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Carlos Eduardo R. Mendonca Professor Associado TFCH/OCS/UER} Matr, 30723-1 O jovem Hegel 410 | O jovem Hegel A ética hegeliana do periodo de Iena é diferente da formulagao posterior, tanto em termos de contetido quanto em termos de estruturacao. Porém, como caracterizagao geral das tendéncias de Hegel na area da moral, a caracterizagao feita por Engels se aplica com perfeicao a fase do desenvolvimento de Hegel de que estamos tratando agora. Tendo, portanto, explicitado de maneira ainda um tanto abstrata as concepgoes positivas de Hegel a partir de sua polémica contra o idealismo subjetivo, deparamo-nos com a tarefa de expor em seu contexto real 0 ambito concreto dos problemas tratados na moral hegeliana. O primeiro pressuposto para isso é estar ciente da concepgdo de como surgiu, segundo Hegel, a sociedade burguesa moderna, cujos contetidos e formas de manifestacao serao abrangidos pela moral hegeliana. IV. A concepgdo hegeliana de historia nos primeiros anos em lena A linha basica do pensamento hegeliano sempre foi histérica. No perfodo de Berna, vimos que em Hegel a concepcio histérica é anterior 4 consciéncia filosdfica dos problemas da histéria. Esta s6 entra em cena apés a rentincia as ilusdes jacobinas de renovagao da Antiguidade, quando ele se depara com os problemas da dialética da sociedade burguesa moderna. Desde entao, a conexio dialética chtre 0 desenvolvimento hist6rico e a sistemstica filoséfica constitui um problema central do pensamento hegeliano. Limitamo-nos a lembrar o leitor de que tanto Filosofia do direito quanto a exposigéo do espirito objetivo em Enciclopédia desembocam na hist6ria mundial como maxima instancia decisiva da raz4o. Uma das principais criticas que Hegel levanta contra Fichte consiste, como sabemos, no fato de este conceber a liberdade independentemente das leis objetivas da natureza e da histéria. Reveréncia e respeito diante da realidade histérica constituem, portanto, a base da filosofia de Hegel. Nas palavras introdutérias a continuacdo, em lena, do escrito “A Constituigio da Alemanha", que j4 conhecemos de Frankfurt, Hegel se prop6e a seguinte tarefa: “Compreender aquilo que é". E, em outra passagem da introducio, ele comenta essa frase em um sentido que evidencia tanto 0 aspecto dialético propulsivo quanto o elemento idealista. “O que nao pode mais ser compreendido nao é mais.”** O historicismo de Hegel de modo nenhum significa, portanto, uma glorifi- cagao do passado, tampouco a justificagao de certos aspectos do presente por * Las on, p.5e3. Fundamentagao e defesa do idealismo objetivo | 411 terem um passado longo e veneravel. Esse € 0 ponto de vista do historiador do romantismo e daqueles que entraram na esfera da influéncia romantica. Hegel, porém, sempre assume uma posigdo desaprovadora de tais concep- ges. Anteriormente, em conexio com 0 problema da “positividade” (p. 329 @ seg, deste livro), citamos uma passagem do ensaio de Hegel sobre “direito natural”, na qual ele fala a respeito de como as instituigdes do feudalismo, que originalmente corresponderam as condigées histéricas de vida do povo, foram se desenvolvendo até se tornarem uma “positividade” morta. Hegel exige um conhecimento histérico correto dessa questao. Tal conhecimento, porém, extrapolaré sua determinagao e sua verdade, se, por meio dele, se pretender justificar para o presente a lei que era verdade apenas em uma vida passada. Pelo contrério, esse conhecimento histérico da lei, que consegue exibir seu fundamento unica- mente em costumes perdidos e em uma vida extinta, demonstra justamente que Ihe faltam agora, no tempo vivo do presente, o entendimento e o significado [...].* Nesse contexto, ele confronta polemicamente “a historia de uma vida A aproximacao de Hegel a0 pseudo-historismo do romantismo revela-se, por- passada” com a “representagao determinada de uma morte presente” tanto, uma falsificagao deslavada. Hegel tampouco compartilha a metodologia histérica do romantismo que apareceu nessa época na Alemanha. Pois, sob a influéncia da publicistica da contrarrevolucao, comecou a disseminar-se ld a concepgao de que a “organici- dade” das formagées hist6ricas e do desenvolvimento histérico exclui a vontade consciente dos homens de mudar seu destino social; que a “continuidade” do desenvolvimento histérico é francamente contréria a interrupsao da linha de desenvolvimento j4 iniciada. Essas ideias implicam que toda revolucao seja essencialmente um “desatino a-histérico” dos homens, “uma artificialidade a-historica” que apenas perturba o “curso real” da historia. E caracteristico das crescentes inclinacdes romanticas reacionarias de Schelling que, j4 na época da colaboragao com Hegel, ele tivesse comegado a fazer concessdes preocupantes a essas teorias em Prelegées sobre 0 método do estudo académico (1803)**. + Tbidem, p. 408 e seg, (N. T) * Ibid., p. 408 e seg. ++ E W.J. Schelling, Vorlesungen tiber die Methode des akademischen Studiums (Tabingen, Cotta, 1803). (N. T) 412 | O jovem Hegel A importancia metodolégica de cunho pritico da forma especifica da dialé- tica hegeliana que jd conhecemos passa a evidenciar-se também na metodologia da histéria. Todas as andlises de Hegel nessa época sobre problemas historicos mostram que também nesse ponto ele foi fiel ao princfpio basico de sua dialé- tica e que, portanto, para ele, a continuidade histérica era uma unidade de continuidade e descontinuidade. Adiante veremos como é central a posigao que a Revolucao Francesa assume na concepcao de histéria de Hegel em lena. E nao passa de obviedade dizer que essa concepcio se reflete, ainda, em sua metodologia. Jé mencionamos que, em Légica ienense, esté contida a teoria da passagem da quantidade para a qualidade. A “linha nodal das relagdes de medida” ~ que, todavia, s6 mais tarde seria formulada em definitive — é uma das bases metodolégicas para compreender saltos qualitativos, interrupgdes violentas de continuidade, como componentes necessérios ¢ organicos de uma linha de desenvolvimento. Nas anilises finais do ensaio sobre o direito natural, Hegel aborda justa- mente esses saltos qualitativos na histéria — e o faz em polémica dbvia, embora nao declarada, contra as concepgdes mencionadas. Devido 4 importancia de ressaltar com nitidez essa contraposigao entre Hegel e 0 romantismo, temos de citar essa passagem por inteiro, ainda que seja bastante extensa. Em relagio a ela, fique observado que, quando Hegel fala de individualidade, sempre se refere a uma individualidade na forma de povo. Ea natureza, mesmo prosseguindo, dentro de determinada forma, em um movimen- to regular, contudo nao mecanicamente uniforme, mas uniformemente acelerado, desfruta, a despeito disso, de uma nova forma conquistada por ela; assim como ela salta para dentro dessa forma, ela também se detém nela por um momento Como a bomba arrebenta para chegar 4 sua culminacdo e entdo repousa nela por um momento ou como 0 metal aquecido nao amolece do mesmo modo que a cera, mas salta de uma vez para o estado liquido e se detém nele por um momento ~ pois esse fendmeno 6 a passagem para o absolutamente oposto e, portant, infinito, e esse advir do oposto de dentro da infinitude ou de seu nada constitui um salto, ea existéncia da forma em sua forca recém-nascida € primeiro s6 para si, antes de tomar consciéncia de sua relagio com algo estranho ~, assim também a individua- lidade crescente conta tanto com a lepidez daquele salto quanto com a duragio do desfrute de sua nova forma, até que se abra gradativamente para 0 negativo e, por ocasido de seu desaparecimento, também se torne siibita e explosiva."* asson, p. 410. Fundamentacdo e defesa do idealismo objetivo | 413 Nessa passagem, vé-se claramente o que valem aquelas teorias modernas (Meinecke, Rosenzweig, Heller etc.) que fazem de Hegel precursor de Ranke. ‘Ao nos voltarmos agora para a andlise das concepgdes concretas de Hegel sobre o curso da hist6ria, devemos estar cientes de que ndo temos nenhuma exposicao hist6rica abrangente feita por ele nesse periodo. Encontramos anéli- ses dispersas em diversos escritos, em especial no escrito sobre a Constituigao da Alemanha, retrabalhado em 1801-1802 e entao relegado definitivamente a condigdo de fragmento, bem como nos vérios escritos polémicos, projetos de sistema etc. Embora nossa exposi¢ao se concentre agora essencialmente nos primeiros anos em Tena, incluiremos na exposicio tanto das conexdes histéricas concretas quanto de nossa posterior andlise da economia ienense de Hegel também os manuscritos recentemente publicados de suas prelegdes dos anos 1803-1804 e 1805-1806, porque nelas muitas vezes se encontram formulagées mais claras dos problemas com que Hegel se defrontou jé nos pri- meiros anos em Iena. De qualquer modo, Fenomenologia do espirito jé traz um panorama sistematizado do desenvolvimento histérico da humanidade. Adiante veremos, porém, que, nesse caso, os objetivos metodoldgicos de Hegel foram bem especificos, de modo que Fenomenologia do espirito tampouco oferece uma exposigéo global da histéria universal no mesmo sentido das posteriores prelecdes sobre a filosofia da histéria. . O escrito sobre a Constituigéo da Alemanha, cujos primeiros esbogos co- nhecemos do periodo inicial em Frankfurt, 6 em ena teria suas partes mais extensas historicamente fundamentadas. Essas exposig6es langam uma luz bem mais clara do que em Frankfurt sobre um dos lados do problema hegeliano, a saber, o da histéria da génese da divisao nacional e estatal da Alemanha. Porém, outro aspecto do problema - a perspectiva politica atual de Hegel, acerca de como solucionar essa situacao — continua tao obscuro para Hegel quanto anos antes. Com efeito, a maior concrecio da anilise histérica o forga a conferir uma forma concreta 4 falta de uma perspectiva clara. Na anilise da divisio nacional da Itélia, em muitos aspectos andloga a da Alemanha, e das tentativas de estabelecer ali a unidade nacional, Hegel chega a tratar dos escritos de Maquiavel. Este também analisou a diviséo de sua patria de modo claro e perspicaz quanto as causas e tampouco foi capaz de encontrar safda concreta que levasse 4 unido nacional da Itélia. Por essa razao, emerge em seu escrito a analogia antiga de Teseu, que, de acordo com a lenda, pés fim a divisdo e & anarquia do povo e fundou a unidade nacional 414 | O jovem Hegel e estatal de Atenas. Tal Teseu é requerido e procurado por Maquiavel para a Itélia, e a essas andlises se associa o jovem Hegel, que tem uma perspectiva igualmente obscura*’. Esse lendario Teseu nao aflora apenas em diversas passagens do escrito sobre a Constituicdo, mas também em outros textos do jovem Hegel, e, na bibliografia sobre Hegel, ha as mais variadas conjecturas sobre quem ele de fato tinha em mente com esse Teseu. (Quanto a Maquiavel, ele pensou, por algum tempo, em Cesare Borgia.) Dilthey cré identificar Napoledo como o Teseu hegeliano. Rosenzweig aventa uma hipétese totalmente insdlita ao identificar Teseu com 0 Arquiduque Carlos, da Austria‘, Dado que esta tiltima concepgao constitui uma pedra importante na cons- trugdo edificada para fazer de Hegel precursor de Ranke e Bismarck, temos de ocupar-nos mais extensamente dela. Isso terd para nés, a0 mesmo tempo, 0 efeito concreto de ver como 0 jovem Hegel se comporta em relacao as duas grandes poténcias alemas de seu tempo, a Priissia e a Austria. Seu posiciona- mento em relagdo 4 Prussia é de rejeigao radical e enérgica. Ele vé a Prussia como nada menos que uma poténcia estrangeira que ameaca a unidade alema a partir de fora. Do mesmo modo que o Império Romano foi destruido por birbaros nérdicos, 0 principio da destruicdo do Império Romano-Germanico vem do norte. Dinamarca, Suécia, Inglaterra e, sobretudo, Prissia sio as poténcias estrangeiras que conferem 4 sua condicdo de estamento imperial um centro separado do Império Alemao e, a0 mesmo tempo, exercem uma influéncia legal nos assuntos dele.” Em lugar nenhum o jovem Hegel se deixa ofuscar pelas lendas em torno de Frederico II da Prussia. Nas guerras travadas pela Prussia, ele nao vislumbra nenhum tipo de interesse nacional alemao, mas tao somente “o interesse pri- vado das poténcias que fazem guerra”; ele as encara como guerras promovidas pelo gabinete do ancien régime. Nem na ampliacdo territorial da Prussia no decorrer do século XVIII Hegel vé qualquer vantagem para a Alemanha - pois cresceu a poténcia “cuja grandeza é a que mais contraria a unidade do Estado alemao”. Em outras passagens, fala com grande desprezo do burocratismo sem Ibid., p. 111 e seg. % Dilthey, cit., v. IV, p. 136. Rosenzweig, ™ Ibid., p. 87 € seg. v1 p. 125 e seg, Fundamentacdo e defesa do idealismo objetivo | 415 alma do Estado prussiano”, © tratamento dispensado a Austria no escrito sobre a Constituigao €, por algumas nuangas, mais amigavel do que o confe- rido A Prissia; Hegel mostra certa simpatia especialmente pelas tentativas de reforma de José II. Em relacao ao contexto global da Alemanha, porém, ele situa Prissia e Austria no mesmo patamar’'. Daf se pode depreender o valor histérico da hipstese “arguta” de Rosenzweig. No que se refere a identificacéo de Teseu com Napoleao, razdes muito importantes falam a favor dessa concepgao. Alguns anos mais tarde, na época da redagao de Fenomenologia, Hegel sem dtivida é adepto de Napoleao. No tratamento dessa questao, depreenderemos claramente de suas cartas que ele foi adepto resoluto da politica da Confederacao do Reno e permaneceu assim até a queda de Napoledo. Também vimos que, em 1803, na polémica contra eforado fichtiano, ele se reportou em sentido aprovador ao golpe de Estado de Napoledo. Seria, portanto, provavel encontrar, nas andlises de 1801, as tentati- vas iniciais nessa linha. No entanto, no é possivel afirmar isso com seguranga absoluta, pois em fragmentos de cunho filoséfico-religioso e filos6fico-hist6rico do periodo inicial em Iena, publicados por Rosenkranz e que provavelmente surgiram ao mesmo tempo que 0 escrito sobre a Constituicao, Hegel fala do surgimento de uma nova religiéo ¢ determina a época de seu aparecimento da seguinte maneira: “Quando houver um povo livre e a razio tiver regenerado sua realidade como espirito ético que pode ter a ousadia de tomar sua forma pura sobre territ6rio proprio e por sua prépria majestade””*. Essas exposigdes parecem indicar que, naquela época, Hegel ainda contou com a libertacéo nacional completa da Alemanha; todavia, aqui permanece: totalmente obscuro o fundamento de suas esperancas. O nao esclarecimento dessa questao, porém, nao tem importancia decisiva para o desenvolvimento de Hegel, pois 0 trajeto que 0 afastou da revolugao e o levou a aderir a Napoleao esté completamente claro diante de nés. As perguntas sobre quando comegou W Thid,, p. 93, 91 € 31. Esse posicionamento em relacdo & Prissia € predominante em Hegel até ‘a queda de Napoledo. Encontramos sua expressio tanto tias cartas dos periodos de Bamberg & de Niirnberg quanto nos escritos de Hegel em Niirnberg, Em conexio com aquela mudanca que levou Hegel a resignar-se com a queda de Napoledo e com o periodo da restauragao, reviravolta que no ocorreu sem provocar crise ¢ que levou ao estado de espirito resignado de todo 0 periodo posterior, a atitude de Hegel para com a Prissia também mudou. A inves- tigacao desse desenvolvimento, porém, extrapola 0 quadro de nosso trabalho. °° bid,, p. 127. 8 Rosenkranz, p. 141 416 | © jovem Hegel essa adesio, quais foram as oscilagdes que a antecederam e qual foi a gravidade destas tm importancia secundéria em relacao a clareza quanto a linha basica. A importancia do escrito sobre a Constituigao alema para Hegel consiste no fato de que foi nele que ele fixou pela primeira vez.o curso do desenvolvimento hist6rico das formacées sociais e dos Estados, fazendo isso de uma forma que mais tarde foi detalhada, mas ndo mais modificada em pontos decisivos. Hegel vé a migragao dos povos* e o sistema do feudalismo dela decorrente como ponto de partida social ¢ estatal para as nagdes da Europa moderna. Esse sistema de representacao &o sistema de todos os Estados europeus mais recen- tes, Ele nao esteve presente nas florestas da Germania, mas se originou delas; ele marca época na histéria universal. O contexto da formagio do mundo conduziu 0 género humano do despotismo oriental e da degeneracao do dominio de uma repi- blica sobre o mundo para esse meio-termo entre os dois, ¢ 0s alemies sio 0 povo do qual nasceu essa terceira forma universal do espfrito do mundo, Esse sistema nao esteve presente nas florestas da Germania, pois toda nagao precisa ter percor- rido as proprias etapas culturais antes de intervir no contexto global do mundo; € 0 principio que a eleva a universalidade do dominio s6 surge quando seu principio peculiar é aplicado ao restante do sistema mundial privado de sustentagao. Assim, a liberdade dos povos germanicos, no momento em que inundaram o restante do mundo conquistando-o, foi necessariamente um sistema de feudos.”* Partindo dessa concepcio filos6fico-histérica geral, Hegel passa a esbogar © rumo do desenvolvimento do feudalismo e de sua dissolucio nos Estados europeus mais importantes. Ele subdivide estes em dois grupos principais. O primeiro, do qual fazem parte a Inglaterra, a Franca e a Espanha, é aquele em que o poder mondrquico central obteve éxito em submeter 0 feudalismo. O segundo, cujos representantes sio a Itilia e a Alemanha, é aquele em que a dissolugio do feudalismo levou a um esfacelamento da vida nacional, a um impedimento da unidade nacional. Do primeiro grupo, Hegel analisa somente o desenvolvimento francés. Ele mostra como a Franga e a Alemanha, oriundas da mesma formagao social, do feudalismo, chegaram a formas nacionais diametralmente opostas. > Trata-se do fracasso migeatério que a historiografia tradicional designa como a “invasio dos povos birharos” das fronteiras nérdicas do Império Romano. (N. E.) ® Lasson, p. 93. A passagem sobre as “florestas da Germania” é alusio polémica e corretiva a Montesquieu, Esprit des lois [O espirito das leis), livro IX, cap. IV. Hegel historiciza aqui a concepcao de Montesquieu, mas sem contrapor-se integralmente a ela Fundamentacao e defesa do idealismo objetivo | 417 ‘A Franga como Estado ¢ a Alemanha como Estado carregavam ambas dentro de si os mesmos dois princfpios da dissolucdo; em um, ele os destruiu completamente ¢, por essa via, elevou-o a condigao de um dos Estados mais poderosos; no outro, deu-lhes todo o poder e, por essa via, suprimiu sua existéncia como Estado. Hegel descreve, em seguida, como na Franga a nobreza feudal autonomizada e os huguenotes, que por algum tempo formaram um Estado dentro do Esta- do, foram submetidos 4 monarquia absoluta; como a destruicao de ambos foi necesséria para que surgisse a unidade da Monarquia francesa. Ao fazé-lo, ele ressalta o papel especial desempenhado por Richelieu, sendo que, na andlise deste, j4 temos diante de nds claramente a concep¢ao hegeliana posterior do “individuo histérico-universal”. Também aqui os neo-hegelianos tentam estabelecer um vinculo entre essa teoria hegeliana e 0 moderno “culto aos heréis”, proveniente de [Heinrich von] Treitschke e [Friedrich] Nietzsche e por eles assumido. Para Hegel, porém, jamais se trata da pessoa, e sim do principio histérico-universal que, em dada situagao, vale-se de um homem como instrumento apropriado. Ele explicita jé aqui sua tendéncia posterior com muita clareza. Ele diz dos senhores feudais franceses: Eles, porém, nao foram derrotados pela pessoa de Richelieu, e sim por seu genio, que vinculou sua pessoa ao principio necessério da unidade do Estado. [...] Eo genio politico consiste nisto: 0 individuo identifica-se com um principio; com essa vinculagdo, ele necessariamente obteré a vitéria.® Sobre a Inglaterra, a Espanha e os demais paises, Hegel fala aqui de modo breve e rapido. O tinico elemento importante em suas andlises é que ele mostra uma indiferenca declarada em relagao 4 forma do Estado (monarquia ou rept- blica). O que importa para ele é um “centro que retine todas as forgas — a forma propriamente monérquica ow a forma republicana moderna”, sendo-Ihe indife- 10 as formas de rente qual delas exerce essa funcao. (Nessa indiferenga em rela governo, Hegel segue o exemplo de Hobbes, como faz.em muitos outros pontos.) Na analise da Itélia, o lugar central é ocupado por uma investigagao objetiva e sem preconceitos das teorias de Maquiavel. Aqui, mais uma vez, é impor- tante notar que, para Hegel, Maquiavel de modo nenhum foi 0 tedrico de * Ibid., p. 107. * Ibid., p. 108, % Ibid., p. 109. 418 | O jovem Hegel uma “politica do poder” (Machtpolitik) generalizada e sem criatividade, como € dito com predilegao pela escola de Meinecke. Hegel considera Maquiavel um idedlogo desesperado da unidade nacional italiana perdida e a ser resta- belecida, um revolucionario nacional que almeja realizar esse grande objetivo com os meios que se fizerem necessdrios. Nesse contexto, Hegel insere uma breve descompostura do escrito de Frederico II da Prussia contra Maquiavel, chamando-o de “exercicio escolar”, cuja vacuidade foi desmascarada como hipocrisia exatamente pelos atos de Frederico. E nesse ponto ele também nao se esquece de ressaltar 0 contraste histérico concreto: Maquiavel lutou pela unidade da Itélia, a0 passo que seu critico, o principe herdeiro Frederico, era um “futuro monarca, sendo a expresso mais clara de toda a sua vida e de seus feitos a dissolugdo do Estado alemao em Estados independentes””. As concepgées de Hegel sobre as formas de dissolugao do feudalismo € sobre 0 surgimento da divisio dos pequenos Estados j4 nos si0 co- nhecidas desde a primeira formulacdo desse escrito em Frankfurt (p. 222 e seg. deste livro). Na nova versio, Hegel determina como reviravolta decisiva a Paz de Westfalia, que pds fim 4 Guerra dos Trinta Anos; nela “organizou-se essa auséncia de Estado na Alemanha. [...] Na Paz de Westfalia, a Alemanha desistiu de consolidar-se como poténcia estatal segura e submeteu-se 4 boa ale vontade de seus membros”. Sobre esse fundamento histérico, Hegel passa a discorrer sobre a neces sidade do Estado moderno. Segundo sua concepgao, esse Estado surgiu da suplantagdo da Revolugao Francesa. Nesse caso, para entender corretamente a concepgao de Hegel, é necessdrio conceber a Revolugdo Francesa como su- plantada no duplo sentido dialético, a saber, como superada e conservada. Nas anilises que Hegel faz dessa questao em seu escrito sobre a Constituicao, ele expressa claramente sua aversao as aspiragoes democraticas radicais da Revo- lucao Francesa: refere-se a elas como anarquia. Porém, ao citar suas conclusdes em detalhes, vemos que suas concepgées estao muito distantes de qualquer espécie de restauragdo, que ele vislumbra na Revolucgdo Francesa — apés a superacdo da “anarquia” - 0 inicio de uma nova época na histéria mundial. A anarquia se divorciou da liberdade, e imprimiu-se bem fundo a nogio de que um governo firme € necess frio para a liberdade, mas ficou impresso igualmente fundo © Ibid, p. 115, 8 Ibid, p. 105, Fundamentacdo e defesa do idealismo objetivo | 419 que o povo deve participar ativamente da elaboracio de leis ¢ dos assuntos mais importantes de um Estado. O povo tem a garantia de que governo procederé segundo as leis ¢ assume a participagio ativa da vontade geral nos assuntos mais importantes que dizem respeito a todos mediante a organizagao de um organismo que os representa, o qual teré de conceder ao monarca uma parte dos tributos recolhidos pelo Estado, em especial os extraordindrios, e como antigamente 0 ais essencial, que era a prestagio pessoal de servicos, dependia da concordancia livre, assim 6 agora com 0 dinheiro, que comporta toda a influéncia restante. Sem tal corpo representativo nao € mais possivel conceber nenhuma liberdade [...]. Vemos que, por um lado, Hegel assume o ponto de vista de uma monarquia constitucional (todavia, com a ressalva hobbesiana nem sempre declarada da indiferenga em relacdo a monarquia ou a republica), e, por ocasido da anilise mais concreta, essa sua concepgio de Estado se apoia cada vez mais fortemen- te na do Estado napolesnico. Por outro lado, podemos ver claramente aqui a concepgao hegeliana posterior, a saber, a do surgimento organico do Estado moderno a partir do feudalismo e de sua dissolucao. Nesse desenvolvimento, no entanto, como ja vimos, a Revolugdo Francesa constitui uma cesura decisiva. E preciso ressaltar isso, ja porque os intérpretes mais recentes de Hegel estao sempre querendo apagar ¢ falsificar esses tragos, seu antifeudalismo, seu desprezo pela restauragao, visando a defender a linha de desenvolvimento Hegel-Ranke-Bismarck por eles construida. Essa falsifi- cagdo de Hegel as vezes emprega meios bastante toscos de falsificagao geral da histéria. Rosenzweig, por exemplo, que conhece os escritos de Hegel tao bem que é impossivel nao ver sua afinidade com as concepges napoleénicas de Estado, simplesmente falsifica a esséncia de todo o periodo napolesnico: ele 0 vé como uma restauracao do ancien régime no estilo de Luis XIV. Sobre essa base, nao é dificil fazer de Hegel primeiro um adepto do ancien régime e, em seguida, um precursor de Bismarck. Na realidade, a concepgdo hegeliana por nds esbogada da monarquia constitucional — inspirada no modelo de Montesquieu - é uma reproducdo ideal em parte da Inglaterra, em parte dos Estados napolenicos — portanto, sob todas as circunstdncias, de formas de Estado que passaram por uma revolugéo burguesa. Podemos observar essa concepgao de Hegel em todas as suas andlises do direito constitucional. Sobre ® ITbid., p. 128. 1 Rosenzweig, cit., v. Il, p. 3 seg 420 | © jovem Hegel © carater de seus estamentos, falaremos em outros contextos. Aqui apenas apontaremos para o fato de que até mesmo os sistemas fiscais sugeridos por ele estio predominantemente orientados pelo modelo inglés (Smith) e se posicionam energicamente contra todas as formas de resquicios feudais nas receitas do Estado (por exemplo, dominios)". Contudo, 0 modo mais claro de vislumbrar a concepgao histérica que Hegel tem do Estado moderno € retomar sua figura mistica do Teseu redentor. Teseu nao emerge apenas em conexdo com a concepcao de Maquiavel no escrito sobre a Constituicdo, mas também com autonomia, s6 que em uma passagem bastante obscura, cujo sentido histérico e social, contudo, esperamos aclarar, acrescentando observacées elucidativas extraidas das prelecdes posteriores de Hegel (1805-1806). Hegel diz o seguinte: Esse Teseu precisaria ser magnanimo para conceder ao povo criado por ele a partir de povos dispersos participaco naquilo que diz respeito a todos - porque uma constituicio democratica como a que Teseu deu a seu povo é uma contradigdo em si nestes nossos tempos e em grandes Estados, em que a participaio equivaleria a uma organizacio ~ precisaria ter carter suficiente para — mesmo que nao viesse a ser recompensado com ingratidao como Teseu, pudesse assegurar-se mediante a direcio do poder do Estado que estaria em suas maos - querer suportar 0 édio que Richelieu e outros grandes homens atrairam sobre si, os quais esfacelaram as .gularidades e particularidades dos homens.” A rejeigao da democracia por Hegel nao é mais novidade para nés. A ideia de que a democracia foi uma forma de governo apropriada somente para as cidades-Estado da Antiguidade, mas nio serve para os grandes Estados mo- dernos, tampouco é nova — nem em Hegel nem em sie por si s6. Ela é bem comum no Iluminismo francés. A determinacio de Hegel nessa questo é importante para nds na medida em que evidencia a filosofia da histéria que foi preparada j4 em Frankfurt e aperfeigoada depois em Tena, segundo a qual a Antiguidade é um perfodo completamente passado do desenvolvimento da humanidade e deixou de ser um modelo para nés em termos de organizagao estatal e social. Adiante voltaremos detalhadamente a essa questio. Ora, no que se refere ao préprio Teseu, ndo nos deixemos confundir pela linguagem bastante genérica e em parte obscura de Hegel. Para Hegel, 0 ™ Thid., p. 493 e seg.; Realphilosophie, v. Il, p. 233 ¢ seg. Lasson, p. 135 e seg. Fundamentacéo e defesa do idealismo objetivo | 421 “individuo histérico-universal” sempre € 0 rgao executivo do espirito do mundo. Porém, como logo veremos, trata-se, em Hegel, sempre do predominio do principio historicamente necessario, e Teseu sempre € s6 um 6rgao, um instrumento que a histéria universal usa para levar a termo a mudanga con- cretamente necesséria bem naquela época. Ea oposigao que Hegel estabelece aqui entre Teseu e a massa € a oposigao entre 0 “individuo hist6rico-universal” que compreendeu a necessidade da mudanga de todas as coisas apés a Revo- lugdo Francesa e 0 povo alemao, apatico e atrasado, adormecido em meio a miséria semifeudal e pequeno-burguesa e que defende essa miséria a titulo de “singularidades ¢ particularidades dos homens” contra toda agitacao que o desperte. Quando Hegel fala da “ingratidao” colhida por grandes homens, como Richelieu, 0 modo de expressar-se é obscuro e enviesado, mas, a des- peito disso, é possivel depreender claramente seu sentido: Richelieu foi alvo de édio mortal por parte da nobreza feudal da Franga, cujo poder auténomo ele esfacelou. Hegel reconhece esse fato e 0 aplica a Alemanha. A observacao esté correta, s6 stia expressio € equivocada, pois a nobreza francesa nao tinha razio nenhuma para ser grata a Richelieu e, por isso, seu édio contra ele nao podia ter o carter da ingratidao. Nas prelegdes de 1805-1806, Hegel volta a falar de Teseu, agora na qua- lidade de fundador de um Estado. Diz que todos os Estados foram fundadas mediante o poder, cujos portadores foram tais grandes homens. Esta € a vantagem do grande homem: estar ciente da vontade absoluta e pronun- cié-la. Todos se juntam em torno de seu estandarte; ele seu deus. Foi assim que Teseu fundou o Estado de Atenas; foi assim que, na Revolucio Francesa, um poder terrivel obteve o Estado, a totalidade mesma. Esse poder nao é despotismo, mas tirania, puro dominio terrivel; no entanto, ele é necessdrio e justo, na medida em que constitui e mantém o Estado enquanto individuo real. Esse Estado é 0 simples espirito absoluto que estd certo de si mesmo e para o qual nao hé nada determina- do além dele préprio, nenhum conceito de bom e mau, vergonhoso e vil, perfidia e felsidade; ele esté acima de tudo isso, pois nele o proprio mal se reconciliou consigo mesmo. "3 Em anilises que se vinculam quase diretamente a essa passagem, Hegel diz que essa tirania é necesséria para educar 0 povo para a “obediéncia” as novas instituigées. Tampouco nesse caso devemos aferrar-nos servilmente a palavra \@ Realphilosophie, v. Il, p. 246. 422 | O jovem Hegel bediéncia”. Obviamente nessas anélises estao contidas as tendéncias antide- mocraticas de Hegel. A despeito disso, sua linha basica parte do conhecimento historicamente correto de que instituicdes ultrapassadas (feudalismo) nao s6 devem ser demolidas com violéncia, mas que também se faz necessaria uma tirania para quebrar de vez.as tentativas de restauré-las. Hegel considera, pois, a tirania um periodo necessirio de transicdo entre dois sistemas de sociedade e de Estado. A tirania 6 derrubada pelos povos porque ela seria repulsiva, vil e assim por diante; mas de fato 0 6 somente por ser supérflua. A meméria do tirano é abominada; justamente nisso ele também € aquele espirito certo de si mesmo, que, sendo deus, age unicamente em si ¢ para si e sé est atento para alguma ingratidio de seu povo. Se fosse sibio, porém, ele mesmo deporia sua tirania assim que esta se tornasse supérflua; assim, sua divindade € apenas a divindade do animal, a necessidade cega, que bem merece ser abominada como 0 mal. Foi assim que Robespierre lidou com isso. Sua forga o abandonou porque a necessidade o abandonara, e assim ele foi derrubado pela forca. O necessério acontece, mas cada parte da necessidade costuma ser atribufda apenas a individuos. Um é acusador e defensor; outro, juiz; um terceiro, carrasco; mas todos sao necessdrios.'™ Também nesse ponto € muito facil criticar a mitologia da hist6ria parcial- mente obscura de Hegel. E evidente que Hegel bem pouco sabia das lutas de classes concretas na Franga, as quais levaram ao estabelecimento e a derrubada da ditadura dos jacobinos. A despeito disso, seu olhar histérico amplo o levou a conceber essa ditadura que lhe era profundamente antipética como uma revi- ravolta necessaria e inevitavel da hist6ria em termos hist6rico-universais, como. a constituicgao do Estado moderno. Nesse tocante, de modo nenhum se pode julgar que, pelo fato de Hegel nao ter entendido realmente as lutas de classes concretas da Revolugdo Francesa, ele estivesse cego para o contetido social delas. Pelo contrario, em uma nota A margem dessas mesmas prelegoes, ele diz sobre a Revolugao Francesa: “Assim a Revolugio franc[esa]., aboligao dos estamentos formalmente privilegiados; isso feito, a abolicao da desigualdade do estamento 6 conversa fiada"'">. Aqui se pode ver com toda clareza que Hegel aprova incon- dicionalmente o contetido burgués que a Revolugao Francesa tornou realidade, a criagdo da sociedade burguesa moderna, a liquidacao dos privilégios feudais, 108 Ibid., p. 247 e seg. 5 Thid., p. 260. Fundamentagao e defesa do idealismo objetivo | 423 além de fazer uma apreciagao histérica da ditadura jacobina de Robespierre como instrumento necessario para a execucao dessa mudanga histérico-universal (Robespierre igualado a Teseu), mas [podemos ver também] que sua rejeigio se torna, de imediato, bem rispida (“conversa fiada”) quando o democratismo radical do perfodo procura ultrapassar as fronteiras dessa sociedade burguesa. Acreditamos que, por essa anilise, tenha sido aclarado 0 real sentido social e histérico do que a princfpio pareceu obscuro e mistico a respeito de Teseu. Adiante falaremos em detalhes sobre a estruturag4o social interna do Estado moderno, como Hegel a imaginou nesse periodo. Aqui apenas temos de indicar brevemente que seu monarca tampouco € pensado como dominador no sentido do ancien régime. “Ele & 0 n6 imediato firme do todo. O laco espiritual é a opiniao priblica [...].” Hegel pensa em uma sociedade cujo movimento livre e automatico mantém o todo em movimento. © todo, porém, é 0 centro, 0 espirito livre, que sustenta a si préprio livre desses extremos completamente consolidados [as esferas singulares da vida social - G. LJ] o todo independentemente do saber dos individuos, bem como da constituicao do regente; ele é 0 né vazio.'° E, do mesmo modo que esse monarca hereditario nao pode ser identificado com o dominador no ancien régime, nao se pode ver o assim chamado primeiro, estamento ou estamento geral da filosofia da sociedade formulada por Hegel em Tena como a antiga nobreza hereditéria, como o faz, por exemplo, Rosenzweig. Hegel preservou também nesse periodo sua antiga antipatia pelo regime aris- tocriitico de seu perfodo em Berna. Quando fala de democracia, aristocracia e monarquia em Sistema da eticidade, diz 0 seguinte sobre a aristocracia: “Ela se diferencia da constituiga0 absoluta pela hereditariedade e, mais ainda, pelas posses, e, por ter a forma da constituigéo absoluta, mas nao sua esséncia, ela é a pior de todas”. Como vemos, ele reconhece o princfpio da hereditariedade somente para a monarquia; para a nobreza, ele o rejeita. Em outra passagem, comparando precisamente a populacao inteira com o monarca, Hegel afirma: “O outro individuo vale apenas como indivtduo alienado, constituido, como jnt0s. : aquilo que ele fez de si 1 Tbid., p. 250 e seg. 7 Lasson, p. 498. "8 Realphilosophie, v. Il, p. 424 | O jovem Hegel Portanto, ele mantém a concepgio de que a sociedade se articula em esta mentos, mas que cada individuo pertence a um deles conforme suas capacidades e seus feitos individuais, nao por hereditariedade. © “estamento geral” hegeliano dessa época possui, pois, afinidade muito maior com a nobreza napolednica militar e burocratica do que com a nobreza hereditaria dos Estados semifeudais. ‘Assim, temos em Hegel uma visao geral que abrange toda a historia da Idade Média e da era moderna. Ele concebe a histéria europeia desde a migragao dos povos até o tempo presente como um grande processo histérico unitario, no qual a Revolugao Francesa no faz algo como interromper 0 desenvolvimento “organico”, como pensa o romantismo contrarrevolucionério; muito pelo con- trério, em uma grande crise mundial purificadora, ela proporciona liberdade de movimentos para os elementos do novo aptos a viver, para as tendéncias de continuidade do desenvolvimento saudavel dos povos. Para isso, todavia, € preciso, segundo Hegel, que a “anarquia” seja suplantada, Mas, vimos igual- mente que, para Hegel, essa anarquia constitui um componente necessario do curso dialético da histéria, que, para ele, Robespierre desempenha, na histéria francesa e, através desta, na hist6ria universal, um papel tao decisivo quanto, por exemplo, Richelieu; a fungdo de ambos € criar um espaco para a livre movimentacao de uma nova forma do espirito. Com essa anilise livre e de amplo espectro da histéria, Hegel se encontra bastante isolado em seu tempo ~ nao s6 na Alemanha. Seu modo de contemplar as grandes interconexdes sem moralizar, sem deixar dominar-se por simpatias ou antipatias, lembra de Balzac, que também concebeu a hist6ria da Franca, da dissolugdo do feudalismo a Revolucao de Fevereiro, como um processo unitério, embora cheio de crises complicadas. Balzac expressa isso com toda clareza quando, em um didlogo fantasioso e engragado, 0 espirito de Catarina de Médici é apresentado ao jovem advogado Robespierre, a propésito do maximo que ambos almejaram — a saber, a unidade da nagao francesa; ela teria, porém, fracassado naquilo em que ele seria bem-sucedido. E um dos discipulos de Hegel, © poeta Heinrich Heine, formula - todavia, em um estgio mais desenvolvido do desenvolvimento social — a ideia dessa unidade do processo histérico ao justapor Richelieu, Robespierre e Rothschild como “os trés mais temiveis niveladores da Europa, como os trés maiores destruidores da nobreza"!™. 10 [Heinrich] Heine, “Ludwig Borne’ 1910}), v. VU, p. 35 em Werke (ed. Elster[, Leipzig, Bibliographisches Institut, Fundamentagdo e defesa do idealismo objetivo | 425 Essa concepgdo da histéria moderna significa em Hegel 0 acerto de contas consciente e definitivo com o sonho de sua juventude referente a um retorno revolucionério da Antiguidade. A nova concepgao de historia de Hegel tem como problema central nao sé 0 conhecimento dos tracos especificos da era moderna, que j4 desde Frankfurt no sio mais concebidos meramente como tracos de degeneragio. Pelo contrario, a concepcao atual de Hegel baseia-se em uma concepcao unitaria de toda a histéria, e, como consequéncia, a dissolugio das reptiblicas citadinas da Antiguidade no apenas € historicamente neces- sdria por si s6 — isso ela também era em Berna -, mas a partir da dissolugio desenvolveu-se um principio social superior. Desse modo, a Antiguidade perdeu em definitivo a antiga posigao especifica na filosofia da histéria de Hegel. No fragmento do periodo inicial em Tena publicado por Rosenkranz, Hegel jé chama o belo mundo da Antiguidade de “apenas uma lembranga"!"", Nos escritos posteriores de lena, passa a detalhar em que consiste aquele principio superior da hist6ria da era moderna. Os es- critos em que Hegel desenvolve mais extensamente esse paralelo entre sistema social grego e sociedade burguesa moderna sao suas prelegdes de 1805-1806. Nelas, ele diz 0 seguinte: Este é 0 principio superior do tempo mais recente, que os antigos ¢ Plato nao conhece- ram. Nos tempos antigos, a bela vida publica era o costume de todos, a beleza tomo unidade imediata do universal e do singular, uma obra de arte em que nenhuma parte se separa do todo, mas constitui essa unidade genial do si mesmo ciente de si com sua representagao. Esse estar-ciente-de-si-como-absoluto da singularidade, esse ser-em-si absoluto, porém, nao existiu. A repablica de Plato, a exemplo do Estado lacedeménio, ¢ esse desaparecer da individualidade ciente de si.* Em glosa a margem, Hegel acrescenta, esclarecendo: *Platdo nao erigit um ideal, mas captou em seu {ntimo o Estado de seu tempo. Esse Estado, porém, passou — a reptblica platénica no é exequivel -, porque carecia do principio da singularidade absoluta”™"' O novo prinefpio que separa o tempo antigo do tempo moderno é, portan- to, 0 da individualidade — mais precisamente, o principio do valor absoluto da personalidade em sua singularidade. Essa ideia jé é de nosso conhecimento HW Rosenkranz, p. 136. + Realphilosophie, v. Il, p. 251. (N.T) 11 Realphilosophie, v.11, p. 251 426 | O jovem Hegel desde Frankfurt; inclusive sua raiz, a constatacao da diferenca entre socieda- de antiga e moderna em relacdo ao homem singular, remonta ao perfodo em Berna. Hegel viu j4 em Berna que aquela “privatizacao” da vida humana, que se instaurou com a decadéncia das democracias citadinas antigas, levou ao desenvolvimento da individualidade, ao individualismo no sentido moderno. Naquela época, porém, ele tinha analisado o processo dessa “privatizagio” de modo puramente desaprovador; para ele, esse processo era meramente o lado subjetivo da “positividade” extinta, morta, da vida social. A crise de Frankfurt consistiu precisamente no fato de Hegel ter comegado a desistir dessa rejeigéo direta da “positividade”. Reiteradamente apontamos para o modo como a con- cepgao da “positividade” foi se historicizando visivelmente em Hegel, como uma dialética cada vez mais complexa dos tragos progressistas e reaciondrios foi penetrando no conceito da “positividade” que até ali tinha sido rigidamente desaprovador. Essa dialética se desenvolve porque Hegel comega a perceber com cada vez mais clareza que as dreas “positivas” da sociedade moderna séo igualmente produtos da atividade humana, que elas surgem e desaparecem, crescem ou se cristalizam em permanente interagao com a atividade humana; elas ndo se manifestam mais para Hegel como “destino” j4 pronto, dado, im- placavelmente objetivo dos homens. Como vimos, no perfodo de Frankfurt essa inflexibilidade passa a diluir-se dialeticamente. Primeiro, contudo, apenas em uma dialética objetiva da pré- pria “positividade”, na qual a inclusdo cada vez mais intensa da interacao entre sujeito e objeto, entre a subjetividade do agir social do homem singular e a objetividade da formagao social que encontra “pronta” diante dele, influencia essa dialética, chegando a determind-la amplamente, mas ainda ndo forma seu centro consciente. Esse desenvolvimento se efetua em Hegel no perfodo de Iena e atinge seu ponto alto consciente em Fenomenologia do espirito. Ali, como veremos, a velha “positividade” dé lugar ao novo conceito da “alienacio” (Entéiuerung) ou do “estranhamento” (Entfremdung). Essa diferenga, como é de praxe em verdadeiros pensadores, nao é meramente terminolégica. A diferenca terminolégica entre “positividade” e “alienacao” abriga um aprimoramento filoséfico profundo dessa ideia, pois “positividade” é uma propriedade de formagées sociais, de objetos, de coisas; “alienagao” € um modo particular da atividade humana, pela qual formagées sociais especificas, objetos da atividade humana na sociedade, surgem e adquirem peculiar objetividade. Essa transformagao da terminologia Fundamentacdo e defesa do idealismo objetivo | 427 hegeliana, da filosofia hegeliana, efetua-se de modo gradual em Tena. A ex- pressao “alienagéo” comega a aparecer reiteradamente, a da “positividade” vai desaparecendo, mas, durante muitos anos, os termos sao usados paralela e simultaneamente. Os novos conceitos adquiririam uma forma clara pela primeira vez nas prelecdes de 1805-1806. Esse proceso de transformagao equivale a compreender a essencialidade real, 0 carater concreto da progressividade da sociedade burguesa moderna. Jé apontamos para o fato de que Hegel comeca a encarar a Antiguidade como coisa do passado no periodo de Frankfurt. Em Tena, essa convicgdo se consolida. Em um primeiro momento, contudo, ela est4 repleta de um pesar intenso, por causa do ser passado desse mundo realmente vivo € realmente humano. Citamos do fragmento de Rosenkranz oriundo dos primeiros anos em Tena a frase em que Hegel declara a Antiguidade como mera “lembranga”. Bastante caracteristicas de seu estado de espirito naquela época so as palavras com as quais dé continuidade a essa ideia: “A unidade do espirito com sua realidade precisa romper-se. O principio ideal tem de constituir-se na forma da univer- salidade, o princfpio real tem de fixar-se como singularidade, e a natureza tem de ficar estendida entre ambos como um cadaver profanado”'* Esse pesar constitui o tom de fundo da poesia de Hélderlin, amigo de ju- ventude de Hegel, e confere também is grandes poesias filos6ficas de Schiller imarcesctvel beleza. Schiller, porém, nao se deteve nesse pesar, mas se empe- nhou para chegar, no campo estético — claro que sobre uma base filoséfico-cul- tural ampla -, A compreensao da caracterizacao especifica do mundo moderno e de sua poesia, Esse caminho € seguido também por Hegel, s6 que de modo bem mais resoluto e fundamental do que por Schiller. Contudo, é preciso observar de imediato que a grandeza da concepcao hegeliana e schilleriana de historia deve-se muito essencialmente ao fato de nunca terem superado por completo esse pesar. Enquanto o humanismo proletario nao tinha como surgir, a critica humanista da sociedade capitalista s6 podia encontrar na realizagao imediata da humanidade auténtica produzida pela vida grega das reptiblicas citadinas livres um parametro concreto para aquilo que a humanidade perdeu necessariamente perderia pela via do progresso indubitavel representado pelo capitalismo. O conhecimento do cardter progressista do capitalismo nunca se transforma, nos humanistas importantes do periodo classico da Alemanha, em © Rosenkranz, p. 136. 428 | © jovem Hegel uma glorificacao rasa @ Bentham da sociedade burguesa moderna. A dialética idealista do carater contraditério do progresso esté vinculada de modo bem essencial a essa relagdo com a Antiguidade. Para Hegel, essa contraposicao de sociedade antiga ¢ sociedade moderna evolui de modo cada vez mais claro para a diferenciacao entre socializacio imediata e socializagdo mediada dos homens. E, quanto mais claramente a necessidade e a progressividade da ultima sao compreendidas por Hegel, mais claramente o sistema das mediagées cada vez mais complexo advindo dat Ihe parece ser obra propria dos homens, oriunda de sua prépria atividade, produto de sua atividade social reiteradamente reproduzido por eles mesmos. O desdobramento dessa dialética leva Hegel ao conhecimento de que o en- volvimento cada vez mais intenso da personalidade humana nessas mediagdes sociais e a crescente cessacio das relacdes miituas imediatas dos homens nao constituem uma aniquilagao da individualidade humana. Pelo contrério, a real individualidade humana sé se desdobra no curso desse desenvolvimento, no curso da criagao de tal sistema mediado, composto de mediagées cada vez mais objetivas, cada vez mais “coisais”, no curso da “alienago” cada vez mais intensa da personalidade humana. Hé pouco (p. 423 deste livro) citamos a frase de Hegel, dizendo que, na sociedade burguesa moderna, 0 individuo s6 existe como alienado; “como aquilo que ele fez de si’. Hegel vé, portanto, de modo cada vez mais claro, que a humanidade teve de suplantar o cardter me- ramente natural da imediaticidade original para chegar a um desdobramento rico de suas proprias capacidades, para concretizar por meio de acdes todas as capacidades que nela dormitavam. E 0 simultaneo pesar pela perda da beleza que, na Antiguidade, estava fundada na imediaticidade natural da vida expressa cada vez mais fortemente a conviccao dialética de Hegel de que a humanidade pagou um prego bastante alto por esse progresso. Dado que, para Hegel, a sociedade burguesa moderna constitui o estégio mais elevado de desenvolvimento da humanidade, dado que ele nao vislum- brou nem podia vislumbrar um estagio de desenvolvimento superior que 0 ultrapassasse, esse conhecimento dialético necessariamente implicou o tom de um pesar por algo que se perdeu de vez. A grandeza intelectual de Hegel consiste no fato de ater-se aqui aos dois lados da contradicao, sem se pre- ocupar muito com o fato de, ao fazer isso, envolver-se ocasionalmente em contradigSes. (Essas contradicées estao em parte relacionadas a determinadas ilusdes antigas do periodo napolednico.) Portanto, quando os primeiros criticos Fundamentacéo e defesa do idealismo objetivo | 429 liberais de Hegel, como Haym, 0 censuram por promover um “arcafsmo”, um desconhecimento da sociedade burguesa moderna, fica claro que eles se queixam do fato de Hegel nao ter se tornado um Bentham alemio. A contradigdo insolivel que ganha expresso no pensamento de Hegel e da qual nos ocuparemos detalhadamente mais tarde em seco especifica € uma contradicao do proprio desenvolvimento histérico, pois sé quando © desenvolvimento das lutas de classes permite ao humanismo proletério visualizar a perspectiva histérica concreta de uma recuperagao da relagao imediata dos homens entre si e com a sociedade mediante a libertagio socialista da humanidade é que essas contradig6es do progresso humano podem ser compreendidas de modo realmente concreto, materialista, dialético. Esse conhecimento correto do desenvolvimento humano pelo materialismo histérico corrige os erros de Hegel, ainda que em uma diregao diametralmente oposta a das acusagées levantadas contra ele pelos repre- sentantes vulgarizadores de uma ideia superficial ¢ linear, estreitamente liberal de progresso. A concepgio marxiana da Antiguidade como perfodo da infancia normal da humanidade, 0 conhecimento do comunismo primiti- vo, da sociedade gentilica e de sua dissolugao como fundamento da cultura antiga, é infinitamente superior 4 concepgao de Hegel, mas nao se encontra em contraposicao excludente com a tendéncia basica de sua concepcio.de histéria, com suas intuigdes geniais a respeito da linha de desenvolvimento da histéria da humanidade. Em suas prelecées de 1805-1806, Hegel formula a contraposigao entre sociedade antiga e sociedade moderna da seguinte maneira: Esta é a bela e feliz liberdade dos gregos que foi e € tao invejada, © povo é dis- solvido no cidadao e &, 20 mesmo tempo, aquele um individuo, 0 governo. Ele est em interagdo apenas consigo mesmo. A mesma vontade é 0 individuo e é ‘0 universal. A alienagdo da singularidade da vontade é preservacio imediata da mesma. Fazem-se necessirios, porém, uma abstragdo superior, uma contraposicao e uma formacdo maiores, um espirito mais profundo. E 0 reino da eticidade: cada qual € costume, imediatamente uno com o universal. Nenhum ato de protest tem lugar aqui; cada qual se sabe imediatamente como universal, isto é, renuncia a sua singularidade sem estar ciente desta como tal, como esse si mesmo, como a esséncia. A ruptura mais elevada, portanto, € que cada qual retorne por completo a si, esteja ciente de seu si mesmo como tal, como a esséncia, chegue ao sentido préprio de ser absoluto mesmo separado do universal existente, de ter sew ab- soluto imediatamente em seu saber. Como individuo, ele liberta 0 universal; ele 430 | © jovem Hegel tem completa autonomia em si, renuncia sua realidade, vale para si mesmo apenas em seu saber.!3 Ainda teremos de ocupar-nos detalhadamente dos diversos problemas que resultam dessa confrontagao. Ao fazé-lo, encontraremos as fontes filosdficas de varias limitagGes sociais e politicas; por exemplo, o fato de Hegel suposta- mente ter encontrado na “alienacao”, enquanto fundamento da individualidade moderna, uma fundamentacio filos6fica para sua rejeigao da democracia na so- ciedade moderna etc. Neste ponto, o que importava era vistumbrar com nitidez co contraste fundamental sobre o qual se apoia toda a concepgao de historia de Hegel. Ele reconhece, de um lado, o desenvolvimento da personalidade humana justamente em decorréncia e por meio do processo da “alienagao"; simultane- amente, reconhece que esse sistema das mediagGes “alienadas” da sociedade, montado pelos préprios homens, confere-Ihe um automovimento objetivo e que pesquisar no ambito cientéfico suas leis constitui uma das principais tarefas da filosofia da hist6ria. Depois de falar sobre a pessoa “natural” do monarca € sobre a personalidade “alienada” de todos os cidadaos, Hegel acrescenta: “O sistema comunitdrio como um todo no esta ligado a esta nem aquela; ele € 0 corpo indestrutivel que se autossustenta. O principe pode ter as qualidades que quiser, os cidadaos podem ser como quiserem: o sistema comunitério € coeso e autossustentavel”!’, A tensio dialética que se manifesta aqui entre uma subjetividade e uma autarcia cada vez mais fortes da individualidade humana, de um lado, e, de outro, a legalidade propria objetiva, que simultaneamente aparece com energia cada vez maior, do sistema das mediagGes sociais criado pelos homens: este é, para Hegel, o problema fundamental da sociedade bur- guesa moderna, o problema fundamental de sua filosofia da historia. Das declaragées de Hegel citadas até agora depreende-se claramente — embora a expresso ainda nao tenha ocorrido — que o fundamento cientifico desse conhecimento é constituido pela economia politica. Devemos examinar agora, portanto, as nogdes econémicas de Hegel e tentar desvendar sua im- portancia para a dialética hegeliana. Ao fazé-lo, vamos nos deparar com duas séries de problemas: de um lado, a questio de em que medida as contradig6es do capitalismo identificadas por Hegel foram fecundas para o desenvolvimento de sua dialética; de outro lado, o problema referente ao modo como Hegel se "5 Realphilosophie, v. Il, p. 249 e seg. "4 Thid., p. 252. Fundomentacéo e defesa do idealismo objetivo | 431 enredou em uma contradigao equivocada devido a apreensao insuficiente das contradicdes do capitalismo, como as limitagdes do conhecimento da economia eas de sua dialética idealista se influenciam reciprocamente V. A economia do periodo de lena Em Manuscritos econémico-filosoficos, nos quais faz a critica decisiva de Fe- nomenologia do espirito, Marx caracteriza acertadamente a grandeza e a limi- taco do posicionamento de Hegel em relagio & economia. Ele diz o seguinte: “Hegel assume o ponto de vista da economia politica moderna. Ele apreende o trabalho como a esséncia, como a esséncia do homem que se confirma; ele vé somente o lado positivo do trabalho, nao seu lado negativo. O trabalho é 0 vir-a-ser para si (Fiirsichwerden) do homem no interior da alienacdo ou como homem alienado""'’. A anilise a seguir das nogdes econémicas mostrard como foi acertado 0 juizo de Marx tanto sobre os lados positivos quanto sobre os lados negativos da concep¢do hegeliana da economia. Hegel ndo escreveu ne- nhuma economia especifica como parte concluida de seu sistema filoséfico; suas concep¢des econdmicas sempre constituem apenas parte de sua filosofia da sociedade. E veremos que justamente nisso consiste a vantagem para a filo- sofia de seu modo de tratar a questdo, pois em Hegel nao se trata de pesquisas originais que ele teria feito no campo da economia propriamente dita (nem havia possibilidade de fazer isso na Alemanha daquela época), mas de como ele aproveitou os resultados da mais evolufda ciéncia econémica para obter conhecimento dos problemas sociais — nisso consiste o problema especifica- mente hegeliano —, descobrir e expor em termos de generalidade filos6fica as categorias dialéticas ocultas nessas condig6es sociais. Essa vinculacio de economia, ciéncia social, histéria e filosofia obviamente nao comeca com Hegel. O isolamento da economia em relagao aos demais campos da ciéncia social é uma especialidade do desenvolvimento do periodo de decadéncia da burguesia. Os pensadores importantes do século XVII ao século XVIII abrangeram em suas obras todos os campos da ciéncia social, inclusive obras dos economistas importantes, como [William] Petty, [James Denham] Steuart, [Adam] Smith etc., e seguidamente ultrapassaram as fronteiras do econdmico no sentido estrito em suas exposigées das interconexGes. Portanto, 5 [Karl] Marx, Okonomisch-philosophische Manuskripte (1844), MEGA 1, v. bras: Manuscritos econémico-filasoficos, cit., p. 124, modif.] p. 157. [Ed.

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