempo, aspecto, modo e polaridade em bantu


A natureza do verbo do PB26 apresenta uma estrutura complexa, fazendo parte dela o pré-
tema e o tema. Por sua vez, o tema subdivide-se em base e uma VF. O tema funciona como um
constituinte ao nível do PB de que constam, obrigatoriamente, (i) a raiz e/ou radical, (ii) as
extensões opcionais, prefixos e sufixos, sejam derivacionais, sejam flexionais e (iii) a VF
(flexão obrigatória). Por isso, em muitas LB, as marcas de sujeito, negação, tempo, objecto,
aspecto, modo, etc., associam-se ao tema verbal, (cf. Hyman, 2007).

A título de exemplo, Okoudowa (2010) descreve a morfologia verbal do Lembaama


(B.62) e refere-se ao facto de a estrutura verbal dessa língua apresentar os seguintes elementos:
sujeito, índice do sujeito, negação1, marca de tempo, raiz do verbo, extensão, vogal final ou
marca de aspecto, objecto (s) ou índice do objecto, negação2, que se seguem numa ordem fixa
na oração. Constatou também que o índice do objecto, que é geralmente anteposto à raiz do
verbo na maioria das LB, é pós-posto ao verbo em Lembaama.


25
Sobre os universais linguísticos absolutos, veja-se Fromkin & Rodman (1993: 17/8). Por exemplo: i) todas as
línguas humanas utilizam um sistema finito de sons discretos (ou gestos) que se combinam, formando elementos com
significados ou palavras que, por seu lado, constituem um sistema infinito de frases possíveis; ii) Todas as
gramáticas apresentam regras semelhantes para a formação de palavras e frases; etc.
26
Proto-Bantu é uma língua ancestral (comum) de que derivam as actuais LB faladas no mundo. Embora haja
diversas teorias que explicam a sua dispersão (fragmentação), presume-se que tenha originado na África
Ocidental/Central, uma zona que actualmente abrange Camarões, aproximadamente há 3000 – 4000 anos.


60

A tabela (10) mostra a distribuição dos morfemas na estrutura do verbo do Lembaama:

1 2 3 4 6 7 8 10 11
Pré- Inicial Pós- Formativo Infixo Radical Extensão Final Pós-
incial inicial final
Relativo Suj/Indice Marca Marca de Índice Raiz Sufixos VF Objecto,
de Suj de tempo de verbal derivacionais índice
negação objecto do
objecto
e marca
de
negação

Tabela 10. Estrutura do verbo do Lembaama segundo Okoudowa (2010)

Quanto à análise das categorias tempo, aspecto, modo e polaridade, essa língua
evidenciou três tempos: um presente que não tem marcas e que se confunde com o presente
pontual, o progressivo e o futuro; dois futuros, um mais próximo sem marcas que se confunde
com o presente pontual e o progressivo; outro mais distante; três passados, um recente, um
distante e um remoto. Contrariamente ao aspecto, os morfemas do tempo são sempre
antepostos ao radical do verbo. O estudo do aspecto permitiu identificar dois, perfectivo e
imperfectivo. De igual modo, destacam-se três modos nesta língua, a saber, imperativo,
condicional e indicativo. Por fim, em relação à polaridade, os morfemas que indicam a negação
nesta língua são descontínuos, (Okoudowa, 2010. p. 9/10).

Ao estudar, em parte, as categorias tempo, aspecto, modo e polaridade em Xichangana,


Langa (op. cit: 260/1) demonstra que esta língua não distingue o passado recente do remoto
nem o futuro próximo do distante. Ela exibe o passado simples ou absoluto, o passado relativo
e o passado anterior com as suas variações aspectuais imperfectivas, ao passo que o futuro é
apenas o simples com as suas variações aspectuais imperfectivas. Segundo este autor, os dados
mostraram que é difícil distinguir as marcas do tempo e no aspecto no presente, daí que assume
a posição segundo a qual o tempo presente é categoria mais aspectual do que temporal.


61

Num estudo sobre o tipo de estrutura do verbo em bantu (analítica ou sintética), Nurse
(2007: 254) conclui que é provável que o PB tenha tido uma estrutura analítica. No entanto,
durante os séculos seguintes, a cliticisação do pré-tema em vários componentes na estrutura da
palavra fez com que muitas LB optassem pela estrutura sintética. Face a esta situação, este
autor não afirma categoricamente que o PB era completamente sintético, ou se estruturas
completamente sintéticas só desenvolveram depois.

Petter (2004: 273) estudou a polaridade em duas línguas do grupo bantu, quimbundo e
quicongo e demonstrou que a negação apresenta traços comuns e aspectos divergentes. Em
ambas línguas, a negação participa da flexão do verbo, com morfemas específicos que têm uma
posição fixa antes do verbo, mais precisamente, antes do índice do sujeito. Diferem quanto ao
número de morfemas: o quimbundo possui um morfema e o quicongo utiliza dois morfemas,
colocados antes e depois do verbo.

Tanda & Neba (2005: 218), tendo investigado a estrutura de construções negativas em
Mokpe, uma LB falada na Costa (Camarões), observaram que o uso dos morfemas de negação
é predicado pelo tempo e aspecto verbais. Os morfemas de negação não variam de forma livre.
Uma interessante observação reside no facto de tais morfemas de negação mudarem nos
tempos presente e futuro.

Ainda no estudo da polaridade, Ngunga (2004) mostra que as frases são classificadas
quanto à polaridade e, como o núcleo da frase é um verbo, as marcas de polaridade são,
geralmente, acopladas à forma verbal. Com base nalgumas LB, este autor conclui que os
morfemas que exprimem a negação variam de língua para língua. Por exemplo, em Chuwabo,
o prefixo que marca a negação é kha-, independentemente do tempo verbal; em Xichangana 27,
as marcas de negação são descontínuas e realizam-se de acordo com os tempos verbais; em
Sena, a marca de negação é o prefixo ha-, que ocorre sempre na posição inicial da estrutura da
forma verbal em todos os tempos; em Ndau, a marca de negação é um morfema descontínuo a-

27
No tempo passado, é a-…-nga, onde a- ocorre na posição inicial da estrutura da forma verbal e –nga ocorre na
posição final desta estrutura; no presente, é a-…-i, onde a- ocorre na posição inicial da estrutura e –i na posição
final; no futuro, é a-…-nga-…, cujas partes são separadas pela marca de sujeito. O a- ocorre na posição inicial da
estrutura da forma verbal e –nga ocorre imediatamente a seguir a marca de sujeito.


62

…-i. No passado, o morfema afixa-se a um verbo auxiliar, no presente e no futuro afixa-se ao


verbo; etc.

Por seu turno, Dunham (s/d: 29/30) descreveu as categorias tempo, aspecto, modo e
polaridade no Langi, uma LB falada na Tanzânia e verificou que o sistema verbal desta língua
é semelhante ao da maioria das LB. Contudo, Langi parece ter adoptado um novo sistema
dentro do paradigma verbal, favorecendo oposições aspectuais em relação às temporais, quer
dizer, as distinções temporais são expressas através das construções verbais, ao passo que as
aspectuais e as modais são expressas directamente na forma verbal.

Reflectindo sobre o foco e a função da morfologia verbal nalgumas LB, Nurse (2006)
sustenta que, em bantu, o foco é indicado por uma estreita combinação dos seguintes
elementos: ordem de palavras, movimentos, clíticos, partículas, tom, reduplicação do verbo e
construções de objecto. Esta estrutura provavelmente se relacione com a do PB. Em relação à
ordem, no domínio da morfologia flexional, o foco pode ocorrer na posição pós-verbal. Note-
se ainda que o tom desempenha um papel crucial na demarcação do foco.

Finalmente, num estudo em que se descrevia o impacto das alterações morfológicas na


marca de sujeito (MS) com enfoque às categorias tempo e aspecto em Swahili, Kipacha (2006:
82/9) conclui que as marcas da primeira, segunda e terceira pessoa do singular em Swahili
dispõem de uma variação morfológica que especificam as formas a serem seleccionadas pelos
morfemas aspectuais e temporais.

Esta secção pretendia trazer diversas abordagens no tocante à natureza do verbo em


bantu. A partir da análise das categorias tempo, aspecto, modo e polaridade nalgumas línguas,
pode-se constatar que, em todas as línguas, estas categorias ocorrem associadas ao radical
(raiz) verbal, ainda que os lugares e/ou posições que eles ocupam não coincidam. Este facto
justifica-se não somente pela estrutura de que cada língua dispõe à organização dos
constituintes, como também pelos factores de ordem fonológica que influenciam na selecção
dos morfemas na estrutura da palavra. Dentro das (4) categorias, importa frisar que a negação


63

constituiu uma área fascinante de estudo no quadro da linguística descritiva por causa das
posições variadas que os morfemas que exprimem a polaridade ocupam nas diferentes LB

3.3. Prévios estudos sobre a gramática do Citshwa


Além da gramática de Citshwa (cf. Persson, 1932), das pesquisas desenvolvidas
envolvendo a língua Citshwa, há que referenciar Chamusso (1996), num trabalho em que
descreve o impacto do contexto cultural para a interpretação e tradução de provérbios de
Citshwa para o Português; Ugembe (2001); Andrade (2005), que reflectia sobre a integração do
Xihlengue como variante linguística de Xichangana ou de Citshwa; Cumbane (2000), (2008);
Uetela (2009)28, que estuda as estratégias de concordância com sintagmas nominais complexos
em Citshwa e, recentemente, Chivambo (2013).

Visando identificar as estratégias de locativização em Citshwa (morfemas locativos) e


descrição dos processos fonológicos resultantes da afixação desses morfemas aos nomes,
Chivambo (2013) mostra que, em termos de locativização, o Citshwa faz parte das línguas que
inovaram tanto a estratégia de locativização como os morfemas locativos, adoptando a
sufixação do morfema locativo -ini como estratégia básica ao invés da prefixação de morfemas
locativos como acontece em muitas LBs. Em alguns casos, esta língua apresenta alguma
relíquia de locativização através de ha- *pa- como relíquia da classe 16 reconstruída do PB,
mas já lexicalizada, (cf. Chivambo, 2013. p. 8).

Com enfoque à fonologia suprassegmental, no seu estudo, Ugembe (2011: 44) refere que
o Citshwa é uma língua tonal e apresenta dois contrastes: o tom alto e o tom baixo. Trata-se de
uma análise que visava compreender os factores que motivam a ocorrência do tom alto no
verbo. Assim, nesta língua, como em qualquer outra língua tonal, o tom funciona como um
fonema ou segmento.

28
Esta autora concluiu que nesta língua as estratégias de concordância eram complexas, complexidade que não se
deve à existência de um vasto reportório de estratégias, mas a factores intrínsecos à língua (cf. Uetela, 2009 apud
Chivambo, 2013, p. 19).
64

O tom é contrastivo, uma vez que palavras que a nível segmental são idênticas, podem
ser distinguidas através do tom. No estudo do verbo, demonstrou-se que o tom pode ter função
lexical e gramatical, e pode distinguir pessoas gramaticais, tempos/aspectos verbais, polaridade
verbal e verbos, (Ugembe, ibid).

Cumbane (2008: 29), ao descrever as construções de duplo objecto (DO), com enfoque
para os falantes do português como L2, refere que em Citshwa ocorrem construções
encabeçadas por um verbo ditransitivo que envolvem dois argumentos duplo objecto. Nas
construções passivas do Citshwa, o verbo retém a capacidade de atribuir caso estrutural a
ambos os objectos, sendo que o morfema passivo pode absorver um dos Casos. Assim, o
morfema passivo absorve o caso que seria atribuído ao DO deslocado para a posição de sujeito
passivo, desse modo, esse DO não recebe nenhum caso na posição pós-verbal e é forçado a
mover-se para a posição de sujeito para adquirir caso nominativo. O segundo DO, caso seja
[+humano/ animado], é marcado pelo caso dativo pelo verbo passivo como se estivesse numa
construção activa em que o verbo atribui caso dativo. Se este DO for [-animado], então, é
marcado pelo caso acusativo.

Por um lado, numa análise dos processos de causativização na língua Citshwa por meio
da causativização lexical, morfológica e analítica, Camargos et al. (2014) verificaram que nas
causativas lexicais, o predicado não causativo e sua contraparte causativa não apresentam uma
correspondência fonológica regular, mas sim, idiossincrática; nas causativas morfológicas, a
língua disponibiliza a extensão verbal -is, que se pode juntar a verbos inacusativos, inergativos
e transitivos; por fim, nas causativas analíticas, a língua utiliza um verbo causativo pleno, a
saber: kumaha ‘fazer’, o qual selecciona como complemento uma predicação que corresponde
ao evento causado.

Por outro lado, estes autores pretendiam verificar se o Citshwa apresentava mecanismos
que pudessem distinguir a causação directa da causação indirecta, tendo notado que a causativa
morfológica produtiva é invariante e o seu sufixo causativo sempre é a extensão -is. Além do
65

mais, essa causativa produtiva está directamente associada à causação indirecta: quando as
acções do causador não apresentam um impacto directo e imediato sobre o causado. Por sua
vez, a causativização lexical não produtiva pode ser identificada de duas maneiras, a saber: (i)
em termos morfológicos, ela é frequentemente distinta das causativas produtivas e (ii) está
associada à causação directa, (Camargos et al., op. cit).

Como se viu, dos estudos que aqui foram apresentados, nenhum deles se centra nos
aspectos morfofonológicos do Citshwa. Embora Ugembe (2011) tenha desenvolvido um estudo
no domínio da fonologia suprassegmental, esta língua carece ainda de ser estudada e
sistematizada cientificamente e, dada a necessidade de se fornecer estudos científicos
envolvendo a língua em questão, surge a presente pesquisa que descreve a fonologia e
morfologia do verbo, com enfoque às categorias tempo, aspecto, modo e polaridade.

3.4. Conclusão
Este capítulo pretendia fazer a revisão bibliográfica. Primeiro, trouxe uma abordagem
sobre Morfologia e Fonologia Lexical com enfoque a algumas línguas, de entre elas, Inglês,
Português e Xichangana; na segunda secção fez-se alusão às categorias tempo, aspecto, modo e
polaridade, particularmente em bantu; por fim, a terceira secção olhou para prévios estudos que
incidiram sobre a gramática do Citshwa.
66

CAPÍTULO IV: Metodologia

Neste capítulo é apresentada a metodologia adoptada tanto para a colecta de dados como
para a sua análise e interpretação. Quanto ao tipo, corroborando com os critérios de Vergara
(2010: 41) e Santaella (2006: 146/7), é um estudo exploratório, visto que, à luz da Morfologia e
Fonologia lexical, pretende descrever e analisar as categorias tempo, aspecto, modo e
polaridade no verbo em Citshwa. Para o efeito, o estudo compreendeu duas etapas:

4.1. Recolha de dados


Tratando-se de um estudo de campo29 relativamente aos meios e/ou objecto (cf. Vergara,
op. cit. p. 42; Ruiz, 2009. p. 50; Santaella, 2006. p. 146/7), os dados que fizeram parte da
pesquisa foram gerados de diversas fontes.

4.1.1. Pesquisa documental


Como primeiro método para esta etapa, foi adoptada a pesquisa documental30. Esta
técnica consistiu no uso sistemático de materiais escritos ou impressos, fontes de natureza
primária e secundária, dados produzidos por outros autores no âmbito da linguística bantu.
Ainda por via deste método, foram discutidas várias abordagens no quadro da Morfologia e
Fonologia Lexical.

4.1.2. Questionário
Foi adoptado o inquérito através da elaboração de um questionário 31. Em conformidade
com Dornyei & Taguchi (2010), existem duas abordagens quanto à elaboração do questionário:

29
Pesquisa de campo é uma investigação empírica realizada no local onde ocorre ou ocorreu um fenómeno ou que
dispõe de elementos para explicá-lo, (cf. Vergara, op. cit. p. 42).
30
A pesquisa documental busca identificar informações factuais nos documentos a partir de questões ou hipóteses
de interesse. São considerados documentos quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de
informação sobre o comportamento humano, (cf. Philips, 1974. p. 187; Caulley, 1981 apud Ludke & André, 1988. p.
34).
31
Refira-se que esta técnica é mais privilegiada em ciências sociais e humanas, sobretudo em estudos qualitativos.
Referem Dornyei & Taguchi (2010: xiii); Carvalho (2009: 155) que a popularidade do questionário se relaciona com
o facto de ser uma técnica atractiva e extremamente versátil, a única capaz de fornecer informações mais detalhadas
sobre um determinado fenómeno em estudo. Segundo Brown (2001: 6) apud Dornyei & Taguchi (op. cit: 3/4),
questionário é um instrumento que apresenta uma série de questões, de tal forma que os informantes, por escrito,
possam reagir a cada questão.



67

a primeira consiste na produção de tabelas, em que se busca várias opiniões relativas a um


determinado fenómeno, onde os informantes apenas marcam e/ou assinalam as respostas que
acharem mais adequadas; e segunda, a mais adequada a pesquisas qualitativas, tal como os
autores recomendam, foi adoptada para o presente estudo, à medida que os informantes fizeram
uma ‘auto-administração’ das questões, sem, necessariamente, terem estado em contacto com o
pesquisador, produzindo respostas às questões que lhes foram administradas.

O primeiro questionário 32 administrado à população-alvo continha o vocabulário básico


em português, incluindo uma lista de verbos, nomes de seres humanos, nomes de animais,
partes de corpo humano, plantas, frutas, locativos, produtos alimentares, dias da semana,
pronomes. O segundo questionário 33, mais específico ao estudo das categorias tempo, aspecto,
modo e polaridade, foi constituído por vários enunciados, traduzidos de Português para a
língua de estudo pelos informantes. Os enunciados foram distribuídos por diversas oposições
aspectuais e temporais, nos modos indicativo, conjuntivo e imperativo, tendo em conta as duas
formas, negativa e afirmativa. Este questionário, também, contém frases que expressam a
locativização e algumas extensões verbais.

4.1.3. Entrevista semi-estruturada


Ainda na recolha de dados, foi adoptada a entrevista semi-estruturada34. A entrevista
durava aproximadamente 30 minutos. Esta técnica permitiu o aprofundamento de alguns
pontos levantados no questionário, como, p. e., atingir informantes que não podiam responder
ao questionário, bem como no treinamento da fala (articulação das palavras) com vista à
marcação do tom.



Veja-se apêndice A.
33
Veja-se Apêndice B.
34
A entrevista consiste no diálogo com o objectivo de colher, de determinada fonte, de determinada pessoa ou
informante, dados relevantes para a pesquisa. As entrevistas geram compreensões ricas das biografias, experiências,
opiniões, valores, aspirações atitudes e sentimentos, (May, op. cit. p. 145; (Ruiz, op. cit. p. 50). A entrevista permite
a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente, com qualquer tipo de informante e sobre os
mais variados tópicos, (Ludke & André, op. cit. p. 34).


68

4.1.4. Delimitação da amostra e local de estudo


Em relação ao local, o trabalho de campo decorreu na cidade de Maxixe de 2014 a 2015,
pelo facto de ser uma das cidades onde a maior parte da população tem o Citshwa como L1. O
trabalho envolveu uma amostra35 de 70 falantes de Citshwa, usando variáveis diversificadas
como, p. e., idade, sexo, nível escolar; proficiência linguística, etc.

4.2. Método de abordagem


No presente estudo foi adoptada a abordagem qualitativa 36. A escolha desta abordagem à
descrição das categorias tempo, aspecto, modo e polaridade no verbo em Citshwa justifica-se
pelas vantagens aliadas não só ao seu carácter indutivo, holístico e descritivo, como também às
técnicas a elas relacionadas que permitiram uma observação minuciosa durante a interpretação
dos questionários; quer dizer, com este paradigma procurou-se apreender percepções, opiniões,
representações subjectivas de falantes de Citshwa como L1 sobre o fenómeno em estudo.

4.3. Métodos de análise


Uma vez preenchidos os questionários, seguiu-se a fase de interpretação de dados. No
âmbito do estudo da fonologia do Citshwa, durante a transcrição fonética, foram usados os
símbolos fonéticos do Alfabeto Fonético Internacional (AFI) 37 e símbolos fonéticos da
Sociedade Internacional de Linguística (SIL)38. No que diz respeito à ortografia, o estudo
seguiu os princípios estabelecidos em Ngunga & Faquir (2011). Porém, das 5 variantes do
Citshwa, não se tomou uma variante particular, porque se pretendia fazer a descrição desta


35
Uma amostra corresponde a uma porção ou subconjunto de um grupo maior denominado por população;
população é o conjunto de elementos que possuem características que serão objecto de estudo; população ou
universo é o conjunto de elementos abrangidos por uma mesma definição, (May, 2004, p. 114; Vergara, op. cit. p.
46; Carvalho, 2009. p. 137). As amostras podem ser probabilísticas assim como não probabilísticas, (May, 2004, p.
114); (Vergara, op. cit. p. 46); (Carvalho, 2009. p. 137). Todavia, neste estudo, somente as amostras probabilísticas
(aleatórias) foram consideradas.
36
Embora alguns autores não distingam de forma clara o método qualitativo do quantitativo, corroborando com
Richardson (2008), a abordagem qualitativa socorre-se de procedimentos metodológicos, tais como entrevistas,
questionários, observação, etc. devido à propriedade com que estas técnicas penetram na complexidade de um
problema.
37
O alfabeto fonético internacional é um sistema de notação fonética baseado no alfabeto latino, criado pela
Associação Fonética Internacional como uma forma de representação padronizada dos sons da fala.
38
Sociedade internacional de linguística, cujo objectivo é estudar, desenvolver e documentar línguas menos
conhecidas.


69

língua na sua generalidade, tendo em conta a padronização da ortografia de línguas


moçambicanas.

4.4. Conclusão
Este capítulo tinha como objectivo descrever as técnicas e métodos usados durante a
recolha e análise de dados. Igualmente, fez-se a delimitação do método de abordagem em
função dos objectivos preconizados, assim como da amostra e variáveis, que serviram de base
à recolha de dados. Assim, durante a recolha de dados, foi, essencilamente, aplicado, não só o
questionário, bem como a entrevista semi-estruturada, à população-alvo, previamente
seleccionada.

O capítulo seguinte descreve a fonologia do Citshwa.


70

CAPÍTULO V: Fonologia do Citshwa


Este capítulo é reservado ao estudo da fonologia segmental, envolvendo, primeiro,
vogais, consoantes e, por fim, semi-vogais do Citshwa; e fonologia suprassegmental, com
enfoque ao estudo do tom e sílaba.

5.1. Vogais
As vogais são sons que não sofrem obstrução da corrente do ar durante a sua produção no
tracto vocal. Tipicamente vozeadas, as vogais não apresentam um ponto fixo de articulação. A
qualidade das vogais depende do espaço livre existente na boca e na faringe, da posição dos
lábios, do grau de abertura da boca regulado pelo maxilar inferior, da posição da língua em
relação à posição neutra, e da tensão dos músculos, (cf. Katamba, 1989; Ngunga 2014). Os
exemplos que se seguem mostram a distribuição das vogais na língua de estudo:

(1) Distribuição das (5) vogais

/a/ yèná ‘ele’


pàpílò ‘carta’
kùtsíkà ‘deixar’
nsínyà ‘árvore’
/e/ zwóntlè ‘tudo’
kùtèkà ‘levar’
kùrísè ‘parede’
/i/ kùhàntlísà ‘andar depressa’
kwàtínì ‘no mato’
kùtsìkà ‘deixar’
hànsì ‘em baixo’
tìkwénì ‘na terra’
/u/ mákùngò ‘segredo’
kùkùmà ‘encontrar’
màsíkù ‘dias’
ngóvù ‘muito’
bhúkà-bhúkà ‘filme’
/o/ tìsòkòtì ‘formigas’
vhólò ‘cobertor’


71

tòlò ‘ontem’
nqólò ‘carroça’
cìkólà ‘escola’

Em (1) foram apresentadas as (5) vogais do Citshwa. Tal como refere Hyman (2003), a
distribuição das vogais ocorre dentro das específicas características morfológicas e nos
domínios dos traços prosódicos. Algumas LB que contêm cinco vogais, como é o caso do
Citshwa, têm uma restrita distribuição por posições dentro do radical ou da palavra.

Além destas vogais, nesta língua, são frequentes vogais longas, ainda que este
alongamento não seja distintivo, apenas desempenhando uma função demarcativa nalgumas
palavras, como se mostra em (2):

(2) Distribuição das vogais longas em Citshwa

/a/ (i) màmbà [mà:mbà] ‘cerimónia tradicional’


(ii) fámbà [fá:mbà] ‘imperativo do verbo andar’
(iii) lènìyá [lènìjá:] ‘pronome/além’
/u/ (iv kùkùmà [kùkù:mà] ‘encontrar’
/e/ (v) khálé [k+álé:] ‘adv. tempo’

Em (2) foram descritas algumas vogais longas do Citshwa. Quanto à vogal /a/, esta é
alongada antes da consoante nasalizada [b]. Em (i, ii), podendo, também, ser longa no final da
sílaba em (iii). Tal situação acontece com a vogal /u/ em (iv), esta vogal é longa antes da
consoante bilabial [m] da última sílaba.

Nesta língua, o alongamento não constitui um traço distintivo à semelhança do que


acontece em Ciyaawo (veja-se Ngunga 2000; 2004), apenas desempenha uma função
demarcativa. O alongamento pode ocorrer na penúltima sílaba (iv), na última sílaba (iii, v),
bem como na primeira sílaba (i). É predizível durante a enunciação (fala); é fonético e não
fonológico, não sendo necessária a sua representação na ortografia.


72

Classificar as vogais em função das suas características, esquematicamente, o trapézio


vocálico que se segue mostra as (5) vogais cardinais do Citshwa:

Recuada Central Avançada


Alta i u
Média e o
Baixa a
Não arred Arred

Este trapézio mostra as (5) vogais fonémicas do Citshwa, que podem ser distribuídas da
seguinte maneira: em relação: (i) ao recuo da língua: (2) recuadas [i] e [e], (1) central [a] e (2)
avançadas [u] e [o]; (ii) à altura do dorso da língua: (2) altas [i] e [u], (2) médias [e] e [o], (1)
baixa [a]; (iii) à abertura da cavidade bucal: (2) fechadas [i] e [u], (2) semi-fechadas e (1)
aberta [a]; (iv) ao arredondamento dos lábios: (3) não arredondadas [i], [e] e [a] e (2)
arredondadas [u] e [o].

No quadro da FG, (cf. Katamba, op. cit. 54), na tabela (11) são descritos os principais
traços distintivos das vogais anteriormente apresentadas:

Vogal i e a o u
Alta + - - - +
Baixa - - + - -
Recuada - - - + +
Arredondada - - - + +
Tensa + - - - +

Tabela 11: Distribuição das (5) vogais do Citshwa tendo em conta os traços distintivos

No ponto que se segue serão descritos alguns processos fonológicos envolvendo as


vogais do Citshwa.


73

5.2. Processos fonológicos envolvendo vogais do Citshwa


Esta secção descreve algumas estratégias com vista à resolução de hiatos em Citshwa,
nomeadamente, semivocalização, elisão e coalescência ou fusão. Tratando-se de uma realidade
fonológica, em termos de estrutura da sílaba, as LB não aceitam a sequência -VV-, razão pela
qual elas recorrem a várias estratégias e/ou processos fonológicos para a resolução de hiatos39.
Nesta ordem de ideias, autores como Ngunga (2000), Hyman, (2003), Kadenge (2010), Langa
(2012), Macalane (2013), entre outros, destacam estes processos de que as línguas dispõem
com vista à resolução de hiatos.

5.2.1. Semivocalização
Semivocalização é um processo em que um segmento vocálico se torna [-sil]. Confirme-
se nos dados abaixo:

(3) Semivocalização

i) /mù+ànà/ [m:ànà] ‘filho/a’


ii) /tìkù+ínì/ [tìk:énì] ‘na terra’
iii) /ndzìlù+ínì/ [dzìl:énì] ‘no lume’
iv) /ntìrò+ínì/ [tìr:énì] ‘no serviço’
v) /nòmù + ínì/ [nòm:énì] ‘na boca’
vi) /n’sìmù + ínì/ [sìm:ínì] ‘na machamba’
vii) /mùbèdù + ínì/ [mùbèd:ínì] ‘na cama’

Os dados em (3) mostram que nesta língua a semivocalização envolve a semivogal [w].
Em (i), a vogal [+alt, +rec] do prefixo nominal transforma-se na semivogal velar [w] em face
do seu encontro com a vogal [+bax] do tema nominal. Formalmente, esta explicação pode ser
representada pela seguinte regra:


39
Quando juntamos duas ou mais vogais em uma palavra, temos um encontro vocálico. Os encontros vocálicos são
divididos em três tipos: ditongo, tritongo e hiato. Hiato é quando duas vogais estão juntas na mesma palavra, mas
em sílabas diferentes, (Disponível em: http://www.infoescola.com/portugues/hiato/. Acesso em 25 de Março de
2015).


74

+sil -sil +sil


+tens -cons / - +bx
+alt +alt -rec
+rec +rec

Em (i), a transformação de /u/ em [w] pode ser demonstrada pelo seguinte processo:

Nível fonémico Nível fonético


V V V V V V
_ _ _ _ _ _
P P P P P P
_ _ _ _ _ _
C V V CV CV V C V
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _
m u ana mwan a

Em mwànà, a vogal do prefixo nominal perde a propriedade fonológica anteriormente


descrita. Por essa causa, no nível fonético, a primeira vogal do tema nominal passa a ter duas
moras. Como se pode ver, a perda deste traço fonológico não implica o desaparecimento de
todos os traços que o compõem a vogal [+alt, +rec], em contrapartida, o traço [+sil] estende-se
à vogal do tema nominal, passando a ser uma vogal densa ou bimoraica.

Outros dados mostram o encontro de /u/ da base nominal com a vogal [+alt, -rec] do
sufixo locativo –ínì, com uma estrutura do tipo –VCV- (cf. ii, iii, v, vii, viii). De igual modo,
/u/ transforma-se em [w] quando antecede [i]. Este fenómeno é similar e estende-se aos demais
dados, em que se verifica o encontro de /o/ e [i] em (iv) e /a/ e [i] em (vi).

Em (ii, iii, iv, v, vii, viii), a regra fonológica que explica as alterações observadas ao nível
fonético é a seguinte:


75

+sil -sil +sil


+tens -cons /- +alt
+alt +alt -rec
+rec +rec

A transformação de /u/ em [w] tal como ficou apresentada na regra anterior, pode ser
demonstrada pelo seguinte processo:

V V V V V V V V
_ _ _ _ _ _ _ _
P P P P P P P P
_ _ _ _ _ _ _ _
CV C V V C V CV CV V CV
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
t i k uini t i kwen i

Como se pode observar, a semivocalização bloqueia o encontro da vogal [+alt, +rec] da


base nominal com a vogal [+alt, -rec] do sufixo locativo -ínì. Repare-se que a inserção desta
semivogal vai ao encontro das características fonológicas da vogal que lhe dá origem. A vogal
/i/ do sufixo locativo, embora transformada em [e], [-alt, -bx, -rec] (vd. fusão no ponto 5.2.3),
tal como o traço mostra, torna-se bimoraica.

5.2.2. Elisão
A sequência de duas vogais -VV- pode resultar na elisão de uma delas. Este fenómeno
pode ser confirmado nos exemplos em (4):

4. Elisão da vogal em Citshwa

i /màvélé + ínì/ [mà9èlénì] ‘nos seios’


ii /míri + ínì/ [mìrínì] ‘no corpo’
iii /lívàtì + ínì/ [lì9àtínì] ‘na porta’


76

iv /kwátì + ínì/ [k:àtínì] ‘no mato’

Em (4), observe-se a afixação do morfema locativo -ínì. A vogal [+alt, -rec] é apagada
quando se encontra com a vogal [-alt, -bx, -rec] da base nominal em (i) e com a vogal [+alt, -
rec] em (ii, iii). Deste modo, percebe-se que o encontro da vogal da base nominal com a do
sufixo locativo resulta no apagamento desta última. A regra que formaliza esta explicação é a
seguinte:

+ alt -alt
- rec 2 - -bx
- arred -arred
+tens -tens

A elisão de [i] pode ser demonstrada pelo processo que se segue:


Nível fonémico Nível fonético

V V V V V V V V V V
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _
P P P P P P P P P P
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _
CV C V CV V CV CV CV CV V CV
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
ma -v e - l e - i - ni m a – v e - l e - [ 2] - n i

Como se vê, no nível morfológico, ocorre a sufixação do morfema locativo –ínì à base
nominal màvélé, ‘nos seios’. Como resultado, na estrutura profunda, se se prestar atenção ao
esquema, a nova palavra formada passa a ter (5) sílabas. Já no nível fonético, como ficou
demonstrado na regra anterior, a vogal /i/ sofre uma elisão. Com a elisão desta vogal, a palavra
màvèlénì ‘nos seios’ passa a ter (4) sílabas na estrutura de superfície.


77

5.2.3. Coalescência

Coalescência ou fusão é um fenómeno em que duas vogais que se encontram adjacentes -


VV- mudam seus traços fonológicos, (Harford, 1997). Sobretudo em contextos de derivação, o
encontro de duas vogais primárias resulta numa outra secundária. Vejam-se alguns exemplos
em Citshwa:

5. Coalescência em Citshwa

i /cìmásà + ínì/ [cìmàsénì] ‘na almofada’


ii /màngà + ínì/ [mà1énì] ‘na mangueira’
iii /kùfà + ínì/ [kùfénì] ‘na morte’
iv /cìkwámà + ínì/ [cìk:áménì] ‘ na pasta’
v /cìkólà + ínì/ [cìkól:énì] ‘na escola’

Além dos prefixos locativos40, o Citshwa apresenta a locativização morfológica através


da afixação do morfema locativo -ínì, com uma estrutura do tipo -VCV-, cuja função é
localizar objectos no tempo ou no espaço. Em (i, ii, ii, iv, v), o encontro da vogal primária
[+bx] dos diversos temas nominais com a vogal primária [+alt, -rec] do sufixo locativo resulta
na vogal secundária [-alt, -bx, -rec], com propriedades semelhantes às das duas vogais que lhe
dão origem. Pode-se concluir que esta última vogal assimila alguns traços fonológicos das
outras vogais e, esquematicamente, este fenómeno pode ser ilustrado pela seguinte regra:

+bx +alt -alt


-rec + -rec -bx
-arred -arred -arred
-tens +tens -tens

5.2.4. Vogal harmónica


É um fenómeno comum nas línguas em que uma vogal ou uma sequência de vogais se
harmonizam em função de certas propriedades. Esta harmonia é notável em contextos de


40
Ver Chivambo (2013).


78

derivação, sobretudo em extensões verbais, sendo comum e, no geral, afecta vogais dos sufixos
derivacionais como, p. e., as extensões causativa, aplicativa, reversiva/separativa, entre outras
combinações, (Schroeder, 2010. p. 12; Childs, op. cit. p. 68).

Bakovic (2002:1) apud Kadenge (2010: 244) define harmonia vocálica como um
processo em que as vogais adjacentes a sílabas no determinado domínio da palavra concordam
com outras em termos de traços ou características que as identificam. Para Childs (op. cit: 67),
a vogal harmónica consiste na partilha de uma característica, tipicamente em vogais não
contíguas, separadas por um segmento do tipo -C-.

6. Harmonia vocálica
Raiz + Ext. Aplic. + VF

i /gondz + el + a/ [kùgòdzélà] ‘estudar para’


ii /tsal + el + a/ [kùtsàlélà] ‘escrever para’
iii /hlamul + el + a/ [kù¢àmùlélà] ‘responder por’

iv /tsutsum + is + a/ [kùtsùtsùmísà] ‘fazer correr’


v /kin + is + a/ [k`ukìnísà] ‘fazer dançar’
vi /hlamb + is + a/ [kù¢àmbísà] ‘fazer nadar’

Nos dados acima, a extensão aplicativa -él-41 do tipo -VC- associa-se a vários radicais
que contêm vogais, tanto primárias como secundárias. Observe-se que a vogal da extensão
mantém seus traços fonológicos quando é antecedida por uma vogal secundária /o/ (em i), e,
também, como tal, quando é precedida por vogais primárias /a/ e /u/ em (ii, iii).

Esta situação mostra que, em Citshwa, o carácter primário e/ou secundário da vogal da
extensão não depende exclusivamente da vogal do radical, tal como acontece, p. e., em línguas


41
A extensão aplicativa ou dativa/benefáctica -il-, também designada por ‘preposicional’ ou ‘directiva’, indica que
o estado ou a acção descrita é realizada em benefício de alguém. Deriva de verbos transitivos e o objecto é
geralmente um beneficiário, um instrumento, bem como um advérbio de lugar ou de tempo, (cf. Schadeberg, op. cit;
Langa, op. cit.).


79

como, Nambya42, Ciyaawo43 (vd. Kadenge, 2010; Ngunga, 2000, 2004, respectivamente). A
distribuição desta extensão realiza-se morfologicamente e não é, necessariamente,
condicionada fonologicamente.

Em (iv, v, vi), à raiz verbal, é afixada a extensão causativa44 -ís-, também com uma
estrutura do tipo -VC-. Em Citshwa, a ocorrência desta extensão é condicionada sob o ponto de
vista morfológico e não fonológico, visto que a sua ocorrência não depende das propriedades
fonológicas da vogal do radical. Com isto, pode-se concluir que as vogais de ambas as
extensões verbais não alternam com outras vogais.

Descrita a fonologia do Citshwa envolvendo as (5) vogais orais, a secção que se segue
será reservada à apresentação das consoantes e sua descrição no quadro dos traços distintivos,
sua distribuição, assim como à discussão de processos fonológicos.


42
Em Nambya, a extensão aplicativa -íl- realiza-se como íl- quando é imediatamente precedida por vogais como [i],
[a], [u] e como -él- quando é precedida por vogais como [o] e [e]. Esta língua é caracterizada por uma bidireccional
vogal harmónica que exibe ambas as harmonias: regressiva, quando envolve alternância prefixal e progressiva,
quando envolve alternância sufixal, (cf. Kadenge, op. cit.).
43
Nesta língua, a harmonia vocálica é produtiva e é notável sobretudo nos processos de afixação de sufixos verbais,
(cf. Ngunga, 2004, p. 74).
44
Esta extensão é usada seja em sequências simples como -CV-, seja em sequências compostas como, p. e., -CVC-.
No geral, a extensão causativa é afixada a radicais que contêm verbos intransitivos. Note-se, contudo, que nalgumas
línguas, esta extensão expressa significados semânticos específicos, (cf. Schadeberg, op. cit; Langa, op. cit.).


80

5.3. Consoantes
Consoantes são sons cuja produção envolve uma obstrução nas cavidades bucal e nasal
durante a passagem da corrente do ar. Esta fonte de ar pode ser a boca, as fossas nasais, a
faringe, a glote e os pulmões. Estes sons caracterizam-se pelo facto de: i) terem o ponto fixo de
articulação; ii) ocorrerem sempre à margem da sílaba; iii) terem menos duração do que as
vogais; iv) soarem sempre como uma espécie de vogal, (cf. Katamba, op. cit; Ngunga, 2004,
2014).

A tabela (12) mostra a distribuição das consoantes do Citshwa a partir do seu ponto e
modo de articulação:

Modo/lugar Labial L. Alveolar Retrof. Palatal L. Velar Glotal


Dental Velar
Oclusiva p b t d c Î k g
Implosiva š Ê
Nasal m n × 1
Africada ps bz pf bv t6 d=
Fricativa f v s z ‰ Û ç ¥ h
Lat. ¢ /
Fricativa
Lat. Aprox. 9 l –
V. Simples r
Aproximante j w

Tabela 12: Consoantes do Citshwa a partir de diferentes pontos e modos de articulação

Na tabela, onde os símbolos estão aos pares, o primeiro à esquerda representa o segmento
não vozeado. A seguir, com base em exemplos, são apresentadas as consoantes do Citshwa:

7. Distribuição das consoantes do Citshwa


Grafema Representação fonética
y yèná [jénà] ‘ele’
p phùlùkílè [p+ùlùkílè] ‘deu à luz’


81

b kùbìkà [kùbìkà] ‘cozinhar’


w wákwè [wák:è] ‘dele’
k kùtsíkà [kùtsíkà] ‘deixar’
g vàgùmà [9àgùmà] ‘conector/ eles depois..’
ny nsínyà ×à]
[sí× ‘árvore’
t kwàtínì [k:àtínì] ‘no mato’
d kùcàdà [kùcàdà] ‘casar-se’
h kùhàntlísà [kùhàtlísà] ‘andar depressa’
ts kùtsíkà [kùtsíkà] ‘deixar’
s hànsì [hàsì] ‘em baixo’
z nyèzánì [×èzánì] ‘estrela’
n tìkwénì [tìk:énì] ‘na terra’
c còmélò [còmélò] ‘fermento’
j jáhà [Îáhà] ‘rapaz’
x xákà [6ákà] ‘parente’
xj xjèlérà [¥èlérà] ‘geleira’
l kùkúlà [kùkúlá] ‘crescer’
f xìfúvà [6ìfú9à] ‘peito’
v vhólò [vólò] ‘manta’
ng màkúngò [màkú1ò] ‘segredo’
m kùkúmà [kùkúmà] ‘encontrar’
hl kùhlàyìsíwà [kù¢àjìsíwà] ‘ser cuidado’
zw kùzwìtívà [kùÛìtí9à] ‘saber’
b’ b’ásà [šásà] ‘branco’
d’ kùd’áyà [kùÊájà] ‘matar’
pf mùpfúmbà [mùpfúmbà] ‘hóspede’
bv kùbvùn’wálà [kùbvùn:álà] mergulhar
bz kùbzálà [kùbzálà] ‘semear’
r ríbzè [ríbzè] ‘pedra’
dl ndlóvù [n/óvù] ‘elefante’
lh lhùlàméthì [–ùlàmét+ì] ‘eucalipto’


82

Ainda que sejam raras, em Citshwa, ocorrem algumas consoantes ‘não


pulmonares’45, como, por exemplo, o clique pós-alveolar não vozeado [!], representado
pelo grafema q na ortografia, o clique pós-alveolar vozeado [g!], representado pelo
grafema gq e o clique velar nasal [1!], respectivamente:

8. Consoantes não pulmonares


Grafema Representação fonética
q mùkhòqó [mùk+ò!ó] ‘beco’
gq gqéké [g!éké] ‘pátio/terreno’
nq nqóló 1!óló]
[1 ‘carroça’

Nos dados, fez-se a combinação dos grafemas do Citshwa com os respectivos símbolos
fonéticos. Há casos em que é possível observar a co-articulação, isto é, sons cuja produção
envolve dois articuladores, como é o caso dos sons africados (vd. ponto 5.4.5).

Descritas as consoantes do Citshwa, a partir dos traços distintivos, estas podem ser
classificadas tendo em conta as seguintes classes naturais: obstruentes, distribuentes,
sonorantes, contínuas, nasais, laterais, labiais, anteriores, coronais, altas, baixas e recuadas. Por
seu turno, Katamba (op. cit: 54/5) divide-as em dois principais grupos: i) sonorantes,
consoantes que são produzidas com um vozeamento espontâneo, p. e, líquidas,
glides/semivogais e nasais, e ii) obstruentes, aquelas que apresentam a cavidade bucal numa
posição em que se inibe o vozeamento espontâneo, p. e., oclusivas, fricativas e africadas.

Na tabela seguinte são descritas as consoantes do Citshwa no âmbito dos traços


distintivos das sonorantes:
m n × 1 l – r j w 9 ¢ /
Cons + + + + + + + - - + + +
Cont. - - - - + + + + + + + +
Nas. + + + + - - - - - - - -
Lat. - - - - + + - - - + + +


45
Trata-se de sons cuja produção não envolve o ar pulmonar, podendo, este, ser faringal expirado ou ainda bucal,
para o caso dos cliques.


83

Lab + - - - - - - - + - - -
Ant. + + + - + + + + - + + +
Cor. - + + - + + + + - - + +
Alt. - - + + - + + + - - -
Rec. - - - + - - - - + - - -

Tabela 13: Traços distintivos das sonorantes do Citshwa

Na tabela (13) foram apresentados os traços distintivos das sonorantes do Citshwa.


Alguns sons foram sistematizados por Katamba (op. cit: 54/). Em contrapartida, este autor não
inclui as três últimas consoantes que constam da tabela, designadamente, a lateral aproximante
lábio-dental [9], bem como as duas laterais fricativas alveolares não vozeada e vozeada,

respectivamente, [¢] e [/], consoantes que, fonologicamente, sofrem um vozeamento

espontâneo durante a sua produção, facto que justifica a sua classificação como sonorantes do
Citshwa no presente estudo.

A tabela (14) mostra os traços fonológicos das obstruentes do Citshwa:

+voz b d š Ê Î g v z Û = ¥ bz bv d=
-voz p t c k f s ‰ 6 ç h ps pf t6
cont. - - - - - - + + + + + + - - -
estrid. - - - - - - + + + + - - + + +
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alt. - - - - + + - - + + + - - - +
bx. - - - - - - - - - - - - - - -
rec. - - - - - + - - - - - - - - -

Tabela 14: Traços distintivos das obstruentes do Citshwa

Na tabela (11) foram descritas as consoantes obstruentes do Citshwa. Paralelamente à


proposta de Katamba (op. cit: 55), nesta tabela, julgou-se fundamental acrescentar as duas
africadas: a lábio-alveolar não vozeada [ps] e a lábio-alveolar vozeada [bz].


84

5.4. Processos fonológicos envolvendo consoantes do Citshwa


Em todas as línguas naturais, os sons quando estão contextualmente próximos sofrem
várias modificações. Estas modificações podem ser classificadas em função do tipo de
transformação, podendo incidir na partilha, assimilação, bem como na dissimilação de vários
traços fonológicos (ponto de articulação, modo de articulação, vozeamento, etc.).

5.4.1. Assimilação
A assimilação consiste na partilha de traços, fazendo com que dois segmentos (vizinhos)
se tornem semelhantes no que concerne a uma determinada propriedade fonológica. Nos dados
que se seguem, observe-se os alomorfes da nasal fonémica, representada por /N/:

9. Nasal homorgâmica

i) mbílú [mbílú] ‘coração’


ii) mbútí [mbútí] ‘cabrito’
iii) mùzímbà [mùzímbà] ‘corpo’
iv) nyámà ×ámà]
[× ‘carne’
v) nyóxì [×ó6ì] ‘abelha’
vi) nyímbà [×ímbà] ‘gravidez’
vii) ngàlávà [1gàlá9à] ‘barco’
viii) ngwényà [1:é×à] ‘crocodilo’
ix) sàngù [sà1ù] ‘esteira’
x) nsínyà [sí×à] ‘árvore’
xi) ntímà [tímà] ‘preto’
xii) nkólò [kólò] ‘pescoço’

Fazendo-se uma observação atenta aos dados acima, note-se que ocorrem alterações do
morfema que marca o singular dos nomes da classe 9 46, que pode ser representado pela nasal
/N/ (sem o ponto de articulação). Na estrutura fonética, em todos os dados, esta nasal assimila

46
Guthrie (1956) classifica os nomes em função dos seus significados e dos prefixos de concordância. Esta
classificação resulta precisamente de atribuição de prefixos aos nomes de acordo com os padrões de sua
concordância e dos significados entre as diversas LB faladas em África.
Assim, os nomes são, sistematicamente, organizados em classes. Nestes exemplos, a nasal /N/, da classe 9, singular
da classe 10, descreve nomes de animais e algumas partes do corpo humano.


85

os traços das consoantes seguintes, concretamente o ponto de articulação, ou seja, a nasal


quando antecede as consoantes bilabiais (em i, ii, iii), palatais (em iv, v, vi), velares (em vii,
×], [1] e [n], respectivamente.
viii, ix) e alveolares (em x, xi, xii) torna-se [m], [×

A regra que explica estas alterações pode ser formulada da seguinte maneira:

/N / N /- C
D lugar D lugar
Além deste processo fonológico, algumas consoantes do Citshwa sofrem modificações
e/ou alterações, de entre elas, há que assinalar a nasalização, a aspiração, a africatização e a
velarização.

5.4.2. Velarização/labialização
A produção das consoantes, tanto nasais como orais, pode ser feita com um ligeiro
arredondamento dos lábios e/ou uma ligeira constrição velar. Este fenómeno chama-se
labialização (se as consoantes em causa forem não-labiais) ou velarização (se as consoantes em
causa forem labiais, (Ngunga, 2004; Ngunga & Simbine, op. cit., p. 54). Vejam-se os dados
que se seguem:

10. Labialização/velarização

i) mwànà [m:ànà] ‘filho/a’


ii) kùnwà [kùn:à] ‘beber’
iii) kòkwánì [kòk:ánì] ‘avó’
iv) ngwànà [1:ànà] ‘cão’
v) zwàkúgà [z:àkúgà] ‘comida’
vi) kwátì [k:átì] ‘mato’

Por um lado, em (i), a nasal [+bil, -rec] assimila o traço [+velar] do som seguinte [w]. Na
ortografia, tal como se pode ver, este fenómeno é representado pelo grafema w. Por outro lado,


86

a labialização afecta as nasais [n] e [1] em (ii, iv), a oclusiva [k] em (iii e vi) e a fricativa [z]

em (v).

5.4.3. Nasalização
Segundo Katamba (op. cit: 93), nasalização é um processo em que um som oral adquire
traços (nasais) do outro (som) que estão contextualmente próximos.

11. Nasalização das consoantes do Citshwa

i) cìkàmbà [cìkàmbà] ‘unha’


ii) mbùtì [mbùtì] ‘cabrito’
iii) ndlèvé [dlè9é] ‘orelha’
iv) nkhàtá [k+ata] ‘sangue’
v) cìmángà [cìmá1à] ‘gato’
vi) nsúnà [súnà] ‘mosquito’

Em (i e ii), a oclusiva oral [b] é nasalizada quando ocorre depois da nasal [+bil]. Ainda
nos dados, em (iii, iv, vi) ocorre a pré-nasalização das consoantes [d], [k] e [s]. Portanto, a
nasalização, sendo proeminentemente audível, além das consoantes, pode, também, afectar
algumas vogais orais como é o caso da vogal [+bx] em (v). Com base nestes exemplos, pode-se
aferir que as oclusivas, assim como as fricativas podem ser nasalizadas: [mb]; [d]; [k]; [g];

[s], uma vez precedidas por [m] ou [n], tal como ilustra a regra que se segue:

/C/ [C] / - [N – C]

5.4.4. Aspiração
Este processo acontece quando, na produção de uma consoante oclusiva ou africada, o
volume do ar proveniente dos pulmões continua a libertar-se continuamente após a explosão
inicial, (Ngunga & Simbine, op. cit. p. 60). Vejam-se os dados abaixo:


87

12. Aspiração das consoantes do Citshwa

i) khónà +ónà]
[k+ ‘canto da parede’
ii) khùmbà [k+ùmbà] ‘porco’
iii) phàphàtánè [p+àp+àtánì] ‘borboleta’
iv) nkhátá [k+átá] ‘sangue’
v) wùthápà [wùt+ápà] ‘verde’
vi) nhòvù [n+òvò] ‘nariz’

A aspiração em Citshwa não é distintiva. Observando-se os dados, note-se que esta


modificação pode afectar algumas consoantes vozeadas como é o caso da nasal alveolar [n] em
(v) e, maioritariamente, as não vozeadas [k], [p] e [t] em (i, ii, iii, iv).

5.4.5. Africatização
Este fenómeno ocorre e afecta algumas consoantes oclusivas do Citshwa, com maior
frequência as duas oclusivas alveolares [t] e [d], que são sempre combinadas com as duas
fricativas [s] e [z], respectivamente, tal como ilustram os dados abaixo:

13. Africatização das consoantes do Citshwa

i) dzólò [dzólò] ‘joelho’


ii) màndzíkù [màdzíkù] ‘amanhã’
iii) cíbòtsò [cíbòtsò] ‘cágado’
iv) cítsùngà [cítsù1à] ‘montanha’
v) kùtsíkà [kùtsíkà] ‘deixar’

Na ortografia, este processo é marcado pelo grafema z se a consoante envolvida for


vozeada como é o caso de (i, ii), ou pelo grafema s se a consoante afectada for não vozeada em
(iii, iv, v).


88

Tendo sido feito o estudo das consoantes do Citshwa, a seguir serão apresentadas e
descritas as duas semivogais desta língua.

5.5. Semivogais
Semivogais são sons vocálicos não silábicos. Quanto à articulação, estes sons têm traços
de vogais e consoantes. Quanto à distribuição, ocorrem à margem da sílaba. As semivogais
estão associadas a configurações próximas das vogais fechadas e, ao nível fonético, nem
sempre é possível estabelecer uma fronteira clara entre vogais fechadas e as semivogais
correspondentes, (cf. Ngunga, 2014, p. 18; Andrade & Viana, 1996. p. 145/6).

Os exemplos seguintes mostram a distribuição das (2) semivogais em Citshwa:

14. Semivogais do Citshwa

i) /y/ yènà [jena] ‘pronome/ele’


ii) wóyá [wójá] ‘pêlo’
iii) /w/ wàkwé [wàk:é] ‘pronome/dele’
iv) wùlómbè [wùlómbè] ‘mel’

Em (14) foram descritas as duas semivogais do Citshwa, designadamente, a palatal


aproximante não vozeada [j] em (i, ii) e a lábio-velar aproximante vozeada [w] em (iii, iv).
Fonologicamente, estes sons não ocupam o núcleo e ocorrem sempre à margem da sílaba,
funcionando como consoantes. Apresentada a fonologia segmental do Citshwa (vogais,
consoantes e semivogais), o próximo ponto estuda a fonologia suprassegmental, envolvendo o
tom e a estrutura da sílaba.


89

5.6. Tom verbal em Citshwa

De lembrar que não constitui objectivo desta pesquisa estudar o tom. Não obstante, em
Citshwa, o tom funciona como um fonema ou segmento (vd. Ugembe, op. cit), daí que, na
estrutura verbal, alguns morfemas gramaticais podem ser assinalados por meio do tom,
distinguindo pessoas gramaticais, tempos, aspecto, polaridade, etc. Este facto justifica a sua
discussão na presente pesquisa e, para efeitos de estudo, nas palavras, o tom alto é assinalado
pelo diacrítico [‫@މ‬HRWRPEDL[RpPDUFDGRSHORGLDFUtWLFR>C@

5.7.1. Função lexical do tom em Citshwa


O tom lexical distingue significados de duas ou mais palavras que apresentam os mesmos
segmentos. Observem-se os dados abaixo:

15. Tom lexical

i [kùt6àpúkà] ‘fim da época de florestação’


ii [kùt6àpùkà] ‘verbo’
iii [kùgá] ‘ideofone/cortar com catana’
iv [kùgà] ‘verbo/comer’
v [músì] ‘pau de pilar milho’
vi [mùsì] ‘fumo’
vii [kèlé] ‘cova’
viii [kélè] ‘sapo’
ix [9élé] ‘seio’
x [9èlè] ‘grau de milho’
xi [6ìrímè] ‘gaguez’
xii [6ìrìmè] ‘lavrador’

Em (i, ii), o radical apresenta uma estrutura do tipo -CCVCVC - por causa da
modificação (africatização) da oclusiva alveolar não vozeada [t]. Ainda em (i), verifica-se uma
maior proeminência na articulação da penúltima sílaba, contrariamente à articulação do
exemplo descrito em (ii). Com isto, se pretende demonstrar que em (i) a penúltima sílaba é


90

articulada com um tom alto, ao passo que em (ii) a mesma sílaba é articulada com um tom
baixo, distinguindo, desse modo, o significado de ambas as palavras.

Já em (iii, iv), a raiz verbal apresenta uma simples estrutura da sílaba do tipo -C- (radical
primitivo). À semelhança do que se viu no exemplo anterior, nestes dados, a vogal da última
sílaba apresenta uma proeminência relativa maior em (iii) do que em (iv). Ainda que ambas as
palavras apresentem os mesmos segmentos dispostos na mesma ordem, este traço prosódico
faz com que se distinga claramente o significado de kùgá, ‘ideofone47/cortar com catana’ de
kùgà, ‘verbo/comer’.

Pode-se ver nos exemplos (v, vi, vii, viii, ix, x) que todos os nomes apresentam uma
estrutura da sílaba do tipo -CVCV- e -CVCVCV- nos dados (xi, xii). Nestes pares de palavras,
os segmentos são iguais, embora haja diferenças semânticas, isto é, é o tom que determina a
diferenciação do significado em cada par. A título de exemplo, em (v), músì, ‘pau de pilar
milho’ distingue-se de mùsì, ‘fumo’; em (vii), kèlé, ‘cova’ contrasta o significado com kélè,
‘sapo’, em (viii).

5.7.1. Função gramatical do tom em Citshwa


Naturalmente, algumas línguas socorrem-se do tom para estabelecer certas relações
gramaticais (cf. tempo, aspecto, polaridade, etc.). Considerem-se os seguintes exemplos da
língua de estudo:

16. Tom gramatical


i [k+álè] ‘antigamente’ (1)
ii [k+álé:] ‘antigamente’ (2)
iii [ágílè] ‘comeu’
iv [à:gìlè] ‘comera’


47
Ideofones são definidos como (i) marcas de palavras que descrevem ou representam o sensório de imagens; (ii)
são marcadas, pois se distinguem completamente de outras palavras face à sua estrutura fonológica, tom e
acentuação; (iii) são palavras convencionadas para significados específicos; (iv) são representações especiais que
reflectem a arbitrariedade do signo linguístico, (cf. Dingemanse, 2012).


91

Prestando-se atenção aos dados, verifica-se que a marcação do tom nas palavras não
distingue o seu significado. Contudo, esta variação na proeminência somente serve para
distinguir algumas relações gramaticais. Por exemplo, em i), [k+álè], ‘antigamente’ (1),

assinala o advérbio de tempo. Em [k+álé:], apesar de a última vogar ser longa, o que não

acontece em i), o tom também assinala o advérbio de tempo, mas, semanticamente, expressa a
ideia de um passado muito distante.

Para a descrição do tom verbal em Citshwa, recorreu-se ao Ugembe (op. cit), de onde
foram extraídos os dados que se seguem. Porém, a representação fonética e a sua discussão são
da responsabilidade do autor deste estudo:

v [átàfá:mbà] ‘ele irá’


vi [àtàfà:mbà] ‘ele iria’
vii [áhígì] ‘comamos’
viii [àhìgì] ‘não comemos’
ix [áwílè] ‘caiu’
x [àwìlè] ‘caíra’

O tom distingue a 3ª. pessoa do futuro simples (modo indicativo) em (v) da 3ª. pessoa do
modo condicional em (vi); em (vii, viii), o tom assinala a polaridade, distinguindo a frase
imperativa (afirmativa) (vii) do presente pontual (negativa) (viii); por fim, o tom distingue o
passado simples (1) em (ix) do passado simples (2) em (x), ou seja, equivalentes ao pretérito
perfeito e pretérito mais que perfeito, respectivamente, em língua portuguesa.

Como se vê, o tom não só se manifesta nos nomes, como também na estrutura do verbo,
podendo ser alto ou baixo, e é contrastivo tanto a nível lexical como gramatical. Com base nos
exemplos descritos, de modo que se evite eventuais ambiguidades, pelo facto de o tom marcar
a distinção semântica de duas palavras no léxico, e também assinalar certas relações
gramaticais, seria fundamental que fosse assinalado na ortografia padronizada do Citshwa.

Reconhecendo-se a problemática sobre a marcação do tom, Liphola (2011) reflecte sobre


o tom na escrita de LB, apresentando propostas com vista à sua marcação nalgumas línguas


92

moçambicanas, (cf. Kimwani, Ciyaawo e Shimakonde) e propõe modelos alternativos de


marcação gradual do tom e seus desafios. Este autor sublinha a necessidade de marcação do
tom nas ortografias padronizadas emergentes, de tal maneira que não se opte por mesmos
procedimentos seguidos por línguas, tais como Inglês, Português, Alemão, Francês, entre
outras, que não conseguiram resolver as inconsistências de escrita das suas línguas.


93

5.8. Sílaba

Na literatura existem várias definições de sílaba e são, igualmente, propostos diversos


modelos (vd. ponto 2.3.8.2). Neste estudo, vai ser adoptada a definição de Weiss (1988: 59)
apud Ngunga (2014: 21), segundo a qual, sílaba é uma unidade de um som (ou mais sons) que
se fala com um impulso respiratório. Tal como ficou justificado (vd. ponto 3.2), em função da
estrutura aberta da sílaba em Citshwa, geralmente, do tipo -CVCV-, será adoptado o modelo
proposto por Katamba (op. cit) e sempre que se julgar conveniente, recorrer-se-á ao modelo
usado na descrição da sílaba em português, proposto por Mateus et al. (2005).

17. Sílabas abertas em Citshwa

i va.fa.na [9àfánà] ‘os meninos’


ii hi.na [hìná] ‘nós’
iii li.va.ti [lí9àtì] ‘na porta’
iv si.va.li [sì9àlì] ‘cunhado’
v ci.ko.mu [cíkòmù] ‘enxada’

Como mostram os dados, a sílaba é uma unidade prosódica que em Citshwa apresenta um
sistema aberto em que o núcleo é sempre uma vogal e a margem ou ataque é uma consoante. A
estrutura da sílaba das palavras apresentadas em (17) é a mesma, sendo do tipo – CV – e pode
ser ilustrada no seguinte esquema:
V V
A R A R

C V

[9] [a]


94

No esquema, o nó silábico subdivide-se em dois elementos: primeiro, rima48 (R), não


ramificada, constituinte que é representado por uma vogal simples [a], [i], [o] e [u]; segundo, o
ataque49 (A), designado por ataque não ramificado, representado por uma simples consoante.
Em (i, iii, iv, vi), cada palavra segmenta-se em (3) sílabas, todas elas abertas, visto que
terminam por uma vogal que contém o somente uma mora [P]. Como é óbvio, em todas as
unidades silábicas, o núcleo é sempre ocupado por uma vogal, e, em relação à sua composição,
todas as sílabas em (17) são breves, também designadas por leves.

Há nomes e/ou verbos em Citshwa em que a margem/ataque, além de uma simples


consoante, comportam uma sequência de consoantes, sobretudo quando se trata de consoantes
modificadas (africatização), apresentando uma sílaba complexa do tipo -CCV-, como
comprovam os dados abaixo:

18. Sílabas complexas em Citshwa

i ku.tsa.ka [kùtsàkà] ‘ser feliz’


ii dzo.lo [dzólò] ‘joelho’
iii ma.ndzi.ku [màdzíkù] ‘amanhã’
iv ci.bo.tso [cíbòtsò] ‘cágado’
v mu.pfu.mba [mùpfúmbà] ‘hóspede’
vi ku.bza.la [kùbzàlà] ‘semear’

Apesar de serem sílabas complexas se se prestar atenção à sua estrutura, no que tange à
sua combinação, todas elas são abertas e breves. Veja-se a seguinte ilustração:


48
Rima é um constituinte não terminal, que domina os constituintes terminais (núcleo e coda). A rima pode
apresentar um formato não ramificado, com presença apenas do núcleo, ou pode ramificar em núcleo e coda, (cf.
Mateus et al., op. cit. p. 255).
49
O constituinte ataque pode dominar uma consoante, duas consoantes, ou pode ainda não estar segmentalmente
preenchido. Estas três possibilidades estruturais determinam a ocorrência de três tipos de ataque: ataque ramificado,
no caso de dominar duas posições de esqueleto correspondentes a duas consoantes, e ataque não ramificado, no caso
de dominar uma posição de esqueleto associada a uma consoante simples ou a nenhuma, (cf. Mateus et al., op. cit. p.
248).


95

V
A R

A1 A2

C C V

[t] [s] [a]

Neste esquema, o ataque é complexo e é ramificado, projectando, assim, duas posições


associadas às duas consoantes que o constituem. Em (i, iv), verifica-se a sequência da oclusiva
alveolar não vozeada [t] e a fricativa alveolar não vozeada [s], ambas [-sil], na segunda e na
última sílaba, respectivamente; em (ii), a sílaba inicial e, em (iii), a segunda sílaba, ambas
representam um ataque que comporta a oclusiva alveolar vozeada [d] e uma fricativa alveolar
vozeada [z], também com traço [-sil]; em (v), a oclusiva bilabial não vozeada [p] antecede a
fricativa lábio-dental não vozeada [f], ambas [-sil]; finalmente, em (vi), a oclusiva bilabial
antecede a fricativa alveolar vozeado, todos eles com o traço [-sil].

Em paralelo com os exemplos apresentados, pode-se afirmar que o Citshwa apresenta


uma simples estrutura da sílaba, em que o ataque não é ramificado, ainda que nalgumas sílabas
este se possa ramificar Em termos de rima, como se pôde ver, ela é basicamente simples,
contendo sempre uma estrutura do tipo -V-, que comporta o núcleo. Quanto ao núcleo 50, este
não é ramificado e está sempre associado a um segmento [-sil]. Deste modo, pode-se concluir
que a estrutura básica da sílaba em Citshwa é do tipo -CV-.


50
O núcleo pode ser uma vogal, uma sequência de vogais, ou ainda uma semivogal.


96

5.9. Conclusão
Este capítulo esteve reservado ao estudo da fonologia segmental e suprassegmental do
Citshwa. Na primeira parte, a análise centrou-se na descrição das vogais, das consoantes e das
semi-vogais. No que concerne às vogais, mostrou-se que estes sons ocorrem dentro das
específicas características morfológicas e são, fonologicamente, condicionados por vários
factores. Além das (5) vogais descritas tendo em conta os traços distintivos, em Citshwa,
correm algumas vogais longas, muito embora se trate de uma duração não distintiva. Ainda na
fonologia segmental, foram descritas as consoantes, semivogais e alguns processos fonológicos
que as consoantes sofrem em determinados contextos. Dentro da fonologia suprassegmental, o
estudo do tom mostrou que esta língua faz o contraste entre o tom alto e tom baixo,
distinguindo os significados das palavras. Por fim, uma análise à sílaba permitiu que se
concluísse que esta língua apresenta uma estrutura básica do tipo -CV-.


97

CAPÍTULO VI: tempo, aspecto e modo verbal em Citshwa


Com base na língua de estudo, este capítulo descreve as categorias tempo (passado,
presente e futuro), aspecto (perfectivo e imperfectivo) e modo verbal.

6. 1. Tempo verbal em Citshwa


6.1.1 Tempo passado
O passado é uma parte do tempo e refere-se a todo e qualquer acontecimento em período
de tempo anterior ao tempo presente, expressando, assim, uma acção que decorreu antes do
momento da enunciação. Segundo Gomes (2009: 188), quando se refere ao tempo passado,
pode-se fazê-lo considerando três dimensões51 e dois aspectos (perfectivo e imperfectivo).

6.1.1.1. Passado na forma afirmativa

1. Observem-se os dados abaixo do passado na forma afirmativa no modo


indicativo:

a) yèná àtshìkélè .
3ps MS-chegar-PS
‘ele chegou’

b) nkámá ùngàtchìkélà, àhìwònílè bhúkà-bhúkà.


Adv. tempo MS-Rel-chegar PSC-MS-ver-PSD nome
‘quando tu chegaste, nós tínhamos visto um filme’

c) mìná ndzìwàhlàzwílè tìngúwò52.


1ps MS-A-lavar-PS nome (cl. 10)
‘eu lavara roupa’


51
Trata-se de: i) Pretérito perfeito: uma acção é terminada no momento da enunciação, ou seja, uma acção é
completamente concluída; (ii) pretérito imperfeito: indica uma acção que, de modo contínuo, aconteceu no passado;
(iii) o pretérito mais-que-perfeito: indica uma acção passada que é anterior a uma outra acção também já passada,
relativamente ao momento de enunciação.
52
tìngúwò é o nome que pertence à classe 10, -ti-, e o seu singular da classe 9 é a nasal –n-.


98

d) hìná hìwònílè bhúkà-bhúkà.


1pp MS-ver-PS nome
‘nós vimos um filme’

e) hìná hìlìwonílè.
1pp MS-MO-ver-PS
‘nós o vimos’

f) mìná ndzìhlàzwílè tìngúwò.


1ps MS-lavar-PS nome (cl. 10)
‘eu lavei a roupa’

g) nyàmùtlà nìmìxò hìná hìhlàzwílè pàràtù.


adv. tempo 1pp MS-lavar-PS nome
‘hoje, de manhã, nós lavámos o prato’

h) lèmbé gìgàhùndzà hìná hìhlàzwílè pàràtù àngàtshàkísà Saide.


Adv. tempo 1pp MS-lavar-PS nome MS-Rel-sujar nome
‘no ano passado, nós lavámos o prato que Saíde sujara’.

i) tòlò hìná hìhlàzwílè pàràtù.


Adv. tempo 1pp MS-lavar-PS nome
‘ontem, nós lavámos o prato’

j) tòlò hìná hìlìhlàzwílè.


tempo 1pp MS-MO-lavar-PSD nome
‘ontem, nós lavámo-lo’
k) nkámá ùngàtchìkélà, hìná àhìwònílè bhúkà-bhúkà.
tempo MS-Rel-chegar 1pp PSC-MS-ver-PSC nome
‘quando tu chegaste, nós tínhamos visto um filme’

l) tòlò hìná àhìhlàzwílè pàràtù.

tempo 1pp PSC-MS-lavar-PSC nome


‘ontem, nós tínhamos lavado o prato’


99

m) lèmbé gìgàhùndzà hìná àhìrìlílè.

Adv . tempo 1pp PSC-MS-chorar-PSC


‘no ano passado nós tínhamos chorado’

Em (1) foi descrito o passado (PS). Em Citshwa, com base nos dados acima, este tempo é
expresso pelo morfema –ílè-, com uma estrutura do tipo –VCV-. Porém, em (1b), na estrutura
do verbo, o passado é assinalado pelo morfema –é-, do tipo –V-. Estes morfemas ocorrem na
posição final (11). Estes dados mostram ainda que o Citshwa não dispõe de morfemas
específicos que assianalam o passado remoto (evento muito distante), médio (evento não muito
distante) e recente (evento que aconteceu recentemente), tempos comuns em bantu, todavia,
eles são expressos sintacticamente, ocorrendo como advérbios. Esta língua exibe apenas o
morfema –ílè- que, no verbo, expressa o passado simples

Diferentemente de outras frases, as frases descritas em (1) (k, l, m) expressam o passado


composto (PSC). Os morfemas que expressam este passado são à-…-ílè-, que ocorrem na
posição pré-inicial (1) e final (11) na estrutura do verbo.

6.1.1.2. Passado na forma negativa

2. Vejam-se os dados do passado na forma negativa no modo indicativo:

a) nyàmùtlà nìmìxò hìná àhìhlàzwàngí pàràtù.

Adv. tempo 2pp Neg-MS-lavar-Neg nome

‘hoje, de manhã, nós não lavámos o prato’

b) tòlò hìná àhìhlàzwàngí paratu.

tempo 1pp Neg-MS-lavar-Neg nome

‘ontem, nós não lavámos o prato’

c) tòlò hìná àhìlìhlàzwàngí.

tempo 1pp Neg-MS-lavar-Neg

‘ontem, nós não o lavámos’


100

d) làmbé gìgàhùndzà hìná àhìhlàzwàngí paratu.

Adv. tempo 1pp Neg-MS-lavar-Neg nome

‘ no ano passado nós não lavámos o prato’

e) nyàmùtlà nìmìxò hìná àhìrìlàngí.

Adv. tempo 1pp Neg-MS-chorar-Neg

‘hoje, de manhã, nós não chorámos’

f) tòlò hìná àhìrìlàngí.

tempo 1pp Neg-MS-chorar-Neg

‘ontem, nós não chorámos’

g) lèmbé gìgàhùndzà hìná àhìrìlàngí.

Adv. tempo 1pp Neg-MS-chorar-Neg

‘no ano passado nós não chorámos’

h) nkámá ùngàtchìkélà àhìngàwònàngí bhúkà-bhúkà.


tempo MS-Rel-chegar Neg-MS-Neg-ver-Neg nome
‘quando tu chegaste, nós não tínhamos visto um filme’

i) tòlò hìná àhìngàhlàzwàngí pàràtù.

tempo 1pp Neg-MS-Neg-lavar-Neg nome


‘ontem, nós não tínhamos lavado o prato’

j) lèmbé gìgàhùndzà hìná àhìngàrìlàngì.

Adv. tempo 1pp Neg-MS-Neg-chorar-Neg


‘no ano passado, nós não tínhamos chorado’

Tal como os exemplos ilustram, em Citshwa, não ocorre um morfema específico que
exprime a negação. No tempo passado simples, os morfemas que expressam a negação em
Citshwa são à- … -àngí-, que ocorrem, de forma simultânea, na posição pré-inicial (1) e pré-
final (10), respectivamente.


101

No entanto, os dados abaixo mostram a relação entre a Morfologia e a Fonologia Lexical,


em face da afixação do morfema de negação no passado composto em (2) (h, j, i,), que acaba
por criar alguns problemas de carácter fonológico:

a. Radical: -wòn- ‘ver’


b. PS na forma afirmativa hìwònílè ‘vimos’
c. PS na forma negativa àhìwònàngí ‘não vimos’
d. PSC na forma afirmativa àhìwònílè ‘tínhamos visto’
e. Inserção de negação no PSC ààhìwònàngí?
f. Apagamento de /a/ do PSC àhìwònàngí? ‘não vimos’
g. Inserção de –nga- àhìngàwònàngí ‘não tínhamos visto’
h. Resultado: àhìngàwònàngí ‘não tínhamos visto’

Em Citshwa, mostrou-se que o morfema que expressa o passado simples na forma


afirmativa é –ílè, ao passo que no passado composto são á-…-ílè. Enquanto no passado simples
são aglutinados ao verbo os morfemas à-…-àngí- para assinalar a negação, no passado
composto ocorrem dois processos fonológicos (elisão e inserção) que intervêm na formação da
negação. O primeiro processo consiste na elisão à-, morfema que expressa a forma afirmativa
do passado composto (posição pré-inicial), porque co-ocorre com à-, morfema que assinala a
primeira negação e criam a sequência –VV-. O segundo processo resulta na inserção do
morfema –ngá- na posição pós-inicial (3), com vista a se eliminar eventuais ambiguidades com
a negação do passado simples. Observe-se que, com a inserção deste morfema, o passado
composto na forma negativa passa a ser assinalado pelos morfemas á-…-ngá-…-àngí-, que se
distribuem pelas posições pré-inicial (1), pós-inicial (3) e pré-final (10), respectivamente.

6.1.2. Tempo presente


Do ponto de vista aspectual, o presente apresenta a interessante característica de só ser
um tempo presente, pelo menos parcialmente sobreposto ao tempo da enunciação, com estados.
Com eventos, observa-se alterações aspectuais com algumas restrições quanto a culminações,
processos culminados e pontos. A informação temporal de presente pode ocorrer com eventos


102

em casos excepcionais como situações de relato directo, por exemplo, de um jogo, ou quando
se utilizam performativos, (cf. Mateus et al., op. cit. 144; Oliveira & Lopes, 1995).

6.1.2.1. Presente pontual na forma afirmativa

3. Observem-se os dados do presente pontual na forma afirmativa, no modo


indicativo:

a) móvhà wónyímà, hìkàwònà kùhùmà wàsàtì wósàsékà.

nome MS-PresP-parar Pron-MS Verbo nome (cl1) Adj.

‘o carro pára, e dele sai uma mulher linda’

b) nyàmùtlà hìná hóhlàzwà pàràtù.

tempo 1pp MS-PresP-lavar nome

‘hoje, nós estamos a lavar o prato’

c) nyàmùtlà hìná hórìlà.

tempo 1pp MS-PresP-chorar

‘hoje, nós estamos a chorar’

d) yèná wómàhá yíndlù.

3ps MS-PresP-fazer nome

‘ele está a fazer uma casa barraca (casa)’

O presente pontual relaciona-se com o aspecto imperfectivo (pontual) e marca uma


coincidência entre o momento em que a acção ocorre e o momento da enunciação. Em
Citshwa, todas as frases em (3) expressam o presente pontual (PresP), assinalado pelo morfema
–ó-, do tipo –V-, com um tom alto e ocupa a posição do pós-formativo 1 (5).

Todavia, em (3) (b, c), a afixação deste morfema no verbo cria constrangimentos
fonológicos com a marca de sujeito (-hì-), da segunda pessoa do plural. Veja-se a regra abaixo:

/+sil, +tens, +alt, -rec/ 2 / [+rec, -alt, -bx, -tens]


103

O encontro de –ì- da marca do sujeito com –ó-, marca do presente pontual, tal como a
regra mostra, a vogal [+alt, -rec] da marca do sujeito é apagada quando antecede a vogal [-alt, -
bx, +rec], morfema que expressa o afirmativo do presente pontual.

6.1.2.2. Presente pontual na forma negativa

4. Dados do presente pontual na forma negativa, no modo indicativo:

e) móvhà àwùnyimí.

nome Neg-MS-parar-Neg

‘o carro não pára’

f) nyàmùtlà hìná àhìhlàzwí pàràtù.

tempo 1pp Neg-MS-lavar-Neg nome

‘hoje, nós não estamos a lavar o prato’

g) nyàmùtlà hìná àhìrìlí.

tempo 1pp Neg-MS-chorar-Neg

‘hoje, nós não estamos a chorar’

h) yèná àngàmàhí yíndlù.

3ps Neg-MS-fazer-Neg nome

‘ele não está a fazer uma barraca (casa)’

Uma observação atenta a estes dados mostra que o presente pontual na forma negativa é
assinalado pelos morfemas à-…-í-, distribuídos pelas posições pré-inicial e final (VF),
respectivamente. O primeiro morfema, com uma estrutura do tipo –V-, apresenta um tom
baixo, contrariamente ao segundo, do tipo –V-, que possui um tom alto.


104

6.1.3.1. Presente habitual na forma afirmativa

5. Dados do presente habitual na forma afirmativa, no modo indicativo:

a) mìná ndzàmàhà lézwì kámá ní kámá.

1ps MS-PresH-fazer Pron tempo

‘eu faço isso sempre’

b) hìná hàhlàzwà kùrìsè.

1pp MS-PresH-lavar nome

‘nós lavamos a parede’

c) mìná ndzàhlàzwà tìngùwò.

1ps MS-PresH-lavar nome

‘eu lavo a roupa’

c) wèná wàhlàzwà tìngùwò.

2ps MS-PresH-lavar nome

‘tu lavas a roupa’

d) yèná wàmàhà yíndlù.

3ps MS-PresH-fazer nome

‘ele faz uma barraca (casa)’

Em (5) foram descritas algumas frases no modo indicativo que expressam o afirmativo do
presente habitual (PresH). Comparativamente ao passado pontual, em Citshwa, em todas as
formas verbais, o morfema que exprime o presente habitual é -à-, com um tom baixo, que
ocorre na posição do pós-formativo 1 (5).

6.1.3.1. Presente habitual na forma negativa

6. Dados do presente habitual na forma negativa, no modo indicativo:

a) mìná àndzìmàhí lézwì kámá ní kámá.


105

1ps Neg-MS-fazer-Neg Pron tempo

‘eu não faço isso sempre’

b) hìná àhìhlàzwí kùrìsè.

1pp Neg-MS-lavar-Neg nome

‘nós não lavamos a parede’

c) mìná àndzìhlàzwí tìngùwò.

1ps Neg-MS-lavar-Neg nome

‘eu não lavo a roupa’

c) wèná àwùhlàzwí tìngùwò.

2ps Neg-MS-lavar-Neg nome

‘tu não lavas a roupa’

e) yèná àngàmàhí yíndlù.

3ps Neg-MS-fazer-Neg nome

‘ele não faz uma barraca (casa)’

Os exemplos descritos em (6) mostram a distribuição dos morfemas que exprimem o


presente habitual na forma negativa. Tais morfemas são à-…-í-, que se distribuem pelas
posições pré-inicial (1) e final (11), respectivamente. Portanto, quer no presente pontual, quer
no habitual, os morfemas são os mesmos que exprimem a negação.

6.1.4. Tempo futuro


O futuro simples raramente expressa tempo posterior ao tempo da enunciação. De facto, é
tendencioso, mais próximo de um modo do que um tempo. O futuro pode indicar factos
futuros, enunciados condicionados que expressam factos de realização provável, etc., (Mateus
et al., op. cit. 158; AAVV, 2010, p. 175).
6.1.4.1. Futuro na forma afirmativa

7. Dados do futuro na forma afirmativa, no modo indicativo:

a) mìná ndzìtàhlàzwà tìngùwò.


106

1ps MS-FutS-lavar nome

‘eu lavarei a roupa’

b) mànzìkù hìná hìtàhlàzwà pàràtù.

Adv. tempo 1pp MS-FutS-lavar nome

‘amanhã, nós lavaremos o prato’

c) lèmbé gìtàkù hìná hìtàhlàzwà pàràtù.

Adv. tempo 1pp MS-FutS-lavar nome

no próximo ano, nós lavaremos o prato’

d) lèmbé gìtàkù hìná hìtàlìhlàzwà.

Adv. tempo 1pp MS-FutS-MO-lavar nome

no próximo ano, nós lavaremo-lo’

e) mànzìkù hìná hìtàrìlà.

Adv. tempo 1pp MS-FutS-chorar

‘amanhã, nós choraremos’

Em Citshwa, o futuro simples (FutS) é expresso pelo morfema –tà-, com uma simples
estrutura do tipo –CV-, cuja vogal contém um tom baixo. Este morfema ocorre na posição do
formativo (4).

6.1.4.2. Futuro na forma negativa

8. Dados do futuro simples na forma negativa, no modo indicativo:

a) mìná àndzìngàtàhlàzwà tìngùwò.

1ps Neg-MS-Neg-FutS-lavar nome

‘eu não lavarei a roupa’

f) mànzìkù hìná àhìngàtàhlàzwà pàràtù.

Adv. tempo 1pp Neg-MS-Neg-FutS-lavar nome


107

‘amanhã, nós não lavaremos o prato’

b) lèmbé gìtàkù hìná àhìngàtàhlàzwà pàràtù.

Adv. tempo 1pp Neg-MS-Neg-FutS-lavar nome

‘no próximo ano, nós não lavaremos o prato’

c) lèmbé gìtàkù hìná àhìngàtàlìhlàzwà.

Adv. tempo 1pp Neg-MS-Neg-FutS-MO-lavar

‘no próximo ano, nós não o lavaremos’

g) mànzìkù hìná àhìngàtàrìlà.

Adv. tempo 1pp Neg-MS-Neg-FutS-chorar

‘amanhã, nós não choraremos’

Em (8) foram apresentadas algumas frases cujas formas verbais se encontram na forma
negativa do futuro simples. A forma negativa deste tempo é marcada pelos morfemas à-…-
ngà-, que ocupam as posições pré-inicial (1) e pós-inicial (3), respectivamente.

Descritos os morfemas que expressam a categoria tempo em Citshwa, a tabela seguinte


sistematiza a sua distribuição, tendo em conta os tempos passado simples, passado composto,
presente habitual, presente pontual e futuro simples, nas formas afirmativa e negativa:

Tempo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Pré- Inicia Pós- For Pós Pós- Pré- Radical Pós- Pré- Final
inici l inicial For for rad rad Final
al 1 2
Neg MS Neg Fut Pres Asp MO Raiz Ext. Neg VF
Rel Asp Pro V
Hab/P g
ont
PS - -hì- - - - - -lì- -hlàzw- - - -ílè- (-è-)
Afir
PS Neg à- - hì - - - - - -lì- - hlàzw- - -àngí- -

PSC à- - hì - - - - - -lì- - hlàzw- - - -ílè-(-è-)


Afir
PSC à- - hì - -ngà- - - - -lì- - hlàzw- - -àngí- -
Neg


108

PresH - - hì - - - -à- - -lì- - hlàzw- - - -à-


afirm
PresH à- - hì - - - - - -lì- -hlàzw- - - -í-
Neg
PresP - - hì - - - -ó- - -lì- -hlàzw- - - -à-
afirm
PresP à- - hì - - - - - -lì- -hlàzw- - - -í-
Neg
FutS - - hì - - -tà- - - -lì- -hlàzw- - - -à-
afirm
FutS à- - hì - -ngà- -tà- - - -lì- -hlàzw- - - -à
Neg

Tabela 15: Distribuição dos morfemas nos tempos passado simples, passado composto, presente habitual e
pontual, e futuro simples, nas formas afirmativa e negativa em Citshwa

Considerado o verbo -hlàzw-, ‘lavar’, transitivo, a tabela (15) sistematiza a distribuição


dos constituintes internos do verbo em Citshwa. Trata-se, somente, da marca do sujeito, marca
de objecto e morfemas que expressam o passado simples, passado composto, presente habitual,
presente pontual e futuro simples nas formas afirmativa e negativa.

Em todos os tempos, a posição pré-incial (1) é preenchida pela marca da primeira


negação –à-. Este morfema (-à-) coincide com o primeiro, dos que expressam o passado
composto na forma afirmativa; de seguida, encontra-se a marca de sujeito, -hì-, (1pp), que
ocupa a posição inicial (2); a posição pós-inicial (3) é ocupada pela segunda marca de negação
do passado composto, -ngà-, que, também, é um dos morfemas dos que expressam a negação
do futuro simples; segue-se a posição do formativo (4), que é ocupada pelo morfema –tà-, que
expressa o futuro simples na forma afirmativa; a posição (5), do pós-formativo 1,
correspondendo ao aspecto, aqui é preenchida pelo morfema –ó-, que expressa a forma
afirmativa do presente pontual e pelo morfema –à- que assinala a forma afirmativa do presente
habitual; a posição (6), do pós-formativo 2 mantém-se vazia uma vez que é preenchida pelo
aspecto progressivo; a posição (7), a do pré-radical, corresponde à marca de objecto e é
ocupada pelo morfema –li53-. A posição (8), do radical, é ocupada por –hlàzw-. A posição (9)
mantém-se vazia54. Na posição (10), pré-final, ocorre a terceira negação, representada pelo


53
O nome seleccionado à exemplificação é da classe 5.
54
Os morfemas derivacionais não constituem objecto deste estudo.


109

morfema –àngí-, ocorrendo, apenas, no passado simples e composto. A posição (11), final, é
constituída pela vogal final, podendo ser os dois alomorfes do passado simples e composto, -
ílè- (-è-).


110

6. 2. Aspecto verbal em Citshwa


Esta secção descreve o aspecto verbal em Citshwa. Particularmente, são descritas, na
forma afirmativa, as categorias: (i) perfectivo (Perf); (ii) imperfectivo (Imperf); (ii) habitual
(Hab); (iv) progressivo (Prog) e (v) pontual (Pont).

6.2.1. Aspecto perfectivo


Em conformidade com Comrie (op. cit: 16/7), é comum referir-se que a forma perfectiva
indica situações de curta duração. Esta definição não se aplica a certas línguas. Em
contrapartida, a forma perfectiva não pode ser definida como sendo simplesmente a descrição
de uma situação limitada em oposição a uma descrição não limitada. A perfectividade pode ser
combinada com certas propriedades aspectuais, de acordo com as propriedades morfológicas e
sintácticas de cada língua. O aspecto perfectivo indica uma acção completa no tempo. Diz
respeito a uma situação completada com sucesso, (Comrie, op. cit. p. 18/20). Para Gomes (op.
cit: 192), o aspecto perfectivo (realizado) mostra que a acção está totalmente terminada no
momento em que se produz o enunciado, que ao mesmo tempo se relaciona com os tempos
pretérito perfeito e o pretérito mais-que-perfeito, ambos passados.

6.2.1.1. Aspecto perfectivo na forma afirmativa


1. Vejam-se os dados do aspecto perfectivo, no modo indicatvo em Citshwa:
a) yèná àmàhílè yíndlù.
3ps MS-fazer-Perf nome
‘ele construiu uma barraca (casa)’
b) hìná hìwònílè bhúkà-bhúkà.
1pp MS-ver-Perf nome
‘nós vimos um filme’

c) mìná ndzìtsàmílè cítùlwínì.


1ps MS-sentar-Perf nome (cl.7)
‘eu sentei-me na cadeira’

d) nyàmùtlà nìmìxò wèná ùvìtànílè Jùwáwò.


adv. tempo 2ps MS-chamar-Perf nome


111

‘hoje, de manhã, tu chamaste João’

e) tòlò wèná ùfàmbílè cíkòlwénì.


Adv. tempo 2ps MS-ir-Perf nome (cl. 7)
‘ontem, tu foste à escola’

Em (1) foram descritos exemplos do aspecto perfectivo (Perf) em Citshwa. Observando-


se os dados, note-se que este aspecto está relacionado com o passado simples e é assinalado
pelo morfema –ílè-, que ocorre na posição final. Todas as acções e/ou eventos expressos pelo
verbo foram realizados, completados, concluídos e delimitados no tempo.

6.2.2. Aspecto imperfectivo


Na visão de Comrie (op. cit: 16), é comum afirmar-se que a forma imperfectiva indica
situações de longa duração. Por seu turno, Gomes (op. cit: 192/3) define aspecto imperfectivo
como sendo uma categoria que mostra uma acção em duração. Esta categoria relaciona-se com
o passado, mas também com o presente, que dá a ideia de ‘em realização’, ‘em processo’. O
imperfectivo indica que uma acção ou processo perduraram no tempo e no espaço, sem
delimitação e pode ser acentuado através do gerúndio ou da perífrase, dando uma ideia do
progressivo desenrolar do processo55.

6.2.2.1. Aspecto imperfectivo habitual

Para Nurse (2003: 98) apud Okoudowa (2010: 120), a forma habitual é um imperfectivo,
no sentido em que a acção está em curso. Para Comrie (1976), o habitual é uma das
ramificações do imperfectivo.

2. Os exemplos seguintes mostram o aspecto imperfectivo habitual (Hab), no modo


indicativo, na língua de estudo:
a) mìná ndzìwákhòtsà tìvátì.
1ps MS-Hab-trancar nome


55
Outros mecanismos nesta categoria são o recurso à conjugação perifrástica ‘está a falar’ ou ao gerúndio
‘cantando’. Salientam-se outras categorias aspectuais, como é o caso do icoativo/terminativo. Estes dois valores
aspectuais estabelecem os limites do processo; o aspecto icoativo anuncia o início desse processo, ao passo que o
terminativo anuncia o seu termo, o fim.


112

‘eu trancava as portas’

b) mùfánà ìwákìnà kúvè Jùwáwò ìwátsàlà pàpílù.


nome (cl.1) MS-Hab-dançar conj. nome MS-Hab-escrever nome
‘o menino dançava enquanto o João escrevia uma carta’

d) hìná hìwágòndzà ngóvù.


1pp MS-Hab-estudar adv. de quantidade
‘nós estudávamos muito’

e) lèmbé gìgàhùndzà hìná hìwágòndzà ngóvù.


adv. tempo 1pp MS-Hab-esdudar adv. de quantidade
‘no ano passado, nós estudávamos muito’

f) yèná ìwáyàkà yíndlù.


3ps MS-Hab-construir nome
‘ele construía uma barraca (casa)’

g) hìná hìwáhlàzwà màpàràtù.


1pp MS-Hab-lavar nome
‘nós lavávamos os pratos’

h) hìná hìwahlàzwà màpàràtù.


1pp MS-Hab-lavar nome
‘nós lavávamos os pratos’

Com base nos exemplos acima, pode-se concluir que, em Citshwa, o aspecto habitual, na
forma afirmativa, é marcado pelo morfema –wá-, do tipo –CV-, cuja vogal contém um tom alto
e ocorre na posição do pós-formativo 2 (6). Ainda nos exemplos, ocorrem diversos advérbios
de tempo associados a verbos que descrevem eventos que, concretamente, não estão
delimitados no tempo, expressando a ideia de “acções habituais”. Independentemente da
situação temporal, em todos os casos, o morfema que exprime o aspecto habitual é –wá-.


113

6.2.2.2. Aspecto imperfectivo pontual

O aspecto pontual relaciona-se com o presente pontual e descreve acções e/ou eventos
que ocorrem no momento da enunciação e, que, ainda, perduram no tempo.

3. Os exemplos abaixo mostram o aspecto imperfectivo pontual (Pont), no modo


indicativo:

a) mìná ndzìwókhòtsà tìvátì.


1ps MS-Hab-trancar nome
‘eu trancava as portas’

b) mùfánà ìwókìnà kúvè Jùwáwò ìwótsàlà pàpílù.


nome (cl.1) MS-Hab-dançar conj. nome MS-Hab-escrever nome
‘o menino dançava enquanto o João escrevia uma carta’

c) hìná hìwógòndzà ngóvù.

1pp MS-Hab-estudar adv. de quantidade


‘nós estudávamos muito’

d) lèmbé gìgàhùndzà hìná hìwógòndzà ngóvù.


adv. tempo 1pp MS-Hab-esdudar adv. de quantidade
‘no ano passado, nós estudávamos muito’

e) yèná ìwóyàkà yíndlù.


3ps MS-Hab-construir nome
‘ele construía uma casa’

f) tòlò hìná hìwóhlàzwà màpàràtù.


adv. 1pp MS-Hab-lavar nome
‘ontem, nós lavávamos os pratos’

g) nyàmùtlà nìmìxò hìná hìwóhlàzwà màpàràtù.


adv. tempo 1pp MS-Hab-lavar nome
‘hoje, de manhã, nós lavávamos os pratos’


114

Ainda no imperfectivo, os exemplos apresentados em (3) provam que em Citshwa se


distingue o aspecto habitual do pontual (Pont). Todas as frases expressam o aspecto pontual, e
é assinalado pelo morfema –wó-, que ocupa a posição do pós-formativo (6), do tipo –CV-.

6.2.2.3. Aspecto progressivo

O aspecto progressivo (Prog) representa uma acção em curso, que está acontecendo faz
apenas alguns segundos, com relação ao momento da fala, (Nurse, 2003, p. 98) apud
(Okoudowa, 2010, p. 118). Para Comrie (op. cit: 33), o aspecto progressivo descreve acções
que estão em progresso.

4. Os dados que se seguem descrevem o aspecto imperfectivo progressivo (Prog), no


modo indicativo:
a) mìná ndzìwáhàkhòtsà tìvátì.
1ps MS-Hab-Prog-trancar nome
‘eu estava trancando as portas’

b) mùfánà ìwáhàkìnà.
nome (cl.1) MS-Hab-Prog-dançar
‘o menino estava dançando’

c) hìná hìwáhàgòndzà
1pp MS-Hab-Prog-estudar
‘nós estávamos estudando’

d) yèná ìwáhàyàkà yíndlù.


3ps MS-Hab-construir nome
‘ele estava construindo uma barraca (casa)’

e) tòlò hìná hìwáhàhlàzwà màpàràtù.


adv. 1pp MS-Hab-Prog-lavar nome
‘ontem, nós estávamos lavando os pratos’

f) nyàmùtlà nìmìxò hìná hìwáhàhlàzwà màpàràtù.


adv. tempo 1pp MS-Hab-Prog-lavar nome


115

‘hoje, de manhã, nós estávamos lavando os pratos’

As frases em (4) descrevem o aspecto progressivo em Citshwa. Por um lado, em todos os


exemplos, as formas do verbo auxiliar ‘estar’ com que ocorre o verbo principal à formação do
aspecto progressivo encontram-se na forma equivalente ao ‘pretérito imperfeito’ do português,
e, por outro lado, as formas do verbo principal encontra-se na forma equivalente ao gerúndio
do português. Como se pode ver, o aspecto progressivo envolve o verbo ‘estar’ e é expresso
pelo morfema -hà-, com uma estrutura do tipo -CV-, que ocupa a posição do pós-formativo 2
(6), após a afixação da marca do aspecto habitual -wá-, que ocupa a posição do formativo (5).

A tabela (16) sistematiza a sua distribuição dos valores aspectuais na língua de estudo:

Aspect 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
o Pré- Inici Pós- For Pós- Pós Pré- Radical Pós- Pré- Final
inici al inicial For For rad rad Final
al 1 2
Neg MS Neg Pres Pres Asp MO Raiz Ext. Neg VF
Rel Fut Asp Pro V
Hab/Po g
nt
Perf - -hì- - - - - - -gòndz- - - -ílè-
Hab - -hì- - - -wá- - - -gòndz- - - -à-
Pont - -hì- - - -wó- - - -gòndz- - - -à-
Prog - -hì- - - -wá- -hà- - -gòndz- - - -à-

Tabela 16: Distribuição dos morfemas aspectuais, nas categorias: perfectivo, imperfectivo habitual, pontual
e progressivo em Citshwa.

Considerando-se a 2pp e a base verbal –gòndz- ‘estudar’, transitivo, tal como a tabela
ilustra, os morfemas aspectuais distribuem-se pelas diversas posições na estrutura do verbo. O
aspecto perfectivo, coincidindo com o passado simples, ocupa a posição final (11); enquanto o
aspecto imperfectivo habitual é assinalado pelo morfema –wá-, ocorrendo na posição do pós-
formativo 1 (5), o imperfectivo pontual é marcado pelo morfema -wó- e, também, ocupa a
mesma posição. Por fim, o aspecto imperfectivo progressivo ocupa a posição do pós-formativo
2 (6) e é assinalado pelo morfema –hà-.


116

6.3. Modo verbal em Citshwa


Tendo-se descrito o tempo e o aspecto nas secções anteriores, este subcapítulo é
reservado ao estudo do modo verbal em Citshwa, uma das categorias que tem sido abordada
em linguística bantu. Segundo Bybee (1985: 170) apud Okoudowa (2010: 124), os modos
caracterizados por uma flexão verbal podem ser analisados sob dois critérios: i) força
ilocutória (imperativo, optativo, admonitivo, proibitivo, interrogativo; ii) compromisso com a
verdade da asserção (conjuntivo, dubitativo, provável, potencial, condicional).

Tal como se fez menção na metodologia (vd. cap. IV), dos critérios aqui apresentados,
além do modo indicativo (cf. 6.1 e 6.2), o presente estudo descreve apenas as duas formas
finitas (modo imperativo e conjuntivo).

6.3.1. Modo imperativo


O modo imperativo expressa permissão, obrigação ou ordem, podendo também ser usado
para transmitir informações, instruções, conselhos, convites, súplicas, etc., (Vários, op. cit. p.
169).
1. Vejam-se os dados abaixo que indicam o modo imperativo em Citshwa, na forma
afirmativa:

a) hlàzwá tìngúwò!
lavar-VF nome
‘lave a roupa’! (você)

b) hlàzwá tìngúwò!
lavar-VF nome
‘lava a roupa’! (tu)

c) àhìhlàzwénì tìngúwò!
MIMP-MS-lavar-MIMP nome
‘vamos lavar a roupa’! (cf. lavemos a roupa!)

d) hlàzwánì tìngúwò!
lavar-MIMP nome


117

‘lavem a roupa’! (vocês)

Uma observação atenta aos dados mostra que em 1a) e 1b), todas as formas verbais têm a
mesma estrutura segmental, incluindo a vogal final que coincide com a do infinitivo, -á- (com
tom alto). Portanto, nesta língua, pode-se afirmar que não existem morfemas específicos que
distinguem a (3ps) e a (2ps) no modo imperativo (MIMP). Em contrapartida, a (2pp) do
imperativo é assinalado pelos morfemas à- e -énì, que, na estrutura verbal, ocupam as posições
pré-inicial (1) e final (11), respectivamente. Por último, a (3pp) do imperativo é marcada pelo
sufixo –ánì, com uma estrutura do tipo -VCV-, que, também, ocorre na posição final.

6.3.2. Modo conjuntivo


O modo conjuntivo, por oposição ao indicativo, perspectiva as acções, os estados ou os
factos no plano de incertezas, probabilidades, eventualidades ou irrealidades. Embora o modo
conjuntivo surja em frases simples e coordenadas, é fundamental, sobretudo, nas orações
subordinadas, (Vários, op. cit. p. 168/9).

2. Vejam-se os exemplos abaixo que expressam o modo conjuntivo na forma


afirmativa:

a) àhlàzwé tìngúwò.
MCONJ-MS-lavar-MCONJ nome
‘que ele lave a roupa’.

b) àwùhlàzwé tìngúwò.
MCONJ-MS-lavar-MCONJ nome
‘que tu laves a roupa’.

c): àhìhlàzwé tìngúwò


MCONJ-MS-lavar-MCONJ nome
‘que lavemos a roupa’.

d) àvàhlàzwé tìngúwò.
MCONJ-MS-lavar-MCONJ nome
‘que lavem a roupa’.


118

e) àtìhlàzwìwé tìngúwò
MCONJ-MO-lavar-MCONJ nome
‘que se lave a roupa’.

Em 2) foi descrito o modo conjuntivo (MCONJ) em Citshwa. Em todas as formas


verbais, este valor modal é assinalado pelos morfemas à- (tom baixo) e –é (tom alto), que
ocorrem nas posições pré-inicial (1) e final (11), respectivamente.

Todavia, em a), observe-se um constrangimento fonológico, uma vez afixado o morfema


-à-, marca do sujeito (3ps), que cria um hiato, devido ao seu encontro com à-, primeira marca de
conjuntivo:

a. Radical: -hlàzw- ‘lavar’


b. Inserção da MS -àhlàzw- ‘lavar’
c. Inserção da marca de MCONJ ààhlàzwé ‘que ele lave’
d. Apagamento de /a/ da MS àhlàzwé ‘que ele lave’
e. Resultado: àhlàzwé ‘que ele lave’

Os dados acima demonstram a relação entre a Morfologia e a Fonologia Lexical, pois,


ocorre a elisão, um processo que elimina o constrangimento fonológico em face do encontro da
marca de sujeito, -à- com o morfema que expressa a primeira marca de conjuntivo, à-.

Assim, a tabela (17) sistematiza a distribuição dos valores modais em Citshwa:

Modo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Pré- Inici Pós- For Pós- Pós Pré- Radical Pós- Pré- Final
inici al inicial For For rad rad Final
al 1 2

Imper à- - - - - - - - - - - énì
ativo -(ánì)
Conju à- - - - - - - - - - -é
ntivo

Tabela 17: Distribuição dos morfemas modais, nas categorias: imperativo e conjuntivo, na forma
afirmativa.


119

Na tabela (17) foram sistematizados os morfemas que expressam o modo imperativo e


conjuntivo. Tal como se viu, tais morfemas ocupam as mesmas posições com as do tempo e
aspecto.

6.4. Conclusão
Este capítulo pretendia descrever as categorias tempo, aspecto e modo (TAM) em
Citshwa, nas formas afirmativa e negativa. Depois da análise e descrição do tempo, pode-se
concluir que esta categoria é expressa sobretudo pela flexão verbal. O tempo é expresso por
morfemas específicos, distribuídos pelo passado, presente e futuro, e encontram-se aglutinados
ao verbo. Relativamente ao aspecto, este capítulo descreveu as (4) categorias aspectuais:
perfectivo, imperfectivo habitual, imperfectivo pontual, imperfectivo progressivo, tendo-se
concluído que esta língua dispõe de morfemas específicos que assinalam o aspecto e
distribuem-se na estrutura do verbo.

Entretanto, neste estudo, a posição do pós-fomativo subdivide-se em duas,


nomeadamente: pós-formativo 1 e pós-formativo 2. Note-se que no formativo ocorrem os
morfemas temporais e aspectuais. Em face disso, o estudo mostrou a necessidade de se
aumentar mais uma posição, ou seja, a do pós-formativo 2, em que, especificamente, ocorre a
marca do aspecto progressivo, visto que na posição do pós-formativo (1) ocorrem as marcas
dos aspectos pontual e habitual.

Por fim, além do modo indicativo (cf. tempo e aspecto), este capítulo descreveu os modos
imperativo e conjuntivo. Quanto ao primeiro modo, ainda que ocorram nas mesmas posições, o
estudou mostrou que os morfemas que expressam o imperativo variam em função do número e
pessoa. Em relação ao conjuntivo, mostrou-se que em todas formas verbais, este modo é
assinalado pelos mesmos morfemas, que se distribuem na estrutura do verbo.


120

CAPÍTULO VII: Conclusão


No quadro teórico da Morfologia e Fonologia Lexical de Kiparsky (1982, 1985) em que a
análise dos fenómenos morfológicos é condicionada fonologicamente e, à luz da proposta de
Meeussen (1967) que refere que, em bantu, ao verbo, são afixados todos os morfemas
flexionais e derivacionais, o presente trabalho pretende identificar, analisar e descrever a
distribuição dos constituintes tempo, aspecto, modo e polaridade (TAMP) na língua Citshwa.

Durante a revisão de literatura, foram discutidos os principais conceitos no domínio da


fonologia segmental e suprassegmental, bem como da morfologia flexional, com enfoque às
categorias tempo, aspecto, modo e polaridade. Foram, igualmente, apresentadas várias
estruturas do verbo em bantu, nomeadamente, a de Meeussen (1959), Nurse (2008), (Salting,
s/d: 4), Mutaka & Tamanji (2000), Langa (2012) e Childs (2003: 104). Todavia, o estudo
obedeceu às asserções de Mutaka & Tamanji (2000), Nurse (2008) e Langa (2012).

Quanto à metodologia, a pesquisa decorreu na cidade de Maxixe entre 2014-2015, e


socorreu-se da pesquisa qualitativa quanto à abordagem de análise de dados. Adoptou-se a
pesquisa documental, o questionário e a entrevista semi-estruturada durante a recolha de dados.
O trabalho envolveu uma amostra com um total de 70 falantes de Citshwa, tendo sido usadas
variáveis diversificadas como, p. e., idade, sexo, proficiência linguística, etc.

Analisados os dados da fonologia do Citshwa, e, descritas no quadro dos traços


distintivos de Chomsky & Halle (1968), as (5) vogais fonémicas desta língua distribuem-se
dentro das específicas características morfológicas e são, fonologicamente, condicionadas por
vários factores, de entre eles, semivocalização, fusão e elisão. Quanto à harmonia vocálica, em
Citshwa, o carácter primário e/ou secundário da vogal da extensão não depende
exclusivamente da vogal do radical. Além destas vogais, são frequentes vogais longas, embora
se trate de um alongamento não distintivo.

No que diz respeito às consoantes, em Citshwa, a partir dos traços distintivos, foram
descritos os dois principais grupos, a saber: sonorantes e obstruentes. Estes sons sofrem alguns
processos fonológicos e modificações, desde a aspiração, labialização, velarização, nasalização
até à africatização. No âmbito da fonologia suprassegmental, por um lado, o estudo do tom


121

mostrou que esta língua faz o contraste entre o tom alto e tom baixo, distinguindo os
significados de palavras. O tom não só se manifesta nos nomes, como também na estrutura do
verbo, e é contrastivo tanto a nível lexical como gramatical. Por outro lado, a análise da sílaba
permitiu que se concluísse que esta língua apresenta uma estrutura básica do tipo -CV-.

A segunda parte de análise de dados centrou-se no estudo da morfologia flexional. Foi


descrito o tempo nas categorias passado simples, passado composto, presente habitual, presente
pontual e futuro simples, nas formas afirmativa e negativa. Verificou-se que o tempo é
expresso por morfemas específicos que se encontram aglutinados ao verbo. Nesta língua, é o
morfema –ílè- que expressa o passado simples e ocorre na posição final (11). Os dados
mostraram que o Citshwa não exibe o passado remoto, médio e recente, tempos comuns em
bantu. Ficou-se claro, através dos dados que os morfemas que expressam o passado composto
são à-…-ílè-, que ocorrem na posição pré-inicial (1) e final (11), respectivamente. No que
tange ao tempo presente, note-se que o presente pontual é assinalado pelo morfema –ó e ocupa
a posição do pós-formativo 1 (5). O presente habitual é marcado pelo morfema -à-, que,
também, ocorre na mesma posição. Finalmente, o futuro simples é expresso pelo morfema –tà-
que ocupa a posição do formativo (4).

Entretanto, de forma resumida, pode-se concluir que em todos os tempos, a posição pré-
incial (1) é preenchida pela marca da primeira negação –à-. A marca de sujeito ocupa a posição
inicial (2). A posição pós-inicial (3) é ocupada pela segunda marca de negação do passado
composto, -ngà-, que, também, é um dos morfemas dos que expressam a negação do futuro
simples. A posição do formativo (4) é ocupada pelo morfema –tà-, que expressa o futuro
simples na forma afirmativa. A posição (5), do pós-formativo 1 é preenchida pelo morfema –ó-
, que expressa a forma afirmativa do presente pontual e pelo morfema –à-, que assinala a
forma afirmativa do presente habitual. A posição (7), a do pré-radical, corresponde à marca de
objecto. A posição (8) é reservada ao radical. Na posição (10), pré-final, ocorre a terceira
negação, representada pelo morfema –àngí-, ocorrendo, apenas, no passado simples e
composto. A posição (11), final, é constituída pela vogal final, podendo ser os dois alomorfes
do passado simples e composto, -ílè- (-è-).


122

Relativamente ao aspecto, o estudo descreveu as (4) categorias aspectuais,


nomeadamente, perfectivo, imperfectivo habitual, imperfectivo pontual e imperfectivo
progressivo, tendo-se concluído que tais morfemas se distribuem por diversas posições na
estrutura do verbo e, nalguns casos, como é o aspecto perfectivo, a sua posição coincide com a
do passado simples. O aspecto perfectivo ocupa a posição final (11). Enquanto o aspecto
imperfectivo habitual é assinalado pelo morfema –wá-, ocorrendo na posição do pós-formativo
1 (5), o imperfectivo pontual é marcado pelo morfema -wó- e, também, ocupa a mesma
posição. Por fim, o aspecto imperfectivo progressivo ocupa a posição do pós-formativo 2 (6) e
é assinalado pelo morfema –hà-. No entanto, a posição do pós-fomativo subdivide-se em duas:
pós-formativo 1 e pós-formativo 2. O estudo mostrou a necessidade de se aumentar mais uma
posição, ou seja, a do pós-formativo 2, em que, especificamente, ocorre a marca do aspecto
progressivo, visto que na posição do pós-formativo (1) ocorrem as marcas dos aspectos pontual
e habitual.

Constituíram objecto deste estudo os morfemas que expressam o modo em Citshwa. Tais
morfemas ocupam as mesmas posições com as do tempo e aspecto. Além do indicativo,
descrito durante o estudo do tempo e aspecto, verificou-se que os morfemas que expressam o
modo imperativo variam em função do número e pessoa. Nesta língua, pode-se afirmar que não
existem morfemas específicos que distinguem a (3ps) e a (2ps) no modo imperativo. Em
contrapartida, a (2pp) do imperativo é assinalado pelos morfemas à- e -énì, que ocupam as
posições pré-inicial (1) e final (11), respectivamente. Por último, a (3pp) do imperativo é
marcada pelo sufixo –ánì, que, também, ocorre na posição final. Em relação ao conjuntivo, em
todas formas verbais, é assinalado pelos mesmos morfemas, que se distribuem na estrutura do
verbo, nomeadamente, à-…–é, que ocorrem nas posições pré-inicial (1) e final (11),
respectivamente.
123

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129

Apêndices


130

APÊNDICE A

Delegação de Nampula
Faculdade de Ciências de Linguagem, Comunicação e Artes
Mestrado em Linguística Bantu

Vocabulário básico com vista ao estudo da Fonologia do Citshwa

Ortografia Português Transcrição fonética


Padronizada

b’ásà ‘branco’ [šásà]


cíbòtsò ‘cágado’ [cíbòtsò]
cíbòtsò ‘cágado’ [cíbòtsò]
cìkàmbà ‘unha’ [cìkàmbà]
cìkólà ‘escola’ [‘cìkólà]
cìkólwénì ‘na escola’ [cìkól:énì]
cíkòmù ‘enxada’ [cíkòmù]
cìkwáménì ‘na pasta’ [cìk:áménì]
cìmángà ‘gato’ [cìmá1à]
cìmásénì ‘na almofada’ [cìmàsénì]
cítsùngà ‘montanha’ [cítsù1à]
còmélò ‘fermento’ [còmélò]
dzólò ‘joelho’ [dzólò]
fámbà ‘imperativo do verbo andar’ [fá:mbà!]
gqéké ‘pátio/terreno’ [g!éké]
hànsì ‘baixo (em baixo)’ [hàsì]
hìná ‘nós’ [hìná]
jáhà ‘rapaz’ [Îáhà]
kèlé ‘cova’ [kèlé]
kélè ‘sapo’ [kélè]
khálé ‘antigamente’ [k+álé:]
khónà ‘canto da parede’ [k+ónà]
khùmbà ‘porco’ [k+ùmbà]
kòkwánì ‘avó’ [kòk:ánì]


131

kùbìkà ‘cozinhar’ [kùbìkà]


kùbvùn’wálà mergulhar [kùbvùn:álà]
kùbzálà ‘semear’ [kùbzálà]
kùcàdà ‘casar-se’ [kùcàdà]
kùd’áyà ‘matar’ [kùÊájà]
kùfénì ‘na morte’ [kùfénì]
kùgá ‘ideofone/cortar com catana’ [kùgá]
kùgà ‘verbo/comer’ [kùgà]
kùgòndzélà ‘estudar para’ [kùgòdzélà]
kùhàntlísà ‘andar (depressa)’ [kùhàtlísà]
kùhlàmbísà ‘fazer nadar’ [kù¢àmbísà]
kùhlàmùlélà ‘responder por’ [kù¢àmùlélà]
kùhlàyìsíwà ‘ser cuidado’ [kù¢àjìsíwà]
kùkìnísà ‘fazer dançar’ [k`ukìnísà]
kùkúlà ‘crescer’ [kùkúlá]
kùkùmà ‘encontrar’ [kùkù:mà]
kùnwà ‘beber’ [kùn:à]
kùrísè ‘parede’ [kùrísè]
kùt66àpúkà ‘época de florestação’ [kùt6àpúkà]
kùt6àpùkà ‘verbo’ [kùt6àpùkà]
kùtèkà ‘levar’ [kùtèkà]
kùtsàkà ‘ser feliz’ [kùtsàkà]
kùtsàlélà ‘escrever para’ [kùtsàlélà]
kùtsíkà ‘deixar’ [kùtsíkà]
kùtsùtsùmísà ‘fazer correr’ [kùtsùtsùmísà]
kùzwìtívà ‘saber’ [kùÛìtí9à]
kwátì ‘mato’ [k:átì]
kwátínì ‘no mato’ [k:àtínì]
lènìyá ‘além’ [lènìjá:]
lhùlàméthì ‘eucalipto’ [–ùlàmét+ì]
lívàtì ‘na porta’ [lí9àtì]
lívàtínì ‘na porta’ [lí9àtínì]
màkúngò ‘segredo’ [màkú1ò]
màmbà ‘cerimónia tradicional’ [mà:mbà]
màndzíkù ‘amanhã’ [màdzíkù]
màngénì ‘na mangueira’ [mà1énì]


132

màsíkù ‘dias’ [màsíkù]


màvélénì ‘nos seios’ [mà9èlénì]
mbílú ‘coração’ [mbílú]
mbútí ‘cabrito’ [mbútí]
mírínì ‘no corpo’ [mìrínì]
mùbèdwínì ‘na cama’ [mùbèd:ínì]
mùkhòqó ‘beco’ [mùk+ò!ó]
mùpfúmbà ‘hóspede’ [mùpfúmbà]
mùsì ‘fumo’ [mùsì]
músì ‘pau de pilar milho’ [músì]
mùzímbà ‘corpo’ [mùzímbà]
mwànà ‘filho/a’ [m:ànà]
n’sìmwínì ‘na machamba’ [sìm:ínì]
ndlèvé ‘orelha’ [dlè9é]
ndlóvù ‘elefante’ [n/óvù]
ndzìlwénì ‘no lume’ [dzìl:énì]
ngàlávà ‘barco’ [1gàlá9à]
ngóvù ‘muito’ [1ó9ù]
ngwànà ‘cão’ [1:ànà]
ngwényà ‘crocodilo’ [1:é×à]
nhòvù ‘nariz’ [n+òvò]
nkhàtá ‘sangue’ [k+ata]
nkólò ‘pescoço’ [kólò]
nòmwénì ‘na boca’ [nòm:énì]
nqóló ‘carroça’ [1!óló]
nsínyà ‘árvore’ [sí×à]
nsúnà ‘mosquito’ [súnà]
ntímà ‘preto’ [tímà]
ntìrwénì ‘no serviço’ [tìr:énì]
nyámà ‘carne’ [×ámà]
nyèzánì ‘estrela’ [×èzánì]
nyímbà ‘gravidez’ [×ímbà]
nyóxì ‘abelha’ [×ó6ì]
pàpílò ‘carta’ [pàpílò]


133

phàphàtánè ‘borboleta’ [p+àp+àtánì]


phùlùkílè ‘deu à luz’ [p+ùlùkílè]
ríbzè ‘pedra’ [ríbzè]
sàngù ‘esteira’ [sà1ù]
sìvàlì ‘cunhado’ [sì9àlì]
sìkù ‘dia’ [sìkù]
sòkòtì ‘formiga’ [sòkòtì]
tìkwénì ‘na terra’ [tìk:énì]
tìsòkòtì ‘formigas’ [tìsòkòtì]
tòlò ‘ontem’ [tòlò]
vàfánà ‘meninos’ [9àfánà]
vàgùmà ‘conector/ eles depois..’ [9àgùmà]
vèlè ‘grau de milho’ [9èlè]
vélé ‘seio’ [9élé]
vhólò ‘manta’ [vólò]
wákwè ‘pron. dele/a’ [wák:è]
wóyá ‘pêlo’ [wójá]
wùlómbè ‘mel’ [wùlómbè]
wùthápà ‘verde’ [wùt+ápà]
xákà ‘parente’ [6ákà]
xìfúvà ‘peito’ [6ìfú9à]
xìrímè ‘gaguez’ [6ìrímè]
xìrìmè ‘lavrador’ [6ìrìmè]
xjèlérà ‘geleira’ [¥èlérà]
yèná ‘ele/ela’ [jèná]
zwàkúgà ‘comida’ [z:àkúgà]
zwóntlè ‘tudo’ [Ûotlè]


134

APÊNDICE B

Delegação de Nampula
Faculdade de Ciências de Linguagem, Comunicação e Artes
Mestrado em Linguística Bantu

Inventário de palavras com vista ao estudo do tempo/aspecto/modo/polaridade

LINGUA de estudo: Citshwa

Português Citshwa

(hoje) nós estamos a lavar o prato nyàmùtlà hìná hóhlàzwà pàràtù


(hoje) de manhã nós lavámos o prato nyàmùtlà nìmìxò hìná hìhlàzwílè pàràtù
(hoje) de manhã tu chamaste o João nyàmùtlà nìmìxò wèná ùvìtànílè Jùwáwò
(no próximo ano) nós lavaremos o prato lèmbé gìtàkù hìná hìtàhlàzwà pàràtù
(ontem) nós lavámos o prato tòlò hìná hìhlàzwílè pàràtù
(ontem) nós lavámo-lo (o prato) tòlò hìná hìlìhlàzwílè
(ontem) tu foste à escola tòlò wèná ùfàmbílè cíkòlwénì
(hoje) nós estamos a chorar nyàmùtlà hìná hórìlà
(hoje) nós não estamos a chorar nyàmùtlà hìná àhìrìlí
(ontem) tu foste à escola tòlò wèná ùfàmbílè cíkòlwénì
(ontem) nós lavávamos o prato tòlò hìná hìwáhlàzwà màpàràtù
(amanhã) nós choraremos mànzìkù hìná hìtàrìlà
(amanhã) nós não choraremos mànzìkù hìná àhìngàtàrìlà
(hoje) de manhã nós não lavámos o prato nyàmùtlà nìmìxì hìná àhìhlàzwàngí pàràtù
(no próximo ano) nós lavaremo-lo (o prato) lèmbé gìtàkù hìná hìtàlìhlàzwà
(no próximo ano) lavaremos o prato lèmbé gìtàkù hìná hìtàhlàzwà pàràtù
(ontem) nós tínhamos lavado o prato tòlò hìná àhìhlàzwílè pàràtù
(no ano passado) nós não lavámos o prato làmbé gìgàhùndzà hìná àhìhlàzwàngí paratu
(ontem) nós não lavámos o prato tòlò hìná àhìhlàzwàngí paratu
(ontem) nós não o lavámos (o prato) tòlò hìná àhìlìhlàzwàngí
(amanhã) nós não lavaremos o prato mànzìkù hìná àhìngàtàhlàzwà pàràtù
(no próximo ano) nós não lavaremos o prato lèmbé gìtàkù hìná àhìngàtàhlàzwà pàràtù
(no próximo ano) nós não o lavaremos (o prato) lèmbé gìtàkù hìná àhìngàtàlìhlàzwà


135

(ontem) nós não chorámos tòlò hìná àhìrìlàngí


(no ano passado) nós não chorámos lèmbé gìgàhùndzà hìná àhìrìlàngí
(hoje de manhã) nós não chorámos nyàmùtlà nìmìxò hìná àhìrìlàngí
(no ano passado) nós lavámos o prato que o lèmbé gìgàhùndzà hìná hìhlàzwílè pàràtù
Saíde sujara àngàtshàkísà Saide
(ontem) nós não tínhamos lavado o prato tòlò hìná àhìngàhlàzwàngí pàràtù
(amanhã) nós lavaremos o prato mànzìkù hìná hìtàhlàzwà pàràtù
(no ano passado) nós tínhamos chorado. lèmbé gìgàhùndzà hìná àhìrìlílè
(no ano passado) nós não tínhamos chorado. lèmbé gìgàhùndzà hìná àhìngàrìlàngì
(hoje) nós não estamos a lavar o prato nyàmùtlà hìná àhìhlàzwí pàràtù
(hoje) de manhã nós não lavávamos os pratos nyàmùtlà nìmìxò hìná hìwahlàzwà màpàràtù
(habitualmente)
(no ano passado) nós estudávamos muito lèmbé gìgàhùndzà hìná hìwógòndzà ngóvù
(ontem) nós lavávamos os pratos tòlò hìná hìwóhlàzwà màpàràtù
(pontualmente)
(hoje) de manhã nós não lavávamos os pratos
nyàmùtlà nìmìxò hìná hìwóhlàzwà
(pontualmente) màpàràtù
(ontem) nós estávamos lavando os pratos tòlò hìná hìwáhàhlàzwà màpàràtù
(hoje) de manhã nós estávamos lavando os nyàmùtlà nìmìxò hìná hìwáhàhlàzwà
pratos màpàràtù
O carro pára e dele sai uma mulher linda móvhà wónyímà, hìkàwònà kùhùmà wàsàtì
wósàsékà
Eu faço isso sempre mìná ndzìmàhà lézwì kámá ní kámá
Eu não faço isso sempre mìná àndzìmàhí lézwì kámá ní kámá
Ele chegou com uma carroça yèná àtchìkélè nì nqóló
O carro não pára móvhà àwùnyimí
Nós lavamos a parede hìná hìhlàzwà kùrìsè
Nós não lavamos a parede hìná àhìhlàzwí kùrìsè
Ele construiu uma barraca (casa) yènà àmàhílè yíndlù
Eu sentei-me na cadeira mìná ndzìtsàmílè cítùlwínì
Eu trancava as portas (habitualmente) mìná ndzìwákhòtsà tìvátì
Eu trancava as portas (pontualmente) mìná ndzìwókhòtsà tìvátì
Eu estava trancando as portas mìná ndzìwáhàkhòtsà tìvátì
O menino estava dançando mùfánà ìwáhàkìnà
O menino dançava enquanto o João escrevia mùfánà ìwákìnà kúvè Jùwáwò ìwátsàlà
uma carta (habitualmente) pàpílù
O menino dançava enquanto o João escrevia mùfánà ìwókìnà kúvè Jùwáwò ìwátsàlà
uma carta (pontualmente) pàpílù


136

(No ano passado) nós estudávamos muito lèmbé gìgàhùndzà hìná hìwágòndzà ngóvù
(habitualmente)
Nós estávamos estudando hìná hìwáhàgòndzà
Nós estudávamos muito (habitualmente) hìná hìwágòndzà ngóvù
Nós estudávamos muito (pontualmente) hìná hìwógòndzà ngóvù
Nós vimos um filme hìná hìwònílè bhúkà-bhúkà
Nos víamos um filme hìná hìwàwònà bhúkà-bhúkà
Nós vemos um filme hìná hàwònà bhúkà-bhúkà
Nós o vimos (filme) hìná hìlìwònílè
Nós estamos a ver um filme hìná hòwònà bhúkà-bhúkà
Quando tu chegaste nós tínhamos visto um nkámá ùngàtchìkélà àhìwònílè bhúkà-bhúkà
filme
Quando tu chegaste nós não tínhamos visto um nkámá ùngàtchìkélà àhìngàwònàngí bhúkà-
filme bhúkà
Ele construía uma barraca (casa) yèná ìwáyàkà yíndlù
(habitualmente)
Ele construía uma barraca (casa) yèná ìwóyàkà yíndlù
(pontualmente)
Ele faz uma barraca (casa) yèná wàmàhà yíndlù
Ele não faz uma barraca (casa) yèná àngàmàhí yíndlù
Ele está a fazer uma barraca (casa) yèná wómàhá yíndlù
Ele não está a fazer uma barraca (casa) yèná àngàmàhí yíndlù
Ele estava construindo uma barraca (casa) yèná ìwáhàyàkà yíndlù

(Verbo lavar: modo indicativo, nas formas afirmativa e negativa)


Presente
Eu lavo a roupa: mìná ndzàhlàzwà tìngùwò
Eu não lavo a roupa: mìná àndzìhlàzwí tìngùwò
Tu lavas a roupa: wèná wàhlàzwà tìngùwò
Tu não lavas a roupa: wèná àwùhlàzwí tìngùwò
Ele/ela lava a roupa: yèná àhlàzwà tìngùwò
Ele/ela não lava a roupa: yèná àngàhlàzwì tìngùwò
Nós lavamos a roupa: hìná hàhlàzwà tìngùwò
Nos não lavamos a roupa: hìná àhìhlàzwì tìngùwò
Eles/elas lavam a roupa: vòná vàhlàzwà tìngùwò
Eles/elas não lavam a roupa: vòná àvàhlàzwí tìngùwò

Passado (pretérito perfeito)


137

Eu lavei a roupa: mìná ndzìhlàzwílè tìngúwò


Eu não lavei a roupa: mìná ndzìhlàzwàngí tìngúwò
Tu lavaste a roupa: wèná wùhlàzwílè tìngùwò
Tu não lavaste a roupa: wèná àwùhlàzwàngí tìngùwò
Ele/ela lavou a roupa: yèná àhlàzwílè tìngùwò
Ele/ela não lavou a roupa: yèná àngàhlàzwàngí tìngùwò
Nós lavámos a roupa: hìná hìhlàzwílè tìngúwò
Nos não lavámos a roupa: hìná àhìhlàzwángì tìngúwò
Eles/elas lavaram a roupa: vòná vàhlàzwílè tìngúwò
Eles/elas não lavaram a roupa: vòná àvàhlàzwángì tìngúwò

(Pretérito mais-que-perfeito)
Eu lavara a roupa: mìná ndzìwàhlàzwílè tìngúwò
Tu lavaras a roupa: wèná wùwàhlàzwílè tìngúwò
Ele/ela lavara a roupa: yèná àwàhlàzwílè tìngúwò
Nós laváramos a roupa: hìná hìwàhlàzwílè tìngúwò
Eles/elas lavaram a roupa: vòná vàwàhlàzwílè tìngúwò

Futuro
Eu lavarei a roupa: mìná ndzìtàhlàzwà tìngùwò
Eu não lavarei a roupa: mìná àndzìngàtàhlàzwà tìngùwò
Tu lavarás a roupa: wèná wùtàhlàzwà tìngúwò
Tu não lavarás a roupa: wèná àwùngàtàhlàzwà tìngúwò
Ele/ela lavará a roupa: yèná àtàhlàzwà tìngúwò
Ele/ela não lavará a roupa: yèná àngàtàhlàzwà tìngúwò
Nós lavaremos a roupa: hìná hìtàhlàzwà tìngúwò
Eles/elas lavarão a roupa: vòná vàtàhlàzwà tìngúwò
Eles/elas não lavarão a roupa: àvàngàtàhlàzwà tìngúwò

Modo conjuntivo/Imperativo (verbo lavar)


Que ele lave a roupa: ààhlàzwé tìngúwò.
Que tu laves a roupa: àwùhlàzwé tìngúwò.
Que lavemos a roupa: àhìhlàzwé tìngúwò
Que lavem a roupa: àvàhlàzwé tìngúwò.
Que se lave a roupa: àtìhlàzwìwé tìngúwò
Lave a roupa! (você) hlàzwà tìngúwò!


138

Lava a roupa! (tu) hlàzwà tìngúwò!


Lavemos a roupa! àhìhlàzwénì tìngúwò!
Lavem a roupa! hlàzwànì tìngúwò!

Alguns locativos
Na escola: cìkòlwénì
Na machamba: nsìmwínì
No corpo: mìrínì
Na terra: tìkwénì
No serviço: ntìrwénì
Na mangueira: màngénì
Na morte: kùfénì
Na boca: nòmwénì
Na pasta: cìkwàménì
No mato: kwàtínì
No choro: kùrìlénì
Nos seios: màvèlénì
No lume: ndzìlwénì
Na porta: lìvatínì
Na cama: mùbèdwínì
Na almofada: cimaseni

Algumas extensões verbais


Estudar para…kùgòndzélà
Matar para…kùd’àyélà
Escrever para…kutsalela
Responder para…kùhlàmùlélà
Caçar para…kùhlòtélà
Fazer correr…kùtsùtsùmísà
Fazer dançar…kùkìnísà
Fazer nadar…kùhlàmbísà

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