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Dionísio

Del Santo
Sombra
Projetada
Projected Shadow

Curadoria de Júlio Martins e Renan Andrade


Curated by Júlio Martins and Renan Andrade
Dados Internacionais de catalogação na Fonte – CIP
Centro Cultural Sesc Glória (David Rocha – CRB 713/ES)

Dionísio Del Santo | Sombra Projetada = Dionísio Del Santo |


Projected Shadow / curadoria de Júlio Martins; Renan Andrade
[tradução para o inglês Lobo Pasolini; revisão em português
Tiago Zanoli]. – Vitória, ES: Centro Cultural Sesc Glória, 2017.
180 p. : il.

Edição bilíngue: português / inglês.


Catálogo da exposição realizada no Centro Cultural Sesc Glória,
Vitória/ ES, de 31 de maio a 03 de setembro de 2017.

ISBN 978-85-69009-03-0

1. Artes plásticas – Exposição. 2. Arte brasileira. 3. Arte moderna.
I. Título.

690 09    
CDD: 709.81
Centro Cultural Sesc Glória and Museu de Arte do Espírito Santo (Maes)
bring to the public a fresh look at the oeuvre of Dionísio Del Santo, whose
works are held in the collections of Maes and Patrimônio Cultural do
Estado. Born in Colatina (ES), he was the main modernist born in Es-
pírito Santo State, as well as one of the most original artists whose work
dialogues closely with the Brazilian Concrete and Neo-Concrete output,
and is worth a broader national and local exposure.

The exhibition Dionísio Del Santo | Sombra Projetada (Projected Shadow)


allows the public to explore some of the most recent phases of the artist’s
poetic universe. Besides, it rescues and publicizes his unique place within
the realm of Brazilian art history from his almost lonely production over
the course of more than 50 years of work. Painter, draughtsman, engraver
and screen printer, Dionísio start to devote himself to abstract art from
the mid-1960s, making mainly silkscreen pieces which form the main
component of this exhibition. His graphic output has been met with wide
critical acclaim, particularly due to its refinement in the development of
his own practice. Called ‘matriz espontânea’ (‘spontaneous matrix’), this
technique gave screen printing more freedom and broke away from the
reproducible characteristics of the medium, turning each outcome into
a unique piece.

In order to contextualize the work of this Espírito Santo artist for the cat-
alogue of the exhibition, the curatorial team proposes a dialogue with
Dionísio’s abstract production through interviews with contemporary
artists whose work somehow resembles Del Santo’s geometric and linear
research, reflected in creative processes as diverse as their origins and
their work bases, such as Colombia, Maranhão, Vitória, São Paulo and
Rio de Janeiro, among other places.

With an Educational Program that accompanies every stage of the


exhibition, both institutions seek to encourage subjectivity and broaden
access to a body of work that is key to the history of art, in line with the
need to foster critical education and inclusion of contemporary citizens,
replicating encounters in different contexts and synchronicities.

Centro Cultural Sesc Glória


Museu de Arte do Espírito Santo
O Centro Cultural Sesc Glória e o Museu de Arte do Espírito Santo (Maes)
oferecem ao público um novo olhar sobre a obra do artista Dionísio Del
Santo, integrante do acervo do Maes e Patrimônio Cultural do Estado.
Natural de Colatina (ES), Dionísio foi o principal modernista capixaba
e um dos mais originais artistas cuja obra dialoga intimamente com a
produção concreta e neoconcreta brasileira, merecendo ainda maior
difusão local e nacional.

Por meio da exposição Dionísio Del Santo | Sombra Projetada, o público


pode explorar algumas fases mais recentes do universo poético desse
artista, além de resgatar e difundir a sua individualidade no âmbito da
história da arte brasileira, em meio à sua produção quase solitária em mais
de 50 anos de trabalho. Pintor, desenhista, gravador e serígrafo, Dionísio
se dedicou à arte abstrata desde a metade dos anos 1960, realizando
principalmente obras em serigrafia, que compreendem o principal recorte
dessa exposição. A sua produção gráfica está entre as mais aclamadas pela
crítica, merecendo destaque particular dado o seu refinamento técnico,
além da sua experimentação no desenvolvimento de uma prática própria.
Denominada matriz espontânea, sua técnica proporcionou às impressões
serigráficas maior liberdade, rompendo com o caráter reprodutível da
serigrafia e transformando cada resultado em obras únicas.

Ao contextualizar a obra do artista capixaba para o catálogo da exposi-


ção, a curadoria propõe o diálogo com a produção abstrata de Dionísio
por meio de entrevistas com artistas atuais que, de algum modo, se
aproximam da pesquisa geométrica e linear de Del Santo, ecoando em
processos criativos tão diversos quanto as suas origens e as localidades
em que atuam, como Colômbia, Maranhão, Pará, São Paulo, Rio de
Janeiro, entre outros lugares.

Com um programa educativo que acompanha todas as etapas da expo-


sição, ambas as instituições visam estimular a subjetividade e ampliar o
acesso da sociedade a uma produção fundamental para a história da arte,
alinhada às necessidades da formação crítica e de inclusão do cidadão
contemporâneo, replicando encontros em diferentes contextos e sintonias.

Centro Cultural Sesc Glória


Museu de Arte do Espírito Santo
Dionísio Del Santo | Projected Shadow

We usually have the impression we know that shadows are a type of pro-
jection. However, this impression is followed by the annoying difficulty in
understanding that our projections and images are, equally, mere shad-
ows. This exhibition was born out of a contact with a silk-screen print by
Dionísio Del Santo called “Projected Shadow”, which gives name to the
exhibition for articulating underexplored aspects and issues, be it for the
extravagant color or the unorthodox use of geometric vocabulary. Even
though Dionísio Del Santo is an important artist from Espírito Santo State
and the subject of various exhibits and publications, given the singularity
of his artistic experience, there is much left to.

“Sombra Projetada” (“Projected Shadow”) is an atypical work within Del


Santo’s body of work, its vivid colors fall outside the Concretist grammar, the
relationships between form and background are problematized by an almost
demonstrative arrangement of planes, their distances and relationships. In
short, nothing comes anywhere near the formalist planarity. Perhaps precisely
for that reason that this image can update and problematize what Ferreira
Gullar postulated with the Neo-Concretists: that “geometric language is not
the point of arrival, but a field open to experience and questioning”.

Despite initially aligning himself with the Neo-Concrete production, Del


Santo remained autonomous in his plastic research and avoided pigeon-
holing his place in art history. “Sombra Projetada” (“Projected Shadow”)
itself alludes to formal distortions and the relation between objectivity
and subjectivity, also signaling that the artist never subscribed to any
dogmatic position. This way, he produced with freedom and also kept
reference to figuration in several of his pieces while in others he broad-
ened the semantic reach of the geometric vocabulary and focused on
exercising screen-printing techniques as radical experiments in language.
The artist attributed, in his own words, a “physical-sexual contact with
the raw material of creation”. In this sense, the exhibition highlights the
complexity of his gestures and the way he treated form.

The pieces gathered here stand out for their use of screen printing lan-
guage beyond the technique, shedding light on the various strategies
Dionísio Del Santo | Sombra Projetada 

Normalmente, temos a impressão de saber que as sombras são tipos de


projeção. Contudo, a sequência incômoda que se apresenta é a dificuldade
em compreender que nossas projeções e imagens, igualmente, são meras
sombras. Essas breves reflexões e a presente mostra nascem do contato
com uma serigrafia de Dionísio Del Santo chamada “Sombra Projetada”,
que dá nome à exposição por articular aspectos e questões ainda pouco
explorados, seja pela cor extravagante, seja pelo uso do vocabulário geo-
métrico, em nada ortodoxo. Apesar de Dionísio Del Santo ser um importante
artista capixaba e de exposições e publicações terem sido produzidas re-
gularmente, dada a singularidade de sua experiência artística, resta muito
por se investigar e conhecer na obra desse “inventor serígrafo”. 

“Sombra Projetada” é uma obra atípica dentro da produção de Dionísio


Del Santo. Suas cores vivas fogem à gramática concretista, as relações
entre forma e fundo são problematizadas por um arranjo quase demons-
trativo dos planos, suas distâncias e relações, enfim, nada se aproxima
à planaridade formalista. Talvez, justamente por isso, essa imagem seja
capaz de atualizar e problematizar aquilo que Ferreira Gullar postulou
junto aos neoconcretos: “a linguagem geométrica não é um ponto de
chegada, mas sim um campo aberto à experiência e à indagação”.

Apesar de inicialmente alinhar-se à produção neoconcreta, Dionísio


Del Santo manteve sempre autonomia em sua pesquisa plástica, não
se encaixando em rótulos da história da arte. “Sombra Projetada” alude
às distorções formais e à relação entre objetividade e subjetividade,
indicando também que o artista nunca se filiou a nenhuma posição
dogmática e preferiu transitar pelos devires de seus próprios expe-
rimentos, sobretudo em serigrafia. Assim, produziu com liberdade e,
inclusive, manteve a referência à figuração em muitas obras, ao mesmo
tempo em que, noutras, ampliava os alcances semânticos do vocabu-
lário geométrico e se dedicava a exercitar técnicas serigráficas como
experimentos radicais de linguagem. O artista imputava um “contato
físico-sexual com a matéria da criação”, segundo suas próprias palavras,
e, nesse sentido, a exposição evidencia a complexidade de seus gestos
e tratamentos à forma.
and processes created by Del Santo. His “Permutações” (“Permutations”)
and “Matrizes Espontâneas” (“Spontaneous Matrixes”), developed from
the mid-1960’s and 1970’s, consist of applications made directly on
the silk screen to produce unique images with shredded paper, string,
mobile fragments, graffiti dust mixed into paint or the application of
colors on different layers. He also expresses an interest, already in
1990’s, in producing singular arrangements from the experimentation
with organic, irregular shapes and vibrant colors as can be seen in
“Fragmentos Rítmicos” (“Rhythmic Fragments”) series of paintings, one
of his last endeavors.

Aware of its significance for Maes, the initiative to show its collection
outside the building as it undergoes a revamping, we expect to inspire
more questions and research into his body of work, so that this exhibition
instigates an investigative reflection on Dionísio Del Santo. Therefore, as
a way to generate reverberations beyond the exhibition register, and as
edited in the first part of this publication called “Sombras” (“Shadows”),
the curators proposed the inclusion of local artists as well as some from
other states, to spark a dialogue inspired by the presence of elements of
Dionísio in the contemporary production. The artists Fabio Morais, Felipe
Barbosa, Fredone Fone, Pablo Lobato, Paulo Climachauska, Renato Ren,
Sandro Novais and the Espírito Santo-born historian Almerinda Lopes
contribute, in the second half of the volume, “Projeções” (“Projections”),
with interviews where they expose their perspectives and experiences in
contact with the work of the Espírito Santo screen-printer.

Júlio Martins and Renan Andrade


curators
As obras reunidas destacam-se pelo uso da linguagem serigráfica para
além da técnica, evidenciando estratégias e processos diversos criados
por Dionísio Del Santo. Suas “Permutações” e “Matrizes Espontâneas”,
desenvolvidas a partir dos anos 1960 e 1970, consistem em investimentos
realizados diretamente sobre a tela serigráfica, produzindo imagens
únicas — com papéis picados, barbante, fragmentos móveis, pó de gra-
fite misturado às tintas ou aplicação de cores diferentes nas camadas.
Vemos ainda reverberar nos anos 1990, nas pinturas da série “Fragmen-
tos Rítmicos”, uma de suas últimas realizações, um interesse próximo ao
dessas serigrafias em produzir arranjos singulares com formas orgânicas
e irregulares e sob cores vibrantes.

Por entender como sendo significativa para o Maes a iniciativa de exi-


bir o seu acervo fora de seu prédio durante a reforma, espera-se também
que se ampliem as perguntas e a pesquisa em torno de suas obras, a fim
de que, com esta exposição, seja instigada uma reflexão investigativa a
partir de Dionísio Del Santo. Portanto, como forma de gerar reverbera-
ções para além dos registros da exposição, editados na primeira parte
desta publicação, nomeada “Sombras”, os curadores propuseram ainda,
a artistas capixabas e de outros estados do país, um diálogo motivado
por elementos da obra de Dionísio na contemporaneidade. Os artistas
Fabio Morais, Felipe Barbosa, Fredone Fone, Pablo Lobato, Paulo Clima-
chauska, Renato Ren, Sandro Novais e a historiadora da arte capixaba e
curadora Almerinda Lopes contribuem na segunda parte, “Projeções”, com
entrevistas nas quais expõem suas perspectivas e experiências em contato
com o trabalho do serígrafo capixaba.

Júlio Martins e Renan Andrade


curadores
Sumário

Contents
Sombras  17 Projeções  93
RENAN ANDRADE ENTREVISTAS

Carta para Dionísio  57 Almerinda Lopes  95


JÚLIO MARTINS Fábio Morais  102
Fragmentos Rítmicos Felipe Barbosa  112
— Apontamentos dissonantes Fredone Fone  124
sobre algumas obras Pablo Lobato  136
de Dionísio Del Santo  83 Paulo Climachauska  146
Renato Ren  156
Sandro Novaes  168

Shadows  17 Projections  93
RENAN ANDRADE INTERVIEWS

Letter to Dionísio  56 Almerinda Lopes  94


JÚLIO MARTINS Fábio Morais  102
Rhythmic Fragments Felipe Barbosa  112
— Dissonant notes about some Fredone Fone  124
of Dionísio Del Santo’s pieces  82 Pablo Lobato  136
Paulo Climachauska  146
Renato Ren  156
Sandro Novaes  168
Sombras

Shadows
Sombra Projetada
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
69,6 x 49,7 cm
1976

20
21
Duas Máscaras Complementares
Óleo sobre tela
Oil on canvas
97 x 97 cm
1986

22
23
Permuta B 1/2
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
69,6 x 49,9 cm
1975

24
25
Sem título
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
69,7 x 49,5cm
1973

26
27
Sem título
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
70 x 49,1 cm
1975

28
29
Sem título
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
70,1 x 50,1 cm
1984

30
31
Sem título
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
69,7 x 49,9 cm
1974

32
33
Sem título
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
69,3 x 49,7 cm
1982

34
35
Sem título
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
69,5 x 49,2 cm
1983

36
37
Losango Espaço — Mutação B
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
69,7 x 49,9 cm
1970

38
39
Sem título
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
69,8 x 50,3 cm
1990

40
41
Sem título
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
69,9 x 50,2 cm
1989

42
43
Sem título
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
69,6 x 49,9 cm
1978

44
45
Sem título
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
81,5 x 61,5 cm
1990

46
47
Sem título
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
70 x 49,9 cm
1994

48
49
Sem título
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
70,2 x 50,2 cm
1997

50
51
Vitória, June 07, 2017

Dear Dionísio,

I write as an attempt to respond to the time and the questions your work
brings up. Perhaps it is like trying to reconstitute some stories and spark
others. Are these parts of the exercise of a curatorship? Reverbing texts
with provisional certainties or propose them as an investigative method?
Inevitably, as you said, “it is up to the looker to notice intuitively or judge
according to their knowledge”1.

In the certainty that I can address you with a “dear”, my intention is not
just to adapt the expression to the rules of education and courtesy. I see
this form of address as the result of a level of proximity. Not only through
the process of research for the exhibition, but also for the bond with your
body of work that seems natural to me. I can say that, for a few years, I
have been living with the collection at Museu de Arte do Espírito Santo
(Maes), mainly your collection, when I was carrying out the cataloguing
and admeasurement of each piece.

Here, I refer to an answer about the 85 pieces quoted in letters exchanged


with Teresa Gilberti in the months leading up to the “Dionísio Del Santo —
Retrospectiva”, the museum’s opening show2. On January 22, 1999, 75 pieces
of your collection were included in Maes’s collection, according to your wishes
and, symbolically, two days after you passed away. These days the museum
has more than 82 pieces and works hard to score new acquisitions. I add that
the texts by Chenier and Ramires, as proposed by you, were added to the
catalogue of the 1998 exhibition, a very important document about your
output because it provides a clear voice and vision of the trajectory itself.

It is interesting to see in your work, with the benefit of access to the ex-
hibition design3, of that opening show, the use of line as graphic signs of
language itself. In the initial scheme that you proposed for one room, 48

1  DEL SANTO, Dionísio. Dionísio Del Santo: Retrospectiva. Catalogue of the opening show
of Museu de Arte do Espírito Santo. Vitória, 1998.
2  Inauguration on December 18, 1998.
3  DEL SANTO, Dionísio. Floorplan designed by the artist for the exhibition design for Dionísio Del
Santo — Retrospectiva, 1998, collection of Museu de Arte do Espírito Santo Dionísio Del Santo.

56
Vitória, 7 de junho de 2017

Caro Dionísio,

Escrevo numa tentativa de resposta ao tempo e às indagações que me


surgem sobre a sua obra. Talvez seja como tentar reconstituir algumas
histórias e deflagrar outras. Seria esse um dos exercícios de uma curadoria?
Reverberar textos com certezas provisórias ou propô-los como método
investigativo? Inevitavelmente, apropriando-me da sua fala, “cabe aos apre-
ciadores perceber intuitivamente ou julgar segundo seus conhecimentos”1.

Certo de que posso tratá-lo como “caro”, não desejo mero ajustamento
da expressão às normas de educação ou cortesia. Percebo esse trata-
mento como resultado de algum nível de proximidade. Não somente
pelo processo de pesquisa provocado pela exposição, mas pelo elo com
a sua obra que me é natural. Posso dizer que convivo há alguns anos com
a coleção do Museu de Arte do Espírito Santo (Maes), principalmente a
sua, ao realizar a catalogação e aferição de cada obra.

Aqui, aproprio-me da oportunidade de uma resposta sobre as 85 obras


citadas nas cartas trocadas com Tereza Gilberti, nos meses que prece-
deram “Dionísio Del Santo — Retrospectiva”, exposição de inauguração
do museu2. Em 22 de janeiro de 1999, 75 trabalhos de sua coleção foram
incorporados ao acervo do Maes, conforme o seu desejo e, simbolicamen-
te, dois dias após o seu falecimento. Hoje, o museu possui 82 obras suas
e busca, trabalhosamente no seu encargo, conquistar mais aquisições.
Reforço que os textos de Chenier e Ramires, como por você proposto,
somaram-se ao seu no catálogo da mostra de 1998, documento impor-
tantíssimo sobre a sua produção, pois nos concede uma voz e uma visão
lúcidas acerca da própria trajetória.

Interessante entrever nos seus trabalhos, tendo hoje acesso ao desenho


expográfico3 daquela mostra de inauguração, o uso da linha como sinais

1  DEL SANTO, Dionísio. Dionísio Del Santo: Retrospectiva. Catálogo da exposição de inau-
guração do Museu de Arte do Espírito Santo. Vitória, 1998.
2  Inauguração em 18 de dezembro de 1998.
3  DEL SANTO, Dionísio. Planta desenhada pelo artista com expografia para Dionísio Del
Santo — Retrospectiva, 1998, Acervo do Museu de Arte do Espírito Santo Dionísio Del Santo.

57
graphic pieces are presented, including woodcuttings, line drawings and,
mainly, screen-prints, which were classified by you in this order: seven line
or bar geometric screen-prints, three color geometric screen-prints, three
color figurative screen-prints, four screen-print fragments and ten last
phase screen-prints. They reveal the various stages of renewal in your 31
years of research in, and experimenting with, this technique.

During the last two decades that have elapsed since then, the museum
has shown your works intermittently. The biggest motivator for the current
show and catalogue is the certainty of a debt to your work by Brazilian art
history, which has been repaired by the diligent Almerinda Lopes in her
research and, above all, in the curatorship and catalogue of “Dionísio Del
Santo”, a retrospective and commemorative show held by Maes in 2008.

Today, by proposing a new revision of your work in the context of Maes’s


collection, we also envisage new exhibition approaches from your geo-
metric works, especially in screen-printing, which has led you to articulate
the singularity of the language along with what you called the “essen-
tial emotion”. This makes me think that possibly the research in linear,
geometric and color structures screen-printing experiments (mainly the
permutations of color and the use of spontaneous matrix technique)
paved the way for a return to painting in the series of your last phase,
“Rhythmic fragments”, from 1992 to 1998. Would that make sense? Like a
transit and a transfiguration of your formal repertory, searching for new
rhythms and orders. These screens present organically laid out geometric
forms and color schemes that deal with the texture of the support (you
use rougher fabrics) with a mix of paints, like a finish after the production
of your last phase screen-prints, the spontaneous matrixes, in which, to
paraphrase Almerinda, “the irregular fragments softened the geometric
rigidity, creating a rhythmic euphoria”4.

The comments, my dear, may sound like statements or qualifications, but


they are actually the questions of this attempted letter.

As a hypothesis, when talking about the exhibited pieces in “Sombra


Projetada”, a screen-print from 1976, talks about a dichotomy be-

4  LOPES, Almerinda. Dionísio Del Santo, catalogue of the exhibition at Museu de arte do
Espírito Santo Dionísio Del Santo, Vitória, 2009, curated by Almerinda Lopes, p. 31.

58
gráficos da própria linguagem. No esquema inicial que você propôs, em
uma sala, apresentam-se 48 trabalhos gráficos, incluindo as xilogra-
vuras, os desenhos de linhas e, principalmente, as serigrafias, por você
classificadas nesta ordem: sete serigrafias geométricas de linhas ou
barras, três serigrafias geométricas a cores, três serigrafias figurativas
a cores, quatro serigrafias fragmentos e dez serigrafias da última fase,
revelando os diversos estágios de renovação nos seus 31 anos de pesquisa
e experimentação dessa técnica.

Nessas quase duas décadas que se passaram, desde então, o museu


expôs de modo intermitente as suas obras. O que mais motiva a presente
mostra e este catálogo é a certeza de um déficit da história da arte bra-
sileira com o seu trabalho, o que certamente foi reparado pela diligência
de Almerinda Lopes em suas pesquisas e, sobretudo, na curadoria e no
catálogo de “Dionísio Del Santo”, mostra retrospectiva e comemorativa
realizada no Maes em 2008.

Hoje, ao propor uma revisão sobre a sua obra no contexto do acervo do


Maes, buscamos também vislumbrar novas abordagens de exibição a partir
dos seus trabalhos geométricos, sobretudo no campo da serigrafia, que te
levou a articular a singularidade da linguagem junto com o que você chamou
de “emoção essencial”. Isso me faz pensar que, possivelmente, a pesquisa
nas estruturas lineares, geométricas e cromáticas e nas experimentações
serigráficas (principalmente nas permutações de cores e no uso da técnica
matriz espontânea) indicou um caminho para a retomada da pintura na
série de sua última fase, “Fragmentos rítmicos”, de 1992 a 1998. Faria sen-
tido? Como que um trânsito e uma transfiguração no seu repertório formal,
buscando novos ritmos e ordens. Essas telas apresentam formas geomé-
tricas organicamente dispostas e esquemas cromáticos que lidam com a
textura do suporte (você usa tecidos mais toscos), com a mistura de tintas,
como que um arremate após a produção das serigrafias da última fase, as
matrizes espontâneas, nas quais, parafraseando Almerinda, “os fragmentos
irregulares atenuavam a rigidez geométrica, criando uma euforia rítmica”4.

Os comentários, meu caro, podem soar como afirmações ou qualificações,


mas configuram as indagações da tentativa desta carta.

4  LOPES, Almerinda. Dionísio Del Santo, catálogo da exposição realizada no Museu de


arte do Espírito Santo Dionísio Del Santo, Vitória, 2009, curadoria Almerinda Lopes, p. 31.

59
tween superior and inferior planes, opposite colors (orange and blue),
the exact form of the object itself and your distortion in projection in
semi-darkness. This same piece seems to stand between geometry and
figuration, like “Duas máscaras complementares,” from 1986, which
suggests the duality of signs and refers to a conflict between rationality
and science in Concretist principles, as well as your need, Dionísio, to
use self-expression and subjectivity. I believe that, through contact with
Ferreira Gullar, Oiticica (with whom you took part of “Opinião 66” at Rio’s
MAM), Lygia Clark and Wladimir Dias-Pino (with whom you could share
a screen-printing studio and an advertising office5), you were aware of
the freeing experiences and the expressive intentions6 of the Neo-Con-
cretists, while keeping your individuality and not affiliating to any group.

I see the year of 1976 as a moment of maturity, when you turned 51,
as well as intense production, with your solo show “Pintura cinética”, at
Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, and “Individual de serigrafias”,
in Niterói, at Centro Cultural Paschoal Carlos Magno and at Galeria de
Arte e Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (GAP/Ufes),
in Vitória7. It was also the same year of the production of some of the
works in the series “Cordéis”, of kinetic connotation, to which you make
reference to “parallel lines of vibrating effects”, making clear the sugges-
tion of participation of the viewer when you say that aspects of the work
“modify as the looker moves in front of the work”8.

I believe your involvement in the experimenting with screen-printing


technique may have come from a need or a desire to give another
meaning to the cold and monotonous graphic reproducibility, which, for
Frederico Morais9, made him elevate screen-printing to autonomous art

5  RIO, Museu de Arte do. Chronobiography of Wlademir Dias-Pino in the exhibition “O poema
infinito de Wlademir Dias-Pino”, Museu de Arte do Rio, Rio de Janeiro, April 2016. Available
at em http://www.museudeartedorio.org.br/sites/default/files/cronobiografia.pdf
6  BRITO, Ronaldo. As ideologias construtivas no ambiente cultural brasileiro. In: FERREIRA, Glória
(org.). Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2006, p. 76.
7  LOPES, Almerinda. Dionísio Del Santo, catalogue of the exhibition at Museu de arte do
Espírito Santo Dionísio Del Santo, Vitória, 2009, curated by Almerinda Lopes, p. 97.
8  DEL SANTO, Dionísio. Dionísio Del Santo: Retrospectiva. Catalogue of the opening show
of Museu de Arte do Espírito Santo. Vitória, 1998.
9  Interview with Dionísio given to Sonia Maria Ramos, Vitória, 2000.

60
Em hipótese, tratando aqui das obras expostas, “Sombra projetada”,
serigrafia de 1976, fala de uma dicotomia entre os planos superior e
inferior, as cores opostas (laranja e azul), a forma exata do objeto em si,
acima, e a sua distorção em projeção, na penumbra. Essa mesma obra
parece também estar no trânsito entre a geometria e a figuração, como
em “Duas máscaras complementares”, de 1986, que sugere essa duali-
dade de signos e faz referência a um conflito entre a racionalidade e o
cientificismo dos princípios concretistas, bem como a sua necessidade,
Dionísio, de uso da autoexpressão e subjetivação. Acredito que, ao con-
viver com Ferreira Gullar, Oiticica (e ter com ele participado de “Opinião
66”, no MAM do Rio), Lygia Clark e Wladimir Dias-Pino (com quem pôde
compartilhar um estúdio de serigrafia e um escritório de propaganda5),
você esteve atento às experiências libertadoras e às intenções expres-
sivas6 dos neoconcretos, mas mantendo a sua individualidade e não se
filiando a nenhum grupo.

Enxergo aquele ano de 1976 como um momento de maturidade, quando


você completou 51 anos, e de intensa produção, realizando a individual
“Pintura cinética”, no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e a “Individual
de serigrafias”, em Niterói, no Centro Cultural Paschoal Carlos Magno e
na Galeria de Arte e Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo
(GAP/Ufes), em Vitória7. Foi também o mesmo ano da produção de alguns
trabalhos da série “Cordéis”, de conotação cinética, a que você faz referên-
cia como “linhas paralelas de efeitos vibratórios”, ficando clara a sugestão
de participação do espectador ao afirmar que os aspectos da obra “se
modificam à medida que o apreciador se desloca diante do trabalho”8.

Acredito que o seu envolvimento na experimentação da técnica serigráfica


pode ter vindo de uma necessidade ou de um desejo de impregnar outro

5  RIO, Museu de Arte do. Cronobiografia de Wlademir Dias-Pino na exposição “O poema


infinito de Wlademir Dias-Pino”, Museu de Arte do Rio, Rio de Janeiro, abril de 2016. Disponível
em http://www.museudeartedorio.org.br/sites/default/files/cronobiografia.pdf
6  BRITO, Ronaldo. As ideologias construtivas no ambiente cultural brasileiro. In: FERREIRA,
Glória (org.). Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas. Rio de Janeiro: FUNARTE,
2006, p. 76.
7  LOPES, Almerinda. Dionísio Del Santo, catálogo da exposição realizada no Museu de
Arte do Espírito Santo Dionísio Del Santo, Vitória, 2009, curadoria Almerinda Lopes, p. 97.
8  DEL SANTO, Dionísio. Dionísio Del Santo: Retrospectiva. Catálogo da exposição de inau-
guração do Museu de Arte do Espírito Santo. Vitória, 1998.

61
status10. Does this awareness of the use of screen-printing as an auton-
omous creative medium come from the beginning of the experiences
with transparencies and color permutations from when you worked in
the graphic industry, from the days at Gráfica Tupy in Rio? In this sense,
I find it crucial that you refer to the years 1971 and 1972 as the period
when you transitioned from mere printer to screen-printer11, as a way
of categorizing this autonomy.

I hear about your being more recluse, about your working hours on end.
What do you see as the individuality of your process? This question
haunts me. I read in an interview with your niece that the artist should
stay private, showing only works that revealed the absolute mastery of
their poetics12. Occasionally, I imagine your studio was not used as, as it
was for Daniel Buren13, the waiting place, where all the work was isolated
from the real world, but which, “however, and only at this time, that it is
closer to its own reality”14.

And if, in some cases my dear, the act of exhibition becomes for the work
a devitalizing dislocation, I am certain that , here, it is up to us to take
part of this act and open possibilities to other possibilities, bring up new
projections, prospect and narrate the shadows.

Renan Andrade

10  MORAIS, Frederico. Dionísio Del Santo: Serigrafias. Exhibition catalogue text. Fundação
Cultural do Distrito Federal, 1975.
11  FERREIRA, Heloisa Pires (org.); TÁVORA, Maria Luisa Luz (org.). Gravura brasileira hoje:
depoimentos: I volume. Rio de Janeiro: Sesc/ARRJ, 1995.
12  Interview with Dionísio given to Sonia Maria Ramos, Vitória, 2000.
13  BUREN, Daniel (1979), “A função do ateliê” [Fonction de l’atelier], in LOOCK, Ulrich, Ed.,
Anarquitectura de Andre a Zittel, Porto, Público/Fundação de Serralves, 2005, p. 49
14  Idem, ibidem.

62
sentido à repetição fria e monótona da reprodutibilidade gráfica, o que,
para Frederico Morais9, o fez elevar a serigrafia a uma posição de arte
autônoma10. Essa consciência do uso da serigrafia como meio autônomo
de criação vem do início das experiências com transparências e permuta-
ções de cores de quando trabalhou na indústria gráfica, desde a Gráfica
Tupy, no Rio? Nesse sentido, acho crucial quando você se refere aos anos
de 1971 e 1972 como o período de sua transição de mero impressor para
serígrafo11, como que uma categorização dessa autonomia.

Ouço sobre você ter sido mais recluso, sobre trabalhar horas e horas. O
que você enxerga como sendo a individualidade do seu processo? Fico
com essa pergunta. Li, em uma entrevista de sua sobrinha, que o artista
deveria se resguardar, apresentando em exposições apenas trabalhos
que revelassem o domínio pleno de sua poética12. Eventualmente, ima-
gino que o seu ateliê não desempenhava, como para Daniel Buren13, o
lugar de espera, onde a obra se encontrava isolada do mundo real, mas
que, “todavia, é nesse momento, e só nesse momento, que ela está mais
próxima da sua própria realidade”14.

E se, para alguns casos, meu caro, o ato de uma exposição se torna
para a obra uma deslocação desvitalizante, estou certo de que, aqui,
nos cabe tomar parte para nesse ato abrir possibilidades para outras
possibilidades, trazer à tona projeções, prospectar e narrar as sombras.

Renan Andrade

9  Entrevista com Dionísio concedida a Sonia Maria Ramos, Vitória, 2000.


10  MORAIS, Frederico. Dionísio Del Santo: Serigrafias. Texto do catálogo da exposição.
Fundação Cultural do Distrito Federal, 1975.
11  FERREIRA, Heloisa Pires (org.); TÁVORA, Maria Luisa Luz (org.). Gravura brasileira hoje:
depoimentos: I volume. Rio de Janeiro: Sesc/ARRJ, 1995.
12  Entrevista com Dionísio concedida a Sonia Maria Ramos, Vitória, 2000.
13  BUREN, Daniel (1979), “A função do ateliê” [Fonction de l’atelier], in LOOCK, Ulrich, Ed.,
Anarquitectura de Andre a Zittel, Porto, Público/Fundação de Serralves, 2005, p. 49
14  Idem, ibidem

63
Sem título (Série Fragmentos Rítmicos)
Óleo sobre tela
Oil on canvas
102 x 72 cm
1994

66
67
Sem título (Série Fragmentos Rítmicos)
Óleo sobre tela
Oil on canvas
94 x 112 cm
1995

68
69
Sem título (Série Fragmentos Rítmicos)
Óleo sobre tela
Oil on canvas
102 x 142 cm
1995

70
71
Sem título (Série Fragmentos Rítmicos)
Óleo sobre tela
Oil on canvas
102 x 102 cm
1996

72
73
Sem título (Série Fragmentos Rítmicos)
Óleo sobre tela
Oil on canvas
102 x 102 cm
1997

74
75
Sem título (Série Fragmentos Rítmicos)
Óleo sobre tela
Oil on canvas
102 x 72 cm
1994

76
77
Sem título (Série Fragmentos Rítmicos)
Óleo sobre tela
Oil on canvas
133 x 102 cm
1998

78
79
Cabeça
Óleo sobre tela
Oil on canvas
100 x 63,8 cm
1987

80
81
Rhythmic Fragments
— Dissonant notes about some of
Dionísio Del Santo’s pieces

Art is innate to humans, it is artistic movements


that must be improved upon…
DIONÍSIO DEL SANTO, 1998

During the second half of the 1990’s, Dionísio Del Santo produced a
series of paintings called “Rhythmic Fragments”. They are marked by a
novel experimentalist in those pieces that were maybe the last ones he
produced, at the time when he was over 70 years of age. Experimentalism
in the use of fibrous support made from jute or hemp, with the texture
and opacity achieved from the kind of paint used (mixed with pigment,
tempera and oil, which add a certain crinkliness to the pieces as well as
an opaque color vibration, despite its brightness) and, above all, in the
formal vocabulary, conspicuously irregular and heterodox and the vibrant
color palette. Different from the usual singularity with which Dionísio Del
Santo elaborated his compositions exploring ambivalences1 between

1  Dionísio Del Santo comprised many ambivalences, reconciled opposites, such as that of his
own name: Dionísio and Santo (Dionysius and Saint); his background as a seminary student
and the desire to become an artist, the peasant figures that survive the cosmopolitan graphic
language, the geometric strictness and the calculated twilight of his images; the balanced
importance he gave both to composition and intuition; the geometric, objective and industrial
matrix, and the lyrical and subjective experimentalism; his use of reproducible screen-printing
techniques to create unique, unrepeatable procedures and affective marks... it’s worth remem-
bering the recurring quote by Janus Bifrons, Greek god of dualities, of beginnings and ends,
guardian of passages and gates, whose iconography is a two-faced head, “one face gazing at

82
Fragmentos Rítmicos
— Apontamentos dissonantes sobre
algumas obras de Dionísio Del Santo

A arte é inata no ser humano, são as tendências


artísticas é que devem ser aprimoradas...
DIONÍSIO DEL SANTO, 1998

Ao longo da segunda metade dos anos 1990, Dionísio Del Santo produziu
uma série de pinturas chamada “Fragmentos Rítmicos”. Nela, predomina
um experimentalismo inusitado para aquelas que talvez tenham sido as
últimas obras que produziu, já com mais de 70 anos de idade. Experi-
mentalismo evidenciado no uso de suportes fibrosos, feitos de juta ou
cânhamo, na textura e opacidade obtidas nas tintas utilizadas (mistu-
ras de pigmento, têmpera e óleo, que conferem uma trama levemente
rugosa às obras, bem como uma vibração cromática opaca, ainda que
luminosa) e, sobretudo, no vocabulário formal marcadamente irregular
e heterodoxo e na paleta de cores vibrantes. Distintas da singularidade
habitual com que Dionísio Del Santo elaborou suas composições ex-
plorando ambivalências1 entre o figurativo e o abstrato, o simbólico e o

1  Dionísio Del Santo, ele mesmo, soube comportar muitas ambivalências, conciliar opostos,
a começar pelo nome próprio: Dionísio e Santo; a seguir, a formação como seminarista e o
desejo de tornar-se artista; as figuras camponesas que sobrevivem na linguagem gráfica
cosmopolita; o rigor geométrico e o acaso calculado de suas imagens; a importância equi-
librada que concedeu à composição e à intuição, à matriz geométrica, objetiva e industrial,
e ao experimentalismo, subjetivo e lírico; a se valer das técnicas reprodutíveis da serigrafia
para inventar procedimentos únicos, irrepetíveis, e marcas afetivas... vale lembrar também
a recorrente citação ao Janus Bifronte, divindade grega das dualidades, dos começos e dos

83
figurative and abstract, symbolic and constructive, serial and one-off,
these painting radicalized experiments in compositional, chromatic and
formal terms. Perhaps exactly for that reason they have been somewhat
ignored in the studies about his artistic production and very few times
were included in this exhibits, besides facing great resistance from critics,
as noted Espírito Santo-born art historian and curator Almerinda Lopes.
“If the intention of the artist was to demolish the resistance and spatial
integrity of previous phases, pointing to a fragmentary world, (…) the
critics do not show any interest in those experiences, perhaps because
they are indicative of a lyrical formulation”2. They were also rejected
by art history’s discourse, since they resisted correspondence to all the
previous production by artist, that is, for its anachronistic latency, for
“not belonging” to a linear reading of his work. So far dealt with as a
minor event, the curators of the exhibition “Dionísio Del Santo | Sombra
Projetada (Projected Shadow)” were interested in casting a fresh gaze
at those pieces to which relevance was denied. However, they appear
to us so representative of the singularity of the historical place and the
general project of the production of Dionísio Del Santo that we want to
discuss and give visibility with the exhibition, be it for its hybridity, exper-
imentalism and invention, or be it for its unclassifiable, strange, alien and
anachronistic characteristic.

Dionísio Del Santo’s “Rhythmic Fragments” take up the challenge of ar-


ticulating angular, asymmetrical and irregular elements to keep them
under the characteristic tension of the scale of the “fragment” — that
is, incomplete, unconcluded, non-formal segments — at the same time,
they integrate themselves into the composition, reaching, after a certain
effort, balances that are not immediate or stable. As the artist said him-
self, the works came out of an exercise in the “dissolution of the images,
which at first was caused by the construction of the continuous shape

the past, the other gazing at the future”, which, according to Almerinda Lopes, “gave origin to
the painting of geometric matrix the artist called “Máscaras” (“Masks”). One of those pieces,
“Duas máscaras complementares” (“Two Complementary Masks”), from 1986, is included in
the exhibition and was placed next to “Sombra Projetada” (“Projected Shadow”). Our intention
was to broaden this reading on dialectic terms by “projecting” it on the piece that inspired
the name of the exhibition and informed the gaze on historical, formal and curatorial terms.
2  DIONÍSIO Del Santo. Text by Almerinda Lopes, Dionísio Del Santo, Mario Pedrosa; cura-
torship by Almerinda Lopes. Vitória: Artviva, 2008. Catalogue for exhibition at Maes. p. 41.

84
construtivo, o seriado e o único, essas pinturas radicalizaram experimentos
em termos compositivos, cromáticos e formais. Talvez, justamente por
isso, tenham sido um tanto ignoradas nos estudos sobre sua produção
artística e pouquíssimas vezes participaram de exposições, além de
encontrar grande resistência junto à crítica, como notou a historiadora
de arte e curadora capixaba Almerinda Lopes: “Se a intenção do artista
era demolir a resistência e integridade espacial e construtiva das fases
anteriores, apontando para um mundo fragmentário, (...) a crítica não
revela nenhum interesse por essas experiências, talvez por serem indica-
tivas de uma formulação lírica”2. Foram ainda, cabe dizer, recusadas pelo
discurso da história da arte, uma vez que resistiam a uma correspondência
a tudo o que a produção do artista apontava anteriormente, portanto
por sua latência anacrônica, por seu “não-pertencimento” a uma leitura
linear da obra dele. Tratado até então como evento menor, interessou à
curadoria da exposição “Dionísio Del Santo | Sombra Projetada” lançar
novo olhar a partir dessas obras, às quais foi negada relevância e que,
no entanto, mostram-se a nós tão representativas da singularidade do
lugar histórico e do projeto geral da produção de Dionísio Del Santo
que queremos discutir e dar visibilidade com a exposição, seja por seu
hibridismo, experimentalismo e invenção, seja por sua característica
inclassificável, estranha, alheia, anacrônica.

Os “Fragmentos Rítmicos” de Dionísio Del Santo lidam com o desafio de


articular elementos angulosos, assimétricos e irregulares para mantê-los
sob a tensão característica da escala do “fragmento” — ou seja, segmen-
tos incompletos, inconclusos, informes — ao mesmo tempo em que se
integram à composição alcançando, após certo custo, equilíbrios que
não são nem imediatos, nem estáveis. Conforme declaração do artista,
as obras surgiram de um exercício de “dissolução das imagens, que a
princípio se deu pela construção da forma contínua a partir de linhas

fins, guardião de passagens e portões, cuja iconografia é uma cabeça com duas faces, “um
rosto que olha para o passado e outro em direção ao futuro”, e que, segundo Almerinda Lo-
pes, “deu origem às pinturas de matriz geométrica denominadas pelo artista de ‘Máscaras’”.
Uma obra dessa série, “Duas máscaras complementares”, de 1986, integra a exposição e
foi colocada junto a “Sombra Projetada”. Nossa intenção foi ampliar essa leitura em termos
dialéticos, ao “projetá-la” sobre a obra que deu nome à exposição e qualificou o olhar nesse
sentido, em termos históricos, formais e curatoriais.
2  DIONÍSIO Del Santo. Texto de Almerinda Lopes, Dionísio Del Santo, Mario Pedrosa; curadoria
de Almerinda Lopes. Vitória: Artviva, 2008. Catálogo de exposição realizada no Maes. p. 41.

85
from discontinuous lines”3. In this compositional strategy, the extravagant
choice of colors calls attention when dealing with patches and modules
that are so disparate in diagrams that are in the end regular and har-
monic. The filaments developed by the artist are not forms, geometric or
organic ones. They are extreme arrangements that do not have a name
or similarity, enigmatic hybrids that disrupt the formalist logic. This way,
from this perspective they get close to the visual indeterminacy that
Dionísio Del Santo build and reached under the control of the random
in his series Permutações” (“Permutations”) and “Matrizes Espontâneas”
(“Spontaneous Matrixes”), experiments in screen-printing from the early
1970’s. In those works, shown alongside “Fragmentos Rítmicos” (“Rhythmic
Fragments”) and making a visual dialogue with them, the artist shows his
mastery as a great screen-printing inventor, turning technical processes
into language experiments. As recorded by his students and constantly
emphasized in his classes, in Dionísio Del Santo’s view, “when the artist
is an artist, screen-printing can be an open experimental technique and
thus transcend the merely graphic or mechanic dimension”4. The several
procedures and processes created by Del Santo in screen-printing in his
“Permutações” (“Permutations”) and “Matrizes Espontâneas” (“Sponta-
neous Matrixes”) consist of strikes made directly on the screen to produce
unique images, unpredictable and distinct results in one single run from
the same matrix, sometimes with shredded paper, string, mobile frag-
ments, graffiti dust mixed with paint or the application of different paints
on the layers or stages of the edition. As Frederico Morais has noted,
“what Dionísio wanted was to quality execution, give it a creative sense
and, this way, elevate screen-printing to the position of autonomous
art”5. Therefore, it was under those conditions, interests and challenges
that Dionísio Del Santo sought to treat the formal vocabulary, adhering
affective elements and reports to its constitution. This way, his experi-
mental lexicon exceeded the formalist limits dictated by constructivist
grammar and located it outside any programmatic tendency. For that
reason, he established an intense contact with Ivan Serpa and other key

3  DIONÍSIO Del Santo. Retrospectiva. Text and curatorship by Reynaldo Roels. Rio de Janeiro:
Paço Imperial, 1989. Exhibition catalogue. p. 12.
4  As quoted by researcher Sonia Maria Ramos in dissertation presented at Centro de Artes
at Ufes, in 2003.
5  DIONÍSIO Del Santo. Serigrafias. Text and curatorship by Frederico Morais. Brasília: Fun-
dação Cultural DF, 1975. Exhibition catalogue. p. 56.

86
descontínuas”3. Nessa estratégia compositiva, chama muita atenção
a extravagante escolha de cores ao lidar com retalhos e módulos tão
díspares em diagramas que resultam, enfim, regulares e harmônicos. Os
filamentos desenvolvidos pelo artista não são formas nem geométricas,
nem orgânicas, tratam-se de arranjos extremados que não encontram
nomeação nem semelhança, híbridos enigmáticos que desconcertam
a lógica formalista. Assim, sob essa perspectiva, aproximam-se da
indeterminação visual que Dionísio Del Santo construiu e alcançou sob
certo controle do acaso em suas séries de “Permutações” e “Matrizes
Espontâneas”, experimentos em serigrafia a partir dos anos 1970. Nesses
trabalhos, avizinhados no espaço expositivo aos “Fragmentos Rítmicos”
e em diálogo visual com eles, o artista demostrou sua maestria como
grande inventor no fazer serigráfico, desdobrando os processos técnicos
em experimentos de linguagem. Conforme registrado por seus alunos e
enfatizado nas aulas com insistência, para Dionísio Del Santo, “quando
o artista é o artesão, a serigrafia pode oferecer-se como uma técnica
aberta e experimental e, desse modo, ultrapassar a dimensão mera-
mente gráfica ou mecânica”4. Os diversos procedimentos e processos
criados por Del Santo na serigrafia em suas “Permutações” e “Matrizes
Espontâneas” consistem em investimentos realizados diretamente sobre
a tela serigráfica para produzir imagens únicas, resultados imprevistos
e distintos numa mesma tiragem a partir de uma mesma matriz, seja
com papéis picados, barbante, fragmentos móveis, pó de grafite mis-
turado às tintas, seja com aplicação de cores diferentes nas camadas
ou etapas da edição. Como observou Frederico Morais, “o que Dionísio
queria era qualificar a execução, dar-lhe um sentido criativo e, com
isso, elevar a serigrafia à posição de arte autônoma”5. Portanto, foram
nessas condições, e sob esses interesses e desafios, que Dionísio Del
Santo buscou tratar o vocabulário formal, aderindo elementos afetivos
e informes à sua constituição. Assim, seu léxico experimental excedeu
os limites formalistas ditados pela gramática construtivista e o locali-
zou fora de qualquer tendência programática. Daí ter estabelecido um

3  DIONÍSIO Del Santo. Retrospectiva. Texto e curadoria de Reynaldo Roels. Rio de Janeiro:
Paço Imperial, 1989. Catálogo de exposição. p. 12.
4  Conforme citado pela pesquisadora Sonia Maria Ramos em monografia apresentada no
Centro de Artes da Ufes, em 2003.
5  DIONÍSIO Del Santo. Serigrafias. Texto e curadoria de Frederico Morais. Brasília: Fundação
Cultural DF, 1975. Catálogo de exposição. p. 56.

87
Neo-Concrete artists without taking membership of the movement. From
that comes the epigraph of this text and the need to build an exhibition
where all this artistic production outside formalist previews gained visibility
and critical focus dedicated to its singular comprehension, not forcing
generic categories and artificial classifications. It is important to reiterate
the singular place of Dionísio Del Santo’s production. As underlined by
Almerinda Lopes, “although the interaction of the visual and pictorial
elements does not discard a structuring steeped in laws and principles
of visual perception, the artist flavored this rational formulation with the
adoption of a color range denoting sensitivity and a certain subjectivity.
This way he got close to the ideas of Neo-Concrete painters and was
even invited by Lygia Pape, Aluísio Carvão and Ferreira Gullar to join the
group. He declined the offer out of modesty or to preserve the freedom
of his constructive project”6. Again, it is important to emphasize this re-
fusal by the artist to subject himself to an aesthetic program, even if its
legitimization could be decisive in an artistic career. When she looked
at the relationship between Dionísio Del Santo’s works and the Brazilian
Concretist matrix, art critic and historian Maria Alice Milliet highlights
the singularities of his choices:

“Fifty years after its decline, Concretism is now taken as a seal of quality.
Having been a member of the Concrete movement these days ensures
admission to the hall of fame of Brazilian art. Besides those who took
part of the hard core of Concretism (members of the groups Ruptura and
Frente), those who absorbed the constructive strictness in their works, at
least during a phase, are also revered. Dionísio Del Santo, from Espírito
Santo State, who lived all this productive life in Rio, was one of those who
drew from the constructive tradition during his contact with the Concrete
artists. “The theoretical principles of the Concrete and Neo-Concrete
movements, based on the rational, that is, the clear dimension of thought,
were decisive in my evolution’, he said, aware that Concretism had found
answers to his angst in relation to the work and even to his personal life.
However, he did not join the movement, he did not deny the past. He
sought, through a slow and persistent work ethic, to conform his sensitivity
to objective parameters. By adopting a somewhat isolated stance, he
succeeded in “formalizing his own code, with a semiotic content, we can

6  DIONÍSIO Del Santo. Text by Almerinda Lopes, Dionísio Del Santo, Mario Pedrosa; cura-
torship by Almerinda Lopes. Vitória: Artviva, 2008. Catalogue for exhibition at Maes. p. 36.

88
convívio intenso com Ivan Serpa e artistas fundamentais do neoconcre-
tismo mas sem aderir ao movimento. Daí, o sentido da epígrafe deste
texto e, também, a necessidade de se construir uma exposição em que
toda essa produção artística fora das previsões formalistas ganhasse
visibilidade e foco crítico dedicados à sua compreensão singular, não
forçando categorias genéricas ou classificações artificiais. Importante
reiterar o lugar singular da produção de Dionísio Del Santo, pois, como
apontou Almerinda Lopes, “embora a interação dos elementos visuais e
pictóricos não descarte uma estruturação pautada em leis ou princípios
da percepção visual, o capixaba temperava essa formulação de base
racional adotando uma gama de cores que denota sensibilidade e certa
subjetividade. Aproximava-se assim do ideário dos pintores neoconcre-
tos, chegando a ser convidado por Lygia Pape, Aluísio Carvão e Ferreira
Gullar para integrar o grupo. Declinou da oferta, por modéstia, ou para
preservar a liberdade de seu projeto construtivo”6. Novamente, é impor-
tante reiterar essa recusa do artista em submeter-se a um programa
estético, ainda que sua legitimação pudesse ser decisiva numa carreira
artística. Analisando a questão das relações da obra de Dionísio Del
Santo e a matriz concretista brasileira, a crítica e historiadora de arte
Maria Alice Milliet reitera a singularidade das escolhas feitas por ele:

“Cinquenta anos depois de seu declínio, o concretismo é tomado como


chancela de qualidade. Ter participado do movimento concreto fun-
ciona hoje como salvo-conduto para o ingresso no hall da fama da arte
brasileira. Além dos que participaram do núcleo duro do concretismo
(integrantes dos grupos Ruptura e Frente) também são reverenciados
aqueles que absorveram o rigor construtivo em suas obras, pelo menos
por um período. Dionísio Del Santo, capixaba, residente durante toda sua
vida produtiva no Rio, foi dos que beberam da tradição construtiva no
convívio com os concretos. “Os princípios teóricos dos movimentos con-
creto e neoconcreto, fundamentados no raciocínio, ou seja, na dimensão
clara do pensamento, foram decisivos para a minha evolução”, dizia ele,
ciente de que no concretismo havia encontrado respostas para as suas
angústias relativas ao trabalho e, até mesmo, às de sua vida pessoal.
Entretanto não aderiu ao movimento, não renegou o passado. Buscou,
por meio de um lento e persistente trabalho, conformar sua sensibili-

6  DIONÍSIO Del Santo. Texto de Almerinda Lopes, Dionísio Del Santo, Mario Pedrosa; curadoria
de Almerinda Lopes. Vitória: Artviva, 2008. Catálogo de exposição realizada no Maes. p. 36.

89
say”, as Mario Pedrosa highlighted in his presentation to the artist’s solo
show in Rio de Janeiro in 1970.”7

“Sombra Projetada” (“Projected Shadow”), in its turn, can also appear


strange and in the context of the exhibition becomes representative of
the singularity of Dionísio Del Santo’s formal treatment. It is an atypical
piece in the artist’s oeuvre. Its extravagant colors do not belong in the
Concrete grammar; the relationships between form and background are
problematized by an almost demonstrative arrangement of planes, their
distances and relationships. In short, in no way it resembles the formalist
planarity. Through colors and chromatic gradations, Dionísio Del Santo
recomposes a certain illusion of perspective in the image, with the hol-
low planes — origin and projection — in zones that are more superficial
and close. The formal distortions therein made explicit problematize the
Concretist grammar, formulate relations suspended between objectiv-
ity and subjectivity, shape and color, making evident the complexity of
gestures and treatments that the artist elaborated for form. Perhaps
only the opening enabled by the term “sensitive geometry”8, as coined by
Roberto Pontual and other art critics to highlight precisely the singularities
of appropriations that the geometric constructive vocabulary acquired
in the Latin American artistic production, can grant us entry to the work
of Dionísio Del Santo.

Júlio Martins

7  DIONÍSIO Del Santo e o Concretismo. Text and curatorship by Maria Alice Milliet. São
Paulo: Caixa Cultural, 2011. Catálogo de exposição. p. 8.
8  ARTE AGORA III / América Latina: Geometria sensível. Coordination and curatorship by Ro-
berto Pontual. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil/ GBM, 1978. Catalogue for exhibition at MAM/RJ.

90
dade a parâmetros objetivos. Assumindo certo isolamento conseguiu
‘formalizar um código todo seu, com teor, pode-se dizer, semiótico’, como
apontou Mario Pedrosa na apresentação de sua exposição individual
no Rio de Janeiro, em 1970.”7

Por sua vez, a obra “Sombra Projetada” também se mostra capaz de


causar estranhamento e torna-se, na exposição, bastante representativa
da singularidade no tratamento formal de Dionísio Del Santo. “Sombra
Projetada” é uma obra atípica dentro da produção do artista: suas cores
extravagantes fogem à gramática concretista, as relações entre forma
e fundo são problematizadas por um arranjo quase demonstrativo dos
planos, suas distâncias e relações, enfim, nada se aproxima à planari-
dade formalista. Por meio de cores e gradações cromáticas, Dionísio
Del Santo recompõe certa ilusão perspectiva na imagem, tendo os
planos vazados — origem e projeção — em zonas mais superficiais e
próximas. As distorções formais aí explicitadas problematizam a gra-
mática concretista, formulam relações em suspenso entre objetividade
e subjetividade, forma e cor, evidenciando a complexidade dos gestos
e tratamentos que o artista elaborou à forma. E que, talvez, somente a
abertura proporcionada pelo termo “geometria sensível”8, cunhado por
Roberto Pontual e outros críticos de arte para destacar justamente a
singularidade de apropriações que o vocabulário geométrico construtivo
ganhou na produção artística na América Latina, seja capaz de assegurar
entrada na obra de Dionísio Del Santo.

Júlio Martins

7 DIONÍSIO Del Santo e o Concretismo. Texto e curadoria de Maria Alice Milliet. São Paulo:
Caixa Cultural, 2011. Catálogo de exposição. p. 8.
8  ARTE AGORA III / América Latina: Geometria sensível. Coordenação e curadoria de Ro-
berto Pontual. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil/ GBM, 1978. Catálogo de exposição realizada
no MAM/RJ.

91
92
Projeções

Projections

93
Júlio Martins Almerinda Lopes, you are responsible for the research and organization
Renan Andrade
of most of the historiographic information about Dionísio Del Santo we
have access to. We would like to ask you about the pieces we have selected
for the show, particularly those that resist historical categorization, such
as “Sombra Projetada” (“Projected Shadow”) and the series “Fragmentos
Rítmicos” (“Rhythmic Fragments”), atypical and experimental, when the
artist revealed huge creative freedom. We wanted to show in the first
room some of the connected with the historical and recognizable Dionísio,
screen prints from the 1970s and 1980s that compose circular and square
shapes according to the Concretist grammar, in contrast with pieces like
“Sombra Projetada” (“Projected Shadow”), with its extravagant colors, and
“Máscaras” (“Masks”), which hint at the figurative. By displaying all this
diversity, our intention was to show the range of experiments and Dionísio’s
indomitable inventiveness.

Almerinda Lopes You are right to say that Dionísio Del Santo expresses in his graphic and
pictorial work great freedom. This freedom is clearer in the bold way he
uses colors, the use of geometric and organic elements, the folding of
shapes and intriguing projections, which make his compositions undeni-
ably distinct from the proponents of Concretism and Neo-Concretism, as
well as the works of the so-called informal abstractionists, a tendency the
artist seems to dialogue with at specific moments in the final stage of his
creative trajectory. If, from the mid-1960’s onwards abstract languages
had already come full circle, and the majority of those who proposed it
were imprinting new directions to their respective output, getting into
conceptualism and experimentalism, Dionísio Del Santo did not appear
prone to those raptures. He coherently gave continuity to his artistic project,
which he had started in the mid-1950’s, investing, however, in the research
of new materials and processes of print run and screen printing, two de-
cades later taking a step back from the strictness of geometry, although
he never expressed great appreciation for orthodox Concretism. After
years of focus on engraving, in which he reached an acclaimed level of
excellence among contemporary artists and critics, he started to make
use of transparent inks that allowed him to achieve unmatched nuances,
hues and gradations of color, lightness, harmony and clarity. With monastic
patience, he carried out a sequence of research and experiments to create
unique pieces from a single matrix. For that, he change the color palette
for each printed copy, or interfered on the matrix with new materials, thus
subverting the reproducible and sequential character of screen-printing.

94
Júlio Martins Almerinda Lopes, você é a responsável pelo levantamento e pela or-
Renan Andrade
ganização da maior parte da informação historiográfica a que temos
acesso sobre Dionísio Del Santo. Gostaríamos de lhe perguntar sobre
as obras que selecionamos para a exposição, principalmente aquelas
que impõem grande resistência às categorias históricas, como “Sombra
Projetada” e a série “Fragmentos Rítmicos”, atípicas e experimentais,
quando o artista revelou enorme liberdade criativa. Tínhamos a desejo
de expor na primeira sala algumas obras que traziam o Dionísio histórico
e reconhecível, de serigrafias dos anos 1970 e 1980 em que linhas com-
põem formas circulares e quadradas dentro da gramática concretista,
em frente e em contraste com obras como “Sombra Projetada”, com
suas cores extravagantes, e as “Máscaras”, que flertam com o figurativo.
Ao colocar toda essa diversidade à mostra nossa intenção foi apresentar
a diversidade de experimentos e a indomável inventividade de Dionísio.

Almerinda Lopes Vocês têm razão quando mencionam que Dionísio Del Santo manifesta, em
sua obra gráfica e pictórica, grande liberdade. Essa liberdade transparece
principalmente na ousadia com que emprega as cores, na recorrência
a elementos geométricos ou orgânicos, ao rebatimento das formas e
a intrigantes projeções, que tornam tais composições inegavelmente
distintas das dos signatários do concretismo e do neoconcretismo, mas
também das obras dos chamados abstracionistas informais, tendência
com a qual o artista parece dialogar em alguns momentos específicos da
fase final de sua trajetória criativa. Se, a partir da metade da década de
1960, as linguagens abstratas já haviam cumprido seu ciclo, e a maioria
dos antigos postulantes dessas gramáticas imprimiam novos rumos às
respectivas produções, enveredando por proposições conceitualistas
e experimentais, Dionísio Del Santo, não se mostrou predisposto a tais
arroubos. De maneira coerente, deu continuidade a seu projeto poético,
iniciado na metade dos anos 50, investindo, no entanto, na pesquisa de
novos materiais e processos de tiragem e impressão serigráfica, afas-
tando-se, duas décadas depois, do rigor da geometria, embora nunca
revelasse grande apreço pelo concretismo ortodoxo. Depois de anos de
persistência no ofício de gravador e de atingir um nível de excelência que
foi reconhecido pela crítica e pelos artistas de seu tempo, passou a recor-
rer a tintas transparentes, o que lhe possibilitou obter nuances, matizes e
gradações de cores, de leveza, harmonia e clareza inigualáveis. E, com a
paciência de um monge, realizou uma sequência de outras pesquisas e
experimentações para obter obras únicas a partir de uma mesma matriz.

95
The engraving selected for the show at Sesc Glória confirms the artist’s
anxiety to imprint a dynamic rhythm to lines and mobility to planes. In the
1970s, Dionísio Del Santo seemed to dialogue with kinetic art when he
brought closer or pulled apart a sequence of parallel lines as a strategy
to instigate perception, which, in some cases, provoked effects of inven-
tion and reversion of the retin, what is quite clear in the “Cordéis” series.
These were paintings where the artist glued cotton strings vertically on
a screen with a monochromatic background. The strings were painted in
different colors and added density or corporeality, inviting the viewer to
constantly move in front of the screen in order to perceive the different
optical effects they provoked. These paintings required meticulous and
patient execution, which also explains the small number of such works,
and with which it is possible to establish some kind of relation with Fisicro-
mias by the Venezuelan Carlos Cruz-Diez. They are highly sought-after
in today’s art market.

However, some screen prints of this same decade, such as “Sombra


Projetada” (“Projected Shadow”, 1976) e “Espaço Plano Permuta XXXIII”
(“Space Plane Exchange XXXIII, 1970) — mentioning here only the pieces
you have selected for the show in question, in which the artist resorts to
instigating plane projections — reveals the persistent fascination Dionísio
Del Santo had, since his youth, with the study of perspective and the axi-
oms of Euclidean geometry. From this point of view, maybe it is possible
to understand the recurrence of folding, projections and the tracing of
lines and parallel planes as well as others leaning around a central axis.

The Espírito Santo-born artist said on several occasions that, in order to


enjoy autonomy and creative freedom, he had declined invitations from
Lygia Pape and other Neo-Concretist artists to become part of the group;
he chose, instead, to be a recluse in his studio, working during the day for
hours on end, like an art laborer, indifferent to social hype and with no hurry
to show his production. Although he tried to live exclusively off his art, his
shy and withdrawn temperament, as well as the self-imposed isolation,
help us understand why his work did not attract the same visibility and
circulation on the national and international scenes that in recent times
the work of former members of that Rio group have enjoyed.

Júlio Martins In the series “Fragmentos Rítmicos” (“Rhythmic Fragments”), from the
late 1990s, we see in the late Dionísio works of renewed colorfulness

96
Para isso mudava a gama de cores a cada cópia impressa, ou interferia
sobre a matriz com novos materiais, subvertendo, assim, o caráter repro-
dutível e sequencial da serigrafia.

As gravuras selecionadas por vocês para a mostra no Sesc Glória confir-


mam a ânsia do artista em imprimir ritmo dinâmico às linhas e mobilidade
aos planos. Na década de 1970, Dionísio Del Santo parecia dialogar
com a arte cinética, ao aproximar ou afastar uma sequência de linhas
paralelas, que ocupavam todo o campo do papel, linhas essas traçadas
milimetricamente, como estratégia para instigar a percepção, as quais,
em alguns casos, provocam efeitos de inversão e reversão na retina, o que
se constata de maneira ainda mais efetiva na série “Cordéis”. Tratam-se de
pinturas em que o artista colava fios de barbante de algodão em posição
vertical sobre a tela de fundo monocromático. Os barbantes, pintados de
diferentes cores, atribuíam à pintura densidade ou corporeidade, con-
vocando o espectador a se movimentar incessantemente diante dessas
telas, para perceber os diferentes efeitos ópticos por elas provocados.
Essas pinturas — de exímia e paciente execução, o que explica os poucos
trabalhos produzidos dessa natureza —, com as quais parece possível
estabelecer alguma relação com as “Fisicromias”, do venezuelano Carlos
Cruz-Diez, são hoje disputadíssimas no mercado de arte.

Entretanto, em algumas serigrafias dessa mesma década, como “Som-


bra Projetada” (1976) e “Espaço Plano Permuta XXXIII” (1970) — para
nos atermos apenas às obras selecionadas por vocês para a exposição
em pauta, em que o artista recorre a instigantes projeções de planos
—, desvela-se a persistência do fascínio que Dionísio Del Santo revelou
desde a juventude pelo estudo da perspectiva e dos axiomas da geo-
metria euclidiana. Por esse viés, talvez se possa entender a recorrência
ao rebatimento, às projeções e ao traçado de linhas e planos paralelos
e inclinados em torno de um eixo central.

O artista capixaba algumas vezes afirmou que, para usufruir de autono-


mia e liberdade criativa, declinara do convite de Lygia Pape e de outros
signatários do neoconcretismo para se integrar ao grupo, preferindo
manter-se recluso em seu ateliê, trabalhando diuturnamente, por horas
a fio, como um operário da arte, indiferente à badalação social e sem
pressa de expor sua produção. Embora tentasse sobreviver exclusiva-
mente da arte, o temperamento tímido e arredio do artista, bem como

97
and singular compositions. In those last pieces by the artist, there is the
nagging characteristic of not belonging to any previous category. He
resorts to angular shapes and vibrating colors to compose very uncom-
mon arrangements. How would you interpret this moment in Dionísio
Del Santo’s production?

Almerinda Lopes The fact that Dionísio Del Santo started to paint, in a persistent, even
compulsive way, at the turn of the 1980’s to the 1990’s, while in previous
decades he had used screen printing as his chief medium, seems to
have been stimulated by the painting renaissance that took place all
over the world, which the market avidly absorbed. By mixing figuration
and abstraction, and by resorting to a diverse range of vivid colors and
spontaneous gestures, the artist seemed willing to gain a share of this
promising market. While most artists then used their own experiences
when they travelled through the history of art to choose visual references
from the recent or distant past, updating and transfiguring them in those
new paintings, Dionísio Del Santo rescued the memories of his childhood
and youth living in the rural part of Colatina, in the countryside of Espírito
Santo, re-elaborating signs and themes that were recurrent in some of
the paintings from the late 1960’s and 1970. He created compositions
where human and animal figures were created with geometric structures
and a wide and effusive array of primary and secondary colors, used
tempera and oil on canvas, when his health was already fragile from
the worsening of the disease that led to his death in 1999. Those plane
compositions are peopled with images of lumberjacks, horse-riding
men, pastoral scenes and slaughterhouses, or a never-ending quantity
of heads. Represented individually or in groups, they shuttle between
figuration and abstraction, amid a daring profusion of vibrant colors. The
artist also investigated new formal research, as exemplified by the series
“Fragmentos Rítmicos” (“Rhythmic Fragments”). The title confirmed the
author’s fascination with the dynamics of organic and biomorphic shapes,
and the distantiation of any allusion to the analogical world, making peace
with abstraction once again. It is worth pointing out, however, that only
in this last series, and in some pictorial compositions made between the
late 1950s and the following decade, did Dionísio Del Santo’s painting
become really abstract. What can that be attributed to in his engraving
work when the artist always remained faithful to abstractionist grammar?
Perhaps one can speculate that this long and intermittent link with the
figurative style was a response to requests from commercial galleries,

98
o isolamento que ele mesmo se impôs, ajudam a entender, de alguma
maneira, a razão de sua obra não ter angariado a mesma visibilidade
e o trânsito nacional e internacional que tiveram mais recentemente os
trabalhos dos ex-integrantes daquele grupo carioca.

Júlio Martins Na série “Fragmentos Rítmicos”, de fins dos anos 1990, vemos na produção
final do Dionísio obras de colorido renovado e composições singulares. Nes-
sas ultimas obras do artista, há novamente essa incômoda característica
de não pertencimento a nenhuma categoria prévia. Ele se vale de formas
angulares e cores vibrantes para compor arranjos bastante incomuns.
Como você interpreta esse momento da produção de Dionísio Del Santo?

Almerinda Lopes O fato de Dionísio Del Santo passar a recorrer à pintura, de maneira
persistente ou mesmo compulsiva, entre o final dos anos de 1980 e a
década seguinte, sendo que nas décadas anteriores fez da serigrafia
seu “carro-chefe”, parece ter sido estimulado pelo fenômeno da revita-
lização da pintura ocorrido em todo o mundo, a qual seria absorvida
pelo mercado com grande avidez. Ao mesclar figuração e abstração,
e ao recorrer a uma gama diversificada de cores vivas e a gestos es-
pontâneos, o capixaba parecia disposto a conquistar uma fatia desse
mercado promissor. Se grande parte dos artistas daquele período tanto
se pautava na própria vivência individual quanto transitava pela história
da arte para eleger referências visuais do passado recente ou pregres-
so, atualizando-as e transfigurando-as nessas novas pinturas, Dionísio
Del Santo resgatava as lembranças da infância e da juventude vivida
na zona rural de Colatina, no interior do Espírito Santo, reelaborando
signos e temáticas recorrentes em algumas de suas pinturas datadas
do final dos anos de 1960 e 1970. Elaborava, então, composições em
que as figuras humanas e de animais eram formuladas com estruturas
geométricas e uma extensa gama efusiva de cores primárias e secun-
dárias, executadas à têmpera e a óleo sobre tela, quando sua saúde
já se mostrava fragilizada pelo agravamento da doença que o levou à
morte em 1999. Essas composições planares se apresentam povoadas
por figuras de lenhadores, homens a cavalo, cenas pastoris e de mata-
douros, ou por uma quantidade interminável de cabeças. Representadas
individualmente ou agrupadas, transitam entre a figuração e a abstra-
ção, em meio a uma ousada profusão de cores vibrantes. O artista não
deixaria também de formular novas pesquisas formais, como demonstra
na série “Fragmentos Rítmicos”. O título confirmava o fascínio do autor

99
some of which operated in Vitória, which helps us understand how and
why the artist’s painting did not attract the same acknowledgement as
engraving did. So much so that, when it comes to screen printing, the
artist devoted the same affection to abstractionist grammars, therein
anchoring his true experimental lab of material exploration, forms and
printing procedures. But this can also be confirmed if we remember that
in his screen printing research the artist had already moved away from
screen printing abstraction because, from the late 80’s onwards, his
screen printing compositions became veritable constellations, formed
by small scintillating dots, straight, curvy or broken tracings, which slide
across a monochromatic field. Some graphic labyrinths of those screen
prints seem to insinuate themselves as seminal studies of “Fragmentos
Rítmicos” (“Rhythmic Fragments”), about which the author launched a
true color orchestra, which also bears similarity to the paintings made
in years prior to this research.

100
pela dinâmica das formas orgânicas ou biomórficas, e o afastamento
de qualquer alusão ao mundo analógico, refazendo as pazes com a
abstração. Vale destacar, porém, que apenas nessa última série, e em
algumas composições pictóricas elaboradas entre o final dos anos de
1950 e o início da década seguinte, é que a pintura de Dionísio Del Santo
se mostrou realmente abstrata. A que atribuir tal fator, se na gravura
o artista se manteve sempre fiel à gramática abstracionista? Talvez se
possa especular que essa longa e intermitente vinculação aos estilemas
figurativos ocorresse por solicitação das galerias comerciais, algumas
delas em funcionamento em Vitória, o que ajuda a entender, de alguma
maneira, por que a pintura do artista não chegaria a angariar o mesmo
reconhecimento da gravura. Tanto é que, na serigrafia, o artista devotou
sempre afeição às gramáticas abstracionistas, ancorando aí também
seu verdadeiro laboratório experimental de exploração de materiais,
formas e procedimentos de impressão. Mas isso também se confirma
se atentarmos que, nas pesquisas serigráficas, o artista antecipou-se à
pintura no distanciamento da abstração geométrica, pois, a partir do
final da década de 1980, as composições serigráficas se transformaram
em verdadeiras constelações, formadas por pequenos pontos cintilan-
tes, tracejados retos, curvos ou quebrados, que deslizam em um campo
monocromático. Alguns labirintos gráficos dessas serigrafias parecem
insinuar-se como estudos seminais dos “Fragmentos Rítmicos”, sobre os
quais o autor lançou uma verdadeira orquestra de cores, que não dei-
xam de guardar alguma similaridade com as pinturas criadas nos anos
anteriores ao início dessa pesquisa.

101
Fabio
Morais

102
Artoday
Livro, papel, fita dupla face, barbante
Book, paper, double sided tape, string
29,5 cm x 26 cm x 6 cm (livro) | 600 cm (aproximadamente, cada um dos três fios com bandeirinhas)
29,5 cm x 26 cm x 6 cm (book) | 600 cm (approximately each of three strings with buntings)
2008

103
Projeto Construtivo Brasileiro na Arte
Fotografia digital
Digital photography
26,5 x 21 cm
2014

104
105
Júlio Martins Your work “Artoday” makes direct reference to Volpi, a painter that didn’t
adhere to the Concretist grammar, either, and knew how to work the
geometric vocabulary having Brazilian culture as starting point. How
does Volpi’s way of working interest you and how does his work impact
on the formal treatment? When you deconstruct/re-read a manual of
North American art history, you re-signify and reveals its discourse as
the hegemonic writing of an official history. Therefore, there is a political
dimension that adhered to the forms. How do you locate and approach,
in a critical way in your artistic production today? I’m also thinking of
another piece, “Projeto Construtivo Brasileiro na Arte”, in which you
propose two alignment possibilities for photography, with framing as
reference or the book shape levelled to the wall, so every object is di-
agonal. How does the ambivalence you provide makes us think about
the appropriation of the legacy of Concretism and Neo-concretism in
our art history and contemporary production? Again, when dealing
with this vocabulary in a contemporary setting, what do you want to
highlight and provoke?

Fabio Morais The work “Artoday” is almost a détournement of hegemonic history. In


order to make buntings, I use the pages of “Artoday”, a book that estab-
lishes historically relevant art — art from the Northern Hemisphere, by
male, white and heterosexual artists, of course — and then the rest. The
buntings made from the book are a reference to Volpi, an artist who I think
would be outside the pantheon of hegemonic arts not only for geopolit-
ical issues, but also because he would never have been exported by us,
because, in this criteria, there is also a national pictorial hierarchy: at it
front, there is the Modernism of 1920-1930 and the hard hubs of Concrete
and Neo-Concrete representing us. In a way, Volpi’s painting works as a
silent détournement, not only because it has a more organic treatment
of the geometric aesthetics, but also for adopting the geometry from a
popular aesthetic vocabulary, and not from the scientific modern-utopian
rationalization that Concretism subscribes to.

But, first and foremost, “Artoday” is a homage to Volpi, an artist that


was formative for my gaze, because I grew up seeing his painting so
that, within my personal history of art, he is much more important than
Matisse. Getting hold of a colonizing, elitist and expensive book such as
“Artoday”, cut it up and make a St. John’s party out of it, is questioning
what is most important: the so-called “universal” history of art — a term

106
Júlio Martins Seu trabalho “Artoday” faz referência direta a Volpi, um pintor que tam-
bém não aderiu à gramática concretista e soube trabalhar o vocabulário
geométrico tendo como ponto de partida elementos da cultura brasi-
leira. Em que lhe interessa essa operação de Volpi e como seu trabalho
reverbera esse tratamento formal? Ao desconstruir/reler um manual de
história da arte norte-americano, você ressignifica e revela seu discurso
como escrita hegemônica de uma história oficial. Há, portanto, uma di-
mensão política que aderiu às formas. Como você a localiza e a aborda
de forma crítica em sua produção artística, hoje? Penso ainda num outro
trabalho, “Projeto Construtivo Brasileiro na Arte”, em que você propõe
duas possibilidades de alinhamento para a fotografia: tendo a moldura
por referência ou a forma do livro nivelada à parede, o que torna diagonal
todo o objeto. Em que medida essa ambivalência que você proporciona
nos faz pensar na apropriação da herança do concretismo e do neo-
concretismo em nossa história da arte e na produção contemporânea?
Novamente, ao lidar com esse vocabulário na contemporaneidade, o
que lhe interessa evidenciar e provocar?

Fabio Morais O trabalho “Artoday” é quase um détournement da história hegemônica.


Para confeccionar bandeirinhas, uso as páginas de “Artoday”, livro que
estabelece uma linhagem hierárquica para eleger a arte historicamente
relevante — arte do Hemisfério Norte, de artistas masculinos, brancos e
heterossexuais, claro —, e depois o resto. As bandeirinhas feitas a par-
tir do livro são uma referência ao Volpi, artista que, penso eu, estaria
fora desse panteão da história hegemônica não apenas por questões
geopolíticas, mas também porque jamais seria exportado por nós, pois,
nesse quesito, há também uma hierarquia pictórica nacional: na frente
dele, há o modernismo dos 1920-1930 e os núcleos duros do concreto
e do neoconcreto, a nos representar. De certo modo, a própria pintura
do Volpi funciona como um détournement silencioso, não só por ter um
tratamento mais orgânico da estética geométrica, mas também por
adotar a geometria a partir do vocabulário estético popular, e não da
racionalização científica utópico-moderna, à qual o concretismo se alinha.

Mas, antes de tudo, “Artoday” é uma homenagem ao Volpi, artista que


faz parte da formação do meu olhar, pois cresci vendo suas pinturas, de
modo que, dentro da minha história pessoal da arte, ele é muito mais
importante que Matisse. Pegar um livro colonizador, elitista e caro, como
o “Artoday”, picotá-lo e fazer dele uma festa junina é questionar o que é

107
that could be easily replaced with imperialism — or the histories of local
arts. It is beautiful to see Torre García invert north and south in the map
and then I ask myself whether is possible to re-write the history of art. If
in “Experiência n. 2” (“Experience n. 2”, 1931), Flávio de Carvalho creates
a situationist action, more than 30 years before Situationism and what
today we know as performance, with a book published three months
later, a mix of performance record and non-site, then are we not able to
rewrite the history of art with a fact like this? If I were a teacher, perhaps
I would carry out this type of guerrilla action in the classroom.

While “Artoday” is a reference to Volpi, the other work that you point out,
“Projeto Construtivo Brasileiro na Arte”, refers directly to Hélio Oiticica’s
meta schemes. I photographed the catalogue of the homonymous 1970s
exhibitions, curated by Aracy Amaral, so that the book is neither perpen-
dicular to the framing nor the photo. So, when placed on a wall, when the
piece is aligned by the frame, the book stays unaligned. Or the opposite,
in which case the frame is askew. This dance of internal rectangles alludes
to meta schemes and so the Neo-Concrete precept of “interacting with
the work” is part of this work whose photographic nature would not be
compatible with such interaction. There is also a question of turning the
book into an image, an idea inspired by the fact that I book more for the
graphic design by Amílcar de Castro — whom I discreetly quote in the col-
ors of the background and framing —, than an interest in the topic. That
is, I am more interested in the object than in the information it contains.
This emptying out of the book in favor of the image also has to do with
the emptying of the Concrete project, borne out of a social utopia, even
if this idea was little more than a middle-class ideal closed in on itself —,
but which today, past all modernist utopias, only survive in the realm of the
formal and the aesthetic which has kept us retina — and object-oriented,
and not much open to dematerialized aesthetics. Perhaps due to the fact
that my work is conceptual, I feel this more strongly. Obviously, we can’t
deny the importance of the concrete project, but it is a canon that I see as
overinflated and monopolizing the official narrative of Brazilian art. So, our
1970’s imaginary is Neo-Concrete and there is little space, for instance, for
what was done in the networked conceptual hub in Latin America, which
was MAC/USP in that period, or for post art, a global network which, in
Brazil, was mainly in the northeast region, overlapping with the visual poetry
and graphic experiments. These two examples seem bereft of space in the
official imaginary of Brazilian art, which also has its ‘hereditary captaincies”.

108
mais importante: a história da arte dita “universal” — termo que poderia
ser trocado por “imperialista” —, ou as histórias da arte locais. É lindo
ver o Torres García inverter o norte-sul no mapa, e aí me pergunto se é
possível reescrever a história da arte. Se, em “Experiência n. 2”, de 1931,
Flávio de Carvalho faz uma ação situacionista, mais de 30 anos antes do
situacionismo e do que conhecemos hoje por performance, com direito
a um livro editado três meses depois, misto de registro de performance
e non-site, será que com um fato desse não somos capazes de reescrever
a história da arte? Eu, se fosse professor, talvez fizesse esse tipo de ação
guerrilheira em aula.

Enquanto o “Artoday” é uma referência ao Volpi, o outro trabalho que você


aponta, “Projeto Construtivo Brasileiro na Arte”, refere-se diretamente
aos metaesquemas do Hélio Oiticica. Fotografei o catálogo da exposição
homônima dos anos 1970, com curadoria da Aracy Amaral, de modo que
o livro não esteja perpendicular ao enquadramento da foto. Assim, na
parede, ou se alinha a obra pela moldura, e o livro fica desalinhado, ou o
contrário, deixando a moldura torta. Essa dança de retângulos internos
remete aos metaesquemas, e assim o preceito neoconcreto do “interagir
com a obra” faz parte desse trabalho cuja natureza fotográfica não seria
compatível com tal interação. Há ainda a questão de tornar o livro uma
imagem, ideia que veio do fato de que o comprei mais por seu projeto
gráfico ser do Amílcar de Castro — a quem cito de forma discreta nas
cores do fundo da imagem e da moldura —, do que pelo meu interesse
pelo tema. Ou seja, interesso-me mais pelo objeto do que pela informação
contida nele. Esse esvaziamento do livro em prol da imagem tem a ver
também com o próprio esvaziamento do projeto concreto, nascido como
uma utopia social — ainda que esse social pouco ultrapassasse um ideal
ensimesmado de classe média —, mas que hoje, pós-utopias modernistas,
a meu ver sustenta-se apenas no formal e no estético.

Devo confessar que acho a herança concreta e neoconcreta determi-


nante demais, um legado que nos manteve retinianos, objetuais e pouco
abertos a estéticas desmaterializadas. Talvez, por eu ter um trabalho de
viés conceitual, eu sinta mais isso. Claro, não há como negar a impor-
tância do projeto concreto, mas este é um cânone, a meu ver, inflado
um pouco além da conta e que monopoliza a narrativa oficial da arte
brasileira. Assim, nosso imaginário dos anos 1970 é neoconcreto e tem
pouco espaço para, por exemplo, o que foi feito no núcleo conceitual

109
There is also a question of personal taste: I do not understand the formal
and geometric madness, so that, whenever I cite Concretism in my work,
I do it critically, perhaps vitriolically, or as reference to the history of art
and its official discourse. To be sure, if I had been born European in the
last century, I would have hung around Dadaist gangs and not with Bau-
haus students. In Brazil, I would have found a way to approach Flávio de
Carvalho and not Max Bill’s devotees.

110
em rede com a América Latina, que era o MAC/USP dessa década, ou
para a arte correio, rede mundial que, no Brasil, passou sobretudo pelo
Nordeste, misturando-se à poesia visual e a experimentações gráficas.
Esses dois exemplos parecem-me sem espaço no imaginário oficial da
arte brasileira, que tem lá suas capitanias hereditárias.

Mas há uma questão de gosto pessoal, também: eu não entendo a piração


formal e geométrica, de modo que, sempre que cito o concretismo em
meu trabalho, ou é de modo crítico, talvez ácido, ou como referência à
nossa história da arte e a seus discursos oficiais. Certamente, se eu tivesse
nascido europeu no início do século passado, eu andaria com gangues
dadaístas e não com estudantes da Bauhaus — no Brasil, daria um jeito
de me aproximar de Flávio de Carvalho, e não dos devotos de Max Bill.

111
Felipe
Barbosa

112
Tetris
Bolas de futebol recosturadas
Resewn football balls
210 x 135 cm
2006

113
6 Flags
Bolas de futebol recosturadas
Resewn football balls
168 x 212 cm
2007

114
115
Verão
Tinta spray sobre madeira
70 x 110 cm
2013

116
117
Condominio Volpi
Acrilico sobre tela
Acrylic on canvas
200 x 150 cm
2009

118
119
Júlio Martins Since the first decade of the 2000’s, you have been working on your soccer
ball series, which are decomposed and remade in nets that stretch across
the wall, referring themselves to the pictorial plane. The hexagons are
perfect geometric forms, which, however, come from a mundane activity
like soccer, an important reference in Brazilian culture...

Felipe Barbosa Since early 2000, I became interested in how geometry and mathe-
matics were present in everyday objects. I first tried to discover the
constructive and conceptual possibilities of things, through the latent
mathematics in them.

First, I tried to work with hexagonal floor tiles. I wanted to discuss the idea
of plane/floor as an idea of conquering space with these same elements
(floor and cement) using geometry.

I created a series of three photographs called “Piso 3D” in which tiles


organized themselves in order to create three geometric solids. One of
these possible geometric solids is called truncated icosahedron, which
is precisely the solid used as the base of geometry in most football balls.

From there I had to make the inverted movement, go from tridimen-


sional to the plane, only changing the way the slices that make the
ball are sewn together. The fact of employing an element that is so
laden with meaning ends up subverting the intention of the work.
The soccer culture, in all its scope, led this series of works to go well
beyond geometry.

Júlio Martins In “Condomínio Volpi” (“Volpi Condo”), the façades of the modernist painter
are reinterpreted formally in its capacity to escape the formal field and
get contaminated with local cultural elements, as you said. Therefore,
the geometric vocabulary is treated from the point of view of this con-
tagion of form with the mundaneness of their uses, colors, materials and
symbolic force. How do you work and modulate the Concretist grammar
so to provoke deviations, reactions, appropriations and resignifications
of the formalist readings? 

Felipe Barbosa In “Condomínio Volpi” (“Volpi Condo”), I started working with birdhouses,
then the geometry of the rooftops structured the objects in space and
thus generated the sculpture. However, as it happened with “Bolas”

120
Júlio Martins Você vem trabalhando desde os anos 2000 na sua série de bolas de
futebol, que são decompostas e recosturadas em malhas que ocupam
a parede, referindo-se ao plano pictórico. Os hexágonos são formas
geométricas perfeitas que, no entanto, originam-se de algo cotidiano
como o futebol, uma referência cultural brasileira importante... 

Felipe Barbosa Desde o início de 2000, eu me interessei em como a geometria e a ma-


temática estavam presentes em objetos cotidianos. Comecei a tentar
descobrir as possibilidades construtivas e conceituais das coisas, por
meio da matemática latente nelas. 

Primeiramente, comecei a trabalhar com azulejos para pisos de formato


hexagonal. Queria discutir a ideia do plano/piso como ideia de conquista do
espaço por esses mesmos elementos (piso e cimento) utilizando a geometria.

Criei a série de três fotografias chamada “Piso 3D”, na qual os azulejos


iam se organizando de modo a criar três sólidos geométricos. Um des-
ses sólidos geométricos possíveis é chamado de icosatruncado, que é
justamente o sólido utilizado como base para a geometria da maioria
das bolas de futebol. 

Daí, foi fazer o movimento inverso, ir do tridimensional para o plano,


apenas mudando o modo de costurar os gomos que compunham a bola.
O fato de utilizar um elemento que carrega tanto significado acaba por
subverter a intenção do trabalho. A cultura do futebol, com sua abran-
gência, fez com que essa série de trabalhos se desdobrasse para muito
além da geometria.

Júlio Martins Já em “Condomínio Volpi”, as fachadas do pintor modernista são reinter-


pretadas tanto formalmente como em sua capacidade de fugir do campo
formal e contaminar-se de elementos culturais locais, como você disse.
O vocabulário geométrico, portanto, é tratado sob esse contágio das
formas com a mundanidade de seus usos, cores, materiais e cargas sim-
bólicas. Como lhe interessa trabalhar e modular a gramática concretista
de modo a provocar desvios, reações, apropriações e ressignificações
das leituras formalistas?

Felipe Barbosa  Em “Condomínio Volpi”, comecei trabalhando inicialmente com casinhas
de pássaros mesmo, então aí a geometria dos telhados serviam para

121
(“Balls”), the chosen object is impregnated with meaning, relationships
and contexts. The use of colors and the way how houses were organized
sometimes looked a lot like some of Volpi’s pieces. This, in a certain
way, indicated the direction the work would take towards paintings in
which I should emulate the palette and brush of the author from the
house module.

The choice of a geometry contaminated by the world, taking advantage


of this contamination, gives the work a relationship to Concretism, pro-
posing a world that absorbs the geometric ideal, not as an ideal, but its
contamination, inserted in daily life.

122
estruturar no espaço os objetos e gerar, assim, a escultura. Porém, como
aconteceu com as “Bolas”, o objeto escolhido sempre vem impregnado
de significados, relações e contextos. O uso das cores e o modo como as
casas eram organizadas lembravam muito algumas as obras do Volpi.
Isso, de certo modo, indicou o rumo que o trabalho tomou. Dessa vez, em
pinturas, nas quais procurei, a partir do módulo casa, emular a paleta
e a pincelada do autor.

A escolha de uma geometria contaminada pelo mundo, tirando pro-


veito dessa contaminação, faz com que o trabalho se relacione com o
concretismo, propondo um mundo que absorve o ideal geométrico, mas
não como ideal, e sim como contaminação, inserido na vida cotidiana.

123
Fredone
Fone

124
Street Art Festival
Mostar, Bósnia-Herzegovina
2016

125
Festival Origraffes
Feu Rosa, Serra, ES, Brasil
2016

126
127
Serra Dourada 3, Serra, ES, Brasil
2016

128
Jardim Tropical, Serra, ES, Brasil
2016

129
Renan Andrade Your pieces are very clear in their use of plane geometry, lines and a
palette of black, red and shades of grey. Like a collage of elements that
encompass architecture, through graffiti and urban spatial paintings, you
occupy the asphalt on the street, the shadows and the façades. It seems
to me a formal reconfiguration from the elements that the urban space
offers, creating new designs, mappings, and architecture through lines
and color planes. Can you comment on that?

Fredone Fone The experience in building, either informally as my father’s assistant,


building and refurbishing houses in my neighborhood since I was a child,
also my experience in the storage room of a major building company,
these experiences made me see architecture in a different way. Upon
discovering graffiti and skateboarding as a teenager, I allowed to discover
other ways to reinvent the role of sidewalks, asphalt, walls and bumps,
even if I didn’t have the permission for that. None of those was designed
for graffiti and skateboarding.

I am still doing a bit of each thing through painting. Creating other planes,
juxtaposing shapes in a subtle way. I like to compare it to the instrumen-
tal process of rap. Cutting, pasting and taking ownership of elements,
as in a sampler process. Juxtaposing those layers, I create other ones.
This reminds me of Ítalo Calvino’s “The Invisible Cities” book. A book that
undoubtedly gave me more tools to create.

Renan Andrade You have posted on your Instagram “Permuta II” (1972) by Dionísio. Is he
a reference in your work?

Fredone Fone That is a great piece, and I would also mention “Losango Espaço”. I am
sure that since I visited a Dionísio retrospective at Maes he may have
influenced me.

Another thing that called my attention was becoming aware that Dioní-
sio was not born in the metropolitan region. It is easy to see that in some
periods of his work.

Renan Andrade What is your relationship with geometry and the use of specific colors?

Fredone Fone Geometry came to me in several different ways, unpretentiously, in basic


colors and I believe that has influenced my way of thinking and building.

130
Renan Andrade Os seus trabalhos são bem claros quanto ao uso da geometria plana, de
linhas e da paleta em preto, vermelho e variações de cinza. Como uma
colagem de recortes que englobam a arquitetura, por meio do grafite e
de pinturas espacias urbanas, você ocupa o asfalto da rua, as sombras
e as fachadas. Parece-me uma reconfiguração formal a partir dos ele-
mentos que o espaço urbano lhe oferece, criando novos desenhos, ma-
peamentos e arquiteturas por meio das linhas e dos planos de cor. Seria
possível comentar isso?

Fredone Fone A prática na construção civil, ora informalmente, como ajudante do meu
pai, construindo e reformando casas no bairro desde criança, ora tra-
balhando no almoxarifado de uma grande construtora, apresentou-me
a arquitetura por outros ângulos. Descobrir, ainda na adolescência, o
skate e o grafite, me permitiram, ainda que “sem permissão”, descobrir
outras maneiras de reiventar a função de calçadas, asfaltos, muros e
quebra-molas. Nada disso foi feito para praticar skate ou fazer grafite.

Continuo fazendo um pouco de cada coisa por meio da pintura. Criando


também outros planos, sobrepondo formas, sutilmente.

Gosto de comparar ao processo de produção instrumental do rap. Re-


cortando, colando e me apropriando de elementos, como num processo
de sampler. Sobrepondo essas camadas, crio outras. Isso me faz lembrar
também do livro “As cidades invisíveis”, do Ítalo Calvino. Um livro que,
sem dúvidas, me deu mais ferramentas para criar.

Renan Andrade Você tem uma postagem no Instagram de uma “Permuta II”, de 1972, do
Dionísio. Ele é uma referência no seu trabalho?

Fredone Fone Essa é uma ótima peça! Outra que citaria é “Losango Espaço”. Não tenho
dúvidas de que, desde que visitei uma retrospectiva de Dionísio, no Maes,
acabei sendo influenciado por seu trabalho.

Outra coisa que também me despertou interesse foi saber que Dionísio
não havia nascido na região metropolitana. É fácil notar a influência
disso em alguns períodos de sua obra.

Renan Andrade Qual é a sua relação com a geometria e o uso dessas cores específicas?

131
I remember I started using black, white, grey between them, and the
read when I started to think of the relationship between the human and
the urban space. Red can symbolize the human within the urban body,
concrete and steel, and it can also be the concrete and the steel between
flesh and bone. It can be all of that at the same time, without the sepa-
ration of those two bodies.

When I was still a child, I tried to decipher drawings and floorplans that
my father drew when planning buildings: I imagined how he made those
calculations and how some carpenter’s pencil scribblings on bread wrap-
ping paper could give life to a real house. My father had not completed
primary education.

As an adult, I took a course in technical mechanical design at Senai. Years


later, when I resigned from my storage room job at the building compa-
ny, I also took an Autocad course. These courses are linked to industrial
fields, mechanics and civil engineering and I did not have the intention
to use them for art. Fortunately, it was not long until I changed my mind
and started using them on my pieces.

Another thing I cannot leave out is the fact that I learned a lot about geom-
etry while I made graffiti letters. These days I no longer make those letters.

Among so many letter styles, it is very common to use a typography


created from very simple forms, with uniform fillings and firm lines in the
contour. I also did several projects using Cored Draw to create vectors.

Renan Andrade Besides all that, is there a link to the social and urban contexts in which
you make graffiti?

Fredone Fone Not everything I do on the street, in relation to painting, could be called
graffiti. Many people know me only through the paintings I have made
along these 20 years, but I haven’t done just that for a long time. Of
course, my gaze is the one of a person whose initial interest in art came
from graffiti, but I would call it something else. Things that always change
in my head, but do not become graffiti.

Back to the contexts, my departure points are the ways in which social
and urban landscapes configure themselves in the outskirts of the cities.

132
Fredone Fone A geometria apareceu para mim de diversas maneiras, desprentensio-
samente, em cores muito básicas, e acredito que isso tenha influenciado
meu jeito de pensar e construir. Lembro que passei a utilizar o preto, o
branco, o cinza entre eles, e o vermelho quando comecei a pensar na
relação do humano com o espaço urbano. O vermelho podendo simbo-
lizar o humano presente no corpo urbano, de concreto e aço, e pode ser
também o concreto e o aço presente entre a carne e o osso. E pode ser
tudo isso ao mesmo tempo, fluido, sem a separação desses dois corpos.

Quando eu era ainda muito criança, tentava decifrar os desenhos — plan-


tas-baixas — que meu pai fazia planejando as construções: imaginava
como ele fazia aqueles cálculos e como uns riscos de lápis de carpinteiro
num papel de pão poderiam dar vida a uma casa de verdade. Meu pai
não tinha nem completado o ensino primário.

Já adulto, fiz um curso de Leitura e interpretação de desenho técnico


mecânico, no Senai. Anos depois, logo após pedir demissão no almo-
xarifado da construtora onde eu trabalhava, fiz também um curso de
Autocad. São cursos que estão ligados à área industrial, da mecânica
e da construão civil, e eu não tinha intenção de fazê-los para produzir
arte. Felizmente, não demorei muito para mudar de ideia e a começar
a aplicar isso nos meus trabalhos.

Outra coisa que não posso deixar de citar é o fato de que aprendi muito
sobre geometria enquanto fazia letras de grafite. Hoje, quase não faço
mais essas letras.

Entre tantos estilos de letras, é muito comum utilizar uma tipografia


criada a partir de formas simples, com preenchimentos uniformes e
linhas firmes que as contornem. Eu também fazia muitos projetos delas
utilizando o Corel Draw para criar vetores.

Renan Andrade Há, além disso, algum eixo ligado aos contextos sociais e urbanos em
que você realiza os grafites?

Fredone Fone Nem tudo que faço na rua, relacionado à pintura, chamaria de grafite.
Muita gente me conhece apenas pelas pinturas que fiz ao longo destes
mais de 20 anos, mas há muito tempo não faço apenas isso.

133
I grew up in that context. It is by taking part of these configurations that
I propose new architectures, experimenting those existing ones. For that
reason, I prefer to pain in the outskirts. Most of the projects I have carried
out along the years prioritizes being in those places, getting to know
different ways of social, cultural and economic organization.

Painting on the street, for example, gives me the chance to be face to face
with the viewer. I hear comments all the time, from near or from far, people
walk past and comment, I talk to them and deal with various situations
in those environments during the whole process of painting. I like that.

134
Claro que há muito do meu olhar e do modo de pensar de alguém que
começou a se interessar por arte a partir do grafite, mas eu chamaria
de outra coisa. Coisas que sempre mudam na minha cabeça, mas não
se tornam grafite.

Voltando aos contextos, meus pontos de partida são os modos como se


configuram as paisagens sociais e urbanas das periferias e as relações
humano-urbanas. Cresci nesse contexto. E é participando dessas confi-
gurações que proponho novas arquiteturas, experimentando aquelas já
existentes. Por isso, prefiro pintar em periferias: grande parte dos projetos
que tenho realizado, ao longo dos anos, prioriza estar nesses lugares, co-
nhecendo diferentes modos de organização social, cultural e econômica.

Pintar na rua, por exemplo, me dá a chance de estar cara a cara com


quem vê o trabalho. Ouço comentários o tempo todo, de perto e de longe,
pessoas passam e comentam, converso com elas e lido com diversas situa-
ções nesses ambientes, durante todo o processo de pintura. Gosto disso.

135
Pablo
Lobato

136
4th Kimono
Papel hanji
Hanji paper
75 x 31 cm
2017

137
Repouso
Documentação fotográfica da ação. Flores caídas de Ipê, Sibipiruna, Jacarandá, e outras árvores.
Photographic register of the action. Fallen flowers of Ipê, Sibipiruna, Jacaranda and other trees.
Instalação, fotografias, dimensões variáveis
Installation, photographs, variable dimensions
2008

138
139
Sem título (Jiboia)
Tinta acrílica sobre compensado e fio de papel, fio de cobre
Acrylic on plywood and paper thread, copper thread
33 x 15 cm
2017

140
141
Júlio Martins In recent times, you have been looking into ways to relate to the materials in
terms of the reaction they are predisposed to rather than interfere according
to the previous schemes. This results in organic, tactile shapes, compositions
in which intuition prevails over projective dimension, even though much of
your vocabulary goes through geometry. “Sem título (Jiboia)” (“Untitled
— Boa Constrictor”), for instance, is a piece that was borne out of that
experimentation with simple materials and economical gestures. You deal
with a procedure that is marked by contact, which reminds us of engraving
techniques. As is the case with many screen-prints created by Dionísio
Del Santo, you became interested in adhering to line and composition as
elements loaded with subjectivity and the random, which are opposed to
geometric rigueur, and assert the light touch of the artist’s hand. Concom-
itantly, in “Repouso” (“Rest”), we see circular and square shapes, but made
with flowers that had dropped to the ground and located directly in the
urban space, dislocating them from the formal field to the social flux. What
interests you and amazes you in these treatments given to shapes in order
to reproduce singularities and affections in their consistencies?

Pablo Lobato I spent some time focused on framing, more than a decade closer to mak-
ing cinema. The taste for un-framing comes from that. The relationship
with framing, with the choice, also instilled in me the practice of listening,
especially for having dedicated me more to documental works.

The initial shots, the life blows behind a work, these embryonic dimensions
present inaugural movements that tend to destabilize ways of seeing.
Listening to those movements increases the frequency of the meetings,
more than the search for those movements. However, every meeting
has an accidental quality about them, like an incomplete synchronicity.
Today I am more involved in non-objectivity than subjectivity. Between
them, I try to locate the evoking, the opening gesture, less attached to the
interests of the subject. This is how I try not to frighten the power given.
Geometry is good for a certain amount of time. I tried to avoid denying
it lest it acquires more importance; the refusal can get in the way. Going
through geometry is embracing a resource and a way of operating that
modulates the pulse of what is left, of what happens, in the same act of
doing. I do not get stuck in geometric procedures, because they offer little
crinkliness, they are dull; they fold in a very schematic way. In the piece
“Sem título (Jiboia)” (“Untitled — Boa Constrictor), geometry does not
define rigidity, it presents itself as an organic line that comes unglued and

142
Júlio Martins Recentemente, você tem investigado maneiras de se relacionar com os
materiais mais reagindo ao que se predispõe neles, do que propriamen-
te buscando intervir a partir de esquemas prévios, o que resultada em
formas orgânicas, táteis, e composições em que a intuição prevalece
sobre a dimensão projetiva, ainda que muito de seu vocabulário passe
pela geometria. “Sem título (Jiboia)”, por exemplo, é uma obra que nas-
ce dessa experimentação com materiais simples e gestos econômicos
e na qual você lida com um procedimento de marca por contato, que
nos lembra técnicas de gravura. Tal como em muitas serigrafias criadas
por Dionísio Del Santo, interessou-lhe aderir à linha e à composição
elementos carregados de subjetividade e acaso, que se opõem ao rigor
geométrico e afirmam ali a delicadeza da mão do artista. Paralelamente,
em “Repouso”, vemos formas circulares e quadradas, porém realizadas
com flores caídas ao chão e localizadas diretamente no espaço urbano,
deslocando-as, portanto, do campo formal e inserindo-as no fluxo social.
O que lhe interessa e encanta nesses tratamentos concedidos às formas
de modo a produzir singularidades e afetos em suas consistências? 

Pablo Lobato Passei um tempo concentrado em enquadrar, mais de dez anos próximo
ao fazer cinema. O gosto pelo gesto de desenquadrar vem daí. A relação
com o enquadramento, com a escolha, me trouxe também a prática de
escutar o que está disponível, principalmente por ter me dedicado mais
a trabalhos documentais.

Os disparos iniciais, os sopros por trás de um trabalho, essas dimensões


embrionárias apresentam movimentos inaugurais que tendem a deses-
tabilizar modos de ver. A escuta a tais movimentos aumenta a frequência
dos encontros, mais do que a busca por tais movimentos. Mas todo encon-
tro tem algo de acidental, como uma sincronia incompleta. Hoje eu me
envolvo mais com a não-objetividade do que com a subjetividade. Entre
elas, localizo o evocar, gesto de abertura, menos preso aos interesses do
sujeito. É assim que faço para não espantar a força dada. A geometria
presta por um certo tempo. Negá-la é coisa que evito, pois assim ela
acaba ganhando mais importância, a recusa pode atrapalhar. Passar
pela geometria é assumir um recurso e um modo de operar que modula o
pulso daquilo que se deixa, que acontece, no ato mesmo da feitura. Não
me prendo aos procedimentos geométricos, pois eles oferecem pouca
rugosidade, são chatos, se dobram de forma muito esquemática. No
trabalho “Sem título (Jiboia)”, a geometria não define rigidez, ela se mos-

143
unglues the hardness of the rectangular shape. The slithering lines on the
blue reverb qualities of the liquidness found in the pigment, in the brush.

The geometric spaces also serve other lines that are less apparent, lines that
separate things, what we don’t use look at, the fine things, the sensory key
for several qualities of what we see. The resistance of the wrought paper,
the way the ink trickles and penetrates, the link of the copper confirming
the support material, all of this is animated by the trail of the gesture,
which drags along materials that are interested in leaving entrances.
The drawing in “jiboia” and in other pieces, does not want to say much, it
tends to mimetize death, it is there to serve the qualities of the materials.

Geometry also goes through the action called “Repouso” (“Rest”), regis-
tered in photos. In addition, since photography and geometry stabilize
a lot, it seemed to me more important to disqualify them a little. For that
reason, the set of photographs here is smaller; the photos do not enhance
the harmony of the drawing. The geometric forms and the planes serve
the photographic composition and, in another duration, to the experience
of the urban space. Therefore, when starting the action, while I collect,
transport and leave the flowers, interferences to the wind, the oxidation
on the colors, a passer-by’s foot, diverse forces act to undo the lines.
Even so, the geometric landing resists, sometimes as a color smudge of
a material that is not common in that place — because I dislocate the
flowers to areas in the city where they do not exist — sometimes drifting
towards another language.

The density here does not aim at stability, but rather the propagation of
forces. When we meditate, for example, the initial, contained meditation,
is necessary for the passage to a state of more freedom. Some works of
art seem to work in a similar way, a place of passage. Flowers fall on the
city ground. My hands make them rest on a different context and they
move on from there. Sometimes towards photography and many others
towards I don’t know what. The landing is understood as a movement
pause, and not as cessation of movement; it can also be understood as
a way to geometry.

144
tra na medida de uma linha orgânica que se descola e desloca a dureza
da forma retangular. O serpentear das linhas sobre o azul reverberam
qualidades da liquidez que estão no pigmento, no pincel. Os aspectos
geométricos servem também às outras linhas, menos aparentes, às linhas
que separam as coisas, isso que não temos costume de ficar olhando, isso
fino, chave sensória para muitas qualidades do que se vê. A resistência
do papel torcido, o modo como a tinta escorre e penetra, o enlace do
cobre afirmando o suporte, tudo isso é animado pelo rastro do gesto,
que arrasta matérias, interessado em deixar entradas. O desenho, em
“jiboia” e em outros trabalhos, não quer dizer muito, tende a mimetizar a
morte, está ali para servir às qualidades das matérias.

A geometria também passa pela ação chamada “Repouso”, registrada


em fotografias. E, como fotografia e geometria estabilizam muito, pa-
receu-me importante desqualificá-las um pouco. Por isso, o conjunto
de fotografias aqui é apresentado como registro da ação. As dimensões
da ampliação, numa escala menor, não engrandecem a harmonia do
desenho. As formas geométricas e os planos servem à composição fo-
tográfica e, noutra duração, à experiência no espaço urbano. Logo ao
iniciar a ação, enquanto coleto, transporto e deixo as flores, interferências
do vento, do tempo, a oxidação sobre as cores, o pé de um transeunte,
forças diversas atuam desfazendo linhas. Ainda assim, o pouso geométrico
resiste, ora como mancha cromática de um material que não é comum
àquele lugar — pois desloco flores para áreas da cidade onde elas não
existem —, ora derivando rumo a outra linguagem.

A densidade aqui não visa à estabilidade, e sim a propagação de forças.


Quando meditamos, por exemplo, a concentração inicial, contida, é
necessária como passagem para um estado de maior liberdade. Algu-
mas obras de arte me parecem funcionar de modo análogo, um lugar de
passagem. As flores caem sobre o chão da cidade. Minhas mãos as fazem
repousar em outro contexto e, dali, seguem. Algumas rumo à fotografia,
e muitas outras rumo a não sei onde. O pouso entendido como parada
no movimento, e não como parada do movimento, pode ser também um
modo para a geometria.

145
Paulo
Climachauska

146
Da série “Blefe”
Pintura e silkscreen sobre tela
Painting and silk-screen on canvas
113 x 80 cm
2012-2013

147
Estado Vertical
Nanquim e acrílica sobre tela
China ink and acrylic on canvas
140 x 90 cm
2013

148
149
Da série “Wave”
Caneta sobre papelão corrugado
Pen on corrugated cardboard
100 x 100 cm
2013

150
151
Júlio Martins In the series “Wave” we found many resonances with the work of Dionísio
Del Santo, either in the strict geometric composition nodding to Con-
cretism, or in the way you obtain the image through an experimental
engraving technique. In “Wave”, all the formal construction makes use
of cardboard paper weaving to enhance lines and shapes. This way, the
geometric vocabulary arises from the surface of an everyday, ordinary
material, which does not remind us of the purity and bi-dimensionality
of the pictorial plane as defined by the formalist tradition. How are you
interested in exploring these modern instances in your artistic produc-
tion? What are you interested in discussing in the geometric vocabulary
when you produce deviations, comments and problematizations beyond
the formal field?

Paulo Climachauska My work has always dealt with the constructive heritage of Brazilian
art. It is not different with “Wave”. For this series, I was more interested
in creating a work with a certain constructive rigueur in the lines of the
drawing, ironically stumbling upon the limitations that wavy cardboard
paper imposes. While in the series “Construção por Subtração” (“Con-
struction by Subtraction”) I proposed an inversion of the constructive
process, in my current series I seek to build works that are apparently
strict in the sense of their construction. I say apparently because that
strictness that can be seen is actually a random outcome of the material
itself. This is the case with the series “Blefe” (“Bluff”), which are screen-
prints of geometric constructions, and do not carry a formalist thought in
their construction. The random in this series expresses itself by the simple
appropriation of verses of playing cards. And so on. All of this carries
a certain humor and a certain irony, but not in the gratuitous sense of
these terms, but rather in the intention of expanding the horizon of this
constructive tradition.

Júlio Martins Yes, and I also remember “Estado Vertical” (“Vertical State”), with China ink
drawings of important Brazilian modernist architecture, in which the line
appears thicker upon closer inspection when we notice that it is made of
subtractions. In my view, there is a curious reading of your “constructions
by subtractions” in the which the modernist strictness is deconstructed
through an operation of exclusion, under which capitalism also operates.
I find your comment “corrosive”, “ruining” and I am very interested in these
pillars and these columns, so vigorous and imposing, although they are
founded in exclusion logics, often unsuspected ones.

152
Júlio Martins Em sua série “Wave”, encontramos muitas ressônancias com a obra de
Dionísio Del Santo, seja pela composição geométrica rigorosa, devedora
do concretismo, seja pelo procedimento de obtenção da imagem que
consiste numa técnica experimental de gravura, poderíamos dizer. Em
“Wave”, toda a construção formal se vale da trama do papelão para
salientar linhas e formas. Assim, o vocabulário geométrico surge da
própria superfície de um material cotidiano, ordinário, que em nada
nos relembra a pureza e a bidimensionalidade do plano pictórico como
definido pela tradição formalista. Como lhe interessa explorar essas
instâncias modernas em sua produção artística? O que lhe interessa
discutir no vocabulário geométrico, ao produzir desvios, comentários e
problematizações para além do campo formal? 

Paulo Climachauska Meu trabalho sempre lidou com a herança construtiva na arte brasileira.
Em “Wave”, não é diferente. Nessa série, me interessou mais criar um
trabalho de um certo rigor construtivo nas linhas do desenho, esbarrando
ironicamente nas limitações que a topografia do papelão ondulado im-
põe. Se na série “Construção por Subtração” eu propunha uma inverssão
no processo construtivo, nas minhas atuais séries, eu busco construir
trabalhos aparentemente rigorosos no sentido de sua construção, e
digo aparentemente porque esse “rigor” que se apresenta, na verdade,
é resultado somente do acaso ou da problemática do própio material. É
o caso, por exemplo, da série “Blefe”, que são serigrafias de construções
geométricas, mas que não levam na sua construção um pensamento
formalista. O acaso nessa série se traduz pela simples apropriação de
versos de cartas de baralho. E por aí vai... Isso tudo carrega um certo
humor e uma certa ironia, mas não no sentido gratuito desses termos,
e sim na intenção de expandir o horizonte dessa tradição construtiva.

Júlio Martins  Sim, e me lembro ainda de “Estado Vertical” e da série “Projeto Moderno”,
com desenhos em nanquim de arquiteturas modernistas brasileiras im-
portantes, em que a linha se adensa ao olhar mais aproximado, quando
se percebe que é toda constituída por subtrações. Há, para mim, uma
leitura curiosa das suas “construções por subtração”, em que o rigor
modernista é desconstruído por uma operação de exclusão, segundo a
qual também vigora o capitalismo. Acho “corrosivo”, “arruinante”, o seu
comentário, e me interesso muito por esses pilares e essas colunas, tão
vigorosos, imponentes, que no entanto (se) fundamentam (em) lógicas
de exclusão, muitas vezes insuspeitas.

153
Paulo Climachauska You are right. Exclusion and inequality are two highly corrosive factors
in the social structure. All over the world there has been a wild growth in
wealth concentration and a fall in income distribution. Brazil is at the top
10 in the ranking of this degrading condition. My modernist architecture
built from subtraction tries to show the failure of the modernist project
in Brazil, and “Estado Vertical” (“Vertical State”) is made of six pieces in
which the architectural columns stand out. The idea is to talk precisely
about this exclusion State. I take ownership of the columns of Brazilian
modernist architecture to make a comment on the state of things in Brazil.
The title “Estado Vertical”, refers, on one hand, to the very condition of the
column (being vertical) and , on the other hand, the social and political
Brazilian condition, an unequal nation where the relations are established
vertically with little equality and democracy. While in the series “Projeto
Moderno” (“Modern Project”) the comment was about the failure of the
Brazilian development project, “Estado Vertical” (“Vertical State”) shows
where this failed project had led us to.

154
Paulo Climachauska Você tem razão. A exclusão e a desigualdade são dois fatores altamente
corrosivos na estrutura social. Sabemos que, no mundo todo, tem crescido
de forma selvagem a concentração de riquezas e a queda na distribuição
de renda. O Brasil se encontra no top 10 do ranking dessa condição degra-
dante. Minhas arquiteturas modernistas construídas por subtração tentam
demonstrar a falência do projeto moderno no Brasil, e “Estado Vertical”
se constitui de uma série de seis trabalhos nos quais as colunas arquite-
tônicas se destacam. A ideia foi falar exatamente sobre esse Estado de
exclusão. Eu me aproprio de colunas da arquitetura modernista brasileira
para tecer um comentário sobre o estado das coisas no Brasil. O título,
“Estado Vertical”, refere-se, por um lado, à própria condição da coluna (o
estar vertical) e, por outro lado, à condição política e social brasileira, uma
nação desigual, onde as relações se estabelecem verticalmente, de forma
pouco igualitária e pouco democrática. Se, na série “Projeto Moderno”, o
comentário era sobre a falência do projeto desenvolvimentista brasileiro,
“Estado Vertical” indica para onde esse projeto falho nos levou.

155
Renato
Ren

156
Sem título
Nanquim sobre papel
China ink on paper
21 x 29,7 cm
2017

157
Sem título
Linoleogravura sobre papel (Edição 1/1)
Linocut on paper (Edition 1/1)
Papel 29,7 x 21 cm | Impressão 22 x 11,5 cm
Paper 29,7 x 21 cm | Print 22 x 11,5 cm
2017

158
Sem título
Nanquim sobre papel
China ink on paper
21 x 29,7 cm
2017

159
Data / Metadata
Carimbo datador e caneta nanquim sobre papel; colado pelas ruas
Dater stamp and China ink on paper; fixed on the streets
29,7 x 21 cm
2017

160
161
Renan Andrade Regarding your research, it is interesting for us to depart from your more
recent forays in linocut and drawing, especially the drawings of China
ink on paper, because some became stickers in Vitória’s historic distric.
You come from graffiti, right? With a diversified color palette, and now
you have tended towards monochrome, synthesis and fragmentation
of geometric fragments in woodcuttings, now moving on to studies in
parallel and special lines.

Renato Ren Yes, I recently carried out a research in linocut and made a series of en-
gravings using the modular concept to organize the geometric shapes and
create various compositions. Regarding the forms, I engraved straight lines,
but irregular ones, making different area sizes for each one, producing tex-
tures and sounds that dialogued with one another. Drawings came out of
the studies in woodcut, because I noticed, from the experiment, the power
of lines and their formal qualities. I started to develop a work of specific de-
sign, using only lines that follow a parallel sequence with repetition to build
shapes. I recently installed some of the drawings in the urban space using
wheatpaste posters, because, whenever I develop a piece, I think of a way of
taking it to the street, the place where I started putting out art. I like the type
of reception and interaction with the public that urban spaces enable us.

I had been developing painting in graffiti as well as other support mate-


rials and techniques. In the paintings, I could explore and research color
as the substance of work. At first, I used a reduced palette of colors, such
as yellow, orange, red and black, using traffic signs as reference to call
the attention of passers-by. Then I started exploring and studying color,
leaving behind the initial colors in order to experiment. My reference for
that phase was the study of colors of paintings for the modern period;
I thought about how I could bring this palette to a modern research in
painting, but one that was neither obvious nor primary. My wish was to
investigate and learn with the process.

Monochrome can be observed in drawings for using only black China


ink, although I have use in other works colors such as blue, white and red.

My first pieces have a reference in the human figure, some objects and
architecture. Based on my research, I started reducing and synthetizing
the works in basic geometric shapes that are also essential to structure,
creating a reductive synthesis and a more abstract process.

162
Renan Andrade Sobre sua pesquisa, é interessante partirmos dos seus estudos mais re-
centes em linoleogravura e em desenho, sobretudo os desenhos de linhas
em nanquim sobre papel, pois alguns se tornaram lambes pelo Centro
de Vitória. Seu percurso vem do grafite, sim? Com uma paleta cromática
mais diversificada, e agora tem tendido para a monocromia, síntese e
fragmentação de elementos gráficos (nos desenhos e na pintura-objeto
também, com os fragmentos geométricos de recortes em madeira), até
chegar a esses estudos puramente em linhas paralelas e espaciais. 

Renato Ren Sim, recentemente desenvolvi uma pesquisa em linoleogravura, fiz uma
série de gravuras utilizando o conceito modular para organizar as formas
geométricas e criar diversas composições. Sobre as formas, gravei linhas
retas, porém irregulares, diferenciando a área de cada uma delas, produzin-
do texturas e ruídos que dialogassem entre si. Já os desenhos surgiram dos
estudos de xilogravura, pois percebi, a partir do experimento, a potência
das linhas e suas qualidades formais. Comecei a desenvolver um trabalho
de desenho específico, utilizando apenas linhas que seguem uma sequência
paralela com repetição para construir as formas. Recentemente instalei
alguns desses desenhos no espaço urbano, por meio do lambe-lambe, pois,
sempre que desenvolvo um trabalho, penso em alguma forma de levá-lo
para a rua, o lugar onde comecei a propor arte. Gosto do tipo de recepção
e interação com o público que o espaço urbano proporciona.

Vinha desenvolvendo um trabalho de pintura tanto em grafite quanto em


outros suportes e técnicas. Nessas pinturas, pude explorar e pesquisar a
cor como substância no trabalho. No início, utilizava uma paleta reduzida
de cores, como amarelo, laranja, vermelho e preto, tendo como referência
as cores das placas de trânsito instaladas nas vias da cidade, com o intuito
de chamar a atenção e atrair o olhar dos transeuntes. Depois comecei a
explorar e a estudar mais a cor, abandonando um pouco as cores iniciais,
a fim de experimentar. Minha referência para essa fase foi o estudo de
cores de pinturas do período moderno, pensava em como eu poderia
trazer uma paleta desse período para uma pesquisa contemporânea
em pintura, mas que não fosse muito óbvio nem primário. A vontade era
de investigar e aprender com o processo.

A monocromia pode ser observada nos desenhos, por utilizar nanquim


somente da cor preta. Apesar de, em alguns trabalhos, já ter utilizado
outras cores, como azul, branco e vermelho.

163
This formal research in painting branched out into other languages and
materials, from the bi-dimensional to the tridimensional, paint to wood.
I have made some sculptures and installation using wood and other ma-
terials. I have woodcuttings to create forms that I had already used in
paintings and drawings, now as sculpture types. In some, I use painting
to paint the wood; others were left unpainted, valuing form, color and
the texture of the wood itself.

Yes, my artistic trajectory started with graffiti in 2001. At the time, I made
interferences in urban spaces with throw-up, peace and wildstyle graffiti,
which are traditional forms.

Renan Andrade Is there a reference that pervades your output? The use of China ink with
parallels explores the geometry and architectural space, even if imag-
inable, but it also becomes architecture with the wheatpaste posters in
the city? How do you use line?

Renato Ren Yes, there are many references, from local contemporary artists to
modernist movements. Latin American artists also have influenced
and been a reference to think my work. More recently, I have become
interested in questions of engaged art and activism, so I research pieces
and artists who are putting out that kind of stuff. Dionísio’s work is also
a reference. In fact, one of the first references of formal art. I remember
when I first started visiting museums and galleries, I always went to
exhibitions at Maes, it was there I became acquainted with Del Santo’s
work and became fascinated. Even with my reduced knowledge of art
at that time, I made my own interpretations about the works and walked
away with a lot of stuff, such as forms, colors, sensitivities, media, ma-
terials, themes, etc.

Line has always intrigued me. First in painting, when I started making
forms. In some parts, using contour lines, with the process of study, I grad-
ually eliminated lines and started working with color areas. Lines were
created from the limits of colored areas, when they meet, producing an
effect of line and separation. Until then, I still hadn’t done any drawings,
only used it to create projects or sketches of paintings. With the research
in engraving and the need to create textures with lines etched on the
matrix in order to create geometric shapes, I noticed the potential that a
line provides, as well as its singularity, when analyzed as a unit or a group.

164
Meus primeiros trabalhos de pintura tinham como referência a figura
humana, alguns objetos e a arquitetura. A partir das minhas pesquisas,
fui reduzindo e sintetizando os trabalhos em formas geométricas básicas
e essenciais à estrutura, criando uma síntese redutiva, tendendo a um
processo de abstração.

Essa pesquisa formal em pintura veio se desdobrando para outras lin-


guagens e para o uso de outros materiais, do bidimensional para o
tridimensional, da tinta para a madeira. Produzi alguns trabalhos de
escultura e de instalação utilizando madeira e outros materiais. Fiz
cortes em madeira para criar formas que já utilizava nas pinturas e nos
desenhos, só que agora como tipos de esculturas. Em algumas, utilizei
tinta para pintar a madeira, outras não pintei, valorizando a forma, a
cor e a textura da própria madeira.

Sim, minha trajetória no campo da arte tem início com o grafite, em 2001.
Na época, eu intervinha no espaço urbano com letras nos estilos throw-up,
peace e wild-style, que são tipos de intervenções tradicionais do grafite.

Renan Andrade Há alguma referência que perpassa a sua produção? O uso do nanquim
com paralelas explora a geometria e o espaço arquitetônico, ainda que
imaginável, mas se torna também arquitetura com os lambes pela cida-
de. Como você trata do uso da linha? 

Renato Ren Sim, há muitas referências, de artistas locais contemporâneos a movimen-


tos modernistas. Artistas da América Latina também têm influenciado
e sido referência para pensar meu trabalho. Ultimamente, tenho me
interessado por questões de arte engajada e ativista, então pesquiso
obras e artistas que propõem algo do tipo. A obra do Dionísio também
é uma referência. Na verdade, uma das primeiras referências de arte
formal. Lembro-me de que, quando comecei a visitar museus e galerias,
sempre ia às exposições do Maes, e lá conheci a obra do Del Santo e
me encantei. Mesmo com o conhecimento reduzido no campo da arte à
época, fazia minhas leituras sobre os trabalhos e carreguei muita coisa
comigo, como formas, cores, sensibilidades, meios, materiais, temas etc.

A linha sempre me instigou. Primeiro na pintura, quando comecei fa-


zendo formas. Em algumas partes, utilizando linhas de contorno, com o
processo de estudo, fui aos poucos eliminando as linhas e só trabalhan-

165
When I make drawings with lines, I notice the value of each one, with
subjectivities that involve trace and repetition. Despite the sobriety in
the lines I make, there are also interferences caused by the irregularity
of the lines, which are done freehand, some a little shaky, others less so.
At the end of the drawing, one can analyze and search for the whole, or
analyze each line separately or together.

166
do com as áreas de cor. As linhas eram criadas a partir dos limites das
áreas coloridas, quando se encontram, produzindo um efeito de linha
e separação. Até então, eu ainda não tinha um trabalho de desenho,
só utilizava o desenho para criar os projetos ou os esboços da pintura.
Com a pesquisa em gravura e a necessidade de criar texturas com linhas
cunhadas sobre a matriz a fim de criar formas geométricas, percebi a
potencialidade que a linha proporciona, bem como sua singularidade,
quando analisada unitariamente ou em grupo.

Quando faço os desenhos com linhas, percebo o valor de cada uma,


as subjetividades que envolvem o traço e a repetição. Apesar de haver
uma sobriedade nas linhas que faço, há também interferências causa-
das pela irregularidade das linhas, pois são feitas à mão livre — umas
mais tremidas, outras menos. Ao final de um desenho, pode-se analisar
e buscar o todo, ou analisar unitariamente cada linha ou a soma delas

167
Sandro
Novaes

168
Sem título (série)
Desenhos em grafite e carvão sobre papel
Drawings in graffiti and coal on paper
65 x 50 cm
2015

169
Sem título
Instalação com linhas de poliéster e tinta vinílica
Installation with polyester lines and vinyl paint
2015

170
171
Renan Andrade Can you tell u show you use line as a structuring element and vector in the
use of spatiality? Does Neo-Concretism influence your work?

Sandro Novaes The line as a structuring element came from an initial desire to the reduce
the drawing as much as I could. I wanted to experiment with drawing by
departing from its principle, from its most traditional and well-known
principle, which to me is a search for its visual essence: graffiti lines on
paper. After that, I searched the common imaginary, which would be
the best-known linear reference and I arrived at the horizon line with its
rectilinear perfection and as the source of all possible vanishing points
that create the spatiality that we learn and rule over us, wherever we go.

The ideas had been formulated. The drawing, in principle, would be graf-
fiti, built with straight lines only, with the horizon as reference in search
of its visual harmony. This way, when I started to put into practice these
experimentations, I tried to fight only against the inability of the manual
gesture to reproduce the rectilinear perfection. With changes in graffiti
and the continuous scratched lines on the support material, I discovered
that, when looking closely, it was possible to allude to the spatial depth
suggested by a change in tonality. Since in popular culture we say that
objects that are far have a lighter aspect, while the ones closer have a more
defined appearance, I started to delve into these possibilities, scratching
lines that departed from the harder graffiti, resulting in a lighter shade.
As I produced new scratched lines, increasing the gradation of the pencil,
which resulted in a weaving of lines that ranged from light grey to black.

In terms of visual proximity, I believe the immaterial lines in my drawings


are almost the same shade of the line splits and planes in the screen-prints
by Dionísio Del Santo, which vibrate more strongly than the very scratched
lines that determine them, just like in the drawings by Lygia Pape. I was
introduced to the two artists during my graduation and they immediately
became a rich source of research, both visual and conceptual, as well as
inspiration to search for excellence in my work.

With more practice, I started to look into the issue of spatial depth bi-di-
mensionally represented in the flat support. From there, the study unfolded
into various technical and conceptual possibilities such as the concepts of
paradoxical space and immaterial lines, which I still make use of. There
were many variations and influences, which I call shortcuts to research,

172
Renan Andrade Da sua pesquisa, acho oportuno partirmos do “Estudo sobre o desenho
em campo ampliado na arte contemporânea”. Poderíamos afirmar e
de que forma o seu trabalho trata do emprego da linha como elemento
estruturante no uso da espacialidade? As referências abstratas e geo-
métricas do neoconcretismo perpassam a sua produção?

Sandro Novaes A linha como elemento estruturante veio, a princípio, da vontade de reduzir
o desenho ao máximo. Queria experimentar o desenho partindo do seu
princípio, de seu aspecto mais tradicional e conhecido, o que para mim
seria uma busca por sua essência visual: linhas riscadas em grafite sobre
o papel. Depois, fui buscar, no imaginário comum, qual seria a referência
linear mais conhecida, e cheguei à linha do horizonte, com sua perfeição
retilínea e como origem de todos os pontos de fuga possíveis que criam a
espacialidade que apreendemos e nos acompanha, soberana, por onde
quer que passemos.

As ideias estavam formuladas. O desenho, a princípio, seria de grafite,


construído somente por linhas retas, que teriam o horizonte como refe-
rência na busca de sua harmonia visual. Dessa forma, quando comecei
a colocar em prática essas experimentações, busquei somente lutar
contra a incapacidade do gesto manual em reproduzir a perfeição retilí-
nea. Com as mudanças de grafite e os riscos contínuos sobre o suporte,
descobri que, sob um olhar mais atento, era possível aludir à profundi-
dade espacial sugerida pela mudança de tonalidade. Como, na cultura
popular, afirmamos que os objetos mais distantes têm um aspecto mais
claro, enquanto os mais próximos têm aparência mais definida, passei
a estudar a fundo essas possibilidades, riscando linhas que partiam do
grafite mais duro, resultando em uma tonalidade clara e, à medida que
produzia novos riscos, aumentando a gradação dos lápis, o que resultava
em um emaranhado de linhas variando entre o cinza claro e o preto.

Colocando em questão a proximidade visual, creio que as linhas imateriais


dos meus desenhos soam quase que no mesmo tom dos desencontros
das linhas e dos planos das serigrafias de Dionísio Del Santo, que vibram
com mais força que os próprios riscos que os determinam, assim como os
desenhos de Lygia Pape. Os dois artistas me foram apresentados durante
o período de graduação e, imediatamente, passaram a ser uma rica fonte
de pesquisa tanto visual e conceitual quanto em busca da excelência na
realização da obra.

173
especially the supremacism and minimalism that is visually obvious. I also
believe that much of my production came from Neo-Concretism, perhaps
not visually but conceptually, as well as the spatial studies represented
in Oiticica meta schemes, as well as Waldemar Cordeiro, Lygia Clark
and Weissman, who were extremely important for my scratched lines to
leave the flat support and reach the space that I wanted to construct and
deconstruct and, this way, unfold some phenomenological foundations
that were vastly studied and presented in the Neo-Concrete production.

174
Com a prática, passei a pesquisar a questão da profundidade espacial
bidimensionalmente representada no suporte plano e, a partir daí, o
estudo se desdobrou em muitas possibilidades, tanto conceituais quanto
técnicas, como os conceitos de espaço paradoxal e linhas imateriais de
que me aproprio até hoje. Os desdobramentos foram muitos, assim como
as influências, que chamo de “atalhos” para a pesquisa, principalmente
o suprematismo e o minimalismo. Também acredito que muito da minha
produção veio do neoconcretismo, se não visual, conceitualmente, como
os estudos espaciais representados nos metaesquemas de Oiticica, assim
como Waldemar Cordeiro, Lygia Clark e Weissman também foram de
extrema importância para que meus riscos saíssem do suporte plano e
alcançassem o espaço que eu tanto buscava construir ou desconstruir
e, com isso, desdobrar alguns fundamentos fenomenológicos bastante
estudados e apresentados na produção neoconcreta.

175
SESC | SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO MUSEU DE ARTE DO ESPÍRITO SANTO 
ESPÍRITO SANTO STATE GOVERNMENT DIONÍSIO DEL SANTO

Presidência do Conselho Nacional Governador do Estado Diretoria


National Council President State Governor Director
Antonio Oliveira Santos Paulo César Hartung Gomes Renan Andrade

DEPARTAMENTO NACIONAL Vice-Governador do Estado NÚCLEO DE AÇÃO CULTURAL E EDUCATIVA


NATIONAL DEPARTMENT State Vice-Governor CULTURE AND EDUCATION STAFF
César Colnago
Direção-Geral Estagiários Mediadores
General Director Secretário de Estado da Cultura Trainee Exhibition Guides
Carlos Artexes Simões Culture State Secretary Gessiane Breda
João Gualberto Moreira de Vasconcellos Luan Daniel Coelho Soares
Diretoria de Cultura Renalia Delboni
Culture Director Subsecretário de Estado da Cultura Renata Rosetti 
Marcos Henrique da Silva Rego Culture State Vice-Secretary Rosiane Silva
Robson Leite Nascimento
Gerência de Cultura NÚCLEO ADMINISTRATIVO
Culture Management Subsecretário de Estado de Gestão ADMINISTRATION
Marcia Costa Rodrigues Administrativa
Vice-Secretary of Administration Assessoria 
Assessoria em Artes Visuais Ricardo Pandolfi Consultant
Visual Arts Consultant Rosane Baptista 
Caroline Souza Assessoria de Comunicação
Jocelino Pessoa Press office Supervisão de Espaço Cultural
Carol Veiga Cultural Venue Supervision
Assistência de Produção Cultural Danilo Ferraz Ivone Carvalho
Cultural Production Assistant Erika Antonia Piskac
Nathan Yuri Gomes Assistente
Museóloga Assistant
Assessoria de Comunicação em Cultura Museologist Renato Sodré de Abreu
Culture Communication Officer Paula Nunes Costa
Juliana Alberico Gutierre NÚCLEO DE CONSERVAÇÃO
PRESERVATION
DEPARTAMENTO REGIONAL NO ESPÍRITO SANTO
ESPÍRITO SANTO REGIONAL DEPARTMENT Estagiário do Acervo
Collection trainee
Presidência do Conselho Regional Rita de Cássia Araújo Lima
Regional Council President
José Lino Sepulcri NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO
MEDIA
Direção do Departamento Regional
Regional Department Director Estagiário de Comunicação
Gutman Uchôa de Mendonça Media trainee
David Souza
Gerência do Centro Cultural Sesc Glória
Centro Cultural Sesc Glória Manager Apoio Técnico
Carlos Bermudes Technical Support
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Coordenação de Cultura
Culture Coordinator Equipe de Apoio
Rita Sarmento Support Team
José Luiz C. Macedo
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Visual Arts Consultant José Waldyr Gomes
Elaine Pinheiro Jussara Rodrigues Viana
Rita de Cássia Lima
Assistência em Artes Visuais Sandra Maria Conquista
Visual Arts Assistant
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Assessoria de Imprensa
Press Officer
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Dionísio EXPOSIÇÃO
EXHIBITION

Del Santo Curadoria e Expografia Oficinas de Desenho e Serigrafia

Sombra Curatorship and exhibition design


Júlio Martins e Renan Andrade
Artistas convidados
Silk-screen and drawing workshop

Projetada Produção executiva


Guest artists
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Executive production Filipe Antônio
Elaine Pinheiro e Thiago Arruda Liliana Sanches
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Graphic design Videoguia em Libras
Felipe Gomes e Werllen Castro Video guide in sign language
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Preparação técnica do espaço Ana Carla Kruger Leite
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Pedro Rodrigues Theo Mathias

Montagem Instituições parcerias


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Secretaria Estadual de Educação
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Mediadores Interviews
Facilitators Almerinda Lopes
Juan Gonçalves Fabio Morais
Karenn Amorim Felipe Barbosa
Léa Araujo Fredone Fone
Luca Peçanha Pablo Lobato
Ludmila Cayres Paulo Climachauska
Rafael Dias Renato Ren
Thaís Oliveira Sandro Novaes
O catálogo da exposição Dionísio Del Santo | Sombra Projetada, The catalogue of the exhibition Dionísio Del Santo | Projected
em cartaz de 31 de maio a 13 de setembro de 2017 no Centro Cul- Shadow, open between 31 May to 13 September 2017 at Centro
tural Sesc Glória, foi impresso no inverno de 2017 pela Gráfica e Cultural Sesc Glória, was printed in the winter of 2017 by Gráfica
Editora JEP em Vitória – ES, com miolo em papel Offset 120 g/m2 e e Editora JEP in Vitória – ES, on Offset 120 g/m2 paper using
composto com a tipografia Objektiv (DaltonMaag). typeface Objektiv (DaltonMaag).
Sem título
Serigrafia sobre papel
Screen printing on paper
69,7 x 49,5cm
1973

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