You are on page 1of 440

© 2012 by Vitor da Fonseca

Gerente Editorial: Alan Kardec Pereira


Editor: Waldir Pedro
Revisão Gramatical: Lucíola Medeiros Brasil
Capa e Projeto Gráfico: 2ébom Design
Capa: Eduardo Cardoso
Diagramação: Flávio Lecorny

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


F742m
2.ed.
Fonseca, Vitor
Manual de observação psicomotora: significação psiconeurológica dos fatores psicomotores/
Vitor da Fonseca. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2012. 328p. : 28cm

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7854-175-0

1. Psicomotricidade. 2. Capacidade motora. I. Título.


11.6164 CDD 152.3 CDU: 159.943

2012

Direitos desta edição reservados à Wak Editora Proibida a reprodução total e


parcial.
Os infratores serão processados na forma da lei.

WAK EDITORA
Av. N. Sra. de Copacabana 945 – sala 107 – Copacabana
Rio de Janeiro – CEP 22060-001 – RJ
Tels.: (21) 3208-6095 e 3208-6113
Fax (21) 3208-3918
wakeditora@uol.com.br
www.wakeditora.com.br
Introdução
Capítulo 1
Apresentação do Problema
1.1. Breve revisão histórica da Psicomotricidade
1.2. Breve revisão histórica da Psiconeurologia
1.3.Alguns aspectos filogenéticos
1.4. Alguns aspectos ontogenéticos

Capítulo 2
Modelo de Organização Funcional do Cérebro Humano, segundo
Luria
2.1 Relações entre cérebro e comportamento
2.2. As três unidades funcionais do cérebro
2.2.1. Primeira unidade – de regulação tônica, de alerta e dos
estados mentai
2.2.2. Segunda unidade – de recepção, análise e
armazenamento da informação
2.2.3. Terceira unidade de programação – regulação e
verificação da atividade
2.3. Interação entre as três unidades funcionais

Capítulo 3
Fatores Psicomotores e sua Relação com as Três Unidades
Funcionais
3.1. Fundamentos psiconeurológicos da bateria psicomotora (BPM)
3.2. Apresentação, administração e cotação dos fatores
psicomotores (BPM)
3.2.1. Aspecto somático, desvios posturais e controle
respiratório
3.2.2. Tonicidade
3.2.3. Equilibração
3.2.4. Lateralização
3.2.5. Noção do corpo
3.2.6. Estruturação espaço-temporal
3.2.7. Praxia global
3.2.8. Praxia fina
3.3. Aspectos gerais da observação psicomotora

Capítulo 4
Psicomotricidade e Psiconeurologia
[Introdução ao Sistema Psicomotor Humano (SPMH)]
4.1. Introdução a uma abordagem filogenética
4.2. Introdução a uma abordagem ontogenética
4.3. Introdução ao sistema psicomotor humano
4.4. Propriedades do sistema psicomotor humano
4.5. Síntese de um ensaio experimental
(Fatores psicomotores à luz de A. R. Luria)

Capítulo 5
A Criança Dispráxica com Dificuldades de Aprendizagem
5.1. Algumas reflexões de síntese

Capítulo 6
Implicações da Observação na Reabilitação Psicomotora.
6.1. Parâmetros de reabilitação psicomotora
6.2.1 Parâmetros de reabilitação psicomotora
Conclusões
Referências
A apresentação deste livro encerra um ciclo da nossa atividade
clínico-terapêutica e científico-pedagógica, dedicada à
Psicomotricidade. Dessa mesma coleção, temos as obras:

— Psicomotricidade: filogênese, ontogênese e retrogênese,


publicado pela Wak Editora.

— Terapia Psicomotora; estudo de casos, pela Editora Vozes.

— Desenvolvimento Psicomotor da Aprendizagem, publicado pela


Editora Artmed.

Toda nossa obra em fundamentos antropológicos,


psiconeurológicos e psicobiológicos, até a presente obra, onde
procuramos essencialmente construir um dado corpo teórico e abordar
a sua problemática, as suas hipóteses, os seus axiomas e os princípios
em um ângulo transdisciplinar integrado, visando a uma busca
sistemática sobre o papel da motricidade no desenvolvimento
psicológico e no processo de aprendizagem, quer em crianças
“normais”, quer em crianças com deficiências ou dificuldades.
Neste livro, abrimos um novo paradigma, mais clínico que teórico,
com a abordagem psiconeurológica da observação psicomotora na
criança, com base na apresentação na bateria psicomotora (BPM),
instrumento original de observação psicoeducacional cuja construção
só foi possível ao longo de 20 anos de convivência dinâmica com
inúmeros casos clínicos. A BPM não é mais do que um conjunto de
situações ou tarefas que buscam analisar dinamicamente o perfil
psicomotor da criança (perfil intraindividual), procurando cobrir a sua
integração psiconeurológica, em concordância privilegiada com a
organização funcional do cérebro proposta pelo grande
psiconeurologista
A. R. Luria, além de equacionar a relação de tal perfil com o seu
potencial dinâmico e a sua propensão à aprendizagem.
A BPM consiste em uma série de simples tarefas distribuídas em
sete fatores psicomotores: tonicidade (T), equilibração (E), lateralização
(L), noção do corpo (NC), estruturação espaço-temporal (EET), praxia
global (PG) e praxia fina (PF), que serão apresentados em termos
protocolares e explorados, ao longo do livro, na sua significação
psiconeurológica.
Não se trata de um exame neurológico clássico, que, como se sabe,
foi desenvolvido em adultos com desordens neurológicas óbvias e,
como tal, não pode ser um instrumento adequado para avaliar a
integridade psiconeurológica de uma criança em desenvolvimento
(BAX, 1970) nem se trata de uma avaliação psicométrica tradicional,
pois o seu objetivo não é reduzir o potencial humano a uma escala
numérica.
A observação psicomotora, em certa medida, quebra regras das
observações neurológicas e psicológicas clássicas, uma vez que se
centra em uma interação intencional e recíproca entre o observador
(mediador) e o observado (criança), aqui entendido como um ser
humano único, holístico, sistêmico e evolutivo, capaz de
modificabilidade e de adaptabilidade.
A BPM não procura atingir um valor numérico ou um quociente
psicomotor imutável ou infalível; pelo contrário, procura avaliar
dinamicamente o potencial humano de aprendizagem que cada criança
transporta consigo como sua característica intrínseca. Não se trata de
uma avaliação convencional, mas sim dinâmica, visando à possibilidade
de modificar a capacidade psicomotora manifestada e evidenciada pela
criança.
O observador não se limita a uma atitude reservada, fria e neutra
com o observado. Na observação psicomotora, o observador envolve-se
em uma mediação intensa, criativa e mesmo lúdica, encorajando e
reforçando a criança a evidenciar o seu potencial como processo e não
como produto de comportamento. A BPM não procura medir o
produto motor, mas sim a qualidade dos processos psíquicos que estão
na origem da sua integração, programação, elaboração e regulação.
Não é, portanto, surpreendente que o diagnóstico psicomotor da
criança seja muitas vezes considerado como pouco rigoroso ou mesmo
não fidedigno.

A necessidade da observação psicomotora parece justificar-se


porque:
— existe uma grande abundância de trabalhos de investigação que
relacionam a integridade psicomotora com a aprendizagem
eficiente;
— reconhece-se a existência de dificuldades de aprendizagem e de
perturbações de comportamento em crianças que não podem ser
categorizadas como deficien tes (paradigma da criança em risco, da
criança paranormal ou parapatológica e da criança com disfunções
neurológicas mínimas – sofi neurological signs de Touwen e Prechtl,
1970);
— a prevenção, a compensação, a reeducação e a terapia de
disfunções psicomotoras podem impedir que um problema simples
se transforme em um problema mais sério.

A BPM não passa, portanto, de um instrumento de identificação


(screening tool) da integridade psicomotora e psiconeurológica da
criança, pois ela não fornece informação neurológica e patológica
muito detalhada. Por isso, não deve ser utilizada para diagnosticar
deficits neurológicos nem diagnosticar disfunções ou lesões cerebrais.
A observação psicomotora não substitui, consequentemente, os
exames neurológicos ou psicológicos estandartizados efetuados por
especialistas bem treinados. Todavia, qualquer pessoa com alguma
síndrome orgânico-cerebral (apraxias, agnosias, ataxias, assinergias,
assomatognosias etc.) não poderá realizar, ou realizará de forma
imperfeita e imprecisa, as tarefas componentes da BPM, uma vez que
as hipertonias ou as hipotonias, as paratonias, as adiadiococinesias, as
sincinesias, as desordens vestibulares, posturais e de equilibração, as
confusões de lateralização e direcionalidade, as assomatognosias, as
dismetrias, as dissincronias, as dispraxias e as perturbações da
sensibilidade e da motricidade são sintomas patológicos que se podem
manifestar em qualquer idade.
Quando é administrada cuidadosamente, a BPM tem demonstrado
a sua utilidade e a sua implicação educacional, como evocam as
aplicações já efetuadas por vários especialistas envolvidos nas nossas
ações de divulgação e sensibilização, tais como: psiquiatras, psicólogos,
terapeutas e reeducadores de Psicomotricidade, professores do ensino
especial, professores de Educação Física, enfermeiros de reabilitação,
fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais etc.
É óbvio que a BPM requer ainda muitos afinamentos, pois o seu
suporte clínico-científico, embora apresentando limitações, é promissor,
necessitando de mais esforços investigativos para demonstrar a sua
inquestionável utilidade, uma vez que, como modelo original de
observação dinâmica, procura continuamente aperfeiçoar-se em prol da
otimização do potencial de aprendizagem da criança.
A nossa experiência clínica e reeducativa ao longo de suas décadas,
em que observamos cerca de 3.000 casos, levou-nos a adquirir uma
rica e variada atividade de diagnóstico e prescrição com crianças e
jovens em vários centros de observação, consultórios e clínicas. Dos
fundamentos e dos processos de observação que fomos capazes de
concretizar, damos conta neste modesto manual de observação
psicomotora.
A aproximação, agora esboçada, entre a Psicomotricidade e a
Psiconeurologia justifica-se, na nossa ótica, por dois motivos. O
primeiro, por ser uma tentativa para aprofundar o estudo científico da
Psicomotricidade como ramo de conhecimento. O segundo, por tentar
introduzir uma ciência que estuda as relações entre o comportamento
humano e as funções do seu sistema nervoso – a Psiconeurologia –,
ramo de conhecimento fundamental para o desenvolvimento não só da
Psicomotricidade mas também da aprendizagem e da educação.
Dizemos Psiconeurologia e não Neuropsicologia, porque o primeiro
termo designa uma área de estudo que respeita às desordens de
comportamento associadas com disfunções cerebrais nos seres
humanos, termo distinto do segundo, que respeita as relações entre o
comportamento e o sistema nervoso em organismos normais,
usualmente associado a modelos experimentais em animais.
Psiconeurologia (e/ou significação psiconeurológica) compreende,
portanto, o estudo das disfunções de comportamento e de
aprendizagem que têm uma base neurológica, isto é, desordens,
dificuldades ou desvios de comportamento que encerram um problema
de aprendizagem (por exemplo: disgnosia, dispraxias, dislexia etc.) e
não um problema de incapacidade de aprendizagem (por exemplo:
agnosia, afasia, apraxia, alexia etc.).
Postos estes pressupostos, que consideramos relevantes, o manual
que agora apresentamos aborda, no primeiro capítulo, breves revisões
históricas da Psicomotricidade e da Psiconeurologia, com alguns
complementos filogenéticos e ontogenéticos da motricidade e da
maturação do sistema nervoso.
O segundo capítulo analisa alguns modelos da relação cérebro-
comportamento e apresenta o modelo de A. R. Luria sobre a
organização funcional do cérebro humano.
O terceiro capítulo apresenta os fundamentos psiconeurológicos da
bateria psicomotora que integra a apresentação, o protocolo de
observação, a cotação e a significação psiconeurológica dos sete
fatores: tonicidade e equilibração (primeira unidade funcional luriana);
lateralização, noção do corpo e estruturação espaço-temporal (segunda
unidade funcional luriana); praxia global e praxia fina (terceira unidade
funcional luriana).
No quarto capítulo, são levantadas algumas sínteses entre a
Psicomotricidade e a Psiconeurologia, com a revisão dos paradigmas e
subparadigmas filogenéticos e ontogenéticos, culminando com a
apresentação do Sistema Psicomotor Humano (SPMH) e das suas
propriedades sistêmicas.
O quinto capítulo termina com algumas implicações da observação
na reeducação e na reabilitação psicomotora de crianças com
dificuldades de aprendizagem e de comportamento, com a introdução
de estratégias de interação e de intervenção.
Para a concretização deste manual de observação, vários
agradecimentos teremos de realçar. Dentre eles, queremos destacar os
incomensuráveis apoios de Melo Barreiros, Vítor Soares e Clementina
Dinis. Neste âmbito, não podemos esquecer o encorajamento de
Baptista Lopes e de Virgínia Caldeira, que muito nos ajudaram a
materializar este trabalho. Não podemos também esquecer todos os
colegas e os alunos do Departamento de Educação Especial e
Reabilitação da Faculdade de Motricidade Humana, que nos têm dado
o reforço necessário para prosseguir nesta atividade de produção
teórico-prática.
Um especial e final agradecimento cabe aqui a todas as crianças e
os jovens que observamos no nosso percurso clínico, uma vez que elas
nos têm ensinado muito por meio dos seus comportamentos e
interações. As crianças e os jovens são o recurso mais precioso de uma
sociedade. Por esse fato histórico-social, nenhuma parte dos seus
potenciais humanos deve ser desperdiçada ou minimizada.
No fundo, a observação psicomotora que tentamos aqui
perspectivar procura deslumbrar para cada caso algumas vias para a
modificação máxima da sua disponibilidade psicomotora.
Capítulo 1

APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

1.1. Breve revisão histórica da Psicomotricidade


1.2. Breve revisão histórica da Psiconeurologia
1.3. Alguns aspectos filogenéticos
1.4. Alguns aspectos ontogenéticos

1.1. Breve revisão histórica da Psicomotricidade

Abordar em uma breve revisão histórica a origem e a evolução do


conceito da Psicomotricidade é, de alguma forma, estudar a
significação do corpo ao longo da civilização humana.
Da civilização oriental à civilização ocidental, e dentro desta, desde
a civilização grega, passando pela Idade Média, até os nossos dias, a
significação do corpo sofreu inúmeras transformações. Desde
Aristóteles, passando pelo Cristianismo, o corpo é, de certo modo,
negligenciado em função do espírito. Descartes, e toda a influência do
seu pensamento na evolução científica, levou a considerar o corpo
como objeto e fragmento do espaço visível separado do “sujeito
conhecedor”.
Só em pleno século XIX, o corpo começa a ser estudado, em
primeiro lugar, por neurologistas, por necessidade de compreensão das
estruturas cerebrais, e posteriormente por psiquiatras, para clarificação
de fatores patológicos.
Krishaber, Von Monakow, Bonnier, Mayer Gross, Wier-Mitchell,
Wernicke, Foerster, Peisse, Head, Leipmann, H. Jackson, Gertsmann,
Babinski, Lhermitte, Lunn, Meerovitch, Schilder, Nielsen e tantos outros
são alguns dos pioneiros no campo neurológico, psiquiátrico e
neuropsiquiátrico a conferirem ao corpo significações psicológicas
superiores, quer no âmbito do estudo das assomatognosias, quer ainda
das anossognosias, apraxias ideatórias, ideomotoras, construtivas,
apractognosias etc.
No campo patológico, parece dever-se a Dupré (1909) o termo
“Psicomotricidade”, quando introduz os primeiros estudos sobre a
debilidade motora nos débeis mentais (La débilité motrice dans ces
rapports avec la débilité mentale e pathologie de l’imagination et de
lémotivité).
Henri Wallon é, provavelmente, o grande pioneiro da
Psicomotricidade, vista como campo científico. Em 1925, ao publicar
L’Enjant Turbulent e, em 1934, Les Origines du Caractèr Chez l’Enfant,
Wallon inicia uma das obras mais relevantes no campo do
desenvolvimento psicológico da criança.
Médico, psicólogo e pedagogo, impulsiona as primeiras tentativas
de estudo da reeducação psicomotora, de onde sobressai Guilmain,
que, em 1935, publica uma obra clássica de grande impacto: Fonctions
Psychomotrices et Troubles du Comportement.
A sua concepção de testes, os tipos de ação reeducativa e as
primeiras orientações metodológicas sobre reeducação psicomotora
nascem de um efeito estimulador da grande obra de Wallon.
Guilmain definiu da seguinte forma os objetivos da reeducação
psicomotora:

Seguindo em todas as crianças a organização das funções do sistema


nervoso à medida que se opera a maturação, podemos reabilitar as
manifestações próprias das suas funções em causa.
O papel da função tônica (sobre a qual repousam as atitudes e os
alicerces da vida mental) e da emoção (como meio de ação sobre o e
pelo outro) nos progressos da atividade de relação são encarados, de
acordo com WalIon, como processos básicos da intervenção
psicomotora. A importância da atividade postural e da atividade
sensório-motora com pontos de partida da atividade intelectual são
eminentemente defendidos na perspectiva do desenvolvimento da
criança com os célebres estágios wallonianos: impulsivo,
tônicoemocional, sensório-motor, projetivo e personalístico. Os estudos
clínicos sobre a síndrome psicomotora, como infantilismo motor,
assinergia, extrapiramidal inferior, extrapiramidal médio, extrapiramidal
superior, cerebeloso, hipertonia, automatismo emotivo-motor e de
insuficiência frontal, são outro avanço significativo no estudo das
relações entre a Psicomotricidade, a inteligência, a afetividade e a
sociabilidade, como sublinha parte da obra de Ajuriaguerra.
A obra de Wallon continuou durante décadas a influenciar a
investigação sobre crianças instáveis, impulsivas, emotivas, obsessivas,
apáticas, delinquentes etc. A influência da sua obra alastrou-se a vários
campos de formação, quer psiquiátrica, quer psicológica e pedagógica.
Correntes médico-pedagógicas (DESCOEUDRES) e de educação física
(DEMENY, HÉBERT, DALCROZE etc.) são igualmente influenciadas pelo
pensamento original de Wallon, sendo o principal responsável pelo
nascimento do movimento de reeducação psicomotora, superiormente
conduzido, anos mais tarde, pela mão de Ajuriaguerra e Soubiran.
Independentemente de Wallon ter defendido, de acordo com o
conhecimento neurológico da época, uma perspectiva localizacionista
(AJURIAGUERRA, 1974), os seus trabalhos são comparados aos de
Homburger e Gourevitch, ao mesmo tempo em que tendem a
perspectivar, sobretudo, uma nova visão da Psicologia da criança (Do
Ato ao Pensamento).
Para WaIlon (1925), o movimento é a única expressão e o primeiro
instrumento do psiquismo. O alcance desta dimensão do movimento e
do corpo da criança permite a este célebre autor francês apresentar
uma concepção original da evolução mental. Wallon advoga , em
1929, que o desenvolvimento psicológico da criança é o resultado da
oposição e da substituição de atividades que precedem umas às outras.
Esta concepção hierárquica e dialética é amplamente defendida por
muitos autores atuais em vários quadrantes do mundo. (AUSUBEL,
1970; BRUNER, 1970; ZAPOROZHETS e ELKONIN, 1971; ERICKSON,
1963 etc.)
Wallon, ao longo da sua obra, esforçou-se por demonstrar a ação
recíproca entre funções mentais e funções motoras (“habilidade
manual”), tentando argumentar que a vida mental não resulta de
relações unívocas ou de determinismos mecanicistas. Quando muito,
para Wallon, a vida mental está sujeita, sim, ao determinismo dialético
de ambas as funções. Nos anos 60, a Universidade da Salpêtrière
confere o certificado de capacidade em reeducação da
Psicomotricidade (fevereiro de 1963), de novo sob a ação científica de
Wallon, que cria a importante revista psicológica “Enfance”, onde faz
publicar obras de grande relevo científico (“Kinesthésie e Image Visuelle
de Corps Propre”, “Espace Postural e Espace Environnant” etc.).
Citando os neurologistas Rybot, Bonnier, Pick, Head, Schilder etc.,
Wallon, por meio do conceito do esquema corporal, introduz,
provavelmente, dados neurológicos nas suas concepções psicológicas,
motivo esse que o distingue de outro grande vulto da Psicologia,
Piaget, que muito influenciou também a teoria e a prática da
Psicomotricidade. (FONSECA, 1978)
Wallon refere-se ao esquema corporal não como uma unidade
biológica ou psíquica, mas como uma construção, elemento de base
para o desenvolvimento da personalidade da criança.
De novo, a influência direta ou indireta deste autor se faz sentir: daí
resultam, na década de 70, os trabalhos na esfera da educação de Picq
e Vayer, le Boulch, Lapierre e Aucouturier, Defontaine etc.
Paralelamente, estimula os trabalhos psicológicos da escola de
Zazzo (Laboratório de Psicologia da Criança), principalmente sobre as
pesquisas da imagem especular. Os seus conceitos são reexaminados
por Ajuriaguerra, Stambak, N. Galifret-Granjon e Bergés no Hospital
Henri-Rousselle, aí tendo marcado influência na formação de
terapeutas, além de ter tido implicações extraordinárias em outras
áreas, nomeadamente na da Pedopsiquiatria (BERGERON, HEUYER,
KOUPERNIK etc.) e na da Psicologia do Desenvolvimento (MALRIEU,
LURÇAT, LEZINE, TRAN-THONG etc.).
Depois de sair do Hospital Henri-Rousselle, Ajuriaguerra, ao dirigir a
clínica Bel-Aire, em Genebra, continua a ser o líder da escola
francófona de Psicomotricidade. Aí desenvolve intensa atividade
científica, prosseguindo e continuando a obra de Wallon. Ao publicar
trabalhos sobre o tônus e ao desenvolver métodos de relaxamento,
além de se tornar um notável psiquiatra infantil de renome mundial,
Ajuriaguerra vai consolidando os princípios e as bases da
Psicomotricidade. Com Hécaen, publica obras de grande profundidade
científica (Méconnaissances e Hallucinations Corporelles e Le Cortex
Cérébral), que ajudam a aclarar o conceito de Psicomotricidade.
No campo educacional, Le Boulch (psicocinética) e Ramain
(educação das atitudes) divulgam as obras de Wallon e Ajuriaguerra.
No campo terapêutico, Soubiran e Mazo desenvolvem pesquisas em
muitos domínios lançados por aqueles pioneiros. A Sociedade Francesa
de Educação e Reeducação Psicomotora, criada em 1968 por Vayer,
Lapierre e Aucoutrier, transforma os conceitos de “ginástica corretiva”
e influencia a maioria das escolas francesas, belgas, suíças e italianas.
Na mesma época, surgem os métodos de Borel-Maisonny e o “Bon
Départ”, que igualmente sofrem a sua evolução.
WaIlon, como pai das “técnicas do corpo” (CAMUS, 1981),
continua a influenciar o pensamento psicológico da década de 70. Os
estudos da comunicação afetiva, da sociabilização, das emoções etc.
estão dentro das linhas por ele traçadas. Wallon é, de fato, a pedra
angular do edifício da Psicomotricidade, onde não se pode negligenciar
obviamente o papel das obras de Piaget, Freud e de Ajuriaguerra.
A fecundidade do pensamento de Wallon continua em permanente
atualização, uma vez que perspectiva o estudo da criança na sua
totalidade e renuncia às abordagens unidimensionais ou setoriais.
A Psicomotricidade, à luz de Wallon e de Ajuriaguerra, concebe os
determinantes biológicos e culturais do desenvolvimento da criança
como dialéticos e não como redutíveis uns aos outros. Daí a sua
importância para elaborar uma teoria psicológica que estabeleça
relações entre o comportamento e o desenvolvimento da criança e a
maturação do seu sistema nervoso, pois, só nessa medida, se podem
construir estratégias educativas, terapêuticas e reabilitativas adequadas
às suas necessidades específicas.
O conceito de Psicomotricidade ganhou assim uma expressão
significativa, uma vez que traduz a solidariedade profunda e original
entre a atividade psíquica e a atividade motora. O movimento é
equacionado como parte integrante do comportamento. A
Psicomotricidade é hoje concebida como a integração superior da
motricidade, produto de uma relação inteligível entre a criança e o
meio, e tem instrumento privilegiado por meio do qual a consciência se
forma e materializa-se.
Paralelamente, os autores americanos, partindo de concepções
perceptivo-motoras baseadas em ações experimentais, colocaram o
desenvolvimento da percepção e do movimento em termos de
interdependência e não de mútua exclusão. Strauss, Werner, Hebb e
Gesell, posteriormente Bruner e Piaget, influenciam tais correntes de
pensamento, onde sobressaem os trabalhos de Kephart, Barsch,
Frostig, Getman, Cruickshank, Doman e Delacato, e fundamentalmente
de Cratty e Ayres, trabalhos muito pouco conhecidos pelos
continuadores de Wallon e Ajuriaguerra.
Em outra direção, e lamentavelmente pouco referidos nos
trabalhos, quer de autores americanos, quer de autores europeus,
surgem os estudos dos autores soviéticos, de onde teremos de destacar
na área da Psiconeurologia do movimento os nomes de Ozeretsky
(divulgado muito antes por Guilmain), Vygotsky, Bernstein,
Zaporozhets, Elkonin, Galperin e Luria.
Cabe aos autores soviéticos a introdução em Psicologia do conceito
de que a origem de todo o movimento e de toda a ação voluntária não
se faz dentro do organismo, mas sim a partir da história social do
homem. O movimento assim encarado depende, primeiro, da função
de comunicação e, mais tarde, do analisador verbal, ou seja, das
sínteses aferentes.
Com base nestes novos dados, a Psicomotricidade tende
atualmente a ser reconceitualizada, não só pela “intrusão” de fatores
antropológicos, filogenéticos, ontogenéticos, paralinguísticos, como
essencialmente cibernéticos e psiconeurológicos. É na integração
transdisciplinar destas áreas do saber que provavelmente se colocará no
futuro a evolução e a atualização do conceito de Psicomotricidade e é,
de alguma forma, dentro desta ótica que iremos desenvolver nossa
pesquisa.

1.2. Breve revisão histórica da Psiconeurologia


A história da Psiconeurologia remonta aos primórdios da civilização.
Aristóteles julgou que a mente pensante não tinha nenhuma relação
com o corpo ou com os sentidos, e, por esse fato, não poderia ser
destruída.
No século V a.C., Hipócrates afirma que o cérebro era o órgão do
intelecto e o coração o órgão dos sentidos. Herófilo, no século III a.C.,
estuda o cérebro e defende-o como o lugar da inteligência, pensava
que o ventrículo médio era o responsável pela faculdade da cognição e
o ventrículo posterior pela memória. (HEILMAN e VALENSTEIN, 1979)
Craniotomias são realizadas pelos Incas 3.000 anos a.C.,
provalmente com a finalidade da libertação de demônios e não
especificamente como tratamento de doenças mentais.
Galeno, no século II a.C., pensou que as atividades de cérebro eram
realizadas mais pela substância do cérebro do que pelos ventrículos. Só
com Vesalius, no século XVI, esta afirmação foi confirmada,
independentemente de este mesmo anatomista considerar que os
cérebros do homem, dos mamíferos e dos pássaros eram similares e
apenas variavam no tamanho. Leonardo da Vinci defendeu também a
teoria ventricular.
Mais tarde, a tentativa de localizar a alma (psyke) radicada na
cultura grega interessou inúmeros pensadores durante muitos anos, até
que Descartes, no século XVII, localizou-a na glândula pineal. A sua
posição central em relação aos ventrículos levou-o a pensar que tudo
emanava dela.
Gall, nos finais do século XVIII, introduz a frenologia, ciência que
visava localizar as várias faculdades humanas em vários centros do
cérebro. Com o seu discípulo Spurzheim, publica um volume sobre a
anatomia e a fisiologia do sistema nervoso, defendendo que a mente
era dependente da estrutura do cérebro e que o córtex cerebral era o
órgão da mente. Para GaIl, a linguagem estava localizada nos lóbulos
anteriores do cérebro, além de ter localizado várias faculdades no
cérebro (instinto de propagação, agressividade, memória verbal, amor
da glória, talento poético etc.). Ao contrário de Descartes, Gall
concebia o cérebro em estruturas que apresentaram um
desenvolvimento sucessivo. Propôs que as forças vitais se concentravam
no tronco cerebral e que as capacidades intelectuais se encontravam
situadas em várias partes dos dois hemisférios. No seu modelo
estrutural (three story house), Gall colocou no nível inferior os instintos,
no nível médio as propensões animais e no nível superior a razão. Para
este autor, a medida do crânio era também uma condição fundamental
para deduzir as características morais e intelectuais da pessoa, por
pensar que a forma do crânio era modificada pelo cérebro colocado em
seu interior. Independentemente das suas concepções originais terem
tido grande popularidade, o tempo veio a provar a sua inconsistência.
Combatido pela Igreja, detestado por Napoleão I (CHANGEUX, 1983),
o seu ensino, todavia, foi o fundamento da moderna Psiconeurologia.
(HEILMAN e VALENSTEIN, 1979)
Bouillaud, discípulo de Gall, comparou-o a Copérnico, Galileu e
Newton, tendo-o considerado como um dos “grandes messias da
ciência”. Ao contrário do seu mestre, reuniu muitos casos autopsiados,
assegurando que a perda da linguagem estava relacionada com lesões
dos lóbulos frontais anteriores. O seu genro Aurburtin, que continuou
os seus estudos sobre a “sede da faculdade da linguagem”, proferiu,
em 1861, uma célebre conferência na Sociedade Parisiense de
Antropologia, a que, por sinal, assistiu Broca, onde afirmou: “Quando
um dos doentes afásicos morrer e eu não encontrar qualquer lesão nos
lóbulos frontais, eu renunciarei às minhas ideias”. Por coincidência,
passado algum tempo, Broca recebe um doente hemiplégico direito
com concomitante perda da fala e da escrita. Dois dias depois, o
paciente morre, tendo Broca convidado Aurburtin para a autópsia,
onde efetivamente se confirmou a lesão – é o caso Leborgne, que se
tornou histórico nos estudos de afasia.
Broca denominou por afemia o defeito de linguagem resultante da
lesão do lóbulo frontal e situou-o exatamente na terceira circunvolução
frontal. O seu segundo caso famoso (caso Lelong), após autópsia,
confirma uma velha hemorragia na segunda e na terceira circunvolução
frontal. Trousseau contrapôs ao termo “afemia” o termo “afasia”,
termo esse discutidíssimo na época por Broca, mas posteriormente
adotado. O centro motor da fala (área 44 de Brodmann) passa a ser,
desde então, designado por área de Broca.
Broca também é responsável por localizar as lesões que interferem
com a capacidade da fala no hemisfério esquerdo. Dax (pai), porém,
ignorado durante algum tempo, confirmou 30 anos antes as mesmas
lesões no hemisfério esquerdo. Entra-se no advento das cartas e dos
mapas cerebrais e o “localizacionismo” foi então levado ao extremo.
Wernicke (1848-1904) surge, entretanto, sugerindo uma nova
concepção do cérebro, tendo-o dividido em duas partes: uma anterior,
motora, e outra posterior, sensorial, clarificando, em certa medida, os
dois componentes da linguagem, a receptiva e a expressiva. Para
Wernicke, a afasia de Broca (afemia) era uma perda da imagem motora
das palavras, defendendo a ideia de que o córtex motor continha
conceitos de movimentos, perspectiva original que se enquadra
perfeitamente na Psicomotricidade. O mesmo au tor define quatro
tipos de afasia: motora, de condução, sensorial e total. Um modelo de
linguagem é sugerido, modelo este que encontra confirmação em
autores mais recentes como Penfield e Geschwind, mesmo que tivesse
sido criticado por Head. Wernicke notou que as lesões da região
temporal posterior e superior causavam afasia, preferencialmente em
nível da compreensão. O mesmo autor situou no centro auditivo as
imagens sonoras, enquanto a área de Broca continha imagens para o
movimento, defendendo ainda que entre ambas existiam comissuras
que as ligavam.
Na mesma linha “localizacionista”, surgem, ainda, Henschen, que
se torna original com os estudos das projeções da retina e da atividade
do hemisfério não dominante, embora assumindo uma visão
estritamente localizacionista nas “desordens sensórias da fala”, e
Liepmann, que publica, em 1900, um trabalho sobre apraxia,
naturalmente de grande importância para os estudos da
Psicomotricidade. Esse autor chegou a defender a separação dos atos
motores apreendidos dos processos psicológicos que os iniciam, fator
esse ainda hoje de grande importância, quando o quadro afásico se
complica com a presença de apraxias.
As críticas ao localizacionismo, entretanto, começam a desenvolver-
se. Head (18611940) critica severamente a opção de centros (Broca,
Wernicke, Lichthein, Exner etc.), a que se seguem P. Marie, H. Jackson,
Kussmaul, Déjérine, Von Monakow, Pick, Freud e outros.
P. Marie (1853-1940) depois de se licenciar em Direito, torna-se
médico, assumindo posições iconoclásticas, como, por exemplo, ter
afirmado que a terceira circunvolução frontal esquerda não tinha um
papel especial na afasia.
H. Jackson (1835-1911) considerado o pai da Neurologia inglesa,
independentemente de ter sido esquecido durante muito tempo,
publica extensos trabalhos, sendo famoso pelos seus conceitos de
assimetria funcional e de hierarquia representacional dos fenômenos
psíquicos, de extremo interesse para a compreensão da integração de
aquisições psicomotoras sobre aquisições sensório-motoras mais
simples. Os seus estudos sobre imperceptibilidade, linguagem
proposicional e não proposicional, linguagem emocional e intelectual,
linguagem interior e organização hierárquica funcional do cérebro são
ainda reconhecidos como importantes para o estudo da
Neurolinguística e da Psiconeurologia do desenvolvimento.
Kussmaul (1822-1902), conhecido por introduzir as noções originais
de cegueira e surdez para as palavras, é ao mesmo tempo um defensor
de uma posição “antilocalizacionista” da linguagem, não esquecendo a
sua contribuição sobre as desordens da linguagem escrita. Déjérine e
Von Monakow (1853-1930) e Pick (1850-1924) distinguem-se pelos
seus trabalhos no âmbito da somatognosia e da linguagem, e Freud
(1956-1939) sugere concepções sobre a afasia de condução, ainda hoje
reconhecidas.
As relações entre cérebro e comportamento, entretanto, perderam
a popularidade, as teorias psicodinâmicas, o gestaltismo e o
behaviorismo estagnaram, de certa forma, o estudo do cérebro. As
influências sociais, políticas e filosóficas fizeram-se sentir. Kant, por um
lado, defendendo o inatismo, e Locke, por outro, advogando a filosofia
da tábua rasa, introduziram um certo interregno no âmbito das
relações entre cérebro e comportamento.
Durante esse período, alguns nomes, entretanto, surgem: Goldstein
(1879-1965), que se distingue na sua perspectiva holística do sistema
nervoso, e Kleisst, que desenvolve interessantes estudos no âmbito das
afasias e das apraxias. Ambos são dos últimos intervenientes na
discussão que marcou nos fins do século XIX e princípios do século XX
os estudos da Psiconeurologia. Com reconhecimento internacional,
surge também a leucotomia pré-frontal de Egas Moniz, que abriu
perspectivas novas ao conhecimento da função cerebral.
A época dos modernos investigadores surge com neurologistas,
psicólogos, patologistas, linguistas, psiconeurologistas etc. Neles cabem
R. Brain, Critchley, Penfield, Geschwind, Luria, Eisenson, Schuell,
Wepman, Benton, Damásio, Benson, Denckla, Ajuriaguerra, Hécaen,
Trevarthen, Pribram, Kinsbourne, Ojeman, Chalfant, Sperry, Eccles,
Gaddes, Galaburda, Myklebust e muitos outros, a que faremos
referência ao longo do trabalho, especialmente nas relações entre
Psiconeurologia e Psicomotricidade.
O futuro da Psiconeurologia é deveras promissor: novas técnicas
(audição dicótica, visão bilateral, fluxo sanguíneo etc.), novos estudos
anatômicos com conexões mais bem desenhadas, novos avanços na
Neuroquímica e Neurofarmacologia, lobectomias e calosotomias,
estudos eletrofisiológicos, experimentação animal, estudos de casos,
tomografia axial computadorizada, ressonância magnética nuclear etc.
irão certamente influenciar o diagnóstico e o tratamento de muitos
pacientes, uma vez que as relações entre cérebro e comportamento
vão-se desvendando à luz dos dados da investigação.
A nossa visão, bem mais modesta, está em transferir e adaptar os
conhecimentos da Psiconeurologia para a educação e para a
reabilitação de crianças com necessidades especiais, pois, com o
conhecimento das relações entre cérebro e comportamento, estaremos,
certamente, mais perto da otimização e da maximização dos seus
potenciais de aprendizagem, e é dentro dessa dimensão que
procuraremos com a presente pesquisa uma aproximação entre a
Psiconeurologia e a Psicomotricidade.

1.3.Alguns aspectos filogenéticos

Ao abordarmos alguns aspectos filogenéticos da evolução do


cérebro, queremos apenas situar, de forma esquemática e introdutória,
algumas relações entre a evolução e a maturação do sistema nervoso e
a significação de alguns dos principais vetores da sua filogênese.
A evolução tem sido encarada normalmente como mudança, como
adaptabilidade; mas então por que é que algumas estruturas no
cérebro humano não evoluíram ou, caso se modificaram estrutural e
funcionalmente, foi muito pouco? Por que razão algumas estruturas do
sistema nervoso (SN) dos vertebrados mudaram pouco? Por que razão
outras estruturas tiveram um salto quântico? O que é que isto
significa?
Será que a observação de simples vertebrados nos permite olhar
para o cérebro humano e perceber a sua origem e a sua evolução?
Estudando o SN de várias espécies, as suas funções e comportamentos,
podemos compreender e apreciar as suas limitações e capacidades e,
por essa via, analisar as suas semelhanças e dessemelhanças
adaptativas em comparação com a espécie humana.
Em uma primeira análise, podemos adiantar que as semelhanças
são muito maiores que as diferenças. A neurologia comparativa, a
homologia e a histoquímica revelam-nos a flexibilidade da organização
cerebral que foi necessária para a evolução, revelam-nos como cada
vertebrado possui as características neuroanatômicas expressas na sua
relação com o envolvimento e na sua capacidade de utilização dos
recursos ecológicos.
Pensa-se muitas vezes que a inteligência superior da nossa espécie é
sinônimo de superioridade “as vantagens evolutivas de sermos
estúpidos”, como disse Robin (1973), mas verificamos e constatamos
que a Natureza, em algumas circunstâncias, optou por uma pequena
massa cerebral em vez de uma muito grande. A tartaruga, por
exemplo, requer muito menos energia que o ser humano e é capaz de
funcionar com tensões de oxigênio no sangue iguais a zero,
satisfazendo as suas necessidades adaptativas por meio de glicólise
anaeróbica. Ela tem sobrevivido há mais de 200 milhões de anos
conforme dados recolhidos de fósseis. Não se pode dizer que ela tem
sido malsucedida em termos adaptativos. Se o fornecimento do
oxigênio rarear na atmosfera, a tartaruga, com seu pequeno cérebro,
com o seu lento funcionamento, provavelmente, sobreviverá mais
tempo do que nós.
Efetivamente, a linha de evolução que leva ao Homo Sapiens não
pode ser considerada a melhor de todas. Como os dinossauros, o
homem tem a alternativa da sua potencial extinção.
Tem sido o estudo comparativo das estruturas esqueléticas das
espécies fósseis e das espécies vivas aquele que tem fornecido
inferências para a compreensão do desenvolvimento filogenético
progressivo. Por condições óbvias, o cérebro foi o menos estudado, só
recentemente foi abordado no sentido de poder confirmar a sequência
da evolução, não só pela complexidade do órgão que é, mesmo nas
espécies mais simples, mas também porque o cérebro é o órgão que
apresenta maior divergência e variação estrutural. Como órgão, o
cérebro não tem paralelo com qualquer outro sistema orgânico. É o
órgão mais organizado do organismo e, provavelmente, do cosmo:
trata-se do sistema físico mais complexo até hoje conhecido.
Muitas discussões têm havido e teremos sobre as relações
filogenéticas das várias espécies de vertebrados. Muito menos
concordância se verifica na grande questão da origem dos vertebrados
a partir de um invertebrado ancestral. Trata-se de um enigma que se
coloca atrás do outro que é a origem da vida. Hipóteses há que vão
desde o puro idealismo até as inferências mais ou menos plausíveis.
Uma coisa é certa: nenhuma teoria até hoje conseguiu explicar todas as
características da evolução.
Na evolução, temos de reconhecer a grande versatilidade do
cérebro em se adaptar a novas necessidades, alterando e modificando
a função de sistemas antigos, desenvolvendo e transformando sistemas
novos.
Na evolução, novos sistemas e novos níveis de complexidade são
superimpostos sobre unidades funcionais pela progressiva organização
e integração de tais unidades em um só e
único sistema. Os que foram totalidades a um certo nível tornaram-
se partes de uma totalidade superior.
Ao longo da evolução, damos conta que cada nível da organização
possui propriedades únicas de estruturação e de comportamento, que,
por sua vez, são dependentes das próprias propriedades dos elementos
constituintes, elementos esses que só aparecem na evolução, quando
combinados em novos sistemas.
O conhecimento dos processos e dos vetores de desenvolvimento
dos níveis inferiores, como a medula e o tronco cerebral, podem ser de
uma importância significativa para o melhor conhecimento dos níveis
superiores, como o córtex; daí, em certa medida, o interesse de uma
abordagem filogenética.
As novas relações organizacionais e as novas relações recíprocas das
unidades elementares entre si e com todo o sistema vão-se traduzir em
processos evolutivos novos (NOVIKOFF, 1945). A evolução encarada
nesta perspectiva é sinônimo da edificação de novos sistemas com
novas propriedades, propriedades tais que não se podem conceber
como acrescentadas ou adicionadas do exterior, mas sim como
resultantes de novos sistemas internos de organização.
O aparecimento do sistema piramidal, por exemplo, não pode ser
encarado como um sistema exteriormente, ou miraculosamente,
introduzido no cérebro dos mamíferos superiores, O sistema piramidal,
como novo sistema, trouxe novas propriedades e novas funções à
motricidade, transformando-a em termos organizacionais tais que, no
Homo Sapiens, causaram a maior mudança do planeta Terra em apenas
10.000 anos, quando a existência de seres vivos é reconhecida há cerca
de 3 bilhões de anos. Por que é que, em tão pouco tempo, os seres
humanos causaram tanta transformação no nosso planeta em
comparação com outros seres vivos?
Esta impressionante dominância está inexoravelmente relacionada
com o desenvolvimento do cérebro, desde um cérebro diminuto de
animais simples até um órgão complexo de cerca de 1.350g no
homem. Esta capacidade de transformar o transformável é, de certa
maneira, a característica de uma nova organização do cérebro, isto é, a
sua transformabilidade e a sua modificabilidade, novas funções que
atingiram uma especificidade única na nossa espécie.
Só se reconhecem os grandes traços da evolução, os pormenores
estão longe de ser conhecidos e, de certa forma, mudam à medida que
novas informações vão-se obtendo e descobrindo.
A exata sucessão de acontecimentos evolutivos é impossível de
reconstituir, porque os dados são incompletos e porque continuam
sujeitos a várias interpretações.
Haverão novas descobertas e são essas necessariamente que
levarão a outras interpretações, interpretações que não se afastarão
muito daquilo que hoje se equaciona em termos de evolução.
Tradicionalmente, o tamanho do cérebro é encarado como uma
medida aproximada de inteligência, indicador esse que foi adaptado
em termos de comparação homóloga anatomofuncional com outras
espécies. Evidentemente que o tamanho do cérebro em si não explica o
que é inteligência, isto é, a capacidade de transformabilidade e de
modificabilidade a que antes nos referimos; caso contrário, outras
espécies (por exemplo: elefante, baleia-azul etc.) exerceriam o domínio
adaptativo no nosso planeta.
Desde que foi considerado o órgão da alma até ser considerado o
órgão da civilização (VYGOTSKY, 1960; e LURIA, 1980), o cérebro,
como órgão mais organizado da evolução, apresenta outros fatores
funcionais, além do seu tamanho, dos quais se destacam
fundamentalmente os seguintes:

— complexidade dos circuitos internos;

— conexões sinápticas;

— organização das regiões corticais e subcorticais.

O tamanho do cérebro está naturalmente relacionado com o


tamanho do corpo, uma vez que os órgãos adicionais e os grupos
musculares requerem mais mecanismos de controle. Mas o que é
importante reconhecer é a capacidade do cérebro de se transformar
em uma unidade diferenciada e em uma unidade funcional mais
organizada e complexa. Não basta, pois, encarar o binômio tamanho
do cérebro-tamanho do corpo, é necessário colocar outros problemas.
(SARNAT e NETSKY, 1981)
Os cérebros pequenos, como nos vertebrados inferiores, são moles
e tubulares; nos vertebrados superiores, eles adquirem muitas
circunvoluções. O cérebro torna-se esférico e alarga-se para alojar o
cerebelo, centro de estratégias motoras, ao mesmo tempo que o
prognatismo se reduz relativamente ao cérebro. (FONSECA, 1982)
Segundo Jerison (1973), o cérebro no homem alargou-se dois
terços mais do que o corpo. Como é que o cérebro do homem atingiu
tal tamanho e como é que o ser humano, ao contrário de outras
espécies, conseguiu atingir a capacidade de modificar a natureza?
O cérebro largo do homem desenvolveu-se pela cooperação de
muitos fatores, além do tamanho do corpo.
De um lado, a evolução biológica, dependente dos genes, e por
conseguinte inata, de onde emergem as características do tamanho do
corpo, dos órgãos sensoriais, do desenvolvimento muscular, das
libertações esqueléticas etc.
Do outro, a evolução cultural, dependente do envolvimento, de
onde emergem a postura bípede, a manipulação tecnológica, a caça, a
linguagem e a organização social, que traduzem os comportamentos a
aprender, onde, de fato, a motricidade e a Psicomotricidade assumem
funções verdadeiramente transcendentes. (FONSECA, 1982)
As interações sistêmicas, as novas propriedades, as funções e as
organizações decorrentes destes fatores permitiram novas capacidades
de informação, formação e transformação, de onde emerge a
Antropogênese.
Agricultura, domesticação de animais, armazenamento de água e
comida, transporte e vestuário, habitação, domínio do fogo, arte,
normas e regras, proteção e mediação das gerações mais novas pelas
mais velhas etc. tornam o cérebro um órgão propenso à construção de
novos sistemas funcionais cada vez mais estruturados e hierarquizados.
A síntese biocultural e biossocial traduziu-se em um órgão versátil e
plástico, capaz de controlar e transformar a natureza pelo trabalho e de
inventar o símbolo, fator esse que o conduziu a capacidades de
comunicação e de aprendizagens verdadeiramente ímpares ao longo
da evolução.
O cérebro alarga-se para poder reagir às mudanças sensoriais, e o
seu crescimento depende da complexidade da integração sensorial, a
que paralelamente se ajusta uma concomitante complexidade da
elaboração e da regulação motora. Quer o componente sensorial, quer
o componente motor, ambos exercem pressão em termos evolutivos
para um cérebro ainda maior.
A evolução progressiva dos mamíferos, como os vertebrados mais
bem-sucedidos na Terra, nos quais se inclui o homem, está
naturalmente ligada à inteligência, ao desenvolvimento de novas
capacidades sensoriais e motoras e, evidentemente, aos produtos da
sua atividade cerebral.
Por que é que o cérebro do homem como vertebrado dominante se
desenvolveu e alargou tanto? Por que é que o cérebro humano se
desenvolveu tal como é?
As respostas são difíceis, complexas e, certamente, envolvem muitas
interações entre o organismo e o envolvimento, interações essas que
terão de ser primeiramente enquadradas em termos filogenéticos.
A perspectiva filogenética do ser humano coloca, segundo Milner
(1976), três tipos de comportamento:
— comportamentos não aprendidos, ditos inatos, que repartimos
com os mamíferos inferiores. Neles se integram as funções
fisiológicas básicas: respirar, sugar, mastigar, deglutir, digerir, tossir,
sentir fome e sede, urinar, defecar, tensão sexual, cólera, dor, raiva,
medo, saborear, ouvir, tocar, vocalizar, distinguir graduações de luz,
orientar, explorar etc.;

— comportamentos aprendidos, que também repartimos com


outros mamíferos, nomeadamente os primatas. Neles se integram a
forma como vemos (ou percebemos) o mundo físico à nossa volta,
reconhecimento básico das significações do que se vê, ouve, cheira,
toca, saboreia etc.;

— comportamentos aprendidos que não repartimos com mais


nenhuma outra forma de vida. Neles se integram as praxias, o
trabalho, a linguagem falada e escrita, a autoconsciência, o
autojulgamento, o pensamento abstrato, os valores, a ética etc.

Esta perspectiva filogenética de Milner conjuga-se perfeitamente


com a perspectiva dos três cérebros de McLean (1970) (reptiliano,
paleomamífero e neomamífero), bem como com as perspectivas de
desenvolvimento psicológico de Wallon (1973) (dados interoceptivos,
proprioceptivos e exteroceptivos). É de notar, todavia, que estes
comportamentos surgem antes, no e depois do nascimento, isto é
subentendem um desenvolvimento intrauterino e outro extrauterino,
ou seja, logo que determinado número de cuidados socioafetivos e
condições envolvimentais sejam fornecidos.
De acordo com esta perspectiva, de grande relevância para o nosso
estudo, as aprendizagens e as funções psíquicas superiores são
modificações secundárias dos mecanismo inatos. Tinbergen (1951),
dentro da mesma visão, afirmou: “Os estudos dos processos humanos
superiores terão que ser inexoravelmente precedidos pelo estudo dos
alicerces inatos do comportamento”.
O aspecto de aprendermos comportamentos que não repartimos
com mais nenhuma espécie é o ponto de partida para
compreendermos o desenvolvimento da criança, mas, para o
atingirmos, necessitamos perspectivar os padrões de desenvolvimento e
a organização funcional do cérebro.
O desenvolvimento neurológico coloca em questão o problema da
ontogênese e da filogênese. A ontogênese recapitula, revela ou
converte a filogênese? Até que ponto a filogênese neurológica servirá
de algo? Haverá uma lei de antecipação do desenvolvimento
neurológico? O que é que traduz a significativa diferença entre o
sistema nervoso do recémnascido e do adulto? O que é que se passa
entre a imaturidade e a maturidade neurológica? O que se passa entre
os dois eventos evolutivos esclarece-nos sobre o problema?
Para se responder a estas questões, é óbvio que o estudo da
herança psiconeurológica da nossa espécie é fundamental. Os estudos
tradicionais do desenvolvimento psicológico da criança não têm
equacionado devidamente a importância da filogênse neurológica, uma
vez que descrevem e interpretam funções psicológicas das crianças sem
muitas vezes arriscarem alicerces e substratos neurológicos.
Para se compreender o desenvolvimento psiconeurológico da
criança, parece-nos essencial o estudo da herança estrutural e funcional
dos estágios envolutivos prévios, na medida em que a herança
psiconeurológica humana é expressa em forma, funcionamento e
desenvolvimento.
Para se compreender o processo envolutivo das estruturas primitivas
do sistema nervoso humano, que consubstancia a herança
psiconeurológica, temos efetivamente de recorrer a vários axiomas
filogenéticos.
Apenas dentro de uma perspectiva esquemática e introdutória,
iremos apresentar alguns axiomas filogenéticos que julgamos
fundamentais para a compreensão do desenvolvimento
psiconeurológico e psicomotor da criança. Deles, certamente, emergem
inúmeros dados que ajudarão a compreender o objetivo do presente
trabalho e os resultados obtidos no respectivo ensaio experimental:

— medula espinal: o ser humano reparte com os pré-vertebrados a


estrutura básica da medula espinal;

— condução do impulso nervoso: todas as formas características de


condução no neurônio e concomitantes propriedades do impulso
nervoso estão presentes desde os pré-vertebrados ao ser humano
(BISHOP, 1956);

— processos de condução: subsiste uma retenção filogenética das


redes corticais e das estruturas dos neurônios especializados, que
obviamente determinam várias funções (hipótese de Herrick, 1956).
Tais estruturas caracterizam processos de condução lenta, que
explicam um funcionamento elétrico difuso, graduado e por
campos de força, bem como processos de condução rápida, que
explicam vias de especialização parcialmente padronizadas e
preferencialmente localizadas e que equivalem a funções analíticas
(sensoriais, correlacionais e motoras). Complementaridade dos dois
sistemas: sintético-integrativo e analítico-seletivo, que são
componentes dos sistemas de ação dos animais desde o mais
elementar ao mais complexo;

— dualidade visceral-somática: a dualidade visceral-somática da


estrutura neuronal subsiste em todos os cordatos (ROMER, 1958);

— tendências filogenéticas: as tendências filogenéticas


subentendem diferenciação estrutural crescente das partes,
especialização de funções, independência das partes do todo e
níveis de organização crescente;

— encefalização estrutural e funcional: cada nova estrutura decorre


de uma transferência de funções das estruturas anteriores
(protoestruturas e paleoestruturas). Daqui decorre o princípio da
encefalização, que se subdivide em dois outros princípios: Princípio
da duplicação sucessiva de centros inferiores e Princípio da
dominância hierarquizada;

— reduplicação: cada nova estrutura cefálica é adicionada às


estruturas filogeneticamente mais antigas, originando uma
organização segmentar tipológica. São centros primários
reduplicados em secundários. Desde a medula, os centros motores
são reduplicados no tronco cerebral, no cerebelo, nos gânglios da
base etc. Princípio de associação das áreas associativas, que em si
reflete a diferenciação filogenética;
— dominância funcional: à medida que as novas estruturas são
adicionadas à extremidade cefálica, elas assumem progressivamente
uma dominância hierarquizada e funcional: paleo sobre proto; arqui
sobre paleo; neo sobre arqui;

— avanço do córtex associativo: as novas áreas tendem a ser mais


vulneráveis às influências externas. O telencéfalo atinge o maior
avanço, enquanto o mesencéfalo apresenta o inverso.

Salto quântico do neocórtex (EISELEY, 1955): seção pré-frontal; área


associativa; camada supragranular (estratificação e complexidade
celular):

— reversibilidade na proporção dos sistemas cerebrais intrínsecos e


extrínsecos;

— mudanças funcionais acompanharam a encefalização:

Quadro 1.1. – Avanços do córtex associativo

Córtex sensorial Córtex associativo


Animal
Percentagem Percentagem
Roedor 90% 10%
Carnívoro 70% 30%
Primata 40% 60%
Homo sapiens 15% 85%

• sistemas viscerais e olfativo antecedem os outros sistemas. A pele


e a proprioceptividade seguem-se e, depois, os receptores a
distância e o sentido quinestésico. Os sistemas tátil-quinestésicos,
auditivos e visuais assumem cada vez mais importância nos
mamíferos (sistemogênese – ANNOKINE, 1972);
• precisão do movimento, em paralelo com uma exata recepção e
localização sensorial. Cada animal tem a motricidade que a sua
organização cerebral e sensorial lhe faculta. No ser humano, a
motricidade decorre da adaptação arborial dos hominídeos
ancestrais de onde emergem as seguintes características
antropomórficas: desenvolvimento dos membros como órgãos de
preensão; desenvolvimento dos membros anteriores como órgãos
de exploração e de manipulação; desenvolvimento dos sistemas
herbívoro e carnívoro de digestão e consequente estrutura
craniodental; redução do sentido olfativo; desenvolvimento da
atividade visual; mudanças no esqueleto póscraniano;
desenvolvimento do cérebro por aprendizagem, linguagem e
fabricação de instrumentos (FONSECA, 1982);
• emancipação dos estímulos químicos (hormonais) e dos estímulos
do envolvimento que dominam o comportamento. Mais interação
como meio, maior ativação bioquímica e maior desenvolvimento
dos sentidos de orientação espaço-temporal;
• os fatores inatos diminuíram relativamente à experiência
individual e à aprendizagem. Da evolução biológica à evolução
cultural;

— período de dependência: a imaturidade e a dependência dos


mais velhos aumentam significativamente na escala filogenética e
dão um grande salto dos primatas inferiores ao homem.
Importância do componente social (VYGOTSKY, 1968);

— aumento da capacidade adaptativa: a capacidade de adaptação


a uma variada quantidade de situações externas aumenta na escala
filogenética, sendo acompanhada de um repertório mais
diferenciado de respostas adaptativas. Variedade, complexidade,
flexibilidade e modificação. Nível de controle individual (NISSEN,
1951);

— atraso da resposta: a elaboração da resposta é cada vez mais


complexa na escala filogenética, daí a evolução das condutas
“metassensoriais” e “metamotoras”. O produto final leva mais
tempo a ser processado, implicando uma duração e um tratamento
do estímulo externo, daí o acesso ao pensamento simbólico e à
generalização, à discriminação sensorial, à transformação do
envolvimento, à expansão espacial e temporal da ação, à
capacidade comparativa, à complexidade perceptiva etc.;

— complexidade: a complexidade do que pode ser aprendido, o


potencial de treino e de modificação e a capacidade para formar
hábitos complexos, todos evoluem na escala filogenética;

— necessidades: o número de necessidades, a sua variedade e


diferenciação, aumenta na escala filogenética. Necessidades
psicogenéticas: curiosidade, exploração, jogo, antecipação,
previsão, orientação para fins remotos. Necessidades éticas,
altruístas e estéticas aumentam na escala, sendo as duas últimas
exclusivas do homem;

— a incidência de conflitos, as frustrações e a culpabilidade


aumentam extraordinariamente no homem, bem como a
vulnerabilidade dos comportamentos superiores;

Exclusivos do ser humano

— a herança hereditária do ser humano inclui estruturas


neurológicas únicas, aparentemente superimpostas sobre as
estruturas básicas dos mamíferos;

— no ser humano, é só depois do nascimento que tais centros


neuronais, que medeiam os comportamentos humanos exclusivos,
começam a funcionar. A herança genética está presente apenas
como potencial no momento do nascimento. Desenvolvimento em
um envolvimento estável e fisiologicamente regulável e,
posteriormente, em um meio social complexo, progressivamente
mais variável. Oportunidades de experiência mediada;

— autoconscientização: capacidade para ser um objeto dentro do


campo perceptivo do próprio indivíduo. Autorreferência
(somatognosia);

— produção de um mundo sociocultural. Noção de “envolvimento


invisível” (“segundo envolvimento”). Envolvimento complexo da
aprendizagem. Comunicação interpessoal. Necessidade gregária.
Relação entre mãe e filho. Conforto tátil. Emoção. Imitação.
Linguagem falada. Escrita. Civilização.
A grande inovação da herança psiconeurológica humana está talvez
neste último axioma, pois muito do comportamento humano é
influenciado por este novo envolvimento criado pela civilização e pela
história social. Entre o homem e o animal, há certamente homologias,
essencialmente as de caráter biológico; porém, no campo social e
cultural, as diferenças são incomparáveis. Devido ao novo envolvimento
criado pela ação consciente do ser humano, a criança ascende à sua
autoconscientização (somatognosia), e daí à simbolização,
mergulhando em um envolvimento emocional, moral e semiótico cada
vez mais complexo. A mediação na aprendizagem passa a ser uma
condição de sobrevivência a que nenhuma nova geração pode escapar.
O envolvimento complexo de aprendizagens, a riqueza da
comunicação interpessoal, as necessidades gregárias, o imprinting
social, a vinculação interativa entre mãe e filho (por redução do
número de descendentes por nascimento), o conforto tátil, a
estabilidade emocional, o diálogo tônico e a segurança gravitacional,
que estão na base de um processo único de comunicação, emprestam
ao ser humano uma grande diferença em termos de herança
psiconeurológica, quer filogenética, quer ontogeneticamente.
O estudo do comportamento humano e, por conseguinte, do
desenvolvimento psiconeurológico exige cada vez mais a integração de
dados evolutivos filogenéticos, pois, dessa forma, a evolução
ontogenética resulta mais integrada e coerente.

Quadro 1.2. – Filogênese estrutural do neocórtex


mamífero

Índices Filogenélicos Tendências Gerais Mamíferos Inferiores Mamíferos Primatas HOMEM


Quanto mais
elevado for o
animal, maior serão
Macaco: 11%
Tamanho dos os neocórtex Rato: proporção da
Cão: proporção da Chipanzé: 17%
quatro lóbulos (T-O- frontal e pré- área préfrontal
área préfrontal 7% HOMEM: 29%
P-F) frontal. Áreas 34%
(3/4 lob. frontais)
associativas acusam
maior
tamanho
Aumento
Gato: HOMEM:
Número de áreas progressivo até a Rato albino: 13
36 áreas 52 áreas
celulares distintas escala dos áreas neocorticais
neocorticais neocorticais
mamíferos
Localização e Idem Rato: maior grau Macaco: reduz grau
especialização das de sobreposição de sobreposição.
funções sensoriais e nas duas áreas HOMEM: a
motoras somatossensoriais destruição das
(menor áreas corticais não
diferenciação permite
cortical) sobreposição (maior
diferenciação
cortical)
Macacos: 40%
sensório-motor.
Roedores: 90% Gatos: 70%
Proporção de 60% associativo.
Idem sensório-motor, sensóriomotor
córtex associativo HOMEM: 15%
10% associativo. 30% associativo
sensório-motor
85% associativo.
No HOMEM, as três
Camada
Densidade camadas superiores
supragranular, Maior densidade
Número de aumenta e também das seis do
sobrepõe-se ao supragranular.
camadas as camadas. neocórtex
arquicórtex. O Camada
neocorticais Campos. Celular diferenciam-se.
mesocórtex e subgranular
(densidade) fica complexa na Aumento da
paleocórtex mantém-se
escala densidade da
também
camada quatro
Girus fusiformes
Quanto mais emergem no lóbulo
elevado na escala, Todo os mamíferos occipital. Aumento
Padrão de
maior é o número possuem pelo dos sulcos 2º e
fissuração
de menos três fissuras 3º, devido ao
fissuras corticais aumento das áreas
associativas
No HOMEM,
Número de áreas Aumento à medida nenhuma área
não mielinizadas no que se ascende na cortical se encontra
nascimento escala mielinizada no
nascimento

1.4. Alguns aspectos ontogenéticos

Segundo Schneirla (1957), as tendências filogenéticas do


desenvolvimento confirmamse, não são uma utopia.

O desenvolvimento do comportamento em qualquer nível filogenético


não é apenas um retraçar dos estádios e dos níveis das formas ancestrais
sucessivas, mas sim uma nova totalidade, que tende a um novo padrão
distinto.

Como afirma Prechtl (1981), o desenvolvimento ontogênico não é


apenas a recapitulação da filogênese (HAECKEL, 1866), é muito mais
do que uma recapitulação, trata-se de uma nova combinação e de uma
nova tonalidade. Os resíduos filogenéticos, para usar um termo do
mesmo autor, são estruturas de transição (transient structures) que
estão presentes durante períodos particulares da ontogênese, para
equipar o sistema nervoso com certas propriedades que lhe permitem
satisfazer determinadas exigências do desenvolvimento.
De alguma forma, os axiomas filogenéticos traduzem-se na
ontogênese neurológica pré-natal, como asseguram Arey (1954),
Carmichael (1951) e Zubek e Solberg (1954). Todos eles assumindo que
os centros do neuroeixo têm uma perspectiva horizontal (de cada
centro) e vertical (dos vários centros) do seu desenvolvimento.
Segundo aqueles autores, a ontogênese do neuroeixo segue
aproximadamente a seguinte evolução:

— em cinco semanas, formam-se os gânglios espinais, surge a


flexura da protuberância (ponte) e emergem os nervos espinais;

— em seis semanas, aparecem os elementos que constituem o arco


reflexo, ao mesmo tempo que o hipotálamo se evidencia no
diencéfalo, e os dois hemisférios começam a diferenciar-se;

— em sete semanas, os reflexos espinais estão aptos a funcionar, e,


alguns dias depois, surgem o tálamo, o hipocampo e os gânglios da
base;

— em 10 semanas, a medula espinal termina a sua estrutura


interna com a manifestação dos primeiros movimentos fetais,
quando simultanearnente surge a diferenciação do neocórtex;

— em 14 semanas, aparecem as vias sensoriais intersegmentares do


cerebelo;

— em quatro meses, a função motora surge ao mesmo tempo que


o arquicerebelo e os tubérculos quadrigêmeos; neste momento, os
receptores protoquinéticos (básicos de todos os pré-vertebrados e
vertebrados inferiores) estão em funcionamento, daí emergindo a
motricidade fetal. Surgem também o mesencéfalo e as primeiras
camadas neocorticais, com demarcação da fissura central,
diferenciando os territórios frontais dos parietais;
— em cinco meses, a mielinização das vias espinais dorsais começa
a desenrolar-se simultaneamente com a via piramidal a partir do
córtex, seguindo a lei cefalocaudal;

— em seis meses, os nervos cranianos começam a sua mielinização,


ao mesmo tempo que se opera o complemento das comissuras
hemisféricas;

— em sete meses, a mielinização espinocerebelosa e


mesencefalicotalâmica e a configuração do cerebelo, assim como o
aparecimento das fissuras e das convoluções neocorticais, começam
a estabelecer-se. Neste momento, o choro é possível, e imensos
padrões reflexos podem ser evocados, como se verifica nos próprios
prematuros.
Esta embriogênese, paralela com os axiomas filogenéticos e
superiormente governada pelo plano mestre do DNA, retrata, de
alguma forma, os padrões do desenvolvimento ontongenético
intrauterino, que em si demonstram a continuação das tendências
filogenéticas já abordadas, que consubstanciam os princípios
organizacionais filogenéticos. (MILNER, 1976)
Figura 1. 1. Ontogênese embrionária e fetal do sistema
nervoso
Quadro 1.3. – Neurogênese embriológica – sequência
do desenvolvimento do sistema nervoso central
(MILNER, 1983)
Dentro dos padrões de desenvolvimento ontogenético pré-natal,
devemos destacar, em termos esquemáticos, os seguintes:

— a emergência embriológica é paralela à emergência filogenética.


Os centros inferiores diferenciam-se antes dos superiores; aqui a
ontogênese recapitula a filogênese neurológica;

— a maturação do neuroeixo é vertical, de baixo para cima, da


cauda para a cabeça;

— o crescimento estrutural prefigura o padrão do funcionamento


espontâneo do sistema nervoso, quer em termos pré-natais, quer
pós-natais;

— a medula desenvolve-se funcionalmente em uma direção


cefalocaudal, padrão esse também seguido pelo desenvolvimento
da motricidade e evidentemente dependente da mielinização;
paralelamente, os motoceurônios medulares tornam-se funcionais
antes dos neurônios sensoriais (padrão de crescimento em
dualidade, denominado pela controvérsia Coghil-Windle);

— a organização do sistema nervoso é hierárquica com uma


sequência de aparecimento irreversível, traduzindo o
desenvolvimento antecipado dos níveis inferiores em relação aos
superiores;

— a hierarquia funcional e a maturação do sistema nervoso,


confirmando o princípio de H. Jackson da “redução contínua da
sucessão de estruturas nervosas a estruturas coexistentes” –
continuous reduction of sucessions to coexistences;
— o funcionamento coerente do sistema nervoso central é o
produto final da incorporação progressiva de padrões funcionais
organizados, que se desenvolvem em uma sequência ontogênica
hierárquica e vertical; a evolução ontogênica pressupõe a transição
dos centros protocorticais e arquicorticais para os centros
paleocorticais e neocorticais; os círculos coordenados entre o
prosencéfalo e o robencéfalo não estão ainda estabelecidos,
especialmente os que compreendem as seguintes função:
integração, reforço, inibição, controle, estabilização etc.; a
intervenção dos centros superiores intratelecefálicos, talâmicos,
hipotalâmicos, arquicorticais dos gânglios da base e do neocórtex
estão inconclusos à nascença, é necessário que subsequentemente
surja o padrão ontogenético seguinte;

— no nascimento, a herança mamífera do desenvolvimento


humano, com as suas estruturas neurológicas únicas, está presente
apenas como potencial, sendo que aqui entra em jogo o fator
extrafilogenético, um novo princípio exclusivo da espécie humana e
que influencia certamente os seguintes padrões neurogenéticos,
isto é, a dimensão biossocial que caracteriza o desenvolvimento
psiconeurológico da criança.

A evolução do cérebro, consequentemente, integra uma


organização funcional de padrões filogenéticos e ontogenéticos
(FONSECA, 1982 e 1985) que parte do mais organizado (medula) para
o menos organizado (córtex) dos centros inferiores para os centros
superiores, do mais simples ao mais complexo, do mais automático
para o mais voluntário.
Para se atingir a maturidade, ou seja, os centros menos
organizados, mas mais complexos e voluntários, é necessário que
surjam novos padrões ontogenéticos, dependentes, obviamente, dos
padrões filogenéticos herdados.
O sistema nervoso está efetivamente organizado em um complexo
modelo de reduplicação dos centros inferiores, com os centros
superiores funcionalmente dominantes sobre aqueles, como confirmam
Weiss, Tinbergen, Fulton e Himwich, focados em Milner (1979).
As unidades filogenéticas e ontogenéticas mais antigas são também
as que ocupam os níveis mais baixos da hierarquia funcional. Em cada
nível, estão reduplicadas e representadas sucessivamente, obedecendo
a uma verticalização estrutural. Tal arranjo anatômico, do inferior ao
superior, permite uma perfeita coordenação funcional, que está na
base do aparecimento de novos sistemas funcionais. Esse padrão
traduz a hierarquia da experiência humana (FONSECA, 1984) e a
evolução das competências da criança, desde as mais simples às mais
complexas. A complexidade do desenvolvimento psiconeurológico da
criança, provavelmente, só pode ser equacionada nesta perspectiva
hierarquizada da ontogênese da aprendizagem, que, em certa medida,
parece traduzir uma espiral evolutiva.
H. Jackson, em 1822, afirmou:

Quanto mais alto é o centro, mais numerosos, diferenciados, complexos e


especiais movimentos ele representa, e quanto maior a região que ele
representa, mais justifica a evolução. Os centros superiores representam
os movimentos mais inumeráveis, complexos e especiais de todo o
organismo, ao mesmo tempo que cada unidade deles representa o
organismo total de uma forma diferente.
Dessa forma, os arranjos dos centros superiores inibem, controlam e
organizam os centros inferiores, e, como consequência, quando o
superior está disfuncional, eleva a sua atividade, como se verifica em
muitas situações patológicas.
Os centros inferiores, todavia, fazem parte da coordenação
composta que traduz qualquer movimento voluntário, como iremos
ver, quando abordarmos a organização funcional do cérebro e os
fatores psicomotores.
As suas funções estão posteriormente representadas em outros
centros motores médios, onde se representam consequentemente as
coordenações simples. Os centros médios, por sua vez, re-representam
os centros inferiores, onde já se estabelecem coordenações compostas.
A soma destas representações é já uma dupla e indireta representação
da totalidade do organismo. Por último, os centros superiores são re-re-
representações, pois representam triplamente os outros centros,
realizando por esse processo de transferência funcional as
coordenações complexas.
Em cada centro, surge, portanto, um aumento de complexidade de
representação das partes componentes, daí o aumento da
especialidade da representação, como focou Jackson (1822).
O desenvolvimento psiconeurológico e psicomotor à luz de Jackson
esclarece-nos, em certa medida, as perspectivas de Wallon, Piaget e
Luria. A evolução e a dissolução parecem aqui em contraste dialético,
pois, por meio deste padrão filogenético-ontogenético, percebemos a
evolução da criança do reflexo à reflexão, do ato ao pensamento e do
gesto à palavra, como por meio dele percebemos o reflexo das
dificuldades ou das incapacidades de aprendizagem.
A ontogênese psiconeurológica e psicomotora parece traduzir várias
metamorfoses, que vão desde as representações às re-representações,
até culminarem nas re-re-representações. Dos movimentos reflexos
(representações) aos hábitos motores (re-representações) e desses às
aquisições motoras voluntárias, isto é, praxias (re-re-representações).
Da mesma forma, a evolução da linguagem, segundo Slobin (1971)
e Myklebust (1974, 1975 e 1977), parte da linguagem gestual
(representações) à linguagem falada (rerepresentações) e atinge a
linguagem escrita (re-re-representações).
Patten (1953), na mesma linha ontogenética de Tinbergen (1951),
postula o sistema somático-motor humano no sistema hierárquico dos
mecanismos inatos de libertação (innate releasing mechanisms).
Todas as vias ontogenéticas de interconexão no sistema nervoso
humano parecem confirmar o padrão filogenético hierarquizado
reduplicativo, daí que não se possa conceber hoje o desenvolvimento
da criança sem a sua contribuição.
Da mesma forma, a ontogênese parece ilustrar uma filogênese
inacabada e constantemente renovada. A revelação da filogênese no
decurso da ontogênese obedece, porém, a uma organização funcional
do cérebro, organização essa que decorre verticalmente, desde as
estruturas neurológicas mais simples até as estruturas mais complexas,
seguindo irreversivelmente a sua hierarquização estrutural herdada.

Quadro 1.4. – Sistema hierárquico dos mecanismos


inatos da libertação

Nível Centros Superiores Função e Comportamento


Controle voluntário e regulado.
Arco 6 Neocórtex
Controle automático associativo.
Arco 5 Gângios basais e tálamo Cerebelo
Controle sinergético.
Arco 4 e mesencéfalo
Controle oculomotor automático.
Cerebelo, bulbo e medula Vários
Arco 3 Controle do equilíbrio. Reflexos
segmentos espinais atuando em
Arco 2 intersegmentares.
coordenação
Arco 1 Só um segmento espinal Reflexo intrassegmentar.
Capítulo 2

MODELO DE ORGANIZAÇÃO
FUNCIONAL DO CÉREBRO HUMANO,
SEGUNDO LURIA

2.1. Relações entre cérebro e comportamento


2.2. As três unidades funcionais do cérebro
2.3. Interação entre as três unidades funcionais

2.1 Relações entre cérebro e comportamento

As relações entre as funções do cérebro e o comportamento


humano, segundo os dados de investigação correntes, têm dependido
essencialmente da investigação animal e da observação do
comportamento alterado em adultos com lesões cerebrais, localizadas
ou massivas, o que por si dificulta o objeto do nosso estudo, que trata
fundamentalmente do desenvolvimento psicomotor da criança e suas
correlações com a organização funcional do cérebro.
Muitas questões se têm levantado sobre a localização das funções
cerebrais, a sua perda por lesão ou acidente (afunção), a sua
reabilitação (disfunção), a sua apropriação (aprendizagem e
desenvolvimento) etc., e certamente no futuro outras irão levantar-se à
medida que vão desvendando-se os enigmas do órgão mais organizado
do organismo, ou melhor, do sistema físico mais complexo que se
conhece no cosmo.
Não é nosso propósito, em um trabalho desta natureza, levantar o
estudo atual sobre as inúmeras teorias que abordam a organização
funcional do cérebro humano. Estrutu ras neurológicas têm sido
descritas como o lugar ou o local de funções (FILSKOV, GRIMM e
LEWIS, 1981), como componentes equipotenciais de um sistema
(GOLDSTEIN, 1944, e LASHLEY, 1950), como regiões onde
componentes particulares ou níveis funcionais estão localizados
(GESCHWIND, 1965, 1970 e 1979, e BROWN, 1977) ou como
unidades funcionais, que têm a sua contribuição específica,
cotrabalham em uma função complexa independentemente da sua
distribuição por vários sistemas neuronais. (LURIA, 1973 e 1980)
Nem a visão de mosaico, que localiza a função em centros cerebrais
discretos e restritos, nem a segunda visão globalista e massiva
provaram ser suficientemente explicativas ou aceitáveis para se
compreenderem a atividade mental humana e a complexidade dos seus
sistemas funcionais.
Dentro de inúmeros modelos, três têm sido especialmente
apresentados para compreender as relações entre o cérebro e o
comportamento:

— o modelo conexional de Geschwind;

— o modelo estrutural de Brown;

— o modelo laboral de Luria.

Antes de abordarmos mais detalhadamente o modelo laboral de


Luria (1973) (Working Brain), analisemos esquematicamente os dois
primeiros, pois, com base nos seus pressupostos, o modelo luriano
ganha mais coerência estrutural e unidade funcional.
O modelo conexional de Geschwind (1965 e 1979) representa uma
extensão, ou melhor, uma elaboração requintada das posições
“localizacionistas”. De acordo com essa proposta, a função está
localizada em zonas, regiões ou áreas corticais interconectadas e
específicas. A informação, de acordo com Geschwind, processada em
uma região é posteriormente emitida para outra onde se opera um
processamento adicional, linear e sequencial. Para o mesmo autor,
algumas funções estão localizadas no hemisfério esquerdo (verbais e
simbólicas), enquanto outras são do domínio especializado do
hemisfério direito (não verbais, espaciais etc.). A capacidade da
linguagem, por exemplo, requer a cooperação de várias áreas do
córtex.
Quando se ouve uma palavra (linguagem falada receptiva), a
sensação vinda por meio dos ouvidos é recebida no córtex auditivo
primário, depois emitida linearmente para a área de Wernicke, onde é
processada e compreendida. Trata-se, como o próprio modelo sugere,
de uma transmissão de informação de umas áreas para outras.
Se a palavra tem de ser emitida (linguagem falada expressiva), a sua
representação é enviada por meio dos fascículos arcados, desde a área
de Wernicke até a área de Broca, onde se opera, de novo, outra
transdução ou processamento auditivo-motor, seguido de uma
programação de articulações que vão ser (re)enviadas ao córtex motor,
pondo em atividade os músculos dos lábios, da língua, da laringe e do
aparelho fonador para produzir articulemas.
Figura 2. 1. – Modelo de Geschwind da linguagem
falada.
Da mesma forma, a função da leitura (linguagem escrita receptiva)
envolve a recepção de grafemas na área do córtex visual primário, daí
sendo transmitida para o girus angular, onde é de novo reprocessada,
traduzindo-se os grafemas em fonemas, isto é, operando-se a
descodificação do segundo sistema simbólico (visório-motor) para o
primeiro sistema simbólico (audioverbal), dando lugar a uma conexão
correspondente entre modelos grafológicos e os seus equivalentes
fonológicos, correspondência essa que já se opera, entretanto, em
outra área adjacente, ou seja, a área de Wernicke. Se a leitura tem de
ser efetuada oralmente e não silenciosamente, então, segundo o
mesmo autor, as palavras a pronunciar seguem a mesma corrente de
informação que está a cargo da linguagem falada.
Figura 2.2. – Modelo de Geschwind da linguagem
escrita.
Geschwind advoga com esse modelo que a disfunção (dislexia) ou a
função (alexia) resultam da lesão de áreas corticais específicas ou da
interrupção da corrente de informação que se passa entre elas. A lesão
ou a disfunção de várias áreas corticais especializadas, como, por
exemplo, o girus angular, ou a das fibras que as ligam, servem para
ilustrar a desconexão das partes do sistema, provocando, por
consequência, a rotura ou o desvio da função normal.
A reabilitação nesse modelo é atribuída à forma como os tecidos
não lesados, e, portanto, disponíveis funcionalmente, podem reassumir
ou sustentar a função afetada, operando-se assim, nas palavras de
Geschwind, a ativação de vias até aí nunca utilizadas.
O mesmo processo pode resultar também da transferência da
função para outras regiões potencialmente predisponentes e
competentes, o que confirma, em parte, por exemplo, a reabilitação da
fala em crianças com lesões no hemisfério esquerdo, onde
efetivamente se verifica uma inversão da especialização hemisférica,
dando lugar à noção de que os dois hemisférios atuam, em períodos
ideais da ontogênese, em uma espécie de “compreensão cooperativa”.
(TREVARTHEN, 1982)
O modelo de Geschwind tem sido utilizado para identificar
conjuntos de sintomas que caracterizam tipos específicos de afasias,
alexias e apraxias. Todavia, segundo Kirk (1983), representa uma visão
restrita da utilização normal da linguagem, porque exatamente não
explica como é que um indivíduo se torna fluente na leitura e na
escrita, ou em outras funções cognitivas complexas, visto que o seu
enfoque se situa na rotura das aquisições aprendidas.
Não se visualisa, neste autor, a diferença entre a criança e o adulto,
não subsiste no seu modelo um substrato neurológico evolutivo.
(AARON, 1981)
O modelo não leva em consideração o processamento da
informação concorrente e simultânea que se sabe hoje ocorrer no
cérebro, quer em nível cortical, quer subcortical. Daí que pouca
referência seja fornecida sobre as múltiplas e recíprocas conexões
corticocorticais ou corticossubcorticais, bem como sobre a redundância
que existe dentro do sistema nervoso, redundância essa transitória e
seletiva (CHANGEUX, 1983), de grande importância para se
compreender a atividade mental e a sua ontogênese, que, no fundo,
subentende uma complexa geometria sináptica, e não apenas a
transferência de informações de umas zonas para outras.
O modelo de Geschwind, todavia, é de grande importância e
utilidade, talvez mesmo pioneiro no âmbito do estudo do adulto. Pena
é que não nos forneça dados sobre como as crianças aprendem ou
apropriam-se de padrões funcionais, ou mesmo como se podem tornar
proficientes na utilização de aquisições complexas, quer psicomotoras,
quer simbólicas.
O modelo estrutural de Brown (1977), citado por Kirk (1983),
apresenta o cérebro como um longo processo de evolução – processo
de encefalização. Nesse processo, o autor caracteriza estágios, por
meio da emergência de novas e mais complexas estruturas, capazes de
servirem novos e mais complexos comportamentos.
Brown destaca quatro níveis estruturais no comportamento
humano. Três níveis de caráter filogenético: subcortical, límbico e
neocortical, correspondentes a três estágios de encefalização na
evolução “o cérebro dos três cérebros”, Triune brain, de McLean
(1978), de disposição simétrica; o quarto, também neocortical, mas
assimétrico, tendo como característica fundamental o seu
desenvolvimento ontogenético.
Nesse modelo, cada nível representa um novo nível de cognição,
derivando cada um de outro mais antigo, não de forma aditiva, mas
sim como o resultado de uma mudança progressiva e qualitativa, na
medida em que “a totalidade do sistema se encontra cada vez mais
diferenciada nas suas funções cognitivas”. (BROWN, 1977)
Para este autor, as mudanças neocorticais são primeiro refletidas na
elaboração das zonas centrais e temporal-parietais e,
subsequentemente, no aparecimento da dominância cerebral –
lateralização.
Segundo Brown, a “assimetria é um prolongamento da
encefalização no desenvolvimento ontogenético. A dominância
hemisférica é uma das expressões dessa assimetrização”. E
continuando: “Lateralização e localização são aspectos diferentes ou
fases de um único processo. De fato, lateralização ou dominância
cerebral são atingidas por meio da localização, como se verifica na
especificação intra-hemisférica esquerda da linguagem”.
Nesta perspectiva, a cognição não se reserva apenas a ideias; pelo
contrário, trata-se de uma constelação de elementos perceptivos,
motores, afetivos e linguísticos, que, no seu conjunto, constituem o ato
mental.
Brown argumenta que, durante o desenvolvimento, a cognição e os
seus elementos constituintes recapitulam as realizações ou as
aquisições próprias de cada nível filogenético e ontogenético. Estágios
sucessivos representam uma transformação de níveis prévios, de tal
modo que a cada estágio corresponde um novo nível de cognição.
De acordo com este autor, o efeito da lesão está em desorganizar o
sistema e, por esse fato, produzir uma mudança regressiva a um
estágio anterior de organização, que, em condições normais, seria o
estágio preliminar.
Seguindo este modelo, as funções psicológicas particulares não são
localizadas em mecanismos cerebrais específicos. Os estágios de
desenvolvimento cognitivo estão localizados, sim, mas em um nível
estrutural particular.
Esse modelo ajuda a compreender não só como é que uma
aquisição é aprendida por uma criança mas também como se dão
algumas pistas para se perceber como um adulto perde, por lesão, uma
aquisição adquirida.
Percebemos como os elementos se estruturam e como uma
atividade cognitiva é composta ou decomposta, assim como nos
proporciona algumas relações complexas entre a linguagem e o
pensamento.
Trata-se de um modelo original, porque, ao contrário do de
Geschwind, nos coloca em uma perspectiva filogenética e ontogenética
das estruturas da cognição. Porém, não nos elucida sobre a emergência
dos sistemas, não nos esclarece sobre o papel do envolvimento no
desenvolvimento da aprendizagem, nem como a reabilitação da função
se reestrutura. Paralelamente, não nos esclarece sobre os vários graus
de plasticidade que caracterizam os diferentes níveis do sistema em
diferentes estágios do desenvolvimento.
As mudanças estruturais que Brown nos apresenta são abruptas, do
tipo “tudo ou nada”, em vez de sugerir mudanças estruturais graduais.
Como consequência, os problemas que estão ligados ao
desenvolvimento desviante e atípico, ou à perda parcial de funções,
não são considerados. Daí que o seu modelo estrutural sirva para
perceber alguns problemas, mas não todos, principalmente os que
estão envolvidos na aquisição e na proficiência das funções cognitivas
mais complexas.
A análise dos modelos de Geschwind e de Brown fornecem-nos
alguns pressupostos de grande interesse para a compreensão da
organização funcional do cérebro. No entanto, em ambos, surgem
carências, às quais o modelo de Luria (1973 e 1980) procura responder,
não só no âmbito das aquisições simbólicas mas também no âmbito
das aquisições psicomotoras.
De uma forma global, o modelo de Luria representa uma
especificação das teorias de localização e da ação em massa (mass
action). Pribram (1973) considera Luria um dos pioneiros das ciências
do sistema nervoso, pois dedicou mais de 40 anos ao estudo de
pacientes com lesões cerebrais, publicou inúmeras obras sobre as
relações entre cérebro e comportamento, que revolucionaram os
conhecimentos da Neurologia e da Psicologia clássicas e que
originaram um novo ramo científico, a Psiconeurologia.
Luria sugere que estudando as relações entre cérebro e
comportamento e as relações entre corpo e cérebro talvez se possa
compreender melhor o que faz do homem um ser humano.
O estudo da atividade mental humana permite, segundo Luria,
perceber as suas capacidades únicas e peculiares.
Para atingir esse objetivo, nem a Neurologia clássica nem a
Psicologia clássica podem cobrir a complexidade estrutural e funcional
do comportamento humano. Os processos do comportamento humano
são estudados de forma reducionista e atomista: a linguagem, a
percepção, a memória, o pensamento etc. são elaborados com
reduzidos princípios e poucos processos orientadores.
As leis científicas que governam os processos psíquicos humanos,
os mecanismos cerebrais nos quais esses processos se baseiam, a
análise da estrutura interna de funcionamento que origina os
comportamentos, a identificação dos componentes do todo ato mental
etc. pouca atenção tiveram até o momento em que Luria inicia as suas
pesquisas.
A análise da atividade psicológica humana que está por detrás da
ação propriamente dita, a estrutura interna da atividade mental, a
organização dos diferentes componentes que contribuem para a
estrutura final da atividade mental, que se reflete na motricidade e na
linguagem humana, são os principais objetivos do estudo em Luria.
Com esse autor, entramos em um novo capítulo do estudo do
cérebro e da sua estrutura interna de funcionamento. A organização
funcional da atividade mental torna-se compreensível, quer do ponto
de vista filogenético, quer ontogenético.
O cérebro é apresentado como contendo sistemas individuais, que
fornecem as condições para se operacionalizar a atividade mental
superior que antecede toda a conduta consciente humana.
O cérebro como órgão da atividade mental é encarado como o
órgão da civilização, órgão que é capaz de refletir todas as
complexidades e intrincadas condições do mundo envolvente e todas
as manifestações superiores da atividade humana, materializadas no
movimento e na linguagem.
Como é que se constrói o cérebro? Que organização funcional
apresenta? Que estruturas do cérebro humano ou que sistemas
geraram necessidades complexas que distinguem o homem do animal?
Será que algumas estruturas têm uma origem filogenética? Como é
que os processos são organizados? Quais são os processos que
permitem captar informação do meio, analisá-la, armazená-la e depois
expressá-la em movimento? Como é que os programas de ação se
elaboram e estruturam-se na ontogênese?
Muitas destas perguntas encontram respostas no modelo luriano,
mas, para tal, é necessário introduzir algumas concepções
fundamentais.
Luria (1973), de acordo com Vygotsky (1960), começa por abordar
a noção de função como um sistema complexo e plástico, realizando
uma tarefa adaptativa particular, composta por um grupo de
componentes permutáveis e altamente diferenciadas. Essa noção, que
cobre as funções elementares da digestão, da respiração e da
locomoção, cobre igualmente a função cerebral, como corolário da
organização funcional mais complexa que se conhece.
Com base nessa concepção, as funções psicológicas e os substratos
neurológicos que as servem e sustentam passam a ser encarados como
sistemas organizados dinâmicos e complexos.
Em nível cortical, as capacidades cognitivas passam a ser analisadas
e distribuídas por um sistema de zonas ou centros de trabalho
sincronizado, zonas essas diferenciadas anatomica e funcionalmente.
Cada zona tem, por consequência, uma contribuição única para a
organização geral, sugerindo que qualquer função cerebral tem uma
localização dinâmica e não uma localização restrita ou estática.
O comportamento humano, analisado de acordo com o modelo de
Luria, não pode ser encarado como uma atividade cortical isolada, na
medida em que estão subjacentes funções de centros subcorticais. A
unidade do sistema e sobretudo a sua coerência funcional já não se
baseiam segundo princípios de homogeneidade integrativa, mas sim
segundo heterogeneidades integrativas. (SPENCER, 1904; e ANOKHINE,
1975)
Qualquer que seja a tarefa, trata-se de uma atividade conjunta de
estruturas corticais e subcorticais em todos os níveis do cérebro, que
reciprocamente interagem por complicados circuitos de
retroalimentação e de reaferência, criando um sistema complexo de
processamento simultâneo e concorrente, que caracteriza o cérebro
operário.
Essa visão das relações entre cérebro e comportamento permite
encarar a lesão cerebral e a sua reabilitação de forma diferente da dos
dois modelos anteriores. Dado que a função é distribuída por várias
zonas do cérebro, porque a sua distribuição funcional é especialmente
dispersa (e é nisso que se fundamenta um sistema), quer em nível
cortical ou subcortical, a lesão, em qualquer dos níveis do sistema,
tende a produzir um efeito diferente no comportamento.
Esta noção de função como um sistema disperso pelo cérebro e
contendo vários níveis explica as seguintes questões:

— a ruptura de uma dada função como o resultado de uma lesão


focal em diferentes áreas do córtex;

— a rotura de um conjunto de funções não relacionadas


aparentemente, que se segue a uma lesão em áreas corticais
circunscritas.

Porque o efeito da lesão atua como elemento de desorganização do


sistema de trabalho das diferentes áreas dispersas e interativas. A
reabilitação da função, segundo Luria, não é atribuída à regressão a um
estádio anterior de organização (BROWN) nem à transferência de
função para um novo centro (GESCHWIND), mas sim a uma
reorganização estrutural, em um novo e dinâmico sistema, englobando
formações superiores e formações inferiores corticais e subcorticais.
(LURIA, 1980)
A irreversibilidade e a infalibilidade das lesões cerebrais passam a
pertencer a uma visão clássica do cérebro; a restauração de células
lesadas e a ativação de novas e intactas zonas cerebrais podem trazer
nova esperança ao problema.
Segundo Pavlov, “a lesão permite descobrir o que normalmente
está escondido, e por essa via pode-se analisar aquilo que
normalmente forma uma totalidade integral”. Essa perspectiva da lesão
cerebral é em si uma nova noção de função cerebral.
Para Luria, o estudo da desintegração funcional permite-nos
descobrir os componentes psicofisiológicos que entram na estruturação
de determinadas capacidades ou funções. O que é difícil de estudar em
atividades psíquicas normais torna-se acessível quando se estudam os
aspectos isolados da deterioração que resulta de uma lesão cerebral.
A patologia, portanto, é um elemento fundamental ao estudo da
função, e a sua reabilitação à condição inicial para restabelecer a
função, por meio da criação de novos e diferentes processos de
reestruturação funcional.
Quanto ao problema da lateralização, Luria não se limita, como
outros modelos já focados, à especialização hemisférica, ele procura
antes diferenciar a contribuição específica de cada hemisfério para a
realização de processos psíquicos superiores.
Quando surge uma alexia ou uma agrafia, Luria conclui que essas
funções não podem também ser localizadas em um único hemisfério
como tradicionalmente se assume. Pelo contrário, quando se trata de
uma capacidade psíquica superior, a interação funcional dos dois
hemisférios é indispensável, mas não deixa de argumentar que a lesão
em cada um dos hemisférios têm efeitos distintos, afetando
obviamente a função de forma diferente.
Luria é também, neste contexto, extremamente inovador, pois
defende que a dominância requer a inibição de um hemisfério, quando
o outro trabalha. A sua posição é paralela à de Lenneberg (1967),
aproximando-se, aqui, de Gazzaniga (1970) e Selnes (1974), em que a
equipotencialidade possui um substrato neurológico progressivamente
lateralizado, tornando dessa forma equivalentes a lateralização e a
localização.
O conceito de dominância não é tão simplista como se pretendia
inicialmente. Para Luria, os dois hemisfério e as regiões específicas de
cada um são componentes de um sistema dinâmico e diferenciado, que
constitui, mais uma vez, a noção do cérebro como o resultado de
múltiplos centros de trabalho.
A emergência de centros de trabalho a partir de sistemas neuronais
funcionais é uma noção-chave no pensamento luriano, quer no que
respeita ao desenvolvimento do cérebro, e, consequentemente, da
ontogênese, quer na perda de aquisições ou de aprendizagens
adquiridas por lesão, isto é, quando se dá uma desintegração de
sistemas.
A atividade cognitiva complexa, quer se trate de Psicomotricidade
ou de aprendizagens simbólicas, envolve sempre sistemas de zonas de
trabalho simultâneo, zonas essas inexistentes no momento do
nascimento e que se encadeiam estruturalmente durante o
desenvolvimento.
Para Luria, os sistemas de trabalho simultâneo estão na base da
ontogênese da cognição. Cada aquisição cognitiva da criança (postura
bípede, manipulação práxica, compreensão auditiva, fala, leitura e
escrita etc.) representa o resultado de uma constelação de centros de
trabalho dispersos geograficamente no cérebro, mas em permanente
interação.
É esta interação intracerebral que espelha outra interação entre a
criança e o seu envolvimento e, consequentemente, a sua
aprendizagem gradual de competências cognitivas complexas que têm
origem socio-histórica.
As atividades psíquicas superiores emergem de estádios sucessivos e
hierarquizados, exatamente porque cada estádio é caracterizado pela
consolidação progressiva de sistemas neuronais que refletem uma
organização interna que se liberta progressivamente das condições
externas.
A dependência das condições externas imediatas vai-se perdendo
progressivamente, mas, em contrapartida, vai-se ganhando uma
organização interna mais complexa.
A organização neurológica da motricidade e da linguagem muda
com a aprendizagem, isto é, a variação estrutural das funções mentais
superiores em diferentes períodos da ontogênese mostra que a
organização cortical muda com a idade, mostra que ela não se mantém
imóvel. Mas a mudança da organização cortical em diferentes estágios
do desenvolvimento explica que as mesmas funções passam a ser
realizadas por diferentes constelações de trabalho. (LURIA, 1980)
Assim, o desenvolvimento motor humano, nos primeiros meses,
envolve essencialmente a constelação de trabalho formada pelos
centros mesencefálicos que produzem os reflexos não condicionados e
integram-nos progressivamente em padrões mais diferenciados.
Aos oito meses, a constelação talâmica, límbica e cerebelosa
encarrega-se de posturas antigravíticas e de condutas emocionais de
socialização. Aos 12 meses, outra constelação entra em jogo, a
constelação corticocerebelosa, que produz a postura bípede, grande
marco da antropogênese e da maturação cerebral.
Novos sistemas de retroalimentação e de reaferência organizam-se
e inter-relacionamse. Aos 24 meses, a constelação frontal programa já
ações sequencializadas e intencionais, engramas motores são
integrados em padrões de reação cada vez mais diferenciados e
humanizados.
No desenvolvimento da linguagem, constelações de constelações
tomam lugar em estruturas internas de uma organização
hierarquizada, obedecendo inexoravelmente a esses princípios e às leis
da organização funcional do cérebro, verdadeiro centro de trabalho da
aprendizagem humana.
O cérebro é para Luria um sistema de zonas de (co)laboração e
concentração, caracterizado pela consistência e estabilidade das suas
interações e pela variedade e plasticidade dos seus componentes, bem
como pelos diferentes estágios de desenvolvimento que assume no
tempo.
O padrão de organização cerebral muda com o tempo e com a
experiência; por esse fato, também o efeito da lesão será diferente em
diferentes estágios do desenvolvimento.
A mesma lesão é diferente na criança e no adulto, porque em
ambos se encontram integrados diferentes padrões de organização
interna e funcional.
Dado que os fundamentos dos processos mentais superiores têm a
sua gênese a partir de estruturas superiores do sistema nervoso, a lesão
precoce na criança tem repercussões de natureza diferente da lesão no
indivíduo maduro. Na criança, a lesão precoce vai alterar a emergência
de substratos neuronais e afetar obviamente os níveis de competência
funcional ulterior.
O cérebro, efetivamente, como órgão complexo, transforma-se no
tempo, ele é um sistema diferente no Australopiteco e no homem
atual, ele é diferente na criança e no adulto, ele é diferente no
indivíduo intacto e no indivíduo lesado.
As várias formas de que se reveste o comportamento humano e a
natureza das tarefas que ocorrem na criança e no adulto são diferentes
e representam formas de organização e de integração funcional
perfeitamente distintas.
A construção de uma função psicomotora ou simbólica, que é
efetivamente executada em zonas dispersamente distribuídas pelo
cérebro em termos neuroanatômicos e psicológicos, deve ser tomada
em consideração, quando ocorre uma lesão focal.
Com base nesse conceito, Luria introduziu a noção de organização
sistêmica, que ajuda a explicar a reabilitação da função,
preferencialmente na criança e nos jovens, confirmando-se, deste
modo, a noção de que o cérebro é um sistema em desenvolvimento
que contém uma neurogênese intrincada e intrínseca e, ao mesmo
tempo, plástica e disponível.
O cérebro como sistema total e totalizador opera segundo a
simultaneidade de várias unidades funcionais (subsistemas), unidades
essas que especificaremos mais à frente.
Efetivamente, com a cofunção dessas unidades funcionais
fundamentais, o ser humanos adquiriu, ao longo do seu processo
socio-histórico, uma percepção inteligente, uma atenção voluntária,
uma rememorização ativa e intermodal, um comportamento
voluntário, uma competência psicomotora na fabricação de utensílios,
uma linguagem gestual e posteriormente articulada, um pensamento
abstrato, uma história, uma civilização etc., funções essas nunca
contidas em um cérebro animal, mesmo que fosse mais pesado ou
mais volumoso.
Em Luria, como em Vygotsky, as formas superiores de atividade
mental têm a sua gênese em termos socio-históricos, em termos
culturais.
A percepção, a ação (a motricidade humana), a memória, a
simbolização etc. não são funções naturais nem propriedades da vida
mental, são antes características decorrentes da evolução biossocial
humana, assim como nos focou Wallon (1963).
É esta particularidade de “assimilação” (no sentido piagietano do
termo) do biológico e do social que caracteriza o cérebro humano, por
meio do qual o ser humano atingiu atributos peculiares em termos de
organização cerebral.
Não há, por conseguinte, funções isoladas, mas sim sistemas
funcionais complexos, formados no passado e alterados
perpetuamente no decurso do desenvolvimento.
A linguagem falada, por exemplo, não pode ser analisada em
termos separados, pois ela está intimamente relacionada com a
linguagem gestual, com a comunicação não verbal emocional e
mímica, com a atenção e a percepção, com a memória e o
pensamento.
A motricidade humana também não pode ser estudada de forma
isolada, ela é indissociável da organização do tônus de repouso e de
ação, do controle postural e da regulação vestibular gravítica e espacial,
da noção que o corpo ocupa em relação a esse mesmo espaço, da
memória e das aferências do meio, com o qual programa a sua ação
em uma rede complexa e sequencializada de engramas motores, só
posteriormente materializada sob a forma de ação propriamente dita.
Em termos humanos, os produtos finais (linguagem ou motricidade)
jogam com inúmeros e complexos processos internos que têm a sua
gênese e hierarquização funcional.
Daqui resulta que o cérebro só possa ser equacionado com um
sistema funcional complexo, móvel e em transformação, isto é, em
desenvolvimento filogenético e ontogenético.
A construção desse sistema, quer na criança, quer no adulto, quer
no passado, quer no futuro, contém a característica de
transformabilidade e da modificabilidade.
No ser humano, o cérebro reorganiza os seus comportamentos na
base de atividades objetivas, adquirindo novas relações com o exterior,
trabalhando, por esse fato, em novas formas de regulação da sua
conduta.
Com base nessas novas relações, o cérebro vai estabelecendo novos
sistemas funcionais, permitindo-lhe integrar novas formas de
percepção, de memória, de pensamento e, consequentemente, de
novos processos de organização das ações voluntárias.
Do Homo erectus ao Homo habilis, desse ao Homo sapiens, da
criança ao adolescente, e desse ao adulto, o cérebro desenvolve-se e
constrói-se de acordo com princípios de organização e de integração
dialética.
Vygotsky (1960) criticou as posições localizacionistas e
antilocalizacionistas como posições que vacilavam entre o “naturalismo
extremo” e o “espiritualismo extremo”, posições essas que perdiam de
vista a importância das zonas críticas de trabalho, zonas essas que
tomam parte efetiva nas atividades psíquicas superiores.
Esse mesmo autor, relembrado por Luria, apresentou a sua ideia de
“funções mentais” nos seguintes termos:

— são sociais na sua origem;

— são sistêmicas na sua estrutura;


— são dinâmicas no seu desenvolvimento.

Essa ideia continua válida, segundo Luria (1966), para ambos; as


funções mentais superiores não podem ser entendidas quando
representadas no córtex, como são representadas as funções
fisiológicas elementares. Há algo de cultural e de socio-histórico que
não pode ser negado.
O cérebro não deve ser encarado como uma totalidade
indiferenciada, mas sim como uma totalidade hiperdiferenciada, pois se
compõe de múltiplas estruturas funcionais que se encontram
sistemicamente integradas em três grandes unidades funcionais
fundamentais, que constituem o modelo de organização funcional
proposto por Luria (1973).
As funções psíquicas superiores e, consequentemente,
psicomotoras e simbólicas só podem ser entendidas em termos
cronogenéticos, isto é, pressupõem um desenvolvimento, uma
filogênese e uma ontogênese. (FONSECA, 1979 e 1982)
No processo de desenvolvimento, as constelações de trabalho
separadas e dispersas no cérebro constroem-se como um sistema de
elementos espalhados no “espaço cerebral” e no “tempo cerebral”
segundo “regras de interação”. (Von BERTALLANFEY, 1973)
São essas regras de interação que estabelecem uma geometria de
comunicações e uma sinalização coordenada, que dão expressão a uma
maturação e a uma mielogênese (RIGAL, 1979), que ocorre no cérebro,
segundo verdadeiros novos princípios de localização funcional.
O desenvolvimento mental da criança não é uma simples
maturação dos “instintos naturais” (VYGOTSKY, 1960); ele desdobra-se
no processo da atividade objetiva e na comunicação com os adultos,
onde estão contidas a práxis e a linguagem humana.
Sem tal atividade e sem essa mediação (FEUERSTEIN, 1980;
FONSECA, 1984), a criança não alarga os seus atributos humanos
potenciais e, consequentemente, não prolonga as suas funções
psíquicas superiores.
O cérebro encarado nessa hipótese não possui apenas lei
neurobiológicas que o expliquem; há no seu seio uma diversificação de
singulandades sistêmicas e funcionais que só podem ocorrer na
mediação socio-histórica e sociocultural.
A criança aprende a controlar os objetos que foram desenvolvidos
na história humana e aprende a utilizar meios externos e sinais, para vir
a organizar melhor o seu próprio comportamento. Não é só com as
disposições genéticas que o cérebro humano se diferencia
superiormente, na medida em que endogenamente não se encontra
programado para tal.
A apropriação de meios externos e de sinais não depende
exclusivamente de divisões, migrações e diferenciações de células
nervosas, mas sim de processos de corticalização e de encefalização de
origem social, onde o papel de transmissão cultural e da informação
mediada pelos adultos é de influência decisiva.
Para que o desenvolvimento do cérebro opere, não basta a simples
exposição a fontes de estímulo, é necessário a presença de um agente
de mediação. (FEUERSTEIN, 1989)
O ser humano tem uma característica peculiar e original no reino
animal, nasce com um cérebro imaturo e inconcluso. (FONSECA, 1984)
De fato, só alguns processos, como os reflexos, estão presentes à
nascença; os outros processos dependem da ajuda do exterior.
(AJURIAGUERRA, 1974 e 1981: e LURIA, 1964)
A maturação do cérebro, como um sistema dinâmico que é, forma-
se a partir da influência decisiva do meio envolvente. Sem essa
influência determinante, de onde decorre a mediação e a ontogênese
da linguagem, a criança não desenvolve o seu cérebro nas suas funções
psíquicas superiores. Sem essas funções, não se pode apropriar da
história humana, e, por isso, não organiza o seu comportamento nem
o seu cérebro, podendo mesmo vir a comportar-se como uma criança-
lobo.
Da linguagem social-exterior, a criança aprende uma linguagem
individual-interior, linguagem essa que se transforma em uma
ferramenta indispensável para organizar a sua conduta. Organização
da conduta que reflete uma organização psíquica interior, não
meramente dependente de estímulos do meio envolvente ou do corpo,
mas de sinais que a própria organização psíquica criou e aos quais ela
se submete para se unir em termos de atividade mental.
Sabe-se hoje que a criança dirige a sua atenção por meio da sua
própria linguagem, linguagem que, uma vez adquirida, assume a
função reguladora da atividade consciente. Por isso, no início do
desenvolvimento, a atividade da criança é regulada pela linguagem
exterior do adulto; mais tarde, é a própria linguagem interiorizada que
guia e organiza a sua atividade psíquica superior, isto é, a atividade do
seu próprio cérebro.
A linguagem é, por consequência, a organização mediada da
atividade psíquica superior (VYGOTSKY, 1960). A linguagem, ao
distanciar-se do envolvimento imediato e da ação, transforma-se no
processo que vai permitir, mais tarde, modificar o primeiro e regular a
segunda. A linguagem é, em suma, uma transformação da ação, um
produto de um desenvolvimento histórico complexo. (BRUNER, 1973)
A preparação da criança para a cultura humana envolve
metamorfoses da ação, uma espécie de sintaxe da ação (BRUNER,
1974), sem a qual seria impensável o acesso à linguagem.
Nem a motricidade nem a linguagem abandonadas a si próprias
podiam fazer do cérebro aquilo que é como órgão complexo.
Antes que o Homo habilis exibisse qualquer inteligência manual
(inteligência motora), foi necessário que se dessem várias libertações
anatomomorfológicas (CLARK, 1959; NAPIER, 1962; MONTAGU, 1964;
TOBIAS, 1966 E FONSECA, 1982), que conduziram à organização
interior do cérebro.
Tal direção evolutiva está na raiz da implementação da inteligência
humana, que demonstra a inseparabilidade da motricidade humana, da
linguagem humana.
A semelhança entre a estrutura da linguagem e a estrutura da
motricidade é concludente: “A estrutura inicial da linguagem e, de
fato, a estrutura universal da sua sintaxe são extensões da estrutura da
ação”. (BRUNER, 1974)
A ação ou a sua representação requerem agente, ação, objeto,
locação, atribuição, direção etc. A linguagem reclama igualmente a
estrutura ação-objeto, estrutura essa que envolve a sua aprendizagem
na criança.
É com base nessa perspectiva de desenvolvimento que temos de
encarar a filogênese e a ontogênese da linguagem. Efetivamente, só
quando há algo de distinto na motricidade da criança, algo de controle,
algo de domínio, algo de organização psíquica, é que aparece a
linguagem inicial, e quando a criança o faz referencia-se com
paráfrases de palavras ou frases previamente aprendidas. (SLOBIN,
1971)
Piaget (1967) é sucinto a esse propósito: “A linguagem não é
suficiente para explicar o pensamento, porque as estruturas que o
caracterizam têm as suas raízes na ação e nos mecanismos sensório-
motores”.
A linguagem advém da motricidade, da ação coordenada em
função de um fim a atingir, da cooperação humana, da coordenação
das atividades humanas correlacionadas entre si para a obtenção de
fins comuns e recíprocos. (DE LAGUNA, 1963)
A linguagem deixa de ser um fator imediato da ação para se
distanciar dela no espaço e no tempo, planificando-a, regulando-a,
inibindo-a, humanizando-a e socializando-a.
De fato, as relações entre a linguagem e a motricidade criam novos
sistemas dinâmicos no cérebro, novas estruturas, novas propriedades,
novas funções, isto é, novas sínteses.
A linguagem segue a motricidade, tem origem nela, só depois é
que a guia e regula. É neste contexto que temos de conceber a
integração da motricidade e o seu papel como sistema funcional
complexo. Um substantivo não nomeia um só objeto, mas igualmente
todas as ações (verbos) com os quais está em relação na experiência do
sujeito ou do indivíduo.
Há entre a linguagem humana e a motricidade humana uma
semelhança funcional a que não são estranhas a evolução e a
maturação do cérebro.
Nas várias tentativas de ensinar a linguagem a chipanzés
(GARDNER, 1971; PLOOG e MELNECHUK, 1971), deparamos com a
intrínseca dependência da linguagem e da ação. As suas gramáticas
estão perpetuamente dependentes da ação, não se libertam dela.
Ao contrário, no ser humano, a linguagem parte da ação, passa por
ela, mas libertase e distancia-se dela progressivamente, como vemos na
criança. (PIAGET, 1973; BRUNER, 1974; SLOBIN, 1971; e LURIA e
YUDOVICH, 1971)
Na evolução da linguagem, constatamos um progressivo
distanciamento das condições concretas nas quais ela é produzida ou
compreendida e do comportamento ou da ação que a acompanha,
como vemos na sua hierarquia, desde a linguagem gestual imediata à
linguagem falada e dessa à linguagem escrita. Nestas três
metamorfoses hierarquizadas (FONSECA, 1984) cuja organização se
perde na história da humanidade, verificamos a progressiva libertação e
independência da linguagem das condições da sua utilização.
É a partir daqui que se compreende a transformação da linguagem
em um poderoso instrumento da atenção seletiva dirigida para o
exterior, exterior que passa a ser cada vez mais representado por esse
mesmo instrumento.
É nessa perspectiva que Vygotsky (1960) refere-se ao
comportamento instrumental peculiar no ser humano e ausente no
animal, peculiaridade que permite assumir um novo princípio de
localização de processos mentais, distinto das formas de organização
cerebral exclusivamente neurobiológicas.
Tais conexões extracerebrais (VYGOTSKY, 1960), que são formadas
na atividade externa do ser humano, por meio do uso de ferramentas e
do uso de sinais externos, encarregamse da formação de novas funções
psíquicas superiores.
Antropologicamente, o ser humano só atinge as funções psíquicas
superiores por efeitos da sua motricidade, ou melhor, da sua
psicomotricidade, que lhe permite atingir primeiro os sinais e
posteriormente as ferramentas, fatores esses que vão estar na gênese
da linguagem, instrumento mediado e transformado, e que é a
condição básica das atividades psíquicas superiores.
Assim como a motricidade humana (Psicomotricidade) é impossível
sem um objetivo, sem um fim, que a define como práxis, também o
pensamento verbal é impossível sem a linguagem e os seus dispositivos
externos (sons articulados, letras, construções lógicogramaticais etc.).
Em qualquer dos casos, todos estes dispositivos externos foram criados
no decurso da história social; por isso, a organização funcional do
cérebro é um produto do desenvolvimento social.
Como refere Leontiev (1959),

a história social dá os nós que produzem as novas correlações entre as


zonas corticais. O uso da linguagem e os seus códigos fonéticos fornecem
os dados para novas relações entre as áreas temporais (auditiva) e
quinestésicas (motossensoriais) como produto histórico-social, apoiando-
se em conexões extracerebrais e formando novos órgãos funcionais no
córtex cerebral.
Não se trata de defender que estas novas funções resultam de
novos grupos de células nervosas como avidamente foi pensado pelos
neurologistas do século XIX.
O desenvolvimento de novos órgãos funcionais ocorre por meio da
formação de novos sistemas funcionais com o mesmo número de
células, o que nunca ocorreu nos animais.
Graças a este princípio da formação de novos órgãos funcionais, o
cérebro humano transformou-se no próprio órgão da civilização, onde
estão implantadas as inúmeras possibilidades humanas, sem requerer
novas libertações anatomomorfológicas todas as vezes que a história
criasse a necessidade para uma nova função.
É agora talvez mais clara a noção de que o cérebro não pode ser
considerado uma totalidade uniforme ou singular, ou um órgão
composto de localizações exacerbadas ou limitativas.
Nenhuma função pode ser entendida como decorrente de um
centro. Nem a linguagem, nem a motricidade, nem a percepção ou a
memória podem ser vistas como localizadas em zonas restritas do
cérebro. A localização funcional subentende uma dinâmica, uma
evolução.
Como defendeu Luria (1973), o cérebro é um sistema de centros
corticais altamente diferenciados, trabalhando simultaneamente e
realizando novas tarefas por meio de relações intercentros, operando
dinamicamente, por essa via, novas correlações. Daí que as mesmas
funções (linguagem ou motricidade) em estágios diferentes de
desenvolvimento, possam ser executadas por diferentes centros do
córtex, ao mesmo tempo que se vão dando entre eles novas interações.
Retomando Vygotsky (1960), a visão do cérebro nesses princípios
organizadores submete-nos a uma nova visão da ontogênese e das
funções psíquicas superiores. Para esse autor, a ontogênese baseia-se
em:

— processos elementares, que servem de base, daí que os conceitos


ou as aquisições complexas só possam ser desenvolvidos quando
existirem integradas percepções e subaquisições estáveis. Da mesma
forma, a rechamada voluntária (memorização ativa) não pode ser
formada, se não houver um estável substrato da memória imediata;
— processos compostos e complexos, que requerem a mudança
das relações entre os processos elementares e complexos. As formas
mais simples dos processos mentais (sensações, ações, reflexos etc.)
passam a ser organizadas debaixo da influência das atividades
psíquicas superiores.

Trata-se, segundo Vygotsky, do princípio da correlação inversa,


princípio fundamental para se conceber o desenvolvimento do cérebro.
Com base nesse princípio, o cérebro estrutura-se diferentemente
durante o desenvolvimento. Na criança, a formação dos centros
superiores depende da maturidade dos inferiores. No adulto (fase de
maturação), os centros superiores organizam-se e influenciam os
inferiores.
Isso significa que, no caso da lesão de uma área particular do
córtex, ela afeta a criança e o adulto de formas diferentes.
Precocemente, ela leva ao não desenvolvimento dos centros superiores
que são formados a partir dessa base.
Na maturidade, são os centros superiores dependentes dessas zonas
que são afetados pela lesão. A lesão de zonas gnósicas (perceptivas) na
criança leva à deficiência mental generalizada. A mesma lesão no
adulto leva a sintomas isolados de agnosia, que podem, dentro de
certos limites, ser compensados por sistemas superiores não lesados.
Com base nesses dados, a ontogênese, que envolve mudança das
relações entre os centros, representa também uma nova visão da
localização dinâmica das funções mentais, confirmando que o cérebro
tem uma organização funcional própria e complexa e, por isso, traduz-
se no órgão da consciência humana. (LURIA, 1966)
O cérebro é efetivamente um sistema que combina diferentes
partes do tecido nervoso, cujo trabalho conjunto não só tende a uma
análise e uma síntese extremamente complexas da realidade mas
também implica a regulação e a planificação das mais complexas
formas da atividade humana.
Cada vez mais, a Anatomofisiologia Contemporânea, a Psicologia, a
Neurologia, a Neuroquímica, a Neurocirurgia e outras ciências
associadas concebem o cérebro como um sistema complexo composto
de partes separadas (unidades ou blocos – LURIA, 1964), cuja atividade
sincronizada, plural e harmoniosa permite ao ser humano receber
informação do mundo exterior, criar uma autoimagem subjetiva da
realidade objetiva, predizer e antecipar o futuro, avaliar os resultados
das suas ações e regular e ajustar os seus comportamentos.
Vejamos em seguida os sistemas básicos, ou seja, as três unidades
funcionais fundamentais nas quais o trabalho do cérebro se edifica e
nas quais, evidentemente, baseamos o nosso trabalho experimental de
observação psicomotora.

2.2. As três unidades funcionais do cérebro

Os processos mentais humanos são, em Luria (1973), sistemas


funcionais complexos, que não podem ser concebidos como processos
localizados em zonas restritas e limitadas do cérebro. Embora decorram
no seu interior por meio da participação de grupos de estruturas
cerebrais que trabalham conjuntamente e harmoniosamente, a
dinâmica do trabalho reúne uma pluralização ou uma cofunção dos
componentes, cada um deles realizando a sua contribuição particular
para a organização global desse mesmo sistema funcional.
O cérebro humano é composto, segundo Luria, por unidades
funcionais básicas, cada uma delas possuindo uma função particular e
peculiar, no todo, que constitui a atividade mental humana nas suas
múltiplas e variadas formas.
Segundo dados concretos da patologia cerebral humana, há
condições suficientemente seguras para distinguir três unidades
fundamentais, cuja participação é necessária a qualquer tipo de
atividade mental, quer no movimento voluntário e na elaboração
práxica e psicomotora, quer na produção da linguagem falada ou
escrita.
De uma forma esquemática, as três unidades podem ser descritas
da seguinte forma:

— primeira unidade funcional, para regular o tônus cortical e a


função de vigilância;

— segunda unidade fundamental, para obter, captar, processar e


armazenar informação vinda do mundo exterior;
— terceira unidade fundamental, para programar, regular e verificar
a atividade mental.

A atividade mental do ser humano em geral e a sua atividade


consciente em particular têm lugar a partir da participação conjunta
das três unidades funcionais fundamentais, cada uma delas com a sua
função no processo mental total, realizando a sua contribuição
particular para a sua materialização em termos de comportamento
humano.
Cada uma das três unidades funcionais básicas apresenta uma
estrutura hierarquizada e consiste em, pelo menos, três zonas corticais,
organizadas verticalmente uma sobre as outras:

— a primeira, de projeção: recebe e emite os impulsos para a


periferia;

— a segunda, de projeção-associação: processa a informação


integrada e prepara os programas;

— a terceira, de sobreposição: organiza as formas mais complexas


de atividade, exigindo a participação conjunta de muitas áreas
corticais, razão pela qual é a última estrutura a desenvolver-se em
termos filogenéticos e ontogenéticos.

O modelo de Luria, esquematicamente apresentado, baseia-se


igualmente em dados evolutivos, onde os novos níveis de
complexidade se sobrepõem em unidades funcionais individualizadas.
O seu modelo sustenta a organização e a integração de tais
unidades funcionais fundamentais em um único sistema mais
complexo.
As totalidades em um dado nível tornam-se partes de um nível mais
elevado de organização e de integração, edificando-se, assim, novos
sistemas, novas propriedades e nova atividade, que não podem ser
concebidas senão como funções de uma nova organização.
Como propõe Milner (1976), o ser humano também possui:

— medula espinal, como os pré-vertebrados;


— bulbo e protuberância, como os répteis;

— mesencéfalo, como os mamíferos;

— diencéfalo e telencéfalo, como os primatas.

No ser humano, a diferenciação estrutural de unidades funcionais


atinge graus de progressiva organização.
Comecemos, portanto, por abordar a organização estrutural e as
propriedades intrafuncionais de cada uma das três unidades básicas.

2.2.1. Primeira unidade


— de regulação tônica, de alerta e dos estados mentais

Para se desenvolver adequadamente qualquer atividade humana, o


estado de alerta e de vigilância (atenção) é fundamental.
Só em condições mínimas de alerta e de vigília, é possível receber e
integrar informação intracorporal e extracorporal. A condição de alerta,
que exige a mobilização de um certo tônus e de uma certa energia
cortical, é essencial para ativação dos sistemas seletivos de conexão,
sem os quais nenhuma atividade mental pode ser processada, mantida
ou organizada, nem corrigida ou recorrigida eficazmente.
A atenção seletiva não ocorre no sono, ou seja, não ocorre no
estado não vigilante. Alguma atividade que se possa registrar (sonho,
sonambulismo, mioclonias etc.) nunca pode atingir o caráter seletivo.
Em tais condições, a orientação e a direção da atividade mental é
difusa e desorganizada.
A clássica alternância vigilância-sono, governada por síntese
protéica que liberta serotonina e inibe a formação reticulada, é uma
manifestação superior e vital da atividade cortical. Não se sabe ao certo
por que se dorme, sabe-se que os invertebrados não dormem, pois não
dispõem de reguladores rítmicos complexos como os vertebrados.
Embora o sono seja fundamental para se operarem câmbios químicos
microestruturais e regenerarem-se e restaurarem-se circuitos
energéticos de comunicação sináptica, não restam dúvidas de que
nenhuma atividade consciente se pode dar nessas condições, visto que
se observa uma suspensão natural da consciência. (SARNAT e NETSKY,
1981)
A atividade intencional, e é essa que nos interessa abordar, exige a
manutenção de um certo nível de tônus cortical, de uma certa
modulação de tensão, de uma certa excitabilidade ideal (PAVLOV), para
que a atividade normal se desencadeie de forma organizada. Essa
excitabilidade, interrompida com o sono e despertada com a vigilância,
é permanentemente mobilizada em termos neurodinâmicos, quando o
ser humano realiza uma atividade consciencializada.
A função de alerta reclama a integração e a modulação de
estímulos, de forma que se possa selecionar o relevante do irrelevante,
estruturando-se na mobilização de processos neurológicos de
facilitação e inibição, que são imprescindíveis à atividade ou à mudança
de atividade.
Antes de qualquer atividade, é essencial que se verifique uma
otimização neurodinâmica, uma dinamogenia, uma certa capacidade
de mobilização e regulação energética físico-seletiva e preparatória
(PAILLARD, 1963), sem a qual é impossível organizar a atividade
mental, quer em termos psicomotores, quer simbólicos.
Luria aborda o problema do tônus cortical não se referindo ao
tônus postural, que é inseparável daquele, como demonstraram as
experiências de Magoun e Moruzzi (1949) e os vários trabalhos de
Wallon (1932 e 1950), Sherrington (1946), Ajuriaguerra (1953, 1964 e
1974), Stambak (1936) e tantos outros.
O que Luria quer evocar, e esse é um dado essencial, é que um
certo nível tônico cortical é indispensável a qualquer atividade mental,
da mesma forma que um certo nível tônicopostural é indispensável à
preparação de qualquer movimento voluntário.
Em termos anatômicos, quais são, então, as partes que controlam
essa função básica da atividade mental e humana?
Luria começa por afirmar que as estruturas que mantêm e regulam
o tônus cortical não se encontram no córtex. Tais estruturas estão
situadas no plano inferior, no subcórtex e no tronco cerebral. Tratam-se
de estruturas com um grande passado filogenético e com uma dupla
relação com o córtex, ambas influenciando o seu tônus, e elas próprias
experimentando a sua influência reguladora.
Figura 2.3. – A 1ª unidade de regulação tônica.
Magoun e Moruzzi (1949), Lindsley (1961), Pribram (1967 e 1971),
focados por Luria, demonstraram que existe uma formação nervosa no
cérebro que está especialmente adaptada, pela estrutura morfológica e
pelas propriedades funcionais que possui, para atuar como centro de
regulação do estado do córtex cerebral, mudando e alternando, ou
melhor, modulando o seu tônus e mantendo o estado de vigilância.
Trata-se da formação reticulada.
Diferente do córtex, essa formação não se compõe de neurônios
isolados com grandes axiônios; pelo contrário, compreende uma
complexa rede nervosa (nerve net), ao longo da qual se encontram
espalhadas e distribuídas as células nervosas conectadas entre si por
pequenos axiônios.
Ao contrário do córtex, a formação reticulada não trabalha segundo
a lei do tudo ou do nada, a sua excitação espalha-se por toda a rede,
originando, não uma transmissão rápida e específica, mas uma gradual
mudança do nível de excitabilidade, do tipo passo a passo, mais
consentânea com a modulação do estado global do cérebro.
Algumas fibras dessa formação são ascendentes e terminam nos
centros superiores: tálamo, núcleos caudados, arquicórtex e neocórtex.
Outras são descendentes, vão no sentido oposto, partem dos centros
superiores do neocórtex e do arquicórtex e dirigem-se para as
estruturas inferiores do mesencéfalo, do hipotálamo e do tronco
cerebral.
O sistema reticular de ativação ascendente (SRAA), que integra a
formação reticulada, o tálamo e o hipotálamo, é um subcircuito
funcional de grande importância, pois, além de funções de alerta,
desempenha funções de referência cortical e subcortical que participam
na elaboração da consciência e na regulação da atitude e da atenção.
Segundo Cobb (1956) e Magoun (1967), este circuito reticulado
inter-relaciona-se com outros subcircuitos de grande importância
funcional: o sistema centroencefálico (PIENFIELD, 1952) e o sistema
límbico, que exercem funções de regulação emocional e de
memorização de grande complexidade.
Todos esses sistemas estão estruturados segundo o princípio de
organização hierarquizada de todo o sistema nervoso e, por isso, estão
sujeitos às influências dos centros neocorticais superiores. É de notar
que estes subcircuitos funcionais só emergem durante o
desenvolvimento. Eles surgem em um momento dado e debaixo de
condições de maturação específica.
A integração sensorial, o controle fino das relações sensório-
motoras, a regulação econômica e harmoniosa de toda a atividade
mental, a interdependência dos circuitos corticais e subcorticais põem
em jogo toda urna organização cortical interna, em que participa a
primeira unidade funcional.
O sistema reticular descendente, também extremamente
importante, embora Luria não se refira tanto a ele, está mais ligado à
manutenção do tônus corporal por meio do sistema gama,
participando na regulação da atitude postural, integrando reaferência
proprioceptivas, vestibulares e cerebelosas de grande relevância para a
elaboração do movimento voluntário, como iremos ver adiante.

Figura 2.4. – A – Fibras ascendentes (ver setas) partem


dos centros inferiores do arquicórtex. B – Fibras
descendentes (ver setas) partem dos centros superiores
do neocórtex.
A formação reticulada, ainda hoje não suficientemente conhecida,
compreende o sistema funcional, organizado verticalmente e
autorregulado, que está na base da primeira unidade funcional
fundamental do modelo humano.
A sua regulação e modulação, dependente dos centros neocorticais
e frontais, apresenta uma grande plasticidade adaptativa, pois é ela
que estabelece a relação entre as condições do envolvimento interno
(intracorporal) e as condições do envolvimento externo (extracorporal).
Foram necessários vários anos para estudar essa estrutura tão
profundamente localizada no cérebro. Embora mais antiga em termos
filogenéticos, foi menos estudada que o córtex por razões de
acessibilidade e de atitude investigativa.
Nos nossos dias, porém, não podemos separar os centros superiores
(neocorticais) dos centros inferiores (protocorticais e paleocorticais), na
medida em que, como afirma Herrik (1956), “o córtex cerebral nunca
trabalha independentemente das estruturas mais primitivas de onde
derivou”.
A formação reticulada é, efetivamente, como Magoun (1963)
denominou, o cérebro acordado (Walking Brain), e já Bremer (1935)
designara-a como cérebro isolado, porque não só regula a atenção
seletiva da atividade consciente mas também assegura, no estado de
sono, a regulação de todas as funções vitais do ser humano, pois se
trata do subsistema orientado internamente e intracorporalmente, cuja
herança apresenta sólidos alicerces filogenéticos.
Em suma, compreende uma área integrativa, que combina e
coordena toda a informação sensorial com a informação motora,
informação que é utilizada para o controle de muitos dos movimentos
involuntários. (SAGE, 1976)
Está localizada no tronco cerebral e funciona como uma espécie de
cérebro da atividade automática do ser humano, na medida em que as
funções gastrointestinal, respiratória, cardiovascular, postural e
locomotora são por ela mediadas.
Centros de controle, centros de automatismos vitais, centros de
regulação e centros de orientação e reorientação gravítica estão aqui
concentrados, verdadeiros servomecanismos que mantêm a operação
de acordo com programas predeterminados e que caracterizam a
herança biológica humana.
A primeira unidade funcional de Luria, em certa medida,
corresponde ao cérebro reptiliano de LcLean (1978), já focado quando
abordamos o modelo estrutural de Browm (1977).
O cérebro reptiliano, de acordo com o seu proponente, “constitui o
cérebro mais antigo que inclui as estruturas responsáveis pelos
comportamentos mais elementares, mas também mais vitais, como os
que medeiam a regulação das funções biológicas e as funções do sono,
vigilância, atenção e alerta”. Está também envolvido, de acordo com o
mesmo autor, nas respostas reflexas, que, como sabemos, sofrem uma
hierarquização progressiva dos invertebrados aos vertebrados e, dentro
destes, dos peixes ao homem. (FONSECA, 1982)
Voltando a Luria (1973), a formação reticulada modela a
excitabilidade, afina e precisa a sensibilidade, diminui o impulso
absoluto e diferencial da sensação (LINDSLEY, 1960) etc., exercendo,
portanto, um efeito modulador da ativação geral no córtex.
É, por conseguinte, um centro poderoso de manutenção do tônus
cortical e um mecanismo energético e protoquinético imprescindível de
regulação do estado funcional do cérebro, fator esse determinante em
qualquer atividade mental superior.
A sua lesão implica uma queda do tônus cortical, com sincronização
em nível do eletroencefalograma (EEG), apresentando uma espécie de
sono prolongado, semelhante algumas vezes ao coma, como
demonstrou Lindsley (1949).
Segundo Bourret e Louis (1983), a formação reticulada é uma vasta
formação de substância cinzenta, que vai do diencéfalo à medula,
ricamente interconectada, polissináptica, que lhe permite ter um papel
essencial de transmissão da informação do influxo nervoso, exercendo,
por esse fato, atividades muito complexas de facilitação e de inibição,
daí estar ligada a centros superiores e inferiores, assegurando a difusão
e a integração sensorial por todas as zonas corticais.
A formação reticulada pertence ao rombencéfalo, centro esse
caracterizado por neurônios multimodais, multissinápticos e
inespecíficos, onde a condução é aberta e difusa, com os seus
dendrites pequenos, e, por isso mesmo, aptos à captação de qualquer
tipo de mensagem sensorial ou motora.
Em todos os vertebrados, sem exceção, a formação reticulada
produz uma atividade básica do sistema nervoso, atividade essa já
enunciada por Ramon y Cajal (1909).
Segundo Sarnat e Netsky (1981), é a característica das conexões
multissinápticas inespecíficas e indiferenciadas que garante à formação
reticulada uma adaptabilidade e uma plasticidade de condução dos
múltiplos impulsos. Por esse fato, explica-se por que é que aquela
formação primitiva persiste ao longo da filogênese.
Não se trata de um sistema de condução rápida e específica como
os sistemas corticais, que são específicos. Pelo contrário, a sua função
inespecífica permite-lhe assegurar funções vitais em baixo nível
energético, poupando e modulando fontes energéticas para outros
propósitos, realizando, dessa forma, uma função integrativa de grande
relevo, dada a multiplicidade e a convergência de informação que aí
acorre.
Brodal (1957) e Scheibel (1958) não advogam esta concepção de
inespecificidade da formação reticulada; segundo eles, essa formação
apresenta funções específicas e diferenciadas, embora em caso algum
possam ser identificadas com funções análogas às funções primárias
dos órgãos sensoriais (LURIA, 1973). Para aqueles autores, a formação
reticulada tem também uma organização topográfica e um conjunto
básico de formas de ativação.
A ativação, por exemplo, exige fontes de energia, transformação
essa que é transferida para a primeira unidade funcional, por meio de
três fontes dinamogênicas: fonte metabólica, fonte do reflexo de
orientação e, por último, fonte da linguagem. Está aqui, no dizer de
Luria, a especificidade da não especificidade da formação reticulada.
A fonte metabólica compreende toda economia interna que
garante o equilíbrio interno do organismo, isto é, a homeostasia e as
suas formas mais simples, como a respiração, a digestão, a circulação
etc., reguladas fundamentalmente pelo hipotálamo.
O bulbo, o mesencéfalo e o hipotálamo garantem no homem e no
animal estas formas vitais de sobrevivência. Estão aqui programados
geneticamente os padrões instintivos e os reflexos incondicionados,
como memória e herança da espécie.
A procura da comida, o comportamento sexual e o complexo das
respostas primitivas são aqui engendradas e geridas com o fim de
satisfazerem as necessidades e restabelecerem a economia interna do
corpo.
No homem e no animal, para satisfazer estas formas complexas de
comportamento, é necessário que a formação reticulada ative
seletivamente os centros superiores, que, por sua vez, vão ser
responsáveis pelo desencadear de padrões de atividade que dependem
do mesencéfalo, do diencéfalo e de sistema límbico.
Na maioria dos vertebrados, muitos processos de facilitação e
inibição já estão organizados pelo arquicórtex e pelas estruturas do
tronco cerebral no momento do nascimento.
A fonte do reflexo de orientação tem uma origem diferente, pois
compreende a entrada dos estímulos que nascem do espaço
intracorporal.
Como sabemos, o ser humano está mergulhado em um mundo que
constantemente emite informação; informação essa tão importante
como a fonte metabólica orgânica, na medida em que joga com o
metabolismo cortical.
A privação sensorial no homem ou no animal deixa rastros no
desenvolvimento do cérebro, como provaram as investigações de Hebb
(1955) e de outros neurobiólogos.
A privação sensorial no ser humano pode levar a regressões no
comportamento e a alucinações de várias ordens (SCHILDER, 1968).
Sem um mínimo de integração sensorial, as formas de ativação tônico-
cortical não se observam, e o cérebro ficará naturalmente coibido de
realizar as suas funções psicológicas superiores.
As sensações advindas do mundo envolvente são energias que
estimulam ou ativam as células nervosas e iniciam os processos
neurológicos básicos. Para que tal se observe, é indispensável que o
cérebro, por meio da formação reticulada, realize a integração dessas
fontes energéticas, integração que envolve uma convergência e uma
organização de várias partes em um todo.
O cérebro, e preferencialmente a formação reticulada, organiza
inúmeras fontes de informação sensorial em um todo integral, que
reflete, por assim dizer, a própria experiência. (AYRES, 1979)
O ser humano, por outro lado, vive em um envolvimento em
permanente mudança, e essas mudanças, segundo Luria, requerem
também um certo grau de alerta e de vigilância.
O aumento e a modulação da vigilância é uma condição de
sobrevivência em muitas situações. A preparação para o inesperado e o
imprevisível é uma condição de sobrevivência no nosso planeta vivo.
O organismo tem de ser mobilizado para possíveis surpresas e para
situações inéditas.
A este estado de vigilância, de alerta e de atenção, Pavlov chamou
reflexo de orientação, componente fundamental da atividade
investigativa, que é intrínseco a qualquer forma superior de atividade.
Com experiência em animais, Moruzii e Magoun (1949), Lindsley
(1949) e Sokolov (1958) e muitos outros demonstraram que o reflexo
de orientação resulta do trabalho conjunto e da ação conjugada entre
a formação reticulada, o sistema límbico e o núcleo talâmico
inespecífico, cuja significação filogenética é realçada por Herrick
(1948), sugerindo que a organização de atividades mais complexas nos
animais implicou a transformação do núcleo diencefálico inespecífico
em um núcleo talâmico mais diferenciado.
A adaptação e a superação de situações inesperadas requer, de
fato, uma grande mobilidade energética, que só é compatível com uma
grande modificação tônica, que obviamente está intrincada na
elaboração de respostas adaptativas, onde a participação da primeira
unidade funcional é indispensável. Sem uma modulação tônica, nem a
atividade mental nem a atividade corporal que lhe dá suporte podem
desenvolver-se.
A preparação da ação ou de qualquer resposta adaptativa exige a
mobilização de uma tensão ideal, quer em nível da atividade
neurológica mental, quer igualmente em nível da atividade motora ou
postural. Assim como a consistência dos músculos é fundamental para
manter as articulações em posições determinadas e necessárias para a
ação (SHERRINGTON, 1906), também um certo tônus cortical é
determinante para a organização interna que preside às atividades
psíquicas superiores. (LURIA, 1973)
Cada resposta a uma nova situação requer comparação do novo
estímulo com o anterior, comparação essa decisiva para a elaboração
da resposta, quer no homem, quer no animal, razão pela qual o
processo de habituação é a chave para a compreensão do reflexo de
orientação.
Qualquer mecanismo de orientação, para Luria (1973), exige
mecanismos de memória concomitantes, pois será da análise entre
ambos que emergirá a ativação global do córtex.
São, segundo o mesmo autor, os neurônios do hipocampo e dos
núcleos caudados que realizam a função de comparação, que, uma vez
mais, pede atenção, seleção, análise, concentração etc.
Entramos em uma espécie de processamento da informação, em
uma percepção difusa, ou melhor, em um esboço de percepção, visto
que a percepção seletiva mais complexa vai ter lugar nos centros
superiores da segunda unidade funcional fundamental.
Perante os estímulos, dá-se uma integração que joga com uma
grande modulação, ora facilitando, ora inibindo estímulos, de acordo
com as necessidades dos centros de programação.
De acordo com estas propriedades funcionais, Luria confere à
formação reticulada um papel muito importante na motivação e na
aprendizagem. Não é por acaso que a sua conexão em rede, com todos
os sistemas sensoriais e com muitos motoneurônios, permite-lhe
participar no processamento e na integração das atividades sensório-
motoras.
Em síntese, a formação reticulada exerce uma função vital de
modulação de todos os estados do córtex, estados que estão
associados aos reflexos de orientação, daí a sua evolução de
incondicionados a condicionados, daí também a complexidade e a
variedade dos “reflexos psíquicos” (LEONTIEV, 1959), que
compreendem a progressiva construção de uma imagem subjetiva da
realidade objetiva.
É com base nesta integração complexa de impulsos trazidos ao
cérebro, quer no próprio corpo, quer no envolvimento, que as
ativações bioquímicas se desencadeiam no seio da formação reticulada,
estabelecendo as relações de comunicação necessárias, que vão
transformar as sensações em significações.
E este poder de integração da formação reticulada e das suas
variadas conexões com os centros superiores que provavelmente
transforma as múltiplas sensações vindas de várias modalidades
sensoriais em uma percepção.
A última fonte de ativação, e certamente a mais complexa, é a
fonte da linguagem, que compreende as intenções, os planos e as
previsões formadas durante a vida consciente do indivíduo.
As intenções formuladas com base em uma motivação social e
resultantes da linguagem definem um fim e um objetivo a atingir. O
prosseguimento desse fim evoca um programa de ação, que se
desenrola com base na manutenção de uma certa energia regulada
pela formação reticulada. Novos esforços de mobilização serão
recrutados até atingir o objetivo determinado, tal é, em certa medida, o
percurso da espécie humana e da própria criança.
Estamos também aqui, segundo Luria, perante um princípio vertical
de construção de sistemas funcionais do cérebro, só que agora de
sentido inverso.
Os sistemas descendentes corticais vão exercer funções de
regulação como nos centros inferiores, daí que os sistemas funcionais
corticais tenham de recrutar os sistemas funcionais da formação
reticulada.
Os novos sistemas (neocórtex) apelam aos velhos sistemas
(protocórtex e paleocórtex) para concretizar os seus projetos. Esse
princípio de grande importância confirma-se em todas as atividades
psíquicas superiores.
As vias corticorreticulares, por exemplo, facilitam a emergência de
reflexos espinais que modificam a excitabilidade dos músculos por meio
da ativação do sistema gama da formação reticulada, sem o qual o
movimento não atinge harmonia e melodia quinestésica. (LURIA, 1973)
A maioria destas vias corticorreticulares vem de zonas corticais
primárias e secundárias, mas as mais influentes, segundo Luria, são as
que vêm da região frontal do córtex.
As vias descendentes vêm de zonas pré-frontais para o núcleo
talâmico e para o tronco cerebral, formando um sistema por meio do
qual os centros superiores recrutam os sistemas funcionais subcorticais
e subtalâmicos, adotando o princípio da organização vertical inverso
que caracteriza a atividade consciente humana.
As lesões nessa zona não causam agnosias ou apraxias, mas
distúrbios gerais no comportamento. As percepções não se alteram, e a
fala não perde propriedades fonéticas; todavia, surgem estados gerais
de astenia, fatigabilidade, bradicinesia, lentidão, indiferença,
ansiedade, desintegração afetiva etc.
São comuns, nesses casos, as perturbações da memória, da
consciência, da emoção, da orientação, da identificação, a
desorientação espacial-temporal, a fragmentação da experiência, as
confabulações e a perda de seletividade nos processos mentais. (LURIA,
HONSKAYA, BLINKOV e CRITCHLEY, 1967)
As lesões do hipocampo e das zonas circunvizinhas (circuito de
Papez) alteram as funções da memória, que em si refletem o
abaixamento do tônus cortical. Tais lesões tendem a provocar a
síndrome de Korsakov e outras perturbações associadas, como
provaram os trabalhos de Penfield e Milner (1958).
A rechamada das informações, a recoleção dos dados, a
sequencialização e a evocação estruturada e pormenorizada de
estímulos surgem, nestes casos, significativamente afetadas,
subsistindo uma espécie de inércia patológica na evocação dos
estímulos; daí também a tendência à perseverança de ações, de
palavras e frases.
Em conclusão, os sistemas da primeira unidade funcional
fundamental do cérebro não só mantêm o tônus cortical (e o tônus
corporal) mas também experimentam as influências superiores do
córtex.
Efetivamente, a primeira unidade funcional do cérebro trabalha em
íntima relação e em colaboração estreita com os sistemas superiores
corticais em todas as manifestações da atividade consciente do ser
humano, quer se trate da programação de ações voluntárias, quer se
trate de processos de decodificação e de codificação simbólica.

2.2.2. Segunda unidade


— de recepção, análise e armazenamento da informação

A primeira unidade funcional que acabamos de abordar tem o


caráter da não especificidade, pois compreende uma rede nervosa que
realiza uma função de modificação gradual do estado da atividade
cerebral sem ter qualquer relação direta com a recepção ou o
processamento da informação externa, ou ainda com a formação de
intenções, planos e programas de comportamento.
A primeira unidade funcional, localizada no tronco cerebral, no
diencéfalo e nas regiões médias do córtex, difere da segunda unidade,
cuja função fundamental é a recepção, a análise e o armazenamento
da informação.
Essa unidade funcional está localizada nas regiões posteriores e
laterais no neocórtex, que representa a convexidade superficial dos
hemisférios cerebrais. (LURIA, 1973, 1980)

Figura 2.5. – A segunda unidade de integração gnósica.


Nas divisões posteriores e laterais dos hemisférios cerebrais, estão
projetadas as superfícies de recepção dos órgãos sensoriais ligados ao
mundo exterior, isto é, a visão, a audição e o tato (sensação cutânea), e
as superfícies dos órgãos do movimento (sentido quinestésico ou o
“analisador motor” de Pavlov).
A segunda unidade funcional fundamental ocupa,
consequentemente, as seguintes zonas nucleares (ou aéreas) de
integração complexa e diferenciada de estímulos:

— região occiptal (áreas 17, 18 e 19 de Brodmann), que projeta as


funções do analisador visual;
— região temporal superior (áreas 41, 42 e 22), que projeta as
funções do analisador auditivo;

— região pós-central parietal (áreas 3, 1 e 2), que projeta o


analisador tátil-quinestésico (cutaneous-kinesthetic analyser).

A sua estrutura histológica não é já uma rede contínua de nervos,


mas sim composta de infinitos neurônios isolados, que trabalham
segundo a lei do tudo ou nada, isto é, em condições perfeitamente
distintas das da primeira unidade funcional.
As suas propriedades funcionais estão adaptadas à recepção ou à
captação dos estímulos que circulam no cérebro, depois de serem
recebidos nos receptores periféricos (“analisadores sensoriais” – LURIA,
1980). Daqui são transmitidos a vários centros de subprocessamento
até a sua análise, em um grande número de elementos componentes e,
em seguida, combinados em estruturas funcionais dinâmicas, isto é,
até a sua síntese em sistemas funcionais globais. (LURIA, 1973)
Trata-se de uma unidade altamente específica em termos de
modalidade sensorial, cujas zonas nucleares componentes estão
adaptadas para receber informações visuais, auditivas, vestibulares e
tátil-quinestésicas. Incorpora também, como unidade funcional, os
sentidos do gosto e do olfato, embora no ser humano, e em termos
filogenéticos, não ocupem tanta importância como as anteriores em
termos de representação central. (FONSECA, 1982)
É uma unidade funcional especialmente estruturada para a
recepção de sistemas exteroceptivos superiores, recebendo estímulos
dos “objetos” a distância.
A organização estrutural desta unidade funcional compreende áreas
primárias, também designadas por áreas de projeção, que consistem
fundamentalmente de neurônios aferentes da camada IV (HUBEL e
WIESEL, 1963). As áreas primárias ocupam uma posição central nessas
zonas nucleares e aí encontram-se organizadas por colunas verticais,
em uma espécie de módulos e cristais (MOUNTCASTLE, 1978),
formando unidades repetidas e geometricamente definidas, que se
expandem perifericamente (áreas secundárias) até se sobreporem (áreas
terciárias, segundo Polyakov, 1966).
Figura 2.6. – Esquema de diferenciação das áreas
primárias, secundárias e terciárias nos insetívoros (A), nos
carnívoros (B) e nos primatas e no homem (C)
(POLYAKOV).
A elevada diferenciação das células nervosas dessa unidade
funcional, a julgar pela sua imagem citoarquitetural, conserva a sua
especificidade informática: por isso, e quase que virtualmente, as
células que respondem ao som não podem ser encontradas no córtex
visual primário, assim como não é possível encontrar células que
respondem aos estímulos visuais no córtex auditivo.
Cada zona nuclear responde de acordo com as suas propriedades
peculiares de projeção sensorial, abrangendo territórios específicos de
células específicas que organizam informação de forma específica.
À não especificidade da primeira unidade funcional, corresponde
uma hipercomplexa especificidade (projeção somatotópica) das áreas
primárias da segunda unidade funcional; e, para prová-lo, estão as
inúmeras observações clínicas de Luria em pacientes com lesões em
diferentes campos dos núcleos corticais de cada analisador sensorial,
bem como as experiências de estimulação elétrica levadas a efeito por
Penfield e Jaspers (1954).
Figura 2.7. – Esquemas de complexidade
interneurossensorial estão na base da encefalização, que
resulta de projeções e relações corticossubcorticais das
áreas primárias, secundárias e terciárias, com as quais o
movimento intencional se constrói, elabora e regula.
A organização das áreas primárias, ditas de projeção, obedece a
pontos somatotópicos bem demarcados, não em termos de imagem de
espelho, mas em termos de importância fisiológica e de representação
mental.
Assim, a fóvea da retina acusa nesse ponto maior acuidade visual,
da mesma forma que a integração tátil-quinestésica mais fina se
implanta nos dedos e na mão. É pelo menos claro e óbvio que as zonas
nucleares sensoriais da segunda unidade são altamente especializadas,
capazes de processarem diferenciações sensoriais mínimas para
exatamente garantirem uma percepção integrada, seletiva e complexa.
Pavlov designou estas zonas nucleares como os prolongamentos
corticais finais dos diferentes analisadores (cortical ends of separate
analyzers).
As áreas primárias da segunda unidade funcional representam a
base de organização dessa unidade, pois são rodeadas e envolvidas por
zonas corticais secundárias, as quais Luria designou de áreas gnósicas.
A estimulação elétrica das áreas primárias em pacientes origina
apenas fragmentos, pedaços, contorno ou segmento; porém, a
estimulação das secundárias leva já a alucinações, a tonalidades e a
eventos.
O cérebro dispõe nessa unidade funcional de áreas de
processamento especializado para cada modalidade sensorial,
funcionando nas áreas primárias em termos intraneurossensoriais,
passando progressivamente, à medida que as funções psicológicas se
encadeiam, a funcionar em termos interneurossensoriais nas áreas
secundárias. (FONSECA, 1984)
As áreas secundárias sobrepõem-se às primárias, ao mesmo tempo
que apresentam um menor grau de especificidade, na medida em que
incluem mais neurônios associativos com pequenos axônios,
naturalmente outorgando a combinação da informação para formar
padrões funcionais mais complexos.
O refinamento perceptivo toma assim lugar, por meio de uma
hierarquia estrutural, em que as áreas secundárias representam as
primárias em uma organização funcional coerente. (JACKSON, 1822)
Trata-se de um padrão reduplicativo, que tem efeito em uma
melhor coordenação funcional e, consequentemente, em uma
organização mais complexa de novos sistemas funcionais. (MILNER,
1976)
As áreas secundárias integram maior número de aferências
subcorticais vindas do núcleo pulvinar do tálamo, ao mesmo tempo em
que atingem mais zonas corticais, que lhes permitem, obviamente,
realizar um processo mais complexo de atividade coordenada.
A característica intraestrutural dessa unidade funcional apresenta
uma organização horizontal por camadas, cada uma delas distinta das
outras pelas suas características celulares. Este padrão de camadas
múltiplas obedece ao princípio de hierarquização estrutural de Jackson,
de tal forma que cada camada representa a imediatamente inferior.
Cada camada tem, de acordo com Ruch e Fulton (1960), uma história
filogenética e embriológica: trata-se de seis camadas cujo crescimento
obedece à organização vertical de baixo para cima, isto é, da camada
VI à camada I, sendo aquela a que representa os níveis subcorticais e
esta a que representa todas as camadas abaixo de si.
Estamos, assim, perante uma sobreposição funcional, onde as
camadas supragranulares VI, V e IV, de origem filogenética,
consubstanciam a herança mamífera do córtex humano, enquanto as
camadas III, II e I são de origem ontogenética e exclusivamente
humanas.
Este padrão por camadas sobrepostas permite não só antever o
desenvolvimento neurológico global como compreender o processo de
organização da segunda unidade funcional do cérebro, desde as áreas
primárias até as secundárias e, por último, até as áreas de sobreposição
terciárias, que permitiriam o acesso aos órgãos corticais funcionais de
que fala Leontiev (1959), e que são necessários para desenvolver as
funções superiores específicas.

Figura 2.8. – A hierarquização estrutural das seis


camadas obedece a uma organização vertical de baixo
para cima que ilustra o desenvolvimento ontogenético.
Esta disposição por camadas lança tentadoras hipóteses para a
compreensão do desenvolvimento psicomotor e do desenvolvimento
cognitivo da criança: as camadas inferiores, mais relacionadas com os
sistemas sensório-motores; as intermédias, com os sistemas perceptivo-
motores e operacionais; as superiores, com as funções simbólicas e
cognitivas mais estruturadas.
Compreendemos agora, para de novo retormar Luria (1973 e
1980), que a camada IV assume uma função analítica mais
intraneurossensorial, porque tem células nervosas com longos axônios,
enquanto a III e a II asseguram as funções interneurossensoriais por
possuírem células com pequenos axiônios e, por isso, mais
predisponentes a funções de associação e combinação, resultando,
consequentemente, em uma função de síntese.
A dinâmica desses sistemas, só possível sob o efeito do tônus
cortical fornecido pela primeira unidade fundamental, inclui igualmente
a função de armazenamento de “curtotermo” e de “longo termo”,
condição imprescindível à compreensão e à elaboração de qualquer
atividade psíquica superior.
Em toda a segunda unidade funcional, confirmam-se uma estrutura
hierarquizada e uma organização vertical, justificando a organização
vertical e horizontal proposta já por Conel (1967).
Recorrendo às suas palavras,

o estudo cuidadoso não revelou nenhum contato entre as fibras exógenas


e os dendrites dos neurônios ou mesmo entre fibras. Os arranjos dos
dendrites apicais, as fibras exógenas verticais e as fibras subcorticais
associativas, tangenciais e horizontais por todo o córtex, são,
efetivamente, a manifestação estrutural de alguma função. As relações
em ângulo reto não conectadas entre os elementos verticais e horizontais
por todo o córtex sugerem um campo eletromagnético. As fibras
exógenas são, sem dúvida, axônios que transmitem impulsos. A ausência
de ramos colaterais e terminais e a ausência de contato entre uma fibra e
outra, ou entre fibras e dendrites, sugere que há uma transmissão elétrica
ou eletrônica de impulsos no córtex em adição às sinapses axodendríticas
e axossomáticas.

Esta espantosa organização celular permite perceber como o córtex


envia e recebe impulsos, como as áreas primárias (específicas e
unimodais) comunicam com as secundárias (associativas e bimodais) e
essas com as terciárias (áreas associativas multimodais das áreas
associativas).
Todas as áreas corticais posterolaterais da segunda unidade
funcional são organizadas de acordo com o princípio da organização
hierárquica proposto por Jackson nos fins do século XIX.
A segunda unidade funcional é, seguramente, o grande sistema de
recepção (input), de análise, de armazenamento da informação vinda
do mundo exterior (extracorporal) e do mundo interior (intracorporal),
reunindo um mecanismo sensorial específico dos processos gnósicos
(instrumentos perceptivos – LURIA, 1964).
Como sabemos, e Luria refere-o sistematicamente, a atividade
gnósica humana é um sistema funcional complexo, não apenas
dependente de uma única modalidade sensorial, mas resultando de
uma construção dinâmica e complexa, como é a percepção. A
percepção humana resulta de uma realidade que se constrói na mente
humana por meio de representações de objetos em que
necessariamente está envolvida uma atividade polimodal coordenada.
A percepção, orginalmente difusa e expansiva, torna-se finalmente
concentrada e condensada em uma construção seletiva e estruturada,
logo dependente de um trabalho combinado, intersensorial e complexo
das áreas secundárias da segunda unidade funcional.
As áreas terciárias dessa unidade funcional são zonas de
sobreposição, de recomplemento, que contêm centros de cotrabalho
dos vários analisadores sensoriais. São zonas de fronteira do córtex
occipital, temporal e parietal, a maioria das quais formada na região
parietal inferior, região que, no ser humano, atingiu um salto quântico
de expansão, ocupando, segundo Luria, cerca de um quarto da área da
segunda unidade funcional.
As áreas terciárias constituem verdadeiras formações corticais
(LURIA, 1979) associadas às formas mais complexas de integração da
atividade conjunta dos analisadores visuais, auditivos e tátil-
quinestésicos, daí que a sua lesão ou estimulação não produza efeitos
significativos nas funções específicas dos analisadores.
Flechsig denominou essa área como o centro associativo posterior e
como específico da espécie humana, centro esse quase composto de
células associativas das camadas II e III e, por isso, responsáveis pelas
funções de integração das informações vindas de diferentes
analisadores sensoriais. A sua composição de neurônios multimodais e
multilateralizados com propriedades de combinação e equivalência
sensorial (extremamente complexas) incluem as áreas 5, 7, 39 e 40 de
Brodmann, a área 21 (zona temporal) e as áreas 37 e 39 da região
temporal-occipital.
Cabe a estas áreas terciárias uma organização espacial dos
estímulos sucessivos em grupos de processamento simultâneo,
envolvendo sequencialização e simultaneidade da informação que é
resultada no caráter sintético da percepção. (LURIA, 1970)
Nessas zonas, procede-se à integração da informação, não só direta
mas também simbólica, por meio de processos de transdução e
transição como os que se verificam nas estruturas espaço-temporais
mais complexas da leitura (FONSECA, 1984) ou nas operações
aritméticas e abstratas.
Funciona como um complexo centro de conversão, de equivalência
e de interação funcional dos vários analisadores, o que proporciona
rapidamente a evolução de processos concretos e abstratos e vice-
versa, transdução garantida por esquemas internos de memorização de
experiências organizadas e que subentendem complexos subsistemas
de recepção, decodificação, codificação e armazenamento plurimodal,
operando em constelações de trabalho, a que correspondem as
funções mentais mais elevadas.
Três leis básicas fundamentais presidem à organização estrutural das
áreas da segunda unidade funcional:

— a lei da estrutura hierárquica das zonas corticais;

— a lei da diminuição progressiva da especificidade sensorial;

— a lei da progressiva lateralização das funções.

A lei da estrutura hierárquica das zonas corticais confirma que as


relações entre as áreas primárias, secundárias e terciárias aumentam de
complexidade nos processos de síntese, demonstrando uma
hierarquização funcional, que se reflete inclusive na filogênese e na
ontogênese.
A formação adequada das áreas secundárias só tem lugar depois da
formação das áreas primárias, que se traduzem exatamente no seu
material de construção. Da mesma forma, o trabalho das áreas
terciárias só pode ser atingido depois da maturação das estruturas
gnósicas que as alimentam. Daí a hierarquia da experiência, desde a
sensação à conceitualização, passando pela percepção, a imagem e a
simbolização. (FONSECA, 1984)
A hierarquização funcional subentende a complexidade da
comunicação e da interação das diferentes áreas ou centros de
trabalho até se atingirem os verdadeiros objetos mentais
(CHANGEAUX, 1983), isto é, a síntese cognitiva.
Essa hierarquização está igualmente patente na ontogênese dos
processos psíquicos, na medida em que a síntese cognitiva só pode ser
atingida na criança depois de nela se terem integrado sínteses
perceptivas diferenciadas; sínteses essas que resultam, por sua vez, de
processos ou “esquemas sensório-motores” mais elementares. (PIAGET,
1964 e 1973; KILLEN, 1975; e MYKLEBUST, 1975 e 1978)
Fica compreensível agora a implicação das lesões cerebrais na
criança, na medida em que, se elas ocorrem nas áreas primárias,
tendem a repercutir no desenvolvimento incompleto das áreas corticais
superiores, dado que as relações e as interações se dão, segundo
Vygotsky (1960), de baixo para cima. Está provavelmente nessa
perspectiva a compreensão dos problemas das crianças com
dificuldades de aprendizagem, quer se trate de severas ou moderadas,
quer ligeiras ou específicas.
Em contrapartida, as lesões no adulto têm efeitos diferentes, na
medida em que as funções já se encontram formadas, e, por esse fato,
as funções terciárias assumem a dominância das secundárias e das
primárias. As secundárias estão subordinadas às terciárias, objetivando-
se aqui, mais uma vez, o princípio da dominância hierárquica, que
consiste, no fundo, em afirmar que, à medida que novas estruturas são
adicionadas, elas passam a assumir progressivamente uma dominância
funcional. Tal dominância funcional exerce-se também das áreas
terciárias para as secundárias, independentemente de serem as últimas
áreas a desenvolver-se ontogeneticamente. Da mesma forma, a
segunda unidade funcional, embora leve mais tempo a evoluir, exerce
influência dominante sobre a primeira unidade e ficará mais tarde
dependente da terceira unidade funcional.
O adulto, representante de uma certa cultura, codifica o mundo em
sistemas lógicos e adapta-os a certos esquemas e, por isso, a evolução
é vertical. Da criança para o adulto, a evolução envolve a hierarquia das
áreas primárias às secundárias e às terciárias; para o idoso adulto, a
involução vai das terciárias às secundárias e, finalmente, às primárias.
A evolução das estruturas sugere uma hierarquia do mais simples
ao mais complexo, mas dialeticamente parte do mais organizado
(filogeneticamente) ao menos organizado (ontogeneticamente),
dialética que se repete em termos de gerontologia, pois aqui as últimas
aprendizagens são certamente as primeiras a desintegrarem-se.
(OPPENHEIM, 1981; e LEVINSON, 1978)
De novo, confirma-se a hipótese de Vygotsky (1970): no último
estágio da ontogênese, a linha de interação fundamental é inversa, vai
de cima para baixo.
Reconceitualizando o pensamento de Wallon (1963 e 1966) na
criança, a transição vai do ato ao pensamento; no adulto, vai do
pensamento ao ato. No primeiro caso, o cérebro trabalha na
dependência de centros superiores (de baixo para cima); no segundo
caso, o cérebro trabalha na dependência de centros inferiores (de cima
para baixo).
É segundo este princípio hierarquizado de trabalho, no qual o
cérebro, na sua totalidade, integra-se, que a segunda área funcional se
organiza estruturalmente. Trata-se de um “plano único e geral” do
cérebro, também no qual a segunda unidade se dimensiona como que
seguindo diferentes voltas de uma mesma espiral ascendente.
As zonas nucleares individualizadas visuais, auditivas e tátil-
quinestésicas submetêmse ao princípio geral da dominância
hierárquica, princípio que, em si, ilustra a sua forma de trabalho e de
organização.
A lei da diminuição progressiva da especificidade revela-nos os
fatores de transição estrutural e funcional que se observam das áreas
primárias às terciárias.
As áreas primárias são altamente específicas (interneurossensoriais)
em termos de modalidade sensorial, quer no córtex visual e auditivo,
quer no córtex tátil-quinestésico, e, por isso têm uma grande
quantidade de neurônios altamente diferenciados.
As áreas secundárias possuem essa especificidade, mas em um nível
mais baixo; já não se trata de áreas exclusivas de projeção, mas sim de
projeção-associação (POLIAKOV, 1966), cuja função gnósica
(interneurossensorial) as caracteriza. Daí também certas mudanças
estruturais nas células nervosas, que apresentam axiônios mais curtos,
sugerindo obviamente interações multimodais: visório-auditivas,
auditivo-visuais, visório-tátil-quinestésicas, auditivo-tátil-quinestésicas,
tátil-quinestésico-visuais etc. (FONSECA, 1984)
As áreas secundárias são designadas por Luria (1973 e 1980) por
áreas de conversão da projeção somatotópica em organização
funcional. Para exercer essas funções, as células das áreas secundárias
vão perdendo a sua especifidade para assumirem progressivamente
funções de correspondência funcional, cuja transição, no fundo, é
crucial para a evolução da civilização, pois o acesso ao símbolo decorre
desta capacidade de substituição e de conversão das informações
sensoriais como verdadeiras re-representações da experiência
(JACKSON, 1822), cuja origem socio-histórica é inegável.
Ao perder-se a especificidade sensorial e ao evoluir-se das funções
intraneurossensoriais para funções interneurossensoriais, a transição de
áreas primárias para secundárias, e dessas para terciárias, leva,
consequentemente, a uma integração extremamente mais complexa.
As cadeias de projeção, projeção-associação e de associação-associação
transformam-se em verdadeiros órgão funcionais capazes de produzir
funções superiores únicas e peculiares do ser humano, como as que
estão contidas na “criação” do símbolo.
As áreas terciárias ou as áreas de intercepção e de sobreposição,
fins últimos dos analisadores periféricos sensoriais, constituem-se como
sistemas complexos combinados e transmodais, cuja transformação em
sistemas de síntese espacial simultânea está na base da criação do
primeiro sistema simbólico, segundo Pavlov.
A hierarquia equivale, portanto, a uma transformação inespecífica
mais complexa, daí o salto para a generalização e a conceitualização,
cuja importância antropológica é incomensurável.
A segunda unidade funcional decodifica a informação sensorial em
informação simbólica e vice-versa. A simples projeção de um estímulo
visual (grafema) leva a uma integração e a uma reflexão integrada mais
global e mais abstrata do mundo exterior (leitura).
As áreas secundárias e terciárias, embora menos específicas,
realizam funções de nível mais complexo, independentemente de não
terem relações diretas com a periferia. É esta característica de
independência que garante o acesso às funções psíquicas superiores e
a propriedades funcionais nunca atingidas pelo animal.
A dialética da evolução é mais uma vez verificada por esta
peculiaridade do cérebro humano, a perda da especificidade traduziu-
se no ganho de um maior poder de organização e de integração.
A organização das áreas primárias em áreas secundárias e dessas
em áreas terciárias permitiu atingir novas propriedades de integração
cuja transformação foi de enorme importância para o ser humano e
para a sua história.
Os processos gnósicos cada vez mais diferenciados foram
permitindo, progressivamente, o conhecimento, o controle e a
transformação do mundo envolvente. Os processos gnósicos deram
lugar aos processos cognitivos, de um órgão da ação e da percepção, o
cérebro transformou-se no órgão da civilização.
A lei da progressiva lateralização das funções prolonga, de alguma
forma, os princípios de organização que abordamos na lei da
diminuição da especificidade. Assim, no hemisfério esquerdo e no
hemisfério direito, as áreas primárias não apresentam qualquer
diferença estrutural e exatamente por esse fato realizam as mesmas
funções (LURIA, 1973). Em ambos os hemisfério, as áreas de projeção
das superfícies receptoras são contralaterais e idênticas, podendo
afirmar-se que as áreas primárias não estão sujeitas à lateralização
progressiva das funções.
Algo se passa de muito distinto quanto às áreas secundárias, e
fundamentalmente nas áreas terciárias, que são as mais lateralizadas.
A dominância cerebral (especialização hemisférica) no ser humano
está obviamente relacionada com a evolução do trabalho humano.
Segundo Annett (1981), as preferências entre as extremidades
apresentam as mesmas diferenças entre os animais e os seres humanos,
só que subsistem proporções muito diferentes a privilegiar nitidamente
a lateralidade manual direita humana em 60% e a do animal em 25%.
A superioridade da lateralidade mista no animal suporta a ideia de
que esses realizam as suas tarefas de adaptação ora à direita, ora à
esquerda, parecendo justificar que nos animais subsistem
essencialmente áreas primárias.
Seguindo o mesmo autor, no ser humano, a preferência pela
lateralidade manual direita é superior à mista em 33%, e essa é
superior à manual esquerda em 26%.
Que querem dizer essas incidências em termos de filogênese da
lateralidade? Em primeiro lugar, que o peso dos fatores genéticos é
variável dos animais aos humanos. Em segundo lugar, que a influência
dos fatores evolutivos antropológicos e bioculturais, como a caça, a
produção e a utilização de instrumentos, a guerra, a evolução
tecnológica, essencialmente a invenção de códigos de comunicação e a
linguagem, marca a sua influência determinante quanto à preferência
manual e à coordenação bimanual. Em terceiro lugar, que a
lateralidade pode ser causada por diferenças acidentais que ocorrem no
desenvolvimento embriológico dos dois lados do corpo e, por esse fato,
pode surgir como resultado do acaso.
O fato de a distribuição humana pender para a direita reflete uma
influência sistemática de algo mais importante que a teoria do acaso,
que leva os seres humanos a uma especialização hemisférica, induzindo
a uma realização de tarefas mais eficazmente por cada um dos lados
do cérebro: o hemisfério direito mais eficaz no processamento de
padrões espaciais e rítmicos; o hemisfério esquerdo mais eficaz no
processamento de padrões verbais e lógicos.
Os dois hemisférios não fazem exatamente as mesmas coisas nem
sequer fazem-nas da mesma forma ou com a mesma estratégia.
Não se trata de hemisférios-cópia tampouco de hemisfério em
espelho. Não se pode sequer conceitualizar em termos de dominante-
subordinado. (ZANGWILL, 1975)
A especialização hemisférica é o resultado da maturação adequada
do cérebro e o produto socio-histórico da sua atividade psíquica
superior, que abrange fundamentalmente as áreas secundárias e
terciárias.
Ter uma preferência manual direita na civilização tem a ver com o
trabalho, que surgiu nos estágios mais precoces da história humana,
em que a cooperação bimanual e a destralidade são indispensáveis.
Mais tarde, surge a linguagem, que está na origem da lateralização
das funções, algo que não ocorre nos animais, mas que, no ser
humano, revolucionou a organização funcional do seu cérebro, isto é,
(re)organizou-o de forma ainda mais complexa.
A patologia do hemisfério esquerdo e a do hemisfério direito
confirmam, sem margem para dúvidas, a progressiva lateralização das
funções psíquicas superiores.
A síndrome afásica é dominante na patologia do hemisfério
esquerdo e a síndrome da “negligência espacial” é dominante na
patologia do hemisfério direito.
Os dois hemisférios realizam um diálogo cruzado e uma cofunção
muito comple xa (GAZZANIGA, 1974, GESCHWIND, 1968; SPERRY,
1970; ZANGWILL, 1960; FONSECA, 1984). As suas atividades psíquicas
superiores sugerem, conforme assegura Luria (1973), um novo
princípio de organização funcional no córtex cerebral.
O hemisfério esquerdo passa a assumir um papel determinante na
organização da fala e dos processos cognitivos conectados com a
linguagem, como, por exemplo, a percepção organizada em esquemas
lógicos, a memória verbal ativa, o pensamento lógico, a categorização
etc.
O hemisfério direito assume o papel preponderante no pensamento
espacial, na orientação visório-perceptiva, na memória não verbal etc.
É exatamente nas áreas secundárias e terciárias que se dão as
condições para uma lateralização progressiva, por estarem exatamente
predisponentes a processos de organização multissensorial, que
culminam na codificação da informação; codificação essa realizada por
meio da linguagem.
As áreas secundárias e terciárias realizam funções intra-hemisféricas
e interhemisféricas de grande complexidade (FONSECA, 1984), inibem-
se e organizam-se reciprocamente, otimizando os seus centros de
trabalho em uma ação conjunta sem paralelo no universo.
A grande diferença de organização cerebral entre os dois
hemisférios permite acesso à assimetria funcional e à especialização
hemisférica, sem a qual o ser humano não atingiria o domínio do
envolvimento.
A hemisfericidade individual está submetida a uma hemisfericidade
cultural, dando lugar ao conceito de que o cérebro trabalha de formas
diferentes durante o processo de aquisição da aprendizagem.
Em qualquer momento de aprendizagem, o hemisfério direito
(pictorial-espacial) atua primeiro e mais rápido, como que captando
holisticamente a informação, transferindo progressivamente o
tratamento dessa informação para o hemisfério esquerdo (verbal-
linguístico).
Filogenética e ontogeneticamente, a progressiva lateralização das
funções obedece à progressiva organização interna de processos de
informação mais complexos.
De acordo com o estímulo, de acordo com a tarefa e de acordo
com a maturação, cada um dos hemisfério põe em jogo as suas
estratégias cognitivas diferenciadas.
Em resumo, a segunda unidade funcional, que compreende funções
de recepção, codificação e armazenamento da informação, está
localizada nas divisões posteriores dos hemisférios e incorpora o lóbulo
occipital (visão), o lóbulo parietal (tátil-quinestésico) e o lóbulo
temporal (audição).
A sua organização é hierarquizada e subdividida em zonas
nucleares primárias (projetivas, recebendo aferências dos analisadores
específicos), secundárias (projetivo-associativas responsáveis pela
codificação e síntese, convertendo a informação sensorial somatotópica
em sistemas funcionais) e terciárias (associativas, responsáveis pelo
cotrabalho dos vários analisadores de sistemas supramodais –
simbólicos – básicos para as atividades gnósicas e cognitivas).
Tais zonas hierarquicamente organizadas desenvolvem-se no
sentido de uma progressiva diminuição de especificidade sensorial e de
uma progressiva lateralização funcional. Tal condição, inerente a toda a
atividade cognitiva humana, está ligada, na sua origem, com o trabalho
(praxis) e é estruturada com a participação da linguagem.

2.2.3. Terceira unidade de programação


— regulação e verificação da atividade

A recepção, a codificação e o armazenamento da informação


constituem um dos comportamentos essenciais de todo e qualquer
processo cognitivo, e esse corresponde à função da segunda unidade
funcional.
O outro aspecto do processo cognitivo envolve a organização da
atividade consciente, função essa que implica a terceira unidade
funcional fundamental no modelo de organização cerebral de Luria
(1973, 1980).
A terceira unidade funcional é, portanto, responsável por
programação, regulação e verificação da atividade e está localizada nas
regiões anteriores do córtex, exatamente à frente do sulco central,
formando os lóbulos frontais.

Figura 2.9. – Terceira unidade de planificação motora.


A terceira unidade inclui a região pré-central e a região frontal,
regiões essas compostas e estruturadas de forma distinta das da
segunda unidade posterior.
Nela há de se destacar a região pré-central, designada desde Fritsch
e Hitzig (1870) como a zona motora do córtex, a que corresponde a
área 4 de Brodmann e de onde partem as células piramidais de Betz
(áreas primárias frontais), e mais anteriormente as zonas prémotoras,
ou psicomotoras em Chailey Bert (1980), a que correspondem as áreas
6 e 8 (áreas secundárias frontais).
As características estruturais e funcionais dessas zonas sugerem
conexões muito estreitas com as zonas subcorticais, zonas essas que,
por essa característica, assemelham-se mais com as áreas posteriores,
no entanto, distintas pela sua função de coordenação e preparação das
atividades dirigidas para um fim.
A área 4 apresenta fundamentalmente células piramidais gigantes
especialmente implantadas na camada V, sendo nela pouco relevante a
camada IV, daí a sua relação com o sistema piramidal (ideocinético),
que regula os movimentos voluntários desde os motoneurônios
superiores até os medulares, apresentando condições especiais de
condução rápida desde o córtex até a periferia. Por esse fato, apresenta
um alto grau de diferenciação motora, até o nível muscular
individualizado (o “homúnculo invertido” de Penfield e Rasmussen,
1950).

Figura 2.10. – Áreas motoras e sensitivo-motoras no


homem têm uma maturação psiconeurológica gêmea.
A área 6 tem como principal função a realização e a automatização
dos movimentos coordenados mais complexos, aqueles que se
desenrolam em um certo período de tempo e que exigem a atividade
conjunta de vários grupos musculares. A sua citoarquitetura é
caracterizada pela ausência de células de Betz e composta por células
piramidais mais pequenas, profundamente localizadas na camada III. As
suas conexões com os núcleos subcorticais constituem uma parte
importante dos sistemas parapiramidais e extrapiramidais
(teleocinéticos), que, em contraste com o sistema piramidal, atingem os
motoneurônios terminais, por meio de uma série de estações e centros
subcorticais.
A área 8, nos quais os movimentos dos olhos estão representados e
de onde partem igualmente conexões do sistema extrapiramidal,
compreende uma divisão secundária do córtex motor, a que está
adstrita a função de coordenação dos movimentos dos olhos durante a
fixação da atenção, bem como todas as manipulações de objetos que
exijam controle visual.
Os campos desta terceira unidade fundamental, ou seja, as regiões
motora e prémotora, formam, segundo Luria, um complexo
quinestésico único no córtex (single kinesthetic complex in the cortex),
ao mesmo tempo em que possuem um sistema aferente de projeção e
associação com todas as outras regiões do córtex e do subcórtex. Este
complexo único é certamente responsável pelos sistemas de
retroalimentação e da reaferência dos sistemas extrapiramidais corticais
e subcorticais, e igualmente dos sistemas cerebelo-córticocerebelosos,
cuja função subentende os múltiplos sistemas e subsistemas de
programação, regulação e verificação da atividades humana.
O ser humano dispõe, assim, da capacidade de reagir ativamente à
informação recebida e, simultaneamente, da capacidade de criar
intenções, formar planos e estratégias e programar as suas ações,
inspecionando a sua realização e, consequentemente, regulando o seu
comportamento de forma que esteja de acordo com os fins para que
foi estruturado e organizado.
Depois de regular a ação, o ser humano necessita verificar a sua
atividade consciente, comparar os efeitos das suas ações com as
intenções originais e corrigir qualquer erro que tivesse sido cometido,
reprogramando tudo de novo como se se tratasse de um processo em
espiral.
Todos esses processos requerem, evidentemente, diferentes
sistemas cerebrais, abrangendo as unidades funcionais anteriormente
analisadas, bem como os complexos sistemas aferentes e eferentes,
centrípetos e centrífugos em retroalimentação permanente, em
analogia com um hipercomplexo servomecanismo.
São exatamente estas estruturas neuronais especiais encarregadas
da regulação da atividade consciente que constituem a terceira unidade
funcional, cuja estrutura efetivadora principal se concentra no córtex
motor (“os cornos anteriores do cérebro”, segundo Bernstein, 1967).
A construção dos movimentos que são enviados para a periferia
exige uma preparação de componentes postural-motores e tônico-
posturais que devem ser incorporados em programas de ação. Só
depois da preparação, os comandos podem ser enviados pela área 4 e
originar os movimentos necessários.
A programação e a planificação, como vimos atrás, está a cargo das
áreas 6 e 8, áreas suplementares do córtex motor, verdadeiras áreas
secundárias que antecipam o movimento, planificando sub-rotinas
motoras indispensáveis. A esse fenômeno, Pribam (1966) chamou de
antecipação ativa, como estrutura orientadora da ação consciente.
As experiências de Kornhuber (1974) sobre este fenômeno de
antecipação do movimento voluntário consciente readiness potential
demonstram que as áreas 6 e 8 entram em atividade muito antes da
área 4, ilustrando um tipo de relação semelhante à do pianista com o
piano.
Efetivamente, a função de comando voluntário gera descargas
neuronais que mobilizam os inúmeros recursos bilaterais que vão ser
necessários à ação propriamente dita. Não se trata apenas do
envolvimento do hemisfério dominante (ECCLES, 1977), mas sim de
um imenso sistema de associação onde entram em jogo as fibras do
corpo caloso e a incontável rede internacional de circuitos
corticossubcorticais que programam os movimentos.
A esse propósito, Bernstein (1967) reafirma que qualquer
movimento se organiza para responder a um fim e daí a natural
necessidade da programação e regulação antecipada da ação, onde
obviamente a participação da linguagem está incluída.
O jogo comando-controle-ação está na origem do pensamento
reflexivo, que se situa exatamente na antecipação do fim a atingir.
(FONSECA, 1977 e 1982)
A ação por um lado (área 4) e a coordenação por outro (áreas 6 e 8)
constituem as duas unidades dialéticas e funcionais da terceira unidade
funcional no modelo luriano.
A coordenação de movimentos é uma organização de ações
motoras em função de um objetivo antecipado, o que pressupõe uma
inter-relação de consciência e ação.
É dentro deste conjunto de relações de ordem que se concebe um
plano; plano esse que inclui complicados comandos eferentes e
complexas reaferências do tipo cibernético (FONSECA, 1977), ou seja,
uma complicada análise e uma diferenciada atividade integrativa.
(LURIA, 1980)
As subdivisões entre as áreas motoras e as áreas pré-motoras
(psicomotoras) foi o resultado filogenético de uma progressiva
diferenciação estrutural que permitiu ao ser humano dispor de um
maior e mais versátil repertório de movimentos coordenados e
corticalizados.
As áreas pré-motoras responsáveis pela programação contêm,
essencialmente, células das camadas I e II e substância cinzenta
extracelular, composta de elementos dendríticos e de células gliais,
certamente reunindo funções integrativas muito complexas.
Bonin (1948) evocou que a percentagem desta massa cinzenta nas
áreas pré-motoras cresceu rapidamente durante a evolução, sendo no
ser humano duas vezes superior a do primata.
O desenvolvimento da motricidade humana e a sua perfeição está
associado com a formação de áreas terciárias do córtex frontal. Estes
campos ocupam, segundo Luria (1980), cerca de um quarto de toda a
superfície do córtex e pertencem às divisões filogenéticas mais recentes
do neocórtex. Ao neocórtex corresponde, efetivamente, uma
neomotricidade (neoquinética).
Talvez estejam aqui os fundamentos da motricidade humana, ou
melhor, as bases psiconeurológicas da Psicomotricidade, cujo enfoque
não se esgota apenas nas funções de execução ou expressão, mas
simultaneamente nas funções que programam, regulam, verificam e
integram a motricidade.
Do primata ao ser humano, assiste-se a um progressivo controle dos
impulsos gerados pelas células piramidais gigantes. Esse controle
traduz-se em sistemas complexos que têm uma base estrutural distinta
na substância cinzenta extracelular e nas células gliais. Cabe a essas
estruturas, provavelmente, a conservação de engramas motores e
padrões de movimento, que alimentam a área 4 para atuar como
verdadeiro aparelho efetor do córtex.

Figura 2.11. – O movimento requer a participação do


córtex de associação (ASSN CX), do cerebelo lateral
(CBM lar.), do tálamo ventral anterior e externo (VA
VLTHAL), que, respectivamente, contribuem com a noção
do corpo e a estrutura espaço-temporal, com a
equilibração e com a lateralização. As setas evocam as
múltiplas interações da cibernética psicomotora.
A área motora (área 4), ao atuar como efetivadora, necessita
recolher muita informação aferente, condição essa indispensável à
programação da ação, programação que é aberta e plástica e não fixa
ou imutável.
Como função aberta (BERNSTEIN, 1967), a programação tem de
conter reaferências e recorrências, isto é, tem de abrigar uma maior
síntese dos vários mecanismos neuronais relacionados com o controle
do movimento voluntário, quer em nível das estruturas cerebelosas e
das estruturas dos gânglios da base, quer ainda em nível das áreas
associativas do lóbulo parietal, como demonstraram os estudos de
Allen e Tsukahara (1974) e Mountcastle (1975).
A área motora (área 4) dispara os comandos muito depois de se
darem interações entre áreas secundárias frontais (áreas 6 e 8) e áreas
secundárias parietais (áreas 5 e 7). O movimento humano contém em si
duas bases dialeticamente complementares: a planificação e a
execução.
É interessante notar que as áreas secundárias frontais estão
também estruturadas hierarquicamente, embora em analogia com as
áreas secundárias posteriores (sentido vertical ascendente). Da mesma
forma, repete-se nessas áreas o princípio da perda progressiva da
especificidade.
As áreas primárias frontais (área 4) são altamente diferenciadas
pelas suas características de projeção somatotópica, as áreas
secundárias menos específicas, enquanto as áreas terciárias,
constituídas só por células granulares, não apresentam ramificações
projetivas descendentes. Nessas áreas, são elicitados grupos
sistemáticos de movimentos organizados e determinadas cinergias
complexas. A formulação de Jackson continua válida cem anos depois
– “os lóbulos frontais são as partes mais elevadas e menos
diferenciadas do córtex humano”.
A terceira unidade funcional obedece aos mesmos princípios
estruturais que a segunda unidade, quer quanto à hierarquização, quer
quanto à diminuição da especificidade, porém distintas funcionalmente
e no sentido da sua organização vertical.
Na segunda unidade, que governa as funções de recepção, isto é,
os sistemas sensoriais-aferentes, o sentido de organização vertical é
ascendente, por isso, parte das primárias às secundárias e atinge por
último as terciárias. Na terceira unidade, que governa as funções de
expressão, isto é, os sistemas motores-eferentes, o sentido de
organização vertical é descendente e, por isso, faz parte das terciárias
às secundárias, e, por último, atinge as primárias, de onde parte o
comando desde o motoneurônio superior até o inferior e desse
diretamente aos músculos.
A terceira unidade constitui-se como unidade efetivadora
privilegiada do córtex, mas embora sendo efetiva, ela está em interação
constante com a unidade receptora posterior. O papel dos sistemas
aferentes na construção dos movimentos é, portanto, decisivo; sem
eles, o movimento não se adapta às condições e aos efeitos que o
objetivam.
As ações humanas como as dos animais são deliberadas, isto é,
dirigidas para certos fins específicos. No animal, as ações são
determinadas por necessidades biológicas, enquanto no ser humano
são guiadas pela consciência, por intenções e por motivações
individuais e sociais complexas.
Mas, para manter essa intenção, é necessário:

— programar, em primeiro lugar, o comportamento, ou seja,


estabelecer uma relação inteligível entre a ação e a situação (relação
essa normalmente formulada pela linguagem exterior ou interior),
fixar a finalidade na memória e dirigir o decurso da ação;

— analisar, posteriormente, os efeitos e relacioná-los com as


intenções iniciais.

Se os efeitos satisfizerem as intenções, os tônus cortical e postural


baixam e a atividade cessa. Se os efeitos não concordarem com as
intenções, os tônus cortical e corporal aumentam para continuar a
ação até atingir o objetivo previsto.
É dentro desse contexto que Anokhine (1975) introduz o
mecanismo receptor da ação (action aceptor), que, segundo ele,
exemplifica o aspecto de autorregulação do comportamento humano
que estamos abordando.
Em síntese, a realização do movimento voluntário envolve um
projeto e um plano conscientizado, que resulta de uma imaginação
interior (ROLAND, 1981), onde a informação acerca das partes do
corpo a mover, a direção dos movimentos, a sua natureza balística e o
número de movimentos isolados devem ser armazenados em uma
memória prévia. Esta memória prévia de dados corporais
(intracorporais) deve interagir em termos de programa interior com os
dados espaciais (extracorporais), ao mesmo tempo que tem de integrar
uma sequencialização e uma ordenação temporal de comandos
motores.
É dentro dessa linha que Ajuriaguerra e Hecaen (1952) introduzem
as noções de somatograma (informação de dados do corpo dada pelo
lóbulo parietal) e opticograma (informações dos dados especiais dadas
pelo lóbulo occipital).
O papel principal das áreas secundárias da terceira unidade
funcional de Luria é jogado pelas áreas pré-motoras (psicomotoras) da
região frontal, que demonstram, efetivamente, um papel integrativo na
organização do movimento.
As experiências de estimulação elétrica no córtex pré-frontal,
efetuadas por McCullock (1943) e Pribram (1966), provaram também a
estrita conexão dessa área com pontos muito distantes em outras áreas
posteriores, nomeadamente no lóbulo parietal (áreas 5 e 7 de
Brodmann).
Todos esses dados provam, segundo Luria, que as área pré-motoras
do cérebro humano são estruturas extremamente conectadas com o
córtex aferente, córtex esse que se encontra bastante afastado de si
próprio, confirmando a íntima relação dialética entre as várias unidades
funcionais e a inseparabilidade cortical das áreas sensoriais.
O córtex pré-motor pode ser concebido como uma área secundária
do cérebro e, por esse fato, ser considerado como um centro de
organização com respeito ao movimento, em analogia com as áreas
secundárias posteriores, que codificam informações somatotópicas em
sistemas e subsistemas de organização funcional.
O córtex pré-motor traduz os dados aferentes e integra-os em sub-
rotinas programadas, operando, por essa via, um complexo processo
de elaboração e organização de sistemas funcionais. A prová-lo, estão
a intensa atividade sináptica aferente e a intensa atividade sináptica
intrínseca dessa área, não correspondendo, como seria de admitir, a
uma intensa atividade aferente, como provaram os interessantes
trabalhos de Kennedy (1976), Mata (1980) e colaboradores.
O córtex frontal granular, assim chamado por não conter células
piramidais, reine as áreas terciárias do córtex frontal, cuja função
decisiva e preferencial subentende a formação de intenções e de
programas e, paralelamente, as funções de regulação e verificação das
atividades humanas mais complexas.
Trata-se, segundo Damásio (1979), de um sistema extremamente
rico de conexões, estabelecendo contato (superior e inferior) com
quase todo o córtex, parecendo demonstrar que o seu centro de
decisão fundamental precisa estar em permanente contato com todas
as fontes de informação.
Só assim se pode aceitar que as ações conscientes humanas
reclamem estados de atenção seletiva permanente, que obviamente
requerem mobilizações energéticas significativas. Esta propriedade de
regulação que antecede a decisão reclama a síntese de todos os
impulsos aferentes oriundos de todas as partes do cérebro,
especialmente das áreas posteriores (segunda unidade).
Com base nessa síntese, a elaboração interna dos impulsos
eferentes é então processada.
O cérebro transforma, assim, intenção, volições e a própria
linguagem em comando motores.
Outras conexões ligam estas áreas terciárias da terceira unidade
funcional à primeira unidade funcional, especialmente à formação
reticulada e ao sistema nervoso automático, que têm a finalidade de
carregar tonicamente essa unidade a fim de que ela possa realizar o
seu trabalho adequadamente.
As conexões com a segunda unidade funcional encarregam-se de
fornecer os dados extracorporais, enquanto as conexões com a
primeira unidade funcional fornecem os dados intracorporais, além de
fornecerem os dispositivos de modulação e de atenção, que são
indispensáveis à adequação dinâmica dos planos que são formados no
córtex frontal.
Muitas das funções inibidoras e vigilantes frontais atuam por meio
destas conexões subcorticais e subtalâmicas, emprestando à ação a
unidade e a coerência funcional que fazem dela a forma privilegiada de
materializar a consciência.
Outras conexões do córtex frontal envolvem as funções da
linguagem (instruções verbais) e as funções associativas, onde estão
enraizadas as funções cognitivas superiores: formação de conceito,
organização de dados e sua sequencialização lógica e estratégias
perceptivas complexas, observação ativa, pesquisa temática, resolução
de problemas, rechamada de informações etc.
Os lóbulos frontais são para Luria os que apresentam uma estrutura
mais intrincada em comparação com os restantes; por essa mesma
razão, também são um dos aparelhos mais recentes do córtex cerebral.
As lesões nos lóbulos frontais põem em relevo a lentidão, a falta de
seletividade e espontaneidade, a falta de avaliação dos efeitos, a
ausência da reatualização dos programas de ação na presença de
outros, a falta de iniciativa, a apatia, a perseveração motora etc.
(DAMÁSIO, 1979)
O suporte (background) do comportamento desintegra-se, e a
atividade perde o caráter de intencionalidade que lhe é próprio. Os
pacientes ouvem, veem e sentem o corpo, podem mesmo falar,
escrever e ler, não perdem sequer a memória, mas os seus
comportamentos como totalidades ficam profundamente perturbados.
Não criam nem mantêm complexos programas, não têm fins ou
propósitos a atingir e são facilmente distraídos pela presença ou por
irritações mínimas.
Luria (1969) designou esse estado de inércia patológica, que se
reveste de grande interesse para se compreender a função desta
terceira unidade funcional.
O córtex pré-frontal faz a mediação e a codificação verbal das ações
complexas, pois, por meio desse mecanismo, a linguagem interior
exerce a sua função reguladora dos estados ativo corticais, daí que a
sua maturação estrutural surja por volta dos sete anos, a que
corresponde a entrada no período da inteligência operacional em
Piaget.
É interessante referir que é exatamente mais ou menos nesse
período que se dão as primeiras aquisições de controle consciente e as
primeiras manifestações de atividade psíquica superior.
A dinâmica do desenvolvimento do córtex pré-frontal, segundo
Luria (1969), tem um primeiro salto dos 3,5 anos para os quatro e um
segundo salto dos sete para os oito anos, período certamente essencial
na ontogênese psicomotora. (FONSECA, 1985)
Em termos filogenéticos, o ser humano possui a vantagem do seu
desenvolvimento psiconeurológico com lóbulos frontais, que
representam um quarto da massa total do cérebro. Não restam dúvidas
de que os lóbulos frontais têm um papel muito importante na
organização do controle consciente do comportamento e que a sua
lesão afeta profundamente as mais altas formas de atividade
autorregulada. A terceira unidade funcional tem, portanto, funções
muito importantes na organização da atividade humana.
Em analogia com as divisões posteriores, os lóbulos frontais
também possuem um centro associativo anterior, que guia, como
superestrutura que é, todas as partes do cérebro, realizando a função
universal de regulação geral do comportamento.
A síntese dos movimentos intencionais, as estratégias de ações
sucessivas e consecutivas superiormente planificadas com complexos
códigos interiores, a avaliação seletiva das impressões do meio externo
etc. dão a aferência preliminar e iniciadora de qualquer
comportamento. (ANOKHINE, 1975)
Toda essa regulação está contida na terceira unidade funcional, que
não trata apenas de elaborar respostas ou ações, ela tem ainda em
conta a influência inversa que tem os seus efeitos, sem a qual o
processo de encefalização não seria possível.
Esta aferência de retorno ou recepção da ação (action aceptor, de
ANOKHINE) é um elemento essencial à arquitetura da ação consciente
e, consequentemente, de todas as funções específicas superiores.
É esta síntese aferente provocada pela motricidade que confere ao
cérebro o papel dinâmico da integração sensorial, que a transforma
progressivamente em Psicomotricidade.
O “receptor da ação”, de Anokhine, é uma característica dos
lóbulos frontais, pois, dessa forma, não só produzem ações mas
também realizam novas sínteses dos estímulos externos, ou seja, novas
reaferências indispensáveis à programação, desprogramação e
reprogramação de novas ações, analisando os seus efeitos, verificando
se estão de acordo ou não com as intenções que previamente os
desencadearam. Esta condição de avaliação da ação, e concomitante
correção, é básica para a organização intencional das ações.
O desenvolvimento desta terceira unidade funcional está
naturalmente, pelas razões apresentadas, associado à progressiva
corticalização das funções de programação, regulação e verificação das
atividades conscientes, funções essas inseparáveis do instrumento
fundamental da linguagem, que se tornou no “maior regulador do
comportamento humano”. (LURIA, 1969)
Esta complexa atividade cortical não atua nos movimentos reflexos
nem nos automáticos, mas sim nos movimentos voluntários, ou seja,
na presença de funções psíquicas superiores e em processos mentais
humanos, que são formados, elaborados e materializados com base na
atividade da linguagem.
O córtex frontal participa da preparação dos processos de ativação
que surgem com as formas mais complexas de atividade consciente.
Com as suas múltiplas conexões, a terceira unidade funcional
participa do estado de ativação crescente que acompanha todas as
formas de atividade consciente.
Programar, regular e verificar a atividade consciente pressupõe a
participação dos lóbulos frontais, como prova a distribuição
hiperfrontal do débito sanguíneo, quando o ser humano autocontrola
as suas ações. (CHANGEUX, 1983)

2.3. Interação entre as três unidades funcionais

Depois de abordarmos a organização intrafuncional e dinâmica de


uma das três unidades funcionais fundamentais do modelo de Luria,
vejamos agora a sua organização interfuncional na atividade mental
humana encarada como um todo.
Luria insiste que as três unidades funcionais não trabalham
isoladamente, não sendo possível encarar a percepção ou a memória
como sendo exclusivamente organizadas na segunda unidade, nem a
organização da motricidade apenas na terceira unidade.
Para a estrutura sistêmica dos processos psicológicos complexos, as
três unidades funcionais trabalham em conjunto e em integração
harmônica de forma organizada e não aleatória, daí que a sua própria
disposição espacial-vertical também tenha de ser encarada nessa
perspectiva, quer em termos filogenéticos, quer ontogenéticos.
Como Luria afirma,

é fácil ver a significação de cada um dos três sistemas do cérebro: o


primeiro mantém o tônus necessário do córtex (e do corpo); o segundo
recebe e processa a informação entrada; o terceiro atua como o
mecanismo de programação e de verificação para assegurar a natureza
intencional do comportamento.

As três unidades funcionais (ou sistemas básicos) trabalham em


conjunto; uma sem as outras não funciona convenientemente. Trata-se
de um sistema de comunicação e de uma inter-relação dinâmica em
que a mudança ou a organização de uma unidade interfere com a
mudança ou a organização das outras unidades.
Têm como sistemas plásticos uma evolução diferenciada no tempo:
a primeira unidade entra em atividade já no desenvolvimento
intrauterino e desempenha um papel decisivo no parto e nos primeiros
processos de maturação motora antigravítica e no conforto tátil-
vinculativo; a segunda unidade entra em jogo mais tarde, já em termos
do desenvolvimento extrauterino, desempenhando um papel de
transação entre o organismo e o meio, entre o espaço intracorporal e o
espaço extracorporal; a terceira unidade dependente das duas
primeiras vai atuar posteriormente, reunificando-as em termos de
planificação de condutas cada vez mais conscientizadas e
corticalizadas.
As três unidades apresentam uma atividade estruturada em termos
hierarquizados, mas dialeticamente recíproca, pondo em prática a
atividade de uma unidade em interação com as outras.
A atividade mental passa a ser compreendida com base em sistemas
funcionais concretos e em fatores dinâmicos separados, exercendo
cada um deles a sua contribuição particular na atividade mental global.
Os processos mentais apresentam substratos neurológicos
específicos, e não se trata de meros atributos ou habilidades imateriais,
mas de sistemas funcionais totais, que resultam da atividade
cooperativa das unidades funcionais, cada uma com os seus papéis
específicos, em uma espécie de constelação de centros de trabalho.
O cérebro como um sistema funcional complexo é um conjunto
dialético de outras complexidades, é uma complexidade que resulta de
outras complexidades, como funções englobantes interagindo não só
como centros isolados ou limitativos mas também como uma
“assembleia de centros” coordenados em função de necessidades e
intenções autorreguladoras.
Assim, por exemplo, para se realizar um movimento voluntário, que
traduz no fundo uma constelação psicomotora de trabalho, é
imperativo que se crie uma matriz espacial, na qual o movimento se
desenrola.
Essa necessidade, de acordo com o modelo luriano, é garantida
pela segunda unidade funcional, fundamentalmente pelas zonas
secundárias e terciárias occipitoparietais, que são, como vimos, as
terminações corticais dos analisadores visuais.
Se eventualmente essas áreas se encontrarem desintegradas ou
destruídas, o esquema espacial do movimento perde-se, e, como
consequência, o movimento não atingirá o fim previsto.
Mas, para que o movimento se desenrole adequadamente, não
basta contar com um “esquema espacial” ou com uma estruturação
espacial; é igualmente necessário contar com os impulsos constantes
que vêm dos órgãos do movimento, ou seja, as aferências
proprioceptivas, vestibulares e posturais, que indicam a posição do
corpo e a relação que ocupam as suas extremidades no espaço, sem as
quais o movimento não pode ser coordenado.
A recepção da informação, que parte dos fusos musculares, dos
músculos, dos tendões e das articulações, que é recebida no cérebro,
depois de ter sido subprocessada no cerebelo (subcérebro do
movimento), e que atinge essencialmente as zonas parietais (zonas que
Luria designa por aparelho cortical da sensibilidade músculo-articular),
é crucial à planificação do movimento.
Se estas zonas do córtex estiverem lesadas, não só se verifica uma
perda da sensibilidade da noção e da posição do corpo (somatognosia),
como se alteram os fatores de precisão e perfeição do movimento.
Mas, mesmo assim, esses dados são insuficientes para organizar os
movimentos voluntários conscientizados e controlados.
É ainda necessária a cooperação de outros centros de trabalho que
fornecem a ligação de um movimento a outro, assegurando a
formulação de um plano sucessivo de movimentos que se integram em
um padrão motor.
Essa função tem de ser exercida pelo córtex pré-motor (terceira
unidade funcional), que, por sua vez, está intimamente conectado com
as estruturas subcorticais. Se porventura essas seções estão
disfuncionais ou lesadas, torna-se mais difícil obter uma coordenação
de movimentos, surgindo apenas fragmentos motores isolados e
desintegrados; a melodia cinestésica não é, consequentemente, obtida,
e o movimento resulta dismétrico e inadequado.
A sequencialização do movimento está subordinada a um programa
correspondente, que regula a ordem dos atos motores, impedindo a
intrusão de outros atos ou sub-rotinas irrelevantes.
A formulação e o armazenamento de tal programa e a intrínseca
ligação com os concomitantes efeitos são funções do córtex frontal,
outro componente sistêmico básico do movimento voluntário. A lesão
dessa unidade funcional altera as intenções e os planos de
autorregulação, surgindo consequentemente ações acidentais e
movimentos destituídos de significação psicológica.
Por este exemplo do movimento voluntário, podemos constatar a
interação das três unidades funcionais e, ao mesmo tempo, confirmar a
complexidade sistêmica e funcional que traduzem as suas atividades
cooperacionais, as suas intrincadas combinações e as suas
coinstrumentalidades corticais, como iremos tentar demonstrar com o
nosso estudo experimental da observação de fatores psicomotores.
Estamos assim em condições de reconhecer e identificar os fatores
que estão na base das diferentes formas da atividade mental e,
simultaneamente, perceber o efeito de desintegração que cada uma
das unidades funcionais implica.
Cada forma de atividade consciente é sempre, como afirma Luria,
um sistema funcional complexo, que se desenrola e move-se de acordo
com o trabalho combinado de todas as três unidades funcionais do
cérebro, cada uma delas desempenhando a sua contribuição peculiar.
Não há mais lugar para pensar em processos mentais em termos de
faculdades isoladas suscetíveis de estarem localizadas em certas partes
do cérebro.
Não podemos visualizar o movimento voluntário com base em um
puro arco reflexo ou como o resultado da entrada em ação da massa
total do encéfalo, apenas lhe conferindo o seu caráter exclusivamente
eferente.
Não é possível discriminar, neste caso, o aspecto eferente do
movimento (output) e, do outro, o aspecto aferente da sensação ou da
percepção (input). Entre ambos os aspectos, não há noção clássica de
arco, quando muito emerge a nova noção de anel, anel que é
autorregulado, em que cada componente integra simultaneamente o
elemento eferente e aferente, em uma totalidade que consubstancia o
papel ativo e complexo de qualquer função psíquica superior.
Os dados da investigação provam que a sensação dispõe, ela
própria, de elementos motores. Nenhuma função perceptiva (portanto,
receptiva) assume o caráter integrativo de forma passiva. E o seu
caráter ativo, eminentemente ligado à motricidade, que lhe confere a
capacidade de reunir e convergir dados aferentes e eferentes, em uma
unidade funcional que é construída no cérebro e nele armazenada.
As sensações, como verdadeiras informações, são ativas na sua
natureza e, por esse fato, incorporam-se seletivamente no córtex por
meio da codificação ativa da linguagem.
A percepção de qualquer objeto (bola, por exemplo) é
polirreceptora no seu caráter. A visão, o tato, o sentido quinestésico, as
reaferências nascidas da sua utilização práxica etc. trabalham
convergentemente em termos de análise e de síntese, ao mesmo
tempo em que se estruturam e organizam por componentes motores
ativos, que implicam, consequentemente, a sua incorporação como
“objeto mental”.
Não se trata de um simples trabalho ordenador, concebendo o
cérebro como “máquina cibernética” que executa qualquer programa
que é introduzido pelos órgãos dos sentidos.
O cérebro humano constrói realidades autonomamente e
desenvolve estratégias autoorganizadas e complexas, obviamente por
meio de códigos internos, quer topológicos, quer químicos, que
reúnem inequivocamente o anel dialético dos processos transacionais
eferentes a aferentes.
O sistema visual estático é incapaz de organizar percepções; para
essa construção decisiva, é necessário movimento. A percepção está
inexoravelmente baseada no movimento, é aí que reside o papel
integrador de todo o sistema nervoso, processo ativo de procura e de
captação de qualidade e de atributos, que emprestam à sensação e à
ação a complexidade de um sistema funcional.
A percepção tem lugar por meio da ação (PIAGET, 1956:
ZAPOROZHETS e ELKONIN, 1971), mas a ação combinada das três
unidades funcionais, cuja organização e cofunção permite atingir as
mais complicadas formas de atividade psíquica superior.
Em resumo, todas as três unidades funcionais trabalham
conjuntamente por meio de processos de interação, em que cada uma
fornece a sua contribuição específica ao todo complexo da atividade
mental.
Só estudando-as na sua dinâmica peculiar e na sua pluri-interação,
podemos atingir algum conhecimento sobre a natureza dos seus
mecanismos cerebrais, quer na elaboração das funções específicas
superiores, quer ainda na organização da Psicomotricidade.
O modelo de Luria oferece, efetivamente, condições para analisar a
estrutura dos processos mentais, ao mesmo tempo que permite a
análise dos fatores e a composição interna dos processos mentais
complexos.
É dentro dessa perspectiva que tentaremos em seguida analisar a
estrutura dos processos psicomotores, ao mesmo tempo em que
iremos analisar os fatores e a composição interna dos processos
psicomotores na criança, recorrendo, para o efeito, a uma bateria
psicomotora (BPM), que resulta de uma experiência psicopedagógica
com várias centenas de casos clínicos.
A bateria psicomotora (FONSECA, 1976 e 1981) compõe-se de sete
fatores psicomotores distribuídos pelas três unidades fundamentais de
Luria (1977) da seguinte forma:

Figura 2.12. – Três unidades fundamentais de Luria.


A adaptação original do modelo psiconeurológico de Luria, que se
aplica a todas as funções mentais superiores para o campo específico
da Psicomotricidade, é o objetivo fundamental do próximo capítulo,
onde iremos apresentar os fatores e os subfatores psicomotores, além
dos fundamentos metodológicos da observação psicomotora (OPM).
Capítulo 3

FATORES PSICOMOTORES E SUA


RELAÇÃO COM AS TRÊS UNIDADES
FUNCIONAIS

3.1. Fundamentos psiconeurológicos da bateria psicomotora


(BPM)
3.2. Apresentação, administração e cotação dos fatores
psicomotores (BPM)
3.3. Aspectos gerais da observação psicomotora

3.1. Fundamentos psiconeurológicos da bateria psicomotora


(BPM)

A adaptação original do modelo psiconeurológico de Luria,


constituído essencialmente a partir de lesões em adultos, para o campo
específico da Psicomotricidade na criança, não pode ser considerada
escrupulosamente fidedigna.
O exame neurológico clássico, desenvolvido a partir fundamentalmente
de adultos com desordens neurológicas óbvias, não é devidamente
adequado para avaliar o sistema nervoso de uma criança em
desenvolvimento. (BAX, 1970)

Efetivamente, como já analisamos atrás, o cérebro da criança e o


cérebro do adulto são órgãos diferenciados. A herança neurobiológica,
expressa em forma de funcionamento e desenvolvimento, apresenta
um quadro ontogenético complexo que não pode ser identificado com
um cérebro maturo. Fazer um exame neurológico na criança com as
mesmas técnicas dos adultos não torna, segundo Bax (1970), esse
exame eficaz ou significativo.
Paralelamente, o exame psicológico clássico, com os seus testes
psicométricos, não tentou ainda valorizar as funções psiconeurológicas
que sustentam os processos verbais e não verbais (FEUERSTEIN, 1979).
Daí, portanto, a dupla dificuldade que se oferece em elaborar tal
adaptação entre a Psiconeurologia e a Psicomotricidade na criança.
Desenvolver uma nova metodologia e abordar
psiconeurologicamente a Psicomotricidade que é em si uma tarefa
difícil e complexa. A nossa tentativa vai apenas no sentido de relacionar
e justificar os vários fatores e subfatores psicomotores com as três
unidades funcionais do cérebro, segundo o modelo luriano.
Apresentar um conjunto de tarefas que sejam significativas para tal
objetivo, que não sejam totalmente desprovidas de quantificação e que
não caiam em padronizações restritas, ao mesmo tempo que permitem
a detecção qualitativa de sinais funcionais desviantes e a análise dos
fatores psiconeurológicos subjacentes, é tentar contribuir para a
compreensão dos problemas de aprendizagem e de desenvolvimento
na criança. Foi dentro deste quadro de perspectivação clínica e
psicopedagógica que nasceu a bateria psicomotora (BPM).
A BPM é um dispositivo diferente das escalas de desenvolvimento
motor. Trata-se de um instrumento baseado em um conjunto de tarefas
que permite detectar deficits funcionais (ou substanciar a sua ausência)
em termos psicomotores, cobrindo a integração sensorial e perceptiva
que se relaciona com o potencial de aprendizagem da criança. Não
estabelecemos ainda normas precisas com a BPM, mas dela retiramos
dados sistemáticos de grande interesse para a identificação qualitativa
de problemas psicomotores e de aprendizagem.
Ao longo de dez anos de experiência clínica, a BPM sofreu inúmeras
adaptações, resultando de alguma forma de muitas centenas de
observações psicopedagógicas efetuadas em crianças com problemas
de desenvolvimento, de comportamento e de aprendizagem. Tem
respondido a várias necessidades, nomeadamente na identificação de
sinais atípicos ou desviantes, na detecção de problemas de
aprendizagem e na prescrição reeducacional e reabilitacional de muitas
crianças e jovens.
Embora seguramente com muitas limitações, a BPM tem
demonstrado a sua utilidade como um instrumento de observação do
perfil psicomotor e como um dispositivo clínico que pode ajudar à
compreensão dos problemas de comportamento e de aprendizagem
evidenciados pelas crianças e pelos jovens dos 4 aos 12 anos. E um
instrumento de identificação de sinais psicomotores, e não um exame
neurológico, porque não possui informação pormenorizada para apurar
um diagnóstico neurológico específico. Não é também um instrumento
que visa substituir os exames neurológicos ou psicológicos
padronizados: trata-se de um instrumento de observação que procura
captar a personalidade psicomotora da criança (FONSECA, 1976) e, ao
mesmo tempo, o grau de integridade dos sistemas funcionais
complexos, segundo o modelo de organização cerebral apresentado
por Luria (1973 e 1980).
Como advogam Touwen e Prechtl (1970), “não há testes
neurológicos infalíveis para identificar ou indicar quando é que o
cérebro funciona normalmente ou anormalmente”. As observações das
relações entre cérebro e aprendizagem não são simples, nem estão
totalmente esclarecidas, pois convém não esquecer que se trata da
observação funcional do órgão mais complexo do organismo. As
técnicas neurológicas tradicionais, segundo os mesmos autores, são
insuficientes para detectar sinais disfuncionais nas crianças sem lesão
cerebral. No futuro, pode ser possível identificar os sinais mais
significativos do exame neurológico, mas isto não é possível no
presente, pois escapam àquele muitos fatores psicológicos e cognitivos
que não nos permitem avaliar as funções psíquicas superiores. (LURIA,
1972)
Por outro lado, a informação que se pode obter da maioria dos
exames psicométricos não é suficientemente útil para localizar
disfunções psiconeurológicas, pois os seus dados quantificativos não
proporcionam a análise da estrutura e da composição interna dos
processos mentais tampouco a análise dos fatores que os compõem.
A BPM, pelo contrário, procura analisar qualitativamente os sinais
psicomotores, comparando-os com as funções dos sistemas básicos do
cérebro, subtraindo da sua aplicação clínica, consequentemente,
significações funcionais que possam explicar o potencial de
aprendizagem da criança observada.
A BPM não se situa na observação de sensações, reflexos ou
movimentos simples, mas na observação de funções que envolvem as
três unidades fundamentais do cérebro. A designação de fatores
psicomotores é aqui equivalente à noção de funções, e, por isso, os
fatores que compõem a BPM traduzem atividades complexas
adaptativas, com contribuições específicas no todo funcional, que
compreende a atividade mental expressa na Psicomotricidade.
Os fatores psicomotores distribuídos pelas três unidades funcionais
são apresentados como circuitos dinâmicos autorregulados, construídos
segundo o princípio da organização vertical das estruturas do cérebro e
dependentes de uma hierarquização funcional, que ocorre no
desenvolvimento da criança. Os fatores psicomotores reunidos
funcionalmente compreendem uma constelação psicomotora, pois
cada um contribui particularmente para a organização global do
sistema funcional psicomotor.
Em suma, a BPM procura analisar qualitativamente a disfunção
psicomotora ou a integridade psicomotora que caracteriza a
aprendizagem da criança, tentando atingir uma compreensão
aproximada do modo como trabalha o cérebro e, simultaneamente,
dos mecanismos que constituem a base dos processos mentais da
Psicomotricidade.
Para poder levar a cabo esta qualificação da disfunção, é necessário
estabelecer uma relação detalhada entre os fatores psicomotores e as
unidades funcionais de Luria e, ao mesmo tempo, situar os sistemas
funcionais e respectivos substratos anatômicos, conforme o Quadro
3.1.
Pelo Quadro 3.1, verificamos que, a cada unidade funcional,
correspondem vários fatores psicomotores, que procuram demonstrar a
relação entre o modelo psiconeurológico de Luria e a BPM.
Assim, a primeira unidade funcional compreende a tonicidade e o
equilíbrio.

Unidade Funcional Fatores psicomotores Sistemas Substratos anatômicos


(1ª unidade) Regulação
tônica de alerta e dos
estados mentais:
Atenção. Sono. Seleção Medula. Tronco cerebral.
da informação. Cerebelo.
Tonicidade Equilibração Formação reticulada.
Regulação e ativação. Estruturas subtalâmicas e
Vigilância-tonicidade. Sistemas vestibulares e talâmicas.
Facilitação-inibição. proprioceptivos.
Modulação neurotônica.
Integração intersentorial.
(2ª unidade)
Recepção, análise e
armazenamento da
informação: Recepção,
análise e síntese
Córtex cerebral.
sensorial.
Hemisfério esquerdo e
Organização espacial e
Lateralização Noção do direito.
temporal. Simbolização Áreas associativas
corpo. Lóbulo parietal
esquemática. corticais (secundárias e
Estruturação espacial- (tátilquinestésico).
Decodificação e terciárias).
temporal Lóbulo occipital (visual).
codificação. Centro associativo Lóbulo temporal
Processamento. posterior. (auditivo).
Armazenamento.
Integração perceptiva
dos proprioceptores e
dos telerreceptores.
Elaboração gnósica.
(3ª unidade)
Programação, regulação
e verificação da
atividade: Intenções. Sistema piramidal Córtex motor.
Planificação motora. Praxia global Praxia fina ideocinético. Áreas pré- Córtex pré(psico)motor.
Elaboração práxica. frontais (áreas 6 e 8). Lóbulos frontais.
Execução. Correção. Centro associativo
Sequencialização das anterior.
operações cognitivas.

Quadro 3.1. – Relação entre os fatores psicomotores e as


unidades funcionais.

A tonicidade em Luria é equacionada com a função de alerta e de


vigilância que exige a mobilização de uma certa energia essencial à
ativação dos sistemas seletivos de conexão, sem os quais nenhuma
atividade mental pode ser processada, mantida ou organizada. A
tonicidade da BPM é definida essencialmente na sua componente
corporal, isto é, na tensão ativa em que se encontram os músculos,
quando a inervação e a vascularização estão intactas, processando a
ativação dos reflexos intrassegmentar, intersegmentar e
suprassegmentar que asseguram as acomodações adaptativas
posturais. Trata-se da estrutura básica que prepara e guia a atividade
osteomotora, controlando a modelação articular e garantindo o
ajustamento plástico e integrativo da amplitude dos movimentos. O
substrato neuroanatômico e o sistema funcional que compreende é a
formação reticulada centro integrador sensóriomotor básico,
perspectivada, quer nos seus sistemas ascendentes, quer descendentes.
A equilibração não é focada no modelo de Luria, mesmo quando se
refere à análise do movimento voluntário. Na BPM, a equilibração é
uma função determinante na construção do movimento voluntário,
condição indispensável de ajustamento postural e gravitacional, sem o
qual nenhum movimento intencional pode ser atingido. Movimento e
postura são indissociáveis, só coordenados e organizados corticalmente
se podem conceber em termos filogenéticos e ontogenéticos. De
acordo com inúmeras investigações, o centro regulador da equilibração
e o seu substrato anatômico fundamental é o cerebelo (essencialmente,
o neocerebelo, coadjuvado pelo núcleo vestibular do tronco cerebral e
igualmente por muitos outros núcleos mesencefálicos de integração
motora, postural e proprioceptiva.
Embora Luria não se refira ao fator equilibração como integrado na
primeira unidade funcional nem propriamente ao sistema cerebeloso
como um componente fundamental do cérebro, isto é, como centro de
estratégias postural-motoras, não restam dúvidas de que o cerebelo
está associado ao núcleo vestibular e ao mesencéfalo em termos
filogenéticos, e, por esse fato, estruturalmente integrado no tronco
cerebral, ao qual está fortemente conectado por complexos sistemas
interneuronais.
Em resumo, a primeira unidade funcional de Luria comporta, em
termos de fatores psicomotores da BPM, a tonicidade e a equilibração,
fatores de grande complexidade intraestrutural e com inúmeras
conexões interestruturais, ambos participando nas primeiras conquistas
antigravíticas do desenvolvimento humano e nas formas básicas de
integração sensorial. Cabe a esses dois fatores a organização
protomotora e arquimotora, pois entre ambos opera-se uma
complicada interação e cofunção, que constitui o alicerce fundamental
da organização funcional da Psicomotricidade.
A segunda unidade funcional compreende os seguintes fatores
psicomotores da BPM: lateralização, noção do corpo e estruturação
espaço-temporal.
A lateralização no modelo luriano respeita a progressiva
especialização dos dois hemisférios como o resultado das funções
socio-históricas do trabalho e da linguagem, tendo adotado inclusive a
designação de hemisfério “dominante” para o esquerdo e de
“subdominante” para o direito. Para Luria, o hemisfério esquerdo
passa a assumir um papel determinante nos processos psíquicos
superiores, enquanto o hemisfério direito se toma um instrumento
básico do pensamento espacial e da orientação visório-perceptiva. Na
BPM, a lateralização retrata a organização inter-hemisférica em termos
de dominância: telerreceptora (ocular e auditiva), proprioceptora
(manual e pedal) e evolutiva (inata e adquirida). A identificação da
predominância seletiva de um dos lados do corpo reflete a qualidade
da integração sensorial, quer intracorporal (vestibular e tátil-
quinestésica), quer extracorporal (visual e auditiva), daí a sua
importância na organização funcional da Psicomotricidade e na
atividade mental superior. Efetivamente, a assimetria funcional intra-
hemisférica é uma condição da encefalização e só se conquista ao
longo do desenvolvimento ontogenético.
No ser humano, a especialização hemisférica está relacionada com a
evolução das praxias unilaterais e, consequentemente, com o
desenvolvimento das aquisições linguísticas, daí a importância da
integração bilateral do corpo, cujo subtrato neuroanatômico inclui as
conexões inter-hemisféricas do corpo caloso e, complementarmente, as
subestruturas neuronais do sistema límbico, que integram os grandes
centros do comportamento emocional e da organização paleomotora.
A lateralização é consequentemente um produto final da organização
sensorial e um processo central psicomotor, na medida em que o
cérebro tem de processar primeiro cinco sensações, antes de processar
informações mais complexas (símbolos), de onde podem resultar
problemas de organização aferente e eferente que se implicam na
aprendizagem.
A noção do corpo no modelo de Luria ocupa o lóbulo parietal como
unidade especializada na integração das informações “sensoriais
globais e vestibulares”, evocando mesmo uma espécie de “promoção
de proprioceptividade” em nível dos hemisférios corticais. A designação
original de “zona cutâneo-quinestésica” é limitada anteriormente pelas
regiões pós-centrais, onde os membros inferiores e o tronco estão
representados superiormente, e os membros superiores e a face estão
representados inferiormente, como ilustra o “homúnculo invertido”.
Para Luria, esta é uma região particularmente importante para a
integração dos movimentos globais associados ao espaço e à formação
da imagem do corpo. Na BPM, a noção do corpo (somatognosia)
ajusta-se perfeitamente à noção pavloviana de analisador motor, onde
são projetadas somatotopicamente as informações intracorporais, cujo
substrato neuroanatômico compreende os lóbulos parietais.
A estruturação espaço-temporal, de acordo com Luria, ocupa as
áreas primárias, secundárias e terciárias dos analisadores visuais e
auditivos, respectivamente projetados somatotopicamente nos lóbulos
occipitais e nos lóbulos temporais. Na BPM, a estruturação espacial
envolve funções de recepção, processamento e armazenamento (curto-
termo) espacial, que requerem uma estruturação perceptivo-visual, que
envolve as áreas visuais do córtex occipital. A estruturação temporal
põe em jogo, da mesma forma, a recepção, o processamento e o
armazenamento (curto-termo) rítmico, naturalmente dependentes da
integração das zonas nucleares auditivas do córtex temporal.
Muitas das tarefas da BPM implicam processos gnósicos de
decodificação e de codificação visual e tátil-quinestésica, quer em
termos interneurossensoriais (áreas secundárias), quer integrativos
(áreas terciárias) e, por isso, as características fundamentais da segunda
unidade funcional são postas em atividade.
A terceira unidade funcional integra os dois últimos fatores
psicomotores da BPM: praxia global e praxia final.
A praxia global no modelo de Luria compreende, como o próprio
nome sugere, as áreas pré-motoras mais relacionadas com a área 6,
visto compreender tarefas motoras sequenciais globais, onde está em
causa a participação de grandes grupos musculares. A praxia fina, por
constar de tarefas de dissociação digital e de preensão construtiva com
significativa participação de movimentos dos olhos e da coordenação
oculomanual e da fixação da atenção visual, está mais relacionada com
a área 8 no modelo luriano. Em ambas as tarefas práxicas da BPM, a
programação, a regulação e a verificação da atividade entram em jogo,
daí o envolvimento das regiões pré-frontais e, posteriormente, do
córtex motor (área 4).
Tomando como referência o modelo de Luria, os sete fatores
psicomotores da BPM constituem uma verdadeira constelação
psicomotora, trabalhando em conjunto de forma integrada e
harmoniosa, cada um dos quais realizando a sua própria contribuição
para a organização psicomotora global.
A analogia entre o modelo psiconeurológico de Luria e os fatores
psicomotores da BPM está próxima, podendo distinguir-se as três
unidades principais, cuja participação é necessária a qualquer tipo de
atividade psicomotora.
A primeira unidade regula o tônus e o ajustamento postural. A
segunda unidade assegura o processamento da informação
proprioceptiva (noção do corpo) e exteroceptiva (estruturação espaço-
temporal). Finalmente, a terceira programa, regula e verifica a atividade
práxica.
Em termos ontogenéticos, a organização destes sete fatores
também confirma a hierarquização vertical do modelo luriano:

— tonicidade: aquisições neuromusculares, conforto tátil e


integração de padrões motores antigravíticos (do nascimento aos
12 meses);

— equilibração: aquisição da postura bípede, segurança


gravitacional, desenvolvimento dos padrões locomotores (dos 12
meses aos 2 anos);

— lateralização: integração sensorial, investimento emocional,


desenvolvimento das percepções difusas e dos sistemas aferentes e
eferentes (dos 2 aos 3 anos);

— noção do corpo: noção do Eu, consciencialização corporal,


percepção corporal, condutas de imitação (dos 3 aos 4 anos);
— estruturação espaço-temporal: desenvolvimento da atenção
seletiva, do processamento da informação, coordenação espaço-
corpo, proficiência da linguagem (dos 4 aos 5 anos);

— praxia global: coordenação oculomanual e oculopedal,


planificação motora, integração rítmica (dos 5 aos 6 anos);

— praxia fina: concentração, organização, especialização


hemisférica (dos 6 aos 7 anos).

Trata-se naturalmente de uma perspectiva ontogenética


simplificada, contudo confirmadora do modelo de organização
funcional de Luria e do modelo de hierarquização de muitos outros
autores. (VYGOTSKY, 1960; JACKSON, 1834: WALLON, 1925 E 1949; E
AYRES, 1982)
A apresentação global da BPM está assim feita, quer não só na sua
adaptação original ao modelo de organização do cérebro de Luria mas
também nos respectivos substratos neuroanatômicos e concomitantes
sistemas funcionais.
Passemos então à administração e à cotação de cada um dos sete
fatores que constituem a BPM. Cada fator será definido em termos
psiconeurológicos e subdividido nos seus subfatores, conforme a ficha
de registro da BPM. As condições que evocam a resposta da criança
serão descritas, as formas de registro e de cotação definidas em termos
comportamentais, e algumas considerações serão apresentadas sobre a
significação psiconeurológica e funcional dos sinais detectados.
Em todos os fatores e os subfatores, o nível de realização é medido
numericamente da seguinte forma:

— cotação 1 ponto (apraxia): ausência de resposta, realização


imperfeita, incompleta, inadequada e descoordenada (muito fraco e
fraco; disfunções evidentes e óbvias, objetivando dificuldades de
aprendizagem significativas);

— cotação 2 pontos (dispraxia): realização fraca com dificuldade de


controle e sinais desviantes (fraco, insatisfatório; disfunções ligeiras,
objetivando dificuldades de aprendizagem);
— cotação 3 pontos (eupraxia): realização completa, adequada e
controlada (bom; disfunções indiscerníveis, não objetivando
dificuldades de aprendizagem);

— cotação 4 pontos (hiperpraxia): realização perfeita, precisa,


econômica e com facilidades de controle (excelente, ótimo;
objetivando facilidades de aprendizagem).

Trata-se de um critério de cotação que não é original, pois é


igualmente praticado por vários autores, como, por exemplo, Touwen e
Prechtl (1970) (The Neurological Examination of the Child with Minor
Nervous Dysfunction); Roach e Kephart (1966) (The Purdue Perceptual
Motor Survey); Mutti, Sterling e Spalding (1978) (Quick Neurological
Screening Test). Cada subfator é consequentemente cotado de acordo
com este critério, sendo a cotação média arredondada e
posteriormente transferida para o perfil que se encontra na primeira
página da ficha de registro da BPM (em anexo). O perfil psicomotor é
assim apurado, estabelecendo-se então a inter-relação dos sinais e a
sua coesão com o modelo psiconeurológico luriano. A significação
clínica dos sinais reveste-se agora mais relevante, pois permite analisar
a estrutura dos fatores psicomotores e a composição interna dos
processos psicomotores mais complexos.
3.2. Apresentação, administração e cotação dos fatores
psicomotores (BPM)

O desenvolvimento psicomotor já há muito foi reconhecido por


inúmeros especialistas em diversas culturas como um componente vital
do desenvolvimento global da criança. (DUPRÉ, 1907; VERMEYLEN,
1923; WALLON, 1925; OZERETSKI, 1931; GESELL, 1941; GUILMAIN,
1948; PIAGET, 1956; AJURIAGUERRA, 1950, 1959, 1960, 1961 E
1974; KEPHART, 1960; GUBBAY, 1965; ABERCROMBIE, 1968; AYRES,
1977 E 1982; CRATTY, 1966, 1969 e 1973; e BENTON, 1979)
Muitos autores nas áreas da Neurologia, da Psicologia e da
Educação têm insistentemente reforçado a importância das relações
entre o desenvolvimento psicomotor e a aprendizagem. Harlow e
Bromer (1942) demonstraram que o córtex motor exerce uma função
determinante em todas as funções de aprendizagem, quer não
simbólicas, quer simbólicas. Penfield e Roberts (1959), Hebb (1949),
Illingworth (1960) e muitos outros trouxeram contribuições históricas
sobre as multirrelações entre os componentes sensoriais e motores da
atividade cerebral, confirmando que qualquer estímulo que atinja o
córtex cerebral produz uma ativação motora concomitante.
A integração psicomotora na criança ilustra e materializa,
consequentemente, a totalidade dos padrões da sua aprendizagem. Os
trabalhos de Gesell e Amatruda (1941) e seus continuadores (1984)
não deixam dúvidas sobre o papel das experiências sensório-motoras e
perceptivo-motoras no desenvolvimento das competências de
aprendizagem. As relações entre psicomotricidade e aprendizagem
estão efetivamente inter-relacionadas em termos de desenvolvimento
psiconeurológico.
A qualidade do perfil psicomotor da criança, porque reflete o grau
de organização neurológica das três principais unidades, segundo Luria,
está indubitavelmente associada ao seu potencial de aprendizagem,
quer em termos de integridade, quer fundamentalmente em termos de
dificuldade. Foi das experiências com crianças com dificuldades de
aprendizagem (FONSECA, 1976) que resultou a BPM, na medida em
que o trabalho com essas crianças permite visualizar, detectar e isolar
muitas dimensões do processo de aprendizagem, exatamente porque
ele aí decorre de forma mais lenta e de forma mais atípica e desviante.
A BPM construiu-se com base nesta ideia fundamental, pois a sua
finalidade essencial é detectar, identificar crianças com dificuldades de
aprendizagem. O reconhecimento precoce de uma dificuldade de
aprendizagem é, por outro lado, um objetivo fundamental de todo o
educador, por isso, a BPM não passa de um instrumento
psicopedagógico, porque pode ser usado com tais intenções. Identificar
crianças que não possuem as competências psicomotoras necessárias à
sua aprendizagem e ao seu desenvolvimento é, pois, o objetivo e o
propósito da BPM. Objetivo que não se esgota apenas na identificação
do perfil psicomotor, na medida em que está nela subjacente a
edificação de estratégias habilitativas e reabilitativas.
A BPM não é um teste no sentido tradicional, é uma bateria de
observação que permite ao prático (educador, professor, psicólogo,
terapeuta etc.) observar vários componentes do comportamento
psicomotor da criança de uma forma estruturada e não estereotipada.
A BPM compõe-se de sete fatores psicomotores: tonicidade,
equilibração, lateralização, noção do corpo, estruturação espaço-
temporal, praxia global e praxia fina, subdivididos em 26 subfatores.
Os fatores e os subfatores, que, no fundo, resumem as tarefas da
BPM, foram adaptados de muitos estudos e experiências, quer de
exames psiconeurológicos, como ainda de escalas de desenvolvimento
e de vários exames de neurologia pediátrica.
De todos eles, temos de salientar:

— quanto à observação psicomotora global: Ajuriaguerra (1959,


1960 e 1962); Touwen e Prechtl (1970); Roach e Kephart (1966);
Mutti, Sterling e Staloing (1978); Christensen (1974) etc.;

— quanto à observação da tonicidade: Stambak (1973); Saint-Anne


Dargassies (1968); Bobath (1966) etc.;

— quanto à observação da equilibração: Wallon (1958); Ayres


(1977 e 1982) etc.;

— quanto à lateralização: Ajuriaguerra e Hécaen (1960); Benton


(1959); Guilmain (1948) etc.;
— quanto à noção do corpo: Wintsch (1935); Goodnough (1957);
Bergés e Lézine (1965) etc.;

— quanto à estruturação espaço-temporal: Soubiran e Mazo


(1965); Stamback (1964);

— quanto às praxias: Bergés (1968); Ozeretski (1936); Ayres (1977);


McCarron (1976) etc.

A BPM é também o resultado de microdescobertas, de iluminações


isoladas e inabituais de arranjos particulares e originais que nasceram
de uma prática clínica e reeducativa com muitas crianças com
dificuldades de aprendizagem, sem as quais não seria possível
construíla com um mínimo de coerência e de utilidade.
As tarefas que compõem a BPM dão oportunidade suficiente para
identificar o grau de maturidade psicomotora da criança e detectar
sinais desviantes, que podem nos ajudar a compreender as
discrepâncias evolutivas de muitas crianças em situação de
aprendizagem escolar pré-primária e primária.
Podem-se observar as estruturas tônico-musculares das articulações
proximais e distais, o controle vestibular e proprioceptivo postural, a
segurança gravitacional, o domínio do equilíbrio estático e dinâmico, a
dominância manual e telerreceptiva, a somatognosia e o grau de
organização tátil-quinestésica do corpo, a orientação e a organização
espacial, a recepção e a memorização do ritmo, a dissociação, a
planificação e a sequencialização dos movimentos, a preensão e a
proficiência da motricidade fina etc.
Paralelamente, a BPM dá oportunidade para observar as desordens
da atenção, as aquisições de processamento da informação visual e
auditiva, a competência linguística, a orientação espacial e temporal, a
estrutura cognitiva da criança, o comportamento emocional etc.
A BPM é útil para fins de identificação e de ratificação de
dificulçiades de aprendizagem e de psicomotricidade; todavia, não foi
construída para identificar ou classificar um deficit neurológico
tampouco serve para diagnosticar uma disfunção cerebral, nem uma
lesão cerebral. Quando muito, fornece alguns dados que nos permitem
chegar a uma disfunção psiconeurológica de aprendizagem ou a uma
disfunção psicomotora (dispraxias).
A BPM apresenta condições e oportunidades para estudar a
Psicomotricidade atípica, podendo no seu todo ou em alguns fatores
ser utilizada para estudar a Psicomotricidade em deficientes visuais,
deficientes da comunicação, deficientes socioemocionais etc. Como
ensaio experimental, já foi aplicada em um estudo da equilibração em
deficientes auditivos (FONSECA, 1984) e aplicada na globalidade em
pessoas idosas (FONSECA, MARIA e HENRIQUES, 1 984), tendo
provado alguma utilidade como instrumento de detecção de sinais
disfuncionais. Outras se seguirão nesta linha de pesquisa entre a
Psicomotricidade e a educação especial e reabilitação.
O resultado total da BPM é obtido cotando nos quatro parâmetros
já apresentados todos os subfatores, sendo a cotação média de cada
fator arredondada. A cotação assim obtida traduz de forma global cada
fator, cotação essa que será transferida para a primeira página onde se
encontra o respectivo perfil psicomotor.
A cotação máxima da prova é de 28 pontos (4 x 7 fatores), a
mínima é de 7 pontos (1 x 7) e a média é de 14 pontos.
Com base nos respectivos intervalos pontuais, pode construir-se
uma “escala”, que aponta para os seguintes valores:

Pontos da BPM Tipo de perfil psicomotor Dificuldades de aprendizagem



27-28................ Superior

22-26................ Bom

14-21................ Normal
Ligeiras (específicas)
9-13 ................ Dispráxico
Significativas
7-8 ................... Deficitário
(moderadas ou severas

Quadro 3.2. – Escala de pontos da BPM


Os perfis psicomotor superior e bom (perfil hiperpráxico) são
obtidos por crianças que não apresentam dificuldades de
aprendizagem específica e, por isso, apresentam uma organização
psiconeurológica normal. Estes perfis não deverão apresentar em
nenhum fator (e não subfator) uma pontuação inferior a 3. Nesse caso,
o perfil apresenta um fator cujo nível de realização, fraco e com sinais
desviantes, sugere um outro tipo de análise.
O perfil psicomotor normal (perfil eupráxico) é obtido por crianças
sem dificuldades de aprendizagem, podendo, no entanto, apresentar
fatores psicomotores já mais variados e diferenciados. O nível de
realização é completo, adequado e controlado na maioria dos fatores,
podendo surgir um ou outro subfator que revela imaturidade ou
imprecisão de controle. Trata-se de crianças sem problemas
psicomotores, visto não se detectarem sinais desviantes. Identificar
crianças sem problemas é em si algo que tem implicações importantes
no campo médico e no campo psicopedagógico. A BPM tem condições
para exercer esta função de identificação, cuja significação é óbvia por
várias razões. É pouco provável que as crianças com perfil normal
tenham dificuldades de aprendizagem significativas ou apresentem
sinais de disfunção cerebral mínima. Essa condição, porém, não é
exclusiva.
O perfil psicomotor dispráxico (perfil dispráxico) identifica a criança
com dificuldades de aprendizagem ligeiras, traduzindo já a presença de
um ou mais sinais desviantes, que assumem significação
neuroevolutiva, consoante à idade e à severidade do sintoma que
apresenta a criança. Trata-se de crianças que realizam as tarefas com
dificuldades de controle e com combinações de sinais desviantes, que
se espalham pelos vários fatores da BPM. É fácil identificar problemas
de equilíbrio, a que estão associados problemas vestibulares e
consequentes sinais de desatenção e impulsividade; problemas de
lateralização; problemas de integração sensorial, não captando,
elaborando ou expressando informações convenientemente; problemas
práxicos em movimentos globais ou finos etc. A emergência do padrão
dispráxico revela que vários fatores se encontram, em termos
psiconeurológicos, hesitantemente integrados e organizados,
suspeitando-se de uma disfunção psiconeurológica dos dados táteis,
vestibulares e proprioceptivos que interferem com a capacidade de
planificar ações, daí a sua repercussão na aprendizagem. E um
conjunto de manifestações motoras (produtos finais) que encerram
problemas e processos de integração e de elaboração, ou seja, revelam,
em certa medida, a forma como o cérebro processa e integra
informações sensoriais.
O perfil psicomotor deficitário (perfil apráxico) é obtido por crianças
com dificuldades de aprendizagem significativas do tipo moderado ou
severo. Trata-se de crianças que obviamente apresentam sinais
disfuncionais evidentes, equivalentes a disfunções psiconeurológicas,
cujo potencial de aprendizagem se caracteriza por uma lenta, ou muito
lenta, modificabilidade. As crianças que obtenham esse perfil não
realizam ou realizam de forma imperfeita e incompleta a maioria das
tarefas da BPM.
A obtenção dos perfis permite ao observador considerações
pertinentes e relevantes, não só quanto à sua relação com as três
unidades funcionais de Luria, objetivando e isolando os sinais de forma
mais coerente, mas também ao encaminhamento a dar ao caso e
quanto às estrátégias reabilitativas a implementar.
A interpretação dos resultados da BPM deve levar em conta que

— não é um teste nem permite a localização da disfunção; quando


muito, situa-a clínica e funcionalmente dentro de cada uma das três
unidades funcionais lurianas;

— uma criança neurologicamente intacta deve ter pouca


dificuldade com qualquer das tarefas depois dos oito anos de idade;

— uma pessoa (criança, adulto ou pessoa idosa) com uma síndrome


cerebral orgânica falha em muitas tarefas da bateria. Problemas de
tremor, desorientação espacial, assomatgnosias, apraxias e agnosias
são efetivamente sintomas patológicos que ocorrem em qualquer
idade.

A administração da BPM é relativamente simples. Os materiais que


requer são extremamente econômicos e destituídos de qualquer
sofisticação.
A BPM em si pode levar cerca de 30 a 40 minutos para um
observador experimentado e treinado. Tempo adicional deverá ser
equacionado para o contato com os pais ou com os professores e para
a anamnese.
A folha de registro fornece os parâmetros para serem avaliadas as
tarefas da BPM, apresentando vários espaços para registrar o estilo
psicomotor da criança e todos os sinais relevantes do seu
comportamento.
O observador deve seguir as direções de cada prova segundo as
condições que definem cada tarefa e ter uma experiência adequada a
fim de administrar a BPM com um mínimo de eficiência. Ao fim de 20
casos, pode considerar-se que o treino do observador inicial está
concluído. Só depois de uma certa experiência, deve-se realizar a BPM
independentemente. A avaliação subjetiva das tarefas, as relações dos
sinais e as suas constelações disfuncionais só se obtêm após um
mínimo de prática. A comparação de casos, o seu estudo e a sua inter-
relação necessitam de um mínimo de experiência de observação.
Aprender a observar em Psicomotricidade é uma experiência que
envolve uma certa maturidade, que só se adquire com a prática, estudo
e reflexão. É recomendável que o observador, antes de passar por essa
experiência, experimente em simulacro formativo a situação de
observado, com a finalidade de mais tarde compreender a situação da
criança. É recomendável também que o observador inicie a experiência
com outro colega antes de o fazer isoladamente, coobservando,
corregistrando e cointerpretando os comportamentos psicomotores das
crianças inicialmente observadas.
Algumas sugestões globais são fundamentais para a BPM com
crianças em idade préprimária (quatro, cinco e seis anos), que diferem
naturalmente das crianças em idade primária e do ciclo (6 até 12 anos).
Nas crianças em idade pré-primária, a abordagem deve ser
preferencialmente lúdica, mantendo a atenção em condições
motivacionais adequadas, estruturando o envolvimento de forma que
não se dê origem a dispersões da atenção. O recurso à demonstração e
à imitação é mais utilizado.
Nas crianças em idade primária, a abordagem pode ser mais
sistemática e sequencializada. A colocação das situações aqui é
usualmente baseada em enunciados verbais, que a criança deve
descodificar.
De alguma forma, a BPM contém tarefas que são intrinsecamente
motivadoras; por essas características, torna-se normalmente uma
experiência muito agradável para as crianças e para os jovens.
Passemos então à apresentação específica de cada um dos fatores
da BPM. Em termos metodológicos, cada fator psicomotor será
abordado nos seguintes aspectos: considerações gerais, descrição das
tarefas e procedimentos, cotação e registro e, finalmente, significação
psiconeurológica.

3.2.1. Aspecto somático, desvios posturais e controle


respiratório

Embora a BPM não tenha por objetivo a avaliação dos aspectos


somáticos e morfológicos, por não entrarem na apuração do perfil
psicomotor, algumas particularidades devem ser registradas para
comparação com os perfis psicomotores.
Estão nesse caso os aspectos tipológicos, propostos por Sheldon
(1969), com base na evolução dos três fascículos do embrião; o
fascículo externo ou ectoderme, que formará o sistema nervoso
periférico e central, a retina, a córnea, o cristalo, o nervo óptico, a
hipófise, a pele etc.; fascículo intermédio ou mesoderme, que formará
os músculos, os ossos, o miocárdio, artérias, veias, órgãos genitais, rins
etc.; e, por último, o fascículo interno ou endoderme, que formará o
tubo disgestivo, o epitélio respiratório, a bexiga, a tiroide, o timo etc.
Aquele autor, partindo destas camadas embriológicas, classificou os
indivíduos em três componentes, e são esses que devem ser assinalados
na ficha de registro. O ectomorfismo, caracterizado pela linearidade e
magreza corporal, com tronco reduzido e membros compridos; o
mesomorfismo, caracterizado pela estrutura muscular e atlética do
corpo, e o endomorfismo, essencialmente caracterizado pelo aspecto
arredondado e amolecido do corpo, geralmente gordos com o tronco
extenso e os membros curtos. Apenas interessa assinalar vagamente na
caixa respectiva o tipo morfológico, tentando tirar algumas ilações e
correlações quando se apurar o perfil psicomotor, e fundamentalmente
quando se avaliar a estrutura tônica da criança observada. A
arquitetura mioarticular, integrada na expressão dos comportamentos
motores e psicomotores, oferece pontos de convergência biotipológica
de algum interesse clínico para a BPM, daí a sua inclusão introdutória e
informal.
Os desvios posturais, como lordoses, cifoses, escolioses etc. devem
igualmente ser registrados, assim como sinais de raquitismo, distonias,
hiperlaxidez tendinosa, pés planos, joelho recurvado etc. Uma
exploração informal desses aspectos, coadjuvados com a anamnese,
podem esclarecer muito do que poderá ocorrer na BPM que se segue:
O controle respiratório é também um dos passos do primeiro
contato com a criança. Verificar a amplitude toráxica, a coordenação
torácico-abdominal, o ritmo respiratório, sinais de fadiga ou
manifestações asmáticas etc. são outros dados a registrar, quer de
início, quer ao longo da observação. O controle respiratório reflexo é
um dos processos vitais que envolve inspirações e expirações cíclicas,
em que participam os músculos intercostais e o diafragma,
superiormente regulados pelo centro bulbar por meio de uma
sincronização e um ritmo automático extremanente complexo. O
controle respiratório, porém, pode ser realizado conscientemente, e é
esse, essencialmente, que se procura analisar em termos lúdicos por
meio de situações de inspiração, expiração e apneia.
Na inspiração e na expiração, é sugerido à criança que realize
quatro inspirações ou expirações simples: uma pelo nariz, outra pela
boca, uma rápida e outra lenta. O procedimento envolve uma direção
verbal ou uma demonstração.
A cotação em ambas será a seguinte:

4, se a criança realizou as quatro inspirações ou expirações correta e


controladamente;

3, se a criança realizou as quatro inspirações ou expirações


completas;

2, se a criança realizou as quatro inspirações ou expirações sem


controle e com fraca amplitude ou com sinais de desatenção;

1, se a criança não realizou as quatro inspirações ou expirações, ou


se as realizou de forma incompleta e inadequada, sugerindo
descontrole tônico-respiratório.

Na apneia, é sugerido à criança que se mantenha em bloqueio


torácico durante o máximo de tempo possível. O procedimento envolve
a utilização do cronômetro e o registro de acordo com o seguinte
critério.
A cotação será a seguinte:

4, se a criança se mantém em bloqueio torácico acima de 30


segundos sem sinais de fadiga;

3, se a criança se mantém entre 20 e 30 segundos sem sinais de


fadiga ou de descontrole;

2, se a criança se mantém entre 10 e 20 segundos com sinais


evidentes de fadiga ou de descontrole;

1, se a criança não ultrapassa os 10 segundos, ou se não realiza a


tarefa.

A duração da apneia deve ser registrada e, ao mesmo tempo,


anotados os tipos de sinais de comportamento: atenção, regulação,
mímicas, hipercontrole, instabilidade, sorrisos, mioclonias etc.
A fadiga traduz a impressão geral que o observador retira da
criança observada durante toda a BPM, traduzindo igualmente o grau
de atenção e de motivação mantido durante a sua realização.
A cotação a utilizar será a seguinte:

4, se a criança não evidenciou nenhum sinal de fadiga, mantendo-


se motivada e atenta durante todas as tarefas;

3, se a criança revelou alguns sinais de fadiga sem significado


clínico;

2, se a criança revelou sinais de fadiga em várias tarefas,


demonstrando desatenção e desmotivação;

1, se a criança resistiu às tarefas, manifestando frequentes sinais de


fadiga e de labilidade das funções de alerta e de atenção.
Figura 3. 1. – Controle respiratório. A – Avaliação de
inspirações e expirações rápidas e lentas pelo nariz B –
Avaliação de inspirações e expirações rápidas e lentas
pela boca.
Os dados que acabamos de descrever compreendem apenas
aspectos de caracterização global, não devendo ser confundidos com
qualquer subfator da BPM. Não são tratados com mais rigor, porque
cabem dentro do âmbito da observação indireta. Todavia, se se
registrarem frequentes sinais, é recomendável sugerir uma observação
mais específica.
Os fatores e os subfatores da observação direta mais sistemática
vão-se seguir de acordo com a lógica da hierarquia dos fatores
psicomotores e de acordo também com a organização vertical
ascendente das três unidades funcionais do modelo psiconeurológico
de Luria. Começaremos pelo fator da tonicidade e respectivos
subfatores.

3.2.2. Tonicidade
Considerações gerais

O primeiro fator da BPM está, de acordo com o modelo


psiconeurológico de Luria, integrado na primeira unidade funcional do
cérebro, cuja função primordial de alerta e de vigilância assegura as
condições genéticas e seletivas, sem as quais nenhuma atividade
mental pode ser realizada.
No âmbito da organização da Psicomotricidade, o fator da
tonicidade é o seu alicerce fundamental. A tonicidade garante, por
consequência, as atitudes, as posturas, as mímicas, as emoções etc., de
onde emergem todas as atividades motoras humanas. A tonicidade
tem um papel fundamental no desenvolvimento motor – e igualmente
no desenvolvimento psicológico, como asseguram os trabalho de
Wallon (1932, 1956, 1966 e 1970), Ajuriaguerra (1950, 1955, 1961 e
1974), André-Thomas e Ajuriaguerra (1949), Stamback (1963) e muitos
outros.
WalIon (1966) referiu-se à dupla função do músculo: a clônica (ou
fásica), de características cinéticas (encurtamento e alongamento das
miofibrilas), e a tônica, de características de suporte (manutenção de
uma certa tensão de apoio que caracteriza o músculo esquelético em
estado de repouso), ambas dependentes de uma relação
hipercomplexa, quer em nível inferior medular, quer em nível superior
reticular e cortical.
André-Thomas e Ajuriaguerra (1949) e Saint-Anne Dargassies
(1968) referem duas formas de tonicidade: a de repouso (ou de fundo)
e a de atividade. A primeira, de caráter permanente; a segunda, de
características de ruptura da atitude, exercendo-se entre elas uma
interação recíproca com complicados sistemas de reaferência, que se
traduz na complementaridade sensório-motora, que está na base da
integração da Psicomotricidade em níveis mais hierarquizados do
cérebro. A tonicidade assegura a preparação da musculatura
(PAILLARD, 1963) para as múltiplas e variadas formas de atividade
postural e práxica.
Envolve planos de organização fisiológica, como os do reflexo
miotático (SHERRINGTON, 1909) e muitos outros reflexos posturais, do
qual depende a organização da postura bípede humana, como envolve
a preparação dos estados de representação mental que Luria (1973)
refere sob a forma de tônus cortical.
Sherrington (1909) refere-se à tonicidade como uma função
integrada do sistema nervoso, pois no seu pensamento “é a atividade
postural dos músculos que fixa as articulações em posições
determinadas, solidárias umas com as outras, que no seu conjunto
compõem a atitude”. Mamo e Laget (1964) e Paillard (1963) referem-
se à tonicidade também como uma atividade geral de vigilância entre
os motoneurônios do sistema efetivador e o tônus dinamogênico
cerebral, onde efetivamente o somático atinge os territórios do
psíquico. Walshe (1921), Kabat (1948), Fulton (1951), Granit e Eccles
(1957), Bobath e Bobath (1962 e 1964) demonstraram que a regulação
da tonicidade se dá essencialmente na formação reticulada, um centro
integrador da primeira unidade funcional do cérebro, que
posicionalmente e estruturalmente se encontra em condições ótimas
para combinar e coordenar todas as informações sensoriais com as
informações motoras. A formação reticulada, por meio de suas fibras
retículo-espinais, exerce uma modulação nos padrões reflexos que
preparam a atividade postural e cinética, comandada do córtex ou
relacionada com os centros extrapiramidais. A sua função de
ajustamento e de plasticidade, de vigilância e de integração, atua
permanentemente na postura e na praxia, facilitando ou inibindo a
atividade dos motoneurônios alfa e gama, quer em nível
intersegmentar, quer em nível suprassegmentar.
A tonicidade, efetivamente, dependente da atividade dos fusos
musculares (FONSECA, 1971), confere ao músculo um componente
sensorial de inexcedível importância, na medida em que lhe oferece
uma qualidade aferente, só muito tarde reconhecida pela fisiologia
clássica. É esta “nova” qualidade aferente que subentende o anel
gama, que caracteriza a intervenção da consciência e a coativação dos
motoneurônios alfa e gama, que, no fundo, refletem um complexo
servomecanismo postural-cinético humano.
A tonicidade abrange todos os músculos responsáveis pelas funções
biológicas e psicológicas, além de toda e qualquer forma de relação e
comunicação social não verbal, tendo como característica essencial o
seu baixo nível energético, que permite ao ser humano manter-se de
pé por grandes períodos de tempo sem a manifestação de sinais de
fadiga. Como consequência, a tonicidade envolve também a
apreciação do poder muscular, visto que é neurologicamente
indissociável dele.
Toda a motricidade necessita do suporte da tonicidade, isto é, de
um estado de tensão ativa e permanente, e, por isso, a organização
muscular humana está estruturada em três camadas: a da superfície, a
intermédia e a da profundidade. A da superfície, destinada à função
motora, altamente energética, é basicamente composta de músculos
poliarticulares; a da profundidade, destinada à função tônica, de fraca
mobilização energética e fundamentalmente composta de músculos
monoarticulares. Também aqui se dá o princípio da hierarquia
dominante, na medida em que a organização tônico-motora se exerce
das camadas da profundidade para as da superfície, sendo nessas que
se vão organizar os movimentos voluntários mais complexos, que
obviamente guiarão os movimentos mais simples, que lhe dão suporte
e apoio.
A tonicidade está contida em todas as manifestações da
motricidade, como se se tratasse de uma antimotricidade. O reflexo
miotático não é mais do que a prova desta organização tônico-
muscular, pois é necessário que os músculos monoarticulares garantam
e forneçam as condições de suporte aos músculos poliarticulares para
que esses produzam o movimento voluntário consciente.
De fato, é impossível separar a motricidade da tonicidade, como
não é possível separar a postura e a atitude do movimento voluntário.
Toda motricidade parte de uma tonicidade, tonicidade que a segue
como uma sombra, preparando-a, apoiando-a e inibindo-a, isto é,
autorregulando-a. Assim como a linha reta é composta por uma
sucessão de pontos no espaço, também a motricidade é composta por
uma sucessão de tonicidades, que, no seu todo, materializam a
equilibração humana.
Em resumo, qualquer estudo sobre a motricidade humana, e como
tal sobre a Psicomotricidade, não pode deixar de focar a tonicidade,
fator de suporte essencial sem o qual aquela forma de expressão não
pode ser obtida. Daí a inclusão na BPM como o primeiro fator de
observação.
Segundo André-Thomas e Ajuriaguerra (1949) e Stambak (1963), o
estudo do tônus põe problemas múltiplos, na medida em que é
extremamente difícil distinguir a partir de que movimento o
deslocamento de um segmento corporal, sobre o qual agem os
músculos, corresponde a uma simples variação tônica ou a um
movimento oral. É completamente impossível, segundo os mesmos
autores, pensar que a ação resulta de um músculo isolado; ela é, sim,
dependente das condições da situação e de fatores espaço-temporais
implícitos à própria ação, como vimos nos capítulos anteriores.
Trata-se de uma complexidade inerente ao estudo do tônus; por
esse fato, pode ser estudada em termos de consistência,
extensibilidade, balanço e passividade, e são essas características que
vão constituir o objeto de estudo do fator da tonicidade na BPM.
A tonicidade está, consequentemente, relacionada com as repostas
adaptativas à gravidade e com todas as aquisições antigravíticas que
postulam o desenvolvimento da protomotricidade e da
paleomotricidade, onde se incluem os padrões hierarquizados do
controle da cabeça ao controle da postura de sentado, da quadrupedia,
da braquiação e da conquista definitiva da postura bípede. Toda a sua
complexa maturação neurológica reflete a expressão de duas leis
invariáveis do desenvolvimento nos vertebrados: a lei cefalocaudal e a
lei próximo-distal; a primeira relacionada com o esqueleto axial, isto é,
com a maturação neuromuscular da coluna; a segunda associada com
o esqueleto apendicular, portanto, relacionada com a maturação
neuromuscular das extremidades, pés e mãos.
A amplitude dos movimentos, o grau de aproximação e de
afastamento máximo de um músculo, o nível de resistência ao
movimento passivo, a atividade flexora e extensora peculiar dos
diferentes músculos etc. permitem objetivar o grau de organização
tônica de um músculo, segundo Ajuriaguerra. Esse autor sugere o
estudo do tônus de suporte com base na extensibilidade e na
passividade, condições tais que permitem definir a propensão à
hipotonia ou à hipertonia, cuja significação psiconeurológica é,
efetivamente, de grande importância.
A criança hipotônica é mais extensível, calma em termos de
atividade, o seu desenvolvimento postural é normalmente mais lento
que o das crianças hipertônicas, a sua predisposição motora centra-se
mais frequentemente na preensão e nas praxias finas e,
consequentemente, as suas atividades mentais surgem mais
elaboradas, reflexivas e controladas. Um perfil adequado de
extensibilidade e hipotonia surge mais frequentemente no sexo
feminino.
Com perfil disfuncional, a hipotonia é sinônimo de
hiperextensibilidade, característica da astenia, da passividade, da
hipoatividade, da bradicinesia, da descoordenação, da flacidez, da
moleza, da ataxias etc. No caso extremo da hipotonia e da
hiperexcitabilidade, temos as crianças atetósicas com paralisia cerebral,
que, segundo Bobath (1966), apresentam um tônus postural flutuante
de fraca resposta à estimulação gravítica e envolvimental. Trata-se de
uma resposta lenta ao estiramento do músculo e, por consequência, de
maior acumulação de movimentos passivos com um tônus postural
insuficiente para compensar a ação da gravidade, daí as flutuações
tônico-posturais intermitentes e a excessiva atividade dos extensores,
que caracterizam estas crianças deficientes motoras.
A criança hipertônica é menos extensível, ativa, com um
desenvolvimento postural mais precoce, daí a sua predisposição para a
marcha e para a exploração do espaço envolvente. Consequentemente,
as suas atividades mentais surgem mais impulsivas, dinâmicas e, por
esse fato também, mais descoordenadas e inadequadas.
Com o perfil adequado de extensibilidade, a hipertonia é mais
característica do sexo masculino. Com o perfil disfuncional, a
hipertonia é sinônimo de hipoextensibilidade, característica da
hiperatividade, impulsividade, instabilidade, distratibilidade, imprecisão
na aplicação da força, velocidade e controle dos movimentos, dispraxia
etc.
No caso extremo da hipertonia e da hipoextensibilidade, temos as
crianças espásticas com paralisia cerebral (BOBATH, 1966). Nesse caso,
a espasticidade, a inflexibilidade e a rigidez são típicas, a função do
anel gama não é superiormente inibida, os reflexos de estiramento são
exagerados e a modulação e a plasticidade tônica deixam de operar,
daí a concentração de resistência que os músculos oferecem aos
movimentos passivos.
A cocontração e a inervação recíproca em nível medular dependem
obviamente do jogo agonista-antagonista, que resulta da integração
tônica, que garante toda a realização postural e práxica
(SHERRINGTON, 1913). Daí a importância desse fator e respectivos
subfatores na BPM.
É com base nesses pressupostos sobre hipotonia e hipertonia que
uma das caixas que está indicada na ficha de registro deve ser
assinalada no caso de todos os subfatores avaliados sugerirem um ou
outro perfil tônico. A não evidência significativa de qualquer um dos
estudos reflete a eutonia (GERDA ALEXANDER, 1966), isto é, o estado
tônico apropriado a cada situação postural ou práxica.
O fator da tonicidade na BPM compreende o estudo do tônus de
suporte e do tônus de ação. O tônus de suporte compreende os
subfatores da extensibilidade, da passividade e da parotonia. O tônus
de ação compreende os subfatores das diadococinesias e das
sincinesias.

Descrição dos subfatores e cotação

Extensibilidade

A extensibilidade é definida por Ajuriaguerra como o maior


comprimento possível que podemos imprimir a um músculo afastando
as suas inserções.
Por meio da sua observação, podemos constatar o grau de
mobilização e de amplitude que uma dada articulação atinge, ou seja,
avaliar o ângulo que estabelecem dois segmentos ósseos unidos pela
mesma articulação, isto é, amplitude entre uma aproximação e um
afastamento máximos. A distância que separa as duas extremidades
representa o grau de extensibilidade do músculo considerado.
Com a mobilização angular e articular, podemos avaliar o grau de
resistência tônica e, em função disso, considerá-la hipoextensa e
hiperextensa. Segundo Stambak (1963), as crianças hiperextensas são
hipotônicas, enquanto as hipoextensas são hipertônicas. Até certos
limites, essas condições são perfeitamente adequadas; só em casos
extremos, tais perfis tônicos são sinônimo de sinais desviantes em
termos de organização tônicomuscular e de limitação ou não de
movimentos à volta das articulações. Ajuriaguerra (1955, 1956 e 1962)
evoca que o estudo da extensibilidade pode determinar igualmente a
dominância lateral, na medida em que os membros dominantes
apresentam mais resistência e menos extensibilidade, por se verificar,
pela habituação, uma organização tônicomuscular e tônico-postural
mais integrada. Esse aspecto é de maior relevância quando se tratar do
tônus, ao mesmo tempo que confere aos fatores da tonicidade e de
lateralização uma inter-relação sensorial e motora de grande
importância na progressiva organização psiconeurológica da criança.
Para se avaliar consequentemente a extensibilidade, é necessário ter
em conta que a resistência ao alongamento, isto é, ao afastamento de
dois segmentos ósseos unidos pela mesma articulação, é maior nos
músculos flexores do que nos extensores. Assim, por exemplo, quando
se observa a extensibilidade entre o braço e o antebraço, unidos pela
mesma articulação do cotovelo, a resistência é sentida mais nos
flexores (bicípete, braquial anterior etc.) do que nos extensores
(tricípete etc.) – os primeiros mais rápidos e muito energéticos, os
segundos mais lentos e pouco energéticos. É fácil verificar que uma
criança musculada apresenta um perfil mais hipoextenso que uma
criança astênica ou hipotônica, da mesma forma que uma criança com
dominância lateral direita apresenta uma maior extensibilidade no
membro contralateral. Tal situação é similar, porém inversa, nas crianças
com dominância lateral esquerda.
Na BPM, explora-se a extensibilidade nos membros inferiores e nos
membros superiores, desde as articulações proximais até as distais,
passando pelas intermédias, abrangendo a exploração da musculatura
proximal e distal.
Nos membros inferiores mais relacionados com o desenvolvimento
postural, explora-se a extensibilidade dos seguintes músculos: adutores,
extensores da coxa e quadricípete femural.
Nos membros superiores, mais relacionados com o desenvolvimento
da preensão, explora-se a extensibilidade dos seguintes músculos:
deltoides anteriores e peitorais, flexores do antebraço e extensores do
punho.
Na exploração dos membros inferiores, é necessário como material
um colchão e uma fita métrica.
O procedimento na exploração dos membros inferiores deve iniciar-
se pela observação dos adutores, a fim de transmitir segurança. A
criança deve manter-se sentada calmamente, após diálogo tônico com
o observador, com apoio póstero-lateral das mãos, afastando
lateralmente as pernas, estendidas ao máximo possível. Deve ser
analisada a amplitude do afastamento de ambas as pernas e o grau de
resistência por simples e suave palpação. O observador deve manter-se
em permanente diálogo tônico com a criança, a fim de detectar a sua
realização.
A observação dos extensores da coxa avalia a extensibilidade do
ângulo poplíteo. O procedimento nessa situação requer que a criança
se deite dorsalmente e eleve as pernas até fletir as coxas sobre a bacia,
ao mesmo tempo que o observador assiste à criança a realizar a
extensão máxima das pernas. Devem ser analisados a amplitude da
extensão das pernas e, de novo, o grau de resistência e de consistência
dos músculos posteriores da coxa e da perna.
A observação do quadricípete femural avalia o ângulo formado pela
perna e pela coxa e a altura em que se situam os bordos externos dos
pés em relação ao solo, por meio de um movimento de afastamento
lateral e exterior de ambas as pernas fletidas, que deve ser assistido
pelo abservador. O procedimento nessa situação requer que a criança
se deite ventralmente e flita apenas as pernas até à vertical. Entende-se
que, nessa posição, o observador deve afastar lateral e exteriormente
ambos os pés, certificando-se em que altura se encontram os bordos
externos dos pés do solo, bem como o afastamento máximo que
apresentam entre si e, também, a distância entre a linha média dos
glúteos e o calcanhar de cada pé.

Figura 3.2. – Observação dos adutores – afastamento


máximo de ambas as pernas.
Figura 3.3. – Observação dos extensores da coxa (ângulo
poplíteo).

Figura 3.4. – Observação do quadricípete femural.


A cotação a atribuir é naturalmente diferenciada para cada um dos
grupos musculares e deve basear-se em critérios de apreciação do
afastamento ou do ângulo, e simultaneamente do grau de resistência e
consistência, que os músculos apresentam no máximo da sua
extensibilidade. De acordo com essa apreciação clínica, a cotação a
utilizar deverá ser a seguinte:

4, se a criança atinge um afastamento dos segmentos


aproximadamente entre 140º e 180º nos adutores e nos extensores
da coxa e um afastamento dos calcanhares da linha média dos
glúteos superior de 20cm a 25cm nos quadricípetes femurais; a
resistência não deve ser a máxima, a palpação deve sugerir reserva
de extensibilidade muscular e de flexibilidade ligamentar;

3, se a criança atinge entre 100º e 140° de afastamento, quer nos


adutores e nos extensores da coxa e um afastamento de 15cm a
20cm nos quadricíptes femurais; a resistência é máxima, não se
identificando sinais tônicos disfuncionais;

2, se a criança atinge entre 60° e 100° de afastamento, quer nos


adutores e nos extensores da coxa e um afastamento de 10cm a
15cm nos quadricípetes femurais; a resistência é óbvia e os sinais de
contrabilidade e de esforço são visíveis; nessa cotação, cabem
igualmente a hiperextensibilidade, característica de hipotonia, e o
jogo hipoextensibilidade-hipertonia, em todas as manobras
efetuadas. Sinais distônicos óbvios;

1, se a criança revela valores inferiores aos anteriores com a


evidência clara e inequívoca de sinais de hipotonia e hipertonia, de
hiperextensibilidade ou hipoextensibilidade, de limitação ou
hiperamplitude (lassidão), de espasticidade ou atetose, a sugerir um
perfil tônico desviante e atípico, compatível com uma disfunção
tônica (exemplo: hemiparesia, distonia, hiperextensibilidade ou
hipoextensibilidade, hiper-reflexibilidade; espasticidade, rigidez,
atetose, ataxia, debilidade motora, traços nítidos de instabilidade
ou impulsividade, hiper-reação emocional, paresia, hemiparesia,
dissinergias etc.).

A cotação obtida deve ser então devidamente registrada na BPM,


com um círculo ou com uma cruz no número que corresponde à
avaliação clínica.
Na exploração dos membros superiores, é necessário como material
apenas uma fita métrica. A extensibilidade a observar inclui os
deltoides anteriores e peitorais, os flexores do antebraço e os
extensores do punho.
Na observação dos deltoides anteriores e peitorais, o procedimento
deve ser o seguinte: a criança mantém-se na posição de pé, com os
braços pendentes e descontraídos. O observador deve assistir à
aproximação máxima dos cotovelos atrás das costas. Deve ser
observado se os cotovelos se tocam ou medir a distância a que ficam
um do outro. O diálogo tônico entre o observador e a criança deverá
ser mantido em termos ideais.

Figura 3.5. – Observação dos deltoides anteriores e


peitorais – aproximação máxima dos cotovelos atrás das
costas.
A observação dos flexores do antebraço avalia o ângulo formado
pelo antebraço e pelo braço após extensão máxima do antebraço
(ângulo posterior do cotovelo) e a amplitude de supinação da mão, que
deve ser assistida pelo observador.
A observação dos extensores do punho inclui a flexão máxima da
mão sobre o antebraço (ângulo do punho). O observador deve assitir à
flexão da mão, pressionando suavemente o polegar. Deve-se verificar
se o polegar toca no antebraço ou medir a distância a que fica da sua
superfície anterior.
O procedimento que caracteriza a avaliação da extensibilidade é,
como advoga Stambak (1963), essencialmente clínico. As cotações
obtidas não correspondem a medidas rigorosas, na medida em que a
grandeza dos ângulos e a avaliação das amplitudes dependem da força
que o observador aplica nas manobras de exploração, bem como da
sensibilidade tátil que possui para avaliar a consistência tônica dos
músculos envolvidos.

Figura 3.6. – Observação dos flexores do antebraço –


extensão máxima do antebraço (ângulo posterior do
cotovelo).
Figura 3.7. – Observação dos extensores do punho –
flexão máxima da mão sobre o antebraço (ângulo do
punho).

A cotação a atribuir segue a mesma metodologia da exploração dos


membros inferiores e deverá ser a seguinte:

4, se a criança toca com os cotovelos na exploração dos deltoides


anteriores e peitorais, se realiza a extensão total do antebraço e a
máxima supinação da mão nos flexores do antebraço e se toca com
o polegar na superfície anterior do antebraço nos extensores do
punho; a resistência atingida não deverá ser máxima, e a
mobilização assitida deve sugerir flexibilidade por um lado e
consistência por outro. Nenhum sinal de esforço deve ser
reconhecido; a realização é feita com disponibilidade e flexibilidade;

3, se a criança obtém a mesma realização descrita na cotação


anterior, mas com uma maior resistência e uma mobilização mais
assistida e forçada. Alguns sinais de esforço devem ser
reconhecíveis;

2, se a criança não toca com os cotovelos nem com o polegar nas


respectivas explorações, acusando resistência e rigidez na
mobilização dos segmentos observados. Sinais frequentes de
esforço; detectam-se sinais de hipoextensibilidade ou de
hiperextensibilidade. Sinais distônicos evidentes;

1, se a criança revela sinais óbvios de resistência ou lassidez, com


sinais claros de hipertonia ou hipotonia a sugerir um perfil tônico
desviante e atípico atinente a uma disfunção.

A cotação deve ser igualmente registrada na respectiva ficha,


concluindo-se assim a observação do subfator da extensibilidade.

Passividade

A passividade compreende um outro componente do tônus de


suporte que se observa na BPM. A passividade é definida por
Ajuriaguerra e Stambak (1955), como a capacidade de relaxamento
passivo dos membros e suas extremidades distais (mãos e pés) perante
mobilizações, oscilações e balanços ativos e bruscos introduzidos
exteriormente pelo observador.
A passividade é analisada em função dos movimentos introduzidos
do exterior, por meio de deslocamentos exógenos assistidos pelo
observador, que visam provocar a sensibilidade do peso dos membros e
dos movimentos passivos nas extremidades distais da criança
observada. Por meio de tais balanços e oscilações exógenas, os
movimentos passivos vão naturalmente evidenciar sinergias onerosas,
movimentos coreiformes, coreicos ou atetoides, crispações, paratonias
etc., ou, em contrapartida, movimentos livres, não resistentes,
pendulares, harmoniosos e passivos, traduzindo a capacidade de
autorrelaxamento, de descontração da criança. A exploração desse
subfator envolve a mobilização dos quatro membros e das suas
respectivas extremidades.
Na exploração dos membros inferiores, o procedimento requer que
a criança seja sentada em uma cadeira ou mesa, suficientemente alta
para que os pés fiquem suspensos, fora do contato com o solo.
Devem-se mobilizar as pernas com apoio no terço inferior da perna, de
forma que a articulação do pé fique livre. As mobilizações deverão ser
efetuadas no sentido anteroposterior, apreciando-se, ao mesmo tempo,
a oscilação pendular das pernas. Subsequentemente, deve-se mobilizar
o pé até provocar uma rotação interna assistida e rapidamente
interrompida, apreciando, paralelamente, a amplitude e a frequência
dos movimentos passivos, a resistência ou a rigidez e as contrações ou
as torções dos pés. Em ambas as explorações, o observador deve estar
atento às reações emocionais inerentes a estas situações da observação
da tonicidade.
Na exploração dos membros superiores, deverá proceder-se da
seguinte forma: a criança deve manter-se de pé, com os braços
pendentes e descontraídos (“mortos”), ao mesmo tempo que o
observador introduz deslocamentos anteriores, balanços e oscilações
em ambos os braços e mãos, por mobilização anteroposterior do terço
inferior do antebraço, isto é, ligeiramente acima da articulação do
punho. Devem-se mobilizar pendularmente ambos os braços desde a
posição de extensão anterior, simultanea e alternadamente, apreciando
ao mesmo tempo a amplitude, a frequência, a rigidez e a resistência, as
contrações ou as torções dos movimentos passivos. Em seguida,
mobilizar bruscamente as mãos e apreciar o grau de libertação e
abandono das extremidades.

Figura 3.8. – Observação dos movimentos pendulares e


passivos das pernas e dos pés.
Figura 3.9. – Observação dos movimentos pendulares e
passivos dos braços e das mãos.
A cotação a atribuir deverá ser a seguinte:

4, se a criança apresenta nos membros e nas respectivas


extremidades distais movimentos passivos, sinergéticos,
harmoniosos e de regular pendularidade, objetivando facilidades de
descontração na musculatura proximal e distal e sensibilidade do
peso dos membros; ausência de quaisquer manifestações
emocionais;

3, se a criança revela descontração muscular e ligeira insensibilidade


no peso dos membros, provocando pequenos movimentos
voluntários de oscilação ou pendularidade; ligeiras manifestações
emocionais nas ausências de sinais de resistência ou bloqueio, sem
evidência de movimentos coreiformes ou atetotiformes;

2, se a criança apresenta insensibilidade ao peso dos membros, não


os descontraindo nem realizando os movimentos passivos e
pendulares provocados exogenamente; sinais de distonia,
movimentos involuntários nas extremidades, movimentos abruptos
e dissinérgicos; detecção de movimentos coreiformes (contrações
de pequena amplitude) e de movimentos atetotiformes (lentas
torções e regulares) nas extremidades; frequentes manifestações
emocionais;

1, se a criança não realiza a prova ou se a realiza de forma


incompleta e inadequada; total insensibilidade ao peso dos
membros e dificuldade de descontração muscular; além dos sinais
anteriores, revela movimentos abruptos, convulsivos, irregulares e
titubeantes; detecção de movimentos coreicos ou coreáticos
(explosão de movimentos descoordenados) e de movimentos
atetoides (movimentos de torção mais amplos e contínuos);
presença exagerada de manifestações emocionais atípicas (sorrisos,
distonias faciais, gesticulações, atividade caricatural ilógica,
desbloqueios emocionais, disquinesias, agitação, instabilidade etc.).

Paratonia
A paratonia definida por Ajuriaguerra (1974) traduz a incapacidade
ou a impossibilidade de descontração voluntária.
Dupré (1911) caracteriza-a, dentro do seu conceito de debilidade
motora, “como um estado patológico, revelado pelo exagero dos
reflexos tendinosos, por perturbações nos reflexos plantares, sincinesias
e descoordenação dos movimentos intencionais, impossibilitando a
realização voluntária da resolução motora”. A paratonia é aqui definida
como uma constelação de sinais que transcendem a esfera da
tonicidade (BERGÉS e BOUNES, 1974). Na BPM, a paratonia
compreende um dos subfatores da tonicidade. Em vez de uma
modulação tônica, instalam-se uma contratura, um bloqueio e um
aumento do tônus que impede a autodescontração necessária ao
movimento harmonioso. Por falta dessa tal modulação tônica, os
movimentos tendem a ser produzidos como uma reação ou uma
descarga em massa, afetando a sua adequação, plasticidade e melodia.
A paratonia revela a existência, ou não, de liberdades motoras em
nível articular e a presença, ou não, de uma organização tônico-motora
de base, sobre a qual se estabelece a organização da
proprioceptividade propriamente dita. Capacidade de pôr em repouso
ou de abandonar o membro e seus componentes musculares é uma
das características do movimento adequado e preciso. A persistência de
bloqueios ou de contrações impede a resolução motora, altera a
integração sensorial aferente e quinestésica concomitante e põe em
relevo uma incapacidade volitiva de autodescontração. A presença de
paratonias tira consequentemente a precisão, perfeição, harmonia,
ritmo, regularidade e melodia cinestésica ao movimento, daí que a sua
detecção seja fundamental na BPM. A paratonia atua como frenagem
tônica, impedindo o relaxamento muscular, exatamente porque certas
tensões e contrações se conservam à volta das articulações distais e
proximais, desenvolvendo sinergias onerosas que prejudicam a
realização do movimento.
A resolução motora envolve, em certa medida, uma resolução
tônica, na medida em que ambas se completam funcionalmente. A
resolução motora implica a componente fásica, isto é, a passagem da
função tônica à função clônica. A resolução clônica implica o processo
dialeticamente oposto, ou seja, a passagem da função clônica à função
tônica. Se as paratonias emergirem nessa fase, a capacidade voluntária
de descontração pode não acionar os mecanismos centrais e periféricos
que coordenam a função tônico-muscular no seu conjunto. A evolução
do tônus de repouso ao tônus de ação é tão fundamental como a
passagem do tônus de ação ao tônus de repouso, daí a importância
das técnicas de relaxamento e o seu enorme impacto terapêutico.
(SCHULTZ, 1965; JACOBSON, 1948; STOKVIS, 1960; VITTOZ, 1954)
A função tônica requer uma flutuação oscilante entre os estados de
repouso e os estados de atividade; qualquer tensão residual que
impeça essa permanente interação dos dois estados tem claramente
efeitos na postura e na ação e, conjuntamente, nas funções emocionais
de atenção e de alerta, confirmando a sua integração na primeira
unidade funcional de Luria.
Para observar as paratonias na BPM, deve-se recorrer a um colchão
e proceder da seguinte forma: a criança deve ser observada em
decúbito dorsal, na postura tradicional da maioria das técnicas de
relaxamento. Devem-se anotar informalmente algumas assimetrias na
postura das pernas e dos pés e inspecionar-se se se verifica alguma
alteração na coluna e na bacia. A criança deve manter-se segura, calma
e descontraída, persistindo o observador em um diálogo tônico e em
um conforto tátil, tendo muito cuidado com todas as suas
mobilizações, manipulações ou palpações, que podem gerar eclosões
terminais ou provocar maior defensividade na “armadura tônica” da
criança. As reações tônico-emocionais incontroláveis, como os sorrisos,
as mímicas, as gesticulações, a rigidez corporal, os bloqueios
respiratórios, as reações de sobressalto, os sinais de impulsividade e
instabilidade etc. devem ser minimizados, para que a realização das
mobilizações possa ser efetuada sem efeitos secundários.
As paratonias são observadas, quer nos membros superiores, quer
nos inferiores, por meio de mobilizações passivas e de quedas.
Deve-se sugerir à criança que se descontraia ao máximo, à medida
que o observador vai adquirindo maior sensibilidade ao peso dos seus
membros, mobilizando-os passiva e calmamente. Verificar se a criança
abandona (relaxa) parcial ou totalmente os membros e, em seguida,
deixar cair os membros no colchão e certificar-se do grau de
descontração nas extremidades.
Na exploração dos membros superiores, a mobilização simultânea e
alternada dos braços descontraídos deve ser efetuada até a vertical,
onde os membros atingem maior liberdade antigravítica. Nessa
posição, realizar pequenos movimentos à volta da articulação do
ombro unidirecional e pluridirecionalmente e certificar-se de resistências
ou tensões proximais, distais, globais ou residuais. Após a exploração
da articulação do ombro, evoluir para a exploração das quedas dos
ombros, observando o grau de abandono e liberdade tônica de cada
membro. Proceder com as mesmas manípulações de peso e
relaxamento no antebraço com apoio do cotovelo e na mão,
descontraidamente apoiada no solo.
Na exploração dos membros inferiores, o observador deve realizar a
mesma manobra antigravítica e passiva, certificando-se do peso dos
membros estendidos e do seu abandono. As explorações de
movimentos unidirecionais e pluridirecionais, de abdução e adução, de
exorrotação e endorrotação devem ser realizadas com ambos os
membros, quer simultaneamente, quer alternadamente, devendo o
observador certificar-se de resistências, bloqueios ou tensões proximais,
distais, globais ou residuais. Após a exploração dos membros em
extensão, fletir as pernas pelos joelhos e explorar em seguida a
articulação da anca, por meio de abduções, aduções, rotações etc. Por
último, explorar o abandono do pé, contrariando e mobilizando a
posição normal de repouso do pé.
A observação das paratonias está naturalmente associada à
observação da tonicidade de repouso, bem como à lateralização, visto
que os membros dominantes acusam menos extensibilidade e, por
consequência, tendem a apresentar maior resistência nas manobras e
nas manipulações.

Figura 3.10. – Observação do grau de liberdade motora


e de descontração voluntária dos braços, antebraços e
mãos provocados por mobilizações passivas e por
quedas.
Figura 3.11. – Observação do grau de liberdade motora
e de descontração voluntária das pernas, dos joelhos e
do pé, provocadas por mobilizações passivas e por
quedas.
A cotação a atribuir deverá ser a seguinte:

4, se a criança não revela tensões ou resistências em qualquer das


manipulações dos quatro membros; identificação de uma
capacidade de abandono, de autorrelaxamento e de
autodescontração perfeita, precisa e com facilidade de controle;
ausência total de manifestações emocionais;

3, se a criança revela tensões ligeiras e resistências muito fracas em


qualquer das manipulações; identificação de uma capacidade de
abandono, de autorrelaxamento e de autodescontração completa e
adequada; ligeiras manifestações emocionais;

2, se a criança revela tensões, bloqueios, resistências moderadas e


frequentes em qualquer das manipulações; identificação óbvia de
paratonias de contrações proximais e distais; emergência de
frequentes manifestações emocionais;

1, se a criança revela tensões, bloqueios e resistências muito fortes;


identificação de incapacidade e impulsividade de descontração
voluntária; eclosão abrupta e descontrolada de manifestações
emocionais; ausência de resposta, recusa por defensividade tátil
global; conservação de posições atípicas.
Conclui-se, assim, a observação dos subfatores da tonicidade que
dizem respeito ao tônus de suporte; passemos agora a descrever os
subfatores do tônus de ação: diadocodinesias e as sincinesias.

Diadococinesias

As diadococinesias compreendem, segundo Quirós e Schrager


(1978), a função motora que permite a realização de movimentos
vivos, simultâneos e alternados.
Trata-se de uma realização coordenada, sucessiva e antagônica de
movimentos com ambas as mãos, que põe em jogo a coordenação
cerebelosa. A realização rápida de movimentos de pronação e
supinação em ambas as extremidades superiores reflete a integração
inter-hemisférica da tonicidade de ação. A prova das diadococinesias
permite detectar movimentos associados fragmentados e dismétricos
(diadococinesias), que são o resultado de uma imaturidade na inibição
psicomotora.
A observação das diadococinesias na BPM inclui o seguinte
procedimento. A criança deve manter-se sentada confortavelmente,
com os antebraços fletidos sobre o braço, com os cotovelos em apoio
em cima da mesa e com os braços em extensão anterior sem apoio.
Nessa posição, realiza a prova clássica das marionetes, com
movimentos rápidos de pronação e supinação, simultâneos e
alternados em ambas as mãos. A criança deverá efetuar várias
experiências com e sem apoio dos cotovelos.
Deve-se verificar o jogo agonistas-antagonistas; as resistências
tônicas, proximais e distais; a amplitude, o ritmo, a velocidade e a
duração dos movimentos de pronação e supinação; as diadococinesias,
as crispações dos dedos, as reações arrítmicas decorrentes da
simultaneidade e alternância dos movimentos rápidos e vivos das
extremidades; a presença dos movimentos associados involuntários; a
discrepância dos movimentos da mão direita e da mão esquerda e,
entre elas, a que possui mais velocidade e regularidade na amplitude
etc., ao mesmo tempo que se devem registrar as reações tônico-
emocionais emergidas e as sincinesias contralaterais e linguais
concomitantes.
Figura 3.12. – Observação de movimentos rápidos de
pronação e supinação, simultâneos e alternados, em
ambas as mãos.
A cotação a atribuir é estabelecida em simultâneo para ambas as
mãos, devendo ser evocada a mão dominante, que, a princípio, será a
que revela mais velocidade e regularidade nos movimentos rápidos de
pronação e supinação. Dessa forma, a cotação será a seguinte:

4, se a criança realiza os movimentos de pronação e supinação


corretamente, com precisão e amplitude adequada, de forma
coordenada e harmoniosa; ausência de qualquer reação tônico-
emocional; evidência de diadococinesias intregradas inter-
hemisfericamente;

3; se a criança realiza os movimentos de pronação e supinação com


ligeiro desvio do eixo do antebraço com ligeiro afastamento do
cotovelo; se a mão esquerda realiza ligeiros movimentos em
espelho, quando a mão direita realiza a tarefa ou vice-versa; se
surgem ligeiras alterações de ritmo na realização simultânea;
presença de algumas reações tônico-emocionais;

2, se a criança realiza os movimentos de pronação e supinação


descoordenadamente e dismetricamente, sem amplitude ou
arritmicamente, desajeitadamente e embaraçadamente
(disdiadocosinesias), se a mão esquerda realiza nítidos movimentos
em espelho, quando a mão direita realiza a tarefa e vice-versa; se
sugem reações tônico-emocionais que interferem com a realização
da tarefa;

1, se a criança não realiza os movimentos de pronação e supinação,


ou movimentos associados involuntários bem marcados e nítidos;
perda de amplitude e ritmo; movimentos em espelho permanentes;
reações tônico-emocionais bem visíveis (sorrisos, tensões proximais,
distais, crispação dos dedos e da face, sincinesias, abdução e
adução do braço, afastamento do cotovelo etc.).

Sincinesias

As sincinesias traduzem, segundo Ajuriaguerra e Soubiran (1959),


reações parasitas de imitação dos movimentos contralaterais e de
movimentos peribucais ou linguais.
Trata-se efetivamente de movimentos não intencionais,
desnecessários, cuja eliminação exige inibição tônico-sinética. De
alguma forma, caracterizam sinais de incontinência do tônus (WALLON,
1946), cuja insuficiente inibição e regulação tônica produz, por
concentração hipertônica, movimentos bizarros e difusos nos membros
opostos aos que participam no movimento.
Ajuriaguerra e Stambak (1955) evocam que as sincinesias são
frequentes nas crianças de seis, sete e oito anos e que tendem a
desaparecer totalmente a partir dos 10 a 12 anos, por representarem
um aspecto fundamental da maturação neurológica.
De alguma forma, as sincinesias traduzem movimentos associados
que acompanham a realização no movimento intencional, prejudicando
a sua precisão e eficácia. Podem resultar da falta de informação dos
fusos neuromusculares que não registram devidamente as variações da
atividade motora e tônico-sinética, afetando a segmentação
progressiva do próprio movimento. A intensidade das sincinesias e a
sua duração podem afetar a coordenação dos movimentos, além de
fornecerem dados valiosos para determinar a lateralidade tônico-
motora da criança. As sincinesias servem ainda para despistar aspectos
da tonicidade induzida e problemas de ordem tônico-emocional.
A observação das sincinesias na BPM, além da tarefa das
diadococinesias, requer o seguinte procedimento. A criança deverá
manter-se sentada com ambas as mãos em cima da mesa, realizando
uma contração máxima da mão dominante com uma bola de espuma
compacta de 5cm de diâmetro (uma bola de tênis usada também é
adequada). Ao mesmo tempo que a criança realiza a tarefa, observar
os movimentos de imitação ou crispação, quer nos membros
contralaterais, quer peribucais, ou mesmo linguais, visando à detecção
de sincinesias bucais ou contralaterais.

Figura 3.13. – Observação dos movimentos


contralaterais, peribucais ou linguais.
A cotação a atribuir deve ter em conta as características de
realização já consideradas na tarefa das diadococinesias, podendo a
sua observação fornecer também dados significativos para a
identificação de sincinesias contralaterais e bucais. Tendo este aspecto
em consideração, a cotação conjunta deve ser a seguinte:

4, se a criança realiza as tarefas sem qualquer vestígio de sincinesias


bucais ou contralaterais, movimento de contração da mão
perfeitamente isolado e controlado, ausência total de movimentos
associados;

3, se a criança realiza as tarefas com sincinesias contralaterais


pouco óbvias e discerníveis, quase imperceptíveis; realização
adequada e controlada; detecção de ligeiros movimentos ou
contrações tônicas associadas;
2, se a criança realiza a tarefa com sincinesias bucais e
contralaterais marcadas e óbvias; realização com sinais desviantes;
presença de movimentos associados não inibidos;

1, se a criança realiza a tarefa com sincinesias evidentes, com flexão


do cotovelo, crispação dos dedos da mão contralateral, tensões
tônico-faciais e sincinesias linguais; movimentos associados difusos
e reações de sobressalto involuntárias, tremores.

A cotação das sincinesias conclui a descrição e a cotação do


primeiro fator da BPM – a tonicidade –, que está integrado na primeira
unidade funcional do modelo de organização neurológica de Luria, cuja
significação psiconeurológica passamos a equacionar. A média das
cotações dos vários subfatores deve ser apurada e lançada no perfil da
BPM.

Significação psiconeurológica

Os sinais captados com a observação do fator tonicidade são


inúmeros e complexos, difíceis mesmo de objetivar ou estandardizar,
exatamente porque cada sinal pode representar diferentes tipos de
significação psiconeurológica.
Os subfatores no seu conjunto, quer os do tônus de suporte, quer
os do tônus de ação, refletem de alguma forma o estado geral da
postura, a organização motora de base, a estruturação tônico-
muscular, a organização proprioceptiva, bem como o nível geral de
reação tônico-emocional e o estado de atenção e de integração
sensorial.
A organização motora de base é o primeiro alicerce fundamental do
sistema funcional complexo, que compreende a Psicomotricidade. Sem
a organização tônica e o suporte, a atividade motora não se
desencadeia nem a estruturação psicomotora se desenvolve. A
tonicidade requer não só uma hipercomplexa organização de padrões,
reflexos a todo o nível do neuroeixo, como subentende toda a
integração sensorial subcortical e cortical.
A tonicidade reflete, por consequência, o primeiro degrau de
maturidade neurológica do ser humano, suportando os padrões
antigravíticos e preparando a sequência ordenada das aquisições do
desenvolvimento postural e do desenvolvimento da preensão.
A tonicidade envolve uma integração progressiva de reflexos que se
organizam de forma hierarquizada, traduzindo uma transição gradual
do controle reflexo ao controle voluntário. (ZELAZZO, 1976)
Esta organização hierarquizada dos reflexos tônico-posturais
corresponde à função de modulação da formação reticulada, que
essencialmente fornece os elementos básicos com os quais o
movimento voluntário se constrói e regula.
A maturidade do sistema nervoso edifica-se a partir da organização
tônica, daí a significação psiconeurológica dos sinais que podem ser
captados pela BPM, não só no que compreende o perfil hipotônico ou
hipertônico mas também no que respeita à detecção de paratonias,
bloqueios, movimentos involuntários coreiformes e atetotiformes etc.
As respostas exageradas (hipoextensibilidade ou
hiperextensibilidade) podem ser logo um sinal de imaturidade, que
tendem a ser confirmadas nas tarefas subsequentes da BPM. A fraca
tensão (hipotonia) ou a tensão exagerada (hipertonia) evocam
predisposições de comportamento que se refletem na quantidade e na
qualidade da atividade da criança. Hiperatividade ou hipoatividade
estão normalmente associadas a tipos de personalidade diferentes, que
sugerem, normalmente, estilos cognitivos específicos impulsivos ou
inibidos. Casos extremos de espastividade ou de atetose traduzem
sempre uma frágil e vulnerável organização tônica, que repercute em
todas as atividades da criança, quer psicomotoras, quer simbólicas.
A hipoextensibilidade ou a hiperextensibilidade do tronco em
relação aos membros inferiores, ou a presença de paratonias pode
evocar problemas posturais e desenvolvimento das aquisições (skills) de
locomoção. A deteção de distonias, disquinesias, mioclonias ou
sinergias onerosas pode ser sinais de ligeiras alterações maturacionais
da lei cefalocaudal. A frequência de tais sinais e as suas assimetrias
podem refletir-se ao nível da lateralização e igualmente ao nível da
praxia global. As dismetrias e os movimentos abruptos, convulsivos e
mal controlados que estão contidos neste fator da BPM têm muitas
vezes relações com a detecção de sinais tônicos desviantes.
Do mesmo modo, a hipoextensibilidade ou a hiperextensibilidade
nos membros superiores, a justificar a presença de sinais tônicos
atípicos, paratonias, disdiadococinesias, sincinesias etc., provavelmente
revelam ligeiras alterações maturacionais na lei próximo-distal, que
tende a implicar problemas de desenvolvimento da preensão. Nesse
caso, são muito mais visíveis e óbvias as assimetrias, que traduzem a
função de dominância em nível da lateralização. Muitos dos sinais
tônicos dos membros superiores refletem-se também na praxia fina,
pela importância que desempenha na organização psicomotora a
preferência manual nas atividades mais diferenciadas.
A persistência de reações tônico-emocionais, como movimentos
faciais, gesticulações, sorrisos, disquinesias, mioclonias, bloqueios
respiratórios, tiques, hiperemotividade, instabilidade e impulsividade,
defensibilidade tátil etc., traduz igualmente uma disfunção tônica não
só revelada nos fatores psicomotores mas também no nível geral de
atividade evidenciado pela criança.
A atenção seletiva, a vigilância perante as situações, o controle de
ativação, o tônus cortical, a motivação e a excitabilidade, ideal
relacional, implícita nas relações entre observador e observado, são
também perceptíveis a partir das tarefas da tonicidade.
A tonicidade subentende o nível mais baixo da organização
psicomotora da criança e está integrada na primeira unidade funcional
luriaria, sendo basicamente responsável pelas funções de atenção, de
alerta e de ativação dos estados mentais globais. Por essa razão, está
integrada, como já referimos, na formação reticulada, uma das
estruturas filogenéticas mais antigas do sistema nervoso e a estrutura
que ontogeneticamente apresenta uma maturação mais precoce.
Por último, a tonicidade compreende a modulação (facilitação-
inibição) de todos os impulsos aferentes e eferentes e, por isso, assume
uma função de integração sensorial de grande significação
psiconeurológica. Processos reflexos, automáticos e volitivos passam
pela formação reticulada como via final comum, na medida em que
todas as manifestações dos centros superiores corticais estão sujeitos à
sua modulação por meio dos sistemas ascendentes e descendentes.
Dados táteis, quinestésicos, vestibulares, proprioceptivos e
exteroceptivos são aqui modulados em termos tônicos, daí que o
estado tônico em que se espelhe e retrate o estado mental geral.
A vigilância ou a atenção contida na interação entre organismo e
meio é superiormente modulada no tronco cerebral, desde o peixe ao
homem e desde a criança ao adulto.
É uma função primitiva de sobrevivência, uma função vital. Sem a
sua participação, a evolução não ocorreria; sem a sua modulação, a
maturação neurológica na criança surgiria afetada.
A tonicidade compreende o grau de funcionalidade do tronco
cerebral (tálamo incluído), ou seja, a primeira unidade funcional do
modelo de Luria.
Porque todas as sensações, para serem integradas, necessitam de
um tônus ideal (eutonia), a observação de sinais tônicos atípicos pode
ajudar a compreender vários problemas de desenvolvimento
psiconeurológico na criança, uns mais implicados com a
Psicomotricidade, outros mais implicados com as aprendizagens
simbólicas.
A multiplicidade, a convergência e a integração de dados (input)
sensoriais reclamam a integridade da função tônica. Sem a função
tônica integradora, todas as informações provenientes de diferentes
modalidades sensoriais se perdiam no universo do córtex.
A influência que a formação reticulada tem em todo o córtex
confere-lhe um papel imprescindível em todas as atividades humanas.
Conseguir, por meio de tarefas de exploração e de manipulação,
detectar sinais tônicos atípicos pode fornecer dados de grande
relevância para avaliarmos o nível de controle, de alerta, de focagem e
de atenção que dispõe uma criança.
A tonicidade contém, em certa medida, o poder discriminativo e
diferenciador da informação que circula no córtex, quer de origem
intracorporal, quer de origem extracorporal, daí que a sua função seja
relevante para todo o processamento da informação (decodificação-
codificação), desde a mais simples até a mais complexa, exercendo,
mesmo assim, em todos os tipos de informação uma permanente
influência recíproca.
A atenção, a orientação, o controle, a adaptação etc. reclamam a
participação da tonicidade, função de transição entre o corpo e o
cérebro e entre esse e o meio.
Ela está na base da organização de toda a informação sensorial,
inibindo-a, facilitando-a, retendo-a, analisando-a e sintetizando-a, em
uma palavra, assistindo-a, para que sirva de base às funções mais
hierarquizadas.
A função tônica, por meio da função moduladora e integradora da
formação reticulada, assegura a transdução dos impulsos sensoriais em
informação de maior complexidade, cuja significação psiconeurológica,
em termos de psicomotricidade ou de aprendizagem, parece-nos óbvia.
Sinais de hiperatividade e distratibilidade ou de hipoatividadee
bradicinesia são casos extremos que objetivam as implicações da
tonicidade em termos de comportamento e de aprendizagem.

3.2.3. Equilibração
Considerações gerais

O segundo fator da BPM está também incluído na primeira unidade


funcional do modelo psiconeurológico de Luria, cuja função
fundamental, como já foi apontado, compreende a função de
vigilância, de alerta e de atenção.
A equilibração não é focada detalhadamente no modelo luriano,
mesmo quando disseca os múltiplos fatores integradores do
movimento voluntário. Na BPM, porém, a equilibração é uma condição
básica da organização psicomotora, visto que envolve uma
multiplicidade de ajustamentos posturais antigravíticos, que dão
suporte a qualquer resposta motora. A equilibração reflete,
consequentemente, a resposta motora vigilante e integrada, em face
da força gravitacional que atua permanentemente sobre o indivíduo.
A equilibração reúne um conjunto de aptidões estáticas e
dinâmicas, abrangendo o controle postural e o desenvolvimento das
aquisições de locomoção.
A postura humana tem intrigado muitos investigadores em muitos
espaços científicos, nomeadamente anatomistas, fisiologistas,
antropologistas, ortopedistas, fisiatras, psiquiatras, biólogos,
cinesiólogos etc.
As perspectivas antropológicas centram-se em uma perspectiva
evolutiva, que envolve mudanças morfológicas progressivas, cujas
características exclusivas da espécie humana permitiram atingir a
postura bípede. Muitos antropologistas, como Tobias (1966), Montagu
(1964), Simons (1972), Simpson (1940), Clark (1972) e muitos outros,
têm assumido que foi a adaptação arborial e a concomitante
braquiação que conduziu à postura vertical humana. (FONSECA, 1982)
As perspectivas cinesiológicas dedicam-se mais preferencialmente
ao critério de “postura correta”, que em si implica outros tipos de
análise, quer do ponto de vista biomecânico, quer estético ou cultural.
A postura nessa dimensão não compreende apenas aspectos
anatômicos e mecânicos nem se define unicamente pelo alinhamento
vertical do centro de gravidade da cabeça, do tronco e dos membros
inferiores. (RASH e BURKE, 1974)
A análise cinesiológica da postura visa antes ao estudo energético e
às vantagens biomecânicas apropriadas para o uso do movimento nos
desportos, na ergonomia, na cinesioterapia e a reabilitação. Os desvios
posturais estruturais e funcionais (lordoses, cifoses, escolioses etc.) são
nela encarados como problemas mecânicos que levam a um maior
desgaste energético dos músculos antigravíticos. (GRIBENSKI e
CASTON, 1973)
As perspectivas neurológicas advogam, por outro lado, que o corpo
humano é mantido em uma posição apropriada por meio do controle
automático dos sistemas para e extrapiramidais ou do controle
voluntário dos sistemas piramidais.
Tais sistemas, que resultam de uma ontogênese específica e
complexa, garantem uma contração permanente (tônica) com baixo
nível energético, cuja função primordial visa compensar o efeito da
força gravitacional.
A postura ereta é, por consequência, mantida pelo jogo
coordenado de órgãos especiais (órgãos tendinosos e fusos
neuromusculares), que, por meio do reflexo miotático modulado,
produzem uma interação neuromuscular, onde participam vários
centros subcorticais, corticais e cerebelosos.
Sherrington (1906) evocou que a postura acompanha o movimento
como uma sombra, tendo referido, igualmente que todo o movimento
começa em uma postura e termina em outra.
Movimento e postura são, de fato, inseparáveis em termos de
controle motor. O movimento tende a deslocar uns segmentos
corporais em relação a outros, ou a totalidade do corpo em relação ao
solo (MASSION, 1984). A postura, ou seja, a sua manutenção, é um
processo ativo regulado por uma grande variedade de inputs sensoriais
e centrais, que previnem a mudança de qualquer posição.
De alguma forma, os sistemas de controle do movimento e da
postura coatuam e coajustam-se ao mesmo tempo, isto é, são
coordenados sinergeticamente, a fim de manterem uma ação
integrada.
A postura é o resultado de vários mecanismos básicos já referidos
quando tratamos do primeiro fator da BPM. Primeiro, exige o tônus
muscular, que confere aos músculos a capacidade de aumentar as
articulações em posições apropriadas. Segundo, reclama um tônus
adicional nos músculos extensores, que contrariam adaptativamente a
gravidade. A cocontração de músculos antagonistas é essencial para
permitir as várias fixações (pescoço, ombro e membros), que suportam
o peso do corpo e dão à postura a faceta de um sistema funcional
complexo. (LURIA, 1973)
A postura ereta em condições normais envolve a interação não só
de várias estruturas neurofisiológicas mas também de vários sentidos e
sistemas funcionais. Só o esforço combinado de simples reflexos
(reflexos tônicos e reflexo miotático) da informação proprioceptiva, da
integração vestibular (enviada ao cerebelo e depois ao cérebro), da
ativação da formação reticulada (sistema gama), da informação visual e
dos movimentos voluntários, coadjuvado com as leis físicas do
equilíbrio, pode materializar a função de equilibração. (MAGNUS e
KLEIJN, 1924)
A equilibração compreende, em termos psicomotores, a integração
da postura em um sistema funcional complexo, que combina a função
tônica e a proprioceptividade nas inúmeras relações com o espaço
envolvente. (QUEIRÓS e SCHRAGER, 1978)
O segundo fator psicomotor da BPM não se esgota no controle do
universo intracorporal; ele se encontra em permanente interação com o
universo extracorporal, coordenando informações internas e externas,
indispensáveis a qualquer atividade motora ou de aprendizagem.
A equilibração assume dentro desses parâmetros uma
potencialidade corporal, que serve de base para estruturar qualquer
processo humano de aprendizagem.
A equilibração traduz a exclusividade da postura bípede humana de
onde partem orientações extrabiológicas únicas e peculiares. A
complexa integração sensorial que está na base da equilibração é
especificamente humana. Dela partem as orientações simbólicas
definitivas da humanidade.
A apropriação da postura bípede, que se encontra dependente da
mielinização, é uma construção do cérebro distinta no homem e no
animal. A ação coordenada e simultânea da proprioceptividade, da
tonicidade e da exteroceptividade, transformadas no sistema complexo
que traduz a equilibração, é, sem margem para dúvidas, uma
combinação básica de qualquer processo de aprendizagem, daí a sua
importância e inclusão na BPM.
A equilibração é um passo essencial do desenvolvimento
psiconeurológico da criança, logo um passo-chave para todas as ações
coordenadas e intencionais, que, no fundo, são os alicerces dos
processos humanos de aprendizagem.
Se a equilibração, que está integrada na primeira unidade funcional
do modelo de Luria, não é suficientemente integrada e controlada
pelos sistemas funcionais que a constituem, a intervenção das outras
unidades e respectivos centros superiores será reclamada. Quando, de
fato, os centros superiores são forçados a entrar em ação para manter
a postura, é claro que as potencialidades de aprendizagem diminuem.
Quando os centros superiores são forçados a atuar em nível das
funções de equilíbrio, o potencial psicomotor e as capacidades
psíquicas superiores falham ou reduzem a sua adaptabilidade.
O cérebro, para estar mais apto a aquisições complexas, tem
necessidade de transferir as funções motoras mais simples para centros
automáticos; daí a repercussão dos problemas posturais em todas as
funções de aprendizagem, sejam psicomotoras ou psicolinguísticas.
A resposta à gravidade expressa em competências antigravíticas é
uma das adaptações filogenéticas mais antigas, pois serve de substrato
a todas as aquisições sensório-motoras ulteriores (AYRES, 1977). A
gravidade é, em última análise, uma fonte de estimulação sensorial em
nível do sistema vestibular e uma condição básica à percepção do peso
do corpo, sem as quais não é possível uma locomoção espacial
coerente. A locomoção, em todos os vertebrados, é a base da procura
da nutrição e da sobrevivência; ela está certamente implicada na
evolução dos seus sistemas nervosos. (FONSECA, 1982)
Locomoção e equilibração surgem, em termos evolutivos,
intimamente associadas, quer na postura quadrúpede, quer na postura
bípede, pois ambas contêm em si uma característica complexa de
automaticidade. Automaticidade que se revela diferenciadamente nos
animais e no homem, visto que a superação da “escravatura gravítica”
assume no bebê humano uma longa maturação neurotônica, desde os
reflexos de endireitamento à postura da cabeça e à postura de sentado
até atingir a segurança gravitacional bípede.
O nível de organização neurológica da equilibração envolve
essencialmente o tronco cerebral, o cerebelo e os gânglios da base,
estruturas que cabem dentro da primeira unidade funcional do modelo
de Luria.
Os ajustamentos posturais no ser humano são integrados, na sua
maioria, por estruturas subcorticais de significação funcional
filogenética, que se assumem como inatas e, portanto, como
evolutivamente garantidas. Não se tem dado, por essa razão, muita
importância a disfunções dos mecanismos posturais, quando muito
frequentemente os problemas perceptivos ou de aprendizagem têm a
sua origem em uma fraca integração proprioceptiva e vestibular,
sugerindo de alguma forma problemas de modulação tônica em nível
do tronco cerebral.
Denny-Brown (1962), por exemplo, atribuiu ao mesencéfalo os
mecanismos que integram os reflexos tônicos do pescoço, os reflexos
tônico-labirínticos, os reflexos oculares, os reflexos de endireitamento e,
até mesmo, os padrões motores de sentar, levantar, andar e trepar. O
subtrato para criar reações de comportamento mais elaboradas e para
gerar padrões adaptativos tem certamente no tronco cerebral e no
mesencéfalo estruturas de suporte muito importantes, estruturas essas
que governam e regulam as respostas adaptativas básicas, como a
equilibração.
Para Trevarthen (1968), a influência do mesencéfalo tem mais a ver
com as funções visuais e auditivas subtalâmicas e com a integração
inter-hemisférica do que com as funções posturais propriamente ditas,
sugerindo já este autor uma implicação superior das funções posturais.
Desde o momento em que a criança de quatro meses levanta a
cabeça, como uma reação antigravítica essencial à sua maturação
neurológica, o cérebro não para de integrar a função da gravidade. A
inibição (integração) dos reflexos tônicos do pescoço e dos reflexos
tônico-labirínticos resulta em um sistema sensório-motor cada vez mais
hierarquizado e organizado e de onde partem, efetivamente, os
sucessivos estádios na apropriação da postura. (BOBATH,1966)
O domínio postural é um domínio da gravidade adquirida à custa
da cocontração tônica dos músculos da profundidade, ação de suporte
que estabiliza as estruturas articulares onde a cocontração básica dos
músculos da superfície se desenrola adequadamente.
Se as reações tônicas dos músculos das articulações forem
ineficazes ou fracas, a estabilização de tais articulações não se dá e,
consequentemente, os músculos das articulações distais deixam de
atuar convenienternente. As constelações de contrações musculares
que implicam o movimento voluntário humano têm na sua retaguarda
outras constelações de contrações, cuja natureza é essencialmente
tônica. A modulação tônica, por conseguinte, é vital a qualquer reação
postura!.
A modulação tônica que encerra o domínio da equilibração é
dependente do mecanismo de integração sensorial dos fusos
neuromusculares. Os fusos neuromusculares, com dois tipos de
receptores sensoriais (FONSECA, 1 971), associados a fibras-gama
eferentes diferentes, atuam tonicamente como mecanismos de
feedback sensorial em estreita comunicação com o sistema nervoso
central. De um lado, a contração tônica associa-se com as terminações
aferentes secundárias; do outro, a contração fásica associa-se com as
terminações aferentes primárias, daí resultando funções estáticas e
fásicas interdependentes. E a informação “tônica” aferente oriunda
dos fusos neuromusculares que assegura os múltiplos circuitos
posturais, não só em nível do tronco cerebral mas também em nível do
neocerebelo, produzindo por esse servomecanismo as necessárias
cocontrações e sinergias próximo-distais.
É agora fácil perceber por que é que o sistema vestibular participa
na equilibração de forma tão relevante. O sistema vestibular está
estritamente associado com as terminações aferentes secundárias dos
fusos neuromusculares, pois cabe-lhe a coordenação das contrações
tônicas e fásicas dos diferentes grupos musculares, realizando por esse
mecanismo uma complexa integração sensorial de grande importância
na organização da equilibração e na orientação espacial da
motricidade. (AYRES, 1977; e FONSECA, 1984)
Para uma orientação espacial bem-sucedida, é necessário uma
adequada informação sobre o corpo e os seus movimentos; por
conseguinte, a informação acerca do grau da tensão muscular dada
aferentemente pelos fusos neuromusculares é crucial. Tal detecção de
tensões e de deslocamentos, de aceleração e desacelerações (angulares
ou lineares), é superiormente integrada pelo sistema vestibular; daí a
sua interfuncionalidade com a tonicidade e a equilibração.
A função do fuso neuromuscular é a chave para a manutenção do
tônus muscular, e esta é fundamental para a regulação da equilibração.
A sua disfunção é, em certa medida, sinônimo de inadequada
informação sensorial. A disfunção tônica sugere uma reduzida
aferência neuromuscular, que tende a produzir efeitos em nível da
integração proprioceptiva e vestibular. A inadequada integração
vestibular e proprioceptiva daí resultante reduz a atividade dos fusos
neuromusculares, que, por sua vez, tornam-se menos eficientes, pondo
em risco a implementação de qualquer reação motora, incluindo os
reflexos posturais e os movimentos voluntários. A tonicidade está assim
relacionada com a integração sensorial e está inexoravelmente
dependente da organização da equilibração.
O sistema vestibular como um órgão especializado da equilibração
compreende um componente funcional periférico em nível do ouvido
interno e um componente funcional interno situado nos núcleos
nervosos do tronco cerebral.
Com uma grande idade filogenética, e o primeiro sistema sensorial
a mielinizar-se, esse sistema desempenha duas funções sensório-
motoras vitais à sobrevivência das espécies: a detecção do movimento e
a detecção da gravidade. Com base nessas funções, o sistema
vestibular ajuda o cérebro, desde a vida intrauterina, a conhecer
quando qualquer sistema sensorial está ligado à motricidade.
O sistema vestibular entra em atividade quando a interação com o
envolvimento se produz, interação essa só possível de ser gerada,
quando subsiste a integridade desse sistema de integração
proprioceptiva.
Segundo Ayres (1977 e 1981), o movimento é integrado pelos
canais semicirculares, enquanto paralelamente a gravidade é integrada
pelo sáculo e pelo utrículo. Qualquer lesão em um dos dois sistemas
vestibulares altera radicalmente as funções de equilibração e de
motricidade.
O sistema vestibular é seguramente um dos processos básicos de
convergência polissensorial, indispensável à interação com a superfície
terrestre, onde atua a força gravitacional. Tal interação, primária e vital,
contida na equilibração só pode gerar outras relações mais complexas,
quando esta resulta verdadeiramente integrada.
As suas interações neurofuncionais descendentes estão em relação
com os núcleos motores subcorticais no tronco cerebral e da medula,
atuando em nível dos motoneurônios alfa e gama, regulando o tônus
postural, provocando, em concomitância, os reflexos tônicocervicais, de
onde emergem modulações tônicas para o tronco e para os membros.
As ascendentes atuam em nível do cerebelo da protuberância, dos
núcleos vermelhos e do córtex, produzindo coordenações visório-
vestibulares e modulações tônicas facilitadoras e inibidoras
fundamentais à função de equilibração e igualmente a outros fatores
psicomotores, como a noção do corpo, a estruturação espaço-temporal
e as praxias.
O sistema vestibular, verdadeiro analisador estático-dinâmico
multissensorial (FONSECA, 1984), não só responde pela postura mas
também pela orientação espacial, dada a sua inter-relação com outros
receptores somáticos e visuais, bem como responde pela organização
perceptiva e pelo potencial de aprendizagem.
Porque a gravidade é a força universal mais constante do nosso
planeta, nenhum ser vivo pode subsistir sem se relacionar com ela,
razão pela qual a sua superação e domínio culmina em uma das
aquisições mais significativas da espécie humana – a postura bípede,
verdadeiro marco da hominização, em que obviamente está integrada
a evolução do sistema vestibular e o seu papel em todo o
desenvolvimento perceptivo e cognitivo.
O sistema vestibular tem inúmeras conexões e, por isso, repercute
em toda a organização psicomotora. As sensações provocadas pela
gravidade são uma referência básica a todas as outras informações
sensoriais e perceptivas, daí a sua implicação no desenvolvimento das
funções visuais e auditivas, e certamente, a sua repercussão no
desenvolvimento da aprendizagem.
O núcleo vestibular do tronco cerebral, além de processar
informação dos músculos, das articulações, dos tendões e da pele,
processa ainda informação dos receptores visuais e auditivos. Organiza
em suplemento outros impulsos, que advêm do tronco cerebral, do
cerebelo e de muitas outras partes do córtex, especialmente do lóbulo
parietal, garantindo a ligação da informação propriocepiva com a
exteroceptiva, fornecendo as condições básicas da organização
perceptiva da visão e da audição, daí, consequentemente, a sua
influência no desenvolvimento psicomotor e emocional.
Por razões óbvias, influencia a visão, visto que está associado aos
centros que regulam os músculos dos olhos, e a audição na medida em
que está ligado em termos anatômicos no ouvido interno e associado
aos músculos do pescoço, que orientam a cabeça para as fontes de
estimulação sonora. Coordena todas as informações visuais e auditivas
com a cabeça e o corpo para lhes induzir a significação da informação,
na medida em que só um campo perceptivo estável (visual e auditivo) o
pode garantir.
Sem um sistema vestibular funcional, os olhos e a cabeça não
podem estabilizar as condições posturais que estão na base da
captação e do processamento da informação sensorial.
A produção de contrações musculares reflexas nos olhos
(nistagmos), após estimulação vestibular, é uma simples prova de
inúmeras relações funcionais do sistema vestibular com os outros
sentidos. Provavelmente, sem essa condição básica, os outros sentidos
não podem interagir, prejudicando a formação dos processos gnósicos
indispensáveis às aprendizagens mais complexas.
A informação vestibular processada proprioceptivamente é
indispensável à visão para se relacionar com o espaço, quer para o
movimento global, quer para as manipulações dos objetos.
A visualização espacial joga indubitavelmente com o sistema
vestibular, verdadeiro giroscópio do corpo. A informação visual só é útil
quando relacionada com alguma referência postural. Tal referência é
desempenhada no corpo humano pelos canais semicirculares do
sistema vestibular, verdadeiro radar endopsíquico, que interfere
naturalmente com a noção do corpo (somatognosia).
O sistema vestibular influencia também as funções emocionais e o
comportamento, dadas as suas intrincadas conexões com o sistema
límbico, que só pode funcionar adequadamente desde que seja
modulada pelos outros sentidos. A ausência de estimulação vestibular
pode provocar reações de agressividade ou de isolamento; muitas
experiências animais obtêm aprovação (HARLOW, 1958 e 1971), e no
ser humano, fundamentalmente na criança, os seus efeitos emocionais
são concludentes em termos de manifestações afetivas. A relação com
o campo gravitacional certamente precoce em termos de relação entre
mãe e filho é uma condição do desenvolvimento global da criança.
A segurança gravitacional está na base do controle postural e da
equilibração, na medida em que traduz a integridade do sistema
vestibular. A insegurança postural ou gravitacional gera naturalmente
instabilidade emocional, hiperatividade, ansiedade, distratibilidade etc.,
alterando todas as condições necessárias ao processamento da
informação. Debaixo de uma insegurança gravitacional, não se pode
integrar informação sensorial nem organizar percepções ou associações
de nível superior.
Com insegurança gravitacional, a equilibração não se realiza
apropriadamente, toda a instabilidade emocional se desencadeia, e
nenhuma atenção seletiva ou controle é possível. O desenvolvimento
emocional e psicomotor estão comprometidos, e as dificuldades de
aprendizagem tendem a eclodir.
O sistema vestibular organiza e participa na elaboração de respostas
posturais e adaptações de equilibração, está necessariamente envolvido
nas funções de vigilância, de alerta e de atenção, condições inerentes à
primeira unidade funcional de Luria e envolvidas em todas as funções
de processamento da informação. A sua função opera-se muito antes
dos sistemas proprioceptivos e exteroceptivos; daí a sua marcada
influência na evolução de outros sistemas funcionais mais complexos e
hierarquizados.
As funções vestibulares e reticulares operaram em termos
filogenéticos e operam em termos ontogenéticos, muito antes dos
sistemas tátil-quinestésicos, visuais e auditivos. Estes novos sistemas
emergidos na formação reticulada estruturaram-se e estruturam-se a
partir do sistema vestibular ao longo de toda a evolução, razão pela
qual a detecção de sinais vestibulares é tão importante na observação
de crianças com problemas psicomotores ou de aprendizagem.
Da observação do fator da equilibração, ressaltam, como podemos
prever por estes dados, inúmeros sinais que nos possibilitam avaliar até
certo ponto como o cérebro processa a informação.
As disfunções vestibulares detectadas nas tarefas da BPM
permitem-nos ir além do fator motor da equilibração, na medida em
que elas nos fornecem sinais atípicos de desintegração sensorial e
psicomotora. Não só se avalia a qualidade da organização tônica e
reflexivo-postural, como se captam dados de natureza proprioceptiva
que revelam o funcionamento dos fusos neuromusculares, dos órgãos
neurotendinosos e de células de Renshaw, que consequentemente
definem toda uma integração postural e motora. As alterações da
inervação recíproca, as modificações do sistema gama, as lentas
aferências tônicas, vão obviamente produzir reações posturais
compensatórias mais explosivas e reequilibrações mais abruptas e
descontroladas.
A presença de movimento na cabeça mais incessantes e menos
inibidos, sinais de dismetria e de discronometria, perturbações de
coordenação nos diversos componentes da equilibração, assinergias
coadjuvadas com hipercorreções exageradas e imprecisas, perda de
direção e de orientação postural-espacial, marcha controlada pesada,
rígida e titubeante, alargamento da base de sustentação, movimentos
de compensação dos braços mais amplos, equilíbrios e reequilíbrios
mais vigiados etc. revelam certamente sinais disfuncionais, vestíbulo-
cerebelosos que, no seu todo, demonstram uma equilibração mais
precária, com inequívocas repercussões na capacidade de o córtex
processar informação mais complexa.
É com base na pesquisa destes sinais disfuncionais posturais que o
fator de equilibração na BPM compreende o estudo dos subfatores da
imobilidade, do equilíbrio estático e do equilíbrio dinâmico, que
passamos desde já a descrever.
As instruções a dar à criança devem ser transmitidas verbalmente,
de forma que se observe a sua capacidade em traduzir a estrutura
simbólica em movimentos concretos. Só em último recurso, recorre-se à
imitação ou à realização motora assistida.
Descrição dos subfatores e cotação

Imobilidade

A imobilidade é definida por Guilmain (1971) como a capacidade


de inibir voluntariamente todo e qualquer movimento durante um
curto lapso de tempo.
Por meio da sua observação, podemos avaliar a capacidade da
criança em conservar o equilíbrio com os olhos fechados, os
ajustamentos posturais, as reações tônico-emocionais (ansiedade,
turbulância, instabilidade etc.), os movimentos faciais, os movimentos
involuntários, como gesticulações, sorrisos, oscilações multidirecionais e
unidirecionais, distonias, os movimentos coreiformes e atetotiformes
etc., isto é, apreciar o grau de controle vestibular e cerebeloso da
postura.
A rigidez corporal, os desvios de simetria, a observação dos pés, dos
joelhos, do tronco e dos braços e das mãos, embora indiretos, podem
clarificar outros sinais relevantes nessa tarefa.
A criança inibida apresenta normalmente uma blocagem tônico-
respiratória, crispações peribucais e periorbitais, mímicas de
hipercontrole, insegurança geral etc.
A criança instável, em contrapartida, apresenta outro tipo de sinais,
como a instabilidade, oscilações variadas, reequilibrações abruptas,
descontrole, sorrisos, gesticulações múltiplas etc.
Ver se imobilidade é assegurada pelos músculos da superfície, como
o reto abdominal e a quadricípite femural, e apreciar o grau de
disponibilidade tônica são fatores importantes a ter em conta.
Turbulência, agitação, compensações exageradas, hiperextensões,
tremulações e flutuações são outros sinais difusos significativos que
caracterizam a realização deste subfator da equilibração.
Dentro dos sinais difusos que traduzem disfunções vestibulares e
cerebelosas, temos a referir essencialmente os seguintes:

— movimentos faciais: movimentos involuntários da cabeça –


rotações e inclinações esporádicas; distonias periorais e
perioculares; movimentos irregulares da boca, dos lábios e da
língua; foações e deglutinações; movimentos bruscos
descontrolados, crispações faciais localizadas etc.;

— gesticulações: movimentos involuntários do tronco; desvios


simétricos e assimétricos; movimentos abruptos e explosivos dos
braços – endorrotações e exorrotações; flexões e extensões;
abduções e aduções; desalinhamentos incessantes da cabeça do
tronco e da bacia; disquinesias, contorções bizarras; movimentos
pseudocoreiformes proximais (ombros) e distais (dedos);
movimentos intempestivos pouco econômicos; movimentos coreico-
atetósicos; movimentos coreáticos grosseiros e amplos; movimentos
atetoides lentos e irregulares dos dedos etc.;

— sorrisos: expressões mímicas inadequadas, atividade caricatural


desordenada e sem relação com a tarefa; desbloqueios tônico-
emocionais; manifestações emocionais transitórias; sorrisos
mioclônicos breves e em descarga etc.;

— oscilações: flutuações ligeiras da postura, oscilações rítmicas,


mioclonias involuntárias e bruscas, reequilibrações do deslocamento
do centro de gravidade direita-esquerda e frente-trás; oscilações
unidirecionais seguidas de reequilibrações explosivas abruptas e mal
controladas; oscilações multidirecionais irregulares, disarmônicas e
hesistantes; desequilíbrio unidirecional e multidirecional mal
compensado e inibido;

— rigidez corporal: distonias, disquinesias cervicais, defeitos


estáticos, contrações incessantes dos tendões do tibial anterior e
dos extensores; anteflexões e retroflexões do tronco; inibição
postural com hipertonia; mioclonias não sinergéticas; hiperextensão
do punho e dos dedos; flexão dos ombros; pronação excessiva da
mão; abdução do punho; pressão e alteração da estabilidade do
arco da superfície plantar; bloqueio respiratório; espamos diversos;

— tiques: movimentos rítmicos localizados, movimentos parasitas,


sacudidelas, fasciculações, movimentos palpebrais constantes
acompanhados de nistagmos, assinergia dos globos oculares;
tremulações etc.;
— hiperemotividade: agitação, instabilidade, movimentos
assíncronos dos braços e dos dedos, ansiedade; movimentos
atetósicos, imobilidade anárquica incessante etc.

Trata-se, evidentemente, de uma miríade de sinais, difíceis de


registrar pela variedade e certamente pela significação. Apresentamo-
los neste subfator, mas eles também caracterizam os outros dois
subfatores seguintes.

Figura 3.14. – Observação da imobilidade – controle


postural durante 60 segundos com os olhos fechados
Na BPM, a imobilidade compreende o seguinte procedimento: a
criança deverá manter-se na posição ortoestática durante 60 segundos
com os olhos fechados e os braços pendentes ao lado do corpo, com
apoio palmar das mãos e dos dedos na face lateral da coxa, pés juntos,
simétricos e paralelos.
O observador deve manter na preparação da posição um contato
com a criança, transmitindo-lhe confiança e segurança. Os sinais
disfuncionais devem ser registrados tendo em consideração a sua
sequência temporal.
A cotação a atribuir deverá ser a seguinte:
4, se a criança se mantém imóvel durante os 60 segundos,
evidenciando um controle postural perfeito, preciso e com
disponibilidade e segurança gravitacional; nenhum sinal difuso deve
ser identificado;

3, se a criança se mantém imóvel entre 45 e 60 segundos,


revelando ligeiros movimentos faciais, gesticulações, sorrisos,
oscilações, rigidez corporal, tiques, emotividade etc.; realização
completa adequada e controlada;

2, se a criança se mantém imóvel entre 30 e 45 segundos,


revelando sinais disfuncionais vestibulares e cerebelosos óbvios,
insegurança gravitacional;

1, se a criança se mantém imóvel pelo menos 30 segundos, com


sinais disfuncionais bem marcados, reequilibrações abruptas,
quedas, hiperatividade estática etc.; insegurança gravitacional
significativa.

A cotação obtida deve ser então registrada na ficha da BPM,


assinalando o número correspondente.

Equilíbrio estático

O equilíbrio estático requer as mesmas capacidades da imobilidade


e, no fundo, reveste-se exatamente das mesmas características e
significações nela descritas.
O subfator do equilíbrio estático consta de três provas de duração
de 20 segundos, efetuadas em duas tentativas possíveis. Para as
crianças em idade pré-primária (4 a 5 anos), as provas devem ser
realzadas com os olhos abertos; a partir dos seis anos, as provas são
efetuadas com os olhos fechados. As mãos devem apoiar-se nos
quadris, com a finalidade de evitar movimentos compensatórios dos
braços.
As três provas são as seguintes: apoio retilíneo, manutenção do
equilíbrio na ponta dos pés e apoio unipedal.
O procedimento para cada uma das tarefas deverá ser o seguinte:
No apoio retilíneo, a criança deve colocar um pé no prolongamento
exato do outro, estabelecendo o contato do calcanhar de um pé com a
ponta do pé contrário, permanecendo assim durante 20 segundos.
Cabe igualmente nessa tarefa e nas duas seguintes avaliar as
mesmas funções do controle postural e da equilibração. A detecção
dos sinais disfuncionais vestibulares e cerebelosos segue as mesmas
disposições da tarefa da imobilidade.
A cotação a atribuir deverá ser a seguinte:

4. se a criança se mantém em equilíbrio estático durante 20


segundos sem abrir os olhos, revelando um controle postural
perfeito e preciso; admitem-se ajustamentos posturais quase
imperceptíveis; as mãos não devem sair da sua posição nos quadris;

3, se a criança se mantém em equilíbrio entre 15 e 20 segundos


sem abrir os olhos, revelando um controle postural adequado, com
pequenos e pouco discerníveis ajustamentos posturais e ligeiros
movimentos faciais, gesticulações, oscilações etc.;

2, se a criança se mantém em equilíbrio entre 10 e 15 segundos


sem abrir os olhos, revelando dificuldades de controle e disfunções
vertibulares e cerebelosas; frequentes movimentos associados;

1, se a criança se mantém em equilíbrio menos de 10 segundos


sem abrir os olhos, ou se a criança não realiza tentativas; sinais
disfuncionais vestibulares e cerebelosos bem marcados,
permanentes reequilibrações, quedas; movimentos de compensação
das mãos contínuos etc.
Figura 3.15. – Observação do equilíbrio estático.
Manutenção do equilíbrio durante 20 segundos.
A cotação obtida deve, em seguida, ser apontada na ficha da BPM.
Na manutenção do equilíbrio na ponta dos pés, a criança deve
colocar os pés juntos e manter-se em equilíbrio no terço anterior dos
mesmos e nas mesmas condições já descritas para o apoio retilíneo.
As condições de procedimento e os critérios de cotação são os
mesmos das tarefas anteriores.
No apoio unipedal, a criança nas mesmas condições das tarefas
anteriores deve apoiarse em um único pé, fletindo a perna contrária
pelo joelho, efetuando com ela, rigorosamente, um ângulo reto.
Na ficha BPM, surgem duas caixas, uma com E, referente ao pé
esquerdo quando esse é escolhido pela criança, e a outra com D,
referente ao pé direito, quando esse é escolhido para o pé de apoio,
assinalando-se, desta forma, o pé dominante na função de
equilibração.
As condições de procedimento e os critérios de cotação repetem-se
em relação às tarefas anteriores.

Equilíbrio dinâmico
O equilíbrio dinâmico exige, ao contrário do estático, uma
orientação controlada do corpo em situações de deslocamento no
espaço com os olhos abertos.
Não se trata só da pesquisa de funções vestibulares ou cerebelosas
mas também da própria atividade piramidal.
Nessas tarefas, são adaptadas as provas de Ozeretsky, Wallon
(1958); Roach e Kephart (1966); Orpet e Frostig (1972) e de muitos
outros autores.
A observação deve captar sinais quanto à precisão, à economia e à
melodia dos movimentos, quanto ao seu controle em termos
quantitativos e qualitativos e quanto ao grau de facilidade ou
dificuldade relevado nas várias tarefas.
Especial atenção às reequilibrações abruptas, às condições de
manutenção e de reaquisição do equilíbrio, às quedas unilaterais, ao
descontrole postural, à frequência de movimentos compensatórios das
mãos, ao nível de integração dos reflexos posturais e à qualidade de
inibição de movimentos involuntários, às dismetrias, às discronometrias,
às arritmias, às reequilibradoras etc. A leitura de assimetrias é também
fundamental, quer quanto aos pés de apoio, às mudanças de direção e
de orientação espacial, quer quanto às relações espaciais que a tarefa
em si coloca. Registrar algo de bizarro quanto à ocorrência de
disfunções vestibulares e cerebelosas ou inclusive de disfunções tônicas,
agora naturalmente mais evidentes em situações dinâmicas. Anomalias
nos pés (endorrotações ou flexões dorsais e plantares exageradas),
laxidez nos tendões, colocação da bacia verticalização do tronco e da
cabeça devem ser igualmente analisadas, especialmente quando na
presença de crianças que apresentam outros problemas atípicos
(hemiparesias, hipotonia, longos períodos de correção com botas
ortopédicas, acidentes, problemas musculares, luxações ou subluxações
precoces, atrasos da marcha etc.).
As tarefas do subfator do equilíbrio dinâmico incluem: marcha
controlada, evolução na trave (frente, trás, direita e esquerda), saltos
com apoio unipedal (pé coxinho esquerdo e direito), saltos com os pés
juntos (frente, trás e com os olhos fechados).
Na tarefa da marcha controlada, deve proceder-se da seguinte
forma: a criança deverá evoluir no solo em cima de uma linha reta com
3m de comprimentos, de modo que o calcanhar de um pé toque na
ponta do pé contrário, permanecendo sempre com as mãos nos
quadris.
A cotação a atribuir na realização dessa tarefa, de novo, deve ter
em conta os sinais difusos que traduzem as disfunções vestibulares e
cerebelosas já apontadas na imobilidade. O critério a adotar deverá ser
o seguinte:

4, se a criança realiza a marcha controlada em perfeito controle


dinâmico, sem qualquer reequilibração compensatória; realização
perfeita, matura, econômica e melódica;

3, se a criança realiza a marcha controlada com ocasionais e ligeira


reequilibrações, com ligeiros sinais difusos, sem apresentar qualquer
desvio;

2, se a criança realiza a marcha controlada com pausas frequentes,


reequilibrações exageradas, quedas e frequentes sinais vestibulares
e cerebelosos; movimentos involuntários, frequentes desvios,
sincinesias, gesticulações clônicas e frequentes reajustamentos das
mãos nos quadris, movimentos coreiformes e atetotiformes, sinais
de insegurança gravitacional dinâmica;

1, se a criança não realiza a tarefa ou se a realiza de forma


incompleta e imperfeita, com sinais disfuncionais óbvios e
movimentos coreáticos ou atetoides.

Nas tarefas de evolução na trave (de 3m de comprimento, 5cm de


altura e 8cm de largura, ou composta de dez blocos de 30cm de
comprimento cada um), a criança deve proceder da mesma forma que
na tarefa anterior, só que realiza uma marcha normal em cima da trave
em quatro subtarefas diferentes (para a frente, para trás, para o lado
direito e para o lado esquerdo), permanecendo sempre com as mãos
nos quadris.
A cotação a atribuir nessa tarefa deve ser feita separadamente nas
suas quatro subtarefas. O critério a adotar é o seguinte:
4, se a criança realiza as subtarefas da evolução na trave sem
qualquer reequilibração, revelando um perfeito controle do equilíbrio
dinâmico;
3, se a criança realiza o equilíbrio na trave com ligeiras
reequilibrações, mas sem quedas e sem nenhum sinal disfuncional;
2, se a criança realiza as tarefas com pausas frequentes,
reequilibrações e dismetrias exageradas, sinais disfuncionais
vestibulares frequentes, uma a três quedas por subtarefa, com
insegurança gravitacional dinâmica;
1, se a criança não realiza as subtarefas ou se apresenta mais de
três quedas por cada percurso, evidenciando sinais disfuncionais
óbvios.

As restantes tarefas incluem os saltos, isto é, a evolução com salto


em apoio unipedal e com os dois pés.
A apreciação nestas tarefas mais dinâmicas inclui a qualidade dos
saltos, a sua amplitude e coordenação, a sua precisão e economia, a
sua fragmentação ou a sua melodia cinestésica, confundindo-se com
alguns aspectos que iremos observar na praxia global.
Os desvios e as desorientações espaciais devem ser registrados,
assim como as gesticulações, as reequilibrações bruscas, em especial na
cabeça, os bloqueios, as paragens, a pressão dos pés, as sincinesias, as
dismetrias, as impulsividades etc.
A harmonia, a regularidade, a composição e a melodia espaço-
temporal devem ser especialmente observadas em termos de
apreciação qualitativa do grau de controle e de plasticidade do
equilíbrio dinâmico.
Na tarefa dos saltos com apoio unipedal (pé coxinho esquerdo e
direito), não se deve condicionar a criança quanto à ordem de
realização das suas subtarefas com a finalidade de identificar o pé
dominante para o equilíbrio dinâmico, não porque forneça a indicação
do pé dominante para a coordenação oculopedal, mas para apreciar o
tipo de integração bilateral proprioceptiva que ela possui.
Nesta tarefa, deve proceder-se da seguinte forma: a criança deverá
cobrir a distância de 3m em saltos com apoio unipedal, registrando o
pé espontaneamente escolhido (normalmente o que permite uma
localização mais coordenada, aumétrica e equilibrada), mantendo
sempre as mãos nos quadris. Uma vez terminada a primeira tarefa, a
criança deverá concluir outro trajeto idêntico com o pé contrário.
Os desvios de direção, o domínio do equilíbrio dinâmico, as
reequilibrações, os tremores, a presença de dismetrias ou de disfunções
vestibulares e cerebelosas devem ser cuidadosamente registrados, à
medida que a criança realiza as duas subtarefas. Movimentos
involuntários devem ser detectados com cuidado, especialmente
quando se verificar uma grande discrepância na realização com um dos
pés, pois tal circunstância pode ser relevante quando se está em
presença de uma lateralidade contrariada ou quando a anamnese
sugere disfunções cerebrais mínimas, pois, neste caso, podemos
identificar uma hemissíndrome, visto que o domínio dessa prova deve
revelar uma capacidade similar em ambos os pés.
A cotação a atribuir deverá ser objetivada nas duas subtarefas, isto
é, com um pé e com o outro. O critério a utilizar é o seguinte:

4, se a criança realiza os saltos facilmente, sem reequilibrações, nem


desvios de direção, evidenciando um controle dinâmico perfeito,
rítmico e preciso;

3, se a criança realiza os saltos com ligeiras reequilibrações e


pequenos desvios de direção, sem demonstrar sinais disfuncionais,
revelando um controle dinâmico adequado;

2, se a criança realiza os saltos com dismetrias, reequilibrações das


mãos, desvios direcionais, alterações de amplitude, irregularidade
rítmica, sincinesias, hipotonia generalizada etc.;

1, se a criança não completa os saltos a distância, revelando


insegurança gravitacional, frequentes sincinesias, reequilibrações
bruscas, rápidas e descontroladas, excessivos movimentos
associados, sinais óbvios de disfunção vestibular e cerebelosa etc.

Por último, o subfator do equilíbrio dinâmico: conclui-se com a


observação dos saltos com os pés juntos nas suas três subtarefas, para
a frente, para trás e com os olhos fechados. A distância e o
procedimento são exatamente os mesmos da tarefa anterior.
Os mesmos aspectos e os mesmos sinais já levantados nas tarefas
anteriores voltam a revelar-se nessas tarefas, fundamentalmente nas
realizações com os olhos abertos, e, por isso, o critério de cotação da
prova anterior é adaptado.
Apenas a última subtarefa, que reclama a realização dos saltos com
os olhos fechados, apresenta características próprias, que, no entanto,
são similares a tarefas do equilíbrio estático.
Nesta subtarefa, deve ter-se em atenção a colocação dos pés, da
bacia, do tronco e da cabeça, observando paralelamente o restante do
conjunto corporal, quais sejam, os sinais globais de hipotonia ou
hipertonia, bloqueios, dismetrias, desvios direcionais, pressões no solo,
tipo de apoio plantar, pausas e alterações rítmicas, sincinesias bucais,
crispações da face, verbalizações, risos etc.
A cotação a adotar deverá ser:

4, se a criança realiza a tarefa sem abrir os olhos, revelando uma


realização dinâmica, regular rítmica perfeita e precisa;

3, se a criança realiza os saltos moderamente, vigiados e


controlados com alguns sinais de reequilibração, de blocagem e de
decomposição, pondo em realce algumas desmelodias cinestésicas;

2, se a criança cobre mais de 2m sem abrir os olhos, demonstrando


paragens frequentes, hipercontrole e rigidez corporal generalizada,
sugerindo a presença de vários sinais difusos; confirmação de
insegurança gravitacional;

1, se a criança não realiza a tarefa com os olhos fechados,


apresentando quedas, reequilibrações bruscas e bizarras, grandes
desvios direcionais, fortes pressões plantares, desarmonias posturais
globais e sincinesias, confirmando a presença de disfunções
vestibulares e cerebelosas.
Figura 3.16. – Observação do equilíbrio dinâmico.
Deslocamentos controlados do corpo em uma distância
de 3 metros

Figura 3.17. – Observação do equilíbrio dinâmico.


Deslocamentos controlados do corpo em situações de
deslocamento no espaço de 3 metros.
A cotação deve ser registrada na linha respectiva, concluindo-se,
assim, a observação do segundo fator da BPM, que abrange a primeira
unidade funcional do modelo de organização cerebral de Luria. De
imediato, passamos à abordagem dos fatores psicomotores
pertencentes à segunda unidade funcional, cuja função principal
integra a recepção, a análise e o armazenamento da informação.
A medida da cotação dos subfatores deve ser apurada e transferida
para o perfil da BPM.
Significação psiconeurológica

A significação psiconeurológica do segundo fator psicomotor da


BPM é, inegavelmente, extremamente relevante, quer no domínio da
motricidade, quer no âmbito da aprendizagem.
A equilibração, abrangendo o controle postural, revela o nível de
integridade de importantes centros e circuitos neurológicos, sem os
quais nenhuma atividade pode ser realizada. Porque se trata de
estruturas básicas do cérebro, como o tronco cerebral e o cerebelo, as
suas funções de grande passado filogenético preparam as primeiras
aquisições, sobre as quais se irão constituir os sistemas funcionais mais
complexos.
De forma esquemática, a equilibração envolve vários centros de
trabalho, quer em nível inferior, quer intermédio e superior. Os níveis
mais baixos, ou seja, os inferiores e os intermédios, são exatamente
aqueles que se tenta estudar com o fator da equilibração, pois são eles
que mantêm a postura e a tonicidade, que, no desenvolvimento da
criança, assumem as primeiras aquisições e, mais tarde, preparam e
facilitam os processos de aprendizagem mais complexos.
Se a equilibração não é garantida economicamente por tais centros,
a intervenção dos centros superiores vai necessariamente entrar em
jogo, impedindo o acesso a funções hierarquizadas mais complexas. Se
os centros superiores participam no controle da equilibração, as
funções psicomotoras mais elaboradas, como a noção do corpo, a
estruturação espaçotemporal e as praxias, perdem em harmonia,
precisão e eficácia.
Sem um sistema postural integrado nos centros da primeira unidade
funcional de
Luria, os centros superiores não se libertam para processos de
aprendizagem mais seletivos e diferenciados.
A equilibração reflete, por conseguinte, a integridade do sistema
vestibular, proprioceptivo e cerebeloso, além de interferir com os
gânglios da base (ou núcleos cinzentos da base) e com as estruturas do
sistema límbico.
Todos estes centros inferiores e intermédios se organizam de acordo
com o princípio da organização vertical do cérebro, e, por isso, as suas
disfunções repercutem-se em todos os aspectos da maturação
neurológica.
A informação que se retira das tarefas e das subtarefas do fator da
equilibração traduz, em certa medida, a integração vestibular e
proprioceptiva que preside a todos os estados de vigilância, de alerta e
de atenção, sem os quais a atividade psíquica não funciona. Porque o
controle postural envolve a participação de centros inferiores
(medulares), intermédios (tronco cerebral e cerebelo) e superiores
(córtex), a sua disfunção interfere com todo o tipo de atividade mental,
não exclusivamente motora, mas emocional, perceptiva, cognitiva,
social, simbólica etc.
Desde o reflexo miotático até a modulação tônica, da coativação
alfa-gama até a segurança gravitacional, a equilibração consubstancia
um servomecanismo indispensável ao sistema nervoso central.
Para que este organismo aprenda, ele tem primeiro de ser capaz,
por meio de uma adequação energética própria, de ampliar e inibir
estímulos, processar informações e agir. Sem o domínio postural, o
cérebro não aprende, a motricidade não se desenvolve e a atividade
simbólica fica inequivocamente afetada.
O cérebro precisa automatizar as suas funções antigravíticas antes
de poder processar informações simbólicas. As aquisições posturais são
os pré-requisitos das aquisições especificamente humanas, daí a sua
incomensurável importância no desenvolvimento cognitivo.
A primeira fonte de conhecimento humano reclama a experiência
motora pessoal e essa só é viável debaixo de determinadas condições
de estabilidade postural.
Com instabilidade postural, nenhum conhecimento é apropriável,
na medida em que se perdem todas as referências para que o cérebro
processe a informação.
Na criança, o conhecimento começa a partir das atividades motoras
e só possível de alcançar depois da segurança gravitacional.
A transformação do conhecimento em ações mentais requer, antes
de tudo, a organização de unidades funcionais preexistentes, nas quais
a equilibração é sempre o ponto de partida e de chegada para as
combinar em novas unidades de trabalho.
Quando as atividades motoras posturais podem ser suportadas por
centros subcorticais, os centros corticais podem ser usados para outras
atividades motoras ou não motoras, mais complexas.
Como afirmam Queirós e Schrager (1978), quando as atividades
motoras automáticas podem ser satisfatoriamente produzidas, os
processos de conhecimento têm melhores e maiores possibilidades de
desenvolvimento.
A significação psiconeurológica deste fator psicomotor parece
agora mais compreensível, na medida em que joga com a maturação
de todo o sistema nervoso e, portanto, com todas as suas capacidades
de conhecimento.
Não se trata de afirmar que o controle postural é indispensável
apenas para o desenvolvimento motor ou psicomotor. A ótica é mais
dentro dos conceitos de Wallon, Rey e Piaget, pois todos eles se
referem à postura e à motricidade como relevantes para o
desenvolvimento do conhecimento. Conhecimento que, uma vez
estabelecido, é ele próprio utilizado para obter novos conhecimentos.
As atividades posturais e motoras precedem as atividades mentais e,
depois, atuam conjuntamente, assistindo-se mutuamente, até que,
mais tarde, a atividade motora se subordina à atividade mental, do ato
ao pensamento e, depois, do pensamento ao ato, da motricidade à
psicomotricidade e, finalmente, da psicomotricidade à motricidade.
A equilibração ilustra a integração das sinergias posturais e motoras
que são reguladas pelo cerebelo, quer pelas suas áreas mais antigas
(arquicerebelo), quer pelas mais recentes (neocerebelo).
Não é, certamente, por acaso que o cerebelo apresenta, em termos
de evolução, o mesmo salto quântico de expansão nos seus lóbulos
que o córtex obteve nas suas áreas associativas. Também não será por
acaso que a equilibração desempenha um papel fundamental na
organização de todas as atividades cerebrais (motoras, psicomotoras,
simbólicas etc.).
Cerebelo, sistema vestibular e formação reticulada estão
intimamente associados ao longo da filogênese e da ontogênese não
só produzindo complexos circuitos de retroativação e de reaferência
mas também guiando e modulando a tonicidade e a equilibração para
serem integradas em movimentos mais complexos, precisos e
sequencializados, oferecendo as condições indispensáveis de
plasticidade e de adaptabilidade que os caracterizam.
A harmonia, a economia e a melodia dos movimentos que
requerem as tarefas e as subtarefas da equilibração não só fornecem
dados funcionais vestibulares e cerebelosos mas também talâmicos,
límbicos e reticulares, visto que, em termos sistêmicos, é impossível
separar o cerebelo do tálamo, da formação reticulada e do núcleo
vermelho, bem como do sistema límbico.
É possivelmente com base nestas interconexões e servomecanismos
que ocorrem nestas tarefas tantos sinais de descontrole emocional,
como as mímicas faciais, as oscilações, os sorrisos, as gesticulações, as
mioclonias, as disquinesias, as distonias etc. De acordo com Wallon
(1949), a vida emocional interage com as reações tônicas, a emoção e
a motricidade e influenciam-se intimamente em termos de
desenvolvimento afetivo, daí a significação psiconeurológica dos dados
obtidos com este fator da BPM.
As disfunções posturais, dadas as múltiplas inter-relações do
cerebelo com os centros límbicos, talâmicos e subtalâmicos, podem
causar distúrbios de ordem perceptiva e de memória, uma vez que
aqueles centros assumem funções de integração sensório-motora e de
convergência multissensorial. (AYRES, 1977, KRAUTHAMER e ALBE-
FESSARO, 1964)
Além dessas repercussões e dados, os circuitos interfuncionais e de
servoassistências com os gânglios da base (basal ganglia), as disfunções
posturais vestíbulo-cerebelosas implicam-se na integração de atos
motores complexos, afetando inevitavelmente a realização das praxias.
As reequilibrações abruptas e exageradas, as dismetrias, as sincinesias
etc. traduzem provavelmente alterações nas instruções corretivas que
são introduzidas fora do tempo, prejudicando não só a programação
mas também a atualização que o movimento voluntário exige em face
das novas circunstâncias envolvimentais.
As inibições pré-motoras e antecipativas nos músculos antagonistas,
seguidas de acelerações e desacelerações apropriadas para o jogo
dialético da postura e do movimento (início e fim), interferem com as
múltiplas informações proprioceptivas recebidas pelo cerebelo e pelo
sistema vestibular.
Toda esta complexa ativação se transforma em uma segurança
gravitacional, em uma independência motora, em uma capacidade de
controle emocional, em uma capacidade de atenção e de alerta e em
uma apreensão espacial, que em si consubstanciam o cerebelo como
um centro de estratégias posturais e motoras, perfeitamente integrada
na primeira unidade funcional de Luria.
Em resumo, atingir segurança gravitacional é sinônimo de
desenvolvimento da atenção seletiva e de manutenção dessa função
primoridial do cérebro, por meio do qual os exteroceptores
(particularmente a audição e a visão) se abrem ao mundo envolvente, a
fim de se organizarem as funções psíquicas superiores.
A equilibração conjuntamente com a tonicidade constituem a
organização motora de base que prepara a organização psicomotora
superior: lateralidade, somatognosia, estruturação espaço-temporal e
praxias. A motricidade antecipa a Psicomotricidade em termos
filogenéticos e ontogenéticos. Só mais tarde, a atividade mental
superior absorve a motricidade, transformando-a em Psicomotricidade,
razão pela qual a Psicomotricidade traduz a organização
psiconeurológica que serve de suporte a todas as aprendizagens
humanas.
A organização psicomotora é em certa medida o resultado da
integração dos dados proprioceptivos (tônicos, vestibulares, posturais,
motores e cinestésicos) e dos dados exteroceptivos (táteis, auditivos,
rítmicos, visuais, espaciais, temporais etc.), um sistema funcional
complexo para adotar a expressão de Luria.
É efetivamente essa complexidade que transforma a motricidade
em um projeto psíquico intrínseco. A motricidade, libertando-se da sua
própria esfera de atividade, transforma-se em Psicomotricidade, isto é,
em uma relação inteligível entre múltiplos dados internos e externos,
que vão estar na sua elaboração, planificação, regulação, verificação e
execução.
É com base nesta transformabilidade e modificabilidade da
motricidade que a tonicidade e a equilibração (da primeira unidade
funcional luriana) interferem na elaboração dos fatores psicomotores
mais complexos, como a lateralização, a noção do corpo e a
estruturação espaço-temporal (da segunda unidade funcional luriana),
fatores esses que serão em seguida abordados.
3.2.4. Lateralização
Considerações gerais

A lateralização, que constitui o terceiro fator psicomotor da BPM,


está integrada na segunda unidade funcional de Luria, cuja função
fundamental compreende a recepção, a análise e o armazenamento da
informação.
De acordo com este autor, a lateralização humana respeita a
progressiva especialização dos dois hemisférios que resultaram das
funções socio-históricas da motricidade laboral e da linguagem
(motricidade colaboral).
De fato, muitas diferenças entre a motricidade animal e a
motricidade humana (Psicomotricidade) emergem do papel da
lateralização na organização e na hierarquização funcional dos dois
hemisférios cerebrais.
A lateralização como o resultado da integração bilateral e postural
do corpo é peculiar no ser humano e está implicitamente relacionada
com a evolução e a utilização dos instrumentos (motricidade
instrumental – Psicomotricidade), isto é, com integrações sensoriais
complexas e com aquisições motoras unilaterais muito especializadas,
dinâmicas e de origem social.
A lateralização basicamente inata (ZANGWILL, 1975) é governada
por fatores genéticos, embora a treinabilidade e os fatores de pressão
social a possam influenciar. Razão por que é muito importante
pesquisar os antecedentes da preferência manual, principalmente
quando em presença de crianças com preferência manual esquerda.
A lateralização manual surge no fim do primeiro ano, mas só se
estabelece fisicamente por volta dos 4 a 5 anos, independentemente
de muitas crianças atravessarem a ambilateralidade e vários episódios
de flutuação, antes de obterem a lateralização direita ou esquerda. No
nascimento, os dois hemisférios são equipotenciais funcionalmente
(não anatomicamente), como provam os estudos de crianças com
lesões no hemisfério esquerdo que posteriormente desenvolvem a
linguagem no direito, fenômeno esse observável em um cérebro
maturo.
Os dois hemisférios cooperam ao longo da ontogênese, mas
progressivamente, com a idade e com a acumulação da experiência,
especializam-se funcionalmente um nos conteúdos não simbólicos e o
outro nos simbólicos (FONSECA, 1948). Efetivamente, ao abordar a
lateralização humana, temos necessariamente de relacioná-la com dois
outros parâmetros com ela inter-relacionados: a preferência manual e a
especialização hemisférica.
A simetria anatônica da maioria dos vertebrados, também
característica do ser humano, não é sinônimo de simetria funcional.
A tendência para realizar tarefas mais eficazmente com a
extremidade de um dos membros (anteriores e superiores) verifica-se
em muitos animais, só que a distribuição nos seres humanos se
desloca, como um todo, para a direita, segundo Annett (1981).
As preferências entre as extremidades apresentam as mesmas
diferenças entre os animais e os seres humanos, só que subsistem
proporções muito diferentes, a privilegiar nitidamente a lateralidade
direita e humana em 66% em comparação com a lateralidade animal
em 25%.
A superioridade da lateralidade mista no animal suporta a ideia que
esses realizam as tarefas da sua adaptação ao meio ora à direita, ora à
esquerda. No ser humano, a preferência pela lateralidade manual à
direita é superior à mista em 36%, e essa é superior à manual esquerda
em 26%.
Que querem dizer estas incidências em termos da filogênese da
lateralização? Em primeiro lugar, o peso dos fatores genéticos é variável
dos animais para os humanos, como sugerem os trabalhos de Peterson
(1934). Em segundo lugar, a influência dos fatores evolutivos
antropológicos e bioculturais, como a caça, a produção e a utilização
de instrumentos, a guerra, a evolução tecnológica e,
fundamentalmente, a invenção de códigos de comunicação e a
linguagem, marca a sua influência determinante quanto à preferência
manual e à coordenação bimanual. Em terceiro lugar, a lateralização
pode ser causada por diferenças acidentais que ocorrem no
desenvolvimento embriológico dos dois lados do corpo e, por
conseguinte, surgir como resultado do acaso. (ANNETT, 1981)
O fato de a distribuição humana pender para a direita reflete uma
influência sistemática de algo mais importante que a teoria do acaso.
Em si, o termo lateralização, que vem do Latim e que quer dizer
“lado”, tem sido tema de estudo de muitos autores, nomeadamente
dos que se dedicam ao estudo da Psicomotricidade, da linguagem e
das dificuldades de aprendizagem. O seu papel, porém, nem está
esclarecido nem encontrou ainda consenso.
Em termos históricos, vamos encontrar aspectos interessantíssimos,
que refletem várias teorias. (FONSECA, 1976, 1982 e 1984)
Desde o privilégio “sagrado” da mão direita como imperativo moral
à rejeição da mão esquerda como “profana”, “tenebrosa” e “oculta”
até as transcendências mitológicas e bíblicas, “o universo tem um lado
bom, forte e nobre e um lado mau, fraco e reles”, “um lado ativo e
másculo e outro passivo e fêmeo” etc., as dicotomias e as
incompatibilidades não param de surgir em inúmeras fontes
bibliográficas.
Muita gente não integra que vive em um mundo orientado para a
direita. A mão sempre foi sinônimo de supremacia e conservação,
ligada desde sempre aos fatores de criação. Em todas as raças, em
diferentes culturas e em diferentes países, os seres humanos em grande
porcentagem usam a mão direita para realizar as tarefas mais
“precisas” e mais “nobres”. No Inglês antigo, por exemplo, a mão
direita é denominada como strong hand. O termo right em Inglês é
sinônimo de correto e de bom.
Em Espanhol, Alemão, Francês e Eslavo, o mesmo ocorre. Em
Espanhol, o termo derecha quer dizer destra, que significa decente e
conveniente.
Uma significação bem diferente tem o termo esquerda. Sinister
hand, em Inglês, por exemplo, que, em Espanhol, se designa por zurda,
significa não ser inteligente. Em Latim ou Italiano, o termo sinistra quer
eufemisticamente dizer ameaçadora, demoníaca, desleal,
desafortunada e descoordenada.
Em Basco, escuerdi (esquerda) quer dizer “metade de uma mão”.
Em muitas línguas, o termos “esquerda” originalmente significa
oblíquo, virado, torcido, sujo, fraco ou mau. Nas culturas indo-
europeias e greco-latinas, a significação da direita e da esquerda
atravessam esta dicotomia, que reflete o dualismo tradicional (bem-
mal, corpo-espírito, motor-psíquico, instinto-intelecto, arte-ciência,
mistério-lógica, magia-religião, emocional-racional etc.).
Lemay (1982), com estudos radiológicos, descreveu assimetrias
anatômicas do cérebro já visíveis nas crianças. Galaburda (1980)
descobriu também que as células nervosas apresentam padrões
particulares e tamanhos diferentes nos dois hemisférios. Orton (1937)
evocou que o estudo do SNC poderia levar à compreensão da
dominância cerebral e da dislexia.
Dax (1836) e Broca (1861) descobrem a relação entre linguagem e
dominância cerebral, tema esse ainda por esclarecer (BONIN, 1962),
após cem anos de estudos e investigações.
Geschwind e Levitsky (1968) estabeleceram assimetrias no planum
temporal na superfície superior do lóbulo temporal, visível a olho
aberto em cérebros post mortem.
Geschwind (1972) verificou ainda que o planum temporal do
hemisfério esquerdo era superior ao do hemisfério direito em média
cerca de um terço (65% HE>HD, 24% HE=HD e 11% HD>HE),
confirmação essa estabelecida também por Wada (1969), Teszner
(1972) e outros.
Chi, Dooling e Gilles (1977) encontraram no feto e no recém-
nascido assimetrias no cérebro, mostrando que aquela não é fruto da
experiência extrauterina.
Muitos dados suportam, portanto, a existência de assimetrias
anatômicas cerebrais que obviamente podem integrar áreas, cuja
estrutura e arquitetura celular sejam particulares e específicas.
Estudos de cérebros de disléxicos, por exemplo, apresentam menos
diferenciação celular nas zonas fundamentais do processamento da
linguagem, pondo em relevo, naqueles casos, a imaturidade da
assimetria funcional. (FONSECA, 1984)
É óbvio que estas convicções influenciam o estudo da lateralização
humana e demonstram bem vários aspectos da nossa experiência
socio-histórica, desde os rituais religiosos até as confrontações de
guerra, a colocação dos talheres, as normais de etiqueta e de
diplomacia, as cerimônias e pressões sociais, as formações políticas, as
formas de aprendizagem da escrita etc.
Pais e professores não se dão conta, muitas vezes, dessas situações
e continuam, como agentes de tradição, a impor o uso da mão direita
em muitas crianças. Muitas crianças com tendência para a ambidestria
ou para a mão esquerda na idade pré-escolar acabam por ser moldadas
pelas aprendizagens escolares para a preferência manual direita, muitas
vezes à custa de perfil psicomotor desviante, quando não à custa de
um potencial de aprendizagem atípico.
Desde a pré-história que essas convicções se fazem sentir. Desenhos
rupestres e egípcios são férteis em evocar o uso da mão direita. A
análise de ferramentas e armas paleolíticas já sugerem que foram feitas
por e para a mão direta. A análise de fósseis e a localização de fraturas
sugerem essa tendência inexorável.
Lemay (1982) descobriu assimetrias nos crânios dos Homens do
Neandertal e no Homem de Pequim, estudando os endocastos
provocados pelas artérias cerebrais.
Muitas teorias do século passado relacionaram a lateralização com a
distribuição das vísceras, com a proteção do coração e as manobras de
ataque nas guerras e no corpo a corpo, com a proeminência do
cérebro esquerdo transmitida hereditariamente.
Mais recentemente, a preferência manual é vista em termos de
assimetria cerebral, suportada por fatores biológicos.
A radiografia computadorizada tem demonstrado (LEMAY, 1982)
que se detectam assimetrias que se distinguem entre os indivíduos
direitos ou esquerdos. Mas, a configuração da fissura de Sylvius é
também diferente em ambos os hemisférios, o que certamente tem
muita importância em relação às áreas da linguagem que a rodeiam.
Nos indivíduos direitos, aquela fissura é mais angularizada
verticalmente no hemisfério direito e mais horizontalizada no
hemisfério esquerdo. Arteriogramas provaram que a artéria cerebral
média percorre a fissura de Sylvius segundo orientações diferentes nos
direitos e nos esquerdos (canhotos).
Várias investigações confirmam assimetrias cerebrais (LEVY, 1980),
que naturalmente precedem toda a educação e se refletem na sua
organização e no seu desenvolvimento, quer em termos motores, quer
em termos não motores, cuja complexidade peculiar no ser humano
está implícita na organização psicomotora e no potencial de
aprendizagem.
A integração bilateral dos dois lados do corpo é uma condição
básica da motricidade humana decorrente dos dois fatores
psicomotores anteriormente abordados.
A integração bilateral é indispensável ao controle postural (universo
intracorporalproprioceptivo) e ao controle perceptivo-visual (universo
extracorporal-exteroceptivo). Sem esses dois dados, a lateralização
como sistema funcional complexo não se diferencia e,
consequentemente, produz os seus efeitos na Psicomotricidade e na
aprendizagem.
A integração bilateral do corpo depende da integração vestibular e
proprioceptiva inerente à experiência tônica e postural. Quando a
atividade proprioceptiva aumenta de um lado do corpo, as reações
vestibulares também aumentam desse mesmo lado; inversamente,
quando a ação vestibular aumenta de um lado, reciprocamente a
reação proprioceptiva também aumenta. Com base neste processo de
organização, a integração bilateral do corpo vai-se “promovendo” em
níveis corticais mais diferenciados, aí produzindo funções cada vez mais
complexas, como a somatognosia e a estruturação espaço-temporal.
A desintegração bilateral do corpo está normalmente associada à
pobre evocação de reflexos posturais, a uma equilibração estática e
dinâmica pouco disponível, a um fraco controle visual, a permanentes
confusões espaciais e direcionais e a hesitações múltiplas que
prejudicam as relações com o envolvimento.
O controle do equilíbrio e, consequentemente, das praxias tende a
ser afetado, e paralelamente a organização perceptivo-espacial, de
onde podem emergir vários problemas de orientação, discriminação e
exploração.
A descoordenação instala-se, os movimentos globais perdem a
precisão e a eficácia, a orientação espacial torna-se confusa,
principalmente na manipulação de instrumentos. A sensibilidade do
peso do corpo surge tênue e vulnerável e, como consequência, a
conscientização das posições no espaço ou as suas mudanças
necessárias perdem plasticidade e adaptabilidade.
As grandes discrepâncias nas realizações das tarefas da equilibração
servem já para antever a complexidade desses problemas, ao mesmo
tempo em que podem condicionar o desenvolvimento psicomotor e a
organização psiconeurológica dos processos de aprendizagem.
A noção da linha média do corpo, que depende da integração
bilateral, é uma aquisição básica à orientação no espaço e um
instrumento fundamental para a organização diferenciada de ações
complexas, de onde emergem as grandes aprendizagens humanas. A
discriminação somatossensorial inerente à atividade motora põe em
jogo também, como se sabe, uma inervação contralateral, da qual se
estrutura a noção do corpo também designada por somatognosia,
imagem do corpo ou esquema corporal. (SCHILDER, 1951)
Da integração vestibular e proprioceptiva à noção do corpo, decorre
a integração bilateral sensório-motora, cuja preferência lateral vai
produzindo necessariamente efeitos de especialização funcional, que
traduzem posteriormente as diferentes capacidades de processamento
da informação dos dois hemisférios.
Para chegar a este nível de integração, é necessário, porém, que o
corpo possa funcionar como duas metades sensório-motoras
integradas. Só depois, esta integração intrahemisférica básica torna
mais fácil a diferenciação das suas partes, atingindo-se então uma
coordenação entre ambas, da qual resulta a integração inter-
hemisférica única da espécie humana. (FONSECA, 1984)
Em Kephart (1960), a lateralização é aprendida pelo movimento dos
dois lados do corpo e pelas concomitantes impressões sensoriais, que,
em conjunto, produzem uma espécie de conscientização interna de
onde parte a conscientização das direções no espaço envolvente.
A disfunção da integração bilateral pode, segundo Ayres (1971),
comprometer o desenvolvimento da dominância manual. Quando uma
criança não atinge a dominância manual em uma idade adequada, a
presença de sinais disfuncionais intra-hemisféricos ou inter-hemisféricos
pode interferir com o desenvolvimento psicomotor e com o potencial
cognitivo.
A integração bilateral, que compreende as tarefas da BPM, quer em
nível sensorial (visão e audição), quer em nível motor (mão e pé) visa,
no fundo, detectar discordâncias inter-hemisféricas e avaliar o grau de
integração dos dois lados do corpo, onde entram em jogo o tronco
cerebral, o mesencéfalo e, provavelmente, o sistema centro-científico,
na medida em que os mecanismos posturais se projetam nos
mecanismos integrativos inter-hemisféricos.
A razão de a evolução dotar os vertebrados com dois hemisférios
tem necessariamente razões de sobrevivência, na medida em que
resulta uma coordenação mais eficaz dos dois lados do corpo, motivo
pelo qual as estruturas do corpo caloso sofrem grandes transformações
na ontogênese, período onde ocorrem as atividades psíquicas
superiores inerentes à especialização hemisférica.
Em resumo, a lateralização traduz a capacidade de integração
sensório-motora dos dois lados do corpo, transformando-se em uma
espécie de radar endopsíquico de relação e de orientação com e no
mundo exterior. Em termos de motricidade, retrata uma competência
operacional, que preside a todas as formas de orientação do indivíduo.
Compreende uma conscientização integrada da experiência
sensorial e motora, um mecanismo de orientação intracorporal
(proprioceptiva) e extracorporal (exteroceptiva).
A lateralização como função complexa subentende diferentes níveis
de complexidade: identificação das partes do corpo; identificação dupla
e homolateral; identificação dupla e contralateral, identificação de
partes do corpo no outro e identificação de partes do corpo no outro e
no próprio (BENTON, 1979). A nossa perspectiva na BPM é, porém,
essencialmente mais simples, na medida em que está mais associada à
integração bilateral proposta por Ayres (1977).
Vários componentes integram a lateralização: motora, sensorial,
perceptiva, conceitual, simbólica, social etc. Na BPM, as tarefas que
observa são reduzidas às dimensões sensoriais e motoras, pois situam
apenas as preferências em nível dos telerreceptores e dos
proprioceptores.
As provas selecionadas constituem simples adaptações das provas
de Subirana (1952), Roudinesco e Thyss (1948) e de Hécaen e
Ajuriaguerra (1963). Trata-se de dispositivos clínicos muito simples que
não podem ser comparados às técnicas mais atualizadas, como a
audição dicótica e os testes taquitoscópicos.

Descrição dos subfatores e cotação

As tarefas da BPM visam fundamentalmente determinar a


consistência da preferência dos telerreceptores (visão e audição) e dos
proprioefetores (mão e pé). Seis situações são sugeridas à criança, mas
apenas quatro envolvem duas experiências cada uma.
O procedimento por cada subtarefa é o seguinte:
Lateralização ocular: para avaliar o olho preferencial, pede-se à
criança que olhe primeiro através de um tubo ou canudo de papel e,
depois, de um buraco feito no centro de uma folha de papel normal.
A apresentação do tubo deve ser feita exatamente na linha média
do corpo da criança, para não condicionar o uso da mão do lado por
onde foi apresentado o material. Mão que agarra o tubo normalmente
é a mão dominante.
A apresentação da folha de papel deve ser feita de modo que a
criança a agarre com ambas as mãos, orientando-se em seguida de
forma a espreitar pelo buraco com o olho preferencial.
Em ambas as tarefas, e para confirmar a preferência, a criança,
depois de fixar o olhar, deve perseguir no espaço alguns movimentos
feitos pelo indicador do observador. Em face das duas tarefas, uma das
duas caixas, E (esquerdo) ou D (direito), deve ser assinalada.
Lateralização auditiva: para avaliar o ouvido preferencial, pede-se à
criança primeiro que ausculte um relógio de corda e, em seguida,
simule o atendimento do telefone.
A apresentação do relógio deve ser idêntica à do tubo, para não
condicionar o uso da mão não dominante. A situação de simulacro
exige da parte da criança a evocação do objeto e dos respectivos gestos
e mímicas inerentes.
Em ambas as tarefas, e para confirmar a preferência, sugere-se à
criança respostas verbais, uma reproduzindo o ritmo da corda do
relógio, outra simulando o início de uma conversa telefônica. Em face
das tarefas, uma das duas caixas deve ser assinalada.
Lateralização manual: para avaliar a mão preferencial (a observação
indireta já permite detectá-la com certa segurança, não esquecendo
que ela se confirmará nas tarefas de coordenação oculomanual da
praxia global e final), sugere-se à criança que primeiro simule escrever
e, depois, simule cortar um papel com a tesoura. O registro da
preferência deve seguir o mesmo procedimento das tarefas anteriores.
Lateralização pedal: para avaliar o pé preferencial (a observação do
equilíbrio estático e dinâmico já fornece dados, não esquecendo que
ela se confirmará nas tarefas de coordenação oculomanual), sugere-se
à criança que primeiro dê um passo a gigante, partindo da posição de
pés paralelos, e, depois, simule enfiar as calças, registrando-se o
primeiro pé. O registro da preferência deve ser o mesmo das situações
anteriores.

Figura 3.18. – Observação da lateralização ocular (olho


preferencial).

Figura 3.19. – Observação da lateralização auditiva.


Figura 3.20. – Observação da mão preferencial.

Figura 3.21. – Observação da lateralização pedal (pé


preferencial).
A cotação a atribuir tem como finalidade registrar a consistência
das preferências nas quatro tarefas, servindo a lateralização inata ou
adquirida para as confirmar ou negar. O critério de adotar é o seguinte:

4, se a criança realiza todas as tarefas espontaneamente, sem


hesitações e com proficiência, podendo obter-se um perfil DDDD no
caso da criança de preferência direita, ou um perfil EEEE no caso de
criança de preferência esquerda, nenhum sinal difuso ou bizarro
deve ser perceptível; realização precisa, econômica e perfeita;

3, se a criança realiza as tarefas com ligeiras hesitações e


perturbações psicotônicas e com perfis discrepantes entre os
telerreceptores e os proprioefetores (por exemplo: DDEE; EEDD;
DEDE etc.), sem, no entanto, revelar confusão; realização completa,
adequada e controlada;

2, se a criança realiza as tarefas com permanentes hesitações e


perturbações psicotônicas com perfis inconsistentes e na presença
de sinais de ambidestria; presença de sinais disfusos mal-integrados
bilateralmente; incompatibilidade entre lateralidade inata e
adquirida; lateralidade auditiva esquerda;

1, se a criança não realiza as tarefas evocando ambidestria nítida,


lateralidade mista mal-integrada ou lateralidade contrariada.
A cotação deve ser efetuada e transferida para o pefil da BPM.

Significação psiconeurológica

As tarefas que constituem a lateralização na BPM são pouco


significativas em termos psiconeurológicos. A edição mais recente da
BPM inclui já outras tarefas de nível simbólico que integram a avaliação
da lateralização em três orientações: homolateral (primária); dupla
contralateral (secundária) e reversível (terciária), orientações essas
contidas no subfator do reconhecimento direita-esquerda da noção do
corpo. Com a transferência daquele subfator, o fator lateralização
assumirá outra relevância e termos psiconeurológicos, relevância essa
que não foi possível adotar no primeiro ensaio experimental, que mais
à frente iremos apresentar.
Em casos de crianças ambidestras indefinidas, pensamos que a
avaliação da lateralização deve envolver um (re)exame da tonicidade e
a aplicação de provas de velocidade e precisão práxica em ambas as
mãos, a fim de tentar determinar mais objetivamente a lateralização
(inata ou adquirida) da criança.
A significação psiconeurológica da lateralização envolve, como Luria
afirma, a organização progressiva do cérebro como órgão de trabalho e
órgão de comunicação. O cérebro tem de organizar primeiro as
sensações e os movimentos, antes de organizar símbolos; por essa
razão, a integração bilateral antecede a especialização hemisférica.
A lateralização está, sem dúvida, ligada à preferência manual do
membro superior que constitui o membro de maior especialização e
dissociação motora do ser humano, ao mesmo tempo que se torna o
membro mais frequentemente utilizado no contato com o mundo
exterior.
Lateralização é, por consequência, sinônimo de diferenciação e de
organização. O hemisfério esquerdo controla o lado direito do corpo,
enquanto o hemisfério direito controla o lado esquerdo. Primeiro, em
termos sensório-motores, posteriormente, em termos perceptivos e
simbólicos. A especialização hemisférica das funções é efetivamente
necessária para a eficiência dos processos cerebrais. Uma boa
lateralização é o produto final de uma ótima maturação.
Com Hécaen e Ajuriaguerra (1964), Dimond (1973), Penfield e
Roberts (1959), Kimura (1961), Benton (1979) e, principalmente Sperry
(1969) (split-brain) e muitos outros autores, os dois hemisférios acusam
cada um uma constelação de especializações, sendo por meio delas
que o ser humano assume funções psíquicas superiores conforme
Quadro
(FONSECA, 1984)
A organização espacial, a elaboração de praxias, a fala e a escrita
como pensamento cognitivo, requerem operações muito precisas e
complexas dos dois hemisférios, mas os dois hemisférios só estão aptos
a cooperar e a trabalhar conjuntamente quando o tronco cerebral
trabalha apropriadamente.
É no tronco cerebral que se estabelecem os centros de integração
bilateral do corpo, integração essa que decorre na ontogênese e
estrutura-se automaticamente. Quando não está assegurada por tais
centros, ela interfere na aprendizagem e no comportamento, alterando
a qualidade das relações e das interações entre as várias unidades
funcionais.
A lateralização, nos seus vários componentes funcionais, ocular,
auditiva, manual e pedal, promove a estabilidade do universo vivido, do
qual partem todas as relações essenciais entre o indivíduo e o seu
envolvimento (FONSECA, 1976). A não estabilização no universo vivido,
ou seja, do sistema postural peculiar do indivíduo (radar do Eu), tende
a alterar todas as relações de interação com o meio exterior, afetando a
organização dos fatores tônicos e posturais e desintegrando os
componentes da organização práxica.
A automatização da tonicidade e da equilibração é básica para a
aquisição de muitas funções psíquicas superiores, como a linguagem, a
leitura e a escrita, daí também a importância que assume a
lateralização em toda a organização das funções psíquicas superiores.
Para Quirós e Schrager (1975), a especialização hemisférica
desenvolve-se até o ponto do hemisfério direito ser responsável pela
integração motora, libertando o hemisfério esquerdo para assumir
outras funções, nomeadamente as funções cognitivas e a linguagem.
Não há, portanto, duplicação funcional, mas sim uma
intercomunicação cooperativa, que se traduz obviamente em um maior
poder cognitivo.
Para ascender a funções superiores, o cérebro tem de lidar com
toda a complexa integração postural, produzindo modulações tônicas,
modificações intersegmentares reflexas, interações com o espaço
envolvente, integrando posições, exprimindo atitudes, coativando
padrões antigravíticos etc. O cérebro está apto para processar
informações, quando é capaz de controlar a postura. Se o equilíbrio
não for mantido e se verificar-se uma insegurança gravitacional, não só
falharam as atitudes mas também todo o controle voluntário que
obedece à função de integração bilateral do corpo.

Hemisfério Esquerdo Hemisfério Direito


GLOBAL – Sequencialização da informação – Simultaneidade da informação
– Organização e seriação – Organização “gestáltica”
– Análise – Síntese
– Funções tudo ou nada – Funções difusas e graduadas
– Processo elaborativo – Processo imediato e emocional
– Processo conceitual – Processo perceptivo
– Categorização das alterações do – Sustentação da situação do
– envolvimento envolvimento
– Vigilância primária – Vigilância secundária
– Atenção auditiva – Atenção visual
– Ritmo – Música
– Organização volitiva e consciente – Organização involitiva e
automática
– Fluência verbal
– Regulação do comportamento pela – Detecção de erros
fala – Consciência social
LÓBULO FRONTAL – Praxias – Julgamentos recentes do tipo
– Escrever visual
– Conscientização
– Julgamento verbais
– Raciocínio verbal – Padrões de ritmo
LÓBULO TEMPORAL – Memória verbal auditiva – Memória visual de longo-termo
– Vocabulário – -Memória auditiva não verbal
– Cálculo – Memória para faces
– Leitura – Percepção do espaço
– Escrita – Percepção de fundo
LÓBULO PARIETAL E – Praxias construtuvas – Discriminação
OCCIPITAL – Praxias ideacionais – Praxia construtiva espacial
– Síntese, percepção da forma – Memória visual de curto-termo
– Aquisições associativas – Reconhecimento visual de
– Apreensão de sequencias objetos e figuras

Quadro 3.3. – Distribuição das funções corticais


superiores pelos dois hemisférios

A consciência humana para atingir a informação simbólica tem de


eliminar informação intracorporal, tem de poder inibir, ou melhor,
modular a informação proprioceptiva, a fim de poder lidar com
informação mais complexa. É aqui que a lateralização atinge um papel
crucial: ela submete o sistema postural a outras funções mais
diferenciadas, como as praxias e a aprendizagem.
A equilibração e a lateralização no ser humano permitem o acesso à
orientação simbólica e de um dos hemisférios, normalmente o
esquerdo, que cada vez mais se liberta da informação somática e
torna-se apto a lidar com informação extrassomática de origem social.
Em qualquer processo de aprendizagem, o hemisfério direito é mais
rápido que o hemisfério esquerdo; precede-o para depois se submeter
ao seu controle. O princípio da hierarquização funcional está de novo
presente.
O acesso à linguagem no ser humano requer uma equilibração
altamente complexa, superiormente governada por um hemisfério.
Para lidar com sinais e símbolos, o cérebro tem de se organizar primeiro
para lidar com informações tônicas, táteis e quinestésicas (haptic
system). A postura abre o caminho à linguagem por meio da função de
lateralização, transformando o cérebro em um órgão capaz de
processar informação que tem origem fora do seu corpo.
Se a equilibração ou a lateralização falharem, a sensibilidade
proprioceptiva, o sistema vestibular e todas as funções da primeira
unidade funcional de Luria não permitirão que as outras unidade mais
complexas atuem apropriadamente.
A significação psiconeurológica da lateralização assume mais relevo
quando abordamos as lesões hemisféricas. Muitos estudos lesionais em
adultos têm demonstrado que as lesões direitas afetam
preferencialmente a noção do corpo e as relações espaciais (fenômeno
de Neglet), enquanto as lesões esquerdas afetam outro quadro clínico
mais relacionado com as afasias. Nas crianças, esses quadros não são
tão nítidos exatamente porque as crianças ainda não possuem
dominância hemisférica, daí a importância deste fator psicomotor em
termos de potencial de aprendizagem.
Para aprender as funções simbólicas, o hemisfério esquerdo
(hemisfério simbólico em Quirós e Schrager, 1975) transfere as suas
informações corporais e espaciais para o hemisfério direito (hemisfério
postural para os mesmos autores).
Se a informação corporal e espacial não for convenientemente
transferida (ou excluída), é óbvio que o hemisfério esquerdo tem de
passar mais tempo a processá-la e, ao investir nessa atividade, não
pode estar apto para processar a informação para a qual está mais
dotado. Por alguma razão, a presença de crianças preferencialmente
esquerdas ou com ambidestria mal-integradas é frequentemente nas
populações de crianças deficientes ou de crianças com dificuldades na
fala ou na aprendizagem.
Em termos cibernéticos, isso quer dizer que os circuitos disponíveis
para um programa simples não processam informação; por
consequência, os circuitos normalmente utilizados para programas mais
complexos têm de entrar em atividade, pondo em risco as suas próprias
funções.
Aqui está talvez uma das razões que explica por que a linguagem
não se desenvolve convenientemente enquanto os “programas” da
tonicidade, da equilibração e da lateralização não estão devidamente
integrados e automatizados. Razão paralela encontra-se em crianças
disléxicas em que se detectam frequentes sinais disfuncionais
vestibulares e proprioceptivos; daí, consequentemente, a significação
psiconeurológica dos sinais detectados no fator psicomotor da
lateralização.

3.2.5. Noção do corpo


Considerações gerais

A noção do corpo, que constitui o quarto fator da BPM, está


também integrada na segunda unidade funcional de Luria, cuja função
primordial é a recepção, a análise e o armazenamento da informação.
No caso particular da noção do corpo (somatognosia), ela
compreende a recepção, a análise e o armazenamento das informações
vindas do corpo, reunidas sobre a forma de uma tomada de
consciência estruturada e armazenada somatotopicamente.
A noção do corpo em termos psicomotores encerra o conceito
pavloviano de analisador motor, cujas projeções corticais se concentram
no lóbulo parietal. As múltiplas informações proprioceptivas pré-
selecionadas no tronco cerebral e nas estruturas talâmicas ascendem ao
córtex para aí criarem uma conscientização específica do corpo,
conscientização essa ontogenética e apreendida por meio da
experiência motora e da mediação social.
Em Ajuriaguerra (1972), a evolução da criança é sinônimo de
conscientização e conhecimento cada vez mais profundo do seu corpo,
a criança é o seu corpo, pois é por meio dele que a criança elabora
todas as suas experiências vitais e organiza toda a sua personalidade.
A noção do corpo, noção crítica, singular e plural, assume um
invariante tátil-quinestésico da postura, em que convergem
sinultaneamente, mas com uma contribuição particular, os anteriores
fatores psicomotores da tonicidade, da equilibração e da lateralização.
Trata-se de uma construção polifatorial que envolve a relação inevitável
com o outro e a dimensão geocêntrica da linguagem. Noção primeiro
intuitiva, da qual decorre uma autoimagem sensorial interior, passa
posteriormente a uma noção especializada linguisticamente.
Decorrendo da reprojeção aferente de todos os músculos, os
tendões e as articulações, do tato e do sentido quinestésico (haptic
systein), a noção ou a imagem do corpo estruturase a partir dos
estímulos periféricos e das preferências do movimento corporal,
resultando em processos de transdução e de análise, desde as
informações táteis até as quinestésicas, cujo produto final resulta na
síntese e no armazenamento de posturas corporais, de padrões de
movimento, de direcionalização objetal e envolvimental etc.,
dependentes da experiência cultural e da aprendizagem.
Em suma, em termos lurianos, a noção do corpo resulta das
projeções específicas das áreas primárias, mas elabora-se e armazena-
se como construção gnósica corporal (somatognosia) nas áreas
parietais secundárias (áreas 5 e 7 de Brodmann).
A noção do corpo refinada pela ontogênese obedece a uma
hierarquia estrutural. De uma referência sensorial interiorizada e
adaptativa, dependente dos sinergismos básicos espelhados no
desenvolvimento da locomoção, a noção do corpo semiotiza-se por
meio da experiência cultural, integrando o emocional e o afetivo, o
mágico e o fantástico, a unidade e a diferenciação, a instrumentalidade
e a identidade, o objetivo e o subjetivo etc. Em uma palavra, a noção
do corpo envolve a noção do psíquico, é o psíquico.
A noção do corpo é um sistema funcional complexo em termos
lurianos, na medida em que resulta da organização e da estruturação
de percepções simples em constelações mais complexas, como
(re)representações do corpo, verdadeiras transformações corticais de
memórias neuronais que dão ao corpo uma singularidade própria e
uma localização subjetiva intrínseca.
Com base nesses dados, o corpo transforma-se em um instrumento
do pensamento e da comunicação. É nele e com ele que nos
reconhecemos no que somos. O corpo é em síntese um objeto
psicológico e um constructo psicológico. (FISCHER e CLEVELAND,
1968)
A noção do corpo em Psicomotricidade não avalia a sua forma ou
as suas realizações motoras, procura outra via de análise que se centra
mais no estudo da sua representação psicológica e linguística e nas
suas relações inseparáveis com o potencial de aprendizagem. A noção
do corpo como noção construída pela própria criança adquire um
sentido e uma significação cuja integração está na base das funções
psíquicas superiores.
A noção do corpo (body percept nos autores americanos) não se
esgota nas dimensões neurológicas, uma vez que transcende as suas
fronteiras nos vários processos de comunicação. Desde a comunicação
básica, primitiva e vital, que subentende o inesgotável diálogo tônico-
afetivo entre mãe e filho, até o conforto tátil, que retrata a vinculação
essencial do ser humano a outros seres humanos, passando pela
imitação e pela comunicação não verbal universal, o corpo, sede da
consciência, é nem mais nem menos o habitáculo emocional e racional
da inteligência.
O corpo, filogenética e ontogeneticamente, apropria-se das
emoções e das representações, é o lugar por onde a comunicação se
estabelece. É estruturalmente o centro da linguagem emocional e
interior que antecede a apropriação da própria linguagem falada.
A noção do corpo resume dialeticamente a totalidade do potencial
de aprendizagem, não só por envolver um processo perceptivo
polissensorial complexo mas também por integrar e reter a síntese das
atitudes afetivas vividas e experimentadas significativamente.
Encarada nesta perspectiva, a noção do corpo torna-se um
dispositivo essencial ao desenvolvimento da aprendizagem e,
consequentemente, da personalidade, na medida em que ela tem para
a criança uma significação experimental subjetiva e peculiar. É uma
matriz psicológica que se introduz em todas as formas de
comportamento. A estrutura do corpo e a variedade dos traços de
personalidade são objeto de estudo de inesgotáveis recursos para
compreender as relações entre corpo e personalidade, como provaram,
por exemplo, Kretchmern (1923), Sheldon (1942) etc.
Inúmeras perspectivas sobre o estudo da noção do corpo têm sido
avançadas, desde as filosóficas (KANT, KIERKEGAARD, DESCARTES
etc.), as fenomenologistas (PONTY, HUSSEL, CASSIERE, CHIRPAZ etc.),
as existencialistas (SARTRE, CAMUS etc.), a psicanalítica (FREUD, SPIZ,
KLEIN, ADLER, JUNG, RANK, REICH, SCHILDER etc.), as psicológicas
clássicas (LOTZE, WUNDT, TICHENER, WASHBURN etc.), as psicológicas
contemporâneas (WALLON, PIAGET, BENTON, FISCHER E CLEVELAND
etc.), as neurológicas (PICK, HEAD, WERNICKE, GOLDSTEIN, HÉCAEN,
AJURIAGUERRA etc.) até as outras perspectivas mais interdisciplinares e
transdisciplinares, cujo tratamento seria exaustivo em um trabalho
desta natureza.
De alguma forma, em termos de síntese, todas elas pretendem
transcender a noção física do corpo, conferindo-lhe em contrapartida
outros atributos: o mundo das sensações e das emoções; o mundo das
ações e das construções; o mundo dos afetos e dos sentimentos etc.
Daqui também as várias designações: esquema postural (HEAD);
esquema corporal (BONNIER); imagem de si (VAN BOGAERT);
somatopsiquíco (JANET): imagem do eu corporal (M. PONTY); imagem
do corpo (SCHILDER); imagem espacial do corpo (PICQ); imagem do
nosso corpo (LHERMITTE) etc. (FONSECA, 1977). Todas elas,
invariavelmente, são de grande riqueza para a compreensão da
significação psiconeurológica da noção do corpo.
Em termos de observação psicomotora, a noção do corpo deve ser
reconhecida como resultante da organização do input sensorial (tátil-
cinestésico, vestibular e proprioceptivo) em uma imagem interiorizada e
estruturada, de onde emerge uma representação mental, que em si,
constitui-se em um marco de referência interna que precede todas as
relações com o exterior.
Ao longo da experiência, o cérebro organiza uma imagem sensorial
interna a partir da atividade motora, imagem essa que se refina e
precisa, estrutura e atualiza, armazena e se reutiliza.
A noção do corpo organiza-se desde as re-representações dos
modelos neuronais da tonicidade, da equilibração e da lateralização
que se sobrepõem em um verdadeiro órgão cortical e funcional.
Dessa forma, a noção do corpo constitui uma integração superior,
onde se encontram dados intraneurossensoriais e interneurossensoriais,
que mobilizam memórias neuronais indispensáveis ao desenvolvimento
das aquisições de aprendizagem psicomotora e simbólica.
A noção do corpo é o alfabeto e o atlas do corpo, mapa semântico
com equivalentes visuais, táteis, quinestésicos e auditivos (linguísticos),
verdadeira composição de memórias de todas as partes do corpo e de
todas as suas experiências. Em outros termos, é uma síntese perceptiva
que tem lugar na segunda unidade funcional do modelo de
organização cerebral de Luria, mais exatamente nas áreas secundárias e
terciárias do lóbulo parietal.
Como mapa, a noção do corpo é indispensável para “navegar” no
espaço; como alfabeto, é indispensávvel para comunicar e aprender.
Ponto de referência espacial, instrumento de realização e de criação,
alicerce da estrutura do Eu etc., o corpo é uma construção
biopsicossocial, um produto final das experiências agradáveis e
desagradáveis da vida.
A noção do corpo joga com a noção de tamanho e de peso, com a
informação do envolvimento, dos objetos e dos outros, com a
informação da gravidade, com a lateralização relativa da situação, com
os movimentos anteriores (engramas) armazenados, em uma palavra,
com todas as informações necessárias para produzir ações intencionais.
O cérebro, por meio da noção do corpo, está apto a conhecer as
condições em que vai ser elaborada e programada a atividade que tem
de regular e de verificar.
A discriminação, a identificação e a localização tátil do corpo é, por
consequência, determinante para a organização da noção do corpo.
Qualquer disfunção em integrar essa informação sensorial implica
disgnosias ou agnosias, isto é, a dificuldade em localizar precisamente
as partes do corpo envolvidas ou, por extensão, a dificuldade em
identificar objetos por palpação ou manipulação. Dar significação às
informações táteis, quinestésicas, vestibulares e proprioceptivas é a
base neuronal com a qual se constrói a noção do corpo.
As perturbações da somatognosia traduzem um fraco
conhecimento do corpo, a que se juntam ambiguidades sensoriais,
desintegração dos componentes proprioceptivos, alterações de
representação óptica da própria imagem do corpo, desorientação na
localização das sensações táteis, sensações de mudança, de dimensãõ e
de peso dos membros do corpo, sensações de rejeição e de
negligência, modificações vestibulares e tônicas, sensações de
desaparecimento dos membros do corpo, sensações de imobilização
etc.
Um número infindável de termos tem sido introduzido nas
perturbações psicopatológicas da noção do corpo (HÉCAEN e
AJURIAGUERRA, 1952) dos quais destacamos, pelo seu interesse, os
seguintes: anosognosia (os pacientes ignoram a sua hemiplegia),
anosodiaforia (indiferença sistemática à paralisia), hemissomatognosia
(desconhecimento de metade do corpo), autotopoagnosia
(perturbações nas relações entre esquerda e direita), agnosia digital
(não localização dos dedos da mão), assomatognosia (incapacidade de
distinção das partes do corpo, perda de consciência do corpo),
aloestesia (transferência simétrica de estímulos), alucinações
sinestésicas (simulação de movimentos nos membros paralisados),
síndrome de Gertsmann (agnosia digital, indistinção direita-esquerda,
acalculia e agrafia pura), sentimento de ausência de membros
(fenômeno do membro fantasma), assimbolia à dor (reação incompleta
ou insuficiente à dor) etc.
Por meio de múltiplas perturbações da noção do corpo, somos
levados a reconhecer a importância desse fator em termos de
desenvolvimento psicomotor, ou em termos de potencial de
aprendizagem.
Na criança, não podemos falar de perturbações da somatognosia,
na medida em que ela não está ainda constituída como sistema
funcional complexo; por esse fato, as sensações de membro-fantasma
em crianças amputadas com menos de seis anos não são manifestadas.
(HÉCAEN e AJURIAGUERRA, 1952; e TOLON, 1982)
A noção do corpo, por conseguinte, compreende uma
representação mais ou menos consciente do nosso corpo, dinâmica e
postural, posicional e espacial, que encerra o revestimento cutâneo que
nos põe em contato com o mundo exterior. Encerra a formação de um
processo psicológico cujo substrato neurológico advém dos dados
sensoriais, que da superfície e da periferia viajem até ao cérebro e aí se
organizam em um modelo plástico integrado no córtex parietal.
Nem todas as informações do corpo ascendem ao nível cortical
parietal; normalmente, são processadas automaticamente pelo tronco
cerebral, como as sensações táteis da roupa, da pressão atmosférica,
de móveis em que estamos sentados etc. A maioria delas passa-nos
despercebida. Para atingir níveis de integração elevados, a
conscientização da informação tátil reclama funções de atenção
localizada, funções essas que são o objetivo da pesquisa nas tarefas dos
subfatores da BPM.
É basicamente sobre este ponto em que o fator da noção do corpo
interfere com o potencial de aprendizagem que nos interessa encarar o
seu estudo.
As informações visuais, táteis, quinestésicas e vestibulares reunidas
na imagem do corpo são um alimento indispensável do cérebro, pois,
privando-o dessa multiestimulação, ele pode desorganizar-se e
manifestar desordens de processamento da informação ou mesmo
desordens de comportamento. As experiências de Harlow (1958 e
1959) sobre esta matéria são de grande importância para a
compreensão da noção do corpo nos processos emocionais e
psicológicos. Os estudos de Spitz (1958) sobre hospitalismo não estão
longe, também, destas implicações globais que estamos abordando.
Grande parte da informação tátil é inespecífïca, sendo modulada
por processos de facilitação-inibição pelo sistema nervoso central,
especialmente na primeira unidade funcional do modelo luriano, em
que é basicamente convertida em termos energéticos, permitindo que
o cérebro funcione harmoniosamente. Mas tal informação inespecífica
não esgota o papel da informação tátil, visto que as informações de
algumas partes do corpo são altamente específicas, como é o caso das
informações das mãos, dos dedos, da boca, dos mamilos, dos órgãos
sexuais etc. E este caráter de especificidade, de localização, de
identificação e de discriminação que empresta à noção do corpo uma
função psíquica determinante.
Se, efetivamente, o caráter de especificidade não estiver integrado,
se essa se mantiver vaga, difusa e pouco organizada, a integração tátil
não se promove em níveis epicríticos ou superiores, e, por
consequência, a organização da Psicomotricidade é perturbada. Pelo
fato de não se utilizarem os dedos dos pés com tanta associação como
se utilizam os dedos da mão, a integração gnósica daqueles é
globalista e inespecífica, enquanto a destes é específica, diferenciada e
localizada, daí também a representação mais complexa no córtex
sensorial da mão e dos seus dedos em comparação com o pé e os seus
dedos. Nos dedos dos pés, é muito difícil mexer o dedo que foi tocado,
exatamente porque o nosso cérebro, devido à filogênese e à
especialização postural, não está tão apto para essa função, como a
mão que se libertou da dependência postural para o desenvolvimento
práxico e para o trabalho. O isolamento dos movimentos dos dedos
dos pés é muito difícil sem treino, só em casos especiais (amputados,
talidomida etc.), tal organização motora se obtém natural e
obviamente à custa de uma informação tátil mais específica.
Uma fraca integração tátil não só prejudica a noção do corpo, como
interfere com a coordenação e a elaboração motora mais diferenciada;
por essa razão, a criança dispráxica e a criança hiperativa apresentam
problemas de coordenação de movimentos e de atenção seletiva,
podendo em ambos os casos surgir instabilidade e grandes doses de
experiências frustrantes, quer na vida social, quer na vida escolar.
Em complemento, a informação proprioceptiva dos músculos e das
articulações também faz parte, como componente essencial, da noção
do corpo, visto que, a partir dessa informação, o cérebro sabe onde
estão as partes do corpo e, a partir daí, estará em melhores condições
de saber como e quando as pode utilizar para o movimento
intencional. O cérebro, ao programar movimentos, exige uma
reciclagem da noção do corpo, atualizando o conhecimento espacial
das suas partes e utilizando-as em tempo certo. A proprioceptividade,
como integração sensorial corticalizada, é também inespecífica na
noção do corpo e na aprendizagem humana.
A evolução dotou o cérebro com uma noção do corpo altamente
especializada em termos tátil-quinestésicos, mas também a faz
depender da função visual.
A visão, que inicialmente se confunde com o tato e com o sentido
quinestésico, destaca-se deles progressivamente para construir, quer na
ação, quer na representação, outros níveis mais complexos de noção
corporal. A visão, ao libertar-se da proprioceptividade, como nos gestos
de trabalho (por exemplo: usar o teclado de um computador, guiar um
automóvel etc.) não se concentra nas informações táteis dos
instrumentos de controle tampouco na proprioceptividade resultante
dos movimentos finos que os controlam; pelo contrário, ele se
concentra no produto final e no objetivo a atingir.
A vida seria mais complicada se tivéssemos de olhar para tudo antes
de realizarmos qualquer ação. (AYRES, 1982)
A relação espaço-óptico (opticograma), espaço-quinestésico
(somatograma – noção do corpo) põe em jogo os dados exteroceptivos
(visão) com os proprioceptivos (corpo), em uma disponibilidade maior
ou menor quanto maior for o grau de confiança que a visão tem na
proprioceptividade para controlar os intrumentos da ação. A visão
governa a ação mediada pela proprioceptividade, a visão guia a mão
na fase inicial de aprendizagem, mas progressivamente é a mão
(proprioceptividade – noção do corpo) que controla a ação com graus
progressivos de libertação.
Por essa descrição, constatamos o papel da noção do corpo na ação
e nas praxias, daí que uma perturbação nesse fator condicione o
desenrolar de qualquer ação. Qualquer perturbação na
proprioceptividade prejudica a execução e a harmonia do movimento,
altera-lhe a melodia e afeta-lhe a disponibilidade e a plasticidade.
Uma proprioceptividade difusa, desintegrada e vulnerável exige que
os movimentos se realizem com mais vigilância e com mais controle
visual. A visão, em vez de ter uma função virada para o exterior, em vez
de se projetar como exteroceptor, é presa ou amarrada a uma função
de regulação proprioceptiva, inibindo essa e diminuindo a sua própria
função. Se a visão estiver agarrada à ação, a proprioceptividade não
assumirá a sua função e, por consequência, a exteroceptividade
também. E fácil perceber o que emerge dessa organização, quer na
manipulação de objetos (escrever), quer na atividade lúdica (desportos),
quer ainda na autossuficiência (atravessar uma rua, andar de bicicleta
etc.). Hesitações, confusões, desorientações etc. nascem
consequentemente da desintegração da noção do corpo, fator
psicomotor de grande importância na observação.
A noção do corpo envolve também a qualidade de integração
motora, isto é, a informação sensorial que resulta do movimento e a
reaferência de sensações dele resultante (feedback).
O sentido vestibular, que faz parte da equilibração e que modela a
função tônica que permite a navegação gravitacional do corpo é outro
componente básico da noção do corpo, na medida em que
complementa internamente (feedback interno) a função dos outros
sentidos envolvidos no movimento.
Em resumo, a noção do corpo, além de revelar a capacidade
peculiar do ser humano e se reconhecer como um objeto no seu
próprio campo perceptivo, de onde resulta a sua autoconfiança e
autoestima, em uma palavra, o seu autocontrole, é também o
resultado de uma integração sensorial cortical, que participa na
planificação motora de todas as atividades conscientes, pois, por meio
dela, atingimos a matriz espacial das nossas percepções e das nossas
ações.
É com base na pesquisa de sinais disfuncionais proprioceptivos tátil-
quinestésicos e vestibulares que acabamos de abordar, além de
apreciação que a criança tem de presentação e representação do seu
próprio corpo, que o fator da noção do corpo da BPM foi construído,
dele constando os seguintes subfatores: sentido cinestésico,
reconhecimento direita-esquerda, autoimagem; imitação de gestos e
desenho do corpo, que passaremos a descrever.

Descrição dos subfatores e cotação

Sentido cinestésico

O sentido cinestésico, de acordo com Jenkins (1966), pertence à


somestesia. A somestesia refere-se à sensibilidade cutânea e
subcutânea, envolvendo, no caso da BPM, a pesquisa da identificação
tátil do corpo, enquanto o sentido cinestésico compreende o sentido
posicional e o sentido do movimento fornecido pelos proprioceptores
(fuso neuromuscular, órgãos tendinosos de Golgi, corpúsculos de
Pacini, respectivamente localizados nos músculos, nos tendões e nas
articulações).
Por meio das tarefas subjacentes a esse subfator, pretende-se
detectar o grau de conhecimento integrado que a criança possui do
seu corpo (inventário do corpo). A criança terá de identificar no seu
modelo espacial e corporal o ponto em que foi tocado tatilmente. Da
recepção tátil periférica, a criança (de olhos fechados) terá de
identificá-la na sua noção ou na imagem do corpo, traduzir essa
informação tátil no seu equivalente linguístico, recorrendo à sua
memória cinestésica e auditiva, selecionar a respectiva designação
verbal e nomear corretamente o ponto de estimulação tátil. Em termos
da segunda unidade funcional de Luria, a criança terá de receber,
analisar, armazenar, selecionar e nomear a informação tátil, tratando-a
corticalmente por meio do sistema funcional complexo da noção do
corpo.
Na BPM, a subtarefa do sentido cinestésico compreende o seguinte
procedimento: a criança deverá manter-se de pé, calma e tranquila,
com os olhos fechados. O observador deverá prepará-la com uma ou
duas experiências (por exemplo: nariz e boca) e, em seguida, sugerir
que ela nomeie os vários pontos do corpo em que foi tocada
tatilmente.

Figura 3.22. – Observação do sentido cinestésico.


Nomeação de 8 a 18 pontos táteis do corpo.
Em relação à idade, tomar em atenção que as crianças em idade
pré-primária (4 e 5 anos) devem nomear oito pontos táteis (nariz,
queixo, olhos, orelha, ombro, cotovelo, mão e pé), enquanto a criança
acima dos seis anos, em idade escolar, deve nomear 16 pontos táteis
(testa, boca ou lábios, olho direito, orelha esquerda, nuca ou pescoço,
ombro esquerdo, cotovelo direito, joelho esquerdo, pé direito, pé
esquerdo, mão esquerda, polegar, indicador, médio, anelar e mínimo
direitos).
Os sinais difusos inerentes à prova da imobilidade devem ser
observados e registrados em termos globais, na medida em que podem
fornecer dados relevantes sobre a estrutura tônico-quinestésico-
postural e a experiência sensitivo-proprioceptiva e emocional da noção
do corpo da criança.
A cotação a atribuir deverá ser a seguinte:

4, se a criança nomeia corretamente todos os pontos táteis da


prova (8 ou 16) sem evidenciar sinais difusos; realização perfeita,
precisa e com facilidade de controle, segurança gravitacional;

3, se a criança nomeia corretamente 6 ou 12 pontos táteis,


evidenciando ligeiros sinais difusos;

2, se a criança nomeia quatro a oito dos pontos táteis, evidenciando


sinais difusos óbvios (abre os olhos, verbaliza intensamente, tiques,
gesticulações, instabilidade, defensividade tátil, disgnosia digital
etc.);

1, se a criança nomeia apenas um a dois ou quatro a oito pontos


táteis, com sinais vestibulares bem marcados a demonstrar
desintegração somatognósica, confusão cinestésica geral ou
agnosia digital.
A cotação obtida neste subfator deve ser registrada na BPM,
passando logo em seguida ao seguinte subfator:

Reconhecimento direita-esquerda

O reconhecimento direita-esquerda é uma prova integrada no fator


noção do corpo, mas que fornece igualmente dados em nível da
lateralização simbólica. Não compreende, portanto, o nível de
integração bilateral do corpo já focado, envolve já uma função de
decodificação verbal em face da noção simbólica do hemicorpo e da
consciencialização da linha média do corpo. Em certa medida, o
reconhecimento direita-esquerda refere-se ao poder discriminativo e
verbalizado que a criança tem do seu corpo como um universo espacial
interiorizado e socialmente mediado. As tarefas que constituem a prova
são de localização intracorporal para as crianças em idade pré-primária
(4 a 5 anos) e incluem tarefas de localização extracorporal no outro
(observador) para as crianças em idade escolar (dos seis anos em
diante).
Para responder às situações, é necessário que a criança tenha um
conhecimento do corpo em termos simbólicos e não meramente em
termos somatossensoriais. A resposta às tarefas envolve a noção do
corpo em termos de modelo espacial psicologicamente representado,
pois, além de pôr em jogo a função de decodificação verbal e de
codificação motora, a criança tem de recorrer à localização
conscientizada das partes do seu corpo em termos verbais e visório-
tátil-quinestésicos, envolvendo a totalidade da sua organização
somatossensorial e pondo em jogo a segunda unidade funcional de
Luria. As tarefas reúnem adaptações e simplificações das provas de
Piaget e Head, bem como de Kephart.
O procedimento para as tarefas que constituem esse subfator
envolve, da parte da criança, a resposta (output) motora a solicitações
(input) verbais apresentadas pelo observador.

Para a criança em idade pré-primária (4 a 5 anos), as solicitações


verbais são as seguintes:

— “Mostre-me a sua mão direita”;

— “Mostre-me o seu olho esquerdo”;

— “Mostre-me o seu pé direito”;

— “Mostre-me a sua mão esquerda”.

Para a criança em idade escolar (acima dos seis anos), as solicitações


verbais envolvem todas as anteriores de localização bilateral, mais
outras solicitações que envolvem contralateral (cruzamento da linha
média do corpo) e localização reversível (localização no outro, isto é,
mudança do conceito de localização espacial).
As solicitações para este caso são as seguintes:

— “Cruze a sua perna direita por cima do seu joelho esquerdo”;

— “Toque na sua orelha esquerda com a sua mão direita”;

— “Aponte o meu olho direito com a sua mão esquerda”;

— “Aponte a minha orelha esquerda com a sua mão direita”.

A cotação a atribuir deverá ser a seguinte:


4, se a criança realiza as quatro ou oito tarefas de forma perfeita e
precisa;

3, se a criança realiza três ou seis das tarefas, evidenciando ligeiras


hesitações e confusões;

2, se a criança realiza duas ou quatro das tarefas, revelando uma


hesitação e uma confusão permanentes

1, se a criança não realiza as tarefas ou se realiza uma ou duas ao


acaso, demonstrando marcada hesitação e confusão na
identificação nas partes do seu corpo (desintegração somatognósica
e confusão cinestésica geral).

Registrar a cotação atribuída na ficha, apontando algo de relevante


sobre a forma como a criança processa a informação verbal, dada a sua
importância em termos de aprendizagem e de potencial de
comunicação verbal.
Figura 3.23. – Observação do reconhecimento direita-
esquerda. Resposta motora a solicitações verbais.

Autoimagem (face)

A autoimagem, que constitui uma adaptação da prova clássica de


dismetria de Ozeretzky (1936), visa estudar a noção do corpo no seu
componente facial dentro do parâmetro do espaço próprio, isto é, todo
o espaço extracorporal imediato que é possível atingir com os
movimentos dos braços sem mover os pés. A autoimagem não é mais
do que o fingernose test (teste dedo ao nariz) utilizado em exames
neurológicos pediátricos (TOUWEN E PRECHTL, 1970) com a finalidade
de avaliar a função proprioceptiva da criança.
A autoimagem permite reservar a componente facial da noção do
corpo, a sua localização e diferenciação tátil-quinestésica, como a
direcionalidade, a consciência intracorporal e extracorporal e a
harmonia e a eumetria dos movimentos no espaço envolvente imediato
do corpo.
A direção do movimento e a sua trajetória, o ritmo, a precisão e a
qualidade do movimento, a postura e a lateralização podem ser
observados nessa prova. Especial interesse pode ter a fase final do
movimento, pois a ocorrência de tremores ou de movimento de
oscilação pode querer significar problemas de controle cerebeloso.
A autoimagem, em certa medida, traduz a justaposição da imagem
visual do corpo (uma espécie de imagem especular interiorizada) com a
consciência tátil-quinestésica e a integração proprioceptiva dos
membros e das extremidades superiores, pondo também em jogo
funções de interação gnósica e de armazenamento, inerentes à
segunda unidade funcional de Luria.
O procedimento da prova é o seguinte: a criança, de olhos
fechados, com os braços em extensão lateral, as mãos fletidas e os
respectivos indicadores estendidos, deve realizar um movimento lento
de flexão do braço até tocar com as pontas dos dedos indicadores na
ponta do nariz. A tarefa deve ser realizada quatro vezes, duas com
cada mão. O observador deve demonstrar ludicamente à criança, uma
a duas vezes, de forma a que ela compreenda o local exato da ponta
do nariz em que deve tocar com os seus dedos indicadores.

Figura 3.24. – Observação da autoimagem. Observação


da noção do componente facial dentro do parâmetro do
espaço próprio. (exemplo: dedo indicador-nariz).

A cotação a atribuir deve ser a seguinte:

4, se a criança toca quatro vezes exatamente na ponta do nariz,


com movimento eumétrico, preciso e melódico;

3, se a criança falha uma ou duas vezes, mantendo um movimento


adequado e controlado sem manifestar outros sinais disfuncionais;

2, se a criança acerta uma ou duas vezes (em cima ou em baixo, à


esquerda ou à direita) da ponta do nariz, com movimentos
dismétricos e hipercontrolados, revelando ligeiros sinais discrepantes
em termos de lateralização;

1, se não acerta ou se acerta uma vez na ponta do nariz


(significativos desvios para cima ou para baixo, para a esquerda ou
direita) com movimentos dismétricos e tremores na fase final,
demonstrando claros sinais disfuncionais somatognósicos.
O controle postural, os sinais vestibulares e proprioceptivos difusos,
o excessivo controle, a insegurança expressa mimicamente e as nítidas
discrepâncias ou assimetrias de realização bilateral devem ser
observadas e registradas paralelamente com a cotação escolhida.

Imitação de gestos

A imitação de gestos visa ao estudo do sentido posicional e do


sentido dos movimentos nas óticas de Bergés e Lézine (1963), de
Roach e Kephart (1966) e de Borel-Maisonny (1972).
As tarefas desse subfator resumem a capacidade de análise visual
de posturas e gestos, desenhados no espaço, sua retenção visual de
curto-termo e respectiva transposição motora por meio de cópia
gestual bilateral (simultaneamente com as duas mãos).
Por meio das tarefas desse subfator, podemos avaliar a capacidade
de recepção, análise, retenção e reprodução de posturas e gestos
(ecocinesias), envolvendo a noção do corpo, a sua diferenciada
localização espacial, a coordenação oculomanual, a orientação espacial
e, finalmente, a qualidade e a execução de movimentos.
Ao contrário de outras provas, as tarefas da BPM contêm apenas
movimentos bilaterais (coordenação recíproca) e não unilaterais, a fim
de se evitarem confusões de lateralização na reprodução de
movimentos em “espelho” ou de “verdade” (en verité). As subtarefas
que constituem a prova requerem apenas a imitação direta (de figuras
geométricas desenhadas no espaço), não envolvendo a imitação
cruzada, estudando simultaneamente a organização perceptivo-visual
da criança.
O procedimento na imitação dos gestos é o seguinte: sugere-se à
criança que se mantenha de pé diante do observador e que observe
com muita atenção as quatro posturas e gestos (desenhos no espaço)
que ele vai realizar.
O observador deverá realizar:

para a criança em idade pré-primária (4 a 5 anos), os seguintes


gestos bilaterais:
Para a criança em idade escolar (dos seis anos em diante), os
seguintes gestos bilateriais:

A cotação a atribuir deverá ser a seguinte:

4, se a criança reproduz com perfeição, precisão e acabamento,


suavidade e coordenação recíproca as quadro figuras espaciais
(imitação exata);

3, se a criança reproduz três das quatro figuras com ligeiras


distorções de forma, proporção e angularidade (imitação
aproximada);

2, se a criança reproduz duas das quatro figuras com distorções de


forma, proporção e angularidade, sinais de dismetria e
descoordenação recíproca, alterações de sequência, hesitação
(imitação distorcida);

1, se a criança não reproduz nenhuma das figuras ou uma das


quatro com distorções perceptivas, dismetrias, hemissíndrome,
tremores, desintegração somatognósica óbvia (inimitação).

Registrar a cotação obtida e alguns movimentos involuntários ou


expressões mímicas que possam ocorrer, verificar a coordenação
bilateral recíproca no sentido de se identificar alguma dismetria
lateralizada à esquerda ou à direita (principalmente em crianças
ambidestras): anotar também qualquer irregularidade no desenrolar do
movimento e, finalmente, estar atento a qualquer sinal de
perseverança ou inércia.

Figura 3.25 – Observação da imitação de gestos.


Observação do sentido posicional e do sentido dos
movimentos (ecocinesias).

Desenho do corpo

O desenho do corpo (Bonhomme) tem sido largamente utilizado no


campo do diagnóstico psicológico. Inúmeros trabalhos, como os de
Goodenough (1957), Wintsch (1935), Luquet (1935), Fontes (1959),
Lurçat e Wallon (1958), Fay (1934) e muitos outros têm-se referido ao
desenho como o processo por meio do qual a criança objetiva a
representação do seu corpo. (FONSECA, 1976 e 1977)
Na BPM, o desenho do corpo incluído no fator da noção do corpo é
um meio de avaliação da representação do corpo vivido da criança,
refletindo o seu nível de integração somatognósica e a sua experiência
psicoafetiva.
A princípio, a criança desenha o que sabe do seu corpo, como
verdadeira síntese psicomotora, justapondo aspectos visório-tátil-
quinestésicos transcritos sobre a forma gráfica.
O desenho do corpo não substitui a multiplicidade de dados
afetivos, emocionais, projetivos, cognitivos etc., inseridos na noção do
corpo. Isoladamente considerado, não fornece a totalidade dos
aspectos somatogósicos nem pode espelhar o potencial intelectual de
uma criança; trata-se de um precioso auxiliar, que deve ser
perspectivado com outros dados.
Na BPM, este subfator procura situar uma objetivação da
representação do corpo, tanto no aspecto gnósico como simbólico e
gráfico. Analisamos nesta situação a postura de sentado da criança, a
posição da cabeça diante do papel e a preensão do lápis (ou da
caneta), tomando nota da mão escolhida para a tarefa, verificando, ou
não, a consistência da dominância manual.
A pesquisa de sinais disfuncionais no desenho joga essencialmente
com fatores de forma, proporção, pobreza ou ausência de pormenores
anatômicos (principalmente extremidades, face e regiões de conexão),
estruturação gráfica, geometrização, simbolização cinética etc. Como
parâmetro etário comparativo, utilizamos a escala de Wintsch.
(FONSECA, 1976)
O desenho do corpo joga efetivamente com uma estrutura gnósica
interneurossensorial visório-tátil-quinestésica, em que interferem
funções de integração parietal-occipital, apela, em termos da segunda
unidade funcional de Luria, a funções de análise, síntese e
processamento sintetizadas sobre a forma de uma expressão gráfica.
O procedimento para esse subfator é o seguinte: solicita-se à
criança que desenhe o seu corpo (um boneco para as crianças em
idade pré-primária) o melhor que sabe. A criança deve desenhar em
uma folha normal e dispor do tempo necessário para realizar o
desenho.
A cotação, com referência básica na escala de Wintsch, deve ser a
seguinte:

4, se a criança realiza um desenho graficamente perfeito,


proporcionado, rico em pormenores anatômicos, etariamente
dentro dos parâmetros da escala e com disposição espacial correta;

3, se a criança realiza um desenho completo, organizado, simétrico,


geometrizado, com pormenores faciais e extremidades, podendo
apresentar distorções mínimas;

2, se a criança realiza um desenho exageradamente pequeno ou


grande, pré-geometrizado em formas e proporções, com pobreza
significativa de pormenores anatômicos;

1, se a criança não realiza o desenho ou se realiza um desenho


desintegrado e fragmentado, sem vestígios de organização gráfica
e praticamente irreconhecível.

A cotação deve ser registrada na ficha e a média dos subfatores


apurada e devidamente transferida para o perfil da BPM.

Significação psiconeurológica

A significação psiconeurológica da noção do corpo é realçada no


campo neuropatológico desde os trabalhos de Krishaber (1873), que se
refere a perturbações da “personalidade física” nos psicastênicos.
Outros trabalhos, de Taine, Ribot, Wernicke, Bonnier, Pick e tantos
outros, referem-se às perturbações da noção do corpo como
assomatognosias, isto é, problemas de localização das partes do corpo
por distorção das informações sensitivas primárias.
Babinski (1914) apresenta dois pacientes que negam as suas
hemiplegias (anossognosias), independentemente de serem portadores
de um estado intelectual funcional. Schilder (1923) admite um
dispositivo cortical que subentende a noção do corpo. Gerstmann
(1924) descreve uma nova síndrome relacionada com as perturbações
somatognósicas, cuja significação no campo das dificuldades de
aprendizagem é ainda reconhecida nos nossos dias. Os estudos dos
amputados com o fenômeno do membro-fantasma marcam novos
avanços sobre o papel da integração cortical da proprioceptividade e da
conscientização do corpo.
Luria (1966) refere-se a um mecanismo cerebral na região parietal
posterior responsável pela função de síntese simultânea dos dados que
integram a noção do corpo. Hécaen (1972) concebe a noção do corpo
como integrada nas regiões parietais posteriores, confirmando a
posição de Luria. Regiões parietais essas em estreita conexão com as
regiões temporais e occipitais, zona de convergência polissensorial,
onde se combinam superiormente os influxos vestibulares,
proprioceptivos, quinestésicos e visuais.
Por estes dados, somos levados a reconhecer como a noção do
corpo influencia e é influenciada por outros fatores psicomotores e
outras funções de aprendizagem. Por ser o resultado da convergência
de várias sensações, pode influenciar a programação das praxias e aí
interferir no seu rendimento e eficácia. Por estar dependente de
informações vestibulares, o controle postural e a insegurança
gravitacional podem sugerir alterações somatognósicas. Dadas as suas
relações com as informações visuais, implica-se na organização visório-
espacial e visório-perceptiva, pondo em risco funções cognitivas de
identificação, categorização, escrutínio e investigação. Ligada à
proprioceptividade, pode jogar com a integração do Eu e contribuir
para uma autoestima e um autoconceito vulneráveis, com repercussões
em nível do comportamento de grande alcance e significado
psiconeurológico.
As investigações de Piaget (1935), Wallon (1949), A. Thomas
(1942), Benton (1959, 1961 e 1979), Ajuriaguerra (1965) e muitos
outros investigadores provam que a noção do corpo se constrói com
base em uma aprendizagem motora superiormente integrada e
conscientizada.
A ontogênese da noção do corpo atravessa várias metamorfoses,
parte da sensóriomotricidade à corporalidade, da ação sobre o mundo
exterior e o mundo dos objetos às ações pré-operatórias subordinadas
à percepção, dessa à exploração do espaço, até atingir uma noção
operatória do corpo no espaço objetivo.
A inter-relação entre a atividade motora e a noção do corpo,
brilhantemente descrita em toda a obra de Wallon, é o resultado da
relação dialética entre a proprioceptividade e exteroceptividade, isto é,
a ação dinâmica integrada entre as informações intracorporais e
extracorporais, de onde emerge a “adaptação motora ao espaço
envolvente”.
A noção do corpo é a imagem do corpo humano e humanizado,
imagem adquirida, elaborada e organizada no cérebro do indivíduo por
meio da sua aprendizagem mediada. Em L. Bender e Silver (1956), a
noção do corpo “é a gestalt de nós próprios, a matriz biologicamente
determinada pelas leis do desenvolvimento humano. A imagem do
corpo não é a soma total das percepções e das experiências, mas a
constelação dessas experiências em um todo de si próprio”.
De fato, a noção do corpo (imagem do corpo ou somatognosia no
fundo são expressões equilaventes) constitui um dos aspectos
relevantes para se compreender até que ponto a motricidade influencia
a Psicomotricidade, o que é o mesmo que afirmar até que ponto a
noção do corpo influencia o desenvolvimento do potencial de
aprendizagem de uma criança.
A noção do corpo fornece à criança a marca de referência
fundamental para ela agir no mundo exterior de forma coerente e
adequada. Quando ela se relaciona com a informação exterior, está a
lidar com condições relativas e não com condições absolutas. Por essa
razão, necessita possuir um ponto de referência a partir do qual
organiza as impressões relativas que recebe, de forma que possa,
efetivamente, estabelecer uma organização e construir uma totalidade
coerente.
Usamos nosso corpo como um ponto de referência (KEPHART,
1971). Os objetos estão referidos em relação ao nosso corpo e
orientados no espaço com referência a ele. Por esse fato, a criança
necessita possuir uma noção do corpo precisa e perfeita, uma imagem
completa do seu corpo e uma imagem clara da sua posição no espaço.
A criança, para poder aprender, necessita de uma noção do corpo
interiormente conscientizada dos dois lados do seu corpo e das suas
diferenças e posições relativas. Não basta ter aprendido que um lado é
direito e o outro é esquerdo, é preciso manter as relações entre ambos
de forma controlada e discriminada. Tais relações não são inatas,
necessitam ser aprendidas como sistemas funcionais complexos (LURIA,
1973). Nomear os lados ou os membros do corpo, diferenciá-los
intracorporal e extracorporalmente é uma condição de orientação no
espaço que é vital para a organização perceptiva e para as
aprendizagens simbólicas mais complexas.
Sem a noção do corpo reconhecida na sua lateralidade interna e
externa não é possível estabelecer relações corretas com o mundo em
redor. Tem de se dar no interior do corpo a conscientização da noção
de direita e de esquerda para projetá-la fora do organismo e,
consequentemente, para a orientar direcional e espacialmente.
Não bastam as impressões visuais e espaciais para nos orientarmos,
em face das informações do mundo exterior, o campo visual seria
circular, mas sem qualquer posição vertical ou invertida. Algo faltaria na
consciência, e, sem esse dispositivo, não haveria condições de
comparação nem de orientação no universo. As impressões visuais só
assumem sentido em referência a um sistema tátil-quinestésico
estabilizado, daí o papel da segurança gravitacional que focamos no
fator da equilibração. É com referência a um modelo postural
superiormente organizado e elaborado ao longo da ontogênese que a
criança se pode orientar visório-espacialmente, daí o papel dos
subfatores contidos na BPM. É a noção do corpo que se torna um
ponto de origem de todas as relações espacias que estabelecemos com
o objetos do mundo exterior.
Além desse aspecto cuja significação psiconeurológica é deveras
transcendente em termos de aprendizagem, a noção do corpo é a
condição básica para a iniciação de qualquer movimento intencional.
Schilder (1935) afirmou: “Quando o conhecimento do nosso corpo é
incompleto e imperfeito, todas as ações para as quais esse
conhecimento é essencial também serão imperfeitas”.
As relações entre a noção do corpo e as praxias são óbvias e
inequívocas, na medida em que um problema perceptivo tende a criar
um problema motor. As funções perceptivas da aprendizagem são
inseparáveis das funções motoras em termos de organização
psiconeurológica. As perturbações aferentes (impressivas) afetam as
eferentes (expressivas) consequentemente; as alterações nas sensações
levam a distúrbios nas ações.
Disgnosias serão dispraxias, razão pela qual a noção do corpo
atinge um papel fulcral na organização psicomotora.
Schilder (1935) e Bender (1956) demonstraram em trabalhos, hoje
clássicos, que uma imperfeição na noção do corpo se repercute na
percepção dos objetos exteriores. Schilder assegurou:

Experiências na patologia confirmam claramente que, quando a nossa


orientação esquerda-direita está perdida em relação ao nosso corpo, há
também uma perda de orientação em relação ao corpo de outras pessoas.
O modelo postural do nosso corpo está conectado com o modelo
postural dos corpos dos outros.

Os problemas das crianças com dificuldades de aprendizagem


emergem frequentemente de uma fraca autoimagem e,
consequentemente, de uma frágil autoconfiança, cujos reflexos em
termos de sociabilização e de potencial de aprendizagem são evidentes.
Distratibilidade, impulsividade cognitiva, impossibilidade em lidar com
estimulação simultânea, problemas de orientação espacial e temporal,
ausência da necessidade de precisão ou de perfeição, hiperatividade,
ansiedade excessiva, fraca discriminação direita-esquerda, fraca
sequencialização das atividades e da linguagem, distorções perceptivas,
problemas de conservação etc. são compreensíveis à luz da
impercepção básica do corpo.
A noção do corpo é um conceito aprendido que resulta da
integração de partes do corpo que participam no movimento e das
relações que elas têm de estabelecer entre si e entre os objetos
externos. Muito do processamento da informação que substancia a
aprendizagem tem a ver com a conscientização interna do corpo, uma
certa forma de integração psicomotora sobreposta a uma integração
sensorial, que lhe serve de suporte.
Uma disfunção da somatognosia ou uma imperfeita
conscientização do espaço ocupado pelo corpo põe em risco todos os
processos de aprendizagem, daí a observação e a constatação desses
problemas em muitas crianças, quer na vida social e familiar, quer na
vida escolar.
Uma criança com disfunção somatognósica manifestada por
disgnosia digital, desorientação esquerda-direita, impercepção corporal,
dismetrias, disquinesias etc. não está suficientemente conscientizada
sobre as partes do seu corpo, como as pode mover e o que é que elas
podem realizar.
Sem desenvolvermos um padrão superior de integração
somatognósica, a aprendizagem simbólica está comprometida, e, sem
mantermos tal padrão, a atividade consciente encontra-se em risco.
O corpo encarado nessa dimensão é o ponto de origem de todos os
movimentos (KEPHART, 1971) e de todas as interpretações das relações
exteriores, movimentos e interrelações que inexoravelmente ficarão
perturbados se a noção do corpo está perturbada.
Sherrington (1958) sugeriu a designação de informação perceptiva
inicial para o papel que assume a noção do corpo na comparação da
informação perceptiva imediata com a informação já armazenada no
organismo. E esta informação do corpo que antecede a organização
dos sistemas perceptivos mais complexos, que se transforma em uma
integração psicomotora indispensável ao desenvolvimento das
atividades psíquicas superiores, daí naturalmente o reflexo da
desintegração da noção do corpo, tal qual é estudada na BPM, na
maioria das crianças com dificuldades de aprendizagem.
Um vulnerável autoconceito, um fraco desenvolvimento do sistema
tátil, a não diferenciação semântica de partes do corpo, a lenta ou a
incorreta nomeação das partes do corpo, as desorientações espaciais e
direcionais, as perturbações “gestálticas” nos desenhos, uma
percepção visório-espacial pobre, as dismetrias ou as ecopraxias
perseverantes e repetitivas, os imperfeitos feedbacks, a fraca
comunicação intracorporal, a impercepção social das expressões etc.
emprestam ao quadro traços de grande significado neurológico, uma
vez que são vistos como preditores sérios de dificuldades de
aprendizagem. (CRITCHLEY, 1979, DENHOFF, 1968; e AYRES, 1972)
Quando a informação psicológica do corpo se liga com a
informação motora, as duas informações adquirem significação
(intercomunicação), significação essa que dá acesso a outras
construções mais hierarquizadas e complexas.
Tal integração psicomotora está na base da aprendizagem. Primeiro,
a informação motora, depois a sua ligação com a informação psíquica
e, por último, a informação psicológica, a noção do corpo como
conceito superiormente integrado no cérebro.
Cérebro, órgão de aprendizagem que se baseia em uma hierarquia
(LURIA, 1973), em que as novas aquisições (psíquicas) se juntam às
antigas (motoras), atingindo uma nova alteração e uma nova
propriedade (Psicomotricidade). Quando o cérebro adquire um novo
sistema funcional, não deita fora o antigo e começa a formar um novo.
Pelo contrário, a nova aquisição é construída sobre o sistema
preexistente. E esse o processo em que se baseia a maturação
neurológica, segundo o qual se estrutura a organização psicomotora,
em nada diferente da hierarquia da experiência e da aprendizagem.
(FONSECA, 1984)
As novas aprendizagens como as da leitura e da escrita, portanto
simbólicas, têm de se basear em aquisições e informações já integradas
no cérebro, portanto não simbólicas, isto é, psicomotoras, onde a
noção do corpo ocupa um lugar extremamente significativo, como
acabamos de estudar.
Antes de se desenvolverem sistemas simbólicos complexos, que
dependem da informação visual e auditiva, há de organizar sistemas
não simbólicos complexos, que dependem das informações tátil-
quinestésicas e vestibulares.
As aprendizagens perceptivas, por consequência, são construídas a
partir das aprendizagens motoras, o mesmo é dizer que as
aprendizagens cognitivas são construídas a partir de aprendizagens
psicomotoras.

3.2.6. Estruturação espaço-temporal


Considerações gerais

O fator da estruturação espaço-temporal está igualmente integrado


na segunda unidade funcional do modelo luriano, envolvendo
consequentemente as regiões posteriores do córtex, que subentendem
as funções de análise, processamento e armazenamento da
informação.
Na BPM, a estruturação espaço-temporal envolve basicamente a
integração cortical de dados espaciais, mais referenciados com o
sistema visual (lóbulo occipital), e de dados temporais, rítmicos, mais
referenciados com o sistema auditivo (lóbulo temporal). Dessa forma, a
estruturação espaço-temporal e mais a noção do corpo completam o
estudo dos fatores psicomotores da segunda unidade funcional, cujas
propriedades funcionais estão adaptadas à captação, à análise, à
síntese e ao armazenamento de estímulos recebidos pelos analisadores
sensoriais, visuais e auditivos, que compreendem a translação dialética
dos dados espaço-temporais.
A estruturação espaço-temporal decorre como organização
funcional da lateralização e da noção do corpo, uma vez que é
necessário desenvolver a conscientização espacial interna do corpo
antes de projetar o referencial somatognósico no espaço exterior.
A estruturação espaço-temporal emerge da motricidade, da relação
com os objetos localizados no espaço, da posição relativa que ocupa o
corpo, enfim das múltiplas relações integradas da tonicidade, da
equilibração, da lateralização e da noção do corpo, confirmando o
princípio da hierarquização dos sistemas funcionais e da sua
organização vertical.
A integração polissensorial contida principalmente na lateralização
e a noção do corpo tem de se distanciar progressivamente no espaço
subjetivo para se projetar no espaço objetivo. (PIAGET, 1956)
As relações, as posições e as direções espaciais vividas e localizadas
egocentricamente hierarquizam-se em relações e direções espaciais
situadas objetivamente. Partindo da dimensão intraespacial, a criança
vai ontogeneticamente elaborando uma dimensão extraespacial e
interespacial, apropriando-se obviamente de sistemas espaciais mais
complexos e distanciados da sua própria localização. A criança localiza-
se a si própria antes de se localizar no espaço ou de localizar objetos no
espaço. Localiza os objetos em relação a si própria e, posteriormente,
localiza cada objeto sem precisar referi-los corporalmente. Dá-se,
consequentemente, uma projeção da lateralização e da noção do corpo
no espaço, isto é, a lateralidade desenvolvida no interior do organismo
projeta-se no exterior e transforma-se em direcionalidade. (KEPHART,
1971)
A estruturação espaço-temporal depende, portanto, do grau de
integração e de organização dos anteriores fatores psicomotores. Sem
uma adequada lateralização e sem uma adequada noção do corpo, as
elaborações ou as extensões das suas capacidades não podem
estabelecer uma adequada estruturação espaço-temporal, e, como
consequência, a organização e a estruturação resultam limitadas ou
imprecisas, com reflexo evidente em vários aspectos da aprendizagem.
A estruturação espaço-temporal é, por outro lado, uma
superestrutura, uma vez que resulta da integração de duas
estruturações distintas que têm o seu desenvolvimento próprio. Por um
lado, a estrutura espacial e, por outro, a estrutura temporal, as duas
especificamente relacionadas com diferentes modalidades sensoriais, a
visual e a auditiva, respectivamente. Ambas apresentam uma primeira
fase de organização intraneurossensorial e, posteriormente, um outro
tipo de organização mais complexo, isto é, interneurossensorial,
obedecendo exatamente à progressiva organização e à hierarquização
gnósica que caracteriza a segunda unidade funcional do cérebro,
segundo Luria. Tomando como referência esses dados, iremos a seguir
abordar as suas estruturações separadamente e, posteriormente, inter-
relacioná-las.
Abordar a estruturação espacial separadamente da estruturação
temporal é encarar o conceito de espaço antes do conceito de tempo,
o que, segundo Piaget (1964), corresponde à gênese da inteligência da
criança.
Toda a informação relacionada com o espaço tem de ser
interpretada por meio do corpo. Pelo corpo (noção do corpo), podemos
estimar a quantidade de movimento necessário para explorar o espaço,
ou contatar com qualquer objeto nele localizado ou contido. Pela
quantidade de movimento, podemos estimar a distância percorrida no
espaço a percorrer para apanhar o objeto. É por meio da translação do
movimento no espaço que obtemos conhecimento da distância a que
nos encontramos do objeto ou da distância percorrida no espaço.
Transformamos o conhecimento do corpo em conhecimento do
espaço, primeiro intuitivamente, depois lógica e conceitualmente.
A estruturação espacial é um conceito desenvolvido no próprio
cérebro por meio de atividades neuromotoras, tônico-motoras,
sensório-motoras, perceptivo-motoras e psicomotoras. O espaço é um
dado sensorial de segunda ordem, visto que tem de ser monitorizado
pelos dados tátil-quinestésicos. A noção do espaço não é inata, ela
resulta de uma construção onde o corpo assume o papel de arquiteto.
A criança constrói a noção do espaço por meio da interpretação de
uma constelação de dados sensoriais que não têm relação direta com o
espaço. Daí os inúmeros problemas que muitas crianças com
dificuldades de aprendizagem experimentam em tarefas espaciais,
como provam os excelentes estudos de Symmes e Rappaport (1972),
Satz (1973), Witelson (1976), Cratty (1969), Kephart e Dunsing (1965).
A criança tem de aprender a interpretar as informações sensoriais
em termos de espaço e construir os conceitos espaciais em termos
sensoriais e motores. A criança só pode desenvolver um mundo
espacial estável depois de aprender a interpretar as informações
vestibulares, proprioceptivas e exteroceptivas em termos de espaço, isto
é, em termos de localização corporal interiorizada. A inter-relação dos
dados espaciais com os corporais é, efetivamente, o ponto de partida
da construção de uma noção espacial estável, sem a qual nenhuma
função mental e complexa pode ser atingida.
A importância de uma noção espacial estável é vital, na medida em
que é por meio do espaço e das relações espaciais que observamos as
relações entre coisas e objetos no nosso envolvimento. Podemos
observar tais relações na medida em que as podemos localizar no
espaço e mantê-las nessa relação espacial enquanto as observamos. Se,
em vez de um mundo espacial estável, tivermos um mundo espacial
instável, as observações que fazemos de tais relações não serão
perfeitas nem adequadas, e, por isso, também não poderemos fazer
comparações precisas entre vários objetos ou figuras. A percepção da
forma, da sua estrutura, da composição e da constância é, por esse
fato, igualmente dependente da noção espacial estável, noção essa
edificada a partir de dados vestibulares, tátil-quinestésicos e posturais
também estáveis. Sem se manterem estáveis as relações, as
observações dos elementos e dos detalhes, não poderão operar-se
convenientemente, surgindo inevitavelmente as desordens perceptivo-
espaciais. Sem a preservação de relações, não é possível observar
semelhanças ou diferenças, e, sem esses dados, o desenvolvimento
cognitivo está comprometido.
A capacidade para estruturar e organizar o espaço é essencial para
qualquer aprendizagem. Basicamente, envolve a elaboração de um
conceito a partir de dados visuais e tátil-quinestésicos integrados, que
constatam a nossa posição no espaço, espaço esse que constitui o
imenso continente da nossa motricidade.
Embora o acesso ao espaço seja proporcionado pela motricidade, a
visão é o sistema sensorial mais preparado para o estruturar.
A motricidade é lenta e em muitos casos, inacessível, para processar
informações espaciais, como é característico na gênese do espaço das
pessoas invisuais. As estimativas espaciais e direcionais feitas pela
motricidade ou pelo tato levam muito tempo a ser processadas; por
esse fato, a visão assume um papel decisivo na estimação rápida e
precisa do espaço. Podemos olhar para os objetos no espaço e localizá-
los simultaneamente, enquanto a localização tátil-quinestésica dos
mesmos levaria muito tempo, na medida em que teria de ser feita
independentemente. O tempo e a precisão seriam naturalmente
sacrificados. Em resumo, a visão está filogenética e ontogeneticamente
preparada para estruturar, organizar e interpretar o espaço e as suas
dimensões. Dentro das dimensões espaciais que são fundamentais para
a estruturação espacial, devemos destacar os seguintes: perspectiva,
acomodação, convergência, tamanho da imagem, profundidade,
movimento aparente, gradiente da textura e invariantes multimodais.
A perspectiva fornece as impressões de distância, profundidade,
posição e locação. A acomodação fornece a focagem, que é
dependente de órgãos proprioceptores específicos. A convergência
fornece a coordenação dos músculos oculares extrínsecos necessários
para a avaliação da distância, da fixação e da locação dos objetos no
espaço. O tamanho da imagem fornece a modulação distância-
tamanho que é processada na retina, que explica a variação do
tamanho da imagem em função do tamanho do objeto e da sua
distância, do qual surge a consistência do tamanho da imagem ou a
constância do tamanho. A profundidade fornece a interpretação dos
deslocamentos das imagens nos eixos dos dois olhos, condição
indispensável à visão estereoscópica tridimensional que permite a
focagem do campo visual em pontos correspondentes e simultâneos
em ambas as retinas. O movimento aparente (motion paralax) refere a
relação entre a velocidade aparente e a extensão dos objetos no nosso
campo visual de acordo com a distância em que se encontram, fazendo
com que os objetos mais próximos pareçam deslocar-se mais
rapidamente do que os objetos mais afastados, que parecem deslocar-
se mais lentamente. O gradiente da textura refere a importância dos
elementos da superfície e a apreciação da distância que os objetos
ocupam simultaneamente no espaço (GIBSON, 1969). Os invariantes
multimodais referem-se ao papel da postura e do sistema vestibular
(visual-hapic monitoring of behabior in space – GIBSON) e suas
correlações gravitacionais como condições básicas ao desenvolvimento
da percepção espacial.
Todas estas dimensões espaciais são, de fato, determinantes para a
estruturação espacial da criança, pois compreendem a sua longa
aprendizagem visório-motora, onde as relações entre espaço e corpo e
corpo e objeto ocupam lugar de destaque. Todas estas dimensões
jogam em conjunto e compensam-se mutuamente durante o
desenvolvimento da percepção espacial.
A gênese do espaço da criança, resultante da sua progressiva
organização psicomotora, subentende, em paralelo, a apropriação da
linguagem e da percepção visual. A coordenação oculomanual, a
figura-fundo, a constância da forma e da orientação e a relação
espacial (FONSECA, 1983) são indissociáveis do desenvolvimento da
linguagem, quer em termos semânticos, quer sintáxicos, pondo em
jogo a emergência das qualidades dos objetos que resultam das
manipulações e das suas relações espaciais. As fixações em detalhes,
contornos, limites, pormenores, ângulos, alinhamentos, estruturas,
deslocamentos, orientações etc. estão integrados na gênese da
evolução da linguagem e do desenvolvimento cognitivo.
Paillard (1971) destacou o papel da motricidade na estruturação
espacial, sobretudo no que respeita a orientação do corpo em função
do campo gravitacional. Os olhos estão em estreita conexão com o
núcleo vestibular, que assume o papel detector dos desvios posturais,
daí a enorme importância da postura na estruturação espacial. Leroi-
Gourhan (1964) diferencia o espaço itinerante (inerente aos animais
terrestres) do espaço radiante (inerente às aves), o primeiro associado
às informações proprioceptivas e o segundo às visuais. Na criança, os
dois tipos de espaço são integrados lentamente, um após o outro, até
serem superiormente guiados por uma organização espacial cada vez
mais verbalizada.
A criança ascende à estruturação espacial por meio de um processo
de desenvolvimento. Em primeiro lugar, localiza os objetos em relação a
si própria e, só mais tarde, desenvolve um sistema de coordenadas
objetivas, por meio das quais ela pode manipular numerosos objetos no
espaço por intermédio de um sistema de direções fixas. (PIAGET e
INHELDER, 1956; e BOWER, 1974)
A estrutura espacial decorre, portanto, também um processo
evolutivo. Da localização espacial como projeção da somatognosia,
passa-se por uma estruturação espacial como domínio espacial global e
total, onde nos orientamos cognitivamente, semioticamente e
simbolicamente.
A estrutura espacial estável permite a criação de relações com o
envolvimento, isto é, a criação de uma estrutura espacial operacional e
dinâmica com a qual nos localizamos e orientamos mentalmente, em
face do espaço e em face dos objetos, podendo assim descobrir
semelhanças e diferenças nos objetos e entre os objetos. (KEPHART,
1971)
A estruturação espacial, por outro lado, exige a construção de um
sistema euclideano do tipo paradigmático, que envolve as seguintes
relações: em cima-em baixo (cuja integração é garantida pela
motricidade – por exemplo: flexão das pernas); à frente-atrás (cuja
integração é fornecida pela visão – por exemplo: olhar em frente); e
esquerda-direita (noção já não proprioceptiva ou exteroceptiva, mas
simbólica, menos óbvia e de mais difícil compreensão).
A estruturação espacial integrada na segunda unidade funcional de
Luria parte de uma base sensorial intuitiva dos dois lados do corpo para
uma integração bilateral da noção do corpo, daí resultando uma
assimetria funcional, em que participam as funções intra-hemisféricas e
inter-hemisféricas, de onde emerge naturalmente a especialização
hemisférica.
O corpo, como centro do universo, realiza, assim, por meio da
estruturação espacial, uma abstração da gravidade (KEPHART, 1971),
pois, de uma noção de área e de superfície, o sistema espacial tem de
projetar-se em um ponto, com o qual esboça orientações espaciais de
nível mais complexo, quer em superfícies de dimensão vertical
(motricidade global), quer em superfícies de dimensão horizontal
(motricidade fina).
O refinamento da noção do corpo arrasta uma abstração da
gravidade (única no ser humano) que permite uma conscientização
espacial e um domínio espacial, que estão na base de todas as funções
psíquicas superiores.
Da projeção vertical gravitacional (cima-baixo), a criança ascende a
uma reprojeção horizontal bilateral (esquerda-direita) e, por último, a
uma re-re-projeção espacial direcional tridimensional, com a qual se
orienta no universo.
Os objetos a partir da intercepção de tais gradientes espaciais
passam a ser localizados em três dimensões, estabilizando-os no espaço
e nas suas características. A noção de fixação do objeto requer a
interligação das três dimensões, permitindo agora o acesso a todas as
relações e as comparações. A expansão do espaço pode ser então
dirigida para outras tarefas mais complexas, como seja a manipulação
do espaço e dos objetos. Os agrupamentos de propriedades e
características, as categorizações, as classificações por tamanho, forma,
espessura e cor, a simbolização etc. permitem lidar com outro “espaço
mental”, transcendendo a experiência imediata, dando lugar à
comparação com as experiências anteriores e perspectivando o
pensamento abstrato.
Em resumo, a evolução do espaço é uma evolução de espaços,
como definiu Eliot (1975). A expansão da consciência espacial parte do
corpo, passa pela locomoção e pela percepção e chega à sua
representação.
A aprendizagem do espaço na criança não pode contrariar a
perspectiva do modelo psiconeurológico de Luria; por esse fato,
obedece a uma estrutura hierarquizada (do corporal ao
representacional), a uma diminuição progressiva de especificidade
sensorial (do intraespaço tátil-quinestésico, auditivo e visual a um
interespaço que joga com dados espaciais associativos) e a uma
progressiva lateralização (do espaço perceptivo do hemisfério direito ao
espaço linguístico do hemisfério esquerdo).
É óbvio que o hemisfério direito tem maior relevo no
desenvolvimento da criança, não só porque se desenvolve em primeiro
lugar mas também porque atua primeiro nas aprendizagens. O tipo de
integração espacial é global, simultâneo e “gestáltico”. Em
contrapartida, o hemisfério esquerdo desenvolve-se mais tarde e atua
na aprendizagem em último lugar; por esse fato, a sua integração
espacial é analítica, sequencial e estruturada. Entre ambos, a
mielinização do corpo caloso está certamente em jogo, justificando a
transferência funcional inter-hemisférica das relações espaciais
concretas às relações simbólico-verbais, como demonstram também os
trabalhos de Harris (1975) e Clark (1972).
Há efetivamente uma dimensão espacial em tudo o que fazemos e
que conhecemos, daí certamente a importância da estruturação
espacial na observação psicomotora, que, na BPM, compreende os
subfatores da organização, estrutura dinâmica e representação
topográfica.
No que respeita à estruturação temporal, embora inseparável da
espacial, por isso encarada como a quarta dimensão, as tarefas que
integram a BPM resumem-se a apreciar a estruturação rítmica em
termos de memória de curto-termo e de reprodução motora.
A estruturação temporal envolve a localização do espaço de forma
permanente, isto é, não só a localização no espaço euclideano mas
também a localização na dimensão do tempo. As relações que
contruímos com o envolvimento são quatro e não apenas três.
A noção de tempo, ainda hoje uma questão filosófica polêmica,
abrange, segundo McTaggart (1927), o tempo estático (precedente e
subsequente) e o tempo dinâmico (passado, presente e futuro). A
sequência dos acontecimentos e a sua relação temporal são essenciais
para estabelecer sistemas de relações, na medida em que a experiência
materializa uma corrente e uma fluência de eventos ao longo de uma
direção temporal irreversível. Daí que, para muitos filósofos, o presente
não exista, o que existe é o tempo histórico. A noção do tempo é, pois,
artificial e abstrata.
Esse aspecto que traduz a estruturação temporal é de fato a chave
para a compreensão dos fenômenos psíquicos, no fundo, para a
compreensão de todos os processos de informação humana, quer
sensoriais, quer simbólicos ou cognitivos, e, por isso tão relevante para
apreciar o grau de integridade da segunda unidade funcional de Luria.
A estruturação temporal é mais elaborada em si que a estruturação
espacial, uma vez que transcende a estimulação sensorial imediata. E,
segundo essa variável fulcral, é que o cérebro desenvolveu as suas
memórias, com as quais responde ao presente e ao futuro por meio
das múltiplas combinações das experiências anteriores. O cérebro
elabora sistemas funcionais de acordo com a dimensão do tempo, pois
joga com as experiências anteriores, adapta-se às condições presentes e
prediz e antecipa o futuro. A preservação desses sistemas ilustra a
complexa organização temporal que o cérebro necessita para preparar
as suas atividades.
Por meio da estruturação temporal, a criança tem consciência da
sua ação, o seu passado conhecido e atualizado, o presente
experimentado e o futuro desconhecido é antecipado. Essa estrutura
de organização é determinante para todos os processos de
aprendizagem. A noção do tempo é uma noção de controle e de
organização, quer em nível da atividade, quer em nível da
cognitividade. Rechamar dados e utilizá-los corretamente na atividade é
uma condição básica ao processamento, ao armazenamento e à
utilização da informação.
A estruturação temporal condiciona toda a integração sensorial
anterior, pois preside a todas as formas de análise de estímulos,
decodificando-os segundo uma ordem, sem a qual significação não é
atingida. A dimensão temporal é tão importante como a dimensão
espacial, onde podemos localizar séries de acontecimentos que
representam todas as relações com o envolvimento. A dimensão
temporal não só fornece a localização dos acontecimentos no tempo
mas também fornece a preservação das relações entre os
acontecimentos.
Só podemos apreciar a dimensão temporal com a simultaneidade,
isto é, quando o intervalo temporal entre acontecimentos é igual a
zero. Uma vez mais, a simultaneidade é aprendida pela motricidade, e,
mais tarde, com o desenvolvimento da lateralização, chega à
alternância e à sucessão de movimentos, podendo, a partir daí,
distinguir experiências simultâneas de experiências sequencializadas.
Simultaneidade, sequencialização e sincronização são dimensões
temporais de transcendente importância, quer para as funções
gnósicas, quer práxicas, uma vez que ambas obedecem ao princípio da
coordenação dos sistemas funcionais, cuja relevância é óbvia na
aprendizagem.
A unidade de extensão da dimensão temporal é o ritmo, que
envolve a conscientização da igualdade dos intervalos de tempo. Um
ritmo constante (cadência), portanto, é uma série de intervalos de
tempo iguais, fenômeno esse que traduz muitos ritmos biológicos no
indivíduo (circulação, respiração etc.) e muitos ritmos físicos (rotação da
Terra, fases da Lua, estações no ano etc.).
O ritmo é uma propriedade fundamental da matéria viva,
caracterizada por altas, médias ou longas frequências, ela é,
certamente, uma propriedade de toda a atividade da criança, uma
espécie de requisito do comportamento humano, pondo em relevo o
papel do sistema auditivo nos esquemas mais gerais do pensamento.
O ritmo ocorre em várias áreas do comportamento: na motricidade
(coordenação de movimentos), na audição (reconhecimento de
estímulos auditivos), na visão (exploração sistemática do envolvimento),
nas aprendizagens escolares (leitura, escrita, cálculo). A função do
ritmo ultrapassa a dimensão temporal, visto que se insere em todas as
manifestações de comportamento, desde as biológicas e as nervosas
até as psicológicas, daí a sua importância na observação psicomotora.
Piaget (1967) estudou a evolução da percepção do tempo e
especificou-a como mais complexa que a do espaço. No período da
inteligência sensório-motora, é uma simples categoria prática
relacionada com a atividade objetiva da criança e associada às suas
necessidades biológicas. No período das operações concretas, a noção
do tempo transforma-se em um esquema geral de pensamento, em
que o tempo se constrói por coordenação de operações como
“classificações por ordem das sucessões dos acontecimentos, por um
lado, e por encaixamento das durações concebidas como intervalos
entre os ditos acontecimento por outro lado, de tal maneira que ambos
os sistemas são coerentes por estarem ligados um ao outro”.
Fraisse (1957) equacionou a percepção do tempo como
representada pela “percepção da sucessão da sua unidade”, daí que
implique dois aspectos: o qualitativo (ordem de organização) e o
quantitativo (intervalo temporal de duração).
A estruturação temporal de base intuitiva tende a transformar-se
em um dispositivo operacional de enorme importância para as funções
de recepção, associação, armazenamento, programação e expressão.
A estrutura temporal na BPM compreende a recepção, a
memorização e a reprodução motora de ritmos; por meio dela,
podemos avaliar as funções da segunda unidade funcional de Luria e
apreciar a sua estrutura e organização perceptiva.
Em resumo, a estruturação temporal e a estruturação espacial, que
juntas constituem o quinto fator da BPM, a estruturação espaço-
temporal, são os fundamentos psicomotores básicos da aprendizagem
e da função cognitiva, dado que nos fornecem as bases do
pensamento relacional, a capacidade de ordenação e de organização, a
capacidade de processamento simultâneo e sequencializado da
informação, a capacidade de retenção e de reauditorização e
revisualização, isto é, rechamada do passado e de integração do
presente e preparação do futuro, as capacidades de representação,
estruturação espaço-temporal, a capacidade de quantificação e de
categorização etc., isto é, fornece substanciais dados sobre o grau de
organização em que se encontra a segunda unidade funcional do
cérebro.
O espaço só pode definir-se com o tempo, como parte de um
processo que relaciona acontecimentos. O espaço existe na medida em
que pode ser estimado em termos da sua relação espaço-temporal com
outros acontecimentos. A fusão do espaço com o tempo envolve um
processo, e porque um processo refere uma corrente de
acontecimentos mais do que uma propriedade particular de
acontecimentos, a estruturação espaço-temporal consubstancia, em
certa medida, o potencial de aprendizagem em uma criança, pois ela
está inevitavelmente inserida na leitura, na escrita e no cálculo.
A estruturação espaço-temporal é sinônimo de transitação entre
uma dimensão e a outra. A sequencialização temporal é inseparável da
simultaneidade espacial nos processos básicos da aprendizagem, na
medida em que põem em jogo as funções inter-hemisféricas (não
verbais e verbais) e as funções interneurossensoriais (visão e audição).
O reconhecimento de palavras ou de imagens requer a estruturação
espaço-temporal, as duas grandes realidades, espaço e tempo, estão
verdadeiramente inter-relacionadas nos processos psicomotores da
criança.
Traduzir as tarefas do tempo para o espaço (ouvir uma história ou
fazer um ditado) e do espaço para o tempo (descrever uma imagem,
copiar ou ler) é uma condição necessária às funções mentais superiores,
que caracterizam a segunda unidade funcional do cérebro, segundo
Luria (1980).

Descrição dos subfatores e cotação

Organização

A organização espacial compreende a capacidade espacial concreta


de calcular as distâncias e os ajustamentos dos planos motores
necessários para os percorrer, pondo em jogo as funções de análise
espacial, processamento e julgamento da distância e da direção,
planificação motora e verbalização simbólica da experiência.
Para realizar a tarefa, a criança tem de adotar formas de adaptação
espacial, contar o número de passos e retê-los, realizar simples
operações de cálculo mental (adição e subtração) e ajustar o
comprimento das passadas à medida que realiza a translação espacial
de um ponto da sala para outro.
Figura 3.26. – Observação da organização espacial.
Calcular as distâncias e os ajustamentos dos planos
motores.
A prova requer, fundamentalmente, a participação das áreas
parietais e occipitais, áreas 5 e 7, onde se opera a fusão de dados
direcionais e espaciais, ao mesmo tempo que intervém uma
programação do tamanho dos passos. A estruturação espacial guiada
pelas áreas de integração visual fornece as informações necessárias
para os centros motores piramidais e extrapiramidais entrarem em
atividade, analisando-se subsequentemente o ajustamento das
passadas e a sua adaptação espacial fina.
O procedimento do subfator da orientação é o seguinte: sugere-se
à criança que ande normalmente de um ponto da sala a outro na
distância de 5m, contando o número de passos em voz alta. Uma vez
realizado o primeiro percurso, pede-se à criança realize o segundo
percurso com mais um passo (crianças em idade pré-primária), ou mais
três passos (crianças em idade primária), utilizando para o cálculo o
número de passos dados inicialmente. Por último, solicita-se à criança
que realize o terceiro percurso com menos um passo ou menos três
passos, respectivamente, para a criança pré-primária e primária.
A cotação a atribuir deverá ser a seguinte:

4, se a criança realiza a tarefa com um controle correto nos três


percursos, com contagem perfeita do número de passos e com
preciso cálculo visório-espacial e, concomitante, ajustamento inicial
e final para as passadas;

3, se a criança realiza os três percursos com ligeiro descontrole final


das passadas (alargamento ou encurtamento), mantendo correta a
contagem e o cálculo;

2, se a criança realiza dois dos três percursos com hesitação e


confusão na contagem e no cálculo; sinais de desorientação
espacial e dismetria;

1, se a criança realiza um dos três percursos ou se não completa a


tarefa, evidenciando nítidos problemas de verbalização da ação, de
planificação visório-espacial, de retenção do número das passadas
realizadas no primeiro percurso e de ajustamento espacial e
direcional na tarefa.

A cotação deve ser então registrada, ao mesmo tempo que se deve


assinalar as dismetrias, as confusões e as hesitações, as interrupções
das tarefas, o grau de interiorização espacial, a qualidade da marcha e
o seu ritmo etc.

Estruturação dinâmica

A estruturação dinâmica compreende a capacidade de a


memorização sequencial visual (de curto-termo) de estruturas espaciais
simples.
Trata-se de uma tarefa que aprecia a capacidade da criança
reproduzir de memória sequências de fósforos em posições e
orientações espaciais determinadas.
A tarefa envolve, consequentemente, análise visual, memória de
curto-termo, rechamada sequencial dos fósforos e respectiva
reprodução ordenada da esquerda para direita, pondo em jogo as
funções da segunda unidade funcional de Luria.
A realização do subfator da estruturação dinâmica envolve a
utilização de fichas desenhadas com as respectivas estruturas e cinco
fósforos.
O procedimento é o seguinte: sugere-se à criança que observe
atentamente durante 3, 4 ou 5 segundos as fichas respectivas com três,
quatro e cinco fósforos, após os quais deverá reproduzir exatamente as
mesmas sequências com os fósforos, mantendo sempre a orientação
da esquerda para a direita.
Deve-se permitir fazer um ensaio com apenas dois fósforos para as
crianças de 4 a 5 anos. Neste caso, apenas são consideradas as três
primeiras tarefas; a tarefa do ensaio deve ser respeitada e considerada
para cotação, não sendo exigível a orientação da esquerda para a
direita.
As fichas respectivas são as seguintes:

Figura 3.27. – Tarefa de memorização sequencial visual,


utilizando fósforos.
Figura 3.28. – Observação da estruturação dinâmica
espacial. Retenção, rechamada e reprodução de
sequências espaciais e posicionais de fósforos.
A cotação a atribuir deverá ser a seguinte:

4, se a criança em idade escolar realiza corretamente as seis tarefas


ou se a criança em idade pré-primária realiza corretamente a ficha
de ensaio mais as três primeiras fichas;

3, se a criança em idade escolar realiza quatro das seis tarefas ou se


a criança em idade pré-primária realiza a ficha de ensaio mais as
duas primeiras fichas;

2, se a criança em idade escolar realiza três das seis tarefas ou se a


criança em idade pré-primária realiza a ficha de ensaio e mais a
primeira ficha, revelando dificuldades de memorização e
sequencialização visório-espacial;

1, se a criança em idade escolar realiza duas das seis terefas ou se a


criança em idade pré-primária só realiza a ficha de ensaio,
demonstrando dificuldades gnósicas e práxicas significativas.

A cotação deve ser registrada paralelamente com a qualidade de


execução sequencializada, o ritmo da execução, a orientação espacial
dos fósforos e o grau de controle motor evidenciado.
Representação topográfica

A representação topográfica retrata a capacidade espacial semiótica


e a capacidade de interiorização de uma trajetória espacial apresentada
em um levantamento topográfico (planta) das coordenadas espaciais e
objetais da sala.
A tarefa põe em jogo a apreciação da integração espacial global e a
capacidade de transferência de dados espaciais representados para
dados espaciais agidos.
A tarefa deste subfator psicomotor envolve um componente visório-
espacial, outro componente de transferência dos sistemas visuais para
os sistemas proprioceptivos, pondo em jogo a noção do corpo e da
lateralização, e, por fim, a realização de estratégias e reorganizações
espaciais por meio da trajetória efetuada. Em certa medida, envolve
uma decodificação visual representada semioticamente (números), uma
orientação espacial memorizada e uma transferência de estratégias
para a reprodução motora da trajetória, pondo em jogo aptidões
espaciais inter-hemisféricas.
A realização deste subfator requer como material apenas uma folha
de papel e um lápis.
O procedimento é o seguinte: o observador em conjunto com a
criança realiza o levantamento topográfico da sala, reproduzindo o
mais exatamente possível o levantamento topográfico da sala,
reproduzindo o mais exatamente possível as suas proporções espaciais
e a localização semiótica correspondente do mobiliário, devidamente
identificado com os respectivos números. Em seguida, deverá
posicionar-se na sala e posicionar também a criança, desenhando
posteriormente, em termos de ensaio, um trajeto com o lápis,
solicitando-lhe, em seguida, a sua realização motora.
O ensaio deverá ser assistido e comentado para que a criança
reconheça exatamente o que lhe é pedido. A especificação do
mobiliário com os respectivos números deve ser reconfirmada antes de
realizar a tarefa para cotação.

Dada a dificuldade das aptidões espaciais que a tarefa requer, ela


não é normalmente realizada em criança em idade pré-primária.
A cotação a atribuir é a seguinte: 1) Porta
2) Armário
4, se a criança realiza a trajetória 3) Quadro
de forma perfeita e bem 4) Cadeira
orientada, sem manifestar onde está a
qualquer hesitação ou criança
desorientação espacial, observada
evidenciando uma interiorização 5) Mesa
espacial excelente; 6) Cadeira
onde está
3, se a criança realiza a trajetória
sentado o
adequadamente, com algumas
observador
hesitações, interrupções ou
7) Cadeira
desorientações direcionais;
8) Quadro
2, se a criança realiza a trajetória com frequentes hesitações,
interrupções, desorientações angulares, desproporções espaciais e
direcionais óbvias;

1, se a criança não realiza a trajetória.

A cotação deve der indicada na ficha, ao mesmo tempo que se


podem recolher dados sobre o nível de compreensão auditiva, visório-
espacial, a sua fluência e formulação ideacional, estratégias espaciais
adotadas etc.
Com este subfator, completa-se o estudo da estruturação espacial,
faltando para conclusão do fator da estruturação espaço-temporal a
prova de reprodução rítmica.

Estruturação rítmica

A estruturação rítmica compreende a capacidade de memorização e


reprodução motora de estruturas rítmicas.
Trata-se de uma tarefa que avalia problemas de percepção auditiva
e de memorização de curto-termo e a translação dos estímulos
auditivos para as respostas motoras. A criança deve captar, reter,
rechamar e expressar em termos motores (batimentos do lápis na
mesa).
É, em certa medida, uma adaptação simplificada das provas de
Tambak (1965), que nos fornece dados interessantes sobre a
audiomotricidade, mas igualmente sobre a tonicidade, o controle
emocional e a estruturação espaço-temporal. A fim de evitar o reforço
visual, o observador deve realizar os batimentos e as sequências
rítmicas com o lápis ou a caneta devidamente tapados.
A realização da prova requer apenas um lápis para realizar os
batimentos.
O procedimento para esse subfator é o seguinte: sugere-se à
criança que ouça com muita atenção a sequência de batimentos
apresentada pelo observador, devendo, em seguida, sugerir-lhe que
reproduza exatamente a mesma estrutura e o mesmo número de
batimentos.
Um ensaio deve ser tentado e assistido antes de iniciar as tarefas
para cotação, podendo ser considerada para o efeito da primeira
estrutura rítmica da ficha da BPM.
As estruturas rítmicas são as seguintes:

1) (ensaio)
2) (para cotação)
3) (para cotação)
4) (para cotação)
5) (para cotação)

Figura 3.30. – Observação da estruturação rítmica.


Retenção, rechamada e reprodução de sequências de
batimentos de sons.
A cotação a atribuir deverá ser a seguinte:

4, se a criança reproduz exatamente todas as estruturas com


estrutura rítmica e o número de batimentos preciso, revelando uma
perfeita integração auditivo-motora;

3, se a criança reproduz quatro das cinco estruturas com uma


realização adequada quanto à sequência e ao ritmo, embora com
ligeiras hesitações ou descontroles psicotônicos;

2, se a criança reproduz três das cinco estruturas, revelando


irregularidades, alterações de ordem e inversões, demonstrando
dificuldades de integração rítmica;

1, se a criança reproduz duas das cinco estruturas ou se é incapaz


de realizar qualquer delas, revelando nítidas distorções perceptivo-
auditivas.

A cotação deve ser registrada reservando a área das observações


para a eventual detecção de problemas tônico-emocionais ou de
atenção seletiva e de processamento auditivo que possam sugerir uma
outra observação mais cuidada em nível do processo auditivo-verbal.
Teremos assim concluída a observação do fator da estruturação
espaço-temporal, que completa também a análise psicomotora das
funções da segunda unidade funcional de Luria.

Significação psiconeurológica

A significação psiconeurológica da estruturação espaço-temporal


põe em jogo problemas de percepção visual e auditiva nas suas
dimensões ontogenéticas.
Trata-se objetivamente de dois telerreceptores que envolvem o
tratamento da informação a distância. As suas propriedades de
captação, análise de síntese e de armazenamento estão ligadas à
formação de sistemas funcionais complexos, que estão na gênese das
funções psicológicas e da aprendizagem simbólica.
De um lado, a organização da percepção visual, do outro, a
organização da percepção auditiva, realizando interações intermodais
de grande importância para o desenvolvimento das pré-aptidões
simbólicas.
Em nível da percepção visual, estamos a equacionar o tratamento
da dimensão espacial, que envolve as relações do espaço sensório-
motor com o espaço representativo, pondo em relação a dinâmica
figurativo-operacional, tão importante para as aprendizagens
simbólicas da leitura, da escrita e do cálculo como para a aprendizagem
não simbólica, associada à investigação do espaço, à apreensão das
formas, às configurações, aos detalhes, aos pormenores, às figuras etc.
Em nível da percepção auditiva, estamos a tratar da dimensão
temporal, que envolve a compreensão da ordem, da duração, da
sequencialização e das relações de ordem, pondo em jogo as relações
de sucessão temporal e de seriação cronológica e lógica que
consubstanciam os processos de informação e de comunicação. A
compreensão da ordem, da duração e da ordem-duração tem
efetivamente implicações em todos os fenômenos psíquicos, daí a
importância e a significação psiconeurológica que se pode obter das
tarefas da BPM.
A estruturação espacial faz intervir relações topológicas,
localizações, orientações, reconhecimentos visório-espaciais, relações
projetivas, euclideanas, conservação de distância, superfície, volume,
velocidade etc., que estão na base da formulação de muitos conceitos
matemáticos.
A estruturação temporal faz intervir as relações de ordem e de
duração, de atenção interiorizada e de processamento, de
armazenamento e rememorização etc., que estão na base da
formulação de muitos conceitos linguísticos.
De uma forma simplificada, estamos analisando os distúrbios das
regiões occipitais e temporais: as regiões occipitais, mais associadas aos
distúrbios analítico-sintéticos da atividade humana, que caracterizam os
estímulos visuais e táteis que traduzem a informação simultânea; as
regiões temporais, mais associadas aos distúrbios da linguagem, que
caracterizam os estímulos auditivos que traduzem a informação
sequencializada.
Algumas funções que afetam a informação simultânea estão
contidas nos subfatores da orientação, da estruturação dinâmica e da
representação topográfica, em que convergem aptidões especializadas
de análise e síntese visual e de aptidões interneurossensoriais visório-
táteis implicadas na percepção espacial. A síntese sensorial, as
disgnosias, as impercepções e as distorções perceptivas tendem a
emergir da disfunção da simultaneidade da informação. Processos de
revisualização podem igualmente surgir da perturbação da integração
da dimensão espacial.
Algumas funções que afetam a informação sequencializada, em
contrapartida, estão contidas na estruturação rítmica, onde convergem
aptidões de análise e de integração auditiva e, bem assim, de regulação
eferente da linguagem. A perda do sentido rítmico pode interferir com
o poder de discriminação fonético e daí resultarem problemas de
percepção linguística. Por outro lado, a integração rítmica joga com o
cérebro interno, com o centro de convergência emocional e de indução
motora, podendo explicar muitos outros problemas de raiz tônica,
postural e somatognósica, pondo em relevo problemas de
desintegração sensorial e intersensorial de grande relevância
psiconeurológica, uma vez que as aprendizagens da linguagem falada
ou escrita põem em relação tais transferências, isto é, do sequencial ao
simultâneo e do simultâneo ao sequencial, cuja conexão está a cargo
do tálamo.
A estruturação espaço-temporal está obviamente dependente dos
outros dois fatores psicomotores que compõem a segunda unidade
funcional, mais exatamente a lateralização e a noção do corpo. Uma
vez que o ponto de partida de estimação e orientação do espaço e do
tempo é o corpo, qualquer disfunção somatognósica tem tendência a
refletir-se na orientação com o espaço e com os objetos. Com uma
fraca diferenciação intracorporal e extracorporal, a relação com o
espaço é posta em dúvida e a relação com o tempo afetada, daí
resultando distorções e restrições que têm reflexo em todo o potencial
de aprendizagem. Distorções na atenção seletiva, no processamento
sequencial-temporal que caracteriza a informação ordenada na
organização do envolvimento interno, nos retrocircuitos que a criança
estabelece com a informação recebida etc. podem muito bem decorrer
de uma vulnerável estruturação espaço-temporal. Daí também muitos
problemas de memorização da informação, de investimento
motivacional, de flutuações de ansiedade etc. O processo de
informação, encontrando-se perturbado por tais efeitos, reflete-se na
atenção, prejudicando-a e desorganizando-a, estabelecendo uma
reação circular de difícil compensação, uma vez que pode também
interferir com funções de recodificação e de organização da
informação, prejudicando a expressão e a produção de funções
psíquicas, que caracterizam o comportamento de muitas crianças com
dificuldades de aprendizagem.
Com base em uma fraca estruturação espaço-temporal, as
estratégias necessárias à aprendizagem correm sérios riscos, a
conscientização cognitiva global desintegra-se e, consequentemente,
as atividades perdem a sua intencionalidade.
A percepção das relações espaciais e a orientação no espaço são
duas das formas mais complexas de reflexão do mundo exterior (LURIA,
1966), convergindo na recente formação filogenética da região parietal
inferior (área 39), que liga os analisadores visuais, vestibulares e
quinestésicos. Essa região, segundo Luria, tem a seu cargo a síntese
visório-espacial, que, de certa forma, está integrada nos dois subfatores
da estruturação espaço-temporal, isto é, a orientação e a representação
topográfica.
Efetivamente, a percepção espacial é baseada na orientação visual
dirigida para os objetos do mundo exterior e, mais precisamente, para
os processos de análise e síntese visual, de onde qualquer destas
funções pode ficar afetada por uma pobre estruturação
espaçotemporal. A disfunção deste fator psicomotor altera o sistema
das coordenadas geométricas básicas (LURIA, 1966), problema que se
pode expandir ao sistema de linguagem, uma vez que, em termos
evolutivos, este sistema tende a ter sobre aquele uma influência
organizadora cada vez mais importante.
Em termos neuropatológicos, a região parietal inferior está ligada a
apraxia espacial, também designada por apractognosia.
A apractognosia está normalmente associada a grandes
perturbações da identificação visual e tátil do espaço e dos objetos.
Normalmente, os pacientes com essa disfunção tendem a perder o
sentido de orientação, o sentido de direção, trocam direções básicas
(viram à esquerda em vez de virarem à direita), não realizam tarefas
diárias, não se vestem, não conseguem fazer a cama etc. Nos testes de
orientação espacial de imitação de posturas, de orientações laterais,
têm grandes dificuldades, não constroem com os fósforos estruturas
geométricas sugeridas, não realizam orientações contralaterais nem
transferem direcionalidades, como as que estão contidas nas tarefas da
BPM. Dessas disfunções às operações lógico-gramaticais e aritméticas é
uma questão de tempo, principalmente quando enfrentamos crianças,
uma vez que as disfunções das áreas primárias e secundárias da
segunda unidade funcional se implicam na formação de sistemas
funcionais mais hierarquizados.
A percepção das estruturas rítmicas, em contrapartida, refere-se a
formas de análise e integração auditiva, normalmente relacionada com
a região temporal esquerda. Nessa região, processam-se as
diferenciações e as sequências ordenadas de sons e de ritmos, como
provaram os estudos de Semernitskaya (1945).
Em termos neuropatológicos, a lesão da região temporal esquerda
cai no âmbito da afasia sensorial e da agnosia acústica, afetando
basicamente o núcleo do analisador auditivo. O poder de
discernimento das estruturas rítmicas não é atingido pelos indivíduos
afetados por aquelas disfunções, o que, em certa medida, reflete o que
se pretende detectar com o subfator da estruturação rítmica.
Os pacientes com perturbações nas funções de análise e integração
rítmica podem reproduzir padrões rítmicos, mas encontram
frequentemente dificuldades em reproduzir séries rítmicas, que, no
fundo, estão contidas nas tarefas do subfator da BPM. Além dessas
dificuldades, também apresentam dificuldades de decifração do código
fonético, o que só por si confere significação psiconeurológica à
reprodução de padrões rítmicos.
Como é sabido, as aquisições sensório-motoras e a
audiomotricidade parecem ser muito significativas para as
aprendizagens escolares e principalmente para a leitura (BATEMAN,
1966). A não reprodução de estruturas rítmicas dá uma pista para
percebermos que a criança com dificuldades não desenvolveu o seu
sistema auditivo convenientemente. Raramente utiliza a audição para
se orientar com o envolvimento. Só o que tem cor, forma e tamanho é
que atrai, sendo um assíduo espectador televisivo porque o que
decodifica tem mais a ver com a visão. Ideias, direções ou recados que
se lhe dirijam raramente são captados, assim como admoestações, daí
frequentes conflitos e problemas sociais. Trata-se de crianças não
verbais, orientadas concretamente e espacialmente. Planificar ou
programar atividades não se encontram ainda automatizadas, daí a sua
incessante distratibilidade. Podem aprender a ler, mas as suas
dificuldades fonéticas, mais tarde ou mais cedo, vão surgir na redação
ou no ditado. Tudo o que seja sequencializar ou organizar é um
problema, agem antes de refletir, respondem sem pensar, porque o seu
processamento auditivo imediato é fraco e vulnerável.
Em suma, a estruturação rítmica oferece inúmeros parâmetros sobre
as capacidades da criança captar, processar e armazenar informação
auditiva não simbólica, cuja significação psiconeurológica e implicação
educacional parecem evidentes. A inatenção ou a desatenção auditivas
podem ilustrar desordens auditivas receptivas, que obviamente
interferem com as aprendizagens simbólicas. As impercepções auditivas
têm as suas relações funcionais com a postura e a coordenação
oculomanual, e, por isso, esse fator acusa também uma significação
psicomotora relevante, uma vez que todo o movimento intencional
implica duração e sincronização, propriedades essas resultantes da
integração rítmica. A visório-espacialidade e a visório-motricidade, que
representam a dimensão espacial desse fator psicomotor, têm a ver
com a integração visual mais complexa, normalmente implicada com as
funções de reconhecimento receptivo (BENTON, 1979). Aspectos
visório-perceptivos (reconhecimento de objetos, análise e síntese visual,
dificuldades de discriminação, problemas de figura-fundo, dificuldades
de reconhecimento facial etc.), aspectos visório-espaciais (problemas de
direção, distância, orientação topográfica, neglet unilateral etc.) e
aspectos visório-construtivos (problemas de agrupamento e de
grafomotricidade etc.) podem emergir de distúrbios resultantes das
disfunções visório-tátil-quinestésicas que estão em jogo nos subfatores
de orientação, estruturação dinâmica e representação topográfica.
Em resumo, a estruturação espaço-temporal fornece no seu
conjunto imensos dados, cuja implicação educacional psiconeurológica
é significativa, na medida em que identifica o estado de maturação das
pré-aptidões simbólicas da criança em idade pré-primária, e porque
permite detectar sinais de alguma importância para a compreensão e a
reabilitação dos problemas da criança com dificuldades de
aprendizagem.

3.2.7. Praxia global


Considerações gerais

A praxia global, que constitui o sexto fator psicomotor da BPM, está


integrada na terceira unidade funcional do modelo de Luria, cuja
função fundamental envolve a organização da atividade consciente e a
sua programação, regulação e verificação. Essa unidade funcional está
localizada nas regiões anteriores do córtex, mais exatamente nos
lóbulos frontais.
A terceira unidade funcional é basicamente composta pela zona
motora do córtex (área 4 de Brodmann) e pelas zonas pré-motoras
(áreas 6 e 8).
A praxia global, por compreender tarefas motoras sequenciais
globais, está mais relacionada com a área 6, que, segundo Luria, tem
como principal missão a realização e a automação dos movimentos
globais complexos, que se desenrolam em um certo período de tempo
e que exigem a atividade conjunta de vários grupos musculares. Trata-
se de uma área ricamente conectada com as estruturas subcorticais, de
onde partem inúmeros feixes que constituem os sistemas
extrapiramidais (teleocinéticos), que vão atuar no nível dos
motoneurônios terminais por meio de inúmeras conexões, a sugerir
funções de preparação, regulação e reaferência extremamente
importantes. Luria evoca que a construção de movimentos envolve a
preparação de componentes postural-motores e tônico-posturais, que
devem ser incorporados em programas de ação. Só depois da
preparação, que requer a chamada dos elementos componentes, os
comandos podem ser enviados à área 4 e daí, pelas vias piramidais,
originar os movimentos necessários.
A programação está a cargo da área 6 a que se refere
essencialmente à praxia global, área suplementar do córtex motor, que
atua como uma área secundária que antecipa ou prepara o movimento
propriamente dito.
A praxia global para ser desencadeada vai exigir a integração e a
interação da primeira e da segunda unidade funcional do modelo
luriano. Para esse efeito, vai rechamar a tonicidade e a equilibração,
pondo em jogo a combinação minuciosa do tônus da profundidade
com o da superfície, eliminando a presença de quaisquer sinergias
onerosas e a sincronização de sistemas extrapiramidais, cerebelosos e
vestibulares, que asseguram a estabilidade gravitacional necessária.
Reclama, por outro lado, a coordenação da lateralização, da noção do
corpo e da estruturação espaço-temporal para harmonizar o espaço
intracorporal com o extracorporal e, por último, a função de decisão,
regulação e verificação para materializar a intenção e atingir o fim, que
esteve exatamente na sua origem.
Por meio do estudo da praxia global, podemos observar, por um
lado, a perícia postural e, por outro, a macromotricidade
(macromotricité – CAMUS, 1981), relativas à coordenação dinâmica
geral e à generalização motora (KEPHART, 1971), que, segundo esse
autor, integra a postura, a locomoção, o contato, a recepção e a
propulsão de objetos, isto é, a integração sistêmica dos movimentos do
corpo com os movimentos do próprio envolvimento.
Ajuriaguerra (1972) refere que a organização práxica decorre da
coordenação de três subsistemas fundamentais: o somatograma
(conhecimento integrado do corpo), os engramas (integração cognitiva
e emocional das experiências anteriores) e o apticograma (integração
dos estímulos externos que abrangem a função gnósica). O mesmo
autor refere-se ao opticograma como função voluntária e aos
engramas e ao somatograma como automáticos, que surgem sem a
interferência da consciência. A consciência quando decide vai servir-se
dos sistemas funcionais armazenados, redecoficando os dispositivos
disponíveis para atingir um certo e determinado objetivo previamente
programado.
A praxia global insere-se no conceito de neomotricidade, que em
termos filogenéticos consubstancia a expansão das zonas mais recentes
do córtex frontal, demonstrando o progressivo controle e o atraso da
resposta a que as células piramidais gigantes se foram submetendo. O
córtex motor (área 4 de Brodmann), ao atuar como efetor, necessita
recolher informação aferente, a partir da qual se elabora a
programação da ação. A nova motricidade como produto (output)
subentende progressivamente uma organização psicológica cada vez
mais complexa nos seus processos. A neomotricidade significa a
emergência de novos sistemas psicológicos com novas propriedades,
do qual resulta um sistema único mais organizado, mais psicologizado.
A área motora (área 4) é inerente a todos os vertebrados superiores,
mas a expansão e a complexidade estrutural e funcional das áreas
secundárias frontais é a única no ser humano. Novos sistemas se
edificaram a partir da motricidade, de onde surgiram funções
psicomotoras mais organizadas, que estão contidas na organização
práxica.
A área 4 dispara o comando depois de se operarem circuitos de
retroalimentação entre as áreas 6 e 8 frontais e 5 e 7 parietais.
A praxia global envolve muitos níveis hierárquicos, desde a
tonicidade à estruturação espaço-temporal. Em nível inferior, temos a
unidade motora, composta pelo motoneurônio medular e pelas
múltiplas fibras musculares. No outro extremo, temos o córtex motor
(área 4, com a projeção da totalidade do corpo e estreitamente
conectada com as áreas sensoriais 1, 2 e 3), de onde partem as células
piramidais que prolongam os seus axônios para enervar direta ou
cruzadamente os motoneurônios. (ECCLES e POPPER, 1977)
Toda esta organização hierárquica só dispara, porém, quando se dá
uma programação antecipada. Nessa programação, o cerebelo vai ter
de controlar harmoniosamente e automaticamente os movimentos
(balísticos e fásicos) por meio de sistemas de retroalimentação, que
realizam a modulação e a sucessão dos movimentos a fim de permitir
que eles atinjam o seu fim com previsão; simultânea e
sincronizadamente, vai ter de programar os movimentos antes de
serem iniciados. Esta regulação sistêmica entre o cerebelo e a área 6
alimenta previamente a área 4, que, por sua vez, entra em atividade,
mantendo igualmente sistemas de reaferência com os gânglios da base
(núcleo caudado, putamen e globus pallidus, que controlam
movimentos lentos e tônicos, conforme provaram os trabalhos de
Brooks, citado por Evarts, 1979).
A praxia global é programada pelas áreas associativas pré-motoras
(área 6), pelo cerebelo e pelos gânglios da base. Só depois, o comando
motor é disparado pelo sistema piramidal, alimentando paralelamente
o cerebelo, que simultaneamente reatualiza o comando motor em face
dos novos dados que lhe são fornecidos pela proprioceptividade. Esse
circuito, segundo Eccles (1977), realiza continuamente a
retroalimentação que permite a organização práxica, desde os reflexos
miotáticos mais simples até a sobreprosição hierarquizada de sistemas
espinais, suprarrenais, cerebelosos e corticais.
A pré-programação, no fundo, traduz a intenção que antecede a
ação e lhe dá um significado e uma finalidade. A organização práxica
subentende uma planificação interiorizada, antes da resolução motora
propriamente dita. A manutenção da intenção requer a programação
(onde a linguagem interior exerce um papel significativo), a análise dos
efeitos (onde o mecanismo receptor da ação exerce um papel decisivo)
e a autorregulação (onde o controle da atenção voluntária é vital).
A praxia global é a expressão da informação do córtex motor, como
resultado da recepção de muitas informações sensoriais, táteis,
quinestésicas, vestibulares, visuais etc., ou seja, como resultado
integrado dos fatores psicomotores já apresentados.
A contração muscular separada desta complexa integração
psicomotora rouba significação biopsicossocial à organização práxica,
daí que seja inadequado separar a motricidade de toda a estrutura
psíquica que a prepara e lhe confere significação.
A área motora do córtex cerebral em Evarts (1979) é uma estrutura
filogeneticamente mais recente em comparação com os gânglios da
base e o cerebelo. Ela só dispara quando tais estruturas mediatizadas
pelo tálamo lhe fornecem os dados que ela necessita para a sua
função, dados esses que têm origem fora do cérebro e que constituem
a proprioceptividade.
Todas as praxias exigem, consequentemente, uma complexa
integração proprioceptiva, cuja função de informação é desencadeada
pelos próprios movimentos. O movimento é o resultado de uma
informação, ao mesmo tempo que produz, por esse fato, uma nova
informação que lhe serve de aumento. Os receptores de longitude e de
tensão em permanente modulação (facilitação e inibição) garantem um
sistema de controle de realimentação negativa (servomecanismo), cuja
função fundamental é assegurar a estabilidade necessária à fluência da
ação. É aqui que entra em atividade o sistema gama, com a finalidade
de manutenção e regulação da sensibilidade dos fusos
neuromusculares, cuja atividade confere ao movimento voluntário a
plasticidade e a melodia cinética que o caracterizam.
A praxia global encerra em si a unidade de um “pensamento
abstrato que se traduz em uma ação motora concreta” (EVARTS,
1979). Para a formação do “pensamento abstrato”, porém, a
proprioceptividade entra em jogo, o que, em certa medida, prova que
os movimentos voluntários não estão em oposição aos movimentos
reflexos, estão sujeitos às leis da ação reflexa, como há um século
afirmava H. Jackson.
Em resumo, o movimento voluntário é definido em relação à sua
finalidade (o voluntário do movimento voluntário), finalidade que só
pode ser desencadeada internamente quando os sistemas vestíbulo e
visório-espacial conferem as necessárias condições de estabilidade
postural, porque só assim o cérebro pode concentrar-se no fim a
atingir. Uma vez desintegrada a informação proprioceptiva, o cérebro
perde a concentração no fim que lhe é exterior e tem de passar a
processar informação que lhe é interior, diminuindo consequentemente
a sua organização práxica. Uma grande parte do movimento voluntário
é involuntário e exterior à consciência – afirmação devida a Wilson
(1928), citado por Evarts (1979).
O córtex motor dos mamíferos e do ser humano filogeneticamente
recente está inexoravelmente sujeito à ação reflexa que caracteriza os
componentes mais antigos do cérebro. Da mesma forma, a praxia
global que estuda a BPM está sujeita à integração tônica e vestibular e
que caracteriza essencialmente os fatores da tonicidade e da
equilibração.
E sobre os programas internos, reunidos sob a forma de sistemas
funcionais complexos (VYGOTSKY, 1960; e LURIA, 1977), que a praxia
global expressa os movimentos, reclamando circuitos transcorticais que
fazem apelo a todos os dados contidos nas primeira e segunda
unidades funcionais.
Os movimentos intencionais, isto é, as praxias, são definidos em
Piaget (1975) como “sistemas de movimentos coordenados em função
de um resultado”. Trata-se de sistemas de movimentos adquiridos,
resultantes das coordenações reflexas elevadas a um nível superior de
integração. Primeiro, em coordenações internas, que tornam possível
que, na ação, se reúnam muitos movimentos parciais em um ato total.
Segundo, em coordenações externas, que resultam da coordenação de
duas ou mais praxias, que culminam em uma nova praxia total de
ordem superior. Opera-se então a assimilação funcional e reprodutora,
transformada em seguida em assimilação recognitiva e, finalmente,
generalizadora. A praxia na visão piagetiana é uma integração
(esquema) que antecede a função simbólica e que traduz a noção de
inteligência (coordenação das ações).
A praxia equaciona quatro condições: um projeto, vários engramas,
ligações projetoengramas e instrumentos neuromusculares de
expressão comandados em função do projeto.
De acordo com este modelo, as apraxias são definidas como
perturbações da motricidade voluntária que aparecem na ausência de
agnosias e de perturbações da inteligência em indivíduos que não
apresentam lesões no aparelho de execução.
Os trabalhos clássicos de Lipman (1906), Pick (1905) e Déjerine
(1914) definiram as seguintes formas clínicas: apraxia ideomotora
(incidência na realização de gestos elementares), apraxia ideatória ou
ideacional (incidência no esquema necessário à realização de atos
complexos), apraxia construtiva (incidência na construção visório-
espacial) e apraxias específicas (vestuário, bucofacial, marcha etc.).
A ideomotora implica a incapacidade de realização de gestos
simples, mas o nível ideacional mantém-se intacto; aqui as dificuldades
estão em responder a um comando verbal ou à imitação de gestos. A
ideatória implica a incapacidade de realizar e conhecer um ato
complexo, embora os elementos isoladamente possam ser
reproduzidos; aqui o problema situa-se na sequencialização das ações,
na desintegração das atividades de diferentes segmentos, na
organização dos elementos para atingir um fim, isto é, na
desintegração espaçotemporal dos movimentos dos componentes de
uma totalidade.
A construtiva retrata a incapacidade de reunir unidades para formar
totalidades (desenhos, construções etc.); aqui o distúrbio situa-se na
execução do programa.
Mais recentemente, Heilman (1979) define a apraxia como uma
“desordem dos movimentos aprendidos não causada pela acinésia,
fraqueza muscular, deaferenciação, tônus postural anormal,
movimentos anormais, como tremores ou coreia, deteriorização
intelectual, pobre compreensão ou rejeição de cooperação”.
As apraxias, nas concepções modernas, segundo Ajuriaguerra e
Hécaen (1964), oscilam em ser consideradas como poblema superior
da organização motora, como problema de uma função simbólica
particular e como expressão do domínio motor. Geschwind (1965)
evoca que a apraxia resulta da desconexão entre as áreas posteriores e
o córtex motor associativo, que surge como o centro codificador de
engramas motores. Asanuma (1975) defende outra hipótese, referindo
que as apraxias dependem de lesões parietais, que implicam
dificuldades de imitação ou dificuldades em usar objetos
intencionalmente, pois, segundo aquele mesmo investigador, o lóbulo
parietal contém engramas que ajudam a programar o córtex motor
associativo, esse, por sua vez, são engramas que ajudam a programar o
córtex motor, de onde, finalmente, partem influxos que enervam os
motoneurônios e produzem os movimentos.
Enquanto o modelo de incapacidade no adulto nos ajuda a
perceber o problema da organização superior no movimento, o modelo
de dificuldade na criança surge mais dinâmico e complexo, dadas as
implicações ontogenéticas.
A criança dispráxica apresenta uma disfunção psicomotora
normalmente caracterizada por perturbações da esfera motora mais
corticalizada. Os sinais de descoordenação mais característicos são as
dismetrias, que retratam a inadaptação, as distâncias e os movimentos
exagerados e mal-inibidos; as distonias, que identificam os movimentos
tônicos, involuntários, intermitentes e certas paratonias sem qualquer
significação funcional; as disquinesias, que identificam os movimentos
anormais que surgem eletivamente nas posturas ou nos gestos
finalizados, normalmente anárquicos e bruscos, característicos das
sacudidelas breves e parasitas, e, por último, as dissincronias, que
sugerem inadequada velocidade dos movimentos com dissincronismo e
ausência de sinergias a demonstrar desintegração rítmica óbvia, ou
seja, a perda de melodia cinética, que, segundo Luria, traduz a
realização da praxia.
Em resumo, a praxia global da BPM dá-nos indicadores sobre a
organização práxica da criança com reflexos nítidos sobre a eficiência, a
proficiência e a realização motora. As possibilidades motoras e o estilo
motor da criança podem ser avaliados nos vários subfatores.
Por meio da observação da qualidade de execução de um ato
motor e das diferentes formas de realização, podemos captar sinais
sobre a organização psicomotora, ao mesmo tempo que podemos
perspectivar as suas repercussões no desenvolvimento motor afetivo e
intelectual. (FONSECA, 1976 e 1977)
As dispraxias combinam problemas práxicos com problemas da
noção do corpo e da estruturação espaço-temporal, que se traduzem,
segundo Ajuriaguerra (1974), nas apractognosias somatoespaciais, com
óbvio reflexo nas dificuldades de aprendizagem da leitura, da escrita e
do cálculo. (FONSECA, 1984)
As dispraxias ideacionais, ideomotoras e construtivas revelam uma
manifestação motora como produto final, mas elas encerram
certamente problemas de integração, isto é, revelam-nos como é que o
cérebro processa informação sensorial e planifica ações.
A dispraxia no seu aspecto global traduz uma disfunção
psiconeurológica da organização tátil, vestibular e proprioceptiva, que
interfere com a capacidade de planificar ações, com repercussões no
comportamento socioemocional e no potencial de aprendizagem.
É dentro destes parâmetros de observação com a preocupação de
captar dados dispráxicos que o fator da apraxia global se compõe dos
seguintes subfatores: coordenação oculomanual, coordenação
oculopedal, dismetria e dissociação.
A sua descrição e cotação será analisada em seguida.

Descrição dos subfatores e cotação

Coordenação oculomanual

A coordenação oculomanual compreende a capacidade de


coordenar movimentos manuais com referências perceptivo-visuais.
A situação requer a coordenação apendicular dos membros
superiores (normalmente a da mão dominante) com as capacidades
perceptivo-visuais de avaliação da distância e de precisão de
lançamento. Envolve consequentemente uma praxia global e um
planejamento motor, isto é, a avaliação da distância, da altura e das
características do alvo, a consciência quinestésica do lançamento, o
peso da bola, a seleção de engramas, a capacidade de reprogramação
de sequências motoras em face da análise dos efeitos etc.
A realização da tarefa requer o seguinte material: uma bola de
tênis, um cesto de papéis, uma cadeira e uma fita métrica, O
procedimento para a sua realização é o seguinte: sugere-se à criança
(na posição de pé) que lance uma bola de tênis para dentro de um
cesto de papéis colocado em cima de uma cadeira, a uma distância de
1,50m para crianças em idade pré-primária e de 2,50m para crianças
em idade escolar.
Deve-se realizar apenas um ensaio e, em seguida, quatro
lançamentos.
Durante os lançamentos, devem ser observados vários pormenores:
a postura, a orientação de base de sustentação, a qualidade de
preensão da bola, o tipo de lançamento (por cima do ombro ou por
baixo, em lançamento pendular), as dismetrias, a velocidade, a força, o
autocontrole, a melodia cinética, o grau de perícia ou imperícia, a
integração visórioperceptiva, as expressões mímico-faciais, o nível de
controle emocional etc. O observador, além da proficiência e da
eficiência, deve estar atento ao estilo psicomotor da criança e à sua
maturidade específica na tarefa.
Figura 3.31. – Observação da coordenação oculomanual.
Avaliação das capacidades perceptivo-visuais e da
precisão de lançamentos.

A cotação a atribuir deverá ser a seguinte:

4, se a criança enfiar quatro ou três dos quatro lançamentos,


revelando perfeito planejamento motor e preciso autocontrole com
melodia cinética e eumetria;

3, se a criança enfiar dois dos quatro lançamentos, revelando


adequado planejamento motor e adequado controle visório-motor,
com sinais disfuncionais indiscerníveis;

2, se a criança enfia um dos quatro lançamentos, revelando


dispraxias, distonias, disquinesias e discronias;

1, se a criança não enfia nenhum lançamento, revelando dispraxias,


distonias, disquinesias, discronias óbvias, além de sincinesias,
reequilibrações, hesitações de dominância, desorientação espaço-
temporal, movimentos coreoatetoides etc.

A cotação e os comentários devem ser em seguida registrados na


ficha.

Coordenação oculopedal

A coordenação oculopedal compreende a capacidade de coordenar


movimentos pedais com referências perceptivo-visuais.
Ao contrário da tarefa anterior, a situação requer a coordenação
apendicular dos membros inferiores (normalmente do pé dominante)
com as capacidades já referidas no subfator da coordenação
oculomanual.
Figura 3.32. – Observação da coordenação oculopedal.
Avaliação das capacidades perceptivo-visuais e da
precisão dos pontapés.
A realização da tarefa requer o seguinte material: uma bola de
tênis, uma cadeira e uma fita métrica.
O procedimento para a sua realização é o seguinte: sugere-se à
criança (na posição de pé) que chute uma bola de tênis para passar
entre as duas pernas da cadeira, a uma distância igual à situação
anterior.
O mesmo procedimento e a cotação do subfator anterior devem ser
adotados.

Dismetria

A dismetria que caracteriza a realização dispráxica traduz a


inadaptação visório-espacial e visório-quinestésica dos movimentos
orientados em face de uma distância ou de um objetivo (alvo).
No caso da BPM, esse subfator não constitui uma tarefa em si, pois
resulta da observação das duas tarefas anteriores.
A apreciação desse subfator deve ter em conta a combinação das
duas coordenações apendiculares, quer dos membros superiores, quer
dos membros inferiores.
A cotação a atribuir, portanto, deve ser a seguinte:
4, se a criança realiza as oito tarefas eumetricamente, isto é, com
movimentos adequados em relação ao objeto e à distância;

3, se a criança realiza as tarefas com ligeiras dismetrias;

2, se a criança realiza as tarefas com dismetrias, movimentos


exagerados e insuficientemente inibidos;

1, se a criança realiza as tarefas com dismetrias, evidenciando


dispraxias de várias natureza.

A cotação deverá ser então registrada em termos de apreciação


conjunta com dois subfatores, a fim de perspectivar em termos de
coordenação global.

Dissociação

A dissociação compreende a capacidade de individualizar vários


segmentos corporais que tomam parte na planificação e na execução
motora de um gesto ou de vários gestos intencionais sequencializados.
A dissociação requer a formulação melódico-quinestésica que entra
em jogo no autocomando motor de gestos sequencializados, dos quais
resulta a capacidade de diferenciar os vários gestos que integram um
padrão motor global. A dissociação põe em destaque a independência
dos vários segmentos corporais estruturados em função de um fim, o
que exige a continuidade rítmica da execução motora.
As tarefas desse subfator colocam em destaque, em primeiro lugar,
a independência bilateral dos membros inferiores e superiores e, por
último, a independência das quatro extremidades em relação ao tronco
no seu conjunto.
Em analogia com as restantes tarefas deste fator da BPM, as tarefas
da dissociação exigem a capacidade de planificação motora e de
generalização motora. Aprecia-se em certa medida o grau de
automaticidade da sequência de padrões espacial e temporalmente
relacionados, onde entram em atividade inúmeras e rápidas interações
entre dados aferentes e eferentes, entre dados perceptivos e motores,
que obedecem a uma planificação motora previamente estabelecida.
Tal planificação motora recorre aos engramas motores (traços de
memória organizados) e à capacidade de os rechamar
independentemente, por meio de vários graus de liberação e de
globalização gestual e rítmica (AJURIAGUERRA, 1956; e AYRES, 1982).
Os diferentes graus de libertação ou de associação definem a qualidade
da integração psicomotora, isto é, a qualidade de precisão, eficiência e
refinamento dos movimentos sequencializados e coordenados
superiormente por um plano cortical.
Tais planos contêm, certamente, a capacidade de solicitar
mecanismos e sistemas de integração, que vão pôr a ação coordenada
de movimentos globais com movimentos das extremidades, daí
decorrendo uma interação hipercomplexa entre os sistemas piramidais,
extrapiramidais e cerebelosos, todos coordenados em função de um
plano que rentabiliza de forma estruturada o repertório das aquisições
aprendidas.
Para a realização deste subfator da BPM, não é necessário nenhum
material. O procedimento a adotar deve ter em consideração a
seguinte sequência:

— membros superiores;

— membros inferiores;

— coordenação entre os membros superiores e inferiores.

Na subtarefa dos membros superiores, sugere-se à criança (na


posição de pé) que realize vários batimentos das mãos, em cima de
uma mesa, de acordo com a seguinte estrutura sequencial:
Figura 3.33 – Observação da dissociação. Observação da
individualização de segmentos corporais que tomam
parte na planificação de gestos intencionais
sequencializados.
— dois batimentos com a mão direita, seguidos de dois batimentos
com a mão esquerda (2MD-2ME);

— dois batimentos da mão direita, seguidos de um batimento com


a mão esquerda (2MD-2ME);

— um batimento com mão direita, seguido de dois batimentos com


a mão esquerda (1 MD-2ME);

— dois batimentos com a mão direita, seguidos de três batimentos


com a mão esquerda (2MD-3ME).
Todas estas estruturas devem ser sequencialmente reproduzidas
pelo menos quatro vezes seguidas.
Na subtarefa dos membros inferiores, sugere-se à criança (na
posição de pé) que realize vários batimentos dos pés no solo, seguindo
exatamente as mesmas estruturas de batimento indicadas para as
mãos.
Na última subtarefa de coordenação, que envolve as quatro
extremidades e uma tarefa de agilidade, sugere-se à criança que realize
batimentos das mãos em cima da mesa, seguidos de batimentos dos
pés no solo, na seguinte estrutura sequencial:

— um batimento para a mão direita, seguido de dois para a


esquerda, seguido de um batimento do pé direito e de dois
batimentos do pé esquerdo (1MD-2ME1PD-2PE);

Figura 3.34. – Observação da dissociação. Coordenação


das quatro extremidades.
— dois batimentos da mão direita, seguidos de um batimento da
mão esquerda, seguido de dois batimentos do pé direito e de um
batimento com o esquerdo (2MD1ME-2PD-1PE);

— dois batimentos da mão direita, seguidos de três batimentos da


mão esquerda, seguidos de um batimento do pé direito e de dois
batimentos com o pé esquerdo (2MD-3ME-1PD-2PE);

— prova de agilidade – a criança deve saltitar, afastando e juntando


as pernas, ao mesmo tempo que deve realizar um batimento das
palmas das mãos exatamente no momento em que afasta as
pernas, sem interromper a sequência do saltitar.

Da mesma forma, essas estruturas devem ser sequencialmente


reproduzidas, sem interrupção, pelo menos quatro vezes seguidas.
Em relação às crianças em idade pré-primária, as instruções deverão
ser assistidas com reforço tátil-quinestésico; nas crianças em idade
primária, as instruções devem ser apresentadas verbalmente. Dois
ensaios devem ser previamente exemplificados.
A cotação a adotar para as três subtarefas deve ser a seguinte:

Figura 3.35. – Prova de agilidade. Saltitar com


batimentos dos palmas das mãos, exatamente no
momento em que se afastam as pernas sem interromper
a sua sequência.
4, se a criança realiza as quatro estruturas sequenciais ou três das
quatro, revelando perfeito planejamento motor e preciso
autocontrole, com melodia quinestésica e eumetria;

3, se a criança realiza duas das quatro estruturas sequenciais,


revelando planejamento motor e adequado autocontrole, com
sinais disfuncionais indiscerníveis;

2, se a criança realiza uma das quatro estruturas sequenciais,


revelando dispraxias, dismetrias, distonias, disquinesias e
dissincronias;

1, se a criança não realiza nenhuma estrutura sequencial, revelando


dispraxias, dismetrias, distonias, disquinesias e dissincronias óbvias
ou outros sinais de displanificação motora já enunciados nos
subfatores anteriores.
A cotação e a síntese qualitativa das subtarefas devem ser
igualmente registradas na ficha da BPM.
A média de todos os subfatores da coordenação oculomanual e
oculopedal, da dismetria e da dissociação, devidamente aproximada,
deve ser então transferida para o perfil da primeira página da BPM.

Significação psiconeurológica

A análise das praxias implica o estudo das formas complexas de


construção de movimentos voluntários, como os que estão contidos
nos subfatores da BPM que acabamos de descrever.
A apreciação do fator da praxia global permite observar o grau de
integração cortical dos restantes fatores: da tonicidade (potência e
tônus adequados), da equilibração (segurança gravitacional e
flutuações dinâmicas do centro de gravidade e concomitante
integração vestibular e cerebelosa), da lateralização (conscientização
bilateral corporal, orientação em face do espaço, dos objetos de nível
de dominância e preferência manual e pedal), da noção do corpo
(rechamada de engramas e somatogramas necessários à execução do
movimento) e da estruturação espaço-temporal (matriz espacial,
coordenadas extracorporais e temporalidade dos vários movimentos),
que, no seu conjunto, se traduzem nas melodias cinéticas (ou
quinestésicas) plásticas que caracterizam a realização de movimentos
intencionais e voluntários.
A primeira unidade funcional fornece o tônus muscular e a energia
necessária ao movimento, a segunda unidade funcional garante os
impulsos aferentes visório-espaciais e tátilquinestésicos da dinâmica
espacial (extra e intra) e a terceira unidade funcional luriana, por meio
das áreas pré-motoras (área 6), planifica e organiza dinamicamente as
praxias globais, assegurando a sua regulação e o seu controle.
Tendo como referência estes parâmetros de organização aferente e
eferente da praxia global, não é de admirar que a maior parte do
cérebro esteja envolvida na sua preparação, programação e
reprogramação.
Como não é possível observar uma fraca integração sensorial ou
psicomotora, simplesmente porque não são visíveis, o que se observa
realmente são as dispraxias e as descoordenações motoras nas suas
múltiplas e variadas formas, isto é, as manifestações exteriores dessas
desintegrações tátil-quinestésicas e espaço-temporais.
A praxia global é algo que se vê, que se pode observar. Quando a
sua realidade é pobre, dismétrica, dissincrônica, exagerada e mal-
inibida, é porque, efetivamente, algo de desorganização ocorreu no
cérebro. A disfunção sensorial implica uma descoordenação de vários
centros que participam na planificação motora. Ao dar-se um deficit na
planificação motora, a dispraxia emerge da “imperfeição dos
movimentos” (WALLON, 1928). O mesmo autor francês designou por
maladresse (imperícia) a insuficiência de todos os fatores que intervêm
na execução do movimento. Por insuficiência, Wallon queria, talvez,
chamar a atenção para o deficit de planificação motora, deficit esse
que se reflete em uma insuficiente programação ou organização dos
movimentos mais complexos. Comando e instrumentos não se
encontram, por conseguinte, ajustados.
A praxia, segundo Ayres (1982), é a capacidade para planificar ou
levar a efeito uma atividade pouco habitual, que implica a realização de
uma sequência de ações para atingir um fim ou um resultado.
A dispraxia, em contrapartida, significa lentidão ou a ineficiência da
planificação de ações independentemente de uma inteligência normal
ou de uma motricidade funcional. O problema reside, portanto, na
“ponte” entre o intelecto e os membros, entre o psíquico e o motor.
A dispraxia compreende, desta forma, uma das manifestações mais
comuns na disfunção integrativa sensorial e psicomotora. Tais
manifestações caracterizam a maioria das crianças com dificuldades de
aprendizagem ou com disfunções cerebrais mínimas. Reconhecê-lo não
tem sido fácil, só que muitos problemas de aprendizagem e de
desenvolvimento emocional têm, em muitos casos, uma relação com a
função de programação, regulação e verificação da atividade motora
da criança. O problema está dentro da criança, isto é, na forma como o
cérebro processa sensações e percepções.
As desordens da motricidade podem revelar-se no controle
harmonioso e na importância da melodia cinestésica, no controle
postural e no controle vestibular, na programação, na seleção de
rotinas motoras e na planificação motora.
O controle harmonioso fornece-nos dados, como os neurônios
transportam mensagens do cérebro para os músculos, se os comandos
e as informações eferentes a ser processados corretamente ou
desconjuntamente, desconectada ou convulsivamente, de forma
hesitante, titubeante ou desarmônica, de onde podem surgir
movimentos coreoatetoides que revelam dificuldades de inibição nas
vias motoras.
Os movimentos irregulares, imprecisos, sacádicos, exagerados e
dismétricos sugerem uma regulação pouco minuciosa dos vários
centros hierarquizados que presidem à organização dos movimentos
complexos, daí os infindáveis problemas de ajustamento social, de
investigação lúdica, de autossuficiência ou de aprendizagem, uma vez
que estas situações reclamam um nível de controle práxico apreciável.
A presença de movimentos involuntários é provavelmente o resultado
de uma fraca integração sensorial e psicomotora. Os fatores
psicomotores da tonicidade, da equilibração, da lateralização, da noção
do corpo e da estruturação espaço-temporal não se integram em um
todo mais geral, impedem a concatenação funcional dos seus sistemas
e alteram, consequentemente, a precisão, a economia, a melodia
cinestésica que retrata o movimento voluntário e a praxia global.
O controle postural é naturalmente vital a qualquer forma de
coordenação. A coordenação é impensável sem a equilibração, quer
estática, quer dinâmica. A coordenação requer a mudança de uma
posição para outra sem perda do controle gravitacional. A mudança do
centro de gravidade provoca ajustamentos do tronco e dos braços para
garantir novas reequilibrações sem as quais a coordenação não se
atinge. Todos os ajustamentos e os micromovimentos dependem da
integração sensorial, desde as unidades motoras inferiores aos centros
mais hierarquizados do córtex. Músculos, articulações, pele, sistema
vestibular etc. estão em permanente vigilância para assegurarem a
realização da atividade motora. Há, portanto, muitos movimentos
reflexos semiautomáticos em atividade que não requerem a
participação do cérebro, porque se ele intervém pode prejudicar vários
planos de integração reflexa e automática.
Em Bernstein (1967), qualquer praxia surge como um problema,
problema que impõe modelações intelectuais, que requerem um
modelo de experiência anterior, um modelo de recepção, de integração
e de compreensão da situação externa presente e um modelo
programático de ação que se vai desenrolar no futuro. Esta complexa
integração deve operar-se harmoniosamente na organização da praxia
global. Qualquer rotura naqueles sistemas tem naturalmente
repercussões exteriores, como seja sinais de imprecisão, impulsividade,
descontrole, disquinesias, distonias, dismetrias etc.
A programação central do movimento inerente à motricidade
invertebrada e vertebrada não quer dizer que envolva constantemente
a participação do cérebro. Muitos padrões adaptativos básicos estão
pré-programados em estruturas subtalâmicas. O ser humano também
possui muitos desses padrões (reptação, quadrupedia, marcha etc.),
prontos a disparar, quando determinadas condições de maturação
neurológica se atingem.
Qualquer aprendizagem humana, porém, põe em desenvolvimento
outros planos motores, planos estes que, em termos ontogenéticos,
reclamam integrações sensoriais simples, para mais tarde construírem
planos motores mais complexos, que paralelamente exigem, em
analogia, tipos de integração sensorial mais complexos. Tais integrações
passam a ser armazenadas, constituindo o repertório das aquisições
apreendidas e integradas (skills).
A praxia global alarga o seu repertório à medida que vai
armazenando, sob formas de engramas, integrações sensoriais e
aquisições motoras cada vez mais diferenciadas, com as quais vai se
apropriando de novas competências psicomotoras.
Para uma nova aprendizagem ou uma nova praxia, a criança tem de
programar a sua atividade, requerendo, para o efeito, uma
sequencialização ordenada de sub-rotinas e rotinas modulares que a
constituem.
Bartlett (1958) refere que “a realização de aquisições motoras deve
ser submetida ao controle dos receptores a ser iniciada e dirigida pelos
sinais que o indivíduo deve captar do envolvimento (espaço, tempo,
objetos etc.), em combinação com outros sinais, agora internos, vindos
do seu próprio corpo, que lhe dizem algo sobre os movimentos à
medida que ele os realiza”.

A praxia global, em face destas perspectivas psiconeurológicas,


subentende uma ordenação fluida de ocorrências vindas dos vários
fatores psicomotores, de forma que cada um se adapte à ocasião,
reprogramando sequências motoras e rechamando rotinas, que se
traduzem em um aumento progressivo de velocidade e de precisão.

A praxia global apresenta assim um caráter modular, em que os


vários fatores psicomotores contribuem particularmente para o
desenrolar da sua atividade total integradora. A tonicidade fornece o
tônus, a equilibração, o domínio gravitacional básico, a lateralização e
a noção do corpo, a orientação intracorporal, a estruturação espaço-
temporal, a orientação espacial e temporal (timing), que empresta a
cada componente psicomotor a integração na sequência que revela a
melodia cinestésica da praxia.
A eficiência, a precisão e a proficiência resultam da regulação desta
torrente de fatores integrados, originando a melodia de
comportamento a que Luria se refere para caracterizar o movimento
complexo, a praxia.
A praxia, ao contrário da dispraxia, caracteriza-se pelo controle
harmonioso do movimento, pela conjugação perfeita no espaço e no
tempo da antecipação e da ação, do plano e da execucão, como que
adaptando-se a um fim e a um objetivo. Cada componente da praxia é
avaliado e corrigido em termos de integração na realização total do
ato, operandose assim uma análise pela síntese. (BRUNER, 1970)
A praxia global não é senão um polifaseamento sensório-motor e
psicomotor seriado, combinando a intenção e o resultado, isto é,
encerra-se a noção de autorregulação de Bernstein (1967).
A autorregulação das praxias permite os reajustamentos motores,
tendo em vista a satisfação das condições impostas pela situação
espacial externa. As decisões emitidas pelo córtex não servem só para
satisfazer exigências espaciais, elas devem também integrar exigências
de tempo (timing of the moviment). Todos esses aspectos devem
presidir ao programa de ação, que incluiu vários problemas, como, por
exemplo:

— Quando se deve iniciar o movimento?

— Qual a velocidade de execução do movimento?

— Qual a posição mais adequada para finalizar o movimento?


Além desses problemas, essas decisões devem ser comparadas com
as características presentes e atuais da situação externa. O córtex terá
de decidir a precisão do movimento, a quantidade de força a imprimir,
o ritmo de execução e outras variáveis que se modificam com a
situação e que necessariamente enquadram determinados limites. Essa
função, de grande importância na coordenação dos movimentos, é
desempenhada, segundo Bernstein, por dispositivos de comparação do
sistema nervoso.
Bernstein designou SW (do Alemão Sollwert) o “valor exigido” do
movimento, IW (Isrwert) o “valor atual” e AN como a discrepância
entre o valor exigido e o valor atual do movimento (IW – SW), que é
controlado e designado pelos tais sistemas de comparação que se veem
na figura 3.36:
Para simplificar, IW traduz a informação recebida (IR) dos
receptores; SW, a informação alcançada (IA), isto é, programada pelos
centros de comando; e AN, a diferença das suas informações (DI).
Figura 3.36. – Sistemas de comparação.
À medida que a aprendizagem se verifica, como mudança estável
de comportamento, o tamanho da AN (DI) diminui, permitindo um
ajustamento mais perfeito entre a informação percebida e a
informação programada. O “desejável”, isto é, o programado em 2, é
cada vez mais adequado ao “exigido” em 3, e, como consequência, o
gesto ou a ação, como conjunto de movimentos, sairão mais de acordo
com a situação exterior.
O output motor final, a praxia global, isto é, a ação propriamente
dita, é a função da interação de diferentes tipos de mecanismos
neurológicos, cujos componentes contêm entre si imensas outras
interações.
Tanto o sistema nervoso periférico (SNP), que envia informação,
como o sistema nervoso central (SNC), que emite decisões e comandos,
são importantes para o output final, que deve, ainda por cima, atender
às forças gravitacionais e a outras decorrências do envolvimento, que
podem vir a modificar ou alterar a própria praxia.
Para Bernstein, estes aspectos exteriores devem ser muito bem
analisados, a fim de se programarem modificações que poderão entrar
em consideração, ora antes de começar o movimento, ora no seu início
e até na sua sequência e desenrolamento. Os movimentos rápidos do
desporto e de várias profissões exigem programas neurológicos, a
priori; outros movimentos lentos do trabalho exigem
“reprogramações” constantes durante a sua execução.
Pelo modelo, verificamos que as estruturas 2, 4 e 6 são responsáveis
por comando, comparação e regulação e estão integradas no SNC, as
estruturas 1 e 3 são periféricas e são responsáveis pelo output final e
pelo input inicial. As relações dialéticas entre esses sistemas são
gravadas e registradas em 5, que, na sua integração psíquica superior,
refletem a complexidade das praxias.
Essa perspectiva de Bernstein é deveras convergente com a recente
teoria de Wedell que define o comportamento perceptivo-motor em
quatro estados de coordenação neurológica:

— síntese sensorial;

— interação sensorial;

— atividade motora inicial;

— informação visual adicional.

Verificamos, portanto, que a execução de qualquer movimento é,


antes de mais nada, uma síntese psicomotora, visto evidenciar uma
série de acontecimentos neurológicos que a orientam, regulam e
coordenam.
A programação da ação não é uma adição ou justaposição de
contrações, ou de movimentos explicados mecanicamente. A
programação da ação é uma atualização psicológica, ou melhor, uma
antecipação psicológica do movimento, que nada mais é do que uma
síntese psicomotora dialética que relaciona intenções com ações,
noções com operações, pensamentos com movimentos.
Com Bernstein (1967), apercebemo-nos da complexidade da praxia
e dos vários aspectos de integração cortical que apresenta e,
paralelamente, apercebemo-nos do significado psiconeurológico das
dispraxias.
A organização da praxia global envolve uma verdadeira síntese da
ação, onde participam vários componentes: efetores, controladores,
receptores, comparadores, recodificadores e reguladores, todos
integrados de forma harmoniosa, desde a planificação motora e
modulação psicomotora até a melodia cinestésica.
Lashley (1951), em outra linha, encara a praxia como dependente
da ativação dos elementos expressivos (engramas), da intenção e da
sintaxe do ato.
A praxia global (e naturalmente a praxia fina, que abordaremos em
seguida) exige, em primeiro lugar, a atenção voluntária, a planificação
motora, o registro e a seleção de engramas, muito antes de
desencadear o movimento, isto é, a intenção precede a ação.
É neste contexto que a aprendizagem motora se processa na
criança, desde as praxias de vestuário (laços no sapato) até as praxias
gráficas (escrita). Antes de as praxias estarem aprendidas, a planificação
motora é exercida de forma consciente; uma vez aprendida, já não é
necessária, porque as praxias emergem espontaneamente, como se vê
no trabalho (digitação etc.), na arte (pianista etc.) e, essencialmente, no
desporto (jogador de basquete etc.).
O cérebro organiza as contrações dos dedos tão automaticamente
que ele não tem de olhar para as teclas ou para a bola, ou sequer
pensar como o está fazendo. Ao fim de tantos anos de experiência,
escrever à máquina, tocar piano ou jogar basquetebol pode ser tão
automático como a marcha, uma vez que o cérebro vai atingindo o
domínio de vários graus de libertação da ação, que permitem a
verdadeira capacidade criadora.
Em situações familiares, portanto, e isso varia de pessoa para
pessoa em função da sua experiência anterior, não podemos avaliar a
praxia e a planificação motora. A observação da planificação motora
reclama uma situação nova, um objeto novo, uma dimensão espaço-
temporal nova etc.; só nessas condições, a capacidade de planificação
motora entra em jogo. Foi dentro desse contexto que se estruturaram
as situações que compõem os subfatores da praxia global. É a
observação da plasticidade adaptativa a novas situações que se torna
importante observar na BPM, ao mesmo tempo em que podemos nos
aperceber também da realização forçada, rígida e condicionada
(splinter skill) que a criança evidencia à custa de muito treino e
repetição.
As crianças dispráxicas têm tendência, devido à escassez de
aquisições, a levar mais tempo na aprendizagem motora, a sua
planificação motora é menos facilitadora e, como consequência, os
movimentos apresentam dismetrias, disquinésias, distonias,
dissincronias etc.
Em resumo, a realização das tarefas da praxia global revelam o nível
de atenção voluntário da criança, a sua capacidade de planificar e
sequencializar ações perante situações novas e as suas funções
cognitivas gerais, que caracterizam o seu potencial de aprendizagem.
O objetivo da praxia global na BPM não é só o de avaliar o
rendimento motor mas também a qualidade da integração sensorial e
psicomotora que evidencia a integridade do cérebro, desde o tronco
cerebral até os hemisférios cerebrais. O cérebro diz aos músculos o que
fazer, mas as sensações vindas dos músculos e do corpo
(proprioceptividade) é que permitem ao cérebro fazer o que transmitiu.
É esta interação e comunicação entre o cérebro e o corpo, o centro
e a periferia, que traduz a síntese e a unidade psicomotora que está
contida no fator da praxia global.
É segundo essa perspectiva que deve ser efetuada a observação
psicomotora na criança, pois, só dessa forma, podem obter sinais de
alguma significação psiconeurológica que tenham importância no seu
desenvolvimento e na sua aprendizagem.

3.2.8. Praxia fina


Considerações gerais

A praxia fina, que constitui o sétimo e último fator psicomotor da


BPM, está igualmente integrada na terceira unidade funcional do
modelo de Luria, unidade que se encontra localizada nas regiões
anteriores do córtex, isto é, nos lóbulos frontais.
A praxia fina integra, de fato, todas as considerações e todas as
significações psiconeurológicas já avançadas na praxia global. Integra
todos os seus parâmetros a um nível mais complexo e diferenciado,
uma vez que compreende a micromotricidade e a perícia manual, de
onde decorre a Antropogênese.
A praxia fina, por compreender as tarefas motoras sequenciais
finas, está mais relacionada com a área 8, que, de acordo com o
modelo de Luria, está adstrita à função de coordenação dos
movimentos dos olhos durante a fixação da atenção e durante as
manipulações de objetos que exigem controle visual, além de
abrangerem as funções de programação, regulação e verificação das
atividades preensivas e manipulativas mais finas e complexas.
A mão, considerada a unidade motora mais complexa do mundo
animal, é em grande medida a arquiteta da civilização e, naturalmente,
a arquiteta da inteligência na criança e no homem. A mão
transformou-se, em termos antropológicos, em um melhor e mais
eficaz meio de exploração do mundo exterior e, também, do próprio
corpo, permitindo o reconhecimento dos objetos por textura, peso,
forma, temperatura etc. Paralelamente, tornou-se em um instrumento
de preensão, forte e preciso, possibilitando a manipulação de pequenos
objetos com os quais criou utensílios e ferramentas, meios privilegiados
de transformação da natureza e da própria natureza do homem.
O homem, ao usar primeiro como ferramentas, pedras e paus, e a
fabricá-las depois, por meio de movimentos percussivos, finos e
coordenados bimanualmente, pôde separar a pele dos animais e,
assim, garantir alimentos e vestuário. Com utensílios de corte,
provavelmente, a sua dentição reduziu-se na forma e no tamanho,
permitindo, por essa tendência, as progressivas transformações
morfológicas do crânio dentário, que redundaram na produção de sons
articulados. A mão abriu-se ao desenvolvimento tecnológico e iniciou a
evolução cultural. (FONSECA, 1982)
A mão, que traduz o enfoque central da praxia fina, um órgão de
preensão por excelência, é o resultado de aquisições filogenéticas
inerentes à adaptação arborial, que implicaram a libertação da cintura
escapular, a rotação do rádio e do cúbito, a mobilidade independente
dos dedos e a dissociação entre as falanges, os metacarpos e os ossos
do carpo. Vinte e sete ossos unidos por uma rede complexa de tendões
e músculos atingiram uma variedade e uma precisão sensório-motora
sem limites. As suas mãos duplicando essas capacidades ilimitadas
tornaram-se órgãos de criação práxica sem paralelo.
Preensibilidade, oponibilidade, convergência, divergência e muitas
outras potencialidades motoras, ligadas a uma hipercomplexa
coordenação oculomanual, suportada por processos de integração e
reaferência, ligando as áreas frontais com as occipitais, facilitaram a
planificação de ações para atingir a fabricação de ferramentas,
condição essa reconhecida como uma das mais importantes nas
vantagens seletivas dos primeiros hominídeos.
Por acumulação funcional, a mão sofre outras transformações
morfológicas, a palma expande-se e torna-se quadrangular, a
preensibilidade e a oponibilidade mais econômicas e precisas tendem a
especializar o polegar, ao mesmo tempo que a pele rugosa e áspera vai
desenvolvendo um sentido tátil-quinestésico (hapic system)
progressivamente mais corticalizado. Tato e movimento, combinando-
se intra e interneurossensorialmente com a visão, “marcam
profundamente a transformação da arquitetura nervosa e a
corticalização dos controles motores do homem”. (PAILLARD, 1960)
A emancipação cortical da mão corresponde ao campo ocular
frontal (frontal eye field), como que equivalendo a preensão manual
com a preensão visual, sistemas esses determinantes na captura de
informação do meio exterior e, por isso, grandes polos da
aprendizagem sensório-motora e psicomotora.
A destralidade manual preparou o caminho à evolução do cérebro.
Cada uma das mãos especializou-se, uma na função de iniciativa, outra
na função de suporte, pondo em jogo uma reintegração e reaferência
contralateral que está na base da especialização hemisférica. A mão
dispõe de funções eferentes e aferentes únicas no corpo humano; a
sua representação e projeção cortical atesta-o inequivocamente.
A mão dispõe de funções de palpação, discriminação tátil e de um
repertório de aquisições preensíveis inigualáveis por qualquer outro
segmento corporal, como, por exemplo, apanhar, segurar, bater, riscar,
captar, catar, lançar, puxar, empurrar etc. (FONSECA, 1982). Todas essas
aquisições, porém, em termos normais, são o produto final de uma
cooperação com a visão, sem a qual o seu desenvolvimento
micromotor não se diferenciaria.
A mão como órgão de apropriação e relação com o exterior vai ser
um dispositivo fundamental para o desenvolvimento psicológico da
criança. No ser humano, quer filogenética, quer ontogeneticamente, a
mão assume a função de construção, de transformação e de
fabricação, surgindo como o instrumento corporal privilegiado e
materializado da evolução cerebral. (FONSECA, 1982)
A praxia fina, encarada nessa dimensão, procura estudar na criança
a sua capacidade construtiva manual e a sua destralidade bimanual
como um componente psicomotor relevante para todos os processos
de aprendizagem.
A coordenação precisa das duas mãos vai ser essencial para o
desenvolvimento da criança, não só socialmente mas também
escolarmente. Para que a criança possa atingir uma destralidade
manual proficiente, os seus centros corticais superiores, coadjuvados
com os centros visuais, terão de desenvolver um sistema visório-motor
complexo.
Embora o desenvolvimento da praxia fina seja um processo de
maturação lento, pode traduzir uma “inteligência manual” (BRUNER,
1970), algo que distingue o ser humano das outras espécies.
Durante muito tempo, o papel da mão foi negligenciado por se
pensar que, morfologicamente, a mão humana era semelhante à mão
primata. Em termos humanos, a função da mão distingue-se da mão
primata dada a sua dimensão como órgão de trabalho e, por
conseguinte, a sua inequívoca dimensão socio-histórica.
No primata, a mão assume, preferencialmente, a função de
braquiação; no ser humano, adquire uma função de aprendizagem
significativa. Ao “despecializar-se”, para utilizar um termo de Bruner
(1970), a mão humana, sem perder a sua divergência falângica,
necessária para suspender pesos, a sua convergência para apanhar
comida, a sua preensão para segurar e trepar e a sua oponibilidade,
todas heranças primatas, como já focamos anteriormente, atinge novas
capacidades funcionais. Combina poder com precisão, flexibilidade da
palma da mão com extensão do polegar, cocontração dos músculos do
metacarpo com as falanges terminais etc. Evolui de uma
micromotricidade dispráxica a uma perícia manual, tomando-a
instrumento inteligente quando programada inteligentemente.
À virtuosidade morfológica das mãos do homem, juntam-se
programas de ação superiormente elaborados. Mão e inteligência
ligam-se e formam-se dialeticamente. Nem a mão nem a inteligência
isoladas em si próprias podiam construir os programas de ação que
permitiram a capacidade de fabricar instrumentos, razão fundamental
do fenômeno humano.
No primata, o instrumento encontra-se confundido com o
organismo que o utiliza (PIVETEAU, 1973). No homem, o instrumento
intracorporal prolonga-se em instrumento extracorporal por meio da
fabricação de objetos com os quais varia infinitamente as suas formas e
funções e modifica a sua utilização, apropriando-se de um pensamento
reflexivo, antecipado e programado.
Como asseguram Penfield e Roberts (1959), a área do córtex motor
que representa a mão, particularmente o polegar e o indicador, isto é,
os dedos com perfeita oponibilidade e com mais relações com o
exterior, expandiu-se na mesma proporção que o cerebelo, justificando
o papel das aquisições manipulativas resultantes de aspectos periféricos
(proporções da mão, morfologia articular, organização muscular etc.),
mas também, fundamentalmente, de aspectos centrais
(reconhecimento lateral e corporal da mão, gnosia digital, gnosia
tátilquinestésica, exterognosias, programação de praxias ideatórias,
ideomotoras e construtivas etc.) quase dois quartos da superfície do
córtex motor estão ocupados com a mão, daí a sua importância no
aumento das aferências tátil-quinestésicas e no alargamento das áreas
associativas. (FONSECA, 1982)
A praxia fina, como aquisição superior, requer a conjugação dos
programas de ação, a atenção voluntária, o nível de engramas e
somatogramas aprendidos, a capacidade de programação e de
reprogramação etc., funções inerentes a um órgão especializado em
exploração, manipulação e preensão dos objetos.
Segundo Bower (1974), a capacidade de preensão de onde evolui
ontogeneticamente a praxia fina pode revelar-se como a marcha antes
do nascimento. Todos os componentes para apanhar objetos podem
ser evidenciados em fetos com uma idade conceitual de 14 a 16
semanas, o que prova a longevidade filogenética daquela aquisição
motora. Humphrey (1969) demonstrou que a preensão primitiva pode
reocorrer entre os 4 a 5 meses de idade, justificando-a como resultado
da maturação de circuitos internos do sistema nervoso. White (1966),
adotando um modelo piagetiano, advoga que a preensão é o resultado
da integração de diversas coordenações iniciais, incluindo a sequência
tocar-preender, olho-objeto, olho-mão e olho-braço.
Para White (1963 e 1966), o desenvolvimento da preensão passa
por uma atenção visual primitiva, que envolve olhar e perseguir os
objetos, em seguida um comportamento tocar-prender de imediato; o
olho descobre a mão, o que leva a um novo comportamento olho-mão.
Depois da descoberta visual da mão, essa tenta o contato com os
objetos ainda sem os apanhar, até que finalmente a mão apanha o
objeto, transportando-o para o campo visual, para aí ser inspecionado,
realizando o que o autor designa por comportamento olho-mão e
olho-objeto. Essa sequência, ocorrida nos primeiros meses de vida,
determina naturalmente o desenvolvimento subsequente da praxia
fina.
A captura do objeto envolve uma captura foveal, pondo em jogo
operações de alerta, referências visório-espaciais, deslocamentos dos
segmentos corporais, controle da trajetória, preensão propriamente
dita e, por último, estabilização da superfície de análise e inspeção
visual, obedecendo a um refinamento de operações sensoriais, motoras
e associativas. (PAILLARD, 1973)
A larga representação da região foveal para as projeções retinianas
parece estar em relação com a extensão da superfície cutânea da mão
para as projeções táteis, sugerindo uma espécie de maturação paralela
entre a preensão manual e a preensão visual. Para Paillard, esta
organização interneurossensorial está submetida às regiões frontais que
controlam os órgãos de preensão manual e visual de acordo com as
exigências do controle intencional dos programas de ação. Essa
oposição converge com a posição de Luria em relação à importância da
área 8 no controle de objetos que exijam controle visual e, de certa
forma, confirma a relação da praxia fina da BPM como estando
dependente da terceira unidade funcional do cérebro.
A íntima relação que a praxia fina tem com a percepção visual é de
grande importância para o desenvolvimento psicomotor e para o
desenvolvimento da aprendizagem, nomeadamente da leitura, da
escrita e do cálculo. (FONSECA, 1984)
A cooperação do componente práxico com o componente visual é,
no fundo, uma síntese psicomotora que caracteriza o último fator da
BPM, que se subdivide em quatro fases:

— primeira: a captura visual do objeto, que caracteriza a fase inicial


do movimento sacádico da zona foveal, o ajustamento terminal e,
finalmente, a fixação do olhar, que permite o desenvolvimento das
operações de análise visual. Essa operação inicial determina a
referência espacial do objeto que, por sua vez, fornece as
informações necessárias para a ação da mão;

— segunda: as operações de escrutínio e investigação visual, que


captam as propriedades do objeto e realizam a identificação
perceptiva do mesmo, condições essas indispensáveis para os
programas de ação da mão, nomeadamente o contato, a preensão,
a palpação, a cocoordenação bimanual, os deslocamentos
posicionais, a programação etc., traduzidas em um projeto motor;

— terceira: a captura manual do objeto (ou dos objetos), que


consiste no movimento balístico do braço e da mão em direção ao
alvo, normalmente assistido por um ajustamento visual de posições,
principalmente na fase terminal com estabilidade posicional do
membro superior para assegurar a operação final da preensão;

— quarta: a manipulação do objeto (ou dos objetos) iniciada a


partir do momento do contato até atingir uma superfície
preferencial de análise tátil-quinestésica (“fóvea tátil” de PAILLARD,
1978) do mesmo. A partir daqui, a intervenção da visão e das
estratégias de manipulação depende da natureza dos programas de
ação, desencadeando entre a mão e a visão um constante
ajustamento por meio de informações retroativas complementares.

A praxia fina traduz-se, consequentemente, na sequência melódica


dessas frases, coadjuvada principalmente pela precisão terminal dos
movimentos da mão e dos dedos, onde entram em jogo relações
espaço-temporais e seleções de rotinas e sub-rotinas que traduzem a
qualidade da micromotricidade ou do controle instrumental.
A praxia fina evidencia a velocidade e a precisão dos movimentos
finos e a facilidade de reprogramação de ações, à medida que as
informações tátil-perceptivas se ajustam às informações visuais.
As informações visuais participam como mobilizadoras iniciais dos
programas de ação, daí a sua contribuição com funções de detecção de
limites, contornos, formas, permenores etc., e com funções de
estabilização de posições e direções, a fim de proporcionar a
coordenação dos dados captados visualmente com os dados captados
manualmente. A exploração e a inspeção visuais, como competências
perceptivo-visuais, entram em jogo nessa fase fundamental.
As informações tátil-quinestésicas participam na elaboração do
projeto de ação, onde passam a ser analisadas as características táteis
dos objetos: rigidez, dureza, peso, temperatura etc. A identificação das
características é então determinante para preparar a preensão digital
em função das características do objeto.
A praxia fina encarada desta forma indissociável da organização
perceptivo-visual transforma-se em um sistema funcional aberto. A
direção do olhar, o cone de visão central, a estabilização perceptiva do
campo visual e o jogo visão central e visão periférica são
constantemente calibrados com a posição da cabeça e do tronco, onde
entram informações proprioceptivas de origem cervical ligadas ao
controle da postura, objetivando a contribuição particular dos fatores
da tonicidade e da equilibração, que naturalmente não estão
dissociados do fator psicomotor mais hierarquizado. A programação
das ações a decorrer beneficia assim as informações corretoras e
codificadoras da velocidade e da precisão das operações finas em
atividade.
De acordo com Gibson (1958), a programação, a regulação e a
verificação da praxia fina, que envolve a micromotricidade manodigital,
sofre influência do papel quinestésico das informações visuais, guiando
a ação de forma econômica, precisa e cada vez mais automatizada.
Adicionalmente, as informações proprioceptivas sobre o movimento
em curso são também fundamentais à praxia fina, na medida em que
esta se acompanha de contínuas mudanças de posição e de
deslocamento e, por consequência, exige um permanente fluxo de
reaferências proprioceptivas articulares e musculares para completar ou
concluir gestos de precisão, o que, só por si, reclama um controle
voluntário da atenção, dependente da função da terceira unidade
funcional do modelo de organização cerebral de Luria.
A carência ou a distorção de todas estas informações decorrentes
da praxia fina pode deteriorar a velocidade, a precisão e a realização
das tarefas que estão contidas nos seus subfatores.
A praxia fina coloca, portanto:

— aspectos aferentes, em que participam a visão central e o


sistema de análise e identificação perceptiva das propriedades dos
objetos e a visão periférica, dependente da regulação do sistema
vestibular e da função quinestésica postural;

— aspectos eferentes, necessários à motricidade manodigital e ao


serviço de preensão, que estão na base da manipulação.
De um lado, as vias de projeção geniculoestriadas do lóbulo
parietal, integrando os dados aferentes sensoriais. Do outro, as áreas
corticais de comando da motricidade digital sobre o controle direto das
aferências tátil-quinestésicas expressas pelas vias corticoespinais diretas
do sistema piramidal, disparadas desde o córtex motor, a que se juntam
vias corticoespinais indiretas e vias corticocerebelo-corticais. Além
destes dois complexos sistemas aferentes e eferentes, há de se contar
com conexões intracorticais, que associam as áreas visuais com as áreas
motoras. Projeção e manipulação vão necessariamente envolver as
regiões parietais da segunda unidade e as regiões frontais de onde
dependem os mecanismos de fixação foveal e as estruturas postural-
cinéticas envolvidas nas tarefas da micromotricidade digital.
As estruturas frontais, de acordo com Paillard (1978), surgem como
os instrumentos de controle intencional dos mecanismos de captação
visual e de captação manual, justificando-se, assim, a importância do
fator da praxia fina com revelador grau de maturidade e de
organização da terceira unidade funcional de Luria, que tem por
função fundamental programar, regular e verificar a atividade
consciente.
Como a praxia fina traduz o fator mais hierarquizado da BPM, é
provável que a frequência de dispraxias nas crianças com dificuldades
de aprendizagem seja mais óbvia. Dismetrias, disquinesias, distonias e
dissincronias, todas vão-se refletir na velocidade e na precisão das
tarefas que contém o último fator psicomotor da BPM.
É com base nesses considerandos, reforçando os já enunciados no
fator da praxia global, que se pretende captar sinais disfuncionais e
dispráxicos nas tarefas da praxia fina. O último fator da BPM compõe-
se dos seguintes subfatores: coordenação dinâmica manual, tamborilar
e velocidade-precisão.
A sua apresentação, descrição e cotação serão em seguida
abordadas.

Descrição dos subfatores e cotação

Coordenação dinâmica manual

A coordenação dinâmica manual compreende a destralidade


bimanual e a agilidade digital, visando ao estudo da coordenação fina
das mãos e dos dedos.
A tarefa requer a coordenação fina dos movimentos das mãos e dos
dedos com as capacidades visório-perceptivas em termos de velocidade
e de precisão. Envolve a praxia fina e, consequentemente, o
planejamento motor das extremidades distais em permanente e
contínua retroação tátil-quinestésica com a atenção, a fixação e a
captação visual dos objetos.
O objetivo da prova é avaliar a maturidade práxico-manual e a
dissociação digital e sua complementar organização visório-perceptiva,
paralelamente com o controle tônico-emocional.
A tarefa é uma adaptação das provas de Rey (1947), que fornece
interessantes dados sobre a proficiência instrumental da criança,
capacidade essa de grande valor preditivo nas dificuldades de
aprendizagem, nomeadamente da escrita.
A realização da tarefa requer o seguinte material: cinco ou dez clips
redondos, de tamanho médio e cronômetro.
O procedimento para a sua realização é o seguinte: solicita-se à
criança (em uma posição sentada) para compor uma pulseira de clips o
mais depressa possível. A pulseira articulada deve ser de cinco clips
para as crianças em idade pré-primária e de dez clips para as crianças
em idade escolar.
Antes da realização, deve-se realizar um a dois ensaios,
exemplificando à criança o correto encaixe e desencaixe (articulação e
desarticulação) entre cada um dos clips. A criança deverá compor e
descompor (desmanchar) a pulseira, unindo e logo desmanchando ou
separando cada um dos clips. O tempo de composição e de
decomposição devem ser registrados, sendo a cotação atribuída em
função do tempo total das duas fases.

Figura 3.37. – Avaliação da maturidade práxico-manual e


da dissociação digital e sua complementar organização
visório-perceptiva.
Durante a realização da prova, o observador deve registrar o
comportamento, nível de verbalização, as sincinesias bucais e linguais,
a qualidade de atenção foveal, a micromitricidade digital e a
coordenação bimanual, a mão de iniciativa e a mão de suporte,
segurança, ansiedade, bem como as dismetrias, desquinesias, distonias
e dissincronias, em nível distal, tendo sempre em vista a apreciação de
dados integrados dos outros fatores psicomotores da BPM,
nomeadamente tônicos, posturais, lateralizacionais, somatognósicos e
espaço-temporais que, no seu modo, integram as tarefas desse
subfator da praxia fina.
A cotação a atribuir deverá ser a seguinte:
4, se a criança compõe e decompõe a pulseira em menos de 2
minutos, revelando perfeito planejamento micromotor, preciso
autocontrole visório-motor, melodia cinestésica e eumetria digital;

3, se a criança compõe e decompõe a pulseira entre 2 e 3 minutos,


revelando adequado planejamento micromotor e adequado
autocontrole visório-motor sem revelar sinais dispráxicos;

2, se a criança compõe e decompõe a pulseira entre 3 e 5 minutos,


revelando dispraxias, dismetrias, disquinesias, distonias e
dissincronias, além de sinais de desatenção visual e hesitação na
lateralização;

1, se a criança compõe e decompõe a pulseira em mais de 6


minutos, ou se não realiza a tarefa, evidenciando sinais
disfuncionais óbvios.

A cotação, o tempo de composição e decomposição e o estilo de


realização devem ser devidamente anotados na ficha da BPM.

Tamborilar

O tamborilar compreende uma tarefa de motricidade fina que


estuda a dissociação digital sequencial que envolve a localização tátil-
quinestésica dos dedos e a sua motricidade independente e
harmoniosa.
A tarefa requer a realização precisa, independente e harmoniosa de
movimentos finos e oponibilidade com uma transição dedo a dedo
melódica e sequencializada, pondo em realce a gnosia digital, a
planificação micromotora distal e, naturalmente, a preferência manual
e a discriminação direita-esquerda.
A tarefa deve ser feita com olhos abertos para as crianças em idade
pré-primária e de olhos fechados para as crianças em idade escolar.
A realização da tarefa não requer nenhum material, e o seu
procedimento deverá ser o seguinte: o observador deve demonstrar à
criança como é que os dedos devem estar colocados, realizando
círculos na transição dedo para dedo, desde o indicador até o mínimo,
e, em seguida, na direção inversa (2, 3, 4, 5 e 5, 4, 3, 2).
Sugere-se à criança (na posição de sentada) que imite os
movimentos e que complete no mínimo três ensaios antes de realizar a
própria tarefa. As suas mãos devem ser avaliadas, realizando cada uma
três sequências separadas e uma simultânea (tamborilar bimanual
simultâneo). As hesitações, as sincinesias contralaterais, os círculos
incompletos, o saltar dedos, a tensão, a ausência de melodia
cinestésica, a alteração da sequência, a programação da
micromotricidade, a vigilância visual excessiva, os sinais de
impulsividade e inibição, os níveis de atenção voluntária etc. devem ser
paralelamente captados.

Figura 3.38. – Observação do tamborilar. Avaliação da


dissociação digital independente e da oponibilidade
precisa com transição melódica e sequencializada dedo a
dedo, pondo em jogo a gnosia digital, a planificação
micromotora distal e a preferência manual.

A cotação a atribuir deverá ser a seguinte:

4, se a criança realiza o tamborilar, revelando perfeito planejamento


micromotor com realização e círculos completos, transição melódica
e sem movimentos associados na mão colateral;

3, se a criança realiza o tamborilar, revelando adequado


planejamento micromotor com ligeiras hesitações na sequência,
ligeiras tensões e dismetrias digitais, repetições de oponibilidades e
ligeiras sincinesias contralaterais ou faciais;

2, se a criança realiza o tamborilar, com fraco planejamento


micromotor, hesitações na sequência, dismetrias, disquinésias,
repetições frequentes nas oponibilidades, sincinesias óbvias, saltos
de dedos na sequência, discrepância significativa entre a realização
sequencial e simultânea, evidenciando dispraxia fina;

1, se a criança não realiza a tarefa, revelando sinais disfuncionais da


motricidade fina associados à disgnosia digital e dispraxia fina.
A cotação, os traços tônico-emocionais e o domínio sequencial e
simultâneo da tarefa devem ser devidamente anotados e referenciados.

Velocidade-precisão

O último subfator da praxia fina e de toda a BPM compreende duas


tarefas de coordenação práxica do lápis, que envolve a preferência
manual e a coordenação visório-gráfica.

Figura 3.39 – Observação da coordenação práxica do


lápis (velocidade-precisão). Avaliação da coordenação
visório-gráfica e da preferência manual.
A tarefa exige a integração significativa de movimentos finos de um
instrumento (lápis) com as aquisições perceptivo-visuais da
coordenação visório-motora, figura e fundo e posição-relação espacial.
A tarefa consta de duas provas de velocidade e requer, como
material, uma folha de papel quadriculado (quadrícula grande para as
crianças em idade pré-primária e quadrícula normal para as crianças em
idade escolar), lápis bem afiado e cronômetro.
O procedimento a ter em conta deve ser o seguinte: sugere-se à
criança (na posição sentada) que realize o maior número de pontos e
cruzes durante 30 segundos, tendo como referências espacias os
limites dos quadrados do papel e a realização sequencial da esquerda
para a direita.
Na subtarefa de pontos, deve-se explicar à criança que os pontos
não podem ser confundidos com traços e que devem ser marcados
dentro dos limites do quadrado, não sendo considerado qualquer
ponto tangente ou mais do que um por cada espaço. Com base nessa
explicação, a criança deve fazer um ensaio, devendo o observador
assistir e cotar a tarefa à frente da criança de forma que ela
compreenda o que se espera que ela realize.
O número de pontos considerados para a cotação envolve a sua
contagem total (realização de velocidade) menos os sem êxito: traços,
pontos a mais, tangentes, omissões, saltos de espaços etc. (realização
de precisão).
A cotação a atribuir deverá ser a seguinte:

4, se a criança realiza mais de 50 pontos, revelando perfeito


planejamento motor e preciso autocontrole com melodia
cinestésica;

3, se a criança realiza entre 30 e 50 pontos, revelando adequado


planejamento motor e ligeiras hesitações na sequencialização da
tarefa;

2, se a criança realiza entre 20 e 30 pontos, revelando dismetrias,


distonias, disquinesias e descontrole tônico-emocional;

1, se a criaça realiza menos de 15 pontos, ou não completa a


tarefa, evidenciando deficiente preensão, rigidez, excessiva
vigilância, tremores, distorções perceptivas e sinais dispráxicos
óbvios.
Na subtarefa de cruzes, deve-se adaptar o mesmo procedimento,
explicando à criança que a cruz tem de apresentar a
perpendicularidade e alinhamento vertical-horizontal e os limites
espaciais adequados de tal forma que caiba nos limites do papel
quadriculado.
O número de cruzes considerado envolve também a contagem
total, menos os fracassos.
A cotação a atribuir é idêntica à prova dos pontos, apenas
diferenciada na quantidade e deve ser a seguinte:

4, se a criança realiza mais de 20 cruzes;

3, se a criança realiza entre 20 e 15 cruzes;

2, se a criança realiza entre 15 e 10 cruzes;

1, se a criança realiza menos de 10 cruzes, ou não completa a


tarefa.

A cotação do subfator da velocidade-precisão deve ser a média


artimética aproximada das suas tarefas.
Com este subfator, conclui-se a avaliação da praxia fina, cuja
apuração resulta da média dos três subfatores, média essa que deverá
ser transformada para o perfil da primeira página da BPM, dando assim
por concluída a observação psicomotora.

Significação psiconeurológica

A significação psiconeurológica da praxia fina, último fator da BPM,


está intimamente relacionada com as funções da terceira unidade
funcional do modelo de Luria.
A terceira unidade funcional é responsável pela programação,
regulação e verificação da atividade. Nela se distinguem as zonas
motoras e as zonas pré-motoras (áreas 6 e 8), designadas por Luria
como zonas ou áreas secundárias frontais, portadoras de conexões
muito complexas com as primeira e segunda unidades. E este caráter
de integração e de estreita interação da terceira unidade que a torna
um centro organizador e programador dos movimentos complexos,
como os que estão contidos no fator da praxia fina da BPM.
A praxia fina traduz um produto final no qual participam, com uma
contribuição particular, todos os restantes fatores psicomotores. Todos
os dados aferentes são integrados em sub-rotinas programadas, desde
os dados tônico-vestíbulo-posturais até aos somatognósicos e espaço-
temporais. A intensa atividade sináptica aferente e intrínseca que
ocorre na terceira unidade, muito antes dos padrões motores serem
disparados, confirma a sua função hierarquizadora e integradora. A
terceira unidade funcional, como unidade efetora por excelência,
requer uma síntese aferente hipercomplexa que é determinante para
construção do movimento intencional, pois só assim ele pode-se
adaptar às condições objetivas que o determinam.
O que está contido na praxia fina do cirurgião, do escultor, do
músico ou do escritor é um ato da vontade e, como tal, o resultado de
uma imaginação e de um conhecimento interiorizado. Intenções,
planos e programas, emergindo dos mais elementares sinergismos até
as constelações aferentes mais complexas, formam o movimento em
um ato criador e em uma atividade consciente.
A construção das praxias finas que integram as competências
visório-perceptivas é fundamentalmente elaborada nos lóbulos frontais.
A ação consciente contida na praxia fina só pode materializar-se pela
ação de manutenção e de controle do tônus cortical e corporal,
interligada com linguagem interior e debaixo das influências dos
impulsos aferentes proprioceptivos e exteroceptivos, que têm origem
nas outras duas unidades funcionais. É esta função programadora,
reguladora e verificadora que caracteriza a praxia fina, e são essas
características relevantes da aprendizagem da criança que procuramos
observar com os subfatores da praxia fina.
Nas considerações gerais e na introdução do modelo luriano, foram
colocadas as relações intrínsecas entre a praxia fina e a organização
visório-perceptiva, que, no seu conjunto, compõem um dos sistemas
filogenéticos e ontogenéticos mais importantes – o sistema visório-
motor.
Nas tarefas da praxia fina da BPM, repercutem-se obviamente as
funções visuais mais complexas. Sem uma adequada inspeção visual,
em que entra a captação foveal, uma detecção das características dos
objetos, uma identificação das referências espaciais, uma fixação
exploratória dos pormenores, formas, contornos, limites etc., a
manipulação construtiva e complexa dificilmente é atingida.
As estruturas neuronais dos tubérculos quadrigêmeos, do núcleo
pulvinar do tálamo e do córtex visual fornecem dados essenciais ao ato
motor fino, isto é, à micromotricidade característica da espécie
humana.
As adaptações motoras balísticas e terminais que requerem a praxia
fina só podem ser deviamente efetuadas quando ocorre um cálculo
visual correto da direção, da distância e da posição do objeto. A
informação visório-perceptiva e a micromanipulação são dois
componentes de um mesmo sistema internamente coordenador. A
codificação visório-espacial decorrente das coordenadas retinianas
centrada na fóvea transforma-se em coordenadas tátil-quinestésicas
axiais e distais, que se recodificam na programação micromotora. A
síntese espacial visório-manual põe em relação reaferências que tomam
a mão e a visão de um “sistema aberto” plástico e flexível.
(JEANNEROD e PRABLANC, 1978)
A proprioceptividade ocular e o sentido posicional estão em jogo na
resolução da praxia fina, não porque a musculatura extrínseca do olho
forneça tal informação, mas porque ocorre uma cópia eferente
(BERTHOZ, 1975), isto é, uma cópia do impulso nervoso que, vindo do
SNC, dirige-se aos músculos oculares, calibrando-os com a posição da
cabeça e, portanto, com a equilibração.
A coordenação oculomanual subentendida na praxia fina não se
dissocia dos vários eixos posturais, razão pela qual se encontra tão
dependente dela, mesmo na posição sentada.
As funções visuais superiores na forma e do espaço estão
devidamente relacionadas com a postura bípede e com a visão
estereoscópica; por este fato, encontram-se dependentes de níveis
subcorticais, e com os quais estabelecem interação com diferentes
níveis funcionais. Porque a percepção visual necessária à praxia fina
exige a libertação dos sistemas reticulares e mesencefálicos, é possível
agora compreender por que é que tantas crianças com problemas
posturais sofrem de distorções perceptivas e, por esse motivo,
paralelamente, também, evidenciam problemas de motricidade fina e
dispraxias múltiplas.
Thompson, Lukaszewska, Schweigert e Mcnew (1967) provaram
que as perturbações visuais e quinestésicas no animal podem advir de
lesões no mesencéfalo, mesmo que as áreas corticais e visuais primárias
se encontrem intactas. Sprague e Meikle (1865) e Adey (1964)
demostraram que as perturbações reticulares, mesencefálicas e
subtalâmicas afetam os movimentos da cabeça, dos olhos e do corpo
e, por essa razão, interferem com a atenção visual e com as
perturbações perceptivas. Graddocck (1971), Thompson e Myers (1971)
e Trevarthen (1968), focados por Ayres (1977), apresentam dados sobre
os efeitos das lesões do tronco cerebral na organização perceptivo-
visual.
A intracoordenação e a intercoordenação dos sistemas visuais e
manuais, independentemente da sua grande plasticidade adaptativa,
dependem de fatores psicomotores simples, como os do controle
postural estático e dinâmico.
A precisão, a velocidade e a coordenação recíproca das mãos não
estão desinseridos da organização postural, dada a importância da sua
integração sensório-motora nas formas mais complexas de organização
perceptiva. O triângulo postura-visão-mão é uma recoordenação
sistêmica que está na base da praxia fina.
As dificuldades evidenciadas nas praxias construtivas dos subfatores
da praxia fina estão normalmente associadas a dificuldades posturais,
razão pela qual muitas crianças com dificuldades de aprendizagem
apresentam simultaneamente problemas práxicos e problemas
perceptivos. (FONSECA, 1984)
A visão binocular, a fovealização e a postura bípede refletem-se na
praxia fina, por meio de dismetrias, disquinesias, dissincronias e
dispraxias, quando tais sistemas são imaturos ou surgem desintegrados.
Embora a percepção visual do ser humano seja diferente da dos
animais, não há dúvida que, do ponto de vista filogenético, os
vertebrados adquiriram a sua percepção visual à custa da motricidade
(reaptação, quadrupedia, braquiação etc.). O seu sucesso adaptativo
deve-se em parte à sua capacidade de relacionar o corpo com o espaço
envolvente e o espaço com o corpo, criando assim percepções espaciais
elementares. Filogenética e ontogeneticamente, a percepção é
inseparável da ação, consequentemente a praxia fina é inseparável da
praxa fóveal e essa inseparável da organização perceptiva mais
complexa. O tronco cerebral, efetivamente, estabelece a mediação
entre a locomoção e a visão, quer no animal, quer no ser humano.
Trata-se de um princípio de sobrevivência biológica, a que não escapa a
análise mais profunda da significação psiconeurológica da praxia fina.
A percepção emerge da ação e depois guia-a e orienta-a
exatamente no momento em que se atingem as praxias finas mais
complexas que constituem o grau mais elaborado de organização
psicomotora.
Da integração da gravidade e da ação no espaço, passamos a uma
locomoção e a uma postura bípede, posteriormente controlada pela
visão, de onde surge uma organização manipulativa ímpar, que
permitiu ao ser humano iniciar a evolução cultural. De comandos
visório-motores contralaterais resultantes de movimentos abdutivos,
passamos a comandos bi-hemisféricos resultantes de movimentos
adutivos (VANA DER STAAK, 1975), especificidade essa inerente à
praxia fina e, naturalmente, a todas as aprendizagens dela
dependentes. Luria designou esses processos por organização óptico-
quinestésica e óptico-espacial aos quais relaciona o conceito de inércia
patológica, característica dos indivíduos com lesões frontais, que
tendem a exibir perseveração em movimentos das mãos, não os inibem
e apresentam dificuldades em regular verbalmente as suas ações.
Objetivamente, as tarefas da coordenação dinâmica manual, do
tamborilar e da velocidade-precisão permitem-nos detectar problemas
perceptivo-visuais (estrabismo, problemas de visão binocular, excessiva
aproximação dos objetos ou das mãos, problemas de convergência e,
consequentemente, de apreciação de distâncias, nistagmo, fracas
fixações, distorções perceptivas de figuras-fundo, constância da forma,
posição, orientação e relação espacial, escrutínio, estratégia e
investigação espacial etc.); problemas proprioceptivos (hipertonia,
rigidez, crispação, contato tátil dos objetos esporádico, acidental e
assistemático etc.); problemas de coordenação e inibição cerebelosa
(dismetrias, tremores, fraco ajustamento terminal micromotor, fraca
adaptação ao diâmetro dos objetos, preensão trêmula e titubeante
etc.) e, também, problemas de automatização (movimentos
excessivamente vigiados, hipercontrolados, fragmentados, sem fluidez
ou melodia etc.).
É óbvio que todos esses elementos são de uma importância vital
para os problemas de aprendizagem, quer na leitura e na escrita como
na matemática e na educação visual. Em todas as aprendizagens
humanas, as funções que participam na organização e na programação
das ações inerentes às tarefas da praxia fina envolvem a participação da
terceira unidade funcional de Luria.
Sem um adequado controle frontal, dificilmente qualquer atividade
de aprendizagem pode ser levada a efeito, não só porque dele
depende a autorregulação e o autocontrole mas também porque ele
traduz a utilização da linguagem interior como processo psicológico
superior, passando então essa a assumir a função superior de regulação
do comportamento humano. (LURIA, 1973)
A atenção seletiva, a programação das ações, a regulação dos
estados ativos, a implementação de estratégias de pesquisa, a
elaboração de operações mentais, a observação ativa etc. são algumas
das funções dos lóbulos frontais, funções da maior importância na
organização do controle consciente do comportamento. A constelação
dos dados que se obtêm da observação do fator da praxia fina é
efetivamente útil para indagarmos sobre o potencial de aprendizagem
da criança e orientarmos o seu plano individualizado de reabilitação.
Podemos identificar distorções perceptivas, impulsividade,
problemas de orientação espaço-temporal, problemas de conservação
de constâncias, sinais de imprecisão e imperfeição, problemas de
atenção (dificuldades em diferenciar o relevante do irrelevante),
problemas de comportamento comparativo, fraca interiorização etc.
Em resumo, a praxia fina, em conjunto com os outros fatores da
BPM, permite antever e perspectivar como é que o cérebro integra,
processa e elabora informação, uma vez que, como órgão de
aprendizagem, não só recodifica a informação sensorial,
transformando-a em um sistema de conceitos, como estabele planos,
programas e formas de controle consciente das ações.
Para Luria, o cérebro é, na realidade, um órgão de liberdade. E
também no sentido de proporcionar o acesso à liberdade da criança
com dificuldades de aprendizagem que a BPM deve ser perspectivada
como instrumento de observação psicopedagógica, pois a sua
finalidade fundamental está em contribuir para a sua reabilitação total,
visando à otimização e à modificação do seu potencial psicomotor.
3.3. Aspectos gerais da observação psicomotora

A observação psicomotora (OPM) procura captar a personalidade


psicomotora da criança, relacionando o produto final do ato motor
com os aspectos objetivos e subjetivos a ele inerentes.
(AJURIAGUERRA, 1956 e 1962)
Nesse aspecto, o ato motor não é apenas encarado no seu
componente eferente, mas sim como o resultado final de funções
psíquicas superiores, onde os aspectos objetivos e os subjetivos se
interpenetram. (FONSECA, 1974 e 1976)
A OPM não pretende repetir a Psicologia tradicional, que refere o
corpo, o gesto e o movimento apenas como elementos de
exteriorização das necessidades. A OPM, pelo contrário, situa o corpo e
o movimento na própria consciência e no próprio psiquismo, como
referiu Wallon (1931, 1932, 1956, 1966 e 1970).
É o caráter intrinsecamente psíquico do movimento que interessa à
OPM, ou seja, a representação, a elaboração, a integração, a
programação, a regulação e a verificação da atividade, e não apenas o
seu grau de execução ou de rendimento.
A OPM visa detectar, a partir do corpo e do movimento,
significações psiconeurológicas que constituem a materialização do
intelecto, visto que, em termos antropológicos (FONSECA, 1982), a
evolução da inteligência é indissociável de uma motricidade cada vez
mais organizada e corticalizada. Na OPM, motricidade e
Psicomotricidade não se opõem, nem se reduzem mutuamente,
porque, na primeira, está em causa o equipamento neurológico e, na
segunda, o seu funcionamento. De um lado, os aspectos periféricos e
objetivos da própria ação, do outro, os aspectos centrais e subjetivos
que preparam, planificam e regulam a intenção, intenção essa que
confere àquela a característica de uma atividade psíquica superior.
Para alcançar essas finalidades, a OPM tende a encarar a
motricidade nas suas repercussões psiconeurológicas mais complexas,
respeitando, ao contrário de muitos exames clássicos, a
intersubjetividade histórica do observado e do observador.
A OPM traduz uma experiência entre dois sujeitos que mutuamente
se influenciam. O observador faz parte do observado, porque ambos
são sensíveis a estímulos. (BENTLEY, 1929)
A situação experimental da OPM não pode ser atingida na ausência
de uma dupla experiência comportamental, pois coloca em jogo uma
significação afetiva que não pode ser subestimada, na medida em que
o seu primordial objetivo assume já uma dimensão terapêutica e
reabilitativa.
Não se trata de uma observação convencional, tautológica ou
estática; pelo contrário, a sua finalidade está em detectar o perfil
psicomotor intraindividual em termos de inventário de aquisições e
capacidades adaptativas (FONSECA, 1982). A OPM não visa objetivar
um potencial quantificável atual e imutável; a sua orientação
metodológica assenta em outra filosofia de observação, que uma visão
do perfil intraindividual em termos de futuro, em termos de
propensibilidade à modificação psicomotora.
É na análise e na exploração das características do potencial de
aprendizagem que a OPM se coloca, perspectivando essencialmente a
plasticidade desse mesmo potencial, reforçando o estilo psicomotor da
criança e ampliando os seus parâmetros de realização psicomotora.
A OPM procura, com base no modelo luriano, uma tentativa de
explicação psiconeurológica do perfil psicomotor da criança, e
igualmente tem por finalidade a obtenção de uma informação
pertinente em termos de modificação na aprendizagem e no
comportamento. O enfoque não é só apurar um rótulo ou uma
categoria tampouco supervalorizar deficits desviantes de forma
infalível.
A OPM coloca-se em uma nova concepção da própria situação do
diagnóstico, pois com base nas situações-problema, que constituem as
suas tarefas e subtarefas, pretende já obter mudanças na própria
criança, de modo que se aborde a sua capacidade de aprender, se
determinem a natureza e a estrutura do seu perfil psicomotor, se
analisem a sua constelação psicomotora e a dinâmica dos vários fatores
psicomotores, se dimensionem as condições de processamento da
informação, se estruturem os diferentes sistemas de processamento
sensorial, de conteúdo e de nível cognitivo etc. (FONSECA, 1984)
A OPM não pode, de modo algum, cair em uma relação vazia ou
estéril entre o observador e o observado. O observador não deve
limitar-se a uma função neutra na observação tampouco reduzir-se a
seguir as instruções do manual de observação e a registrar friamente as
respostas do observado. Para a OPM, a situação de observação é já um
verdadeiro processo dinâmico de aprendizagem e de interação,
fornecendo ao observado o máximo de motivação e suporte e
adequando as situações às suas necessidades específicas, evitando,
tanto quanto possível, qualquer situação de insucesso ou de frustração.
(FONSECA, 1983)
A OPM deve procurar estabelecer uma relação criadora, libertadora
e gratificadora, sem que se perca a importância dos comportamentos
observados, tendo em vista o seu melhor ajustamento e disponibilidade
às situações-problema que constituem globalmente a observação. A
escolha de variáveis facilmente mensuráveis nem sempre é possível na
OPM, dado que se torna difícil avaliar as variáveis não controláveis que
podem agir imprevisivelmente e que podem atingir uma significação
terapêutica imprescindível. (BUCHER, 1973)
A criança é um “objeto” difícil de observar, e, por isso, em termos
de OPM, deve-se adotar uma atmosfera relacional harmonizada com o
rigor científico e com a precisão metodológica. Trata-se de algo
complexo, mas não necessanamente incompatível, pois, em
Psicomotricidade, o sujeito da observação e o objeto da observação são
ambos estímulos entre si, suscetíveis de mutuamente se influenciarem.
(ROSENZWEIG, 1969)
No âmbito da OPM, surgem dados introspectivos de grande
interesse que não podem ser esquecidos, e é aqui que surgem as
dificuldades de precisão e de rigor de controle na medida em que os
dados tornam difícil a sua comprovação exata e porque subsistem erros
de atitude que não podem ser negligenciados.
O observador, por mais treinado que seja, julga em função de
estímulos, onde se verifica uma disposição seletiva já original na própria
percepção. (BORING, 1921)
A atitude de observação do observado deve igualmente ser sujeita a
controle, como afirmam Anderson 91930) e Rosenzweig (1969).
Na OPM, o observado é respeitado como sendo um sujeito com
ideias, comportamentos, motivações e predisposições, condições essas
que emprestam uma característica específica, suscetível de levar a erro
a interpretação (FONSECA, 1974). Na OPM, o observado observa-se a si
próprio, disposição interior peculiar que exige necessariamente uma
avaliação crítica dos resultados obtidos, pois, nos comportamentos
observados na análise dos fatores psicomotores da OPM, há fatores
objetivos e subjetivos que se misturam dialeticamente.
Em resumo, a OPM não pretende cair em rigores objetivos que
tendam a isolar a ação do observador, procurando uma análise dos
dados separados da sua função e aliada dos fatos que lhe parecem
favoráveis. (EKDAHL, 1920, e FUERSTEIN, 1979)
A perspectiva da OPM é similar a de Wallon (1970), pois esse autor
afirma que a observação psicológica não é decalque exato e completo
da realidade. Temos consciência de que a interpretação que damos aos
fatores e aos subfatores psicomotores é a nossa própria visão e não a
sua própria veracidade. Aquilo que percebemos da análise dos fatores
psicomotores da BPM depende da nossa representação e não da
realidade hipercomplexa que constitui a criança e o seu cérebro em
desenvolvimento.
A OPM é um instrumento de observação global, pois integra, como
vimos anterirmente, vários fatores psicomotores distribuídos pelas três
principais unidades funcionais do cérebro. Não nos dá apenas a análise
de um fator ou de um sistema funcional, mas procura ser uma
observação a mais completa possível. A sua aplicação, já efetuada por
vários especialistas, confere-lhe um grau de fidedignidade mínimo e um
nível aceitável de critérios objetivos de avaliação.
Seria quase impossível construir uma bateria de observação que
pudesse incorporar todos os testes e as provas que se têm descrito e
editado nessa matéria ou afins. A BPM reflete uma escolha e um
compromisso, que, em certa medida, tem a ver com uma determinada
experiência clínica e psicopedagógica, preferencialmente orientada
para as crianças com dificuldades de aprendizagens. (FONSECA, 1984)
As razões dessa escolha têm a ver com o próprio modelo
psiconeurológico de Luria, bem como de muitos outros autores, como
referimos antes. A BPM permite, além da observação dinâmica de
fatores psicomotores, a análise de funções sensoriais e auditivas visuais,
táteis, quinestésicas, vestibulares etc. Paralelamente, permite analisar as
competências socioemocionais contidas nas interações observado-
observador, antes já levantadas, e as competências linguísticas e
intelectuais da criança, na medida em que as situações-problema que
se colocam exigem um certo grau de decodificação verbal, ou, pelo
menos, uma decodificação não verbal envolvida no processo da
imitação que caracteriza a apresentação das várias tarefas da OPM.
Por estas razões, podemos antever a dificuldade que caracteriza a
captação de dados objetivos na OPM, pois essa também não se pode
contentar só com impressões vagas ou subjetivas.
O observador deve tomar consciência também que, quando
investiga um fator psicomotor, necessariamente está envolvendo os
outros, e esse grau de interação vai sendo cada vez maior à medida
que se desenrola a observação, desde o fator inicial da tonicidade até o
fator final da OPM, a praxia fina. Esse pormenor é importante quando,
por exemplo, a criança não realiza uma tarefa, visto que a OPM deve
decorrer normalmente de acordo com a hierarquia dos fatores. Não se
trata de um esquema rígido, mas de um esquema metodológico, que
se deve adaptar ao perfil de necessidades de cada criança.
Com o recurso da BPM, é praticamente impossível chegar a uma
interpretação inequívoca ou infalível sobre os dados captados, na
medida em que se joga com sinais muito sutis que não podem ter
explicações conclusivas no âmbito da Psicomotricidade. O não êxito em
uma tarefa não apresenta, logo à partida, uma disfunção psicomotora
em si, pois pode resultar de problemas de atenção, de concentração e
até mesmo de motivação, ou de outras variáveis psicológicas
significativas.
A OPM deve tentar, em analogia com Stambak (1963), captar as
possibilidades psicomotoras (praxia global, praxia fina etc.) e o estilo
psicomotor (a forma original de realizar as tarefas, a maneira de estar e
a maneira de fazer, tendo em atenção as diferentes modalidades de
integração afetivo-emocional que decorrem da própria OPM).
Além dessa distinção, uma outra deve ser equacionada, em
analogia com a proposta de Touwen e Prechtl (1970) e Roach e
Kephart (1966), isto é, a diferenciação entre sinais desviantes, que são
decorrentes de mecanismos neurológicos e especificamente
relacionados com as três unidades funcionais lurianas, ou os sinais que
são dependentes de múltiplas condições sociais, envolvimentais, de
aprendizagem, de estados de sáude, de dados anamnésicos etc., na
medida em que essas condições se podem refletir na realização das
tarefas da OPM.
Alguns sinais detectados cabem no dado fator psicomotor; outros,
pelo contrário, repercutem-se multifatorialmente. A multi-interpretação
dos resultados está sempre presente na OPM, visto que os seus fatores
psicomotores envolvem outros componentes psíquicos, e, por isso, o
levantamento dos sinais desviantes emergidos da OPM não pode ser de
imediato interpretado como o resultado de uma disfunção
psiconeurológica.
As provas definitivas e conclusivas sobre essa matéria e,
principalmente, no campo da Psicomotricidade, normalmente, não se
identificam se se usarem as técnicas mais correntes de avaliação.
A obviedade dos sinais desviantes psicomotores é pouco evidente,
mesmo em observadores já treinados.
Tradicionalmente, assume-se que o cérebro é algo que os médicos
estudam, e, por isso, convenciona-se que as desordens ou deficits
psicomotores só podem ser conhecidos por eles. Todavia, muitos
pediatras, generalistas, psiquiatras não detectam sinais desviantes
psicomotores, mesmo que eles existam. Muitos psicólogos, sem
orientação psicobiológica ou psiconeurológica, assumem a mesma
posição. Muitos professores e educadores não aceitam nem
compreendem o problema. Mas, pelo contrário, muitos pais,
habituados à observação dos seus filhos na vida diária, que jogam com
múltiplas competências psicomotoras, veem os problemas, mas não
possuem o conhecimento do cérebro para compreender o que se passa
dentro do espaço intracorporal das suas crianças.
A OPM serve, portanto, para identificar sinais desviantes mínimos, e
não sinais óbvios e severos, pois aí os exames neurológicos correntes
são conclusivos. Os sinais com que a OPM lida são ligeiros (soft signal
dos anglo-saxões), tão ligeiros que escapam, e têm escapado, aos
exames médicos e psicológicos tradicionais.
A OPM, porque está concentrada na criação de uma relação
positiva entre o observador e o observado, permite simultaneamente
captar algumas competências de linguagem da criança, quer no plano
da captação (discriminação, atenção, sequencialização etc.), quer no
plano da elaboração (formulação ideacional, estrutura semântico-
sintáxica etc.), quer na produção (padrões articulatónos, fluência,
expressão etc.), mas não pode substituir a avaliação das funções da
linguagem por uma prova ou teste específico. Atinge-se uma impressão
geral razoável da linguagem da criança, podendo, por esse fato,
quando necessário, sugerir uma observação adicional mais rigorosa.
Paralelamente à OPM, é indispensável adotar uma anamnese prévia
de forma que possamos caracterizar historicamente a criança,
recolhendo de forma cuidadosa os dados biomédicos e mesológicos na
presença dos pais. Nos dados biomédicos, devem-se recolher as
condições do desenvolvimento intrauterino, parto, atividade reflexa,
índice de Apgar, peso, condições pré-natais, perinatais e pós-natais,
doenças (pediátricas, do sistema nervoso, condições e sequelas),
desenvolvimento da motricidade (reflexos, controle antigravítico da
cabeça, postura de sentado, marcha independente, desenvolvimento
da preensão e da autossuficiência, ajustamento socioemocional,
comunicação não verbal, compreensão auditiva, linguagem falada,
história escolar etc.). Nos dados mesológicos, devem-se recolher as
características do envolvimento imediato da família (agregado,
formação e profissão dos pais, condições de habitação, tipo de
mediação, história social etc.). A inter-relação de ambos os dados ajuda
a dimensionar os aspectos sincrônicos e diacrônicos, certamente de
grande relevância para a apuração do perfil psicomotor intraindividual
da criança.
Com base nestes dados prévios, a OPM pode então ser iniciada,
tomando em consideração a abordagem evolutiva que lhe é inerente,
pois não podemos negligenciar o desenvolvimento ontogenético do
cérebro e, consequentemente, a ocorrência dos processos de
maturação dos padrões motores e respectivos processos
neurossensoriais.
Visto que a BPM pode ser adaptada dos 4 aos 12 anos, é necessário
ter uma noção da organização e da hierarquização da
Psicomotricidade, a fim de adotar os fatores psicomotores às condições
específicas da criança observada.
Antes que a OPM tome início, é necessário observar o estado
comportamental da criança, pois, em nenhuma condição, se deve
prosseguir na observação com a criança chorando ou bloqueada, ou
mesmo até exageradamente tensa, irritada, negativa ou inibida. A OPM
deve iniciar-se a partir do momento em que a criança revela um estado
de atenção e de vigilância adequado sem o qual a OPM pode ou deve
ser realizada.
Se efetivamente o estado de irritabilidade ou de bloqueio se
mantiver, o observador não deverá iniciar a OPM sem acalmar e
“pacificar” a criança, sugerindo atividades lúdicas e, provavelmente,
alterando a sequência dos fatores da BPM, usando como recurso
mediador a bola das tarefas da praxia global. O estado da criança no
início da observação deve ser, porém, registrado, não só quanto à
relação com o observador mas também quanto às relações com as
situações e as tarefas da BPM.
A cooperação da criança é obviamente uma condição decisiva na
OPM. Tentar criar uma clima relacional e interacional entre o
observador e o observado é indispensável, pois dessa relação e da
situação de observação em geral pode resultar a validade ou não
validade dos dados captados.
A independência, a percepção social da situação, o grau de
responsabilidade social, as atitudes, o nível de atenção ou de
distratibilidade, a impulsividade ou a elaboração das respostas etc.
retratam, no todo, a personalidade da criança.
A cotação que materializa a OPM pode depender desses aspectos,
daí a necessidade de colocá-los dentro de uma visão que procura obter
validade na captação de dados psicomotores, e não dentro de uma
perspectiva de avaliação psiquiátrica do comportamento da criança.
Se a criança está motivada e interessada, se é cooperativa e
comunicativa, se é facilitadora e simpática, se está calma ou resoluta,
se está absorvida ou reforçada nas tarefas, ou se, pelo contrário,
apresenta-se distrátil e desmotivada, negativa e turbulenta, inibida e
ameaçada, exploratória e hiperativa etc., tudo é de uma importância
capital para a OPM, de onde, no fim da mesma, deve-se registrar o
perfil de comportamento evidenciado pela criança. Este aspecto da
OPM em termos de aprendizagem é igualmente relevante, e, por isso, a
ficha de registro deve apresentar também referências sobre o estado de
comportamento da criança, indicando antes e ao longo da OPM
sistematizada as impressões gerais do seu comportamento.
A atmosfera da observação deve ser caracterizada por um ambiente
lúdico afetivo, simples, livre, amigável, mas estruturado, tentando a
todo o momento evitar situações traumatizantes ou passivas. Tanto os
êxitos como os fracassos evidenciados pela criança não devem ser
hipervalorizados, nem ajuizados verbal ou não verbalmente; apenas
devem ser registrados tranquila e naturalmente, adotando
persistentemente o reforço positivo verbal ou tátil, conforme o estado
comportamental da criança.
A sequência da observação dos fatores psicomotores deve evoluir
habitualmente da tonicidade à praxia fina, tomando em linha de conta
a hierarquização também consubstanciada ao modelo de Luria. Em
contraste com o exame neurológico da criança de Touwen e Prechtl
(1970), a BPM tem uma lógica em termos de organização cerebral e
em termos de sistemas funcionais.
Em algumas circunstâncias, e essas são fáceis de identificar pela
anamnese e pela apreciação do estado de conduta da criança, é
contraindicado iniciar a OPM pela tonicidade, principalmente quando
estamos em presença de crianças com problemas de comportamento
ou excessivamente inibidas, que recusam as manipulações e os
movimentos passivos que o fator comporta. Tais crianças podem
manifestar uma defensividade tátil (AYRES, 1982) aos contatos e ao
diálogo tônico entre o observador e o observado, reagindo
negativamente a qualquer tipo de sensações táteis, pondo em jogo
uma insegurança emocional ou uma hiperirritabilidade, que pode pôr
em risco, logo à partida, toda a OPM.
Qualquer sinal de fatigabilidade deve ser cuidadosamente
registrado, pois pode afetar não só o estado do comportamento da
criança mas também o seu perfil psicomotor global. Outros fatores que
possam condicionar o estado geral de vigilância, como a fome ou a
ingestão de psicofármacos, devem igualmente ser tomados em conta.
Em analogia com o que atrás foi focado, a OPM pode ser feita com
a criança vestida e calçada normalmente. Despir ou descalçar, a priori,
uma criança, quer em idade pré-primária, quer em idade primária,
pode traduzir-se igualmente em uma defensividade tátil, que, por
todos os meios, deve ser evitada. Despir ou descalçar a criança deve ser
adaptado a outras necessidades, como eventualmente pode ocorrer em
crianças que apresentam problemas morfológicos nos pés ou na
coluna. Em nenhuma circunstância, como é óbvio, a OPM pode ser
feita com a criança vestida com casaco ou calçada com botas altas.
O local (sala ou gabinete) de observação deve ser amplo (no
mínimo 6m2), agradável e calmo, sem a presença de estímulos
auditivos ou visuais distráteis. O mobiliário necessário inclui uma mesa
e cadeiras sem braços de tamanho normal, se possível com medidas
adequadas só para crianças em idade pré-escolar.
A presença dos pais é sugerida normalmente no início e no fim da
OPM. Só nas crianças em idade pré-primária, a presença dos pais é
contínua durante a observação, a fim de assegurar as condições
mínimas de segurança da criança, mas perfeitamente dispensável se a
criança revelar independência suficiente. Há uma grande disputa sobre
este problema da presença dos pais, mas normalmente a solução está
mais no observador do que na criança.
Os pais devem ser primeiramente abordados, em vez de se
estabelecer de imediato uma relação direta com a criança. A conversa
de introdução deve ser iniciada com a mãe, proporcionando à criança
uma função de jogo com um brinquedo ou de desenho, enquanto a
entrevista prévia com a mãe recolhe os dados anamnésicos essenciais.
O período de adaptação ao envolvimento da sala deve decorrer em
termos lúdicos e simples, ao mesmo tempo que a observação indireta e
informal da postura e da motricidade da criança a brincar ou a
desenhar pode fornecer alguns dados interessantes para a observação
subsequente.
Após a observação, deve solicitar-se de novo a presença dos pais,
estabelecendo um pequeno diálogo sobre o que foi identificado na
OPM, procurando uma tomada de consciência dos problemas e,
simultaneamente, uma perspectiva do futuro planejamento
terapêutico, se for o caso disso. Novos esclarecimentos aos pais devem
ser prestados, transmitindo com a melhor clareza possível uma
percepção mais fina dos problemas psicomotores do seu filho,
provocando, em última análise, uma convergência terapêutica entre o
envolvimento educacional e reabilitacional e o familiar.
A observação de mecanismos defensivos e de dependência ou a
expressão de ansiedades e emotividades podem de novo ser
reanalisados ou desdramatizados, procurando perspectivar finalmente
várias estratégias de intervenção coterapêutica, visando, no futuro, à
modificabilidade psicomotora.
Com base nesses aspectos globais, a OPM deve constar da
avaliação dos sete fatores da BPM e da apreciação das funções
psiconeurológicas que constam das três unidades funcionais do modelo
de organização do cérebro, segundo Luria.
A detecção de disfunções psicomotoras e a análise da sua
significação e concomitantes consequências em termos de
aprendizagem devem ser global e estruturalmente estudadas com a
finalidade de atingir um perfil psicomotor intraindividual da criança.
Seguindo esse perfil intraindividual, estruturado em áreas fortes e
fracas, o levantamento das necessidades específicas da criança, a
obtenção de um nível básico adaptativo e as características
fundamentais do seu estilo psicomotor serão mais fáceis de apurar.
Com base nesses dados, será então possível estabelecer e formular os
objetivos terapêuticos e psicopedagógicos. (FONSECA, 1982)
Estabelecer objetivos, determinar as necessidades, planificar
situações de aprendizagem e respectivos reforços, bem como
sequencializá-las por mudanças sucessivas e simultaneamente decidir
sobre as prioridades, leva a um plano reeducacional (ou reabilitativo)
individualizado. Partindo deste plano individualizado, podem-se
implementar vários programas com várias alternativas, cuidando da
seleção e da análise de tarefas e, ao mesmo tempo, adotando vários
princípios pedagógico-terapêuticos estruturados e sistematizados.
(VALETT, 1969)
A modificabilidade psicomotora das crianças pode assim obter-se,
pois, cada vez mais, ela depende da modificação da intervenção dos
professores ou dos terapeutas.
Com a adoção dessas estratégias, podemos atingir um processo
sistemático de diagnóstico, cuja reavaliação no tempo nos conduz a um
acompanhamento longitudinal da criança, podendo, ao mesmo tempo,
medir, contínua e dialeticamente, se os objetivos terapêuticos
formulados estão ou não a ser conquistados.
Com este modelo sistêmico de observação-intervenção, o sucesso
da modificação psicomotora pode ser avaliado, ao mesmo tempo que
o insucesso pode ser encarado com um futuro dado de investigação,
permitindo reanalisar a qualidade das estratégias de intervenção, desde
a observação até a implementação de programas.
A perspectiva desse modelo de reabilitação que nasce na OPM é, no
fundo, a sua permanente reavaliação, visando otimizar as condições
envolvimentais, com o objetivo de ajustar a intervenção às
necessidades específicas de cada criança, provocando a sua
modificabilidade psicomotora.
Capítulo 4

PSICOMOTRICIDADE E
PSICONEUROLOGIA
[INTRODUÇÃO AO SISTEMA PSICOMOTOR HUMANO (SPMH)]

4. 1. Introdução a uma abordagem filogenética


4.2. Introdução a uma abordagem ontogenética
4.3. Introdução ao sistema psicomotor humano
4.4. Propriedades do sistema psicomotor humano
4.5. Síntese de um ensaio experimental:
(Fatores psicomotores à luz de A. R. Luria)

4.1. Introdução a uma abordagem filogenética

O objetivo fundamental do presente capítulo é provocar uma


interação transdisciplinar entre a Neurologia, a Psicologia e a
Motricidade. A ideia principal procura perspectivar e desenvolver a
noção de que a motricidade é uma forma básica de adaptação de
qualquer espécie, o que envolve, só por si, uma neuroanatomia de
sentido comparativo e evolutivo.
De acordo com Sarnat e Netsky (1981), a neuroanatomia
comparada reflete uma complexidade crescente da motricidade,
complexidade organizativa essa associada a uma evolução
bioantropológica que cada vertebrado possui e expressa na sua relação
com o envolvimento e na sua capacidade de utilização dos recursos
ecológicos.

Figura 4.1. – Cada vertebrado possui uma motricidade


própria cuja evolução neuroanatômica materializa uma
interação específica entre o cérebro, o corpo e o
envolvimento.
Outros autores, como Bourret e Louis (1983), enquadram a
evolução do sistema nervoso em substratos neurológicos que são
responsáveis pela protomotricidade, pela paleomotricidade e pela
arquimotricidade, até atingir a neomotricidade, ou seja, a emergência
de uma motricidade intencional, de uma motricidade portadora de
significações extrabiológicas, equivalente, portanto, à psicomotricidade.
A motricidade humana envolve um processo novo, uma tomada de
consciência, um sistema de representações, isto é, um salto qualitativo
nos sistemas de significantes, cuja amplitude e complexidade é
desconhecida na motricidade animal.
Figura 4.2. – A hierarquia dos centros nervosos
subentende uma organização plurineuronal da
motricidade, desde a protomotricidade até a
neomotricidade.
Como é que em termos evolutivos e sistêmicos se adquire e atinge
a Psicomotricidade? Que condições socio-históricas são necessárias
para garantir que substratos neurológicos a integram?
Pensamos que, em primeiro lugar, há de se olhar para a nossa
dimensão filogenética. Sem compreendermos a razão da nossa
evolução antropológica e o lugar que ocupamos na natureza, torna-se
difícil entender o significado da nova motricidade, que obviamente
transcende a função do músculo. Apesar de o “músculo mover o
Universo” (GRANIT, 1977), limitar a motricidade a um produto final é
insuficiente para captar a sua complexidade como processo integrativo
e elaborativo.
De acordo com a perspectiva neurológica evolutiva de Ploog (1970),
as áreas e os centros funcionais do cérebro do primata e do Homo
Sapiens apresentam uma grande diferenciação espacial, o que nos
ajuda a perceber a diferença entre a motricidade (equipamento
característico de qualquer vertebrado) e a Psicomotricidade
(funcionamento desse equipamento e especificamente humana):

Áreas Cerebrais Primata (cm2) Homo Sapiens (cm2) Diferença


Área occipital 47 103 (mais 56)
Área parietal-inferior 9 (mais 70)
Sistema límbico 9 17 (mais 8)
Córtex motor 42 63 (mais 21)
Área frontal 33 208 (mais 175)
Área temporal 100 193 (mais 93)
Miscelância 177 (mais 177)
Total 240 840 (mais 600)

Quadro 4.1 – Diferenças entre as áreas e os centros


funcionais do cérebro do primata e do Homo Sapiens
De uma forma global, a grande expansão está reservada aos
campos frontais (de planificação motora), temporais (de integração e
elaboração da linguagem e da estruturação temporal do movimento) e
parietais (de integração da imagem do corpo), ou seja, representam as
funções complexas, uma vez que as áreas de ação motora e de
projeção sensorial constituem parâmetros de organização extrínseca de
todas as espécies (HEBB, 1976) e, por isso, não apresentam expansões
significativas.
Na área occipital, a evolução verificada está ligada ao componente
espacial do movimento, aferência de dados extracorporais de grande
relevância na elaboração da neomotricidade. Na área parietal inferior, a
expansão é ainda mais significativa, área essa associada à integração
tátil-quinestésica da imagem do corpo, verdadeiro somatograma que
reúne sistematicamente os dados intracorporais de autorreferência. O
sistema límbico, relacionado com a integração sensorial e afetiva,
apresenta uma expansão reduzida à qual estão ligadas funções
paleomamíferas de grande significado ontogenético, não só no que
respeita à integração das atitudes mas também no que concerne ao
conforto emocional e corporal, sistema crucial da linguagem corporal e
não verbal e fator de integração endopsíquica e energético-
motivacional a que múltiplas formas de motricidade estão associadas.
O córtex motor, com uma expansão de 21cm2, demonstra também que
a expansão nessa área não é quantitativamente extraordinária, uma vez
que, quer no animal, quer no ser humano, preside ao processo de
expressão motora com a ativação das células piramidais. A área frontal,
com uma expansão quântica, tem certamente a ver com a motricidade
superior (higher functions), dado que está envolvida na elaboração de
praxias, verdadeira motricidade transcendente onde se localiza a área
suplementar motora (ROLLAND, 1980 e 1984; e ECCLES, 1985),
“piloto cibernético” onde se operam sistemas energéticos complexos
de sequencialização espaço-temporal intencional, que consubstanciam
na sua essência, a motricidade construtiva exclusiva, intrínseca e
peculiar do ser humano. A área temporal, área de grande expansão e
ligada à função da linguagem, e no fundo ao processo de
encefalização, participa igualmente na integração temporal, sequencial
e eurítmica da motricidade ideacional. A miscelândia, obviamente
associada à organização intrínseca do cérebro, parece refletir a
inespecificidade das áreas terciárias, com as quais o ser humano produz
as mais complexas e organizadas funções cognitivas, de onde emerge a
elaboração da motricidade humana. Essa área, que nos distingue do
normal, demonstra que o cérebro humano não é tanto sensorial, nem
motor, mas sim associativo e integrativo, de forma que torne a
motricidade um produto final que possui processos elaborativos
complexos. Apesar de desfrutarmos com outros mamíferos formas
posturais e motoras similares, atitudes emocionais e reflexos básicos de
orientação idênticos, porque possuímos estruturas subcorticais
próximas, a motricidade humana envolve as áreas associativas
integradas, únicas da espécie. (FONSECA, 1982)

4.2. Introdução a uma abordagem ontogenética

Esta organização, muito complexa desde o bebê até a adolescência,


evolui, de acordo com Wallon (1969), do ato ao pensamento e, de
acordo com Piaget (1964), da inteligência prática à inteligência
reflexiva, por meio de uma ontogênese, cujas estruturas estão
inacabadas e inconclusas quando nascemos. Tais estruturas vão-se
transformando, aquilo que Prechtl (1981) determinou por fatores
transientes, isto é, consubstanciam a transição de sistemas funcionais
com longo passado filogenético em sistemas novos, cuja complexidade
crescente e sistêmica, que envolve uma sistemogênese composta de
subsistemas, vai-se hierarquizando da infância à adolescência.

Figura 4.3. – Da ontogênese à retrogênese. T —


tonicidade; E — equilibração; L — lateralização; NC —
noção do corpo; EET — estruturação espaço-temporal;
PG — praxia global e PF — praxia fina.
Tais subsistemas, como a tonicidade, a equilibração, a lateralização,
a noção do corpo, a estruturação espaço-temporal, a praxia global e a
praxia fina, constituem a organização psicomotora humana. Do recém-
nascido à maturidade pubertal, opera-se uma verdadeira ontogênese
sistêmica, que se estrutura em uma evolução psicomotora e
complexifica-se pela experiência integrada durante a vida adulta. Do
adulto ao idoso, algures em um momento determinado pelo relógio
genético, vai dar-se uma desmontagem desse processo. ou seja, a
retrogênese psicomotora, onde vai ocorrer uma delapidação sistêmica
da mesma organização, isto é, da praxia fina à tonicidade. (FONSECA,
1981, 1982 e 1986)
Ajuriaguerra (1974 e 1976) reforça este modelo de evolução e de
involução psicomotora, modelo esse que tem por base uma
organização tônico-emocional, garantia energética da segurança
gravitacional (AYRES, 1982), que culmina, efemeramente, na postura
bípede, que, por sua vez, dá suporte, posteriormente, à organização do
plano motor (planificação motora), que envolve o conceito de melodia
cinética introduzido por Bernstein (1967) e aprofundado por Luria
(1975).

Figura 4.4.– A organização psicomotora humana


envolve, em primeiro lugar a organização motora de
base e, posteriormente, a organização do plano motor,
tendo em atenção a organização vertical ascendente dos
substratos neurológicos.

4.3. Introdução ao sistema psicomotor humano

O sistema psicomotor humano (SPMH), que emerge dos


fundamentos filogenéticos e ontogenéticos antes referenciados, baseia-
se em estruturas simétricas do sistema nervoso, compreendendo o
tronco cerebral, o cerebelo, o mesencéfalo e o diencéfalo, que
constituem a integração e a organização psicomotora,
fundamentalmente, da tonicidade, da equilibração e de parte da
lateralização, que integram substratos neurológicos de grande passado
filogenético e, de certa forma, inerentes à maioria dos vertebrados, e,
também, de estruturas assimétricas, compreendendo os dois
hemisférios cerebrais, que asseguram a organização psicomotora da
noção do corpo, da estruturação espaço-temporal e da praxia global e
fina, exclusivas da espécie humana, devido à sua complexidade
organizativa e sistêmica.
A dinâmica sistêmica do SPMH requer a participação dialética e
total das três unidades funcionais do cérebro proposta por Luria (1975).
Este modelo de organização funcional, já confirmado por inúmeras
investigações em indivíduos com múltiplos traumatismos e disfunções,
confere ao cérebro a função da integração, elaboração e expressão do
movimento voluntário.
A primeira unidade, que compreende as funções psicológicas vitais
da integração polissensorial e fisiognômica, bem como da atenção e da
vigilância intrassomática, constitui o substrato neurológico dos fatores
psicomotores da tonicidade e da equilibração.
A segunda unidade, que compreende as funções psicológicas de
análise, síntese, armazenamento, associação visual, auditiva e tátil-
quinestésica intraneurossensorial e interneurossensorial, intra-
hemisférica e inter-hemisférica, constitui o subtrato neurológico dos
lóbulos occipital, temporal e parietal responsáveis pela organização dos
fatores psicomotores da noção do corpo, da estruturação espacial e
temporal.
A terceira unidade, que compreende as funções psicológicas de
planificação, programação e regulação, tem por missão transformar a
informação intrassomática e extrassomática em um projeto motor e em
uma intencionalidade e inclui o substrato neurológico dos lóbulos
frontais, responsáveis pela organização dos fatores psicomotores da
praxia global e da praxia fina. (FONSECA, 1985)1
SPMH – um sistema total composto de subssistemas
Figura 4.5. – As três unidades formando uma
constelação de trabalho.
As três unidades em permanente interação formam uma
constelação de trabalho que processa a motricidade, organizando-a
antecipadamente, antes que se constitua em produto final. Tal
constelação de trabalho, verdadeiro sistema harmonioso e auto-
organizado, composto de subsistemas espalhados pelo todo cerebral,
preside à organização psicomotora humana como conjunto de
componentes ordenados e integrados, conferindo ao movimento
voluntário uma arquitetura operacional de estruturas corticais e
subcorticais. A teoria clássica sobre o movimento voluntário defendia
que esse teria a sua origem nas grandes células piramidais do córtex,
células com grandes axiônios que coduziam os impulsos à medula
espinal. Sabe-se, segundo Luria (1975), que outras zonas participam no
movimento voluntário:

— zona pós-central, que se ocupa do feedback sensorial tátil-


quinestésico precedente dos músculos;

— zona parietal-occipital, que está implicada na orientação espacial


do movimento;

— zona pré-motora, que se ocupa da sequencialização do


comportamento motor;

— zona frontal, que tem por missão a programação dos


movimentos.
Para o mesmo autor, as lesões nas diferentes zonas dão lugar a
diferentes perturbações comportamentais e a diferentes disfunções
psicomotoras.

Figura 4.6. O movimento voluntário (praxia) é um


produto comportamental terminal que resulta de um
complexo processo cerebral que integra sistemicamente
os restantes fatores psicomotores.
A constelação psicomotora sistêmica de nível superior contém um
nível sintético e um nível analítico, suscetíveis de se traduzirem
reciprocamente em múltiplos programas e subprogramas processados
em níveis intermédios e inferiores.
O SPMH, composto pelas três unidades funcionais que envolvem
substratos neurológicos específicos, a que correspondem as funções
psicológicas e os fatores psicomotores já abordados, envolve uma
síntese aferente, que emerge da função de nível molecular, desde o
fuso neuromuscular, da célula de Renshaw, dos corpúsculos de Golgi,
das coativações alfa-gama, até as múltiplas excitações reflexogêneas,
quer labirínticas, quer proprioceptivas e exteroceptivas. Trata-se de uma
síntese de todo o universo intrassomático de que o cérebro necessita
para se adaptar ao meio exterior envolvente, uma vez que o ser
humano se notabilizou, e notabiliza-se, pela sua capacidade de
produzir e assimilar conhecimento extrassomático. (SAGAN, 1985)
O SPMH é um sistema aberto, uma vez que recebe matéria e
energia do seu mundo envolvente, ao mesmo tempo em que se
apropria delas, assimilando-as e incorporando-as em termos de
desenvolvimento. Como sistema total, possui componentes
(subsistemas) que fazem parte de um conjunto, conjunto esse que
possui propriedades e atributos, além de relações internas de efeito
recíproco e interdependentes funcionalmente, obviamente afetados
pelo meio onde ele se estrutura e complexifica-se.

4.4. Propriedades do sistema psicomotor humano

O SPMH possui, portanto, várias propriedades que não se excluem


mutuamente, uma vez que ele é um todo único. Dentro de tais
propriedades, destacamos as seguintes:
— totalidade: o SPMH é um todo único, composto de vários
subsistemas ou fatores psicomotores: tonicidade, equilibração,
lateralização, noção do corpo, estruturação espaçotemporal, praxia
global e praxia fina. Trata-se de um todo holístico e integrado, e não
meramente de um sistema somativo ou de uma coletividade sem
qualidades próprias. A noção de integração psicomotora é crucial ao
SPMH;
— interdependência: o SPMH constitui-se em uma gestalt
exatamente porque os fatores psicomotores se inter-relacionam e
afetam-se mutuamente, quer em termos de maturação e organização
neurológica, quer em termos de planificação motora. Há uma
combinação mútua entre a tonicidade e a equilibração para assegurar o
controle postural, assim como a lateralização, a noção do corpo e a
estruturação espaço-temporal se inter-relacionam para elaborar
qualquer tipo de praxias. Os fatores psicomotores estão
correlacionados, cada um se integra nos outros, coibem-se
funcionalmente em diferentes graus de liberdade, daí que cada
disfunção em um fator psicomotor produza mudanças em todo o
SPMH. A noção de família psicomotora, ou de sistema de fatores
interatuantes, ajuda-nos a compreender os sinais disfuncionais difusos
da criança dispráxica em todos os fatores psicomotores do SPMH
(FONSECA, 1986);
— hierarquia: o SPMH, como sistema complexo que é, contém
níveis de organização de complexidade crescente, consubstanciando
uma hierarquia sistêmica de fatores psicomotores simples, como a
tonicidade e a equilibração, de fatores psicomotores mais complexos,
como a lateralização, a noção do corpo e a estruturação espaço-
temporal, e de fatores hipercomplexos, como as praxias. A noção de
hierarquia ilustra o desenvolvimento psicomotor humano, primeiro
dependente da apropriação da postura bípede e do controle postural, e
só mais tarde da elaboração e expressão ideocinética, o que em si
evoca um progresso contínuo, quer filogenético, quer ontogenético;
— autorregulação e controle: o SPMH é teleológico, isto é, está
orientado para determinados fins. O SPMH é governado pelos seus
propósitos, pois é controlado pelas suas finalidades. O sistema regula o
seu comportamento para realizar os fins, pressupondo um cibernética e
uma adaptação ao meio exterior na base de feedbacks múltiplos. A
cibernética psicomotora facilita-nos a compreensão da noção de praxia,
como a materialização de uma intenção, de que se ocupa a terceira
unidade funcional de Luria, ou melhor, a área suplementar motora de
Rolland, depois de rechamar constelações sinergéticas por meio de
inúmeros processos de controle de feedback. O cérebro não pensa em
músculos, mas sim em fins a atingir, como afirmou Sherrington. Os
meios que envolvem a participação dos outros fatores psicomotores
são organizados e animados pelas estruturas subcorticais. O SPMH
reúne em si uma estrutura cibernética de controle, que cria programas
que precedem o movimento propriamente dito, isto é, uma
antecipação da ação que permite impregná-la de uma constante
representação psicológica;
— interação com o mundo envolvente: o SPMH, como sistema
aberto, possui sistemas de alimentação (input) e de descarga (output),
reforçando a inseparabilidade dos processos de percepção, de
pensamento e de ação. Os dados extrassomáticos interagem com os
intrassomáticos por meio da mediação intrínseca do córtex,
suprassistema que comunica dialeticamente com os seus subsistemas.
Isto é, as praxias constituem o produto final, que resulta da síntese
aferente e reaferente e da coativação aferente e eferente inerente ao
SPMH. O SPMH afeta o meio envolvente e esse afeta o SPMH; um é
concomitante do outro. O perfil psicomotor do indivíduo depende
sempre da integridade dos substratos neurológicos e, bem como da
sua experiência pretérita, daí a importância interativa do SPMH;
— equilíbrio: o SPMH possui uma homeostasia, atributo associado à
autorregulação e à organização sistêmica. Tal homeostasia evita a
entropia, que é característica dos sistemas fechados. Trata-se de uma
montagem da criança para o adulto e de uma desmontagem
(retrogênese) do adulto para o idoso, que visa à obtenção e à
manutenção de um equilíbrio, que pode ser posto em causa por um
processo traumático ou patológico (WALLON, 1932). O SPMH está,
portanto, apto para captar desvios e corrigi-los por meio de dinâmicas
cibernéticas próprias;
— adaptabilidade: o SPMH, porque tem de se adaptar ao meio
envolvente em constante mudança, é um sistema adaptável. Como
sistema avançado, deve ser capaz de processar mudanças e de reajustá-
las consoante as exigências envolvimentais, a partir das quais se
estrutura progressivamente por meio de uma morfogênese específica.
Tal morfogênese, inconclusa à nascença, diferencia-se, sistematiza-se e
centraliza-se progressivamente, quer em termos de simultaneidade,
quer em termos de sequencialização de informação. Na centralização
progressiva (processo de encefalização), um determinado subsistema
tende a tornar-se cada vez mais importante na orientação do sistema,
isto é, a área suplementar motora de onde emerge a planificação
motora. Outros subsistemas passam a ter maior dependência do
subsistema principal, razão pela qual as praxias macromotoras e
micromotoras integram dados tônico-posturais, somatognósicos
intracorporais e extracorporais e espaço-temporais, que conferem ao
movimento voluntário as qualidades de adaptabilidade e de
disponibilidade que caracterizam a natureza realmente dinâmica do
SPMH, sistema capaz de selecionar uma resposta de uma pluralidade
de alternativas, exatamente aquela que satisfaz mais plenamente o
organismo, em um momento dado e em uma situação dada, de acordo
com as necessidades que ocorrem entretanto. É dentro deste conceito
que a melodia cinestésica, proposta por Luria, confere à motricidade
humana uma propriedade de transcendência, à qual se deve a evolução
instrumental e civilizacional;
— equifinalidade: o SPMH visa a um fim e a uma meta; executa,
portanto, uma tarefa. Um certo estado final pode ser realizado de
múltiplas e variadas formas; a macromotricidade para as funções
posturais e locomotoras da atividade lúdica e expressiva; a
micromotricidade para as funções artísticas, grafomotoras e
instrumentais; a oromotricidade para as funções da linguagem. Tal
estado final pode ser alcançado em várias condições envolvimentais,
ilustrando a adaptabilidade do SPMH, sistema capaz de processar
dados recebidos (inputs) de diferentes modos, a fim de produzir a
motricidade (output), como projeto, materializando o pensamento, o
psíquico, ou seja, o conjunto de fenômenos psíquicos, formando uma
unidade pessoal e singular. A motricidade é vicária do psíquico
(vicarious behavior, de MUENZINGER, 1983). A motricidade equivale ao
pensamento, representa-o; ela é, simultaneamente, um processo e
produto da atividade cortical, e é nesse contexto que se constitui como
neomotricidade e psicomotricidade.

O SPMH é, efetivamente, um sistema aberto, composto de um


conjunto de fatores psicomotores com propriedades e atributos que se
inter-relacionam com o meio envolvente para formar um todo único
(perfil psicomotor intraindividual). Trata-se de um sistema que possui
qualidades de totalidade, interdependência, hierarquia, autorregulação
e controle, interação com o meio envolvente, equilíbrio, adaptabilidade
e equifinalidade. (BERTALANFY, 1968; e HALL e FAGEN, 1968)
A sequência espaço-temporal intencional de Piaget (1960) e de
Geschwind (1972 e 1985), que caracteriza o movimento intencional e
voluntário, envolve uma ideia, uma formulação, uma antecipação,
como demonstram os modelos de Allen e Tsukahara (1974), por um
lado, e Kristeva e Kornhuber (1978), por outro. (ECCLES, 1977 e
1985)2

Figura 4.7. – Registro dos potenciais cerebrais que


precedem os movimentos voluntários (C3, C4 e C2),
potenciais frontais ascendentes que se registram antes
da ativação do córtex motor.

4.5. Síntese de um ensaio experimental (Fatores psicomotores


à luz de A. R. Luria)

De acordo com os pressupostos psiconeurológicos e sistêmicos da


Psicomotricidade que acabamos de apresentar, tentamos aplicar a BPM
(FONSECA, 1980 e 1985), composta por situações e tarefas distribuídas
pelos sete fatores psicomotores.
Dentro dos parâmetros de cotação, diferenciamos os seguintes:

Cotação Nível de realização Nível práxico


Realização perfeita, precisa,
4 pontos ....................... melódica e com facilidades de Hiperpraxia
controle
Realização completa, adequada e
3 pontos ....................... Eupraxia
controlada
Realização com dificuldades de
2 pontos ....................... Distraxia
controle
Realização incompleta,  
1 ponto .......................
inadequada e imperfeita Apraxia

Quadro 4.2. – Parâmetros de cotação de Psicomotricidade


Tendo como referência o modelo psiconeurológico de A. R. Luria, a
primeira unidade funcional do cérebro compreende o estudo dos dois
fatores psicomotores da tonicidade e da equilibração, fatores esses
essenciais à grande conquista antropológica da postura bípede.
Na tonicidade, observarmos a extensibilidade, a passividade, as
paratonias, as diadococinesias e as sincinesias; em suma, tentamos
estudar as funções de integração tônico-postural e intersensorial, bem
como a defensivilidade tátil e a atenção e vigilância tátil-quinestésica,
que compreendem o perfil eutônico, que retratam, no fundo, a
integridade funcional do tronco cerebral, da substância reticulada e das
estruturas subtalâmicas e talâmicas.
Na equilibração, procuramos observar e caracterizar o nível de
integração vestibular e o controle dos circuitos cerebelosos na
imobilidade, no equilíbrio estático e dinâmico. Essas estruturas, cuja
evolução filogenética é, em certa medida, paralela ao córtex, pois
também possuem um arquicerebelo, um pareocerebelo e um
neocerebelo, possuem funções muito especializadas em nível da
estabilidade postural, onde tentamos identificar o papel de segurança
gravitacional como elemento crucial e relevante de uma motricidade
superior e transcendente, que permitiu ao ser humano construir um
novo envolvimento, acrescentando à natureza um “envolvimento
invisível”, ou melhor, um envolvimento de aprendizagem, à custa de
uma motricidade construtiva muito complexa e organizada
posturalmente, nas quais posteriormente a fabricação de instrumentos
surge como embrião da produção de um mundo sociocultural.
A segunda unidade funcional do cérebro compreende o estudo de
três fatores psicomotores: a lateralização, a noção do corpo e a
estruturação espaço-temporal; fatores gnósicos e referenciais essenciais
à produção de uma motricididade intencional e idealmente integrada.
Na lateralização, observamos essencialmente a dominância ocular,
auditiva, manual, pedal, inata e adquirida, além da orientação
intracorporal simbólica (primária, cruzamento da linha média do corpo
e reversibilidade direcional).
A função da lateralização, que envolve um mecanismo básico da
integração sensório-motora e bilateral cruzada do corpo, está associada
à especialização hemisférica, que é uma condição fundamental para
que qualquer aprendizagem motora e simbólica (metamotora), isto é,
psicomotora, seja apropriada e engramada. O hemisfério direito
(hemisfério postural de Quirós, 1975) integra e organiza as funções
proprioceptivas que, no ser humano, devido à sua motricidade superior,
foram promovidas corticalmente, enquanto o hemisfério esquerdo, ao
libertar-se da proprioceptividade, encarrega-se das tarefas verbais e
simbólicas mais complexas.
A evolução do ser humano, filogenética e ontogeneticamente, está,
portanto, associada a uma hierarquia funcional, que passa primeiro
pelo hemisfério direito e, depois, pelo hemisfério esquerdo,
consubstanciando uma transição das funções psicomotoras às
psicolinguísticas.
Segundo Luria, a segunda unidade funcional do cérebro é
responsável pela integração tátil-quinestésica da noção do corpo
(somatognosia), que compreende a percepção das sensações
intracorporais (inputs proprioceptivos) e a importância da evolução da
autorreferenciação endopsíquica fundamental à estruturação do Eu e
da personalidade, o substrato da autoconsciência, sem a qual a
atividade intencional não se elabora nem integra. Na BPM, observamos
nesse fator psicomotor o sentido quinestésico, a imitação de gestos
(exterognosias), o desenho do corpo e um puzzle do corpo.
Nesta unidade funcional, que se ocupa das funções associativas
interneurossensoriais, cabe também a integração dos dados do espaço
e do tempo, isto é, a estruturação espaço-temporal. Trata-se de dados
essenciais (feedbacks e feed-forwards), que requerem a ativação
complexa intrapessoal e extrapessoal, imprescindível à melodia
cinestésica. Para que as zonas frontais, como a área pré-motora, a área
suplementar motora e a área motora primária, programem, regulem e
decidam o movimento voluntário, é necessário que se opere uma
programação interna de rotinas e sub-rotinas que rechamam
aferências, nas quais as partes do corpo que vão-se mover (noção do
corpo), a direção dos movimentos (estruturação espacial), a duração e a
natureza balística dos mesmos (estruturação temporal), bem como o
número de movimentos isolados e armazenados na memória, vão ser
reutilizados, a fim de que uma complexa sequência de programas
motores seja desencadeada. Neste sentido, procuramos observar a
organização espacial, a estruturação dinâmica com fósforos, a
representação topográfica e a estruturação rítmica.
Na terceira unidade funcional, de elaboração e programação
motora, reside o subsistema principal da praxia global e da praxia fina,
que compreende a sequência melódica e o espaço-temporal
intencional, em uma verdadeira planificação motora (motor planing),
que envolve a síntese dos dados aferentes (tátil-quinestésicos, espaciais,
temporais e objetais) rechamados da segunda unidade funcional, para
que a motricidade resulte melódica, econômica, disponível e plástica,
em produtos macromotores e micromotores, verdadeiros produtos da
evolução do cérebro, emergentes de uma translação da
intencionalidade em motricidade, que, mesmo na própria linguagem
(que, na sua essência, não passa de uma oromotricidade), tem de ser
traduzida em comandos motores ordenadamente sequencializados.
O ser humano possui, de fato, uma motricidade psiquicamente
organizada, socioculturalmente estruturada e sistemicamente
integrada. A motricidade humana é indissociável das funções psíquicas
que lhe dão origem e das estruturas neurológicas que as concretizam.
Somos uma espécie que possui substratos neurológicos da motricidade
com grande passado filogenético, isto é, subcorticais (substância
reticulada, cerebelo, gânglios da base, paleo e neostriatum, pallidum,
putâmen, núcleos caudados, tálamo etc.) e substratos neurológicos
corticais recentes (área suplementar motora, córtex, pré-motor etc.).
Alguns fornecem dados que emergem da tonicidade, da equilibração e
da lateralização, certamente ligados às vias extrapiramidais,
teleocinéticas e cerebelosas. Outros fornecem dados da noção do
corpo, da estruturação espaço-temporal, que suportam as funções de
antecipação, além da praxia global e da praxia fina, que estão ligadas
às vias piramidais e ideocinéticas. Efetivamente, a praxia fina
demonstra que o ser humano é uma espécie que possui um centro
visual no lóbulo frontal, o chamado campo frontal visual (frontal eye
field – FEF – de ROLLAND, 1984), suportando a hipótese de alguns
movimentos intencionais requererem uma orientação dependente de
informações sensoriais muito complexas e diversificadas, que entram
em jogo nas tarefas de manipulação criativa, no desenho, na fabricação
de instrumentos ou mesmo até na microcirurgia e em múltiplos gestos
profissionais.

Figura 4.8. – O campo frontal visual (FEF) representa o


subsistema principal da organização micromotora.
Na BPM, observamos as crianças do nosso ensaio experimental no
fator da praxia global: na coordenação oculomanual, na coordenação
oculopedal, nas dismetrias inerentes e na dissociação e planificação
motora. Quanto à praxia fina, observamos: a coordenação dinâmica
micromanual com clips, a destralidade com pérolas de madeira, o
tamborilar e uma prova de papel e lápis de velocidade e precisão
(número de pontos e de cruzes reproduzidos em 30 segundos em um
papel quadriculado normal).
A hierarquização da motricidade humana, que ilustra uma evolução
filogenética e ontogenética, da segurança gravitacional à motricidade
global e dessa à motricidade fina, da macromotricidade à
micromotricidade, da protomotricidade à neomotricidade, algo de
grande significado para a compreensão da evolução da espécie, é, em
certa medida, o alicerce do desenvolvimento biopsicossocial da criança.
O nosso ensaio experimental (FONSECA, 1985), com base na BPM,
contendo o estudo dos sete fatores psicomotores, em 120 crianças
normais com idades compreendidas entre os 4 anos e os 8 anos e 11
meses, reflete não só tal hierarquia mas também sustenta a
organização funcional do cérebro proposta por Luria, como podemos
constatar na elevada correlação dos fatores psicomotores abaixo
apontados na matriz de correlação e no modelo neuropsicomotor.

Quadro 4.3 Matriz de correlação intergrupos

Noção de E. Esp. Praxia


Tonicidade Equilibração Lateralização Praxia Fina
corpo Temporal Global
Tonicidade .07 .88* .66 .18 .42 .33
Equilibração -.23 .77 .80 .90* .92*
Lateralização .55 -.18 .16 0
Noções do
.94* 1.00** 1.00**
corpo
E. esp.-
.92* 1.00**
temporal
Praxia global 1.00**
Praxia fina

* r ≥ 81 (significativo para α = 0.10)


** r ≥ 96 (significativo para α = 0.01)
Matriz de correlação da BPM, em que as correlações máximas surgem
entre a noção do corpo e a praxia global e fina, entre a estruturação
espaço-temporal e a praxia fina e entre as duas praxias, confirmando a
arquitetura sistêmica e psiconeurológica dos fatores psicomotores.
A motricidade humana (a única do reino animal que se pode
considerar psicomotora) já não pode ser concebida como mero produto
da ativação do córtex motor (área 4), uma vez que, antes de este
gerador motor atuar, há uma ampla elaboração que depende de uma
ideia interiorizada e de um conjunto de estímulos exteriores, que em si
dão lugar a um plano de movimento, onde se definem objetivos,
selecionam-se sub-rotinas automáticas e se rechamam programas
anteriormente aprendidos e armazenados. O plano inicial,
concomitante do plano de execução motora, tem ainda de
desencadear uma sequência espaço-temporal, produzir feedbacks,
adaptar o plano às circunstâncias e atingir o objetivo previamente
estabelecido, por meio de modulações e reprogramações automáticas,
até obter o movimento terminal. Tudo isso pilotado pela área
suplementar motora, verdadeira central de cooperação dos vários
fatores psicomotores, que chama antecipadamente as informações
tônico-posturais, tônico-emocionais, envolvimentais e somatognósicas,
em uma complexa interação sinergética entre dados intracorporais e
extracorporais que vão permitir a formulação da melodia cinestésica,
isto é, o movimento vicário do pensamento.

Figura 4.8. – Modelo neuropsicomotor da BPM, segundo


Fonseca (1985).
Em conclusão: a plasticidade do sistema psicomotor humano
(SPMH) retrata, em síntese, a integração de conceitos cibernéticos e
psiconeurológicos, uma vez que a totalidade do pensamento humano
consiste, no fundo, na expressão da sua motricidade.

1. Ver também Figura 2.12


2. Veja quadro 3.1.
Capítulo 5

A CRIANÇA DISPRÁXICA COM


DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

5.1. Algumas reflexões de síntese

5.1. Algumas reflexões de síntese

A nossa perspectiva em termos de Antropologia defende que o


cérebro é um órgão do corpo e não o inverso, isto é, a conversão
radical do pensamento cartesiano, em que se faz uma separação entre
o corpo e o espírito. A nossa visão psiconeurológica não é separar o
corpo do espírito, mas, de alguma maneira, dizer que existe corpo e
existe espírito e existe o corpo e o espírito, ou seja, a mesma
combinação dinâmica que existe entre oxigênio e hidrogênio em
determinadas condições e que permite criar, por exemplo, um sistema
dinâmico como a água.
Por outro lado, a nossa perspectiva é também mostrar que o corpo
inicia a maturação e o desenvolvimento sendo o pré-requisito da
organização do cérebro e o pré-requisito da gênese da identidade.
É por meio do corpo que as manifestações do amor e da relação
íntima com o outro ser vão-se estabelecer. Por conseguinte, a nossa
perspectiva é tentar mostrar que o corpo, por meio do diálogo tônico,
da segurança gravitacional e do conforto tátil que está por detrás da
relação entre mãe e filho, vai produzir efeitos de maturação em nível
do sistema nervoso que vão, de certa forma, estruturar a evolução da
motricidade e a aprendizagem em termos antropológicos.
A criança com dificuldades nos movimentos – a criança dispráxica –
apresenta quase sempre problemas da aprendizagem. Na criança
dispráxica, as relações entre a motricidade e a organização psicológica
não se verificam harmoniosa e sistemicamente, consubstanciando o
papel da motricidade na preparação do terreno às funções do
pensamento e da cognitividade.
A nossa preocupação é de mostrar o que se passa com muitas
crianças hiperativas, com dificuldades de coordenação e de relação
social, que apresentam na sua motricidade determinado número de
características traduzidas em dificuldades de adaptação e de relação.
Consequentemente, apresentam dificuldades em uma das mais
complexas funções psíquicas superiores, ou seja, a linguagem humana,
portanto, nas funções de aprendizagem vitais de adaptação ao mundo
moderno, como a leitura, a escrita e o cálculo.
A perspectiva, então, é falar não de crianças com deficit mentais,
mas de crianças que apresentam ritmos de desenvolvimento atípicos,
crianças com inteligência normal, visão e audição adequadas,
motricidade funcional e comportamento socioemocional ajustado. A
característica que as distingue é que são crianças com bom potencial,
mas com dificuldades de aprendizagem, isto é, apresentam uma
discrepância entre o seu potencial e o seu nível de realização escolar.
A aprendizagem envolve fundamentalmente a necessidade de uma
grande integração sensorial, integração essa elevada ao nível do
sistema nervoso central onde é organizada, armazenada e depois
elaborada, para originar as respostas e as reações motoras. Por
conseguinte, a função de aprendizagem envolve a integração sensorial,
o armazenamento e a integração polissensorial em estruturas cada vez
mais complexas é, depois, a planificação motora para originar a
resposta adequada, o comportamento motor econômico e melódico
que traduz exatamente o movimento integrado, o movimento belo e
harmonioso que reflete essa integração dos sentidos (informações) e
que vão sendo organizados no cérebro. Cérebro esse que é o órgão da
motricidade, é o órgão que integra a motricidade, que elabora e
reintegra os seus efeitos (feedbacks). Portanto, o cérebro e a
motricidade estão em constante interação desde o nascimento até a
morte, e essa interação é fundamentalmente processada por meio de
um constante diálogo entre o centro e a periferia, existindo entre eles
um continente que é, de fato, o corpo, corpo esse que tem de ser
organizado.
Nascemos com uma relação inconclusa entre o corpo e o cérebro
que não tem vias de comunicação nem de interação. É o
desenvolvimento da motricidade que vai proporcionar essa
comunicação estreita entre o centro e a periferia. Uma vez conquistada
essa interação integrativa do corpo e do cérebro, vão surgir novas
propriedades, novas capacidades, novas funções de aprendizagem e de
relação com o outro e, por conseguinte, de apropriação socio-histórica.
A função da motricidade é o meio pelo qual a inteligência se edifica e
organizase e é o meio pelo qual essa inteligência se manifesta.
Há, por conseguinte, uma motricidade, digamos, vertebrada, e há
uma motricidade, digamos, humanizada. Essa motricidade humanizada
é aquilo que designamos por Psicomotricidade. Há uma motricidade
(protomotricidade, arquemotricidade e paleomotricidade) que dá os
alicerces, mas é a neomotricidade, a nova motricidade, que levou e leva
o ser humano, e portanto a criança, a construir realmente modificações
na natureza, transformando-a de uma maneira totalmente ímpar em
comparação com outros animais portadores da motricidade. Essa
motricidade, que está a serviço de uma função psicológica organizada
por meio de uma experiência prolongada, tem uma origem social. A
motricidade humana distingue-se da motricidade animal pela sua
função intencional e modificadora e pela sua origem social. A evolução
da protomotricidade à neomotricidade é toda uma evolução que traduz
a aprendizagem, quer no Homo Sapiens, quer na criança.
A aprendizagem, em termos gerais, vai, de alguma forma, jogar
com esses processos que nós estamos tentando apresentar, processos
que são funções de contato com o meio exterior, que vão ter, em
primeiro lugar, uma forma de organização intrassensorial. Essas vias de
contato com o universo, com o mundo que nos rodeia, estão
inicialmente separadas na forma de organização e, posteriormente,
começam a estabelecer formas de associação e de coordenação, com
que entramos, então, na organização intersensorial. A visão joga com o
sentido tátil-quinestésico, a audição joga com a visão, o sentido
quinestésico joga com a audição, portanto vão-se estabelecendo
combinações, novas propriedades, novas funções, até chegarmos, de
fato, às funções integradas de aprendizagem que permitem evoluir de
aprendizagens compostas até atingir as aprendizagens complexas.
Vemos aqui que o ser humano tem essa perculiaridade, a de atingir a
Psicomotricidade, por meio de plataformas de evolução. Essa evolução
protomotora, arqueomotora, paleomotora até a neomotora, aquela
que caracteriza a Psicomotricidade, transforma-se na função de
planificação motora.
Antes do movimento ser observável, há uma grande elaboração
interior que representa a manifestação de uma intenção. Essa intenção
é que dá à motricidade uma função social e uma função psíquica
intrínseca. A perspectiva da Psicomotricidade é concretizar a relação
entre o movimento e o pensamento. O movimento organiza o
pensamento até ele superar a própria motricidade, para, depois, o
pensamento elaborar o próprio movimento, ou seja, o movimento gera
o pensamento, mas por reduplicação. O movimento passa a ser
organizado pelo pensamento. Do ato ao pensamento, como Wallon
focou, mas depois o processo torna-se dialeticamente reversível, do
pensamento ao ato. Essa evolução é, de certo modo, o grau de
integração e de substituição (comportamento vicariado) que, nas
crianças com dificuldades de aprendizagem, não surge com tanta
facilidade.
As crianças com dificuldade de aprendizagem têm vários problemas
de atenção, problemas perceptivos, problemas de memória, problemas
de simbolização, problemas emocionais e, evidentemente, problemas
de comportamento.
Por meio de estudos do cérebro em scanner no computador,
comparando crianças disléxicas com crianças normais, chegou-se à
conclusão de que a atividade bioelétrica do cérebro dos disléxicos era
diferente das crianças normais em várias zonas cerebrais. Uma zona
posterior do hemisfério esquerdo, que, como sabemos, é o hemisfério
que tem como função fundamental as aquisições verbais; e outra, nas
zonas frontais, onde estão os nossos centros de planificação e de
programação dos movimentos. Se houver uma lesão nessas zonas, a
nossa atividade motora, que não é versátil nem flexível, passa a ser
repetitiva e pouco plástica. Certas crianças com dificuldades de
aprendizagem, de acordo com este estudo, parecem demonstrar que
têm disfunções na zona frontal. Os lóbulos frontais, em termos
antropológicos, são os lóbulos onde estão concentradas as formas de
elaboração motora mais complexas, isto é, os centros psicomotores.
É exatamente sobre essa questão que vamos tentar ver o que se
passa com as crianças com dificuldades de aprendizagem. De acordo
com o modelo neuropsicológico de Luria, autor soviético que estudou
soldados lesados em situação de guerra, em que as balas penetram no
cérebro por várias zonas e saíam por outras, verificou que aqueles
soldados mantinham determinado número de atividades, sem embargo
outras tantas atividades eram realizadas com dificuldade. E é por meio
do estudo clínico desse autor que a organização do cérebro é
perspectivada em três grandes unidades, como sabemos.
A primeira, que regula o tônus, é responsável pela função da
atenção e da integração sensorial, compreende a substância reticulada,
o diencéfalo e o cerebelo. A segunda unidade, que regula o
armazenamento, a análise, a síntese, a codificação e a decodificação da
informação, compreende os lóbulos occipital, temporal e parietal. A
terceira unidade, que compreende o lóbulo frontal, basicamente
programa e planifica os movimentos e as condutas.
A função práxica, que é uma função específica da nossa espécie,
tem a ver com a capacidade de programar o movimento como produto
final, tendo atrás de si imensos processos internos de elaboração. A
praxia envolve, portanto, um plano e uma execução. O plano é uma
função psicológica, a execução é uma função motora, ou seja, a
expressão da riqueza dessa organização.
Como nós, não podemos entrar no cérebro da criança dispráxica, a
forma que nos permite perceber que há qualquer coisa desorganizada
no cérebro é observar o seu comportamento. Daí a importância de
estudarmos os vários componentes psicomotores, e como é que eles se
organizam para produzirem o movimento belo, simples, econômico e
harmonioso, que traduz o comportamento motor superiormente
organizado e que permitiu ao ser humano transformar a natureza,
aprender e adquirir a sua própria imagem do corpo.
O homem, ao prolongar-se e amplificar-se em corpos artificiais, por
meio da sua capacidade motora criadora, foi capaz de transformar a
natureza e transformar a sua própria natureza, por meio, obviamente,
de adaptações filogenéticas irreversíveis. Como educadores, devemos
facilitar à criança a apropriação de tais adaptações, como que
reaprendendo o espelho da evolução histórica da humanidade. A
criança é tanto uma história dentro de uma história, que, inclusive, em
termos antropológicos, ela é o verdadeiro pai dos adultos.
A função da transmissão cultural de uma geração para as outras é
uma função social que é decisiva, porque distinta na nossa espécie,
uma vez que, em termos motores, há muitas características que são
comuns entre o homem e o animal, mas há uma característica que nos
distingue das outras espécies, é que há comportamentos (aquisições
motoras) que só aprendemos com seres da nossa espécie e que não
podemos aprender com outros animais porque não repartimos essas
capacidades com mais nenhuma outra forma de vida. Essa
característica social específica da motricidade nos seres humanos é
aquela que definimos como Psicomotricidade em termos gerais.
Vamos agora tentar equacionar até que ponto é mais difícil ver uma
criança com dispraxia e, digamos, detectar e identificar sinais que
possam ser inibidores da evolução da sua aprendizagem. Para esse
objetivo, temos de ter, de alguma maneira, meios diagnósticos que
permitam discriminar sinais a tempo, para termos planos de
reabilitação adequados às suas necessidades educacionais específicas,
para lhes facilitar as condições mais ajustadas para o seu
desenvolvimento e para a sua maturação.
Com base nessa perspectiva, estudamos, exatamente, as crianças
de acordo com o modelo do Luria. A primeira unidade, composta pela
substância reticulada e o cerebelo que é a unidade que está por dentro
do próprio cérebro e que tem a maior história filogenética, é
fundamentalmente responsável por duas componentes da
Psicomotricidade, a tonicidade e a equilibração que consubstanciam o
papel e a importância da postura. Esses centros, além da função da
emoção e da função memória, têm uma implicação muito grande na
função da atenção, e essa é decisiva, como sabemos, para o cérebro
poder trabalhar.
A segunda unidade, a unidade posterior, compreende o córtex
sensorial, onde estão colocados centros específicos das nossas
informações sensoriais extrínsecas e intrínsecas. A zona occipital para a
visão, zona temporal para a audição e a zona parietal para o sentido
tátil-quinestésico. Há aqui uma coisa muito importante a referir: a
espécie humana é das poucas espécies em que o sentido tátil-
quinestésico foi promovido às funções corticais. Quirós (1978)
demonstrou que nós temos dois hemisférios, o hemisfério esquerdo
que é o linguístico e o hemisfério direito, que é o postural e global, que
governa as funções fundamentais da função postural e visório-espacial.
Isso é muito importante porque, em termos de aprendizagem, as
crianças têm de evoluir desde as aquisições mais simples às aquisições
mais complexas, o que quer dizer que têm de evoluir da maturação do
hemisfério direito à maturação do hemisfério esquerdo, da
Psicomotricidade à Psicolinguística.
A evolução da aprendizagem é algo muito estruturado, é uma
combinação de estruturas neurológicas que vão-se organizando de
forma cada vez mais complexa, de uma forma hierárquica e vertical
ascendente. Essas condições de estruturação ocorrem também nas
áreas sensoriais e motoras. Nas áreas sensoriais primárias, com relações
diretas com os analisadores periféricos, nas áreas secundárias com as
organizações perceptivas e, nas terciárias, com acesso à consciência do
Eu, à noção do corpo e às aquisições da lateralidade, da estruturação
espaço-temporal, que são tão importantes na função psicomotora.
A terceira unidade, como já vimos, é constituída pelos lóbulos
frontais, onde se realizam os programas da ação e os planos da ação, e
isso tem a ver, basicamente, com o córtex frontal, nossa unidade
motora por excelência onde são planificados e executados os
movimentos intencionais, isto é, a praxia global e a praxia fina.
Tomando como base esse pressuposto psiconeurológico da
Psicomotricidade, nós tentamos estudar crianças com dificuldades de
aprendizagem comparadas com crianças normais. As crianças com
dificuldades de aprendizagem, essas que temos por preocupação
ajudar por meio de planos de reabilitação e de processos disgnósticos,
podem ser estudadas por uma bateria de observação psicomotora
(BPM).
A tonicidade e a equilibração, portanto, relacionadas com a
primeira unidade de Luria, depois a lateralização, a noção do corpo, a
estruturação espaço-temporal que envolve a segunda unidade de
processamento da informação e, por último, os lóbulos frontais, a
praxia global e a praxia fina, aquilo que Bergés (1973) já chamou de
macromotricidade. Tais funções têm a ver com a evolução das
integrações psicomotoras.
Na primeira unidade, vamos estudar basicamente o tônus, que tem
a ver com uma integridade da substância reticulada e das funções dos
sistemas subtalâmicos, bem como a importância do cerebelo, que
constitui o centro superior das estratégias motoras.
O que nós encontramos nas crianças com dificuldades de
aprendizagem são problemas claros, sob vários aspectos, em termos de
hipotonia ou hipertonia. Não há uma espasticidade na hipertonia nem
uma atetose na hipotonia, mas verifica-se que as crianças com
dificuldades de aprendizagem apresentam sinergias onerosas e uma
rigidez tônica em muitos pontos do seu corpo, quer nas articulações
distais, quer proximais. Os sinais paratônicos, os sinais dismétricos,
mioclônicos, disquinésicos e coreicoatetósicos são mais evidentes nas
crianças com dificuldades de aprendizagem do que nas crianças
normais.
As crianças têm muitas dificuldades em realizar as provas de
“marionetes”, movimentos de supinação e pronação nas extremidades,
mostrando sinergias involuntárias incoerentes. É muito provável que se
possam verificar nessas crianças alterações da integração das leis
neurofisiológicas do desenvolvimento, isto é, a lei cefalocaudal, que
está por trás da função da postura e da locomoção, e a lei do próximo-
distal, que tem a ver com a função da compreensão.
Somos, em termos de natureza, a espécie que desenvolveu duas
capacidades de motricidade. A motricidade de conquista antigravítica e
a motricidade criadora e micromotora da mão, que têm,
evidentemente, uma representação no cérebro muito grande e que
mostra o papel da mão na educação da criança e o papel da mão em
toda a história da humanidade.
Portanto, nessas provas, nós vamos verificar que a criança tem
concentrações tônicas em várias zonas do seu próprio corpo. Parece
que o seu corpo não viveu em um diálogo tônico, a ponto de poder ter
uma tonicidade disponível com uma extensibilidade adequada às várias
necessidades da sua aprendizagem. Por isso, têm alguns tremores,
alguns movimentos impulsivos, muitos movimentos não reflexivos, daí
a sua tendên cia em entornar líquidos, a rasgar coisas, desinibir
movimentos, apresentar uma escrita trêmula e muito hesitante etc.,
podendo, evidentemente, traduzir alguns problemas na área tônica, e
daí ser recomendável para essas crianças trabalhar em relaxação,
mesmo na sala de aula. Outros sinais presentes são as
disdiadococinesias e as sincinesias, isto é, dificuldades de inibir
movimentos parasitas e desnecessários. Tentando estudar na criança,
por meio de um fator psicomotor, o papel da organização da primeira
unidade funcional que é a unidade de fato da substância reticulada por
onde passam todas as informações que vão da periferia ao cérebro,
verificamos que a integração dessa substância é fundamental, porque
tem a ver com as aquisições motoras mais necessárias e mais vitais à
evolução da humanidade.
Outra função muito importante dessa unidade funcional do cérebro
é o equilíbrio e a postura. Na nossa experiência clínica, temos sentido
que as crianças com dificuldades de aprendizagem têm alterações da
função vestibular, inerente a todos os mamíferos e a todos os animais
vertebrados, independentemente de ser um sentido que não tem sido
estudado nem na Psicologia nem na Pedagogia. Pensamos que muitos
sinais e problemas de atenção, da hiperatividade e de desorganização
da informação têm a ver com esse sistema, realmente vital, uma vez
que é o sistema vestibular que integra as informações da gravidade e
que está em permanente atividade para organizar a postura adequada
e disponível. Quando a criança tem muito esforço para se manter de
pé, quando a sua postura é muito vigiada, há, na verdade, dificuldades
de ela ter disponibilidade de aprendizagem, de se orientar para o
espaço extracorporal. O sistema vestibular é um sistema que, na nossa
opinião, merece mais carinho da parte dos professores e dos
terapeutas. É necessário estimular adequadamente as funções
vestibulares porque, a partir desse centro, vão-se organizar as funções
de modulação tônica. As crianças que apresentam uma insuficiente
integração vestibular poderão ter problemas de atenção e problemas
de hiperatividade.
Os subfatores psicomotores básicos compreendem dois centros
fundamentais das aquisições psicomotoras da postura, a função do
cerebelo e a função vestibular. Há muitas crianças que, aos seis ou sete
anos, não têm devidamente integrado em quantidade, em qualidade e
em verdade, situações que permitam vivenciar esses dois sistemas
fundamentais a todos os vertebrados. A sociedade está a “roubar” o
espaço da criança, não há espaço em casa, não há espaço na rua, os
parques não existem em quantidade, mesmo nos recreios nas escolas,
estamos a reduzir esta experiência motora essencial e, portanto,
estamos a privar, provavelmente, os seres humanos do futuro, das
condições normais de desenvolvimento da motricidade, que são o
alicerce da Psicomotricidade. Quando esses centros estiverem afetados,
a Psicomotricidade terá dificuldade de evoluir, como nós identificamos,
por exemplo, nas crianças com deficits motores.
A segunda unidade é a unidade de processamento da informação.
Como é que o corpo processa a informação, como é que ele a recebe,
como é que se orienta em relação ao espaço, como é que, na
realidade, ele integra a noção de espaço, que é condição vital, como
disse Piaget (1960) à evolução da atividade cognitiva?
A função da noção do corpo é essencial, assim como a localização
tátil-quinestésica da fronteira do EU, isto é, a integração do radar
endopsíquico, pois, é a partir daí que todas as relações com o meio
exterior são elaboradas. Nessa área, assinalamos também a importância
da orientação do espaço intracorporal e do espaço extracorporal – o
extracorporal do outro e o extracorporal do envolvimento que são
relações que as crianças têm de construir, pois são fundamentais para o
seu desenvolvimento cognitivo. As funções de projeção-introjeção no
corpo do outro são funções de identificação social muito importantes.
Outro subfator relevante aborda a importância da lateralidade. A
relação esquerda e direita foi fundamental à civilização porque, sem o
domínio de uma direcionalidade, não haveria possibilidade de
aprendizagem simbólica e de apropriação e expressão de um código. A
relação entre esquerda e direita é uma relação espacial difícil de apurar
e de integrar, enquanto a relação em baixo e em cima é dada em
termos motores, pelo simples movimento de flexão e extensão dos
membros inferiores, a relação à frente e atrás, pela visão em termos de
sentido sensorial, a relação esquerda e direita vai envolver uma
construção simbólica. É necessário que a criança simbolize o seu corpo,
dê uma expressão semiótica ao seu corpo. Esta simbolização do corpo
em si e no envolvimento é vital à aprendizagem humana e essencial à
evolução cognitiva da criança.
A lateralidade é muito importante pelo simples fato de a criança ter
de saber projetar o volume do seu corpo em um ponto só, em um
ponto do seu cérebro, o que é uma construção psicológica. A
lateralidade não é um dom que se transmite geneticamente, é uma
construção psíquica, elaborada por meio de uma motricidade
corticalizada inacessível a muitas crianças deficientes mentais e
impossível de integrar nas crianças com a gênese do corpo caloso.
A motricidade corticalizada é aquela que se distingue da
motricidade animal, e é essa que vai estar na gênese da
Psicomotricidade e da aprendizagem simbólica.
A terceira unidade, a unidade de planificação da ação, vai envolver
a função dos lóbulos frontais, ao mesmo tempo que é responsável pela
elaboração das praxias globais e finas, também estudadas nas crianças
com dificuldades de aprendizagem, que, em geral, evidenciam um
perfil dispráxico.
É nesta área do cérebro, nos lóbulos frontais, que se organiza a
atividade consciente do ser humano, onde ocorre a programação, a
regulação e a verificação da atividade motora, áreas onde efetivamente
se identificam problemas nas crianças com dificuldades de
aprendizagem.
O movimento práxico é de fato o produto de uma complexa
atividade superior, onde muitos sistemas cerebrais se encontram
hierarquicamente integrados. A praxia global (macromotricidade) e a
praxia fina (micromotricidade) integram todos os subfatores que já
abordamos, isto é, a tonicidade, a equilibração, a lateralização, a noção
do corpo e a estruturação espaço-temporal. Sem a integração desses
subfatores e sem a participação de outros centros cerebrais,
cofuncionando e cointeragindo, o movimento programado e, como tal,
apraxia são afetados.
A praxia é impossível sem a integração de imagens motoras, que
são fornecidas pelos outros subfatores psicomotores. São essas
imagens motoras, que antecipadamente surgem antes da forma final,
que o movimento assume, como assegurou Bernstein (1967). O
movimento, ou melhor, a praxia passa a ser guiada por uma imagem,
por uma representação (re-representação dos outros subfatores
psicomotores), isto é, um sistema superior independente da própria
contração muscular. A integração da tonicidade, da equilibração da
lateralização e da noção do corpo no espaço e no tempo conferem ao
movimento uma organização psíquica superior, inter-relacionando e
integrando vários outros subsistemas anteriormente vivenciados e
estruturados. A reaferência e a retroalimentação proprioceptiva é, por
conseguinte, crucial à elaboração das praxias, e é exatamente esta
cointegração de sistemas neuronais que não atua devidamente na
criança com dificuldades de aprendizagem.
A praxia pode, assim, conjugar dados internos e externos,
reintegrando-os e recorrigindo-os, obedecendo às condições
intracorporais e extracorporais e ajustando o programa motor às
ciscunstâncias do meio. O produto final, consubstanciado na praxia (ou
na dispraxia), espelha o tipo de organização e de integração dos vários
subfatores psicomotores envolvidos, daí que o movimento dispráxico
sugira, de algum modo, ter uma disfunção cerebral da organização da
tonicidade, da equilibração, da lateralização, da noção do corpo e da
estruturação espaço-temporal. A desintegração dos subfatores colide
com a planificação de ações, daí resultando um movimento dismétrico,
dissincrônico e dismelódico, traços esses característicos da criança
dispráxica.
Uma vez que a planificação das ações envolve um mecanismo
central de concentração, os lóbulos frontais que são responsáveis pelas
praxias asseguram igualmente uma função de inibição e de controle,
aspectos esses vitais à regulação do movimento intencional. Tal inibição
atua seletivamente, eliminando as células nervosas cuja atividade é
irrelevante para o fim em vista, de onde emerge a noção do
movimento melódico, eficaz, preciso e econômico que traduz a
expressão das praxias.
É fácil compreender que a elaboração das praxias engloba uma
complexa rede de operações nervosas centrais: mecanismos de
interação recíproca, cocontração e coinibição de agonistas e
antagonistas, inibição de células motoras etc., que em si materializam
uma recoleção de dados posturais, proprioceptivos e exteroceptivos,
uma sequencialização de operações e uma programação, isto é, todo
um conjunto funcional que preside a um processo psíquico interno de
onde decorre e emerge a própria execução da ação. Não é de admirar,
portanto, que a maior parte do cérebro esteja envolvido na preparação
e na regulação da praxia, daí que a manifestação de uma dispraxia nos
exemplifique e ilustre um certo tipo de organização psíquica superior
que influencia tanto as funções práxicas como as funções gnósicas.
Compreendemos agora que a criança dispráxica apresenta um
corpo pseudolesado não óbvio, mas em termos de organização
cortical, o que a impede de fazer uso dos seus recursos de expressão,
uma vez que os próprios pensamentos são expressos pelos
movimentos. Dado que muitos processos cerebrais estão envolvidos na
realização de movimentos, muitas e diferenciadas desordens cerebrais
podem causar uma pobre coordenação, como, por exemplo, uma
disfunção da integração sensorial, uma descoordenação entre os dados
tônico-posturais com a imagem do corpo, uma discrepância entre os
dados espaciais internos e externos (intracorporais e extracorporais),
um deficit de planificação motora com alteração do tempo onde
decorre a complexidade da ação (sintaxe da ação) etc.
A dispraxia sugere, consequentemente, uma ineficiência na
planificação das ações, independentemente de uma inteligência normal
e de motricidade adaptativa. O problema parece estar na inter-relação
entre a estrutura do “intelecto” e os próprios músculos efetores, entre
o psiquismo, que organiza, controla e regula a ação, e o motor, que
executa e materializa a ação. Esta integração superior surge lenta e
desconexa na criança dispráxica, daí surgindo alterações ou
interrupções na sequência e na modulação das ações, pondo em risco
a obtenção de um fim ou de um resultado previamente estabelecido,
quer de ordem motora, quer de ordem emocional ou cognitiva.
Reconhecer o comportamento da criança dispráxica não é fácil,
compreendê-lo muito menos, daí tanta frustração e tantos problemas
emocionais e cognitivos, que podem ser evitados por meio de um
plano de intervenção psicomotora adaptado e individualizado a cada
caso, consoante o perfil das suas necessidades psicomotoras
específicas.
A criança em situação de aprendizagem simbólica deve dispor da
capacidade de reagir ativamente à informação entrada (input) ao
mesmo tempo que deve dispor da capacidade de criar intenções,
formar planos e estratégias, programando as suas ações (output),
inspecionando a sua realização, consagrando os seus efeitos e,
consequentemente, regulando o seu comportamento de forma que
esteja conforme com os fins para que foi estruturado e organizado.
Com base na integração destes processos psíquicos superiores, a ação
substitui a cognição, é vicária da reflexão (viarious behavior), que a
programa, regula, verifica e reintegra.
A praxia traduz uma organização psíquica superior, base da
aprendizagem, do trabalho humano e da transformação da própria
natureza, isto é, equivale a própria civilização, processo criador esse
que envolve uma gênese da competência (BRUNER, 1970) que a
criança terá de realizar no decurso do seu desenvolvimento.
De fato, a praxia envolve um diálogo efetivo entre as estruturas
aferentes e eferentes, entre o cérebro e o corpo. O cérebro diz ao
corpo o que fazer, mas as sensações vindas do corpo permitem ao
cérebro fazer o que disse.
Portanto, pensamos que, evidentemente, há muito a fazer do
ponto de vista da prevenção, do ponto de vista do diagnóstico, do
ponto de vista da reabilitação e da educação das crianças dispráxicas.
Pensamos que a Psicomotricidade é uma ótima ajuda para permitir que
a criança possa conhecer-se melhor e conhecer melhor aquilo que está
à sua volta.
A nossa perspectiva é, basicamente, a seguinte: acreditamos que a
Psicomotricidade, quando bem elaborada e bem estruturada, pode
constituir um meio privilegiado de prevenção e intervenção nas
dificuldades da aprendizagem, e, em relação a muitas outras crianças,
pode ser um meio adequado para otimizar os seus potenciais de
aprendizagem.
Capítulo 6

IMPLICAÇÕES DA OBSERVAÇÃO NA
REABILITAÇÃO PSICOMOTORA

6.1. Parâmetros da reabilitação psicomotora

6.1. Parâmetros de reabilitação psicomotora

O modelo psiconeurológico que temos apresentando reforça a


noção de que qualquer comportamento ou aprendizagem da criança
traduz uma dimensão psicológica, por um lado, e uma dimensão
neurológica, por outro, pois, dessa interação recíproca, obtém-se uma
melhor compreensão sobre as dificuldades de aprendizagem e sobre as
dificuldades psicomotoras das crianças.
Qualquer processo de aprendizagem, psicomotor ou cognitivo, é
mediado pelo cérebro e concomitantes unidades funcionais. A
apredizagem dita “normal” requer, naturalmente, que o cérebro e as
suas unidades funcionais estejam intactas e funcionem
harmoniosamente (FONSECA, 1984). As dificuldades de aprendizagem,
consequentemente, sugerem que o cérebro e as suas unidades
funcionais se encontram disfuncionais, até o ponto de impedir a
organização psicomotora, perceptiva ou cognitiva. Pensar que a
dificuldade de aprendizagem só se explica em termos psicológicos,
ignorando a relevância dos dados psiconeurológicos, é, quanto a nós,
um reducionismo, que convém evitar em termos de reabilitação. A
interação dos dados neurológicos com os psicológicos é vital à
aprendizagem, daí a necessidade de reconhecê-la para se obterem
dados adequados na observação e, com eles, estruturar e planificar a
reabilitação.
O conceito psiconeurológico da aprendizagem e da
Psicomotricidade equaciona o cérebro em todas as suas unidades
funcionais, desde as mais elementares às mais diferenciadas,
respeitando a organização e a hierarquização funcional que o
caracteriza como órgão de aprendizagem e, obviamente, como órgão
de reaprendizagem ou de reabilitação.
Os modelos de reabilitação na criança, quer na esfera da
Psicomotricidade, quer na Psicolinguística, devem visar não só à
modificação de determinadas atividades psicológicas que
consubstanciam a aprendizagem mas também devem igualmente visar
à modificação da organização cerebral. Com as situações concretas que
traduzem uma determinada orientação reabilitacional, pretende-se criar
condições que levem a própria criança a organizar o seu próprio
cérebro, isto é, as situações de aprendizagem devem ser
implementadas de tal forma que a criança reorganize as suas anteriores
aprendizagens, para, paralelamente, reorganizar os subsistemas
cerebrais a elas adstritos.
Embora os professores e os terapeutas estejam mais envolvidos no
que fazer na prática, não restam dúvidas de que o conhecimento e a
significação psiconeurológica das causas das dificuldades dos
reabilitandos podem permitir superar o tradicional empirismo que
caracteriza tal tipo de intervenção. Embora admissível para o prático, o
campo da reabilitação exige uma abordagem experimental, a fim de
poder ajudar a criação de alternativas reabilitacionais.
Desde Itard (1775-1838), que há cerca de 150 anos realizou a
primeira tentativa científica de reabilitação em um jovem com sérias
deficiências maturacionais, emocionais e neurológicas (AVCEYRON),
passando por Seguin (1812-1880), que organizou o primeiro sistema
educacional para crianças deficientes mentais, até Montessori (1912),
que iniciou o estudo das estratégias da “educação dos sentidos”, e
muitos outros autores, que a abordagem experimental é uma condição
imprescindível para a construção de modelos de reabilitação e de
reeducação.
Embora os termos reabilitação, reeducação e terapia (terapia
educacional ou pedagogia terapêutica) tenham significações
etimológicas diferentes, todas elas estão centradas em uma
metodologia de intervenção, que visa recuperar, restaurar, remediar,
compensar, melhorar, maximizar, otimizar etc. o potencial de
aprendizagem e de adaptabilidade psicossocial da criança.
Seria difícil enumerar todos os métodos que influenciaram a
educação especial e a reabilitação. Em termos históricos, é conveniente
lembrar que a maioria dos métodos de reabilitação foram iniciados por
médicos (STARD, SEGUIN, MONTESSORI, BROCA, H. JACKSON, BINET
etc.), independentemente de o campo de conhecimento científico da
Educação e da Psicologia não estar sequer, nas suas épocas,
minimamente desenvolvido. A mesma orientação ocorre nos nossos
dias, pois a maioria dos educadores e dos terapeutas utiliza
conhecimento e métodos que tiveram a sua origem experimental com
médicos (ORTON, CRITCHLEY, WALLON, AJURIAGUERRA, BOBATH,
KINSBOURNE, QUIRÓS, S. RICHARDSON, E. BODER, STRAUSS etc.).
Só muito recentemente, com a investigação em Psicologia e em
Educação, as perspectivas reabilitacionais enquadram-se em modelos
psicopedagógicos e psiconeurológicos. (WERNER, CRUICKSHANK,
PIAGET, INHELDER, KIRK, JOHNSON e MYKLEBUST, FROSTIG, AYRES,
CRATT, HIRSCH, GADDES, BATEMAN, SATZ, ROSS, TORGESEN,
OSGOOD etc.)
De alguma forma, segundo Gallagher (1969), as práticas
contemporâneas dos modelos reabilitacionais ou de educação especial
integram-se em duas grandes orientações: a psicoeducacional, cujo
enfoque se situa no diagnóstico e na reeducação das dificuldades de
aprendizagem, e a de saúde mental, cujo enfoque se situa nas relações
interpessoais e no envolvimento terapêutico.
A corrente psicoeducacional, que teve um grande marco na obra de
Strauss e Lehtinen (1947), Psychopathology and Education of the Brain
Injured Child, centrou-se fundamentalmente no estudo das desordens
perceptivas, orientação posteriormente desenvolvida por Kephart, Kirk
e Myklebust etc., de onde decorrem as metodologias reabilitativas com
base nos princípios das teorias de aprendizagem, nos modelos de
processamento da informação e nos modelos perceptivo-motores.
A corrente da saúde mental apresenta-se mais uma vez na linha
psiquiátrica, de onde se destacam as orientações básicas de Freud,
Adler, A. Freud, Bettleheim, Ekstein etc. O meio terapêutico e a
psicoterapia assumem um lugar privilegiado, ao mesmo tempo que a
dimensão emocional intrapsíquica constitui a característica original da
orientação reabilitacional. A introdução da teoria psicodinâmica é,
nessa corrente, decisiva, pondo em realce o papel da relação entre
professor e aluno (terapeuta e criança) e a significação dos fenômenos
de transferência e contratransferência.
A corrente psicoeducacional, de tradição pedagógica, baseou a sua
orientação em um didatismo exclusivista, ao mesmo tempo que teve a
cobertura científica da psicometria. Dela, surgiram os excessos da
quantificação intelectual que não tiveram aproveitamento pedagógico
significativo e, dela, emerge também o mito do método ou do currículo
perfeito. O reducionismo dessa corrente parece óbvio, uma vez que
redunda na supervalorização das condições exteriores da
aprendizagem, deixando de lado a incrível complexidade que constitui
os fenômenos da aprendizagem na criança.
A corrente da saúde mental, de tradição psicodinâmica, baseia-se
em concepções e explanações de difícil avaliação científica, ao mesmo
tempo que tende a ignorar os avanços na Psicologia Cognitiva e na
Psiconeurologia.
Os parâmetros reabilitacionais no campo das dificuldades de
aprendizagem e da Psicomotricidade tendem, evidentemente, a dividir-
se naquelas duas grandes correntes. Na área das dificuldades de
aprendizagem, observa-se uma tendência psicoeducacional, ao
contrário da Psicomotricidade, que emerge como prescrição da
Psiquiatria. Ambas, porém, requerem uma convergência doutrinal, que,
segundo a nossa perspectiva, tem muito a beneficiar com um modelo
psiconeurológico de observação e de reabilitação.
Em reabilitação, o que conta é a criança, o seu potencial global
adaptativo, e não a defesa de uma ou outra corrente. A posição
tradicional é muitas vezes centrada no método e muito menos na
criança. Muitos defensores de métodos tornaram a criança vítima
desses métodos (FONSECA, 1979), sem se reconhecer que, muitas
vezes, uns métodos resultam com umas crianças, mas não com outras,
enquanto uns métodos resultam com uns professores, mas não com
outros.
A compreensão diagnóstica do perfil de aprendizagem é essencial
para a planificação reabilitativa, e aqui cabe o modelo psiconeurológico
de observação. A reabilitação não pode, por conseguinte, basear-se na
escolha de alternativas pessoais sem ter em conta o aprofundamento
psiconeurológico dos dados captados na observação. A escolha dos
métodos não pode continuar a ser arbitrária, esporádica e acidental, há
de se ter por base as necessidades reabilitacionais específicas, que se
devem apurar da observação psicomotora (OPM).
Pensamos que a reabilitação psicomotora (RPM) será tanto mais
eficaz quanto maior for o grau de conscientização que se pode obter
das relações entre cérebro e comportamento, quer em termos de
integridade, quer em termos de dificuldade. Com base nos dados
psiconeurológicos, estaremos em melhores condições para
compreender as dificuldades da criança e, naturalmente, em melhor
posição para formular objetivos e implementar programas
individualizados de reabilitação.
Com base no modelo funcional de Luria, e naturalmente de muitos
outros (GESCHWIND, BENTON, GADDES, MYKLEBUST, KIRK etc.), a
dificuldade de aprendizagem é equacionada como uma constelação de
fatores que não funcionam adequadamente. Isolando um fator e
estudando a sua contribuição particular no comportamento global,
podemos, possivelmente, selecionar situações que visem à
modificabilidade do potencial reabilitacional.
O conhecimento da função normal do cérebro na aprendizagem
pode facilitar ao observador a captação dos processos psicológicos
envolvidos. O conhecimento da estrutura cerebral e o seu
funcionamento, quer em termos de movimento, quer em termos de
leitura, escrita ou cálculo, podem ajudar-nos à compreensão dos
problemas da criança.
Com base nesse parâmetro, podemos antever que uma criança com
problemas na tonicidade e na equilibração (primeira unidade funcional)
pode apresentar dificuldades de atenção seletiva, de inibição e de
controle. As suas dificuldades ou hesitações na lateralização podem
condicionar as suas aprendizagens simbólicas, a especialização
hemisférica e a expressão de funções emocionais e da memória. Os
problemas na noção do corpo, podem prever problemas de exploração
tátil, de reconhecimento do Eu, de desorientação e orientação espacial
agida ou representada, a sugerir problemas ou imaturidade dos lóbulos
parietais. Os problemas de estruturação espacial podem evocar
dificuldades na figura-fundo, reconhecimento da forma, memória
visual sequencial etc., a sugerir problemas em nível dos lóbulos
occipitais. Na mesma perspectiva, a estruturação temporal pode evocar
problemas de análise, integração e memória sequencial auditiva, a
revelar provavelmente dificuldades perceptivas, não verbais ou verbais,
podendo demonstrar envolvimento dos lóbulos temporais. As praxias,
por seu lado, podem sugerir dificuldades na planificação motora e, por
conseguinte, perspectivar que algo disfuncional ocorre nos lóbulos
frontais.
Os processos envolvidos na Psicomotricidade, e naturalmente na
aprendizagem simbólica (leitura, escrita e cálculo), implicam todas as
três unidades funcionais cerebrais por Luria, cuja dinâmica se
reorganiza à medida que a proficiência se vai obtendo.
A estrutura psicológica de qualquer aprendizagem muda com a
idade (LURIA, SIMERNITSKAYA e TUBYLEVICH, 1970), à medida que a
automatização vai sendo organizada e integrada, gerando-se um
desenvolvimento gradual de cada processo psicológico nos diferentes
sistemas das três unidades funcionais. É este desenvolvimento gradual
que a reabilitação deve tentar implicar, mas, para isso, o conhecimento
da função normal do cérebro é essencial. À medida que a criança
aprende qualquer aquisição, a estrutura psicológica e os arranjos dos
substratos neurológicos mudam, isto é, apresentam uma modificação
que não deve ser interrompida em termos reabilitativos
Porque uma dificuldade psicomotora pode interferir com a
mudança da estrutura psicológica inerente a uma aprendizagem
simbólica, a RPM justifica-se em termos de reorganização estrutural e,
naturalmente, em termos de prevenção de dificuldades. A integração
psicomotora, sobreposta sobre a integração sensorial, facilita a
organização das unidades funcionais e, consequentemente, promove a
expressão e a utilização do potencial habilitativo, isto é, do potencial de
aprendizagem.
Independentemente de muitas dificuldades de aprendizagem terem
origem em fatores extrínsecos à organização funcional do cérebro
(problemas motivacionais, emocionais, envolvimentais etc.), não há
dúvida de que o conhecimento neurológico, dado pelo neurologista
sobre a natureza da disfunção, e o conhecimento psiconeurológico,
dado pelo psiconeurólogo sobre a natureza dos difíceis perceptivos,
cognitivos ou motores, são indispensáveis para perspectivar as
situações reabilitativas que podem implicar a modificação estrutural
necessária às aprendizagens mais complexas.
A reabilitação não pode concentrar-se em desenvolver só a
percepção visual, a linguagem ou a motricidade separadamente; tem
de se integrar em um modelo multiterapêutico com outras abordagens
(terapia ocupacional, terapia da fala, terapia das pré-aptidões, terapia
da escrita etc.), uma vez que o fenômeno complexo da aprendizagem
da criança não se satisfaz com uma visão uniterapêutica, exatamente
porque nenhuma terapia em si pode-se considerar superior às outras.
Em termos científicos, não está demonstrado que a terapia
ocupacional, ou outra, seja superior à terapia da fala ou à terapia da
Psicomotricidade, quando estão em causa as aprendizagens simbólicas
mais complexas.
Para lidar com sucesso em reabilitação ou em educação especial,
nenhuma terapia isolada pode melhorar a função cerebral. O sucesso
da intervenção reabilitacional está em uma abordagem
multiterapêutica, pelo que a RPM, a nosso ver, isolada de uma
estimulação da fala, da expressão plástica, do desenvolvimento
perceptivo intermodal, da estimulação da leitura, da grafomotricidade
ou da estimulação psicolinguística, não atingirá as mudanças
estruturais que são necessárias à superação dos problemas de
aprendizagem.
A RPM tem de estar, portanto, integrada em um sistema
reabilitacional, que deve incluir diagnóstico, princípios motivacionais,
análise de tarefas, modificação psicomotora, realibitação experimental,
desenvolvimento social, envolvimento familiar, envolvimento escolar
(professores), envolvimento do médico e do psicólogo.
O diagnóstico e a observação precisa e cuidadosa sobre as áreas
fortes e fracas da criança são condições vitais do sistema. Os princípios
motivacionais inerentes à equipe terapêutica são de importância
capital, o tomismo característico de todos os elementos deve
consubstanciar todo um modelo reabilitacional baseado no sucesso
como atmosfera e filosofia básicas necessárias ao desenvolvimento da
autoestima, da autoconfiança e da autoavaliação, pondo em prática
técnicas de modificação de comportamento adequadas a cada caso. A
análise das tarefas implica um conhecimento científico e detalhado do
potencial da criança, a fim de adequá-lo progressivamente às tarefas
ou às subtarefas de reabilitação, escolhendo situações sucetíveis de
provocar a modificação habilitacional desejada. A modificabilidade
psicomotora implica a utilização do movimento em condições tais que
permitam transformar o cérebro em um órgão que processa a
informação sensorial em melhores condições e não a repetição abusiva
de movimentos ou a estereotipia lúdica inconsequente. A reabilitação
experimental equaciona a necessidade de uma avaliação contínua do
progresso e uma análise crítica dos modelos de intervenção, alterando
métodos e alternativas reabilitacionais quando for necessário, tendo
sempre em vista a criança e as suas necessidades específicas. O
desenvolvimento emocional é naturalmente uma condição
reabilitacional prioritária, uma vez que o sistema deve facilitar e
enriquecer as interações pessoais, daí o reforço do envolvimento
familiar, em que os pais ocupam uma função de verdadeiros
coterapeutas, bem como do envolvimento dos professores, do médico
e do psicólogo, uma vez que as dificuldades de aprendizagem da
criança não são só um problema educacional.
A RPM deve ter em conta uma visão humana da criança, mas
também uma visão científica, e, por isso, não podemos excluir qualquer
área do conhecimento diagnóstico, ou qualquer forma de reabilitação,
que se mostre, de alguma forma, promissora na sua ajuda.
A RPM não pode substituir a “ginástica corretiva”, “cinesioterapia”
ou “fisioterapia” nem se confunde com qualquer tipo de “ginástica
ortopédica”, uma vez que não tem por objetivo uma readaptação
funcional esquelética, articular ou muscular. (FONSECA, 1976)
A Psicomotricidade surgiu como prescrição da Medicina
psiquiátrica, enquanto a cinesioterapia emergiu como prescrição da
Medicina física. Os enfoques são distintos, uma vez que uma se dirige
preferencialmente para os aspectos centrais e outra para os aspectos
periféricos. Uma concebe o corpo como centro do dinamismo
intrapsíquico, a outra centrase preferencialmente nos aspectos
mecânicos e fisiológicos. Uma assume-se como neuroterapia, a outra
como terapia osteoarticular e neuromuscular.
A RPM procura melhorar as estruturas que integram, elabora,
planificam, verificam e regulam o movimento, não se concentra,
portanto, no produto final, mas fundamentalmente nos processos que
o antecedem. (FONSECA, 1976)
A RPM procura intervir nas estruturas psiconeurológicas
responsáveis pela transmissão, execução, controle e reaferência do
movimento, por meio de uma integração espaço-temporal e
somatognósica vividas como experiências subjetivas e significativas. E
uma educação do ato motor pelo pensamento, ao mesmo tempo que
constitui uma educação do pensamento pelo ato motor. O corpo é
concebido como teatro da ação e o movimento como palco da
inteligência, onde efetivamente o cérebro não pense em músculos, mas
em movimentos planificados e antecipados em função de um fim,
previamente equacionado em termos verbais ou simbólicos, isto é,
fazendo intervir as funções psíquicas superiores.
A RPM concebe o movimento como terapêutico se for orientado
para um fim, para uma reação adaptativa, facilitando à criança a
organização do seu próprio cérebro. Trata-se de uma motricidade em
si, mas de uma motricidade da motricidade, ou seja, de uma
motricidade em relação a qualquer coisa, isto é, uma amálgama de
afetividade e cognitividade que, em síntese, traduzem a reorganização
do cérebro.
A RPM procura organizar as sensações, as percepções e as
cognições, visando à sua utilização em respostas motoras adaptativas,
previamente planificadas e programadas.
A orientação metodológica não reforça apenas o componente
eferente da motricidade, mas sim, e em complemento, o componente
aferente, conscientizando a função dos órgãos dos sentidos e
integrando a sua informação em termos de significação. A RPM
procura pôr em nível consciente o diálogo dos dados intracorporais
com os extracorporais, por meio de uma relação inteligível e
conscientizada.
A RPM pretende, por meio da integração do movimento e dos seus
componentes elaborativos, organizar e alimentar o próprio cérebro,
relacionando o todo com as partes em termos significativos e
conscientizados, de modo que se possa proporcionar a resolução
motora em termos adaptativos ou intencionais.
Não é porque se produzem sensações pelo movimento que elas são
integradas a ponto de modificarem estruturalmente o cérebro. A
integração de sensações e das suas combinações pelo movimento
transforma-as em sistemas funcionais perceptivos, isto é, constructos
polissensoriais representacionais, com os quais o cérebro vai
processando informação cada vez mais complexa. É a capacidade de
retirar e captar significações das sensações que permite que essas se
integrem em percepções e em engramas, posteriormente utilizados nas
respostas motoras. Só com esta interação sensório-motora e
perceptivo-motora, o movimento pode atuar em nível da organização
funcional do cérebro.
Sentir o corpo e os objetos por meio do movimento é uma coisa
diferente do movimento, mesmo que, aos olhos do observador, o
movimento seja o mesmo. As sensações produzidas pelos movimentos
podem interferir com o cérebro (princípio da reaferência), desde que
sejam integradas em nível superior. Não é porque a criança hiperativa
se mexe muito que ela tem um cérebro bem estruturado e organizado,
ela produz movimentos, só que as sensações deles advindas não são
conscientizadas. As respostas mentais surgem depois de respostas
motoras, o que em si requer um diálogo de dois sentidos entre o corpo
e o cérebro.
Para a criança organizar o seu próprio cérebro, ela tem de agir,
planificando e executando movimentos, produzindo e organizando
estímulos somatossensoriais, vestibulares, auditivos, visuais, espaciais,
temporais, simultâneos, sequencializados etc. A propensão que a
criança apresenta para ação não basta, é necessário que tal ação seja
mediada e integrada, a fim de promover a maturação e a integração,
que vão estar na base da modificação do potencial de aprendizagem
da criança. Tal modificação reflete-se na postura, no equilíbrio dinâmico
ou estático, na segurança gravitacional, na disponibilidade e
expressividade corporal, na manipulação criativa de objetos, na
planificação motora e no investimento lúdico e social etc.
A RPM promove, por conseguinte, a autoatualização, o
desenvolvimento da atenção voluntária, a organização da atividade
motora e da atividade mental, a integração e a significação da
experiência, a autossatisfação e a autodireção do potencial
habilitacional etc., que, como consequência, interferem na organização
neurológica da criança. Para atingir esses objetivos, é óbvio que a
relação entre o adulto (professor-terapeuta etc.) e a criança
(reeducando-reabilitando etc.) equaciona-se em parâmetros diferentes.
O adulto mediatizador, o professor, o terapeuta etc. têm de saber
cooperar com a criança, estruturando o envolvimento, criando e
antecipando situações que visem satisfazer as suas necessidades
específicas. O justo equilíbrio entre a técnica e a arte é o êxito da
intervenção da RPM.
A função do mediador está basicamente em sugerir, guiar,
promover e não meramente comandar, desenvolvendo um trabalho
cooperativo com a criança ou com o grupo, conforme as necessidades.
É decisivo que o mediador sinta o prazer que a criança sente por
aprender, aceite o seu lugar empaticamente e, ao mesmo tempo,
reconheça, defina e avalie as suas disfunções de aprendizagem, para,
subsequentemente, inovar e adaptar novas situações, que permitam à
criança ir superando e modificando o seu potencial. A ajuda
imprescindível do conhecimento psiconeurológico contido em uma
postura, em um diálogo tônico, em uma praxia ou em uma atividade
lúdica ou simbólica é determinante para o bom êxito da RPM.
A RPM como terapia não é mais do que uma intervenção, que tem
o intuito de remediar qualquer aspecto do comportamento e da
aprendizagem da criança, é um suplemento e não uma ação de
substituição de outras terapias ou da ação da própria escola.
É a criança que tem de mudar no seu interior, porque o privilégio da
aprendizagem está no seu cérebro, que terá de organizar-se para tal. E
a condição de explorar, de experimentar e de planificar que constitui o
efeito do movimento na sua organização neurológica. O mediador cria,
oferece, ajuda, assiste, modifica, implica, sugere, encoraja, reforça etc.
Trata-se de um novo desafio, certamente mais complexo para o
terapeuta (ou para o professor).
A combinação ideal entre uma atmosfera de liberdade e uma
organização estruturada do envolvimento e das situações, em si, reflete
um estilo de intervenção que é necessário conservar. Nem o excesso de
liberdade nem o excesso de estrutura são adequados para a situação
terapêutica, uma vez que a atividade, o jogo e o movimento só por si
não produzem integração sensorial e perceptiva, nem uma estrutura
demasiado rígida (ou “ortopédica”) permite a manifestação do
potencial de aprendizagem. As situações-problema a planificar para as
sessões de intervenção não devem ser demasiado fáceis, porque não há
desafio, nem demasiado difíceis, porque podem desencadear fobias ou
insucesso, a fim de garantirem as condições necessárias de
modificação, lenta e consequente, mas efetiva, do potencial da criança.
A utilização do material leve, colorido, personalizado, versátil e de
fácil transporte é outra das condições da RPM. A inovação nesse
campo é imprescindível em termos futuros. Sem materiais
intrinsecamente motivacionais, na sua forma, estrutura e composição,
dificilmente se alcançam os objetivos básicos da RPM. Além do corpo, a
relação com o objeto é uma condição da motricidade humana, a sua
fabricação, combinação, articulação etc. são características inerentes
aos objetos, pois, só nessa medida, oferecem oportunidades de
exploração.
Um novo objeto é sempre motivador, daí que a inovação do
material seja essencial à RPM, a fim de assegurar as condições
motivacionais mínimas. A excitação que provoca, a condição
estimuladora do esforço que promove, a novidade que suscita, a
exploração e a sugestão criativa que mobiliza etc. são condições de
enorme relevância na situação terapêutica.
Evitar o desconforto, assegurar o sucesso, garantir autossatisfação,
desenvolver uma autoimagem positiva, ganhar uma certa distância das
dificuldades, mudar as atitudes, reduzir os sintomas, procurar
autoaceitação etc. são dimensões da RPM que não podem ser
negligenciadas, sem as quais qualquer intervenção técnica pode
assumir significação terapêutica. Em RPM, é preciso estar mais perto da
criança do que da técnica.
O importante da RPM não são os movimentos ou as ações em si,
mas sim o ato, o gesto planificado, semantizado, simbolizado; daí que
a RPM se possa também considerar uma terapia da comunicação, uma
vez que se pretende a realização de movimentos constantemente
mediados pela linguagem.
A criança vive na RPM a dimensão de receptor, de espectador e de
ator, sempre em permanente autorregulação, visto que se pretende
que “o corpo se assuma como agente de expressão”. (BERGÉS, 1980)
Em RPM, pretende-se dar ao corpo uma linguagem, que é a
linguagem do próprio corpo e da própria consciência da criança, caso
contrário caímos em uma RPM demasiado periférica e superficial,
quando se pretende ser intrinsecamente central e profunda, ou seja,
verdadeiramente geradora de modificabilidade psicomotora e
cognitiva.
A RPM não pode ser confundida com uma atividade sem finalidade.
Não se trata de andar à vontade e sem orientação. A ação tem de ser
sempre na mesma direção e significação para originar e mobilizar o
tônus, indispensável à ativação de todas as unidades funcionais do
cérebro. Por outro lado, a condição de garantir um espaço de
exploração e de exposição a estímulos também não é suficiente. O
envolvimento afetivo só em si também não confirma necessariamente
que o cérebro está a atingir um maior nível de integração. A
circunstância de definir objetivos (desenvolvimento da coordenação
oculomanual, integração da lateralidade, desenvolvimento das praxias
etc.) também não basta, é preciso que, de fato, ocorra integração
sensorial e perceptiva na criança, uma vez que nomear os objetivos
pode não corresponder, efetivamente, à sua integração
psiconeurológica.
A RPM tem algumas semelhanças com a psicoterapia, mas elas são
distintas – uma pensa em tronco cerebral, cerebelo, lóbulos frontais,
aprendizagem etc., a outra pensa em complexo de Édipo, dinâmica e
complexidade do inconsciente (AYRES, 1977). Uma pretende que o
cérebro se torne mais eficiente ao processar informação, a outra
procura analisar as relações entre as pessoas e as suas condutas.
Outras semelhanças têm com a ludoterapia (FONSECA, 1976);
porém o enfoque aqui é psicodinâmico, no sentido de proporcionar às
crianças experiências emocionais e sociais e não promover a integração
sensorial e psicomotora.
Tem igualmente semelhanças com a educação ou a reeducação
escolar, porém diferencia-se dela, uma vez que os professores e os
professores especializados abordam, de fato, a inteligência da criança,
porém sem preocupação de a perspectivar nos seus substratos
psiconeurológicos.
A RPM não visa ensinar aquisições motoras, a sua finalidade
fundamental é ajudar a criança a funcionar melhor em termos motores,
emocionais e cognitivos.
Em resumo, a RPM pretende que a criança se torne mais apta a
aprender, quer seja uma aquisição motora, quer seja uma aquisição
escolar. O objetivo essencial é transformar o cérebro em um órgão com
maior capacidade para captar, integrar, armazenar, elaborar e expressar
informação, visando, consequentemente, à otimização e à
maximização do potencial da aprendizagem da criança.

6.1.2. Estratégias de um modelo de reabilitação psicomotora

Em face do modelo psiconeurológico apresentado e dos resultados


e da discussão do ensaio experimental, bem como dos vetores
filogenéticos e ontogenéticos evocados, a RPM constitui uma
alternativa válida para a reabilitação de crianças com dificuldades de
desenvolvimento e de aprendizagem.
Advogamos uma filosofia educacional e reabilitacional em que
qualquer criança, independentemente do seu potencial de
aprendizagem (normal ou atípico), deverá ter o direito a uma educação
ou reabilitação que lhe permita realizar o seu máximo potencial
humano. (FONSECA, 1980)
Conhecendo a ontogênese da aprendizagem humana, não como
um puro inventário de comportamentos, nem como uma simples
coleção magistral de condutas, mas como um currículo do
desenvolvimeno biopsicossocial e como um guia educacional,
pensamos que os educadores (pais, terapeutas, professores, médicos,
psicólogos etc.) estarão mais aptos a perspectivarem programas de
facilitação do desenvolvimento, melhor apetrechados a planificarem
objetivos e a analisarem tarefas e situações de estimulação, prevenção,
individualização e aprendizagem.
A partir da hierarquização e sequencialização (informação-
formação-transformação) das várias áreas e subáreas de
desenvolvimento cientificamente fundamentado, podem-se, na nossa
ótica, lançar as bases e as estratégias de intervenção reabilitativa
adequadas ao perfil intraindividual das necessidades educacionais
específicas de cada criança.
Se entendermos que o desenvolvimento da criança obedece a um
rigor dialético entre a combinação de elementos (inteligências) simples
que se transformam em elementos cada vez mais complexos e a
mediação cultural, imprimida pelos vários agentes de socialização (mãe,
pai, pediatra, ama, educadora, professores etc.), então, encontramos
uma metodologia que nos permite, embora inconclusivamente,
otimizar e modificar o potencial de aprendizagem, quer da criança
normal, quer da criança deficiente. (FONSECA, 1979)
Toda a criança pode aprender. Nenhuma criança é ineducável ou
irreabilitável. Para muitos indivíduos, mudar o potencial das crianças
deficientes é uma tarefa fútil e impossível, sem compreenderem que a
deficiência é quase sempre imposta pela sociedade, isto é, pelo seu
estado de desenvolvimento científico-social. (WARNOCK, 1978)
A aprendizagem humana é o produto de um processo recíproco
entre condições internas, inerentes à criança que aprende (potencial
biopsicossocial), e condições externas, inerentes ao envolvimento
social, onde ocorre a aprendizagem e onde se distinguem os agentes
de ensino e todos os seus recursos técnico-didáticos (GAGNÉ, 1965).
Nas condições internas, englobamos as competências psicomotoras e
psicolinguísticas que a criança apresenta como o seu nível básico de
aptidão, subdividido, naturalmente, em áreas fortes e áreas fracas. Nas
condições externas, integramos a competência científica e reabilitativa
dos agentes de intervenção. Por aqui, pode-se constatar que o
insucesso ou o sucesso da aprendizagem e da reabilitação é o reflexo
do insucesso ou do sucesso da intervenção terapêutica ou do ensino.
“Deficientar” o deficiente depende mais dos adultos do que das
próprias crianças. As dislexias e a dispraxias podem ser o reflexo de
inúmeras dispedagogias acumuladas ao longo da história da criança.
A aprendizagem sequencializada e individualizada, baseada em um
modelo psiconeurológico, oferece um currículo e um programa
educacional desde o nascimento até a adolescência. Por meio dela,
podemos implementar programas de uma forma sistematizada e
estruturada, oferecendo alternativas de estimulação e de modificação
de comportamentos encadeados (formados e transformados) por
aproximações sucessivas de dificuldade e proficiência. Aplicando a
análise de tarefas (FONSECA, 1980) e a planificação de objetivos de
acordo com o potencial de aprendizagem identificado na criança,
podem-se produzir efeitos imprevisíveis em termos de aprendizagem e
de reabilitação. A aprendizagem é possível; a criança com dificuldades
não é um ser fixo e imutável. A otimização da aprendizagem da criança
subentente a otimização dos recursos humanos e didáticos dos
sistemas de intervenção reabilitativa.
A atitude passiva e pessimista que rodeia o conceito das crianças
com dificuldades de desenvolvimento e de aprendizagem tem de ser
mudada radicalmente para uma atitude ativa e otimista; aceitá-las
como imutáveis, porque se leva de conta um perfil de realização atual,
sem esperança no futuro, sem esperança na sua modificação
emocional, é incongruente e desumano.
A infalibilidade dos diagnósticos quantificados (QI, idade mental,
percentis etc.) esconde uma lógica de marginalização e de segregação,
acentuada por vezes, ainda por cima, com índices de predição social e
de prognóstico vocacional, que, em muito, esvaziam a função e a
finalidade da educação. Embora se reconheça um grande esforço
científico e uma louvável intenção no uso de instrumentos de avaliação
intelectual, os resultados, em termos pedagógicos, têm sido restritos,
provavelmente porque está implícita uma abordagem e uma aceitação
passiva sobre a problemática da aprendizagem em crianças com
dificuldades.
Da descrição das metamorfoses de desenvolvimento, temos de
passar por sua interpretação e compreensão, para, com base em dados
científicos, construir e enriquecer as estratégias de intervenção
reabilitativa. Aumentar a diversidade de estímulos, valorizar
motivacionalmente e cognitivamente as atividades acadêmicas, renovar
e embelezar os materiais didáticos e hídicos, investir na formação de
agentes e reforçar a investigação no campo são algumas das medidas
que urge implementar.
A criança com dificuldades de aprendizagem pode modificar-se,
pode mudar a sua estrutura psicomotora e cognitiva, pode melhorar a
captação, a elaboração e a expressão da informação. É claro que, nessa
perspectiva, há limites, principalmente nas crianças deficientes mais
severas. É óbvio que nos casos dependentes, em que provavelmente o
esforço da prevenção se sente como o mais eficaz. Todavia, não
podemos esquecê-lo, a pobreza de alternativas de mudança está ainda
em paralelo com o nosso estádio de ignorância para compreender e
intervir nestes casos.

Como superar o problema?

Que estratégias gerais e específicas devemos adotar?

Que utilidade tem, ou deverá ter, uma escala de desenvolvimento?

Será que, com base na escala de desenvolvimento, poder-se-á


perspectivar a intervenção reabilitativa?

Como equacionar um plano reabilitacional individualizado?

A resposta a essas questões implica, necessariamente, a construção


de um modelo de RPM, compreendendo as seguintes estratégias:
Figura 6.1. – Modelo de reabilitação motora

Primeira Estratégia
Identificação e Diagnóstico
A identificação e o diagnóstico visam detectar as características do
potencial de aprendizagem da criança. Não em uma dimensão
convencional, tautológica ou estática; pelo contrário, a finalidade da
identificação e do diagnóstico é refletir o inventário das aquisições e
das capacidades adaptativas, a flexibilidade e a plasticidade das
competências de cada criança.
Como princípio fundamental, a identificação e o diagnóstico devem
assumir que a dificuldade da aprendizagem ou de desenvolvimento
pode ser modificada como resultado de programas reabilitativos e
educacionais, que obviamente deverão ser implementados o mais
precocemente possível, pois está em presença maior potencial de
desenvolvimento e, por conseqüência, maior propensão à modificação.
Por outro lado, e de acordo com a escala de desenvolvimento
apresentada, o êxito da estimulação precoce é também maior quanto
mais cedo for aplicada, exatamente porque algumas aquisições (skilts)
devem ser aprendidas e integradas antes de outras. Nas crianças
privadas de estimulação, o problema é ainda mais crucial, na medida
em que pode ficar ainda mais atrasada à medida que o tempo passa.
O diagnóstico deve aprofundar a análise das características do
potencial de aprendizagem, não no sentido atual e imutável do
mesmo, mas sim no sentido futuro, depois da aplicação de programas
de facilitação de desenvolvimento. O que importa é visar à plasticidade
do potencial, ampliar os seus parâmetros de realização, estimular as
modalidades preferenciais para modificar a estrutura cognitiva, reforçar
o estilo de aprendizagem próprio de cada criança etc.
O diagnóstico não pode continuar a ser tão pouco pertinente e
irrelevante em termos de informação educacional e reabilitacional. A
avaliação das características educacionais e envolventes deve ter em
conta a detecção de grandes desordens (inteligência neuromotora e
sensório-motora etc.), determinar os problemas analisando e
sintetizando os resultados e os dados dos testes ou das provas
utilizados, aprofundar os problemas de aprendizagem, especificando
cuidadosamente as necessidades educacionais específicas etc. O
enfoque não é só centrar o diagnóstico na criança ou colocar um rótulo
ou uma categoria.
A orientação futura da identificação ou do diagnóstico nunca
poderá ser a da imutabilidade ou a da infalibilidade do potencial da
aprendizagem medida em um momento dado da evolução da criança.
Com tais diagnósticos de avaliação, podemos cair no erro de julgar a
inteligência como um dado estático.
Em uma nova concepção, a própria situação do diagnóstico deverá
permitir a produção já de mudanças no próprio indivíduo, de modo
que se aborde a sua capacidade de aprender, se determinem a
natureza e a estrutura do seu potencial, se analise o seu mapa
cognitivo, se dimensionem as suas diferentes condições de
processamento da informação e se estruturem, de acordo até com a
escala de desenvolvimento, os diferentes sistemas de tratamento da
informação: de conteúdo, de modalidade sensorial e nível cognitivo
etc. (FUERSTEIN, 1979)
O diagnóstico e a identificação deverão ser dinâmicos; têm de
evoluir de uma orientação de produtos para uma orientação de
processos que os determinam; necessitam de uma nova estrutura,
incluindo maior diversificação de operações e de situações; precisam de
novas interações entre o observador e o observado, pois não basta
àquele uma função neutra na observação, tornando quase estéril e
vazia a relação entre observador e observado. O observador não pode-
se limitar a seguir as instruções dos manuais e a registrar friamente as
respostas do observado. A situação de observação deve ser considerada
um verdadeiro processo dinâmico de aprendizagem e de interação,
fornecendo ao observado o máximo de motivação e de suporte e
adequando a situação às suas necessidades específicas, evitando mais
uma situação de insucesso ou de frustração.
Nesta primeira estratégia do modelo de intervenção, muito se tem
de mudar, visto que a identificação e o diagnóstico são indispensáveis
para a seleção e a planificação dos múltiplos tipos de intervenção que
se devem implementar em seguida.

Segunda Estratégia
Perfil intraindividual de aquisições básicas (PIAB)
A interpretação dos dados do diagnóstico e a formulação das
hipóteses explicativas dos resultados obtidos são essenciais para
determinar o perfil intraindividual da criança. Perfil, que deve envolver
um conceito plástico e não fixo e, portanto, cientificamente
estruturado em áreas fortes e áreas fracas, em perfil de integridades e
perfil de dificuldades. Os resultados não devem ser interpretados de
acordo com a distribuição normal, mas sim em termos de processos
adaptativos utilizados, e não exclusivamente em termos de produtos
alcançados.
A acumulação de toda a informação biomédica e mesológica em
uma síntese biossocial é de uma importância capital. A criança não
evolui no vácuo, mas em um dado envolvimento, em que é necessário
também intervir em termos de modificação interacional e social.
A determinação das necessidades específicas da criança, a análise
aprofundada e interdisciplinar do seu perfil, a obtenção de um nível
básico adaptativo e as características fundamentais do seu estilo de
aprendizagem e do seu modelo de processamento de informação etc.
são estremamente relevantes para a formulação de objetivos
terapêuticos e psicopedagógicos. (JOHNSON e MYKLEBUST, 1964)
Identificar o que a criança pode fazer (áreas fortes) e não pode fazer
(áreas fracas), tendo em vista a própria escala de desenvolvimento,
permite colocá-la e situá-la no currículo de desenvolvimento. A adoção
de processos de observação em variadíssimas situações e a utilização de
check-lists, de screenings e de dispositivos informais de avaliação por
áreas (inteligência neuromotora, sensório-motora, perceptivo-motora,
simbólica, conceitual, social etc., FONSECA, 1989) facilitam a obtenção
do perfil intraindividual, a que naturalmente equivale um certo nível de
desenvolvimento, que pode ser confirmado pela mesma escala. (CROSS
e GOIN, 1977)
O perfil intraindividual deve, portanto, permitir compreender as
áreas específicas de integridade (fortes) e de dificuldades (fracas), ao
mesmo tempo que deve garantir uma avaliação dinâmica do potencial
de aprendizagem. Identificar, diagnosticar, observar e intervir (ou
ensinar) deve fazer parte de uma abordagem experimental contínua, a
fim de progressivamente ir encontrando e satisfazendo as necessidades
específicas das crianças. (MITTLER, 1979)

Terceira Estratégia
Formulação de objetivos
A formulação de objetivos visa satisfazer de uma forma planificada
e não acidental às necessidades da criança, compensando as suas áreas
fracas por meio do reforço e da ampliação de compentências nas suas
áreas fortes. Em vez de iniciar a terapêutica pelas áreas fracas, com a
intenção de rapidamente superar as dificuldades, a intervenção deverá
começar por conquistar a maior reserva emocional possível, evitando
situações de frustrações e de regressão. A planificação das tarefas
deverá ter em conta o perfil intraindividual, de forma que se
proporcione um reforço do EU da criança, que deve consolidar-se por
meio de situações de sucesso garantido. De sucesso em sucesso, ou de
êxito em êxito, a criança tem mais probabilidade de integrar no seu
repertório psicomotor e cognitivo os processos e os produtos da sua
aprendizagem. Em analogia e de acordo com a formulação de objetivos
reabilitativos a alcançar, as áreas fracas deverão ser analisadas
rigorosamente, subdividindo as tarefas difíceis em subtarefas mais
simples que possam ser assimiladas e integradas pela criança.
(JONHSON e WERNER, 1975)
Estabelecer objetivos, determinar as necessidades, planificar
situações de aprendizagem e concomitantes reforçadores, bem como
sequencializá-las por mudanças sucessivas e decidir sobre as
prioridades, requer um estudo aprofundado do perfil intraindividual em
harmonia com as decisões a tomar entre as várias alternativas e os
vários recursos (métodos, situações-problema, programas
hierarquizados por áreas de desenvolvimento etc.).
Isolando e identificando a natureza das áreas ou subáreas fortes e
fracas em conformidade com o perfil intraindividual da criança,
estamos mais aptos a perceber o porquê da sua dificuldade perante
uma nova tarefa, em que se poderá verificar um bloqueio ou uma
resistência em adquirir um componente ou subcomponente essencial
(sub-skill).
A formulação dos objetivos requer a seleção planificada de tarefas,
o que implica uma análise das mesmas em termos de hierarquia e de
complexidade, daí a necessidade da sua sistematização. No âmbito das
dificuldades de aprendizagem ou de desenvolvimento, a formulação de
objetivos não pode ser acidental e assistemática, as dificuldades
superamse na razão direta da cientificação da intervenção e não na
excessiva improvisação ou no vazio programático.
A formulação de objetivos envolve uma planificação e uma
individualização da intervenção, visando a um alto grau de
personalização. O início da intervenção deve começar por aquisições
altamente motivadoras e significativas que a criança possa aprender
inequivocamente, encontrando os métodos que permitam a
modificação de comportamentos que consubstanciam a sua própria e
original aprendizagem.
A criança privada culturalmente pode aprender conceitos, a criança
deficiente mental pode vir a ler, as dificuldades de aprendizagem (DA)
nas crianças desaparecem quando se adotam métodos de intervenção
mais eficazes. Para tal, é necessário utilizar planos organizados,
estruturados, detalhados e específicos, contendo várias alternativas,
trabalhar com objetivos e escrevê-los em termos operacionais, verificar
se os mesmos estão ou não a ser atingidos, acompanhar
permanentemente a evolução da criança (follow-up), procurar o
material didático e técnico que se ajuste às necessidades específicas da
criança, categorizar os vários materiais (jogos, programas, fichas de
trabalho, kits etc.) por áreas de desenvolvimento etc.
Em resumo, a formulação de objetivos consagra a planificação das
atividades (diárias, semanais, trimestrais, semestrais, anuais etc.) que
constituem o currículo de desenvolvimento exequível para cada caso,
personalizando ao máximo o seu programa educacional ou
reabilitativo.

Quarta Estratégia
Plano reabilitacional individualizado
O plano reabilitacional individualizado (PRI) a ser desenvolvido para
cada caso deverá enquadrar, em síntese, as estratégias anteriormente
abordadas.
Desde a descrição dos níveis atualizados de realização em várias
áreas (inteligência, neuromotora, sensório-motora, perceptivo-motora,
simbólica, conceitual etc.), que constitui o perfil intraindividual de cada
caso, passando pela fundamentação dos objetivos terapêuticos de
curto, médio e longo prazo, até a especificação dos recursos regulares
e especiais a explorar, tudo deverá integrar o PRI.
A indicação das datas de início dos vários programas, a sua duração
e planificação de processos de pré-avaliação e pós-avaliação (ou
observação) deverão igualmente constar do respectivo PRI, a ser
discutido com a equipe terapêutica e debatido com os próprios pais.
A apropriação dos processos e de critérios de avaliação para
determinar se os objetivos traçados estão ou não a ser levados em
prática é uma condição indispensável a esta estratégia de intervenção.
O PRI não pode ser concebido em termos fixos ou rígidos; o seu
critério é o da modificação máxima para satisfazer as necessidades
específicas da criança. Deve ser aberto a novas alternativas, deve
permitir o recurso a diagnósticos mais aprofundados de especialistas,
deve incluir, ainda, processos mais eficazes e envolventes de
intervenção entre os pais e os terapeutas (ou os professores) etc.
A heterogeneidade, a diversidade de atividades e alternativas, a
abertura de novas fontes de estimulação de atitudes, a criação de
novas tarefas e de novos tipos de intervenção etc. deverão ser
enquadrados na concepção do PRI, pois só desta forma ele pode se
adaptar à mudança que é inerente ao conceito de facilitação do
desenvolvimento da criança “normal” ou “deficiente”.

Quinta Estratégia
Implementação de programas
Na implementação dos programas reabilitacionais propriamente
ditos, não se pode esquecer que esses são sempre processos
preparatórios e temporários e nunca definitivos ou exclusivos. Ao
contrário da tradicional repetição, devem-se tentar uma modificação e
uma transcendência mais dinâmica e otimista, pois a finalidade última
da implementação dos programas é a mudança de conduta e não a sua
estabilidade. Se se deseja mudar os objetivos e os resultados, temos de
mudar os programas e os processos que os materializam.
Na implementação de programas, é necessário cuidar da seleção e
da análise de tarefas que os constituem. É preciso, por conseguinte,
identificar os passos e as fases que são necessários transmitir e ensinar,
a fim de que a tarefa possa ser ensinada passo a passo (step-by-step).
Para tal, sugere-se a seguinte metodologia na apresentação das
tarefas:

— demonstrar a tarefa no seu todo (tarefa);

— segmentar o todo em pequenas fases, ou módulos (subtarefas) e


sequencializálas, guiando a tarefa até a última consequência de
ações, para depois gradualmente diminuir o movimento guiado e
aumentar, progressivamente, a coordenação autônoma das
mesmas;
— reforçar sistematicamente cada passo da aprendizagem até o
comportamento final, pois o que interessa reforçar não é o que é
conveniente para o terapeuta ou o professor, mas sim o que é
necessário para a criança.

Além da apresentação das tarefas, convém salvaguardar alguns


princípios de aprendizagem/ensino, que deverão ser constantes na
prática da implementação de programas e, como tal, inerente a todos
os que intervêm na equipe multiterapêutica (VALLET, 1969):

— princípio da prontidão: a criança aprende quando está preparada


e motivada. Deseja aprender quando reconhece a finalidade e a
significação das tarefas que se lhe apresentam. A aprendizagem
deve iniciar-se pelas áreas fortes, pelos interesses e pelas motivações
intrínsecas e extrínsecas;

— princípio do efeito: as crianças devem ser colocadas em tarefas


reabilitacionais programadas e selecionadas de acordo com os seus
níveis básicos adaptativos (níveis de desenvolvimento da escala),
porque, dessa forma, a probabilidade de êxito e a modificação do
potencial de aprendizagem podem ocorrer mais frequentemente;

— princípio da estruturação e da sistematização: a aprendizagem


deve surgir estruturada e sistematizada em pequenos componentes
de dificuldade crescente, de forma que se garanta uma evolução
gradual e organizada. Em vez de esperar pelo aumento acidental
das condições internas da criança, é mais sensato diminuir as
exigências das condições exteriores;

— princípio da progressão e do feedback: o sucesso advém do


sucesso. Sucesso gera sucesso. O sucesso repetido e
conscientemente reforçado tende a criar efeitos de facilitação,
habituação e associação que, uma vez praticados em tarefas
simples, podem posteriormente ser aplicados em tarefas compostas
em tarefas complexas. Antes de apresentar outras tarefas mais
difíceis, é necessário garantir uma maior flexibilidade adaptativa a
tarefas diferentes, embora do mesmo nível de complexidade;
— princípio da transferência e da generalização: a aprendizagem
sequencializada deve apresentar tarefas e oportunidades para se
utilizarem e rentabilizarem aquisições e competências já aprendidas,
pois só assim se modificam as competências cognitivas já
adquiridas;

— princípio do reforço de comportamento: não dar atenção nem


reforçar um comportamento indesejado ou que não deve ser
aprendido. O comportamento inadequado é normalmente inibido e
desaprendido pela ausência de reforço ou pela fadiga. Ignorar os
comportamentos inapropriados (reforço neutro) e reforçar os
comportamentos apropriados (imediata, intermitente, biológica ou
socialmente) são ingredientes indispensáveis à mudança de atitudes
e de competências a que se deve atender, a todo o momento, na
intervenção reabilitativa;

— princípio da significação e da compreensão: a criança deve ser


orientada no sentido de perceber o que se espera ou deseja da
tarefa. A criança deve aperceber-se da modificabilidade
psicomotora e cognitiva do seu sistema de conhecimentos quando,
confrontada com tarefas novas ou mais complexas. A capacidade
de se adaptar a novas tarefas e a novas significações é uma
condição relevante de qualquer programa de intervenção
reabilitativa ou educacional.

A implementação de programas exige ainda outros cuidados,


nomeadamente no que respeita à estruturação da sala por áreas, por
ateliê ou por estações de aprendizagem, à seleção de materiais
didáticos e de recursos pedagógicos, à avaliação sistemática de
processos e de intrumentos, ao registro diário do comportamento
evolutivo da criança e dos grupos homogêneos, à revisão do currículo e
da escala de desenvolvimento, à adoção de esquemas de reforço
(reforços positivos, atividades preferenciais, centros de interesse,
gratificações imediatas, centros de prazer, louvores, marcas, pontos,
banco de fichas, estampas, autocolantes, carimbos etc.).
A implementação de programas envolve uma ciência e uma arte ao
mesmo tempo. A modificação do potencial de aprendizagem das
crianças cada vez mais depende da modificabilidade do potencial de
intervenção dos vários elementos da equipe terapêutica.

Sexta Estratégia
Avaliação reabilitacional
A avaliação reabilitacional deve ser equacionada com um processo
sistemático de recolher informações sobre o nível de modificação da
criança em áreas específicas do desenvolvimento (FONSECA, 1989) e as
características dinâmicas do seu potencial de aprendizagem.
A sua finalidade permite avaliar a coerência do modelo de
intervenção e da relação intrínseca das suas várias estratégias
encadeadas e interdependentes. O plano reabilitacional atinge assim
uma dimensão totalizadora e especificada em vários domínios (desenho
curricular – curriculum design).
As áreas de avaliação deverão ser as que integram as seis
metamorfoses da inteligência descrita na nossa escala, discriminando
rigorosamente as novas aquisições que se vão integrando na criança
como resultado da sua aprendizagem dinâmica. Desde as aquisições da
inteligência neuromotora (integração sensório-motora, motricidade
global, desenvolvimento da locomoção etc.), passando pelas aquisições
da inteligência sensório-motora (motricidade fina, desenvolvimento da
preensão, discriminação e identificação perceptivo-visual, perceptivo-
auditiva e tátil-quinestésica etc.), da inteligência perceptivo-motora
(noção do corpo, lateralização, direcionalidade, estruturação
espaçotemporal etc.) e da inteligência simbólica (recepção e
compreensão auditiva, retenção e intervenção simbólico-sintática etc.,
e recepção visual, coordenação visual, coordenação oculomanual,
discriminação e identificação de figuras e de imagens, orientação
espacial, visório-motricidade, grafomotricidade etc.) até a inteligência
conceitual (aquisições simbólicas da leitura e da escrita, domínio da
logicidade, da associação, classificação e quantificação etc.) e a
inteligência social (maturidade socioemocional, aquisições sociais,
autossuficiência, competências ocupacionais etc.), podemos adotar um
processo sistemático de avaliação que nos permite, para cada criança,
situar o seu nível básico de funcionabilidade em cada área referida.
Com a adoção de um processo de avaliação preciso e fidedigno,
aberto a outras informações, como as que são fornecidas pelos
terapeutas (terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala, terapeutas do
desenvolvimento, terapeutas das pré-aptidões e terapeutas
psicomotores, educadores e professores especializado) e pelos pais e
outros profissionais envolvidos no acompanhamento longitudinal
(follow-up) da criança (médicos, psicólogos, pedagogos, professores
regulares etc.), podemos ir sabendo e medindo constantemente se os
objetivos estão ou não a ser atingidos, confirmando, nesse caso, o
resultado ideal do modelo de intervenção (sucesso). Não se verificando
esse resultado, como, por exemplo, um resultado de estagnação ou de
regressão (insucesso), outra estratégia deverá emergir no modelo – a
avaliação contínua (sétima estratégia). Nessa estratégia, deve
assegurar-se a avaliação de todas as fases do modelo, certificando-se
das falhas, dos obstáculos e das carências detectadas, que impedem a
obtenção do resultado ideal, ou seja, do sucesso do plano
reabilitacional individualizado.
Com base neste modelo sistêmico, o insucesso pode ser encarado
como um recurso à investigação, permitindo aprofundar a qualidade da
intervenção, desde a identificação e o diagnóstico até a implementação
de programas e concomitante avaliação contínua. A perspectiva do
modelo, e, no fundo, a sua última estratégia, é a de reavaliação de
todo o modelo de itervenção, visando otimizar as condições
envolvimentais com a finalidade de ajustar toda a intervenção às
necessidades educacionais específicas de cada criança.
Eis, pois, de uma forma sintetizada e inconclusa, o nosso modelo de
intervenção, constituído por várias estratégias sequencializadas, para
abordar a modificação do potencial de aprendizagem de qualquer
criança, independentemente da sua condição. Acreditamos
inequivocamente na modificação cognitiva de todas as crianças
(“normais” ou “atípicas”). A busca por princípios dinâmicos do
desenvolvimento psiconeurológico humano, e, como tal, da criança,
que tentamos equacionar com a apresentação da nossa escala, pode,
no futuro, tornar possível o que hoje não se aceita.
A criança como ser humano é um ser aberto à mudança, decifiente
ou não deficiente, pode modificar-se por efeitos da educação e da
reabilitação e, ao mudar a sua estrutura de informação, formação e
transformação do envolvimento, pode adquirir novas possibilidades e
novas capacidades.

A criança, pois, é a nossa esperança.


A análise clínica das significações psiconeurológicas dos vários
fatores psicomotores da BPM sugere uma relativa concordância com a
organização funcional do cérebro proposta por Luria (1973).
A organização psicomotora humana envolve a participação dos sete
fatores psicomotores, cada um contribuindo para o todo da atividade
humana de forma particular e peculiar. Os sete fatores estudados de
acordo com a BPM surgem como uma assembleia de fatores
coordenados em função de uma organização estrutural, vertical e
hierarquizada, em certa medida convergente com a perspectiva luriana.
Os fatores psicomotores surgem relacionados com as três unidades
funcionais de Luria: a tonicidade e a equilibração, mais integrados na
regulação e na ativação da função de atenção e de vigilância; a
lateralização, a noção do corpo e a estruturação espaço-temporal, mais
integradas com a unidade de processamento, onde entram em jogo as
regiões corticais específicas dos dois hemisférios e das estruturas do
corpo caloso que os ligam; a praxia global e a praxia fina, por sua vez,
mais integradas na unidade de programação, unidade essa obviamente
dependente da informação previamente recebida, da sua relação e
concomitante processamento das reaferências.
A relação funcional dos fatores psicomotores tende a evocar que a
BPM reflete o perfil psicomotor da criança com uma base
psiconeurológica, tendo em consideração o modelo de Luria.
Na observação psicomotora, o perfil da criança tende a revelar que
a sua maturação psicomotora evolui da tonicidade à praxia fina,
confirmando a hierarquia vertical que decorre da primeira à terceira
unidade funcional, sustentando as perspectivas filogenéticas da
maturação do sistema nervoso de H. Jackson, de Herrick e de Conel.
A linha evolutiva dos fatores psicomotores sugere que a progressiva
organização cerebral decorre de baixo para cima, desde a formação
reticulada e das estruturas subtalâmicas às estruturas corticais, como
que confirmando a reduplicação dos vários fatores em uma contínua
adição funcional edificada desde a tonicidade até a praxia fina.
Os vários estudos de mielinização (LECOURS, 1975, e TREVARTHEN,
1983) que apontam uma linha de maturação pré-talâmica e pós-
talâmica são também sugeridos pela observação da criança quando
observamos vários escalões etários.
As perspectivas ontogenéticas de Wallon, Piaget, Ajuriaguerra,
Vygotsky, Ausubel, Kagan etc. sugerem um tipo de maturação
hierarquizada, também apontada pela constelação psicomotora dos
sete fatores da BPM: a tonicidade, como primeiro fator de integração
neurotônica em que se processam as aquisições antigravíticas
protomotoras; a equilibração, que culmina na postura bípede, marco
decisivo da motricidade humana, de onde parte a orientação simbólica;
a lateralização, que confere ao corpo a sua dimensão bilateral; a noção
do corpo, gênese do Eu e síntese da consciência do espaço
intracorporal; a estrutura espaço-temporal, que inter-relaciona os dados
intracorporais com os extracorporais, e finalmente as praxias, como
conquistas da neomotricidade, isto é, a motricidade como resultado de
uma experiência social.
A complexidade crescente da motricidade humana assenta,
efetivamente, em uma maturação neurológica, que ocorre desde a
primeira unidade funcional até a terceira unidade funcional, desde o
tronco cerebral até os lóbulos frontais, isto é, desde a tonicidade até a
praxia fina.
Na linguagem de H. Jackson, a tonicidade está representada na
equilibração, re-representada na lateralização e na noção do corpo e
re-re-representada nas praxias. Os dados clínicos parecem sugerir a
dependência recíproca daqueles fatores de acordo com aquele
princípio. A noção de re-representação e de duplicação de baixo para
cima até o topo também minimamente concordante com os resultados
obtidos.
A constelação psicomotora que a BPM sugere evoca que o
desenvolvimento psicomotor dinâmico subentende uma sobreposição
funcional da praxia fina sobre a praxia global, da praxia global sobre a
estruturação espaço-temporal, dessa sobre a noção do corpo, da noção
do corpo sobre a lateralização, a equilibração e a tonicidade. A
disposição de camadas do sistema nervoso humano parece sugerir que
o desenvolvimento psicomotor emerge das aquisições tônicas às
posturais, dessas as somatognosias até as ideomotoras.
A hierarquia das camadas supragranulares do cérebro parece
corresponder, em analogia, à hierarquização vertical ascendente dos
fatores psicomotores estudados pela BPM, o que em si sugere uma
orientação metodológica de grande alcance para as estratégias
reabilitativas.
Parece tentadora a hipótese de as camadas cerebrais IV e V
corresponderem à integração superior das aquisições da tonicidade e
da equilibração, as camadas IV e III, às aquisicões da lateralização, da
noção do corpo e da estruturação espaço-temporal e as camadas II e I,
às aquisições da praxia global e da praxia fina.
A tonicidade e a equilibração parecem desempenhar o papel de
alicerces motores da Psicomotricidade, aquisições essas que ocorrem
nos dois primeiros anos de vida e que se tornam determinantes para as
aquisições subsequentes.
A condição de a tonicidade refletir o estado geral da postura não
foi demonstrada na nossa experiência clínica; todavia, revelou uma
relação com a lateralização, isto é, com a integração bilateral do corpo
e, consequentemente, com a integração sensorial e com a progressiva
lateralização. A relação com a somatognosia ilustra a importância das
funções tônicas na integração vestibular e dessa na organização tátil-
quinestésica do corpo. A tonicidade, ao refletir o grau de
funcionalidade do tronco cerebral, surge clinicamente relacionada com
a funcionabilidade da integração subtalâmica e talâmica, incluída na
integração bilateral do corpo e com a funcionalidade dos lóbulos
parietais, por meio da integração tátilquinestésica da noção do corpo.
A equilibração, como fator psicomotor básico, retrata o grau de
integridade do tronco cerebral e do cerebelo, além de constituir o
ponto de partida da evolução cultural da espécie humana. A partir da
análise dos dados clínicos, infere-se que a equilibração é determinante
para o domínio das praxias. Outras relações foram igualmente
detectadas entre a estruturação espaço-temporal e a noção do corpo, a
demonstrar que a regulação automática da postura compromete as
funções psicomotoras mais elaboradas da segunda e da terceira
unidades funcionais. Por estas relações serem evidentes no estudo de
casos, verifica-se que o cerebelo e o núcleo vestibular têm conexões
interfuncionais com os lóbulos frontais e com as áreas associativas dos
lóbulos parietais, temporais e occipitais. Parte do cerebelo,
fundamentalmente o neocerebelo, está filogenética e
ontogeneticamente relacionada com as áreas associativas da segunda
unidade e com as áreas associativas da terceira unidade. A eficácia, a
precisão, a economia, a melodia e a plasticidade dos movimentos
complexos humanos parecem depender do maior grau de regulação
automática da postura. Quanto maior for o envolvimento das funções
corticais na regulação postural, menor é a disponilidade psicomotora e,
consequentemente, maiores serão os problemas de aprendizagem. Os
dados da BPM parecem indicar tal significação. A disfunção do
equilíbrio ou da postura, isto é, a insegurança gravitacional, interfere
com todo tipo de atividade mental. Daí a sua importância em termos
de desenvolvimento global e não unicamente em termos motores, uma
vez que o cérebro só estará apto para aprender adequadamente
quando a equilibração se encontrar perfeitamente integrada. Debaixo
da instabilidade postural, o cérebro não está disponível para integrar a
informação mais complexa. Esse fator em concreto parece justificar a
evolução da motricidade à Psicomotricidade, a evolução da ação ao
pensamento, condições essas que são igualmente perspectivadas por
Luria, Wallon e muitos outros autores consagrados.
A lateralização, fator intimamente associado com a tonicidade,
reveste-se de alguma significação psiconeurológica com a noção do
corpo, sugerindo uma relativa importância na elaboração
somatognósica. Embora as situações da BPM não revelem aspectos
importantes, nomeadamente representacionais ou simbólicos, a
lateralização como integração bilateral do corpo desempenha um papel
vital na organização sensorial do corpo e na especialização hemisférica,
cuja repercussão nas atividades intra-hemisféricas e inter-hemisféricas
se reconhece como decisiva na organização progressiva do cérebro. A
consciência humana, para atingir a informação simbólica, tem de
eliminar informação intracorporal, tem de inibi-la, integrar e modular, a
fim de poder estar apta a processar informação exteroceptiva mais
complexa, pelo que a significação desta psiconeurológica relação
parece traduzir a importância da orientação direita-esquerda nas
múltiplas relações com o espaço.
A noção do corpo surge na BPM como fator que acusa relações
significativas com todos os restantes fatores, especialmente com a
praxia fina e com a praxia global, parecendo demonstrar que a noção
do corpo alimenta as áreas pré-motoras para a planificação e a
programação da ação, o que só por si concorda com os estudos do
movimento voluntário de Luria. Com base nesta significação
psiconeurológica, podemos constatar a dependência recíproca das
áreas pré-motoras (áreas 6 e 8) com as áreas parietais (áreas 5 e 7),
ilustrando a íntima dependência entre a noção do corpo e as praxias. A
relação com a estruturação espaçotemporal revela, por outro lado, a
estreita relação dos dados intracorporais e proprioceptivos com os
dados extracorporais e exteroceptivos, pondo em destaque o papel das
aferências proprioceptivas que constituem a somatograma. A noção do
corpo, como resultado de uma aprendizagem, traduz a edificação de
uma integração psicomotora complexa, evidenciada nas implicações da
desintegração da somatognosia nas várias apraxias. A função de
síntese parietal a que Luria se refere no seu modelo revela-se sugestiva
pelos dados obtidos. As relações com a tonicidade, com a equilibração
e com a lateralização reforçam o papel integrador e associativo dos
lóbulos parietais com os occipitais e temporais e igualmente com os
lóbulos frontais. Em resumo, a noção do corpo traduz o fator de
convergência polissensorial onde se combinam superiormente as
informações vestibulares, proprioceptivas, quinestésicas e visuais. A
BPM confere assim uma função integradora crucial à noção do corpo,
confirmando a sua influência nos outros fatores psicomotores, o que é
de alguma forma relevante em termos de significação
psiconeurológica.
A estruturação espaço-temporal, por seu lado, apresenta uma
relação com a praxia fina, com a praxia global e a noção do corpo,
pondo em destaque o papel das funções de captação de dados do
envolvimento necessários ao movimento harmonioso e melódico. A
dimensão espacial do movimento está na base da formação do
optigrama, enquanto a dimensão temporal reflete a melodia cinética,
razão pela qual a estruturação espaço-temporal, ou melhor, a
estruturação simultânea e sequencializada da informação, é tão
importante para a planificação e a regulação da atividade motora
complexa. Qualquer movimento intencional requer um sistema de
coordenadas geométricas sem o qual o movimento resulta dispráxico e
dismétrico. Da mesma forma, a sua duração requer um encadeamento
e uma sucessão de partes em um todo, pondo em realce o papel
sincronizador do mesmo, sem o qual o movimento resulta
dissincronizado e disrítmico.
A relação entre a praxia global e a praxia fina tende a evocar a
organização intrínseca das regiões pré-motoras, que, em certa medida,
planificam e executam movimentos complexos ditados por intenções. A
capacidade de planificação motora inerentes às ações complexas põe
em jogo a rechamada ordenada e sequencializada dos dados
integrados pelas outras duas unidades funcionais; por essa mesma
razão, as atividades práxicas reutilizam e atualizam os restantes fatores.
A qualidade da regulação tônica e do controle postural, o domínio
integrado da bilateralidade e da direcionalidade do corpo, as
coordenadas espaciais e a cronologia das ações tendem a projetar-se
na elaboração práxica, razão pela qual as praxias retratam e ilustram o
grau de organização funcional de outros fatores psicomotores, daí o
interesse em realçar as relações com a estruturação espaço-temporal,
pertencentes, respectivamente, a segunda e primeira unidades
funcionais.
A forma como a praxia global e a praxia fina se relacionam com a
noção do corpo parecem sugerir também a interação cortical entre as
regiões anteriores (motoras) com as posteriores (sensoriais), ilustrando a
importância da integração sensorial na elaboração práxica. A rede de
relações permite admitir, portanto, que os sete fatores atuem em
íntima cooperação, isto é, em uma verdadeira constelação de trabalho.
Em termos psiconeurológicos, os dados clínicos da BPM parecem
perspectivar que o movimento involuntário da criança requer uma
matriz espacial (estruturação espacial), exigindo a integração da zona
parietal-occipital, uma síntese aferente proprioceptiva, vestibular e
postural (tonicidade, equilibração, lateralização e noção do corpo) e um
plano sucessivo de movimentos (estruturação temporal e praxias).
O movimento, como materialização de uma intenção
(Psicomotricidade), é efetivamente controlado por uma síntese eferente
e por uma síntese aferente, do que resulta uma planificação motora, de
onde decorre uma antecipação consciente e uma programação de
elementos encadeados para atingir um fim. E essa natureza pré-
(psico)motora que torna o movimento consciente um produto da
atividade mental (movimento vicariado) e é esse aspecto que é
importante realçar em termos reabilitativos.
A Psicomotricidade, sendo, em suma, uma planificação motora,
pede a interação das três unidades funcionais e dos sete fatores, que
cooperam em uma complexidade sistêmica que se desenrola de acordo
com o modelo de organização funcional do cérebro proposto por Luria.
O estudo da BPM aplicado a crianças clínicas com idades diferentes
sugere uma maturação ontogenética dos fatores psicomotores, com
especial interesse entre os perfis das crianças pré-primárias (4 a 5 anos
de idade) e das crianças em idade primária (6, 7 e 8 anos de idade), o
que confirma igualmente muitas outras investigações, normalmente
dedicadas ao conceito das pré-aptidões simbólicas. Por volta dos 6 a 7
anos, surgem as regressões significativas dos fatores da tonicidade e da
lateralização, evocando desacelerações da maturação psicomotora que
podem apontar ajustamentos na organização intra-hemisférica e inter-
hemisférica, cuja significação para as aprendizagens simbólicas parece
sugerir estudos futuros mais rigorosos.
O desenvolvimento psicomotor parece refletir uma evolução em
termos dialéticos, uma vez que são visíveis, pela experiência clínica,
sinais de assimetria, de antagonismo e de aceleração, que podem
revelar a importância de uma identificação psicomotora precoce, bem
como sugerir a implementação de programas psicomotores no ensino
pré-primário e primário, bem como alargar alternativas reabilitativas
para o ensino especial.
Os resultados do nosso estudo clínico parecem demonstrar que a
Psicomotricidade é um sistema funcional complexo, em que se verifica
e constata a integração cortical de todos os fatores: a tonicidade, que
fornece o tônus e a atenção; a equilibração, que fornece o controle
postural e a segurança gravitacional; a lateralização, que assegura a
orientação bilateral do corpo; a noção do corpo, que rechama e
reestrutura os somatogramas necessários; a estruturação espaço-
temporal, que empresta a matriz espacial e a sequencialização; e, por
último, as praxias, que traduzem as melodias cinéticas de um
movimento intencional e programado.
A primeira unidade fornece o tônus, a segunda unidade garante os
impulsos aferentes visório-espaciais e tátil-quinestésicos e a terceira
unidade planifica e organiza as praxias, assegurando a materialização
da consciência e dos seus projetos.
A Psicomotricidade, como a linguagem, tem a sua sintaxe. A
Psicomotricidade e os seus fatores componentes requerem uma lógica
organizacional e uma hierarquização vertical, que deve ser considerada
cuidadosamente em programas de facilitação ou de reabilitação
psicomotora.
Em conclusão, a Psicomotricidade é o produto de uma relação
inteligível entre a criança e o seu meio. A Psicomotricidade
compreende, portanto, uma totalidade expressiva, por meio da qual a
organização cortical se edifica e manifesta-se. Requisito da maturação
do sistema nervoso, ela está, efetivamente, na base do seu
desenvolvimento e da sua aprendizagem.
A referência contida e implícita da motricidade transformou-a em
estruturas cada vez mais complexas, isto é, em um verdadeiro
instrumento pelo qual a inteligência se desenvolveu e materializou-se,
constrói-se e edifica, passando posteriormente a planificá-la e a regulá-
la, confirmando a hipótese da correlação recíproca – do ato ao
pensamento e do pensamento ao ato.
Motricidade sem cognitividade é possível, mas cognitividade sem
motricidade não o é. É a partir da motricidade que as futuras
capacidades psiconeurológicas da aprendizagem se organizam. A nossa
experiência clínica parece demonstrá-lo.
Independentemente das limitações metodológicas da BPM, pode-se
assumir que a Psicomotricidade põe em jogo a organização psíquica
superior, planificando, elaborando, regulando, verificando, executando
e integrando a ação que lhe dá expressão, forma e conteúdo.
As crianças que não podem desfrutar desta organização e
constelação neuropsicomotora que acabamos de sintetizar,
clinicamente designadas por crianças dispráxicas, apresentam um
conjunto de perturbações na programação e na expressão de
movimentos intencionais, volitivos e aprendidos, que se podem refletir
no desenvolvimento do seu potencial de aprendizagem e no
desenvolvimento da sua personalidade.
Independentemente de evidenciarem reflexos, tônus, sensibilidade e
motricidade ditas “normais”, essas crianças demonstram algum grau
de disfunção psiconeurológica, que tende a projetar-se na restrição do
seu vocabulário psicomotor em períodos críticos do seu
desenvolvimento integral.
Não sendo uma neuropatia ou uma miopatia periférica, pois não
envolve os motoneurônios inferiores nem a unidade neuromuscular ou
a função muscular, a disfunção revela-se na dificuldade de planificar e
programar movimentos voluntários, sem, contudo, tal dificuldade
emergir de qualquer disfunção perceptiva ou aferente.
É óbvio que tal dificuldade, e não incapacidade, carece de ser
identificada a tempo, para depois, com cuidado e tato clínico-
terapêutico, ser compensada e modificada com uma reeducação e/ou
reabilitação adequada e individualizada, evitando-se assim que um
problema psicomotor se transforme em problemas de comportamento
ou de aprendizagem bem mais graves.
Foi nesse sentido que tentamos desenvolver um instrumento de
diagnóstico – a BPM –, com pressupostos psiconeurológicos coesos e
sólidos, com o objetivo de proporcionar a muitas crianças uma resposta
clínica eficaz e necessária.
Em conclusão, tentamos contribuir com este manual para uma
visão psiconeurológica da Psicomotricidade, conferindo-lhe um papel
crucial no desenvolvimento do potencial de aprendizagem da criança,
uma vez que a Psicomotricidade contém o sentido concreto do
comportamento e da aprendizagem, dando relevância ao corpo, que
não é apenas o receptáculo do seu cérebro, mas, inequivocamente, o
habitat da sua inteligência.
ABATE, L. e CURTIS, L. Teaching the Exceptional Child, W. B. Saunders
Co., Philadelphia, 1975.
ABOULKER, P., CHERTOK, L. e SEPIR, M. La Relaxation: Aspects
Theóriques et Pratiques, Expanson, Paris, 1959.
ADELMAN, H.S. “The Not So Specific Learning Disabilities Population”
in Exceptional Children, Março. 1971. “The Concept of
Intrinsic Motivation: Implications for Practice and Research
Related to Learning Disabilities” in Learn. Disabil, Quart.1.
1978.
AJURIAGUERRA, J. de. “L’Enfant et son Corps” in Inform. Psychi., vol.
47, n° 5, Maio 72; La Relacion Terapeutica en Psiquiatria
Infantil, Toray-Masson, Barcelona, 1972; Manual de
Psychiatrie Chez I’Enfant, Masson & Cie, 1974 (2ª Edição),
Leçon Inaugurale Chaire de Neuropsychologie du
Développement, Oferta pessoal, 1976; Extrait de I’Annuaire
du Collége de France, Resumé des cours de la chaire de
Neuropsychologie du Développement, Paris, 1981; Les Bases
Théoriques des Troubles Psychomoteurs et la Réeducation
Psychomotrice Chez I‘Enfant, Genève, Medicine et Higiène,
n° 521, 1961; “Le Corps comme Relation” in Rev. de
Psychologie Pure et Appliquée, XXI, n° 2, 1962;
“Organisation Psychologique et Troubles du Développement
du Language” in Problémes de Psycholinguistique, PUF,
Paris, 1967; “A Propos des Troubles de I’Apprentissage de la
Lectura. Critiques Methodologiques”, in Rev. Enfance, n° 4-
5, 1951; Resume des Cours chaire de Neuropsychologie du
Développement, Collége de France, Paris, 1976-1980;
“Emotion et Troubles Toniques Paroxystique” in Evolution
Psychiatrique, n° 11, 1948; “Intégration de la Motilité” in
Enfance, n° 2, 1956.
AJURIAGUERRA, J. de e colab. L’Ecriture de I’Enfant, Delachaux et
Niestlé, Neuchâtel, 1964.
AJURIAGUERRA, J. de e ANDRE-THOMAS. Sèmiologie du Tonus
Musculaire, Masson & Cie, Paris, 1949.
AJURIAGUERRA, J. de e AZUIAS, H. “Mèthodes et Techniques
d’Apprentissage de I’Écriture” in La Psychiatrie de I’Enfant,
vol. III, fasc. 2, 1960.
AJURIAGUERRA, J. de e BADARRACO, G. “Thérapeutique de
Relaxation en Médecine Psycho-Somatique” in Presse Méd.,
3, 15, 1953.
AJURIAGUERRA, J. de; BADARACO, G. e CÁHEN, M. “L’Entrainement
Psycho-Physiologique par la Relaxation” in La Relaxation
Expansion, Paris, 1959.
AJURIAGUERRA, J. de e DIATKINE, R. “Le Problème de la Débilité
Motrice” in Sauvegarde de I’Enfance, n° 22, 1948.
AJURIAGUERRA, J. de; DIATKINE, R. e BADARACO, G., Psychanalyse et
Neurologie La Psychanalyse d’Aujourd’hui, PUF, Paris, 1956.
AJURIAGUERRA, J. de; DIATKINE, R. e KALMANSON, D. “Les Troubles
de Dévéloppement du Langage au Cours des États
Psychotiques Précoces” in La Psychiatrie de l’Enfant, vol. II,
fasc. 1, 1959.
AJURIAGUERRA, J. de e HECAEN, H. Le Cortex Cérebral (Etude
neuropsychopatologique), Masson & Cie, 1964.
AJURIAGUERRA, J. de e HECAEN. Meconnaissance et
Hallucinations Corporelles, Masson & Cie, Paris, 1952.
AJURIAGUERRA, J. de; HECAEN, H. e ANGELERGUES, R.
“Les Apraxies Cliniques et Lésionneles” in Rev. Neurol., 102,
1960.
AJURIAGUERRA,J. de e SOUBIRAN, G. “Indications et Techniques de
Rééducation Psychomotrice” in Rev. Psychiatrie de I’Enfant,
vol. II, fasc. 2, PUF, 1962.
AJURIAGUERRA, J. de e STAMBAK, M. L’Évolution des Syncinésies chez
I’Enfant, Press Médicale, n° 39, 1955. AJURIAGUERRA, J. de;
STAMBAK, M.; HERITEAU, D.; AUZIAS, M.; BERGÉS, J. “Les
Dispraxies chez I’Enfant” in La Psychiatrie de I’Enfant, Vol.
VII, fasc. 2, 1964.
AJURIAGUERRA, J. de e THOMAS A. L’Axe Corporel, Masson & Cie,
Paris, 1948;
ALEXANDER, Gerda. Compte Rendu du 1cr. Congrés de Psychodrame,
Sociodrame, Jeu de Rôle, Compte Rendu des Journées de
Strasbourg, Junho, 1962; “Les Méthodes de Relaxation” in
Cahiers de Psychiatrie, n° 16/17, 1962; “Eutonie” in
Rhythmisch Erziehung, 1966.
ALVIM, F. “Troubles de I’Idenfication et Image Corporelle” in Rev.
Française de Psychanalyse, Tome 26, n° especial, 1962.
ANDRÉ THOMAS e AJURIAGUERRA, J. de. Études Sémiologiques du
Tonus Musculaire, Flammarion, Paris, 1949.
ANGELERGUES, R. “Les Apraxies” in Rev. Neurol., I, 1960.
ANGELERGUES, R. e colab. “Les Troubles Mentaux au Cours des
Tumeurs du Lobe Frontal” in Anu. Med. Psychol., 113, 4,
1955.
ANOKHINE, P. Biologie et Neurophisiologie du Reflexe Conditionné,
Moscovo, 1985. ANTROPOLOGY TODAY, Vários autores.
CRM Books, Califórnia, 1971.
AREY, L. B. Developmental Anatomy, Saunders, Filadélfia, 1954.
ARGYLE, M. Bodily Communication, Methewen and Co. Ltd. Londres,
1975. ATAYDE, S. Elementos de Psicopatologia, F.C.
Gulbenkian, Lisboa, 1972.
AUSUBEL, D.P. e SULLIVAN, E.U. Theory and Problems of Child
Development, Grune e Stratton, Nova Iorque, 1970.
AUZIAS, M. Les Troubles de I’Écriture chez I’Enfant, Delachaux et
Niestlé, Neuchâtel, 1970.
AYRES, J. “Improving Academic Score Through Sensory Integration” in
Journal of Learning Disabilities, n° 5, 1972; Sensory
integration and Learning Disorder Western Psychological
Services, Los Angeles, 1977; Sensory Integration and the
Child, Western Psycological Services, Los Angeles, 1982;
“Learning Disabilities and the Vestibular System” in Journal
of Learning Disabilities, n° 11, 1978.
AZCOAGA, J.E. e colab. Las Funciones Cerebrales Superiores y sus
Alteraciones en el Ninõ y en el Adulto, Paidós, Buenos Aires,
1983.
AZEMAR, G. “Tonus Musculaire et Dynamogénie” in Les Cahiers
Scientifiques d’Education Physique, Setembro, Dezembro,
1965; “Activité Cinètique. Tonus Postural, Relaxation” in
Rev. de gnesiolgie, SNMC, n° 3, 1968; Sport et Lateralité,
Universitaires, Paris, 1970; “La Manualité: Origine, Rôle et
Destinée de la Main” in Rev. Thérapie Psychomotrice, n° 21,
Fevereiro 1974.
BABINSKE, J. “Contribuition à I’Étude des Troubles Mentaux dans I’
Hemiplégie Organique Cèrèblale. (Anosognosie)” in Rev.
Neurologique, Junho, 1914.
BALDI, RENATO e ROSELLINA. Longa Viagem ao Centro do Cérebro,
Edições 70, Lisboa, 1972. BANNATYNE, A. Language,
Reading and Learning Disabilities, Charles Thomas,
Spingfield, 1971. BARBER, T. e colab. Biofeedhack and Seif-
Control, Aldine Atherton, Chicago.
BARSCH, R. “A Movigenic Curriculum” in State Department of Public
Instruction, Bulletin n° 25, Wisc., 1965; “Teacher Needs-
Motor Training” in Cruickshand, W. (ed.); The Teacher of
Brain-Injured Children, Syracuse University Press, Nova
Iorque, 1966; “Achieving Perceptual-Motor Efficiency” in
Special Child Publications, vol. 2. Washington, 1968.
BARUK. “Les Étapes du Développement Psycho-Moteur et de la
Préhension Volontaire chez le Nourrisson” in Arch. Franç. de
Ped., 10, 4, 425-32, 1953.
BATEMAN, B.D. “Educacional Implications of Minimal Brain
Dysfunction” in Children with Learning Problems, Sapir e
Nitzburg, Brunner e Mazel PubI., Nova Iorque, 1973.
BEAUMONT, J.G. e DIMOND, S. “Transfer Between the Celebral
Hemispheres in Human Learning” in Acta Psychologica, n°
37, 1973.
BELEY, A. L’Enfant instable, PUF, Paris, 1951.
BENDER, L. e colab. “The Image of Schizophrenic Children Following
Electroshock Therapy” in A. a. J. Ortopsych, 1952; “Theory
and Treatment of Childhood Schinophrénia” in Acta
Paedosychiat, n° 34, 1967.
BENTON, A.L. Right-Left Discrimination and Finger Localization,
Development and Pathology, Hoeber-Warper inc., Nova
Iorque, 1959; “Cerebral Hemispheric Dominance” in J. Med.
Sci., n° 6, 1970; “Development Dyslexia: Neurological
Aspects in W. J. Friedlander” in Advances ia Neurology, vol.
7, Raven Press, Nova Iorque, 1975; Dyslexia: an Appraisail of
Current Knowledge, Oxford University Press, Nova Iorque,
1975; Body Schema Disturbances: Finger Agnosia and Right-
Left Disorientation in Clinic Neuropsicology, Heilman e
Valenstein, Ed. Oxford University Press, Oxford, 1979.
BENTON, A.; LEVIN, H.S.; VANALEN, M. W. “Geographic Orientation in
Patients with Unilateral Cerebral Disease”, in
Neuropsychologie, n° 12, 1974.
BERGERON, M. “Le Mouvement, son Étude son Importance en
Psychologie de I’Enfant” in Rev. Enfance, n° 2, Março-Abril,
1956; “Les Déficients Psychomoteurs” in Les enfants et les
adolescents inadaptés. Cahiers de Pedagogie Moderne, n°
57; Les Manifestations Motrices Spontannées chez I’Enfant,
Herman, Paris, 1947.
BERGÈS, J. “Quelques Thèmes de Recherche en Psychomotricite” in
Thérapie Psychomotrice, n° 19, Agosto, 1973; “Les
Indications de la Relaxation chez I’Enfant” in Rev.
Neuropsychiat. Infantile, nos 7 e 8, 1964; Les Gestes et la
Personnalité, Hachette, Paris, 1967; “Diagnostics des
Dyspraxies chez I’Enfant d’Âge Scolaire” in Rev. Reed
Orthophonique, Agosto-Setembro, n° 37-38, 1968;
“Relaxation et Espace” in Therapie psychoinotrice, n° 17,
1973.
BERGÈS, J. e BOUNES, M. La Relaxation Thérapeutique chez I’Enfant,
Masson, Paris, 1974.
BERGÈS, J.; BOUNES M. e MATTOS. Z. “Reflexions sur Quelques
Problems Abordés en Relaxation” in Perspect Psychiatriques,
n° 3, 35, 1972.
BERGÈS, J. e LEZINE, L. Text d’Imitation des Gestes, Techniques
d’Exploration da Schèma Corporel et des Praxies chez
I‘Enfant de 3 à 6 Ans, Masson & Cie, Paris, 1963.
BERKSON. G. e DAVENPORT. R.K. “Stereotyped Movements of Mental
Decfectives” in Am, J. Ment., Defic., n° 66, 1962.
BERNIER, J.J. e PAUPE. J. “Reflexes Médullairs et Tonus Musculaire” in
Documentation Médicale Permanente, n° 4, Janeiro 1966.
BERNSTEIN. N .A. The Coordination and Regulation of Movements,
Pergamon Press, Oxford, 1967.
BERTALLANFY. Z. General System Theory: Foundations Development
and Aplications, G. Braziller, Nova Iorque. 1968.
BERTRAND, R. “Relaxation, Eutonie, Education Psysique” in Physiq. et
Sports, 1967.
BERTHOUD, M. “Systeme de Réference Spatiaux chez I’Enfant d’Age
Préscolaire” in Rev. L’Année Psychologique, fasc. 2, 1973.
BINGLEY. T. “Mental Symptoms in Temportal Lobe Epilepsy and
Temporal Lobe Gliomas’’ in Acta Psychiatrica et Neurologica,
1958.
BIRCH, H.G. Brain Damage in Children, The Biological and Social
Aspects, Willians and Wilkins, Baltimore, 1964.
BIRCH, H.C. e BELMONT. I. “Auditory-visual Integration Intelligence
and Reading Ability in School Children” in Perceptual and
Motor Skills, n° 20. 1965.
BISHOP, G.H. “Natural of the Nerve Impulse” in Physiological Review,
nº 36 (3), 1956.
BLOEDE. G. Les Gaucherss. Étude du Compotement de la Pathologie
et de la Conduite à Tenir, Thèse de Lyon, 1946.
BOBATH, K. The Motor Deficit in Patients with Cerebral Palsy, Spastics
International Medical Publications & William Heinemann
Medical Books, Ltd., Londres, 1974; A Neurophysiological
Basic for the Treatment of Cerebral Palsy, Spastics Int. Med.
Public., Londres, 1980.
BOCHER. H. Troubles Psychomoteurs Chez I‘Enfant, Masson & Cie,
1972.
BODER. E. “Developmental Dyslexia: Prevailing Diagnostic Concepts
and a New Diagnostic” in H. Myklebust, Progress in
Learning Disabilities, Vol. II, Grune e Stration, N. York. 1971:
“Developmental Dyslexia: A Diagnostic Approach Based on
Three Atypical Reading-Spelling Patterns” in Development,
Medicine and Child Neurogy, vol. 15, n° 5, outubro de
1973.
BOREL-MAISONNY, S. Langage Oral et Écrit, Vol. I e II, Delachaux &
Niestlé, Neuchâtel, 1963: “Les Troubles du Langage et de la
Parole, leur Traitement” in Traité Pratique de Phonologie et
de Phoniatrie, Maloine, Paris.
BORS, E. “Phantom Limbs of Patients with Spinal Cord Injury” in Arch.
Neurol. Psychiat., n° 66, 5, 1951.
BOULANGER, BALLEYGUIER, G. “Les Étapes de Ia Reconnaissante de
Soi Devant le Miroir” in Rev. Enfance, n° 1, janeiro-março,
1967.
BOUR, P. “Contrôle Corporel au Psychodrame” in Rev. Thérapie
Psychologique, n° 9/10, fevereiro, 1971.
BOURRET, P. e LOUIS, R. Anatomie du Système Nerveux Central,
Exposion Scientifique Française, Paris, 1983.
BOUSINGEN, D. de. La Relaxation, Ed. PUF, Paris, 1961: “Indications et
Techniques de Relaxation en Neuropsychiatrie Infantile” in
Rev. de Neuropsych. Infant. n° 10, 5-6, 1962; “La
Réeducation Psychotonique (Relaxation, Gymnastique et
Rythmique)”, “La Pédagogie de la Relaxation de Mad. Gerda
Alexander” in La Relaxation, Expansion, 4a ed., Paris, 1971.
BOUSINGEN, D. de e GEISSMANN, P. Les Méthodes de Relaxation,
Dessart, Bruxelas, 1968. BOWER, T.G. R. Development in
Infancy, W. H. Breeman and Company, São Francisco, 1974.
BREHAT, M.F.; SICHEZ, J.P.; BALDAUF, A. “Modalités de la Thérapie
Psychomotrice chez I’Enfants Psychotriques” in Rev. Thérapie
Psychomotrice, n° 9/10, fevereiro, 1971.
BRITEN. C.S. “Relaxation et Psychologie des Profondeurs” in Rev. CIBA,
maio, 1973.
BROCA, P. “Sur la Faculté du Langage Articulé” in Bull. de la Société
d’Anthropologie de Paris, VI, 1865. BRONOWSKI, J. The
Ascent of Man, Little, Brown and Co., Boston, 1973.
BROOKS, V.B. “Cerebellar Functions in Motor Control” in Rev. Human
Neurobiology, vol. 2, n° 4, Springer International, Berlim,
1984.
BROWNELL, W. e HENDRICKSON, G. How Children Learn Information,
Concepts and Generalizations, University of Chicago, 1950.
BRUNER, J. “The Growth and Structure of Skill “in Ed. Connolly –
Mechanisms of MotorSkill, Academic Press, Londres, 1970;
The Process of Education, Harvard Univ. Press, Londres,
1971; On Cognitive Growth – Studies in Cognitive Growth
in Children with Learning Problems, Sapir e Nitzburg,
Brunner-Mazel Publishers, Nova Iorque, 1973; “Nature and
Uses of Immatury” in Ed. Connolly e Bruner – The Grow of
Competence, Academic Press, Londres, 1974.
BRUNET, O. e LEZINE, I. Le Développement Psychologique de la
Première Enfance (Préface de H. Wallon), PUF, Paris, 1965.
BRUNO, J. “Yoga et Training Autogéne” in Crititue, n° 159-160, 1960.
BRUNO, P. “Sur la Formation des Concepts Freudiens de Psychique-
Psysiologique” in Nouvelle Revue de Psychanalyse, Lieux du
corps, Gallimard, n° 3, 1971.
BRYANT, N. “Clinic Inadequacies with Learning Disorders – The Missing
Clinical Educator” in Learning Disorders, Vol. 2, J. Hellmuth,
Special Child Publi., Seattle, 1966.
BUCHER, H. Troubles Psychomoteurs chez I‘Enfant, Masson & Cie,
1972; Approche de la Personnalité de I‘Enfant par I‘Examen
Psycho-Moteur, Masson & Cie, Paris, 1973.
BUGER, A.J. “Psychothérapie de Relaxation” in Encyclopédie Médico-
Cirurgicale (Psychiatrie).
BUHLER e outros. El Desarollo del Niño Pequeño, Paidos, Buenos Aires,
1964.
BUYTENDUK, F. J. J. “El Juego y su Significado” in Revista del
Ociedente, 1935; Phénomènologie de la Rencontre, Desclée
de Brower, Paris, 1952; Attitudes et Mouvements, Descee de
Brower, 1957; “Le Corps Comme Situation Motivante” in
Bull. Psycho. n° 140, maio 1967.
CALANCA, A. “Desenhem-me um Boneco’ in Rev. Image. n° 42, La
RocheBasileia, 1972. CAMPBELL, K. Body and Mind, Auchor
Books, Nova Iorque, 1970.
CAMUS, J. le. L’Enfant Maladroit, PUF, Paris, 1981.
CARMICHAEL, L. “Ontogenetic Development” in S.S. Stevens
Handbook of Experimental Psychology, Wiley, Nova Iorque,
1951; Manual of Child Psychology, Wiley, 3ª ed. Nova
Iorque.
CHAFANT, J.C. e SCHEFFELIN, M.A. “Central Processing Dysfunctions
in Children, National Institute of Neurological Diseases and
Stroke” in INDB Monograph, n° 9 – U.S. Department of
Health, Educational and Welfare, Bethesda, 1969.
CHALLEY-BERT, e PLAS, F. Physiologie des Activities Physiques, 2ª ed.,
J.B. Bailliere, Paris, 1973.
CHALMERS, N., CHAWLEY, R. e ROSE. S.P.P. The Biological Bases of
Behaviour, Open University, Londres, 1971.
CHAMBERLAIN, H.D. “A Study of Some Factors Entering into the
Determination of Handness” in Child, Dev. VI, 1953.
CHANGEUX, J.P. L’Homme Neuronal, Fayard, Paris, 1983.
CHARCOT, J.M. “Psysiologie et Pathologie du Moignon à Propos d’un
Homme Amputé du Bras Gauche’ in Polyclinique, junho,
1888.
CHATEAU, J. Le Jeu de I‘Enfant aprés 3 ans, sa Nature, sa Discipline
Importance, à la Pedagogie, Vrin, Paris, 1955. CHAUCHARD,
P. La Maitrise de Soi, Charles Descartes, Bruxelas, 1963; La
Motricité de Soi, PUF, Paris, 1967.
CHAZAND, J. Introduction à la Psychomotricité, Privat, Toulouse, 1974.
CHILAND, C. L’Enfant de Six Ans et son Avenir, PUF, Paris,
1971.
CHIRPAZ. F. Le Corps, PUF, Paris. 1969.
CHOULAT, L. “La Rélaxation” in Documents Ed. Physiq. e Sports,
Suplemento do n° 86, maio, 1967. CHRISTENSEN, A.L. El
Diagnóstico Neuropsicológico de Luria, Pablo del Rio,
Madrid, 1979.
CIBA FOUNDATION. Myotatic Kinesthesic and Vestibular Mechanism,
Churchil, Londres, 1967. CLAPARÈDE, E. Le Développement
Mental, Delachaux et Niestlé, Genebra, 1951.
CLARK, L.G. The Fossil Evidence ef Human Evolution, University of
Chicago Press, Chicago, 1972; The Antecedents of Man,
Quadrangle Books, Chicago, 1971.
CLARK, M.M. Left-Handness, 1 vol. University of London, Ltd, Londres,
1957. CLARK, W.E.L.G. Man-Apes or Apes-Men?, HoIt,
Nova Iorque, 1967.
CLEMENTS, S. “Learning Disabilities – Who?” in Special Education:
Strategies for Educational Progress, CEE, Washington, 1966;
“Minimal Brain Dysfunction in Children” in NINDB
Monograph, n° 3, 1966.
COHEN, A. “Dyspedagogia as a Cause of Reading Retardation:
Definition and Treatment” in B. Bateman Special Child
Public, Seatle, 1971.
COMAR, G. “L’Auto-Reprèsentation de I’Organisme chez quelques
Hystèriques” in Rev. Neurologique, n° 9, 1901.
CONNOLLY, K. Mechanisms of Motor Skill Development, Academic
Press, Londres, 1970.
CONNOLLY, K. e BRUNER, J. The Grow of Competence, Academic
Press, Londres, 1974.
CONNOLLY, K. e PRECHTL, J. Maturation and Development: Biological
and Psychological Perspectives, Spastics International
Medical Public., Londres, 1981.
CORAH, N.L. e col. “A Factor Analytic Study of the Frostig
Development Test of Visual Perception” in Perceptual and
Motor Skills, nº 16, 1963.
COSSA, P. La Cybernétique (du Cerveaux Humain aux Cerveaux
Artificiels), Masson & Cie, Paris, 1957.
CRATTY, B. Developmental Sequences of Perceptual Motor Tasks,
Educational Activities, Inc. Freeport, Nova Iorque, 1967;
Psychology and Physical Activity, Prentice-Hall, Inc.,
Englewood Cliffs, Nova Iorque, 1968; Social Dimensions of
Physical Activity, Prentice-Hall, Inc. Englewood Cliffs, Nova
Iorque, 1968, Movement and the intellect in Learning
Disorders, vol. 3, Special Child Publications, Seattle,
Washington, 1968; PerceptualMotor Behavior and
Educational Processes, Charles C. Thomas Publisher,
Springfield, III, 1969; Visual Perceptual Development in
Perceptual and Motor Development in Infants and Children,
The Macmillan Co., Nova Iorque, 1970; Active Learning
Games to Enhance Academic Abilities, Prentice-Hall Inc.,
Englewood Cliffs, Nova Iorque, 1971; Movement Behavior
and Motor Learning, Lea & Febiger, Filadélfia, 3ª edição,
1973; Motor Learning, Lea & Febiger, Filadélfia, 1973;
Teaching Motor Skills, Prentice-Hall, N. Jersey, 1973;
Desarrollo Perceptual y Motor en los Niños, Paidós, Buenos
Aires. 1982.
CRATTY, B. e colab. Movement Activities, Motor Ability, and the
Education of Children, Charles C. Thomas, Publisher,
Springfield, III, 1970.
CRINGUET, G. MOOR L.; WIDLOCHER, D.E. e WINTRETER, H. “Essai
Clinique de la Relaxation chez I’Enfant, in Rev. Neuropsych.
Inf., n° 7 e 8, 1964.
CROSS, L. e GOIN, K. Identifying Handicapped Children, A Guide to
Case Finding Screening, Diagnosis, Assessment and
Evaluation, Walker and Co.. Nova Iorque, 1977.
CRUICKSHANK, W. A Teaching Method from Brain-Injured and
Hiperactive Children, Syracuse Univ. Press, 1961; The
Teacher of Brain Injured Children, Syracuse Univ. Press,
1966; Psychology of Exceptional Children and Youth,
Prentice-Hall, N. Jersey, 1971; The Brain Injured Child in
Home, School and Community, Syracuse Univ. Press, 1972;
“A New Perspective in Teacher Education: The
Neuroeducator” in Journ, Learning Disabilities, vol. 14, n° 6,
1981.
CRUICKSHANK, W. e JOHNSON, O. Education of Exceptional Children
and Youth, Prentice-Hall Inc., Englewood Cliffs, 1958.
CYNA, D.; DESOBEAUF; LE DIEZET. J. L.; WINTREBERT, H.
“Psychodynamisme de I’Enfant dans sa Reencontre avec
I’Object” in Rev. Thérapie Psycho-motrice, n° 9/10, fevereiro,
1971.
DAGUE, P. “Scolarisation des Enfants Myopathes”, in Rev.
Réadaptation, nº 118, 1965.
DALCROZE, E.J. Le Rythme, la Musique et I’Éducation, Jobin,
Lausanne, 1920: A Batôns Rompus, Lettre Aux Rythemiciens
in the Rythme. Novello & Cie, junho, 1916; Fascicules
genevois sur le Rythme.
DARWIN, C. The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex,
John Murray, Londres, 1971; The Origin of Species, Oxford,
University Press, Nova Iorque, 1956.
DAVIER, R., BUTLER, N. e GOLDSTEIN, H. From Birth to Seven,
Longmans, Londres, 1972. DEJERINE, J. Sémiologie des
Affections du Système Nervaux, Masson & Cie, Paris, 1914.
DELACATO, C. The Treatment and Prevention of Reading
Problems, Charles C. Thomas Springfield, 1959. DELGADO,
J.M.R. Physical Control of the Mind, Harper Colophon
Books, Nova Iorque, 1971.
DELMAS, J. e DELMAS, A. Voies et Centres Nerveux, Masson & Cie,
Paris, 1970.
DENNY-BROWN, D. Interhemispheric Relations and Cerebral
Dominance, Hohns Hopkins Press, Baltimore, 1962.
DIAMAND, L.; CRAMBES, G.; GIRARD, J. GODEFROY, F.; TEMBOURET,
E. “Recherche de Modalités d’Interventions èn Thérapie
Psychomotrice” in Rev. Thérapie Psychomotice, n° 9/10, fev.,
1971.
DIMOND, S. The Double Brain, Churchill, Livingstone, Londres, 1974.
DIMOND, S. e colab. Hemisphere Function in the Human Brain, EIek
Science, Londres, 1974.
DIATKINE, R. “La Réeducation Psychomotrice. Mode d’Action Privilégié
en Psychiatrie Infantile”, in Rev. Thérapie psycho-motrice, n°
9/10, fevereiro, 1971.
DICKINSON, J. Proprioceptive Control of Human Movement, Lepus
Books, Londres, 1974.
DIGELMANN, D. L’Eutonie, (caps. “Le mouvement en rythmique”, “La
gymnastique et la dance”, “Generalités”), Scarabée, Paris,
1971; L ‘Eutoniede Gerda Alexander Approche
Psychiatrique, Thése de Médicine, n° 16, Strasbourg, 1967;
L’Eutonie-Cenea, Scarabée, 1971.
DOLTO, F. “A la Recherche du Dynamisme des Images du Corps et de
leur Investissements Symbolique dans les States Primitifs du
Développement Infantil” in La Psychanalyse, n° 3, 1957.
DOMAN, G.J.; DELECATO, C. e DOMAN, R. The Doman-Delecato
Development Profïle, Institute for the Achievement of
Human Potencial, Filadélfia, 1964.
DOBLINEAU, J. “Réflexes Conditionnels en Psychiatrie Infantile” in 1º
Crongrès Inter. de Psychiatrie Infantile, Paris. 1937.
DOUBLINEAU, M.A. “La Rééducation Psycho-Motrice a Base de
Conditinnement” in Rev. Neuropsychiatrie Infantile, 14, n°
4-5, 1966.
DUBOSSON, J. Exercises Perceptives et Sensori-Moteurs, Delachaux et
Niestlé, Neuchâtel, 1957. DUPRÉ, E. Pathologie de
I‘Emotivité et de I’Imagination, Payot, Paris, 1952.
ECCLES, J.C. The Neurophysical Basis of the Mind, Claredon Press,
Oxford, 1952; “O Movimento Voluntário” in Hexágono,
Roche, 12, n° 6, 1985; Brain and Conscious Experience,
Springer, Heidelberg, 1960; El Cerebro: Morfologia Y
Dinamica, Interamericana, México, 1973; The Understanding
of the Brain, International Copyright Union, 1973.
ECCLES, J. e POPPER, K. The Self and its Brain, Springer Int, Berlim,
1977.
EIDELMAN-BOMPARD, B. “Jeu et Rééducation Psychmotrice
Individuelle” in Rev. Thérapie Psychomotrice, n° 12, Agosto,
1971.
EISELEY, L. C. Fossil Man and Human Evolution. Yearbook of
Anthropology, 1955.
ELLIOTT, J.M. e CONNOLLY. K.J. Hierarchical Struture in Skill
Development, Connolly e Bruner, Ed. Academic Press,
Londres, 1974.
ENGELMANN, S. Teaching Disadvantage Children in the Preeschool,
Prentice-Hall, Englewood Cliffs, 1966.
ERIKSON, E. Childhood and Society, Norton, Nova Iorque, 1963.
ESPENSCHADE, A. e ECKERT, H. Motor Development, Charles E. Merril
Publishing Co., Ohio, 1967.
FAY, H. M. L’Intelligence et le Caractére, Foyer Central d’Hygiène, Paris,
1934.
FEDERN, P. “Narcissism in the Structure of the Ego”, in Internat, J.
Psychoanal, n.º 9, 1929. FELDENKRAIS, M. La Conscience du
Corps, Robert Laffont, Paris, 1971.
FÉRÉ, CH. “Note sur les Hallucinations Autoscopiques ou Spéculaires et
sur les Hallucinations Altruistes” in C.R. Société de biol.,
451, 1891.
FERNALD, G. Remedial Techniques in Basic School Subjects, McGraw
Hill Book, Nova Iorque, 1943. FEUERSTEIN, R. Ontogeny of
Leurning in Man – in Brain Mechanisms in Memory and
Learning. Raven Press, Nova Iorque, 1979; “Can Evolving
Techniques Better Measure Cognitive Change?” in Journal
of Special Education, vol. 15, 1981.
FEUERSTEIN, R. e colab. The Dynamic Assessment of Retarded
Performers, University Park Press, Baltimore, 1979.
FISCHER, S. e CLEVELAND, S. Body Image and Personality, Dover
Publication, Nova Iorque, 1968. FOERSTER, O. “Ueber das
Phantomglied” in Med. Klin., n° 1, 1931.
FONSECA, V. da. De uma Filosofia a minha Atitude – Dados para o
Estudo da Ontogênese da Motricidade, Tese INEF, 1971;
Projeto de Reeducação Psicomotora, CIP, Fundação Calouste
Gulbenkian, Janeiro, 1972; “As Necessidades de Movimento
da Criança”, in Boletim do INEF, n° 3/4, 2ª Série, 1973;
“Reeducação Expressiva”, in Boletim Bibliográfico n° 17,
Centro de Investigação Pedagógica, F.C. Gulbenkian, Lisboa,
1973; Estudo Comparativo dos Métodos de Relaxação de
Schultz e de Jacobson, Publicação da disciplina de opção
“Educação Psicomotora”, INEF, 1972-1973: “Relaxação” in
Enciclopédia Luso-Brasileira, Verbo, 1973; Evolução das
Ideias sobre a Noção de Esquema Corporal, publicação de
apoio à teoria da ginástica n° 10, INEF, 1973/74; Dados para
Hominização do Corpo, Publicação de apoio à cadeira de
Antropologia, INEF, 1974; Psicocinética e Psicomotricidade,
Publicação de apoio à cadeira de Teoria da Ginástica, INEF,
1974; Dados para uma Observação em Psicomotricidade,
Seminário Internacional de Observação e Avaliação em
Pedagogia, INEF, 1974; Dados para o Desenvolvimento
Psicológico da Criança, Textos de apoio ISPA, 1976-77; A
importância do Movimento no Desenvolvimento Psicológico
da Criança Segundo Wallon, Textos C.D.I. do Instituto
Antônio Aurélio da Costa Ferreira, janeiro, 1977; Evolução
das Ideias sobre a Noção de Esquema Corporal, Pub. de
apoio à Psicomotricidade, Curso Pós-Graduação, IAACF,
1977; Uma Introdução às Dificuldades da Aprendizagem,
Editorial Notícias, Lisboa, 1984; “Alguns Aspectos da
Prevenção do Insucesso Escolar” in Jornal de Educação, n°
11, abril, 1978; Construção de um Modelo Neuropsicológico
de Reabilitação Psicomotora, Tese de Doutoramento, UTL,
ISEF, 1985; Escala de Identificação de Dificuldades de
Aprendizagem, Ed. de apoio à Cadeira de Psicopedagogia
Especial do 5° ano do Inst. Sup. Psicologia Aplicada,1 978,
79, 80: “Visão Integrada da Aprendizagem” in Atas do II
Encontro Nacional de Educação Especial. S.P.E.C.D.M.,
março, 1979; Reflexões sobre Educação Especial em
Portugal, Moraes, Lisboa, 1979; “Taxonomia e Despistagem
das Dificuldades de Aprendizagem”, in Atas do I Encontro
Nacional de Educação Especial. S.P.E.C.D.M., Lisboa, 1979;
Aprendizagem e Deficiência Mental, CIEE, I.A.A.C.F, Lisboa,
1980; “Algumas Reflexões sobre a Criança Dispráxica”, in
Temas de Psicomotricidade, UTL, ISEF, EER, n° 3, 1968:
Contributo para o Estudo da Gênese da Psicomotricidade,
Editorial Notícias, 4ª edição, Lisboa, 1991; “Fatores
Psicomotores à luz de A. R. Luria” in Revista do
Desenvolvimento da Criança, volume II, n° 1 e 2
janeiro/dezembro (nova série), 1980; “Batterie de
Despistage de Difficultés d’Apprentissage – Psychomotricité
et Difficultés d’Apprentissage” in Abstracts, 5° Congresso
Internazionalle de Psicomotricita, Firenze, 1982; Introdução
ao Estudo do Teste de Desenvolvimento da Percepção Visual,
CIEE-IAACF, 1982; ‘Gerontopsicomotricidade: Urna
abordagem ao Conceito de Retrogênese Psicomotora”, in
Revista de Reabilitação Humana, volume VI, n° 2, 1986;
Learning and Developmental Disabilities, Conferência
apresentada no 4º Congresso Internacional da European
Association for Special Education (EASE), Tel Aviv, julho,
1983; “De uma Perspectiva do Desenvolvimento da Criança
a uma Estratégia de Intervenção Terapêutica” in Ludens, vol.
7, n° 4, jul-set., 1983; Desenvolvimento Humano – da
Filogênese à Ontogênese da Motricidade, Editorial Notícias,
Lisboa, 1989.
FONSECA, V. da e MENDES, N. Escola, Escola, quem És Tu? Editorial
Notícias, 1990, 4ª Ed., Lisboa, 1988.
FONTES, V. “Interprétation Psychologique du Dessin
Antropomorphique Infantil Spécialement Observé chez les
Oligophréniques”, in Sauvegarde de l’enfance, 5º ano,
1950.
FOX, R. In the Begining: Aspects of Hominid Behavior Evolution – In
the Origin and Evolution of Man, A: Montagu, TYC, Nova
Iorque, 1973.
FRAISSE, P. Les Conduites Temporelles, PUF, Paris, 1963; Psychologie du
temps, PUF, Paris, 1957.
FRAISSE, P.; NUTTIN, J. e MEILLI, R. Motivation, Émotion, Personnalité,
Traité de Psychologie Expérimentale, fasc. 5, PUF, Paris.
1963.
FREEMAN, R. “An Investigation of the Doman-Delecato Theory of
Neuropsychology as it Applies to Trainable Mentally
Retarded Children in Public Schools” in Journal of Pediatrics,
71, 1967.
FREIDUS, E. Methodology for the Classroom Teacher – In the Special
Child in Century 21, J. Hellmuth, Special Child Public.,
Seattle, 1964.
FREUD, A. Le Traitement Psychanalytique des Enfants, PUF, Paris, 1951;
Le Normal et le Pathologique chez l’Enfants, Gallimard,
Paris, 1968.
FREUD, S. Trois Essais sur le Théorie de la Sexualité, Gallimard, Paris,
1962; Le Moi et le Ça, Payot, Paris, 1968. FROLOV, I. O
Cérebro e o Trabalho. Arcádia, Lisboa, 1966.
FROSTIG, M. “An Approach to the Treatment of Children with
LearningDisorders” in Learning Disorders, vol. 1, J. Hellmuth
Spec. Child Pub. Seattle, 1965; “Corrective Reading in
Classroom”, in The Reading Teacher, 18, 1965; Movement
Education – Theory and Pratice, Follet Educational Co.,
Chicago, 1970; “Program for Sensori-Motor Development at
the M.F. Center of Educational Therapy”, in Foundations
and Practices in Perceptual Motor Learning, AAHPER,
Washington, 1971; “Visual Perception, Integrative Function
and Academic Learning”, in Journal of Learning Disabilities,
n° 5, 1972; “Education for Children with Learning
Disabilities”, in Progress in Learning Disabilities, H.
Myklebust, Grune e Stratton Inc., 4ª edição, Nova Iorque,
1972.
FROSTIG, M. e colab. The M. Frostig Development Test of Visual
Perception, Consulting Psychologist Press, California, 1964.
FROSTIG, M.; LEFEVER. D. W. e WHITTLESEY, J. R. The Marianne Frostig
Developmental Test of Visual Perception, Consulting
Psychologyst Press. Palo Alto, 1964.
FROSTIG, M. e HORNE, D. “Marianne Frostig Center of Education
Therapy” in Jones, M. Special Education Programs, Charles
C. Thomas Publisher, Springfield, 1968; The Frostig Program
for the Development of Visual Perception, Follet Public, Co.,
Chicago, 1964.
FROSTIG, M. e MASLOW, P. Learning Problems in the Classroom,
Grune e Stratton, Nova Iorque, 1973; “Contributions to
Education from Neuropsychology” in Journal Learn. Disab.,
outubro, 1979.
FULTON, J.F. A Textbook of Physiology, Saunders, Filadélfia, 1955.
GADDES, W.H. “A Neuropsychological Approach to Learning
Disorders”, in Journal of Learning Disabilities, 1, 1968: “Can
Educational Psychology be Neurologized”, in Canadian
Journal of Behavioral Science, 1, 1969; “Neurological
implications for Learning”, in Perceptual and Learning
Disabilities in Children, Vol. 1, W. Cruickshank e D. Hallahan,
Syracuse University Press, 1975; Learning Disabilities and
Brain Function – A Neuropsychological Approach, Springer
Verlag, Nova Iorque, 1980
GAGNÉ, R. The Conditions of Learning, Holt; Rinchart e Winston, Inc.,
1965.
GALABURDA, A.; LEMAY, M.; KEMPER, T.; GESCHWIND, N. “Right-Left
Assymetries in the Brain”, in Science, Vol. 199, n° 4311,
1978.
GALLIFRET, Granjon N. “Le Probléme de l’Organisation Spatiale dans
les Dyslexies d’Evolution”, in Rev. Enfance, 1951.
GANTHERET, F. “Histoire et Position Actuelle de la Notion de Schéma
Corporel”, in Bull. de Psycholog., tomo 15, n° 1, 1961.
GARDNER, E. Fundamentals of Neurology, W.B. Saunders Co.,
Philadelphia, 1968.
GATZ, A. Clinical Neuro-Anatomy and Neuro-Phisiology, 4ª edição, F.
A. Davis Co., Filadélfia, 1970.
GAZZANIGA, M. “Cerebral Dominance Viewed as Decision System”, in
Hemispheric Functions in the Human Brain, Dimond e J.
Beaumont, Halstead Press, Londres, 1974,
GEARHERART, B. R. Learning Disabilities, Mosby, St. Louis, 1973.
GERSTMANN, J. “Fingeragnosie und Isolierte Agraphieztschr” in f.d.
ges. Neurol, 108, 1927.
GESCHWIND, N. “The Anatomy of Acquired Disorders of Reading” in
J. Money Reading Disabilities: Progress and Research Needs
in Dyslexia. J. Hopkins Press, Baltimore, 1962; “Anatomical
Evolution and Human Brain”, in Bull. Orton Society, 22,
1972; “Neurological Foundations of Language”, in Progress
in Learning Disabilities, Vol. 1, H. Myklebust, Grune e
Stratton, Nova Iorque, 1972; “Language and the Brain”, in
Biological Anthropology Scientif American, 1975; “Biological
Fondations of Reading”, in Dyslexia, a Neuroscience
Approach to Clinical Evolution, Duffy e N. Geschwind, Little
Brown, Boston, 1985.
GESELL, A. Study in Child Development – 2ª ed., Harper, Nova Iorque,
1949; L’Embryologie du Comportement, PUF, Paris, 1962.
GESELL e AMATRUDA. Developmental Diagnosis, Harper e Row
Publishers, Hagerstown, 1974.
GETMAN, G. “The Visuomotor Complex in the Aquisition of Learning
Skills”, in Hellmuth, J., Learning Disorders, vol. 1, Seattle,
1965.
GETMAN, G. e HENDRICKSON, H. “The Needs of Teachers for
Specialised Information on the Development of Visuomotor
Skills in Relation to Academic Performance” in Cruickshank,
W. editor, The teacher of brain-injured children. Syracuse
University Press, Nova Iorque, 1966.
GETMAN, G. e KANE, E. The Physiology of Readness, Programs to
Accelerate School Sucess, Minneapolis, 1964.
GETMAN, G.; KANE, E.; HALGREN, M. e McKEE, G. Developing
Learning Readiness – Teacher Manual, Webster Division, Mc
Graw Book Co., St. Louis, 1968.
GIBELLO, B . “Le Carrefour de la Psychomotricité”, in Perspect,
Psychiatria, n° 29, 3, 1970; “Aspects de la Psychomotricité”,
in Perspectives Psychiatriques, n° 29, 1970.
GIBSON, E. J. Principles of Perceptual Learning and Development,
Appleton – Century Crofts, Nova Iorque, 1969.
GOODNOUGH, F. L’Intelligence d’après le Dessin, PUF, Paris, 1975.
GORDON, N. e MCKINLAY. Rééducation Psychomotrice de l’Enfant
Maladroit, Masson, Paris, 1982.
GRANJON, N. G. “L’Élaboration des Rapports Spatiaux et la
Dominance Latéral chez les Enfants
Dyslexiquesdysorthographiques” in Bull., de la Société
Alfred-Binet, VI, 452, 1959; “Les Praxies chez l’Enfant
d’aprés Piaget”, in La Psychiat Enfant, vol. IV, fase 2, 1962;
‘Le Symbolisme chez l’Enfant”, in Psychiat. L’Enfant, vol. XII,
fasc. 1, 1970.
GRANJON. N. G. e AJURIAGUERRA, J. de. “Troubles de
l’Apprendissage de la Lecture et Dominance Latérale”, in
L’Encéphale, 5, 1951.
GRANIT, R. Receptores and Sensory Perception, Yale University Press.
New Haven, 1955. – The Purposive Brain, Massachussets
Institute of Technology, Boston, 1977
GRIBENSKI, A. e CASTON, J. La Posture et L’Equilibration, PUF, Paris,
1973.
GROSS, C. e ZEIGLER, H. Readings in Physiological Psychology-
Neurophysilogy, Sensory Processes, Harper & Row Publishers,
Nova Iorque, 1969.
GRUENBERG, E. “Some Epidemiological Aspects of Congenital Brain
Damage”, in Brain Damage in Children, H. Birch Williams e
Wilkins Co., Baltimore, 1964.
GUILFORD, J. P. “The Structure of Intellect”, in Psychological Bull., 52,
156; “A System of Psychomotor Abilities”, in Americ-Journal
of Psychology, 71, 1958; The Nature of Human Intelligence,
McGraw-Hill, Nova Iorque, 1967.
GUILMAIN, E. e GUILMAN, G. L’Activité Psycho-Motrice de l’Enfant
(son Évolution jusq’a 12 ans), Tests d’Âge Moteur & Tests
Psycho-Moteurs, Lib. Vignés, Paris, 1971.
GUILLAUME, P. Manual de Psychologie. PUF, Paris, 1952; L’Imitation
chez l’Enfant, PUF, Paris. 1970. GUREWITCH, M. Motorik,
Lorperban und Charakter, in Arch. Psychiatr und Nerveukr.,
76, 1926.
HALL, A. D. e FAGAN. R. E. “Definition of System”, in Modern System
Research for the Behavioral Scientist, Walter Buckley, Alpine,
Chicago, 1968.
HALLAHAN, D. e CRUICKSHANK, W. Psycho-Educational Foundations
of Learning Disabilities, Prentice-Hall, Inc. Englewood Cliffs,
1973.
HALLAHAN, D. e KAUFFMAN. “Teaching-Learning: Quantitative and
Functional Analysis od Educational Performance”, in Journal
of Special Education, 1, 1974.
HALSTEAD, W.C. Brain and intelligence, University Chicago Press,
Chicago, 1974.
HANNA, T. La Rebelion de los Cuerpos, Plaza e Janés, Barcelona, 1970.
HARING, N.G. e colab. “Early Identification of Children with Learning
Disabilities”, in Excetional Children, 33, 1967; Analysis and
Modification of Classroom Behavior, Prentice Hall,
Englewood Cliffs, 1972. HARLOW, H. “The Nature of Love”,
in American Psychologist, 13, 1958.
HARLOW, H. F. e HARLOW, M. K. Learning to Think, Chalmers Open
University, Londres. 1971. HARROW, A. A Taxonomy of the
Psychomotor Domain, David McKay Co. Inc., Nova Iorque,
1971.
HEAD, H. e colab. “Troubles Sensoriels Dûs à Lésions Cérébrales”, in
Brain, nov., 1911; Les Sensations et le Córtex Cérébral,
Privat, 1973.
HEBB, D. O. Psychgo-Physiologie du Comportement, PUF, Paris, 1958;
“A Neuropshichological Theory”, in Koch, McGraw-Hill Co.,
Nova Iorque, 1959; The Organization of Behavior, John
Wiley, Nova Iorque, 1976.
HÉCAEN, H. Introduction à la Neuropsychologie, Larousse, Paris, 1972;
“The Relationships between Aphasia and Disturbances of
Gesture and Perception”, in Foundations of Language
Development, Academic Press, Nova Iorque, 1975.
HÉCAEN, H. e AJURIAGUERRA, J. de. Méconnaissances et
Hallucinations Corporelles, Masson & Cie, 1952; Les
Gauchers – Prèvalence Manuelle et Dominance Cérébrale,
PUF, Paris, 1963.
HÉCAEN, H. e JEANNEROD. M. Du Controle Moteur a l‘Organization
du Geste, Masson, Paris, 1978.
HEILMAN, K. M. e VALENSTEIN, E. Clinical Neuropsychology, Oxford
University Press, Nova Iorque, 1979.
HELD, R. e REVERCHON, F. “Psychanalise et Relaxation”, in Rev. de
Médicine Psychosomatique, Tomo II, n° 2, 1960.
HENRY, M. Philosophie et Phénoménogie du Corps, PUF, Paris, 1965.
HERRICH, L. J. The Evolution of Human Nature, University of Texas
Press, Austin, 1956.
HIRSCH, K. de. “Clinical Spectrum of Reading Disabilities: Diagnosis
and Treatment”, in Bull. New York Academy of Medicine,
44, 1968.
HOLLOWAY, R. “The Casts of Fossil Hominid Brains”, ia Biological
Anthropology-Scientific American, San Francisco, 1972.
HOLT, K. Movement and Child Development, Ed. Spastics International
Medical Publications, Londres, 1975.
HOSPITAL HENRI ROUSELLE. Travaux sur les Troubles Psychomoteurs de
l‘Équipe de Recherche sur les Troubles Psychomoteurs et du
Langage.
HOWELLS, W. W. “Homo Erectus”, in Biological Anthropology-
Scientific American, San Francisco, 1972.
HUMPHREY, M. E. e ZANGWILL, O. L. “Dysphasia in Left-handed
Patients with Unilateral Brain Lesions”, in J. Neurol.
Neurosurg. Psychiat., XV, 1952.
HUNT, J. Intelligence and Experience, Ronald Press, Nova Iorque, 1961.
INHELDER, B. Le Diagnostic du Raisonnement chez les Débiles
Mentaux, Delachaux et Niestlé, Neuchâtel, 1963.
INHELDER, B. e PIAGET, J. La Representation de l’Espace chez l’Enfant,
Delachaux et Niestlé, Neuchâtel, 1963.
JACKSON, H. Selected Writings, James Taylor, Londres, 1931;
“Croonian Lectures”, in Lancet (I 535, 649 e 739), British
Medical Journal (I 951,60 e 703).
JACOBSON, E. Progressive Relaxation, The University of Chicago Press,
Chicago. 2ª ed., 1948.
JANET, P. Esquisse d’une Psychologie Experimentale (Psychologie
Fondéé sur l’Experience), Alcan, Paris, 1909.
JANSKY, J. e HIRSCH, K. de. Preventing Reading Failure, Harper e Row,
Nova Iorque, 1972.
JARREAU, R. “Technique de la Méthode de Jacobson”, in La
Relaxation, Expansion, 4ª ed., Paris, 1971. JAULIN MANNINI,
F. Pédagogie de Structures Logique Élementaires, ESF, Paris,
1973.
JOHNSON, D. e MYKLEBUST, H. Learning Disabilities Educational
Principes and Practices, Grune e Stratton, Nova Iorque, 2ª
ed., 1964.
JOHNSON, V. M. e WERNER, R. A Step-by-Step Learning Guide for
Retarded Infants and Children, Syracuse, 1975.
JOLIVET, B. “ De la Relation en Psychomotricité”, in Perspectiv.
Psychiatriq., n° 29, 3, 1970.
JOLIVET, B.; JAMET, R.; BARILLEAUD, S. “Problèmes Particuliers en
Cours de Rééducation”, in Sauvegarde de l’Enfance,
setembro-outubro, 1957.
JOLY, A. Rythmotherapie, 2ª ed., Impressions J. B. Joly, Paris, 1970.
JOURNOUD, M. A. Le Geste et le Rythme, Armand Colin, Paris, 1971.
JOUSE, M. La Psychologie du Geste et du Rythme, École
d’Anthropologie, Sourbonne, 1939.
KAGAN, J. Understanding Children, Harcourt Bracc Jovanovich, Inc.,
Nova Iorque, 1971. KAMMERER, T. “La Relaxation en
Neuropsychiatrie” in La Relaxation, Expansion, Paris, 4ª ed.,
1971. KANNER, L. “Autistic Disturbances of Affective
Contact”, in The Nervous Child, 1943.
KENDLER, H. “Vertical and Horizontal Process in Problem Solving”, in
Psychological Review, 69, 1962.
KEPHART, N. “Visual Behaviour of Retarded Child”, in Amer. J.
Ophtom., n° 35, 1958; The Slow Learner in the Classroom,
Charles Merrill Books, Ohio, 1960; The Brain Injuried Child
in the Classroom, Nat. Soc. Crippled Child and Adults,
Chicago, 1963; “Perceptual-Motor Aspects of Learning
Disabilities”, in Excep. Child, n° 31, 1964, “Developmental
Sequences” in Children with Learning Problems, Sapir e
Nitzburg, Brunner e Mazel Publ., Nova Iorque, 1973.
KEPHART, N. e CHANDLER, R. E. “Changes in the Visual Field in a
Pursuit Tracking Task”, in Ophtom, Weekley, n° 97. 1956.
KEPHART, N. e ROACH, E. G. The Pordue Perceptual-MotorSurvey.
Charles Merrill Publis., Columbus. 1966.
KEPHART, N. e STRAUSS, A.A. Psychopathology and Education of the
Brain Injured child (vol. 2) Progress in Theory and Clinic,
Grune & Stratton, Nova Iorque, 1947.
KILLEN, J. “Reading Disabilities and Cognitive Dysturbances”, in
Myklebust, H., Prog. in Learning Disab, vol. IV, Grune e
Stratton, Nova Iorque. 1978; “A Learning System Approach
to Intervention”, in Myklebust, H., Progress in Learning
Disabilities. Vol. III, Grune e Stratton, Nova Iorque, 1978.
KIMURA, D. “Speech Lateralization in Young Children as Determined
by an Auditory Test”, in J. of Comparative and Physiological
Psychology, n° 56, 1963.
KIRK, U. Neuropsychology of Language, Reading and Spelling,
Academic Press, Nova Iorque, 1983.
KIRK, S. The Diagnosis and Remediation of Psycholinguistic Disabilities,
University Illionois Press, Urbana, 1966; Education
Exceptional Children, Houghton Mifflin Co., Boston, 1972.
KIRK, S.A. e KIRK, W.D. Psycholinguistic Learning Disabilities –
Diagnosis and Remediation, Univ. of Illinois Press, 1973.
KIRK, W. Aids and Precautions in Administering the ITPA, Univ. Illinois
Press, Urbana, 1974.
KISBOURNE, M. Minor Hemisphere Language and Cerebral Maturation
in Foundations of Language Development, Academic Press,
Nova Iorque, 1975; “Cerebral Dominance Learning and
Cognition”, in Myklebust, H., Progress in Learning
Disabilities, Vol. III, Grune e Stratton, Nova Iorque, 1975.
KLEIN, M. e colab. La Psychanalyse des Enfants, PUF, Paris, 1959;
Développement de la Psychanalyse, Paris, 1966.
KLOTZ, H. P. “Intérêt de la Relaxation dans la Spasmophilie” in Rev.
Medicine Psycho-Somatique. tomo II, n° 2. 1960.
KNAPP, M. L. Nonverbal Communication in Human Interation, Holt,
Rinehart and Kinston Inc., Nova Iorque, 1972.
KOUPERNIK, C. Desarrollo Psicomotor de la Primera infancia, Luiz
Miracle, Barcelona, 1969.
KRANTZ, G. S . “Brain Size And Hunting Ability in Early Man”, in The
Origin and Evolution of Man, Montagut –
TYC, Nova Iorque, 1973.
KRETSCHMER, E. Études Psychothérapiques, Thieme, Stuttgart, 1949.
KRISTEVA, H. e KORNHUBER, H. H. “An Electrical Sign of Participation
the Mesial Supplementary Motor Cortex in Human Voluntary
Finger Movement”. in Brain, 159, 1978.
LACAN, J. “Le Stade du Miror”. in Ecrits, 1949.
LAFON. R. Vocabulaire de Psychopédagogie et de Psychiatrie de
l’Enfaint, PUF, Paris. 1963. LAPIERRE, M. Rééducation
Physique, Tomo I, II, III, Baillières, Paris, 1968.
LAPIERRE, L. CAMBLONG, P. e AUCOUTURIET, B. Aspects de la
Relaxation, Publicação do Institut National des Sports, Paris,
1968.
LASHLEY. K.S. Brain Mechanisms and intelligence, University Chicago
Press, 1929; “The Problem of Serial Order in Behaviour”, in
L. A. Jeffress Ed.; Cerebral Mechanisms of Behavior, Wiby,
Nova Iorque, 1951.
LAUNAY e VANHOVE. Retarde du Langage et Développement Moteur,
Rapport au XII Congrès des Pédiatres de Langue Française,
Masson, Paris, Junho, 1949.
LAUNAY, C. e RAIMBAULT, J. “L’Écriture et le Langage Écrit chez
l’Enfant Épileptiques”, in Psychiat. Enf., vol. V, fasc. 1, 1962.
LAUNAY, C. e GUÉRITTE, B. “L’Education Psychomotrice”, in
Neuropsychia Infant., n° 4-5, 1966.
LE BOULCH, J. “La Psychomotricité par la Psychocinétique”, in
Psychomotricé, Stage de Perfectionnement de Généve,
Medicine et Higyene, Généve, 1970; Vers une Science du
Mouvement Humain, ESF., Paris, 1972.
LEBOVICI, S. Les Tics chez l’Enfant, PUF, Paris, 1952.
LEBOVICI, S. e DIATKINE, R. “Fonction et Signification du Jeu chez
l‘Enfant”, in Psychiat-Enfant, vol. V, fasc. 1, 1962.
LEFÉVRE, L. L’Education des Enfants et Adolescents Handicapés, Vol. I e
II, ESF, Paris, 1973.
LEHTINEN, L. “A New Approach in Education Methodos for Brain-
Crippled Deficient Children”, in J. Ment., Def., 48, 1944.
LEMAIRE, J.C. La Relaxation, Payot, Paris, 1964.
LEONTIEV, A. N. El Hombre y la Cultura, Grijalbo, México, 1969; Essai
sur le Développement du Psychisme, PUF, 1975.
LERNER, J. Children with Disabilities, Houghton Mifflin, Boston, 1971.
LEROI-GOURHAN, A. Le Geste et la Parole, Vol. I, Techinique et
Langauge. VoI. II. La Mémoire et les Rythimes, A. Michei,
Paris, 1964; Edições 70, Lisboa, 1981-82.
LESNE, M. e PEYCELON. “A quel Âge un Enfant Cesse-t-il d’Être
Ambidextre pour Devenir Droitier”, in Bull. de la Société de
Pediatre de Paris, 32, 1943.
LEVY-SCHOEN, A. L’Image d’ Autrui chez l‘Enfant, PUF, Paris, 1964.
LEVY-STRAUSS, C. Anthropologie Structural, Plon, Paris,
1958.
LEWIS, J. Man and Evolution, Lawrence & Wishart, Londres, 1962.
LEWIS, M. e TAFT, L. T. Developmental Disabilities, M.T.P. Presse Lt.,
Nova Iorque, 1982.
LEZAK, M. Neuropsychological Assessment, Oxford University Press,
Nova Iorque, 1976.
LEZINE, I. “Le Développement Psychomoteur des Jeunes Enfants”, in
Bull. Psychol., 1966.
LHERMITTE, J. “L’ Image de Notre Corps”, 1 vol., in Nouvelle revue
Critique, Paris, 1939; “Les Fondements Anatomiques de la
Lateralité”, in Main Droit et Main Gauche, PUF, Paris, 1968.
LINDSAY. P. H. e NORMAN. D. Human Information Processing, An
Introduction to Psychology, Academic Press, Londres, 1973.
LIUBLINSKAIA, A. A. O Desenvolvimento Psíquico da Criança, Estampa,
Lisboa, 1974.
LUQUET, A. Le Dessin Enfantin, Alcan, Paris, 1935.
LURÇAT, L. Insucesso Escolar na Escola Primária, Editorial Notícias,
Lisboa, 1979.
LURÇAT. L. e WALLON. H. “Le Dessin des Personnages par l’Enfant, ses
Etapes et ses Mutations”, in Rev. Enfance, nº 3, 1958.
LURIA. A. R. The Role of Speech in the Regulation of Normal and
Abnormal Behavior, Liveright Publishing Co., Nova Iorque,
1961; “Topical and Theoretical Articles by Soviet
Psychologists” in kommunist, n° 41, 1964; Human Brain and
Psychological Process, Harper & Row, Londres, 1966; Higher
Cortical Functions in Man, Basic Books, Nova Iorque, 1966;
El Papel del Linguage en el Desarrollo de la Conducta,
Tekne, Buenos Aires, 1966; “Vygotsky and the Problem of
Functional Localization”, in Voprosy Psikhologii, n° 12,
1966; El Cerebro y el Psiquismo, Martinez Roea, S.A.,
Barcelona. 1969; “Speech Development and the Formation
of Mental Process” in Cole e Maltzman, A Handbook of
Contemporany Soviet Psychology, Basic Books, 1969;
Introducción Evolucionista de la Psicologia, Fontanella,
Barcelona, 1977; Cerebro y Languaje, Fontanella, Barcelona,
1977; “The Origin and Cerebral Organization of Man’s
Conscious Action” in Children with Learning Problems, Sapir
e Nitrburg, Brunner e Mazel Publ., Nova Iorque, 1973; The
Working Brain: An Introduction to Neuropsychology, Peguin,
Londres, 1973; L’Enfant Retardé Mental, Privat, Toulouse,
1974; “Basic Problems of Language in the Light of
Psychology and Neurolinguistics” in Foundations of
Language Development, Academic Press, Nova Iorque,
1975; The Reeducation of Brain-Damage Patients and its
Psychopedagogical Application, Learning Disorders, vol. 3,
1975; La Organization Functional del Cerebro”, in Scientific
American Biologia Contemporânea, Blume, 1975; “Factors
and Forms of Aphasia”, in Disorders of Language, CIBA
Foundation, 1977; “Neuropsychological Studies”, in
Aphasia, Swets e Zeitlinger, Amsterdão, 1977; Consciencia y
Lenguaje. Pablo del Rio, Madrid, 1980.
LURIA, A. R.; NAYDIN, U.L; TSVETKOVA. L.S.; VINARSKAYA, E.N.
“Restoration of Higher Cortical Function Following Local
Brain Damage”, in Vinken e Bruyn (Edf.); Handbook of
Clinical Neurology, Amsterdam, NorthHolland Publishing
Co., 1969.
MAIGRE, A. e DESTROOPER, J. L’Education Psychomotrice, PUF, Paris,
1975.
MARGOULIS. J.: TOURNAY, A. “Poliomyélite et Schéma Corporel” in
Enfance, 45, 1963.
MARTINET, M. Théorie des Émotions – Introduction à l’Oeuvre d’Henri
Wallon, (Préface de René Zazzo), Aubier, Paris, 1972.
MARVAUD, J. “La Relaxation chez l’Enfant. Sa Place Parmi d’Autres
Thérapeutiques. Thérapie Psychomotrice, Psychothérapie” in
Thérapie Psychomotrice, n° 14.
MASLAND, R. L. “Brain Mechanisms Underlyng the Language
Function”, in Bulletin of the Orton Society, n° 27, 1967;
“The Neurological Bases of Dyslexia”, in Dilemas of Dyslexia,
Rebecca Brock Richardson and Mimi Mousour, Virginia,
1979.
MASSE, F. “Apport de la Rééducation Psycho-Motrice au Traitement
des Dyslexies”, in Rev. Neuropsychiat. Infantil, n° 4-5, 1966.
MASSION, .J. “Postural Changes Accompanying Voluntary
Movements. Normal and Pathological Aspects”, in Rev.
Human Neurobiology, vol. 2, n° 4, 1984; Springer
International, Berlim, 1984.
MATZKE, H. A. e FOLTZ, F. Synopsis of Neuroanatomy, 2ª ed., Oxford
University Press, Nova Iorque. 1972.
MAYER-GROSS, W. “Some Observations on Apraxia”, in J. Ment. Sc.,
82, 1983.
McCARTHY, J. e McCARTHY. Learning Disabilities, Allyn e Bacon, Inc.
Boston, 11ª ed., 1974.
McWHIRTER, J. The Learning Disabled Child – A School and Family
Concern, Reserarch Press Co. 111, 1977. MEAD, M.
Childhood in Contemporary Cultures, Chicago, 1954.
MERLEAU-PONTY, M. Phénoménologie de la Percéption, Gallimard,
Paris, 1969.
MILNER, E. Human Neural and Behavioral Development, Charles C.
Thomas, Springfield, 1967: CNS Maturation and Language
Acquisition, Academic Press, Nova Iorque, 1976.
MINKOWSKI, M. “Sur les Mouvements, les Reflexes et les Reactions
Musculaires du Foetus Humain de 2 à 5 Mois et Leurs
Relations avec le Système Nerveux Foetal”, in Rev.
Neurologica, 1921.
MINKOWSKI, E. Traité de Psychopathologie, PUF, Paris, 1966.
MITTLER, P. Teaching Children with Severe Learning Difficulties, Brian
Stratford, 1979.
MONAKOW, C. VON e MOUGUE, R. Introduction Biologique à l’Étude
de la Neurologie et de la Psychopathologie, Alcan, Paris,
1928.
MONTAGU, A. L’Homme, Marabout Université, Paris, 1964; The Origin
and Evolution of Man, TYC, Nova Iorque.
MOOR, L. Elementos de Biopsychologie du Comportement, cap. “Les
Conduites Expresives et Symboliques”, L’Expansion
Scientifique, Paris, 1973.
MORATO, M.J. XAVIER. Anatomia Microscópia do Sistema Nervoso
Central, Sá da Costa, Lisboa, 1981.
MORIN, G. Psysiologie du Système Nerveaux, Masson & Cie, Paris,
1969.
MOUNOD, P. Structuration de l‘Instrument chez 1‘Enfant, Delachaud
et Niestlé, Neuchâtel, 1970.
MUNSON, R. Man and Nature: Philosophical issues in Biology, Dell
Publishing Co., Inc., Nova Iorque, 1971. MUSSEN, P.
“Infancy and Early Experience”, in Carmichael’s Manual ou
Child Psychology, 3ª ed., Wiley, Nova Iorque, 1970.
MYERS, P. e HAMMIL, D. Methods for Learning Disorders, John Wiley e
Sons, Nova Iorque, 1969.
MYKLEBUST, H. The Psychology Deafness, Grune e Stratton, Nova
Iorque, 1960; “Psychoneurologi cal Learning Disorders in
Children”, in S. Kirk (ed.) Conference on Children with
Minimal BrainDamage, Univ. Illinois, Urbana, 1963; Progress
in Learning Disabilities, Vol. I, II, III e IV, Grune e Stratton,
Nova Iorque, 1968, 1971, 1976 e 1978; “Learning
Disorders”, “Psychoneurological Disturbances in Chi lhood”,
in Reabilitation Literature, 25, 1964; Development and
Disorders of Written Language, Grune e Stratton, Nova
Iorque, 1965.
MYKLEBUST, H. e BOSHES, B. MinimaI Brain Damage in Children,
Depart. Health, Education and Welfare,
Washington, 1969.
MYKLEBUST, H. e JOHNSON, D. Learning Desabilities: Educational
Principles and Pratices, Grune & Stratton, Nova Iorque,
1964.
NAPIER. J. R. Brachiation and Brachiators, Symp. Zool. Soc., 10,
Londres, 1963; “The Antiquity of Human Walking”, in
Biological Antrophology-Scientifïc American, S. Francisco,
1972.
NAVILLE, S. e GONTHIER, E. Le Matérial en Rééducation
Psychomotrice, Stage de Perfectionnement de Genève de
1969, Medécine et Hygiène, Genève, 1970; Methodologie
de la Rééducation Psychomotrice, Stage de
Perfectionnement de Genève, 1969, Médicine et Hygiène,
Genebra, 1970.
NICOLAS, A. L’Attitude de l’Homme au Point de Vue de l’Equilibre, du
Travail e de l’Expression, Massin, 1982. NIELSEN, J. M.
Agnosie, Apraxie, Aphasie, P. B. Hoeber, Nova Iorque, 1947.
NOVIKOFF, A. B. “The Concept of Integrative levels and biology”, in
Science, 101, 1945.
OPPENHEIM, R.M. “Ontogenetic Adaptations and Retrogressive
Processes in the Development of the Nervous System and
Behavior: a Neuroembryological Perspective”, in Ed. Connoly
e Precht-Maturation and Development, Spastics
International Medical Public, Londres, 1981
ORPET. R. E. e FROSTIG, M. Frostig Movement Skills Test Battery,
Consulting Psychologists Press; Palo Alto, 1972.
ORTON, S. Reading, Writing and Spech Problems in Children, Norton,
Nova Iorque. 1931.
OSGOOD, C. Method and Theory in Experimental Psychology, Oxford
University Press, Nova Iorque, 1953.
OZERETZKI, N. “Echelle Métrique du Dévéloppement de la Motrocité
chez l’Enfant et l’Adolescent”. in Hygiéne Mentale, 1936.
PAILLARD, J. Réflexes et Régulations d’Origine Proprioceptive chez
l’Homme, Etudes Neurophysiologiques et
Psychopsysiologiques, Lib. Arnette, Paris, 1955; “L’Activité
Nerveuse et ses Mécanismes Élémentaires”, in Bull. de
Psycho1ogie, n° 9 (X), abril, 1957; “Les Attitudes dans la
Motricité”, in Les Attitudes, Symposium de l’A.P.S.L.F.,
Bordéus, 1959, P.U.F., Paris, 1961.
PAINE, R. S. “Minimal Chronic Brain Syndromes in Children”, in
Developmental Medicine, and Child Neurology, 4, 1962;
“Organic Neurological Factors Relating to Learning
Disorders”, in Learning Disorders, Vol. I, J. Hellmuth, Special
Child Public, Seattle, 1965.
PAVLOV, I. P. Obras Escolhidas. Herios, S. Paulo, 1970.
PENFIELD, W. e RASMUSSEN, T. The Cerebral Cortex of Man,
Macmillan, Nova Iorque, 1952. PENFIELD, W. e ROBERTS, L.
Speech and Brain Mechanisms, Princeton University Press,
1959.
PIAGET, J. “Motrocité, Perception et Intelligence”, in Rev. Enfance, n°
2, 1956; “Les Praxies chez l’Enfant”, in Rev. Neurologie. n°
102, Paris, 1960; “Le Développement des Mécanismes de la
Percéption”, in Bull. Psychologie, n° 187, janeiro, 1961; Le
Symbolisme Agi chez l’Enfant, La Psychiatrie de l’Enfant, Vol.
X, Tomo I, Fasc. 2, 1962; “Le Rôle de l’Imitation dans la
Formation de la Représentation, in L’Evol. Psychiatr:, XXVII,
1, 1962; Études sur la Logique de l’Enfant, Delachaux et
Niestlé, Paris, 1962; La Naissance de l’Intelligence chez
l’Enfant, Delachaux et Niestlé, Paris, 1964; La Formation du
Symbol chez l’Enfant, Delachaux et Niestlé, Paris, 1964; La
Language et le Pensée Chez l’Enfant, Delachaux et Niestlé,
Paris, 1965; La Construction du Reél Chez l’Enfant,
Delachaux et Niestlé, Paris, 1965; Biologia e Conhecimento,
Vozes Ltd., Rio, 1973; Le Comportement, Moteur de
l’Evolution, Gallimard, Paris, 1976.
PIAGET, J. e colab. La Représentation de l‘Escape Chez l’Enfant, PUF,
Paris, 1948; La Géométrie Spontanée de l’Enfant, PUF, Paris,
1948.
PIAGET, J.; GRIZE, J. B.; SZEMINSKA. A.; BANG. V. Epistemologie et
Psychologie de la Fonction, PUF, Paris, 1968.
PICK, A. Troubles de l’Orientation du Corps Prope – Contribution à la
Théorie de la Conscience du Corps, Privat, Paris, 1973.
PICK e VAYER, P. Education Psycho-motrice et Arrièration Mentale,
Doin et Cie., Paris, 1970. PIERON, H. L’Homme Rien que
l’Homme”. in L’Anthropogenése a l’Hominisation, PUF, Paris,
1967.
PILBEAM, D. The Evolution of Man, Thames and Hudson, Londres,
1970; “The Ascent of Man – The Mac Milan Series”, in
Physical Anthropology, Nova Iorque, 1972.
PIRISI, B. “Revisione Critica del Problema dello Schema Corporeo”, in
Arch. Psychol. Neurol. Psichiat. e Psicoterapia, n° 10, 1949.
PIVETEAU, J. De los Primeros Vertebrados al Hombre, Labor, Barcelona,
1967; Traité de Paléontologie, Masson & Cie, Paris, 1957;
Origine et Destinée de l’Homme, Masson & Cie, Paris, 1973.
PLOOG, D. e col. (197). “Areas of Regions of Cerebral Cortex”, in
Neurosci, Res. Symp., n° 6.
PRECHTL, H. “Reading Difficulties as a Neurological Problem in
Childhood”, in J. Money Reading Disabilities, J. Hopkins
Press, Baltimore, 1962; “The Study of Neural Development
as a Perspective of Clinical Problems”, in Maturation and
Development, Spastics International Medical Public, Londres,
1981.
PRECHTL, H. e TOWEN, B.C. The Nerological Examination of the Child
with Minor Nervous Disfunctions, Spastics Med. Public,
Londres, 1977.
PREYER. L’Âme de l’Enfant, Alcan, Paris, 1887.
PRIBRAM, K. “A Review of Theory in Physiological Psychology”, in
annual Review of Psychology, n° 11, 1960; rain and
Behaviour, Penguin Books, Londres, 1973.
QUESNE, R. “Notion du Schema Corporel et Interet dans uns Leçon de
Reeducation Psycho-Motrice”, in Rev. Neuropsychiatrie, 17,
n° 4-5, 1969.
QUIRÓS, J.B. e SCHRAGER, O. “Postural System, Corporal
Potentiality”, in Foundations of Language Development,
Academic Press, Nova Iorque, 1975; Neuropsychological
Fundamentals in Learning Disabilities, Academic Therapy
Publications, S. Rafael, 1978.
RIASMAN, G. e FIELD, P.M. “A Quantitative Investigation of the
Development of Collateral Reinnervation after Partial
Deaferentiation of the Septal Nuclei”, in Brain Research, 50,
1973.
RAMAIN, S. “Quelques Principes de Rééducations Psychomotrices”, in
Educateurs, 54, 1954; “Education des Attitudes” in
Psychologie Françoise, Tomo X, n° 3, 1965.
RASCH e BURKE, Kinesiology and Applied Anatomy, 5ª edição, Lea e
Febiger, Filadélfia, 1974.
REED, H.C. “Laterialized Finger Agnosia and Reading Achievement at
Ages 6 and 10”, in Child Develop., 38, 1967.
REICH, W. A Revolução Sexual, Zahar, Rio, 1969.
REITAN, R. M. “Certain Differential Effects of Left and Right Cerebral
Lesions in Human Adults” in Journal of Comparative and
Psysiological Psychology, 78, 1955; “Investigation of
Relationships between Psychometric and Biological
Intelligence”, in J. Nerv. Ment. Dis., 123, 1956;
“Relationships Between Neurological and Psychological
Variables and their Implications for Reading Instruction” in
A. Robinson (ed) Meeting ind. Differences in Reading,
University Chicago Press, 1964.
REITAN, R.M. e HEINEMANN, C. “Interactions of Neurological Deficits
and Emocional Disturbances in Children with Learning
Disorders: Methods for Differential Assessment” in J.
Hellmuth Learning Disorders, vol. 3 Special Child
Publications, Seattle, 1968.
REY, A. Études des insuffisances Psychologiques, Delachaux et Niestlé,
Neuchâtel, 1947; Étude des Insuffisances Psychologiques (I e
II), Delachaux e Niestlé, Neuchâtel, 1966.
REYNOLDS, M. C. e BIRCH, J. W. Teaching Exceptional Children in all
America’s Schools, CEC, Reston, Virgínia, 1977.
RHODES, W. C. A Study of Child Variance, vol. 2, University Michigan
Press, Ann Arbor, 1974.
RIBOT, citado por AJURIAGUERRA, J. de; e HÉÇAEN, H. Le Córtex
Cérébral, Masson & Cie, Paris, 1964. RICHEL, A.
Contribuição ao Estudo do Desenvolvimento Humano,
Estampa, Lisboa, 1972.
RIESE, W. “The Principals of Evolution of Nervous Function”, in J. of
Nerv. and Ment. Dis., 1943. RIGAL, R. Motricidad,
Aproximocion Psicofisiologia, A. Pila, Madrid, 1979.
ROGERS, C. La Rélation d’Aide et la Psychothérapie, Vol. I e II, ESF,
Paris, 1973.
ROLLAND, P.E. “Organization of Motor Control by the Normal Human
Brain”, in Rev. Human Neurobiology, vol. 2, n° 4, Springer
International, Berlim, 1984; “Suplementary Motor Area and
Other Cortical Areas in the Organization of Voluntary
Movements in Man”, in J. Neurophysiology, 43.
ROMER, A. S. The Vertebrate Body, 2ª ed., W. Saunders, Co.,
Philadelphia, 1956; “Phylogeny and Behavior” in A. Roe e
G. C. Simpson (Ed.), Behavior and Evolution, Yale University
Press, 1958; “The Evolution of the Central Nervous System”
in Ed. Chalmers, Open University, Londres, 1971.
ROSENTHAL, C. Genetic Theory and Ahnormal Behaviour, McGraw-
Hill, Nova Iorque, 1970.
ROSS, A.O. Psychological Aspects of Learning Disabilities and Reading
Disorders, McGraw-Hill, Nova Iorque, 1976.
ROSTAND, J. e TETRY, A. L’Homme – Initiation à la Biologie, Vol. I e II,
Larousse, Paris, 1972.
ROTH, S. e JAEGGI, A. com AJURIAGUERRA, J. de. “Indications de la
Rééducation Psychomotrice” in La choix en Psychiatrie
infantile, Masson & Cie, Paris, 1967.
ROUDINESCO, M. e THYSS, J. “L’Efant Gaucher. Étude Clinique.
Signification Physiologique. Problèmes Pedagogiques” in
Enfance, 1, 1948
RUBINSTEIN, S. Princípios da Psicologia Geral, Vol. I, II, III, IV, V, VI e VII,
Biblioteca Estampa, Lisboa, 1973.
RUSSEL, W. R. Explaining the Brain, Oxford University Press, Londres,
1975.
RUTTER, M. “Concepts of Autism: a Review of Research” in Journal of
Child Psychol. Psychiat., 9/1, 1968. RUTTER, M., TIZARD, J. e
WHITEMORE, K. Education, Health and Behavior, Longmans
Green, Londres, 1970. SAGAN, C. Os Dragões do Éden,
Gradiva, Lisboa, 1985.
SAGE. G. Instruction to Motor Behavior: A Neuropsychological
Approach, Addison-Wesley Reading, 1981.
SAINT-ANNE DARGASSIES, S. Le Développement du Système Nerveux
Foetal, Guigoz, Paris, 1968.
SANES, J.N. e EVARTS, E.V. “Motor Psychophysics” in Rev. Human
Neurobiology, vol. 2, n° 4, 1984, Springer International,
Berlim, 1984.
SANIDES, F. Como se Constituiu o Cérebro Humano, Boehringer Sohn,
Lisboa, 1966.
SANTUCCI, H. BENDER, L. Épreuve d’Organisation Grapho-Perceptive
pour Enfants de 6 às 14 Ans, Delachaux et Niestlé,
Neuchâtel, 1968.
SAPIR, S. e NITZBURG, Children with Learning Disabilities, Brunners e
Mazel, Nova Iorque, 1973.
SARNAT, H. B. e NETSKY, M. G. Evolution of the Nervous System,
Oxford University Press, Nova Iorque, 1981. SARTRE, P.
Esquisse d’une Théorie de l’Émotion, Hermann, Paris; 1939.
SATZ, P. e VAN NOSTRAND. G. Developmental Dyslexia: An Evolution
of a Theory, Rotterdam University Press, 1973.
SATZ, P. Intervenção Pessoal na 3ª Conferência Anual da Orton Society,
Boston, 1980.
SCHENOV, I. M. Reflexes of the Brain, MIT Press, Massachusetts, 1970.
SCHILDER, P. L’Image du Corps, Gallimard, Paris, 1963.
SCHNEIRLA, T. C. The Concept of Development in Comparative
Psychology, D.B. Harris; The Concept of Development,
University Minnesota Press, Minneapolis, 1957.
SCHNITKER, M. The Teacher’s Guide to the Brain and Learning, Acad.
Therap. Public., S. Rafael, 1972.
SCHULTZ, J. H. Le Training Autogéne, PUF, Paris, 1965.
SEDICA, P. “L’Anatomie dans la Psychanalyse” in Nouvelle Revue de
Psychanalyse Lieux da Corps, Gallimard, Paris, 1971.
SENF, G.M. An Information Integration Theory and its Application to
Normal Reading Aquisition and Reading Disability, Univ.
Arizona, Arizona, 1972.
SERAFETINIDES, E. A. Brain Lareraly: New Functional Aspects in Main
Droite et Main Gauche, PUF, Paris, 1968.
SHERRINGTON, C.S. The Integrative Action of the Nervous Systems,
Scribners, Nova Iorque, 1906; Man and his Nature,
University Press, Cambridge, 1946.
SIDOROV, M. A Evolução do Pensamento Humano, Presença, Lisboa,
1973.
SIMONS. E. L. Primate Evolution – An Introduction to Man’s Place in
Nature, MacMillan Series in Physical Anthropology, Nova
Iorque, 1972; “The Earliest Apes” in Biological
Anthropology, Scientific American, San Francisco, 1972:
“Some Fallacies in the Study Hominid Phylogeny” in The
Origin & Evolution of Man, A. Montagu Thomas & Crowell,
Nova Iorque, 1973.
SIMPSON, G.G. “Studies on the Earliest Primates” in Bull. Amer. Mus.
Nat. Hist., 77, 1940; The Meaning of Evolution, Mentor
Books, Nova Iorque, 1951; “Man’s Place in Nature” in
Munson, R., Man and Nature, Dell Publishing Co. Inc., Nova
Iorque, 1971.
SINGER. R. Motor Learning and Human Performace. Macmillan Public,
Nova Iorque, 1975.
SIVADON, P. e GENTHERET, P. La Reeducation Corporelle des Fonctions
Mentales, 1965. SKEFFINGTON, A. M. Papers and Lectures,
Optometric Extension Program, Duncan, Okla, 1965.
SKINNER, B. Science and Human Behavior, Macmillan Co., Nova
Iorque, 1953; L’Analyse Expérimentale du Comportement,
Dessart, Bruxelas, 1971.
SMIRNOV, LEONTIEV e outros. Psicologia, Grijalbo S.A., México, D.F.,
1969.
SMITH, H. Introduction to Human Mouvement, Addison-Wesley
Publishing Co., 1968.
SMITH, R. e NEISWORTH, J. The Exceptional Child, A Functional
Approach, McGraw Hill Book Co., Nova Iorque, 1975.
SOUBIRAN. G.B. e MAZO, P. La Réadaptation Scolaire des Enfants
lntelligents par Rééducation Psychomotrice, Poin, Paris,
1965.
SPERRY, R.W. “Cerebral Dominance in Perception” in A. Young e D.B.
Lindsey, Early Experience and Visual information Processing
in Perceptual and Reading Disorders, Nat. Academy of
Sciences. Washington, D.C., 1970; La Grand Comisura
Cerebral” – Scientific American – in Psicologia
contemporânea, Blume, Madrid, 1975.
SPITZ, R. Le Première Année de la Vie de l’Enfant, PUF, Paris, 1963; De
la Naissance á la Parole, PUF, Paris, 1972.
STAMBAK, M. “Contribution à l’Étude de Developpement Moteur le
Nourrisson Communication à la Societé Française de
Psychol., abril, 1956; Tonus et Psychomotricité, Delachaux et
Niestlé, Neuchâtel, 1963; “La Motricité Chez les Débiles
Mentaux” in La Psychiatrie de l’Enfant, Vol. VI, fasc. 2, 1963;
Tonus et Psychomotricité dans la Première Enfance,
Delachaux Niestlé, Neuchâtel, 1963; “La Motricité Chez les
Débiles Mentaux” (cap. “Qu’est-ce que la Motricité?”), in La
Psychiatrie de l’Enfant, Vol. XI, fasc. 2, 1968.
STAMBAK, M.; BERGÉS, J. e HARRISON, A. “Étude sur la Lateralité.
Nouvelles Perspectives” in Rev. Neurosychiat. Inf., 3, 1965.
STAMBAK, M.; HERITAU, D.; AUZIAS, M.; BERGES, J. e
AJURIAGUERRA, J. de. “Les Dyspraxies Chez l’Enfant” in
Rev. Psychiat. Enf., Vol. VII, Fasc. 2, 1964.
STAMBAK, M. e JAKSIC, S. “Épreuves de Niveau et de Style Moteur”
in Zazzo, R., Manual pour l’Examen Psychologique de
l’Enfant, Delachaux et Niestlé, 2ª ed., Neuchâtel, 1965.
STAMBAK, PECHEUX, HARRISON e BERGÉS. “Méthodes d’Approche
pour l’Étude de la Motricité Chez l’Enfant” in Rev. Neuro.
Inf., 1967.
STAMBAK, M.; VIAL, M.; DIATKINE, R. et PLAISANCE, E. La Dyslexie en
Question, Armand Colin, Paris, 1972. STANLEY-HALL, H. The
Psychology of Play, Penguin Books, Londres, 1968.
STERN, W. Psicologia Geral, F.C. Gulbenkian, Lisboa, 1971.
STOKVIS, B. “Possibilité et Limitations de la Relaxation dans la
Médicine Psycho-Somatique” in Rev. de Médicine Psycho-
Somatique, I, II, 1960.
STRATTON, G. M. “Some Preliminary Experiments on Vision without
Inversion of the Retinal Image” in Psychol. Rev., 3, 1896.
STRAUSS, A.A. e Collab. Psychopathology and Education of the Brain
Injured Child, Grune and Stratton, Nova Iorque, 1947.
STRAUSS. A. e KEPHART, N. Psychopathology and Education of the
Brain Injured Child, Vol. II, Grune e Stratton, Nova Iorque,
1955; Progress in Theory and Clinic, Vol. II, (8ª ed.), Grune
Stratton, Nova Iorque, 1972.
STRAUSS, A. e LEHTINEN, L. Psychopathology and Education of the
Brain Injured Child, Grune and Stratton, 16ª ed., Nova
Iorque, 1969.
STUART, M. F. Neurophysiological Insights into Teaching, Pacific Books,
Palo Alto, 1963. SUBIRANA, A. “La Droiterie” in Arch.
Suisses de Neurologie et de Psychiatrie, 1952.
TABARY, J. C.; TARDIEU, G. e TARDIEU, C. “Conception du
Développement de 1’ Organisation Motrice Chez l’Enfant,
Interpretation de l’Infirmité Motrice Cerebrale et sa
Rééducation” in Rev. de Neuropsychiatrie Infantile, 14, n°
10-11, 1966.
TANNENBAUM, A. e COHEN, A. Taxonomy of Instructional Treatment,
Final Report, U.S. 0ffice of Education, 1967.
TASAN, A. e VOLARD, R. Le Troisième Pére, Symbolisme et Dynamique
de la Rééducation, Payot, Paris, 1973.
TEMBOURET, E.; DIAMAND, L.; CRAMBES, G.; GIRARD, J. e
GODEFROY, F. “Recherche de Modalités d’Intervention en
Thérapie Psychomotrice” in Thérapie Psychomotrice, n°
9/10, fevereiro, 1971.
TERMAN, E. L. Non Language Multi-Mental Test., Bureau of Publicat.
Teachers College, Columbia University, 1942.
THOMAS, A. Equilibre et Équilibration, Masson & Cie, Paris, 1940.
THOMAS, A. e AUTGAERDEN, S. Psycho-Affectivité des Premiers Mois
du Nourrisson, (Evolution des Rapports de la Mobilité de la
Connaissance et de l’Affectivité), Masson & Cie., Paris.
1963; La Locomotion de la Vie Foetale à la Vie Post-Natale,
(Réfléxivité, Réactivité des Sens à la Psychomotilité), Masson
& Cie., Paris, 1963.
THOMAZI, J. Le Bonhomme et l’Enfant, Coquemard, Angouléme,
1960.
THOMPSON, R. Foundations of Physiological Psychology, Harper
International, Evanston, 1967. TINBERGEN, N. The Study of
Instinct, Oxford Univ. Press., Nova Iorque, 1951.
TOBIAS, P. V. “The Distinctiveness of Homo Habilis’ in Nature, 209,
1951.
TOLÓN, J. G. Rehabilitación en los Trastornos de Aprendizaje. Escuela
Española, S.A., Madrid, 1982.
TORGESEN, J. K. “The Role of Nonspecific Factors in the Fast
Performance of Learning Disable Children” in Journal of
Learning Disabilities, 1, 1977.
TOSQUELLES, F. Structure e Rééducation Thérapeutique, Universitaires,
Paris, 1967.
TOURNAY, A. “Bases Neurologiques de la Maturation Motrice” in Rev.
Enfance, 1965.
TOWEN, B. C. L. e PRECHTL, H. F. R. The Neurological Examination of
the Child with Minor Nervous Dysfunction, Spastics
International Medical Publications, Londres, 1977.
TRAN-THONG. Stades et Concept de Stade de Développement de
l’Enfant dans la Psychologie Contemporaine, Libr.
Philosophique J. Vrin, Paris, 1972.
TREVARTHEN. C. “Development of the Cerebral Mechanisms For
Language” in U. Kirk, Neuropsychology of Language,
Reading and Spelling, Academic Press, Nova Iorque, 1983.
UEXKULL, J. VON. Dos Animais e dos Homens, Livros do Brasil, Lisboa,
1968.
VALLAT, N. ‘Techniques d’Expression Corporelle et Réeducation
Psychomotrice” in Therapie Psychomotrice, n° 17, 1973.
VALLET, R. The Remediation of Learning Disabilities, Fearon Publishers
Inc., Belmont, 1974; Programming Learning Disabilities,
Fearon Public., Belmont, 1979; Dyslexia A
Neuropsychological Approach to Educating Children with
Severe Reading Disorders, Fearon Pitman Public., Belmont,
1980.
VAN BOGAERT, L. Sur la Pathologie de l’Image de Soi, Travaux de
l’Institut Bung, n° 8.
VAYER, P. Le Dialogue Corporel, Doin, Paris, 1972.
VAYER, P. e DESTROOPER, J. La Dynamique de l’Action Éducative,
Doin, Paris, 1976. VERMEYLEN. Psychologie de l’Enfant et
de l’Adolescent. Lamertin, Bruxelas, 1926.
VIAL, M. e STAMBAK, M. “L’Ecole Maternelle et l’Inadaptation
Scolaire” in Les Enfants et les Adolescents Inadaptés,
Cahiers de Pedagogie Moderne, 57.
VIAL, M. Les Activités Physiques de L’Homme (“A Propos de la Psycho-
Cinetique, Quelques Problèmes Posés par l’Analyse du
Movement Humain”, CERM, Paris, 1969; “Quelques
Réflexions sur la Notion de Psychomotricité” in Rev. Thérapie
Psychomotrice, n° 15, agosto, 1972.
VIAL, M., PLAISANGE, E. e BEAUVAIS, J. Les Mauvais Élèves, PUF,
1973.
VITTOZ, R. Traitement des Psychonéuroses para la Rééducation du
Contrôle Cérebral, Baillére, Paris, 1954.
VODOLA, T. Individualized Physical Education Program for the
Handicapped Child, Prentice-Hall, Nova Jersey, 1973.
VYGOTSKY, L. S. Thought and Language, Mit, Presse, Cambridge,
1962.
VYL, M. “Rééducation Neuropsychique et Troubles Scolaires” in Reed,
Orthophonique, n° 55/56, Paris, 1970.
WADDINGTON, C.H. The Etical Animal, George Allen & Unvin Ltd.,
1960: Towards a Theoretical Biology, Aldine Publishing Co.,
Chicago, 1969.
WALLON, H. L’Enfant Turbulent, Alcan, Paris, 1925; “Le
Comportement Emotional” in Rev. Cours de Conférences,
fev., 1930; “Le Comportement Fonctionnel du Nourrison”,
in Rev. Cours de Conferences, fev., 1930; “Comment se
Développe Chez l’Enfant la Notion du Corps Propre” in
Journal de Psychologie, novembro-dezembro, 1931;
“Syndromes d’Insuffisance Psychomotrice et Types
Psychomoteurs” in Ann. Med. Psychol., 1932;
Développement Moteur et Mental Chez l’Enfant, 11º
Congrés International de Psychologie, Paris, 1937; L’Ètude
Psychologique et Sociologique de l’Enfant, Cahiers Intern.
de Sociologie, 1947; “Le Développement Psychomoteur de
l’Enfant” in Rev. Morphopsysiologie Humaine, Paris, 1950;
“Kinesthésie et Image Visuelle du Corps Propre Chez
l’Enfant” in Bul. de Psychol., VII, 5, 1954; Importance du
Movement dans le Développement Psychologique de
l’Enfant” in Rev. Enfance, n° 2, 1956; “Sur Quelques Signes
d’Appraxie Chez des Enfants Inadaptés” in Ann, Med.
Psychol. 116, 2, 1958; “Equilibre Statique, Équilibre du
Movement Double Lateralisation entre 5 e 15 Ans”, in
Enfance, 1958; “Le Développement Psycho-Motrice” in
Enfance, n° 3 e 4, maio e outubro, 1959; “L’Habilité
Manuelle” in Rev. Enfance, n° 16, 1963; Les Origines de la
Pensée chez l’Enfant, PUF, 3ª ed., Paris, 1963; Do Acto ao
Pensamento, Portugália, Lisboa, 1969; Evolution
Psychologique de l’Enfant, Armand Colin, Paris, 1970; Les
Origines du Caractére Chez l’Enfant, PUF, Paris, 1970.
WALSHE, F. M. R. On the Role of the Pyramidal System in Willed
Movements in Brain and Behaviour, K. H. Pribram, Penguim
Books, Middlesex, 1969.
WARNOCK, H. M. Special Educational Needs, Report editado pelo Her
Majesty’s Stationery Office, Londres, 1978.
WASHBURN, S. L. “Tools and Human Evolution”, in Biological
Anthropology, Scientific American, San Francisco, 1972;
“The Strategy of Physical Anthropology’ in Origin and
Evolution of Man by A. Montagu, TYC, Nova Iorque, 1973.
WATSON, J. B. “The Place of Kinesthetic, Visceral and Laryngeal
Organisation of Thinking” in Psych. Review, 1924;
Behaviorism, Norton, Nova Iorque, 1925.
WATSON, J. D. The Double Helix, Atheneum and Weidenfeld and
Nicolson, 1968; La Biologie Moléculaire du Gene,
Edisciences, Paris, 1969.
WAYER. P. L’Enfant Face au Monde à l’Âge des Apprentissages
Scolaires, Doin, Paris, 1972. WEBER, E. The Kindergarten, Its
encounter with Educational Thought in América.
WECHSLER, D. WISC revised, Psychological Corporation, Nova Iorque,
1974.
WEDDELL, K. e RAYBOULD, E. C. Earlly Identification of Educationally
“at risk” Children, in Educational Review, University
Birminghan, 1977.
WEIR-MITCHELL, S. Des Lèsions des Nerfs et de leurs Consèquences,
traduction Dastre, Paris, 1874.
WEISS, A. “La Réeducation Psychomotrice et Réinsertion
Professionelle” in Rev. Neuropsych, Inf., nº especial.
WEPMAN, J. M. The Perceptual Basis for Learning, Meeting
Individual Differences in Reading, University Chicago Press,
1964.
WERNER, H. e STRAUSS, A. “Types of Visuo-Motor Activity in their
Relation to Low and Hight Performance Ages” in
Preceedings of the American Ass. on Mental Deficiency, 44,
1939.
WERNER, H. “Development of Visuo-Motor Performance on the
Marble Board Test in Mentally Retarded Children” in Journal
of Genetic Psychology, 64, 1944; “Perceptual Behavior of
Brain-Injured” in Genetic Psychology Mongr., 31, 1945;
“Abnormal and Subnormal Rigidity” in Journal of Abnormal
Social Psychology, 71, 1946.
WERNICKE, C. Grundiss der Psychiatrie, 2ª ed., Leipzig, 1906.
WHITTROCK, M. C. e colab. The Human Brain, Prentice-Hall, Nova
Jersey, 1972. WICKSTROM, C. Fundamental Motor Patterns,
Lea e Febiger, Philadelphia, 1970.
WIDLOCHER, D. “Problèmes du Développement Psychomoteur” in
Rev. Perspectives Psychiatriques, n° 23, 1969; “Le
Corps en Pathologie Psychosomatique” in Rev. Thérapie
Psychomotrice, n° 22, maio, 1974.
WIENER, J. e LINDSTONE, J. Créative Movement for Children. (A dance
program for the classroom), Von Nostrand Reinhold Books,
Nova Iorque, 1969.
WILLEMS, E. La Dyslexie et la Musique, Conférence sous les auspices
de l’ADOPSED Strasbourg, 1972.
WINNICOTT, D. W. “Les Corps et le Self” in Lieux du Corps, Rev.
Nouvelles de Psychanalyse, n° 3, 1971; Les Processus de
Maturation chez l’Enfant, Payot, Paris, 1972.
WINTREBERT, D. Les Mouvements Passifs et la Relaxation, Principes et
Effects d’une Methode Particulière de Réeducation
Psychomotrice, These de Médicine, Paris, 1959.
WINTREBERT, H. “La Relaxation, Thérapeutique Évolutive Bio et
Psychodinamique” in Therapie Psychomotrice, n° 9/10,
1971.
WINTREBERT, H.; MICHAUX, L.; WIDLOCHER, D. e PRINGUET, G., “La
Relaxation Chez l’Enfant (Principes généraux, methodes et
indications)” in La Relaxation, L’Expansion, 1971.
WINTSCH, J. “Le Dessin comme Témoin du Dévéloppement Mental in
Z. Kinder Psych., 2, 1935.
WITELSON, S. “Abnormal Right Hemisphere Specialization in
Developmental Dyslexia” in R. Knights e D. Bakker.
Neuropsychology of Learning Disorders, University Park
Press, Baltimore, 1976.
WOLF, G. Neurobiologia, Blume, Madrid, 1974.
WONG, B. “The Role of Theory in L. D. Research” in Journal of
Learning Disabilities, 10, 1979.
ZANGWILL, O. Cerebral Dominance and its Relations to Psychological
Functions, Oliver and Boyd, Edinburgo, 1960.
ZAPOROZHETS, A. V. Development of Voluntary Movements in the
Child, Izd. Akad. Pedagogicas, Moscovo, 1960; “The
Development of Perception in the Preschool Child”, in
Monographs of the Society for Research in Child
Development, 30, 1956; Perception and Action,
Prosveshcheme Press, Moscovo, 1967.
ZAPOROZHETS, A. V. e ELKONIN, D. B. The Psychology of Preschool
Children, The MIT Press, Massachusetts, 1971.
ZAYNAN, R. C. “Activité Proprioceptive et Localisation d’une Sensation
Tactile-Etude Critique sur la Régulation Sensori-Motrice en
Psycho-Physiologie” in Rev. Psychol., Sci. Educ., 6, 293-329,
1971.
ZAZZO, R. “Image du Corps et Conscience de Soi” in Rev. Enfance, 1,
1948; Manual pour l’Examen Psychologique de l’Enfant,
Delachaux & Niestlé, Paris, 1960; Psychologie Différentielle
de l’Adolescence, PUF, Paris, 1966; Conduits et Consciences,
Vol. I/II, Delachaux et Niestlé, Paris, 1969; Psychologie et
Marxisme: Vie et l’Ouvre d’Henri Wallon, Meditations, Paris,
1975.
ZIMMÉRMANN, D. La Réeducation pour Quoi Faire?, ESF, Paris, 1973.
ZUBEK, J. P. e SOLBERG, P. A. Human Development, McGraw-Hill,
Nova Iorque, 1954.
ZUCKMAN, E. e colab. “Children with Severe Brain Injuries” in Journal
of the Amer.Assoc., 174 1960.

You might also like