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ARQUILOCO F RAGMED (POS POETICOS Introdusao, tradugo e notas de CARLOS A. MARTINS DE JESUS Titulo: Fragmentos Posticos Autor: Arguitoco Eaigto: Imprensa Nacional-Casa da Moeda Concepeto guificn: Branca Vilallonga (Departamento Ealtorial da INCM) do texto: Paula Lobo Tirmgem: 1000 exernplares Data de impressfo: Abel de 2008 ISBN; 978:972-27-1673-4 Depisito legal: 272-445 /08 IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA LISBOA 2008 Revi Esta obra foi produzida no ambito do plano de actividades da UI&D Centro de Estudos Classicas e Humanisticos, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, de que o tradutor é investigador. IN LIMINE O livro que agora se publica constitui, tanto quanto é do nosso conhecimento, a primeira versio na integra, em Portu- gal, dos fragmentos poéticos de Arqufloco de Paros, 0 primei- ro grande cultor do metro iambico, eximio também no verso elegiaco. O momento filoldgico & propicio ao seu langamento, até porque, ainda em 2005, veio a piiblico um novo papiro de Oxirrinco atribuido ao poeta (P. Oxy., 69. 4708), um longo frag- mento elegiaco de trinta linhas (vinte e cinco das quais quase totalmente legiveis) que aqui apresentamos, num primeiro es- forgo de traducao para portugués. Foi a Prof.” Doutora Maria Helena da Rocha Pereira quem, na sua Hélade (Coimbra, 11959), primeiro entre nés deu a aten- a0 merecida a Arquiloco, dele traduzindo quinze fragmentos dos mais extensos ¢ significativos, num trabslho de inigualével qualidade literdria. Mas muito mudaram as coisas em quase Cinquenta anos, e continuavam por traduzir os fragmentos er ticos e obscenos, atraentes e ricos do ponto de vista postico. Novos textos foram atribuidos ao poeta, novos achados papi- rol6gicos contribuiram para 0 aumento do seu corpus, agora fixado por M. L. West (Oxford, 21992, repr. 1998) em trezentos € trinta e ts fragmentos, muitos deles impossivel de verter dado 0 seu estado profundamente fragmentério. Urgia entio traduzir o maior mimero de textos possivel, num volume itil 2 especialistas e, tanto quanto possivel, apetecivel para o pi- blico em geral. Este trabalho fica a dever-se a dois mestres que, ainda no decurso da nossa licenciatura em Linguas ¢ Literaturas Classi- cas e Portuguesa, nos possibilitaram 0 primeiro contacto com a figura e a obra de Arguiloco. Av Prof, Doutor José Ribeiro Ferreira, pela aturada paciéncia na revisio das nossas tradu- Ges e partilha de dtividas e perplexidades de dificil resolucao. Bem assim & Doutora Luisa de Nazaré Ferreira, que sempre acompanhou de perto ¢ com olhar atento as nossas incursées pelo vasto e complexo universo da poesia grega arcaica, Uma palavra final ¢ devida a Imprensa Nacional-Casa da Moeda, que aceitou incluir estes fragmentos na sua coleccao de textos classicos. Coimbra, Marco de 2008. CARIOS A, MARTINS DE JESUS INTRODUGAO * A primeira parte desta dntrodugio» segue de perto a comunica- «0 por nds apresentada no V Col6quio da Associagio Portuguesa de Es- tudos Classico, em Braga (Ouibro de 2005), onde Gemos conta, em tr os gerais, da vida e obra de Arguiloco. £ esse trabalho que, com os devidos acrexcentose alteragGes, dllados pela passagem do tempo e pelas novidades textuas ¢ critics, aqul apresentamios Sesame Pode ser 0 mar, a aventura da viager sem promessa de retorno. Pode ser a guerra, a marie herSica em combate, mas também a fuga, covarde, no terror do momento — porque vida hd uma 56. Pode ser 0 amor por uma mulher de beleza extraordinaria, 0 prazer ou 0 sexo mais violento e alienante, 0 sexo que alimenta o corpo e perturba o espirito Poile sr tuo, no fundo. E tudo isso mais nto é do que a vida — breve, oscilante e, ranas vezes apenas, feliz. Fsse o assunto dos seus versos Caso paradigmiitico da poesia grega do Periodo Arcaico, Arqui loco de Paros nito é, de modo algum, um pocta que tenha reunido o consenso dos criticos wo longo dos tempos. Imoral e obsceno — essa a fama que o tempo the reseroaria —, mas também reflexive, guerreiro € profundamente humano, so apenas alguns dos adjectivos que a leitura da sua produgao preservada ndo pode deixar de suscitar. Vida e obra (atribuladas) de um artista Nascido na itha de Paros, tha central do mar Egeu, ao que tudo indica na primeira metade do século vis a, C,%, Arguiloco situa-se 2 Os dads mais frequentemente aduzidos sto os versos referentes a0 monarca Giges (frg. 19 W.) c a0 eclipse solar (frg. 122 W.). A concilio- ‘0 destas fontes com outras de natureza epigréfica e mesmo arqueoligi- famaro, pats onde Ulisse se terd deparado com os Cieanes (Cuis- seia, canto 9), localizado mo costa sul eo mar Exes, era famos0 na A sguidade pela qualidade do sew vinho. Nao muitos arcos se enverguem, nem numerosas fundas, sempre que 0 labor da guerra Ares congregue na planicie. De espadas e cheio de gemidos sera o trabalho. £ que em tal luta sto guardides esses senhores de Eubeia #, destros no manejo da langa. (rg. 3) « Eubeia 60 maior ilha do arquipélago greg Fica separada do con- tinente pelo mar Eubsico, £ atravessada por uma cadeia de montonhas que atravesca também a Tesslia a leste e continua para sul, cortando as ihas de Andros, Tens e Miconos. Ea segunda maior ilha grega em po- pulaglo, depois de Creta, Pensa-se que o poeta se refere & Guerra Lelan- fina, entre Cileis e Exéiria, que teve lugar em finais do séeulo vita, C. io éeontuloforgoso admitr a coinciclencia cronoligica entre osta er rae a vida do poeta, Fle podera faikmente estar a servit-se de um exem- plo passado, porém nido muito dstante, no contexto de uma narrativa areal, essa sim sua contemporanea, em que ele proprio poderia ter participado i [PAUSA NA VIGILIA ] ‘Vem dai, traz uma taca por entre os bances da nau veioz, avanga eas tampas arranca das céncavas vasilhas, colhe 0 vinho rubro até as borras. Nenhum de né: nesta vigilia, vai conseguir manter-se sdbrio. (Fig. 4, ve. 69) [0 ESCUDO PERDIDO | ‘Com o meu escudo um dos Saios § se envaidece, fo que num arbusto, ‘arma singular, deixei ficar contra minha vontade. Mas salvei 0 coiro. Que me importa esse escudo? Deixé-lo! Outro hei- Assim falou ela. Respondi-Ihe entao: «6 filha de Anfimedeu *!, » nobre e sensata mulher que a terta sombria agora detém! © A nossa tradugio por minha amiga, para o vocativo ethaire, tende @ aceitar que o fragmento 196 pertoncoria 2 abertura do mesmo poema do fragmento 196 ©! A accitar a relagéo com a histéria dos Licambidas e o parentesco da jovem que ¢ alvo da sedugao no fragmento (irma mais nova de Neo- bule), Anfimedeu seria a esposa de Licambas e mae das raparigas. 25 on 40 Sao os deleites da deusa sem conta para os jovens vardes, além da coisa divina ®; um deles me bastaré. ‘Mas isso, com calma, logo que anoiteca, eu e tu, se av deus assim aprouver, havemos de decidir. Farei como me pedes. Intenso (desejo me despertas). E de transpor esses portais, sob 0 teu arco, no me impegas tu, meu amor! Deter-me-ei ao chegar ao teu jardim onde a erva cresce—fica a sabé-lo! Neobule, que outro homem a tome para si. Ail Como esté madura! © dobro da tua idade! Murchou a flor da sua virgindade € 0 encanto que tinha outrora, Nao tem limites 0 seu desejo e revelou a medida da sua infamia, louca criatura! E langé-la aos corvos! ® Isso nao. que na companhia de tal mulher para 0 vizinhos seria motivo de troca. Muito mais te quero a ti, pois nao é desleal nem tens duas caras; ela & muito mais fogosa € muitos amantes arranja! Receio que filhos cegos e prematuros no ardor impaciente possa gerar, como fez a mitica cadela.» (As interpretagoes para esta expressio variam entre os especialis- tas, interpretando-a uns como referindo-se ae casamenio, outros a0 acto sexval. Pela nossa parte, ¢ até pelo ritualismo que os Antigos conferiam. 20 sexo, inclinamo-nos mais para esta segunda hipstese, 5! Uma forma caménica de injiria, semolhante & nossz «VS para o diabol. * Remete-se aqui para a fabula da cadela e da porca, Vide acima a cexplicag20 na «introducao». 118 Tais foram as minhas palavras, Tomei entio a donzela num leito de flores a estendi. Com sedoso manto a cobri e o seu colo rodeei com meus braces, 6 acalmando 0 seu sobressalto, tal como uma cerva. Os seus seios gentis com as maos acariciei tenra brilhava a sua pele, feitico da juventude. 0 Todo o seu belo corpo percorti € entio libertei branco vigor, a0 toque dos seus louros cabelos. (Frg. 1960) | ACUSAGOES A LICAMBAS ] Zeus pai, minhas bodas nao cheguei a celebrar. (rg. 197) Esse fulano nao me vai escapar impune. (Fg, 200) Muitas manhas fem a raposa, € © ourigo apenas uma, {bem eficaz. (Peg. 201) perto de mim e do meu amigo. (Frg. 202) © Vide a explicagio da fibula do ourigo ¢ da raposa na

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