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I. O que é estética filosdfica? Neste capitulo procura-se esclarecer 0 que 6, basicamente, estética filoséfica. Coneretamente, trata-se de esclarecer quais objetos pesquisa a estética filos6fi- ca (qual é sua drea de pesquisa), quais suas perguntas centrais e quais métodos ela usa. Algumas definigées tradicionais da estética filoséfica sao discutidas e rejeitadas como inadequadas, propde-se uma definigdo alternativa, Essa de- finigdo pretende ajudar a compreender em um contexto maior as discussdes apresentadas nos capitulos seguintes. 1. A busca por uma definicao da estética filosofica Este livro pretende ser uma introdugio a estética filos6fica. Mas 0 que € isso: estética filoséficaP — A estética filoséfica 6, como ja diz sua deno- minagio, uma disciplina da filosofia, ao lado da epistemologia, da onto- logia, da ética e outras mais. Existe estética também fora do Ambito da filosofia. A estética filo— s6fica e estéticas filos6ficas distinguem-se menos por seus objetos do que por seus métodos. Mais adiante tematizaremos os métodos da estética filos6fica, e nesse contexto sera discutida também a diferenga entre estética filos6fica e estéticas nao filosdficas. Aqui e ao longo de todo 0 livro, vale fundamentalmente: se nao for indicado diferentemen- te, o termo “estética” referir-se-4 sempre & estética filosdfica. O termo “estética” foi introduzido no século XVIII como denomi- nago de uma disciplina filos6fica por Alexander Gottlieb Baumgarten. Em 1750, Baumgarten publicou uma obra intitulada Aesthetica e defi- niu nela a estética como a “ciéncia do conhecimento sensitivo”. O termo “estética” deriva do grego aisthesis, 0 que significa aproximadamente “percepgiio sensitiva”. Para Baumgarten, o termo “conhecimento sen- sitivo” significava simplesmente ganhar um conhecimento mediante os sentidos, portanto conhecimento mediante percepgao sensitiva. Ocasionalmente considera-se Baumgarten o fundador da estética filos6fica. Na realidade, porém, encontramos pensamentos que, quanto a seu contetido, devem ser atribuidos a estética jé em tempos muito anteriores, ou seja, jd na filosofia antiga, em Platao e Aristételes. Se quisermos caracterizar a estética com um predicado estético, poderemos dizer: ela é uma disciplina bastante desordenada. Ao con- siderar aquilo que até hoje tem sido tratado na filosofia sob 0 titulo “estética” (ou o que posteriormente foi subsumido sob esse titulo pela Origem do termo’estética” YO t 10 Introdugao a estética filoséfica Definigoes tradicionais - pes yore histéria da filosofia), tem-se facilmente a impressio de que a estética nao é uma disciplina coesa. Houve e ha ainda opinides muito divergen- tes e parcialmente incompativeis sobre o que seriam a Area e os objetos da estética filos6fica e quais tarefas ela deveria cumprir. Também outras disciplinas filoséficas esto muito ramificadas e nem sempre apresentam uma separacao muito nitida entre si. No en- tanto, para a maioria das disciplinas filos6ficas existe algo como uma 4rea central, reconhecida como tal por todos e todas (ou quase todos e todas) que representam a disciplina, passfvel de ser delineada em pou- cas palavras. Por exemplo, a pergunta “O que é epistemologia?” pode-se responder: “A epistemologia é a doutrina sobre a esséncia, as fontes e a abrangéncia do saber”. A pergunta “O que é ontologia?” pode-se res- ponder: “A ontologia é a doutrina sobre o existente enquanto existente”’ A pergunta “O que é ética?” pode-se responder, por exemplo: “A ética € a teoria da moral”. E verdade que ha também acerca da estética filo- s6fica caracterizagdes de uma precisio semelhante, mas elas sto (com razo, como veremos) muito mais disputadas do que, por exemplo, a caracterizagio mencionada da epistemologia como doutrina sobre a es- séncia, a abrangéncia e as fontes do saber. Polémica é nao somente a definigzo de Baumgarten da estética como teoria do conhecimento sensitivo, mas também a definigaio muito mais popular da estética como “teoria do Belo da arte”. Abaixo justifi- carei por que essas definigdes nfo sio adequadas. Mas antes de fazé-lo 6 uitil esclarecer por que faz sentido preocupar-se com uma definigao da estética filosdfica e principalmente também por que a busca por essa “definicio se encontra no infcio de uma introdugio a estética filoséfica. Como disciplina filoséfica, a estética 6 uma ciéncia. Cada ciéncia tem sua rea de objetos de pesquisa (no sentido mais amplo), suas per- guntas e problemiticas especfficas e seus métodos por meio dos quais se distingue de outras ciéncias. E 6bvio que cada cientista (competente) precisa ter ao menos um conhecimento implicito sobre a érea e os ob- jetos, as perguntas e problematicas e os métodos de sua ciéncia. Uma definigao da estética nada mais é do que um primeiro passo para tornar esse conhecimento explicito. Uma definigio da estética deveria nos in- dicar em que a estética se distingue, por exemplo, da teoria do conheci- mento ou da ontologia. Portanto, quando partimos para a busca de uma definigao da estética, refletimos acerca da pergunta sobre o que distin- gue a estética de outras disciplinas filos6ficas (e também de outras cién- cias em geral), 0 que a caracteriza como uma disciplina auténoma. O objetivo de tal reflexiio nao é chegar a ter uma formula de fiécil manejo. Ao contrario, o objetivo é ganhar clareza sobre aquilo que estamos fa- zendo, sobre a espécie de conhecimento que estamos buscando e sobre | Oque éestética flosofica? = 17 as perguntas fundamentais a que procuramos responder. No trabalho cientifico cotidiano, trata-se muitas vezes de perguntas muito especffi- cas e de problemas muito pequenos, e diante disso pode-se facilmente perder de vista 0 contexto maior. A reflexiio sobre a drea e os objetos, as perguntas e probleméticas e os métodos da prépria disciplina ajuda a nao perder de vista o contexto em geral. Até aqui falamos sobre o senti- do fundamental da busca por uma definigio da estética filoséfica. No entanto, por que deverfamos comegar justamente uma introdu- ¢do & estética filos6fica com a busca por uma definigao da estética filos6fi- | ca? E certo que nao € indispensdvel colocar no infcio de uma introdugao | a. uma disciplina filos6fica uma definigao dessa disciplina. Simplesmente | poderiamos comegar com a discuss%io de problemas, argumentos e posi- | Ges importantes dessa disciplina. Quem reconheceu e entendeu os pro- | blemas, argumentos e posiges mais importantes da estética filosGfica sabe oque € estética filos6fica; e quem nao sabe quais problemas, argumentos € posigdes existem na area da estética também nao sabe verdadeiramen- te 0 que é estética filos6fica. No tiltimo caso, nao adianta muito conhecer uma definicao da espécie “estética é a teoria do Belo e da arte”. Ainda assim, é dtil iniciar uma introdugio A estética filosGfica com Uma definiggo a pergunta sobre 0 que 6, no fundo, a estética filos6fica, pelo seguin- _conduzo olhar te motivo: como jé diziamos, é tarefa de uma(introdugio/apresentar e _P#*oessencial discutir os problemas, argumentos ¢ posigdes principais da respectiva disciplina. Nesse contexto, a restrigio ao mais importante é essencial, por pelo menos dois motivos. Primeiro, j4 por motivos de espaco ¢ inevitavel fazer uma selegio. Na Grea da estética tem-se refletido e escrito tanto que nfo se poderia mencionar tudo (e muito menos explicar e discutir criticamente), nem em um livro muito volumoso. Além disso, j4 por principio, uma intro- dugao nao deve ser muito volumosa, para nao desafiar desmedidamente a capacidade de perseveranga de leitoras e leitores ainda nao familiari- zados com a rea. Segundo, uma introdugio] deve disponibilizar_ no somente_ um _co- nhecimento especializado, mas também a capacidade de uma orientacao “auténoma na respectiva 4rea. Para isso, porém, é preciso ter uma ideia ‘sobre quais problemas, argumentos e posigdes sfio centrais para uma disciplina e quais sio, antes, periféricos. No entanto, quais problemas, argumentos e posigdes sio centrais? Essa pergunta pode ser respondi- da somente contra o pano de fundo de uma opiniaio muito determinada sobre 0 que € a estética filos6fica. Uma especialista em estética que com- preende a estética como teoria da arte certamente tratar4 a pergunta “O que é arte?” como uma das questes centrais da estética. Para um colega 12 Introdugao a estética filosdfica ee Trés perguntas acerca da natureza da estética ) dela que defende a opiniao de que a estética é a teoria do conhecimento sensitivo, a mesma pergunta terd provavelmente apenas uma importancia secundfria. Portanto, cada introducio & estética filoséfica pressupée uma determinada conceituagao sobre a estética filoséfica. No entanto, nem todas as autoras e os autores de introdugées a es- tética filos6fica tornam explicito o que seja, conforme sua opiniao, a esté. tica filos6fica. Isso significa: nem todos procuram por uma definigio da estética filoséfica. Frequentemente, as opinides e compreensdes mani- festam-se apenas indiretamente, por meio das perguntas, dos argumen- tos e das posigdes discutidas. Eu coloco a busca por uma definig&o da estética filos6fica no ini- cio porque procuro deixar claro desde o principio, o maximo possfvel, minha compreensio daquilo que é a estética filos6fica. O intuito des- sa transparéncia é facilitar a vocés, leitoras e leitores, a compreensio daquilo que se segue. A definigao da estética filos6fica que proporei neste capftulo delimita um campo que sera preenchido pelos capitulos seguintes. Vocés devem ser capacitados a compreender as perguntas, os argumentos e as posigdes dos capftulos seguintes em um contexto | maior. Em filosofia, este tiltimo objetivo apresenta frequentemente difi- || culdades: justamente porque no pensar filos6fico a exatidao é muito im- portante, pois ha permanentemente o perigo de perder-se em detalhes e no final do raciocfnio talvez ter encontrado uma soluga’o engenhosa para um pequeno problema técnico, mas jé nao saber por que se pre- tendia, inicialmente, resolver esse problema. Portanto, uma introdugio a estética esté sempre fundamentada em uma decisao sobre uma determinada compreensio da estética. Somen- te assim é possfvel decidir sobre as perguntas a ser abordadas, os termos a ser explicados e as teorias a ser discutidas indispensavelmente em uma introdugio. Por esse motivo faz muito sentido iniciar uma introdugao com a pergunta sobre o que é, fundamentalmente, a estética filos6fica. Con- cretamente, pretendemos responder as trés seguintes perguntas: 1. A quais objetos dedica-se a estética filosofica? 2. Quais as perguntas que faz em relagao a esses objetos? 3. Com quais métodos procura responder a essas perguntas? 2. Os objetos da estética filosofica Inicio com a pergunta pelos objetos da estética filos6fica. Neste ponto convém fazer uma observagiio terminolégica acerca de um termo que estd onipresente neste livro: “objeto”. Utilizo esse termo em um senti- Doyto |. Oque éestéticafilosfica? «= 13 do um tanto técnico (ou seja, divergente do uso natural da lingua). No uso natural da lingua utilizamos 0 termo “objeto” frequentemente no mesmo sentido em que “coisa”. E ao usar “coisa” referimo-nos normal- mente a objetos materiais de tamanho médio (e inanimados), portanto Aquela espécie de coisas que podemos ver e tocar. Portanto, coisas de- vem ser distinguidas de acontecimentos, situagdes, qualidades, pensa- mentos, sentimentos e até de seres vivos. Eu utilizo o termo “objetoyem PGF, um sentido muito mais amplo. Em meu uso, também acontecimentos, situagdes, qualidades, pensamentos, sentimentos e naturalmente seres vivos so objetos. Um objeto é tudo sobre 0 qual se pode refletir, sobre 0 qual se pode falar, sobre © qual se pode saber algo ou acerca do qual se pode crer algo. Em poucas palavras: nesse sentido, tudo é um objeto. Esse uso do termo “objeto” aproxima-se muito do uso em expres- sdes como “o objeto da conversa”, “o objeto do debate” ou “o objeto da anélise (ou da investigagaio)”. O objeto de um debate ou de uma anilise nao precisa ser necessariamente uma coisa. O objeto de uma investiga- ao pode ser, por exemplo, uma morte ocorrida (portanto, um aconteci- mento); 0 objeto de uma conversa pode ser, por exemplo, a alegria sobre uma visita (portanto, um sentimento). Por isso, a pergunta: “A quais objetos dedica-se a estética filosGfica?” deve ser compreendida em um sentido muito amplo. Objetos da estética podem ser, em princfpio, néio apenas coisas, mas também acontecimen- tos, situagdes, qualidades, sentimentos etc. Em todo caso, nada disso est& excluido pela utilizagao do termo “objeto” na formulagao da pergunta. ‘Também as trés definigdes tradicionais mais conhecidas da estética _Trés definigdes filosofica procuram dar uma resposta pergunta pelos objetos da esté-_tedicionais da tica. Essas definigdes rezam: estética 1A estética é a teoria da arte. 2.A estética 6a teoria do Belo. 3.A estética é a teoria do conhecimento sensitivo. Naturalmente, podem-se agrupar também duas dessas caracterizagdes ou até todas as trés em uma tnica definig&o, como na caracterizagiio j& mencionada da estética como a teoria do Belo e da arte. No entanto, por motivos sisteméticos é titi] discutir essas trés definigdes primeiramente de modo separado. E jé adianto o resultado: elas nao sio adequadas como definigées da estética, nem separadamente, nem em conjunto. A teoria da arte é, sem diivida, uma 4rea parcial importante da estética, Muitos escritos estéticos dedicam-se a perguntas que devem ser subsu- 14 Introdugao a estética filoséfica - — a midas na teoria da arte. A pergunta fundamental da teoria da arte é: “0 que 6 arte?” Essa pergunta e outras mais especfficas da teoria da arte serio discutidas no tltimo capitulo. Estética ndo | Mesmo assim, nao se pode identificar a estética com a teoria da | ésomente | arte, pelo segundo motivo: um tema central da estética é a experién- | teoviadaarte | cia estética ou a vivéncia estética. (Aqui e a seguir utilizo os termos ™~ “experiéncia” [Erfahrung] e “vivéncia” [Erlebnis] como sindnimos.) No entanto, sem diivida acontece que muitas vivéncias estéticas se produ- zem mediante de obras de arte ou tém obras de arte como seu objeto. Podemos passar por uma vivéncia estética ao escutar uma miisica, ou ao ler um poema, ou ao contemplar uma pintura etc. No entanto, 0 ‘téticas nado se produzem exclusivamente ponto essencial é: vivéncias por meio de obras de arte, Vivencias estéticas podem ser causadas por coisas cotidianas inteiramente banais e em situagdes totalmente nor- mais do dia a dia. Posso fazer uma experiéncia estética ao ver um reflexo numa vidraga, ou uma mesa cuidadosamente posta, ou o padrao de um papel de parede etc. Além disso, vivéncias estéticas podem ser provocadas até por coi- sas e acontecimentos naturais, digamos por plantas, animais, pedras nio lapidadas pela mao humana, paisagens da natureza ou eventos da na- tureza (por exemplo, um trovao ou um arco-fris). Grosso modo, “coisas naturais”, “coisas da natureza” referem-se aqui a tudo que niio foi cria- do por seres humanos ou por outros seres inteligentes, mas que se for- mou, por assim dizer, “por conta propria”, de modo natural. (Contudo, hé argumentos em favor da suposigao de que, em casos espe bém uma coisa da natureza pode ser uma obra de arte. Esse tema sera discutido no tltimo capitulo.) Na literatura estética, encontra-se nesse contexto frequentemente a expresso “o Belo natural”. Normalmente, flores, montanhas ¢ um arco-fris nao so obras de arte, mas podem ter am estético sobre nés, quer dizer, podem gerar dentro de nés uma “experiéncia estética. Por esse motivo, € estreito demais definir a estética _____ filos6fica como uma teoria da arte. Estética nao A compreensao de que a estética seja a teoria do Belo foge da obje- ésomentea | fo que acabei de aduzir contra a opiniao de que a estética seja a teoria teoriado Belo | da arte: tanto obras de arte como coisas da natureza podem ser belas. Sem dtivida, a teoria do Belo faz parte da estética. Ainda assim, a defi- nig&o da estética como teoria do Belo nao é adequada, principalmente por dois motivos: 1. A teoria da arte coincide com a teoria do Belo apenas em uma pequena parte. E claro que hé um vinculo entre a arte e 0 Belo, Muitas pessoas tém a expectativa — explicita ou tacita — de que uma obra de arte seja bela, e de fato muitas obras de arte efetivamente sdo belas. No le |. Oque é estética filoséfica? entanto, muita coisa que nao tem nada a ver com beleza faz também par- te da teoria da arte. O problema da autenticidade de representagdes, 0 problema da relagao entre originais e falsificagdes e muitas outras ques- tdes da teoria da arte nao pertencem imediatamente a teoria do Belo. ~~ ~2. Nem todas as obras de arte so belas. E claro que alguém pode defender a opiniao de que nao pode haver obras de arte néo belas por- que um objeto que nao seja belo per definitionem nao é uma obra de arte. Quem argumenta dessa maneira utiliza um conceito de arte que inclui a beleza. Quando se utiliza tal conceito sobre a arte, vale necessa- riamente: tudo que é uma obra de arte é belo. Como ja mencionei, ainda discutirei exaustivamente 0 conceito so- bre a arte e seus problemas. Neste momento, deve bastar a observagao de que tal conceito sobre a arte em todo caso ndo corresponde & com- preensio geral da arte. Isso significa: existem muitos objetos amplamen- te reconhecidos como obras de arte que nao sio belos ou sao considera- dos nao belos. Podemos pensar, por exemplo, nas obras dos acionistas de Viena nos anos 1960, ou nos quadros de Gottfried Helnwein (nascido em 1948), ou nas charges de Manfred Deix (nascido em 1949), que intencio- nalmente sao assustadoras e repugnantemente feias. Mas podemos tam- bém retroceder mais na histéria da arte para encontrar exemplos de arte feia, por exemplo o quadro Medusa de Caravaggio (em torno de 1600), que representa de maneira muito realista a cabega de uma mulher da qual crescem serpentes e cujo rosto é horrivelmente torcido. Quem nfio aceita nada disso como arte unicamente porque nao é belo obviamente nao se refere & arte no sentido comum. Em todos os exemplos aduzidos, a feiura é intencionada pelos ar- tistas. No entanto, parece que uma obra de arte pode carecer de beleza também porque é malograda. Quem nega que isso seja possivel utiliza o termo “obra de arte” como sinénimo de “obra de arte bem-sucedida”. Nesse caso seria uma contradigao em si referir-se a uma “obra de arte malsucedida”. Uma obra de arte malograda seria tao impossivel quanto um quadrado redondo ou um solteiro casado. Também aqui é a0 menos duvidoso se um conceito de arte que seja de tal forma reduzido nao é demasiadamente estreito. Precisamos nos perguntar se é realmente uma contradi¢ao referir-se a uma “obra de arte malsucedida”. 3. Feiura e beleza nao sio as tinicas qualidades estéticas que exi tem. Coisas belas podem causar dentro de nés experiéncias estéticas e fazer isso, ao que parece, em razdo de sua beleza. A beleza nos toca es- teticamente. No entanto, ha também outras qualidades de objetos que podem nos tocar esteticamente. O vocabulario do estético abrange mais do que os dois predicados “belo” e “feio”. No capitulo III dedicaremos uma atengao especial aos Feira naare ] Adiversidade das quali des estéticas 15 16 Introducao a estética flosofica predicados estéticos. Por enquanto sero mencionados aqui apenas al- guns exemplos de predicados estéticos que nao podem ser reduzidos aos conceitos de “belo” e “feio”: “gracioso”, “sublime”, “sensibilizador’, “de forte expressio”, “chulo”, “enfado- Portanto, a estética nao é exclusivamente a teoria do Belo. Em outras palavras: 6 demasiadamente estreito definir a estética como a teoria do Belo. Mas também nao é adequado definir a estética como a teoria do Belo ¢ da arte, pois objetos que nao sao nem obras de arte nem belos podem, nao obstante, ter qualidades estéticas e, portanto, ser objetos da experiéncia estética. Portanto, tais objetos nao belos que nao sio obras de arte deveriam ser inclufdos também na Area da estética, a estética precisa ser mais do que a teoria do Belo e da arte. Voltemo-nos agora para a definicio de Baumgarten: “Estética 6a teoria do conhecimento sensitivo (portanto, da percep¢iio sensitiva)”. A luz de nossa compreensio cotidiana moderna, essa definigao pode pa- recer um tanto esquisita. Nao obstante, ela esté muito profundamente arraigada na histéria da estética. E claro que para a estética uma teoria sobre a percepeao sensitiva € muito importante, pois a percepgao sensitiva desempenha um papel importante para vivencias estéticas. Nao é apenas o fato de que a maior parte dos modos (se niio todos) da experiéncia estética nem sequer seria possivel sem a percepgdo sensitiva. Se teremos ou nao uma experiéncia estetica em uma deterpinada situasio dependerd de o que percebe: lependera de o que percebemos _Tiessa situagao sensitivamente ¢.como 0 percebemos. Portanto, uma es- tética abrangente nao poder renunciar a usar uma teoria sobre a per- cepgio sensitiva. Isso significa: precisamos refletir sobre como funciona a percepgio sensitiva, como pode ser dirigida, quais nfveis e elementos da percepgao sensitiva podem ser distinguidos, por meio de que a per- cepgaio sensitiva se torna passivel de influéncias etc, Essas perguntas sfio importantes para a estética. Mesmo assim, nao é adequado identificar a estética com uma teo- ateoriasobrea | ria sobre a percepgio sensitiva, por dois motivos: ep gio sensitiva 1. Nem toda experiéncia de percepgio sensitiva é um; estética, Em outras palavras: \ toda percepgio é uma percepeo es- tética. A percepgao sensitiva é um dos instrumentos de Percepcao mais importantes que possufmos. Mas 0 reconhecimento de qualidades esté- ticas 6 apenas uma entre muitas outras possiveis aplicags, mento. Nesse sentido, a caracterizagio da estética co percepeao sensitiva 6 demasiadamente ampla. Estética nao. a experiéncia es desse instru- mo teoria sobre a aos objetos da area da estética. Textos literdrios t¢m qualidades estéti- cas. Mas as qualidades estéticas de textos literarios siio apenas em par- te qualidades sensoriais. Ao dizer “qualidades sensoriais”, refiro-me a qualidades que podem ser percebidas com os sentidos. Qualidades de ritmo e de som de um poema ou de um texto em prosa sdo qualidades estéticas sensoriais. No entanto, uma obra literéria pode ter também outras qualidades estéticas, por exemplo tensao, poesia e humor. Essas qualidades estéticas podem ser muito importantes para uma obra lite- riria, mas no so qualidades sensoriais. Quando escutamos a leitura de uma narrativa em um idioma que nao entendemos, podemos, no méximo, vislumbrar essas qualidades estéticas no sensoriais por meio da entonagao de quem faz a leitura, mas nao podemos percebé-las ¢ capté-las verdadeiramente. Nesse sentido, a caracterizagao da estética _como a teoria sobre a percepgio sensitiva é demasiadamente estreita. Portanto, caracterizar a estética como a teoria do conhecimento sen- sitivo €, por um lado, amplo demais, porque a érea do conhecimento sensitivo abrange muito que nao pertence A estética. Por outro lado, porém, essa caracterizagao é também estreita demais, porque a estética abrange muito que nao pertence A percepgio sensitiva. Por isso, podemos registrar que nenhuma das trés definigdes tra- dicionais famosas de estética 6 adequada. Cada uma delas é ou estreita demais ou ampla demais, ou até as duas coisas ao mesmo tempo: estrei- to demais em um determinado aspecto, amplo em algum outro. A luz disso é facilmente compreensivel que também nenhuma combinagao das trés caracterizagées discutidas resulta em uma definicdo adequada. Proponho agora uma definigao da estética que inclui tanto a teoria da arte como a teoria do Belo e também alguns aspectos da teoria sobre a percepe¢ao sensitiva. Ela reza: r ET 1 | Aestética é a teoria da experiéncia estética, dos objetos estéticos e das qualidades | estéticas. A primeira vista, essa definigao parece ser circular. Uma definigio é circular quando o definiens (a parte “explicadora” da definigio) pode ser compreendido somente quando j4 se compreendeu o definiendum (o termo que deve ser definido). No presente caso, o definiendum € 0 ter- mo “estética”; o definiens é “teoria da experiéncia estética, dos objetos estéticos e das qualidades estéticas”. Por isso, a definigio seria circular LO que é estética filosofica? (Uma definigso, alternativa de estética 17 . 18 Introdugao a estética filoséfica Objeto estético Experiéncia estética Qualidade estética quando se pudessem compreender as expressdes “experiéncia estética’, “objeto estético” e “qualidade estética” somente sob a condigao de jg saber o que significa “estética”. E claro que uma definigdo circular esta defeituosa, pois nao nos proporciona uma melhor compreensio do termo definido — e afinal esse € 0 objetivo de uma definigao. No entanto, a definigao proposta de “estética” nao é circular. E verdade que os termos “experiéncia estética’, “objeto estético” e “qualidade estética” precisam certamente ainda de explicagio. (Grande parte deste livro esta dedicada a essa tarefa.) Mas nao precisam ser definidos com a ajuda do termo “estética”. A definigao seria circular quando, por exemplo, o termo “experiéncia estética” fosse definido como uma espécie de experiéncia a qual esté dedicada a esté- “Tica'(o mesmo vale de modo andlogo para “objeto estético” e “qualidade estética”). Esse grave erro, porém, pode facilmente ser evitado. Aqui ainda nao é possivel antecipar os resultados das pesquisas a seguir. Mesmo assim, é possivel ajudar a ter uma ideia inicial sobre o que se quer dizer ao se referir a experiéncias estéticas, objetos estéticos e qualidades estéticas. Os termos “experiéncia estética”, “objeto estético” e “qualidade esté- tica” t@m uma fntima relagdo entre si, de tal modo que cada um deles pode ser definido por meio dos dois outros. Por exemplo, € possivel definir 0 termo “objeto estético” e 0 termo “experiéncia estética” coma ajuda do termo “qualidade estética”: Um objeto estético é um objeto que possui (ao menos) uma qualidade estética. Uma experiéncia estética é uma experiéncia que inclul a percepgao de uma qua- | lidade estética. Nessas definigées, usa-se 0 termo “qualidade estética” para explicar 0 termo “objeto estético” e o termo “experiéncia estética”, No entanto, é certo que essas definigdes nao informam nada sobre aquilo que de- vemos entender por uma qualidade estética. Mas poderiamos definir 0 termo “qualidade estética” como segue: Uma qualidade estética é uma qualidade que pode ser percebida mediante uve | experincia estética | Essa definigao explica o termo “qualidade estética” com a ajuda do ter- mo “experiéncia estética”. Essa definigio, considerada isoladamente. |. Oque é estética filoséfica? nao € circular, e tampouco € circular a definigiio da experiéncia estética. Contudo, em conjunto, essas duas definigdes formam um circulo: expli- ca-se um termo A pelo termo B, e explica-se o termo B pelo termo A. Obviamente, algo assim é defeituoso enquanto definigdo. Pois quando podemos entender o termo “A” somente quando entendemos 0 termo “B”, e quando podemos entender 0 termo “B” somente quando entendemos o termo “A”, entiio entendemos ou tanto “A” como “B”, ou nao entendemos nem “A” e nem “B”, Em ambos os casos, uma de- fini¢ao do termo A por meio do termo B (ou vice-versa) seria initil. No primeiro caso, ela seria iniitil porque j4 entendemos 0 significado de “A” e de “B”, portanto nao precisamos de uma definigao. No segundo caso, ela seria indtil porque nao nos adianta de nada. No entanto, isso no significa que cfrculos definitérios precisam ser totalmente imtiteis em todos os aspectos. Quando j4 temos uma com- preensio acerca de “A” ou de “B” (ou até de ambos), ent&o pode haver também um ganho de conhecimento quando se torna claro para nés quais relagGes existem entre os termos A e B. Isso no muda nada, porém, no fato de que nao podemos, em uma mesma teoria estética, definir o termo “experiéncia estética” por meio do termo “objeto estético” e também definir 0 termo “objeto estético” por meio do termo “experiéncia estética”. No méximo podemos adotar uma dessas definigdes como defi em nossa teoria estética. O res- pectivo termo diferente precisa ser definido diferentemente ou precisa permanecer indefinido. Em cada teoria ha termos indefinidos, e isso acontece necessaria- de um termo precisamos utilizar outros termos. E verdade que podemos definir esses termos, por sua vez, mas para isso precisamos novamente de termos, e assim por diante. Em algum ponto precisamos romper essa corrente de definigio — simplesmente em virtude do fato de que “Somos seres finitos. Como cada teoria pode conter apenas um nimero finito de definigdes, em cada teoria alguns termos precisam permanecer indefinidos (sob a condigio de querer evitar a circularidade). Podemos considerar essa consequéncia inevitével de nossa finitude insatisfat6ria, mas ela nao é fatal, pois felizmente existem muitos termos que entendemos muito bem sem jamais té-los definido. Provavelmente vocé € capaz de atribuir algum sentido aos termos “objeto estético”, “qualidade estética” e “experiéncia estética”, embora talvez nao seja um sentido muito claro, Mas deveria haver alguma compreensao basica que pode servir de ponto de partida. Se esse nao € 0 caso, pode-se recorrer a exemplos. Poder-se-ia responder & pergunta “O que é uma qualidade Termos indefinidos 19 20 introdugio & estética filoséfica_ a — ee estética?” com a apresentagao de exemplos tipicos e indisputados: bele. za, sublimidade e graciosidade so exemplos universalmente reconheci. dos de qualidades estéticas. Se conseguissemos tornar mente claro unicamente pela aj de exemplos, poderfamos “Tratar esse termo como um térmo bsico indefinido e aduzi-lo para a “Gefinigao da experiéncia estética € do objeto estético sem acabar em um circulo. No entanto, mais adiante neste livro mostrar-se-4 que o termo “qualidade estética” é na verdade mais complicado do que parece a primeira vista. Por isso proponho escolher, em vez dele, 0 termo “ex- periéncia ” como termo indefinido. Dessa maneira, esse termo pode ser utilizado para definir 0 objeto estético e a qualidade estética. Sob a condig&o de que a beleza é uma qualidade estética, vale: um ob- jeto que é belo é um objeto estético. Quando captamos a beleza de um 7 objeto, temos uma experiéncia estética. Digo deliberadamente “captar” Vtwcther VA. cma qualidade estétca e nto "percebs™ A percepeto é um modo de Caper captagio, mas nem toda percepgao é uma captagao. A percepgio nio nos diz, por exemplo, que um romance possui suspense. A qualidade de possuir suspense niio é captada pelos sentidos. E facil ver que a definigao da estética que estou propondo inclui | conform essa definigio, a teoria do Belo é uma area parcial da estética, porque a beleza é uma qualidade estética. Segundo, conforme essa de- 2 finigao, a teoria da arte é uma érea parcial da estética, no sentido de que obras de arte sio objetos estéticos. Terceiro, conforme essa definigiio, a % teoria sobre a percepgao sensitiva é uma forma da experiéncia estética, na medida em que a percepgio sensitiva 6 um elemento essencial da experiéncia estética. Como ja dissemos, o termo “experiéncia estética” sera elucidado exaustivamente no préximo capitulo. Digo conscientemente que uma ex- Periéncia estética inclu! a captagio de uma qualidade estética — e nfo jue uma experiénci: ica consiste na captacao de ima qualidade esté- tica. Pois uma expe ‘ética (do modo como 6 termo deve ser com- preendido aqui) pode ser uma vivéncia muito complexa e incluir muitos aspectos — néio somente a captacio de qualidades estéticas, No entanto, | eis a pergunta bisica{o que acontece em nés kuando fazemos experién- > cias estéticas, e o que distingue vivéncias estéticas de outras vivencias? Saber quais objetos possuem qualidades estéticas (e, logo, so obje- tos estéticos) é uma questiio que serd tratada no terceiro capitulo. Nele ser discutida também a natureza de qualidades estéticas. A estética pre- cisa se ocupar com as seguintes perguntas, entre outras: Qual é o espe- cffico de qualidades estéticas? Quais sao, afinal, as qualidades estéticas? Quais as relagdes entre qualidades estéticas e qualidades nao estéti- cas? Como se podem reconhecer qualidades estéticas? Agora, a pergunta feita acima: “Com quais objetos ocupa-se a filo- s6fica estética?”, pode ser assim respondida: a estética filosdfica ocupa- se com qualidades estéticas, com objetos estéticos (isto é, com objetos que possuem qualidades estéticas) e com experiéncias estéticas (isto é, com experiéncias que incluem a captagao de qualidades estéticas). 3. As perguntas da estética filoséfica Portanto, acabamos de dar uma resposta & pergunta sobre os objetos com os quais a estética filos6fica se ocupa. Mas a pergunta sobre quais as per- guntas que a estética filoséfica faz e procura responder em relagdo a esses objetos nao pode ser respondida de tal forma concisa. Ainda assim, po- dem-se oferecer algumas pistas, e em parte clas jé foram dadas, Em rela- Go a qualidades estéticas interessam as seguintes perguntas, entre outras: Seré que qualidades estéticas (genufnas) existem ou ser4 que qualida- des pretensamente estéticas sio derivadas de outras qualidades, quali- dades nao estéticas? E, se qualidades estéticas existem, quais existem? Quais siio suas relagdes entre si e com qualidades nao estéticas? O conceito da beleza, do Belo, é um conceito central da estética. Desde a Antiguidade fildsofos se tém feito a pergunta sobre 0 que é 0 (Belo.|Pode-se compreender essa pergunta da seguinte maneira: O que queremos dizer, exatamente, quando dizemos de um objeto que ele 6 belo? Queremos atribuir com isso a esse objeto uma qualidade (da mes- ma maneira como dizemos que um objeto € vermelho ou que tem uma altura de dois metros) ou queremos dizer com isso apenas que gostamos do objeto? Isso nao é a mesma coisa. No primeiro caso falamos somente do objeto de nossa contemplagao e 0 caracterizamos ao descrevé-lo. No segundo caso falamos do objeto de nossa contemplagao e também de nés mesmos, e ndo descrevemos verdadeiramente o objeto, apenas o caracterizamos mediante sua relagao conosco, ao dizer que ele tem um determinado efeito sobre nés. Intimamente vinculada ao problema das qualidades estéticas esta a pergunta pela validade e pelo significado de juizos estéticos, especial- mente de juizos valorativos estéticos. Um juizo valorativo estético é um juizo por meio do qual se atribui a um objeto um predicado de valor ___ 1. Oque é estética filoséfica? Os objetos daestética Apergunta pela existéncia de qualidades estéticas A pergunta pela validade de jutzos estéticos 21 22 Introdugao a estética floséfica estético. “Belo” é um predicado de valor estético. Portanto, um juay da forma “X é belo”, por exemplo “Este quadro é belo”, € um juizo va. lorativo estético. Aqui, as perguntas mais importantes sao: Como se deve interpretar um jufzo da forma “X é belo”? Trata-se de um genufno juizo valorativo ou apenas da expresso de um sentimento? Se se trata de um genutno juizo valorativo, ele pode ser verdadeiro? E, se pode ser verda. deiro, como se pode reconhecer se é verdadeiro ou nao? Suponhamos: duas pessoas, A e B, conversam sobre o novo edificio. X. A diz que X é belo, B o nega. Ao que parece, aqui ha uma diferenca de opinido entre Ae B. Mas quando “X é belo” significa “Gosto de X” entio no pode haver uma diferenga de opinido entre A e B, pois, como diz um dito popular bem conhecido, “Gosto nao se discute”” No entanto, quando nao é possivel reduzir “X 6 belo” a “Gosto de X’, entiio se impoe a pergunta: Que espécie de qualidade é 0 Belo? Pois 0 intrigante do Belo é o seguinte: por um lado, beleza parece ser algo que se capta no caso de ela estar presente. Beleza niio se reconhece 20 Pepe conelusses. Una pessoa que julga que um determinado edificio é lo nao chegou a esse juizo por meio de conclusées légicas, por exem- plo do tipo: “O edificio é composto de granito, concreto, ago e vidro, partes da fachada esto pintadas de azul... (etc.)... e disso se segue: 6 belo”. Da mesma maneira, por esse caminho nfo se chega ao juizo de que 0 edificio ndo é belo. Em todo caso, esse procedimento seria muito precario, e normalmente também nao procedemos assim. Normalmen- te chegamos a jufzos estéticos sobre edificios, esculturas, quadros etc. ao contemplar esses objetos. Mas justamente aqui ha um problema, Suponhamos: A e B tém ambos uma vista normal e uma boa satide mental ¢ olharam para o edi- ficio sob as mesmas condigdes externas. Como é& que se pode explicar entio que nao julgam da mesma maneira em relagao A beleza de X? Perguntas como essa so extremamente centrais na estética, e vamos nos confrontar com elas no capitulo IIT. Com relagao a objetos estéticos, precisa-se esclarecer primeiro quais objetos podem ser objetos estéticos (ou seja, portadores de qua- lidades estéticas): sera que sio os objetos materiais que podemos ver e tocar ou sao objetos de nossa mente? Intimamente |i gunta esté uma outra, sobre como objetos estéticos chegam a existir. Na mama rs ane hrm an oi dh teoria dos objetos es tétic centido mais ample wroes {2% Parte da ijetos estéticos no se is amplo. Neste livro, a per gunta geral pela natureza dos objetos estéticos ser4 tratad: sha IIL. Os capitulos IV e V dedicar-se-fo a diversas freas da tena) capitulo ‘coria da arte. gada a essa per No que diz respeito a experi€ncia estética, trata-se principalmente do esclarecimento da pergunta: O que constitui a natureza de uma expe- riéncia estética? Em outras palavras: O que distingue experiéncias estéti- cas de experiéncias nao estéticas? Aqui nao se devem confundir experién- cias “niio estéticas” com experiéncias anestéticas! Quem experiencia algo como “anestético”, portanto como “nfo belo” [“a-belo”], tem uma expe- Tiéncia estética. No entanto, o que constitui verdadeiramente a diferenga ‘entre experiéncias estéticas e nao estéticas? O que é 0 caracteristico de uma experiéncia estética? Ser que existe algo como uma “atitude estéti- ca” particular? E, se ela existe, em que consiste? Ha muitas formas diferentes de experiéncias, e nem todas so expe- riéncias estéticas. Pense, por exemplo, nas famosas imagens do atentado de 11 de setembro mostradas na TV. Essas imagens tiveram um forte impacto psicoldgico sobre a maioria das pessoas que as viram. Muitas relatam que reagiram a elas com horror ou medo — ou também com incredulidade ou perturbagio, ira, édio ou sentimentos de impoténcia, ou com tudo junto. Essas experiéncias no sio experiéncias estéticas. Mas hé também pessoas que relatam que essas imagens tiveram um efeito estético sobre elas. Por exemplo, em uma conferéncia de impren- sa, 0 compositor alemao Karlheinz Stockhausen afirmou que o atentado contra o World Trade Center teria sido uma obra de arte (essa afirmagao foi citada no jornal Welt do dia 18 de setembro de 2001, entre outros). Isso provocou muita critica, sobretudo critica moral. No entanto, aqui nao deve se tratar de uma critica moral e também nao de perguntar se Stockhausen tinha razdo ou nao. Tomamos a afirmagio de Stockhausen apenas como indicio pelo fato de que as imagens do atentado tinham um efeito estético sobre ele. A questo filosoficamente interessante é: efetivamente temos familiaridade com experiéncias estéticas, e somos capazes de distinguir experiéncias estéticas de experiéncias nifo estéti- cas. Em que, porém, consiste exatamente essa diferenca? Esta € uma pergunta que esta no centro da estética filoséfica. 4. Os métodos da estética filoséfica Até aqui discorremos sobre as perguntas acerca dos objetos com as quais a estética filos6fica se ocupa e sobre a quais perguntas ela procura res- ponder. Resta ainda responder a uma terceira pergunta: Com quais métodos a estética filos6fica procura responder a suas perguntas? Para esclarecer isso, € titil comparar a estética filos6fica com outras espécies de estética. Como jé mencionado, estética existe nao apenas na filosofia, mas também em outras disciplinas. No que diz respeito aos ob- |. O que é estética filoséfica? Apergunta pela natureza de experiéncias estéticas Estética filosofica e est do filosofica 23 Bo empirica jetos, estes quase no se distinguem da estética filoséfica. As diferencas residem antes nas questdes e perguntas e, vinculados a elas, nos métodos, O termo “estética” em geral é ainda mais amplo e também menos nitido do que o termo “estética filosdfica”. Dedicam-se a estética (no sentido mais amplo), além de filésofas, também psicdlogos, socidlogas, cientistas da misica, da literatura, historiadores da arte, criticas de li- teratura e também artistas, na medida em que nio somente produzem arte, mas também refletem sobre seu trabalho. Em um primeiro passo pode-se definir assim a estética filos6fica: a estética filos6fica é uma estética genérica e ndo emptrica. Portanto, ela deve ser distinguida de estéticas especificas e empfricas. Por “estética espectfica” podem-se compreender duas coisas: por um lado, isso pode se referir & estética de uma determinada espécie de objetos ou obras de arte, por exemplo: estética da miisica, da literatura, da jardinagem, da habitagao, da vestimenta etc. Por outro lado, “estética especifica” pode se referir também a uma ocupagio estética com objetos indivi- duais, por exemplo a uma andlise e uma critica de um determinado filme, de um determinado quadro, de um determinado romance etc. Nesse tipo de estética especifica trata-se de descrever e avaliar obras de arte individuais e, principalmente, de justificar os jufzos valorativos estabelecidos — muitas vezes com a intengao de levar os leitores a re- conhecer a razdo de um juizo valorativo. Quando é possivel distinguir dois significados de “estética especi- fica”, entdo é também possivel distinguir dois significados de “estética 6 torabd fod. 1, genética”. Por um lado, uma estética pode ser genérica no sentido de de Gothen & Estética filoséfica ectttica de arte nao se ocupar exclusivamente com objetos de uma determinada espécie (portanto, nao ser exclusivamente estética da arte, da literatura etc.). 2 / Por outro lado, uma estética pode ser genérica no sentido de dedicar-se nao unicamente a anilise ¢ a critica de obras de arte individuais (ou de outros objetos estéticos). A estética filoséfica é tendencialmente genérica, em ambos os sig- nificados de “genérico”, embora haja também uma estética filos6fica da miisica, da literatura ete. Ela 6 genérica, porém, especialmente no segundo sentido. Isso quer dizer: niio 6 uma tarefa da estética filoséfica analisar ou avaliar objetos de arte ou outros objetos estéticos individuais. Isso ja evidencia de que ndo se trata no presente livro: nao se trata de uma anillise e uma critica de obras de arte individuais. Portanto, niio sio emitidos juizos valorativos sobre obras de arte (a ndo ser eventiralmente no contexto de um exemplo, mas nesse caso a intengso nau é levar as leitoras & aceitagdo desse respectivo juizo valorativo), No entanto, nao pretendo ocultar o fato de que ce; téticos consideram efetivamente ser sua tarefa estabe}, ttos fildsofos es- ‘cer e justificar juizos valorativos concretos sobre obras de arte individuais. Emitir e jus- tificar jufzos valorativos sobre obras de arte é a tarefa da critica de arte. E para que nao haja mal-entendidos devemos dizer: aqui no se deve entender por “critica de arte” aquilo que encontramos frequentemente naquela pAgina dos jornais que trata de cinema, a saber, uma descrigéo superficial (por exemplo, do enredo de um filme) mais uma avaliagio muitas vezes no justificada em seus detalhes (por exemplo, acerca do desempenho das atrizes ou do diretor), Critica de arte no sentido aqui tencionado € um empreendimento mais exigente. Critica de arte no sentido aqui tencionado ndo serve meramente para facilitar a decisiio de potenciais visitantes de concertos, cinemas e exposigdes quando se perguntam se vale a pena investir tempo e dinheiro, por exemplo, para assistir a uma determinada encenagio. Ao contrario, ela pretende levar a uma compreensao mais profunda de uma obra (ou também de uma de- terminada encenacio/apresentagiio de uma obra). Na maioria dos casos (mas néio necessariamente), essa espécie de critica de arte inclui jufzos valorativos estéticos, embora encontremos geralmente também razées para esses jufzos. Pois a mera constatagiio de que, por exemplo, uma encenagio € boa ou ruim nfo nos ajuda a chegar a uma compreensao mais aprofundada. Contudo, pode levar a uma compreensao aprofunda- da dizer por que uma determinada encenagao é boa ou ruim. A leitura de tal eritica de arte pode levar a uma compreensdio mais aprofundada da obra comentada até em um caso em que nao concordamos com os juizos valorativos do critico de arte. Obviamente, nao se pode excluir a possibilidade de que uma mes- ma pessoa seja filésofa e também critica de arte (e efetivamente ha exemplos famosos disso). Naturalmente, é também possivel que a mes- ma pessoa faga tanto uma boa filosofia de arte como uma boa critica de arte. Mas isso n&io muda nada no fato de que as tarefas e os métodos da filosofia de arte siio distintas das tarefas e dos métodos da critica de arte. No ambito desse complexo, um procedimento que € muito bem- sucedido na critica de arte pode ser inteiramente inadequado na filoso- fia, e vice-versa. Uma das tarefas mais importantes de criticos de arte é sensibilizar as pessoas a que se dirigem acerca das qualidades estéticas de uma obra e apontar caracteristicas relevantes que poderiam passar despercebidas por pessoas sem pratica ou sem informagoes suficientes. Poderfamos também dizer: a fungao (ou, em todo caso, uma das fungdes importantes) da c je art -consiste em ensinar-nos a perceber obras_ de arte. Para conseguir isso, é frequentemente util oferecer uma anélise “dos dets detalhes da respectiva obra. Raramente ou wate é jamal um (bom) eri |. O que é estética filosofica? Filosofia de arte 130 € critica de arte 25 26 Introduce & estética filoséfica pe “Zstética 6 uma disciplina que se por meio de uma derivacao, conforme o padrao: “Esta obra possui a qualidade F. Cada obra que possui a qualidade F é bela. Logo, esta obra é bela”. Ao contrrio, é tipico que um critico de arte aponte determi- nadas qualidades da obra na esperanga de que essa condugio de nossa atencdo faga que nés mesmos percebamos que a obra é bela. Em contraste, é tipico da filosofia tratar de principios genéricos e de sua justificativa, e nfio na mesma medida tratar de casos individuais especificos. Quando se misturam as tarefas e os métodos da critica de arte e da filosofia, corre-se o perigo de que © resultado seja ou uma mi filosofia ou uma mé critica de arte ou, no pior dos casos, as duas coisas. Isso pode se concretizar, por exemplo, num caso em que um filésofo generaliza suas preferéncias estéticas pessoais e depois aduz esses prin- Os para a justificativa de juizos valorativos sobre determinadas obras de arte. Obviamente, tal procedimento nao é satisfatério nem do ponto de vista da filosofia nem do ponto de vista da critica de arte. Quem nao compartilhar as preferéncias estéticas daquele filésofo de antemao nio serd capaz de aceitar como plausfveis seus prinefpios estéticos, e yuem no considerar plausiveis os princfpios estéticos achara que os jufzes estéticos valorativos sao mal justificados. Por isso mantenho a opinifio de que a estética filoséfica é uma esté- tica genérica (no segundo sentido). Isso quer dizer: niio se trata da defesa de juizos estéticos valorativos concretos sobre objetos individuais, mas sim, entre outras coisas, de perguntas que dizem respeito & natureza de _juizos valorativos estéticos, por exemplo: Qual é fundamentalmente 0 significado de um jufzo valorativo estético? O que exatamente queremos dizer ao afirmar, por exemplo, que um objeto é belo? Qual é o “sta- tus l6gico” de um jutzo valorativo estético? Em outras palavras: Juizos valorativos estéticos sio afirmagdes acerca de qualidades objetivamente existentes ou so antes recomendagdes para perceber um objeto de um determinado modo? Se juézos valorativos estéticos séo afirmagdes, po- dem eles ser justificados? F, se esse 6 0 caso, como? Sera que nas coisas existem qualidades estéticas como qualidades objetivas? Se esse é 0 caso, qual é sua relacdo com qualidades nao estéticas? Se existem qualidades estéticas, quais objetos so portadores dessas qualidades? Essas perguntas referem-se ao fundamento da estética especifica. Poderfamos também dizer: uma estética que se ocupa com essas questbes € perguntas tem como objeto verdadeiro a estética espectfica. Pois aqui se trata de compreender o que estamos fazendo quando fazemos estéti- ca espeetfica, ¢ como o estamos fazendo, Por isso, essa espéci gene é ocasionalmente chamada também de metaestética’ A meta- |. Oque € estética filoséfica? = 27 fica. No entanto, aqui continuo a usar o termo compacto e universalmen- te habitual “estética” para designar aquilo que é tratado neste livro. f Portanto, a estética filos6fica deve ser distinguida da estética espe- [Stren cifica ou das estéticas espectficas. Contudo, a estética filos6fica deve ser distinguida também da estética empirica. Entendo por “ciéncia emptri- ca” uma ciéncia cujas questdes devem ser decididas fundamentalmen- te por observacio e experimento. Fazem parte da estética empirica a _estética psicoldgica e a estética sociolégica. A festética psicol6gica per- vy “tencem, por exemplo, Pesquisas sobre com quais sentimentos pessoas reagem a determinadas caracteristicas esteticamente relevantes. Por exemplo, psicdlogos podem apresentar &s pessoas com as quais fazem suas experiéncias determinadas combinagGes de cores ou desenhos, as “cobaias” devem dizer se acham belos ou nao os padrées e estampas apresentados. A estética pode consistir também em tentar verificar por que um determinado objeto tem o efeito que tem: por exemplo, de que depende se experienciar uma determinada sequéncia de sons como har- ménica ou desarménica, como empolgante ou entediante? Com quais meios formais sao suscitadas as respectivas experiéncias estéticas? E possivel tentar encontrar padrées psicolégicos que estao na base disso, mas isso nao pertence a estética filos6fica. Fazem parte da estética sociol6gica, por exemplo, pesquisas emp (7 ricas sobre as relagdes entre a arte e a sociedade. Uma sociéloga pode ane 5 analisar, por exemplo, a estrutura e os mecanismos da produgao de arte, ae. ou pode-se pesquisar quais as relagées entre grau de educagiio, pro- fissio, local de moradia e interesses e preferéncias estéticos. Também estas nao sao questées da estética filoséfica. Como dissemos no inicio, neste livro trata-se exclusivamente da estética filos6fica. O fato de que distingo explicitamente a estética filos6fica de estéticas empiricas poderia suscitar um mal-entendido. Esse posstvel mal-entendido surge em virtude do fato de que a palavra “empiria” (pro- veniente do grego) significa “experiéncia”, e € por isso que as ciéncias empfricas frequentemente também sao designadas como “ciéncias da experiéncia”. Isso poderia sugerir que uma ciéncia no empfrica estives- se totalmente desligada de qualquer experiéncia. No entanto, de modo algum quero dizer isso quando afirmo que a estética filoséfica nfio é uma ciéncia empirica. A experiéncia (especialmente a experiéncia estética) desempenha na estética filos6fica efetivamente um papel importante. Sem a experiéncia estética, provavelmente nao existiria uma estética filos6fica, porque a experiéncia estética talvez. seja o objeto mais impor- tante da estética filosdfica. Para um ser que desconhece experiéncias 28 Introducao a estética flosbfica Os métodos da andlise de um termo ou conceito estéticas, a estética filosdfica serviria provavelmente to pouco quanto uma teoria das cores para um cego de nascenga. O que torna as ques- tdes da estética filoséfica empolgantes é o fato de que elas, em tltima andlise, t¢m como objetivo proporcionar-nos uma melhor compreensio de um determinado tipo de experiéncias — experiéncias que conferem a nossa vida uma qualidade muito determinada, independentemente de estarmos ou nfo cientes disso. Entretanto, a estética filos6fica nao é empirica no sentido de que suas perguntas pudessem ser respondidas por meio de observagio ¢ ex- “perimento. E isso que a distingue, por exemplo, da estética psicolégica e da estética sociolégica. Dissemos que a estética psicolégica dedica-se, entre outras, a tare- fa de encontrar relagées padronizadas psicolégicas entre determinadas estampas, por um lado, e experiéncias estéticas, por outro. Nessa formu- lagdo do problema ocorre o termo “experiéncias estéticas”. Isso significa que se pressupde que entendemos o que é uma experiéncia estética, Na estética psicolégica usa-se esse termo, mas ele mesmo nao é tematizado. Algo diferente acontece na estética filos6fica: aqui perguntamo-nos 0 que é, fundamentalmente, uma experiéncia estética. Dissemos também que a estética sociolégica dedica-se, por exem- plo, & relagdo entre a arte e a sociedade. Essa problemitica pressupde 0 termo arte, sem que o proprio conceito de arte seja tematizado. Quan- do uma socidloga pretende pesquisar 0 papel que a arte desempenha na vida de operdrias ou estudantes ou camponeses, ela precisa decidir quais objetos pertencem a drea da arte e quais nao. Os resultados de sua pesquisa dependerdo em grande medida disso, Por exemplo, quando a ,{ Pergunta é: “Quanto tempo a pessoa A investe por més para desfrutar || de arte?”, 6 preciso ter decidido, por exemplo, se determinadas novelas || de TV devem ou nao ser consideradas arte quando uma pessoa que faz || parte do grupo analisado consome novelas. | Na estética filos6fica tematiza-se 0 conceito de arte como tal. Per- guntamo-nos 0 que é arte, portanto perguntamos 0 que distingue obje- tos que chamamos de “obras de arte” de objetos que nao consideramos obras de arte. Esses exemplos querem deixar mais claro 0 que significa dizer que a estética filos6fica (como toda a filosofia) nao é uma ciéncia empirica. Seu método nao é, ou em todo caso nao é prioritariamente, a observa- Go e o experimento, e sim a andlise de conceitos e termos. Nenhuma anilise empirica pode nos responder a pergunta “O que é arte?” ou “O que distingue uma experiéncia estética de experiéncias niio estéticas?”. Essas perguntas podem ser esclarecidas somente por meio da anélise |. Oque € estética filoséfica? dos respectivos conceitos e termos, e 0 mesmo vale para todas as per- guntas da estética filoséfica. “Anilise” significa algo como “decomposigao”. Podemos decom- por apenas algo que € composto, complexo, quer dizer, algo no qual podemos distinguir varias partes. Portanto, analisar conceitos e termos significa separar seus clementos. Termos sao algo abstrato. Como se pode decompor algo abstrato? Termos sao os significados de expressdes (genéricas). Por exemplo: o ter- mo “arte” é aquilo que significa a palavra portuguesa “arte” (e também a palavra inglesa art, a palavra alema Kunst etc.). A andlise de um termo acontece quando se indica o significado de uma expressao por meio de outras expressdes, cujos significados estao “contidos” no significado da expressao original. Frequentemente, a andlise de um termo ou conceito tem a forma de uma definig&o. Por exemplo: “Uma obra de arte é um artefato (portanto, um objeto produzido artificialmente) que nZio pos- sui nenhuma utilidade prética”. Aqui se analisa 0 termo “obra de arte”. Segundo essa anélise, o termo “obra de arte” contém dois elementos, a saber, por um lado, o significado da expresso “artefato” e, por outro, da expressfio “sem utilidade pritica”. Neste ponto, gostaria de fazer algumas observagées fundamentais sobre definigdes na filosofia que visam a contribuir para uma melhor com- preensao dos métodos na estética filosdfica. J4 deveria ter ficado claro que a estética filoséfica dedica-se frequentemente a busca de definigoes. Este capitulo é dedicado a uma definigao de “estética”. Nos capitulos seguintes procuraremos, entre outras, uma definigao da experiéncia es- tética, da atitude estética e da arte. Por isso poderia ser util comentar de modo muito geral o que é basicamente uma definigao, por que estamos procurando definigdes e, nado menos importante, quais condigdes uma definigdo precisa cumprir para que possamos aceité-la. Com grande frequéncia, perguntas filos6ficas tém a forma “O que é x?” Isso vale também para muitas perguntas na drea da estética. Por exemplo: “O que é beleza?” —“O que é arte?” —“O que é experiéncia estética?” Perguntas desta forma nem sempre podem ser respondidas pela apresentago de exemplos. Por exemplo, quem procura responder a pergunta “O que arte?” por meio de um elenco de algumas obras de arte nao entendeu qual é 0 verdadeiro objetivo da pergunta. “pergunta nao estaria respondida adequadamente nem por uma enume- Tagao de todas as obras de arte existentes. Muitas vezes, perguntas filo- s6ficas na forma de “O que é x?” exigem como resposta uma definigao. No entanto, isso nao significa que nao poderia fazer sentido procurar exemplos. De fato, a procura da definigao do conceito ou termo “arte” Definigées na flosofia 29 estética filoséfica pode ter infcio com a apresentagao de exemplos de objetos que sig indiscutivelmente obras de arte. Mas esse 6 apenas 0 primeiro paso. préximo passo poderia consistir, por exemplo, em perguntar-se sobre 9 gue todos esses objetos tem em comum. Isso nos aproxima jé decisiva. mente de uma definigao de “arte”. No entanto, nem sempre perguntas que exigem como resposta uma definig&o tém a forma “O que é xP”. Frequentemente tém tam- bém a forma “O que significa afirmar que...?”. Por exemplo, em vez de perguntar “O que é beleza?”, poderiamos também perguntar: “O que significa afirmar que um objeto é belo?” ou “O que quer dizer: x6 é belo’?”. Todas essas diferentes formulagdes tém a mesma consequéncia: todas elas exigem como resposta uma definigao. De modo correspondente, ha também diferentes formas de ex- _Presso linguist Eis algumas formas que definigées podem assumir: —“xéy.” Exemplo: “A estética é a teoria do Belo”. —“‘xé F’ quer dizer 0 mesmo que ‘x é G’.” Exemplo: “x é belo! quer dizer 0 mesmo que ‘x é agradével para os sentidos”” — “Dizer que x é F é 0 mesmo que dizer que x é G.” Exemplo: “Dizer que x é uma obra de arte € 0 mesmo que dizer que x é universal- mente aceito como obra de arte”. — “x é F exatamente quando p.” Exemplo: “x é belo exatamente quando x é agradavel para os sentidos”. (As definigées aduzidas servem aqui apenas de exemplos, nao como propostas sobre como os respectivos termos realmente devem ser definidos.) Entretanto, uma definigéo pode consistir em uma mera descrigio do uso féctico de uma palavra. Por exemplo, poder-se-ia responder & pergunta “O que é arte?” com a descrigio de como se usa em nossa lin- gua facticamente a palavra “arte”. Definigées dessa espécie encontram- se em enciclopédias e léxicos. Por isso sio também chamadas de “defi- niges lexicais”. Uma definicdo lexical de “arte” ou “obra de arte” faria aparecer que essas palavras esto sendo usadas em muitos significados diferentes. Uma definigio desse tipo ¢ interessante para um lexicégrafo, mas insatisfatdria do ponto de vista da filosofia, pois a pergunta “O que € arte?” nao tem como objetivo verificar o que as pessoas comuns cha- mam de “arte”, ¢ sim 0 que a arte é. Na definigo de certas palavras, isso coincide (geralmente, aquilo que as pessoas chamam de “mesa” também realmente é uma mesa); mas no caso da arte a situagao 6 mais complica- de, por exemplo, pelo motivo de que 0s distintossignficados de arte que estiio em uso sio parcialmente incompativeis, como veremos Outra espécie de definigdes consiste em uma determinagao que é inteiramente arbitraria. Tais definig6es sio chamadas também de “de- “finigdes estipulativas” (o adjetivo “estipulativo”, proveniente do latim, significa “baseado em um acordo”). Definigdes estipulativas podem efetivamente fazer sentido, por exemplo quando se introduz uma nova palavra para designar uma coisa para a qual nao existia, até entdo, ne- nhuma designagao (por exemplo, para uma doenga recentemente des- coberta ou desenvolvida). No entanto, como resposta & pergunta “O que é arte?” ou “O que é uma obra de arte?” uma definigdo estipulativa nao teria valor. Poderfamos imaginar que uma ministra de arte autori- téria inventasse por um fim & incémoda polissemia da palavra “arte”, com alguma determinacio totalmente arbitraria, por exemplo: “Arte € tudo que foi produzido entre 1730 e 1825; fora disso, nada é arte”. E ébvio que tal procedimento néo faz sentido algum. Mesmo se alguém tivesse o poder de impor tal uso linguistico, nao se ganharia nada com isso — pelo menos nio uma maior clareza sobre aquilo que é arte. Contudo, justamente esse é 0 nosso objetivo: desejamos entender me- lhor o que é arte. Quando, no ambito da filosofia, procuramos por definicdes, trata- se normalmente de definigdes que j4 nos sio mais ou menos familia- ‘Tes. Em outras palavras: j4 temos uma certa pré-compreensdo acerca do assunto. Isso vale também para definigdes no Ambito da estética. No exemplo do termo ou conceito de arte, isso se manifesta, por exemplo, no fato de que em muitos contextos podemos usar e compreender a pa- lavra “arte” sem maiores problemas. Mas quando comecamos a refletir percebemos incertezas e insegurangas, e surge a necessidade de escla- recer 0 assunto. Essa é a tarefa de uma definicao filoséfica. Para o empreendimento filoséfico de definir o termo “arte”, isso sig- nifica: a definigo nao pode descrever somente o uso lingufstico corren- te, mas, por outro lado, nao pode ignoré-lo por completo. Deveria ter um “carter tal que Ihe permitisse preservar intacto o cerne do uso linguistico corrente, mas, ao mesmo tempo, tornar 0 termo menos vago e ambf- guo. Portanto, a definigéo que estamos procurando é, por assim dizer, algo entre uma definigao lexical e uma definigio estipulativa. Sua fungao consiste em aclarar um termo jd existente. Tais definigdes sio também chamadas de “definigdes explicativas” ou, mais breve, “Explicagées”. A maioria das definigdes interessantes usadas na filosofia so Expli- cag6es (no sentido do termo técnico indicado pela maitiscula). O mes- mo vale também para as definic6es na estética, portanto para a definigao de arte, beleza e experiéncia estética, entre outras, mas também para a definigao da propria estética. Isso quer dizer: uma definig&o adequada Definigoes estipulativas Definigdes ( explcativas | Coplicacdes) |, Oque é estética filos6fica? 31 32 ° Introdugao a estética filoséfica Critérios para a adequacidade de definigoes Como lidar com definigoes concorrentes da estética deve ser de tal carater que inclua tudo (ou em todo caso uma “grande parte daquilo) que se compreendeu até entio por “estétic Uma definicao que nao cumprisse essa condigao seria demasiadamente estreita. Por exemplo, uma definigao de “estética” segundo a qual a teo- ria da arte nao faria mais parte da estética seria, sem diivida, estreita de- mais. Por outro lado, ela deve ser de tal cardter que exclua tudo (ou ao “menos uma grande parte daquilo) que até entdo ndo foi compreendido como “estética” pela maioria das pessoas competentes. Uma definigio que nao cumprisse essa condigao seria demasiadamente ampla. Assim, por exemplo, uma definigéio de “estética” segundo a qual a quimica téc- nica faria parte da estética seria claramente ampla demais. Portanto, dispomos de critérios para julgar a adequacidade de de- finigdes: uma definigéo adequada nao deve ser estreita demais nem am- pla demais. No entanto, esses critérios, por sua vez, so bastante vagos. O que pertence, para uma pessoa competente, ainda inequivocadamen- te a estética, para uma outra pode inequivocadamente ja nao pertencer & estética; o que para uma pessoa é claramente uma obra de arte, para uma outra claramente nao é uma obra de arte. Por isso é também possf- vel que pessoas diferentes considerem adequadas definigdes diferentes do mesmo termo. Além disso, ser adequado ou nao é uma questiio de gradatividade. Isso significa que néio podemos simplesmente dizer: uma definigao é totalmente adequada ou totalmente inadequada. Entre vi- rias definig6es adequadas, uma pode ser mais adequada do que a outra. E claro que uma pessoa vai decidir em favor daquela definigao que con- sidera a mais adequada. No entanto, decisdes dessa espécie baseiam-se muitas vezes em complicados processos de ponderacao, nos quais pre- cisamos no apoiar parcialmente em nossa pré-compreensao individual de um termo ou conceito. Esse tema € muito bem ilustrado por varias discussées contidas neste livro. Aqui nfo pretendo adiantar muito delas. Mas suponhamos, por exemplo, que estamos discutindo duas definigdes concorrentes de “arte” ou também de “obra de arte”, e nenhuma delas est4 totalmente inadequada. Isso quer dizer: ambas cobrem, grosso modo, aquilo que se entende geralmente por “arte” ou também por “obra de arte”, e ambas excluem a maior parte daquilo que geralmente nao é considerado arte. Falando metaforicamente, poderfamos dizer: ambas as definigées cor- respondem ao cerne do termo cotidiano (pré-teérico) “arte” e, por isso, podem reivindicar a qualidade de ser adequadas. Suponhamos ainda que a definigao D1 inclui certos objetos cujo status de obra de arte é disputado, Suponhamos também que podemos chegar a partir de D1 a uma definigao mais estreita D2, ao excluir os respectivos objetos dispu- | Oque éestética filosdfica? = 3B tados por meio do acréscimo de outras condigées. Sera que agora D2 é mais adequada do que D1? Nao necessariamente, porque pode aconte- cer também de podermos excluir os objetos disputados inclufdos em D1 somente ao prego de excluir também outros objetos que nfio querfamos excluir. Como devemos decidir nesse caso? Seria posstvel abster-nos de qualquer decisio e contentar-nos em apontar as diferentes possibilidades. Esse é um caminho legitimo, em- bora nao totalmente satisfatério. Contudo, quando alguém procura nao se esquivar da decisio, escolhe aquela definigio que menos diverge da compreensio individual pré-te6rica. A “compreenstio pré-teérica” é a que tivemos de algo antes de comecar a refletir sobre ele sistematica- mente. Em vez de se referir a uma “compreensio pré-te6rica”, a filoso- fia refere-se muitas vezes também a “intuigdes”. Por exemplo, dizemos que uma hipotese ou uma conclusio é “intuitivamente plausfvel” quando coincide em seu essencial com nossa compreensio pré-teérica; € dize- mos que uma suposig%o ou uma conclusio é “contraintuitiva” quando estd em conflito com nossa compreensao pré-teérica de algo. Para evitar possfveis mal-entendidos, é stil lembrar que a expresso “intuigdo” as vezes usada em um sentido diferente, por exemplo como “ideia espon- tanea” ou “conviccao nao justificada”. Aqui, “intuig&o” ndo se refere a isso. As intuigdes aqui discutidas néio surgem nem repentinamente, nem so nao justificadas, embora tenhamos frequentemente apenas um saber implicito das raz5es. Isso quer dizer: pode acontecer de sermos capazes de indicar as razées apenas apés um certo tempo de reflexao. Portanto, podemos dizer: uma filésofa decidird em favor daquela Por que definigées definigéio de “obra de arte” que mais corresponder a suas intuigdes acer-_ Podem ter um ca daquilo que é e que nao é uma obra de arte. No entanto, isso pro- Y0"P220 voca uma séria suspeita, a de que uma definigao é, em dltima anilise, apenas uma explicitacao de intuigdes que j4 esto presentes no estado pré-teérico. Se isso fosse correto, o ganho de conhecimento seria efe- tivamente modesto. Ele consistiria meramente no fato de tornar cons- ciente a maneira pela qual se compreendeu desde sempre, por exem- plo, a palavra “arte”. Desse modo nao aprenderfamos absolutamente: nada sobre o que é arte. Entretanto, uma explicagéo terminolégica filo- s6fica nao consiste apenas em tornar explicitas as intuigdes pré-teéricas, por dois motivos: primeiro, ninguém pode se basear somente em sua compreensio individual, em suas intuigées pessoais. E necessério con- siderar também a compreensio pré-tedrica de outras pessoas, principal- mente de pessoas que sio consideradas especialmente competentes na respectiva drea. Segundo, a procura por uma definigao é um processo em cujo decorrer as intuigées podem mudar. & muito bem possfvel que

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