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LETRAS CLASSICAS,n. 5, p. 63-77, 2001. ACAO DIVINA E CONSTRUGAO DA TRAMA NOS “CANTOS LE I” DA ILIADA TEODORO RENNO ASSUNCAO* Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais RESUMO: Este artigo visa mostrar como o curso dos eventos descritos nos eantos Ie If da Ifada resulta ndo apenas de determinacoes divinas ‘mas também de agées humanas ndo necessariamente motivadas por dew- ses, ¢, ainda, como o acontecer narvativo, abesar de suas coordenadas sgerais que coincidem com as de Zeus, se debxa moldar no detalhe pela surpresa da indeterminacao. PALAVRAS-CHAVE: acto divina; construgdo da trama; Ilfada; “Cantos Te I. A idéia de que os deuses homéricos ~ ou, mais particularmente, ildicos ~ funcionam como contraste necessério, em sua polaridade complementat, &s perso- nnagens mortais aplica-se no apenas uma primeira definigfo de sua natureza en- quanto aqueles que nio estio sujeitos & morte, a0 envelhecimento e aos softimentos daf advindos, mas também ao modo como suas intervengdes conformam uma situa fo de “vida” sobre a qual o mortal nfo pode ter nem controle nem conhecimento preciso. Mas, como o titulo jé anuncia, a intengio deste ensaio é, antes do que teorizar sobre a esséncia dos deuses ildicos, tentar perceber o modo como eles ‘agem e, mais precisamente, como esta ago pode definir a construgio da trama do poema. Ainda que uma leitura de conjunto do poema esteja sempre pressuposta, uma espécie de necessidade tética ~ dada a monumentalidade da Ilada ~ nos levou a fazer um recorte e a restringir 0 objeto do comentério aos dois primeitos cantos. ‘Mas mesmo af, uma vez que o comentrio €temético,escolhas foram feitas ¢indime- as passagens e questdes que estes dois cantos levantariam foram simplesmente dei- xadas de lado. Para iniciar esta tentativa, retomaremos agora uma velha mas nem sempre bem esclarecida questo. A suposigfo de que na Iliada decisbes e agbes divinas precedem e determi- znam decisdes e ages dos mortais, conformando as linhas mestras da trama, pode- ASSUNGAO, Teodoro Renné. __Agio dvi constcugio. ria ser sustentada por indimeras passagens, ainda que restasse a esclarecer as com- plexas relagdes destas agoes divinas que desenham a trama ~ entre elas pr6prias € com as dos mortais— segundo uma hierarquia de poder olimpico onde Zeus deteria em principio a iltima deciséo, Tal suposi¢do poderia, no entanto, ser desmentida Por outras passagens que mostram inversamente agées mortais ~ descritas como ro necessariamente motivadas por deuses ~ suscitando agSes divinas e tendo, portanto, precedéncia na conformacio da trama. Uma discussfo répida de como «esta trama é langada nos dois primeiros cantos do poema nos ajudaria a ver melhor nflo s6 esta questo, mas também es maneiras ¢ as nem sempre claras motivacSes das agées divinas. poema anuncia “a célera de Aquiles” (uijviv * AxtAFj0<) como seu ‘assunto, mas sabemos que, ap6s tomar conhecimento da morte de Patroclo, Aquiles renuncia a esta ‘eélera” contra Agamémnon ¢ nfo pensa seno em se vingar de Heitor, 0 que faz com que o fecho do poema a partir do canto XVIII nfo esteja inclufdo em sua abertura. Como nos lembra Gregory Nagy em The Best of the ‘Achaeans, “(..) na seqiiéncia do poema a palavra ménis jamais é utilizada para designar outra coisa do que a célera sentida por Aquiles diante da diminuigao de sua honra (timé) logo no comego da narrativa. A célera experimentada mais tarde pelo heréi quando da morte de Patroclo jamais 6 chamada de ménis. Por outro lado, a dinica ocorréncia de ménis aplicada na Iiada a herGis, ¢ no a deuses, se refere & célera que experimentam um pelo outro Aquiles e Agamémnon.” (Nagy, 1979, p. 73-4)2 ‘No proémio somos informados também de que esta “eélera” foi “destrutiva” (obAOEMTY) porque causou a morte de muitos guerreiros aqueus e também de que, ao fazé-lo, “era realizado o plano de Zeus” (Atds 8" EteAeteto Boudh) (LS). A leitura até hoje majoritiria de Aristarco, ¢ de seus seguidores, com- preende — dentro dos limites estritos da liada ~ este “plano” (BOvA), que coinci- de com as muitas mortes dos “herdis® (e com os violentos ¢ jamais vistos na Iliada ultrajes de seus cadaveres por cdes ¢ por péssaros), como o cumprimento por Zeus dda promessa feita a Tétis na seqiiéncia deste mesmo canto I (levando & prenunci- ada destruigdo de Tiéia por meio da derrota parcial dos Aqueus ¢ da morte de Pétroclo), 0 que obviamente faz recair sobre um mortal, Agamémnon, em sua impiedosa insensatez (jamais descrita explicitamente como determinada por um. deus), a origem pontual e contingente de toda a estéria da “c6lera de Aquiles” contada pela liada. De outra maneira, a leitura minoritéria de Wolgang Kullmann, = inaugurada pelo artigo “Ein vorhomerisches Motiv im Fasprdomium’ (Kallman, 1955) e que retoma a de Welcker no século XIX e ser4 retomada diferentemente ~64- LETRAS CLASSICAS, n.5,p 63-77, 2001, por Laura Slatkin em The Power of Thetis (Slatkin, 1991) e Philippe Rousseau em. *T intrigue de Zeus" (Rousseau, 2001) — compreende, dentro do quadro temporal ‘maior do extermfnio da raca dos hersis (tal como, por exemplo, o mito das racas 1 Os trabalhos ¢ os dias de Hestodo sugeritia), este “plano de Zeus” (Atdg BOUAM) como o plano destinado, segundo os versos das Kypria de Estésino de Mileto ci- tados pelo escoliasta A da Iliada, a alivia, por mefo da matanga na guerra de Tisia, ‘o peso que causavam sobre a superficie da terra “as milhares de racas errantes de uerreiros” que oescoliasta caracteriza como impiedoses (ef. Erbse, 1969, p.9-10). ‘Mas, ainda que seja verossimil que um auditério instruldo em est6rias recuperasse facilmente na Iiada as alusdes veladas a este mito escatol6gice tais como as levan- tadas por W. Kullmann, seria preciso lembrar com Ph. Rousseau (cf. Rousseau, 2001, p. 127-44 ep. 148-49) que o desaparecimento da raca dos herdis ea destrui- so de Tisia se condensam na Ilada sob a forma inesperada da c6lera de Aquiles, da derrota parcial dos Aqueus, da morte de Pétroclo (que anuncia ade Aquiles) e da negativamente fatal (para Tibia) morte de Heitor, em uma delicada dialética — indecifravel para 0 personagem mortal em suas stbitas alteragées na direc do combate ~ entte o plano maior da destruigio final de Te6ia (e, ainda, do retorno fanesto dos Aqueus excessivos em sua vinganca) e o plano menor do cumprimen- to da promessa de Zeus a Tétis de hunrar Aqutles (ofendido por Agamemnon) com uma derrota parcial (por sua ver intercalada com vitGrias) dos Aqueus.* © poeta, apés finalizar 0 proémio indicando que a célera fi causada por ‘uma dissensio entre Agamémnon e Aquiles, se pergunta: “Quem entio dos deu- ses 08 langou junto numa disputa para brigar? (Il. [, 8) e, em seguida, responde: “O filo de Leto e de Zeus” (II, 9) , isto é: Apolo, como se atendesse & expecta- tiva dos que supSem que uma aco humana é sempre causada por um deus. Mas, como a narragdo em seguida deixaré claro, a peste enviada por Apolo é uma res- posta ao descaso e insoléncia com que Agamémnon tratou Crises, sacerdote do deus, menosprezando suas insignias e o bom senso religioso do exército aqueu, favordvel entio & aceitacdo do resgate em troca da filha de Crises. A ago origin- a da intriga da c6lera é, portanto, um erro demasiado humano mas grave do chefe de um exército em campanha, erro que nfo é descrito como tendo sido suscitado por um deus.? Apolo ~ que responde aqui a um pedido de seu sacerdote, que acaba de ser insultado, eno a um mero impulso anti-aqueti como em ocasides posteriores ~ envia seus dardos mortiferosjé hé nove dias, quando Aquiles, pressi- ‘onado por uma situagdo ameacadora para o exército, convoca uma assembléia. O poeta diz entio que “Hera, a deusa de bragos brancos, colocou [esta idéia} no senso (nos @péVEG) destei/ pois ela se preocupava com os Danaos, porque ento Ce ASSUNGHO, Teodoro René. _Agio dvina¢consrogo da trama nog "Cantos eT” da ada. 0s via morrendo.” (I. I, 55-56).6 Mas, como bem observou James Redfield, esta ‘ago da deusa “é um erro de tética, pois € ao rei que cabe convocar as reunides © a cestatura de Aquiles em uma tal situagio acaba por constituir uma ameaga a Agamémnon.” (Redfield, 1975, p. 95). ‘Nido itei aqui reconstituir em detalhe a discussdo — precedida pela revela- fo de Calcas a respeito de Apolo ~ entre Aquiles e Agamémnon, bastando-me por ora notar que tanto a inabilidade polttico-retérica de Agamémnon quanto a extrema suscetibilidade de Aquiles conduzem, sem nenhuma patticipagio divina cexplicitada, 0 diélogo a uma exacerbagéo tal que, por um lado, leva Agamémnon ase decidir, sem medi as conseqUéncias, a tomar o yepac de Aquiles (isto 6, Briseida) para substituir o seu (sto é Criseida) que serd devolvido ao sacerdote de Apolo, e, por outro, leva Aquiles, apés uma reflexio em que ele hesita entre a violencia e a contengéo, a tirar a espada de sua bainha para matar Agamémnon. ‘Assim descreve 0 poeta: “Enquanto ele agitava estas idéias no senso e no énimo, / ¢ tirava da bainha a grande espada, Atena chegou do céu." (lI, 193-194). Como ‘emoutras ocasibes a iniciativa aqui é de Hera, preocupada tanto com Agamemnon, {quanto com Aquiles, enquanto a execugao cabe a Atena, que desta vex send perce bida apenas por Aquiles. Arena, no comego de sua fala a Aquiles, polidamente dit: "Eu vim para pér fim ao teu ardor, se por ventura me obedeceres (oft KeTLONO11)" (1, 207), o que parece indicar a possibilidade de que Aquiles nio a ouga. Mas © uso teiterado do imperativo desmente o modo da mera sugestio e revela inequivo- camente uma ordem: “Wa! Cessa a briga € nfo tires com a méo a espada!” (IL. I, 210), o que é contfirmado pelo fecho da sua fala: “Contenha-te e nos obedega!” (I 1, 214), Aquiles, em sua resposta, reconhece que se trata de uma ordem de duas deusas poderosas e que seria, portanto, impensével desobedecer: “E necessério, dleusa, obedecer uma palavra de vés duas (..)." (lk I, 216). Abre-se entio ~ por ‘meio da intervengao de Atena, que impede a satisfacao imediata do furor de Aquiles contra Agaméimnon - 0 longo periodo da célera, que, afastando o seu melhor guerreito do combate, traré intimeras mortes ¢ dores aos Aqueus. Nao édifiil perceber que a intervengfo de Atena é exatamente o que abre € possibilita a narrativa tal como tematizada no proémio:aest6ria da “eslera” (HAI) cde Aquiles. Sua agéo ver anular a via divergente ~e cuja seqGéncia mal consegui- mos imaginar ~ pela qual Aquiles parecia jé estar se decidindo: o assassinato de ‘Agamémmnon. Pode, no entanto, ser problemética a identificagdo imediata entre 08 interesses da deusa eos de Aquiles e mais ainda a proposigdo ~ tal como sugerida por Dodds (cf: Dodds, 1977, p. 24-5) ~ de que Atena seria apenas a representagiio cobjetivada da irrupgio da racionalidade no processo de deeisio de Aquiles. Pois se, 66 LETRAS CLASSICAS,n. 5, p. 63-71, 2001 ‘como observa Pietro Pucci, numa cena tipica de deliberagdo ou Wepuepttery, a intervengéo do deus vem sempre favorecer a escolha mais vantajosa para o seu protegido, caberia talvez perguntar em que medida a perda de Briseida, a célera e ‘© abandono do combate, a reparagio de Agamémnon apenas apés a morte de Patrocloe, enfim, sua propria morte constituiriam para Aquiles a opgdo mais van- tajosa (cf Pucci, 1985, p. 179-80). O fato é que esta 6 precisamente a forma para- doxal do KAL0¢ ("gloria") iiédico de Aquiles. Ora, a suposiglo de que conservar Briseida e no estar sujeito a célera fosse, mesmo se isso custasse a vida de Agamémnon, mais vantajoso para Aquiles & também pouco plaustvel. Talvez seja preciso lembrar que Atena aqui nio age independentemente e apenas como pro- tetora de Aquiles, mas como enviada e aliada de Hera, cuja preocupago maior & ‘nfo o individuo Aquiles, mas o conjunto do exércita aque em suas possibilidades concretas de vitoria contra os Troianos. E certo que a célera de Aquiles traré rmuitas mortes e dores aos Aqueus, mas ela no impediré que os ‘Troianos sejam afinal derrotados. Jéa hipdcese de um exército acéfalo e profundamente dividido, ‘apés 0 assassinato do seu chefe pelo melhor dos seus guerre, parece constituir uma ameaca efetiva tanto as chances de vitéria dos Aqueus quanto & mera conti- nuidade desta campanha guerreira. Seriam aborcados assim nfo s6 08 objetivos ro-aqueus de Hera e Atcna, ma, isis elemencarmente, 0 proprio vira-ser desta est6ria, ‘Apés haver entregue a contragosto “Briseida de-belas-faces" aos arautos de Agamémnon, entio silenciosos ¢ constrangidos, Aquiles “chorando retirado longe dos companheiros, /ripido se assentou na praia de égua salgada e cinzenta, contemplando o mar ilimitado; /e, levantando as mos, suplicou muito a querida amie (..)" (LI, 349-351): “Se tu podes, protege tei filhos /indo a0 Olimpo suplica a Zeus, se algum dia em algo, / ou por palavra ou por agio, serviste o coragdo de Zeus, / (..)" (UL 1, 393-395) “(..) para ver se ele de algum modo quer ajudar os ‘Troianos / e cercar junto as popas e em tomo do mar os Aqueus / que estiverem sendo moztos, para que todos tirem proveito do rei,/ e até mesmo o Attida, 0 ‘muito poderoso Agamémnon, reconheca /sua loucura (Gem), ele que ndo respei- tou em nada o melhor dos Aqueus.” (il. 1, 408-412). Auiles, logo que dirge a palavra a Tétis, diz que Zeus deveria conceder-Ihe “honra" (TIAHY), pois ele ra gerado para ser “de-breve-durago” (UevO6BLOV) (U1, 352-353), mas, antes de formular 0 seu pedido de uma derrota dos Aqueus, © argumento que ele sugere para Tétis apresentarem sua splica a Zeus & de outra ordem: trata-se da reciprocidade devida a um importante servigo a ele prestado outrora por cla, em uin tempo jé remoto em que o poder de Zeus ainda podia ser ge ASSUNGAO, Teodoro Rennd. __Asto divi construgto. ameacado por um complé de Hera, Posseidon e Atena que queriamn prendé-lo com arilhdes e apenas nao o fizeram porque sentiram medo diante de Briareu, chamado ‘a0 Olimpo por Tétis (cf Il. I, 396-406). A mengio de Briareu, um dos trés Cem- Bragos (Hecaténquiros) que, segundo a Teogonia de Hesiodo, vio, juntamente com os Ciclopes, constituir uma alianga decisiva com Zeus na luta contra os Tid, nos langa subitamente para trés em um tempo fundador (ejé passado no momento da Mliada) da conquista mesma do poder césmico por Zeus, revelando, ainda que rio de todo explicitamente, uma grande divida para com Tétis, o que jusificaria 0 Imenso poder que tem junto a este uma divindade néo-olimpica aparentemente ‘menor. Como demonstrou Laura Slatkin em The Power of Thetis, a divida maior de Zeus para com Tétis ~ nfo referida diretamente e recupersvel apenas através de alusdes na Iliada ~ diz respeito & geragdo de Aquiles por Tétis a partir da unto com ‘o mortal Peleu, o que livrou Zeus da ameaca fatal da profecia que anunciava que ~ © € este 0 segredo em troca do qual Prometeu obterd a liberdade — um filho dele com Teétis seria mais forte do que o pai e recolocaria em movimento as lutas de sucessio pelo poder, rompendo 0 equilbrio duradouro estabelecide por sua hege- monia? Téxis aquiesce ao pedido de seu filho, mas ~ introduzindo um adiamen- to que sinaliza bem a distfincia que separa as expectativas ou demandas dos mortais e a soberana autonomia dos deuses em relagdo a estes ~ lembra em se- ‘guida que “Zeus ao Oceano, junto 90s irrepreensiveis Etfopes, foi ontem para Danquetear-se, ¢ 0s deuses todos seguiram junto:/¢, no décimo segundo dia, ele iré de volta para 0 Olimpo, /e, neste momento enti, irei para 0 palicio de- chao-de-bronze de Zeus, /e abracarei seus joclhos e creio que ele se deixaré persuadin.” (Il 1, 423-427). Na décima segunda aurora, Tétis parte do mar pera ‘0 Olimpo e, em posigo tipica de suplicante para com Zeus, descreve a situacéo atual de seu filho e transmite ao deus olfmpico a demanda de honra de Aquiles, em uma fala introduzida pela seguinte proposicao: “Zeus pai, s€ a ti entre os imortais alguma ver fui 6til, /ou por palavra ou por ato, realiza para mim este descjo (..)" (I. I, 803-504), proposigdo que, como todas as outras de Tétis na Iiada, nao explicita, como o fizera Aquiles, qual importante servico prestado a Zeus mereceria agora uma reciprocidade. Como Zeus nada responde, Tétis, abracada a seus joelhos, pede uma segunda vez: “infalivelmente de fato para ‘mim promete e faze um sinal com a cabeca” (I. I, 514). Zeus se irita, prevendo © conflito conjugal com Hera suscitado por uma tal decisfo, ¢ finalmente res- ponde a Tétis: “‘Darei para ti o assentimento com a cabiega, para que te deixes convencer /(..) pois meu sinal nao é revogével, nem enganoso, / nem ineficaz, = 68 LETRAS CLASSICAS,n. 5, p- 63-71, 2001. © que eu der como assentimento com a cabega.’/ O Cronida disse e com as negras sobrancelhas deu o assentimento.” (UI, 524, 526-528). Este assentimento de Zeus é fundamental para a definiglo das coordenadas dia intrige, pois ~ como os préximos seis cantos o demonstram — nfo basta que Aquiles se retire para que os Aqueus sejam derrotados e ser preciso que, a partir do canto VIII, Zeus profba os outros deuses (nem sempre obedientes, como se vverd) de combaterem ¢ intervenha pessoalmente (ou com a ajuda permitida ou técita de algum deus) reiteradas vezes para assegurar a vitéria troiana e 0 cumpri- mento de sua promessa a Tétis. A maneira particular e inesperada como esta pro- ‘essa sera cumprida ~ ou seja:primeiramente com os eventos conduzindo & motte de Patroclo e depois com a "honra" (ttf) paradoxal que representa para Aquiles © resgate pago por Priamo pelo cadiver de Heitor ~ leva, no entanto, a intriga @ ‘uma outra dirego, ndo prevista na demands inicial de Aquiles. De qualquer modo, €a demanda de honta do mottal Aquiles ~ aco que nfo é deserita como tendo sido motivada diretamente por nenhuma intervengéo divina ~ o que, mesmo se contando com a mediacéo favordvel de uma mensageira divina a quem Zeus deve grandes favores, faz com que Zeus, a ela assentindo, conforme a intriga segundo coordenadas que conduzem, ainda que com adiamentos, a uma vitéria parcial dos ‘Troianos que, como seré precisado mais cade, teré o seu termo com a morte de Pétroclo e 0 fim do terceiro dia de combate, quando enfim a intriga tetoma a dizecto maior e tradicional que resultard na derrota definitiva dos Trotanos. No canto I, porém, 0 curso dos eventos nesta guerra ganharé nitida- mente uma direcdo geral a partir de uma iniciativa de Zeus. O poeta descreve assim o modo como esta toma forma: “Os outros entio ~ deuses e homens arma- dos sobre cavalos -/ dormiam toda a noite, mas 0 agradével sono nfo retinha Zeus / ¢ ele meditava no senso (Kart gpEva) como a Aquiles / hontaria, € faria perecer sobre as naus muitos dos Aqueus.” (Il. Il, 1-4). Esta cena tfpica de deliberacao ~ marcada, como outras, pelo verbo wepjiepiCew ~ revela como o agir divino € moldado a partir do modelo humano. A diferenca aqui, pois trata se de Zeus, esté em que ele sabe de antemgo que a promessa a Tétis de honrar ‘Aquiles com uma dertota parcial dos Aqueus seré infalivelmente cumprida, mas, semelhantemente aos mortais, ele ests incerto e ainda néo sabe como cumprird esta promessa, Ou seja: Zeus néo detém, como talvez 0 poeta possa deter quanto 8 intriga (ou uma margem de surpresa na improvisagSo estaria presente tainbém nna execugio de um plano poético geral?), um controle prévio sobre a maneira como seu plano seré executado, sendo descrito como sujeito a uma margem de contingéncia que, ao aproximé-lo da personagem mortal, abre o campo apenas acy ASSUNCHO, Teodoro Rennd. __ Ago dvinaeconsirugio da tram nos "Cans Le I” da liad, grosseiramente delineado da trama & surpresa da concretizagio do acontecer Na seqtiéncia, o poeta narra deste modo a decisto (BoukmM) do deus. “E «em seu fnimo este the pareceu o melhor plano: / enviar ao Atrida Agamemnon 0 Sonho funesto (..)" (Il. 1,5-6) que ¢ instado por Zeus a transmitir a seguinte cordem: *(..) ordeno-lhe que faga aos Aqueus na cabega cabeludos se armarem / em massa (7o.vovBin); pois agora ele pode tomar a cidade de-largas-ruas / dos “Troianos; pois os imortais que tém as moradas olfmpicas nfo mats / pensam de duas maneiras; pois a todos dobrou / Hera suplicante, ¢ 0s Troianos estio destina- dos 20s sofrimentos.” (Il. Il, 11-15). Tomando o aspecto de Nestor, o Sono tra mite a ordem de Zeus a Agammnon, ¢ 0 poeta comenta entio a reagao do chefe aqueu, marcando bem a distancia que separa a expectativa ilusoria do mortal € 0 plano efetivo do deus: “(..) ele pensava que tomaria a cidade de Priamo naquele din~ /estipido! ~e no sabia as agSes que ento Zeus meditava; / pois este devia sinda impor dores e gemidos / aos Troianos ¢ aos Danaos por meio de violentas batalhas.” (I. Il, 37-40). Seria preciso dizer, no entanto, que, neste ponto, nem 0 leitor sabe a forma como Zeus infligité uma derrota aos Aqueus, assim como igno- ra quais setdo precisamente estas dores e gemidos. Mas até mesmo o modo como Agamémnon iré executar logo em seguida esta ordem de Zeus parece nfo ter sido previsto pelo deus, abrindo mais uma vez 1 ineriga & irrupgo da surpresa. Apés ordenar aos arautos que convoquem 0 exército para uma assembléin, Agamémnon, tendo relatado seu sonho, sugere antes ao Conselho dos Ancifos o seguinte ¢ estranho plano: “(...) primeiramen- te-eu 0s testarei com palavras, como é costume, /¢ ordenarei que eles fujam com as naus de-muitos-remadores:/ mas que vés, cada um por seu lado, os contenhais com palavras.” (Ill, 73-75) Ironicamente é Nestor —cuja figura respeitével fOra utilizada pelo Sonho para enganar Agamémnon ~ quem dara o assentimento @ este plano, lembrando, porém, que o contetido de um sonho nfo é necessaria- ‘mente profético: “(...) se algum outro dos Aqueus contasse este sonho, / nds irfamos que € uma mentira e dele nos afastariamos ¢ o desprezarfamos ainda mais.” (Ul I, 80-81). Mas também Agamémnon parece nfo ter exato controle sobre o modo como reagiré a assembléia. E certo que scu plano, composto de duas fases, prev que, em um primeiro momento, a fuga seja provocada, j4 que, na sequléncia, os cchefes que participaram do Conselho devem conter com palavras os guerreiros «que concordarem em ato com a proposiglo de fuga. Georges Dumézil sugere um sentido plausivel para um costume to desconcertante: depois de nove anos de -10- LETRAS CLASSICAS, n. 5. 62-77, 2001, sftio, um ataque em massa exigitia, para ser eficas, uma unidade de énimo do conjunto do exército, e esta unidade sé seria obtida através de uma prova de fogo do “moral” destes guerreiros (ef Dumésil, 1985, p. 26-9). Mas, ainda que o resul- tado final venha apenas satisfazer a intengio tética de Agam&mnon, a primeira reagio da assembléia tem, por sua imediata forca expressiva, algo de extraordina- rio, Apés 0 discurso de Agamémnon, eis 0 que © poeta narra: "Assim falou, € comoveu' 0 finimo no peito /de todos na multidéo, de quantos nfo assistiram a0 Conselho.” (H. I, 142-143). “E eles, com um grito, /se langavam as naus, e de sob os pésa poeira /levantada se erguia, ¢ eles se exortavam uns aos outros /a segurar as naus e arrasté-las para 0 mar resplendente,/e desobstrufam as valas; echegava 0 céuum clamor / dos que queriam voltar para casa; e de sob as naus eles tiravam, os estas.” (IL I, 149-154). ‘A quase unanimidade e a presteza desta reagdo sinalizam ins6lita e inequi- vocamente o quanto esta guerra pode parecer absurda para a imensa maioria dos combatentes aqueus, mas, do ponto de vista da intrga, 0 risco iminente de inter- rupgio tanto da guerra quanto obviamente da propria nerrativa € marcado pela necessidade de uma intervengéo divina para corrigir a direcao, momentaneamen- te extraviada, do curso dos eventos representados, ou seja, da estéria. O poeta narra assim: “Entdo o retorno dos Argivos teria acontécido contra o destinado (onepHopa), / se Hera nfo dissesse numa fala para Atena: (..)" (Ul. I, 155-156) “(..) v8 agora ao exército dos Aqueus de-tiniea-de-bronze; / com palavras gentis, contenha cada homem, / nfo os deixes arrastar para o mar as naus duplamente curvadas.” (I. I, 163-165). Georges Dumézil estranha que Hera e Atena slarma- das intervenham, como se, semelhantemente & massa do exército, elas s6 conhe- cessem o primeiro momento do plano de Agamémnon?, mas o estado de desolaca0 em que Atena encontra Ulisses revela que, caso elas nfo interviessem, talvez 0 segundo momento do plano nfio fosse bem sucedido ou nem viesse @ acontecer. Segundo o poeta, “(..) ela encontrou entio Ulisses, igual a Zeus em astticia, / parado: ele nem mesmo tocava a negra nau / de-bons-toletes, pois a dor o atingia " (I, 169-171). Detenhamo-nos ainda um instante nesta intervengao divina, Nao parece ‘constituir problema o fato de que Hera e Arena, agindo assim, estejam, no mais imediato, criando condigGes para o cumprimento da ~ conhecida por elas ~ pro- ‘essa de Zeus a Tétis (de honrar Aquiles com uma derrota dos Aqueus), pois ~ ‘como veremos a seguir pela profecia a longo termo de Caleas ~ 0 cumprimento desta promessa, ao constituir apenas uma fase desta guerra, no contradiz um resultado final favorsvel aos Aqueus, enquanto 0 abardono neste momento da no coragio eno énimo -n- |ASSUNGAO, Teodoro Reneé. __AgSo dvinaeconstrugto da rama nos “Cantos Le I" da Mada, guerra pelos Aqueus impediria obviamente nfo s6 as conseqiéncias funestas da célera de Aquiles, mas também o vir-a-ser mesmo da guerra. Mais difil neste ponto € defini quaisseriam os méveis ou as razbes desta cexplicita posigo pro-aquéia destas duas deusas. Mas se considerarmos a tunica refestncia ditete ao jut de Péris no corpo da lada (ou seja: os versos 25- 30 do canto XXIV) como de fatofazendo parte do poema, todo o comportamento delas de violento édio a0s Troianos e a Affodite é ~ como demonstrou Karl Reinhardt em “Das Parisurteil” - retrospectivamente iluminado."°£ certo que todo © canto Ill reencena a conexto original entre Afrodite, Helena e Paris e que 0 ccomego do canto V marca inversamente a posigho contritia aos Troianos de Hera e Atena. E cutioso, porém, que jamais na liad Hera ou Atena fagam elas mesmas qualquer alusio explicta ao episédio do “juao" e que quando Zeus, no comego do canto IV (31-33), formula mais claramente @ questo das razbes do dio de Hera por Priamo, seus fihose a cidade de Tibia, a deusa prefirasilencia'!. © epis6dio originério pode, no entanto, ser aludido de maneira indireta e mais ou menos velada, como quando Atena no canto V se refer ironicamente a AModite, que acaba de ser ferida por Diomedes em combate, como tendo cortado @ méo na presilha de ouro do vestido de uma das Aquéias que ela (Afrodite)forgou a acom- panhar os Trotanos, que sto pois objeco de seu amor (cf. IL V, 422-425), fala em que a alusto nfo nomeada a Helena e sua relago com Afrodite slo claras. Mas a telago com o "juto de Pars” (ou o motivo origindio) pode ser ainda mais indire- ta ese redusir enquanto eco mfnimo & mengio de Helena como mével imediato desta guerra. No canto Il, em sua jécitada fala de intervengéo a Atena, Hera diz— naquela que 6, significativamente, a primeira mengSo a Helena na Iiada~: “Assim para casa, para a sua terra ptria,/os Argivos fugirio sobre o largo dotso do ma, / ¢¢ abandonario como triunfo a Priamo e aos Teoianos /2 argiva Helena, por cuja causa muitos dos Aqueus / pereceram em Tisi, longe da sua tera patria.” (lI 158-162) ‘Voleemos agora a narrativa do canto Il. Atena transfere entZo para Ulisses a fangéo que ela recebera de Hera, e este, pela presteza¢ energia da atitude, demons- tra—como diz pocta— que “ele econheceu a vor da deusa que falava” (It 1,182) Nao surpreende que a acéo de Ulisss, de algum modo assstdo pela deusa, seja efieaz na recondugho do exéreito a assembléia, mas sim ofato de que nenhum dos que estavam com ele no Consello dos Ancitos seja descrto ajudando-ocou realizan- oamesma fangio. O siléncio quanto a sto parece sugers que até mesmo aelice do Conselho estava percurbada pela massiva manifestaglo do desejo de retorn, pois, como a cena explicitamente indica, 0 alvo das admoestagbes de Ullisses nfo é so- on LETRAS CLASSICAS,n 5,p.63-77, 2001. mente “o guerreiro do povo" (Show bv8pa, Il. I, 198) mas também “o rei € © guerreito proeminente” (BAGUAT EL Kak EEoxov SvBpay, Il. Il, 188) episédio de ‘Tersites ~ que, enquanto iltima e exemplar advercéncia de Ulisses, serve também (com seu tom cémico) pra reforcar a unidade do “moral” do exército ~ precede a fala decisiva de Ulisses & assembléia. Sua chance de sucesso & de algum modo anunciada pela intervencéo discreta e antropomérfica de Atena, assim descrita pelo poeta: “(...) E junto dele Atena de-olhos-glaucos, / parecida com um arauto, ordena que o exército silen- cie, / para que juntos os primeiros e os iltimos dos filhos Aqueus/ possam escutar a fala e ponderar a decisio (..).” (Il I, 279-282). Nesta fala eu gostaria de me deter, ainda que brevemente, no “prod (tépacg, Il. II, 324) ou “sinal” (oF, Il II, 308) da serpente que em Aulis devora ‘0s nove péssaros. Os Aqueus sacrificavam aos deuses em rorno de uma fonte, sob um platano, quando uma terrvel serpente se langou no mais alto ramo deste, ‘onde estavam oito pardairinhos encolhides e sua mée. Ela os devora e € transfor ‘mada em pedta ~ segundo Ulisses ap6s Caleas ~ por Zeus, causando entéo nos Aqueus admiragéo espanto. Um tal evento, diferentemente do sonho de ‘Agamemnon, s6 pode ganhar um sentido preciso através da interpretago de um adivinho, Ela é proposta por Caleas : “Como a serpente devorou os filhos de pardal eaquela, /os oito ¢ a mde que gerou os flhos € era a nona, / assim nés guerreare- mos aqui um tal nfimero de anos, /¢ no décimo tomaremos a cidade de-largas- ruas.” (IL II, 326-329). A arbitrariedade de um tal simbolismo ~ mesmo se ela no 6 tinica em Homero (ef. 0 pressigio interpretado por Teoclimeno na Odisséia XV, 531-534) — € nfo sem pertinéncia formulada assim por Pietro Pucei:“(..) nfo ha nenhuma razdo para que os pdssaros representem segmentos de tempo, nem, se tal fosse 0 caso, para que eles representem anos e no meses (..).” (Pucci, 2000, . 36). Mas surpreende também o fato ~ ainda que comum em Homero ~ de que ‘um prességio que fixa infalivelmente o futuro desta guerra como resultando na vitéria dos Aqueus ~ donde o seu uso por Ulises para dar confianga aos seus possa ser tio facilmente esquecido quando a situacéo de guerra se torna nitida- mente favordvel a0s Troianos (ef. Pucei, 2000, p. 36-37). © préprio Ulisses, mes- mo confiando no prességio, o precede com uma exortacio nada preguigosa 3 gio, como seo futuro nso to determinado dependesse dela eo pressigio sé pudesse ser realizado por meio dela: “Tende coragem, amigos, ¢ permanecei por um tempo, para que saibamos /se Calcas adivinha verdadeiramente ou néo.” (Il U, 299-300) (Olleitox, no entanto, sabe que a palavra deste adivinho ¢ eficaz ou veridica, isto é: que ela vai necessariamence se realizar. O leitor porcanto, tem, assim, aces- -B- ASSUNGAO, Teodoro Rennd. __ Aso divine econsrugo da tram nos "Cantos Te I” da Hada, so a uma espécie de alargamento do plano de Zeus, que deixa de se resumir a0 ‘cumprimento da promessa a Tétis (de honrar Aquiles com uma derrota dos Aqueus) passa a englobar 0 conjunto da guerra que resultaré na derrota definitiva dos Troianos ¢ na tomeda da cidade, Obviamente nfo hi contradigfo alguma entre os dois planos, ¢ em ambos rests ainda uma inteiraindeterminagéo quanco & maneira como serdo executados. Mas, para que eles sejam realizados, 0 confronto direto entre os dois exércitos no deve mais ser adiado, o que justifica de imediato 0 sonho enganoso enviado por Zeus a Agamémnon. A seqiiéncia do canto mostra, porém, que Zeus ndo determina previamente o detalhe da ago e que, paciente, ele no intervém, se outras divindades como Hera e Atena—o fazem, cortigindo © curso dos eventos no sentido demandado por seu plano. Noms * Professor Doutor de Lingua e Literatura Grega do Departamento de Letras Clissicas ¢ do Programa de Pos-Graduagéo em Estudos Literdrios da FALE/UFMG. 1 Ver, por exemplo, Hermann Frinkel: "In dieser Gétterkonzeption begegnet uns 20m ersten Mal eine Deakform, die im archaischen Zeitalter der Griechen, nach Horne hherrschendle sein wird: die polare Denkweise. Qualitaten kénnen nicht anders konzipiert werden als emeinsam mit ihrem Gegensatz. Die enge Gebundenheit des menschlichen, Dasein bedarf demnach des Gezenbildes eines unbeschriinkten, aber im dbrigen menschenthnlichen, gottlichen Dascins.” (Frinkel, 1993, p. 59) [*Nesta concepgio dos deuses chega até nés pela primeira ver uma forma de pensar que, na época arcaice dos Gregos, depois de Homero, seré a dominant: a mancia de pensar por polardade ‘Qualidades no podem sce concebidas de outro modo do que em comm com seus ‘opostos. A estreita sujeigto da exiseencia humana necessca, por iso, da imagem oposta, ‘de uma ilimitada, mas quanto 90 resto semelhante a humana, existéncia divin." 2 N&o nos detezemos aqui na longa e complexa discussio do importante e iniclalrermo Hiv, Para uma definicto do cerdter numinoso e tabu (envolvendo também a reciprocidade) da jiivic — a partir de um estudo da rede de férmulas em que o termo «© seus substitutos aparecem ~ ver o artigo jé cléssico de Calvere Watkins “A propas de ‘MHNIE* (Watkins, 197). Ver mals recentemente 0 cuidadoso estudo de Leonard ‘Mueliner The Anger of Achilles (Muellner, 1996) em que o autor define o termo menis ‘como uma sangio césmica contra um comportamento que viola as regres mais bisieas dasociedade humana, invocando o conceito de tabu para sublinhar tantoo poder quanto co perigo atrbuido & pessoa que vila tls regras. 3. Este artigo recebe depois algumas precisSes no artigo “Zur AIOE BOYAH des liasprosmium” (Kullmann, 1956) e no livro Die Quellen der is ~ Tischer Sagenkreis (Kullmann, 1960). oe LBIRAS CLASSICAS, 5, 63-77, 2001, 4 Mesmo que seja discutvel a letura que Philippe Rousseau faz deste “plano”, no registro ‘moralizador da justiga, como punigio final dos Troianos pela quebta das leis de hospitalidade (0 rapto de Helena por Péris), assim coma punicéo parcial dos Aqueus por haverem endossado a ofensa de Agamémnon contra "o melhor dos Aqueus”, ‘concordsmos com ele quando defxa em aber ou a eet construido pela leitura do proprio ppoema o sentido preciso deste “plano de Zeus”: “Le contenu de cette boule rest pas noncé d'entrée de jeu par le narrateur. Sa connaissance nest pas non plus siaplement pressuposée. Ell est promise 8 la réflexion de 'auditoie, comme une énigme qu'il doit apprendre a déchiffrer & mesure que progresse le cit.” (Rousseau, 2001, p. 152). ["O conteddo desta boulé no € enunciado logo de entrada pelo narrador Seu conhecimento ‘fo é também simplesmente pressuposto. Ele € prometido & reflexo do auditério como tum enigma que ele deve aprender a deciffar A medida que progride a narrativa."] 5 "Warum kam es zu dem Streite, der mit dem verhingnisvollen Groll endete? Ein Gott, der Sohn des Zeus und der Leto, hat den Atriden und Achillews aneinandergeraten lassen. (..) Die niichste Frage gilt der Ursache fair Apollons Zorn. Diese war das Verhalten Agamemnons gegen Chryses, den Priester des Gottes.(...) Uns aber ist es wichtig, dass wir als letctes Aition niche einen dber allem stehenden Plan des Zeus, sondern die unbedachte Tat eines Menschen erfahren, de sie nicht unter gotlichem Einfluss, sondern weit eher als Widersacher eines Gottes tut (..)” (Lesky, 1961, p. 16-17) ("Por que veto a ocorter a querela que terminou no rancor fatal? Um deus, 0 filho de Zeus e de Leto, deixou o Atrida e Aquiles chegarem as vise de fato.(..) A rOxima pergunta visa @ causa da célera de Apolo. Esta caura foi o comportamento de ‘Agamémnon contra Crises 0 sacerdote do deus. (..) Para née, no entauto pur tante que sejamos informados de que o cltimo aition (‘cause’) ndo & um plano de Zeus que cesté acima de tudo, mas o ato impensado de um homem que age nao sob influéncia divina mas antes como adversério de um deus (..).") 6 Orexto grego da lada adotado é ode Allen ¢ Monro da edigio de Oxford. Minha tradusio das passagens citadas visa apenas recuperar com preciso sintticae vocabulat~ mas sem nenhuma preocupagéo com o ritmo ou a méerica ~ 0 conteddo narrativo destas. Os limites dos versosestio mareados por baras e as citagées aparecem entre aspas mas em destaque especial no correr mesmo do texto. 7 Para uma reconstituigdo cuidadosa deste mito a partir do Prometeu acorrentado de Esquilo da 6° fuimica de Pindato, assim como para um comentétio atento de suas alusdes na ada, vero capitulo 2 do livo citado de Laura Slatkin (cf Slatkin, 1991, p. 53-84). 8 Eu me permitirei aqui remeter o leitor & “Introdugio” da minha tese de doutorado Diomade le prudent onde desenvolvo aquestio paradoxal da contingéneia em uma trama ‘ujas coordenadas mais gerais - como fezem ver as profecias ~ esto jé determinadas (cf. Assuncto, 2000, p. 7-64) 9 “Que Héré et Athéné s'alarment de ce plan, quelles en sofent dupes (..), cela pevt étonner de In part de déesses, mais c'est un fat: Agamemnon a be et bien formulé ce plan a deux volets, en deux temps, dont elles parakssent ne retenis, pour sy opposer, que le premier.” (Dumésl, 1985, p. 28), (“Que Hera e Atena se alarmem com este plano, que elas sejam enganacas por ele (.), iso pode espantar vindo de deusas, mas & um faro: Agamémnon realmente formulou este plano como um diptico, em dois tempos, dos quais clas parecem reter apenas ~ para se opor a ele - oprimeico."| ors. ASSUNGHO, Teodoro Renn, _Asto diving e construc de trama ns “Cantos I da ada, 10 Para uma discussie cuidadosa dos versos 25-30 do canto XXIV da Iiada ~ algo que fescaparia agora aos meus propésitos ~ ver o sugestivo artigo de Philippe Rousseau “L égarement de Paris” (Rousseau, 1998). 11A, Masia van Exp Taaliman Kip, atenta & superficie do texto, levanta outras questbes pertinentes quanto a0 comportamento explicto dos deusesilidicos, como, par exermplo, que levaria Zeus a admitir a desruigho de Tasia, se efe mesmo diz que os Troianos Ihe sio espectalmente caros em razio de seus generosos sacrficios (cé.Kip, 2000, p. 390) Se, por um lado, a perplexidade quanto a este comportamento pode levar & justificada suspeita de que « moralidade divina nfo coincide com a humana, abrindo espago para a ineupgdo do tragico, por outro lado, a concordéncia com a atetizagio dos versos 29-30 docanto XXIV, apenas para dar ao texto uma coeréncia projetada, nos parece um recurso facil e enganoso REFERENCIAS BIBLOGRAFICAS ASSUNGAO, Teodoro Reniné. 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MOTS-CLEES: action divine; construction de la tame; Thad; chants Tet oT

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