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Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7854-175-0
2012
WAK EDITORA
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Introdução
Capítulo 1
Apresentação do Problema
1.1. Breve revisão histórica da Psicomotricidade
1.2. Breve revisão histórica da Psiconeurologia
1.3.Alguns aspectos filogenéticos
1.4. Alguns aspectos ontogenéticos
Capítulo 2
Modelo de Organização Funcional do Cérebro Humano, segundo
Luria
2.1 Relações entre cérebro e comportamento
2.2. As três unidades funcionais do cérebro
2.2.1. Primeira unidade – de regulação tônica, de alerta e dos
estados mentai
2.2.2. Segunda unidade – de recepção, análise e
armazenamento da informação
2.2.3. Terceira unidade de programação – regulação e
verificação da atividade
2.3. Interação entre as três unidades funcionais
Capítulo 3
Fatores Psicomotores e sua Relação com as Três Unidades
Funcionais
3.1. Fundamentos psiconeurológicos da bateria psicomotora (BPM)
3.2. Apresentação, administração e cotação dos fatores
psicomotores (BPM)
3.2.1. Aspecto somático, desvios posturais e controle
respiratório
3.2.2. Tonicidade
3.2.3. Equilibração
3.2.4. Lateralização
3.2.5. Noção do corpo
3.2.6. Estruturação espaço-temporal
3.2.7. Praxia global
3.2.8. Praxia fina
3.3. Aspectos gerais da observação psicomotora
Capítulo 4
Psicomotricidade e Psiconeurologia
[Introdução ao Sistema Psicomotor Humano (SPMH)]
4.1. Introdução a uma abordagem filogenética
4.2. Introdução a uma abordagem ontogenética
4.3. Introdução ao sistema psicomotor humano
4.4. Propriedades do sistema psicomotor humano
4.5. Síntese de um ensaio experimental
(Fatores psicomotores à luz de A. R. Luria)
Capítulo 5
A Criança Dispráxica com Dificuldades de Aprendizagem
5.1. Algumas reflexões de síntese
Capítulo 6
Implicações da Observação na Reabilitação Psicomotora.
6.1. Parâmetros de reabilitação psicomotora
6.2.1 Parâmetros de reabilitação psicomotora
Conclusões
Referências
A apresentação deste livro encerra um ciclo da nossa atividade
clínico-terapêutica e científico-pedagógica, dedicada à
Psicomotricidade. Dessa mesma coleção, temos as obras:
APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA
— conexões sinápticas;
MODELO DE ORGANIZAÇÃO
FUNCIONAL DO CÉREBRO HUMANO,
SEGUNDO LURIA
3.2.2. Tonicidade
Considerações gerais
Extensibilidade
Passividade
Paratonia
A paratonia definida por Ajuriaguerra (1974) traduz a incapacidade
ou a impossibilidade de descontração voluntária.
Dupré (1911) caracteriza-a, dentro do seu conceito de debilidade
motora, “como um estado patológico, revelado pelo exagero dos
reflexos tendinosos, por perturbações nos reflexos plantares, sincinesias
e descoordenação dos movimentos intencionais, impossibilitando a
realização voluntária da resolução motora”. A paratonia é aqui definida
como uma constelação de sinais que transcendem a esfera da
tonicidade (BERGÉS e BOUNES, 1974). Na BPM, a paratonia
compreende um dos subfatores da tonicidade. Em vez de uma
modulação tônica, instalam-se uma contratura, um bloqueio e um
aumento do tônus que impede a autodescontração necessária ao
movimento harmonioso. Por falta dessa tal modulação tônica, os
movimentos tendem a ser produzidos como uma reação ou uma
descarga em massa, afetando a sua adequação, plasticidade e melodia.
A paratonia revela a existência, ou não, de liberdades motoras em
nível articular e a presença, ou não, de uma organização tônico-motora
de base, sobre a qual se estabelece a organização da
proprioceptividade propriamente dita. Capacidade de pôr em repouso
ou de abandonar o membro e seus componentes musculares é uma
das características do movimento adequado e preciso. A persistência de
bloqueios ou de contrações impede a resolução motora, altera a
integração sensorial aferente e quinestésica concomitante e põe em
relevo uma incapacidade volitiva de autodescontração. A presença de
paratonias tira consequentemente a precisão, perfeição, harmonia,
ritmo, regularidade e melodia cinestésica ao movimento, daí que a sua
detecção seja fundamental na BPM. A paratonia atua como frenagem
tônica, impedindo o relaxamento muscular, exatamente porque certas
tensões e contrações se conservam à volta das articulações distais e
proximais, desenvolvendo sinergias onerosas que prejudicam a
realização do movimento.
A resolução motora envolve, em certa medida, uma resolução
tônica, na medida em que ambas se completam funcionalmente. A
resolução motora implica a componente fásica, isto é, a passagem da
função tônica à função clônica. A resolução clônica implica o processo
dialeticamente oposto, ou seja, a passagem da função clônica à função
tônica. Se as paratonias emergirem nessa fase, a capacidade voluntária
de descontração pode não acionar os mecanismos centrais e periféricos
que coordenam a função tônico-muscular no seu conjunto. A evolução
do tônus de repouso ao tônus de ação é tão fundamental como a
passagem do tônus de ação ao tônus de repouso, daí a importância
das técnicas de relaxamento e o seu enorme impacto terapêutico.
(SCHULTZ, 1965; JACOBSON, 1948; STOKVIS, 1960; VITTOZ, 1954)
A função tônica requer uma flutuação oscilante entre os estados de
repouso e os estados de atividade; qualquer tensão residual que
impeça essa permanente interação dos dois estados tem claramente
efeitos na postura e na ação e, conjuntamente, nas funções emocionais
de atenção e de alerta, confirmando a sua integração na primeira
unidade funcional de Luria.
Para observar as paratonias na BPM, deve-se recorrer a um colchão
e proceder da seguinte forma: a criança deve ser observada em
decúbito dorsal, na postura tradicional da maioria das técnicas de
relaxamento. Devem-se anotar informalmente algumas assimetrias na
postura das pernas e dos pés e inspecionar-se se se verifica alguma
alteração na coluna e na bacia. A criança deve manter-se segura, calma
e descontraída, persistindo o observador em um diálogo tônico e em
um conforto tátil, tendo muito cuidado com todas as suas
mobilizações, manipulações ou palpações, que podem gerar eclosões
terminais ou provocar maior defensividade na “armadura tônica” da
criança. As reações tônico-emocionais incontroláveis, como os sorrisos,
as mímicas, as gesticulações, a rigidez corporal, os bloqueios
respiratórios, as reações de sobressalto, os sinais de impulsividade e
instabilidade etc. devem ser minimizados, para que a realização das
mobilizações possa ser efetuada sem efeitos secundários.
As paratonias são observadas, quer nos membros superiores, quer
nos inferiores, por meio de mobilizações passivas e de quedas.
Deve-se sugerir à criança que se descontraia ao máximo, à medida
que o observador vai adquirindo maior sensibilidade ao peso dos seus
membros, mobilizando-os passiva e calmamente. Verificar se a criança
abandona (relaxa) parcial ou totalmente os membros e, em seguida,
deixar cair os membros no colchão e certificar-se do grau de
descontração nas extremidades.
Na exploração dos membros superiores, a mobilização simultânea e
alternada dos braços descontraídos deve ser efetuada até a vertical,
onde os membros atingem maior liberdade antigravítica. Nessa
posição, realizar pequenos movimentos à volta da articulação do
ombro unidirecional e pluridirecionalmente e certificar-se de resistências
ou tensões proximais, distais, globais ou residuais. Após a exploração
da articulação do ombro, evoluir para a exploração das quedas dos
ombros, observando o grau de abandono e liberdade tônica de cada
membro. Proceder com as mesmas manípulações de peso e
relaxamento no antebraço com apoio do cotovelo e na mão,
descontraidamente apoiada no solo.
Na exploração dos membros inferiores, o observador deve realizar a
mesma manobra antigravítica e passiva, certificando-se do peso dos
membros estendidos e do seu abandono. As explorações de
movimentos unidirecionais e pluridirecionais, de abdução e adução, de
exorrotação e endorrotação devem ser realizadas com ambos os
membros, quer simultaneamente, quer alternadamente, devendo o
observador certificar-se de resistências, bloqueios ou tensões proximais,
distais, globais ou residuais. Após a exploração dos membros em
extensão, fletir as pernas pelos joelhos e explorar em seguida a
articulação da anca, por meio de abduções, aduções, rotações etc. Por
último, explorar o abandono do pé, contrariando e mobilizando a
posição normal de repouso do pé.
A observação das paratonias está naturalmente associada à
observação da tonicidade de repouso, bem como à lateralização, visto
que os membros dominantes acusam menos extensibilidade e, por
consequência, tendem a apresentar maior resistência nas manobras e
nas manipulações.
Diadococinesias
Sincinesias
Significação psiconeurológica
3.2.3. Equilibração
Considerações gerais
Imobilidade
Equilíbrio estático
Equilíbrio dinâmico
O equilíbrio dinâmico exige, ao contrário do estático, uma
orientação controlada do corpo em situações de deslocamento no
espaço com os olhos abertos.
Não se trata só da pesquisa de funções vestibulares ou cerebelosas
mas também da própria atividade piramidal.
Nessas tarefas, são adaptadas as provas de Ozeretsky, Wallon
(1958); Roach e Kephart (1966); Orpet e Frostig (1972) e de muitos
outros autores.
A observação deve captar sinais quanto à precisão, à economia e à
melodia dos movimentos, quanto ao seu controle em termos
quantitativos e qualitativos e quanto ao grau de facilidade ou
dificuldade relevado nas várias tarefas.
Especial atenção às reequilibrações abruptas, às condições de
manutenção e de reaquisição do equilíbrio, às quedas unilaterais, ao
descontrole postural, à frequência de movimentos compensatórios das
mãos, ao nível de integração dos reflexos posturais e à qualidade de
inibição de movimentos involuntários, às dismetrias, às discronometrias,
às arritmias, às reequilibradoras etc. A leitura de assimetrias é também
fundamental, quer quanto aos pés de apoio, às mudanças de direção e
de orientação espacial, quer quanto às relações espaciais que a tarefa
em si coloca. Registrar algo de bizarro quanto à ocorrência de
disfunções vestibulares e cerebelosas ou inclusive de disfunções tônicas,
agora naturalmente mais evidentes em situações dinâmicas. Anomalias
nos pés (endorrotações ou flexões dorsais e plantares exageradas),
laxidez nos tendões, colocação da bacia verticalização do tronco e da
cabeça devem ser igualmente analisadas, especialmente quando na
presença de crianças que apresentam outros problemas atípicos
(hemiparesias, hipotonia, longos períodos de correção com botas
ortopédicas, acidentes, problemas musculares, luxações ou subluxações
precoces, atrasos da marcha etc.).
As tarefas do subfator do equilíbrio dinâmico incluem: marcha
controlada, evolução na trave (frente, trás, direita e esquerda), saltos
com apoio unipedal (pé coxinho esquerdo e direito), saltos com os pés
juntos (frente, trás e com os olhos fechados).
Na tarefa da marcha controlada, deve proceder-se da seguinte
forma: a criança deverá evoluir no solo em cima de uma linha reta com
3m de comprimentos, de modo que o calcanhar de um pé toque na
ponta do pé contrário, permanecendo sempre com as mãos nos
quadris.
A cotação a atribuir na realização dessa tarefa, de novo, deve ter
em conta os sinais difusos que traduzem as disfunções vestibulares e
cerebelosas já apontadas na imobilidade. O critério a adotar deverá ser
o seguinte:
Significação psiconeurológica
Sentido cinestésico
Reconhecimento direita-esquerda
Autoimagem (face)
Imitação de gestos
Desenho do corpo
Significação psiconeurológica
Organização
Estruturação dinâmica
Estruturação rítmica
1) (ensaio)
2) (para cotação)
3) (para cotação)
4) (para cotação)
5) (para cotação)
Significação psiconeurológica
Coordenação oculomanual
Coordenação oculopedal
Dismetria
Dissociação
— membros superiores;
— membros inferiores;
Significação psiconeurológica
— síntese sensorial;
— interação sensorial;
Tamborilar
Velocidade-precisão
Significação psiconeurológica
PSICOMOTRICIDADE E
PSICONEUROLOGIA
[INTRODUÇÃO AO SISTEMA PSICOMOTOR HUMANO (SPMH)]
IMPLICAÇÕES DA OBSERVAÇÃO NA
REABILITAÇÃO PSICOMOTORA
Primeira Estratégia
Identificação e Diagnóstico
A identificação e o diagnóstico visam detectar as características do
potencial de aprendizagem da criança. Não em uma dimensão
convencional, tautológica ou estática; pelo contrário, a finalidade da
identificação e do diagnóstico é refletir o inventário das aquisições e
das capacidades adaptativas, a flexibilidade e a plasticidade das
competências de cada criança.
Como princípio fundamental, a identificação e o diagnóstico devem
assumir que a dificuldade da aprendizagem ou de desenvolvimento
pode ser modificada como resultado de programas reabilitativos e
educacionais, que obviamente deverão ser implementados o mais
precocemente possível, pois está em presença maior potencial de
desenvolvimento e, por conseqüência, maior propensão à modificação.
Por outro lado, e de acordo com a escala de desenvolvimento
apresentada, o êxito da estimulação precoce é também maior quanto
mais cedo for aplicada, exatamente porque algumas aquisições (skilts)
devem ser aprendidas e integradas antes de outras. Nas crianças
privadas de estimulação, o problema é ainda mais crucial, na medida
em que pode ficar ainda mais atrasada à medida que o tempo passa.
O diagnóstico deve aprofundar a análise das características do
potencial de aprendizagem, não no sentido atual e imutável do
mesmo, mas sim no sentido futuro, depois da aplicação de programas
de facilitação de desenvolvimento. O que importa é visar à plasticidade
do potencial, ampliar os seus parâmetros de realização, estimular as
modalidades preferenciais para modificar a estrutura cognitiva, reforçar
o estilo de aprendizagem próprio de cada criança etc.
O diagnóstico não pode continuar a ser tão pouco pertinente e
irrelevante em termos de informação educacional e reabilitacional. A
avaliação das características educacionais e envolventes deve ter em
conta a detecção de grandes desordens (inteligência neuromotora e
sensório-motora etc.), determinar os problemas analisando e
sintetizando os resultados e os dados dos testes ou das provas
utilizados, aprofundar os problemas de aprendizagem, especificando
cuidadosamente as necessidades educacionais específicas etc. O
enfoque não é só centrar o diagnóstico na criança ou colocar um rótulo
ou uma categoria.
A orientação futura da identificação ou do diagnóstico nunca
poderá ser a da imutabilidade ou a da infalibilidade do potencial da
aprendizagem medida em um momento dado da evolução da criança.
Com tais diagnósticos de avaliação, podemos cair no erro de julgar a
inteligência como um dado estático.
Em uma nova concepção, a própria situação do diagnóstico deverá
permitir a produção já de mudanças no próprio indivíduo, de modo
que se aborde a sua capacidade de aprender, se determinem a
natureza e a estrutura do seu potencial, se analise o seu mapa
cognitivo, se dimensionem as suas diferentes condições de
processamento da informação e se estruturem, de acordo até com a
escala de desenvolvimento, os diferentes sistemas de tratamento da
informação: de conteúdo, de modalidade sensorial e nível cognitivo
etc. (FUERSTEIN, 1979)
O diagnóstico e a identificação deverão ser dinâmicos; têm de
evoluir de uma orientação de produtos para uma orientação de
processos que os determinam; necessitam de uma nova estrutura,
incluindo maior diversificação de operações e de situações; precisam de
novas interações entre o observador e o observado, pois não basta
àquele uma função neutra na observação, tornando quase estéril e
vazia a relação entre observador e observado. O observador não pode-
se limitar a seguir as instruções dos manuais e a registrar friamente as
respostas do observado. A situação de observação deve ser considerada
um verdadeiro processo dinâmico de aprendizagem e de interação,
fornecendo ao observado o máximo de motivação e de suporte e
adequando a situação às suas necessidades específicas, evitando mais
uma situação de insucesso ou de frustração.
Nesta primeira estratégia do modelo de intervenção, muito se tem
de mudar, visto que a identificação e o diagnóstico são indispensáveis
para a seleção e a planificação dos múltiplos tipos de intervenção que
se devem implementar em seguida.
Segunda Estratégia
Perfil intraindividual de aquisições básicas (PIAB)
A interpretação dos dados do diagnóstico e a formulação das
hipóteses explicativas dos resultados obtidos são essenciais para
determinar o perfil intraindividual da criança. Perfil, que deve envolver
um conceito plástico e não fixo e, portanto, cientificamente
estruturado em áreas fortes e áreas fracas, em perfil de integridades e
perfil de dificuldades. Os resultados não devem ser interpretados de
acordo com a distribuição normal, mas sim em termos de processos
adaptativos utilizados, e não exclusivamente em termos de produtos
alcançados.
A acumulação de toda a informação biomédica e mesológica em
uma síntese biossocial é de uma importância capital. A criança não
evolui no vácuo, mas em um dado envolvimento, em que é necessário
também intervir em termos de modificação interacional e social.
A determinação das necessidades específicas da criança, a análise
aprofundada e interdisciplinar do seu perfil, a obtenção de um nível
básico adaptativo e as características fundamentais do seu estilo de
aprendizagem e do seu modelo de processamento de informação etc.
são estremamente relevantes para a formulação de objetivos
terapêuticos e psicopedagógicos. (JOHNSON e MYKLEBUST, 1964)
Identificar o que a criança pode fazer (áreas fortes) e não pode fazer
(áreas fracas), tendo em vista a própria escala de desenvolvimento,
permite colocá-la e situá-la no currículo de desenvolvimento. A adoção
de processos de observação em variadíssimas situações e a utilização de
check-lists, de screenings e de dispositivos informais de avaliação por
áreas (inteligência neuromotora, sensório-motora, perceptivo-motora,
simbólica, conceitual, social etc., FONSECA, 1989) facilitam a obtenção
do perfil intraindividual, a que naturalmente equivale um certo nível de
desenvolvimento, que pode ser confirmado pela mesma escala. (CROSS
e GOIN, 1977)
O perfil intraindividual deve, portanto, permitir compreender as
áreas específicas de integridade (fortes) e de dificuldades (fracas), ao
mesmo tempo que deve garantir uma avaliação dinâmica do potencial
de aprendizagem. Identificar, diagnosticar, observar e intervir (ou
ensinar) deve fazer parte de uma abordagem experimental contínua, a
fim de progressivamente ir encontrando e satisfazendo as necessidades
específicas das crianças. (MITTLER, 1979)
Terceira Estratégia
Formulação de objetivos
A formulação de objetivos visa satisfazer de uma forma planificada
e não acidental às necessidades da criança, compensando as suas áreas
fracas por meio do reforço e da ampliação de compentências nas suas
áreas fortes. Em vez de iniciar a terapêutica pelas áreas fracas, com a
intenção de rapidamente superar as dificuldades, a intervenção deverá
começar por conquistar a maior reserva emocional possível, evitando
situações de frustrações e de regressão. A planificação das tarefas
deverá ter em conta o perfil intraindividual, de forma que se
proporcione um reforço do EU da criança, que deve consolidar-se por
meio de situações de sucesso garantido. De sucesso em sucesso, ou de
êxito em êxito, a criança tem mais probabilidade de integrar no seu
repertório psicomotor e cognitivo os processos e os produtos da sua
aprendizagem. Em analogia e de acordo com a formulação de objetivos
reabilitativos a alcançar, as áreas fracas deverão ser analisadas
rigorosamente, subdividindo as tarefas difíceis em subtarefas mais
simples que possam ser assimiladas e integradas pela criança.
(JONHSON e WERNER, 1975)
Estabelecer objetivos, determinar as necessidades, planificar
situações de aprendizagem e concomitantes reforçadores, bem como
sequencializá-las por mudanças sucessivas e decidir sobre as
prioridades, requer um estudo aprofundado do perfil intraindividual em
harmonia com as decisões a tomar entre as várias alternativas e os
vários recursos (métodos, situações-problema, programas
hierarquizados por áreas de desenvolvimento etc.).
Isolando e identificando a natureza das áreas ou subáreas fortes e
fracas em conformidade com o perfil intraindividual da criança,
estamos mais aptos a perceber o porquê da sua dificuldade perante
uma nova tarefa, em que se poderá verificar um bloqueio ou uma
resistência em adquirir um componente ou subcomponente essencial
(sub-skill).
A formulação dos objetivos requer a seleção planificada de tarefas,
o que implica uma análise das mesmas em termos de hierarquia e de
complexidade, daí a necessidade da sua sistematização. No âmbito das
dificuldades de aprendizagem ou de desenvolvimento, a formulação de
objetivos não pode ser acidental e assistemática, as dificuldades
superamse na razão direta da cientificação da intervenção e não na
excessiva improvisação ou no vazio programático.
A formulação de objetivos envolve uma planificação e uma
individualização da intervenção, visando a um alto grau de
personalização. O início da intervenção deve começar por aquisições
altamente motivadoras e significativas que a criança possa aprender
inequivocamente, encontrando os métodos que permitam a
modificação de comportamentos que consubstanciam a sua própria e
original aprendizagem.
A criança privada culturalmente pode aprender conceitos, a criança
deficiente mental pode vir a ler, as dificuldades de aprendizagem (DA)
nas crianças desaparecem quando se adotam métodos de intervenção
mais eficazes. Para tal, é necessário utilizar planos organizados,
estruturados, detalhados e específicos, contendo várias alternativas,
trabalhar com objetivos e escrevê-los em termos operacionais, verificar
se os mesmos estão ou não a ser atingidos, acompanhar
permanentemente a evolução da criança (follow-up), procurar o
material didático e técnico que se ajuste às necessidades específicas da
criança, categorizar os vários materiais (jogos, programas, fichas de
trabalho, kits etc.) por áreas de desenvolvimento etc.
Em resumo, a formulação de objetivos consagra a planificação das
atividades (diárias, semanais, trimestrais, semestrais, anuais etc.) que
constituem o currículo de desenvolvimento exequível para cada caso,
personalizando ao máximo o seu programa educacional ou
reabilitativo.
Quarta Estratégia
Plano reabilitacional individualizado
O plano reabilitacional individualizado (PRI) a ser desenvolvido para
cada caso deverá enquadrar, em síntese, as estratégias anteriormente
abordadas.
Desde a descrição dos níveis atualizados de realização em várias
áreas (inteligência, neuromotora, sensório-motora, perceptivo-motora,
simbólica, conceitual etc.), que constitui o perfil intraindividual de cada
caso, passando pela fundamentação dos objetivos terapêuticos de
curto, médio e longo prazo, até a especificação dos recursos regulares
e especiais a explorar, tudo deverá integrar o PRI.
A indicação das datas de início dos vários programas, a sua duração
e planificação de processos de pré-avaliação e pós-avaliação (ou
observação) deverão igualmente constar do respectivo PRI, a ser
discutido com a equipe terapêutica e debatido com os próprios pais.
A apropriação dos processos e de critérios de avaliação para
determinar se os objetivos traçados estão ou não a ser levados em
prática é uma condição indispensável a esta estratégia de intervenção.
O PRI não pode ser concebido em termos fixos ou rígidos; o seu
critério é o da modificação máxima para satisfazer as necessidades
específicas da criança. Deve ser aberto a novas alternativas, deve
permitir o recurso a diagnósticos mais aprofundados de especialistas,
deve incluir, ainda, processos mais eficazes e envolventes de
intervenção entre os pais e os terapeutas (ou os professores) etc.
A heterogeneidade, a diversidade de atividades e alternativas, a
abertura de novas fontes de estimulação de atitudes, a criação de
novas tarefas e de novos tipos de intervenção etc. deverão ser
enquadrados na concepção do PRI, pois só desta forma ele pode se
adaptar à mudança que é inerente ao conceito de facilitação do
desenvolvimento da criança “normal” ou “deficiente”.
Quinta Estratégia
Implementação de programas
Na implementação dos programas reabilitacionais propriamente
ditos, não se pode esquecer que esses são sempre processos
preparatórios e temporários e nunca definitivos ou exclusivos. Ao
contrário da tradicional repetição, devem-se tentar uma modificação e
uma transcendência mais dinâmica e otimista, pois a finalidade última
da implementação dos programas é a mudança de conduta e não a sua
estabilidade. Se se deseja mudar os objetivos e os resultados, temos de
mudar os programas e os processos que os materializam.
Na implementação de programas, é necessário cuidar da seleção e
da análise de tarefas que os constituem. É preciso, por conseguinte,
identificar os passos e as fases que são necessários transmitir e ensinar,
a fim de que a tarefa possa ser ensinada passo a passo (step-by-step).
Para tal, sugere-se a seguinte metodologia na apresentação das
tarefas:
Sexta Estratégia
Avaliação reabilitacional
A avaliação reabilitacional deve ser equacionada com um processo
sistemático de recolher informações sobre o nível de modificação da
criança em áreas específicas do desenvolvimento (FONSECA, 1989) e as
características dinâmicas do seu potencial de aprendizagem.
A sua finalidade permite avaliar a coerência do modelo de
intervenção e da relação intrínseca das suas várias estratégias
encadeadas e interdependentes. O plano reabilitacional atinge assim
uma dimensão totalizadora e especificada em vários domínios (desenho
curricular – curriculum design).
As áreas de avaliação deverão ser as que integram as seis
metamorfoses da inteligência descrita na nossa escala, discriminando
rigorosamente as novas aquisições que se vão integrando na criança
como resultado da sua aprendizagem dinâmica. Desde as aquisições da
inteligência neuromotora (integração sensório-motora, motricidade
global, desenvolvimento da locomoção etc.), passando pelas aquisições
da inteligência sensório-motora (motricidade fina, desenvolvimento da
preensão, discriminação e identificação perceptivo-visual, perceptivo-
auditiva e tátil-quinestésica etc.), da inteligência perceptivo-motora
(noção do corpo, lateralização, direcionalidade, estruturação
espaçotemporal etc.) e da inteligência simbólica (recepção e
compreensão auditiva, retenção e intervenção simbólico-sintática etc.,
e recepção visual, coordenação visual, coordenação oculomanual,
discriminação e identificação de figuras e de imagens, orientação
espacial, visório-motricidade, grafomotricidade etc.) até a inteligência
conceitual (aquisições simbólicas da leitura e da escrita, domínio da
logicidade, da associação, classificação e quantificação etc.) e a
inteligência social (maturidade socioemocional, aquisições sociais,
autossuficiência, competências ocupacionais etc.), podemos adotar um
processo sistemático de avaliação que nos permite, para cada criança,
situar o seu nível básico de funcionabilidade em cada área referida.
Com a adoção de um processo de avaliação preciso e fidedigno,
aberto a outras informações, como as que são fornecidas pelos
terapeutas (terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala, terapeutas do
desenvolvimento, terapeutas das pré-aptidões e terapeutas
psicomotores, educadores e professores especializado) e pelos pais e
outros profissionais envolvidos no acompanhamento longitudinal
(follow-up) da criança (médicos, psicólogos, pedagogos, professores
regulares etc.), podemos ir sabendo e medindo constantemente se os
objetivos estão ou não a ser atingidos, confirmando, nesse caso, o
resultado ideal do modelo de intervenção (sucesso). Não se verificando
esse resultado, como, por exemplo, um resultado de estagnação ou de
regressão (insucesso), outra estratégia deverá emergir no modelo – a
avaliação contínua (sétima estratégia). Nessa estratégia, deve
assegurar-se a avaliação de todas as fases do modelo, certificando-se
das falhas, dos obstáculos e das carências detectadas, que impedem a
obtenção do resultado ideal, ou seja, do sucesso do plano
reabilitacional individualizado.
Com base neste modelo sistêmico, o insucesso pode ser encarado
como um recurso à investigação, permitindo aprofundar a qualidade da
intervenção, desde a identificação e o diagnóstico até a implementação
de programas e concomitante avaliação contínua. A perspectiva do
modelo, e, no fundo, a sua última estratégia, é a de reavaliação de
todo o modelo de itervenção, visando otimizar as condições
envolvimentais com a finalidade de ajustar toda a intervenção às
necessidades educacionais específicas de cada criança.
Eis, pois, de uma forma sintetizada e inconclusa, o nosso modelo de
intervenção, constituído por várias estratégias sequencializadas, para
abordar a modificação do potencial de aprendizagem de qualquer
criança, independentemente da sua condição. Acreditamos
inequivocamente na modificação cognitiva de todas as crianças
(“normais” ou “atípicas”). A busca por princípios dinâmicos do
desenvolvimento psiconeurológico humano, e, como tal, da criança,
que tentamos equacionar com a apresentação da nossa escala, pode,
no futuro, tornar possível o que hoje não se aceita.
A criança como ser humano é um ser aberto à mudança, decifiente
ou não deficiente, pode modificar-se por efeitos da educação e da
reabilitação e, ao mudar a sua estrutura de informação, formação e
transformação do envolvimento, pode adquirir novas possibilidades e
novas capacidades.