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15.16. Parede direita da Capela Brancaci, com frescos de Masaccio.

Masolino e Filippino Lipp


Santa Maria del Carmine, Florença

tello e Masaccio impressionou protundamente os Visitantes

A DIVULGAÇÃO DO ESTILO FLORENTINO de outras cidades, tanto pela sua força como pela sua autoridade

1425-1450 de estilo. As viagens dos patronos e dos artistas levaram o novo

trabalhos estilo florentino a outras cidades de Itália, como as cidades vizinhas


A construção da cúpula da Catedral de Florença, os em

de Pisa e Siena, onde começaram a surgir encomendas para obras


remodelação transfor-
San Michele capelas
e as n u m e r o s a s em

maram Florença num atraente estaleiro de artistas no segundo de Masaccio e Donatello; em breve surgiram outras solicitações
em centros artísticos mais distantes, como Pádua e Roma.
quartel do século xv. O trabalho inovador de Brunelleschi, Dona-

Tribut0. 1+25. Fresco. 1,87 x 1,57 m. Capela Brancacci


Pagamento do
ca.
15.17. Masaccio. )

CAPITULO 15 O PRIMEIRO RENASCIMENTO NA ITÁLIA DO SECULO XV 535


acqui transformados em tocadores de alaúde, sentados no
mais baixo do
degrau
trono. As
roupagens da Virgem já não cacm em
Aracioso drapcado, mas envolvem uma figura fortemente mode-
lada ao jcito do S. Marcos de Donatcllo, e o Menino
deixou de
nos abençoar e cacho de uvas, cm alusão ao
come um
vinho e
o sacramento daEucaristia. Acima de tudo, a imponência
das
proporçöes torna as duas figuras muito mais poderosasc impres
sionantes do quc as próprias figuras de CGiotto. O
Cristo-Menino
é uma criança convincentemente hunana. A luz da arquitectura
representada no fresco da Trindade, não surpreende que Masac-
cio substitua o trono gótico ornamentado, mas frágil, de Giotto,
por um assento sólido e de linhas simples, ao estilo de Brunel
leschi, nem que exiba um tal apuro técnico no uso da perspectiva
(de notar, em especial, os dois alaúdes).

15.18. Masaccio. A Expulsão do Paraíso. ca. 1425.


Fresco. 214 90 cm. Capela Brancacci

Pisa
Pouco resta das pinturas de Masaccio em Roma; porém, não foi
esta a única cidade em que o pintor florentino trabalhou, fora
de Florença. Em Pisa, uma cidade toscana dos arredores de
Florença, Masaccio concluiu em 1426 um retábulo composto por
vários painéis (um políptico) para uma capela na igreja dos
Carmelitas. Os painéis sobreviventes encontram-se hoje disper-
sos por várias colecções, sendo que o central representa uma
Nossa Senhora Entronizada (fig. 15.19), uma composição monu-
mental florentina, inaugurada por Cimabue e reformulada por
Giotto (ver figs. 13.17 e 13.18). Tal como já havia feito em pin-
turas anteriores, Masaccio inclui um fundo dourado e um trono
I5.19. Masaccio. Nossu Senhora com o Menino em Mujestade
de espaldar alto, ladeado de anjos (aqui só aparecem dois). Ape ca. 1426. Tèmpera sobre maleira, 135 x 73 cm. T'he National
sar destes elementos tradicionais, o painel é revolucionário em Conselho
Londres. Reprodução gentilmente cedida pelo
Gallery,
vários aspectos. Os anjos ajoelhados da Madonna ede CGiotto foram de Administração

536 PARTE | | | Do RENASCIMENTO AO Rococó


pictórico não termina no painel, mas continua em todas as

dirccçõcs. Assim, moldura transforma-se numa


a janela. através
da qual se pode ver uma secção de espaço, que se vai aprofun-
dando. As arcadas no interior do painel são novas molduras
dentro da moldura principal. que atraem oolhar do observador
para o fundo do painel.
Esta arquitectura, com os seus arcos de volta perfeita, retlecte
OS traçados de Filippo Brunelleschi. Com efeito, A Festa de
Herodes é um exemplo de espaço pictórico construído segundo
as regras da perspectiva linear de Brunelleschi. Uma série de
arcos, dispostos a profundidades diterentes, enquadra as várias
figuras e os diferentes momentos que compõem o episódio0
biblico: ao fundo, vemos um serviçal que entra, transportando
a cabeça de S. João Baptista, que é apresentada a Herodes em
primeiro plano. Donatello utilizou a perspectiva para poder
como uma narrativa continua, que se desen-
organizar a acção
rola simultaneamente no espaçO e no tempo.

Pádua
Os sucessos de Donatello na Toscânia levaram a que surgisse uma
encomenda da República de Veneza em 1443. Por ocasi o da
morte do comandante dos exércitos venezianos, Erasmo da Narni
(alcunhado "Gattamelata"), Veneza quis homenageá-lo com uma
I5.20. Donatello. O Festim de Herodes. ca. 1425. Bronze dourado,
quadrado com 59,7 cm de lado. Pia baptismal, Catedral de Sena estátua. Com esse fim, Donatello produziu a sua maior estátua
autónoma em bronze, o Monumento Equestre a Gattamelata
(fig. 15.21), que ainda pode ser visto na sua localização original,
sobre um alto pedestal ao lado da Igreja de S. António, em Pádua.
Acrescem a estes elementos a delicadeza e a precisão com Quando visitou Roma, Donatello decerto se familiarizou com a
que a luz incide sobre as superficies. No interior do quadro, a tradição clássica romana das estátuas equestres exemplificada
luz do sol entra pela esquerda, num suave brilho crepuscular. pela de Marco Aurélio (fig. 7.23), mas, para além disso, ele também
Foram evitados os contrastes bruscos entre a luz e a sombra; ao estava a par da tradição artística medieval, patente no monumento
invés, o uso das meias sombras resultou numa rica paleta de de Bernabò Visconti, em Milão (fig. 13.36). Tal como a estátua
tonalidades intermédias. A luz ilumina as formas sem eliminar de Marco Aurélio, a de Gattamelata tem uma escala monumental
as linhas de contorno fazendo com que as pinturas pareçam e cria uma impressão de equilibrioe dignidade. O cavalo. de
esculturas. Masaccio não tinha mais de 25 anos quando execu- aparência robusta, adequado ao peso de um homem vestido com
tou esta pintura e a sua morte prematura, três anos mais tarde, armadura completa, é tão grande que o cavaleiro é obrigado a
elo interromper a orientação revolucionária que a sua pintura dominá-lo pela força da sua personalidade, e não pelo seu tama-
nho. Como o monumento de Visconti, esta estátua pertence
parecia tomar. a
uma tradição que representa lideres militares a cavalo como
funerários. Neste vivo retrato de um
Siena monumentos
Donatello revitaliza a tradição pela atenção
general,
Outras localidades toscanas mostravam
interesse pelos artistas
consagrada aos por
menores realistas da armadura e dos arreios e
Tlorentinos, o que se retlectiu em novas encomendas. Em l+l6, pela impressionante
Lorenzo Ghiberti reuniu um grupo de artistas para a execução caracterização do rosto de Gattamelata.
Siena. Um dos
Baptistério de São João,
em
de uma pia para o
atribuído a
lados do recipiente hexagonal foi FLORENÇA NA ÉPOCA DOS MEDICI,
aineis para os concluiu
onatello, que já trabalhara na oficina de Ghiberti, que 1430-1494
15.20). Este relevo em
resta de Herodes, por volta de 1425 (fig. no acabamento das Os Medici governarama cidade de
TOnze
posui o mesmno requinte
dourado Florença de 1434 a 1494.
uperticies dos painéis de Ghiberti (fig. 15.1),
embora a cena seja Ao longo de quatro gerações, os homens da fan1ília foram
n i t o mais expressiva. O fulcro do drama-0 carrasco apresen- indissociáveis do governo e da vida económica da cidade e as
foi afastado para mulheres contribuíram para a vida social
andoa Herodes a cabeça de S. João Baptista- da familia assentou
e
religiosa. A fortuna
csquerda, enquanto dança de Salomé e grande parte dos no comérCIO e na banca,
a argúca das e na

Pectadores ficaram concentrados à direita.


Donatello abriu, alianças politicas que firmaram em Florença como em outras
impacto da visão cidades italianas. Banqueiros do
Centro, um espaço vazio para
intensific:ar o
Papa, os Medici lideraram o

dos gestos e expressöes das


10ra e
testemunhas. Para além partido papal tlorentino, transformando-se, com o passar do
o
espaço tempo, de fucto nos verdadeiros governantes da cidade.
O n o v i m e n t o centrífugo das figuras sugere que

CAPITULo 15 O PRIMEIRO RENASCIMENTO NA ITÁLIA Do SECULO XV 537


"

I5.21 Donatello. Monumento Equestre ao Gattamelata. 1445-1450. Bronze, aprox. 3,35 x 3,96 m.
Piazza del Santo, Pádua

A riqueza da família fora consolidada pelos investimentos


influenciaram
de CGiovanni di Bicci de'Medici (1360-1429). Cosme, o filho
profundamente jovens escultores como LUC
della Robbia, Bernardo Rossellino, António Pollaiulo e Andrea
(1389-1464), cxilado em 1433 na sequência de disputas entre del Verrocchio. As
igrejas e as comunidades religiosas adqu
facções, na década de 1430, regressara à cidade em 1434, após o riram pinturas para altares ou simplesmente para as paredes
triunfo do seu partido, para liderar o governo. Os seus filhos dos templos, encomendadas aos seguidores do classicismo e
Picro (1416-1469) e CGiovanni seguiram o exemplo do pai; o filho
naturalismo de Masaccio e da elegância de Gentile da
de Piero, ILorenzo, chamado "O Magnífico" (1449-1492), veio a For outro lado, os clientes ricos e com interesses cultural
Fabriane
tornar-se numa das personalidades mais celebradas e bem rela- ra a
motivaram os artistas conceber formas temas
cionadas do seu século. Para além de criar laços com outras
a novas e
pa
pintura e para a escultura.
famílias importantes de Florença, os Mcdici apoiaram as ino-
vações na cducação e na literatura introduzidas pelos
Escultura e Escultura Monumental
humanistas florentinos, e recorreram com frequência a obras AS
éro
portas de bronze que Ghiberti executou para o Bapt
de arte para cxpressar o scu estatuto político c social. de
Florença impressionaram de tal maneira a Guilda queMerhe
Outras famílias houve que se aliaram aos Medici, ou com
cadores de Lanifícios, administradores do
eles rivalizaram, no comércio, na política e nas artes. Durante editicio, Os traha-

cncomendaram a execução de um segundo conjunto.


este tempo, a cidade continuou a encomendar grandes projec- Ihos de execução,
a p e n a s t o r a m o n c l u i d o s

tos artísticos e foi, durante o período de domínio dos Medici, começados


em 1425,
tal do
1452, portas foram instaladas na entrada oda
em e as
as inovações artistiCas e os novos temas
que se desenvolveram Baptistério, de frente a Catedral, na
área chat
artísticos introduzidos no início do século xv. A arquitectura para P o r t u s ed oP a n a i o

Paraiso" pelo que ficaram conhecidas co paunéis,em

florentina foi dominada pelas formas de Brunelleschi e pelas


(ig 1).22). As duas portas contêm cinco grau irca
ideias e descnhos de Leon B:attista Alberti. Os escultores da Singelas molduras quadradas, cada uma ccriando un
primeira parte do século, incluindo Ghibertie Donatello, superor a cada um dos 28 painéis que integl

DO RENASCIMENTo AO ROCoCó
538 PARTE 1
dsaú (fig. 15.23), que usam
espaços
a accão, chcgando a citar (ihiberti na semclhantes para situar
da Virgem. Depois da morte de figura da criada, à direita A ARTE NO SEUTEMPO
eo prestígio de Donatello e de
Masaccio, a
idade, a
cxpericncia
Ghiberti conferiram-lhes ca.1420-1460 David, de Donatello
autoridade sem rival entre os
pintores activos dessa
uma 1452 AIberti conclui os Dez Livros
de Arquitectura
inthência ca dos
mcst res flamengos A
sobre
poca. sua 1469 Lorenzo de' Medici ascende ao
poder em Florença,
Filippo tiveram grande a
pintura de Fra no auge do Renascimento

na segunda metade do
conseiëncia ara a
pintura florentina 1478 Fracasso da conspiração dos Pazzi
s culo. para assassinar
Lorenzo de' Medici
ca. 1485 O
A BATALHA DE SAN
ROMANO, UCELLO E
Nascimento de
Vénus, de Botticelli
a mesma famíla
quc encomendou tondo provável que
de o
tenha encomendado um outro Filippo Lippi
conjunto de flandres
pender nas paredes, com uma história pinturas para sus-
florentino Paolo Uccello (1397-1475) fascinante. O artista
Romano (fig. 15.40), um dos tres pintou a Batalha de San
batalha entre as cidades de painéis que representam a
e de Florença Lucca, cm 1432,
contactos com o Norte da Europa, motivados por intercâmbios
que a vitória florentirna contr1buiu cm
diplomáticos pelos negócios e da banca. Os
de Cosimo de' Medici. Na para a
consolidação do poder Bruges enviaram várias obras de arte para Florença, conforme
seus
agentes de
pintura de Ucello as forças florentinas
investem contra os
inimigos, lideradas pelo aliado de Cosimo, atestam os inventrios,
seguindo o exemplo de muitas familias
Nicold da Tolentino, ao
centro, montado dominantes em Itália, já que arte
num cavalo branco flamenga era muito admi-
a

ebrandindo um bast o de
general. Pensou-se inicialmente que rada em lugares tão
díspares como Nápoles, Veneza. Ferrara
esta séric de e Milão. Estas
pinturas se encontrava no quarto de Lorenzo aquisições rechearam o palácio dos Medici de
de'Medici, poruma
descrição de 1492. Todavia, painéis pintados de tapeçarias do Norte da Europa,
e

recentes identificaram verdadeiro comitente: Lionardo


o seu
investigações influenciaram
que
profundamente artistas florentinos como Ucello,
Bartolini Salimbeni, membro do Filippo Lippi, Ghirlandaio e jovem Sandro Botticelli.
conselho de Florença à o
da batalha,
que as encomendou para a sua época Boticelli (1445-1510), que recebera
residência na cidade, formação de Verrocchio,
por volta de 1438. Depois da sua tornou-se um dos
pintores preferidos do círculo dos Medici
morte, Lorenzo de'Medici -

o
tentou
adquiri-las e, tendo falhado, conseguiu as grupo de nobres, poetas e eruditos que rodeavam
Lorenzo,
força. Os filhos do pinturas pela Magnífico, chefe da família e, para todos os efeitos,
o

primeiro proprietário tentaram reavê-las aquele que


com um
processo judicial. Estas circunstâncias governou cidade de 1469 a 1492. E
a

comprovam a provável que a Primavera


importância que estas pinturas tinham para as duas (fig. 15.41)tenha sido pintada para um
famílias. se deveu a Lorenzo
primo, cuja educação
Mais do que a violência da de Medici, o Magnífico. Esta pintura, para
um eteito
guerra, a de Ucello pintura cria além de duas outras sobre o tema
cerimonial, em
que homens e cavalos marcham do amor, teriam, assim, sido
através de encomendadas para
grelha formada por armas abandonadas
uma
e
o casamento do jovem
patrono, que teve
pedaços de armaduras, objectos que formam as lugar em 1482, data
geralmente atribuída à
ortogonais de A pintura.
um
esquema em perspectiva que inclui o corpo de um soldado imagem suscitou, desde sempre, numerosas
caído em combate. Uma A
pintura representa Vénus no seu bosque interpretações.
espessa linha de arbustos delimita este
voando sobre a sua cabeça, tendo sagrado, com Eros
primeiro plano, para além do qual surge uma
Graças e, à esquerda, Hermes (o deuscompanheiras
e
por as Três
eleva
paisagem que se
no
plano pictórico, em vez de se
perder no horizonte. A direita, Zéfiro
romano Mercúrio).
Opadrão da superficie é reforçado por pontos brilhantes de rapta a ninfa Clóris e transforma-a em
deusa das flores. Uma das Flora,
cor e
pelo abundante do ouro, que teria sido ainda mais
uso
com os escritos do
interpretações relaciona a Primaveru
brilhante devido a algumas superficies filósofo ncoplatónico Marsilio
originais em folha de (1433-1499), muito lido e Ficino
prata, hoje oxidadas. O esplendor destas superficies recorda-nos apreciadona corte dos Medici.
as
pinturas de Gentile da Fabriano (ver fig. 15.12). Para além Segundo interpretação, pintura seria uma alegoria do
esta a

disso, a obra de Ucello é profundamente devedora do estilo


amor
platónico entre dois amigos: Mercúrio, que indica o
caminho para o amor divino, nos céus; Vénus, nascida das Três
Gótico Internacional, da exuberância e da sumptuosidade dos
Seus materiais e da
Graças, que simboliza a beleza. O contraste é dado
observação da natureza, a que se acrescen físico, pelo amor
TOu a
representação em perspectiva das formas e do espaço.
representado por Flora, que Zéfiro violara. Leituras
diferentes da Primavera consideram-na
imortalidade da alma alegoria sobre a
uma

AS PINTURAS DO PALÁCIo DOS MEDICI: BOTTICELLI (estabelecendo


paralelo um
entre his- a
tória de Clóris
Para além de
e o
Rapto de Perséfone) ou uma alegoria em
adquirirem em Florença pinturas por encomenda, a Vénus é que
Compra ou mesmo pela força, os Medici mantiveram inúmeros comparada com Maria e as demais personagens às
figuras crist s que compõem o
Juízo Final. Porénm, sabendo

CAPITULO I5 O PRIMEIRO RENASCIMENTO NA ITALIA DO sECULO Xv 553


FEstes seres etéreos forain modelados a partir de cxemplos
que pintura toi executada por ocasi o de u m
a jode casamento,
da Antiguidade. A figura de Vénus de Botticelli é uma variante
ser apenas a celebração de um casamentoe
da fertilidade, como
da Afrodite de Cnido, de Praxíteles (ver fig. 5.60). O próprio
sugerem a densidade e a espcssura do bosque de laranjeiras e
tema parcce relacionado como Hino a Afrodite, de Homero,
cada
do tapcte de tlores. A pintura suseita várias leituras, e unna

forma: "Cantarei as tuas graças, bela Afro-


delas depende do püblico que a contempla. que começa desta
dite... a quem Chipre obedece, essa terra de flores cintada por
Uma outra frequentemente par com a Prmavea
obra faz
brisa te levaram
famosa de Botticelli, para ondc Zéfiro gentil suave e doce cm
na imaginação do público: é a pintura mais
mar,
ondas. Horae, trajada de recebeu-a c ouro,
o Nascimento de Vénus (fig. 15.42). Também ela esteve exposta espuma, sobre as

vestiu-a com roupas divinas. Ainda assim, nenhuma das fon-


na villa dos Medici, cmbora tenha provavelmente sido pintada
também
tes literárias ajuda a explicar a concepção pictórica, que talvez
varios anos depois da Primavera. Nesta pintur:a, Vénus de Ovídio e de Poliziano,
a figura central da composição, flutuando suavemente cm seja, em parte, devedora da poesia
como Botticclli, era
membro do círculo dos Medici, ou
à margem, onde é recebida por uma nmulher florida, que,
direcção
a vai envolver n u m manto salpicado de flores. A deusa ainda do pensamento de Marsilio Ficino. Entre os Neo
que
levada pelo sopro de Zéfiro, acompanhado por Clóris (Flora). -Platónicos, Vénus tomou duas formas, u m a celestial e a outra

Ao contrário da Primavera, o espaço atrás das figuras parece mundana; a primeira era considerada fonte do amor divino, a

abrir-se em direcção ao horizonte, onde o sol ea água criam segunda, do a m o r carnal. O Nascimento de Vénus poderá ser

tonalidades suaves e de grande freseura. As figuras, no entanto, uma alegoria da origem da Vénus celestial destinada a um

são de um modelado superficial e a ênfase foi dada aos contor público sintonizado com a simbologia do Neoplatonismo.
A clegância das formas e o requinte no acabamento da pintura,
nos. produzindo um efeito de pouco relevo e não de formas
sólidas e tridimensionais. Os corpos parecem despojados de peso, combinados com a escolha de um tema erudito, exemplificam
chão. o gosto da corte dos Medici.
pelo que parecem flutuar, mesmo quando tocam o

I5.41. Sandro Botuticelli. Primavera. 1482.


ca.
Tempera sobre madeira, 2.03 x 3,15 m. Galeria dos Utfizi, Florença

554 PARTE 11
DORENASCIMENTo AO Rococó
I542. Sandro Botticelli. 0 Nascimento de Vénus. ca. 485. Témpera sobre madeira. 1,5 x 2.8 m.
Galeria dos Uffizi, Florença

Retrato (1449-1494) incluiu retratos de vários membros da família Tor-


Ocrescente interesse pelos temas seculares da arte do Renasci- nabuoni. que patrocinou o ciclo, em pontos muito vísiveis na
mento é patente nas cenas históricas, nas representações de pintura. No Nascimento da Virgem (fig. 15.43), Ghirlandaio
acontecimentos da época ou de mitos da Antiguidade. Aumen- recorre a perspectiva para construir uma imagem, semelhante
tou também a procura de um outro género pictórico, o retrato. a uma casa de bonecas, de uma alcova profusamente decorada.
Para além das representações dinásticas de reis, ou de monu- em que Santa Ana observa as parteiras enquanto elas lavam a
mentos erigidos a heróis de guerra, a segunda metade do Virgem recém-nascida. A sala é ornamentada com pilastras e
seculo xv assistiu à divulgação do retrato de mercadores, noivas painéis decorados e um friso de putti (meninos) que, evocando
e dos próprios artistas. as obras de Donatello e Luca della Robbia, parecem celebrar
O desejo de um registo pessoal que fosse verosímil nasce de feliz nascimento. Algumas das inscrições sob triso
o o
elogiam
uma consciência individual cada vez maior e do estudo da arte o nascimento da Mäe de Deus, enquanto outras identiticam o
romana, em que os retratos abundam. Já era conhecida a prática pintor (o nome de família de Ghirlandaio era Bigordi, mas como
de retratar os doadores em pinturas devocionais, como na San- o pai fabricava grinaldas, ou ghirlandi, o filho ficou conhecido
ISstma Trindade, de Masaccio (fig. 15.14), em monumentos pelo epiteto do pai). Durante as décadas de 1480 e de 1490 a sua
TUnerários, como o túmulo de Bruni (fig. 15.26) e nas homena- oficina foi uma das mais produtivas de Florença, e nela o jovem
ens a figuras públicas, como o Gartamelata, de Donatello (fig. Miguel Angelo aprenderia as técnicas da pintura a freseo.
D.1, mas o retrato viria conhecer novas formas ainda durante Ghirlandaio introduz, na narrativa sagrada, personagens
o século xv.
suas contemporäneas, a quem contere maior destaque do que
às figuras históricas: um grupo de mulheres, de ricos trajes e
d
Tctrato
arte
de doador, que desfrutava de uma longa história
taliana iniciada na
época paleocrist , ganhou nova poses recatadas, são testemunhas do nascimento da lirgem.
POCminëncia durante este século. Num ciclo de trescos em A jovem de pertil, ao centro, é a filha do pitrono, Ludovica
Danta Maria Tornabuoni. A mulher alta demantoazul éLucrezia Tornabuoni.
Novella, o pintor florentino Domenico Ghirlandaio

CAPITULO I5 O PRIMEIRO RENASCIMENTO NA ITÁLIA DO SECULO XV 555


1485-1490. Fresco. Capella Maggiore,
Domenico Ghirlandaio. Nascimento da Virgem. ca.

5.45.
Santa Maria Novella, Florença

aliança com o partido dirigente. Os próprios Medici fizeram


membro dos Medici (Lorenzo de'Medici
que casara com um
várias encomendas de retratos,
destinadas à decoração dos seus
era seu filho). Como demonstra este Nascimento da Virgem,
o retrato-busto,
retratista consumado e um excelente con- palácios para ofertas a amigos, privilegiando
e
Ghirlandaio era um
de estabele-
tador de histórias. A sua escolha em retratar Ludovica de pertil uma escultura à altura do ombro, mais susceptível
entre esta poderosa família
florentina
dos patronos italianos de cer a desejada comparação
corresponde ao gosto dos artistas e
bustos
da numismática romana, e as tamílias romanas, possuíam grande número de
que
meados do século que fora adoptado os bustos flo-
Por dos antepassados (ver fig. 7.13). No entanto,
sempre retratados de perfil.
seus
que os imperadores
eram
em eram
rentinos homenageavam os vivos, não os defuntos,
seu jovem colega Botticelli come-
volta de 1480, Ghirlandaio e o
dos
prática esculpidos em mármore, bronze ou terracota por alguns
a usar a v1são a três quartos do modelo, que
çaram
escultores de maior renome do seu século. Por volta de 1480.
às outras ot1c1nas.
alastrou rapidamente
individuais mais comoventes de Ghirlan- Andrea del Verrocchio (ou a oficina) executou um desses
sua
Um dos retratos
o
Lorenzo de' Medici (fig. 15.45). A imagem capta
pintura chamada Um Velho e Uma Criança (fig. 15.44),
bustos para
daio é a

dos pormenores idiossin- Seu retrato, mas a fixidez do olhar e a boca, de cantos repuxados,
geralmente datada de 1480. Apesar dao-Ihe uma intensidade que pretende expressar a sua person
do velho, de nariz desfigurado pela rosácea
cráticos do rosto
lidade. Lorenzo era muito jovem para assumir a liderança
(uma doença de pele), não temos qualquer intormação sobre
Tacçao política dominante, e o busto retrata-o com a dignida
modelos nem sobre a relaç o entre eles. A familiaridade do
os
seu abraço sugere tratar-se da representação de duas gerações e a seriedade de um ancião romano, de forma a compesa

continuidade sua juventude.


de uma família; se assim for, a pintura representa a
d1ta.
modo corte
da linhagem. Ainda que sejam algum
as texturas de Lorenzo,Magnífico, estava rodeado por uma
O
filó-
e a composição obedeça a um csquema geométrico Culta e ambiciosa, e ele foi mecenas de vários humanistas,
generalizadas
atenção dada pormenores retlecte o conhecimento
aos Soros, poetas e artistas, incluindo o jovem Miguel Ange
simples, a em

da pintura flamenga. Também a janela, que Contudo, esta corte brilhante não sobreviveu à sua mo
que o pintor tem
de diplo
1492. O seu herdeiro, Piero de' Medici, s e m o s dotes
irrompe pelo plano pictôricopara nos dar a visão de uma
comum na pintura do Norte da macia do
pasaigem, convenção
era u m a seu
progenitor, teve de fazer frente exércitos

Europa (ver O Retrato de Martin van Niewenhove, de Hans instabilidade económica (o banco faliu em I471) c *
destas

Memling, fig. 14.23). O grande contributo desta pintura, porém, invasores franceses e espanhóis. A sua inépcia na g
f. que
é a visão a tres quartos do rosto humano, usada na Flandres crises acendeu uma revolta civil em Florença en ern
o govern
desde os anos vinte desse século. derrubou a facção dos Medici e procurou restaura eitado
Familias proeminentes, como os Tornabuoni, incluíam republicano. O vazio de poder foi, por uns tempod.
retratos da família Medici nas suas enconendas como prova da ue atacou
pelo frade dominicano Girolamo Savonarola. q

556 PARTE 1I DO RENASCIMENTO AO Rococó


cstilo indiviclual
que conheceu un
bon acolhimento cm vár1As
cortes italianas. O arquitecto humanista florentino Leão
e o

Battista Alberti desenhou


importantes cedificios no norte da
Ttália, com destacquue para o do
Marqués de Mántua, que á
reqiisitara também os serviços do pintor-areJucólogo Andrea
Mantegna. A cidacde de Vencza encomendou grandes projccteos
a artistas florentinos Andrea del Verrocchio, mas aqui as
como

tradiçõcs locais de arquitectura e pintura permancceram fortes


epintores venezianos como Giovanni Bellini desenvolveram
uma inluente cscola
renascentista, capaz de rivalizar com o
cstilo florentino. A medida
que o papado recuperava o controlo
de Roma,
Perugino e Luca Signorelli colaboraram com pintores
locais como Melozzo da Forli, cm
projectos destinados a glori-
ficar o poderio papal.

Piero della Francesca na Itália Central


Piero della Francesca (ca. 1420-1492), um dos artistas de
perso-
nalidade mais vincadae original da segunda metade do século xv,
visitou Florença como aprendiz do pintor Domenico Vencziano
(ver fig. 15.30). Piero era oriundo de Borgo San Sepolcro no
sudeste da Toscânia, onde
completou algumas das suas primei-
ras
grandes encomendas, e trabalhou para patronos na Toscánia,
em Rimini e em Ferrara, executando várias pinturas
importan-
tes para Federico da Montefeltro, um condottiere (general
mercenário) que ascendera a príncipe de Urbino (no sudeste da

15.44. Domenico Ghirlandaio. Retrato de um Velho com


Criança.
ca. 1480. Têmpera e óleo sobre madeira, 61,2 x 45,5 cm. Museu do
Louvre, Paris

"cultura do paganismo e o material1smo que julgava ver na


cultura florentina. As suas fervorosas
exortações ao arrependi-
mento e as virulentas críticas à corrupção, não só cm
Florença,
mas na
própria hierarquia eclesiástica, granjearam-lhe muitos
inimigos e levaram à sua execução, enm 1498. O século chegava
ao fim e a cidade de
Florença batia-se ferozmente pela sua
sobrevivência contra as forças superiores do
Papado, de Espa-
nha e da França.

AS REPERCUSSÖES DO ESTILO
RENASCENTISTA, 1450-1500
Pintores oriundos de toda a Itália, e não só, viram as inovadoras
experiências realizadas em Florença como um estímulo para o
Seu
próprio trabalho, ainda quc tivessem adaptado os novos
estilos de mancira individualizada. Por seu
turn0, os mecenas
aperceberam-se das vantagens de exprimir a autoridade através
de
referências textuais e visuais à Antiguidade Clássica. Em
meados do século, a perspectiva lincar era de uso corrente e as
ecnicas florentinas, que usavam a luz para a representação da

TOrma, eram prática comum entre muitos artistas. Um deles,


ero della
I5.45. Andrea del Verrocehio. Busto de Lorenzo de' Medici.
Francesca, combinou o fascínio pela matemática, ca. 1480. Terracota policromada. Colecção Samuel A. Kress,
pCio mundo Antigo e pelos mestres da Flandres, criando um National Gallery of Art, Washington, 1943.4.92

CAPÍTULO 15 O PRIMEIRO RENASCIMENTO NA ITALIA Do sECULO Xv s57


que a sua frontalidade e a composiç o triangular deri.
Toscania), por volta de 1470. Essa primcira aprendizagcin com
fresco da Trindade, de Masaccio (fig. 15.14), mas a 1vemdo
Domenico Veneziano é manifesta na sua paleta, enquanto o seu
luz cdo sol
das são,
cstudo de Masaccio se nota na solidez. c simplicidade dos volu- nascenteea palidez cores sem dúvida, devedorras
arte de Domenico Veneziano. Foi dada da
mes e no carácter solene das composições. A sistematização da especial atenç
perspectiva, ocorrida em inícios cdlo século xv, revelou-se crucial
à
posição das figuras dos soldados romanos adormecidos d
frente do sepulcro, variações sobre a posiç ão dos corn Cm
para l'iero, cuja perícia na determinação matemática da pers-
pectiva espacial e na colocação das figuras no espaço levou a que espaço. O espectador é levado a erguer o olhar para
escrevesse um tratado sobre o tema. E provável que tenha glorioso de Cristo. perfeito na sua anatomia e sereno no Corpo
conhecidoc triunta sobre a morte. aspecto,
privado com Leão Battista Alberti, uma vez que quando
ambos partilhavam os mesmos mecenas e o mesmo interesse A pintura de Piero della Francesca atraiu a atenc o.
pela teoria da arte. Duque Federico da Montefeltro,
homem culto que
um
reunia
Uma das um grupo de artistas vindos de toda a Europa na sua corte
pinturas executadas por Picro della Francesca para em
a sua cidade natal reflecte essa combinação de influências na Urbino. Foi lá que o pintor conheceu, e
provavemente ter
sua arte. A cidade de Borgo San Sepolcro encomendou-lhe um competido, com artistas, n o só de Itália, mas também.
a
fresco para o Palácio Comunal da cidade, talvez por volta de Espanha e da Flandres, e com eles aprendeu as novas técnicar
1460. O da pintura a óleo de velaturas e se transtormou em exímio
tema é adequado ao da localidade (Santo Sepul-
nome

Cristo ressurrecto é representado a sair do túmulo praticante desta técnica na Itália Central. As pinturas tranani
cro):
(fig. 15.46). A figura de Cristo domina a composição: é possível las e espacialmente complexas de Piero della Francesca foram

5.46. Piero della Francesca. Ressurreiçio. ca. 1H63. Fresco, 2,25 1,99
x m. Palazzo
Comunale, Borgo San Sepolero

PARTE I Do RENASCIMENTO AO ROCocó


558
15.47. Picro della Francesca. Duplo Retrato de Battista Sforza e de Federico da Montefeltro. ca. 1472. Oleo e têmpera sobre
madeira; cada painel 47 x 33 cm. Galeria dos Uffizi, Florença

enriquecidas com cores mais brilhantes e com superticies tex-

turadas ao estilo da arte flamenga. No duplo retrato de Battista


Storza e Federico da Montefeltro, pintado por volta de 1472

(tig. 15.47), estão patentes o seu domínio da representação do


a u m a paleta rica
espaço e da clareza volumétrica pelo recurso

de tons e variadas texturas, que a pintura a óleo tornava agora


possível. Este díptico retrata o conde e a mulher de perfile
frente a frente, contra uma paisagem contínua de grande pr0-

fundidade. À direita, Federico, cujo rosto fora desfigurado num


lado intacto ao observador. A sua
orneio, apresenta o seu
febre;
Battista, morrera pouco tempo antes, de
uma
mulher,
por essa razão, Piero atribuiu-lhe o lugar de honra, à esquerda.
AS Suas feições pálidas são circundadas por um pentcado intri-
cado e por jóias e brocados. Uma sombra desce sobre a paisagem
atrás do maridoe
POrdetrás da figura, enquanto a paisagem
cheia de luz e azáfama.
For volta da mesma época, Federico encomendou umna

ngem de maiores dimensõcs, que viria a ser o memora


spenso sobre o seu túmulo (fig. 15.48), para a qual o pintor

escolheu o da sacra conversucione; aqui, a Virgem e o Mcnin


tema
acdormecido encontram-se rodeados por santos e anjos, enojuin
pés. A verticaldade
Prono, o Duque Federico, ajoelha a seus

I548.
. ero della Francesca. Nossa Senhoru Entronizada Rodeudu
por e por Federico da Montelfeltro. ca. 1472-1474. Oleo sobre

eira, 2,48 x 1,7 m. Pinacoteca di Berra, Miläo

NA ITÁLIA DO SÉCULO XV 559


RENASCIMENTO
O PRIMEIRO
CAPÍTULO IS
das figuras repete o movinento das pilastras ao fundo; uma lu
forte entra pela esquerda. projectandosombras
amplas à ireita
que ajudam a definir a profundidade da abside. Fmoldurad
pelo paincl da parede maus recuada, a cabeça da Virgenm possui
uma forma ovóide tal como o ovo suspenso da vieira na cury
da ábside. A arquitectura da igrea é de tipo monumental, com
os seus painéis de mármore, as pilastras classicizantes uma e

ibside no fundo de uma abobada de berço. Piero della Francese


usou a pintura a óleo para descrever Os veos no
mármore, a
suave textura do tapete e a reluzente armadura do Duque.
Não existem certezas quanto ao signiticado da pintura.
O observador procura em vão encontrar a figura da mulher de
Federico, Battista, no lado oposto à dele, mas, apesar da presença
do respectivo patrono, S. João Baptista, a sua mulher, não esti
representada. A sua morte, em l+72que ajuda a datar a pintur.,
e a sua manifesta ausência poderão dar uma achega para a
interpretação da pintura. Piero representa Federico cm venera-
ção do Menino, com um colar de coral em sinal de protecçio
contra a doença: é como se Federico agradecesse o nascimento
de um herdeiro, apesar da morte da mulher. Não obstante, o
sono do Menino é um presságio prematuro da morte do próprio
da
Cristo- e sua
Ressurreição pelo que se mantêm asalusöes
ao tema funerário. O talento de Piero della Francesca residiu
na execução de uma imagem que guardasse a dignidade e a
melancolia em composições cuidadosamente equilibradas e
espacialmente ricas.

15.49. Leão Battista Alberti. Sant'Andrea, Mântua.


Desenhada em 1470

15.50. Leão Battista Alberti.


Interior de Sant'Andrea

IA.

560 PARTE III DO RENASCIMENTO AO ROCOcó


Cruzeiro dilerença seria ainda maior. O desenho de Alberti não tinha
Coro
Dem
transepto, nem cúpula ou coro-alto, clernentos que só foram
dicionados em meados do século xvi; a
planta original apenas
previu una nave que terminava numa abside. Scguindo o
Iranseplo exCinplo da Basílica de Constantino (ver figs. 7.68 e 7.69), Alberti
substituiu as naves laterais por
capelas
alternadamcnte grandes
C
pecquenaselininou o clerestório. As pilastras colossais e os
e

arcos das
capelas naiores sustentam uma abóbada de berço em
caixotõcs de dimcnsões nonumentais (a nave é da
largura da
nave Capela tachada). Alberti aplicou aqui os conhecimentos resultantes do
sCu estudo dos
gigantescos salõcs abobadados dos balneários
romanos da Antiguidade, mas interpretando os modelos com
maior liberdade, para criar uma estrutura que pudesse verda-
deiramente ser chamada "templo cristão". Este cra o objectivo
dos humanistas do século xve dos seus mecenas
patrícios, a
criação de uma síntese das formas da Antiguidade e dos usos
I5.51. Planta de Sant Andrca (o transepto, a cúpula e a cabeceira
sao acrescentos posteriores)

Alberti e Mantegna em Mântua


Mântua, localizada a norte do Vale do Pó, fora dominada durante
mais de um século pela família Gonzaga, que criou uma corte
brilhante composta por humanistas, cducadores e artistas.
O Marquês Ludovico
Gonzaga casara com uma princesa alem ,
Bárbara de Brandenburgo e a corte era muito cosmopolita. Obras
como os Dez Livros de Arquitectura (ca. 1452) haviam dado
grande
projecção a Leão Battista Alberti, que Gonzaga conseguira atrair,
com sucesso,
para o seu scrviço.
Por volta de 1470, Alberti tinha desenhado a
igreja de
Sant' Andrea em Mântua, a sua última obra
(fig. 15.49). Na
majestosa fachada está patente o propósito supremo de Alberti,
de fundir as formas do
templo clássico com a tradicional igreja
basilical. Para isso, reuniu um motivo de arco
triunfal, que hoje
enquadra um profundo nicho monumental a servir de portal,
com a fachada de um
templo clássico. Como sucedia no exterior
do Palazzo Rucellai (fig. 15.32), as
pilastras planas realçam a

primazia da superfície da parede, para manter o cquilibrio das


duas fornas em
competição, em dois tamanhos diferentes: as

as
pequenas sustentam o arco sobre ogrande nicho central e

*maiores suportam a arquitrave contínua


Brandes pilastras formam aqucla que é conhecida por ordem
e o front o. As

CO1OSsal, ou seja, com mais do que um andar de altura, quais as

cquilbram os elementos horizontais e verticais do traçado.


Para unificar ainda mais a fachada, Alberti inscreveu esse
a d o no interior de um quadrado, ainda que, por isso, a fachada
c a
impressão de ser muito mais baixa do que a altura da nave
o
cteito da
parede ocidental, saliente sobre o frontão, é mais
rturbadora cm fotografias do que ao nível da rua, onde quase
Se vé). Se bem que a fachada seja distinta do corpo principal
a
Cstrutura, ofcrece uma antevisão do interior, onde a mesma
Tuein
colossal, as mesmas proporções eomesmo motivo do arco
triur
a reaparecem nas paredes da nave (fig. 15.50).
arada com a
Igreja de San Lorenzo, de Brunelleschi
, a planta (fig. 15.51) é extraordinariamente compacta. 5.52. Andrea Mantegna. S. Sebastiäo. ca. 1450. Tempera sobre
8reja tivesse sido completada, conforme o planeado, a m.adeira, N x 30,6 cn. Kunsthistorisches Aluseum. V'iena

CAPÍTULO IS O PRIMEIRO RENASCIMENTO NA ITALIA DO SECULO XV 561


5.53. Andrea Mantegna. Camera Picta. 1465-1474. Fresco. Paço Ducal, Mântua

cristãos. Alberti atingiu os seus objectivos com a construção de noutras ainda sala de recepções - e foi terminada em 1474. As

SantAndrea, que serviria, depois, de inspiração a muitos arqui pinturas incluem retratos da família Gonzaga, dos serviçais, dos
tectos. filhos e das suas propriedades. Esta sala homenageia a corte bri-
A corte humanista de Mântua acolheu, durante muitos anos, Ihante do Marquês, os seus feitos dinásticos e a sua riqueza, numa

um dos maiores artistas e intelectuais do século, Andrea del exibição viva e cheia de graça que se tornou a atracção principal
para os visitantes humanistas, políticos, artistas e príncipes.
Mantegna (1431-1506). Formado em Pádua, mas conhecedor das
correntes artísticas em Veneza, Florença e Roma, Mantegna A Camera Picta celebra ainda o apuro da técnica do pintor e

tornou-se o pintor da corte dos Gonzaga de 1460 até morrer, aos granjeou-lhe grande fama entre os seus contemporâneos
75 anos. Os seus interesses enquanto pintor, humanista e arqueó- Mantegna utilizou a arquitectura da sala as mísulas de
-

de S. Sebastião (fig. 15.52), datado, suporte das abóbadas, a prateleira sobre o fogão para crar
um
logo podem vistos painel
-

ser no

provavelmente, da década de 1450. S. Sebastião, um dos primei- efeito ilusionista da vida familiar dos Gonzaga. Pilastras fictícas
ros mártires cristãos, foi condenado a ser executado por arqueiros servem de molduras de janelas, através das quais o observador
contempla membros da famíilia em cenas de exterior; as figuras
(as suas feridas sararam, que talvez explique o factode
porém, o
ter sido tão invocado como protecção contra a peste). O corpo do de Ludovico e do seu filho Francesco, recém-nomeado cardeal.
cavalo
santo, de precisão anatómica e cuidadosas proporções, é repre são atentamente observadas por criados, com um e
cacs
sentado atado a uma coluna clássica, num desenho de contornos do outro lado da porta. Para além das feições específicas das
escultura. Ruí- fhguras e do naturalismo dos pormenores, o domínio da pers
nítidos, em corpo parece, ele próprio, u m a
que o
o mundo
nas arquitectónicas e escultóricas jazer aos seus pés e, junto ao pectiva permitiu ao pintor estabelecer uma ligação entre
desta
santo, à esquerda, venmos a assinatura do artista, em grego. Uma pintado com o mundo real do espectador. A peça central
estrada perde-se na distância, percorrida pelos arqueiros que se ihusão é a coroa da abóbada, preenchida com uma pintura qe

afastam; é o espaço em perspectiva que indica o tempo da narra- Simula um óculo, pelo qual se vê o céu. Mantegna usou munt

tiva. Para lá destes homens, vemos uma paisagem aérea e um céu artificios ilusionistas, incluindo
tuar com a brisa, no exterior, e
as roupagens que
relevos em trompe loel u
parecem
de azul profundo, ponteado por suaves nuvens brancas. A cena
é banhada por uma luz crepuscular, que produz uma atmosfera imperadores romanos nas abóbadas. Sobre a prateleira do togao
melancólica. A paisagem, cheia de luz, no plano de fundo, revela de sala, Ludovico reaparece, desta vez num enquadramento
mais tormal, rodeado pela família e pelos seus cortesãos. ) cs
o conhecimento que Mantegna tinha das pinturas flamengas que
chegaram a Florençaea Veneza por volta de 1450. plendor da corte de Mântua foi maravilhosamente captado p
Ocomitente deste S. Sebastião é desconhecido; porém, sabemos estes fabulosos frescos de Mantegna.
que Mantegna, enquanto pintor da corte do Marquês de Mântu,
pintou várias cenas para as suas villas e palácios. Para o palácio Veneza
do Marquês, em Mântua, iniciou em 1465 a pintura de uma sala vizinhos pelo territoro. P
Enquanto competia com os seus eve-

rotas coerciais e por influência, a república veneziana nine


que veio a ser chamada Cameru Picta, ou seja, "quarto pintado" uma

(fig. 15.53). Esta sala servia vários fins - por vezes quarto de cama, Se estável durante todo o século xv, governada por u

PARTE 1IIDO REN ASCIMENTO AO Rococó


562
aristocraci mcrcantil tfirme, con poucos conflitos internos, pelo

aue o Palácio do Doge (fig. 15.54) prescindiu de fortificações, «


mesmo
succdeu c o m as sid ncias privadas cque, livres las
o
ssidades defensivas, cvoluíram para cstruturas graciosas e

rnamentadas. O palácio Ca' d'Oro (fig. 15.54) foi construido


inicios de 1421 para Marino Contarini, cuja fanmília enri-
ecera conmocomércio. Para afirnmar o estatuto da sua família,
Cantarini não se poupou a desiesas nesta casa no Grande CCanal.

cuio none ('casa de ouro ) Ihe adveio da sumptuosa folha de


em tenpos, ornamentou a fachada.
ouro que,
Otraçado reflecte, cm parte, as diferentes funçöes do edifi
cio. O piso térrco era usado como armazém c local de despacho
de mercadorias, enquanto o segundo piso cra ocupado prinei-
uma grande sala de reccpçõCs, com várias salas
palmente por
mais pcqucnas, à direita. Os apOsentos priIvados encontravam-se
andar superior. A intersecção das
principalnnente no nervuras

dos arcos forma um delicado trabalho de entrançado na fachada,


que se combinava com as cores brilhantes e o uso do ouro para

expressar a ambição, a posição e a


riqueza da família.

ECOS Do GATTAMELATA DE DONATELLO O interesse


dos florentinos pela Antiguidade começou, lentamente, a
influenciar as tradições artísticas venezianas. Vários artistas
florentinos, incluindo Donatelloc Andrea del Castagno, foram
chamados a Veneza para executarem encomendas de grande
importáncia no século xv. A pintura da Flandres já era admirada
e coleccionada em Veneza, que, enquanto centro de comércio

I5.55. Andrea del Verrocchio. Monumento Equestre a Colleoni.


ca. 1483-1488. Bronze, altura 3,9 m. Campo Santissimi Giovanni e
Paolo, Veneza

internacional, albergava várias colónias de mercadores do Norte


da Europa. Por volta de finais do século, Vencza encontrou, nas
novas técnicas e referências à arte da Antiguidade, poderosos
instrumentos de propaganda. Um bom exemplo é a encomenda
feita pela República de Veneza a Verrocchio, para a execução
de uma grande estátua equestre em bronze, em homenagem a
um grande comandante veneziano, o condottiere Bartolommeo
Colleoni (fig. 15.55), em cujo testamento se encontrava esse
desejo. E óbvio que Colleoni conhecia a estátua de Gattamelata
(fig. 15.21), de Donatello, e cobiçou-lhe a honraria; por outro
lado, é provável que a mesma estátua tenha servicdo de modelo
a Verrocchio, que não se limitou a imitá-la, fez uso da sua técnica
de pintor para trabalhar as texturas e os pormenores do monu-
mento.
O cavalo de Colleoni é gracioso e cheio de vivacidade. e não
robusto e plácido, como o de Donatello; sob a pele esticada
observanos veas, músculos e tendões, contrastando com a
figura de armadura que o monta. Uma vez que o cavalo é
menor, en relação ao cavaleiro, do que na estátua de Gattame-
lata, a tigura de Colleoni cresce na sela, numa magem
dominante, de pernas esticadas, ombro esquerdo adiantado,
que investiga a paisagem à sua frente, com a mesma concen-
I5.54. Ca' tração que vimos no S. Jorge de Donatello (ver fig. 15.3). Tal
d'Oro, Veneza

CAPÍTULO I5 O PRIMEIRO RENASCIMENTO NA ITÁLIA DO SECULO XV 563


como no rclevo de Donatello., a estátua cde Colleoni reflecte Na S. Francisco
pintura cm Extase, de Bellini
(fig.
também a tradiç o fiunetária do Túnulo de Bernarbò Visconti datada de cerca de 1480, estaopatentes toddos estes elementos
556).
na
(fig. 13.36). Iembrando ao observador as ofertas que o condottiere criação de uma imagem profundamernte original. Nesta pint
dcu à República de Veneza. ntura,
S. Francisco acabou de sair da sua cela de eremita,
onde se
uma cstante de trabalho debaixo de uma
trepadeira. )santo,
BELLINI EA PINTURA A ÓLEO Para alémdo renascimento descalço, contempla o céu em extase. Alguns cspecialistas pen-
das tormas romanas, óleo foi novidade intro san quc a pintura mnostra >. Francisco recebendo os estigmas
a pintura a outra

duzida nas tradiçöes artísticas venczianas, talvez por Antonello (as chagas de Cristo) por ocasião das Festas da Santísima Cru
da Messina. pintor do Sul da Itália que poderá ter viajado até à em 1224. quando um serafim crucificado ihe aparcceu no

Alverne, na Toscânia. Outros argumentam que a cena ilustra o


Monte
Flandres para aprender a técnica; cncontra-sc documentado em
Vencza na década cde 1470. Na pintura de (Giovanni Bellini Hino ao Sol, composto pelo santo no ano seguinte, após o jejum
(ca. 1430-1507), cunhado de Mantegna e membrode uma famí- anual no seu eremitériO perto da cidade natal de Assis. Seja qual
lia de pintores, a té cnica da pintura a óleo da Flandres é for o episódio narrado, a pintura expressa os icdeais franciscanos.

combinada com os conhecimentos da perspcctiva, de Florença, Para S. Francisco, "o Irmão Sol, que dá o dia..... é brilhante

c com o uso da luz c da cor tradicionais em Veneza. e radioso cm esplendor era um símbolo de Deus, a verdadeira

141,/ cm.
sobre madeira, 124 x

Mistico. 1480. Oleo e têmpera


S. Frunciseo em Extuse ca.

15.56. Giovanni Bellini.


Collection
Nova lorque, O The Frick
The Frick Collection,

ROCocó
R E N A S C I M E N T O
AO
III DO
PARTE
564
MAAAAAAA

A ALA LA Aui

.17.07.0 .19.

Oleo sobre madeira,


15.57. Giovanni Bellini. Nossa Senhora e Santos. 1505.
5 x 2,4 m. Igreja de São Zacarias, Veneza

VIsão desta pintura, e não o sol, obscurecido por uma nuvem; Burro", necessitado de disciplina. Os outros animais - a garça-
Tao intensa é essa miraculosa luz divina que os seus raios ilumi- -real, o abetouro e o
coelho são, como os monges, criaturas
solitárias na cosmogonia erist . Todavia, o suave colorido e a
nam a cena
por completo. luz dourada dão um calor tal à pintura que esta vida solitária
italiana.
o fundo, vê-se u m a magnífica cena campestre
A g u r a de S. Francisco quase desaparece no cenári0, e a sua
não só parece suportável mas até desejável.
Sendo o artista mais importante da sua época, Bellini exe
presença parece fortuita. No entanto, o éxtase místico manifes
tado pelo santo perante a beleza do mundo visível indica ao cutou um considerável número de retábulos do tipo sacra
é o da
ODservador a resposta adequada à paisagem, simultaneamente conversazione, dos quais o mais tardio e monumental
1505 para o
Natureza Nossa Senhora e Santos (fig. 15.57), concluído em
dnpla e íntima. Segundo S. Francisco, Deus criara a
venerável convento beneditino de São Zacarias. Esta imagem
para beneficio da Humanidade, e Bellini serve-se dos instru-
Rainha do Céu, elevada sobre um trono, com o
a
L S do Renascimento para recriar esta visão de beleza apresenta
os santos Pedro, Catarina, Luzia e Jerónimo.
Menino, perante
Neste espaço de grande profundidade, obtido pela
Ural. As posições das figuras femininas poderão
ter sido influencia-
picação das leis da perspectiva, o pintor representou textura o retábulo toi executado (quando
das pelas freiras, para quem
de grande preencher a paisagc. hoje
as pormenor para local detinitivo, onde ainda
se encon-
foi coloc:ada no seu
Agumas destas formas talvez aludam a valores franciscanos foi cortada nos lados, e recebeu um acrescento no

vida ascetic tra, a pintura


ra. Francisco, o caminho da salvação estava na

símbolo topo,
entretanto retirado). Coinparado com a sacra
conversazione

ta,$imbolizado na caverna; o burro poderá ser

de Domenico Veneziano (fig. 15.30), datada de 60 anos antes


como rmão
PropriO santo, que se referia ao seu corpo

XVv 565
PRIMEIRO RENASCIMENTO NA ITÁLIA DO SÉCULO
O
CAPÍTULO I5
o conunto consideravclnente mais simples, cmbora o impacto Roma e os Estados Papais
durante cxilio papal
seja maor. Ao invés de um baldaquino gótico, os santos reúne Muito negligenciada o cm
Avignon (ver
-sc debaixo de uma semicúpula revestida de mosaicos, segundo página 457), Roma renascetu enqunto centro artístico principal
a tradição medieval veneziana (ver São Marcos, fig. 8.48). em finais do s culo xv. (Com a consolidação do poder papalcm
A Madona de Urbino (fig. 15,48), de Piero, oferece um nodelo território italiano, os papas dcsejaram cinbelezar tantoo Vatican
mais próxImo desta pintura, mas as figuras de Bellini aparen- como a cidade de Roma. P'ara além disso, os papas reafirtmaraun
tam um maior à-vontade c a pirâmide compositiva é mais opoder temporal sobrc Roma c os Estaclos Papaisc acrcditavar
cstável. A arquitectura, manifestamente, não pode ser de uma que os nonumentos da Roma cristã deviam ultrapassar Cm

greja. uma vez que os lados da estrutura estão abertos e a cena brilho os cdificios do passado pag o. Para atingirem este objec
é iluminada pela luz do sol. O trono alto de Nossa Senhora c tivo, chamaram a Roma vários artistas de Florença c dos
o anjo músico no último degrau podem comparar-se aos da arredores, incluindo Gentile da Fabriano, Masaccio, Fra Angé
pintura de Masaccio, Nossa Senhora em Majestade, de 1426 (ver lico, Piero della Francesca e Sandro Botticelli. Como outra
fig. 15.19). cortes italianas, a papal entendeu as vantagens de financiar
Este altar distingue-se dos excmplos florentinos anteriores estruturas eclesiásticas e domésticas.
não só pela amplitude do cspaço, mas pela sua atmosfera calma O Papa Sisto IV della Rovere (1471-1484) patrocinou vários
c meditativa. Em de "conversarem", as figuras parecem
vez projectos importantes durante o último quartel do século,
mergulhadas em pensamentos, pelo que qualquer gcsto ou incluindo a construção da biblioteca do Vaticano, para a
qual
movimento é desnecessário. O silêncio é acentuado pela forma foi contratado um pintor local, Melozzo da Forli (1438-1498).
como o artista envolveu a cena numa névoa delicada. Não exis- para pintar um fresco que o representasse o Papa e a sua corte
tem fortes; luz e sombra fundem-se em trans1ções
contrastes na confirmação de Bartolomeo Platina como bibliotecário oficial
quase imperceptíveis, e as cores brilham com uma riqueza do Vaticano (fig. 15.58). O papa é representado no trono, rodeado
acrescida. Bellini criou a visão de unma corte celestial pelos seus sobrinhos (a atr1buição de cargos otiCiais a membros
povoada
de figuras idealizadas num espaço também ideal. da própria família chama-se nepotismo, da palavra italiana

5.58. Melozzo da Forli. Sisto IV nomeando o


Bibliotecário Papal. ca. 1480. Fresco destacado da
parede, 3.7 x 3,15 m. Museus do Vaticano, Roma
LOY

566 PARTE 11 Do RENASCIMENTO AO ROcoco


"sobrinho"). A figura ao centro é Giuliano cdelle
pote»,
«nep
overc, sobrinho de Sisto e futuro papa Júlio Il. Mclozzo dese- A ARTE NO SEU TEMPo
nhou um fresco que continua, 1lusionisticamente, o espaço da 1464 Primeiro prelo instalado nos arredores de Roma
estrutura real hoje destruícda)..O olhar é atraído para os tectos, 1470 Iniciada a lgreja de Sant'Andrea de Alberti,
os pilares e as janelas da sala. P'ara além disso, as superfícies são em Mântua
de grande riqucza: Mclozzo cscolheu utilizar um mármore 1471 Sisto IV é eleito Papa
densamente cstriado, cornijas muito ornamentadas c formas ca. 1480- S. Francisco,de Bellini
decorativas no interior de molduras (as ranmagens de carvalho 1492 Colombo navega em direcção ao Ocidente
com bolotas vistas nas pilastras de enquadramento são uma
referência ao nome de familia do papa: Rovere, "carvalho").
Platina aponta para uma lauda, cm que Sisto é clogiado pelos
melhoramentos que realizou em Roma.
ridade de S. Pedro, como primeiro papa, bem como de todos os
que se seguiram, deriva de ter recebido as Chaves dos Céus das
A CAPELA SISTINA Um desses melhoramentos foi a cons-
mãos do próprio Cristo. As figuras ostentam as roupagens
trução no V'aticano de uma nova capela para o Papa, chamada
roçagantes eas feições idealizadas de Verrocchio (ver fig. 15.27),
Capela Sistina em honra de Sisto IV. Por volta dos anos de
em cuja oficina Perugino trabalhou durante algum tempo.
1481-1482, Sisto encomendou um ciclo de frescos para as pare- A solene cena é presenciada por apóstolos e outras figuras cir
des da capela, que representam os vários episódios da vida de cunstantes; os rostos destes, porém, s o já profundamente
Moisés (na parede da esquerda) e de Cristo (à direita), que
individualizados.
simbolizam, respectivamente, o Antigo e o Novo Testamentos, Na vastidão do plano de fundo, desenrolam-se duas nar-
para o que contratou a maioria dos pintores mais importantes rativas suplementares: à esquerda, a meia distância, vemos o
da época: Botticelli, Ghirlandaio e Pietro Vanucci, chamado
episódio do Pagamento do Tributo; à direita, a tentativa de
Perugino (ca. 1450-1523). Nascido perto de Perugia, na Úmbria
apedrejamento de Cristo. As inscrições sobre os dois arcos
(a região ao sul da Toscânia), Perugino manteve uma estreita triunfais romanos (modelados segundo o exemplo do Arco de
ligação com o meio artístico florentino. O fresco da Entrega das Constantino; ver fig. 7.63) comparam favoravelmente Sisto IV
Chaves (fig. 15.59) foi completado em 1482. ao Rei Salomão, que construiu o Templo de Jerusalém. Estes
O desenho de austera simetria do fresco transmite a especial arcos ladeiam um edifício encimado por uma cúpula, aparen-
importância do tema neste enquadramento particular: a auto- temente inspirado pela igreja ideal do Tratado de Arquitectura,

15.59
P i e t r o Perugino. A Entrega das Chaves. 1482. Fresco, 3,5 x 5,7 m. Capela Sistina, Palício do Vaticano, Roma

CAPITULO I5 O PRIMEIRO RENASCIMENTO NA ITALIA DO SÉCULO XV 567


5.60. Luca Signorelli. ; Dn
Lançudos no Tnferno. 1499-15
Fresco, aprox. de
Capela de San Brizio,largura.
in
Orvieto

de Alberti, cuja perspectiva matematicamenteexacta étambém contorções, repetem os tormentos a que est o sendo sujeitos.
usada para maior clareza espacial do conjunto. A simetria e a O caos compositivo ea compressão espacial formam um contraste
amplitude do espaço nesta imagem expressam o poder gover- impressionante com a calma racional de Perugino patente na
nativo de Sisto IV, não só espiritual, mas também temporal, Entrega das Chaves (ver fig. 15.59). A assustadora visão de Sig-
ou secular. norelli foi pintada pouco antes do ano 1500, data que muitos
apontavam como o fim dos tempos.
sIGNORELLLI, A CAPELA DE SAN BRIzio As pretensões Os anos da década de 1490 foram tempos incertos em Itália.
de Sisto, a figura máxima dos Estados Papais, foram continua- Os Medici foram expulsos de Florença; a França invadiu o
das pelo seu sucessor, Alexandre VI, cujos objectivos de poder território italiano em 1494; a peste regressou, arrasando e des-

temporal foram prosseguidos não só com armas espirituais, mas povoando as cidades; e continuaram as incursões turcas na
também com exércitos (o que Ihe trouxe censuras, em Itália e Europa (que antes esmagaram a armada crist em Lepanto,
noutros países cristãos, e alimentou as dissensões anticlericais na Grécia, em 1499, uma derrota vingada mais tarde, no mesmo
do século seguinte). A cidade de Orvieto, em particular, mostrou local, em 1571). O "fim dos tempos era pregado em sermoes

grande fidelidade ao Papa, e, em agradecimento, o papa finan- por Savonarola e por outros pregadores, alimentando os terro-
ciou a decoração da Capela de San Brizio, na Catedral dessa res do "final dos tempos" relacionados com o fim do século.
cidade da Úmbria, com uma série de frescos iniciada em 1499.
O projecto foi encomendado a Luca Signorelli (1445/50-1523),
pintor toscano que estudou com Piero della Francesca. O tema

escolhido para os frescos éo Juízo Final, de acordo com o Livro


do Apocalipse, mas também com as meditações de S. Agostinho, RESUMO
S. Tomás de Aquino, Dante e o pregador dominicano Vicente
mundo conheceu grandes mudanças durante o século V.
Ferrer. Um dos mais memoráveis é o fresco intitulado Os Dana-
saber huma
dos Lançados no Inferno (fig. 15.60). Signorelli concebe a cena a d v e n t o da imprensa ajudou a divulgar o novo
-

como uma massa de corpos, envolta pelas chamas, que vários nista permitiu que filósofos e
e cientistas desenvolvessem

demónios comprimem e atormentam, enquanto o Arcanjo sabedoria dos seus antecessores, de formas novas e podero0sa

S. Miguel, por cima, supervisiona a cena. Inspirado pelos corpos bloqueio das rotas do Mediterrâneo pelas conquistas turca
do eu
musculados de Pollaiuolo, Signorelli usa a nudez como instru- este, levou a que países como Portugal e Espanha, a partir
com
Asia,
expressivo: corpos dos danados, rotas comerciais
mento os em desesperadas EOral
atläntico, procurassem novas

568 PARTE
1I DO RENASCIMENTO AO ROCoco
desemboando nas viagens de circum-navegação da África e de des.
executarem encomendas de grande importância, em que aplicaram os seus
coberta das Américas.O cisma papal e as personalidades mundanas
conhecimentos da perspectiva, no modeladoe na forma expressiva. Clientes
dos papas do século xv incrementaram o afastamento da cultura
de outras cidades, como Roma e Veneza, também procuraram os talentos de
tace as instituições religiosas e sua subsequente secularização.
Masaccio e de Donatello para os seus projectos artisticos.
A competição e o comércio espalharam uma economia que, assente
no capital e na moeda, mudou por completo o rosto da sociedade,
FLORENÇA NA ÉPOCA DOS MEDICI. 1430-1494
20 permitir a expansäo e o fortalecimento da classe média.
Em meados do século XV, os artistas florentinos continuaram a explorar as
os artistas italianos do século x participaram na mudança desen
lições da Antiguidade e o potencial para a ilusäo espacial, de que Donatello,
volvendo novos meios de representação, iniciados com o estudo do
Ghiberti. Masaccio e Brunelleschi foram pioneiros. Ghiberti trabalhou num
pasado clássico romano e da sua arte. Escultores, pintores e arqui-
segundo conjunto de portas de bronze para o Baptistério. com narrativas
tectos criaram obras de arte em que deram conteúdos
complexas do Antigo Testamento, colocadas em espaços ilusionisticos,
contemporáneos a formas da Antiguidade. Sob a influência dos
enquanto Donatello explorou vários meios escultóricos, com uma influência
Antigos e dos seus contemporåneos humanistas, estes artistas
incontestável sobre a geração seguinte de pintores e escultores. Leão Batista
escreveram tratados teóricos de grande erudição e elevaram, assim, Alberti. por seu lado, fundiu a tradição local e a teoria da arquitectura clássica
o estatuto social das artes no seio das suas culturas. Os sistemas na sua fachada para Santa Maria Novella.
que criaram para a representaão do mundo através da perspectiva,

do naturalismo e da forma humana tornaram-se normativos, não


A VIDA DOMÉSTICA: PALÁCIOS, RECHEIOS
só para as suas práticas, mas também para a maioria dos europeus
E PINTURAS, CA. 1440-1490
nos séculos seguintes. O Primeiro Renascimento revolucionou
pro- As habitações das familias florentinas demonstravam a sua posiç ão social e
fundamente a visão da arte e do trabalho dos artistas. virtude civica.que encontraram expressão visual nas formas classicizantes. Ao
adaptar elermentos de estruturas romanas, Alberi e Michelozzo criaram palá-
A INSPIRAÇÃO CLÁSSICA NA ARQUITECTURA cios, que serviam como palcos da vida familiar e de eventos públicos. Estes
E NA ESCULTURA MONUMENTAL edificios eram decorados com mobiliário, pinturas e esculturas alusivos tanto
A cidade de Florença deu grande valor à encomenda de edificios públicos e a temas seculares como religiosos. Os Medici rechearam os seus palácios com
ao seu embelezamento com obras de arte de grande significado. A emulação imagens de patronos florentinos. como o Dovid, de Donatello, e o Hércules e
entre artistas e cientes foi responsável pela produção de uma série de monu- Anteus, de Pollaiuolo. Para estes espaços domésticos, ambos os escultores
mentos impressionantes e inovadores, muitos dos quais inspirados pelo estudo executaram imagens de nus, uma pratica de clara inspiração clássica. A deco-
da arte da Antiguidade Clássica. Ao combinar o estudo dos edificios romanos ração dos palácios incluia ainda a pintura de arcas (cassoni) e de painéis
com as técnicas de construção góicas, a arquitectura classicizante de Brunel circulares (tondi). Episódios da história coeva e da mitologia grega serviram de
leschi transformou o rosto da cidade. A sua arquitectura usa formas romanas, tema a várias pinturas, e os retratos de individuos ou de familias não só apa-
organizadas segundo as leis da geometria e das proporções, para criar espaços reciam como doadores, em encomendas religiosas ou túmulos, mas também

harmoniososeracionais. De forma semelhante.o jovem Donatello inspirou-se, como actores em narrativas sacras e como pinturas separadas e em bustos.

não só no naturalismo das obras da Antiguidade, mas também no seu sentido


de dignidade e no potencial de movimento. AS REPERCUSsÕES
1450-1500
DO ESTILO RENASCENTISTA
IGREJAS E CAPELAS DAS FAMÍLIAS FLORENTINAS. A autoridade e a imponência do estilo florentino inspiraram artistas fora de
1420-14300 Florença a imitar e interpretar as novidades estilisticas. Piero della Francesca,
RS Tamilias florentinas mais importantes financiaram a construção e decoração que passou algumas temporadas em Florença, desenvolveu um estilo próprio
Gas igrejas para manifestarem, em simultáneo, a sua devoção e a sua impor informado pela perspectiva. pela Antiguidade e pelas pinturas de Masaccio, aos
tancia social. Brunelleschi desenhou igrejas e capelas para as mais quais acrescentou a pintura a óleo.Ao aceitar encomendas para as cortes do

proeninentes familias de Florença. inventando a perspectiva linear, ou cientifica, norte da ltália, Alberi levou a sua
arquitectura classicizante a outras
regiðes
9E abriu aos artistas a possibilidade de criar a ilusão de espaço nas suas do território italiano. Em Mäntua, o artista e humanista Mantegna executou

gens. Os pintores, por seu turno, executaram retábulos e frescos para a pinturas inspiradas pelo seu interesse pela arqueologia; como pintor da corte,
dnentação de capelas familiares, como é o caso dos frescos religiosos de pintou frescos ilusionistas que lisonjeavamo seu patrono. Veneza manteve-se

asaccio, que, tirando o máximo partido da perspectiva, também exibem fiel àssuas tradições locais de
arquitectura. mas contratou Verrocchio para
a g es: o uso da luz para modelar as figuras e a exploração das possibili- esculpir um retrato equestre de um general para evocar os Antigos. Os pin-
Gades
expressivas do corpo humano. tores venezianos interessaram-se pelas possibilidades naturalistas sugeridas
pelos novos estilos oriundos de Florença mas também pelas nuances de cor
A
DIVULGAÇÃO DO ESTILO FLORENTINO, e luz que as tintas a óleo tornavam possivel. No decorrer dos trabalhos de
1425-14500 reconstrução de Roma, os papas contrataram artistas de Florença e de outros
OvIdades do estilo florentino espalharam-se rapidamente por toda a locais para criarem imagens que expressavam a sua legitimidade enquanto
provävel que clientes como o Bispo de Siena ou os frades Carmelitas herdeiros de S. Pedroe do seu poder politico como governantes dos Estados
de
enham seguido os conselhos dos seus pares florentinos, quando Papais. O naturalismo e o classicismo renascentistas deram resposta adequada
procurav
avam novos artistas. Estes, por seu lado, viajaram pela Toscania para a muicas dessas necessidades.

CAPITUL0 15 O PRIMEIRO RENASCIMENTO NA ITÁLIA Do sÉCULO xv 569

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