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Copyright© 2020 - Ivani Godoy

Revisão: Sara Ester e Kátia Regina Souza


Capa: Babi Dameto
Diagramação digital: Denilia Carneiro

1ª Edição

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa.
Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte desta obra, através de quaisquer
meios — tangíveis ou intangíveis — sem o consentimento escrito da
autora.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº.
9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sinopse
Alessandro Morelli era o capo da máfia Destruttore e não temia

a nada e nem a ninguém. Desde criança foi forjado na escuridão

sob o jugo de um pai autoritário e cruel. Suas únicas lembranças


boas envolviam sua mãe e seus irmãos, a quem jurou lutar para

protegê-los todos os dias da sua vida.


Entretanto, algumas peças no tabuleiro do destino vazio e
escuro de Alessandro ousaram modificar a maneira como ele regia
tudo e todos ao seu redor. Uma pequena e valente mulher ousou

chegar onde ninguém jamais foi capaz: no coração do capo.


Mia conseguiria destruir as barreiras que Alessandro ergueu
durante tantos anos? Um homem tão carregado de traumas seria

capaz de se abrir para o amor?


Prólogo

Alessandro

Mais cedo eu me vi entusiasmado com os treinos, pois


passaria a ser um membro de verdade dentro da máfia; lutaria e

protegeria a minha família.

Entretanto, depois que entrei na sala, eu vi o meu pai com um


taco na mão. Meu intestino se revirou. Marco era o chefe da máfia,

nunca um modelo paterno. Às vezes, me batia.

— Vamos lutar, Alessandro. Quero que me enfrente como um

homem — ordenou.

Queria dizer que não era um homem formado ainda, já que


tinha apenas doze anos, mas como desejava ser um guerreiro forte,

eu precisava lutar para um dia tomar conta de todos como o capo.

Achei que fosse um treino de luta com os punhos tal qual via

na TV, mas assim que o taco acertou a lateral do meu corpo, eu


perdi o meu fôlego. Fui jogado longe; sabia que isso não era treino,
era brutal e desumano.

— Levante-se daí — rosnou, dando passos até onde eu estava

deitado.

Tentei me levantar ignorando os protestos das imensas dores

em meu corpo. Lutei, mas fui acertado novamente, dessa vez nas

costas, o que me fez gritar em agonia.


— Homens não gritam, Alessandro. Não choram e não gemem

de dor. Eles a toleram. — Fulminou-me. — Você não passa de um

fracote.

Fúria. Era isso que eu estava sentindo cada vez que ele me

atacava e abria a sua maldita boca.

— Não sou um fracote, e um dia serei o capo! — rugi.

Todo o meu corpo urrava em agonia pelos treinos conduzidos


para me tornar um membro da máfia. Sentia as minhas costelas,

especialmente, protestarem enquanto tentava me levantar,

segurando o lado direito. Se ficasse no chão seria pior, já que ele

atacaria e terminaria de me quebrar.

Quase ri com essa ideia. Me quebrar mais do que já estava?

Impossível, só se ele me matasse.


Capítulo 1

Alessandro com treze anos

Não tenho nenhum problema em ter nascido na máfia, até


gosto do poder, do fato de todos a conhecerem, da união da família.

Mas minha fascinação mudou quando tive idade para treinar; achei

que seria uma preparação como a dos lutadores que eu assistia em


filmes. Até chegava a brincar com Rafaelle dizendo que ganharia

dele quando nos defrontássemos. Com seis meses de treinamento,

não sabia quantas costelas e quantos ossos meus foram quebrados

no decorrer dos exercícios; eram tantos que perdi a conta.

Meu problema se resumia a Marco, e não à máfia. O cara era


um monstro, não só no sentido de eliminar alguém, porque já o vira

fazer isso, mas também por maltratar sua esposa, a minha mãe.

Muitas vezes sentia uma raiva que não podia controlar. Mas fomos
criados para respeitar os pais, e, além disso, ele era o capo e podia
agir como quisesse. Eu tinha de obedecê-lo calado.

Fazia tudo para ele, o que ordenava; batia nos devedores e

lutava como um louco, era forte em relação a isso. Mas havia uma

coisa que me deixava hesitante: matar. Por isso meu pai estava

furioso.

Respirei fundo, não entendendo o motivo de ter sido chamado


no quarto dele; só ia lá quando mamãe estava sozinha, pois ele não

gostava de visitas minhas e de meus irmãos. Não sabia qual a

razão, já que não tinha nada que fosse proibido ali. O problema dele

era só que preferia controlar tudo.

— Onde está indo? — Rafaelle perguntou, me acompanhando

no corredor. Ele segurava Jade nos braços, tão pequena e linda.

Estava começando a arrastá-la para todos os lados.


— Quarto do papai, ele me chamou. — Sabia que coisa boa

não era. Curvei-me para frente, toquei a bochecha da Jade e sorri.

— Como anda, minha princesa?

Ela balbuciou sons de bebê e retribuiu o sorriso.

— Já volto, bonequinha linda. Depois vou ensiná-la a falar. —

Admirei a doçura dela.


— Acho que ela é nova para isso — disse Rafaelle. Ele não

tinha iniciado o seu treinamento ainda, mas como não guardava


segredo dele, meu irmão sabia como a coisa era ruim. Dentro de

quatro anos ele começaria a participar. Queria poder protegê-lo


disso, mas não sabia como.
— Rafaelle, pegue a Jade e o Stefano, leve-os para o jardim

longe daqui. Seja lá o que o pai programou para mim, não será
bonito. Posso estar enganado, mas acho melhor prevenir — pedi e

beijei a testa da Jade. — Até mais tarde, princesa.


Rafaelle assentiu.

— Seja forte, queria poder ir junto…


— Papai não ia gostar, ele o castigaria. — Seria um
desrespeito. — Agora faça o que pedi.

Assim que Rafaelle saiu com a minha bonequinha, eu bati à


porta e entrei. A cena que vi diante de mim quase me fez vomitar de

repulsa.
Gritei e corri para a minha mãe, mas antes que chegasse nela

senti um chute contra meu peito que me jogou longe e tirou o meu
oxigênio. Tive de respirar algumas vezes para tentar recuperar o
fôlego.
— Não toque no meu menino! — Mamãe estava deitada na

cama e amarrada, vestida apenas de camisola. Havia dois caras


perto dela, um deles tocava a sua cabeça. Marco, num canto, tinha

um homem ao seu lado, o mesmo que chutou o meu peito.


— Papai… — Fui cortado com um soco que ele me deu na

boca.
— Sou o seu capo nos treinos! Agora você decide: lutar até a
morte, ou esses homens vão fazer uma festinha com a sua mãe —

rosnou. — Estou cansado de você hesitando para executar os


trabalhos necessários.

Segurei meus punhos querendo socá-lo na cara. Olhei para o


homem que ele indicou; parecia ser um condenado, pois estava com
sua roupa de cadeia. Meu coração vacilou um pouco, porque o

indivíduo era forte. Eu tinha treze anos, mas quase um metro e


sessenta; puxei o lado alto de meu pai.

O homem próximo ao capo me deu duas facas para usar na


luta. Briguei como sempre fiz, mas hesitei em matar assim que

minha lâmina roçou em sua garganta e barriga.


— Acabe com ele! Vou mandar esses homens tocarem na sua
mãe — sibilou papai.
Travei ao acompanhar um dos caras levantando a saia dela.
Voltei a mim e não parei para pensar: lancei minha faca, que
atravessou a sua mão.

— Fique longe dela — rosnei com fúria.


O homem do meu pai me fitou com ódio e gritou de dor.

— Marco, por favor, não faça… — minha mãe começou a


suplicar, mas ele levantou a mão para ela, intencionando agredi-la,
fazendo com que fechasse os olhos e gritasse: — Estou grávida,

não me bata!
Gelei por dentro, então corri e entrei na frente dela, levando o

soco em seu lugar. Pelo impacto, machucaria a mamãe, e ela não


podia ser ferida, pois acarretaria complicações em sua gravidez —

entender o corpo humano e as suas fraquezas era fundamental em


uma luta.
— Quando vai parar de bancar o herói? — A fúria do meu pai

era tanta que pensei que me mataria com as próprias mãos. —


Estou farto disso.

Se eu continuasse hesitando, ele machucaria a mamãe. Nem


ela, nem o bebê podiam sair feridos, eu não permitiria.
— Vou lutar até a morte, só deixe mamãe em paz — pedi, não

ligando que me achasse fraco. Por ela e meus irmãos eu era capaz
de tudo.
— Vá logo, tenho mais o que fazer. — Encaminhou-se para
perto da porta, talvez para impedir que eu saísse correndo (o que eu

não faria, jamais abandonaria a mamãe; preferia matar todos


naquele quarto).

— Tentarei pegar leve, garoto — disse o cara que eu tinha que


assassinar.
— Não pegue leve — gritou o meu pai. — Lute como um

homem, Alessandro, ou nunca será um capo de verdade.

Ignorei sua voz irritante, senão a minha caça seria ele, e não o
cara à minha frente. Um dia, eu mataria o meu pai, bastava esperar.

Apertei minha faca na mão e me lancei para o homem usando

o meu pé para derrubá-lo e as minhas mãos para esfaquear a sua

barriga. Senti-a entrando, mas ignorei os sons e continuei. Como ele


era forte, foi capaz de me derrubar no chão. Em seguida, subiu em

cima de mim; eu sabia que se o deixasse me prender seria tarde

demais, pois ele me mataria.


— Se deixá-lo matar você, a sua mãe pagará o preço. — A voz

de Marco me enfurecia ainda mais.

Não é hora para medo ou culpa, Alessandro, foco!, entoei a


mim mesmo. Ergui meu joelho e soquei as bolas do meu oponente,
fazendo-o rugir. Puxei minha faca e passei em sua garganta de fora

a fora, espirrando sangue sobre meu rosto.


Empurrei-o, porque não queria o ver morrer, mas fiquei sem

reação, sentado, chocado olhando-o tentar falar; não saía nada.

Tudo em mim travou enquanto assistia àquele sangue tanto no


homem quanto em mim. Sentia minhas costelas e meu braço direito

quebrados. Meu oponente era forte; se eu não soubesse lutar bem,

não teria vencido. Sorte que treinava todos os dias.

— É assim que se faz, meu filho. — Marco parecia alegre. —


Vamos deixar você a sós com sua mãe. Pegue o morto e o jogue

em alguma vala por aí.

Eles saíram. Fui até a mamãe e a desamarrei. Ao terminar, ela


se sentou na cama, me puxando para os seus braços. Eu a vi

chorar, contudo, não consegui fazer o mesmo; sentia que algo fora

roubado de mim essa noite.


— Sinto muito, meu amor, por não poder ter impedido que tudo

isso acontecesse — choramingou.

— Vai ficar tudo bem, mamãe. — Vê-la assim cortava meu

coração. A partir desse momento, eu não deixaria mais ninguém


saber como eu me sentia. — Quando eu virar o capo, vou matá-lo.

Esta é a porra de uma promessa.


Eu tinha pureza até o dia em que meu pai me forçou a matar.

Naquele instante, a minha inocência foi removida em sua totalidade.

O garoto cheio de sonhos e ferocidade morreu, cedendo lugar a um


assassino frio.

Mia com dezessete anos

Ser nascida e criada na máfia me fazia odiar tudo; a porcaria

que tinha consciência de que eles faziam me anojava. Se pudesse

fugir dessa vida, eu já o teria feito, só o que me segurava ali era a


minha mãe e a minha irmãzinha que estava para nascer.

Não ligava para o meu pai, Afrim, que por sinal era um monstro

que nem sequer deveria ter tido filhos. O desgraçado colocou os


olhos em minha mãe e a trouxe para este país de merda.

Mamãe morava na Itália e seus parentes também eram de lá,

mas eu nunca pude conhecer o local por ser prisioneira dessa

maldita organização. Carina e Afrim se apaixonaram, pelo menos foi


assim no começo; ele era um soldado da máfia albanesa, e ela
aceitou o cortejo. Conforme eu cresci, tudo desandou, porque meu

pai queria que eu me casasse com o líder da máfia, o Skender.


Mamãe não aceitou, claro, e então suas brigas se tornaram

constantes. Presenciei algumas delas. Nessas horas, eu só queria

acabar com esse homem. Ela achou que viveria um conto de fadas,
mas tudo não passou de um engano, pois nossas vidas eram o

verdadeiro inferno na Terra. Eu desejava tirá-la desse lugar, mas

não sabíamos como proceder.

Carina até aceitou fugir após saber que ele me daria ao seu
chefe mesmo contra a vontade dela. Mamãe estava com um

barrigão, faltavam poucas semanas para ter a minha irmãzinha. Ela

convenceu meu pai a ficar em uma casa perto do hospital, alegando


que assim facilitaria na hora do parto. E para não me deixar sozinha

na fortaleza do chefe mafioso, me levou junto. Antes de conhecer

Afrim, ela era uma enfermeira, mas depois que se casou virou dona

de casa — na verdade, uma escrava, porque ele não deixava que


saísse nem se fosse até a esquina. A briga deles agora era por esse

motivo. O fodido do chefe dele me queria lá, aposto que para me

violentar. Eles faziam muito isso. Se dependesse de mim jamais


seria dele e de nenhum mafioso desgraçado.
Se um dia me casasse, eu escolheria um homem bom, nunca

um monstro como Skender. Ele matava sufocadas a maioria das

prostitutas que fodia.

Estava tudo planejado para fugirmos mais tarde; mamãe


conseguiu negociar com um italiano amigo dela. À meia-noite, ele

chegaria, e escaparíamos. Porém, o filho da puta do Afrim surgiu

furioso querendo me levar para o seu chefe. Acho que ele temia o
cara, no entanto, isto não justificava o fato de me mandar para

alguém sanguinário assim. Se eu tivesse uma filha, daria a minha

vida por ela, jamais a entregaria a homens capazes de matá-la.

— Não toque na nossa garota, já não basta o que me fez? —


Carina chorou com a mão na imensa barriga.

Olhei para ela, sem entender.

— Mamãe, o que ele fez? — perguntei com um tremor na voz,


mas não demonstrei. Não deixaria que visse meu medo, era assim

que sobrevivia nesse mundo.

Afrim, com os punhos cerrados, deu um soco na boca da

minha mãe, fazendo com que ela caísse no chão. Gritei e postei-me
à sua frente, para protegê-la.

— Fique longe, seu monstro! Você não vale nada, sei tudo o

que faz nessa máfia maldita. Todos são asquerosos, quero que
queimem no inferno — sibilei encarando-o, não ficaria com medo

desse verme desgraçado.


Ser dura e forte na máfia foi um caminho necessário a se

percorrer, não podia deixar que me colocassem na pior. Eram eles

que não valiam nada.

— Acha que irei com você para me tornar a vadia do seu


chefe? — rugi, querendo esfolá-lo vivo. — Para mim, que vão os

dois para a puta que pariu.

— Você é uma putinha, igual à sua mãe. Ela chorou para não ir
para a cama de Skender, mas no final acabou gostando de ser

fodida por ele e todos os seus homens — disse com a voz fervendo,

não por ter dado minha mãe como gado, mas por estarmos ali
desobedecendo-o.

O choque estampou meu rosto. Eu já presenciara atrocidades

cometidas por esses assassinos mafiosos, mas ele dar minha mãe,

a sua esposa, a outros homens? Não sei como me surpreendo,


afinal, está querendo entregar a filha, pensei amarga.

— Nunca serei dele e de nenhum dos bandidos dos seus

amigos desgraçados. Porra! Eu só tenho dezessete anos, acha que


vou querer um velho barrigudo e, pior, assassino e estuprador?
— Deixe a nossa filha em paz. Assim que tiver o meu bebê, eu
me deito com quem quiser. — Mamãe se encolheu, e a vi olhando

para o relógio. O amigo dela não demoraria a chegar.

Desconhecia que esse ser desumano a obrigava a ficar com


os crápulas daquele lugar. Ele a tornou uma prostituta? Oh, odiava

tanto esse merda que mal podia segurar minha vontade de

esquartejá-lo.
— Está pensando que não sei o que fazem? Vocês estupram

meninas, como fizeram com a minha mãe — cerrei meus dentes e

falei através deles.

— Você abrirá as pernas para o meu chefe e obedecerá suas


ordens — mandou.

Antes que eu pudesse dizer que nem fodendo faria isso, ele

me deu um tapa na cara tão forte que caí longe da minha mãe.
Ignorei a dor, porque o medo tomou conta de mim quando o vi

apontando a arma para barriga dela, ao bebê. Paralisei por um


segundo, mas não tinha tempo para isso; me lancei sobre ele,
porém, mesmo assim não pude impedir que um tiro soasse.

Congelei e gritei, enquanto ele rugia com a arma apontada na


minha direção. Eu me defendi lançando um abajur em sua cara, ao
que cambaleou. Em seguida, peguei a cadeira e joguei na sua mão,
fazendo-o perder a arma. Corri e a segurei. Apontei contra ele.
— Você é um desgraçado fodido que acabou com a vida da

minha mãe! Hoje será o seu fim. — Ignorei as lágrimas que desciam
pelo meu rosto.
Riu, zombeteiro.

— Vai me matar? Se fizer isso, todas vocês estarão mortas,


pois aqui quem manda somos nós, e mulher foi feita para chupar
pau de… — Suas palavras foram cortadas pelo tiro que dei em sua

testa. Devia ter sentido algo ao tirar sua vida, mas não me comovi.
Não sei se era o choque ou por tudo acontecer muito rápido.
Concentrei-me em minha mãe, deixei para surtar depois, agora só

precisava arrumar um jeito de salvá-la. A bala atingira seu peito…


Corri para ela e me ajoelhei ao seu lado.
— Vou conseguir ajuda, um médico… — falei, mas não

tínhamos vizinhos perto, e os poucos eram leais à máfia que tomava


conta desse lugar maldito.

— Não tenho tempo, meu amor, sinto que a bala fez um


estrago grande. — Sua voz era baixa; cuspia sangue. — Precisa
tirar a sua irmã de mim ou ela vai…
— Mãe, eu sinto muito por não conseguir salvá-la. Tentei
arrancar a arma dele, mas só fez a bala…
— Mia, meu amor, se você não tivesse feito isso, a sua irmã

não estaria viva agora. — Sua respiração desigual indicava que a


perderia, mas eu não queria aceitar isso. — Pegue uma faca na

cozinha e me corte. Você precisa tirá-la antes…


A dor me sufocava tanto que mal conseguia respirar. Limpei
minhas lágrimas, mas fiz o que minha mãe solicitou.

— Preciso de algo para desinfetar a lâmina. — Minha voz


estava rouca.
— Não precisa, só a tire de mim. Coloque a lâmina em cima do

antigo corte que tenho no pé da barriga, foi de quando tive você.


Corte do mesmo tamanho. Só não afunde muito, para não correr o
risco de machucá-la.

— A senhora sentirá muita dor sem anestesia — sussurrei


encolhida.
— De qualquer forma não vou sobreviver, meu anjo. — Sua

voz falhou por um segundo.


— Mãe! — gritei.

— Rápido, sinto que não aguentarei mais. — Seus olhos azuis


como os meus estavam cheios de lágrimas e agonia.
Puxei o vestido dela para cima, era hora de fazer aquilo.
Respirei fundo e segui suas orientações. Encolhi-me com seus

gritos, parcamente encobertos por sua mão na boca. Seria algo de


que eu nunca esqueceria.
Tentei não tremer minhas mãos, para evitar erros. Não

demorou muito e vi cabelos, então a puxei com cuidado para não a


machucar. Assim que a tirei, minha irmã chorou.

Enrolei um pano do sofá em volta dela.


— Precisa cortar o cordão umbilical — pediu mamãe, quase
sem foco.

Fiz o que mandou e virei-a para que pudesse ver a filha.


— Tão linda a minha bonequinha — sussurrou. — Você se
chamará Graziela, que significa “pequena graça divina”.

— Talvez eu consiga…
Ela me cortou:
— Não, Mia, a partir de hoje o seu nome será Madson.

Graziela será a sua filha. Peça a Bianco para fazer documentos que
comprovem isso. Agora você precisa ir.
Tinha tanto sangue no chão que me fez estremecer.

— Como posso deixá-la assim? Preciso… — Não sabia o que


fazer, mas não abandonaria a mamãe nesse estado…
Dentro de mim tudo fora destruído. Respirar doía, por me

sentir impotente.
— Precisa ir, Mia, antes de eles chegarem aqui. Alguém deve
ter ouvido o som de tiros, então ande logo, pegue sua irmã e vá

embora — suplicou. — Skender é o pai de Graziela, ele sabe disso,


então tome cuidado. Queria acompanhá-las, mas não posso. Não
esqueça do pendrive.

Mais cedo mamãe revelara ter conseguido algumas


informações sobre os albaneses, mas não me falou a origem. De

qualquer forma, poderíamos usar isso, caso se aproximassem de


nós, como uma moeda de troca algum dia, pois não encontraria
ninguém forte o bastante para lutar contra a máfia.

— Mas mãe! — Eu estava chocada demais. Aconteceram


tantas coisas ao mesmo tempo que não liguei para essa informação.
— Agora! — gritou com a força que lhe restava. Eu não

entendia como ela ainda não havia desmaiado. Dizem que mães
têm uma resiliência sobre-humana em se tratando da proteção dos
filhos; Carina comprovava tal teoria. Então começou a tossir e mais

sangue saiu. — Precisa atender meu pedido, pois se ficar aqui eles
farão coisas… — Estremeceu não pela dor, mas pelo seu passado.
— Se ficar, não só você será entregue ao capo, mas sua irmãzinha
também. Encontre Bianco e parta.
O aperto em meu coração foi forte ao imaginar a minha

irmãzinha sendo tocada por aqueles animais.


Assenti. Peguei uma bolsa onde estava tudo dentro, porque
tinha arrumado mais cedo, e coloquei nas costas. Ajeitei Graziela

melhor no pano e segurei a arma.


— Amo vocês demais, e rezo para que encontrem a felicidade
em seu novo lar — murmurou, dando seu último suspiro.

Chorei por ser incapaz de salvá-la ou mesmo de enterrá-la. Os


mafiosos com certeza esconderiam seu corpo em um buraco
qualquer, e eu jamais saberia o local.

Deixaria para sofrer mais tarde, precisava pensar em Graziela


dali para frente. Então fui para a porta lançando um último olhar à

minha mãe.
— Adeus, mamãe. Eu vou cuidar de Graziela como se fosse a
minha filha e amá-la por nós duas. Irei protegê-la com a minha vida,

se for preciso. — A dor me esmagava por dentro, eu mal conseguia


respirar.
Não sabia o que seria do meu destino, mas esperava que

sobrevivesse para fazer a minha irmã feliz longe desse inferno. Um


para o qual nunca mais queria retornar.
Capítulo 2

Alessandro

Depois de ter matado o meu primeiro homem, há dezessete


anos, eu me tornei quem meu pai queria: alguém inapto a sentir

remorso ou amar.

Entretanto, uma coisa que ele nunca conseguiu tirar de mim foi
a minha lealdade aos meus irmãos. Nossa ligação era inquebrável,

principalmente com Jade e Luna. Por elas, eu era capaz de tudo,

até mesmo de enfrentar meu pai.

Marco preparou uma reunião na igreja, o que era incomum, ele

só fazia isso quando envolvia uma negociação. O local era usado


para fins lucrativos, e não para rezar, como muitas pessoas no

domingo faziam — inclusive as minhas irmãs.

Meus irmãos e eu nos esforçamos ao máximo para nosso pai

deixar a Jade e a Luna fora do nosso mundo sombrio. Mas


pertencíamos à máfia, e elas não podiam simplesmente se desligar
disso, porque se tivesse como, eu já as teria mandado para longe

do Marco e de suas ambições medíocres.

No velório da minha mãe, oito anos antes, foi difícil controlar o

que sentia; a dor era devastadora dentro de mim. Eu só queria

acabar com tudo, com a frieza de Marco que nunca ligou para ela

nem para sua condição moribunda.


Perder a mamãe me abalou demais. Nos dias seguintes a isso,

meu pai preparou outro jogo na intenção de me tornar uma máquina

de matar como ele gostaria, todavia, agora não usava mais a minha

mãe, e sim Jade e Luna. As duas eram minha fraqueza — não só

minha, mas de Rafaelle e Stefano também. Nós três juramos

protegê-las contra tudo e todos, até de nosso pai; na verdade,

principalmente dele.
Por elas, eu me tornei impiedoso, brutal e letal. Todos diziam

que eu não tinha emoções só por não conseguirem ver nada na

minha expressão fria, mas isso não era verdade. Eu sentia tudo,

apenas sabia esconder muito bem de todos, treinei o bastante para

não deixar que ninguém entrasse mais do que o necessário, assim

não seria um alvo. Embora não sentisse pena dos homens que
matava, pois nenhum deles era bom.
Inclusive esses que estavam na minha frente. Os Rodins

integravam uma organização da pior espécie, eles faziam meu pai


parecer um herói da bondade.

Esses homens mexiam com tráfico humano e mercado negro.


Meu pai fechou negócios com eles, e isto me deixou furioso; não
queria me envolver com essas merdas nas quais meninas eram

levadas e vendidas. Sempre que aparecia um contêiner cheio delas,


eu me lembrava das minhas irmãs. E se alguém fizesse o mesmo

com elas? Porra! Este maldito país enfrentaria o apocalipse, porque


eu destruiria tudo.

Faltava alguns anos para eu me tornar capo, então alteraria as


malditas regras, só assim meu pai não diria nada ou meteria o nariz
onde não era chamado.

Entretanto, tudo mudou mais cedo, quando soube o que Marco


pretendia. Na hora, uma fúria me apossou, juro que o teria matado

se ele estivesse na minha frente.


Marco planejava entregar Jade e Luna aos Rodins como uma

forma de aliança. Isso não aconteceria, não enquanto eu estivesse


vivo.
Jurei para minha mãe em seu leito de morte que as protegeria,

mas o ímpeto de proteção não se concretizava exclusivamente por


isso, e sim porque eu jamais deixaria que machucassem as minhas

irmãs. Se elas fossem dadas a esses homens, seriam quebradas da


pior maneira possível.

Jade, com toda a sua força, protetora. Luna, com sua doçura e
tão esperançosa de que um dia o nosso mundo pudesse ser melhor.

Não, nunca tocariam nelas.


Ninguém sabia disso, mas eu estava organizando um motim
para ir contra o Marco, apenas não havia definido quando ocorreria.

Muitos não gostavam da forma como ele dirigia a máfia, embora o


cara tivesse vários seguidores leais.

Por fim, decidi que a rebelião contra Marco e seus homens se


daria naquele exato dia, pois fazia tempo que eu queria matá-los.
Chegara a hora de mandar todos para o inferno.

— Tem certeza disso? — sondou Viper, um dos meus homens.


Ele estava do meu lado há anos. Era leal.

— Sim, avise a todos para se prepararem — ordenei.


— Vou avisar… — Ele se afastou, então o chamei. — Sim?

— Não diga nada a Stefano quando ele chegar aqui. Deixe-me


lidar com ele. — Meu irmão se transformaria em uma bomba-
relógio, se soubesse o que nosso pai tramava; seria capaz de ir

para cima dele antes da hora.


Viper assentiu e foi fazer o que mandei.
— Stefano já está vindo com a Jade — informou Rafaelle do
meu lado.

Stefano ajudava Jade a treinar. Eu não sabia o porquê de


minha irmã desejar isso, se tomávamos conta dela e não

deixaríamos que nada lhe acontecesse, mas ela insistiu tanto que
arranjei tudo, assim ela não fugiria e meu pai não a machucaria ao
descobrir.

— Espero que ele se controle logo que a coisa ficar feia —


disse.

— De qualquer forma, fique do lado dele. — Suspirei, então


meu corpo gelou quando Sage trouxe Luna.

Ela era carinhosa e alegre, uma armadilha mortal nesse nosso


mundo; não tinha nada de luta nela, não como existia em Jade, que
era feroz, de boca dura e apanhara muito de Marco por ter a língua

felina.
Jade era como Stefano, não conseguia apenas ouvir e relevar,

tinha que responder à altura. A criação do meu irmão foi difícil, pois
ele sempre odiou receber ordens. Eu o protegi o quanto pude, mas
chegou uma hora em que ele precisou fazer o que era mandado

pelo capo. Ele se tornou uma máquina, parecia ter prazer em matar.
Luna, por outro lado, puxou mais ao Rafaelle, que aceitava
tudo calado — do nosso pai, claro; mesmo não concordando, ele
cumpria as ordens do capo. Fora nomeado há alguns anos como

executor e fazia bem seu trabalho.


— Merda! Ela está com medo — falou Rafaelle baixinho, mas

com a voz dura. Então Luna nos mirou com aqueles olhinhos azuis
temerosos e confiantes. — Porra, não podemos deixar que toquem
nela, nem em Jade.

— Não vamos — garanti.

Luna fez menção de vir em nossa direção, mas Sage apertou


seu domínio sobre ela.

Segurei meus instintos para não me lançar nele e tirar suas

mãos da menina, mas sabia que o homem recebia ordens do meu

pai. Sage virou a cabeça para mim por um segundo, assentindo,


acho que para dizer que tomaria conta dela.

Relaxei; Sage era um dos meus. Mesmo meu pai sendo capo,

alguns seguiam a minha liderança, e não a de Marco.


A igreja se encontrava lotada de assassinos da pior espécie,

homens que não temiam nada. Meu pai era um deles, ele estava no

púlpito como se fosse um Deus que governava tudo. Este seu


império acaba hoje, pensei.
— Cadê a sua irmã? — rosnou para mim.

Estava a ponto de dizer algo quando Stefano apareceu do meu


lado, franzindo a testa para todos ali.

— O que houve? Por que Luna está aqui? — sondou baixo

para o Rafaelle. — Ele também queria a Jade, por isso eu a chamei.


— As garotas serão domadas pelos Rodins — explicou Marco

com um sorriso diabólico.

Cerrei meus punhos, querendo esculpir um sorriso em sua

cara.
Luna arregalou os olhos, tremendo, e me fitou em busca de

algo, mas não deixei transparecer nada.

Desculpe, pequena, mas é preciso. Virei para o monstro do


capo.

Jade entrou, checando a igreja lotada de tubarões loucos

querendo colocar as mãos nela —ao menos os da parte do capo.


Vi o sorriso que Truper deu ao avaliar o corpo da minha irmã,

aposto que imaginando tudo que faria a ela. Isso só aconteceria por

cima do meu cadáver (e dos cadáveres dos meus irmãos).

Jade estremeceu ao reparar nos dois monstros que estavam


ali, loucos para o seu abate. O medo entrou ainda mais em suas
feições quando avistou Luna encolhida. Depois, ao notar nós três, a

senti relaxar, mas não muito.

Sua confiança aquecia meu coração morto. Faria de tudo para


não a quebrar.

Ela estava indo até Luna, porém, meu pai abriu sua boca,

proferindo uma sentença às meninas, uma que eu não autorizaria:

— Finalmente chegou, garota. Estou farto de sua provocação e


desobediência. Isto acaba agora — ele praticamente grunhiu com

aborrecimento.

Jade sempre gostou de atiçar o pavio de Marco. Ela e Stefano


apanharam muito até serem controlados.

Eu tinha certeza que ela jamais contaria onde estava e o que

fazia. Preferia encarar tudo a colocar Stefano nisso também.

Marco foi até ela e desferiu-lhe uma bofetada. Aquilo doeu


demais em mim, tive de me controlar para não o atacar.

— Maldito bastardo! — Stefano rosnou baixo, dando um passo

à frente, imagino que para se declarar culpado e ser castigado no


lugar dela. Rafaelle o deteve.

Jade não chorou ou gemeu com isso, mas ela nunca o fez.

Seus olhos furiosos se direcionavam a Marco. Minha irmã não

deixaria que ele levasse a melhor, por isso era castigada direto. Até
tentei conversar com ela uma vez, mas a garota disse que não

conseguia ficar calada perante as atitudes de nosso pai. E isso a


despeito de desconhecer o que passávamos realmente, o que nos

obrigou a fazer quando criança. Se dependesse de mim, nunca

saberia.
— Cansei de vocês duas, não devia ter tido filha mulher —

desdenhou.

— Oh, eu vou arrancar esse sorriso do seu rosto maldito —

sibilou Stefano, mortal.


— O lado bom é que agora isso deve servir para as

negociações — continuou Marco.

— Sim, ele morrerá hoje — concordou Rafaelle de modo frio.


— Capo, do que se trata a negociação? — Stefano perguntou.

Meu irmão escondia suas emoções, somente não como nós,

Rafaelle e eu. Sua raiva era palpável, como uma mina em uma

superfície rasa.
— Fechei uma aliança com Chavez a respeito da encomenda

de que preciso, e em vez de dinheiro, pagarei com as suas irmãs —

informou.
Precisou muito de mim para manter o controle, mas minha

fúria era como a de Stefano, não sabia se conseguiria aguentar


mais. Estava prestes a explodir, mesmo que minha expressão fosse

de puro gelo.

Luna choramingou, encolhida ao lado de Jade.

— Essa porra não vai acontecer — a voz de Stefano era baixa


e letal. Ficou pior ao notar as caras dos homens, agindo como se

elas fossem um banquete.

— Jude e Truper, capangas de Chaves, treinarão vocês duas.


— Sorriu. — O chefe dos Rodins saberá apreciá-las.

Aproveite, esse será seu último sorriso. Eu prometera matar

em seu nome contanto que mantivesse Jade e Luna seguras, longe

de nosso mundo sombrio. Pelo visto, Marco achava que me tinha na


coleira, contudo, eu provaria o quanto ele estava errado.

— Por favor, pai, não… — ela começou a suplicar. Sabia que

foi difícil para ela fazer isso, Jade não era de se desculpar ou
implorar por algo, mas vi o medo em seus olhos ao virar para Luna.

Sim, tinha que ter sido por alguém. Às vezes queria enfiar em sua

cabeça que ela também devia pensar nas consequências que

enfrentaria. Isso se eu permitisse, o que não faria.


Marco deu outro tapa nela, ao que caiu. Tudo em mim lutava

para ir até lá e esmagá-lo, mas precisava ter certeza de que todos


os meus homens fiéis estavam ali; não as colocaria em uma luta da

qual pudessem sair machucadas.


— Vocês não respondem mais a mim. Agora vocês são deles.

— Sorriu, desumano.

Enxerguei a confirmação de Viper com um leve aceno de

cabeça. Era a hora de me tornar capo e livrar o meu povo desse ser
inescrupuloso, meu pai.

Voltei-me à Luna, ela estava de olhos fechados, rezando. Eu

esperava que esse Deus em que minha irmã acreditava nos


ajudasse e que saíssemos inteiros para protegê-las.

— As coisas podem acabar ruins, não é? — Rafaelle suspirou.

— Se algo acontecer a mim, você será o capo e protegerá as


duas — falei, completando com um lamento duro: — Marco é meu.

— Queria ter minha vez com ele — rosnou Stefano.

— Você cuidará das duas, não deixe que ninguém as pegue.

— Sinalizei para que Jade se escondesse. Ela fez o que mandei,


indo para trás de um banco.

— Enquanto isso, eu lhe dou cobertura. — Rafaelle me olhou

de lado. — Nada acontecerá com você, pois assegurarei isto.


Sim, eu confiava a minha vida a meu irmão. Rafaelle sempre

me protegeu, e eu a ele, nos comportávamos assim desde criança.


Tiros soaram lá fora como se estivéssemos sendo atacados, mas
eram os meus homens trabalhando e alertando nossa deixa para

começar.

— Vão ver quem é o louco que ousa me atacar em meu


território — rugiu Marco. Alguns dos seus lacaios correram para

fora, e os meus ficaram, conforme o plano.

Peguei minha arma. Rafaelle e Stefano fizeram o mesmo.


— Acho que chegou a hora de me divertir. — Sorriu Stefano,

após Jade escapar com Luna para uma sala dos fundos. Truper foi

atrás delas.

Stefano seguiu minhas irmãs, e Rafaelle ficou para me dar


cobertura.

Não fiquei tão preocupado, pois Stefano as protegeria daquele

maníaco. Soube por fontes confiáveis que esse monstro do Truper


gostava de estuprar sufocando suas vítimas. Minhas irmãs não

chegariam perto dele.


Concentrei-me na luta ali. Alguns homens do meu pai o
resguardavam, se colocando na frente dele. Levantei a arma e puxei

o gatilho, atirando entre os olhos dos seus servos, uma coisa que eu
fazia sempre para não correr o risco de ter sobreviventes.
Papai se espantou diante da descoberta de que seu inimigo
era eu.
— Maldito! Eu lhe dei tudo, e você provoca essa rebelião! —

cuspiu.
Jude, o outro verme dos Rodins, tinha fugido ou tentado, mas
Rafaelle atirou em suas pernas, levando-o ao chão. Ele já ia atirar

quando Sage apareceu e chutou a arma de sua mão.


— Eu lhe falei naquele dia em que me obrigou a matar um
homem para salvar a minha mãe que eu faria tudo o que quisesse,

se não tocasse nela ou em minhas irmãs. — Na época, eu não


sabia que o bebê era uma menina: Luna.
— Você nunca será o capo de que esse povo precisa, é fraco

demais com seus sentimentos — sibilou.


Eu estava controlado, embora tudo dentro de mim fervesse.
— Engano seu. Me preocupar em protegê-las não me torna

fraco, mas sim forte, porque derrubarei qualquer um que as toque.


— Dei um passo até ele. — Inclusive você.

— Sou seu pai e capo, me deve respeito. — Foi pegar sua


arma, mas a tomei, fazendo com que caísse e quebrasse seus
dedos no processo.

Seus gritos ecoavam.


— Você matou muito aqui dentro da igreja, um lugar sagrado.
— Ele segurou a sua mão no peito.
Dessa vez, eu quis rir, mas só levantei as sobrancelhas.

— Você nunca foi um pai para nós, não passa de um carrasco


imundo. — Apontei para o salão. — Este, para mim, é apenas mais

um edifício de concreto. E outra, você nunca foi fiel a coisa


nenhuma, a não ser machucar e matar pessoas.
— Vai me matar por elas? Aquelas meninas estão passando

da hora de se casar.
— Não é decisão sua arrumar pretendentes a elas. Todos que
arranjou, eu eliminei um por um. Mas hoje você chegou longe

demais ao querer entregar as duas a esses homens, como se


fossem um pedaço de carne, e não suas filhas. — Meu tom era
duro.

Ele olhou para meus aliados do nosso lado.


— Não podem acompanhar ele nessa loucura, sou o capo de
vocês, devem lealdade a mim, e não a esse ingrato. — Fuzilou-me

com frieza.
Como se eu tivesse medo de cara feia ou de sua fúria. Um dia

tive, mas não mais.


— Eles não vão ouvir você. — Peguei seu braço e o fiz cair de
joelhos na minha frente. — Pare de conversar, pois agora você vai

para o inferno.
Ele riu.
— Você também irá para lá, não se esqueça de tudo o que já

fez. A sua alma queimará com o Diabo.


— Não cite nada bíblico. A crueldade de mafiosos não

encontra redenção. — Levantei a minha arma. — E quanto à minha


alma? Não posso ser condenado pelo que não temos.
Aprendi há muito tempo a aceitar quem eu era e o que

precisava fazer para o bem do meu povo. Não dava a mínima para
como morreria ou aonde minha alma escura iria. Não ligava se
queimaria ali ou no inferno, contanto que o meu povo e os meus

irmãos ficassem bem.


— Devia ter matado você antes, quando ajudou aquelas
meninas as entregando ao FBI. Pensa que eu não sabia quem era o

responsável? Pretendia acabar com a sua raça, mas a vadia da sua


mãe se intrometeu, dizendo que seria castigada no seu lugar e que
conversaria com você. — Riu, sombrio.

Os músculos do meu corpo se retesaram. Travei. Lembrava-


me da minha mãe me dizendo para não fazer nada que chamasse a
atenção do meu pai. Ela ficou acamada coberta por uma colcha,

alegando estar passando mal. Não estranhei na época, porque


mamãe nunca mentia para mim.
— Você a torturou? — esbravejei na sua cara, e Marco deitou

no chão. Coloquei meu pé em seu peito, tirando-lhe o ar.


— Ela gritou muito enquanto eu a espancava com um cinto.
Depois a tomei…

Na hora fiquei cego pelo ódio; eu era controlado, mas tudo


tinha um limite. Guardei minha arma e peguei uma faca.

— Vamos ver se você gosta de ser torturado também —


rosnei, enfiando a lâmina no seu peito e o fazendo gritar. — O que
acha de ser morto pelo monstro que criou?

— Se soubesse quem se tornaria, eu não o teria feito. —


Marco sorriu com os dentes cheios de sangue. — Não será um capo
bem-sucedido, os Rodins vão destruir você e tudo o que ama.

— Dificilmente, já que não amo ninguém. — Puxei a faca no


sentido da sua garganta, mas parei. Ele merecia algo brutal,
merecia sofrer muito. — Entretanto, protegerei a minha família e o

meu povo de homens como você.


— Aqui. — Rafaelle me entregou um vidro de álcool. Ele sabia
como eu gostaria de matá-lo.
Marco arregalou os olhos, grunhindo pelas feridas.
— Recorda-se disso, Marco? — Joguei o álcool sobre ele. —
Vai ter o fim que elas tiveram.

— Elas morreram por sua culpa — gritou.


— Pode ser, mas foi você que mandou seus homens estuprá-
las. Foi você que mandou seus homens matarem cada uma. —

Tentei controlar a porra da dor que assolou meu peito. Não pensaria
nas meninas agora, precisava focar no momento e acabar com esse
verme maldito.

— Não podia salvar aquelas garotas, Alessandro, era sua


obrigação entregá-las ao mercador. Mas você tinha que bancar o
herói. A culpa é sua. — Riu, cuspindo sangue e álcool que entrou

em sua boca. — Elas chamaram por você, para ajudá-las…


Um isqueiro foi jogado nele, e então a luz bruxuleante emergiu,

engolindo suas palavras, que foram piores que tiros no meu peito.
Seus gritos eram altos na igreja, mas ninguém viria ao seu socorro,
assim como ninguém foi até elas.

Poderia ter torturado ele por dias, mas naquele instante


apenas um mafioso me interessava, o líder dos Rodins. Precisava
descobrir tudo sobre eles e os negócios conduzidos com meu pai.

Inexistia motivo para perder horas preciosas com Marco, se não


havia como mudar o que fez conosco e com a minha mãe. Eu só
desejava que ele fosse morto, e foi.

Eu não era descontrolado como Stefano. Até pude ver em


Rafaelle que gostaria de ficar com nosso pai por mais tempo; foi ele
quem jogou o isqueiro para matá-lo. Meu irmão estava lá quando o

monstro incendiou um galpão cheio de meninas.


— Não podemos. Não quero correr o risco de aliados dele
aparecerem — respondi a uma pergunta que ele não fez. Ao

contrário dos outros, eu sabia ler o meu irmão muito bem, e ele a
mim, era o único que fazia isso.
— Teve sorte de morrer rápido, embora dolorosamente — falou

com asco na voz, direcionado a Marco. Depois olhou para onde


Jade e Luna foram. — Vou lá ver como andam as coisas.
Assenti e me virei para meus homens, que se prostraram sob

um dos joelhos à minha frente. A igreja estava lotada deles, mas


não eram todos os da máfia, apenas os que se situavam ali em

Veneza.
— Estamos ao seu dispor, mestre — disse um.
Tratavam meu pai assim, mas eu não era ele e não queria ser.

— Não precisam se ajoelhar, e não me chamem de mestre, só


de capo ou Alessandro. Vou respeitá-los e espero o mesmo de
vocês. — Fitei Marco carbonizado, perdido em meio às chamas
remanescentes. — Este dia estava para acontecer, as coisas

apenas se anteciparam. Serei o novo capo e tudo mudará por aqui.


Marquei uma reunião para mais tarde e fui encontrar meus

irmãos.
Antes de entrar no cômodo, eu ouvi a voz de Jade. Era como
se ela estivesse com medo.

— Me diga que Alessandro está bem… — Sua voz falhou.


Rafaelle suspirou, mas meu peito se aqueceu com sua
preocupação. Ela sempre foi assim conosco, já cuidara de várias

das feridas feitas pelo bárbaro do nosso pai.


— Estou — respondi, entrando na sala e fechando a porta,
pois não queria ser interrompido.

Jade veio correndo e pulou nos meus braços. Era bom senti-la
assim, saber que estava segura e que mais ninguém levantaria as
mãos para ela. Mirei seu rosto, verificando o local em que ele lhe

bateu; estava vermelho.


— Fiquei tão preocupada com vocês — disse em um sussurro.

Em seguida, olhou para cada um de nós como se nos checasse,


acredito que para ver se havia ferimentos.
— Luna, querida, não abra os olhos agora — pediu Stefano

com a voz grossa.


Conhecia meu irmão, matar para ele era como andar de
bicicleta, mas Stefano não gostava de mostrar para elas no que se

transformara. Nenhum de nós queria isso.


— Acabou — assegurou Rafaelle, abraçando Luna.

Luna não suportava violência, logo, ver algo assim a deixaria


em choque. Queria ter impedido, mas não pude. O bom era que, a
partir daquele momento, elas estariam livres.

Jade foi até Stefano e o abraçou, acho que ela entendia o meu
irmão, porque ele ficou tenso ao notar que ela presenciou tudo o
que fez.

— Jade, eu estou… — começou ele, talvez para alertar que se


sujara de sangue. Ele era muito bagunceiro quando matava.
— Não interessa. Eu me sinto muito feliz por estarem bem, os

três. — Jade suspirou e depois falou algo baixo só para ele.


— Jade — reconhecia esse tom, parecia aliviado pelo que ela
mencionou em segredo. Agradeci à Jade por isso; ela era como

uma mamãe galinha cuidando dos pintinhos, mesmo sendo mais


nova que nós.
— O que houve lá fora? — Ela se virou para mim, ansiosa e
temerosa.
— Vencemos — afirmei. Chequei a sala, não ouvindo nenhum

gemido de Truper. Franzi a testa. — Precisávamos dele vivo, mas


que droga, Stefano! Por que não se controla?
— O canalha mereceu por falar aquelas coisas para elas. —

Deu de ombros enquanto limpava sua faca. Em seguida, a guardou


na bota.
Sacudi a cabeça. Não devia me surpreender.

— Que bom que deixei o outro vivo — comentou Rafaelle. —


Sabia que esse já era, assim que Stefano veio para ajudá-las

quando Truper as seguiu para cá.


— Papai? — sondou Jade, encolhida.
— Morto. — Definitivamente estava no inferno, pena que não

foi mais cedo.


Luna escondeu o rosto no peito de Rafaelle e chorou.
— Lamento, princesa, mas não podíamos deixar que levassem

vocês duas. — Beijou sua testa. — Ele ultrapassou todos os limites


dessa vez.
Por isso teve o que mereceu, pensei.
— Eu sei. — Sua voz parecia quebradiça. — Ele não gostava
de nós.

— Na máfia não é permitido amar, isso era sua palavra. —


Stefano sacudiu a cabeça com um grunhido.
— Não ligo para o que ele e a máfia dizem, porque amo cada

um de vocês — declarou Jade com ferocidade. — Vocês três


enfrentaram o nosso pai para nos proteger, isso é amor, é o que
uma verdadeira família faz.

— Serei o novo capo e juro pela minha vida que ninguém


nunca mais tocará em vocês duas.
Demorou, mas eu consegui cumprir a promessa que fizera à

minha mãe e a mim mesmo — a de que um dia mataria Marco.


Capítulo 3

Madson

Estar em uma cidade nova não era uma coisa diferente para

mim, não após minha fuga da Albânia para escapar da máfia. Não
podia ficar muito tempo em um lugar só, e isto era uma coisa de que

não gostava.

Trabalhar e ser mãe solteira era difícil, ainda mais para uma
menina de dezessete anos na época. Há sete, eu vivia fugindo de

cidade em cidade, usando nomes novos e tentando seguir em

frente.

Entretanto, o passado sempre insistia em bater à nossa porta.

Há um mês estávamos em Veneza e, quando cheguei na rua de


casa, vi a polícia na nossa vizinha. Na hora achei que fosse um

roubo qualquer, mas segui andando com o carro e não parei, pois

não queria questionamentos, ou traria problemas para mim. Fui ao


meu trabalho, mas lá também estava cheio de policiais. Sabia que
algo acontecera, então só parti da cidade.

Ouvi na rádio local que duas famílias foram torturadas. Sorte

que eu não deixava nada em casa que mostrasse onde me

encontrar com a Graziela. Mais vidas foram tiradas, e eu tinha

certeza de que era para saber meu paradeiro.

Chegara a Milão no mês passado. Morava em uma casa


afastada da cidade, longe demais do serviço. Eu não deixaria

Graziela com um nome e histórico falsos na escola, então ensinava

tudo a ela, como escrever e ler. Esperava que em breve pudesse

colocá-la em um colégio com crianças de sua idade.

No período em que eu trabalhava, ela tinha aulas em um

estúdio de balé; minha menina amava dançar. Ela ficou animada

para morar ali. Eu torcia para que ninguém nos seguisse.


Conheci Luna logo quando cheguei em Milão e comecei a

trabalhar nesse lugar. Ela vinha no café todos os dias, e criamos um

grande laço afetivo de amizade — inclusive dormia às vezes na

minha casa, e eu na sua. Confiava em Luna a ponto de deixar

minha filha com ela. A garota era uma doçura de bondade, uma

ruiva linda de cabelos cacheados; me lembrava a Moranguinho.


Franzi a testa observando Luna discutir com um cara na mesa

em que estava. Ela se levantou e veio até mim.


— Algum problema? — sondei, preocupada.

Sorriu, sacudindo a cabeça.


— Nenhum. E espero que você aceite a minha oferta. — Ela
caminhava na direção do banheiro. — Assim que voltar, nós

retomaremos a conversa.
Eu atendia mesas na lanchonete vizinha à faculdade onde ela

estudava. Há alguns dias, passara a procurar uma casa próxima do


meu serviço, então Luna me ofereceu a sua, perto da universidade,

assim faria companhia a ela. Fiquei de pensar.


Virei para o homem que discutia com ela antes. Ele era alto e
forte; usava um terno escuro. Seus olhos eram tão verdes que fiquei

hipnotizada por um segundo. Embora fosse lindo, sua expressão era


fria, não revelava nada. Entretanto, vi se aquecer quando olhou para

Luna, notei isso antes de ela sair. A menina tinha dezenove anos, e
o cara, uns trinta, eu acho. O que fazia com uma garota tão novinha

assim?
Quando Luna falou que amava um rapaz, achei que fosse um
jovem, mas ali estava um homem com quase o dobro da idade dela.

O que não gostei foi como ele impunha uma ordem. Não ouvi a
conversa, mas os gestos que ele fazia pareciam pertencer a uma

pessoa autoritária.
Fui até ele e fiquei na sua frente. Franziu a testa ante a minha

aproximação.
— Não é velho demais para uma menina como a Luna? — fui

direta, já que não gostava de rodeios quando queria saber algo.


Um leve divertimento apareceu em sua face fria.
— Se for casado e estiver usando minha amiga… — Chequei

seu dedo para conferir sinal de aliança, mas não vi nenhum. Peguei
uma faca na mesa diante dele e fingi fitar a lâmina. Depois voltei

meu olhar a ele, captando uma emoção indecifrável em seu rosto.


— Se ousar falar de modo rude com ela de novo ou tocá-la, farei
serventia desta faca, pode acreditar. Vou adorar cada segundo.

Esse final foi dito baixo e de modo convincente, pois assim


ninguém ouviria além de nós dois. Mas eu precisava ficar longe de

problemas. Não poderia vencer um homem como ele mano a mano,


muito menos ir presa por esfaquear alguém; minha filha dependia de

mim. Era uma ameaça vazia. Só me deu raiva vê-lo discutindo com
ela.
— O que está acontecendo? — sondou Luna, se aproximando.
Endireitei-me, trocando a expressão de raiva por uma
inocente.
— Nada. Eu só adverti o seu namorado no caso de ele ousar

brigar com você de novo. Avisei que faria serventia desta faca. —
Levantei-a discretamente.

Luna piscou e, depois, desatou a rir, enquanto se sentava.


— Oh, meu Deus! Você acha que nós… — Gesticulou para o
homem. — Que nós estamos em um relacionamento?

Avaliei a expressão neutra do indivíduo. Seus olhos se


estreitaram. Ele era difícil de ler, um enigma.

— Não estão? Achei que ele era daquele tipo de namorado


controlador e possessivo. Os homens mais velhos gostam de

meninas novas, ainda mais se for uma como você. — Sorri para ela.
— Esse é Alessandro, o meu irmão. Ele é protetor até demais.
— Fez um muxoxo de desaprovação.

Examinei-o por um segundo; olhando bem, percebi algo em


comum neles. Corei por ter insinuado uma relação entre os dois.

Esperei que dissesse algo, mas ficou calado.


— Lamento por isso. — Coloquei a faca na sua frente sobre a
mesa. — Não ia atacar você com ela, embora se realmente fosse

como pensei, pudesse pensar em usá-la.


Uma luz cruzou seu olhar, foi breve, mas achei ter visto
diversão novamente. Então ele se virou para a Luna.
— Conversaremos em casa. Mas acho que, no fim, ela pode

acabar tomando conta de você, já que deseja morar sozinha. Gostei


da tentativa de protegê-la ao pensar que eu era… — Ele sacudiu a

cabeça, enquanto falava em inglês, não em italiano. Certamente era


para eu não entender o que dizia, mas aprendi o idioma online
algum tempo atrás.

— Ela é uma garota legal — declarou Luna com um sorriso, na

mesma língua.
Fiquei grata por não ter mencionado Miguel. Luna não queria

que ninguém soubesse que gostava desse rapaz, o qual eu ainda

não conhecia.

Eles conversavam parecendo terem se esquecido de mim ali.


Após, Alessandro me olhou.

— Parece que sim. — Ficou de pé. Falou em italiano: — Tome

cuidado, Luna.
— Terei, não fique tão preocupado ou envelhecerá antes do

tempo — brincou sua irmã, me fazendo rir.

O tal Alessandro se voltou na minha direção. Seu olhar frio


ganhou um certo calor, diferente do demonstrado à sua irmã, e me
fez sentir como se eu estivesse perto de um vulcão.

Tocou a cabeça de Luna e passou por mim, parando ao meu


lado e pondo o rosto junto ao meu. Sua aproximação fraquejou

minhas pernas e fez borboletas se apossarem do meu estômago.

Prendi a respiração. Seus olhos nos meus pareciam ter a


capacidade de me deixar bêbada. Isso era possível?

— Estrela-do-mar, a gente se vê em breve. — Soava como

música, uma melodia linda, e também sexy.

Antes que organizasse meus pensamentos fritos, ele se


afastou e saiu do estabelecimento.

Que porra foi isso? Nunca me senti assim em relação a

ninguém, nenhum homem me chamou atenção ou fez faltar ar nos


meus pulmões só com sua mera presença.

Ele entrou em um carro escuro e partiu, mas os dois

seguranças que seguiam Luna ficaram do lado de fora. Ela me


contou que eles eram ricos, por isso os seguranças, embora ela não

agisse como uma patricinha mimada.

Luna riu, me fazendo olhar para ela.

— O que foi? — Tentei recuperar meu fôlego por aquele


homem intenso.
— Nada, mas você está vermelha como um tomate. Ficou a

fim do meu irmão? — Ela parecia ansiosa demais, como se previsse

um romance no horizonte. Bufei.


— Não tem como me interessar por um homem que acabei de

conhecer, além disso, eu achava que vocês tinham um lance. —

Sacudi a cabeça.

Fez careta.
— Alessandro é um cara bom, mas se tornou bastante protetor

depois que perdemos a nossa mãe — sussurrou, encolhida. — De

qualquer forma, eu o entendo, algumas pessoas podem me usar


para derrubá-lo.

Franzi a testa.

— Ele tem medo que eu a sequestre ou algo assim? Jamais

faria isso!
Tinha muita coisa em mente, mas dinheiro era a última delas.

Também não era nenhuma golpista interesseira. Gostava da Luna

por sua simpatia e doçura.


— Eu sei, não é só você, são todos. Alguns se aproximam de

mim querendo algo dele e depois me deixam. Você é a primeira

pessoa real que gosta de mim pelo que sou, uma garota normal de
dezenove anos, e não a filha de pais ricos com irmãos mais ricos

ainda.
Pisquei.

— Pessoas se aproximam de você por interesse? — perguntei,

horrorizada.
— Algumas sim, mas vamos deixar isso pra lá, o que posso

dizer é que eu ficaria feliz se aceitasse morar comigo. Meu irmão

gostou da ideia. — Sorriu. — São poucas as pessoas que o

enfrentam dizendo que vão esfaqueá-lo.


— Estava brincando. Só não posso afirmar que não o faria em

uma situação de real perigo, mas como as coisas foram

esclarecidas… — Dei uma risadinha. — Eu vou morar com você se


me deixar pagar o aluguel.

Sacudiu a cabeça, teimosa.

— Não preciso de dinheiro, basta a sua companhia e a de

Graziela. — Luna ficava algumas vezes onde eu estava morando.


Mas lá não tinha lugar para seus seguranças, a casa era pequena

demais.

— Então doe. Não irei sem ajudar com algo, não vou me
aproveitar de você como muitos fizeram. — Olhei ao redor. —
Preciso atender as mesas. Que horas posso me mudar? Quero

entregar o lugar até amanhã para não pagar outro mês de aluguel.

Bateu palmas como uma criança.

— Oba! Eu vou ajudar com as coisas que levará. — Colocou-


se de pé.

— Tudo bem, assim que sair do trabalho, nós podemos ir

juntas.
Sabia que devia ficar longe, mas negar algo a essa menina era

impossível; também necessitava de um lugar mais perto. Esperava

que tudo corresse bem e que ninguém tivesse me seguido até ali.

Tomei cuidado, mas esses mafiosos eram espertos.


Em todos os lugares que fiquei, eu utilizei nomes diferentes.

Mamãe me pediu para me chamar de Madson, mas nunca o usei,

pois ele me fazia lembrar dela. Entretanto, achei que podia recorrer
a ele nessa cidade — melhor do que Mia, meu verdadeiro nome, já

que esse seria impossível de usar, ao menos até resolver as coisas.

Tinha acabado de encaixotar tudo quando um carro parou na

frente de casa. Devia ser o homem que levaria meus pertences. Não
era muito, apenas roupas e a cama da Barbie de Graziela.

— Deixe que eu o recebo enquanto você fica com a Graziela


— pedi à Luna.

Ela apareceu minutos antes para me ajudar. Fiquei grata.

— Tudo bem, mas me esqueci de avisar que serão meus

irmãos que levarão as coisas. Alessandro cancelou o cara do frete,


já que vou estar aqui, e ele não queria ninguém estranho. — Soltou

um suspiro. — Me desculpe não ter dito mais cedo, espero que não

fique brava.
Mirando aqueles olhinhos azuis parecidos com os de

cachorrinhos fofos era impossível sentir raiva.

— Não estou, mas seu irmão devia ter falado comigo antes de
mandar cancelar algo que eu pedi, e não ele. — Dela, pelo menos,

eu não guardava rancor, mas não era certo esse Alessandro se

meter em assuntos que não lhe diziam respeito.

— Ele é protetor — sussurrou.


— Entendo isso. Só acho que antes de ele cancelar, precisaria

me avisar de antemão. Seria o certo a se fazer. — Suspirei. — É ele

quem chegou?
— Não, são Rafaelle e Stefano. Alessandro estava ocupado.

— Virou-se e fechou uma caixa de boneca. — Sei que minha família


é estranha e um tanto demais, mas espero que não a afastem de
mim.

Senti vulnerabilidade em sua voz, nessa hora quis bater nas

pessoas que tentavam usá-la para chegar à sua família. Não sabia
nada sobre eles, apenas que eram donos de várias boates no local.

Fui até ela e a abracei, não querendo magoá-la; depois

arrumaria um jeito de falar com aquele homem frio.


— Nada me distanciaria da nossa amizade, Luna — falei a

verdade. — Nem mesmo o robô gelado do seu irmão.

Ela riu baixinho.

— Obrigada, adoro você. — Apertou os braços.


— Eu também…

— Ei, se acalmem. Curtiria presenciar duas mulheres se

pegando, se uma delas não fosse a minha irmã — disse alguém,


divertido.

Na soleira da porta do quarto estava Stefano Morelli, o irmão


mais novo dela da parte dos homens. Tinha cabelos negros e olhos
escuros. Eu já o vira antes quando foi na lanchonete e em uma noite

que Luna dormiu na minha casa.


O garoto era engraçado, deu em cima de mim algumas vezes,
mas não senti nada, não como com Alessandro. Também sabia que
Luna tinha mais dois irmãos, Rafaelle e Jade.
— Não seja idiota, Stefano, somos amigas — declarou Luna,
animada.

Sacudi a cabeça.
— Obrigada por vir me ajudar. — Fui passar por ele, que se
colocou na frente.

Ergui as sobrancelhas.
— Quando sairá comigo? — perguntou, usando um tom
encantador. Acredito que faria inúmeras mulheres caírem submissas

à sua frente, mas eu não era uma delas.


— Nunca, garoto, desista! Agora me dê licença. — Apontei
para tirar seu braço.

Ele fez careta, mas liberou um espaço pelo qual passei, indo
até a sala. Ouvi-o atrás de mim:
— Nunca levei um fora na vida — murmurou, acho que para

Luna, porque ela riu.


Também sorri e parei no meio da sala olhando pela janela que

estava aberta. Lá fora, um homem loiro, de olhos azuis-cobalto,


lindo, tocava os cabelos de Graziela, agachado na frente dela.
Ela sorria, com um brilho em suas íris azuis intensas. Minha

garotinha era especial, se dava bem com todo mundo.


— É o Rafaelle. Não se preocupe, a princesa está segura com
ele — disse Stefano.
Dos irmãos dela, eu só conhecia o Stefano e o Alessandro.

— Sim, meu irmão adora crianças — garantiu Luna. — Agora


vamos colocar as mãos na massa?

— Deixe que os guardas coloquem, enquanto isso, vocês


devem ir para o carro. — Suspirou Stefano.
— Não sou frágil! Eu não gosto de ver os outros trabalhando

por mim. — Peguei uma caixa e levei até uma caminhonete preta.
Estávamos quase terminando quando Rafaelle se aproximou
de mim. Esperei sentir um pouco do que senti por Alessandro, mas

nada. Além de ele ser lindo, o resto não me tocou. Isso era loucura?
Por que um homem frio como Alessandro me fez vivenciar emoções
inéditas?

— Madson, certo? — Escorou no carro, ajeitando uma bolsa


pequena na carroceria.
Olhei para ele sem entender se era uma pergunta ou uma

declaração.
— Sim… — Endireitei meu corpo e o fitei de frente. Depois o

incitei a continuar: — E…?


— O que trouxe você a Milão? — foi direto ao ponto, checando
não meu corpo, mas minha expressão, como se me lesse.

Ri, sacudindo a cabeça. Por dentro, estava tensa.


— Essa é sua forma protetora de sondar se estou indo morar
com a Luna para usá-la ou algo assim? — Meneei a cabeça de lado.

Sorriu e se virou à Graziela, não muito longe de nós. Voltou a


mim.

— Você não parece do tipo que enganaria alguém, mas eu


precisava conferir. Luna vê bondade em todos, se fosse por ela
levaria qualquer sem-teto para morar em casa, assim como faz com

os gatinhos. Eu tive que abrir um gatil só para não ter mil bichanos
na minha sala.
Ri mais uma vez.

— Sim, ela tem isso. Mas não se preocupe, eu não a usarei


apenas para ter algo de vocês. Não ligo para o seu dinheiro ou se
são uma família importante. — Olhei para Luna, que trazia uma

caixa em sua mão, mas Stefano pegou dela. — Já disse ao seu


irmão mais cedo (o tal que pensei ser um namorado obsessivo ou
algo assim, cheguei até a ameaçá-lo com uma faca). Enfim, posso

lidar caso alguém se meta com ela na minha frente.


Stefano gargalhou.
— Mulher, você ameaçou o meu irmão com uma faca?

Dei de ombros.
— Ele estava discutindo com ela, além do mais, era mais
velho, e eu desconhecia sua identidade até Luna dizer. — Franzi a

testa. — Ele é sempre daquele jeito?


— Que jeito? — sondou Stefano e fechou a cara. — Está
interessada no meu irmão?

Neguei.
— Por que vocês levam as coisas para esse lado sempre? —

critiquei. — E não estou a fim dele, mal o conheço.


— Houve química, principalmente quando ele fez isso. — Luna
imitou o gesto de Alessandro com o rosto próximo ao meu. —

“Estrela-do-mar, a gente se vê em breve”. Depois saiu, mas juro que


vi fogos de artifícios entre eles.
Sorri, dando um empurrão nela com o ombro.

— Não fale besteira. Vamos embora antes que escureça. —


Mirei Rafaelle, pensativo e calculista. Stefano estava de cara
fechada. — Obrigada por virem aqui me ajudar.

Os dois assentiram sem responder. Deixei quieto, pois não era


da minha conta que eles se chocassem, mas com o quê? Não sabia
se foi pelo que a Luna falou do irmão deles e eu, embora não fosse
mentira — o homem era um deus grego fabuloso. Ou talvez
significasse outra coisa.
— Mamãe, nós vamos morar com a tia Luna? — Graziela veio

até mim e pegou a minha mão.


Sorri, estava animada com o entusiasmo dela.
— “Tia”, hein? O que faz de mim o seu tio também, princesa?

Diga que sim ou vai partir o meu coração. — Stefano soou triste e
colocou a mão no peito em um gesto dramático.
Graziela foi até ele, amável; não podia ver ninguém triste.

— Você é o meu tio Stefano, aquele que me faz miojo e diz


que vai chutar qualquer um que tocar em mim. — Pegou a mão dele
e ficou na ponta do pé, então ele se abaixou, e minha doce filha o

beijou no rosto.
Pude ver que ele engoliu em seco, emocionado.

— Princesa linda do tio. — Pegou-a nos braços e a rodou,


fazendo-a gritar de alegria.
Dei um passo a mais para criar meu caminho ali em Milão e

esperava que tudo corresse bem, pois não queria acarretar


problemas para nenhum desses irmãos. Se algum perigo surgisse
no horizonte, eu partiria da cidade e da vida de Luna. Não entendia
o porquê, mas algo me dizia que, se eu fosse embora com minha
filha, nunca mais seríamos as mesmas.

Não podia pensar em dar errado. Precisava acreditar e ter fé


de que tudo se resolveria. Seríamos felizes nesse lugar.
Capítulo 4

Alessandro

No porão havia dois garotos que eu conhecia muito bem. Pude

ver que eles estavam com medo. Queria dizer que tudo daria certo,
mas conhecendo meu pai, não tinha certeza.

Não sabia qual sua razão para me punir, pois fazia tudo o que
o velho asqueroso queria. Ele não podia me ver agindo diferente

que ficava de olho em mim.

Jairo e Amisteg eram meus colegas, os salvei algum tempo

atrás e nos tornamos amigos.

— Como eu disse uma vez, Alessandro: sem laços! Mas aqui

está você fazendo amizade com um pessoal de fora do nosso

círculo social — começou ele vindo até mim e lançando um soco tão

forte na minha boca que o sangue desceu.

Não gemi ou emiti som algum; a dor era algo que fazia parte
de mim. Contudo, nesse momento estava tenso por vê-los ali, além
de Rafaelle escorado na parede de braços cruzados; ele fez
menção de vir na minha direção assim que fui nocauteado.

Supliquei com os olhos para que não viesse ou apanharia também.

— Preciso que seja um capo um dia, mas sem emoções para

que não afunde a nossa máfia. — Ele se referia à nossa

organização como máfia, mas eu chamava de família. Confiava em

muitos dentro dela, sabia quem estava a meu favor, e não ao dele.
Um dia teria todos do meu lado, e as coisas mudariam de vez.

— Não desobedeci nenhuma tarefa sua! Cumpri tudo à risca

— falei em tom calmo, embora tudo em mim quisesse explodir e

acabar com ele.

Riu com desdém.

— Não me lembro de mandar você fazer amigos — ele

praticamente grunhiu a última palavra. — Hoje essa sua escolha

mudará, você precisa quebrar os laços de vez.

Gelei. Claro que matava pessoas, bandidos ou devedores,

mas nunca eliminei um inocente.

Os dois garotos estavam paralisados, com medo do que

acontecia ali. Fitavam-me com esperança de que eu fosse tirá-los

dessa, mas como faria isso?


— Mate-os, Alessandro — ordenou Marco num tom que me

dizia para não desobedecer.

Algo em meu coração parecia querer rachar; fazia anos que eu

havia trancado minhas emoções, mas ouvir que teria de assassinar


esses garotos me despedaçou. Às vezes, eu chegava a pensar que

não era humano, acho que foi por isso que me aproximei deles, para
tentar mudar essa característica.

Peguei minha arma, ao que arregalaram os olhos e suplicaram

— algo que meu pai odiava, por sinal; ele não suportava ouvir isso.

Tentei levantar as mãos, mas não consegui; tinha algo que me

impedia de atirar. Eu não conseguia desviar os olhos deles, pois via


a confiança depositada em mim.

Meu pai rosnou com fúria. Eu sabia que eles morreriam, e tudo

por minha culpa, pois se tivesse me mantido longe, ambos estariam


com suas famílias.

— Seu covarde! Mate-os ou vou fazer com que se arrependa.

Não era capaz, não pretendia mudar essa fraqueza.

— Talvez precise de um incentivo maior. — Olhou para um


homem seu, Gael. — Traga a Jade e a Luna aqui…
Um medo nunca sentido antes se apossou de mim; soube o

que aconteceria. Antes que eu reagisse, dois tiros soaram e os


garotos caíram no chão, atingidos no peito.

Pisquei vendo que tinha sido Rafaelle, que estava de pé,

respirando desigual; suas primeiras mortes, ele também era avesso


a isso. Era para eu ter feito, e não ele, mas meu pai me deixou entre
a cruz e a espada, correndo o risco de ele machucar as minhas

irmãs.

Conhecia o motivo de Rafaelle para puxar o gatilho, não foi só


para proteger Jade e Luna, mas porque sabia que eu não

conseguiria.

Meu pai chutou minhas pernas, prostrando-me de joelhos.

Ignorei a dor e meu instinto de avançar nele. Meus olhos estavam


nos garotos sem vida no chão, na lembrança da fé vista tão logo

entrei, como se soubessem que eu iria salvá-los, algo que não


aconteceu. Tudo culpa desse maldito.

— Eu vou deixar passar só desta vez, Alessandro, mas na


próxima pagará um preço muito alto. O valor de suas irmãs. — Saiu

do lugar, me deixando sozinho com Rafaelle e os cadáveres.


A mão do meu irmão veio no meu ombro e apertou-o; um
pedido de desculpas silencioso. Tínhamos isso em comum: não
sabíamos nos desculpar com facilidade, não parecia ser da nossa

natureza.

— Eu sei. — Assenti. Dali em diante, não deixaria mais


ninguém chegar tão perto.

Acordei ofegante devido ao pesadelo que assombrava meus


dias e minhas noites. Isso se prolongava por anos, mas sempre

sentia como se tivesse acabado de acontecer. Depois desse


episódio, nunca mais me aproximei de alguém, exceto Miguel,

porém, ele sabia se proteger.

— Alessandro, eu o ouvi chamando por eles — disse uma voz

ao meu lado direito.

Nem notei que peguei no sono no sofá da boate Pacha, acho


que devido à loucura da noite anterior; os malditos pesadelos não

me deixavam dormir. Se fosse apenas um, eu lidaria, mas eram


muitos. Nessas horas, desejava ter ficado com Marco mais tempo.
Podia ter matado o bastardo como eu fizera com Gael, há quase

dois anos. Meu “pai” também tinha culpa pelo que minha irmã Jade
passou, mas quando soube, o verme já havia morrido.
Protegi-a tanto; enfrentei muitos para que ficasse segura, e, no
final, ainda acabou sendo ferida da pior forma possível. Ele a
tocou…

— Alessandro… — começou Rafaelle.

Levantei-me e fui até a mesa encher um copo de uísque, pois

precisava beber depois de toda essa merda.

A porra da culpa me corroía mais do que o remorso. Há muito


não sentia nenhum dos dois, mas após descobrir o que Gael fez

com a Jade, isso me atormentava.

— Eu… — ele queria dizer que sentia muito por ter matado
aqueles garotos, mas isso não era necessário.

— Rafaelle, você fez o certo, não podíamos deixar que ele as


machucasse. Um dia esses pesadelos irão embora. — Eu não tinha

tanta certeza, mas ele não precisava saber. — Embora isso não seja

o motivo da minha fúria, mas a porra da impotência, a culpa e essas

merdas. — Tomei um grande gole, tentando clarear a mente.

— Me sinto culpado também por não ter protegido a Jade,

quando penso isso me dá vontade de matar o Marco de novo. — Ele


também pegou um copo de bebida. — O bom é que aquele monstro
não fez mais nada com ela, e agora Jade está feliz com o seu

marido. Devemos ser gratos por isso.

Jade se casou com Luca Salvatore há mais de um ano, e

estava feliz ao lado dele, além de fazer o que ama, se formando em


Medicina. Ela seria uma médica excelente.

— Sim — respondi.

A porta foi aberta. Stefano entrou.

— Não sabe bater? — falei, sentando-me novamente no sofá.

Sorriu, sem se importar com o meu tom. Ele me respeitava

quando estávamos na frente dos outros e até mesmo a sós, mas

meu irmão sabia que não haveria uma repreensão em tudo.

— Você viu a gostosa da amiga da Luna? Ela está trabalhando

aqui esta noite. — Ele parecia animado, mas com um tom diferente,
que eu não consegui ler.

Levantei uma sobrancelha.

— Não vi, e não estou a fim de saber de nenhuma amiga da

minha irmã. — Tomei outro gole.

Uma delas me interessou bastante, aquela loira fabulosa que

me ameaçou com a faca há quase dois meses. Eu a vi algumas

vezes ao visitar Luna em sua casa, próximo a faculdade onde ela


insistiu em ficar. Não queria que ela morasse lá sozinha, longe de

nós, então apareceu essa mulher, tão perfeita. Mas não foi isso que

me fez pensar nela nas últimas semanas, e nem em sua filha, a


garotinha fofa e meiga. Poderia ter feito uma investida, porque senti

pela forma que Madson reagia a mim que se interessara, assim

como eu, mas me mantive longe. Resistir a ela toda vez que a via

era como ignorar um feitiço; assemelhava-se ao canto de uma


sereia.

Rafaelle franziu a testa.

— Não queremos saber com quem fica. De preferência acharia

bom não pegar as amigas de Luna, pois tem muitas mulheres por aí.

— Estreitou os olhos — Se for quem eu acho que é, talvez devesse


ficar longe.

Meu irmão sabia do meu interesse por Madson. Apesar de eu


não ter ido atrás dela, não significava que não a quisesse para mim.

Devia ter dito a Stefano que acreditava que ele não teria chances:

pelo menos todas as vezes que reparei, ela deu um fora nele.

Meu irmão riu, se jogando no sofá. Bem na hora, uma batida

soou na porta.

— É ela.
A porta se abriu e por ali entrou uma loira de cabelos anelados

nas costas, olhos grandes e azuis com tons de verde, como o céu
refletido no mar, e um corpo fabuloso que me fazia ter alguns

pensamentos — aliás, um monte deles. Madson, essa mulher,

possuía uma luz que me tocava fundo, por isso a apelidei de


Estrela-do-mar: brilhava tal uma estrela no céu, mas seus belos

olhos remetiam ao oceano. Fazia tempo que eu não saía com

ninguém; estivera ocupado demais por esses meses, não liguei

muito para divertimento. Bom, exceto para ela, que iluminava


minhas noites. Nesses momentos, eu ia até onde ela morava, mas

não entrava, apenas a observava pela janela. Nunca fui um covarde

com o que desejava, mas todas as pessoas que se aproximavam de


mim tendiam a morrer ou coisa pior. Madson parecia querer

construir uma nova vida, por que eu a atrapalharia?

Avaliei a sua postura ao observar Rafaelle e depois Stefano,


fazendo uma careta; nada de interesse em nenhum deles. Então

seus olhos pousaram em mim e a vi engolir em seco e respirar

fundo, tentando se recuperar. Era sempre assim quando me


enxergava.

Usava uma saia curta e uma camiseta amarrada na frente dos

seios — barriga de fora era o uniforme dali. Sim, muito sexy. Isso
sem contar com sua boca carnuda e avermelhada, duvido que fosse

batom.

— Trouxe as bebidas que pediu. — Virou-se para Stefano.

Achava difícil uma mulher resistir ao meu irmão, já que ele

tinha várias aos seus pés. Mas, com Madson, ele não teria nenhuma
chance. Até detectei que ele não investia de verdade nela.

Significaria que sabia como eu reagia à garota? Qual era seu ponto

com isso?

Ele sorriu e se levantou.

— Coloque na mesa, Madson. — Enrolou o nome dela, como


se fosse algo prazeroso.

Ela sacudiu a cabeça e fez o que pediu. Pude notar que estava

louca para sair dali.

— Que horas termina o seu turno? Podemos nos divertir

depois… — sua pergunta se dirigia a ela, mas seus olhos estavam


em mim. Sim, era um teste, queria que eu dissesse algo. Meu irmão

sabia que eu estava a fim dela e não tomara uma atitude. Esse era

o jeito de Stefano de me fazer reagir?

Antes, eu não ligava para meu irmão dando em cima dela.

Mas, com o passar das semanas, as coisas mudaram. Algo em mim


não apreciava mais isso.

Ela se virou para ele com a cara séria.

— Olha, garoto, eu não estou a fim de você e nem de “me

divertir”, como se diz hoje em dia. Tenho mais o que fazer, inclusive
trabalhar. — Suspirou, parecendo frustrada. — Respeito que seja

irmão da Luna, mas não tem nada rolando entre a gente, então

desencane. Tenho vinte e quatro, sou mais velha e mãe de uma


menina de sete anos. Por que não procura uma adolescente

interessada em você? Aposto que há muitas.

Ri, sacudindo a cabeça. Depois me espantei comigo mesmo:


não lembrava quando foi a última vez que sorri naturalmente.

Stefano e Rafaelle se viraram na minha direção, mas minha


atenção estava na mulher que pegava a bandeja para sair.

Ela parou com a minha risada e se voltou a mim, com

dificuldade para me olhar nos olhos — sempre mirava acima da


minha cabeça ou o meu peito. Colocou uma mecha de cabelo atrás

da orelha, nervosa com nosso silêncio. Virou-se para sair, mas uma

marca em seu braço me chamou atenção, parecia ser de um aperto


muito forte.

— O que foi isso? — perguntei a ela.


Deu de ombros.

— Nada. — Esquivou-se e abaixou o braço, parecendo querer

sair correndo dali. — Posso ir?

Fiquei de pé, pousando o copo de bebida na mesinha, e fui até

a menina. Havia calor em seus olhos arregalados e na pele


vermelha. Me fez querer saber o que ela estava pensando.

— Quem a machucou assim? — Cheguei tão próximo que

pude sentir seu cheiro de lavanda. Precisei de todo autocontrole


para não deixar meu pau duro. Não era hora, ainda mais

desconfiando que alguém a tocou. — Foi algum namorado?

Ela estreitou os olhos.

— Não tenho namorado, e como disse: não é nada. — Deu um

suspiro exasperado. — Só quero que esta maldita noite acabe logo.

— Preciso saber, afinal, você é amiga da minha irmã, e não


quero problemas para ela — desconversei. — Agora me diga a

verdade.

O desejo visto alguns minutos atrás sumiu, dando espaço para


o medo. Foi breve, mas eu enxerguei. Então sua expressão se

tornou de raiva.
— Só vim trabalhar aqui hoje, mas os homens deste lugar
acham que sou uma vadia qualquer e não aceitam um não bem-
dado na cara. — Passou a mão no rosto, cansada. — Por isso evito

trabalhar em boates.

— Está me dizendo que alguém daqui da minha boate a tocou


forte dessa forma? — sondei.

Ela assentiu.

— Olha, eu não quero problemas, só me deixe terminar a


noite. Não voltarei mais aqui de qualquer maneira. — Ela foi para a
porta, mas peguei seu braço.

Madson endureceu por um segundo, mas rapidamente


relaxou. Sua reação mostrava que alguém batia nela, talvez o pai da
sua filha.

— Mostre quem.

— Quer mesmo saber? Foi da terceira sala VIP, um barbudo,


inclusive disse que se eu não ficasse com ele, o dono deste lugar
me faria pagar — respondeu com um gosto amargo. — Não

acreditei que vocês fossem bandidos, Luna alega que anda com
segurança por terem uma fortuna ou coisa assim.
Ela não sabia quem éramos, este era outro motivo para me
manter longe. Luna não contou, porque não queria que as pessoas
se aproximassem dela atrás de algo, ou que se afastassem por

medo.

— Tudo bem, pode voltar ao trabalho. Eu vou lidar com ele. —


A vontade de ficar com a mulher passou; bom, não realmente, já

que ela me deixava duro. Só acho que seria covardia investir na


garota quando seria apenas uma foda, ela não parecia ser dessas.
E, no fundo, eu sabia que se ficasse com ela, iria querer mais.

— Lidar? — Tinha algo ali que não entendi muito. Eu era bom
em ler as pessoas, mas com essa mulher era diferente. Às vezes,
ela deixava escapar, como o desejo que vi em seus olhos instantes

atrás. Mas agora? Nada.

— Sim, não aceito esse tipo de coisa no meu estabelecimento


— falei. — Só vou mandá-lo ir para outro lugar. Se algo como isso

acontecer novamente, chame os seguranças da boate, eles estão


aqui para isso.

— Tudo bem. — Ela pareceu aliviada, como se temesse que

eu fosse matar o cara.

Madson saiu, fechando a porta.


— Você só vai expulsar os caras como disse a ela? — sondou
Rafaelle.

Virei para ele.

— Não, você vai lidar com isso. Cheque as filmagens e veja


como tudo ocorreu. Se ele só estiver bêbado, dê um recado, mas se

descobrir mais coisas, elimine-o — ordenei, indo até o vidro e


olhando para baixo.

— Vai fazer algo sobre ela? — perguntou Stefano. — Como


ela pode continuar me chamando de garoto? — Nesse final, parecia

falar consigo mesmo.

— Ela não tem conhecimento de quem somos — ignorei a


primeira pergunta, porque não sabia ainda. Tudo indicava para ficar

longe.

— Parece que Luna disse que somos ricos, e não que


pertencemos à máfia. Acredito que ela não quer ver todos correndo

dela, temendo ser irmã do capo. — Stefano suspirou. — Não é


vergonha, questionei isso. Luna só quer ser normal por um tempo,
então não disse nada. Falei a quem sabe para não soltarem o

segredo à Madson e nem à princesa. Até agora está funcionando.


Normal. Entendia o motivo de Luna, afinal, viveu anos presa,

sem poder ter amigas.

Observei Madson ir até o bar e pegar bebidas para entregar


em uma mesa cheia de adolescentes universitários. Os homens

sorriram para ela, interessados, mas mesmo com esse incômodo,


ela parecia educada.

O que havia nela para despertar minha atenção? Linda, sem

dúvida, ela era, mas não foi por isso, e sim pelo fato de ter uma filha
e trabalhar duro para educá-la. A forma como as duas agiam uma
com a outra… elas se amavam muito. Como podia me envolver com

uma mulher dessas?

Uma garota assim não era para homens iguais a mim; eu tinha
uma nação nas costas e responsabilidades, incluindo os Rodins,

que estavam quietos, mas não por muito tempo, pois sabia que logo
entrariam em ação, e eu tinha de estar preparado. Focaria somente
nisso no momento.
Capítulo 5

Madson

Nem acreditava que fazia três meses que eu estava em Milão,

trabalhando no Starbucks Coffee em frente à faculdade.

Nesses sete anos fugindo da Albânia, não fiquei muito tempo

em uma cidade só, já que não podia correr o risco de me apegar a

algo ou de ser encontrada com a Graziela.

Não devia ter feito amizade, não só com Luna e os irmãos


dela, mas também com a Silvia, que trabalhava em uma boate

chamada Pacha. Ela estava doente e me chamou para ocupar seu

lugar; evitei a qualquer custo e só fui porque soube que a boate

pertencia aos irmãos de Luna.

Em boates que envolviam a máfia eu não ficava, por isso fui

embora de Veneza, pois descobri que o lugar era controlado pela


máfia italiana. Ali parecia ter muito isso, não que alguém houvesse
comentado.

A boate era elegante, com luzes piscando no teto; ao lado

direto, um vidro que dava para uma sala, da qual, com certeza, o

dono controlava todos.

Conheci os irmãos de Luna. Eles foram legais comigo e com


minha filha, todos gostavam dela, mas quem não gostaria? Ela era

um amor.

Assim que fui chamada na sala do chefe, eu me vi nervosa,

embora não fosse trabalhar ali de novo, ainda mais depois que um

cara tentou me tocar por não aceitar a palavra “não” como resposta.

Quando entrei, me senti em uma passarela cheia de modelos

elegantes.

Alessandro me avaliava dos pés à cabeça, sem cerimônia.

Experienciei sensações em lugares que eu nem sabia existirem. Era

sempre assim quando ele ia visitar sua irmã, eu evitava me

aproximar ou seria pior.

Nessas últimas semanas, eu me peguei pensando mais nele.

Devia apenas deixar rolar seja lá o que estivesse acontecendo entre

nós? Então lembrava da promessa que fiz a mim mesma e me


esquecia do assunto, ou tentava. Alessandro não parecia um

homem que se prenderia a uma mulher, e isto o fazia não ser certo
para mim.

Ele mexia a boca de modo atraente, tão perfeito. Ao descobrir


sobre o meu braço, precisei contar a verdade. O cara era

hipnotizante e me levava a revelar tudo, embora eu não fosse tão


fraca assim.

Em todos esses anos, eu nunca pensei em nada que não a

Graziela e nossa segurança. Namoro ou ficada não cruzaram minha


mente. Mas ao conhecer o Alessandro, esse meu lado reacendeu
como uma árvore de Natal.

Ele era frio, a expressão em branco, mas tinha algo

queimando. Eu entendia porque via o mesmo quando me olhava no


espelho. Tentava esconder de todos a dor que sentia.

Perder a mamãe daquela forma foi a coisa mais dolorosa pela


qual já passei na vida.

— Madson! — Ouvi alguém me chamar, então sacudi a cabeça

e voltei a focar no trabalho, e não na dor que me consumia há muito


tempo.
Telma era alta e elegante, uma morena bonita, também

garçonete do lugar.

— Oi, desculpe por isso. — Sorri e fui servir as mesas, não


podia deixar uma má impressão ali, pois pegaria mal para a Silvia

quando viesse trabalhar no outro dia.

Vi Stefano e Rafaelle indo até a mesa do cara que apertou o

meu braço. Disseram algo que fez os homens estremecerem,


arregalarem os olhos e saírem sem reclamar.

Franzi a testa. O que estava havendo ali? Talvez fosse porque

tinham medo de serem indiciados.

Os irmãos Morelli se sentaram na cabine, e Stefano sorriu para

mim, me chamando. Suspirei. Esse garoto não tinha jeito. Talvez


depois dessa noite parasse de dar em cima de mim.

— Sim? O que deseja? — fiz a pergunta errada.

— Oh, eu desejo…

Rafaelle cortou Stefano.

— Só bebidas — informou, lançando um olhar para seu irmão


e depois para trás de mim.

Forcei um sorriso dizendo que traria logo e me virei, mas antes


levantei meus olhos para cima. Mesmo através da pouca luz, eu
pude ver Alessandro checando tudo ali embaixo, ou melhor, sua
atenção estava em mim. Não entendia o porquê, mas esse homem
tinha mais do que deixava transparecer. Eu era igual.

Respirei fundo e tentei recuperar a postura. Mal conhecia o

homem, então por que estava vivenciando sentimentos estranhos?


Bem, “sentimentos” seria uma palavra forte; vamos chamar de
“sensações”.

Fui sair dali e não prestei atenção, então topei em um peito

duro e quase caí, mas as mãos pertencentes ao dono do peitoral me


seguraram.

— Cuidado — disse num sotaque que eu conhecia bem:


albanês.

O sangue fugiu do meu rosto. Não me importando com nada,

eu só me esquivei de seu toque, sem permitir que visse o meu rosto.


Estava a ponto de surtar, temia que fosse um deles. Por isso evitava

boates, gostava mais de lugares calmos, onde sabia que não


encontraria mafiosos. Por que vim? Devia ter rejeitado a oferta.

Ouvi alguém me chamar, mas não dei a mínima, só saí


correndo dali, indo para o banheiro. Coloquei a mão no peito, que
batia descompassado. Era loucura reagir dessa forma a todos os
albaneses que visse, mas todo cuidado era pouco.

Quando isso ia parar? Quando eu não temeria o pior? Merda!


Não podia viver com medo para sempre, precisava fazer algo, mas

o quê? Como venceria? Não havia ninguém para me socorrer.

— Mãe, me dê forças. — Agarrei uma correntinha que tinha no


pescoço com a sua foto e a de Graziela. — Como posso vencê-los?

Isso. Eu preciso ir embora de Milão agora…

Minha testa estava no mármore da pia. Eu me sentia ofegante,

como se tivesse corrido muito.

— Por que precisa ir embora? — A voz rouca de Alessandro

me fez pular com a mão no peito.

Arfei vendo-o de pé do meu lado, alto e com todo aquele poder

exalando de si.

— Quer me matar do coração? — Tentei não deixar o pânico


que sentia transparecer; o homem parecia ser um grande leitor. — O

que faz no banheiro feminino?

— Notei sua reação ao topar naquele homem, então a segui, e

agora ouço que vai fugir de Milão. — Sua expressão não mudou,
embora o tom parecesse confuso, além de algo mais que não

consegui identificar. — Do que está fugindo? Posso ajudá-la.

Isso tinha que parar, não deixaria que se preocupasse comigo.

— Agradeço a sua bondade, mas não há quem possa me

auxiliar. — Olhei o relógio no meu pulso. — Preciso ir, já deu minha

hora.

Quanto mais Luna e os irmãos dela ficassem longe de mim,

melhor seria, assim não sairiam feridos. Mesmo morando em sua

casa, eu não podia revelar a verdade, para o bem deles.

— Às vezes, fugir não resolve. Quando lutamos contra algo,

devemos encarar de frente e vencer — disse logo que passei por

ele.

Se Alessandro soubesse com quem eu tinha de batalhar, não

diria isso. Certamente me aconselharia a fugir para as montanhas.

Peguei sua mão, ignorando a reação de meu corpo ao dele —

cheguei a esquecer por um segundo os meus problemas. Forcei um

sorriso.

— Obrigada por oferecer ajuda. — Sua mão era grossa e

parecia calejada, não de trabalho braçal, mas como se lutasse


bastante. — Isso é muita bondade sua.
Seus olhos verdes me avaliaram por um segundo. Não era a

primeira que fazia isso. Tentei deixar minha expressão longe do que

realmente me preocupava.

— Bondade? — Parecia ter algo entalado em sua garganta,

lhe trazendo aflição. Então se virou e saiu dali, me deixando

chocada.

Corri até a porta e vi suas costas no corredor: mesmo de

longe, parecia tenso, com as mãos em punhos.

O que houve com ele? Não disse nada demais, apenas

agradeci sua preocupação.

Largou seus afazeres para checar como eu estava, então se

preocupou? Não entendi o porquê de sair assim. Parei de pensar

nesse homem intenso e um pouco confuso.

Peguei minhas coisas e parti da boate. Todo o caminho, olhei

por cima do ombro. Não queria ir embora, fizera amigos ali. Eu só

precisava ficar longe de boates. Porque, um dia, não seria só um


estranho albanês, mas um dos mafiosos desgraçados.

Dirigi meu carro até uma lanchonete que ficava aberta vinte e
quatro horas. Precisava comer, mas também checar se não estava
sendo seguida; não podia levá-los até minha filha e Luna. Isso não

ia acontecer.

“Filha”. No começo foi estranho chamá-la assim, quando, na

verdade, era minha irmã, mas depois que ela me chamou de


mamãe ainda pequena, comoveu meu coração. Chorei rios de

lágrimas na hora; minha mãe amaria estar ali conosco. Parei nesse

pensamento ou seria pior, era doloroso rememorar o passado.

Comia um hambúrguer com batata frita quando notei um

homem entrando no estabelecimento, mas fingi não me incomodar.

Talvez fosse coincidência, não é?

Peguei meu telefone e “liguei” para alguém imaginário, assim

ele não repararia que eu estava de olho nele. Olhei para minha

bolsa, onde tinha uma arma; esperava nunca mais ter de usá-la.

Ele pediu sua comida e nenhuma vez se virou na minha

direção. O medo nos faz temer tudo, e inclusive ver coisas onde não
existe nada. Até quando conseguiria viver assim?

Comi rápido e saí antes do cara. Fiquei um minuto no carro

checando se olhava para fora, mas ele parecia mais interessado em


ler um jornal.
Suspirei e parti. Andei por algumas quadras aleatórias até ir

para o apartamento que dividia com a Luna. Ela estudava de dia e

essa noite cuidou da minha filha.

Antes de estacionar o carro na entrada do prédio, um sobrado

de dois andares, vi que o edifício estava em chamas.

— Oh, meu Deus, não! — O desespero se apossou de mim.

Nem senti quando o carro bateu no meio-fio. Parei e corri na direção

do lugar. Havia dois homens mortos na entrada, não pareciam terem

sido queimados, mas baleados no peito. Eram os seguranças de


Luna.

Meu Deus, a minha filha! Fui à sua procura, rezando para que
nada tivesse acontecido a ela e à Luna.

Ignorei meu medo, mas peguei a arma em uma mão e, na

outra, o telefone. Tentei o número de Luna, mas não consegui,


então como não sabia o dos irmãos dela, liguei para a boate, tinha o

de lá.

— Luna! — gritei, indo para a porta dos fundos. O fogo parecia

vir da frente.

O telefone tocou algumas vezes até que Telma atendeu.

— Boate Pacha, quem deseja?


— Oh, meu Deus, por favor, vá aos irmãos Morelli e diga que…

— Como podia dar uma notícia assim? — Diga que a casa de sua
irmã Luna está em chamas e que os guardas que a vigiavam foram

mortos.

Ela respondeu que daria o recado. Desliguei e entrei na casa,


mas não tinha jeito de ir mais fundo, as chamas ocupavam o andar

de cima inteiro.

— Graziela! — gritei, sentindo calor. — Oh, senhor, não, por

favor, não.

Caí de joelhos no chão da cozinha, gritando e chorando com a


dor tomando meu peito.

Não podia ter perdido a minha bebê! Não conseguiria lidar com
isso. Se eu não tivesse passado naquela lanchonete, estaria ali

quando as duas foram atacadas. E se elas não foram mortas, e sim

sequestradas?

Sentia meus pulmões procurando por ar e o cheiro de fumaça

em minhas narinas. Repentinamente, braços me ergueram, mas

estava entorpecida demais para ligar. Uma parte de mim me dizia


para me levantar, mas se eu perdesse Graziela, nada mais neste

mundo teria significado, nada importaria.


Ouvi vozes grossas, mas não consegui distinguir, um grito se
sobrepôs aos sons dali. Seriam os vizinhos? Não liguei. Eu

precisava fugir, mas onde estava mesmo?

— Madson, reaja. — Senti mãos em meu peito e algo quente

na minha boca. Estaria morrendo? — Ande logo, droga, sua filha

não está morta.

Minha filha! Meu bebê não morreu? Mas então ela foi levada?

Abri os olhos, observando que estava deitada no chão com a


cabeça apoiada nas pernas de alguém.

Virei de lado, me deparando com olhos verdes inconfundíveis.


Alessandro?

— Graziela. — Sentei-me depressa, fazendo tudo girar.

Coloquei a mão na cabeça, sentindo que a qualquer momento ela


explodiria.

— Ela não está aqui — respondeu Alessandro, suspirando. —

Você está bem?

Pisquei.

— Como estaria bem com minha filha sumida ou… — Meus

olhos foram para as chamas e para o corpo de bombeiro apagando


o fogo.
— Elas não estão nas chamas. Estavam longe daqui com um
amigo. Rafaelle as localizou, as duas estão bem — disse.

— Jura mesmo? — O alívio e a dor do meu peito


desapareceram.

— Sim, ele as levou para a minha casa. Vamos até lá.

Pulei com os braços em volta do seu pescoço.

— Obrigada. — Chorei. — Se não tivesse aparecido, acho


que…

Ele se calou por um segundo, duro em meus braços, então eu


senti uma mão nas minhas costas.

— Você estaria morta, as chamas chegaram perto… —

Respirou fundo.

Assenti e me afastei dele para me colocar de pé, mas minhas


pernas pareciam fracas e caíam. Seus braços permaneciam à

minha volta.

— Obrigada — repeti e me firmei, saindo do seu domínio. Ele


me deixava bamba. — Só quero ver a minha filha.

— Eu a levarei. — Indicou um carro preto. — Pode ir na frente,

já vou.
Eu não reclamaria que estava com pressa, acho que ele
precisava falar com os bombeiros. O estranho foi que não vi a
polícia no local. Ainda não haviam chegado?

Não demorou muito, logo Alessandro dirigia rumo ao centro de


Milão, em uma área onde havia somente mansões. Ele não falou
nada durante o trajeto, nem eu, mas estava ansiosa demais, tanto

que ficava esfregando as mãos na saia que usava. A camisa, antes


amarrada, agora se encontrava abotoada, cobrindo a minha barriga.

— Fechou a blusa para mim? — Passei a mão nos botões,

dando ênfase à pergunta.

Acenou em positivo. Passou os olhos sobre a peça de roupa e,


depois, nas minhas pernas de fora, antes de voltar sua atenção à

frente.

— Pensei que você não gostaria de ficar muito exposta diante


dos outros. — Deu de ombros, pegando um bairro em que as casas

eram mais como castelos.

— Valeu. — Estava rouca, acho que gritei demais. — O que


houve depois? Lembro que a dor aumentou e me ajoelhei no chão
da cozinha. Tudo em seguida é um borrão, até ouvir a sua voz.
— Recebi uma notificação do rastreador que minha irmã
carrega consigo, estava se movendo muito rápido…

Cortei-o:

— Você colocou um rastreador na sua irmã? — indaguei,


confusa.

— Foi preciso. No meu ramo de trabalho, as minhas irmãs são

uma fraqueza. Qualquer um adoraria colocar as mãos nelas. De


qualquer forma, eu estava a caminho do local quando recebi sua
mensagem. Enquanto Rafaelle e Stefano foram atrás delas, eu fui

na casa para ver se você precisava de algo. — Franziu a testa,


parecendo intrigado.

— Por que não procurou sua irmã primeiro? — sondei, tão

incerta quanto ele.

Ele ficou tanto tempo sem responder que eu achei que não
obteria uma explicação.

— Luna não corria perigo, um amigo meu já tinha passado


aqui e tirado as duas antes das chamas avançarem. — Seu tom
saiu sombrio ao final.

— Chamou a polícia? Não vi nenhum policial lá até sairmos. —

Meu braço doía, então passei a mão no local. Levantei-o para


checar e vi que tinha uma área vermelha.

— Feriu-se? — Olhou meu braço também.

— Está tudo certo — falei. Entramos com o carro em uma casa


parecida com um castelo antigo, linda. Não chequei muito ao redor.
— Minha filha está aqui?

— Sim, e bem, não se preocupe. — Tentou me tranquilizar,


mas mesmo sabendo disso, eu precisava pegá-la em meus braços
para ter certeza de que minha menina estava segura.

Assim que o carro parou, corri na direção da casa, ignorando o


seu grito, que mais pareceu um rosnado. Talvez por eu mal ter
deixado o automóvel parar para sair.

Havia homens armados em todos os lugares, parecia que esse


Alessandro era muito importante. Luna falou que trabalhavam
apenas com boates, mas em diversos países.

Entrei na sala imensa. Não olhei para nada, apenas foquei em

Graziela, sentada no sofá e abraçada à Luna. Vi que tinha mais


gente, mas, no momento, só a minha princesa era importante.

— Mamãe! — gritou, correndo até mim. Seus cabelos loiros

balançavam e, os olhos azuis, estavam vermelhos; ela esteve


chorando.
Ajoelhei-me no chão enquanto ela pulava em meus braços.
Agradeci aos céus por estar saudável.

— Meu pequeno presente de Deus — sussurrei, abraçando-a

e chorando em seus cabelos. Nunca senti tanto alívio.

Passamos por tudo juntas desde que fugimos; uma vez


chegamos perto de sermos capturadas, mas conseguimos escapar
antes. Nessa noite, foi por pouco… quase a perdi de vez.

— Mamãe, eu fiquei com medo de não ver mais você, mas


acreditava que conseguiria voltar para mim. — Ela afastou o rosto e
levantou sua mão. Nela, tinha a pulseira que lhe dera no ano

passado. — Nós juramos sempre estar juntas.

Sorri, limpando as lágrimas, o que fez meu braço doer mais.


Não era a única parte que doía, a minha cabeça parecia querer

explodir.

— Sim, nós juramos. — Assenti.

Sorriu para mim e depois se virou para Luna.

— Tia Luna me disse que podemos ficar aqui, já que não

temos mais casa. — Olhou ao redor. — É grande demais!

Pude ver os irmãos de Luna franzindo o cenho para ela. Acho


que eles não concordam, pensei. Mas minha garotinha era inocente
e não via nada de errado.

— Não podemos, filha, iremos embora amanhã. — Era hora de


ir para longe da Itália. — Talvez viajar para os Estados Unidos seja

bom.

— Mas mamãe, nós vamos nos mudar de novo? Gosto do


estúdio de dança — sussurrou.

— Lembra do que juramos? Se as coisas ficassem feias…

— …continuaríamos sempre juntas — terminou num tom


baixinho e voltou a se virar para Luna. — Acho que não podemos
morar aqui.

Luna franziu a testa.

— Por que ir embora? O ataque… não é sua culpa. — Ela


sentia raiva, mas não de mim.

Não podia concordar. Não tinha como não ser por minha
causa, pois atacaram o lugar onde eu estava morando, colocando
em risco não só a vida dela, mas da minha filha também.

Talvez topar com aquele albanês na boate não houvesse sido

apenas coincidência, ele devia estar atrás de mim. Não entendia por
que não me levou logo, talvez quisesse que eu soubesse do
incêndio, no qual as coisas poderiam muito bem ter saído piores.
Seria a felicidade do maldito Skender.

Fiquei de pé, mas, de repente, tudo girou. Senti braços à


minha volta antes que caísse no chão e a escuridão me arrastasse.
Capítulo 6

Madson

Abri meus olhos tentando me lembrar do que tinha acontecido.

Recordava-me de ter estado com a cabeça doendo, e de tudo ficar

escuro. Então eu desmaiei? Porra! Eu não levara uma pancada ou


algo assim, talvez fosse mesmo uma fraca.

Olhei para um teto branco com um lustre de cristal e algumas

coisas elegantes no quarto. Arfei ao pensar na minha filha.

— Graziela! — Virei-me, sentindo um corpinho ao meu lado, e

suspirei aliviada.

Em seu sono, ela parecia serena, tão bela como uma flor do

campo. Segurava minha roupa com as mãos firmes, como se não

quisesse me soltar mais.


Agradeci aos céus e ao homem, seja ele quem fosse, que tirou
tanto ela como Luna da casa.

— Meu amor, eu vou fazer de tudo para que fique segura,

nenhum deles vai tocá-la nem que eu morra no processo. Vou

protegê-la com a minha vida — murmurei.

— Quem você acha que atacou vocês? — Uma voz surgiu


atrás de mim.

Arfei, me afastando de Graziela e quase caindo da cama, em

cima do homem. Alessandro estava sentado em uma cadeira todo

de preto e com uma arma na mão; eu a reconheci como sendo

minha. Devia ter esquecido ela no caminho, pois a prioridade no

momento era encontrar a minha filha.

Fui ficar de pé, contudo, senti uma pontada na cabeça. Merda!

O que é isso? Coloquei a mão: havia gazes ali; igualmente, notei

que meu braço fora enfaixado.

— Você levou dois pontos — disse.

Levantei-me devagar, assim não doeria tanto, mas fiquei

chocada. Provavelmente me machuquei na hora em que surtei no

incêndio.
Seus olhos vagaram pelo meu corpo, e vi calor refletido neles,

brevemente, antes da expressão fria atingi-los de volta. Esse


homem era estranho; às vezes, eu o entendia, mas em outras, não.

Segui seu olhar e notei que eu usava uma camisola fina, que
poderia fornecer às pessoas uma boa ideia das minhas curvas.

Arfei, pegando o lençol e me cobrindo.

Alessandro se levantou e veio afagar meu rosto. Minhas


bochechas ficaram vermelhas.

— Essa cor é linda em sua pele. Mas acho estranho uma


mulher com uma filha corar. Seus olhos gritam inocência. Doce

como o pecado.

Tremi ante seu tom. Foco, Mia! Você não pode se deixar cair
por esse homem lindo e tentador, entoei a mim mesma como um

mantra. Ninguém podia saber da Graziela; para todos os efeitos, ela


era minha filha e continuaria assim até o dia em que eu morresse.

Afastei-me de seu toque, com a região onde encostara já em


chamas.

— Quem tirou as minhas roupas? — perguntei, amedrontada,

olhando para ele.


— Não fui eu, se for esse o motivo do susto. Mas estou

curioso, você se preocupa mais com o fato de eu tê-la visto nua do


que me enxergar com uma arma na mão? — Ele a levantou em um

gesto desproporcional, dando ênfase às palavras.

Esse homem era bom em me ler. Tentei ficar tranquila, assim


não revelaria os segredos de minha alma. Seus olhos eram
perspicazes e atentos demais.

Não gostava da ideia de um homem me vendo nua, esse

direito seria do meu marido quando me casasse. Aliviei-me ao saber


que não foi ele a me trocar.

— Essa arma é minha. Sei que não vai me machucar, pois se


quisesse isso, não teria me salvado. — Fui até o sofá e me sentei,

ainda enrolada no lençol. — De qualquer forma, eu agradeço por


tudo que fez por mim e por minha filha, mal consigo acreditar que a

tenho em meus braços.

Ele assentiu, mas não disse nada enquanto olhava para o


rosto de Graziela e depois para mim.

— Agora, reformulando a pergunta: quem você acha que está


atrás das duas? — Chegou mais perto.
Não podia responder. Se dissesse que fugia de um ex-marido
louco, ele acreditaria?

— Olha, eu lamento que isso tenha atingido sua irmã, mas não
é da sua conta — tentei falar de modo educado, afinal, era grata por

seu auxílio.

Algo sinistro apareceu em sua expressão, mas foi breve, então


se recuperou. Eu estava vendo coisas? Esse homem não parecia
ser mal, só muito intenso.

— É da minha conta quando atacam o lugar em que minha

irmã estava. Se não fosse por Miguel, as duas teriam… — Ele


fechou os olhos por um segundo, como se pretendendo se controlar.
Após, me encarou com sua normal frieza.

Encolhi-me, porque ele tinha razão. Sua irmã correndo perigo

era minha culpa.

— Hoje irei embora da Itália para algum outro país. Não terá
mais com o que se preocupar. — Respirei fundo. — Sua irmã vai
ficar bem e livre de qualquer perigo.

Esperava mesmo que sim. Entretanto, tão logo eu fosse

embora, os mafiosos não ficariam por ali e, com certeza, me


rastreariam de novo e de novo e de novo… Eu poderia ir para uma
ilha deserta qualquer para me esconder, será que funcionaria? Faria
qualquer coisa para garantir a segurança da minha filha.

— Isso não mudaria nada, porque seja quem for que está atrás
de você, pensará que continua aqui e poderá atacar de novo. —

Agora me avaliava.

— Não vão, acredite! Eles são bons, saberão que escapei e


me seguirão. — Suspirei com melancolia. Estava tão cansada de

fugir; nadava, nadava e morria na praia.

— Madson — senti um arrepio percorrer meu corpo ao ouvir

meu nome saindo de sua boca —, preciso saber a verdade, não

deixarei que parta sem me dizer. Os meus homens morreram lá,


dois deles, e minha irmã quase se foi… Os malditos que você tanto

protege pagarão caro.

Ri com amargura.

— Protejo? — Fiquei de pé na sua frente com os punhos

cerrados. — Por mim, que todos ardam no inferno, que queimem,


não dou a mínima! Se não estou dizendo é para proteger Luna e

vocês, pois com aqueles monstros não se brinca. Se o fizerem, a

sentença é a morte. Entende? Portanto, fique bem longe de mim.


Virei-me e corri para o banheiro com os olhos molhados;

pessoas sempre padeciam ao meu redor. Um vizinho, o padeiro,


conhecidos quaisquer… eram todos assassinados. Não entendia

como cheguei a cogitar que ali seria diferente. Coloquei a vida de

Luna em perigo também.

— Tem ideia de quem eu sou? Pareço ter medo de alguém? —

Escutei-o atrás de mim. — Se não me disser, eu vou procurar saber

de outra forma.

Voltei-me para ele e o senti endurecer ao ver minhas lágrimas.

A cada passo dado em minha direção, parecia que Alessandro


estava indo pular de um precipício. Seria loucura ler algo assim em

alguém como ele? Eu era boa nisso, uma habilidade eficaz no

mundo em que vivia, para descobrir se a pessoa prestava ou não.

— Alessandro… — comecei, mas fui cortada com sua boca

perto da minha. Senti seu hálito quente banhar meu rosto. Minhas

mãos largaram o lençol e me agarrei à bancada de mármore.


Implorei que tivesse força para resistir a esses olhos verdes

intensos e aos lábios que adoraria devorar. — Por favor, não me

beije.
O canto da sua boca se levantou. Seria um sorriso? Lembrava-

me de tê-lo visto rir na boate no dia anterior; até seus irmãos

pareceram chocados com isso, então acreditava que Alessandro


não o fazia sempre.

— Sabe, as mulheres pedem justamente o contrário, mas aqui

está você me implorando para não a beijar. Por quê? Posso ver que
deseja o mesmo, a fome está em seus olhos. — Sua voz me fazia

sentir mais quente do que já estava.

Resistir a esse homem era demais, como lutar contra um vício.

Sou forte!, entoei a mim mesma. Não cederia! Só precisava ir

embora dali logo ou seria capaz de fazer uma besteira. Um dia meu
príncipe encantado chegaria e nos casaríamos, apenas assim seria

dele.

Baixava sua boca para o meu decote. O que ele pensava em

fazer? Era alguma artimanha para me forçar a falar? Levei minha

mão para trás de mim e liguei a torneira, em seguida, peguei um

copo que tinha ali e enchi de água. Joguei em seu rosto, ao que deu
um passo para trás, chocado.

Eu não fiquei para apreciar o meu trabalho, só corri para o


quarto e me pus de pé perto da cama onde Graziela dormia. Ele não
tentaria nada ali. Alessandro não me forçaria, não vi isso nele. Eu

que era fraca demais para resistir, portanto, precisava de um


escudo.

Alessandro apareceu no quarto, enxugando o rosto, mas havia


um sorriso em seus lábios. Céus, esse homem era gostoso demais!

Deveria ser um crime ter pessoas como ele andando por aí.

Seus olhos vagaram para Graziela e eu.

— Uma mulher forte e decidida, gosto disso. Eu não a

obrigaria a fazer…

— Eu sei, mas não confio em mim perto de você… — Corei. —

Seja o que for que sinto, vai passar quando for embora hoje.

Seu sorriso lindo sumiu e a expressão dura e fria voltou. Até

pensei ter imaginado tudo, mas não. Rindo, era tão lindo que me

deixou toda mole e, meu coração, pulsando mais rápido no peito.

— Não irá embora até que me diga quem está atrás de vocês

duas. É o seu homem? — indagou com um ligeiro desgosto. Sua

expressão me lembrava a de um assassino em série.

Fechei a cara, dando um passo até ele.

— Meu homem? Acha que sou… — Parei, porque não fazia

sentido me sentir humilhada ou uma vagabunda por ele supor que


eu tinha transado antes do casamento. Graziela era minha filha, só

não nasceu de mim.

Havia muitas mães solteiras por aí, e isto não significava que
fossem vadias só por não casarem. Eu não devia pensar o mesmo.

Na máfia em que fui criada, eles não ligavam para isso; as


meninas novas já ficavam com homens de quem não gostavam. Vi

colegas minhas serem levadas chorando por não quererem ir

embora com aqueles mafiosos. Jurei que comigo seria diferente,

que um dia encontraria um homem de verdade e me casaria com


ele para ser o seu tudo, e ele o meu.

Algo dentro de mim me dizia que eu não deveria me culpar por


escapar, afinal de contas, meu pai mereceu morrer. Com a mente

bagunçada à época da fuga, fui a uma igreja rezar e confessar.

Frequentava lá na Albânia, assistia às reuniões e gostava disso,

então continuei fazendo a mesma coisa nos outros lugares.

Com essa perspectiva, passei a dormir melhor à noite e a

sonhar que um dia teria o futuro que tanto almejei: ser uma
verdadeira esposa, gerar filhos. Algo me dizia que esse homem ali

na minha frente não era assim, ele parecia ser daqueles que só
buscavam prazer e, no momento seguinte, esquecia as mulheres.

Poderia estar julgando errado, mas duvidava muito.

— Não é assunto seu, Alessandro, você devia ficar fora disso.

Pode ter grana, mas isso não é suficiente para lutar com escória

como eles. — Suspirei, passando a mão no rosto num gesto


frustrado. — Só deixe assim e me permita ir.

— Posso ajudá-la…

Ri, sacudindo a cabeça, fazendo com que ele estreitasse seus

olhos.

— Desculpe, mas esses homens são monstros da pior espécie

e capazes de tudo, Alessandro. — Fui mais perto dele, ignorando a

reação do meu corpo.

— Também sou um monstro, Madson, você não me conhece.

— Pela primeira vez, soou de modo estranho. Parecia dizer a

verdade ou querer me causar medo.

— Não é, pois me salvou de ser queimada e também ajudou a

minha filha. Monstros não fazem isso, pelo contrário, eles devastam
tudo e todos. — Estremeci, pensando no que ouvi dos albaneses.

Ele puxou meu braço são. Bati em seu peito duro, enquanto

sua outra mão foi parar em meus cabelos, evitando a área


machucada e trazendo meu rosto para o seu. Arregalei os olhos.

— Não se preocupe, não vou beijá-la, pois quando o fizer será

porque implorou por isso. — A sua boca foi para a minha orelha, me
arrepiando. — E Madson, quando esse dia chegar, eu terei mais do

que sua boca, pode apostar.

Antes que organizasse os meus pensamentos, porque meu

cérebro fritou como em um curto-circuito, ele se afastou e foi para a

porta.

— Esse dia não vai chegar — consegui dizer, ofegante. —

Como avisei, irei embora hoje.

Alessandro se virou e esboçou um meio-sorriso; só o canto de

sua boca se levantou. Tremi ao sentir seus olhos em cada parte de

mim.

— Não sairá daqui até que me diga a verdade…

— Não pode me obrigar a ficar, não sou uma prisioneira —

rosnei.

Ele checou minha expressão.

— Não, você não é, mas precisa ter em mente que necessito

saber o que houve, meu pessoal morreu lá. — Meneou a cabeça de


lado. — Mesmo não me revelando, vou descobrir.
Encolhi-me pensando que morreram por minha culpa. Se
tivesse partido, teria evitado isso.

— Por favor… — Corri até ele, pegando seu braço antes que
saísse, mas fui rodopiada e escorada na parede com seu corpo

colado ao meu. Queria alertá-lo que eu precisava partir para o bem


dele e de seus irmãos.

— Por favor o que, Estrela-do-mar? Esclareça tudo, porque

estou confuso. — Oh, meu Deus! Sua voz arrastada me dava


calafrios na espinha.

Estrela-do-mar? Era como a mamãe costumava me chamar,

agora ele também, pela segunda vez? Esse homem escavaria fundo
para procurar saber o que eu não dizia.

Não omitia por ser ruim ou egoísta, mas para protegê-los da

monstruosidade que me acompanhava.

Engoli em seco ao sentir algo duro na minha barriga, assim


que chegou mais perto.

— Alessandro…

Busquei forças em todos os lugares para resistir a isso, a ele.


Seu toque…
— Mamãe? — Ouvi a voz da minha filha. Ela tinha o sono leve,
e ter ficado várias horas sem dormir essa madrugada não ajudou.

Afastei-me de Alessandro e me virei para ela, mas ele segurou

meus quadris, me deixando à sua frente. Sussurrou em meu ouvido:

— Preciso de um segundo, não quero que a criança veja algo


que a traumatize. — Ele pareceu respirar fundo e voltou sua

atenção para a minha filha. Após um tempo, saiu de trás de mim e


foi para perto da cama.

Evitei olhar para onde não devia, isso era errado, muito

mesmo. Esqueci as sensações em meu corpo e foquei em nos


arrumar para irmos embora. Mas antes, precisava ir à estação de
trem a fim de pegar o dinheiro que guardara lá; como não podia

depositar nada em uma conta com meu nome falso, seria um


problema ir para os Estados Unidos.

— Meu amor, como você está? — Sentei-me ao lado dela na

cama.

Seus olhos brilharam.

— Bem. — Ficou de pé, vestida em seu pijama da Minnie. —


Oi, Alessandro.
— Oi, princesa. Eu fico contente que esteja bem, agora quero
convencer a sua mãe a ficar conosco até ela saber o que realmente

fará. — Virou-se para mim com um olhar que me dizia para


desmenti-lo se tivesse coragem.

Os olhos de Graziela se iluminaram. Eu me senti horrível por

mais uma vez decepcioná-la.

— Verdade, mamãe? Vamos continuar na cidade? Não quero


sair das minhas aulas de dança, porque um dia desejo ser uma

bailarina muito boa. — Animou-se como sempre ao falar das suas


aulas de balé.

— Você faz balé? — Tinha algo na voz dele que não entendi.

— Sim. Eu adoro ser uma bailarina. Você já dançou? —

sondou ela, quicando.

O vazio nos olhos de Alessandro era inconfundível. A dor


fincava fundo, como se o consumisse.

— Não, mas minha mãe amava dançar… — Ele parou de falar


abruptamente, em seguida, deixou o quarto sem mais nenhuma
palavra.

Franzi a testa.

— O que houve? — Graziela parecia confusa.


Sorri para não magoar o coração da minha filha, acho que não

foi esta a intenção de Alessandro. Luna me contou que a mãe deles


morreu, mas eu não quis pressionar a respeito do motivo, pois não
gostava de falar sobre a minha, nem sobre a dor que sentia ao me

lembrar dela.

— Não é nada, querida. A mãe dele se foi, assim como sua


avó, ele deve ficar triste ao lembrar. — Tentei soar tranquila, embora

não me sentisse assim no momento.

Eu tinha um trabalho a fazer, só não sabia como sair desse


castelo. Todavia, precisava. Aquele homem era muito teimoso, não

sabia o perigo que sua família corria com minha presença ali.

— Grazi, meu amor, sei que deseja ficar nesta cidade, mas as
coisas se complicaram. Não quero preocupar a sua cabecinha linda,

então tentaremos ir para um lugar calmo, e a colocarei na escola de


balé de novo. Eu prometo. — Levantei o dedo mindinho e uni com o
dela em um sinal de juramento.

— Quando esses problemas vão acabar para podermos ficar

em um lugar só?

Minha filha sabia que tínhamos problemas, mas desconhecia a


extensão deles. Queria mantê-la desse jeito, pois seria perigoso
demais se soubesse. Não desejava assustá-la, ela ainda era
pequena para entender.

— Vou fazer de tudo para que acabe logo, meu anjo. Agora,

por que não vai tomar um banho enquanto vejo se consigo algumas
roupas? — Esperava mesmo poder cumprir essa promessa.

Eu dispunha de uma arma contra Skender, o pendrive, mas


para quem entregaria? Ele tinha muitos policiais na folha de

pagamento. Como eu usaria isso? Não adiantaria entregar para


alguém em que não confiava e que não fosse capaz de lutar com

ele. Quem conseguiria brigar contra uma máfia?


Capítulo 7

Madson

Já fazia uma semana que eu estava na casa de Luna. Pensei

em sair depois da minha conversa com Alessandro, mas Luna

chegou e me pediu para ficar com aquele seu jeito todo meigo. A
menina se culpava, e isto acabava comigo. Esperava que tudo se

resolvesse logo.

Prometi que eu ficaria por duas semanas, mas estava sendo

difícil compartilhar o espaço com Alessandro. Era como se ele


roubasse meu ar.

Fui trabalhar; já que continuaria ali, ao menos levaria algum

dinheiro.

— Quem é? — Laís, minha colega, apontou na direção do

moço que entrou.


Os olhos dele estavam em mim quando elevou o queixo, se
apresentando. Trinquei os dentes.

— Ninguém. — Fui onde um homem chamado Viper se

encontrava. — O que faz aqui? Garanto que não veio pela comida.

Ele se recostou na cadeira.

— Sigo ordens, então pegue leve comigo ou serei eu a pagar o

preço. — Sorriu de um jeito que faria qualquer mulher abaixar as

calcinhas (bom, uma com poucos neurônios; eu não era assim).

— Fale para seu chefe que não preciso dos homens dele

tomando conta de mim — rosnei. — Ligue e dê meu recado.

— Depois eu ligo — falou, despreocupado.

Bati minhas mãos na mesa.

— Agora! — rugi, fazendo-o piscar, mas não de medo, pareceu

mais impressionado.

Ele pegou o telefone e ligou.

— Chefe…

Tomei o aparelho de sua mão, mas um grito do outro lado me

fez estremecer.

— Viper, eu espero que seja importante…


— Que grito é esse? — sondei. Os cabelos da minha nuca se

arrepiaram.

Silêncio do outro lado. Então sua voz surgiu:

— Houve um acidente — respondeu; não detectei nenhuma


mentira.

Viper parecia divertido com algo, mas não disse nada.

— Acidente? Alguém se machucou? — Preocupei-me.

— Você é outra coisa, sabia? — Soava quase cômico. — Já


lidei com isso. Por que ligou?

Pisquei.

— Você obrigou seus homens a me seguirem, e eu não


preciso disso. Mande-o ir embora. — Eu não teria como ir aonde

precisava com eles me acompanhando.

— Não posso. Você escolheu trabalhar.

Cerrei os dentes.

— Uma ova! A vida é minha e a escolha também. — Tentei

não gritar. — Por que não cuida da sua e me deixa em paz?

Desliguei, jogando o telefone na mesa com força. Fuzilei Viper,


que me observava com ar divertido.
— Seu chefe é um idiota. — Saí dali me controlando. Deveria

aceitar sua ajuda, mas isso incluía muitos perigos para ele e sua
família.

Alessandro não conseguia perceber que eu só queria protegê-

lo? Não apenas ele, mas também os seus irmãos?

Trabalhei aquela manhã sem pensar em nada exceto fugir dali.

Com esse homem me perseguindo seria complicado.

Até a hora que saí, Alessandro não atendera meu pedido, já


que Viper ainda me seguia por todos os lugares. Mesmo mantendo

distância com seu carro, ele continuava lá.

Dei algumas voltas tentando despistar, mas o homem era bom.

Cansei de brincar de gato e rato com ele — não me livraria tão

cedo — e levei meu carro a uma estação de metrô. Entrei com a


chave no bolso e fui na parte em que ficavam os armários.

Quando abri aquele em que tinha colocado o meu dinheiro, os


passaportes falsos e os documentos, encontrei-o vazio.

— Não, isso não pode estar acontecendo! — Chequei

desesperada, como se fosse fazer as coisas aparecerem num passo


de mágica.
— Não estão aí, o chefe pegou. Se quiser de volta, mandou
buscar com ele — Viper disse.

Na hora, eu vi vermelho, mas não ia descontar no segurança.


Só tinha um homem com quem precisava acertar as minhas contas,

e eu iria esganá-lo.

— Onde aquele maldito está? — tentei falar normal, mas a


fúria me dominava.

— Na mansão, em uma reunião — respondeu.

Não respondi. Voltei para o carro, pisando duro por causa da


fúria.

Ultrapassei alguns limites de velocidade torcendo para não ser


pega pela polícia. Assim que entrei na sala da mansão, ouvi vozes

de alguns homens, mas não enxerguei Luna ou Graziela. Acho que


as duas estavam no quarto, pelo que agradeci, pois precisava dizer

algumas verdades a um cara controlador que achava que podia


fazer o que ele quisesse.

— Onde encontro o seu chefe? — inquiri a um dos seguranças


(na hora, não recordei seu nome).

— No escritório. Mas você não pode…


Ignorei-o, indo para o lugar que tinha uma porta grossa de
madeira, e entrei sem bater. Por que seria educada quando ele não
fazia o mesmo? Aliás, continuava se metendo no que não era da

sua conta.

Ele estava de pé perto de uma mesa, mas o que me chocou foi


ver que abraçava uma morena. Não exatamente se abraçavam,

porque ela estava com uma mão à sua volta e, a outra, em seu
peito. Já Alessandro tinha a dele em sua testa… O momento

parecia íntimo, e o que me espantou foram meus sentimentos ao


observar a cena; algo em meu peito doeu. Ignorei a sensação, pois

não tínhamos nada. Ele parecia gostar dela.

Assim que a porta se abriu, ele me olhou, e depois para trás de


mim, aposto que para Viper.

— Desculpe, chefe, ela cruzou alguns limites de velocidade,


isto me fez ser parado pelos tiras.

Sacudi a cabeça.

— Quero o que você roubou de volta — pedi, sem deixar

transparecer a irritação.

Não havia apenas os dois ali, como também mais homens que

pensei já ter visto antes.


Afastou-se da mulher, que me avaliava. Não liguei, só o fitava.

— Roubei?

— Não só isso, mas a outra coisa também.

— Outra coisa? — Sentou-se.

Bati minhas mãos na mesa como fiz na lanchonete. Tal qual


Viper, Alessandro pareceu surpreso com minha explosão.

— Quer parar de repetir tudo o que falo? Me dê o que roubou


de mim — grunhi.

— Você roubou dela? — a garota perguntou.

Ele me avaliava, e isto me tirava do sério.

— Me dê logo as minhas coisas ou vou furar os seus olhos


com isso. — Peguei dois lápis na mesa.

Alessandro escorou as costas na cadeira e riu, coçando a

barba. Isso me fez ver vermelho, então passei pela mesa e me


lancei sobre ele, mas antes que meus punhos o acertassem, ou os

lápis, ele pegou minhas mãos e trouxe os meus olhos para perto

dos seus.

— Solte-os — ordenou, apertando meus pulsos, mas não a

ponto de me machucar.
Fulminei-o.

— Não vou largar — rugi em seu rosto. — Quero o que é meu

de volta, estou cansada de ser trancada aqui e só poder sair sendo


seguida pelos seus brutamontes.

— Madson. — Seu tom trazia um aviso.

— O que vai fazer? Me bater? Não me importo! Eu não sou o

seu capacho, não preciso da sua segurança. Por que não me deixa

em paz? — sibilei, indo chutá-lo, mas suas coxas me prenderam na


mesa, me impossibilitando de atacá-lo.

— Uma tigresa para domar o Alessandro. — Alguém riu, o que


me fez ficar mais furiosa.

Alessandro ignorou a voz do homem que eu não conhecia e

continuou me encarando com aquela atenção de sempre.

— Se você me contar a verdade, eu a deixo ir embora — falou

depois de um segundo. — Entrego tudo o que é seu também, e


nenhum dos meus homens voltará a segui-la.

Parei de lutar, analisando-o para ver se podia confiar; não vi


indício de mentira. Depois de um segundo, eu parei e pensei um

pouco. Poderia muito bem contar a verdade, pois somente assim ele
me deixaria ir. Afinal, por mais que ele tivesse seguranças, ninguém

mexeria com a máfia. Quem seria tão louco?

Sorri, fazendo com que seus olhos se estreitassem.

— Por que está rindo? — Aparentava cautela, apesar de

curioso.

Cheguei meu rosto mais próximo do seu, ao que perdeu um


pouco da postura durona.

— Porque depois que eu contar, você mesmo me enxotará


daqui. — Franzi os lábios.

— Deixe que eu decido isso. Conte a verdade.

— Tudo bem, me solte antes — falar assim perto dele estava

me deixando tonta.

— Vai me atacar de novo? — Sua sobrancelha teve uma leve

contração.

— Não sei dizer, dependerá do quanto me irritar.

— Estrela-do-mar, eu acho que posso lidar com isso — disse,

parecendo divertido. Soltou-me, mas pegou os lápis. — Vou ficar


com isso.

Forcei um sorriso.
— Não se preocupe, pois não há só lápis aqui no caso de eu

desejar fazer de você uma peneira. — Passei por ele e pela garota

de olhos arregalados; notei que eram verdes. Dirigi-me a ela: —

Prometo deixar aquela parte dele inteira para você.

Ela piscou e riu, corando.

— Oh, meu Deus! Alessandro é meu irmão. Eu sou a Jade. —

Sacudiu a cabeça, olhando de Alessandro para um homem de

cabelos escuros e íris negras, igualmente divertido. Os irmãos de

Luna e outro cara, com barba por fazer e cabelos castanhos,


também riam.

Não a conhecia, parecia que ela estava nos Estados Unidos,


pelo menos foi isso que ouvi Luna dizer, mas não a encontrara

ainda.

— Meu marido é esse ali. — Apontou para o homem de fios


escuros e olhos da mesma cor. — Luca…

— Jade — Alessandro disse, parecendo um alerta.

Franzi a testa, notando que ele escondia algo. Seja como for,

não é da minha conta.

— Vocês dois estão… — Ela virava de mim para seu irmão.


— Não, querida, tenho alguns neurônios em funcionamento.

Não seria louca para sair com um homem que aposto que não leva
as mulheres a sério. — Era verdade. Eu duvidava estar enganada

quanto a isso, era uma boa observadora.

— Não deve ser tão esperta, afinal, teve uma filha com
dezessete anos — apontou o barbudo cheio de tatuagens, o mesmo

que me chamou de tigresa.

— Por que não se cala? — Alessandro lançou um olhar gélido

a ele.

— Ninguém convidou você para a conversa. — Suspirei. Não


podia falar que sempre fui esperta em relação a homens, pois

envolveria explicar a existência de Graziela, então decidi mudar de

assunto. — Certo, não preciso saber o motivo dessa trocar de


olhares como se guardassem segredos, pois não dou a mínima. —

Sacudi a cabeça e encarei Alessandro. — Você é um homem de

palavra? Posso confiar que, assim que eu disser, me deixará partir?

— Sim — garantiu, sentando de novo e me indicando uma

cadeira em frente à sua mesa para fazer o mesmo.

Fitei os homens ali e sua irmã, abraçada com seu marido.


— Não ligue para eles, pois confio a minha vida a essas
pessoas. Agora me diga: por que acha que o ataque na casa de

Luna foi por sua culpa? E por que anda armada e com documentos

falsos? Fora aquele valor exorbitante. Se tem tanto dinheiro, por que
trabalha em uma lanchonete? — emendou uma pergunta após a

outra, intenso.

— Certo, eu vou revelar, mas saiba que agradeço pelo que fez

por mim e pela minha filha. Assim que eu sair, não precisará de

tantos seguranças como vejo aqui. Essa complicação não é para

pessoas como vocês — sussurrei. — O dinheiro não basta para


lutar contra isso.

— Me deixe ver se estou entendendo, acha que não podemos


lidar com o que vier? — Stefano sorriu.

— Claro que não, garoto, isso faria você sair correndo para as

montanhas — expirei.

— Não sou um…

— Stefano! — outro alerta de Alessandro. — Então me

surpreenda, Estrela-do-mar.

Estreitei meus olhos.

— Meu nome é realmente Madson — grunhi.


— Será? Há muitos nomes falsos aqui, qual desses é
verdadeiro? — “Mia” estava junto, esse era o real, mas não disse
nada.

— Não importa, vou embora daqui a pouco mesmo — falei,

dando de ombros. — Sei que devem ter assistido ao filme “Os


Infiltrados”, que menciona a máfia. É algo similar. A máfia existe, e

uma delas está atrás de mim. — Levantei meus olhos para


Alessandro; os dele pareciam maiores, a expressão de frieza se foi
por um momento, mas logo retornou ao normal. — Agora que sabe,

se for inteligente, não se meterá nessa história. Só me deixe partir


sem se intrometer.

— Que máfia está atrás de você? — sondou Luca, num tom

que me deu calafrios na espinha.

Sacudi a cabeça.

— Para que quer saber? Quanto menos informações tiverem,


melhor. Não assistem a filmes? Mafiosos são monstros, capazes de

fazer coisas… — Estremeci, não querendo me lembrar.

Os olhos de Alessandro se transformaram em algo letal.

— Algum deles a tocou? — Sentia sua voz fervilhando por trás


da calma.
— Não da forma que pensa, mas já vi muito… De qualquer
modo, não vem ao caso. Contei que a máfia me quer e não vou ficar
aqui para que me ataquem de volta. É mais seguro para a sua

família que eu parta. Luna ficará protegida, e vocês também. —


Coloquei-me de pé.

— É a máfia albanesa? — Não parecia uma pergunta, vindo de

Alessandro.

Arregalei os olhos.

— Como você…

— Reparei em seu comportamento quando aquele homem

tombou em você na boate. Na hora, pareceu ficar com medo e saiu


correndo. São eles, não é?

— Não importa, Alessandro, deixe isso quieto, essa luta não é

sua. Quando eu me for, vocês não estarão mais em perigo. — Fui


para a porta. — Ninguém é forte o bastante para lutar com eles.

— E se por acaso tivesse outra máfia à sua disposição para

enfrentar esses homens? — sondou Jade.

Virei para ela com o cenho franzido.

— Por que o faria? Nenhuma máfia é boa, são todos monstros


que machucam pessoas e estupram mulheres e crianças. Eu não
quero nenhum envolvimento com isso. — Suspirei, notando a
reação de todos, que pareceram congelar. Até Alessandro estava

paralisado, acho que eles ficaram realmente com medo. E deviam


ter, pois todos eram bandidos. — Separe o que pegou de mim,
porque assim que terminar de ajeitar a Graziela, eu venho buscar

para ir embora. Essa bomba não cairá sobre vocês. Lamento


envolver Luna nisso. É bom ver esse pavor nos olhos de vocês, fará

com que não se metam nessa luta.

Saí angustiada da sala. Era para ter ficado contente por


Alessandro concordar, mas não gostei da sua expressão
martirizada. Tentou mudá-la, mas não conseguiu.

Entretanto, considerava melhor que ficassem com medo: a


máfia era algo para se temer, em especial Skender; o homem era
um maldito monstro assassino.

Não queria pensar naquele cara ou no que ele faria se


soubesse onde Graziela estava. Skender não nos buscava por
algum instinto paterno, e sim por provavelmente ter descoberto as

informações que eu guardava contra ele. Posso apostar isso.

Cheguei ao quarto em que Graziela dançava balé com Luna ao


seu lado, instruindo cada movimento.
— Mamãe! — Veio correndo, e me abaixei para beijar sua

bochecha.

— Oi, meu amor. — Eu tinha comprado algumas roupas novas


para ela depois que tudo queimou. — Preciso que faça as malas,

estamos indo embora.

— Mas mamãe…

— Graziela, eu não tenho tempo para explicar agora, só


obedeça. — Usei meu tom de mãe, um que ela respeitava sem

reclamar. Minha filha era um amor.

Foi para o guarda-roupa com a expressão cabisbaixa. Um dia


isso terminaria, eu só não sabia como nem quando, embora me

pegasse pensando no que Jade falou: apenas uma máfia venceria


outra. Mas se todas eram ruins, não tinha muito o que fazer, não é?

— Madson… — começou Luna.

— Querida, eu sei que você quer que fiquemos aqui, mas há

coisas que não contei. Tem pessoas envolvidas no incêndio que


quase matou você e a Graziela; eles são mafiosos e estão atrás de

mim. Resumindo, me querem morta ou pior. — Estremeci. — Acabei


de revelar isso aos seus irmãos.
— Máfia? O que o Alessandro disse? — Seu tom estava
estranho.

— Acho que ficou com medo, mas é melhor assim. Ninguém

quer se envolver com mafiosos. — Suspirei.

Esperava que aonde eu fosse, conseguisse ficar mais tempo


do que morei ali. Viver correndo e assustada cansava muito.

— Vou descer um segundo, mas prometa não ir antes que eu

volte, ok? Não quero que vá, você é a primeira amiga que tenho em
muito tempo — pediu Luna.

Fiquei curiosa.

— O que vai fazer?

— Só confie em mim. Espere eu voltar! — suplicou.

Ela saiu correndo do quarto. Eu não sabia o que poderia


mudar, teria de ir embora de qualquer modo. E, pela primeira vez,

eu me vi desejando evitar partir com muito mais intensidade do que


das outras vezes. Algo ali me impedia de ir. Sabia justamente o que
era, ou melhor, quem: Alessandro.
Capítulo 8

Alessandro

Ouvir aquelas palavras da boca dela torceu algo em meu

estômago, me enjoando. Era um sentimento que eu pensei ter

escondido fundo, mas parecia estar querendo surgir.

Sabia que era um monstro, nunca tentei esconder isso de

ninguém, até minhas irmãs aceitavam. Nunca liguei para o que os

outros pensassem. Então por que me importava com a opinião

dela? Por que senti essa coisa estranha em meu peito quando
escutei sua raiva direcionada à máfia?

Os albaneses a machucaram de uma forma que a fazia odiar

cada um da mesma organização. Eu tinha consciência de que a

máfia albanesa era inescrupulosa, assim como os Rodins — aliás,

descobrira há poucos dias que estavam trabalhando juntos.


— Porra! Ela pensa que temos medo dos albaneses? Acha
que somos moles? — rosnou Stefano, ficando de pé. — Se ela

conhecesse o que faço…

Seus punhos estavam cerrados enquanto olhava para a porta

como se quisesse ir lá agora e revelar toda a verdade. Se havia uma

coisa que deixava meu irmão louco era o chamarem de fraco.

— “Faria você sair correndo para as montanhas” — Miguel

disse com um sorriso, depois me olhou. — Qual é o próximo passo?

Não pode a deixar ir, ela pensa que os albaneses incendiaram o

lugar, mas não foram eles, e sim os Rodins que, por sua vez, sabem

dela e da criança.

Ele tinha razão, mas dei minha palavra e não costumava voltar
atrás. Pela primeira vez não liguei para o que eu dissera; não podia

deixá-la ir.

— O que eles fizeram contra ela para que odeie todos nós? —

sussurrou Jade com um suspiro triste.

Jade tinha acabado de contar que estava grávida, e não pude


ficar mais feliz pela minha irmã. Ela merecia tudo de bom nesta vida.

Expirei baixo ignorando minhas emoções confusas. Seria

saudável deixar a Estrela-do-mar partir. Novamente, esse apelido se


mostrava perfeito para ela: brilhava como uma estrela e seus olhos

eram azuis como o mar, com uma personalidade acrescida de uma


preocupação tocante conosco.

Luca tocou as costas da minha irmã, confortando-a.

— Não sabemos. Talvez um deles seja o pai do anjinho, e


Madson fugiu de algo que fizeram — disse Rafaelle. — Quem sabe

por isso estejam atrás dela.

A garotinha era realmente uma pequena graça divina, isso se


eu acreditasse que existia santidade. Ela iluminava os ambientes
onde passava. Um minuto na sua presença, e a menina teria você

enrolado em seu dedo.

Seria um sacrilégio uma pessoa como eu ficar ao lado de


alguém tão inocente e precioso como Graziela. Seu nome dizia tudo

o que ela representava.

— Se eu conversar com ela, posso tentar fazê-la mudar de

ideia — falou Jade com um suspiro.

— Não acho que consiga. Ela até atacou o Alessandro no


processo. — Miguel riu. — Uma tigresa. Eu espero que dome a fera,

meu amigo.
Quando estávamos entre nós, família, não recorríamos a

formalidades.

Ignorei seu comentário; por mais que estivesse atraído por


aquela mulher, eu não faria nenhum movimento, pois ela não era

dessas que usávamos para sexo. Ainda mais que acabara de


descobrir que possivelmente a tocaram contra a sua vontade. A dor
que vi em seus olhos retorceu meu intestino. Ela disse que ninguém

a tocou, mas poderia ter optado por não revelar seus segredos na
frente dos outros, ou na minha. A partir do momento em que eu a

tocasse, estaria perdido.

— Só abra o jogo sobre quem somos, Alessandro. Diga que


não somos…

Levantei uma sobrancelha para Rafaelle.

— O quê? Que não somos assassinos? Que não mexemos


com coisas ilegais? Ou que não machucamos ou torturamos

algumas pessoas? — Sacudi a cabeça. — Somos da máfia. Tudo


que é ilegal, nós fazemos.

— Não tudo. Não nos envolvemos com estupro — ponderou


Luca. — Parece ser algo que ela abomina, embora os assassinatos

também.
Stefano bufou.

— Não devíamos ter vergonha de quem somos — murmurou,

sentando-se de volta no sofá. — Acho que temos de contar a


verdade… Talvez as duas fiquem…

Ele tinha razão quanto a isso, mas algo estava me impedindo

de confessar quem eu era de verdade, ainda mais sabendo a sua


opinião a esse respeito.

— Se contarmos, aí sim partirá. Neste momento, a segurança


delas é o que importa, depois lido com a mentira. Temos de arranjar

um jeito de convencê-la a ficar sem que eu precise trancá-la ou


deixar alguém a seguindo. — Mais cedo Viper ligou bem na hora em
que eu estava cuidando de um cara dos Rodins, e tive que inventar

que alguém tinha se machucado. Porra! A garota se comoveu e


pareceu realmente preocupada. Eu não era de ficar mentindo. Em

alguns cenários precisava, mas não dessa forma.

— Tenho uma solução — disse Luna, entrando na sala. —


Acabei de falar com Madson e vi que ela não parece querer ir, muito
menos a Graziela. Ela só teme que alguém nos ataque de novo e

que nos machuquemos por sua culpa…


— Não foram os albaneses os responsáveis, e sim os malditos
Rodins. Resolveram voltar à ativa depois de todos esses anos —
grunhiu Stefano. — Vamos matá-los de uma vez por todas.

Nos últimos dois anos fechamos alianças com algumas máfias,

tudo para destruir os Rodins. No passado, após atacarem, o FBI


ficou na sua cola, mas alguns inocentes admitiram a culpa e Chavez

saiu ileso. Isso me dava a chance de destruí-lo. Alertei-o na última


ocasião em que nos encontramos: ia destroçá-lo caso entrasse em

meu território. Pelo visto, não deu ouvidos.

— Madson não sabe quem nós somos, e não gosto de mentir.

Então pensei que pudéssemos dizer uma verdade. Depois que ela

estiver acostumada conosco, contaremos o resto. — Luna foi até a


frente de Miguel, que arqueou as sobrancelhas.

Nesses anos, passei a ver o interesse dele em minha irmã,


mas ele não me falou nada e não disse a ela também, pelo que

notei. Ele jamais faria uma investida sem me alertar antes; Miguel

era alguém a quem confiaria minha vida, e a de Luna e Jade;

éramos como irmãos.

Conheci-o ainda sendo um civil, mas fiquei longe, pois não

queria que o que meu pai fez com Jairo e Amisteg se repetisse,
mesmo tendo sido Rafaelle a puxar o gatilho no intuito de me

proteger. No final, eles acabaram morrendo.

Miguel insistiu me pedindo para se tornar poderoso, porque

precisava encontrar sua irmã. Foi quando o ajudei a se tornar chefe


do Cartel dos Lobos Solitários assim que o antigo líder morreu.

Meu pai ficou longe, sabendo do seu poder, e isto foi bom.

— O que pensou, Luna? — sondei curioso, esperando que

desse tudo certo e Madson decidisse ficar.

— Como ela parece ter sentimentos impróprios em relação à

máfia, talvez pudéssemos dizer que o cartel as protegerá dos

perigos, mas, para isso, elas precisam ficar aqui. — Olhou de mim

para o Miguel.

— Cachinhos, eu não sei se dizer sobre o cartel vai melhorar

algo. Não somos diferentes da máfia — disse Miguel.

Minha irmã era uma ruiva de cabelos cacheados e olhos azuis

suplicantes. No entanto, ela não devia suplicar a nós, mas à

Madson.

— Eu sei, Miguel. Ela tem receio da máfia, mas você salvou a

Graziela, a filha dela. Vou apresentar vocês, pois faz alguns dias
que ela deseja conhecê-lo. Assim talvez aceite sua ajuda. — Ela

parecia esperançosa.

Miguel tinha acabado de chegar a Milão naquela noite e, em


vez de vir me ver para falar sobre os Rodins, ele foi até a Luna

primeiro. Na hora fiquei bravo, mas depois que a salvou, eu

agradeci mentalmente, já que meus instintos me impediram de


concretizar tal gesto. Esperava que os dois se ajeitassem; ela

parecia gostar dele também.

Uma vez Jade me disse que Luna tinha uma queda por Sage,

um dos seguranças dela. Como ele tinha levado um tiro alguns dias

antes do acontecido, estava se recuperando em sua casa, então

não se encontrava com os outros que morreram no incêndio.


Pegamos o cara e vingamos a morte dos meus homens, mas ainda

faltava o chefe deles.

Acreditei que o interesse dela passara, porque Sage foi até

mim meses antes para mencionar que gostava de Luna, e eu falei

que não podia dar permissão para namorarem se minha irmã não

desejasse. Luna não aceitou o pedido dele. Ali, vendo a forma como
pegava a mão de Miguel para suplicar por sua ajuda, notei onde

estavam os sentimentos dela.


— Cachinhos, eu espero que não esteja pedindo para que eu

fique…

Luna piscou enquanto algo se torcia dentro de mim com o

pensamento dele com a Madson.

— O quê? Não estou falando para conquistá-la! Não sou uma

megera. Além disso, ela parece ter uma queda pelo meu irmão. —

Luna sorriu para mim.

— Não sei o que ela viu nele que não tenha visto em mim, sou

mais jovem e mais bonito — arrulhou Stefano, sorrindo.

Não queria pensar nela com nenhuma outra pessoa. Madson

estava atraída por mim, notei como reagia desde quando a

conhecera há quase dois meses e meio. Com ela tão perto, as


faíscas aumentaram — os olhares, o rosto corado. Não entendia o

porquê, mas ela parecia inocente, ou talvez tivesse pouca

experiência com homens.

Entretanto, mesmo ouvindo sua súplica para não a beijar, eu

senti que ela queria; recusou porque talvez me achasse um

mulherengo como Stefano. Claro que eu ficava com mulheres,


embora há meses só ocupasse meu tempo protegendo o meu povo

e fazendo alianças. Mas com Madson perto essa semana, as coisas


se complicaram; tive que usar meu maldito autocontrole para não a

procurar.

Como prometi, eu a tocaria apenas se ela pedisse, e no fundo


não queria que o fizesse. Era impossível conciliar os dois desejos:

tê-la em meus braços ou protegê-la?

Parei de pensar nisso, porque estava ficando duro. O bom era

que a mesa impedia que alguém visse.

— Ela parece ser uma mulher inteligente. — Jade sorriu para


Stefano.

— Sua danada! Se não estivesse grávida, eu a chamaria para


um duelo. — Nosso irmão riu. — De qualquer forma, a fila anda.

Sacudi a cabeça, pensando nas palavras de Luna. Ela poderia

estar certa. Talvez Madson ouvisse e quisesse ficar, aceitando a


proteção do cartel.

— Vá chamá-la, Luna. Farei a proposta e explicarei que,


mesmo sendo um cartel, não é de todo ruim; que não mexem com

muita coisa ilegal.

Luna saiu correndo da sala.

— Acha mesmo que ela vai aceitar? — Rafaelle me olhou.


— Como se eu soubesse… Aquela mulher faz tudo ao

contrário do que penso — falei com um suspiro. — Você é o


observador aqui. O que acha?

— Além das faíscas que vejo saindo de vocês dois? Nada. —

Sorriu para mim. — Mas falando sério, ela é difícil de ler, a única
coisa que peguei foi o desejo mútuo.

Ele só não me falou para usar isso de modo a fazê-la ficar,


certamente, pois Jade estava ali. E precisaria de muito mais do que

uma paixão para mudar sua decisão. Além do mais, eu não

enganaria uma mulher assim dizendo ser capaz de amar, quando na

verdade não era.

Bateram à porta e, em seguida, ela entrou, avaliando a sala;

Graziela estava do seu lado com uma roupa de bailarina e


sapatilhas. Eu sabia que a bonequinha era dançarina, ela não falava

em outra coisa quando visitava Luna. Mas vê-la dançando ali?

O destino era realmente uma merda. Foi como um soco saber


disso; vê-la treinando em todo canto nessa casa, uma em que

minha mãe esteve e onde sonhou ser bailarina também… Seus

planos foram interrompidos ao se casar com o meu pai.


Graziela sorriu para Miguel e correu até ele antes que Madson
pudesse puxá-la de volta.

— Oi, Miguel! — exclamou ela.

Ele sorriu.

— Como vai, princesa? Treinando muito? — sondou, sentando


no sofá para ficar da altura dela.

— Sim, mas temos que ir embora. — Sua voz saiu baixa e


triste.

— Graziela! — Era um aviso de mãe.

A menina olhou para ela e foi ficar ao seu lado.

— Não queria deixar você sozinha…

Precisava da Luna ali para ajudar a convencê-la, mas sabia


que ela não confiava em meus homens com a bonequinha. Os que

estavam ali eram leais a mim, jamais mentiriam ou me trairiam.

— Jade, você pode levar a Graziela para assistir a alguma


apresentação do Cirque du Soleil no salão de cinema? — Virei-me

para ela.

— Cirque du Soleil? — a criança gritou, animada. Perguntou-


me: — Tem cinema neste castelo?
— Sim, minha irmã irá levá-la. — Apontei para Jade.

Graziela olhou para sua mãe que, por sua vez, estava com a
testa franzida em minha direção.

— Posso ir, mamãe?

Era difícil para qualquer pessoa resistir a alguém falando assim


com tanta doçura, ainda mais para uma mãe. Ela tentou se
recuperar do que pensava e olhou para a menina.

— Tudo bem, meu amor — falou um tanto confusa, apesar de

eu ter detectado raiva. Não fui o único a notar isso ali na sala.

Jade saiu com Graziela, então Madson me fuzilou, mostrando


suas garras.

— Você prometeu que me deixaria ir. Ou não é um homem de


palavra? — praticamente cuspiu.

Eu era um homem de palavra, por isso estava buscando uma

oportunidade de fazê-la mudar de ideia. Se fosse embora, tanto ela


quanto Graziela seriam mortas. Ou pelos albaneses, ou pelos
Rodins.

— Por que não ouve primeiro antes de se exaltar? — indaguei.

— Luna?

Minha irmã pigarreou:


— Lembra-se de ter dito que queria conhecer o homem que
nos salvou do incêndio? — Gesticulou. — Esse é Miguel. Acho que
ele pode ajudar a proteger você e sua filha.

Madson franziu a testa.

— Por que devo acreditar que ele é poderoso para lutar contra
uma máfia? — Então arregalou os olhos, dando passos até chegar

próximo a mim. Não sabia se ela tinha notado o gesto. Sua atenção
estava em Miguel. — Por acaso você é um mafioso?

Ela disse a palavra “mafioso” como se fosse algo estragado.

— Não, mas sou de um cartel mexicano. Por mais que tenha

coisas ilegais em nosso meio, nós não mexemos com tráfico


humano e de órgãos, nem prostituição infantil — apressou-se em
explicar.

Madson arfou, avaliando-o e, em seguida, o restante.

— Vocês também são do cartel? — sondou, não mostrando


nada em seu tom.

Todos se concentravam em mim.

— Não, só o Miguel. Eu o considero um irmão e confio nele de


olhos fechados — não diria isso na frente de outras pessoas, só da
família. Bom, e dela, porque precisava convencê-la.
Não era mentira que não pertencíamos ao cartel, só
combinamos de não contar toda a verdade.

— Como se conheceram? — ela duvidava.

Luna suspirou.

— Quando criança — Miguel disse a verdade. Éramos


adolescentes na época. — Faço parte de sua família como um

amigo, irmão, e agora — ele fitou eu e meus irmãos com um olhar


significativo —, como namorado da Luna.

Ele estava mentindo. Mas se apresentar no papel de

namorado amenizaria o baque e a desconfiança da mulher.

— Inclusive o cara que atacou a casa tentava matar a Luna,


pois era meu inimigo. Não foram os albaneses. Eles sabem da

importância dela para mim. — Seu tom era tão decidido que, por um
breve segundo, até eu acreditei.

Luna arregalou os olhos; não o desmentiu.

— Beijem-se, então. Porque Luna não parece ser sua

namorada, aliás, ela parece chocada. — A mulher era esperta.

Luna não sabia mentir, na verdade, ela era uma mentirosa


horrível, sempre foi.
Miguel puxou Luna para seu colo, e eu tive que segurar meus

instintos para não a trazer de volta. Teria feito isso se soubesse que
minha irmã não sentia o mesmo por ele. Mas se fosse para escolher
um homem, que ao menos ele tivesse coragem o suficiente para

entrar nas chamas por ela; esse era o Miguel.

Ele colocou a mão em seus cabelos e a beijou. Pela ânsia de


ambos, eu pude ver a fome, o que me fez rosnar baixo.

— Chega de pegar a minha irmã na minha frente — reclamou


Stefano.

Luna corou e sorriu. Sim, ela o amava de verdade. Não era só


uma paixonite.

Madson se virou para mim e se aproximou para falar baixo em


meu ouvido:

— Você me dá a sua palavra de que confia nele?

Segurei o estremecimento com o calor de sua voz na minha

pele.

— Se não confiasse, eu não deixaria a minha irmã com ele. —


Foi somente assim que permiti que Jade se casasse com Luca há

quase um ano e meio. E seria igual com Miguel e Luna.


Ela assentiu e olhou para Miguel, que estava sério. Luna
permanecia ao seu lado.

— Não eram os albaneses? Isso significa que posso ficar na

cidade, mas não precisa ser nesta casa, certo?

Lancei um olhar de alerta ao Miguel. Ele entendeu o que eu


queria que dissesse a ela.

— Eles sabem sobre você e a sua filha, então seria mais

seguro continuar aqui. Sei que não quer que nada aconteça a ela, e
ser vigiada é ruim, mas é necessário, pelo menos até pegarmos os
homens — disse Miguel.

— Você os entregará à polícia? Ou vai… — Ela engoliu em


seco.

Miguel sorriu.

— Não se preocupe com isso, só foque na segurança sua e de

sua filha — pediu.

Madson mordeu os lábios, pensativa. Esse gesto me deu


ideias de onde essa boca deveria estar. Merda! Ficar duro ali de

novo não me ajudava.

— Tudo bem, aceito. Apenas porque você deu sua palavra,


Alessandro. Se você e Luna confiam nele, eu também.
Minha irmã abaixou a cabeça, um tanto culpada, mas acho que
Madson pensou que sua pele avermelhara apenas devido ao beijo.

Ouvir que a mulher acreditaria nele por minha causa me fez

sentir estranho. Seria culpa? Ela estava bagunçando meus


pensamentos.

Talvez eu precisasse foder alguém, mas não queria outra,

estava louco por Madson. Como a tocaria sem que as coisas


ficassem estranhas?

Ela foi até Miguel e estendeu sua mão.

— Obrigada por ter salvado a minha filha. Não consigo nem

pensar o que faria se tivesse acontecido algo a ela… —


Estremeceu.

Miguel ficou de pé e segurou sua mão, apertando-a. Madson o

abraçou, pegando-o de surpresa.

Tudo em mim gritou para atacá-lo. Mas essa emoção era


irracional, não havia sentido fazer isso com meu irmão e amigo.

Sentia olhos em mim — dos meus irmãos, de Luca e de


Miguel. Mirei o outro lado, querendo que essas malditas sensações
sumissem.
Miguel se afastou e colocou os braços na cintura de Luna.
Madson também a abraçou. Entendia que era um gesto normal de

agradecimento pelos dois terem salvado a sua filha. Por isso ignorei
a minha aversão, embora não houvesse sido fácil vê-la abraçada

com outro homem.

Madson se virou e veio na minha direção. Beijou meu rosto.

— Obrigada a você de novo, já que me salvou aquela noite.


Tentou me ajudar esta semana, e eu fui uma cadela. Só queria que

ficassem seguros — disse e foi para a porta. — Prometo pegar leve,


devo muito a você.

Saiu, me deixando chocado, frustrado, desconcertado e com

muita raiva dessa mistura com que eu não sabia lidar.

Estava completamente ferrado. Teria que a ver todos os dias e


resistir; me sentia um drogado. Nesse caso, a minha droga era uma

que nem sequer experimentei. Imagine quando eu provasse?


Capítulo 9

Alessandro

No último mês se tornara impossível resistir ao que sentia. A

confiança de Madson em mim aumentara, algo errado, pois eu não

a merecia. Eu era um assassino, capo da máfia Destruttore, não um


empresário como ela acreditava.

Era tudo uma farsa. Ela achava que estava segura comigo,

mas não sabia o que eu fazia quando não estava em casa.

Eu era um assassino, e gostava disto. Ao matar ou torturar um

inimigo, eu ficava contente, e não pretendia mudar. Então por que

essa sensação estranha? Não por fazer o que fazia, pois disso não

me arrependia; aliás, eram poucas as coisas de que já me

arrependi: a amizade com Jairo e Amisteg; não ter protegido Jade

do Gael, quando mais nova; não conseguir salvar a minha mãe das
garras do meu pai; não salvar aquelas garotas; não demorar na
tortura do meu pai como gostaria.

Mas não estava arrependido de ter ajudado a Madson, apenas

confuso por não apreciar mentir para ela. A mulher pensava que

mafiosos eram monstros. No fundo, eu reconhecia isso como

verdade, o que me impedia de revelar tudo. Ela fugiria assim que eu

contasse.

Somente aceitou a ajuda do cartel porque não viveu nele e só

sabia o que lhe foi contado. Mas a máfia era diferente, pois ela

certamente presenciou muito lá, então não conseguia distinguir

quem mexia com coisas erradas ou não.

— Por que está triste? — sondou uma voz suave. Levantei


minha cabeça e me deparei com a garotinha loira de olhos tão

brilhantes quanto o céu no verão. Graziela, a pequena graça.

— Não estou — respondi.

Não podia dizer a ela que não sentia tristeza porque não havia

nada em mim.

— Então por que não sorri? — Ficou na minha frente. — Minha

mãe sempre diz que, quando a beijo, eu a deixo feliz. Posso fazer

isso com você também?


“Felicidade” era uma palavra que, para mim, não significava

nada. Antes que eu tivesse tempo de inventar alguma desculpa, a


garotinha se aproximou e beijou meu rosto.

— Posso fazer isso todos os dias para deixá-lo alegre e


aquecer o seu coração, assim nunca ficará triste. — A animação

dela era contagiante.

Eu não tinha um coração sentimental, apenas um membro que


pulsava e oxigenava meu corpo. Tudo em mim era negro como ônix,

tão sombrio que inexistia espaço para algo.

A menina sorriu, uma fada, viva e iluminada como uma estrela.

Parecia não ser certo a manter perto de alguém como eu, um


monstro, um assassino frio, pois eu matava e não me arrependia.

— Vou ser sua amiga e o farei sorrir mais vezes. — Entregou-

me uma flor. — Peguei no jardim. Darei uma para a minha mamãe,


e outra para você.

Peguei a planta vermelha e perfumada. Ela se virou e saiu do


meu escritório tão rápido como apareceu, não pude devolver.

Podia estar confuso, mas sentia a escuridão em mim. Ela

sempre faria parte da minha vida.


Olhei para a flor, mais uma rachadura para me comprometer.

Como manteria tudo trancado? Não havia nada ali dentro que fosse
bom para resgatar ou tentar me redimir. Mesmo se eu quisesse ou

se minha natureza aceitasse.

Eu precisava lutar! Bater em algo ajudaria um pouco para tirar


essa frustração, embora o sexo ajudasse. Até fui à boate para tentar
ficar com uma das dançarinas, mas não achei justo ter relações com

uma mulher pensando em outra. Sempre que transava era só isso e


pronto, focava no momento, mas as coisas mudaram. Madson

estava bagunçando tudo, aliás, já o fizera. Não só ela: a doçura de


sua filha também.

Peguei a flor e coloquei na gaveta em cima da carta que minha


mãe deixou. No casamento de Jade, minha irmã me entregou essa

carta. Nossa mãe escreveu cinco delas, uma para cada um de nós,
seus filhos, antes de morrer, e guardou em seu porta-joias. Jade as

encontrou e nos entregou. No verso dizia para abrir quando


fôssemos nos casar. Poderia abrir antes, mas temia o seu conteúdo.

Casamento não era uma opção, então a deixei guardada,


mesmo assim me perguntava: quais teriam sido seus últimos

pensamentos?
Eu me levantei. Talvez encontrasse o Rafaelle ali, mas
duvidava. Ele estava no mercado checando os negócios, junto a
Stefano. Então só me restava o saco de pancada.

Vesti-me com roupas de treino e fui para a academia malhar,

ou melhor, lutar.

Estava socando há algum tempo, descarregando minha fúria,


quando ouvi passos suaves; Luna estava na faculdade e, Miguel, a
vigiando, assim como Viper.

Ia chamar o Miguel para conversar sobre o episódio ocorrido

na minha sala, o beijo em minha irmã, mas não queria estragar tudo
entre eles. Apenas o alertei que se a machucasse, eu iria castrá-lo,
sendo amigo ou não.

Era Madson; a sua presença provocava várias sensações em

meu corpo, não só vontade de fodê-la.

— O que o saco de pancada lhe fez? — inquiriu, entrando na


sala grande.

Chute, soco e chute de novo. Essa era a sequência de


movimentos que eu repetia há algum tempo. Não resolvera muita

coisa.
— Ele? Nada, mas você? Tudo — rosnei, socando com tanta
força que quase saiu do encaixe.

— Eu? O que fiz? — Parecia realmente confusa.

Quando ela reagia assim, eu sentia seu ar inocente, como se


nunca houvesse sido tocada. De que forma, se tinha uma filha?

Geralmente meu instinto a esse respeito não se enganava. Sempre


corri de virgens; acreditava que talvez só houvesse ficado com o pai

de sua filha — uma coisa em que eu não queria pensar (e outra,


isso era passado).

Virei para ela e a vi escorada na parte em que ficavam as

barras de ferro, com o olhar inofensivo. Essa mulher acabaria me


matando, e ela nem tinha noção disso.

Sacudi a cabeça.

— Melhor se afastar, ou um desses ferros poderá cair em seus

pés — falei, voltando a chutar.

— Graziela mencionou que ela lhe deu uma flor, pois você

parecia triste. — Aproximava-se. A porra do meu corpo parecia estar

perto de labaredas.

— Juro que se não ficar longe, eu vou jogá-la nesse ringue e

fodê-la até não andar mais em linha reta — rosnei, virando para ela.
— Não sou uma puta — sibilou, magoada.

— Não disse que era. Estar louco para possuir o seu corpo

não significa que eu pense isso de você. Pelo contrário. — Deixei o

saco de pancada e fui em sua direção. — Cada vez que me olha, eu


sinto meu pau endurecer como rocha, faminto para provar esse

corpinho divino.

Ela engoliu em seco, tendo dificuldade para olhar para o meu


peito nu. Eu tinha muitas cicatrizes, mas cobri várias delas com

tatuagens de chamas; como se o fogo saísse de dentro para fora, tal

qual eu me sentia às vezes com tudo o que houve no passado.

— Sinto o seu desejo por mim. Agora me diga, Madson: o que

a impede de aceitar esse prazer? Posso ver agora mesmo a fome

em seu rosto. — Achegava-me. — Se eu tocar em você, não vou


parar.

Ela piscou, dando um passo para trás.

— Não posso…

Ela parecia quase desesperada por mim, mas então o que a


segurava, se ambos queríamos? Talvez precisasse de mais um

empurrão. Se por acaso tivesse algum trauma, eu respeitaria, me

manteria longe, ou trabalharíamos juntos no problema.


— O que a faz hesitar tanto, Estrela do mar? Apenas deixe

acontecer. Aposto que está molhada para mim. — Forcei meu tom

para sair baixo e provocador.

A fome estava ali, estampada em seu rosto. Segurava a saia

como se tentasse se controlar.

Cheguei perto, e ela piscou, saindo de um transe, então se

virou e ia correr, mas a alcancei. Segurei-a por trás, com uma mão

em sua barriga, escorando-a em meu peito, e a outra arrastando o


seu cabelo loiro para o lado, deixando o ombro direito desnudo para

lhe depositar um beijo.

Seu corpo estremeceu; ofegou com o meu toque.

— Sente isso? Esse fogo ardendo entre suas pernas, louco

para ser saciado? Posso resolver para você, se permitir. — A mão


que estava em sua barriga desceu um pouco mais, fazendo-a gemer

baixo. Esse som nunca me encantou antes, mas no momento,

soava como música para meus ouvidos.

Esperei que ela retirasse a minha mão e me impedisse de ir ao

lugar pulsante pelo desejo emanado dela.

Há muito tempo eu queria essa mulher; a desejava com uma

fome ardente. Nem acreditava que ela estava ali e me deixando


tocá-la.

Meu pau ficou tão duro que achei que estouraria meu short de

ginástica. Mas esse momento não era sobre mim, e sim por ela;

para fazê-la se soltar mais.

Levei meus dedos por baixo do vestido e toquei seu centro por

cima da calcinha, fazendo com que ofegasse.

— Alessandro… — sussurrou, pegando minha mão que

circulava seu ponto pulsante. Achei que ela tiraria dali, mas só se

escorou mais em mim, jogando a cabeça para trás em meu ombro.

— Sente esse prazer? Meus dedos circulando o seu clitóris e

fazendo a sua boceta pulsar? — Arrastei a calcinha para o lado,

peguei seu nervo e o massageei. Enquanto isso, beijava o seu


pescoço.

— Oh!

— Isso, Estrela-do-mar, goze em meus dedos. — Passei a

língua em sua veia e trouxe sua boca para a minha. Meu desejo era

beijá-la, mas seus olhos suplicaram o contrário, então os fechou


assim que a senti estremecer ao chegar em seu clímax com um

grito.
Não entendia sua aversão ao beijo. Ela queria o mesmo, então

qual era o sentido de sua luta?

Fiquei esfregando sua intimidade até que ela parasse de


tremer em meus braços. Acreditei que tinha sido um começo e que

estávamos progredindo, já que ela me deixou tocá-la. Mas algo em

meu peito apertou, uma emoção que nunca senti antes. Queria
penetrá-la sim, possuir cada parte dela, mas também queria

embalá-la em meus braços e acariciá-la, mantê-la comigo para

sempre… Como poderia almejar mais que uma transa? Não era um

homem de casamento! Desejava algo limitado ao lado sexual, mas


não era o caso. A garota não atravessaria seus limites.

— Você está bem? — Mal escutei sua voz baixa.

Nem senti que respirava com dificuldade. Os olhos dela

estavam tão vulneráveis, essa inocência neles me incomodava.

Madson gostava de mim, não era só luxúria, havia sentimentos. Era


mais do que eu poderia oferecer.

— Merda, isso não pode acontecer. — Afastei-me dela


tentando recuperar o fôlego.

— O quê? — Ela deu um passo para trás, como se eu a

tivesse batido. O que vi em seus olhos foi como uma pancada na


boca do meu estômago.

Eles estavam úmidos, como se fosse chorar, então saiu

correndo.

Gostava de ver a dor das pessoas, espancá-las, fazê-las gritar


e chorar. Mas isso? Meu peito parecia que tinha levado um tiro, pois

pulsava dolorosamente. Tudo em mim dizia para deixá-la sozinha,

não ir atrás dela ou tentar explicar nada, assim tudo se resolveria.


Mas só a mera ideia de saber que chorava contorcia meu intestino.

Dava-me vontade de matar todos que a fizeram sofrer, incluindo eu.

Saí da academia à sua procura. Não ia ficar pensando ou


jamais encontraria uma resposta. Ela escondia algo, porque numa

hora me queria, e em outras hesitava para se entregar, como se

fosse uma virgem imaculada ou coisa assim. Ela teria de me dizer


qual era o problema, e eu faria o mesmo: diria que não poderia

oferecer o que ela ansiava, não era esse tipo de homem — poderia

até ser, mas não havia nada em mim que ela apreciaria se soubesse
a verdade.

Ouvi uma música de balé na sala, com certeza Graziela

treinava como sempre. Estava até me acostumando com o som,


ainda que algumas vezes me pegasse pensando na minha mãe e
no que ela não pôde ter.

Virei no corredor, indo para o quarto de Madson. Ao entrar,


ouvi a água caindo, mas tinha outro barulho também, um soluço

fraco.

Corri para o banheiro e o que vi quase me fez cair de joelhos.

Madson estava sentada no chão com roupa e tudo, abraçada aos

joelhos. Sua cabeça se apoiava neles, a água caindo sobre ela.

Outro soluço.

Queria me aproximar, mas estava petrificado, segurando meus

instintos para não ir matar quem a fez ficar assim. Foi arrebatador
vê-la quebrada… O pior era saber que não foi nenhum estranho que

a deixou nesse estado, e sim eu.

Ódio, raiva, dor e fúria faziam parte da minha vida. Sempre

gostei de gerar isso ou, às vezes, até de sentir também. Mas no


momento? Olhar para essa mulher desgarrada, que não levava
desaforo de ninguém, nem mesmo de mim, e vê-la nesse estado, foi

como um soco.

Ela levantou os olhos para mim. Enxerguei a dor refletida ali


através das lágrimas. Dei um passo para trás, até sentir minhas
costas na parede. Mesmo com a água caindo sobre ela, eu sabia
que chorava.

Queria me desculpar por entristecê-la. Não achei que fosse


reagir assim, como se eu a tivesse diminuído e não a desejasse,

sendo que era justamente o contrário: a mulher me levava à loucura.

Aproximei-me dela, me agachando e ficando na sua frente.


Coloquei dois dedos em seu coração. Não conseguia dizer que

lamentava, mas quis demonstrar da única forma que sabia. Seus


olhos seguiam o movimento; não se afastou.

— Não entendo você, me faz sentir tão bem em alguns

momentos, mas também me diminui. — Sacudiu a cabeça,


entristecida.

— Não foi essa minha intenção. — Tirei seu cabelo molhado

do rosto, esquadrinhando sua face. — Acredite em mim, você é


muito desejada, perfeita demais para alguém como eu, Madson.

Uma chama assaltou seus olhos.

— Não me chamo Madson, meu nome é Mia! — gritou, mas

pareceu mais um sussurro.

Pisquei.
— Mia? — sondei, desligando a água, sem tirar minha atenção
dela.

— Não podia usar meu nome verdadeiro — murmurou,

encolhida.

— Sim, eu sei disso, mas faz semanas que está aqui. Por que
não me contou? — Franzi a testa, não gostando da sensação de ter

sido passado para trás, embora tivesse feito o mesmo ao não me


revelar.

Ela fechou os olhos, escorando a cabeça na parede.

— Viver na máfia foi um tormento, pois eu via as meninas

sendo entregues a homens contra sua vontade. Algumas delas iam


porque queriam vida fácil, já outras eram inocentes, como minhas
colegas no coral da igreja; ouvíamos a palavra do Senhor e

seguíamos à risca, mas depois que foram levadas, eu vi como


ficaram. — Sacudiu a cabeça. — Eles as quebraram tanto que

algumas até se mataram.

Sua máfia era tão letal quanto a dos Salvatores antigamente,


antes de Matteo assumir. O novo capo transformou tudo.

Skender era um chefe desumano, bruto, sem um pingo de

emoção. Claro que eu não tinha muita emoção também, mas não
era um tirano igual a ele. Eu dispunha de princípios e os associava
ao meu poder. Mulheres e crianças estavam fora de cogitação.

— Jurei que não me entregaria a nenhum homem se não fosse


meu marido, pois se o fizesse antes, eu me sentiria como elas. —
Expirou fundo, me fitando. — Então vem você e me faz quebrar

essa promessa feita a mim mesma desde que era uma garota.

Estreitei meus olhos.

— Você tem uma filha, logo, não a quebrou antes de mim? —


Não quis ofender, buscava entender seu lado. Talvez ela

considerasse seu antigo relacionamento um erro e almejasse fazer


diferente.

Sacudiu a cabeça.

— Graziela é minha irmã, não minha filha. Mas eu a amo como


se fosse. Não quero que ela saiba disso. — Tocou meu peito bem
nas chamas, me fazendo estremecer. — Por favor, não conte nada a

ela.

Ver pessoas suplicando nunca me fez sentir algo, apenas se


fossem meus irmãos. Mas a sensação que tinha com eles se repetia

com essa mulher. Não gostei de a enxergar tão quebrada.

Encontrei seus olhos molhados.


— Não direi nada, mas preciso que me conte a verdade.

Porque mesmo contando sobre a máfia, eu sinto que ainda tem


mais nisso. Estou tentando entender tudo aqui. — Limpei seu rosto
molhado.

Finalmente ficara clara a sua aversão ao beijo e às outras


coisas que ela não queria fazer antes de se casar. Tentei esconder o
que sentia. Eu a desejava, sim! Queria possuir seu corpo de todas

as formas, mas casamento? Não tinha pensado nisso.

— Mamãe me protegeu até quando pôde de todos na máfia. —


Colocou a cabeça em meu pescoço e passou o braço em volta de

mim. A sensação era enervante, eu estava uma bagunça do


caralho. O que sentia não era só prazer, tinha algo mais dentro de
mim. Pelas rachaduras, transbordavam emoções.

Apertei meus punhos, expirando irregular, então devolvi o


abraço como se não tivesse controle dos meus movimentos. Tocá-la
de forma sexual seria normal e eu ansiava por isso há meses, mas

esse toque ali era mais pessoal e envolvia sentimentos, o que eu


usualmente evitava.

Vê-la nesse estado só me fazia desejar embalá-la mais perto e

protegê-la do mundo; matar todos que queriam o seu mal, dizimar


os que tentarem.

— Meu pai e ela se conheceram aqui na Itália, e então


apaixonada como estava, ela resolveu ir com ele para a Albânia. O

mar de rosas que achava que iria viver lá não aconteceu. Meu pai
mostrou o verdadeiro monstro que era, pois a colocou para deitar-se
com o chefe dele. Conforme ia crescendo e me encorpando, eu

percebi que o maldito chefe do meu pai me obrigaria a casar


consigo. — Ante sua respiração desigual, eu me apertava mais
contra ela. — Minha mãe estava grávida de Graziela, íamos fugir

naquela noite, mas houve uma briga, ele atirou nela… o sangue…

Sua dor cortou algo em meu coração que achei estar morto.
Quis estraçalhar o seu maldito pai e fazê-lo sangrar.

— Lutei com ele. Peguei a arma e atirei… — Sua voz falhou.

— Sei que merecia, mas por um bom tempo, eu não consegui


dormir direito, porque fiz algo que ouvia ser errado na igreja. “Não
matarás”! É o que está escrito na bíblia. E eu fiz isso.

— Foi legítima defesa, então não conta como pecado. — Essa


mulher não foi feita para mim. Era boa demais para lidar com meu
mundo. Assim que tudo se resolvesse, eu a deixaria livre para ter a

vida que sempre quis.


Ignorei a sensação devastadora em meu peito com esse
pensamento, mas era o certo a se fazer.

— Sei disso, mas é uma vida… E tive que fazer o parto de

Graziela eu mesma, ou ela morreria com a mamãe. Tive de fugir.


Nem enterrá-la eu pude, pois eles me pegariam e me matariam. —
Encolheu-se. — Algum tempo depois, em Veneza, eu fui localizada.

Os malditos matam quem se aproxima, e aposto que também


torturam para me encontrar. Jurei não me aproximar de ninguém;

até tentei ficar longe de Luna, mas a garota é doce demais para
isso. — Afastou-se, e um sorriso se formou em seus lábios. Tocou
meu rosto. — Então conheci você e, de repente, não quis mais

partir.

Toquei sua testa querendo dizer que lamentava pelo que


sofreu, mas as palavras não saíam. Foi uma forma de mostrar o que

eu sentia.

Aconcheguei-me mais, e seus olhos se fecharam, esperando


ou temendo um beijo. Eu não o faria enquanto ela estivesse
fragilizada. Apenas rocei meus lábios em sua testa.

— Tome um banho e se troque. — Puxei-a de pé, afastando-


me.
Seus olhos pareciam magoados e confusos, depois deu uma
risada amarga.

— Sabia que assim que eu dissesse isso você se afastaria —


sussurrou. — Você não é o homem certo para mim… — Nesse final,
parecia falar consigo mesma.

Prensei-a na parede, encostando-me em seu corpo molhado.

— O que quer que eu diga, Mia? — Tentei não grunhir. — Não


sou quem você pensa! Não sou homem para casar ou ter filhos! Não

há nada em mim que seja bom para oferecer a você. Muito menos o
que deseja.

— Você não sabe o que desejo — retrucou com um ar feroz.

— Sim, eu sei. Um marido que sai cedo para trabalhar e volta

tarde; uma casa com cerca branca e flores. Eu não represento isso.
— Queria esconder a verdade para protegê-la, mas às vezes
algumas coisas era preciso dizer. — Tudo o que há em mim é

escuro demais.

Saí dali, deixando-a de boca aberta e chocada, mas havia algo


mais em seus olhos. Depois de saber os seus receios e o seu

desejo, eu entendi a porra da verdade contra a qual lutava há muito


tempo, mas tudo se foi. Não iria mais procurá-la, nem tocá-la.
— Vou querer saber o que faz saindo do quarto de Madson,

molhado e com uma fúria capaz de devastar a cidade? — Ouvi


Rafaelle de pé no corredor.

— Não deveria estar trabalhando? — Controlei as minhas

emoções confusas.

Avaliou-me, e eu soube que tinha perguntas, mas estreitei os


olhos deixando claro que não queria falar dessa merda ainda. Ele

pareceu entender e mudou de assunto.

— Parece que temos mais traidores em nosso povo — disse


Rafaelle.

— Não eliminamos todos? — Cerrei os punhos.

Alguns anos atrás, logo que matei o meu pai, eu tive que lidar
com vários traidores que não me aceitaram no poder, então se
aliaram aos Rodins. Pensei que tivesse pegado todos eles.

— Alguns acham que estamos chatos demais, sem nenhuma


diversão. — A sua voz fervia ao imaginar a que tipo de diversão se
referiam.

Quando meu pai controlava a máfia Destruttore, ele mexia com

prostituição infantil e outras coisas, apesar de eu ter feito o que


pude para interceptar o tráfico de meninas na época. Havia pessoas
trabalhando nisso, indo atrás de todas que ele vendeu e as levando
de volta às suas famílias. Poderia ter feito mais antes, mas Marco
descobriria, e minhas irmãs pagariam.

— Vamos acabar com essa merda e mandá-los para o inferno.


Eu estou louco por uma ação. — Olhei para o quarto. Sim, eu
definitivamente não era o homem certo para ela e nunca seria.
Capítulo 10

Alessandro

— Precisamos falar do que está o incomodando tanto —

Rafaelle propôs.

Depois que escutei da boca de Mia que estava se guardando

virgem e imaculada ao seu futuro noivo, tudo em mim ferveu.

Sempre lidei com a raiva, mas no momento sentia como se tivesse

uma bomba no meu interior.

— Não quero falar sobre isso — consegui dizer.

Eu só precisava esmagar algo. Quem sabe assim essa fúria

fosse controlada dentro da minha cabeça? Sentia tudo girando

como um maldito liquidificador.

Rafaelle ficou calado, mas queria saber o que se passou.


— Quem descobriu os traidores? Tem provas quanto a isso?
— Decidi mudar de assunto, porque não queria falar ou pensar em

Mia.

Deu um suspiro duro, mas não insistiu.

— Foi o El Diablo. Ele nos informou que alguns dos nossos

estão reunidos em uma capela a alguns quilômetros daqui. Assim


que os reconheceu, ele me mandou mensagem falando do lugar;

parece que estão lá agora. — Fervia de raiva.

El Diablo, amigo de Miguel, executava serviços quando alguém

dava um preço alto. Conhecido como “O ceifador”, ele tinha uma

empresa de assassinos brutais. Éramos aliados há algum tempo, já

precisei de alguns trabalhos dele, sua agência era a melhor nesse


departamento.

— Se ele sabe disso, sua encomenda está no local, certo? A

pessoa que ele deve matar. Preciso que El Diablo não faça nada até

eu chegar — falei.

— Já cuidei disso — afirmou. — Vai nos dar duas horas e


então concluirá o serviço.

— Ele pretende eliminar um dos nossos? Ou melhor, um dos

traidores? — Certamente não foi a mando do Miguel, ou meu amigo


teria dito algo.

— Não. Parece ser o padre que não é padre, só está

disfarçado como um. Alvares Mendes. O braço direito do chefe do

Cartel de Sangue. — Suspirou.

Estreitei os olhos.

— O Death? — O chefe do Cartel de Sangue era o inimigo


mortal de Miguel. Irmão do antigo chefe, não aceitou bem quando

Miguel assumiu como líder dos Lobos Solitários.

— Parece que sim. Miguel disse que precisava limpar alguns


do seu território, e Death quer se apossar e ter o que não é dele.

Sorri de modo frio.

— Acho que vou cuidar desse padre falso para Miguel. Preciso
de uma ação. — Olhei para um casal andando de mãos dadas no

parque enquanto passávamos com o carro.

Trinquei os dentes; deveria concentrar minha raiva em outro

lugar, não em mim ou em Mia. Por culpa dela, estava nessa porra
de confusão. Tudo ia bem antes de conhecê-la naquela lanchonete

e dela me ameaçar com uma faca. Gostei de sua fibra e garra; era
raro me deparar com pessoas que não tinham medo de mim.
Embora ela não soubesse quem eu era, eu acreditava que, mesmo

tendo ciência, não abaixaria a cabeça.

— Não sei se prefiro você sério ou com esse sorriso de hiena


— comentou Rafaelle com um suspiro.

Não respondi. A minha frieza era minha armadura. Trancafiara


as emoções no cérebro depois de tantas perdas por causa desses

sentimentos inúteis.

Mas tudo queria sair ou, de repente, até saíra, já que eu estava
a porra de uma bagunça. Canalizei unicamente a raiva para fazer

esses traidores pagarem. Depois lidaria com os outros sentimentos


que me irritavam.

Andamos mais alguns quilômetros até chegarmos a um


vilarejo. Rafaelle parou o carro logo na entrada. A poucos metros,

uma igreja podia ser vista.

— Vamos esperar os outros chegarem. — Rafaelle desligou o


carro e avaliou o lugar.

Segui seu olhar e então avistei El Diablo em cima de uma


casa. Se ele não quisesse, não teríamos conseguido vê-lo. O

homem era muito bom no que fazia.


Saí do carro, indo para trás, a fim de abrir o porta-malas.
Dentro tinha algumas armas, mas ignorei e peguei um pedaço de
pau com a ponta cheia de arame farpado. Sim, tinha chegado a hora

de descarregar minha raiva.

— Que droga, Alessandro! Vamos esperar os outros… —


começou Rafaelle, mas sacudiu a cabeça assim que viu que eu não
mudaria de ideia. Ele assinalou para El Diablo nos dar cobertura.

— Não quero que ele os mate; todos são meus — rosnei, indo

na direção da igreja.

Rafaelle praguejou, mas eu o ignorei e continuei. Não tinha


carros na entrada, obviamente para não chamarem atenção.

— Que porra ele acha que está fazendo? — sibilou El Diablo,


provavelmente para Rafaelle.

— Não sei, mas eu não entraria na sua frente. Meu irmão está

com um humor terrível.

Virei a cabeça. El Diablo estava de pé segurando um rifle nas

costas. Ele era alto, de cabelos loiros até o queixo barbudo, presos
em um rabo de cavalo. E olhos escuros como a noite, mortos. Ficou

dessa forma depois que toda a sua família foi massacrada pelo
Cartel del Cali. Vingou-se deles, claro, então trabalhou algum tempo
para a máfia espanhola, mas há quase sete anos abrira sua própria
agência de assassinos de aluguel. Tornou-se famoso no submundo.
Uma pena que a vingança não mudava o que perdeu.

Do mesmo modo, Marco foi morto, mas as coisas que ele tirou

de mim não voltariam; ficaram apenas as lembranças do que me


levou a fazer. Se eu não tivesse a minha família, eu estaria como El

Diablo: morto.

Ele estreitou os olhos, como se soubesse o que eu estava


pensando.

— Tranque as portas quando eu entrar e só abra se eu mandar

— ordenei ao Rafaelle.

— Alvares é meu — apontou El Diablo.

Dei de ombros.

— Acredito que existam muitos deles para massacrar e liberar

minha fúria. — Apertei meu taco em uma mão e a arma na outra.


Então entrei chutando a porta.

— Como ousa adentrar assim numa igreja? — o padre falso


indagou de cima do altar.

Vi muitos rostos e reconheci alguns como sendo dos Rodins, e

outros dos meus homens e dos albaneses.


— Isso não é uma surpresa? — Eles levantaram suas armas,

me fazendo sorrir.

— Atirem e todos nós explodiremos. Coloquei alguns C-4

abaixo desses bancos, uma mera faísca e tudo irá pelos ares. —
Sorriu El Diablo.

— Sua única chance é nos enfrentar mano a mano. — Indiquei

El Diablo e meu irmão. — Eles não vão lutar contra os traidores dos
meus homens. Eu vou. — Gesticulei para os outros. — Somos três

contra vocês, o que acham?

Dei mais alguns passos na igreja vendo cada homem ali, louco

para sangrar todos eles.

— Não aqui, na casa de Deus — disse Alvares. — Isso é uma


abominação.

— Vou dizer o que é abominação: você. Um homem que


estupra jovens virgens e as vende, não só mulheres, mas garotos

também. Abominações são todos aqui dentro, conspirando para o

mal. Então estamos fazendo um favor ao eliminar a escória da

Terra. — Acertei um homem na cabeça; cambaleou para trás, e só o


sangue sobrou. — Hora da festa. — Virei-me para os dez dos meus

caras ali. — Vocês são ratos imundos, e eu vou matar cada um.
Um deles inflou o peito.

— Você não serve para ser líder, seu pai sempre disse isso e,

agora, posso ver. — O verme me encarava.

— Mais alguém deseja dizer o que pensa? Podem falar, talvez

eu seja benevolente e os deixe viver. — Era mentira; todos ali


morreriam.

— Você matou o Gael por ter tocado em sua irmã, quando foi

ela quem o seduziu. Um capo de verdade a teria levado em praça


pública e deixado que tivesse o castigo que merecia — outro

respondeu.

Quando uma mulher do meu mundo é pega em adultério, ela é

levada diante da corte. Nosso povo a condena apedrejando-a. Não

só adultério, mas ficar com homens sem se casar implica as


mesmas consequências.

— Mais alguém? — controlei minha fúria.

— Sim. Agora você leva uma puta com uma filha para a sua

casa, por quê? Nossos princípios significam nada para você?

Devemos seguir as leis, casar com uma mulher honrada e pura, e


não uma meretriz… — Oh, eu o esganaria. Lancei-me contra ele,

acertando suas costas.


Não entendi bem o que aconteceu, porque me perdi com a

fúria. Ninguém falava mal de minha irmã e Mia; ela não era uma
vadia, a garota nem chegou a ser beijada, muito menos a fazer

sexo.

Via tudo vermelho; meu sangue parecia queimar, me sentia

sobre brasas. Deixei escapar a junção de meus sentimentos

conturbados naqueles traidores fodidos.

Ouvi vozes me chamando, mas pareciam distantes, então

escutei um tiro não muito longe.

Pisquei, expirando irregular, como se tivesse lutado demais.

Olhei para baixo: havia um homem ali, mas sua cabeça estava

como geleia no chão. Chequei ao redor, enxergando todos mortos,


decapitados, sem membros.

Levantei-me e vi que estava todo coberto de sangue; isso me


fez lembrar das minhas primeiras mortes, em que me sujava inteiro.

Virei para Rafaelle, de pé perto da porta, os braços cruzados, a

preocupação vincando a testa. Luca, Stefano e El Diablo

permaneciam próximos, mas havia mais. Os traidores estavam


mortos, assim como os albaneses e os Rodins.

Soltei o taco no chão tentando recuperar o fôlego.


— Merda! Sobrou algum? — Nunca perdi o controle dessa

forma.

— Não, tentei pegar um, mas quase fui decepado. — Rafaelle


me avaliou.

Sacudi a cabeça vendo a igreja lotada de corpos e sangue. Eu


era isso: um assassino! Não um homem de negócios à procura de

uma esposa e filhos — tudo o que Mia desejava e com o que

sonhava.

Eu era um assassino frio e não me arrependi de ter matado

ninguém. Ela nunca aceitaria a minha forma verdadeira e, se

contasse isso, certamente a faria ir para longe. Seria um caminho


dolorido, porém correto.

Dei as costas e saí da igreja, evitando perguntas, pois se

alguém as fizesse, eu não responderia por mim.

— Alessandro…

Virei para o meu irmão. Eu podia ver os outros na porta da

igreja, mas nenhum deles chegou até onde eu estava.

— Agora não, Rafaelle. Cuide de tudo aí, preciso de um tempo


sozinho. Vou no seu carro, você pode pegar carona com Stefano ou
Luca. — Ele assentiu e me entregou a chave. Em seguida, parti sem

rumo.

Não sabia quanto tempo dirigi ou fiquei andando a esmo.

Entardecera. Tinha ido ao clube para tomar um banho — não podia

ir para casa cheio de sangue, já que isso a afastaria. Mas então por
que estava hesitando em revelar a verdade? Sim, eu não queria que

ela partisse, assim como a princesinha.

Quando cheguei em casa já estava mais calmo, tinha

controlado aquela fúria que sentia mais cedo. Logo teria de dar

adeus à Mia e Graziela, embora não estivesse preparado para isso.

Jamais estaria.

Ao parar o carro, eu me deparei com Luna e Grazi em outro

automóvel. Minha irmã desceu, já a princesa ficou.

— Graziela, amanhã nós voltamos lá e pegamos. Agora a tia

precisa estudar — disse Luna.

— Mas tia, eu tenho que treinar hoje. Estou errando um passo

e não posso fazer isso sem a minha sapatilha. — Graziela suspirou.

— Não podemos ir lá buscar?

Podia notar que Luna hesitava, pois não negaria nada a ela.
— Deixe que a levo — anunciei antes de trazer as palavras de
volta.

Luna virou na minha direção.

— Você? — Ela não poderia soar mais chocada. — Tem

certeza?

Não tinha, mas queria ir, não podia deixar a criança sem

treinar. Também precisava ficar perto de algo bom, assim afastaria

toda a porra do medo. Um que nunca senti antes: medo de que


tanto ela quanto sua mãe fossem embora.

— Sim. Pode fazer o que precisa, eu cuido disso — falei.

Ela assentiu e afagou a bochecha de Graziela.

— Cuide-se, boneca.

— Tia, eu já sou grande para ser chamada de boneca — disse


ela, me fazendo rir.

Luna também riu e entrou na casa.

— Pode deixar que eu dirijo, Floriano — alertei ao motorista.

Ele acenou em positivo. Dirigi rumo ao estúdio de balé onde


ela dançava. Segurei a dor em meu peito ao entrar em um lugar
como aquele, pois isso trazia muitas lembranças que eu desejava
evitar.

— Alessandro? — chamou Graziela.

Olhei para a menina no banco de trás através do retrovisor.

Seus olhos brilhantes estavam nublados.

— Sim, princesa?

— Você está triste? Posso beijá-lo, assim sua alegria voltará —


assegurou.

Sorri em retorno, e foi verdadeiro. Não sabia o que ela e sua


mãe tinham que levavam toda a fúria embora, assim como o medo.
Medo. Pensar nessa palavra nunca foi tão ruim; preferia enfrentar

muitos homens, como fizera recentemente, do que ficar longe das


duas.

— Não estou triste, só pensativo. Acho que torcendo para que

fique mais lá em casa. — Não era mentira.

Queria que Mia fosse embora, mas, ao mesmo tempo, não. O


que isso fazia de mim? Um homem que não sabia o que sentir? Eu

a desejava, só não garantiria fornecer o que essas duas mulheres


necessitavam: um marido e um pai. Como fazer para não ser igual
ao meu pai?
Ela sorriu com a minha resposta — sim, por esse sorriso lindo,
eu poderia fazer qualquer coisa.

— Também não quero ir embora. Mamãe podia namorar você,

e então se casariam; aí eu seria filha dos dois. — Ela levantou a


mão, mostrando uma pulseira. — Mamãe me deu afirmando que
ficaríamos sempre juntas. Se você for marido dela, também terá

uma, assim nunca nos separaríamos.

Arregalei os olhos.

— Eu adoraria ter uma pulseira, mas acho que ficaria melhor

um anel. O que você pensa? — inquiri.

— Vou procurar o anel para você. — Ela estava animada com


a ideia.

— Que tal escolhermos juntos? — falei depressa ou logo teria

de usar algo rosa. Isso seria muito estimulante para meus homens.

— Sim. Quando se casar com a mamãe um dia, aí nós vamos


atrás do anel. — Suspirou. — Minha mãe é linda, né? Acho que ela

gosta de você.

— Sim, muito. Vocês duas são deslumbrantes. — Sorri para


ela. — Então está tendo dificuldade em alguns passos? — sondei,
mudando de assunto. Não queria falar de Mia com uma criança. —
Posso ensinar você.

— Sabe dançar balé? — piscou.

— Vamos pegar sua sapatilha e, depois, mostrarei uma coisa.


Acho que vai aprender mais.

— Eba! — Sorriu.

Chegamos à academia de dança, e uma mulher nos atendeu.

— Oi, professora! Eu esqueci minha sapatilha e não poderia


treinar hoje — Graziela informou à mulher.

— Coloquei em cima do banco, pode ir lá pegar, querida — a

senhora respondeu. Então me olhou, parecendo surpresa. — Você é


o pai dela? Sua filha é muito especial, esforçada em aprender.

Poderia dizer que não, mas as palavras saíram antes de trazê-

las de volta.

— Sim, sou — concordei.

A mulher comentaria algo, mas Graziela surgiu com a sapatilha


rosa.

— Achei, obrigada! — Tão linda e educada.

Nos despedimos.
— Agora vamos para casa ensaiar? — Eu a peguei em meus

braços e a levei para o carro.

Assim que chegamos na mansão, eu fui ao meu guarda-roupa


e busquei as gravações da minha mãe, de quando ela dançava

ainda criança, da idade da princesa. Levei Graziela para assistir.

— Essa menina é linda — disse, admirada.

Sim, seus cabelos eram longos, mas nos vídeos estavam em


um coque, e ela vestia a mesma roupa que Graziela usava.

— Kélia amava dançar, assim como você. Me lembro dela


dizendo que deixava o meu avô doido, pois queria aprender os
passos. E aprendeu. Não desistiu por nada. — Até se casar, pensei.

Marco acabou com seu sonho.

Ficamos algum tempo assistindo ao seu giro, à sua dança…


Aguentei, mesmo que cada parte de mim doesse com a lembrança

de sua beleza e força. Não podia mudar o passado, mas alteraria o


futuro: Graziela seria uma grande bailarina, se assim quisesse.

— Agora que tal treinar na sala? — incentivei.

— Adoro você. — Beijou meu rosto.

Mais uma lasca sendo arrancada do meu coração; a cada dia,


a parede que ergui se desfazia, não só na minha cabeça, mas em
meu peito também.
Capítulo 11

Mia

Mais cedo, depois que Alessandro saiu daquele jeito do meu

banheiro, eu fiquei devastada. Tive de me abrir com ele, pois

precisava explicar, já que nossa situação estava indo para um


patamar que eu logo não conseguiria controlar.

Acreditava que podia confiar nele com esse segredo, e gostei

da sensação de ser tocada intimamente. Até pensei que não me

queria, mas era inegável: estávamos atraídos um pelo outro. Bom,


ou ao menos eu estava, já que ele se afastou tão bruscamente.

Logo depois a culpa veio, não culpa, porém, jurei que nunca

ficaria com uma pessoa que não fosse o meu marido. Passei tantos

anos com isso na cabeça, que a mera ideia de fazer o contrário me

deixava em pânico.
Poderia dizer que ia esperar o Alessandro, mas ele mesmo
falou que não era homem para mim. Além disso, eu vi o abismo em

seus olhos, a dor estampada em seu rosto.

Queria que se abrisse comigo, mas não, ele não parecia se

comportar assim. Eu seria capaz de deixar tudo com que sonhara

em anos só para ficar com ele? Afinal, ele falou que nunca casaria

ou teria filhos.

Quando ouvi isso saindo de sua boca, algo dentro de mim se

retorceu, porque desejava um dia ter filhos, e não só Graziela;

desejava alguém que a amasse e a aceitasse assim como me

aceitava. Mas ele quis dizer aquilo.

— Menina, todo dia um homem diferente aqui. O que anda


fazendo? — brincou Silvia.

Estava na lanchonete no meu período de trabalho; não ia ficar

em casa, já que não eram os albaneses que atacaram, mas alguns

inimigos do namorado de Luna.

Na hora que foi dito que Miguel era do cartel, eu só quis fugir
dali com minha filha, mas depois de vê-lo junto com Luna e saber

que foi ele que salvou tanto Graziela como a sua namorada,

enxerguei um lado diferente seu. Talvez não fosse tudo preto e


branco, talvez toda a organização não fosse inteiramente ruim como

os albaneses. Vi muita coisa lá e pensei que todas eram dessa


forma.

Olhei para onde Silvia apontou. Até pensei ser Alessandro, já


que não o via desde cedo, depois que sumiu do meu quarto. Fiquei

surpresa ao identificar Rafaelle sentado ao lado de Viper, o


segurança que era minha sombra.

— Deixe-me ver o que ele quer. — Saí em direção à mesa

deles. — Posso trazer algo a você?

Os olhos azuis de Rafaelle pousaram em mim. Ele me avaliou

por um segundo, não com interesse — até Stefano parou de dar em


cima, isto foi um alívio.

— Viper, pode ir. Eu tomarei conta de agora em diante —

ordenou.

Viper não disse nada. Só elevou o queixo para mim e saiu.

— Até mais tarde. — Eu gostava dos seguranças; eles eram

legais.

A ponto de sondar o que estava acontecendo, ele falou antes:

— Vai demorar a sair? Precisamos conversar. — Entrei em


pânico. Ele pareceu ler minha expressão. — Acalme-se, mulher, sua
filha está bem e segura. Não é sobre isso.

Franzi a testa.

— Então o que é?

— Depois me traga um café sem açúcar — pediu ele,


dispensando-me.

Não insisti, mas fiquei aliviada em saber que Graziela estava

bem. Entretanto, permaneci curiosa com o motivo da conversa;


deveria ser algo sério para ter dispensado o seu homem e ficado no

lugar.

Na próxima meia hora as coisas se tornaram lentas demais,

mas Rafaelle esperou paciente. Esse homem parecia muito calmo e


calado para o meu gosto.

Assim que me troquei, eu fui até ele.

— Terminei. Agora me diga: o que houve? Eles apareceram?


— Amedrontei-me.

Suspirou.

— Você precisa controlar a sua ansiedade, porque notei que

quase quebrou dois copos e deixou um prato cair. — Ficou de pé na


minha frente.
Estreitei meus olhos. Como ele notou isso se não olhava em
minha direção? Rafaelle era alto, acho que com um metro e oitenta
e nove, mais ou menos.

Eu o segui até um Maserati prata e me sentei ao seu lado.

— Você não esconde muito bem as suas emoções quando

está impaciente. — Seus olhos estavam em minhas mãos. Eu as


mexia num gesto nervoso.

— Não ligo para as minhas emoções. — De súbito, uma nova


preocupação me atingiu. — Aconteceu algo com o Alessandro? É

por isso que está aqui!?

Ele me avaliou, parecendo esquecer-se da estrada.

— Está realmente preocupada com ele. — Não parecia uma

pergunta.

O homem era bom em ler as pessoas, ou talvez estivesse


evidente em minha expressão.

— Claro que estou! Por favor, me diga que ele está bem. —
Peguei seu braço.

Seus olhos foram para onde eu segurava, então o soltei.

Depois, andou alguns minutos em silêncio. Eu já estava perdendo


minha paciência por sua falta de resposta.
Ele parou o carro e virou a cabeça em minha direção de novo.

— O que você fez com o meu irmão? — Tinha algo indecifrável

em seu tom.

— Não fiz nada. O que Alessandro disse? — Não acreditava


que ele fosse algum fofoqueiro para sair por aí contando o que

conversamos. Além disso, eu pedi que não revelasse.

— Nada, esse é o problema. Nós somos unidos, não temos


segredos um do outro. E mais, meu irmão é sempre frio, calmo,

ninguém o tira do sério, mas hoje? Parecia uma bomba-relógio, o

que ele fez… — Sacudiu a cabeça, como se para espantar os

pensamentos desagradáveis.

— O que ele fez de tão ruim assim? — Eu temia que

Alessandro houvesse entrado em encrenca.

Sacudiu a cabeça.

— Não importa. Mas a forma que estava reagindo… Eu


preciso saber o que aconteceu, ou vai ficar difícil ajudá-lo. — Ele

parecia legitimamente preocupado com o irmão.

— Só contei a verdade… — Encolhi-me pensando em como

Alessandro saiu do banheiro de manhã.


— O quê? Sei que vocês estão atraídos um pelo outro, só um

cego não vê isso. Mas o que o levou a perder o controle dessa


maneira?

Estava curiosa para saber o que Alessandro fizera, mas


Rafaelle não parecia querer me contar.

Evitei corar enquanto contava a ele sobre o que conversei com

seu irmão. Claro que deixei de lado a parte em que Alessandro me


tocou, só disse que as coisas esquentaram, então eu saí correndo e

chorando.

— Por que chorou? — indagou, confuso. — Alguém chegou a

tocá-la à força na máfia albanesa? Por isso reagiu assim? Explicaria

muita coisa. — Parecia falar consigo mesmo.

— Não. Ninguém me tocou, mas… — Não sabia se podia

confiar nele igualmente, entretanto, ele disse que os dois não tinham

segredos entre si. Acreditei que Alessandro só não contou porque


eu pedi.

Não falei o que senti ao pensar que Alessandro se afastou

após ter me tocado, então contei sobre a promessa que fiz a mim
mesma de ficar apenas com meu marido um dia, e também sobre
Graziela e sua origem. Depois as últimas palavras do seu irmão

antes que saísse aquela manhã.

— Entendo. — Sua voz era baixa ao agarrar o volante. — Vou


lhe revelar algo. Espero que entenda suas razões e não o deixe se

afastar.

— Se ele quer se afastar, é porque não sente nada. Suas

palavras foram diretas quando afirmou não ser homem para casar

ou ter filhos. Eu não sei se posso desistir de tudo o que sonhei só


para estar com Alessandro — sussurrei.

Claro que não queria isso agora, afinal, nem o conhecia há

muito. Mas um dia ia querer e, se ficasse próxima dele, poderia me


apaixonar, e isto seria meu fim.

— Nosso pai não era um homem bom. Obrigou meu irmão a


fazer coisas com que você nunca sonharia. Mas o que estou

tentando dizer é que Alessandro se acha um monstro como nosso

pai, e pensa que não merece alguém como você e sua irmã…

— Filha — destaquei. — Não importa como ela foi gerada, é

assim que me sinto em relação a ela.

— Sim, eu sei, desculpe. Meu irmão pensa que não é bom o

bastante para ser abençoado com você e sua filha. A forma que
olha para as duas… Eu sinto que Alessandro as quer, mas luta

contra. — Ele pegou uma mexa de cabelo e colocou atrás da minha


orelha, logo se afastou. — Só tome conta dele, e por mais que sua

escuridão seja intensa, não o deixe a empurrar para longe.

Gostei do carinho direcionado a seu irmão; parecia amá-lo

muito.

— Vou tentar, apesar de não saber se conseguirei. Para eu


poder ajudá-lo, ele precisa me deixar entrar, e sinto que guarda algo

de mim. Assim fica difícil…

— Se ele o faz é para protegê-la. Mas, eventualmente, acredito

que contará. — Ligou o carro e já ia dirigir para partirmos. — Agora

vamos, ou Alessandro vai perguntar o que se passa. E Mia? —

chamou, olhando em minha direção. — Vamos deixar esta conversa


aqui, até a hora certa. Esperar que tudo se desenrole com o meu

irmão e outras coisas.

Assenti. Não era um segredo tão grande assim para ser

considerado traição não contar ao Alessandro. Apenas um pedido

de um irmão desesperado para ajudar o outro.

— Também espero que não conte sobre a Graziela para

ninguém. Há uma coisa que me esqueci de dizer ao Alessandro. Eu


não revelei que ela é filha de Skender. Ele estuprou a minha mãe e

a engravidou, não quero que ela saiba disso. — Não gostava de

pensar sobre o assunto, pois a dor que mamãe sentiu deve ter sido

muita.

— Não direi nada. Pode ficar tranquila. — Havia um juramento

ali. — Gosto daquela garotinha, com ela lá em casa parece que o


ambiente ficou vivo de novo.

Sorri, apreciando seu carinho por Graziela. Ela era uma

menina que iluminava todos os lugares em que passava. Eu jamais


iria assombrá-la com coisas de que não precisava saber.

— Antes de irmos embora, você pode me levar na escola de


balé? Preciso assinar o pagamento e checar a apresentação que

Graziela terá em algumas semanas — pedi.

Concordou e virou para uma rua, seguindo minhas instruções.


Mas claro que ele sabia onde era, o seu segurança ia ali direto para

nos acompanhar sempre que eu levava Graziela. Mais cedo, quem

a buscara para mim fora Luna.

— A princesa vai dançar em um palco? — Sua voz tinha um

tom quase doce ao falar de Graziela.


— Sim, ela está muito animada, não fala em outra coisa. —

Meu coração batia com orgulho imenso da minha filha.

Desde quando comecei a fugir, não pensei que encontraria

pessoas como esses irmãos Morelli, em especial Luna, uma garota

que me recebeu em seu lugar.

Não sabia como agradecer a todos eles. Enviavam seus

seguranças para nos darem proteção, não só a mim, mas à minha


filha também.

Assim que chegamos, eu paguei a mensalidade e chequei

sobre a apresentação.

— No final da performance, as crianças lerão o poema que

fizeram para o Dia dos Pais. Sua filha parece animada por isso —
informou a professora de dança. — Ela é uma menina tão doce e

linda. Acredito que o pai dela ficará emocionado, ele é um homem

que parece amar muito a filha.

Gelei ao ouvir que alguém apareceu ali fingindo ser o pai de

Graziela.

— Conheceu o pai dela? — sondou Rafaelle, segurando o meu

braço, como se me pedisse para controlar minhas emoções. Ele

reclamou disso antes, mas não era tão controlada quanto ele.
A mulher sorriu, não notando a minha tensão.

— Claro. A Graziela esqueceu a sapatilha, então o pai a trouxe

aqui para pegar. Eles saíram há pouco tempo. — Sorriu para mim e
Rafaelle. — Você se parece com ele, moço, com toda a certeza

devem ser parentes. Só mudam os olhos, os dele são verdes.

Alessandro estivera ali com Graziela? Esse gesto tocou fundo

meu peito. Se ele não queria filhos, por que a tratava tão bem?

Podia ter pedido a outra pessoa para buscar, mas viera

pessoalmente.

Voltamos para o carro.

— Acho que tem mais no seu irmão do que ele deixa

transparecer — sussurrei.

— Meu irmão é bom em afastar as pessoas quando quer, mas


se deixa alguém entrar, não há nada que as tire dele. Nem mesmo

ele próprio. — Usava um tom quase melancólico, como se tivesse


presenciado algo do gênero.

Eu também era assim. Não me lembrava de alguma vez ter


tido uma amiga de verdade ou alguém que se preocupasse comigo

além de minha mãe, e agora Graziela. Nesse tempo foragida, fiquei


longe de pessoas que um dia poderiam ser amigos, mas ali estava
eu com conhecidos que, se eu deixasse, se transformariam em
minha família.

Assim que Rafaelle parou o carro, eu saí louca querendo


abraçar a minha filha e torcendo para ver Alessandro; seu veículo

estava estacionado, então deveria estar ali.

Entramos, mas travei no hall com a cena diante de mim.


Rafaelle seguiu o meu exemplo, parando e fixando os olhos na sala.

Alessandro estava de pé acenando com a mão para que


Graziela fizesse um giro nas pontas da sapatilha.

— Isso, pequena graça. Agora vamos! Você foi excepcional. —

Sua voz era tão macia como nunca tinha ouvido antes.

Graziela sorriu, orgulhosa, e fez de novo, mas dessa vez caiu.

— E se eu não conseguir? Se eu cair na apresentação? —


Temia.

Estava a ponto de ir lá para ajudar minha filha, mas Alessandro


foi mais rápido.

— Minha princesa, você é uma menina forte como a sua mãe,


não é de desistir fácil. Se cair, levante-se e siga em frente. Se

esforce para fazer o que gosta. — Tocou sua cabeça. — Nunca


devemos ter medo daquilo que queremos de verdade, devemos
lutar.

Ele deveria seguir esse exemplo, pensei.

Graziela se levantou e pulou em seus braços. Ele a ergueu do


chão.

— Sua barba faz cócegas. — Riu, sacudindo a cabeça, e tocou

o rosto dele. — Obrigada. Vai à minha apresentação? No final, eu


quero ler algo para você.

— Para mim? — Engrossou a voz.

Meu coração balançou por dentro com esse gesto dela, apesar

de ter notado que tinha algo no balé que trazia dor ao Alessandro.
Acho que sua mãe era bailarina ou queria ter sido.

— Sim, é o Dia dos Pais. Como não tenho um, eu escrevi para

você. — Ela parecia tão ansiosa que prendi a respiração, torcendo


para que Alessandro não quebrasse o coração da minha filha.

— Por que eu? — Ele se recuperou do choque.

Estava de costas, então não pude ler sua expressão.

— Você é bom comigo e gosta da minha mãe. Acho que


podiam se casar, e então eu seria filha dos dois. — Seus olhos
brilharam.
Segurei a respiração esperando a resposta dele; se ele
negasse isso a ela, eu o fritaria como um peixe. Claro que não

precisaria ser real, apenas para não magoar os seus sentimentos.

Rafaelle segurou meu braço, acho que para me acalmar, assim


pensei.

— Adoraria isso, princesa — respondeu por fim. Nesse


momento, eu quis saber o que ele pensava.

Graziela gritou e beijou seu rosto.

— Oba! Eu não vejo a hora de mamãe chegar para dizer a ela.

— Sua alegria acelerou meu coração.

Poderia beijar Alessandro só por ter trazido essa alegria à


minha filhota.

— Acabei de chegar. Do que se trata essa gritaria? — sondei,

fingindo não ter ouvido nada e segurando minhas emoções e minha


vontade de abraçar o Alessandro.

Suas costas ficaram rígidas, e ele se virou em nossa direção,

colocando Graziela no chão. Ela correu para mim com toda a sua
alegria.

— Mamãe! — Ser chamada assim aquecia meu peito, minha

alma.
Os olhos dele foram de mim para o seu irmão, depois para a

mão de Rafaelle em meu braço. Algo perigoso cintilou ali, mas


Rafaelle me soltou e entrou, indo até seu irmão. Em seguida, disse
algo baixo a ele, que eu não pude ouvir.

Graziela tagarelava sobre o que tinha feito com o Alessandro.


Relatou que tomou sorvete de chocolate dado pelo cara, e que
foram buscar a sapatilha juntos. Disse também que ele a ensinou a

fazer alguns movimentos.

— Querida, por que não sobe e toma um banho? Amanhã


você treina mais — pedi.

Ela me beijou e foi até Alessandro, que se abaixou para que

ela fizesse o mesmo com ele.

— Amo vocês dois — disse. A Rafaelle, que subia a escada,


reiterou: — E você também, tio Rafa.

Rafaelle riu.

— Tio Rafa, hein? — Pegou-a sobre os ombros e a levou para


o andar de cima, fazendo com que gritasse.

— Tio Rafa, eu sou uma menina grande para ser levantada

assim!
Sacudi a cabeça e me virei para Alessandro, que estava ali
olhando a escada também, mas logo se voltou a mim.

— Obrigada por isso. — Cheguei perto dele e toquei seu braço

com os olhos nos seus.

— Não fiz nada, eu só não… — Afastou-se do meu toque. Algo


em meu peito apertou forte.

Então me lembrei do que Rafaelle disse, que não era para

deixá-lo me afastar.

— Não importa, eu agradeço. E quando quiser conversar ou se


abrir, seja qual for o motivo de seu tormento, eu estarei aqui. —

Toquei seu coração por um segundo.

Ele riu, amargo.

— Não vai querer saber, é intenso demais. Você correria sem


olhar para trás. — Saiu da sala, me deixando chocada.

Certo. Eu sabia que ele achava que não teria redenção, como
o pai dele. Mas Alessandro não era assim; esse homem era
excepcional, me protegeu e ainda o fazia.

Deixaria para falar com ele quando estivesse mais calmo.


Mesmo sua raiva não me faria desistir de nós, não depois de ver
como agia com Graziela. Alessandro gostava dela, e eu sentia que
de mim também, mas estava lutando contra isso com unhas e
dentes.

Naquela noite, estava quase caindo no sono quando senti a


cama se movendo; o pânico me tomou e eu estava a ponto de gritar,
mas uma mão cobriu minha boca, me fazendo lutar.

— Sou eu, não grite. Eu não vou tocá-la — Alessandro


sussurrou em meu ouvido. — Só preciso ficar aqui.

Ele tirou a mão da minha boca e se deitou ao meu lado, se


afastando, mas ainda segurando minha mão.

Meu coração se aqueceu ao ouvir o seu tom quase


desesperado.

— Alessandro…

— Não diga nada. — Beijou minha testa e relaxou no

travesseiro. — Só precisava sentir seu cheiro.

Ele parecia tão cansado que relaxei, ou tentei; dormir ao lado


dele não ajudaria a aliviar o meu coração. Eu queria tocá-lo ainda
mais, contudo, não estava pronta.
Capítulo 12

Mia

Completaram-se cinco dias de Alessandro vindo para a minha


cama sem falar nada; ele entrava, deitava e dormia. Às vezes, eu

ficava ali só olhando, mas o sono chegava e eu acabava desistindo.

Na manhã seguinte, ao acordar, ele já não estava mais ao meu lado.


Eu não sabia em que horário da noite ele ia embora, até tentava

permanecer acordada para ver, sem êxito.

A cada dia e a cada gesto esse homem adentrava mais em

minha pele. Com as pequenas coisas como, por exemplo, receber

as flores de Graziela, e até as grandes como ir ao estúdio de balé


para pegar uma sapatilha.

Entretanto, ele dormia comigo e, durante o dia, não nos

falávamos. Eu até deixei que tivesse seu momento e ficasse sozinho


por um tempo, mas já estava me cansando disso. Eu precisava
tomar uma atitude: decidir se lutaria por ele ou o deixaria ir de vez.

— Madson ou Mia? O que prefere? — sondou Luna, sorrindo

ao entrar na lanchonete em que eu trabalhava.

Eu tinha contado a ela meu nome verdadeiro. Só eles sabiam,

pois confiava que guardariam o segredo.

— Madson. Alguém poderia ouvir você me chamando de Mia,

e não estou a fim de trazer problemas à sua família. — Era a minha

hora de almoço, então comia meu sanduíche.

— Verdade, Miguel me disse que estão tentando negociar

sobre a sua situação. — Suspirou.

Engasguei-me com o alimento e bebi um gole do refrigerante

para descer.

— Como assim negociar? — Meu tom saiu mais alto. Baixei o

volume: — Esse homem é louco? Não quero que o chefe da máfia

venha para cá e nem que saiba que estou vivendo nesta cidade.
Vou ter que ir…

Ela me cortou:

— Relaxe, este território pertence ao Miguel. — Eu a vi corar,

não soube dizer se era por falar do namorado. — Nenhum mafioso


albanês entra sem a autorização dele. Tentar negociar poderá

ajudar você a ficar livre e fazer o que sonha. Aliás, o que mais
deseja?

Além da liberdade? O seu irmão, pensei. Mas o que disse foi:

— Não sei, passei tanto tempo fugindo que não pensei no


futuro a longo prazo. Acho que voltar para a escola e fazer

faculdade, me formar em algo. Gosto da ideia de me tornar uma


professora, porque adoro crianças. — Franzi os lábios. — Me casar

está na lista; ser uma esposa e mãe de mais filhos.

— Talvez se case com o meu irmão. Ele tem aquele jeito frio,

mas é um amor de pessoa. Também entendo que sua proteção é


um pouco demais, mas é o melhor para nós. — Seus olhos foram

para Viper, meu guarda-costas, e para um cara chamado Sage, o


seu.

— Casar com Alessandro? Será um pouco difícil, para não


dizer impossível. Ele é complicado, me empurra toda vez que tento

conversar — murmurei.

— Vejo quando ele sai do seu quarto de madrugada e vai para


o dele. Ele fica lá olhando para a sua porta, como se não quisesse a

deixar. — Tomou um gole de sua bebida.


Franzi a testa.

— Como sabe sobre isso? Não era para estar dormindo a essa

hora da madrugada? — indaguei, curiosa. Comecei a reparar que


seus olhos traziam orelheiras fundas.

Ela se encolheu.

— Não estou dormindo muito ultimamente, depois do incêndio


e…

— Ele nunca me explicou o que realmente aconteceu naquela

noite, só que vocês foram atacadas e que conseguiram fugir. Vou


lhe dever por toda a minha vida. — Era verdade, não havia nada
que eu pudesse fazer além de ser grata.

— Eu estava dormindo quando meu telefone tocou. Bem nessa

hora, ouvi passos na sala e um clarão. Levantei-me depressa e fui


para o quarto da Graziela, mas antes que chegasse lá um homem

me atacou, me jogando no chão… Com seu corpo sobre o meu e


suas mãos… — Estremeceu, fechando os olhos por um segundo.

— Oh, Deus! Esse homem…

Sacudiu a cabeça, me fitando.

— Não chegou a fazer nada, mas o medo era tão grande que
nem consegui gritar. Então Miguel apareceu… — Respirou fundo. —
Enquanto ele lidava com o cara, eu corri e peguei a Graziela. Ela
acordou confusa, e eu só disse que a casa estava em chamas.

— O que Miguel fez? Não que eu me importe, pois por mim


que o cara fosse jogado nas chamas — falei com o coração doendo

por Luna ter passado por isso. — Lamento pelo que houve, sempre
que não conseguir dormir pode ir para o meu quarto.

Ela concordou.

— Agora entendo o que minha irmã sentiu quando o meu pai


mandou um dos seus homens tocá-la. O que Jade deve ter

passado… Esse mal encostou em mim, e já não consigo tirar


aquelas mãos repugnantes da minha cabeça. Por mais que eu tome
banho, ainda pareço senti-las — sussurrou.

Arregalei os olhos.

— Seu pai fez o quê? — Fervi. — É por culpa dele que

Alessandro é desse jeito? Se estivesse vivo, eu acabaria com o


maldito.

— Sim, Marco era horrível. Ele não gostava de nós, apenas


por sermos mulheres. — O asco era evidente em sua voz.

— Se não melhorar dos pesadelos e da insônia, talvez você

precise buscar ajuda…


— Miguel me auxilia. É só ao seu lado que consigo dormir
direito, mas ele voltou para Dallas. — Entristeceu-se. — Quando
está longe, eu pioro. — Vendo minha preocupação, pôs um sorriso

no rosto. — Mas prometo que, se continuar, eu procuro algum


especialista.

Esperava mesmo. Eu sabia o que um trauma podia causar por

dentro. Vivi assim por muitos anos.

— Jura? Não deixe que se agrave muito — pedi, esperando


que ouvisse.

— Não vou, mas não conte nada a nenhum dos meus irmãos.

Eu pedi o mesmo a Miguel. — Comeu seu sanduíche. — Voltando


ao assunto anterior, sobre o meu irmão saindo do seu quarto…

— Nada acontece. Ele só aparece lá, se deita, fica em silêncio


e nem me deixa falar. Foi sua rotina durante essa semana. E ele

também faz isto — coloquei meus dedos em sua testa e seu

coração — toda noite. Alessandro me deixa confusa. — Enxerguei-o

repetindo o gesto com a Jade certa vez. Também com a Graziela,


sempre que ela dizia que o amava.

Luna colocou a mão na boca, parecendo querer chorar ou


gritar.
— O que foi? — sondei com o cenho franzido.

— Isso significa que meu irmão gosta de você. Alessandro não

expressa o que sente como nós, com palavras. No começo era

frustrante, pois tanto eu quanto Jade dizíamos amá-lo, e ele não


falava de volta. Quando eu tinha uns sete ou oito anos, pedi que se

ele sentisse o mesmo, era para demonstrar em um gesto. — Limpou

os olhos úmidos. — Ele tocou com um dedo em meu coração, e

com o outro na minha testa. Desde então, fazemos isso sempre.

— É um sinal bonito — falei, embora não acreditasse que me

amava, só que havia uma atração recíproca. Conferi o horário. —


Passei dois minutos do meu intervalo. E você precisa ir para a aula.

— Adoro ser sua amiga, mas vou gostar mais se for a minha

cunhada. — Piscou, se levantando com um sorriso.

— Não conte muito com isso. Para lidar com o seu irmão, é

preciso ter a paciência de um santo. — Dei uma risadinha.

— Você tem o suficiente. Além do pulso firme, que não a

permite ser levada pelo jeito mandão dele. — Sorriu novamente. —

Seja como for, eu espero que tudo dê certo.

Revirei os olhos e retomei o trabalho, não querendo pensar em

Alessandro. No fundo, eu não conseguia ignorar e acabava voltando


minha mente ao seu modo frio e, paradoxalmente, seu coração

imenso.

Tão logo meu expediente acabou, retornei à mansão no intuito


de chamar Alessandro para conversar, sem essa de interrupções e

desculpas, saindo assim que eu entrasse em determinado lugar.

Stefano estava na sala falando com alguém ao telefone;

parecia alterado.

— Descubra onde ele está ou juro que vou fazer serventia do


meu novo treino — rugiu.

Estremeci, porque nunca o tinha visto nesse estado. Era


sempre um rapaz muito carismático e legal. Miguel também se

encontrava na sala, mas não avistei Rafaelle, Alessandro e Luna.

— Algum problema? — questionei, preocupada.

Ele desligou e me encarou. Antes que respondesse alguma

coisa, Alessandro surgiu como uma tempestade, quase derrubando


tudo com a sua fúria. Certo, eu já o vira com raiva, mas não como

naquele momento; parecia um tornado que, por onde passava,

acumulava destroços.

— Onde Rafaelle está? — Sua voz soava diferente e, a

expressão, era letal. Como se não fosse aquele homem que


houvesse dormido na minha cama nas noites anteriores.

— Alessandro, não é…

— Estou aqui, mas não…

Tal Stefano, Alessandro não deixou o irmão do meio falar. Só

se lançou sobre ele, derrubou-o de costas no chão e levantou a mão

direita. Ia lançar o punho depositando toda a sua força ali.

Pisquei, chocada demais e travada no lugar, incapaz de gritar,

porque se ele desse aquele soco machucaria o seu irmão. E como


Rafaelle disse: eles dois não tinham segredos, Alessandro confiava

muito no garoto. Não entendi… Por que atacar Rafaelle então?

Irmãos não deviam brigar, nunca! Ainda mais dessa forma.

As costas de Alessandro estavam tensas; eu tinha de ser

rápida. Stefano amaldiçoou do meu lado. Miguel praguejou. Fui para

tentar impedi-lo, mas Rafaelle colocou a mão em seu coração. Esse


toque pareceu trazer Alessandro de onde sua mente se situava. Ele

socou o chão tão forte que fiquei em dúvida se seus dedos não

haviam quebrado.

Rafaelle nem piscou. Já Alessandro respirava com dificuldade,

como se corresse bastante e, de repente, ficasse sem ar devido ao

esforço.
Saí do meu transe e fui até ele.

— Você ficou doido? — rosnei. — Está querendo machucar

seu irmão?

Alessandro piscou ao se dar conta da minha presença.

Virou a cabeça olhando para mim e, em seguida, se levantou.

Rafaelle fez o mesmo, embora o sentisse encolhido, acho que pela

pancada forte que recebeu.

Voltei-me a Rafaelle.

— Você está bem? Precisa de um médico? — Caminhava até


ele, mas um Alessandro mortal entrou na frente. — Qual é o seu

problema?

— O que foi? Anda querendo ser fodida pelos dois? — Estava


esquisito, bem mais gélido do que quando o conheci.

— Alessandro, não é…

— Fique fora disso, Rafaelle — alertou.

Digeri com lentidão suas palavras. Ao penetrarem em meu


cérebro, foi como se eu levasse um soco.

— O quê? — Pensei talvez ter ouvido errado. Ele não diria


aquilo.
— Você me contou que gostaria de esperar até seu casamento

para transar, mas anda querendo ir para a cama com o meu irmão,
porra! — esbravejou, me fazendo dar um passo para trás, pela

primeira vez temendo o homem diante de mim.

Nunca aceitei cantadas de Rafaelle. Aliás, ele jamais foi


despeitoso ou mostrou interesse em mim. Só Stefano o fez no

começo, mas acabou desistindo depois que passei a morar ali.

— Aqui. — Jogou algumas fotos na minha direção, que

bateram em meu peito e caíram no chão.

Nelas, eu aparecia com Rafaelle no carro dele, no dia em que


foi me buscar no serviço e conversamos sobre Alessandro. A

câmera pegou um ângulo no qual parecíamos nos acariciar (ou

quase). Até tinha uma em que Rafaelle colocava uma mecha de


cabelo atrás da minha orelha — um gesto sem interesse.

Levantei a cabeça para um Alessandro furioso. Eu poderia me

solidarizar com seu ciúme, mas suas palavras me cortaram fundo,


pior que uma faca. Como ele podia imaginar que eu seria capaz de

uma coisa dessas?

— Então você recebeu essas fotos e, em vez de vir pedir uma

explicação como uma pessoa normal faria, chegou furioso, atacou o


seu irmão e me chamou de vagabunda? — Cerrei meus dentes. —
Você é um idiota! E não sei por que razão se importa se eu fico com

alguém.

— Não é um alguém qualquer. É o meu irmão! — sibilou.

Estava ferida e magoada, mas também puta da vida por sua


falta de confiança. Nem vi a hora em que levantei a mão e lasquei

uma bofetada no seu rosto, que chegou a virar.

Alessandro me fulminou e segurou meus braços, me trazendo


para perto de si. O verde dos seus olhos vazios escureceu.

— Nunca mais faça isso! — Seu tom era de dar calafrios na


espinha, mas não deixaria me colocar medo.

— O que vai fazer? Me bater? Então bata, porra! — esbravejei

em seu rosto. Talvez eu devesse temê-lo, mas estava irada demais.

Ele ficou me olhando por um segundo, tentando normalizar sua


respiração, mas encontrava dificuldades.

Logo quando pensei que poderia dar uma chance a nós. Por
ele, até considerei desistir de algo com que tanto sonhava.

Sentia os olhares de todos em nós, mas não liguei para

ninguém.
Dei um safanão em suas mãos e saí do seu domínio. Acredito
que só consegui porque ele permitiu, não teria força para lidar com
um homem do seu porte físico.

— Hoje você extrapolou todos os limites. — Fulminei-o. — Não

veio até mim para perguntar, só chegou me acusando de querer o


seu irmão. Quer saber? Vá se foder, seu imbecil.

Ele deu uma risada mortal.

— Farei isso agora mesmo. Vou foder cada mulher que eu


quiser; você perdeu a sua chance de conseguir algo comigo. — A
fúria dominava o seu rosto.

— Por mim, que transe com todas. Estou indo embora agora e
não o verei nunca mais — bradei.

— Você não vai sair daqui… — começou a ordenar, mas eu o


cortei com a voz afiada:

— Ninguém manda em mim, Alessandro. Você não passa de


um estúpido. Não quero e não vou ficar nesta casa nem um dia a
mais.

— Fique na minha até tudo esfriar — sugeriu Miguel, trocando


um olhar com Alessandro. — Pode confiar, ela estará segura
comigo. Luna pode ir também. Vocês precisam de um tempo para
se acalmar antes de dizerem mais palavras de que se arrependerão.

É tarde para isso, pensei. Contudo, não fiquei para saber sua

opinião; fui pegar minha filha para sair dali logo, o quanto antes
melhor. Quem ele achava que era para me ofender?

— Bastardo idiota — murmurei antes de entrar no quarto de

Graziela.

Sacudi a cabeça, ignorando a sensação em meu coração,


tanto por ele ir procurar outras mulheres quanto por me acusar de

algo. Eu poderia dizer que faria o mesmo, mas Alessandro quase


matou o irmão, então como agiria com outra pessoa?

Se fosse embora, temia ser encontrada não só pelos


albaneses, mas também por esses tais Rodins. Aceitaria a oferta de

Miguel, afinal, era ele quem me protegia mesmo.

Não dava para continuar na casa daquele bosta. Nossa


situação se tornara insustentável. Era hora de partir; a despeito de,

no fundo, eu não querer, precisava fazê-lo. Deixar todos eles


significaria arrancar uma lasca de meu coração, mas se ficasse
seria pior, pois não conseguiria me reerguer de novo, a queda seria

mortal.
Capítulo 13

Mia

Eu estava na casa de Miguel há dois dias. No início fiquei com

raiva, não querendo ver Alessandro nem pintado de ouro, mas

conforme o tempo passou comecei a me sentir magoada por não


me procurar para ao menos saber como eu estava. Amanhecera

decidida a focar em minha filha. Sempre fomos só nós duas, por que

iria querer aquele idiota?

Uma coisa cortava o meu coração: Graziela sentia falta dele.

— Mamãe, por que Alessandro não vem aqui? Ele disse que

seria o meu pai, e os pais visitam os filhos, não é? — Como eu

responderia a isso?

Até esqueci o que eu sentia, porque sabia que ele estava com

mulheres, deixou claro que o faria; Alessandro não parecia ser um


homem que falava por falar.
Por que essa pontada aguda surgia em meu peito sempre que
pensava nele tocando em outra? Era ciúme, tal ele sentiu comigo ao

pensar que eu estava com seu irmão? Se fosse, o que eu faria a

respeito? Não podia amá-lo, esse homem acarretava muita

complicação para mim.

— Alessandro está passando por um momento difícil, mas virá

visitar você amanhã, eu prometo. — Faria com que isso


acontecesse.

Por minha filha, eu seria capaz de tudo, inclusive ir até ele.

Tentei ligar algumas vezes, mas não atendeu. Então deixei um

recado em seu telefone: “Sei que você não quer saber de mim, mas

venha ver a Graziela, pois ela sente sua falta. Eu juro que se não
aparecer aqui amanhã, eu irei para os Estados Unidos com o

Miguel. Não vou permitir que minha filha se apegue mais a você se

vai ficar longe dela”.

Eu só precisava lidar com as coisas que pudessem nos colocar

em perigo — não só a nós duas, mas a toda essa família também. A

raiva de Alessandro não anulava o que ele e seus irmãos fizeram


por mim.

Bati à porta do escritório de Miguel.


— Entre — falou.

Eu o vi sentado sem expressão, com a barba por fazer, os

cabelos lisos e as inúmeras tatuagens em seus braços e pescoço.

Como Alessandro, ele me avaliava com atenção.

— Madson. Ou eu posso a chamar de Mia? — perguntou,


ajeitando-se e gesticulando para a cadeira à frente da sua. —

Sente-se e diga o que precisa.

— Me chame de Mia, já que sei que vocês não vão me


entregar aos mafiosos, afinal, estão me protegendo. Nunca poderei
agradecer o suficiente por isso. — Suspirei. — Luna me disse que

você fica mais em Dallas, não é?

Seus olhos se estreitaram

— Sim, por quê?

— Você me levaria junto para lá? Eu não consigo mais ficar


aqui. — Ignorei a pontada que senti em meu coração com a ideia de
partir.

— Isso é por causa do Alessandro? Sei que ele é complicado,

mas não desista. Pensei que você fosse diferente. — Curvou-se


para a frente. — Achei que fosse forte.

Fiz uma careta.


— Eu sou, mas ele disse coisas… — Sacudi a cabeça, não

querendo lembrar. — E o pior é que nem veio se desculpar…

Miguel suspirou.

— Alessandro é complicado. Ele se arrependeu de ter dito o


que disse a você; as coisas que a magoaram. — Encostou-se na
cadeira. — Vou lhe contar algo, mas espero que não saia daqui.

Assenti, curiosa, desejando saber o que se passou com ele e o

que Alessandro tinha a ver com isso.

— Há alguns anos, eu estava em Londres, procurando minha


irmã que tinha sido sequestrada quando bebê. Na época era
pequeno, mas nunca desisti dela, nem a minha mãe, porém ela

morreu antes de encontrá-la. Meu pai era influente, poderoso, mas


não se importava o bastante para mover uma palha. — Endureceu.

— Fui embora ao completar idade suficiente para isso. Estava com


fome e precisava de dinheiro para conseguir localizar minha irmã,

contudo, não arranjava trabalho.

Seu olhar era vazio ao relembrar sua história de vida.

— O que houve? Encontrou sua irmã? — perguntei, esperando

ouvir um retorno positivo.


— Sim, mas antes precisei passar por muita coisa. Numa noite
cheguei à pessoa que queria; me aproximei do seu carro chique em
uma boate, mas o dono dele me pegou, pois pensou que eu

pretendia roubá-lo. Nós discutimos, não sei o que houve ao certo,


caí e um ferro entrou em mim. — Respirou fundo.

Arregalei os olhos.

— Com quem discutia? — sondei, antecipando a resposta.

— Alessandro. Eu já tinha tentado encontrá-lo antes, mas seja


como for, ele me levou ao hospital e cuidou de mim enquanto estive

lá. Queria sua ajuda para entrar no cartel, mas ele me afastava
sempre que o procurava.

Pisquei.

— Por que ele o ajudaria com isso? Alessandro não é apenas


dono de boates? — Minha voz saiu mais alta do que o normal.

— O pai dele tinha conexões importantes, conhecia muitas


pessoas do lado ruim. O que estou tentando explicar é que ele não

queria que eu me aproximasse dele temendo o seu pai, que, como


você sabe, não era flor que se cheire. Marco era cruel, capaz de

tudo, inclusive matar.


— Esse homem tentou assassiná-lo? — Eu não conseguia
controlar a curiosidade. Ainda bem que Marco estava morto.

— Não, porque Alessandro me mantinha longe dele. O cara


não aceitava que os filhos fizessem amizades fora do seu mundo.

No final, consegui graças a ele, e para Marco não descobrir que


éramos amigos na época que entrei no cargo de chefe, falei a todos

que consegui graças a outro colega, um homem chamado Nikolai.

— Não entendo, se queria a ajuda de Marco, como ele não


podia saber da amizade de você e Alessandro?

— Marco aceitava que tivéssemos negócios, só isso. — Seus

olhos mostravam mais do que aquilo que estava me contando, mas


antes que eu sondasse, mudou de assunto. — Por muito tempo

notei que Alessandro queria se desculpar pelo acidente, apenas não

conseguia. Mas isso não significava que não sentia muito… Como o
que fez com você.

Suspirei, triste.

— Luna disse que ele não expressa o que sente como uma

pessoa normal. Mas se ao menos tivesse vindo aqui, não sei…

falado algo. — Sacudi a cabeça.

— Alessandro acredita que não merece você ou sua filha.


— Isso é loucura! O que o faz pensar assim? Por Deus! Ele é

só um dono de boate, não um assassino em série. — Estremeci


com esse pensamento. Um assassino não me ajudaria como ele

fez.

Algo mudou na expressão de Miguel. Foi breve, logo retomou

sua neutralidade.

— Como eu disse: o pai dele era desumano e o fez acreditar


que ele é também. — Parecia haver algo mais, mas não insisti,

porque quem deveria me contar sobre isso era Alessandro.

O meu peito doeu por Alessandro pensar tão mal de si mesmo.

Recordei suas palavras, quando alegou ser sombrio demais para

mim.

— Seja como for, eu não posso fazer nada se ele não me

deixa entrar. Cada vez que tento, Alessandro me empurra para

longe. Agora isso não está somente me afetando; Graziela pensa


que ele não a quer. Eu não pretendo magoar minha filha. Sinto que

ele esconde algo, e eu só queria que confiasse em mim. É melhor

eu partir com a Graziela — murmurei. — Se puder me ajudar com

isso, eu agradeço. Lá, minha filha seguiria em frente.

Ele franziu o cenho.


— E quanto a você? Seguirá em frente? — perguntou. — Mas

farei o que deseja, vou preparar tudo. Como disse: se desistir dele,

então nunca foi a mulher certa. Não era para eu contar, mas agora
que planejava sumir… Ele vem toda noite depois que você dorme, e

fica a observando. Vai embora antes de você acordar. Acredito que

precisa empurrá-lo para que tome uma atitude.

Poderia discutir com ele por me acusar de ser fraca, a mulher

errada. Eu não achava isso uma fraqueza, apenas uma forma de

precaução. Todavia, não ia retrucar, ainda estava chocada com a


descoberta de Alessandro vindo me ver dormir. Então ele apareceu

nessas duas noites?

O que fazer? Se ele ao menos desse um primeiro passo… Eu


achava difícil.

Despedi-me de Miguel, agradecendo por ter se aberto comigo.


Até me esqueci de perguntar onde encontrou sua irmã, porque as

novidades a respeito de Alessandro me balançaram.

Tomei banho e fui dormir, ou tentar. Fiquei revirando na cama,


e minha mente, a todo o momento, ia para ele, o que me dava mais

raiva de nós dois.


— Bastardo, idiota! Por que nada é fácil com você? — rosnei

para o quarto vazio.

Acho que era quase uma da manhã quando ouvi vozes

alteradas na casa. Depois escutei praguejamentos, provenientes de

Rafaelle e Stefano. O que fazem aqui a esta hora?

Saí do quarto em silêncio para não acordar minha filha e fui ver

o que estava acontecendo. Não me preocupei em colocar um

roupão; depois que Alessandro começou a entrar no meu quarto, eu


passei a dormir mais comportada, com short e camisa grande. Era

uma tentação resistir àquele homem vestida, imagine com

camisola? Mesmo estando na casa de Miguel, fazia isso ainda.

— Eu quero ir ver minhas garotas — Alessandro rosnava. —

Não as deixarei partir. Ouviu, Mia? Você não vai embora!

— Suas garotas estão dormindo — respondeu Rafaelle em

tom baixo.

— Agora por que não se acalma e fala com elas amanhã?


Você pode ficar no quarto de hóspedes — Miguel sugeriu.
Um nó se formou em minha garganta por ouvi-lo nos

chamando de “suas garotas”.

— Pare de me dar ordens. Eu sou o chefe — grunhiu,


autoritário.

Rafaelle bufou.

— Claro que é, mas agora não está agindo como tal, está

alterado, precisa clarear as ideias e ir dormir sem acordar a sua

mulher e filha. — Rafaelle parecia calmo, sem nada de raiva ou


ressentimento pelo irmão ter quase esmagado sua cara há poucos

dias.

Virei o corredor, permanecendo escondida para averiguar a

situação. Alessandro se encontrava escorado na porta de um dos

quartos. Rafaelle, Stefano e Miguel de frente para ele; os dois

irmãos com os braços cruzados, e Miguel apenas olhando


entristecido para o amigo.

Suspirou.

— Mulher e filha — Alessandro repetiu baixinho com adoração,

mas depois seu tom saiu sombrio. — Ele disse que eu seria com

minha esposa como ele era com nossa mãe. E tudo o que me
obrigou a fazer, eu repetiria com meu filho…
A dor em sua voz quase me fez chorar. Como um pai era

capaz de tal atrocidade? Amava a minha menina e jamais a


magoaria desse modo.

Rafaelle deu um suspiro duro, agora exasperado.

— Acredita mesmo nisso, Alessandro? Que um dia tocaria em

Mia? Por isso está tão hesitante em aceitá-la como sua mulher? —

Ele não o esperou responder. — Porra, meu irmão! Você jamais a


machucaria.

— Eu quase machuquei você… não sabe o que passou em

minha cabeça vendo aquelas fotos dos dois juntos. — Estremeceu.


— Nunca senti nada parecido como aquilo. Dou minha vida por

você, e não o contrário.

— Também morreria por você! É assim que somos,

Alessandro, nós protegemos o que é nosso — disse Rafaelle com

ferocidade. — Acredito que não as tocaria. Imagine tudo o que

nosso pai nos fez. Pensa em você fazendo o mesmo com Mia ou a
nossa princesinha?

O ar pareceu ter sido sugado dos pulmões de Alessandro,


porque expirava irregular.
— Sinto meu peito sendo esmagado ao imaginar alguém
encostando nelas… — Estava tomado pela dor.

Céus! O que o pai deles fez com esses irmãos para deixá-los
nesse estado?

— Então você nunca machucaria as duas ou nossas irmãs —


Stefano assegurou. — Nós as protegemos, não o contrário, como

Rafaelle mencionou. Não aceito ser como ele. E se um dia me casar

(algo improvável, porque não serei domado por uma boceta), eu

jamais levantaria um dedo a ela.

Tinha que ser Stefano tentando animar o irmão! Ele não

mentia; esse garoto ainda quebraria muitos corações até conseguir


a sua mulher ideal. Eu esperava que estivesse errada, mas, de

qualquer forma, torcia para que encontrasse sua felicidade no final.


Um amor pelo qual valesse lutar e viver.

— Ouça, nós somos monstros, sim, fizemos coisas


inimagináveis, mas somos humanos, Alessandro. Nós cometemos
erros, porém nos levantamos, seguimos em frente e tentamos

melhorar. — Rafaelle tocou o coração do irmão. — Sempre


estaremos juntos, não importa como. Agora entre e, amanhã,
converse com a Mia.
Alessandro sacudiu a cabeça com um sorriso triste. Sua
expressão abatida quase me fez cair de joelhos.

— Você não viu o olhar dela? Feri Mia da pior maneira


possível, não acho que ela queira me ver em sua frente… No final,

isso é bom, pois não mereço alguém como ela. — Virou-se para
entrar em um quarto de hóspedes. — Miguel, se as garotas

quiserem ir embora, as ajude. Só se assegure de que fiquem


seguras, não importa como.

Oh, Deus! Parecia quebrado… tudo graças a mim? Não, foi


Alessandro que me acusou. Então por que me machucava ver seu

estado? Era como se doesse em mim também.

— Diga a ela o que sente, Alessandro — instruiu Stefano. —


Já que gosta de Mia, fale de uma vez.

— Dizer o quê? Que a dor que a infligi foi como um soco no


meu estômago, que a mera ideia dela com outro homem me faz
querer matar todos do pior jeito possível? Ou que eu gostaria sim

que ela fosse minha esposa para não termos segredos? Isso é
impossível! Não sou bom. Eu não tenho a porra de um coração. —
Era para ser um grito, mas saiu em um sussurro abatido. — Mia

deseja alguém que eu não sou; alguém que nunca serei ou quero
ser. Se eu mostrasse o que está dentro de mim e o que faço, ela
fugiria sem olhar para trás.

Ele tinha me dito isso antes, mas na hora achei que estivesse

tentando me afastar. Então era verdade? Alessandro se achava um


monstro e não mostrava seu eu verdadeiro para mim? O que ele
escondia? Certamente tinha a ver com seu pai e as coisas que fez a

ele, como Miguel disse.

Uma parte de mim não queria saber o que estava


acontecendo, mas a outra necessitava descobrir para enfrentar isso

de uma vez. Talvez ao conhecer a extensão de tudo, eu pudesse


ajudá-lo.

Saí de onde me escondia e andei na direção deles. Miguel,

Rafaelle e Stefano olharam para mim, mas não vi surpresa ali. A


princípio, Alessandro não pareceu me notar, ele estava entrando no
quarto, mas parou quando ouviu meus passos no corredor.

— Então me diga a verdade, Alessandro! Não seja um


covarde! Pare de me empurrar para longe — rugi. — Me mostre o
seu verdadeiro eu. Mostre esse monstro que diz ser.

Suas costas enrijeceram e, após um segundo, se virou para

mim. Fitava-me de olhos arregalados.


— O quê? O gato comeu sua língua? Não vai mostrar do que é
capaz? — Eu sentia raiva dessa coisa toda. Seria agora ou nunca!

Eu não me deixaria balançar por um homem que não me permitia


entrar. Se ele não se abrisse comigo, eu lavaria minhas mãos e
partiria para Dallas.

Seus irmãos ficaram tensos; a atenção deles estava em


Alessandro. Havia algo naquela relação que eu não entendia. Eles
respeitavam o irmão, demonstravam ter uma ligação bonita, mas em

alguns momentos o tratavam como se Alessandro fosse o seu


chefe.

— Vai ficar calado? Estou cansada disso. Você me acusou de

querer seu irmão, saiu para foder outras mulheres, não apareceu
por dois dias para se desculpar e agora chega aqui dizendo que me
quer, mas não vai fazer nada em relação a isso? — Cerrei meus

punhos. — Talvez eu também deva procurar um homem qualquer


por aí.

O perigo cintilou em seus olhos. Já o vira assim algumas

vezes, mas ele tinha escondido melhor a reação. Suas íris verdes se
escureceram, letais.
— Oh, eu gostaria que alguém tentasse colocar as mãos em

você. Adoraria estripar o maldito. — Não parecia mentir. Eu jamais


transaria com outro, mas ele não precisava saber disso. Só ameacei
porque queria que reagisse e saísse de sua concha.

Merda! Será que cutuquei a onça com vara curta? Meu instinto
me mandava correr, mas não o faria, não enquanto ele não me
mostrasse sua verdadeira natureza.

— Por quê? Acha que só os homens têm direito de foderem


quem quiserem? Se você faz isso, eu também posso. Não me
impedirá. — Fechei novamente as mãos em punhos para não

tremer diante de sua frieza.

Ele deu um passo até mim. Eu me mantive firme, contrariando


minha intuição.

Antes que eu reagisse, ele se lançou sobre mim, jogando-me

em cima de seu ombro e me fazendo bater em suas costas.

— Me coloque no chão, seu idiota… — Não quis gritar para


não acordar a Graziela.

Alessandro não respondeu, só entrou no quarto. Em seguida,


me jogou na cama. Arfei com o impacto, mas não foi forte a ponto
de me machucar; ele tomou cuidado.
— Você quer conhecer o monstro? Vou mostrar a minha
verdadeira face. — Afastou-se de mim como se temesse me atacar.

Meus olhos buscaram a porta aberta, onde seus irmãos e

Miguel se encontravam. Eles iam me deixar ali sozinha com


Alessandro? Bem, algo me dizia que ele não me machucaria.

— Chegou a hora de provar se é a mulher que pensei que


fosse — Miguel me disse.

— Lembra do que prometeu, Mia? — Rafaelle me lançou um


último olhar e fechou a porta, me deixando a sós com o homem à
minha frente, que mais parecia um leão querendo atacar a sua

presa.

Miguel supunha que, se eu não o enfrentasse para acertar as


coisas, eu não seria a mulher certa para o seu amigo. Já Rafaelle

me fez prometer não sair correndo por mais que visse o seu pior —
como Alessandro achava que eu faria. Seria forte para aguentar o
que o homem escondia de mim?

Alessandro fingiu não ouvir o seu irmão.

— Está com medo, Mia? — Riu, soturno. — Ainda nem


comecei.

Tentei expirar para me acalmar ou surtaria antes da hora.


— Nada me fará sentir medo de você, por mais que tente. —
Soei firme.

— Veremos. — Sacudiu a cabeça, ainda com sua expressão

fria (exceto pelos olhos, agora em chamas).


Capítulo 14

Mia

— Quando eu era criança sonhava em ser um chefe para

seguir a linhagem do meu pai. Mas ao começarem os treinamentos,

as coisas se complicaram, vi que não era nada como sonhei.

Fiquei confusa. O que ele fez? Para que treinamentos, sendo

que tomaria conta de boates?

— Fiz tudo o que ele mandou, mas hesitei em algo, algo que
não queria. Porém, ele me forçou até chegar a um ponto no qual

não tive escolha. Nesse dia, tudo foi levado de mim, não restando

nada aqui. — Colocou a mão no peito. — No final, tive de esquecer

a fraqueza, pois ela nos torna vulneráveis, com as mãos atadas.

— Olha, estou tentando entender, mas se você continuar

falando em enigmas ficará difícil. — Sentei direito na cama. — Por


que alguém precisaria treinar para tomar conta de boates? O que
levou você a pensar que é um monstro?

A máscara da frieza cedera espaço ao pesar.

— Não sou um empreendedor, Mia, eu sou um capo. Chefe da

máfia Destruttore. Controlo vários países, comando muitos homens.

Fui treinado para isso.

Máfia. Capo. Treinado. Repeti essas palavras várias vezes em

minha mente para compreender a dimensão do que ele falava.

Assombrada, percebi que fugi de uma máfia apenas para ser levada

à outra.

— Esse medo que enxergo em seus olhos é normal; devia


mesmo se manter longe. Mas quero dizer que por mais que tenha

visto coisas horríveis na máfia albanesa, nós não somos iguais. Sim,

eu gosto de matar, sinto prazer com isso, a tortura faz parte de

quem eu sou. Fui treinado para ser um bom chefe. No entanto, não

machuco pessoas boas.

Pisquei.

— Você mata… — consegui dizer entre lábios rígidos. Sabia

que deveria fugir, mas estava paralisada; algo nele me impedia de

sair correndo. Talvez pelo que ouvi dos seus irmãos minutos antes.
— …bandidos. Mas ainda são seres humanos, não é? Apenas

não mexemos com mulheres e crianças. — Ele me avaliava cada


vez que revelava uma nova bomba. — Sou um monstro sem

coração, Mia, incapaz de mudar. E mesmo se pudesse, não


gostaria. Fui forjado assim.

Forjado como uma espada e treinado como uma arma. Foi isso
que o pai dele fez? Se aquele velho estivesse vivo, eu acabaria com

o desgraçado.

— Você pode…

— Mudar? Largar tudo? — Sacudiu a cabeça. — Não tenho

pesadelos por matar homens que deveriam ser mortos, faz parte de
mim. Eu aceitei meu destino. Só me considero um monstro pelo que

meu pai me obrigou a fazer.

— O que exatamente? — Precisava entender suas razões


para ser como era.

O meu coração batia muito rápido e eu não sabia o que


pensar. Ele representava tudo o que eu odiava. Um mafioso, alguém

capaz de tudo. Mas Alessandro me protegeu, aliás, não só a mim,


como Graziela também. Isso o fazia ser diferente dos assassinos

albaneses, não? Quem mandaria um segurança cuidar de mulheres


que mal conhecia, se não uma boa pessoa? Gente ruim não faria

nada disso.

Ele me deu as costas e olhou para a janela.

— Eram noites turbulentas naquela época, pelo menos para


mim. O meu primeiro assassinato foi quando tinha treze anos. Ele
me obrigou a matar ou machucaria minha mãe. Até os quinze, eu

ainda hesitava, embora o fizesse, já que não tinha escolha. —


Expirou fundo. — Não gostava que Marco pegasse garotas

inocentes e as vendesse, então organizei para agentes do FBI que


não estavam em sua folha de pagamento as resgatarem. Meu pai

ficou furioso. Ele não sabia quem interferira em seus negócios, mas
suspeitava. Então me mandou a um contêiner para que eu fizesse
um acordo com mercadores.

O meu peito queria explodir com a dor causada por sua triste

trajetória.

— Ao chegar lá, vi aquelas meninas… Acho que tinha mais de


vinte, na faixa de onze a dezesseis anos, algumas até com ursinhos
nas mãos. Eu me enfureci. Os policiais responsáveis por interceptar

a carga não puderam comparecer, tudo graças ao Marco. Não tive


escolha: matei os mercadores e as levei para um lugar que eu
considerava seguro. — Enfureceu-se. — Disse ao meu pai que
fomos emboscados e que, nesse processo, as garotas tinham sido
levadas. Sabia que duvidaria se eu voltasse sem nenhum arranhão,

por isso fiz um dos meus homens atirar aqui. — Ele se virou para
mim e abriu os botões da camisa que usava, indicando um ponto

perto do peito.

Ofeguei com a mão na boca; se não olhasse de perto, não

daria para notar por causa de sua tatuagem.

— Você poderia ter morrido… — Pensar nisso cortava algo


fundo em mim.

— Raidy era certeiro, jamais me mataria. Fiquei de cama por


uns dias, apesar de ter saído mesmo não podendo depois que

soube que meu pai encontrou as garotas. Ele descobriu que eu o


traí. E desobedecer às ordens do capo é um crime imenso em

nosso mundo.

— Oh, senhor! Ele bateu em você mesmo machucado? —


sussurrei, horrorizada com as atrocidades.

Ele riu, sem vida.

— Bater? Não, Marco sabia que me encher de pancada não


surtiria efeito. Com alguns anos de treinamento, eu passei a ter a
dor como companheira; ele não me derrubaria com esse tipo de
violência. Decidiu mexer em algo diferente. — Passou a mão na
cabeça, fixando seu olhar em um ponto qualquer. — Ele me chamou

para um galpão abandonado. Algo me dizia que seria ruim, afinal,


tinha pegado as garotas. Eu estava pronto para morrer lutando por

elas; tinha apenas quinze anos e enfrentaria muitos homens


armados. Mas tudo mudou assim que cheguei lá e vi as chamas,
além dos gritos…

Ofeguei. Não achei que pudesse ficar pior. Como poderia


existir um homem assim? Se bem que os crimes dos albaneses

também não ficavam para trás. Todos eram desumanos.

— E não foi tudo: antes disso, ele tinha mandado seus homens
as violentarem. Mesmo ferido, eu matei alguns e teria acabado com

muitos mais, entretanto, meu pai usou a minha fraqueza contra mim

e me inutilizou, como sempre. — Parecia distante. — Rafaelle tinha


onze anos na época e estava no chão perto de alguns dos homens

do meu pai; ele não começara a treinar ainda, então não entendi na

hora o que fazia ali. Escutei Marco dizer: “Você é um fraco, foi

contra as minhas ordens. A morte dessas garotas ficará na sua


consciência, morreram por sua culpa. E seu irmão vai pagar por sua

desobediência também”.
Fechara os olhos enquanto dizia essa última parte. Entendi o

fardo que carregava, mas havia somente um culpado ali: o pai


deles.

— Ficar parado vendo meu irmão sendo espancado? Isso não


aconteceria! Então falei que estava disposto a pagar na pele por tê-

lo desobedecido. Eram uns vinte homens, e eu tive que deixar que

me batessem, pois se eu lutasse, quem receberia o castigo seria

Rafaelle. Aceitei quieto cada soco, chute e paulada. Meu irmão era
pequeno, se fosse espancado como fui teria morrido. Depois,

comigo quebrado no chão, Marco me deu um soco na ferida da

bala. Em seguida, apontou para um corpo que eu não tinha notado


antes, era do Raidy. “Levante-se contra mim de novo e, da próxima

vez, serão suas irmãs nas mãos dos meus homens”, jurou.

Alessandro abriu os olhos, me fitando. Eu estava chocada


demais e com o coração sangrando pelas vidas das garotas que

tiveram um fim horrível.

— Eu sabia que ele cumpriria a promessa. Então não me meti

em seus negócios, embora quisesse. Durante seu período como

capo, eu marquei os lugares onde cada menina era levada, pois


quando me tornasse o líder, as resgataria para entregá-las às suas

famílias. Sou chefe há mais de dois anos e venho fazendo isso. É


um progresso. — Suspirou, derrotado. — Entende agora? Matei

todas elas.

Sacudi a cabeça, piscando.

— Não foi você, Alessandro, e sim o monstro do seu pai —

tentei argumentar.

— Se eu não tivesse me metido, talvez elas ainda estivessem

vivas. No fundo, eu acho que devia ter feito algo mais, não sei… —

Fechou os olhos por um segundo de novo. — Seus gritos, meu


nome sendo chamado por algumas…

— Oh, Deus, Alessandro! — Fiquei de pé no intuito de abraçá-


lo e poder tirar essa dor que ele carregava consigo. Olhei para o seu

peito com a tatuagem das chamas. — Por isso a tatuagem?

— Elas queimaram por minha causa, é assim que me sinto


quando penso nisso. — Apontou para seu abdômen. — Como se

queimasse vivo.

— Você fez tudo o que pôde para ajudá-las. Não foi sua culpa,

você não é um monstro. O seu pai era um demônio; é o único a

merecer esse título. — Dei mais um passo até ele.

— Não é só isso, Mia. Não tente ver algo bom em mim, porque

não há nada. — Afastou-se, evitando minha aproximação. —


Pessoas como você devem ficar longe de alguém como eu. Todos

que se aproximam de mim morrem.

Fiz uma careta.

— Isso não é verdade. Seus irmãos estão aqui com você, não

é? Além disso, o seu pai morreu, então o único perigo que estou

passando agora vem do meu passado, e não do seu. Se acontecer

algo, não será culpa sua — destaquei.

Alessandro veio onde eu estava e tocou o meu rosto com ar

feroz.

— Juro que ninguém chegará perto de você ou da princesa. —

Havia um selo de promessa ali. — Se quiser partir, agora que sabe

a verdade sobre mim, eu não vou impedir. Mas peço que pense
bem, pois lá fora vocês duas correriam perigo.

Eu não podia generalizar todas as máfias dessa forma; havia


mais nessa organização de Alessandro do que pensei ser possível.

Ele mudou muita coisa depois da morte do seu pai. Céus! Ele

mandou homens atrás das meninas vendidas. Quem faria isso?

Agora entendia a história de Miguel. Procurou-o para entrar no

cartel porque Alessandro pertencia à máfia. Mas Miguel divagou

muito ao narrar seu passado; certamente havia mais escondido.


— Você me protegeu quando mais precisei. Ouvindo essa

história, eu acredito que jamais tocaria em mim ou em Graziela —

falei com toda a certeza.

— Nunca as tocaria, mas meus inimigos podem usar vocês

contra mim. Veja o que as fotos em que você aparece com meu

irmão fizeram comigo… Eles sabiam de você — disse, alisando meu


cabelo.

— Isso não faz sentido. Como se uma foto de mim com

Rafaelle fosse… — De repente parei, arregalando os olhos. — Você


quase o matou! Eles queriam isso?

— Sim. Mas, no fundo, eu não ia atacá-lo. Somos assim, um


protege o outro. O que ele fez para mim ninguém faz. — Olhou para

si. — Preciso de um banho, tirar essas roupas.

Ele estava vestido de preto. Entendi por que queria tirar as


roupas: devia ter passado a noite com várias mulheres. Com tudo

que ouvi, até me esqueci dessa parte.

— Ei? Não é o que pensa. — Levantou meu queixo, ao que

mirei seu rosto. — Não fiquei com ninguém desde que conheci você.

Não quero nenhuma outra.


Meu coração balançou. Mas antes de fazer algo, eu senti

cheiro de sangue. Como a roupa era escura, eu não pude ver nada.

— Você estava…

— Tive que descobrir quem ousou me ferrar. O porquê de


enviar as fotos para mim. Demorei a achá-los, mas os encontrei

hoje. — Afastou-se. — Vou lidar com isso, Mia, não quero que se

preocupe com nada. Enquanto eu tomo banho, pense direito no que


você quer — se me aceita como sou ou se prefere a liberdade para

ir. Eu não forçarei você a ficar.

Assenti, pois precisava mesmo de um minuto. Assim que


entrou no banheiro, eu me sentei na cama, tentando decidir que

rumo tomar.

Eu sabia que ele era um capo que governava muitas pessoas.

Nenhum mafioso encontraria redenção pelas coisas que fazia,

porque mesmo não mexendo com mulheres e crianças, envolviam-

se em diversas atividades ilegais. Estava disposta a esquecer tudo e


apenas seguir em frente? Aceitaria o seu trabalho?

Alessandro cuidou de mim; nunca machucaria eu ou a minha


filha. Foi sempre ele, desde o começo, a me salvar de ser queimada

e a me trazer para sua casa sob a proteção de seus homens. Ele


não era um monstro. Foi, pelo contrário, um rapaz jovem capaz de
atirar nele próprio só para tentar salvar inúmeras garotas; um cara

que aceitou me manter segura quando eu mais precisei.

— Ainda está aqui. — Ele parecia surpreso e aliviado.

Virei e o vi vestido com um short, mas nu da cintura para cima,


o que me fez babar por seu corpo lindo. Usava uma corrente com

um anel pendurado nela. Fiquei curiosa para saber a quem

pertencia, provavelmente era de sua mãe, porque Alessandro nunca

teve esposa ou namorada.

— Se continuar me olhando dessa forma, não perderá a

virgindade só no casamento, e sim nesta noite. — Jogou a toalha no


sofá após enxugar os cabelos. No final, seu tom saiu provocador,

quase brincalhão: — O que o seu futuro marido vai pensar?

Tentei limpar minha mente, mas estava com muita fome.

Queria esperar até me casar, ou ao menos até saber se ele seria


meu marido um dia.

— Pode estar certo, não acho que meu futuro marido gostaria

disso. — Mordi os lábios, segurando as mãos na minha camiseta.

— Creio que ele não se importará. — Veio até onde eu estava


e se abaixou na minha frente. — Mia, eu preciso de uma resposta
sua. Sei que a magoei dizendo aquelas palavras e não a
procurando, mas pensei ser o certo, pois você ainda não tinha
conhecimento do que sou. Agora que sabe, eu me sinto aliviado e

prometo que não vai se repetir.

— Por que não pede desculpas? — Luna comentara que ele


não era de demonstrar sentimentos, mas eu precisava de toda a sua

sinceridade se fosse cair de cabeça nesse nosso lance.

Franziu a testa, me avaliando. Ficou em silêncio algum tempo.

— Isso ajudaria? Se assim deseja, eu quero dizer que lamento


pelas coisas que disse a você.

Sorri.

— Tudo bem. — Peguei sua mão enfaixada. — Quebrou


alguma coisa?

— Está ficando melhor agora. Quer dormir aqui hoje? Estou

morto e preciso sentir o seu cheiro.

Concordei. Levou-me para a cama, e nos deitamos juntos.

— Por que gosta do meu cheiro? É só lavanda — sussurrei,


virando para ele com o rosto vermelho.

— Porque me faz ter certeza de que está aqui, e não morta. —


Puxou-me para os seus braços. — Acho que preciso de você mais
perto.

— Mais perto que isso, só se entrar no meu corpo. — Corei


quando ele riu. — Não me refiro a isso!

Alessandro suspirou.

— Eu não a tocarei…

— Devia parar de dizer isso. Por que não pergunta o que eu


quero? — retruquei.

Seus lábios foram para a minha orelha.

— O que deseja então, minha Estrela-do-mar…? — sussurrou


com a voz arrastada. — Se começar algo, precisará terminar ou me

deixaria louco.

Eu não tinha ideia do que fazer; sabia sobre sexo e outras


coisas, mas não o que queria. Só um beijo ou mais que isso? A
sensação de suas mãos em mim da outra vez foi tão…

Ele se afastou, me avaliando.

— Essa hesitação é por não ter certeza se quer ou por não


saber o que fazer?

Fechei a cara.
— Nem todos têm a sua experiência no departamento sexual
— rosnei.

Beijou meu rosto.

— Mia, eu sou um homem vivido, sim. Mas não posso dizer


que não gosto da ideia de ninguém ter tocado nesse delicioso

corpinho; adoro saber que ele será só meu.

Bufei.

— Não acho que estou pronta. Passei tempo demais


planejando ficar só com meu marido. A ideia de isso mudar me faz

sentir estranha… — murmurei.

— Você entende que, a partir do momento em que decidir ficar,


eu não a deixarei partir tão cedo, não é? — Sua boca foi para o meu

pescoço. — Reformulando, para não soar tão possessivo: só quero


dizer que, se for a sua vontade, em breve nos casaremos. Será para
sempre minha.

Pisquei, ofegante.

— Vai se casar comigo? Mas você disse…

— Temia que de algum modo eu fizesse o que meu pai fez


conosco e com a minha mãe, entretanto, depois de pensar que

estava interessada em meu irmão, e não a tocando mesmo


enfurecido na hora, percebi que não seria capaz de feri-la. Só a

ideia de alguém a machucar já me faz querer massacrar o verme. —


Fitou-me com intensidade. — Preciso beijá-la, minha Estrela-do-
mar, preciso sentir você… Prometo que não farei nada além, apenas

quando estiver pronta.

— Eu também — mal terminei de falar, senti seus lábios nos


meus; sua língua abriu caminho e logo passou a me devorar. O

gosto do seu hálito e o calor de seu beijo me deixaram eufórica.

Uma de suas mãos passeava em meu rosto, como se o


memorizasse, e a outra apalpava meu corpo. Onde seus dedos

tocavam, uma onda de fogo me consumia.

Ao sonhar com meu primeiro beijo, pensei que seria bom, mas
esse com ele fora arrebatador. A fome tamanha com que nossas

bocas consumiam uma à outra me fez concluir que logo eu faria


tudo o que ele quisesse sem pensar muito nas consequências.

Gemi, fechando minhas pernas para saciar o atrito ali sentido.

— Posso tocar em sua boceta? — Sua voz saiu rouca.

Mal conseguia falar, então assenti.

— Isso, Estrela-do-mar, vou mostrar que você é unicamente


minha. Só eu irei tocar em cada centímetro desse corpinho lindo. —
Sua língua invadiu minha boca, enquanto seus dedos entraram em
meu short, chegando ao seu destino final. — Gema, minha linda.

Com Alessandro mexendo em meu clitóris, experienciei uma

nova e prazerosa sensação. Minhas mãos agarravam forte suas


costas e meu corpo se arqueou, exigindo mais dele. Então explodi
em seus dedos; o que me impediu de gritar foi sua boca a me

devorar.

A partir desse momento, eu estaria perdida. Não conseguiria


abandonar esse relacionamento nem se eu quisesse. Era tarde para

voltar atrás e, no fundo, eu jamais desejaria fugir.

Olhei para ele, mole em seus braços devido ao êxtase.

— Está tudo bem? — sondou, preocupado com meu silêncio,


acho que pensando que talvez fosse sair correndo de novo como da

última vez.

— Sim. Isso foi esplêndido — consegui elaborar.

Ele riu baixinho e, ao notar sua reação, arregalou os olhos.

— Você sempre parece surpreso quando sorri. — Toquei seu

rosto. — Seu sorriso é lindo, deveria mostrá-lo mais vezes.

— Só não o faço muito, mas agora sinto vontade, às vezes. —


Acariciou-me. — Alguns sentimentos são novos, como o ciúme e
essa dor de quando sou responsável por magoá-la, além desse
medo de que alguém venha tentar alguma coisa contra você e

Graziela. A fraqueza não é uma característica admirável para um


homem como eu.

— Na verdade, ela é até certo ponto. Porque se você tem uma


fraqueza, é sinal de que há motivos para lutar. — Encostei em seu

coração em brasa. — Um dia, torço para que essas chamas sejam


apenas tinta; que elas não causem mais dor a você.

Ele não respondeu, mas deixei quieto. Levaria tempo para que

Alessandro conseguisse lidar com tudo.

Minha atenção foi para baixo, pensando em lhe dar prazer


assim como me deu. Senti-o endurecer, então levantei meus olhos

para os seus; os dele estavam escurecidos.

— Mia, você não precisa fazer…

— Você não quer? — Ele já estivera com muitas mulheres


experientes, diferente de mim, que vira um pênis apenas uma vez

na internet.

— Garota, esse seu ar inocente me mata, sabia? — grasnou.


— Quero tudo de você, Mia. Tudo.
Relaxei e levei minha mão ao seu short, puxando-o para baixo.
Arregalei os olhos.

— Puta merda! Grande e grosso, se comparado ao que vi. —


Estava ereto e saía um líquido da cabeça.

O braço dele apertou a minha cintura e o senti tenso, então

olhei para cima. Tinha algo de letal ali.

— Essa expressão sua aparece quando está com raiva ou


querendo matar alguém. — Pisquei, me lembrando das minhas

palavras anteriores. — Não vi nenhum pessoalmente, só na internet.


Algumas meninas da faculdade disseram que pênis são bonitos,
então pesquisei; não tinha nada de interessante. Já o seu…

Deixei de fora o detalhe de que Luna estava comigo, pois não

queria trazer problemas para ela. Seus irmãos eram muito


protetores com a menina.

— O meu…? — incitou. Tinha um sorriso na sua voz.

Corei e foquei no serviço. Peguei seu membro em minha mão.

— Mostre-me como você gosta — pedi com um suspiro


trêmulo.

Afagou minha face com as pontas dos dedos, e eu senti meu

rosto esquentar.
— Essa cor fica linda em você. — Corei ainda mais diante de

suas palavras. Ele me instruiu. — Dessa forma é bom, querida… —


Obedeci, então ele gemeu. — Isso, assim… oh, porra!

Minhas mãos subiam e desciam, mas o que me tocou fundo

foram os sons que ele soltava, de puro prazer. Fiquei contente.

— Linda demais! — sussurrou.

Virei a cabeça em sua direção, enquanto ele me observava


com os olhos quentes. Acelerei mais os meus movimentos até que

ele rosnou e gozou na minha mão e em sua barriga.

— Como me saí? — De repente, me senti nervosa com o que


tinha feito. Sabia que era burrice, mas… Sua mão veio para a minha

nuca, enfiando-se em meus cabelos e, em seguida, devorou meus


lábios por um segundo.

— Porra, mulher! Você foi maravilhosa — afirmou. — Acho que

preciso me limpar.

Meu coração balançou sabendo que ele tinha gostado do meu


toque.

— Eu pego um pano molhado, quero lavar minhas mãos. —

Fui até o banheiro. Coloquei a toalhinha debaixo da torneira e meus


olhos vagaram pelo lugar para checá-lo. Uma coisa chamou a minha
atenção: no chão do box estavam as suas roupas e, ao redor delas,
havia o vermelho do sangue.

O sangue de alguém em que ele bateu ou pior, porque não

acreditava que fosse seu, afinal, viera tomar banho por isso, e eu
não vi nenhum corte nele.

— Mia? — Senti a tensão de Alessandro.

— Já estou indo. — Não queria que notasse meu nervosismo,

mas certamente não era boa o bastante para esconder algo dele.

Eu saía quando Alessandro apareceu na porta, que estava


aberta, e checou meu rosto para conferir se eu chorava. Suspirou.

— O que houve? Estou aqui pensando em um milhão de


coisas. — Ele parecia magoado.

— Nada. — Olhei para baixo, notando que seu pênis estava


tapado; acho que ele limpou com outra coisa.

— Mia! — começou, mas virou para o lado, às suas roupas.


Depois, voltou-se a mim. — São as roupas com sangue? Prometo
não trazer mais isso para casa.

— Só fui pega de surpresa… — Encolhi-me. — Mas escolhi


esse rumo e vou vivê-lo. Se não tivesse certeza, não o teria deixado
me tocar.
Era verdade. Cansei de correr de tudo! Chegou a hora de lutar
pelas pessoas ao meu redor. Se eu tinha a chance de ser feliz ao

lado desse homem, assim seria. Com o meu capo.


Capítulo 15

Alessandro

Três dias dormindo a noite inteira, sem pesadelos ou insônia.

Depois de ver aquelas fotos da Mia com meu irmão, eu fiquei tão

cego que não consegui frear as palavras que disse a ela.

Claro que me arrependi, algo novo, aliás. Mas desde que ela

chegou à minha vida estava sentindo bastante isso para o meu

gosto. Queria ter ido até ela para revelar a verdade, mas não pude,

apesar de não ter ficado longe: ia toda noite na casa de Miguel para
vê-la dormir. Tão serena, com tantos sonhos, e eu impedindo que os

seguisse.

Revelando tudo à Mia, senti como se um peso tivesse saído

dos meus ombros. Naquele dia, ao amanhecer, nós viemos para a

minha casa. Durante três dias, dormimos juntos; ela deitava comigo

na minha cama, e mesmo não tendo rolado sexo, foram as melhores


noites da minha vida. Eu a tocava de outra forma, querendo que se
acostumasse comigo e confiasse em mim.

Toda manhã, eu acordava não acreditando que Mia estivesse

ao meu lado. No começo eu temia que não aceitasse quem eu era,

ainda mais ao saber sobre o seu passado. Tentei ficar longe,

pensando ser o certo. Consegui por um tempo, foquei no que estava

acontecendo com meus homens.

Após matar todos naquela igreja, eu fiquei sem opção, afinal,

perdi a cabeça e eliminei todos capazes de relatar algo. Exceto um

dos fotógrafos que clicou Mia com o meu irmão, como se eles

estivessem íntimos. Eram dois, pagos por alguém que eu não

conhecia; matei um e deixei o outro nos levar ao mandante.

Por culpa deles, na hora que vi as fotos virei uma bomba-

relógio, por pouco não perdi a cabeça contra o meu irmão… Por

mais que a fúria me dominasse, eu não conseguiria tocar nele. Se

fosse outro homem, estaria morto. Certamente quem mandou as

fotos tinha isso em mente.

Disse coisas à Mia que ficaram entaladas; nunca me senti

dessa maneira, sofrendo com a dor em seus olhos. O ciúme era


mais poderoso que qualquer sentimento. Sempre lidei com o ódio, a

raiva e até a culpa algumas vezes, mas ciúmes e medo? Não.

Não temi ser espancado pelo meu pai. O mais perto que

cheguei do medo foi quando ele usou minhas irmãs e meus irmãos
para me obrigar a algo. Agora, esse pavor de perder a Mia? Era um

sentimento tão desproporcional que me deixou confuso.

No momento, olhava para a mulher mais linda que já tive o


prazer de tocar — e o melhor, ela era só minha; ninguém encostara

nela de nenhuma forma.

Inclinei-me, depositando beijos em sua barriga e seguindo o

caminho para baixo. Ouvi-a soltar um suspiro, ainda sem acordar.

Assim que deitamos na noite anterior, eu pedi que tirasse o


short. Só queria que ela confiasse que eu não tentaria nada se ela

não estivesse pronta. Mas isso? Eu sabia que ela ia gostar. Puxei
sua calcinha e passei a língua em seu Monte de Vênus depilado.
Nunca vi nada mais lindo.

Sua respiração engatou logo que minha língua puxou seu

nervo rosado. Sabia que ela estava acordada, então retirei minha
boca por um segundo e levantei meus olhos para ela.
Mia me encarava com aqueles dois globos azuis, como o céu

refletido no mar.

— Se não deseja que eu continue basta me dizer, tudo bem?

Ela assentiu, mas a esperei verbalizar sua resposta. Precisava


da confirmação.

— Gostei, a sensação é maravilhosa. — O rubor atingiu suas


bochechas.

Sorri e voltei ao trabalho. Peguei sua calcinha e rasguei o

tecido, fazendo-a soltar gracejos. Então abri suas pernas, dobrando-


as para que ficasse exposta a mim.

— Oh, Deus! — gritou quando minha língua circulou o seu


clitóris.

O mel saindo dela era o meu alimento, e a coisa toda me

deixou de pau duro. Contudo, o instante pertencia à Mia. Garotão,


ela não está pronta para você ainda, entoei ao meu membro.

Minha língua entrou em seu buraco; um dia, seria meu pau ali,
mas no momento me contentaria em degustar essa boceta que eu já

adorava. Antes só a tocava com os dedos, e ela usava suas mãos,


mas estávamos indo para outro patamar do nosso relacionamento.
Suas mãos cobriam os lábios para evitar gritar, certamente
para não acordar a todos.

— O quarto é à prova de som, grite o quanto quiser. Adoro ser


a razão do seu prazer. — Mordisquei seu nervo pulsante, e ela

gemeu. O dormitório não era à prova de som, mas ela não precisava
saber disso. Eu só queria ouvi-la.

Seu corpo estremeceu. Ela estava perto, então acelerei os


movimentos da minha língua, ao que Mia se desmanchou debaixo

de mim. Senti seu delicioso gosto.

— Oh, Alessandro, isso é tão bom! — ela cantarolou, gozando


forte.

Não deixei escapar nem um pouco de seu suco saboroso.


Estendi-me sobre ela e a beijei na boca.

— Bom dia.

Sorriu, sonolenta.

— Acho que vou adorar ser acordada assim todos os dias por
você.

— Oh, eu não me oponho nem um pouco. — Beijei seu rosto.

Algo nessa mulher me fazia sentir uma felicidade tremenda.


— Agora eu devo retribuir. — Pegou meu pênis, me levando à
loucura. Mas em vez de só me fazer uma punheta, ela começou a
se abaixar, na intenção de iniciar um boquete. — Me ensina?

— Se não quiser, não tem problema. Não precisa fazer isso

agora. — Esquadrinhei seu rosto.

— Eu quero — disse ela, decidida. — Quero lhe dar prazer


como me deu.

— Coloque a boca, mas cuidado com os dentes, essa parte é

sensível. Basta chupar como um pirulito. — Meu peito inflou ao

saber que só meu pau estaria nessa boca. Um sentimento

possessivo se instalou em mim. Ela era só minha.

Assentiu e fez o que pedi. A sua boca envolveu meu membro,

conforme instruí. A língua girava na cabeça inchada, me fazendo


rosnar, feroz. Coloquei minhas mãos em seus cabelos, mas não a

forcei.

Mia era inexperiente, mas o prazer que experienciei foi a coisa


mais intensa e maravilhosa do mundo. Cada movimento me trazia à

beira do orgasmo.

— Se não quiser que eu goze em sua boca precisa tirar — falei

com a respiração fraca.


Era a última coisa que eu desejava, mas não a forçaria.

A mulher não parou, só olhou para mim, corando mais. A visão

dela com a boca cheia do meu pau era fenomenal; não havia nada

comparado a isso. Fechando os olhos, senti a força com que fui


arrebatado, a ponto de ver estrelas.

— Mamãe! — Graziela chamou não muito longe do meu

quarto.

Endureci encarando Mia, que piscou e tirou a boca do meu

pênis flácido pelo orgasmo.

Nós dois miramos a maçaneta da porta, que começou a girar;

não me lembrava de tê-la trancado.

— Oi, princesa, o que está fazendo? — Ouvi Rafaelle

perguntar, então a maçaneta parou.

Obrigado, meu irmão, pensei.

Mia pulou da cama pegando o seu short e o vestindo

rapidamente. Escondeu a calcinha rasgada no bolso. Puxei o meu


para cima, me cobrindo apenas no caso de a menina realmente

entrar.

— Mamãe não estava no quarto quando acordei, acho que

está aqui com Alessandro — a criança disse.


Ficar aqueles dias sem essa pequena foi uma tortura, ainda

mais quando ouvi de Luna que Mia estava pensando em ir embora,

levando-a para longe de mim. Na hora, andei sem rumo até que
parei na casa de Miguel, decidido a trazê-las de volta. No dia

seguinte me senti pior ao ver aquela felicidade estampada em seu

rosto só pela minha presença. Prometi a mim mesmo que não a

abandonaria nunca mais.

— Vamos descer e tomar café. Se eles estiverem aí logo vão

nos encontrar lá embaixo — respondeu meu irmão.

— Tudo bem. Acha que os dois estão namorando? Eles ficam

sempre juntos. — Ela soava animada. — Isso significa que

Alessandro pode ser o meu papai?

Não ouvi a resposta de Rafaelle, acreditei que já tivessem

descido as escadas.

— Pelos anjos! — A voz de Mia saiu estrangulada. — Ela

quase nos pegou… E você disse que o quarto é à prova de som.

Seu irmão deve ter ouvido tudo, e não só hoje!

Poderia rir, mas ela estava envergonhada, como se a mera

ideia de alguém saber o que fazíamos a constrangesse.


Entendia que ela era uma mulher recatada, pelo menos no

quarto, mas não precisava ficar com vergonha por causa disso.

Pus-me de pé e a puxei para meus braços. Beijei sua boca,

saboreando cada canto.

— Se quiser, eu posso falar com Graziela para esquecer

aquela coisa de pai. — Ela se afastou, me avaliando.

Pai. Essa palavra nunca teve significado para mim, afinal, o

meu nunca ligou para seus filhos; não passávamos de objetos a seu

ver. Ou melhor: armas.

Ouvindo da boca de Grazi que ela me considerava um pai…

Queria ser alguém que a protegesse e desse tudo de que

precisasse.

— Não, gosto do som disso. Deixe a minha princesinha me

chamar do que ela quiser. — Beijei seus lábios de leve.

Sorri. Gostei de ver esse brilho nos olhos dela; se deixasse,

não sairíamos dessa cama tão cedo.

— Vou tomar banho e me ajeitar para ir ao trabalho. — Ela foi

para a porta e parou. Um tanto vulnerável, inquiriu: — Somos um

casal agora?
Tentava entender suas emoções. Notei o seu medo de me

deixar tocá-la sendo que no final não iríamos nos casar. Bom, ela

devia pensar isso. Mas desde que coloquei meus olhos em Mia,

soube que seria minha. Antes, nós nos tocávamos, mas nada tão
íntimo; cada vez foi ficando mais. Acreditava que era por isso seu

temor.

— Você é minha, Mia, nunca duvide disso. Desde que me

deixou tocá-la, passamos a pertencer um ao outro — afirmei, dando

mais um beijo em sua testa.

Eu precisaria provar mais algumas coisas a essa mulher. Ela

em breve seria minha, assim que eu derrubasse os albaneses. Isso

sem contar os Rodins.

Minha Estrela-do-mar saiu para o seu quarto, enquanto fui

tomar banho. Estava me vestindo com roupas de malhar, mas meu

telefone tocou antes:

— Chefe, nós temos mais traidores. Eles desertaram e foram

para os Rodins — avisou Luigi.

Ele se encarregara de seguir o fotógrafo, o que deixei vivo

para ir direto à fonte.

— Quantos? — Peguei o terno e o vesti.


— Uns vinte. Mas há mais, e não só aqui na Itália.

— Logo chego aí. Nikolai e Matteo estão na cidade, então

marque uma reunião com eles. — Saí do quarto. — Skender aceitou

o meu convite?

Tinha chamado o Skender para conversar sobre a Mia, já que

precisava desenrolar isso e focar a minha atenção nos Rodins.

— Sim, chefe. Eles irão nos encontrar no armazém às seis —

disse.

Desliguei o celular e suspirei, não querendo me preocupar com


a Mia. Ouvia sua voz vindo da cozinha. Uma música de balé tocava

na sala, e pude ver Graziela treinando. Pretendia ir até lá quando

escutei meu irmão. Franzi a testa e cheguei mais perto da copa.

— Você está me agradecendo por fazer o seu irmão perder o

controle? — Mia parecia chocada. — Ele quase esmagou a sua

cara. A julgar pelo impacto, aposto que seria um grande estrago.

Rafaelle suspirou, ele sabia que aquele soco afundaria o seu

cérebro.

— Alessandro é bom em boxe. Seus socos são certeiros —

falou com a voz baixa.

Ela arfou.
— Mesmo assim está agradecendo? Ficou louco? Além do
mais, eu não tive nada com isso ou com aquelas fotos. — Parecia

sentir raiva, mas não entendi se direcionada a alguém específico.

— Mia, o meu irmão não mostra os seus sentimentos para

ninguém há quase doze anos. Nós vemos algumas coisas aqui e ali,

mas nada na proporção desses últimos meses com você aqui. Claro
que não somos dados a sentimentalismo, somos duros e letais

quando precisamos (ou seja, em uma boa parte de nossas vidas),

mas ele mudou.

— Alessandro se privava de tudo, exceto de seus sentimentos

por nós, os seus irmãos. — Stefano entrou na conversa, um tanto

irritado.

— Não entendo. Isso tem a ver com aquelas meninas? — O


tom de Mia era quebradiço como vidro.

Conversar sobre isso me tomara de dor. E não dor carnal, pois


essa eu tolerava, mas as lembranças de seus gritos nas chamas…
Elas acreditavam em mim, Raidy também. Todos se foram por

depositarem sua confiança na pessoa errada. E se no final eu


falhasse com a Mia? Não podia pensar dessa forma; faria tudo para
protegê-la, tanto ela quanto Grazi, meus irmãos e meu povo, os que
acreditavam em mim. Morte aos traidores, esses pagarão caro.

— Ele contou isso a você? — Stefano se surpreendeu.

Não era de comentar as coisas que me consumiam com

ninguém. Nem mesmo com eles.

— Sim, oh, senhor! Seu pai era um monstro. Como foi capaz
de tamanha brutalidade?

— E isso não chega nem perto de ser o mais grave — disse

Rafaelle. — De qualquer forma, ele está no Inferno agora. Uma


pena não conseguirmos consertar seus estragos.

— Alessandro é um deles… — Mia sussurrou.

— O que nosso pai fez com Alessandro foi brutal. O velho o


transformou em uma máquina. “Um capo precisa ser forte e nada
sentimental”, eram as palavras dele — grunhiu Stefano.

— O que o levou a se fechar de vez para suas emoções foi a


amizade com dois garotos que não pertenciam ao nosso mundo.
Uma noite, Alessandro os viu sendo atacados e os livrou disso,

depois aqueles meninos não o deixaram. Meu irmão tentou se


manter longe, mas a amizade é um sentimento forte; não tão
poderoso como o ciúme, mas é. — Eu sabia o quanto custava a ele
relembrar o que houve com Jairo e Amisteg. — Meu pai chegou em
mim e falou que tinha pegado os amigos de Alessandro, e que
estava cansado de nossa fraqueza. A dele se resumia ao

envolvimento com pessoas frágeis, e a minha por não ser tão


complacente em matar. Eu estava iniciando os treinos naquela

época. Mas Marco pegava mais pesado com Alessandro, porque o


sucessor ao trono é o primogênito homem. — Rafaelle ficou em
silêncio por um segundo.

Queria aparecer e interrompê-lo para não dizer o que lhe

atormentava, mas não consegui.

— Quando cheguei ao lugar marcado, eu vi os amigos de


Alessandro em cativeiro. Um deles falou que não sabia o que estava

acontecendo e me pediu para chamar o meu irmão para ajudá-los.


Meu pai repudiava pessoas fracas. — Respirou fundo. — Dizia que
puxamos essa aversão a matar de nossa mãe.

— Ele era um sádico — comentou Stefano.

— Por favor, me digam que conseguiram salvar os garotos ou


que o pai de vocês os soltou. — Havia esperança ali, mas seria

exterminada assim que soubesse de tudo.


— Lembro-me do olhar de Alessandro quando meu pai
mandou que matasse os garotos (os chamo assim porque não

tinham mais que dezesseis ou dezoito anos). Meu irmão não


conseguiria, mas nosso pai ordenou que trouxessem a Jade.
Estávamos sem opções, e eu não podia deixar que a

machucassem. Alessandro também sabia disso. — Sua voz era


letal. — Então tirei a chance dele, matei os garotos. Foi o meu

primeiro assassinato. Lembro que vomitei as tripas depois.

— Pelos anjos! — Mia se horrorizou.

Ouvi a cadeira sendo arrastada e passos leves; sabia que


pertenciam a ela, pois Stefano tinha passos pesados, e Rafaelle,

geralmente, andava como um ninja, mal deixando os outros


perceberem a sua presença.

— Lamento pelo que teve de fazer — ela murmurou. —

Obrigada por poupá-lo disso.

Virei no hall e a vi abraçada com Rafaelle, mas o ciúme não


veio dessa vez, porque sabia que ela gostava de mim e que meu

irmão jamais me trairia dessa forma. Naquele dia, eu estava agindo


irracionalmente depois de sentir isso pela primeira vez, mas
comecei a entendê-lo e estava tentando controlar.
— Ele faria o mesmo por mim se estivesse no meu lugar —

respondeu Rafaelle.

Entrei na sala. Quando me notaram, seus ombros


endureceram. Mia chorava ainda, abraçada ao meu irmão.

— Sim, eu faria — respondi ao me aproximar deles.

Ela saiu dos braços dele e se virou para mim de olhos


arregalados.

— Seja o que for que estiver pretendendo fazer ou dizer, pense

antes — alertou, colocando-se na frente de Rafaelle para protegê-lo.

Essa mulher! Ela tinha o dom de deixar até um homem como


eu de joelhos.

Seu movimento não passou despercebido por ele, que a fitou

encantado pela coragem. E eu concordo, pensei. Passei a gostar


mais dela por amar meus irmãos como se fossem seus. Já sentia o
mesmo pela Luna, e agora com os outros.

— E se por acaso eu quiser uma reprise do que aconteceu


mais cedo no quarto? — falei, aproximando-me de Mia.

Ficou vermelha, a cor que passei a achar linda nela. Não era

uma característica que me atraía em mulher alguma antes.

Sorri para aliviar sua vergonha.


— Relaxe, eu estou sob controle. Como disse: confio em meus
irmão e em você. — Puxei-a para meus braços, inspirando seu
cheiro. Uma mulher que agradecia ao meu irmão por ter feito algo

ruim só para que eu não precisasse.

Ela se derreteu em meus braços.

— Se for ficar todo mole assim, eu vou desafiá-lo a um duelo


— disse Stefano, sorrindo.

Rafaelle bufou.

— Você não teria chance alguma. — Ele pegou seu café e


tomou, mas trocamos um olhar, através do qual eu agradeci por

tudo que fez por mim.

Lutar sempre foi algo que eu adorava fazer, já que tirava um


pouco da minha fúria adquirida em anos. Então me tornei eficaz

nisso.

Mia se afastou, ainda corada, mas riu da careta de Stefano.


Ele era um bom lutador, apenas não o fazia muito, pois sua
especialidade era matar. E ficou pior depois de saber o que houve

com Jade, apesar de não tocar em ninguém sem eu mandar; só


suas táticas de tortura ficaram mais descontroladas.
— Não gosto desse olhar. — Ele apontou, me observando,
depois sorriu, escondendo sua verdadeira expressão.

Deixei quieto. Se saísse do controle, eu teria de conversar com

ele. E eu também precisava me controlar, diferente do que


aconteceu na igreja. Mas acreditava que melhoraria; aquilo se deu
pela nova descoberta de sentimentos com que eu não soube lidar

no início.

— Que olhar? — sondou Mia, confusa.

— Nada. — Sacudiu a cabeça.

Mia suspirou.

— Me diga uma coisa: agora que o pai de vocês morreu, por


que não sai dessa vida, já que não gosta de matar? — Ela parecia
confusa. — Poderia deixar tudo isso para trás.

Só podia ser ela mesmo, preocupada conosco.

— Mia, eu admito que, no início, matar foi barra-pesada, mas


hoje não, já faz parte de mim. É quem eu sou, e não ligo mais. Fui

moldado assim. — Eu não mentiria. Se me aceitasse, seria assim.

Mia assentiu e olhou para meus irmãos.

— Digo o mesmo, cunhada, então não pense em nos salvar,


por que não teremos redenção. — Piscou Stefano. — E nem quero.
Sacudiu a cabeça, contrariada.

— O pai de vocês era um demônio — rosnou.

— Concordo. — Stefano mudou de assunto: — Então agora


vocês estão juntos de verdade? — Piscou, chocado. — Ainda é
inquietante saber que tem uma namorada.

Olhei para Mia; até eu custava a acreditar no que estava

acontecendo.

— Mamãe, vocês estão namorando! — gritou Graziela,


correndo até nós e pulando, animada. — Isso significa que será o

meu pai?

Ela estava vestida com um collant rosa, meia-calça e saia, e


seus cabelos loiros presos em um coque. Quicava de empolgação.

Seus olhos, fixos em mim, brilhavam mais forte que o Sol.

Afastei-me de Mia, que ainda parecia em choque, e de meus


irmãos calados. Eu a peguei em meus braços.

— Serei o que você quiser que eu seja, princesa.

Seria um pai diferente do que o meu foi. Eu a protegeria,


inclusive de mim.

— Oba! Hoje você me verá dançando? Consegui fazer aquele

passo que não estava dando certo. Foquei em meu objetivo, como
me ensinou. Olha. — Ela se me mexeu para descer, então a

coloquei no chão, onde fez um giro gracioso.

Mamãe ia gostar de saber que nessa casa tinha uma garotinha


com o mesmo sonho que o seu. Eu faria de tudo para que Graziela

o seguisse.

— Muito bom, princesa, será um sucesso essa noite — afirmei.

Ela sorriu, iluminando o recinto.

— Vai ser às sete horas. Leremos nossas mensagens aos pais

antes da apresentação. Seria depois, mas a professora mudou. —


Ela franziu o nariz bonitinho. — Não sei o porquê.

— Estarei lá, eu prometo. — Eu cumpriria essa promessa; não

faria nada para desmanchar sua animação.

Beijou meu rosto, o de sua mãe e, em seguida, o de cada um


dos meus irmãos.

— Vocês também vão, né? — Ela olhava de Rafaelle para

Stefano.

— Não perderíamos por nada — assegurou Stefano.

— Sim, estaremos lá. — Rafaelle trocou um olhar comigo.

Mia reparou.
— Querida, por que não vai desligar o som?

Graziela assentiu.

— Quero treinar mais um pouco, mamãe — disse e saiu


correndo.

A mulher me fuzilou.

— Se não vão estar lá…

Cortei-a:

— Irei, como prometi. — Peguei sua mão. — Às seis, terei uma

reunião com Skender. Deve terminar cedo.

Ela ofegou.

— Ele está na cidade? Preciso…

Coloquei minha mão em seus cabelos e puxei seu rosto de

leve para o meu.

— Nada acontecerá a vocês, só precisa continuar aqui dentro.


Sei que quer ir trabalhar, mas hoje fique conosco, para sua

proteção. Ele não ousaria entrar na minha casa. Luna e Jade estão
vindo para cá também, como as esposas de alguns capos. —
Suspirei. — Acabarei a tempo da apresentação. Stefano vigiará

vocês junto aos homens dos outros líderes.


Ela concordou. Sua confiança em mim aqueceu o meu coração
morto.

— Esses capos são bons?

Ri, negando.

— Nenhum capo ou chefe da máfia é bom, Mia, mas são


aliados em que confio, pois estão de acordo com as nossas regras.

Não somos diferentes. — Nikolai era letal, assim como Matteo, Luca
e Alexei, mas nenhum se envolvia com tráfico de mulheres e
crianças.

— Eu sei, confio em você. Não sairei daqui hoje. O que acha


que vai acontecer nessa reunião? — Apertou meu braço e disse
baixo: — Esqueci de mencionar, mas antes de minha mãe morrer,

ela falou que Graziela era filha de Skender. E se ele exigir o seu
direito de pai…

— Ser paternal não faz o estilo dele. Se o fizer, será para

tentar algo contra nós. — Sorriu Stefano. — Estou louco por uma
ação, mas não posso reclamar de ficar tomando conta das
mulheres.

— Espero que se controle com as esposas de Nikolai, Matteo

e Alexei. Eles não são benevolentes em relação a elas. — Rafaelle


ficou de pé.

— E por acaso o são em se tratando de alguma outra coisa?

— Divertiu-se. — Vou me comportar, apesar de Rayssa me dar


muito o que imaginar.

— Stefano! — avisei num tom de chefe. — Não me arrume

problemas. Alexei rasgaria você, o gênio dele é igual ao seu, muito


explosivo. Fique longe de todas elas. Só as proteja. — Depois que
ele acatou, eu me virei para Mia. — É um terreno novo, não

sabemos como tudo vai se desenrolar, mas espero que bem. Nós
estamos em maior número, e na minha cidade. Prometo a você:
ninguém levará a princesa. Ninguém. — Pegaria os traidores e o

próprio Skender, se ele resolvesse não se afastar.

Uma guerra estava para acontecer, e eu faria de tudo para que


minha família e meu povo ficassem seguros. Derrubaria todos ou

morreria tentando.
Capítulo 16

Alessandro

— Está ciente do que vai fazer? — perguntou Matteo. — Não

me oponho, claro, longe disso, mas as coisas podem ficar feias

nessa noite.

Estávamos em uma área deserta, fora da cidade; não queria

os albaneses perto do meu território. De um lado, tinha Matteo, o

chefe da máfia Salvatore. Do outro, Rafaelle. Além de Luca, Nikolai

e Alexei.

Conversávamos sobre eu tentar negociar com os albaneses

para o bem geral.

— Todos são traiçoeiros como serpentes, não vale a pena uma

aliança — assinalou Nikolai. — Não vou me envolver com ninguém

da raça deles.
— Não é essa a nossa intenção. Não nos tornaríamos aliados
— objetou Rafaelle.

— E essa mulher que Skender acha que daremos a ele, a mãe

da criança… — começou Alexei. Pude ver que ele tentava não rir. —

Vocês dois estão juntos? Tipo um casal?

Ele era alto e loiro, de olhos azuis, assim como seu irmão
Nikolai.

— Não é da sua conta! — rosnei. No fundo, encontrava-me

controlado. Pensei que ao sentir essas novas emoções por Mia e

Graziela eu fosse ficar como Stefano, mas ali estava eu, calmo, frio

e preparado.

Alexei riu.

— Merda! Eu não achei que isso fosse possível, alguém como

você apaixonado.

Amor? Eu seria capaz de sentir isso algum dia? Sabia que a

queria, a desejava e mataria qualquer um que colocasse as mãos


sobre ela. Mas amar? Não achava que fosse possível. Será que Mia

me aceitaria dessa forma? Ela ficaria comigo mesmo eu não sendo

capaz de amar?

Parei de pensar nisso, já que tinha uma batalha a ganhar.


— Não dou a mínima para a sua opinião. — Olhei para Matteo.

— Isso não envolve apenas afastar o Skender de uma vez por


todas, mas limpar os traidores do meu povo.

— Acho que o aviso que deu da outra vez não foi claro o
suficiente, porque ainda restam alguns — apontou Nikolai.

— Desta vez vou deixar o alerta evidente para quem ousar me

trair — jurei. — Acredito que terei de fazer como com Gael,


enviando pedaços dos traidores aos demais.

Luca tremeu ligeiramente.

— Skender pensa que traremos a garota… Acredito que tudo


explodirá antes de abrirmos a boca. — Suspirou Nikolai. —

Deveríamos tê-la trazido conosco.

Virei-me na sua direção, e por um momento desejei enfiar uma


bala em sua testa só por ter sugerido isso.

O rosto de Nikolai ficou como pedra, espelhando o meu. Dois


machos alfa em uma contenda. Seria difícil vencê-lo, mas não

impossível, até porque eu não lutava de modo justo.

Senti a tensão de todos ao nosso redor. Luca, como sempre,


tentou apaziguar a situação, mas meus olhos estavam fixos no
mafioso loiro.
Só de imaginar Mia ou Graziela perto de Skender eu tinha

vontade de derrubar essa maldita cidade.

— Certo, gente. Vamos retomar o assunto anterior — Luca


sugeriu. — Capo, eu sei que as coisas estão confusas aí — ele

apontou para a minha cabeça —, mas segure esse instinto de


rasgar Nikolai. Foi um comentário impensado, ele não pretende isso
de verdade.

Absorvi as palavras do mafioso russo, me esforçando para

interpretá-las como Luca disse. O instinto protetor que antes era


dirigido apenas às minhas irmãs agora estava sendo direcionado a

mais duas pessoas que entraram na minha vida. Eu não deixaria


que nada e nem ninguém as levassem de mim.

Todos ficaram em silêncio acerca da discussão, e isto foi bom,


pois eu ainda não sabia pôr rédeas nos meus sentimentos.

— Eu ouvi que ele só quer a criança — Nikolai comentou com

mais leveza, mas ainda o sentia rígido.

— Algo que não vai acontecer, ninguém tocará na princesa —

assegurou Rafaelle.

Era uma promessa que eu e meus irmãos cumpriríamos até o


dia em que morrêssemos.
O plano que deixei vazar foi que eu traria a Mia para a
negociação, largando Graziela em uma cabana não muito longe dali.
Como Skender viria nos encontrar, certamente os traidores se

encaminhariam para onde acreditavam que minha garota estivesse.

— Espero que essa emboscada seja um sucesso. Não quero


me demorar com essa guerra, tendo outra no horizonte. Os Rodins
precisam ser detidos. Saíram do topo da lista do FBI, portanto, cabe

a nós acabar com eles. — Os olhos de Matteo se apertaram. —


Atacaram ontem à noite duas das nossas instalações.

— Estão começando a incomodar de novo. — Assentiu Nikolai.

— Vamos cortar o mal pela raiz.

— Nosso infiltrado lá disse que Chavez se aliou a Skender,

ontem mesmo tiveram uma reunião de portas fechadas. Não foi


relatado o teor da conversa — contou Rafaelle. — Com certeza

estão preparando um ataque, agora só precisamos descobrir onde.

— E quando. Assim, tomaremos providências — destacou


Alexei.

— Estou cuidando disso. Só não posso pedir muito a ele ou


descobrirão seu disfarce. Acredito que logo teremos notícias. Saber
de antemão sobre o ataque seria de grande ajuda. — Pelo menos
eu teria como proteger minhas garotas. Todas as quatro.

— Falando nisso… Achei estranho os nossos territórios serem


atacados, mas não os de vocês. — Nikolai olhou para mim. —

Excetuando o incêndio, mas eles não são homens de parar em um


ataque. Enquanto isso, nós já fomos atingidos algumas vezes, e isto

só neste mês.

Até ele comentar, eu não tinha pensando no assunto. Por que


os Rodins evitavam o meu território? Medo não devia ser, já que

nenhum deles sabia o significado disso. Qual era o motivo?

— Uma estratégia. Acredito que eles nos querem focados nos


atentados contra vocês, afinal, somos aliados. Assim, deixaríamos

os nossos descuidados, e invadiriam com facilidade — disse

Rafaelle. — Hoje mesmo pode ser uma armadilha.

— Creio que esteja correto até certo ponto. Eles não

invadiriam nosso território; não seriam tão loucos. — Estreitei meus

olhos com a ideia. — De qualquer forma, nós ficaremos alerta.

Carros surgiam à distância.

— Descobriremos logo o que planejam — falei, observando os

veículos se aproximarem.
— Seis carros. Provável que com quatro homens em cada,

totalizando vinte e quatro. — Alexei pegou sua arma, e assim


fizemos todos. — Vamos esperar para ver.

Estávamos em maior número, cinquenta no total. Na linha de


frente, só os chefes, e o restante escondido ao redor.

Os carros deles pararam e, em seguida, vários homens

saíram. Alexei estava certo sobre a quantidade de servos.


Aparentemente, não carregavam armas — ao menos nada visível a

nós.

Fizeram uma frente única de guardas, então se afastaram

como se para abrir caminho ao chefe. Skender apareceu, vestido

como um rei com uma capa escura. Ele era alto, com cabelos

negros e olhos da mesma cor. Com certeza, Graziela devia ter


puxado à mãe, pois se parecia muito com a Mia. Graças aos céus.

Alexei bufou baixo.

— Estiloso, não?

Skender passou os olhos em todos ali, pousando-os em mim e


Rafaelle.

— Os filhos traidores de Marco Morelli… O homem que matou


o pai para tomar seu lugar! — Parou a seis metros de nós.
Já tinha ouvido coisas piores; claro que todos que disseram

isso estavam mortos. E alguns pensavam, mas não revelavam nada

a mim, temendo que eu os mandasse para o Inferno.

— Marco teve o que mereceu. E você também terá, se

continuar enviando seus homens em meu território — fui direto. Eu

tinha uma hora para estar na apresentação de Graziela. Não faltaria,


nem que para isso precisasse derrubar todos ali.

— Vai depender de você — disse um cara qualquer. — Nos


devolva a puta da Mia…

A sua fala foi cortada quando lancei minha faca e acertei entre

os seus olhos.

Todos os homens de Skender puxaram as armas.

— Sabia que ia dar nisso — Rafaelle resmungou baixo,


apenas para mim. — Controle-se. Sei que é difícil, mas é preciso.

Não conseguia. Ele mereceu por ter falado mal da Mia;


ninguém ousaria chamá-la dessa forma, não na minha frente.

Skender olhou para o morto, depois para mim.

— Alessandro, mais conhecido por Ghiaccio. Não parece nada

gélido a meu ver. Então quer dizer que minha sobrinha o tem em

suas mãos? Ou posso dizer em sua cama? — Riu.


Suprimi minhas emoções e me concentrei na situação. Uma

coisa que ele disse chamou a minha atenção: lembrava-me de Mia


mencionar que seu pai era um servo de Skender, Afrim, seu braço

direito.

— Ela não era a sua sobrinha, mas filha de um capacho seu —

falei, avaliando sua expressão. Precisava dimensionar onde eu

estava me metendo. Obviamente sabia do que os albaneses eram

capazes. Se fosse sobrinha dele, por que Mia não me contou? Ela
mentiu de propósito? Não achava possível.

— Afrim? Aquele idiota não passava de um bajulador


incompetente, que só serviu para matar o meu irmão, Skim. E, em

troca, eu deixei que ficasse com a mulher dele, a minha cunhada. —

Sua voz não denotava sentimento algum. — Eu jamais me

esforçaria tanto para encontrar a filha de um simples servo.

— Você está dizendo que esse Skim é o pai de Mia? —

Precisava de uma resposta.

Mia nunca mentiu. A mulher era fiel aos seus. Ela certamente

ia gostar de saber que seu pai era outro, e não o maldito verme que

acabou matando.
— Sim, portanto, a garota é minha sobrinha. Eu tenho direitos

sobre ela. — Sua expressão se fechou. — Mia matou Afrim e sua

mãe, e fugiu com a bebê que tirou da barriga de Carina. Seu castigo

é a morte na minha máfia. Temos provas de que escapou com a


criança. Sem contar que Mia tem algo que me pertence.

— Na minha organização, Mia é minha noiva e matou o pai por


legítima defesa ao defender a mãe de um marido que, por sua vez,

atirou nela grávida da filha dele — joguei esse final para descobrir

se ele realmente sabia que Graziela era sua. — Para salvar a bebê,

Mia teve de tirar a criança. Não a julgamos por isso.

— As duas pertencem a mim, minha sobrinha e filha. Pensa

que eu desconheço que a puta de Carina esperava um filho meu?


Eu a tinha a hora que quisesse — praticamente cuspiu. — Afrim a

matou sem a minha ordem. Se estivesse vivo, eu mesmo acabaria

com o maldito.

— Mais maldito é você, que a estuprava — desdenhou Matteo

Salvatore.

Skender riu, zombeteiro.

— Justo você me dando lição de moral? Sua família

sequestrava crianças e as mantinha em cativeiro para entregar a


homens aleatórios. E, com certeza, você deve ter feito o mesmo.

Lorenzo, o antigo capo Salvatore, pensou que a filha dele —

hoje esposa de Nikolai — tivesse morrido. Então surtou e começou

a sequestrar meninas e levá-las para uma fazenda nos arredores de

Chicago. Lá, quando elas completavam dezenove anos, eram dadas


aos homens em uma espécie de ritual doentio. Eram pedófilos e

tiveram o que mereceram quando os membros do MC Fênix

invadiram o local e acabaram com todos. Lorenzo morreu, e Matteo


ocupou seu lugar. Mas ele era diferente do pai, assim como Luca.

Portanto, Matteo ficou sombrio diante da acusação descabida.

Antes que ele soltasse as facas na direção do Skender, eu


precisava saber de uma coisa.

— Onde enterrou o corpo de Carina? — perguntei. Mia disse


que sofria por não ter dado um enterro legítimo à sua mãe.

— Bom, capo — pronunciou o título como se fosse algo

desagradável —, não direi nada se não me entregarem as duas. Da


próxima vez que nos encontrarmos, eu atacarei e o matarei. Vou

adorar esculpir um sorriso nessa sua cara fria.

— Elas não pertencem a você! Mia é minha noiva, e Graziela

será a minha filha. Ao contrário de você, eu as protegerei. — Esse


homem me dava repulsa.

Mia me contou que Afrim desejava que ela se casasse com o

rei, ou seja, Skender, o tio dela. Só de imaginar, revoltava-me e


queria matá-lo.

— Levarei a minha filha comigo. E se Mia for esperta, virá


junto, ou nunca mais verá a garota que a conhece como mãe, não

é? — Sacudiu a cabeça, desgostoso.

— Tentei ser civilizado, mas acho que não vai funcionar com
você.

— Civilizado? Não sabe o que é isso. Acha que eu viria ao seu


território desprotegido? Só com esses poucos homens? — zombou,

então estalou os dedos.

— Você não precisa delas realmente, Skender, deixe isso de


lado — pediu Rafaelle. — O que Mia tem que lhe pertence?

Skender gargalhou.

— Poderia considerar a ideia, se me cedessem parte de seu


território. — Virou-se para um dos seus homens. — Milão, Veneza e
alguns outros.

Se ele achava que eu lhe daria meu território, estava


enganado. Só por cima do meu cadáver.
— Isso está fora de questão. — Notei que ele não respondera
à pergunta de meu irmão.

— Oh, capo, as garotas me pertencem. Não são vocês que


valorizam a honra? A julgar por isso, o certo seria as entregarem a

mim. — Deu um passo à frente. — Ou a paixonite por Mia mudou


seu coração frio?

Dessa vez, soltei uma risada sombria, sobrepondo minha voz

ao som de um helicóptero que passava à distância —


provavelmente algum turista sobrevoando a cidade.

— Chega de enrolação! Você não as tocará. Se tentar,

derrubarei todos. — Fulminei-o. — Agora precisa parti…

Cortou-me:

— Não saio daqui sem elas. Mas sei onde estão e, neste
momento, há homens meus lá.

Decerto, ele estava falando da emboscada que organizara


para meus homens traidores. Viper e Luigi coordenariam outros
caras de minha confiança para lidar com eles. Mas se ele descobrira

a armação, eu estava com sérios problemas.

— Você não tocará nelas — repeti, perdendo minha paciência.

Sorriu.
— Tarde demais! O estúdio de dança está lotado. Achou que
me enganaria? Logo, logo terei as duas comigo. Farei a Mia pagar
comendo aquela boceta e, depois, a darei para cada um dos meus

homens. — Olhou para os meus aliados. — Suas esposas estão lá


também.

Não tive tempo de soltar a minha fúria: o helicóptero se

aproximara. Não carregava civis, e sim o pessoal dele.

— Porra! São atiradores. Protejam-se — gritou Matteo,


correndo para se esconder atrás de um carro.

Tudo aconteceu ao mesmo tempo. O helicóptero chegou e os


guardas da linha de frente começaram a atirar em nós. Assim
também fizeram os meus soldados de tocaia.

Segurei o meu medo por pensar que alguém pudesse tocar em

uma delas; precisava acabar com isso e ir atrás das minhas garotas.
Podia ver que todos pensavam o mesmo.

Atirei nos homens que protegiam Skender. Ele tentou fugir,

mas os pneus haviam sido furados. O merda correu para trás de seu
carro. Quem estava no helicóptero começou a soltar fogo sobre nós.

— Maldição! Assim vamos morrer — gritou Alexei, quando a

metralhadora nos meteu uma saraivada de tiros. — Temos que


derrubar o helicóptero. Porra! Alguém tem um canhão escondido no
bolso?

— Me deem cobertura e deixem que cuido dessa parte — falou


Rafaelle, indo para o nosso carro. Com certeza pegaria o rifle que
tinha ali; sempre carregava consigo para emergências. Meu irmão

era o melhor atirador que eu conhecia, certeiro.

Atingiu seu objetivo e passou a atirar nos inimigos, tanto os do


céu quanto os da terra.

— Skender é meu. Não o quero morto agora — avisei. —

Temos que andar logo enquanto ainda temos visão, porque depois
que escurecer ficaremos cegos. — Sinalizei para Luca. — Me cubra.

Eu vou chegar a Skender. Matteo, dê cobertura ao meu irmão, e o


resto pode mandar fogo.

Levantei minha arma na frente do rosto e segui abaixado atrás


dos veículos. Tiros cruzavam perto de nós, mas nenhum nos

acertou. Torcia para que continuasse assim.

Vi Skender escondido atrás de seu carro; acertei os que


estavam perto, e Luca fez o mesmo com os outros. Eu precisava

cuidar para não ser baleado de cima. Cadê Rafaelle que ainda não
derrubou essa merda?
— Você teve uma oportunidade para aceitar isso sem lutar.

Mas aqui estamos nós — gritei.

Pulei quando uma de suas balas passou perto da minha


cabeça, batendo no carro blindado. Revidei, acertando o seu braço.

— Vou adorar matar você. — Eu estava indo até ele, mas um

estrondo proveniente do céu me distraiu por um segundo.

— Feito! Agora nós vamos acabar com todos — rosnou Alexei.

Corri e chutei o peito de Skender antes que recarregasse a sua

arma.

— Como disse: você é meu! — Chutei sua mandíbula,


contudo, não a tempo de impedir que sua faca deslizasse pela

minha barriga. Senti a hora em que fui cortado.

— E você é meu, capo. — Ficou de pé, me chamando para a


luta.

Avançou sobre mim, mas lhe dei um murro no rosto, fazendo-o

cambalear. Com o cano da arma, eu acertei o seu rosto e o vi cair


desacordado.

— Boa. Lidaremos com ele depois. — Luca atirou em um cara

que pretendia me acertar.


Voltei-me a ele, agradecido, e assenti. A luta continuou. Alguns
dos albaneses tentaram fugir depois que a aeronave caiu não muito
longe de onde estávamos.

Chequei os carros em condições de rodar.

— Agora só preciso saber como estão as meninas. Se era um


blefe ou não.

— Elas estão protegidas. Stefano, Miguel e os outros cuidarão

delas até chegarmos. — Colocou a mão no meu ombro, me levando


a encará-lo. — Às vezes, sentir medo é bom, pois significa que
estamos vivos.

Sabia que ele não se referia ao episódio de minutos atrás, mas


ao pavor que parecia consumir tudo de mim. Eu já o sentia antes
com Jade e Luna, mas aumentara com a chegada de Mia e

Graziela.

Depois de dez minutos, conseguimos estabilizar o cenário.


Tivemos perdas severas, mas ganhamos a batalha.

— Merda! Levar um tiro não era o que eu tinha em mente hoje

— grunhiu Alexei, segurando seu braço.

Os líderes e seus homens de confiança estavam bem, na


medida do possível. Fora Alexei, que levou um tiro no braço, Matteo
na perna, e eu…

— Você está ferido. Qual a extensão? — sondou meu irmão,


puxando minha camisa e checando. Em seguida, praguejou: —

Fundo. Você precisa ser costurado ou terá uma hemorragia.

— Vamos embora daqui. Quero checar a minha esposa. —


Todos concordaram com Luca.

Sim. Eu também iria para a minha mulher e filha.


Capítulo 17

Mia

A mansão do castelo estava cheia de esposas de capos e

chefes de máfias.

Irina era uma loira deslumbrante, forte e destemida, casada

com o capo Salvatore e irmã de Nikolai e Alexei Dragon, dois chefes

da máfia russa. Ela era mãe de uma garotinha chamada Sandy.

Dalila, mais conhecida como Samira, era a esposa de Nikolai e


irmã de Matteo. Por anos foi tida como morta, e seu pai, para se

vingar, pensando que a culpa era dos Dragons, mandou matar os

dois. No final, ela estava viva e se apaixonou pelo filho daqueles

que seu pai assassinou.

— Desculpe dizer isso, mas ele merecia a morte. Que

apodreça no Inferno — falei à Samira. Notei que ela gostava de ser


chamada assim, mais do que pelo nome verdadeiro. Minha reação
se deu ao descobrir que Lorenzo, o pai dela, raptava meninas novas
e as mantinha em cativeiro para serem entregues a abusadores.

Ela sorriu.

— Não ligo. Um dia, ele foi um pai, mas isso mudou com suas

atitudes desumanas. Não me importo com aquele homem. Não

existem sequer boas lembranças dele. — Samira olhou para o filho


no braço. Ela tinha Nikolas, de dois anos e meio, e a bebê Sasha

Wendy.

— Passei quase a vida toda odiando o meu pai, mas, no fundo,

ele só queria encontrar a minha mãe que tinha sido vendida pelo

meu tio — comentou Rayssa. A garota era uma mulher muito doce e

linda com aqueles cabelos anelados. Mãe de Aristov, um bebezinho


loiro belíssimo.

Os homens estavam longe demais para conseguirem ouvir.

Havia um cara chamado Cielo, guarda de Samira; Samuel, de Irina;

e Olege, segurança de Rayssa e do filho dela. Os nossos, de Jade,

Luna e eu, eram Stefano e Miguel, tão letais quanto os outros.

Rayssa era filha de Pietro, um antigo chefe da máfia russa,

que tinha morrido há alguns anos, deixando-a como herdeira.

— Você toma conta da máfia? Faz tudo? — Arregalei os olhos.


Piscou, exasperada.

— O quê? Não! Jamais poderia cuidar disso. As coisas que

eles fazem… — Estremeceu. — Precisei lidar com o título porque

não tive escolha, mas conheci o Alexei, ele me protegeu a pedido de


meu pai. Nos apaixonamos, e agora quem toma conta de tudo

referente à linhagem Petrova é ele. A maioria das vezes nem sei o


que acontece, pois ele me mantém fora dos negócios mais

sombrios. Acho bom. Melhor do que saber o que rola.

— Luca faz o mesmo. Sei que eles não são santos, longe
disso, mas todos morreriam por nós — assegurou Jade, olhando
Stefano, que conversava com Miguel. — Meus irmãos também.

— Onde fui criada, a máfia era horrível. Os chefes tomavam as

meninas que queriam e faziam o que desejassem delas. Eu só fui


excluída disso devido à minha mãe ter ocupado o meu lugar. Era

passada de mão em mão… — Expirei com os dentes trincados. —


Juro que não sabia disso até o dia em que fugi. O que ela deve ter
vivido para me proteger…

Não tinha poder para mudar o passado, isto doía demais. E, se

conseguisse voltar no tempo, não sabia o que poderia ter feito de


diferente. Talvez fugir mais cedo? De qualquer forma, eu não a

deixaria naquela vida miserável.

— Temia a máfia porque assumi que todas fossem cruéis. Mas


então conheci a Luna. — Olhei para ela, sentada ao lado da irmã. —

Tudo mudou. Alessandro me salvou do incêndio, e Miguel resgatou


a Luna e a minha filha. Depois vim para cá e, desde então, eles nos
protegem. Agora estão lá tentando negociar com os albaneses por

minha causa, mesmo tendo inimigos próprios, os Rodins.

— Esses Rodins bem que poderiam morrer, não é? — sibilou


Irina. Percebendo nossos olhares assustados, ela acrescentou: —

Qual é, gente? Alguém aqui pensa diferente?

— Claro que merecem! Eles dizimaram muitos dos nossos —

falou Samira. — Há quase dois anos, deixaram Nikolai uma pilha de


nervos.

— Matteo não ficou atrás, pois atacaram eu e meu irmão em

um aeroporto na frente de civis, quando eu voltava de Dallas. —


Irina sacudiu a cabeça, enraivecida. — Alexei levou um tiro e quase
morreu para me proteger daqueles imundos. Então, para mim, já

viveram tempo demais.


— Lembro que Alessandro ficou furioso com tantos atentados,
até fez uma aliança com os Salvatores. Foi uma época turbulenta.
— Jade alisou sua barriga. Mais cedo, ela revelara a todas as

meninas sobre sua gravidez, alegrando o grupo.

— Tive que ficar mais de um mês sozinha, sob a proteção de


Miguel. — Suspirou Luna. — Na hora, odiei, já que não gostava
dele, e sim de Sage.

Sage estava na sala também. Tinha os olhos nela o tempo

todo, mas minha amiga não parava de fitar Miguel.

— Garanto que sua paixão surgiu ali. — Jade sorriu para a


irmã. — Bom, Miguel a merece, nenhum outro homem que não
enfrente os nossos irmãos é digno. Luca encarou Alessandro de

frente, sem medo.

— Menina, aquele seu irmão é um tanto sombrio, hein? Ficar


perto dele me dá arrepios, e nada a ver com sua beleza. — Rayssa

estremeceu.

— Alessandro sabe ser frio quando quer, apesar de que,

nesses últimos meses, eu o vejo diferente. — Sorriu para mim.


Sabia que lá vinha coisa. — Vejo que estão juntos, então devem

estar namorando.
— Vocês se amam? Não consigo imaginar aquele homem
sentindo isso. — Irina falou em tom baixo. — Mas Matteo também
era frio quando o conheci, só não tanto quanto esse capo.

Elas me miraram com entusiasmo, como se eu tivesse uma

grande história de amor para narrar. Não sabia o que sentia. Claro
que Alessandro me atraía, adorava estar com ele, e nós

afirmávamos que nos casaríamos, mas amor?

— Não sei se ele é capaz disso. Mas conheço um lado que


não mostra a ninguém, tem mais nele do que veem por fora. —

Suspirei.

O que Alessandro fez por aquelas meninas, mesmo não


saindo conforme queria… o importante era que se esforçou ao

máximo para salvá-las.

— Como, por exemplo, o quê? — sondou Rayssa.

Não acreditava que ele gostaria que isso vazasse, então eu

não diria nada.

— Deixe pra lá. Eu não posso contar em detalhes, mas há um

coração imenso por trás daquela fachada. — Escorei-me no sofá.

— Ele é bom de cama, pelo menos? — inquiriu Irina, sorrindo.

— Acredito que seja. Que tamanho tem o…


— Por Deus! Eu não quero saber o tamanho da… coisa do

meu irmão. — Luna praticamente pulou do sofá, falando um pouco


mais alto do que o normal.

Irina riu.

— “Coisa”? Agora pênis é coisa?

— O que está acontecendo? — perguntou Miguel, nos


avaliando, especialmente a Luna, que parecia um pimentão

vermelho.

— Nada preocupante. — Decidi salvar a garota, embora

estivesse igualmente corada. Depois emendei baixo a elas: — Não

vou falar sobre isso com vocês.

Irina deu um suspiro duro.

— Fica chato assim. Eu não posso falar do tamanho de


Matteo, porque Samira é irmã dele; nem ela ou Rayssa podem fazer

o mesmo comigo, porque Nikolai e Alexei são meus irmãos —

reclamou. — Jade não pode falar de Luca, porque Samira é prima

dele. E agora não podemos falar de Alessandro, porque Luna e


Jade são irmãs dele.

Ri, sacudindo a cabeça.


— Não foi muita coisa, não ficamos juntos de verdade —

resumi.

— Por quê? Parece que realmente gosta do meu irmão. —


Jade me olhou. — Claro, responda sem muitas explicações da vida

sexual de vocês.

— Não transamos, então nem se quisesse poderia dizer algo.

— Omiti que havíamos feito outras coisas. — Sempre sonhei em me

casar em uma igreja, pertencer a somente um homem na minha


vida. Então veio o Alessandro e bagunçou tudo.

— Bagunçou de um jeito bom ou ruim? — Samira quis saber.

— Não acho que seja ruim. Ele só me tirou daquilo que sempre

sonhei, mesmo tendo dito que nos casaríamos…

— Vocês vão se casar? — Jade praticamente gritou,


gesticulando como se tivesse acabado de fazer um gol. — Não

acredito nisso!

Dessa vez, Stefano saiu do seu lugar e veio até nós, sendo

seguido por Miguel.

— Que tanta gritaria é essa? — perguntou com os olhos

estreitos.

— Alessandro vai se casar! — soltou a bomba.


Tanto Stefano quanto Miguel me encararam. Corei com toda

aquela atenção.

— Casar? — Stefano praticamente cuspiu a palavra; não por

não me aceitar, mas por sua aversão a casamentos.

— Quando ele pediu a sua mão? — indagou Luna, animada.

Sacudi a cabeça, ficando de pé. Precisava deixar uma coisa


clara ali.

— Alessandro não me pediu em casamento de forma normal.


Suas palavras foram mais ou menos “Você será a minha esposa,

porque se alguém mais tocar em seu corpo, eu o estraçalho”. Então

parem de histeria. Não sei o que vai acontecer, deixarei para pensar

nisso depois que tudo isso acabar.

Miguel desatou a gargalhar, sem cerimônia.

— Isso é a cara do Alessandro. Não vai conseguir um pedido

diferente vindo dele. — Tentou parar de rir.

Nesse ponto, ele tinha razão. Alessandro não parecia um


homem de pedir a mão de uma mulher ajoelhado e com um buquê

de flores. Eu adoraria se fosse, mas não era hora para isso,

tínhamos problemas mais importantes.


— Meu irmão pode mudar se ele ama a Mia — retrucou Luna

para Miguel.

Ele arqueou as sobrancelhas.

— Oh, sim, Cachinhos, todos podem mudar, mas alguns são

como são. Ou a pessoa aceita, ou parte para outro. — Não achei


que estivéssemos mais falando de Alessandro. No final, sua voz

tinha um toque sombrio.

Luna fez careta, mas não respondeu. O que será que estava
acontecendo ali? Depois procuraria saber a respeito do que a

incomodava.

— Mamãe, eu preciso me arrumar ou vamos nos atrasar —

disse Graziela, correndo até mim.

— Claro, minha linda. Por que não sobe e vai começando? Já


apareço lá. — Precisava sondar o que estava acontecendo com eles

no tal encontro.

— Meu papai estará lá? — questionou ela, ansiosa.

— Vai. — Céus! Eu esperava que sim, ou não sabia o que

seria dela.

— Agora vou ficar bem bonita.

— Você já é linda, meu amor — declarei.


Ela beijou o meu rosto, depois o de Luna, Jade e, por último,

os de Miguel e Stefano.

— Tio Stefano? Não se esqueça do meu presente. — Sorriu.

— Acho que o presente vai demorar um pouco, princesa, mas


prometo que darei em breve e em grande estilo. — Ele a pegou nos

braços, beijando ambas as bochechas dela.

— Tudo bem. Podemos ir todos juntos. — Animou-se e subiu

as escadas.

Todas as garotas olharam para Stefano, que franziu o cenho.

— O quê?

— Você parece se dar bem com crianças — apontei. — O que

prometeu a ela?

— Me dou bem com crianças e mulheres. — Piscou para


Rayssa, Samira e Irina.

— Que tal parar de ser engraçadinho, garoto? Os maridos


delas acabarão com você se tentar algo — avisei. — Eles são

chefes da máfia.

— Eu posso fazer o mesmo estrago neles, cunhada, e tudo


isso sorrindo. — Por mais que estivesse rindo, eu podia ver que ele

falava sério.
— Se comporte, Stefano — Jade ralhou, levantando-se. —
Preciso me arrumar, não quero perder a apresentação de Graziela.

— Acho isso errado, devíamos ficar todos aqui, e não sair para
nenhum espetáculo — Miguel reclamou, seus olhos fixos em Luna.

— Não tem como. Não viu a animação daquela garotinha? Isso


acabaria com ela — disse Stefano. — Estaremos protegidos na ida

até lá e analisaremos todos que entrarem. Ninguém suspeito

passará, pode acreditar.

— O que está acontecendo nessa reunião? Alguma notícia? —

Eu me sentia ansiosa para saber se eles estavam bem. — Se for

perigoso irmos à apresentação, eu posso falar com Graziela. Ela é


muito esperta, vai entender.

— Não há nada com o que se preocupar — assegurou


Stefano. — Foi tudo providenciado. Ninguém chegará perto de

nenhuma de vocês hoje.

Um nó subiu em minha garganta, por sua preocupação.

— Obrigada por nos protegerem. Passei tanto tempo fugindo


sozinha e confiando somente em mim mesma, que agora que tenho

alguém para lutar por mim, me dá vontade de chorar. — Abracei


Stefano, o qual enrijeceu por um segundo. — Valeu, garoto.
Agradeço a você, Miguel e todos os outros.

— Não sei lidar com lágrimas de mulher — alertou, mas


passou os braços à minha volta. — Só espero que meu irmão não

chegue aqui e me veja desta forma, porque pode querer me matar


como pretendia com Rafaelle.

Ele brincou, porém, no fundo, fiquei preocupada e me afastei,

limpando meus olhos molhados.

— Espere: Alessandro tentou matar Rafaelle? — indagou


Jade, horrorizada.

— Somos irmãos, ele não pode ter feito algo assim — Luna
sussurrou de olhos arregalados.

— Foi um mal entendido. Alguém tirou fotos de nós dois dando


a entender que Rafaelle e eu estivéssemos íntimos, mas era uma

armadilha, não sei. De qualquer maneira, foram parar nas mãos de


Alessandro, e ele ficou… — Pensei na sua reação na hora. —

Nunca o vi daquele jeito. Derrubou o irmão, achei que fosse


acontecer o pior, mas ele só esmurrou o chão.

— Oh, senhor! — Jade se encolheu e fitou Stefano. — Ele


nunca perdeu a cabeça, apenas quando revelei sobre Gael.
Uma sombra surgiu na expressão de Stefano, como aquela
que, às vezes, eu via no irmão dele.

— Alessandro é um homem leal, fiel à sua palavra, amigo e

companheiro. Ele não mede esforços para servir, apesar de ser


complicado por não mostrar o que sente. É uma armadura. —
Miguel pousou os olhos em mim. — Ele nunca deixa ninguém entrar.

Acredito que tudo está confuso dentro dele agora pelos sentimentos
novos, mas meu amigo vai se dar conta disso.

— Espero que sim. Tenho mais medo do que Skender fará

depois dessa conversa deles; aquele homem é um monstro —


murmurei, encolhida. — Não aceita ordem de ninguém.

Stefano me deu um sorriso sinistro, me lembrando hienas.

— Cunhada, não se esqueça de que também somos letais,

bem piores que o mafioso albanês. Não preocupe essa cabecinha


linda e foque apenas na apresentação da princesa. Tomaremos

conta do resto.

Eu não conseguia não me preocupar com eles e minha filha.


Mas, por ora, rezaria para que não acontecesse nada nessa
reunião.
Capítulo 18

Alessandro

Tinha ligado para Stefano e checado tudo; nenhum intruso

conseguiu entrar no lugar onde aconteceria a apresentação. Fiquei

grato por isso.

Conversei com Viper e Luigi, e como o esperado, ninguém

apareceu, certamente suspeitaram que seria uma emboscada, ou

pensaram que Skender sairia de lá vivo. De qualquer forma o plano

de pegar todos eles falhou.

— Alessandro, eu preciso costurar você ou não vai parar de

sangrar — Rafaelle disse.

— Necessitamos de um plano bom para pegar todos os

traidores. — Estávamos no carro, indo para a cidade.


— Eu sei, mas neste momento a sua saúde é prioridade.
Mortos não lutam — falou com amargor.

Ele tinha razão. Tirei minha camiseta e me arrumei no banco

de trás, enquanto Luca dirigia. Nikolai, Matteo e Alexei foram em

outro carro.

Eu estava furioso, porque muitos dos meus homens fiéis


padeceram, e quem deveria morrer escapou. Quando eu colocasse

minhas mãos em Skender, eu o faria pagar caro.

— Termine logo, tenho que ir à apresentação de Graziela.

Meu irmão estreitou os olhos.

— Não pode estar falando sério! Você precisa de um médico,

porque mesmo comigo dando pontos, ainda vai faltar muito a ser

feito — rosnou.

— Não há tempo. Graziela está esperando por mim. —

Precisava garantir a segurança de minha família. Mas como? O que

podia fazer para pegar os traidores? Acreditei que houvesse feito


isso no passado, mas estávamos sendo traídos de novo.

Não podia deixar isso assim; Graziela e Mia careciam de

liberdade. Minhas irmãs também. Eu lidaria com os traidores e os

Rodins de uma vez por todas.


O que fazer? Então olhei para a minha ferida, sendo suturada

por meu irmão, e uma ideia se formou em minha cabeça. Não era
das melhores, porque faria as pessoas próximas a mim sofrerem,

mas eu precisava pensar na sua segurança.

— Acho que preciso morrer — as palavras praticamente

saltaram da minha boca.

Tanto Rafaelle quanto Luca me olharam como se eu tivesse


perdido a cabeça.

— Espero que não seja fraco a ponto de desejar a morte por


causa de uma ferida de faca. Ouvi que suportou muito mais do que

isso — observou Luca.

— O corte não é grave, não atingiu nenhum órgão vital —


disse Rafaelle, me avaliando. Mas ele me conhecia bem. — Não é

disso que você esteja falando, certo?

— Não, pense… Eu não sei quem está me traindo. É alguém

que conhece o que meu pai fazia. Eu poderia torturar todos e buscar
essa informação, mas não levaria a nada, só me tomaria tempo. E é

uma coisa que não temos contra os Rodins. — Soltei um suspiro


duro. — O maldito Chavez colocou infiltrados na minha organização,

assim como fizemos com ele.


— O que você ser dado como morto tem a ver com isso? —

inquiriu Luca.

Rafaelle suspirou.

— Não estou gostando do rumo disso. — Terminou o trabalho


e me deu uma faixa de tecido para pressionar o lugar.

— É o melhor, não entende? Comigo morto, Rafaelle será o


novo capo. — Enrolei o pano e limpei o sangue que escorria pela

minha barriga.

— O que eu posso fazer como capo que você não pode,


Alessandro? Não estou entendendo, explique melhor.

— Você pode dizer que fingia ser o irmão bonzinho, porque


não tinha escolha, mas que sua vontade sempre foi reinar e repetir

tudo o que nosso pai fazia.

— Eles não vão acreditar nisso.

— Não, eles não vão, portanto, você terá que provar, fazendo

o que eles gostam mas nós proibimos. Com isso, os traidores sairão
das sombras, e quem não aprova tentará esconder o seu

desapreço. Viper e Rabel bolarão um plano para derrubar você; eles


ficarão do lado do bem, ou seja, vão se opor. Luigi e Saul o ajudarão
com isso; eles tentarão chegar aos traidores dizendo que só me
seguiam por ser o capo, mas que agora aprovam o novo líder.

Rafaelle se manteve calado, assim como Luca. Eles sabiam


que o plano era bom.

— Nenhum deles vai acreditar que eu o odiava. — Rafaelle me

olhou. — Tudo que passamos juntos…

Expirei, ignorando a dor do corte, mas tinha outra ali ao dizer

as palavras seguintes:

— Sim, mas é comum haver traições quando uma mulher está


envolvida — dizer essas palavras arranhou meu cérebro e minha

garganta.

— Mulher? — falou baixo, em tom frio. — Não está querendo

insinuar que eu…

— Sim. Assim que eu me for, ou eles pensarem que eu morri,


você será capo e tomará a Mia como noiva. Fale a todos que
sempre a quis e que foi um alívio eu ter saído do seu caminho. —

Coloquei a mão no peito, sentindo-o doer muito.

— Não tocarei nela.

Sorri frio.
— Não, porque ela é minha. — Só de imaginar alguém
encostando naquele corpinho, onde só eu tive o prazer de tocar,
sentia vontade de derrubar todos, incluindo o meu irmão. Mas isso

era algo que eu não queria fazer.

— O plano é bom, mas tem uma coisa aí em que eles não


acreditarão. Que nós, os seus aliados, fomos todos para o lado de

Rafaelle — disse Luca.

— Pensei nisso. Rafaelle romperá as alianças, tanto com você


quanto com Matteo e Nikolai. Estará sozinho nisso. — Eu esperava

que desse certo para conseguirmos eliminar todos os ratos.

— É um risco que teríamos de correr. Pode funcionar, assim


como não acontecer do jeito esperado. — Rafaelle finalmente

assentiu. — É um plano que levará tempo. Acha que pode fazer

isso? O que acontecerá com nossas irmãs, Mia e a princesinha?


Não agir como um mafioso sem coração e continuar protegendo

elas.

Luca tremeu.

— Jade vai embora com Luca para Chicago. Luna vai para

Dallas com o Miguel. Queria poder mandar Mia e Graziela para


longe, mas…
— Vou precisar delas aqui para o plano funcionar — concluiu

Rafaelle.

— De Mia nós necessitamos, mas e a Graziela? Podemos

deixar ela com a Jade e eu — sugeriu Luca.

— Conheço Mia, ela não deixará a filha longe, ainda mais em

outro país — ponderei.

— Se mentir para Mia, ela pode não perdoar você quando

voltar. As mulheres tendem a ficar irritadas ao serem enganadas.

Além do mais, nós precisamos que ela saiba o que está


acontecendo ou parte disso, pois não vai aceitar ser minha falsa

noiva — Rafaelle comentava. — O que fará?

Imaginar Mia sofrendo apertava o meu peito; não podia fazer


isso. Teria de incluí-la na história.

— Revele a verdade somente depois do enterro, assim ela


demonstrará sofrimento real, porque se souber antes, ninguém vai

acreditar…

Cortei Luca:

— Não só ela, mas Luna e Jade… — Segurei minhas

emoções, pois não as deixaria tomarem conta de mim ou nunca


protegeria aqueles que eu amava. Jurei à mamãe que manteria
minhas irmãs seguras, e faria isso. Mas não só elas: Mia, Graziela e

também o meu povo. Precisava pensar como um capo, e não como

irmão ou homem que queria proteger sua mulher e filha.

— Não vou mentir para Jade. — Fulminou-me. — Isso pode

fazer mal para o bebê, e eu não quero que ela tenha complicações

na gestação.

Ele tinha razão; eu não suportaria que minha irmã perdesse o

bebê por causa de um plano para eliminar todos os desgraçados


traidores. Seria uma escolha difícil, exigia muito planejamento, ou

seja, demoraria bastante para se concretizar; isso acarretaria

problemas na gestação.

— Tudo bem. Como Jade está grávida, nós podemos dizer que

passou mal para evitar ir ao enterro. É fodido, fazê-las sofrerem.

Mas é melhor do que deixar um deles chegar até elas, sem


sabermos de que lado estão, e nossas garotas serem feridas ou

coisa pior. Jade está segura com você. — Olhei para Luca através

do retrovisor. — E quanto à Luna, Mia e Graziela?

— Como pretende fazer isso? — perguntou Luca, assim que

entramos na cidade.
— Acho que para a encenação ideal, você precisa pedir a mão

de Mia na frente de todos. Assim, acrescentará algo a mais no seu


status ruim de chefe; ter um gesto de fraqueza por uma mulher. —

Rafaelle guardou a caixa de primeiros socorros. — Também me

acusar de obrigar Mia a ficar comigo. Eles vão presenciar isso e,


quando ela aceitar a sua mão e no cemitério ao sofrer por você,

todos acharão que sou duro o suficiente para obrigar uma mulher a

ser a minha noiva; posso falar que ameacei matar a princesa… —

Senti-o estremecendo.

Ele tinha razão. Era uma estratégia que machucaria muitos,

mas, no final, eu faria todos pagarem pelas lágrimas derramadas de


Luna e Mia assim que soubessem que morri.

— Hoje, na apresentação, eu chegarei e farei isso, pedirei a

mão da Mia em casamento. Depois direi que vou a uma negociação


e, a caminho de lá, serei atacado. Como você vai precisar de provas

de que estarei morto — gesticulei para meu irmão —, acontecerá

uma explosão no meu carro. Botaremos um corpo do meu lado, o


Skender. Todos assumirão ser eu. Ninguém liga para DNA e essas

merdas. Mas se insistirem, eu cuidarei disso, não preocupem.

— Você ficará sozinho? Onde estará? — sondou Luca.


Sacudi a cabeça.

— Melhor não saber. Mas vou ficar de olho em tudo, saberei

de cada coisa que acontecer aqui fora, como dentro de nossa casa
— frisei, fazendo Rafaelle rir, mas não parecia ofendido.

— Como se eu fosse tocar em sua mulher. — Balançou a


cabeça. — Acredito que o plano dará certo, não é ruim. Bem

eficiente, tirando a parte de não podermos dizer a verdade para as

nossas irmãs, ou uma delas.

— Além de nós, quem saberá da armação? — inquiriu Luca.

— Jade, porque não podemos deixá-la de fora devido à


situação da gravidez. Stefano, porque se ele pensar que fui morto

de verdade a porra toda explodirá e será capaz de ir atrás dos

Rodins sozinho. Não quero que nada saia de errado, muito menos

que meu irmão seja assassinado no processo. Miguel também.

— Quanto à Mia? — Luca perguntou.

Passei a mão nos cabelos.

— Depois do enterro, eu dou um jeito de chegar até ela para

falar todo o plano e pedir que colabore.

Luca riu.
— Tome cuidado para que não haja nenhuma arma no local,

pois conhecendo aquela mulher, com certeza será capaz de matar


você.

Nisso ele tinha razão. Mia contava com um gênio forte, mas

torcia para que ela pudesse entender o porquê de estarmos fazendo


isso. Seria doloroso para as minhas irmãs, mas era preciso.

— Uma dúvida. Como vocês vão voltar a fazer as coisas que o


Marco fazia? Porque isso inclui sequestrar crianças, certo?

Pretendem entrar no jogo deles sem fazer isso de fato? — Luca

estreitou os olhos.

— Os homens certos as pegarão, aqueles em quem eu confio,

e não as machucarão. Depois irão vendê-las a uma determinada

pessoa, que será nossa também. Deixaremos as meninas


escondidas até tudo acabar, e depois as devolveremos para suas

famílias. Vou indicar as pessoas ideais para isso. Rafaelle sabe de

alguns que eu tenho certeza que nunca me trairiam. Vou usar


minhas cartas na manga. — Esperava que tudo corresse bem.

— Boa. Eu não estava gostando da ideia de machucá-las de

verdade. — Suspirou Luca.


Dessa vez, eu envolveria inocentes em meus planos, então
precisaria tomar cuidado para que ninguém se ferisse. Minha mão

direita foi para a tatuagem de chamas em meu peito. O que houve

no passado não poderia se repetir.

— Em vez de sequestrar inocentes, nós poderíamos apenas

pegar prostitutas que queiram ganhar um dinheiro; aquelas com


cara de novas e virgens. Sei que alguém fotografará, porque era

isso que eu faria caso estivesse buscando provas do novo capo ser

diferente do anterior. — Não gostaria de abduzir crianças; não

conseguiria fazer isso. Não depois do que houve naquela época.

— Tudo bem. O plano foi elaborado, agora vou checar

algumas pontas soltas e encaixar outras para que fique melhor —


disse meu irmão. — Nesta noite, vamos nos concentrar na

apresentação, já que não vai para o hospital onde devia estar indo.

— Já lidei com cortes piores. Não há nada que me impeça de


chegar à Graziela. Não viu a ansiedade dela? Não posso magoá-la,

ela conta comigo lá. — Um nó desceu por minha garganta. —


Depois que tudo vier à tona, peça para Mia não dizer nada para ela.
Falar à minha princesa que estou morto seria o seu fim. Não quero

que ela sofra. Posso contar com você em relação a isso, não é?
Rafaelle assentiu.

— Sim, vou deixar Stefano encarregado de proteger as duas, e


as manterei na mansão. Assim, eu poderei dar a desculpa de que
estão presas sob meu domínio, ou Mia fugirá — ele falava tão sério

que, se eu não o conhecesse ou soubesse do plano, acreditaria.

Fomos criados dessa forma, para esconder o que sentíamos


em determinados momentos. Exceto que eu trancava em todos os

segundos da minha vida. Tudo só veio à tona após conhecer a Mia


e a Graziela.

Chegamos em frente ao estabelecimento onde aconteceria a

apresentação.

— Acho que precisa trocar de roupa. — Meu irmão gesticulou


para mim.

Ele me entregou uma muda que estava no carro. Coloquei

uma camisa e um terno, a calça deixei, já que era escura. Saindo do


veículo, senti uma leve tontura.

— Alessandro, talvez… — Havia preocupação na voz do meu

irmão.

— Vamos acabar com isso. Não conte a ninguém que estou


ferido até tudo terminar. — Lidei com dores piores, então podia
suportar essa também. — Pegue uma das injeções de adrenalina
para mim. Acho que vou precisar hoje.

Rafaelle fez o que pedi. Apliquei-a. Nós entendíamos de

algumas coisas relacionadas a ferimentos, afinal, éramos


machucados direto.

O lugar estava apinhado, mas não tinha glamour como os

eventos da sociedade de Milão. Fiquei grato por isso, porque não


esperava ver nenhum socialite ali essa noite. Era sobre minha
princesa e sua alegria de ser bailarina.

Um sonho que foi da minha mãe. Uma vez, a levei em um


estúdio de dança, escondido do meu pai; lembrava-me do sorriso
dela por poder dançar mais uma vez, foi gratificante. Naquele

momento, eu desejei matar o meu pai só para que ela fosse livre,
mas mamãe não deixou, dizendo que ele era a minha família e que
eu deveria respeitá-lo. Às vezes, odiava as nossas tradições.

Segurei o aperto em meu peito ao entrar em um lugar desses


de novo sem ela. Compensava para ver a minha menina.

Rafaelle suspirou, mas não disse nada, só permaneceu do


meu lado. Luca foi estacionar o carro, depois nos acompanharia.
Assim que entrei no estúdio, eu vi que tinha um palco na frente
com uma pessoa apresentando algo, acho que parabenizando os

colaboradores.

Varri meus olhos pelo mar de gente e enxerguei as esposas de


Nikolai, Matteo e Alexei, mas nenhum deles estava ali. Deduzi que

provavelmente não demorariam a chegar para ficarem com elas;


acho que Alexei e Matteo precisariam ir a um hospital, ou se fossem
iguais a mim, viriam para suas mulheres sem ligar para os

ferimentos.

Mulher! Procurei-a, mas não a encontrei perto das outras, e


sim na primeira fileira com vários casais; o lado dela estava vago e,

seus olhos, ansiosos para o palco e para a entrada da frente.

Ela estava esperando por mim? Entrei pelos fundos porque


precisava falar com Stefano, que checava cada canto. Ele me viu e

me conferiu, estreitando os olhos.

— O que foi? Parece todo torto. Tive notícias de que pegamos


os albaneses — falou, assim que cheguei perto dele. — Isso é bom.

Mia estava preocupada com vocês dois.

Ela estava? Meu coração negro pareceu se aquecer mais um


pouco.
— Sim, Skender está sendo levado ao calabouço agora.

Depois lido com ele. E como anda tudo aqui? — Olhei para as
pessoas. — Checou todos?

— Quem você acha que eu sou? — Bufou. — É uma merda

que não conseguimos pegar os traidores.

— Bolamos um plano, Rafaelle vai explicar direito a você. —


Minha atenção se voltou ao palco, onde as meninas tinham acabado

de entrar. Ficaram alinhadas, viradas para nós.

— Que plano? — perguntou, sério.

Graziela, com seus cabelos loiros presos, procurou sua mãe


sentada na frente e sorriu. Logo a felicidade sumiu ao não me achar.

Aqueles olhos tristes foram como um soco no meu estômago.

Em suas mãos, tinha um papel.

— Antes da apresentação, as nossas belas bailarinas farão


uma homenagem aos pais, afinal, hoje é o dia deles — disse o cara

com o microfone. — A primeira é a doce Graziela. Ela irá nos


transmitir uma pequena mensagem. Venha, minha jovem.

A garotinha parecia querer chorar; a sua dor fez minhas

entranhas se retorcerem.
— Ela pensa que não apareceu — Rafaelle disse com a voz
baixa. — Porra! Ainda bem que veio, ou isso a faria sofrer. Agora vá
lá antes que ela comece a chorar.

Assenti com o peito pulsando e o sangue bombeando de forma


rápida, mais que o normal. Saí dos fundos onde estava e segui o
corredor do meio.

Graziela caminhara até o homem de cabeça baixa. Notei Mia

com os olhos molhados, querendo consolar a filha.

Assim que minha princesa levantou a cabeça, os seus olhos


úmidos pousaram em mim. Prendeu a respiração por um segundo e,

logo depois, respirou aliviada. O brilho refletido em seu rosto era


mais poderoso que o Sol, as estrelas, aliás, a constelação inteira.
Era o esplendor, tão forte quanto o Universo.

Ela sorriu, deslumbrante. Mia seguiu seu olhar e me viu, mas


minha atenção estava na garotinha ali naquele palco, que parecia
ter ganhado o seu maior presente com a minha presença.

Graziela pegou o microfone.

— Me chamo Graziela e, em primeiro lugar, eu gostaria de


dizer que minha mãe foi pai e mãe depois que meu pai morreu e foi

para o Céu antes que eu o conhecesse.


Oh, anjo, ele ainda vai morrer, mas não será para o Céu que
irá.

— Amo a minha mãe com todo o meu coração, mas fiquei tão

feliz quando conheci o homem pelo qual está apaixonada, o seu


namorado.

Podia sentir os olhos azuis de Mia me encarando, certamente

pelo que minha princesa disse sobre ela estar apaixonada por mim.
Não sabia se seria possível corresponder ao sentimento, não tinha
certeza se era capaz de amar. Mas a sensação de confirmar que

Mia se apaixonou fez com que eu me sentisse realizado. Apesar de


não ter sido ela a dizer, reconhecia a verdade em seu olhar.

— Alessandro nos protegeu, e eu o amo. Hoje, neste Dia dos

Pais, eu agradeço por ele ter aceitado ser o meu. Esta dança será
para você, papai — declarou com fervor. — Amo você para sempre.

Parei de pé perto do banco de Mia, mas não me sentei, meus

olhos arregalados estavam na menininha linda que chegou ao meu


coração sem esforço nenhum.

Havia muitos fotógrafos ali, mas não queria ninguém postando

nada em revistas para expor a minha princesa; se saísse na mídia,


os traidores saberiam que as duas eram preciosas para mim. O lado
bom era que, depois que eu aparecesse morto, Rafaelle poderia
noivar com a minha mulher e isso reforçaria sua deslealdade.

Tinha que ter em mente que eles ficarem juntos como casal
seria apenas fingimento, logo voltaria para as duas e conseguiria a
minha vingança: matar quem ousou me trair.

Deixei de pensar nisso e foquei na minha princesa ali, com um


sorriso imenso, maior que a Lua.

— Esta cartinha mostra o quanto significa para mim, papai. —

Levantou o papel na minha direção.

Obriguei meus pés a darem passos para a frente; não queria


que ninguém notasse que eu estava a ponto de desmaiar devido ao
sangue perdido com a facada.

Subi no pequeno palco e fui até ela, forçando meus olhos a


ficarem atentos. Merda! Não deixaria essa porra de dor tomar conta
de mim. Era mais forte do que isso, pois já tinha aturado coisa pior e

continuava ali.

Antes que me aproximasse, ela correu até mim com a intenção


de pular em meus braços. Mas eu não queria manchar sua roupa

rosa, então me abaixei. Logo ela estava ali, com um impacto que
roubou metade do oxigênio dos meus pulmões, mas não liguei.
— Pensei que não viesse — sussurrou no meu ouvido com

uma pontada de dor. — Porque não o vi.

— Por mais que eu esteja longe e pense que não vou voltar,
acredite que sempre retornarei para você, minha princesa linda —

declarei, emocionado. Afastei-me com um sorriso. — Tenho o maior


privilégio do mundo em ser seu pai, pequena graça.

Houve aplausos da plateia enquanto eu ficava de pé, com

dificuldade.

— Te amo, papai. — Sorriu e foi para onde as outras meninas


estavam.

Peguei a cartinha e guardei no bolso. Dirigi-me à Mia, mas

antes troquei um olhar com Rafaelle que dizia que partiria para o
plano, um que eu não estava nada confortável em executar.

Declarar carinho em público era uma fraqueza, pois mostraria

para meus inimigos o meu ponto fraco. Mas minhas meninas


estariam a salvo; eu cuidaria dessa parte. Nada, nem ninguém, as
tocaria, nunca mais.

— Alessandro, isso foi tão lindo — Mia me disse, assim que eu


me sentei ao seu lado.

— Não foi? Ela é uma princesa — falei baixinho.


— Obrigada por tudo, por fazê-la feliz. Por um momento, eu
achei que não viesse. — Encolheu-se.

— Não faltaria por nada no mundo — afirmei, ouvindo mais

declarações de crianças a seus pais.

A homenagem terminou, e chegou a vez da minha pequena


dançar.

— Alessandro, você está bem? Parece rígido, como se

sentisse com dor — perguntou ela com preocupação.

Peguei no colar a aliança que guardava ali, da minha mãe,


Kélia; havia sido um presente que ela me deu antes de morrer. Isso

fazia parte do plano, mas o pedido seria verdadeiro, eu queria isso.


Queria que Mia fosse a minha esposa depois que tudo acabasse.

— Estou bem. Só vamos apreciar a nossa princesinha. — Ela

movimentava o corpo com uma leveza que mais parecia a de uma


fada, girando com uma perna e dançando na ponta dos pés, como
treinou durante a semana. Isso era a sua paixão. Ela realizaria esse

sonho, e nada mudaria ou impediria de acontecer.

A apresentação chegou ao fim. Ela se curvou, agradecendo às


pessoas, e o mesmo fizeram as outras meninas, mas eu só tinha
olhos para a minha pequena graça. Sorriu para nós e jogou beijos
antes das cortinas se abaixarem. A plateia inteira aplaudiu em pé.

Também fiquei de pé por um segundo, mas precisei me sentar.

Olhei para Mia, que estava muito feliz. Seu sorriso era radiante ao
ver a filha seguindo o seu sonho.

Notei fotógrafos nos clicando, então seria o momento perfeito.

Fiquei de joelhos perante Mia e levantei o anel.

— Mia, minha Estrela-do-mar, eu estou aqui diante de todos


para pedir que se case comigo. Eu prometo ser fiel e respeitá-la até

o meu último fôlego. — A intenção era verdadeira. No entanto, se


não fosse pelo plano, pediria sua mão em outro lugar, um só nosso,
sem ninguém por perto.

Mia arfou com a mão na boca, olhando ao redor e depois para

mim. Pude ver que ela queria, mas havia indecisão ali.

— Espero que aceite o meu pedido, minha doce Mia. —


Aproximei-me dela, cochichando em seguida: — Afinal, eu levei uma

facada por você.

Arquejou, mirando meu corpo à procura do ferimento. Depois


sorriu.
— Aceito. — Pegou o anel, mas não colocou no dedo. Não

sabia se me sentia contente com isso, porque gostaria que ela fosse
minha da maneira certa, ou indignado por ela me rejeitar mesmo
tendo dito sim. — Depois vamos conversar sobre esse pedido de

casamento. Não sei o que há, mas pedir a mão de uma mulher em
público não parece ser uma atitude comum para você — falou baixo
no meu ouvido. — Isso faz parte de algum plano?

— Minha. Você será minha. — Sabia que não podia esconder


nada dela. Essa garota era muito esperta, foi feita para mim.

Estava prestes a responder que queria que ela confiasse em


meu pedido, pois tudo daria certo, mas a escuridão se apossou do

meu corpo.
Capítulo 19

Mia

Ainda estava entorpecida, na cadeira, olhando para o anel que

Alessandro me deu, enquanto ele se encontrava na cama após ser

examinado pelo médico da família.

Fiquei feliz por Alessandro ter aparecido na apresentação de

Graziela antes de minha filha ler o que escreveu a ele. Na hora, meu

coração parecia querer explodir com emoção.

Depois ele me pediu em casamento, mas eu não sabia o que

pensar; não era isso que esperava, além de achar que estava indo

rápido demais.

Rafaelle apareceu na minha frente, sentou-se ao meu lado em

uma cadeira e pegou minha mão. A mesma que estava com o anel.
— Era de nossa mãe, Alessandro passou a carregar sempre
consigo depois de sua morte. Se meu irmão lhe entregou isso,

significa que o sentimento é real — disse em um tom baixo. — Algo

acontecerá em breve, mas quero que saiba que estaremos unidos,

meu irmão vai precisar de você.

Fitei-o confusa e limpei os olhos.

— Não entendo…

Sorriu um pouco e ficou de pé.

— Não precisa entender, apenas permaneça com ele agora,

porque dias sombrios virão. — Deixou-me ali, de boca aberta.

Pretendia sair do quarto, mas primeiro parou e disse: — Meu irmão


é forte, vai conseguir ganhar mais essa.

Antes que eu respondesse, ele saiu.

— Não ligue para Rafaelle. Mas é verdade que, ao lhe entregar

esse anel, significa que o sentimento é real. Não importam os

motivos que me levaram a pedir sua mão no meio daquele monte de


gente. — Escutei a voz que achei que não ouviria de novo, não

depois de tê-lo visto desmaiado e sangrando.

Quando Alessandro caiu inconsciente, Rafaelle e Stefano

vieram correndo nos alcançar e o levaram de lá.


O meu coração ainda estava acelerado com tudo. Só me

tranquilizei depois que o doutor afirmou que não era grave, pois não
atingiu nenhum órgão vital.

— Então teve um motivo para pedir a minha mão ali? Não era
por que queria? — Não fiquei com raiva; se ele o fez, tinha algo a

ver com Skender. Mas o quê? Se fosse para pegar o canalha, eu


não ligaria em colaborar com o disfarce; a segurança da minha filha

vinha em primeiro lugar.

— Claro que quero! Não vou mentir para você… eu precisava


propor casamento em público para o que vai acontecer a seguir. Eu
estou cercado de ratos e tenho um plano, mas não posso revelar

agora, só peço que confie em mim, tudo dará certo. — Levantou as


mãos e limpou uma lágrima que descia. — Vi seu desespero

quando desmaiei, o meu estado de inconsciência oscilava a cada


segundo, e em um desses lampejos, eu percebi o seu medo.

— Claro que estava com medo, você sangrava tanto! Achei


que fosse… — Estremeci.

Sorriu fraco e foi se levantar, mas o segurei firme.

— Fique quieto! Você foi esfaqueado, o corte era grande. Eu vi

os pontos. — Sacudi a cabeça, não querendo pensar nisso.


— Estou bem, minha Estrela-do-mar — tentou me tranquilizar.

— Confio em você. Não sei qual é o plano, mas estarei do seu

lado, eu prometo — assegurei com ferocidade.

O homem foi à luta por mim, levou uma facada só para tentar
negociar com um criminoso e me manter longe dele.

Sua mão pegou a minha cabeça e puxou para ele, até seus
lábios estarem perto dos meus. Beijou-me por alguns segundos.

— Sua confiança vale muito para mim. Queria a manter

informada, mas é melhor assim. Como Rafaelle disse: dias sombrios


virão. Mas eu farei o possível para derrubar todos apenas para que
você, Graziela e minhas irmãs fiquem seguras. Assim como o meu

povo. Há traidores no meio deles, mas também muitos que confiam


em mim.

Franzi a testa, esforçando-me para entender do que ele estava

falando.

— Você e seus irmãos vão ficar bem? Se for arriscado, eu

posso ir embora… — Só de me imaginar longe dele, o meu coração


apertava de medo e desespero.

Algo brilhou em seus olhos, parecia quase um pesar, mas foi

breve.
— Não vai adiantar você partir, pelo contrário, só fará as coisas
ficarem piores. Eu preciso que fique aqui e não tente fugir por nada
neste mundo, tremo ao imaginá-los colocando as mãos em você. —

Beijou minha testa.

Não sabia o que ele planejava, mas confiava em Alessandro.

Afastei-me com os olhos estreitos.

— O que houve no encontro com Skender? Seu irmão não

quis contar nada. — Estava ansiosa com isso. Até me esqueci de


entregar a arma que tinha contra a máfia do Skender; antes não

havia ninguém forte o bastante para usá-la, mas Alessandro seria


suficiente.

— Skender está preso. Depois eu lido com ele, porque isso


não é o mais importante agora, mas sim os traidores dentro da

minha família. Eu não sei em quem confiar, além dos meus irmãos,
Viper, Rabel, Sage e Luigi. Todos os outros são suspeitos, e como

não posso colocar sua vida, a das minhas irmãs e a de Graziela em


perigo, eu preciso eliminar o mal de uma vez por todas. — Pegou
minha mão e sentou. Tentei fazer com que ficasse deitado, mas ele

insistiu.
Sabia que quando ele dizia “lidar”, na verdade, significava
matar. Mas eu não temia por Skender: ele era cruel, e eu vi as
coisas que fez. Assisti aos vídeos daquele pen drive; senti asco pela

crueldade do mafioso albanês. Por isso odiava as máfias e pensava


que todas eram iguais.

— Ninguém nunca tocará em vocês, de nenhum modo. —

Com a mão boa, a que não recebia a transfusão de sangue, ele


acariciou meu cabelo.

— Obrigada. — Agradeci, beijando seu peito, não no sentido

sexual, mas agradecendo por estar vivo. — Quando acontecerá

tudo? O seu plano…

— Estrela-do-mar, não pense nisso. Foque apenas em cuidar

de nossa menina, deixe que me responsabilizo pelo resto. — Alisou

meu cabelo.

— Acho que tenho algo que pode ajudar você nesse plano

secreto. Talvez consiga usar como arma para arrancar algo dos

albaneses. — Olhei para ele.

Esse homem estava fazendo de tudo para limpar o seu povo

de alguns que não queriam viver sem raptar meninas e vendê-las.


Isso gerava muito dinheiro no mercado negro. Ficava grata que
Alessandro e seus irmãos não pensassem assim, diferente dos

albaneses.

— Confio em você com todo o meu coração — declarei com

firmeza. — Espero que isso acabe logo.

— Eu também. — Ele parecia cansado.

— Por que não se deita? Perdeu bastante sangue — pedi.

— Essa merda deve ter algum remédio — rosnou, olhando o

sangue indo para sua veia. — Não quero apagar agora…

— Precisa descansar, Alessandro. — Sorri, beijando sua testa

assim que se deitou na cama. Estávamos no quarto dele.

Eu pegaria o pen drive, pois talvez os ajudasse com os

albaneses, embora não tivesse nenhuma solução contra os

traidores do seu povo.

— Me espere, eu já volto. — Saí correndo do quarto dele e

desci as escadas, passando por Rafaelle e Stefano, que checavam

um papel sobre a mesa.

— Aonde vai? Aconteceu algo com meu irmão? — Rafaelle

perguntou.

Parei na porta.
— Não, mas acho que tenho a coisa certa para pegar todos os

albaneses — comentei, já indo para fora.

— O que…

Depois eu explicaria tudo. Cheguei ao meu carro e abri o

porta-malas. Então procurei o item escondido ali. Fazia anos que


dispunha dessa arma contra Skender, mas nunca usei, porque não

tinha como vencer sozinha.

Tentei arrancar o assoalho, mas a coisa era dura, além disso,


havia um pneu em cima.

— Droga. — Passei a mão no rosto, tirando o suor pelo


esforço.

— Adoraria ficar a noite inteira olhando para você nessa

posição, uma linda bunda para apreciar. — Uma risada divertida


veio de trás de mim, me fazendo pular e bater a cabeça na lataria do

carro.

— Mas que merda, Stefano! — rosnei, me ajeitando, porque a

posição era esquisita. — Por que em vez de observar o que não lhe

pertence, você não me ajuda a tirar esse assoalho debaixo do


pneu?

Ele estava de braços cruzados com um sorriso idiota.


— Depois de me dizer o que veio fazer aqui — sondou, sério

dessa vez.

Suspirei e apontei.

— Preciso de uma coisa que está debaixo deste assoalho,

mas é duro. Pode tentar arrancar e, se não conseguir, vou pegar

uma faca.

— O que aqui ajudaria no nosso plano? — Ele tirou o pneu e

pegou uma faca na bota. Em seguida, rasgou o assoalho. Puxou

algo e se virou para mim com o cenho franzido. — Tudo isso por
uma caixa?

Peguei de sua mão e voltei para dentro, mas dessa vez

andando, e não correndo.

— Não vai me dizer, cunhada? — retrucou atrás de mim.

— Venha comigo e saberá. — Subi as escadas e entrei no

quarto onde Alessandro estava de pé na janela. Ele se virou para

mim e fechou a cara para Stefano.

— Sem danos! Eu não a toquei além de apreciar a vista. —

Sorriu, descarado.

Rafaelle bufou.
— Por que não se cala antes de perder a cabeça? —

Alessandro alertou.

Corei, sabendo que estava falando da minha bunda. Cheguei


mais perto de Alessandro, não querendo que se estressasse, mas

ele parecia calmo. Deduzi que o ciúme que sentia antes passou,

pelo menos com os irmãos. Além disso, Stefano era brincalhão e


não estava dando em cima de mim. Ele me respeitava.

— O que tem dentro da caixa? — sondou Alessandro com um

suspiro duro.

— Deite que eu conto a você. Está sentindo dor? — Peguei

seu braço e o suporte da bolsa de sangue. Sentou-se, escorado na


cama.

— Agora estou bem. Então me diga: que coisa é essa que

pode ajudar com o plano? — Ele me avaliava, embora tivesse algo


nos seus olhos que não entendi.

Abri a caixa, tirei um pen drive de dentro dela e o levantei para


eles.

— Isso aqui tem muita informação sobre Skender. Não usei

antes porque não achei que ninguém fosse forte o bastante para
lutar contra eles. Não fui à polícia, pois tinham muitos em sua folha
de pagamento, até aqui na Itália. Talvez vocês possam usar algo

nesse seu plano secreto. — Dei para Rafaelle. — Quando assisti às


coisas que estão aí, eu vomitei as tripas, me assombraram por um

longo tempo.

— Claro que sim. — Stefano sacudiu a cabeça. — Coloque


para nós assistirmos, assim decidiremos se nos servirá ou não. No

final das contas, o mafioso albanês vai morrer.

Rafaelle ligou a TV e inseriu o pen drive. Eu me sentei perto de

Alessandro e escorei na cabeceira da cama ao lado dele, querendo

sentir o seu calor.

— Sim, mas vamos extrair dele as informações que nos

interessam antes. — Alessandro me envolveu com um dos braços,

como se fosse para me manter ali para sempre. — Será bom saber
onde estamos nos metendo e bolar um plano em cima do que já

temos.

Rafaelle franziu o cenho para mim.

— Está tudo bem? Parece verde.

Fiquei de pé.

— Vou sair um segundo. Não quero ver tudo de novo. — Havia

meninas em contêineres, presas em casas com homens armados e


outras coisas em que não queria nem pensar.

Assentiram enquanto checavam se o pen drive tinha

fundamento para eles a fim de bolarem uma estratégia. Fui atrás de


Graziela, que estava dormindo na casa de Jade. Luna havia ido

para lá também assim que soube que o irmão estava bom, mas eu

acreditava que não foi essa a razão, mas sim o pedido de


Alessandro. Entendi que, essa noite, queria arquitetar seu plano

secreto. Eu poderia espiar, mas nessas horas eles sempre falavam

em um idioma que eu não conhecia. Devia ficar com raiva, porém,

de qualquer maneira, não queria me meter em seus negócios.

Graziela dormia; minha filhota não viu Alessandro desmaiado,

graças aos céus. Ela teria ficado louca com ele machucado.

Peguei o anel no bolso e o girei entre meus dedos. Não


achava justo usar isso, sendo que não noivara realmente. Acreditei

que seria melhor devolver, mas, no meu íntimo, o queria para mim.

Voltei ao quarto bem na hora que Rafaelle e Stefano saíram.

— Organizamos tudo e já sabemos o que fazer — disse

Rafaelle. — Vou trabalhar nisso esta noite.

— Ele está dormindo? — sondei.

— Estou acordado, entre aqui — chamou-me lá de dentro.


Rafaelle e Stefano saíram, e eu entrei no quarto, fechando a
porta.

— Devia estar dormindo — comentei, indo me sentar ao seu


lado.

— Pode me entregar aquele anel? — pediu.

Algo em meu coração rachou, porque não queria devolvê-lo,


mas percebi que ele se arrependeu de tê-lo dado a mim. Era só uma

fachada mesmo…

Assenti e entreguei a ele.

— Ao pedir sua mão, eu queria isso demais, Mia, mas gostaria


de repetir o gesto quando estivéssemos sozinhos. Como não posso

me ajoelhar, porque estarei apagado em alguns minutos, eu quero


entregar esse anel a você para pedir sua mão, seu corpo e sua
alma. Prometo que irei protegê-la e ser fiel a você enquanto

continuar vivo. — Levantou o anel.

Olhei para ele.

— E quanto a amar? Se não sente isso ou sabe que não

poderá sentir, eu não posso aceitar me casar com você — falei com
um sorriso triste. — Guarde-o e se um dia realmente sentir que me
ama ou que pode amar, eu aceitarei ser sua de todas as formas
possíveis.

Puxou-me para seus braços. Tomei cuidado para não

machucá-lo.

— Mia… — Havia dor em sua voz.

Eu precisava de mais do que de proteção e carinho; precisava

acreditar que um dia ele poderia me amar. Eu tinha certeza do que


eu sentia.

— O que sente realmente por mim? Me diga a verdade,


Alessandro, pois só assim aceitarei. — Segurei sua mão. Pensei no

que Luna disse sobre ele não falar de seus sentimentos,


encontrando como solução que os demonstrasse através de um
gesto. Eu tentaria de uma forma diferente. — Sabe nos livros,

quando o autor descreve o que a personagem sente? — Esperei ele


assentir e continuei: — Pense que você é esse protagonista e

precisa descrever tudo. Como começaria?

Ele ficou em silêncio um segundo, até achei que não fosse


responder, mas explicou:

— Quando a conheci com aquela marra toda, eu admirei sua

proteção com a minha irmã, sua força e lealdade. Também achei


você atraente e linda demais para pertencer ao meu mundo. E
mesmo agora, sabendo que viveu na máfia, ainda assim você não

pertence. Fui muitas vezes à casa onde Luna morava para tentar
dizer que a queria e a desejava. Nunca precisei ir atrás de uma
mulher como fiz com você. Sabia que era diferente de todas que vi

ou tive. — Ele ficou em silêncio um instante. — Poderia deixá-la livre


para viver sua vida longe de tudo isso. No começo, eu teria

permitido se assim quisesse, mas… — Sua voz saía baixa.

— O que mudou?

— Tudo mudou! A minha cabeça, o meu coração… Se eu


acreditasse ter uma alma, ela teria mudado também. Hoje não

suportaria que partisse, porque a mera ideia de você vivendo longe


de mim retorce minhas entranhas. Sei que sou complicado. — Virou
para mim com um olhar intenso. — Todos esses sentimentos

confundiram a minha cabeça, mas com eles, eu entendi que não


preciso fechar as emoções para quem é importante para mim: meus
irmãos, Miguel, você e nossa filha. São tudo na minha vida, eu

andaria no fogo por vocês, mataria e morreria. Uma vida sem você e
Graziela não tem significado.

— Alessandro… — Meu coração batia forte com essa

declaração.
— Mia, eu lhe daria o mundo se ele me pertencesse, mas

posso prometer que serei o marido com que você sempre sonhou.
Não sei se meu coração é capaz de amar, mas meu corpo e cérebro
pertencem a você. E se me aceitar assim, eu serei todo seu. — Seu

tom era confiante, mas o notei expirando irregular.

Não foi nenhum “Eu amo você”, contudo, entendi o que


significava para ele. O homem acabara de declarar, da melhor forma

possível, que estaria ao meu lado e me faria feliz. Mesmo com toda
essa bagunça, eu me sentia feliz por estar ao lado dele.

Levantei meu dedo na sua direção.

— Aceito ser a sua mulher. Prometo que continuaremos juntos

na alegria e na dor, enquanto vivermos. — Queria dizer que o


amava, mas algo me impediu. Não sei se era por não ter ouvido isso

dele; seja como for, eu esperava um dia chegar ao fundo de seu


coração. Nesse momento, seria a mulher mais feliz do mundo.

Sorriu e colocou o anel.

— Agora você é minha e ninguém ousará tocá-la. Se tentarem,

eu os mandarei para o Inferno com passagem só de ida. — Beijou


meus lábios.
Ri, sacudindo a cabeça. Em breve me acostumaria com seu
jeito. Quem mais pediria a mão de uma mulher declarando que ela
era sua e ameaçaria matar alguém na mesma frase? Só

Alessandro, o meu noivo, o meu capo.


Capítulo 20

Alessandro

Acordei cedo, ignorando a pontada na barriga. Olhei para Mia

dormindo ao meu lado e percebi que segurava forte a minha camisa,

como se quisesse me manter ali para sempre.

Beijei seu pescoço, e gemeu baixo; até poderia fazer mais que

isso, mas eu estava atrasado para colocar o meu plano em ação.

Era o dia de forjar a minha morte. Não desejava ver minha


família sofrer, porém, seria necessário.

Mia aceitou se casar comigo, mas ela não disse que me

amava, embora pudesse ver isso em seus olhos; não tinha como

esconder. Por que razão ela não me falou? Seria por eu não ter dito

a ela antes? Depois que tudo passasse e eu pudesse voltar, ela me

aceitaria? Esperava que entendesse as minhas razões.


— No que tanto pensa? — Abriu os olhos, encontrando os
meus ali, próximo dos azuis dela.

— Que você é linda demais. — Beijei seus lábios, mas antes

de aprofundar, ela se afastou. — Não queria acordar você, mas

preciso ir.

— Obrigada. E está ferido, talvez devesse melhorar antes de ir


trabalhar.

— Bem que eu queria… Preciso conter essa infecção entre

meu povo, não posso deixar que se espalhe. — Era algo que devia

ter sido feito há anos.

— Não gosto da ideia de você sair machucado assim… — Ela


se levantou, sacudindo a cabeça. — Seja o que for que planeja,

seus irmãos não podem lidar?

Fui até ela e passei meus braços à sua volta.

— Ficarei bem, já passei por coisas piores. Agora venha cá. —

Eu a beijei com intensidade, saboreando sua doçura.

— Está ferido…

Eu não ligava para a porra de um corte, só a queria em minha

cama. Então me lembrei de seu desejo de se casar virgem e freei o

meu entusiasmo, a despeito de estar duro e querendo mais dessa


mulher. Não sabia quanto tempo ficaria longe, e também não

transaria com ela nesse instante para aparecer morto no dia


seguinte. Seria ainda pior.

— Hora de ir. Deixem para se pegar depois — Stefano disse


do lado de fora. — Mas com uma bunda dessas, eu também não ia

querer sair da cama.

Oh, eu vou quebrar a boca desse fedelho, pensei. Não senti


ciúmes, não tinha motivos — meu irmão jamais avançaria contra

ela, e Mia também não me enganaria —, apenas fiquei irado com o


desrespeito à minha Estrela-do-mar.

— Eu o castrarei se não se calar — avisei, me afastando de


Mia sem querer.

Stefano riu do outro lado.

— Isso faria muitas mulheres chorarem, meu pênis é o que as


mantêm felizes.

Mia fez uma careta.

— Você é um idiota. — Sacudiu a cabeça. — Vou me trocar.

Ela saiu, e Stefano entrou.

— Isso é um convite? — provocou.


Dei um soco no ombro dele, fazendo-o gemer.

— Comporte-se. Eu não quero ter de matar o meu irmão

caçula por não manter os olhos longe da minha mulher — rosnei.

Ele sorriu.

— Nunca fui interessado nela, não quando soube que o tocou.

Mas como o teimoso que é, sei que não ia fazer nada, então dei um
empurrãozinho.

— Por isso a chamou na boate? — Fui vestir a minha roupa.

— Achei que precisava de uma foda boa, mas virou mais do


que isso. — Ele lançou aquele sorriso idiota.

— Devo ser grato? — Coloquei minha arma no coldre e as

facas na liga perto da bota.

— Sim, mas não se preocupe em agradecer, eu gosto dela e


da princesa. — Ficou sério. — Queria que soubesse que vou tomar
conta das duas. Ninguém chegará perto o bastante para machucá-

las.

Acenei com a cabeça, mais emocionado que o normal. Podia


confiar a vida de ambas a ele e Rafaelle.

— Precisamos ir agora. — Stefano olhou o relógio.


Fiquei de encontrar Skender e El Diablo para terminar de
planejar o que aconteceria comigo.

Despedi-me de Mia. Deixá-la foi tremendamente difícil, e ainda


pior foi não poder dizer adeus à minha garotinha. Porém, controlei

os sentimentos; precisava passar por isso e pegar todos que


ousaram ir contra mim.

Olhei mais uma vez para a mansão onde Mia estava, de pé no


jardim da frente. Jogou um beijo para mim, o que aqueceu meu

coração. Queria revelar a verdade, mas seria para o bem delas e de


todos que eu fizesse o que pretendia.

— Vamos passar por isso juntos — informou Rafaelle. — Deve


ser difícil ficar longe dela, mas é preciso.

— Como sabe? Eu não me lembro de você se interessando

por uma mulher mais do que para algumas horas de prazer. — Virei-
me, evitando aquelas emoções.

Rafaelle sorriu.

— Pode ser, mas se arrumasse alguém como a Mia, eu não


pensaria em nada disso. Não a deixaria escapar. — Fechei a cara

ante suas palavras. — Não precisa ficar todo enciumado. Você sabe
que não a tocaria, gosto dela como minha irmã. Ela é família. —
Tocou meu peito. — Mia é a sua mulher e sempre será. Logo terá
tudo o que deseja.

— Se há alguém em que posso confiar a vida dela e a de


Graziela, são vocês dois. Só por isso estou indo. — Olhei para ele e

Stefano.

— Vamos parar com esse papo de ser domado por bocetas,


está me dando urticária. — Stefano se coçou.

— Nunca senti nada como isso antes. Deixá-la é pior do que

ser torturado, como se metade de mim tivesse ficado para trás. —

Coloquei a mão no peito. — Vê-la toda assustada por eu estar

ferido… isso que não sabe que não vou voltar tão cedo. O meu
coração parece sangrar por dentro.

— Você se apaixonou — afirmou Rafaelle.

Sacudi a cabeça, encolhendo-me por dentro.

— Não sou capaz de amar…

— Besteira — cortou-me. — Você mal dava atenção a

qualquer mulher que não fosse nossas irmãs. Aí a Mia aparece e


você enfrenta uma máfia, arriscando outra guerra, sem se importar.

Isso é o que se faz quando se ama. Você protege a pessoa, deseja

sua felicidade e, quando está triste, sente a sua dor também.


Pisquei, pensando que sentia tudo isso por Mia. Então era

realmente amor? Eu me apaixonara por ela? Não parava de pensar


na garota por um segundo, mesmo com uma luta pela frente. Eu

queria beijá-la e possuí-la de todas as formas; queria ver aquele

brilho em seus olhos sempre que me fitava.

— Porra! — Arfei. Gostaria de voltar e dizer isso a ela, mas já

não tinha como. Esperava ter a chance de vê-la novamente e

confessar meus sentimentos.

— Isso, meu irmão, é amor — assegurou Rafaelle. — Não é

porque nunca me apaixonei que não entendo sobre o assunto.

— Quem são vocês e o que fizeram com meus irmãos? —

Stefano reclamou. — Merda! Depois vou procurar uma vacina contra

esse mal, quero que passe longe de mim.

Rafaelle riu.

— Sabe… bem que eu gostaria de ver você domado, só para

tirar essa marra que tem. Essa aversão a mulheres.

— Não tenho aversão às mulheres. Gosto delas nuas,


chupando meu pau, me dando e recebendo prazer. Passar disso é

besteira. Por que me contentaria com uma se posso ter quem eu

quiser? — Sorriu, provocante.


Queria rir, mas com a sensação de que Mia e minha irmã

sofreriam com minha partida, perdi o ânimo. Cada batida do meu

coração doía como um novo corte por fazer quem eu amava sofrer.
Jade saberia da verdade, mas Luna e Mia? Elas sofreriam, e eu não

conseguiria mudar esse fato.

Chegamos ao lugar onde Skender fora aprisionado. Avistei El


Diablo escorado em um Porsche vermelho-sangue. Miguel não

estava junto. Manteria meu amigo de fora, pois ficaria com Luna,

então não queria a situação atingindo eles.

Poderia deixar Luna com Jade, mas embora acreditasse que

os homens de Luca resguardariam minha irmã mais velha, não

pensava o mesmo em relação à Luna. Além disso, tinha a parte de


confiar em Miguel, e outra: ele gostava muito dela, iria protegê-la

com a própria vida se fosse preciso. Outra pessoa, além dos meus

irmãos e eu, não o faria.

— Esse homem é irritante — Stefano disse, saindo do carro

assim que parou.

— Porque vocês têm o mesmo gênio forte. Controle-se, há um

plano a ser seguido — ordenei baixo. — Ele faz parte disso, e

preciso garantir a segurança de Mia.


Stefano se calou. Nesse momento, só uma coisa me

interessava. Lancei-me sobre El Diablo com a faca em sua


garganta. Ele nem piscou, não havia nada ali.

— Se tocar nela de algum modo, eu arrancarei a sua pele com


você vivo e presenciando tudo — falei. — E caso alguém a

machuque, eu machucarei você em retorno, da pior maneira

possível.

No dia anterior, nós mudamos um pouco o plano. No meu

enterro, aconteceria uma rebelião, e Mia seria dada a Skender, que

por sinal seria controlado por esse homem. El Diablo tinha todos os
dados do pen drive, ou seja, Skender obedeceria. Aceitei o plano

porque o albanês não chegaria perto dela; ela ficaria sob os

cuidados de El Diablo.

Tiramos a parte de Mia noivar com Rafaelle, porque o trunfo

em nossas mãos era melhor que isso. Foi bom, por um lado; não

gostava de pensar nela pertencendo a outro, mesmo que por


fingimento.

Era egoísta por não contar à Mia, mas estava agindo como um

capo que precisava pensar no seu povo, depois em meu


relacionamento. Se achasse que Mia poderia correr algum risco, eu
jamais permitiria. O pior seria vê-la enlutada por minha suposta

morte.

El Diablo sorriu, no entanto, o gesto não atingiu seus olhos.

— Capo. Vejo que seu comportamento não mudou desde o

episódio da igreja. — Aproximou o rosto, fazendo minha lâmina


cortar um pouco sua pele. — Cumpro a minha palavra e o meu

trabalho é bem-feito. Não precisa me ameaçar.

Tirei a lâmina, deixando uma trilha de sangue no seu pescoço.

— Ótimo! Sabe o que fazer. Agora vamos entrar e começar o

show. — Guardei minha faca.

— Certo, capo. — Sorriu, limpando o sangue com o dedo e o

colocando na boca. — O chefe primeiro.

Ignorei sua provocação, pois não estava com humor para

aturar nada.

— Não entendo. Como alguém como você permanece vivo até

hoje? Ainda mais sendo conhecido como um ceifador, El Diablo, um

conto para assustar crianças. — Stefano sacudiu a cabeça.

Rafaelle bufou.

— Como se uma criança fosse ouvir a lenda do ceifador sem


surtar — arrulhou.
— Não tem lenda de ceifador nenhum, apenas o belo conto de

fadas que termina com eu matando quem eu quiser. — Sorriu para


Stefano. — Acho que poderia começar outra história agora.

Stefano retribuiu o sorriso de gato prestes a comer um canário.

— Adoraria ver quem ganharia. Poderíamos apostar. — Havia

promessas veladas em seu olhar.

El Diablo não ficava para trás. Ele provavelmente venceria se

houvesse uma luta entre eles, o que não ia acontecer. Esse homem

não se importava em viver ou morrer; pessoas assim eram um

perigo.

— Stefano, há coisas mais preocupantes para colocar em

prática, em vez de uma competição para mostrar quem tem o maior


pênis — rosnei.

— É o meu, posso assegurar. — Meu irmão e El Diablo fizeram

menção de tirar seus membros das calças, mas eu os impedi:

— Porra! Se continuarem, corto o pau dos dois.

Eles ficaram em silêncio, o que foi bom. Era hora de lutar para

o bem da minha família, do meu povo.

Entramos no armazém que tínhamos, onde deixávamos os


presos para acerto de contas.
— Vou esperar aqui, enquanto você vai lá e monta o show —
falei ao Rafaelle.

Fiquei em uma sala com um vidro através do qual podia ver


tudo o que acontecia na cela.

Rafaelle se dirigiu a um Skender amarrado na cadeira. Estava


todo machucado pelo trato que algum dos meus homens lhe dera.

— Hora de acordar. — Rafaelle chutou o móvel; Skender

gemeu.

— O que vocês querem? Me matem logo — rosnou.

— Na verdade, eu estou vindo soltá-lo — começou meu irmão.

Skender levantou a cabeça, com um dos olhos meio inchados

devido aos socos.

— Quem o espancou? — sondei ao Stefano.

— Acredito que foi o Luigi, seguindo ordens de Rafaelle. Se


fosse eu, ele estaria como um peixe retalhado. — Ele piscou para El
Diablo do meu lado.

O assassino não ligou para a provocação; quando ele estava


no modo negócio, realmente não se importava com nada, exceto
fazer o trabalho. Não era à toa sua fama de ceifador.
— Me soltar? Isso é alguma piada? O seu capo não me
soltaria — rugiu Skender.

— Ele não, mas eu sim. Vamos apenas dizer que o meu irmão
sofreu um acidente de carro e morreu carbonizado. Agora eu sou o

capo. — Se eu não o conhecesse, acharia que estava dizendo a


verdade.

Skender riu.

— Não me venha com essa merda. Vocês, irmãos Morelli, são


unidos demais para se traírem. — Claro que estava contando com
essa reação, pois seria igual com todos lá fora. Meu irmão precisaria

provar seu ponto.

Assim que saísse dali, eu iria até Luigi para forjar a minha
morte. Virei-me para El Diablo.

— Quando soltarmos Skender, será por sua conta. Espero que

não o deixe fugir antes de eu chegar nele.

— Todo meu trabalho é bem executado — grunhiu e saiu da


salinha.

— Ainda espero lutar com ele — disse Stefano, ansioso. —


Quebrar sua crista.
— Não quero você lutando com esse homem, Stefano, ele não
teme a morte. — Suspirei.

— Eu também não…

— Não, você não deseja morrer, mas ele não se importa. —


Voltei-me ao meu irmão e usei meu tom de capo: — Quero que fique
longe de El Diablo, ouviu?

— Tudo bem. De qualquer forma, eu terei outras batalhas para


lutar. — Deu de ombros.

Prestei atenção na sala onde meu irmão soltava Skender. A


minha vontade era de matá-lo, mas precisava esperar. O que era

seu estava guardado.

— Onde vai ficar? — questionou Stefano, lamentoso.

— Melhor não saber. Mas estarei por dentro de tudo.

Resolveremos esse problema logo.

— Tome cuidado. — Ele deu um tapinha no meu ombro.

Nós não éramos dados a muito afeto. Apenas nossas irmãs


nos abraçavam e nos beijavam sempre.

— Hora de pegar todos os traidores e fazê-los queimar no


Inferno.
— Pode apostar. — Sorriu em resposta.

Saí do armazém e fui para uma rodovia em direção a

Bérgamo. Todos pensavam que eu realizaria uma transação lá.


Seria nesse contexto que tudo aconteceria.

Estava a alguns quilômetros do lugar marcado quando notei

que me seguiam. Acelerei, mas os dois carros fizeram o mesmo; a


caminhonete da frente bateu atrás do meu automóvel.

— Porra! — Enquanto tentava me manter na estrada, eu


apertei o número do meu irmão e deixei no viva-voz.

— Era para você estar no lugar marcado…

— Tem alguém me seguindo… Puta merda! — Havia dois


carros atrás de mim e mais três na frente, me cercando. Não

poderia fugir pelos lados, pois na direita existia a serra e, na


esquerda, um penhasco. Eles começaram a alvejar meu carro. Por
sorte, o veículo era blindado.

— Alessandro! — Preocupou-se Rafaelle.

Antes que eu respondesse, mais carros surgiram, e eu tive que


pisar no freio, sendo arrastado pelo penhasco.

Deixei minha casa jurando para mim mesmo que voltaria para

Mia, mas o que era para ser apenas uma armadilha forjada se
tornou real. O que seria da minha família?

Ouvia os gritos do meu irmão, mas uma pancada na cabeça


me levou para a escuridão. Para a morte, eu deduzi.
Capítulo 21

Mia

Fiquei com o coração na mão assim que Alessandro saiu. Não

sabia dizer ao certo o porquê dessa sensação estranha, talvez não

fosse nada. Mas só a batalha que estava para acontecer já me dava


nos nervos.

Ele era muito teimoso. Por que ia trabalhar sendo que estava

ferido ainda? Poderia ter deixado os irmãos tomarem conta por uns

dias, mas Alessandro não era um empresário, e sim o capo que


governava muitas pessoas.

— Mamãe, o papai vai estar em casa essa noite? — A cada

dia Graziela se apegava mais a Alessandro. Ela estava triste após

ele desaparecer quando fomos para o Miguel, mas naquele dia

entendia o por que dele se afastar e me querer longe.


Após voltar para a sua casa e para ele, eu abandonei meu
medo; precisava confiar que teríamos uma vida juntos.

— Sim, meu amor. — Ao menos esperava, porque minha

menina parecia ansiosa por isso.

— Ontem, eu não fiquei muito com ele depois da

apresentação, porque logo fui para a tia Jade, mas papai tinha me
prometido que assistiríamos aos vídeos da mãe dele de novo. — Ela

quicava no banco do carro enquanto eu a levava para sua aula de

dança.

Pisquei.

— Ele tem vídeos da mãe e mostrou a você? — Isso


significava que ele estava nos deixando entrar. Meu peito se

aqueceu por dentro.

Sorriu.

— Sim, ela é muito linda, como o meu pai. Tinha a minha idade

quando dançava com sua leveza. — Graziela balançava o corpo


conforme falava. — Por que ela foi para o Céu?

— Ao morrermos, é para lá que vamos. Isso se fizermos coisas

boas. — Sempre fui sincera com Graziela, à exceção de sobre sua

origem. Contaria a ela no futuro, quando tivesse mais idade.


— Acho que a mãe dele era muito boa. — Suspirou. — Meu

papai fica triste, às vezes, por falar dela.

— Quando alguém que amamos parte para sempre é doloroso.

Foi assim com sua avó, até hoje a perda me dói — expliquei. —
Para Alessandro também.

— Não quero perder nenhum de vocês dois. Nunca — disse

com firmeza. — Nem minhas tias Luna e Jade e meus tios Stefano e
Rafaelle.

— Não vai, meu bem, agora foque em fazer o que ama —


assegurei, beijando sua bochecha ao deixá-la na escola de dança.

Perder minha mãe foi doloroso, só superei tudo graças a essa

pessoinha ali, minha adorável filha.

Tinha acabado de largar Graziela quando recebi uma


mensagem de Stefano pedindo para ir para a mansão.

Achei estranho, pois ele não costumava me ligar ou mandar


recados. Sempre aparecia do nada ou enviava algum dos seus

seguranças. O que houve? Será que a ferida de Alessandro piorou?,


perguntei-me. Pedi que ficasse em casa, mas o homem era teimoso.

Assim que o visse de novo, eu brigaria com ele. Mesmo sendo


um capo, precisava descansar e se curar antes de trabalhar. Droga!
O homem era humano, mas agia como se não fosse.

Cheguei à mansão e fiquei confusa com tantos caras na

entrada. Para quê? Mafiosos têm seguranças, mas nessa


quantidade? Vi, igualmente, os carros de Luca, Luna, Stefano e

Rafaelle, no entanto, o de Alessandro não se encontrava com os


outros. Isso não quer dizer nada, certo? Talvez ele tivesse vindo
com um dos irmãos, afinal, os três saíram cedo e juntos.

Parei de fazer suposições infundadas e temer por Alessandro.

Seria sempre assim? Ele era um capo, corria perigo


constantemente. Não havia como fugir disso, e eu não podia mais

ficar longe dele, então me restava a opção de rezar para que


voltasse para mim todos os dias.

Entrei na sala, parando ao me deparar com a família inteira ali.


Jade e Luna choravam, em desespero, como se suas almas

estivessem partidas. Chequei Luca e Miguel ao lado delas,


pensando ter acontecido algo com os garotos, mas também se

mostravam desolados.

Avaliei-os: o grupo, em geral, ostentava uma expressão de

tristeza. Stefano, abatido no canto, tinha a cabeça baixa, mas


levantou-a assim que entrei. Seus olhos encontraram os meus, e o
que enxerguei neles me fez travar no lugar.

Sentira desde cedo que algo não ia bem. Mas vendo todos
como se estivessem em um enterro…

Chequei cada um na esperança de encontrá-lo entre eles,

porém, não vi nada.

— Onde está o Alessandro? — perguntei com uma

naturalidade forçada e meu coração ansioso, porque sabia que algo


acontecera.

Graziela estava bem, tinha acabado de deixá-la na escola de

dança, ou seja, era com ele mesmo… não! Alessandro tinha que
estar bem, o médico dissera que aquele corte não o ameaçava de
nenhuma maneira.

— Mia… — Stefano saiu de onde estava e deu um passo até

mim.

Respirei fundo com a dor em sua voz.

— Não, por favor, me diga que ele está bem — sussurrei com

as mãos tremendo.

— Lamento, Mia, ele se foi. Houve um acidente, meu irmão foi


cercado, os homens o jogaram contra um penhasco. O carro dele
explodiu… — Sua voz falhou no final.

Miguel puxou Luna para ele. Com as palavras do irmão, ela e

Jade gemeram ainda mais. Luca segurava sua esposa firme em


seus braços. Não reparei em outros detalhes, pois estava focada em

minha própria dor. Senti o chão se abrir sob meus pés e caí de
joelhos com o coração sangrando.

Lágrimas escorriam dos meus olhos. Coloquei a mão no peito,

querendo arrancar a ardência que o esmagava a ponto de quase me


deixar sem fôlego. Mas não conseguiria.

Nunca pensei que o amor fosse doer tanto; que fosse ter uma

perda dessas sem ao menos viver todo o seu potencial. Às vezes,


ele perdura, como achei que seria com o meu por Alessandro, mas

tendo sofrido essa rasteira da vida, eu já não sabia de mais nada.

Senti braços à minha volta. Ouvia gemidos de dor e gritos,

provavelmente meus, mas não me importei com nada. Tinha vozes

ao meu redor, mas pareciam distantes, vagas. Um mero eco.

Não era capaz de acreditar que Alessandro, o homem

autoritário e, ao mesmo tempo, tão protetor, aquele que me salvou,

que se feriu por mim e que me pediu em casamento se fora. Era um


pesadelo do qual eu nunca poderia acordar.
Não acreditava que logo cedo eu tivera uma conversa com a

minha filha sobre perdas, até jurei a ela que não perderia nós dois.
Era algo que eu não poderia ter prometido, porque a decisão não

cabia a mim.

Oh, céus! O que vou dizer à minha pequena? Isso acabaria

com o seu coraçãozinho, em especial considerando o seu

entusiasmo para vê-lo essa noite.

Olhei para o anel em meu dedo; Alessandro o colocara no dia

anterior após se abrir comigo. Eu poderia ter feito algo… não ter

deixado que saísse mais cedo. Nossos sonhos se foram antes


mesmo de começarmos a vivê-los.

Alguém conversava comigo, mas eu não sabia quem, pois

estava entorpecida e só queria ficar sozinha. Corri para o meu


quarto e me joguei na cama, deixando a dor me consumir por

completo.

O sorriso lindo e raro de Alessandro surgiu na minha mente,

me fazendo gemer em agonia.

Poderia tentar consolar as meninas, mas como fazer isso se


eu não conseguia nem lidar com a minha dor? Como ajudá-las

estando destruída ?
Achei que tivesse que trabalhar mais para chegar em seu

coração… Fizemos tantos planos, eu me tornaria dele para sempre,

entretanto, tudo virou pó. Tudo se foi. Ele sumiu para um lugar ao
qual eu não o seguiria, pois não podia abandonar Graziela.

Ouvi passos de alguém se aproximando, mas não olhei para

ver quem era.

— A vida passa tão depressa. Sinto o ar em meus pulmões,

sinto meu coração bater, mas estou morta. Neste momento, eu


entendi o porquê de nunca deixar os outros chegarem perto de mim.

Não era só pelo perigo, mas porque quanto mais gente entra na

minha vida, mais gente parte. Minha mãe foi uma delas, eu a

amava, e ela se foi… — Minha voz saiu baixa. — Então Alessandro


apareceu e roubou o meu mundo inteiro com aquele ar frio como

gelo, e seu interior quente como uma fornalha.

Nunca pensei em morrer e nem desejei isso, por mais perdas

que houvesse tido, mas então por que doía tanto?

— Alessandro quebrou essa barreira, mas não tivemos tempo.


— Virei para cima, encontrando os olhos escuros de Stefano. —

Não cheguei a dizer a ele que eu o amava. Queria ter dito, mas… —

Sacudi a cabeça. — Agora ele se foi…


Stefano me abraçou.

— Mulher, desse jeito você acaba com o meu coração negro.

— Alisava meu cabelo enquanto eu chorava em sua camisa, mas

não reclamou. — Meu irmão sabia o que sentia por ele.

— E eu sabia que ele não era de demonstrar o que sentia,

então por que me incomodei pelo fato de ele não falar um simples

“eu te amo”? Ele tinha acabado de afirmar que andaria no fogo,


mataria e morreria… por mim. Quer declaração melhor do que

essa? No final, ele partiu antes… — Eu me encolhi.

Ele passou pelo fogo e morreu… tudo acabou.

— No fundo, eu pensava que seria eu a não chegar ao final

por causa das pessoas querendo me matar, mas assumi que


conseguiríamos enfrentar tudo juntos. Isso é culpa minha, pois se

não tivesse aparecido na vida dele e de vocês, os albaneses não

teriam vindo atrás da sua máfia. Porém, eu insisti em ficar com sua
família. — Mordi o lábio, olhando para Stefano. — Por quê? Devia

ter sido eu lá…

— Você tem uma filha que precisa da mãe — disse, pesaroso.

Minha filha. Sim, ela precisava de mim, e eu dela. Somente

Grazi me daria forças para passar por isso, mesmo que não visse
uma luz no final do túnel e me sentisse sem chão e com o coração

partido.

— Como vou viver sem ele? — Era apenas um sussurro de


dor.

— Porra! — Ele parecia em conflito. — Ver vocês assim é


como se estivessem rasgando minhas entranhas. Luna está

inconsolável com Miguel. Jade com Luca, e você também aqui

nesse estado.

A parte de mim que ainda podia raciocinar direito agradecia

por ele estar ali comigo.

— Obrigada por vir até mim. — Sentei-me e olhei pela janela.

Via tudo cinza lá fora, percebendo como mudou tanto de mais cedo

para esse momento.

— Sempre que precisar de mim, eu estarei aqui para você e a

princesinha. — Limpou as lágrimas do meu rosto, mas não

adiantava, pois outras caíam em sequência. — Queria poder ficar


mais… Preciso ajudar o Rafaelle.

— Ajudar… Onde ele está? — Não achei que queria ouvir a

resposta.
— Meu irmão está tentando descobrir quem foi o mandante.

Vou auxiliá-lo agora.

Assenti.

— Foram os albaneses?

— Não sabemos ainda. E não ligue para isso. Nós pegaremos

os responsáveis e os mataremos. Farei com que paguem do pior


jeito possível — garantiu. Tinha uma promessa ali, mas não parecia

ser para mim. — Vai ficar bem?

— Não. Mas você não pode fazer nada, afinal, está lidando
com sua própria dor, mesmo que não esteja chorando. — Cada um

administrava a dor da perda de forma diferente; isso não queria

dizer que o amasse menos.

— Não choro há uns dez anos, desde que minha mãe morreu

— falava tão baixo que quase não ouvi direito. — No seu velório,

lembro da angústia ao perdê-la. Eu estava chorando muito, então


Marco chegou e me deu um soco, quebrando minha mandíbula, e

disse: “Homens não choram por nada, Stefano. Eles matam e

mutilam”. — Seus olhos foram para a janela, mas não parecia


realmente vê-la. — Mandei-o ir para o Inferno e disse que tinha um

coração, ao contrário dele. Fiquei dois dias preso nas masmorras,


sem comer. Teria passado mais tempo, se não fosse por
Alessandro. Ele me protegeu mais do que eu sequer sei. Eu o tinha

mais como um pai do que como irmão mais velho. Devo tanto a ele.

Depois disso, eu jurei nunca mais chorar.

Sua voz parecia distante, como se a recordação o ferisse

demais.

Esse garoto sofreu muito, assim como Rafaelle e Alessandro.

Marco era um monstro desalmado. Pela crueldade a que foram

sujeitados, era para terem se tornado piores que o pai. Mas os três
irmãos Morelli tinham coração. Alessandro me ajudou e me

protegeu, até aceitou uma guerra que poderia ser a causa de sua

morte.

Mesmo não chorando, eu podia ver a tristeza que assolava


Stefano.

— Obrigada por se abrir comigo. — Peguei sua mão. —


Lamento por sua dor.

— Eu também. — Beijou minha testa.

— O que será de mim agora?

— Vamos cuidar de você e Graziela — jurou com ferocidade.


Corei, mas não era a isso que me referia. Claro que temia o
perigo chegando à minha filha, contudo, a dor de perder o homem
que amava era insuportável. Como seria para Graziela?

— Eu sei… Quando será o… — Não consegui terminar a

frase, pois senti faltar ar nos meus pulmões por um segundo.

— Amanhã. Aviso assim que tudo for organizado.

Fiquei de pé. Não estava ok, mas precisava de força para

checar Luna e Jade. Elas também sofreriam em demasia pela


perda.

— Vou até as meninas. Vi ela passando mal antes, mas na

hora estava tão entorpecida que… Esse estresse todo pode


prejudicar o bebê — murmurei, encolhida.

— O médico a examinou. Luca o tinha chamado ao vir lhe dar


a notícia. Ele não quis revelar sem um doutor presente — disse,

levantando-se. — Minha irmã está bem, na medida do possível.


Vamos, eu a levo até elas.

Nós andamos ao quarto de Luna. Ao entrarmos, enxerguei

Jade sentada em um sofá com sua irmã ao seu lado. As duas


estavam inconsoláveis. Mesmo com a ajuda de Miguel e Luca, sua
dor não foi amenizada.
Luna levantou a cabeça assim que entrei e correu para os
meus braços com os olhos banhados em lágrimas.

— Ele se foi… — Os sentimentos pesados de nós duas

fizeram eu me encolher.

— Eu sei. Lamento por ter saído da sala naquele momento, eu


só queria… — não conseguiria ajudar ninguém antes, nem agora

sabia se poderia, mas tentaria.

— Vamos deixar as meninas sozinhas — Stefano falou para


Luca e Miguel.

— Não vou abandonar a Jade — disse Luca num tom firme,

olhando preocupado para a esposa.

— Estou bem, Luca — começou, mas mudou o rumo ao


observar o olhar duvidoso dele: — Vou ficar. Nosso bebê está bem.

Ele não queria sair, não obstante, nos deixou sozinhas. Eu me


sentei na cama na frente dela, me sentindo devastada e sem forças.

— Não acredito que meu irmão se foi — Jade balbuciava.

— Também não. Sei que estava se recuperando da facada que

levou, mas o doutor disse que ele ficaria bem. Então por que vieram
esses assassinos para matá-lo? O carro, o fogo, o penhasco… —
Luna se encolheu.
Lembrava-me de Alessandro dizendo que morreria por mim.
De fato, o fez… Partiu para um mundo distante como o Sol. No

entanto, o Sol poderíamos ver e sentir, já ele não.

— Sei que viver na máfia tem seus riscos, mas quando


acontece com quem amamos é doloroso… — Luna falhou na

tentativa de completar uma sentença.

Entendia o seu receio.

— Viver esta vida é difícil, mas sempre temos a esperança de


que tudo dará certo e que eles voltarão para casa. — Pensava nisso

mais cedo naquele dia, depois que partiu, ainda ferido, para
trabalhar.

— Sentia que Alessandro estava feliz com você, não imagina a

expressão dele quando falei que você partiria para Dallas se ele não
fosse atrás das duas na casa de Miguel. Teve medo de perdê-las,
nunca o vi assim. — Ela me olhou com dor. — Desde o começo, eu

quis que ficassem juntos, pois achei que formariam um casal lindo.
Então o chamei para ir à lanchonete e vi a forma que se olharam,

até depois quando ele visitava nossa casa. Então viemos para cá e,
nesses meses, confirmei que tinha amor ali.

Alisei minha aliança numa maneira de tê-lo mais perto de mim.


Poderia ficar brava com Luna por nos aproximar, mas não

seria tão egoísta. Não era só eu que estava sofrendo. Alessandro


me deu muita raiva no início com a sua teimosia, mas depois,
aprendi a amar cada segundo em sua presença.

— Estava feliz, porque íamos nos casar e construir uma vida


juntos. Ele adorava a Graziela… Não sei o que vou dizer a ela
agora, será difícil para a minha garotinha aceitar. Hoje cedo ela já

estava ansiosa para vê-lo. — Eu preferia mil vezes sofrer no lugar


da minha filha.

— Ela o ama muito. Enxerguei ontem quando pensou que meu

irmão não fosse aparecer na apresentação. Ele também a amava,


porque foi até ferido. — Jade limpou os olhos.

— Não tivemos muito tempo juntos, mas eu queria ter dito

coisas e ido com ele em vários lugares. Contudo, agora… —


Respirei fundo, tentando controlar a minha dor. — Estou sem chão
com sua perda, sem rumo.

Ficamos em silêncio, cada uma perdida em sua própria

tristeza.

Achei que houvesse tido a sorte grande por conseguir o amor


daquele homem. Estava sem rumo. Sabia que precisava ser forte,
mas minha alma fora destruída.

— Vou esperar uns dias para contar à Graziela. Até lá, eu


saberei o que fazer. — Limpei meus olhos com as costas das mãos.

— É bom aguardar, porque isso vai machucá-la. Talvez um

pouco de sua luz nesta casa melhore a situação. — Jade se sentou.


— Será preciso.

Sim, minha filha era a minha força, e eu precisava acreditar

que um dia superaria essa perda. Não superar, mas aprender a lidar
com ela, assim como fiz com a partida da minha mãe. Eu não
estava sentindo ou vendo nenhum ponto de apoio, mas precisava

ter fé de que me curaria um dia, tal como os irmãos e as irmãs de


Alessandro.

Sem o seu cheiro, o seu toque, os seus beijos e cada um de

seus carinhos… tudo que podíamos ter tido foi interrompido e tirado
de mim.

Precisava ser forte pelos irmãos Morelli e por minha filha. Não

me deixaria cair à deriva. Graziela chegaria logo em casa, e não


queria que me visse desse jeito, estraçalhada.
Capítulo 22

Mia

Passei a noite em claro. Não conseguia dormir com a dor que

sentia pela saudade de Alessandro. Deitando-me em sua cama,

achei que ficaria um pouco melhor, mas só o que consegui foi chorar
mais ao sentir seu cheiro nos lençóis.

Foi difícil levantar cedo sabendo o que teria de enfrentar.

Poderia ter ido e ficado com ele, mesmo que não estivesse mais

conosco. Mas Stefano disse que era norma da máfia: o líder morreu,
então só abriria as portas da igreja no dia seguinte. Eu queria ir lá e

xingar todos, porque Alessandro também era meu noivo; eu tinha

direitos.

Entretanto, estava esgotada, sem forças para lutar. Ficou pior

quando Graziela perguntou sobre o pai. Eu não mentia para ela, não

com algo tão sério assim, mas disse que Alessandro tinha ido viajar.
Depois, ela quis conversar com ele pelo telefone para dar boa-noite.
Na hora, eu chorei; não me aguentei.

Não sabia por quanto tempo conseguiria esconder a verdade.

No momento, enquanto eu estava na igreja, ela ficou com uma

mulher chamada Zaira, uma segunda mãe para Luca. Como Jade

confiava nela, eu também confiei.

Sentia-me entorpecida, embora tomada de dor. Seria a última

vez que o veria, não “ver” de fato, porque o caixão fora lacrado

devido às circunstâncias do acidente. Mas eu sabia que estava ali, e

no meu coração e na minha alma.

A igreja lotou de homens fiéis, mas também tinha muitos

traidores. Seriam eles os culpados por tirar o carro de Alessandro da


estrada? Desde que soube o que aconteceu, eu não perguntei muito

sobre o ocorrido. Entendia que os responsáveis eram os Rodins, os

albaneses ou os traidores que Alessandro mencionou antes de sair

naquela manhã. Logo, poderiam ser alguns desses que estavam ali.

Chequei a multidão, averiguando cada um, mas eles eram


bons em esconder suas emoções, afinal, todos eram mafiosos frios

e assassinos.
Luna tirou Jade da igreja, porque ela chorava muito. Havia

uma coisa que não pude deixar de notar: Luca não andava sozinho,
sempre tinha seguranças com ele, até quando foi embora com sua

mulher. Isso me fez lembrar que toda vez que Alessandro saía de
casa, ele estava com dois dos seus homens, Luigi e Rabel. Só
andava sem seguranças na companhia de seus irmãos. Então por

que Alessandro estava sozinho indo fazer um trabalho, ainda mais


um tão arriscado?

No dia anterior, eu não pensara nisso, dada a sucessão de

eventos desconcertantes. Mas essa noite sem dormir fez com que
eu considerasse muitas coisas, e essa era uma delas. Talvez não
fossem pensamentos fúteis.

Poderia perguntar a Stefano, mas ele foi embora com suas

irmãs. Rafaelle estava num canto conversando com um homem que


eu desconhecia.

Continuei perto do caixão, não conseguia me afastar, era como


se minha alma se partisse mais. Estava destroçada, não sei se um

dia me recuperaria. Fiquei pior ao imaginar que o próprio pessoal de


Alessandro fizera isso. Precisava saber quem tirou o meu noivo de

mim, pois o responsável pagaria caro.


Nunca aceitei ser da máfia devido ao que existia nela, porém,

após conhecer Alessandro, tudo mudou. Nosso relacionamento foi


breve, mas real. Ele me mostrou que no meio da máfia havia muitas

serpentes, umas mais venenosas que as outras. Aceitei viver no seu


mundo, mas não faria como muitos, tapando meus olhos para a

verdade. Eram todos traiçoeiros, e um desses levou o meu noivo de


mim. Alessandro tinha dito que estava planejando algo para pegar
os traidores, então houve o acidente. Alguém devia ter descoberto o

plano dele e colocado fim em sua vida. Isso queria dizer que
Rafaelle e Stefano corriam perigo? Precisava alertá-los e pedir para

tomarem cuidado. Mas depois, aquele era um momento de


despedida, uma que meu coração e minha alma evitavam.

Vi Rafaelle voltar e ficar perto do púlpito onde estava seu


falecido irmão. Não liguei, só fitava o caixão com o coração

sangrando.

— Hoje, com a morte de Alessandro, me tornarei capo da


máfia Destruttore — Rafaelle anunciou.

Minha cabeça se moveu na sua direção. Não acreditava que


nem velaria direito o corpo de Alessandro primeiro. Como ousava se

intitular capo a uma hora dessas? O irmão nem foi enterrado!


— Não acho que seja uma boa hora — comecei.

Seus olhos se voltaram a mim, diferentes de tudo que

presenciei antes; frios, desdenhosos, letais.

— Cale-se — rugiu, fazendo com que eu desse um passo para


trás.

Não consegui acreditar que falou dessa forma comigo, ainda


mais na frente de todos.

Talvez estivesse sofrendo, contudo, não justificava a grosseria.

Ele encarou a multidão ali presente.

— No meu governo, as coisas vão mudar por aqui — iniciou.

— Soube que foi você que ordenou a morte do seu irmão. É

verdade? — alguém perguntou.

Olhava entre o irmão Morelli e o cara barbudo, que ouvi


Rafaelle chamar de Renan; parece que era chefe em alguma

cidade. Pensei que meu cunhado fosse desmentir essa loucura,


mas seu rosto estava em branco, não mostrava nada, como se
esculpido em gelo.

— Sim. Os Rodins tentaram fazer o mesmo, mas foram mortos

junto com o antigo capo — falou de modo neutro e banal.


Oh, meu Deus! Não, só podia ter ouvido errado, aquele não
parecia o Rafaelle que conheci esses meses, mas soava sério.
Preciso lembrar que isto é a máfia, todos são traiçoeiros. Alessandro

confiava cegamente no irmão e foi traído dessa forma.

O que Luna e Jade sentiriam ao saber dessa crueldade? Isso


as destruiria, igual eu estava agora, por confiar nele com a vida de

seu irmão.

Tentei me controlar, mas não podia, não queria viver nesse


mundo de gente inescrupulosa que matava a família por razões

nojentas.

Assim que o velório acabasse, pegaria minha filha e sumiria.


Mesmo não querendo me distanciar de Luna, levaria Graziela para

longe de toda essa escória maldita.

Não fui a única a ficar chocada, muitos na igreja reagiam da

mesma forma. Um coro incrédulo sobreveio o lugar.

— Como ousa? O capo era seu irmão, seu sangue — rosnou


um cara que eu não conhecia.

— Isso é a pior traição possível! — gritou outro, chocado.

— Não queremos você como capo — mais um se opôs.


— Não é sua escolha, Temmer. — Fuzilou-o, depois a todos.

— Nem de nenhum de vocês.

— Como isso aconteceu? Não creio que o fez, eram ligados

demais — um ruivo desconfiou.

— Alessandro não aceitava algumas coisas, tentei convencê-lo

a entrar nos negócios de tráfico humano, mas ele não aceitou —

respondeu Rafaelle. — Foi preciso tirá-lo da jogada.

Eu estava entorpecida no lugar, incapaz de acreditar no que

ouvia.

— Realmente jogou ele do penhasco? — O ruivo riu,

zombeteiro. — Achei que fossem unha e carne.

— Sou paciente, não ajo por impulso como muitos. Era uma

questão de tempo até eliminar meu irmão.

A dor e a fúria se apossaram de mim.

— Como ousa se nomear capo no velório de seu irmão, o

mesmo irmão que matou… — Chorei, mostrando todo o desprezo


que sentia. — Ele confiava em você, maldito! Tudo para quê? Por

um título?

O olhar de Rafaelle me causou calafrios, mas não me importei

diante de tanta hipocrisia. Por sorte o crápula proibiu armas dentro


da igreja, ou eu seria capaz de pegar a de alguém para atirar nele.

Se ele não se incomodou em tirar Alessandro de mim, por que

daria importância para eliminar da Terra um irmão traidor? Um


assassino? Aquele rosto amigável que eu costumava ver antes

disso tudo acontecer cedeu espaço para uma carranca sombria.

— Quem é você para dizer algo? Meu irmão jamais deveria ter

se envolvido com gente do seu tipo. Uma mulher que não serve

para nada, a não ser voltar para o lugar de onde não deveria ter
saído. — Acenou para alguém atrás de mim.

Fulminei-o e cuspi nele.

— Você é um assassino miserável. Deveria estar morto, em

vez de Alessandro. — Não dei a mínima para quem presenciava. —

Todos os capos não andam sem seguranças, mas nesse dia ele
estava sozinho, aposto que por confiar em você.

Ouvi uma risada sinistra. Reconhecendo-a, virei a cabeça.

Uma pessoa em especial estava ali, uma que me fazia querer matar
e morrer ao imaginar perto da minha filha.

— Eu confiava em você, éramos uma família. Você se


transformou no seu pai, um monstro. — Guardei minha dor para
mais tarde e foquei na raiva. — Vou fazê-lo pagar por isso, pode

apostar.

— Sim, uma simples mãe solteira fugida da máfia albanesa me

fará pagar — ironizou. — E, por sinal, aqui está o chefe da sua


gente. Sou o irmão mais velho depois de Alessandro, portanto, o

novo capo. — Dirigiu-se, em seguida, às pessoas ali: — Todos

vocês me devem respeito. Quem não está do meu lado, está contra

mim.

— Quem se levantar contra o senhor deve ser dizimado. —

Um homem alto sorriu para os que se opuseram a Rafaelle há


pouco. Depois, voltou-se a mim. — Já essa poderíamos usar.

Tremi.

— Oh, todos serão castigados. — Rafaelle gesticulou para um

cara alto de olhos sombrios. — Leve para as masmorras quem me

confrontou, eliminarei todos eles. Mais alguém quer se manifestar?

Não acreditava no que escutava. No fundo, queria estar

enganada. Eu o amava como um irmão…

— E quanto à garota, chefe? — perguntou um dos caras, esse

era loiro. Com certeza, um dos traidores.


— Ela será castigada. — Encarou-me com um olhar que gelou

minha alma. — Darei você a ele. — Indicou Skender, que se

aproximou de mim.

Dois dos homens de Rafaelle levaram os outros caras que

foram contra ele. Senti-me doente, porque sabia que só sairiam das

masmorras mortos. E o mesmo destino, ou pior, me esperava.

Achei que Skender já estava até enterrado. Alessandro disse

que o mataria, mas não deve ter tido tempo, pois foi apunhalado nas

costas pelo seu próprio sangue, alguém em quem confiava.

— Dará ela a mim? Não estava acreditando nesta cena, mas

agora? — Skender sorriu para o capo. Notei que estava machucado,


como se tivesse levado uma surra. — Estou adorando isso. Tenho

contas a acertar com minha sobrinha.

O choque estampou meu rosto, não entendi o que ele estava


falando. Talvez mentisse, não? Ele era um maldito desgraçado. Eu

não podia ser parente desse homem. Graziela era sua filha, mas

eu? Não devia ter ouvido direito.

— Não sabia disso? Você é filha do meu irmão, o mesmo que

mandei matar. Depois de tudo isso, eu dei sua mãe ao Afrim como

uma recompensa pelo serviço bem-feito. Para a sua proteção, a


vadia da sua mãe guardou segredo. — Riu com desdém. —

Agradeço por ela estar morta.

A fúria corria por minhas veias, mas não fiz nada, já que

estava chocada demais para tanto.

Ele olhou para Rafaelle.

— Então vai entregá-la a mim? E minha filha, a irmã dela?

Rafaelle nem piscou. Eu, sim. Não podia voltar para a Albânia,

seria morta lá, isso se não acontecesse algo pior… não. Precisava

sair dali, mas como? Cadê Luna e Jade? Não as via há algum
tempo, nem Miguel ou Luca. Esperava que estivessem bem.

— Posso entregar essa raposa esquentada, embora adoraria a


ideia de fazê-la aquecer a minha cama. — Não acreditei que fosse

capaz de dizer isso, sendo que há não muito tempo eu era do irmão

dele. Rafaelle não passava de um escroto que não se importava

com nada.

— Prefiro morrer a ser sua. — Eu tinha esse problema: mesmo

temendo pelo meu fim e enfrentando um capo, não conseguia ver as


coisas erradas e ficar quieta.

— Poderia domá-la e provar o contrário, mas tenho outras

mulheres para isso. Ocupe-a com um de seus homens. — Sorriu


para Skender, como se fossem grandes amigos.

— Uma ova que vou ser prostituta de mafiosos desprezíveis.

— Não tinha a quem recorrer nesse lugar, estava em uma igreja


lotada de cobras.

— Ela é minha! — gritou Skender, vindo me buscar, mas então


foi interrompido.

Um tiro soou na igreja, fazendo algumas mulheres saírem

gritando e homens ficarem em alerta, certamente pensando serem


inimigos. Skender caiu no chão, atingido no ombro.

Foi quando avistei um homem entrar no lugar carregando duas


metralhadoras, uma em cada mão. Era alto, loiro, de cabelos presos

e olhos sombrios.

— Nós vamos sair daqui. Espero que o capo não faça nada ou
terão mais corpos a serem velados, pode acreditar. — Não parecia

um pedido.

Não sabia quem era, mas estava grata, pois por causa dele
Skender não me tocou, e esperava que não me levasse com ele, já
que precisava pegar minha filha e ir embora dessa cidade. O que

me mantinha ali era Alessandro, e eu o perdera. Tinha Luna, Jade e


Stefano, mas nesse momento minha filha era mais importante;
pensaria somente nela.

— Acho melhor ninguém se meter nisso ou sobrará para


vocês. — Sorriu para Skender como se o mafioso albanês fosse um

brinquedo que ele adoraria quebrar. — Indo a algum lugar? Falei


que se sumisse, eu o acharia.

Ouvi algumas pessoas dizerem: “É o ceifador”, “O anjo da

morte”, “O que ele quer?”, “Espero que nos deixe vivos”.


Continuaram conversando sobre isso, temendo esse homem e o
que representava.

O cara não pareceu ligar para os comentários, pois sua


atenção estava em Skender.

— Você invadiu meu território — rosnou Rafaelle, fuzilando-o.

— Não por opção, eu só vim pegar a minha presa aqui. Espero

que não cause problemas, ou muitos seguirão o seu irmão para o


mundo das almas-perdidas. — Sua voz era grossa e sem emoção.

Estava a ponto de sair correndo, mas seus olhos escuros

pousaram em mim, me travando no lugar.

— Você vem comigo também, afinal, é sobrinha dele.


Olhei ao redor, mas ninguém me socorreria, não ali. O que
fazer? Merda! A minha vida tinha virado do avesso: além de sofrer
pela perda do homem que amava, eu ainda tinha que lutar para ficar

viva e proteger a minha filha. Precisava ir até ela.

— Não vou com vocês, estou indo embora desta maldita máfia
— arrisquei falar, sem fôlego. Eles farejavam medo à distância, mas

não deixaria que reparassem no meu.

— Ela não me pertence mais. — Não havia nenhum


sentimento na voz de Rafaelle.

— Ela é de Skender — um cara disse com a voz dura, mas


parecia se divertir.

— Isso ajuda muito, pois ele é meu, então sua adorável


sobrinha também. — Sorriu como um animal prestes a devorar sua

presa.

Oh, Deus, o que seria de mim? Não ia chorar ali. Precisava ser
forte para enfrentar esses homens.

— O único homem a quem eu pertencia está naquele caixão.


Não ficarei com nenhum de vocês — rugi.

O loiro de olhos escuros arqueou as sobrancelhas.


— Vou adorar domar essa fera — disse. Olhou para Rafaelle.
— Fez bem ao eliminar o seu irmão, ele não parecia um bom líder,

acabou com muitas coisas que Marco aprovava. Acredito que


faremos grandes negócios, assim como fiz com seu pai.

“Repulsa” definia meus sentimentos. Como existiam pessoas

assim? Achei que essa máfia fosse diferente da albanesa, e era,


com Alessandro. Mas ele se foi, e o seu irmão malvado se apossou
do trono.

Chequei ao redor, tentando encontrar um modo de escapar.


Havia um corredor, mas não sabia aonde levava. Entretanto, era a
minha única chance. Parecia idiotice querer fugir com esse bando

de mafiosos ali.

Corri, mas não fui longe, pois um braço me pegou por trás.
Lutei contra.

— Controle-se, cabrita, ou terei que usar a força — murmurou.

Era o tal “anjo da morte”. Eu estaria acabada em poucas horas


ou em questão de dias; esse cara abusaria de mim e faria coisas
piores que me matar.

— Vá para o Inferno — gritei, ainda tentando lutar. Ele era forte


demais.
— Um dia, eu vou, mas não será hoje — disse e suspirou. —

Levante-se, Skender, é melhor ir por bem, porque nessa bala há um


veneno que exigirá um antídoto em aproximadamente quinze
minutos; senão, já era. Eu prefiro levá-lo vivo, mas morto também

servirá.

Skender trincou os dentes, segurando o ombro ferido. Fuzilou


Rafaelle.

— Eu me alio a você se matar o El Diablo — falou.

Dessa vez, El Diablo riu. É cada nome…, pensei. Ele


realmente parecia o Diabo em pessoa.

— Acha que estou sozinho nisso? Não sou da máfia, mas

tenho muita gente trabalhando para mim. Se eu não sair daqui em


dez minutos, esta igreja vai para os ares com todos dentro —
afirmou, acarretando um burburinho. — Não temo a morte, se ela

vier hoje, eu aceitarei sorrindo. Mas e quanto a todos aqui? Será


que pensam da mesma forma? Suponho que terão muito a perder.

Rafaelle se calou por um segundo, avaliando a situação. Isso

me enchia de fúria, me sentia traída por ele me entregar a esses


monstros como se eu fosse um maldito pedaço de carne. Queria
saber de Graziela, mas não levantaria o nome dela no meio dessas
pessoas.

— Considero você um aliado, Skender. No entanto, seja quem

for que mandou buscá-lo, deve ter um motivo — começou ele. —


Arrume um jeito de escapar de seus inimigos, e quando o fizer, eu
estarei aqui.

— Talvez eu possa entregar minha sobrinha a essa pessoa em

forma de aliança — sugeriu Skender, rindo para mim e para o capo.

— Sim, aposto que o cara apreciará. — Rafaelle retribuiu o


sorriso frio como o Alasca.

Oh, eu queria estraçalhar esse merda.

— Se eu sair viva dessa, voltarei e matarei você, Rafaelle —


praticamente cuspi, lutando nos braços de El Diablo. Chutei sua

perna e consegui fugir; cheguei a pegar a camisa do pretenso capo,


mas fui puxada de volta para longe. — Dançarei em cima de seu
cadáver imundo.

Ouvi El Diablo praguejar em espanhol — ao menos eu acho,

porque não sabia esse idioma. Ele me levaria para algum lugar onde
seria quebrada de maneira irreversível. Precisava lutar, mas como?
— Odeio você, Rafaelle! Não importa o que faça, darei um jeito
de destruí-lo. — Lágrimas desciam pelo meu rosto. — Vai pagar

caro por tê-lo levado de mim.

Seus olhos azuis pousaram em mim, refletindo nada além de


frieza.

Um pano foi colocado em meu nariz, e então senti a escuridão

me abraçar. Sim, eu passaria por tudo o que eles me oferecessem


e, no final, faria Rafaelle pagar com a vida.
Capítulo 23

Mia

Acordei em um recinto composto por um quarto, uma sala e

uma cozinha. Pensei no ocorrido na igreja, em quando velava

Alessandro… Relembrar sua perda fez a dor voltar a me assolar.

Precisava aguentar, focar em onde estava e no que fariam

comigo.

Chequei meu corpo: não havia sinais de abuso.

— Você está intacta. Não é meu estilo pegar uma mulher à

força. — Uma voz atrás de mim arrepiou os pelos da minha nuca.

Pulei, saindo da cama e olhando na direção de El Diablo. Ele

estava sentado em uma cadeira na cozinha, tomando café.

Lá fora, o Sol irradiava, só não sabia dizer se nascia ou se


punha. Quanto tempo eu fiquei dormindo?
— Está apagada há dois dias. Precisava disso para viajarmos
até aqui — comentou como se pudesse ler a minha mente. —

Sente-se e tome café.

Voltei minha atenção a ele.

— Não quero nada. Onde estamos? O que fará comigo? —

Surpreendi-me por estar inconsciente há tanto tempo. Queria


perguntar sobre minha filha, mas sem a colocar em seu radar.

Acreditava que estivesse segura com Jade; ela não era como

Rafaelle.

Ao pensar nele, meu coração doía. Confiava em Rafaelle, e no

final, ele nos traiu da pior maneira possível.

— Não farei nada. Eu fui contratado para protegê-la caso o

antigo capo morresse. — Comeu seu pão e fechou a cara por um

segundo. — Embora mantê-la viva e fora de problemas esteja sendo

tremendamente difícil.

Pisquei com o choque.

— Alessandro contratou você? — Encolhi-me, pois isso

significava que ele antecipara a traição do irmão. Talvez suspeitasse

que me usaria.
— Sim, portanto, está segura. E se tivesse veneno na comida,

eu não a comeria.

— Você é algum leitor de pensamentos? — Soei amarga, mas

fui me sentar em uma cadeira o mais longe possível dele. Notei um


sorriso no canto de sua boca, mas não disse nada.

— Ninguém consegue esconder de mim o que sente. Inclusive

agora, se considerar pegar essa faca para me atacar, as coisas não


serão bonitas. Fui contratado para protegê-la, mas se me ameaçar,

eu a eliminarei. — Suspirou.

Se Alessandro o contratou, talvez eu pudesse fazer o mesmo

para que me tirasse de onde estávamos. Olhei ao redor.

— Estamos em Milão?

Negou.

— Em Veneza. Tenho negócios aqui. — Eu via árvores lá fora,


nos encontrávamos em uma espécie de cabana. — Nos afastamos
da cidade. Ninguém entra no meu território se eu não quiser. E se

fugir, eles a encontrarão, então sugiro que permaneça comigo.

Não conseguia pensar, precisava de um minuto sozinha.

— Tem um banheiro e roupas neste lugar? — sondei. Tomar


um banho supervisionado por quem eu não conhecia não era uma
boa ideia, mas eu carecia de um instante de paz. Estava

sobrecarregada demais com tudo o que houve.

— Comprei algumas coisas. — Apontou para uma sacola em


uma cadeira e depois para outra porta. — O banheiro fica ali.

Peguei a sacola e fui ao toalete, agradecendo por ter uma


tranca — apesar de que se ele quisesse fazer algo, teria feito

enquanto estive apagada; mesmo assim, me mantive atenta para


averiguar a veracidade do que me disse.

Após tirar as roupas e deixar a água cair sobre minha cabeça,

caí sentada no chão, abraçando os joelhos. Precisava ser forte, mas


perdera tudo. Alessandro se foi e minha filha estava em algum local
desconhecido. Desejava encontrá-la.

Rafaelle poderia tentar tirar Graziela de sua irmã. Antes disso,

o máximo de tempo que passamos longe uma da outra foram dois


dias. Precisava de minha garota, guardaria a dor para depois, pois

era hora de lutar. Por ela, eu era capaz de tudo.

Ao terminar, vesti a primeira roupa que peguei sem ligar muito,

só torcendo para que pudesse fazer um acordo com esse homem.

Saí, todavia, não o encontrei em lugar algum. Poderia tentar


fugir, mas estava sem telefone. O cara era profissional, com certeza
se livrou dele.

A única solução seria contratá-lo para me ajudar a pegar a

minha filha e ir para longe de toda essa história de máfia.

Ouvi um som de algo batendo, então o segui, chegando em


um quintal plano e cercado de árvores. Havia ainda uma pequena

choupana, acho que de pesca.

El Diablo lutava com um pau onde tinha uns troncos, que

provavelmente as pessoas usavam para treinar. Enrolara seus


punhos e suas pernas com faixas para a sua proteção. Estava sem

camisa, as costas forradas de desenhos que cobriam cicatrizes.

— Achei que amasse o seu homem que morreu — resmungou


pelo esforço do treino. — Pela forma que me olha, não parece.

Fechei a cara.

— Não estou interessada em você. Sim, eu amava Alessandro


e vou continuar amando — rosnei. Não sabia se um dia o
sentimento findaria. Naquele instante, parecia impossível.

Ele parou de lutar e me checou, tal qual Alessandro fazia.

Tentei não deixar que isso me levasse a sucumbir, era a hora de me


fortalecer e ir atrás de Graziela.
— Quero contratar você — fui direta. — Preciso pegar a minha
filha e ir embora da Itália.

Arqueou as sobrancelhas, mirando meu corpo sem interesse.

— Como pretende pagar? E o que tenho que fazer? Matar o


novo capo?

— Não vou dormir com você, não sou uma puta. — Tentei

conter minha raiva. Só existira um homem que eu quis dessa


maneira, mas ele se foi. Restou um coração quebrado e nada que

pudesse consertá-lo.

— Por que transar comigo a tornaria uma puta? Aliás, eu a


faria muito feliz — disse, confiante.

Sacudi a cabeça, focando no que eu queria.

— Não estou falando disso, mas sim de dinheiro. Contratarei

seus serviços para me ajudar a resgatar minha filha. Não sei se

Jade e Luna sabem o que seu irmão fez ou se Stefano está


envolvido. — Trinquei os dentes e olhei para ele. — Você parecia

concordar com os métodos dele.

— Se não notou, eu estava tentando a tirar viva de lá. Não viu

os homens naquela igreja? Todos adorariam ter sua vez com você.
— Ele veio na minha direção, mas segurei o instinto de correr. Se El

Diablo quisesse me fazer mal, já teria feito, mentalizei novamente.

Sustentei seu olhar com firmeza. Não me abateria apenas por

ele poder me matar. Precisava que me ajudasse e o faria concordar


com isso.

— Você tem medo, mas não demonstra. Gosto disso. — Parou

na minha frente. — Sua filha está bem, deixe-a lá. Aqui ela correrá
muito perigo, os albaneses invadiram Milão e estão querendo o

chefe deles, esse é um dos motivos para estarmos em Veneza.

Logo virão atrás de mim.

Arregalei os olhos.

— Onde Skender está? — Tinha tanta coisa na cabeça que


acabei esquecendo que, antes de desmaiar, El Diablo saiu da igreja

comigo e com Skender.

— Morto. Eu fiz o serviço para o qual fui contratado. Agora

estão atrás de mim. — Deu de ombros.

— Você não parece preocupado com isso. E como sabe que


minha filha continua bem? Preciso dela comigo. Vou pegá-la nem

que seja sozinha — rosnei.


— Morta, você não conseguirá buscar ninguém — ponderou,

indo fazer flexões no chão da pequena varanda da cabana.

Estava ficando irritada com sua frieza.

— Preciso vê-la, falar com ela. Você disse que faz dois dias

que me deixou apagada com aquela coisa…

— Sonífero — destacou.

— Não importa! Ela deve estar preocupada comigo, sem


notícias. — Expirei, controlando a dor pela distância de Grazi.

— Como eu disse: sua filha está segura, a irmã de Alessandro


a levou para a América…

— O quê? — gritei. Minha voz ecoou entre as árvores. — Jade

não pode ter levado Graziela sem o meu consentimento. Não! Eu


vou salvar a minha filha daquela família.

— As garotas não estão envolvidas com o que presenciou na


igreja, elas nem sabem de nada — disse, ainda se exercitando; nem

parecia cansado.

— Rafaelle pode…

— A aliança dos Salvatores e Destruttores foi desfeita. Luca e

Matteo não concordam com o caminho que o novo capo decidiu


seguir. Os russos, idem. — Ficou de pé. — Reprisando: a sua filha
está segura. Se deseja falar com ela, eu tenho um telefone pré-

pago. Pode ligar dele.

Assenti, agradecida. Não sabia que acabaram com as

alianças. Por que Rafaelle agiu assim? Confiava tanto nele, mas
isso já não importava mais. Tudo o que sentia era uma imensa raiva

por ele e todos os mafiosos.

El Diablo entrou na cabana e voltou com um celular.

— Pegue. Mas não diga nada sobre onde estamos, ou o que

houve na igreja — avisou.

Certamente Luca estava preocupado com sua esposa, mas

não era para menos, o irmão dela se transformara em um monstro.

Aliás, deve ter sido sempre assim. Talvez tudo que Rafaelle me
disse sobre salvar Alessandro tenha sido mentira, para fazer o irmão

se apaixonar e perder a confiança dos membros da máfia.

— Vou tomar um banho enquanto conversa. Um pequeno

alerta: estamos a quase cinquenta quilômetros da cidade, se eu

fosse você, não iria a lugar algum; pode ser morta antes de ter sua

filha de volta — avisou, entrando na casa.

Sentei-me em um banquinho e disquei o número de Jade.

Agradeci por ter uma boa memória.


Estava com o coração na mão, ansiosa para ver a minha

menina, mas se ela estivesse segura lá, adiaria um pouco mais o

nosso reencontro e faria outra coisa que prometi a mim mesma:

acabar com Rafaelle.

— Alô? — atendeu em inglês. Notei confusão na sua voz.

— Jade, sou eu.

Não sabia o que foi dito a ela, então tomaria cuidado. Não

queria que a mulher perdesse o bebê por descobrir a real natureza


de seu irmão.

— Mia? Falamos de você ainda hoje. Graziela está ansiosa


para que venha logo, mas expliquei que você precisa arranjar um

passaporte, porque quer entrar de modo legal aqui. — Essa fora a

desculpa que deram a ela? Queria perguntar como levaram a minha

filha então. Com certeza, de forma nada legal, pensei. Eles eram
mafiosos e podiam tudo.

— Como ela está? Preciso ouvir a minha pequena.

Ela suspirou.

— Vive querendo falar com você e Alessandro, se perguntando


por que não ficou com vocês. Eu a escutei chorando e perguntei a

razão. Ela disse que era por saudades suas e dele. — Fungou.
O meu coração rachou e, os meus olhos, umedeceram.

— Oh, Deus! — exclamei, chorosa. Como dizer que ele não

voltaria mais? — Posso falar com ela?

— Claro, vou chamá-la. Ela está no quarto. — Mais um


suspiro. — Mia?

— Sim? — Aguardei uma continuação que nunca veio. —


Aconteceu algo?

— Não… — Ela estava estranha. — Já vou chamá-la. Espero

que vocês fiquem juntas logo.

Também esperava por isso. Assim que tudo acabasse, eu

levaria minha filha para longe. Adorava Jade e Luna, mas se


continuasse perto delas não me permitiria esquecer do passado, ou

melhor, do presente, já que sentia Alessandro no ar que eu

respirava e no sangue bombeado em meu coração.

— Oi, mamãe! — Essa voz me fazia feliz mesmo em tempos

de dor.

— Meu anjinho! A mamãe sente tanta saudade de você. —

Coloquei a mão no peito.

Ela suspirou.
— Por que não pude ficar com você e o papai? Onde estão?
Posso falar com ele? — Sua animação fez eu me encolher.

— Ele… — diria que tinha saído, porque não havia a mais


remota possibilidade de revelar a verdade a ela sem estar lá para

consolá-la. No entanto, olhei para dentro da cabana e uma ideia se

formou em minha mente. Um tanto egoísta, mas não custava tentar.


Tão logo fosse embora com a minha filha, eu resolveria tudo.

Corri para dentro e me deparei com o homem só de toalha,

mas ignorei isso — não havia nada para sentir, o único que me dava
arrepios era Alessandro. Ele arqueou as sobrancelhas assim que

cheguei perto, sem falar nada de início. Abafei o telefone para que

Grazi não ouvisse.

— Quero lhe pedir que converse com a minha filha como se


fosse o Alessandro. Se ela estranhar a voz, diga que está gripado.

— O que uma mãe desesperada não faria por sua garotinha? Eu


inventaria qualquer coisa para que ela não sofresse.

Algo mudou em seus olhos. Antes, não demonstrava, mas

agora pareciam arder, não por desejo, mas em completo tormento.

— Não gosto de crianças. — Ameaçou entrar por uma porta,


acho que um guarda-roupa, porém, fui até ele.
— Por favor, ela está tão animada pensando que vai falar com
ele. Eu não posso deixá-la sofrer assim, não quando não estamos
juntas — supliquei.

Comportava-se como se eu houvesse pedido para que pulasse

em um tacho de gordura quente. O que será que houve com ele?

— Não…

Coloquei no viva-voz.

— Querida, o seu pai está aqui. — Não negaria algo do tipo a

uma criança.

— Papai! — gritou, contente. — Estava com saudades de


você. De montão.

Os olhos do homem se fixaram no celular como se o aparelho


fosse uma cobra venenosa. Supliquei mentalmente que não a
magoasse.

— Papai? — chamou Grazi, confusa.

Ele respirou fundo, e pareceu doer, uma dor similar à minha.


Teria perdido alguém? Uma criança, para ser mais exata.

— Oi… — Sua cabeça se levantou na minha direção.

Sussurrei para que ele a chamasse como Alessandro. — Pequena


graça, eu também estou sentindo sua falta.
Ela ficou em silêncio um segundo, enquanto minha pulsação
acelerava pensando que houvesse detectado que aquele não era o
seu pai.

— Não é a sua voz — enfim Graziela murmurou. — O que


houve? Está gripado?

Senti-me mal por enganá-la, mas depois lidaria com isso.

— Sim, o clima aqui não está bom — respondeu em voz baixa.

— Mamãe conhece um ótimo remédio para gripe, pois quando


fico doente, ela faz para mim. Peça que faça para você também,
assim ficará bom logo. — Como meu coração aguentaria tanta

doçura?

El Diablo piscou, me encarando.

— Ela já fez, princesa. Eu vou ficar bem. — Tinha um toque de

ternura ali.

— Lembra do que me prometeu na apresentação? — sondou.

Seus olhos foram para mim como se eu soubesse, mas não


me recordava de nenhuma promessa de Alessandro, não que eu

estivesse perto para ouvir.

— Desculpe, princesa, essa gripe está me deixando confuso


— inventou, ante o meu desconhecimento do assunto.
— Você me disse que por mais que estivesse longe, e eu
pensasse que não voltaria, no final, sempre retornaria para mim. E

que ser meu pai é o maior privilégio do mundo. — Sua voz saiu
baixa. — Vocês dois vão voltar para me buscar, certo? Quero ficar
com os meus pais.

Lágrimas caíram dos meus olhos, mas evitei emitir qualquer


som para que ela não notasse. Alessandro a amava assim como eu.
Eu poderia prometer voltar para Grazi, mas o seu pai nunca

retornaria.

— Sim, nós vamos voltar para você. Sempre. — Esse homem


não poderia cumprir sua promessa. Jurou isso só para tranquilizar o

coração da minha filha.

Graziela se animou e começou a contar tudo que aconteceu


com ela desde que o viu na apresentação. Foi ficando cada vez

mais empolgada por falar com ele. Notei que isso estava se
tornando demais para o trauma do passado de El Diablo. Não
precisava ser uma especialista em ler mentes para me dar conta.

— Meu amor, o seu pai precisa descansar a garganta, amanhã


nos falamos mais.
— Tudo bem. Melhoras, papai. Eu amo você — declarou,

fazendo meu coração balançar.

— Eu também a amo — arrastou as palavras, como se doesse


dizê-las.

Tirei o celular do viva-voz e pedi um minuto a ela assim que

ele foi trocar de roupa, louco para sair dali.

— Obrigada por isso, não suporto que ela sofra. — Virei de


costas enquanto ele se trocava. — E lamento…

Ele ia saindo pela porta, mas parou com as costas tensas, sem
se voltar a mim.

— Lamenta pelo quê? Ela ficou feliz. — Ele mal conseguia

esconder seu sofrimento.

— Pelo que perdeu. Pela dor que está sentindo. Por eu ter
provocado essa reação. Poderia dizer que um dia vai passar, mas
isso é conversa-fiada. A única forma de sobrevivermos é pensando

em quem amamos, em quem continua aqui.

— E quando se perde tudo? — Ele não esperou uma resposta,


apenas saiu porta afora.

Merda! O que eu causei? Me senti culpada, mas não era o


momento para me concentrar nisso. Não com Graziela na linha.
Expirei e fiz de tudo para não preocupá-la.

— Oi, meu amor, estava ocupada aqui. Seu pai foi dormir um
pouco. — Conversei com ela por mais alguns minutos e prometi que

logo nos encontraríamos.

— Jura? Eu te amo, mamãe. Você e o papai. Espero que


venham me pegar logo — sussurrou.

— Eu vou. Agora obedeça à tia Jade e não faça nenhuma

bagunça, tudo bem? — Se fosse por mim, falaria com ela por dias,
sem me cansar.

Desliguei e fui até a varanda para procurar El Diablo. Estava

mais aliviada por ter escutado a voz dela, mas ainda precisava
resolver o meu problema; não podia ficar ali para sempre. Deveria
solucionar esse negócio dos albaneses, afinal, não estavam atrás

de mim, mas dele.

Encontrei o homem perto da floresta, olhando um riacho que


havia ali. A culpa me corroeu.

— Quero me desculpar outra vez. Não o forçarei a isso de

novo — disse a verdade. Até lá, esperava estar com Graziela.

— Tudo bem. Ela parece amá-lo — observou, falando consigo


mesmo, aparentemente.
— Sim, ela o ama. — Não queria pensar nisso. — Preciso
saber o que vai acontecer. Tenho que ir para a América, mas os

meus documentos e tudo o mais estão na mansão dos Morelli. Não


pretendo entrar com um falsificado e ser presa. Vai me ajudar?

Torci para que me auxiliasse, porque não acreditava que


houvesse mais alguém disposto a ir contra a máfia. Não sabia se ele

podia, mas precisava tentar.

Ele se virou, o rosto já controlado, embora seus olhos


estivessem em chamas.

— Necessito de uma semana para resolver uma pendência. E


enquanto estivermos aqui, nada de perguntas sobre o que
presenciou — advertiu.

— Eu também não quero perguntas a meu respeito. Só preciso


ir embora para a minha filha. — Não questionaria seus negócios ou
o ocorrido com Alessandro, por mais que estivesse curiosa. A dor da

lembrança era a pior coisa, e eu sentia isso.

— Fechado. E outra: prometa que não fugirá, não desejo


colocar mais homens aqui para vigiá-la. Isso atrairia uma atenção

indesejada. Não posso focar no que tenho de fazer essa semana se


precisar salvá-la porque fugiu.
— Não vou escapar, contanto que jure me ajudar a reencontrar
Graziela.

Esperava que, com o tempo, essa dor dele e a minha


passassem. Um dia acreditei em milagres, mas essa inocência se
foi. Só tinha uma certeza: traria Grazi de volta. Ela era a razão pela

qual valia respirar nesse mundo repleto de angústia.


Capítulo 24

Alessandro

Abri meus olhos e me deparei com um quarto branco. Um

hospital? Tentei puxar na minha memória para me lembrar do que

houve.

Era tudo um borrão. Consegui recordar que eu estava sendo

seguido por carros; fui tirado da estrada, mas por um instinto de

sobrevivência, saltei do meu automóvel e caí em um relevo de

pedras. Fiquei aliviado por não despencar penhasco abaixo.

O impacto foi doloroso e tudo ficou escuro. Teria sido um

sonho?

Fui me levantar, mas senti minhas costelas protestarem,

fazendo com que eu perdesse o fôlego. Havia um fio intravenoso na

minha mão e algo no meu nariz. Pelo jeito, não foi pesadelo, e sim
real.
— Acho melhor permanecer deitado. Vou chamar o médico —
disse uma voz masculina.

Olhei na direção dele, em alerta. Era o Flame, um dos homens

de El Diablo. Careca, mas com tatuagens na cabeça.

— O que aconteceu? — Sentei, ignorando as dores no meu

corpo. — Há quanto tempo estou aqui?

— Você sofreu um acidente, seu carro explodiu e despencou

de um penhasco. Para a sua sorte, o terreno era rochoso, cheio de

emendas de pedras. Ficou em uma delas, inconsciente. Isso

permitiu que sobrevivesse. Porém, quebrou alguns ossos no

processo. Se eu acreditasse em milagres na vida de homens como

nós, diria que isso foi um.

— Como me acharam? — sondei, respirando fundo, olhando

uma faixa em meu ombro. O corte de faca que tinha recebido antes

de tudo acontecer cicatrizara. — Quantos dias fiquei apagado?

— El Diablo foi para lá assim que descobriu o que aconteceria.

Aquele cara sabe tudo que há ao seu redor. Acabou com os


miseráveis e pegou um deles para colocar no carro que explodiu,

para dizer que era você. — Rumou a uma cadeira e mandou uma
mensagem, certamente avisando a alguém que acordei. — Está

apagado há dez dias.

Pisquei, chocado, sem acreditar que quase padeci de verdade.

Estava armando uma mentira, mas a morte veio antes. Não era a
hora: precisava ter um futuro com Mia e minha pequena graça.

— Todos pensam que morri? — Algo em meu estômago se

retorceu com isso.

— Até o seu velório, há nove dias, os seus irmãos achavam


que sim, mas agora não. Suas irmãs e sua mulher continuam no
escuro. — Sorriu. — Mia bateu no novo capo na igreja, na frente de

vários homens da sua máfia. Ela pensa que ele é o mandante e


jurou matá-lo.

Orgulhei-me de minha noiva, mas o meu peito se apertou ao

imaginar que estivesse sofrendo a ponto de querer matar o meu


irmão. E fiquei contente por Rafaelle seguir o plano; esperava que
tudo desse certo para pegarmos os traidores.

— Ninguém a tocou, não é? — Se isso acontecesse, El Diablo

pagaria, pois era sua obrigação protegê-la.

— El Diablo teve que dar um sonífero a ela para fazê-la calar a


boca. A mulher não parava de dizer que mataria Rafaelle. Ah, e o
chamou de traidor por ter eliminado você. Até falou que dançaria em

cima de seu cadáver. — Meneou a cabeça de lado. — O show que


ela fez ajudou os ratos a confiarem no seu irmão. Mesmo que sua

garota não saiba disso.

— Como tem andado tudo? Se estou apagado há dez dias, e


meus irmãos descobriram há nove, então eles ficaram vinte e quatro
horas pensando que eu estava morto. Por que El Diablo não revelou

a verdade aos dois? — Coloquei-me de pé e tirei as coisas de mim


sem procurar orientação médica. Não precisava mais disso.

— Terá que perguntar a El Diablo. Sabe como ele é… sempre

tem um plano oculto e não diz nada a ninguém, nem para nós —
respondeu Flame. Depois complementou: — Devia chamar um
doutor. Apesar de que, lhe conhecendo, achará que não é

necessário.

Conhecia Flame há alguns anos, antes até de El Diablo ou


dele entrar para essa organização Deadly Reapers, os ceifadores

mortais.

— Não preciso de um médico, só estou com o corpo duro por

ter ficado dez dias apagado nesta cama, sem andar. Agora quero
saber o que está acontecendo. — Olhei para ele. — Tenho algumas
roupas aqui?

— Sim, na sala ao lado. Vou lá pegar. — Ele saiu enquanto eu


checava o lugar. Reparando melhor, vi que não era um hospital

como pensei que fosse, mas uma sala da agência de El Diablo.

Tentei exercitar meus músculos sem causar mais danos onde


estava fodido — meu ombro e acho que em uma costela. Eu já tinha
aprendido a lidar com essa dor, mas havia outra tocando minhas

entranhas: o sofrimento de Luna e Mia. Acreditava que Rafaelle ou


Luca deviam ter contado a verdade à Jade; não queria que ela

tivesse complicações na gravidez.

Mia. Pensar nela me trouxe lembranças de seus beijos e seu

toque. Meu coração se apertava, sentindo muito a sua falta. E de


Graziela, a minha princesinha linda. Estava louco para ver as duas,

mas não faria nada até falar com Rafaelle e sondar como iam as
coisas.

Flame entrou com as roupas, porém, não era um terno, mas


jeans escuros e uma camisa com touca. Desde que pudesse trocar

as que eu usava, estava valendo.


— Tem um telefone do qual eu possa ligar sem ser detectado?
Preciso conversar com Rafaelle — indaguei, me vestindo.

— Sim, use o meu. Ele não é rastreável. — Entregou-me. —


Tem uma coisa de que precisa saber.

Parecia hesitante em contar, então olhei para cima.

— Flame!

Não tinha paciência nem tempo para segredos. Se fosse sério,

eu precisava saber.

— Acabei de descobrir pelo El Diablo que a sua menina fugiu.


Ele tomou conta dela essa semana, mas estava resolvendo uma

coisa quando ela escapou.

Franzi a testa com o coração na mão.

— Como sabe que ela fugiu? Alguém pode… — não consegui

terminar de falar. Não podia nem cogitar a ideia de colocarem as


mãos nela.

— Não. O lugar para onde foi levada é protegido e vigiado por


câmeras, mas sua garota parece ser esperta. Ela ficou de olho

quando El Diablo saiu e correu… Bem, não sei se posso chamar

isso de esperteza ou de burrice. — Pausou mais uma vez.

Trinquei os dentes.
— Desembuche! Aonde pensa que ela foi? Se alguém a tocar,

eu vou esfolar o seu chefe. — Mia era inteligente, por que saiu de
um local seguro?

Fez uma careta.

— Ela pegou a arma dele. E, neste momento, só há uma

pessoa que a garota odeia mais do que tudo (pelo menos, foi isso

que meu chefe comentou). Sua menina quer vingar a sua morte, por
assim dizer.

Flame mal terminou de falar, e eu já estava saindo meio torto


pela porta. Eu tinha que chegar a tempo. Mia não podia matar o

meu irmão. Rafaelle jamais a machucaria, mas e se alguém visse a

Mia? Se colocassem as mãos nela?

— Merda! Onde vai? — praguejou. — Devia ter ficado quieto.

— Encontrar Rafaelle. E me diga que a Mia tem um rastreador.


— Virei-me para ele ao chegar a uma porta com muitos homens do

mesmo porte de Flame.

Assassinos de aluguel, um ramo muito bom do mercado.

— El Diablo não achou que seria possível, afinal, criou um laço

com a Mia…
Minha cabeça foi na sua direção tão rápido que certamente

teria um torcicolo depois.

— Laço? — Gelei, e a atmosfera da sala mudou.

— Nada romântico. Aquela mulher realmente ama você; chora

antes de dormir, fica com aquele olhar vazio. Sua única alegria é
falar com a filha — disse Flame, fazendo-me arquear as

sobrancelhas. — O lugar é monitorado por câmeras, como eu disse;

fico de olho na situação, às vezes.

Suspirei, mas estava longe de ser de alívio. Depois apuraria

isso direito.

— Rastreie o anel de noivado de Mia. Há um dispositivo nele

— falei a um cara que estava no computador. — Onde acho

Rafaelle?

— Deu uma entrevista hoje cedo, na qual disse que ampliaria

os seus negócios comprando algumas obras de arte. Bom, aos

olhos da sociedade, isso é legal, mas Mia viu a entrevista e


entendeu na hora do que estava falando. — Flame sorriu. — Mulher

inteligente, essa que você tem. Ela encaixou as peças, e assim que

El Diablo saiu, fugiu da cabana.


Sim, eu sabia que ela era inteligente, mas porra! Mia cogitava

matar o meu irmão.

Os Deadly Reapers tinham sedes em Nova York e em Veneza.

Não acho que estamos nos Estados Unidos, porque me recordo


deste lugar, então deve ser Veneza, supus. E só havia uma galeria

onde fazíamos negócios quando Marco era capo. O dono daquele

lugar comprava caminhões de meninas novas, Rafaelle devia estar

indo para negociar algo assim. O plano corria bem.

— Está se movendo rápido, significa que pegou algum veículo.

Por sorte estamos mais perto. Vou contatar El Diablo para buscá-la
— disse o cara assim que checou.

Assenti e saí rumo à porta da frente.

— Alessandro, se você aparecer lá, vai ferrar com todo o

plano. Deixe El Diablo cuidar dela — disse Flame.

Ele tinha razão. Contratei os serviços dos caras por isso,

porque eram bons no que faziam, e depois limpavam tudo. Mas não

poderia ficar ali.

— Vamos chegar perto, mas sem me mostrar. — Segui até um

Porsche que sabia ser dele. Olhei para Flame. — Você dirige?
Não estava saudável para andar sozinho. Perderia em uma

luta, mas poderia usar uma arma com tranquilidade. Embora não

precisasse, porque quem tentaria matar o meu irmão era alguém

que eu jamais consideraria machucar.

Flame entrou no seu carro, sem aprovar minha decisão de

deixar a segurança da agência. Eu não dei a mínima, só queria que


os dois ficassem bem.

— El Diablo realmente gosta dela, e olha que isso é um

milagre, aquele homem não se dá direito com ninguém, após tudo o


que houve — falou, dirigindo para o local aonde Mia se

encaminhava.

Bastava um minuto com Mia e Graziela para você cair aos pés

delas. Não o culpava.

— Gosta? — objetei.

— Não falo romanticamente, como já disse, mas Mia pediu que

ele conversasse com a filha fingindo ser você. Acredito que não
queria contar de sua morte com a garotinha longe dela. — Suspirou.

— Isso foi como um soco no estômago de El Diablo. A expressão

em seu rosto…
El Diablo perdeu sua família, mulher e filha, então certamente

foi difícil para ele. Agradeci mentalmente por Mia ter mantido sigilo
da minha suposta morte de Graziela; não gostaria que minha

pequena sofresse.

— Graziela não suspeitou? Minha voz é diferente. — Segurei


meu ombro que doía.

— Ela ficou em dúvida, mas achou que fosse uma gripe. Pediu
que a mãe tratasse você, ou melhor, ele, porque o amava… —

Olhou-me de lado. — Teve sorte, Alessandro, por conseguir

pessoas como elas, leais.

— Tenho, não é? — Meu coração se aqueceu. — Às vezes,

acho que não as mereço, mas ninguém as protegerá melhor do que

eu.

Ou as amará tanto, completei em minha mente. Pelas minhas

meninas, eu era capaz de tudo.

Chegamos em frente à galeria de arte onde Rafaelle iria, isso

se já não se encontrasse lá dentro. Nesse momento, eu quis que

estivesse, pois assim eu impediria Mia. Ela matou Afrim, mas


naquela ocasião foi para se defender, e ali seria premeditado. Mia

jamais esqueceria, até porque um dia se importou com Rafaelle. E,


em algum nível, com certeza ainda se importava, a despeito da
situação. Eu a conhecia.

Ademais, odiaria a sensação de perder algum dos meus


irmãos ou ela.

Flame parou o carro não muito longe de onde Mia estava de


pé, com um uma bolsa na mão. Será que escondera a arma ali?

Apostava que sim.

Vê-la cortou o meu coração, pois sabia que ainda não podia
me aproximar. Precisava lidar com o perigo primeiro.

Minha noiva usava um casaco grande com um capuz, mas a


identifiquei, atenta aos carros. Ela reconheceria o do meu irmão, por

isso nem olhou para o nosso. Os de Rafaelle e Stefano não estavam

ali.

— Merda! Cadê o El Diablo? Era para ele ter aparecido —

rosnei com os dentes trincados.

— Vou checar. — Flame digitou algo no telefone. Minha


atenção estava nela e, logo depois, no carro de Rafaelle que parou
à sua frente.

Gelei. Não podia deixar que acontecesse nada daquilo que ela
pretendia.
— Porra!

— O quê? — Olhei para ele.

— El Diablo foi atacado a caminho da galeria, não chegará a


tempo. Ele não quer trazer o problema até nós. Esses malditos

albaneses. — Bufou. — Eu cuido disso. Vou tirá-la daqui antes que


alguém a veja ou que faça uma besteira.

Flame pegou um vidrinho e um pano, sabia o que era. Eu

precisava me manter escondido, mas vê-la sendo drogada?

— Só use isso se por acaso ela ameaçar pegar a arma. —


Esperava que Mia pensasse bem antes de fazer algo assim. Ela não

era uma assassina.

Eles estavam a uns quinze metros de distância do nosso carro.


Saí do automóvel e, escondido e ansioso demais, posicionei-me
para enxergar melhor ela e meus irmãos.

Acompanhei o instante em que Rafaelle notou que estava


sendo observado, então se deparou com Mia, que pegou a arma,
mas não a levantou, a princípio.

— Mia… — começou Rafaelle, observando os lados. Viu


Flame se aproximando calado, sem que ela o notasse.
— Cale a boca! Você não merece continuar respirando neste
mundo — gritou, lamentosa.

Precisávamos estabilizar tudo logo antes que alguém a visse e

Rafaelle ficasse sem opção… Não! Isso não aconteceria.

— Ele confiava em você, fez tudo pela sua família. E você o


matou só para ocupar o seu lugar! — Chorava e tremia ao levantar a

arma. — Levou tudo de mim. O homem que eu amava e minha filha.

— Ela está segura com a Jade — Stefano interferiu, tenso. Foi


pegar sua arma, mas parou. Uma reação instintiva, pois ele nunca a

machucaria.

— Grazi devia estar comigo. Eu vou pegá-la e sumir da vida de


todos vocês, mafiosos desprezíveis. — Firmou mais a arma na mão.
— Mas antes, Rafaelle pagará com a vida…

Dei um passo, porque não podia ficar só olhando ela tentar


matar o meu irmão. Se fosse outra pessoa, já teria levado um tiro.
Mas os dois gostavam dela e sabiam o que Mia significava para

mim. Tanto Rafaelle quanto Stefano juraram protegê-la.

Antes que saísse do meu disfarce, Flame chegou em Mia com


uma mão em seu nariz e a outra na arma. Um tiro soou, pegando o
vidro do carro perto de Rafaelle. Fiquei aliviado quando vi que os
dois estavam bem.

Não demorou muito e ela apagou. Flame a segurou e olhou


para Rafaelle.

— Diga que você foi atacado pelos albaneses, eles estão na

área — avisou a ele, afinal, um tiro soou, e logo estaria cercado de


gente.

— Tome conta dela — pediu Stefano, depois praguejou baixo:


— Merda! Eu não acredito que ela quase o matou.

— Mia é fiel ao nosso irmão — disse Rafaelle, calmo. Sabia


que presenciar aquela cena estava sendo difícil para eles, pois os
dois gostavam dela. — Como Alessandro está?

— Bem. Acabou de acordar, ficou no carro. Mas acho melhor


evitarem a felicidade agora, foquem apenas nesse ataque. Vamos
lidar com as câmeras do local. Nosso servidor cuidará disso.

Os dois pareceram aliviados. Precisávamos acabar com essa


merda para eu ter a minha vida — e minha família — de volta.

— Depois entro em contato com ele — assegurou Rafaelle. —


Está quase acabando.
O alívio tomou conta de mim. Voltei para o carro sem que me

notassem. Mais tarde procuraria saber o que estava acontecendo.

Assim que Flame a colocou no banco de trás, nós partimos.


Ainda vi Rafaelle sendo cercado por jornalistas e vários homens.

— Vamos ter de algemá-la para não fugir? — inquiriu Flame.

Sentado ao seu lado, coloquei sua cabeça no meu colo. Mia


estava magra, como se não se alimentasse há dias. Uma emoção
forte abalou o meu peito. Essa mulher me amava tanto que quase

matou o meu irmão por pensar que ele me tirou dela.

Eu não podia mais deixar que continuasse pensando que


morri. Era hora de dizer a verdade. Nem se alimentando direito ela

estava.

— Nada de algemas. Agora, eu tomarei conta dela. — Alisei


seus cabelos e seu rosto, que eu tanto amava.

Flame nos levou por um caminho diferente do da sede. Saímos

da cidade e rodamos alguns quilômetros.

— Vou deixá-los na cabana, ela é protegida. Enviarei para


você os pontos onde El Diablo botou minas — disse enquanto

entrávamos em uma estrada cercada de árvores. — Vai querer que


as câmeras de dentro da casa sejam desligadas?
Olhei para ele e franzi a testa.

— Vocês têm câmeras no quarto dela? — Não gostei de saber


que alguém espionava seu sono. Mas era para o seu bem, não?

— Nós tivemos que colocar. A cabana não é exatamente

separada por cômodos… Quartos, sala e cozinha ficam todos


juntos, então não tivemos opção. Há um estoque de armas debaixo
do sofá, caso sejam atacados. — Parou o carro diante de uma

choupana velha feita de madeira.

— Para alguém que ganha tanto dinheiro, eu achei que teria


instalações melhores. — Não que eu me importasse, desde que Mia

ficasse segura.

— Esse é justamente o pensamento de todos, aqui é só um


disfarce. — Deu de ombros. — Também temos câmeras nas

árvores. Então, se surgir algo, nós saberemos.

Esperava que não aparecesse nenhum problema. Só queria


estar deitado perto dessa mulher e sentir o seu cheiro.

— Desligue as câmeras de dentro da casa — falei e suspirei.

Não achei que conseguiria carregar Mia, não sem foder de vez as
minhas costelas. — Pode colocá-la na cama?
Flame obedeceu e foi embora para ajudar El Diablo contra os
albaneses.

No começo, pensei que Mia não conseguiria lidar com o meu

mundo, mas ali estava ela, forte, decidida e lutando por aquilo que
desejava. Ela foi feita para mim.

Toquei sua mão: ela ainda usava a aliança que lhe dei; não

tirou mesmo pensando que eu morrera. Agradeci a quem me deu


uma segunda chance para estar de volta aos braços de Mia, a
mulher por quem me apaixonei perdidamente.
Capítulo 25

Mia

Acordei e me deparei com a cabana de El Diablo. Certamente

me encontrou e acabou me dopando de novo. Devia me levantar e

gritar com ele, mas só voltei a fechar os meus olhos, querendo que
essa dor fosse embora.

Prometi ao El Diablo que ficaria ali em Veneza, pois em cinco

dias ele me ajudaria a ir até a minha filha. Por um tempo, segui suas

orientações, mas então ouvi que Rafaelle estaria em Veneza, em


uma galeria de arte.

Não era idiota para não saber o que ele faria lá; não vi nenhum

quadro na sua casa, então como ia fechar negócios? Pesquisei e

soube que o dono do lugar cometeu alguns delitos contra ele, mas

nada foi comprovado. Minha raiva aumentou, porque enquanto ele

gozava de grande saúde, Alessandro estava em uma cova.


Enrolei-me em posição fetal, tentando esquecer. Queria que
ele pagasse, sim, mas será que consegui matá-lo? Lembrava-me de

ouvir um som de tiro antes que a escuridão me tomasse.

Escutei passos, mas não abri meus olhos. Meus dias ali foram

nessa cama. Mesmo sentindo cheiro de café, eu não tinha fome. Se

ao menos minha filha estivesse comigo…

— Eu o matei? Uma parte de mim deseja isso, mas a outra

não… porque, no fundo, eu gostava de Rafaelle e Stefano, mas não

posso perdoá-los pelo que fizeram. — Expirei para controlar a dor.

El Diablo não respondeu, e também não me importei com seu

silêncio.

De repente, o colchão se afundou do meu lado e uma mão foi

para a minha cintura, me fazendo endurecer.

Durante essa semana, minha estadia com El Diablo foi boa, na

medida do possível para um coração quebrado. Em nenhum

momento ele tentou algo ou deu indícios de que estava a fim. E eu

nunca estaria pronta, não para isso. Tudo que me importa era
Alessandro.

Saí dos seus braços depressa, caindo no chão duro. Gemi.


— Droga, El Diablo! O que acha que está fazendo…? — Minha

voz sumiu à medida que me sentei e levantei a cabeça, me


deparando com alguém que nunca imaginei ver de novo.

Pisquei algumas vezes, acreditando ser uma miragem, dessas


que a mente conjura só para aliviar a dor. Mas ele estava ali na

minha frente, sentado na cama.

— Alessandro? — sondei, em choque, esperando que fosse


real.

— Estrela-do-mar, você está bem? — Era mesmo a sua voz.

Não respondi, apenas subi na cama para pular em seus


braços. Abracei-o forte, fazendo-o gemer.

— Oh, meu Deus! Eu não acredito que é você. — Inspirei seu

cheiro, tentando controlar as lágrimas, mas estava difícil. Deveria


sondar o que houve, mas meu cérebro só queria senti-lo perto de
mim.

Suas mãos alisavam minhas costas enquanto eu chorava.

— Lamento — sussurrou. — Não suporto que sofra.

Demorei alguns minutos para estabilizar a minha respiração e

controlar os meus nervos e a minha pulsação.


Eu afastei meu rosto e o fitei com calma dessa vez. Vi que

adquirira algumas cicatrizes. Havia um machucado no ombro


enfaixado e outros ferimentos mais leves. Afastei-me ao perceber

que montava o seu colo e isso o deixava ofegante.

— Está ferido!

Parei para pensar. Fiquei inebriada e feliz por ele estar vivo,

mas tinha muitas perguntas.

— O que houve? — De repente, arregalei os olhos, pensando


ter matado o seu irmão… Como poderia revelar a ele o que Rafaelle

fez? — O seu irmão…

— Rafaelle está bem. Mas quase tive uma síncope quando vi

você apontando uma arma na direção dele e aquela bala soando…


— Sacudiu a cabeça para expulsar aqueles pensamentos.

— O seu irmão mandou…

Seu olhar parecia inalcançável; não queria dizer isso a ele,


afinal, Alessandro amava Rafaelle.

— Ele não mandou me matar, Mia. Há poucas pessoas a quem

confiaria minha vida neste mundo, e meus irmãos fazem parte


desse grupo seleto. Além de Miguel e alguns dos meus homens. —
Suspirou. — Mas Rafaelle e Stefano? Daríamos tudo um pelo outro,
e ele nunca faria o que pensa.

— Ele disse a todos… — Evitava pensar naquele momento e


na dor que senti. — O que aconteceu com você? Onde esteve?

Todo esse tempo eu fiquei pensando que tinha morrido…

— Quase morri — assegurou. — Quem tentou me matar foram


os Rodins, junto com os ratos com que estamos lidando. Escapei
por pouco. Quando estava quase apagando, pulei antes do carro

cair penhasco abaixo. — Tocou meu cabelo. — El Diablo me


encontrou inconsciente. Fiquei quase dez dias em coma ou algo

parecido. Não sei ao certo, porque não falei com o médico.

Estremeci pensando em tudo o que ele passou; quase morreu!

Graças aos céus estava ali.

— Como saiu do hospital sem consultar um médico? — As


suas costas estavam machucadas, e eu notava que ele sentia dor.

— Não era um hospital. Seja como for, ouvi o que planejava e


que fugiu daqui. Tive que ir atrás de você com o Flame, um dos

homens de El Diablo. Por sorte, nós chegamos a tempo… —


Apertou minha mão. — Você e meus irmãos são tudo para mim, não

sei o que faria se algo fatal acontecesse.


— Como sabe que Rafaelle não está junto daqueles bandidos?
Ele planejava sequestrar meninas. E na igreja não vi mentira nos
seus olhos. — Nunca enxergara aquela frieza nele antes.

— Somos treinados para isso, Mia. Frios quando nos convêm.

Se ele fez ou disse algo, foi preciso, fazia parte do plano desde o
início. — Ele me avaliava. — Lembra do plano que mencionei?

— Sim, mas o que isso tem a ver com o seu irmão tomando o

seu lugar de capo e jorrando crueldade por onde passa? — Sentei-


me, analisando-o em retorno.

— Mia, o que vou dizer agora vai magoá-la, mas é preciso. Eu

planejava forjar a minha morte; estava naquela estrada para isso.


Cruzei alguns limites de velocidade, assim meu rosto ficaria gravado

nas câmeras e nos radares, mas fui atacado antes de chegar ao

lugar combinado, e por pouco não morri de verdade. — Não tirava


sua atenção do meu rosto. — Meus irmãos foram saber que eu

estava vivo na igreja. Rafaelle daria um bom líder, conduziu

perfeitamente o plano, mesmo pensando que eu estava morto.

Sacudi a cabeça, tentando assimilar suas palavras. Ele

pretendia me fazer acreditar que estava morto de verdade? Como

era capaz disso? Não só comigo, mas com suas irmãs também…
— Não acredito nisso. — Soltei suas mãos, porém, ele tentou

me segurar de volta.

— Mia…

Não queria seu toque. Precisava pensar. Eu me sentia, na

mesma medida, feliz por ele estar bem e furiosa pelas mentiras.

— Você deixaria eu, Graziela, Luna e Jade pensarmos que


morreu e passarmos por tudo o que passamos nesses dias, e ia

apenas assistir? — Minha voz se elevou. Fiquei em pé, de frente

para ele.

Alessandro não respondeu, mas seu silêncio dizia tudo.

— Não acredito nessa merda. — Soltei uma risada amarga.

Dei as costas para ele, pois não queria lidar com isso ou seria

capaz de voar na sua direção, sem considerar seus machucados.

Como alguém podia fazer algo assim? Era muita crueldade.

Coloquei a mão na cabeça para controlar meus sentimentos,


mas as lágrimas desceram pelo meu rosto e eu me senti uma idiota

por pensar que, no fundo, Alessandro me amava ao menos um

pouco. Quem ama não é capaz disso.

Fiquei tantos meses pensando nele, desejando estar ao seu

lado, sonhando em conseguir tocar em seu coração. Ali, concluí que


isso seria impossível. Ele nunca me amaria.

— Mia, tente entender… — ele me chamou, mas não liguei, só

precisava de um minuto sozinha.

— Entendo, agora entendo. — Virei-me para Alessandro com

os olhos molhados.

Ele estava na varanda segurando seu lado direito, mas

endureceu ao me ver nesse estado. Minha dor estampava todo o

meu rosto.

— Sabia que estava lutando uma luta que nunca venceria, mas

insisti e me deixei levar, pensando que um dia pudesse chegar perto


do seu coração. Hoje, vejo que é impossível. — Respirei fundo e

olhei para a aliança, tencionando tirá-la do dedo.

— Não a tire — pediu com um tom que nunca o escutei


usando antes, quase desesperado. — Você está no meu coração ou

seja lá o que existir aqui.

— Ao pensar que estivesse morto, além de chorar, eu me senti

culpada por não ter dito que o amava naquela manhã que saiu e

não voltou. Sabia que nunca poderia dizer. — Olhei o chão e depois
para ele, paralisado. — Pensei: por que não falei? Se você me

assegurou que andaria no fogo, mataria e morreria por mim. Queria


uma declaração de amor melhor do que essa? Esperava uma frase

que sei que nunca sairá da sua boca. Quem ama não deixa
ninguém passar pelo que eu passei nesses dez dias. Sei que estava

inconsciente e essa farsa se tornou real, mas você pretendia fazer

isso.

— Mia, sou um homem que jamais pensou em encontrar uma

mulher que lhe daria um motivo para viver ou uma filha que

iluminaria seus dias. E minhas irmãs também são tudo para mim,
assim como você e Graziela. Comando uma nação composta por

mais de trezentos mil homens pelo mundo; gente que me respeita e

confia em mim. Eu não posso só pensar em vocês, a minha família.


— Ele ofegava, acho que devido às dores em seu corpo. — Soube

hoje cedo que Bernard, um dos chefes do Havaí, teve sua filha

levada por um dos nossos, pois supôs que poderia confiar neles.

Eles a entregaram aos Rodins e a estupraram antes de matá-la da


pior maneira possível. Até agora não encontraram o corpo. Mas é

isso que aconteceu e poderia acontecer com você, ou com minhas

irmãs e Graziela, se eu não fizesse nada. Eu sou o capo deles e,


diferente do meu pai, protejo o que me pertence.

Arregalei os olhos ao pensar nesse pai e nessa família.

Estremeci com a ideia de algum deles tocando em minha filha. Não


sabia o que concluir. Se ele fosse uma pessoa normal, seu

comportamento significaria que não me amava, mas ele era um

chefe, o capo que tinha que ajudar a todos. Isso não ameniza como

estou me sentindo agora: magoada, traída e enganada.

— Pode ficar com raiva por eu ter planejado algo assim sem

me abrir com você, mas nunca duvide dos meus sentimentos, Mia.
Com toda a maldita certeza, você não só entrou em meu coração

morto, como ele passou a ser seu. — Apontou para o peito e depois

para a cabeça. — Está na minha mente, da mesma maneira. E se

eu achasse possível ter uma alma, esta também seria sua.

Prendi a respiração com suas palavras. Uma parte de mim

entendia seus motivos, mas a outra se sentia diminuída por não


confiar em mim. Antes que dissesse que foi a declaração de amor

mais bonita que recebi, aliás, a única em toda a minha vida, algo

explodiu.

— Mia! — gritou, enquanto eu corria até ele. Alessandro pegou

o meu braço e nos protegemos em casa. Checou-me. — Você está

bem?

Tremia porque estávamos sendo atacados, sozinhos e com

meu noivo ferido.


— Sim, estou. Mas quem será? — Fui olhar a janela.

Alessandro segurou o meu braço e me levou para a cama.

— Fique aqui, eu vou conferir.

Pisquei de forma dúbia.

— Ficou doido? Está ferido, não pode lutar contra eles. —

Encaminhei-me até onde El Diablo guardava as armas, debaixo do


sofá, em um buraco. Eu o vi mexer ali da última vez, mas não sabia

que ele tinha tantas. — Eu não queria ser inimiga desse cara…

— Pelo que ouvi, vocês se deram muito bem — respondeu,


tomando a arma da minha mão. — Eu fico com isso.

Arqueei as sobrancelhas.

— Está com ciúmes? — Sacudi a cabeça. Mesmo irada por ele

me manter no escuro, isso não mudava o amor que sentia por ele.

— No meu corpo, coração e alma só há você. O homem mais


teimoso que tive o prazer de conhecer e por quem me apaixonei

perdidamente, embora, neste momento, nem tanto.

Colocou as mãos nos meus cabelos e puxou o meu rosto para

o seu, como se fosse me beijar. Eu queria isso, a fome estava ali,

assim como a saudade de ser tocada por ele, mas então pensava

no que me fez… não, não poderia. Afastei-me de seu toque.


— Está com raiva. Vê-la chorar me dá vontade de matar o
responsável, em especial quando este sou eu. — Deu um suspiro

duro.

— Não vamos conversar sobre isso agora, e apreciaria se

parasse de falar em morte e você na mesma frase. Já passamos

demais por isso nos últimos dias. Se não estivesse ferido, iria chutar
seu traseiro. — Fui pegar outra arma, não querendo pensar na dor

de ser traída. — Estou magoada pelo que confessou, não é algo

banal que posso esquecer em um piscar de olhos. Preciso de

tempo.

Ele pretendia vir até mim, mas gemeu, segurando o peito.

— Porra! Estar quebrado é um porre, embora prefira isso mil

vezes a você se magoando por minha causa. — Havia raiva em seu


rosto, direcionada a ele mesmo. Pegou a minha arma de novo. —

Você fica escondida perto da cama, porque ninguém tem visão para
ela pelas janelas. Se estiverem nos atacando, o El Diablo deve

aparecer, há câmeras em todos os lugares lá fora. Estamos seguros


por causa das minas.

— Minas? — Olhei na direção da porta, desconhecendo essa


informação. Por isso o barulho diferente de explosão. Logo, outra
mina explodiu, não muito longe de onde ouvimos a primeira um
minuto atrás.

— Sim, El Diablo colocou.

Deixei para tratar de sua mentira depois. Precisávamos

sobreviver a esse ataque.

— Quero ajudar. Você está muito ferido no ombro direito, não


conseguirá atirar, ainda mais de uma distância longa — comentei.

— Mia, eu estou acostumado com a dor, já atirei quando

estava muito pior do que estou agora. Além disso, fiquei furioso por
tentarem me matar. Estou louco para colocar minhas mãos nesses

malditos vermes. — Seu tom era letal e sombrio.

Houve uma nova explosão. Isso me deixava com medo.

— Se eles atacarem e quiserem você… Será que sabem que


sobreviveu? Ou estão atrás de mim?

Ele pegou um telefone e ligou para alguém.

— Quem está atacando? — sibilou para a pessoa do outro


lado da linha. — Bem que ele poderia ter largado algum computador
aqui para checarmos as coisas. Onde encontro uma arma de longa

distância?

Conversou mais alguma coisa e depois desligou.


— Não sabem que estou vivo. A sorte é que temos essas
minas alertando sobre sua presença. Agora vou eliminar uns
albaneses. — Ele foi até uma parede e tirou um quadro grande de

lá. Atrás dele, tinha várias metralhadoras.

— Puta que pariu! Esse homem não brinca em serviço. Aliás, o


que ele faz? — queria ter perguntado antes, para mim ele era algum

tipo de guarda-costas. Mas depois de ver tudo isso?

Em nossa estadia juntos, conforme o combinado, evitei


questionamentos.

— É um assassino de aluguel — respondeu, pegando uma


arma grande. — Ele tem uma agência, pega vários serviços e sabe
o que acontece em todo o lugar.

Pisquei de forma dúbia.

— Assassino de aluguel? — Fui para onde pediu. Ele checava


lá fora pela janela, apoiando a arma nela. — Alessandro… é
perigoso ficar aí, você pode ser atingido.

— El Diablo e sua equipe estão quase chegando. Nenhum


deles vai se aproximar agora que sabem que há minas ao redor. —
Puxou uma cadeira.
— Não acabou de dizer que nenhum deles passará? — Fui até
ele e peguei sua mão. — Deite-se um pouco. Como você mesmo

disse: estamos seguros.

Ele ligou antes para outra pessoa. Depois disso, deitou-se na


cama.

— Não gosto de me sentir impotente aqui — grunhiu.

— Enquanto esperamos eles lidarem com tudo, pode


conversar com Graziela. Faz dias desde a primeira vez que pedi ao
El Diablo que falasse em seu nome. Depois disso, não o fiz de novo

porque era difícil para ele. Acho que Graziela ficaria feliz em ouvir
sua voz — sugeri.

Peguei o telefone, entreguei a Alessandro e me sentei em uma

cadeira, por mais que quisesse ficar ao seu lado. Não conseguiria
lidar agora com o que fez, só desejava que os ataques acabassem
logo e encontrasse minha filha de novo.

— Também gostaria de ouvir a voz dela. Vou esperar esse


barulho de bomba cessar. — De vez em quando, algumas minas
explodiam. Esperava que El Diablo chegasse logo.

— O que acontecerá agora? — perguntei.


Ele apoiou a cabeça no travesseiro, sem forças, e me fitou

com tristeza.

— Odeio essa distância entre nós. — Foi se levantar, então


gemeu baixo e abaixou-se de novo, ofegante.

Corri até ele e me sentei ao seu lado, assim o deixaria mais

calmo.

— Você está bem? — Toquei sua cabeça.

— Não quero que se afaste de mim. — Ele ainda respirava de

forma desigual.

Mesmo ressentida, não podia dificultar sua recuperação. Por


ora, aceitaria a aproximação.

— Entendo os seus motivos para fazer o que fez, mas não

deixa de doer aqui. — Encostei em meu coração. — Eu me sinto


pior do que se descobrisse que me traiu com uma mulher. Você
mentiu, me enganou e me magoou, levará tempo para cicatrizar.

Confiava em você, mas depois disso…

— Ainda pode — sua voz era baixa —, queria que tivesse


havido outro jeito…

— Mas tinha, sou sua noiva. Da mesma forma que confia em


seus irmãos, queria que o fizesse comigo. — Expirei com tristeza,
os olhos úmidos.

— Não chore, não é só questão de confiança, era para sua


proteção. — Ele parecia desesperado. — Quero que saiba que

seguindo o plano em que fingiria estar morto, não conseguiria deixar


você sofrendo e assistir. Vê-la chorar acaba comigo, retorce as
minhas entranhas.

Eu o amava tanto… Agora era para sentir apenas felicidade,

mas com tudo o que houve, meu coração pulsava dolorosamente.

— Só preciso de tempo. Neste momento, estou com raiva, me


sentindo traída. — Mudei de assunto para um rumo menos doloroso.

— O que acontecerá agora?

Senti-o se encolhendo, mas assentiu.

— Darei seu tempo, mas não vou desistir de você nunca. —

Era uma promessa. Depois, respondeu à minha pergunta: — Haverá


uma reunião dos ratos malditos daqui a uma semana, e será onde
tudo acabará. O bom é que já temos os nomes de todos que

ousaram ir contra mim. — Fervia de raiva.

— Quer dizer que vamos parar de fugir, e eu terei minha filha


de volta… — Sentia muita saudade dela.

Tiros soaram lá fora, me assustando.


— São eles atacando os albaneses — explicou, vendo a minha
preocupação. — Estou com saudades da minha princesa. Agradeço

que não tenha contado a ela sobre o que houve.

Suspirei.

— Seu plano antes disso tudo era me separar da minha filha?


— perguntei.

— Não. Vocês iam ficar juntas, mas as coisas se complicaram.


El Diablo, para tentar me salvar, deixou Skender escapar, então o
plano tomou uma direção alternativa.

— Era sua ideia me dar para Skender? — Arfei.

— Lembra que tínhamos o pen drive que me deu? Usamos


isso, como se El Diablo fizesse essas ameaças, então Skender o
obedeceria, e não a tocaria. Era função dele protegê-la. Não ia

acontecer nada com você, mas após Rafaelle dizer aquelas coisas,
você queria atacá-lo… — Sacudiu a cabeça. — Isso sem contar os
ataques dos albaneses em Milão. Meu irmão não teve opção a não

ser deixar Graziela com Jade.

— Jade sabe? — Apostava que sim, mas em vez de


experienciar alívio, me senti mais enganada e excluída.
— Ela está grávida, não queria que o plano acarretasse
complicações — murmurou. — Ao menos o que você disse ao meu

irmão ajudou muito a fazer meus homens desleais acreditarem nele.

Eu me encolhi pensando na raiva que senti de Rafaelle por


pensar que matara o irmão, sem saber que tudo havia sido

planejado. Jamais imaginei que fossem tramar uma morte falsa,


muito menos que tivessem coragem de me manter afastada disso.

— Merda! Eu quase o matei. — Estremeci com a lembrança.

— Acho que ele nunca mais vai querer falar comigo.

— Você não o atingiu. Além disso, eu conheço o meu irmão,


ele entende que estava sofrendo — disse. — Nós escondemos a

verdade de você.

— Senti raiva por ele se intitular capo após matar você… Ou


pensar que matou. De qualquer forma, agradeço a Deus por estar

vivo e aqui comigo. — Pisquei ao me lembrar de uma coisa. — Os


homens que ficaram contra seu irmão na igreja, recordo que ele os
mandou para a execução. O que houve com eles?

— Rafaelle deve ter mantido todos escondidos. Foi bom saber

que temos homens leais. — Olhou para o telefone. — Acho que os


tiros cessaram, chegou a hora de falar com a nossa filha.
Meu coração se aqueceu ao ouvir seu carinho por Graziela.

Ainda estava chateada por ter escondido a verdade de mim, mas


entendia quem ele era e o que devia fazer pelo seu povo. Quando
aceitei Alessandro, sabia que precisaria aceitar sua carga junto. Não

era fácil. Estava bem magoada, torcia para que passasse logo. Eu o
amava e enxergava em seus olhos que era recíproco.

— Graziela, minha princesa? — começou, ao que ela gritou de

felicidade. — Estou melhor agora, só queria escutar sua voz.

Ele falou com nossa menina animada. Agradeci aos céus por
me darem mais uma chance ao lado de Alessandro, por o trazerem

de volta para mim, inteiro e vivo, mesmo que nesse momento meu
coração estivesse aflito por ser enganada.
Capítulo 26

Alessandro

Após sermos atacados pelos albaneses na semana passada,

fomos para uma casa em Verona. Não podia ir para nenhuma das

minhas, já que ainda precisava continuar me fingindo de morto até


essa noite, quando aconteceria a nossa emboscada.

Estávamos sozinhos ali, claro que fortemente vigiados do lado

de fora. Da parte de dentro, eu tomava conta.

As dores que eu sentia estavam fracas; a minha recuperação

progredira muito bem. Tive de consultar um médico ou Mia nunca

mais falaria comigo.

Na semana que passou queria tocá-la a todos os instantes,

não havia nada que almejasse mais. O problema é que Mia falava

comigo e até tomava conta dos meus ferimentos, mas assim que eu
me aproximava ela se distanciava. Via dor nos olhos dela por saber
que não a incluí no que pretendia fazer.

Pretendia forjar a minha morte e assistir à sua reação. Mas

após saber como ficou, não teria conseguido, na mesma hora

voltaria, isso se não tivesse quase sido morto de verdade e ficado

em coma.

Sentindo sua distância e mágoa nessa semana, preferia mil

vezes passar pela dor de ter todos os meus ossos quebrados a isso.

Meu coração queimava diante de seu sofrimento.

Acordei e olhei para a cama vazia, era assim desde que

chegamos, Mia dormia no quarto ao lado, disse que preferia. Isso

me matava, a sua tristeza acabava comigo. Dei o tempo de que


necessitava, mas precisava saber se ela me perdoaria.

Levantei-me, indo procurá-la, e a encontrei na cama dormindo,

tão serena e tranquila. Contudo, seu rosto inchado denunciava que

havia chorado de novo. Vê-la assim me matava por dentro. Nunca

seria capaz de magoá-la mais uma vez ou esconder algo sério dela.

— Lamento tanto, Estrela-do-mar. Vê-la nesse estado está me

destruindo, só queria que soubesse que, se estivesse lúcido no

velório, não deixaria que sofresse tanto. No começo, achei que


conseguiria ficar longe, afinal, era para o bem de todos, mas após

saber da sua dor, e da de Luna, isso me mortificou. — Expirei,


fechando os olhos. — Fomos criados assim, para pensar em

estratégias de modo a derrubar nossos inimigos. Essa era uma que


não envolvia somente nós, algumas pessoas sairiam feridas. Achei
que saberia lidar, mas não pude.

Toquei seus cabelos loiros, descobrindo-a acordada. Não abriu

os olhos, como se não quisesse me olhar. Mais uma facada em meu


coração.

— Sinto falta do seu sorriso, do seu cheiro, tudo que era


dirigido a mim antes dessa merda acontecer. Prometi que daria o

seu tempo, e dei, mas preciso saber se irá me perdoar. Se pudesse


voltar atrás, faria diferente. Magoar você é pior que a morte. —

Respirar doía, e não tinha nada a ver com as minhas costelas


recém-curadas. — Só espero que me perdoe porque, sinceramente,

não sei viver sem você.

Seus olhos lindos se abriram, mas estavam molhados, isso me

cortou fundo. Esse medo dela me dizer que estava tudo acabado…
E, no fundo, se ela escolhesse isso, eu a deixaria ir? Não conseguia

nem cogitar essa ideia.


— Se você quiser, posso me ajoelhar e pedir seu perdão. —

Caí de joelhos à sua frente, não me importando de estar vulnerável.


Não era uma pessoa qualquer, era a mulher pela qual estava

completamente apaixonado, a única que me fez tombar de joelhos


em todos os sentidos da minha vida.

— Alessandro… — Sentou na cama e pegou meu braço,


conduzindo-me para o seu lado. — Não precisa fazer isso, acredito

em você com todo o meu coração e a minha alma.

— Me mata vê-la chorar. — Limpei seu rosto úmido.

— Estava magoada, sim, mas não conseguiria ficar longe de


você. Eu o amo demais — declarou. — Só quero que me prometa
que nunca mais fará nada desse tipo. Não preciso saber de todas as

suas ações, entendo seu lado mafioso, mas algo dessa magnitude
sempre precisará compartilhar comigo. Do contrário, quebrará

minha confiança, e pode acabar até perdendo o meu amor.

Puxei-a para os meus braços, sentindo o cheiro inebriante de


que tanto senti falta. Como alguém pode estar tão perto, como ela
ao longo da semana, mas, ao mesmo tempo, tão longe quanto o

Sol?
— Com cada respiração que solto e cada pulsação de meu
coração, prometo que jamais a farei sofrer dessa forma. Juro pelo
que mais amo neste mundo, por você e Graziela, que não repetirei

nada dessa dimensão sem combinarmos antes. — Beijei seu rosto


salgado pelas lágrimas. Cumprirei esta promessa, custe o que

custar.

— Acredito em você — falou baixo, mas feliz, e me beijou de

volta.

— Obrigado, linda. — Joguei-a na cama, pairando em cima


dela.

Mia riu baixinho.

— Não achei que fosse homem de pedir perdão e dizer


obrigado. — Sua mão foi para o meu coração.

— Apenas você sabe dessa minha fraqueza, espero que

continue aqui. — Mordisquei seus lábios.

— Seu segredo está seguro comigo.

— Como senti falta disso — afirmei, contente. — Seu sorriso é

lindo.

Empurrou-me com leveza para sair de cima dela.

— Deite de costas e feche os olhos — pediu.


Surpreendi-me, mas acatei. Faria qualquer coisa por essa
mulher.

Senti suas mãos puxando meu short para baixo, logo depois,
algo quente em mim, me fazendo flutuar.

Abri os olhos e me deparei com uma visão de que nunca me

cansaria, uma das melhores que já presenciei. Mia estava com a


boca em volta do meu pau, sugando forte, mas o que aumentou o

meu tesão foi vê-la nua.

Essa era a primeira mulher com quem eu fazia questão de

preliminares; sempre foi somente sexo duro e pronto. Nesses meses

com Mia, só o oral já valia a pena. Mas claro, estava ansioso para
adentrá-la e tê-la todinha para mim.

Gemi, não querendo fechar os olhos, pois amava enxergar sua


pele corada. No entanto, assim que enrolou a língua na ponta do

meu pau, o desejo foi mais forte e explodi em sua boca. Não havia

sensação mais maravilhosa do que essa. Gozei chamando o seu

nome.

Tomei-a em meus braços, beijando seus lábios que eu

adorava. Aliás, tudo nessa mulher me fascinava.


Ela riu, se derretendo para mim, então aprofundamos mais o

beijo. Não demoraria para eu estar pronto de novo, mas freei a


ação.

Mia se afastou com uma careta.

— Por que você sempre faz isso? — sondou, montando meu

quadril.

Franzi a testa, sem entender o que queria dizer.

— Sempre que estamos em um clima bom, você para, como


se não quisesse continuar. Notei isso algum tempo antes dessa

loucura acontecer. — Suas mãos estavam em meu peito nu.

Tentei entender a sua frustração, usando toda a minha


concentração para desviar o olhar de seus seios — a visão mais

perfeita que tive. Coloquei minhas mãos em sua cintura e a rodopiei,

depositando-a na cama enquanto pairava em cima dela. Ignorei


algumas ferroadas nas costas. Ainda demoraria semanas para me

recuperar por completo.

— Estrela-do-mar, eu anseio que as coisas entre nós avancem


para outro nível, só não quero seguir por um caminho para o qual

não esteja pronta. — Beijei seus seios e coloquei um na boca,

fazendo-a gemer.
Comecei a chupá-los com força, deixando-a enlouquecida,

mas em vez de ter a reação que eu desejava, ela parecia frustrada.

— Mia, se deseja algo, então me diga que eu farei. —


Esquadrinhei meus dedos em sua pele macia, que se arrepiou.

— Alessandro, estou pronta desde que soube que me amava e


que vamos nos casar. Mas então houve tudo aquilo… Agora, quero

pertencer a você de corpo e alma.

Sorri, mas isso a deixou mais frustrada.

— Você tem certeza? Passou tantos anos sonhando em se

casar antes de dar esse passo… Não quero que se sinta obrigada a
fazer algo assim no calor do momento. — Beijei sua bochecha. —

Fica mais linda quando está com raiva.

Rosnou, séria.

— Sim, pensava em me casar com um homem antes de

pertencer a ele dessa forma. Mas após achar que perdi você… —
Tocou meu coração, que batia por essa mulher. — Notei que estava

sendo boba, porque mesmo que não estejamos casados agora,

vamos estar em breve, não é? E sei que pertencemos um ao outro.


Não houve antes e não haverá mais ninguém depois de você.
A possessividade tomou conta de mim, não quis pensar em um

homem qualquer tocando a minha deusa.

— Sim, não haverá. Você é só minha, Mia. — Olhei cada

centímetro de seu corpo. — Todo meu!

Sorriu e me beijou.

— E você é meu — afirmou, ficando séria. — Sei que nunca


conversamos sobre isso, mas se um dia me trair, realmente farei

uso daquela faca; acho que posso pegar uma cega e cortar o seu

brinquedo fora.

Gargalhei, sacudindo a cabeça. Como essa mulher podia tocar

cada vez em uma parte nova do meu coração? Até parece que eu

iria querer outra; só ela fazia parte de mim.

— Depois de você, não houve e nunca haverá ninguém. É a

única que importa nesse sentido, Estrela-do-mar. — Beijei seus


lábios, e uma de minhas mãos foi parar entre suas pernas. Sim, ela

estava molhada para mim.

Suguei novamente um dos seios, sentindo o prazer que eu


amava lhe garantir. A cada suspiro e gemido, eu perdia o controle,

ou quase. Deixei um e fui para o outro, esfregando o seu clitóris.


— Vou começar abrindo caminho com um dedo e depois dois,

tudo bem? — Olhei para ela, que assentiu. Não acho que

conseguiria falar.

Gostava da confiança que depositava em mim na cama. Sim,

menti para ela, mas jamais repetiria isso. Restauraria por completo

sua fé em todas as áreas. Essa linda mulher foi feita justamente


para mim; tudo nela me atraía. Ela me mantinha com uma felicidade

que nunca imaginei sentir na vida.

Penetrei um dedo, fazendo-a estremecer. Circulei seu nervo


rosado e saboroso, e logo ela clamava por mais. Coloquei o

segundo dedo.

— Tão apertada. Eu sinto suas paredes em meus dedos, não

vejo a hora de ser o meu pau nessa boceta gostosa.

Seus olhos se fecharam devido ao prazer. Nunca vi nada mais


lindo.

Assim que sua boca se abriu para gozar, eu retirei meus


dedos. Ela protestou, mas me posicionei entre suas pernas.

— Quero ver seus olhos enquanto entro em você — falei com

a voz baixa e grossa.


Mia os abriu e corou ao me sentir em sua entrada. Nunca

ficara com uma garota virgem, mas porra! Eu adorava isso, pelo
menos com a Mia. Era delicioso saber que ninguém além de mim

tocou em nenhuma parte desse corpo fabuloso.

Eu queria ir de uma vez, mas pausava a cada centímetro,


atentando-me à dor em seu belo rosto. Parei na metade do

caminho.

— Porra! Eu queria que houvesse uma forma de não machucá-

la. — Gostava de infligir dor a certas pessoas, mas nunca a ela,

ainda mais em um momento assim.

Sorriu e respirou fundo, segurando meus ombros.

— Só se eu não fosse virgem — respondeu e riu quando


rosnei. Beijou meus lábios. — Pode continuar, meu lindo noivo

ciumento.

Não gostava de a imaginar com outro homem. Se ao conhecê-


la Mia não fosse virgem, tudo bem, eu aceitaria. Mas agradecia por

ser, pois só eu teria o prazer de possuí-la.

— Você é só minha — declarei, beijando-a. Voltei a empurrar

devagar, mas suas pernas enlaçaram minha cintura, me fazendo ir

de uma vez. Ela ficou sem fôlego. — Mia…


— Só preciso de um segundo — pediu, ofegante, respirando
irregular.

Paralisei, contrariado com sua expressão de dor; quanto a


isso, não podia fazer nada, apenas tornar o sexo memorável tão

logo se acostumasse.

Levei meu dedo entre nós e toquei seu clitóris, beijando-a. Em

cada toque, eu a senti relaxando. Excitava-se, tanto que senti suas

unhas em minhas costas.

— Pode se mover — pediu e gemeu, se mexendo debaixo de

mim.

— Tem certeza? — perguntei.

— Sim. — Seus olhos azuis-esverdeados me embebedaram

por um segundo. — Você é perfeito.

— Não dá para discutir perfeição quando estou diante de você.


— Comecei a me movimentar de leve, checando se havia algum

traço de dor, mas não vi nada. Então acelerei, fazendo com que ela
me apertasse mais. — Merda! Suas paredes estão espremendo o
meu pau.

Girei o quadril, entrando mais, e isso a fez gritar de prazer.


Esse som era um que, certamente, eu não conseguiria ficar sem
ouvir.

— Isso, faça de novo — sussurrou, arqueando o corpo como


se quisesse fundi-lo ao meu.

Eu compartilhava dessa sensação. Fiz um movimento que a

deixou nas nuvens; ela não demoraria a gozar. Voltei a acelerar —


não tanto quanto gostava, afinal, não queria machucá-la. As
intrusões, tirando e estocando, nos levavam ao limite. Senti que não

duraria muito, não com tudo aquilo.

Quando transava, não passava disso, até achava que nunca


sentiria nada além, mas ali estava o calor no meu peito, e soube que

não conseguiria mais ficar longe dessa mulher. Ela me iluminava


como o Sol e era tão forte e valente como uma onda do mar.

— Goze para mim, Mia. Quero senti-la molhar meu pau —

rosnei.

Seus olhos se fecharam e sua boca se abriu em um som


adorável. Se tivesse uma câmera, reveria esse instante para

sempre. Mas teríamos mais deles, enquanto eu respirasse nesse


mundo.

Senti o meu orgasmo chegando junto ao dela e gozei com uma


última estocada. Foi enervante soltar meu esperma em sua boceta
tão perfeita.

Sorriu, mole debaixo de mim.

— Sabia que seria excelente, mas não imaginei que fosse

tanto assim. — Tocou meu rosto. — Obrigada.

Beijei sua testa, extasiado.

— Está me agradecendo pelo sexo? Acredite, eu também


sonhava com isso. — Saí dela, fazendo-a estremecer. — Ficou

muito dolorida? Tentei pegar leve.

Corou e olhou entre suas pernas, onde havia uma trilha


pequena de sangue.

— É normal na primeira vez. E eu não estava agradecendo


pelo sexo, mas por você ter sido tão carinhoso e delicado comigo.
— Ficou de pé. — Acho que preciso de um banho.

— Delicado, hein? Espero que não diga isso por aí, ou terei de

provar algo mais a meus homens. — Levantei também, pegando-a


pela cintura e a levando a gritar. — Vamos tomar um banho juntos.

Entramos no banheiro, e eu a ajudei a se ensaboar e lavar

entre suas pernas. Comecei a beijá-la de novo, pois não havia tido o
suficiente.
Uma batida na porta do quarto me trouxe ao presente. Até
esqueci que meus irmãos viriam para fecharmos a armadilha dessa

noite. O plano estava pronto, só preencheríamos as lacunas.

Ela pulou e se afastou, olhando para a porta do banheiro como


se alguém fosse entrar ali a qualquer momento.

— São meus irmãos e o El Diablo. Preciso conversar com eles.


Por que não se troca? — Beijei seus lábios de leve. — Queria
passar mais tempo com você.

Ela assentiu.

— Eu sei, mas precisa terminar isso logo. Estou louca pela


minha vida de volta — murmurou.

— E a terá. Uma sem os albaneses a procurando. Nós vamos

pegar todos — jurei.

— Confio em você. — De repente, ela pareceu preocupada. —


Acha que seu irmão vai me aceitar agora?

Franzi a testa.

— Aceitar? — Então a compreensão encheu o meu rosto. —


Não ligue, Rafaelle não é de guardar rancor. Além disso, ele e eu
escondemos a verdade de você.
Deixei-a tomando banho e vesti uma muda de roupa. Em

seguida, desci. Ao chegar à sala, vi Rafaelle e Stefano. Flame e El


Diablo estavam lá fora, podia enxergá-los através dos vidros.

— Achei que não fosse sair do quarto. Pelos gritos, estavam

indo bem. — Sorriu Stefano e veio me abraçar, me pegando de


surpresa. Ele não era disso, exceto com nossas irmãs. — Espero
que não faça essa merda de novo.

Sabia do que ele estava falando, sobre eu quase ter morrido.

— Dificilmente, já que irei me casar com ela — resolvi brincar e


apertei o seu ombro, querendo dizer que faria tudo que pudesse
para não preocupá-los novamente.

Ele riu e se afastou.

— Essa menina tem garras. Vimos pelo modo que defendeu


você. — Parecia impressionado. — Fora a parte de quase ter

matado o Rafaelle.

Meu irmão do meio estava de pé, a expressão vazia. Eu sabia


lê-lo, percebi o que queria dizer, entretanto, não era necessário.

— Ela se culpa por quase tê-lo matado, estava furiosa. Acho

que deve evitá-la. — Um sorriso se formou em meu rosto.

Rafaelle riu também.


— Foi a primeira mulher a querer acabar comigo. — Seus
olhos foram para trás de mim. Não precisava os seguir para saber
que era Mia; meu corpo a sentia.

Virei e a vi parada perto da escada, em um misto de raiva e


medo, certamente pensando que realmente poderia ter matado
Rafaelle.

— Mia… — começou ele, mas a mulher o cortou, se lançando

na sua direção antes que meu irmão pudesse reagir. Socou o seu
peito, fazendo-o se encolher. Eu confiava que ele não a tocaria.

— Você é um idiota — rosnou, mordendo o lábio para evitar

chorar. Afastou-se dele e fuzilou nós três. — Todos vocês são.

— Ei, cunhada…

— Você é outro que merece ser esmurrado, garoto! E isso

acontecerá se voltarem a fazer algo parecido — anunciou, indo para


a cozinha. Parou e olhou para Rafaelle. — As coisas poderiam não
ter volta, agradeço a quem me impediu de matá-lo. E lamento por

isso, apesar de a culpa ser de vocês três.

Stefano piscou, assim que ela entrou na copa.

— Merda! Ela está com bastante raiva — murmurou, olhando


para onde Mia desapareceu.
Rafaelle alisava o lugar em que minha noiva bateu.

— Realmente furiosa — concordou Rafaelle, me olhando. — O


que recebeu na hora em que revelou?

— Nada. Mas acredito que seja por estar ferido, isso amenizou
sua fúria. — Não desejava pensar na dor que sentiu e na distância
obtida como resposta durante a semana. Não a deixaria fora de algo

importante de novo. Virei para El Diabo e Flame, que conversavam


na varanda, depois aos dois ali, retomando o plano. — O que tem
acontecido?

— É o seguinte… — Rafaelle iniciou, indo direto aos negócios.

Chegara o momento de eliminar a escória que ousou me trair e


reocupar o meu posto de capo.
Capítulo 27

Alessandro

Olhei para o imenso ginásio na ilha de Torcello, onde reunia

todos os salafrários que conspiraram contra mim e ousaram tentar

me matar. Chavez e seus capachos, os albaneses e os traidores


dos meus homens. Quando eu soube a quantidade, me fez querer

esmagá-los logo.

Quinhentos. Cinquenta ali, e os outros com Viper, Rabel e

Luigi. Os chefes de cada cidade cuidavam dos seus próprios ratos.

O mentor de tudo era o responsável por Nova York, Renan.

Sendo chefe, levou muitos a se colocarem contra mim. Ele estava

feliz com o meu irmão no poder, pois pensava que Rafaelle

compactuava com suas atrocidades.

Cercamos a ilha, então ninguém entraria ou sairia dela.


Tomamos posse dos helicópteros e barcos dos presentes; sua única
chance seria nos enfrentar. Luca e Matteo, assim como seu pessoal,
ficaram com o Norte. Nikolai, com o Sul. Alexei, com o Leste.

Rafaelle, Stefano, eu e meus homens leais, com o Oeste, onde seria

o leilão de mulheres. O problema era que não teria nenhuma.

Porém, antes de eles se darem conta, já os teríamos acertado.

— Estamos prestes a atacar. Não podemos fazer isso sem que

estejam no lugar marcado — disse Luca.

Nos falávamos através de uma escuta.

— Entrando agora. Avisaremos ao chegar — disse.

El Diablo e seus homens foram atrás dos albaneses. Teria uma

grande dívida com ele, mas valeria à pena. Não queria nenhum
perigo ameaçando Mia e Graziela. Assim que isso tudo acabasse,

eu me casaria com ela e as manteria seguras do meu mundo.

Olhei para cada um ali enquanto íamos para a frente, onde

havia os guarda-costas. Tentaríamos entrar no lugar em silêncio.

Era para estar mais protegido, mas infiltramos alguns dos nossos

para garantir uma segurança mais leve, ou seja, não seríamos


notados.

— Todo mundo sabe o que fazer. — Aproximei-me de um cara

que empunhava uma arma. Atirei nele com o silenciador ativado.


Demorou dez minutos para chegarmos à frente, e fizemos isto

sem sermos vistos. Conforme o esperado, a porta estava aberta. O


encarregado pela passagem era nosso aliado.

Ele acenou e nos deixou entrar.

— Para a sua informação, nós temos garotas de verdade aqui.


A carga acabou de chegar — disse.

Trinquei os dentes e olhei para Rafaelle.

— Foi preciso — disse com um olhar significativo, como se me

pedisse para confiar nele. Ao menos não deveria haver nenhuma


criança inocente, e sim prostitutas que receberiam uma boa quantia
em dinheiro. Entretanto, isso não anulava o fato de que mulher

nenhuma merecia passar por isso.

Prosseguimos até uma área na parte de cima da


arquibancada, onde tinha uma cabine, por sorte de vidro fumê. A
única assim. Os outros bastardos tarados preferiam a primeira fileira

diante de um palco montado; lá ficariam mais perto das garotas.

— Entramos. Agora podem atacar. O local está trancado,


ninguém sairá. Se por acaso algum conseguir, atirem antes e

perguntem depois — ordenei pela escuta a quem nos daria


cobertura.
Chequei o lugar, sinalizando para meus homens infiltrados

entrarem em ação.

— Quantas garotas há aqui? — sondei.

— Não muitas, apenas o suficiente para enganá-los. Mas


nosso pessoal está com elas — respondeu Rafaelle.

Observei Chavez, Renan e outro cara, o braço direito de


Skender, chamado Kaian.

— Esses três são meus, assim como os ratos. Com o restante,

façam o que quiserem. — Mandei: — Ataquem!

Ao iniciar, Rafaelle e Stefano foram para ajudar, mas eu fiquei

ali, não por medo, mas para observar de perto o que eles fariam.

Demorou meia hora para que o atentado fosse contido,


restando alguns dos traidores vivos.

Eu usava um capuz para cobrir o meu rosto. Me mostraria


apenas na hora certa.

— Você é um traíra miserável — rosnou Renan para Rafaelle.

Tanto ele como Skender e Kaian estavam inutilizados, de

joelhos no palco.
— Está falando de traidores? Você é o maior deles! Fez muitos
dos nossos nos atacarem e ainda me acusa? — falou meu irmão de
modo frio.

Chavez riu.

— Você é o pior de todos. Mandou matar o capo, apesar de

termos chegado antes…

— Será mesmo? — Entrei no lugar, checando cada uns dos

malditos e os vendo ficarem brancos, assim como Renan. Chavez e


Kaian nem tanto. — Estou aqui e farei vocês pagarem.

— C-como… — gaguejou Renan.

— Sorte? Não interessa. Estou aqui e para torturá-los de forma


bem lenta. — Olhei para Rafaelle e Stefano. — Cuidem dos demais

ratos, me deixem com esses três aqui.

Peguei minha faca e fui em direção a Renan primeiro.

— Confiei em você, e resolveu me trair por não concordar


comigo? — Chutei seu peito, ao que tombou.

— Suas regras absurdas… — cuspiu. — Era tudo melhor


antes de você assumir.

— Vamos ver se continua pensando assim quando eu acabar

com a sua raça. — Enfiei a faca em seu peito, fazendo-o rugir de


dor. — Espero que grite muito esta noite.

— Você é fraco, Alessandro. Eu soube da puta que levou para

sua casa; contratei pessoas para tirarem fotos do seu irmão e da


vagabunda para checar a sua reação a elas. Eu queria provar a

todos que você não merecia o título de capo, pois está sujeito a
quebrar as próprias regras. Como pode aceitar uma mulher que não

é do nosso círculo social? — Sorriu. — Levei muitos a traírem você


com isso.

O sangue ferveu ao ouvi-lo xingando a Mia. Ninguém falava

dela e continuava respirando, mas me controlei. Ele não merecia

uma morte rápida; com Renan, demoraria horas.

— Vou mostrar a todos os desgraçados que ousaram ficar

contra mim do que sou capaz — rugi. — Terei o maior prazer de

deixar claro o que acontecerá com quem tenta. O que houve com
Gael será fichinha perto do que farei com você.

Ele ficou branco e se esforçou para se levantar, mas não

permiti.

— Oh, não fique com medo. Brincaremos muito ainda. —

Acenei para um dos meus homens. — Acorrente-o com as mãos


para cima. Já vou cuidar dele.
Renan começou a me xingar, certamente querendo que eu o

matasse logo, mas eu não daria esse prazer a ele.

— Vou estripar aquela sua mulher e filha; rasgarei cada um

dos buracos delas…

— Oh, eu vou massacrá-lo, mas de forma bem dolorosa. No

final, desejará morrer. — Isso era uma promessa.

— Me solte! O meu povo se erguerá a meu favor. Não tenho

nada a ver com suas brigas — rosnou Chavez com desdém.

Virei para ele.

— Na verdade, não aparecerá ninguém, porque neste

momento seus territórios estão sendo invadidos, alguns pelo FBI,


outros pelos meus aliados. Sua organização já era. — Peguei minha

arma e atirei entre os olhos de Kaian. Não precisava dele ali, minha

fúria estava direcionada aos outros dois.

Chavez e Renan se aquietaram, só me observando. Renan

tinha sido preso como ordenei, em correntes num ferro em cima do

palco.

— O quê? Não são fortes? Cadê a vontade para lutar? Achei

que eram mais mortais. — Fui até Renan e tirei minha faca dele. Em
seguida, enfiei-a na barriga de Chavez.
Podia ouvir gritos ao meu redor. Luca, Nikolai e Alexei

apareceram para ajudar.

— Eu quero que os ratos tenham uma morte pior do que a de


Gael — ordenei alto para todos. — No resto, atirem e mandem para

o Inferno. Vamos, porque temos a noite toda.

O Sol nascia quando terminamos de eliminá-los. Deixamos

Renan e Chavez para o final.

Ao meu lado, meus homens me assistiam desmembrar Renan.


Com ele, a tortura foi mais cheia de fúria; pagou comigo cortando

sua língua por ter falado da Mia e feito o meu povo me trair.

Também comeu o próprio pau por dizer que tocaria em minhas


garotas.

— Ninguém fala mal das minhas irmãs, mulher e filha e


continua inteiro — rosnei alto para meus homens naquele lugar.

Rafaelle gravava tudo e exibia ao vivo a quem não estava ali,

de maneira a mostrar do que eu era capaz.

— Alguém aqui não está de acordo comigo como capo? Se for

o caso, fale agora e lhe garantirei uma morte com benevolência. Um


tiro de misericórdia. — Virei para a câmera. — Assim fará o chefe de
vocês onde estão. Decidam, porque se eu souber que apunhalaram

minhas costas, isto será fichinha perto do que farei com vocês.

Gesticulei para Stefano, e ele jogou álcool em cima de Renan

e Chavez, ainda vivos, embora quebrados e ensanguentados.

Acendi o isqueiro e atirei longe.

— Esses gritos serão os de todos que ousarem ir contra mim.


Agora decidam.

— Estaremos do seu lado, chefe — meus homens


responderam em coro.

Olhei para a tela de um notebook carregado por um dos meus

caras, onde via a reação dos líderes de outras localidades à


transmissão online.

— Estou contente por estar vivo e bem — disse Bial, o chefe


de Chicago. — Nenhum desistente aqui, todos aceitam você.

Sempre o aceitamos.

E assim concordaram unanimemente o restante.

— Rafaelle, marque uma reunião com os chefes de cada

cidade dentro de cinco dias — falei. — Vamos apurar todos os


estragos e ditar as novas regras a serem seguidas. — Virei para

meu irmão.
— Sim, capo, eu farei isso. — Cortou a transmissão.

— Agora repitam o mesmo com os miseráveis traidores que

continuam vivos, se é que sobrou algum. — Apontei para as cinzas


de Renan e Chavez.

— Acredito que você deixou o seu ponto claro — apontou


Nikolai.

Torcia para que sim. O bom era que eu ainda tinha muitos que

confiavam em mim. Que acreditavam que eu poderia ser o chefe de


que precisavam, seu capo.

— Assim espero. Ou terei de fazer pior. — Peguei um pano


que um dos meus homens me entregou e limpei minhas mãos. Em

seguida, joguei em cima do que restou das chamas.

Alexei riu.

— Estávamos loucos por alguma ação nesses dois anos

afastados dos Rodins. Ainda bem que pegamos todos. Agora só


preciso de uma era de paz, sem tantos desmembramentos. —

Olhou ao redor.

Tinha perdido inúmeros homens essa noite, que entraram


nessa luta confiando em mim. Eles seriam reconhecidos e, suas

famílias, amparadas.
— Eu também — disse Stefano, todo vermelho de um sangue

que não era seu. — E acho que preciso foder agora. — Virou-se
para mim. — Ainda necessita da minha ajuda?

Sacudi a cabeça.

— Não, isso o pessoal da limpeza resolve. — Também queria

ir embora para encontrar Mia. — Chegou a hora de retornar à minha

casa e ter o que é meu de volta.

Fui para o nosso helicóptero. Luca estava do meu lado, como

Rafaelle e Stefano. Os outros iriam depois.

— Como estão a Jade e o bebê? Contou a ela logo que

soube? — sondei ao meu cunhado.

— Sim, ao descobrir que sobreviveu. Eu não deixaria que ela

ficasse pior, faria mal aos dois.

Suspirei. Havia chegado a hora de enfrentar as coisas; as


consequências por pensarem que eu estava morto. Conversaria

com elas no dia seguinte. Foi difícil conquistar a confiança de Mia,

ficou muitos dias sem se aproximar de mim. Com Luna, acreditava


que não seria diferente. Esperava nunca mais precisar fazer algo

parecido.
— Samuel e Miguel as trouxeram, devem aparecer na parte da
manhã. — Olhou para o céu; estava perto de raiar o dia.

Sentia-me louco para ver as duas e Graziela. Durante essa


semana, eu falei com ela todos os dias. A preocupação da minha

princesa comigo era comovente, dizendo que queria estar ao meu

lado e de sua mãe, e não longe. Agradeci mentalmente a El Diablo


por ter tranquilizado o seu coraçãozinho enquanto eu estive

apagado.

— Vou falar com elas assim que chegar.

— Miguel contou à Luna — disse Rafaelle, encolhido. —

Parece que ela não quer conversar com nenhum de nós.

— Precisarei enfrentar outros obstáculos ao voltar. — Essa

batalha não seria vencida com lutas, mas por meio do diálogo.
Esperava que ela aceitasse o sacrifício que tive de fazer para o bem

de todos.

— Tomara que não fique com raiva por muito tempo —


resmungou. — Queria ao menos ter demorado com os traidores;

elas sofreram por culpa deles.

Ele tinha razão. Também desejei torturar devagar um por um.


Todavia, pensaria apenas que, finalmente, minha família estava
segura.

Luna teria de entender. Ficaria brava por alguns dias, mas


compreenderia que foi para a segurança de todos, não só delas,
como das famílias dos meus homens leais.
Capítulo 28

Mia

Acordei ouvindo vozes alteradas não muito longe; pisquei e me

sentei. Fiquei até tarde esperando Alessandro, mas como ele não

veio, eu acabei por pegar no sono de roupa e tudo.

Fui ver o que estava acontecendo. Pensei que alguém

houvesse se machucado de novo, ou… não! Alessandro me

prometeu que tudo ia dar certo, que nada aconteceria com ele, nem

com ninguém.

Estava prestes a sair do quarto quando a porta se abriu e

minha filha apareceu por ela, ansiosa demais e me chamando.

— Mamãe! A tia Luna está brigando com meu pai e meus tios.

— Seus olhos estavam arregalados.


Pisquei e corri para ela, pegando-a em meus braços e beijando
ambos os lados de suas bochechas.

Jade tinha ligado na noite passada avisando que estava saindo

de Chicago e que ia chegar essa manhã.

— Oh, meu amor, eu não acredito que esteja aqui. — Abracei-

a, sentindo o cheiro que tanto amava; até me esqueci do que ela


falou. Franzi a testa e me afastei. — Você disse que Luna está

brigando com o Alessandro?

Ela assentiu.

— Sim, não sei o porquê. Parece que o papai mentiu. Em que

ele mentiu, mamãe? — Graziela parecia confusa.

Suspirei. Eles não deveriam discutir na frente dela.

— Vou cuidar disso, mas não deve ser nada — menti e a beijei

na testa. — Fique aqui, darei um jeito de resolver as coisas. Não vá

para a sala até eu voltar, entendeu?

— Sim, mamãe. — Ela nunca tinha presenciado alguém

discutindo, e eu esperava que essa fosse a primeira e a última vez

que isso acontecia. Um lar não seria um lar se isso ocorresse direto.

Fui para o cômodo onde ainda podiam ser ouvidas as vozes

alteradas, a de Luna pelo menos. Ela parecia furiosa demais, mas


tinha motivos para tanto.

— Vocês não se importam com o que eu passei nesses dias.

Eu estava sofrendo por sua morte, Alessandro, agora descubro que

todos sabiam que você estava vivo — rugiu. — E o pior: que antes
planejava fazer isso.

— Claro que nos importamos…

Ela cortou Stefano:

— Nenhum se importa! Só pensam em vocês mesmos,

ninguém ligou para o meu estado. Eu fiquei muitas noites sem


dormir ou comer, e enquanto isso todos sabiam. — Havia raiva e dor
em sua voz. — Até você, Jade! Eu achei que fôssemos irmãs…

Jade fungou.

— Não fale com ela assim — rosnou Luca, de modo frio.

— O assunto não é com você! — gritou Luna. — Todos são


egoístas.

Jade saiu correndo para a cozinha, chorando. Luca a seguiu

depois de fulminar a irmã da esposa, que não ligou.

— Luna! — Esse era o tom de Alessandro exigindo respeito,


mas só fez com que Luna se sentisse mais irada.
Cheguei ao último degrau da escada prestando atenção na

sala. Ali estavam Rafaelle e Stefano. Miguel se encontrava perto de


Luna.

— Que gritaria é essa? Assustaram a Graziela — falei.

Luna se virou para mim.

— Você também se juntou aos traidores? — Apontou para


todos na sala. Seus olhos estavam vermelhos depois de tanto

chorar.

— Traidores? — Tentei soar calma. Adorava essa menina e


sua doçura, mas eles ultrapassaram tudo o que ela podia aguentar.

— Sabia que Alessandro não estava morto? — Quando não


respondi, ela soltou uma risada sombria e dolorida. — Confiava em

você e a tinha como uma irmã. Mas mentiu para mim! Não me
revelou e me deixou sofrendo.

Não omitiria mais nada dela, por mais que isso a magoasse.
Luna merecia a verdade, assim como eu. Essa merda foi ruim para

todos.

— Luna… — comecei, mas ela me interrompeu e se lançou


para mim.

— Você não passa de uma…


— Agora chega, Luna! — rugiu Alessandro com um tom que
me deu calafrios na espinha.

A atmosfera mudou na sala, mas eu não deixaria isso me


parar. Entendia seu lado, não estava com raiva por sua fúria, mas

tudo tinha limites.

— Luna, se controle — pediu Miguel.

Ela o fuzilou.

— Eu confiava em você, mas ficou do lado do meu irmão e

contra mim. — Respirou fundo, sem vida.

— Não há lados, era para a proteção de todos — ele


argumentou, mas ela não parecia interessada em saber.

— Não. Luca contou para a Jade. Alessandro contou para a


Mia. E você deveria ter me dito. Mas agora sei que tudo o que falou

foi mentira. — A traição de Miguel era a que mais doía, eu podia


notar. Foi assim comigo em relação a Alessandro.

Ele se encolheu. Isso geraria outra discussão, então chegou a


minha vez de interromper:

— Entendo que esteja sofrendo, mas isso não justifica os

insultos! Para o seu governo, eu só soube alguns dias atrás, depois


de ter apontado uma arma contra Rafaelle para tentar matá-lo. —
Seus olhos se arregalaram. — Eu pensava que ele tinha
assassinado o irmão. Imagina essa dor? Confiava em Rafaelle, mas
na hora, eu só quis vê-lo sangrar, então peguei uma arma e fui ao

local onde sabia que ele estava. Tudo em mim gritava para que eu
puxasse o gatilho; não compreende a vontade que tive de fazer isso.

Ele tinha mandado minha filha embora, enquanto fui levada por
alguém que não conhecia, sozinha, desolada por achar que quem
eu mais amava estava morto, assassinado por seu próprio irmão.

Isso é dor, Luna, isso é ser enganada.

Piscou, olhando entre Rafaelle e Alessandro, chocada demais.

Mas continuei:

— Estou furiosa com os três, sim, por terem mentido para mim,
mas entendi algumas coisas. Alessandro não é só o seu irmão,

assim como não é só o meu noivo. Ele é um capo e precisava

enfrentar os inimigos que estavam machucando inocentes; pegando


filhas dos seus homens leais e dando aos Rodins para fazerem tudo

o que quisessem. Para estuprarem, quebrá-las e só então as

matarem. — Expirei fundo.

Não queria dizer essa verdade, mas era algo de que não

podíamos fugir. Ela pertencia a esse mundo e precisava entender.


— Luna, coloque na sua cabeça: esses homens eram da pior

espécie. Pense no que eles podiam ter feito com você e Graziela
quando invadiram a nossa casa e botaram fogo? Se um deles

colocasse as mãos em uma das duas? Como seus irmãos ficariam?

E até mesmo eu? Seu irmão quase morreu para limpar o seu povo
de gente assim. Aceito que esteja com raiva agora, entretanto,

espero que um dia possa entender e se colocar no lugar dele.

Alessandro carrega esse peso nas costas, e não se preocupa

apenas com a nossa segurança, mas com a de uma nação inteira.


Nação esta que estava infestada de pessoas capazes das piores

crueldades que nem sequer imaginou ou presenciou na vida.

Ela se encolheu.

— Lamento por dizer essas verdades, mas você precisa

entender a extensão das coisas aqui. Todos a tratam como frágil,


mas você não é. Você é forte e saberá lidar com essa dor que está

sentindo agora. Apenas agradeça por seus irmãos estarem vivos,

porque nisso tudo, um dos três quase se foi de verdade, e por


minhas mãos. — Eu tremia. — Peço que agora conversem em voz

baixa, sem discussão. Não quero minha filha ouvindo palavrões e

irmãos se pegando. Passarei mais tempo com ela e a tranquilizarei.


Enquanto isso, se entenda com seus irmãos, Luna. Ou reflita sobre

o que contei.

— Não quero conversar com ninguém. — Correu, subindo as


escadas chorando.

Miguel fez menção de segui-la, mas o impedi, o que fez com


que ele franzisse a testa. Seu rosto estava retorcido, como se

doesse vê-la nesse estado.

— Preciso…

Sacudi a cabeça.

— Luna está magoada, sofrendo pelas mentiras e pelo que

passou. Dê um tempo a ela para que possa digerir tudo o que foi

dito. — Toquei seu braço, tentando fazer com que entendesse.

Miguel expirou fundo, assentindo com fúria, mas dele próprio.

Em seguida, saiu da sala. Torcia para que os dois se entendessem.

Não queria minha família se distanciando assim; esperava que

Luna nos perdoasse por termos escondido a verdade dela.

— Vou ficar com minha filha agora. Nem tive tempo com ela
depois de tudo isso. — Estava subindo as escadas quando fui

parada por alguém:

— Mia? — chamou Rafaelle.


Virei para ele.

— Sim? — Franzi a testa.

— Ouvi o que disse sobre quase me matar, e não precisa se


sentir culpada. — Veio na minha direção e ficou na minha frente. —

Fizemos isso… não revelamos a verdade, por tudo o que acabou de

falar. — Seu olhar seguiu para além de nós, como se mirasse a irmã

no andar de cima. Depois voltou a mim. — Queria que as coisas


fossem diferentes, não ter dito o que falei.

Meu coração se derreteu. Era o mais próximo de um pedido de


desculpas que eu receberia.

— É muito reconfortante saber que não me queria para

aquecer a sua cama, afinal, eu o amo como um irmão. — Abracei-o


forte, deixando o seu corpo duro por um segundo, mas logo relaxou

e retribuiu.

— Irmão, hein? — Riu, beijando a minha testa. — Gosto de

como isso soa.

— O que eu sou, no fim das contas? Não mereço um abraço


também? — reclamou Stefano.

Sorri e me afastei de Rafaelle.


— Você também, garoto. Aliás, são todos a minha família. —

Estendi minha mão para Alessandro, que logo veio até mim. —

Obrigada por tudo.

Ele me abraçou de lado.

— Não há nada para agradecer. — Suspirou. — Com tudo


resolvido, finalmente podemos nos casar.

— Casar? — A voz de Stefano saiu alta. — Se não fosse você,

eu jamais deixaria o meu irmão entrar nessa forca.

Dessa vez eu ri.

— Bom saber, porque desejo que tanto você quanto Rafaelle

me levem ao altar — pedi. — Não sei se é tradição ou se podem…

— Não é — declarou Stefano, me fazendo perder o sorriso. —


Mas quem se importa? Seu marido é o capo, e ele pode tudo. Se

quiserem, podem até se casar nus.

Gargalhei.

— Não sonhe com isso, garoto. — Revirei os olhos e beijei os

lábios de Alessandro. — Vou para Graziela agora. Depois quero


saber o que houve ou o que pode me dizer.

Assentiu.
— Tenho uma ligação com alguns dos chefes das cidades,

mas assim que terminar, eu vou até vocês duas — disse. — Antes,
eu tentarei conversar com a Luna.

Assenti e fui à escada, logo me virando para seus irmãos.

— Posso contar com vocês para me levarem ao altar? —

conferi.

Stefano sorriu.

— Pode apostar, cunhada.

— Comigo também — afirmou Rafaelle.

Fiquei feliz por saber que me levariam. Não possuía família ali,
exceto a da minha mãe. Depois procuraria saber se algum dos

meus parentes continuava vivo.

Voltei para falar com Graziela e abraçar a minha filha, já que


não tive muito tempo com ela. Mas antes de entrar no quarto, eu

parei ao lado de uma porta onde ouvi um som de choro. Luna.

— Luna, querida, eu sei que não deseja falar comigo agora por

estar magoada. Mas corta o meu coração vê-la dessa forma. Espero

que um dia me perdoe por tudo. — Não gostava que sofresse de

nenhuma forma, mas nesse círculo todos nós sofríamos. — Só


queria que soubesse que amo você como uma irmã, e se me
perdoar até o meu casamento com Alessandro, eu gostaria que
você e Graziela fossem as minhas damas de honra.

Fungou, mas não disse nada. Não esperei que o fizesse, pois
eu sabia que ela precisava de tempo para digerir tudo e nos perdoar

pelo que escondemos.

Entrei no quarto, encontrando Graziela sentada na cama.

Quando me viu, ela correu até mim. Minha filha sempre foi uma

menina obediente, e eu amava isso nela. Se eu pedia para ficar, ela

ficava.

— Mamãe! Acabaram de brigar? Papai e tia Luna estão bem?

Não quero que eles discutam — sussurrou.

Peguei sua mão e me sentei na cama, com ela do meu lado.

— Meu amor, pessoas adultas discutem às vezes. Mas os dois


se amam, assim como eu amo você. — Toquei sua cabeça. —

Agora que tal me falar o que fez quando estava na América?

Precisava arrumar uma forma de distraí-la, para não preocupá-


la. E realmente queria saber tudo que ela fez. Ainda não acreditava
que esse pesadelo passara.

Até poucas semanas atrás, eu pensei que tinha perdido tudo,


mas ali estava eu, com a minha família, uma que amava demais,
que nos acolheu e nos protegeu.
Capítulo 29

Um mês depois.

Mia

Durante o último mês as coisas entraram nos eixos (ou quase).

Voltamos para Milão e retomamos nossas vidas, mas eu já não

trabalhava mais na lanchonete. Alessandro disse que, como esposa

de um capo, eu não poderia me expor tanto, além disso, eu não

precisava. Se esse fosse o preço para tê-lo, assim seria.

Graziela voltou para as aulas de balé, uma coisa que ela

amava. E também estávamos usando nossos nomes verdadeiros.

Eu a coloquei na escola, começaria em breve.

Alessandro resolveu seus problemas e não tinha mais

traidores. Esperava que continuasse dessa forma.


Entretanto, algo me deixava triste: Luna não voltara a falar
comigo. Mudou-se para um quarto na faculdade e mal vinha em

casa, exceto para visitar a Graziela. Minha filha era a única com

quem conversava.

O meu coração doía pela distância. Não queria que isso

acontecesse. Até Alessandro tentou conversar com ela, mas não

teve êxito.

Deixei que tivesse seu momento, mas estava demorando

muito. E ainda mais nesse dia, que queria que ela passasse comigo,

aceitando ser a minha dama de honra.

— Ela vai aparecer — comentou Jade, encolhida ao notar

minha preocupação.

Estava na salinha da igreja me preparando para me casar.

— Não acredito. Nós a magoamos demais. — Mirei meu

reflexo no espelho uma última vez.

Segundo a tradição italiana, a noiva não podia se olhar no


espelho, mas eu não acreditava nesse tipo de superstição. Nada ou

ninguém atrapalharia esse dia.

O vestido de noiva era no estilo tomara que caia com detalhes

em conchas na região dos seios; pegava minhas curvas de forma


elegante e era rodado até os pés. Meus cabelos estavam soltos,

mas com uma traça feita em forma de tiara. Tinha vários clipes
adornando a cabeça.

— Agora vamos para um objeto novo. — Jade me entregou um


broche de cabelo. — Deixe-me colocar.

O item azul era uma fita amarrada na cinta-liga. O velho, uma

correntinha que pertenceu à minha mãe — meu passado não seria


esquecido com a minha nova vida.

— O presente é esse par de brincos de diamante que foram da


minha mãe. Eu quero que fique com eles. — Jade os botou em mim.

— Obrigada — agradeci com o coração aquecido. — Agora só

falta algo emprestado.

— Tenho uma coisa para isso que vai funcionar — disse uma
voz na porta.

Virei-me de olhos arregalados: Luna estava ali com uma tiara


prateada nas mãos.

— Posso emprestar a você. — Entrou lentamente na salinha.

Seus olhos, tristes, demonstravam-se igualmente ansiosos.

Estaquei, chocada por ela falar comigo. Assenti, muda.

Luna entrou e ficou na minha frente, parecendo nervosa.


— Posso colocar em você? — pediu e mordeu os lábios. —

Sinto muito por ter me afastado, mas precisava muito desse tempo
sozinha. Só lamento por magoar você.

Meu coração se apertou no peito e fui até ela, chorando ao

abraçá-la. Ainda bem que a maquiagem era à prova d’água, mas


não me importei com isso.

— Também sinto por ter escondido tudo de você, quero que


saiba que entendo sua necessidade de tempo. Por isso fiquei longe,

mas senti muito a sua falta — sussurrei.

Ela se afastou e ajeitou a tiara na minha cabeça.

— Você está realmente de tirar o fôlego. — Luna sorriu e

limpou o meu rosto. — Acho que me lembro de ter ouvido que você
gostaria que eu fosse a sua dama de honra, não é?

Ela usava um vestido que batia nos joelhos, à semelhança do

da Graziela.

— Como você está realmente? — perguntei, preocupada.

Piscou, mas sorriu, apesar de eu ter detectado algo ali.

— Bem. Agora chega de falar de mim. Depois conversamos

mais — esquivou-se.
Poderia ter insistido, mas eu não queria levá-la para longe de
novo.

— E Miguel?

Sua expressão se retorceu.

— Não quero falar sobre ele, ok? — Era quase um pedido


desesperado.

Assenti. Esperava que, assim como me perdoou, os dois


pudessem se entender de alguma forma. Deixei quieto por ora.

Uma batida na porta chamou a nossa atenção, em seguida,

Stefano entrou e piscou ao se deparar com a Luna.

Ela também não falava com nenhum deles.

— Luna…

Sua irmã o abraçou e começou a chorar.

— Ei, pequena, não chore. Isso acaba comigo — pediu,


retribuindo o abraço.

— Todo casamento tem choro — Jade disse num tom

melancólico.

A princípio Luna não estava falando com ela também, mas


acho que não quis preocupar a irmã e seu bebê ainda na barriga.
— Chegou a hora. Por que a demora? Alessandro está
impaciente no altar… — Rafaelle parou no meio da frase e piscou:
— Luna?

Ela também o abraçou.

— Senti falta de vocês — Luna choramingou.

— Lamento pelo que fizemos e pelo que você passou. Mas foi

para o bem de todos. — Alisava sua cabeça.

— Agora entendo — sussurrou e se afastou, sorrindo para

mim. — Mas não é hora para isso, hoje é o seu dia. O dia em que se

casará com o meu irmão.

Sorri.

— Ainda custo a acreditar que vou me casar com ele. —

Preparei-me.

Jade foi para a igreja e, Luna, ao corredor. Assim fizemos


todos.

— Mamãe, a senhora está linda! — Graziela anunciou com um


sorriso imenso.

— Obrigada, anjo. — Respirei fundo com o coração aos pulos

e olhei para Rafaelle e Stefano. — Estão prontos, meninos?


Luna e Graziela foram à frente carregando as alianças.

Começamos a andar ao ouvir a marcha nupcial.

— Espero que ninguém ache estranho o fato de eu ser levada


por vocês dois — sussurrei.

— Quem liga? — Sorriu Stefano. — Somos família agora,

assim como a nossa princesa.

Fitei a minha filha com seu vestidinho rodado e os cabelos

soltos com uma tiara de flores. Linda. Ela era a nossa felicidade.

A igreja lotada me fez vacilar um segundo.

— É muita gente — sussurrei só para eles dois.

— São todos conhecidos. Não se preocupe, pois ninguém

atrapalhará este dia — prometeu Rafaelle.

Meus olhos foram levados ao altar onde Alessandro estava,

vestido com um terno escuro combinando com ele. Esse homem me

fazia agradecer aos céus por tê-lo na minha vida.

Seu olhar estava frio para todos, como sempre. Mas vi o calor

refletido nele; eu podia sentir também em cada célula do meu corpo.


Meu coração batia forte no peito. O homem mais lindo do mundo

seria meu, todinho meu. Só de olhá-lo me dava fome e, ao mesmo

tempo, o amava ainda mais.


— Essa cor em seu rosto significa que está tendo

pensamentos sujos com meu irmão? — Stefano provocou, sorrindo,

e não foi o único, Rafaelle também. — Não esquente. Esta noite,


com certeza, haverá mais gritos.

Corei ao pensar no que ele estava falando. Alessandro disse

que reformaria o quarto para o tornar à prova de som, assim


ninguém ouviria mais nada.

Foquei minha atenção na igreja e nas minhas damas de honra,


que ficaram perto do altar. Ainda bem que o espaço era pequeno,

então logo cheguei ao Alessandro, que checou meu rosto. Após,

olhou para os irmãos e novamente para mim. Meu noivo tocou a

minha mão e foi como se eu encostasse em um fio desencapado.

Rafaelle e Stefano se afastaram. Nesse momento, só existia

aquele homem na minha frente.

— Algum problema? — sondou baixo, apenas para mim. — A

propósito, você está deslumbrante.

— Não foi nada. Obrigada. — Apertei sua mão. — Você está

muito lindo.

Ele me disse que ali no casamento não demonstraria a

emoção que estava sentindo, porque isso seria considerado


fraqueza aos olhos de todos. E ele não queria que ninguém

soubesse a dele. Aceitei, porque entendia o seu lado; eu era mulher


de um capo, apesar de ele ter me dito que eu poderia falar qualquer

coisa que eu desejasse.

O padre ministrou nossos caminhos e nos perguntou se

aceitávamos um ao outro.

— Alessandro, eu não me importo de dizer na frente de todos


o que sinto por você. Acredito que a maioria saiba depois do

episódio ocorrido aqui no mês passado. — Foi nessa igreja que

velaram o suposto corpo dele. — A partir do momento que o conheci


por obra do destino ou do empurrão de uma amiga — sorri para

Luna e para ele —, você se tornou tudo na minha vida; me protegeu,

não só eu, mas nossa filha também. Quero dizer que amo cada

parte sua, tanto a luz como as trevas, e que sempre estarei do seu
lado. Serei sua esposa, mãe de seus filhos, e prometo amá-lo e

respeitá-lo até que a morte nos separe.

Notei comoção em seus olhos. Ele queria dizer o mesmo; no

lugar, tocou minha testa. Para muitos, esse gesto não era nada, mas

eu sabia que significava mais. Meu coração gritou de emoção

sabendo que ele me amava.


— Aceito — respondeu após as palavras finais do padre. Eu

coloquei a aliança no dedo dele, e em seguida foi a sua vez de

colocá-la no meu.

— Sim. — Minha voz fervia de emoção.

— Eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva — o


padre falou.

Alessandro se inclinou e depositou um beijo suave em meus

lábios. Então a igreja se encheu de aplausos, o que me fez me


afastar dele e encarar a todos com o rosto corado.

Nossos amigos nos desejaram felicidade e nos parabenizaram,


até alguns que eu não conhecia, mas Alessandro sim. Ficar olhando

esse homem me deixava bêbada.

— Felicidades aos recém-casados. — Ouvi uma voz divertida.

Levantei a cabeça e me deparei com El Diablo sorrindo.

Pisquei, pois não o tinha visto desde o dia do ataque. Depois disso
não tive oportunidade para conversar com ele sobre o fato de ter me

protegido e agradecê-lo.

Fui dar um passo para abraçá-lo, mas Alessandro apertou


minha cintura. Chequei seu rosto: inexpressivo. Deduzi que seu

ciúme comigo persistia, menos com seus irmãos.


Virei a cabeça para El Diablo, que parecia divertido com a

reação de Alessandro.

— Queria agradecer formalmente por tudo o que fez por mim.

— Era verdade.

— Estava sendo pago pelo serviço — respondeu, dando de

ombros.

— Não por tudo. — Olhei para Graziela, que correu até nós

com um sorriso imenso.

— Mamãe! Papai! A tia Jade disse que vou dormir na casa


dela.

Alessandro a pegou nos braços.

— Temos que sair esta noite, e no lugar em que vamos

crianças não podem ir. Mas amanhã bem cedo tomaremos café

onde você quiser. O que acha?

Ela sorriu animada e virou-se para El Diablo, um pouco pálido.

— Sou Graziela. — Apresentou-se, estendendo a mão.

— El… — hesitou, mas apertou sua mão e saiu. Decerto ele

não disse o apelido para não assustá-la. Esperava que um dia ele
se curasse dessa dor que o queimava vivo.
— Hora de ir para a tia Jade. — Beijei seu rosto, pois não
queria que ela estranhasse a reação de El Diablo.

Fui jogar o buquê, o que reuniu muitas meninas solteiras, mas


não Luna. Fiquei em uma posição que facilitasse para cair na

direção dela e, no final, parou diretamente em suas mãos.

Luna arregalou os olhos, tão linda com seus cabelos alisados

para a ocasião. Em seguida, voltou-se a Miguel — ele havia tirado a

barba, por algum motivo —, que estava de braços cruzados com

sua atenção dirigida a ela. Eu esperava que os dois se acertassem


logo.

— Vamos embora? — chamou Alessandro, colocando a mão


na minha cintura.

— Sim — assenti, louca para estar a sós com ele.

Chegamos à mansão depois de nos despedirmos de todos os

nossos amigos e da nossa família. Mal entramos, e ele me pegou


nos braços, me fazendo rir.

— Estou louco para possuir você — rosnou, mordiscando meu


pescoço.

— Você já me possui de todas as formas imagináveis —


consegui dizer, sem fôlego.
Levou-me para o quarto, subindo as escadas comigo em seus
braços, mas em nenhum momento ficou ofegante pelo esforço.

— Você também me possui. Meu coração bate por você;


minha mente pensa em você vinte e quatro horas por dia. Tudo em

mim é seu. — Ele me colocou no chão com um olhar que fez o meu
sangue ferver, mas de uma maneira boa.

— Vou um segundo ao banheiro e já volto. Tenho uma

surpresa. — Sorri, beijando seus lábios de leve.

— Surpresa? — Seu olhar varreu o meu vestido, mas foi como


se estivesse vendo através dele, porque me senti quente. — Não

demore ou eu vou atrás — avisou.

Sorri. Assim que entrei no banheiro, eu tirei o vestido de noiva


e coloquei um conjunto de lingerie vermelha. Corei só de me olhar

com o fio dental e o espartilho, mas seria para ele. Pus sua camisa,
pois queria me cobrir até a hora certa.

Respirei fundo e voltei para o quarto me deparando com

Alessandro sentado na cama, com um envelope na mão.

Franzi a testa.

— O que é isso? — sondei, me sentando ao seu lado.


Em silêncio, ele mirava o papel como se fosse brasa que o
queimava.

— É uma carta. Minha mãe deixou uma para cada um de nós,

seus filhos, para abrirmos no dia dos nossos casamentos. — Sua


voz era baixa.

— Podemos ler juntos. Ou posso deixá-lo sozinho, se assim se

sentir melhor — sugeri.

Ele segurou a minha mão.

— Acredito que ela gostaria que você estivesse comigo nesse


momento. Afinal, era para quando eu me casasse. — Abriu a carta e

estendeu o papel à nossa frente para que nós dois lêssemos.

Alessandro, meu menino valente, fiel e leal àqueles que ama.

Eu sei que sua jornada é árdua e que terá um fardo pesado para
carregar sozinho como o novo capo, um com o que ninguém poderá
ajudar, muito menos eu.

Rezo para que Deus envie uma mulher forte, valente e que o
entenda; que esteja do seu lado em todos os momentos da sua
vida, nas trevas, na dor e na alegria. Uma mulher que compreenda o

seu pior, meu filho, porque onde há trevas sempre há luz.


Queria compartilhar esse momento de felicidade com você,
vendo-os subir ao altar, porque tenho fé de que você e seus irmãos

serão contentes com suas esposas.

Agradeço a você, meu menino lindo, por me proteger mais


vezes do que posso contar; queria ter podido fazer mais, apesar de

que, em nosso mundo, não temos escolha do caminho que somos


obrigadas a seguir.

Proteja e ame a sua mulher como se fosse da sua carne e do

seu sangue. Acredito que não preciso pedir para nunca levantar um
dedo para ela, porque eu o conheço e sei que, mesmo envolto de
trevas, jamais faria algo assim.

Agradeço aos céus por ter um coração repleto de bondade,


mesmo que ele esteja afundado na escuridão deste nosso universo.
A esperança e a fé andam juntas na minha vida; rogo que se façam

presentes na sua também.

Adeus. Proteja os seus irmãos e as suas irmãs, assim como


sua esposa e seus futuros filhos. Dê a eles tudo o que nunca teve,

ensine-lhes o caminho do amor. Um dia você será o novo capo e


governará diferente do seu pai. Aja de modo correto, fuja das
sombras, se permita amar.
Seja feliz, meu amado menino.

Sua mamãe o ama demais, para sempre.

Ele respirava irregular, então coloquei minhas mãos em suas


costas.

— Ela tinha fé que chegaria a esse momento — sussurrei com


os olhos molhados. — Gostaria de tê-la conhecido.

Virou a cabeça na minha direção e limpou os meus olhos.

— Está chorando por alguém que nunca encontrou?

— Claro! Essa mulher amava você, assim como eu. Lamento


muito — declarei. — Sua fé e suas orações valeram à pena. Agora,
nós estamos juntos.

— Minha mãe era uma cristã devota a Deus, à guisa de Luna e

Jade. Diferente de mim e dos meus irmãos. Mas agradeço, porque


com isso tenho você, uma mulher valente e que me ama da forma

que sou. Não deseja me mudar em nada. — Tocou meu rosto. —


Não mereço alguém como você, sou um bastardo egoísta por não a
deixar ir.

— Nem eu quero que faça isso — assegurei, apertando seus

dedos. — Alessandro, como eu disse na igreja: eu amo cada parte


sua, tanto a luz como as trevas. Então não ligo para o que faz, fez
ou deixa de fazer, contanto que nunca levante as mãos para mim
nem para os nossos futuros filhos e Graziela. Apesar de saber que

isso não é algo que eu precise dizer.

Ficou me olhando com uma devoção que me faria cair de


joelhos se eu não estivesse sentada. Então, ele sacudiu a cabeça.

— Porra, como eu amo você! — declarou, beijando meus

lábios parecendo faminto e desesperado. — Me mostrou que sou


capaz de amar. Meu coração, que pensei estar morto, agora bate no

meu peito por você.

Comecei a chorar pelo acúmulo de sentimentos.

— Você me ama! — Eu sabia disso, mas ouvir suas palavras


foi a coisa mais maravilhosa do mundo.

— Com cada célula do meu corpo, mesmo as mortas, porque


você as fez reviver. Tudo em mim está vivo graças à minha esposa
linda. A mulher que foi feita para mim. — Beijou-me, mas me afastei

sem querer, fazendo com que franzisse a testa.

— O que…

Sorri amarelo.
— A surpresa. — Fiquei de pé na sua frente e desabotoei sua
camisa bem devagar. Mas então suas mãos apareceram e, em

seguida, ele a rasgou. Os botões voaram para todos os lados.


Ofegante e necessitada, sentia uma pulsação entre minhas pernas.

— Oh, Deus! — arfei.

Puxou meu cabelo e, com uma mordida leve em minha orelha,

me arrepiou.

— O único nome que sairá da sua boca será o meu, para me


mandar fodê-la mais forte. — Apenas com o som dessa voz, eu

certamente não demoraria a gozar.

Nossa vida sexual estava às mil maravilhas durante o mês


passado. Obviamente, isso apenas aumentaria, mas em nenhuma

oportunidade Alessandro me fodeu com força. E eu queria que ele


fizesse comigo tudo o que gostava de fazer antes de mim.

Evitei pensar nas mulheres que teve e só foquei no momento.


Ele era meu, só meu e de mais ninguém.

— O melhor embrulho de presente que ganhei. — Arrancou o


espartilho e a minha calcinha encharcada. — Agora fique de quatro
na cama — ordenou, rouco e sedutor.
Arregalei os olhos, mas obedeci. Faria tudo nesse instante
apenas para ter o seu toque.

Pela visão periférica, eu vi que jogou a camisa e o terno longe.

— Uma linda vista. — Senti seu hálito atrás de mim, me


fazendo corar e me remexer. — Posso ver você pingando, seu sulco

está saindo e escorrendo. Porra! Tão encharcada.

— Alessandro…

— Vou cuidar de você. — Senti seu dedo alisando o local que


latejava. — O sabor mais maravilhoso do mundo.

Gritei quando senti sua língua mergulhar em minha intimidade


disponível para ele. Não liguei para a timidez ou a posição, somente
empinei minha bunda em sua direção querendo mais dele. Segurei

firme nos lençóis com cada intrusão da língua e dos seus dedos.

— Adoro esses sons saindo de sua boca. — Mordeu minhas


nádegas enquanto suas mãos trabalhavam em mim. Depois se

estendeu às minhas costas, puxando meu cabelo, e seus lábios


foram para o meu pescoço.

— Alessandro! — Estava a ponto de gozar quando ele tirou os

dedos. Soltei um muxoxo de reprovação. — Preciso gozar.

Mordiscou minha orelha.


— Você quer? Entende agora como é querer fazer algo e não

poder? A frustração que sentimos? — Engrossou a voz, com um


toque de raiva.

Abri meus olhos e virei a cabeça, encontrando seu olhar. O

meu estava confuso.

Deu uma risada me fazendo sentir calafrios, mas não de medo,


nada nele me fazia sentir isso.

— Você não tem ideia do perigo, não é? Do caos em que

estaríamos agora caso fizesse o que pretendia. — Seu pênis entrou


em mim, e isto me levou a gritar. — Não sabe o que senti quando vi

que você queria abraçar o El Diablo.

Arfei de forma dúbia. Ele estava com raiva disso desde o


início? Bem que o senti estranho depois.

— Mas eu não… — Fechei os olhos, aproveitando o esplendor

de cada estocada.

— Isso não muda o fato de que ameaçou abraçá-lo. —


Apossou-se de meus lábios. — Você é minha! Tudo neste corpo

ninguém toca, certo?

Gostava da possessividade, do seu jeito enciumado. Mas esse


sentimento para um homem como ele não era bom, e também não
havia necessidade.

— Sim, ninguém nunca irá, porque eu amo só você — afirmei.

— Também a amo. Sua boceta, seu sorriso, sua astúcia. Tudo


em você, Mia — rosnou e voltou a me foder com tanta força que tive

de me segurar na cabeceira da cama.

Cada toque dele me fazia amá-lo mais; cada gesto e carícia


me consumiam a ponto de gozar duro. Meus gritos podiam ser

ouvidos a quilômetros. Por sorte não havia ninguém na casa.

Explodi chamando o seu nome com fervor e adoração. Ele


grunhiu e me seguiu logo depois.

Caí na cama com Alessandro em cima de mim, beijando minha


nuca de leve.

Sorrimos.

— Acho que gosto de uma foda raivosa. Devia enfurecê-lo

mais vezes — brinquei.

Ele saiu de cima de mim e ficou do meu lado.

— Não brinque, ainda mais envolvendo outra pessoa. Esse é


um sentimento novo e posso não saber lidar. — Alisou minhas

costas, ao que estremecei.


— Não estava pensando em fazer ciúmes. Há outras maneiras
de deixá-lo com raiva — apontei, beijando seus lábios de leve, que

se arquearam em um meio-sorriso.

Beijou-me de novo, mas de maneira doce. Em seguida, me


puxou para seus braços.

— Vou adorar cada segundo. Embora não precise, pois posso

fodê-la de todas as formas que deseja — disse, trilhando um


caminho em minhas costas com os dedos.

— Contarei com isso. — Inspirei seu cheiro que eu adorava. —

Quer falar sobre a carta?

Ele ficou em silêncio por um segundo. Até achei que não fosse
comentar nada.

— Kélia era linda, tão viva e vibrante. Mesmo com tudo o que

Marco fazia, a minha mãe nunca perdeu as esperanças. Ela nos


amou e nos protegeu como pôde, mas assim que chegou a idade de

treinar, eu a vi definhar mais e mais. Nos enxergar feridos por causa


dos treinamentos a matava por dentro. Tentamos esconder o
máximo possível, dizendo que estávamos a trabalho, assim ela não

veria os estragos. — O quarto ficou silencioso por um segundo,


inclusive imaginei que tivesse chegado ao fim. — Eu a protegi como
pude para alguém como eu. Sonhava em ser capo, assim poderia

libertá-la dele, mas então ela ficou doente…

— Alessandro…

— Eu a vi definhar sem poder fazer nada. Marco sumia e,


quando aparecia, brigava com ela alegando que era fraca, como se

a culpa fosse dela por estar naquela situação. Depois mamãe


morreu. — A dor e a distância em sua voz fizeram eu me encolher.
— Estive com ela nos seus últimos momentos. Rafaelle e Stefano

também. Ela queria ver as meninas, mas Marco não permitiu. Então
discuti com ele e isso o levou a quebrar o meu nariz. Não ligava
para a dor física, mas a minha mãe sofria por causa dele.

— Oh, senhor! — Toquei seu coração e fiz círculos ali,


querendo arrancar a sua dor com a mão.

— Naquela noite, depois da sua morte, ele foi ficar com sua

amante. Eu cheguei nele, enquanto dormia na cama, com uma faca.


Tudo em mim gritava para matá-lo, mas se fizesse isso estaria
perdido, seria distanciado de meus irmãos e minhas irmãs.

Passados alguns anos, eu conquistei todos na máfia; tirei-os do lado


de Marco e os trouxe para o meu, o lado certo. Não falo “bom”,
porque na máfia não existe isso. — Beijou meus cabelos. — Apesar
de ter luz, como minhas irmãs, você e Graziela. E posso jurar pela

minha vida que ninguém nunca tocará em nenhuma das quatro.


Derrubaria o maldito Universo por você, meus irmãos e nossa filha.

Acreditava nele, porque eu faria o mesmo. Cortava meu

coração que Alessandro tivesse vivenciado tudo isso, mas agora


iríamos construir nosso futuro juntos. Não seriam sempre corações
e flores, por integrarmos a máfia, mas confiava em sua proteção

comigo e com Grazi.

Sim, não havia nada mais perfeito que esse momento… estar
ao lado dele, ser dele. Eu tinha pessoas que amava do fundo do

meu coração. O meu “para sempre” estava apenas começando. E


não importava o que o futuro preparasse para nós: eu estaria
pronta! Enfrentaria tudo pela minha família e pelos meus amigos.
Epílogo

Algum tempo depois.

Mia

Às vezes, cercada dessas pessoas maravilhosas, eu me

lembrava da minha mãe e sentia um aperto no coração. Mas eu

tinha certeza de que ela estaria feliz pela família que conquistei e

pela maneira como eu amava a Graziela e cuidava dela.

Alessandro triscou no meu braço, me assustando e me

forçando a sair dos meus devaneios com sua chegada no quarto.

— O que houve? — Passou o braço à minha volta, beijando

meus lábios de leve. — Estava distante.

— Há algum tempo venho pensando em contar a verdade para


a Graziela; sobre a origem dela. Ela vai completar oito anos em
breve, então entenderá melhor algumas coisas. — Suspirei com um
nó na garganta.

— Parece preocupada. — Avaliou-me. — Não tema sua

reação, aquela menina venera o chão em que você pisa.

— Eu sei. Mesmo temendo, eu tenho que revelar. Não quero

que ela viva cercada de mentiras. Olhe o que isso fez com a Luna?
Ela nos afastou por um bom tempo. Não quero correr o risco de

Graziela fazer o mesmo só por eu não ter dito a verdade. Quero que

ela saiba quem minha mãe realmente era.

Luna e eu voltamos a ser amigas e irmãs; ela nos perdoara no

dia do casamento, mas eu não gostava de pensar em Graziela

agindo assim.

Ele soltou um suspiro.

— Foi para isso que vim — me informou e levou-me para o

sofá no canto.

Franzi a testa.

— O que foi? — sondei, então reparei na pasta em suas mãos.

— O que é isso?

— Descobri os parentes de sua mãe aqui na Itália. Na verdade

a sua avó, a mãe da sua mãe. Não tinha irmãos, não vivos pelo que
soube. Mas essa senhora não merece que você a visite, nem a

Graziela — resmungou, furioso.

— Por quê? O que essa mulher fez? — Nunca pensei

realmente em meus parentes; minha mãe só disse que existiam,


mas eu não me recordava dela falando de maneira amorosa sobre a

sua mãe. Abri a pasta e chequei o conteúdo.

— A mãe dela é daquelas mulheres de princípios e valores


deturpados. Quando soube que sua mãe ficou grávida de um

malandro, ela a colocou para fora de casa. Então o seu pai a levou
para a Albânia. Ele não era santo, mas amava a sua mãe. De resto,
você já sabe o que houve — contou.

Sim, Skender matou o meu pai e deu a minha mãe para outro

como esposa. Ainda bem que esse homem morreu e estava no


Inferno.

Meu peito se apertou ao pensar no que minha avó fez com a


filha. Minha mãe sofreu muito por ter ido embora para a Albânia,

mesmo que houvesse vivido o seu amor com meu pai, o verdadeiro.

— Como pode? Jamais faria algo assim com a minha filha. —


Sacudi a cabeça, enraivecida. Por culpa dela minha mãe foi levada

à Albânia e passou por tudo aquilo.


— Há pais que não merecem esse título — proferiu baixo,

apertando a minha mão.

— Verdade — concordei. Pessoas assim não deveriam ter


filhos.

Eu preferiria cortar um braço a fazer isso com um filho meu ou


com qualquer pessoa que amava. Talvez essa fosse a resposta: ela

não deveria amar ninguém.

— Tem outra coisa que consegui descobrir. Você falou uma

vez que não pôde velar a sua mãe depois que fugiu. Então quando

El Diablo pegou o Skender, ele o fez falar onde a enterrou. —

Alessandro tocou o meu cabelo. Endureci com a lembrança daquela

noite piscando em minha mente.

Seria uma cena que eu jamais esqueceria e, no fundo, não


desejava, pois foi minha última imagem da mamãe. Por isso gostaria

de contar à Graziela; eu queria que ela soubesse o quanto minha


mãe foi valente sobrevivendo naquele covil de monstros. Claro que
não diria as partes sujas e feias, não enquanto fosse uma criança.

Mas quem sabe um dia, quando estivesse maior?

— Onde ele a enterrou? — inquiri com o coração na mão.


Depois que a deixei lá, eu nem pude dizer o que realmente pensava.
A dor apossava meu peito sempre que falava nela; a saudade
era demais. Recordava-me dos meus momentos com ela. Mesmo
em meio àquele mundo, ela me amou e teria amado a Graziela.

— Nenhum deles se deu ao trabalho de fazer isso. Eles

simplesmente a deixaram na casa. Uma vizinha, junto ao padre


local, a enterrou — falou, virando a cabeça na minha direção.

A dor cortou fundo em meu peito, fazendo com que meus


olhos se enchessem de lágrimas ao pensar que foi velada sozinha,

sem que eu estivesse do seu lado.

— Queria tanto ter estado lá para ela. — Coloquei a cabeça


em seu ombro e funguei.

— Lamento por isso, Estrela-do-mar. — Trilhou minha pele


com seus dedos, tentando me tranquilizar.

— Posso ao menos visitar o túmulo e me despedir? —

sussurrei esperançosa. Em seguida, eu virei a cabeça para olhar


para ele.

Ele negou, fazendo com que minhas esperanças se esvaíssem


como uma luz sendo apagada na escuridão.

— Não podemos ir à Albânia agora, porque mesmo com

Skender e o seu pessoal estando mortos, há outras máfias no país.


Eu não vou arriscar outra guerra, colocando a vida de todos em
perigo, incluindo a sua. Por isso, eu trouxe… ela de lá e mandei que
a colocassem no cemitério onde minha mãe foi enterrada. — Fitou a

janela.

Trouxe-a! Eu sabia que ele queria dizer os… ossos da minha


mãe, já que fazia quase oito anos que se foi. Alessandro só

amenizou as palavras. Quando achava que não podia amar mais


esse homem, ele vinha e fazia isso. Um gesto que para muitos

poderia não ser nada, mas para mim era tudo. Um local onde eu
daria adeus à minha mãe.

Alessandro não acreditava que as pessoas que morriam nos

olhassem de onde estivessem. Já eu supunha que minha mãe, do


Céu, ficara feliz com o marido que conquistei.

— Como é possível o amar mais do que já amo? — Meu


coração batia com uma enorme emoção.

Sorriu para mim.

— Sou suspeito para dizer tal coisa, já que me sinto da mesma

forma. — Beijou minha testa e inspirou como se adorasse sentir o

meu cheiro. — Era um sentimento que nunca imaginei vivenciar,


mas aqui estou eu loucamente amando você cada dia mais, minha

esposa.

— “Minha esposa” — repeti suas palavras. — Gosto disso na

sua boca, meu esposo lindo e gostoso.

— Gostoso, hein? — Riu, beijando meus lábios. Antes que eu

pudesse corresponder a tamanho vigor, fomos interrompidos:

— Mamãe! — Graziela chamou do corredor, então me afastei

do Alessandro. Olhei para a porta assim que ela entrou. — Precisa

dizer ao tio Stefano que ele não pode ir me buscar na escola de


novo.

— Isso corta o meu coração, princesa — Stefano afirmou de

algum lugar lá fora.

Arqueei as sobrancelhas.

— Por que ele não deveria ir? — perguntou Alessandro antes

de mim.

Ela parou de falar, notando Alessandro do meu lado. Em


seguida, enrolou as mãos uma na outra em um gesto nervoso. Uma

reação estranha, porque minha filha sempre foi solta com o pai dela.

O que estava se passando?


— Fui convidada para dançar, a professora fez os pares e eu

fiquei com o Benny. Mas o tio Stefano disse que só vou poder

dançar com meninas. — Ela bateu o pé no chão. — Isso é injusto.

Oh, agora entendi. Ela devia estar preocupada que Alessandro

pensasse a mesma coisa. Coloquei a mão na boca não querendo

sorrir; a proteção desses irmãos estava um pouco demais, e


notando a expressão do pai dela, eu vi que ele não parecia pensar

diferente do seu familiar.

— Não vou ser a única a me apresentar com outra menina —

resmungou. — Benny é meu amigo, nós dividimos lanches. E o tio

Stefano passou medo nele, agora ele vai dançar com a Milan.

— Oh, Senhor! — Desatei a rir e não consegui parar.

— Papai, eu preciso dançar, por favor. Agora os dois garotos


que eu quis correram, porque meu tio Stefano os ameaçou. Pode

conversar com eles? Não posso ficar sozinha — pediu com aqueles

olhos esperançosos.

Virei para Alessandro pensando no que ele faria. Bastava um

olhar doce de nossa filha para derreter até o mais duro dos

corações.
— Venha aqui. — Estendeu a mão para ela. Graziela foi até

ele sem hesitar, esperançosa. — Vou conversar com eles, prometo.


Garanto que você não vai dançar com nenhuma garota.

Pelo seu tom, parecia que Graziela não dançaria com meninos
também. Oh, queria só ver como ele se sairia nessa promessa.

Conhecendo Alessandro como eu conhecia, com certeza tinha

algum plano.

Graziela gritou animada, emitindo luz como uma árvore de

Natal.

— Obrigada, papai, eu o amo muito — disse eufórica e o

abraçou forte por um segundo. Depois se afastou fazendo uma

careta. — Também amo o tio Stefano, mas ele é muito protetor. Tia

Luna disse que ele era assim com ela, e que vai passar.

Sacudi a cabeça. Não acreditava que a proteção dos irmãos

Morelli mudaria. Eles apenas tinham mais uma pessoa para incluir
na lista. E isso que nem chegara o tempo de ela namorar.

Olhei para a minha menina e notei sua felicidade ao saber que

Alessandro a ajudaria; ela confiava nele e em mim, e eu queria que


essa confiança perdurasse quando adulta. Então seria melhor

revelar a verdade nesse momento.


Esperava que ela entendesse as coisas e soubesse por que

não contei nada antes. Sentia um nó na garganta só de pensar em

um dia ela descobrindo por outra pessoa e me odiando por mentir.

Era melhor dizer enquanto estava ali.

— Graziela. — Peguei sua mão e a trouxe para perto de mim.

Olhei para Alessandro. — Quer continuar aqui? Queria que


estivesse presente ao revelar tudo.

— Não pretendia ir a canto algum — respondeu. — Somos

uma família agora, faremos tudo juntos.

— Mamãe, a senhora é contra eu dançar com meninos? —

Virou a cabeça na direção de seu pai e depois a mim. Ela entendeu


mal a minha reação. — Papai deixou.

— Não, claro que não. É só uma dança de uma menina

talentosa que ama o que faz. — Trisquei seu nariz, fazendo-a sorrir.
Embora acreditasse que Alessandro impediria, mas sem magoar os

sentimentos de nossa filha.

Coloquei-a sentada na cama e me sentei na cadeira diante

dela.

— Tem algo que preciso revelar a você, uma verdade que


quero que saiba agora. — Respirei fundo. — Lembra da sua avó? O
que contei sobre ela?

Ela assentiu, ainda sem entender.

— Sim, me falou que ela era linda, valente e que a protegeu

muitas vezes dos homens maus. — Tocou no pingente onde


guardava uma foto da nossa mãe. — Queria ter conhecido ela.

— Mamãe era magnífica. Sei que o que vou dizer agora vai
deixá-la confusa no começo, mas a verdade é sempre o melhor

caminho. — Peguei sua mão de novo e a fitei: — Carina não é a sua

avó, meu amor, ela é a sua mãe. Carregou você na barriga e a

amava muito, mesmo antes de ter nascido.

Piscou com aqueles olhos grandes.

— Mas você sempre foi a minha mamãe… — Sua voz saiu

baixa.

— Oh, meu anjo, ainda sou se assim quiser. Mas a verdade é


que eu sou a sua irmã. Quero que saiba que a amo como se fosse a

minha filha, como se tivesse saído de mim. — Estava com o

coração na mão pensando que não entenderia.

Ela mordeu o lábio.

— Igual ao meu pai? — olhou para Alessandro, sussurrando.


— Ele não é o meu pai de verdade, mas o amo como se fosse.
Senti Alessandro engolir com dificuldade por causa da
emoção.

— Também sinto o mesmo, minha princesa. — Ele tocou sua


testa e seu coração como se estivesse declarando que a amava

também.

Nos últimos meses, Alessandro passou a me dizer sempre

essas palavras; sentia que, devagar, ele estava deixando as

emoções se apossarem dele e nos permitindo entrar.

— Isso mesmo, anjinho. Eu não queria mentir para você, ainda

é nova, mas um dia entenderá as coisas. Eu só não revelei antes

porque não queria contar algo que não compreendesse na época,


mas agora é uma menina esperta. Inteligente demais. — Toquei seu

rosto lindo. — Saiba que amo você e adoro ser a sua mãe. Mas
também quero que você ame a nossa mãe como tal, ela era uma

mulher maravilhosa.

Graziela ficou em silêncio por um segundo, certamente


digerindo tudo. Até cheguei a pensar que revelara o segredo muito

cedo, talvez houvesse sido melhor esperá-la ficar mais velha. Mas a
mentira tem pernas curtas, e eu não quis que descobrisse por outra
pessoa.
— Eu entendo, mamãe. Posso continuar a chamando assim?
Eu a considero dessa forma. Vamos ficar sempre juntas, não é? —
perguntou, temerosa. — Não quero nunca me afastar de nenhum de

vocês dois como da outra vez, quando fui para a casa da tia Jade.

Puxei-a para meus braços, sentindo meu coração dolorido com


seu medo, mesmo sem cabimento. Não gostava de pensar na

época em que estive longe dela. Jurei que isso nunca mais iria
acontecer.

— Ninguém nunca vai tirar você de mim. Nunca. Eu a amo


mais que a vida e o Universo juntos. Mais que o céu e as estrelas —

afirmei.

— Jamais, princesa. Você é nossa filha amada, a menina


vibrante que ilumina tudo que há em mim. — Ele beijou ambas as

bochechas dela. — Aquela de que ninguém nunca chegará perto,


muito menos a levará para longe.

— Eu o adoro, papai. — Sorriu para ele e depois para mim. —

Também a amo, mamãe, mesmo que não seja a minha mãe de


verdade. Amo os dois como se fossem meus pais reais.

Meu coração parecia querer explodir com ela me aceitando ao

saber da verdade. Minha menina era a pessoa mais preciosa da


minha vida.

— Oh, doce anjo. Eu não conseguiria viver sem você. —


Limpei meus olhos molhados.

Ela franziu a testa.

— Por que está chorando, mamãe? — Entristecida, me beijou.


— Não quero que fique assim.

Sorri, beijando a sua testa e pensando que não podia receber

presente maior da vida que meu doce anjinho. Como obtive


tamanha benção? Agradecia aos céus por tê-la.

— Oh, meu amor, eu não estou triste, mas feliz, porque tenho

as duas pessoas que mais amo na vida aqui comigo. — Abracei ela
e Alessandro. — Não podia pedir mais nada.

— Então, princesa, você vai mesmo me proibir de levá-la para

a escola? — da porta, Stefano perguntou. — Isso significa que não


gosta de mim?

Olhei para cima e me deparei com ele de braços cruzados e a

expressão magoada. Eu o conhecia, sabia que isso era fingimento.


Pelo que notei, ele esperou a nossa conversa terminar para entrar;
não quis interferir. Meu cunhado ganhou o meu apreço.
Graziela piscou e foi em sua direção, não gostando de o
enxergar triste.

— Não é isso, tio, mas o senhor é muito protetor. Não pode


xingar os meus amigos dizendo que os jogará na privada. — Pegou
em sua mão. — E papai deixou que eu dançasse com um garoto.

Stefano levantou uma sobrancelha para o irmão, como se


perguntasse se isso era real. Pisquei com algo que ela disse.

— Oh, meu Deus! Você ameaçou as crianças! Não acredito


nisso! — Fiquei de pé.

Bufou.

— Não os machucaria de fato, era só uma ameaça vazia —


defendeu-se. — Não toco em crianças e jovenzinhas lindas. —

Sorriu para a Graziela.

— Não? Então por que disse? — Ela parecia confusa.

Stefano a pegou pela cintura.

— Um dia, quando ficar maior, você entenderá as minhas

razões. — Fez cócegas nela, ao que riram juntos. — Agora, por que
não me mostra aquele passo novo? Rafaelle está na sala
esperando.
Sabia que ele nunca machucaria ninguém, não inocentes,

crianças e mulheres. Todos ali morreriam por minha filha e por mim.

— Acho que meu coração vai explodir de tanta felicidade —


falei assim que ela riu quando Stefano a levou para o andar de

baixo.

Alessandro me abraçou por trás.

— O meu também. Não consigo acreditar que tenho vocês


duas na minha vida. Vocês se tornaram o meu mundo inteiro —

declarou com fervor.

Realizada. Era como eu me sentia nesse momento.

No dia seguinte, depois de revelar toda a verdade à minha

filha, eu a chamei para visitar a lápide da minha mãe, a nossa mãe.


Uma que só foi possível graças a Alessandro.

Alessandro nos levou e parou o carro na frente do cemitério.

— Papai, você não vai entrar? — chamou Graziela, pegando a


mão dele. — Assim o senhor poderá ver a sua mamãe também.
— Ela não… — Ele parou no meio da frase, vendo a
ansiedade da nossa filha. Sabia que ele queria dizer que sua mãe
não estava ali, mas nunca a magoaria revelando algo desse tipo.

Alessandro não conseguia negar nada a ela; até na escola


prometeu que não ia interferir sobre ela dançar com garotos. Mas
nessa manhã recebi uma ligação alertando que as meninas

dançariam sozinhas, separadas dos meninos. Claro que tinha o


dedo dele nisso.

Graziela não se importou; contanto que dançasse, para ela

estava tudo bem. Meu doce bebê não conhecia o pai protetor que
arrumou. Eu ficava feliz pelo seu cuidado, pois isso significava que
ele amava a minha filhota.

— Tudo bem — respondeu por fim.

Ele não acreditava nesse negócio de se despedir dos entes


queridos em cemitério; para Alessandro, isso não era nada. Mas
entrou mesmo assim, por nossa filha. Esse gesto aqueceu a minha

alma.

Fomos a uma lápide feita recentemente. Meu coração estava


acelerado, porque nunca imaginei que pudesse me despedir dela
como faria nesse momento. Uma parte de mim não queria estar ali,
pois era doloroso demais.

Na lápide tinha uma foto da minha mãe, sorrindo, a mesma

foto que estava na correntinha de Graziela. Cabelos loiros


compridos e olhos brilhantes de emoção. Foi nesse dia que ela
soube que estava grávida da minha filha.

Olhei para Alessandro com meus olhos molhados.

— Obrigada. — Engoli o choro.

— Você e Graziela mereciam se despedir de sua mãe. —


Aparou minhas lágrimas.

Agradeci ao padre e à vizinha, fossem eles quem fossem; não


morávamos naquele bairro muito tempo para tê-los conhecido,
minha mãe achou que era mais fácil estar perto do hospital e por

isso nos mudamos. Outro detalhe é que pensávamos em fugir na


época.

Fiquei de joelhos em frente à lápide e coloquei o buquê de

flores vermelhas, as que ela adorava.

— Mamãe, eu estou aqui com a Graziela, a nossa filha. —


Olhei para a minha menina ao meu lado.
Graziela também segurava duas rosas nas mãos. Entregou
uma ao Alessandro, que a pegou, mas não disse nada.

— Papai? Você também pode colocar onde sua mamãe está


— falou. — Ela vai adorar.

Tinha contado que a mãe de Alessandro jazia ali, e Grazi se

empenhara a visitar as duas. Ela compreendia o conceito de morte,


embora não em sua totalidade. Um dia, entenderia.

Meu marido não disse nada, apenas saiu para a direita de

onde estávamos.

— Sinto muito por não a conhecer, mamãe, eu sou Graziela.


Estou feliz com a mãe que tenho, porque ela me ama muito, e
juramos estar sempre juntas.

Um aperto em meu peito me fez chorar com a dor da saudade.


Sofri por sete anos. Antes, eu não sabia onde Carina estava, mas
naquele instante acreditei que ela finalmente descansaria em paz no

Céu.

— Mamãe, obrigada por me dar a minha irmã e por ela estar


sempre do meu lado me amando e me protegendo. Sei que, do Céu,

a senhora olha por nós duas e meu papai — disse ela. — Amo os
pais que me deu.
Como eu podia amar ainda mais uma criatura tão linda e

meiga como essa? Acreditava que Deus cruzou os nossos destinos;


agradecia por essa minha família maravilhosa.

— Queria que estivesse aqui comigo, mamãe, porque iria

adorar o homem que tomou o meu coração e a minha alma. Saber


como Graziela o ama, e como ele a ama também. Alessandro nos
protege e nos adora — falei, limpando meus olhos, e fiquei de pé. —

Eu a amo. Para sempre.

— Vou cuidar da minha mamãe por você — declarou minha


princesa.

Senti braços à minha volta e agradeci novamente a Deus e ao


destino por terem me trazido até ali, àquele homem e à nossa filha.

— Está tudo bem? — sondou preocupado ao ver o meu rosto


molhado.

— Sim, só agradecendo à minha mãe. É por causa dela que


estou aqui hoje e o conheci. Acredito que Carina ficaria feliz e nos
ajudou de certa forma, tanto ela como a sua mãe. — Olhei para ele,

que franziu a testa. — Sei que não crê nisso, mas as duas eram
maravilhosas e estão no Céu agora olhando por mim, por você e por
nossa filha.
— Seja quem for que as enviou para mim, eu agradeço,
porque são as coisas mais preciosas da minha vida — afirmou,
voltando-se a mim e à Graziela. — Não fiz nada para merecê-las,

mas por vocês duas e pelos meus irmãos eu enfrentaria o Céu e o


Inferno.

Tinha consciência de que Alessandro o faria. Esse gesto me

levava a querer gritar de emoção e amor. Mesmo que ele não


acreditasse em nada disso, ainda estava ali e viria conosco mais
vezes. Sim, esse homem foi feito para mim, assim como eu fora

feita para ele. O destino e o Universo nos uniram, e nada e nem


ninguém nos separaria.

Com ele residia o meu futuro, a minha felicidade e o meu

mundo todo. Um mundo no qual estava ansiosa para viver. Era


realizada, e tudo graças ao meu capo e à minha filha.
Copyright© 2020 - Ivani Godoy

Revisão: Kátia Regina Souza e Sara Ester


Capa: Babi Dameto
Diagramação digital: Denilia Carneiro

1ª Edição

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa.
Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte desta obra, através de quaisquer
meios — tangíveis ou intangíveis — sem o consentimento escrito da
autora.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº.
9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sinopse

Miguel Sales, chefe de um cartel dos Lobos solitários, controlava


uma imensa nação. Ao longo de sua trajetória, permitiu-se

transformar em um assassino brutal para encontrar sua irmã.


Contudo, não contava que, nessa jornada, pudesse conhecer… o

amor de sua vida.

Luna Morelli tinha sonhos, sonhos estes distantes do seu mundo

sombrio. Mortes, sangue e perigos a rodeavam constantemente,

fazendo-a refém dos próprios medos.

Ela era tão doce que, aos olhos de Miguel, se assemelhava a um

anjo puro e intocado.


Ele moveria o Céu e a Terra para protegê-la. Nem que, para isso,

precisasse sacrificar tanto a sua vida quanto o seu desejo de


vingança.
Prólogo

Miguel

Meu objetivo sempre foi entrar no cartel; hoje, eu estava prestes a

realizá-lo. Cumpri, sem problemas, cada desafio me passado.


Roubei, matei e cobrei dívidas. Mas o teste final seria deixar que os

outros membros me espancassem.

O sangue fervia em minhas veias. Meu coração pulsava de forma

irregular, tão rápido que nem sequer sabia como me levantaria após

tantos socos. Porém, eu precisava aturar todos eles para fazer parte
desta organização e chegar mais perto da minha meta: recuperar o

que, havia muito tempo, fora tirado de mim.

Sentia meu corpo se deteriorando, os ossos rangendo, a pele

rasgando. No entanto, se não ficasse parado, eu jamais me tornaria


um membro do cartel.

Não pensei nas agressões; foquei em minha irmãzinha, levada de

mim e da minha família. Meu pai deveria ter ajudado, afinal, tinha
muito dinheiro, mas não moveu um dedo.

Ódio. Eu repudiava meu pai, e, um dia, o faria pagar por tudo que
não fez.

Cada músculo protestava, em agonia, mas me mantive firme e não

gritei. A regra era aceitar tudo calado, sem protestar.

Alessandro, do outro lado da sala, não podia impedir o processo.

Apenas me olhava, me pedindo para ser forte. Ele não concordava

com as regras, mas não se metia, pois estava fora de sua jurisdição.

Alvoroçados, os integrantes do cartel me estimulavam a continuar

vivo após tanta pancada.

― Chega! ― disse Rocío Alcala, chefe dali e braço direito de

Hector, líder dos Lobos Solitários. Todos pararam. Eu senti alívio por

um segundo. ― Você aturou quarenta socos sem ao menos gemer.


Gosto de pessoas decididas e fortes. Acredito que se for torturado
por um grupo inimigo, não dará com a língua nos dentes. ―

Abaixou-se do meu lado, mostrando seu domínio. ― E, se o fizer, eu

o mato.

Não desviei minha atenção.

― Não irei ― prometi diante de todos.

Com esse juramento, o verdadeiro Miguel morria, nascendo um

assassino em seu lugar. Não me arrependia nem por um segundo;

por minha irmã, eu entraria no Inferno.

Emília… Espere, minha princesa, logo buscarei você, pensei.


Capítulo 1

Luna

Aos oito anos

Mamãe estava doente havia algum tempo. Até fiz um chá para ela,
pensando que fosse melhorar. Preparei antes de meu pai chegar,

pois além de ele não gostar que ajudássemos os serviçais, não


queria que eu fosse no seu quarto.

Gostaria de estar todos os dias ao lado dela, mas ainda me

lembrava das palavras dele quando entrava lá. Não só das palavras,
de seu cinto de couro também, com o qual apanhei muitas vezes.

Mamãe valia o risco.

Suas ordens eram bem claras: “Não entre no meu quarto, ou será

castigada”.

Fui criada para ser obediente. Isso me irritava, aguentar tudo de

cabeça baixa, feito um fantoche. Poucas meninas da minha idade

haviam visto ou enfrentado o mesmo que eu. Por isso, amadureci


antes da hora. Meus irmãos costumavam me tratar como uma

inocente, uma criança, e eu de fato era, pela idade, mas me sentia

mais velha. A vida ― ou, no meu caso, a máfia ― nos ensina a


crescer.

Não podia deixar mamãe sozinha, pensando que a abandonei,


sendo que isto não era verdade. Aproveitei a saída de papai e fui

para o quarto deles, onde minha mãe estava moribunda. Segurei as

minhas forças para não transparecer que tinha medo de perdê-la.

Ao entrar, eu a vi de pé em frente ao guarda-roupa. Enxergá-la


assim, magra demais e com os olhos fundos pelas noites

maldormidas, doía muito em mim.

Coloquei o chá na mesinha e corri até ela.


― Mamãe, por que está de pé? ― Peguei-a pela mão e a levei de
volta à cama.

― Só estava ajeitando algo ― respondeu com a voz fraca,

suspirando ao se acomodar no colchão.

Meus olhos se banhavam em lágrimas.

― Não pode se levantar, está muito fraca ― adverti, ajeitando a

coberta sobre ela.

Eu odiava não poder fazer nada. O único que conseguiria aliviar a

sua dor seria o meu pai, caso a levasse em um hospital. Mas ele

não queria que todos descobrissem a sua doença.

Quando a via assim, eu sentia certo desprazer por papai; sabia que

era errado, por ser o meu pai e o capo, mas ele deveria ajudá-la,

tratá-la como um ser humano e sua esposa. Porém, aquele homem

não se importava com ninguém.

Ajoelhei-me e toquei a sua mão frágil estendida.

― Mamãe… ― Sentia-me impotente.

― Tudo bem, meu amor, não fique triste com a minha situação ―

sussurrou, abatida.

― Queria poder fazer alguma coisa. ― Limpei as lágrimas do meu

rosto, mas outras rolavam sem controle.


― Não chore, pequenina, tudo ficará bem ― consolou-me.

― Mamãe, a senhora está muito doente… ― Cerrei os meus

punhos. ― Por que papai não a leva a um hospital? Os médicos a

ajudariam.

― Oh, minha querida, o câncer já está muito enraizado para a


medicina ajudar. ― Tentou levantar a mão para acariciar o meu

rosto, mas não conseguiu, então eu me aproximei mais.

Coloquei minha mão sobre a sua e a mantive ali, sentindo o seu


pulso fraco.

― Não quero que vá embora ― choraminguei.

― Eu sei, meu bem. ― Sua voz saiu tão baixa e falha que quase
não ouvi.

― Não fale agora, isso a deixa cansada ― pedi, esquadrinhando a

sua face bela.

― Luna… ― Fechou os olhos por um segundo, respirando com

dificuldade.

― Alguém me ajude! ― gritei, mas ninguém viria ao seu socorro,


não os guardas. Meus irmãos teriam nos auxiliado, mas nenhum

deles se encontrava lá.


A porta foi aberta. Temi ser o meu pai. Felizmente, Rafaelle entrou

por ela. Não sabia que estava em casa, achei que tivesse saído.

― O que foi? Não devia estar aqui, se papai descobrir… ― Parou


de falar e olhou para a nossa mãe. Apressou-se em direção a ela,

ficando perto de mim, mas ele também não podia fazer muita coisa.
A dor estampava as feições de nós três. ― Mãe? ― Ele a ajudou a
se apoiar direito nos travesseiros e colocou a cabeça dela de lado

para respirar melhor. ― Eu queria…

― Sei disso, meu filho. Mas a vida é como deve ser.

― Não pode nos deixar… ― supliquei.

― Lamento… ― Foi interrompida com um estrondo na porta.

Agora em pé, Rafaelle e eu fitamos nosso pai.

― O que está acontecendo aqui? ― Marco sibilou, nos fulminando.

― Isso é culpa sua! ― Era para ser um grito, mas só saiu um


lamento.

Marco me olhou como se eu fosse um inseto repugnante, e não a

sua filha.

― Menina malcriada. ― Desceu uma bofetada na minha cara. Eu


teria caído, se Rafaelle não tivesse segurado o meu braço e me
firmado no lugar.
Não liguei para a dor, já estava tomada dela.

Ele pretendia me bater de novo, mas Rafaelle entrou na frente,

recebendo o soco desta vez. Tentei impedir; meu irmão não aceitou,
apertando o meu braço, enfatizando para que eu ficasse quieta.

Uma fúria pior do que antes assumiu a expressão de papai.

― Você e Alessandro estão começando a me irritar ― disse e


depois me fuzilou, ordenando: ― Saia daqui.

― Não vou…

― Não me faça perder a paciência.

Estremeci ante sua fúria. Rafaelle apertou o meu braço novamente,


em um pedido não dito.

Não queria sair, todavia, se ficasse, meu pai me bateria, e meu

irmão tornaria a entrar na frente.

Olhei para a minha mãe, encolhida e receosa de que papai me


ferisse. Para não a preocupar, assenti e rumei à saída, deixando
mamãe e Rafaelle com a raiva do meu pai.

Deveria correr, mas fiquei paralisada após a porta se fechar atrás de

mim.
Um segundo depois, ouvi um cinto estalar, e Rafaelle gemer. O
mesmo método usado em mim e na Jade.

Ofeguei de pavor. Estava a ponto de entrar lá de novo para receber


a punição em vez dele, mas uma mão cobriu a minha boca.

Virei-me e relaxei com Alessandro ali. Ele endureceu ao notar

minhas lágrimas.

― O que houve? ― Encarou a porta, soturno, reparando nos ruídos


lá dentro. ― Vou resolver isso.

― Rafaelle… ― Eu não conseguia parar de chorar.

Esquadrinhou o meu rosto, limpando as lágrimas.

― Confie em mim ― pediu com sua calma usual. ― Tudo ficará


bem.

Acreditava em Alessandro, tão protetor. Ele era o único que ainda ia

contra o meu pai, às vezes. Não que eu entendesse muito da


hierarquia da máfia. Apenas torcia para papai não o machucar.

― Vá para o seu quarto e não saia de lá, nem diga nada do que
houve aqui à Jade ou ao Stefano. As coisas podem tomar outro

rumo.

Assenti. Jade e Stefano tinham um gênio compatível, ambos sem


paciência nenhuma. Recebiam castigos recorrentes por
desobedecerem ao nosso pai.

― A mamãe… veja como ela está e diga a Rafaelle que lamento por

ele apanhar por minha causa ― sussurrei.

― Direi, mas não fique assim, nós somos fortes, treinados para

aguentar.

Queria discordar e gritar que Marco era um monstro, mas minha


fúria em nada ajudaria. Se ele soubesse do meu ódio, me trancaria

nas masmorras, tal qual fazia com os meus irmãos de vez em

quando.

Alessandro bateu à madeira e, em seguida, entrou. Antes que eu

pudesse ver o que estava acontecendo lá dentro, a porta foi fechada

na minha cara.

Viver e ser criada na máfia era horrível; se não fosse pelos meus

irmãos, eu já teria fugido, embora não tivesse para onde ir, com a
minha idade. O mundo fora daquela casa também seria cruel.

Mamãe carecia de repouso. Eu não queria perdê-la.

Fui para o meu quarto com a esperança de que Alessandro

ajudasse o nosso irmão. Ajoelhei-me no chão e rezei para mamãe

melhorar. Confiava que se recuperaria, apesar de não haver cura


para a sua doença. O padre nos ensinava a nunca perder a fé, e

mamãe acreditava nisto, logo, eu não desistiria de lutar.

Stefano entrou. Ele era quatro anos mais velho que eu, porém, um
homem formado, parecia ter mais de dezessete anos, e não doze.

― O que houve, princesa? ― sondou, perto de mim, com Jade logo


atrás.

― Estão brigando no quarto da mamãe. Quis ir lá, e Stefano não

deixou ― Jade complementou, com os olhos vermelhos.

― Se entrasse, papai a machucaria ― disse Stefano com um

suspiro duro.

― Mamãe parecia tão abatida… ― Eu me encolhi.

Jade trincou os dentes, afirmando:

― Odeio ser filha dele, maldito desgraçado.

Ela tinha razão quanto a isso. Nascemos no berço da máfia e fomos

ensinadas a acatar as ordens do capo. Esperava que, um dia,

Alessandro ocupasse este cargo, e as coisas mudassem.

― Eu sei, minha pequena ― falou Stefano. ― Alessandro cuidará

de tudo. ― Antes de alguém comentar algo, houve um alvoroço no

corredor. ― Esperem aqui, vou lá checar a situação.


Na hora, eu senti que tinha acontecido algo com a mamãe.

Planejava sair também, mas Stefano trancara a porta.

― Stefano, abra isso ― Jade berrou, esmurrando-a com força.

O medo me apossou. Eu deveria ser forte, talvez não fosse nada

demais…

Alguns minutos depois, a porta foi aberta. Por ela, entrou


Alessandro, devastado.

― Não, por favor, não! ― supliquei, aos prantos. ― Mamãe está


bem, não é?

Sua hesitação confirmou minhas suspeitas. Jade correu para

Alessandro e o abraçou, chorando.

― Foi por minha causa? Pelo estresse da discussão? ― inquiri,

num fio de voz.

Alessandro piscou com a minha pergunta, espantado.

― Por que seria? ― sondou Jade. ― Mamãe estava doente…

Meu irmão tocou a minha testa e o meu coração.

― Não é sua culpa. O estado de mamãe era grave. ― Aparou

minhas lágrimas. ― Preciso que sejam fortes, vocês duas. Ela

gostaria disso.
Mal consegui escutar o que ele dizia; a dor me consumia. Quando

algo desse tipo acontece conosco, parece surreal. Desejei estar em

um pesadelo, assim, logo acordaria.

Naquela noite, lamentamos sua partida em silêncio: fomos proibidos

de chorar na presença de Marco.

Não entendia como alguém podia ser cruel a ponto de privar seus

filhos de velar a mãe. Eu quis gritar, mas só pioraria tudo, afinal,

tínhamos de obedecer ao capo.

O velório ocorreria em breve na igreja, mas papai não nos autorizou

a ir. Até pensei em fugir, contudo, quem pagaria o preço seriam os

meus irmãos.

Não fazia ideia de quantas horas fiquei no meu quarto em prantos

devido à perda da mulher que mais amava no mundo.

Jade, que estava comigo, se pôs de pé.

― Não vou ficar sem vê-la! ― Enfureceu-se, pisando duro rumo à


sala.

Corri atrás dela.

― Espere! ― Tentei segurar o seu braço, mas minha irmã foi mais

rápida, desvencilhando-se do meu toque.


Marco tinha acabado de surgir na sala quando Jade se lançou sobre

ele.

― Eu quero ver a minha mãe! ― gritou. ― Não tem o direito de nos

impedir.

― Como ousa me enfrentar?! ― vociferou. ― Sou seu pai e o capo.

Merece ser castigada por sua insolência.

Ninguém amenizaria a ira de Jade naquele instante.

― Tenho um coração, ao contrário de você, que é um monstro sem

alma. ― Chorou. ― Eu o odeio, era para você ter morrido, e não


ela.

― Jade, por favor… ― esforcei-me para acalmá-la.

Marco desferiu uma bofetada tão forte no rosto dela que cortou o

seu lábio.

― Você testa a minha paciência, menina ― rosnou, aproximando-se

de Jade.

Eu entrei na frente, fechando os olhos e esperando pelo impacto, o

qual nunca veio. Deparei-me com Alessandro nos protegendo, o que

aumentou a fúria de Marco.

― Estou farto disso! ― rugiu papai.


― Estão esperando o senhor na igreja, capo ― disse Alessandro,
frio. ― Eu resolvo este assunto, não se preocupe.

Marco suspirou, fuzilando Jade e eu.

― Vou deixar passar só desta vez. Mas se me desobedecerem no

futuro, pagarão por isso.

Saiu sem mais nenhuma palavra.

― Lamento, Alessandro. ― Jade se voltou para ele. ― Eu só queria


me despedir dela…

― Eu sei, pequena. Sinto muito por não poder fazer nada. Ele

castigaria vocês duas, se eu tentasse.

― Entendemos… ― Abracei-o.

Alessandro ficou conosco naquela noite, nos confortando, mesmo

tomado de dor. Meu irmão raramente demonstrava os seus


sentimentos.

― Um dia isso passará, eu juro. ― Alisou os meus cabelos e


apertou a mão de Jade. ― Serei capo, e ninguém nunca mais

tocará em vocês.

Ele não fazia promessas vazias.

― É difícil ver toda essa crueldade sem poder reagir ― murmurei.


― Não custava ele nos autorizar a vê-la, afinal, deixou você e
Rafaelle, mas não a Luna, o Stefano e eu.

― Marco considera Rafaelle e eu mais controlados para situações


assim. ― Suspirou. ― Já vocês três chorariam na igreja. Ele não

aceita demonstrações públicas do que pensa ser fraqueza.

Jade pegou a camisa de Alessandro e implorou:

― Quando estiver lá hoje, por favor, diga à mamãe que nós a

amaremos para sempre.

― É claro ― garantiu.

Alessandro não acreditava em vida após a morte, mas eu tinha fé de


que ela iria para um bom lugar. Não existia mulher melhor no

mundo. O Céu pertencia à mamãe.

Eu esperava que, eventualmente, a dor passasse, restando apenas


a memória de sua personalidade vibrante e de seu sorriso meigo.
Capítulo 2

Luna

Aos dezesseis anos

Faz oito anos desde que perdi a minha mãe. No aniversário de sua
morte, eu ia ao cemitério situado em nossa vasta propriedade; nele,

jaziam gerações de Morellis. Era uma forma de conversar com ela e

matar um pouco a saudade que sentia.


Nesse meio-tempo, comecei a entender o quão desumano era meu

pai, maltratando minha mãe antes dela partir e machucando meus


irmãos e eu.

Papai me bateu nos anos anteriores, sempre que eu ia ali. Eu nem


sequer entendia por que ainda me castigava, se eu já vivia em um

cárcere permanente desde que nasci. Não conseguia sair a canto

nenhum sem ser vigiada.

Tinha sonhos que nunca se tornaram realidade, por culpa do meu

pai. Gostaria de viver nem que fosse uma vez.

― Ei, mamãe, olhe eu aqui de novo.― Sentava-me no chão ao lado

da sua lápide, olhando a linda foto dela. ― Sinto tanto sua falta.

O dia estava perfeito, brilhante, a brisa embalava as árvores, mas


eu só via escuridão. A dor me impedia de respirar. Queria ser feliz

por completo, mas não podia, com essa perda.

― Eu o odeio tanto, por culpa dele a senhora se foi, só ficou a

saudade. ― Expirei, fechando os olhos e escorando a cabeça na


lápide. ― Sei que é errado desejar o mal dos outros, você não

gostaria disso, mas é tão difícil olhar para ele todos os dias, com

sua frieza e egoísmo. Como vou suportar?


Coloquei a mão no peito, que doía. Não suportava magoar mamãe.
Ela podia não estar comigo, mas cumpriria minha promessa a ela.

― Na noite passada, fui até o quarto de papai enquanto ele dormia,

com a arma que peguei no seu escritório em minha mão. Apontei

para ele, mas não consegui atirar. Não sabe o que senti: a

impotência, a dor de vê-lo seguindo sua vida como se nada tivesse

acontecido. Sua desumanidade me enoja. ― Limpei as lágrimas. ―


Pela promessa que fiz a você, não consegui puxar o gatilho. No

fundo, foi por minha causa também, matar não é da minha natureza.

Mesmo antes de você ter feito Jade e eu jurarmos nunca ir por esse

caminho, já sabia que não seria meu destino. Mas é tão difícil olhar

para a cara dele…

Ele saía todos os dias para “trabalhar”, ou seja, fazer maldades.

Sim, meus irmãos seguiam esta linha, mas o meu pai era

desumano, enquanto Stefano, Rafaelle e Alessandro tinham um

coração. Os três nos amavam e nos protegiam, ao menos dentro de

seu alcance.

― Quando levantei a arma, pensei que me libertaria dele, mas não


consegui. Minhas mãos tremiam tanto que achei que a arma cairia.

Me sinto fraca…
― Você não é fraca ― respondeu alguém à minha frente.

Abri os olhos, a ponto de gritar, mas reconheci Miguel, amigo do

meu irmão. Conversei com ele algumas vezes.

― Alessandro me mandou aqui, queria que eu a levasse de volta


antes que seu pai retorne e descubra que fugiu ― disse, escorando-
se em uma árvore perto da lápide.

Supus que estivesse distante para não me causar medo, afinal, ele

era alto, barbudo e com cabelos um pouco grandes.

― Desde quando está parado aí? ― perguntei, sem sair do lugar.


Não iria embora agora, passaria a tarde lá. Uma surra a mais ou a
menos não faria diferença.

― Há algum tempo. Mas você parecia tão concentrada que não

pude deixar de ouvir. ― Suspirou, com um sorriso triste. ― A dor da


perda é algo que nunca esquecemos. Poderia dizer que passará,
mas estaria mentindo. Ela nos segue a vida toda.

Franzi a testa.

― Perdeu alguém que amava? ― sondei, confusa.

Em nosso mundo, o que mais tínhamos eram perdas. Claro, lá fora,

as pessoas também morrem, mas conosco era mais frequente.

Distante, Miguel mirou a copa da árvore por um segundo.


― Se não quiser contar, não é necessário. ― Eu mesma falava

pouco da minha mãe com os meus irmãos. Houve uma época em


que a mencionava seguidamente, mas senti que todos sofriam com

isto, então deixei quieto. Agora, só conversava com ela no cemitério,


embora soubesse que nunca teria uma resposta.

― Minha mãe morreu quando eu era pequeno, um pouco mais


velho que você na época em que a sua se foi. Adoeceu devido ao

roubo da minha irmãzinha ainda bebê…

― Sua irmã foi roubada? ― interrompi-o, tentando estimar a


proporção de dor que ele decerto experienciou nesse curto espaço

de tempo.

― Sim. Mamãe sofreu muito com a culpa. Foram meses comigo a

estimulando a seguir sua vida, sabe, ter um foco. ― Suspirou


novamente. ― Queria que entendesse que não havia só minha irmã

em jogo, que eu também precisava dela, mas não teve jeito. A cada
dia, seu quadro se agravava. Só queria dormir, não ligava se era dia

ou noite. Mesmo respirando, já não vivia.

Solidarizei-me com a angústia de Miguel. Eu ao menos tinha meus

irmãos.

― O que aconteceu depois?


Sua expressão ficou distante, como se estivesse preso nas
memórias.

― Eu a encontrei no chão do seu quarto, sem respirar. Fui


escoteiro, sabia coisas básicas de reanimação. Fiz o meu melhor,

mas era tarde…

― E seu pai? ― Miguel não o mencionara. ― Ele não ficou do seu


lado? É um monstro como o meu?

Riu.

― O juiz Ávila não liga para ninguém. Quando minha irmã foi
levada, ele não moveu uma agulha para encontrá-la, tudo para não

sair na mídia. Apenas nos falou que ela morreu, após algum tempo.

― Oh, meu Deus! ― Estreitei os olhos. ― Mas seu pai não era

mafioso? O chefe dele não fez nada?

Sacudiu a cabeça.

― Não sou da máfia. Bem, não nessa época. Meu pai é só um juiz
com influência de quem está do lado errado da lei. Como eu era
novo demais para enfrentá-lo, jurei que assim que crescesse fugiria

do colégio interno ao qual me enviou. Com dezesseis, escapei no


intuito de localizar minha irmã. Nunca a esqueci. ― Voltou sua

atenção a mim. ― Entrei para o cartel com o objetivo de encontrá-la.


Poderia ter pedido ajuda ao Alessandro, mas se seu pai
descobrisse, ele estaria encrencado. Então seu irmão me auxiliou a
me tornar chefe do cartel dos Lobos Solitários.

Meu coração se encheu de emoção por meu irmão ajudar um

amigo. A história de Miguel, igualmente, me tocou. Teve que mudar


sua vida para chefiar uma organização de criminosos ― os cartéis

são como a máfia.

― Lamento… ― Ninguém merecia ser condenado a uma situação


dessas. Eu só continuava na máfia pelo bem-estar dos meus

irmãos.

Deu uma risada linda.

― Não lamente, tomei essa decisão há muito tempo e não me

arrependo de nada. Por minha irmã, faria qualquer coisa.

Tínhamos isso em comum. Era como se lesse a minha mente.

― E seu pai, que fim levou? Liderando o cartel, acabou com ele? ―
Miguel podia, ao contrário de mim.

Sua expressão se tornou sombria.

― Na verdade, eu queria muito isso, mas não, não o eliminei. ―

Amainou o tom enraivecido, respirando fundo. ― Entendo você não


ter puxado o gatilho, apesar de sermos diferentes. Você parece ser

uma garota doce e meiga, incapaz de matar uma barata.

Pelo jeito, era um bom leitor de expressões, como meus irmãos.

― Matar é pecado. Prometi à minha mãe nunca fazer nada assim.

Não quero ser uma assassina, como Marco. E você, o que o impede

de acabar com o seu?

― Minha vingança será lenta. Quero vê-lo sofrer, perder toda sua

imagem. Eu o quero caído, gemendo. ― Olhou o relógio no pulso.

― Vamos, seu pai chegará em meia hora.

Virei para a lápide mais uma vez. Conversar com Miguel me ajudou

a esquecer um pouco da dor que sentia nessa data tão difícil.

― Obrigada por me escutar e desabafar comigo. Eu me sinto

melhor agora. ― Levantei-me, espanando a terra da minha calça.

Eu jamais ficaria totalmente bem, mas precisava arranjar forças para

viver minha vida. Um dia, seria livre do meu pai, então faria o que

desejasse. Até coisas banais, só queria ser eu a tomar minhas

decisões, e não papai.

― Sem problemas. Se precisar, é só me ligar ― falou, virando-se

para sair.

Havia uma moto não muito longe.


― É sua? ― inquiri ao chegar perto dela.

Sorriu.

― Sim, estava indo dar um passeio quando seu irmão me chamou.

Ele não queria que fosse castigada.

― Lamento por ter estragado seu passeio. ― Suspirei. ― Insisto

para Alessandro não me proteger, mas ele não ouve.

― Família serve para isso. ― Fitou-me de lado com um sorriso


educado. ― Mesmo não estando perto da minha irmã, eu a protejo

diariamente.

― Então a encontrou? ― Pisquei, chocada.

― Sim, algum tempo atrás. ― Seu rosto se fechou um pouco.

― Ela está bem? ― Esperava que sim. Miguel era muito legal, a

meu ver. Merecia a felicidade.

― Vivia nos Estados Unidos, com os sequestradores. Uma mulher a

pegou, usando o bebê para recuperar seu marido. ― A voz fervia.

― A maldita morreu há anos. Depois o cara suspeitou que Emília

não era sua filha e… ― Fechou os olhos por um segundo. Ao abri-


los, pareceu mortal.

― E…? ― incitei-o a continuar. ― Por favor, me diga que esse


homem não a tocou…
Meu pai podia ser um monstro, mas, nesse sentido, éramos

protegidas até demais. Claro, com reforço de meus irmãos.

Eu pretendia transar apenas com o meu futuro marido; seríamos um

do outro. Logo, achava horrível pensar em uma mulher sendo


forçada a isso. E não interessava se fosse virgem ou não. Qualquer

uma deveria ter o direito de ficar com vários homens somente por

escolha própria, nunca obrigada a algo.

― Sim, o maldito a engravidou. ― Expirou como se sentisse dor. ―

Cheguei tarde para encontrá-la. Tanto esforço e, no fim, falhei.

Aproximei-me e toquei seu braço.

― Não é culpa sua, você se tornou algo que não queria para

encontrá-la ― falei a verdade.

Ele olhou para a minha mão em seu bíceps e depois para mim.

― Obrigado. Sei que não, mas é difícil evitar o arrependimento. ―

Forçou um sorriso.

― E o cara, você o eliminou? ― Repudiava assassinatos, mas


abusadores talvez fizessem jus a este destino.

― Outra pessoa acabou com ele. A despeito de tudo, amo minha


sobrinha, Emma. Mas isso poderia ter sido evitado.
― Não por você. Como disse, não é sua culpa. ― Retirei minha

mão do seu braço para começar a andar até a moto, situada a

poucos metros. ― Também me culpo pelo que houve com minha

mãe, mas sei que logo ela ia… ― Estremeci. ― Naquela noite, fui
vê-la, estava tão abatida, o coração parecia falhar. Eu só queria

continuar ao seu lado. Meu pai chegou e me mandou embora. Eu

discuti com ele, e Rafaelle entrou na frente, apanhando por mim. O


nervosismo e a impotência de mamãe por não poder nos proteger

como gostaria devem ter acelerado sua morte. Os olhos dela… Se

soubesse que partiria em instantes, teria dito que a amo. Se

pudesse, tomaria seu lugar.

― Não foi sua culpa, Luna, não se atormente com isso ― pediu. ―

Alessandro me contou que a doença dela estava avançada. Não se


martirize, ok?

― Faço de suas palavras as minhas ― sussurrei, sorrindo.

Miguel subiu na moto e me entregou um capacete.

― Venha, já nos atrasamos.

Assenti e fui prender a coisa na minha cabeça, mas não consegui.

Ele tocou em minhas mãos para me ajudar. Meu coração deu

cambalhotas no peito. O que foi isso?


De olhos arregalados, encarava seu rosto lindo. Não sabia que

existia um homem como ele, tão afetuoso. Outro cara nem teria me
escutado ou se aberto comigo. A maioria dos seguranças nunca se

importava, só nos protegia fisicamente e mais nada.

― Não está apertado? ― perguntou. Eu ainda o mirava


embasbacada, feito uma idiota. ― Então? ― Afastou-se, como se

ouvisse meu coração retumbando.

― Está ótimo, obrigada por se preocupar ― agradeci, corando. Subi

na moto, nervosa com a proximidade.

― Segure firme. ― Colocou minhas mãos à sua volta. ― Não solte.

Aquiesci, ignorando o efeito de seu toque. Por um momento, dei

graças aos céus por ele ter aparecido e me dado apoio.

Olhei mais uma vez para o cemitério. Ir embora era sempre

doloroso.

Adeus, mamãe, eu a amo e vou amá-la para sempre.


Capítulo 3

Luna

Sete meses depois

― Jade, você está bem? ― sondei.

Ela encarava o espelho havia alguns minutos, distante.

Certo tempo atrás, meu pai fez um dos seus homens estuprar a

minha irmã com os dedos. Eu não achava que ele chegaria a esse
ponto. Um pai deveria proteger seus filhos. A cada dia, o nojo por

Marco aumentava.

Se eu tivesse filhos, eles seriam tudo para mim. Enfrentaria

qualquer um por minhas crianças, como fazia pelos meus irmãos.

Por sorte, meu pai não estava mais conosco. Suas atitudes

obrigaram meus irmãos a agirem: Marco venderia Jade e eu a uma

organização de criminosos. Na hora, tive medo, mas confiei em


meus irmãos. Alessandro matou Marco e se tornou o capo.

Custava a acreditar que, agora, eu poderia sair para onde quisesse,


inclusive visitar o cemitério sem ser às escondidas.

― Estou. ― Forçou um sorriso e triscou a corrente na qual

guardava um anel de noivado.

Um ano e meio antes, ela conheceu Luca Salvatore. Os dois ficaram

amigos, e Luca disse que se casariam quando Jade se tornasse

maior de idade. Mas após o pai de Luca descobrir sobre seu

relacionamento com minha irmã, o garoto foi embora, dizendo ser


para a proteção dela.

Faz seis meses. Desde então, Jade andava assim, vazia. Ficou pior

depois de Marco tentar nos vender.

― Jade, eu a conheço. Sério, não minta para mim ― pedi.


Ela suspirou.

― Vi Gael ontem. Não sabe a repulsa que senti, o tanto que me

segurei para não pegar a arma do Wolf e matá-lo. ― Respirou

fundo. ― Queria ter feito algo, mas Rafaelle apareceu.

― Não acredito! Gael tentou falar com você? Devia ter contado ao

nosso irmão. ― Nunca o perdoaria pelo abuso à minha irmã. Jade


levaria isso consigo para sempre, aonde quer que fosse.

― Não, só me lançou olhares cheios de triunfo. Aquilo me enojou. E

não posso contar aos garotos… ― Virou-se para mim, quase

chorando. ― Por isso quero ir na viagem à China, já pedi ao

Alessandro. Lá, aprenderei a lutar artes marciais. Ninguém nunca

mais tocará em mim sem que eu queira, nem em você.

Sorri. Confiava nela e nos outros.

― Nossos irmãos jamais deixariam que fôssemos tocadas dessa

forma, estando no poder.

― Eu sei, mas eles não podem nos proteger de tudo. ― Pôs-se de


pé. ― Vou ajudá-los com isso. E, um dia, quando Luca voltar, quero

ser só dele.

Jade ainda esperava por Luca, não o esquecera após todo esse

tempo. Minha irmã era daquelas que, quando ama, o faz para
sempre.

― Torço para que ele volte, e vocês sejam felizes. ― Acariciei sua

cabeça. ― Agora por que não retoca a maquiagem? Vamos

comemorar nossa liberdade!

― Sim, pode ir descendo, irei logo em seguida ― respondeu,


encaminhando-se ao banheiro.

Coloquei um vestido de verão e fui para o corredor, dando de cara

com Sage. Ele era meu segurança. Um rapaz alto, de cabelos


escuros, muito bonito. E meu amigo ― só não tanto quanto Miguel.
Gostava de fazer amizade com os seguranças, considerava bom me

cercar de pessoas queridas.

Na escola, as meninas e os meninos tentavam se aproximar de mim


para pedir coisas aos meus irmãos. Até o telefone deles me

perguntavam! Aí, quando não fazia o que queriam, todos sumiam.


Sage afastava essa gente, com sua cara de mau. Ele me ajudava
quando Miguel se ausentava.

― Miguel chegou ― avisou-me com um sorriso. ― Ele seguirá

vocês hoje, assim como Wolf e eu.

Sabia que retornara do México, mas não tinha conhecimento de que


nos levaria.
― Vai? ― confirmei, animada.

Aquiesceu.

― Não devia se encantar por um homem da idade dele ― me disse,

empurrando meu ombro.

Ele tinha liberdade para brincar comigo só quando estávamos

sozinhos. Se meus irmãos soubessem, poderiam fazer algo que eu


não desejava para meu amigo.

― Não é tão velho ― rebati. ― Miguel é perfeito, um homem

maravilhoso.

Bufou e apontou para o andar de baixo.

― Não quero que saia machucada no final disso, Luna.

― Não vou. E venha, precisamos descer para não deixar ninguém

esperando muito. ― Sim, eu estava ansiosa para ver Miguel. Não o


encontrava havia dias. ― Só me permita ser feliz.

Sage não disse mais nada acerca do assunto. Ele era assim, um
amigo leal.

― Você merece ser, mas… ― Balançou a cabeça, ficando em

silêncio.
Eu não queria pensar que sofreria caso Miguel não reciprocasse
meus sentimentos, então não dei continuidade à conversa.

Minha amizade com Miguel crescia a cada dia; às vezes aparecia na


nossa casa com Alessandro. Meu irmão confiava a ele minha

segurança e a da Jade. Miguel costumava ficar conosco, se


Alessandro viajava. Decerto meu irmão não imaginava o que eu
vinha pensando e sentindo; do contrário, me afastaria de seu amigo.

Eu o admirava às escondidas. O único que sabia era Sage, pois

ficava comigo vinte e quatro horas por dia, além de ser muito
observador.

Estava mais difícil de negar o que eu sentia. Em especial quando eu


subia em cima de sua moto e o abraçava, sentindo o cheiro

delicioso de seu perfume, sua pele quente e seus braços fortes.

Desci para o andar de baixo, onde Miguel nos esperava. Jade ficou
lá em cima, ajeitando algo. Aproveitei para falar com Miguel a sós.

O homem sorriu por um momento e me avaliou assim que cheguei


perto dele, então me puxou para a cozinha.

― Você está bem? ― sondou, preocupado. ― Como anda com os

pesadelos? Eu disse para me chamar quando tivesse um.


― Estou. ― Após tudo o que aconteceu, eu sonhava direto com
sons de tiros, eles me acordavam à noite. Sempre ligava para
Miguel, que me acalmava.

Meu pai foi morto há quase um mês. Eu tentava esquecer o episódio

da igreja. Sim, o maldito usava um templo sagrado para fazer


negócios sujos. Não se preocupava com o castigo de Deus, por não

acreditar em redenção. O mundo estava melhor sem ele; todos nós


estávamos.

― Cachinhos…

Miguel ficou do meu lado e me deixou chorar, manchando a sua

camiseta. Um amigo de ouro. Queria ser mais, mas como revelar


tudo sem perder sua amizade? Eu não transparecia minha

paixonite, afinal, temia que não sentisse o mesmo. Mas se eu não

corresse o risco, nunca descobriria.

― Miguel, estou bem. Livre dele, posso fazer o que eu desejar neste

mundo. Por exemplo, me formar veterinária. Salvar animais

abandonados, montar pet shops e clínicas. Depois, quero viajar pelo


mundo, conhecer lugares lindos. Principalmente, ver a aurora boreal

e esquiar na neve. Viver coisas que não fazia com meu pai.
― Sim, soube que Jade quer ir à China, acho bom você ir junto. ―

Sua voz soava estranha, mas talvez fosse impressão minha.

Sorri.

― É, ela precisa sair e espairecer. ― Assim, Jade não pensaria no

abuso de Gael e na saudade de Luca.

Marco era um animal desumano, nunca o perdoaria. Minha irmã


juntava seus pedaços, retomando o que foi tirado dela. E pior: Gael

ainda gozava de grande saúde por aí, pois nossos irmãos não

conheciam a verdade. Desejava contar; Jade não permitiu. Não


quebraria sua confiança em mim.

Miguel tocou meu rosto, e minha pele formigou. Seu olhar intenso

fazia meu coração bater forte em meu peito e meu estômago se


encher de borboletas.

― Você merece tudo de bom, pequena. Divirta-se na China ― falou


e foi se afastar, mas me aproximei, encarando sua boca e seus

olhos. Havia muito tempo queria beijá-lo, sentir seus lábios nos

meus. ― Luna…

Ele parecia me querer também. Isso me motivava a agir: eu me

declararia a Miguel, não esconderia mais. Como pretendia viajar,


revelaria tudo antes. Teríamos muitas coisas para enfrentar, caso

me aceitasse, mas meus irmãos eventualmente compreenderiam.

Miguel

Eu andava me sentindo estranho. Sabia que estava começando a

gostar dela, não como amiga, mas de outra forma. Queria passar os

dias ao lado de Luna, mesmo que fosse conversando sobre coisas


banais.

Isso era errado. Luna tinha quase dezessete, e eu vinte e sete; um

relacionamento entre nós estava fora de questão. Eu repudiava


qualquer atitude similar ao que aconteceu com a minha irmã. Jamais

tocaria em uma garota menor de idade. Seria melhor me afastar do

que sucumbir aos desejos.

Foi por essa razão que me dirigi à casa dela. Nesses últimos meses

notei a forma como me olhava. Luna gostava de mim também, então


achei melhor cortar o mal pela raiz. Odiaria que sofresse por minha

causa.
Alessandro me pediu que as acompanhasse em seu passeio. Como

eu não tinha reuniões na parte da manhã, concordei em levá-las.


Depois teria a conversa difícil com a Luna.

Ela desceu a escada toda vibrante. Eu a conhecia bem o suficiente


para perceber que parecia decidida. Quanto ao quê? Eu não sabia.

Mas me alegrava o fato da menina querer sair; significava que

estava melhor.

Quando Alessandro me disse o que o pai dele pretendia, eu mesmo

quis eliminar o velho. Contudo, não tiraria isso de meu amigo e seus

irmãos. Mas a vontade não passava.

Marco tinha reunido todos na igreja para oferecer Luna e Jade aos

malditos Rodins. Desejei estraçalhar o crápula. Alessandro o

derrubou, tornando-se capo, um bem diferente do seu pai.

Após, Luna começou a ter pesadelos. Para uma menina como ela,

era difícil presenciar tudo aquilo. Uma garota tão meiga e doce não
deveria ter nascido na máfia, e sim lá fora, em um mundo ao qual

um dia pertenci.

Mais cedo, Alessandro mencionara que suas irmãs escolheriam


quem namorar. Se preferissem pessoas normais, fora da máfia
Destruttore, tudo bem. Isso me tranquilizava. Luna merecia alguém

comum que a amasse, e não um mafioso.

Eu era um assassino frio, havia sangue em minhas mãos. No fundo,


não me arrependia de entrar para o cartel. Estava no lugar certo.

Meus sentimentos em relação à Luna passariam. Nossas perdas


nos conectaram de alguma forma, mas nada além disso poderia

acontecer. Seria errado. Portanto, me afastaria para ela seguir com

sua vida.

Agora, com a menina tão perto, seu cheiro de pêssego me fazia

perder os sentidos. Os olhos azuis brilhavam. Luna me encarava

como se quisesse me beijar. Isso era tão errado que torceu minhas
entranhas. Estava a ponto de me afastar dela quando disse:

― Miguel, eu me apaixonei por você… ― declarou com tanta

esperança e veemência que fiquei paralisado por um segundo.


Desmoronou ao ver a minha expressão.

Sacudi a cabeça, tonto, e dei um passo para trás. Suspeitava que


gostava de mim, mas ouvir que se apaixonara? Tanto me deixou

feliz quanto me fez repudiar a situação.

― Não, isso não pode acontecer. ― Minha voz saiu um pouco alta
ali na cozinha.
Porra! Como fui capaz de aceitar a amizade dela? Podia ter

suspeitado que daria nisso.

A mágoa em seu rosto foi pior do que a tortura que passei para

entrar no cartel. Preferia mil vezes ser nocauteado por todos a

magoar Luna. Ela não merecia.

― Por quê? Você não sente nada por mim? Vejo a forma que me

olha, podemos ficar juntos, sermos namorados.

Não sabia que ela tinha notado. O desejo era intenso, mas não

sexual; ela me despertava uma vontade imensa de embalá-la em

meus braços e protegê-la contra todos, inclusive de mim mesmo.

― O que eu sinto é irrelevante, Luna. ― Não revelaria minha

confusão e fúria por desejá-la. Respirei fundo. ― Não posso ficar


com uma menina da sua idade, isto vai contra todos os meus

princípios e valores.

Eliminava todos os pedófilos que encontrava. Tocá-la me


transformaria em um.

― É por causa dos meus irmãos? ― questionou com a voz baixa e


um brilho de esperança.

Se eles soubessem, me matariam, e com razão. Valorizava a

amizade com Alessandro, ele confiava em mim com suas irmãs.


Quebrar sua confiança não era uma possibilidade. Luna sentiria
raiva, talvez até sofresse, mas entenderia meus motivos no futuro.

Era para o seu bem.

― Não! Só não quero encostar em você, jamais faria algo tão

horrível.

Ela piscou, ferida, com os olhos molhados.

― Horrível? ― Sua voz estava quebradiça.

― Sim, nunca tocarei em uma menina menor de idade.

― Você não me forçaria a nada, Miguel, é bom demais. ― Expirou,

chegando mais perto. ― Confio em você.

Se ela imaginasse as coisas que eu fazia, sentiria nojo. Luna

precisava seguir sua vida, mas não queria que me odiasse.

― Luna, você está livre do seu pai. Pode viajar, estudar, conhecer o
homem certo, de preferência alguém da sua idade, e não um cara
tão velho quanto o seu irmão. ― A dor me assolava. ― Lamento por

eu deixar chegar a este ponto.

― Arrepende-se de se tornar meu amigo? ― As lágrimas descendo


por seu rosto retorciam tudo dentro de mim.

― Não, apenas sinto muito pela situação. Se eu não tivesse me

aproximado, nunca teríamos esta conversa ― falei, cerrando os


punhos.

― Vai terminar nossa amizade? ― sussurrou.

― É o melhor, ao menos até me esquecer. Você é nova, encontrará


outra paixão, e nada os impedirá de ficar juntos. ― Esquadrinhei

sua face e beijei sua testa. Ela permaneceu parada, como se não
conseguisse se mexer. ― Lamento por fazê-la sofrer, me sinto o pior
homem do mundo, mas é o certo. Um dia, verá que lhe fiz um favor.

Vá, realize seus sonhos. Seja feliz, Cachinhos.

Por Luna, faria tudo, inclusive me ausentar e torcer para que fosse
feliz com alguém que a protegesse e a amasse.

Então por que meu peito doía ao imaginá-la com outro?


Capítulo 4

Luna

Sete meses depois

― Quer que todos pensem que estou a fim de você? ― Fiquei


confusa com a proposta de Sage.

Nesses meses sem Miguel, a minha amizade com Sage aumentou.


Ele se manteve do meu lado, enquanto o outro foi embora, como se

eu não significasse nada.


O que me irritava era Miguel ligando direto para o Sage,

perguntando de mim. Eu planejava telefonar de volta e falar para


não se meter na minha vida, mas Sage pediu que não o fizesse.

Foram longos meses sofrendo pela saudade. Para ser franca,


continuava sentindo falta dele. Não queria, mas não tinha escolha;

tentei tirá-lo da minha mente e não adiantou.

Eu ao menos me esforcei, ao contrário de Jade. Ela permanecia


com a esperança de que Luca voltasse. Duas azaradas para o

amor.

Fiquei braba, furiosa por ele partir meu coração. Ainda mais quando

ouvi Stefano comentar que Miguel e ele saíam para “pegar” várias

garotas.

Decidi não ser como Jade. Não pensaria o tempo todo naquele…

mulherengo.

― É complicado. ― Sage interrompeu meus pensamentos.

Ele olhava ao redor, checando se alguém apareceria. Por que

necessitava de minha ajuda?

Estávamos no jardim de casa. Eu banhava o meu cachorrinho,

Burnt, que achei queimado perto da escola. Levei-o rapidamente ao

veterinário. Ainda tinha bastante dano em sua pele. Vê-lo


machucado cortou meu coração. Por que havia pessoas tão más
neste mundo? Stefano prometeu descobrir o responsável por essa

crueldade.

Resolvi ficar com ele por enquanto, em vez de o levar para o abrigo

de animais que meu irmão montou para mim.

― Sage, se não me contar, não posso ajudar. Somos amigos, confie


em mim ― assegurei. ― Você sabe de um segredo meu que nem

Jade conhece. Seja o que for, não revelarei, eu juro.

Não contei à Jade sobre o que houve com Miguel. Ela estava

sofrendo por Luca, evitaria incomodá-la com meus problemas.

Sage deu um sorriso tenso.

― Eu sei. Ninguém conhece o meu também, exceto minha mãe. Se

meu pai descobrisse, não estaríamos tendo esta conversa. ― Seu

tom saiu duro no final.

O pai de Sage era rigoroso demais. Enxergava o filho como um

soldado, e não sua família. Parecia um puxa-saco com Alessandro.


Orgulhava-se de Sage apenas por proteger a irmã do capo. Já a

mãe dele era uma mulher muito querida.

― Juro. ― Gesticulei em sinal de promessa.

Suspirou.
― Meu pai quer que eu me case… ― Soou amargo.

Pisquei.

― Mas você nem se apaixonou!

Ele riu.

― Sou da máfia, Luna, não tenho escolha. Preciso arrumar um jeito


de atrasar isso e pensar em algo. ― Parou de rir, fazendo uma

careta. ― Você só não foi obrigada a se casar devido aos seus


irmãos. Se fosse pelo seu pai, Jade e você estariam

comprometidas. Mulheres se casam aos dezoito e, homens, aos


vinte e dois…

― Meus irmãos não estão casados, e não vejo nenhum deles se


envolvendo com alguém tão cedo. ― Era quase cômico imaginar

meus irmãos se casando, embora quisesse isto para os três.

― Porque eles são quem são. Os outros são forçados por seus
pais. ― Respirou fundo e chegou mais perto. ― O que vou revelar
não pode sair daqui.

Deixei Burnt no chão, quietinho, e fiquei de pé, de frente para Sage.

― Nunca direi nada ― prometi.

Assentiu.
― Eu sou gay ― murmurou, observando meu rosto surpreso. ―

Nossa, olhe a sua cara. Eu não deveria ter dito nada…

Sacudi a cabeça.

― Jamais o criticaria. Se é feliz gostando de garotos, fico contente


por você. ― Corei e sorri. ― Só me espantei por nunca ter
demonstrado interesse por ninguém.

Aparentou alívio.

― Luna, fui criado pelo meu pai para esconder o que sinto. Ele é

muito antiquado. Se descobrisse, eu seria castigado ― disse com


amargura.

― Então quer que eu finja que estou a fim de você? Não posso
namorar quem não amo. ― No meu coração, havia somente Miguel.

Pena eu não estar no seu.

― Não peço isso. Apenas diga que gosta de mim, mas eu não dou
bola, devido à sua idade. Basta eu falar ao meu pai que estou de
olho em você para ele sair do meu pé. Entraria em êxtase. E papai

não iria até seu irmão marcar um noivado, como faria caso se
tratasse de outra pessoa, pois sabe que Alessandro escolherá seu

marido. Ele precisará ser paciente.

― Eu não sei mentir muito bem… ― admiti.


― Depende da situação. Seus irmãos não sabem sobre Miguel ―
apontou.

― E quando me tornar maior de idade? O que fará? Não acha


melhor dizer a verdade?

― Vou encontrar um jeito de sair disso, só preciso de mais tempo ―

garantiu.

― Confio em você. ― Franzi a testa. ― Mas seu pai não vai

considerar estranho você não ligar para mim na frente dos outros?

― Não, ele entende que é menor. Direi a ele que, quando ficar mais
velha, nos casaremos, e que só não posso tornar público agora pois

seus irmãos me matariam se tentasse algo antes do tempo.

― Faz sentido, foi por isso que Miguel não me quis…

Ele tocou meu rosto com tranquilidade.

― Tem algo que preciso lhe contar. Miguel está de volta.

Arfei. Não era possível. Tantos meses esperando por ele… Miguel ia
à Itália, mas nunca em nossa casa.

Antes que comentasse algo, uma voz retumbou do meu lado direito:

― Será que devo cortar suas mãos, Sage? ― Stefano parecia

furioso. ― Não entendeu nosso recado no dia da igreja? Acho que


não fomos claros.

Sage endureceu um segundo, afastando-se de mim. Depois,

suspirou e virou para meu irmão, assim como eu.

Stefano tinha uma faca na mão, mas não se aproximou. Coloquei-


me na frente de Sage.

― Não comece, Stefano, ele só estava me ajudando a dar banho

em Burnt. Além disso, acabei de me declarar para ele, mas Sage


disse que não pode corresponder. ― Seria bom começar a mentira

nesse momento. Voltei-me ao cachorro para meu irmão não

enxergar a falsidade em meu rosto escarlate.

― Declarar? ― indagou um sujeito que eu conhecia muito bem.

Resisti ao impulso de olhá-lo.

Miguel se encontrava na minha casa. Na hora, fiquei feliz, mas

então lembrei o que me disse antes de partir.

― Não pode corresponder? ― Stefano o fuzilou. ― Ela é


maravilhosa, linda demais. Todos querem se casar com Luna e

Jade. Por favor, me explique por que diabos a rejeitou.

Sage suspirou.

― Luna é menor de idade, não podemos firmar um compromisso. ―

Estremeceu, decerto com a ideia de me ter como noiva. ― Quando


ela crescer, se ainda me quiser, eu estarei aqui.

Pela cara de Stefano, respeitava a atitude de Sage.

― Ótimo ― disse e se dirigiu a mim. ― Minha princesa, você é nova


demais. Foque nos estudos, esqueça o namoro. Ninguém neste

mundo é bom o bastante para você e Jade.

Apertei Burnt em meus braços, ignorando os olhares de todos,


principalmente o de um deles. Para meus irmãos, eu ainda era um

bebê que exigia proteção e cuidados.

― Vou entrar e colocar Burnt para dormir. ― Sentia-me louca para

fugir dali. Ao mesmo tempo, queria e não queria falar com Miguel.

― Ei, Cachinhos, por que não está me olhando? Esqueceu os


amigos? ― Miguel inquiriu.

Stefano não podia suspeitar de minha paixão avassaladora. Logo,


levantei minha cabeça. Meu coração bateu forte em meu peito,

saudoso.

Sua barba parecia maior, não aparava havia dias. Evitei focar no
seu sorriso lindo.

― Olá, Miguel ― falei com a maior maturidade possível, recorrendo


à expressão que usava em público, aquele que tive de ensaiar por

anos para quando saía com o meu pai. Aquela distante, de quem
não liga muito para a pessoa à sua frente. Ao menos é isso que

devia significar, pensei, amarga.

Sorri para Sage.

― Vamos entrar? ― chamei-o. Miguel o fulminava.

― Preciso ter uma conversa com ele, Luna. ― Stefano estava sério.

Gelei.

― Para ameaçá-lo? Eu já disse que ele não retribuiu. ― Tentei

imitar a cara que fiz na época em que Miguel me abandonou. Se

algo vazasse, Sage seria destruído, com seu nome na lama.

Stefano o avaliava como uma águia.

― Mesmo assim ― respondeu, seco. Prosseguiu, mais brando: ―


Agora nos dê licença. E prepare suas malas, iremos viajar.

― Para onde? ― sondei, curiosa e animada. Gostava de passear.


Minha última viagem foi à China.

― Chicago, Estados Unidos. ― Stefano sorriu. ― Ficaremos lá por

um tempo.

― Jade já sabe? ― Minha irmã entraria em êxtase, pois essa era a

cidade de Luca.
― Não. Enquanto falo com Sage, diga a ela. ― Lançou-me um olhar

como se pedisse para eu não o desobedecer perante os outros.

Odiei largar Sage com os dois, mas não podia desrespeitar meu

irmão em público.

― Tudo bem. ― Coloquei uma mão no peito de Stefano. ― Pegue

leve, ok?

Sorriu e abaixou os olhos para Burnt, tocando sua cabeça.

― Olá, amigão. ― Burnt latiu baixo. ― Espero que esteja melhor.

― Descobriu quem fez isso com ele? ― Contava que sim.

― Sim, achei os infelizes.

― Denunciou todos?

― Digamos apenas que nenhum deles nunca mais fará mal a uma

mosca sequer. ― Deu de ombros.

Arregalei os olhos.

― Você os… matou? ― Não lidava bem com a morte. A meu ver,

somente Deus tinha tal direito. Porém, amava meus irmãos, então
ignorava essa parte. Afinal, éramos da máfia, um lado ruim sempre

existiria. Ao menos não feriam inocentes.

Stefano suspirou.
― Luna, eles não machucaram só o Burnt, feriram até crianças. ―

Tocou em meu rosto. ― Você é boa demais, não entenderia…

― Entendo, sim, eles merecem… ― Beijei sua bochecha. ― Seja


como for, obrigada por tudo, amo você. Não ligo para o que faça,

nem para as atitudes de Rafaelle e Alessandro.

Miguel, com certeza, fazia o mesmo na sua organização. Teria

aceitado ele, mas agora era tarde.

― Eu sei, princesa. ― Beijou minha testa e se afastou. ― Agora vá


preparar suas coisas, sairemos à tarde.

― Posso levar Burnt? ― Queria que se curasse cem por cento


antes de deixá-lo sozinho.

― Por mim, pode, mas fale com Alessandro, embora eu imagine a

resposta. ― Sorriu, piscando.

Revirei os olhos e lancei um olhar encorajador ao Sage, que estava

calado. Não pude ler sua expressão para avaliar como se sentia.

Passei por Miguel, que sorriu para mim e avisou:

― Serei seu guarda-costas de agora em diante, Cachinhos.

Eu parei para encará-lo.


― Tenho Sage, não preciso de você ― rosnei, perdendo um pouco

de compostura.

― Aconteceu algo entre vocês? ― Stefano nos analisava.

― Não. ― E era este o problema. ― Só não acho necessário outra


pessoa me vigiando.

― É, sim, e mais do que nunca, após saber do interesse pelo seu


segurança ― disse Stefano, mirando Sage.

Poderia retrucar, mas não contaria o que Miguel fez, partindo sem

olhar para trás. Agora vem querendo ser meu protetor? Convenceria
Alessandro a não envolver Miguel em minha segurança. Contudo,

se reclamasse, meu irmão desconfiaria.

Deixei quieto por enquanto e entrei na mansão em forma de castelo.

Meu pai era tradicional para casas. Pretendia espiar pela porta da

cozinha para ver se Stefano não iria machucar Sage, mas Jade

surgiu com a cabeça baixa. Olhando para Burnt, sorriu.

― Oi, coisinha fofa. ― Acariciou-o. Em seguida, me encarou. ― O

que está havendo lá fora?

― Miguel chegou, e Stefano soube que estou a fim de Sage, então

o chamou para conversar.


Usaria o momento a meu favor: se Miguel pensasse que eu amava
Sage, talvez desistisse de conversar comigo.

Jade piscou.

― Está interessada em Sage? Como não notei?

― Sim, mas não é a única novidade. Tenho outra notícia. ― Mudei


de assunto, pois odiava mentir para ela. ― Vamos para Chicago e

ficaremos lá por um tempo.

Arregalou os olhos.

― Chicago? ― Mordeu o lábio, impedindo-se de chorar.

― Exato. Quem sabe Luca apareça e venha falar com você… ―

Tentei animá-la.

― Será? ― Ela teve tanta esperança após Luca sumir, mas, com o

passar do tempo, a confiança desapareceu.

― Se não o fizer, você pode ir até ele, confrontá-lo. ― Luca disse


que se afastaria para protegê-la, acredito que do pai dele, mas Enzo
Salvatore fora morto havia um ano.

― Verdade, nunca desisti facilmente. ― Abraçou-me. ― Vamos


arrumar as malas? Tenho uma intuição de que essa viagem mudará
nossas vidas.
Assenti, ainda preocupada com Sage. Mas Stefano não bateria em
um inocente, no máximo o xingaria.

Eu tinha a mesma intuição de Jade; este era o meu medo.


Capítulo 5

Miguel

Um mês depois

Entrei na mansão dos Morellis, um lugar que já considerava um lar.

Alessandro esteve do meu lado nos piores momentos da minha

vida. Eu o tinha como um irmão, não só ele, mas Rafaelle, Stefano e


Jade também. A exceção era Luna, a caçula da família de meu

melhor amigo.
Desde que a conheci, dois anos antes, eu notei algo de diferente

nela. Sua doçura e bondade me tocaram fundo. A garota não foi


feita para viver neste mundo no qual entrei por escolha própria.

Pertencer a um cartel mexicano parecia natural para mim, embora


sentisse que os Lobos Solitários levaram um pedaço da minha alma.

Mas, no final, tudo deu certo, porque consegui recuperar a minha

irmã. Sacrifiquei minha vida por ela e o faria de novo.

Com isso, eu conquistei amigos leais. Não falo de servos, e sim de

homens que morreriam por mim sem pestanejar.

― Deseja alguma coisa, Sage? Posso trazer, se quiser. ― Eu

reconheceria essa voz inocente em qualquer lugar do mundo.

Luna tentava seduzir o segurança por quem tinha uma queda.


Contudo, ela nem sabia como ser oferecida; a menina nunca havia

sido beijada, e se dependesse de mim, Sage não se voluntariaria.

Cheguei mais perto, virando o hall da cozinha, e a vi de pé na

varanda dos fundos, vestida com um biquíni verde que combinou


com a sua pele de marfim e o seu corpo esbelto.

Não notei os demais na piscina, só liguei para ela, quase nua na

frente daquele imbecil. Claro, por Luna ser menor de idade, Sage

não a tocaria, assim como eu. A diferença era que, por ela, eu faria
qualquer coisa, inclusive dar a minha vida. Já Sage só a protegia
por obrigação.

Cerrei os meus punhos e me controlei para não socá-lo ou continuar

admirando a perfeição do corpo de Luna, cheia de curvas

magníficas que eu sonhava em possuir um dia.

Não deixaria outro cobiçar o que seria meu dentro de seis meses,
dois dias e cinco horas. Sim, eu contava cada segundo. Desejava

entregar o mundo àquela menina. Casaríamos e formaríamos uma

família linda, se ela aceitasse.

Sage estava escorado na parede, sem expressão, mas eu sabia ler

as pessoas muito bem e pude reconhecer a fome por trás da

fachada.

― Luna! ― sibilei, fazendo-a pular e me encarar com os olhos

estreitos. Fuzilei Sage. ― Por que não vaza? ― rosnei. Se ele não

sumisse, eu não responderia por mim.

Sage suspirou.

― Estou seguindo ordens ― disse.

― Não me lembro de Alessandro ter mandado você a comer com os

olhos. ― Segurei os meus instintos para não quebrar a sua cara. ―

Agora saia!
― Você não manda aqui. ― Ela entrou na minha frente.

Fitei-a de lado, esboçando um sorriso.

― Oh, Cachinhos, você não quer se meter nisso ― falei a ela e

depois a Sage: ― Então?

O cara balançou a cabeça, divertido, e se foi. Nem se despediu de

Luna. O que ela via nele? Sage não se importava, a tinha como um
trabalho e nada mais. Estranho, pois assegurou que se Luna o

quisesse quando fosse mais velha, ficariam juntos. Foi o que disse
ao Stefano. Na hora, quis esfolar esse fedelho. Só aconteceria por
cima do meu cadáver.

― Não tente controlar minha vida, Miguel. ― Sua voz fervia.

Luna sempre achava um lado bom em todo mundo, não imaginava o

que os predadores pensavam. Por mais que a menina considerasse


Sage uma boa opção, eu não confiava que ele realmente estivesse
interessado nela. Tinha medo de que apenas objetivasse acesso

ilimitado aos poderes do capo, por isso eu a protegia. A garota não


merecia ser usada.

― Eu sei, Cachinhos. Só me preocupo com o seu bem-estar.

Deveria se apaixonar por alguém tão doce quanto você, e não um


dos monstros ao nosso redor. ― Toquei a sua cabeça, fazendo-a

piscar.

― Sage não é um monstro ― insistiu com ferocidade.

Eu ri da sua ingenuidade. Caso tivesse ideia do que Sage fazia a


mando de seu irmão, não diria isso. Mas eu não lhe contaria nada,
na tentativa de preservar a inocência de Luna.

― Todos somos monstros nesta vida. ― Afastei-me para recuperar

a compostura. ― Procure alguém lá fora. Um cara engomadinho,


com um trabalho estável, que volte sempre no mesmo horário para

passar seu tempo com a esposa e os filhos. Na máfia, nem sequer


sabemos se retornaremos vivos às nossas casas.

A despeito de insistir nisso, dizer adeus à Luna meses atrás foi


como um soco no estômago. Era um tormento me manter longe.

Sabia que ela merecia coisa melhor, mas ninguém a protegeria


como eu. Logo, quando Alessandro sugeriu me tornar o guarda-

costas da sua irmã, não pensei duas vezes. Se não voltasse a vê-la,
definharia.

Fui até o armário da cozinha, peguei um uísque e entornei o líquido


em um copo, tomando um gole. Luna me seguiu.
― Por que está despejando essa atenção repentina em mim? ―
Soava diferente, menos agressiva e mais magoada. ― Miguel, você
foi embora. Não ligou para os meus sentimentos. Então não pode

me culpar por sonhar com outra pessoa.

― Foi necessário, ou as coisas teriam ganhado outro nível. ― Mirei


seus belos olhos. ― Está apaixonada por ele?

― Sage ficou comigo todos esses meses. Já você partiu meu


coração.

― É, eu sei. E se tivesse certeza de que ele a ama, eu não me

meteria nisso.

Ela estreitou os olhos.

― Você não sabe o que ele sente ― grunhiu.

― Se ele a amasse, não teria fodido duas putas ontem e outras nos

dias anteriores.

Luna não pareceu se abalar. Esquisito…

― E você o julga? Deve andar fazendo a mesmo. ― Agora sim

parecia ferida.

Nem pude responder, pois correu escada acima e bateu uma porta
com força. Queria ter dito que não ficava com ninguém havia mais

de um mês, desde que voltei para a vida dela.


Alessandro entrou na sala.

― Faz tempo que chegou?

Virei para ele e suspirei, ainda pensando no porquê de Luna mentir

estar apaixonada por Sage. Eu descobriria a verdade.

― Não, acabei de chegar, mas a Cachinhos está furiosa ― falei.

― Nem esquente a cabeça, Luna vai aceitá-lo como segurança,


conversei com ela. Não confio em mais ninguém com nenhuma das

duas.

― Resolveu as coisas?

Alessandro estava tentando se aliar aos Salvatores, outra máfia

italiana, e aos Dragons, uma máfia russa. Seria bom para os


Destruttores.

― Tenho uma reunião com Matteo ainda hoje, na boate dele ―

disse, indo encher o copo de uísque.

Alessandro considerava ameaçar Matteo Salvatore para formar tal

aliança. O caminho errado, eu precisava admitir.

― Ainda acha que uma chantagem é o melhor jeito?

Suspirou.
― Sei que não. ― Sentou-se no sofá. ― Mas não posso aceitar a

sugestão da Jade.

Franzi a testa.

― O que ela sugeriu? ― Até podia adivinhar o motivo da fúria

estampando o rosto de Alessandro.

― Uma aliança por meio de um casamento dela com Luca ―


praticamente cuspiu as palavras.

Entendia o seu lado. Ele não almejava se transformar em Marco,


que oferecia as filhas para fins comerciais.

― Ela gosta dele ― apontei. ― E Luca a ama também.

Seus olhos verdes escureceram.

― Se amasse, teria voltado. Faz semanas que Jade está em


Chicago, e não o vi atrás dela.

― Luca passou por muita coisa, compreendo os motivos dele.

Todos nós, em algum momento, nos afastamos de algo bom por não
nos julgarmos merecedores. ― Era o que eu sentia em relação à

Luna, mas não continuaria assim, ou a perderia para o Sage.

Fiquei exultante ao concluir que a garota não o amava de verdade.

Uma pessoa apaixonada se entristeceria ao descobrir que o homem

dos seus sonhos transou com outra. Talvez ela apenas o visse como
um cara legal e, por serem tão amigos, imaginasse que os

sentimentos viriam com o tempo.

― Seja como for, Jade só sairá daqui quando Luca vier pedir a sua
mão. Não a usarei por uma aliança.

― Não é assim ― disse Jade da escada. Ela tinha cabelos escuros


e olhos verdes iguais aos dele.

Luna surgiu atrás da irmã, com um vestido florido cobrindo a

perfeição exposta minutos antes e os cabelos ruivos soltos. Ela me


lançou um olhar de poucos amigos. Pelo jeito, não me desculparia

por ter partido. Percorreria um grande caminho para reconquistar

sua confiança.

― Jade, nós já conversamos. ― Seu tom era decisivo. ― Não

falarei mais sobre o assunto.

― Eu o amo como nunca amei ninguém na minha vida. ―

Encolhida, andou até ele.

Para ela, era difícil ver o que poderia dar errado na reunião que

aconteceria naquela noite. Eu esperava que tudo se ajeitasse.

― Não quero que se tornem inimigos, por favor. ― Jade pegou a

mão dele. ― Só pense nisso, não posso mais viver sem Luca.
A expressão neutra de Alessandro desmoronou um pouco devido às

lágrimas da irmã. Conhecia o meu amigo e sua frieza comedida ―


eu não era muito diferente; aprendi com o melhor. Quando a

discussão envolvia as duas, ele não tinha controle dos seus atos.

― Isso não depende só de mim, mas farei o impossível para nos

aliarmos da maneira certa. Entretanto, não posso entregar você

para fecharmos um acordo. ― Tocou a sua testa.

Jade suspirou.

― Eu sei. Ele virá me procurar ― garantiu, esperançosa.

― Conto com isso. ― Pôs a mão sobre o coração dela. ― Tudo

dará certo.

Alessandro não exteriorizava suas emoções como a maioria das

pessoas. Ele não conseguia dizer o que sentia, por isso, usava

gestos.

Em nosso mundo, precisávamos esconder os sentimentos, ou

nossos inimigos nos tirariam o que tínhamos de mais importante.

Ninguém poderia saber o meu ponto fraco: Emília, Emma e Luna.

― Ele virá ― Jade repetiu com convicção.

Luca ouviria a razão; perceberia que não existe fuga de um amor

tão grande. Eu mesmo tentei e, agora, ali estava, a cada dia mais
apaixonado.

Logo a sua idade não seria mais um impedimento para ficarmos

juntos. Os próximos seis meses se tornariam os piores da minha


vida, vendo-a diariamente sem poder matar o desejo de beijá-la e

tocar seus lábios carnudos… Porém, eu era paciente. Só precisava

fazê-la esquecer sua suposta fascinação por Sage.

Do outro lado da sala, observei-a. Sim, ela valia a pena.


Capítulo 6

Luna

Sonhava que um dia me casaria com Miguel por considerá-lo o meu

príncipe encantado, mas encantos se quebram. E este se estilhaçou


em milhões de pedaços depois de sua partida para o México. Fiquei

sem vê-lo por meses, entretanto, ao dar as caras, quis se meter na

minha vida!

Não gostei de Miguel acusando Sage, mas me surpreendi por ouvir

que meu amigo transou com mulheres. Mais cedo, perguntara a


respeito disso a ele.
― Preciso mostrar a todos que fico com garotas, ou acharão

estranho ― respondeu. ― Espero que meus pais esqueçam a


história de casamento.

Eu também, pensei. Desejava me casar, mas era nova ainda.


Queria primeiro viver um amor profundo, daqueles de tirar o fôlego.

Daqueles que só vemos nos livros. Um que minha mãe não teve ao

se comprometer com o meu pai. Almejava um amor real. Eu me


tornaria o mundo dele, e ele o meu.

Acreditei que Miguel seria o escolhido, porém, perdi a esperança.

Voltara havia um mês e tentava puxar assunto, querendo reconstruir


nossa amizade, mas eu não dava brecha. Não permitiria que

brincasse comigo novamente.

Idiota! Por que não se manteve longe? No passado, não pensou

duas vezes antes de partir sem ao menos ligar para me dizer como

estava. Passei tantas noites em claro, sonhando acordada,

esperando que voltasse. Escutava os meus irmãos mencionarem

que o viram, mas ele nunca foi me procurar. Não o deixaria invadir a
minha vida para depois me deixar. Não mesmo.

Parei de pensar nisso e entrei na boate onde minha irmã se

encontrava. Ela me convidou para ir dançar. Jade estava lá pois


acompanhou nossos irmãos em uma reunião com o capo Salvatore,
então resolveu ficar na festa com as esposas dos membros do MC

Fênix, uma espécie de clube de motoqueiros.

Focaria nisso e não no toque de Miguel. Meu coração pareceu

querer pular da boca quando ele encostou em mim. O calor tomou

conta do meu corpo, até mais poderoso do que antes.

Na boate, estava Emília, sua irmã, pois ela era casada com

Daemon, um dos tais motoqueiros. Uma mulher de cabelo estilo

Chanel. Lembrei-me de Miguel contando o aconteceu com ela.

Fiquei feliz por tê-la encontrado.

Não muito longe, notei uma mesa com vários integrantes do MC

Fênix. Tinha um rapaz forrado de tatuagens, com brincos na orelha,


piercings no nariz, cabelos escuros e olhos caramelo. Havia outro

de íris verdes, e mais um de olhos azuis e cabelos compridos, com

aparência de surfista.

Miguel se situava entre eles, ostentando sua expressão neutra como

de costume. Somente comigo ele se mostrava diferente ― ou


costumava fazê-lo, antes de partir.

Na mesa das mulheres, vi uma loira de olhos azuis que identifiquei

como Irina, esposa de Matteo Salvatore. Do seu lado, estava uma


garota de cabelos escuros, a irmã de Matteo, Dalila. Havia mais,

mas eu não as conhecia.

Jade assoviou para o meu visual: uma saia justa e um top que

mostrava uma boa quantidade de pele. Meus cabelos


encaracolados estavam soltos. Nossos irmãos enfartariam caso me

vissem assim, e até Miguel parecia a ponto de ter um ataque,


embora não dissesse nada.

― Aproveitou que eles não podem ver?! ― Jade sorriu. Após, me

apresentou para as meninas: ― Essa é a Luna, a minha irmã.

― Oi, sou Isabelle ― disse uma baixinha, informando em seguida o

nome da loira perto de si, Mary.

― Agora vamos beber…

Miguel cortou minha irmã:

― Você pode beber, Jade, foi liberada pelos seus irmãos, mas a
Luna não ― falou de modo decisivo.

― Eu posso e vou ― rosnei com os punhos cerrados. ― Faço o que


eu quiser, você não manda em mim.

Era bem difícil alguém me irritar, mas Miguel despertava o pior em

mim. Odiava suas ordens. Ele agia como se eu fosse a sua irmã
caçula.
Sorriu de modo sexy, deixando-me de pernas bambas por um

segundo. Então me recompus, não daria esse gostinho a ele.

― Oh, Cachinhos, você não devia dizer isso. ― Ele se levantou e


veio até mim. Prendi a respiração. ― Se você não se sentar lá e

tomar um refrigerante ou alguma merda sem álcool, eu a levarei


embora. A escolha é sua. Prometi para Alessandro.

Quis mandá-lo catar coquinhos. Precisei me segurar para não socar


a sua cara. Vontade não me faltou.

Saí de perto dele, rumando à mesa das meninas.

― Vamos esquecer que esse idiota está aqui. ― Fulminei-o, ao que


me ignorou. Rangi os dentes.

Jade me puxou, e eu me sentei. Apertei o meu refrigerante para não

jogar o líquido na cara presunçosa de Miguel, que retornara à mesa


dos homens. Para piorar, o bastardo ainda piscou, levantando a sua

bebida, como se brindasse comigo.

Depois disso, Jade iniciou uma conversa intensa sobre Luca, que a

espiava do andar de cima. Parece que uma das meninas ali, Sloane,
era amiga dele. Não acreditava que Luca houvesse ficado com ela,

afinal, o namorado da garota era um deus grego.


Após um diálogo meio depressivo ― Irina desejava ser mãe, mas
Matteo se recusava por estar focado demais nos bandidos que o
cercavam; Emília queria outro filho, mas não conseguia engravidar

de Daemon ―, fomos dançar no salão repleto de gente. Planejava


me divertir e esquecer os meus problemas, não tão sérios quanto os

de Irina e Emília; só achava um porre a minha situação com Miguel,


que me tratava como uma irmã. Embora, às vezes, eu notasse seu
olhar abrasador. Sentia que me queria, mas se negava a me dizer.

Pretendia focar em fazer amizades na nova cidade. Não sabia

quanto tempo ficaríamos ali, mas aproveitaria cada segundo.

Contudo, por mais que tentasse, não esquecia Miguel. Chequei-o


conversando com os outros motoqueiros. Os cabelos escuros e a
barba por fazer o deixavam perfeito. Em uma mão, tinha a tatuagem

de uma caveira; e, no outro antebraço, um dragão. Não queria


admitir, mas ele era magnífico, tirando a sua arrogância e o seu jeito

mandão.

Riu de algo que os MCs disseram, então seus olhos pousaram em


mim. Desviei o rosto e recomecei a dançar. Eu esperava que a
paixão tivesse findado com o tempo, porém, ficou mais forte.
Gostava de me divertir em clubes. Antes, não fazia nada disso, por
causa do meu pai. Graças a Deus ele se foi, e nos tornamos livres.
Marco nos criava para, futuramente, aquecer a cama de um marido.

Felizmente, com nosso irmão no poder, tudo mudou.

Era errado desejar a morte dos outros, mas o meu pai mereceu.
Marco levou tudo de mim. Mamãe morreu por sua culpa, sem

cuidados médicos e desgostosa com sua crueldade.

Lembrava-me dela dizendo que queria poder mudar o fardo de


meus irmãos, a tradição de serem iniciados tão novos, aos doze

anos. Principalmente o de Alessandro. Já o vira todo machucado,

tão ferido que mal andava e, mesmo assim, meu pai não recorria a

um hospital. Dizia que ele precisava aguentar para crescer e virar


um homem forte.

Joguei as mãos para cima e balancei o quadril, embalada pela


música. Expulsei os pensamentos ruins da minha cabeça.

De repente, senti braços me tocando. Estaquei. Abrindo os olhos,

notei uns garotos à minha frente, flertando comigo. Antes que eu


tivesse tempo de dizer algo, eles encararam a pessoa que me

abraçava: Miguel
― Por que não vão ciscar em outro lugar? ― rosnou aos caras. ―

Agora!

Pisquei ao ver os garotos saírem quase correndo dali. Fechei a cara

e fui me afastar, mas ele não permitiu. Sua mão em minha barriga
provocava sensações agradáveis em cada parte de mim, incluindo

ao sul do meu corpo.

― Que droga, Miguel!

Senti seus lábios em minha orelha e estremeci.

― Luna, não me provoque. Não estou a fim de matar alguém hoje,

mas faria isto por você.

Trinquei os dentes.

― Você é um estúpido. ― Bufei. ― Não é meu irmão para se meter

tanto na minha vida.

Seu dedo trilhou minha barriga nua. Eu me segurei para não gemer

devido àquele turbilhão de sensações.

― Eu sei disso, Luna. ― Sua voz saiu arrastada, sexy, me

arrepiando. ― Você ainda será minha, Cachinhos. ― Aparentava

uma dificuldade de respirar similar à minha.

Ele me puxou para si, fazendo com que os nossos peitos se

encostassem.
― Você é doido? ― Ofeguei.

Sorriu.

― Sim, por você. Agora fique longe do Sage. ― Conduziu-me ao

outro lado do salão.

Notei que Sage estava perto da minha irmã, mas não olhava para

nós, e sim para uma menina dançando na frente dele. Com certeza,

fingia para ninguém descobrir que era gay. Mas bem que poderia

disfarçar um pouco e se meter no meu caso com Miguel.

― Você merece mais do que isso, Luna. Não foi feita para ser

ignorada ou menosprezada. Deveria ser tratada como uma rainha,


ser o mundo inteiro de alguém ― disse Miguel. ― Posso lhe dar

isso, se deixar.

Observei sua expressão intensa. Um envolvimento com ele geraria


muitos problemas, incluindo o medo de perdê-lo novamente, seja

por partir ou por ser líder de um cartel. Qual garantia eu tinha de que

não sumiria de novo? Nesse tempo em que ignorou as minhas


ligações, senti uma dor imensurável.

― Você? ― indaguei, sarcástica. ― Que resolveu voltar após


meses sem contato? Por acaso isso é inveja de Sage? Você se
acha bom demais para perder para alguém que considera inferior,

apenas por ele não ser um chefe?

― Não coloque palavras na minha boca. Não dou a mínima para

Sage, só fico muito puto vendo você desperdiçar tempo com alguém
que não a quer. ― Apontou para o salão. ― Sage nem se importou

com o fato de todos os machos deste lugar desejarem entrar em sua

calcinha. ― Seu hálito quente banhou o meu rosto, petrificando-me.

― Eu imploro, escolha alguém que a ame. Pode não ser eu. Mas
não fique com um cara que a deixaria em casa para foder uma

garota qualquer na rua.

― Você não me conhece ― falei por fim, deixando a raiva fluir. ― O

que o diferencia de Sage? Nada. Partiu como se eu fosse um zero à

esquerda.

― Fiz o que considerava certo naquele momento. Abandoná-la foi a

pior coisa que me aconteceu. ― Passou a mão no rosto em um

gesto frustrado. ― Lamento por sua angústia. Jurava que você seria
feliz sem mim e seguiria seus sonhos.

― E mudou de ideia porque me apaixonei por Sage? ― forcei-me a

mentir. Para algumas pessoas, seria natural, mas eu não era uma
delas.
― Na verdade, cansei de lutar contra o que sinto. Já pensava em

voltar e implorar, então Alessandro me procurou e falou sobre sua

proteção. Chegando à sua casa, fiquei furioso ao saber que gosta

daquele moleque. Agora temo que não reste mais nada para mim aí
dentro. ― Indicou meu coração. ― Que, indo embora, tenha perdido

você para sempre.

Havia dor em sua voz, o que amenizou a minha fúria. Estava ferida

por tudo que passei em sua ausência. Adoraria confirmar que não

restava amor nenhum, mas estaria mentindo.

― Por que lhe daria uma chance, se deixou claro que nunca me

tocaria? ― sondei, fazendo o possível para me recompor. ― Qual a

diferença entre você e Sage?

― A diferença é que ele não lhe toca por temer o seu irmão. Quanto

a mim, não o faço por você ser menor de idade. Se me der uma

chance, prometo não a decepcionar.

Engoli em seco suas palavras. Claro que sonhava ouvir exatamente

aquilo. No fundo, entendia seus motivos. Mas não significava que


doía menos.

― Não sei se posso confiar em você, Miguel. Preciso de tempo para

assimilar tudo.
― É só o que peço, Cachinhos. Vou lutar para que confie em mim

― assegurou. ― Por anos, pensei estar morto, mas ressuscitei


quando a conheci.

Meu coração retumbava ante a proximidade. Peguei-me a admirar

sua boca, e, por um segundo, voltei a imaginar como seria seu beijo.

― Miguel, eu…

― Luna, minha princesa linda, esperarei por você. ― Beijou minha

testa e se afastou com um sorriso, ciente da reação que seu toque

me causava.

Miguel me conhecia melhor do que ninguém. Sabia que eu estava

confusa e ressentida.

Mirei Sage. Meu amigo pedira a minha ajuda… O que eu faria? Se

aceitasse Miguel, não teria como fingir que gostava dele.

Miguel seguiu meu olhar e sua expressão nublou.

― Sage é um idiota por não notar a mulher maravilhosa que você é.

― Sorriu. ― Desculpe, não consigo ignorar que isso é bom para


mim.

Ri junto. O homem até poderia me irritar, porém, na mesma medida,

fazia eu me sentir maravilhosa. Esteve do meu lado muitas vezes


quando eu apanhava do meu pai e escondia tudo dos meus irmãos.
Miguel nunca disse nada a eles, acatando meu pedido.

― Não se esqueça de que ele também está aguardando eu fazer


dezoito anos para propor um casamento. ― Soei amarga.

Algo perigoso invadiu os seus olhos, mas foi breve.

― O que sinto por você é mais forte do que qualquer coisa. Se me

disser que o ama, eu a deixarei livre para viver isso. Só preciso de

uma chance para mostrar que posso fazê-la feliz.

Miguel não costumava mentir. Ele falava sério, eu tinha certeza. Eu

poderia dizer que não amava Sage, mas não quebraria a confiança
depositada em mim. Precisava discutir com meu amigo o que

faríamos.

― Juro que não irei mais a lugar nenhum. ― Beijou a minha


bochecha. Minha pele queimou.

― Tudo que me disse é muito profundo ― consegui elaborar.

Sorriu.

― Gosto de profundidade. ― Parecia não falar de sentimentos.


Corei, o que o fez rir mais. ― Quer aproveitar a noite? Prometo ser

um cavalheiro.

― Disso não tenho dúvidas. ― Revirei os olhos.


Ele me puxou para a mesa perto de onde Jade dançava com Luca.

― Acho que eles se entenderam. ― Alegrei-me por minha irmã.

― Não há como lutar contra algo assim, é uma causa perdida.


Chega um momento no qual temos que decidir o que mais importa

na nossa vida. ― Suspirou, fitando-me de modo intenso.

Jade foi para a mesa da mulherada, e Luca se aproximou de nós


dois com a sobrancelha erguida, notando Miguel segurar a minha

mão.

― Espero que Alessandro não veja esta cena, ou você ficará sem
as mãos ― disse Luca para Miguel.

― Não está rolando nada. ― Emendou: ― …ainda. Eu tenho

alguns meses para fazer com que esqueça o garoto ali.

Evitei bufar pela certeza que Miguel demonstrava em relação à sua


vitória. Mas, convenhamos: até se eu realmente estivesse

interessada em Sage, Miguel ganharia no final. Não havia ninguém


bom o bastante para vencê-lo.
Capítulo 7

Luna

O noivado de Jade estava marcado para dali a algumas semanas.


Ela andava aproveitando a companhia de Luca, o que eu achava

ótimo, afinal, perderam muito tempo longe um do outro.

Enquanto isso, nos dias após a conversa na boate, Miguel quase

não saiu do meu lado, exceto para ir em reuniões de negócios. Foi

numa dessas ocasiões que eu conversei com Sage.

― Vocês ainda vão acabar juntos. Fico feliz por você, Miguel é um

homem leal aos seus, irá protegê-la ― disse quando questionei o


que faríamos.

― E quanto ao seu pai? Se ele souber que não estou a fim de você

e que mentiu sobre querer me esperar, terá problemas, não é? ―

sondei. ― Posso fingir na frente de todos…

Sage sorriu e tocou minha cabeça.

― Não desista da sua felicidade por mim. Além disso, meu pai está
na Espanha, ficará distante por alguns meses. Até lá decidirei o que

fazer. E outra, ele ― apontou o queixo na direção da sala, onde um

Miguel recém-chegado se juntara ao meu irmão ― não vai querer


mostrar a todos que está com você, caso virem namorados ou

noivos.

Franzi a testa.

― Por quê? Sabe de algo? ― Encolhi-me diante da informação.

― Miguel é chefe de um cartel. Seus inimigos poderiam usar você

contra ele. ― Suspirou. ― Acredito que manterá seu


relacionamento no escuro. Não vai fazer nada que arrisque sua

segurança.

Respirei aliviada. Achei prudente alertar Sage:

― Você parece gostar dele, mas saiba que, neste momento, não é a

pessoa preferida de Miguel.


Ele riu.

― Entendo. Você é uma mulher linda, ciúmes é natural. ― Fez

menção de se aproximar para beijar a minha testa, mas alguém

rosnou antes:

― Toque-a e você morre.

Pulei de susto, me afastando de Sage. Não notei Miguel chegando

na cozinha, o homem era silencioso como um fantasma.

― Sem danos, só estava agradecendo ― Sage disse e piscou.

Falou comigo: ― Não se preocupe com o que conversamos, tudo

dará certo.

― Aonde vamos agora? ― perguntei a Miguel, que voltou sua

atenção a mim, com um semblante mais calmo.

― À casa da minha irmã ― respondeu.

Andamos para a rua, na direção do seu carro. Sage nos seguiria

com o dele, acompanhado de mais dois guarda-costas.

Alessandro, após ocupar o lugar do meu pai, teve sérios problemas.

Alguns de seus homens não aceitaram meu irmão como capo. Isso

lhe trazia muita dor de cabeça, portanto, pediu para Miguel me

proteger. Ele confiava em Sage também, mas não tanto quanto em

seu amigo.
Ainda bem que, ultimamente, Miguel e eu estávamos nos dando

bem, sem brigas.

Ele prosseguiu quando entramos em seu veículo:

― Eu preciso saber qual foi o lance da Emília beber demais aquele


dia na boate. ― Havia uma pontada de raiva em sua voz.

― Ah, ela quer um filho, mas não consegue engravidar ― disse e


logo levei a mão à boca. Não deveria fazer fofocas! Talvez Emília

desejasse contar ela mesma ou preferisse manter o irmão no


escuro, e eu ali, invadindo a sua privacidade.

― Um filho? ― indagou, pensativo.

Notei os seus punhos cerrados. Às vezes, era fácil esquecer a


natureza de Miguel, mas em momentos assim via o assassino por

trás da fachada mostrada a todos.

Igual aos meus irmãos. Eu sabia o que eles faziam, não era tão
boba como muitos imaginavam. Só decidi não ligar, por entender
que nunca tiveram escolha. Eu os amava e amaria para sempre.

Eu queria que fôssemos uma família normal, mas lá fora havia

monstros até piores. Suas atrocidades dissimuladas arrepiavam os


cabelos da minha nuca.

― Eu não deveria ter me metido…


Miguel sorriu.

― Relaxe, Cachinhos, ela não vai ligar. Eu só não gosto de imaginar

minha irmã e Daemon fazendo… isso. Sei que é besta da minha


parte. ― Ri de seu tom, e seus olhos foram para a minha boca. ―

Eu senti tanta falta dessa risada. Tão linda quanto você. ― Ouvia
adoração em sua voz.

― Foque na estrada, e não em mim. ― Corei pelo peso do seu


olhar magnífico.

Bufou, brincalhão, então voltou a ficar sério. Revelou, letal e cheio

de angústia:

― Às vezes, eu me odeio tanto por não ter conseguido encontrar

minha irmã a tempo, antes daquele maldito lhe tocar.

Sua dor abalou o meu coração. Queria poder anulá-la.

― Não foi sua culpa, Miguel. Você era muito novo, não conseguiria
impedir. ― Assim como eu não pude proteger a minha mãe do meu
pai.

Deveria escutar meu próprio conselho. Sim, ainda me culpava pela

morte de mamãe. Se naquela noite eu não tivesse ido ao seu


quarto, Marco não teria batido em mim e no Rafaelle, e ela não se

exaltaria.
Peguei a sua mão livre e apertei-a delicadamente. Era grossa e
calejada pelas lutas.

Seguiu o movimento com o olhar, pousando-o em mim ao final. Isso


sempre me deixava de pernas bambas.

― Eu sei, mas, mesmo assim, a culpa me corrói. Pelo menos

Daemon executou o maldito. E o castigo do meu pai está vindo.

― Já o odeio por não ter se empenhado em ajudá-lo a encontrar a

sua irmã. Por culpa dele, você entrou para esta vida de máfias e
cartéis ― rosnei. Miguel deveria estar lá fora, trabalhando em um

ramo seguro.

― Não me arrependo do que sou. Em uma certa época, sim, mas


hoje não. O cartel faz parte da minha vida. ― Respirou fundo.

Adoraria confortá-lo, amainar o seu sofrimento. Como não podia,


tornei a apertar a sua mão.

― Lamento pelo que passou, por ter estado sozinho nisso ―


sussurrei.

― Não se preocupe comigo, Luna. Mas obrigado. ― Suspirou,

mudando de assunto: ― Como está a escola?

A pergunta me levou a lembrar as nossas conversas até tarde.


Falávamos muito do colégio ― em particular, da minha falta de
amigos.

Esse era um problema que não comentava com mais ninguém:

todos ao meu redor queriam se aproximar de mim para conseguir


algo dos meus irmãos, um favor ou sei lá. Desejava amigos que se

importassem comigo pelo que eu era, e não por minha família. Por
isso, estava adorando os Estados Unidos. As meninas do MC Fênix

me tratavam como se eu fosse normal.

― O que foi? ― sondou, avaliando o meu rosto. ― Devo acabar


com alguém?

― Fique tranquilo, pouco mudou. Não perdeu nada indo embora. ―

Não quis parecer rancorosa, mas a mágoa permanecia presente.

― Luna, eu sei que pisei na bola por me afastar. Acreditei que era o

certo. ― Virou a cabeça na minha direção por um segundo antes de


focar na estrada. ― Juro que não partirei, a não ser que esteja

apaixonada por Sage. Mas vejo que não o ama.

Meu coração pulou. Ele sumiria mesmo, se eu me apaixonasse por


outro?

― Se eu dissesse agora que amo Sage, você viraria as costas e


desapareceria?
― Sim, mas, como falei, sei que não é o caso. Imagino que só ache

o relacionamento com Sage uma opção mais segura… ― Parecia


pesaroso. ― Mas vou mudar isso.

― Não lê pensamentos para saber o que sinto ― apontei.

― Você não consegue mentir, Cachinhos. Sei que sente algo por

mim, contudo, tem medo de deixar esse sentimento florescer de

novo, após eu partir seu coração.

Era até assustador o quão correto estava.

― Você se acha muito, né? ― Sacudi a cabeça, tentando recobrar

meus sentidos.

― Na verdade, não, confesso que estou andando em uma corda


bamba ― admitiu, encolhendo os ombros. ― Você é nova, pode

mudar de ideia a qualquer momento.

Seu telefone tocou antes que eu pudesse abrir a minha boca. Ao

atender, o corpo todo estremeceu. Estacionou o carro perto de uma

pracinha, perguntando:

― O quê? ― Parou para ouvir, atormentado.

Será que houve alguma coisa com a Emília ou a Emma?, indaguei-


me. O medo me invadiu. E se não foi com a sua família, mas com a

minha?
― Miguel, aconteceu algo? ― Petrificado, ele encarava o nada, sem

aparentar ouvir o que a pessoa falava do outro lado da linha. ―

Miguel! ― gritei, fazendo-o piscar, como se só então percebesse


que eu estava ali.

A dor em seus olhos me deixou sem ar. Não, nada poderia ter

acontecido a eles, nem a ninguém que Miguel amava. Esse era um


medo que eu tinha toda vez que meus irmãos demoravam a voltar

para casa.

Desligou o celular, tomado de aflição. Virou a cabeça em direção a

Sage, que havia parado conosco.

― Você precisa ir com o Sage, tenho que resolver um negócio.

― Meus irmãos…

Segurou o meu rosto em suas mãos.

― Todos estão bem, Cachinhos. Não é com nenhum deles…

― Emília e Emma…

― É com alguém que você não conhece. ― Beijou a minha testa. ―

Agora preciso ir.

Afastou-se bem na hora que uma batida soou na porta do meu lado.

― Por que paramos? ― Sage perguntou.


― Por favor, me diga o que está havendo ― ignorei o segurança,

concentrada em Miguel.

― Mataram um amigo meu. Irei até a família dele. ― Ordenou a

Sage: ― Leve-a…

― Vou ficar com você ― insisti, pegando o seu braço.

― Não dá, Luna. Desça, preciso de você segura, longe do meu


território.

Sage abriu a porta, dizendo:

― Ele tem razão.

Eu compreendia muito bem a dor da perda. Queria estar com


Miguel, ajudá-lo a passar por isso, assim como um dia ele me

auxiliou.

― Por favor, me deixe ir. Você e seu pessoal podem me manter

segura, só não me mande embora ― supliquei. ― Se for demais e

eu correr algum perigo, irei com Sage.

Miguel expirou e beijou a minha testa. Onde os seus lábios tocaram,

a minha pele formigou.

― Tudo bem, Cachinhos.

― Não acho uma boa ideia… ― começou Sage.


― Eu lido com isso. ― Sua voz saiu fria ao fuzilar meu segurança

com cara de poucos amigos.

― Ela é de minha responsabilidade também ― recordou Sage. Se


estava com raiva, a escondia bem. Já Miguel não se importava em

ocultar sua aversão.

― Informarei Alessandro. Agora feche a porta de Luna.

Sage suspirou.

― Vou segui-lo. E se algo acontecer, a culpa será sua. ― Deu meia-

volta, indo para o seu carro.

Miguel apertou o volante com força.

― Porra! O que estou fazendo? ― Tirou as mãos dali e

esquadrinhou o meu rosto. ― O que não faço por você?

Sorri.

― Vai dar tudo certo.

Toquei sua barba grande. Seu hálito quente, o olhar abrasador…

Como resistir àquilo? Perdi o controle de meu corpo e fui em direção


a ele. Miguel parecia igualmente sem forças para resistir a esse

magnetismo.

Então uma buzina me fez pular.


― Um dia, eu ainda mato esse cara ― rosnou. ― Não sei se atiro

nele ou se agradeço por ter evitado que eu cometesse uma besteira


da qual me arrependeria amargamente.

― Então me beijar seria assim tão ruim? ― Reconhecia que não era

hora para falarmos disso, mas a resposta me magoou.

Piscou, rindo.

― Ruim? Cachinhos, você não tem noção do quanto quero beijá-la,

embalá-la em meus braços e protegê-la dos perigos do mundo ―

sussurrou, me encarando com um olhar distante.

Peguei a sua mão.

― Que bom que divirto você. Talvez falar banalidades alivie um


pouco a sua dor. Lamento pelo seu amigo.

Seu semblante se entristeceu.

― Eu sei, querida, obrigado por ficar comigo. Considerava Tadeu

meu irmão; ele chegou a levar um tiro por mim. Faria o mesmo por

ele, se pudesse.

Amigos são importantes em situações de luto. Por isso, eu seguiria

do lado de Miguel para tudo.


Capítulo 8

Luna

Chegamos à casa do amigo de Miguel. Havia um carro da polícia do

lado de fora. Fiquei com medo de que o prendessem, mas


conhecendo a minha família e o mundo em que vivia desde que

nasci, sabia que Miguel, assim como os meus irmãos, tinham

policiais no bolso.

― Não tem perigo você e os tiras estando no mesmo ambiente? ―

sondei, preocupada.
Miguel não pôde responder, pois um cara de cabelo ruivo se

aproximou, furioso.

― O que pensa que está fazendo? ― sibilou. ― Não deveria ter

aparecido aqui.

Sua expressão, meiga há poucos instantes, se transformou em

pedra. Estava acostumada com isso quanto aos meus irmãos, mas

ver Miguel tão letal ainda me surpreendia.

― A esposa de Tadeu me chamou ― respondeu do mesmo modo

frio.

― Não, você não vai se meter nisso, este caso é nosso ― rosnou o

ruivo. ― Ou darei um jeito de levá-lo preso e jogar a chave fora.

Temi que isso acontecesse de verdade; pela cara do sujeito, não

parecia estar brincando.

― Chega, Ferrys! ― ouvi um barbudo dizer ao chegar onde

estávamos. Ele não aparentava ter raiva de Miguel.

O ruivo virou para o homem de meia-idade e assentiu, obediente,

mesmo não gostando da ordem recebida.

― Sim, chefe.

Miguel o ignorou e focou no sujeito de barba.


― Senhor Milles! ― cumprimentou-o com um tom mais leve.

― Ferrys? Nos deixe a sós ― mandou Milles.

Contrariado, o ruivo seguiu para dentro da casa.

― Sabe quem fez isso? ― Milles perguntou a Miguel, se

aproximando mais; ele não queria que ninguém ouvisse.

― Não, acabei de descobrir o que aconteceu e vim correndo para

cá.

Ele tentava controlar a ira contra quem matou seu amigo. Eu sabia

que essa pessoa logo teria o seu último dia na Terra. Evitei pensar

nisso.

― Identificarei o mandante ainda hoje ― continuou.

― Não se meta nisso, Miguel ― pediu o cara, preocupado. ― Não

posso protegê-lo de todos se você ficar interferindo na investigação.

― Ninguém saberá ― jurou, convicto. ― Prometo a você.

Sim, ninguém ia saber, porque Miguel caçaria e mataria o cara. Toda

essa violência não entrava na minha cabeça, configurando o oposto

do que aprendi na igreja, do que mamãe me ensinou. Sem Marco,

as coisas mudaram um pouco, mas não significava que eu

concordava.
― Miguel…

― Oi. Que bom que veio. ― Uma mulher se avizinhou,

interrompendo o protesto de Milles.

Tinha cabelos escuros e, deduzi, uns trinta anos. Seus olhos


estavam vermelhos pelo choro. Acreditei ser a esposa do amigo.

― Maria, eu lamento demais ― disse Miguel, indo abraçá-la.

― Alguém o levou de mim. ― A dor estava em cada palavra. Miguel


falou baixo em seu ouvido e vi a mulher assentir com um fungar

choroso. ― Eu sei que fará ― respondeu ela, se afastando e


olhando para Milles. ― Vocês dois são os melhores amigos de
Tadeu, Espero que peguem logo o assassino.

― Com certeza, senhora Perry. ― Milles trocou um olhar com

Miguel. ― Posso falar com você em particular?

Ele assentiu e se virou para mim.

― Já volto. Entre com a Maria.

Maria finalmente notou a minha presença; deveria estar com muita

coisa na cabeça. Acabara de perder a pessoa que mais amava na


vida. Eu estaria como ela, se fosse comigo.

― Oi, querida, desculpe meus modos. ― Beijou o meu rosto. ― É


que a situação…
― Entendo, senhora, não se preocupe. E lamento pelo que

aconteceu.

Assentiu, meio distante.

― Vamos entrar? ― Pegou o meu braço e me conduziu para uma


casa de dois andares com quintal bem amplo.

A sala era pequena, mas aconchegante. Tinha mais mulheres ali.

― Vi que o Miguel chegou ― falou uma delas, um tanto ansiosa.

Era loira, de olhos negros, muito bonita. Não parecia ter chorado,
então o Tadeu não deveria ser nada dela.

Seu interesse em Miguel apertou meu peito. Mas eu deixaria o


ciúme para um momento mais apropriado.

― Não é hora de se insinuar para o Miguel ― repreendeu outra

garota, virando-se para mim. ― Oi, eu sou Melany. Essa aqui é a


Tara. Somos irmãs de Maria.

― Prazer em conhecê-la. Sinto muito pela perda de vocês. ― Eu


sinceramente lamentava.

― Miguel vai pegar o maldito e o matar ― disse Tara com firmeza.

Maria se sentou no sofá com os olhos molhados. Nunca sabia o que


dizer em momentos assim. Perdi a minha mãe e não chorei muito
nos braços de outras pessoas, só nos da minha irmã e, algumas
vezes, nos de Stefano.

Fiquei contente quando Miguel entrou na sala. Mas antes de eu ter


tempo de ir até ele, Tara foi correndo em sua direção, assanhada.

Ela ao menos deveria respeitar a dor da sua irmã.

― Miguel! Que bom que está aqui. ― Segurou a mão dele. ―


Acabei de falar que você vai encontrar o cara que fez isso com o
meu cunhado e fazê-lo pagar.

O meu coração bateu forte no peito, assim que ela o tocou. Miguel

leu o que estava em meus olhos; tentei esconder, mas não


consegui.

Ele a encarou com frieza e puxou sua mão de volta, sem cerimônia.
Em seguida, veio até mim e pegou a minha. Claro que Miguel não

era virgem e imaculado, com certeza ficou com várias garotas, mas
ver uma cena dessas apertava o meu coração.

― Está tudo bem? ― Não era só por isso que tudo doía, mas
também pelas recordações da perda de mamãe.

― Sim, obrigada. ― Corei pela intensidade com que todos me

olhavam. Então mudei de assunto: ― Resolveu tudo com os


policiais lá fora?
Ele assentiu e encarou Maria.

― Preciso ir, mas retorno para o velório. Juro que quem fez isso

pagará caro.

Maria se levantou e o abraçou. Tentei soltar minha mão para não


atrapalhar o momento, porém, ele não permitiu.

― Obrigada, querido. Tadeu confiava muito em você. E nós também

confiamos ― afirmou, se afastando.

― Agradeço ― respondeu e me puxou para a saída. ― Vou deixar

a Luna em casa e mais tarde volto para passar a noite com vocês

na igreja.

Bufei pensando nele sozinho com a mulher oferecida. Miguel não

faria nada, mas não mudava a minha angústia. Ademais, não queria
abandoná-lo em seu período de luto.

― Se não tiver problema, eu posso ficar com vocês ― falei de

supetão. ― O que acha, Miguel?

― Tem certeza? ― indagou, calmo.

Cheguei mais perto dele.

― Quero cuidar de você. ― Bem melhor do que passar meu tempo

em casa, preocupada com ele. Jade estava com Luca, nem


companhia eu teria.
Seus olhos brilharam com alguma emoção.

― Obrigado, linda. ― Beijou a minha testa.

― Agradeço por ficar, querida ― disse Maria, suspirando. ― Agora


preciso de um minuto sozinha.

― Entendo, pode ir descansar. Se precisar, estaremos aqui ― falou

Miguel.

Ela foi para o quarto, e Melany nos disse:

― Sintam-se em casa. ― Meneou a cabeça de lado. ― Não sabia

que tinha uma namorada. ― Sorriu para Miguel. ― Ela é muito

linda.

Envergonhada, não a corrigi, nem Miguel o fez.

― Sim, ela é. Eu sou um homem de sorte.

Tara não disse nada, só franziu a testa para nós dois. Achei bom, a

mulher devia se preocupar com a irmã, e não com o Miguel.

Tudo foi organizado para o velório de Tadeu. Ocorreria em uma

igreja ali perto, frequentada pelo casal aos domingos.

Miguel ligou para os meus irmãos e falou que eu passaria a noite

com ele, explicando a razão. Alessandro permitiu; ele sabia que eu

estava segura com o seu amigo.


Fomos à igreja, e Miguel se dirigiu para perto do caixão fechado.

Pelo que ouvi, Tadeu foi espancado e morto a tiros. Ficou

irreconhecível com todos os hematomas. Isso enfureceu Miguel


ainda mais.

Eu desconhecia seus planos para pegar esse cara. Gostaria de

pedir a ele para deixar a polícia cuidar disso, mas eu sabia que não
aceitaria.

Permaneci do seu lado, confortando-o. Mesmo sem demonstrar na


frente dos outros, ele sofria. Eu me sentia triste por Miguel e por

Maria, que perdeu o seu grande amor.

Ficamos até quase uma da manhã na igreja, então ele avisou que
me levaria para dormir.

― Miguel, nós podemos continuar aqui, se quiser, não estou


cansada ― menti, estava um pouco. Contudo, seguiria ali a noite

inteira, se fosse necessário. Já nos encontrávamos no carro.

Antes que ele comentasse algo, nós fomos alvejados por tiros. Dois
veículos pararam diante de nós, me fazendo arfar de choque e

medo. Ainda bem que o nosso era blindado.

― Porra! ― praguejou Miguel, parando o carro e checando o

entorno, procurando por outros atiradores.


Uma dupla de homens saiu do automóvel à frente.

― Nos entregue a garota, e o deixaremos ir ― disse um deles.

Miguel riu, letal, e pegou uma pistola. Sage também estava cercado.

― Oh, meu Deus ― sussurrei, sufocada.

Virou-se para mim e tocou o meu rosto.

― Preciso que feche os olhos. Pode fazer isso?

Pisquei, agarrando o seu braço.

― Por favor, não saia. ― Comecei a chorar. ― Eles vão matá-lo,

chame reforços.

Ele sorriu.

― Já tenho reforços. Só faça o que pedi ― insistiu.

Assenti, escondendo o meu rosto em seu pescoço. Não queria

mesmo ver o resultado daquela briga, logo, o obedeci.

― Agora ― disse Miguel a alguém. Após, voltou a falar comigo: ―

Shhh, eu estou aqui. Nada de ruim acontecerá a você, querida, eu

juro.

Confiava nele com a minha vida.

Eu me encolhi ao ouvir os disparos do lado de fora, seguidos de


gritos. O medo me consumia, pensando que nós estávamos
perdendo.

― Não deveria ter trazido você aqui ― disse baixinho. ― Lamento,

Luna.

Apesar disso, eu me sentia segura nos braços dele; seu cheiro

inebriante levava o pavor para longe.

Em minutos, os tiros cessaram, então Miguel relaxou e beijou a

minha cabeça.

― Acabou, querida, mas sugiro que não olhe para a rua.

A situação me lembrou de quando o meu pai quis nos vender como


gado na reunião da igreja, mas Alessandro não deixou.

Afastei-me de Miguel e me escorei no banco, fitando o teto do carro,

em vez do lado externo. Contudo, pela visão periférica, enxerguei


três homens armados: um loiro com cabelos presos em um coque;

outro também loiro, mas com os fios soltos, em um comprimento um

pouco abaixo da orelha, além de barba e piercings; e, o terceiro, de


cabelos escuros, com um chapéu de cowboy.

― São os bandidos ou os seus homens? ― inquiri.

― Meus amigos ― respondeu, me abraçando. Senti a sua boca em

meu ouvido. ― Lamento por tudo isso, Luna.


― Não é sua culpa. E fui criada na máfia, lembra? Perdi a conta de

quantas vezes tentaram me sequestrar para me usar contra os


meus irmãos.

― Vou necessitar de mais pessoas para protegê-la. Não gosto da

ideia de alguém pondo as mãos em você.

― Isso não vai acontecer, Miguel. ― Realmente esperava que não.

― Tenho que falar com eles, mas será rápido. Depois, eu a levarei

para casa. ― Saiu do carro, já apertando a mão do cara de coque.

― Obrigado pelo auxílio, Christian.

― Irmãos servem para isso.

― Como El Diablo disse: nós estamos aqui para o que precisar ―


falou o loiro barbudo.

― Agradeço, Knife. ― Miguel se virou para o moreno. ― E a você

também.

― Tem um vivo ― disse o tal Knife. Que apelido estranho, tanto

quanto “El Diablo”.

― Depois lidarei com ele para descobrir quem está por trás desse

ataque.
Após se despedir dos seus amigos, Miguel me levou para uma casa
mais protegida que Fort Knox.

― Você está bem? ― sondava a cada minuto.

― Miguel, como eu disse: não é a primeira vez que alguém tenta me

matar e não será a última, não em nosso mundo ― assegurei. ―


Agradeço por me manter segura. Contará aos meus irmãos?

― Não, vou esperar sabermos algo sobre o mandante. Deve ser o

mesmo que matou Tadeu. ― Respirou fundo. ― Resolverei as


coisas.

― Sage não dirá nada? Ele é leal aos meus irmãos…

― Duvido, o erro foi dele, pois devia ter me alertado da chegada dos

malditos. É sua função checar a retaguarda. Sage tem sorte de

continuar respirando.

Entramos na casa pequena, mas fortemente armada.

― Este lugar é seu? ― Saímos do carro e seguimos para a entrada.

― Não, de um amigo. Podemos ficar aqui esta noite, é perto da

igreja. Amanhã cedo pretendo voltar pra lá.

Eu me senti culpada. O ataque atrapalhou seus planos de passar a


madrugada velando o amigo.
― Desculpe pela confusão. Se quiser voltar agora, pode ir. Sage
está lá fora, não é?

― Luna, minha linda, trouxe você aqui para descansar um pouco, e


eu poder fazer algumas ligações importantes. Não se culpe.

Aquiesci.

― Vai matar quem fez aquilo com o seu amigo? E o mandante do


ataque? ― A meu ver, uma morte só gerava outras. Adoraria fazê-lo

mudar de ideia.

Sua expressão se fechou um pouco. Ele só respondeu ao entrarmos


no local.

― Não mentirei para você, por mais que saiba o que quer ouvir. ―

Suspirou, triste. ― Quando eu pegar quem fez aquilo com o meu


amigo, o cara pagará de forma lenta. Tadeu foi torturado, deixando
uma mulher grávida para trás. Ninguém merece isso.

Pisquei com a notícia.

― Maria está grávida? ― Quanta crueldade! O filho nunca


conheceria seu pai…

― Sim, ele me ligou há alguns dias para contar. Tadeu planejava

levá-la a uma viagem de lua de mel, pois quando se casaram ele


estava trabalhando. ― Apontou para uma porta à direita. ― Você
pode dormir ali, lá deve ter tudo de que precisa.

― E você? ― perguntei, adentrando o quarto e me deparando com

uma cama de casal. Não vi outro cômodo, concluí que esse era o
único dormitório.

― Vou dormir no sofá ― respondeu da sala.

― O sofá não é pequeno para você? Posso dormir nele… ― sugeri,


indo até lá e checando o tamanho.

― Cachinhos, descanse na cama. Eu estou acostumado a dormir na


sala quando venho aqui ― disse, acariciando o meu rosto. Ele

sempre fazia isso, como se não conseguisse ficar sem me tocar


nem por um segundo. Eu, claro, amava aquilo. Seu carinho aqueceu
a minha pele e fez o meu estômago se encher de borboletas. ― Há

roupas novas no armário, é só usar. A maioria tem até etiqueta


ainda. ― Afastou-se e rumou à cozinha.

― Roupas femininas? De quem são? ― Fui conferir.

― Da irmã do Douglas, a Alicia. Os dois estão de férias em


Amsterdam.

― Essa menina não vai ligar que eu pegue uma emprestada?


Escolhi uma calça Capri branca e uma blusa de alças. Notei peças
íntimas na gaveta. Levantei uma renda vermelha na mão; a coisa

era tão fina e transparente que fiquei sem jeito de me imaginar nela
com Miguel ali comigo.

― Ficaria linda em você. ― Sua voz atrás de mim me fez pular. O

item caiu no chão, aos meus pés.

Virei, sentindo-me vermelha igual a um tomate. Ele estava tão perto


que roubou o que restava do meu fôlego.

― Tão perfeita. ― Abaixou-se à minha frente, sem tirar os olhos dos

meus, e pegou a peça. ― Tão inocente. ― Afagou as minhas


bochechas quentes. ― Esta cor é linda em seu rosto.

Pisquei, pigarreando.

― Obrigada. ― Não sabia o que dizer, muito menos conseguiria


falar com coerência.

― Acho melhor você ir tomar banho. ― Aproximou o rosto do meu.

Senti o seu cheiro inebriante e o hálito quente.

― Eu… ― Meus olhos alternavam entre os dele e a sua boca. Dei


um passo adiante.

― Luna, querida, você não sabe o quanto desejo beijá-la…


Fechei meus olhos, ansiando por aquilo também e, ao mesmo

tempo, com medo dessas sensações. Porém, eu senti que beijou a


minha testa. Encarei-o, sem entender. Por que não o fazia, se
desejava tanto? Seria somente a minha idade que o impedia?

― Miguel…

― Tome banho e descanse um pouco. ― Expirou como se sentisse


dor e me entregou a peça íntima que ainda segurava.

Saiu do quarto, parecendo temer suas ações, caso ficasse. Fui para

o banheiro quase correndo.

Pressionei minha mão no peito, que martelava descompassado.


Meu corpo pegava fogo dos pés à cabeça. Entrei no chuveiro

embaixo da água fria; carecia disso para que a minha pele parasse
de queimar.

Perdi o controle das horas. Fiquei ali, tentando controlar as minhas

emoções. De qualquer maneira, era melhor pensar nas sensações


que Miguel me provocava do que relembrar o ataque dessa noite.

Assim que saí, eu me deitei na cama, mas não consegui dormir.

Estava muito agitada, não só pelo que quase aconteceu e por


minhas inseguranças de me machucar novamente, mas também
pelo clima: relampejava e trovejava. Odiava temporais. Quando
ocorriam, eu sempre procurava a Jade ou o Stefano. E, se meu pai
não se encontrava em casa, até fugia para a cama da minha mãe.

Em meio à insônia, fui para a sala e encontrei Miguel sentado,

encarando a lareira acesa, parecendo distante. Levantou a cabeça


ao ouvir os meus passos.

― Não devia estar dormindo? ― sondou.

― Sim, mas não consigo dormir com este tempo…

Ele sabia do meu problema, ficara comigo em muitos dias de chuva,


na ausência de meus irmãos. Bateu no assento ao seu lado.

― Deite aqui e coloque a cabeça na minha perna.

Fiz o que pediu. Ele pôs uma mão em meu rosto e a outra no meu

quadril.

― Obrigada. ― Estava confortável.

― Não por isso, linda. Quando precisar, é só chamar. ― Seu dedo


esquadrinhava a minha cintura, desenhando círculos imaginários.

Era um gesto simples, mas o suficiente para deixar meu corpo todo
elétrico. ― Durma, querida. ― Abaixou-se e beijou a minha

bochecha. ― Agradeço por estar comigo hoje, seria um dia difícil


sem você.
― Fico feliz em ajudá-lo. ― Era verdade. ― Você também pode me
procurar sempre que necessitar.

Sorriu.

― Pode apostar que irei. ― Agora ele ostentava uma expressão


séria. ― Juro que jamais quebrarei sua confiança de novo ―
declarou com sinceridade. ― Vou protegê-la de tudo e de todos.

― Acredito em você. ― Toquei a sua barba, que espetou meus


dedos. ― Está grande, não é hora de aparar?

― Vou pensar nisso. ― Deu outro sorriso cálido. ― Descanse ―


pediu.

De fato, estava exausta. Logo apaguei. Antes disso, porém, senti os


seus lábios em minha bochecha, gesto seguido de um sussurro:

― Ficar longe de você foi a escolha mais difícil que já fiz. Nunca

mais me afastarei ― prometeu.


Capítulo 9

Miguel

Fiquei muito grilado ao descobrir que o mandante do assassinato de

Tadeu foi o Death, meu inimigo mortal, o mesmo que queria ocupar
o meu lugar no cartel. Ele era irmão do antigo chefe, morto há

alguns anos.

Eu vinha adiando essa luta. Mas não teria mais como protelar o

inevitável, não depois que ele mandou eliminar um amigo meu e

ainda por cima tentou sequestrar a Luna.


Ninguém tocava nela e continuava vivo, isso eu podia prometer; não

deixaria que nada nem ninguém a machucasse.

Deixei-a em Chicago depois do enterro de Tadeu e segui para o

México, a fim de resolver umas coisas importantes. Uma delas seria


fechar o cerco sobre Death, e não dar brecha para que ele atacasse

o meu território; várias boates sofreram atentados enquanto estive

fora.

― Olá, chefe ― disse Alfred, o meu braço direito.

― Como estão as coisas por aqui? ― sondei, indo para o escritório


da boate.

― Lidamos com tudo. Espero que continuem tranquilas. ―

Suspirou. ― Axel, Arrow e El Diablo estão na sua sala, chegaram há


alguns minutos.

― Obrigado. Diga aos outros que eu terei de sair em breve, mas

não aceitarei mais ataques no meu território.

― Sim, senhor.

Entrei no escritório. Axel estava de pé perto do vidro que dava para

a boate, por onde ficávamos de olho em tudo. Christian, sentado no

sofá com um celular na mão, digitava alguma coisa. Guardou o

aparelho assim que me viu.


― E então? Qual é o plano? Pretende invadir o território de Death?
Seria suicídio irmos sozinhos, mas equipados e com um exército,

nós conseguiríamos ― disse Christian.

Por telefone, adiantara a eles o que pretendia fazer.

― Não penso em atacá-los, não agora. Necessito de uma

estratégia. Vamos espionar e encontrar o cara que tocou em Tadeu.


Pelo que descobri, o nome dele é Airton e mora em El Salvador. Eu

me contentarei com ele, por enquanto. ― Peguei um uísque.

― Estou dentro. E você disse que precisava falar comigo… Sobre o

quê? ― Axel virou-se para mim.

Olhei para ele e Arrow, em seguida, suspirei, sentando-me no sofá


diante deles.

Axel era filho de Barry (ex-chefe do MC Fênix), que foi morto por

Ramires, um antigo líder do cartel; o próprio Axel eliminou Ramires.

Quem assumiu o domínio dos MCs foi o Shadow, um ótimo

governante.

Quase oito anos atrás, Axel era casado. Nesta união, teve um filho.

Mas a história terminou de um jeito trágico. Por muito tempo, ele

pensou que sua mulher havia se matado em um incêndio e

assassinado o bebê junto. Isso, contudo, gerou suspeitas de Arrow.


Na época, Axel e Arrow trabalhavam na polícia. Arrow estranhou o

fato de que todos os envolvidos no incêndio daquela noite acabarem


sendo eliminados de um jeito misterioso: o legista, os médicos, os

bombeiros e mais algumas testemunhas.

Entretanto, nesse período, Arrow foi sequestrado e perdeu a sua

esposa grávida. Assim, saiu dos trilhos, e o assunto foi engavetado.


Ao menos até algumas semanas antes, quando me chamou e

comentou sobre o caso, revelando que o menino de Axel poderia


estar vivo. Desta maneira, cabia a mim lhe dar a notícia.

Respirei fundo. Temia não ser verdade, odiaria instigar falsas


esperanças; isso destruiria o Axel. Checaria as informações

primeiro.

Decidi inventar qualquer coisa para desviar do tópico, mas Alfred me


interrompeu, entrando no escritório.

― Chefe, o cassino acabou de ser atacado. Uma bomba explodiu


no local.

Pisquei.

― Mortes? ― Já de pé, trincava os dentes.

― Umas dez; alguns feridos. E não é o pessoal do Death. Silvio


conseguiu pegar um ainda vivo e reconheceu a tatuagem. São os
Rodins.

― Rodins?

― Eles estão atingindo todos próximos ao Alessandro, houve um

ataque também no território de Nikolai, assim como no dos


Salvatores ― disse Christian.

― Maldição! Era só o que me faltava, se já não bastasse o Death no


meu pé, agora os Rodins também? ― rosnei com os punhos

cerrados.

― O que vai fazer? ― perguntou Arrow.

Knife ficou protegendo a Luna sem que Alessandro soubesse. Não

contaria ainda da tentativa de sequestro, pois ele estava focado em


pegar os Rodins.

― Não sei, eu só preciso capturar o assassino do Tadeu. Depois

pego o mandante de toda essa merda. Se não fosse perder muita


coisa, eu eliminaria o Death agora mesmo, mas se fizer isso, o seu
irmão, que é tão letal quanto ele, pode ocupar o seu lugar. Quero

encontrar uma forma de destruir todos sem deixá-los se reerguerem.


― No momento, me preocuparia com a família daqueles que

perdemos no atentado ao cassino. Após, procuraria Luna. Por mais


que soubesse que estava segura, eu desejava vê-la. ― Vamos para
El Salvador, mas primeiro darei um pulo no cassino. ― Coloquei o
copo na mesa e me virei para os três. ― Vocês vêm comigo ou nos
encontramos lá?

― Irei na frente para procurar alguns contatos e ver o que consigo

descobrir. ― Christian ficou de pé também. Falou para Arrow: ―


Fique com o Miguel, caso ele careça de auxílio.

― Tudo bem, chefe.

Ele se parecia muito com Shemar Moore. Até o zoávamos sobre o


tal ator ter sido policial em uma série de TV americana cujo nome eu

não recordava. Arrow insistia não se arrepender da vida que levava


atualmente; jamais seria um policial de novo. Sua mulher só foi
capturada quando descobriram que ele trabalhava infiltrado em um

cartel de drogas.

― Vou com você ― Axel disse. Seguimos para o carro. ― Sei que
não é a melhor hora, mas tenho que saber o que queria me contar…

― começou.

― Nada importante, eu apenas ouvi que está de olho em alguém.

Em uma garota de fora do nosso mundo.

Isso não era da minha conta, porém, serviu para disfarçar. O


problema deveria ser discutido apenas entre a menina, Axel e os
primos dela, Nasx e Vlad. Nasx pertencia aos MC Fênix, sendo seu
vice-presidente, e Vlad era mais conhecido no nosso mundo como
Anjo Sombrio ou Demolidor. Um assassino tão letal quanto

Christian, a quem chamávamos de El Diablo.

Axel suspirou.

― Eu sei, ela é um anjo de luz na minha vida ― respondeu e depois


estreitou os olhos. ― Como sabe sobre a Hadassa?

Sorri.

― Eu sei de tudo. Ou quase. Fico feliz por você, embora seja

praticamente um crime trazer uma garota dessas para a nossa vida.

― Está falando agora da irmã caçula dos Morellis? ― indagou.

― As duas são parecidas, inocentes demais ― murmurei. ― O que

me resta é desejar que ninguém nunca descubra essa fraqueza.

Conto com vocês para isso. Elas são um prato cheio para os

inimigos.

Confiava a minha vida e a de Luna a todos ali, logo, me sentia

seguro deixando Knife cuidá-la.

― Por isso não tenho ninguém, sou um pássaro livre ― comentou

Arrow, do nosso lado. ― O que houve no passado não vai se repetir.


Sua mulher era o ponto fraco dele, assim como Luna era o meu, e

Hadassa o de Axel.

― Idem ― disse Christian. Meu amigo perdeu sua esposa e sua

filha. Após, criou uma agência de assassinos de aluguel.

El Diablo rumou para El Salvador, e nós nos dirigimos ao cassino.

Chegando lá, encontramos tudo destruído. Fiquei puto. Havia

pessoas trabalhando ali durante o ataque, pessoas que não


precisavam ter morrido.

― Chefe? A polícia está a caminho ― alertou um dos meus


homens.

― Ligue para o juiz Thompson e o delegado. Não quero que nada

seja vazado ― ordenei, atendendo a uma ligação em seguida.

― Chefe…

― Sim? Descobriu mais alguma coisa? ― Era Crivella, um dos

meus infiltrados nos negócios de Death.

― O que procura está indo para Dallas. Planejam um ataque lá. Eu


não posso falar muito, mas quis avisar. Não sei ao certo o local.

Agora preciso ir.

Fitei meus amigos.

― Cuidem de tudo aqui, Alfred e Arrow. Axel e eu iremos a Dallas.


Sentia-me tão furioso que se eu pegasse alguém mataria sem dó

nem piedade.

― O que aconteceu? ― inquiriu Alfred.

― Pretendem atacar o meu território na cidade. Não deixarei. Vou

até lá para capturar o Airton, aí terei a minha vingança. Uma delas,


pelo menos.

― Devo preparar o jatinho?

― Sim. ― Voltei-me a Axel. ― Vamos? Ligarei para o Christian no

caminho.

― Essa merda só fede cada vez mais ― rosnou ele.

― Estou farto disso.

Retornamos ao carro, rumo ao aeroporto. Mandei uma mensagem

para o Christian avisando que os planos mudaram. Pedi que

checasse algo em El Salvador. Não tinha nada a ver com o ocorrido


do cassino, e sim com o filho de Axel, por isso mandei mensagem,

assim meu amigo não escutaria.

― O que El Diablo disse? Acha que pegaremos o safado antes de


um ataque?

Subíamos no jatinho, que logo alçou voo.


― Tenho gente o procurando, mas não podemos levantar suspeitas

de que sabemos do possível ataque. Isso levaria Death a desconfiar


de que haja outros infiltrados na sua organização. ― Não permitira

que Crivella fosse descoberto e morto.

Pelos meus homens, eu era capaz de tudo. Eles arriscavam suas

vidas por mim, então eu faria o mesmo por cada um deles.

Considerava-os minha família, conquistada ao longo dos muitos

anos à procura da minha irmã.

― Obrigado por estar comigo. Que desculpa deu no clube para me

ajudar?

― Eles pensam que estou na minha mãe. Não quero arranjar mais

problemas para Shadow, ele já está passando uma barra com

Evelyn e as pessoas atrás de Tracy. Achei melhor não dizer nada


por enquanto.

Tracy era a namorada de Nasx. Havia gente em busca de sua


colega de quarto, que por sinal trabalhava para os Destruttores. Eles

enviaram essa menina para pegar provas contra o Luca e, assim,

forçar uma aliança com os Salvatores, mas não deu certo. No final,

foi a ideia de Jade que uniu as duas famílias. Entretanto, os inimigos


que a garota gananciosa deixou se voltaram à Tracy.
Já Evelyn, esposa de Shadow, enfrentava uma gravidez de risco.

Requeria cuidados.

― Concordo. Eu também não quero que Alessandro e os seus


irmãos saibam. Têm coisas demais para se preocupar.

Chegamos a Dallas, e eu fui direto ao local onde meus homens


disseram que Airton estaria, uma boate no centro ― meu território.

― Vamos pegar esse miserável. Farei com que pague por tudo o

que Tadeu sofreu. ― Ele tinha sonhos, arrancados meramente por


me conhecer.

Eu devia ter ficado longe quando tive a chance. Nessa vida, ao nos
aproximarmos de pessoas, corríamos o risco de perdê-las. Agora eu

colocaria Luna em perigo…

― Vou ficar aqui fora, caso ele passe por vocês. Não fugirá ― disse
Axel.

Assenti e entrei na boate, olhando cada canto. Finalmente, eu o vi.


Usava uma bolsa. Então era assim que deixava os explosivos no

lugar? Onde se enfiaram os malditos seguranças, que não notaram

um homem com uma mochila daquele tamanho?

Largou a bolsa no chão no bar e andou até a porta dos fundos.


Peguei o meu telefone e liguei para o Shay, responsável por Dallas

na minha ausência. Dei as coordenadas e avisei que ele deveria


levar as bombas a um lugar seguro, bem como tirar as pessoas do

local.

Fui atrás de Airton com a minha arma em punho.

― Não foi fácil encontrá-lo ― falei.

O cara se virou e jogou um controle em mim; eu o segurei antes que

caísse no chão. Desarmei a coisa, mas o maldito aproveitou para

correr. Felizmente, Axel o aguardava e se jogou contra o cara. Os

dois tombaram.

De repente, Axel grunhiu e amoleceu. Atirei no ombro de Airton e

chutei a sua barriga, tirando-o de cima do meu amigo.

― Senhor, você está bem? ― perguntou Buster, um dos meus

homens.

― Leve Airton, lido com ele mais tarde. ― Abaixei-me ao lado de

Axel, averiguando o ferimento: uma facada na barriga. ― Preciso de

um médico! ― gritei com urgência. ― Aguente firme, cara.

― Hadassa… ― balbuciou, apagando na sequência.

Até semi-inconsciente ele a chamava. Eu faria o mesmo se


estivesse em seu lugar.
Ver os meus parceiros sendo machucados, torturados e mortos me
enraivecia. Isso tinha que parar. Mas como?

― Ela está segura, meu amigo ― garanti. ― Cuidaremos de você.

Carreguei-o para o meu carro e dirigi à nossa clínica clandestina.

Entrando lá, pedi ao médico:

― Doutor, me diga a gravidade da situação. ― Por favor, que não

houvesse dano nenhum…

Ele o examinou.

― A lâmina não perfurou nenhum órgão. Vou ministrar um remédio

para a dor e suturar a ferida.

Aquiesci, mais aliviado. Agora acertaria as contas com aquele

desgraçado.

Deixei Axel na clínica depois de saber que ficaria bem e fui para a
boate na qual o maldito estava.

Entrei no porão, onde gerenciávamos esse tipo de problema. Airton


estava algemado em correntes na parede, sem camisa e com

alguns ferimentos.

― Vejo que começou antes de mim ― falei ao Buster.

― Desculpe, chefe, mas ele me irritou. ― Fuzilava o sujeito.


― Tudo bem, ainda sobrou muito para a minha diversão. ―
Avizinhei-me de Airton, que não disse nada. Só me fitava com um ar
de superioridade. ― Veremos até quando continuará assim. ―

Caminhei a uma mesa com diversas ferramentas. Escolhi um


maçarico. Airton arregalou os olhos. ― A tortura é algo muito bom,
bota de joelhos até quem se julga forte.

― Death vai matá-lo ― replicou com um sorriso.

Sorri também.

― Creio que não. Você, como os demais homens dele, é facilmente


substituível. ― Acendi o maçarico. ― Pagará pela morte do meu

amigo, seu merda.

Ele franziu a testa.

― Qual deles? Esse que foi esfaqueado? Ou aquele que implorou


para não morrer, pois ia ser pai? ― A frieza me enojou.

Levei as chamas à sua perna, ouvindo-o gritar ao fritar a carne.

Passei a noite inteira com o miserável; pena que não aguentei


prolongar sua estadia ali. Quando terminei, ele estava

irreconhecível, mas merecia algo pior após a morte de Tadeu.

No final, Airton igualmente implorou; a maioria o fazia. Eu nunca


supliquei por minha vida, para não dar o gostinho aos meus
inimigos.

― Tadeu… isso foi por você, meu amigo. ― Sentei-me perto do


cadáver desmembrado e peguei um copo de bebida, erguendo-o em

um brinde ao além. ― Enfim, ele pagou por tudo. Odeio não poder
trazer você de volta, mas tomarei conta de seu filho ― jurei.
Capítulo 10

Luna

Aproveitei esse tempo com meus irmãos focados nos seus inimigos

para criar um plano com Sage, de modo a continuar ajudando-o a


controlar seu pai. Tão atribulados com os ataques que sofriam,

Alessandro, Rafaelle e Stefano nem notaram meu envolvimento com

Miguel. Achei ótimo. Queria deixar o nosso relacionamento fluir


antes de contar aos outros. No fundo, temia que partisse, mas não

me permitiria ser consumida pelo medo.


Na noite em que dormi no sofá com Miguel, eu pensei ter sonhado

que ele me carregava em seus braços para o quarto. Até imaginei


ouvi-lo dizer que doeu demais ficar longe de mim.

Pensar em perder Miguel era uma tortura. Sempre sonhei com esse
homem e, por um milagre, ele me queria também.

Na semana anterior, nós participamos do enterro do seu amigo.

Depois, Miguel precisou ir para o México. Receei que não voltasse,


porém, nos comunicamos o tempo todo. Isso ajudava bastante a

nossa relação. Não sabia direito o que éramos, mas gostava de

conversar com ele até tarde. Isso me trazia muitas lembranças do


passado. Ligava para ele quando os meus irmãos não estavam por

perto.

Logo revelaria tudo, só precisava de tempo. E se o pai de Sage

descobrisse, arrumaria uma namorada para ele. Evitaria deixar um

amigo na mão.

Eu não tinha ideia se Miguel chegou a pegar o cara que matou


Tadeu. Temia a resposta, por isso não perguntei.

Mais cedo, Jade fora almoçar com o Luca. O namoro deles estava

mais forte do que nunca. O noivado seria dentro de duas semanas.

Por meio de meu cunhado, soube que Miguel passaria ali para falar
com o Alessandro. Com meus irmãos ao redor, ficaria difícil de
matar as saudades.

Eu me arrumei e desci as escadas para vê-lo, com uma saia jeans e

um top preto. Antes, quando o meu pai era o capo, eu só usava

vestidos compridos, mas agora podia trajar o que eu quisesse.

Corri nos últimos degraus, sem ligar que estava com saltos, o que
foi um erro, pois pisei em falso e caí para a frente. Braços fortes me

pegaram.

― Obrigada ― agradeci sem olhar quem era, tentando recuperar o

fôlego.

Ao levantar a cabeça, vi Sage sorrindo. Retribuí o gesto, pois meu


amigo impediu que eu quebrasse a minha cara.

Então um rosnado me assustou:

― Tire as mãos de cima dela. ― A voz enfurecida pertencia ao

Miguel.

Sorri de novo e fui até ele, no intuito de tranquilizá-lo.

― Acalme-se, acabei me desequilibrando na pressa de ver você.

Sage me segurou.

― Correu escada abaixo com esses saltos só porque temia que eu

fosse embora sem falar com você? ― Sacudiu a cabeça, divertido.


Assenti, admirando a sua beleza feito uma idiota. A vontade de

beijá-lo era tanta! Miguel poderia ao menos fazer isso, em vez de


querer esperar mais alguns meses.

O canto de sua boca se levantou em um sorriso belíssimo.

― Por que está vermelha, Luna? ― Escutei o meu irmão não muito
longe de mim.

Stefano estava parado de braços cruzados e com cara de poucos

amigos. Ele era uma bomba-relógio; se desconfiasse do que eu


sentia, explodiria.

― Porque quase caí da escada ― menti. ― Só vim dizer olá ao


Miguel.

Stefano estreitou os olhos.

― Desde quando são tão próximos? ― Dos meus irmãos, ele era o

mais protetor.

― Na verdade, a Luna queria ver a minha irmã, estou aqui para

buscá-la. Alessandro deixou.

Mentalmente, dei graças pelo auxílio.

― Vou passar o dia com você? ― sondei, animada. Meus


sentimentos só cresceram na sua ausência.
― Não gosto disso ― sibilou Stefano. ― Nem de você com o

Miguel, nem de Jade com o Luca.

Virei para ele.

― Por que não para de pegar no nosso pé e vai arrumar uma


namorada? ― provoquei com um sorriso. ― Estou louca para ser
tia.

Stefano fez uma careta.

― Se depender de mim, isso não acontecerá nunca ― grunhiu. ―

Peça ao Rafaelle e ao Alessandro.

― Nem pensar ― disse Alessandro, entrando na sala.

― Vou ter de me contentar com os sobrinhos que Jade me dará. ―

Suspirei. No fundo, eu desejava mesmo algumas crianças na


família.

Alessandro se irritou.

― Se Luca tocar nela antes do casamento, eu vou matá-lo.

Ah, se eles soubessem o que Gael fez com a Jade…

― Luca jamais a desrespeitaria ― Miguel assegurou. Ele era amigo


dos Salvatores.
― Por que seria um desrespeito? ― questionei. ― Os dois são
namorados, estão apaixonados.

Na máfia, os homens repudiavam mulheres que se entregavam


antes da noite de núpcias. Já os caras podiam ficar com quem

quisessem.

― Ninguém ousaria encostar em vocês duas antes de casarem ―


Alessandro respondeu.

― Se quiséssemos, seria perfeitamente normal. Estamos no século


XXI, merecemos os mesmos direitos de vocês.

― Sabe que eu apenas desejo protegê-las… Não suportaria que

sofressem nas mãos de algum imbecil.

― Não estou dizendo que vou fazer… ― Corei e não consegui

terminar. ― Só pretendo decidir isso sozinha.

Considerava horrível que essa escolha tão relevante fugisse do meu


controle, somente porque alguns machistas resolveram parar no
tempo. Mulheres demais eram humilhadas em público por decidirem

se entregar a alguém, isso quando seus próprios pais não as


castigavam ou, pior, as matavam. Meus irmãos precisavam

compreender que eu respeitava Alessandro como capo, mas nem


ele obrigaria Jade e eu a permanecermos virgens se não
desejássemos.

― Devo saber de algo? ― Alessandro alternava seu olhar entre


Miguel, Sage e eu.

Sage aparentou nervosismo, já Miguel estava calmo. Eu confiava

em meu segurança para não mencionar meu relacionamento com o


amigo de meu irmão.

― Ninguém ousou se aproximar dela, chefe ― disse Sage.

― Nem você, por quem ela tem uma queda? ― Stefano o fuzilava.

Alessandro ergueu uma sobrancelha.

― Queda?

― Jamais tocaria em Luna.

― Miguel? ― o capo perguntou.

― Não há ninguém ― garantiu Miguel, convicto.

― Desculpe-me, Alessandro, mas se tivesse, caberia a mim lhe

contar. E não o deixaria interferir nisso ― respondi com sinceridade,

por estarmos entre família. Na frente de seus homens, eu não falaria

nada, do contrário, alguns perderiam o respeito por ele. A máfia e


suas leis idiotas… ― Não basta o que Marco nos fez passar?
Meu irmão respirou fundo, pesaroso, parecendo me dar alguma

razão. Compreensivo, aquiesceu.

― Que tal irmos, Luna? ― sugeriu Miguel para mudar de assunto.

― Sim. Não há motivo para discutir agora, se nem um namorado eu

tenho.

― Melhor assim. ― Stefano veio me abraçar. ― Foque em seus


estudos e esqueça essa coisa de namorar, ainda é nova.

― Devia seguir o seu próprio conselho, meu irmão. ― Pisquei. ―


Ou arrumar uma namorada fixa. Espero que, um dia, seja fisgado.

Bufou e beijou a minha cabeça.

― Você sonha demais. ― Sorriu.

Stefano era lindo, forte, musculoso, com cabelos e olhos escuros.


Seu sorriso conquistava qualquer uma. Torcia por sua felicidade.

Fomos embora para a casa da irmã de Miguel. Sage nos

acompanhou em outro carro.

― Acho que devemos conversar, Luna…

Nem o deixei terminar, inquirindo, ansiosa:

― Sobre o quê?
― Não gostei de a ouvir dizer que não tem um namorado. Claro,

não falaria na frente dos seus irmãos, mas quero esclarecer o que

somos.

Arfei.

― E o que é isso, exatamente?

― Oras, namorados. ― Ante a minha pausa surpresa, prosseguiu:

― Por quê? Você não quer? ― Parecia ter se esquecido da estrada.

― Olhe para a frente ― eu o repreendi.

Parou em uma ruela deserta, talvez a entrada de alguma fazenda.

― Preciso saber, Luna. ― Virou-se para mim com um olhar intenso.

― Vai namorar comigo?

Fiquei embasbacada.

― Cla-claro… ― gaguejei, com dificuldade de aceitar que não


sonhava.

Tocou o meu rosto, sorrindo.

― Então você é minha?

― Sim, sua. ― Sorri, ficando sem fôlego ao sentir a sua mão em

minha pele. Depois, um detalhe me incomodou. ― E quanto às


outras mulheres?
Franziu a testa.

― O que isso tem a ver?

― Vai ficar com elas? Não gosto de gente infiel, meu pai era.

― Quer saber se vou traí-la enquanto espero?

Assenti, me remexendo no banco.

― Cachinhos ― beijou o meu ombro com uma risada, arrepiando-

me inteira ―, não fico com ninguém há muito tempo, desde que


voltei.

Fiz uma careta.

― Não é tanto tempo assim ― reclamei.

― Eu sei, mas posso jurar que jamais tocarei em ninguém além de


você, enquanto eu viver. ― Esquadrinhou a minha pele. ― É uma

tortura não poder beijá-la e gritar aos quatro cantos que é toda

minha. ― Varreu minha boca com os olhos. ― Você é a pessoa

mais importante da minha vida, Luna.

Miguel voltou a dirigir, me deixando com o coração prestes a pular

do peito, tamanha a emoção.


Capítulo 11

Miguel

Chegamos à casa da minha irmã, situada em um amplo terreno com


muitas residências de motoqueiros, além do próprio clube MC Fênix.
Adoraria que ela e Luna se dessem bem. Pelo que vi na noite da
boate, com certeza gostariam uma da outra. Ademais, também
queria estar com Luna.
Havia dias eu planejava falar com a Emília. Não conversamos
pessoalmente após eu descobrir que ela queria ser mãe de novo.
Adorava a Emma, a minha sobrinha, uma menina doce que me
enchia de orgulho. Se minha irmã pretendia ter outro filho, não seria
eu a impedi-la. Ela merecia muita felicidade depois de tudo que
viveu.
― É bonito aqui ― Luna avaliou o sobrado de dois andares.
Fui à casa dos Morellis mais cedo na esperança de vê-la para
passarmos o dia juntos, na companhia de minha irmã e de Emma,
minha princesinha linda. Não esperava pelo assunto que surgiu na
sala, dela com os seus irmãos, sobre transar antes do casamento.
Entendia o seu lado, pois cresceu sendo privada de muitas coisas,
mas eu não me via ficando com Luna tão cedo. Se eu queria?
Óbvio. Mas não podia deixar de considerar uma questão de
respeito; eu a amava demais, não gostaria de apressar nada.
Claro que eu fodi muitas mulheres, mas Luna era diferente, alguém
que eu queria para sempre na minha vida. Com ela, eu desejava me
casar e ter muitos filhos, lhe dando tudo com que sonhasse.
De qualquer maneira, essa seria uma decisão conjunta com a
garota, e não apenas minha.
― Sim, é ― concordei, olhando para ela em vez da casa.
Parecia nervosa.
― Será que isto é apropriado para a ocasião? ― Alisou a roupa que
usava. ― Na hora, eu só pensei em ficar bonita para você.
Puxei-a aos meus braços.
― Está linda, Luna. Sempre é, querida. ― Apertei a sua mão
delicadamente. ― Minha irmã vai amá-la, assim como a minha
sobrinha.
Não havia ninguém mais brilhante do que a minha Cachinhos.
― Obrigada. ― Corou, saindo do carro.
Eu a segui para fora, segurando a sua mão, que suava devido à
ansiedade.
― Fique tranquila. Você já a conhece, não precisa se preocupar.
― Eu a conheci, sim, mas não como a sua namorada ― sussurrou.
Ri, beijando a sua cabeça.
― Tudo ficará bem, ela amará você, todos amam. ― Isso a fez
relaxar. Eu, por outro lado, me angustiei de repente. ― Amaria
contar ao mundo inteiro nossa novidade, mas não quero que os
meus inimigos saibam que tenho uma fraqueza. Vocês já são o
calcanhar de Aquiles dos seus irmãos. ― Suspirei. ― Sabe o
Tadeu?
― Sim, o seu amigo. ― Entristeceu-se. ― O que tem ele?
Mirei o horizonte, enchendo-me de fúria.
― Foi morto por minha causa, porque éramos amigos, e não por ser
policial. Fizeram isso para me atingir. Agora Maria terá um bebê sem
pai… ― A fúria me dominava ao pensar em Death; logo eliminaria o
maldito. ― Se aquele desgraçado foi até ele, que era só um amigo,
o que não faria com você, que é tudo para mim?
― Talvez não descubra ― comentou, nada segura.
― É um risco que não vou correr. De qualquer forma, nós dois
sabemos que somos namorados, é o que importa. Quem liga para o
que os outros pensam? Seus irmãos já têm preocupações maiores.
Alessandro tentava eliminar os Rodins e dar fim aos traidores que
não gostaram dele no poder. As mudanças foram demais para
esses crápulas. Marco era a favor da pedofilia, da venda de órgãos
e do estupro. Claro que tanto os Destruttores quanto os Lobos
Solitários tinham clubes de prostituição, mas as mulheres escolhiam
esta vida, não as obrigávamos.
― Nossos amigos e nossa família podem saber, aposto que
ninguém dirá nada.
― Sei que não, mas há membros da organização do seu irmão que
não estão felizes com ele no poder, e não sabemos quais são. Deixe
essa coisa com a Jade e o Luca se resolver primeiro, e o seu irmão
pegar os ratos. Aí, diremos a todos. ― Beijei a sua testa. ― Não vai
demorar.
― Tudo bem. Contaremos após o casamento de Jade; odeio mentir
para ela ― sussurrou.
― Não será por muito tempo. ― Os problemas se ajeitariam até lá.
― Agora vamos entrar.
Antes de chegarmos à varanda, Emília abriu a porta de sua casa e
veio até nós. Notei os seus olhos vermelhos.
― Devo eliminar alguém logo cedo? Um certo motoqueiro? ―
Terminei o caminho até ela, beijando a sua cabeça.
― Isso não é culpa do Edward, ele jamais me faria chorar. ―
Afastou-se e forçou um sorriso. ― Entrem.
De fato, Daemon ― apelido de Edward no MC Fênix ― nunca a
machucaria.
― Se não brigaram, o que houve? ― sondei e depois pisquei. ―
Emma?
Torcia para que não estivesse acontecendo nada. Seria sobre Emília
querer engravidar?
Nós nos sentamos nos sofás na sala, eu ao lado dela, e Luna no
outro, à minha direita. Não vi Daemon ali, nem Emma… Não, minha
princesa estava bem.
― Se precisarem de privacidade, eu posso sair, assim vocês
conversam mais à vontade. ― Luna já ia se levantar, mas peguei a
sua mão, mantendo-a no lugar.
Essa menina arrebatava o meu coração cada vez mais. Não
entendia como pude ficar tanto tempo longe dela.
Emília sorriu docemente.
― Não se preocupe, querida, isso não é segredo. Eu quero muito
algo, mas até agora não consegui. ― Respirou fundo, recostando-
se no sofá.
― É sobre a gravidez? ― sondei.
Vê-la triste me machucava.
― Como sabe disso? ― Parecia distante com os seus
pensamentos.
Luna corou.
― Desculpe por ter dito… ― Sua voz fervia de vergonha.
― Não tem problema. Enfim, está difícil de realizar esse desejo.
Daemon fez os exames e os resultados foram bons, os meus
também. A doutora comentou que ando tensa demais.
― Isso pode dificultar as coisas ― disse Luna. ― A ansiedade
atrapalha. E os motivos são físicos! Causa um desequilíbrio
hormonal no corpo da mulher, podendo ocasionar alterações e
irregularidades nos ciclos menstruais e até mesmo inibição da
ovulação.
― A minha médica disse a mesma coisa. ― Sorriu e checou nós
dois, piscando. ― Vocês…
― Não, não… ― replicou Luna, tímida. ― Apenas tenho interesse
em medicina, embora prefira estudar sobre animais que não o ser
humano. ― Sorriu, simpática.
Emília era esperta demais, não conseguiríamos esconder o namoro
dela.
― Cuidado, Miguel, aquele irmão mais velho dela tem cara de quem
o mataria sem pensar duas vezes. ― Minha irmã franziu a testa. ―
Eu espero que esteja se comportando…
― Alessandro jamais o machucaria ― Luna falou com convicção. ―
Eles são amigos.
Eu ri. Se achava que Alessandro não seria capaz de me matar, ela
estava enganada. Por Luna e Jade, ele faria de tudo; não só
Alessandro, mas os outros irmãos também, principalmente Stefano,
um assassino eficaz.
― Vou ficar bem, não esquente a cabeça. Sou um menino
comportado ― brinquei.
Emília bufou.
― Não quero ter de enfrentar aquele capo. Só de estar perto dele
eu já me arrepio. Desculpe, Luna, mas seu irmão é sinistro. ―
Estremeceu.
Ela não estava errada. Contudo, Alessandro também tinha suas
qualidades: era um amigo leal.
― Alessandro é um doce, só não gosta de mostrar o que sente ―
Luna esclareceu.
― Cadê o Daemon? ― perguntei, mudando de assunto. ― E a
minha princesinha?
― Foram ao clube, devem estar voltando ― respondeu, limpando
os olhos.
― Por que não viajam para relaxar? Posso lhe dar uma de presente,
para qualquer lugar aonde deseje ir.
Enviaria alguns dos meus homens junto para protegê-la, claro.
Falaria com Daemon a respeito disso.
― Será que resolveria o meu problema? Esses dias, eu estava tão
preocupada com a Evelyn perto de dar à luz e com a Tracy sendo
perseguida… ― Sacudiu a cabeça. ― Tudo me deixa nervosa
demais. Obrigada por oferecer, Miguel.
Luna sorriu.
― Façam uma viagem só vocês dois, aproveitem. Quem sabe não
consiga realizar o seu desejo? ― Minha menina era um doce,
sempre ajudando todos.
Emília sorria como uma fada; fiquei feliz por minha garota ser a
causadora disso.
― Vou sugerir ao Edward, a minha sogra poderia ficar com a Emma.
Não tivemos uma lua de mel, seria o momento ideal. ― Emília se
casou em uma cerimônia bem simples, ela não queria multidões.
Antes que eu comentasse algo, Emma veio correndo em minha
direção.
― Titio, você trouxe um presente para mim? ― Chegou meio
ofegante pela pressa.
Sempre que eu as visitava, levava algo. Levantei-me e a peguei nos
braços.
― Não, princesa, não tive tempo de comprar um, mas prometo que
da próxima vez eu trago. ― Beijei ambas as bochechas dela.
Emma riu.
― Essa barba faz cócegas, como a do meu pai ― disse. Em
seguida, levantou o pulso. ― O tio Axel me deu isso. Falou que
assim que voltasse, me traria mais.
Depois de ser ferido, Axel regressou à casa da mãe dele. Ao lado
dela, morava Hadassa, sua namorada. Alguém matou a avó da
menina, que estava extremamente triste. Arrow tomava conta da
garota no momento.
― Tem que parar de pedir presentes ao Axel sempre que o vê ―
ralhou minha irmã.
Emma fez uma careta linda. Ela tinha os cabelos na altura dos
ombros e olhos castanhos; parecia a sua mãe.
― Por quê? Meu tio disse que adora me presentear. ― Sorriu. ―
Ele me deu muitas bonecas da Barbie.
― Eu também adoro, querida, pena que não tive tempo ― falei.
Luna sorriu.
― Para compensar, eu lhe trarei um brinquedo quando voltar aqui,
então receberá um meu, e outro do seu tio ― prometeu à minha
sobrinha. Com isso, ganhou um abraço de Emma.
― Fiquem e almocem com a gente ― pediu Emília.
Ouvimos o som de uma moto.
― Papai chegou! ― Emma se dirigiu à porta, pela qual Daemon
entrou.
Sorriu e a abraçou, suspendendo-a.
― Oi, princesinha linda. ― Podia ver a felicidade deles. Agradecia
aos céus pelo motoqueiro ter entrado na vida dela. Daemon
considerava Emma sua filha biológica. Levantou a cabeça e nos
notou ali. Após, avaliou sua esposa e seus olhos úmidos. ― Miguel?
― Soou preocupado. ― O que está acontecendo aqui?
Emma foi para a cozinha, enquanto Emília sorria e caminhava até o
seu marido.
― Nada, Edward, mas vamos viajar. Miguel nos ofereceu as
passagens. Eu só preciso decidir para onde. ― Animou-se.
― Viajar? ― indagou, me analisando.
Esforcei-me para transparecer que isso seria bom para acalmar
minha irmã e afastá-la dos perigos.
― Sim. O que acha? ― Emília tocou o seu peito ligeiramente tenso.
Daemon foi sequestrado e espancado quando criança, tendo a sua
pele cortada na região do peitoral e das costas, então imagino que o
toque lhe despertava lembranças ruins. Minha irmã o auxiliava com
o seu trauma, e ele com o dela. Um dia, os dois se curariam.
― Tenho que consultar o Shadow, mas acredito que podemos ir,
sim. ― Sorriu.
Emília pulou em seus braços e o beijou. Estava feliz pelos dois.
― Chega de pegação ― brinquei.
Minha irmã se afastou e riu, corando.
― Pare você de frescura. ― Revirou os olhos. ― Vou ajeitar as
coisas na cozinha ― disse, virando-se para a Luna. ― Quer vir
comigo?
Luna assentiu, e ambas saíram da sala.
― O que houve? ― Daemon foi direto. ― Você está com uma cara
estranha…
Suspirei.
― Tadeu morreu.
― O tira? ― Piscou e estreitou os olhos. ― O que isso tem a ver
conosco?
― Foi o Death, fez para me atacar. Continuará tentando. Como não
posso ficar o tempo todo protegendo Luna, Emília e Emma, eu
preciso que faça isso. Mandarei alguns dos meus homens com
vocês, mas peça o mesmo aos seus. Não as quero desprotegidas.
A expressão de Daemon ficou sombria.
― Acha que viajar é a solução? ― Parecia em dúvida.
― Pode ser, se forem ao lugar certo. Tenho uma ilha nas Maldivas,
lá é seguro, ninguém se aproximará sem ser descoberto.
― Fechado. Vou providenciar a segurança junto aos seus homens.
― Apontou para a cozinha. ― E quanto à garota? E se eles
souberem o que ela significa para você?
Daemon era observador. Os irmãos de Luna não notaram, pois tinha
muita coisa dando errado em sua organização ― Rafaelle cuidava
de Veneza; Stefano e Alessandro resolviam os ataques dos Rodins,
a cada dia mais frequentes.
Precisávamos eliminar os Rodins e o Death. Torcia para que isso
não demorasse a acontecer.
Capítulo 12

Luna

Algumas semanas depois

Era o noivado de Jade e Luca, e eu nunca vi a minha irmã mais feliz


do que nesse dia.
O casamento ia ser em Veneza, na Itália, mas o noivado ocorreu em
um hotel no centro de Chicago. O salão de festas estava todo
organizado.
Tinha várias pessoas, tanto de nossa família como da parte dos
Salvatores. Embora não tanto quanto teria se o capo fosse o meu
pai. No caso dele, ali veríamos gente da pior espécie, incluindo um
ser horrendo que ainda respirava: Gael.
Soube que o promoveriam para tomar conta de um dos negócios do
meu irmão. Achava isso injusto; não podia deixar que acontecesse,
não após ele ter feito o que fez. Alguém como Gael não deveria
andar livre por aí, embora eu soubesse que no meu mundo ninguém
ficava preso, pois era mais fácil ser jogado aos tubarões.
Queria contar tudo, mas não podia quebrar a confiança de Jade.
Então decidi convencê-la a confessar aos nossos irmãos. Puxei-a a
um canto afastado dos convidados.
― Está feliz?
Nós nos encontrávamos no banheiro. Jade retocava a maquiagem
após ter chorado ao descobrir pela mulher que criou Luca que ele
teve uma vida difícil. Seu pai inclusive matou a sua mãe. Não foi
muito diferente do que Marco fez conosco.
― Nunca senti nada assim. Toda vez que o vejo, ou que ele me
toca, é como se o meu coração fosse sair da boca. ― Ela sentia por
ele o mesmo que eu sentia por Miguel.
Eu ri, nervosa. Meu namorado não estava ali, mas prometeu que
apareceria logo; não havia um segundo longe dele no qual eu não
sentisse a sua falta.
― Luca é realmente lindo. Tem certeza de que ele vai ser fiel? Ouvi
falar que era bastante mulherengo. ― Escutei coisas nada boas
sobre Luca. Na verdade, de Miguel também. Homens como eles
podiam ser rendidos? Uma mulher bastaria? Este era o meu medo,
não ser suficiente para Miguel.
― Não sei, mas ele fará a sua escolha: eu, ou todas as mulheres do
mundo.
Sua ferocidade se assemelhava à minha. Miguel não me tocaria se
eu não fosse a única para ele. Mas como isso seria possível, se ele
nem me permitia beijá-lo? Aguentaria todo esse tempo sem transar
com outra?
Deixei isso quieto para focar na felicidade da minha irmã. Ela estava
deslumbrante. Jade tinha cabelos negros, mas os erguera em um
coque, com algumas mexas soltas. As íris verdes combinavam
perfeitamente com o seu vestido azul-turquesa, bem ajustado em
seu corpo. Era um tomara que caia com decote nos seios.
― Está tão linda. ― Admirei-a, depois fiquei triste. ― Quando se
casar, eu vou sentir a sua falta.
― Você vai morar comigo, não a deixarei longe das minhas vistas.
― Ela mal tirava os olhos de mim se havia homens do nosso irmão
por perto. Jade não queria que o passado se repetisse.
― Vai contar a verdade algum dia? Antes, você não podia dizer,
porque temia a ira de nosso pai, mas agora nós não temos mais ele,
e nossos irmãos não deixarão que nada nos aconteça. Alessandro
pode fazê-lo pagar. ― Eu repudiava a crueldade, mas Gael tocou na
minha irmã! ― Seria a única forma de explicar o fato de eu morar
com você e Luca.
― Depois do noivado. Não quero me casar escondendo algo do
Luca ― garantiu por fim.
― Tudo bem, agora temos que voltar, ou acharão que aconteceu
algo.
Saímos do banheiro para ir ao salão. Não queria que o assunto
acabasse, ela precisava ver a razão. Caso aquele crápula voltasse a
circular em nosso meio como se fosse inocente, eu seria capaz de
chutá-lo nas bolas.
― Jade, tem uma coisa que quero lhe dizer. ― Trinquei os dentes.
Não gostava de pensar naquele traste imundo.
― O que é? ― Virou-se para mim no meio do corredor.
― Soube que o Gael vai ser promovido. Ele se tornará o chefe do
cassino Royal aqui de Chicago. Precisa dizer o que ele fez. E se ele
violentou mais garotas? ― Não gostava de pensar nessa hipótese,
mas se algo aconteceu só porque ficamos caladas… Era errado.
― Repita? ― Uma voz irada veio de trás de mim, arrepiando-me.
― Luca… ― Ela tentou amenizar os danos, mas ele não quis ouvir.
― Jade, eu não vou perguntar de novo. ― Seu tom era duro como
uma rocha.
― Luca…
― Por Deus, Jade, me fale, ou eu vou enlouquecer. ― Chegou
perto dela, tremendo de fúria. ― Vocês duas estavam falando que
Gael a estuprou?
― Não, mas… ― Sua voz falhou no final.
― Jade. ― Precisou respirar para manter-se controlado.
Entendia o medo da minha irmã, mas não havia motivo: ela não fez
nada, foi o imbecil quem cometeu o abuso. Gael merecia pagar.
Marco já estava a sete palmos da terra, só faltava esse monstro.
― Meu pai o obrigou a me tocar… com os dedos… ― Fechou os
olhos, acredito que para não reviver a cena horrenda.
Luca, agitado, ostentava uma expressão de assassino em série.
Não era para menos, dado o que descobriu. Com os nossos irmãos
seria igual ou pior.
Meu cunhado saiu, e ela correu atrás dele.
― Luca, por favor…
Virou-se subitamente com uma ira capaz de devastar tudo à sua
frente.
― Você quis que ele a tocasse? ― checou, racional. Imagino que
apenas conferia se não foi consensual, para justificar o futuro
castigo de Gael. Luca não o mataria somente por ciúmes.
― Não! Por Deus, não! ― Jade ofegou com sua pergunta.
― Seus irmãos não sabem ― concluiu, já que o abusador
permanecia vivo.
Eu abominava estupradores. Ele não chegou a penetrá-la, mas dava
na mesma, pois a tocou sem o seu consentimento.
― Só não queria que mais ninguém morresse por minha causa ―
sussurrou, encolhida.
― Por sua causa? Esse filho da puta não merece respirar neste
mundo. Hoje, ele vai morrer por tê-la tocado ― sibilou e partiu.
Éramos contra mortes, porém, naquele caso, não existia
escapatória. Nada impedia Gael de atacar outras mulheres.
― Jade… ― Não me meti na sua discussão com Luca.
― Oh, Deus, Luna, ele vai matá-lo. ― Chorou.
― Você se importa com o Gael? Ele lhe tocou. ― Ela não podia se
culpar! Os responsáveis eram Gael e Marco.
― Não é isso, é que sempre que Luca mata alguém, é como se ele
entrasse em seu próprio abismo. ― Pelo que ouvi, meu cunhado
eliminou o pai por ter matado a sua mãe. Muita tragédia para uma
família só.
Jade correu até o salão, onde estava todo mundo.
― Chegou a noiva… ― Irina se interrompeu ao ver o estado da
minha irmã. ― Aconteceu alguma coisa?
― Será que terei de matar o noivo antes do casamento? ― Stefano
checou.
― Posso falar a sós com vocês? ― Jade se encolheu ao encarar os
nossos irmãos.
Alessandro estreitou os olhos e mandou todos saírem com um
estalar dos dedos. O lugar ficou vazio, exceto por nós cinco, Matteo
e Samuel.
― Vou ficar se tiver algo a ver com Luca. ― Matteo informou ao
meu irmão e virou-se para Jade. ― Tem?
― Jade, por que está assim? ― Alessandro perguntou, indo até ela.
― Luca fez alguma coisa? Cadê ele? Eu não o vejo há alguns
minutos. ― Rafaelle assumiu uma expressão sombria.
― Nada. ― Apressou-se a explicar: ― Mas ele vai matar o Gael…
― O quê? ― Matteo elevou a sua voz. ― Me ilumine, Jade, porque
Luca jamais tocaria em um membro de outra família sem que eu lhe
desse uma ordem.
Odiava quando ela abaixava a cabeça, envergonhada. Queria eu
mesma acabar com o Gael, mas o que meus irmãos fariam seria
bem pior.
― É que Gael… Quando eu tinha dezessete anos, papai o mandou
me… tocar. ― Ela chorava, e eu também, por nossa impotência
ante o fato.
Nem os três poderiam nos proteger o tempo todo, não de nosso pai.
A sala se tornou mórbida e gelada. Alessandro deu um passo para
trás, como se houvesse sido socado na cara.
― Sinto muito por não ter dito nada antes. Eu só não queria que
vocês matassem mais por minha causa ― murmurou.
― Você entende o que eu sou? ― Rafaelle esbravejou. ― Sou a
porra de um executor, matar está no meu sangue. Não me
arrependo de nada do que já fiz.
― Eu sei. ― Mordeu os lábios, chorando mais. ― Só não queria
que se sentissem mal por não terem conseguido me proteger do
nosso pai.
― Oh, eu vou esquartejá-lo. ― Stefano chutou a mesa, derrubando
a comida. Saiu como uma onda gigante, avassalador.
Ofeguei com a cena.
― Luca ouviu a Luna falando sobre isso e me obrigou a contar tudo,
então ficou louco de raiva e disse que o mataria…
Alessandro lançou o seu punho contra um espelho, rachando-o.
― Rafaelle, vá atrás de Stefano e de Luca, não deixe que o matem
ainda, até eu chegar. O capo pode ir com você, já apareço lá. ―
Meu irmão segurava-se na parede, de costas para nós, com a
respiração desigual. ― Luna, avise a todos que a festa acabou.
A dor ondulava em sua voz.
― Sim. ― Saí dali dando um olhar encorajador para a minha irmã.
Avisei aos convidados sobre o fim da festa; não fizeram perguntas,
ainda bem, pois não responderia a nenhuma delas.
― Você sabia de tudo e não nos contou. ― Rafaelle me encurralou
quando eu voltava para a sala, e ele saía dela.
A dor que vi em seus olhos me magoou.
― Desculpe…
― Quando descobriu? ― Rugiu assim que hesitei: ― Responda! ―
Notando sua raiva exagerada, puxou-me para os seus braços. ―
Lamento por gritar, querida. ― Beijou a minha bochecha. ― Jamais
a machucaria.
Abracei-o com força.
― Acredito em você. Sinto muito por não ter contado antes, mas
esse segredo era da Jade, não meu.
― Gael pagará, Luna. Eu o farei lamentar por tocar nela ―
prometeu.
― Sei disso ― respondi e me afastei, limpando os meus olhos
molhados.
Beijou a minha testa e foi embora. Depois disso, eu voltei para
espiar o que falavam. Torcia para que o nosso irmão entendesse a
Jade; ela não agiu por mal.
― Papai ameaçou matar vocês e fazer a mesma coisa com a Luna
se eu contasse algo.
― Mesmo assim, você devia ter dito. ― Sua voz saiu baixa.
― Ele teria batido em você até a morte, ou em Stefano e Rafaelle.
Aquele homem era um monstro.
― Mas eu também sou! ― rugiu Alessandro. ― Porra, Jade! Se ele
disse para não nos falar, era porque nos temia, não podia nos
controlar, não quando se tratava de vocês duas. Se tivesse dito, eu
mataria o Gael antes, e Marco não teria feito nada comigo, com
Rafaelle ou Stefano.
― Lamento por ter escondido algo assim de vocês. Juro que não o
farei mais. ― Ela o abraçou. ― Eu me esforçarei ao máximo para
não ver essa mágoa nos olhos de vocês novamente.
― O que faz espiando a conversa deles? ― sondou Sage atrás de
mim.
Afastei-me do local. Meu segurança e amigo estava de braços
cruzados.
― Ai! ― Coloquei a mão no peito. ― Quer me matar do coração?
Ele sorriu.
― Seu coração é forte, aguenta um susto. ― Avaliava o meu rosto
úmido. ― Não fique triste. Tudo será resolvido.
― Não… Eu os magoei demais ao esconder um segredo deles ―
choraminguei.
Sage me puxou para os seus braços.
― O chefe cobrará de Gael. E me disse para tomar conta de você
enquanto o Miguel não vem.
Distanciei-me por um segundo, limpando as lágrimas. Eu enviara
algumas mensagens ao Miguel, entretanto, não respondeu
nenhuma.
― Tentei ligar para ele, mas só dá na caixa. Será que foi à procura
de Gael também? ― indaguei. Sage suspirou. ― Sabe onde o
Miguel está? ― chutei, a julgar por sua cara.
Ele silenciou por um instante, me deixando nervosa.
― Sim… Não queria que se machucasse… Quando eu ver o
Miguel, acertarei as contas com ele por magoá-la.
― Miguel nunca faria nada para me ferir.
― Você confia demais nele, Luna. ― Seu olhar era triste e
ligeiramente irado. ― Pergunte a ele o que esteve fazendo hoje à
noite.
― O que você quer dizer? ― inquiri com o peito doendo. Ele
hesitou. ― Por favor, Sage, me conte.
― Ele andava com uma garota na Street, por isso não veio ao
noivado ― disse, amargo. ― Vou arrebentá-lo.
Meu coração deu um solavanco tão forte que as pessoas seriam
capazes de ouvir a quilômetros.
― Não é possível… Miguel jamais me trairia ― sussurrei.
― Pode não ser nada, mas pergunte a ele. ― Seu telefone tocou.
― Preciso atender, é o Rafaelle. E olhe, talvez seja coincidência,
mas eu vi os dois entrarem em uma sala de pole dance, usada para
o casal… ― Não terminou, mas entendi o significado. ― Lamento,
não quis esconder isso de você. ― Beijou a minha testa, comigo
ainda paralisada. ― Converse com ele.
Sage saiu assim que assenti. Continuei em choque. Miguel jurou
que não encostaria em outra. Ele não me tocava, então procurou
uma opção melhor? Se achava errado ter qualquer contato físico,
por que namorávamos?
A dor me cortava fundo, mas antes de deixá-la me consumir, eu ouvi
algo sendo quebrado no salão onde a minha irmã estava.
Não era hora de pensar em Miguel. Corri até Jade, sentada em um
sofá, e vi o Alessandro saindo porta afora como uma tempestade.
― Venha comigo. ― Peguei-a pela mão e a levei ao quarto
reservado para nós. No dia seguinte ao noivado, retornaríamos à
mansão.
Ela não reclamou, pois só chorava. Entramos no dormitório. Sage e
Wolf nos seguiam, mas aguardaram na sala para nos dar
privacidade.
― Ei, minha irmã? Vai ficar tudo bem ― tentei tranquilizá-la. Até eu
sofria com toda essa dor. ― Foi bom ter revelado a verdade a eles,
embora não dessa forma. Lamento ter mencionado sobre o Gael.
Sou uma idiota, não devia ter tocado no assunto hoje, bem no seu
noivado.
― Você fez bem, pois precisava dizer de qualquer forma. Só queria
que Luca não tivesse ouvido nesse contexto. ― Sua voz estava
quebradiça.
― Jade, não chore, por favor…
― Sou uma idiota mesmo, podia ter dito logo. Stefano saiu doido
daqui; Rafaelle, magoado e, Alessandro, traído. Não suporto isso. ―
Sacudiu a cabeça, limpando os olhos.
― Eles vão perdoar você, só lhes dê tempo. ― Na realidade, eu
compartilhava seu medo. Rafaelle já ralhara comigo, Alessandro
não faria diferente.
Ouvi uma batida à porta. Assumi que fossem os seguranças, mas
era Luca.
― Luna, eu posso falar com Jade um minuto? ― pediu calmamente.
― Vou esperar na sala…
― Miguel a levará para a casa do Matteo ― informou Luca.
― Por quê? ― Evitei trincar os dentes.
― Ele vai explicar ― disse, sem tirar a atenção da minha irmã.
Miguel era a última pessoa que eu gostaria de ver no momento, mas
não retruquei, afinal, os dois precisavam conversar. Esperava que
se entendessem.
Saí do quarto para encontrar a minha sina.
Capítulo 13

Luna

A dor me assolou, impedindo-me de respirar por um segundo.


Escondi o que sentia na frente da minha irmã. Ela estava sofrendo
por tudo o que houve, e eu não iria piorar as coisas.
Entrei na sala e avistei Miguel de pé, tomando uísque. Ele estava
elegante demais, com um terno escuro e gravata. Pelo visto, se
arrumou todo para sair com a tal mulher que o Sage mencionou.
Sorriu como se eu fosse a sua pessoa preferida no mundo.
― Cachinhos, eu vim para levá-la comigo. Tomarei conta de você
enquanto os seus irmãos não estiverem aqui. ― Senti que, pelo seu
tom, ele supunha me dar uma boa notícia, mas foi justamente o
contrário.
Até poderia ter sido boa se eu não soubesse da sua safadeza.
Sentia-me traída, magoada e enraivecida. Precisei me controlar
para não esbofeteá-lo.
Ignorei-o e encarei o Sage, calado perto da porta.
― Por que estou indo para longe da Jade? ― perguntei ao meu
segurança.
Sage suspirou, mas antes que dissesse algo, Miguel grunhiu:
― Luca precisa acertar as coisas com ela, e seus irmãos lidarão
com o maldito Gael. Fiquei encarregado de protegê-la.
Eu não disse nada, evitando discutir na frente do Sage, então só o
segui até seu carro.
― O que foi? ― perguntou assim que adentramos o veículo.
Sage nos seguia junto a um homem que eu não conhecia, decerto
parte do pessoal do Miguel.
― Nada ― praticamente cuspi.
Com meus irmãos magoados e minha irmã sofrendo, eu só queria o
apoio de Miguel. Em vez disso, descobri uma traição.
Ele soltou um rosnado baixo.
― Não parece nada, aliás, parece raiva. Por favor, me conte.
― Já disse que não foi nada, droga! ― rugi, cerrando os punhos.
Miguel piscou, chocado com a minha explosão. Seu telefone tocou
na sequência. Atendeu:
― Aconteceu alguma coisa? ― Aparentava preocupação. Então
ouviu por um segundo e praguejou: ― Porra! ― Pegou o celular e o
jogou para mim. ― Ligue para o seu irmão e coloque no viva-voz.
― Qual deles? Houve algo com a Jade? ― Minha voz subiu duas
oitavas.
― Alessandro. Disque o número, por gentileza. ― Suspirou.
Fiz o que mandou.
― Miguel? ― Era a voz do meu irmão.
― Luca e Jade foram atacados a caminho da casa do Matteo. O
celular dele está descarregando, então me pediu para dizer a você
aonde vão.
― Jade e Luna estão bem? ― Detectei medo nesta pergunta. Ele
não escondia os seus sentimentos na frente do Miguel e de nós
duas.
― Estão. Luca levará Jade à casa dele esta noite, pois é mais
próxima à boate dos Salvatores. E Luna dormirá na casa da minha
irmã. Lá, ela estará segura. Amanhã veremos o que fazer. ―
Parecia cansado.
― Mantenha Luna segura, vou dar um jeito de falar com o Matteo.
― Meu irmão suspirou. Nesta hora, ouvi um grito ao fundo.
― Que barulho foi esse? ― Estremeci, escutando muitos mais.
― Miguel! ― Exasperou-se o meu irmão; depois, houve silêncio do
outro lado. ― Por que a deixou ouvir?
― Estou dirigindo, botamos o telefone no viva-voz ― respondeu
Miguel. ― Esqueci-me de mencionar.
― Luna, querida, não queria que escutasse isso ― disse,
preocupado.
Torturavam o Gael, um dos gritos era seu, mas parecia ter mais
gente lá.
― É só o Gael?
― Não, há também os seguidores dele, que me traíram. Ninguém
nunca mais tocará em nenhuma de vocês. Destruirei todos que
tentarem.
― Confio em você, Alessandro ― sussurrei. ― Eu o amo, lamento
pelo que guardei. Eu não podia quebrar a promessa à Jade.
― Depois falaremos sobre isso ― respondeu e respirou fundo. ―
Preciso ir. Proteja ela, Miguel.
― Protegerei ― garantiu ao meu irmão antes que a linha ficasse
muda.
― Pelo jeito, ele vai brigar comigo…
― O que vocês fizeram foi errado, esconder a verdade deles. Gael
deveria já estar no Inferno ― retrucou com aço na voz.
Entramos em uma rua meio afastada, e Miguel parou o carro na
frente de um casarão movimentado, cheio de motos e carros. Não
era a casa da Emília.
― Não me venha falar em sinceridade. Você não passa de um
mentiroso. ― Pulei do carro, não querendo ficar perto dele.
Miguel praguejou baixo e saiu, me seguindo.
― O que eu fiz?
Não tive tempo para responder. Fomos interrompidos por Emília e
seu marido:
― Miguel! ― chamou a irmã dele.
Não a vi depois de nossa última visita. Eles pretendiam viajar assim
que o bebê da Evelyn nascesse; ela não queria deixar a amiga.
Miguel não gostou quando soube. Até cheguei a perguntar se havia
algum motivo para a viagem, além de ajudar sua irmã a relaxar.
Porém, não me disse nada. Na época, confiava que ele não mentiria
para mim, mas estava errada.
Emília o abraçou.
― Não sabia que viria ― falou a ele e se afastou sorrindo para mim.
Vestia uma saia de couro curta e um top parecido com um sutiã;
ficou bem nela. Muito linda. Será que estava tendo alguma festa ali?
― Oi. É bom ver você também, Luna. ― Apertou-me em seus
braços e me olhou de cima a baixo. ― Está maravilhosa.
Diversas mulheres chegavam ao casarão. De fato, parecia haver
uma festa no local.
― Também fico feliz em revê-la. ― Sabia que poderíamos ser
amigas no futuro.
― Veio para participar da festa? ― perguntou Emília.
― Festa? ― sondei, curiosa.
Tinha ouvido falar das festas dos motoqueiros do MC Fênix; os
boatos eram de que eles faziam até sexo ao vivo.
― Sim. Será legal.
Seguimos para a entrada. Daemon e Miguel vieram logo atrás,
conversando tão baixo que não dava para ouvir.
― Tem mesmo sexo ao vivo? ― cochichei a ela, incapaz de não
perguntar.
― Nesta não terá. Eles andam pegando leve, pois agora há
crianças aqui. Talvez possa ter mais tarde, depois que elas
dormirem ― disse com um sorriso.
Motoqueiros e mulheres com roupas parecidas às de Emília, mas
mais curtas, lotavam o ambiente.
― Acho que não estou vestida apropriadamente ― sussurrei.
― Você está linda, Luna. Mas, se quiser, eu posso emprestar uma
das roupas que guardo aqui. Às vezes, eu venho e deixo algumas
― falou ela.
Miguel adentrou o salão e seus olhos procuraram os meus, me
avaliando. Não entendi o que pensava que eu fosse fazer. Correr?
Não era assustador; só diferente das festas que meu pai
organizava.
Várias garotas se assanhavam para ele, mas Miguel não ligou,
mesmo sendo bonitas. Uma de cabelos loiros o abordou.
― Miguel, ainda bem que veio hoje! ― Ouvi a sua voz melosa. ―
Sentimos a sua falta.
Pela forma que disse, ela pareceu querer prová-lo, ou já ter feito
isso. Senti vontade de vomitar, mas não fiz nada, e não faria, ainda
mais se ele me enganou na boate. Teria sido com essa mulher?
Não, ela disse que sentia saudade dele.
Respirei fundo e virei o rosto quando a menina levantou a mão
como se fosse tocá-lo. Em outro momento, eu teria confrontado a
garota, mas não faria uma cena na frente dos outros. Nunca fui
assim e não mudaria minha personalidade.
Emília olhou para trás de mim e depois me encarou com a testa
franzida.
― Venha comigo. ― Puxou-me. Sem energia, não resisti.
Chegamos a uma porta do lado direito no segundo andar. O quarto
não era muito grande, com apenas uma cama de casal e um
armário de madeira.
― O que está acontecendo entre você e o meu irmão? Brigaram? ―
Andou até o armário e pegou uma muda de roupas, entregando-a
para mim.
Sentei-me na cama.
― Ele mentiu ― sussurrei, olhando para a saia e o top recém-
recebidos.
― Difícil de acreditar, Miguel não é desse tipo. Sobre o que ele
mentiu? Posso ver que ele a adora, Luna.
― Como sabe sobre nós dois? Ele me disse para não contar a
ninguém. ― Talvez houvesse sugerido isso porque tinha outra
pessoa.
― Sou observadora. ― Sorriu. ― Então, vai me dizer o que foi?
― Sage disse que o viu com uma mulher em um clube, naquelas
salas de pole dance. ― A dor era evidente em minha voz.
― Ah, Luna, Miguel deve ter uma explicação. Não faria algo assim.
― Não sei em quem acreditar. Ele devia ter vindo falar comigo, em
vez de deixar aquela mulher lá embaixo tocá-lo. ― Fui ao banheiro
e troquei de roupa.
― Ele não deixou nada, saiu de perto dela e foi falar com o Shadow
― eu a ouvi dizer do quarto.
Será que eu me enganara? Por qual razão ele não me procuraria
para esclarecer tudo? Preferiu continuar lá embaixo.
― Emília… ― Saí do banheiro, mas parei no meio da frase quando
vi Miguel.
― Quer me explicar a razão da sua raiva? ― indagou.
Eu já não sabia o que pensar. Portanto, permaneci imóvel e calada.
Ele aproveitou a oportunidade para se aproximar e, de súbito, me
dar um beijo avassalador. Tinha as mãos em meus cabelos, além de
lábios urgentes e famintos. Perdi todas as forças. Tão doce, tão
carinhoso. Eu estava no Céu.
Mas uma pergunta não saía da minha cabeça: se ele decidiu me
beijar antes de eu completar dezoito anos, seria uma forma de me
distrair do fato de que tocou em outra?
Não pude refletir muito acerca do assunto. Delicadamente, Miguel
se afastou.
― Porra! Isso não podia ter acontecido! ― Exasperou-se.
Aquilo foi como um soco no meu estômago. Como ousava sair com
outra, me beijar logo em seguida e, por fim, reclamar pelo ato ser
repulsivo?
― Você é um estúpido e traidor. ― Não queria chorar, mas era
tarde.
Ele parou e me avaliou. A sua expressão se tornou pior.
― Lamento tanto, Luna…
Ri, amarga.
― Por que raios me beijou justo na noite em que me traiu? Meu
primeiro beijo deveria ter sido especial, a coisa mais perfeita do
mundo para mim e para você. Mas não, preferiu sentir nojo…―
Sentei na cama, nada pronta para sair do quarto. ― Por gentileza,
me deixe quieta. Eu não quero vê-lo mais.
― Espere… o quê? ― Piscou, chocado e enraivecido. Era eu quem
deveria estar furiosa, porém, a mágoa ganhava.
― Eu disse para você sair. É surdo? ― Apontei para a porta.
Ele não ouviu; só me encarava com os olhos estreitos.
― Quem contou isso a você? ― sondou.
― Ótimo, então confessa que esteve em uma boate esta noite, junto
a uma mulher? Por isso se vestiu tão bem? ― Indiquei seu traje
elegante.
― Sim, mas…
Como me enganei tanto com alguém? Acreditei nele, agora, lá
estava eu, me sentindo destruída demais para sequer xingá-lo ou
chutá-lo dali.
― Você mentiu para mim, dizendo que não tocaria em outra pessoa,
mas tocou… não posso aceitar. O que tinha entre nós acabou.
Como você mesmo disse: eu mereço mais do que ser a segunda,
queria ser a única para…
Miguel veio aonde eu estava e me aninhou em seus braços,
encostando nossos peitos. O ar abandonou os meus pulmões.
― Quer parar de falar e me deixar terminar? Ou terei de beijá-la de
novo?
― Você não ousaria! ― Tentei me soltar, mas ele me conduziu à
cama de modo gentil, pairando sobre mim. ― Saia daqui, ou eu vou
gritar.
― Grite! Mas, primeiro, me ouça por alguns segundos. ― Segurou
as minhas mãos acima da cabeça.
― Não quero ouvir. ― Minha mente dizia uma coisa, mas meu
corpo não concordava.
Engoli em seco quando se encaixou entre as minhas pernas,
fazendo a saia subir, mostrando as minhas coxas.
― Está sentindo o meu pau duro roçando na sua boceta? Ele só fica
deste jeito por você…
Ri.
― Não me venha com essa. Ou vai me dizer que não estava com
uma garota na boate hoje?
― Não mentirei para você, sim, eu estava, mas…
Fui levantar as minhas pernas para socá-lo com o joelho nas bolas,
mas Miguel antecipou o golpe, me segurando melhor.
― Traidor! ― Evitaria chorar na frente dele, não lhe daria esse
gostinho. ― Como ousou jurar que esperaria por mim?
― Nunca mentiria para você. Até no passado eu confessei os meus
motivos para partir. ― Soava calmo. ― E não fiquei com ninguém
depois de voltar. Só quero você.
― E a mulher da boate? ― sondei, com alguma esperança.
― Foi um serviço…
― Para você ficar… ― Minha voz falhou.
Sacudiu a cabeça.
― Não nesse sentido, eu não a toquei. Era mais um trabalho. ―
Beijou a minha testa e inspirou fundo, como se sentisse o melhor
aroma do mundo. Deitou na cama ao meu lado e me puxou para
cima de si. ― Vou lhe contar algo, mas, por favor, não diga a
ninguém, nem mesmo à sua irmã.
Franzi a testa, virando a cabeça para olhar o seu rosto.
― O que foi? Aconteceu alguma coisa? ― Com a minha irmã não
era, pois ela certamente devia ter se entendido com o Luca.
― Já ouviu falar do Axel? Um membro deste clube? ― começou.
― Sim, mas não o conheci pessoalmente, acho. ― Havia tantos
homens lá embaixo que não reparei nos nomes; estava muito
furiosa com o Miguel para notar.
― Ele não está aqui, e sim em Savannah. A mãe dele mora lá, e a
menina por quem é apaixonado também. Axel foi casado certa vez;
sua mulher morreu em um incêndio…
― Oh, Deus, não deve ter sido fácil para ele.
― Não foi. Até porque tudo indicava que ela se matou e levou o filho
consigo…
Arfei, me sentando e virando para ele.
― Como alguém faz uma coisa dessas? Ainda mais com o próprio
filho?
― Tem quem faça. De qualquer forma, eu suspeito que a criança
esteja viva, era isso que eu estava checando. Arranjei uma mulher
para se infiltrar no meio dos parentes da ex dele, a fim de conseguir
alguma notícia, mas os familiares dela sumiram do mapa. ―
Suspirou, frustrado. ― Estou esperançoso de que possa ajudá-lo.
Só preciso descobrir a verdade.
Assenti, pensativa. Perder alguém nunca é fácil, ainda mais um
filho…
Sentado, Miguel se escorou na cabeceira da cama. Com uma mão,
tocou a minha perna nua; a saia tinha subido demais, mostrando a
minha calcinha preta.
Corei e abaixei a peça, mas o tecido não cobria muito.
― Tentadora como um canto de sereia. ― Fechou os olhos.
― Se isso era só um trabalho, por que estava tão arrumado? ―
sussurrei.
Ele me encarou.
― Para o noivado. Mas Lia, a tal mulher, apareceu. Eu precisei
encontrá-la. ― Franziu a testa ― Estou curioso: quem falou sobre
essa suposta traição? ― Ao reparar em meu nervosismo, concluiu,
irritado: ― Sage? Aquele maldito verme…
Gelei. Não queria que eliminasse o meu amigo.
― Miguel… ― Fui tocá-lo, mas se afastou, saindo da cama.
― Escolheu confiar nele, e não em mim? Resolveu me ignorar e
ficar braba, em vez de me perguntar. Eu até entenderia se um dos
seus irmãos deixasse escapar, mas Sage? O que pensou na hora?
Lamentou ter ficado comigo, e não com ele?
O segredo do Sage fazia a minha cabeça doer. Eu não suportava
mentir para Miguel, precisava resolver tudo logo.
― O que queria que eu pensasse? Nós nunca nos beijamos, aí
ouço que estava com uma mulher… Independentemente de quem
me contasse, eu reagiria da mesma forma. Só quero você, Miguel, e
mais ninguém ― revelei a verdade. ― Não há outro na minha vida.
― Só não a beijei antes devido ao que penso, você sabe. ― Uma
sombra escura cruzou as suas feições. ― Não adiantou de nada,
caí em pecado, não pude resistir.
― Então se arrepende?
― Não, só me sinto culpado. E este é um sentimento raro para mim.
― Tocou os meus lábios. ― Tão perfeitos, adoraria mergulhar neles
novamente.
Meu coração pulou e meu estômago deu cambalhotas.
― Preciso beijá-lo de novo, Miguel, não é errado, só faltam três
meses para eu completar dezoito anos, confie em mim. ― Eu me
aproximei devagar, sem tirar os olhos dos seus.
Ele vivenciava uma luta interna, opondo o que desejava àquilo que
considerava correto. Se eu continuasse, Miguel não me pararia, mas
odiaria fazê-lo se sentir culpado.
Virei o meu rosto e beijei a sua bochecha. Fitou-me, confuso.
― Tome o seu tempo. Se mudar de ideia, eu estarei aqui. ― Sorri e
fui para o banheiro. ― Agora vou tirar esta roupa e me deitar. ―
Virei para ele. ― Se quiser descer, pode ir ficar com seus os
amigos. Entretanto, se deixar aquela mulher tocá-lo, eu arranco as
suas mãos.
Sorriu, uma expressão que eu adorava. Parecia aliviado por eu não
insistir no beijo.
Sério, suspirou.
― Ainda quero matar o Sage por se um dedo-duro. Aposto que fez
intriga somente para tirar uma casquinha de você.
Bufei.
― Não pode matá-lo, ele trabalha para o meu irmão e é meu amigo
― avisei. ― Sage realmente pensou que você me traiu, estava
furioso. Mas ele disse que talvez fosse um engano e que era para
nós dois conversarmos. Fui eu quem não quis papo.
Miguel me pegou pela cintura, me rodando.
― Já esqueci esse assunto. Peço apenas que confie em mim, Luna.
Nunca a enganarei. ― Beijou a minha bochecha, aparentando
arrependimento. ― Lamento por estragar o seu primeiro beijo ideal.
Saiba que foi o mais perfeito para mim.
Sorri.
― Foi o beijo ideal, sim, por ter sido com você ― declarei.
Demonstrou alívio.
― Graças! ― Abaixou-me, risonho. ― Cachinhos, agora você é
minha.
― Sempre fui, Miguel ― afirmei. ― Está em cada um dos meus
pensamentos.
Mais uma vez, puxou-me para a cama. Ao observá-lo tirar a sua
camisa, babei pelas tatuagens. Deitou e me posicionou em seus
braços.
― Durma bem. Estarei aqui quando acordar ― garantiu.
― Desculpe por desconfiar de você, prometo que não farei isso de
novo. ― Beijei uma das tatuagens do seu peito. ― Por que as asas
de anjo junto a uma caveira e a uma rosa? Tem algum significado
específico?
― As asas significam a minha mãe, ela era um anjo para mim. A
caveira representa a morte, ou seja, como me senti sem ela por
muitos anos. ― Alisava as minhas costas.
― Mas tudo mudou depois que reencontrou a sua irmã, não? Essa
rosa é ela.
Ele sorriu.
― Na verdade, a rosa é você, Luna. Minha vida começou a
desabrochar e a florescer após conhecê-la. A minha irmã também
me auxiliou a recuperar a felicidade, mas nunca achei que poderia
ser plenamente completo, não até você surgir no meu caminho.
Obrigado.
― Não há de que. ― Aconcheguei-me a ele, sonolenta e satisfeita.
― Você me alegra demais.
― Ninguém nunca lhe tocará. Moverei o Céu e o Inferno para
assegurar isso. ― Pensei ter ouvido, mas o sono estava profundo
demais.
Capítulo 14

Luna

Era para termos ido à casa da irmã do Miguel na noite anterior, mas
resolvemos ficar ali no clube de motoqueiros mesmo. Entendi que
ele não queria correr o risco de alguém me levar.
Mais tarde, nós iríamos para a casa do capo Salvatore. Eu nem
acreditava que os problemas com os homens que traíram meus
irmãos estivessem passando.
Senti um braço à minha volta, um toque que eu conhecia muito bem.
Miguel dormira comigo. Admirei o seu belo rosto com barba por
fazer; os lábios que, algumas horas antes, eu havia provado. Foi a
melhor noite da minha vida.
Miguel era tudo com que sonhei. Fazia tempo que não me sentia tão
feliz. Fui idiota por suspeitar de uma traição. Ao menos eu não
exagerei tanto. Se fosse Jade, teria massacrado o infeliz.
Ele nunca me enganaria. Mas nosso relacionamento ainda era novo,
tínhamos muitas coisas para descobrir um sobre o outro ― da
minha parte, principalmente a história do Sage. Não gostava de
guardar segredos do meu namorado. Se exigia sinceridade dele,
então eu precisava fazer o mesmo.
Admirei a sua face serena enquanto dormia. Nem parecia um cara
capaz de matar, um chefe de uma organização perigosa.
― Acho que amo você ― sussurrei. Poderia lhe dizer quando
acordasse, mas queria que ele falasse primeiro.
Alessandro dizia que nunca ia namorar, pois seria incapaz de amar.
Seria o Miguel assim também? Esperava que não.
Ele me disse que eu era tudo para ele e que morreria por mim. Isso
deveria significar alguma coisa, não é? Ouvir essas palavras me
encheria de felicidade.
Respirei fundo e me levantei, pois precisava falar com o Sage antes
que Miguel acordasse. Tínhamos de resolver o nosso assunto
pendente.
Eu o encontrei na cozinha, tomando café. Estava calmo ali, diferente
do fervo da noite passada, embora ainda pudesse ver alguns copos
sujos na pia. Não enxerguei mais ninguém; decerto o pessoal do
Miguel estava lá fora e, os motoqueiros, dormindo.
Sorriu, tão logo entrei.
― Oi. Eu fiz café. ― Foi até um armário, pegou uma xícara e a
entregou para mim. ― Resolveram tudo ontem?
Notei Sage com um curativo no queixo.
― O que foi isso? ― Eu me servi e tomei um gole. Em seguida,
indiquei o lugar do machucado. Então pisquei. ― Miguel!
Ele riu.
― Sim, mas eu mereci por ter falado demais, devia ter deixado
quieto. ― Sentou-se na cadeira, meio torto. ― Fiquei com raiva
quando vi e não pensei muito bem. Relaxe, Luna. Miguel fez o certo.
Eu não posso me meter no relacionamento de vocês dois. ― Havia
algo sombrio em seus olhos, diferente de antes. ― Eu o alertei de
que, da próxima vez, haverá retorno.
― Lamento… Espero que não esteja com muitas dores. Vou
conversar com Miguel, ele não pode sair por aí machucando meus
amigos.
Sorriu.
― Eu sei que gosta de mim, mas fique tranquila… ― Tomou mais
um gole do café.
― Claro que gosto ― afirmei e me sentei na cadeira diante dele.
Ouvi passos de alguém se aproximando. Miguel entrou, veio até
mim e tocou meu rosto por um segundo, como se estivesse
decidindo algo.
― Por que bateu em Sage? Como pôde? ― Acusei, agora em pé.
― Ele mereceu por se meter no que não era da sua conta ―
rosnou, se afastando de mim.
― Sage só se preocupa comigo.
Isso o deixou mais furioso.
― Luna, conversaremos depois. Preciso ir.
Já saía da cozinha, mas peguei sua mão, e Miguel estremeceu.
― Aconteceu algo sério?
― Nada com que se preocupar, só trabalho. ― Beijou minha
bochecha e fuzilou Sage. ― Knife está chegando com Flame.
Proteja Luna; do contrário, mato os três.
― Miguel…
― Ligarei assim que puder. ― Acariciou meu rosto mais uma vez e
saiu.
Fiquei parada, sem saber o que houve. Ele parecia estranho.
― Não esquente a cabeça, Luna. Seu namorado é um chefe, terá
muitos trabalhos para os quais precisará sair às pressas.
Afastei os pensamentos ruins e mudei de assunto:
― Queria falar com você… ― comecei, sem saber o que dizer.
Ele suspirou e encostou-se na cadeira com um olhar distante e
triste.
― Sei o que vai falar ― murmurou. ― Não pode esconder o meu
segredo dele.
Encolhi os ombros.
― Miguel acha que precisa lutar um pouco mais para ser o único em
meu coração, que já é só dele…
― Você é boa. Miguel tem sorte. ― Soou sincero. ― Mas eu não
posso revelar a ele sobre mim… Miguel é o melhor amigo do
Alessandro, chefe meu e de papai. Se a informação vazar…
― Não vai. ― Precisava acreditar nisso. ― Posso revelar que eu
nunca estive apaixonada por você e falei aquilo só para provocá-lo,
não sei. Mas aí tem o seu pai.
― Como eu disse, ele está viajando a negócios, ficará lá por um
tempo. Essa é uma ótima ideia, assim não esconderá nada de
Miguel, exceto um segredo que não é seu. ― Depositou a caneca
na mesa. ― Agradeço por me ajudar, Luna.
Sorri de modo gentil.
― Amigos servem para isso. ― Estava contente com a perspectiva
de contar ao Miguel uma parte do segredo. Odiava que pensasse
que eu ainda nutria sentimentos por Sage.
― Devia dizer a ele o que realmente sente. ― Levantou-se e foi
lavar a sua caneca.
Aquiesci.
― Farei isso, assim que voltar. Mas não antes de retomar a briga
por ele ter batido em você. ― Caminhei até ele e toquei o seu
ombro, fazendo-o se encolher. Tirei a minha mão. ― Desculpe.
― Tudo ficará bem, Luna.
Rumei ao andar de cima e entrei no quarto onde passei a noite com
Miguel. Estava a ponto de ligar para Jade, no entanto, ouvi um bipe
de mensagem: “Luna, esqueci de mencionar, não sei quando
retornarei. Você ficará com a minha irmã até lá. Posso estar fora de
área, por isso talvez não atenda caso ligue”.
Tentei falar com ele para entender melhor essa história, porém, não
atendeu.
Se fosse um problema envolvendo a Jade e os meus irmãos, Sage
e Miguel teriam dito. Pretendia ligar para ela, mas o meu telefone
tocou de novo.
― Alô? ― Não conferi quem era, torcendo para ser o Miguel.
― Oi, Luna, sou eu, a Emília. Meu irmão me avisou que você
passará uns dias comigo.
― Aconteceu alguma coisa? Ele saiu rápido, sem explicar nada.
― Há um problema no México. Eu só sei que não é com a sua
família, então pode ficar tranquila. Logo aparecerei aí. Todo mundo
no clube é legal, ok? Não se preocupe.
― Certo. Vou esperar por você ― respondi e desliguei, ansiosa.
Enviei a Miguel: “Por favor, me ligue quando puder, estou
preocupada”.
Ele respondeu de imediato: “Estou bem, Cachinhos, são só
negócios. Fique calma. Não posso perder a única luz em meio à
minha escuridão”.
A saudade seria ruim demais. Torci para que resolvesse o tal
problema que o deixou tão desnorteado e voltasse logo.
Como não queria ficar sozinha ali, eu desci a escada. O lugar já não
estava vazio como antes, e sim lotado de homens tatuados. Alguns
jogando sinuca, outros sentados conversando, e uns em um bar
bebendo. Não vi nenhuma mulher.
Não tive medo, pois Miguel jamais me deixaria se imaginasse que
eu correria perigo. Os caras só eram fortes e meio assustadores,
mas também bonitos. Entretanto, só uma pessoa me tocava fundo:
Miguel.
Parei perto da escada, sem conseguir ir adiante. Um homem alto e
de olhos claros sorriu assim que me notou.
― Olá, beleza rara.
Acho que tinha a minha idade ou no máximo vinte e poucos anos.
― Desencane, Tripper, essa está fora dos limites ― disse um cara
de olhos verdes. Virou-se para mim com um sorriso amigável. ―
Sinta-se em casa.
Um barbudo me fitou. Havia algo em seus olhos claros, um abismo
que tentava esconder, contudo, eu era boa em identificar esse tipo
de coisa, convivendo com meus irmãos.
― Sou Knife. Eu e um amigo meu ficaremos responsáveis por você
até o Miguel voltar. ― Brincou: ― Ele não disse que era tão linda.
― Sim, porque não é da sua conta ― respondeu uma voz grossa do
meu lado direito, me fazendo pular. Vinha de um homem careca e
cheio de tatuagens. ― Sou Flame, não precisa nos temer. Eu estou
aqui para protegê-la, assim como Knife ― disse, sério. Então saiu
da sala, mas o seu amigo ficou.
Sentia-me nervosa com tantos caras letais ao meu redor, mesmo
que parecessem relaxados.
― Quem você acha mais mortal: o capo Destruttore ou o Miguel? ―
perguntou Tripper com um sorriso meigo, diferente do que me deu
antes; certamente temia meu namorado ou Alessandro. ― Fiz uma
aposta com um amigo meu. Ele garantiu que você votaria no Miguel,
mas estou em dúvida. Os dois são excelentes em torturar pessoas
e…
Ele gemeu com um barbudo socando a sua barriga.
― Pare de falar besteira, Tripper! A garota está prestes a vomitar!
Olhe a cor dela, parece verde.
Eu estava mesmo enjoada, visualizando meus irmãos e meu amado
matando pessoas.
Um homem alto falou para outro do seu lado:
― Por que ela se importaria? É irmã do capo ghiaccio, do executor
e de Stefano, que também não fica para trás. E agora tem o
Miguel…
Queria sair dali. Eu sabia o que meus irmãos eram, mas odiava
pensar nisso. De qualquer maneira, eu os amava.
― Somos melhores do que eles ― falou um dos MCs com um
sorriso que me lembrava tubarões.
― Sério? ― Outro sacudiu a cabeça; este tinha cabelos castanhos.
― Não ouviu o que fizeram com o Gael, um dos ratos entre seus
homens? O cara sofreu por uma noite inteira, sendo desmembrando
parte por parte. E o obrigaram a comer o próprio pau e as bolas.
Desconheço o motivo, mas a coisa foi sinistra até para mim.
O som que saiu da minha garganta fez com que olhassem para
mim. Pareciam ter se esquecido da minha presença. Obriguei os
meus pés a se moverem e corri à porta da frente. Mal cheguei à
grama, vomitei o café que tomei cedo.
Ouvir cada detalhe da morte de Gael me deu arrepios. Sim, ele
merecia um péssimo final, entretanto, eu temia pela sanidade dos
meus irmãos. Isso tudo era culpa do meu pai. Mamãe sofreu com o
que eles se tornariam, mas ela não pôde fazer nada. Ninguém
podia. A vida era injusta demais.
― Luna? O que foi? ― Sage perguntou.
Não levantei a cabeça, porque fiquei com medo de vomitar de novo.
― Merda! Eu sinto muito, garota, estou acostumado a falar dessas
coisas, não pensei que acharia ruim.
― Que porra você disse? ― rosnou Sage.
Conforme Miguel me falou certa vez, meu segurança era sombrio
quando precisava ser. Nunca o vira assim. A voz de Emília me
trouxe ao presente:
― Idiotas! Eu não acredito que contaram bobagens à Luna. ― Senti
seus braços à minha volta. ― Ignoraram o recado do meu irmão?
Que recado seria esse? Miguel teve uma noite cheia, depois de eu
dormir.
― Não deveria ter dito nada. Desculpe-me, Luna ― o cara frisou
novamente. ― Sou Max. Não foi minha intenção assustá-la.
― Venha comigo. ― Emília me puxou para o quarto que ocupei com
Miguel. Falava consigo mesma: ― Esses estúpidos acham que todo
mundo da máfia é igual. Ninguém é obrigado a ter o estômago forte.
Lavei a minha face.
― Preciso limpar a sujeira que fiz no pátio ― sussurrei, enxugando
o rosto.
― Max e os outros cuidarão disso.
― Eu…
― Não se preocupe, Luna, é perfeitamente normal ser sensível ―
disse, sentando na cama. ― Mas algumas pessoas merecem a
morte ou coisa pior.
― Sabe o que o Gael fez? ― sondei.
― Edward me contou brevemente. ― Emília estava distante, com o
pensamento longe, com certeza focado em sua história.
Não toquei no assunto, afinal, odiaria lhe trazer lembranças ruins.
Um dia, se quisesse se abrir comigo, ela o faria.
― Eu sei…
― Não sinta dó, não de gente assim. Não se entristeça pelas
atitudes de seus irmãos. ― Tocou minha mão.
― Entendo, mas me culpo por concordar que gente assim mereça o
pior. Mamãe sempre dizia que não devemos pagar o mal com o mal.
― Olhei para baixo enquanto falava. ― Ela não queria isso para
nós.
― Sua mãe parece ter sido uma pessoa muito boa ― disse. ― A
minha verdadeira também era; me amava tanto que adoeceu depois
que eu fui roubada. Queria tê-la conhecido.
― Miguel a ama muito, vejo a dor quando fala sobre isso. ― Cerrei
os punhos. ― Seu pai é um monstro por não ter feito nada para
encontrar você.
― É… Miguel lidará com ele. Não sei como e, no fundo, não dou a
mínima. ― Suspirou.
― Não tenho o direito de dizer isso, mas tente conversar com o
Miguel. Ele se sente culpado por demorar a encontrá-la. ― Fiquei
de pé. ― Não gosto que ele sofra.
Piscou.
― Culpado? Mas isso não é culpa dele, e sim do meu pai e de
quem me machucou. Vou falar com meu irmão. ― Ergueu-se
também. ― Já melhorou? Podemos descer e tomar café da manhã.
Assenti, embora não estivesse com fome.
― Só vou ligar para Jade primeiro, preciso saber como ela está.
Não nos falamos direito desde a festa.
Ela concordou e ia saindo, mas eu a chamei.
― Sim? ― Virou a cabeça em minha direção.
― Obrigada pela ajuda.
― Seremos uma família em breve, ao que tudo indica, então não
precisa agradecer. ― Sorriu e fechou a porta.
Antes de ligar para a Jade, mandei uma mensagem ao Miguel: “Já
estou sentindo a sua falta, não vejo a hora de voltar”. Cliquei em
“enviar”, não sabendo quando ele poderia ler; esperava que logo.
― Oi. Como está? Pretendia ligar, mas meu telefone ficou no hotel
ontem. O pessoal do Luca acabou de trazê-lo para mim ― começou
assim que atendeu.
― Bem, e você? Não fui até aí, pois achei que precisava de espaço
com o seu noivo. Soube do ataque e que estava bem, mas como se
sente realmente? Resolveu os problemas?
Ela riu.
― Sim, estou mais do que bem. ― Parecia vibrante. ― Eu me sinto
nas nuvens.
― Ficaram… juntos? ― Espantei-me. Meus irmãos surtariam se
descobrissem.
― Não chegou a isso, mas fizemos coisas ― revelou, em júbilo.
Conversamos por quase meia hora. Jade estava feliz com o Luca.
Eu desejei falar sobre o Miguel, mas ele me pedira segredo por
enquanto, até o casamento dela.
Capítulo 15

Miguel

Cinco dias depois

Alguns dias atrás, acordara em êxtase por ter dormido com a Luna;
mesmo sem fazermos nada, foi a melhor noite de todos os tempos.
Após não tê-la visto no quarto na manhã seguinte, eu fui procurá-la
e ouvi as palavras que me atormentavam desde então: ela dizendo
que gostava do Sage. Pensar nisso corroía tudo em mim.
Jurei que estávamos indo bem, até nos beijamos, em um momento
perfeito. Supus que ela nutrisse o mesmo sentimento que eu…
Obviamente não fiz o suficiente para assegurar que somente eu
permanecesse no seu coração.
Para não pensar nisso, eu foquei na minha descoberta recente.
Logo após acordar naquele dia, eu recebi uma ligação de um
presidiário do México que conhecia Barry, o pai do Axel. Segundo o
homem, o maldito do Barry tinha um lance com a ex de Axel. E esse
cara dispunha de mais informações. Eu poderia consegui-las sem a
ajuda de meu amigo, mas se não o envolvesse, ele não me
perdoaria.
Antes disso, eu mandara o meu infiltrado encontrar um dos homens
do Death e eliminá-lo, pois, o verme andava desconfiado; após,
deveria levá-lo ao local combinado. Death tinha gente na polícia,
então eu seria preso. Resolveria dois problemas de uma só vez:
meu inimigo acharia que fui eu quem assassinou seu homem e não
suspeitaria do meu espião; além disso, na cadeia, Axel poderia
conversar com meu mais novo informante, aquele que sabia algo de
Barry e, provavelmente, do filho de Axel também.
Tudo ocorreu conforme o plano. O policial mancomunado com
Death nos levou à delegacia, achando que a captura fora bem-
sucedida. Mas o juiz Thompson, nosso aliado, nos tirou de lá após
Axel falar com o preso.
O sujeito revelou tudo: Maitê era, de fato, uma prostituta contratada
por Barry; ele pretendia motivar meu amigo a desistir de colocá-lo
na cadeia (Axel trabalhava como policial, na época). Mas ela acabou
se apaixonando pelo Axel, logo, se negou a ter futuras relações com
seu chefe. Isso aconteceu naquela fatídica noite. Após, a criança foi
roubada da mãe. Foi esse tal presidiário quem sequestrou o bebê,
que Barry pensava ser seu próprio filho. Infelizmente, sim, agora
havia esse risco: o garoto podia ser irmão de Axel. Entretanto, ele o
amava e continuaria amando. Sofria por não saber onde o menino
de quase oito anos estava.
Ah, e Maitê não se matou: foi assassinada por Barry. Isso explicava
a razão de todos os envolvidos no “acidente” terem sido mortos.
Fazia quatro dias que procurávamos pelo menino em internatos. Era
como achar uma agulha no palheiro. Mas, graças à porra do Céu,
ele estava vivo. Isso bastava.
Sabia bem o que passei na época em que tentava encontrar a
minha irmã; cada pista frustrada arrancava um pedaço de mim. O
desânimo, a dor, o medo… Agora ela estava feliz com o seu marido
e a Emma.
Convenci Axel de que seguir assim, sem um rumo, seria inútil. Era
melhor colocarmos as pessoas certas nisso. Então ele foi embora
para o clube do MC Fênix em Chicago, cidade aonde a sua
namorada tinha ido para ficar com o tio. Isso o deixou louco.
Hadassa teve sua família inteira dizimada por culpa do pai dela. A
menina, por muito tempo, desenvolveu mutismo seletivo; não falava
com ninguém além da avó, que morrera recentemente em um
ataque dos homens de Escobar, bem no período em que Axel foi
esfaqueado. E esse tio de Hadassa era outro egoísta, interessado
apenas em dinheiro, por isso insistia à sobrinha que vivesse com
ele. Um político ganancioso e, por coincidência, pai de Nasx, do MC
Fênix, e Vlad, um assassino de aluguel. Axel desconhecia essa
ligação ao se envolver com a menina.
Esperava que tudo se resolvesse para o meu amigo, e eu ia ajudá-
lo. Mas, naquele instante, eu precisava focar em uma ruiva que
assombrou os meus dias durante todo esse tempo em que me
mantive longe.
Era para eu ter voltado no dia seguinte à nossa saída da cadeia,
mas não consegui deixar o Axel sozinho, sentindo uma dor
imensurável.
E a distância de Luna me ajudou a controlar a raiva de Sage por ter
descoberto que ela ainda gostava do segurança. A menina
precisava decidir com quem realmente desejava ficar. Ao menos
Sage servia para protegê-la, junto a Knife e Flame.
Eu estava chegando à propriedade da minha irmã para rever as
mulheres que tanto amava. O meu telefone tocou. Até pensei que
fosse Luna, porém, ela costumava mandar mensagens. Toda vez
que eu as lia, sentia-me prestes a receber uma sentença, como se
fosse revelar por ali seu amor em relação a Sage. Preferia mil vezes
enfrentar vários bandidos mano a mano. No final, as mensagens
sempre traziam uma mensagem carinhosa, indicando que Luna
sentia saudade. Queria entendê-la… Conversávamos com
frequência, mas nunca sobre o que me atormentava.
― Miguel… ― Alessandro ficou em silêncio um segundo, parecia
estar se locomovendo. Franzi a testa, preocupado pelo seu tom de
voz. ― Eu não quero que perca a Luna de suas vistas. ― Não havia
lhe contado que estava no México. ― Ontem à noite, Jade foi
atacada aqui em Dallas.
― Atacada? ― Gelei.
― Os malditos Rodins estão fechando o cerco, atingindo as duas.
― Precisa acabar com isso, Alessandro ― falei. ― Tomarei conta
dela.
Seria difícil ficar ao lado de Luna se ela gostasse mesmo daquele
moleque. Mas eu aguentaria firme.
― Resolverei logo a situação. ― Desligou.
Subi de dois em dois os degraus na entrada da casa da minha irmã.
Daemon abriu a porta.
― Aconteceu algo? Parece cansado ― observou, avaliando o meu
rosto.
Não podia contar sobre o Axel, era algo íntimo dele. O cara não
deixava muitas pessoas entrarem, mas era um homem fiel aos seus.
Merecia tudo de bom.
― Não, só as coisas de sempre, os malditos Rodins. ― Suspirei.
― Se precisar, estamos aqui. Todos os irmãos.
― Eu sei, obrigado. E você, aonde vai?
Passei por ele, abri um dos armários e peguei um copo para tomar
suco. Não comi muito bem nos últimos dias. Não tinha nada a ver
com a falta de tempo, e sim com a ruivinha linda no andar de cima.
Sage desceu a escada, me avaliando, sem falar nada. Pensei que
fosse me dedurar ao Alessandro, contar que não levei Luna à
mansão do Matteo e, ainda por cima, fiquei uns dias fora, mas não
aconteceu.
Não queria ver esse cara. Dada a raiva em meu peito, sentia
vontade de matá-lo, mas jamais tocaria em algo que Luna amasse.
Os socos que dei nele não foram o suficiente. Entendi o porquê de
Sage revelar a ela que me viu com outra: queria que nos
separássemos, assim teria o caminho livre.
A forma como me beijou mostrava que Luna gostava de mim
também. Então ela amava nós dois? Almejava ocupar o seu coração
completamente, não suportava a ideia de mais alguém experimentar
seu gosto de pêssego.
― O pai do Nasx está levando Hadassa ao clube. Vou para lá ―
Daemon falou antes que eu fizesse uma besteira.
Ele saiu. Em seguida, eu rumei à escada. Sage avisou:
― Ela não anda comendo bem, está triste. Eu pude ver em seus
olhos que sentiu a sua falta.
Virei-me para o cara e assenti. Era o melhor que conseguiria fazer
naquele momento. Depois, continuei subindo.
Por que ela ficaria triste, se o Sage estava ali? Porra! Eu enfrentei a
morte, a dor, a tortura e tudo que foi me dado, então por qual motivo
temia uma simples frase de Luna?
Encarei a cama onde ela estava adormecida com os cabelos
espalhados nos lençóis. Tão linda e serena, uma obra de arte
esculpida pelos anjos.
Deixei o telefone na mesinha e tirei a minha camisa e o meu cinto.
Deitei na cama ao seu lado, esgotado pelas noites sem dormir.
Enrolei um de seus cachinhos em meu dedo, inalando o aroma que
tanto amava. Sim, eu amava essa mulher perdidamente, não podia
ficar longe dela.
Toquei em seu coração, antes calmo, mas que, de repente,
acelerou.
― Queria ser o único morador daqui. ― Mirei o seu rosto agora
acordado. Encarou-me com alívio e alguma confusão. Decidi
esclarecer as coisas, escorando-me na cama enquanto ela se
sentava. ― Naquela manhã, eu despertei e vi que você não estava
no quarto. Encontrei-a na cozinha, dizendo que gosta de Sage… ―
Minha voz saiu mais dura do que eu planejava. ― Fiquei furioso,
admito. Preferi me ausentar naquele momento ou correria o risco de
machucá-lo.
Ela piscou, chocada.
― Você deveria ter me dito o que se passava ― apontou, tocando
na minha perna. ― Nos falamos ao telefone e por mensagem, mas
nenhuma vez mencionou algo assim.
― Eu sei. Amo uma garota mais nova, a qual tem sentimentos pelo
segurança que, por sinal, é da sua idade ― murmurei. ― Eu me
sinto à beira de um precipício. O amor é um porre quando não é
mútuo. ― Coloquei os meus cotovelos nos joelhos e escondi o rosto
nas mãos. ― Quando a vejo triste, me dá vontade de assassinar
todos, eu incluso. Não posso continuar assim, preciso saber o que
sente por mim ou enlouquecerei. Eu quero ser o único em seu
coração…
― Quem disse que não o amo? Amei-o desde a primeira vez que o
vi na casa do meu pai. Você usava jeans e jaqueta, estava
cabeludo, até perguntei “Por que não corta?”. Alguns dias depois, eu
voltei a vê-lo, e seu cabelo estava curto. ― Tirou minhas mãos do
meu rosto, delicada.
― Seu sorriso lindo e meigo me motivou a cortar.
Piscou e suspirou.
― Se tivesse me dito tudo, eu haveria lhe falado o que eu sinto por
você antes da sua viagem. ― Mordeu os lábios. ― Preciso lhe
contar uma coisa, espero que entenda e aceite.
Franzi a testa.
― O que é…? ― Estaquei. ― Por favor, me diga que não o deixou
tocá-la.
Luna fez uma careta e se levantou.
― Acha mesmo que eu aceitaria isso? ― Sacudiu a cabeça. ―
Enfim, deixei essa história ir longe demais. Falei que estava
apaixonada pelo Sage apenas para que você visse que eu podia
seguir em frente, que já não o amava da forma que afirmei um dia.
― Olhou-me de lado, corando. Tinha algo na sua expressão que
não pude ler.
― Então nunca se interessou por ele? ― Ri. ― Cachinhos, eu não
sabia dessa sua habilidade. Morri mil mortes pensando que você
amava outro.
― Desculpe. Não há mais ninguém em meu coração e na minha
mente.
― Lamento por sumir de repente. Se ficasse, Sage estaria a sete
palmos do chão. Não fiz nada por respeito a você, pois nutre
sentimentos por ele…
― …como amigo ― completou, convicta.
― Eu sei agora. ― Sorri. ― Também foi por respeito ao Alessandro.
Afinal, é um dos seus ali.
― O que precisou resolver de tão urgente?
― Recebi uma notícia sobre o filho de Axel e tive que ir checá-la.
― O menino está vivo? ― inquiriu, esperançosa.
― Sim, mas não sabemos aonde. ― Suspirei. ― Espero que Axel o
encontre…
― Ele vai. ― Avaliou-me. ― Você parece prestes a desmaiar.
― Sem você, perco o sono. ― Estendi a mão para ela. ― Pretende
me perdoar por pisar na bola? Posso me ajoelhar, se for necessário.
Revirou os olhos, risonha.
― Não precisa. Eu também sou culpada por não contar a verdade.
― Aproximou-se.
― Luna… ― O hálito estonteante banhou a minha face.
Seu mero toque me arrebatava. Não se assemelhava ao que tive
com qualquer outra.
― Shhh. ― Beijou as minhas bochechas, sem tirar os olhos dos
meus. ― Apenas por um segundo… ― Sempre tive forças para sair
de situações indesejadas e lutar pelo que acreditava, mas Luna me
dominava com facilidade. ― Amo você, Miguel ― declarou,
depositando um beijo de leve nos meus lábios.
Peguei-a pela cintura e a deitei na cama, pairando em cima do seu
corpo frágil.
― Tão tentadora, cada parte de mim grita para eu prosseguir. ―
Trilhei um caminho de beijos em sua face corada. ― Eu me sinto o
homem mais feliz do universo com você na minha vida.
― Podemos sim continuar, você mais do que tem meu
consentimento…
Mesmo sem desejar, me afastei, desviando do assunto.
― Sejamos sinceros de agora em diante. Não esconderei nada de
você, e espero que faça o mesmo.
Ela suspirou.
― Miguel…
― Luna, querida, aos poucos chegaremos lá. ― Dei um selinho
nela. ― E eu preciso que ligue para a sua irmã enquanto tomo um
banho. Depois, quero me deitar com você em meus braços. ―
Desejava sentir o seu cheiro maravilhoso.
― Jade? Liguei ontem para ela…
― Os Rodins atacaram a casa em que ela estava em Dallas…
Luna ofegou.
― Oh, meu Deus! ― Sua voz subiu duas oitavas. ― Por que não
me avisaram?
Fui em direção ao banheiro.
― Ela está bem, mas eu não sairei do seu lado. Os Rodins
conhecem a fraqueza do seu irmão. Não vou deixar que coloquem
as mãos em você, assim como Luca fará com a Jade.
Ela pegou seu celular.
― Jade? Soube do que aconteceu, por que não me disse?
Deixei que conversassem a sós.
Fraqueza é uma coisa perigosa. As irmãs Morellis representavam o
calcanhar de Aquiles do capo Destruttore, e Luna, em especial, o
meu. Esperava que ninguém nunca soubesse disso, ou eu estaria
ferrado.
Capítulo 16

Luna

Jade tinha ido a Veneza, enquanto fui à casa do Miguel em Toronto


Islands. Era uma mansão de estilo italiano muito aconchegante,
segura e afastada de todos.
Após resolvermos o mal-entendido sobre o Sage, nos abrindo um
para o outro, dissemos que nos amávamos. Claro, ainda restava o
segredo de Sage; conforme lhe prometi, não quebraria sua
confiança.
No momento, estávamos sozinhos naquela ilha, mas eu não teria a
sorte do Miguel me tocar. O homem era muito conservador para
deixar as coisas fluírem.
Ao menos andávamos nos beijando. Além disso, eu não me via
louca por sexo. Com o Miguel, queria tudo, mas me alegrava só pelo
fato de estar ao seu lado.
― Aonde vamos primeiro? ― sondei, animada, virando-me para ele.
Estávamos ali havia dois dias e tínhamos visitado vários lugares,
como um lago tão mágico que eu jamais esqueceria. Até comemos
poutine, um prato tradicional canadense, feito com batatas fritas,
queijo coalho e um molho de carne.
Sentia-me ansiosa para fazer mais coisas com ele. Sempre desejei
conhecer o mundo, sem pressa. Tinha ido para a China com a
minha irmã, mas não foi suficiente, existiam tantos lugares
interessantes! O Canadá era um deles.
― É uma surpresa. ― Sorriu, pegou a minha mão e me levou para
fora da casa.
Sage e Knife nos seguiam. Às vezes, eu mal os notava, pois só
reparava em Miguel. Tinha mais um pessoal seu nos
acompanhando também.
― Por que tantos homens? Aconteceu alguma coisa? ― Fui
cercada de seguranças a minha vida toda, mas percebi muitos deles
ali.
― Sim, há algo que preciso lhe contar. ― Parecia hesitante. ― Seu
irmão disse para não falar, que deveria apenas levá-la a um local
onde não tivesse internet.
― O que é? Meus irmãos estão bem? Jade? ― Meu coração bateu
forte em meu peito.
― A mansão da sua família em Veneza foi atacada, eles queriam a
Jade, de novo. Os irmãos do Gael formaram um mutirão de
traidores e foram em busca de vingança… Ninguém sabia o
endereço exato em que os dois estariam, exceto seus irmãos, Luca,
Wolf e eu.
Ofeguei de pavor e peguei o braço de Miguel, dando um aperto
forte.
― Por favor, me diga que Jade está bem… ― Minha voz falhou.
Com esse, já somavam três ataques a ela. Não entendia, algo
estava errado. Eu não sofri novos atentados…
― Todos estão bem, pequena, não se preocupe ― assegurou-me.
― Quem a traiu? Você, eu tenho certeza que não foi, muito menos
os meus irmãos. Só resta… ― Pisquei, aturdida. ― Wolf?
― Sim, é ele. Na emboscada, a Jade ateou fogo na casa e saiu pelo
esconderijo do quarto de Marco. Todos pensam que morreram no
incêndio. É uma maneira de descobrir os ratos da organização; ao
que parece, sobraram alguns.
― Preciso falar com a Jade…
― Os telefones deles estão desligados para não correrem o risco de
serem rastreados ― disse Miguel.
― Aonde eles foram?
― Não era para lhe dizer, mas não vou omitir nada. ― Pegou a
minha mão. ― Estão em uma ilha fortemente vigiada, não se
preocupe. Jade só sofreu esses ataques por causa do traidor do seu
segurança.
― Obrigada por me contar. ― Suspirei. ― Às vezes, eu odeio que
meus irmãos pensem que sou frágil demais para enfrentar as
coisas.
― Você é uma mulher forte, Luna, nunca pense o contrário. ―
Beijou os meus dedos em um gesto tão antigo quanto o mundo. ―
Perfeita. Agora foque em se divertir durante a viagem. Em breve,
isso acabará.
Se ele garantia que Jade estava bem, eu acreditaria. Miguel não
mentiria para mim.
― Acabar? Por quê? Vai me deixar? ― Fiquei amuada de repente.
Sorriu.
― Deixar você? Nunca, Cachinhos! Ainda mais sabendo que só
existe eu em seu coração.
Aliviei-me.
― Não tem apenas você nele ― provoquei. Dirigiu-me um olhar
confuso. ― Há os meus irmãos, lembra?
Ele riu, sacudindo a cabeça. A sombra em suas feições se esvaiu.
― Danada! Sorte sua que estou dirigindo, ou a beijaria. ― Focou na
estrada.
Sorri, travessa.
― É só parar o carro ― apontei com um sorriso, enquanto ele
revirava os olhos.
― Preciso chegar ao local, lá estará segura. Há muitos homens
meus vigiando o lugar ― comentou. ― Enfim, logo os seus irmãos
resolverão os problemas, e vocês poderão voltar para a Itália.
― Como nós ficaremos? Eu e você. ― Meu coração pulou mais
rápido no peito. ― Irá me visitar?
― Moro no México, mas pretendo ir ao fim do mundo para vê-la, se
for preciso. Vou esperar o tempo necessário para nos casarmos, no
mínimo até se formar na profissão dos seus sonhos e ficar mais
velha para que tenha certeza do que quer.
― Já tenho certeza de que amarei você para sempre ― declarei
com firmeza.
― Ótimo! Fico feliz. Agora vamos aproveitar nosso tempo juntos, só
nós dois. ― Parou o carro. ― Hoje vou realizar um dos seus
desejos.
Virei a cabeça de lado, notando que estávamos em um parque, mas
não tinha ninguém ali, afora os homens dele ― mais de trinta caras.
― Cadê todo mundo? ― perguntei.
― Aluguei o parque para nós dois. Não correria o risco de um
ataque. Sua segurança em primeiro lugar. ― Indicou uma roda-
gigante.
Certa vez, minha mãe me levou em um perto de casa, mas bem
depressa, porque meu pai chegou e brigou com ela.
― Obrigada por isso. Realmente é um dos muitos desejos do meu
passado, algo de que fui privada. ― Sorri. ― Mal posso esperar
para nos divertirmos! Mas não é estranho que um chefe de cartel
como você esteja aqui com a sua namorada? Em um parque?
Deu uma risada.
― Pode ser, não estou ganhando pontos com os meus homens.
Mas não dou a mínima, contanto que você se alegre. ― Alisou o
meu rosto. ― Esse seu sorriso lindo vale qualquer coisa.
Beijei o seu queixo barbudo.
― Você me realiza em todos os sentidos, sabia?
― Faço das suas palavras as minhas.
Fiz menção de sair do carro, louca para ir à roda-gigante; sempre
quis saber a sensação de estar lá em cima. Mas Miguel me impediu.
― O que foi? ― perguntei, ao passo que ele já contornava o
veículo, abrindo a porta para mim. ― Um cavalheiro. Tem certeza de
que está no ramo certo?
― Quanto ao meu trabalho, não sei, mas de uma coisa eu tenho
certeza, Cachinhos ― beijou o meu rosto ―: estou com a mulher
ideal para mim.
Meu coração deu cambalhotas.
Ele me conduziu à roda-gigante, e ocupamos os assentos. Um
homem alto veio e ligou o brinquedo, que começou a girar.
― Obrigado, Alfred ― Miguel agradeceu.
Quando estávamos no topo, a roda parou.
― A vista daqui é deslumbrante! Sou grata por me proporcionar
momentos assim.
― Você merece tudo. Eu a levaria para ver a aurora boreal, pena
não podermos arriscar. Mas prometo que iremos no futuro.
Sorri.
― Não sei como é possível, mas você eleva a minha alma a cada
minuto ― falei e suspirei. ― Minha mãe ficaria contente por eu ter
alguém como você e por Jade estar realizada com o Luca. Ela
sempre sonhou que encontrássemos um amor verdadeiro. ― Virei-
me para ele.
― É o desejo de toda boa mãe, querida. A minha também teria
gostado de você.
― E eu, dela. ― Mirei o céu estrelado. ― Acredito que as duas
estejam nos protegendo lá de cima.
Sorriu e aproximou seu rosto do meu, beijando-me de leve. Era
sempre comedido, nunca ia longe demais. Eu não o forçaria a fazer
algo para que não se considerasse preparado. Mas ter os seus
lábios tão perto complicava tudo, sentia-me em uma fornalha.
Aprofundei o beijo. Sua língua me enchia de prazer, as carícias me
levavam a quase flutuar.
Miguel se afastou, com dificuldade para respirar, tal qual eu.
― Quanto mais eu a beijo, mais quero provar dos seus lábios com
gosto de pêssego. ― Esquadrinhou a minha boca.
Corei; o sentimento era recíproco.
Desfrutamos em demasia nossos momentos juntos. Fomos em
vários brinquedos. Eu me sentia uma criança em um quarto cheio de
doces.
Narrei a Miguel tudo o que aconteceu após sua partida: o que fiz na
escola, como lidei com o vazio experienciado na sua ausência… Ele
também disse que foi difícil me deixar e viver todos aqueles meses
sem mim.
Chegamos a uma barraca de tiro ao alvo.
― Faço isso para você. ― Pegou uma pistola para atirar, assim eu
ganharia um prêmio.
Sorri, tomando a arma da sua mão e apontando ao meu alvo.
Consegui um gatinho de pelúcia.
Estupefato, voltou-se para mim.
― Onde aprendeu a atirar? ― Arqueou as sobrancelhas. ― Com os
seus irmãos não foi.
― Na viagem à China, fiz aulas lá. ― Não mencionei que foi Sage
quem me ensinou. ― Queria me tornar independente dos outros.
Espero nunca precisar disso; nem sei se conseguiria no calor de
uma briga, na verdade.
― Farei o impossível para que permaneça com a sua alma cheia de
luz. Eu a protegerei, não importa como.
Confiava nele, mesmo ciente de que Miguel não estaria sempre
comigo, afinal, dividia seu tempo entre o México e os Estados
Unidos.
Na volta para o carro, eu senti algo peludo se enroscar nos meus
pés: um gatinho pequeno e magro.
― Oi. ― Abaixei-me e toquei o animalzinho com a mão direita,
enquanto a esquerda segurava a minha pelúcia.
Seu pelo era branco, embora sujo. Miava sem parar.
― Segure. ― Dei meu prêmio ao Miguel e peguei o gatinho,
checando ao redor. ― Cadê o dono dele?
― Provavelmente alguém o abandonou. Parece faminto ― disse à
meia-voz.
Era muita crueldade se desfazer de um gato tão fofo.
― Venha comigo, cuidarei de você ― falei ao bichinho.
― Luna, você não pode levar todos os animais que encontra para
casa.
― Não só posso, como vou. ― Aninhei ele em meu peito.
Miguel riu. Ele me conhecia: eu jamais deixaria um animal indefeso
para trás, correndo o risco de ser morto.
Passamos em uma veterinária, que checou o gatinho e deu banho
nele. Também compramos comida, já que na casa do Miguel só
havia a ração de cachorro do Burnt.
― Ficaria com ele, mas estamos lotados, todos os dias alguém solta
um gato aqui na porta ― comentou a médica.
― Não se preocupe, Furry agora é meu. ― Alisei o seu pelo. ―
Este nome combina com você.
Retornamos à casa de dois andares em estilo francês.
― Aonde pensa em botá-lo? ― perguntou Miguel. Decerto estava
com medo de que o gato estragasse a sua mobília.
― Por enquanto, deixarei ele escolher. Se está acostumado a morar
na rua, talvez fique deprimido preso em casa. Podemos pôr a ração
dele em uma vasilha lá fora.
Fui para a varanda dos fundos. Miguel me seguiu. Coloquei o
gatinho no chão.
― Preciso me acostumar com isso ― ele disse, entrando de novo
em casa. Acariciei o gatinho mais uma vez antes de acompanhar
Miguel. ― Vou ter que abrir mais abrigos de animais quando nos
casarmos, né? ― Sorriu para mim.
― Espero que sim. A não ser que prefira não se casar comigo… ―
Fingi estremecer.
― Nada me faria desistir de você. Esperei muito tempo, Cachinhos
― certificou-me, sentando no sofá.
― Obrigada por hoje. Foi magnífico. ― Posicionei-me em seu colo,
envolvendo-o nos meus braços.
O momento estava mais do que perfeito.
Capítulo 17

Luna

Meses depois

Era o casamento da minha irmã, e eu nunca a vi tão feliz. Sentia-me


realizada por ela e pelo Luca. Foram separados por tanto tempo,
mas agora estavam se casando. Um sonho que se tornou realidade.
Jade ia morar com o Luca em Milão. Minha irmã queria ser médica e
cursaria a faculdade lá; o seu futuro marido resolveu segui-la.
Isso me fez pensar: se eu me casasse com o Miguel, onde
moraríamos? Claro, pretendia me formar primeiro, mas era algo que
me incomodava. Ele não podia vir para a Itália se os seus negócios
estavam no México.
Deixei para pensar nisso depois e foquei na minha irmã. Ela tinha
chamado todos os irmãos a uma salinha.
― Se quiser desistir, chegou a hora ― Rafaelle disse.
― Nada a impede ― acrescentou Alessandro.
Jade desistir do Luca? Ela morria por aquele homem, assim como
eu pelo Miguel.
Depois de ter ficado escondida naquela ilha de Toronto durante um
mês e meio, os meus irmãos resolveram os problemas. Não sabia o
que acontecera, mas voltamos à Itália.
Passaram-se quase cinco meses, contando com o nosso período na
ilha. Era tempo demais escondendo algo dela. Depois, eu revelaria
tudo sobre o Miguel e eu, não esconderia mais nada de Jade. Já
quanto aos meus irmãos, eu queria esperar, pois não imaginava as
suas reações. E se eles machucassem o Miguel?
Tinha feito dezoito anos havia algumas semanas. Miguel ia me levar
para comemorar, mas houve alguns imprevistos no México, então
não pôde. Ele me disse que mais tarde celebraríamos, eu só não
entendia como, sem revelar a verdade aos meus irmãos.
― Desistir do Luca? Nunca! Seria como ficar sem respirar ―
declarou minha irmã, me trazendo ao presente.
Quase ri dos olhares incrédulos dos três. Eles não entendiam a
força do amor, um sentimento que nos tornava capazes de tudo.
Torcia para que, um dia, conhecessem tal emoção.
Sorri. Ela estava preocupada com a sua aceitação na Universidade
de Milão, mas Alessandro a tranquilizou dizendo que Luca se
mudaria para lá. Eu já sabia disso, pois ouvi o capo do Luca
comentando com a sua esposa, Irina.
Eu não ligaria de morar no México com o Miguel, viveria com ele em
qualquer lugar deste mundo. A distância era ruim; fazia quase duas
semanas que não o via, e isto me deixava inquieta. Como ficaria
quatro anos desse jeito, com idas e vindas?
Absorta em meus pensamentos, mal notei que a minha irmã tinha
cinco cartas na mão.
― Isso é para vocês ― declarou, entregando-as a nós.
Stefano estreitou os olhos.
― Uma carta? Por que diabos está nos dando isso se vamos viver
na mesma cidade?
― Achei no porta-joias da mamãe, direcionadas a nós cinco, para
abrirmos nos dias de nossos casamentos. A minha eu já li.
Ao ouvir isso, o meu coração palpitou forte no peito. Era a letra dela.
Lembrava-me de que, na noite em que ela se foi para sempre, eu a
encontrei de pé perto do armário de roupas. Será que colocou as
cartas lá naquele exato momento?
― Merda! Como nunca vou me casar, não saberei o que está
escrito? ― Stefano parecia em conflito.
Não era o único. Ao menos eu me casaria em breve, o que
amenizava a minha ansiedade. Já Stefano não pensava em
casamento, afirmando que seria a última coisa que ele faria. No
fundo, eu torcia para ele sossegar e encontrar uma menina querida
para amá-lo mais do que tudo.
― É a letra dela. ― Rafaelle checou o envelope.
― Não acredito… ― Eu tinha algo dela em minhas mãos…
― Sei que devem estar confusos, mas ela as escreveu uma noite
antes de morrer; são seus desejos mais profundos. Mamãe rezou
para que eu encontrasse alguém que realmente me amasse; agora,
tenho Luca. Seja o que for que ela desejava a vocês quatro, eu
acredito que se realizará também.
Eu acreditava nisso.
Saímos da sala para que Jade se aprontasse antes da entrada na
igreja. Alessandro a acompanharia.
― O que será que está escrito aqui? ― Stefano levantou a carta em
direção à luz, como se quisesse ver dentro.
― Não sei ― Rafaelle respondeu, olhando seu envelope fechado.
― A única forma de saber é lendo, mas para isso precisamos nos
casar. ― Cheguei perto deles. ― Entretanto, com a sua fama,
Stefano, eu duvido que aconteça tão cedo. Porém, tenho fé, pode
encontrar uma mulher um pouco mais inteligente, que não se curve
a você.
Stefano abaixou a carta e arqueou as sobrancelhas. Rafaelle riu,
avisando:
― Preciso ajeitar algumas coisas. ― Saiu, me deixando sozinha
com o caçula entre os homens da família.
― Você não tem um noivo também ― apontou Stefano.
Sorri, indo até ele e o abraçando de lado.
― Convenhamos, é provável que eu me case primeiro. Não sou tão
difícil.
― Sua danada. ― Beijou a minha cabeça, rindo. Depois, ficou sério.
― Se o Sage fez algo… ― Avaliou-me com os olhos estreitos. ―
Essa paixonite que tinha por ele se fortaleceu a ponto de casarem?
Antes que respondesse, eu escutei uma voz muito familiar.
― O que está acontecendo? ― perguntou Miguel.
Usava um terno escuro e ostentava um sorriso no rosto. Não deixou
escapar nenhum indício de que éramos namorados.
― Só Luna dizendo que irá se casar com o Sage…
Cortei Stefano, pois a expressão de Miguel se tornou sinistra:
― Não disse isso, foi você quem falou. Não gosto do Sage dessa
forma, somos amigos ― anunciei, acalmando Miguel.
Mesmo após eu revelar ao meu namorado a farsa sobre Sage, ele
não suportava meu segurança, pois acreditava que Sage nutria
sentimentos por mim, o que não era verdade.
Algo me assustava: o tempo estava passando, e Sage ainda não
arranjara uma forma de se livrar do preconceito de seu pai. Não
poderia empurrar isso para sempre.
Meus irmãos não desconfiaram de nada, dado o problema dos
traidores em nossa organização. Agora que se estabilizara, isso
atrapalharia Sage, de certo modo. Stefano, em particular, era muito
observador.
― Jura? Achei que estivesse apaixonada. Eu até o ameacei, caso a
tocasse.
― Eu me enganei. Depois de ver o Luca e a Jade, reconheci que o
amor verdadeiro é aquele em que seu amado luta por você; aquele
em que, quando vemos a pessoa, o coração pula no peito, quase
saindo pela boca. É como viver nas nuvens o tempo inteiro, se
estamos juntos. E, na sua ausência, sentir o verdadeiro significado
da palavra “vazio”.
Assim que parei de falar, notei os olhos arregalados do meu irmão e
o carinho na expressão de Miguel.
― Porra! Você está realmente apaixonada. Mas se não é por Sage,
então é por quem?
― Falei sobre o amor. É isso que devemos sentir para poder abrir a
carta da nossa mãe, seja comigo, com Rafaelle, Alessandro ou você
― esquivei-me da sua pergunta. Após o casamento, eu contaria aos
três.
Stefano parou por um segundo, atento, olhando de mim para
Miguel.
― É você! Vou matá-lo… ― Foi para cima do Miguel.
Eu entrei na frente, ou tentei, pois meu namorado me puxou para
longe. Meu irmão estacou ao notar que Miguel me protegeu dele.
― Nunca machucaria Luna. ― Ficou ainda mais brabo. ― Quero
acabar é com você!
― Mas não vai. Controle-se, hoje é o casamento da Jade. Não
estrague tudo! ― fui firme.
Ele ficou em silêncio um segundo, certamente controlando a sua
fúria.
― Está mesmo apaixonada por Miguel? ― sondou.
Suspirei baixo.
― Sim, estamos namorando há algum tempo. E preciso que isso
continue entre nós.
Sua testa vincou, desconfiado.
― Por que não posso dizer aos outros? ― Virou para o Miguel do
meu lado. ― Se a tocou…
― Ele não encostou em mim. E, pelo jeito, jamais o fará. Miguel é
tão antiquado que desconfio que eu entrarei na igreja como uma
virgem imaculada. ― Corei.
Stefano, por fim, assentiu. Meu irmão não precisava conhecer meus
planos para mais tarde com o Miguel. Agora, inexistiam desculpas
sobre eu ser menor de idade.
― Todos merecem saber ― frisou.
― Só me dê algum tempo. ― Peguei a sua mão e a apertei. ― Por
favor, Stefano, não diga nada ao Alessandro e ao Rafaelle. Vou
contar à Jade, mas não aos outros dois.
― Não faz sentido… ― argumentou.
Se Alessandro soubesse, assim como Rafaelle, seu braço direito,
talvez a informação vazasse, e o pai do Sage descobrisse que eu
não estava mais a fim de seu filho.
― Necessito de alguns meses. E só estamos namorando, não
casando.
― Você namora para casar, Luna. Se o Miguel não sabe disso…
― Eu sei ― Miguel se impôs. ― Nós nos casaremos apenas depois
que Luna se formar. Ela deve focar em seus estudos para se tornar
veterinária.
― Vai ficar sem mulher durante todo esse tempo? Porque não
tocará na minha irmã antes da hora. E outra, se a trair, eu acabo
com você ― ameaçou.
Miguel suspirou, controlando o impulso de socar o meu irmão.
Stefano causava isso nas pessoas. Eu o amava, apesar do seu
gênio forte.
― Não que seja da sua conta, mas eu não vivo para o sexo, ao
contrário de você. Esperarei pela Luna o tempo que precisar ―
respondeu.
Meu irmão o avaliou e aquiesceu. Acho que viu a verdade em
Miguel.
A música que anunciava a entrada da Jade começou a tocar. Virei-
me para Stefano, pedindo:
― Foque neste momento, um dia tão especial na vida de Jade.
Miguel me ama, e eu o amo. Pegue leve.
Tão logo Sage me liberasse para contar ao Alessandro, eu o faria.
Meu irmão não o julgaria por ser gay; quem sabe até conseguisse
convencer o pai de Sage a não o repudiar também.
Fomos para o salão da igreja, onde presenciamos a alegria da
nossa irmã. Seu sorriso lindo mostrava que só existia os dois ali
quando declararam o “sim”.
Após a cerimônia, houve o momento de os felicitarmos.
― Você está radiante.
Ela sorriu para mim.
― Sinto como se fosse explodir de felicidade ― respondeu, me
abraçando.
― Mamãe amaria ver aonde chegamos. ― O meu peito se apertou
ao pensar nela, mas tinha certeza de que olhava por nós.
― Sim, Alessandro é um ótimo capo, diferente de Marco. E eu estou
me casando com o homem que amo. Você fará o mesmo,
encontrará alguém melhor do Sage.
Estávamos no canto do salão, só nós duas. Luca conversava com
nossos irmãos.
― Jade… Não amo o Sage, nunca amei. ― Adoraria explicar o
motivo da mentira, mas precisava do aval de Sage. ― O único que
importa é o Miguel.
Ela arregalou os olhos.
― Miguel? ― Sua voz saiu alta, o que fez algumas pessoas
olharem para nós. ― Sabia! Vocês dois juntos esse tempo todo, ia
acabar em paixão.
― Ele é o homem certo para mim, eu me sinto nas nuvens. ― Sorri.
― Fico tão contente!
Conversamos mais um pouco. Em seguida, ela saiu com o Luca
para a lua de mel.
― Não acredito que Jade se casou. Agora vai morar com ele ―
falou Stefano, amuado.
― Ainda teremos a Luna em casa ― disse Rafaelle.
― Na verdade, eu queria falar com vocês sobre esse assunto… Vou
morar no campus da faculdade ― anunciei depressa.
Fazia eras que buscava uma forma de ficar um pouco mais à
vontade com o Miguel, sem ser na presença dos meus irmãos.
Logo, me restava morar no campus.
Ouvi o som de suspiros distintos. O peso dos seus olhares me
deixou nervosa.
― Não vai morar lá com aquele bando de adolescentes imaturos ―
Rafaelle sibilou.
― Definitivamente não! ― assegurou Stefano, sombrio.
A opinião final seria do Alessandro, então me virei para ele.
― Não posso a deixar desprotegida. Poderá ter colegas de quarto
enviados por alguém só para me atingir, não permitirei.
― Por favor, não é coisa de outro mundo. Se uma colega de quarto
for demais, posso morar sozinha. Mande seus guardas comigo,
Sage e quem mais quiser. ― Peguei a sua mão, colocando a outra
em seu coração acelerado. ― Quero ser normal nessa cidade nova,
falar o menos possível sobre quem eu sou. Quero ter amigas que
gostem de mim sem interesse nenhum na máfia.
Alessandro me encarou por um segundo. Jurei que negaria.
― Se pretende permitir, mandarei dois dos meus homens para vigiá-
la junto com os seus, e mais um de longe. Luna nem perceberá a
presença dele ― disse Miguel.
Meu irmão o encarou.
― Você não está oferecendo, mas afirmando?
― Isso ― respondeu Miguel, mirando Alessandro com intensidade.
Ah, Deus, não era para nada ter sido revelado! Sage, perto de nós,
parecia nervoso.
― Há uma razão? Entendo que queira me ajudar porque somos
amigos; irmãos, na verdade. Mas… ― Seu olhar vagou de mim para
o Miguel.
Eu não sabia que desculpa inventar naquele momento.
― Depois que eu protegi a Luna há alguns meses, surgiram boatos
de que ela é a minha fraqueza. Não aceitarei que a machuquem por
culpa minha, em especial devido a uma fofoca infundada.
Alessandro analisou a expressão neutra de Miguel. Ele era bom no
que fazia, eu tinha que praticar muito para chegar no mesmo
patamar.
― Depois discutiremos sobre quem inventou essa mentira…
Cortei-o, forçando a discussão a ser encerrada:
― Ótimo. Com os homens do Miguel e os seus, ficarei segura. Só
me deixe ser normal…
― Você é normal ― disse Stefano.
Revirei os olhos. Estava longe da normalidade.
― Tudo bem, mas se eu souber que está correndo perigo, você
voltará para casa ― Alessandro falou.
Sorri e pulei nos braços dele.
― Obrigada, eu amo você! ― Ele pigarreou, pois estávamos em
público. Eu me afastei. ― Desculpe, me esqueci do lugar.
Stefano riu.
― Você o tem no seu dedo mindinho. ― Veio até mim e cochichou
discretamente em meu ouvido: ― Estarei atento, mana.
Quis socá-lo, contudo, me contive.
― Como se eu também não tivesse você ― provoquei com um
sorriso.
― Ela e Jade têm nós três ― emendou Rafaelle, em tom baixo para
que ninguém ouvisse. ― Mas menos abraços na frente de todos,
Luna, isso deve ficar entre os Morellis e nossos aliados. ― Fitou
Miguel.
― Espero que não tenhamos mais inimigos por um bom tempo. ―
Suspirei.
― Querida, nós somos da máfia, sempre haverá algo. E daremos
conta, derrubaremos quem tentar ― disse Stefano.
― Juntos ― assegurei.
Enfrentamos a dor, a perda e muitos perigos para chegar aonde
estávamos. Entretanto, unidos, encararíamos quaisquer novos
obstáculos, com a minha família e o Miguel, o homem que roubou
meu coração e minha alma.
Capítulo 18

Luna

Duas semanas depois

Comecei a morar no campus da faculdade, em Milão, para onde nos


mudamos.
Na noite do casamento, era para eu ter saído com Miguel, mas
Stefano não arredou o pé do meu lado; não só naquele dia, como
nos demais também. Eu amava o meu irmão e adorava a sua
proteção, entretanto, era excessiva.
Miguel o ignorava o quanto podia. Sua paciência estava no limite.
Felizmente, Stefano foi enviado aos Estados Unidos, junto a
Alessandro. Apenas Rafaelle ficou, mas ele não sabia nada sobre o
namoro.
Passei o dia inteiro ansiosa para ver Miguel. Saí da faculdade e dei
de cara com o homem mais lindo do mundo, vestido de preto e com
óculos escuros, escorado em uma moto.
Sorriu ao notar a minha expressão de cobiça.
― O que tanto olha? ― provocou, me puxando para os seus braços
e me beijando.
― Nada, estou só pensando na minha fome. ― Quem não se
viciaria nele? Felizmente, era só meu.
― Com fome, hein? ― Beijou o meu ombro. ― Precisamos resolver
isso.
Nossos beijos se tornaram mais intensos com o passar do tempo.
Eu estava pronta para a próxima etapa.
― Conto com isso. Meu irmão não poderá nos interromper.
― Tem certeza? ― Miguel indicou seu lado direito, onde Sage
estava com outros seguranças, incluindo Luigi, um dos melhores
amigos de Stefano.
― Não acredito! ― Sacudi a cabeça.
Ele me entregou o capacete.
― Eu prendo para você. ― Puxou-me contra si, sem tirar os olhos
dos meus. Ajeitou-o e me deu um selinho discreto, fazendo os meus
lábios queimarem. Queria mais, mas se afastou rápido. ― Vamos,
ou o Luigi terá muita coisa para dizer ao seu irmão.
― Ele bem que podia arrumar uma namorada e sair do meu pé ―
arrulhei e subi atrás de Miguel, colocando os braços à sua volta.
Seu calor intenso me arrebatava.
― Stefano namorando? Jura… ― Riu e zarpou com a moto dali.
Achei que iríamos à casa que ele comprou perto do campus, mas
virou à esquerda, em direção ao trem. Os carros dos seguranças
nos seguiam.
― Aonde vamos? ― gritei para que me ouvisse.
― A um lugar que vai amar ― respondeu em tom alto. ― Mas antes
pegaremos um trem.
Rodamos por mais alguns minutos. Ao descermos, olhou para mim
com um sorriso de iluminar o mundo.
― Nunca andei em um trem.
― Eu sei, embora seja um sacrilégio, afinal, cresceu em Veneza.
― Meu pai não ligava para nós, seu prazer era não nos deixar viver.
Jade e eu queríamos ir de trem de Veneza à Suíça, um lugar que
sonho em conhecer um dia, mas ele não deixou. Rafaelle pretendia
nos levar escondido, mas meu pai descobriu e o castigou. ―
Respirei fundo.
― Quando penso em Marco, me dá vontade de buscá-lo do Inferno
só para matá-lo de novo ― rosnou Miguel.
Sorri.
― Não pense nisso, estou animada para passear com você.
― Verdade. Venha.
Segurou a minha mão e me conduziu ao trem. Sentamos em um
banco mais afastado, embora o ambiente parecesse o vazio, a não
ser pelos seguranças a certa distância.
― Cadê as pessoas? ― Da janela, enxerguei gente lá fora, mas
ninguém entrou.
― Não podemos correr o risco de colocarem as mãos em você. Eu
me precavi. ― Sorriu, relaxando na poltrona.
Óbvio. Saímos da cidade.
― Vai me dizer aonde vamos? Se for longe, não trouxe roupa
nenhuma ― argumentei, a despeito de preferir não usar nada
sozinha com ele.
― O que está pensando para corar assim? ― Beijou meu rosto. ―
Na roupa? ― Afastou-se, sorrindo e me deixando zonza. Indicou a
janela. ― Não quero distraí-la, aproveite a vista.
Como se ele pudesse evitar… Mas fitei a vista esplêndida.
― Estou amando, é tão lindo, nem acredito que tem tanta beleza
desconhecida por mim neste país. ― Perdi tanto por causa do meu
pai…
― Comigo, conhecerá o mundo. Começaremos por Verona ―
prometeu.
― Verona? ― Soltei um gritinho animado.
Os guardas nos olharam. Sage sorriu, mas não interrompeu; ele,
com certeza, já sabia e não me informou.
― Pelo jeito, acertei a escolha. Claro que teremos muitas outras em
nosso futuro.
Miguel confirmando que haveria um futuro para nós dois sempre
aquecia meu coração.
Avistamos estradas ladeadas por árvores e flores coloridas.
Chegamos à estação algum tempo depois.
― Aonde deseja ir? Fiz uma lista de sugestões. Veja qual prefere.
― Entregou-me um papel.
Seguimos conforme minha decisão. Estávamos em um carro com
Sage dirigindo; mais veículos nos cercavam.
― A Arena de Verona é o terceiro maior anfiteatro do mundo ―
falei, admirando o ponto turístico. ― Na época de sua construção,
era grande o suficiente para abrigar toda a população da cidade.
Usavam-na para lutas de gladiadores. Hoje acontecem concertos
musicais aqui, graças à acústica do lugar.
Miguel me abraçou de lado, satisfeito com a minha empolgação.
Depois, fomos à Piazza delle Erbe, um lugar lindo. Antigamente, era
o fórum romano; após, tornou-se um mercado de ervas. Hoje, no
centro da praça, existe uma feirinha de suvenires e comidas.
Ao seu redor, dezenas de prédios coloridos abrigavam restaurantes
e lojas. Comprei algumas coisas para mim e para Jade.
Visitamos vários lugares incríveis, mas o que eu queria mesmo era
ir num em especial.
― Sonho em conhecer este lugar desde que li o livro e assisti ao
filme de Romeu e Julieta. É como imaginava. ― Virei para Miguel,
sorrindo. ― Posso subir na sacada?
― Claro. ― Seus olhos brilharam.
Sentia-me uma criança que ganhou o presente ideal.
― No passado, havia uma disputa entre famílias ricas de Verona.
Os casamentos eram arranjados em nome do poder ― falei,
apreciando os detalhes arquitetônicos da sacada. ― Pergunto-me
se foi nisso que famílias como a minha se inspiraram. Obrigaram
mamãe a se casar com alguém que não amava. Talvez tudo
pudesse ser diferente, se as leis da máfia fossem outras. Ela
poderia ter sido feliz.
Braços me envolveram por trás. Miguel pousou o queixo na minha
cabeça.
― Nunca saberemos. Mas com seu irmão no poder, tudo mudará.
― Beijou meus cabelos.
― Ninguém sabe se Romeu e Julieta realmente existiram, mas a
sua história trágica de amor, com certeza, é verdadeira,
considerando as normas da época. Pode não ter acontecido com
eles, mas com outros, sim. ― Encarei o horizonte. ― Certa vez,
mamãe disse que nós, seus filhos, a impedimos de fazer uma
grande besteira. Na hora não entendi, eu era pequena, mas me
questiono se em algum momento ela tentou ou teve vontade de…
Miguel me voltou para ele.
― Ei, eu a trouxe aqui para ficar feliz, não para lamentar o passado.
― Tocou meu rosto. ― Foque no que pode ser melhorado hoje. Sei
que não é fácil…
― Tem razão. Este dia será um dos melhores da minha vida. ―
Acariciei seu peito. ― Amo você. Demais.
Sorriu e me beijou ali, na sacada de Julieta.
Após andar por Veneza e conhecer lugares mágicos, voltamos para
Milão. Miguel me levou à sua casa, perto de onde eu morava. Não
tinha ido lá ainda.
― Entre. ― Aceitei a sua mão e o segui para dentro.
A sala era espaçosa, com sofás de estilo europeu. Tinha duas
escadas que iam para o andar de cima. Do lado direito, uma vidraça
separava cozinha e sala.
― Nossa! Você tem bom gosto para imóveis.
― Minha mãe gostava disso, então… ― Deu de ombros.
― Entendo. Balé lembra a minha mãe, ela amava dançar. Não
prosseguiu com esse sonho pois o meu pai achava que não era
uma boa coisa para uma dona de casa, esposa de um capo. ―
Suspirei, não deixando a tristeza me apossar, assim não estragaria
o momento mágico que Miguel estava me proporcionando.
― Seu pai era um idiota ― pelo jeito que falou, parecia querer ter
usado outra palavra.
― Verdade.
Subimos ao segundo andar, com vários quartos. Passamos por uma
porta grande.
De repente, eu me senti nervosa pelo que ia acontecer. Não sabia
nada de sexo. Em comparação às mulheres que Miguel já teve, eu
me mostraria muito inexperiente.
― Luna? ― Ficou na minha frente com as sobrancelhas erguidas.
― O que foi? Não gostou?
― Adorei. ― Recuperei-me e chequei ao redor. Com uma vidraça
que dava para o jardim, tinha muita luz ali. Notei também a TV
imensa na parede.
― Luna, se não disser o que a incomoda, eu não poderei fazer
nada. ― Chegou perto de mim e tocou o meu rosto.
― Só um pouco de ansiedade ― admiti, mirando a cama grande
com lençóis brancos.
― Se não estiver pronta… ― Ele aparentava calma.
― Estou ― afirmei. Havia dias eu frisava isso. ― Quero tudo com
você.
― Então o que foi? ― Sentou-se na beira da cama e me puxou para
o seu colo.
― Eu não tenho nenhuma experiência. ― Fiz uma careta. ― E você
tem um monte.
Ele sorriu e beijou o meu rosto vermelho.
― Você é uma boa aprendiz, se sairá bem ― disse, beijando o meu
pescoço.
Meu corpo inteiro estremeceu com o desejo por ele, a ponto de
gemer. O calor latejante entre as minhas pernas aumentou, fazendo
com que eu as fechasse. Mas Miguel colocou a mão ali, me
impedindo. O calor aumentou mil vezes mais.
― Tudo que está sentindo, eu também estou ― falou, trilhando o
caminho do meu pescoço ao queixo.
― Suas… partes também latejam? ― a pergunta saiu antes que eu
pudesse me conter.
Ele riu.
― Exatamente. ― Respirou fundo. ― Cachinhos, isto será para o
prazer dos dois. Não importa a sua experiência, e sim que seja com
você, a menina que me arrebatou.
Pus os meus braços em volta do seu pescoço.
― Eu amo você e quero tudo, Miguel.
Ele me colocou no meio da cama. Começou a me beijar, tirando o
meu fôlego. A suavidade de sua boca quase me fazia entrar em
combustão. Esqueci o nervosismo.
Miguel tirou a minha blusa, me deixando só de sutiã e jeans. Deitei
de costas, com ele pairando sobre mim, sem tirar seus lábios dos
meus.
Desceu com a boca rumo ao meu sutiã rosa. A língua percorreu
meus seios, por cima do pano. Arqueei meu corpo.
― Linda demais. ― Parecia não ter pressa nenhuma ao brincar
comigo. Acho que estava tentando me fazer relaxar.
― Isso é bom…
Ele sorriu e abriu o feixe frontal do sutiã; fiquei nua da cintura para
cima. Tirei-o e joguei para o lado. Não podia ser tímida naquele
momento, queria o toque dele de todas as formas possíveis.
― Agora, sim, vou lhe mostrar o que é bom. ― Abocanhou o meu
seio, sugando-o.
― Oh… ― Meus olhos se fecharam por um segundo, adorando a
sensação maravilhosa de ser tocada intimamente pelo homem da
minha vida.
Senti a sua mão no meu outro seio; enquanto devorava um,
massageava e apertava o segundo.
Antecipando o efeito provocado em mim, abriu as minhas pernas e
colocou o seu joelho ali, encostando-o em meu centro.
Gemi alto, não ligando para nada além de desfrutar do prazer que
Miguel me conferia. Explodi com um grito.
Corei e olhei para a janela.
― Será que…
Ele riu.
― O quarto é à prova de som. Seu prazer é só para os meus
ouvidos. ― Beijou-me. ― Não terminei com você. ― Sentou-se,
pondo as mãos em meu short; desabotoou-o e triscou o dedo em
minha calcinha. Estremeci.
― Achei que passaria depois de eu… ― Meu cérebro estava frito.
― …gozar comigo chupando os seus seios?
Assenti.
― Oh, Cachinhos, eu lhe apresentarei o lado bom desta vida. ―
Tirou a calcinha. Fiz menção de me cobrir, pois os seus olhos se
voltavam à minha parte íntima. Ele segurou as minhas mãos. ― Não
sinta vergonha comigo.
― Tudo bem, eu confio em você.
Seus dedos esquadrinharam o pé da minha barriga; quase gozei de
novo.
― Nunca enxerguei nada mais magnífico. ― Abaixou-se, pondo o
rosto entre as minhas pernas abertas. Inspirou. ― Sinto o cheiro da
sua necessidade por mim e posso vê-la escorrer. ― Eu me remexi
na cama. ― Se o gosto for igual ao dos seus lábios, eu estou
ferrado.
Nada se comparava àquilo. Sua língua explorava todos os meus
cantos. Cada lambida e chupada me levava ao limite.
― Eu sabia: sabor de pêssego. ― Traçou meu clitóris.
Não consegui ficar parada, queria mais dele. Levei as minhas mãos
aos seus cabelos e o puxei. O desejo chegava a doer.
― Se quer mais de mim, é só pedir, querida. ― Sua voz abafada e
quente no meu centro me fez gritar.
― Miguel, eu estou…
― Goze na minha boca, meu amor. ― Bem na hora, ele puxou o
meu nervo pulsante entre os seus dentes.
Eu estava flutuando. Miguel veio beijar os meus lábios.
― Sente o gosto da sua boceta? ― Os olhos cintilavam. Fiquei
vermelha pelo palavreado e por senti-lo duro.
― Deite, quero retribuir ― sussurrei.
Miguel riu.
― Adoro essa cor em seu rosto. ― Esquadrinhou-o.
― E eu adoro você. ― Sorri, beijando o seu queixo. ― É a minha
vez.
Nunca fizera algo similar, mas tinha curiosidade.
― Hoje não. Eu preciso entrar em seu corpo. ― Trilhou um caminho
de beijos por minha face e meu pescoço. ― Se por acaso não
estiver pronta…
Fitei-o intensamente.
― Sim, estou.
Ele pegou uma camisinha na sua carteira.
― Anda preparado? ― Tentei esconder a dor na minha voz por
pensar em Miguel com outras.
― Comprei quando cheguei, pois a qualquer hora podia rolar este
momento perfeito ― declarou, me tranquilizando.
― Confio em você. E se não quiser usar, não precisa, pois estou
tomando pílula. Como sei que está só comigo…
Jogou-a na mesinha e tirou a sua jaqueta e camiseta; depois, foi a
vez do jeans.
Nunca vi nada mais lindo na minha vida… Com aquelas tatuagens
magníficas, seu corpo forte me provocava um arrepio de prazer.
Acariciei a caveira.
― Poderia colocar algo alegre aqui com ela, além desta rosa ―
falei, boquiaberta ante sua perfeição.
― O que sugere? ― Posicionou-se entre as minhas pernas, mas
não entrou. Eu o senti ali, necessitado. Prendi o fôlego. ― Então?
Pisquei, buscando alguma coerência.
― Não sei, você disse que a rosa sou eu, pode desenhar algo
relacionado à sua irmã e Emma. Transformar a caveira num negócio
menos assustador e com outro significado. Se colocar mais algumas
rosas vermelhas, ficaria lindo.
Ele me encarou.
― Farei isso ― disse por fim.
― Pretendo me tatuar mais pra frente, também, só não decidi o
local ainda.
― O que quer fazer?
― Algo que represente o meu amor pelos meus irmãos, pela minha
mãe e, agora, por você. O homem que roubou o meu coração.
― Você também roubou o meu. ― Beijou-me, sem tirar os olhos dos
meus. ― Não queria que doesse…
Sorri por sua tentativa de me reconfortar.
― Tudo ficará bem.
Miguel me penetrou devagar. Senti a intrusão, que roubou o resto do
meu ar. Ele parou.
― Luna…
― Só um segundo ― pedi e respirei fundo. ― Pode continuar.
― Tem certeza?
― Sim.
Miguel voltou a me beijar, enquanto me preenchia. A princípio, a dor
foi aguda, mas logo veio o prazer quando ele colocou os dedos
entre nós e tocou o meu clitóris.
― Oh, Miguel ― clamei em louvor. ― Isso é tão bom…
Ele rosnou baixo e acelerou.
― Porra! Eu sinto suas paredes prenderem o meu pau. ―
Respirava com dificuldade.
Seus movimentos ficavam mais urgentes, levando-me à beira de um
orgasmo. Não sabia que sexo era tão bom assim, ainda mais com
quem se ama. Tudo na sua companhia se tornava fabuloso.
― Estou tão perto…
― Isso, querida, eu não vou durar muito. Faz tanto tempo…
Alegrava-me confirmar que permaneceu fiel a mim.
Trancei as pernas em torno da sua cintura. Entrou mais fundo.
Novamente, gritei seu nome.
Seu rosto se contraiu. Fechou os olhos, gozando. Uma imagem
singular. Como existia perfeição assim? Custava a acreditar que
Miguel era meu.
― Você é ainda mais lindo quando goza ― falei.
Abriu os olhos e sorriu.
― Não dá para discutir perfeição, não quando olho para você. ―
Saiu de mim, me fazendo estremecer. ― Desculpe, está dolorido
demais?
― Não ― menti. Ele não caiu.
― Luna, nunca minta para mim sobre isso…
Interrompi-o:
― É a minha primeira vez, Miguel. Não se preocupe.
― Odeio que sinta dor. ― Olhou para o sangue escorrendo em um
filete por minha perna. ― Queria ter evitado isso.
― Bom, só se você não fosse o meu primeiro ― brinquei.
Sua expressão se fechou.
― Nem pensar.
Eu ri.
― Me sinto realizada, a mulher mais feliz deste mundo. Achei que
Luigi nos interromperia a mando do Stefano.
Não temia que Luigi falasse aos outros, Rafaelle e Alessandro;
mesmo que devesse lealdade ao capo, era amigo de Stefano. Não
se recusaria a guardar um segredo por ele.
― Na verdade, o Luigi deve ter tentado ligar para o seu irmão, mas
Stefano está incomunicável por algumas horas. Ouvirei muito
quando seu irmão retornar.
― O bom é que aproveitamos cada segundo.
― Sim. Rafaelle até sabe que está comigo. Falei que iríamos
comemorar o seu aniversário atrasado hoje.
Franzi a testa.
― Ele não desconfiou por eu decidir celebrar ao seu lado?
Sorriu.
― Não, pois Emília, Emma e Daemon estão para chegar aqui. Tive
que trazê-los para os seus irmãos não desconfiarem. Dei a desculpa
de que Emília queria vê-la, o que não deixa de ser verdade. ―
Alisou o meu rosto. ― Agora só falta você escolher um presente.
― Já ganhei o que tanto queria. ― Toquei seu coração.
― Sou seu para sempre, Luna. ― Selou este juramento em meus
lábios.
Capítulo 19

Luna

Oito meses depois

Eu me sentia nas nuvens com Miguel. Isso quando o meu irmão não
nos atrapalhava. Queria dizer aos outros, mas a proteção triplicaria.
Andava focada em meus estudos e em fazer amizades, então quase
me esqueci dos meus problemas. No entanto, não demorou para um
deles estourar em minhas mãos.
― Oi. ― Chequei a sala. Sage estava de pé, e Alessandro se
sentava em sua cadeira.
― Aconteceu alguma coisa? ― Franzi a testa, evitando demonstrar
nervosismo.
― Sente-se ― disse meu irmão.
Obedeci.
― Sage veio aqui para pedir a sua mão em namoro ― Alessandro
foi direto ao ponto.
Engasguei.
― O quê? ― quase gritei. Olhei para o Sage, tentando assimilar o
que acabara de ouvir. Talvez dispusesse de um plano na manga,
mas não teve tempo de me dizer.
Fingir uma queda por ele era uma coisa, mas ser sua namorada?
Isso foi longe demais. Eu precisava consertar a situação.
― Não posso aceitar ― falei a verdade, virando para o meu irmão.
― Você disse que eu poderia escolher com quem quisesse namorar
e me casar, e esta pessoa não é o Sage.
Alessandro assentiu, dirigindo-se ao meu segurança.
― Não forçaria Luna a fazer algo que não queira.
Sage não retrucou.
― Entendo, chefe.
Alessandro o avaliou. Em seguida, se levantou, de frente para Sage.
O meu amigo ficou tenso, mas não se afastou.
― Caras rejeitados fazem besteiras, às vezes. Você não parece ser
esse tipo de pessoa, mas se ao menos sonhar em tocar na minha
irmã, o que houve com Gael será fichinha perto do que acontecerá
com você.
― Luna e eu somos amigos. Independentemente do que sinto, eu a
protegerei, como venho fazendo esses anos todos. Sua segurança é
minha prioridade ― assegurou.
― Ótimo. Agora nos deixe a sós. ― Alessandro voltou a se sentar.
― Sim, senhor. ― Sage saiu, enquanto eu me virava para o capo.
― Soube que anda vendo muito o Miguel… ― começou.
Pisquei com a súbita mudança de assunto.
― Sim, ele vem me visitar, de vez em quando ― confessei. Após,
soltei a notícia: ― Na verdade, eu gosto dele.
― O que está acontecendo entre vocês? ― Estreitou os olhos.
― Miguel me respeita. ― Não era mentira; transarmos antes do
casamento não mudava este fato.
― Tudo bem. Conversarei com ele, assim que chegar.
Suspirei. Miguel estava no México. Aparecia duas vezes por
semana. Sabia que era cansativo, falamos sobre isso, mas não se
queixou. “Você vale qualquer sacrifício”, insistiu.
Eu iria até ele, se pudesse, mas os meus irmãos não permitiriam,
nem o Miguel. Havia um inimigo seu que não deveria descobrir
nosso namoro.
Teria que ligar para ele e avisar o que ouviria do meu irmão.
― Não seja duro. ― Fui até Alessandro e o abracei.
― Miguel e eu somos família. ― Franziu a testa. ― Está certa
quanto a isso? Ele é mais velho que você.
― Não ligo, eu o amo há muito tempo, e ele sente o mesmo.
Sorriu.
― Fico contente pelos dois. ― Tocou o meu coração.
― Eu amo você. ― Beijei o seu rosto. ― Preciso ir, tenho aula hoje.
Assim que saí, procurei Sage, que estava na varanda.
― O que foi aquilo?
Ele suspirou.
― Meu pai chegou à conclusão de que nosso “assunto” ―
gesticulou entre nós dois ― está demorando muito. ― Trincou os
dentes.
― Eu não posso mais guardar esse segredo, é grande demais,
Sage. Conte ao seu pai… ― Minha voz falhou.
― Se ele souber, eu estarei ferrado. Meu pai abomina isso… ―
Parecia distante e enraivecido.
― Não há nada de abominável em ser gay. Seu pai é um idiota. Se
ele fizer algo, conte ao meu irmão.
― Não posso revelar ao capo… ― Sage se interrompeu, olhando
para alguém atrás de mim.
― Do que vocês estão falando? ― Era Miguel. ― Que segredo
guardam de Alessandro? ― Continuamos em silêncio. ― Preciso
perguntar de novo?
Sage permanecia em transe.
― Miguel… ― tentei acalmá-lo, mas não sabia o que fazer ou dizer.
― Luna, eu quero a verdade. Se não me contarem, terei de levar
isso aos ouvidos de Alessandro. ― As palavras seguintes foram
dirigidas ao Sage: ― Ele é o seu capo, precisa obedecê-lo.
Mirei Sage, angustiada. Eu não diria uma vírgula sem a sua
autorização.
― Eu sou gay ― revelou. Não aparentava se envergonhar, e sim
temer a represália de seu pai.
A informação pegou Miguel de surpresa. Acho que esperava algo
horrendo e, na realidade, não era nada demais.
― Já vi você com mulheres ― duvidou.
― Eram prostitutas que eu paguei para fingir ― respondeu. ― Não
queria que ninguém soubesse, meu pai não aceitaria algo assim
vindo do único filho dele. Quer me usar para subir no seu posto
atual dentro dos Destruttores.
― Com todo esse preconceito, ele não subirá posto nenhum ―
argumentou Miguel. ― Não com Alessandro no poder.
Sage o encarou.
― Vai revelar ao meu pai?
― Esse segredo não é meu. Mas você devia contar ao seu chefe,
ou a coisa sairá do seu controle. Seu pai é servo dele. Imagine se
houver outras pessoas como você dentro da máfia, e seu pai
resolver castigá-las por esse motivo tão estúpido? Alessandro o
mataria, acredite.
Pela primeira vez na vida, notei os olhos de Sage se encherem de
lágrimas.
― Fez com um amigo meu, Bianco, um civil. Meu pai nos viu
conversando sobre o assunto, então mandou que o espancassem.
Bianco passou um tempo na UTI. ― Sage respirou fundo,
controlando sua raiva. ― Se não fosse traição, teria matado o velho.
― Meu Deus! ― O homem me enojava, e eu nem o conhecia.
― Alessandro deve saber o que um dos seus fez sem a sua ordem.
Lembre-se de onde reside sua lealdade, Sage. E não inclua a Luna
em suas mentiras. Alessandro me contou que pediu a mão dela em
namoro… Sei que o seu pai quer obrigá-lo a casar…
Sage o interrompeu:
― Era uma farsa. Só precisava que meu pai soubesse que tentei,
para ganhar um tempo. Mas Luna e você estão certos, eu não
posso mais esconder isso. Direi ao meu pai hoje à noite. Depois,
falarei com o chefe. Jurei lealdade ao capo e confio em sua
bondade.
― Alessandro nunca o castigaria por uma razão dessas… ―
garanti.
― Talvez não por isso, mas por não ter contado imediatamente o
que meu pai fez com Bianco. Só não falei porque minha mãe
sofreria ― explicou-se. Eu o abracei forte. ― Obrigado, Miguel e
Luna, resolverei isso. Lamento por ter ido ao seu irmão sem falar
com você antes.
Sage saiu, me deixando com o peito apertado.
― Ele está certo. Alessandro não suporta traidores e pessoas que
agem pelas suas costas ― disse Miguel.
― Espero que tudo se ajeite para ele. Como foi conosco. ― Virei-
me para Miguel, perdidamente apaixonada.
― Morri de saudade. Mas devo admitir, Luna, não esperava que
escondesse um segredo tão grande…
― Ele é…
― Sei o que o Sage é, mas isso não muda nada. ― Afastou-se. ―
Devia confiar em mim.
― Miguel… ― Peguei o seu braço, ao que se esquivou, magoado.
― O segredo pertence ao Sage. Você mesmo disse…
― Sim, mas você não confiou o suficiente no meu bom-senso. Acha
que diria algo assim para Alessandro? Ele é meu melhor amigo,
porém, nunca colocaria a vida de um homem leal em risco, seja a de
Sage ou de qualquer outro.
― Eu não tinha como adivinhar! Alessandro é praticamente seu
irmão.
― Luna…
― O que está acontecendo? ― Rafaelle apareceu na varanda.
― Nada, preciso ir para a faculdade. ― Beijei o rosto dele e saí da
mansão, sem virar para trás.
Estava grilada por me acusar, quando, na verdade, Miguel
seguidamente escondia coisas de mim.
Sage me levou ao campus.
― Eu trouxe problemas para você, não é? ― Seu tom era triste. ―
Sinto muito.
Não queria preocupá-lo ainda mais com o que teria de lidar.
― Fique tranquilo. ― Miguel eventualmente entenderia o meu lado.
Ele não caiu nessa, me conhecia e sabia que eu não estava bem,
mas me concentrei em ir à aula e esquecer meus problemas por
enquanto. Acabei não prestando atenção na matéria.
Entrei na lanchonete após o término da aula e avistei Madson, uma
garçonete que conheci há duas semanas mais ou menos. Ela era
uma loira linda de olhos azuis, mãe de uma menina de sete anos,
uma criança muito fofa.
― Oi, Luna, querida. O que foi? ― Ela veio até mim. ― Por que
está assim?
Sentei num lugar mais afastado de todos, embora tivesse pouco
movimento.
― Escondi algo do meu namorado. Agora, ele está magoado, mas
Miguel omite coisas de mim também ― sussurrei. ― Esse segredo
não é meu, por que ele não vê isso?
Ela olhou ao redor, checando se havia clientes chegando, depois
tirou o avental.
― Já deu a minha hora, então podemos falar. Se quiser se abrir, eu
estou aqui. ― Sentou-se à minha frente. ― É só desabafar.
― É complicado. Um amigo meu é gay ― falei baixo.
Franziu a testa.
― Seu namorado é preconceituoso?
― Não, não é isso. Sage, meu amigo, me pediu para fingir gostar
dele, assim o seu pai não o obrigaria a se casar com uma mulher
qualquer. E Miguel descobriu.
― Você é boa, Luna, nunca negaria ajuda a ninguém. Se esse cara
não admira sua personalidade, então não merece você ― disse com
convicção. ― Pode dormir na minha casa, se precisar de distração.
Dormira lá na noite anterior, pois odiava ficar sozinha. Claro que isso
me levou a ter de explicar à Madson o motivo para os seguranças.
Falei que os meus irmãos eram donos de muitas boates espalhadas
pelo mundo, portanto, eu precisava ser protegida.
― Obrigada por me ouvir. Eu não quero perdê-lo, e sim que veja
que está errado. ― Inspirei fundo. ― Se ele guardasse um segredo
assim, eu entenderia.
Levantou-se e me abraçou.
― Preciso ir pegar a Graziela. ― Suspirou. ― Eu realmente gostaria
de morar perto daqui.
Pisquei, tendo uma ideia.
― Você pode vir viver comigo, assim teríamos a companhia uma da
outra. ― Segurei a sua mão. ― Com a princesinha junto, óbvio.
Ela riu.
― Viu? Boa demais. Eu não posso aceitar.
― Por quê? ― falei, amuada.
― Pensarei no assunto, ok? ― prometeu, e eu sorri.
― Esperarei ansiosa pela resposta. ― Amaria ficar com alguém. A
parte mais difícil seria convencer meus irmãos.
Madson foi embora, e eu permaneci ali.
― Deseja algo? ― Outra garçonete inquiriu.
― Tem alguma bebida forte? ― Não costumava beber, aliás, provei
álcool poucas vezes.
― Bebida? Temos champanhe…
― Pode nos trazer um refrigerante. ― Ergui a cabeça e me deparei
com Miguel. ― Mais um sanduíche de peru para mim e, para a
minha namorada linda aqui, um de presunto e queijo. Obrigado.
― Sim, trarei. ― Ela saiu.
Estreitei os olhos.
― Sou maior de dezoito, já posso beber ― retruquei.
― Claro que pode, não me importo, só não vai encher a cara e
enfrentar uma ressaca daquelas apenas por estar com raiva de
mim. ― Entristecido, puxou uma cadeira para perto da minha. ―
Luna, sou um idiota por acusá-la. Ele é seu amigo. Se Sage lhe
pediu segredo, você jamais quebraria sua confiança, eu a conheço
bem. É uma das razões para eu amá-la tanto.
― Escondi porque não achei correto contar ― falei.
― Eu sei, perdoe a minha estupidez. ― Tocou meu rosto. ―
Lamento por tê-la feito chorar.
― Eu amo você. ― Pulei nos seus braços e o beijei.
Ele riu.
― Estava sentindo a sua falta, e em vez de aproveitar nosso tempo,
briguei por algo sem fundamento…
A menina trouxe a nossa comida.
― Eu também quase morri de saudade ― afirmei, enquanto ele
trilhava um caminho de beijos no meu ombro e pescoço; em
seguida, foi para os meus lábios.
― Poderia sair de cima da minha irmã? ― rosnou um Stefano
recém-chegado.
Afastei-me depressa e o encarei, irada.
― As suas interrupções estão passando dos limites. Você não tem
festas para ir? Ou mulheres com quem ficar?
Sorriu, nada abalado.
― E deixar que vocês se agarrem assim? Não mesmo! ― Fechou a
cara por um segundo, mas sorriu ao chamar a garçonete: ― Oi,
belíssima, um sanduíche de presunto e queijo, por favor.
A moça riu como se tivesse ganhado na loteria.
― Pegue leve, Stefano. Não vejo o Miguel há dias; semanas, para
ser exata. Quero ficar com ele e me divertir. ― Bebi meu
refrigerante. ― Por que não enche o saco da Jade também?
― Ela é casada ― frisou.
Arqueei as sobrancelhas.
― Então terei que me casar para que saia do meu pé? ― Coloquei
a mão no queixo, virando-me para Miguel. ― Está livre hoje? ―
brinquei.
Meu namorado riu. Falei sobre casamento para provocar o meu
irmão, porém, me deu muito no que pensar.
Stefano rosnou.
― Jurou que ia se formar antes ― acusou-me.
Fechei a cara.
― Você não está ajudando muito. ― Eu me aproximei dele. ―
Confie em mim. Quero viver um pouco. Faça o mesmo, encontrando
uma menina bacana.
Ficou em silêncio. Enfim, pondo-se de pé, beijou a minha testa.
― Tudo bem, eu pegarei leve. E para constar: tenho muitas
namoradas. Por que as trocaria por uma única mulher?
Bufei.
― Entenderá no dia em que achar a pessoa certa. Seu mundo
ganhará cor e brilho. Nada fará sentido sem ela ― disse Miguel.
Emocionei-me com suas palavras. Esse homem magnífico era a luz
da minha vida.
Capítulo 20

Miguel

Horas antes

Estava farto de tantos problemas: Death pairando sobre mim, e os


Rodins incomodando meus aliados e eu.
Quase um ano atrás, os Rodins e Death sumiram do nosso radar
devido ao FBI em seu encalço. Após ter sido preso no México para
ajudar o Axel, eu fiquei na mira do FBI também, e isto dificultou
algumas coisas. Não pude atacar o Death, só protegi melhor o meu
território; não deixaria mais ninguém se ferir.
Por sua vez, os Rodins deixaram a poeira baixar para, há alguns
dias, voltarem com força, atacando dois dos meus
estabelecimentos.
Precisava garantir a segurança das pessoas próximas a mim. Minha
irmã e Emma estavam seguras, com o auxílio do MC Fênix. E dei à
Maria e sua família uma viagem à minha ilha, a mesma para a qual
mandei Emília quando Death estava no meu pé. O menino de Maria
recebeu o nome do pai, Tadeu. Jurei ao meu amigo que protegeria a
sua família. Quanto à Luna, todos já sabiam o que significava para
mim, então reforçaria a sua retaguarda.
Estava com muita saudade dela. Ultimamente, mal tivemos um
momento a sós, afora os dois dias que eu passava em Milão. Queria
ficar mais, porém, com todos os ataques, eu não podia baixar a
guarda.
Voltei com a intenção de aproveitar uma semana inteira na sua
companhia, mas descobri o segredo de Sage e estraguei tudo. Na
hora, eu me senti traído, contudo, Luna jogou algumas verdades na
minha cara e foi para a faculdade, enquanto eu conversava com
Alessandro e Rafaelle, procurando uma solução para os ataques.
Queria ter ido atrás dela, mas precisava me reunir com seu irmão.
No entanto, Luna tinha razão, como sempre.
Sentei na cadeira em frente ao Alessandro e do lado de Rafaelle.
― Se não fosse perder muitos dos meus, eu teria entrado em seu
território há tempos. ― Peguei um copo, servi uísque e bebi.
― Tem certeza de que é o pessoal dos Rodins, e não do Death? ―
sondou Alessandro. Eu não respondi de imediato, estava distraído
devido à discussão com Luna. ― Miguel! ― Alessandro estreitou os
olhos. ― O que foi?
Não podia contar o segredo de Sage.
― Nada. Mas não devemos aceitar que os Rodins façam o que bem
entenderem, precisamos cortar o mal pela raiz. ― Assim que
acabasse a reunião, eu iria procurá-la. No momento, ela devia estar
na aula.
― Também acho. Da outra vez, só tivemos dor de cabeça ―
concordou Rafaelle. ― Se o Chavez não ligou para o nosso aviso, é
porque não fomos claros o suficiente.
― Eu me pergunto por que meu território não foi atacado. ―
Alessandro franziu a testa. ― Só o de Miguel, Nikolai e Matteo.
― Talvez desejem que tenhamos medo e evitemos auxiliar os
outros, para ninguém nos ajudar quando vierem com tudo. ―
Rafaelle era um mestre em orquestrar planos e emboscadas. Foi
assim ao derrotarem o pai deles, Marco.
― Verdade. Mas vocês não se deixarão intimidar, nem Nikolai,
Matteo e eu.
― Devíamos ter matado todos quando tivemos a chance. Se não
fosse o FBI… ― rosnou Rafaelle, sombrio. ― Embora não seja
tarde.
― Soube que o Chavez se aliou aos albaneses e… ― Alessandro
parou e olhou para mim ― a Death. Afora alguns peixes menores.
― Soube disso hoje cedo, fiquei puto. Mas o que é dele chegará em
breve. ― Eu eliminaria o verme.
Conversamos sobre negócios por mais meia hora e traçamos
estratégias para o caso de os Destruttores serem atacados.
― Agora preciso ir. ― Queria falar com a Luna, tinha certeza de que
ela estava triste.
― Antes, trataremos de mais um assunto… ― começou
Alessandro. ― Luna.
― O que tem ela? ― Rafaelle continuou.
Alessandro não tirou sua atenção de mim.
― Minha irmã acabou de declarar que o ama, Miguel. Desejo saber
o que sente por ela.
Então afirmou a ele que me amava? Passara da hora de eu revelar
que Luna era minha namorada.
― Luna é um anjo perfeito, a menina mais bela e doce que tive o
prazer de conhecer. Uma garota que é capaz de ajudar os amigos,
mesmo que perca muito no processo. Alguém como ela não deveria
pertencer ao nosso mundo.
― O que isso significa? Que não pode ficar com ela, por que deseja
que seja feliz com outro cara? ― indagou Rafaelle, me avaliando.
― Oh, não. Luna é alguém para proteger e adorar; farei as duas
coisas e mais ― prometi.
― Se partir o coração dela, eu arranco o seu ― ameaçou Rafaelle.
Sorri.
― Se eu fizer isso, você terá o meu apoio para arrancá-lo ― falei e
suspirei. ― Luna é como uma estrela: onde ela está, tudo se torna
brilhante. Tão sorridente e tímida…
― Você é meu irmão, Miguel. Confio em você. Mas não abuse. ―
Havia uma ameaça implícita ali. Eu não me ofendi. Intimidei
Daemon inúmeras vezes para impedi-lo de magoar Emília.
Após acertarmos tudo sobre a Luna e os nossos inimigos, fui atrás
da minha garota.
Encontrei-a na lanchonete em frente à sua faculdade, aonde ela ia
sempre, sendo amiga de uma das mulheres que trabalhava lá,
Madson.
Tivemos uma pequena indisposição com Stefano, mas nada sério.
Eu também havia cansado de seu ciúme.
― Não acredito que ele nos deixou sozinhos ― sussurrou Luna,
impressionada.
― Bom para nós. Mas acho que o fez para forçá-la a dizer que
íamos nos casar. ― Sacudi a cabeça. Saíramos do estabelecimento
e chegávamos à casa dela. ― Ele precisa aprender que você é
adulta, não necessita da proteção dele em relação a isso.
― Verdade. Agora vamos aproveitar nosso tempo sozinhos. ―
Fitou-me com certo desejo.
― Oh, Cachinhos, como senti falta desses olhos lindos, da sua boca
saborosa que me faz ter um monte de pensamentos…
Corou e sorriu, pulando em meus braços ao entrarmos. A
propriedade era pequena, com sala e cozinha divididas por um
balcão e dois quartos no andar de cima.
Peguei-a pela cintura e a levei para o segundo piso, colocando-a na
sua cama com delicadeza.
― Estava louca para voltar aos seus braços. ― Suspirou,
parecendo triste. O sentimento não combinava com a sua
declaração. ― É péssimo não ficar com você o tempo todo. Bem
que podíamos adiantar o casamento.
― Luna, você ainda é…
― …nova? Jade tem vinte anos, mas casou aos dezenove. Isso não
serve como desculpa ― apontou.
― Precisa terminar a faculdade… ― comecei, deixando-a com mais
raiva.
― Jade casou e ainda cursa Medicina ― contrapôs, pondo-se de
pé, sem desviar a atenção de mim. ― A não ser que não esteja
interessado…
Como ela podia dizer isso? Queria essa mulher mais do que já
desejei qualquer outra coisa. Era uma tortura viver longe dela.
― Luna, você é a pessoa mais linda e preciosa da minha vida, não
vejo a hora de nos casarmos. ― Toquei no seu rosto. ― Dormir ao
seu lado, sentir o seu cheiro todas as noites, ouvir a sua voz e beijá-
la a todo momento…
― Odeio a distância. E é cansativo para você viajar por quase
dezoito horas duas vezes por semana.
― Faço qualquer sacrifício por nosso relacionamento. ― Entendia a
sua vontade, pois eu sentia o mesmo havia eras.
― Eu sei, é disso que estou falando. Se ambos desejamos isso, por
que esperar? Ser sua por completo é o meu sonho.
― O meu também. ― Suspirei, resignado. ― Mas há alguns
problemas relacionados aos Rodins e ao Death… ― Não mentiria
para ela; precisava de Luna precavida.
― Rodins? Não foram eles que tentaram matar a minha irmã? Achei
que tivessem derrubado essa organização.
Quase ri; só a minha Luna diria “derrubar”, em vez de “matar”.
Sensível demais, uma característica que eu amava.
― Não por completo. Eles estavam na lista do FBI; para não termos
problemas, demos uma pausa. O chefe dos Rodins arrumou um
culpado e se livrou das acusações. Agora, ele retomou os ataques
com força total, aliando-se ao Death, meu principal inimigo. Preciso
derrotá-lo antes de nos casarmos. Não posso levá-la ao México com
o perigo à espreita. Por favor, me dê algum tempo. Logo
pertenceremos um ao outro.
Sorriu, reluzente.
― Sou sua há muitos anos, Miguel. ― Beijou-me, doce.
Essa mulher era a minha musa. Seu sorriso magnífico e o olhar
inocente me faziam cair de joelhos para adorá-la como a uma
deusa.
Tirei a sua camisa e o seu sutiã, admirando aquela obra de arte que
era toda minha. Depositei-a sobre a cama e tracei sua pele com os
meus dedos.
― Miguel, eu estou muito…
Arqueei as sobrancelhas.
― O quê? Me diga, posso ajudar. ― Nossa vida sexual andava às
mil maravilhas, mas Luna ainda era muito tímida no quarto. Adoraria
vê-la se soltar mais comigo.
― Você sabe o que eu quero… ― Corou.
Sacudi a cabeça, levando as mãos à sua saia para tirá-la. Pondo os
dedos em sua calcinha, fiz com que abrisse as pernas e fechasse os
olhos.
― Nunca vi nada mais perfeito. Seus gemidos são como música
para os meus ouvidos. ― Esfreguei a sua boceta.
― Miguel…
― Responda, Cachinhos, o que deseja que eu faça?
Meu coração estava tomado de paixão, mas não era a minha vez.
Queria que se abrisse mais e confiasse em mim.
Ela me encarou com o rosto belo em brasa. Apertei mais e a vi
engolir em seco.
― Se não disser, eu não farei nada ― ditei. Claro que estava
mentindo, mas ela não precisava saber. Mirou-me por um segundo,
então puxei a calcinha, rasgando o tecido. Ofegou, necessitada. ―
Você deseja os meus dedos em sua boceta linda e saborosa? Ou
quer o meu pau? Ou então a minha boca, lambendo e chupando
onde está pulsando agora?
A fome que vi em seus olhos quase me fez gozar nas calças.
― Sua boca ― respondeu por fim.
Sorri de modo faminto.
― Onde você quer a minha boca? ― insisti.
Ela piscou e respirou irregular com cada movimento, não o bastante
para gozar, só para sentir mais prazer.
― Miguel…
― Minha Luna está com tanto tesão que se sente frustrada? ―
Levei o meu rosto próximo à sua linda boceta.
― Estou, faz muitos dias desde a última vez que você me tocou…
― Sua voz falhou quando a devorei. Ela gritou e cobriu a sua boca.
Eu não gostava de não a ouvir, mas os guardas estavam lá
embaixo.
Abri mais as suas pernas, deixando-a bem exposta, e me afastei um
pouco. Luna protestou.
― Não sabe o quanto adoro essa perfeição, os lábios vermelhos, o
nervo rosado. Posso vê-la escorrendo…
― Miguel… ― balbuciou, rouca.
― Oh, pequena, eu vou desfrutar desta maravilha. ― Virei-a, dando
um tapinha em sua bunda. ― Gosta disso? ― Apenas assentiu, e
lhe dei mais um. ― Responda.
― Sim, sinto lá embaixo ― disse, me fazendo rir.
― Segure-se na cabeceira da cama e não solte.
Obedeceu. Puxei a sua bunda para cima e abri ainda mais as suas
pernas, inalando a sua essência. Meus dedos seguiram a sua
espinha, depois as nádegas perfeitas; por fim, fui ao monte molhado
para mim. Passei a língua ali, dando um puxão leve. Ela gritou.
― Isso, linda. Sente a minha boca comendo seu clitóris? Este gosto
é a porra do Céu. ― Enfiei um dedo e acelerei os movimentos,
fazendo-a balançar na cama, mas segurei o seu quadril com
firmeza.
― Eu preciso de você…
― Você quer o meu pau comendo a sua boceta? ― Sorri e a vi
assentir, então dei mais um tapa. ― Responda.
― Sim…
― Seu desejo é uma ordem. ― Tirei as minhas roupas, peguei o
meu pau duro e entrei nela, fechando os olhos.
O calor que eu sentia quando suas paredes me espremiam…
― Tão apertada, porra! Não sei quanto tempo conseguirei ficar
longe. ― Empurrei fundo. Novamente, abafou um grito com seu
travesseiro. ― Chame o meu nome.
Ela o fez, soltando-se um pouco e empinando a bunda em minha
direção. Estoquei com força e paixão.
― Estou perto, querida. ― Enfiei a minha mão direita entre as suas
pernas e toquei o seu nervo pulsante. ― Goze no meu pau, quero
senti-lo todo molhado.
Eu a acompanhei. Nada me fazia mais feliz do que aquele
momento, tê-la e vê-la se desmanchando abaixo de mim.
Sentia-me arrebatado. Antigamente, o sexo servia para eu
descarregar energias, mas com a Luna era surreal.
Ela caiu mole na cama, comigo em cima, tomando o cuidado para
não sufocá-la com o meu peso. Abriu os olhos e sorriu.
― Você é bom ― sussurrou.
Saí dela, mas a encaixei entre os meus braços.
― Digo o mesmo. ― Beijei a sua testa.
Aconchegou-se em mim, parecendo um gatinho.
― Eu quero passar todos os dias com você. ― Elevou o olhar,
encontrando o meu. ― Vou amar dormir e acordar em seus braços.
― Eu também. ― Não via a hora de derrotar os Rodins e Death.
Um latido veio da cozinha, seguido de um miado.
― Burnt e Furry estão com fome ― disse, bocejando.
Beijei o seu rosto.
― Durma um pouco, parece cansada. Darei comida a eles ― falei,
pegando a minha calça e a vestindo.
― Não durmo bem quando estou longe de você ― sussurrou,
fechando os olhos. ― Eu o amo, Miguel.
Toquei a sua cabeça e prometi que resolveria tudo o mais rápido
possível, assim não continuaríamos em países distintos.

― Eu a amo mais, minha princesa linda. ― Alisei o seu rosto sereno


Capítulo 21

Luna

― Você devia parar de dar em cima da Madson ― falei ao meu


irmão.
― Por quê? ― retrucou, com uma nuance que não entendi. ― Ela é
linda.
― Sim, mas você não se prende a ninguém. Se ficar com ela, terá
que mudar esse jeito. ― Sorri.
Madson fora morar comigo havia algumas semanas; quase um mês,
na verdade. Lutei para convencer os meus irmãos. Conforme
conheceram a Madson e a Graziela, se encantaram. Quem não se
apaixonaria por aquela garotinha?
― Relaxe! Tudo isso faz parte de um plano ― disse e virou a sua
cabeça em direção à janela. Lá fora, vi um carro preto que conhecia
muito bem.
― Alessandro? ― Fui mais perto para espiar, mas o veículo partiu.
― Não entendo.
Durante essas semanas morando com Madson e sua filha, notei a
presença frequente de Alessandro. Também percebi a química entre
a minha amiga e ele.
― Está a fim dela, mas acha que não é bom o suficiente ― Stefano
sussurrou.
― É loucura. Alessandro é ótimo e protege quem ama ― falei.
Madson se encontrava no andar de cima; sua janela tinha vista para
a rua.
― Nesta nossa vida, ninguém é bom. Mas está certa, protegemos
quem amamos. Por isso quero incomodá-lo cantando sua amiga,
para que ele veja a razão.
Sorri.
― Empenha-se tanto para unir o Alessandro e a Madson, seria bom
se fizesse o mesmo por você ― provoquei, colocando a mão em
seu peito. ― Para encontrar aquela que chegará aqui dentro.
― Só há três mulheres em meu coração. ― Virou a sua cabeça
para a cozinha, onde Graziela, sentada à mesa, comia um macarrão
que ele fez. ― Acho que quatro, com a princesinha.
Referia-se à Jade, a mim e à nossa mãe; ele não falava muito dela,
decerto por doer demais.
― Você precisa de uma namorada divina! ― Eu desejava o
impossível.
― Esqueça este assunto, não chegaremos a lugar nenhum. ―
Meneou a cabeça. ― Como está se sentindo?
O aniversário da morte de nossa mãe se aproximava. Nos anos
anteriores, foi difícil de lidar, mas, com o Miguel, o sofrimento se
amenizava. Ele me dava forças para seguir adiante.
― Vou ficar bem. Miguel estará comigo. ― Sentei no sofá. ― Ele é
a minha rocha, inabalável.
― Fico contente que o tenha. ― Fez uma careta. ― Só não gosto
de imaginar sua intimidade.
Bufei.
― Também não quero visualizar você com as suas inúmeras fãs. ―
Sacudi a cabeça.
― Não tenho fãs. Só…
― Cuidado, há crianças no recinto. ― Indiquei a Graziela e mudei
de assunto: ― Vai ao cemitério?
Desde que a mamãe morreu, Stefano não ia lá. Meu irmão não
acreditava que mortos podiam nos ouvir; já eu sentia que nossa
mãe olhava por nós.
Ficou tenso com a pergunta. Antes que pudesse responder, Madson
desceu a escada com o seu sorriso doce.
― Olá, crianças ― nos saudou.
Eu torcia para que, um dia, Stefano conseguisse lidar com a perda.
Cada pessoa vive o luto de um modo diferente. Alguns se fecham,
outros se afogam em vícios. Stefano optou pelo segundo caminho,
entregando-se a mulheres aleatórias.
― Garota, eu sou adulto. ― Revirou os olhos.
Ri do ego ferido de meu irmão.
― Para mim, você é um menino. ― Sorriu, rumando à cozinha e
beijando a cabeça da sua filha.
Stefano fechou a cara.
― Ela me trata como se fosse o seu filho birrento.
― Está parecendo, viu? ― Gargalhei, pondo-me em pé. ― Perdeu
essa, meu irmão. Agora preciso ir até a mansão, tenho que pegar
algo lá.
― O quê? Posso acompanhá-la.
Sorri.
― Não se incomode, tenho um monte de seguranças comigo. ―
Pretendia buscar a carta de mamãe e não queria que ele visse a
forma como eu ficava ao tocá-la. Deixara o envelope na mansão
para não correr o risco de abri-lo. Mas, com a carta perto, seria uma
maneira de ter a mamãe do meu lado.
Stefano planejava me seguir mesmo assim, mas recebeu uma
ligação do Alessandro e foi ao seu encontro.
Cheguei à mansão deserta. Eram quase nove da noite, estava tudo
escuro. Acendi as luzes e fui ao meu antigo quarto, pegando a carta
na gaveta do meio da cômoda.
Sentei na cama e, por um tempo, apenas encarei aquele pedaço de
papel. Queria tanto conferir o conteúdo, mas também almejava
cumprir a vontade da mamãe.
Ouvi um ruído e saí do quarto. Infelizmente, reconhecia muito bem
esse som de dor e medo. Corri para o quarto dele, pois já tinha
presenciado tal cena muitas vezes; até tentei ajudá-lo, mas nunca
me deixava entrar.
Vi Rafaelle encolhido na sua cama, apertando uma faca com tanta
força que o sangue escorria. Isso cortou o meu coração. Quis que
meu pai estivesse vivo para xingá-lo. Por culpa dele, o meu irmão
agia assim…
Corri até ele e encostei no seu braço, o que foi um erro ― sempre
avisou que, se eu o visse desta forma, não deveria tocá-lo. Porém, a
sua dor me comoveu tanto que não liguei para o alerta.
― Rafaelle, acorde, é só um pesadelo… ― Fui rodopiada e presa
na cama, com ele em cima de mim e a faca em minha garganta.
De olhos arregalados, não me mexi. O medo me apossou, mas
forcei os meus músculos a se destravarem. Seus olhos, tão
parecidos com os meus, assemelhavam-se a um abismo sem fim,
mortos.
Ele não dormia muito bem, por isso caiu no sono tão cedo.
― Sou eu. ― Consegui encontrar a minha voz falha e ofegante. ―
Amo você, por favor, volte.
A lâmina não se moveu. E, mesmo em meio à escuridão, Rafaelle
me reconheceu, piscando. O vazio deu espaço ao pavor por quase
ter me matado. Pulou para fora da cama tão rápido que bateu no
espelho, fazendo-o rachar; os cacos caíram no chão.
Obriguei o meu corpo petrificado a se mover para checá-lo.
― Luna… ― Deus, a angústia em sua voz…
― Estou bem, não deveria tocá-lo. ― Fui em sua direção, mas se
afastou, como se temesse me machucar de novo. ― Acalme-se, sei
que nunca iria me ferir.
― Preferiria mil vezes ser torturado. ― Analisou o meu pescoço,
nervoso.
Eu o abracei forte para findar a sua dor.
― Deixe-me entrar, me conte o que tanto o atormenta ― pedi ―,
compartilhe esse fardo comigo.
Rafaelle expirou e passou os braços à minha volta.
― Este problema é só meu, pequena. Não mancharia a sua alma
linda e pura com os meus demônios. Lamento… ― Levantou a mão
para alisar o meu rosto, mas ela estava cheia de sangue.
Lembrei-me da faca.
― Você se cortou. ― Peguei a sua mão ensanguentada e o levei ao
banheiro.
― Estou bem… ― iniciou, mas eu o interrompi:
― Não está. Vou cuidar de você ― falei, decidida, colocando a sua
mão debaixo da água. ― Jamais durma com uma faca na cama!
Separei o necessário para fazer um curativo; não haveria
necessidade de pontos, ainda bem.
― Ok. Não quero que o que aconteceu hoje se repita. ― Tocou o
meu cabelo. ― Você é um anjo.
A dor por falhar em ajudá-lo me assolava. Para alegrá-lo um pouco,
eu lhe entreguei a carta da nossa mãe.
Franziu a testa.
― Por que está me dando isso? Não posso abri-la… ― Checou o
nome do destinatário. ― É a sua?
― Sim. Está escrito que eu devo abrir só quando me casar, mas aí
não fala que outra pessoa não possa ler. ― Esperava que as
palavras alegrassem a sua alma atormentada. ― Leia e volte a
fechá-la, mas não me conte o conteúdo. Descobrirei no dia do meu
casamento com o Miguel.
Avaliou-me por um segundo e sorriu. Senti que esse gesto o
tranquilizou.
― Certo.
― Enquanto você lê, eu vou ao meu quarto pegar umas coisas. ―
Toquei o seu peito nu; assim como o Miguel, ele também era
coberto de tatuagens. ― Ouvi-la de novo aliviará o peso aqui dentro.
No quarto, peguei alguns itens de que precisava e fui para a sala.
Neste momento, Miguel entrou. Ele tinha as chaves de todos os
imóveis dos meus irmãos.
― Miguel! ― Corri para os seus braços. Ele não mencionara que
estava para chegar.
― Oi, princesa. ― Beijou-me.
De repente, fomos interrompidos pelo alarme da casa e o som de
tiros. Homens gritaram lá fora, e Rafaelle se aproximou depressa
com uma arma na mão. Miguel me empurrou para perto de Sage,
que empunhava um revólver.
― Um ataque dos Rodins, eu suponho ― disse Rafaelle, mortal. Em
seguida, foi até uma porta, atrás da qual escondiam muitas armas.
― Vamos checar ― falou Miguel.
Eu estava em choque.
― O que faremos? ― consegui perguntar.
― Você, nada ― respondeu Miguel. ― Sage? Leve-a ao porão.
― Isso é perigoso… ― sussurrei, preocupada.
Tocou a minha cabeça e deu um beijo de leve em meus lábios.
― Ficaremos bem ― assegurou.
― Estou precisando de uma ação para liberar a minha fúria. ― O
aço era evidente na voz do meu irmão.
Eu temia perder os dois. Não lidava nada bem com mortes. Só de
pensar nisso, o meu coração se apertava.
― Rafaelle, me dê cobertura. ― Depois, pediu para mim: ― Ligue
para o Alessandro.
Eles saíram, e eu fui para o corredor, longe da vista dos inimigos.
Digitei o número de Alessandro.
― Luna? ― Sua voz se elevou.
― Estão atacando a mansão. Rafaelle e Miguel foram lá fora.
Uma janela explodiu, e eu gritei. Sage correu até mim.
― Vamos para o porão. Aqui não é seguro. ― Avaliou o vidro
quebrado.
― Luna, não tenha medo. Estou a caminho. Passe para o Sage.
Meu amigo conversava com o meu irmão, e eu fui para o corredor
do lado direito, que dava no porão. Para ir com os outros
seguranças, eu teria de passar pela sala.
Outra explosão.
― Rápido! ― exclamou Viper, um dos homens do meu irmão.
Seguimos como sugeriu, mas fomos interrompidos por tiros. Senti o
meu braço sendo puxado; com medo demais para reagir, só gritei.
― Ei, sou eu ― Miguel me reconfortou.
― Oh, meu Deus! Você está bem? ― Eu o chequei dos pés à
cabeça.
― Miguel! ― ouvi Rafaelle berrar de algum lugar.
Virando-nos, vimos dois caras com suas armas apontadas para nós.
Rafaelle atirou em um, mas não antes do outro mirar em mim, tão
ligeiro que mal reagi. Fui empurrada para o chão, com o corpo de
Miguel me cobrindo. Dois tiros soaram, fazendo com que eu
chorasse de medo.
― Limpo ― alguém gritou lá fora.
Suspirei, aliviada, e chequei a bagunça ao redor. Rafaelle
caminhava em nossa direção, então senti Miguel ofegar e desabar
sobre mim.
― Oh, meu Deus!
― Estou bem, foi só de raspão ― disse, sorrindo para me
tranquilizar, mas logo em seguida desmaiou.
Histérica ante tanto sangue, o meu coração doía e batia de forma
descompassada.
― Por favor, acorde ― pedi, chorando.
― Deixe-me levá-lo a um quarto ― Rafaelle pediu. ― O médico
está vindo.
Assenti. Faria de tudo para que ele se curasse. Fiquei do seu lado o
tempo todo.
O doutor finalmente chegou e o suturou. Mesmo assim, lá no fundo,
o medo me consumia.
― Ei, pequena? Vá trocar essa roupa. ― Rafaelle apontou para
onde havia sangue do Miguel.
― Não quero deixá-lo ― sussurrei, segurando a mão de meu
namorado.
― Não vai. Miguel é forte, passou por muita coisa e ainda está aqui.
― Acariciou os meus cabelos.
― Ele entrou na minha frente para eu não ser atingida… ― Virei-me
para o meu irmão, chorando. ― Por que fez isso?
― Porque ele ama você. Eu, Alessandro e Stefano faríamos o
mesmo.
Sacudi a cabeça e me afastei.
― Odeio que se sacrifiquem por mim. Se eu perdesse qualquer um
de vocês, a vida não valeria a pena. ― Limpei as lágrimas. ― Não
posso existir sem ele, Rafa.
― Não será necessário ― jurou.
Queria acreditar nisso, no entanto, meu coração ardia. Mesmo que
Miguel ficasse bem, no fundo, ele sempre correria perigo, o seu
cargo exigia. Não tinha como ser diferente. E, no final, ele partiria,
tal qual mamãe.
Capítulo 22

Luna

Um mês depois

A recuperação do Miguel foi boa. Não deixei que viajasse até que
estivesse curado ― ou ao menos tentei. Havia uma semana,
retornara a Dallas. Desde então, eu o enlouquecia ligando
diariamente.
― Luna, deixe de ser nervosa. O Miguel ficará bem ― disse Jade.
Estávamos nos falando pelo telefone fazia alguns minutos.
― Eu sei, é que essa sensação de perda mexe comigo. Eu não
sobreviveria a outra ― sussurrei.
― Chega de falar disso. Eu tenho uma notícia maravilhosa. ―
Parecia ansiosa.
― Tia, eu acabei ― ouvi Graziela me dizer.
Virei-me. Sua mãe a deixara comigo, pois foi trabalhar na boate do
meu irmão. Eu esperava que ela e Alessandro se entendessem.
― Só um segundo, Jade. ― Sugeri à Graziela: ― Por que não
escova os dentes para ir dormir?
Ela sorriu
― Sim, tia. ― Subiu as escadas.
― É a filha da garota que mora com você? ― perguntou Jade.
― Sim, ela é uma graça. Assim que chegar de Chicago, nós
podemos sair e ter uma noite de meninas. ― Sorri.
― Gosto da ideia, mas sem bebidas…
― Ué, você adora beb… ― Arregalei os olhos. ― Está grávida?
― Sim! ― Emocionou-se, e eu também. ― Sinto que o meu
coração vai explodir. Não foi planejado, mas é uma sensação
maravilhosa!
― Nossa, Jade! Eu estou tão contente! Não vejo a hora de você
voltar.
Conversamos por mais uma hora, combinando de comprar
roupinhas de bebê juntas. Eu seria titia! Já me sentia deste modo
em relação à Graziela, então obviamente amaria um filho da Jade.
Após encerrar a ligação, fui para a cama. Tentei falar com o Miguel,
mas o seu telefone estava fora de área. “Amo você, saudades de
montão”, escrevi e enviei.
Telefonei para o Sage. Ele fora afastado do cargo temporariamente
por ter se ferido em um trabalho feito para o meu irmão.
― Não consegue dormir? ― sondou. ― Já é tarde.
― Nada de sono. Queria saber se você está bem. ― Durante a
última semana, eu igualmente não o deixara em paz, temendo
perdê-lo.
― Estou, sim ― jurou, mudando de assunto: ― Amanhã vou revelar
ao capo tudo sobre o meu pai e suas atitudes.
― Meu irmão entenderá o porquê de você não dizer nada antes. E
sua mãe sabe que fará isso?
Sage já tinha contado ao pai dele seu segredo. O maldito parou de
falar com meu amigo. A despeito de tal situação, Sage ainda não
encontrara coragem para dizer ao meu irmão acerca das regras que
seu pai quebrou, batendo em um garoto somente pelo fato de ser
gay.
― Ela chorou e me pediu para não contar ― murmurou.
― Quer que eu vá com você?
― Luna, é um problema meu, não vou envolvê-la. Preciso
confessar. Eu me acovardei esse tempo todo pensando na minha
mãe, mas não posso mais adiar.
Mesmo assim, eu estaria com ele no dia seguinte; se precisasse
implorar, eu o faria. Não deixaria Alessandro o ferir por conta disso.
― Tudo ficará bem. Descanse para se curar logo. ― Desliguei eu fui
deitar; passava de uma da manhã.
A ansiedade me tirava o sono. Dentro de poucas horas, teria de
acordar para ir à aula.
Eventualmente cochilei, despertando com o meu telefone tocando
sem parar. Era o Miguel. O medo me apossou; se estava ligando tão
cedo, não devia ser uma notícia boa.
Tremi, atendendo. Bem na hora, eu vi um clarão do lado de fora da
porta ― estava entreaberta, pois eu queria saber quando Madson
chegasse.
― Alô? ― sussurrei com a voz falhando.
Saí do quarto e ofeguei ao ver fogo vindo da sala.
― Luna? Pegue a criança e fuja. Vocês serão atacadas ― Miguel
falou, exasperado.
Senti braços puxando os meus, gritei e derrubei o telefone. Ao virar,
dei de cara com um bandido. Tentei me afastar, mas ele sorria como
um demônio vindo direto Inferno.
― Então é por você que o Miguel tem passado tanto tempo em
Milão? ― Tinha uma cruz tatuada na bochecha.
Temia por mim, sim, mas muito mais pela Graziela, que ainda
dormia. Naquele momento, o perigo era duplo: o fogo e o homem
com um sorriso cruel. Seria um inimigo dos meus irmãos ou do
Miguel?
Obriguei-me a sair do transe e corri na direção do quarto da Grazi.
Porém, o cara me agarrou e me jogou no chão, provocando arrepios
na minha espinha ao se colocar sobre mim.
― Me solte!
Ele riu.
― Oh, vamos ver se é mesmo tão doce. Só assim para ele cruzar o
Atlântico atrás de você.
Consumido pelo terror, meu corpo inteiro doía. Devia implorar, mas
não conseguia reagir.
Sua boca se aproximou da minha. Quando virei o rosto, chorando,
as mãos grosseiras foram parar entre as minhas pernas. Sabia o
que ia fazer, e isto me destruiria.
Onde estavam todos? Os seguranças, meus irmãos, Miguel?
Naquele instante, entendi o que Jade sentiu ao ser tocada por Gael.
Eu precisava ao menos lutar. Preparava-me para isto no momento
em que o sujeito foi arrancado de cima de mim.
― Luna? Vá pegar a Graziela. O incêndio está se alastrando. ―
Miguel soava letal. Prendeu o monstro no chão, com os joelhos em
sua garganta.
Grazi! Recobrei os sentidos e suspirei aliviada por Miguel ter
aparecido. Se esse homem me assassinasse, o que seria da
garotinha? Não queria nem pensar nisso.
― Não pode me matar, sou irmão do Death. Acredite, ele retaliará
atacando quem você ama.
Miguel apertou sua garganta.
― Veremos. ― Voltou-se a mim. ― Luna, rápido!
Corri até o quarto da Graziela, não ligando para o que o Miguel faria
com o cara.
― Anjinho? ― Sacudi a menina para acordá-la.
A pequena piscou.
― Tia? A mamãe chegou?
Por sorte, Madson não tinha retornado.
― Não, mas nós precisamos ir. A casa está pegando fogo ― falei
com a voz estranha, então pigarreei.
Saímos pelo corredor, e eu cobri os olhos da criança para que não
visse nada.
Miguel veio em minha direção. Mal notei o sangue em suas roupas,
pois ele usava preto. O cadáver do meu pretenso abusador estava
no chão, desmembrado, com a calça abaixada… Lembrei-me de um
dos membros do MC Fênix comentando que meus irmãos obrigaram
Gael a comer as próprias bolas.
Havia mais dois homens com meu namorado, Alfred e outro
ligeiramente familiar, vestido como um cowboy.
― Depressa, Miguel ― disse o segundo.
― Tia, já posso abrir os olhos? ― sondou Graziela. ― Parece
quente aqui.
Desviei da cena horrenda.
― Não. Fique assim só mais um pouco ― pedi.
Miguel pegou Graziela no colo.
― Desculpe acordar você, pequena, mas precisamos ir ― falou,
calmo, embora eu sentisse a raiva fervilhando por trás.
Recorremos à escada de incêndio; a sala estava em chamas.
Começamos a tossir com a fumaça que subia para o andar de cima.
― Leve as duas, Miguel. Eu lido com tudo ― falou o cowboy.
Rumamos a um beco nos fundos da faculdade. Miguel parecia
aliviado, mas enraivecido. Não falou nada, só nos conduziu a um
carro. Seguimos para a casa dos meus irmãos.
Graziela, quieta, olhava para fora. Perguntara algumas vezes sobre
a sua mãe, mas eu garanti que Madson estava bem.
― Miguel? ― Cheguei mais perto dele, querendo o seu cheiro para
escapar do odor daquele monstro, que parecia impregnado em
minha pele.
― Sim, Cachinhos? ― Tentou me tocar, mas eu me encolhi
― Desculpe, foi um reflexo. ― Coloquei a cabeça em seu ombro. ―
Sei que nunca me machucaria, Miguel, você me protege sempre.
Por favor, só não conte aos meus irmãos o que quase aconteceu.
Ele me avaliou. Compreensivo, assentiu.
― Tudo bem, se prefere. ― Passou o braço à minha volta. ―
Lamento tanto, querida.
― Você me salvou, meu amor, agradecerei pelo resto da minha
vida. ― Eu o encarei. ― E quanto a você, está bem?
Riu, amargo.
― Acabou de ser atacada e quase… ― Sacudiu a cabeça para
afugentar os pensamentos ruins. ― Mas pergunta se eu estou bem?
― Suspirou. ― Na verdade, eu estou furioso.
― Eu me refiro à sua ferida. ― Toquei o seu peito.
― Já me curei, dói apenas um pouco, porque a bala atravessou o
osso ― respondeu.
Chegamos à casa. Rafaelle e Stefano vieram correndo me abraçar,
pedindo desculpas por não estarem por perto para me proteger.
Rafa parecia especialmente pesaroso. Não tínhamos conversado
depois do incidente em seu quarto. Dado tudo o que aconteceu com
o Miguel, eu acabei esquecendo. Esperava que, um dia, ele se
curasse do que o atormentava. Assim como eu, depois do susto de
hoje. Mesmo com a violação não tendo se concretizado, eu sentia
como se algo houvesse sido roubado de mim.
Capítulo 23

Miguel

Estava puto; a fúria me consumia tanto que eu via tudo em


vermelho. Soube tarde demais que o irmão do Death tinha sido
enviado para atacar a Luna; quando cheguei, o lugar já estava em
chamas, e, meus homens, mortos, assim como os de Alessandro.
Knife, que a protegia, se encontrava entre a vida e a morte.
Fomos encurralados pelos Rodins e por Death. Eu estava farto
dessa merda. Se chegasse um pouco depois, aquele maldito teria
tocado em Luna. Agora, andava retraída após quase ter sido
violentada, e não era para menos, qualquer pessoa reagiria assim.
Eu me arrependi de não ter torturado o verme o suficiente; na hora,
tinha problemas mais urgentes para lidar, como cuidar da minha
garota, que sofria. Luna sempre foi protegida, apesar de o próprio
pai ter ameaçado entregá-la aos Rodins.
Fiquei do seu lado o tempo todo, não queria arredar o pé. Mas
vários dos meus estabelecimentos estavam sendo atacados e,
meus funcionários e clientes, morrendo.
Sua organização era grande, e a minha também. Só existia uma
diferença entre nós: Death não se importava que os seus homens
padecessem no processo. Por isso, evitei uma guerra, porém, o
ataque à Luna foi a gota d’água.
Fui a Dallas para resolver a situação. Planejei vários atentados a
alguns territórios do Death, inclusive lhe enviei o corpo do seu irmão
como prova de que eu não brincaria em serviço, caso se
aproximasse de novo.
Após o recado dado, eu regressei para Milão; não queria Luna
sozinha. Notei que tinha algo em sua voz sempre que nos
falávamos por telefone, só não sabia o quê. Ela voltara a morar com
os irmãos, de onde nunca deveria ter saído.
Antes de entrar, Stefano me puxou para um canto do jardim.
― Vai me dizer o que está acontecendo? Luna parece… ―
balançou a cabeça ― distante. Não está dormindo. Sei que ela
passou por muita coisa, mas sinto que há algo mais. Agora me diga,
porque você sabe; não massacraria os homens do Death, pondo os
seus em risco, a troco de nada. Inclusive desmembrou o irmão dele
e enviou os pedacinhos como carne moída.
― Queria que fizesse diferente? ― retruquei.
― Não é isso, o maldito merecia coisa pior. Mas tinha muita fúria ali,
e não sei, ela está vazia… ― Olhou através da vidraça que dava
para a sala, observando a irmã.
Suspirei. Luna pediu segredo, mas eu sentia que devia contar ao
Stefano, assim me ajudaria com o que precisava fazer. Se ele não
me auxiliasse, eu não teria como esconder dos outros quando a
levasse comigo.
― Sim, aconteceu algo, ou quase. ― Meu peito se apertou.
― O desgraçado a tocou?
― Tentou, mas não chegou a fazer nada, graças à porra do Céu.
Viver aquilo a quebrou. ― Respirei fundo. ― Ela pediu segredo,
então o que eu falar morre aqui. Abri o jogo porque preciso levá-la
comigo, tirá-la deste lugar para distraí-la.
Stefano assentiu.
― Vou ajudá-lo ― falou por fim, escondendo a sua fúria pelo
ocorrido. ― Maldição! Não acredito que isso aconteceu de novo.
― Não é sua culpa, Stefano, eu deveria estar casado com ela há
muito tempo, e não em outro país. Pensei que a protegeria,
mantendo distância.
― Nós também deveríamos ter forçado a Luna a não sair de casa.
Se fôssemos mais firmes… ― Cerrou os dentes.
― Acho que Luna só precisa de uns dias para se acalmar. Ela ficará
segura comigo, ninguém entra naquele lugar. ― Minha casa era
fortemente protegida para situações do gênero.
― Certo. Vou ter que ir para Veneza, então digo aos meus irmãos
que vou levá-la e você vai junto, assim poderá mantê-la onde quiser.
Depois nos encontramos e voltamos os três. ― Ele estava tão
furioso que mal ligou para o fato de que eu ficaria sozinho com a
sua irmã; claro que sexo seria a última coisa em que eu pensaria,
porque o meu objetivo era resgatar a minha linda namorada de seu
sofrimento.
― Fechado. ― Assenti e liguei para o Alfred; pedi para que
preparasse tudo.
Entrei na sala e a encontrei sentada no sofá com a Graziela, que
girava em torno dela. A menina era uma ótima bailarina.
Antes de ir a Dallas, nós tivemos que contar à Madson que eu era
do cartel e que poderia protegê-la, pois ela odiava a máfia. A mulher
foi criada pelos albaneses, seres da pior espécie. Então para o
Alessandro poder mantê-la segura, nós tivemos de revelar isso,
embora eu não visse diferença entre a máfia e o cartel. Havia uma
ligeira distinção, apenas: a máfia obtém sua receita por meio de
atividades ilícitas, tal como o contrabando e a coerção de
comerciantes, recebendo por oferecer “proteção” a estes; já os
cartéis se concentram no tráfico de drogas.
Graziela me viu e correu para mim. Ela era uma menina muito
meiga.
― Tio Miguel! Estava mostrando à tia Luna o que eu podia fazer ―
disse animada.
― Me mostre ― pedi, indo sentar ao lado da Luna, que me olhava
de olhos arregalados. Eu não tinha dito que iria lá, pois queria
surpreendê-la.
Seus olhos estavam fundos pelas noites maldormidas.
Graziela dançou para nós. Em seguida, foi abraçar Stefano, que
entrou na sala.
― Não sabia que viria ― disse baixo.
Forcei um sorriso.
― Arrume uma mala. Vamos ficar uns dias fora.
Piscou e olhou para o Stefano, como se ele fosse impedir.
― Ajeitei tudo com o Miguel. ― Beijou a Graziela na bochecha e
veio até a Luna. ― Você precisa de uns dias para lidar com tudo.
― Stefano… ― Abraçou-o forte. ― Eu amo você.
― Também a amo, princesa. ― Fechou os olhos um segundo. ―
Lamento muito por tudo que passou.
Ela ficou tensa e se afastou, me encarando. Enxerguei a pergunta
implícita; neguei. Não gostava de mentir, mas também não podia
deixá-la se afundar por não querer se abrir com os seus irmãos.
Luna suspirou e forçou um sorriso.
― Vou arrumar as minhas coisas. ― Virou-se para a Graziela, que
ensaiava um novo passo. ― Madson vai demorar um pouco para
chegar.
― Ficarei com a princesa ― disse Stefano. ― Pelo menos até a
Jade aparecer. Ela está a caminho.
Luna me beijou de leve e subiu para pegar as suas roupas.
Madson devia ter parado de trabalhar, mas como ela pensava que
os albaneses não estavam atrás dela, resolveu ficar lá. Mesmo
assim, Alessandro colocou homens para protegê-la. Durante esse
tempo, eu notei que a relação dos dois tomaria outro rumo; sentia a
força da atração entre eles. Esperava que desse tudo certo, e que
ela entendesse o meu amigo. Alessandro era um homem difícil,
nunca amou assim.
Soube que ele massacrou vários traidores seus em uma igreja. Algo
o deixou fora de controle, pois o cara não era assim, sempre foi
contido. Essa mulher mexia com a sua cabeça, mas não de forma
ruim.
Olhei para o andar de cima. Eu precisava mostrar todo o amor que
tinha para dar à Luna. Se fosse um cristão, eu rezaria, mas como
sabia que santo nenhum olharia para alguém como eu, restava-me
torcer para que desse tudo certo.
― Proteja a minha irmã ― pediu Stefano, me trazendo ao presente.
― Sempre ― jurei. Era uma promessa que eu cumpriria a todo
custo.
Stefano saiu, acho que para falar com a Luna, porque subiu as
escadas. Aproveitei para conversar com o Sage. Ele tinha se curado
do ferimento que teve havia algum tempo.
― Miguel ― cumprimentou-me.
― Não contou a Alessandro sobre o seu pai. ― Prometera dizer a
verdade, dias atrás.
Suspirou.
― Eu sei, pretendia falar, mas então descobri o que ele fez na
igreja, e minha mãe surtou, indo parar no hospital, temendo que o
próximo fosse o meu pai. ― Sacudiu a cabeça. ― Depois disso, a
Luna foi atacada. Sei que não é desculpa, mas as coisas estão
complicadas com o meu pai me odiando e me insultando, em vez de
se preocupar com a mamãe. Tudo isso com a Mia e a filha dela, os
albaneses, os Rodins… e agora o Death.
Mia era o nome verdadeiro da Madson; ela revelou a todos, passado
um tempo.
― A merda é fodida. ― Havia tantos problemas para resolver que
eu não sabia nem por onde começar. Luna seria a minha prioridade.
― Sim, é ― concordou, falando baixo: ― Queria lhe pedir uma
coisa.
― Não vou gostar do pedido, né? ― Aquiesceu, e eu suspirei. ―
Mande ver.
― No dia em que eu for contar a verdade ao chefe, preciso da Luna
por perto para amenizar a ira do Alessandro. ― Respirou fundo. ―
Inicialmente, eu não queria a envolver, mas nós dois sabemos que
ela se meterá de qualquer jeito, conhecemos a sua bondade muito
bem.
― De fato. ― Toquei o seu ombro. ― Estarei lá com você também.
Vai dar certo. Ele ficará furioso por ter escondido algo dele, mas não
acredito que a morte será o seu castigo. Talvez o do seu pai…
― Será que ele vai ligar por eu ser quem sou? ― sondou.
― Alessandro jamais julgaria uma pessoa por sua orientação
sexual. Ele só repudia traidores, e você não é um. Neste momento,
com tantos ratos em nosso meio, ele valoriza ainda mais homens
fiéis.
Tinha certeza de que foi um dos seus quem contou aos inimigos que
a Luna estaria sozinha naquela noite, sem o Sage e a Mia. E se
quem atirou…
― Sage? Como aconteceu quando você levou um tiro? ―
perguntei.
Ele piscou.
― Não acha que sou um traidor, não é? Sou amigo da Luna, jamais
a trairia.
― Não, eu quero conferir uma coisa ― incitei-o a dizer.
― Fui chamado pelo chefe para checar alguns mercadores. Não é a
minha função há muito tempo, apesar de isto não ser algo de que
nos esquecemos, como sabe. Era para ser um ataque surpresa, o
que não foi, pois o indivíduo sabia que eu ia chegar. Foi uma
emboscada. Tem uma coisa que me incomoda… Meu pai sugeriu ao
capo que eu cuidasse dessa missão, alegando desejar que eu
tivesse responsabilidades maiores dentro dos Destruttores. Isso
aconteceu depois de eu revelar ser gay.
― Pensa que o seu pai tentou matá-lo?
Já não duvidava de nada, pois o meu era igual. Minha vingança
estava cada dia mais próxima. Death também logo perderia tudo, o
que lhe causaria mais dor do que uma simples morte. A pobreza e a
humilhação seriam o melhor caminho.
― Evito tirar conclusões precipitadas, mas o chefe não suspeitou
dele, por não saber o que sou, nem que o meu pai tem
conhecimento disso e quase matou o Bianco. ― Cerrou os dentes.
― Estou tentando arrumar uma emboscada, mas não sei como
fazer algo sem o capo descobrir. Quero confirmar que foi mesmo o
meu pai quem tentou me matar. Merda! Isso destruiria a minha mãe.
― Se o seu pai for um traidor, o que fará? A sua lealdade deve estar
com o seu capo, ele vem em primeiro lugar, mais do que a família.
A minha também, excetuando Luna; inexistia pessoa mais
importante que a Cachinhos.
― Miguel, eu mesmo o mataria, mas não posso, pois tenho de
entregá-lo ao chefe. Só lamento por mamãe.
Gostei da lealdade de Sage.
― Vou ajudá-lo ― prometi.
Ele arregalou os olhos.
― Vai? O que quer em troca? ― inquiriu, desconfiado.
― Nada. Você é amigo da Luna, e podemos ser também. Afinal, não
está mais querendo roubar a minha namorada. ― Sorri, sendo
correspondido. ― Alfred procurará você, resolverão tudo juntos.
Agora, vou focar na minha garota. ― Olhei para o andar de cima.
Expulsaria as malditas lembranças de sua mente.
Capítulo 24

Luna

Observei Miguel. Ele era um homem maravilhoso, esteve do meu


lado todo esse tempo após o incêndio, só teve de ir para Dallas por
poucos dias. Retornou e me levou à sua casa na Suíça, um lugar
que adorei conhecer, tão mágico com aquelas montanhas
belíssimas.
Entendi o que Miguel queria fazer por mim e ficava grata, mas eu
não estava quebrada para exigir um conserto. Nos últimos dias, eu
me sentia culpada porque pessoas morreram, e eu quase fui uma
das vítimas, assim como a Graziela. Se Miguel não tivesse
aparecido, minha vida teria acabado, e a daquela gatinha linda e
esperta também.
― Não vai levar mais bichos para a minha casa ― brincou Miguel,
me livrando dos meus pensamentos sombrios
Desviei a atenção do animalzinho fofo que encontrara perto de um
restaurante.
― Não posso simplesmente deixá-lo na rua ― retruquei,
provocando: ― Se não me aceitar com ele, eu posso ficar em um
hotel.
Levantou as sobrancelhas.
― Se conseguir um hotel que a deixe levar dois gatos, três
cachorros e um furão… ― Sacudiu a cabeça, rindo. ― O prédio que
o seu irmão comprou para abrigar animais não será suficiente se a
cada esquina você encontrar um novo morador.
Dei de ombros, sem mencionar que eu considerava aumentar o
lugar para que coubessem mais.
― Olhe para ele, não é lindo? ― Levantei o cachorrinho. ― Não
tem como eu ver um animalzinho assim na rua e não levar comigo.
Não tem sentimentos? Só mais um, prometo parar. ― Toquei o seu
coração com uma mão, enquanto usava a outra para segurar o cão.
― Bom, eu jurei fazê-la feliz…
― Quer dizer que posso ficar com ele?
― O que não faço por esse sorriso lindo? ― Beijou de leve os meus
lábios.
― Obrigada!
Nós o levamos para casa. Na varanda, eu me diverti um pouco com
o bichinho e, mais tarde, fui à procura de Miguel, sentado na sala.
Ele estava de cabeça baixa.
― Algum problema?
Ergueu a cabeça e sorriu.
― Não…
Estreitei os meus olhos.
― O que falamos sobre mentir? ― Sentei em seu colo e coloquei o
meu braço sobre o seu ombro. ― Sei que está preocupado.
― “Preocupado” é eufemismo. Eu não suporto vê-la com esse olhar
vazio. Não queria que ficasse traumatizada com o que houve. ― Ele
estava furioso.
Suspirei.
― Por isso não me tocou mais após aquele dia? ― Avaliei-o.
― Como faria isso? Tenho medo de piorar as coisas. ― A dor em
sua voz me deixou sem ar por um segundo. ― Eu me culpo, porque
jurei que ninguém encostaria em você, mas no final…
Aninhei-me nele e acariciei o seu rosto.
― Miguel, eu não estou quebrada pelo que houve. Fiquei assustada
no começo, como se tivesse perdido uma parte minha. Tomava
banhos frequentes, porque continuava imaginando aquele cara em
cima de mim… Agora, sinceramente, só me sinto mal pela culpa.
― Por que porra se sente culpada? ― Demonstrava confusão.
― Pessoas morreram lá, tudo porque eu decidi morar longe e tentar
ser uma garota normal. ― Era tola por supor que seria possível. ―
Eu devia aceitar a minha origem. Por causa disso, homens seus e
dos meus irmãos padeceram. Knife está lá… ― Sacudi a cabeça,
chorando.
― Ei… ― Aparou as minhas lágrimas. ― Knife está bem, acordou
hoje.
Um peso saiu dos meus ombros. Escondi o rosto em seu peito.
― Vou ficar bem, Miguel, não deixarei o medo me dominar. ― Mirei
a sua face. ― Não evite me tocar, o seu carinho é a coisa pela qual
mais anseio na vida.
Sua respiração engatou. Alisou o meu cabelo e me beijou de leve,
não se rendendo totalmente. Miguel era assim, não suportava a
ideia de me machucar.
Ele se afastou e sorriu.
― Hoje não…
Irritei-me.
― Eu estou bem… ― Fui beijá-lo, mas o seu telefone tocou.
― Preciso atender, pode ser importante ― disse e se levantou.
Frustrada, eu subi para o quarto. Eu não suportava permanecer
longe dele, do seu toque, de seus beijos e suas carícias. Odiava
essa situação.
Espantei-me ao abrir a porta e dar de cara com um quarto diferente
daquele do qual saímos mais cedo. Estava cheio de rosas
vermelhas pelo chão e pela cama. Sobre os lençóis, havia a frase:
“Case comigo?”.
Levei a mão à boca. Outras declarações compunham o ambiente,
além desse pedido em destaque: “Eu a amo mais que a vida” e
“Você é linda”.
― Oh, meu Deus! ― Cheguei mais perto e toquei as pétalas.
― Certo dia, eu conheci uma garota linda, gentil e com o coração
mais bondoso que já vi. Nesse momento, algo tomou o meu peito.
Mesmo sabendo que era proibido, ainda assim, eu não me deixei
esquecer, nem quando fui embora. ― A sua voz apaixonada me
levantaria até dos mortos. ― Quando estava longe, eu via o dia
amanhecer e o sol brilhar, mas o meu mundo estava escuro, sem
você nele.
Virei para a porta e ofeguei. Miguel, de joelhos, carregava um anel
de diamantes na mão, com as nossas iniciais, “L” e “M”, gravadas.
Seus olhos brilhavam.
― A partir daquele dia, eu soube que tinha de proteger aquela
doçura, temia lhe tocar e quebrá-la. Contudo, por um milagre, você
me esperou, e agora o seu coração é meu, assim como o meu
pertence a você. Venho aqui hoje pedir a sua mão. Luna Morelli,
você aceita se casar comigo? Prometo amá-la na saúde e na
doença, na riqueza e na pobreza, até o meu último dia nesta Terra.
Pisquei, limpando as lágrimas de felicidade.
― Sim, adoraria. ― Fui até Miguel e lhe estendi a minha mão. Sorri,
pulando nos braços dele. ― Sorte ter feito isso, eu estava aqui
arrumando mil maneiras para obrigá-lo a ceder o que desejo de
você. ― Beijei o seu pescoço, passando a minha língua em sua
orelha.
― Luna… ― Apertou a minha cintura.
Suspirei e me afastei.
― Se não vier fazer o seu trabalho de namorado ― levantei o anel
―, ou melhor, noivo, precisarei me divertir sozinha. Veja o que
ganhei da Jade. Quer que eu use isso? ― Peguei o meu telefone e
mostrei o vibrador em formato de pênis.
Revirou os olhos.
― Prefiro que use o meu pau nessa boceta gostosa, enquanto eu
estiver por perto ― rosnou, me levando à cama, risonho. Após, ficou
um pouco sério. ― Vamos tentar, mas se por acaso tiver
lembranças ruins, me avise, ok?
― Com você, eu tenho apenas pensamentos bons, Miguel ―
afirmei, empurrando-o de costas. ― Deite-se. Há muito tempo, eu
desejo fazer uma coisa.
Ele riu e obedeceu.
― Como quiser, chefe.
― Não vai abalar a sua reputação se alguém notar que você é um
homem doce? ― Apontei para as rosas.
― Ninguém sabe, além de você e meus amigos. Continuaremos
assim. ― Tirou a sua camisa.
Toquei na cicatriz ainda rosada. Beijei-a, fazendo-o estremecer.
― Luna…
Foquei em meu trabalho. Nós tínhamos transado muitas vezes, e
ele me fazia oral constantemente, porém, eu nunca retribuí, apesar
de querer.
Abri a sua braguilha e puxei a calça e a cueca para baixo. Ele a
retirou depressa, levando-me a rir. Toquei a cabeça inchada do seu
pênis, de onde saía um líquido viscoso. Trouxe-o à minha boca; o
gosto não era ruim.
― Porra! Desta forma, você vai me matar. ― Sua voz saiu grossa
devido ao desejo.
― Adorei o sabor, agora veremos o resto. ― Com a língua, desci
por seu pau. Miguel gemeu.
Ele rearranjou nossas posições, tirando o meu vestido. Diante do
meu rosto, havia seu membro pulsante e, do seu, minhas partes
íntimas latejando.
― Podemos dar prazer um ao outro simultaneamente. Pegue firme
no meu pau. Assim… ― orientou-me.
― Não necessito de instruções, sei fazer um… boquete. ― Encarei
aquela belezura, corada.
― Sabe? ― Ergueu uma sobrancelha.
― Hoje tem de tudo na internet. ― Madson e eu havíamos
pesquisado. ― Não queria parecer tão inexperiente e correr o risco
de arrancá-lo com os dentes.
Ele riu.
― Assistiu a um filme pornô? A doce e puritana Luna? ― Beijou o
pé da minha barriga.
― Não era pornô, apenas um vídeo… informativo ― elucidei,
colocando-o na boca e sugando, conforme aprendi.
A julgar por seus gemidos, Miguel estava gostando.
― Porra! É o maldito Céu. ― Pegou a minha perna e pôs sobre o
seu ombro, me expondo. Senti a sua língua. Cada movimento seu
me levava às nuvens. ― Cachinhos, eu vou gozar, então se não
quiser…
Apertei ainda mais os meus lábios na ponta, levando-o ao fundo da
minha garganta.
Sua língua puxou o meu clitóris, à medida que gozava. Só terminei
de sugar quando já não tinha mais nada, e ele fez o mesmo, até eu
parar de tremer e ficar mole na cama.
― Você está bem? ― Beijou-me; senti o meu gosto em sua boca.
Sorri.
― Perfeita. Como disse: eu não preciso de tempo, só preciso de
você; dormir todos os dias ao seu lado, e não a um oceano de
distância. Se eu sentir saudades, eu quero poder beijá-lo, dizer que
o amo.
Sorriu.
― Nunca pensei que pudesse me sentir deste jeito, como se o meu
coração fosse sair do peito. ― Beijou a aliança. ― Logo estará
comigo em todos os lugares. Posso viajar por poucos dias, mas
sempre retornarei logo.
― Não tem como deixar de ser chefe, no futuro, quem sabe? ―
sondei, tocando as suas inúmeras cicatrizes.
― Luna…
― Não conseguiria perder você. E, sendo líder de um cartel, a morte
é inevitável… ― sussurrei, encolhida.
― Não é algo que eu possa mudar ― disse e se sentou na cama.
― Nunca mais se sacrifique por minha causa. ― Encostei na marca
deixada pela bala.
Seus olhos se tornaram distantes.
― Então você está com o homem errado, Luna. Eu faria tudo de
novo. Prefiro levar outro tiro e ir para a cova do que a perder.
― Por que não pode ser um cara normal, se entrou neste mundo
por escolha própria?
― Eu não sou normal, Luna! ― Exasperou-se. ― Sou chefe do
cartel e comando centenas de homens; eles confiam em mim para
protegê-los. Garantirei a segurança de todos, como farei com você.
― Miguel…
― Escolha, Cachinhos. Sou assim e não pretendo mudar. ―
Decidido, afundou-se na cama. ― Precisa optar entre ficar comigo
ou…
― …partir ― terminei a frase por ele com dor na minha alma.
― Eu jamais a impediria, embora a ame demais. Entendo se preferir
uma vida com menos riscos.
Abracei-o com força, inspirando o seu cheiro. Mesmo se me
afastasse de Miguel, eu nunca seria normal. Era a nossa sina.
― Desculpe. Sou tão estúpida por estragar este momento mágico.
― Subi em seu colo, com uma perna em cada lado dele. ― Nunca
fugirei, pois a minha vida está aqui nos meus braços.
Beijou o meu pescoço.
― Juro que tomarei cuidado. ― Esquadrinhou o meu rosto. ― Sabe
que eu faria qualquer coisa por você, menos isso. Pessoas leais
dependem de mim.
Assenti e o beijei, não querendo mais tocar no assunto. No
momento, eu só desejava desfrutar nosso amor. Ali, perfeitamente
encaixada a ele, esqueci o passado, o presente e o futuro, restando
só nós dois.
Capítulo 25

Miguel

Algumas semanas depois

― Não, eu não vou fazer isso ― rosnei.


― Não temos escolha ― retrucou Rafaelle.
Fui chamado ali para informar que o Alessandro bolou um plano
para pegar os traidores do seu povo. Ele tinha ido a uma reunião
com Skender, o pai de Graziela e chefe da máfia albanesa, o
mesmo que desejava eliminar a Mia, por isso ela fingia se chamar
Madson, em vez de usar o seu nome verdadeiro.
Nesse encontro, ele levou uma facada, porém, mesmo ferido queria
prosseguir com o seu plano ruim. Na verdade, era um bom plano, o
lado péssimo era que as pessoas sairiam feridas, principalmente a
Luna.
― Claro que temos. O Luca não vai esconder da Jade. ― Ele se
situava de pé no canto.
― Ela está grávida ― disse Stefano.
― Só por isso? Duvido que esconderia mesmo se não estivesse,
sabe por quê? ― Fuzilei os dois irmãos. ― Porque Luca a ama e
não suporta que seja magoada, assim como eu não quero que a
Luna sofra.
― Acha que queremos isso? ― rosnou Rafaelle. ― Ela é a nossa
irmã.
― Não dou a mínima para o que querem! Assim que forjarem a
morte de Alessandro, a Luna saberá que é mentira ― fui firme. ―
Sei que vocês foram criados para desligarem as suas emoções
quando preciso, mas eu não, ao menos não com a Luna. Não a
verei sofrer pela morte falsa do Alessandro sem fazer nada.
Eles planejavam forjar o assassinato de Alessandro, e Rafaelle
ocuparia o seu lugar, se rebelando e sendo taxado como o
mandante da morte do irmão. Ele teria que fingir ser um traidor e
afirmar que esteve ao lado do capo só para lhe passar uma rasteira
no final. Tudo isso contando com as lágrimas e o sofrimento da Luna
no velório.
― Miguel… ― Era um aviso do Rafaelle, podia ver pelo seu tom.
Eu ri.
― O quê? Vai me ameaçar? ― Aproximei-me dele. ― Rafaelle, nós
somos irmãos, mas não tenho medo de você. Pela sua irmã, eu faço
tudo, então mentir para ela está fora de cogitação.
Fui em direção à porta e me virei para eles, todos com cara de
poucos amigos. Não dei a mínima.
― Deviam ter me mantido fora disso ― falei.
― Acho que tem razão. O amor deixa as pessoas fracas.
― Pode ser, mas ele também nos fortalece em outros sentidos.
Alessandro cairá em si no momento em que ver a Mia desesperada
e sofrendo na igreja…
― Não diga nada a ela…
― Não direi, mas para a Luna eu não vou mentir. Ela não
conseguiria lidar com uma perda dessa magnitude! Eu levei um tiro,
e sua irmã ficou do meu lado o tempo todo, temendo que eu não
voltasse. Vi esse mesmo medo depois que o Alessandro desmaiou
na apresentação. Jamais terei coragem de olhar para o rosto dela
banhado em lágrimas, perdendo o sono por sofrer por alguém que
pensará que se foi, mas que no fundo está vivo. ― Sacudi a cabeça.
Eles não disseram nada, mas pude ver que me entendiam. No
fundo, ambos respeitavam a minha atitude.
Rafaelle sorriu.
― Acho que a minha irmã encontrou o homem certo, um que
derrubaria até a família por ela.
Sorri.
― Pode apostar que sim, embora pretenda evita, afinal, destruiria a
Luna junto. Estou aqui para fazê-la feliz, e não o contrário. ―
Suspirei. ― Vou embora. Posso levá-la para longe. Argumentem
que, com a rebelião, eu a abduzi contra a vontade dela e não deixei
que visse o irmão.
Jamais compactuaria com nada daquilo. Se as pessoas não fossem
sofrer, eu até acharia um plano bom. Não ia ligar para Alessandro
nesse momento, pois estava furioso com ele, então, para não falar
besteira, eu decidi manter distância.
Entendia que, sendo líderes, nós tínhamos que fazer escolhas que
nem sempre agradariam todos, mas quando envolvia Luna? Não,
nunca sacrificaria sua sanidade.
A essa hora, Alessandro deveria estar montando as coisas para
forjar a própria morte. Fui para a mansão pra ver a Luna, queria que
ela soubesse o que iria acontecer antes que isso estourasse.
Entrei na casa e me deparei com Jade e Luna conversando entre si;
não vi Mia ou Graziela, então supus que a garota levara a filha para
a aula de balé.
Antes de ir até a Luna, eu fui conversar com o Sage, que estava de
olho nas duas, assim como um dos seguranças do Luca.
― Pode nos dar um segundo? ― pedi ao outro cara, Cecil.
Ele assentiu, rumando à extremidade oposta.
― Como estão as coisas? ― perguntei, checando a retaguarda. ―
Alessandro o orientou sobre algo?
― Na verdade, o capo já suspeitava do meu pai, só não sabe o real
motivo para ele quase ter me matado. ― Soou amargo.
― Disse que eu iria ajudá-lo?
― Sim, nos orientou a deixar quieto por enquanto. ― Suspirou,
frustrado.
― Você não parece ter gostado. ― Essa era a parte boa de ser um
chefe; fiquei tanto tempo recebendo ordens que não saberia voltar a
obedecer alguém.
― Não cabe a mim gostar ou não. ― Franziu a testa. ― Mas o
chefe disse que se o meu pai estiver envolvido, pagará com a vida.
― É a sentença de um traidor. Alessandro tem seus planos, tudo
dará certo.
Aquiesceu e calou-se. Sage era quieto demais.
Estava na hora de começar. Faltavam alguns minutos para o
esquema entrar em ação.
― Luna? Podemos conversar? ― chamei-a, chegando perto dela.
Naquele exato instante, vários carros estacionaram em frente à
mansão. Merda! Isso foi rápido.
Puxei-a para o canto, mas antes que tivesse tempo de abrir a minha
boca, a casa foi invadida por Luca, Stefano e Rafaelle. As
expressões dos três eram idênticas, embora Rafaelle e Stefano,
internamente, vivessem um tormento sem fim.
Meu telefone tocou.
― Sim?
― Alessandro acabou de ser morto ao sair da cidade ― disse
Alfred.
― Confiável? ― chequei.
― Sim, foi comprovado ― respondeu, me fazendo perder o chão
por um segundo.
Queria dizer que era mentira, mas algo estava errado. Desliguei
para poder conferir.
― Luca, o que foi? ― sondou Jade, preocupada.
― Algo aconteceu com o Alessandro ― começou ele.
― O que está havendo? ― inquiri.
Jade agarrou o paletó do marido dela e o fitou, apavorada.
― Você disse que era…
― Eu sei, e era para ter sido assim, mas se tornou real ―
respondeu Luca. ― Foi cercado quando saiu da cidade. O carro
explodiu ao cair do penhasco.
Meu amigo planejou a morte e, no final, se foi de verdade? Não…
Algo em meu peito rachou. Antes de focar na minha dor, eu escutei
um soluço e um grito agudo do meu lado.
― Não, não pode ser! ― Luna caiu de joelhos. Eu a ergui, firmando-
a em meus braços.
Jade também estava aos prantos, perto do marido.
Se não fosse pela expressão dos seus irmãos, eu não confiaria na
informação. Mesmo com sua frieza característica, nenhum deles
conseguiria fingir a dor que via nos seus olhos. E outra, o Alfred
confirmou, ele não teria dito se não fosse real.
A porta foi aberta; por ela, entrou a Mia. Ela nos avaliou. Podia ver
que tinha acontecido algo, pois a expressão de todos mostrava isso.
Varreu a sala com o olhar, e eu soube quem procurava. Não o
encontraria; nunca mais, na verdade.
― Onde está o Alessandro? ― perguntou, antecipando o baque.
Stefano deu um passo até a mulher, na tentativa de tranquilizá-la.
― Mia…
A dor assolou os seus olhos.
― Não, por favor, me diga que ele está bem. ― Tentava ser forte,
eu podia ver de longe.
― Lamento, Mia, mas ele se foi. Houve um acidente, meu irmão foi
cercado, os homens o jogaram contra um penhasco. O carro dele
explodiu… ― A voz de Stefano falhou no final.
Eu abracei Luna, que gemeu com as palavras do irmão. Mia tombou
no piso frio, chorando e com a mão em seu peito. Houve um
momento, lá atrás, em que pensei que ela não era a pessoa certa
para o Alessandro; que não poderia lidar com a carga de trabalho do
meu amigo. Mas eu me enganei, a mulher realmente o amava.
Mia gritou, segurando os cabelos como se quisesse arrancá-los, e
se inclinou para a frente. Stefano correu até ela e a abraçou.
― Porra! Isso está acabando comigo ― ouvi Stefano dizer,
encarando as irmãs e a Mia.
Ela mirava o anel em seu dedo, o qual Alessandro lhe deu depois da
cena no salão de balé, onde Grazi dançara na noite anterior. O
capo, sempre tão frio, aproveitara a ocasião para pedi-la em
casamento.
Mia se levantou e correu para o andar de cima.
― Ela está destruída ― Luna sussurrou. ― Queria consolá-la,
mas…
― Você também está sofrendo ― falei, pegando a sua mão. ―
Venha para o quarto.
Assentiu, indo abraçar Rafaelle e Stefano.
― Lamento, princesa.
― Eu sei. ― Chorou um pouco nos braços do Rafaelle.
― Vou checar a Mia, ela está sofrendo sozinha. ― Stefano subiu.
Gostei de o garoto ir consolá-la; Luna tinha a mim, Jade tinha o
Luca, mas e Mia? Perdeu a pessoa que mais amava, afora a filha.
Ignorei a minha própria dor. Logo antes de entrar ali, contemplei a
ideia de ligar para ele, mas não o fiz, agora nunca mais teria esta
oportunidade.
Jade e Luna subiram para o quarto da minha noiva, e eu fiquei com
elas. Não podia dizer nada, apenas reconfortá-las. A dor que eu
próprio sentia era imensurável, idêntica à da perda de mamãe.
Mia entrou, seguida por Stefano. Os olhos dela estavam inchados.
Jade se sentava em um sofá, junto à sua irmã, inconsolável.
Luna correu para os braços da Mia com o rosto banhado em
lágrimas. Aquilo acabava comigo. Eu não podia fazer nada para
mudar a situação.
― Ele se foi…
― Eu sei. ― Mia soluçava. ― Lamento por ter saído da sala, eu só
queria…
Deixamos as três sozinhas e ficamos no corredor. Aproximei-me de
Stefano.
― Que porra deu errado? Era para ter sido uma armação! Quem
sabia da verdade? ― Cerrei os punhos.
Stefano suspirou e desceu as escadas. Eu o segui.
― Era para ter sido, como disse. Mas antes de chegar ao lugar
marcado, ele teve o carro imprensado e jogado… ― Rafaelle
entornou um copo de uísque. Depois, jogou-o na parede,
estilhaçando-o em centenas de cacos. ― Porra!
― Vamos vingá-lo. Pegar quem fez isso e fazê-lo pagar; cada um
deles ― anunciei.
Rafaelle meneou a cabeça.
― Não podemos fazer isso…
Estreitei os olhos.
― Merda, você vai seguir o plano, não é? ― Eu me segurei para
não estourar a sua cara por ainda considerar isso.
Rafaelle me olhou, repleto de tormento, um que escondia de todos.
― Não tenho escolha. Com a… ― Engoliu em seco. ― Com a
morte dele, eu serei o capo, posso usar o que aconteceu em nosso
benefício. ― Fiquei quieto. ― Sei que acha isso insensível, Miguel,
mas fui forjado para sair de situações assim. Não sou alguém que
viveu lá fora e teve momentos felizes, como um sujeito normal. Sou
um executor, eliminei mais pessoas do que posso contar desde os
meus doze anos. Sou frio quando devo ser. ― A dor que enxergara
em seu olhar cedeu espaço para o vácuo. ― Meu irmão foi morto
por isso; confiava que faria uma coisa boa para salvar as nossas
irmãs, Mia, Graziela e muitas outras meninas.
Os traidores se envolviam em sequestros de garotas inocentes. Os
pais pensavam que os soldados eram leais ao Alessandro, mas, na
realidade, levavam as garotas para os Rodins, que as estupravam e
as matavam.
― Você é um chefe, Miguel, então pense na sua reação caso sua
gente levasse meninas para monstros como os Rodins. Seu povo,
minha irmã. ― Ele me encarou.
― Entendo o seu ponto de vista, é um bom plano. Devemos pegar
todos. E sim, eu faria a mesma coisa, é só… ― Olhei para a
escada.
― Se tivesse que escolher entre algo assim e a segurança da Luna,
como agiria? Ficaria com ela, colocando-a em perigo e deixando
tudo à sua volta ser destruído? ― indagou Stefano. ― Você a
deixou uma vez, lembra? Aquele motivo foi fichinha perto do que
estamos passando.
O meu amor pela Luna me impedia de enxergar o que era certo.
― Porra! ― Peguei um copo de uísque e tomei em um gole só. ― O
que acontecerá?
― É melhor não saber, assim não mentirá para a Luna ―
respondeu Rafaelle, tocando o meu ombro. ― Minha irmã teve sorte
de encontrar um homem como você. Um que enfrentaria o Inferno
por ela.
― Após a cerimônia, você a levará embora, não a deixe na igreja ―
disse Stefano. Virou-se para o Luca, que estava calado. ― Você
também. Assim que tudo acabar, Luna ficará com o Miguel em
Chicago ou no seu território, mas acho melhor mantê-la perto dos
Salvatores e dos Dragons, longe de Death.
― Sim, não queremos mais empecilhos, não até cumprir o meu
objetivo ― concluiu Rafaelle.
― Ok. Se precisarem, eu estou aqui para vocês ― falei aos dois.
― Sabemos que sim. Por ora, tomem conta delas. Se chegarem até
Jade e Luna, estaremos ferrados. ― Rafaelle suspirou.
― Jade ficará segura comigo, assim como a Graziela ― disse Luca.
― Eu protegerei a Luna. E quanto à Mia? Não acho que ela vai se
separar da filha. ― Tomei mais um gole da bebida; precisava de
algo muito forte para lidar com toda essa merda.
― Outra pessoa está encarregada da Mia, ela ficará bem, não se
preocupe ― Rafaelle nos garantiu. ― Mantenha a minha irmã
segura e não a deixe se afundar; eu vi a forma que ficou após o
ataque.
Ele mal tinha conhecimento do que realmente ocorreu. Foram
meses até fazê-la superar.
Agora, um novo baque. O que eu faria?
Capítulo 26

Miguel

Duas semanas depois

Eu ainda sentia vividamente a perda de Alessandro. Quando o


Tadeu morreu, foi difícil, ele era um amigo leal que padeceu por
minha causa. Entretanto, considerava Alessandro um irmão; esteve
comigo desde o começo e me ajudou a tornar-me o que era. Eu
seria grato para sempre.
Naquele dia, Luna e eu ficamos no velório por um tempo, então a
levei embora, como o Rafaelle solicitara. Depois, viajamos para
Dallas.
Ver a minha garota sofrendo tanto me destruía. Ela estava
inconsolável, e eu sem poder fazer nada para mudar isso.
Essa noite, nós fomos chamados em Milão por Rafaelle, então
supus que, finalmente, o assunto tivesse sido resolvido. Não
procurei descobrir do que se tratava a reunião; quanto menos eu
soubesse, menos esconderia da Luna.
Olhava para o rosto lindo e sereno da minha noiva, enquanto ela
dormia no quarto do jatinho. Já estava quase amanhecendo, e eu
mal pregara o olhos. Logo pousaríamos na cidade.
― Queria poder tirar essa sua dor. ― Alisei o seu cabelo.
Meu telefone tocou. Peguei-o e saí do dormitório para não acordá-
la, pois custou a dormir.
― Alô? ― Franzi a testa para o número estranho.
― Miguel? É um prazer falar com você ― disse uma voz que eu
reconhecia muito bem.
― Death. Por que porra está me ligando? ― rosnei, cerrando os
dentes.
― Isso não é jeito de falar perto de uma criança. Qual é o seu
nome, querida?
Ouvi uma voz fininha:
― Tio, eu quero a minha mãe! ― Emma chorava.
O sangue saiu do meu rosto e o terror me apossou. Se a
sequestrara…
― Onde estão a Emília e o Daemon? ― Tentei soar calmo, mas
tudo indicava pavor. Peguei o telefone que usava para emergências
e tentei ligar para os dois, e nada de atenderem.
Disquei o número de Shadow; como não podia falar, coloquei Death
no viva-voz. Por sorte, Sage não estava neste voo, ele tinha ido
fazer alguma coisa para o seu capo, acho que relacionada ao pai
dele, o qual se provou um rato.
― Emma, querida, está tudo bem? ― perguntei.
― Está frio aqui, e eu só quero a minha mãe. ― Voltou a chorar.
Death riu.
― Ela ficará bem. ― Ouvi uma porta sendo aberta e fechada.
Depois, o grito de um homem. ― Esse motoqueiro é valente, mas
até os fortes são fáceis de quebrar.
Porra! Daemon foi espancado quando criança, a nova experiência
lhe acarretaria muitas lembranças ruins. Não podia deixar que o
maldito Death continuasse. Se me ligou, com certeza, queria algo.
― Cadê a minha irmã? ― Céus! Que ninguém a tivesse tocado…
Isso a destruiria por dentro, mais uma vez.
― As duas meninas estão ilesas, foquei no motoqueiro. Mas isso
pode mudar, dependendo da sua resposta. ― Ele não estava
blefando.
― O que você quer?
Riu de modo sinistro.
― Agora estamos nos entendendo. ― Ficou sério: ― Eu desejo
você em troca deles. É uma escolha justa, após ter desmembrado o
meu irmão. Na verdade, deveria fazer o mesmo com a sua irmã e a
criança.
― Não toque nelas ― rosnei. ― E, para constar, o seu irmão ia
violentar a minha garota. O que queria que eu fizesse? ― Minha voz
se elevou, então baixei o tom para que a Luna não acordasse.
― Bom, veja por este lado: temos contas a acertar ― arrulhou.
Segure a sua fúria, Miguel, repeti como um mantra.
― Exijo uma prova de que a minha irmã está bem. ― Só ouvi a
Emma e os gritos do Daemon. ― E que não continue machucando o
meu cunhado.
― Não devia exigir nada, mas como estou ansioso para colocar as
mãos em você, eu lhe darei isso. ― Andou alguns passos. ― Fale
com o seu irmão.
― Miguel? ― Emília parecia amedrontada. Senti como se o meu
peito estivesse se abrindo ao meio.
― Emília? Você está bem? Eles não a machucaram? ― Não
suportava a ideia de alguém lhe tocando, ainda mais após tudo o
que aconteceu com ela.
― Oh, Miguel… ― Chorou. ― Não venha aqui, eles vão matá-lo.
Mas também não posso perder a Emma, o Edward e o nosso bebê.
― Bebê? ― Pisquei.
Ela sonhava em ter filhos havia muito tempo, mas o desejo não se
concretizara. Finalmente conseguira?
― Descobri há pouco tempo, eu ia revelar hoje a você e ao Edward,
mas fomos emboscados. Emma e ele estão comigo.
― Prometo que vocês quatro ficarão bem. Eles não lhe tocaram?
― Não. Daqui eu vejo a Emma em um quarto, o vidro a deixa à
mostra, mas não o Edward. Escutei os seus gritos agora há pouco,
entretanto, foram silenciados. Será que… ― Sua voz falhou.
― Seu marido ficará bem. E, para que continue assim, dependerá
do Miguel ― Death disse ao fundo. Retomou o telefone: ― Terá
quatro horas. Assim que pousar em Milão, eu ligarei indicando
aonde deve ir. Sei que está indo ao encontro do capo Destruttore, já
que Alessandro retornou dos mortos.
Isso me fez ofegar. Meu amigo estava vivo? Seus irmãos fingiram?
Eram bons a ponto de me enganarem?
― Oh, não sabia? ― Riu com desdém. ― Parece que você não é
tão importante para o capo, nem foi incluído na história.
Não liguei para a sua provocação. Se Alessandro fez isso, teve um
motivo. Mas ficar longe enquanto as suas irmãs estavam
destruídas? Não aceitava, como pôde não contar à Jade e à Luna?
― Tique-taque… Eu ligarei para você. E se contar a alguém ou
envolver os capos, suas garotas pagarão o preço. ― Desligou.
Respirei fundo, controlando as minhas emoções. Peguei o telefone
com a chamada a Shadow ainda ativa.
― Ouviu tudo?
― Sim, estamos tomando providências. Vamos checar cada canto
de Chicago, eles não devem tê-los levado a outro lugar. Pelo
menos, espero que não. ― Havia raiva na sua voz.
― Farei a troca, eu por eles. Só me prometa que encontrará os três.
Não posso confiar em um bandido, por isso estou tomando esta
precaução.
― Seria bom ter a ajuda dos capos… Acha mesmo que tem gente
dele dentro das duas máfias?
― Death tem olhos nelas, com certeza. Preciso de pessoas que não
estejam ligadas a mim para procurá-los; alguns dos seus aliados,
talvez. Eu conseguiria alegar que vocês estavam apenas
investigando o desaparecimento de Daemon, um dos membros do
clube. Se achá-los, ligue para este número.
Encerramos a conversa, e eu imediatamente telefonei para
Christian.
― Alessandro está vivo? ― perguntei ao El Diablo sem pestanejar.
Houve uma pausa do outro lado, o que me fez deduzir que sim.
― Era para ter sido uma armação, mas se tornou real.
― Essa parte eu já sabia! ― Segurei a minha fúria. ― Quem
descobriu que ele sobreviveu? E como?
― Na igreja, eu contei para o Rafaelle e o Stefano. Encontrei
Alessandro inconsciente em cima de uma rocha, acho que ele pulou
antes que o carro explodisse. Ficou apagado por dez dias.
― Dez dias? Mas hoje faz dezesseis! Ninguém teve a decência de
me informar? ― Meu peito doeu pela traição.
― Miguel…
― Não me venha com desculpas ― desdenhei. ― Achei que os
amigos eram mais importantes do que ganhar dinheiro. ― Desliguei,
não querendo mais ouvir a sua voz. ― Porra! O que eu faço agora?
― Levei as minhas mãos à cabeça num gesto exasperado.
Sentia-me feliz por Alessandro ter sobrevivido, mas furioso por
omitirem a verdade. Além de estar apavorado pelo que teria de
fazer.
Se contasse à Luna que eu ia para a morte certa, ela acabaria se
machucando para tentar me salvar. Mas se eu fosse sem falar nada,
também a feriria. Neste caso, uma mentira cairia melhor,
infelizmente.
Acusei tanto o Rafaelle por ter feito escolhas difíceis para a proteção
dos seus, e ali estava eu… na mesma posição. Nunca mais o
criticaria em relação a isso.
Luna valia qualquer sacrifício, assim como a minha irmã e a Emma.
Ainda podia ouvir o choro de Emília, temendo perder a filha e o bebê
que nem nascera.
Fui para o quarto e me sentei na cama, olhando a mulher por quem
eu morreria. Precisaria magoar quem eu mais amava para encerrar
a guerra com Death.
Esperava que Shadow e os MCs os encontrassem, assim, talvez eu
tivesse alguma chance de ser salvo por Vlad, o famoso Anjo da
Morte, ou por Christian. Contudo, continuava puto por El Diablo
mentir para mim.
Caso eu desse sorte e conseguisse retornar para Luna, imploraria
pelo seu perdão, se fosse preciso. Alisei o seu cabelo encaracolado
que eu tanto adorava, me abaixei e beijei a sua testa.
Ela piscou.
― Miguel? ― Sua voz soou baixa e rouca de início, mas depois se
elevou: ― Aconteceu alguma coisa?
Como magoar a razão do meu viver? Ela sofreu tanto nesses
últimos dias…
― Não, mas eu preciso lhe contar uma coisa antes de pousarmos.
Lamento, porque isso tanto a deixará feliz, como também a fará
sofrer. Queria impedir, mas não posso ― comecei, respirando fundo.
― Miguel, o que foi? ― Levantou-se, nervosa. ― O que você fez?
― Alessandro está vivo ― falei.
Ficou atônita.
― Repita?
― O seu irmão está vivo.
Era para ser um momento feliz, mas eu sentia apenas dor, tormento
e traição. Entretanto, não poderia me concentrar nisso, pois tinha de
ficar em pé e salvar minha família. Esperava sair inteiro.
Se eu morresse, como Luna ficaria sabendo? Não, eu precisava
voltar, acreditar nisso e focar nesse desejo. Quem sabe, assim, se
realizaria.
― Como? O carro dele explodiu. ― Ela se encolheu.
― Ele forjou a sua morte para pegar os traidores do seu povo.
Arregalou os olhos.
― Alessandro fingiu estar morto? ― A dor em sua expressão me fez
querer socar o meu amigo.
― Sim, era um plano, mas fugiu do seu controle. Só não morreu de
verdade porque pulou do carro antes. Ficou apagado por dez dias.
― Então… ― Seus olhos se umedeceram. ― Todos sabiam?
Chegara a hora de arrancar o Band-Aid de uma vez só. Escondi as
minhas emoções, uma coisa que nunca pensei em fazer com ela.
― Sim, todos sabiam. ― Determinei a minha sentença.
Sua cabeça se ergueu e seu olhar foi como uma martelada em meu
coração.
― Você… sabia esse tempo todo? ― Deu um passo para trás. ―
Não, não pode ser. ― Colocou a mão na boca, chorosa.
Cerrei os punhos. Se eu tivesse a minha chance com o Death, eu
iria esquartejá-lo; pagaria por toda a dor que a Luna estava
sentindo.
Poderia buscar a ajuda do Alessandro e do Matteo, mas não
colocaria em risco a vida da minha irmã, assim como a de Emma.
Tudo isso seria ruim para a Emília e o seu bebê.
― Como pôde fazer isso comigo? ― gritou, num lamento nada
contido. ― Como pôde mentir a respeito de algo tão sério? O que
tem no peito?
― Luna… ― Hesitei, querendo contar a verdade, mas seria pior do
que deixá-la pensar que eu menti.
Minha noiva se distanciou do meu toque.
― Não se aproxime. ― Sua dor fez com que eu me encolhesse. ―
Você assistiu ao meu luto e não disse nada. Achei que me amasse.
― Eu amo você, faria qualquer coisa por sua felicidade.
Riu com desdém.
― Quem ama não deixa a pessoa amada sofrer. ― Limpou as
lágrimas que desciam pelo seu rosto. ― Você mentiu, partiu o meu
coração. Nunca o perdoarei. Já lhe dei chances demais.
Ah, se ela soubesse…
― Luna…
― Saia ― rosnou, apontando para fora do quarto.
Careci de um esforço imenso para não implorar pelo seu perdão.
Verifiquei o horário. O tempo estava passando muito rápido.
Capítulo 27

Miguel

O jatinho pousou em Milão. Fomos direto para a mansão. Luna me


ignorou o caminho todo, era como se eu não existisse. Isso doía
fundo. Aproveitei para examinar seu belo rosto, uma imagem que
levaria comigo para sempre caso não voltasse.
Esperava ansioso o contato de Death, ele disse que mandaria uma
mensagem. A impotência é o pior sentimento que já experienciei.
Luna entrou na sala pisando duro. Já a vira furiosa, mas como isso?
Nunca. Afinal, não foi só eu quem a machucou, seus irmãos
também.
Jade tinha acabado de chegar com Graziela.
― Luna, querida…
Ela cortou Rafaelle:
― Sem “querida”. Como podem dormir após o que fizeram comigo?
― Seu grito podia ser ouvido à distância.
― Luna… ― Alessandro começou.
― Não diga nada se vai abrir a boca para espalhar mentiras ―
esbravejou.
Ele respirou fundo. Suas palavras angustiavam todos nós.
― Era preciso…
― Não, não era. ― Riu, amarga. ― Vocês não têm sentimentos,
têm uma pedra no lugar de seus corações. Puxaram ao nosso pai.
As expressões deles foram de choque e mágoa. Eu a entendia, ela
estava machucada demais, mas Luna não acreditava realmente
nisso; continuava amando seus irmãos.
― Não somos iguais a ele ― replicou Stefano, respirando irregular.
― Jura? Seria uma artimanha típica de Marco, porque não se
importava com ninguém. Vocês não ligaram para o que eu passei
nesses dias. Eu estava sofrendo por sua morte, Alessandro, agora
descubro que todos sabiam que estava vivo ― sibilou. ― E o pior:
que já planejava fazer isso.
― Claro que nos importamos… ― começou Stefano, mas ela o
interrompeu:
― Não! Só pensam em vocês mesmos. Fiquei muitas noites sem
dormir ou comer; enquanto isso, todos sabiam. Até você, Jade! Eu
achei que fôssemos irmãs…
Jade estava encolhida perto do marido.
― Não fale com ela assim ― rosnou Luca.
Fuzilei-o, alertando-o com o olhar para mudar seu tom de voz.
― O assunto não é com você! ― Luna rugiu. ― Todos são egoístas.
Jade saiu chorando até a cozinha. Luca a seguiu, depois de fulminar
Luna. Se ele fizesse isso de novo, o sangue derramado seria o seu.
A garota estava certa, éramos todos culpados.
― Luna! ― começou Alessandro, usando seu tom de chefe. Hora
errada para isso, só fez com que se sentisse mais irada.
― Que gritaria é essa? Assustaram a Graziela. ― Mia entrou na
sala, avaliando-nos.
― Você também se juntou aos traidores?
― Traidores? ― Mia piscou.
― Sabia que Alessandro não estava morto? ― Mia não respondeu,
e Luna soltou uma risada sombria. ― Confiava em você e a tinha
como uma irmã. Mas mentiu para mim! Não me revelou e me deixou
sofrendo.
― Luna…
― Você não passa de uma…
― Agora chega, Luna! ― exclamou Alessandro.
Se ele gritasse novamente com ela, eu o derrubaria. Luna sofria por
nossa irresponsabilidade.
A atmosfera mudou.
― Luna, se controle ― pedi, pois não queria matar meu amigo, mas
também não deveria desafiar Alessandro na frente de sua família
inteira. Precisava acalmar os ânimos.
― Eu confiava em você, mas ficou do lado do meu irmão e contra
mim. ― Sua voz, céus, parecia morta.
― Não há lados, era para a proteção de todos. ― Para a sua, por
isso estou mentindo, pensei.
― Não. Luca contou para a Jade. Alessandro contou para a Mia. E
você deveria ter me dito. Mas agora sei que tudo o que falou foi
mentira.
Vi Stefano e Rafaelle estreitando os olhos para mim. Eles tinham
conhecimento de que eu não sabia? Ou pensariam que Christian me
disse?
Mia suspirou.
― Entendo que esteja sofrendo, mas isso não justifica os insultos!
Para o seu governo, eu só soube alguns dias atrás, depois de ter
apontado uma arma contra Rafaelle para tentar matá-lo.
Isso me pegou de surpresa. Estava tão focado em ajudar Luna que
mal reparei ao redor. Seria por isso que Emília foi sequestrada?
Devia ter sido mais atento.
― Eu pensava que ele tinha assassinado o irmão. Imagina essa
dor? ― Mia respirou fundo. ― Confiava em Rafaelle, mas na hora,
eu só quis vê-lo sangrar, então peguei uma arma e fui ao local onde
sabia que ele estava. Tudo em mim gritava para que eu puxasse o
gatilho; não compreende a vontade que tive de fazer isso. Ele tinha
mandado minha filha embora, enquanto fui levada por alguém que
não conhecia, sozinha, desolada por achar que quem eu mais
amava estava morto, assassinado por seu próprio irmão. Isso é dor,
Luna, isso é ser enganada.
Luna encarava Rafaelle e Alessandro, chocada demais para
verbalizar algo.
― Estou furiosa com os três, sim, por terem mentido para mim, mas
entendi algumas coisas. Alessandro não é só o seu irmão, assim
como não é só o meu noivo. Ele é um capo e precisava enfrentar os
inimigos que estavam machucando inocentes; pegando filhas dos
seus homens leais e dando aos Rodins para fazerem tudo o que
quisessem. Para estuprarem, quebrá-las e só então as matarem.
Disso eu tinha conhecimento. Finalmente, nessa madrugada, foram
pegos.
― Luna, coloque na sua cabeça: esses homens eram da pior
espécie. Pense no que eles podiam ter feito com você e Graziela
quando invadiram a nossa casa e botaram fogo? Se um deles
colocasse as mãos em uma das duas? Como seus irmãos ficariam?
E até mesmo eu? Seu irmão quase morreu para limpar o seu povo
de gente assim. Aceito que esteja com raiva agora, entretanto,
espero que um dia possa entender e se colocar no lugar dele.
Alessandro carrega esse peso nas costas e não se preocupa
apenas com a nossa segurança, mas com a de uma nação inteira.
Nação esta que estava infestada de pessoas capazes das piores
crueldades que nem sequer imaginou ou presenciou na vida.
A respiração de Luna engatou, com certeza lembrando o que quase
aconteceu a ela.
― Lamento por dizer essas verdades, mas você precisa entender a
extensão das coisas aqui. Todos a tratam como frágil, mas você não
é. Você é forte e saberá lidar com essa dor que está sentindo agora.
Apenas agradeça por seus irmãos estarem vivos, porque nisso tudo,
um dos três quase se foi de verdade, e por minhas mãos. Peço que
agora conversem em voz baixa, sem discussão. Não quero minha
filha ouvindo palavrões e irmãos se pegando. Passarei mais tempo
com ela e a tranquilizarei. Enquanto isso, se entenda com seus
irmãos, Luna. Ou reflita sobre o que contei ― Mia, por fim, terminou
o seu discurso.
― Não quero conversar com ninguém. ― Lançou-me um olhar
gélido e subiu as escadas chorando.
Queria explicar melhor, mas Mia me impediu, argumentando que
Luna necessitava de um tempo.
Expirei fundo, furioso comigo mesmo. Eu também tinha parte nisso,
porém, agora precisava trazer Emília e Emma em segurança para
casa. Depois lidaria com as consequências da minha decisão. Saí
da mansão, aproveitando que todos estavam distraídos.
Recebi uma mensagem de Death: “Pegue o trem para Gênova e vá
para o porto. Embarque no navio ancorado lá. Assim que chegar, eu
informo o lugar exato”.
Reprimi meu medo de ser tarde demais e a dor ― a minha, a de
Luna e a da minha irmã ―, focando em salvá-las.
Outra veio na sequência: “Siga meus homens. Se tentar algo, ou eu
suspeitar do seu comportamento, cortarei a criança em pedaços”.
Tremendo, mandei uma mensagem ao Shadow enquanto subia no
trem: “Nada ainda? Precisam se apressar. Tão logo ele me tiver em
seu poder, os três correrão perigo dobrado. Não acredito que os
soltará”. Respondeu: “Ainda não, mas há amigos meus procurando.
Cuide-se, Miguel”.
Eu necessitava fazer mais uma ligação antes de enfrentar meu
destino.
― Miguel, não tive tempo de falar com você ― disse assim que
atendeu. ― Lamento pelo que aconteceu entre você e Luna, ela
voltará a si em breve, só dê tempo a ela.
Alessandro achava que eu sabia de tudo?
― Diga a Rafaelle que temos contas a acertar. ― Com certeza, foi
ele quem decidiu não me contar.
Houve silêncio.
― Do que está falando? Ele não teve escolha…
― Não ― cortei-o. ― Seu irmão não me falou que você sobreviveu,
me deixou no escuro. Descobri hoje cedo.
― Quem lhe contou? E se não sabia, por que Luna pensa o
contrário? ― Soava confuso e irritado.
― Não importa, só estou ligando para pedir que tome conta dela por
mim. ― Desci do trem e peguei um táxi. ― Fico feliz por estar vivo.
― Miguel, o que está acontecendo? Parece uma despedida… É
temporário, Luna é incapaz de odiar alguém. Além disso, se não
sabia sobre mim, confesse a ela.
― Não tem nada a ver com ela ― eu o interrompi, expirando. ―
Emília, Emma e Daemon foram sequestrados. Farei uma troca com
Death.
― Você por eles?! ― Sua voz se elevou.
― Sim, estou indo para o lugar marcado, mas peço que não venha
me procurar, ao menos até os três serem salvos. Solicitei a ajuda
dos MCs.
― Miguel…
― Death está de olho nos capos, inclusive sabia que você
sobreviveu, foi ele quem me disse. Sairemos do porto de Gênova.
Com certeza, me levará ao México ou aos Estados Unidos, ao seu
território.
― Assim que estiverem livres, vou encontrá-lo nem que seja no fim
do mundo. ― Suspirou. ― Continue vivo, seja forte. Nada acontece
em meu território sem eu saber, vou procurar em cada centímetro
deste país. Como Death entrou na minha área, tenho motivos para
invadir a dele.
― O FBI está atrás de Death, não se meta nisso ou poderá trazer
problemas para os Destruttores.
― Acha que deixarei você morrer? Fique tranquilo, disponho de
muitos federais na folha de pagamento, vou cuidar disso. Depois
que sua família estiver livre.
― Proteja Luna ― supliquei.
― Ninguém tocará nela ― jurou. ― Seja forte, igual foi para entrar
no cartel.
Eu seria, pois tinha um motivo grande para aguentar: Luna, a mulher
que me possuía de corpo e alma.
Capítulo 28

Miguel

Após desligar o telefone, me dediquei a salvar minhas garotas e


meu cunhado. Não temia o que enfrentaria, mas o que podia
acontecer a elas. Isso demorou demais, e eu estava ali, impotente,
em frente ao porto, pensando em qual navio deveria pegar. Death
poderia me levar a qualquer lugar. Como meus amigos me
encontrariam?
― O chefe achou que não viria. ― Ouvi uma voz atrás de mim.
Virei-me, dando de cara com um homem alto e barbudo. ― Jogue
seu telefone fora e me siga sem fazer perguntas.
Obedeci. Não rumamos a um barco; devia saber que Death não me
detalharia seu plano antecipadamente, mas eu andava tão
consternado que não pensei direito. Agora, Alessandro seguiria uma
pista errada.
Antes de entrar no sedã preto, fui revistado. Rodamos por alguns
minutos, então subimos em um helicóptero e viajamos por mais
meia hora, pousando ao final em uma espécie de heliporto
clandestino, no meio do nada. Dali, me encaminharam a um jatinho.
― Quero falar com Death para saber como estão minha irmã e
sobrinha. ― Segurei-me para não socar o bastardo. Death riria da
minha fraqueza.
― Logo chegaremos. Lá, saberá ― respondeu o cara.
Voamos por quase duas horas, ou seja, não iríamos ao México ou
aos Estados Unidos. Assumi que nos situávamos em algum lugar da
Itália, Espanha ou Albânia. Este último dificultaria para me
encontrarem. A esperança de sair vivo se esvaeceu. Alessandro
invadiria o México, assim como meu pessoal, mas não me
encontrariam.
Antes de descer do avião, me colocaram um capuz. No entanto,
uma rápida olhadela ao redor me permitiu definir: sim, era a Albânia.
Alessandro derrubou o chefe dos albaneses e os seus negócios,
mas, pelo visto, sobrara algum que se aliou ao Death para me
derrubar.
A morte é algo que eu aceitara havia muito tempo. Com a vida que
levava, poderia acontecer a qualquer momento. Mas não queria que
as pessoas que eu amava sofressem por minha causa, como a
Luna, Emília e Emma, as mulheres da minha vida.
O carro parou e fui puxado para fora sem muita cerimônia. Andamos
mais um pouco e ouvi uma porta sendo aberta. Podia sentir olhos
sobre mim e escutar sussurros.
Algemaram meus pulsos e me suspenderam em algum lugar.
Depois, o capuz se foi.
Pisquei, me deparando com um ringue e uma arena lotada. Vários
albaneses e homens de Death estavam ali. O maldito se sentava ao
lado de um cara que nunca vi pessoalmente, mas identifiquei de
imediato: Zalber, irmão de Skender, o cara que perseguia Mia.
― Vejo que se aliou aos albaneses após Alessandro eliminar os
Rodins ― falei ao Death.
― Já éramos amigos antes dessa merda toda acontecer. Não posso
fechar meu negócio lucrativo. Mulheres e drogas geram um monte
de dinheiro. ― Apontou para Zalber. ― Ele compreende isso e vai
ocupar o cargo do irmão.
― Alessandro mandou matarem Skender ― disse Zalber. ―
Embora eu, pessoalmente, não me importe, preciso me vingar do
capo Destruttore de alguma forma. ― Riu, frio.
― Você roubou o que era para ser meu com a ajuda de Alessandro.
― Death me fulminou. ― Agora pagará com a vida.
Então essa vingança não era por ter matado um dos irmãos de
Death, e sim por eu ter substituído o outro como líder dos Lobos
Solitários…
― Onde está a Emília?
― Ali. ― Gesticulou para um telão na parede, à sua direita.
Enxerguei-a com homens ao redor. Bem na hora, a porta do lugar
explodiu e os MCs entraram no local. Senti alívio por vê-la segura
de novo.
― Sou um homem de palavra, falei que os soltaria caso viesse ―
disse Death. ― Assim que terminar com você, pegarei o que é meu
por direito, o México inteiro.
― Terá que derrotar Escobar, não acho que consiga. ― Ele era
chefe de outro cartel no México.
Escobar estava interessado na namorada de Axel, mas no final
acabou fazendo uma aliança com os MCs e comigo. Ele tinha um
ponto fraco, uma irmã que vivia como uma civil. Poucos sabiam da
existência dela ― eu descobri porque Christian me informou.
― Lido com ele depois. ― Sorriu. ― Agora o meu foco é você.
Rasgou minha camiseta, me deixando nu na parte de cima, e ficou
na minha frente com uma faca na mão. Antecipei o que estava por
vir.
Considerei minhas opções, agora que minha família estava livre,
mas não vi nenhuma brecha. A única forma era suportar tudo e
torcer para ser encontrado. Podia ver nos olhos de todos o quanto
desejavam ter sua vez comigo.
― Vai implorar por misericórdia ― disse o albanês.
Sorri.
― Jamais. ― Eu só suplicaria se minha família estivesse presa.
Decerto desconheciam o que passei para chegar ali.
― Veremos. Optei por algo além da mera vingança. Deixarei que
lute com vinte dos meus melhores homens. Será que, no final, ainda
terá esse sorriso? Mesmo se sobreviver, eu o farei sangrar como um
porco. Depois, mandarei seus pedaços ao seu pessoal, convidando-
os a se juntar a mim, em vez de morrer por um fraco que se deu em
troca de sua família. Um chefe deve pensar primeiro em si.
Quis rir, mas evitei. Todos os meus seguidores nunca
compactuariam com isso, não após seu antigo chefe, Hector, matar
Rocío Alcala, um dos caras mais legais com que tive o prazer de
trabalhar. Foi quem me colocou dentro do cartel. Hector puxou o
gatilho ao perceber que Rocío gostava de uma tal dançarina; não
aceitou que outro a tocasse. Matou os dois.
― Ouvi que é um bom lutador ― disse o albanês, sorrindo. ―
Vamos ver como se sai.
Eles pareciam muito satisfeitos para o meu gosto, com certeza
tinham algo planejado.
Um dos caras veio e soltou minhas mãos das algemas. Poderia lutar
para fugir, mas não sabia onde estava e só ali em volta havia uns
cem homens. Guiou-me à arena, mas antes que eu chegasse ao
topo, Death me chamou:
― Ah, Miguel? ― Virei-me. O maldito apontava a arma para mim e
puxou o gatilho. ― Algo para motivá-lo.
Dei um passo para trás com o impacto de bala no ombro; o sangue
escorreu por minha barriga. Trinquei os dentes, mas não gritei. Claro
que não seria uma luta justa, esses idiotas estavam brincando
comigo.
― A cada luta, um tiro ― zombou.
Parei de ouvir, pois meu adversário com quase dois metros de altura
entrou no ringue. Seu tamanho pouco me dizia, o que importava era
sua habilidade. Embora meu braço fosse dificultar tudo.
― Vou matá-lo e foder todos os buracos da sua mulher ― provocou-
me.
Lancei-me contra ele e soquei a sua cara. A luta começou de
verdade. Tentei esquecer a dor da bala, necessitava sobreviver.
Meu rival acertava o ferimento sempre que tinha chance. Se não
terminasse logo, eu desmaiaria.
A fúria me consumiu; era melhor ela me dominar do que a dor
excruciante.
― Aqui. ― Death jogou uma faca ao seu cara.
― Isso é trapaça! ― Fervia de raiva.
Death sorriu e estalou os dedos, ao que mais homens se juntaram à
briga. Ouvi muitas histórias sobre esse cara: ele não tinha pressa de
matar, gostava de se divertir.
Lutei mesmo ferido. Derrotei alguns, mas a dor piorava. No
momento, totalizava duas facadas e três tiros, sendo o primeiro no
ombro, perto de onde eu fora baleado algum tempo atrás; o
segundo, na perna; e, o terceiro, no braço direito. Death sabia os
pontos fracos de um homem; ele queria me ver ferido, e não morto
de imediato.
― Porra! ― rosnei.
― Está pronto para implorar? ― perguntou. ― Basta olhar para a
câmera e dizer as palavras.
Encarei-o e sorri.
― Você é fraco. Um líder de verdade me enfrentaria mano a mano.
Eu nunca mandaria meus homens fazerem o trabalho sujo na hora
de acabar com outro chefe. ― Voltei-me à câmera. ― Jamais me
verá implorando, prefiro morrer.
Death foi ficando cada vez mais irado. Mais alguns minutos se
passaram. Derrotei outros, mas me pegaram igualmente. Eu cuspia
sangue e sentia meu peito todo estourado. A despeito disso,
novamente, convidei-o a lutar comigo.
― Por que faria isso, se tenho servos para me representar? ―
Levantou a arma e atirou na minha outra perna. Caí de joelhos. ―
Não jogo limpo, Miguel. Justamente por essa razão, continuarei
vivo.
Quanto tempo mais eu conseguiria lutar sem apagar? Minhas forças
se esvaíam.
De súbito, porém, a tela brilhou e enxerguei Emma deitada em uma
cama, chorosa. Pisquei, assustado. Lembrei que vi apenas Emília
com os MCs. Supus que Daemon tivesse ido pegá-la.
― Onde ela está? ― rosnei. ― Fizemos um trato!
― Falei que devolveria sua irmã e o motoqueiro, mas essa
garotinha? Ela é seu calcanhar de Aquiles. Obrigará você a lutar
com mais homens e perder. Derrotou quatro deles, mas agora vou
mudar o jogo.
Controlei meu medo. Não deixaria minha pequena se ferir. Se
precisava enfrentar todos para salvá-la, que assim fosse.
― Onde ela está? Aqui? ― Caso se situasse em Chicago, haveria
uma chance dos MCs a acharem.
― Sim. ― Minha esperança se foi como uma luz sendo apagada,
restando só escuridão.
― Onde?
― Não ligue para isso. Se durar vinte minutos sendo espancado por
todos e sobreviver, eu libero a criança. Contudo, se morrer, ela vai
junto ― disse como se me dando um presente.
― Maldito seja, devia ter matado você há anos ― rosnei, forçando-
me a ficar de pé. Ele nunca a soltaria, entretanto, era minha única
chance. Alguém poderia me encontrar antes de eu ser morto e
salvar Emma.
Os homens ao meu redor estavam loucos para ter sua vez comigo.
Levei uma pancada na cabeça e minha visão ficou turva, mas me
equilibrei, embora sentisse o sangue escorrer.
Outro acertou minhas pernas, prostrando-me de joelhos, então os
socos começaram. Para piorar, não foi só isso: com um taco,
bateram em minhas costas. Escutei um estalo, roubando todo o meu
ar.
Precisava ficar vivo, não podia me entregar…
Algo perfurou minha barriga, rasgando a carne. Não gritei ou gemi,
não daria esse gostinho a eles.
A morte seria bem-vinda, mas pensei em Emma à mercê desse
bando de animais. Isso destruiria minha irmã.
Fitei o chão, aceitando o sofrimento.
― Implore por misericórdia! ― ordenou Death.
― Você não me pouparia ― consegui dizer, cuspindo sangue.
― Farei com que suplique.
― Um chefe de verdade nunca implora por nada.
Era a regra dos Lobos Solitários: somos espancados calados, caso
não possamos revidar.
Tombei para a frente, exausto, porém, sem emitir som nenhum. O
chão estava coberto de sangue. Forcei-me a abrir os olhos, pois
sabia que Death aprontaria algo.
Luna, Emma, Emília… Queria ficar vivo por elas, em especial por
minha garotinha.
― Mate a criança ― disse Death. Estremeci. No quarto onde Emma
se encontrava, um cara alto apontava uma arma para ela. ― O quê?
Vai implorar?
A vida da minha família valia mais do que um título. Agora, eu tinha
novos motivos para viver, além do meu legado: Emma, Emília, Luna
e meus amigos, todos valiam a pena. Se meus homens
desertassem por isso, não eram tão honrados quanto eu pensava.
Antes que implorasse para salvar Emma, Arrow adentrou o quarto e
atirou no cara. Neste ínterim, Axel correu até Emma e a pegou nos
braços.
Minha princesa estava a salvo, ou seja, eu poderia escapar desse
martírio.
Cerrei os olhos, dando adeus a todos. Eu me sentia fraco;
concentrar-me em Luna era o que me mantinha acordado. Seu
sorriso lindo enchia meu peito de calor. Queria ter mais uma chance
de lhe dizer tudo que não disse, de passar a vida com ela.
Amo você para sempre, Luna, até que a morte nos separe,
mentalizei. O ditado se tornaria verdadeiro cedo demais.
Capítulo 29

Luna

Um mês depois

Após descobrir que todos mentiram para mim, inclusive Miguel, em


quem eu confiava com todo o meu coração, eu me senti muito
chateada e revoltada.
Meus irmãos tentaram conversar comigo nesse mês que passou,
mas não quis ouvir, ainda magoada com todos, incluindo Mia, a
minha melhor amiga.
Na hora em que ela me disse que quase matou Rafaelle, senti
medo. Amava cada um deles, não suportaria perdê-los, mesmo
ressentida.
Assim que descobri o que fizeram, eu me mudei para a faculdade.
Enfrentei Alessandro e disse que eu iria com ou sem a sua
permissão, pois ninguém me consultou para saber o que eu achava
do seu plano. Ele aceitou, mas a segurança foi reforçada. Não tinha
só homens dele, havia de Miguel também.
Knife voltou a me vigiar, junto ao cowboy e Sage. Pedi a Knife que
fosse embora para não se machucar de novo, mas ele riu, alegando
que era seu trabalho eliminar o perigo. Deixei passar, pois sabia que
nenhum deles arredaria o pé do meu lado.
Miguel não voltou para pedir desculpas ou explicar suas razões para
omitir aquilo
Cheguei a confrontar Alessandro e o senti muito tenso, sem nada
dizer. Então parei de ir lá, só retornei para visitar Graziela quando
meus irmãos não estavam.
Foquei na faculdade e nos meus gatis e canis; era melhor do que
pensar no sumiço de Miguel. Isso estava acabando comigo, tanto
que mal conseguia comer ou dormir direito. Queria ligar para ele,
mas como não veio e não se deu ao trabalho de se desculpar,
desisti.
Escorei minha testa na pia, tentando estabilizar os enjoos. Tinha
acabado de vomitar, e não foi a primeira vez. Eu me sentia
esgotada.
― Precisa procurar um médico, ou terei que relatar aos seus irmãos
― ameaçou Sage. ― Sempre a cubro, mas está ficando muito
magra.
― Marquei um para hoje, em Veneza, pois vou visitar mamãe lá. ―
Fazia tempo que não ia à sua lápide para trocar as flores e ajeitar
tudo, ainda mais após a mansão da fazenda ter sido explodida pelos
homens que queriam Jade, algum tempo atrás.
― Veneza? ― indagou. ― Preciso organizar o translado com seus
irmãos.
Fiz uma careta.
― Tanto faz, contanto que eles não vão junto. ― Preferiria nem ir ao
médico, mas se continuasse assim, Sage chamaria Alessandro.
Peguei minha bolsa e saí do apartamento. Usava um vestido preto.
Andava me trajando desta forma, com as roupas tão escuras quanto
a minha vida. A única pessoa da minha família com quem ainda
conversava era Jade; não queria estressá-la, pois estava grávida.
Respirei fundo, limpando as lágrimas e focando no presente. No dia
seguinte, seria o casamento de Alessandro e Mia. Apesar de tudo,
estava feliz pelos dois. Ambos mereciam.
Mia me convidou para ser sua dama de honra, porém, eu não sabia
o que faria. Eu me concentraria em minha saúde física e mental, ou
meus irmãos acabariam me internando.
Após o jatinho pousar, rumei ao consultório médico.
― O que você está sentindo, senhorita Morelli? ― perguntou o
doutor.
Vazio, dor e angústia.
― Náuseas, tontura… Tudo que como, boto para fora. ― Temi ser
câncer, como o de mamãe. Ela também não conseguia se alimentar
quando adoeceu.
O senhor de meia-idade solicitou alguns exames, que eu poderia
fazer ali mesmo. Meia hora depois, voltei à sua sala para saber os
resultados. Sorrindo, ele contou:
― Você está grávida de sete semanas, aproximadamente.
Eu não estava preparada para ouvir aquilo. Pisquei, chocada.
Avoada o mês inteiro, notei só naquele instante que minha
menstruação atrasara.
― Grávida? ― falei comigo mesma.
Levei minha mão à barriga plana. Em alguns meses, ficaria grande.
Não acreditava que ali havia uma vida, um ser metade eu, metade
Miguel.
― Sim, meus parabéns. Agora, faremos um ultrassom, saberemos
como está a criança.
O anel de noivado que Miguel me deu pendia da corrente em meu
pescoço. Não o usava mais. De qualquer maneira, encararia a
gravidez como uma benção, tal mamãe o fez.
Deitei na maca para prosseguirmos com a ecografia.
― Oh, está ouvindo esse som? É o coração. ― Sorriu para mim.
― Coração? ― Mirei a tela.
― Sim, o de um deles, ao menos. ― Indicou dois pontinhos
pulsantes borrados. ― Aqui está o do outro.
Ofeguei.
― Gêmeos?
― Sim. Mas ainda é cedo, descobriremos o sexo apenas no
ultrassom do seu segundo trimestre, caso queira.
Não importava o que eram. Sentia-me imensamente feliz com essa
notícia. Será que mamãe também ficou assim quando engravidou
de nós cinco?
O doutor me deu as imagens e o laudo do exame, receitando
remédios para o enjoo. Deixei marcada a próxima consulta, me vesti
e saí.
Estava em êxtase. Devia me preocupar por engravidar fora do
casamento, mas não ligava, contente demais com esse presente de
Deus.
Sage perguntou o que eu tinha. Menti, dizendo que carecia somente
de algumas vitaminas e de uma alimentação mais balanceada.
Chegando ao carro, Knife indagou, educado:
― Aonde vamos, senhorita?
― Para o cemitério. ― Precisava falar com a minha mãe, contar
essa novidade maravilhosa a ela.
Em sua lápide, depositei o buquê de peônias, suas favoritas. Sentei
no chão e pedi privacidade aos seguranças.
― Olá, mamãe, voltei. Hoje não vim lamentar, e sim contar que
estou esperando dois bebês. Darei a eles tudo que a senhora
sempre nos ofereceu: amor e respeito. ― Abracei meus joelhos,
chorando. ― Se você estivesse aqui, seria tão mais fácil lidar com
tudo. ― Olhei para a foto dela sorridente. ― É difícil ficar longe dos
meus irmãos. E de Miguel… Queria ouvir sua risada, sentir seu
cheiro. Eu o amo tanto, mãe, não sei como viver sem ele. Mas como
perdoar Miguel e meus irmãos?
― Foi necessário, Luna, não podia arriscar a vida do meu povo e da
minha família. Estava cercado de traidores. ― Escutei a voz de
Alessandro. Levantei a cabeça, me deparando com a sua expressão
triste. Ao me ver chorando, encolheu-se e se abaixou na minha
frente. ― Sei que está doendo, mas tente entender que não tive
escolha. Lamento por quebrar a sua confiança.
Alessandro não costumava demonstrar o que sentia, mas conforme
sua relação com Mia avançava, passou a se abrir mais.
― Dói tanto que sinto minha alma se desfazendo aos poucos.
― Oh, pequena, queria poder interromper seu sofrimento. ― Tocou
meu rosto molhado. ― Não acha que toda essa mágoa já não é
mais pelo que omitimos, e sim por sua briga com Miguel?
― Talvez. Ele escondeu a verdade sobre você. Miguel me viu
destruída e não revelou nada!
― Ele não sabia que eu estava vivo. Rafaelle inicialmente lhe
contou o plano, mas Miguel não aceitou mentir para você. Por isso,
quando a morte quase foi real, ao descobrir que sobrevivi, Rafaelle
manteve Miguel de fora.
Ofeguei e fiquei de pé, sacudindo a cabeça.
― Então por que ele disse que sabia? Não faz sentido!
Alessandro se levantou também.
― Teve seus motivos, mas não posso lhe falar agora.
Ri, amarga.
― Claro que não pode… Que grandes irmãos eu tenho. ― Dei as
costas para ir embora.
― Por que não me contou o que Gael fez com a Jade? ―
pronunciou o nome do cara com ódio.
Parei, virando para ele. Não tínhamos conversado direito a respeito
disso. Havia muitos problemas na época, inimigos e traidores.
― É diferente…
― É igual, você guardou o segredo dela porque Jade pediu. Faço o
mesmo por Miguel, não quebrarei a confiança dele. No meu lugar,
você agiria como eu, se a minha segurança dependesse disso. ―
Sua voz saiu baixa.
― Significa que ele sumiu para me proteger? ― indaguei,
desconfiada.
― Sim. Pelas pessoas que ama, Miguel é capaz de tudo. Eu
também. ― Deu um passo na minha direção. ― Tudo se resolverá
em breve. Quando seu namorado retornar, ouça seus motivos.
― Por que eu deveria? Um mês se passou, sem notícia nenhuma! E
agora descubro que não sabia de você, mas mentiu que sim. ―
Uma apunhalada atrás da outra.
― Converse com ele, Luna. Miguel voltará.
― Ele está bem? Não está ferido ou algo assim? ― sondei,
preocupada. Era um dos meus maiores medos ao longo dos últimos
dias.
― Miguel é leal. Confie nele ― desviou da pergunta, tocando na
minha corrente. ― Quando deu isso a você?
― Algum tempo depois do incêndio. Pretendia esperar seus
problemas com os inimigos acabarem, antes de revelar… ― Minha
voz falhou. ― Então tudo virou pó.
― Só acabará se você quiser. Sei que o ama, e o sentimento é
recíproco. ― Beijou minha cabeça. ― Você é boa demais para este
nosso mundo, Luna, deveria ter nascido lá fora, mas sou feliz por
ser seu irmão. Você e Jade são nossas luzes, minha, de Rafaelle e
de Stefano. As duas nos impediram de nos transformarmos em
monstros semelhantes a Marco.
Meu coração balançou.
― Sabe que não penso que vocês são como ele, só disse aquilo
pois estava com raiva. Os três nos protegeram o quanto puderam,
sou grata por isso. ― Acariciei o coração do meu irmão. ― Eu o
amo demais, desejo que seja feliz.
― Obrigado, princesa ― disse, terno. ― Amanhã é o meu
casamento, gostaria que comparecesse. Não seria o mesmo se não
estivesse lá.
― Vou pensar nisso…
― É tudo que peço. Agora me diga, por que foi ao médico? ―
Avaliou-me. ― Não anda comendo?
― Não muito, me falta fome…
― O que o doutor receitou? ― inquiriu, desconfiado. ― Preciso falar
com ele, está muito magra.
― Não! ― Queria contar ao Miguel primeiro, mas pela cara do meu
irmão, ele investigaria a causa.
Estreitou os olhos.
― O que não quer que eu saiba?
Peguei o laudo do ultrassom e entreguei a ele.
― Estou grávida de dois bebês, acabei de descobrir. Ando enjoada
por conta disso. ― Coloquei a mão na barriga. ― Não sabia que a
ideia de ser mãe me deixaria tão feliz, é um sentimento maravilhoso!
Alessandro estava paralisado com a foto na mão.
― Grávida? ― disse, entre a surpresa e a raiva.
― Não aceitarei que fique brabo comigo ou com Miguel. Tenho o
mesmo direito que vocês de transar antes do casamento. Nós nos
amamos. ― Eu me encolhi. ― Ou melhor, eu achei que ele me
amava…
Substituiu sua expressão por uma mais serena.
― Miguel adora o chão em que pisa, Luna. Do contrário, eu não
confiaria nele para cuidar de você… Fico alegre pelos dois.
― Obrigada. Não conte nada a ele, eu falarei assim que o encontrar
― pedi. Alessandro assentiu. Eu o abracei forte. ― Não quero
nunca mais pensar que perdi você ― sussurrei.
― Oh, princesa, jamais a farei sofrer de novo. ― Tocou minha testa.
― Agora vamos embora, precisa se alimentar, estando grávida de
dois. Merda! Miguel terá as mãos cheias se forem meninas e
puxarem a você. ― Sorriu.
Ri também.
― Acha que ele vai gostar de ser pai?
― Miguel é um homem leal aos seus, adora seu povo e sua família.
Ele a venera, Luna. Por você, o cara iria ao Inferno ― pela forma
que disse, parecia indicar algo mais sério. ― Tudo se ajeitará.
Estava louca para saber o que Miguel pensaria e conhecer seus
motivos para mentir. Se Alessandro o defendia e até torcia por nós
dois, eu provavelmente o perdoaria também. Caso fosse um
problema grave, meu irmão teria acabado com seu amigo.
Tentei ligar para o celular de Miguel, mas estava fora da área de
cobertura. Então planejei encontrá-lo no casamento de Alessandro;
ele não faltaria ao evento.
Eu seria capaz de desculpá-lo?
Capítulo 30

Luna

Era o casamento do meu irmão e da Mia. Finalmente, pude


entender o lado de Alessandro e perdoá-lo. Ele só queria viabilizar
um ambiente mais seguro a todos nós, protegendo principalmente
Graziela, um anjinho que não tinha culpa de nada.
Eu também manteria meus bebês seguros; sacrificaria tudo por eles.
Sentia que meu coração explodiria de emoção. Havia muito tempo
sonhava em ter crianças na nossa família, então apareceu Graziela,
que alegrava nossos dias; depois, a gravidez de Jade; e, agora,
recebera a notícia da minha própria.
Precisava contar para Miguel, mas não o vi em lugar nenhum, a
despeito da igreja lotada. Desisti e fui ao encontro de Mia.
― O presente é esse par de brincos de diamante que foram da
minha mãe. Eu quero que fique com eles ― ouvi Jade dizer lá
dentro.
― Obrigada. ― Mia parecia emocionada. ― Agora só falta algo
emprestado.
― Tenho uma coisa para isso que vai funcionar. ― Entrei na salinha
com uma tiara prateada na mão. Estava nervosa e emocionada por
vê-la feliz. ― Posso emprestar a você. ― Mia ficou calada, chocada
por eu falar com ela de novo. ― Posso colocar em você? Sinto
muito por ter me afastado, mas precisava muito desse tempo
sozinha. Só lamento por magoar você.
― Também sinto por ter escondido tudo de você, quero que saiba
que entendo sua necessidade de tempo. Por isso fiquei longe, mas
senti muito a sua falta. ― Abraçou-me.
Posicionei a tiara em sua cabeça.
― Está realmente de tirar o fôlego. Acho que me lembro de ter
ouvido que você gostaria que eu fosse a sua dama de honra, não é?
Eu usava um vestido semelhante ao da Graziela.
― Como você está realmente? ― sondou.
Evitaria contar tudo, não queria estragar seu casamento e sua lua
de mel. Esquivei-me:
― Bem. Agora chega de falar de mim. Depois conversamos mais.
― E Miguel?
― Não quero falar sobre ele, ok? ― Ou, com certeza, começaria a
chorar. Aquele era o dia dela.
Stefano me salvou, entrando na sala após bater à porta.
Surpreendeu-se ao me ver. Eu não disse a ninguém que iria.
― Luna…
Não o deixei terminar. Corri na sua direção e o abracei, sentindo
uma falta danada dele. Soube por Sage que ele dormia toda noite
no meu apartamento, mas saía assim que eu acordava.
― Ei, pequena, não chore. Isso acaba comigo ― pediu.
― Todo casamento tem choro. ― Jade soava melancólica.
Rafaelle surgiu.
― Chegou a hora. Por que a demora? Alessandro está impaciente
no altar… Luna?
Fui até ele e o abracei também.
― Senti falta de vocês ― falei. Eu definitivamente não apreciava a
solidão.
― Lamento pelo que fizemos e pelo que você passou. Mas foi para
o bem de todos ― murmurou, sincero.
Assumimos nossos postos. Era bom estar ali, vendo a alegria do
meu irmão e da Mia. Custava a acreditar que Alessandro tinha uma
esposa.
― Alguém me belisque, não creio que o capo foi domado ― Stefano
disse.
Eu ri.
― Agora falta Rafaelle e você. ― Estava perto dos dois. ― Quem
será o próximo?
Bufou.
― Vire essa boca pra lá. ― Fez uma careta. ― Rafaelle pode se
apaixonar, eu estou fora.
Rafaelle suspirou; tinha algo em sua face, diferente de antes. Foi
breve, sumiu ao sorrir.
― Sem chance, temos um império a reerguer. ― Seu sorriso não
chegava aos olhos. ― Acho que devia ir falar com ele.
Virei para onde indicou e enxerguei Miguel escorado na parede.
Meu coração acelerou; precisei de um segundo para me recuperar.
Antes que eu respondesse, chegou a hora de jogar o buque, que
Mia atirou direto em minhas mãos. Em outro momento, eu teria
ficado em êxtase, mas agora? Nem tanto.
Respirei fundo. Estava difícil segurar as pontas sem chorar, mas era
adulta e deveria agir de acordo. Falaria com Miguel.
Ele saiu de onde estava e foi na direção do banheiro. Assenti aos
meus irmãos e o segui. Se ele não me queria mais, precisava me
dizer. Eu aceitaria. Mas pela forma como me fitou, parecia me amar
ainda.
Fiquei na porta do banheiro, esperando que saísse.
― Porra! ― praguejou lá dentro. Havia dor em sua voz.
Corri ao seu encontro, preocupada. Entrei jurando estar preparada
para tudo, mas me enganei.
― Oh, meu Deus! ― Ofeguei de pavor ao vê-lo sem camisa, cheio
de cortes nas costas, com sinais de pontos recentes.
Virou-se. Seu peito não estava diferente, aliás, parecia pior. Fora
esfaqueado várias vezes.
― Luna… ― Sorriu como se eu fosse sua pessoa preferida no
mundo. Deu um passo até mim, mas cambaleou e, para não cair,
segurou-se na pia.
Alguém o torturou, e não foi pouco. Corri até ele e o firmei.
― Miguel, por Deus, o que houve com você? ― Tentei controlar a
angústia.
Ele riu, tocando meu rosto. Notei seus dedos também machucados,
quase cicatrizados.
― Fui ao Inferno, mas você me tirou de lá. ― Fechou os olhos.
― Miguel, não apague ― supliquei, mas ele desmaiou em cima de
mim. Como eu não podia carregar peso, ajoelhei-me. ― Socorro!
Não demorou um segundo para homens armados surgirem,
procurando o motivo da gritaria. Rafaelle e Stefano vinham na
frente.
― Luna! ― Rafaelle guardou a arma e se apressou até mim.
― Ele desmaiou, está tão machucado. ― Chorei com a cena
horrenda.
― Eu sei, princesa, agora me deixe segurá-lo ― pediu num tom
triste. ― Ele disse que estava bom para vir aqui hoje.
― Pelo visto, não estava ― falou Stefano. ― Quer que eu avise
Alessandro?
― Não precisa, vou levá-lo ― disse Christian, o amigo de Miguel. ―
Ele não queria deixar de vir no casamento do amigo e também… ―
mirou-me ― queria ver você.
Estava entorpecida. Contive minhas emoções para cuidar de Miguel.
― Eu vou junto!
Rafaelle assentiu.
― Tudo bem, seguirei vocês até lá.
Entrei no carro de Christian e coloquei a cabeça de Miguel na minha
perna. Stefano foi com meu irmão.
Notei sua barba raspada e o cabelo curto. Também reparei nas
cicatrizes que inexistiam antes. Seguimos em silêncio, comigo
olhando aquele rosto que assombrava minhas noites e meus dias.
Chegamos a um prédio imenso.
― É melhor irmos ao hospital, sua respiração está desigual. ―
Entrei em pânico.
Christian gritou para alguém assim que parou o carro. Um homem
vestido de branco trouxe uma maca, na qual colocaram Miguel.
Correram para dentro do prédio. Fui atrás.
― Falei para ele não sair, ou suas costelas piorariam. Porra, só faz
cinco dias que abriu os olhos ― disse o cara, enraivecido.
― Só tome conta dele ― mandou Christian.
― Ele ficará bem, mas precisa algemá-lo na cama, ou teremos que
fazer outra cirurgia.
Acomodou Miguel em um quarto. Após ajeitar os aparelhos e o soro,
checou-o mais uma vez, ministrando um remédio para a dor. Saiu
dizendo que Miguel era o pior paciente de todos.
― Quero saber o que houve ― perguntei, direta, a Stefano e
Rafaelle. Hesitaram. ― Agora, ou eu juro que podem esquecer que
sou irmã de vocês. Criarei meus bebês longe dos tios. ― Estava
blefando, mas necessitava de respostas.
― Bebês? ― Rafaelle piscou, encarando a minha barriga, tão
abismado quanto Alessandro quando soube.
Stefano explodiu e deu um passo na direção de Miguel.
― Quero a verdade agora! ― rosnei, perdendo a paciência, pondo-
me na frente do meu noivo.
― No dia do acidente de Alessandro, Miguel disse que não
esconderia a armação de você, ele me enfrentou, inclusive ―
começou Rafaelle. ― Não queria que você sofresse, por isso o
mantive fora de tudo.
― Sim, Alessandro me contou essa parte. Quero saber dos
machucados. Ele foi torturado? Há quanto tempo está assim?
― Quando descobriu a verdade, Miguel me ligou, furioso ― disse
Christian. ― Ele soube pois havia falado com Death. O merda lhe
telefonou avisando que tinha capturado Emília, Emma e Daemon.
― Os três estão bem?!
― Sim ― assegurou Christian. ― Miguel fez uma troca: ele por
elas. Os MCs começaram a procurar Daemon, e eu foquei no
paradeiro de Miguel. Death não o levaria para o mesmo lugar onde
sua família estava. Elas foram mantidas em Chicago, em um galpão
abandonado.
Peguei a mão de Miguel, tocando seus dedos machucados.
― E quanto a ele, onde estava?
― Supus que no México, pois é o território do Death, mas o
achamos na Albânia. Foi espancado por três dias…
― Três dias? ― Arfei. ― Como sobreviveu?
― Aqueles malditos colocaram um médico cuidando dele, apenas
para mantê-lo vivo. ― Trincou os dentes. ― Miguel estava
irreconhecível; se eu tivesse demorado mais, ele não teria
aguentado. Delirava, chamando seu nome.
― Falou para mim que estava no Inferno, mas eu o tirei de lá. ― A
dor me consumia.
― Acredito que foi por isso que sobreviveu, pela vontade de voltar
para você. O amor é um sentimento poderoso. ― Sua expressão
endureceu, como se isso lhe trouxesse lembranças ruins.
― Não entendo, por que não me disse isso, em vez de me empurrar
para longe?
― Miguel prefere mil vezes sofrer sozinho do que machucá-la. Não
sei ao certo seus motivos, mas se você descobrisse que ele se
entregaria, ficaria arrasada. Afastá-la foi uma forma de protegê-la.
Ele nem tinha ideia se sobreviveria.
― Mas faz um mês! Ele ficou três dias sendo torturado e em coma
todo esse tempo, acordando há cinco dias, e nenhum de vocês me
contou? De novo? ― Virei-me para meus irmãos.
― Eles não sabiam. Havia alguns ratos na organização de Miguel,
foi assim que chegaram à família dele. Eu o escondi, por precaução,
até ficar bom, ou quase. ― Christian olhou para a cama e, depois,
para mim. ― Alguns pensavam que ele tinha morrido, pois não
acharam o corpo, o galpão pegou fogo. Houve um motim no cartel.
Muitos queriam se tornar o novo líder. Assim, desmascarei os
traidores. Agora estão presos. Miguel lidará com eles.
― Soubemos ontem, quando Miguel ligou. Pediu para não dizermos
a você, pois queria contar ele mesmo. ― Stefano me abraçou. ―
Lamento, princesa.
― Estávamos à procura dele, até que chegou à Itália ― emendou
Rafaelle.
― Como sabiam que ele estava vivo? ― indaguei aos meus irmãos.
― Mandei uma foto e uma mensagem, avisando que, tão logo
acordasse, ele voltaria ― explicou Christian. ― Lamento que tenha
sofrido por isso, mas ele precisava se curar para limpar seu povo.
― Se acordou há cinco dias, por que não me procurou antes? ―
Encarei o dono do meu coração, inconsciente e todo arrebentado.
Não concordava com o que fez, mas não discutiria, estava esgotada
e sofrendo por ver Miguel nesse estado.
― Terá que perguntar a ele. Chuto que seja para não ver o que viu
hoje. Dois dias atrás, estava pior ― falou Christian.
Aquiesci. Os três saíram do quarto, me deixando sozinha com
Miguel. Beijei sua face.
― Obrigada por retornar por mim, por nós três.
Adoraria contar a verdade a ele, mas primeiro precisávamos
conversar. Por ora, focaria em sua recuperação.
Capítulo 31

Miguel

Depois de ser espancado, eu apaguei no ringue; até pensei que


houvesse morrido, mas para o meu pesadelo, a coisa só piorou. Já
estive na posição do Death, ao espancar um inimigo meu, só nunca
desci tão baixo como ele, envolvendo inocentes na jogada. Meus
assuntos sempre eram resolvidos com o culpado.
― Chefe, ele vai morrer ― um dos homens do Death disse.
Estava entorpecido devido aos ferimentos, sendo levado a algum
lugar.
― Não vai morrer, cuidarei disso. Um médico o manterá vivo até
que implore. Ele não pode morrer antes de renunciar ao cargo.
Tudo escureceu. Em cativeiro por três dias, sentia a morte
desejando me levar, mas então pensava nela, em Luna, minha luz.
Meus pulsos algemados estavam em carne viva. Tudo em mim
gritava em protesto. “Implore”, esta palavra vinha muito à minha
mente. A cada hora, um deles surgia para me acordar com água
gelada. O médico tratava apenas as feridas potencialmente fatais.
Eu não podia implorar. Morreria de cabeça erguida. Precisava focar
em um objetivo por vez, assim conseguiria lidar com tudo.
Embora minha esperança de continuar vivo se esvaísse, pondo-me
à deriva, Luna me trazia de volta. Não podia partir, isso destruiria o
coração dela mais do que pensar que menti. Lutaria.
Tiros soaram lá fora, me fazendo piscar, deitado em meu próprio
sangue. Recuperei a esperança de que fossem meus amigos. Eu
voltaria para Luna.
As vozes pareciam distantes demais para eu reconhecê-las.
― Tenho Miguel ― gritou alguém. ― Chame Jax, porra!
Christian… Era ele? Então me achou? Não significava que
sobreviveria, o estrago era grande.
― Merda ― praguejou outro. ― Precisamos levá-lo para o
submarino.
Novas vozes se juntaram àquelas duas. Apaguei.

Abri meus olhos, tentando clarear minha mente e pensar no


ocorrido. Sentia um peso em meu peito, me impedindo de me
mover. Recordei, em parte, o que aconteceu comigo
― Achei que não ia levantar mais. ― Emília, sentada em uma
cadeira ao meu lado, com os olhos vermelhos, soava rouca devido
ao choro.
― Emma?! ― As minhas memórias recentes se embaralhavam.
― Ela está bem, não se preocupe. ― Mordeu os lábios. ― Lamento
tanto que tenha sofrido.
― Fico feliz que ela e você… ― Olhei para a sua barriga. ― Vocês
dois estão ok?
Sorriu um pouco.
― Sim. Acabei de fazer o ultrassom.
Acordara cinco dias atrás em Madrid, então me levaram à Itália. Não
queria permanecer longe de Luna, precisava ao menos ficar na
mesma cidade que ela. Passei quase um mês apagado após
Christian me salvar, muita coisa tinha mudado.
Por desejar encontrá-la, fui ao casamento de Alessandro, mesmo
sentindo como se um trator tivesse passado sobre mim. Preferia
todas essas dores a ver aquele vazio nos olhos de Luna quando a
reencontrei. Queria ir até ela, no entanto, comecei a ficar ainda pior;
meu corpo explodia em agonia, por isso me encaminhei depressa
ao banheiro, para me recuperar. No fim, desmaiei.
Agora me situava em uma propriedade de Christian.
― Vi Luna hoje no casamento de Alessandro, como ela está?
O olhar de Emília revirou meu estômago.
― Ela está bem ― tranquilizou-me. Então por que parecia triste? ―
Você está dormindo há quase quatro semanas. Tiveram que fazer
outra cirurgia. Mas Luna não arreda o pé daqui. Colocaram mais
uma cama no quarto, pois ela se negava a sair do seu lado. Há
pouco, o irmão mais velho dela teve de levá-la praticamente à base
de ameaças. Só aceitou sair porque eu pedi um tempo sozinha com
você. ― Emília riu. ― Tão pequena para enfrentar um homem
daqueles.
― Luna é valente ― concordei. Achei bom Alessandro forçá-la a
sair. Estava havia um mês comigo, carecia disso. ― E Daemon?
― Igualmente ótimo. Só falta você se curar. ― Expirou.
O que Emília não estava me contando?
― Tem algo preocupando você? Pode me dizer.
― Tudo bem, sei que logo saberá, então vou falar. ― Pegou o
celular, digitou alguma coisa e me entregou. ― Aqui.
Na manchete do jornal, lia-se que o juiz Ávila foi flagrado abusando
de garotas menores de idade. Por causa da repercussão e também
por estar falido, tentou tirar sua vida, sendo salvo por um
desconhecido.
― Pode ter sido algum dos seus homens quem o ajudou? ― Emília
inquiriu. ― Sei que o vigiava.
“Desconhecido”… Oh, se achavam que meu pessoal o salvou por
nada, estavam redondamente enganados.
― Ele não merece o alívio de um suicídio. Quero que pague com
juros. ― Sonhei com a vingança durante muito tempo.
― Acho que devia parar de se dedicar a isso. Não quero que se
culpe pelo que aconteceu comigo.
― Se eu fosse mais rápido… E ele não fez nada para localizá-la!
― Você era uma criança. Esqueça o passado. Desejo viver o futuro
com Edward, Emma e nosso filho. ― Pegou minha mão. ― Miguel,
você tem uma mulher linda e… que o ama a ponto de não sair do
seu lado nem por um segundo. Viva isso. Ele já perdeu tudo, deixe
pra lá.
Não conseguiria, mas evitaria preocupá-la.
― Prometo não interromper, caso o maldito queira se matar ― era
só o que podia jurar.
Um dos meus homens estava sim de olho nele. Seria julgado e
condenado, afinal, o cara era um corrupto que gostava de
garotinhas. Nojento.
― Obrigada. ― Aproximou-se e beijou meu rosto. ― Fique bom
logo, não quero nunca mais pensar que poderia perder você.
― Farei o possível para evitar que isso aconteça. ― Como chefe do
cartel, sempre correria riscos.
Pensar nisso me levou a lembrar Christian dizendo que havia
traidores entre meus homens. Fiquei puto. Uma vez que não podia
lidar com aquilo no momento, deixei Alfred e Buster encarregados
de castigá-los.
― Seremos mais felizes sem esse peso. ― Às vezes, Emília era
esquentada, mas tinha uma alma boa.
― Sim, seremos. ― Não sabia ao certo sobre isso: minha felicidade
dependia da Luna, a mulher que magoei de forma imperdoável.
― Preciso ir. Luna está para chegar, ela não fica mais de dez
minutos longe de você. ― Tocou meu rosto.
A porta se abriu. Meu coração bateu forte ao enxergá-la. Luna
comprovou as palavras de Emília.
― Já estou de volta… ― iniciou, piscando tão logo nossos olhos se
conectaram.
Stefano vinha logo atrás, seguido por Alessandro.
― Vejo que finalmente deu o ar de sua graça. ― Meu amigo se
aproximou.
Forcei um sorriso, desviando os olhos sem querer da única mulher
que me tinha em suas mãos.
― Não estava pronto para partir. ― Virei para Luna. ― Há muito o
que fazer antes do meu fim.
Emília se colocou de pé.
― Que tal deixarmos os dois conversarem? ― sugeriu minha irmã.
Estava contente por ver meus amigos, mas, nesse instante, só
queria minha menina. Notei seus olhos fundos, um estado
semelhante ao de quando pensou que Alessandro tinha morrido.
― Vou sair, mas ― Stefano me fulminou ― depois teremos contas a
acertar.
Franzi a testa, sem saber ao que se referia.
― Ah, por favor, Stefano ― rosnou Luna, falando pela primeira vez.
― Estou farta disso. Arrume uma namorada e vá pegar no pé dela.
Eu ri, mas me arrependi de imediato, pois parecia que tudo estava
se soltando em meu peito. Retorci-me, ofegante.
Luna correu até mim e acariciou meu rosto, trazendo luz à minha
alma escura. Esqueci a dor, o lugar, as pessoas.
― Você está bem? Posso chamar Jax… ― interrompeu-se com a
minha careta. ― O que foi?
Estabilizei a respiração. Estávamos sozinhos.
― Nada, só vamos deixar Jax em paz, antes que a cabeça dele
exploda.
― De fato, ele ficou furioso por ter ido ao casamento do meu irmão
no mês passado ― comentou, suspirando. ― Você mentiu.
Essas palavras foram como um soco, ainda mais acompanhadas da
dor em seus olhos.
― Lamento, magoá-la foi pior que ser torturado.
Ela se encolheu.
― Não fale besteira, olhe o seu estado! Sobreviveu por um milagre.
― Saiba que nunca a deixaria sofrendo se tivesse ideia de que
Alessandro não morreu. Descobri pois Death me ligou, no jatinho,
dizendo que prendeu Emma, Emília e Daemon. Eu corria o risco de
não voltar, então…
― …ciente de que morreria, não me disse nada. ― Luna se sentia
traída, com razão.
― Teria sofrido mais se soubesse que eu estava em cativeiro, sendo
torturado.
― Se eles o matassem… ― Sentou-se na cadeira à minha frente
com os olhos molhados.
― Não aconteceu. ― Tentei tocar seu rosto, mas tudo ardia; mal
mexi o braço. ― Droga! Maldita dor.
― Miguel… ― Aproximou-se. ― Jax disse que precisará de
fisioterapia para recuperar plenamente os movimentos.
― É uma pena, pretendia me ajoelhar para implorar o seu perdão.
― Não diga bobagens. ― Mordeu os lábios. ― Me mata ver o que
fizeram com você, o que deve ter sentido…
― Ei, Cachinhos, não chore… ― Olhei seus cabelos, mudando de
assunto. ― Eu a vi com os fios lisos na igreja.
― Sim, alisei porque até isso fazia eu me lembrar de você…
Quase chorei junto.
― Entendo. ― Percebi que ela voltara a usar sua aliança. ― Estava
sem ela naquele dia.
― Achei que tivesse me esquecido, Miguel. Sabe, esse tempo sem
você me fez ver que não importa o que faça: posso alisar o cabelo,
retirar o anel, mudar minha vida inteira, mas, no final, você continua
aqui. ― Indicou sua cabeça e seu coração. ― Em cada
pensamento, na minha pele, no meu sangue, na minha alma. Nada
mudaria isso. O mês inteiro com você inconsciente foi o pior da
minha vida. Jax já não nos aguenta mais. ― Riu. ― Eu o enlouqueci
também.
Ri e gemi.
― Ficar quebrado é um porre, não posso nem lhe tocar.
― Eu posso. ― Chegou mais perto.
― Preciso beijá-la agora ou vou surtar. Eu a amo com cada fibra do
meu ser.
Seus olhos azuis brilharam.
― Também amo você. ― Beijou-me por um segundo.
Entretanto, não pude desfrutar o suficiente os lábios com que eu
tanto sonhava, pois ela se afastou com a mão na boca e correu para
o banheiro.
Impulsivamente, tentei me levantar, mas meu corpo respondeu por
meio de uma dor excruciante que roubou metade do meu ar.
― Luna! ― exclamei, chamando depois: ― Jax…
Ele entrou, seguido por Stefano. Ao ouvir o barulho que Luna fazia,
Jax gesticulou casualmente com a mão, despreocupado.
― Oh.
Trinquei os dentes.
― “Oh”? Vá ver como ela está! Você é um médico ― rosnei.
― O que ela tem não é doença…
― Não! ― Luna o cortou, um tanto fraca, escorada no irmão. ― Por
favor, nos deixem a sós.
Stefano saiu sem dizer nada, o que era estranho. Isso me deixou
mais louco.
― Luna, o que foi? Está muito pálida.
Nervosa, foi até uma bolsa e retirou algo de lá, me mostrando.
― Isso é… ― Arregalei os olhos. ― Você está grávida?
― Sim, descobri um dia antes do casamento do meu irmão. Tentei
ligar, mas não atendeu. Pretendia contar aquele dia, mas você
desmaiou. ― Mexia as mãos, ansiosa.
Encarei o ultrassom, não distinguindo muita coisa. Algumas pessoas
conseguiriam ver o bebê direito, mas eu só enxergava manchas.
― São gêmeas. Duas meninas. ― Parecia extasiada.
Pisquei.
― É a melhor notícia da minha vida inteira. Filhas… Sou ainda mais
feliz por ter lutado e sobrevivido. Terei a chance de vê-las crescer.
― Verdade, não vejo a hora de saírem de mim. ― Colocou a mão
no seu ventre, pondo a minha em cima da sua. ― Como podemos
nos alegrar com duas coisinhas minúsculas que nem nasceram?
Meu peito se encheu com uma emoção nova. Lembrei-me de Emília
pequena e do quanto adorava brincar com ela.
― Eu me sinto o homem mais feliz do mundo ― anunciei, ficando
sério. ― Prometo que vocês três sempre estarão seguras.
― Eu sei que nos protegerá. ― Sua fé inabalável em mim me
comovia.
― Amo você para sempre. ― Alisei sua barriga. ― Obrigado por
mais este presente. Serei pai!
― O mérito não é todo meu, fizemos juntos. ― Corou. Adorava sua
timidez.
― E amei isso também ― provoquei, observando-a ficar vermelha.
― Parece cansada, deite aqui.
― Não quero machucá-lo.
― Não vai ― insisti. ― Só quero senti-la. Está muito magra e
pálida. Preciso cuidar de você.
Suspirou e deitou do meu lado.
― Nossas filhas não me deixam comer muito ― sussurrou,
sonolenta.
― Durma um pouco. ― Beijei seus lábios.
Encarou-me.
― Miguel, nunca mais minta para mim ― suplicou.
― Juro pelas nossas filhas que não a magoarei de novo. ― Esta
promessa eu cumpriria. Moveria o Céu, a Terra e o maldito Inferno,
se necessário.
― Amo você ― afirmou, fechando os olhos.
― Também a amo, querida. ― Beijei sua bochecha. ― Descanse.
Ela o fez, enquanto eu admirava seu belo rosto.
Algum tempo depois, Alessandro apareceu.
― Faz dias que ela não dorme tão bem. ― Sentou-se na cadeira do
meu lado e apontou para a foto do ultrassom. ― Precisamos
conversar sobre isso aí.
Respirei fundo.
― Sei que quebrei sua confiança tocando nela antes do casamento,
mas respeitei o desejo de Luna. Ela tem o direito de decidir isso por
si mesma. E vou honrar nosso compromisso.
― Concordo, mas temos um problema: você está acamado e ficará
assim por um tempo considerável. Eu respeito a liberdade de Luna,
mas há gente tradicional demais em nosso meio, como você sabe.
Tenho medo de represálias; ninguém pode machucar minha irmã e
minhas sobrinhas. Como esconderemos a gravidez antes do
casamento?
Gelei. Não havia considerado isso.
― Nunca tocarão nas minhas garotas ― sibilei.
Assentiu.
― Por isso, sugiro que vá para o México e a leve com você.
Segundo Jax, sua recuperação levará de cinco a seis meses, até
poder se locomover direito, caso a fisioterapia ajude. Será quase a
hora dos bebês nascerem.
― Então está me pedindo para morar com Luna antes de nos
casarmos?
― Sim, a gravidez deve permanecer um segredo. Se vazar,
eliminarei a fonte, e você fará igual no México. Não quero nada nos
tabloides.
― Tenho um lugar em Cancún. Após minhas filhas nascerem, eu me
casarei com Luna. Poderíamos fazer uma cerimônia mais informal o
quanto antes, mas não quero tirar a oportunidade de Luna de casar
na igreja. É o sonho dela.
― Sim, mas as bebês não irão à cerimônia. Enfim, depois que
casarem, será menos impactante o fato de já terem as filhas. Até lá,
eu espero ter acostumado todos com as novas leis. Mulheres
deveriam poder fazer o que quiserem sem ser humilhadas.
― Ninguém saberá ― fui firme. ― Derrubarei o maldito Inferno por
elas.
― Minha irmã tem sorte de contar com um homem como você. Ela e
Jade escolheram bem. Luca e você são os genros que minha mãe
aprovaria. ― Tocou de leve meu ombro, ficando de pé.
― Obrigado.
Eu tinha recebido uma nova chance para viver junto à mulher que
amava e, em breve, às nossas pequenas. Toda a dor valera a pena.
Capítulo 32

Miguel

Sete meses depois

Levei todo esse tempo para me recuperar, tive que fazer a maldita
fisioterapia todos os dias na perna direita e no braço esquerdo, os
membros mais afetados. Cheguei a achar que não recobraria a
minha agilidade, mas Luna estava lá comigo. Sua energia e seu
entusiasmo me motivaram a vencer os obstáculos.
Hoje, estava cem por cento curado. Lutar me ajudou a retomar
meus músculos. Era o que fazia naquele momento.
Estávamos no galpão onde deixava os inimigos que capturava.
Finalmente, me vingaria dos traidores em meu cartel.
― Se não queriam continuar nos Lobos Solitários, deveriam ter me
dito.
China bufou.
― Como se fosse nos deixar ir. E outra, não queríamos sair, só não
desejávamos você como chefe. Alguém tão fraco, dominado pela
prostituta Morelli… ― Considerei absolvê-lo, mas após estas
palavras, não mais.
― Solte-o ― ordenei a Alfred.
Ao menos eu não tinha tantos ratos quanto os Destruttores. Alguns
Alfred eliminou, deixando esses dois para mim, por serem os
responsáveis pelas regiões de Illinois e do Texas. Foram eles que
pegaram Emma e minha irmã.
Alfred tirou as algemas de ambos.
― Depois de meses me recuperando, estou louco para amenizar
minha fúria. Nada melhor que uma boa luta. ― A minha raiva estava
no auge.
Soquei a boca de China e chutei o segundo. Eles estavam feridos
pela surra que levaram dos meus homens.
― Éramos melhores antes, sem você. O capo Destruttore tinha que
se meter, né? Por isso é mais leal a ele do que a nós ― disse
Eliseu.
― Vocês dois só não estão gostando porque cortei a prostituição
infantil! Miseráveis. ― Desembainhei uma faca e sorri de modo frio.
― Vou lhes ensinar o verdadeiro Inferno na Terra. A diferença entre
nós será que implorarão no final.
Soltei a ira há muito tempo guardada e aproveitei ao máximo. China
grunhia, cuspindo sangue. Finalizei desmembrando os caras. Era o
que mereciam, após atingirem minha família.
Encarei meus homens, um a um. Todos me olhavam com respeito.
― Se alguém deseja se desvincular do cartel ou se opor à minha
liderança, agora é a hora ― anunciei.
― Todos aqui o respeitam, você é um bom chefe ― disse Buster.
― Estaremos aqui para servir ― assegurou Alfred.
Assim fizeram os encarregados de cada estado do México e dos
outros países.
― Ótimo. Com esse problema resolvido, vamos para o próximo. ―
Acenei para um dos meus homens. Ele me trouxe meu pai.
O juiz Ávila entrou arregalando os olhos para os mortos no chão.
― Eu lhe dou o que você quiser, apenas me deixe ir ― suplicou.
Quase ri. Pedi para todos saírem; a conversa seria entre nós dois.
Emília tinha razão, era a hora de encerrar as coisas. Precisava
seguir em frente com minha esposa e minhas filhas.
― O que você quer? ― perguntou, tremendo.
Eu o fulminava.
― Não reconhece o próprio filho?
Ele tinha perdido tudo; apostava o que sobrou em cassinos. O cara
devia mais de cinquenta mil só em meus estabelecimentos, uma
dívida somada ao longo de apenas seis meses.
Piscou, enfim me identificando. Eu era um adolescente quando parti,
mas não mudei tanto assim. Um pai de verdade me reconheceria.
― Miguel? ― Olhou ao redor, focando no defunto. ― Você é um
assassino… No que se transformou?
― Não me venha com lição de moral. Mato quem merece e não
transo com crianças.
― Elas eram prostitutas ― falou na defensiva.
― Não dou a mínima ― rosnei. ― Você devia denunciar, e não se
aproveitar da situação delas. Diga-me uma coisa: alguma vez
pensou em minha irmã?
― Sua irmã desapareceu, não foi encontrada em lugar nenhum. ―
Suspirou. ― O que estou fazendo aqui?
― Sua frieza me enoja ― cuspi. ― Não deu a mínima para Emília.
Eu tive que enfrentar tudo sozinho, um adolescente. Entrei neste
cartel, fiz coisas com que nunca sonhei, tudo para tê-la de volta. Eu
a encontrei, porra! ― Chutei uma cadeira na sua direção. ― Sente-
se ― sibilei. Ele hesitou. ― Mandei você sentar!
Obedeceu.
― Encontrou onde? ― Não parecia muito interessado no assunto,
ele somente tentava maneirar minha fúria.
― Se você tivesse achado Emília, o verme do padrasto dela não a
teria violentado. Consegue imaginar o que minha irmã passou?
Exatamente o mesmo que você, mais tarde, fez com outras
crianças! Ela engravidou de um monstro! Pensou nisso alguma vez?
― Cerrei meus punhos. ― Responda!
Estremeceu.
― Não, não pensei.
Sacudi a cabeça.
― Pois deveria. Como pôde abusar de meninas também?
Estreitou os olhos.
― Vocês são diferentes? Pelo amor de Deus, você é chefe de um
cartel, já deve ter comido todo tipo de boceta jovem…
Vi tudo em vermelho. Eu o soquei, fazendo-o voar longe, com o ar
fugindo de seus pulmões.
― Não sou desumano. Mato e torturo, sim, mas nunca encostaria
numa criança ― sibilei, indo até ele. ― Por anos busquei minha
vingança contra quem a feriu. Pagará por não dar a mínima para
ela, nem para a minha mãe, que morreu sozinha.
― Sua mãe era uma fraca, devia ter seguido em frente. Desde o
começo falei que não queria filhos, nosso casamento era só um
arranjo, nada mais, mas veja aonde seu sonho idiota de ser mãe me
levou. Você não pode matar seu pai…
― Não tenho pai. ― Puxei a arma e apontei para ele.
― Por favor, não… ― Foi cortado com um tiro na testa. Um peso
saiu dos meus ombros.
Deixei o passado para trás; iria em busca do meu futuro, minha
garota e minhas filhas.
Buster cuidaria do Texas, e Ivan de Illinois. Com homens fiéis, os
lugares estariam protegidos.
Saí de Monterrey, aonde fui lidar com esses assuntos, e retornei a
Cancún. Entrei em minha casa de praia e acenei para os guardas.
Avistei Sage na sala, assim como Knife, Viper e Zaquel, um dos
meus homens. Esses seguranças ficavam sempre perto de Luna,
mas havia mais lá fora.
― Onde ela está? ― perguntei.
― No quarto ― disse Sage. ― Bem inquieta, andando de um lado
para o outro. Até perguntei o motivo; só falou que está ansiosa pela
chegada dos bebês.
Assenti. Eu também estava ávido demais para conhecer minhas
meninas.
― Resolveu o que tinha de fazer? ― sondei.
Ele revelara a verdade ao Alessandro, que o incumbira de eliminar o
próprio pai.
Uma sombra atravessou seu rosto.
― Sim ― respondeu, pontual.
― E sua mãe? ― Eu o avaliei, mas não detectei nada.
― Vai superar. Ela soube o que ele tentou fazer comigo, isto
amenizou o baque de perdê-lo. ― Deu de ombros, indiferente.
Notei que não queria falar sobre isso, então mudei de assunto.
― Cadê Stefano? ― Chequei ao redor, mas não o vi.
― Foi dar um mergulho ― respondeu Viper.
Ouvi um grito de dor vindo do quarto. O medo se apossou de mim
pensando que, de algum modo, alguém poderia ter entrado e ido até
Luna. Peguei a arma e corri rumo ao dormitório, pronto para eliminar
qualquer ameaça.
Travei na porta, sentindo outros à minha volta.
― Oh, meu Deus! ― Luna, de pé, com a mão na barriga e uma
expressão de dor, assustou-se com os revólveres. ― Acho que a
bolsa estourou ― disse, corando. Havia uma poça de água no chão.
Fiquei paralisado por um segundo. ― Miguel! ― exclamou,
exasperada. Pediu ao Sage: ― Ligue para Jade.
Jade estava no México também, em outra propriedade minha.
Recusou-se a deixar a irmã ter o filho sozinha.
― Consegue andar? ― Guardei a arma, indo até ela.
― Não, as contrações estão piorando, uma atrás da outra. ― Sua
voz saiu baixa e trêmula.
Tomei-a nos braços.
― Miguel, estou pesada, e você ainda está se recuperando. ―
Respirava de modo irregular. ― Talvez um deles possa…
― Não é necessário. ― Saí com ela do quarto. ― Viper, você,
Zaquel e Knife nos darão cobertura no hospital. Nada suspeito
sequer se aproximará.
Antes que eu entrasse no carro, Stefano chegou correndo. Vestia
um calção de surfe, exibindo parte de seu corpo cheio de tatuagens,
como o meu.
― Luna! ― Tocou o rosto dela. ― Está tudo bem?
― Sim… ― interrompeu-se, arfando e segurando a barriga imensa.
Linda.
― Vamos para o hospital ― falei com urgência.
Ele assentiu.
― Irei logo atrás de vocês ― me disse.
Botei Luna no carro. Sage dirigia. Dez minutos depois, chegamos.
Eu a levei para o quarto que a enfermeira de plantão indicou.
Ficamos lá, esperando as contrações e a dilatação aumentarem.
A cada minuto, sua situação piorava. Aquilo doía em mim.
― Tem como fazer a dor parar? ― perguntei.
Luna não quis uma cesárea, desejava um parto normal. Eu respeitei
sua vontade e me limitei a ajudá-la como podia, com muito apoio.
Foram horas de agonia. Finalmente, avançamos para a sala de
parto. A cada grito seu, eu me encolhia, mas não deixava de
segurar sua mão. Matei e torturei tantos homens, sem nunca me
importar com suas súplicas e seu choro. Mas com Luna? Foi
péssimo.
O parto pareceu durar uma eternidade. Suor escorria pelo seu rosto,
já pálido pelo esforço. A despeito de tudo, ela estava radiante.
O barulho das gêmeas ao nascer me arrebatou. Pela primeira vez
em anos, eu chorei. A médica colocou as duas nos braços de Luna.
Olhando para o rostinho lindo de minhas garotas, eu me senti o
homem mais realizado do mundo, grato por essas três
preciosidades na minha vida.
Meu coração pulava forte, em um turbilhão de emoções.
― São tão lindas as minhas filhas. ― Pigarreei, me abaixando para
beijar as suas testas. ― Assim como a mãe delas. ― Toquei suas
bochechinhas fofas, com a garganta arranhada.
― Serão muito amadas. ― Luna beijou as duas.
Enquanto falávamos, a médica cuidava dela.
― Quais nomes lhes daremos? ― Pesquisamos alguns, mas a
escolha final seria de Luna.
― Os nomes das mulheres que nos oportunizaram viver tudo isto.
Kélia, a minha mãe ― me olhou ―, e Carmen, a sua. Elas nos
amaram incondicionalmente, tal qual faremos com nossas garotas.
Nunca me senti tão apaixonado por minha noiva quanto naquele
instante.
Epílogo

Luna

Dois meses depois

Encontrei os olhos do meu futuro marido. Sabia que escolhi o


homem certo ― na verdade, foi ele quem me escolheu muitos anos
atrás. Sentia-me nas nuvens. A cada passo dado, agradecia aos
céus por Deus ter me enviado Miguel.
Alessandro parou e me entregou ao meu amor, que não desviava a
atenção de mim.
― Não preciso pedir que a faça feliz, porque sei que fará ― disse
meu irmão.
― Sim, é uma promessa ― respondeu.
O padre ministrou o casamento. Parecia existir só nós dois ali, o
mundo era minúsculo em comparação à nossa felicidade.
― Eu, Luna Morelli, aceito você, Miguel Sales, para amar e respeitar
na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte
nos separe. ― Respirei fundo, chorando de emoção.
Ele repetiu os dizeres, igualmente tocado.
― Eu vos declaro marido e mulher ― disse o padre. ― Pode beijar
a noiva.
A celebração ocorreu em Monterrey, onde moraríamos dentro de
alguns meses. Por enquanto, precisávamos manter nossas meninas
escondidas dos tabloides, até eu poder contar ao mundo que eram
minhas filhas.
Contratamos a mãe de Sage para cuidá-las; a mulher achou
maravilhoso. Foi ideia do meu amigo, assim a coitada ocuparia a
cabeça com outras coisas e não pensaria no que seu marido fez
com o filho.
― Minha. ― Miguel me beijou com um olhar faminto.
Não tínhamos transado ainda após nossas filhas nascerem, embora
o resguardo houvesse acabado duas semanas antes. Ele foi para
Chicago e ficou uns dias por lá resolvendo negócios, e eu,
organizando o casamento e tomando conta das meninas.
Não gostava de ficar longe delas. Como Cancún era distante
demais, levamos ambas para perto, em uma das instalações do
Miguel.
Nossos convidados bateram palmas. Recebemos amigos e
familiares com abraços e apertos de mão. Depois, fomos para a
recepção no salão ao lado da igreja.
― Está ansiosa para ler a carta? ― sondou Jade, colocando no
chão seu filho, Vincenzo.
O garotinho de quase um ano correu em seus passinhos bambos,
mas não caiu. Foi direto para a mesa de doces. Ele era uma mistura
de Jade e Luca.
― Oh, meus Deus! ― Jade ia correr até ele, mas Luca estava mais
perto e pegou o filho nos braços.
Eu ri.
― Não vejo a hora de… ― falei mais baixo ― ficarem desse
tamanho.
― Acredite, vai passar o dia todo atrás delas. ― Sorriu. ― E sobre a
carta?
― Estou ansiosa, sim, quero saber seus últimos pensamentos. O
que acha de eu ler para todos nós? ― falei para Jade. ― Você,
Alessandro e eu podemos abrir as nossas, mas Rafaelle e Stefano
não. Rafaelle leu a minha, certa vez.
Após o dia em que quase me machucou, não falamos mais sobre o
assunto. Continuava a sentir uma escuridão nele, mas não
conseguia trazê-lo para a luz. Rafa sorria e parecia se divertir,
contudo, algo o corroía por dentro.
― Mostrei a minha a vocês, lembra? ― me disse, e eu assenti.
― Vamos reunir os irmãos. ― Sorri.
Jade e eu nos aproximamos dos três, que conversavam com Miguel
e Luca. Meu cunhado ainda carregava Vincenzo, que almejava
descer e correr, bem espoleta.
― Como está? ― Miguel me puxou para si.
― Realizada ― falei e olhei para meus irmãos. ― Estão ocupados?
Alessandro franziu a testa.
― Não, o que foi?
― Vou ler a carta da mamãe, queria vocês todos presentes ―
anunciei.
Stefano piscou.
― Vai nos deixar ouvir? Li a da Jade, só não a de Alessandro. ―
Encarou nosso irmão.
― Não sabia que gostaria de ler ― rebateu Alessandro.
Stefano bufou.
― Claro que sim, afinal, nunca irei conferir a minha. ― Fez uma
careta.
― Depois a entrego a você ― disse Alessandro.
Stefano sorriu, animado.
― Tem um espaço vazio em um quartinho ali. ― Apontou Luca.
Virou-se para a sua mulher: ― Pode ir, eu cuido de Vincenzo.
Jade beijou o filho e o marido e nos acompanhou.
― Quero você lá também. ― Puxei Miguel.
Entramos na saleta. Peguei a carta guardada na bolsinha que eu
tinha deixado com Miguel.
Eu olhei para Rafaelle, que encarava o papel sem expressão. Após,
foquei na carta, nervosa.
Luna, meu amor, minha doce garotinha com um coração bom
demais para ter nascido neste nosso mundo. Estou feliz e orgulhosa
por dizer que é minha filha.
Você reluz como uma estrela no céu, ilumina a escuridão, replicando
tal efeito na vida de todos à sua volta. Seu sorriso doce nos encanta
e ameniza o peso carregado por seus irmãos.
Não posso proteger os três, por serem homens e terem seu destino
traçado, mas rezo para que, no final, Alessandro vença. Até lá,
muita coisa ruim pode acontecer, mas você, minha menina, os
ajudará nessa caminhada. Um olhar seu iluminará o dia deles, um
sorriso gentil dará forças para lutarem.
Jade é a nossa rocha inabalável, e, você, a âncora que estabiliza a
situação. Possibilitarão que nenhum dos meninos se deixe ser
levado pela escuridão.
O amor é vida, é paz. Tenho fé de que todos vocês encontrarão
alguém.
Luna, o que contarei vai machucá-la, porém, não aceitarei levar isto
comigo para o túmulo. Seja forte, minha pequena. Adoraria ter
revelado o segredo eu mesma, mas seu pai não permitiu.
Alguns anos antes de você nascer, Marco me obrigou a ficar com
um homem chamado Paolo Castilho. Ele pertence à máfia Pacheco.
É um homem legal, carinhoso, diferente de Marco. Inicialmente,
Paolo se recusou a ter relações comigo, nunca me forçaria a nada,
mas eu acabei me apaixonando por ele. Ao seu lado, conheci o
amor que nunca recebi de Marco. E, tão logo engravidei, soube que
era Paolo seu verdadeiro pai, Luna.
Marco descobriu e o matou, me destruindo. Meu único conforto era
que, em você, eu teria parte dele. Desde sempre você foi nossa
âncora, meu amor.
Peço desculpas por feri-la com esta revelação, mas não seria capaz
de esconder isso de você e seus irmãos. Sinto também por lhe
contar no dia do seu casamento; eu sabia que, deste modo, teria
seu marido, seus amigos e sua família por perto para auxiliá-la.
Não fique braba ou procure os filhos de Paolo, eles não estão
cientes de nada.
Eu amo cada um de vocês cinco mais que a vida.
Adeus, meus amores.

Pisquei, em choque, mal vendo a folha de papel. Na sala, escutava-


se apenas a respiração aguda de cada um ali.
― Porra! ― Stefano rugiu, socando um espelho.
Alessandro estava de olhos fechados, respirando de modo irregular.
Podia ver sua fúria e seu tormento.
― Não entendo ― sussurrei. ― Por que estão com raiva? Mamãe
disse que foi feliz com esse… homem.
Rafaelle me fitou com os mesmos olhos vazios da noite em que
quase me matou.
― Paolo Castilho está vivo, é nosso inimigo ― disse, sacudindo a
cabeça.
― Inimigo?
― Sim. Não sei por que ela pensou que morreu. Marco só iludiu a
nossa mãe.
― Eu lhe dei a minha carta para ler, como não sabia disso? ―
sondei.
― Não consegui terminar. Parei na parte em que ela falou da nossa
escuridão… ― Soava pesaroso.
― O que vocês vão fazer? ― perguntei.
Miguel apertou o braço à minha volta.
― Obrigá-lo a pagar por ter tocado em nossa mãe ― disse
Alessandro, frio.
― Por quê? Mamãe falou que eles só ficaram juntos porque ela
quis…
Rafaelle veio até mim e acariciou meu rosto:
― Mamãe tem razão, você é a nossa luz, a nossa âncora, mas o
mundo lá fora é negro. Com certeza há mais nesta história do que
leu na carta. Descobrirei a verdade direto da fonte. ― Saiu como
uma ventania.
― Ele tem razão, princesa, foque em seu casamento e em minhas
meninas lindas, deixe que do resto nós cuidamos. ― Stefano beijou
minha testa.
Não sabia o que sentir. Será que esse homem que mamãe amava
realmente era ruim?
― Alessandro… ― comecei assim que Stefano se foi.
Ele respirou fundo.
― O que você quer, Luna? Que não o façamos pagar?
― Eu não sei, estou tão confusa ― murmurei. ― Ela disse que o
amava…
― Paolo deve tê-la iludido com promessas. ― Ficou na minha
frente. ― Vou arrumar um jeito de capturá-lo. Dependendo do que
fez, ele viverá…
― Entendo…
Neste momento, eu só queria abraçar minhas filhas. Odiava falar de
mortes, ainda mais a de alguém que tinha o meu sangue.
― Isso não geraria uma guerra? Os Pachecos são uma organização
bem poderosa ― Miguel cogitou. ― Claro que estarei aqui se
precisarem de mim. Mas somente se Luna concordar.
Meu irmão assentiu e saiu.
― Tudo dará certo, minha irmã. ― Jade sorriu, embora seus olhos
demonstrassem tristeza. ― Se esse homem a machucou,
precisamos saber disso.
― Eu sei, Jade, é só… ― Balancei a cabeça. ― Quero pegar
minhas filhas.
― Compreendo. ― Abraçou-me.
Fomos para a festa. Apesar da minha cara de paisagem, eu me
sentia péssima.
― Alessandro me contou o que houve. ― Mia segurou a minha
mão. ― Como está se sentindo?
― Confusa e exausta demais para pensar em qualquer coisa. Em
choque. Preciso de tempo para assimilar…
No fim da noite, nós nos despedimos de todos e retornamos para
casa. Corri para agarrar as duas, sentando-me com elas na
espreguiçadeira do quarto. Beijei as suas bochechas.
― Luna, meu amor… ― começou Miguel.
Olhei para ele.
― Uma parte de mim que quer que ele seja punido caso a tenha
tocado, mas a outra…
― Você tem uma alma pura e iluminada. Não deseja o pior para
ninguém, nem mesmo para os inimigos. ― Estendeu as mãos. ―
Deixe-me segurar uma delas.
Eu lhe entreguei Carmen.
― Mamãe amou esse homem. Deve ter sido horrível continuar
casada com um monstro como Marco, em vez de viver sua paixão
por Paolo. ― Olhei para ele. ― Se não fosse Alessandro, eu
seguiria um caminho idêntico, amando você e casada com outro…
Suspirou.
― Não quero pensar nisso, e sim em nossa vida juntos. Sou seu
marido ― declarou com orgulho, o que me fez sorrir. ― Isso, sorria.
Sei que é pedir muito, mas pelo que conheço de Paolo, não é
alguém que valha um segundo de preocupação. Se há alguma
bondade nele, seus irmãos descobrirão.
Só Miguel e nossas meninas lindas para me alegrarem em uma
situação dessas.
Eu torceria para que as memórias de mamãe fossem verdadeiras,
isto é, que Paolo a tivesse feito feliz. Preferia acreditar que ela
experimentou algo bom em sua vida.
― Preciso lhe mostrar uma coisa. ― Coloquei Kélia no berço e me
virei para ele, tirando a pulseira que cobria a tatuagem. ― Fiz
quando estava fora. ― Era uma âncora trançada com nó celta. ―
Mamãe comentou que eu sou a âncora dos meus irmãos; de forma
similar, você e as gêmeas são a minha. ― Peguei Carmen e a botei
ao lado da irmã.
― Ficou linda. ― Alisou meu pulso. ― Quem fez?
― Stefano. Queria algo que simbolizasse vocês três. Ela representa
eternidade. Não sei o que acontecerá pela frente após essa notícia,
mas acredito que Deus nos manterá juntos.
Abraçou-me por trás.
― Juro que nada de ruim atingirá vocês ― garantiu com firmeza. ―
Eu as protegerei a todo custo.
― Sei que o fará, assim como meus irmãos. ― Confiava neles para
nos manter seguras.
― Sempre ― prometeu Miguel.
Nunca achei que uma vida dentro da máfia poderia ser feliz. Afora
Jade, Stefano, Rafaelle, Alessandro e mamãe, no passado, não via
nada de bom neste nosso mundo. Então Miguel apareceu e me
arrebatou. De repente, eu já não estava mais à deriva. Ele me
trouxe paz e um amor incondicional.
― Amo você, Miguel, conhecê-lo foi a coisa mais maravilhosa do
universo. Sou grata à minha mãe. Creio que graças às orações dela,
Deus o enviou para mim. ― Encontrei seus olhos. ― Agradeço
também por ter me dado duas joias preciosas.
― Luna, eu também a amo. Sou o homem mais realizado da
história, pois tenho você e nossas princesas.
Independentemente da provável guerra em nosso futuro, eu agora
sabia que poderíamos encontrar felicidade mesmo em meio ao
caos.

Próximo Livro Rafaelle


Bônus

Rafaelle

Escuridão, vazio, tormento: era assim a minha vida. Eu me sentia à


deriva, e não existia ninguém capaz de me resgatar do abismo.
No fundo, não queria sair dele. A dor me estimulava a não esquecer
o passado, a não esquecer o que fiz.
Encarei mais um galpão em chamas; com este, eram vinte, e
haveria mais.
Soube que Paolo fez uma aliança com Gonzalez alguns anos antes.
Os dois estavam no topo de nossa lista de inimigos, após
derrotarmos os Rodins. Os Pachecos também cresciam bastante,
cobiçando nosso território.
Queria ter ido até Madrid, sua casa, mas me contentei em derrubar
os negócios que mantinham com Gonzalez. Isso liberava minha
fúria.
Alessandro e eu bolaríamos um plano para fazer Paolo sair da toca.
Não podíamos entrar em seu território sem matar milhares ou correr
o risco de sermos derrotados. Eles eram mais poderosos que nós.
Mesmo com a ajuda dos Salvatores, não teria jeito, e outra,
precisávamos fazer tudo por debaixo dos panos, evitando que
vazasse a história sobre a nossa mãe e a origem de Luna.
Meu telefone tocava direto. Ignorei, imaginando se tratar de
Alessandro. Tinha sumido após saber daquela revelação fodida.
Não podia voltar para casa. Tudo em mim queimava, me sentia
andando sobre brasas; o tormento me apossava ainda mais quando
pensava no dia em que quase matei a Luna. Toda a escuridão em
mim se tornou maior com o medo de perdê-la pelas minhas próprias
mãos. A faca em sua garganta…
Sacudi a cabeça para clarear a minha mente fodida. Meus irmãos
não tinham conhecimento disso, exceto Luna, claro.
Antes de subir no barco, senti um impacto. Depois, a dor me
assolou, tomando conta do meu peito; uma bem diferente daquela
que sentia todos os dias.
Pisquei, checando ao redor. Devia ter sido mais cuidadoso, embora
tudo integrasse meu plano, um para o qual não consultei meu irmão:
ser capturado e confrontar o verme que ousou tocar em minha mãe.
Lutei, rasgando alguns deles com a minha faca e soltando minha ira
― não era por precisar ser sequestrado que não mataria vários. Fui
cercado por inúmeros homens armados, então senti uma pancada
atrás dos meus joelhos; eu me curvei. Em seguida, veio outra, agora
na cabeça, me levando à escuridão.
Antes que apagasse, tive o prazer de ver o porto de Miami
explodindo, completamente destruído.
Copyright© 2020 - Ivani Godoy

Revisão: Sara Ester e Analine Borges Cirne


Capa: Babi Dameto
Diagramação digital: Denilia Carneiro

1ª Edição

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa.
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Sinopse

Rafaelle Morelli teve uma criação à base de dor e escuridão e

foi forjado para se tornar um assassino frio e letal. Entretanto, algo


mudou em seu caminho, e isso fez com que a sua alma não se
manchasse totalmente.

Com uma recente descoberta, a sua sede de vingança vibrou


no mais profundo do seu ser, cegando-o a tal ponto de ignorar
totalmente as regras e os riscos.

Ele só não contava que teria o seu destino cruzado por... ela.
Mália González tinha um único desejo que ardia em seu
âmago: destruir a pessoa que tirou tudo dela. Só não contava que a

sua sede de vingança a tornaria um alvo e que, com isso, precisaria

de um protetor.
Dois corações destroçados, mas que, juntos, encontrarão o

caminho para a felicidade.


Prólogo

Rafaelle aos 14 anos

Acordei com água sendo jogada sobre mim. Tossi e rolei no


chão, mas Marco não deixou que eu me recuperasse, chutou meu

estômago.

― Seu moleque, não devia me desobedecer... ― rosnou


furioso. ― Com isso, farei com que nunca mais me enfrente.

Cada palavra que dizia era seguida por socos e chutes dele.

Toda minha carne se deteriorava, mas não gritei; não lhe daria esse
gostinho.

― Eu lhe dou tudo, e você ainda ousa ir contra minhas ordens!


― Senti algo batendo em meu nariz. A dor me fez ver estrelas e

cortou minha respiração um segundo.

― Pare, você vai matá-lo! ― gritou mamãe.


Pisquei, vendo-a entrar na minha frente.

― Isso é sua culpa! Fica ensinando-os a ser bons para todos...

― sibilou, esbofeteando o rosto dela, que caiu na minha frente.


― Não toque nela, seu desgraçado! ― gritei enfurecido. ― Eu

o odeio!

― Isso, sinta só ódio na sua vida, não outra coisa! ― Pegou os


cabelos da minha mãe, tirando-a de perto de mim. ― Você precisa

ser quebrado, só assim vai dar valor ao que tem.


Um gelo desceu por minha coluna. Temia que viesse a matar

minha mãe.

― Deixe-a aí e fique comigo, não a machuque! ― implorei.

― Homens não imploram, Rafaelle, eles matam! Vou te

ensinar isso. ― Puxou o vestido da minha mãe, rasgando a parte de

cima.
― Não toque nela! ― Tentei ir até eles, mas meus músculos

estavam travados devido à surra. Minhas costelas e outras partes


do meu corpo deviam estar quebradas, pois eu não conseguia me
mover.

― Ela é minha esposa, faço o que eu quiser! ― Debruçou-a

sobre uma das mesas de tortura que tinha ali e desabotoou suas

calças.

― Não, por favor, não a toque! ― Chorei.

Ele se enfureceu e veio até mim, segurando minha garganta e


a apertando com tanta força que o meu oxigênio se esvaiu.

― Homens não choram! Eles fazem outras pessoas chorarem!

― rugiu no meu rosto.

― Faço qualquer coisa, mas não o mate! ― Mamãe estava ali,

ao meu lado. ― Ele está ficando roxo! Solte-o!

Suas mãos sumiram, e pude respirar de novo e ver o que ele

pretendia fazer com minha mãe, mas, antes que eu suplicasse mais,
um chute seu me fez ver estrelas, e a escuridão me assolou. Se

fosse a morte, seria bem-vinda.


Capítulo 1

Rafaelle aos 13 anos

Meu sangue fervia em minhas veias, mas me controlei. Por

mais que estivesse com medo, não demonstraria na frente dos

outros ali presentes.


Entrei no galpão, nervoso; aquele lugar era onde os homens

do meu pai cobravam as dívidas e mandavam um recado para os


devedores. Tudo em mim temia por ter que fazer o que meu pai

mandaria.
Alessandro me ligou informando que eu tinha que vir; ele me

protegeu de matar o quanto pôde, mas, certamente, não poderia

mais. O meu pai estava furioso, porque, da outra vez em que foi
preciso eliminar um alvo, meu irmão se atravessou na frente e o fez

por mim.

Eu tinha matado os amigos do meu irmão havia uma semana;


tive que fazê-lo para evitar que Alessandro o fizesse, pois isso iria

acabar com sua alma. Marco sempre usava as nossas irmãs para

fazermos o que ele queria.


Meu pai queria mais do que matar inocentes. Ele queria que eu

fosse o assassino que precisava ser. Não mediria esforços para


fazer isso.

Tinham homens ao redor do meu pai, mas não dei a mínima e

apenas fui para perto de Alessandro, de pé e de braços cruzados.

Trocamos um olhar, eu escondendo o meu medo, e ele com sua

expressão furiosa. Eu sabia que, mesmo sendo castigado, ele

entraria na frente e faria o que nosso pai me ordenasse. No entanto,


eu não o deixaria fazer nada por mim.
Havia um cara amarrado em uma cadeira. Evitei tremer devido
à cena. Seus ferimentos eram profundos. Tinha outro ao seu lado,

intacto, por enquanto. Se dependesse do meu pai, isso não ia durar.

― O senhor mandou me chamar? ― perguntei, escondendo o

meu temor.

― Pegue. ― Ele me entregou uma faca. Peguei-a

automaticamente. ― Agora o torture.


Odiava esse homem com todo o meu ser. Cada vez que ele

falava, sentia-me mais ansioso para matar alguém, não qualquer

pessoa, só ele. Não o suportava.

Pisquei, encarando o garoto amordaçado e temeroso. Não

tinha mais do que 15 anos.

― O que ele fez? ― sondei.

― Nada. Mas o pai dele nos deve. Então vamos deixar uma
mensagem a quem não me paga ― falou de modo frio.

O garoto era inocente, eu podia ver o medo nos seus olhos.

Como ele queria que eu machucasse uma pessoa assim? Alguém

que não tinha feito nada de errado?

― Não posso machucá-lo ― falei baixo, apertando minha mão

na faca.
― Você vai fazer ― rosnou meu pai com uma fúria a que eu já

estava acostumado.
Antes que eu insistisse que não podia fazer aquilo com um

inocente, vi a Luna carregando um ursinho na mão. Ela gritou


quando viu o homem arrebentado na cadeira, ensanguentado. Tinha
apenas quatro aninhos. Como aquele monstro a tinha trazido ali

para presenciar tal barbaridade? Isso seria demais para uma criança
da idade dela.

― Faça-a calar a boca ― ordenou meu pai, indicando a um


dos seus homens.

Ele foi na direção dela, que gritava sem parar. Contudo,


Alessandro foi mais rápido.
― Toque nela, e eu mato você ― rosnou ao cara.

Meu irmão tinha um jeito letal, brutal e cruel ao se dirigir aos


outros ali. Ele já era formado para sua idade. Nem parecia que tinha

16 anos.
Alguns dos homens do meu pai o temiam. Por isso o cara se

afastou, e Alessandro pegou nossa irmã nos braços. Ela se


encolheu com os trovões lá fora. Ele lhe dizia palavras
tranquilizadoras em uma tentativa de acalmá-la.
― Sua escolha agora é: ou você o executa, ou a sua irmã

pagará o preço ― disse meu pai, virando-se para mim.


Eu não queria machucar aquele garoto, mas, se não fizesse

isso, ele feriria a Luna. Ela ainda fungava nos braços de Alessandro,
mas parou de chorar com o rosto escondido no pescoço dele. Ali

descobri que eu precisava tomar uma atitude, ou a minha irmã


sofreria as consequências.
― Agora, Rafaelle! ― sibilou o capo.

Respirei fundo e fui para perto do garoto, que me encarava


com pavor.

Minha respiração estava desigual ao levantar a faca para ele.


O coitado gemia e se debatia na tentativa de se soltar, mas era uma
luta vã. No final, ele perderia, e eu também.

― Gael, pegue Luna ― ordenou meu pai.


O sangue fugiu do meu rosto.

― Não toque nela ― Alessandro sibilou, e Luna começou a


chorar mais.

― Alessandro, não me tente! ― esbravejou meu pai.


Eu sentia como se tivesse corrido muito e de repente me
faltasse oxigênio.
― Rafaelle. ― Esse tom de Alessandro era usado só conosco,
seus irmãos, em situações que estavam fora do nosso controle. Era
um pedido de súplica.

Olhei para a minha princesinha chorando... Ninguém podia


tocar nela! A forma que se agarrava ao Alessandro... Eu sabia que

não tinha como escapar. Não havia escolha.


― Faça, ou sua irmã pagará as consequências, eu já avisei! ―
rugiu meu pai perto de mim.

― Tudo ficará bem. Rafaelle vai fazer o que é preciso ― ouvi


Alessandro dizer baixinho, tranquilizando-a e a levando para o outro

lado do cômodo, acredito que para não presenciar mais nenhuma


atrocidade, incluindo a que eu estava prestes a fazer.

O meu peito parecia que ia explodir. Após ter matado os


amigos do Alessandro, não dormi por dias ouvindo seus gritos. Com
aquele garoto ali, não seria diferente.

Fechei os olhos por um segundo e levei a faca para a frente.


Senti-a entrando na carne. O garoto esperneava e gemia.

― Faça o serviço direito, ou deseja que a sua irmã seja ferida?


Que alguém a toque? ― Marco estava ao meu lado, latindo
crueldades que faria com a Luna. ― Talvez eu devesse trazer a

Jade também.
Perdi-me devido à raiva que sentia dele e fiz o que queria que
eu fizesse. Nada podia acontecer a elas. Não sei dizer quanto
tempo demorou para que o garoto morresse.

Caí de joelhos, ofegante, com a faca ensanguentada na mão.


Entretanto, não era somente ela que estava suja de sangue; eu

também estava.
― É assim que faz um verdadeiro assassino. É assim que
precisa ser ― falou Marco, contente.

Fechei os olhos com força, apertando a faca e querendo enfiá-

la nele só para não ouvir mais sua voz. O desejo era tanto que não
conseguiria controlar esse instinto de eliminar o meu inimigo. Meu

pai.

Antes que eu fizesse o que tinha em mente, senti uma mão

sobre a minha, apertando-a. Um aviso. Alessandro. Eu não


precisava olhar para saber que era ele.

Não podia fazer o que sentia vontade, porque isso arruinaria a

sua chance de ser capo um dia e, com isso, nos livrar do nosso pai.
Esse homem tinha que morrer.

― Levante-se e vamos embora ― ordenou Marco. Depois

suspirou. ― Wolf, pegue a Luna e a leve embora.


― Eu a levo ― declarou Alessandro. Não era um pedido. Se

ele queria que meu irmão não se curvasse a ninguém, não o


retrucaria na frente dos outros, não a esse respeito.

Marco ficou calado. Não olhei para ele, assim não o

esmagaria. Claro que eu sabia que na máfia tínhamos que ser fortes
e fazer coisas assim, mas com quem nos devesse de verdade, não

com inocentes. Minha alma tinha sido manchada com três vidas que

tirei; os amigos de Alessandro e aquele garoto.

― Rafaelle ― chamou meu irmão. ― Vem, vamos tirar essa


roupa suja.

Eu respirava com dificuldade, achei que fosse ter um derrame

mesmo tão jovem. No fundo, a minha morte podia ser prazerosa,


mas então pensei em meus irmãos; eles precisavam de mim, assim

como eu precisava deles.

Não olhei para o garoto que teve a sua vida interrompida por
mim. Com certeza tinha sonhos, e eu tirara isso dele.

Água caiu sobre mim, mas eu sentia que estava dormente,

embora meu coração pulsasse de forma dolorida. Sentia como se

estivesse sendo rasgado ao meio.


― Rafaelle... ― Sabia o que ele queria dizer. Meu irmão nos

protegeu até quando pôde, mas já não podia fazer mais nada para
mudar isso.

― Estou bem ― menti. Nunca ficaria, mas não queria

preocupá-lo.
Encarei o sangue escorrendo pelo ralo, levando o indício da

crueldade que fiz. Porém, e quanto à minha alma? Ela nunca seria

limpa. E, conhecendo meu pai, sabia que tudo aquilo só iria piorar.

Fomos embora em silêncio. Provavelmente meu irmão


entendia que eu não queria falar.

Luna dormia nos meus braços, enquanto Alessandro dirigia. O

sono dela estava agitado. Toquei o seu rostinho lindo, revoltado por
ela ter sido exposta a uma parte daquela crueldade. Esperava que

esquecesse e que isso não a traumatizasse.

― Vamos protegê-las, não importa se nós nos perdermos no

caminho ― falei por fim. ― Jade e Luna não podem ser tocadas por
esse nosso mundo.

― Sim, vamos ― afirmou, depois suspirou olhando a Luna. ―

A tranquilizei dizendo que levamos os homens machucados ao


hospital, que não tinha sido nada de mais, que todos iam ficar bem.

Não precisamos manchar sua inocência com nosso mundo.

Fiquei aliviado em saber disso. A sua inocência devia

permanecer intacta. Eu não podia suportar que fosse atormentada


em seus sonhos à noite. Preferia mil vezes sofrer com isso a elas

duas.
― Vou falar com meu pai para, quando ele for fazer o que fez

hoje, que coloque gente da pior espécie. Isso nos ajuda a lidar com

a consciência e a culpa, pensar nas coisas horríveis que a pessoa


em questão fez.

Não respondi, era tarde demais para isso, minha consciência e

minha culpa não me deixariam esquecer nunca.

Coloquei a Luna na sua cama e fui para o meu quarto, pois


precisava ficar sozinho. Não queria desmoronar na frente dos meus

irmãos.

Caí de joelhos no chão e coloquei o rosto no colchão,


abafando o som do choro. Não queria que ninguém presenciasse o

meu estado, não quando isso os faria sofrer. Não sei quanto tempo

fiquei ali, corroendo-me por dentro.

A porta foi aberta, e, antes que eu pudesse me recuperar e


mudar a minha expressão, passos leves vieram até mim.

Limpei meu rosto e olhei para cima, deparando-me com a Luna

e a Jade. Pensei que Luna estivesse dormindo, ao menos eu a tinha


deixado assim.
― Mamãe disse que você precisava de luz e nos enviou, mas

tem luz aqui. ― Jade olhou para a lâmpada ligada, que eu tinha me

esquecido de apagar. Nem notei a claridade, pois a minha vida

estava escura como a noite.


Minha mãe querida e amada... Quando algo assim acontecia, e

ela não podia vir até mim devido ao meu pai estar na casa,

mandava as meninas. Elas eram a minha luz no meio da escuridão


em que me encontrava.

― Tá dodói? ― Luna veio até mim quando viu os meus olhos

úmidos.

Não devia chorar, não com a minha idade, mas o fardo estava
pesado demais.

― Papai bateu em você? ― sondou Jade e fechou os punhos.

― Ele não devia fazer isso, somos seus filhos.


O que a Jade tinha de valentia e gênio explosivo, a Luna tinha

de gentileza e doçura. Duas meninas, uma ruivinha, e outra de

cabelos escuros e olhos cor de jade, por isso o seu nome. Elas

eram o nosso porto seguro, meu e dos meus irmãos.


― Não, princesas, não apanhei. ― Foi pior que uma surra,

mas elas não precisavam saber desse fardo que eu carregaria

comigo para sempre.


Fiquei de pé e fui para o meio da cama, escorando-me na

cabeceira. Em seguida, bati nos meus dois lados.


― Vêm deitar comigo, está tarde.

Elas fizeram o que pedi, uma de cada lado.

― Amo você ― declarou Jade, encarando-me com aqueles

olhinhos lindos.
Sorri e beijei sua testa.

― Também a amo. ― Toquei seu nariz e o de Luna. ― E você

também, princesa. Agora durmam um pouco.


Elas se aconchegaram a mim, colocando a cabeça em meu

peito, Luna com a mão em meu coração, que pulsava de modo

irregular. Inspirei fundo, tentando tirar as imagens daquela noite da


minha cabeça.

Já era tarde, e eu não conseguia dormir, então apenas fechei

os olhos, tentando normalizar o meu coração e minha respiração.

― Oh, meu amor, eu queria tirar essa dor que está sentindo ―
ouvi minha mãe dizer.

Fitei-a. Ela estava abaixada ao lado da cama, com os olhos

molhados.
Sentei-me sem acordar as meninas e a abracei.
― Não quero que sofra por mim ― pedi, respirando seu cheiro
que eu tanto adorava.

Alisou as minhas costas.

― Cada dor que sente, eu também sinto. ― Esquadrinhou


meu rosto e beijou minha bochecha. ― Vocês cinco são a razão do

meu viver, são tudo na minha vida.

― Amo você para sempre ― anunciei, respirando fundo,


sentindo conforto ali, em seus braços, embora soubesse que nunca

esqueceria aquele dia. Todavia, seguiria em frente pelas pessoas

que eu amava.

― Oh, querido, eu também o amo. ― Sorriu como uma fada.


Naquela noite, uma parte minha foi embora para sempre, mas

havia outra que necessitava de mim: minha mãe e meus irmãos. Por

eles, eu faria tudo, até entregar a minha alma ao diabo.


Capítulo 2

Mália aos 10 anos

Ouvi barulho e fui olhar o que era. Na última vez, escutei papai

dizendo que tínhamos sido atacados.

Eu não devia ir ver, mas ouvi a voz da mamãe, que parecia


discutir ao telefone com alguém.

― Pedi provas concretas e não desculpas ― rosnou.


Minha mãe era uma heroína. Uma vez a escutei falando que

faria o que fosse preciso para ajudar meu pai.


― Não quero desculpas, preciso de mais do que isso, se

quiser que eu desfaça um Omertà ― disse e suspirou. ― Me espere

no lugar de sempre, logo apareço aí.


Omertà é um termo de silêncio que define um código de honra

de organizações mafiosas como a nossa. Eu sabia disso porque

meu irmão dizia que jamais quebraria o dele, jamais entregaria os


seus.

Por que ela pensava em quebrar o Omertà? Ela iria denunciar

o papai? Eu não acreditava, os dois se amavam muito.


Fiquei no topo da escada vendo-a desligar o celular e pegar o

seu casaco no hall, então ela me viu ali, parada.


― Oi, meu amor. O que faz acordada a essa hora? ― Veio até

mim.

― Mamãe, a senhora parecia brava. Aconteceu alguma coisa?

Ela beijou minha testa.

― Não, meu anjo, não aconteceu nada. ― Afastou-se. ― Só

assuntos de gente grande. Agora volte a dormir.


― Aonde vai? Está tarde. ― Olhei para o relógio na parede,

que indicava 2h da manhã.


― Princesa, tudo se ajeitará. Agora vá para o seu quarto, não
vou demorar ― pediu, mas, ao mesmo tempo, era uma ordem.

Assenti e subi as escadas, mas parei e olhei para ela, que

ainda me fitava.

― A senhora ama o meu pai, né? ― Não era exatamente uma

pergunta, pois eu via a forma como os dois interagiam.

Sorriu.
― Claro, meu amor. Murilo é tudo na minha vida, o homem

que me deu as pessoas que mais amo no mundo ― afirmou em

júbilo.

Assenti mais aliviada, embora ainda sentisse que estava

escondendo algo. Sentia que ela estava preocupada. Ficava assim

sempre que papai viajava. Talvez fosse isso.

― Eu amo você ― revelei.


Ela sorriu.

― Também a amo, meu amor ― disse com forte emoção na

voz.

Fui para o meu quarto, mas não ia dormir, pois precisava saber

aonde mamãe estava indo e o que estava acontecendo. Se eu

pudesse ajudá-la de alguma forma, o faria.


Papai tinha ido para os Estados Unidos a negócios. Como eu

não podia contar o que estava acontecendo a ele, então falaria com
o meu irmão. Tentei ligar algumas vezes para ele, mas não atendeu.

Desci a escada assim que mamãe cruzou o jardim, mas ela


não foi para o seu carro, e sim andou na direção da praia. O que ela
iria fazer lá? Com quem se encontraria? Teria acontecido algo sério,

e ela não quis me dizer só para não me preocupar?


Fui para a casa de barcos. Até pensei que teria que fugir ou ao

menos tentar escapar dos guardas, mas a casa estava silenciosa.


Achei estranho ninguém estar ali, mas não liguei, apenas corri para

o local.
Liguei de novo para meu irmão, e dessa vez ele atendeu:
― Não devia estar na cama?

Mariano tinha 16 anos, era um homem formado e braço direito


de papai. Talvez mamãe se abrisse com ele por ser mais velho que

eu e estar nos negócios com papai. Como eu acreditava que ela


nunca enganaria meu pai e o entregaria, então eu podia confiar em

meu irmão – pensava com esperança.


― Mália, pelos Céus, o que está acontecendo? Parece estar
fungando como se estivesse correndo. ― Exaltou-se.

Inspirei fundo e tentei recuperar o fôlego.


― Mamãe discutia com alguém ao telefone, agora saiu. Ela

disse que não era nada, mas parecia preocupada. ― Finalmente


minha respiração parecia estável após a corrida. ― Estou seguindo-

a para a casa de barcos.


― Mália, volte para casa agora. Não pode andar por aí. Cadê

o Abadias?
― Não tem nenhum segurança na casa, o único que vi foi o
Rony, que seguiu a nossa mãe. ― Peguei um atalho para o píer, um

caminho que eu fazia sempre quando ia lá com o meu irmão.


― Não têm guardas? ― Tinha algo em sua voz que

demonstrava medo. ― Estou a caminho. Agora não siga a mamãe


― pediu com a voz tensa.
Tiros soaram na direção do píer. Assim que os ouvi, gritei pela

mamãe, e meu irmão me falou para ir ao esconderijo, mas não o


escutei e fui à sua procura. Precisava saber como ela estava. Entrei

na mata e segui ladeando a margem da praia.


O medo me consumia tanto que me senti travada um momento

no lugar, então outro disparo foi feito. Obriguei os meus pés a se


mexerem, pois a mamãe podia estar precisando de ajuda. Uma
idiotice, já que eu não podia fazer nada, mas não pensei nisso, só

corri na direção do píer.


Antes de chegar lá, vi um homem de costas, mas estava
escuro, não dava para ver o seu rosto.
Ele pegou uma lancha e foi embora, deixando atrás de si os

corpos de dois homens no chão.


O pavor me consumia a ponto de gritar. Não vi mais guardas,

só corri pensando na minha mãe.


― Mamãe! ― gritei, entrando no nosso barco, que estava
ancorado ali.

Travei ao ver sangue no chão, tanto que caí de bunda, mas


ignorei a dor. Fiquei de pé com o coração na mão. Corri na direção

da cabine, inquirindo:
― Mamãe, está aí...? ― Gritei ao vê-la na cama ao lado de

outro homem como se fossem namorados.


Ela não enganaria o papai nunca, jamais! Então o que estava
fazendo ali? Não me preocupei, apavorada ao vê-la inconsciente.

― Não! Mamãe! ― Chorei, sacudindo-a, mas ela não


respondia.

Por favor, ela não pode ir embora! Eu não tinha aproveitado


muito com ela, então a mamãe não podia partir assim e me deixar.
Por favor, que ela fique bem!
― Acorde! Por favor, não me deixe! ― suplicava, pegando a
sua mão ensanguentada.
Foi quando notei uma correntinha que não era dela, mas na

hora não liguei, só a peguei.


Depois disso, braços me pegaram por trás. Ouvi vozes

alteradas à minha volta, mas não detectei de quem eram, só ouvia


os meus gritos de lamento e perda.
― Como estão? ― sondou uma voz quebradiça como vidro.

Mariano estava ali comigo.

― Mortos ― respondeu alguém, fazendo a minha alma gelar e


o meu corpo tremer, levando embora as minhas esperanças.

A dor me consumia tanto que eu me debatia nos braços da

pessoa que me puxava dali.

― Não! Por favor, não! ― Chorava. ― Ela não...


― O que ela estava fazendo aqui? ― alguém perguntou não

muito longe.

― Têm mais corpos lá fora ― disse uma voz conhecida. ―


Cheque quantos são.

É o papai? Mas ele não estava viajando? Eu não sabia como

conseguia pensar presa naquele abismo de dor.


― Leve-a para sua casa ― ordenou uma voz aguda. Então

detectei. Não era o papai, mas o meu tio Ulisses, irmão da minha
mãe. Tinham mais pessoas ali.

Eu queria dizer algo, mas não conseguia sair do torpor em que

me encontrava. Não podia ir embora para longe da mamãe, não


podia crer que ela havia partido.

― Mália ― a dor estava na voz do meu irmão ―, por favor...

Mariano? Por que ele estava suplicando a mim? Sua dor

estava consumindo-o assim como a minha. Minha esperança de que


tudo ficasse bem desapareceu.

― Dê um sedativo a ela! ― alguém gritou à distância.

Foi quando notei que ainda gritava sem parar. Não me


incomodei por estar coberta de sangue, a única coisa que queria era

a mamãe de volta, pois sabia que ela tinha partido para sempre.

― Quem será que fez isso? ― Outra voz parecia falar consigo
mesma.

― Alguém liga para o Murilo ― ordenou o meu tio. ― Isso será

um baque para ele.

― Eu cuido disso ― respondeu Mariano.


Queria impedir que o papai sofresse, mas como, se nem podia

impedir que o Mariano e eu sentíssemos a mesma dor? Então a


escuridão me tomou, levando-me à deriva, mas a dor ainda fincava

fundo e faria isso para sempre.


Capítulo 3

Dez anos depois

Mália

Anos se passaram, mas ainda assim eu não lidava bem com o


que tinha presenciado. Ficava tentando buscar o rosto do assassino

da minha mãe, mas minha cabeça era um buraco negro. Recordava

pouco daquele monstro, só dele de costas e partindo.


Estava naquela festa, mas minha cabeça se encontrava a mil,

pois ali podia estar encarando o assassino ou o mandante da morte


da minha mãe. Porém, não sabia quem era. Sentia-me impotente

por não poder fazer nada.

Lembranças daquela noite invadiram a minha mente como


uma enxurrada. Eu não conseguiria ficar ali, fingindo que não tinham

se passado dez anos após ela ter partido, não com aquele povo

mesquinho, incluindo o meu tio.


Ulisses era irmão da minha mãe e foi muito frio na ocasião da

morte dela, pois deveria ser o primeiro a ir atrás dos assassinos,

mas todos tinham minha mãe como uma traidora e desonrada, não
só por ter sido encontrada na cama com outro, mas também porque

foram encontradas provas de que ela entregaria meu pai à polícia.


Ela quebrou o Omertà, o código de honra da máfia, quebrou o

voto de silêncio que impedia de cooperar com autoridades policiais

ou judiciárias. Mamãe estava com essas provas para entregá-las ao

FBI, e isso a levou à morte.

Papai era o Don, líder da máfia espanhola, o mandachuva que

respondia pelas grandes decisões na máfia. Ele resolvia conflitos


internos e mantinha todos na linha. Era o chefe supremo. Estava em

uma reunião importante no dia em que a minha mãe foi morta.


Aposto que o levaram para longe para fazerem aquilo com a
mamãe, pensei amarga. Como eu poderia provar algo assim? Até

tentei uma vez levar o caso para meu tio Tomaso, irmão do meu pai,

que era o consigliere, uma espécie de consultor e conselheiro do

líder, com a responsabilidade adicional de representar o chefe em

reuniões importantes, mas ele não acreditou e ainda me pediu para

esquecer o assunto. Cheguei a ir ao meu pai e buscar um


posicionamento, mas ele me disse para deixar isso de lado, pois

tinham se passado anos, e nada de acharem o assassino. Como eu

não podia desobedecer-lhe, fiquei quieta, porém comentei sobre

minhas suspeitas com meu irmão assim que cheguei a uma certa

idade em que podia entender as coisas. Na primeira vez, achei que

meu pai estava sendo frio, mas enfim entendia que ele não me

queria fuçando aquilo, porque o perigo poderia cair sobre mim.


Tinham muitas incoerências naquela atrocidade cometida. É

claro que os culpados não deixaram rastros, por serem mafiosos,

mas eu conhecia minha mãe. Ela não era uma traidora como todos

pensavam. Lizandra amava o papai, ela mesma me disse naquela

noite, e eu acreditava nisso com todas as minhas forças.

Notando o vazio nos olhos do papai, eu podia ver que aquilo


foi um baque para ele. Além de saber a situação em que sua esposa
foi morta... ainda tinha que lidar com a acusação de ela ser traidora.

Após perder a minha mãe, ele se tornou a concha vazia de um


homem. Nada conseguia colocar vida em seu olhar.

Eu torcia para que um dia ele ficasse bem, que seguisse em


frente, mesmo que eu nunca conseguisse esquecer. Era como se os
anos que passaram após a sua perda não significassem nada. A dor

era crua e muito nítida.


Saí dali e fui para os fundos da casa, em direção ao penhasco,

o meu lugar favorito na propriedade. Antes era a casa de barcos,


mas não ia mais para lá, não desde aquele dia fatídico. Tudo sobre

barcos fazia com que eu me lembrasse daquele momento.


Peguei o meu aparelho Kindle antes de ir, assim leria algo em
vez de pensar no passado. Era um caminho perigoso aquele em

que eu vivia todos aqueles anos, embora lembrar-me de seu rosto e


sorriso me motivasse a ser forte e lutar para encontrar o assassino

que destruíra a nossa família.


Sentei-me num banquinho e encarei o oceano – ou o que eu

podia ver dele naquela noite. A Lua brilhava no céu, dando-me uma
boa visão dele. O cheiro salgado do mar, a brisa leve e suave
beijaram o meu rosto.
Recordava-me que nós duas, mamãe e eu, ficávamos naquele

lugar, vendo o Sol nascer ou se pôr, às vezes. Eu adorava... Tive tão


pouco tempo com ela. Isso era muito injusto.

Depois de ser apagada naquela noite, fui levada para casa e,


após acordar, descobri que não tinha sido um pesadelo. Aquela

carnificina havia sido real.


O assassino ainda estava por aí, com certeza tendo uma boa
vida. Eu acreditava que tinha sido um dos homens da máfia

espanhola. Não tinha provas, pois na hora não encontraram


ninguém no território. Como eu era nova, não pensei nisso.

Porém, atualmente, aos meus 20 anos e com o conhecimento


que adquiri, sabia que não era normal uma pessoa desaparecer do
nada, a não ser que fosse alguém de dentro. Cheguei a comentar

isso com meu irmão, e ele se prontificou a descobrir a verdade.


Mariano estava com 26 anos e era subchefe dos capitães dos

soldados da nossa família. Trabalhou o seu caminho muito bem


para chegar ali. Ele acreditava em mim e suspeitava de que fosse

alguém de dentro. Quando o descobríssemos, nós o eliminaríamos


de uma vez por todas.
Viver na máfia tinha suas regras. Um membro não poderia

matar um traidor da família antes de levá-lo ao chefão. Isso faria


papai acreditar que mamãe nunca o traíra. Eu queria provar isso a
todos, incluindo a ele. As leis não poderiam ser quebradas, pois
existiam havia gerações, desde a aurora dos tempos, incluindo a lei

sobre matar um membro da família sem motivo aparente.


Com base nas provas que foram deixadas com a mamãe, que

levavam a crer que ela estava traindo o meu pai – o que eu


acreditava não ser possível –, pela lei, ela deveria ter sido levada ao
líder para depois ser castigada. Isso só mostrava que quem a

eliminara fez isso para que ela não falasse nada. Não obstante, eu
não acreditava que ela tinha descoberto alguma coisa contra o

papai; devia ser contra outra pessoa que estava traindo a máfia.
Porém quem seria esse traidor?

Tive tantos pensamentos no decorrer dos anos após ter


surgido essa suspeita. Por isso, passei a checar a todos através da
minha fachada impecável de gelo, que demonstrava na frente de

todos. Tive que me tornar forte, ou muitos ali me engoliriam inteira.


Esperava que meu irmão pegasse logo aquele monstro e o

fizesse pagar. Ficaria mais fácil se tivéssemos certeza ao invés de


apenas suspeitas contra meu tio, um homem poderoso, embora
papai também o fosse.
O primeiro da lista de homens poderosos era meu pai, o Don,
líder supremo.
O segundo no poder era Tomaso, consigliere e braço direito do

chefe.
O terceiro lugar era Ulisses, chefe dos capitães, o homem

responsável por passar “trabalhos” e ordens do Don aos capitães e


soldados.
Isso me fazia pensar... Ulisses provavelmente não gostava de

estar tão abaixo na hierarquia... E se ele tinha feito aquilo para

destruir meu pai? Talvez mamãe tivesse descoberto as falcatruas do


irmão, e ele descobrira e a matara...

Meu tio era um monstro sem alma, embora eu não

conseguisse imaginá-lo fazendo tal ato com a própria irmã. Isso

seria monstruosidade demais, não? Era possível? Talvez pudesse


ser outra pessoa que desejava o fim do meu pai. Um líder vive

constantemente em perigo, carrega isso consigo, bem como os seus

familiares.
A cena de mamãe na cama com outro homem foi armada, eu

tinha convicção. Quando cresci, pude perceber isso, ainda mais

após ela ter jurado que nunca trairia o papai. Eu acreditava nela,
sabia que jamais nos enganaria. Mamãe nos amava.
Fui criada ouvindo sobre a mamãe ser uma traidora e infiel.

Isso me deixava furiosa, por mancharem o nome dela assim. Eu


brigava na escola. No começo, tinha muito falatório da sociedade,

porém passou. Certamente o meu pai ou o consigliere interferiu.

Eu não me importava que, na escola, as coisas fossem difíceis


ao crescer; o que odiava era que falassem mal da minha mãe. Até

os dias atuais, eu ouvia burburinhos de algumas pessoas, mas

falavam quando meu pai e Mariano não estavam por perto. Talvez

pensassem que eu fosse abrir o bico, mas lidava com todos do meu
jeito.

Não contava nem ao meu pai nem ao meu irmão sobre isso,

não queria trazer problemas para eles, que já tinham as mãos


cheias em busca do assassino que nos tirara tudo. Além disso, eu

sabia lidar com todos eles. Quando ousavam dizer algo sobre minha

mãe na minha frente, eu rebatia à altura. Bater-me, eles não o


faziam, mas, se me enfrentassem, eu revidaria. Sabia lutar bem,

pois meu irmão me ensinou a me defender de situações difíceis.

Nunca tinha precisado, mas, caso necessitasse, saberia usar o que

aprendi. Por eu não deixar ninguém falar mal dela, alguns me


chamavam de a Dama de Gelo.
A sociedade da máfia sabia ser rancorosa e julgadora. Muitos

pensavam a mesma coisa da mamãe, só não diziam por causa do

meu pai, eu supunha.


― A prostituta não vai desfilar sua frieza na frente de todos? ―

ouvi de repente e virei minha face. Odiava aquele homem com todas

as minhas forças.

Wilson pegou o meu Kindle e o jogou penhasco abaixo. Isso


me fez ver vermelho. Ele era filho do chefe da Sevilha e pegava no

meu pé constantemente por eu ter dado um fora nele.

Na máfia espanhola, cada estado que pertencia à nossa


família tinha um líder chamado de monarca. Eles seguiam à risca as

ordens do chefe supremo, que estava no topo da pirâmide: meu pai.

Eu estava farta de suas provocações. Fiquei de pé e encarei o

bastardo de uma figa. Ele era alto e tinha uma cicatriz na boca
resultado de uma facada ou algo assim. Era aterrorizante, não por

causa da cicatriz, mas porque exalava maldade.

― Você não passa de um escroto imundo, um frouxo que


segue as ordens do seu pai como uma cadelinha ― sibilei e depois

ri com zombaria. Era até errado comparar aquele asno com um

animalzinho. ― O quê? Não consegue aceitar um fora? Está tão na

seca a ponto de ficar no meu pé porque eu não quis você?


― Sua maldita! ― Cerrou os dentes, dando um passo em

minha direção como se quisesse voar sobre o meu pescoço. ―


Uma puta como você não vele o esforço. É igual a sua mãe, que

estava fodendo outro.

― Eu jamais ficaria com alguém como você, nem que fosse o


último homem da Terra. ― Fuzilei-o, querendo eu mesma

estraçalhar sua cara ainda mais do que já era desfigurada.

Ele segurou meu braço em um aperto firme que provavelmente

deixaria hematomas.
― O que vai fazer? Me bater? Faça se for homem. Estou farta

de suas provocações e humilhações e pior, difamações quanto ao

nome da minha mãe. ― Eu não conseguiria lidar com ele, mas


lutaria, sabia fazer isso.

― Ela não passava de uma vadia... ― Suas palavras

morreram ao olhar para trás de mim, e Wilson afastou a mão como

se minha pele tivesse fogo.


― Repete o que acabou de dizer. ― A voz do meu pai era

como uma geleira.

Virei-me e pisquei, vendo o papai com seu rosto esculpido em


pedra e seus olhos ardendo de fúria.
A expressão de Wilson estava temerosa e o rosto, parecido

com um fantasma de tão pálido.

― Nada, senhor. Eu só estava falando de...

― Mentira. Esse escroto vive me humilhando e me chamando


de puta só porque eu não quis ir para a cama com ele ― revelei,

cansada de esconder a verdade do papai e do Mariano. ― Além

disso, vive insultando a memória da minha mãe.


― Isso vem acontecendo desde quando? ― sondou meu pai

em um tom nada bom.

― Há muito tempo...

A expressão magoada do papai me fez interromper a frase no


meio.

― Por que não contou a mim ou ao seu irmão? ― Seu tom

soou injuriado.
― Não disse nada porque não queria preocupá-lo. ― Suspirei.

― Sou o seu pai, Ratinha. A minha função é protegê-la, assim

como era com a sua mãe. Com ela, não pude, mas farei isso com

você. ― Sua voz soou triste.


Senti-me culpada por não lhe ter contado ao vê-lo magoado.

Por suas palavras, notei que ele se culpava pelo que aconteceu à

minha mãe. Isso queria dizer que confiava em mim quando eu dizia
que ela não o havia enganado? Queria perguntar-lhe, mas achei

que não era o momento.


― Papai, eu sinto muito. ― Fui até ele e peguei sua mão. ―

Lamento não ter dito nada.

― Não importa pelo que esteja passando, sempre venha a

mim como fazia antes. Eu lido com isso. ― Ele pegou meu braço
onde estava vermelho pelo aperto do cafajeste ali perto, depois

fuzilou Wilson. ― Agora vou mostrar a você quem é a vadia aqui e

lhe ensinar a nunca colocar suas mãos imundas na minha menina.


― Papai deu um sorriso frio. ― A única razão para eu não ter feito

isso ainda é por minha filha estar aqui. Assim que ela se for, eu o

farei pagar ― rosnou. ― Sou o seu superior, assim como de seu


pai, e me devem obediência, mas você ousou tentar tocar no meu

bem mais precioso. Por isso, pagará com a vida.

― Nunca a toquei...

― Não? O que é isso? ― Gesticulou para meu braço com as


marcas de sua mão. ― E a difamou só porque ela não o quis. Deixei

claro que ela estava fora dos limites para todos vocês, ou não ouviu

meu alerta? ― Papai suspirou e me olhou. ― Ratinha, vai procurar


Mariano e fique com ele.

― Papai...
― Ratinha, faça o que mandei. ― Seu tom deixou claro que eu
não deveria lhe desobedecer, ainda mais na frente dos seus

homens.

Fui atrás do Mariano como o papai ordenou. Entrei no salão de


festa, mas escondi a minha expressão e respirei fundo, indo até o

meu irmão, que estava ao lado do consigliere e de Ulisses. Isso não

era bom; eu queria falar com o meu irmão sozinha.


― Sua função é descobrir o porquê de Rafaelle Morelli estar

atacando o negócio do seu pai. Acredito que teremos que ter uma

palavra com Alessandro e mostrar o que realmente é um ataque...

― Tomaso se interrompeu quando me aproximei. ― Amália, está


tudo bem?

Eu não sabia de quem estavam falando, mas não liguei.

Poderia mentir, mas senti preocupação em sua voz para comigo.


Por mais que eu não demonstrasse nada em minhas feições, havia

três pessoas das quais eu não conseguia esconder o que sentia, e


essas eram o papai, Mariano e Tomaso. Quando era verbalmente
atacada por todos e não conseguia esconder meu sofrimento, eles

sabiam que acontecia algo, mas eu dizia que eram saudades da


minha mãe.
― Desculpe interromper, mas eu queria ter uma palavra com o
Mariano ― pronunciei.
― Não antes de me dizer o que está acontecendo ― Tomaso

disse com os olhos estreitos.


― É que o Wilson disse e fez algumas coisas que o papai não
gostou. Agora acho que ele vai matá-lo ― anunciei, não me

importando muito; aquele maldito merecia coisa pior.


Teve um tempo em que o meu tio era apenas Tomaso, um
homem que ria e até me ensinava a fazer tarefas quando criança.

Contudo, quando se tornou consigliere, notei mudanças em suas


feições e ações, que se tornaram mais duras e mortais.
― O que Wilson fez para o seu pai reagir dessa forma? ―

Franziu a testa. ― Vocês dois...


Pisquei.
― Pelos Céus, não! ― Fiquei chocada que pensasse isso e

um tanto magoada, mas não demonstrei, afinal todos ali pensavam


que eu era alguém assim, só não verbalizavam. Entretanto, eu podia

ver nos olhares que me lançavam.


― Vou lá ver como está a situação. ― Ulisses saiu. Porém em
nenhum momento pareceu se incomodar realmente. Esse cara
nunca se importava ou demostrava se importar conosco, seus
sobrinhos, nem mesmo com sua irmã.
― O que é isso? ― Mariano tocou meu braço marcado. ―

Quem fez isso com você?


― Foi Wilson que a machucou? ― tio Tomaso perguntou com

a voz de aço após checar meu braço.


Contei-lhes tudo que acontecia comigo e o que Wilson disse e
fez naquela noite.

― O que seu pai mandou você fazer? ― indagou meu tio com
a expressão como a do meu pai, dura como rocha.
― Me disse para ficar com o Mariano...

Ele assentiu e ficou na minha frente.


― Não se preocupe. Nós lidaremos com isso. ― Sua voz soou
baixa, só para mim. ― Não era a minha intenção ofendê-la quando

perguntei se você e ele... Só precisava entender as razões que


levaram Murilo a agir assim com o filho de um dos nossos.
― Entendo ― assenti, com o coração um pouco mais leve ao

notar que ele se importava comigo.


― Ótimo! Agora faça o que seu pai mandou ― disse e saiu na

direção de onde vim.


― Mália, por que nunca me contou o que estava acontecendo?
― Mariano parecia tão magoado quanto o papai.

― Lamento não ter dito aos dois, mas não queria preocupá-los
― sussurrei.
― Pois deveria. Somos uma família e juramos sempre ficar

unidos não importa o que aconteça. ― Pegou meu braço, e, juntos,


saímos da festa, entrando na sala de estar da mansão. ― Queria ir

lá eu mesmo, eliminar o maldito, mas não vou deixá-la sozinha.


― Eu sei. Mas só queria vocês focados em descobrirem quem
fez aquilo com a nossa mãe. Além disso, sei me cuidar. ― Forcei

um sorriso, querendo tirar aquela mágoa dele. Fui idiota em não ter
dito. ― Tive um ótimo professor. Embora Wilson não tenha tentado
me tocar, só deu em cima de mim. E, quando não aconteceu nada,

começou a me atingir verbalmente, mas respondi à altura.


― E essa marca em seu braço é o quê? ― rosnou.
― Ele ficou furioso após eu jogar algumas verdades na sua

cara, mas estava pronta para me defender quando papai nos viu.
― Ninguém nunca mais vai humilhá-la ou encostar um dedo
em você. ― Era uma promessa, sem sombra de dúvida.

― Confio em você. ― Passei o braço em sua cintura. ― Eu o


amo demais, não quero que fique magoado comigo. Juro por tudo
que nunca mais vou esconder nada de você.

― Tudo bem. Agora vamos para o meu quarto. Ficará comigo


essa noite ― falou, e entramos no cômodo. Era grande e
aconchegante, mas, naquele momento, só o papai me preocupava.

― O que será que está acontecendo lá?


― O que o maldito Wilson fez merece coisa pior do que um
simples tiro na testa. ― Sua fúria era como uma bomba-relógio. ―

Têm homens querendo chegar a você para obter mais poder, e não
vou permitir isso.

― Querem me usar? Mas por quê? ― Pisquei. ― É porque


sou filha do Don?
― Você é filha e sobrinha dos homens mais poderosos. Eles

acham que investir em você seria uma boa ideia. Acabei com uns,
mas acho que existem mais por aí. ― Sua voz saiu baixa e letal. ―
Vou acabar com todos eles.

Acreditava nele; meu irmão não fazia promessas vazias.


― Teve um momento lá embaixo em que pensei que o
mandante da morte da mamãe tinha sido Tomaso, mas depois

analisei melhor. Ele não enganaria o nosso pai assim, não é? ―


Esperava realmente que não o fizesse.
― Não é o Tomaso. Desconfio mais de Ulisses. Ele é muito
ambicioso, e pessoas assim são capazes de tudo, incluindo trair a
família. ― Mariano se sentou na cama, parecendo exausto. ― Ao

contrário do papai, que morreria pela sua vida, assim como eu. É
uma pena que eu não tenha provas contra ele.
Estremeci.

― Não fale isso nem brincando. Não posso perder você e o


papai. ― Sentei-me ao seu lado e peguei sua mão. ― São tudo na
minha vida.

― Vamos ficar bem. Tudo dará certo, não se preocupe. ―


Sacudiu meus cabelos.
Mariano era um rapaz lindo, de cabelos castanho-claros como

os do papai e olhos escuros. Eu já parecia com a minha mãe, com


seus cabelos cor de mel e olhos azuis.

― Ei, não sou mais uma criança para você fazer isso ― avisei,
ajeitando meu cabelo.
― Para mim, sempre será a minha maninha querida. ― Beijou

minha testa.
Revirei os olhos.
― E você, meu irmão...
De repente fomos interrompidos pelo som de tiros do lado de
fora e explosões como se tivessem jogado granadas.

Fiquei de pé, em transe, assim como o Mariano, mas ele


pegou a arma e se levantou, apontando-a para a porta conforme
apagava a luz do nosso quarto e espiava pela janela.

― Porra! Nós estamos sendo atacados! ― Amaldiçoou. ―


Preciso tirar você daqui. Vamos!
Pegou minha mão, enquanto eu estava ali, meio catatônica, e

me levou para o escritório. Não encontramos ninguém na sala, mas


podíamos ouvir tiros onde estava acontecendo a festa antes, no
salão que ficava depois do jardim.

Lembranças queriam invadir a minha mente. Isso acontecia


sempre que eu escutava o som de tiros. Gritos soavam do lado de
fora, tão altos que cobri os ouvidos.

Entramos atrás da parede com prateleiras cheias de livros, no


elevador oculto que tinha ali, e descemos. Todavia, antes, vi o meu

irmão jogar um isqueiro aceso nos livros de contabilidade. Talvez


fossem arquivos importantes, que não podiam cair em mãos
erradas.

― Papai! ― O pavor estava me consumindo, mas consegui


obrigar meus lábios a se mexerem.
― Ele vai ficar bem. Assim que você estiver segura, vou sair
para checar o que está acontecendo ― Mariano garantiu com a voz

ácida.
― Não pode ir lá. ― Os sons de tiros pararam, mas foi porque

o lugar em que estávamos era à prova de som.


― Tudo bem. Só não entre em pânico agora, tá?
Saímos do elevador e fomos para um túnel que dava em um

dos barcos ancorados no píer. Porém, antes de chegarmos à saída,


alguém atirou. A bala acertou bem próximo à minha cabeça. Até
senti o vento. Houve outro disparo e mais outro. Mariano também

estava atirando.
― Porra! Nós estamos cercados de ratos! Ninguém sabia
deste lugar a não ser nossos tios e o papai! E, como sei que nosso

pai nunca abriria o bico, deve ter sido um dos dois, Ulisses ou
Tomaso.
Era demais presenciar tudo aquilo... os tiros, o sangue no chão

dos mortos. Lembranças invadiram a minha mente, então algo com


cheiro estranho atingiu o meu nariz, e depois tudo ficou escuro.
Capítulo 4

Mália

Acordei checando onde estava, então me lembrei dos tiros e

das pessoas gritando, e isso me trouxe o terror novamente pelo que

tinha presenciado no passado.


― Papai! ― Sentei-me em choque.

Estava em algum lugar que não reconheci. Podia ouvir

pássaros cantando não muito longe e o som do mar à distância.


Meu irmão havia me trazido até ali? Onde ele estava?

― Mariano? ― chamei.
Não obtive resposta. Havia pessoas atirando em nós quando

estávamos saindo do túnel, mas apaguei quando senti algo no nariz.

Eu tinha sido dopada? Isso queria dizer que fora capturada?


Examinei o meu corpo e vi que ainda estava vestida com a

mesma roupa que tinha colocado na noite anterior. Não havia sinal

de que tinha sido tocada, nem estava presa com correntes. Isso era
bom. Fiquei aliviada, embora com medo.

Saí da cama e chequei pela janela que estava aberta,

deparando-me com o mar. A casinha era de madeira, parecia uma


cabana de pesca ou algo assim.

Olhei ao redor à procura de um taco ou um pau para me


defender caso visse algum sequestrador.

Saí do quarto e espiei em um corredor, mas não vi ninguém.

Fui à procura de saber onde estava, tentando ignorar o meu medo,

mas com a esperança de que Mariano estivesse ali, que tivesse sido

ele a me trazer para aquele lugar.

― Eu vou matar a fedelha ― rosnou um homem com a voz


nada amigável.
O gelo se apossou do meu corpo, então dei mais um passo e o
vi de costas para mim, falando ao telefone com alguém. Notei a

porta aberta enquanto encarava o oceano pela janela escancarada.

Não reconheci o cara, então não era mesmo um dos soldados

do meu irmão. Isso realmente queria dizer que eu havia sido

sequestrada? Nem morta eu ficaria ali para descobrir, além disso o

homem disse que me mataria. Procurei algo na sala e peguei um


remo, ou tinha sido um em dias melhores.

― Uma ova que fará isso ― sibilei, fazendo com que se

virasse para me olhar. No entanto, foi tarde demais, porque acertei o

remo em suas costas, fazendo-o gemer e praguejar. Não fiquei para

descobrir o que tinha acontecido, só corri para fora do lugar.

Parecia ser uma praia. De um lado, havia o mar, e do outro,

uma floresta. Entrei na mata e corri. Era melhor ali do que no campo
aberto. Se tivesse alguma propriedade, eu poderia procurar ajuda,

mas não via nada além de areia, água e mato.

Podia ouvir passos atrás de mim. Isso me fez quase desistir

por causa do medo, que me devorava. Entretanto, não deixei que

levasse a melhor, não sem lutar. Precisava ao menos tentar.

Sabia que seria uma luta em vão, mas tentei mesmo assim.
Continuei correndo e fugindo de quem me perseguia. Precisava me
livrar daquele homem. Podia pensar em muitos motivos para ser

burrice tentar escapar de um assassino brutal, mas poderia morrer


lutando; era melhor do que me entregar.

Ouvi-o praguejando atrás de mim, mas não liguei. Isso me


lembrou de uma época em que corria com meu irmão. Pensar nele
cortou meu peito. Não achei que morreria antes de vê-lo, assim

como ao meu pai.


Um braço se enrolou em volta de mim, fazendo-me cair, assim

como o meu sequestrador. Lutei com ele, mas era uma luta vã.
― Maldição! Pare de lutar ― ordenou com sua voz grossa.

― Nunca vou desistir sem lutar! ― desdenhei, tentando chutá-


lo, mas ele me prensou forte no chão. Apesar de tudo, notei que ele
não queria me machucar. Isso era estranho. ― Acha que vou ficar

presa naquele lugar esperando para você me violentar e depois me


matar?

Suas narinas fremiam. Algo brilhou em seus olhos escuros,


que não deu para eu ler antes que uma fachada calma se

estampasse em suas feições. Ele ainda estava sobre mim, enquanto


eu estava deitada na terra.
― Menina, juro que, se eu não respeitasse quem me pediu

para ficar de olho em você, iria ensinar-lhe umas boas maneiras ―


rosnou.

Ele parecia me tratar como se eu fosse uma criança. Idiota.


― Bom saber disso, Valentino ― disse uma voz nada feliz e

não muito longe. ― Agora por que não sai de cima dela?
O homem pareceu controlar sua fúria e saiu de cima de mim.

― Merda! Eu só espero que tenha resolvido o que foi fazer e


que meu trabalho esteja feito. Sou a porra de um assassino, não
uma babá ― grunhiu o homem de cabelos escuros e se curvou,

estendendo sua mão para mim. Só a aceitei porque reconheci meu


irmão e percebi que aquele cara não ia me machucar.

Meu coração acelerou enquanto eu levantava a cabeça e me


deparava com aqueles olhos que me traziam tanta alegria, que eu
reconheceria em qualquer lugar do mundo entre milhões de

pessoas.
― Mariano! ― Fui até ele e o abracei por um minuto. Em

seguida me afastei. Estava com tanto medo de que tivesse


acontecido algo a ele. ― Você está bem? Temia que eles o tivessem

capturado, aliás, a você e papai. Onde ele está?


Algo mudou em sua expressão, mas foi tão breve que não
pude identificar.
― O que foi? Ele está bem, não está? ― O medo me abateu.
Nada podia ter acontecido a ele!
― Nada aconteceu. ― Não detectei mentiras em sua voz, mas

o seu rosto estava duro como pedra. ― Mas não posso levar você
até ele agora. Preciso deixá-la em segurança primeiro.

Franzi a testa.
― Achei que tivesse sido sequestrada por esse... ― Olhei para
o homem parado ali, de braços cruzados, depois me virei para meu

irmão. ― Onde você foi para deixá-lo tomando conta de mim em vez
de um dos seus homens?

― Não sou um sequestrador ― o cara praticamente cuspiu,


depois encarou o meu irmão. ― Tarefa cumprida, agora vou

embora. Depois ligo para você.


Mariano sacudiu a cabeça.
― Valeu por isso. Tomo conta a partir daqui ― garantiu. ―

Resolvi o que tinha que resolver.


Valentino assentiu e saiu sem falar comigo, mas não liguei.

Estava mais preocupada com o meu pai.


― O que está acontecendo? ― Fiquei à sua frente, abanando
a terra do meu corpo.

― Nada, mas quero que venha comigo a um lugar.


― Mariano...
― Mália, por favor ― suplicou. ― Confie em mim. Preciso
arrumar um jeito de protegê-la.

― Não entendo. Por que tem que me proteger? O que está


acontecendo? Preciso saber, não pode me deixar de fora! ―

supliquei.
― Fomos atacados ontem. Agora preciso voltar e descobrir
quem fez isso. Mataram muitos dos nossos, inclusive mulheres dos

capitães. ― Suspirou, embora sua expressão fosse como aço.

― Quem nos atacaria, e por quê? Foi aquele Rafaelle Morelli


que vocês mencionaram na festa? ― sondei.

Fiquei aliviada por papai estar bem, mas triste por ter

acontecido aquilo com tantos outros. E se eu estivesse lá? Seria

uma delas? Papai, Mariano? Era grata por eles estarem bem.
― Como sabe sobre isso? ― Franziu a testa.

― Ouvi você e o tio Tomaso conversando aquela noite sobre

ele. ― Olhei ao redor. ― Onde estamos?


― Em uma ilha nos arredores de Porto Rico, bem longe de

onde estávamos, pois não quero correr o risco de alguém querer

tocá-la, então a trouxe de avião. Isso nunca irá acontecer. ― Seu


juramento estava em cada palavra.
― Então foi esse Rafaelle?

― Não se preocupe, não foi ele. Não é o estilo dele tocar em


mulheres e crianças. Foi outra pessoa. De qualquer forma, nós

vamos descobrir a verdade. ― Ele pegou a minha mão e me puxou

para caminharmos.
― Não é perigoso para o papai estar lá? E quem foi que

revelou sobre aquele túnel para sermos atacados? Qual dos nossos

tios é o traidor?

― Tenho a desconfiança de que seja o Ulisses, mas não posso


provar, afinal alguém pode ter escutado sobre o lugar, mas vou

buscar provas. Agora não vamos falar sobre isso. Depois a gente

conversa. Nesse momento, só preciso que me siga e que confie em


mim sem muitas explicações. ― Tinha algo na voz dele que parecia

devastado, cansado, melhor dizendo.

― Confio a minha vida a você, Mariano, não importa o que


aconteça.

Assentiu.

― Tudo bem. Não quero que entre em pânico, mas preciso te

contar uma coisa. ― O medo me tomou. ― Relaxa, não é algo


sério.

Chegamos à praia.
― O que é? ― Tentei imaginar do que se tratava, mas não

conseguia pensar em nada. Graças aos Céus o meu pai estava

bem. Não via a hora de vê-lo.


― Ontem, antes mesmo de começar a festa, eu sequestrei o

Rafaelle Morelli, um dos irmãos do capo da máfia italiana

Destruttore. Preferi não dizer aos nossos tios naquela hora em

razão de um pedido de Valentino, mas agora acho que podemos


usar isso.

Pisquei, parando de andar e o encarando. Não estava

preparada para isso. Achava que sequestrar uma pessoa, não


importava se ela fosse mafiosa ou não, era ruim.

― Não me olhe com esse ar de acusação ― pediu, avaliando

minha expressão. ― Ele não foi ferido ainda, embora seria, mas

Valentino pediu que eu não o fizesse. Isso vai nos beneficiar hoje.
― “Ainda” ― repeti, não sabendo o que pensar. ― Por que

Valentino não queria que ele fosse machucado?

― Mália, eu não tive escolha. Preciso de uma pessoa para


protegê-la dos meus inimigos e dos inimigos do nosso pai... E, sobre

Valentino, ele tem seus motivos, afinal Rafaelle não só atacou

nossas instalações, mas as dos Pachecos também. ― Parecia

haver mais ali, mas ele não prosseguiu.


― Então o sequestro foi em razão dos ataques, mas agora

você vai pedir para ele nos ajudar.


― Sim, preciso de você longe, só no caso de alguém tentar

usá-la para chegar a mim.

― Essas pessoas estão atrás de você, então, não de mim.


Você suspeitava que tinha algo errado na festa. ― Franzi o cenho.

― Por isso me levou ao seu quarto ontem.

Na hora, não conectei as coisas, estava preocupada que ele

estivesse magoado por eu lhe ter escondido a verdade sobre o


Wilson. Mariano disse que eu ia dormir em seu quarto.

― Papai estava desconfiado de que tinha gente de dentro

querendo usá-la para atingi-lo, e isso se confirmou após o episódio


com Wilson. Porém havia mais ali como aquele maldito. ― Trincou

os dentes. ― Estávamos nos preparando, mas o ataque veio antes.

― Em que o sequestro do Morelli nos beneficiaria? ― Eu não

gostava de pensar em uma pessoa em cativeiro, mas confiava em


Mariano, pois me protegia desde criança.

― Pretendo fazer um trato com o Rafaelle, pedindo asilo para

você em seu território, e, em troca, eu o devolverei para sua família.


― Soltou um suspiro duro.

― Esse homem vai aceitar a proposta?


Meu irmão sempre dizia que não havia honra em se entregar

em uma luta. Aquilo não era uma luta propriamente dita, mas não

deixava de ser uma, afinal o homem tinha sido preso e era mantido

em cativeiro.
― Não sei, mas espero que sim. É a única forma que encontrei

para protegê-la. ― Estava de cabeça baixa, parecendo cansado. ―

Preciso ir até lá e negociar. Eu sei de algo que ele quer, posso fazer
isso caso nos ajude. Só precisava falar com você antes.

― Me mandar para outra máfia vai significar a sua morte se

souberem, não é? ― Apertei sua mão que segurava. ― Não quero

isso. Não suporto a ideia de não o ver mais.


― Tudo se ajeitará, tenho um plano orquestrado. Só preciso

arrumar um jeito de mantê-la segura para me concentrar e eliminar

todos esses vermes imundos. ― Beijou minha testa. ― Nada vai


acontecer com você.

― Confio em você. ― E confiava mesmo; não havia ninguém

em quem confiasse mais do que ele. ― A que horas vai falar com

esse rapaz?
― Eu o levei para uma ilha perto dessa aqui, por isso

precisamos pegar o barco.

― Você quer que eu esteja junto para falar com ele?


― Não quero que esteja na negociação. ― Tinha um tom

sombrio ao dizer isso.


Bufei.

― Não sou tão inocente assim, sei o que é a máfia e o que

fazem. Vamos. Eu prometo não interromper enquanto você

conversa com ele.


Mariano não queria, mas insisti. Estava ansiosa para que esse

homem nos ajudasse a fim de eu e minha família podermos ficar

juntos no final, depois que o meu irmão descobrisse e punisse todos


os traidores e o assassino miserável da minha mãe.

― Como sabe que vou ficar segura com ele? ― quis saber

após entrar no barco.


― Os Destruttores não machucam mulheres e crianças, como

eu já disse. É uma regra que Alessandro, o capo deles, ditou, depois

que matou o pai para ocupar seu lugar. ― Olhou o imenso oceano

enquanto nos levava dali. ― Inclusive Rafaelle segue essa lei,


embora eu soube recentemente que ele fez algumas coisas ruins

após achar que o seu irmão estava morto. Não sei o que houve,

mas há boatos de que era só fachada para flagrar traidores.


Estremeci diante de suas palavras. Não conseguia imaginar

ficar sem meu pai ou que algo acontecesse a ele.


― Então onde eu ficarei caso esse Rafaelle aceite a proposta?
― Logo irá conhecer Milão. É mágico lá, verá. ― Havia

emoção em sua voz. ― A cidade que você queria conhecer, não é?

― Sim, mas papai disse que o território pertencia a outra


máfia, então não podíamos ir lá. ― Sorri. Adorava ler sobre as

cidades da Itália nos livros de romances. ― Estaremos um dia

juntos, então amarei cada momento. ― Suspirei.


― Sim. Espero que se divirta aonde vai. ― Sorriu, embora

tivesse algo em seus olhos que não consegui ler.

― Aonde você foi para ter de deixar aquele homem de olho em

mim? Estava com esse Rafaelle? Acordei e não o vi. Só ataquei o


cara com o remo e corri. ― Sacudi a cabeça. ― Fiquei morrendo de

medo pensando que aquele homem era alguém malvado. Ele

parece não gostar de mim.


― Valentino é filho de Paolo Castilho, um amigo e aliado. O

problema não é você, acredite. Ele só não gosta de ser chamado de


estuprador, como você o chamou. Isso é algo pessoal dele, algo que
aconteceu em sua família. Uma de suas irmãs foi morta dessa forma

enquanto ele estava preso sendo torturado. Os dois foram


sequestrados juntos. ― Respirou fundo.
Pisquei.
― Oh, meu Deus! ― Sentia-me culpada, mas no que eu mais
poderia pensar ao acordar em um lugar estranho com um homem
que nunca tinha visto? Eu me solidarizava agora com sua pessoa.

― Ele não gosta de falar nesse assunto, então morre aqui,


tudo bem? ― Olhou-me de lado antes de prosseguir com o barco.
― Seu pai, Paolo Castilho, chefe da máfia Pacheco, uma das mais

poderosas que conheço, tinha três filhas, Lorena, Serena e Belinda.


Foi Lorena que foi morta de maneira brutal. Também têm os outros
filhos de Paolo, Valentino, Santiago, Fabrizio e Benjamin.

― Tem muito tempo que essa atrocidade aconteceu? ― Notei


sua expressão dolorosa quando disse aquelas palavras.
― Há cinco anos mais ou menos ― respondeu. ― Ela tinha 18

anos, e Valentino, 20. Foi difícil para aquela família se reerguer,


embora nunca conseguiu de fato. A dor de perder alguém que
amamos é como viver na tortura diariamente.

― Verdade. Ainda sinto a perda de nossa mãe. Isso nunca vai


passar. ― Respirei fundo, não querendo deixar minha mente ir lá.

― Sim. ― Pigarreou e apontou à frente. ― É lá que Rafaelle


está.
Entendi sua súbita mudança de assunto. Falar sobre isso doía

como um ferro quente marcando a pele.


Meu coração doeu por essa família. Esperava que eles se
recuperassem um dia da perda.
― Então, caso Rafaelle aceite me ter em seu território, vamos

morar em Milão, na casa dele? ― Entramos em uma lancha assim


que o barco foi ancorado e partimos ruma à praia.

― Não poderei ir com você a princípio, mas depois apareço lá.


Agora só preciso de você em um lugar em que fique intocada. ―
Pegou minha mão assim que descemos, e prosseguimos na mata.

― Quando chegarmos à cabana, prometa não descer ao porão. Não


quero que veja nada do que há lá.
Chegamos a uma cabana de madeira igual a em que eu

estava, mas parecia em melhor estado.


Mariano desceu a escada para o porão falando com um dos
seus homens, um rapaz de cabelos loiros, Túlio. Eu já o conhecia

antes, era um garoto adorável, diferente dos outros guardas, que


usavam sua fachada sombria e mortal.
― Olá, senhorita. ― Elevou o queixo e ficou à porta, alerta.

Tinham mais homens lá fora, mantendo a guarda.


Ouvi a voz de Mariano se elevar lá embaixo, então supus que

a negociação não estava indo bem.


Eu precisava ter certeza de que Rafaelle iria nos ajudar.
Mariano não era bom com sutilezas. Caso aquele homem não nos

ajudasse... Não, eu precisava confiar que ele nos daria proteção lá


fora.
Capítulo 5

Rafaelle

Quando ataquei as instalações de González e Paolo, não

achei que seria trazido para aquele lugar, mas sim para o território

do maldito Castilho. Estava preso em uma ilha onde ninguém tinha


conhecimento de meu paradeiro. Nada de Paolo ou seus filhos

aparecerem, os homens que me sequestraram eram da máfia

espanhola.
Após umas horas pensando melhor e colocando minha cabeça

em ordem, notei que tinha cometido uma estupidez. Ninguém faz


nada bem-feito por impulso ou de modo impensado. O que fiz devia

ter sido planejado, mas, assim que eu soube do que aconteceu com

minha mãe, apenas enlouqueci.


Tinha chegado àquele lugar no dia anterior, mas meus

sequestradores não me torturaram para obter informações sobre

minha família, o que não teria adiantado, pois eu não revelaria nada.
Talvez estejam se preparando para hoje, pensei. Eu preferia morrer

a entregar um dos meus, muito menos meus irmãos e irmãs.

Tinha alguns ferimentos da luta na qual tinha matado alguns


deles, não sabia quantos. Estava com fúria demais na hora. Os

machucados não eram profundos, eu sobreviveria, isso é, se eles


não resolvessem aparecer. Se ao menos eu estivesse cara a cara

com Paolo para saber a verdade.... mas o infeliz não mostrou sua

cara ali.

Pela manhã, pensei que eles iriam torturar-me, mas ninguém

apareceu. Achei estranho, embora me sentisse aliviado e furioso,

pois queria saber o que estava acontecendo. Talvez quisessem me


matar de tédio. Eu não conseguia sentir meus braços algemados
nas costas. Uma das minhas pernas, que um deles chutara, estava
machucada.

Só mais tarde naquele mesmo dia entendi por que ninguém

tinha vindo ali buscar informações. Mariano González, o subchefe

dos capitães da máfia espanhola. Eu já tinha ouvido falar sobre ele.

Matava sem piedade, era conhecido como Razor, retalhava seus

adversários. Claro que não éramos diferentes dele. Eu devia saber


que estava vivo por uma razão. Era para eu estar inteiramente

destroçado.

Ele tinha vindo até mim havia pouco oferecendo uma aliança.

Isso me pegou de surpresa. Contava com a tortura, mas não com

isso.

― Eu vou ajudá-lo caso esteja disposto a me ajudar ― ele

disse em italiano, ficando na minha frente de braços cruzados e com


rosto de granito.

― Não preciso da sua ajuda ― rosnei em espanhol. Sabia

muitas línguas, afinal tínhamos territórios em vários países.

Ele arqueou as sobrancelhas.

― Não? Vai me dizer que não está a fim de colocar as mãos

em Paolo Castilho? Porque posso jurar que minha fonte é segura ―


retrucou em espanhol, e passamos a conversar nessa língua.
― Você não sabe de nada ― sibilei, querendo colocar minhas

mãos nele. Não sabia como descobriu isso, mas eu não soltaria
nada.

― Não sei sobre o motivo de você o querer, mas posso levá-lo


ao Paolo. Só o que peço é uma aliança comigo. ― Ele suspirou,
parecendo frustrado.

Não dei a mínima. Iria conseguir Paolo sozinho, não precisava


de sua ajuda.

― A única aliança que faremos será quando eu estourar seus


miolos ou arrancar seu coração ― respondi com frieza.

― Acha que não desejo algo diferente para você? ― grunhiu


Razor. ― Nos ajude, ou essas feridas serão fichinha do que vai
acontecer a você.

― Acha que temo uma surra? Não é a primeira vez que passo
por isso. ― Fuzilei-o.

Ter um pai como o que tive ou me fortaleceria ou me levaria


para a cova cedo. Como eu tinha um objetivo, fiz-me forte para lidar

com ele. No final, eu e meus irmãos nos livramos do maldito.


O telefone de Razor tocou, e ele o atendeu sem tirar os olhos
de mim. Achava que eu tinha medo de cara feia?
― O que... ― interrompeu-se, com um olhar de pavor. ―

Repete?! ― Ouviu uns segundos, depois praguejou. ― Porra!


Nenhum deles chegará perto dela, ouviu? Estou vendo o que faço

para protegê-la.
Protegê-la? Ele se referia a uma mulher. Eu apostava que era

sua irmã. Tinha pesquisado tudo sobre a família González. Fazia


algum tempo que estávamos querendo tomar alguns territórios,
como os deles, mas aí veio a bomba sobre minha mãe, e meus

planos foram mudados.


O que descobri sobre aquela família foi que, assim como meus

irmãos e eu, Razor e Murilo tinham uma fraqueza. Amália, uma


mulher de olhos azuis e cabelos castanho mel, lábios grossos e
rosados. Sua frieza nas fotos era como a de Razor agora, mas notei

algo diferente em seus olhos. Em cada foto, era sempre o mesmo


olhar vazio.

Eles tinham perdido a sua mãe havia dez anos. Isso devia ter
trazido uma dor profunda àquela menina, pois ouvi dizer que ela

presenciou o ato. Devia ser por isso o olhar vazio. Uma perda assim
deixa marcas profundas.
― Não dou a mínima! O que me importa é que irei ao inferno

para não deixar ninguém a machucar, esfolo vivo qualquer um que


tentar usá-la para chegar a mim ― rosnou e desligou.
― Precisa salvá-la do quê? ― ouvi-me perguntando antes que
mudasse de ideia.

Razor ficou tenso, mas me encarou. Parecia que tinha


esquecido minha presença ali.

― Alguns inimigos me querem e pretendem usar minha irmã


para isso ― respondeu. ― A vida dela corre perigo. Por isso quero
uma aliança entre nós.

Notei que tinha mais ali, mas, ao que parecia, ele não queria
abrir a boca. Eu lamentava sobre a garota, mas não podia fazer

nada se ele não abrisse o jogo.


― Por que eles o querem? Quem quer usá-la contra você?

― Os seus inimigos não tentaram usar suas irmãs algumas


vezes para conseguir o que queriam?
Fechei a cara.

― Não envolva minhas irmãs nisso, ou juro que, ao sair daqui,


o esquartejarei ― rosnei.

― Não as estou envolvendo, só informando que a pessoa que


quer me ver curvado à sua frente deseja usar minha irmã para
alcançar seus objetivos. ― A fúria o devorava, eu percebia. ― Nada

vai acontecer a ela, eu juro, nem que para isso eu morra tentando.
Ele parecia sincero, mas eu não me importava com isso. É
claro que sentia que devia ajudar, mas como, se tinha minha
vingança em mente? Como faria isso e cuidaria daquela garota?

― Sei onde Paolo fica nos fins de semana. Ninguém mais


sabe o que ele faz além dos seus homens e filhos. Tenho um

informante lá. Darei as informações que você precisa. Só necessito


que Mália fique em seu território por um tempo até eu organizar o
que tenho preparado.

― Não posso ajudá-lo. Vou descobrir o paradeiro sozinho.

Eu não ia ficar de babá enquanto tinha coisas mais


importantes para fazer.

Razor suspirou frustrado e saiu, mas notei que gostaria de me

esmagar. Parecia querer realmente a minha ajuda, a ponto de não

me ferir, o que não teria adiantado, pois eu não fazia nada à base de
ameaças. Sentia pela garota, mas seu irmão iria conseguir uma

forma de ajudá-la sem precisar de mim.

Ouvi passos descendo a escada, mas esses eram diferentes


de Razor, eram suaves. Fiquei alerta, pensando que o bastardo

realmente mandara um dos seus homens vir me espancar.

Arregalei os olhos quando a garota entrou no lugar segurando


as laterais do vestido florido, parecendo chocada ao me avaliar. Seu
olhar me fez encolher.

Não disse nada, só a observei, querendo saber o que faria,


então ela se virou e voltou para o andar de cima.

Razor a enviara ali? Não, ela devia ter vindo sem ele saber. O

cara a protegia demais para deixá-la descer ali sozinha, embora ele
quisesse minha ajuda, ou seja, devia confiar que eu não a

machucaria. No fundo, não o faria mesmo. Eu não tocava em

mulheres e crianças.

Passos voltaram e pareciam ser os dela. Contudo, eu não


estava preparado para o que ela fez. Em suas mãos jazia um kit de

primeiros socorros. Isso me pegou de surpresa. Por um momento,

ela não disse nada, só ficou ali, como se estivesse decidindo se


daria mais um passo ou não.

Notei que estava tremendo, mas parecia decidida. Suspirou e

vi a resolução se formando em sua expressão. Não falei nada, só


fiquei alerta caso fosse uma armadilha. Porém eu duvidava, aquela

garota não tinha maldade, parecia muito frágil, mas gostei que não

se deixou fraquejar.

Amália, tudo nela gritava proteção, fragilidade. Enfim eu


entendia Razor por estar louco querendo sua proteção. Eu não
acreditava que ela conseguisse lidar com o mundo lá fora. Achei

que ele não queria trazer mais tormento à vida daquela menina.

Deveria assustá-la e afastá-la dali, mas não consegui, só a


observava se aproximando, cada passo calculado e decidido. Sabia

que, se a ouvisse, estaria ferrado. Era como se minha voz tivesse

sumido, ou apenas sua beleza me deixasse assim, sem fala, mas

não era só isso.


Algo nela me motivava a querer saber o que faria a seguir.

Estava curioso com o porquê ela claramente se propunha a cuidar

de mim.

Mália

Após uns momentos, Mariano subiu as escadas parecendo

derrotado.
― Não teve êxito? Pelas suas vozes alteradas, suponho que

não.

― Depois falo com ele. Vamos deixá-lo mais um pouco preso.

Tentarei outras táticas para convencê-lo.


Podia imaginar de que táticas ele estava falando. Se ao menos

eu conseguisse ficar sozinha com Rafaelle, talvez pudesse


convencê-lo, embora soubesse que meu irmão jamais deixaria que

isso acontecesse.

Após vinte minutos, Mariano desceu novamente e tentou


convencê-lo, mas não conseguiu. Ao menos eu não ouvi gritos de

dor vindos lá de dentro, então o homem não estava sendo torturado,

não comigo ali.

Eu estava sentada no sofá que tinha na sala da cabana


quando Mariano saiu falando com alguém ao celular. Fiquei sozinha.

Ele tinha me deixado só antes, e eu não desci ao porão; talvez por

isso ele pensasse que eu não o faria, deixando o interior da casa


desprovido de guardas quando saiu.

Aproveitei para descer e tentar eu mesma convencer o

homem. Todavia, assim que desci, parei ao vê-lo amarrado em uma

cadeira com as mãos para trás. Não disse nada e só olhei para ele
ali, preso por correntes e algemas. Estava machucado e

ensanguentado, cheio de cortes na pele, mas não parecia ser nada

grave.
Como Mariano queria que ele nos ajudasse, se o deixou todo

ferido? Ele me disse que não tinha machucado o prisioneiro.


Rafaelle possuía olhos azuis-cobalto e me encarava com

frieza. Mesmo com essa expressão sombria, ele ainda era lindo,

barbudo e musculoso.

Nossos olhos se conectaram, e ficamos ali uns segundos,


encarando um ao outro. Aqueles olhos da cor do céu lá fora não

demonstravam nada.

Fui ao andar de cima atrás de um kit de primeiros socorros.


Peguei-o para cuidar de suas feridas, porque ele tinha muitas e com

certeza estava com dores, e, após isso, desci.

Porém, vendo-o ali com aquele olhar duro, encolhi-me. Eu

estava fazendo a coisa certa? Ele estava algemado, não conseguiria


me fazer mal, além disso o meu irmão disse que ele não machucava

mulheres. Então, tendo em mente essa confiança, resolvi ir até onde

ele estava.
Meu coração doeu por alguém tê-lo machucado. Suas feridas

estavam muito sujas para só serem tratadas, precisavam ser limpas

antes. Olhei ao redor, não achando nada que pudesse usar para

limpar suas feridas. Deixei o kit no chão e subi as escadas


novamente, voltando com um pano e uma bacia com água que

peguei na cozinha.
Assim que desci de novo, os seus olhos estavam em mim.

Pareciam confusos, enquanto eu me aproximava dele com o pano


molhado na mão. Estendi-o para o seu rosto na intenção de tocar

sua pele, mas ele se afastou como se temesse que eu o tocasse.

― Sou Mália. Não vou machucá-lo. Só quero limpar o sangue

seco em seu rosto ― anunciei em italiano, sua língua natal, com


delicadeza.

Estreitou os olhos.

― Por que se importa? ― finalmente disse, em espanhol. ―


Falo sua língua.

Pisquei. Era verdade, a maioria dos mafiosos falavam várias

línguas. Eu inclusive sabia algumas.


― Nenhum ser humano deve ser tratado dessa forma. ―

Suspirei e tornei a estender a mão. ― Posso?

Ele me avaliava, com certeza sondando se eu estava dizendo

a verdade. Após um momento, assentiu. Mesmo assim, aproximei-


me com cuidado dele. Como estava amarrado, eu não acreditava

que iria me usar como escudo para sair dali.

― Foi meu irmão que fez isso com você? ― No fundo eu sabia
do que Mariano era forjado. Era a sina de todo filho homem que
nascia na máfia. Se um dia eu engravidasse, gostaria de ter só
meninas, porque seria mais fácil.

― Mudaria alguma coisa se tivesse sido ele? ― Estremeceu

quando limpei a sua bochecha direita. Havia um corte pequeno ali.


― Desculpe. ― Lavei o pano na bacia. ― Meu irmão faria tudo

por mim, mas não quero isso. Não com inocentes.

Ele ficou em silêncio, então me virei e o vi me encarar como se


eu fosse um dilema difícil de desvendar. Ao menos era isso que a

sua expressão indicava.

― Mas, para tranquilizá-la, seu irmão não me torturou aqui.

Esses ferimentos são da luta que tive ao ser pego, e muito desse
sangue nem é meu, mas dos homens dele que matei.

Engoli em seco, deixando minha mão paralisada em seu

pescoço. Arregalei os olhos, encarando o azul-celeste de suas íris.


Para uma garota normal, isso seria motivo suficiente para fugir, mas

eu não era uma delas. Fiquei chocada, sim, mas já vira coisas
piores no nosso mundo.
Seus olhos me deixavam hipnotizada de tão belos, porém não

foi só isso que me chamou a atenção, mas o vazio e a dor que se


estendiam neles. Era um olhar que eu via quando fitava o espelho.
Ele também teria perdido alguém que amava?
― Por que quer a minha ajuda? ― sondou por fim, sem tirar
sua atenção de mim.
Inspirei fundo para estabilizar os batimentos do meu coração;

ele estava acelerado com as lembranças do passado.


― Meu irmão já disse a você ― falei, tentando firmar minha
voz.

Ele estreitou os olhos.


― Eu quero ouvir de você, não dele.
Suspirei.

― Fomos atacados na noite passada em Madri, e com isso


muitas pessoas morreram. ― Meu tom estava triste. ― Sei que a
maioria não dá a mínima para mim, mas não ligo, ninguém merece

morrer dessa forma. ― Muitos só se importavam consigo mesmos e


com status. ― De qualquer forma, têm pessoas atrás do meu pai e
do meu irmão, e querem me usar na intenção de atingir minha

família. Soube também que alguns homens querem me forçar a ficar


com eles para terem mais poder por eu ser filha e sobrinha de

homens poderosos. Um deles apertou meu braço na festa ontem,


quando não retribuí suas cantadas, mas papai chegou na hora. Só
quero que isso passe e que eu volte a ver meu pai de novo.
Algo mudou na sua expressão, que se tornou difícil de ler. Ele
se parecia com Mariano nisso.
― Seu pai?

― Sim, ele estava lá, na hora do ataque. Mas, graças a Deus,


está bem. ― Sorri. ― Logo pretendo vê-lo.

Coloquei o pano na água após terminar. Rafaelle não


respondeu ao meu comentário, e seu rosto estava indecifrável.
Apliquei remédios sobre algumas feridas em sua pele, que notei ser

coberta de inúmeras tatuagens. Uma específica me chamou a


atenção. Era uma adaga envolta em rosas vermelhas e asas que
pareciam brotar dela. Era linda. Devia ter um significado, mas não

achei que fosse o momento de perscrutar sua origem.


― Está limpo e medicado. Ou o que pude fazer nessa
situação. ― Afastei-me. ― Se não quiser nos ajudar, tudo bem, não

deixarei o meu irmão machucá-lo. Lamento por estar ferido. Deve


estar com dores por todo seu corpo. Vou ver se consigo um
analgésico.

― Sei lidar com a dor ― garantiu.


― Sei que sabe, por ser um homem criado na máfia e treinado

para algo assim, mas você é humano, a não ser que tenha poderes
indestrutíveis, algo que não vejo. ― Virei as costas. ― De qualquer
jeito, eu vou trazer.

Com isso, ele riu, mas gemeu baixo. Então o olhei, chocada
por ouvir sua risada com timbre rouco, mas também preocupada.
― Você está bem? ― Era uma pergunta idiota. Quem ficaria

bem preso daquela forma?


Ele ainda fazia aquela avaliação minuciosa.

― Vou conseguir algo para dor. ― Subi as escadas, mas parei


no topo e o fitei. Ele ainda me encarava. ― Desculpe de novo por
isso.

Cheguei à salinha bem na hora em que o meu irmão entrou,


encontrando-me sentada no mesmo lugar. Queria ter dito sobre a
conversa que tive com o Rafaelle, mas isso o deixaria preocupado e

bravo por eu ter-lhe desobedecido.


Seus homens estavam de guarda lá fora.
― Alguma notícia do papai? Queria falar com ele. ― Suspirei.

― Não tem sinal onde ele está. Mas tudo ficará bem. Agora só
precisamos dele. ― Encarou na direção da escada abaixo.
Meu irmão precisava da ajuda do Rafaelle, e eu não tinha feito

muito para convencê-lo, mas não queria que ele me protegesse por
obrigação, por desejar continuar vivo e são.
― Onde ele estava quando o capturou? ― perguntei.

Recordava-me do meu tio Tomaso ter dito que Rafaelle atacara


suas instalações.
― Explodiu alguns dos nossos armazéns. Papai já estava de

olho nele, assim como Paolo, mas cheguei antes. ― Aproximou-se


de mim.
― Vai mesmo entregar o pai do Valentino? Não podemos fazer

isso, seja ele quem for. Ou esse homem é tão ruim a ponto de o filho
o odiar?

― Não. Mas não posso revelar muito sobre os meus planos,


só peço que confie em mim. Vai dar certo. ― Ele parecia ansioso. ―
Não gosto dos inimigos da nossa família de olho em você, mas não

há como eu fazer nada agora. Só preciso deixá-la segura. Depois


foco em descobrir quem quer nos derrubar, primeiro usando a nossa
mãe, e agora querendo você. ― Tocou a minha cabeça. ― Não se

preocupe, você ficará bem.


― Mas e você?
― Ficarei também. Após terminar o que preciso, irei até você

para buscá-la. Mas não vou conversar sobre isso agora; quanto
menos você souber do meu plano, melhor. ― Abraçou-me
rapidamente. ― Agora vamos. A deixarei em uma cabana do outro
lado da ilha. Depois nos encontraremos para sair daqui.
Assenti, mesmo não querendo ficar longe dele. Esperava que

tudo se ajeitasse.
― Mariano? ― chamei-o assim que começamos a andar por
uma trilha.

Ele parou e olhou para mim.


― Sim?
― Estaremos sempre juntos, né? Você, papai e eu.

Ele sorriu, mas o sorriso não chegou aos olhos.


― Sim ― respondeu, mas tinha algo em sua voz cuja nuance
não detectei direito. ― Nos veremos em breve. Só preciso

convencer o Rafaelle antes.


― Tudo bem. ― Abracei-o. ― Te amo muito, vou esperar

você. E, se ele não quiser nos ajudar, não o torture por isso, tá?
Apenas o liberte e, por favor, arrume um analgésico para eu dar ao
Rafaelle. Ele está com dor. Como quer que aceite seu pedido,

quando está sendo tratado como um prisioneiro?


Ele franziu a testa.
― Como sabe que está ferido? ― Sacudiu a cabeça. ― Você

desceu lá!
― Desculpe, precisava fazer algo para nos ajudar a convencê-
lo, porém me comovi com a forma como ele está ― murmurei.

― Não devia ter ido lá, mas, como sei que tem um coração de
ouro, entendo seu pedido. Porém, que isso não se repita. Eu
também te amo, querida. ― Beijou meu rosto. ― E, quanto ao

Rafaelle, vou ver o que posso fazer.


Fiquei ansiosa para que tudo desse certo na nossa jornada.
Capítulo 6

Mália

Estava ansiosa para saber se Rafaelle nos ajudaria ou não.

Poderia ter insistido, mas não queria forçá-lo. Esperava que sim. Em

razão disso, estava ali, roendo minhas unhas, sentada em um banco


na sala da cabana. Túlio, um dos soldados do meu irmão, fazia-me

companhia. Afeiçoei-me ao garoto, que não tinha mais que 17 anos.

― Senhorita, tudo vai dar certo ― falou ele.


Era um rapaz educado, parecia gentil demais para entrar na

máfia. Seu pai tinha morrido havia alguns anos, agora ele tomava
conta de sua mãe. Era muito falador. Não sei se fazia isso por eu

estar nervosa e querer me distrair, mas, fosse como fosse, deixei-o

falar.
Os homens na máfia iam para a lida cedo demais. Mal

completavam 15 anos e já matavam mais do que os cabeças.

Entretanto, tinha uma inocência em Túlio que um dia vi no meu


irmão, antes da trágica noite do assassinato de nossa mãe.

Éramos como náufragos diante de uma onda gigante; se

caíssemos à deriva no mar, não tínhamos para onde fugir. Essa


impotência era um dos pontos negativos em pertencer à máfia.

Poderíamos ser pessoas normais. Talvez, se fôssemos, minha mãe


estaria viva, nada daquilo teria acontecido.

― Gosto da lealdade e da amizade que se ganha ao se tornar

um soldado. Ter um chefe como Razor é legal. Ele é fiel aos seus e

nesse momento precisa muito de todos nós ― disse Túlio.

Razor... Esse apelido era bem esquisito. Não eram todos que

chamavam Mariano assim, apenas seus soldados.


O meu irmão era letal, às vezes eu via isso nele, por mais que

tentasse esconder essa natureza de mim, mas ele pertencia à


máfia. Quem nasce nela tem seu fardo para carregar. Eu o aceitava
da forma que era, amava-o não importasse o que fazia ou o que

fosse.

― Você estava na festa ontem? ― sondei. ― Ou soube do

que aconteceu lá?

― Estava, quase fui morto, mas o Valentino me salvou. Ele é

legal. ― Tinha sentimento em suas palavras, parecia gratidão.


Valentino? Eu não me lembrava de tê-lo visto na festa, mas

estava com a mente muito carregada com tudo que tinha acontecido

desde o início da noite do dia anterior.

― Ele parece ser legal. ― Especialmente depois que eu soube

que não tinha me sequestrado.

― Sim. Valentino sofreu muito ao perder sua irmã, é leal aos

seus, inclusive é o melhor amigo de Razor. ― O garoto – eu o


chamava assim, mesmo se parecendo com um homem já formado –

conversava comigo, mas estava atento, embora tivessem mais

homens lá fora vigiando a cabana.

Meu irmão estava com Rafaelle do outro lado da ilha, na outra

cabana. Aquele lugar não parecia povoado.

― Não entendo por que Mariano me trouxe para essas ilhas


em vez de me levar a uma cidade. ― Estava curiosa com esse fato,
esqueci de perguntar ao meu irmão. Como tinha falado mais comigo

mesma, mudei de assunto. ― E meu pai?


Ele ficou tenso, mas, antes que eu respondesse, um grito soou

lá fora.
― Fujam!
Túlio arregalou os olhos e veio até mim. Na mesma hora, um

dos homens do meu irmão entrou. Eu estava chocada demais, dois


ataques em um espaço pequeno de tempo.

― Vou dar cobertura ― disse Greg ao Túlio. ― Enquanto isso,


fuja pela mata na direção onde o chefe está.

― Não ouvi tiros ― sussurrei.


Estava meio catatônica parada ali. Sabia que os inimigos de
minha família queriam me usar, mas se esforçarem tanto a ponto de

irem atrás de mim naquele lugar? Parecia ter algo mais que meu
irmão não queria dizer.

― Estão usando silenciadores. Fui notificado pelas sentinelas


que estão vigiando a entrada da ilha. Teve luta, mas não importa ―

respondeu o homem, atirando na lâmpada e deixando a cabana


escura. Depois foi até uma porta do lado contrário àquela por onde
entrou. ― Agora vão. Cuido dos que estão vindo para cá.
― Sim, Greg. ― Túlio segurou meu braço com uma das mãos

e a arma com a outra.


― A proteja, não importa se precisar dar a sua vida nisso.

Eu não queria ninguém correndo risco por minha causa, ainda


mais aquele garoto.

― Vou sozinha ― consegui dizer.


― Não! Túlio irá segui-la, assim como eu. Logo sigo vocês, só
vou atrasá-los ― falou com tom decidido. ― Vão. Eles estão vindo

do leste, e vocês vão para o outro lado. Se alguém passar por mim
e chegar a vocês, mate-os.

Fui rebocada na escuridão, mas foquei em correr sozinha, não


querendo atrapalhar Túlio.
Estava mal preparada para correr na mata, vestia um vestido e

sapatilhas, por isso sentia minha pele sendo arranhada pelos galhos
das árvores. Também não contava que fosse ser atacada naquele

lugar.
O medo de ser pega por aqueles homens me consumia, mas

eu não podia me dar por vencida.


― E se gritarmos por meu irmão? ― indaguei, grunhindo em
razão de uma dor no braço. Devia ter passado perto de algum galho

comprido.
― Eles saberiam onde estamos ― respondeu de volta. ― Só
mais um pouco, senhorita.
Ele devia ter pensado que eu estava cansada, mas não era

isso. Só temia que ele e Greg se ferissem.


Ouvimos passos atrás de nós. Isso queria dizer que os

homens tinham passado pelo Greg? O meu coração martelava.


Túlio pegou minha mão e me puxou na escuridão, embora
estivesse um pouco claro em razão da lua brilhante em alguns

pontos, pois o luar atravessava as frestas das folhas das árvores.


― Estamos chegando. ― Não sei como ele podia distinguir

isso. Quando Mariano me levou para a cabana em que estávamos,


a rota não era a mesma; essa em que seguíamos agora não

possuía trilha.
Um homem gritou mandando-nos parar. Virei o rosto na
direção do som bem a tempo de vê-lo apontando uma arma na

minha direção.
― Não quero machucá-la ainda, mas se for preciso o farei ―

rosnou. ― Mas desse aí eu não preciso.


Túlio parou e ficou à minha frente, apontando a arma para o
sujeito, mas, antes que atirasse, Greg apareceu atrás do cara e

atirou nas suas costas.


― Continue correndo ― ordenou ele, segurando o braço. Pude
ver sangue.
Pisquei.

― Oh, meu Deus, você está ferido! ― Fui em sua direção, mas
Túlio puxou meu braço para seguirmos.

Outro bandido apareceu, e, antes que Greg puxasse o gatilho,


o bandido foi mais rápido.
Ofeguei ao vê-lo cair morto com um tiro na testa. Túlio ergueu

sua arma, eliminando o sujeito, mas não antes que ele atirasse em

nós.
― Vamos. ― Rebocou-me de onde eu estava paralisada

diante de tudo que aconteceu.

― Não podemos deixá-lo aqui ― sussurrei com os olhos

molhados enquanto corríamos mata adentro.


― Não podemos ficar. Deve ter mais deles vindo, precisamos

chegar... ― Ele estava ofegante. Então amaldiçoou. ― Não acredito

nisso!
Foi quando notei que seus passos ficaram mais lentos e ele

segurava uma parte da barriga.

― O que foi?
Ele suava frio e não parecia ter nada a ver com nossa corrida

desenfreada.
― Fui baleado, senhorita. Irei atrasá-la. Precisa ir na frente,

vou retardá-los.

Arregalei os olhos.
― Não vou deixar você aqui! ― Coloquei o braço à sua volta.

― Vamos, vou ajudá-lo.

― Senhorita!

― Sem chance de eu deixá-lo aqui ― falei, começando a


andar com ele.

Túlio gemeu.

― Não vou conseguir, sinto isso. ― Afastou-se de mim,


escorando em uma árvore e escorregando até o chão. ― Sinto que

é tarde demais.

Ajoelhei-me ao seu lado e chequei o ferimento. Mesmo ali, na


penumbra, percebi que o machucado era feio. Estava cheio de

sangue.

Memórias queriam se apossar da minha mente, mas eu não

podia deixar-me dominar.


― Precisa ir, senhorita... ― Engasgou-se com o sangue e

tossiu. ― Não pode ficar aqui.


― Não! ― Chorei. ― Acha que vou deixá-lo neste lugar? Vou

gritar, assim alguém nos ouve.

― Mas os invasores podem descobrir onde a senhorita está ―


sussurrou. ― Se eu morrer, diga...

― Você mesmo vai dizer ― falei com tom decidido. Fiquei de

pé e rasguei um pedaço da barra do meu vestido. Ajudei-o a tirar a

camisa.
― O que está fazendo? Devia ir.

Coloquei a camisa sobre o ferimento, envolvi seu torso com a

tira de pano e a amarrei para tentar estacar o sangue.


― Por favor, vá... ― Ele apagou. Ao menos ainda respirava.

Eu queria poder ajudá-lo mais, mas não podia fazer nada. Esperava

que sobrevivesse, mas, para isso, precisava despistar os invasores

e levá-los para longe dali.


Toquei no rosto dele.

― Você vai voltar para sua mãe. ― Coloquei alguns galhos

sobre ele para tentar disfarçá-lo e chequei ao redor a fim de marcar


a localização de onde estávamos. À direita tinha um penhasco,

então aquele seria meu ponto de referência.

Peguei a arma de sua mão e fui para a esquerda, sem sair

muito do rumo que seguíamos.


O pavor me devorava, mas eu não podia deixá-lo me dominar,

ou não só eu pagaria, pois Túlio perderia a chance de sobreviver se


eles conseguissem obter o que queriam.

Corri alguns metros, então atirei para cima, chamando atenção

para mim, longe de onde Túlio estava. Para algumas pessoas, isso
seria idiotice, mas eu não podia deixá-los colocar as mãos nele.

Além disso, Túlio disse que já estávamos perto de onde meu irmão

estava, então ele poderia ouvir o tiro também.

Não fiquei esperando para saber se os bandidos tinham


seguido minha rota, só corri na direção do lugar onde Mariano

estava. Meu coração estava acelerado de medo, mas continuei em

frente.
― Mariano! ― gritei.

Então ouvi pisadas atrás de mim. Sabia que eram os bandidos.

Só apertei meus passos e continuei a correr. Como eu corria toda

manhã, isso era de grande ajuda, mesmo que ali houvesse árvores
como obstáculos.

Continuei chamando o nome do meu irmão na esperança de

ele ouvir, então uma luz vermelha brilhou na escuridão acima das
árvores. Eu não sabia de quem o sinalizador era, mas vinha da

direção da cabana onde eu estava.


― Pare de correr, ou vou atirar mesmo tendo ordens para não

a matar. Queremos o seu irmão, não você ― rosnou uma voz atrás

de mim, mas, pelo som, estava um pouco distante.

Apesar do medo, foquei em chegar ao meu destino. Corri


alguns passos com homens atrás de mim. Eram mais de um. Eu

ouvia vozes, ou era meu medo?

Assim que atravessei uma moita, avistei meu irmão e Rafaelle


empunhando cada um uma arma. Corri até Mariano bem quando

dois homens chegaram apontando as armas na nossa direção.

Mariano atirou em um, que caiu no chão.

― Você está bem? ― Checou meu estado, e sua expressão


se tornou sombria. Vestido rasgado e cheia de sangue. Eu podia

imaginar o que pensava. ― Eles a tocaram...

― Não, tive que rasgar minha roupa para ajudar a estancar o


sangue de Túlio. ― Abracei-o, virando meu rosto para não olhar o

cadáver. Ouvi outro tiro; esse veio de Rafaelle.

― Túlio?

― Ele levou um tiro, está desmaiado perto do penhasco, sob a


copa de uma árvore. ― Eu estava ofegante e tremendo.

Mariano praguejou.
― Vou cuidar disso, pequena. ― Alisou meu cabelo e pegou a

arma da minha mão. ― Tudo se ajeitará. Agora tomarei conta de


tudo, ninguém chegará perto de você assim novamente.

― Acho que devemos sair daqui ― ouvi Rafaelle dizer com

urgência.

Respirei fundo, tentando me controlar. Não podia desabar


agora. Limpei meus olhos molhados.

― Vejo que se aliou aos malditos bastardos Morellis. ― Ouvi

uma voz atrás de mim que me deu calafrios.


Mariano me rodopiou e me escondeu atrás de si.

― E você vai abaixar a arma, ou atiro em seus miolos ―

rosnou outra voz. ― Não espere reforços, acabamos com todos,


não virá mais ninguém.

Espiei e vi Valentino com a arma na cabeça do cara.

― Somos três contra um. Sorte sua precisarmos de você vivo.

É só por isso ainda que respira. ― Sua voz era mortal.


― Valentino ― cuspiu Rafaelle, apontando sua arma para o

homem. ― Finalmente tenho um Castilho. Posso trocar você pelo

desgraçado do seu pai.


Valentino o fuzilou por um segundo, depois desarmou o

bandido e meteu uma coronhada na cabeça do indivíduo, deixando-


o inconsciente.
― Teria que lidar com três de nós, e nesse momento só há um

de você, Morelli. ― Sorriu de modo sinistro.

Então surgiram dois homens ao lado de Valentino. Não dava


para ver a sua fisionomia muito bem, mas, mesmo com a pouca

claridade da lua, eles se pareciam um pouco.

― Devia vigiar a boca para falar do nosso pai ― rugiu o do


lado direito de Valentino.

― Santiago. ― A fúria estava estampada no rosto de Rafaelle

conforme olhava o da direita e depois o da esquerda, que parecia

ser loiro. ― Benjamin.


― Obrigado pela cobertura, mas o que fazem aqui? ― sondou

meu irmão.

― Fabrizio descobriu que Ulisses quer você morto após... ―


disse Santiago.

― Entendi ― meu irmão o cortou com a voz dura como rocha,


então eles trocaram um olhar que não entendi, mas não liguei, pois
me lembrei de uma coisa.

― Túlio! ― gritei. ― Ele está machucado não muito longe


daqui.
― Não sobreviveu ninguém ― respondeu Valentino.
Sacudi a cabeça.
― Não, ele está bem! ― O meu peito se apertou, e não
pensei, só corri na direção onde Túlio estava. Devia ter pensado na

minha segurança, mas na hora nem me importei.


― Mália, não! ― gritou Mariano, mas não dei ouvidos, só
continuei correndo.

Avistei o lugar onde o tinha deixado e me ajoelhei ao lado dele,


mas estava mole e não parecia respirar.
― Acorda, por favor ― pedi chorando. No entanto, como no

passado mamãe não acordou, com Túlio aconteceu o mesmo.


Eu podia ouvir vozes e gritos, mas estava paralisada entre o
passado e o presente. Fechei os olhos, revendo a cena daquela

noite, recordando cada coisa que aconteceu.


Avistei o homem de costas, vestido com um casaco. Ele virou
o rosto de lado, fazendo o capuz cair, e, sob a luz do cais, notei que

sua cabeça era coberta de tatuagens. Observei-o pegar uma lancha.


Ao entrar na cabine do barco, vi o sangue no chão e a mamãe

ali, toda vermelha e sem vida.


Ouvia vozes, mas pareciam distantes, assim como a minha
mente entorpecida e à deriva.
A escuridão veio, levando-me para um lugar sem dor, pelo
menos por ora.
Capítulo 7

Rafaelle

Após ver Mália deixar o porão da cabana, fiquei pensando na

sua bondade e graciosidade. Ela tinha ido até mim e cuidado de

meus ferimentos. Quem no mundo faria isso?


Algo nela me chamava a atenção, não sabia se era sua

doçura, que me fez lembrar minhas irmãs. Eu faria qualquer coisa


por elas. Entendia Razor, o que ele estava fazendo pela sua e até

onde iria para protegê-la.


Mália realmente parecia preocupada comigo. A forma como

limpou o sangue em minha pele... Seus dedos não tremiam, embora

eu a sentisse nervosa por estar no mesmo ambiente que eu.


A sua doçura e bondade mexeu com algo em meu peito, ainda

mais quando disse que não deixaria seu irmão me machucar

mesmo se eu não aceitasse a proposta de Razor.


Resolvi ajudá-lo, afinal não estava a fim de morrer, não antes

de ter minha vingança. Daquele momento em diante planejaria, não

agiria por impulso. Porém, no fundo, não era por isso que eu o
ajudaria.

Mália... Eu a tinha visto algumas vezes em colunas sociais,


mas nas fotos ela demonstrava frieza. Era conhecida como a Dama

de Gelo. Depois de vê-la naquele dia, parecia haver duas pessoas

diferentes, e não era fingida a garota que tinha ido ali mais cedo,

então eu supunha que a outra fosse sua fachada para a mídia.

Ouvi passos e me preparei. Era chegada a hora de sairmos

daquele lugar. Razor tentara me convencer algumas vezes, mas


nem sequer quis escutá-lo; só após eu falar com Mália tudo mudou.

Razor apareceu com sua expressão sombria.


― Ela sabe a sua verdadeira natureza? ― indaguei assim que
ele se aproximou de mim. Estava com a chave das algemas na

mão.

Ele meneou a cabeça de lado com frieza. Devolvi a mesma

expressão.

― Não, e você não dirá nada. ― Aproximou-se mais.

Arqueei as sobrancelhas.
― Por que faria isso? ― retruquei, forçando-me a respirar

normalmente devido às dores em meu corpo. Após Mália sair, um

dos homens me trouxe remédio, mas não quis tomá-lo. Esse gesto

dela tocou meu peito de alguma forma, eu só não sabia como, e, no

fundo, não queria descobrir.

Um dos homens que matei deu um chute forte no meu peito.

Eu o sentia todo dolorido, e ficar ali sentado e algemado não


ajudava em nada. Não tinha como eu dormir naquela posição.

Estava furioso por seus homens terem me deixado assim, mas sob

controle.

― Somos monstros, Rafaelle, lá fora, onde precisamos ser,

mas em casa? Somos quem elas precisam que sejamos, tanto a

minha irmã como as suas. ― Ouvi uma ameaça em suas palavras.


― Se ousar chegar perto delas... ― rosnei, tentando me soltar

e arrancar sua cabeça.


― Não estou a fim das irmãs Morellis, meu objetivo é possuir o

que é meu, mas para isso não posso temer a segurança de Mália.
― Encarou meus olhos. Os dele não refletiam nada. ― Preciso dela
segura para limpar a sujeira.

Era claro que eu tinha decidido topar sua oferta, mas não
facilitaria para ele.

― O que planeja? Não serei babá dela ― informei. Com a


minha vingança, eu não tinha tempo de cuidar de ninguém, muito

menos alguém como aquela garota, que gritava fragilidade, como


uma boneca de porcelana. Seria uma boa ideia aceitar aquela
responsabilidade?

― Não preciso que esteja ao lado dela 24 horas por dia. Sua
parte no plano é deixar que ela viva como uma civil em seu território,

onde ninguém ousará entrar, não sem uma guerra. ― Suspirou.


― Então está jogando a bomba sobre nossas cabeças? ―

Minha voz soou amarga no final.


― Seu capo o procura, está até planejando um ataque à máfia
Pacheco. Sabemos quem perderia; você não vai querer isso. Outra
coisa, você quer Paolo. Por que não fazer isso sem tanto

derramamento de sangue?
Paolo Castilho era o chefe da máfia Pacheco, o homem que eu

estava louco para matar. Ri zombeteiro.


― É o que pensa em fazer, não? Teremos uma guerra por sua

causa e de sua irmã. O que ganhamos com isso? ― Ergui as


sobrancelhas.
Se ele achava que eu aceitaria aquilo sem ganhar nada em

troca, estava enganado. Bem, de qualquer modo eu faria, mas


Razor não precisava saber.

― Sua vida. ― Estreitou os olhos.


Bufei.
― Isso não é o bastante. Tenho amigos que logo me acharão,

pode ser mais tarde ou amanhã cedo, mas virão, a não ser que me
mate agora, porém não vai fazer isso, porque precisa de mim. ― El

Diablo tinha achado Miguel em três dias; ele podia me achar


também. E eu podia ganhar algo com aquela negociação. ― O que

me daria em troca da proteção dela?


― Não vou retalhar você. Isso não basta? ― Ele parecia
furioso.
― Não, preciso de algo que valha a pena uma guerra. ―
Agora que tínhamos saído de uma, não seria bom entrar em outra.
Alessandro ia me matar caso eu aceitasse a oferta. ― Pelo jeito,

você será o Don após seu pai...


― Não fale sobre ele ― disparou, respirando fundo. ― Mália

não pode saber disso.


O pai deles tinha sido morto no ataque da noite anterior. Ouvi
sobre isso quando fui trazido, e eles pensavam que eu estava

apagado. Estranhei Mália não saber disso; enfim minhas suspeitas


foram confirmadas.

― É sua decisão, não minha. Aceite um conselho, esconder é


pior. Fiz isso uma vez com minhas irmãs. Com a decisão que tomei,

muitas pessoas sofreram. ― Eu não devia me abrir com ele, porém,


a julgar por sua ansiedade para que eu o ajudasse, sabia o que faria
por sua irmã, assim como eu faria pelas minhas.

― Vocês estão fortes, não só contam com a ajuda dos russos


e dos Salvatores, como também de Miguel. Além disso, Paolo

Castilho é aliado do meu pai, mas não entra em guerra de ninguém,


então nem Tomaso nem Ulisses o terão na luta caso um deles
decida ir para a guerra. Entretanto, não creio que irão atrás de Mália

em seu território. O que me preocupa é quem foi o mandante do


ataque de ontem. O alvo era o meu pai, agora sou eu, então ele
deve ir atrás dela para usá-la contra mim. ― Ficou à minha frente.
― Agora me diz, está disposto a fazer isso comigo?

Percebi que dispensou a minha sugestão sobre dizer a


verdade à sua irmã. De qualquer forma, isso era assunto deles, não

meu.
― Não. Preciso de algo mais promissor. Ouvi falar de você,
Razor, um homem que calcula tudo, focado em negócios e

estratégias, por isso armou o que fará hoje. Você quer sua irmã

segura conosco, então preciso de mais. ― Eu não podia dizer que


aceitava só porque ele tinha pedido, pois precisava de um motivo

forte para convencer Alessandro.

Ele suspirou frustrado.

― Tudo bem. Assim que eu tomar o poder e me tornar o chefe,


te dou o sul da Espanha ― cuspiu.

Notei que ele não queria isso, mas, como estávamos sem

tempo, me ofertou algo em que tínhamos interesse. Não parecia


estar mentindo. Eu era bom leitor, mesmo ante sua máscara de

frieza.

― Por que confia que não matarei sua irmã? ― Estava curioso
com isso. Eu não deixaria minhas irmãs com quem não conhecia.
― Já faz algum tempo que pesquiso sobre vocês três, Morellis.

Estava arrumando uma forma de contatá-los, então você atacou


nosso território. Fui resolver a situação e decidi usar isso ao meu

favor. Sei tudo sobre a forma como levam sua organização. Mália

ficará segura lá. ― Abriu uma das algemas e parou. ― Então


concorda com os termos?

Eu poderia dizer que sim e depois voltar atrás, mas era um

homem de palavra. Se eu prometesse algo, cumpriria.

― Preciso falar com meu irmão antes, mas acredito que sim.
Eu pegaria meu telefone, mas alguém deu fim nele ― acusei.

Ele me soltou. Então soquei sua mandíbula, pegando-o

desprevenido no primeiro soco, mas no segundo ele se defendeu,


amaldiçoando. Mesmo machucado, consegui acertar alguns socos

nele, porém me acertou no rim e me deixou sem ar por uns

segundos.
― Porra! ― praguejei, segurando o local. ― Sorte sua eu não

estar bem, ou fritaria sua cara por ter me dado uma coronhada.

Sentia que tinha um galo na cabeça em razão desse golpe, por

isso desmaiei ao ser pego de surpresa.


― Eu não podia trazê-lo aqui acordado. ― Ajeitou suas

roupas, um terno de grife caro, enquanto eu estava com uma


camisa suja de sangue seco dos homens que havia matado no dia

anterior.

― Dessa vez vai passar, mas, se em algum momento tentar


fazer de novo algo assim comigo e meus irmãos, vou retalhá-lo com

sua própria arma ― avisei.

― Aceito. Agora pegue isso e fale com seu irmão. Não temos

tempo para ficar discutindo. ― Entregou-me um celular.


― Aposto que não é rastreável ― chutei, discando o número

de Alessandro.

― Não. Mesmo se fosse, eles demorariam muito tempo para


chegar a Porto Rico e mais umas cinco ou seis horas até esta ilha,

então até lá você estaria morto. ― Deu de ombros. ― Por que não

vamos andando enquanto fala com o seu capo?

Sabia que seria como ele disse, mas, antes que eu


comentasse, Alessandro atendeu.

― Alô? ― Notei confusão em sua voz, talvez por não

reconhecer o número, como também percebi preocupação.


― Sou eu ― respondi.

― Onde você se meteu?! Estou há dias tentando localizar

você! Mas que droga, Rafaelle ― rosnou. ― Estava a ponto de


entrar no território dos Pachecos para saber se você tinha ido lá e

sido capturado.
Ele não sabia que eu havia sido sequestrado? Provavelmente

eu estaria morto caso minha vida não fosse importante para Razor.

Cometi um erro ao ter sumido sem falar com eles.


― Fui sequestrado ontem à noite ― falei baixo. Queria dizer

que sentia muito, mas não conseguia fazer isso.

Houve silêncio.

― Sequestrado? ― Sua voz se elevou um pouco. ― O estão


obrigando a ligar para exigir alguma coisa? ― Havia preocupação e

medo em seu tom de voz. ― Rafaelle!

Ouvi alguém alterado do outro lado, parecia ser Stefano.


― Estou bem, e você sabe que eu preferia morrer a ligar

pedindo exigências ― falei por fim, tranquilizando-os. ― Fiz um

acordo com meu raptor para ser solto, por isso liguei para saber se

você concorda.
― Quem está com você? E o que querem para soltá-lo? Algum

dos nossos territórios? ― chutou. ― Se quiserem isso, você sabe

que daremos, o que importa é que volte, de preferência vivo e


inteiro.
Meu peito se aqueceu com uma emoção forte. Sabia que ele

renunciaria a tudo por nós. Alessandro sempre nos protegeu desde

criança, isso nunca mudaria.

― Na verdade, nós vamos ganhar o sul da Espanha caso você


aceite o que vou falar. ― Assim que saímos da casa, notei que era

uma cabana.

― O sul? Então você está com Mariano González? ― Ele


sabia a quem esse território pertencia, era um que queríamos havia

muito tempo.

― Sim, foi ele que me trouxe para o lugar onde estou. ― Olhei

ao redor, para a mata. Embora estivesse escuro, eu podia ver


através da claridade da Lua.

― Razor não o feriu? ― Sua voz estava baixa. Tinha emoção

ali, uma que eu conhecia muito bem. Impotência.


― Não. ― Alessandro não precisava saber de tudo.

― Ele vai nos entregar o território e soltá-lo em troca do quê?

― indagou desconfiado.

― Vamos apenas dizer que ele tem um calcanhar de Aquiles,


assim como nós, e quer que nós protejamos sua irmã, assim ele

pode tomar conta do ataque de ontem e de quem matou o pai dele.


― Girei meu pulso, sentindo-me melhor após tê-lo usado para socar

Razor. Pena que foi pouco.


― Então ele quer que protejamos sua irmã e, em troca disso,

vai nos dar parte do que é seu? Eu soube do ataque de ontem à

mansão de Murilo. Seu enterro será amanhã. Com isso, creio que

Razor se tornará o novo líder, por ser o filho primogênito.


Mália não sabia que o seu pai tinha morrido, mas não era hora

para pensar nisso. Em algum momento Razor lhe contaria.

― É basicamente isso ― concordei. ― Agora, com a morte de


Murilo, Razor deve tomar o lugar de Don. Mas algo está

acontecendo na organização, não sei o que é, mas parece que

Razor precisa dar início a um plano.


Se fosse pelo status de título, o próximo líder seria Tomaso,

mas a linhagem era passada ao filho primogênito do Don. No caso

de Murilo, era Razor. Ele tinha muitos seguidores. Eu acreditava

que, assim que saíssemos dali e levássemos a garota, ele colocaria


seu plano em ação.

― Um que você não sabe qual é ― adivinhou Alessandro.

― Não, mas talvez a merda vá explodir para nós. Foi por isso
que liguei, não podia negociar sem falar com você, além de lhe dizer
que estou bem. ― Passei a mão no rosto. A exaustão me tomava.
― O que acha?

― Não tem nenhuma forma de você sair daí por conta própria?

― checou.
― Não. ― Eu não precisava dizer que não queria que a garota

ficasse desamparada e que o assassino do seu pai colocasse as

mãos nela a fim de obter o que queria, Razor.


― Eu não queria nenhuma outra guerra no horizonte, ainda

mais após saber de tudo, mas preciso acertar as contas com Paolo,

por isso conto com você comigo. Não posso focar nisso se você

estiver por aí, correndo riscos. ― Sua voz saiu baixa e repreensiva.
― Entendo. Isso não irá se repetir. Então posso fechar aqui?

― Após Alessandro concordar, desliguei e entreguei o celular ao

Razor. ― Está fechado o nosso acordo. Garantirei a segurança de


sua irmã em nossa área. Ninguém ousará tocá-la.

Razor assentiu.
― Ótimo. Garantirei o cumprimento da minha parte do acordo
também.

― Sei que sim, ou juro que iremos tomar o território e lhe


mandar sua irmã aos pedaços ― falei de modo frio.
Eu não era assim, tão sangue-frio, não teria coragem de fazer
isso com aquela garota, que adorava o irmão, assim como as
minhas irmãs amavam a mim e meus irmãos. Porém eu tomaria o

que me foi prometido.


Sacudiu a cabeça, e entramos na mata. Ventava frio naquela
noite.

― Ela sabe que você não vem junto? ― Pela forma como ela
falou, não parecia saber.
― Não, pensa que logo me juntarei a ela, mas Mália vai

entender ― disse com um suspiro. Pela maneira que disse, não


parecia acreditar muito nisso. ― Têm inimigos meus querendo-a.
Não vou permitir que cheguem perto dela. ― Trincou os dentes.

― Suspeita de alguém sobre a morte de seu pai? Soube que o


assassinato de sua mãe nunca foi solucionado. Isso aconteceu há
uns dez anos.

― Quando chegar à cidade em que você mora, deixe-a nesse


endereço. ― Ele me entregou um papel, evitando a pergunta que fiz

sobre sua mãe.


Eu entendia, falar sobre isso devia machucá-lo mais do que
uma faca afiada de dois gumes. Sabia disso porque sentia a mesma

coisa ao falar sobre a minha mãe.


― Arrumou lugar para ela em nosso território antes do acordo
ser selado? ― grunhi.
― Sabia que ia aceitar. ― Deu de ombros, o que me deu

vontade de socá-lo de novo. ― E, para sua informação, não precisa


tentar extrair informação sobre mim com esse pessoal. Eles são

civis, não sabem quem somos.


― Onde é esse lugar? ― Não reconhecia o endereço.
― É uma padaria. É algo que minha irmã ama fazer. Ela vai

trabalhar lá. Tudo já foi ajeitado. Ela se aperfeiçoou nos cursos que
fez. ― Recomeçou a andar.
― Alguém seu a vigiará? Ela viveu sozinha em algum

momento ou foi criada em casa? Acredito que vai ser meio


complicado de se acostumar e se enturmar em outro lugar. ― Eu o
seguia, alerta à minha volta para qualquer ameaça.

― Mália entende tudo sobre o mundo lá fora. Mesmo não


estando perto dela, manterei um olho em minha irmã. ― Tinha
emoção em sua voz. Seria dor por não poder ficar com ela? ―

Assim que terminar o que tenho que fazer, a levarei comigo.


Andamos mais alguns minutos mata adentro, na escuridão. Eu

o seguia, pois não sabia o caminho, e, com as sombras por causa


das árvores, mal enxergava o local pelo qual íamos.
― Será uma jornada árdua. Tem certeza de que deixá-la é a
solução?

― Não, mas não posso fazer nada. Sua segurança é o que


importa. ― Virou-se para mim com aço nos olhos. ― Essa parte é
por sua conta. Nada deve acontecer a ela, ou o farei pagar caro.

― Isso é uma ameaça? ― Dei um passo até ele, prestes a


esmagá-lo.

Então um tiro sobreveio na mata, à direita, seguido por um


grito. Razor, que estava a ponto de lutar comigo, virou-se e correu
na direção do som. Reconheci a voz como sendo da irmã dele. Fui

atrás seguindo seus passos.


Um clarão vermelho pairou sobre a ilha um momento, um
alerta de ataque, por isso o sinalizador.

Aquele sequestro não saiu como eu tinha planejado. Achei que


me encontraria com o demônio, mas me deparei com a necessidade
de proteger um anjinho, uma fada viva e iluminada.

Porra!
Capítulo 8

Rafaelle

Chegamos até Mália. As suas roupas estavam rasgadas.

Ainda bem que ninguém a tocou, ela só havia ajudado um dos

homens de Razor que foi ferido, tirando um pedaço do vestido para


estancar o sangue dele. Uma menina com o coração de ouro,

pensei. Minha admiração por Mália crescia cada vez mais.


Custei a acreditar que os filhos do homem em quem eu tanto

desejava colocar as mãos estavam a apenas três metros de mim.


Todavia, antes que eu pudesse fazer algo, Mália saiu correndo após

saber que ninguém tinha sobrevivido.

― Porra! ― ele praguejou ao vê-la indo na direção da mata,


chorando.

Razor correu atrás dela.

― Mália, espera! ― chamou, mas ela não pareceu ouvir.


Eu poderia ficar e acertar minhas contas com os Castilhos. O

desejo de vingança queria me dominar, mas fiquei preocupado com

Mália, com medo de que alguém conseguisse chegar até ela antes
de Razor.

Fuzilei os três irmãos.


― Digam ao seu pai que vou achá-lo e acertar minhas contas

com ele ― avisei.

Eu poderia derrubar um, mas, se o fizesse, seria suicídio,

estava sozinho ali. Razor era aliado deles. Eu não sabia por que não

buscara sua ajuda em vez da minha.

Além disso, minha mãe pediu, na carta que deixou para Luna,
que eu não procurasse os filhos de Paolo. Minhas contas a acertar

eram com ele, não com seus descendentes.


― Terá que passar por cima de todos nós para conseguir ―
disse Benjamin.

― Sei por que o quer, pois descobriu o caso que meu pai e

sua mãe tiveram. O nosso pai nos contou, mas, seja o que for que

esteja pensando, não foi dessa forma. Seu pai a deu ao nosso como

gado ― falou Valentino com tom sombrio. ― Estou contente que ele

esteja morto.
― Rafaelle... ― Benjamin começou, mas ouvi gritos histéricos

à distância.

Algo em meu peito se apertou. Aquele som parecia

desesperado. Corri na direção dele, e assim fizeram os irmãos

Castilhos. Eu deixaria minha vingança para depois. Mália parecia

estar em perigo pelos sons que estava fazendo. A dor e o tormento

eram evidentes neles.


Ouvi um som sufocado, então a vi debruçada sobre um rapaz

desmaiado ou morto, os olhos fechados com força, balançando para

frente e para trás em um ritmo maníaco.

― Merda! ― Razor praguejou e foi até ela, checando o

pescoço do rapaz. Suspirou de alívio. ― Mália querida, ele ainda

está vivo...
Ela não parecia estar ouvindo, era como se estivesse em

transe, dentro de um pesadelo sem poder sair. Seus gritos eram


ouvidos a quilômetros.

Ele a tocou, então a menina surtou, gritando ainda mais alto e


atacando-o, parecendo fora de si.
― Não, não! ― repetia isso várias vezes enquanto o irmão a

segurava. Naquela área com poucas árvores, eu podia ver, através


do luar, a sua expressão atormentada.

― Minha bolsa. ― Mariano apontou para o objeto. Eu nem o


tinha notado. ― Pega um tranquilizante para mim.

Eu não gostava de receber ordens, ainda mais de alguém


como ele, mas não era hora para ter orgulho, a menina parecia
realmente mal. Peguei o clorofórmio e o entreguei a ele.

― Lamento tanto, princesa. ― Beijou sua testa, enquanto ela


se mantinha com seus olhos fechados com força e chorando, como

se estivesse em um tormento vivo.


Razor colocou o sonífero em seu nariz conforme dizia palavras

tranquilizadoras, até que ela apagou.


Ficamos ali uns minutos, ao passo que Razor continuava com
sua irmã apagada nos seus braços. Enfim ele se levantou,

segurando-a firme.
― Pode cuidar de Túlio? ― Encarou Benjamin. ― Na cabana

tem tudo que precisa.


― Eu não sabia do garoto, por isso disse que ninguém tinha

sobrevivido. A ilha está limpa, ninguém entra, tem pessoal meu de


confiança em torno ― disse Valentino.

― Ótimo. Vocês vão para lá. Eu irei com Rafaelle até o


submarino. ― Suspirou.
Benjamin e Santiago pegaram Túlio e o levaram na direção da

cabana em que eu estive preso.


Valentino me fitou.

― Logo retornaremos à nossa conversa ― me disse, então se


aproximou de Razor, que ainda estava com Mália nos braços.
Levantou a mão, colocando algo sobre a barriga dela.

― O que é isso? ― perguntou Razor, então piscou assim que


viu o que era. ― A correntinha da minha mãe.

― Ela deixou cair mais cedo ― respondeu, depois me fuzilou.


― Depois nos falamos. Nada é como parece, meu pai nunca faria

algo contra a vontade de alguém. Se ousar chegar perto dele, eu


mesmo mato você, e não vou ligar se a Luna sair ferida.
Cerrei os dentes.
― Deixe minha irmã fora disso ― sibilei, dando um passo até
ele.
― Não se esqueça de que ela é minha meia-irmã também. Por

causa dela você não foi morto ainda pelos ataques às nossas
instalações. ― Seus olhos demonstravam fúria. ― Sugiro que pare,

ou a única que sairá sofrendo será ela. Você quer isso?


― Você não sabe nada sobre ela! ― cuspi, fervendo de ódio.
― Claro que sei, ela é a imagem de... Lorena. ― Virou o rosto,

como se não desejasse demonstrar sua dor ao falar da irmã que


morreu. ― Seja como for, descobri muito sobre ela. ― Por fim me

encarou e veio até mim, colocando uma das mãos no meu ombro,
ao que me afastei. ― Sou grato a você e ao Alessandro por terem

matado Marco e evitado que Luna fosse vendida aos Rodins.


Um frio desceu por minha espinha ao me lembrar disso. Nunca
senti tamanho ódio por meu pai quanto nesse dia, pelo que ele

queria fazer com as minhas irmãs. Queria ter prolongado a sua


morte; ele morreu de forma rápida, mas pelo menos foi dolorosa.

― Eu soube da carta que sua mãe deixou revelando a verdade


sobre a origem da Luna ― Valentino continuou.
Ouvir isso foi como se eu tivesse levado um soco na cara.
― Agora me diz, como sabe sobre isso, se apenas as pessoas
mais próximas da família sabem?
― Não importa, só sei, e todos nós agradecemos que a

verdade tenha sido revelada. ― Deu de ombros, mas, antes que se


afastasse, segurei seu braço em um aperto de aço.

― Você tem um infiltrado na minha casa ou na de Luna, não


é? ― rugi, sabendo que era isso; só assim ele poderia saber tanto.
― Quem é ele?

Valentino se desvencilhou do meu aperto.

― Por que não se concentra no que vai fazer? ― inquiriu e


suspirou. ― A pessoa que a vigiava não está mais lá, mas pode

ficar à vontade para checar cada um dos seus funcionários.

― Não me faça rir. Com certeza ainda deve estar lá, e, quando

eu o pegar, o mandarei para você aos pedaços. ― Cerrei meus


dentes, querendo socá-lo, e o teria feito, mas Razor entrou na minha

frente.

― Precisamos ir ― me disse. ― Seja o que for que tenha para


resolver, pode esperar.

― Não pode...

― Rafaelle, teremos oportunidade de discutir esse assunto e o


outro pendente, com meu pai. ― Valentino suspirou e encarou
Mália. ― Ela precisará de você agora mais do que nunca.

― Há algo que quero saber. Por que você ― virei-me para


Razor ― não a entregou a ele? São aliados.

Mesmo dizendo isso, eu não queria Valentino com Mália. Não

gostei da forma como a olhou, embora não entendesse. Era algo


irracional, afinal, ela não era minha, eu só seria seu guarda-costas

por um tempo.

― Não quero correr o risco de que alguém de lá seja um

informante de quem está querendo minha morte. Em seu território,


não corro esse risco ― Razor respondeu.

― Fabrizio o está procurando ― informou-me Valentino.

― Por que não seu pai? Ele não é o líder? ― grunhi.


Sacudiu a cabeça.

― Seja como for, estaremos aqui para você, Razor ― garantiu

Valentino, ignorando minhas perguntas.


Era estranho. Fazia tempo que eu não via ou lia nada sobre

Paolo. Fabrizio era quem estava tomando conta de alguns dos

negócios dele, assim como os irmãos. Morto, ele não estava;

saberíamos caso acontecesse. Eu só precisava colocar as mãos no


infiltrado dele e saberia toda a verdade antes de matá-lo.
Precisava alertar Alessandro e Miguel sobre esse espião,

afinal eu não tinha ideia de quem era e onde estava.

― Obrigada. Vou com Rafaelle, depois volto para resolvermos


a outra parte do plano. ― A fúria pareceu tomar seu peito. ― Quero

estraçalhar quem mandou invadir este lugar e quase matou minha

irmã para chegar até mim. Quem fez isso irá pagar caro.

Valentino saiu, e, quando o vi seguir na direção da cabana, tive


vontade de atirar nele, mas eu manteria o pedido da minha mãe e

de Luna. Apuraria o que aconteceu, e, para isso, iria direto à fonte.

Paolo Castilho.
― Ei, vamos. Depois vocês resolvem o que têm para resolver

― repetiu Razor.

Andamos à beira do penhasco até chegarmos a um lugar

plano. Eu podia ver alguns dos seus homens – ou dos Castilhos –


na mata, vigiando a nossa retaguarda.

― Agora a pegue e tome conta dela ― pediu com tom que

revelava sua devastação.


Peguei Mália nos braços.

― Pelo visto, seja quem for que está atrás de você, quer usá-

la para alcançar seu objetivo ― comentei. ― O que houve com ela

mais cedo?
― Sim, eu sei, por isso a quero longe, enquanto resolvo

esse maldito problema e descubro quem é o traidor de verdade. ―


Suspirou. ― Quanto à sua pergunta, isso só acontece quando ela

presencia assassinatos, às vezes. O sangue e a morte a deixam

assim, por isso ela vai ser uma civil, longe do seu mundo.
― Isso é fodido. ― Encarei a garota.

― Sim, é. ― Tocou o rosto dela, esquadrinhando-o, e pôs uma

chave na correntinha que Valentino lhe entregou, colocando-a no

pescoço dela. ― Diga-lhe que tudo que precisa está aqui. A senha é
a data da nossa destruição. Ela saberá que dia é. O local onde tudo

está é o lugar em que ela mais ama estar.

― Para que tanto enigma? ― Bufei enquanto caminhávamos.


― O que vai acontecer agora?

― Você vai entrar no submarino com ela, e navegarão até o

local que está preparado para os dois. A pessoa que guia o

submarino está ciente de onde. Vocês precisam ficar lá por uma


semana, no máximo duas, depois pegarão um navio que irá buscá-

los e vão para a Austrália.

Franzi a testa quando chegamos à praia.


― Por que não podemos simplesmente pegar um avião até

Milão?
― Um submarino ficará fora de vista por enquanto. A Austrália

pertence a vocês, e lá ela irá arrumar documentos falsificados. Pode

deixar o nome, só mude o sobrenome dela, afinal todos a chamam

apenas de Amália. Eu e mamãe abreviamos para Mália, e apenas


nós a chamávamos assim. Todos pensarão que, na noite passada,

eu perdi os dois, tanto ela como meu pai. Assim ficará fora do radar

dos meus inimigos. Se eles realmente me quiserem, vão ter de vir


até mim. ― Suspirou e olhou para a lancha que nos levaria para

nossa carona, ancorada um tanto mais à frente.

― Mália sabe que está forjando a morte dela? ― Encarei

aquele belo rosto adormecido.


― Não, apenas que ficará escondida no seu território. Vamos

deixar assim por enquanto. Sobre a morte de nosso pai, é cruel

esconder isso dela, eu sei, mas ela vai sofrer quando souber, e eu
não vou estar lá para ela. ― Respirou fundo. ― Vá, tome conta

dela, e, quando isso acabar, reforçaremos nossa aliança. Te darei o

que você quer.

A lancha nos levou ao submarino. O piloto me ajudou a passar


Mália pela entrada, e após isso eu entrei. Lá dentro, encarei seu

lindo rosto inconsciente, tão sereno, mas que eu sabia que era

capaz de revelar tanto tormento. Pelo que presenciei naquela noite,


a perda de sua mãe lhe deixara marcas irreversíveis. Esperava que

um dia ela se curasse, porém fazia anos que o mesmo acontecera


comigo, e até o momento sentia que um pedaço da minha alma

estava quebrado e não acreditava que nada nem ninguém pudesse

consertá-lo.
Capítulo 9

Mália

Acordei com uma brisa em meu rosto. Encarei o teto branco,

sentindo-me desorientada. Então de repente recordei o que

aconteceu. A invasão da cabana, quando Túlio e eu tivemos que


sair correndo, o momento em que ele foi ferido, o encontro com

Mariano, Rafaelle, Valentino e seus irmãos, depois... o corpo mole e

sem vida de Túlio. Isso me fez surtar.


O que tinha acontecido? Meu coração se encolheu, pensando

no pior. Eu não o conhecia direito, mas a sua mãe precisava dele.


Ela tinha perdido o marido, e agora ele...

Chequei o quarto, que só tinha uma cama de casal. Encarei a

janela aberta, de onde vinha a brisa. Levantei-me e fui até ela. O


oceano estava ali, tão perfeito.

Não vi mais ninguém. Era melhor eu ir descobrir onde estava

em vez de pensar no que era doloroso.


Assim que saí do quarto, deparei-me com um cheiro gostoso

de café da manhã. Lembrei-me de que era noite antes de eu

desmaiar. Eu havia ficado apagada a noite inteira? Agora era de


manhã, o sol raiava lá fora.

― Mariano? ― chamei meio precavida, recordando-me da vez


que acordei e quem me vigiava era Valentino.

Teria que ter uma palavrinha com meu irmão sobre parar de

me dopar. Eu sabia que tinha surtado, mas não carecia ser dopada.

Ouvi barulho de vasilhas na cozinha.

― Mariano, vamos ter que conversar sobre você ficar me

dopando. Se acontecer de novo, vou chutar sua bunda ― ameacei


séria.
― Gostaria de ver isso. Quando o fizer, espero estar perto ―
disse uma voz da cozinha.

Surpreendi-me, pois não era Mariano quem estava ali, mas

Rafaelle. O que ele fazia naquele lugar? Então recordei que ele iria

tomar conta de mim, mas achei que meu irmão estaria conosco ao

menos até eu me acostumar com tudo. Via que não.

Quando eu não disse nada, Rafaelle apareceu na porta e me


olhou. Ele estava de calção de surfista e camisa regata. Seu corpo

tinha tatuagens, ao menos nos braços e no pescoço, onde um

pedaço de asa de um pássaro aparecia.

Fiquei alerta e nervosa.

― Onde está Mariano? ― sondei, checando a sala pequena,

mas aconchegante, com sofás e uma TV. Encaminhei-me para fora

da casa para procurá-lo, quando a voz de Rafaelle me deteve.


― Seu irmão não está aqui.

Diante disso, virei-me e o encarei de olhos arregalados.

― Ele está bem, não precisa surtar ― falou rápido, como se

eu estivesse prestes a enlouquecer. ― Não poderá ficar com você

agora. Não sei seus planos, mas parece que vai atrás do... dos

intrusos que atacaram a casa de vocês e a ilha.


Estreitei meus olhos ante a sua breve hesitação. Temia que

fosse mentira tudo o que disse.


― Não acredito em nada que saia de sua boca. Ele nunca me

deixaria aqui sozinha. ― Solucei com os punhos cerrados. ― Você


o matou e agora está me levando em cativeiro, da mesma forma
que meu irmão o capturou!

― Ei, não tenho a intenção de sequestrá-la, muito menos de


ferir você. Fiz um acordo com seu irmão. Ele pediu para eu lhe dizer

que tudo o que você quiser está aí. ― Indicou a correntinha da


minha mãe, que estava no bolso do meu vestido. Eu não ficava

longe dela um segundo, só não a colocava no pescoço porque me


trazia muitas recordações. ― Valentino ― cuspiu o nome. ― Ele
disse que você a tinha perdido, então a trouxe de volta.

― Uma chave? ― sussurrei, pegando a correntinha. Senti-me


leve ao tê-la em minha mão. Meu coração balançou ao pensar que

quase a perdi. Nem tinha notado.


― Razor disse que a senha do local que a chave abre é a data

da destruição de vocês dois e que o local onde está tudo que você
quiser é o lugar no qual você mais ama estar. ― Virou-se para voltar
à cozinha enquanto falava, mas parou e me olhou de lado. ― Ele
vai entrar em contato eventualmente, só primeiro terá que lidar com

tudo.
Tremi, temendo ficar muito tempo longe do meu irmão.

― Olha, seu irmão sabe o que faz. Agora você poderá ter uma
vida lá fora como uma pessoa normal até que ele resolva seus

problemas.
Rafaelle não parecia estar mentindo, embora os assassinos
fizessem isso com facilidade. Eu devia estar com medo de ficarmos

sozinhos naquele lugar. Porém passei horas apagada e ainda


estava ali, inteira. Se ele fosse um monstro, teria me tocado mesmo

enquanto eu dormia. Além disso, meu irmão não me deixaria com


alguém que me machucaria; se armara aquilo tudo, acreditava que
eu ficaria segura.

Mariano disse que aquela chave abria algo no lugar em que eu


mais amava estar na vida; então devia ser um armário em algum

rinque de patinação em Milão, pois eu adorava patinar e era onde


eu me sentia mais viva.

― E Túlio? ― Meu coração balançou, temendo o pior.


Recordava como ele estava mole e parecendo sem vida em meus
braços...
― Falei com seu irmão hoje cedo, e ele me disse que vai
sobreviver.
Suspirei de alívio e me sentei no chão da varanda da casa,

encarando o oceano. Ao menos a mãe dele o veria de novo. O


normal no curso da vida é um filho enterrar a mãe; acredito que a

dor de uma mãe enterrar um filho deve ser mil vezes pior.
― Onde estamos? Parece que não têm habitantes aqui. ― O
lugar era lindo, cheio de palmeiras.

― Estamos sozinhos nesta ilha. Ela é particular e pertence a


um amigo do seu irmão.

― Corremos o perigo de alguém descobrir sua localização,


como aconteceu na outra?

― Não, ninguém tem conhecimento desta, ao menos espero


que não, ou terei que acertar as contas com seu irmão. ― Seu tom
soou amargo. ― De qualquer forma, estou montando armadilhas na

ilha. Não serei pego desprevenido.


Eu esperava não me arrepender. Se meu irmão acreditava

naquele rapaz para me ajudar, então eu confiava que tudo daria


certo.
― O que vai acontecer agora? Quanto tempo ficaremos neste

lugar?
― Por uma ou duas semanas, então um barco virá até nós
para nos levar daqui.
Arregalei os olhos.

― Estamos presos em uma ilha? ― Minha voz subiu duas


oitavas. Não pensei que não tivesse uma forma de sair dali caso

quiséssemos. ― E se formos atacados? Como vamos fugir?


― Tem um barco pequeno ancorado perto daqui e um
helicóptero, mas só podemos usá-los se necessário. ― Sentou-se

em um banco na varanda e suspirou.

― Mas quem vai pilotar? ― Meneei a cabeça de lado. ― Por


acaso sabe fazer isso?

― Sim. Razor provavelmente sabia disso. ― Encarou o

oceano e depois a mim. ― Você está bem?

Eu sabia do que ele estava falando, mas não queria tocar no


assunto, não naquele momento.

― Cada dia fico com mais raiva. Queria eu mesma acabar com

aquele desgraçado. ― Ainda estava com medo e sofrendo, mas


agora a raiva por tantos ataques também me devorava. ― Aquele

homem que Valentino deixou vivo... Será que descobriram alguma

coisa dele?
Seu olhar no meu rosto estava distante, parecia triste.
― Não vá por esse caminho. Tirar uma vida traz

consequências para quem nunca o fez. ― Encarou o mar.


― Você se arrepende de matar pessoas? ― Fiquei curiosa

pela forma como ele disse. Seu olhar era distante. ― Se não quiser

responder, tudo bem, é só que... ― encarei o chão ― às vezes


quero fazer o assassino da minha mãe pagar. Ele a tirou de mim.

Matou-a e foi embora como se nada tivesse acontecido.

― Você o viu? ― ele sondou parecendo cuidadoso. Será que

temia que eu surtasse por falar da minha mãe? De fato, ter visto
aquele homem me dava esperança de chegar a ele mais rápido e

ter minha justiça.

― Sim, mas era noite e ele estava de costas e longe de mim.


Porém, no meu surto de ontem, lembrei algo que tinha esquecido.

Ele era careca e tinha tatuagens na cabeça. Sei que isso não é

muito, mas cada gangue ou máfia tem suas marcas. Talvez essa
seja uma. ― Virei-me para ele. ― Conhece alguém assim?

Sua expressão estava indecifrável. Às vezes era fácil lê-lo, em

alguns momentos, não.

― Não. Pode ser só uma pessoa que aprecia tatuagens na


cabeça, não uma marca em si. Mas, assim que chegarmos a Milão,

posso tentar descobrir...


― Não precisa, não quero colocar sua vida em risco por mim.

Vou dar um jeito de descobrir sozinha. ― Voltei o rosto para o céu.

― Não quero que ninguém mais se machuque por minha causa.


Meus olhos ficaram molhados.

― Sua causa? ― Ouvi-o se movimentando, mas continuei

encarando o azul-celeste. Senti Rafaelle sentando-se perto de mim.

― Mália ― seu tom de voz estava baixo ―, nada disso é sua culpa.
Olhei para ele, mas o vi embaçado por causa das lágrimas.

Não queria chorar ali, mas estava em um momento frágil, e só

restava Rafaelle.
― É, sim. Greg morreu, e Túlio...

― Ele está bem ― cortou-me.

Sacudi a cabeça.

― Você não entende. Pedi ao Greg para escapar sozinha, mas


ele não deixou, nos deu cobertura, foi ferido, e, quando nos

encontrou na mata, outro homem apareceu e... ― Fechei os olhos,

sacudindo a cabeça.
Ele colocou os braços em volta de mim e trouxe meu rosto

para o seu peito.

― Não pense nisso. Aqueles homens estavam lá para protegê-

la, não importava se morressem no processo. ― Alisou meu cabelo,


tentando me tranquilizar.

― Mas eu não queria! ― Chorei em seu tórax. Não sei


quantos minutos fiquei ali.

― Dizem que chorar ajuda a passar o que se está sentindo; é

uma coisa tola, pois não passa. ― Suspirou, ainda acariciando


meus cabelos. ― Essa culpa a corrói por dentro, e, se você tirasse

uma vida, não importa se fosse de um assassino ou não, o tormento

seria mil vezes pior.

― Você sente...
Tentei me afastar para ver seu rosto, mas ele não permitiu.

― Teve uma época em que sim, logo no começo da minha

iniciação nesse mundo, mas depois se tornou natural.


― Natural ― repeti a palavra.

― Para mim, mas, para uma pessoa como você, que entrou na

mata só para salvar um soldado e até chorou, não, isso nunca iria

se tornar natural. ― Era uma afirmação.


Afastei-me quando ele enfim deixou. Limpei meu rosto

molhado.

― Desculpe desabar assim. ― Olhei sua camisa. ― Está até


molhada. Estou exausta de sempre estar no meio desses problemas

e de ver pessoas morrendo.


― Você passou por muita coisa esses dias, é normal. ―

Esboçou um sorriso. ― É diferente da garota que eu via nas revistas

e tabloides.

― Era uma fachada. No começo, após minha mãe ter...


morrido, as pessoas na escola começaram a dizer coisas sobre ela

que eu não aceitava. Tive que lutar e me defender daquele monte

de idiotas. ― Virei a cabeça na sua direção. ― Aprendi a lutar e


devolver à altura. Dei muita dor de cabeça ao meu pai, então, para

não o estressar, forcei-me a usar essa armadura de gelo, fingindo

não ligar para os falatórios, mas...

― No fundo se importava. ― Sua voz soou baixa. ― Entendo


o sentimento.

― Obrigada por estar aqui ― agradeci. Estava realmente

grata.
― Não tem problema. ― Deu de ombros.

― Agora me diz por que resolveu aceitar a ajuda do meu

irmão? O que ele lhe dará em troca de cuidar de mim? ―

Finalmente eu estava um pouco melhor, após falar com ele, embora


quisesse mesmo era ouvir a voz do meu irmão.

― Uma parte da Espanha que pertence à máfia de sua família.

Arregalei os olhos.
― Jura? ― Ri sacudindo a cabeça. ― Queria ver a cara de

Ulisses e Tomaso quando descobrirem isso.


― Provavelmente o matarão ― brincou, mas um gelo desceu

por minha espinha, fazendo-me ofegar. ― Maldição, não quis dizer

isso, estava brincando. Seu irmão vai conseguir. ― Deu um suspiro

resignado. ― Não sei os planos dele.


Fiquei aliviada em saber disso. A forma como ele falava

passava tanta certeza de Mariano estar bem. Então eu acreditaria

nisso e aproveitaria para fazer o que meu irmão pediu.


De repente tomei consciência da proximidade com Rafaelle. O

toque desse homem me provocava sensações desconhecidas. Todo

o meu corpo ganhou vida. Sua boca sexy me deixou tonta, bem
como seu hálito quente banhando meu rosto, tanto quanto os olhos

dele, que me deixavam sem fôlego. Ele nem sabia disso, só estava

tentando me ajudar.

Coloquei a mão no meu tórax, onde meu coração pulsava tão


rápido que ameaçava sair do peito. Tão quente... Eu me sentia

chegando perto de uma fornalha acesa ou do próprio Sol.

Seu rosto sereno e gentil mudou, dando espaço para um ar


frio, diferente de como ele estava havia um minuto.
― Seja o que for que pensou, isso não vai acontecer. ― Ficou
de pé, e sua voz estava dura.

Eu não disse nada, porque ele tinha razão. Eu não estava ali

para ter um caso com o mafioso que me protegeria.


Nunca tinha me interessado por nenhuma pessoa, pois sempre

quis aquele amor que via nos livros e entre meus pais, mesmo com

o que houve, pois, no fundo do meu coração, eu confiava na mamãe


e no que ela sentia pelo papai.

Porém, envolver-me com alguém não fazia parte da minha lista

de prioridades.

― Não vai dizer nada? ― Rafaelle parecia curioso. Tinha algo


na voz dele que não consegui detectar.

― Não há nada a dizer, você está certo. ― Dei de ombros

enquanto ficava de pé. Foi quando notei que não estava com o
vestido de ontem. Esse era mais longo e mais justo e não estava

rasgado.
― Onde está a roupa com que eu estava?
Rafaelle suspirou.

― Troquei sua roupa, porque, além de rasgada, tinha muito


sangue nela, mas não se preocupe, não vi nada. ― Tinha um
sorriso em sua boca que me distraiu um segundo. Parecia diferente
da frieza que vi antes, era natural agora.
Fiz uma careta e corei.

― Até parece ― retruquei.


― Ei, só o tirei porque estava muito sujo de sangue. Limpei um
pouco a sua pele, mas o resto só sairá quando tomar um banho. Por

que não faz isso agora e vem comer antes que os alimentos
esfriem? ― sugeriu, entrando na casa.
― Como vim parar na cama? Foi meu irmão que me trouxe?

― Fui atrás dele.


― Devo dizer que você estava um pouco pesada.
Não liguei para sua provocação. Poderia até me sentir mal se

não tivesse ouvido que tinha um toque brincalhão na voz dele.


― Foi você que me carregou? ― indaguei falsamente
ultrajada.

― Sim, pois seu irmão não estava aqui. ― Foi para a cozinha
e indicou o quarto. ― Vá tomar banho.

Assenti. Tinha muitas coisas para lhe perguntar, inclusive onde


estava meu pai, mas algumas dessas respostas talvez só meu
irmão soubesse. Confiava que Mariano me deixaria falar com papai

depois.
Tomei banho, livrando-me de todo aquele resto de sangue,
suor e poeira. Após terminar, voltei para a cozinha, e o vi ao redor
do fogão, fritando ovos mexidos.

― Eu poderia tirar uma foto de você assim e colocá-la nas


colunas sociais ― comentei. ― Aposto que daria o que falar.

Ele se virou e sorriu.


― Bom, aí eu teria que me provar aos meus homens, caso
alguém dissesse algo, embora o único que teria coragem de me

provocar seria Stefano, e esse eu não poderia eliminar ― ele não


falou de modo sombrio, mas brincalhão.
― Stefano? ― Sentei-me à mesa grande. O lugar era

aconchegante, estilo casa de praia, com armários planejados.


― Meu irmão. Ele é temperamental, mas gente boa. Jade e ele
se parecem muito. ― Pegou um prato, colocou-o na minha frente e

se aproximou com a frigideira de ovos mexidos.


― Obrigada. E você é como? ― Parecia que ele não
conversava muito, embora eu estivesse havia pouco tempo em sua

presença para ter uma noção clara sobre isso.


― Sou mais do tipo que guarda o que sente. ― Encheu seu

prato.
Suspirei e olhei para a janela aberta da cozinha.
― Às vezes falar alivia o fardo ― comentei, então o encarei. ―
Obrigada por não ter me deixado surtar hoje. Ao menos não corri

dessa vez.
― Dessa vez? ― Franziu a testa.
― Quando acordei na ilha e não vi meu irmão, mas Valentino,

arrumei um remo, bati nele e saí correndo pela floresta.


Rafaelle desatou a rir.

― Pena que não o acertou com força. Eu gostaria de ter visto


isso. ― Ele parecia divertido.
Por um momento, sua risada me distraiu.

― Por que o odeia?


― Não quero a ele, mas ao seu pai. ― Seu sorriso sumiu.
― O que Paolo fez? ― sondei enquanto comia.

Era melhor conversar a ficar em silêncio e pensar nos


problemas.
― Fez algo que será sua ruína ― respondeu somente, não

parecendo querer tocar mais no assunto.


Assenti e continuei a comer. Não sabia o que seria de nossa
estada naquele lugar, mas esperava que tudo desse certo e que

logo fôssemos embora. A única coisa que eu podia fazer era rezar
para meu irmão ficar bem, que nada viesse a acontecer a ele e ao

meu pai. Não via a hora de estar com os dois.


Capítulo 10

Rafaelle

Acordei cedo, como em todos os dias, mas naquela semana

na ilha parecia que eu andava dormindo demais. Deitava-me e,

quando percebia, o sol já tinha nascido. Os pesadelos não estavam


dando as caras. Isso era estranho, não havia uma só noite em que

eu dormia sem ter um.


Uma sombra no quarto me chamou a atenção, estava saindo

pela porta. Reconheci-a. Mália.


Coloquei-me de pé, assustado e checando minha faca, com a

qual dormia, mas não estava comigo, e sim no chão. Eu a teria

deixado cair durante o sono? Era estranho, pois isso nunca havia
acontecido.

Saí à procura de Mália. Aquilo só podia ser obra sua.

Precisava deixar claro que ela não podia chegar perto de mim
enquanto eu dormia; isso seria perigoso. Ainda me recordava da vez

que quase matei minha irmã. Não podia deixar que acontecesse de

novo. Estava aliviado por ela não ter se aproximado de mim durante
o meu sono.

Não a vi no corredor.
― Mália, está aí dentro? ― Bati à porta do seu dormitório. ―

O que estava fazendo no meu quarto?

Ouvi-a mexendo em algo lá dentro, então ela abriu a porta,

apontando uma arma para mim e me fazendo arregalar os olhos.

― Não precisa temer, não vou atirar em você. ― Sorriu, saindo

porta afora e passando por mim, ali parado de boca aberta.


Ela estava de biquíni na parte de cima e usava um shortinho.
― Peguei a arma no seu quarto para aprender a usá-la ―
disse e virou a cabeça na minha direção com um sorriso. ― Não se

preocupe, não direi a ninguém que ronca, mas acho que as

mulheres com quem dorme devem saber.

Fiz uma careta.

― Nunca dormi com ninguém. ― Não contava com as minhas

irmãs quando pequenas.


Ela me encarou um instante parecendo chocada e depois

sacudiu a cabeça, prosseguindo em seu caminho. Não consegui ler

o que estava em sua expressão.

― Você mexeu na minha faca? ― sondei.

― Não, mas a vi caída no chão. Achei que você a tivesse

colocado lá, por isso não toquei nela. ― Deu de ombros e arqueou

as sobrancelhas. ― Eu não sabia que você adorava aquela faca.


Precisei respirar fundo, não querendo pensar na última vez

que sangue a havia manchado.

Mália foi para a cozinha e fez uma careta.

― Acho que você dormiu demais e não fez o café da manhã.

Hoje é sua vez ― comentou.

Tínhamos dividido as tarefas de casa. Cada dia um cozinhava,


assim ninguém se escorava no outro.
Aprendi a cozinhar havia alguns anos, com minha mãe,

quando meu pai não estava em casa. Eu ficava muito com ela, por
isso aprendi e gostava.

― Vou tomar um banho; quando terminar, eu faço ― informei.


Tomei banho e estava me vestindo quando ouvi tiros lá fora,
vindos da direção do jardim. Segui o som, sem me preocupar, pois

sabia que era Mália treinando.


Parei perto de uma árvore, vendo-a com minha arma na mão

apontando-a para latas vazias enfileiradas como alvos. Outro tiro


soou, mas ela errou. Então outro, e novo erro.

― O que estou fazendo de errado? ― Ela assoprou os cabelos


que caíam nos olhos, em um gesto frustrado.
Sorri, observando-a continuar a atirar, mas sem acertar seus

alvos. Algo no fundo me dizia que eu iria me arrepender de aceitar


aquele trabalho se tivesse que resistir àquela perfeição. Ela era

linda demais para o meu gosto, mas não era isso que estava
tocando no fundo do meu coração negro, era seu sorriso

deslumbrante. Mesmo com tudo que ela passara, ainda sorria.


― Droga! ― rosnou, abaixando a arma.
― Não deixe a arma assim, ou quer atirar nos pés sem

querer? ― Saí do meu lugar e fui até ela.


― Atirei várias vezes, mas não acertei nenhum alvo. Será que

sua arma está com problema? ― Examinou o revólver.


Ri, fazendo-a me olhar com uma careta.

― Não é a arma, mas a sua postura, que está errada. Aponte-


a para o alvo.

Ela fez o que mandei. Fui até ela e fiquei às suas costas.
― Seus pés devem estar abertos na largura dos ombros, com
o pé oposto à mão dominante um passo à frente do outro pé. ― Ela

fez como a orientei. ― Fique com o corpo reto, mas levemente


curvado para frente, mantendo o equilíbrio.

― Por que Mariano e você não fazem isso e ainda assim


acertam seus alvos? ― reclamou ela.
― Somos experientes, temos anos de treinamento. Agora vem

aqui. ― Aproximei-me mais dela, encostando meu peito nas suas


costas como se a abraçasse por trás e posicionei seu cotovelo na

posição correta. ― O cotovelo do seu braço dominante deve estar


quase completamente reto.

Forcei-me a não inspirar seu delicioso aroma de madressilva.


Ele recendia em meu nariz, deixando-me inebriado. Seria difícil
resistir àquela menina.
Sua respiração se acelerou com a minha aproximação. Olhou
para mim, e pude ver o desejo em seu olhar, assim como o que eu
estava sentindo havia dias por ela.

― Foco na arma, Mália, se quiser acertar um tiro no alvo. ―


Uma de minhas mãos foi até a sua, mostrando-lhe a forma como

precisava segurar a arma, e a outra se apoiou em seu estômago nu,


deixando-a na postura certa.
Com meu rosto próximo ao seu, mirei na lata, acertando-a com

um tiro.
― Foco, Mália ― pedi com a respiração irregular. Essa

mensagem também era para mim. Ficar tão próximo dela me fazia
ter ideias que não deveria.

― Não consigo com você me tocando assim. ― Sua


respiração falhou.
Eu a entendia, então, para ajudá-la, afastei-me e indiquei os

alvos.
― Faça o que ensinei ― ordenei, ignorando os batimentos

irregulares do meu coração.


Mália respirou fundo, assentindo, e mirou a frente, atirando,
mas errou novamente.
― Foque no alvo. Sua concentração tem que estar nele ―
insisti.
Ela fez de novo e dessa vez acertou, pulando e gritando com a

arma na mão.
― Acertei! ― Sua vibração era contagiante, ela parecia uma

criança que ganhou um presente maravilhoso.


Fui até ela e peguei a arma de sua mão, travando-a.
― Antes de ficar alegre com a arma assim e atirar em si

mesma, trave-a ― aconselhei, sacudindo a cabeça. ― Seu irmão

deveria ter ensinado você a atirar.


Ela pulou nos meus braços.

― Obrigada! Não achei que ia conseguir acertar! ― exclamou

exultante.

Toquei seus cabelos, enfiando mechas atrás da orelha,


adorando o seu sorriso lindo.

― Fica ainda melhor. Vou ensiná-la mais depois do café da

manhã ― prometi.
Uma coisa que notei em Mália foi que ela adorava fazer coisas

que nunca tinha feito e, quando tinha êxito, ficava em êxtase. Podia

ser uma coisa simples, mas ainda assim ela se alegrava.


Mália encarou minha boca e olhos, e notei o desejo ali. Meu

corpo inteiro parecia um vulcão prestes a entrar em erupção. Não


era algo só sexual, era algo mais, eu sentia.

Afastei-me dela em uma tentativa de me recuperar, mas,

merda, aquela mulher era fascinante. Doce, gentil e, por mais que já
tinha passado, ainda era viva e vibrante. Tinha olhos brilhantes e

inocentes, mais um motivo para eu ficar longe dela. Nada de bom

resultaria daquilo se eu deixasse meu pau tomar conta da situação.

Nunca tinha permitido algo assim, não seria agora. Eu sentia que,
se me deixasse levar, não seria apenas sexo. Um sentimento

desconhecido me tomava.

― Rafaelle? ― Piscou confusa quando me afastei, mas eu


precisava manter algum juízo.

― Vou preparar o café. Me espere para treinarmos mais, não

quero vê-la ferida.


A forma como ela se alegrava com os acertos parecia fazê-la

esquecer-se da arma.

― Ficarei experiente em breve. ― Sua confiança me tocava

fundo. Aliás, tudo que a deixava contente fazia meu coração negro
querer explodir.
― Sei que sim, sou bom professor. ― Toquei seu nariz e fui

para a cozinha, porque, ao falar aquelas palavras, minha mente

conjurou outro significado para elas, e eu não deveria ir por esse


caminho.

Sim, definitivamente aquilo não era para mim. Esperava que

aquela missão acabasse logo, antes que eu fizesse uma besteira da

qual me arrependeria, porque, se tocasse em Mália, algo assim


aconteceria.

Porra, uma semana resistindo àquela perfeição era demais.

Sentia-me feliz pelo meu autocontrole. Se não fosse por isso, eu


jamais teria capacidade de resistir àquela doçura e beleza rara.

Estava fazendo o impossível para estabilizar meu coração, algo que

nunca tinha acontecido. Com as outras mulheres, tudo era apenas

sexual, mas com Mália eu sentia que seria mais do que isso.
― Rafaelle, o que acha que vai acontecer? ― Ouvi sua voz

atrás de mim.

Tinha acabado de colocar os ovos na frigideira e olhei para ela,


pensando que estivesse falando sobre o que estávamos sentindo.

Não tínhamos mais conversado sobre isso. Fingíamos que nada

acontecia. Eu não sabia até quando lidaria com isso.

― O quê?
― O que vai acontecer? Estamos aqui há uma semana, e

ninguém aparece. Você acha que meu irmão vai conseguir realizar o
que tanto quer? ― Suspirou. ― Ele deveria revelar seus planos.

Temo que no final eu acabe perdendo-o e ao papai.

Essa era outra coisa que me incomodava. Mália sonhava em


ver o pai, algo que nunca mais aconteceria. Sentia-me culpado por

não lhe contar a verdade. Esse era um sentimento raro para mim

em relação a qualquer pessoa, exceto meus irmãos. Porém não

podia revelar a verdade a ela; isso cabia ao Razor. Eu não sabia


quais os seus planos, mas esperava que os revelasse logo.

Meu coração se apertou ao imaginar o tanto que Mália sofreria

quando soubesse que se tornara órfã.


― Razor é mestre em arquitetar planos; se os colocou em

prática, irá conseguir. ― Esperava mesmo que fosse verdade. ―

Quando falar com meu irmão, irei perguntar o que está acontecendo

lá, se ele sabe de algo.


― Por que não pergunta ao Mariano? Talvez conte a você,

pois toda noite falo com ele, mas não me diz nada. ― Ela parecia

frustrada.
― Somos de máfias diferentes. Por mais que confie que não

irei machucá-la, ele não irá me revelar seus planos. Mas vou dar um
jeito de descobrir.

― Obrigada. ― Foi até a geladeira cheia de comida e fez uma

careta. ― Preciso começar a correr, ou, quando for embora daqui,

irei parecer uma baleia.


Razor tinha deixado o lugar abastecido para um exército.

― Podemos aproveitar o lado leste da ilha. Quando coloquei

armadilhas lá, notei um grande pasto verdejante. O que acha? ―


Coloquei a comida para ela. ― Só coma primeiro antes de irmos.

Também podemos treinar lá com a arma.

Ela sorriu.

― Não vejo a hora. Achei que fosse enlouquecer aqui, neste


lugar, mas, em sua companhia, tudo fica favorável e não me faz

pensar tanto nos problemas.

― Se precisar, estarei aqui ― afirmei.


Não me lembrava de quando sorri tanto como naqueles dias

com ela. Nem parecia que eu estava em uma missão. Ser capo por

15 dias e ter que limpar nosso povo dos vermes que estavam nos

traindo me deixou esgotado e furioso demais, afinal tive que


machucar pessoas no processo, fingir compactuar com homens

cujas ações me causavam repulsa. É claro que eu não participava

delas, mas isso não mudava o fato de eu ter presenciado algumas


cenas degradantes, como jovens sendo levadas de suas casas.

Essas lembranças ruins permaneciam em meu cérebro,


atormentando-me a cada dia, como uma tatuagem permanente.

Precisei forjar a compra de uma remessa de garotas com

alguns negociantes. Algumas seriam vendidas para outros

compradores; esses, sim, iriam fazer uso delas. Como não podia
deixar que isso acontecesse, eu as comprava dizendo que iria

usufruir de seus serviços. Sentia nojo ao dizer essas palavras. No

final, levei todas de volta para suas famílias, antes mesmo de


alguém as tocar. Mesmo que não tivesse sido eu a sequestrá-las,

não gostava de fingir apreciar a compra de meninas assim, mas

precisei mentir na época só para me passar por mau. Eu era mau,


mas apenas com pessoas que mereciam, não com inocentes.

Talvez tenha sido por isso que eu quase machuquei minha

irmã. Provavelmente foi por esse motivo que meus pesadelos

pioraram desde então. Eu sentia minha cabeça prestes a explodir.


Porém, naquela semana com Mália, notei uma mudança.

― Ei, o que foi? Está com uma expressão estranha. ― A voz

dela me livrou dos pensamentos sombrios. ― Está tudo bem? Se


quiser, podemos ficar em casa mesmo.

Sacudi a cabeça.
― Não, vamos terminar aqui e andar um pouco. ― Recuperei-
me e indiquei seu prato. ― Agora volte a comer para irmos.

― Então, o que fazia antes de isso tudo acontecer? ― sondei

curioso.
― Estava a ponto de fazer faculdade. Queria uma nos Estados

Unidos, mas meu pai não deixou; disse que não me manteria longe

dele. ― Encarava o caminho à frente enquanto andávamos. ―


Então eu ia me inscrever em alguma na cidade em que moro.

― Ficar longe da família é realmente ruim. Dessa forma não

podemos ficar sempre de olho. Minha irmã foi atacada na faculdade,

quase foi sequestrada e morta, se não fosse o atual marido dela,


namorado na época, chegar e matar o sequestrador... ― Suspirei.
― E sua irmã? Esse homem não a machucou?

― Não, ainda bem, mas me sinto culpado por tê-la deixado lá.
Eu deveria ter tido pulso mais firme e conseguido dizer não. ― Isso

me corroía.
― Não é sua culpa, Rafaelle, e sim desse desgraçado que ia
machucá-la. ― Rosnou com os punhos cerrados: ― É por isso que
quero aprender a atirar; assim, ninguém nunca mais tocará em mim.
Um frio desceu por minha espinha.
― Alguém a tocou? ― Meu peito se apertou, querendo

esmagar fosse quem fosse que a machucara. Recordava-me


apenas de ela dizer que um cara tinha apertado seu braço.
― Não a esse ponto, só deu um aperto em meu braço. Acho

que já lhe contei isso. Mas penso que ele teria feito pior se papai
não chegasse a tempo. É claro que eu teria lutado, mas ele era
forte, eu não venceria. Wilson sempre dava em cima de mim, mas a

sua forma de conquistar era difamando minha mãe e dizendo que


me faria um favor se eu o aceitasse. ― Bufou com asco. ― Na noite
do ataque, contei ao papai o que aturei durante anos de Wilson. Não

sei o que houve com esse verme, me esqueci de perguntar ao


Mariano. Seja como for, não dou a mínima se meu pai o tiver feito
pagar por manchar o nome da minha mãe.

Com certeza o infeliz não respirava mais. Eu ouvia falar muito


sobre a forma como Murilo agia. O homem era letal como uma

serpente venenosa.
Antes que eu comentasse algo, chegamos ao local que falei a
ela. Era um vasto pasto verdejante com um penhasco logo à frente.
― Uau! ― Embasbacou-se. ― Aqui é mágico, tão lindo! Dá
vontade de morar em algum lugar assim.
Mália correu na direção do penhasco e se virou para mim com

um sorriso mais perfeito que o oceano à nossa frente.


― Não é lindo?

― Perfeito. ― Assim como você, pensei. ― Por que não


treinamos um pouco de tiro ao alvo?
Era melhor distrair minha cabeça a pensar em coisas que não

podiam acontecer.
― Claro. ― Checou ao redor. ― Mas não tem nada aqui que
sirva de alvo.

― Têm eles. ― Indiquei os pássaros no céu, mas estava só


provocando-a.
Ela arregalou os olhos.

― Não vou matar os bichinhos! ― Soou indignada. ― Nem


você vai!
Sorri e joguei a bolsa que carregava no chão.

― Suas latinhas estão aí. ― Apontei. ― Acho melhor usá-las,


não é?

Seu sorriso de resposta me fez respirar fundo.


― Claro. ― Ela pegou a bolsa e foi arrumar as latas em uma
fileira.

Alguém assim, tão perfeita e inocente, merecia a vida que o


irmão lhe daria. Eu não podia trazê-la para o meu mundo. Não
existia nada de bom ali, para começo de conversa, tirando minha

família.
Não vou negar que eu amava o que fazia, era assim, fui

forjado para ser um assassino. Nunca almejei mais que isso, não
era digno de nada mais além de um dia ser morto com meu coração
sendo arrancado ou coisa pior. Uma vida assim era demais para

uma menina como Mália.


Peguei minha arma e a chamei para se posicionar no local.
― Faça sozinha para ver se aprendeu. ― Ela fez o que pedi,

mas seu braço estava na posição errada. Coloquei minha boca em


seu ouvido e a vi estremecer. Seu cheiro de madressilva invadiu
minhas narinas, inebriando-me. Levantei mais um pouco sua mão,

firmando a arma. ― Assim.


― Rafaelle... ― Sua voz era suave. Ela chegou mais perto de
mim, apoiando suas costas em meu peito como se buscasse apoio.

Sorri por deixá-la assim, por meu toque fazê-la ficar sem
fôlego, mas me sentia da mesma forma. Coloquei minhas mãos em
sua cintura e a puxei para mim, fazendo-a arfar.

― Assim não consigo me controlar ― sussurrou.


― Quando for atirar em alguém, não estará concentrada;
provavelmente haverá muitas distrações. Seu foco deve permanecer

no alvo não importa o que esteja ao seu redor.


Foquei em permanecer sob controle e não deixar que sua pele
me provocasse sensações desconhecidas. Só mantive em mente

ajudá-la.
― Vai, atira. ― Eu a distraía fazendo círculos em sua barriga.

Sua respiração estava acelerada demais. Ela não conseguiria


se concentrar. Como eu queria ver seu sorriso, afastei-me, fazendo-
a respirar fundo.

― Estou longe. Agora faça.


Assentiu, seguindo minhas instruções. Das dez latas, acertou
cinco, e a cada uma era um grito de vitória.

― Acha que consigo atirar em um bandido? ― inquiriu ela.


Toquei sua cabeça. Não sei por que o fiz, mas sentia
necessidade de tocá-la, embalá-la e protegê-la da maldade do

mundo.
― Saber atirar é uma coisa, matar é outra. Não aprenda
pensando nisso, mas em se defender caso um dia precise. Vai dar
certo. Não deixarei que nada aconteça a você, ok? ― Essa era uma
promessa que eu podia fazer.
Mália virou a cabeça para mim, com aqueles olhos

encantadores e esperançosos.
― Obrigada por tudo, por fazer esse momento ser especial. ―
Abraçou-me, respirando fundo.

Como eu resistiria àquela garota? É claro que desejava seu


corpo, só um cego não o faria, mas não era só isso que eu
almejava. Sentia vontade de tê-la ao meu lado a todo momento,

adorava sua presença, seu riso solto e sua alegria a cada coisa
nova que fazia. Seu sorriso era capaz de derreter até mesmo o
invólucro de gelo que havia em volta do meu coração.

Precisava cortar isso antes que ela se apegasse a mim mais


do que eu via em seus olhos. Então por que me sentia como se

tivesse levado um soco no peito?


Capítulo 11

Mália

Aquelas duas semanas foram as mais perfeitas que já havia

tido na vida. Sentia-me flutuando, como se estivesse em um sonho

bom, temendo que ele logo acabasse.


Rafaelle era um homem calado, mas muito intenso. Ensinou-

me a atirar e até a surfar, algo em que não me dei bem, caía direto

ao tentar me manter sobre a prancha. Era um homem tão


maravilhoso, mas com um tormento que não o deixava dormir à

noite.
Acordei na primeira noite com seus gemidos de dor. Os sons

eram tão altos que eram capazes de ser ouvidos à distância. No

início, eu só escutava, depois fui chegando mais perto dele, mas


temia acordá-lo ao tentar consolá-lo, e ele se irritar por ter sua

privacidade invadida.

Muitas coisas se passavam em minha cabeça, inclusive o


desejo de saber o que houve de tão grave que não o deixava dormir

em paz. Eu não aguentava mais seus gemidos agonizantes. O pior

não era isso, mas o fato de ele dormir com uma faca na mão, como
se precisasse se proteger de alguém. Mesmo em seu

subconsciente, o seu monstro o perseguia.


Não conseguia vê-lo assim, então me sentei ao lado da cama,

no chão, e toquei a mão que empunhava a faca em uma tentativa de

tirá-la dele; não queria que se machucasse. Consegui, mas então

ele segurou minha mão como se eu fosse o cabo da faca. Notei que

seus pesadelos diminuíam conforme os minutos se passavam.

Depois disso, passei a fazer o mesmo todas as noites. Assim


que seu sono se tornava agitado, eu ia até ele e dormia ali, ao seu

lado. Antes que amanhecesse, voltava para o meu quarto. Mesmo


eu ficando um caco ao dormir sentada no chão, valia a pena para
que ele tivesse ao menos umas poucas horas de sono tranquilo.

Ficava lá todas as noites, acordada até mais tarde vendo seu belo

rosto, tão sereno, mas perturbado com alguma coisa que aconteceu

em seu passado.

O que lhe teria acontecido? Devia ter sido algo grave. Isso me

comovia e me fazia desejar que ele fosse feliz e dormisse em paz.


Um dia na primeira semana, não consegui acordar e sair do

quarto dele a tempo, então, quando senti que Rafaelle estava

acordando, fiz a primeira coisa que me veio à mente: peguei sua

arma e saí do cômodo. Sabia que tinha me visto. Tive que inventar

uma desculpa para minha presença no quarto. Ainda bem que ele

acreditou em tudo, até sobre a razão de sua faca estar no chão.

Minha vontade era jogar a maldita coisa longe.


Naquele momento estava sentada na cadeira de praia perto da

piscina enquanto falava ao telefone com meu irmão e via Rafaelle

surfar. Ele o fazia muito bem, como se fosse natural e fizesse isso

desde sempre. Eu tinha tentado algumas vezes, mas, de tanto cair,

resolvi apenas vê-lo surfar. Era uma visão dos deuses.

― Mália, tem algo acontecendo aí? Você está bem? Parece


distante ― disse Mariano. Quase todos os dias eu conversava com
meu irmão.

― Quando vou falar com meu pai? ― indaguei, não querendo


falar sobre os meus sentimentos.

Vivia confusa com o turbilhão de sensações que sentia pelo


Rafaelle. A forma como ele sorria fazia meu coração balançar.
Sentia que tudo que ele fazia por mim não era só pela sua missão

de me proteger. Meu irmão surtaria se soubesse que eu sonhava


em beijar o meu segurança.

Ele ficou em silêncio um momento.


― Em breve, mas não agora. Nosso pai está em um lugar que

não tem sinal. Me deixa terminar o que preciso fazer, então você o
verá e falará com ele ― assegurou.
Senti-me mais aliviada com suas palavras.

― Tudo bem. Assim que o vir, diga que o amo demais e que
estou louca para abraçá-lo. ― Estava mesmo contando os minutos

para isso acontecer.


Rafaelle saiu da água e veio carregando a prancha na direção

em que eu estava. A piscina tinha vista para o oceano. Senti minha


boca se abrir diante de sua perfeição. Usava apenas short,
permitindo-me uma bela visão do seu torso sarado.
Era um sacrifício resistir àquele homem. Às vezes eu tinha

vontade de dizer o que queria dele, mas temia uma rejeição, embora
notasse como ele me olhava frequentemente.

A voz do meu irmão me trouxe ao presente.


― Fica bem, maninha. Logo nos veremos de novo ―

prometeu. ― Agora preciso ir.


― Amo você. Estou ansiosa para nós três nos reunirmos ―
declarei.

Rafaelle enfiou a prancha na areia e subiu os degraus até


onde eu estava sentada, indicando o telefone.

― Deixe-me falar com seu irmão ― pediu. Como só Mariano


tinha aquele número, Rafaelle devia ter deduzido que era com ele
que eu falava.

Água escorria por seu tórax malhado, por seu abdome


marcado por seis gominhos perfeitos e continuava a descer. Fiquei

de boca aberta. Como seria lambê-lo ali?


― Mália... ― Rafaelle estreitou os olhos, como se soubesse no

que eu estava pensando. Devia ter ficado claro por minha expressão
de cobiça, mas que mulher não o desejaria? Aquele deus grego me
tentando todo santo dia era demais.

― Mália, algo errado? ― questionou meu irmão.


Pisquei, encarando o oceano e tentando recuperar meus
batimentos cardíacos, que pareciam um pouco mais velozes que o
normal, tornando minhas bochechas rosadas.

― Não, estou bem. ― Tentei recuperar minha voz, então


pigarreei. ― Rafaelle quer falar com você. Me liga sempre ― pedi a

ele.
― Sim, farei, querida. Agora me deixa falar com Rafaelle sobre
algumas coisas. ― Tinha algo suspeito em sua voz, mas eu não

tinha ideia do que era.


Rafaelle pegou o telefone enquanto eu me colocava de pé,

mas meus movimentos falharam devido à sua presença, e eu ia


caindo, mas ele segurou minha cintura. Foi como se meus ossos

virassem gelatina.
Minha respiração acelerou. Levantei meus olhos para os dele e
coloquei minha mão em seu peito nu para me apoiar, mas acho que

foi a coisa errada a se fazer. Meu coração bateu forte demais, mais
do que ao presenciá-lo surfando. Sua boca próxima à minha me

dava vontade de me aproximar e saborear o seu gosto.


― Se passaram duas semanas, e nada de alguém vir nos
pegar ― rosnou.

Tentei sair do seu colo, mas ele não permitiu.


― Rafaelle ― sussurrei para meu irmão não ouvir.
Mariano disse algo que não escutei.
― Uma semana. Ou você resolve o que tem para fazer, ou

faço do meu jeito, saio daqui por mim mesmo, usando meus
contatos. ― Sua voz soou dura.

Eu queria pedir para ele me soltar a fim de que eu tentasse


recuperar meu coração acelerado e meu corpo, que parecia em
chamas, mas não queria arriscar que Mariano ouvisse.

Encarei o oceano, tentando estabilizar a minha respiração,

ainda mais com os dedos de Rafaelle fazendo círculos em minhas


costas. Ele não sabia o que seu toque me causava.

Nossa relação durante aquelas semanas estava indo bem.

Tentei ao máximo não ligar para como meu coração disparava assim

que ele chegava perto de mim ou me olhava da forma como fazia


agora. Ele sempre arrumava um jeito de me tocar, ora na mão, ora

nos braços, na cabeça e até nas minhas bochechas. Cada toque era

semelhante a uma explosão. Queria mergulhar naquela emoção,


mas tinha algo em seu olhar que me fazia ser precavida com aquele

sentimento desconhecido. Não tinha sentido nada assim por

ninguém na minha vida. Com Rafaelle tinha algo mais, e notei que,
no decorrer da convivência, estava aumentando. Cada conversa,
cada mergulho no oceano, cada almoço que fazíamos juntos trazia

um novo sentimento. Era como se eu estivesse apreciando umas


férias ao lado de alguém especial, mas ao mesmo tempo sentia que,

se me deixasse levar, as coisas poderiam ir por um caminho sem

volta. Eu só precisava ter certeza de que era isso que queria.


― O que você está fazendo comigo? ― ele perguntou assim

que encerrou a ligação.

Pisquei, meio inebriada.

― Pergunto o mesmo. ― Toquei sua barba cheia, tão linda.


Inspirou com os olhos fechados, como se estivesse pedindo

forças, depois me encarou, tocando meu rosto. Minha pele

esquentou a cada carícia.


― Tão perfeita e inocente.

Fiz uma careta.

― Não sou tão inocente assim ― falei sem fôlego e com o


coração acelerado.

Uma emoção surgiu em seus olhos.

― Nunca beijou alguém ― afirmou.

Estreitei meus olhos.


― Não parece uma pergunta ― retruquei, afastando-me um

pouco dele. ― Não sabe nada sobre mim. ― Blefei: ― É claro que
beijei alguns garotos.

Ele me puxou mais para perto de si e abaixou o rosto, os

lábios tão próximos dos meus. Engoli em seco, ansiando por sua
boca. Esse era um dos meus desejos, beijar aquele homem.

― Não, não o fez. Posso ver isso estampado em seu rosto. ―

Afastou-se um pouco. ― Você mente muito mal, além disso

conheço uma menina pura, e você grita isso de longe.


Respirei fundo, sentindo-me quente. Como se não pudesse

controlar meus sentidos, aproximei-me dele, querendo seus beijos.

Antes que eu processasse o que ele disse, Rafaelle se


afastou, deixando-me ali de boca aberta e sem fôlego.

― Não quer ir por esse caminho, Mália. Não sou a pessoa

certa para ser o seu primeiro. ― Encarou-me com pesar. ― Em

tudo, você merece mais.


― Talvez devesse parar de dizer isso e perguntar o que eu

quero ― rosnei, virando-me para dar um mergulho.

Ele puxou meu braço, e meu peito se chocou com o dele.


― Minha função é protegê-la, não ir mais fundo nisso.

Sacudi a cabeça e assenti.

― Entendi. Agora me deixa mergulhar. ― Não queria que

visse a decepção em meu rosto. Eu não estava pedindo só sexo,


embora aquele homem ressuscitasse todas as minhas células

adormecidas. Se fosse só isso, eu podia dar um jeito, mas meu


coração também o queria.

Podia sentir seus olhos esquadrinhando meu corpo. Aquele

homem era um dos mais controlados que já conheci, pois eu via que
ele me queria também.

― Se não me deseja, talvez devesse parar de me olhar dessa

forma ― grunhi, fazendo-o me encarar com os lindos olhos da cor

do céu.
Antes que ele dissesse algo, pulei na água, não querendo

ouvir nada. Nadaria para espairecer e ignorar o que estava sentindo.

Se eu tivesse apenas um botão de desligar, seria ótimo, mas isso


não era possível, então usaria a natação, que era minha atividade

preferida na escola.

Estava na quinta volta quando o vi saltando na piscina e parei

de nadar, encarando-o.
― O que você... ― Fui cortada por sua boca na minha,

devorando-me, possuindo-me.

Suas mãos envolveram minha cintura, e eu enrolei minhas


pernas à sua volta, sentindo-o pronto, tanto quanto eu.
Seus lábios tinham o gosto do céu. A forma como se apossava

de minha boca me fazia gemer e querer mais dele, mas, antes que

nos envolvêssemos mais, ele freou o beijo até o tornar casto.

Nós dois respirávamos de modo difícil.


― Tão doces os seus lábios... da forma que eu pensava ―

sussurrou.

― O que estamos fazendo? ― Minhas mãos estavam ao redor


do seu pescoço, assim como minhas pernas em seu entorno.

Aproximei-me mais e lhe dei um beijo casto. Ele retribuiu.

― Não faço ideia, mas é impossível resistir a você. ― Alisou

meu rosto.
― Não resista. Vamos viver isso, aproveitar...

― E se eu acabar magoando você no final? ― Escondeu a

face em meu pescoço, inspirando meu aroma.


Acariciei suas costas e cabelos.

― Isso vale para mim. Posso não estar viva no final de tudo

isso. Poderia estar agora trancada no quarto, temendo. ― Respirei

fundo assim que afastou a cabeça e me olhou.


― Nada acontecerá a você. É minha função protegê-la ―

jurou.
― O que quero dizer é que, embora eu tema a morte, o pior é

perder as pessoas que amo. Meu pai, meu irmão... ― Se tudo


aquilo continuasse, Rafaelle entraria na lista.

Algo mudou na sua expressão, apagando aquele brilho quente

que estava em seu olhar fazia um segundo. Ele me colocou sentada

na beira da piscina.
― Rafaelle, o que...

― Isso não pode acontecer. ― Afastou-se com pesar nos

olhos.
Foi como um soco. Eu estava tão animada e contente por ter

sido beijada por ele, e agora o via afastar-se. Fiquei chocada a

princípio, magoada logo após, mas depois com raiva. Quem ele
achava que eu era?

― Então me beija e parece ter gostado, mas logo depois se

afasta assim. ― Levantei-me e vesti uma camiseta, cobrindo-me,

pois me sentia nua, e não de roupas, mas por dentro.


― Gostei, mas não posso...

― Quer saber? Esquece que isso aconteceu. Vou fazer o

mesmo. ― Não deixaria que ele exercesse poder sobre mim. Era
mais forte que isso. Foi só um beijo. Eu iria esquecer que

aconteceu. Agora mais do que nunca eu queria sair daquele lugar.


― Esquecer? Não quero isso...
Ri com amargura.

― Problema seu. Eu vou fazer isso. ― Tentei entrar na casa,

mas ele me pegou pela cintura e me deitou na espreguiçadeira.


― O que está fazendo? ― Segurou minhas mãos. ― Saia de

cima de mim.

― Não, não vou deixá-la, pois quero que saiba que beijá-la foi
a coisa mais perfeita que já fiz. ― Abaixou o rosto até o meu sem

deixar de fitar meus olhos. ― Embora deixá-la ir seja a coisa certa,

não posso permitir que pense que o que aconteceu não significou

nada. Porque significou mais do que eu queria.


― Se arrepende? ― sussurrei.

― De beijá-la? Nunca. Só lamento a situação em si. ― Deitou-

se ao meu lado na espreguiçadeira e me aninhou em seus braços.


Por sorte, o móvel era largo. ― Vou fazer o impossível para não a

machucar.
― Confio em você. Agora só vamos viver isso, seja lá o que
for, e pare de querer me afastar. ― Toquei sua barba, aproximando-

me devagar, sem tirar meus olhos dos dele.


Beijou minha testa.
― Não a afastarei e lamento por tentar fazer isso ainda há
pouco. Juro que não vou magoá-la mais. ― Então me beijou como
se fosse para selar o juramento.

Eu não sabia o que aconteceria no meu destino, mas esperava


que logo tudo se ajeitasse e que mais ninguém se machucasse no
processo.

Ali, nos braços de Rafaelle, eu sentia muito conforto. A forma


como me segurava e me olhava me fazia sentir-me protegida e
segura. Confiava nele, no meu protetor.
Capítulo 12

Mália

Admirava o oceano naquela noite escura. A única luz advinha

da fogueira que Rafaelle tinha acendido no local. Já estávamos

havia três semanas na ilha, e, na companhia dele, eu sentia como


se estivesse em um sonho lindo.

Estávamos sentados em uma manta estendida na areia da

praia, eu encostada em seu peito enquanto ele me abraçava por


trás.

Tinha uma semana que estávamos juntos. Nós nos beijávamos


e acariciávamos, mas não tinha rolado algo mais. Aquele homem

controlado freava nossos avanços assim que o clima esquentava.

Eu queria dizer-lhe que estava pronta, mas foi bom termos aquela
semana para nos conhecermos melhor.

Aprendi muitas coisas que ele me ensinou, mas não era isso

que me deixaria com saudade, mas a sua presença em si, as noites


em frente à fogueira, nossos passeios pela ilha, os jantares que ele

me fazia, até o café da manhã que me levava na cama após

estarmos juntos.
Rafaelle seria um namorado perfeito, mas ainda teríamos

aquilo tudo lá fora? Eu queria perguntar-lhe, mas temia a resposta,


então apenas aproveitava ao máximo.

― Não achei que seriam tão perfeitos os dias aqui, neste lugar

― comentei, olhando para ele. Mas só são perfeitos porque você

está aqui comigo, pensei.

Ele me beijou a princípio lentamente, mas depois foi tomando

mais ritmo, parecendo faminto. Vínhamos nos beijando todos


aqueles dias. Era maravilhoso, mas eu sentia que estava pronta
para o próximo passo. Podia ser cedo, mas eu acreditava que
apreciaria cada segundo.

Virei-me e me escanchei em seu colo, retribuindo o beijo à

altura.

― Acho que precisamos parar...

― Estou pronta, Rafaelle ― comentei, fitando-o e tocando seu

rosto.
Sacudiu a cabeça.

― Hoje não ― respondeu, beijando a ponta do meu nariz.

― Rafaelle... ― Coloquei meus lábios sobre os dele e desfrutei

daquela delícia. ― Quero você.

Ele me deitou de costas no pano e pairou sobre mim.

― Você é linda demais ― declarou e me beijou.

Ele era perfeito, não só sua beleza, mas tudo que fazia, a
forma que me tratava, como se eu fosse especial, a ternura... Meu

coração balançava.

Sua boca saiu dos meus lábios e veio para o meu pescoço,

deixando-me sem fôlego por um segundo.

Abri minhas pernas, fazendo com que ele se encaixasse entre

elas. Gemi, fechando os olhos ante o turbilhão de sensações


maravilhosas e prazerosas que me acometeu. Seus dedos
esquadrinhavam minha pele, descendo por minha lateral e seguindo

para meu quadril e minha coxa e seguindo até entre minhas pernas,
onde pulsava.

― Já se tocou antes? ― Sua voz me provocou arrepios de


prazer.
Não achava que conseguisse falar, então só sacudi a cabeça

assentindo.
― Com os dedos ou algo mais? ― sondou, beijando meu

pescoço e me deixando ofegante.


Corei. Não achava que conseguisse responder, mas ele

insistiu:
― Preciso ouvir. ― Sua voz, assim como seu toque, fez minha
respiração acelerar ainda mais.

― Os dedos. Eu não tinha como comprar alguma coisa, as


encomendas são checadas antes de chegar à minha casa. ― Abri

os olhos, encarando-o com sinceridade. ― E não tinha como eu ir a


um sexy shop. Acho que meu irmão e meu pai surtariam.

Ele riu e abaixou os lábios sobre meus seios por cima do


vestido, ainda me observando.
― Não vamos transar hoje, mas vou fazer algo mais com essa

perfeição de corpo. ― Pegou as alças do vestido e as puxou para


baixo, expondo meus peitos. Tremi. ― Com frio?

Sacudi a cabeça negando. Tinha uma brisa gostosa vinda do


oceano, não era fria, mas, mesmo se fosse, não foi por isso que

tremi, mas pela força do seu olhar e do seu toque, que fazia meu
corpo inteiro se incendiar como um canavial.

― Não, me sinto quente ― falei, tocando seus cabelos. ―


Aceito tudo que quiser me dar.
Rafaelle depositou os lábios no bico de um dos meus peitos,

depois no outro, o que me fez fechar os olhos.


― Isso, desfrute desse prazer que quero lhe dar. ― Então ele

abocanhou meu seio e traçou sua língua por ele. Quase desfaleci ali
de tanto prazer.
Uma de suas mãos afastou a calcinha e triscou meu nervo

latejante. A sensação era tão boa ao ser tocada em dois lugares ao


mesmo tempo por aquele homem que gritei.

Ele rodeou meu clitóris e o puxou de leve, levando-me à borda.


Algumas vezes eu tentava imaginar como seria sentir isso. Lia nos

livros a forma que homens como Rafaelle nos deixavam e até


assistia a filmes eróticos de vez em quando, mas nada era
comparado ao que eu estava sentindo, nem mesmo quando eu me
masturbava. Talvez fosse por ser ele ali, a confiança que me fazia
sentir e o seu carinho especialmente.
Mordiscou meus seios enquanto eu gritava, arqueando meu

corpo, querendo mais dele.


― Rafaelle! ― clamei em louvor pela sensação maravilhosa.

― Goza em meus dedos, linda. ― Beijou-me ao acelerar mais


os movimentos de sua mão, então explodi em êxtase. Sentia-me
nas nuvens enquanto tremia em meu orgasmo.

Ele não me deixou recuperar, abaixou o short, e pude vê-lo nu


em toda a sua glória exuberante. Era grosso e grande.

― Bonito ― consegui dizer.


Rafaelle riu e se encaixou entre minhas coxas.

― Meu pau agradece ― brincou, posicionando-se, mas não


entrou. ― Vou só esfregá-lo em sua linda boceta.
― Esfregar? ― Não entendia o motivo de ele não prosseguir.

― Eu disse que estou pronta.


― Não. Quando eu fizer isso, não quero nenhum segredo

entre nós.
Eu estava prestes a sondar o que ele estava falando, quando
Rafaelle começou a roçar em mim.
Eu tinha gozado fazia alguns segundo com seus dedos, foi
mágico, mas nada que se comparasse àquilo. Era esplêndido senti-
lo daquela forma. Minhas mãos foram para suas costas, e o apertei,

querendo colocá-lo dentro de mim, tamanho prazer.


Capturei seus lábios com um gemido, desfrutando daquele

momento perfeito. Foi quando gozei forte, como um vulcão


explodindo. Ele veio logo depois de mim, com um grunhido. Notei a
forma tensa como ele gozava, sem nunca tirar os olhos dos meus.

Devolvi o olhar e o êxtase, sentindo-me nua por dentro, meu

coração especialmente.
Dei um beijo leve nele e sorri.

― Nossa, isso é muito bom. ― Sentia minhas coxas úmidas

em razão do seu esperma.

Ele sorriu e beijou meu rosto.


― Não é nem o começo do que quero fazer com você. ―

Ficou de pé, tirando o short, que só havia abaixado, e me puxou

consigo. ― Agora que tal um mergulho?


Tirei meu vestido e o resto das roupas e o segui. Ainda bem

que estávamos em um lugar sem turistas.

Ele me pegou em seus braços e me carregou para o oceano,


onde nos limpamos e mergulhamos por alguns minutos.
― Rafaelle, que segredo tem que me revelar para dar o
próximo passo? ― Não foi por causa do sexo que perguntei isso,

mas porque queria que ele se abrisse comigo.

Estávamos deitados no tecido. Eu apoiava a cabeça em seu

peito, enquanto ele alisava minhas costas. Estava calado desde que
saímos da água. Notei-o tenso com a pergunta.

― Há muitas coisas, Mália, mas não posso contar algumas. ―

Fechou os olhos como se estivesse atormentado.


Eu queria saber os seus segredos, a causa da sua angústia,

mas não queria trazer mais escuridão para a sua vida.

― Pode me contar ao menos um dos seus segredos? Você

disse que tinha muitos, e acho que pode se abrir quanto aqueles
pelos quais estou curiosa ― pedi, na tentativa de que falasse algo.

― Se vamos aprofundar o que temos, é melhor nos abrirmos um

com o outro...
― Mália...

― Escuta, Rafaelle, sei que esconde muitas coisas. Algumas

lhe fazem mal, e contá-las pode aliviar seu fardo. Vamos fazer isso
aos poucos. Não vou obrigá-lo jamais a dizer algo que não esteja

pronto para contar, mas acho que não tem problema quanto aos que

instigaram minha curiosidade. ― Traçava meus dedos em seu peito


tatuado conforme esperava seu longo silêncio findar. Foquei no

ritmo acelerado do seu coração.

― O que quer saber? ― ele inquiriu apreensivo. Notei pela

tensão que senti em seu corpo.


Eu poderia explorar o que lhe fazia mal, a causa das suas

insônias, mas ele não estava preparado. Então preferi focar em algo

menos problemático. Ele possuía várias tatuagens no tórax, mas a


da adaga com asas e uma rosa me chamou a atenção desde a

primeira vez que a vi. Sempre estive tentada a lhe perguntar o seu

significado, porém nunca surgiu uma oportunidade, eu não achava o

momento certo. Até aquele instante.


― O que essa tatuagem significa para você? Eu a achei linda

demais. Deve ter um significado.

Como seu corpo se retesou, temi que aquela pergunta não


fosse leve como achei a princípio, mas ele relaxou antes que eu me

preocupasse de verdade.

― As asas significam a minha mãe. ― Pelo tom de sua voz,

achei que não era só aquilo.


― Por que a adaga está cravando a rosa no meio? ― Fui

cuidadosa, porque me sentia andando sobre brasas ao conversar


com ele sobre qualquer assunto pessoal, por desconhecer o teor do

fardo que ele carregava.

Sua respiração ficou pesada demais, então resolvi não


continuar com aquele tema, embora eu quisesse saber muito o valor

que aquela tatuagem tinha para ele. Esperava que um dia ele me

dissesse.

― Tudo bem, não precisa responder se não estiver pronto.


Vamos à próxima pergunta. Respirei fundo. ― Por que odeia Paolo?

Na outra vez, não quis comentar sobre o assunto, mas estou

curiosa, tentando entender essa sua raiva por ele. ― Essa pergunta
parecia ser mais fácil que as outras.

Rafaelle inspirou fundo por um momento e pareceu relaxar um

pouco com a mudança de assunto.

― Há pouco tempo, descobrimos que Kélia, nossa mãe, nos


deixou cinco cartas para as abrirmos quando nos casarmos.

Alessandro e minhas irmãs abriram as delas, e na de Luna estava

escrito que ela ficou com outro homem e o amava.


Afastei-me um pouco para encará-lo.

― Ela traiu o seu pai?


O olhar dele estava distante.

― Não. Ele a deu a Paolo para pagar alguma dívida. Quando

eu colocar as mãos nele por tê-la violentado, vou esfolá-lo vivo. ― A

raiva estava em cada palavra.


― Não faz sentido Paolo ter abusado dela; nenhuma mulher

iria se apaixonar por um estuprador, aliás acredito que se enojaria...

― Sacudi a cabeça. ― Por que não conversa com ele antes de


tentar matá-lo? Talvez não tenha acontecido nada do que pensa.

― Luna pensa assim também. Vamos ver como isso vai se

desenrolar.

Meu irmão era aliado de Paolo. Ele jamais se juntaria a alguém


assim. Além disso, tinha Valentino.

― Conhece Valentino há muito tempo?

― Sim, por quê? ― Avaliou-me.


Desviei o olhar, não querendo falar sobre a perda que

Valentino e toda sua família sofreram. Por esse motivo eu acreditava

que Paolo não violaria uma mulher. Eu não achava certo falar sobre

aquilo sem a autorização de Valentino.


― Nada. ― Encarei o imenso oceano.

― Mália...

Virei-me para ele.


― Não é nada, mas tenho certeza de que nem Valentino nem

Paolo tocariam em ninguém dessa forma. ― Suspirei.


Ele estreitou os olhos.

― Você não sabe nada sobre eles. Se soubesse, iria querer

suas mortes. ― Estava com raiva e tentou se afastar, mas toquei

seu braço.
― Ei, não fique bravo. Não os conheço, mas algo horrível

aconteceu naquela família. Acredito que nenhum deles jamais

seriam cruéis com uma mulher dessa forma. ― Podia estar


enganada, mas duvidava; vi a dor nos olhos de Valentino quando o

chamei de violentador. Imaginava que com o pai não seria diferente.

Sua expressão não melhorou com minha resposta.


― Por que não para de ficar com raiva e aproveita esse

momento lindo? ― indaguei na tentativa de distraí-lo. ― Você tem

muita raiva reprimida aí dentro. ― Dei uma batidinha em seu peito.

― Ioga ajuda muito. Devia praticá-la. A terapia com sinos tibetanos


também é muito boa.

Ele me fuzilou, certamente não apreciando as sugestões. Por

isso resolvi mudar de assunto.


― Como é na Itália? Sempre quis conhecê-la, mas meu pai

dizia que, como era território de outras máfias, isso não podia
acontecer. A Sicília é um lugar ao qual sonho em ir, particularmente
para conhecer pessoalmente o vulcão Etna.

Olhou-me de forma dúbia.

― O que foi? ― questionei.


― Nada, só acho estranho uma pessoa querer conhecer um

vulcão. ― Sacudiu a cabeça.

Ri e coloquei o queixo em seu peito.


― A maioria das pessoas sonha com coisas que nunca fez ou

não pode. Há outros lugares que quero conhecer e outras coisas

que quero fazer. Uma vez saltei de paraquedas com Mariano. Eu o

deixei doido lhe pedindo isso.


― Acho que você tem um espírito aventureiro. Isso é bom. ―

Tocou meu rosto, sorrindo. Agora parecia verdadeiro. Seu sorriso

era lindo.
― Estou ansiosa para conhecer seu país. Só queria que minha

mãe estivesse comigo ― murmurei.


Algo mudou na expressão dele, mas foi breve.
― Como ela era? ― perguntou.

Sorri.
― Linda, bondosa e amorosa, forte e destemida. ― Tentei
colocar em palavras o que eu sentia por minha mãe, mas não
consegui. ― Fazíamos trilhas, patinávamos no gelo juntas. Foi ela
que me ensinou. Era seu sonho se tornar uma patinadora, mas isso
foi interrompido quando ela... se foi.

― Patinadora? Então você gosta de patinar? ― sondou.


― Sim, adoro correr no rinque de patinação, sinto liberdade. ―
Estava animada ao descrever a sensação. ― De qualquer forma,

tenho esse amor como a minha mãe tinha. Quero ser profissional
um dia. Ela não teve a chance.
― Assim que todos os problemas passarem, pode continuar.

― Estou contando com isso, agora que sei que minha família
está bem. Só desejo que o assassino de mamãe seja capturado.
Quero que pague caro por tê-la levado de mim.

― Seu irmão vai conseguir. Sem você para ser usada como
um alvo, ele vai pegar o maldito e fazê-lo pagar. ― Ele parecia
seguro disso.

― Obrigada. É horrível quando a gente quer algo, mas demora


a conseguir. Acho que foi meu tio...

― Tomaso?
― Não, o irmão da minha mãe, Ulisses. Ele é ambicioso e me
dá arrepios ― sussurrei.

― Isso explica a preocupação do seu irmão em protegê-la.


― Nunca senti tanta raiva de uma pessoa como tenho desse
assassino. Se tivesse certeza de que é ele, eu mesma o eliminaria.
― Inspirei fundo.

― Matar alguém não é fácil, ainda mais para uma menina


como você. Se precisar fazer isso, eu faço. Ser assassino é minha

segunda natureza ― ofereceu.


― Obrigada, vou pensar no assunto. ― Meu coração se
comoveu com sua oferta. Ele já tinha se ofertado antes, e recusei,

mas talvez fosse o melhor. ― O pior para mim foi que, além de
matá-la, ele fez parecer que ela estava na cama com outro homem,
mas foi uma armação. Minha mãe adorava meu pai, o venerava.

Pesquisei muito sobre o assunto. Foi perfeito demais, sabe? Mamãe


era esperta. Se estivesse mesmo fazendo o que todos pensam, ela
não deixaria provas nem se arriscaria tanto a ponto de se encontrar

com um policial nas nossas instalações. Não, ela estava com


alguém de dentro, buscando informações do assassino, suponho. ―
Fechei os olhos um momento. ― Eu o vi. Estava escuro, mas o vi...

Os tiros... O sangue...
Mãos suaves tocaram meu rosto.

― Ei, não pense nisso agora. Vem aqui. ― Abraçou-me. ―


Seja quem for que fez isso, pagará. Razor cuidará disso. Se não o
fizer, eu faço.
Inspirei seu cheiro, que me aqueceu por dentro, dissipando as

lembranças ruins.
― Minha mãe morreu quando eu era adolescente. Foi difícil
lidar ― sussurrou tão baixo que pensei ter ouvido. ― Kélia tinha o

sonho de ser bailarina. Sua mãe teve sorte de casar-se com quem
ela amava, mas a minha não. Ela foi prometida ao monstro do meu

pai.
Ficou em silêncio alguns minutos. Esperei. Com ele era assim,
às vezes eu poderia pensar que estava sozinha, se não fosse por

sua presença. Não o forçaria a falar.


― Vamos dizer que os sonhos dela acabaram, depois ela
adoeceu e morreu. ― Ele voltou o rosto para o outro lado.

Encarei-o com o coração doendo tanto por minha perda como


pela sua.
― Lamento por sua perda. ― Deitei minha cabeça em seu

peito, respirando fundo. ― Não sei o que faria se perdesse meu pai
agora, que só tenho a ele e meu irmão. Não quero nem pensar
nessa hipótese.

Rafaelle não disse mais nada.


Foi bom conversarmos um pouco sobre nós e seus segredos.

Ali, com o som do seu coração ecoando em meu ouvido, agradeci a


Deus por estar em seus braços. Esperava que, assim que
saíssemos daquele lugar, nossa relação continuasse.
Capítulo 13

Rafaelle

Já estávamos havia um mês naquela ilha. No começo, até

critiquei Razor por atrasar seu plano, mas o homem era

perfeccionista; se tudo não estivesse certo, ele não seguia. Eu era


como ele. Por isso tinha sido sequestrado; eu queria assim, mas

não por Razor, por Paolo, o que não aconteceu. Se não fosse por eu

estar desorientado e furioso, ele não teria me pegado.


Eu não fazia mais questão de ir embora tão cedo. Sabia que

minha família estava bem. Só queria viver aquele momento com


Mália. A cada coisa que fazíamos juntos, eu sentia uma rachadura

em meu coração de pedra. Tentei resistir a ela inúmeras vezes, mas

não podia mais, era mais forte do que eu. Não sabia quando tinha
sido feliz dessa forma; acreditava que nunca.

Preparei uma surpresa para ela naquele dia, pois fazia 21

anos. Como eu não podia levá-la para jantar fora, por estarmos
presos ali, organizei uma mesinha de jantar na piscina. Era uma

surpresa. Contei-lhe que teríamos uma festa na piscina e nada

mais.
Mália saiu do banheiro perguntando como estava sua

aparência. Notei sua ansiedade. Tudo que eu fazia, ela adorava. Eu


nunca tinha conhecido alguém assim. A maioria das pessoas têm

suas vidas programadas, sonhos, ambições, mas ela não, alegrava-

se até com coisas simples.

― Então? ― perguntou ansiosa, como se eu pudesse achá-la

feia.

Estava linda e gostosa com aquele vestido de crochê bege


com um biquíni por baixo, embora eu só tenha visto as alças, pois o

vestido tinha um forro interno que cobria os quadris e seios. Ainda


assim, deixava bastante pele exposta. Seu corpo era fabuloso, com
curvas deslumbrantes, as quais eu necessitava acariciar.

Por mais que eu a tocasse durante as últimas semanas, não

era suficiente, sempre queria mais dela, mas não daria esse passo,

não até ser totalmente sincero com ela. Eu já havia frisado isso ao

seu irmão: ou ele lhe contava sobre o seu pai ou eu o faria, e não

dava a mínima se quebraria minha palavra. Só não queria continuar


escondendo aquilo de Mália.

― Está tão ruim que não consegue me dizer? ― Seu rosto

lindo se amuou, e ela se voltou para um espelho, checando cada

ângulo de seu corpo.

― Você é linda, Mália. ― Fui até ela e passei os braços à sua

volta, tentando normalizar meu coração acelerado, minha ansiedade

por aquela noite ao seu lado.


Ela sorriu e me beijou. Não tínhamos conversado sobre o que

éramos um para o outro, mas para mim ela já era minha e ninguém

mais a tocaria.

― Vamos? Assisti ao filme A Lagoa Azul, que se passa em

uma ilha, e pensava que não havia muitas coisas para se fazer em

uma, mas agora vejo que têm, sim. ― Com os braços em volta do
meu pescoço, fitou meus olhos. ― Todo esse tempo aqui foi mágico,

adorei cada segundo. Não quero que acabe nunca.


― Não vai, juro a você. ― Não iria ficar longe dela, mas

precisava me abrir depois, pois não gostava de segredos, pois eles


destroem as pessoas, principalmente aquelas que são mais
importantes. Eu sabia disso por experiência própria.

Beijei-a por alguns minutos, mas, como não queria estragar a


surpresa, me afastei e a puxei para fora, na direção da piscina.

Assim que subimos os degraus, ela parou arfando.


― Oh, meu Deus! ― gritou extasiada.

A mesinha estava preparada como um banquete, iluminada.


― Eu soube que era seu aniversário e, como não temos nada
para fazer um bolo, preparei uma refeição para nós.

Ela piscou algumas vezes, pulando nos meus braços depois.


Adorei vê-la assim, tão feliz.

― Obrigada! É tão perfeito e romântico ― soltou ela e


arregalou os olhos, como se tivesse falado demais.

Examinei o local. Não tinha notado que ele estava romântico,


apenas queria fazê-la feliz. Nunca me envolvia com romantismo,
achei que não sabia, mas pelo visto com Mália era possível.
― Rafaelle. ― Ela parecia preocupada. ― Sei que não

falamos disso...
― Ei, estamos juntos aqui e vamos continuar lá fora, Mália.

Não tenha medo de que eu a magoe, não vou fazer isso. ― Iria
cumprir essa promessa.

― Então por que ficou calado, como se não tivesse certeza de


nós?
― Tenho, sim, só que nunca fui romântico. Achei que não

pudesse fazer algo assim, ser assim. ― Puxei a cadeira para ela e
me sentei à sua frente. ― Só queria fazer uma surpresa.

― É maravilhoso. Todos esses momentos que vivemos neste


lugar são românticos, Rafaelle, principalmente quando me toca. ―
Ela corou ao final da frase.

― Verdade, mas é maravilhoso assim porque é com você. ―


Sorri e indiquei o banquete. ― O que achou? Podemos comer e

depois dar um mergulho.


Ela assentiu, admirando o lugar, e eu a ela, seus cabelos

soltos nas costas. Mesmo sem maquiagem, Mália ainda me deixava


de queixo caído. As bochechas rosadas a deixavam ainda mais
perfeita.

Sorriu, e seu sorriso era como o Sol, iluminado.


― Rafaelle, vamos dançar primeiro? Os únicos homens com
quem dancei foram Mariano e papai.
― Dançar? ― Fiz uma careta ― Parece um século que não

danço. Acho que foi nos casamentos das minhas duas irmãs e
apenas com elas.

― Dançar é bom. Vamos. ― Ficou de pé e estendeu a mão


para mim.
Tinha uma música suave soando do alto-falante, bem

romântica, como ela dizia. Aproximei-me de Mália e passei o braço


em sua cintura, trazendo-a para perto de mim.

― Acredito que sim, ainda mais com você... ― Coloquei minha


boca em seu ouvido e a senti estremecer. ― Não sou bom

dançarino.
― Sou uma ótima professora. ― Sua voz era suave.
Esbocei um sorriso.

― Aposto que sim. ― Levei-a para debaixo do alpendre.


Coloquei minhas mãos em sua cintura e a puxei para mim, fazendo-

a a arfar.
Seus braços envolveram meu pescoço. Eu era mais alto que
ela uma cabeça. Mália elevou seus olhos para os meus. Juro que,
nesse momento, parecia que o lugar ao nosso redor tinha
desaparecido, que só restávamos nós dois no tempo e no espaço.
― Perfeita.

Ela corou e encostou sua cabeça em meu peito, respirando


fundo. Eu fazia um trajeto com os dedos em suas costas em um

ritmo lento. Adorava tocar sua pele macia. Beijei-a enquanto


dançávamos, tornando o momento mais especial para nós dois.
Assim que a música acabou, ela sorriu brilhante.

― Foi tão perfeito como eu sonhei que seria ― declarou,

parecendo em êxtase.
― Que bom. Fico contente com isso. ― Puxei-a para a mesa.

― Você disse que não sabia dançar. ― Fez uma careta. ―

Mas pelo visto sabe muito bem.

― É que fazia algum tempo.


Começamos a usufruir a refeição e apreciar um bom vinho

italiano.

― Tudo está perfeito. A comida estava uma delícia. Nem


precisa de bolo ― ela elogiou assim que terminou. ― Tudo que

importa é passar essa noite com você.

O telefone vibrou no meu bolso, mas eu não queria atender,


não agora. Fosse quem fosse, poderia esperar. Entretanto soou um
toque que não era de ligação. Informava que alguém estava

entrando na ilha. Eu tinha câmeras em cada canto dela, bem como


algumas armadilhas.

Como não queria assustar Mália, sorri.

― Tem pudim na geladeira. Pode pegar para nós? ― pedi,


olhando o celular. Como o sensor de câmeras indicava o lado da

floresta, a casa estava segura, mesmo assim eu precisava checar.

― Quem é? Meu irmão? ― sondou.

― O meu ― menti.
Ela assentiu e ficou de pé.

― Vou pegar a sobremesa.

Entrou na casa. Na mesma hora peguei minha arma, presa


debaixo da mesa, e segui na direção do intruso.

― Um passo a mais, e estouro seus miolos ― avisei assim

que o indivíduo saiu de uma moita.


A casa ficava à direita de onde eu estava, no rumo da entrada

da floresta. Eu podia ver Mália na cozinha através do vidro.

Ele elevou o queixo, encontrando meus olhos. Os seus eram

frios e distantes e não se desviaram um só momento dos meus.


― Razor me enviou.
― Como se eu fosse simplesmente acreditar, com tantos ratos

na sua organização. ― Disquei o número de Razor, um só para

momentos assim. Ele atendeu ao segundo toque.


― Algum problema? Estou falando com Mália agora, tive que

colocar a chamada com ela em espera.

Virei-me e a vi ao telefone.

― Apareceu um cara aqui. Diz que é um dos seus. ― Tirei a


foto do sujeito e a enviei a ele. ― Esse aqui.

Razor suspirou.

― É Rizzo. Ele é, sim, um dos meus. Agora só ouça o que tem


a dizer ― falou e suspirou. ― Me deixa falar com minha irmã agora,

é seu aniversário.

― Eu sei. Por que você mesmo não diz o que esse homem

quer? ― Eu suspeitava do motivo.


― Apenas precaução, caso alguém ouça as nossas ligações.

― Diga à sua irmã a verdade, ou eu direi ― avisei.

― Isso não é assunto seu! ― sibilou.


― Passou a ser agora. Revele, ou eu o faço. ― Desliguei e

encarei o homem.

― Razor vai arrancar seu fígado se tocar na joia preciosa dele.

Já o vi matando homens por sequer olharem na direção dela ―


disse Rizzo.

Conhecendo Razor, eu sabia que era verdade. Eu não agia de


modo diferente com minhas irmãs. O fato de Gael ter tocado em

Jade me atormentaria para sempre. Era mais um item para eu incluir

na minha lista de culpa, mesmo que eu só a sentisse com meus


familiares. Era um sentimento que eu não gostava muito, embora no

fundo fosse bom, era prova de que eu era humano, diferente do

meu pai. Gael e Marco estavam no inferno, no lugar cabível a todos

nós, mafiosos, um dia.


― Acha que dou a mínima? ― Eu não tinha medo disso.

― A vida é sua. É só um aviso. ― Deu de ombros.

― Vamos ao que interessa. Ele disse que alguém chegaria até


nós e nos tiraria da ilha. Já faz um mês que estamos aqui. Por que a

demora? ― Eu podia ligar para Alessandro e fazer do meu jeito,

mas Razor tinha razão. Avião chamava muita atenção, e quem

estava atrás de Mália para usá-la contra seu irmão podia muito bem
estar monitorando o espaço aéreo. Ninguém podia saber que Mália

e eu iríamos para a Austrália. Se Razor nos deixara ali, era porque

era seguro e necessário. Ele não arriscaria a segurança da irmã.


― Sim. Amanhã um navio de pesca vai aportar aqui perto.

Vocês vão pegá-lo ― informou, entregando-me um papel. ― Vai


estar ancorado à esquerda da ilha. Esse é seu passe, só no caso de

precisar. Aí está o nome dele. O capitão irá guiá-los. Terão mais

homens no local, todos gente fina, mas sempre têm alguns

engraçadinhos, então fique de olhos abertos. Vocês fingirão que são


um casal, isso os manterá longe.

Estreitei os olhos.

― Algo de errado aconteceu?


― Tudo saiu conforme os planos dele. ― Não diria mais do

que isso, percebi. ― Razor só é cuidadoso demais com ela, não

quer correr riscos.

Claro que era. Eu faria o mesmo para manter Jade e Luna


seguras.

― Certo. Vou pegar esse navio, mas, se algo der errado, vou

eliminar o erro. Se você estiver mentindo, vou caçá-lo e esquartejá-


lo. ― Fulminei-o.

Ele riu sem humor.

― Você se parece com Razor. Estou acostumado a isso, mas

nada acontecerá, embora, no oceano, é bom estar preparado para


tudo. Têm vários saqueadores na área. ― Suspirou. ― Sua cabine

estará equipada para que você possa lidar com um imprevisto

assim.
Chequei Mália, como sempre fazia direto. Minha garota ainda

conversava ao telefone com seu irmão.


― Acabamos aqui? ― Virei-me para o cara, que esboçou um

sorriso, assentindo. Não entendi nem dei a mínima para o que ele

estava pensando, só me virei e fui até Mália.

Observei o celular e vi Rizzo entrar em uma lancha e partir.


Entrei na cozinha e ouvi o final da conversa dela com Razor.

― Também amo você. ― Encerrou a ligação, mas sua

expressão estava cabisbaixa.


― Terei que matá-lo por deixá-la triste? ― Ele não lhe revelara

a verdade. Assim que chegássemos a Milão, eu abriria o jogo. Tinha

lhe dado seu prazo. Não podia continuar a esconder aquilo dela.
Mália piscou e estremeceu.

― Estou brincando, mas o que ele disse para deixá-la assim?

― Só perguntou se está acontecendo algo entre nós dois. ―

Ela abaixou a cabeça.


Eu não entendia por que parecia tão triste.

― O que respondeu a ele?

Razor não era bobo. Suspeitava que estava acontecendo algo,


provavelmente por minha insistência em contar a verdade a Mália.
― Não disse nada, não sabia se você queria que eu contasse
― sussurrou.

Só então percebi por que ela estava assim. Passei os braços à

sua volta.
― Mália, você é minha. Não pretendo esconder o que temos,

isso não é um segredo sujo. ― Toquei seu rosto, fazendo-a olhar

para mim. ― Só minha.


― Somos namorados então? ― perguntou e sorriu.

― Sim, sou tudo o que você quiser que eu seja. ― Eu ainda

não podia acreditar que tinha saído sozinho em uma missão e

retornaria com uma namorada e longe de realizar essa missão.


Porém tinha valido a pena conhecer Mália.

Peguei-a pela cintura e a coloquei sentada na mesa, beijando

seu pescoço.
― Rafaelle...

― Deite-se na mesa, linda.


Ela fez o que mandei, e puxei seu vestido para cima. Abaixei-
me rente aos seus olhos.

― Vou cobri-los. Vai ser prazeroso, verá.


Ela assentiu, então puxei mais o vestido, cobrindo seus belos
olhos confiantes. Porra, isso me fazia sentir como se meu coração
estivesse batendo de verdade pela primeira vez. Antes era só como
se ele pulsasse para manter meu corpo em funcionamento. Eu
sentia que ele estava morto, e Mália o estava ressuscitando.

Tirei seu biquíni, tanto a parte de cima como a de baixo. Notei


o pudim na mesa. Toquei suas pernas e as deixei abertas para mim.
Puxei uma cadeira e me sentei em frente ao seu monte de vênus.

― Hummm... ― Trisquei meu nariz naquela perfeição,


inspirando seu aroma.
Eu não era muito fã de sexo oral, apenas fazia quando era

novo, na puberdade. Depois de adulto, passei a não praticar mais,


pois achava que envolvia mais intimidade. Contudo, sentia vontade
com Mália.

Peguei um pincel na gaveta ao meu lado, passei-o na calda do


pudim e trisquei seu clitóris.
― Oh! ― Ela arqueou o corpo para cima.

― Não feche as pernas; pretendo saborear esse broto rosado.


― Passei o pincel nos lábios da sua boceta e em sua barriga e

coxas.
― Rafaelle, eu estou...
― Vou cuidar de você, linda. ― Passei a língua em sua coxa,

lambendo-a.
Adorava vê-la se remexer assim, clamar por mais. Era como
uma música adorável.
― Onde quer minha boca, Mália? Aqui? ― Trilhei a língua de

uma coxa à outra. ― Ou aqui?


― No meio... ― Ela estava ofegante e necessitada.

Sorri e fui até a base da sua barriga.


― Onde mesmo? ― Adorava ouvi-la implorar, embora não
precisasse, mas seus gemidos e gracejos me deixavam vidrado,

louco para realizar seus desejos.


― Rafaelle, não me provoque assim... É uma tortura... ―
choramingou.

Torturar é o que faço de melhor, pensei. Entretanto, iria ajudá-


la a aliviar o fogo ardente que a estava consumindo. Eu sentia o
mesmo. O meu pau estava duro que nem rocha, fazia muito tempo

que eu não ficava com ninguém. Após saber da minha mãe, apenas
foquei em descobrir onde Paolo estava e colocar minhas mãos nele.
Então apareceu Mália, arrebatando meu ser.

No entanto, não era o momento de voltar à ativa; queria fazer


isso quando não existissem mais mentiras entre nós, da minha

parte, pelo menos. Esperaria até sairmos dali para dar esse passo,
mas não conseguia resistir à vontade de tocá-la nem que fosse
daquela maneira.

Passei a língua naquele feixe de nervos e me deliciei tanto


com seu grito como com o sabor que, a partir dali, seria o meu
preferido: sua boceta e caramelo.

Peguei seus seios um em cada mão e os pressionei enquanto


a devorava, lambia e degustava daquele suco saboroso.

Mália gritou, e suas mãos vieram para minha cabeça como se


ela quisesse mais da minha boca.
― Rafaelle, estou...

Acelerei mais os movimentos de minha língua, sentindo-a se


desmanchar em minha boca. Era tão linda soltando aqueles sons
magníficos que eu não queria parar de ouvir nunca. Dei mais beijos

leves ali até que ela parasse de tremer em seu orgasmo. Depois me
elevei sobre ela, descobrindo seu rosto.
― Você é tão linda, ainda mais gozando. ― Possuí sua boca

enquanto esfregava meu pau na sua boceta saborosa.


― Rafaelle, eu quero você. ― Sua confiança quase me fez ir
em frente, mas me controlei. Não faria isso, não antes de ela saber

quem eu realmente era por dentro.


Calei-a com minha boca e continuei roçando-me nela. Não era

o suficiente, pois eu queria me enterrar nela e desfrutar daquela


perfeição. Sentia-me em êxtase sentindo aquele calor e ouvindo
seus gemidos.

― Goza de novo, minha linda... Estou louco para vê-la


desmoronar sentindo meu pau esfregar essa saborosa bocetinha. ―
Mordisquei sua orelha.

Ela explodiu, fechando os olhos e soltando um grito lindo,


então ficou mole debaixo de mim. Acelerei mais meus movimentos e

me afastei, gozando em sua barriga e seu monte de vênus.


― Uma verdadeira obra de arte. ― Sorri, vendo-a suja com
meu gozo.

Ela se apoiou nos cotovelos e checou.


― Não acredito que fizemos isso na cozinha, ainda por cima
na mesa. ― Viu o pudim ali ao lado. Tinha caído um pouco do meu

esperma na travessa. ― Estragou meu pudim.


― Faço outro para você. ― Puxei-a para meus braços,
beijando-a. ― Vamos tomar um banho.

Carreguei-a para o andar de cima rumo ao banheiro. Após o


banho, ela se sentou na cama e me olhou.
― Como vamos fazer sobre os segredos? Ou vai fazer aquilo
sempre?
Sorri.

― Esfregar meu pênis nessa sua...


― Entendi. ― Corou. ― Como vamos fazer?
Fiquei sério e me sentei ao seu lado, puxando-a para meus

braços.
― Quando chegarmos a Milão, abrirei o jogo. Não irei
esconder nada de você. ― E torceria para que me perdoasse no

final.
Além do segredo sobre a morte do seu pai, que seria
devastador para ela, eu ainda iria lhe falar sobre mim. Não era tanto

um segredo, eu só evitava lembrar-me do que mais me


atormentava.

― Milão? ― Ela mordeu o lábio inferior e sorriu.


Eu queria adiar a conversa que estava por vir justamente para
ela não sofrer, mas era inevitável.
Capítulo 14

Mália

― Vou sentir falta da ilha. Ficar um mês ali me fez acostumar-

me com o lugar ― falei ao Rafaelle.

― Eu levo você à minha algum dia desses, vou para lá quando


quero fugir do mundo ― disse-me, varrendo seus olhos ao redor.

Franzi a testa.
― O que foi? Está muito atento a tudo nesses dois dias no

mar, mal dorme. ― Nem tinha a ver com os seus pesadelos, ele só
ficava alerta a qualquer movimento no corredor do navio de pesca

no qual embarcamos. ― Algum problema?

Havia alguns homens ali pescando. Um deles ficava me


olhando direto. Eu não gostava disso, mas não disse nada ao

Rafaelle, pois podia não ser nada, embora acreditasse que ele

soubesse de algo, pois não me deixava sozinha um segundo.


― Meu problema é ele. ― Indicou o tal homem, não muito

longe de nós. ― É um infiltrado.

― De quem ele está atrás? De nós? ― sussurrei.


― Está vendo a tatuagem de estrela na nuca? É de uma

organização chamada Máfia da Fronteira, ou Oceanya. Seu objetivo


é saquear navios, não só roubando coisas valiosas, mas drogas.

Essa região em que estamos é em parte minha, em parte de Paolo.

Apenas uma ilha ao sul daqui divide nossa fronteira. Acredito que

ele não escondeu a estrela porque achou que só teriam civis aqui,

não alguém que conhece essa organização e está atrás dela há

muito tempo. Ou isso ou ele é louco a ponto de não ligar. ― Sua voz
era fria como o Alasca.

― Vocês são mafiosos, não são?


― Não tecnicamente, não assaltamos ou invadimos as casas
das pessoas. Cobramos dívidas daqueles que nos devem e

matamos quem não nos paga ou nos rouba, mas não cometemos

furtos ou matamos inocentes. ― Indicou-o discretamente. ― Eles

não têm regras. São mais uma gangue do que uma máfia, embora

eu soube que estão crescendo muito.

― Ele me dá medo ― comentei, estremecendo. ― Tem um


olhar que me arrepia toda.

Rafaelle passou o braço à minha volta.

― Nada irá acontecer a você ― jurou.

― Acredito em você. ― De qualquer forma, eu me defenderia.

Andava armada ali para caso precisasse.

― Algo está para acontecer. Vamos para o nosso quarto. ―

Ele me levou dali.


― O que...

― Aqui não. ― Seu olhar era como o de um falcão. Assim que

entramos, ele fechou a porta.

― Rafaelle, estou nervosa. O que vai acontecer? ― O medo

estava se apoderando de mim.

Ele foi até debaixo da cama e pegou uma mochila com armas,
assim como uma arma grande, colocando ambas nas costas.
― Rafaelle, quem é...

― Os mafiosos da Fronteira estão para atacar ― falou com


uma sombra em suas feições.

― Como sabe?
― Sou treinado para reconhecer um sinal de qualquer
organização, máfias, MCs, carteis. ― Pegou minha mão para

sairmos dali.
― O que ele fez que te alertou? ― Estava curiosa.

― Um espelho refletindo a luz do sol. Alguém recebeu um


recado. Não deve demorar a aparecer.

Uma batida na porta me fez pular. Rafaelle levantou a arma na


direção dela e me escondeu atrás de si. Também peguei a minha e
a apontei.

― Eu vim para dar cobertura ― disse alguém do outro lado. ―


Razor me contratou.

― Fica ali. ― Indicou-me para ficar o mais escondida possível


que o lugar permitia.

Rafaelle abriu a porta, mas nunca abaixou a arma.


― Tem um minuto para me convencer, ou estouro sua cabeça
― falou de modo frio e letal.

Um cara alto e barbudo, armado, entrou no quarto.


― Sou sua retaguarda para caso acontecesse algo e vocês

precisassem fugir às pressas ― comunicou, não parecendo temer a


arma à sua frente. ― Precisam fugir. Há uma pequena lancha ao

lado do navio, já está pronta para vocês dois.


― Acha que confio em você? ― Até eu fiquei arrepiada com a

voz mortal de Rafaelle, mas o cara não pareceu se incomodar.


― Razor me disse que diria algo assim, então aqui vai o que
ele me mandou dizer em resposta: na noite em que levou Mália,

você disse que, se ele fizesse de novo o que lhe fez, iria retalhá-lo
com sua própria arma.

Arregalei os olhos. Não sabia da promessa que Rafaelle fez,


mas não acreditava que ele machucaria meu irmão, nem que
Mariano o feriria. Não gostava de pensar em nenhum deles ferido.

― Qual é o plano? ― sondou por fim, abaixando a arma.


― Vou distraí-lo. O navio da Máfia da Fronteira está chegando

para roubar esse aqui. Eles querem a mercadoria, mas acharam


algo mais valioso. ― Seu olhar foi direcionado a mim. Estremeci.

― Eu? Mas eles sabem quem sou?


― Não, eles querem... ― encarou Rafaelle ― você. O homem
da tatuagem de estrela é irmão de Sultão, o chefe da organização

nessa região. Acho que já deve saber que estão de olho em você.
― Eu sei. Faz um tempo que estamos atrás deles, porque
interferem em nossas entregas de metanfetaminas nessa rota que
vem da Austrália.

― Agora que o reconheceu, ele deve achar que teve uma


maldita sorte por encontrá-lo, poder sequestrá-lo e pedir o que

quiser ao seu irmão... ― Foi interrompido por tiros lá fora. ― Hora


de irem. Vou lhes dar cobertura, assim como mais alguns dos
nossos que estão aqui.

Os tiros me fizeram entrar em choque por um segundo, depois


senti um baque seguido por um estrondo como se uma bomba fosse

jogada no navio, que balançou de um lado a outro, fazendo-me


quase cair, se não fosse Rafaelle me segurar.

― Pega as coisas, precisamos sair agora! ― Seu tom era


urgente. Tinha deixado tudo arrumado antes para caso fôssemos
atacados. Pelo visto, não demorou muito.

Eu estava chocada, pois podia ter chegado a hora da nossa


morte.

― Vamos morrer... ― sussurrei conforme os tiros continuavam.


Mãos tocaram meu rosto.
― Nada vai acontecer com você, eu prometo. ― Tinha um

selo de promessa em suas palavras.


Encontrei seus olhos. A frieza tinha desaparecido, dando
espaço para a preocupação e algo mais feroz que não consegui
decifrar. Assenti e respirei fundo, pegando a mochila com algumas

de nossas roupas, então ele me puxou dali.


Topamos com homens correndo em nossa direção. Eram

tripulantes.
― Estamos sendo atacados! Se escondam e deixem que
levem a mercadoria! ― gritou alguém.

Rafaelle não se importou, só me guiou para o lado que não

estava sendo atacado.


Eu respirava com dificuldade, mas me forcei a manter o

controle para passarmos por aquilo. Não queria atrapalhar Rafaelle,

pois, além de ele me rebocar, ainda mirava a sua arma à frente,

pronto para atirar ao menor sinal de ameaça.


Outra explosão me fez cair no corredor, separando-me da mão

de Rafaelle. Ele segurou na parede para se equilibrar um segundo.

Virou-se para mim e apontou a arma na minha direção, mas um


pouco mais para cima, provavelmente para alguém atrás de mim.

― Não olhe para trás ― pediu antes de atirar.

Fiz o que mandou, mas fiquei surpresa quando nenhum


estrondo soou. Observei a ponta da arma e percebi que ela tinha um
silenciador.

Ele foi checar quem tinha matado, depois veio até mim e me
ajudou a ficar de pé para continuarmos a correr.

― Esse navio afundará em breve... Vamos para a lancha.

Antes de chegarmos lá, ele parou, e o imitei, logo notando a


razão. Tinha um homem alto barrando o caminho, parecia um

lutador e apontava a arma para nós. Fiquei petrificada, pensando

ser nosso fim.

Rafaelle me escondeu atrás de si.


― Feche os olhos e não me solte ― pediu baixo.

― Sim ― acatei seu pedido, então ouvi um rosnado vindo do

homem e um tiro. Senti o corpo de Rafaelle rígido e estremecendo.


― Porra! ― praguejou.

Arfei ao imaginar o que podia ter acontecido.

― Rafaelle! ― Arregalei os olhos ao ver sangue na região do


seu peito. Toquei sua cintura e notei que ele estava ficando tonto. ―

Ah, não, não desmaia!

O outro homem jazia morto no chão com um tiro na testa, seu

sangue esparramado ao seu redor.


― Precisa mais do que um tiro para me derrubar. Ele acertou

abaixo da clavícula. ― Rafaelle sorriu, talvez para me tranquilizar, e


pegou minha mão, então descemos por uma escada na lateral do

navio.

Estranhei nenhum dos tripulantes vir para aquele lado da


embarcação. Era para todos estarem fugindo como nós.

Entramos na pequena lancha.

― Por que nenhum dos marujos está aqui tentando fugir

usando nosso transporte?


― Eles têm os deles, estão acostumados a serem atacados, e

os homens do seu irmão pagaram a todos para distraírem os

saqueadores caso isso acontecesse e assim podermos fugir. ―


Ligou o motor, e saímos pela esquerda.

Virei-me e vi um navio grande se aproximando do lado direito

do navio pesqueiro. Notei a lancha parando.

Rafaelle pegou a arma que carregava nas costas e a


direcionou para esse navio.

― Não vai machucar os outros? ― sondei, preocupada com os

inocentes ali dentro.


― Não, já fugiram de lá ― respondeu e puxou o gatilho. O

navio explodiu, fazendo labaredas subirem para o céu naquele fim

de tarde.

― Mália, precisa assumir a direção ― ouvi sua voz fraca.


Pisquei, notando que estava pálido demais.

― O que faço com isso? ― Peguei o volante e o encarei


preocupada. ― Me deixa olhar a ferida.

― Não precisa, só cuide de nos levar naquela direção. ―

Apontou. ― Tem uma ilha não muito longe daqui. Eu cuido de tirar a
bala.

Acelerei o máximo que pude, seguindo as orientações dele,

até que não via mais sinal de nada ao redor.

Rafaelle tentava tirar a bala com uma pinça retirada de sua


mochila, mas não estava tendo êxito.

― Me deixa...

― Estou acostumado a isso, não sei quantas vezes já fiz. ―


Apesar de seu corpo estar tenso, não vi traço de dor em sua face.

Ele escondia bem, porque devia sentir um sofrimento atroz.

― Olhe para a frente, evite ver o sangue. Você não pode

passar mal caso eu desmaie ― falou ao finalmente puxar a bala de


dentro de si e começar a fazer uma sutura provisória no local.

Franzi a testa.

― Acha que eu enlouqueceria ao vê-lo? ― Encarei o


horizonte. ― Nem sempre isso acontece. O sangue em si não me
incomoda, ou os tiros. Não enlouqueci ao vê-lo atirando naqueles

homens.

O que me deixava em pânico e trazia memórias ruins era ver

alguém próximo morrer. Foi o que aconteceu com Túlio, pois pensei
que ele estava morto.

Rafaelle não respondeu, mas sua respiração estava pesada, o

que me preocupou.
― Merda, não posso desmaiar agora ― falou baixo,

praguejando.

Olhei para ele, que me encarava com preocupação, então

apagou. Parei a lancha e fui checá-lo, temendo o pior.


Meus olhos estavam molhados enquanto tentava estancar seu

sangue, ou ele morreria de hemorragia antes de eu ir ao encontro

de ajuda. Precisava ser forte e acreditar em Deus que tudo daria


certo. Meu coração doía por vê-lo daquela forma e me sentir

impotente.

― Rafaelle, aguente firme, que vou salvá-lo ― falei para ele

após limpar seu ferimento e cobri-lo para que seu sangue não
continuasse a esvair. Mesmo que ele não pudesse me ouvir, eu

queria que soubesse que não deixaria nada lhe acontecer.


O som de uma lancha me fez olhar em seu rumo, e arfei de

medo. Era o homem da estrela na nuca, o mesmo que queria


Rafaelle, mas eu não o deixaria pegá-lo. Rafaelle precisava de mim,

e por ele eu faria tudo, não importasse o que fosse.

Peguei a arma de Rafaelle e a apontei para o sujeito, que

parou a lancha não muito longe de mim.


― Não devia brincar com isso ― zombou ele. O maldito nem

sequer levantou a sua arma, confiando que eu não fosse atirar.

Talvez tivesse visto minhas mãos cheias de sangue tremerem.


― Por favor, vai embora. Não quero atirar, mas o farei. ― Eu

mal o via devido às lágrimas.

― Você não vai fazer isso. Agora me entregue o Morelli, ou


acabarei com você ― rosnou, depois sorriu de um modo que me

arrepiou os cabelos da nuca. ― Embora seja um desperdício. Acho

que vou levá-la comigo.

Eu tinha aprendido a atirar e sabia que precisava fazê-lo.


Rafaelle tinha razão, matar alguém não era para mim. Porém, para

salvá-lo, eu seria capaz de tudo, até condenar minha alma ao

inferno.
Foquei no que Rafaelle me ensinou sobre atirar, assim não

perderia meu alvo. Não sei se o bandido viu a decisão em minha


face, porque levantou sua arma, mas era tarde demais; eu já tinha
puxado o gatilho.

Ouvi seu rosnado e o som de um engasgo. Tinha fechado

meus olhos logo após atirar. Quando os abri, estava ofegante como
se tivesse participado de uma maratona.

Na outra lancha, jazia o homem, de joelhos com a mão na

garganta e sangue escorrendo para todos os lados. Seus olhos


arregalados me encaravam. Acreditei que isso me assustaria para

sempre.

Meu corpo ficou travado no lugar, lembranças horríveis

querendo entrar na minha mente, mas olhei para o lado, onde


Rafaelle corria risco de vida se eu não conseguisse um médico logo.

O homem ficou ali, cuspindo sangue até que parou de se

mexer, fazendo-me tremer ainda mais.


Eu não podia ficar ali, chocada e destruída por ter feito algo

cruel assim. Ele queria Rafaelle. Tranquei meu medo, minha dor e
culpa, fechei minhas emoções, assim conseguiria ir em busca de
salvar meu namorado, que precisava de mim. Depois lidaria com

aquilo e surtaria, mas por enquanto não podia me dar esse luxo.
Liguei a lancha e fui embora para a ilha que Rafaelle tinha me
indicado, sem olhar para trás, para onde tinha ficado um pedaço de
mim que nunca voltaria. Contudo, não era hora de sucumbir.
Naveguei por mais alguns minutos e avistei a ilha. Isso me
deixou aliviada. Só precisava encontrar alguém que o ajudasse.

Parei na praia, avistando alguns barcos de pesca. Guardei a pistola


na mochila dele e escondi a arma grande que explodiu o navio, cujo
nome eu não sabia. Chequei se havia algum vislumbre de armas,

mas estavam todas guardadas.


― Por favor, me ajude! ― gritei para um senhor em um dos
barcos pequenos de pesca.

Ele me olhou e observou a minha roupa ensanguentada. O


buraco de bala de Rafaelle vazava muito sangue, embora ele o
tivesse costurado. O homem andava preparado como se esperasse

por algo assim. Isso era triste. Uma pessoa devia estar preparada
para coisas boas, não ruins.
― O que foi, moça? ― sondou ele, prestativo e temeroso.

O sol estava se pondo no horizonte.


― Meu namorado foi machucado, agora está inconsciente.

Preciso de ajuda. Tem um hospital aqui?


― Ferido? Sou o médico da ilha, vim pescar no meu dia de
folga. ― Levantou-se e veio dar uma olhada em Rafaelle. ― O que

aconteceu? Foi tiro? Está suturado.


― Uns homens atacaram o navio em que estávamos, e,
quando fugimos, um dos caras atirou nele. ― Finalmente deixei o
peso de tudo cair sobre mim e comecei a chorar, soluçando. Meus

olhos estavam vermelhos.


― Esses saqueadores estão causando uma grande dor de

cabeça nesta região. ― Sacudiu a cabeça, parecendo com raiva


dessa situação.
― Ele tirou a bala e costurou o buraco enquanto eu o trazia

para cá. Estou com medo. Ele vai ficar bem? ― sussurrei.
O senhor o examinou.
― Acredito que sim, me deixa examiná-lo. ― Virou a cabeça

para seu barco e chamou um rapaz, que o ajudou a levar Rafaelle


até uma casa perto da praia. Tinham outras ao redor, mas não
reparei muito nelas.

Uma mulher abriu a porta. Fiquei meio apreensiva, pois não os


conhecia, mas, pelo sorriso simpático de todos, pareciam ser gente
fina. Eu esperava que sim.

A senhora indicou uma sala pequena, mas não prestei muita


atenção, preocupada que Rafaelle não suportasse a perda de

sangue.
O senhor, que se chamava Finn, examinou-o, dizendo que ele
ficaria bem, só precisava de sangue e descanso para se recuperar.

Conectou um cateter de soro em seu braço.


― Qual o tipo de sangue dele? Preciso conseguir algumas
bolsas no centro médico. Não tenho aqui.

Sacudi a cabeça.
― Não sei. ― O medo se apossou de mim ainda mais. ― Isso

vai prejudicá-lo? Ele vai...


― Jovem, seu namorado ficará bem, tenho todos os tipos de
sangue, basta eu descobrir qual o sangue dele. ― Tranquilizou-me

após recolher um pouco do sangue de Rafaelle e aplicar um


antisséptico na ferida.
Após ele sair, fiquei ali, sentada na beira da cama, tocando sua

mão.
― Tudo ficará bem, minha jovem ― disse a mulher. ― Me
chame de Matilda.

― Sou Mália, e esse é Rafaelle. ― Toquei seu rosto sereno


desacordado.
― Devia tomar um banho e tirar essa roupa ― sugeriu ela,

saindo do quarto.
Naquele momento, minha roupa era a última coisa em que eu

pensava, só queria que ele ficasse bom e esquecer aquele maldito


dia.
Guardei a mochila com as armas debaixo da cama, assim eu

não correria o risco de alguém vê-la, e deixei a mochila com as


roupas num canto do quarto. Não arredei o pé dali na esperança de
que ele acordasse.

A morte era algo que eu entendia. Sabia que todos passam por
ela, embora viesse mais cedo e mais rápido para algumas pessoas

do que para outras. Se não fosse por Rafaelle, naquela hora eu


poderia estar morta. Ele me escondeu com seu corpo. Isso tomava
conta de algo no meu peito.

― Cheguei, vim o mais rápido possível. Está vindo um


temporal. ― O senhor me trouxe de volta dos meus devaneios. ―
Vou aplicar o sangue.

Assenti.
― Rafaelle vai realmente ficar bom, né? ― Minha voz tremia.
― Sim, ele vai, moça. A bala não atingiu nenhum órgão vital.

― Sorriu de modo gentil. ― Matilda fez o jantar. Por que não toma
um banho, troca essa roupa manchada de sangue e vai comer?
Sacudi a cabeça.
― Não estou com fome, mas obrigada. Não sei o que seria
dele se eu não encontrasse vocês ― sussurrei. Estava mesmo
agradecida.

― Estamos aqui para o que precisar, mas para onde estão


indo e de onde vêm? ― sondou enquanto aplicava uma injeção no
soro de Rafaelle. ― Um antibiótico para o ferimento não infeccionar.

― Estamos indo para a Austrália. ― Não queria dizer muito


para o bem deles.
― É um pouco longe daqui. Tem um amigo meu que é piloto e

leva pessoas todo dia às 7h da manhã para vários lugares nessa


região em seu avião. Deixe o rapaz se recuperar para irem.
― Obrigada de novo.

Ele assentiu e saiu.


Fiquei aliviada por podermos pegar um avião. Chega de

barcos, pensei. Agora é rezar para Rafaelle sair dessa.


Sentei-me no chão em cima do carpete, pois a cama era de
solteiro e não me cabia ao seu lado. Não queria deixá-lo, então

fiquei ali, com minha mãe unida à sua, como fazia na ilha e no navio
para aquietar seus sonhos ruins.
― Fica bom logo ― pedi, trazendo a mão dele para mais perto

e a colocando com cuidado sobre o meu coração. Sentia-o pulando


forte no meu peito, temendo perdê-lo, mesmo que o doutor tivesse
dito que ele ficaria bem.

Rafaelle era um cara bom e gentil. Depois de um sequestro,


acabou tendo de cuidar de mim, e por isso foi perseguido e levou
um tiro. Sentia-me culpada por ele estar naquela situação, não

queria isso.
Meu irmão estava sumido, e eu estava ali, indo para um lugar
desconhecido a fim de ter um novo futuro, e aquele homem que

levara uma bala para me proteger estava ajudando para que isso
acontecesse.
Alisei sua testa e barba. Era tão sereno enquanto dormia, nem

parecia um assassino frio. Eu não me importava com o que ele


fazia, só que era um homem bom.
― Ei, se levante logo daí, tá? ― Limpei meus olhos molhados.

Meu coração cortava ao vê-lo naquela situação.


― Violetta... ― A princípio achei que estivesse ouvindo coisas.

― Não me deixe...
O sofrimento estava em sua voz ao chamar aquele nome
feminino e me fez sentir um outro tipo de dor. Quem seria ela?

Fosse quem fosse, ele parecia amá-la muito.


Ignorei os meus sentimentos; não podia lidar com eles agora,
só focaria que Rafaelle ficasse bom.

― Isso, fique bom e volte para quem ama, para sua família.
Eles precisam de você. ― Seu peito era coberto de tatuagens.

Mesmo através delas, vi e senti as inúmeras cicatrizes que havia ali,


uma maior que a outra.
Não era bom ter filhos dentro da máfia, por isso eu não

pensava em engravidar. O destino das crianças era terrível. Eu não


suportaria que um filho meu suportasse toda aquela carga e tortura.
Alisei cada uma das cicatrizes no seu peito. Teria sido o pai

dele quem as fizera? Ele era desumano. Lembrava-me de Rafaelle


dizer que seu pai tinha dado sua mãe a outra pessoa.
― Lamento pelo que você passou. ― Ergui-me um pouco e

beijei seu rosto. ― Durma sem sonhos ruins hoje.


Nas noites que passávamos juntos, seu sono agitado se
acalmava. Eu esperava que aquela noite fosse quieta, ou ele se

machucaria devido à ferida.


Sentia-me destruída por dentro, tanto por ter tirado uma vida

como por saber que Rafaelle talvez amasse outra pessoa. Sacudi a
cabeça, não querendo pensar nisso, só pressionei o rosto no
colchão e chorei.
Creio em Deus que irá sobreviver.
Capítulo 15

Rafaelle

Eu sentia uma dor aguda no peito, que parecia pesado. Então

recordei que o navio em que estava com Mália foi atacado pela

Máfia da Fronteira, como os malditos saqueadores eram conhecidos


naquela região. Tentei protegê-la de um dos homens que apareceu

na nossa frente, fui acertado por ele e, após cuidar da ferida,

desmaiei no meio do oceano, deixando Mália sozinha. Porra!


Abri os olhos, deparando-me com cabelos cor de mel que

conhecia muito bem, espalhados no meu braço. Mália não estava


deitada ao meu lado, e sim sentada no chão, dormindo com o rosto

apoiado no colchão.

Esse rosto povoava meus sonhos desde que a conheci. Até


tentei ficar longe dela no começo, mas percebi como isso a

magoava. Além disso, eu não conseguia me manter afastado

daquela menina.
Tentei tocar seu rosto sereno e lindo, mas ela segurava firme

meus dedos, como se não quisesse que eu sumisse.

― Não arredou do seu pé um segundo. É uma garota forte e


decidida. Você tem sorte que ela o ame ― disse uma voz feminina à

porta do quarto.
Chequei ao redor em busca de alguma arma, mas não vi

nenhuma; até as facas da minha liga na perna tinham sumido.

Olhei para cima, deparando-me com uma senhora de meia-

idade. Tentei me mexer para proteger Mália, mas ela piscou

sonolenta e despertou quando me viu acordado. Abraçou-me

suavemente, evitando o ferimento.


― Oh, meu Deus! Eu estava com tanto medo, pois você não

acordava! ― Ela chorou por um tempo, então inspirou fundo. ―


Fiquei louca de preocupação.
Não tirei os olhos da senhora, mas me tranquilizei um pouco;

não parecia uma ameaça.

― Vou avisar ao meu marido que você acordou. ― Saiu do

cômodo com um sorriso, mas não entendi por que estava alegre.

― Você está bem? ― perguntei preocupado a Mália. Minha

voz saiu estranha. Parecia que eu estava apagado havia dias.


Ela se afastou um momento, com os olhos úmidos e vermelhos

como se tivesse chorado muito – e não apenas naquela hora.

― Você leva um tiro e pergunta se eu estou bem? ― arrulhou,

depois suspirou. ― Ficou dois dias apagado. Achei que não iria

acordar...

Tentei erguer o braço e tocar seu rosto, não gostando de vê-la

assim, mas meu braço estava conectado a um cateter por onde eu


recebia soro.

― Não chore, estou bem. ― Meu ferimento doía, mas eu não

queria preocupá-la, pois vê-la sofrendo por mim me causava uma

dor maior.

― Estava preocupada. Foi por minha culpa que você se feriu.

― Sua voz falhou, e ela se sentou na beira da cama, ao meu lado.


Minha fúria por aqueles desgraçados que nos atacaram

aumentou. Não gostava que ela se sentisse culpada. Arranquei a


agulha do meu braço e tentei me sentar.

― O que está fazendo? Não deve se esforçar assim! ― Tocou


meu ombro, impedindo-me.
Peguei-a pela sua cabeça e trouxe seu rosto próximo ao meu,

beijando-a delicadamente. Não era sexual, só agradecia a Deus por


ela estar viva e bem e rezava para que não se sentisse mais

culpada, porque nada daquilo era sua culpa.


Nunca tinha me sentido com tanto pavor como no dia em que

fui atingido, sabendo que logo desmaiaria e a deixaria sozinha. A


impotência era uma merda. Só sentira algo semelhante a isso uma
vez, e ainda assim foi diferente. Com Mália, tive a sensação de que,

se a perdesse, perderia tudo. Não gostei de sentir isso. Faria


qualquer coisa para não me privar dela e iria protegê-la a qualquer

custo.
― Morri de medo ao vê-lo sangrando e desacordado... ― Ela

respirava de modo irregular, seus olhos fechados.


Eu conseguia imaginar o que tinha sentido ao ver uma cena
assim, o que se passou em sua cabeça.
― Não deve ter sido fácil para você. Deve ter-lhe trazido

lembranças ruins. ― Toquei seu rosto molhado.


― Sim, mas eu não podia deixar que acontecesse... Pedi para

ele ir embora... ― Lágrimas desciam por seu rosto de maneira


lastimável.

As suas feições mudaram, e notei, mesmo que ela tentasse


disfarçar.
― Ei, o que aconteceu depois que apaguei? ― Algo não

estava bem com Mália. De repente me senti aterrorizado. ― Alguém


a tocou? ― Por favor, Deus, não! Não sabia o que faria se, por

minha culpa, algo assim tivesse acontecido.


Sacudiu a cabeça negando. Isso me fez respirar normal de
novo, mas algo estava errado. O tormento era visível em seu rosto e

na sua voz.
― O que aconteceu?

― Você apagou, então o limpei e o ajudei a estancar o sangue


até eu conseguir ajuda, mas o homem da estrela na nuca apareceu

e queria levá-lo com ele... ― Virou-se para mim com os olhos


banhados em lágrimas. A sua dor cortou fundo meu peito. ― Eu não
podia deixar. Peguei a arma e mirei conforme você me ensinou. Ele

zombou de mim, confiando que eu não fosse atirar, mas ou eu o


fazia, ou ele o levava, então atirei. ― Fechou os olhos como se
quisesse expulsar os pensamentos ruins. ― Havia tanto sangue...
na boca dele, no pescoço, onde acho que a bala atingiu.

Puxei-a para os meus braços, não ligando para a fisgada em


meu peito devido à ferida.

― Lamento tanto, Mália. Por minha culpa, agora você sempre


carregará isso. ― Queria tirar sua dor, mas não podia fazê-lo.
― Me sinto culpada... Sei que era um assassino e queria

machucar você, mas me sinto...


― Não sinta culpa por algo assim. Aquele homem não iria só

me levar e me torturar, ele faria coisa pior com você. Vi a forma que
te olhava. Só não se aproximou porque sabia quem eu era e o que

aconteceria com ele. Seu nome era Saulo, era conhecido por
desmembrar as meninas com quem ficava, e até meninos. Para ele,
qualquer buraco servia.

Eu não queria revelar isso assim, mas queria tirar um pouco da


sua culpa. Mália era uma mulher muito boa, eu queria tê-la

protegido da maldade, assim como seu pai e irmão tinham feito.


Ela estremeceu.
― Ele fazia isso? ― Seus olhos estavam arregalados.
― Sim. Então, querida, você fez um favor a algum jovem por
aí, que poderia cair nas garras dele. ― Alisei sua cabeça e beijei
suas lágrimas. ― Corta meu coração negro ver essa dor em seus

olhos.
― Seu coração não é negro ― retrucou, colocando a mão

sobre meu peito. ― Você me protegeu. Quem tem um coração


negro apenas mata pessoas e as machuca. Você não é assim.
― Sou um assassino...

― De pessoas más ― cortou-me e passou a checar meu

ferimento.
Nem sempre foi assim, pensei. Teve uma época em que tirei

quatro vidas inocentes. Uma delas me atormenta até hoje, e

acredito que isso nunca passará.

― Agora chega de barcos. Tem um avião aqui, nesta ilha, que


sai todos os dias. ― Tocou meu rosto. Juro que onde tocava parecia

estar em chamas. ― Vamos embora amanhã. Logo cedo o avião vai

para Sydney, na Austrália. Depois de irmos para lá, podemos ir


aonde meu irmão disse.

― Mália...

― Vou ficar bem, Rafaelle. Um dia vou esquecer. Ajudou saber


das atrocidades que ele fazia. ― Seria difícil para ela, mas eu
estaria ao seu lado para ajudá-la. ― Sabe? Treinei para eliminar o

assassino da minha mãe, mas acho que você tem razão. Matar não
é minha natureza, como é para você e meu irmão.

― Prometo que, de agora em diante, você não precisará mais

fazer isso. Vou descobrir quem matou sua mãe e matá-lo, e você
nunca mais terá que puxar o gatilho na vida. ― Era uma promessa

que eu iria cumprir a qualquer custo.

Ela sorriu e beijou minha bochecha.

― Tudo ficará bem. Agora vamos nos concentrar em você


para ficar bom logo. ― Afastou-se e ficou de pé. ― Vou pegar algo

para você comer.

― Primeiro preciso me limpar, depois vemos isso. ― Fiquei de


pé.

― Quer que eu chame o médico? ― Ela parecia preocupada.

― Para me ajudar a tomar banho? ― provoquei-a, querendo


tirar um pouquinho da sombra em suas feições. ― Achei que você

pudesse me ajudar, afinal é minha namorada.

Com isso, ela riu um pouco.

― Claro, mas, de qualquer forma, não acho que o senhor Finn


iria querer vê-lo nu. ― Fez uma careta.
― Ele não sabe o que está perdendo ― brinquei em uma

tentativa de levar sua cabeça para outro rumo, assim não pensava

no que tinha feito.


Mália riu mais abertamente. Reprimi um sorriso por ter

conseguido ao menos fazê-la sorrir um pouco.

― Vamos, então. ― Veio até mim e passou o braço à minha

volta. ― Se escora em mim.


Eu não precisava disso, mas não diria nada; se ela queria me

ajudar, que assim fosse. Estava acostumado a ser baleado.

Aconteceu tantas vezes que eu mal conseguia contar.


Entramos no banheiro daquele lugar e me aproximei mais dela.

― Onde as armas estão? Não posso ficar desprotegido nem

deixar você assim também ― murmurei para que quem estivesse lá

fora não ouvisse.


― Estão na mochila, debaixo da cama. ― Ela começou a tirar

a faixa em torno do meu tórax. ― Assim aproveitamos para aplicar o

remédio. Vamos torcer para ser a última vez.


― Sim, nisso concordamos. ― Eu não tirava os olhos dela,

agradecendo a Deus por Mália estar bem e feliz por ela ter matado o

maldito. Era melhor isso a ele a tocar... Eu tremia só em pensar

nessa possibilidade.
Ela parou o que estava fazendo e me olhou.

― Machuquei você?
Sorri para tranquilizá-la.

― Não, ainda não estou com dor. ― Estava com um pouco,

mas ela não precisava saber.


Mália terminou de tirar a faixa e suspirou, parecendo triste por

me ver ferido.

― Vou ficar bem, linda. Já passei por algo pior e ainda estou

aqui. ― Era verdade.


Ela mordeu o lábio.

― Você quase morreu...

― Mas não aconteceu. Agora vamos parar de falar nisso. ―


Beijei seus lábios de leve e me afastei. ― Então vai dar banho em

mim ou o quê?

Assentiu e levou as mãos à minha calça, corando.

― Você já o viu. Por que está com medo? ― provoquei-a. ―


Até disse que ele era bonito.

Olhou-me e sorriu.

― Não seria normal ter medo dele, pois logo espero descobrir
seus segredos e chegar à segunda fase. ― Abaixou minhas calças

e a cueca.
Seu olhar no meu pau me deixou duro como uma rocha.

― Ele está...

Ri, mas logo me arrependi em razão da dor.

― Porra! ― Parecia que meu peito estava esmagado.


― Rafaelle, deixa o doutor olhar você.

― Estou bem, o tiro não acertou nenhum órgão.

Eventualmente, vou me curar ― garanti.


― Quando você diz que já foi ferido, foi só pela vida na máfia

ou de outra forma? ― Ela deixou minhas roupas de lado, jogando-

as no chão e pegou uma mangueirinha e uma esponja com sabão.

― Nunca ninguém, exceto minha mãe e irmãs, cuidou de


minhas feridas dessa forma. Você fez isso no dia em que nos

conhecemos e agora está fazendo também. ― Encarei o teto. ―

Vamos dizer que não tive uma boa criação. Fui obrigado a matar
logo cedo. Eu sabia que teria que fazê-lo, por ter nascido na máfia,

mas meu pai mandou que eu matasse um inocente.

― Um inocente? ― ela ofegou de ultraje. ― Oh, meu Deus,

Rafaelle!
― Foi uma época conturbada, admito. Não tinha nem uma

semana que eu tinha matado os amigos do meu irmão...


― Nossa! Ele o perdoou por isso? ― Fiquei aliviado ao não

sentir acusação em sua voz enquanto ela me lavava.


― Fui obrigado. Meu pai soube da amizade de Alessandro

com os dois garotos, então os prendeu para obrigar meu irmão a

matá-los. Recordo-me das expressões deles, do medo, mas

também havia esperança de que Alessandro os ajudasse. ― Sacudi


a cabeça.

― Coitados desses garotos... Seu pai era desumano! ― Havia

raiva em suas palavras.


― Na hora percebi que aquilo o destruiria, pois meu irmão

tinha se apegado a eles. Alessandro não podia desafiá-lo, pois

Marco usou nossas irmãs, como sempre fazia. ― Isso era o que eu
mais odiava, tanto que lamentava não o ter matado mais cedo.

― Céus, seu pai era um monstro! Não acredito que usava as

próprias filhas para obrigar vocês a fazerem o que queria! ― Ela

balançou a cabeça de forma dúbia.


― Isso não é nem o epítome do que ele fazia. Continuando,

Marco usou as duas e obrigou Alessandro a fazer aquilo, mas não

permiti, pois não queria aquilo na sua mente, o atormentando. ―


Inspirei fundo, tentando normalizar minha respiração.
― E quanto à sua? ― Mália fechou a cara. ― Como pôde
pensar em se sacrificar pelo bem dos outros e arriscar ser

atormentado para sempre?

― Você não faria o mesmo pelo seu irmão? ― Eu sabia que


sim, ela nem precisava responder.

― Sim. Você sofreu tanto, sofre até hoje... É por isso que não

consegue dormir? ― Suspirou após terminar de enfaixar o meu


ombro.

Meu corpo ficou tenso, pois sabia que logo teríamos que falar

sobre aquilo, mas eu não achei que teria energia para tal ato

naquele momento.
― Mália...

― Tudo bem ― disse enquanto passava a me secar. ―

Quando estiver pronto, estarei aqui. ― Suspirou, não encontrando


meus olhos. ― Me deixa pegar roupas limpas.

Peguei seu braço antes que saísse.


― Ei, eu vou revelar, só preciso de mais tempo ― pedi quase
suplicante.

― Não estou insistindo que conte antes da hora. ― Beijou


meu rosto, enquanto eu tentava ler sua expressão, mas ela mudou
para uma que não consegui identificar.
Teria acontecido algo mais a ela enquanto estive apagado?
Estava a ponto de perguntar, mas ela saiu do banheiro.
― Mália, tem algo te incomodando, posso ver. Me diz o que é

― pedi. Sabia que me ouviria do outro lado da porta.


Não demorou para ela entrar no cômodo com as minhas
roupas, mas não me olhou.

― Não é nada. ― Ela estava mentindo, eu percebia.


― Por que não me diz? Isso é sobre eu não lhe contar o meu...
Finalmente me encarou, enquanto eu tentava vestir a calça,

mas sem conseguir. Ela veio me ajudar com um suspiro duro e,


assim que abotoou a peça de roupa, respirou fundo.
― Eu disse que não é isso. ― Sua expressão mudou. ― Acho

que foi coisa demais, sabe?


Eu a entendia. Para uma pessoa como Mália, cometer um
assassinato era destruidor. Um dia eu também tinha sido assim,

mas não mais.


― É só isso? Não tem mais nada te incomodando? Se quiser

falar comigo, estou aqui para você.


Sorriu, embora o sentimento não chegasse aos olhos.
― Eu sei que está. ― Ajeitou minha camisa e a abotoou. ― O

doutor Finn chegou. Vá até ele para que o examine enquanto tomo
banho e troco de roupa.
Acreditava nela, não mentiria caso fosse algo sério. Se algum
problema tivesse acontecido, ela teria me contado. Ao menos eu

esperava que sim.


Eu precisava mesmo ver o médico, a dor estava começando a

me incomodar. Embora eu pudesse lidar com ela, não queria que


Mália se culpasse ainda mais por me ver dolorido.
Capítulo 16

Rafaelle

O lugar onde estávamos era pequeno. Eu podia ouvir o

barulho das ondas lá fora. Procurei minha mochila e a encontrei

debaixo da cama. As armas estavam todas ali. Coloquei minhas


facas na liga na panturrilha, mas esperaria ser examinado pelo

médico para guardar a arma no coldre de novo.


Chequei onde estávamos antes de ver o doutor. Não podia

estar despreparado caso fôssemos atacados de novo.


Precisávamos ir embora logo daqui. Se Sultão já tivesse

conhecimento da morte do irmão, ele iria nos caçar. E eu queria

estar bem longe dali com Mália.


Ouvi vozes na cozinha, mas não fiquei para saber de quem

eram, apenas saí e me deparei com o oceano à minha frente, bem

como casas à direita e à esquerda. Virei-me de costas para a praia,


vendo mais instalações. Parecia ser uma ilha grande, maior que a

outra em que ficamos. Essa tinha habitantes e turistas, mais um

motivo para sumirmos dali.


Ouvi passos atrás de mim e segurei o instinto de levar a mão à

faca.
― Um paraíso, não é? ― inquiriu a voz de um homem. ― Me

chamo Finn. Sou o médico que cuidou de você.

Virei-me para ele, que me dirigia um sorriso gentil.

― Rafaelle ― apresentei-me. ― Obrigado por ter cuidado dos

meus ferimentos.

― Você fez a maior parte do trabalho retirando a bala e


suturando a abertura. ― Franziu a testa, avaliando-me. ― Já tinha

feito isso antes? Estava bem costurada.


Dei de ombros e olhei ao redor, não querendo responder à
pergunta. Dei mais pontos do que podia contar, tanto em minhas

feridas quanto nas dos meus irmãos.

― Que ilha é esta?

― Ilha de Poseidon ― respondeu após um minuto de silêncio.

― Não é muito conhecida. Aqui todos são simples e seguem suas

tradições. ― Indicou uma montanha onde tinha uma enorme estátua


esculpida na face da pedra, mas estava longe, não consegui

discerni-la direito. ― O protetor da nossa ilha, o deus do mar.

Eu não acreditava nisso, mas aceitava suas crenças. A única

religião para homens como eu era o inferno aonde iríamos um dia.

Assenti.

― Mália disse que tem um avião que sai daqui toda manhã.

Conhece alguém que possa nos levar hoje, apenas nós dois? ―
Não podia arriscar a presença de outros passageiros. Além disso,

passei dois dias inconsciente, meus irmãos estavam sem

comunicação até o momento, a não ser que Razor soubesse do que

aconteceu e estivesse nos vigiando, mas ainda assim eu não

acreditava que fosse informá-los. Aquele cara era estranho e se

movia como uma sombra.


Franziu a testa.
― Sim, tem um amigo meu. Ele faz isso, mas cobra bem

caro...
― Dinheiro não é problema, só precisamos sair daqui logo ―

interrompi-o.
Ele me avaliava, mas assentiu.
― Vou falar com ele. ― Pegou um telefone e ligou, então foi

acordado que sairíamos dali às 10h da manhã.


― Obrigado ― agradeci e indiquei seu celular. ― Pode me

emprestar um minuto?
― Claro, mas não quer que eu o examine agora? ― Entregou-

me o aparelho.
― Depois, me deixa falar com quem preciso antes. ― Forcei
um sorriso e menti: ― Estou quase sem dor.

Assentiu, avaliando-me; eu não soube se acreditou, mas ele


não disse nada.

― Vou deixar você sozinho então. ― Entrou na casa.


Distanciei-me das construções, assim ninguém me ouviria.

Precisava falar com Alessandro sobre algo importante.


― Alô? ― Sua voz saiu um pouco mais alta após um minuto
de silêncio: ― Rafaelle, é você?

― Sim, sou eu...


― Onde você está?! Era para ter ligado! Está sem

comunicação há quase três dias! ― Sua voz soou preocupada. ―


Aconteceu alguma coisa? E de quem é esse número?

Eu teria que perguntar a Mália onde ela tinha enfiado nossos


telefones.

― Estou em uma ilha no meio do Pacífico Sul. Fomos


atacados pela Máfia da Fronteira, e no final levei um tiro. Acordei há
pouco tempo.

― Foi baleado?! ― Eu reconhecia a fúria em sua voz. ―


Esses malditos saqueadores! São os mesmos que vêm nos

trazendo problemas nessa rota da nossa mercadoria? Fui informado


há alguns dias pelo subchefe de Sydney que a organização está
passando dos limites. Teremos que interferir.

― Explodi um dos barcos deles, mas com certeza há mais na


região, pois devem estar atrás de mim. Por isso vou pegar um avião.

Não vou arriscar ir de navio, não com Mália correndo perigo ―


anunciei.

Eu a vi sair da casa e me avistar, sorrindo. Ela estava com um


biquíni branco na parte de cima que combinava com sua pele e
corpo fabuloso e veio em minha direção.
Sim, eu precisava garantir a sua segurança. Quanto mais
demorássemos ali, mais correríamos o risco de alguém a machucar.
Só em pensar nisso, meu estômago se retorcia.

― Rafaelle? ― ouvi meu irmão chamando.


― Repete? Não escutei. ― Precisava manter minha mente

aberta, mas, na presença de Mália, era difícil.


― Tem algo acontecendo entre você e essa mulher? ― Meu
irmão era sempre direto.

Antes que eu respondesse, ela chegou até mim.


― O doutor Finn disse que você não quis que o examinasse. O

que pensa que está fazendo? Precisa cuidar de sua ferida ― ralhou
ela.

― Deixe-me terminar de falar aqui, depois vou até ele. Estou


bem.
Ela parecia mais calma. Eu esperava que um dia superasse o

que fez. Eu não sabia o que fazer para ajudá-la a vencer seu
trauma.

― Meu irmão? ― Parecia esperançosa.


― Não, o meu, mas, assim que eu terminar de falar com ele,
podemos ligar para o seu, embora seria bom esperar que Razor

ligasse. ― Franzi a testa. ― E os nossos telefones?


― Ficaram na lancha. Na hora, só pensei em arrumar uma
forma de salvar você, não liguei para mais nada, exceto não deixar
as armas à vista para ninguém as descobrir. ― Colocou a mão em

meu peito. ― Está bem mesmo?


― Estou, sim, não se preocupe comigo. ― Puxei-a para mim a

fim de beijá-la, mas ela virou o rosto. Franzi a testa. ― O que foi?
― Nada. Vou dar um mergulho antes de irmos embora. O
senhor Finn disse que você fretou outro avião. ― Não encontrou

meus olhos.

― Sim. Mália...
― Vou aproveitar este lugar antes de irmos, então ―

comentou e saiu antes que eu dissesse algo.

Fiquei confuso, não entendendo sua reação. Vi-a indo na

direção do mar tirando o short. Estava tão perfeita naquele biquíni.


Linda demais! Todos os machos ali olhavam para ela de boca

aberta, o que me deixava irritado.

― Rafaelle!
Tinha me esquecido de que estava conversando com o meu

irmão.

― Não sei ao certo, mas não vou deixar ninguém tocar nela.
Mália é minha. ― Foquei na conversa com Alessandro.
Ele ficou em silêncio, mas eu não estava com disposição para

tentar decifrar sua falta de palavras, pois Mália estava se


preparando para entrar na água, mas dois turistas, a julgar por sua

aparência, pararam ao lado dela, perguntando-lhe algo. Mália girou

a cabeça para os dois lados como se estivesse procurando alguém


ou algo.

― Rafaelle! ― Meu irmão estava ainda mais frustrado com

minha falta de atenção.

Saí de onde estava e fui em sua direção. Ela se afastou um


pouco dos dois bastardos, que, a julgar pelas suas expressões

maliciosas, estavam gostando da vista, ainda mais quando ela deu

as costas para eles a fim de indicar algo. Mália, como sempre,


desconhecia o interesse dos filhos da puta ao checarem seu

traseiro.

― Não sabemos onde. Você poderia nos levar até lá? ― ouvi
um deles perguntar.

Estreitei meus olhos e cheguei perto dela, passando os braços

em torno de sua cintura nua. Ela estava prestes a gritar, pela tensão

em seu corpo, mas relaxou assim que viu que era eu. Seu sorriso
para mim era tão brilhante quanto as estrelas ou o Sol sobre nossas

cabeças.
Não a entendia. Em alguns momentos, ela parecia querer

correr para longe em vez de estar ao meu lado, mas, em outros,

como esse, mostrava-se feliz só por estar perto de mim.


― Por que não usam um maldito GPS? ― sibilei aos dois. Não

gostava de ser grosso, mas estava farto daquilo.

― Rafaelle, eles só queriam saber onde o restaurante fica... ―

ela disse suavemente, talvez em uma tentativa de me acalmar.


Sacudi a cabeça.

― Já viu restaurante abrir às 7h da manhã? ― Tentei soar

neutro, não querendo que ela percebesse a extensão da minha


raiva em relação àqueles idiotas.

Ela piscou, como se só então pensasse nisso. Minha garota

era muito boa, não negaria ajuda se alguém a abordasse.

― Não sabíamos que ela era comprometida ― um deles disse


após checar a minha expressão.

― Estamos indo ― informou o outro, e saíram dali o mais

rápido possível. Era bom, evitaria que eu os espancasse. Mesmo


ferido, ainda conseguiria derrubar os dois.

― Por que está com raiva? ― sondou ela confusa. ― Sua

expressão está tão...


― Não reparou que eles estavam checando seu traseiro

quando você indicou o que pediram? ― Respirei fundo para


controlar o que estava sentindo.

Ela meneou a cabeça de lado, avaliando-me, depois olhou

para os homens, que tinham ido na direção que ela havia apontado,
então tornou a me fitar com um sorriso, o que aliviou a minha fúria.

― Você está assim, parecendo querer matá-los, só porque

admiraram meu corpo? ― sondou, colocando a mão em meu peito.

― Está com ciúmes?


― Ciúmes... ― zombei da palavra.

Recordei-me da vez que meu irmão pensou que tinha

acontecido algo entre mim e Mia, sua esposa. Ele quase me


arrebentou na época, mas se controlou na hora, pois não

machucávamos um ao outro não importava o motivo.

Ciúmes... Não achei que eu fosse capaz de sentir tal coisa,

mas também não pensei que iria querer ficar com uma mulher mais
de uma vez, assim como acontecia com Mália. Ela me fazia querer

mais e mais.

― Ei... ― Encostou a cabeça no meu ombro, no lado são. ―


Não precisa ter ciúmes. Sou só sua enquanto ainda me quiser. ―

Sua voz tinha algo como uma pitada de dor.


― Então será por muito tempo. ― Tentei tocar seu rosto, mas

meu ombro doeu, pois ergui o braço do lado machucado.

― Não o movimente, ok? ― Beijou meus lábios de leve. ―

Sou só sua, Rafaelle.


Parecia que meu peito ia explodir de emoção.

― Termine de falar com seu irmão e pare de sentir tanta fúria.

― Ela riu. ― Vou levar você para fazer um relaxamento.


― Sei muito bem o que me deixaria calmo. ― Esquadrinhei

seu corpo com um brilho nos olhos.

Ela fez uma careta.

― Sem chance, você está ferido. Agora me deixe dar um


mergulho enquanto termina de atender seu irmão... ― Deu-me mais

um beijo suave e correu para o oceano, mergulhando nele.

― Maldição! ― Notei que não tinha encerrado a ligação com


Alessandro. Comprimi o telefone no ouvido. ― Ainda está aí?

Ele suspirou.

― O que está havendo realmente, Rafaelle? ― sondou. ―

Você a tocou?
― De certa forma, sim. ― Observei-a na água. ― Mas não

vamos falar disso. Escutou algo sobre Saulo estar morto?


― Rafaelle, o irmão dela vai querer matar você quando

souber...
― Não ligo para ele, dou conta de Razor. Não vou desistir de

Mália. Agora meu foco é não deixar que a morte de Saulo a

condene, que o irmão dele venha para cima dela.

Ele deu um suspiro duro.


― Você matou Saulo?! ― Sua voz se elevou um pouco, mas

em seguida ele a abaixou: ― Isso vai se voltar contra nós logo, você

vai ver.
― Não vai, ficarei em Sydney até abaixar a poeira. Se Sultão

descobrir quem fez isso, virá atrás de mim, não de vocês. ―

Nenhum inimigo podia saber que quem matou Saulo havia sido
Mália. Se isso vazasse, seria perigoso para ela. ― E não fui eu

quem o matou. Foi...

― A garota?

― Sim. Eu estava desmaiado na hora, e ele possivelmente


achou que eu era um bônus para levar ao seu irmão e assim

chantagearem você. ― Trinquei os dentes.

― Então ela o matou para protegê-lo? ― Notei um tom de


respeito em sua voz.
― Sim, mas isso está atormentando sua mente. Sinto-a
retraída. Não sei o que fazer. ― Suspirei. ― Esse turbilhão de

sentimentos é tão novo...

― Se é ao menos um pouco do que senti quando conheci Mia,


lutar contra isso vai ser em vão.

― Não vou lutar contra. Seja o que for que acontecer a mais

entre nós, estarei de acordo. Mália é perfeita para mim. ― Alisei a


faixa em uma tentativa de aliviar a dor. Eu não tinha repousado o

suficiente. ― Não renunciarei a ela.

― O que o Razor pensará sobre isso? Ainda vai mantê-la

escondida onde ele falou?


― Vou falar com ele depois. Não a deixarei longe de mim e, se

alguém...

― Nada acontecerá. Vamos esperar que a morte de Saulo não


respingue em nós, então vocês voltam, e conversamos melhor.

Agora vê se a ouve e faz repouso.


― Olha quem fala, alguém que levou uma facada e foi à
apresentação da filha com pontos abertos. ― Balancei a cabeça,

mas estava ficando um pouco zonzo.


No encontro com os albaneses, ele foi esfaqueado, mas no
mesmo dia tinha a apresentação de Graziela na escola de balé. Ela
era irmã de Mia, mas ela e meu irmão viam a menina como filha
deles.
Terminei a ligação e me aproximei da água, mas não chamei

Mália, adorando a forma como se divertia com os golfinhos. Eles


pareciam amigáveis e a faziam rir. Era bom vê-la se soltar mais.
Notei que, após minha crise de ciúmes, ela pareceu mais aliviada.

Eu me perguntava com o quê.


Meu peito pulsava de emoção por ter uma pessoa como ela
em minha vida. A minha mãe gostaria dela, sem dúvida. Evitei

pensar na dor da saudade. Todos aqueles anos, a dor era crua. A de


Mália seria assim após ela saber da morte do seu pai? O
assassinato da sua mãe aconteceu quando ela era uma criança, e

até hoje eu via um vazio em seus olhos. Provavelmente aconteceria


o mesmo ao ter consciência de que não tinha mais o seu pai. Como
eu lhe diria algo tão trágico, quando aquilo iria destruí-la?

Mália parou de nadar e me olhou com a testa franzida, então


largou os bichinhos ali e veio na minha direção.

Porra! Isso não seria fácil para minha garota. Se ao menos eu


pudesse fazer alguma coisa para aliviar seu sofrimento... Só não
podia esconder isso dela para sempre.
― Aconteceu algo? Está sofrendo? ― Tocou meu rosto. ―
Sua expressão parece dolorida. Vamos ver o doutor.
― Estou bem ― repeti o que disse a ela antes. Estava prestes

a retrucar, quando continuei: ― Mas vamos ver o médico. Depois


precisamos nos preparar para viajar.

Ela ficou mais aliviada com minhas palavras.


― Não vejo a hora de entrar em um avião. Estou farta de
barcos, navios e lanchas, de tudo que envolva o mar. Só espero que

não haja mais ataques. ― Ela estremeceu.


Puxei-a contra o meu corpo e beijei sua testa.
― Irei protegê-la não importa o que aconteça. ― Era uma

promessa que eu iria cumprir.


― Não quero que se arrisque por mim nunca mais. ― Apertou
o braço à minha volta. ― Prometa, Rafaelle.

Seus olhos azuis tinham tanta esperança de que eu aceitasse


isso.
― Não posso prometer algo assim, pois estaria mentindo. ―

Toquei seu rosto. Não conseguia nem imaginar o que eu faria se


alguém a machucasse. Um tsunami seria uma marola perto do que

aconteceria a essa pessoa. Ela iria conhecer a verdadeira face do


demônio na Terra.
Teve uma época em que eu disse ao meu irmão que adoraria
encontrar alguém para amar, e acreditava nisso, até afirmei que a

seguraria caso essa pessoa aparecesse. Pois bem, agora que tinha
recebido a graça de ter Mália em minha vida, não a deixaria
escapar. E ai daqueles que se metessem em meu caminho.

Como um demônio sem alma e um anjo cheio de luz podiam


ficar juntos?
Capítulo 17

Mália

Pousamos em Sydney. Era muito linda, eu já tinha ouvido falar

dela. Era fabuloso estar ali, vendo aquela quantidade de arranha-

céus. Depois de ter ficado mais de um mês apenas em ilhas no


meio do nada, estar em uma metrópole era desfrutável. Eu ansiava

por conhecê-la. Sabia que não ficaríamos ali por muito tempo, mas

aproveitaria cada segundo.


― Está tudo bem? ― ouvi Rafaelle perguntar.

Após ele acordar do desmaio, fiquei muito feliz. Temia que não
despertasse, mesmo com o médico dizendo que Rafaelle se

recuperaria logo, que só precisava descansar.

O que me deixava retraída e temendo me entregar ao nosso


lance era o fato de ele ter dito o nome de outra mulher quando

estava inconsciente. Deveria ter me dito que tinha se apaixonado

antes. O nome que ele murmurou não pertencia às suas irmãs, eu


tinha pesquisado sobre elas, Luna e Jade, nem era de sua mãe,

pois ele a havia chamado de Kélia. Não achei foto alguma dele com

quaisquer mulheres. Então quem era Violetta? O que essa pessoa


significava para Rafaelle? Pela forma como ele a chamava, ela tinha

morrido, a dor estava bem viva durante seu delírio.


Eu entenderia caso fosse uma antiga paixão e ele a tivesse

perdido. Isso seria normal. Entretanto, ele ainda parecia nutrir

sentimentos por ela. Eu não queria me envolver com alguém que

amasse outra pessoa, pois, no final, sairia com o coração partido.

Rafaelle tinha esse poder. A prova disso foi como meu peito doeu ao

ouvi-lo chamar outra pessoa. Isso não era bom. Como eu podia
gostar tanto de alguém em um espaço tão curto de tempo? Além

disso, não gostava da forma como estava me sentindo, da dúvida e


da insegurança. Nunca fui assim, medrosa, mas não queria
perguntar a verdade a ele; no fundo, temia sua resposta.

― Estou bem ― respondi por fim.

Durante todo o tempo até chegarmos ali, ele sondou o que

estava acontecendo, até me disse para não pensar muito no

acontecido, foi então que notei que falava do homem que matei.

Pensar nisso ainda doía em mim, mas ajudou um pouco saber


o que ele fazia de ruim, o mal que já havia feito a tantas pessoas.

Era degradante demais só em pensar. Porém, ainda assim eu me

sentia culpada.

Ele deu um suspiro duro, mas não disse nada.

Eu não estava com raiva do que ouvi, só confusa e temerosa.

Precisava de um tempo para pensar se queria mesmo embarcar

naquela relação mesmo sabendo dos riscos. Poderíamos pertencer


a mundos diferentes. Nossas famílias eram mafiosas, mas meu

irmão estava me dando uma chance de viver longe daquilo, o que

não aconteceria caso eu continuasse me relacionando com

Rafaelle. Todavia, no fundo, eu jogaria tudo para o alto só para ficar

com ele se soubesse que estávamos na mesma sintonia.

― Se abre comigo, Mália. Seu silêncio está me deixando


nervoso. Me conta o que está te incomodando ― pediu baixinho em
tom preocupado.

Eu não queria falar ali, na frente de um dos seus soldados, que


apareceu para nos buscar assim que descemos do avião, mas

também não queria que houvesse silêncio entre nós.


― Depois eu falo. Agora me diz, quando vamos embora? ―
Desfrutei da vista através da janela do carro enquanto andávamos

pela cidade, mas não dava para aproveitar muito.


― Não sei dizer, vamos ter que ficar aqui alguns dias ―

respondeu, avaliando-me, mas não deixei que visse nada em minha


expressão a não ser admiração por aquela cidade maravilhosa.

― Podemos sair hoje? ― perguntei, avistando um rinque de


patinação no gelo. Talvez, se eu fosse lá, meu ânimo se elevaria.
Sempre ficava feliz quando patinava.

― Não dá. ― Suspirou. ― Tenho negócios que não posso


adiar.

Negócios, pensei. Claro, ele era um mafioso. Só não sabia que


aquele lugar também era seu território. Isso explicava a necessidade

de uma reunião.
― Não deveria repousar? Afinal está machucado. ― Ajeitei-me
no banco assim que o carro parou em frente a um imenso edifício.
― Estou acostumado com isso, foi só um tiro. ― Respirou

fundo.
― Pessoas normais estariam em um hospital, convalescendo.

― Sacudi a cabeça. ― Mesmo você achando que é imbatível, não


é. Pelo que sei, é humano.

― Tomei os remédios, estou sem dor agora ― garantiu,


pegando minha mão.
Rafaelle saiu, e, antes que eu fizesse o mesmo, só tive tempo

de colocar a mochila com nossas coisas nas costas, pois ele já


estava abrindo a porta para mim. Por que ele fazia coisas que

mexiam com meu coração? Desde que eu o conheci fazia coisas


assim, tratava-me tão bem.
― Obrigada ― agradeci sem encontrar seus olhos. Levantei a

cabeça, checando o imenso prédio. ― Nossa, é tão lindo e cheio de


vidro.

Fomos à recepção, onde ele pegou a chave da cobertura.


― Uma cópia? ― Fiquei curiosa por ele pedir a chave extra.

― Esse prédio é nosso. Ficamos na cobertura quando


estamos aqui. Como não pensava em vir, minhas chaves não estão
comigo. ― Deu de ombros ao entrar no elevador panorâmico.
Toquei no vidro, admirando a vista. Dava para ver toda a
cidade. Tudo que era bonito chamava minha atenção, não importava
se eu tivesse visto mil vezes prédios como aqueles.

― Mália... ― Rafaelle foi interrompido pela abertura das


portas, e saí antes que ele comentasse algo. Queria adiar nossa

conversa, pois temia a resposta, embora não pudesse ficar com


aquela dúvida e receio de cair de cabeça em nossa relação.
O apartamento era espaçoso, com uma grande sacada e vista

para a cidade.
― Uau! ― murmurei maravilhada.

Deixei a mochila no sofá e fui checar a sacada. Que vista


magnífica!

― Mália, agora estamos sozinhos. ― Ele me abraçou pelas


costas. ― O que a está deixando tão retraída? Se fiz algo, me diz.
Preciso saber para consertar.

Respirei fundo com o toque dele e fechei os olhos um


segundo, querendo afastar o aperto do meu peito.

― Você não fez nada. ― No fundo, era verdade. Ele não tinha
culpa.
― Mália, isso tem a ver com o que aconteceu com você...

Interrompi-o, respirando fundo e soltando em um fôlego só:


― Quem é Violetta?
Seu corpo se sacudiu como se eu tivesse dado uma descarga
elétrica nele, e Rafaelle se afastou de mim com a respiração

irregular.
Olhei para ele, então meu coração se partiu com tamanha dor

que vi em sua face. Sua expressão era só martírio, como se ele


estivesse em chamas.
― Rafaelle... ― Queria que se abrisse, mas algo não estava

certo. A dor que eu via em seus olhos... Céus! O que aconteceu

com aquela pessoa o destruíra de tal forma que ele não conseguiria
se recuperar um dia? Ele arfava como se tivesse corrido.

Seu telefone tocou. Isso pareceu despertar sua mente de onde

estava presa. Mesmo me olhando, era como se seus pensamentos

estivessem longe.
Atendeu o telefone.

― Sim? ― Sua voz estava rouca de tormento. Então expirou

forte, parecendo que estava com raiva. ― Estou a caminho e


resolverei isso.

Abri a boca, indignada. Não podia acreditar que ele encerraria

nossa conversa assim.


― Vou precisar dar uma saída ― disse logo que desligou. ―

Surgiu algo que preciso resolver.


Não achei que pudesse falar alguma coisa, estava

entorpecida. Não era para estarmos juntos, era? Não, eu não

acreditava que o destino tinha me passado aquela rasteira!


― Mália, quando eu chegar, precisamos ter uma conversa

decisiva.

Só assenti de novo, porque, pela forma como falou, não

explicaria quem era aquela mulher em sua vida, falaria de outra


coisa. Eu podia estar enganada, mas sabia ler aquele homem.

― Tudo bem ― respondi por fim, recuperando-me do baque.

Encarei os imensos prédios e segurei na sacada, evitando


tremer e chorar na frente dele. Seus lábios tocaram em minha

cabeça.

― Irei contar tudo a você, só preciso de tempo. ― Senti seus


beijos em meu ombro direito. ― Só tenha um pouco de paciência

comigo.

Respirei fundo, ignorando as fisgadas em meu peito.

― Leve seu tempo. ― Não podia obrigá-lo a me dizer. Eu teria


esperança, se não visse a dor em suas feições. Fosse quem fosse

aquela pessoa, ainda era importante para ele. Eu não estaria no


meio daquilo, não queria ser a válvula de escape de ninguém.

Queria ser o bálsamo, a âncora, tudo na vida dele. Não aceitaria

menos.
― Obrigado. Assim que eu voltar, conversamos ― me disse e

se afastou.

Continuei olhando para a frente, não queria que ele visse

minha expressão. Eu precisava me recuperar.


― Quero que fique com isto. ― Tinha uma nuance em sua voz

que não consegui detectar direito. Era como se pensasse que,

assim que chegasse, eu iria terminar tudo entre nós. Era só uma
conjectura, embora eu não conseguisse pensar em outra coisa.

Respirei fundo e me virei, vendo um celular em sua mão.

Peguei o aparelho prateado, mas continuei não encontrando seus

olhos; não queria que ele visse o que eu estava sentindo.


― Tenho alguns telefones não rastreáveis aqui ― continuou.

Assenti de novo e chequei alguns aplicativos enquanto olhava

pela sacada.
― Mália...

Respirei fundo e o encarei, evitando transparecer qualquer

sentimento. Via sua luta consigo mesmo para revelar o que o

atormentava, mas não queria forçá-lo. Não iria continuar


aprofundando uma relação com uma pessoa que não estava cem

por cento comigo.


― Obrigada, Rafaelle ― agradeci a ele. ― Pode ir, ficarei bem.

Qualquer coisa, eu ligo.

― Aqui você não corre perigo, este território é dos


Destruttores. Ninguém de outra organização entra nele sem

sabermos ― garantiu. ― Se estivesse em perigo, não a deixaria

sozinha.

Peguei a minha mochila. Eu não tinha muitas roupas,


precisava de mais.

― Escuta, acho que o dinheiro que meu irmão deixou é pouco.

Você tem algum aqui? Preciso comprar algumas roupas de cidade


em vez de praia. ― Parei perto dele, observando meu vestido

florido. ― Quando chegarmos a Milão, eu te pago. Mariano deve ter

deixado algo para mim no lugar que essa chave em meu cordão

abre.
― Sim, tenho. Há lojas de roupas no prédio. ― Foi até uma

gaveta e trouxe um cartão. ― Pode usá-lo o quanto quiser. A senha

é 3821, não esqueça.


Peguei o cartão preto e forcei um sorriso agradecido.
― Obrigada. ― Fazer compras era a última coisa que eu

queria, mas precisava. Depois iria sair; se ficasse ali sozinha,

trancada, iria enlouquecer.

― Não vou demorar. ― Inspirou fundo, parecendo tomado


pela dor, e tocou meu rosto. ― Seu sorriso é lindo demais para

perdê-lo por minha causa. Nunca o perca. Não valho isso.

Engoli em seco, encarando suas costas quando saiu do


apartamento após me dizer essas palavras. Queria ajudá-lo, juro

que queria, mas como? Rafaelle não me deixava entrar. Disse que

conversaríamos, mas eu não acreditava que revelaria o motivo do

seu tormento. Algo me dizia que, se eu deixasse que as coisas


continuassem entre nós, sairia com meu coração esmagado. Eu o

queria, mas tinha de me resguardar. Não sabia como conciliar os

dois desejos.
Sacudi a cabeça, parando de pensar nisso e fui comprar

algumas roupas. As vitrines, uma mais elegante que a outra, me

deslumbrariam antes; agora eu as olhava como se não tivessem

importância alguma. Nada para mim fazia mais sentido.


― Boa tarde. Em que posso ajudá-la? ― sondou o vendedor

da loja de sapatos, na qual entrei após a compra das roupas.


Ele era bonito, loiro, educado, mas não fez meu coração pular

como Rafaelle.
― Preciso de sapatilhas ― respondi em sua língua, inglês.

Ele me ajudou a escolher alguns modelos, tagarelando o

tempo todo, até comentou que trabalhava ali havia dois anos.

Comprei dois pares de sapatilhas, um de botas e duas sandálias de


saltos.

― Há quanto tempo mora nesta cidade? ― sondei de modo

educado, para que sua conversa não fosse unilateral.


Ele abriu um imenso sorriso.

― Desde que nasci. Ajudo minha mãe nas despesas de casa.

― Suspirou de modo triste. ― Vovó está doente, precisa de cirurgia,


então ajudo no que posso.

― Lamento por sua avó.

Paguei as sacolas com os sapatos e as outras que estavam no

chão.
― A propósito, sou Theo ― me disse com um sorriso educado.

― Mália. ― Sorri agradecida.

― Deixe-me ajudá-la, meu turno já terminou. ― Na mesma


hora uma garota com o uniforme da loja entrou. Ele disse a ela: ―

Estou indo.
Assenti. Não temi que o rapaz faria algo contra mim, afinal
trabalhava ali. Além disso, eu sabia me defender.

― Em que apartamento você está? ― perguntou, ajudando-

me a carregar as compras.
― Na cobertura.

― Você é parente dos Morellis? ― Não detectei nada em sua

voz que revelasse que ele sabia quem Rafaelle era de fato.
― Não, só amiga de um deles. ― Devia ter dito que namorava

Rafaelle, mas eu não sabia mais o que éramos um para o outro. ―

Eu vim com Rafaelle resolver umas coisas. Ele está trabalhando

agora. Quero conhecer a cidade.


― Faço tours também, um emprego extra para ajudar minha

avó. ― Sorriu. ― Se quiser, levo você.

Eu estava preocupada em sair sozinha, temendo que algum


dos inimigos do meu irmão me achasse, mas Rafaelle disse que

ninguém entraria em seu território.


― Adoraria. Vou só me arrumar e encontro você no bar do
hotel, pode ser? ― falei ao chegar ao elevador. Ele concordou.

Estendi minhas mãos para as sacolas. ― Eu as levo sozinha a partir


daqui. Obrigada.
Assim que entrei no apartamento, deixei as coisas no quarto e
fui tomar banho. Vesti um dos vestidos lindos que comprei e, após
terminar de me arrumar, observei-me no espelho. Ele era tomara

que caia, branco, no meio das coxas, com várias tiras até os
joelhos, onde terminavam as botas de cano longo. Meus cabelos
estavam soltos nas costas. Finalizei o look passando um batom

sabor morango.
Não sofreria naquele dia por Rafaelle. Minha vontade era de
entrar debaixo da coberta e chorar, mas não faria isso. Eu era forte

e superaria a rasteira que levei. Eu o ouviria quando chegasse, mas


estava convicta de que não tinha como continuarmos, não após eu
saber que ele nutria sentimentos por outra mulher.

Antes que eu saísse, meu telefone novo tocou. Pensei que


fosse Rafaelle.
― Oi ― atendi. ― Eu estava prestes a te ligar.

― A me ligar? ― Aquela voz fez meu peito dar um solavanco.


― Mariano?! Oh, meu Deus! Você está bem? Rafaelle disse

que sim, por isso não me preocupei tanto, mas ainda assim é difícil
estar longe... ― Respirei aliviada. Queria contar-lhe o que
aconteceu comigo quando fugimos do navio, mas não iria preocupá-
lo. Essa era outra dor que me assolava e me atormentaria para
sempre.
― Não se preocupe, tudo está conforme os planos. Vai dar

certo. Só mais alguns meses, e tudo se resolverá. Prometo. Só


liguei para checar você. Soube por Rafaelle do que aconteceu com

vocês. Estava muito preocupado. Ele está se comportando? Sei que


não a tocaria contra sua vontade, senão jamais a deixaria com ele.
Se ele soubesse que Rafaelle e eu nos tocávamos e

estávamos juntos... acho que surtaria, ou talvez não. Essa incerteza


acabava comigo. Esperava em breve poder revelar a verdade a ele,
não queria contar por telefone, além do mais, primeiro precisava

saber em que pé estávamos antes de falar qualquer coisa.


Contei-lhe que Rafaelle foi baleado para me salvar,
escondendo-me atrás do seu corpo, mas deixei de fora o fato de eu

ter matado um homem para protegê-lo.


― Sinto sua falta. Espero poder vê-lo logo ― sussurrei.
― Eu também, maninha. Agora preciso ir, mas não se

esqueça, eu te amo mais que tudo no mundo ― afirmou.


― Também te amo. E, Mariano? Se cuida. Não posso perdê-lo.

― Suspirei. ― E papai? Ainda incomunicável? Quero falar com ele,


parece uma eternidade que não o vejo.
― Logo, prometo. ― Sua voz ficava estranha sempre que
falava do nosso pai.

― Só queria estar com vocês agora. Diga que o amo.


― Logo, princesa ― garantiu em um tom dúbio. ― Se cuida,
minha irmã.

Ele desligou prometendo que me ligaria depois, então saí do


apartamento.

Liguei para Rafaelle para deixá-lo ciente de que ia sair, assim


não o deixaria louco para saber onde eu estava, mas ele não
atendeu. Tentei algumas vezes, então deixei um recado na caixa de

mensagens dizendo que ia conhecer a cidade.


Entrei no bar do hotel, que ficava ao lado de um restaurante
chique. Theo estava sentado ao balcão. Contudo, antes de eu ir até

ele, avistei Rafaelle sentado a uma mesa. Não estava sozinho, tinha
uma mulher de cabelos escuros com ele, que sorriu de algo que ela
disse.

O aperto em meu peito ao vê-lo com outra quase me deixou


sem ar. Na hora quis chorar, mas não faria isso, não lhe daria esse
gostinho. Se ele queria tanto ficar com outra, deveria ter terminado

nosso lance antes.


Respirei fundo, pensando em apenas sair sem dizer nada, mas

não podia, era adulta, não uma adolescente que corria atrás dele,
embora, naquele momento, quisesse correr para o mais distante
possível.

Enchi-me de força e coragem e fui até onde ele estava,


evitando tremer e demonstrar o que estava sentindo. Não faria um
escândalo, tinha sido bem criada. Meus pais sempre me diziam que,

se alguém me machucasse, eu nunca deveria deixar essa pessoa


saber o poder que tinha sobre mim.

Rafaelle levantou a cabeça na minha direção assim que me


aproximei. Seja firme, Mália, entoei a mim mesma.
― Mália? ― Seus olhos se arregalaram ao me checar, e ele

pareceu perder a fala.


Forcei um sorriso, olhando para a mulher calada, que só nos
observava. Ela era muito bonita. Depois o fitei novamente.

― Só vim avisar que vou fazer um tour pela cidade. ― Fiquei


feliz por minha voz não ter tremido. ― Tentei te ligar, mas não
atendeu.

Era claro que ele não iria atender; não queria interromper seu
encontro.
Com minhas palavras, ele pareceu se recuperar do choque e
me encarou. Pelo menos, pareceu gostar de como eu estava
vestida. Onde seu olhar tocava, eu sentia como se uma fornalha se

acendesse em minha pele.


― Você não conhece nenhum lugar aqui ― me disse com a
voz grave.

― Não se preocupe, achei alguém que me levará. Agora, se


me derem licença, preciso ir ― falei, sorrindo de um para o outro.
Afastei-me antes que ele dissesse algo. Fiquei feliz por não ter

desmoronado ao vê-lo com aquela mulher que parecia uma modelo.


Só eu sabia como foi difícil lidar com tudo.
Sorri para Theo, que me avistou e veio até mim.

― Oi, você está magnífica. ― Ele varreu os olhos sobre mim,


mas não senti nada. Os arrepios e borboletas no estômago só

aconteciam na presença de Rafaelle, mas ele deixara claro que nós


não tínhamos nada, não com palavras, mas com gestos, o que era
pior. Enfim eu entendia. Não era como ela, perfeita com seu corpo

de modelo.
― Está tudo bem? ― o rapaz sondou, colocando uma mecha
de cabelo atrás da minha orelha.
― Sim. Mal posso esperar para conhecer lugares fantásticos.
― Afastei-me de seu toque, não querendo dar-lhe ideias. Ele seria

só o meu guia.
Recomeçamos a andar.
― Aqui têm muitos, devo dizer ― comentou enquanto saíamos

do prédio.
Eu tinha pedido um carro alugado. Não sabia se Rafaelle tinha
outro. Era bem provável, mas eu não queria abusar de sua

generosidade. Iria lhe pagar tudo que estava gastando, anotava


cada centavo.
― Então vamos? ― Theo abriu a porta do veículo para mim.

― Ela não vai com você ― rosnou Rafaelle, fazendo-me pular.


Não tive tempo para me recuperar do choque, ele apenas
pegou minha mão e me puxou para um Jaguar vermelho. Abriu a

porta.
― Entra ― praticamente cuspiu.

Estreitei os olhos.
― Não vou a lugar algum com você ― contestei, saindo de
perto dele.

Suspirou e me pegou pela cintura, pressionando-me contra o


carro e falando baixo em meu ouvido:
― Mália, não me force. Estou tentando não matar esse garoto,
mas não vou conseguir me controlar se ele tocar você de novo ou

se saírem juntos. ― Sua voz soou baixa e letal.


Fechei a cara.

― Então não posso sair com um homem, mas você pode sair
com mulheres? ― rosnei, desafiando a frieza em seus olhos, o
mesmo olhar de quando o conheci, do assassino frio que era.

― Sair com mulheres? ― Ele parecia confuso. Então percebeu


do que eu falava. ― Ela é esposa do subchefe daqui. Ele tinha ido
atender uma ligação quando você chegou.

― Ah... ― Sentia-me tola por ter pensado que ele estava me


traindo, mas ele era um homem lindo, como eu pensaria diferente?
Sacudiu a cabeça.

― Não há a menor chance de você sair com outro homem. Se


quiser sair, terá que ser comigo. ― Tocou meus cabelos. ― Está
linda. Perfeita.

Corei, encontrando seus olhos. Eu teria força para terminar


tudo? Ao menos podia sair mais uma vez com ele e me despedir.

― Obrigada. Vai realmente passar o dia comigo? Aliás, o resto


da tarde? ― Estava animada com isso. Com Rafaelle ao meu lado,
o dia seria mais que perfeito, e eu iria aproveitá-lo ao seu lado.
Um sonho a se realizar. Um adeus para dizer. Não obstante,

era a decisão certa. Uma que deixaria um coração partido.


Capítulo 18

Passado

Rafaelle

Estava puto da vida só em ouvir meu pai falando em roubar


meninas para vender. Como ele podia sequer imaginar isso? Não

pensava que poderia ser uma de minhas irmãs ali?


Quase ri disso. O sujeito não se importava com ninguém além

de si mesmo, não dava a mínima para nenhum dos seus filhos. E,


no fundo, eu não dava a mínima para ele também. O que me

enojava era ter de compactuar com as coisas que ele fazia. Só

precisava ser forte por mais algum tempo. Quando Alessandro


assumisse, seria um capo diferente daquele maldito desgraçado.

Observei a pequena casa de Violetta. Eu a tinha conhecido

quase dois meses antes, quando uns garotos da escola estavam


espancando-a. Fiz os bastardos pagarem e passar o recado a quem

quer que a machucasse, o que aconteceria a qualquer um. Eles

quase mijaram na roupa de medo ao me encarar. Eu já era um


homem formado mesmo aos 14 anos. Tive que crescer e aprender a

ser forte para lidar com a vida na máfia.


Quando protegi a garota, só pensava em minhas irmãs na

mesma situação, porém deveria ter me afastado dela, mas não

consegui. Seu sorriso brilhante sempre que me via me fazia voltar a

ela sempre.

Antes de chegar à casa de Violetta, ouvi gritos lá dentro.

Reconheci-os como sendo dela.


― Não grita, maldita! Ninguém irá te ouvir. A sua mãe está

drogada na sala. Ninguém irá te ajudar agora. ― Era a voz de um


homem.
A mãe dela era uma prostitua viciada que levava homens para

a sua casa. Eu não gostava disso, por essa razão não podia me

afastar e deixar a menina de 8 anos sozinha e indefesa.

Algo em meu peito se apertou, e corri para a casa,

encontrando a porta apenas escorada.

― Me solta! ― ela gritou, chorando. ― Não me toque, seu


monstro!

Apressei meus passos na direção do quarto dela, pegando

minha faca em uma das mãos e o revólver na outra, depois chutei a

porta, fazendo o homem arfar e virar a cabeça.

A cena que vi quase me fez vomitar de repulsa. Violetta estava

deitada na cama, com o seu vestido levantado revelando sua nudez.

O ser asqueroso que estava sobre ela queria violentá-la. Eu podia


ver suas calças abaixadas.

― Quem é você? ― ele grunhiu. ― Deve ser um dos amantes

da mãe dela. Vamos fazer assim, eu começo, depois você continua.

O que acha?

O sangue fugiu do rosto de Violetta. Seus olhos estavam

molhados.
― Fecha os olhos ― pedi a ela, escondendo meu desprazer e

asco. ― Não importa o que aconteça, não os abra, tudo bem?


Ela encontrou meu olhar com aquela confiança de que eu a

protegeria. Esse era outro motivo que não me permitia afastar-me.


Sua doçura me fazia ter vontade de defendê-la. Ela me lembrava
Luna. Eu a tinha como uma irmãzinha.

Assentiu e fechou os olhos. Notei seu rosto vermelho como se


tivesse levado uma bofetada.

― Saia de cima dela ― rosnei, apontando minha arma na


direção dele.

O cara fechou a cara, mas se levantou, temendo a arma,


embora devesse “me” temer. Eu era pior que um revólver. Ele não
iria morrer com um tiro. Não, aquele ser desprezível merecia coisa

pior.
― Se cubra, Violetta, e me espere lá fora ― pedi calmamente.

Estava aliviado por ter chegado a tempo de algo pior ter-lhe


acontecido.

Ela assentiu e ficou de pé. O cara fez menção de ir até ela,


mas atirei em seu joelho direito, fazendo-o cair com um grito de dor.
“Ele não conhece a dor ainda, mas vai conhecer em breve”, pensei.
Violetta gritou e correu para mim. Passei a mão em sua

cabeça, deixando claro que nunca a machucaria.


― Irei protegê-la. Agora me espera lá fora ― pedi de novo.

Ela saiu do quarto ainda parecendo em choque.


― Você atirou em mim, moleque ― sibilou o homem,

encarando-me. ― Por que se importa com essa putinha?


Foi interrompido por outro tiro, agora em sua outra perna. O
sangue escorria no chão.

“Meu pai ficaria feliz com o monstro que criou quando me


forçou a eliminar um garoto inocente só porque ele queria”, pensei.

Alessandro chegou a comentar que, como nós não podíamos


fugir daquilo, seria melhor matar assassinos. Isso ajudaria com
nossa consciência. Resolvi aceitar suas palavras, e agora via que

tinha sido melhor assim.


Encarei o maldito e guardei a arma. Vi alívio em sua

expressão, mas ele estava enganado, pois eu iria lhe mostrar o


monstro que eu era.

― Irá pagar por tocá-la. ― Minha voz estava fria e letal. Fui até
ele, que tentou lutar, mas o chutei, derrubando-o de novo, montando
nele e enfiando a faca em sua barriga.
Ele me arranhou na defensiva, mas não liguei, apenas puxei a
faca cheia de sangue.
― Quem porra é você? ― Engasgou-se, segurando a barriga.

― O monstro que meu pai quer que eu seja. ― Enfiei a faca


em seu peito, não no lado do coração, pois não queria que ele

morresse assim, tão fácil e rápido. ― Agora me diz: tocou-a alguma


vez ou a outra criança?
Ele gritou de dor, mas não senti nada. Minhas boas emoções

tinham desaparecido, e eu estava furioso pelo que presenciei.


― Vai a merda, seu...

― Resposta errada. ― Puxei a faca para baixo, rasgando-o. ―


Responda, e adianto sua morte, ou posso ficar aqui o dia todo.

Ele se engasgou com o sangue e gritou:


― Ela não! A mãe dela me deu a garota em troca de drogas...
― “Ela” não; então há mais crianças que você usou. ― Isso

me fez ver em vermelho, e sorri de modo frio. ― Cara, eu vou


adorar te desmembrar.

Demorou meia hora para fazê-lo pagar por todas as cinco


garotinhas que ele tinha violentado. Forcei-o a contar o nome de
cada uma delas. Mesmo que ele pedisse perdão, eu sabia que não

se arrependia de fato, era só uma forma de tentar acabar com a dor.


Deixei o defunto no chão aos pedaços e limpei meu rastro; não
queria a perícia ali. Poderia chamar o homem que fazia a limpeza
para nós, mas meu pai descobriria e ficaria puto, não por eu ter

matado o homem – disso ele gostaria –, mas pelo motivo em


questão.

Peguei a mochila de escola de Violetta e coloquei algumas


roupas dentro dela. Fui à sala e encontrei sua mãe desmaiada,
completamente drogada. Se isso continuasse, logo a menina seria

machucada, e eu não estaria ali para impedir.

Peguei uma injeção que estava na mesa e preparei uma dose


alta para que ela fosse incapaz de sobreviver. Eu poderia torturá-la,

mas, como era a mãe de Violetta e uma mulher, não conseguiria.

Apenas o fazia com assassinos e estupradores.

Apliquei a overdose em sua veia, ignorando a culpa. Não a


deixaria me dominar nunca mais. Era para o bem de Violetta. Sua

mãe não passava de uma vadia, diferente da minha, que era tudo

para mim.
A menina não sofreria com aquela perda – ao menos eu

esperava que não. A mulher a vendera a um homem e teria feito

isso outras vezes caso eu não a tivesse impedido para sempre.


Os avós da menina não conheciam a neta. A mãe deveria tê-la

dado para eles a criarem. Enfim eu entendia por que não tinha feito
isso. A maldita viciada pensava em usá-la como moeda de troca

para conseguir drogas. Eu levaria a garota para morar com os avós.

Olhei para fora da janela. Violetta estava sentada no chão,


chorando, tão pequena e desprotegida.

Porra, o que eu faria? Se meu pai soubesse do que fiz, não

seria eu que pagaria o preço. Não podia deixar que isso

acontecesse, mas como a deixaria assim?


Fui até ela, não olhando para trás, ou minha fúria se tornaria

ainda pior. O que importava era que aqueles dois tiveram o que

mereciam. No começo, foi difícil tirar uma vida, mas, com os passar
dos meses, eu não sentia mais nada. Finalmente matava homens

como aquele sem piedade.

Por sorte, estava com roupas escuras, assim ela não veria as
gotas de sangue que pingaram em mim. No começo, ao fazer um

trabalho assim, eu me sujava todo, mas não mais.

Violetta levantou a cabeça, assustada, a ponto de gritar. Devia

ter pensado que eu era o cara.


Não me aproximei mais, afinal quase tinha lhe acontecido algo

horrendo. O que aconteceu iria deixar marcas em sua alma.


― Vamos. Vou levá-la para a casa de seus avós ― falei com

mais calma possível, embora ainda estivesse furioso demais.

Não importava o que aconteceria, eu não podia deixá-la


desprotegida.

Presente

Inspirei fundo, controlando a maldita dor, mas era impossível.

Aquilo me consumia por dentro, como um ferro quente sobre minha

pele. A culpa... jurei nunca mais senti-la antes de salvar Violetta,


mas o que aconteceu depois destruiu o que sobrou de mim. Essa

culpa me consumia vivo, tudo por eu não ter ficado longe dela.

― Porra! ― Rumei o soco na parede, não dando a mínima

para o maldito ferimento.


Estava em um quarto no mesmo hotel em que estava com

Mália, que pertencia à minha família. O nosso subchefe de Sydney

estava ao meu lado. Ele tinha preparado aquela suíte a fim de


fazermos uma reunião.
Eu precisava focar no presente ao invés do passado, mas as

palavras de Mália ainda cortavam fundo.


“Quem é Violetta?” Ela era a garotinha mais inteligente e

meiga que já conheci, com sonhos que foram tirados dela por minha

causa.
― Droga, Rafaelle! É melhor se controlar, ou isso vai ficar feio

― indicou Theodore, o subchefe.

Respirei fundo, tentando me controlar, mas a dor nos olhos de

Mália por eu esconder isso dela me perturbava. Era doloroso


demais falar sobre o passado, embora eu soubesse que precisava

revelar tanto isso quanto a morte do seu pai.

― Vamos pegá-los e aniquilá-los ― disse ele, entendendo


errado o motivo de eu estar puto, mas era melhor assim. Ninguém

precisava saber daquilo. A única a quem eu tinha de contar era

Mália. Apenas Alessandro e Stefano sabiam de parte do que havia

acontecido.
Theodore me ligou justamente quando Mália perguntou de

Violetta. Eu queria ter-lhe dito naquele momento, mas a notícia que

ele me deu me deixou enraivecido.


Sultão estava atrás de mim e de Mália. O maldito torturara e

matara os homens de Razor e os tripulantes do navio pesqueiro e


estava indo de ilha em ilha nos procurando.

― Coloquei meus homens nisso. Vamos pegar esses vermes.

Pelo que eu soube, Paolo também mandou gente à procura deles.

Acho que entraram em seu território. ― Sacudiu a cabeça. ― São


todos loucos. Ninguém quer enfrentar a ira do seu irmão e de Paolo.

Suspirei, encarando a videoconferência que tinha acabado de

começar na imensa tela. Participavam dela, além de mim e


Theodore, meus irmãos, Miguel e Razor.

― Que maldição aconteceu? ― rosnou Razor, andando de um

lado a outro, parecendo louco.

Suspirei e lhe contei o que tinha acontecido comigo e Mália, só


deixei de fora nosso relacionamento e a verdadeira identidade do

assassino de Saulo. Contei-lhe que eu mesmo o fiz.

― Maldição! Isso não era para acontecer, era para ela ficar
fora do radar. Como vou alcançar meu objetivo quando você fez

uma cagada? ― Sua fúria era dirigida a mim.

― Isso não é culpa dele, mas sua. Não é um mestre em

arquitetar planos? ― zombou Stefano com tom mortal, fuzilando-o.


Se meu irmão estivesse na mesma sala que ele,

provavelmente um mataria o outro. Eu não podia deixar que algo


assim acontecesse. Tanto Mália quanto eu sofreríamos caso nossos

irmãos fossem machucados.


O olhar de Razor para Stefano foi letal antes de direcioná-lo a

mim.

― Agora vou ter que achar outro lugar para ela ficar.

― Posso tomar conta dela ― ouvi uma voz, então Valentino


apareceu na tela.

Meu corpo tremeu com a ideia de Mália partindo, ainda mais

com o filho do homem que eu mais odiava além de Marco.


― Ótimo, menos problemas...

Interrompi Stefano.

― Mália não vai com ninguém ― sibilei, cerrando os punhos


com a vontade de socar Razor. Era uma pena ele não estar ali.

O corpo de Razor sacudiu, então ele deu um passo para a

câmera como se quisesse passar por ela e me segurar.

― Se você a tocar para usá-la, vou estraçalhá-lo ― grunhiu.


― Jamais a usaria. ― Respirei fundo, tentando controlar

minha raiva.

― Isso não vem ao caso ― interferiu Alessandro com tom duro


como rocha. ― Não pode nos culpar, Razor. O único que saiu ferido
nessa história foi o meu irmão. A culpa é sua por tê-los enviado a
um maldito navio. Agora arque com as consequências.

― Você pode enviá-la com outra pes... ― começou Stefano,

mas parou quando rosnei, depois suspirou encarando Razor. ― O


que quero dizer é que você ainda nos dará o território. Estamos

cumprindo nossa parte. A não ser que não seja um homem de

palavra.
― Mália não sairá do nosso território, e, se alguém entrar para

buscá-la, irá voltar para você aos pedaços. ― Era uma maldita

promessa que eu cumpriria.

Valentino ficou calado, mas me avaliava. Não demonstrei


nada, nenhum sentimento.

Razor suspirou e me observou. Tinha algo em seus olhos que

não consegui ler.


― O plano seguirá conforme tínhamos combinado, mas com

algumas alterações. Assim que chegar a Milão, você não se


afastará dela por nenhum segundo. Sultão procura vocês, então não
duvido que envie pessoas para observá-los. Ache um jeito de

escondê-la, não a quero no meio disso.


Franzi a testa.
― Como eles sabem quem ela é? ― sondei, não querendo
pensar agora nos problemas que tínhamos. A proteção de Mália era
tudo para mim. O meu peito se apertava com a ideia de ela ser

machucada.
― Parece que alguém tirou uma foto dela e sua no navio. Além
disso, pelo que eu soube, Saulo ligou ao irmão e revelou quem

estava lá. ― Ele levantou seu celular, e vi Mália sorrindo para mim.
― Seja como for, só a quero no escuro, longe de tudo que possa
atingi-la. Sua função é cuidar disso, Rafaelle.

Era verdade. Se eu quisesse Mália segura, teria que ter mais


cuidado e fechar nossa retaguarda.
― Qual é o seu plano? Passou mais de um mês, e nada de ele

se concretizar. Você é o Don agora. Se desconfia de um dos seus


tios, mate-os, torture-os e busque respostas ― Alessandro foi direto.
― Ainda vejo Tomaso e Ulisses com você.

― Tudo está indo perfeitamente ― argumentou com um olhar


de aço para meu irmão. ― Meus planos não são da sua conta. O

que importa é que nosso combinado está de pé.


― Seria melhor se você se abrisse com a gente. Facilitaria as
coisas, em vez de ficarmos no escuro ― retruquei.
― Suspeito de Ulisses, mas não tenho provas concretas.
Assim que eu descobrir, o farei pagar, pode apostar, mas agora
estou mais preocupado com Sultão. Tenho Ulisses na mira, estou de

olho nele. ― O veneno na sua voz era como o de uma naja, letal. ―
Desconfio que o mandante da morte da minha mãe é o mesmo do

assassinato do meu pai. Só preciso descobrir ao certo se é meu tio.


― Mália teve uma lembrança naquela noite na ilha. O homem
que ela viu saindo do barco não tinha cabelos e parecia ter a cabeça

coberta de tatuagens. Não conheço ninguém assim. E vocês? ―


Olhei dele para Valentino.
Razor amaldiçoou, parecendo saber quem era, e encarou

Valentino um segundo.
― Quem é essa pessoa? ― perguntei.
― Porra, não acredito nisso! ― Sacudiu a cabeça parecendo

furioso.
― Razor! ― gritei.
Ele me encarou.

― Preciso resolver isso. Só mantenha Mália por enquanto


onde estão.

― Que porra está acontecendo?! Quem é ele?! ― Levantei-me


da cadeira tão depressa que senti a sala girando e precisei me
escorar na mesa com uma maldição.
― Cuide de sua ferida, enquanto lidarei com essa merda.

Avisarei quando puderem ir para Milão ― informou Razor.


― E, Alessandro? ― Valentino o chamou. ― Estou ansioso
para ver minha meia-irmã. Assim que tudo isso acabar, faremos

aquele encontro que eu e meu irmão sugerimos a você ontem.


Eu estava prestes a perguntar que merda de encontro era

aquela quando Valentino e Razor se desconectaram. Olhei para


meus irmãos e Miguel.
― Que encontro é esse? ― indaguei, sentando-me para aliviar

a dor física, mas no fundo ela era boa, fazia-me esquecer a dor
espiritual que me consumia todos os dias.
― Vou deixar vocês a sós ― disse Theodore e olhou para

Alessandro. ― Qualquer coisa, entro em contato, chefe.


Meu irmão assentiu, e Theodore saiu. Iria encontrar sua
esposa no bar do hotel.

― Você precisa procurar um médico agora ― disse


Alessandro com um suspiro duro.
― Estou bem. Responda ― rosnei.

― Fabrizio e Valentino entraram em contato comigo a mando


de Paolo, marcando um encontro com a gente e Luna.
― Algo que não irá acontecer. Não vou levá-la sem saber os

planos deles ― avisou Miguel.


― Concordo. Primeiro vamos checar tudo, mas, pelo que
Valentino disse quando ligaram, o pai dele não forçou nossa mãe a

nada e pretende nos contar tudo que aconteceu. ― Stefano


suspirou e me avaliou ― Precisa se recuperar, Rafaelle.
― Estou...

Cortou-me:
― Sem essa de estar bem. Sei o motivo de querer sentir dor.

Algo aconteceu que o fez se lembrar...


― Não quero falar sobre isso. ― Tentei respirar normalmente.
― Tenho algo mais sério que preciso dizer. Eu queria pegar uma

pessoa desprevenida, mas, como vou demorar aqui, é melhor vocês


ficarem alertas. Acho que Paolo colocou alguém dentro de nossa
casa, alguém que sabe da vida privada de Luna. Descobri através

de uma coisa que Valentino mencionou.


― Um infiltrado? ― sibilou Alessandro. ― O que ele
descobriu?

Miguel estava com a testa franzida.


― Parece que alguém lhe disse sobre a carta que nossa mãe
deixou falando sobre Paolo e Luna. Então isso significa que é
alguém próximo ― acusei.
O corpo de Miguel tremeu. Stefano ficou furioso, assim como
Alessandro.

― Não vazamos a ninguém, só as pessoas mais próximas


sabiam! ― Alessandro grunhiu.
― O problema agora é quem próximo a nós sabia disso e

contou a eles? Tentei pensar em alguém, mas não consegui chegar


a ninguém em particular. Talvez seja do seu lado, Miguel. ― Olhei
para ele.

Uma expressão fechada toldava suas feições.


― Vou checar e, quando colocar as mãos nele... ― Sua voz
saiu mortal.

― Vamos fazer isso também. ― Alessandro sacudiu a cabeça.


― Não acredito que ainda tenho malditos traidores entre nós.

Também fiquei com raiva disso. Depois de tudo que fizemos


para limpar nosso povo de gente assim, como não percebemos
aquilo? Esperava que logo estivéssemos com o espião nas mãos.

― Vamos pegar o maldito e mandá-lo todo retalhado a Paolo


― garantiu Stefano com um sorriso e me avaliou. ― O que foi aquilo
sobre não deixar a garota ir embora com Valentino? Pela sua cara,

era como se quisesse matá-lo.


Mália ocupava todos os meus pensamentos. Tinha chegado a
hora de eu abrir o jogo com ela. Não iria renunciar à minha garota, o

que eu estava sentindo por ela era forte a esse ponto. Fosse como
fosse, eu lhe diria toda a verdade, mesmo correndo o risco de ela
não me perdoar.

― Rafaelle! ― exclamou Stefano. ― Você também foi fisgado!


Não acredito nisso! ― Ele estava de olhos arregalados. ― Que essa
moda não pegue em mim.

Sorri.
― Será o próximo. E espero que a menina o faça correr atrás
dela para fazê-lo pagar essa sua língua ― provoquei-o.

Ele riu.
― Não corro atrás de ninguém. Elas que o fazem ― falou com
convicção.

Sacudi a cabeça. Era bom sorrir um pouco, aliviar o peso, mas


então pensei no que teria que revelar à minha menina, e meu

sorriso morreu.
― Está acontecendo algo. O que é, Rafaelle? ― Alessandro
era sempre observador.

― Terei que dizer a verdade a ela. Isso irá levá-la para longe
de mim. ― Senti-me como se tivesse levado um soco apenas com a
ideia. Essa dor era pior que a ferida.
― Está se referindo à morte do pai dela? ― meu irmão

sondou. ― Se ela o amar, irá perdoá-lo.


― Mia só o perdoou logo porque estava ferido, não se

esqueça ― disse Stefano.


Conosco era diferente. Já fazia mais de um mês do
acontecido. Ficamos naquela ilha enquanto eu a fazia feliz, quando

ela desconhecia o que tinha acontecido com seu pai. Na hora, eu só


queria que ela não sofresse, mas agora teria que revelar para o bem
dela.

Mesmo sendo libertador revelar a verdade, eu me sentia


esmagado por ter de machucá-la. Queria matar a todos os
envolvidos naquilo, incluindo a mim mesmo e ao seu irmão por

termos lhe escondido a verdade.


Capítulo 19

Mália

Eu estava a caminho de dar um passeio para não ficar

sozinha, mas os planos mudaram com a chegada de Rafaelle. Eu

sabia do que ele precisava. Aquilo era mais importante do que


conhecer a cidade, e, pela cara de Rafaelle, ele era um paciente

terrível. Não parecia seguir regras. Ele necessitava de repouso, mas

como eu o forçaria a isso se aquele homem teimoso não queria?


Como ele não quis deixar Theo vir conosco, tivemos que pegar

carona com um dos seus homens.


― Por que não trouxemos Theo? Ele é guia turístico nas horas

vagas. Poderia dirigir o carro. Assim o ajudaríamos financeiramente.

A vó dele vai fazer uma cirurgia... ― Interrompi-me diante de sua


expressão.

― Ele não tem vó doente, aliás, nem avó tem, só estava

arrumando um jeito de sair com você ― grunhiu.


Pisquei, não acreditando que aquele garoto tinha me enrolado

e mentido.

― Como sabe? ― sondei.


― Conheço todos os nossos funcionários. Mesmo não

morando aqui, vivo com os olhos em todos os negócios de minha


família. Por isso sei que aquele idiota mentiu. ― Trincou os dentes.

― Eu deveria matá-lo.

O sangue fugiu do meu rosto.

― Tudo bem, ele foi estúpido por mentir, mas você não precisa

chegar a tanto, né? ― Peguei sua mão e a apertei. ― Só vamos

aproveitar esse dia aqui, neste paraíso de cidade, e deixar


desmembramentos de corpos pra lá, tudo bem?
Sentia-me boba por ter caído na conversa daquele garoto. Isso
servia para eu ficar mais esperta e não cair na lábia dos outros. O

mundo fora da máfia também não era bonito.

― Por você, ele vai viver, mas estarei de olho e procurarei

saber por que ele mentiu e suas verdadeiras intenções.

― Não acho que ele me forçaria a algo ― falei mais comigo

mesma. ― Além disso, sei me defender.


Rafaelle riu sacudindo a cabeça.

― Bom saber, mas têm situações em que a defesa pessoal

não funciona. Quando algo assim acontecer, você precisa fugir e

procurar ajuda. Se não puder fugir, então enfrente o perigo e o

elimine ― falava isso com maturidade.

Pisquei ante suas palavras.

― Não vou fazer isso de novo. ― Estremeci.


― Ei... ― Passou o braço bom pelo meu ombro. ― Prometo

que não deixarei com que faça nada disso. Eu a protegerei.

― Tudo bem. Não quero falar sobre isso agora. ― Peguei meu

celular, no qual tinha pesquisado aonde queria ir, e o mostrei ao

rapaz que estava ao volante. ― Pode nos deixar aqui?

O rapaz, de nome Frank, encarou Rafaelle como se buscasse


sua permissão.
― Mália... ― começou Rafaelle assim que lhe mostrei o

endereço.
― Ou você vai comigo ao hospital fazer um check-up agora,

ou vou prosseguir em meu caminho sozinha ― avisei em tom firme.


― Você está sentindo dor, Rafaelle, posso ver. Precisa repousar,
não ficar andando por aí.

Ele suspirou.
― Estou bem...

― Já que prefere assim... ― Virei-me para o motorista. ―


Pare o carro e me deixe aqui. Depois eu pego um Uber e vou

embora.
Um grunhido saiu do peito de Rafaelle.
― Pode prosseguir para o hospital, Frank. ― Sua voz saiu

baixa.
― Não fique com raiva, é para o seu próprio bem. Só vamos lá

pedir uma opinião, pois sinto que você está dolorido.


Ele não disse nada, mas não retrucou, o que era bom.

Chegamos ao edifício onde funcionava o hospital. Frank


estava a ponto de estacionar o carro, mas Rafaelle não deixou.
― Aqui não, afinal não poderei explicar um buraco de bala.

Nos leve ao Irineu.


― Irineu é o médico da máfia? ― Eu não tinha pensado sobre

as perguntas que uma ida ao hospital geraria.


― Sim, ele cuida quando nosso pessoal é machucado ―

respondeu, enquanto Frank nos levava ao nosso destino.


― Por que raios não foi vê-lo? ― Minha voz soou dura.

― Não achei que eu precisasse. Esta dor é suportável. ―


Escorou-se no banco e fechou os olhos como se estivesse lotado de
outras dores, essas sim, insuportáveis, mas não verbalizou palavra

alguma. Será que ele usava as dores físicas para esquecer as


outras? Ouvi sobre casos assim, de pessoas que sentiam dores

carnais para esquecer as da alma.


Isso provavelmente era por causa daquela pessoa cujo nome
ele não suportava sequer ouvir, não sem parecer que estava em

meio a chamas. Eu queria ajudá-lo, mas não sabia o que fazer. Por
ora, só o ajudaria a se recuperar até chegarmos a Milão e

seguirmos por caminhos separados. Essa ideia me fez sentir como


se tivesse levado um soco.

― Nenhuma dor é suportável ― rosnei, tirando o cinto de


segurança e me virando para ele. Toquei seu rosto, fazendo com
que abrisse os olhos. ― Nunca deixe o que o atormenta dominar

você. Pode ter controle sobre isso. Não o deixe vencer.


Ouvi uma buzina, então o carro freou, e fui lançada para frente,
mas, antes que algo acontecesse, Rafaelle me pegou pela cintura.
― Coloque a porcaria do cinto ― rosnou para mim, depois

fuzilou o motorista. ― Olha a porra da estrada!


― Desculpe, chefe ― falou com um pigarro, encarando a

avenida.
Observei os olhos de Rafaelle por um segundo e me ajeitei no
banco.

― Desculpe. ― Corei, arrumando meu vestido.


Ele chegou mais perto e colocou o cinto em mim. Quando fez

isso, nossos tórax quase se tocaram. Prendi a respiração, sentindo


o seu cheiro maravilhoso, mas, antes que sua presença me

deixasse bêbada, senti cheiro de sangue. Olhei para baixo e não via
nada, mas sua roupa era escura.
― Está sangrando! ― Toquei o local devagar e o senti úmido.

Olhei minha mão, ensanguentada. ― Oh, meus Deus! Você se


machucou ao me segurar...

Respirei fundo, mas tudo doía dentro de mim por tê-lo


machucado. Se eu não tivesse tirado o cinto de segurança, nada
teria acontecido.
― Ei... ― Tocou meu queixo, fazendo-me olhar para ele. ―
Está tudo bem.
― Não está ― murmurei com os olhos úmidos.

― Vem aqui. ― Passou o braço no meu pescoço, fazendo-me


colocar a cabeça em seu ombro bom. ― Não sofra ou chore por

mim. Não valho isso.


― Não diga algo assim ― pedi e o fitei. ― Está me
protegendo, por isso se feriu.

Encontrar seus olhos me deixava fascinada, mas naquele

momento eu estava realmente preocupada.


― Mália... ― Ele foi interrompido quando o carro parou.

Olhei ao redor e notei que estávamos em frente a uma clínica.

Saí dos seus braços e abri a porta, depois me virei para ele.

― Vamos cuidar dessa ferida. Não quero que sinta mais dor.
― Não gostava que ele sofresse, doía em mim.

Rafaelle saiu do carro e se postou ao meu lado. Mesmo

andando um pouco rígido, não vi traços de dor em suas feições. Ele


se controlava bem. Teria aprendido isso com seu pai? Aquele

homem tinha sido um monstro.

― Não há necessidade de eu vir aqui ― resmungou.


― Por favor! Você elimina bandidos! Não vai me dizer que tem

medo de hospital! ― Minha voz saiu cínica. Ele estreitou os olhos.


― Ou tem medo de agulhas? O que seria estranho, afinal ―

cheguei perto dele e sussurrei ― costurou sua própria ferida e

dorme com uma faca.


Todas as noites que eu dormia ao seu lado, tirava a arma

branca dele assim que adormecia, a menos que ele fizesse menção

de que iria acordar.

― Você é de outro mundo, sabia? Devia estar conhecendo a


cidade, mas está me obrigando a ir a uma clínica. ― Suspirou,

parecendo frustrado.

― Na verdade, eu o estaria obrigando se colocasse uma arma


em sua cabeça. Só disse a verdade, que eu iria “turistar” sozinha se

você não cuidasse disso. Não quero que a ferida infeccione por

você ser um péssimo paciente e não conseguir ficar quieto. Talvez


eu deva algemá-lo na cama.

Uma emoção cruzou seus olhos, e o canto de sua boca se

levantou em um sorriso. Só então pensei nos possíveis significados

de minhas palavras.
― Não dessa forma que está pensando. ― Corei.

Ele afagou meu rosto em brasa.


― Essa cor é linda, ainda mais se for causada por mim. ―

Sorriu e se afastou antes que eu recuperasse o meu ar, que suas

palavras sugaram.
Merda, por que meu coração acelerava sempre que ele me

tocava? Na verdade, só um olhar dele me fazia sentir como se meu

coração fosse parar e acelerar ao mesmo tempo. Como eu poderia

terminar com ele naquela noite? O meu coração sangrava só de


pensar nisso.

― Não corei por sua causa ― menti e observei a clínica. ―

Vamos entrar?
Ele me avaliava com um esboço de um sorriso.

― Não foi por minha causa?

― Você é sempre um cavalheiro, então continue sendo um. ―

Sacudi a cabeça, indicando o prédio.


― Não sou um cavalheiro, Mália, sou um demônio sem alma e

não pretendo deixar de ser um. ― Seu tom se tornou sombrio.

Meu coração doeu com isso.


― Rafaelle, todos temos demônios que nos atormentam. ―

Sabia que ele quis dizer que era o próprio Mal, mas eu sabia que

isso não era verdade. ― E você não é o diabo. Seu pai, sim, por ter

feito o que fez com sua mãe.


Ele não respondeu. Rafaelle era assim, quando sofria ou algo

o incomodava, ficava quieto, preferia não se abrir muito.


Chegamos à recepção, onde uma mulher nos recebeu com um

sorriso educado.

― Boa tarde. O que posso fazer por vocês?


― Preciso ver Irineu agora ― ele disse com a voz um pouco

atordoada. Notei que respirava com dificuldade.

― Vamos, moça! ― Exaltei-me com a recepcionista. ― Chame

o médico, por favor! ― Coloquei meu braço à volta de Rafaelle. ―


Ei, não desmaie!

Ele passou o braço em meu ombro.

― Não vou. Jurei que não ia fazer isso enquanto tivesse de


protegê-la. ― Pelo seu tom, era uma promessa que lutaria para

cumprir.

― Não se preocupe comigo, vou ficar bem.

Seguimos para uma sala, mas, antes que chegássemos,


Rafaelle apagou, caindo em cima de mim. Antes que eu gritasse por

ajuda, Frank correu até mim e me auxiliou, bem como o médico.

Levaram-no para uma sala a fim de examiná-lo. Meu peito doía


fundo enquanto eu esperava pelo diagnóstico do doutor.
― Rafaelle é forte, moça, já aturou muita coisa e ainda está

aqui ― disse Frank.

Suspirei com tristeza.

― Ele estava sangrando. Os pontos devem ter estourado. ―


Olhei as manchas de sangue no meu vestido, mas não liguei. Só

esperava que ele ficasse bem.

― Teve uma vez que ele recebeu duas facadas, uma na


barriga e outra nas costelas. Ficou um dia no hospital, inconsciente.

Assim que abriu os olhos, foi embora, disse que não podia ficar ali.

― Estávamos sentados na salinha do corredor. ― Parece que ele

acha mais seguro ficar em sua casa.


― Todos achamos ― murmurei. ― Há quanto tempo o

conhece?

― Alguns anos. ― Deu de ombros. ― É um homem leal aos


seus. Mesmo agora faz isso com a senhorita.

Antes que eu comentasse alguma coisa, o médico se

aproximou de nós.

― Por favor, diga que ele está bem! ― Levantei-me ansiosa.


― Sim. Os pontos estouraram, e os suturei de volta, mas,

conhecendo Rafaelle como conheço, será difícil mantê-lo em

repouso. ― Ele parecia frustrado com essa constatação. ― As


únicas pessoas que ele ouve quando está ferido assim são suas

irmãs.
Bem, elas não estavam ali, mas eu, sim, e ele iria me ouvir.

― Vou obrigá-lo a fazer repouso ― assegurei em tom firme. ―

Posso vê-lo?

― Sim, mas ele está inconsciente agora e vai ficar até


amanhã. Tive de sedá-lo. ― Sacudiu a cabeça. ― Ele não vai

gostar disso, mas precisava. Seu corpo necessitava descansar.

― Vou ficar e cuidar dele ― garanti.


Entrei no quarto, onde Rafaelle jazia inconsciente, tão sereno,

diferente de sua habitual expressão turbulenta enquanto dormia e

era acometido por pesadelos.


Sentei-me em uma cadeira ao seu lado e peguei sua mão.

― Fique bem logo, ok? Não posso pensar em você

machucado. ― Toquei seu rosto. ― Espero que um dia a dor e o

tormento que o acompanham passem.


Queria ter forças para estar com ele até que se curasse, mas

vê-lo daquela forma me machucava demais. Desejava que fosse

feliz, mesmo que sem mim. Eu não sabia o que tinha acontecido
com a tal Violetta, mas foi tão terrível que Rafaelle almejava sentir

dor carnal para não ser devorado vivo por outro tipo de dor.
Desejo que um dia esse sofrimento passe, pensei, colocando a
mão em seu coração e ignorando o ciúme que me consumia ao

imaginar Rafaelle interessado em outra... talvez amando-a.

Uma dor forte abalou meu peito ante o pensamento, mas a


afastei; precisava focar em ajudá-lo na sua recuperação.
Capítulo 20

Rafaelle

Acordei com dores por todo o corpo. Não achei que fosse

desmaiar de novo. Essa porra de tiro está ficando pior, pensei

amargo.
― A bela adormecida acordou? ― inquiriu uma voz nada

amigável ao meu lado enquanto uma faca pressionava minha

garganta. Eu poderia tentar lutar, mas não o fiz. O quarto estava na


penumbra, mas eu sabia quem estava ali. Relaxei na medida do

possível.
― Onde está Mália? ― Procurei-a com os olhos, mas não a

encontrei.

― Saiu. Tive que pagar a uma das enfermeiras para levá-la


para longe a fim de assinar alguns papeis, burocracia de hospital,

assim eu falaria com você a sós.

― O que veio fazer aqui? ― questionei baixo, com um


rosnado. ― Agora tire essa faca da minha garganta antes que eu o

retalhe com ela.

― Depende da resposta que me dará agora. E, se mentir,


saberei ― rosnou Razor, apertando mais a lâmina.

Suspirei.
― Manda ver. ― Não o temia, e não custava nada dizer a

verdade.

― O que está rolando entre você e minha irmã? ― Foi direto

ao ponto. ― Vi a luta dela consigo mesma, não querendo deixá-lo.

― Ela é minha ― declarei, encontrando seus olhos na

penumbra. A única luz ali era a que vinha de fora, que adentrava
através da janela.

― Se a estiver usando...
― Não estou. Faria tudo por ela, inclusive entrar na frente de
uma bala, o que já fiz. Acha que eu teria feito isso por um maldito

território? ― retruquei. ― O que veio fazer aqui?

― Precisava falar com você, mas minha irmã não pode saber

nada do que vou lhe dizer. ― Afastou a faca e se sentou em uma

cadeira ao meu lado, parecendo derrotado.

― Quer que eu minta ainda mais para ela? ― Só pensar nisso


me deixava furioso.

Sentei-me, escorei-me na cabeceira do leito e o encarei.

― Foi meu tio que matou minha mãe e meu pai ― revelou,

parecendo devastado.

Franzi a testa.

― Disso você já suspeitava. Hoje, mais cedo, disse que estava

buscando provas. Até Mália suspeita de Ulisses.


― Na verdade, foi ontem. Você está há um dia e meio

apagado.

Arfei.

― Merda! ― Mália devia ter ficado arrasada todo aquele

tempo ali.

― Tudo indicava que era ele. Frio e calculista, ambicioso,


diferente de Tomaso... ― Precisou respirar. ― Merda, como fui cego
assim? Como não vi isso vindo?

― O que aconteceu? ― perguntei, preocupado que aquilo,


fosse o que fosse, respingasse em Mália.

― Tudo estava dando certo, o plano corria perfeitamente,


consegui provas de que Ulisses era o traidor, que tinha matado
meus pais, e tive a minha vingança. ― Sua voz estava dura.

― E você se vingou do homem errado ― deduzi.


Ele ficou de pé, olhando a janela.

― Porra, Ulisses tentou proteger minha mãe, pois tinha


descoberto sobre Tomaso estar traindo meu pai, seu próprio irmão...

Arregalei os olhos, entendendo aonde ele queria chegar.


― Parece que ele queria ser Don, mas, como meu pai era o
irmão mais velho, obteve o título de chefe após meu avô morrer.

Isso deixou Tomaso guardando rancor por anos e agindo contra


meu pai. Tomaso mudou, ficando frio e cruel, mais do que

normalmente somos em nosso mundo, embora fingisse o tempo


todo, até que mamãe desconfiou, pois meu pai contava tudo a ela.

Eles não tinham segredos. ― Sua voz estava quebradiça como


vidro.
― Então ele matou seus pais, o irmão e a cunhada. ― Só em

pensar em ferir meus próprios irmãos, meu coração se encolhia do


tamanho de uma noz.

― Sim. Primeiro minha mãe, que descobriu todo o esquema.


No dia do ataque à nossa casa, Ulisses, que vinha investigando o

consigliere, revelou a verdade ao meu pai. Acredito que ele


confrontou o irmão, por isso foi morto. Irei saber quando colocar

minhas mãos em Tomaso. ― Sua voz estava tensa e furiosa. ― Ele


armou tudo, mandando matar minha mãe e um policial que não
estava na folha de pagamento do meu pai, armando para que ela

fosse considerada uma traidora. Vasco eliminou os dois a pedido de


Tomaso.

― Vasco? ― Franzi a testa. Não me recordava de ninguém


com esse nome.
― Ele é nosso assassino profissional, usado quando

queremos eliminar um alvo de modo a não ser descoberto. Sua


função é executar. ― Virou-se para mim, mas não pude ler sua

expressão.
― Isso é fodido.

― Sim. O pior é que agora minhas mãos estão manchadas


com o sangue da minha família. Matei um inocente, enquanto o
culpado ainda respira.

― Como descobriu tudo isso? Colocou as mãos no assassino?


― Sim. Assim que você falou sobre a lembrança de Mália, eu
soube quem ele era e fui atrás dele. Torturei-o em busca de
informações. ― Suspirou e se sentou de novo.

― Você é o Don, mande matar Tomaso. Ou você faz isso, ou


eu faço; prometi a Mália.

― O problema agora é que ele desapareceu após eu ter


descoberto a verdade. Ele sabe o que farei quando colocar minhas
mãos nele. ― O aço era evidente em sua voz.

Porra!
― Ulisses queria me ajudar, e no final eu o matei! ― Ele não

parecia respirar bem.


― Como soube disso tudo?

― Ele me disse quando estava morrendo e deixou um pen-


drive com provas concretas de quem era o mandante. Vinha
investigando ― sussurrou. ― Preciso saber a verdade. Dependo

dela para saber se levo Mália comigo agora; assim sairemos de sua
vida.

O meu peito se apertou com essa ideia. Não podia nem pensar
nisso.
― Acho que tenho minha resposta ― disse ele, lendo minha

expressão, embora não tivesse muita luz. ― Talvez eu morra nessa


luta contra o meu tio, pois acabei de descobrir que se aliou ao
Sultão, por isso corri aqui na tentativa de alertá-lo. Posso não ser
capaz de lhe dar o que prometi, parte do meu território. Então minha

pergunta é: ainda vai continuar protegendo Mália mesmo se eu não


puder cumprir nosso acordo? Se não for, vou...

― Vou protegê-la... ― Ignorei a dor em meu peito com a ideia


de ela ir embora. Não queria pensar nisso, nem em alguém
machucando-a. ― E, quanto à verdade sobre o seu pai, não posso

esconder isso dela por mais tempo. ― Inspirei fundo. ― Queria

protegê-la desse sofrimento, mas não posso fazer isso.


― Eu também queria, mas não tenho como. ― A dor era

visível em sua voz. ― Mas não podemos lhe contar tudo. Se ela

souber que foi Tomaso, Mália irá até ele para matá-lo...

― Ela não o faria.


― Faria, sim. Conheço minha irmã. Assim que souber a

verdade, não raciocinará, irá procurá-lo. Isso seria sua morte. Não

posso deixar que aconteça, preciso evitar isso. ― Senti-o


estremecer, assim como eu mesmo.

― Se quiser, eu o mato. Prometi a Mália que faria isso para

ela. ― Ajeitei-me na cama, tentando aliviar aquela maldita dor, não


apenas a física, mas também a da alma.
― Não, isso é um assunto entre mim e meu tio. Tenho um

plano formado. Vou fazer com que ele pague caro ― falou em tom
baixo e agoniado. ― Sabe? No fundo eu estava contando que

acontecesse algo entre você e Mália. Sabia, pela forma como trata

suas irmãs, que, se se importasse o bastante por ela, moveria o Céu


e o inferno para protegê-la.

Fiquei chocado com essa admissão, mas grato por ele a ter

confiado a mim.

― Não posso continuar escondendo coisas dela. E se eu não


conseguir? Isso tudo vai destruí-la, assim como quando ela souber

do seu pai. ― Mália parecia uma menina durona, mas no fundo era

sensível.
― Farei tudo para voltar logo, mas, até lá, ela não pode saber

da morte do papai. Vou buscar a minha verdadeira vingança; está

em andamento agora. ― Ficou de pé, indo em direção à porta, mas


parou e virou a cabeça na minha direção.

― Eliminei o garoto para você, afinal sua ideia era entregar

Mália ― informou.

Franzi a testa.
― Garoto?
― Aquele que trabalhava em seu hotel, Theo Wesling. Ele foi

comprado. Achou-se no direito de levar a minha irmã a determinado

lugar. Por sorte você o impediu. ― A fúria retumbava em sua


expressão.

― Theo? ― Então me lembrei do “merdinha” que tinha

inventado ter uma avó doente, quando nem sequer tinha uma. ―

Para quem iria levá-la? Não pode ter sido para Sultão, a menos que
ele tenha descoberto que estamos aqui.

― Não, para o meu tio. Tomaso lhe pagou para levá-la, então

acredito que logo pode ter mais pessoas indo atrás dela. Por isso a
quero longe disso tudo. Alguém vai vigiá-la de longe, e, se ela correr

qualquer perigo, ele o eliminará.

Não gostei disso.

― Quem é esse vigilante?


― Uma pessoa que pertenceu à nossa organização uma vez,

mas saiu há alguns anos.

― El Diablo? ― Ele tinha ficado algum tempo na máfia


espanhola antes de formar sua agência de assassinos de aluguel.

― Sim. Somos velhos amigos, e ele ficou de observá-la para

mim. Então, mesmo eu não estando com ela, Mália ficará segura.
Vocês dois cuidarão de sua segurança. ― Ele parecia confiar nisso.

― O que ia acontecendo com esse moleque não pode se repetir.


― Valeu por ter se livrado daquele maldito garoto que pensava

em sequestrá-la. ― Só de pensar nisso, eu sentia raiva por não ter

acabado com ele antes.


― Não por isso. Devia chamar o doutor, está com dor, posso

ver. Você ferido não ajudará em nada. Quem a protegerá de perto?

― Tudo bem, mas escuta: se precisar de reforço para qualquer

coisa, pode contar comigo...


Ele riu de novo, parecendo ter gostado de meu oferecimento.

― Valeu, mas não, já tenho pessoas suficientes para me

ajudarem. Só foque em cuidar de Mália. Agora preciso ir. Tome


conta dela.

Após sua saída, fiquei ali, no escuro, respirando de modo

irregular ao pensar nos perigos que estavam sobre nossas cabeças,

embora eu não me importasse comigo, apenas com Mália. Minha


função era mantê-la segura. Derrubaria todos que ousassem sequer

querer tocar em um fio de cabelo dela.


Acordei cedo, sem pesadelos, após poucas horas de sono.

Ainda assim, sentia-me descansado, como se não dormisse havia

anos. De fato, os pesadelos constantes perturbavam muito as

minhas noites.
Senti o cheiro de Mália ao meu lado. Ele recendia por todo o

quarto, deixando-me inebriado.

― Não devia ter me sedado ― acusei o doutor assim que ele


entrou.

Ele engoliu em seco, temendo-me. Às vezes eu tinha que ser

duro, mas aquele não era o momento para isso, reconhecia.

Precisava ficar curado logo, assim poderia tomar conta de Mália.


― Pare de pegar no pé do médico, ele só cuidou de você ―

ralhou Mália, acordando e se sentando. Corou ao fitar o doutor. ―

Desculpe-me ter apagado aqui...


― Entendo, senhorita, pode ficar à vontade. Só vim checar

como anda o paciente. Eu ia dizer a ele que precisa de repouso e

que prefiro que fique aqui...

― Isso não vai acontecer ― cortei-o. A clínica não tinha


segurança, Razor entrara ali e eu havia acordado com uma faca na

garganta. Se fosse outra pessoa, Mália e eu estaríamos mortos.


― Rafaelle. ― Mália saiu da cama e ficou de pé. Mesmo

desgrenhada por ter dormido de modo desconfortável, ainda era tão


linda.

― Não, vamos embora para o meu apartamento. Não posso

ficar aqui ― falei decidido.

Ela tentou me convencer do contrário, mas a sua segurança


era tudo, então peguei meus remédios e fui embora dali o mais

rápido possível.

― Você é muito teimoso ― resmungou Mália ao meu lado, no


elevador, já no prédio onde ficava a cobertura.

Tentei beijar seus lábios, mas ela virou o rosto, então minha

boca tocou sua face.


― O que foi? ― sondei.

Ela respirou fundo.

― Estive pensando. É melhor nós...

Acreditei que o solavanco que meu coração deu seria ouvido a


quilômetros.

― Se você quer terminar, não vou aceitar. ― Escorei a cabeça

na parede do elevador. ― Eu só pedi um tempo para lhe contar


tudo...
― Eu sei, Rafaelle, mas não posso deixar que nossa relação
se aprofunde com você apaixonado por outra...

Arregalei os olhos para ela, pois isso me pegou de surpresa.

― Apaixonado por outra? ― indaguei quando o elevador se


abriu.

Ela saiu rapidamente dele, entrando na sala como se não

quisesse ficar perto de mim.


― Sim, então não posso permitir. No final, sairei com meu

coração esmagado. ― Sua voz saiu baixa e triste.

― Nunca me apaixonei, nem sabia que era capaz de sentir tal

sentimento por uma pessoa... até conhecer você.


Ela se virou para mim de olhos arregalados.

― Não. A forma como chamou o nome de Violetta... ―

Estremeceu. ― Você a amava.


Retraí-me ante esse nome, mas não pelo motivo que ela

pensava.
― É disso que estou falando. Pela forma como age, essa
pessoa morreu. No fundo entendo uma dor assim, de perder quem

se ama. Queria ser forte para deixar com que você a esquecesse...
― Sacudiu a cabeça, parecendo tomada pela dor. ― Mas não
consigo...
Eu estava chocado demais com suas palavras, porque, mesmo
naquela época, quando eu tinha 14 anos, não pensei em nada
disso. Porra, só em imaginar algo assim, eu me enojava. Tinha

fodido mulheres mais velhas que eu, mas nunca uma mais nova,
ainda mais uma criança. Matara o homem que ousou tocá-la e os
outros que a assassinaram.

Mália sacudiu a cabeça.


― É melhor assim, cada um seguir seu caminho. Vou ajudá-lo
a se recuperar e, quando eu for embora para Milão, terei uma vida

nova, longe da máfia. ― Ela respirou fundo, encarando-me, velando


suas emoções. ― Tenho sonhos e não quero deixá-los de lado.
Então a ideia do meu irmão de eu viver lá fora é boa, e com você

não terei essa oportunidade.


Ouvir aquelas palavras foi como sentir um soco no estômago
ou na ferida que estava me matando. A dor me sufocou por dentro

um segundo, deixando-me sem chão.


Mália foi para o quarto, ao passo que fiquei na sala, contendo

o que estava sentindo. Devia ir atrás dela imediatamente a fim de


esclarecer quem era Violetta, mas meus músculos estavam
travados no lugar. Ela sonhava com essa vida longe da máfia, o que

não podia acontecer naquele momento.


Eu estava devastado com suas palavras, pois achei que
estávamos na mesma sintonia, mas enfim via que não. Senti-me
vazio de bons sentimentos, apenas a dor me sufocava.

Porra, o que faço agora?


Capítulo 21

Mália

Era para termos voado para Milão havia dois dias, mas

algumas pessoas sabiam que estávamos indo e estavam de tocaia,

então meu irmão abortou a missão, dizendo para esperarmos mais


um pouco em Sydney.

Durante esse tempo, foi difícil lidar com Rafaelle. Mantê-lo no

apartamento foi quase impossível. O homem não parava quieto.


Assim que acordou no hospital, saiu de lá o mais rápido

possível. Insisti que ficasse, mas não tive êxito. O pior era que ele
queria sair para fazer negócios. Não deixei que acontecesse. Tive

que trocar a senha da porta da cobertura para obrigá-lo a repousar.

― Mália, realmente preciso sair ― me disse enquanto eu


estava sentada na sala, observando o horizonte pela parede de

vidro.

― Eu também precisava fazer muitas coisas, inclusive


conhecer esta cidade ― retruquei, encarando a vista.

Na verdade, andar por aí não era bem o que eu necessitava,

mas sim ter mais espaço. Ficar próxima a Rafaelle estava se


tornando difícil demais. Mentir para ele sobre querer viver longe da

máfia, e, por conseguinte, dele, estava me matando... mas vi o


sofrimento em seu rosto só em pensar na Violetta. Eu não podia

forçá-lo a nada. Era melhor ficarmos longe, mesmo que a dor

estivesse me esmagando.

― Então vamos. Ficar neste lugar está me deixando inquieto.

― Suspirou.

― Aprecie a vista. ― Indiquei o horizonte, fazendo-o trincar os


dentes. Suspirei também e olhei para ele, ali parado, de braços

cruzados. ― Seus pontos estouraram na última vez que saiu,


lembra? E, por mais que eu ache que a dor é sua segunda natureza,
não deixarei com que a sinta. Preciso vê-lo recuperado.

Esses dias foram turbulentos, principalmente à noite, pois não

conseguia dormir o suficiente, mas não podia deixá-lo agitado

demais em seu sono. Comigo ao seu lado, ele ficava mais calmo,

era como se sentisse minha presença até na inconsciência. De

qualquer forma, eu não podia deixar com que sofresse e se ferisse


mais ainda ao dormir com aquela maldita faca.

Após nossa conversa no dia em que ele saiu da clínica, fui

para o meu quarto na esperança de que viesse atrás de mim, mas

não veio. Isso doeu demais, porém eu não ia ficar chorando à sua

frente, pois não queria que se sentisse culpado por não gostar de

mim. Chorava em silêncio quando ele dormia, assim não ouviria

nada.
Ele tinha aceitado as coisas que eu disse, porque não tentou

me tocar mais. Mesmo dizendo que nunca havia amado ninguém, a

dor era visível em seus olhos. Não havia como ele mentir a respeito

daquilo. Talvez tentasse convencer a si mesmo.

― A dor não é minha segunda natureza ― contestou-me.

Suspirei e fiquei de pé, fazendo-o checar meu corpo, vestido


com um shortinho e um top. Vi saudade em seu olhar, mas ele não
fez menção de me tocar. Isso doeu como um soco. Queria que ele

ao menos lutasse por mim, por nós, que mostrasse que o que
tivemos foi real.

O que eu sentia por ele estava ficando mais forte. Cada vez
que chegava perto dele sentia-me como se fosse o próprio Sol de
tão quente. Entretanto, sabia que tinha que me manter longe.

― Pode não ser, mas você gosta de senti-la para apagar a que
realmente sente, essa que não o deixa dormir direito. ― Postei-me à

sua frente. ― Agora pare de ser ranzinza.


Ele andava com mais raiva durante esses dias. Não disse

nada, só foi na direção da sacada. Fui atrás dele.


― Estou dizendo isso para o seu bem! Enquanto estiver
comigo, irá tomar a porcaria dos remédios e ficar de repouso!

Depois que formos embora e cada um seguir seu caminho, por mim
pode dar até malditas cambalhotas!

Estava cansada demais para discutir com ele, que não sabia o
que eu passava toda noite ficando ao seu lado, sem conseguir

dormir direito só para ele ter algumas horas de sono tranquilo. Não
me arrependia, faria de novo, não reclamava quanto a isso, mas de
ele não se esforçar para se curar.
Rafaelle piscou diante de minha explosão, mas não fiquei ali,

não queria ouvir suas desculpas, então fui para a cozinha preparar
alguma refeição. Eram três coisas que eu gostava de fazer quando

estava agitada: patinar no gelo, nadar e cozinhar. Como não podia


fazer nenhuma das duas primeiras...

Comecei a fazer pies, ou as famigeradas tortas, um dos pratos


típicos da Austrália. Optei pela de carne, depois pela pavlova, uma
torta de frutas, merengue e suspiro.

Ouvi seus passos me seguindo, mas fingi que não notei e


foquei em cozinhar. Ainda bem que a despensa tinha sido

abastecida antes de eu nos trancar ali.


― Me desculpe. Vou pegar leve, tá? Vou fazer o que você
quiser. É só que ficar perto de você sem tocá-la é difícil. ― A dor

estava em cada palavra.


Inspirei fundo, controlando os meus sentimentos. Naquela

hora, só queria poder enfiar minhas mãos em seu peito e tirar seu
sofrimento, mas não podia fazer aquilo nem com o meu.

― Também está sendo difícil para mim. ― Respirei fundo, não


me virando, assim não encontraria seus olhos.
― Ela tinha 8 anos... e eu, 14...
A panela caiu das minhas mãos sobre a pia, e me virei para
ele, de pé perto da mesa, encarando-o com os olhos arregalados.
― Não me dê esse olhar, nunca a toquei, a tinha como uma

irmãzinha pequena que precisava de mim. ― Sentou-se na cadeira,


como se temesse ficar de pé e cair. ― Você quis saber sobre o

significado de minha tatuagem. Pois bem, a rosa é ela, a adaga é...


O meu coração se fragmentou de uma forma que senti vontade
de chorar, pois sabia que o que viria dali não seria nada bom. Era

claro que eu sabia que ele nunca tocaria em uma criança, mas a
idade de ambos me deixou chocada.

― Não precisa contar se não estiver pronto. ― Fui até ele e


toquei seu rosto. ― Sou uma idiota por forçá-lo a se abrir. Vejo que

o que aconteceu com essa garotinha o deixou péssimo.


Ele passou os braços à minha volta, aconchegando a testa em
minha barriga.

― Essa culpa me consome há anos. ― Sua voz era tão baixa


que pensei ter ouvido.

Culpado? O que ele tinha feito para se sentir dessa forma?


Estava curiosa, mas não queria forçá-lo a me dizer a verdade. Alisei
seus cabelos.
― Não precisa dizer nada agora. No dia em que estiver pronto,
fale. Não precisa ser comigo, mas com alguém em quem confia.
Ele respirou fundo algumas vezes, então apertou mais o braço

ao meu redor e levantou a cabeça. Seu olhar parecia o de um


menino perdido.

― Confio em você e em meus irmãos. ― Assentiu, parecendo


mais calmo. ― Obrigado por não insistir que eu revele esse fardo
que carrego.

Perguntei-me se, caso eu insistisse, ele me contaria o que

tinha acontecido com Violetta, mas não queria lhe causar mais dor.
― Jamais faria isso. Não se deve obrigar ninguém a falar algo

quando a pessoa não está pronta. ― Esquadrinhei seu rosto. ―

Obrigada por esclarecer, não me deixar pensando que você amava

outra.
― Eu não queria fazer isso, quis te contar, mas então você

falou que precisava se afastar de mim... Achei que deixá-la

pensando assim seria o certo, mesmo que me sentisse esmagado


com a distância ― sussurrou. Fiquei chocada. Estava a ponto de

abrir minha boca para falar após me recuperar, quando ele

continuou: ― Preciso te contar uma coisa. Sei que falou sobre ter
uma vida normal longe de mim e da máfia.
― Eu disse aquilo em uma tentativa de afastá-lo. Foi difícil

pensar que era apaixonado por outra. Não podia disputá-lo com
alguém que nem aqui estava.

― Nunca houve ninguém da forma como pensa. ― Escorou as

costas na cadeira. ― O que preciso lhe dizer é que pretendo levá-la


comigo para minha casa. Não poderei deixar você ficar no local que

seu irmão planejou. Surgiram alguns imprevistos, então você não

poderá ficar longe de mim.

― O que complicou? Meu irmão e meu pai estão bem? ―


Minha voz se elevou.

― Está tudo bem, não é isso. O problema é que Sultão

descobriu que seu irmão foi morto e soube que nós estávamos lá,
pois, antes de atacar o navio, Saulo o alertou. Agora nós somos

procurados por ele. ― Sua voz estava estranha. Parecia que tinha

algo mais que ele não quis me dizer.


Eu estava a ponto de sondar, mas ele continuou:

― Sultão eventualmente me achará e pode acabar

machucando-a. Não permitirei isso, por esse motivo estarei ao seu

lado o tempo todo. O lugar mais seguro é minha casa.


― Mas fui eu que... ― Engoli em seco.
― Todos pensam que fui eu, e vai continuar assim. Vou lidar

com tudo...

Ri amarga.
― Dessa forma? ― Indiquei a ferida. ― Quer ser baleado ou

coisa pior?

― Ficarei bem. Agora focarei em fazer a coisa certa. Vou caçá-

lo antes e destruí-lo. ― Pegou minha mão.


― Não quero que se arrisque por minha causa. ― Aproximei-

me mais e me curvei de leve, encostando a minha testa na dele.

― Não vou. Tomarei cuidado e não estarei sozinho nessa


caçada. Mesmo que você fique em minha casa, assim que eu me

recuperar cem por cento, terei que viajar à procura de Sultão. Não

quero que chegue ao meu território, perto da minha família e de

você. ― Ele parecia chateado por ter que ficar longe durante esse
tempo.

― Podemos fazer assim: enquanto estivermos juntos, vamos

aproveitar e torcer para tudo acabar logo. ― Eu vinha bolando um


plano em minha cabeça. Não deixaria que ele se ferisse mais, iria

ajudá-lo e sabia exatamente quem me auxiliaria com isso. Ao

menos, eu esperava que o fizesse. Porém não diria nada ao

Rafaelle, ele com certeza tentaria me impedir.


― Agora não quero falar disso. ― Seu hálito quente banhou

meu rosto. ― Quero beijá-la ― falou com desejo e algo mais.


Por um momento, a visão dos seus lábios me distraiu. A

vontade de beijá-lo era forte demais.

― E o que acontece com a gente? Somos namorados ainda?


― sussurrei.

― Sim, minha namorada ― disse as palavras como se as

conferisse. ― Gosto do som disso.

― Eu também gosto... Gosto de tudo com você ― falei,


tentando evitar corar.

Ele se levantou, e eu fiquei na ponta dos pés e dei um beijo em

sua boca. Foi só um selinho, mas senti como se estivesse perto do


Sol. Sempre era assim com ele.

Peguei um morango na fruteira sobre a mesa, mordi metade

dele e me aproximei da sua boca. Seus olhos eram brasas ardentes,

tão quentes que me tiraram o fôlego. O tormento sobre Violetta tinha


sumido deles. Eu estaria ao seu lado para ajudá-lo a passar por

isso. Só esperava que me permitisse.

Rafaelle passou a mão em minha cintura e se apossou dos


meus lábios. Juro que foi como se uma onda gigante me

consumisse dos pés à cabeça. Sua língua era habilidosa contra a


minha, tão faminta como uma pessoa sedenta. Fazia tempo que não

nos beijávamos, eu estava sentindo muita falta disso.

Contudo, minha vontade era de ter mais que os seus lábios.

Levei minhas mãos às suas costas por debaixo da camisa.


De repente, estava sentada na mesa com ele entre minhas

pernas. Eu sentia sua necessidade ali, junto à minha.

― Minha doce Mália. ― Seguiu os lábios por meu pescoço e


orelha, fazendo-me ficar toda arrepiada. ― Como senti falta de seu

cheiro, de sua pele...

― Meu doce Rafaelle ― imitei-o, fazendo-o rir. Sua risada fez

meu corpo vibrar mais que o beijo. Puxei sua cabeça e capturei
seus lábios, apertando mais nossos corpos, que ansiavam por se

fundirem em um só.

Entretanto, um cheiro de queimado nos interrompeu. Além


disso, a lembrança de sua ferida voltou ao meu cérebro frito. Não

era o momento para fazermos aquilo.

― Merda! ― Afastei-me de Rafaelle e corri para o forno, onde

a torta de carne jazia queimada. Eu ainda estava tentando me


recuperar das emoções. Desliguei o fogo. ― Está toda destruída.

― Podemos sair para comer fora ― sugeriu, passando os

braços à minha volta, abraçando-me pelas costas.


Virei a cabeça em sua direção.

― Você me beijou e me deixou bêbada assim só para eu


deixar a comida queimar e enfim sairmos do apartamento? ― Meu

tom era de descrença.

Ele riu ao beijar meu rosto.

― Poderia dizer que sim, mas estaria mentindo, embora, se eu


soubesse que beijá-la a deixaria embriagada, teria feito isso mais

cedo. ― Beijou a ponta do meu nariz.

― Você é mais lindo quando sorri ― falei, embasbacada.


― E você é linda o tempo todo ― disse-me com um olhar

intenso.

Toquei seu peito de leve para não o machucar.


― Não gosto dessa sensação de deixá-la nem que seja por

um breve segundo. ― Abaixou-se e beijou meus lábios de modo

terno e suave.

― Também não gosto, mas agora não vamos pensar nisso.


Preciso te alimentar...

O calor se apossou mais de seus olhos lindos, que varreram

meu corpo.
― Gostaria disso. Estou sonhando com a minha vitamina. Faz

dias que não a provo. ― Sua voz arrastada e sexy fez minhas
pernas ficarem bambas.
― Estou falando de comida, e você está muito ferido para se

esforçar a esse ponto. ― Corei e segurei na barra da sua camisa,

começando a levantá-la.
― Por isso vai tirar minha camisa? ― provocou com um

esboço de sorriso.

― Não, preciso checar como está o ferimento. Não posso


deixá-lo andar por aí se não estiver bom. ― Tinha uma gaze sobre a

ferida. Assim que a tirei, notei que estava seca. Isso era bom. ―

Como está realmente? Sem essa de dizer que está bem quando

não está.
Ele segurou minha cabeça e me beijou rapidamente antes de

responder:

― Estou ótimo, louco de tesão por você. ― Deu mais beijos


suaves em meu rosto em ambos os lados.

― Não pode se esforçar, pode estourar os pontos ― falei,


tirando minha mão de sua barriga, mas foi difícil.
― Se você se sentar na minha boca, a única coisa que

mexerei será minha língua.


Esse homem me deixava quente em todos os lugares, não só
meu corpo, mas também meu coração.
― Isso é tentador. ― Sorri, sacudindo a cabeça. ― Mas não.
Agora vou me arrumar para a gente sair.
Ele fez uma careta como se estivesse sofrendo.

― Não me olhe assim, logo ficaremos ― afirmei e me afastei.


― Já volto. ― Dei-lhe mais um beijo e fui para o quarto.
Tirei as roupas, ficando completamente nua. Optei por um

vestido de costas nuas e decotado na frente. Como era muito justo,


revelava a marca da calcinha, então eu não a usaria. Estava
sentada na cama e a ponto de me vestir quando a porta foi aberta.

― Rafaelle...
Ele andou até mim e me lascou um beijo que me deixou sem
fôlego. Senti o colchão sob minhas costas, enquanto seu corpo

pairava sobre o meu, mas ele logo se afastou.


― Porra! Não acredito nessa merda! ― praguejou, deitando-se
na cama e respirando fundo. ― Você nua, e eu não posso fazer

nada.
Fiquei preocupada. Forcei meu cérebro a deixar meu desejo

de lado e focar nele. Toquei seu rosto.


― Está tudo bem? O que eu falei para não se esforçar? ―
repreendi-o.

Ele me olhou.
― Não consegui evitar. Vê-la assim me deixa doido de desejo.
― Triscou o bico de um dos meus peitos. Evitei estremecer, mas
eles ficaram duros com seu toque.

Sacudi a cabeça e suspirei, tocando sua braguilha.


― Fica quietinho, ou não vou fazer nada ― ordenei-o.

― Sim, senhora, não farei nada. ― Ficou quieto, mas o notei


ansioso.
Desci suas calças e cueca, deixando seu pênis livre. Estava

duro e pronto, a cabeça minando pré-sêmen. Isso me fez querer


outra coisa que ainda não tinha feito nele.
― Monte na minha cara primeiro ― rosnou. ― Quero prová-la

antes.
Arfei, os olhos arregalados. Quando ele disse isso mais cedo,
não acreditei, achei que ele estivesse brincando.

― Rafaelle...
― Não vai me machucar, prometo, só vou mexer minha boca.
― Deu-me aquele sorriso que balançava meu coração.

Respirei fundo.
― Tudo bem, mas, se você se mexer, eu paro. ― Subi em seu

rosto, evitando corar por ficar assim exposta para ele, mas seus
olhos quentes quase me fizeram gozar.
― A visão mais perfeita que já tive. ― Inspirou. ― O perfume
dos deuses. Adoro.

Gemi com suas palavras, então quase desfaleci quando sua


boca me possuiu, sugando-me tão forte que achei que logo sairia
voando.

Suas mãos foram para minha bunda, então olhei para ele, que
me fitava com desejo e algo mais que não consegui compreender.

― Sem as mãos, ou paro agora ― avisei.


Sua resposta foi sua língua entrar em mim, fazendo-me fechar
os olhos e rebolar em sua boca sem parar até que explodi gritando

seu nome. Ainda respirava de modo desigual quando parei de


tremer e saí de cima dele.
― Gostaria de ficar para sempre comendo sua boceta ―

revelou-me com um sorriso e tentou ficar em cima de mim,


provavelmente para se esfregar em meu corpo como sempre fazia.
Sacudi a cabeça.

― Sossega sua bunda aí. ― Sentei-me e observei seu pênis,


que ficou mais ereto. ― Vou cuidar de você.
Abaixei-me, triscando minha língua na abertura da cabeça e

saboreando o gosto.
― Merda! ― ele exclamou.
Não era ruim, mas ficou melhor quando ele gemeu e percebi

que gostou. Tomei mais dele. Não precisava de instruções, já tinha


assistido a vídeos eróticos, então fiz tudo que aprendi quando os vi.
Tirei-o da boca um momento e o fuzilei assim que se mexeu na

cama.
― Parado, ou eu paro ― ameacei, abocanhando uma de suas
bolas, depois a outra.

― Porra! Isso é bom demais! ― Sua voz estava ofegante e


excitada. ― Tão perfeita e quente!

Gostei de ouvir que estava apreciando, então continuei


chupando-o e tomando-o o tanto que conseguia. Isso me deu tesão
de novo, mas era a vez dele. De repente senti seus dedos em meu

clitóris, esfregando-o. Estava sensível devido ao orgasmo de pouco


antes.
― Essa sua boca é ainda mais deliciosa saboreando meu pau

― rosnou. ― Isso, querida, chupa tudo.


Ele continuou dizendo palavras que me excitavam ainda mais,
e seus dedos em mim se tornaram urgentes.

― Estou quase... Se você não se afastar...


Eu sabia o que queria dizer, mas não parei; se ele me dera
prazer e engolira tudo, eu também podia fazer aquilo por ele.
Acelerei meus movimentos, então senti quando ele gozou no fundo
da minha garganta, ao passo que eu o fazia em sua mão.
Não o tirei da boca até não restar mais nenhuma gota, depois

me afastei e encontrei seus olhos sorridentes e lindos.


― Está melhor agora? ― provoquei, levando meus lábios aos
seus, mas parei antes de tocá-los. ― Quer que eu escove os

dentes?
Ele riu e me beijou, saboreando cada canto da minha boca,
então se afastou.

― Saborosa... Pena que não posso fazer nada mais. ―


Fechou a cara.
Fiquei de pé e me limpei. Apontei para ele, nu sobre a cama.

― Por mais que essa visão seja bela e eu a aprecie, é melhor


se vestir, ou vamos nos atrasar para comer.

Ele se levantou também e puxou suas calças.


― Agora que tive minha sobremesa, estou pronto para
almoçar. ― Beijou meu rosto vermelho.

Afastei-me, sentindo cada palavra em meu centro. Por mais


que eu tivesse aquele homem, nunca seria suficiente. Todavia,
foquei em levá-lo para se alimentar direito e me vesti.
― Não está faltando nada? ― indagou quando não vesti
calcinha.

― Não, elas deixam marcas, então não as coloco com esse


tipo de vestido ― comentei com um sorriso.
Ele piscou.

― Isso quer dizer que, em todas as fotos suas que vi nas


revistas e tabloides com vestidos assim, você estava sem calcinha?
― Sua voz saiu um pouco chocada.

― Provavelmente. Não me lembro ― admiti.


― Porra! ― Puxou-me para seus braços. ― O bom é que
ninguém saberá disso, só eu.

Ri baixinho, gostando de como isso soou.


Capítulo 22

Mália

Assim que nos vestimos e saímos do quarto, Rafaelle me

prensou na parede e me beijou com uma paixão avassaladora,

deixando-me sem ar.


― Você é muito linda, difícil resistir ― disse em meus lábios.

Seus olhos estavam escuros de desejo, mas ele pareceu se

recuperar e me puxou dali.


― Vamos embora antes que eu desista. ― Pelo seu tom,

parecia não querer sair.


― Eu gostaria disso ― comentei com um sorriso. Tinha ficado

sem fôlego pelo beijo. Então fiquei séria. ― Está realmente bem

para sair? Se passar mal, vou deixar você trancado, mas na clínica.
Ele riu e beijou meu rosto.

― Estou bem ― garantiu.

Assenti, digitando a senha para sairmos do apartamento. Já


tínhamos extrapolado demais.

Ele ergueu as sobrancelhas.

― Minha data de aniversário? Como descobriu?


― Na sua carteira, no dia em que desmaiou. ― Abri a porta, e

saímos.
― Duas vezes que desmaio e deixo você sozinha para lidar

com tudo. ― Tinha certo tom de dor e desespero em sua voz. ― Se

alguém tivesse atacado o lugar...

― Eu teria ficado bem, não se preocupe ― falei, não gostando

da sombra em sua face bela.

― Não vou deixar que aconteça mais, não quando tenho que
protegê-la. Eu lhe prometi que não a deixaria matar mais ninguém e

cumprirei essa promessa. ― Seu tom era decidido.


― Não é sua função fazer isso ― sussurrei. ― Não gosto que
se fira para me proteger.

No fundo, eu tinha certeza de que, se fosse para salvá-lo, faria

aquilo de novo. Por ele e por minha família, eu seria capaz de tudo.

― Não vamos falar sobre isso, afinal estamos saindo desse

lugar após dias em confinamento ― provocou-me, passando o

braço à minha volta.


― Não me diga que não conseguiria sair dali caso realmente

quisesse. ― Bufei. ― Com tantos homens que tem, derrubariam a

porta em segundos caso você desse a ordem.

― Verdade, mas você provavelmente ficaria magoada, então a

deixei pensando que estava me mantendo preso. ― Sorriu de lado.

― O que foi?

Eu estava sacudindo a cabeça, chocada.


― Nada, mas não teria ficado magoada, só mudaria as coisas,

prenderia você com algemas à cama ― anunciei.

Dessa vez, ele riu.

― Gostaria de ver isso. Provavelmente seria a única pessoa

que eu deixaria me algemar.

Saímos do elevador, e só então notei que tínhamos entrado


nele. Quando eu estava ao lado de Rafaelle, mal notava as pessoas
e coisas à minha volta. Focaria em sair e aproveitar aquele dia ao

seu lado.
Entrei no carro antes que ele tivesse chance de abrir a porta.

― Não faça esforços desnecessários, ou retornaremos ―


ameacei-o e bati no banco ao meu lado. ― Entra e se senta aqui.
Frank dirigiria para nós naquele dia.

― Sabe? Você é muito mandona para o seu tamanho. Daria


um bom Don ― disse-me com tom orgulhoso após alguns minutos.

Dei uma risada.


― Duvido, não conseguiria fazer nada do que vocês fazem,

como, por exemplo, bater em alguém que está preso ― murmurei.


― Talvez sim, caso fosse um inimigo, mas não tenho certeza.
Rafaelle não disse nada, mas sua expressão ficou dura. Antes

que eu lhe perguntasse o que tinha acontecido para ele ficar assim,
o carro parou.

Chegamos ao restaurante, que ficava em frente à Opera


House. Sua arquitetura era belíssima.

― Esses homens são seus? ― Notei uns dois na calçada, mas


acreditava que havia mais por ali de tocaia
― Não vou arriscar ― foi sua resposta enquanto

esquadrinhava todo o local.


Saí do carro antes dele e encarei o monumento. Estava

tentada a ir lá antes de comer, mas estava faminta. O que tínhamos


feito me deu ainda mais fome, e não vinha comendo direito durante

os dias brigados. Além disso, evitaria andar com Rafaelle ferido.


Isso prejudicaria sua recuperação.

Entramos no restaurante.
― Posso levá-los a uma mesa? ― A hostess nos encaminhou
a um canto no meio do salão.

― Algo mais privado, de onde eu possa ver a entrada ― pediu


Rafaelle.

A moça franziu a testa, mas assentiu e nos levou a um local


com boa visão da frente. Eu sabia que ele estava tomando cuidado
e nos protegendo.

― Sempre de olho. ― Sorri assim que a moça chamou um


garçom para pegar nossos pedidos.

― Tenho que estar. Tenho muitos inimigos que adorariam me


raptar e ter sua vez comigo, para não falar de você. Não posso

deixar que seja ferida.


― Acho que não é bom estar no mesmo lugar dos seus
prisioneiros, não é? ― O garçom apareceu, e fizemos nossos
pedidos, então voltei ao assunto: ― O que sentiu quando meu irmão
o prendeu?
― A verdade? Desejei matá-lo e o teria feito se tudo não

tivesse seguido por outro rumo. ― Encarou o lado de fora através


da parede de vidro. ― De qualquer forma, pode ser que algo assim

aconteça no futuro. Em nossas vidas, não temos certeza de nada,


não sabemos quando, como ou onde vai ser.
Eu não gostava de pensar em tortura, muito menos a dele e a

do meu irmão. Era algo que mexia comigo. Sentia medo por
Mariano e Rafaelle, inseridos naquele ramo de “negócios”.

― Você é muito pessimista. Tenha fé, acredite que Deus os


protegerá.

Diante disso, ele riu.


― Somos assassinos, Mália. Matamos porque amamos isso.
Gosto de ver minha presa sofrendo, gritando, e não é algo que eu

queira mudar ― disse baixinho, fazendo-me arregalar os olhos.


Antes que eu comentasse algo, seu telefone tocou. Ele franziu

a testa para a tela.


― Vou atender e já volto ― disse e saiu assim que assenti.
Devia ser o seu irmão ou alguém de sua máfia. Enquanto ele

conversava, observei o local calmo ao meu redor.


O garçom trouxe nossa comida, mas preferi esperar Rafaelle
para comer. Ele parecia frustrado discutindo com alguém ao
telefone. Quando me olhou por um breve momento, vi dor em seu

olhar antes de ele ficar vazio como o vácuo.


Quem seria na linha? O interlocutor não o deveria deixar

assim, ainda mais durante sua recuperação. Devíamos comer logo e


voltar para o apartamento.
Não demorou muito, Rafaelle voltou, mas tinha um brilho

estranho em seus olhos.

― Quem era? ― sondei assim que se sentou na cadeira. ―


Você parecia alterado. Isso não é bom, quando tem que se

recuperar.

― Nada, só vamos comer. ― Forçou um sorriso.

― Rafaelle, tem algo errado? Meu irmão e meu pai estão


bem? ― De repente, o medo me consumiu.

Algo indecifrável apareceu em seu rosto por um segundo,

então ele suspirou.


― Não, nada aconteceu. Tudo está seguindo conforme o

plano. ― Não consegui identificar nada em sua voz, mas ele estava

diferente após receber a ligação.


― Não acredito nisso! ― Alterei a voz, mas a baixei ao

continuar: ― Se continuar escondendo as coisas de mim, vou


embora agora.

Ele piscou.

― Não quero preocupá-la com todos esses problemas.


― Quero saber. ― Fui firme. ― Se estiver escondendo alguma

coisa sobre meu irmão...

― Não é sobre sua família. Lembra-se do casal que nos

ajudou na última ilha? ― Avaliava-me.


Meu peito se apertou, pois sua expressão mostrava que algo

lhes tinha acontecido.

Antes que eu saísse do meu transe, o garçom trouxe nossas


bebidas e tornou a se afastar.

― O que tem eles? ― inquiri com esperança de que estivesse

enganada.
― Eles foram executados por nos ajudar. ― Sua voz fervia de

fúria.

Meu coração bateu descompassado por pensar em Matilda e

no doutor Finn. Por nossa causa, eles não existiam mais.


Poderíamos tê-los protegido, mas era tarde demais...
― Ei... ― Rafaelle aproximou a sua cadeira da minha e

passou os braços à minha volta. ― Não chore. Não suporto vê-la

assim.
Nem notei que meus olhos estavam molhados.

― Quem fez isso? ― Sentia raiva dessa impotência. Não

podíamos fazer nada com pessoas nos caçando.

― Sultão. Como eu disse, eles nos procura. ― Olhou ao redor.


― Acho melhor irmos embora. Não quero deixá-la visível aqui,

mesmo com os meus homens em torno.

― Ele sabe onde estamos? ― Olhei à nossa volta,


preocupada.

― Não acredito nisso, mas é melhor partirmos. ― Ele estava

se levantando quando carros acelerados pararam em frente ao

restaurante.
Os homens de Rafaelle gritaram algo, mas eu estava tão

chocada que não consegui me mexer. Foi quando fui empurrada

para o chão. Logo em seguida tiros soaram, quebrando a vidraça da


frente do estabelecimento.

― Fique abaixada! ― ordenou Rafaelle, colocando a mesa à

nossa frente e nos protegendo. Deu-me uma arma. ― Fique com

isso, só no caso de precisar usar.


Eu estava em choque, mas não podia me dar a esse luxo,

mesmo com o medo me consumindo.


Gritos soavam por todos os lados, mas meu foco estava em

Rafaelle, que estava prestes a sair do restaurante.

― Fique aqui! ― pedi. ― Ainda está ferido!


― Vou ficar, mas tenho de dar cobertura aos meus homens ―

replicou e saiu do abrigo atrás da mesa, mas notei que não se

distanciou muito de mim.

Minhas mãos tremiam na arma. Chequei ao redor, vendo


sangue e pessoas inocentes mortas.

Lembranças da minha mãe na noite de seu assassinato

invadiram minha cabeça, mas eu não poderia surtar naquele


instante, Rafaelle precisava de mim sob controle. Se eu pirasse,

tanto ele quanto seus homens correriam ainda mais perigo.

Eu sentia um desejo forte de protegê-lo e faria qualquer coisa

para que isso acontecesse.


― Vamos, chefe! ― um dos seguranças gritou. ― Está do

outro lado! Pegue a senhorita!

― Pode ir, vamos dar cobertura! ― gritou outro.


Foquei minha mente no momento e respirei fundo, virando-me

para onde Rafaelle estava. Foi então que vi um homem apontando a


arma na direção dele. O meu sangue gelou. Não pensei, só apontei

para ele.

― Rafaelle! ― gritei, a ponto de atirar, mas ele se virou rápido

como um relâmpago e atirou antes que eu o fizesse. O cara caiu,


morto.

Rafaelle correu até mim com um olhar apavorado e tocou meu

rosto.
― Ei, está tudo bem... ― Ele devia ter-me visto tremendo, pois

quase atirei em alguém de novo para protegê-lo.

― Eu quase...

Ele tomou a arma da minha mão e me puxou para a porta dos


fundos.

Gritei ao ver um homem no chão, totalmente ensanguentado.

― Fique comigo! Está bem, querida? ― Rebocava-me


enquanto atirava em quem aparecia.

Chegamos ao carro, e gritei quando um tiro atingiu a lataria do

veículo, mas por sorte ele era blindado. Um homem que eu não

conhecia “arrancou” com o carro dali.


― Que porra aconteceu aqui? Eram para vocês terem

prevenido isso antes ― rosnou Rafaelle com um tom frio como o

Alasca.
O homem no volante suspirou.

― Desculpe, chefe. Não achamos que iam atacar um lugar


público, com a polícia por perto.

Rafaelle amaldiçoou baixo e olhou para mim, que estava

chocada demais para dizer algo.

― Vem aqui. ― Abraçou-me e beijou minha testa. ― Tudo


ficará bem.

Escondi o rosto em seu pescoço e inspirei seu cheiro em uma

tentativa de me acalmar, porque eu quase o havia perdido de novo,


foi por pouco. Estremeci.

― Nada irá acontecer com você ― dizia-me a todo momento.

Ele achava que eu estava assim por temer minha vida? Não
negaria, mas temia mais que ele fosse baleado de novo ou coisa

pior. Minha mente estava a mil por hora, com tudo que tinha

acontecido naquele dia, mas senti cheiro de sangue. Afastei-me

com os olhos arregalados.


― Está sangrando de novo! ― Chequei sua ferida. ― Não

acredito nisso! Assim nunca vai sarar. Aqueles malditos

desgraçados!
― Estou bem...
― Se você disser que está bem mais uma vez, vou surtar aqui!
― grunhi com raiva, não dele, mas de tantos atentados. Antes,

estavam atrás apenas do meu irmão; agora, de nós dois.

― Mália... ― Rafaelle começou a dizer quando entramos no


seu apartamento.

― Viu? Você sangra e sente dor, então pare de ser valentão.

― Fiz um muxoxo de reprovação. ― Deixe-me pegar o kit de


primeiros socorros.

Fui buscar a caixa no banheiro. Quando voltei, encontrei-o

sentado no sofá, tirando sua camisa.

― Me desculpe ― sussurrei enquanto limpava a ferida e


espalhava a medicação sobre ela.

― Ei, isso não foi por sua culpa, mas daqueles malditos que

nos emboscaram. ― Pegou meu queixo e levantou meus olhos para


os dele. ― Nunca pense isso.

― Eu o levei para comer fora. Não deveria ter feito isso.


Deveria tê-lo trancado por mais tempo. ― Coloquei o curativo,
evitando seus olhos.

― Vem aqui. ― Pegou a gaze e o esparadrapo da minha mão


e os colocou na mesinha, puxando-me para sentar-me ao seu lado.
― Não foi você. Eu insisti em sair, lembra? Deveria ter pensado que
não era seguro. Vou apurar o que aconteceu, mas acredito que
chegou a hora de irmos para minha casa em Milão.
Abracei-o, sentindo seu maravilhoso cheiro e conforto.

― Fiquei com tanto medo quando vi aquela arma apontada


para você ― sussurrei com o coração acelerado. ― Devíamos ter
ficado aqui. Eu devia estar cuidando de você.

― Você cuida de mim desde que fui baleado. Eu não poderei


agradecer-lhe o suficiente. ― Beijou meu rosto. ― Também senti
medo de perdê-la quando gritou, achei que alguém a tivesse

machucado...
Meus olhos encontraram os seus. Eu tinha temido perdê-lo,
enquanto ele fazia o mesmo.

Na mesma hora, nossos celulares tocaram, interrompendo


nossos olhares apavorados um para o outro.
Atendemos as ligações na mesma hora. Ao telefone dele, era

Alessandro; ao meu, Mariano. A notícia da ofensiva provavelmente


vazara e chegara aos ouvidos deles.

― O-oi. ― Minha voz estava falha, então pigarreei. Levantei-


me e fui para a sacada, mas Rafaelle orientou:
― Fique longe das janelas, como precaução. Meus homens

estão checando ao redor.


Assenti e fui para a cozinha, deixando-o conversar com o seu
irmão, enquanto eu fazia o mesmo com o meu.
― Mália, por Deus, você está bem?! ― Sua voz estava

apavorada. ― Soube do que se sucedeu.


― Estou bem, nada aconteceu comigo ― tranquilizei-o. Não

queria preocupá-lo. ― O que vai acontecer agora?


― Você vai com Rafaelle para Milão. Conferi o lugar, não tem
nenhum pessoal do Sultão no território. Ficará segura lá. Não vou

demorar aqui.
― Confio em você. Quero lhe contar algo. Já era para ter dito,
mas, com tudo que vem acontecendo...

― O que é? ― sondou, parecendo suspeito.


― Rafaelle e eu estamos namorando. E hoje quase o perdi,
igual aconteceu no navio. ― Limpei as lágrimas. ― Só quero que

tudo isso acabe logo, que essas pessoas que nos querem sejam
pegas e que eu possa estar com você e papai de novo.
Não queria desmoronar naquela hora para que meu irmão não

soubesse do meu verdadeiro estado emocional, mas estava tão


esgotada.

― Irei resolver isso o mais rápido possível ― prometeu. ―


Lamento, maninha, por tudo que aconteceu. Logo tudo acabará.
Braços me envolveram por trás, prendendo-me mais ao seu
corpo, como se Rafaelle não quisesse me soltar nunca. Mesmo em

meio àquela série de ataques, uma parte de mim estava feliz, pois
ele estava ao meu lado. Em sua presença, eu teria forças para
passar por tudo.
Capítulo 23

Mália

A viagem foi silenciosa. Aproveitei para dormir um pouco, mal

tinha dormido nas últimas noites que tinha passado com Rafaelle. O

assunto sobre Violetta e os ataques que sofremos deviam ter


piorado seus pesadelos, porque, antes disso, ele estava dormindo

melhor.
O jatinho particular de Rafaelle pousou em uma área que com

certeza pertencia à sua máfia. Notei vários homens ao redor,


vigiando-nos.

Ele pegou minha mala, com as coisas que eu tinha comprado

em Sydney.
― Deixa que eu levo, ainda está machucado ― falei,

estendendo a mão para ela, mas ele não permitiu.

― Eu faço isso ― afirmou com delicadeza.


Não toquei mais no assunto, pois aquele homem era muito

teimoso.

― Meu irmão disse que aqui posso sair, não há perigo ―


comentei.

― Não há. Cada canto da cidade foi checado; ninguém entra


ou sai sem sabermos.

― Tem tanta gente assim na sua folha de pagamento? ―

Sacudi a cabeça, chocada.

Ele apenas deu de ombros.

― Escuta, vai me levar à sua família, não é? Será que vão

gostar de mim? ― De repente, estava nervosa.


Rafaelle passou o braço ao meu redor e beijou meu rosto.
― Eles vão amar você. Quem não o faz? ― Tinha um toque
de ternura em suas palavras.

Em um carro preto, estava um jovem da minha idade ou um

pouco mais velho. Parecia-se com Rafaelle nos traços, a única

diferença era que esse garoto tinha olhos e cabelos escuros, mais

compridos em cima e curto nas laterais, além de uma barba rala.

― U-a-u... Acredito que Razor tinha as mãos cheias


espantando os gaviões. ― Esboçou um sorriso sedutor que não

parecia calculado. Aquele garoto era um galã; mesmo sem querer,

deixava as mulheres bobas. Coitada da menina que se apaixonasse

por ele, se não tivesse namorada. Isso me fez pensar que eu não

sabia nada sobre a família de Rafaelle, apenas seus nomes.

Ele veio até mim com a mão estendida.

― Oi, sou Stefano, irmão de Rafaelle.


Gostei dele, parecia ser um cara legal.

― Amália, mas pode me chamar só de Mália. ― Sorri,

apertando sua mão. ― E meu irmão não machucaria ninguém só

por olhar para mim.

Ele sacudiu a cabeça, rindo.

― Não? Duvido, mas tudo bem. Para o que precisar aqui, em


Milão, pode me chamar. ― Seu tom parecia provocativo, mas não
era uma cantada.

― Stefano! ― Rafaelle sacudiu a cabeça, mas estava sorrindo.


― Não liga para meu irmão, esse é seu jeito de ser.

Stefano ainda sorria.


― O irmão mais bonito. ― Suspirou. ― Ainda assim,
Alessandro e você sempre chegam primeiro às mulheres bonitas.

Primeiro foi Mia, e agora Mália.


Rafaelle bufou.

― Não era você que não queria se prender a uma mulher? Ou


mudou de ideia? Se mudou, logo será o próximo.

O choque era evidente em seu rosto ante a pergunta do irmão.


― Espero que isso fique bem longe de mim caso seja
hereditário.

Isso respondeu à minha dúvida não pronunciada sobre ele ter


namorada. Ri.

― Não ria, isso é para chorar ― disse-me. ― Se um dia eu


ficar preso na coleira como meus irmãos, por favor, te dou aval para

me socar e fazer ver a razão.


Não sabia se ele falava sério ou não, mas, vendo seu jeito
extrovertido, relaxei. Estava nervosa ao pensar em conhecer a

família de Rafaelle.
Fui pegar a mala para colocá-la no porta-malas do carro, mas

ele não deixou de novo, guardando tanto a minha quanto a sua.


― Vamos? Você precisa descansar ― falei, pegando sua mão.

Como tínhamos vindo para a Itália logo após o ataque no


restaurante, ele não teve oportunidade de repousar.

Entramos no carro, com ele ao meu lado no banco de trás, e


Stefano na frente, dirigindo.
― Estou bem...

― Sem essa! ― rosnei. ― Está pálido. Agora você vai para


sua casa e só sairá de lá curado.

― Tenho negócios...
― Juro, Rafaelle, se você me provocar e sair nesse estado,
coloco malditas correntes em você ― avisei em tom sério. E o faria

mesmo, caso ele não ficasse quieto.


Stefano riu, e não foi o único.

― Merda, você é pior que a Mia. ― Sacudiu a cabeça.


― Pior? ― De repente fiquei preocupada com que ele não

tivesse gostado de mim.


― Relaxe, moça, estou falando de sua personalidade
explosiva. ― Sorriu.

Suspirei.
― Não sou explosiva, só com o seu irmão, que é teimoso feito
uma mula. ― Recordei-me de quando íamos à fazenda dos meus
pais. Lá tinha uma tinhosa que só.

Com isso, Stefano gargalhou.


― Concordo com você ― disse enquanto o irmão rosnava,

mas o ignorou e piscou para mim. ― Acho que vamos nos dar bem.
Rafaelle apertou minha mão, como se confirmasse o que o
irmão disse.

Conforme adentrávamos na cidade, eu admirava o local. Era


deslumbrante, como eu havia imaginado após ver as fotos.

― Tudo que dizem de Razor é verdade? Queria um dia lutar


com ele só para testar. ― Achei que Stefano estava falando com

Rafaelle, mas ele me olhava através do retrovisor de forma curiosa.


― O que dizem dele? ― Franzi a testa.
― Stefano! ― A voz de Rafaelle saiu como um aviso. Ambos

trocaram um olhar suspeito.


Estreitei meus olhos.

― O que é esse olhar? Meu irmão está bem? ― Virei-me para


Rafaelle.
― Está, sim. Não liga para o meu irmão, ele só gosta de um

desafio e soube que Razor era um bom lutador, por isso quer
enfrentá-lo. ― Revirou os olhos. ― Um dia achará alguém à altura e
quebrará a crista.
Stefano riu disso.

― Essa pessoa está para nascer, embora eu adoraria lutar


com El Diablo e Razor, ah, e com Valentino. Soube que ele é letal

com suas soqueiras. ― Ele parecia uma criança louca por um


brinquedo.
― Sonhe com isso. ― Rafaelle fazia círculos em minha mão.

Eu imaginava que tinha sentido a minha tensão crescente enquanto

nos aproximávamos de um conjunto de mansões.


Após vinte minutos, paramos em frente a uma que parecia

mais um castelo, com portões grandes e jardins.

― Essa casa é linda. ― Fiquei de queixo caído ao passo que

adentrávamos.
Rafaelle estreitou os olhos para os carros estacionados ali

perto, mas não disse nada.

Entramos na imensa casa elegante. Eu estava a ponto de


checar cada objeto, quando duas garotas apareceram com os olhos

cheios de lágrimas. Uma tinha olhos verdes e cabelos negros, e

reconheci como Jade, a outra era ruiva de olhos azuis, Luna.


― O que está acontecendo? ― Rafaelle avaliou a todos.
Perto de Jade, tinha um homem de cabelos e olhos escuros.

Ao lado de Luna havia duas bebês lindas, que se encontravam em


carrinhos de bebê. Um homem barbudo se encontrava próximo das

crianças, brincando com elas. Um garotinho de não mais de 2 anos

brincava num canto junto a uma menina loira de olhos azuis na faixa
de 8 a 10 anos.

A garotinha viu Rafaelle, abriu um imenso sorriso e veio

correndo na nossa direção como se fosse pular nos braços dele.

― Não pode pegar peso ― falei baixo só para ele, assim a


garotinha não se sentiria mal.

― O tio pegaria você, mas está machucado. ― Beijou sua

testa assim que ela se aproximou de nós.


― Machucado? ― Ela inspecionou seu corpo. ― Onde? Não

vejo nada.

Ele levantou a camisa, então notei um pouco de sangue.


Fiquei preocupada, mas, antes que eu dissesse algo, a garotinha

piscou.

― Está sangrando ― sussurrou preocupada.

― Vou ficar bem, Graziela. Agora por que não cuida de


Vincenzo antes que ele quebre mais algumas coisas? ― O menino

parecia ter muita energia.


Rafaelle trocou um olhar com um homem alto de olhos verdes.

Então aquele era Alessandro, o capo da máfia Destruttore. Sua

expressão não mostrava nada.


Graziela fez uma careta.

― Querem ter uma conversa de adultos, não é? Entendo, sou

uma menina grande. ― Sorriu e foi até onde o menino Vincenzo

segurava um cinzeiro de cristal com um sorriso malandro, talvez


bolando uma forma de destruí-lo.

Rafaelle encarou a todos.

― Por que pareciam preocupadas quando entrei? ―


perguntou às irmãs, ansioso.

― Elas sabem do que aconteceu com você, do sequestro e do

que houve depois. ― Alessandro indicou a ferida, seu rosto duro

como pedra.
Encolhi-me, pois ele estava falando do sequestro organizado

por meu irmão. Isso me fez querer correr dali, mas estava presa; a

mão de Rafaelle me mantinha no lugar.


Ele fechou a expressão para os dois homens ali, cujos nomes

eu ainda não sabia.

― Por que não podem manter a boca fechada? ― rosnou para

eles.
― Não minto para Luna ― disse o de barba, levantando a

cabeça e encontrando os olhos de Rafaelle, depois voltou sua


atenção para as menininhas com ar de adoração.

― Eu também não mentiria para Jade. ― Suspirou o de olhos

negros.
Rafaelle parecia não ter gostado do que seus cunhados

fizeram, mas eu aprovava que maridos – eu via as alianças nas

mãos deles – não guardassem segredos de suas esposas. Um

relacionamento à base de mentiras era horrível.


― Estou bem ― ele as tranquilizou.

― Rafaelle, você levou um tiro. ― A voz de Luna falhou.

― E foi sequestrado. Poderiam ter... ― Jade estremeceu com


a ideia de Mariano ter machucado Rafaelle. Então seus olhos

pousaram em mim, e vi raiva ali. ― Seu irmão fez isso. Se eu o vir,

vou acabar com ele.

Encolhi-me, mas não sabia o que dizer. Ela estava certa.


Mariano o sequestrara.

― Jade... ― Rafaelle a repreendeu.

― Não. ― Apertei a mão dele, olhando para todos ali. ― Você


tem razão, meu irmão sequestrou Rafaelle. No entanto, foi para
forjar uma possível aliança, e Mariano não o espancou. Esse

ferimento foi minha culpa, não do meu irmão.

Rafaelle me virou para si e encontrou meus olhos.

― O que eu disse sobre você não se culpar? Nada daquilo foi


sua culpa. ― Tocou meu rosto.

Fechei a cara.

― Claro que foi. Você entrou na frente da maldita arma e


quase morreu. ― Suspirei, não querendo pensar naquilo. ― Agora

está aqui, tão machucado que mal consegue ficar de pé.

― Eu vou ficar bem...

― Pessoas que estão bem não sangram, não ficam brancas


como papel. ― Estreitei meus olhos. ― Tomou os medicamentos

que o doutor passou?

Ele sacudiu a cabeça.


― Não queria tomar analgésicos, eles me dão sono, e eu não

queria dormir no avião, quando tinha que proteger você.

Encarei-o por um segundo, não acreditando no que ouvia.

― Estávamos só nós dois e o piloto. Como acha que alguém


invadiria um avião? Usando poder de teletransporte? ― retruquei.

Ele fez uma careta. Ouvi risadas, mas não liguei. Estava

frustrada com Rafaelle. Como ele ousava ficar quase 24 horas com
dor só porque temia que eu me machucasse?

― Vou pegar os remédios ― falei com um suspiro duro.


― Eu vou...

― Você vai sentar sua bunda naquele sofá e ficar quieto, ou eu

juro que vou fazer o que disse antes ― exasperei-me sem alterar a

voz para não chamar a atenção das crianças. ― Você vai fazer 27
anos, não é uma criança que precisa ter alguém em cima para

tomar remédio.

― Mália... ― Ele estava com os olhos estreitos diante de


minha ordem.

― Agora vá se sentar. ― Indiquei o sofá.

Ele parecia chocado, mas me obedeceu.


― Mais calma? ― Encarou-me. ― Eu só queria protegê-la.

Não queria desmaiar de novo.

Inspirei fundo para me controlar e olhei para suas irmãs.

― Desculpem-me todos, sei que não me conhecem, mas ele


precisa se cuidar, então, por favor, não o deixem sair desse sofá até

eu voltar, nem que precisem acorrentá-lo ― pedi mais tranquila.

As duas me encaravam de olhos arregalados, mas assentiram.


― Obrigada. ― Fui buscar os remédios, que estavam na bolsa

no carro. Não vi ninguém trazendo-a para dentro.


Respirei fundo, encarando o céu. Sabia tudo o que ele faria por
mim, mas não queria que se machucasse ou sentisse dor no

processo. Queria vê-lo curado.

Após pegar os analgésicos, voltei à sala e vi as irmãs dele ao


seu lado.

― Parem de se preocupar ― pediu às duas.

― Isso nunca acontecerá ― disse Luna. ― Vivo preocupada


com meus irmãos.

― Vai dar certo. ― Tentou de novo tranquilizá-las.

― Você parece tão esgotado. ― Jade o avaliava. ― Ela tem

razão, você devia ter tomado a medicação.


Fiquei meio escondida no hall. A cena familiar parecia tão

íntima que eu não queria atrapalhar.

― Você é namorada do meu tio?


Olhei para baixo, notando a garotinha à minha frente.

― Sim. ― Sorri.
― Eu disse que queria conhecer sua namorada, mas ele falou
que não tinha. ― Colocou a mão no queixo.

― Começamos a namorar há pouco tempo. ― Gostei daquela


menina esperta.
― Acha que o tio Stefano consegue uma namorada? ―
sondou com uma careta. ― Talvez, se arrumasse, ele não pegaria
mais no pé do Benny, que estuda comigo, mas morre de medo do

meu tio. Só quando meu tio não vai me levar à escola que dividimos
o lanche e brincamos juntos.
Notei que ela era muito tagarela, mal me deixava falar. Olhei

para Stefano, de pé na sala. Como se sentisse meu olhar, virou a


cabeça na minha direção. Não, mesmo namorando, ele ainda seria
protetor e ciumento. Rafaelle sem dúvida também era assim.

Sorri para a garotinha esperançosa.


― Sim, vamos torcer para ele arrumar uma namorada logo. ―
Eu não gostava de mentir, mas talvez isso acontecesse.

Ela deu gritinhos, batendo palmas, o que chamou a atenção de


todos na sala para nós.
― O que está acontecendo? ― indagou Stefano com os olhos

estreitos.
Graziela parou de sorrir. Parecia nervosa, embora não com

medo. Achei que ela não queria contar ao Stefano para que ele não
pegasse no seu pé ainda mais.
― Papo de mulher ― falei, indo na direção de Rafaelle com os

comprimidos.
Stefano me avaliou, mas não demonstrei nada.
― Era sobre mim. O que era?
Fuzilei-o.

― Como eu disse, papo de mulher. ― Entreguei ao Rafaelle


os remédios. ― Vou pegar água.

Seguindo indicações, fui à cozinha e, quando voltei, ouvi a voz


baixa de Stefano.
― Se lembra daquelas sapatilhas que me disse que queria? Te

dou se me contar o que conversavam. Sei que era sobre mim...


Graziela piscou e mordeu o lábio como se tivesse dúvida entre
as duas coisas.

― Não acredito que está chantageando uma criança! ―


Sacudi a cabeça, descrente, enquanto dava a água ao Rafaelle.
Olhei para Graziela, que ainda parecia em dúvida. Notei que ela

queria muito aqueles sapatos. ― Não se preocupe, compro essas


sapatilhas para você, então não precisa seguir as exigências dele,
tá?

Graziela arregalou os olhos como se eu tivesse falado que lhe


daria o Sol, então correu na minha direção e me abraçou.

― Obrigada, mas pode me dar antes do fim do ano? Vamos


dançar, e eu queria fazer isso com ela! ― Sua animação era
contagiante.
― Dançar?

― Ela é uma bailarina muito boa ― comentou Rafaelle,


ingerindo o analgésico.
Pisquei e sorri para Graziela.

― Também danço, patino, melhor dizendo, mas na pista de


gelo. Quer ver? ― Peguei meu celular assim que ela assentiu e

entrei na minha rede social, procurando os vídeos que postei ali


algumas vezes.
Entreguei o celular a ela, já que tinha visto aqueles vídeos

milhões de vezes, especialmente o último, gravado alguns dias


antes do ataque contra nossa casa.
― Posso ver? ― pediu Jade.

Graziela foi até as duas irmãs e se sentou na perna de


Rafaelle, que estava entre elas. Os quatro, além de Stefano, que foi
para trás do sofá, passaram a assistir o vídeo.

Todos pareciam admirados, talvez pelos giros e a leveza que


eu demonstrava.
― Nossa! ― Jade estava boquiaberta.

― É fenomenal! Viu aquele salto com giro? ― Luna sacudiu a


cabeça, perplexa.
Graziela parecia impressionada.

― Nossa, é como uma dança, mas em patins! ― Arregalou os


olhos.
Notei os olhos de Rafaelle quentes de emoção e alívio.

Imaginei que em parte foi pela pequena integração que estava


acontecendo entre mim e sua família, e em parte por suas irmãs
terem parado de paparicá-lo. Notei que Rafaelle era daquelas

pessoas que sofrem em silêncio.


― Sim, querida. É algo que minha mãe me ensinou e me fez

amar ― comentei.
― Minha mãe não dança ― informou ainda olhando o celular.
― Cada um nasce com um dom. Alguns escrevem livros,

outros cozinham bem e assim vai. ― Sorri. ― Agora que tal eu levar
seu tio para descansar?
Ela olhou para Rafaelle.

― Você vai ficar bem?


― Sim, princesa. Agora vai atrás de Vincenzo, já sabe o que
acontece quando ele fica quieto. ― Beijou sua cabeça.

Graziela me entregou o celular.


― Ficarei aguardando as sapatilhas. ― Depois saiu na direção
de uma porta.
― Eu já comprei as sapatilhas ― disse Stefano. ― Só disse
aquilo porque queria saber o que vocês falaram de mim. O que você
quer em troca para dizer?

Sacudi a cabeça.
― Sabia que você é muito curioso e insistente? Eu estava
falando a ela que o próximo a namorar será você ― falei um pouco

da verdade, deixando a amizade dela com Benny de fora.


Rafaelle riu, depois gemeu com a mão no peito.
― Chegou a hora de ir para a cama. ― Estendi minha mão

para ele.
― Tenho negócios com meu irmão... ― ele se interrompeu
diante de minha expressão.

― Garanto que ele saberá lidar sem você, afinal é o capo ―


falei com um suspiro. ― Agora vamos.

― Tudo bem. Eu vou para o meu quarto. ― Ficou de pé.


― Irei com vocês ― disse Luna.
― Eu também. ― Jade ficou de pé.

Eu queria dizer que ele precisava ficar sozinho para descansar,


mas não queria arrumar briga com suas irmãs logo de cara.
Rafaelle encarou Alessandro como se pedisse algo, ao menos

percebi isso em seu olhar. O irmão deveria impedi-las de subir; após


descansar, Rafaelle poderia conversar com elas com tranquilidade.
― Na verdade, preciso ter uma palavrinha com Rafaelle sobre

algumas coisas. ― Alessandro auxiliou o irmão. Ao menos eu


esperava que fosse isso e que não quisesse realmente falar de
negócios.

Por suas expressões, percebi que elas não gostaram do


pedido, mas aceitaram.
― Assim que ele descansar, vocês sobem e ficam com ele ―

intervim.
― E você vai ficar com ele? ― sondou Luna.
― Até ele dormir e descansar, porque, senão, ele vai sair para

dar piruetas por aí.


Rafaelle bufou enquanto algumas pessoas riam, mas ele não
se importou, só veio até mim e pegou minha mão. Quando subimos,

notei o seu irmão acompanhando-nos.


Assim que entramos em um quarto grande, Rafaelle se deitou

na cama. Notei que ele estava meio tonto.


― Rafaelle, quer que eu chame um médico? ― perguntou
Alessandro.

Fiquei aliviada por ele não ter vindo falar de negócios, só


estava preocupado com o irmão.
― Não precisa, tenho tudo que necessito aqui para repousar
― respondeu, olhando para mim.

Ele assentiu, mais calmo.


― Qualquer coisa, me chama. ― Foi até o irmão, tocou o

centro do peito dele e saiu.


Fiquei encarando a porta fechada.
― É seu jeito de dizer que se importa comigo. ― Rafaelle

sorriu. ― Minha família gostou de você, mas quem não o faz?


― Não parece que o Alessandro me aprova.
― Ele o faz, sei disso, é só que Alessandro não expressa seus

sentimentos como uma pessoa normal. ― Suspirou e bateu no


colchão ao seu lado. ― Deita comigo. Agora só quero sentir seu
cheiro, sua presença.

Assim que o fiz, beijei seu peito, agradecendo a Deus por ele
estar vivo e bem. Fosse qual fosse meu futuro naquela casa, eu
estaria contente, pois tinha Rafaelle comigo.
Capítulo 24

Rafaelle

Acordei sentindo-me leve. O Sol estava alto, sinal de que eu

tinha dormido demais. Naqueles quatro dias em casa, estava me

recuperando bem e até os pesadelos tinham diminuído. Procurei


minha faca, mas não estava comigo, mas sim no chão, como vinha

acontecendo todos os dias. Isso queria dizer que eu a deixava cair


enquanto dormia ou que meu subconsciente me dizia que eu não

precisava mais dela.


Nas últimas noites em Milão, queria chamar Mália para dormir

comigo, mas temia sua segurança.

― Ela faz bem a você ― ouvi uma voz que conhecia muito
bem. ― Fico contente com isso.

Virei a cabeça e me sentei na cama.

― Faz, né? Quando eu via você e a Mia, não achava que


conseguiria ter o mesmo. ― Passei as mãos nos cabelos. ― Parece

que meu peito foi preenchido com algo que eu nem sabia que

faltava.
― Sinto-me da mesma forma com Mia e Graziela. Elas me

fazem sentir realizado. ― Alessandro se sentou na cadeira ao lado


da cama.

― Elas fazem, né? ― Encarei a janela. ― Que horas são? Se

essa maldita ferida não sarar logo, vou enlouquecer preso aqui.

― Quase meio-dia. ― Sorriu um pouco. ― Está dormindo

demais nesses dias.

― Notei isso. ― Suspirei. ― Cadê Mália?


― Está fazendo sua comida conforme o médico sugeriu para

sua recuperação. Eu lhe disse que temos cozinheira, mas ela falou
que adorava cozinhar. ― Meneou a cabeça de lado. ― Sua comida
é bem saborosa.

Sorri.

― Mália adora tudo que faz. ― Sacudi a cabeça.

Durante o pouco tempo em que estava em Milão, não falei

muito com meus irmãos. O recado de Mália para todos era que, se

fossem negócios, deveriam resolver com Alessandro, não comigo,


pois eu precisava de repouso. Quando íamos conversar sobre

nossos negócios, Mália nos cortava. Ela não se incomodava com o

fato de Alessandro ser capo, tratava-o como meu irmão nessa hora.

― Você sempre pode contar comigo. ― Era uma promessa

que Alessandro cumpria. ― Eu sei o porquê de você dormir com

essa faca. Queria ter estado lá naquele dia.

Eu não queria pensar naquilo, mas precisava me abrir com


Mália sobre isso. Encarei a faca ainda no chão. Sim, eu revelaria

tudo a ela.

― O que aconteceu depois que foi sequestrado?

Fiquei aliviado por ele mudar de assunto.

― Assim que fui preso pelo Razor ― tínhamos conversado por

telefone, mas pessoalmente era melhor ―, ele me levou para essa


ilha perto de Porto Rico. Fiquei um dia pensando que seria
torturado, mas nada aconteceu. No dia seguinte, ela apareceu... ―

Sorri. ― Nem sabia quem eu era direito, mas ainda assim foi cuidar
dos meus machucados, que adquiri ao matar alguns dos meus

captores. Vi força nela, esperança de que tudo se resolvesse.


Mesmo sabendo que precisava de proteção, me disse que não
deixaria o irmão me machucar se eu não quisesse aceitar o acordo.

Acreditei nela. Não havia mentiras em sua voz.


― Então você fez isso tudo por achar que ela corria perigo?

Razor não brinca em serviço. ― Ele estreitou os olhos. Como disse,


meu irmão me conhecia bem. ― Sei que pensávamos em adquirir

seus negócios, mas não foi só por isso que você aceitou no começo,
né?
― Na verdade, foi por sua bondade e gentileza. ― Pensei

naquele gesto de Mália. ― Queria protegê-la.


Só em imaginar alguém machucando-a, eu sentia vontade de

estraçalhar qualquer um. O que me fazia sentir aliviado era que ali
ninguém iria tocá-la. Isso, eu podia jurar.

― Sultão é desumano. Também somos cruéis, mas as coisas


que eu soube que ele pratica me fazem repudiá-lo ― disse,
avaliando-me. ― Então, mesmo depois, não foi por causa do
território de Razor que você resolveu continuar protegendo essa

menina.
― Não, mas Razor de qualquer forma nos daria o que foi

acordado. Ele é como eu, não gosta de dever favores. ― No fundo,


eu não queria mais receber o território; isso me fazia sentir que a

protegia por esse prêmio, o que não era verdade.


― Mas você não quer ganhá-lo ― falou, observando-me.
― Essa não é uma decisão minha, mas sua, porém, se quer

saber a minha opinião, não, não quero aceitar. Não quero que Mália
sinta que tomei conta dela só por isso, porque não foi. ― Fiquei de

pé, sentindo meu corpo rígido. Sentia que precisava me exercitar,


mas não podia até aquela ferida se recuperar cem por cento.
Alessandro assentiu.

― Se não quiser, não o pegaremos. Seria um triunfo muito


bom, mas teremos outras oportunidades. ― Ficou de pé também e

tocou meu ombro, encontrando meus olhos. ― Vai dar certo. Agora
só precisamos pegar Sultão.

Trinquei os dentes.
― Tem notícias dele depois que nos atacou na Austrália?
― Alguns da sua organização atacaram as instalações do

atual líder da máfia espanhola, o Razor, mas parece que ele não
estava no local. Os seguranças os destruíram, embora os invasores
levaram muitos com eles, pois explodiram uma bomba no local. Isso
foi gente de dentro. Pelo que me disseram, foi pessoal de Tomaso,

que se aliou a Sultão.


― Razor me contou. Ele matou o tio errado. O traidor era

Tomaso, não Ulisses. Agora ele quer encontrar o verdadeiro para


fazer com que pague. Eu faria a mesma coisa se estivesse no lugar
dele. ― Fui ao banheiro lavar o rosto. ― Nenhum sinal deles aqui?

― Não, cada canto da cidade está fechado, tanto por minha


parte quanto pela dos Salvatores. Se ao menos aparecer, iremos

saber.
Eu esperava que não aparecesse tão cedo.

― Vou precisar de Viper.


― Para quê? ― Arqueou as sobrancelhas.
― Quero que ele fique com Mália caso eu saia da mansão. ―

Saí do banheiro. ― Precisamos achar Sultão...


― Você não vai achar ninguém ― respondeu Mália, entrando

no quarto.
― Não vamos deixar com que saia ― assegurou Luna.
― Gostei da ideia de Mália, podemos algemá-lo ― interveio

Jade.
Gemi, sentando-me na cama.
― Agora o trio de mulheres se reuniu para me prender? ―
Sacudi a cabeça.

― Quarteto ― retrucou Mia, entrando no quarto parecendo


pálida. ― Isso se esses malditos enjoos pararem.

― Vão parar daqui a uns dois meses ― informou Jade.


Pisquei, checando Mia e sua barriga e depois meu irmão. Ele
carregava um brilho diferente nos olhos, que só aparecia quando

Graziela o chamava de pai.

― Você espera um bebê?


― Sim, descobri ontem e contei ao Alessandro. Informei hoje a

todos, menos você, que estava dormindo. Não quis acordá-lo. ―

Veio até mim com um sorriso.

Levantei-me, abracei-a e me afastei. Ela foi até onde


Alessandro estava e passou o braço em volta dele.

― Estou contente por vocês dois.

― Esta casa logo vai ficar cheia de crianças. ― Stefano entrou


no quarto.

― Será que um dia será o seu filho correndo por aí? ― Mália

esboçou um sorriso.
Notei que, no decorrer daqueles dias, ela se soltou mais com a

minha família. Gostei disso.


― Nem pensar, não haverá mais Stefano pequeno por aí. ―

Sacudiu a cabeça com uma careta e depois sorriu provocante para

ela. ― Isso fica para você e Rafaelle.


Ela corou, mas sorriu.

― Não penso em fazer isso por uns dez anos ou mais. ― Seu

tom era seguro de si.

Eu nunca tinha pensado em ser pai, mas se um filho viesse,


seria bem-vindo. Entretanto, para isso, teria que cruzar a linha, algo

que vinha adiando, mas precisava fazer.

― Filhos são bênçãos dos Céus ― assegurou Luna e suspirou


parecendo triste. ― Queria comunicar a vocês que vou ver Paolo.

O clima ficou pesado.

― Não vai vê-lo, Luna ― ouvi Miguel rosnar da porta. ― O que


conversamos?

― Não podem me obrigar a não ir ― sussurrou. ― Ele está

morrendo...

Arfei, e não fui o único. Morrendo? Seria por isso que estava
sumido já havia algum tempo?
― Posso saber como descobriu isso? Se Valentino entrou em

contato com você... ― Stefano parecia puto.

― Foi uma das filhas dele, Belinda. Ela me ligou, e ficamos


conversando algum tempo. Senti sua dor, então ela me pediu que

fosse vê-lo antes que ele se fosse ― murmurou.

― O que ele tem? ― questionou Alessandro.

― Leucemia Aguda. Piorou por essas semanas. Por isso


Belinda me ligou. ― Respirou fundo. ― Me deixe falar com ele...

― Luna, isso está fora de questão ― asseverou Alessandro.

― Ele usou nossa mãe ― rosnou Stefano.


― Não acredito que a tenha violentado, mamãe deixou claro

que o amava ― ela frisou, batendo o pé.

― Você não sabe disso ― falei.

― Também não acredito nisso ― disse Mália. ― Desculpe, sei


que o assunto não é da minha conta, mas vi a dor nos olhos de

Valentino quando o acusei de violentador.

Gelei e fechei a cara.


― Por que ia acusá-lo disso? ― Encarei-a, querendo esmagá-

lo.

― Controle essa fúria, macho-alfa ― pediu. ― Lembra quando

eu disse que o acertei com o remo? ― Ela esperou que eu


assentisse e continuou: ― Pensei que tinha sido sequestrada e não

que ele fosse amigo do meu irmão. Corri na mata com Valentino
atrás de mim. Ele me pegou, e caímos, então eu disse que não

deixaria que me violentasse. Não entendi na hora a dor em seus

olhos, mas depois meu irmão contou o real motivo.


― O que aconteceu? ― sondou Jade.

― Há cinco anos, a irmã dele, Lorena, foi sequestrada junto a

Valentino. Enquanto ele era torturado, a menina era violentada e

morta. ― Notei lágrimas no canto dos seus olhos. ― Ela tinha 18


anos. Por isso acho que esse Paolo não estuprou a mãe de vocês.

Meu irmão acredita que ele é um homem bom, ou o quão bom se

pode ser na máfia. O que posso dizer é que isso atormenta


Valentino. Puder ver em seus olhos.

― Oh, meu Deus! ― Lágrimas banhavam os olhos da Luna.

Ela era muito bondosa. ― Me deixem vê-lo, ou vamos todos, só não

posso deixar com que ele parta sem realizar seu desejo.
― Marquei com Valentino para nos reunirmos após tudo se

resolver com Razor...

Ela interrompeu Alessandro:


― Não acho que ele aguentará muito. Falei com Belinda hoje

cedo. Seu estado é crítico. ― Suspirou. ― Vocês não querem a


verdade? Se ele morrer, nunca saberão.

― Vou ligar para Valentino e agendar um dia, e vamos ver

como faremos sobre em que lugar nos encontraremos. Não quero

nenhum deles em meu território ― disse Alessandro com a


expressão fechada.

Ela assentiu.

― Não me importo com onde, só quero vê-lo, saber por que,


se amava mamãe, não a levou com ele. ― Respirou fundo.

― As coisas podem não ter acontecido como você pensa ―

informei. ― Mas prometemos que deixaremos com que ele se

explique. ― Era o melhor que podíamos fazer.


― Promete que não vai matá-lo até falar com ele? ― Luna me

perguntou.

― Você é boa demais, não vê o mundo como é de verdade.


― Vocês ficam dizendo isso, mas não me deixam escolher o

que quero. ― Estreitou os olhos. ― Se ele é um assassino, que

assim seja, que eu mesma veja e faça minhas próprias escolhas! ―

exaltou-se, exasperada.
― Farei o meu melhor para saber a verdade. Se ele não a

forçou, prometo que deixarei Paolo vivo ― anunciou Alessandro.


― É só o que peço. ― Sorriu e abraçou cada um de nós. ―

Obrigada. Agora vou ver minhas bebês. ― Pareceu triste. ― Sinto


falta da mãe de Sage. Ela me ajudava muito.

Franzi a testa.

― Para onde ela foi? ― sondei.

Miguel me lançou um olhar estranho. Parecia furioso, mas


escondeu bem.

― Sage pediu férias para levá-la para passear e espairecer um

pouco depois de tudo ― respondeu Luna.


Franzi a testa. Não acreditava nisso, Sage estava conosco

havia muito tempo.

― Não pode ser ele! ― exclamei de forma dúbia.


A expressão de Alessandro se tornou sombria.

― Desconfiei quando soube que deu essa desculpa ― rosnou.

― Fugiu antes que eu arrancasse sua maldita pele ― sibilou

Stefano.
Luna franziu a testa.

― Do que vocês estão falando? Por que Sage fugiria? ― Ela

estava confusa.
― Sage é um infiltrado ― disse Stefano encarando minha

irmã. ― De Paolo.
Ela arregalou os olhos.
― Não, ele não faria isso com a gente. Somos amigos ―

sussurrou.

― Ele veio junto com duas pessoas, uma mulher e um homem


que se diziam seus pais, mas não eram de fato. Foi tudo armado,

mas parece que o suposto pai se vendeu de verdade para os

nossos traidores, e Sage teve que matá-lo, por isso inventou que o
homem o queria morto. ― Miguel cerrou os punhos.

― Posso saber como descobriu isso? ― Ergui as

sobrancelhas.

― Ele enviou uma carta explicando por que fez isso e pedindo
desculpas...

Stefano riu com frieza.

― Desculpas? Essa é boa.


― Não a mim, mas a Luna. Só disse que sua obrigação era

ficar de olho nela e que lamenta ter mentido para ― Miguel se virou
para Luna ― você. Disse que tudo que viveram juntos foi real, não
fazia parte de uma missão.

Luna estava chocada, sacudindo a cabeça.


― Por que não me disse? ― sussurrou.
― Eu ia fazê-lo assim que chegássemos em casa, mas
acredito que nessa reunião você o verá, então é melhor saber logo.
― Foi até ela e pegou sua mão.

Uma das minhas sobrinhas começou a chorar. Miguel correu


para elas. Carmen e Kélia eram uma mistura dele e de Luna, tinham
cabelos escuros e olhos claros.

Quando Luna mencionou que tinha colocado o nome de nossa


mãe em uma delas, fiquei contente. Ela merecia essa homenagem.
Teria amado seus netos e suas noras.

Noras? Pensei no plural, como se Mália já fizesse parte de


nossa família. Kélia a teria adorado. Quem não o fazia? Minha
garota era especial.

― Devem estar com fome ― disse Luna, ainda chocada e


magoada.
Eu entendia isso. Ela passou muito tempo com Sage, eles

tinham uma grande amizade. Ela até fingiu que gostava dele para o
suposto pai, que discriminava sua sexualidade. Isso me fazia

perguntar se ele mentira nisso também.


― Gente, o almoço está pronto ― avisou Mália, chegando à
porta.

Eu nem notei que ela tinha saído.


Veio até mim com remédios.
― Hora de tomá-los. ― Entregou-me um copo d’água.
― Você deveria ser enfermeira ― comentei, pois ela sempre

me medicava na hora certa.


Notei meus irmãos saindo do quarto. Não sabia se queriam

nos deixar sozinhos. Troquei um olhar com Alessandro, sabendo


que tínhamos que marcar aquele encontro logo com Paolo. Eu
estava ansioso para saber o que aconteceu.

― Nem vi você saindo. ― Puxei-a para os meus braços.


― Achei que vocês precisavam ter um momento em família,
não queria atrapalhar. ― Sorriu.

Fechei a cara.
― Você também é da família ― afirmei, beijando seu rosto. ―
A cada dia se solta mais com eles.

― Todos são legais, uma família muito unida. ― Suspirou. ―


Assim como a minha. Quando será que vou vê-los?
Beijei sua testa.

― Logo seu irmão vai terminar o que tem planejado. ― E eu


falaria a verdade para ela, mas primeiro precisava conversar com

Razor. Não poderia mentir mais, isso estava acabando comigo.


Queria protegê-la do sofrimento, mas como?
Capítulo 25

Rafaelle

Durante as últimas semanas, consegui me recuperar bem com

repouso e a vigilância cerrada de Mália. No fundo, eu adorava seus

cuidados comigo, mas isso me enchia de culpa, pois ainda não tinha
contado a verdade a ela sobre seu pai. No fundo, temia que não me

perdoasse, embora não fosse por isso que não abri o jogo com ela
antes, mas sim em razão do seu sofrimento e da perda daquele

sorriso que eu tanto adorava.


Olhava com admiração Mália na pista de patinação no gelo,

tão linda, os olhos ferozes e concentrados quando começou a se

locomover. Levei-a naquele dia ao rinque de patinação e


descobrimos que ela estava certa: a chave no cordão em seu

pescoço, deixada por Razor, abria um armário no local, e nele

estavam um traje e patins de patinação no gelo do tamanho dela.


A sua dança se iniciou com Mália correndo pela pista. Parecia

que estava dançando em cima dos patins, deslizava de um lado

para o outro, fazendo vários giros no ar com habilidade e graça. Ela


fez mais alguns movimentos cujo nome eu não sabia, mas eram

encantadores, fenomenais. Era como se ela voasse, livre como uma


águia.

Eu a levei ali para apreciá-la e vê-la dançar ao vivo nem que

fosse uma vez. Só a tinha visto por vídeo. Aquela era sua paixão, e,

se ela permitisse, eu estaria ao seu lado para trilhar esse caminho.

Contudo, caso não me perdoasse, ao menos faria algo que amava

de verdade, seguiria seu sonho.


Tinha chegado o dia de eu lhe revelar a verdade, ao menos

sobre mim; depois lhe contaria acerca do seu pai. Era egoísta, eu
sabia disso, mas a queria feliz nem que fosse mais um dia.
Liguei para o irmão dela mais cedo naquela manhã e lhe avisei

que, se ele não falasse logo, eu iria revelar-lhe a verdade. Sabia

qual era a preocupação dele, que Mália resolvesse ir até Tomaso,

mas eu não permitiria, nem que ficasse de olho nela o tempo todo.

Assim que Mália terminou de patinar, virou-se para mim, mas

notou que tinham mais pessoas observando-a de boca aberta,


assim como eu. Ela era fenomenal com sua dança artística no gelo.

Na entrada da pista, tinham três rapazes da idade dela mais ou

menos, bem como duas meninas, que vestiam a mesma roupa que

Mália, o uniforme de correr na pista. Deviam ser dançarinos

também.

Um dos rapazes foi na direção dela com um sorriso antes que

ela viesse até mim.


Estreitei meus olhos, pois não gostei da forma que a olhou. O

ciúme era um sentimento desconhecido até eu conhecer aquela

mulher perfeita. Ver a forma como os machos a olhavam me dava

vontade de matá-los. Era claro que não o faria, confiava em Mália e

no que sentia por mim.

― Sou Ryder, esses são Kyle e Eric, e elas... ― apresentou-se


o garoto e já ia pronunciar os nomes das meninas, quando a loira
revirou os olhos para sua amiga e o cortou:

― Sou Laura, e essa é minha amiga, Nicole. Treinamos aqui


para uma competição que acontecerá em alguns meses. ― Sorriu

para Mália. ― Você patina muito bem. Onde aprendeu a dançar


assim? Parece ter anos de prática.
― Sim, desde criança. Minha mãe era uma boa professora ―

respondeu feliz ao citar a mãe.


Ela teria amigos ali. Fiquei contente com isso.

― Nossa, você foi formidável fazendo aquele passo Triple


Axel. Raras pessoas conseguem dar o salto triplo perfeito daquele

jeito. ― A menina parecia impressionada.


Eu não sabia o nome dos movimentos, mas tinha certeza de
que Mália foi brilhante. Levantei-me do banco e fui na direção deles.

― Treinei muito ― disse com um sorriso. ― Me chamo Mália e


sou nova aqui, na cidade.

― Aparece aí para treinar com a gente ― disse o tal Ryder.


Passei meu braço em volta de Mália e olhei para todos ali,

incluindo o garoto Ryder. Queria que eles soubessem que ela tinha
dono e que eu também era dela.
Notei as meninas observando-me, mas desviei meu olhar, pois

meu foco era apenas Mália e seu imenso sorriso. Como sempre, ela
estava alheia às pessoas ao seu redor cobiçando-a.

― Estava perfeita ― declarei.


Ela corou e olhou para o pessoal ali.

― Esse é meu namorado, Rafaelle ― informou com orgulho.


Meu coração bateu mais forte diante disso.

― Vamos? ― chamei-a, pois sabia que ela tinha terminado.


― Até mais, pessoal ― despediu-se deles sorrindo.
― Gostou mesmo? ― sondou ela assim que entramos no

carro.
― Estava perfeita, sempre é. Adorei.

― Patinar é um sonho ao qual pretendo dar continuidade


depois que tudo isso acabar. ― Gostei do seu tom seguro.
― A apoio a seguir esse sonho. Será uma dançarina

renomada. Já tem até público. Quem estava só assistindo gostou de


vê-la. ― Era verdade. Seu talento, garra e determinação a levariam

longe.
Ela riu.

― Não acredito que meu irmão deixou para mim esses patins.
― Era para ela ter vindo ao rinque antes, mas seu foco era que eu
ficasse bom logo.
Sempre seria grato por ela ter ficado ao meu lado aquele
tempo todo.
― Ele acerta de vez em quando. ― Escondi meu desprazer

pelo que seu irmão fazia. Tinha dado a ele até o dia seguinte para
lhe revelar a verdade, ou eu abriria o jogo.

Eu já havia enfrentado homens, estado preso, sido espancado,


mas nunca sentira tanto medo como temia ela não entender meus
motivos por eu ter omitido a morte de seu pai.

― Está um pouco calado hoje. Aconteceu alguma coisa? ―


indagou, avaliando-me.

― Só pensando. É bom estar fora de casa. ― Encarei a


janela. Era mesmo bom, mas não era isso que estava me deixando

em silêncio, mas o fato de ter chegado a hora de eu lhe contar tudo


sobre meu passado. As lembranças me consumiam, mas era o certo
a se fazer.

― Verdade. ― Apertou minha mão. ― Mas há algum


problema?

Aquela mulher me conhecia bem.


― Acho que chegou a hora de darmos mais um passo na
questão dos meus segredos ― comentei.

Ela abriu a boca de surpresa e assentiu.


― Se precisar de mais tempo...
Ela era perfeita para mim. Mesmo ansiosa por saber mais do
meu passado, queria que eu me abrisse só quando estivesse

pronto.
Não fui para casa, levei-a para o loft que eu tinha no Centro.

Precisava conversar com ela sem ninguém por perto, pois não sabia
qual seria o meu estado depois.
― Por que não vamos falar em sua casa? ― questionou

curiosa.

― Adoro minha família, mas nesse momento preciso ficar a


sós com você. Um dia revelarei essa história a elas. ― Meus irmãos

sabiam um pouco do que aconteceu naquela noite, mas não tudo.

Assim que chegamos ao loft, sentei-me no sofá.

― Rafaelle, talvez...
― É preciso... ― Beijei sua testa. ― Só me deixa falar, tudo

bem?

― Sim ― assegurou, segurando minhas mãos.


― Estou pronto. ― Contaria aquela lembrança naquele dia e,

no seguinte, a verdade sobre o seu pai. Queria estar bem para ela,

pois sabia que ficaria arrasada com isso.


Tentei trancar minhas emoções e focar em revelar a verdade,

pois era necessário para darmos certo. Um relacionamento com


mentiras não funciona. Eu queria ser cem por cento honesto com

ela.

Então deixei o passado invadir minha mente como uma maldita


explosão.

Passado

Quando conheci Violetta e a salvei daqueles garotos que a

machucavam na saída da escola, era para eu ter me mantido longe,

mas algo não me permitiu. Não sei se foi sua fragilidade, pois estava
sozinha no mundo. A vadia da sua mãe não a protegia dos seus

amantes, ficava com homens no seu quarto e não se preocupava

que uma menina daquela idade ouvisse os ruídos. Eu não era de


colocar apelidos em mulheres, mas aquela merecia o pior título do

mundo. Eu queria tirar Violetta dali, mas, se me envolvesse mais, o

meu pai descobriria.


Poderia ter feito diferente, não sei, apenas deixá-la lá e ir

embora, mas ela era tão pequena e indefesa... Perguntava-me

como os seus pais a deixavam sozinha, andando pelas ruas. Pensei


logo em minhas irmãs.

Após saber como ela era tratada, dei-lhe um telefone para ela

me ligar se tivesse algum problema. Tomava conta de Violetta da

forma que podia. Uma vez um dos homens de sua mãe machucou o
braço dela. Assim que eu soube, o fiz pagar. Alertei a maldita mãe

dela de que, se alguém mais a tocasse, eu iria dizimá-la da face da

Terra. Só ao pensar nisso, uma fúria enorme enchia meu ser.


Após a tentativa de estupro que Violetta sofreu, levei-a para a

casa de seus avós. Outra vez, era para eu ter ficado longe dela,

mas fiz amizade com os Lombardis, os seus avós. Eles não tinham

conhecimento do que se passava com sua neta, nem sabiam que


sua filha estava naquela vida e na cidade. Fazia anos que não a

viam. Se soubessem, teriam acolhido a neta antes.

Nenhuma mãe de verdade deveria deixar um filho sofrer


daquela forma. A minha fazia tudo por nós. Só não fazia mais

porque meu pai não permitia.

No dia seguinte após eu ter despachado ao inferno o violador e

a mãe da menina, meu pai soube do que aconteceu e ficou furioso,


trancando-me no porão. Eu estava machucado pelos açoites que

me deu, mas não me arrependia de ter salvado a garotinha.


Fazia dois dias que eu estava trancado naquele lugar

fedorento, mas uma parte de mim se acostumou, pois Marco nos

mandava para lá direto. O pior eram as dores em minhas costelas.


Eu apostava que estavam fraturadas, mas não tinha a quem

recorrer. Tentava ao máximo não preocupar minha mãe. Não queria

que sofresse por mim, notava que ela se sentia impotente.

“O que era sempre”, pensei amargo.


Ouvi pisados suaves. Era minha mãe, a única que andava

assim. Stefano ainda era pequeno, e Alessandro não estava na

cidade. Sentei-me no chão, ignorando as fisgadas que senti no meu


lado direito e no peito. Controlei minha dor para ela não notar como

eu estava me sentindo.

Kélia apareceu ali com o rosto molhado. Era tão linda para

ficar triste ao me ver daquele jeito....


― Oh, meu amor, eu sinto tanto! ― Veio até mim. Com seu

vestido branco, parecia um anjo, e de fato era para mim, ela e

minhas irmãs.
― Não sinta, estou bem. ― Tentei tranquilizá-la, mas não teve

jeito, ela me conhecia bem.


― Nunca minta para mim. Sei dos açoites, dos chutes, das

feridas em suas costas. ― Agachou-se e beijou meus cabelos. ―

Eu vim tirá-lo daqui.

Pisquei, surpreso.
― Não pode. Ele irá machucá-la. Não permitirei que isso

aconteça.

Ela sacudiu a cabeça e levantou as chaves.


― Marco deixou que você fosse solto ― retrucou, abrindo as

algemas.

Estreitei os olhos. Por que diabos ele faria isso? Não

acreditava que ele tinha tido uma crise de bondade, apostava que
queria algo em troca. “Maldito seja!”

Não disse nada à minha mãe, ela não precisava ter mais

conhecimento do que tinha das coisas que aquele traste imundo nos
fazia.

― Tá bom. ― Tentei ficar de pé, mas minhas pernas estavam

bambas em razão da posição em que fui preso.

― Vamos sair daqui e cuidar das suas feridas. ― Mamãe


parecia ansiosa e preocupada, ainda mais quando enrijeci em razão

da dor nas costelas.


Tomei cuidado para não deixar com que percebesse o que eu

estava sentindo.
Antes que eu chegasse ao meu quarto com ela ao meu lado,

um dos guardas apareceu, o Luigi. Éramos amigos havia algum

tempo. Ele era leal ao capo, mas nossa amizade vinha em primeiro

lugar. Ele torcia para Alessandro ocupar a posição de líder logo.


Olhou para minha mãe.

― Olá, senhora. Desculpe-me interromper. ― Virou-se para

mim, e na hora eu sabia que coisa boa não viria dali.


― Aconteceu alguma coisa? ― sondei, mas logo arfei, pois ele

tinha me prometido que manteria os olhos na garotinha. ― Violetta

está bem?
― Tenho de avisar que seu pai decidiu que você merece pagar

ainda mais. ― Tinha um tom amargo em sua voz.

O sangue fugiu do meu rosto.

― Ele foi atrás dela?! ― Saí dos braços da minha mãe e me


forcei a não pensar na dor física que estava sentindo.

― Lamento dizer, mas sim ― respondeu. ― Saiu tem 10

minutos.
Tentei correr, mas minha mãe segurou meu braço. Enfim eu

entendia por que ele permitiu que eu fosse solto.


― Se for, ele vai fazer com você ainda pior do que já fez. ―
Seu tom era triste.

Olhei-a.

― Não posso deixá-la à mercê de Marco! Se acontecer algo...


― Sacudi a cabeça. ― Não devia tê-la envolvido em minha vida.

― Você a protegeu de coisas horríveis. Se não tivesse feito

isso, ela não estaria viva hoje. ― Tocou meu rosto. ― Continue com
esse bom coração, meu menino.

― Te amo, mãe. Tudo ficará bem. ― Beijei sua mão que

estava em meu rosto e corri para tentar impedir aquela catástrofe.

Meu coração sofria como nunca enquanto eu corria na direção


da casa dos avós de Violetta, a dor me assolando tanto por dentro

que mal me deixava respirar de modo normal. O sentimento era pior

que as dores devido aos ferimentos. Eu precisava chegar a tempo


de impedir que o monstro do meu pai cometesse algo com a menina

e sua família.
Porra, eu não deveria ter frequentado sua casa, aliás, nem
deveria tê-la conhecido, mas o que poderia ter feito? Ela estava

muito machucada após ter sido espancada por aqueles garotos.


Sua confiança em mim me motivava a correr para salvar sua
vida, mas no fundo algo me dizia que era tarde demais.
“Se meu pai a tocou, eu vou matá-lo não importam as
consequências”, pensei.
A fúria me consumia por ter nascido filho de Marco. O tanto

que eu o odiava me fez ver em vermelho.


Assim que cheguei à pequena casa, vi Marco saindo com mais
dois homens, seus capangas.

Fui até ele e o fuzilei.


― Se a tocou, eu vou matá-lo! ― cuspi, cerrando os punhos.
Tinha corrido até ali para impedi-lo, mas, pela sua cara, estava

atrasado.
― Eu avisei, Rafaelle, sem laços. ― Deu-me um soco na
boca. ― Da próxima vez que me desrespeitar de novo, vou fazê-lo

pagar caro, moleque.


Não liguei para isso, só entrei na casa correndo na esperança
de vê-la. Entretanto, o lugar tinha sangue em todos os lugares. Dois

corpos estavam no chão. Eram os avós dela.


― Violetta! ― gritei, indo para o seu quarto. Assim que entrei,

travei diante da cena macabra. ― Não! Eu sinto muito, Violetta... ―


Meus joelhos dobraram sobre o sangue dela. Peguei sua mãozinha
flácida, enquanto ela me fitava com aqueles olhinhos que ficariam

gravados no meu cérebro para sempre. Era o seu último fôlego.


A dor me possuía conforme eu a abraçava. Peguei a mesma
faca ensanguentada que tinha sido usada contra ela e fui até o
maldito monstro que fez aquilo.

Ele ainda me esperava com seus homens o ladeando.


― Eu avisei... ― começou Marco, mas o cortei, lançando a

faca em um dos seus homens. O segurança morreu com a faca


enfiada no peito. Fui até o defunto e a peguei, arrancando-a de sua
carne e me lancei aos outros que estavam ali; havia mais deles do

que quando cheguei. Não me importei, só abati quantos pude,


tamanha era a minha fúria. Não podia com todos, mas levaria tantos
quanto pudesse.

Minha vontade era eliminar Marco, mas não podia naquele


momento. Alessandro dependia que ele estivesse vivo para ser
capo; se eu o matasse, os desgraçados dos seus seguidores iriam

se rebelar.
― Se não parar com isso, vou fazer com suas irmãs o que
aconteceu com aquela menina! ― esbravejou Marco, deixando-me

paralisado.
De repente senti uma pancada na cabeça, e a inconsciência se

apossou de mim.
Naquele dia, vi o inferno, mas o pior era que não contava que
viveria nele por anos. Porque, mesmo com Marco sendo o

mandante do assassinato, a culpa sempre seria minha, e nem todo


o castigo que ele me daria a partir daquele instante seria o suficiente
para apagar isso.

Acordei com água sendo jogada sobre mim. Tossi e rolei no


chão, mas Marco não deixou que eu me recuperasse, chutou meu

estômago.
― Seu moleque, não devia me desobedecer... ― rosnou
furioso. ― Com isso, farei com que nunca mais me enfrente.

Cada palavra que dizia era seguida por socos e chutes dele.
Toda minha carne se deteriorava, mas não gritei, não lhe daria esse
gostinho.

― Eu lhe dou tudo, e você ainda ousa ir contra minhas ordens!


― Senti algo batendo em meu nariz. A dor me fez ver estrelas e
cortou minha respiração por um segundo.

― Pare, você vai matá-lo! ― gritou mamãe.


Pisquei, vendo-a entrar na minha frente.
― Isso é sua culpa! Fica ensinando-os a ser bons para todos...

― sibilou, esbofeteando o rosto dela, que caiu na minha frente.


― Não toque nela, seu desgraçado! ― gritei enfurecido. ― Eu
o odeio!

― Isso, sinta só ódio na sua vida, não outra coisa! ― Pegou os


cabelos da minha mãe, tirando-a de perto de mim. ― Você precisa
ser quebrado, só assim vai dar valor ao que tem.

Um gelo desceu por minha coluna. Temia que viesse a matar


minha mãe.

― Deixe-a aí e fique comigo, não a machuque! ― implorei.


― Homens não imploram, Rafaelle, eles matam! Vou te
ensinar isso. ― Puxou o vestido da mamãe, rasgando a parte de

cima.
― Não toque nela! ― Tentei ir até eles, mas meus músculos
estavam travados devido à surra. Minhas costelas e outras partes

do meu corpo deviam estar quebradas, pois eu não conseguia me


mover.
― Ela é minha esposa, faço o que eu quiser! ― Debruçou-a

sobre uma das mesas de tortura que tinha ali e desabotoou suas
calças.
― Não, por favor, não a toque! ― Chorei.
Ele se enfureceu e veio até mim, segurando minha garganta e
a apertando com tanta força que o meu oxigênio se esvaiu.
― Homens não choram! Eles fazem outras pessoas chorarem!

― rugiu no meu rosto.


― Faço qualquer coisa, mas não o mate! ― Mamãe estava ali,
ao meu lado. ― Ele está ficando roxo! Solte-o!

Suas mãos sumiram, e pude respirar de novo e ver o que ele


pretendia fazer com minha mãe, mas, antes que eu suplicasse mais,
um chute seu me fez ver estrelas, e a escuridão me assolou. Se

fosse a morte, seria bem-vinda.


Capítulo 26

Mália

Eu estava de joelhos no chão ao lado da cama de Rafaelle,

olhando-o dormir e chorando devido à sua história. Não imaginava

que ele pudesse ter sofrido tanto assim. Sua dor cortava fundo o
meu peito.

Após ele contar seu passado, fiquei em sua presença, vendo

sua desolação, mas sem poder fazer nada. A única coisa que podia
fazer era confortá-lo e desejar que um dia a culpa que o corroía

passasse ou ao menos amenizasse.


Alisei seus cabelos em uma tentativa de levar os pesadelos

para longe. Queria ter esse poder, mas só o que pude fazer foi dar-

lhe um chá calmante.


Toda a crueldade que aquele homem fez com a mãe de

Rafaelle... Ele não o viu tocando-a, mas, pela forma como ela

estava no dia seguinte, tinha sido machucada. Um ser daqueles não


deveria ter vivido tantos anos, deveria ter sido eliminado havia muito

mais tempo.

― Após aquela noite, me culpei ainda mais, pois minha mãe


pediu que eu não saísse, mas o fiz mesmo assim ― disse ele após

terminar de me contar seu trágico passado. ―


― Não é culpado, Rafaelle ― contestei-o. ― Você é um

homem maravilhoso e fez um gesto de bondade, assim como sua

mãe disse. Tentou ao máximo fazer com que aquela garotinha se

salvasse, apanhou a ponto de ficar todo machucado.

Tentei convencê-lo de que não era sua culpa, mas não teve

jeito. Eu teria de trabalhar mais com ele aquele assunto. Esperava


que um dia aceitasse e superasse aquilo. Sabia que não era fácil,

mas não era impossível.


― Dorme sem pesadelos. ― Beijei sua testa. ― Tomarei conta
de você.

Observei a faca em sua mão. Fazia dias que ele dormia sem

ela, mas, com aquelas revelações, ficou mais agitado e a pegou de

volta. Eu queria tirá-la dele, mas não consegui e preferi não insistir

para não o acordar.

Saí do quarto de cabeça baixa, tentando controlar a dor em


meu peito. Não queria sair do seu lado, mas precisava de um banho

para relaxar, porque sentia que a noite seria longa.

Em todas aquelas noites desde que o havia conhecido, não

dormia com ele, não como faz todo casal normal; sempre ficava

sentada e tomando conta dele. Queria dormir em seus braços.

Esperava que um dia conseguisse.

Trombei em alguém e quase caí de bunda, se mãos não me


segurassem.

― Cuidado ― alertou uma voz grave.

Pisquei, encontrando olhos verdes, que ficaram escuros ao ver

minhas lágrimas.

― Vocês brigaram? ― perguntou Alessandro diretamente. ―

Notei a forma como chegaram mais cedo.


Quando entramos na sala poucas horas antes, todos pareciam

saber que alguma coisa tinha acontecido, melhor dizendo,


Alessandro e Stefano; suas irmãs, nem tanto.

― Não, ele só abriu o jogo comigo sobre alguns segredos ―


comentei, fechando a porta para não acordar Rafaelle.
― Segredos? ― Avaliou-me daquela mesma forma intensa

que o irmão. ― Ele falou com você sobre o que aconteceu naquele
dia?

Escorei-me na parede, sem forças.


― Se a praga do seu pai estivesse vivo, eu mesma o mataria

de forma lenta e torturante ― rosnei.


Nunca tinha sentido tanta raiva de alguém que eu não
conhecia, mas o pouco que ouvi falar daquele ser repugnante me

fazia querer tê-lo conhecido só para eu mesma fazê-lo pagar.


Nesse mundo, enfrentamos coisas horríveis, mas isso não leva

embora nossa humanidade. Entretanto, há pessoas que já nascem


consumidas pela maldade.

― Como ele pôde fazer aquelas atrocidades? Oh, Deus, era


crueldade demais para um ser humano fazer! ― Sentia-me enojada
com tudo que ouvi.
― Isso é porque não sabe nem da metade do que ele fez. ―

Seu tom era amargo ao se referir ao pai.


Eu não duvidava disso, não após ele ter feito o que fez com

Rafaelle e suas irmãs.


― Marco era o demônio em pessoa, não tinha qualquer tipo de

sentimento ― continuou.
― Ele matou uma criança! Por Deus, como pode existir um ser
dessa espécie?! E não bastava isso, ainda machucou Rafaelle a

ponto de ele não conseguir se mexer e proteger sua mãe! ― Sacudi


a cabeça, incrédula.

― Proteger nossa mãe? ― indagou Stefano, aparecendo ali


como se tivesse sido conjurado.
Franzi a testa.

― Sua mãe tentou proteger Rafaelle, mas não conseguiu... O


que Marco fez com ela depois... ― Tentei controlar minha fúria. ―

Não sei qual foi seu fim, mas esse homem merecia ter sido
estripado com uma pá enferrujada.

― Marco bateu nela? ― Stefano sibilou.


― Não, ele fez pior, para provar que tudo era culpa de
Rafaelle. ― Trinquei os dentes. ― Maldito seja!

― Marco estuprou nossa mãe?! ― grunhiu Stefano.


O corpo de Alessandro se sacudiu como se recebesse uma
descarga elétrica. Seus olhos estavam tomados por chamas,
diferente da sua frieza habitual.

― Vocês não sabiam disso? ― Fiquei confusa sobre o porquê


de Rafaelle não lhes ter contado. Temi que tivesse falado demais,

mas ele não pedira segredo em nenhum momento. Se o tivesse


feito, eu não teria dito nada.
― Porra! ― Alessandro deu um passo para trás, escorando-se

na parede; parecia sem forças.


Stefano chutou uma das portas do corredor. Ainda hoje não sei

como não quebrou o pé.


― Maldito! Como eu queria colocar minhas mãos nele e fazer

com que pagasse de novo!


A raiva e a impotência brilhavam nos olhos dos dois irmãos.
― Rafaelle presenciou isso? Por que nunca nos contou? ― A

voz de Alessandro parecia quebrada.


― Não chegou a ver a cena, só a intenção, pois o pai lhe disse

o que faria. Desmaiou antes, mas, no dia seguinte, ela estava


bastante machucada. ― Suspirei, controlando minha fúria. ― Ele se
culpa pelo que aconteceu tanto com sua mãe como com a

garotinha. Não sei o que fazer para ajudá-lo.


― Ele não é de falar seus problemas para os outros, nem para
nós. ― A voz de Stefano se assemelhava a algo partido. ― Mas
merecíamos saber dessa merda.

― Acredito que não disse porque queria protegê-los dessa


verdade dolorosa. Teve uma vez que ele me disse que o impediu de

matar seus amigos. ― Olhei para Alessandro. ― Porque não queria


aquilo em sua consciência, preferia ter na dele.
― Ele não precisava ter carregado esse fardo sozinho,

estávamos aqui para isso ― Alessandro retrucou, atormentado. ―

Sei que juramos proteger um ao outro, mas somos uma família, nos
apoiamos e até morremos pelos nossos.

Eu o entendia, pois faria a mesma coisa pelo Mariano. Com

certeza Rafaelle não disse nada aos seus irmãos porque não queria

que sofressem, mesmo que tivesse de pagar o preço sozinho. Isso


era tão injusto...

― Queria ter estado lá por ele e minha mãe, mas fui enviado

para outra cidade. Agora, pensando com clareza, aposto que Marco
fez isso para eu não me meter, pois sabia que eu não a deixaria

interferir. Eu mesmo o faria...

― Ele devia ter tudo planejado. Sabia que, se ficasse, você ia


interferir, como sempre fazia ― interveio Stefano, arrasado igual ao
irmão. ― Lembro-me de mamãe machucada, mas ela disse que era

só uma gripe passageira. Na época, eu era novo demais para


entender algo, mas agora, sabendo das coisas...

― Não acho que vocês teriam conseguido fazer algo. Rafaelle

disse que só não fez porque não podia enfrentá-lo na época, afinal,
necessitava que você fosse capo um dia para livrar todos daquela

situação. ― Apontei para os dois.

― Demorou demais, e não pude fazer muito...

― Fez o bastante, não deixou que suas irmãs fossem


vendidas como gado. O que me repudia é que o maldito disse que

tudo que ia fazer com a mãe de vocês era culpa de Rafaelle, por ter

desobedecido a ele.
Por causa disso ele estava ali, naquela situação, tomado de

dor, tudo por culpa daquele ser desprezível.

― Não foi culpa dele... ― A voz de Stefano parecia tão


devastada quanto a de Alessandro e a de Rafaelle quando me

contou tudo.

Encarei-o.

― Naquele dia, sua mãe convenceu seu pai a soltar Rafaelle.


Ele não sabia como ela conseguiu convencê-lo, mas logo percebeu
que fazia parte de um plano para o filho saber quem mandava ali. ―

Fechei os olhos um momento.

Os dois Morellis respiravam de modo irregular, tensos,


esperando o que eu diria a seguir.

― Depois que ele saiu, veio a notícia sobre a garotinha. Sua

mãe pediu que ele não fosse até ela, ou seria ainda mais

machucado por Marco. Mesmo assim, ele foi, e, de fato, foi muito
ferido. Sua mãe teve que interferir, ou seu pai o mataria. ― Limpei

meus olhos molhados.

― Filho da puta! ― Stefano novamente chutou com força a


porta, que eu imaginava ser do quarto dele. ― Queria trazê-lo do

inferno só para lhe mostrar como elimino um ser como ele.

― Entendo que, naquela situação, não havia nada a ser feito.

Sua mãe ainda lhe agradeceu o modo como ele era, pois não podia
ver ninguém sofrendo, que queria ajudar, assim como fez com

Violetta, mas ainda hoje essas lembranças do acontecido trazem

pesadelos a ele. O atormenta não ter atendido o pedido dela, e se


sente impotente por não ter conseguido proteger as duas.

A expressão de ambos os irmãos era idêntica. A devastação

estava em suas fisionomias, assim como vi no rosto de Rafaelle

naquele dia.
― Ele carregou isso durante todo esse tempo? ― A voz de

Alessandro estava dilacerada.


Eu me sentia assim também, após saber tudo que aconteceu

com ele.

― Vocês conhecem o irmão que têm. Prefere sofrer em


silêncio a ser ajudado com um fardo. ― Cada pessoa é diferente, eu

sei, pensei. Não podemos simplesmente mudar a personalidade;

uns vêm com garras, outros, sem.

― Desde criança ele é assim. Matou dois dos meus colegas,


como você mesma disse, só para eu não ter que fazê-lo. ―

Alessandro tentou se recuperar respirando fundo, mas pareceu

doer, pelo seu olhar. ― Somos assim.


― Agora preciso arrumar uma forma de ajudá-lo, mas não sei

o que fazer. ― Meu coração doía com isso.

― Já faz muito por ele. Vejo que fica até tarde com Rafaelle,

mas, assim que meu irmão está prestes a acordar, você volta ao seu
quarto para ele não notar que esteve lá, não é? ― Avaliava-me.

Notei admiração em sua voz. ― É para aliviar os pesadelos dele?

Eu não conseguia espantá-los de todo, afinal, não era uma


vidente ou algo assim.
― É como se ele sentisse minha presença em seu sono e isso

o serenasse. ― Por isso eu ficava com ele todas as noites sem que

soubesse.

― De fato, deve notar isso em seu subconsciente. ―


Alessandro franziu a testa. ― Melhor contar a ele, porque, como

dorme com a faca, pode se assustar e feri-la. Não queremos isso,

nem para você nem para nosso irmão.


Ele estava certo, eu tinha que contar sobre esse assunto ao

Rafaelle, afinal lhe havia prometido que não entraria no seu quarto

quando estivesse dormindo. Além disso, juramos revelar sempre a

verdade um ao outro.
― Direi amanhã sem falta ― assegurei. ― Obrigada por tudo

que fizeram por ele.

― Somos uma família ― disse Stefano. ― Fazemos tudo um


pelo outro.

A lealdade entre eles era muito bonita. Era raro ter isso no

nosso mundo, ainda mais com o tipo de pai que tiveram. Mesmo

diante de tudo que passaram, não perderam a humanidade.


― Tem algo que ele vai lhe revelar amanhã, acredito. Será

difícil para você aceitar, mas peço que o perdoe. Rafaelle faz tudo

para aqueles que ama não sofrerem ― Alessandro me disse.


Franzi a testa.

― O que ele tem para me dizer que será tão difícil? ― Se


fosse algo relacionado ao seu passado, não havia nada a perdoar.

Só não o desculparia se tivesse me traído, mas não devia ser isso,

pois Rafaelle não era assim, além disso eu estava ao seu lado todo

aquele tempo e não via sinal de algo desse tipo.


― O que é? ― insisti.

Coisa grave não devia ser, pois eu tinha falado ainda naquele

dia com meu irmão, e ele me garantiu que estava tudo bem com
todos, inclusive com meu pai e o garoto que se feriu para me

proteger.

― Só peço que deixe sua mente aberta para o que ele vai
revelar. ― Aproximou-se e tocou meus ombros. ― Se você se

importa com ele como sei que faz, irá perdoá-lo.

Encarei os dois irmãos.

― O que eu não sei?


― Ele vai contar eventualmente. ― Afastou-se e olhou para a

porta do quarto do irmão como se pudesse vê-lo dali. ― Só precisa

lidar com o que está sentindo após reviver essas lembranças que o
atormentaram por anos. ― Olhou-me. ― Agora preciso ir checar

como anda a Mia com esses enjoos.


Percebi que ele não abriria a boca a fim de me revelar o
segredo, e eu estava esgotada para insistir. Conversaria com

Rafaelle no dia seguinte.

Alessandro saiu, e eu me virei para Stefano, que estava de


braços cruzados e escorado na porta que chutou.

― Não vai me dizer qual é esse outro segredo? ― Não

confiava que diria, mesmo assim arrisquei.


― Não, terá que perguntar a ele. ― Aproximou-se de mim.

Eu estava a ponto de retrucar, quando ele enfiou sua mão

direita em meus cabelos e puxou meu rosto para o seu.

Estava tão chocada que fiquei muda, de olhos arregalados.


― Relaxa, mulher, não vou beijá-la. Jamais o faria, e, além

disso, meu irmão cortaria minhas bolas, e preciso delas. ― Um

esboço de sorriso apareceu em sua face, mas depois ele ficou sério.
― Você ama Rafaelle?

Fiquei ali, tentando recuperar meu coração disparado. Era


claro que ele não tentaria nada, todos eram leais em sua família, e
eu não tinha medo deles. Naqueles dias ali, passei a confiar em

todos.
― Com todo meu coração e alma ― afirmei.
Ele sorriu satisfeito.
― Não quebre o coração dele. Você viu que já foi quebrado de
várias maneiras, mas acredito que, se você o fizer, as
consequências serão devastadoras. ― Dito isso, entrou em seu

quarto, deixando-me ali de boca aberta.


Aquele garoto, mesmo sendo um mulherengo e não querendo
se apaixonar, entendia o sentimento e parecia saber o que Rafaelle

sentia.
Sacudi a cabeça, meio zonza, e fui tomar meu banho. Iria
jantar depois, mas perdi a fome; a dor de Rafaelle e a conversa com

seus irmãos me fizeram perder o apetite.


No momento em que entrei em seu quarto, notei seu sono
agitado, ainda pior do que antes. Corri até ele e tentei tocar em sua

mão como sempre fazia todas as noites. Senti-me culpada por tê-lo
deixado revelar aquela horrível memória, pois isso lhe trouxe
pesadelos pavorosos, diante da forma como ele se mexia.

― Não a machuque! ― O desespero estava em cada palavra


dita em seu sono. Segurava a faca tão perto do pescoço que, se eu

não fizesse nada, acabaria se cortando. Peguei a faca com cuidado


e a coloquei no chão. Estava a ponto de me afastar, mas ele me
puxou para cima de seu corpo, escondendo o rosto em meu

pescoço e inspirando.
Achei que fosse acordar, mas logo sua respiração estava
normal.
Temi me mexer e acordá-lo, então só fiquei ali, confortando-o e

torcendo que seus pesadelos sumissem. Um dia, talvez. Tinha fé


que tudo daria certo com o tempo.
Capítulo 27

Rafaelle

Abri os olhos, lembrando-me do que foi revelado no dia

anterior. Mesmo doendo, foi reconfortante estar ao lado de Mália.

Nenhuma vez ela me interrompeu, só ficou ali, ouvindo tudo,


consolando-me e estando ao meu lado.

― Acordou? ― Reconheceria aquela voz entre milhões, mas

parecia estranha.
Virei a cabeça, sentando-me na cama. Mália estava sentada

em uma cadeira e me encarava. A minha faca estava em suas


mãos.

― Não sei qual seu motivo para dormir com isso, mas precisa

parar. Quase cortou seu pescoço com ela essa noite.


O medo me tomou, e chequei seu corpo, não vendo nenhum

ferimento.

― Você se aproximou de mim enquanto eu estava com ela? ―


Minha voz falhou. ― Pedi para não fazer isso!

Recordei que tive um pesadelo naquela noite, como os que

sempre tinha. Geralmente, minha mãe e Violetta sorriam para mim,


então Marco aparecia e cortava as suas gargantas, mas no último

sonho, quem morria era Mália. Isso me fez enlouquecer de dor e


pavor. Tentava matá-lo no sonho, mas nunca o alcançava.

― Faço isso desde o início, na ilha. Após ouvir seus ruídos,

tentei tirar sua faca, mas você segurou minha mão, então, a partir

dali, dormiu a noite toda. ― Ela não parecia preocupada.

Fiquei de pé em um salto. Isso me fez lembrar de quando

acordei, na ilha, e a vi no quarto, mas ela saiu e deu a desculpa de


que tinha ido pegar uma arma. Após esse dia, toda noite eu

acordava com a faca no chão.


― Você não entende! Uma vez quase matei a Luna, foi por
pouco! ― O desespero tomava conta de mim. ― Se eu...

Ela ficou de pé na minha frente e veio até mim.

― Não me machucaria. Nunca o fez. É como se seu

subconsciente soubesse que estou ali. ― Tocou meu coração, que

pulsava de modo irregular. ― Acho que devemos deixar a faca de

lado. Seja quem for o demônio de seus pesadelos, não tem mais
poder sobre você. Acredito que devemos dormir juntos igual fizemos

essa noite.

Arregalei os olhos.

― Dormiu aqui? ― Uma parte de mim se encheu de

esperança de que os pesadelos sumissem de vez. Não acreditava

que tinha dormido a noite toda com ela. Por isso eu me sentia leve,

como se tivesse dormido demais.


― Vamos tentar, Rafaelle. Deixe a faca longe de você à noite,

assim eu fico ao seu lado, reconfortando-o. ― Tinha tanta

esperança em sua voz.

― Vou tentar, ok? Não quero machucar você. Não sei o que

faria caso isso acontecesse. ― Eu tremia só em pensar nisso.

Ela ficou na ponta dos pés e me beijou de leve, mas a abracei


e devorei seus lábios, pois estava faminto por eles. Com ela, eu
almejava muito mais.

Antes que a colocasse na cama e me apossasse de seu corpo,


havia outro segredo a contar, um que seria difícil para ela. Afastei-

me e toquei seu rosto.


― Há algo que preciso revelar a você ― falei, puxando-a para
o sofá, mas ela se afastou e estreitou os olhos.

― É o segredo que seus irmãos mencionaram? ― sondou. ―


Do que se trata? Do seu passado?

― Não é sobre mim, mas sobre você. ― Respirei fundo. Não


havia como amenizar o baque, era melhor dizer de uma vez por

todas.
― Sobre mim? O que é?
― Se lembra do ataque à festa em sua casa? Aquele em que

Razor fugiu com você, mas seu pai ficou? Sei que o que vou dizer
vai machucá-la. Queria evitar isso a todo custo, mas não há como.

Não posso continuar mentindo só para impedir seu sofrimento.


Ela deu um passo para trás.

― O que aconteceu? Foi com meu pai? Mariano me garantiu


que ele estava bem, só sem comunicação...
― Quando o lugar foi atacado, enquanto Razor estava com

você, seu pai levou um tiro e morreu, mas não descobriram quem
fez isso na hora do tiroteio. É claro que alguém armou isso, não foi

acidental, foi premeditado. ― Nada daquilo tinha saído na mídia,


pois Razor temia que, de alguma forma, Mália visse.

Seu olhar... Céus, a dor toldava suas feições, como eu sabia


que aconteceria.

― Meu pai morreu? ― Sua voz saiu estrangulada, como se ela


estivesse asfixiada. Quando me olhou, havia mágoa. Isso foi como
um soco no estômago. ― Você e Mariano sabem desde quando?

Não queria esconder mais nada dela, seria sempre verdadeiro


daquele momento em diante.

― Sei desde que eu estive preso. Ouvi um dos homens


comentar naquela noite, pensando que eu estava apagado.
Ela escorou as costas na parede como se tivesse sido socada.

Isso cortou meu coração negro. Queria poder enfiar a mão em seu
peito e tirar a sua dor.

― Mentiu para mim todo esse tempo? ― parecia mais um


lamento do que uma pergunta.

― Não queria ver essa dor que estou vendo em seus olhos ―
sussurrei.
― Não acredito nisso... Como pôde me deixar ser feliz todo

esse tempo e pensando que logo o veria?! O que há em seu peito?!


Não tem um coração?! ― gritou.
― Mália, por favor, entenda! Seu irmão achou que, se você
soubesse quem matou seus pais, iria acabar indo até o assassino.

Razor não queria isso, e eu também não, mas não revelei por saber
que sofreria. ― Dei um passo até ela, mas se afastou de mim,

rejeitando meu toque.


― Não resolveu de nada, não é? ― desdenhou. ― Quem
matou os dois? Foi meu tio Ulisses?

― Não. Tomaso. Ele queria ser mais do que estava destinado


a ser...

A fúria se apossou dela, assim como a dor e o sentimento de


traição. Era visível em suas feições. Uma mistura nada boa.

― Vou matar aquele maldito! ― Saiu enfurecida do quarto. Foi


quando notei que ela ainda segurava a minha faca.
― Mália, não pode ir atrás dele! ― Corri atrás dela antes que

descesse as escadas na tentativa de pegar a faca, mas ela tropeçou


em um jarro de planta que tinha ali e caiu no chão, em seguida

gemeu.
Sua raiva a cegou, mas eu não podia deixar que se
machucasse por querer vingança. Eu sabia o quanto um gesto

impensado podia fazer.


A dor tomou sua face, mas era diferente, como dor física. Foi
quando ela se virou para mim e olhei para sua barriga, vendo uma
trilha de sangue.

Corri até ela e a coloquei de pé. Seus olhos piscaram


chocados. A faca caiu no chão, aos seus pés, enquanto o sangue

escorria em suas pernas, o que significava que o corte era profundo.


― Maldição! Como me cortei assim? ― indagou a si mesma.
O tormento e o pavor me invadiram.

― Não, por favor, não! ― A agonia estava em cada palavra

que eu disse. Vê-la assim, sangrando, trouxe-me lembranças vivas


de Violetta.

Mália se escorou na parede com um meio sorriso.

― Estou bem, foi só um arranhão. ― Percebi que tentou

esconder o que estava sentindo, mas a quantidade de sangue era


alarmante.

Peguei-a em meus braços, saindo do meu transe. Não era

hora para ter medo.


― Isso foi minha culpa... ― Devia ter tirado a faca de sua mão

antes de aquilo acontecer.

― Eu corri com uma faca e caí ― rosnou ela, ofegante devido


à dor. Seus olhos estavam molhados. ― Não quero ver você se
culpando por isso. Se lembra de que eu quase estourei meus pés

com a arma quando estava aprendendo? É minha sina ser


desastrada.

― Acho que devemos deixar você longe de armas, então.

― Só depois de fazer Tomaso pagar. ― Tinha um selo de


promessa que não gostei em sua frase.

Faria de tudo para evitar que aquilo acontecesse. Contudo,

primeiro focaria em levá-la ao hospital antes que sua hemorragia

aumentasse.

Levei Mália ao hospital, onde, após um procedimento, ela

dormia. Seu corte recebeu cinco pontos. Minha faca era bastante

amolada, por isso a ferida foi profunda.


― Rafaelle... ― começou Alessandro.

O médico me informara que Mália ficaria bem após ser

suturada e medicada. Isso não mudava o fato de ela querer o


sangue do monstro do tio.

― Não. Preciso resolver as coisas o quanto antes. Não quero

as mãos dela mais sujas de sangue. ― A raiva que eu estava


sentindo de todos aqueles que direta ou indiretamente a levaram

àquele hospital era infinita. Inclusive de mim mesmo, por ter

escondido a verdade dela e não ter pegado a faca antes de lhe


contar.

Ele deu um suspiro duro.

― O que pensa em fazer? Ir enfrentar todos eles sem um

plano? ― Aproximou-me de mim. ― Não se lembra do que


aconteceu quando foi pego? E a culpa não foi sua, ela mesma se

feriu.

― Eu devia ter tirado a faca dela antes...


― Mas que porra! Pare de dizer besteira! Foi um acidente, e

ela só se feriu, não morreu! ― rosnou, embora sem alterar a voz.

Tocou meu ombro. ― Não quero que se consuma por isso. Ela está

bem, a lâmina não atingiu nenhum órgão vital, e logo acordará e vai
precisar de você...

Sacudi a cabeça.

― Não antes de eu pegar todos que estão atrás de nós. ―


Trinquei os dentes. ― Vou livrá-la de todos que a querem. ― Nada

de ruim iria tocá-la, isso eu podia jurar, e cumpriria essa promessa.

Todos os perigos ficariam longe dela.


― O que pensa em fazer? ― Alessandro estreitou os olhos. ―

Não pensa em ir atrás deles sozinho, não é? Essa luta é de Razor, e


ninguém entrou aqui para irmos atacá-los. Além disso, tem gente

atrás do pessoal de Sultão.

― Vou lidar eu mesmo com tudo. Estou farto de esperar Razor,


não vou mais fazer isso. ― Ele teve quase dois meses para

executar o fim do seu tio e não fez nada; dessa vez, eu o faria.

― Não foi suficiente ter sido pego pelo Razor? Se fosse outra

pessoa que o tivesse feito... ― Inspirou fundo, como se tentasse se


controlar. ― Não pode sair por aí fazendo o que bem entende. Sou

seu chefe, me deve respeito e obediência.

Ele nunca tinha usado seu tom de chefe comigo, não era
preciso. Aquela era a primeira vez. Eu entendia meu irmão, sabia

que só queria me proteger.

― Lamento desapontar você e lhe desobedecer, mas não

posso ficar aqui. Preciso limpar toda a sujeira para que nada
respingue sobre Mália. Não deixarei com que ela seja machucada

indo atrás daquele maldito. Prometi que não a deixaria matar

ninguém outra vez e vou cumprir isso. ― Respirei fundo, segurando


os dedos frágeis dela.
― Acha que ela quer ver você fazendo isso? Nem está curado

cem por cento ― disse Stefano.

― Estou bem. ― Não me importava com isso, só precisava

arrumar uma forma de descontar a fúria que estava sentindo em


alguém. Pelo menos sabia exatamente em quem faria isso. ― Matar

alguns homens não irá me matar.

― Rafaelle!
Virei-me para Alessandro.

― Respeito sua ordem, mas dessa vez não poderei cumpri-la.

― Voltei a olhar aquele rosto, que passou a ser tudo para mim. Por

Mália, eu faria qualquer coisa. Mudei de assunto. ― Todo esse


tempo, ela dormia comigo quando eu tinha pesadelos. Nunca a

machuquei. ― Uma parte de mim estava aliviada com isso.

― Sei o que significa ter pesadelos. Todos nós temos


demônios que nos atormentam. Isso acontece por termos sido

criados pelo Marco, mas não podemos deixar que ele vença e nos

faça perder quem é importante para nós ― disse Stefano. ― Vou

com você nessa jornada, não o deixarei sozinho.


Eu sabia o que ele estava tentando dizer. Nossa criação foi

difícil, mas vencemos, embora nossas almas estivessem cheias de

buracos.
― Eu a vi dormindo em seu quarto. A princípio achei que

estavam juntos, mas então percebi que ela saía antes que você
acordasse ― Alessandro me disse parecendo controlado. ― Teve

uma vez que seus pesadelos estavam agitados demais. Quando fui

olhar, a vi tirando a faca de sua mão e segurando sua palma no

lugar. Foi como se tivesse dado um tranquilizante a você, pois ficou


calmo e dormiu a noite toda.

Sacudi a cabeça, tonto. Mesmo Mália tendo me dito isso antes,

eu ainda ficava pasmo por tê-la tido tão perto todo aquele tempo.
― Ela não dormia com você, na cama, mas no chão,

segurando sua mão. Mesmo com o corpo arrebentado pelo mau

jeito de dormir, não parecia incomodada. ― Suspirou. ― Essa


mulher ama você de verdade, então pense nela ao ir nessa missão

e volte inteiro. ― Encarou Stefano e a mim. ― Vocês dois.

― O que dirá a ela? ― sondou Stefano.

Olhei mais uma vez para aquela mulher linda e maravilhosa,


que, com sua força e gentileza, me fez amá-la da forma mais

intensa que pensei ser possível fazer um dia.

― Nada. Se Mália souber o que estou fazendo, é bem capaz


de ir aonde vou estar, e a quero longe disso. ― Expirei. ― Vou ligar

para Razor vir buscá-la. Tomaso não está mais lá. De qualquer
forma, El Diablo está de olho nela. Ele é um amigo em quem confio
e é amigo do irmão dela também. Depois que resolver esses

assuntos, irei até Mália. Isso amenizará sua raiva por eu ter

escondido a verdade dela. Eu lhe darei esse tempo. Se eu voltar, irei


em busca do seu perdão. ― O meu coração doía por deixá-la nem

que fosse por pouco tempo.

Beijei sua testa, com a promessa de que todos os miseráveis


que queriam o seu irmão e nós dois seriam pegos. Se alguém a

tocasse, iria acontecer o maldito Apocalipse na Terra.


Capítulo 28

Mália

Acordei sentindo um sacolejo, mas não era como se eu

estivesse em um navio, como eu tinha sonhado. Abri os olhos,

deparando-me em um pequeno quarto, mas não era de um hospital.


Era em um avião? O que eu estava fazendo ali?

Pensei no que aconteceu antes de eu perder a consciência. A

última coisa de que me lembrava era de Rafaelle contando-me o


que aconteceu com meu pai, mas logo tudo que ocorreu depois

voltou à minha mente.


A dor se apossou de mim, deixando-me sem ar um segundo.

Custava a acreditar que papai se fora para sempre e que nem

Mariano nem Rafaelle me contaram sobre isso. Sua omissão e


mentira cortava fundo meu peito.

Olhei para o lado e encontrei Mariano de cabeça baixa,

parecendo derrotado. Meu coração bateu descompassado.


― Mariano? Onde estou? Parece que é um avião ― sussurrei

com minha voz seca e grogue, como se tivesse dormido muito.

Ele levantou a cabeça para mim, o alívio estampado em sua


expressão.

― Mália? ― Antes que eu dissesse que estava bem, ele saiu e


voltou com um homem vestido de branco. O médico – ou

enfermeiro, não tinha ideia – me examinou assim que entrou.

― Ela ficará bem, só precisa de repouso ― disse ao meu

irmão. Seu idioma me fez estranhar, pois falou em espanhol, não em

italiano. Isso queria dizer que eu não estava mais na Itália? Aonde

estávamos indo?
― Ela terá repouso ― assegurou meu irmão. ― Tomarei conta

dela.
O homem saiu, deixando-me a sós com meu irmão.
― Estamos indo para onde? É mesmo um avião? ― sondei de

novo, pois não respondeu antes. Acusei-o: ― Meu pai foi morto, e

você não me contou.

Tentei me sentar, mas o corte na barriga me deixou sem

fôlego.

― Fique quieta, não se mexa, para não se machucar ― pediu


Mariano. Seus olhos escureceram um pouco. ― Estamos indo para

casa. E lamento você ter descoberto assim sobre nosso pai. Queria

impedir que sofresse, mas não consegui.

Ele realmente se foi... Por um segundo, cogitei que fosse só

uma armação, que eu descobriria que ele estava vivo, mas isso só

acontece em filmes e livros que têm final feliz. Essas palavras iriam

me assombrar para sempre, até quando eu partisse desse mundo. A


minha mãe tinha ido havia muito tempo, e eu ainda sofria com a sua

morte.

― Não, por favor! Me diz que é mentira... ― Chorava. Sentia-

me devastada. A dor que me perfurava com a partida do meu pai

fazia com que eu me sentisse sem chão. ― Rafaelle disse que foi

naquele dia, na festa. ― Estava tão desorientada que nem ligava


para o tempo que fiquei inconsciente. Achava que não era muito.
― Sim. Saí da casa com você, mas, quando voltei, papai

estava morto. Não sabíamos quem tinha feito isso, só que eram
invasores que tinham entrado no nosso território. Foi como no caso

da nossa mãe. ― Ele respirava de modo irregular. ― Aconteceu,


mas ninguém sabia o que havia ocorrido de fato.
A dor cortava fundo meu coração com essa perda. Saber que

nunca mais iria vê-lo ou ouvi-lo me chamando de Ratinha... Não


conseguia acreditar que isso estava acontecendo.

― Por que não me revelou a verdade? Sabia disso há meses!


― Não conseguia acreditar que ele fosse capaz de esconder algo

assim de mim.
― Lamento ter escondido tudo de você, mas precisava contar
quando pudesse ficar ao seu lado. Não queria revelar algo sério

enquanto eu estivesse longe, tentando descobrir quem era o


assassino. Por isso a deixei aos cuidados de Rafaelle e pedi que

não lhe contasse nada até chegar a hora certa.


Não imaginava que alguém pudesse ser traída de várias

maneiras pelas duas pessoas que mais amava na vida de uma vez
só.
― Como puderam fazer isso comigo? ― Queria gritar, mas

saiu um lamento. ― Vocês dois mentiram para mim, me privaram de


ver papai uma última vez.

― Calma, Mália, não pode se estressar agora ― pediu


baixinho.

― Quero Tomaso morto. Ou você faz, ou faço eu. ― Não me


importava comigo, mas em pegar o desgraçado que tirou tudo de

mim.
― Mália... logo ele estará morto ― ele prometeu, recostando-
se na cadeira, parecendo tão cansado e devastado. ― Suspeitei do

homem errado todo esse tempo. Matei o homem errado.


― Você não sabia. ― Desde o começo, também achei que

fosse Ulisses.
― Aquele maldito me fez acreditar que Ulisses era o culpado,
mas no final não era ele. Eu o espanquei tanto devido à fúria que

estava sentindo, para depois descobrir a verdade... ― Trincou os


dentes.

Vi a devastação no rosto do meu irmão. A culpa o estava


devorando, assim como eu acreditava que devia estar acontecendo

com Rafaelle.
― O rato imundo me enganou. Parece que nossa mãe estava
desconfiada dele e se juntou a um dos nossos homens para

descobrir a verdade. Tomaso desconfiou e mandou o nosso


executor matá-la. Eu não sabia quem era até Rafaelle me contar
sobre a lembrança que você teve dele e as tatuagens. Coloquei as
mãos nele e descobri tudo. ― Respirou fundo.

― Então ele matou nossa mãe por ela descobrir sua traição ao
papai. Como pôde fazer isso com o próprio irmão?!

― Ele queria o poder todo esse tempo. Ninguém descobriu


suas falcatruas, a não ser nossa mãe e depois Ulisses e o nosso
pai, mas no final todos foram mortos, de uma forma ou de outra. ―

Cerrou os punhos com força. ― Agora quero pegar Tomaso. Estou à


sua procura. Rafaelle está à procura de Sultão e de Tomaso

também, afinal o verme se aliou à Oceanya.


Então Rafaelle foi atrás dos bandidos? Por que deixou Mariano

me levar para longe? Não sou mesmo importante para ele? Só fui
uma moeda de troca? Ele ficou com o território do meu irmão e, de
bônus, resolveu se aproveitar de mim por um tempo?

― Você deu seu território a ele? ― Não reconheci minha voz,


parecia morta.

― Eu ia, mas ele não aceitou. ― Deu um suspiro duro. Antes


que eu ficasse aliviada com isso, meu irmão continuou: ― Bem, se
derrotar o Sultão e pegar o território dele, provavelmente vai achar o

meu pequeno.
Sacudi a cabeça, não acreditando que tinha sido enganada
daquela forma.
Mesmo me sentindo magoada e ressentida, não queria que ele

se culpasse pelo que aconteceu comigo. Precisava falar com


Rafaelle uma última vez. Não foi sua culpa eu ter me ferido, foi

minha, pois corri com uma faca. Precisava aliviar seu fardo, não
podia deixá-lo mais atormentado do que já era. Isso acabaria com
ele. Toda dor que ele sentia, eu também sofria. Ele tinha essa mania

de se culpar por tudo, era como parte de sua natureza.

― A minha aliança com os Morellis acabou. Confiei sua


segurança a eles, mas veja o que aconteceu. Você foi ferida. ―

Indicou minha barriga.

― Não foi culpa de Rafaelle. Eu estava com a faca quando

tudo foi revelado a mim. Não pensei direito, só queria destruir


Tomaso. Na hora em que corri, tropecei em um vaso e caí sobre a

lâmina. Eu mesma me cortei. ― Meus olhos estavam marejados. ―

Preciso falar com ele. Não posso deixá-lo pensar o pior.


― Sem chance de você falar com ele! ― Sua voz soou letal e

furiosa.

― Eu o amo com todo meu coração, alma e tudo que há em


mim. ― Respirei fundo, tentando controlar minha dor. Estava
tomada delas, tanto físicas quanto emocionais.

Sua expressão era de martírio, embora eu também pudesse


ver raiva ali.

― Isso é culpa minha. Não devia ter enviado você para outra

pessoa tomar conta. Agora está aqui, sofrendo porque aquele


miserável não a protegeu como deveria. ― Respirou fundo, como se

estivesse se controlando.

― Preciso vê-lo...

― Não! ― Seu tom foi decisivo. ― Além do mais, ele não quer
mais vê-la.

― Não acredito nisso! ― Sacudi a cabeça (ao menos tentei;

ela parecia tão pesada).


― É verdade. Quando ele me ligou para eu ir buscá-la e trazê-

la comigo, não fez nada, só deixou que eu a levasse embora. ―

Estreitou os olhos.
― Foi ele que ligou?

― Sim. Só não o matei porque você sofreria com isso.

O meu coração deu um solavanco tão forte ante essas

palavras que me deixou sem fôlego. Não podia acreditar que


Rafaelle tinha feito isso comigo. Não, não podia aceitar. Se era
realmente verdade, ele estava arrumando um jeito de me afastar ou

pensava que eu não servia para ele?

― Não vou deixar que ele faça isso. Está me afastando... ―


Era melhor pensar nisso do que na alternativa. Inspirei fundo,

controlando meus nervos. Encarei meu irmão.

― É bom, porque nada irá acontecer entre vocês dois. ― Seu

tom era autoritário.


― Não pode me obrigar a ficar longe dele. Me deixa falar com

Rafaelle. Se por acaso ele realmente não me quiser, aceito. ―

Confiava que Rafaelle me ouviria. Quem devia estar furiosa era eu,
que tinha sido enganada por ele a respeito da morte do meu pai.

Doía só em imaginar o que Rafaelle estava passando naquele

momento. Lembrava-me de nossa conversa, do seu tormento vivo

pela culpa em razão do que aconteceu à sua mãe e à garotinha. Se


o que houve comigo piorasse seu estado...

― Se ele a quer longe, é porque não retribui o mesmo

sentimento que você ― falou Mariano com olhar triste. ― Sorte dele
eu não ter atirado em seus miolos. Ainda estou com vontade.

Meu irmão não entendia, Rafaelle não teve a mesma criação

que nós.
― Mariano, o pai dele era horrível, o maltratava a ponto de

quebrar seus ossos, abusar da sua mãe na frente dele e matar uma
garotinha de 8 anos só porque Rafaelle decidiu salvá-la de um

suposto estuprador. ― Não era um segredo, por isso falei.

Precisava fazer com que meu irmão visse a razão.


― Mália...

― Nós tivemos pais que nos amavam e morreriam por nós,

mas ele não. Só a sua mãe tinha carinho pelos filhos, mas não tinha

poder para lutar contra Marco. Quando fez isso, pagou caro. ―
Suspirei. ― Isso deixou marcas naqueles irmãos, principalmente em

Rafaelle. Preciso ajudá-lo...

Meu irmão me passou meu telefone. Rafaelle precisava me


dizer que estava bem e que não se culpava pelo que aconteceu.

Liguei cerca de cinco vezes. A cada ligação não atendida, meu

coração quebrava mais. Não sabia como aguentava tamanha dor.

― Mália... ― Mariano começou, mas eu não queria ouvir nada,


muito menos sua pena.

Virei a cabeça para a parede, deixando as lágrimas rolarem.

Chorei pelo mundo ter desabado aos meus pés.


Capítulo 29

Rafaelle

A fúria tomava conta de mim a cada segundo enquanto

navegava pelo oceano à procura de todos os desgraçados que

estavam atrás de Mália. Se estivessem apenas atrás de mim, eu até


aceitaria, mas não dela.

Meu coração bateu forte pensando que provavelmente ela

estava sofrendo naquele instante, mas eu não podia ir ao seu


encontro no momento.

Encarei o celular. Não tinha ideia de quantas vezes tinha feito


isso nas últimas horas.

“Estou partindo não porque não amo você, mas sim para

protegê-la. Se lhe contar onde estou, sei que não mediria esforços
para me encontrar, e não quero isso. Não posso aceitar que seja

machucada. Logo retornarei e implorarei que me perdoe.” Escrevi a

mensagem, mas a deletei; não podia enviar-lhe algo assim por


telefone.

― Devia ligar para ela ― disse Stefano enquanto saíamos do

navio de pesca.
Tínhamos conseguido um disfarce para pegar o pessoal de

Sultão e Tomaso. Logo eu teria todos em minhas mãos. Para todos


os efeitos, estávamos carregando uma quantidade grande de

drogas, e deixei que essa notícia vazasse nas ilhas ao redor. Por

isso atracamos naquela ilha cujo nome eu não sabia – nem me

interessava.

― Se eu revelar aonde estou indo, Mália vem bater aqui. Nem

uma tranca na porta a impediria ― falei com um suspiro triste. Sabia


que nem o irmão dela seria capaz de prendê-la.

Ele riu.
― É pouco tempo para conhecer alguém tanto assim. ―
Sacudiu a cabeça.

Meu irmão não entendia, aliás, só o faria se um dia se

apaixonasse por alguém, o que parecia não ser o caso dele, afinal

abominava o amor.

― A conheço muito bem. Não sei, esse tempo ao lado dela me

fez capaz de fazer tudo por ela, inclusive evitar que cometa algo que
a atormentará para sempre. ― Encarei o navio, onde nossos

homens estavam disfarçados de pescadores. Segui Stefano para

uma pousada que tinha perto do cais, onde nossa armadilha estava

preparada. ― Sei que Tomaso está por aí em algum lugar.

― Vamos encontrar esses vermes. ― Sorriu de modo sinistro.

― Faz tempo que não entro em ação. Só espero que não demore

para os localizarmos.
― Eu sei. ― Contava as horas para ir atrás de Mália, mas lhe

daria um tempo, assim ela poderia refletir se me perdoava ou não

por ter mentido. Omitido era a palavra certa, porém, de qualquer

forma, seu coração acabou partido. Não queria ter deixado seu

irmão levá-la embora, foi difícil para mim, mas era preciso. Eu não

tinha dúvidas de que ele a protegeria até eu voltar. Tranquilizava-me


o fato de seu corte não ter sido fundo, mas ainda assim precisou de
pontos. Assim que terminasse ali, eu a buscaria na Espanha. ― Se

não rolar nesta ilha, teremos que ir para outra, e assim por diante,
até encontrarmos aqueles filhos da puta.

Entramos na pousada vazia. Tínhamos alugado o


estabelecimento para a emboscada. Passava da meia-noite, eu
estava exausto, mas não acreditava que conseguiria dormir, não só

por estar alerta, mas também por não parar de pensar em Mália.
― Sim, vamos fazer isso ― ratificou Stefano. Tínhamos

navegado por horas desde que viemos ao território no Pacífico Sul,


então embarcamos no navio e ali estávamos. ― Acho que você não

devia ter vindo, não está cem por cento recuperado. ― Sentou-se
na cama de casal no quarto em que entramos e olhou ao redor. ―
Por que não escolheu um quarto com duas camas?

― Enquanto o ataque não aconteça ― suspirei e o fitei ―,


vamos dormir juntos.

Ele levantou as sobrancelhas.


― Dormir juntos? ― Checou a cama e depois a mim. ― O que

você quer dizer?


Eu podia ter rido dos seus olhos arregalados e do seu estado
levemente tenso enquanto esperava minha resposta.
― Pensei que, enquanto estamos aqui, você podia me ajudar

com o meu temor de dormir em contato com alguma pessoa. ―


Sentei-me ao lado dele. ― Não posso correr o risco de machucar

Mália... ― Só em pensar em vê-la sangrando por minha causa,


sentia-me como se tivesse levado um soco. ― Doeu vê-la se

machucando sozinha, quando caiu sobre a faca. ― Cerrei os


punhos. ― Imagina se eu a ferisse naquele tempo em que ela
dormia comigo sem eu saber?

― Você não poderia...


― Sim, poderia, porque uma vez quase matei Luna. Estava em

um pesadelo, não percebi quando ela me tocou, só dei por mim


quando a minha faca estava na garganta dela. ― Encolhi-me,
pensando naquela noite. ― E se eu tivesse matado nossa irmã? E

agora acontecesse com Mália?


Stefano estremeceu, possivelmente pela imagem de Luna

ferida.
― Não acho...

― Stefano. ― Peguei seu braço, deixando-o tenso. ― Só


preciso me acostumar a dormir com uma pessoa ao meu lado antes
de, de fato, deixar isso acontecer com Mália. Só a mera ideia de ela

ser...
Ele respirou fundo.
― Sei que estou pedindo muito a você, afinal posso machucá-
lo...

Meu irmão sorriu jocoso.


― Sei lidar com isso, embora não esteja muito ansioso por

dormir com um homem na mesma cama. É claro que não me


importaria caso eu realmente fosse interessado em um, não sou
preconceituoso. ― Sacudiu a cabeça e sorriu provocante. ― Porém,

se alguém souber disso, pode acabar com minha reputação entre as


mulheres.

Ri. Nenhum de nós era preconceituoso em relação à opção


sexual das pessoas, por isso não nos incomodamos por saber que

Sage era homossexual, embora agora eu tivesse minhas dúvidas,


afinal ele mentiu para nós sobre tudo acerca de sua vida.
― Nada estragaria sua reputação, e somos irmãos ― declarei,

mesmo que soubesse que ele estava brincando sobre isso; podia
ouvir em seu tom.

― O que não faço pela família? ― murmurou e respirou fundo.


― Tudo bem, vamos fazer isso, espero que no final ajude você. Mas
o que o faz surtar e atacar a pessoa ao seu lado?
― Marco. Sonho que ele está com nossa mãe e Violetta e as
mata na minha frente com a faca. É o mesmo pesadelo todo dia,
inúmeras vezes, e sempre é como se meu coração fosse sair pela

boca, a raiva, a fúria por querer ir até ele. Entretanto, nunca consigo
impedi-lo e matá-lo. ― Passei a mão nos cabelos, tentando aliviar

os pensamentos perturbados.
― Todos temos demônios, como eu já disse antes, mas uns
são piores que outros. ― Sua voz saiu num tom duro conforme

encarava a janela escura, como se sua mente estivesse em outro

lugar. ― Ele não deveria ter morrido rápido.


Sabia que se referia ao Marco e concordava com ele, porém

na época foi preciso eliminar o maldito. Pelo menos sofreu muito,

porque morrer queimado é uma das piores mortes, mas não tanto

quanto ser torturado diariamente.


Alessandro e eu protegíamos Stefano o quanto podíamos

quando era criança, mas eu sabia que às vezes não era o bastante

e que havia coisas em seu passado que deixaram marcas


profundas. No fundo, aquela sua fachada jovial e extrovertida era só

uma armadura para tentar superar o que realmente sofreu.

Eu usava o silêncio para fugir de tudo; Alessandro, a frieza; e


Stefano optou por ser alegre e provocador. Cada um com seus
demônios.

― Não vamos falar naquele homem ou ao menos pensar nele.


Agora só quero terminar com isso tudo, reencontrar Mália e ter uma

vida ao lado dela, de preferência sem a machucar no processo ―

falei. ― Lamento pelo que Marco deve ter feito a você. Mesmo que
não nos diga, sei que não deve ter sido fácil.

Ele bufou e sorriu, embora seus olhos mostrassem o vazio que

tanto tentava esconder.

― Chega de tanta “melação”. ― Empurrou meu ombro com o


dele. ― Vamos dormir ou não? A qualquer hora podemos ser

atacados.

Havia vários dos meus homens lá fora de tocaia. Contudo, algo


me dizia que Sultão não nos atacaria em terra, sua rota era em alto-

mar. Ainda assim, isso não significava que não estivessem de olho.

Deitei-me ao lado de Stefano, virei minha cabeça para olhá-lo


e sorri.

― Obrigado e, desde já, peço desculpas caso eu o machuque.

― Esperava que isso não acontecesse, mas, por via das dúvidas,

achei melhor me desculpar.


― Irmãos são para isso, não são? ― Deu um leve tapa no

meu ombro. ― Você faria o mesmo por mim, e, se isso ajudá-lo a


não machucar sua garota, estou dentro. ― Encarou o teto. ― Gosto

dela. É uma mulher valente e o ama, percebi isso, assim como noto

em Mia com Alessandro. Acho que vocês têm sorte.


― Você pode ter isso também, se deixar alguém entrar.

Ele virou a cabeça na minha direção e sorriu provocativo.

― Não é para mim. Não acho que eu seja capaz de amar

alguém dessa forma. O preço a pagar é alto demais. Eu nunca iria


correr esse risco. Além disso, tenho um monte de mulheres; para

que preciso só de uma? ― Deu uma risada.

Suspirei duro. Entendia o seu lado. Mesmo que ele não


verbalizasse, eu sentia que era a perda de nossa mãe que o fazia

se trancar. Recordei que foi difícil para ele, aliás, para todos nós,

mas Stefano era muito apegado a ela. Quando mamãe adoeceu, vi

a forma como ele ficava cada vez que saía do seu quarto. Ele era
pequeno na época, mas eu sabia que se recordava de tudo. Eu

esperava que um dia alguém o ajudasse a passar por isso, assim

como Mália me ajudou e continuaria fazendo – pelo menos, assim


eu esperava.
Estava diante de meu pai, mas agora era diferente, não eram

só minha mãe e Violetta ali, além de Mália, mas também meus


irmãos e meus sobrinhos, todos mortos aos pés de Marco... O pavor

me tocou fundo ao ver a cena, então ele sorriu para mim com sua

crueldade desumana.
Tentei chegar lá, mas não conseguia, nunca...

― Rafaelle! ― Alguém me chamava, mas a voz parecia

distante diante da minha fúria. Senti um sacolejo. ― Rafaelle!

Abri os olhos, socando quem me tocava. Alguém rosnou, então


me lembrei do pesadelo e vi que não estava mais nele, e sim na

cama, ao lado do meu irmão.

― Merda! Desculpe ― falei, vendo o sangue descer pela sua


boca.

Senti-me aliviado por, antes de me deitar, ter deixado a faca

longe de mim. Não tocaria mais nela, não enquanto eu dormisse.

― Sem problemas. ― Sentou-se e se virou para mim, tocando


o meu peito, onde meu coração pulava como se quisesse sair pela

boca. ― Estou aqui para servir como saco de pancada ― brincou e

depois ficou sério. ― Vai melhorar com o tempo, mas pode me dizer
com o que sonhou dessa vez? Ouvi o pavor em sua voz.
― Marco tinha matado todos que eu amo. ― Respirei fundo,

tentando estabilizar meu ritmo cardíaco.

― Ele está no inferno agora, Rafaelle, então nunca mais

tocará em nenhum de nós, nem em Mália nem em qualquer um que


amamos ― disse com intensidade.

Eu sabia que ele tinha razão, mas não conseguia me controlar.

― Obrigado por estar comigo ― sussurrei.


Antes que eu respondesse, ouvimos tiros do lado de fora e

pulamos da cama.

― Acho que a soneca terá que esperar um pouco. ― Stefano

colocou as facas na liga na perna e pegou sua arma.


Fiz o mesmo e me virei para ele.

― Me dá cobertura ― pedi.

― Sempre. ― Forçou um sorriso. ― Não precisa se desculpar


e agradecer por nada, eu morreria por você e cada um dos nossos

irmãos.

Assenti, comovido com suas palavras, e saí do quarto bem a

tempo de ver Viper correndo em nossa direção.


― O que está acontecendo? São eles? ― Eu estava furioso

com todos aqueles intrusos.

― Sim ― respondeu.
Assenti e fui para onde estava se desenvolvendo o confronto,

deixando a fúria que eu sentia sair e a descontando naqueles


vermes.

Demorou 20 minutos para abatermos os desgraçados que nos

atacaram. Tinha chegado a hora de descobrirmos onde estavam

Sultão e Tomaso.
― Cadê os vivos? ― perguntei a Luigi ao chegar ao píer onde

o navio estava atracado.

Havia vários corpos espalhados pelo convés, mas não me


importei, pois precisava obter informações.

― No porão do navio. Eu os levei para lá. Venham comigo.

― Algum turista neste lado da ilha? ― Tínhamos fechado o


lugar para impedir que ninguém viesse até ali e não tivéssemos de

eliminar pontas soltas.

― Não, tudo está dentro dos planos ― respondeu Viper.

Cheguei aonde os dois homens estavam amarrados e feridos a


tiro.

― Meu chefe vai matar você ― cuspiu um deles assim que me

postei à sua frente.


― Vamos ver até quando continuará com essa valentia ―

rosnei, guardando minha arma no coldre e pegando minha faca.


Estava na hora de ela ter outra serventia. Usá-la contra meus
inimigos era melhor do que eu dormir com ela.

― Já fizemos homens crescidos chorarem. ― Stefano sorriu

parecendo um maníaco enquanto encarava o outro cara e depois se


virou para mim. ― Quer fazer uma pequena aposta? Qual de nós

vai obter as respostas mais rápido?

Dei de ombros. Naquele momento só queria informações e as


obteria custasse o que custasse.

Quando Stefano começou seu trabalho, um deles gritou.

― Queremos saber onde está Sultão ― afirmou meu irmão

com a faca cravada na coxa do prisioneiro.


― Vá para o inferno! ― gritou.

― Um dia, mas não será hoje, ao contrário de você ― retrucou

Stefano com tom sombrio.


Comecei meu trabalho e, ao ouvir o som dos gritos dos dois

caras, sabia que logo cederiam; todos cediam no final. Porém eu


não me deleitava com isso; não havia honra em algo assim.
Meia hora depois, tínhamos o local onde estavam Sultão e o

resto de sua tropa.


― Até que eles duraram um pouco, devo admitir ― comentou
Stefano, coberto de sangue. Sua forma maníaca de matar
assustaria corações fracos.
― Sim. ― Subi para o convés. ― Vamos embora agora.
― Sim, senhor ― concordou Viper e se afastou para falar com

o piloto.
― Logo estará com sua mulher ― comentou meu irmão ao
meu lado, encarando o oceano à nossa frente.

Eu estava contando com isso. Esperava terminar logo para


voltar para Mália. Era uma pena que eu não chegaria a tempo de
impedir que Razor a levasse. Teria que ir à Espanha buscá-la, mas

que fosse; iria atrás dela no fim do mundo.


Logo estarei com você, pensei.
Capítulo 30

Rafaelle

Chegamos à ilha onde Sultão se encontrava na noite seguinte.

Estávamos na mata, esperando Viper checar o lugar e dar o aval

para prosseguirmos com o plano.


Os homens da Máfia da Fronteira estavam na praia, ao redor

de uma fogueira. Soube que tinham ido àquele lugar desabitado

para fugir dos meus homens e dos de Razor, que os procuravam.


Peguei um binóculo de visão noturna; todos nós usávamos

óculos para enxergar no escuro, isso facilitaria as coisas. Além


disso, tínhamos dois atiradores de elite escondidos dando-nos

cobertura. Um deles era Luigi.

Stefano estava comigo, assim como Viper e alguns dos meus


soldados mais próximos. Os outros estavam em seus postos.

― Tomaso não se encontra aqui ― comunicou Luigi na escuta.

Eu queria colocar as mãos nos dois, mas, como ele não


estava, pegaria Sultão. Ele me diria aonde Tomaso tinha ido.

― Vamos acabar com esses malditos ― rosnei assim que

Viper deu o aval na escuta que tínhamos para nos comunicar. ―


Ataquem, menos Sultão; ele é meu.

Podia vê-lo conversando com um cara perto da fogueira. Pelo


visto, não parecia temer algum ataque ou estava contando que

ninguém viesse àquelas ilhas abandonadas. Aquela nem constava

no mapa, só soubemos dela porque torturamos os dois capangas

que aprisionamos.

Atacamos com silenciadores, abatendo todos que

encontrávamos, mesmo assim um tiro soou, sinalizando que nosso


ataque ocorria.
Corri na direção de Sultão para pegar o cabeça da
organização; não dava a mínima para os outros.

Alguém jogou uma bomba de fumaça no lugar para tentar

proteger o grupo de nossa visão noturna. Ao mesmo tempo, soou

uma ordem para nos atacar.

― Eles não podem fugir! ― gritei. ― Deixem uns três vivos

para o caso de precisarmos de respostas.


Atirei em alguns para limpar o caminho.

― Stefano, me cobre! ― pedi. Sempre fazia isso, assim

evitaria que ele estivesse na linha de frente.

― Posso ficar na linha de frente também ― retrucou ele, mas

ficou onde pedi.

Mal enxergávamos o lugar devido à fumaça, mas dava para

ver devido aos óculos e à fogueira. Homens gritavam e latiam


ordens.

Vi Sultão fugindo para a mata e atirei, tentando não acertar

para matar, afinal queria minha chance com ele. Atingi sua perna,

fazendo com que caísse no chão.

Balas voavam para todos os lados, embora apenas as deles

fizessem barulho.
Sultão tentou atirar assim que nos viu, mas o fiz primeiro,

atingindo sua mão, que deixou a arma cair no chão. Atirei


novamente em sua outra perna, fazendo-o gritar.

― Acha que vai a algum lugar? ― Chutei uma de suas pernas


feridas. O homem era grande e me encarava com fúria evidente. ―
Soube que me queria; agora quer fugir? Que decepção. Estou louco

para me divertir com você. ― Sorri. ― Agora me diz onde Tomaso


está.

Enquanto eu falava com ele, Stefano e Viper me davam


cobertura, assim como um dos nossos atiradores de elite.

Sultão cuspiu no chão e nos observou.


― Acha que vou dizer, malditos? Você... ― fuzilou-me com o
olhar ― matou meu irmão!

Não tinha sido eu, mas ele não precisava saber disso. Não o
queria perto de Mália. Não gostava de pensar nisso, pois queria ter

acabado com o maldito.


― Ele tentou tocar em algo que não devia.

― A puta daquela sua... ― Foi cortado pelo chute que dei em


sua boca, deixando-o inconsciente. Depois eu teria minha vez com o
infeliz. Ordenei a um dos meus soldados que estava comigo:

― Amarre-o.
Virei-me para Stefano bem a tempo de ver um cara apontando

a arma para ele. O gelo tomou conta de mim, temendo o pior, mas
agi.

― Stefano! ― gritei, pulando na sua frente e apontando minha


arma na direção do homem, que me tornou seu alvo ao puxar o

gatilho.
Meu irmão me olhou com pavor e levantou sua arma para o
assecla de Sultão, atirando, mas não antes de eu ser atingido e cair

no chão com um baque.


Senti uma dor na lateral da minha barriga e no ombro, que

provavelmente se quebrou durante minha queda, mas não me


incomodei, só prestei atenção a Stefano assim que o homem foi
alvejado e morreu.

― Você está bem? ― perguntei, colocando-me de pé.


Ele assentiu e veio até mim.

― E você? Foi atingido?! ― Notei sua voz aguda diante do


que aconteceu.

― Sim, mas foi de raspão ― respondi, ignorando a dor. ―


Agora vamos terminar isso.
― Rafaelle...
― Estou bem. ― O ferimento não era fundo, eu sentia isso.
Não iria desmaiar, não antes de acabar com aquele verme e
Tomaso.

― Seu ombro...
― Quebrou quando caí. ― Eu sentia o local latejando de dor,

mas tinha em mente um objetivo maior do que amenizá-la.


Demorou mais 10 minutos para acabarmos com todos da
organização, deixando apenas três vivos.

― Cuido de Sultão enquanto vocês tomam conta dos que


sobraram. Quero informações de Tomaso ― informei aos outros.

Meus soldados foram fazer o que mandei enquanto eu me


dirigia até Sultão.

― Me deixe arrumar. ― Stefano tinha tirado sua camisa e a


rasgado, então fez uma tipoia para meu braço não ficar pendurado.
Isso aliviou um pouco a dor.

― Obrigado ― agradeci, depois ordenei ao Viper: ― Acorde o


cara.

― Rafaelle, me deixe checar a sua ferida ― meu irmão pediu.


Assenti, levantando minha camisa e olhando a região atingida,
assim como ele o fazia. O sangue escorria até minha calça.
― Foi de raspão, mas necessita de pontos ― informou após
checar o ferimento.
― Vou fazer isso assim que extrairmos a informação dele. ―

Olhei para Sultão, algemado com as mãos para trás, agora


acordado. ― Hora de nosso acerto de contas.

Ele olhou para os lados, vendo seu pessoal morto, mas não
pareceu ligar. Sua fúria estava em mim.
― Seu verme imundo... Você vai pagar caro por isso ―

rosnou.

― Não devia ter roubado o que era nosso ou ter nos procurado
nem se aliado ao Tomaso. ― Peguei um tição da fogueira com a

mão boa, fazendo com que ele regalasse os olhos.

― O que vai fazer? ― Sua voz tremeu, e ele tentou se soltar.

― Obter minhas respostas. ― Fiquei à sua frente, encarando-


o. ― Onde está Tomaso e para quem envia as drogas que são

roubadas de nós?

Precisava dessa informação para podermos tentar recuperá-


las depois.

― Acha que vou lhe dizer, seu... ― Gritou quando coloquei o

tição em brasa em sua pele, fazendo soar um chiado de carne frita.


Eu podia ouvir mais gritos não muito longe dali, onde Stefano e

meus soldados cuidavam dos que tinham deixado vivos.


― Responda, ou podemos ficar aqui a noite toda. Não ligo

nem um pouco ― falei de modo frio.

Não era verdade, ligava, sim; pretendia voltar para Mália o


quanto antes.

― Você sabe que morrerá. É melhor antecipar e me dizer o

que quero saber. ― Coloquei o tição de lado e peguei uma tocha,

então toquei seu peito com o fogo, fazendo-o rugir e pular em mim,
mas Viper o segurou, mantendo-o no lugar.

― Tomaso, onde ele está? ― perguntei de novo.

― Não sei...
Coloquei a tocha em sua barriga. Ele gritou de novo.

― Não sei onde está! ― Respirava com dificuldade. ― Nos

separamos para não sermos localizados.


Eu sabia quando um homem estava mentindo mesmo sob

tortura, e ele dizia a verdade. Isso dificultava as coisas, pois

atrasaria minha ida para casa.

Poderia passar a noite toda ali torturando-o, mas sentia que


estava ficando fraco em razão da hemorragia e da dor latejante em
meu ombro. Não podia desmaiar, precisava estancar o sangue e

costurar a ferida.

Minutos depois de mais tortura, Sultão e seus homens


revelaram os nomes de todos que compraram nossas drogas. Ao

menos soubemos disso, já que nenhum deles informou a respeito

de Tomaso.

Eu precisava cuidar daquela maldita ferida antes de apagar.


― Maldição! ― praguejei, atirando entre os olhos de Sultão.

Virei-me para Stefano, que vinha em minha direção.

― Deite-se no chão para eu suturar isso. Achei artefatos


médicos. Acho que um dos caras era encarregado disso ― disse,

abrindo uma malinha. Pegou alguns analgésicos e os deu a mim. ―

Tome isso, vai aliviar a dor.

Fiz o que pediu, pois me sentia tonto.


― Não devia ter pulado na minha frente ― ralhou meu irmão

enquanto me costurava.

― Você teria feito o mesmo por mim ― afirmei, afinal não tinha
dúvidas sobre isso.

Esboçou um sorriso.

― Sim, eu teria ― assentiu e continuou seu trabalho. ―

Vamos ter que ir embora e achar um médico. Dei quatro pontos na


ferida do abdome, mas acho que você vai ter que imobilizar seu

ombro e ver se precisa de cirurgia.


― Não vamos embora. Ainda resta Tomaso. Só vou sossegar

quando o achar ― falei com um suspiro duro, evitando pensar na

dor que estava sentindo, tanto carnal como em meu coração por ter
de ficar um pouco mais de tempo longe de Mália.

Um dos meus homens me entregou uma garrafa de bebida

alcóolica, e tomei alguns goles; junto ao remédio, isso me ajudaria

com a dor.
― Isso pode demorar. Não acha melhor arrumar uma forma de

conversar com Mália? ― sondou Stefano.

― Não. Ela não pode saber que me feri. ― Olhei os pontos


sujos de sangue.

Tomei mais um gole da bebida e joguei um pouco na ferida

para desinfecionar, o que me fez encolher.

― Então vai ficar longe? Isso de certa forma não é pior? ―


indagou, sentando-se ao meu lado.

― Não tem jeito. Ela precisa de tempo para digerir tudo.

Embora eu preferisse estar com ela, Tomaso está por aí. Vou
colocar minhas mãos nele antes que Mália ouse sair de seu luto e

vá atrás do tio. Agora ela com certeza só pensa na perda do pai, só


que isso não vai durar; logo vai tentar achá-lo, e a conheço bem,

nem seu irmão a impediria. ― Tomei outro gole de rum. ― Preciso

ter minha chance, e é agora.

Doía ficar longe dela e era ainda pior pensar na dor que estava
sofrendo naquele momento. A desolação pela perda de um ente

querido é a pior dor que existe no mundo, eu conhecia o sentimento.

― Tudo bem, mas por hoje descanse; vai precisar para o que
vamos fazer. ― Stefano achou uma faixa nas coisas do médico,

enrolou-a no meu ombro, recolocou a tipoia e se deitou ao meu

lado, enquanto os outros homens tiravam os cadáveres dali e faziam

um monte não muito longe. ― Quanto ao seu ombro, acho que


podemos ver um médico em alguma dessas ilhas por aí.

― Sim ― respondi e me virei para ele. ― Não precisa me

acompanhar nessa...
― Bobagem. ― Fez um gesto de pouco caso com a mão e

depois ficou sério. ― Teve um momento em que tremi de medo. ―

Olhou para a ferida. ― Se tivesse acertado um pouco mais para

dentro, teria sido fatal...


― Estou bem, nada aconteceu de sério. Se lembra da nossa

promessa? Morreremos um pelo outro, certo? ― Eu o teria feito sem


pensar duas vezes, mas isso agora me fazia pensar mais sobre o

assunto.
― Não é mais só nós contra tudo e todos ― comentou ele

como se tivesse lido minha mente. ― Você tem Mália, nossas irmãs,

seus maridos e filhos, e Alessandro, Mia, nossa princesa e o novo

bebê que está chegando. Não é certo arriscar-se assim. ― Virou-se


para mim e sorriu. ― Deixa essa responsabilidade para mim, afinal

não tenho ninguém preso à minha vida. Sei o que você e

Alessandro fazem ao me mandar ficar na retaguarda em um


combate. Isso é só para eu não ser ferido, mas deixem ao menos

uma vez a responsabilidade para mim.

― Não importa se tenho Mália ou não, sempre vou protegê-lo,


assim como a cada um dos nossos irmãos. ― Era verdade. Eu não

podia vê-los correndo perigo e simplesmente deixar. ― Isso faz

parte da minha natureza.

― Puxamos à nossa mãe, não é? ― Suspirou. ― Por que


nunca contou que ela tentou protegê-lo naquela noite em que Marco

quase o matou? Sei que deve ser doloroso pensar nisso, mas

preciso saber.
Ele fitava a imensa fogueira ainda ardendo, enquanto sua

mente parecia estar longe. Pensar nisso doía, sim, mas achei que
meu irmão precisava saber daquilo.
― Ela pediu que eu não dissesse nada do que Marco lhe fez

ao Alessandro, e, bem, você era muito novo na época para entender

o nosso mundo. Queríamos protegê-lo dele. ― Sacudi a cabeça. ―


Mesmo que fosse por uns anos.

Ele piscou.

― Ela pediu? ― Respirou fundo e voltou a encarar o fogo. ―


Recordo esse dia. Lembro que a vi chorando, enquanto você estava

dormindo todo enfaixado na cama. Mamãe parecia doente na época

também. Ao menos foi o que me disse.

Arregalei os olhos.
― Ela ficou ao meu lado? Marco deixou? ― Era uma pergunta

retórica. Maldito demônio!

― Fiquei furioso ao ver você machucado e fui enfrentá-lo. ―


Sua voz saiu baixa e letal. ― Me lembro de xingá-lo e jogar algo

nele, mas depois ele me nocauteou. Apaguei. No outro dia, mamãe


estava acamada. E se ela me protegeu igual fez com você? ―
Virou-se para mim com os olhos cheios de tormento. ― E se, por

minha culpa, ela foi ferida ainda mais?


― Stefano... ― Eu não sabia o que dizer, porque acreditava
que nossa mãe tinha feito justamente isso.
― Você acha que ela fez, não é? Porra! ― Ficou de pé,
parecendo tenso demais para ficar em um lugar só. ― Por que não
fiquei quieto?!

― Ela nos ensinou a protegermos uns aos outros ― falei em


uma tentativa de aliviar a culpa que eu via estampada em seu rosto.
― É nossa natureza.

Ele não parecia estar ouvindo, sua mente estava em outro


lugar.
― Vai ficar bem? Preciso dar uma espairecida antes de

sairmos daqui amanhã cedo ― inquiriu.


― Leve seu tempo. Agora estou bem ― falei e suspirei. ―
Não se atormente com isso, Stefano. Fiz isso por anos e só fui

afundando mais a cada dia, como um marinheiro em um naufrágio.


Foi preciso Mália chegar para me resgatar.
Ele sacudiu a cabeça, mas eu não soube se ouviu, só se virou

e entrou na escuridão da floresta.


Maldição! Eu queria ajudá-lo, mas como? Não podia fazer

nada naquele momento, só deixar que ele tivesse seu tempo para
assimilar as coisas.
― Chefe, o que devemos fazer com os corpos? ― perguntou

um dos soldados.
― Faça uma pira com os defuntos na beira d’água, assim,
quando a maré subir, levará os restos que o fogo não consumir ―
respondi com um suspiro.

Sentia muita falta de Mália. Por diversas vezes pensei em


entrar em contato, mas sabia como ela era.

Procurei meu celular, mas não o encontrei. Merda! Devia tê-lo


perdido durante aquela confusão toda. Tudo bem, agora meu foco
seria achar Tomaso e me recuperar tão cedo como possível.

Logo, Mália, estarei com você e seremos felizes juntos, pensei


como um mantra. Sobreviveria por ela custasse o que custasse.

Ia fazer quase um mês que estávamos em alto-mar, e não

sabíamos do paradeiro de Tomaso. Praticamente um mês no


Pacífico Sul, navegando de ilha em ilha, e nada.
Tive que trazer mais pessoal e colocar à minha disposição

mais navios, assim expandiria a capacidade de procura e o acharia


mais rápido, ou assim esperava. Sabia que os homens de Razor
estavam à procura dele também. Esse era o problema em procurar

um consigliere, cuja função era orquestrar planos junto ao líder, por


isso a dificuldade em achá-lo. Todavia, eu era melhor e o
encontraria.

― O que fará quando o achar? ― sondou Stefano ao meu lado


no convés do navio.
― Minha vontade é matá-lo, mas preciso entregá-lo a Razor. É

ele quem deve lidar com o tio. A sua vingança que tanto quer vai
terminar. ― Encarei o oceano imenso e azul. ― No fundo, teríamos

adorado ficar com Marco mais tempo para fazê-lo pagar. Ainda
assim, quando o matamos, tivemos algum alívio, mais do que se
outra pessoa o tivesse feito. Entendo que Razor precisa disso. Esse

traidor matou os pais dele e de Mália e o induziu a matar um


parente.
Ele assentiu, fitando o mar também. Após nossa conversa na

ilha sobre nossa mãe, tinha algo de diferente em Stefano, mais letal.
Ele sempre foi impulsivo e letal, mas, após saber sobre o que Gael
fez com Jade, ficou pior, e imaginar o que Marco fez à nossa mãe

para nos proteger ultrapassou todos os seus limites. Sua expressão


estava dura e mortal.
Eu estava a ponto de lhe perguntar sobre isso, como ele

estava, mas algo nos seus olhos mudou, e ele sorriu, deixando a
escuridão no fundo. No entanto, eu ainda a via.
― Como está a ferida? ― questionou antes que eu abrisse a

boca.
Olhei para baixo. A cicatriz estava meio rosada. Eu tinha tirado
os pontos havia uns dias.

― Bem, mal dói. ― Tive que tomar remédios para não


infeccionar e atrapalhar meus planos de achar Tomaso. ― Não vejo
a hora de tirar essa tipoia. ― Poucos dias após o ataque, tínhamos

achado um médico em uma ilha. Felizmente a fratura não tinha


desvio e não precisava de cirurgia, apenas de imobilização por

algumas semanas.
― Que bom. Espero que acabemos logo com isso. Estou louco
para pisar em terra firme e ter uma mulher na cama comigo. Estou

cansado de dormir ao seu lado ― provocou com um sorriso.


Bufei.
― Não vejo você dormindo com mulheres também, só toma o

que quer e depois vai embora. ― Ele nunca dormia com as


mulheres com quem transava, era uma regra sua.
― Claro que não durmo, isso as faria pensar em

relacionamento. Isso não é para mim. Nós nos divertimos e pronto,


depois cada um vai para o seu lado.
Sacudi a cabeça.
― Obrigado por ter ficado ao meu lado e me ajudado com
esse problema ― agradeci. Seria sempre grato a ele por
isso.

― Não precisa agradecer, somos família ― declarou. ―


Espero que tenha ajudado.
― Sim, bastante. Só lamento ter machucado você algumas

vezes. ― Algumas noites, eu acordava meio desorientado e o


acertava, embora, nos últimos dias, não vinha fazendo mais isso.
― Tenho couro duro. ― Riu provocativo e apontou à frente. ―

Chegamos a outra ilha.


A cada pista que surgia acerca do paradeiro de Tomaso, íamos
verificar, mas a quantidade de ilhas naquela região era imensa.

― Chefe, capturaram Tomaso! ― gritou Viper, falando ao


telefone do navio com alguém.

Fui até ele e peguei o aparelho.


― Onde ele está?! ― perguntei e depois acrescentei: ―
Espero que vivo.

― Sim, está vivo, chefe.


Deram-me as coordenadas, e zarpamos para lá. Cinco horas
depois, chegamos ao local onde ele se encontrava. Eu nem

acreditava que o tinha ao meu dispor. Isso significava que logo veria
Mália. Foram semanas turbulentas sem ela. Eu sabia que minha
garota estava bem fisicamente, pois El Diablo me contou, mas isso

não queria dizer que estivesse bem emocionalmente falando. Essa


possibilidade me cortava fundo. Eu estava louco para estar ao lado
dela.

Atracamos na ilha, que tinha habitantes, então agimos como


meros pescadores e fomos aonde Tomaso estava preso.
― Preparem o jatinho; logo vamos para casa ― ordenei ao

Viper.
― Sim, chefe ― aquiesceu e foi falar ao telefone com o piloto
do jatinho. Tínhamos deixado a aeronave em uma ilha específica

próxima à fronteira entre meu território e o da máfia Pacheco, assim


facilitaria tudo quando achássemos aquele rato imundo.
Cheguei ao local e vi Tomaso algemado e coberto de sangue.

― Ora se não são os filhos bastardos de Marco! ― cuspiu


assim que me viu e ao Stefano.

― Olá, Tomaso. Soube que andou atrás de algo que me


pertence. ― Postei-me à sua frente de braços cruzados.
― Aquela vadia não devia ter aberto a boca... ― Foi cortado

quando o soquei na boca, fazendo cair um dente seu.


― Nunca ouse insultar um fio de cabelo de Mália ― rosnei,
tentando me segurar para eu mesmo não o matar.

― Chegou a hora de você ir enfrentar a ira de Razor ― disse


Stefano.

― E vocês são tão frouxos que não fazem isso? ― zombou.


Eu sabia o que ele estava fazendo. Queria nos insultar para
que perdêssemos a paciência e o matássemos rápido, diferente do

que Razor faria.


― Na verdade, eu adoraria mostrar-lhe a forma como trato um
homem como você, mas iria querer matar eu mesmo o assassino

dos meus pais, igual Razor quer fazer com você. Isso se chama
honra, mas não entende o significado disso, afinal matou a cunhada
e o irmão para ter mais poder.

― Eles mereceram morrer ― rosnou. ― Devíamos fazer uma


aliança, o que acha?
Ri zombeteiro.

― Vou me casar com sua sobrinha. Acha mesmo que faria


algo assim? Além disso, desprezo homens como você. Um rato

deve ser massacrado ― falei e encarei Viper. ― Dê uma lição nele,


mas não o mate. Razor cuidará disso.
― Sim, senhor. ― Viper se virou para Tomaso com

expectativa.
Saí da sala com Stefano ao meu lado, e ignoramos os insultos
de Tomaso em sua tentativa de antecipar sua morte.

― Por que não deu uma lição nele você mesmo? ― perguntou
Stefano. ― Ou eu...

Ergui as sobrancelhas.
― Você? Não há nenhum homem que torture e permaneça
vivo, então isso está fora de questão. ― Sacudi a cabeça,

controlando a raiva que me consumia. Por culpa de Tomaso, Mália


estava sofrendo.
― Verdade, mas e quanto a você? Poderia ter feito.

― Não. Se eu o espancasse como quero, o mataria e tiraria a


chance de Razor ― expliquei com um suspiro.
― Não lhe deve nada, afinal xingou você ao deixar Mália no

hospital e vir procurar o tio dele e Sultão. Lembra disso?


Sim, eu recordava a fúria de Razor, mas a entendia.
― Reagiríamos da mesma forma pelas nossas irmãs, não é?

― apontei, depois acrescentei: ― De qualquer forma, muito mais do


que espancar alguém, não vejo a hora de ver Mália.
― Então vamos embora logo. ― Stefano deu um tapinha de
leve no meu ombro bom.
Sim, eu ia voltar. Agora era definitivo, e eu tinha planos de

pedir para que Mália se casasse comigo, isso depois de fazer com
que me perdoasse por tudo. Eu tinha a vida toda para recompensá-
la e lhe mostrar o quanto não sabia viver sem ela e o que significava

para mim, até mais que o ar que eu respirava. Fui agraciado por ter
sobrevivido mais uma vez e não desperdiçaria isso. Aproveitaria
cada segundo ao lado da mulher que eu amava.
Capítulo 31

Mália

Após ser trazida de Milão, voltei à mansão dos meus pais, mas

nenhum dos dois estava mais lá. O lugar era imenso demais e

vazio. Não consegui ficar ali, então fui morar em um loft que
pertencia à minha família.

Como Mariano assumiu o cargo do papai, não queria que seus

inimigos chegassem até mim. Ainda que Tomaso fosse preso, na


máfia nunca havia realmente paz. Por isso ele insistiu que eu

ficasse na imensa propriedade, mas não aceitei. Bati o pé e disse


que queria ficar sozinha, longe dele e do... Rafaelle, embora eu não

precisasse ter dito nada acerca dele, pois desapareceu do mapa.

Não tive nenhuma notícia sua após voltar à Espanha.


Pegava-me a pensar nele às vezes, para não dizer

diariamente, mas nenhuma vez me ligou para saber como eu

estava. Ele deveria ter sido um homem e terminado nosso


relacionamento antes de sumir.

Muitas vezes, nas primeiras três semanas após sair da Itália,

tentei falar com Rafaelle, mas, como nunca fui atendida nem tive
resposta, deixei de telefonar. Não iria mais correr atrás de alguém

que não me queria.


Fazia já quase um mês que eu estava longe dele, mas parecia

uma eternidade. A saudade cortava fundo.

― Senhorita, aonde vai? ― indagou Túlio, o meu segurança.

Quando decidi morar no loft, meu irmão disse que eu só iria se

alguém me vigiasse, tanto dentro de casa quanto fora. Como me

apeguei ao Túlio, pedi que ele fosse meu guarda-costas. O garoto


era extrovertido, embora nada me fizesse feliz. Estava vazia por

dentro.
― Não pode sair, ainda está ferida ― ele continuou.
O corte ainda estava dolorido. Os pontos tinham sido tirados,

mas ficou uma cicatriz rosada. Meu irmão até sugeriu que eu fizesse

uma cirurgia plástica assim que cicatrizasse de vez, mas eu não

quis. Os homens da máfia tinham tantas cicatrizes em seu corpo. Só

porque eu era mulher não podia ter uma? Mariano aceitou, mas me

pareceu preocupado.
Não respondi a Túlio, pois não queria revelar meus planos a

ele; se soubesse, com certeza diria ao meu irmão.

Túlio deu um suspiro, mas ficou quieto, só me seguiu para fora

do apartamento.

O Sol brilhava no horizonte, mas eu não percebia. Meu mundo

estava escuro e vazio. Sentia-me como se um vácuo tivesse tomado

conta do meu peito.


― Para onde? ― sondou assim que entrei no carro.

― O cemitério ― respondi, encarando a janela. Tinha

começado a chuviscar. A água batia no vidro, levando a sujeira. Era

uma pena que não levasse minha dor também.

― A senhorita devia sair mais. O chefe está preocupado.

Todos estamos.
Mariano tentou falar comigo sobre isso, mas não o ouvi. Não o

desculpei por mentir para mim. Isso ainda cortava fundo, não só as
mentiras dele, como também as de Rafaelle. Algo se partiu em meu

peito naquele dia, quando eu soube que tinham escondido a


verdade de mim.
Ao pensar nisso de novo, a dor me invadiu, fazendo-me

colocar a mão sobre o coração, querendo arrancá-la nem que fosse


fisicamente.

Durante todo aquele tempo longe de mim, Rafaelle devia estar


seguindo em frente, sem pensar em mim nem na forma como me

deixou. Eu queria não pensar nele, mas, por diversas vezes,


acabava pensando. Tinha coisas mais preocupantes para pensar e
era nisso que iria focar.

Limpei as lágrimas, mas outras seguiram o mesmo caminho,


tudo por culpa dele. Sentia-me tão despedaçada.

Cheguei ao cemitério e saí do carro.


― Pegue o guarda-chuva, senhorita ― pediu Túlio.

― Não precisa ― falei e fui na direção dos túmulos onde


estavam as duas pessoas que eu mais amava na vida.
A chuva caía sobre mim, mas não liguei, mal a sentia. Ajoelhei-

me no chão molhado e fitei as lápides dos meus pais, uma ao lado


da outra.

― Procurei tanto justiça, mamãe, para papai saber que você


nunca o traiu, para ele saber que foi tudo armado. Quando

finalmente consegui uma forma de provar isso, o monstro veio de


novo e o levou para ficar ao seu lado. ― Eu acreditava que, quando

morríamos, ficávamos juntos de quem amávamos e tinha partido


antes. ― Foi Tomaso, papai. Ele levou vocês dois de mim. Agora
não posso estar ao seu lado, ouvi-lo me chamando de Ratinha. ―

As lágrimas e a água da chuva se misturavam. ― Ele o traiu da pior


maneira possível, papai. Como pôde fazer isso com você? É seu

irmão!
Eu soube que Mariano tinha pegado nosso tio. Não o tinha
eliminado ainda, parecia que estava torturando-o a cada hora.

Eu precisava enfrentá-lo e lhe perguntar como ousou fazer


aquilo com o próprio irmão.

― Senhorita, vai ficar doente ― disse Túlio ao meu lado.


Estava tão absorta que mal o notei ali, molhando-se também.

Despedi-me dos meus pais com o peito vazio, exceto pela dor
que cortava fundo. Segui Túlio para o carro.
― Vai voltar para casa? Precisa tirar essas roupas molhadas.

― Ele me olhava pelo retrovisor.


― Não. Siga para o galpão onde Tomaso está preso ― falei
com determinação.
Ele piscou.

― Não posso, o chefe...


― Diga que eu o ameacei.

Ele arqueou as sobrancelhas.


― Você não tem...
Peguei a arma da minha bolsa, destravei-a e a apontei para

ele.
― Agora tenho. Diga que eu ameacei atirar se não me

levasse.
Túlio não queria, mas assentiu e olhou para o outro carro que

nos seguia, então dirigiu para o outro lado da cidade. O outro


segurança buzinava como se estivesse alertando-o.
― Não pare, aliás, pise fundo ― ordenei. Mesmo que meu

irmão fosse o líder agora, eu precisava chegar ao meu destino.


Nada nem ninguém me impediria. Desde a hora em que eu soube

que Tomaso estava em Madri, preso, pensava em ir vê-lo.


Assim que Túlio parou o carro em frente ao armazém, o outro
guarda-costas, que se chamava Ty, veio na nossa direção. Era

agora ou nunca.
― Que porra acha que está fazendo trazendo-a aqui?! ―
rosnou ao Túlio.
Suspirei e peguei minha bolsa, colocando-a no ombro,

mantendo a arma na minha mão. Após isso saí do carro apontando-


a para os dois. Vi quando Ty levou a mão ao seu revólver, mas

parou e fechou a cara.


― Agora me levem até Tomaso, ou terei que mostrar como sou
boa atirando ― blefei. ― Tive um bom professor. Acho que

conhecem Rafaelle, certo?

Pensar nele novamente me fez encolher, mas não mostrei


nada àqueles homens. Podia ver que tinham mais deles ali,

inclusive um estava ao telefone e veio até mim.

― O chefe quer falar com você ― disse com cara de poucos

amigos. Possivelmente nenhum deles gostou de ser ameaçado por


uma mulher, ainda mais uma em quem não podiam tocar.

Suspirei, não querendo falar com Mariano, mas, se quisesse

entrar, teria que fazer aquilo, a não ser que decidisse realmente usar
minha arma contra os caras, o que não era o caso.

― Oi ― atendi.

― Você ficou louca?! O que pensa que está fazendo?! ― Sua


voz se alterou do outro lado da linha.
― Quero ver o homem que matou meus pais ― grunhi. ― Me

deixe entrar.
― Não...

Levantei minha arma para uma câmera a alguns metros e

puxei o gatilho, fazendo com que ela explodisse. Ouvi


praguejamentos ao meu lado e fiquei contente com minha pontaria.

― Eu realmente não queria machucar ninguém, mas farei

qualquer coisa para confrontar aquele maldito monstro ― falei com

tom duro. ― Você me deve isso.


Mariano mentira para mim; eu só estava pedindo-lhe algo que

apenas ele podia me dar.

― Mália... Ele está...


― Não dou a mínima para como ele está. ― Cortei-o, sabendo

o que queria dizer, que ele estava todo estourado. ― Isso não me

incomoda mais.
Com tanta coisa para me preocupar, iria surtar por causa de

sangue? Eu era mais forte do que ele imaginava e lhe provaria isso.

Tomaso pagaria caro.

― Tudo bem, mas Ty e Jakal vão entrar com você. Não a


quero sozinha com ele ― falou após um suspiro duro. ― Estou a

caminho daí. Dê sua arma a eles...


― Não, vou ficar com ela, mas não se preocupe, não vou

matar Tomaso com uma bala. Isso aliviaria seu fardo; ele merecer

sofrer.
Assim que meu irmão liberou o caminho, entrei, seguida pelos

homens dele. Não reparei no entorno, meu foco estava em ficar cara

a cara com o desgraçado. Tinha levado muito tempo para esse dia

chegar, o dia em que eu enfrentaria o assassino de minha mãe, que


se tornou o do meu pai também... A dor me rasgou, mas precisei

respirar fundo.

― Aqui. ― Ty abriu a porta de aço, e entramos no local.


― Veio para mais uma rodada de tortura, filho da puta? ―

questionou uma voz de dar calafrios. Entretanto, não temi; a raiva

me impedia de ter medo. ― Por que não me mata de uma vez?

Parei à sua frente e segurei minha fúria por aquele lixo


humano.

― Devia vigiar a boca, “tio” ― desdenhei a última palavra. ―

Por que iríamos fazer isso, quando o que você precisa sentir é dor?
Tomaso estava em correntes, pendurado com as mãos para

cima, peito nu e cheio de sangue.

― Mália? ― Abriu um dos olhos, o que estava menos inchado,

e me encarou.
Afastei-me dos seguranças um pouco e levantei minha arma

para ambos.
― Quero os dois fora agora ― ordenei.

Jakal nem piscou.

― Abaixe essa arma... ― Interrompeu-se quando atirei


próximo à sua cabeça.

― Falei para saírem. Quero uns minutos a sós com esse lixo

humano ― mandei, depois emendei: ― Ele está preso, não vai me

machucar, e não vou atirar nele, não se preocupem. Será só um


tempinho sozinha com ele.

Jakal saiu com um rosnado e pegando seu telefone, com

certeza para ligar para meu irmão. Ty me encarou como se me


sondasse, mas saiu também. Fui até a porta e a tranquei.

― Tudo isso para ficar a sós comigo? ― Tomaso inquiriu com

uma risada dura.

Virei-me e o encarei. Sabia que tinha pouco tempo. Peguei o


que tinha trazido na minha bolsa e levantei o objeto.

Seus olhos se arregalaram e fitaram a porta, que alguém

estava tentando abrir.


― Vai me matar? Isso ficará em sua alma para sempre ―

declarou, parecendo amedrontado.


― Não ligue para minha alma, ela ficará bem, ao contrário de

você. ― Joguei a gasolina da lata por todo o seu corpo, molhando

cada centímetro dele. Ela não era tão grande quanto eu gostaria,

mas serviria.
Sentei-me em um banquinho que tinha ali e puxei um isqueiro,

encarando-o.

― Você mudou ― observou. ― Vejo em seus olhos que vai


me matar.

― A perda e a injustiça mudam as pessoas ― comentei,

ficando o mais controlada possível, mantendo minha fachada de

frieza. ― Agora vamos ao que interessa. Por que traiu meu pai?
Ele respirou fundo.

― Acha que lhe diria por quê?

― Bom, você conta, ou... ― acendi o isqueiro ― vou ter que


queimá-lo antes da hora, e pode apostar, não estou brincando.

― Você não é uma assassina. Matar alguém traz

consequências...

― Sei sobre elas. O que você não sabe é que fui eu que matei
Saulo, o irmão de Sultão. Rafaelle apenas assumiu a culpa para o

perigo não recair sobre mim. ― Olhei-o com frieza. ― Uma coisa

aprendi com ele. Para não nos atormentarmos com um assassinato,


devemos pensar em tudo de ruim que o sujeito fez. Isso ameniza a

culpa. E, quer saber? Funcionou. Então farei isso com você


também, afinal cometeu muitas crueldades que me fazem repudiá-

lo, principalmente se livrar do seu irmão, meu pai, e da minha mãe.

― Ele tinha que morrer, porque descobriu a verdade sobre

Lizandra. Eu não podia deixar que isso vasasse, tinha que fazer
alguma coisa. ― Sua voz não parecia conter arrependimento. ― A

culpa tinha que cair sobre alguém, e, como todos tinham o pé atrás

com Ulisses, forjei provas que o incriminassem.


― Que provas minha mãe descobriu sobre você a ponto de

decidir matá-la? ― Soei calma, mas por dentro a dor me assolava,

assim como a raiva por aquele ser desprezível.


― Por culpa daquela maldita, tive que mudar meus planos por

anos. Estava tudo planejado, Murilo sairia de cena, assim como seu

filho, e eu tomaria o seu lugar como Don. Mas Lizandra descobriu

meus planos justamente com o imundo de um dos meus homens,


que me traiu, e deu a ela essa informação. Tive que interferir, não

tive escolha. Peguei um policial que não estava na nossa folha de

pagamento e o eliminei para colocá-lo com ela no iate e assim forjar


tudo e acabei com o rato que dizia estar comigo, mas trabalhava do

lado de Murilo e sua maldita esposa.


A raiva perpassou pelo meu corpo inteiro, e apontei a arma,
atirando em suas pernas e fazendo com que gritasse.

Como a porta era de aço, o guardas estavam com dificuldade

para abri-la. Eu a havia trancado pelo lado de dentro.


― Não teve escolha?! ― rugi, não querendo chorar na sua

frente. Não lhe daria esse gostinho.

― Sua maldita!
― Você fez com que todos pensassem que ela tinha traído

meu pai, mas isso nunca aconteceu! Minha mãe o amava! ― Fiquei

de pé. ― Manchou o nome honrado dela porque “não teve

escolha”?!
― Lizandra sabia demais, eu não podia deixar que vivesse. Foi

por culpa dela que fiz isso e tive que atrasar meus planos de ser o

chefe da nossa organização. ― Sua respiração estava falha devido


à dor, provavelmente, mas ainda era pouco. ― Então Murilo

desconfiou que realmente havia um traidor após você ficar


colocando coisas na cabeça dele.
― Eu apenas lhe disse a verdade, que minha mãe jamais o

trairia de nenhuma forma ― rosnei.


Sua frieza ao dizer cada palavra relacionada aos meus pais
era tamanha que aumentava meu ódio.
― Você não devia ter estado lá naquela noite. Erro do
miserável que fez o serviço. Por causa disso, ao crescer, trouxe
muitas dúvidas ao meu irmão...

― Não o chame assim ― sibilei. ― Você não sabe o que é ser


irmão. Protegemos um ao outro, não o contrário.
Irmãos eram como os Morellis e como Mariano e eu. Podia

estar magoada com ele, mas ainda o amava e jamais o destruiria de


nenhuma forma.
― O Don, o líder supremo, deveria ter sido eu, mas o título é

dado ao primogênito, uma besteira. Eu tinha mais garra do que


Murilo, poderia levar nossa família ao topo da hierarquia das máfias
europeias. E meu irmão quis continuar com essa regra que não nos

beneficiaria e tornar meu sobrinho o próximo líder. Isso me fez agir e


derrubá-lo ― revelou com sua frieza habitual. ― Sabe quanto
jovens virgens valem no mercado negro? Quanto arrecadaríamos?

Mas Murilo não queria ir para esse lado, estava afundando a máfia.
Oh, Céus, esse homem é um demônio, não é um ser humano!

Como alguém é capaz disso, querer vender crianças e adolescentes


a troco de ganhar mais dinheiro?
Sua morte não me traria culpa alguma. Eu não sentia nada

naquele momento. Talvez mais tarde sentisse, mas, como Rafaelle


me disse, era só pensar em todos os seus podres, que eram muitos.
Além do assassinato de entes de sua família, ele ainda queria
comercializar inocentes. E nada garantia que ele não machucava

crianças. Quem as vende, também adora usá-las, pensei com


repulsa.

― Vejo o nojo em sua expressão. É igual ao desprezível do


meu irmão. Tal pai, tais filhos. ― Cuspiu no chão. ― Me livrar dele
foi a melhor coisa que...

A fúria me invadiu, deixando-me cega. Como não queria


espancá-lo para não ter de tocar nele e atirar não resolveria, tinha
chegado a hora de eu cumprir meu objetivo ali, fazer com que

pagasse por tudo de ruim que fez.


Suas palavras morreram quando tornei a acender o isqueiro e
o joguei nele. O fogo acendeu como uma vela, mas de baixo para

cima. O lugar logo recendeu com cheiro de carne queimando


enquanto seus gritos ecoavam.
Eu arfava e tremia quando me virei, não querendo ver mais

aquilo. Podia não sentir nada no momento, mas não era tola; o que
acabava de fazer iria me assombrar, mas eu pagaria o preço que

fosse para ver o assassino dos meus pais pagar.


Abri a porta, e alguns dos homens praguejaram com a cena
diante deles. Eu andava, mas não via nada à minha frente, tudo

parecia embaçado, não só pelas lágrimas. Então um par de braços


me envolveu. Eu me sentia fria, mas aqueles braços tinham um
calor diferente de tudo. Meu irmão?

Gritos soaram. No fundo, eu sabia que eram meus. A dor me


consumia como veneno em minhas veias. Antes que eu tentasse me

controlar, senti algo em meu nariz. Não lutei nesse momento, a


escuridão seria meu consolo, nem que fosse por algumas horas,
porque eu sabia que a dor nunca iria embora.
Capítulo 32

Rafaelle

Por um bom tempo vaguei de ilha em ilha à procura de

Tomaso, até que o achei em uma nos arredores do Taiti. Queria tê-lo

matado, mas daria essa honra ao Razor, afinal era o assassino dos
pais dele. Se fosse ao contrário, eu iria querer minha vingança.

Queria ter ligado para Mália, mas, como tinha perdido meu

celular e me ferido na luta, não queria que ela se preocupasse


comigo. Ela teria surtado ao me ver com o ombro quebrado e ferido

por um tiro. Eu agradecia a Deus por estar vivo e poder voltar a


estar em terra firme.

Após entregar Tomaso a Razor, queria ir logo atrás de Mália,

porém, antes que eu pudesse fazer isso, Alessandro me notificou do


acordo que tinha feito com Paolo. A data, a hora e o local do

encontro finalmente tinham sido marcados. Assim que ele

terminasse, eu iria procurá-la. Demorei tempo demais na busca


àqueles que a queriam morta. A saudade que sentia dela era

demais.

― Tudo dará certo, né? ― disse Luna nervosa.


Estávamos nós seis, Jade, Luna, Stefano, Alessandro, Miguel

e eu, em um dos hotéis entre nossa divisa e a da máfia Pacheco.


Não os queríamos em nossas terras, não antes de saber tudo o que

aconteceu.

Queria garantir à minha irmã que sim, tudo daria certo, mas

não tinha certeza disso. O que podia jurar era que nada aconteceria

a nenhuma delas.

― Vai, sim, Luna ― assegurou Jade assim que nem eu, nem
Stefano, nem Alessandro respondemos, enquanto Miguel lhe

segurava a mão.
― Só vamos ouvi-lo antes de qualquer coisa. Ele nem podia
fazer essa viagem devido à sua situação, mas fez mesmo assim, só

para falar conosco ― falou Luna.

Antes que algum de nós respondesse, uma mulher veio em

nossa direção. Parecia uma leoa.

― Se ousam sequer pensar em ferir meu pai, pensem duas

vezes, pois vou arrancar o fígado dos quatro se tentarem! Já basta


saber que ele pode morrer a qualquer momento! ― Isso foi dito a

mim, meus irmãos e meu cunhado.

Stefano a olhou de cima a baixo, checando-a sem nenhuma

cerimônia. A menina usava um top jeans e uma calça justa

mostrando a barriga. Isso pareceu agradar ao meu irmão. Eu só

esperava que ele se controlasse, ou a merda cairia no ventilador.

― Se eu fosse você, arrumaria outro lugar para olhar. ―


Valentino fuzilou Stefano como se quisesse derramar seu sangue ali

mesmo. Depois se virou para a menina, que eu sabia que era sua

irmã. ― Belinda, por que você tem que ser assim?

Ela fez uma careta.

― Não vou mudar minha vestimenta porque os olhos de um

cara só faltam saltar das órbitas ― respondeu, mas encarando


Stefano.
― Não estava falando disso, mas deixa para lá. ― Sacudiu a

cabeça.
Notei que meu irmão estava prestes a retrucar, então fui mais

rápido, pois não queria que aquilo se prolongasse, pois só desejava


sair dali logo e ir ao encontro de Mália.
― Viemos aqui para falar com Paolo, e não tenho o dia todo ―

falei com um grunhido.


Valentino estreitou os olhos e me avaliou, mas não demonstrei

nada, depois se virou para Alessandro.


― Está tudo preparado. Vamos ter uma conversa civilizada lá

dentro, para o bem dela. ― Virou sua cabeça na direção de Luna, e


vi seus olhos escurecerem como se sua visão a atormentasse.
Recordei-me de que ele disse o quanto Luna se parecia com a

sua irmã que tinha sido assassinada. Isso com certeza lhe trazia
lembranças dolorosas.

Miguel passou o braço em volta de Luna de maneira protetora.


― Vamos deixar isso de lado e ir ao que interessa ― anunciou

Alessandro.
Valentino assentiu.
― Por aqui. ― Seguiu na frente com a garota Belinda. Passou

o braço em volta dela e disse algo que a fez fechar a cara.


Stefano a examinava – sua bunda, melhor dizendo.

― Quer parar de fazer isso? ― sussurrei só para ele ouvir. ―


Ou os irmãos dela vão arrancar seu fígado.

― Você notou a perfeição que essa morena é? As curvas dela


são tudo que adoro em uma mulher! ― disse entusiasmado.

Não notei; só uma mulher me fazia pensar nela a cada


segundo do dia. Para mim, todas as outras eram como se fossem
homens, eu não prestava atenção nelas.

― Stefano! ― Alessandro avisou em tom baixo. ― Sem


chance de isso acontecer. Agora se controle, não quero ter que

matar um deles se o atacarem só porque você quer a irmã deles.


Nós entendíamos o lado dos irmãos Castilhos, por isso os
respeitávamos, porque faríamos a mesma coisa pelas nossas irmãs.

Seguimos acompanhados dos nossos guardas e dos deles.


Tínhamos trazido a mesma quantidade de homens.

Dependendo do que fosse dito ali, eu não me importaria em


morrer, contanto que Paolo fosse junto. Isso se ele tivesse se

aproveitado de minha mãe após ela ter sido dada a ele.


Subimos em elevadores, nós em um e Valentino, Belinda e
Benjamim, que se juntara a eles havia pouco, no outro.
― Pare de ficar secando a irmã deles! Isso pode gerar morte!
― rosnei para Stefano.
― Confesso que vi e tive mulheres perfeitas, mas como essa?

Aquela pinta em sua boca a deixa...


― Cale-se! ― ralhou Jade. ― Pare de ficar se arriscando!

Hoje espero que façamos uma aliança aqui, não quero um banho de
sangue só porque você não consegue se controlar. Além disso,
quero voltar viva para meu filho e Luca.

Luca não veio conosco, ficou de olho nas coisas em casa,


tomando conta de Mia, Graziela, das gêmeas e Vincenzo.

― Nada vai acontecer a nenhuma de vocês duas ― jurou


Stefano, ficando sério e passando o braço ao redor de nossas

irmãs.
Troquei um olhar com Alessandro. Não sabia se seria possível
fazer uma aliança com a máfia Pacheco, dependeria muito das

coisas que o chefe dela nos diria.


As portas se abriram, e saímos para um corredor. Ali estava o

restante dos filhos de Paolo, menos Fabrizio, que devia estar com o
pai.
Valentino nos levou a uma das suítes no último andar. O lugar

era bem espaçoso. Nossos homens e os deles ficaram no corredor.


No apartamento, ficamos apenas nós e a família de Paolo.
Planejei aquilo para caso algo desse errado. Seríamos quatro
de nós contra quatro deles. Acreditava que venceríamos, mas havia

um problema: Valentino e Fabrizio eram letais, vencedores de lutas


clandestinas invictos. Ao menos até o momento.

Examinei a extremidade da suíte, não achando outra saída.


Esperava haver outra.
Em um sofá no canto, estava um velho de cabelos ruivos

grisalhos, muito diferente de como eu me lembrava. A doença

realmente tinha acabado com ele.


Paolo examinou a todos. Tinha as mesmas cores de Luna, que

se parecia com o seu pai biológico não apenas nos cabelos. Seus

olhos pousaram nela, e ele sorriu.

― Luna, que bom vê-la antes do meu fim... Sonho há muito


tempo com isso ― começou, depois nos encarou. ― Vocês se

tornaram homens melhores que Marco, como era o desejo de Kélia.

No final, ela realizou o que tanto sonhava.


Tanto eu como meus irmãos travamos ante aquelas palavras.

Evitei seguir meus instintos e puxar a arma; prometi que o ouviria e

iria fazê-lo.
― Nossa mãe deixou uma carta dizendo que eu era sua filha e

que você sabia da minha existência. Por que não me procurou? ―


perguntou Luna.

― Por isso. ― Ele pegou uma carta e a estendeu para nós. ―

Peguem-na e a leiam, não é segredo. Com certeza reconhecem a


letra dela. Li e reli umas mil vezes, desejando que tudo fosse

diferente do que está escrito aí.

Luna tentou pegar a carta, mas Miguel a manteve no lugar com

o braço formando uma gaiola ao seu redor. Então respirei fundo e a


peguei. Notei, pela visão periférica, que os filhos de Paolo estavam

preparados caso eu fizesse algo.

― Sei do que você fez para chegar até mim, pensando no pior,
mas o que está aí vai esclarecer tudo ― informou-me o velho.

Assenti e voltei para o meu lugar com a carta na mão. Passei à

sua leitura em voz alta para que todos ouvissem:

Paolo, meu amor, minha vida.

Conhecer você foi a melhor coisa da minha vida, a minha única


luz, além dos meus filhos. Te amo da forma mais profunda que uma

pessoa possa amar.


Porém não poderei fugir com você. Isso corta meu coração,

mas meus filhos vêm em primeiro lugar. Não posso deixá-los aqui,

sozinhos com esse homem; caso eu parta, não sei o que se


tornarão. Quero o bem para eles, desejo que, mesmo com essa

escuridão, se tornem melhores, humanos.

Me mata negar algo assim a você, mas meus filhos são a

minha vida inteira, e não posso levá-los comigo, Marco não


permitiria isso.

Saiba que, mesmo com nosso relacionamento acabando,

ainda o amarei para sempre. Você me fez a mulher mais feliz do


mundo com seu sorriso, seu amor incondicional.

Desejo que seja feliz, e obrigada por tudo que me fez, por

descobrir que, no meio da escuridão, sempre há uma luz. Você e

meus filhos são a minha.


Espero que um dia entenda que foi preciso fazer isso, dar

adeus a esse relacionamento e focar em manter meus filhos vivos e

sãos nas mãos desse ser desprezível...

Pisquei, não conseguindo acreditar naquilo. Luna chorava nos

braços de Miguel, e Jade, nos de Stefano. Havia mais na carta, mas


era de cunho mais pessoal, então preferi não ler em voz alta o

restante.
― Ela amava você, assim como disse na minha carta ―

sussurrou Luna.

― Tem algo que ela disse que não entendi. Certo, ela se
apaixonou, mas como aconteceu de fato? Nossa mãe menciona que

você a chamou para fugir, mas ela não foi por nossa causa. O que

aconteceu? ― perguntou Alessandro.

― Marco a tinha dado a você ― falei. ― Minha pergunta é:


você a tocou contra sua vontade?

A morena deu um passo na minha direção como se desejasse

me bater. Ergui as sobrancelhas ante isso. Notei outra garota ali, na


qual ainda não tinha reparado. Essa era ruiva.

― Vou esfolá-lo vivo, seu imbecil! Como ousa acusar meu pai

de violentar uma mulher?!

Fabrizio a manteve no lugar.


― Belinda, controle seu gênio forte ― pediu Paolo, tossindo.

Isso fez com que a raiva da garota desaparecesse. Ela correu

para o lado do pai, assim como a garota ruiva. Se eu não me


enganava, seu nome era Serena.

― Papai... ― sussurrou Belinda, encolhida.


Eu via o sofrimento dos filhos diante da doença de Paolo e os

entendia; uma vez fomos nós naquela mesma situação, mas com

nossa mãe. O pior era que nem podíamos ficar ao lado dela; Marco

não deixava.
― Estou bem ― ele as tranquilizou, depois encarou a todos

nós. ― Eu tinha negócios com Marco. Em um dos eventos em que

nos encontramos, vi a sua mãe. A sua beleza se destacava na


multidão. Ela era fascinante, fazia todos suspirarem. Por que acha

que Marco colocou um anel em seu dedo logo que a viu?

Toda vez que eu descobria algo daquele cara, sentia-me

doente ainda mais por não ter conseguido me vingar dele como
gostaria.

― Tínhamos fechado um negócio grande. Ele buscou a

aliança, mas eu não queria dinheiro, estava mais interessado em


sua esposa, e propus a troca: Kélia como pagamento pela

mercadoria.

― Vou matar você! ― Stefano se lançou para a frente, mas

Alessandro o segurou firme.


― Fica longe do meu pai... ― rosnou Belinda, segurando uma

adaga em cada mão.


― Se controla, Stefano. Deixe-o terminar de falar. Depois

apuramos os fatos ― ordenou meu irmão.


― Na hora, Marco ficou furioso, mas sua ambição em ganhar

dinheiro o venceu ― Paolo continuou como se estivesse preso nas

reminiscências daquele tempo. ― Eu nunca tinha feito isso, mas ela

me fascinava. Eu precisava ao menos conversar com ela. Quando


estávamos sozinhos, notei-a com medo e retraída...

― Mas que mulher não ficaria assim? ― grunhiu Jade.

― Sim, qualquer uma. Quando me sentei no sofá e pedi que


se sentasse no de frente a mim, ela ficou confusa, mas assentiu.

Eu podia imaginar o medo que ela sentiu naquele momento.

― Pedi que falasse de si mesma, do que fazia, do que


gostava. Queria desvendá-la. Ali, vendo-a tão frágil e à minha

mercê, quis ter matado Marco. Depois vi que teria duas opções: a

primeira, dizer a todos que peguei aquilo que tinha sido me dado e

acabar por isso mesmo; ou continuar fazendo negócios com Marco


e ficando algum tempo com sua bela esposa.

― Por que simplesmente não a devolveu e acabou com isso?

― Luna estreitou os olhos.


― Eu queria, mas, se o fizesse, ele poderia entregá-la a outro

homem, e eu não deixaria isso acontecer. Prolonguei aquela noite,


perguntando sobre sua vida, seus filhos. Na época, ela só tinha
vocês quatro. ― Olhou para meus irmãos, menos a Luna.

― Percebi a doçura que sua mãe era e soube que Marco não

a tinha dado a ninguém antes, só fez aquilo porque a mercadoria


que eu tinha para ele era muita e de boa qualidade. Ficamos assim

por alguns meses, apenas nos encontrando e conversando, até que

nos apaixonamos um pelo outro, e foi quando a toquei de verdade,


não antes disso. ― Encarou incisivamente cada um de nós.

― E sobre a fuga que ela mencionou? ― sondei.

― Naquele dia, ia fazer quase um ano que estávamos tendo

aqueles encontros com o aval de Marco, mas ele não queria ceder
mais. O preço que pedia era demasiadamente alto para que eu

continuasse vendo-a... ― Fechou os olhos.

― O que ele pediu? ― inquiri, embora suspeitasse.


― Antes, negociávamos armas e drogas, mas depois ele

queria levar os acordos a outro patamar. Pediu-me garotas virgens


de 6 a 18 anos. ― Sacudiu a cabeça como se estivesse em um
pesadelo. ― Falei que ia pensar e, na próxima vez em que estive

com Kélia, comentei isso, mas sabia a minha escolha e a dela. Nós
não chegaríamos tão baixo. Foi quando a chamei para fugir comigo.
Se ela viesse para o meu território, eu a protegeria. Marco descobriu
isso e nos encurralou, colocando a escolha nas mãos dela.
― Minha mãe teve uma escolha? ― Jade fungou.

― Marco disse que ela estava livre para viver comigo, mas
podia levar só você. ― Abriu os olhos e encarou Jade, depois
Alessandro, Stefano e a mim. ― Mas de vocês, ele não abriria mão,

principalmente do primogênito, de quem dizia ter orgulho e que


tomaria o lugar dele no futuro.
― Ela não nos deixaria, assim como falou na carta, não é? ―

Eu sabia que era algo assim. Minha mãe jamais abandonaria um


filho seu.
― Kélia renunciou ao que sentíamos por amor a vocês três. Eu

poderia levá-los comigo, mas isso causaria uma guerra


devastadora. Ela não queria isso, por isso não a vi mais. ―
Suspirou. ― No fundo, eu a entendia por preferir os filhos. Se

estivesse no seu lugar, acredito que eu teria feito o mesmo pelos


meus.

― Quando soube da minha existência? ― perguntou Luna.


― Quando você tinha uns 2 anos. Alguém conseguiu
fotografar sua mãe e você. Seus cabelos mostravam que era minha

― indicou as mechas ruivas da filha biológica e forçou um sorriso.


― Eu queria assumir você, mas sua mãe não a queria longe. Além
disso, Marco disse que tinha planos para suas filhas no futuro. Eu
até podia imaginar quais eram. Ele me disse que, se eu abrisse a

boca, iria fazer com que Kélia e você, Luna, saíssem machucadas.
― Aquele maldito! Que apodreça no inferno! ― sibilou Jade.

― Mesmo estando longe, eu precisava de alguém de olho nas


duas. Então Kélia se foi. ― Sua voz estava cheia de dor, mas não
era decorrente da sua doença. ― Contratei Sage para se infiltrar lá

e cuidar de Luna.
― Sage? ― Luna olhou ao redor como se esperasse vê-lo. ―
Onde ele está?

― De férias com sua mulher e filha ― respondeu Valentino. ―


Ele fez um bom trabalho nos alertando sobre o que aconteceu na
igreja. Estávamos a ponto de interferir caso você ― encarou

Alessandro ― não conseguisse, pois não deixaríamos que


levassem Luna.
Luna estava de olhos arregalados.

― Ele não era gay? ― Sua voz soou alta.


Paolo riu baixo.

― Não, foi preciso inventar isso, porque alguns estavam


começando a desconfiar dele por não ficar com ninguém. Em alguns
casamentos no nosso mundo, seria natural um homem trair sua
esposa, mas não naqueles relacionamentos à base de fidelidade e

amor, como o de vocês dois ― ele olhou para Luna e Miguel ― e o


de Sage e sua esposa. Ele é casado com minha sobrinha.
Bem que eu tinha desconfiado. Ele não parecia um cara que

gostava de homens. Não que eu fosse contra, pois cada um tem a


sua vida e sua sexualidade, mas gostei do fato de ele ter sido fiel à

sua esposa, embora ainda estivesse furioso por ter nos enganado a
seu respeito.
― Não foi culpa dele. Era uma missão, mas Sage se apegou a

Luna, e ficaram amigos. Isso não foi uma ordem nossa. ― Paolo
sorriu, meio cansado. ― Acho que você brilha onde passa.
― Acabamos? Porque ele precisa descansar um pouco ―

disse Serena.
Tínhamos vindo atrás de respostas e conseguimos. Foi bom
saber que nossa mãe foi feliz ao lado dele ao menos por um tempo.

Só não foi mais por nossa causa.


Alessandro ficou de discutir alguns assuntos com Fabrizio. Eu
estava indo dizer-lhe que precisava ir até Mália, mas Valentino

pegou meu braço.


Estreitei meus olhos.
― O que foi?

Ele suspirou.
― Quero que veja algo. Depois você decide se vai ignorar isso
ou não ― disse, estendendo o telefone a mim.

Nele, tinha um vídeo de Mália. Pisquei com a cena diante de


mim.
Ela patinava no gelo, dando seus saltos e giros, até que caiu

de joelhos no rinque. Antes que o medo me tomasse por pensar que


ela tinha se ferido, ela rolou de lado e ficou enrolada em posição

fetal, como se estivesse tomada de dor, gritando e chorando. Aquele


som iria me assombrar para sempre. Um garoto foi até ela.
Reconheci-o da ilha na Costa Rica. Túlio.

Porém minha atenção estava em Mália. A forma como ela


sofria me tocou fundo.
Ficarmos todas aquelas semanas longe não nos fez bem, mas

eu precisava encontrar os bandidos que a queriam. Senti que foi um


erro não ter telefonado para ela, mas não podia contar-lhe tudo e a
deixar preocupada. Não fazia nem um dia que eu tinha voltado para

casa, mas já queria ir até ela.


― Isso foi ontem. A cada dia, seu estado está pior. O irmão
dela está preocupado. Eu só queria que você soubesse caso se
importe com ela, senão ― fuzilou-me ― vou investir em Mália...
Lancei-me contra ele, prensando-o na parede sem dar a
mínima para minha tipoia.

― Toque-a, e você morre ― sibilei.


Ouvi maldições tanto dos meus irmãos como dos dele.
― Então faça alguma coisa, porque ela pensa que você a

deixou, que só estava usando-a. ― Tinha um tom amargo em sua


voz.
Arfei, afastando-me.

― Ela pensa que...


Saí de perto dele e corri para o elevador. Mesmo com toda
minha ausência, não achei que Mália fosse pensar algo assim. Ela

não sabia o quanto eu a queria e a amava, mais do que tudo no


mundo? Era hora de mais verdades serem ditas, e eu esperava que

ela me perdoasse por ter ficado longe, pela mentira a respeito da


morte do seu pai, por tudo, na verdade. Se não me perdoasse, eu
teria muito tempo para compensar e lhe provar o que sentia.
Capítulo 33

Rafaelle

Quando eu soube do que Mália pensava, peguei o jatinho e fui


direto para Madri. Liguei para Razor, mas não consegui localizá-lo,

pois não atendia seu telefone. Telefonei então para Viper,

perguntando-lhe o endereço para onde tinha levado Tomaso, pois


ele foi o encarregado de entregar o maldito a Razor. Assim que me

informou o local, dirigi-me até lá. Era um armazém que ficava na

saída da cidade.
Assim que meu carro parou, armas foram apontadas na minha

direção. Respirei fundo e controlei meu impulso de puxar a minha.


Saí do carro, notando um atirador no telhado e outro à direita. Havia

mais homens ali, mas não notei, porque outro carro parou cantando

pneus.
Razor saiu dele parecendo apressado, mas me viu e estreitou

os olhos, avaliando meu estado com a tipoia. Tinha algo indecifrável

nos seus olhos.


No entanto, antes que qualquer um de nós falasse algo, um

grito veio de dentro do armazém. Esse som, eu o conhecia bem,

sabia a quem pertencia. Razor correu para dentro do local com sua
arma. Corri atrás dele, mas fui detido na porta por um homem.

― Se não sair da frente, não irá respirar nem mais um


segundo ― sibilei.

― Deixe-o passar! ― gritou Razor antes de entrar em um

corredor e praguejar.

Quando cheguei, vi Mália ali, com as mãos nos ouvidos, como

se não quisesse ouvir os gritos de Tomaso pegando fogo. Dava para

vê-lo lá dentro, no cômodo, pois a porta se encontrava aberta. Ela


gritava da mesma forma como fez na ilha próxima a Porto Rico.

Corri até ela e passei os braços à sua volta.


― Mália querida... ― Sua dor cortava fundo meu peito.
― Que porra aconteceu aqui? ― rosnou Razor. ― Quem fez

isso?

Razor me entregou o tranquilizante, e eu a dopei; era melhor

que deixá-la gritando em seu tormento vivo.

― Foi ela. Assim que entrou, apontou a arma para nós e se

trancou lá dentro, então conversaram por um tempo. Algo que ele


disse a deixou tão furiosa que jogou gasolina nele e ateou fogo ―

um dos caras disse. ― Acho que ela veio preparada para fazer isso,

porque trouxe tudo na bolsa.

O tanto que eu queria impedi-la de fazer algo assim, mas no

final meu esforço foi inútil. O que ela fez, carregaria para sempre.

― Porra! ― amaldiçoei. ― Eu o dei a você! Se fosse para ela

matá-lo, eu o teria feito!


― Não venha me acusar! Você desapareceu, deixando-a

pensar que a abandonou...

― Você sabia o que eu estava fazendo! Por que não contou a

ela ao invés de deixá-la sofrer assim? ― Se Mália não estivesse

comigo, eu quebraria sua cara. ― Eu pensava que ela só precisava

de tempo após ter escondido tudo sobre o seu pai, não tinha noção
de que pensava que eu...
Tentei suspendê-la, mas meu ombro ferido protestou. Razor

suspirou e a pegou, dando ordens aos seus soldados que


limpassem a sujeira gerada pelos restos de Tomaso.

Segui-o para fora do armazém. Ele a colocou no banco de trás


e, quando fui me sentar ao lado dela, segurou meu braço bom.
― Se a fizer sofrer de novo, mato você ― avisou. ― Essas

semanas foram difíceis para ela. Eu temia dizer o que você estava
fazendo e ela resolver ir aonde você estivesse.

― Então deixou que ela pensasse que eu a abandonei ―


rosnei.

― Você devia ter ligado ― retrucou. ― Ela com certeza o fez.


― Perdi meu celular quando enfrentei Sultão. Depois foi uma
loucura, não quis preocupá-la. ― Respirei fundo e me sentei perto

dela.
Razor foi para o volante e deu partida no carro.

― Se eu soubesse que ela faria isso, não teria trazido Tomaso,


eu o teria feito virar comida de tubarão. ― Estava grilado comigo

mesmo, pois ela sofreria com a consciência pesada.


― Nunca imaginei que Mália fosse capaz de fazer algo assim.
Sei que me falou que ela matou Saulo, mas naquele dia ela não
teve escolha. Mas agora? Isso foi premeditado. ― Sacudiu a

cabeça.
Eu não queria sangue em suas mãos, mas nada mais podia

ser feito. A única coisa que eu podia fazer era tentar não deixar que
aquilo a atormentasse. Estaria sempre ao seu lado.

― Vou levá-la comigo...


― Uma ova que vai! Mália não é uma qualquer, que você trata
como um caso de uma noite, ela é minha irmã e sairá daqui casada,

então esqueça. ― Dava para notar que ele queria me bater.


― Eu sei disso. ― Aquele homem me tirava do sério. ― Mália

é toda minha vida. Falei que a levaria comigo porque preciso me


redimir, e não acho que isso dará certo aqui, aliás, creio que ela
nem me ouvirá.

Ele franziu a testa.


― O que pensa em fazer?

― Fiz uma promessa a ela de que a levaria para minha ilha um


dia. Acho que está na hora de cumprir isso e fazer com que me

perdoe por ter escondido sobre seu pai e ter ficado longe. ― Alisei
seus cabelos.
Razor ficou calado.
― Você realmente a ama, não é? ― Não parecia uma
pergunta. ― Mália merece o melhor, é uma garota forte, decidida e
faz tudo pelos seus. Nesses dias, pude ver que estava sofrendo, até

cheguei a tentar fazê-la se levantar um pouco, mas não quis me


ouvir. Não creio que sua dor seja só pelo que aconteceu com nosso

pai, é também causada pela sua ausência.


Meu coração pulsou de forma irregular devido ao seu
sofrimento.

― Aproveito para dizer que, se Mália me perdoar, irei me casar


com ela. Só achei que devia saber ― anunciei sem tirar os olhos de

minha garota.
― E se eu te oferecesse todo o meu território da Espanha? ―

sondou, avaliando-me.
― Nem se me desse seu reinado todo, eu abriria mão dela, e
seria uma pena raptá-la e levá-la para longe do irmão, ou eu poderia

matá-lo aqui. ― Fulminei-o. ― Mas Mália não aguentaria outra


perda, ainda mais a sua. E seria uma pena você não conhecer seus

sobrinhos um dia.
Ele ainda me avaliava, depois sorriu parecendo satisfeito com
a minha resposta.
― Sabe? Na escola, alguns homens deram em cima dela, e,
embora ela nunca tenha ligado para nenhum deles, ofereci dinheiro
para se afastarem. Todos aceitaram. Fiquei furioso, então acabei

com eles. Quem pensavam que ela era para aceitarem dinheiro ao
invés de cortejá-la? ― Cerrou os punhos. ― Os homens da minha

família a tinham como uma mancha. Sabe aquela que paga pelos
erros dos pais? Embora minha mãe não tenha feito nada. Agora
estou limpando algumas imundícies do meu povo, então acho bom

que Mália tenha alguém que faça tudo por ela.

De certa forma, estava grato por nenhum deles ter tido a


atenção de Mália. Sentia-me realizado por ela ser só minha.

― Sim, eu faço e, se alguém do seu povo a desrespeitar, eu o

mato ― avisei.

Sorriu.
― Terá meu consentimento para fazê-lo. Todos que tentaram

tocá-la morreram, e isso não vai mudar mesmo com ela se casando

com você. Como eu já lhe disse, no fundo torcia para dar certo entre
vocês. Mália precisava de uma pessoa que a protegesse não

importasse o preço, e você faz isso.

Eu entendia seu lado. A proteção que dávamos a nossas irmãs


era incondicional.
― Então agora você será o Don, o líder de toda a máfia

espanhola. O que vai fazer? Tomaso está morto, não há mais


perigo, ao menos não com um parente querendo o que é seu por

direito.

― Perigo sempre há para quem vive na máfia, mas posso lidar


com todos. O bom agora é que fiz algumas alianças. E então?

Resolveu seu problema com Paolo?

― Sim, acabei de vir de lá, e nada era como pensei que fosse.

― Suspirei.
― Paolo é um líder muito bom, ou o quão bom podemos ser

em nosso mundo, leal aos seus. ― Parecia triste. ― Essa doença

acabou com ele. Fabrizio será um bom líder no lugar do pai. Vocês
fizeram uma aliança agora que tudo se resolveu?

― Alessandro está resolvendo isso. ― Naquele momento,

meu objetivo era trazer o sorriso lindo da minha garota de volta.


Focaria naquilo e buscaria seu perdão nem que, para isso, eu

tivesse que me ajoelhar e implorar.

Mália
Acordei com o som de ondas não muito longe. Lembrei-me do

que fiz, e meu coração doeu, mas Tomaso merecia pelas coisas
repulsivas que pensava em fazer com adolescentes, fora o que fez

com meus pais.

Ao pensar neles, a dor cortou fundo meu peito. Ao menos o

assassino tinha pagado pelo que fez.


Um cheiro de comida tomou conta do lugar. Franzi a testa,

porque meu irmão não sabia fritar nem sequer um ovo. Quem fazia

aquilo? E onde eu estava?


Chequei o local. Era um quarto gigante com uma imensa

janela pela qual dava para enxergar o oceano não muito longe. A

brisa era gostosa em minha pele.

Espera! Oceano?! Franzi o cenho e fiquei de pé, saindo


daquele lindo quarto. No corredor, não vi ninguém, mas tornei a

sentir o cheiro de dar água na boca. Estava com fome; eu não tinha

me alimentado como deveria nos últimos dias.


Segui o cheiro, que me levou à cozinha daquele lugar, o que

fez com que eu me lembrasse de quando estava na ilha com...

Pensar nele fazia meu peito doer ainda mais.


― Mariano, se for você que estiver fazendo comida, vou

colocar sua foto na Peoples ― comentei.


Tinha chegado a hora de eu perdoá-lo. Entendia seu lado e

não queria que ele sofresse. Se estivesse em seu lugar, era bem

provável que eu teria feito o mesmo. Só tinha a ele como parente e


não o perderia por rancor. É claro que fiquei puta da vida na hora,

mas havia chegado a vez de eu ajudá-lo a reconstruir nossa família.

― Eu teria adorado vê-lo em uma revista de celebridades, mas

acho que nós dois sabemos que isso não vai acontecer, não
cozinhando, ao menos ― disse uma voz que não achei que ouviria

mais.

Virei a cabeça na direção daquela voz da qual tanto sentia


falta.

Rafaelle estava escorado na pia, olhando-me. Vestia apenas

uma calça de dormir e estava descalço, mas o que me deixou

chocada foi ver seu braço em uma tipoia e um curativo em sua


cintura. Esse ferimento no ombro não era o mesmo causado pelo

tiro, que, pelo que eu podia ver, estava cicatrizado.

― Onde se machucou? ― Minha voz falhou. ― Por que... por


que estou aqui com você?
Ele saiu da cozinha e veio ficar na minha frente sem tirar os

olhos de mim. Sua expressão parecia triste.

― Me machuquei capturando Sultão e Tomaso. ― Tinha um

tom amargo em sua voz ao falar o nome do verme que se dizia meu
tio.

― Foi você que pegou aquele escroto? ― Achava que tinha

sido meu irmão.


Uma sombra tomou conta de suas feições belas.

― Eu devia tê-lo matado quando tive a chance! ― A raiva que

ouvi em sua voz não era um bom sinal.

― Não foi sua culpa, além disso, ele merecia ser morto...
Interrompeu-me.

― Não pelas suas mãos, algo que jurei que nunca ia

acontecer! ― Sacudiu a cabeça em tormento vivo. ― Agora


carregarei isso...

Eu sabia que ele ia se culpar, Rafaelle sempre fazia isso, não

importava se era ou não sua culpa. Explodi. Estava com muita coisa

entalada na garganta.
― Não venha sentir culpa por algo que não fez! Devia sentir

por isso! ― Indiquei seus ferimentos recentes. ― Mal estava curado

e foi atrás de assassinos, se feriu em uma luta! O que tinha na


cabeça?! Acha que é o Super-Homem, ou que tem o corpo

impenetrável, ou anda tão doido que procura perigos para tentar a


morte?! Deixe-me terminar de falar! ― Ele tinha começado a abrir a

boca, mas não permiti. ― Eu fiquei internada naquele hospital, certa

de que você estava ao meu lado, mas não estava! Você devia ter

ficado comigo...
Cortou-me.

― Claro que estive, fiquei lá todo o tempo ao seu lado. Só

depois que seu irmão a levou que eu fui atrás dos homens que
queriam você, inclusive o seu tio. ― Suspirou. ― Se eu não fizesse

nada, você poderia ir até ele.

Ele me conhecia bem para saber que eu tentaria aquilo. Sabia


que meu irmão iria tentar impedir, mas lutaria até alcançar meu

objetivo, o que de fato consegui, eliminando o cretino.

― Ficou calada porque iria fazer isso, não é? ― Sacudiu a

cabeça parecendo com raiva. ― Depois diz que sou eu que quero
morrer.

Fechei a cara.

― Teria dado conta. Eu consegui...


― Não, você matou um homem preso, não um com quem teria

que lutar com facas e até socos ― contestou, respirando fundo. ―


Seja como for, você querendo ou não, eu me culpo por não ter
extirpado Tomaso, pois o idiota do seu irmão tinha que fazer cagada

e deixá-la entrar lá.

― Eu estava armada ― retruquei.


Estreitou os olhos.

― Iria atirar nos homens do seu irmão? Porque, da última vez

que me lembro, você estava chorando por um deles que se feriu e


pelo outro que foi morto ― falou um pouco mais calmo. ― Matar

não é só puxar o gatilho e simplesmente desligar as emoções

depois, é conviver com as lembranças, uma coisa que eu gostaria

de ter impedido que acontecesse com você.


― Esse fardo a carregar é meu, e não seu ― sussurrei

encolhida.

― Errado, porque tudo relacionado a você me afeta. É isso o


que acontece quando as pessoas amam, Mália. ― Suas palavras

me deixaram atônita.
― Se você me amasse, não teria me deixado ― retorqui após
me recuperar, não querendo manter a esperança de que ele

realmente sentisse aquilo por mim. ― Eu liguei inúmeras vezes,


mas nunca atendeu.
― Acho que terei que lhe mostrar o quanto a amo. Você
enfeitiçou meu corpo, minha alma negra e tudo que há em mim. ―
Sua voz tinha tanto fervor.

Sacudi a cabeça, não crendo nisso. Ele continuou:


― Fui procurar Sultão na região que pertencia a ele. Sabia que
não ficava em uma ilha por muito tempo. Então segui uma pista e o

achei em uma no meio do oceano. Foi por isso que não respondi
seus telefonemas; em certa ocasião, perdi meu telefone. Além
disso, o sinal era péssimo e não quis te preocupar. ― Deu um

suspiro duro. ― Outra coisa, eu estava lhe dando um tempo para


pensar no que eu tinha dito.
― Você achou que eu precisava de um tempo sozinha? ―

Fechei a cara. É claro que ele estava certo por um lado, mas, pelo
outro... ― Fiquei semanas me sentindo culpada por ter me
machucado e, assim, achar que você estava se culpando. ― Ri com

desdém. ― No final, não deu a mínima, preferiu ir atrás de um


bandido a ficar ao meu lado.

― Sua segurança é tudo para mim, Mália. Nada como isso irá
acontecer de novo. ― Indicou a cicatriz na minha barriga, visível
através da blusa curta.

― Quem fez isso fui eu, não eles ou você! ― gritei.


Ele piscou diante de minha explosão.
― Eu sei, mas só em imaginar alguém tocando em você, fico
doente, então, por mais que eu quisesse ficar ao seu lado, precisava

destruir todos eles. ― Sua voz saiu baixa. ― Pensava que minha
ida atrás deles duraria dias, mas fiquei quase um mês no Pacífico

Sul, longe da civilização. Me disfarcei de pescador, quando tive que


esperar sermos atacados para então conseguir um dos caras e
descobrir onde Sultão estava, mas seu tio fugiu.

― Ele não é mais meu tio ― rosnei.


Assentiu.
― Após acabar com Sultão, fui atrás de Tomaso e tive que

revirar cada ilha que tinha qualquer pista dele; em uma delas, iria
achá-lo, mas isso demorou mais do que eu gostaria. ― Olhou-me
com intensidade. ― Mas juro que, se eu soubesse que você estava

pensando que eu não a queria mais ou que a tinha usado, teria


voltado ou ao menos dado um jeito de me comunicar com você. ―
Sacudiu a cabeça. ― Como pôde pensar isso após eu ter ficado ao

seu lado todo esse tempo? Não sentiu nos meus beijos? Como
pôde duvidar que eu não a amava? Sou completamente apaixonado

por você.
Pisquei, tonta com tudo que ouvi dele. A sua declaração me
comoveu e aqueceu meu coração.

― Sei que preciso compensar o que causei, por isso estamos


aqui. ― Ele indicou o lugar. ― Se você quiser, posso me ajoelhar e
implorar que me perdoe, porque, sinceramente, não sei como viver

sem você.
Não sabia o que pensar. Fiquei semanas imaginando que ele

não me queria, então ouvir aquilo parecia surreal.


― Não precisa decidir agora, terei muito tempo para
compensar, começando por alimentar você. ― Apontou meu corpo

com o semblante triste. ― Emagreceu um pouco.


Não queria que ele se culpasse por isso também, por essa
razão aceitei e gostei da ideia do tempo. Eu o amava muito e não

queria perdê-lo, mas estava muito confusa e de luto pelo meu pai.
Já tinha passado um mês desde que eu soube da verdade, mas
pouco tempo desde que obtive justiça.

Rafaelle tornou a entrar na cozinha e se virou para a pia.


― Você foi sozinho? Poderia ter morrido... ― Aproximei-me da
mesa.

Ele veio até mim e tocou meu rosto, esquadrinhando minha


face.
― Estou bem, Mália. E não fui sozinho. ― Beijou minha testa.

Nesse momento eu queria abraçá-lo e dizer o que estava


sentindo, mas ele se afastou, pegou uma panela no fogão e indicou
a mesa.

― Se sente, que vou lhe servir o jantar ― pediu, sorrindo de


leve.
Fiz o que ele falou, ou cairia com seu sorriso.

― Jantar? ― Encarei a janela de vidro, através da qual podia


ver o oceano. ― Onde estamos?

Ao acordar, achei que tivesse amanhecido, mas agora eu


podia ver o Sol se pondo no horizonte.
― Na minha ilha. Lembra que lhe falei que ia trazer você aqui

algum dia? ― Colocou a comida no meu prato.


― Sua ilha? ― O lugar era claro e tão vibrante. ― Meu irmão
o deixou me trazer? Ele estava com raiva de você.

― Mereci isso, mas chegamos a um acordo. Nós dois


queremos que você seja feliz ― revelou, então se serviu da comida.
― Espero que a sua felicidade seja ao meu lado, assim como a

minha é estar com você.


― Você, para um mafioso, é muito romântico. ― Peguei os
talheres e comecei a comer.
Ele sorriu e se sentou em seu lugar.
― Isso é só com você ― afirmou.
― Não se preocupe, seu segredo estará seguro comigo ―

falei e suspirei. ― Tem mais alguma coisa que preciso saber? Algo
mais que aconteceu nessa viagem?
― Tipo o quê? ― Arqueou as sobrancelhas.

Eu não queria tocar naquele assunto, afinal não era o


momento, mas não queria ter esperança de ficarmos juntos se, no
final, descobrisse que ele havia ficado com outra mulher.

― Nada. ― Voltei a comer.


― Teremos que ditar algumas regras para o relacionamento
que teremos no futuro próximo, espero. Juro nunca mais esconder

nada de você e quero que me prometa o mesmo. Poder ser?


Assenti.

― Tudo bem. Eu só queria saber se você ficou com alguém


durante esse tempo que passou longe de mim. ― Temia a resposta,
mas precisava saber.

Ele riu.
― Acha que eu iria pensar nisso querendo matar os homens
que a perseguiam e com você machucada? ― Sacudiu a cabeça. ―

Não penso em mais ninguém além de você.


Achei bobagem minha ter pensado nele com outra. Rafaelle
não era desses, era um homem leal e fiel, e eu devia confiar nele.

Falamos sobre mais algumas coisas, e notei que ele não


tentou me beijar ou tocar. Acreditei que levou a ideia do tempo de
forma literal.

Mais tarde, quando fui me deitar, ele foi comigo.


― O que está fazendo?
― Vou dormir com você. Lembra que sugeriu isso naquele

dia? Estive treinando esse tempo todo para não correr o risco de
machucá-la, inclusive dormindo sem a faca. ― Suspirou. ― No
começo foi estranho.

Ele se sentou na cama e me olhou, parada ali em choque com


suas palavras.
― O que foi?

― Você mentiu sobre não ter estado com outra... ― Não


queria que minha voz saísse assim, quebrada.

Ele piscou.
― Não estive... ― Então arregalou os olhos com a realização
e ficou de pé. ― Merda, não é isso! Não dormi com nenhuma

mulher como pensa...


― Mas você disse...
― Dormi com Stefano. Ele viajou comigo, e lhe sugeri isso.
Confesso que meu irmão não gostou. ― Sacudiu a cabeça com o

esboço de um sorriso. ― Disse que ninguém podia saber, para não


diminuir a sua masculinidade.

Ri, e isso foi estranho; parecia uma eternidade que eu não o


fazia.
― Acho que nada tem esse poder, aquele garoto grita

testosterona pura. Torço para ele arrumar uma namorada com fibra
que o coloque na linha. ― Sentia falta dele e dos outros.
Mia, Jade e Luna me ligaram algumas vezes, mas não atendi a

maioria de seus telefonemas. Temia perguntar sobre Rafaelle.


― Verdade. ― Deitou-se na cama. ― Acho que ajudou. Nas
primeiras noites, eu acordava louco e agarrava o braço dele, às

vezes lhe dava socos.


― Gostaria de ter visto isso, não os socos, claro. ― Deitei-me
ao seu lado, mas não nos tocávamos.

― Queria lhe dizer que haverá uma próxima vez, mas não
acho que eu iria convencê-lo de novo. ― Fitou meus olhos. ―

Espero que dê certo entre nós dormindo assim, pois adoro seu
cheiro, sua voz, seu sorriso e até sua expressão quando fica com
raiva. Amo tudo em você. Aliás, amo você.
― Também o amo com cada fibra do meu ser e não quero

mais ficar longe de você, mas só preciso pensar um pouco, confiar


que não sairá por aí sem me dizer nada como já fez. ― Toquei de
leve a região de sua ferida. ― Podia ter acontecido algo a você, e

eu nem saberia.
Ele me puxou para o seu lado bom e beijou minha cabeça.

― Nunca mais farei isso, é uma promessa que cumprirei ―


jurou. ― Agora dorme um pouco. Não sairei do seu lado hora
nenhuma.

Ali, ouvindo suas promessas e as batidas do seu coração,


senti-me confortada. Mesmo que a dor da perda do meu pai nunca
passasse, Rafaelle estaria comigo para me ajudar a passar por isso,

e teríamos um futuro lindo e perfeito.


Capítulo 34

Mália

Durante o mês que se passou naquela ilha, senti-me nas

nuvens. Eu sabia que não seria diferente. Não estava preocupada

em ir embora, só queria ficar com Rafaelle. Aproveitei ao máximo


nossa estada naquele lugar, que era bonito, mágico, na verdade.

Toda noite eu dormia ao lado dele, que felizmente não tinha

mais pesadelos. Ele ficava comigo quando eu chorava pela perda e


saudade do meu pai e me consolava. Também me motivava a fazer

coisas que me deixassem entretida para não pensar no que fiz a


Tomaso. Confesso que algumas noites eu acordava gritando após

ter um pesadelo com meu tio pegando fogo. Rafaelle estava sempre

ao meu lado, dizendo-me palavras de conforto.


Eu sabia que ele só tinha ficado longe de mim para ir atrás dos

miseráveis que me perseguiam. Rafaelle era assim, fazia tudo por

aqueles que amava, mesmo se ferindo no processo. E, como ele


sabia que eu podia acabar me machucando ainda mais se fosse eu

mesma atrás deles, resolveu o problema. Eu o entendia agora, pois

faria o mesmo pelas pessoas que eu amava.


Porém sua falta de ação na cama estava me deixando tensa.

Só algumas vezes ele me tocava, e de maneira descontraída, como


no rosto, no braço. Às vezes me abraçava de lado para indicar algo,

ou pegava minha mão nas trilhas que fazíamos. O que eu sentia por

ele estava ainda mais forte, e sabia que estava pronta para dar o

passo adiante. Na verdade, sempre estive, mas ele não queria que

ficássemos enquanto houvesse segredos entre nós, e não havia

mais nenhum. Então resolvi dar esse passo.


Rafaelle iria surfar. Eu disse que iria logo atrás dele, mas fiquei

me preparando para a surpresa que lhe faria. Eu o tinha notado


ansioso e querendo a mesma coisa que eu, mas sabia que agora
era minha vez de agir, ou ficaríamos assim por muito tempo. Ele

estava me dando a chance de tomar a decisão, eu percebia isso.

Respirei fundo e saí do banheiro pronta. Era uma pena que eu

não tinha lingerie sexy ali, afinal foi Túlio que arrumou minhas

malas, e o menino só pegou o básico.

A cama estava ajeitada e arrumada para o que eu queria fazer.


Não estava nervosa, apenas ansiosa para ser completamente

daquele homem.

Ainda bem que tanto seu ombro quanto a ferida em seu

abdome estavam curados. Dei graças a Deus por esse tiro ter sido

de raspão, e, durante esse mês em sua ilha, obriguei-o a fazer

repouso.

Espiei pela janela, vendo aquela perfeição seguir para casa.


Usava uma sunga, dando-me muito o que cobiçar. Sentia falta do

seu toque, de tudo nele.

― Mália, te esperei para mais aulas, mas não apareceu ―

ouvi sua voz vinda da sala.

Ele tinha tentado me ensinar a surfar novamente, mas isso não

era para mim. As ondas me jogavam longe da prancha. O chão


firme e o rinque de patinação eram a minha praia.
Falando em patinação, fui convidada a participar de um

campeonato em Milão em alguns meses, mas estava tão absorta


com tudo que aconteceu que não respondi, mas mandei um e-mail

na última semana confirmando minha presença.


― Acho que meu dom é patinar ― falei alto para que ele me
ouvisse.

― O dia está lindo, o que faz no quarto? ― Tinha algo em sua


voz, parecia saudade. Seria dos momentos que vivemos juntos em

quartos no passado?
Ele abriu a porta e entrou, mas travou, arregalando os olhos.

― O que podemos fazer aqui? Isso vai depender de você ―


falei, tirando o roupão e ficando nua à sua frente.
Seus olhos vagaram por cada centímetro do meu corpo,

incluindo a cicatriz, mas não vi nada menos que desejo ali.


― A cicatriz... Se ela for... feia para você, acho que eu poderia

ajeitá-la, mas você tem várias, e não ligo para nenhuma. Por isso
achei que também não se incomodaria com a minha...

Ele me olhou parecendo sair do seu transe e veio até onde eu


estava.
― Não me importo, contanto que você se sinta bem.
Aquele homem era perfeito para mim, adorava-me, assim

como eu a ele.
― Que bom. Não ligo, não sou uma boneca de porcelana com

a pele perfeita, sou alguém que quer estar à sua altura e ao seu
lado agora e sempre. ― Toquei seu peito na altura da cicatriz e me

aproximei, beijando o local. Sua respiração travou. ― Eu amo tudo


em você, seu corpo, sua pele, seu sorriso. ― Fitei-o. ― Agora não
temos mais segredos. Quero você.

Tocou meu rosto.


― Tem certeza? Não quero que faça nada para o qual não

esteja pronta...
Eu ri.
― Juro, se eu dormir mais uma noite perto disso ― indiquei o

seu corpo lindo e tatuado ―, vou surtar e atacar você durante a


noite como uma maníaca.

Ele riu, beijando meu rosto. Juro que o senti em cada parte do
meu corpo. Tudo ganhou vida.

― Só estava lhe dando seu tempo ― sussurrou. ― Embora eu


fosse adorar vê-la me atacando.
― Agradeço-lhe por isso, mas agora preciso de você. ―

Encontrei seus olhos. ― Eu o amo e sempre vou amar. Quero ter


uma vida ao seu lado e até ter um filho homem com você, embora
não agora, algo que nem me passava pela cabeça.
― Por que não queria ter um menino? ― sondou parecendo

curioso.
― A vida na máfia é um tanto pesada, bem como a sina dos

garotos, a criação deles ― respondi, suspirando. ― Mas sei que, se


tivermos um, você irá amá-lo e protegê-lo sempre, não tenho
dúvidas quanto a isso, o que me faz aceitar a ideia de ter um... um

dia.
― Eu protegerei qualquer filho nosso, assim como faço com

meus irmãos e você ― declarou.


― Eu sei, mas agora vamos parar de falar em filhos, porque

nem chegamos à segunda base ainda para fazer um. ― Fiquei na


ponta dos pés e o beijei.
― Acho que preciso resolver isso então, né? ― Rafaelle

passou os braços em minha cintura e me apertou junto ao seu


corpo, retribuindo o beijo de forma faminta. Sua doçura me encheu

com tanto fogo que achei que explodiria.


Senti minhas costas no colchão, enquanto ele pairava sobre
mim. Podia sentir sua necessidade entre minhas pernas, e as abri

para facilitar o acesso a ele.


― Estava morrendo de saudades do seu toque ― sussurrei
em sua boca.
― A vida é tão prazerosa com seu cheiro, seu toque, sua

risada e seu amor que não consigo vê-la mis sem você ― sussurrou
na minha pele.

Sentia-me deitada sobre brasas, mas de uma forma boa e


prazerosa. Queria mais dele, mas esse não parecia seu plano.
― Rafaelle...

Afastou-se com um sorriso.

― Preciso pegar algo no outro quarto, já volto ― disse, saindo


de cima de mim e ficando de pé. Sua respiração estava irregular,

assim como a minha.

― Não acredito que vai me deixar aqui dessa forma! ―

critiquei, pegando o roupão e tentando me cobrir.


Ele veio até mim, pegando a peça e a jogando longe.

― A quero nua. ― Abaixou-se e roçou os lábios de leve nos

meus, que ansiavam por mais dos dele. ― Só peço que feche os
olhos para não estragar a surpresa.

― Surpresa? Acha que é hora para isso? ― Bufei, mas fiz o

que pediu.
― Sim, é algo que não pode esperar. Agora peço que não os

abra até eu pedir.


Assenti muda, então o ouvi abrir a porta e depois nada. Fiquei

tentada a descobrir o que era, mas fiz o que me pediu e esperei.

Não demorou muito para ele voltar, ouvi seus passos no piso.
― Pode abrir os olhos agora ― pediu parecendo nervoso.

Eu o fiz e ofeguei. Rafaelle estava prostrado em um joelho

segurando um anel.

― Se vamos ter uma vida juntos, acho melhor fazer meu


pedido antes, é o correto. ― Respirou fundo, ansioso. ― Eu nunca

acreditei em almas gêmeas, mas, quando a vejo ao meu lado,

penso que tudo é possível. Você me faz entender o verdadeiro


significado do amor. Amo-a com todo o meu ser. Deseja ser minha

esposa no nosso “felizes para sempre”? Prometo amá-la, respeitá-la

e adorá-la e nunca lhe esconder nada. Juro que passarei a vida toda
tentando fazê-la feliz.

Fiquei ali de boca aberta, pensando que pudesse estar

sonhando.

― Sou muito grata a Deus por tê-lo conhecido, Rafaelle. Sei


que, ao seu lado, sou mais feliz e mais completa. ― Fiquei de pé à

sua frente. Seus olhos eram pura emoção. ― Eu me casaria com


você mil vezes se fosse possível. Você é o amor da minha vida, tudo

o que eu sempre sonhei!

Ele ficou de pé e colocou o anel no meu dedo. A pedra era em


corte princesa, tão perfeita. Era melhor do que eu sonhava quando

me apaixonasse.

― Desde quando o tem? Não me lembro de você ter saído

daqui nesse mês ― murmurei meio abobada, mas realizada.


― Antes de você se ferir ― comentou, checando o anel no

meu dedo. ― Estava pensando em pedir sua mão após lhe revelar

tudo. Confiava que me perdoasse por eu não lhe ter dito nada.
Eu não queria pensar nisso naquele momento, só no futuro

que teríamos juntos.

― Ficou lindo em você. ― Beijou-me com ternura e amor a

princípio, mas eu estava muito faminta por ele. A saudade que


sentia era demais.

Deitei-me de volta na cama com ele pairando em cima de mim,

mas nunca deixando meus lábios.


Gemi tamanho era o desejo que esse homem me causava.

Cada parte de mim vibrava com necessidade dele. Levei minhas

mãos à sua sunga, mas ele se afastou. Antes que eu protestasse,

abocanhou meu peito e sugou o bico. A outra mão deslizou entre


minhas pernas, e o senti em meu clitóris, fazendo meu corpo

arquear. Minhas mãos estavam em suas costas, apertando-o mais


contra mim.

Afastou a boca um segundo só para sussurrar em meu ouvido:

― Vou enlanguescer você com a mão. ― Mordiscou minha


orelha.

Eu não conseguia falar, então só assenti, apreciando a

sensação do seu toque.

Voltou a devorar meus seios com tanto vigor que gritei. Um dos
seus dedos entrou em mim, deixando-me desconfortável, mas ele

circulou meu clitóris, fazendo-me ser tomada por uma corrente

elétrica. Antes que eu desfrutasse mais dessa sensação


maravilhosa, senti outro dedo.

Fechei os olhos, saboreando esse fogo que me consumia

como se eu estivesse prestes a explodir. Seus dedos começaram a

se mexer dentro de mim, então fui levada a um mundo brilhante


como as estrelas. Explodi gritando seu nome no êxtase do meu

prazer.

Antes que eu pudesse me recuperar, Rafaelle se abaixou e


abriu minhas pernas.
― Tão brilhante e suculenta... Estava morrendo de vontade

dela. ― Senti seu hálito no meu sexo, que começou a latejar de

novo.

Abri meus olhos bem a tempo de ver sua boca se apossar de


mim, levando-me quase a desfalecer. Uma pessoa pode morrer ao

gozar? Não sei, mas a sensação de ir para o céu em um segundo e

flutuar estava ali. Não era nossa primeira vez com sexo oral, mas eu
não soube se era porque fazia tempo que não fazíamos, a minha

súplica por ele foi ao auge, bem como o clímax.

― Cada som que você solta é música para os meus ouvidos

― confessou, trilhando beijos suaves em minha barriga e foi


subindo até que parou na minha cicatriz, beijando-a de leve. ―

Perfeita. Amo cada parte sua.

Meu coração se aqueceu com suas palavras.


― Se as pessoas soubessem o quão romântico você é, acho

que teria que chutar algumas bundas para se provar. ― Coloquei

meus braços em volta de seu pescoço.

Ele riu e se esticou, pegando um preservativo. Ficou de joelhos


na minha frente, agora completamente nu.

― Lindo... ― Trisquei sua cabeça rosada, de onde saía um

pouco de pré-sêmen. Coloquei o dedo na boca, provando-o. Isso


escureceu seus olhos azuis. ― Gostoso.

― Quer um pouco do meu pau? ― Ele o trouxe até meus


lábios assim que assenti.

Lambi a coroa dele com um gemido e o tomei mais fundo na

boca. Sua mão veio para minha cabeça, mas não me obrigou a

receber mais dele do que eu conseguia.


― Merda, desse jeito vou gozar antes de comer sua boceta ―

rosnou e se afastou, colocando o preservativo, depois se posicionou

entre minhas pernas. ― Vou com calma, tá?


― Confio em você ― declarei.

Ele me beijou, e em poucos segundos eu já ardia de desejo de

novo, as nossas bocas unidas, as línguas fazendo uma dança


erótica, mostrando aos dois o quanto precisávamos um do outro.

A necessidade de senti-lo mais me fez abrir mais as pernas,

quadril contra quadril. Pude sentir sua ereção, que vibrava contra o

meu sexo latejante.


Prendi a respiração quando a cabeça entrou, então ele parou,

tenso.

― Não precisa parar, continua ― pedi, respirando fundo.


― Se machucar, você me avisa? ― pediu.
― Não vai me ferir, confio em você. ― Beijei sua boca,
confirmando minhas palavras.

Com meus beijos, ele relaxou e começou a adentrar em mim.

Mesmo com o desconforto no início, nada mudou a minha vontade


por ele. Na verdade, só aumentou, principalmente quando seus

dedos triscaram meu clitóris, levando-me ao limite. Foi quando ele

entrou todo em mim. Minhas unhas estavam em suas costas,


apertando-o mais contra meu corpo.

― Diga quando eu puder me mover ― sussurrou, mordiscando

meu pescoço e acelerando seus dedos.

A dor tinha se evaporado, ele era tão carinhoso que ela logo
passou, e fui arrebatada pelo prazer.

― Você pode ― informei, remexendo-me na cama, fazendo-o

entrar ainda mais em meu interior. ― Tão lindo e maravilhoso!


Ele voltou a me beijar e passou a se mover com ternura e

amor. Nesse momento agradeci aos Céus por tê-lo conhecido e por
ele fazer parte da minha vida.
Nunca tinha me sentido mais realizada do que naquele

instante, quando nos encaixamos em um só, quando nos amamos e


saciamos. Sim, definitivamente eu me sentia realizada em todos os
sentidos e extremamente feliz porque logo seria sua esposa. O
êxtase se apossou do meu ser a cada estocada dele, que me levou
às nuvens... Completa, aquele homem me fazia sentir assim.
Rafaelle beijou minhas pálpebras, fazendo-me piscar após

gozar junto a ele.


― Não achei que pudesse ser mais feliz que agora. ― Beijou
meu rosto. ― Vamos criar uma história juntos.

Sorri.
― Já o fizemos. Acho que teremos muitas coisas a contar a
nossos filhos um dia.

― É bom sempre ter mais ― comentou, levantando-se e


livrando-se do preservativo.
― Você veio preparado. ― Indiquei a camisinha.

― Tinha esperança de que não ficaria com as bolas azuis por


muito mais tempo. ― Deitou-se novamente, puxando-me para seus
braços.

Eu ri.
― Ainda bem que cuidei delas, não é?

Riu baixinho, o som sacudindo seu peito.


― Sou grato por isso. ― Alisou meu baixo-ventre, perto da
cicatriz. ― Amo-a muito e me sinto completamente feliz por você ter

aceitado se casar comigo.


― Obrigada por tudo, meu amor. Tudo que faz é me realizar ―
declarei. ― Sei que passamos por muito, mas tenho uma certeza:
estaremos sempre juntos e seremos felizes.

Com Rafaelle e Mariano ao meu lado, eu superaria a perda do


meu pai, ou ao menos aprenderia a lidar com ela. Papai e mamãe

gostariam de me ver feliz. Era justamente isso que eu faria.


Capítulo 35

Quatro meses depois

Mália

Era para meu casamento com Rafaelle ter acontecido mais


cedo. Entretanto, como eu tinha que participar de um torneio de

dança, decidimos que primeiro eu focaria em treinar durante alguns


meses, assim não perderia o grande dia da minha competição. Em

poucos dias, iríamos nos casar.


As arquibancadas em torno da pista de patinação estavam

lotadas. Isso me deu um frio na barriga, mas Rafaelle estava ali

comigo.
Virei a cabeça na direção onde ele se encontrava, e seu

sorriso era lindo. Aquele homem me fazia amá-lo a cada dia mais. O

apoio que me dava para seguir meu sonho me fazia querer beijá-lo
ali mesmo. Era uma pena que tivesse uma multidão entre nós.

“Eu te amo”. Mexi meus lábios em sua direção. Desenhei um

coração imaginário e o enviei para ele.


Stefano, que estava ao lado dele, deu um tapa em seu ombro

e disse algo, mas Rafaelle não pareceu ligar; sua atenção estava
em mim.

Toda a família dele estava ali, apoiando-me, como também o

meu irmão. Agora sua família seria a minha também. Eu adorava

cada uma das meninas e as crianças. Graziela era uma luz brilhante

que trazia uma imensa alegria à casa dos Morellis.

Eu estava muito feliz por ter mais pessoas na minha vida. Só


queria que meus pais estivessem ali também, para ver aonde

cheguei.
― Vamos começar com Amália González, uma brilhante
patinadora. ― A voz do locutor do evento esportivo soou pelo alto-

falante, trazendo-me de volta àquele momento. ― Com a música

Despacito para sua apresentação artística.

Respirei fundo, entrando no rinque de patinação, e encontrei

os olhos do meu noivo, em breve marido. Essa música combinava

perfeitamente conosco. Ele sorriu e assentiu, como se estivesse


estimulando-me a ir fundo. Quando eu treinava, sempre fazia a

mesma coisa.

Fiz um solo na entrada e me deixei ir ao balanço da canção,

sentindo-me a princípio ansiosa, depois relaxada. Cada salto, giro e

passo que eu fazia levava as pessoas na plateia à loucura. Isso me

trouxe alívio, significava que eu estava indo bem.

Sentia que meus pais ficariam felizes por eu ter chegado até ali
e ter capacidade de ir mais além. O meu sonho de fazer o que eu

amava com minha família ao meu lado era fenomenal.

Fiz um sit spin, sentando-me sobre o meu pé de apoio e

deixando a outra perna esticada à frente, seguido por um cammel,

fazendo uma linha horizontal com o corpo e a perna livre.

Fechei os olhos um segundo e me elevei, pegando uma das


minhas pernas, fazendo uma pirueta seguida por um salto em giro
de quatro voltas.

Gritos invadiram o lugar, deixando-me inebriada.


― Fenomenal! ― o locutor disse. ― Uma mulher com uma

carreira brilhante, vejo isso pela frente.


Eu fazia aulas desde criança, por isso tinha um alto nível, mas
ainda poderia crescer muito mais em minha carreira. Chegaria lá um

dia.
Após minha apresentação, houve muitas outras. Ao final, saiu

o veredito. Eu estava ansiosa e custei a acreditar que conquistei o


primeiro lugar. Na hora me segurei para não gritar na frente de

todos.
Um garotinho veio me entregar um buquê, e, após isso, fui até
minha família.

― Maninha, você foi maravilhosa! ― disse Mariano,


abraçando-me.

― Obrigada! ― Estava extasiada. ― Fico feliz que tenha vindo


aqui.

― Não perderia por nada no mundo.


Afastei-me e olhei para os outros ali.
― A vocês também, agradeço-lhes por estarem aqui.

― Quem dera eu dançasse assim. ― Luna piscou, sorrindo.


― Tia, um dia dançarei como você, mas no balé ― falou

Graziela ao lado dos pais.


― Vai com essa garra, querida. ― Beijei seu rosto. ―

Estaremos lá gritando e torcendo por você.


Com isso, ela sorriu.

― Realmente adorei tudo. ― Mia me abraçou também, e


assim fizeram Jade e Luna.
― Parabéns ― elogiou-me Alessandro.

Dos irmãos de Rafaelle, eu me dava melhor com Stefano. Não


sei se era por ele ser extrovertido, diferentemente de Alessandro,

que era muito sério, o rosto sempre parecendo esculpido em gelo.


Eu só via alguma emoção nele quando falava com suas irmãs,
Graziela e Mia. Porém era gente boa.

― Você dança muito bem, cunhada ― afirmou Stefano,


aproximando-se de mim. ― Aqueles giros e essas roupas são sexy,

você daria uma boa dançarina no poste. ― Eu estava com um


vestido curtíssimo branco e maiô com uma meia-calça por baixo. ―

Ai... ― Stefano grunhiu quando Rafaelle deu um tapa na cabeça


dele como se fosse uma criança malcriada.
― Veja como fala da minha mulher. ― Não parecia uma

repreensão em tudo. Rafaelle conhecia o irmão que tinha e confiava


nele. Colocou seu blazer nos meus ombros e me ajudou a vesti-lo,
afinal estava frio.
― Estava só apontando o óbvio ― Stefano falou na defensiva,

encarando seu irmão, depois sorriu para mim. ― Respeito você, a


tenho como uma irmã, assim como a Mia, mas sou daquele tipo que

acha que o que é bonito é para se mostrar.


Rafaelle revirou os olhos e me abraçou.
― O único que me verá dançando da forma que você sugeriu

é o meu noivo ― afirmei com orgulho.


― Foi magnífica na pista de gelo. ― Meu homem beijou meus

lábios, e me esqueci de todos ao meu redor.


Com ele nos meus braços e todos que eu amava ali, ao nosso

redor, eu me sentia vibrante. Não achei que pudesse ser feliz dessa
forma.
Após me trocar, despedi-me de todos e fui embora com

Rafaelle para o seu loft. Ainda recordava quando tinha ido lá na


outra vez. Contudo, nesse dia, não íamos mais para revelar

segredos. Eu só precisava estar com esse homem e amá-lo. Nunca


me cansaria, na verdade, almejava-o cada dia mais.
Rafaelle me prensou na parede assim que entramos na sala e

devorou minha boca.


― Não sabe a vontade que senti de foder você ao vê-la
dançar. ― Escorou seu pau em mim. ― Está sentindo como estou
duro?

Eu também estava me sentindo assim, excitada, úmida por


causa da fricção daquele corpo másculo e sólido contra o meu. Seu

cheiro me inebriava, estava ficando cada vez mais difícil de me


conter. A vontade de senti-lo dentro de mim era esmagadora. Porém
precisava fazer o que planejei para aquele dia. Afastei-me de sua

boca.

― Tenho uma surpresa para você ― sussurrei em seu ouvido.


Ele beijou meu pescoço, deixando-me sem fôlego.

― Não pode ser depois? Agora desejo outra coisa. ― Sua voz

estava rouca.

― Eu também, mas agora vem comigo. ― Peguei sua mão e o


puxei para o quarto.

Tinha pedido para Jade e Luna deixarem tudo arrumado para

mim. Elas não queriam, porque era algo muito pessoal, mas o
fizeram por mim. Agradecia a elas.

Assim que entramos no cômodo, ele parou, encarando o lugar.

― Achei que pudéssemos usar essas coisas. Lembro-me da


vez que cobriu meus olhos. A sensação foi de outro mundo. Acho
que você gosta disso, então, para nosso casamento não ser só

“papai e mamãe” e você acabar enjoando, acredito que podemos


apimentar a relação. ― Quando ele cobriu meus olhos na ilha, na

primeira vez que desceu a boca em mim, eu sabia que ele gostava

desse tipo de sexo. No fundo, eu também.


Ele examinou o lugar, onde tinham algemas na cabeceira da

cama e nos pés. Em cima da cama, havia uma venda, um chicote

de montaria, óleo de massagem erótica e vibradores. Voltou a olhar

para mim.
― Acha que nosso casamento perderia a graça se não

fizéssemos isso?

― Na verdade, não, mas eu iria gostar de ser algemada por


você. ― Toquei seu peito. ― Tudo com você é prazeroso demais.

Quero muito fazer isso.

― Se você deseja, então vamos fazer. ― Tocou meu rosto. ―


Mas nunca pense que irei enjoar de você na cama ou fora dela, e

sabe por quê?

― Eu sei. Você me ama, e vale o mesmo para mim, o amo

com cada fibra do meu ser. ― Fiquei na ponta dos pés. ― Agora
vamos ver o quanto você é bom com um chicote.

Ele riu.
― Ao contrário do que imagina, nunca fiz isso antes, mas vou

adorar cada segundo. ― Desabotoou o meu vestido, deixando-me

só de sutiã e calcinha.
― Gostei de saber disso. ― Ofeguei quando ele me empurrou

com delicadeza na cama e montou em mim, mas não colocou seu

peso.

― Levante os braços. ― Fiz o que pediu. ― Agora vou


algemá-la.

Ele o fez com os dois braços e abaixou a cabeça, beijando a

ponta do meu nariz.


― Agora está presa. ― Beijou meus lábios e trilhou caminho

abaixo rumo ao pescoço e entre o vale dos meus seios.

Eu tremia com a necessidade e arfava de modo irregular.

― Rafaelle, meu corpo está pegando fogo... ― sussurrei,


arqueando-me, querendo mais do seu toque.

Ele não disse nada, mas esboçou um sorriso sexy, trilhando

seus lábios pela minha barriga, virilha e sobre minha calcinha. Por
instinto, abri minhas pernas.

― Sinto o cheiro do seu sexo. Ele grita por mim. ― Depositou

um pequeno beijo ali.

― Então faz alguma coisa! ― consegui falar.


Ele riu. Juro que sua risada fez meu corpo vibrar ainda mais do

que antes.
― Não era você que queria assim? Agora vamos jogar, minha

pequena. ― Afastou-se, mas não prendeu minhas pernas. Começou

a tirar suas roupas.


Mordi o lábio inferior, querendo provar cada gominho daquela

barriga tanquinho e o lugar ao sul dali.

― Quer o meu pau na sua boca? Porque está olhando para

ele de modo faminto. ― Aproximou-se com seu pênis ereto e


pronto.

― Realmente estou faminta ― revelei. ― Me deixe prová-lo

um pouco.
Sacudiu a cabeça.

― Não agora; se você fizer isso, vou gozar antes da hora. ―

Pegou a venda e cobriu meus olhos. Logo depois seus lábios

roçaram os meus de leve, mas, antes que eu aproveitasse mais, ele


se afastou. Senti uma lâmina fria em minha pele e fiquei tensa. ―

Confia em mim?

― Com a minha vida ― afirmei de prontidão. Relaxei, ou


tentei, pois me sentia quente, quase derretendo.
Meu sutiã foi embora, seguido pela calcinha, cortadas pela

lâmina afiada de sua faca.

― Aqui está latejando? ― Um dos dedos dele entrou em mim.

― Demais! ― Minha voz falhou quando ele derramou o óleo


aromatizado em minha pele. ― Oh, isso é bom...

― Sim? Vamos torná-lo melhor. ― Esfregou o líquido nos

meus seios.
Senti sua língua em meu peito, que ele mordiscou, fazendo-me

gemer. Enquanto isso, dois dedos seus trabalhavam em mim.

Fazer amor com Rafaelle era perfeito, mas foder também era.

A forma como seu toque se apossava do meu corpo me levava à


loucura.

Sua boca desceu pela minha barriga, fazendo-me remexer

como uma lagarta na areia quente.


― Não prendi seus pés porque preciso de suas pernas bem

abertas para eu sugar meu sabor preferido.

Tremi com sua boca em minha boceta.

― Rafaelle... ― Não sabia o que estava pedindo, só queria


que aquele desejo fosse saciado.

Ofeguei quando senti uma batida de leve com o chicote em

minha boceta.
― Oh, merda! ― gritei, arqueando o corpo. Logo estaria

voando. Juro que quase gozei com esse gesto.


― Gostou? ― Notei um sorriso em sua voz, mas estava

inebriada demais com tamanhas sensações.

Assenti, pois não acreditava que conseguisse falar, não da

forma que meu corpo reagiu a sexo daquele tipo. Tinha ouvido falar
que era bom, mas não imaginava que fosse tanto.

― Aqui, vendo esse líquido de excitação escorregar entre os

lábios de sua boceta, posso dizer que nunca presenciei coisa mais
linda que isso. É um desperdício deixar cair no lençol, é melhor eu

saborear e engolir tudo. ― Então sua boca caiu em mim, levando-

me ao desvario.
― Porra, isso é saboroso demais! ― Sua língua dançava em

cada canto das paredes do meu sexo.

Coloquei minhas pernas em torno de sua cabeça na tentativa

de ter mais dele, e logo em seguida ele me deu. Seus dentes


roçaram meu clitóris de leve, e gritei e tentei levar minhas mãos à

sua cabeça, mas as algemas me atrapalharam.

O meu prazer foi ao auge, quando senti que estava voando no


espaço cósmico.
― Goza, meu amor. ― Rodou sua língua em meu clitóris, e
flutuei mais ainda.

Antes que eu recuperasse o fôlego, ele estava dentro de mim,

fodendo-me duro. Cada estocada que dava me levava perto da


borda novamente. Minhas pernas se envolveram ao seu redor,

fazendo com que ele entrasse mais fundo em meu corpo.

― Você é apertada demais... Sinto suas paredes espremendo


meu pau. ― Sua boca tomou a minha e a devorou, faminto,

conforme ele acelerava seus movimentos.

Por mais que tivéssemos um do outro, não parecia ser o

suficiente. Rafaelle sempre me fazia querer mais dele.


Colocou uma das mãos entre nós e esfregou meu clitóris. Fui

possuída por um orgasmo arrebatador.

― Apertada demais... ― Acelerou mais os movimentos e


gozou logo atrás de mim.

Ficamos ali um tempo, arfando. Ele tirou as algemas e a


venda. Pisquei muito, acostumando-me à claridade e sorrindo.
― Adorei isso. Podemos fazer mais vezes? ― sondei,

beijando seu peito.


― Quando quiser. ― Beijou minha testa. ― Quer tomar um
banho?
Assenti, e fomos para o banheiro. Assim que terminamos,
retornamos ao quarto.
― Me deu fome após essa nossa animação ― sussurrei.

― Vou trazer algo para você comer. Pode descansar um pouco


― sugeriu, beijando minha testa e se levantando.
― Sabia que você vai ser o marido mais perfeito do mundo?!

― gritei, pois ele já tinha saído do quarto.


Ele apareceu na porta e sorriu.
― Você é a mulher mais linda e perfeita do mundo. Sou grato

todo dia por me amar da mesma forma que eu o faço ― declarou e


piscou. ― E, para garantir que continue assim, vou alimentá-la
agora.

Rafaelle foi para a cozinha, deixando-me ali, emocionada.


Nunca me cansaria daquilo. Sentia-me plena vivendo aquela
felicidade ao lado dele.
Epílogo

Rafaelle

O dia seguinte seria o grande dia, quando Mália seria minha

para sempre. Não me lembrava de me sentir mais ansioso do que

então. O casamento seria na igreja, e a festa, no salão dela, assim


não precisaríamos nos locomover para outro lugar. Eu sentia falta

de ter Mália comigo na mansão. Como agora ela era minha noiva,

não apenas minha protegida, estava vivendo no nosso hotel no


Centro, bem como seus guarda-costas, tanto de minha parte quanto

do irmão dela. Não a levei para minha casa para não haver fofocas
sobre nós e eu ter que matar alguém tão próximo ao nosso

casamento.

― Está preparado para amanhã? ― sondou Stefano, ao meu


lado na cozinha da mansão. ― Já leu a carta de nossa mãe?

― Nunca estive mais ansioso ― falei, virando-me para ele. ―

Ainda não li. Vou ver se faço isso depois. Confesso que estou
temeroso de ler e descobrir algo mais.

― Será? ― Suspirou. ― Não acho que tenha mais nenhum

segredo. Assim espero. Estou farto de tantas descobertas de tudo


que aconteceu com ela.

― Estive por tanto tempo caçando Paolo que ainda custo a


acreditar que ela o amava de verdade. ― Paolo tinha morrido algum

tempo antes. Fomos ao seu enterro, para o qual fomos convidados.

― Ao menos ele a fez feliz por um tempo, não é? ― Sua voz

estava um tanto tenebrosa.

Depois do tempo que passamos juntos, notei que tinha algo

mais sombrio em Stefano. Isso estava me preocupando. Cheguei


até a comentar com Alessandro sobre o assunto uma noite.

― Stefano...
Ele me fitou. Vi em sua expressão o tormento vivo que o
consumia.

― Tenho que sair. ― Foi na direção da porta.

― Onde quer que vá, isso que o está destruindo não vai

passar ― avisei com um suspiro.

― Gosto de sentir isso, pois é a única forma de ser castigado

por Marco ter machucado nossa mãe por minha causa ― informou e
saiu porta afora.

― Porra! ― praguejei.

― O que foi? ― perguntou Alessandro, entrando na cozinha

alguns minutos depois. ― Stefano saiu quase arrancando o portão.

― Ele descobriu algo. No mesmo dia em que eu estava

acamado após Marco quase me matar, ele o enfrentou e desmaiou

devido a uma surra do nosso pai. ― Respirei fundo. ― Ele se


lembrou que mamãe estava acamada quando ele acordou e

descobriu que ela o protegeu como fez comigo. Stefano achava que

ela tinha ficado doente, ainda era pequeno na época, mas agora

juntou as peças, após saber o que aconteceu comigo. Acho que foi

por isso que mamãe me pediu segredo.

― Maldição! ― exclamou Alessandro. ― Espero que ele não


faça nenhuma besteira. Por isso anda participando tanto de lutas
clandestinas.

Ouvi dizer que todos que lutavam com ele não sobreviviam.
Isso estava passando dos limites. Ele escolhia os lutadores com

caráter da pior espécie para disputar, sabendo que sua morte não
faria falta a ninguém.
― Stefano tinha nossa mãe como algo intocado, mesmo

sabendo do que Marco fazia com ela. Acho que a ideia de que ela
foi machucada por causa dele o está matando. ― Sacudi a cabeça.

― Vou falar com ele ― disse Alessandro. ― Acho que está na


hora de colocar os planos que fiz com Fabrizio em ação. Talvez no

final isso possa ajudar Stefano.


Alessandro tinha sugerido, para que a aliança entre nossas
famílias ficasse mais forte, que houvesse um casamento entre

Stefano e Belinda.
― Vai contar ao Stefano? ― perguntei.

Alessandro riu sem humor.


― Se eu contar algo assim, ele é capaz de fazer alguma

besteira e sumir. Tenho outra ideia. Melhor assim, ainda mais depois
de ver seu humor recente. ― Deu um suspiro duro. ― Vou mandá-lo
ficar um tempo com os Castilhos usando como desculpa que quero
checar se devo ou não continuar com a aliança com a máfia

Pacheco.
― O que isso beneficiaria a ele e a garota? Se Stefano tentar

algo com ela...


― A menina rejeitou sete compromissos, e os irmãos não vão

a obrigar a se casar sem que ela queira, o que é correto, então vou
colocar Stefano lá, perto dela, afinal ele ficou encantado na última
vez que a viu. Sei que ele não a tocará se a menina não quiser, e,

pelo pouco que sei dela, não parece cair aos pés dele. ― Meu irmão
bufou. ― Talvez, com a convivência, eles acabem gostando um do

outro.
― Quando teve essa ideia?
― Na verdade, Fabrizio a teve, algumas semanas atrás.

Apenas fiquei de pensar, mas acho que ele tem razão. O que acha?
― Eles parecem ter o mesmo gênio, não acho que vão dar o

braço a torcer. Stefano é uma força da natureza, mas pode dar


certo. Vamos esperar e torcer para ele não fazer besteira e assim

não tenhamos que atacar as instalações dos Pachecos para


resgatá-lo. ― Esperava que desse certo, pois, se meu irmão tivesse
alguém ao seu lado, as coisas podiam ser diferentes. Uma mulher

podia ajudá-lo no que tanto o atormentava, porque eu sabia que não


era só o assunto sobre nossa mãe, devia ter algo a mais que ele
não tinha nos contado.
― Também espero. Vou ligar para Fabrizio e dizer que, após o

seu casamento, Stefano vai ficar com eles por um tempo, mas
nosso irmão não pode saber de nada do plano.

Assenti. Se Stefano soubesse, não iria nem sob as ordens de


Alessandro.
― Ah, a Mália chegou. Está no seu quarto. Parece que

esqueceu algo que tem que levar ao hotel. ― Meu irmão foi ao seu
escritório, enquanto subi as escadas à procura dela.

Quando entrei no quarto, eu a vi de pé perto da mesinha de


cabeceira com um envelope na mão, um que eu conhecia muito

bem.
― Minha mãe deixou essa carta para eu abri-la no dia do meu
casamento. Te falei sobre ela ― comentei, fechando a porta e me

escorando nela.
Olhou-me.

― Lembro-me de você mencionar isso. Desculpe, não queria


ser intrometida e mexer nela, só vim pegar...
― Está tudo bem, você pode revirar tudo aqui, não ligo. Sou

um livro aberto para você. ― Era verdade, não escondia mais nada
dela. Fui até Mália e a beijei nos lábios de leve.
― Sente curiosidade para saber o que está escrito? ―
sondou, entregando-me a carta.

― Sim. Estava pensando em abri-la logo, afinal vamos nos


casar amanhã. ― Avaliei o envelope e respirei fundo.

Sentei-me na cama. Ela se acomodou ao meu lado.


― Abra, por favor ― pediu Mália, segurando minha mão e a
apertando delicadamente. ― Leve seu tempo.

― Sempre quis saber o teor do que estava dentro dela.

Abrimos a de Jade e a do Alessandro e depois a da Luna, que me


deixou desorientado por um tempo e me levou a ser preso pelo seu

irmão ― falei com o coração na mão. ― E se ela deixou escrito aqui

algo que...

― Não creio nisso, afinal Paolo teria dito algo, não é?


― Acredito que sim. Sinto-me feliz por ter algo que ela nos

deixou. Pode ser uma coisa simples, como essa carta, mas é tudo

para mim ― sussurrei.


― Eu não conhecia sua mãe, mas, seja o que for que estiver

escrito aí, são coisas importantes, para ela ter deixado cartas a

vocês cinco. Com certeza os amava demais. ― Mália alisava minha


mão, que segurava.
― Eu sei. Ela desistiu do seu amor por nós. ― Meu coração se

encolheu por saber que éramos a causa de ela não ter sido feliz
quando teve a chance.

― Vai dar certo, estarei aqui ao seu lado para sempre, meu

amor. ― Beijou minha bochecha.


― Você me dá forças para superar tudo.

Queria algo assim para o Stefano também. Esperava que um

dia encontrasse a felicidade ao lado de alguém que o amasse,

assim como Alessandro e eu encontramos.


Abri o envelope, retirei a carta e a segurei para nós dois a

lermos.

Rafaelle, meu querido,

Você é meu menino que faz o que pode e até o que não está
ao seu alcance por todos. A forma como protege os seus me faz

sentir uma mãe orgulhosa. Amo isso em você, mas precisa viver um

pouco para si mesmo.

Se está lendo essa carta, é porque viveu e achou a pessoa


certa para estar ao seu lado. Meu amor, espero que ela te ame
muito e entenda esse lado seu, esse que ajuda as pessoas mesmo

não as conhecendo, que não liga de sair machucado no processo.

Eu queria ter impedido muitas coisas que seu pai fez, inclusive
tirar a culpa que você sente por aquela noite. Meu menino precioso,

nada daquilo foi sua culpa.

Espero que essa pessoa ao seu lado o tenha feito enxergar

isso, já que eu não pude. É isso que pais descentes fazem, eles
protegem os filhos e os amam verdadeiramente até seu último

fôlego de vida.

A dor que senti quando você desmaiou naquele dia... Vi sua


impotência e medo de não me salvar escrita em seus olhos, mas

não cabe aos filhos salvar os pais; é o contrário. Eu fiz isso e

continuaria fazendo tudo por amor a vocês cinco.

Sinto-me tão impotente por não conseguir lutar mais por vocês,
por partir antes que realmente fossem livres do seu pai. Desejo que

Alessandro já esteja no poder e que tudo tenha mudado, pois sei

que ele será um capo brilhante.


Ficar doente é difícil. Não é só pela doença, mas sim por ter

que deixá-los com ele. Isso me mata. Rezo para que vocês sejam

protegidos e guiados sabiamente.


Entendo que têm algumas coisas que não podemos mudar.

Creio que continuarão sendo quem são, homens leais e fiéis ao seu
propósito e irmãos unidos que fazem tudo um pelos outros.

Estou partindo feliz por uma parte, porque vejo que tudo que

lhes ensinei sobre o amor funcionou com vocês. Percebi que você e
seus irmãos ainda são humanos, diferente do pai de vocês. Tenho

fé que continuarão assim após eu partir.

Por isso, Rafaelle, meu menino calado, entendo seu lado por

ter ajudado aquela garotinha. Senti-me feliz por ter tentado protegê-
la. Senti-me culpada e com raiva de mim mesma por pedir que não

fosse à casa dela na tentativa de salvá-la; sabia que você seria

machucado depois. Eu não estava sendo cruel, mas agindo como


uma mãe que queria o seu bem. Só queria protegê-lo.

Eu lhe disse depois que não queria que se sentisse culpado,

mas pude ver que o que seu pai me fez e fez à menina o

atormentava. Lamento mesmo por tudo que aconteceu à garotinha,


mas, quer saber de algo? Acredito que sua presença na vida dela foi

mágica, você foi seu herói. Porém não haveria como ter feito mais

nada por ela, não contra o Marco.


Com esse seu gesto de ir até ela para tentar salvá-la, notei que

era isso que eu sempre quis que você fosse, alguém empático, que
ajuda e protege os outros, até mesmo um estranho, em vez de os

ferir.

Agradeço-lhe do fundo do meu coração por tentar me salvar,

mas isso não estava ao alcance de ninguém, muito menos de um


adolescente.

Quando abrir essa carta, desejo que tenha superado essa

culpa, que a pessoa que estiver ao seu lado o tenha ajudado a


enxergar que não foi culpado de nada.

Diga à sua esposa que ela tem a sorte grande por ter chegado

ao seu coração. Ao menos espero que o tenha feito.

Siga sua vida ao lado de sua amada. Sei que nunca se casaria
por obrigação, mesmo por ordem de Marco. Ou ao menos desejo

que não.

Eu os amo e vou amá-los para sempre.

Um abraço da sua mãe, que o ama mais que a vida.

Minha respiração estava ofegante após ler aquelas palavras.


― Me sinto mais leve. Temia o que estava escrito aí, mas

agora sinto que essas frases me confortam. Sempre foi assim.

Recordo que ela adorava escrever, além de dançar, mas isso se


perdeu, e focou em escrever cartas e outros textos. Ela

simplesmente amava.
Mália passou a mão em meu ombro. Senti que queria que eu

relaxasse, pois eu ainda estava um pouco tenso.

― Ela amava tanto vocês... Percebo isso através dessas

palavras ― comentou. ― Teria adorado conhecê-la e espero que,


onde ela estiver, possa ver o quanto você me faz feliz, assim como

eu o farei.

― É verdade. ― Virei-me para ela. ― Ela adoraria ter


conhecido a mulher que chegou ao meu coração e alma, que me

ajudou a superar todas as culpas. Você me ensinou a ser feliz.

― Fico grata por isso. Você também me ensinou a me sentir


realizada ― declarou com fervor. ― O amo tanto e lhe agradeço

todos os dias por estar ao meu lado.

― Também a amo ― declarei. ― Não vejo a hora de você ser

minha esposa.
― Sou sua há muito tempo ― afirmou com convicção.

Guardei a carta de minha mãe e me senti mais feliz com suas

palavras, sabendo que ela estaria feliz caso pudesse ver como eu
estava atualmente.

― Por que não me disse que tinha de vir aqui? ― sondei.


― Só vim buscar minha correntinha. Não a acho em lugar
nenhum. Não queria me casar sem ela amanhã. É uma forma de ter

minha mãe ao meu lado ― revelou com um suspiro.

Peguei-a no meu bolso e a dei a ela.


― Aqui. Eu a peguei para colocar algo muito importante nela.

― Assim que a entreguei a ela, seus olhos se arregalaram ao ver

um medalhão de ouro e o que havia dentro dele.


― Como? ― Seus olhos ficaram úmidos. Era uma foto dos

pais dela juntos.

― Presente de casamento. Achei que gostaria disso ―

comentei, adorando a felicidade em seus olhos. ― Deixe-me colocá-


la em você.

Assim que prendi o fecho da corrente, Mália pulou nos meus

braços.
― Não sei como sou capaz de amá-lo mais a cada dia! ―

falou nos meus lábios. ― Mas amo, amo você por me fazer sentir
realizada!
― Também a amo e estou muito feliz que se sinta assim

comigo. ― Beijei-a, mostrando-lhe tudo que estava sentindo


naquele momento, realização e êxtase.
Mália

Encarei as portas fechadas da igreja à minha frente. Tudo


tinha sido organizado para o meu casamento com Rafaelle. Era um

sonho que eu realizava. Apesar disso, meu coração doía por meu
pai não estar ali, levando-me ao altar, bem como por não ter minha
mãe comigo no dia mais importante da minha vida.

― Você está feliz? ― perguntou Mariano ao meu lado. Ele me


conduziria até o altar.
― Estou. Rafaelle é tudo que eu quero na vida ― afirmei com

convicção. ― Só queria que meus pais estivessem aqui.


Ele suspirou.
― Eu também, mas acredito que teriam adorado o seu

escolhido, afinal só queremos que seja feliz, e Rafaelle a faz assim.


Fico contente com isso. ― Apertou meu braço delicadamente.

A nova família que conquistei me deixava radiante. Sentia que


meus pais amariam presenciar minha felicidade.
― Bem, não é hora de falarmos em coisas tristes, mas

alegres. ― Respirou fundo. ― Vou sentir sua falta.


― Pode vir me visitar quando quiser, afinal tem uma aliança
com os Morellis. ― Após eu voltar com Rafaelle de sua ilha, eles
firmaram uma aliança, e meu lindo marido não quis o território do

meu irmão.
― Virei, sim. Agora vamos entrar, acho que chegou a hora ―

informou, olhando para a frente.


Graziela era minha dama de honra. Ela estava linda com seu
vestido rodado, uma princesinha.

Respirei fundo quando o hino matrimonial começou a tocar.


Era minha deixa para entrar.
― Vamos? ― Indicou a frente.

Assenti, contente por aquele dia ter chegado, por finalmente eu


me tornar a senhora Morelli. Com isso, ganhei mais uma família.
Assim que as portas da igreja se abriram, entramos. Logo no

início me deparei com inúmeros convidados nas fileiras de bancos


em ambos os lados do corredor que levava ao altar, tanto da máfia
espanhola como da dos Pachecos, pois todos agora eram aliados

dos Destruttores. Algumas pessoas, eu conhecia, como Valentino,


mas outras, não. De qualquer forma, tudo pareceu sumir assim que

encontrei os olhos do meu amado.


Ele estava vestido de preto, de pé no altar, tão lindo e
glamouroso que me deixou de queixo caído. Ainda me custava

acreditar que aquele homem era meu. Tanto a minha mãe como a
dele teriam adorado ver aonde chegamos com nossas vidas juntos,
por nos encontrarmos e nos apaixonarmos.

Meu coração se aqueceu com seu olhar ardente de emoção.


Eu podia ver o quanto ele estava feliz, assim como eu.

Assim que chegamos ao meu noivo, meu irmão entregou a


minha mão a ele.
― A proteja ― exigiu Mariano.

― Sempre ― jurou Rafaelle com os olhos fixos nos meus.


Mariano assentiu e foi para perto de Valentino.
― Está lindo todo de preto ― elogiei.

― Linda é você, ainda mais nesse vestido. Está perfeita.


Sorri. Tinha optado por um por vestido estilo sereia rendado,
muito bonito.

― Obrigada.
― Vamos celebrar o matrimônio entre Rafaelle Morelli e
Amália González ― ministrou o padre.

Fiquei de frente para Rafaelle e de lado para a nave da igreja.


Minha atenção estava apenas em meu noivo, logo futuro marido,
então o sacerdote celebrou nosso casamento, e ditamos nossos

votos. Não falamos sobre o que significávamos um para o outro,


afinal declarações em público eram vistas como uma fraqueza na
máfia dele.

Meu noivo não precisava dizer; nós e nossa família sabíamos


o que significávamos um para o outro. Rafaelle era meu tudo, assim
como eu era o dele.

Assim que o padre nos declarou marido e mulher, ele me


beijou com ternura e amor.

Aplausos nos fizeram olhar para a multidão. Naquele


momento, ali, com ele nos meus braços, eu tinha me esquecido das
pessoas, do lugar, de tudo, exceto nós dois.

Meus amigos e familiares vieram desejar-nos felicidades.


Primeiro foram Alessandro e Mia.
― Felicidades ao casal ― disse ela, abraçando-me. Sua

barriga estava imensa; em alguns meses, teria seu filho. Era um


garoto.
― Obrigada ― agradeci e me afastei. ― Está imensa.

― Sim, não vejo a hora de ele nascer. ― Sorriu.


― Você merece tudo de bom, meu irmão ― Alessandro falou
baixo, só para nós.
Rafaelle assentiu em agradecimento, e o capo se afastou, logo
trazendo a filha para nos felicitar também.
― Vocês ficam bem juntos ― declarou Valentino para nós.

Estava ao lado de Mariano. Seus outros irmãos estavam


conversando com Alessandro. Suas irmãs, Serena e Belinda,
estavam com Luna e Jade.

O braço de Rafaelle se estreitou à minha volta. Isso foi


estranho. Chequei seu rosto, e estava desprovido de emoção. Às
vezes eu me esquecia quem ele era.

― Obrigada, Valentino ― agradeci.


― Não por isso. ― Ele não esperou Rafaelle dizer algo, só
virou as costas e partiu.

Pelo rosto meio sombrio de meu marido, era como se quisesse


matar o atual aliado.

― O que foi isso?


― Ele queria você ― praticamente cuspiu. ― O filho da puta
mesmo me disse que, se eu não fosse procurar você, que ela ia

fazer um avanço.
Pisquei.
― Ele não queria. Foi eu que pedi que ele dissesse isso só

para sondar em que patamar estava sua relação com a minha irmã
― confessou Mariano. ― No fundo foi bom; você voltou correndo
para ela.

― Você fez isso? ― Rafaelle suspirou. ― Não sei se lhe dou


um soco ou lhe agradeço.
Mariano sorriu.

― Melhor agradecer e fazer minha irmã feliz.


Com isso, Rafaelle sorriu para mim.
― Pode apostar que farei, sim. ― Notei que ele queria me

beijar, mas estávamos rodeados de subchefes e tantas outras


pessoas.
― Parem de ficar se comendo com os olhos ― brincou

Stefano, chegando até nós.


Corei e o enfrentei.
― Não estávamos. ― Sacudi a cabeça, mas, sabendo que era

mentira, sorri. ― Soube que vai ficar uns dias na casa dos
Castilhos.

Fez uma careta.


― Alessandro precisa que eu fique lá por um tempo para
sondar os negócios e reforçar a aliança.

― Achei que a aliança já estivesse consolidada ― falei.


― Não liga, é apenas meu irmão querendo ter certeza de tudo.
Ele é muito desconfiado. ― Sorriu. ― Mas agora não é hora de falar

disso. Felicidades a vocês. ― Encarou Rafaelle. ― Você leu a carta


e a trouxe?

Rafaelle suspirou.
― Sim para os dois. ― Pegou o envelope no bolso do terno e
o entregou ao irmão. ― Aqui está, mas deveria ir providenciando as

coisas para ler a sua.


Os olhos de Stefano brilharam ao ver a missiva de sua mãe,
mas ele fez uma careta ao olhar para Rafaelle.

― Sem chance de isso acontecer ― falou e encarou o


envelope. ― Não penso em me prender nunca. Agora vou ler a
carta.

Sorri, vendo-o sair ansioso da igreja.


― Não acho que ele se prenderá a alguém tão cedo ―
comentei, passando os braços em volta da cintura de Rafaelle.

― Não sei dizer, mas espero que as coisas mudem nessa


viagem para a Espanha. ― Ele olhou na direção de Belinda, que

estava abraçando Luna.


― Acha que eles ficarão juntos? ― sondei. ― Ela é linda,
porém tem um gênio forte.
Belinda estava com um vestido branco tomara que caia

mostrando suas belas curvas e com os cabelos negros anelados


soltos. Sim, ela parece ser alguém de quem Stefano gostaria,
pensei.

― Sim, igual ao de Stefano.


Após suas irmãs e cunhados nos cumprimentarem, Rafaelle

me puxou dali e me levou para os fundos da igreja, onde


celebraríamos a festividade, em seguida me conduziu para o jardim,
onde tinham guirlandas de flores e uma música suave tocando.

― O que você...
― Dança comigo? ― convidou-me.
― Com o maior prazer, esposo. ― Sorri, colocando os braços

em seu pescoço.
― Ainda custo a acreditar que você é minha. ― Sorriu
também.

― Sou sua há muito tempo; agora só oficializamos ―


retruquei. ― Eu o amo e vou amá-lo para sempre.
― Também amo você mais que a vida. ― Ele me beijou

conforme dançávamos, selando aquela promessa.


O meu coração se aqueceu. Fazia minhas as palavras dele.
Aquele homem que agora era meu esposo se tornara o meu porto
seguro, meu lar, e com ele eu construiria uma família tal qual meus
pais adorariam que eu tivesse caso ainda fossem vivos. Contudo,
mesmo que eles tivessem partido, sempre estariam vivos em meu

coração.

FIM
Copyright © 2021 – Ivani Godoy

Capa: Barbara Dameto


Diagramação: Denilia Carneiro - DC diagramações
Revisão: Kátia Regina

1ª Edição

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou
a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer
meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da
autora.
Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código
Penal.
No submundo do crime, nem tudo são flores…

Luna Morelli acabou de descobrir que boa parte da sua vida

foi uma mentira. Com seu passado batendo à porta, percebeu que

dispunha de duas opções: enfrentar o que quer que estivesse do

outro lado ou ignorar e continuar vivendo ao lado de seu marido e

das duas filhas.

Entretanto, os ecos do passado não a deixavam em paz…

não era como se ela tivesse uma escolha. Seu coração clamava por
respostas, sua mente lhe implorava para ir. Como abafar essas

vozes?

Miguel Salles assumira uma única missão: manter a mulher e

as filhas em segurança. Sempre. Não havia descanso nesse

propósito.

Então, quando seus instintos passaram a gritar aos seus

ouvidos, alertando que Luna corria perigo, se preparou para mover

Céu e Terra para protegê-la. Ninguém colocaria as mãos em seu

bem mais precioso.


Luna

Após saber que meu pai não era Marco, me senti feliz, pois

seu comportamento cruel sempre me enojou. Claro, todos os

homens da máfia têm uma parte sombria em si ― uma grande

parte, devo dizer, aquela que faz com que matem pessoas sem

sentir remorso ―, mas ele era um monstro sem coração e alma que

machucava inocentes, inclusive seus próprios filhos e sua esposa.

“Desumano” resumia bem.


Meu verdadeiro pai, mesmo sendo chefe de uma máfia,

demonstrava bondade. O que mais me alegrou foi saber que minha

mãe, embora por pouco tempo, foi feliz ao lado de Paolo. Mas por

amor aos meus irmãos, não pôde viver esse romance com o homem

que amava. No fundo, eles se culpam por isso, eu podia ver, ainda

mais após saber que nossa mãe só não partiu porque Marco não

deixaria os três irem junto.

Ele teve a audácia de dizer que ela poderia ir se

abandonasse os meus irmãos. Talvez tenha falado isso só porque

antecipava a resposta dela. Marco não tinha nada de bom ou

altruísta; o maldito desconhecia essas palavras.

Imagino que, ao ouvir isso, o mundo de mamãe tenha

desabado aos seus pés. A dor cortou fundo meu peito, pois nenhum

de nós podia ter feito nada.

Então minha mãe adoeceu. Foi difícil presenciar aquela

situação, o sofrimento que passou, definhando aos poucos. E, o


pior, nem conseguimos ajudá-la.

Agora não estava sendo diferente: Paolo andava acamado

devido à sua saúde debilitada. Sabia o que aconteceria, algo igual

ao que houve com minha mãe…

Estávamos na casa de Paolo, fui ficar com ele após descobrir

o que significava para minha mãe. Ela gostaria que eu tomasse

conta de seu amado nesse momento difícil.

Nessas semanas que passamos juntos, me apeguei a ele. O

homem era legal, muito diferente de Marco. Paolo era carinhoso

com suas outras filhas, Belinda e Serena, e até comigo. O amor

refletia nos olhos dele, um amor que só vi em mamãe.

Fiquei confusa com os meus sentimentos, no começo. Após,

porém, doía saber que eu perderia a oportunidade de ter um pai

assim. Paolo logo partiria para um caminho sem volta.

Quando disse ao Alessandro e Miguel que queria ficar na

casa de Paolo, eles quase tiveram uma síncope, mas insisti que não
o deixaria nesse estado. Eu não podia partir como se nada tivesse

acontecido.

Fizeram uma trégua; Paolo garantiu que eu estaria segura.

Mesmo assim, Miguel não me deixou sozinha. Claro, ele ainda não

confiava nos Castilhos.

No decorrer do tempo, Miguel passou a parecer mais solto,

até me deixava a sós com meu pai. Enquanto isso, ele cuidava de

nossas filhas, Kélia e Carmen. As duas conquistaram o coração de

todos na casa com sua doçura.

Paolo queria conhecê-las, e eu não conseguia ficar longe das

meninas, então levei ambas comigo. Nossa ida ao território dos

Castilhos tornou Miguel ainda mais protetor. Ele nunca mudaria,

afinal.

― Luna, as suas filhas são lindas. É bom ter mais gêmeos na

família ― Paolo comentou quando Miguel as levou para o nosso

quarto. ― Adorei saber disso.


Havia um histórico extenso de gêmeos na família dele: seu

pai, suas irmãs e suas filhas, Serena e Lorena. Lorena foi violentada

e assassinada brutalmente ainda jovem. Chorei por tamanha

crueldade, ao descobrir.

Ficava imaginando o que sentiam ao verem Serena ali, todos

os dias; as recordações que isso lhes trazia. Ao menos ele tinha

mais duas filhas, ou melhor, três, contando comigo. Entretanto, esse

buraco nunca seria preenchido. Pais e filhos são únicos. Uma mãe

pode ter mil filhos, mas se perder um, nenhum substituirá o outro.

Estremecia ao pensar em alguém encostando em minhas

meninas. Elas ficariam bem, Miguel e eu garantiríamos isso.

Não perguntei sobre Lorena e o que aconteceu de fato, pois

ninguém tocava no assunto. Só soube porque Miguel me contou.

Entendia que falar do ocorrido os machucava.

― Sim, cheguei a imaginar por que tive gêmeas, se é

genético. ― Sentei na cama, à sua frente.


― Sua mãe teria adorado essa homenagem. Colocar o nome

dela em sua filha foi um lindo gesto. ― Seu olhar estava vago, como

se preso em pensamentos.

Teria adorado que minha mãe estivesse viva para presenciar

isso. Ela amaria ser avó; amaria as meninas tal qual, um dia, nos

amou.

― Sim, queria que ela houvesse tido a oportunidade de

conhecê-las. ― Suspirei, evitando pensar nisso. Eu precisava ser

forte. ― Mas o bom é que você teve, antes de… ― Encolhi-me ao

lembrar que logo Paolo iria embora para sempre.

― Tudo ficará bem ― garantiu, mas isso não dependia dele.

Era algo fora de nosso alcance.

― Não… ― Sacudi a cabeça. ― Por que as coisas são

assim? ― murmurei, pesarosa. ― Mal pude conhecê-lo, agora já vai

partir…

Deu uma risada baixa, talvez para me animar.


― “Partir” é uma palavra boa, melhor do que a outra. ―

Pegou minha mão. ― Não temo a morte. Lamento apenas a ideia

de não encontrar sua mãe no Céu. Nunca iríamos ao mesmo lugar,

sua alma era boa demais. Sei onde homens como eu acabam; estou

preparado.

― Não diga isso… ― Não sabia o que pensar. As coisas que

os homens do nosso mundo têm de fazer… isso leva suas almas ao

Inferno, tanto em vida como após a morte.

― É um fato, Luna. Estar aqui, nesta situação, pode ser

castigo pelas coisas ruins que fiz. Aceito isso. Só espero deixar

todos os meus filhos seguros e bem-resolvidos. ― Sorriu, cansado.

― Estou feliz por você ter se dado bem, que seus irmãos a tenham

protegido e que possa contar com Miguel. Ele é um homem bom,

que a venera bastante.

― Realmente. ― Assenti. ― Os seus outros filhos também

estão num bom caminho.


Todos são legais, embora Fabrizio e Valentino ajam de modo

mais sério. Quase nunca sorriem, ostentando uma expressão fria e

indiferente. Lembram muito Alessandro.

― Como vai a faculdade? ― sondou, mudando de assunto,

acredito que para não me entristecer.

― É maravilhoso fazer algo que amo. ― Ser veterinária

sempre foi meu sonho; faltava pouco para realizá-lo. ― Adoro o que

faço.

Concluir a faculdade tendo filhos é complicado. Quando

minhas meninas nasceram, passei a cursar mais disciplinas online,

assim, não ficava muito tempo longe delas.

― Soube que Miguel teve que abrir mais gatis e canis onde

mora ― comentou com um sorriso fraco. ― Ele disse que você não

pode ver nenhum animal na rua sem levar consigo.

Sorri para tranquilizá-lo. Não queria demonstrar o que sua

partida me causaria.
― Verdade, mas quem conseguiria? Eles são tão fofos,

precisam de nós para protegê-los. ― Nunca entendi as pessoas que

abandonam criaturas tão indefesas.

Ele inspirou.

― Lorena era como você. ― A voz saiu parecendo quebrada.

Nós não faláramos sobre isso ainda, e eu não pretendia tocar

no assunto, mas achei que precisava dizer algo. Era o mínimo a

fazer.

― Lamento pelo que aconteceu com ela ― sussurrei. E

lamentava mesmo, ninguém merece um destino fatal desses.

Paolo se encolheu na cama, sem forças, e fechou os olhos

um segundo. Adoraria amenizar sua dor, mas não podia. Quanta

diferença entre ele e Marco… Paolo, sem dúvida, mataria qualquer

um que tocasse suas filhas; já Marco fez Gael abusar de Jade.

Existe luz entre as trevas, via isso em meus irmãos e Miguel.

Por mais que vivessem na escuridão da máfia, sua luz lhes permitia
nos amar e nos proteger. Iriam ao Inferno por nós.

― Sinto muito ― repeti. ― Não era minha atenção trazer

memórias que o machuquem. ― Meu peito ardeu com o pesar que

enxerguei nele.

― Não é doloroso pensar nela, são lembranças boas. O que

machuca é a situação de sua perda. ― Encarou-me, ao que me

encolhi com sua agonia. ― Podemos perder esposas que amamos

ou nossos pais e conseguirmos seguir em frente. Mas um filho? É

como se parte da nossa alma morresse junto. Mesmo que eu não

tivesse esta doença, sinto que estou morto por dentro desde o dia

em que a perdi.

Verdade. Amo meus irmãos, minha mãe e Miguel, mas

minhas filhas? São tudo para mim, a minha razão de viver. Sem

elas, eu não seria ninguém.

Sentei-me ao lado dele e coloquei meus braços à sua volta.

Não disse nada; nunca sabia o que falar em situações assim. Só lhe
dei o tão necessitado apoio. Palavras não bastariam nessa hora.

― Ela era vibrante e perdeu sua vida porque um inimigo meu

a usou como vingança. Devia ter sido eu…

Na máfia, isso é comum. Um antigo rival de Miguel, por

exemplo, sequestrou Emília e Emma só para atraí-lo e torturá-lo…

quase o perdi. Dei graças aos Céus que as meninas não foram

feridas.

― Não vamos falar disso agora ― pedi, sem transparecer o

que sentia. Inspirei fundo, beijando seu rosto, e me afastei. ―

Descanse um pouco. Não posso fazer nada para curá-lo, mas posso

trazer um chá para acalmá-lo. O que acha?

― Vai passar assim que eu me for ― falou consigo mesmo.

Por fim, virou-se na minha direção: ― Apenas não desejo que meus

filhos sofram com a perda. Incluindo você.

Sim, eu sofreria, como sofri por mamãe, vendo-a definhar a

cada dia.
― Vamos parar de falar em morte. Terá mais tempo com a

gente. Acredito nisso. ― Limpei meus olhos molhados.

― Luna… ― começou, a voz entrecortada pela exaustão. ―

Lamento por deixá-los tristes…

Forcei um sorriso.

― Descanse um pouco, vou fazer um chá. ― Beijei sua face

de novo e fiquei de pé para sair do quarto.

Já tinha aberto a porta quando ele me chamou.

― Luna…

― Sim? ― Olhei para Paolo.

― Um dia a ouvirei me chamar de pai? Sei que faz pouco

tempo e sempre pensou que Marco era o seu… ― Havia um pesar

ali que não parecia relacionado à sua doença.

― Sinto-me aliviada por ele não ser meu pai. Marco era um

monstro, quis dar suas filhas para os outros como gado. ― E não

apenas Jade: planejava entregar nós duas, antes de Alessandro


matá-lo e tomar seu lugar. ― Você é diferente, se atormenta com o

que aconteceu com sua filha. Marco, por outro lado, nem ligaria.

Mesmo criado na máfia, você aprendeu a amar e se preocupar com

os seus filhos e amigos. É um pai de verdade, um que adorei

conhecer. É meu único pai, e sempre será.

Ele anuiu.

― Obrigado, filha. ― Sua expressão iluminou-se, brilhante

como o sol, ao ouvir minhas palavras.

Visivelmente aliviado, fechou os olhos, agora com um meio-

sorriso, que sumiu ao adormecer.


Luna

Saí e fechei a porta, escorando nela de olhos fechados. Sim,

eu o amava como um pai. Não era só compaixão pela situação, não

gostava de vê-lo sofrer; doía em mim.

― Obrigado por isso. Aliviou o medo que meu pai sentia de

que não gostasse dele. ― Ouvi uma voz do meu lado, me fazendo

pular. ― Desculpe, não quis assustá-la.

Fabrizio apoiava-se na parede à minha frente, como se

estivesse ali o tempo todo. Eu me encontrava absorta demais para


notar.

― Não, tudo bem. Quanto ao que eu disse a ele, é verdade.

Tive um pai a vida toda, mas, no fundo, não o considerava um…

― Marco era um lixo de homem, até para o nosso mundo ―

concordou.

― Sim. Com Paolo, porém, sinto uma conexão real. Não falei

por falar. É injusto descobri-lo apenas quando já está… morrendo.

― Ele ficava olhando suas fotos, enviadas por Sage. O

sorriso de papai nesses momentos… Parecia tão feliz. ― Fabrizio

fitou a porta do quarto.

Pisquei.

― Sage mandava fotos minhas com frequência? ― O

homem era meu amigo. Contudo, apesar de ter feito tudo isso, eu

ainda me importava com ele. Torcia para vê-lo em breve, assim

conversaríamos.
― Somente fotos em que estava alegre, com sua família e

seus amigos. ― Voltou sua atenção a mim. ― Sei que tem coisas a

falar ao Sage, e ele se sente mal por ter saído daquele jeito, mas foi

preciso.

― Seria possível falar com ele enquanto estou aqui? ― Por

minha causa ou, talvez, do Miguel, Sage não aparecia na casa dos

Castilhos. ― Acho que temos muito a dizer um ao outro.

― Teria que conversar com Miguel primeiro. ― Suspirou.

― Conversar o que comigo? ― sondou Miguel, juntando-se a

nós.

Avaliou meus olhos úmidos e fuzilou Fabrizio, nada amigável.

― O que houve? ― Empurrava o carrinho de bebê de

gêmeos onde as minhas princesas lindas dormiam.

― Luna pediu para ver Sage, mas acho que a decisão cabe a

vocês dois. E Alessandro. Não gostaria de autorizar uma visita e

tudo ficar… difícil de lidar ― Fabrizio disse.


― Não só ele, mas dona Eliací também. ― Era uma senhora

muito boa, que gostava de mim e das meninas. Nossa relação não

foi fingimento. Claro, não era mãe de verdade do Sage (armaram a

história inteira para aproximar-se de mim e manter Paolo

informado), mas a mulher sempre nos tratou bem. Ela me ajudou

muito quando Miguel estava ferido.

A expressão de meu marido se fechou ainda mais. Supus

que diria algo para impedir-me de reencontrá-los. E, se dissesse,

Fabrizio não autorizaria Sage a me ver.

― Quero falar com os dois, Miguel. Sim, Sage enganou nós

todos, mas era seu trabalho. ― Eu me senti traída quando descobri,

mas já havia me acalmado. Desejava saber, ademais, se nossa

amizade fora real em algum nível. Achava que sim. Não só com ele,

mas com a dona Eliací também.

― Luna… ― Miguel tentou discordar, mas o interrompi, me

negando a aceitar esse veredito.


― Não precisa ser agora, mas tem que ser antes de irmos

para casa. Apenas alguns minutos ― supliquei.

― A dona Eliací viajou à América para espairecer ― disse

Fabrizio. ― Ela tinha um relacionamento com Carlos; sua morte a

deixou arrasada.

Então ela se preocupava, de fato, com o suposto marido?

Bem que notei a forma como ficou após Carlos falecer. Não parecia

falsidade, a não ser que fosse uma ótima atriz.

― Posso encontrá-la depois que voltar, sem problemas,

Enquanto isso, converso com Sage.

Deve ter sido difícil, para o meu segurança e amigo, ficar

preso conosco ― primeiro na Itália, com Alessandro, depois no

México, comigo.

― Tudo bem, depois falamos sobre isso. ― Miguel olhou

para Fabrizio. ― Alessandro me ligou, está chegando para a

reunião.
Franzi a testa.

― Reunião?

― Nada com que se preocupar. ― Veio até mim e beijou meu

rosto. ― Pode ficar com nossas filhas?

― Claro, se me explicar do que se trata a reunião. ― Notei

algo estranho na voz dele.

― Você é curiosa ― comentou Fabrizio, desencostando-se

da parede. ― Não é nada demais, só o seu irmão vindo reforçar

nossa aliança.

Estreitei meus olhos.

― Achei que já fossem aliados. Não é por isso que estamos

aqui? ― Alessandro me contou que firmara uma parceria com os

Pachecos, por isso deixou que Miguel, as meninas e eu ficássemos

no território de Paolo.

― Sim, somos, mas, como eu disse, Alessandro quer

fortalecer a aliança através de um casamento. ― Sua expressão


não demonstrava nada, fosse alegria ou descontentamento.

― Casamento? De quem? ― Pisquei, aturdida.

Não consegui imaginar quem da nossa família poderia casar-

se com um deles.

― Decidiremos na reunião, não chegamos a nenhuma

conclusão, por ora. ― Acrescentou: ― Agora vou dar uma olhada

no meu pai.

Ele entrou no quarto, ao passo que eu abracei Miguel.

― Será que Alessandro vai fazer Rafaelle e Stefano se

casarem? Duvido que Stefano obedeça, mesmo sob ordens do

capo. E Rafaelle tem Mália, não a largaria por outra. Meu irmão está

apaixonado.

Eu me sentia contente por ele. No breve período que ela

passou na casa do Rafaelle, percebi que Mália, igualmente, o

amava muito. Um sentimento recíproco. Ele não suportou vê-la

machucada… Ali tinha amor.


Mália se ausentara por um tempo, após perder seu pai, a

pessoa que mais amava. Eu a entendia muito bem, pois enfrentei

essa dor com mamãe. E, de novo, enfrentaria com Paolo…

Felizmente, no momento, os dois estavam juntos. Sobrava,

assim, apenas Stefano para firmar a aliança.

― Não sei, mas lhe conto os detalhes depois da reunião.

Seja como for, dará certo. ― Beijou meus lábios de leve. ― Por que

não dorme um pouco? Está cansada.

Olhei para o quarto do meu pai e respirei fundo.

― Não consigo abandoná-lo por muito tempo ― sussurrei,

encolhida.

― Mas precisa, para o seu bem. Fabrizio está com ele; no

caso de uma emergência, pedirei que a chame. ― Miguel me guiou

até o nosso dormitório. ― Enquanto a reunião não começa, vou ficar

com você. Deite, eu tomo conta das meninas.


― Você deveria confiar mais em todos aqui. Sabe que eles

gostam delas. ― Insisti nessa ideia em inúmeras ocasiões, mas

Miguel era um pai coruja, muito ciumento.

― Vou pensar nisso ― prometeu pela milésima vez.

O quarto, de estilo europeu, era aconchegante e lindo. A casa

se assemelhava mais a um castelo, como muitas da cidade.

Sacudi a cabeça.

― Sempre diz a mesma coisa. Belinda quis ficar com elas, e

você não deixou. ― Sentei na cama, olhando minhas bebês lindas.

Tinham o sono pesado, mas estavam perto de acordar de sua sesta.

― Aquela garota tem os parafusos soltos. Falou até que

apresentaria as minhas meninas a rapazes, quando crescessem!

Ri e estranhei o som. Eu não o fazia desde que fui para lá.

― Belinda só gosta de provocá-lo. Ela ainda não confia nem

em você, nem em meus irmãos. Teme que machuquem Paolo. ― A


garota, tal qual Serena, amava muito nosso pai. Mas Serena era

controlada… Já Belinda se aproximava de uma explosão nuclear.

Ele se acomodou do meu lado e beijou minha testa.

― Descanse, meu amor. Dormiu tarde e levantou cedo, eu vi.

Eu não acreditava ser capaz de adormecer. Temia fechar os

olhos e, ao abri-los, nunca mais encontrar Paolo.

Imaginar isso apertava meu peito fundo. Lágrimas rolaram

por minha face.

― Luna… ― Havia impotência em seu tom. Ninguém podia

fazer nada.

― É tão injusto, sabe? Desconhecer sua existência e, ao

descobri-la, aceitar que não ficará por muito tempo.

― Lamento, querida. Se pudesse, guardaria toda a sua dor

em meu peito. ― Secou meu rosto.

― Rezei tanto para que Marco melhorasse como pai. Que

nos amasse; que não nos vendesse como gado. ― Inspirei fundo.
― Mesmo na máfia, sabia que era possível, mas nada de bom vinha

dele. Tudo se resumia à maldade pura. As coisas que fez…

― Cachinhos, não pense nisso. Marco está morto. Nunca

mais vai atrapalhar sua vida ou a de qualquer outra pessoa.

― Por culpa de Marco, não cresci com um pai que me

amava. Um que faria de tudo por mim, e eu por ele. Restam apenas

poucos meses ou dias na companhia de Paolo. ― Chorei,

colocando a cabeça na perna de Miguel.

― Não aguento vê-la assim. ― Soava triste ao alisar meus

cabelos.

Eu também não suportava angustiá-lo. Gostaria que todo

esse sofrimento findasse.

― Obrigada por estar comigo, por ser minha força. ― Por

Miguel e minhas filhas, eu não desmoronaria. Eles me davam

vontade de superar tudo.

Acarinhou meu rosto molhado.


― Estarei sempre aqui ― jurou.

Fechei os olhos, tentando crer em um possível milagre. Em

meu íntimo, sabia que isso não aconteceria, tal qual não houve

salvação para mamãe. A morte é assim: chega quando menos

esperamos.
Miguel

Olhar para Luna dormindo cortava meu peito, mas não tinha

como eu fazer muita coisa, exceto permanecer ao seu lado, lhe

dando apoio e amor.

Beijei sua testa sem acordá-la e fitei nossas filhas recém-

despertas.

― Vamos deixar a mamãe dormir um pouco ― falei para as

duas, que sorriram.


Saí com elas no carrinho de bebê para não atrapalhar Luna;

havia dias a Cachinhos mal pregava os olhos. Eu ao menos lhe

ofereceria algumas horas de sono.

Fabrizio ia saindo do quarto do pai quando me aproximei para

descer.

― Como ele está? ― Parei no corredor e indiquei o

dormitório de Paolo.

― Na mesma. ― Abaixou-se e tocou o rosto de ambas.

Minhas princesas gritaram de animação, alheias aos

acontecimentos. Ajeitando o corpo, observou o quarto de Luna. ― E

ela? Conseguiu dormir um pouco?

― Sim, ela precisava descansar. ― Suspirei.

― Alessandro chegou, vamos descer. ― Complementou: ―

Luna é uma garota especial. Nesses meses aqui, aprendeu a amar

nosso pai tanto que sofre ao vê-lo assim.


― Luna ama com facilidade, em especial sua família. Eu só

queria evitar que se entristecesse. ― Na escada, peguei o carrinho

para descer.

― Deixe-me ajudá-lo. ― Fabrizio segurou do lado oposto. As

meninas soltaram novos gritinhos, em função do sacolejo. ― Vocês

duas são umas sapequinhas. ― Algo similar a um sorriso apareceu

em sua boca.

Esse homem lembrava Alessandro com sua aparente frieza e

demonstrações afetivas limitadas. Contudo, também como meu

amigo, Fabrizio se derretia pela família. Eu não era igual aos dois,

talvez por não ter sido criado neste mundo; só fui integrá-lo mais

tarde.

― São mesmo, né? ― Belinda concordou, entrando na sala e

indo até as meninas quando botamos o carrinho no chão.

― Por que está armada? ― indagou Fabrizio com um suspiro

duro.
Belinda usava uma calça justa com ligas nas coxas. Em uma,

carregava a arma; na outra, sua adaga.

― Aquele mafioso frio e seu irmão com cara de idiota

chegaram. Não confio nessa gente perto do meu pai. ― Sorriu para

as meninas enquanto acrescentava com naturalidade: ― Se

tentarem algo, acabarei com eles.

Fabrizio sacudiu a cabeça, resignado.

― Belinda…

― Não se preocupe, Fabrizio, só vou atirar nas bolas de

ambos caso se aproximem do quarto de papai. ― Travessa, deu

uma piscadela. Na sequência, virou-se às meninas. ― Olá, minhas

princesinhas lindas da tia!

Essa mulher era de outro mundo: não corava ao dispensar

ameaças e não temia nada. Confiança de sobra, pensei.

A campainha tocou. Receberíamos Alessandro e, supunha,

Stefano, pois Rafaelle estava com Mália.


O mordomo foi atendê-los. Entraram e caminharam na nossa

direção.

Belinda ajeitou o corpo e posicionou-se no primeiro degrau da

escada, fazendo com que todos a olhassem. Alessandro levantou as

sobrancelhas, e Stefano esboçou um sorriso amarelo.

― Estou de guarda. Aviso que nenhum de vocês subirá esta

escada. Se ousarem ir até meu pai, farei bom uso do meu

aprendizado de melhor atiradora da minha turma. Também ganhei

prêmios de arremesso de facas, fiquem sabendo ― rosnou.

Stefano ampliou o sorriso. Isso não ia ser bom… Ele sempre

falava demais, incapaz de fechar a boca.

― O quarto dele tem uma janela bem ampla. Com certeza dá

para subir por lá ― provocou.

A menina, vermelha de fúria, levou as mãos às armas.

― Nem pensar, Belinda ― advertiu Fabrizio, aproximando-se

dela para segurar seus dedos ligeiros. ― Controle-se, ninguém vai


machucar nosso pai.

― Stefano! ― ralhou Alessandro com seu tom de capo.

― O que está acontecendo aqui? ― perguntou Valentino,

surgindo na sala com os olhos estreitos.

― Belinda, tenha calma ― repetiu Fabrizio.

Ela respirou fundo e assentiu, mais controlada. Mesmo

assim, fuzilou Stefano como se quisesse dançar em cima do seu

cadáver. Não fez questão de esconder essa expressão.

― Não tenho a intenção de machucar seu pai ― avisou

Stefano, agora sério.

― Machucar meu pai? ― Valentino ergueu o tom, gelado

como o Alaska. ― Que diabos estão falando?

― Quem vai machucar quem? ― Santiago juntou-se ao

grupo.

Belinda relaxou, embora continuasse alerta. Depois, sentou-

se na escada, puxando o carrinho das meninas para sua frente.


― Meus amores! ― Sorriu para atenuar a ira. As garotas

retribuíram, inocentes.

Fabrizio, exasperado, encarou Alessandro.

― Preciso falar a sós com Miguel e você ― disse. Após,

dirigiu-se a Valentino: ― Fique de olho nos dois para que não se

matem.

― Não toco em mulheres ― grunhiu Stefano, parecendo

desejar estrangulá-lo.

Belinda gargalhou.

― Pois eu toco em homens e faço um belo estrago. ―

Indicou as calças de Stefano e esboçou um sorriso.

Soube que Belinda rejeitara vários pretendentes. Alguns

homens até tinham medo dela. Eu entendia o porquê: a garota era

uma viúva-negra em potencial. Mas encontrou um adversário a

altura, a julgar pela forma como Stefano a admirava.


― Não duvido disso nem por um segundo. Só não chegará

perto das minhas bolas.

― Ótimo, evitará que eu o castre ― Santiago falou com

dureza.

― Bo… o… ― Kélia tentou imitar, risonha.

Pisquei e cerrei os punhos.

― B… ― Carmen começou

Coloquei minha mão sobre os lábios das minhas filhas.

― Não aprendam essa palavra! ― pedi, fulminando todos ali.

― Que tal pararem de falar isso antes que ensinem o que minhas

garotinhas não deveriam entender, e eu tenha que esquartejá-los?

― Podem estar falando de uma bola normal, ué. ― Stefano

deu de ombros. Quis socá-lo.

― Vamos para o meu escritório ― chamou Fabrizio, rumando

a uma porta imensa de madeira e pondo fim às provocações.


Eu me sentia assim também, ávido para trabalhar, em vez de

discutir.

― Pode cuidar das meninas? ― solicitei a Stefano. ― Luna

está dormindo, não vou acordá-la. Mas sem dizer besteiras na frente

das garotas! Se aprenderem palavrões, sua irmã me mata.

― Elas são minhas sobrinhas também, sabia? ― reclamou

Belinda. ― Posso tomar conta de bebês.

Stefano arqueou as sobrancelhas.

― Você precisa vigiar a escada, lembra? ― Riu. ― Nesse

meio-tempo, eu fico com as minhas bonequinhas.

Belinda fechou a cara. Ela estava prestes a retrucar, mas eu

falei antes:

― Certo. Mas se Kélia e Carmen aprenderem bobagens,

nenhum dos dois vai chegar perto delas de novo. ― Talvez assim

não seguiriam os ataques.


― Serei uma santa ― assegurou Belinda com um sorriso

travesso.

Stefano bufou.

― Fique na sua ― ordenou Alessandro, acompanhando

Fabrizio em seguida.

― Também serei um anjo. Só que um anjo caído ― disse

Stefano entre risadas.

Revirei os olhos, beijei as bochechas das garotas e encarei o

caçula dos irmãos Morellis.

― Juízo ― recomendei.

― Sou comportado ― garantiu, indo brincar com as meninas.

Deixei passar e fui para o escritório.


Miguel

Entrei no escritório, onde Fabrizio estava sentado em uma

cadeira e, Alessandro, de frente para ele. Eu me acomodei no lugar

vago ao lado de meu amigo.

― Você quer conversar sobre reforçar a aliança, certo? ―

Fabrizio levantou e pegou um copo e a garrafa de uísque. ―

Aceitam?

Alessandro aquiesceu, mas eu não.


― Depois daquela cena, preciso de uma bebida ― comentou

com um suspiro. ― Sua irmã tem o pavio curto.

Fabrizio fez uma careta.

― Sim, e o seu irmão não é diferente. ― Sentou-se,

sacudindo a bebida enquanto falava. ― Como faremos isso

funcionar?

Franzi a testa.

― Do que se trata? Casamento?

― Sim, Miguel. Fabrizio sugeriu o matrimônio de Stefano e

Belinda. Mas conhecendo os dois, tenho minhas dúvidas. ―

Alessandro entornou boa parte do uísque.

Arregalei os olhos.

― Aqueles dois? ― Ri, sacudindo a cabeça. ― Eles se

matariam se ficassem juntos.

― Por isso dei a ideia de ele vir ao meu território por um

tempo. Nunca obrigaria a minha irmã a casar-se com quem não


quer, mas se ela desenvolvesse sentimento pelo garoto… Também

estou ciente de que seu irmão não a tocaria sem a autorização de

Belinda. Se pensasse o contrário, jamais sugeriria um acordo

desses.

― O problema é que eles são como o fogo e a gasolina. Vão

acabar explodindo tudo ― observei. ― Têm certeza?

― Em nossa família, as mulheres devem casar-se até os

vinte e cinco, no máximo. Belinda completou vinte e quatro e já

rejeitou vários pretendentes. Fora quem dava em cima dela na

escola e na faculdade.

Não entendia aqueles que apreciavam a personalidade de

Belinda. Eu gostava de meninas calmas, como Luna, e não

espevitadas, iguais à Jade. Bem, até minha cunhada seria

considerada dócil, comparada à garota Castilho.

― Apresentei a ela homens leais e honrados, mas minha

irmã não quis. Como nosso pai, deixamos que se casasse quando
se apaixonasse. Só piorou o cenário, porque Belinda não vai fazer

isso com quem a teme. ― Fabrizio maneou a cabeça para nós. ―

Stefano, pelo contrário, lidaria com ela sem que se matassem.

― Stefano é uma força da natureza, igual a ela. ― Assenti.

― Acho que pode rolar. Mas contaremos a ele? Porque sua opinião

sobre casamento não é das melhores.

― Ele não pode saber; nenhum deles pode ― falou

Alessandro. ― Vamos esperar que a convivência os leve a gostar

um do outro.

― Ela toma conta do nosso ringue de lutas clandestinas, ele

pode ajudá-la com isso. Creio que os aproximaria. ― Fabrizio

recostou-se na cadeira. ― Prefiro seu irmão a Belinda sendo

obrigada a escolher um cara aleatório daqui a alguns meses.

― Não podem mudar a lei de idade fixa para casamento? ―

questionei.
― Não. Meu pai mudou algumas, desde meu avô e bisavô,

mas certas regras estão acima do Don. Temos os anciões, que

formam um conselho para ficar de olho nas normas; o casamento é

uma delas, impossível de quebrar. ― Mexia-se enquanto falava. ―

Por isso busco essa nova oportunidade. Stefano será bom para a

minha irmã. Vou prestar atenção no seu comportamento em sua

estadia conosco. O que acha?

― Rafaelle vai se casar daqui a poucos meses, então

decidiremos depois disso. Acredito que dará certo ― concordou

Alessandro.

Pisquei.

― Ele vai se casar? Já retornou da ilha onde estava com

Mália? ― Rafaelle tinha levado a menina González para sua ilha a

fim de acertar as coisas, afinal, omitira da garota a morte do pai

dela. Além disso, passou quase um mês atrás de Tomaso e Sultão,

que, felizmente, agora habitavam o Inferno.


― Não, mas me comunico com ele. Tudo se ajeitará.

Demorará um pouco porque ela tem que ir em uma competição de

patinação no gelo ou algo do tipo. Depois ajeitaremos este plano.

― Nem acredito que terei que bolar um plano para motivar

minha irmã a casar-se com o seu. ― Fabrizio tomou o resto da

bebida em um gole só.

Eu ri.

― Verdade. Dou graças aos Céus que Luna não se parece

nem um pouco com ela. ― Estremeci. ― Essa garota esmagaria as

bolas de um homem, se tivesse a chance.

― Já fez isso aí mais de uma vez. Ela é uma lutadora

brilhante, deixa muitos caras no chinelo. Tem prática com armas,

facas, espadas…

― A lista é longa, pelo jeito.

― Ainda na infância ela insistia para ser treinada como nós.

Eventualmente, meu pai a autorizou a trabalhar no ringue.


Alessandro terminou sua bebida e disse:

― Também não quero forçar meu irmão a casar, por isso

concordo com a ideia de possibilitarmos que se conheçam e se

gostem. Química há. Quem sabe daí não venha o amor, não é?

Espero que sim. Mas, se não der certo, adianto que não vou obrigá-

lo. Seria pior.

― Vamos torcer para funcionar, pois não acho que exista

outro homem apto a lidar com minha irmã. Veremos como a história

se desenrola. Agora, mudando de assunto… Sultão e Tomaso foram

eliminados, então as coisas devem entrar nos eixos para Rafaelle e

Razor. E para nós também.

― Uma folga dos problemas é sempre excelente, tomara que

continue assim por muito tempo. ― Fiquei de pé. ― Vou checar o

que aqueles dois andam fazendo com minhas filhas.

― Antes de sair, precisamos falar sobre Sage.


Trinquei os dentes ao recordar o que o maldito armou. Confiei

nele com minha mulher e minhas filhas, apenas para enganar todos

nós no final. Notei que Alessandro pensava o mesmo.

― Sei que vocês desenvolveram uma certa antipatia por

Sage devido ao que fez, mas Luna gosta dele e sente sua falta. A

decisão, porém, cabe aos dois. Só vou autorizar que Sage venha se

estiverem de acordo.

Dizendo isso, ampliou meu respeito por ele. Importava-se o

suficiente com Luna para insistir na visita, mas também não

ignoraria nossa aversão a Sage, motivada por sua deslealdade aos

Morellis.

― Por mais que odeie as atitudes dele, por Luna, eu faria

qualquer coisa. Se ela quer vê-lo, não me oponho ― anunciei a

verdade.

― Se fosse por mim, eu o mataria ― sentenciou Alessandro.

Uma sombra apareceu no rosto de Fabrizio.


― Isso está fora de questão, ele é casado com minha prima,

portanto, da família. Eu jamais permitiria ― respondeu, seco.

Alessandro deu um sorriso frio.

― O que teria feito se eu tivesse mandado um infiltrado para

sua família? ― desdenhou.

― Entendo a situação, mas tente compreender que ele não

espionou seus negócios, não foi enviado por essa razão, e sim para

cuidar da minha irmã.

― Não precisava cuidar da… minha irmã ― rosnou

Alessandro.

― Senhores, acalmem os ânimos, Luna já tem muitas

preocupações na cabeça; não adicionem mais essa desavença. E a

esposa é minha…

― Nem por isso deixa de ser minha irmã ― cortou

Alessandro.
― Nossa, não se esqueça disso ― lembrou Fabrizio, mais

sereno.

― O que eu ia dizendo é que a esposa é minha, então eu

decido, não? E minha decisão sempre envolverá respeitar a vontade

de Luna ― falei, resoluto, encarando Alessandro. Ele deu um leve

aceno. Prossegui: ― Mas estarei junto nesse encontro.

― Como quiser ― replicou Fabrizio. ― Ajeitarei as coisas.

― Agora sim vou ver minhas filhas. ― Suspirei. ― Não confio

naqueles dois…

Saí. Embora sozinhos, Alessandro e Fabrizio não se

matariam. Eram líderes e, afora isto, sabiam que a única a terminar

machucada seria Luna. Nenhum de nós desejava isso.

Parei antes de chegar à sala. A cena diante de mim me fez

piscar algumas vezes.

Stefano estava sentado no chão, ao lado de Belinda,

estendendo as mãos para Kélia e Carmen, que se encontravam à


frente deles, sentadas no carpete.

― Fique de pé, Kélia! Venha na titia ― pediu Belinda

sorrindo.

― Faça o mesmo, Carmen! Aqui no tio Stefano.

Algumas mães de gêmeos preferem arrumá-los de modo

idêntico, mas Luna as veste de maneira diferente. Não queria que

ninguém as confundisse. Também usavam pulseiras com seus

nomes nos bracinhos.

As duas tinham muito de nós: cabelos castanhos e olhos

azuis. Naquele instante, trajavam vestidos rodados.

Stefano e Belinda pareciam competir por algo (ao menos era

isto que aparentava).

Para a minha surpresa, as garotas riam, adorando a

brincadeira. Eu amava seus sorrisos lindos e agradecia aos Céus

por tê-las.
Nós estávamos ensinando-as a andar, mas Luna não

pretendia forçá-las. Dizia que, quando chegasse a hora, o fariam. Eu

concordava.

Entretanto, ver Kélia levantar sua bunda do chão e ficar de pé

encheu meu coração de orgulho. Carmen a imitou, na sequência.

Nunca imaginei que ser pai faria eu me sentir dessa forma,

como se meu peito fosse explodir de felicidade. Desde que Luna me

contou da gravidez, eu já me sentia assim. Mas agora, enxergando

isso? Estava em completo êxtase.

Ouvi alguém se aproximando. Nem liguei, focado em minhas

preciosas filhas dando seus primeiros passinhos.

― Isso, princesinha da tia, olhe o que tenho para vocês duas.

― Belinda, virada para Kélia, tirou dois brinquedos pequenos do

bolso da calça, mostrando para as garotas.

Com isso, animaram-se ainda mais. Até Carmen abandonou

Stefano e foi na direção de Belinda com seus passinhos trêmulos.


― Você está trapaceando ― rosnou Stefano.

― Não jogo limpo, Foguete ― respondeu, sorrindo para as

meninas, que chegavam cada vez mais perto dela.

Foguete? O apelido resumia tudo. Stefano era como uma

explosão. Não só ele, Belinda também.

― Você… ― Seja o que for que pretendia dizer, desistiu.

Erguendo-se, levou a mão ao bolso.

Provavelmente daria pirulitos para as duas, tal qual fazia com

Vicenzo e Graziela. Se ele tomasse essa atitude, as meninas

mudariam de rumo, pois adoravam pirulitos.

Porém, ao ver o sorriso das três, suspirou e retirou a mão

vazia do bolso. Jogado no sofá, observou-as.

As duas alcançaram Belinda. Kélia ia cair, ao que corri para

impedir que se machucasse, contudo, a garota Castilho conseguiu

segurar Carmen e ela.


― Parabéns, minhas lindas! ― bradou, sentando-as

novamente e lhes entregando os brinquedos. ― Divirtam-se. Vocês

merecem, pelo esforço. Foram maravilhosas.

Elas talvez nem entendessem seu carinho, mas eu estava

apreciando a forma que tratava minhas bebês.

― Obrigado por nos proporcionar isso ― Fabrizio disse, perto

de mim.

Nem havia reparado na presença dele e de Alessandro.

― Pelo que agradece? ― Franzi a testa, sem desviar

atenção das meninas.

― Belinda não sorria assim há muito tempo, desde que

soube da doença de nosso pai. ― Contemplou a irmã sorridente. ―

Suas filhas resgataram a felicidade dela, por isso sou grato. Elas

conseguem conquistar qualquer um.

De fato. Então notei que tinha mais gente na sala: Benjamin e

Santiago estavam à direita de Valentino, todos acompanhando a


cena divertida. Só faltava Serena, que se situava no andar de cima

com o seu pai.

― Puxaram à Cachinhos. Ela é como uma estrela: por onde

passa, resplandece ― expliquei com fervor.

Alessandro acrescentou apenas para mim:

― Minha mãe sempre disse que Jade e Luna seriam nossa

luz em meio à escuridão. Realmente foram elas que nos tornaram

quem somos.

Entendia o que queria dizer: a questão de não terem se

transformado em cópias sádicas de Marco. Correriam esse risco,

não fosse a bondade de sua mãe, Jade e Luna. Claro, nenhum de

nós era um santo; longe disso, éramos assassinos. Mas não

havíamos perdido totalmente a humanidade.

― Sim. ― Fitei-o, mudando de assunto: ― Viu o que Stefano

ia fazer? Acho que temos chances de tudo dar certo no futuro.


― Notei, sim. Conteve-se e não entregou os pirulitos às

pequenas. ― Avaliou o irmão, que admirava uma Belinda alegre e

toda melada de baba de bebê.

― Sim. Sua estadia aqui será positiva. Com a convivência, é

inevitável se apaixonarem, sendo tão parecidos. ― Conversávamos

baixo para ninguém ouvir, principalmente Stefano.

― E minha irmã, como está?

― Bem, na medida do possível…

― Ela se apegou ao Paolo, não é? ― Soltou um suspiro

triste. ― Odeio ver Luna sofrendo.

Compartilhávamos essa aversão, mas valera a pena: Luna se

iluminava quando Paolo falava mais da mãe dela. Aquilo

compensava qualquer sacrifício.


Luna

― Ela tinha o sorriso mais lindo que já vi na vida ― comentou

Paolo.

Estávamos em seu quarto, falando de mamãe. Fazíamos isso

diariamente. Ele gostava de reviver suas memórias com ela, assim

como eu.

― É mesmo. Até doente ela se fingia de forte para não nos

preocupar, embora eu visse o quanto doía. ― Decerto era uma

coisa de pais. Eu também faria tudo pelas minhas filhas.


Sempre adorei falar de minha mãe. No começo, machucava,

mas saber que ela foi feliz ao menos um pouquinho ajudou a aliviar

um pouco a falta que sentia dela todos esses anos.

― Bons pais se esforçam para que os filhos não sofram. ―

Encarou um quadro na parede. Neste, via-se sua prole inteira,

inclusive eu. Paolo pedira para colocarem lá alguns dias antes, no

intuito de sentir-se mais próximo de nós em seus momentos finais.

― Mas nem sempre podemos evitar. Com sua mãe deve ter sido

assim também.

― Sim, na noite em que ela se foi, fui vê-la. Mamãe estava

de pé, guardando algo no armário. Depois eu descobri que eram

cartas para nós. Escreveu uma para cada um de seus filhos e pediu

para abrirmos quando nos casássemos.

― Kélia adorava escrever, nos comunicamos desta maneira

ao longo de anos. ― Encolheu-se. Eu não sabia se era pela dor ou

pelas lembranças. ― Todos abriram as cartas?


Sorri de leve.

― Falta Stefano. Ele está chateado, pois acha que nunca

será aberta, afinal, diz que não se casará. ― Eu esperava que sua

opinião mudasse. Talvez Belinda conseguisse fazê-lo assimilar o

significado da palavra “matrimônio”. Mas minha irmã era tão teimosa

quanto ele em relação a isso.

― Ele conseguiu resistir à curiosidade? ― impressionou-se.

― Stefano sempre fez tudo pela nossa mãe, jamais

descumpriria um pedido dela. Imagino que mamãe, ciente do seu

gênio, tenha agido assim para insistir que ele entregue seu coração

a alguém. Meu irmão parece não entender que amar não é sinônimo

de fraqueza. Miguel me dá mais forças, dia após dia. O amor de

verdade só nos fortalece. Torço para que Stefano veja isso. ―

Suspirei.

― Será que ele me permitiria conferir a carta? ― sondou. ―

Preciso checar algo.


― Acredito que sim. Ele a carrega aonde for; se meu irmão

está aqui, a carta veio junto. ― Franzi a testa. ― Por que o pedido?

Está ciente do plano de juntar meu irmão à Belinda, né?

― Sim. O garoto é uma explosão, mas é leal aos seus.

Stefano não deixaria que Belinda o afastasse, caso estivesse

interessado nela. Minha filha tem isso, não permite que ninguém

chegue perto o bastante. Neste aspecto os dois se parecem muito.

― Sua voz saía cada vez mais fraca. ― Eu adoraria ver essa carta

para conferir o que sua mãe pensava sobre a futura noiva do filho.

Apenas um tipo de mulher domaria um rapaz desses. Eu acredito

que essa mulher possa ser Belinda.

― Vou falar com Stefano. ― Meu irmão não se oporia. ― O

senhor espera que os dois se casem?

― Sim, seria muito gratificante. Sua mãe teria gostado disso

também.
Sim, mamãe adoraria uma nora como Belinda,

simultaneamente geniosa e amorosa com aqueles com quem se

importava.

― Sinto falta da mamãe. ― Sentei-me na cama. ― Queria ter

tido mais tempo com ela.

― Eu me arrependo de ter feito pouco pelo nosso

relacionamento, pelo que sentíamos. Eu deveria ter lutado por Kélia.

― Afundou-se nos travesseiros.

Paolo estava pior a cada dia. Sua respiração pesada e a

dificuldade para movimentos mínimos cortavam meu coração. Eu

disfarçava minha tristeza ― suas outras filhas faziam o mesmo.

Usava um método similar ao que mamãe empregou para nos

proteger.

Belinda, havia pouco, estava conosco, mas nosso pai a

obrigou a ir descansar. Contrariada, aceitou a ordem.


Logo mais eu sairia, e Serena ficaria com ele. Nós três

revezávamos. Seus filhos iam vê-lo também, mas as meninas

apareciam com maior frequência.

Ainda custava a acreditar que tinha mais seis irmãos. Éramos

dez ao total, contando Castilhos e Morellis. Adorava famílias

grandes, sempre quis uma, e enfim conseguira. Devia tudo à

mamãe. Ou melhor, apenas em parte: as minhas filhas foi Miguel

quem me deu.

― Deveria ter eliminado Marco antes disso tudo acontecer.

Mas, se o fizesse, Alessandro teria que revidar. Sua mãe não

suportaria tanta dor ― continuou, me resgatando dos meus

devaneios.

― Alessandro nunca… ― Parei, hesitante. Na realidade, sim,

meu irmão teria se vingado. Tornaria-se capo, logo, seria sua

responsabilidade para conquistar seguidores.


― Ele faria, no final. ― Paolo me lançou um sorriso triste. ―

Virando o capo, agiria de acordo. Ao menos Alessandro foi esperto

ao longo de todos aqueles anos, trazendo pessoas para seu lado e,

no momento certo, dando o bote para derrubar Marco.

― É… Com Marco morto, meu irmão assumiria os negócios,

mas mamãe poderia nos dizer a verdade… Ela não teria escondido

nada de nós ― sussurrei mais para mim mesma, porque ninguém

poderia me garantir aquilo. Apenas minha mãe conseguiria, e ela

não estava mais ali.

Mesmo assim, respondeu:

― Talvez esteja certa, mas não podemos perder tempo

revivendo o passado, agora é tarde para arrependimentos. ― Usava

um tom triste, contudo, sorria de leve. ― Agradeço por ter você e

meus outros filhos.

― Também fico feliz por tê-los em minha vida.


― Sei que tenta esconder de mim o que está sentindo, Luna,

mas não é necessário. Lamento que todos vocês estejam passando

por isso… me sinto tão impotente. ― Encarou a janela, parecendo

enxergar além dela. ― Quando soube da doença de Kélia, meu

mundo ruiu. Eu me pegava a pensar na dor que deve ter passado

sozinha naquela casa…

― Mamãe não estava sozinha. Sempre permanecemos junto

dela ― murmurei.

Ele me fitou com uma aflição que me tirou o fôlego por um

segundo.

― Eu sei, querida, mas você era criança, como sua irmã.

Ouvi que Marco mal as deixava ficar com sua mãe. Queria ter ido

até ela… ― Sua voz falhou. Notei seus olhos molhados, mas não

derramou lágrimas. ― Porém, se me aproximasse, ele poderia

machucar vocês antes que eu impedisse.


Sequei minha face e inspirei para controlar a dor que me

consumia.

― Pai, não fique assim. ― Abracei-o, pondo a cabeça em

seu peito, que já quase não batia. ― Parte meu coração vê-lo desse

jeito.

Sua respiração se acelerou.

― Você me chamou de pai? ― A voz recobrara a vida.

Levantei o rosto, mirando aqueles olhos da cor dos meus.

― Já o chamei de pai antes… ― No início, era estranho, mas

se tornou fácil após eu começar a amá-lo. Eu adorava o sentimento

por trás dessa palavra.

Apreciei a chama de felicidade que se acendera em seu

olhar.

― Só quando eu pedia ― comentou, ansioso. ― Agora fez

porque quis!
― Nas outras ocasiões eu também fiz por vontade própria. ―

Fui me afastar para fitá-lo, mas papai não deixou. ― Eu só demorei

a me acostumar com a ideia de que tenho um pai bom. Um que se

preocupa comigo.

Acariciou meus cabelos.

― Você me tornou o pai mais feliz deste mundo… ― Sua

respiração estava desigual.

― Não fale, por favor ― pedi com urgência. ― Poupe suas

energias.

― Nada do que sinto agora me roubará a alegria de ouvi-la

me chamando de pai. ― Sorriu, a despeito da dor física.

― Descanse. Prometo que direi de novo assim que acordar

― falei, mais calma.

― Jura?

― Sim, papai.

Relaxou nos travesseiros quando eu assenti.


― Obrigado…

Depois disso, ele dormiu. Os remédios que tomava o

derrubavam, mas se os recusasse, sofreria ainda mais. A morfina

ajudava apenas um pouco.

Estranho… Vivi tantos anos odiando a palavra “pai”. Bem,

“odiar” seria exagero, mas não gostava de pronunciá-la. Marco

nunca foi um pai de verdade, nem comigo, nem com seus filhos

biológicos. Era desumano, recebeu o que merecia dos meus irmãos.

Por culpa dele, fui privada de estar com minha mãe em seus

momentos finais. Minha história teria sido diferente se eu

conhecesse Paolo antes… Adoraria desfrutar a possibilidade de

amá-lo intensamente, como fazia naquele instante.

Coloquei a mão na boca e chorei sem fazer barulho, evitando

acordar meu único e verdadeiro pai.


Luna

Stefano estava no quarto com meu pai havia alguns minutos.

Eu pedira a ele para deixar Paolo ler a carta que minha mãe

escreveu.

A princípio, Stefano negou; disse que era algo pessoal

demais. Eu conhecia seu motivo: meu irmão morria de ciúmes de

saber que outra pessoa leria o que ele não podia.

Eu insisti, disposta a fazer todas as vontades do meu pai, ao

menos as que estavam a meu alcance.


“Só por você eu aceito isso, Luna”, disse meu irmão antes de

entrar no quarto. “Mas vou conversar com ele para saber o motivo

de querer ler minha carta.”

Agora se encontravam lá dentro, conversando a sós. Fiquei

do lado de fora, impaciente. Poderia espiar, mas não era tão curiosa

a ponto de desrespeitar a privacidade alheia.

Minutos depois, meu irmão saiu, franzindo a testa enquanto

colocava sua carta no bolso. Ele nunca se afastava dela, nem por

um segundo.

― Ele contou por que deseja ler a carta? ― indaguei.

― Disse apenas que foi porque nossa mãe a escreveu. ―

Sua voz saiu baixa.

― Você leu?

Sacudiu a cabeça.

― Não, pedi que não me contasse o teor do conteúdo. Seja o

que for, pareceu agradá-lo. ― Aparentava confusão.


― Deve ter sido difícil deixá-lo ler primeiro. ― Suspirei. ―

Poderia conseguir uma namorada e…

Ele riu e me puxou para seus braços.

― Sem essa de bancar a santa casamenteira, tá? Não vou

ser domado. Jamais darei esse poder a ninguém. ― Havia algo de

letal naquelas palavras.

― Stefano, entregar seu coração a alguém não o tornaria

fraco. Pelo contrário: o fortaleceria.

― Não vamos falar sobre isso, Luna. Por que não entra?

Acho que o velho está contente após a leitura, deve querer

compartilhar o sentimento com uma de suas filhas. ― Afastou-se,

entristecido, indo para o andar de baixo.

― Amo você, Stefano. Desejo que seja feliz. E será, se

quebrar essa barreira que construiu em volta do seu coração ― falei

às suas costas.

Ele parou, mas não virou.


― Em meu coração só existem trevas, Luna. Odiaria obrigar

qualquer pessoa a lidar com isso. ― Sorriu, virando-se para mim,

mas não era o sorriso que eu amava. ― São poucas as mulheres

que estão aqui. ― Tocou seu peito. ― Não preciso de mais

ninguém.

Desceu antes que eu objetasse. Referia-se à Jade, mamãe,

Graziela e eu, mas estava enganado: nós não éramos o suficiente.

Ele necessitava de alguém com quem pudesse compartilhar todos

os seus pensamentos, suas vitórias e derrotas. Alguém como o

Miguel era para mim.

Todos confiavam que Stefano e Belinda ficariam juntos, e eu

esperava que sim, embora nenhum dos dois desse o braço a torcer.

Deixei de pensar nisso e foquei em meu pai, que piorava.

Peguei sua mão e segurei firme, desejando ter forças para passar

por isso. A vida é tão injusta, poderíamos ter tido mais tempo. Cada

batida do relógio nos afastava mais e mais.


― Por favor, me diga que ele… ― Uma voz atormentada veio

da porta.

Levantei a cabeça, me deparando com Serena de pé, seus

olhos molhados.

― Não! Ele só está dormindo ― tranquilizei-a.

Ela colocou a mão em seu coração e respirou fundo. Depois,

sentou-se do outro lado da cama, pegando a mão de papai.

― Me sinto tão impotente ― sussurrou, abatida.

― Também me sinto assim. Tive pouco tempo com ele ―

Contemplei o rosto adormecido. ― Queria muito que se curasse.

― O estágio da doença é avançado. Mesmo com a

quimioterapia e os outros remédios, o tratamento é só paliativo… Eu

sempre insisti que fizesse exames de rotina, mas papai refutava,

falando que ninguém morre antes da hora. Isso dificultou tudo.

Poderia ter se prevenido, não chegado a esse estado.

― Ele não passou mal em nenhum momento?


― Passou, mas não ficamos sabendo inicialmente, só

quando sua situação piorou. Na hora, Belinda e eu o obrigamos a

fazer o checape, mas era tarde… ― Observou-o. ― No fundo, sei

que não buscou sua cura porque acha que merece sofrer. A culpa o

corrói.

― Culpa? ― indaguei, mesmo tendo certa noção do que

Serena dizia.

― Sim, ele se martiriza pelo que aconteceu à Lorena. ―

Seus olhos umedeceram com as lembranças.

― Se não quiser tocar nesse assunto, não precisa, ok? ―

Falar de quem perdemos é doloroso demais.

― Não, preciso desabafar ou vou explodir ― sussurrou

encolhida. ― Éramos tão próximas, sabe? Além de gêmeas,

fazíamos tudo juntas. Inseparáveis.

Eu entendia: Jade e eu também tínhamos uma amizade que

ultrapassava os laços sanguíneos. Eu morreria pela minha irmã.


― Lamento tanto… ― Como existem pessoas tão cruéis

neste mundo? Todos os lugares estavam cheios de gente ruim,

capaz de atrocidades que me arrepiavam.

Perder um irmão deve ser insuportável. Senti na pele essa

dor quando pensei que Alessandro morrera.

Embora ciente de que Paolo partiria em breve, não era o

mesmo que uma morte repentina. Isso que os Castilhos enfrentaram

acabaria com a sanidade de qualquer um. Saber o que a pessoa

passou, o que sentiu naqueles minutos horrendos…

― Obrigada. Faz cinco anos, mas a angústia permanece.

Nunca diminui. ― Inspirou fundo e estremeceu.

― Minha mãe se foi há mais de uma década e ainda sinto

essa perda. Nós aprendemos a lidar na medida do possível, a ideia

torna-se suportável, mas jamais esquecemos. Deus nos ajuda a

suportar, ou muitos não aguentariam seguir em frente. No seu caso,

é um pouco diferente… Dizem que gêmeos são ligadas pela alma.


― Verdade, éramos como metade de um todo. Mal superei a

perda, e agora vem isso com meu pai. ― Tocou seus cabelos. ― O

que vou fazer sem ele? Papai é tudo em minha vida, meu amigo e

confidente. Ele sabe como me sinto. Sempre choro em seus braços

por saudade de Lorena. Digo a ele que não é sua culpa, e sim

minha… ― Chorava baixo para não acordá-lo.

Durante toda a minha vida eu quis um pai assim. Finalmente

o encontrara.

Fitei-a, sem entender a razão de suas palavras. Minha irmã

estava de cabeça baixa, logo, não pude ler sua expressão.

― Serena, não é culpa de ninguém. ― Peguei sua mão livre

e apertei delicadamente. ― Os únicos culpados são os monstros

que a machucaram.

― É, sim. ― O tormento tomava suas feições. ― Se não

fosse por minha causa, ela não teria saído aquele dia.
Não sabia do que estava falando, mas não disse nada, só

deixei que tomasse seu tempo.

― Ei, vai ficar tudo bem. ― Sentei-me mais perto dela e a

abracei. ― Não se atormente desse jeito. Não sei o que aconteceu,

mas duvido que seja culpada.

Ela chorou ainda mais, agarrando-se a mim, como se

buscando forças.

Meu coração bateu descompassado ao vê-la nessa situação.

Acarinhei seus cabelos ruivos, tão similares aos meus, exceto pelo

fato dos dela serem lisos, e não cacheados. Puxei ao meu pai.

― Quer me contar o que houve? Talvez alivie esse peso que

carrega. ― Eu duvida que tivesse provocado o mal de Lorena.

Os únicos culpados eram os malditos que a roubaram de sua

família e a machucaram. Ela poderia estar com a gente; eu poderia

conhecê-la.
― Tínhamos os mesmos gostos para tudo. E isso inclui o

gosto para homens…

Pisquei, mas omiti meu choque, mesmo que ela escondesse

sua cabeça em meu ombro, logo, não veria minha expressão

perplexa.

― Quando ela me disse que estava gostando de um cara,

não sabia que se referia ao mesmo por quem eu havia me

apaixonado. ― Afastou-se, olhando para suas mãos. ― Eu o

conheci em Paris, num intercâmbio. Por um tempo, fomos apenas

amigos, mas o sentimento cresceu. Nunca tinha conhecido alguém

como ele, sabe? Legal e cavalheiro, diferente de vários rapazes.

― Esse homem enganou vocês duas? ― Trinquei os dentes.

Sacudiu a cabeça.

― Não. A confusão se deu pois eu o conhecia pelo seu nome

real e, minha irmã, só pelo apelido. Por isso não nos demos conta. E

ele não sabia que minha irmã estava interessada. Eu não via Lorena
há meses, só nos falávamos por telefone. Embora eu o tenha

encontrado em Paris, Mariano é amigo dos meus irmãos, têm

negócios juntos. Foi assim que ela passou a gostar dele. ― Limpou

o rosto molhado. ― Eventualmente, Mariano pediu minha mão em

casamento. Feliz, contei à Lorena. Diria aos meus irmãos na outra

semana. Lorena foi me visitar no dia seguinte, e Mariano tinha ido lá

cedo para me ver. Estávamos nos beijando quando ela e Valentino

entraram no meu apartamento. Minha irmã possuía as chaves do

lugar, para emergências ou caso resolvesse me visitar de surpresa.

― E o que aconteceu? ― questionei, atônita.

― Seu olhar de traição se agravou ao enxergar a aliança no

meu dedo. ― Mirou a janela, perdida nas memórias. ― Ela me

acusou por não dizer a verdade… Como se eu fosse capaz de ficar

com o garoto que Lorena amava. Eu não sabia que era Mariano!

― Você não errou, ninguém manda nos sentimentos ―

sussurrei.
― Eu sei, mas Lorena não me esperou explicar. Até eu achei

que Mariano estava mentindo para mim e enganando nós duas. A

dor dela era a minha também. A suposta mentira dele foi demais…

― Apertava suas mãos, que ficavam mais brancas do que já eram.

Seu corpo tenso prenunciava o desfecho da história. ― Lorena me

xingou e saiu correndo do apartamento, desgovernada. Eu, em

choque, não fui atrás dela. Valentino a seguiu… Continuei ali,

discutindo com Mariano, que jurou desconhecer os sentimentos

dela. Lorena nunca chegou a confessá-los. ― Suspirou. ― Mariano

era bom com todos, talvez por isso minha irmã gostasse dele. Quem

não o amaria?

― Você acreditou que ele não sabia de nada, que não

suspeitou do que ela sentia?

― Mariano não é de mentir. Costuma ser excessivamente

sincero. Se ele tivesse notado, teria contado sobre mim, sobre nós.

― Lamento, querida…
― Se nada disso tivesse ocorrido, ela ainda estaria com a

gente. Não teria sido sequestrada ao sair do apartamento… ―

Soluçava. ― Foi a última vez que a vi, furiosa comigo por achar que

eu a traí. É minha culpa.

― Não diga isso. Se houvesse ido, sequestrariam você

também. ― Não queria nem pensar nessa ideia. ― Nosso pai não

conseguiria lidar com duas perdas ao mesmo tempo.

Ela se encolheu, atenta a Paolo.

― Hoje, quando meus familiares olham para mim, me sinto

envergonhada, num luto eterno. Principalmente Valentino ―

balbuciava. ― Ele presenciou tudo o que ela passou nas mãos

daqueles malditos.

Abracei-a de novo. Eu não podia fazer muito, mas ao menos

continuaria ali, reconfortando-a.

― Nunca pense que é sua culpa, Serena.


― Não suporto ver minha família triste, por isso mal venho

para casa. Acho que me olhar os machuca. Acabei perdendo

momentos preciosos com meu pai; poderia ter ficado mais ao seu

lado, obrigando-o a ir ao médico. Agora é tarde. Impossível

recuperar o que foi perdido. ― Secou os olhos ao se afastar.

― Não foque nisso, tá? Não vale a pena sofrer antes da hora.

Precisamos ser fortes por ele, ou papai se sentirá mal. É difícil, mas

lutaremos juntos. Não passei pelo que viveu com Lorena, mas

entendo, em parte, sua dor. Reforço que todos aqui amam você,

independentemente do quanto se pareça com ela. Todos se alegram

ao tê-la por perto.

Os Castilhos a adoravam, sim. Esse tipo de amor

incondicional não pode ser anulado por acontecimento nenhum.

Sentiam por ela o mesmo que por mim e por Belinda.

― Obrigada por me permitir desabafar. Um peso enorme saiu

das minhas costas.


― Irmãs servem para isso. ― Forcei um sorriso para aliviar a

tensão.

― Irmã ― destacou a palavra, contente. ― Gosto disso.

Adorei saber que tenho mais uma. Fiquei animada quando papai me

disse.

― Também fiquei quando li a carta que minha mãe deixou,

revelando tudo. ― Respirei fundo. ― Desculpe tocar no assunto de

novo, mas… O que houve entre você e o seu noivo?

Sua respiração tornou-se pesada.

― Após a… a morte de Lorena, Mariano e eu terminamos.

Foi por gostar dele que minha irmã saiu daquele jeito e nunca mais

voltou para mim. Não o vejo há muito tempo. A última vez foi no

velório dela. Eu disse coisas de que me arrependo.

― Se ele a amasse, não ligaria para palavras ditas na hora

da dor. Mariano lutaria por você. ― Era o que eu faria por Miguel.
― Não… Eu o acusei, sendo que ele não fez nada. ― Em pé,

olhava através das vidraças. ― Recentemente, Mariano quase

morreu com o ataque à sua família, no qual seu pai faleceu. O medo

de perdê-lo me desequilibrou. Considerei ir à sua procura, mas

Benjamin me alertou de que seria perigoso aproximar-se naquele

momento. Tentei ligar, mas não atendeu. Ali, entendi que tudo, de

fato, acabou. Hoje em dia, ele é mais Razor (seu apelido na máfia,

aquele pelo qual minha irmã o conhecia) do que meu amado

Mariano.

― Esse Razor não é irmão da Mália? A namorada do meu

irmão? ― Lembrei-me de Alessandro contando que foi Razor quem

levou Rafaelle. Mália até pediu desculpas. ― Ele sequestrou meu

irmão!

― Esse mesmo. Parece que fez isso para instigar uma

aliança. ― Tocou o rosto do pai. ― Não quer descansar, Luna?


A julgar por sua entonação, ela não desejava falar sobre ele,

então me contive.

E, sim, eu estava cansada, mas odiava me afastar de Paolo.

Não queria ficar longe do meu pai. Pai! Palavra que, agora, aquecia

meu peito. Retornei para o meu quarto pensando nisso.

As minhas bebês estavam dormindo em seu berço. Papai

pretendia arrumar um quarto para elas, mas Miguel não aceitou:

manteria ambas sob suas vistas. Sua confiança nessa nova família

só viria com o tempo. Demoraria um pouquinho, mas chegaria lá.

Vi Miguel sentado no sofá com um copo de uísque na mão,

olhando um tablet. Ele não dormia enquanto eu não voltasse para a

cama.

Ao me notar, colocou o tablet de lado, assim como a bebida,

e estendeu a mão para mim.

Fui até ele e me sentei em seu colo, pondo os braços à sua

volta.
― Tirei a sorte grande ao me casar com um homem como

você. ― Escondi meu rosto em seu pescoço, inspirando a essência

que amava.

― Somos dois. ― Beijou meu ombro de maneira gentil. Havia

semanas não ficávamos juntos sexualmente; minha cabeça não

estava boa para isso.

― Eu o amo tanto ― declarei com um bocejo. ― Obrigada

por me aturar.

― Você é minha esposa e mãe de nossas meninas. Faria

tudo pelas três. ― Pegou-me nos braços.

― Na alegria e na dor, na saúde e na doença… ― repeti

nossos votos de casamento.

Exausta para ir eu mesma para a cama, me deleitei em seus

braços.

― Durma, querida. ― Beijou meus cabelos.

Estava dormindo antes de ser colocada no colchão.


Luna

Dias após a conversa com Serena, fiquei pensando no que

disse de Valentino não olhar muito para ela, devido a ser gêmea

idêntica da irmã.

Não conseguia crer nisso; devia ser coisa da cabeça dela.

Pelo pouco que conhecia de Valentino, sabia que sofria por Lorena,

mas não significava que não conseguia ver Serena sem magoar-se.

Levantei-me cedo, pois precisava falar com ele. Faria aquilo

sem quebrar a confiança de Serena, embora ela não tivesse pedido


segredo. Não aguentava essa distância entre eles, talvez por que

meus irmãos e eu nunca brigamos. Bem, exceto quando me

levaram a crer que Alessandro havia morrido, omitindo a verdade.

Doeu, na época. Atualmente, já entendia que foi necessário.

Bati à porta do quarto dele. Não demorou para ser aberta.

― Luna? ― Piscou por um segundo; depois, percebi

preocupação em seu rosto. ― Meu pai?!

Amedrontado, aguardou minha resposta. Eu até travei

ligeiramente, só de pensar na ideia.

― Não, ele está bem. ― Na medida do possível, pensei. ―

Só queria falar com você. Posso entrar?

Respirou fundo, aliviado, cedendo espaço para que eu

entrasse.

― Claro. ― Abriu mais a porta, e eu passei por ela,

posicionando-me perto da cama dele.


Valentino estava de short e sem camisa. Distingui inúmeras

cicatrizes, mesmo através das diversas tatuagens. Seriam do tempo

em que foi preso e torturado? O que ele deve ter sentido, não só

fisicamente, mas mentalmente também… Suspirei, pesarosa.

― Luna? ― chamou.

Eu encarava aquelas marcas, enojada pelo comportamento

de alguns seres humanos. Pigarreei, sussurrando em seguida:

― Desculpe. ― Havia algo entalado em minha garganta,

decerto em razão da raiva que sentia de seus torturadores.

― Tudo bem. O que quer? ― Pegou uma camiseta.

― Não precisa se vestir por minha causa, já vi muitas

cicatrizes nos meus irmãos. ― Stefano, em especial, possuía várias.

Não queria que pensasse que as achava feias ou repulsivas.

Até Miguel tinha muitas. Eu não ligava para as marcas, e sim para

os monstros que as colocaram lá.

Assentiu e me avaliou, esperando que dissesse algo.


Fiquei nervosa: não queria que sofresse ao recordar

memórias ruins. Apenas gostaria que Serena parasse de se culpar.

― Luna, você tem algo a dizer, posso ver. Não tenha medo.

― Franziu o cenho. ― Algum problema entre você e Miguel? Pode

me dizer qualquer coisa, se ele…

Eu o cortei, sabendo o que ia propor. Meu sangue gelou ao

imaginá-los brigando.

― Miguel é meu porto seguro ― afirmei com convicção. ―

Jamais me tocaria ou me faria sofrer de modo nenhum.

― Então o que é?

― Conversei com Serena outro dia… ― comecei, avaliando-

o.

― Serena? ― Estreitou os olhos, sem entender aonde eu

queria chegar. ― O que tem ela? ― De repente, elevou a voz,

exaltado. ― Minha irmã está bem?


― Sim, está cuidando de papai. Aproveitei a oportunidade

para perguntar um negócio a você…

― Pergunte ― incitou, cruzando os braços.

― O que sente quando olha para Serena? ― inquiri, direta.

― Como assim?

― Por acaso você a evita para não se lembrar de Lorena? ―

sondei, objetiva. ― Serena ama nossa família. Sente falta de todos,

estando longe.

Não entrei nos detalhes de nossa conversa; achei melhor

improvisar e perguntar de uma vez. Se ele questionasse, eu alegaria

que notei isso.

Sua expressão se transformou em puro tormento ante o

nome da irmã falecida.

― Lamento que esteja sofrendo ― acrescentei depressa.

Minha intenção não era magoá-lo, mas aliviar a culpa de nossa

irmã.
Deu um passo para trás, como se tivesse levado um soco.

Talvez isto doeria menos que essas lembranças.

Fui até ele e o abracei. A princípio, ficou tenso, mas não me

afastou.

― Não suporto ver essa angústia em seus olhos, como vejo

nos de Serena e de nosso pai ― sussurrei, molhando sua camiseta

com as minhas lágrimas. ― Sinto tanto.

Com a respiração desigual, parecia reviver um pesadelo.

Todos ali estavam presos no passado, incapazes de desvencilhar-se

dessa dor. Estremeci ao pensar que eu poderia estar numa situação

igual, se Marco tivesse dado Jade a Gael. O verme “só” lhe tocou e,

mesmo assim, já deixou marcas irreversíveis. Imagine se fizesse

algo pior? Se a levasse de nós…

É difícil aconselhar com base numa experiência que não

vivenciamos. Senti um medo similar apenas no dia em que Marco


nos ofereceu aos Rodins. Se não fosse por meus irmãos,

estaríamos mortas agora ou…

― Queria poder acabar com essa dor de vocês, mas não

consigo… ― Solucei, apertando os braços ao seu redor.

Por fim, seus braços também se estreitaram à minha volta.

― Eu sei que faria, se estivesse ao seu alcance. ― A voz

soava quebradiça como vidro. ― Serena disse algo?

― Não, mas vejo nos olhos dela ― disfarcei.

― Achei que fosse justamente o contrário; que ela me

acusasse por não ter feito nada ― sussurrou tão baixo que pensei

ter imaginado. ― Fiz tudo que pude, mas…

― Eu sei, querido. Ninguém pôde impedir. ― Afastei-me e

mirei seus olhos, um poço de dor. ― Não passei por algo assim,

mas entendo.

― Vou falar com ela ― prometeu, beijando minha testa.


― Eu sei que ama suas irmãs, meus irmãos são iguais

comigo e Jade. ― Enfrentáramos tantas coisas e continuávamos lá,

de cabeça erguida. Nada dessa magnitude, mas foram problemas

sérios.

― Somos seus irmãos também ― falou, recuperado.

Sorri.

― Eu sei. Estou realmente feliz por ter mais irmãos. ― Era

verdade.

Alisou meus cabelos.

― Eu também estou, pequena. Conversarei com Serena.

Não acredito que ela pensa isso…

Pisquei.

― E-ela não pensa. Acho. Não sei. Só tive essa impressão…

― emendei uma desculpa atrás da outra.

Valentino riu.

― Você é uma mentirosa terrível, Luna. ― Maneou a cabeça.


Fiz uma careta; ele estava certo. Mentiras só prejudicam todo

mundo, por isso nunca fui fã ou treinei essa habilidade. Ele

prosseguiu:

― Fique tranquila, cuidarei disso. ― Tocou meu rosto e

encontrou meus olhos. ― Você tem o dom de salvar as pessoas.

Corei. Antes que eu comentasse que não era bem isso,

apenas não suportava ver quem eu amava sofrendo

, ouvi gritos. Reconheci a voz de Serena.

Valentino correu porta afora, e eu fui atrás. Estaquei ao

enxergar Fabrizio com Paolo mole nos braços.

Belinda chorava, agarrada em Santiago. Valentino apressou-

se na direção Serena, e eu fiquei travada, tremendo de medo.

Queria perguntar se ele ainda respirava, mas temia a resposta.

Os homens estavam sofrendo, era visível. As meninas, mais

histéricas, soluçavam em desespero, incluindo eu.

Pelos Céus, que fique bem…, pensei, esperançosa.


― Vou levá-lo ao hospital ― disse Fabrizio, indo para a

escada. ― Ele só desmaiou, tudo dará certo.

― Papai… ― quis gritar, mas saiu como um sussurro de dor.

Braços me envolveram. Entorpecida, pouco me importei de

ver quem era. O medo me incapacitava.

― Vamos junto ― falou Belinda, caminhando atrás do

Fabrizio, tal qual Serena.

― Também vou. ― Dei um passo à frente e então vi quem

me reconfortava: Stefano. Eu nem sabia que ele estava na casa! Me

senti segura com ele ao meu lado.

Saíamos todos quando Miguel apareceu com nossas filhas

nos braços.

― O que está acontecendo? ― Avaliou a cena e voltou-se

para mim. ― Seu pai…

― …desmaiou. Fabrizio o levará ao hospital ― consegui

dizer. ― Estou indo com eles.


― Acompanharei você… ― iniciou, hesitando ao olhar

nossas bebês.

― Fico com elas ― assegurou Stefano, caminhando até

Miguel e pegando as meninas, que sorriam. ― Estarão seguras

comigo. Cuide de minha irmã.

Miguel assentiu e beijou a cabecinha de cada uma. Fiz o

mesmo. Depois, parti para o hospital, com o coração na mão.


Luna

Assim que chegamos ao hospital, fui direto para a sala de

espera, onde todos aguardavam com expressões amedrontadas.

Vendo pelo lado bom, parece que não aconteceu nada mais sério,

ou eles estariam piores.

― Como ele está? ― sondou Miguel, pois eu não era capaz

de formular nada.

Meu intestino se retorcia, temendo o pior. Queria mais tempo

com ele.
Não enxerguei Fabrizio ali, devia estar com nosso pai. Eu

rezaria para que trouxesse boas notícias.

O pior não era esperar o veredito fatal, mas saber que, se

não fosse naquele momento, seria logo. Nós o perderíamos, não

importava o que fizéssemos.

A dor me apossou com esse pensamento. Fiquei sem ar por

um segundo, mas me recuperei depressa, evitando agravar o

cenário.

Antes que alguém respondesse, Fabrizio veio até nós com

um semblante neutro. Em seus olhos, porém, havia chamas.

― Não! ― Belinda exclamou.

― Acalme-se, ele está bem. Ou na mesma, melhor dizendo.

O médico recomendou sua internação, embora… ― Não haja muito

a fazer, completei em minha mente.

― Certo, vamos deixá-lo aqui. ― Serena, envolta nos braços

de Valentino, limpava os olhos molhados.


― Papai não quer. ― Fabrizio deu um suspiro duro. ― Não

podemos escolher por ele.

― Então acordou? ― indaguei, soltando a respiração que

nem percebi estar presa.

― Sim. Farão mais alguns exames. Depois, vou levá-lo para

casa.

― Não pode fazer isso, se o médico pediu que seja internado

― reclamei.

Fabrizio me fitou.

― Tenho que cumprir as ordens de nosso pai.

― Ele está doente, obrigue-o! ― implorei.

No fundo, compreendia que forçá-lo a algo o estressaria e

intensificaria seu estado. Papai carecia de tranquilidade. O que

faríamos para convencê-lo?

― Podem tentar convencê-lo do contrário, ou eu o levarei

para casa. Ele não é só meu pai, é meu chefe também ― contrapôs.
Busquei uma saída alternativa, mas não havia nada.

― Cuidaremos disso ― garantiu Belinda, convicta, secando

as lágrimas.

― Quando poderemos vê-lo? ― Serena perguntou, a voz

aguda.

A impotência sempre seria a pior parte. Víamos um familiar

sofrendo, e nós ali, de mãos atadas.

― Vai demorar um pouco. Enquanto isso, arranjarei uma

enfermeira para tomar conta dele, se não o convencerem a ficar.

Conhecendo meu pai, não sei se conseguirão ― disse Fabrizio.

― Ele necessita de uma enfermeira? ― Sabia que a situação

era crítica, contudo, uma parte teimosa se recusava a aceitar.

Miguel apertou meu braço, sinalizando que eu não estava

sozinha.

― Sim, dependerá de aparelhos para respirar direito. ― Por

trás da sobriedade, eu enxergava sua aflição.


Ele já não respira normalmente? Minha alma ardia. O pior se

aproximava. Me encolhi por dentro com as fisgadas.

Queria ter mais tempo, fazer coisas que nunca fiz… Tantas

chances perdidas.

Após uma hora, fomos autorizados a vê-lo. O quarto ficou

pequeno para todos os seus filhos.

Usava sondas em seu braço e nariz. Alguns aparelhos

indicavam seus batimentos cardíacos ― fracos, muito fracos.

Belinda e Serena correram para abraçá-lo. Eu me mantive

mais atrás, mergulhada em lembranças de quando perdi minha

mãe. Seus dias finais…

Recordava seu corpo pálido, débil, pele e ossos apenas, pois

não conseguia comer mais.

Cheguei a considerar que seria melhor nunca tê-lo

conhecido, assim, não sofreria com sua morte. Afastei essa ideia

egoísta de imediato. Em nosso tempo juntos, embora curto, nós dois


fomos muito felizes. Seu sorriso ante minha presença valia cada

sacrifício, cada lágrima. Sua alegria não tinha preço.

Foquei no momento: aproveitaria meus últimos instantes ao

seu lado para fazê-lo feliz.

Papai me avaliou, depois das meninas pararem de beijá-lo.

Parecia relativamente bem. Mas até quando?

― Luna…

A voz baixa rasgava meu peito como uma navalha. Sentia-me

andando sobre lava. Não pude evitar as lágrimas escorrendo por

minhas bochechas. Eu já mal o enxergava.

Miguel, após um aperto suave, me soltou. Todos me olhavam,

esperando minha reação. Não liguei, minha atenção estava nele, no

homem que passei a amar incondicionalmente. Meu pai.

Em minha cabeça, presente e passado colidiam com a força

de um tsunami. Não me mexi.

― Luna, querida…
Não era só sua doença que lhe causava agonia, então me

esforcei para não preocupá-lo.

― Minha mãe ficou assim antes de… ― Fechei os olhos. O

que eu estava dizendo? Ninguém ali gostaria de ouvir isso, mas eu

vomitava as palavras, perdendo o controle de minhas ações. ―

Queria ter ficado ao lado dela até o fim, mas Marco… Marco não

permitiu. O que deve ter pensado naqueles últimos segundos…?

A atmosfera tornou-se pesada. Ao abrir os olhos, vi os dele

úmidos, entretanto, não derramava lágrimas, diferente de mim. Ele

era mais forte que qualquer um de nós.

― Oh, querida, sua mãe tinha orgulho de você, mesmo que

não tenha ficado com ela. Sei disso porque sinto o mesmo. ― Suas

frases saíam aos sussurros, com dificuldade.

Liberta do meu transe, rumei à sua cama.

― Não fale, por favor. ― Toquei seu rosto. ― Descanse.


― Não queria que nenhum de vocês sofresse por minha

causa ― cochichou, olhando cada um de seus filhos.

― Eu sei… ― Pedi: ― Permaneça no hospital, não vá para

casa. O senhor precisa de certos cuidados; aqui, terá isso.

Esboçou um sorriso suave.

― Quero estar em casa, ao lado de vocês. ― Suspirou. ―

Sei que estou… ― interrompeu-se, logo que me encolhi. Não fui a

única. ― Lamento, mas desejo continuar com minha família. No

hospital, o horário de visitas é limitado.

Eu o entendia, mamãe disse algo similar. E, no caso dela,

Marco nem a teria deixado ficar no hospital, tudo por causa das

aparências, como se a doença da esposa o tornasse mais fraco. Já

Paolo não ligava para isso, só queria passar seus momentos finais

junto aos filhos.

― Amo você ― declarei, colocando a cabeça em seu peito.

― Vou amá-lo para sempre, papai.


― Tudo dará certo, minha querida.

Desfrutaria o pouco tempo que nos restava perto dele. Se era

tudo que eu podia ter, que assim fosse. Minutos com Paolo valiam

mais que uma vida inteira com Marco.


Miguel

A ida de Paolo ao hospital foi um sufoco terrível. Luna ficou

arrasada por vê-lo naquela situação, até me pediu para conversar

com o pai para que aceitasse a internação. Por que ele me ouviria?,

perguntei-me. Acho que ela só estava mesmo desesperada,

buscando uma solução inexistente.

Alguns dias se passaram após esse episódio.

― Que surpresa, você aqui ― disse Paolo, me avaliando

quando entrei em seu quarto. ― O que foi? É raiva isso em seu


rosto?

Serena tinha saído e me deixado a sós com seu pai. Ainda

bem que era ela quem o acompanhava na ocasião, e não sua irmã.

Belinda não confiava em nenhum de nós, afora Luna, isto porque

enxergava o sofrimento da minha mulher em relação a Paolo.

― De certa forma, sim. Tenho raiva de você por demorar a

procurá-la. Só apareceu ao descobrir sua doença. Agora Luna está

assim, desolada. ― Sentei-me na cadeira ao lado da cama dele,

para que Paolo não precisasse se esforçar falando alto. ― Se

estivesse sadio, ganharia um soco.

A enfermeira ministrara soro a Paolo e colocara uma sonda

em seu nariz para ajudá-lo a respirar. A despeito disso, via-se que

fazê-lo era doloroso.

― Eu sei ― sussurrou. ― Mas antes da carta ela não sabia

sobre mim. Não queria que sofresse…


― No final, isso será inevitável. ― Não era uma acusação, e

sim uma declaração. ― Luna não lida bem com perdas.

― Soube a forma que ficou ao pensar que Alessandro

morreu. ― Suspirou.

― Arrasada. ― Assenti, temeroso de que a história se

repetisse.

― Eu mudaria as coisas, se eu pudesse…

Essa bagunça com as mentiras sobre Alessandro me trouxe

muita dor de cabeça. Foi especialmente doloroso pois, na época,

tive que omitir uma série de coisas dela, uma vez que eu precisava

salvar minha irmã e sobrinha, as quais tinham sido sequestradas por

um inimigo meu. Tremia ao imaginar que poderia ter acontecido com

as duas o mesmo que ocorreu com Lorena.

― Foi difícil para ela. Não comia, não dormia… Entrou em

depressão. ― Mirei o piso, cabisbaixo. Luna sofreu não só pela

suposta morte do irmão, mas por minhas mentiras também.


― Deveria ter lhe contado a verdade. Sua ausência a fez

penar quase tanto quanto a “morte” de Alessandro. Ainda bem que,

agora, Luna terá você, quando meu fim vier.

Nem um dia sequer se passava sem que eu pensasse isso.

Porém, se eu dissesse o que estava acontecendo naquele

momento, ela não teria me deixado ir.

― Minha irmã fora sequestrada por um inimigo nosso, eu não

podia dedicar toda minha atenção à Luna. ― Ao pensar nele, meu

sangue fervia. Eu me acalmava apenas ao recordar que o maldito já

estava no Inferno.

― Death. ― Anuiu, bem-informado.

Claro que Paolo sabia, Sage decerto abriu o bico.

― Sim. Tive procurar minha irmã e minha sobrinha. Se Death

as ferisse… ― Respirei fundo. ― Fui preso e mantido lá por um

tempinho, até que Christian me encontrou todo arrebentado e me

deu cobertura, porque eu estava apagado.


― E ela achando que não se importava, não é? Acreditando

que havia mentido. ― Agora, sim, adotara um tom acusatório.

― Christian, como eu, não teve escolha. ― Internamente, eu

admitia: não apreciei o que ele fez, pois destruiu Luna.

― Fiquei puto da vida com El Diablo por não ter dito nada ―

comentou entre tossidas. ― Mas me informaram que era

imprescindível para expulsar os ratos escondidos em sua

organização e na dos Morellis.

― Sim, eram muitos, mas nos livramos. ― Matá-los foi

pouco. Adoraria revivê-los e eliminá-los de novo; seria um prazer.

― Às vezes, precisamos fazer coisas que machucam aqueles

que amamos, para o bem deles ― falava baixinho e com

dificuldade, contudo, conseguira transmitir seu recado. Eu não podia

culpá-lo por suas ações (ou pela falta delas). ― Quero lhe pedir

uma coisa.

― Não precisa dizer nada, vejo que piora quando fala.


― Preciso, sim ― insistiu.

Estreitei meus olhos.

― Se for algum segredo que eu não possa contar à Luna, é

melhor não dizer. Não escondo mais nada dela ― avisei. Jamais

faria isso novamente.

Ele sorriu.

― Bom saber. ― Suspirou. ― Todos sabem que minha hora

está chegando, mas eu tenho medo da reação de Luna. Ela é muito

sensível. Necessito que a fortaleça nesses dias; converse, faça

minha filha aceitar que a morte não é o fim. Os exames mostraram

que ocorrerá mais cedo do que pensávamos. ― Olhou para a porta

e depois para mim. ― Agradeço por ter aparecido na vida dela e por

tratá-la tão bem.

Aquiesci com o cenho franzido.

― Há alguma previsão…? ― sondei, não gostando nada do

que ouvia. Eu não imaginava que seria rápido assim.


Ter certeza de que se está morrendo deve ser uma das

piores sensações do universo.

― Não exatamente, mas será em breve. Eu sinto. ― Soltou

um riso desprovido de empolgação. ― Preferiria ter sido morto por

um tiro. Até poderia pedir isso a você…

Pisquei, espantado. Eu nunca faria isso. Matá-lo destruiria o

coração de Luna.

― Relaxe, estou brincando, não deixaria esse fardo nas

costas de ninguém. Embora sejamos assassinos lá fora, não muda

o fato de fazermos tudo por aqueles que amamos. Eu só odeio me

sentir impotente. Sabe o que significa ficar assim, para um homem

como eu? Você teve uma pequena amostra quando foi machucado.

Ver minha família triste, sem poder fazer nada para impedir…

Eu entendia ao menos um pouco. Não passei por nada disso,

só me coloquei no seu lugar.


― Posso prometer que farei qualquer coisa por ela. Eu a

protegerei com a minha vida ― afirmei.

Tal juramento eu cumpriria, sim, ou morreria tentando.

― Agradeço. Inclusive por permanecer ao lado dela aqui. Sei

que tem negócios, mas a ama o suficiente para não abandoná-la

num momento difícil.

Assenti. Poderíamos progredir na conversa, todavia, notei

sua fadiga. Como não podia obrigá-lo a descansar, achei melhor

sair.

― Se encerramos nosso diálogo, preciso checar uma coisa.

Hoje Sage nos fará uma visita. Luna quer vê-lo. ― Em pé, olhei para

ele. A preocupação vincou sua testa. Emendei: ― Não vou

machucá-lo, apesar de que vontade não me falta. Prometi à

Cachinhos que não faria nada.

― Obrigado. Ele é da família, da sua e da de Luna. Espero

que um dia o perdoe. Sage só estava cumprindo ordens minhas.


Não contava com isso, mas não queria estressá-lo.

― Dará certo, fique tranquilo. Agora vou lá ver se ele chegou.

Não gostaria que ela o encontrasse sem mim.

Paolo riu, tossindo ao final.

― Sempre protetor.

― Descanse ― pedi, virando-me para a porta.

― Miguel… ― chamou, ao que me voltei a ele. ― Caso eu

parta, diga que tê-la aqui foi o melhor acontecimento da minha vida;

o melhor presente do mundo. Me senti um homem realizado, tanto

por ela como por minhas netas. ― Sorriu fraco. ― São tão lindas…

Amei conhecê-las antes de ir.

― Pode deixar, Luna ficará bem. Ela tem seus irmãos,

nossas filhas e eu. ― Minha esposa sofreria, mas aguentaria mais

esse golpe. Comentei, rindo: ― Ela pediu que eu falasse com você

para voltar ao hospital.


― De nada adiantaria. Não quero morrer lá, longe dos meus

filhos. Adoraria realizar esse último desejo deles, mas não posso.

Insistir não faria diferença. No seu lugar, eu desejaria o

mesmo.

Anuí e deixei o quarto. Lá fora, me deparei com Luna,

Fabrizio e Serena no corredor, conversando.

― Vou ficar com papai enquanto vocês falam com Sage. Ele

está trazendo Tália, a filha dele ― Serena dirigia-se à Luna.

Minha amada esposa piscou.

― A filhinha dele vem também?

Reconheci a ansiedade e curiosidade em seu tom; estava

louca para vê-lo. Teve uma época em que eu sentia ciúmes de

Sage, mas era bobagem: Luna me amava. O fato dele ser casado

também me tranquilizava.

― Sim, já deve estar chegando ― respondeu Serena,

rumando ao dormitório para não deixar o pai só, embora houvesse


sempre uma enfermeira de olho nele.

Eu não sabia que Sage levaria a filha. Talvez fosse sua forma

de amenizar os humores. Não era necessário, eu realmente não

considerava atacá-lo.

Peguei a mão da Luna e virei para Fabrizio, que estava

calado.

― Vamos descer?

― Sim ― respondeu ele. ― Só vou dar uma conferida em

meu pai. Podem me esperar lá embaixo.

Assenti e conduzi Luna à escada, esperando que a visita de

seu velho amigo lhe trouxesse um pouco de alegria.

Se Luna fosse uma pessoa comum, provavelmente guardaria

ressentimentos por ele ter escondido a verdade. Mas a Cachinhos

não era rancorosa, e sim uma joia de bondade.


Luna

Esses dias foram difíceis. Os próximos também seriam, mas

eu tinha que ser forte pelo meu pai, mesmo que o medo me

consumisse mais e mais a cada instante.

Não aceitei bem sua decisão de ficar em casa, mas a

respeitava. Ele só queria continuar ao nosso lado.

― Obrigada, Miguel, por ter concordado com esse encontro.

― Eu poderia ver Sage sem me importar com a opinião de meu


marido, mas nosso casamento não funcionava assim. Éramos um

só, compartilhávamos uma vida e nossas escolhas.

Segurando firme minha mão, apertou-a delicadamente, no

intuito de demonstrar seu apoio.

― Tudo para trazer um sorriso aos seus lábios. Gosto de

fazê-la feliz. Como não posso aliviar sua dor e seu medo, pensei

que isso ajudaria ― falou, beijando minha testa.

― Agradeço por largar seus afazeres no México para ficar

comigo e cuidar quase que em tempo integral das meninas,

enquanto eu fico com meu pai.

― Qualquer coisa por você, meu amor. É só por isso que

aceitei a visita de Sage, mesmo querendo matá-lo por sua traição.

― Notei uma raiva contida ali, mas ele não machucaria meu amigo.

― Tenha paciência ― pedi.

Miguel assentiu.
Chegamos à sala, onde alguns dos Castilhos já estavam,

assim como Stefano, que fuzilava Sage com o olhar. Ao lado do

meu antigo segurança, havia uma criança pequena, de uns seis

anos.

― Você merecia morrer agora ― Stefano disse em inglês,

ostentando uma expressão serena para não assustar a garotinha.

O clima na sala estava pesado, com todos tensos. Fabrizio,

juntando-se ao grupo, deu um passo na direção de Sage, a fim de

impedir meu irmão, caso fizesse algo. Mas eu não aceitaria que

discutissem e acabassem se machucando.

Sage reagiu olhando para mim, assim que cheguei mais

perto.

Ele passou muitos anos comigo. Deve ter sido difícil viver

longe de sua família para cumprir seu dever. Até achei que

fôssemos quase da mesma idade, mas ele tinha vinte e oito, só

parecia mais novo.


― Papai, o que ele disse? ― inquiriu a criança, puxando a

mão de Sage.

Era para eu ter tido isso: segurar a mão do meu pai, ir com

eles aos lugares. Ser uma filha amada, como fui pela minha mãe.

Sorri para ela.

― Meu irmão agradeceu por estarem aqui ― menti. Não lhe

informaria o que se passava na mente de Stefano.

A menina o avaliou.

― Não parece feliz, o seu rosto está sério ― comentou com

a testa franzida.

“Sério” era um eufemismo. Stefano se mostrava mortalmente

frio.

― Ele tem essa cara mesmo, não se preocupe. ― Eu me

aproximei do meu irmão e apertei seu braço, exigindo que se

controlasse. ― Não é?
Stefano olhou para mim por um segundo, então colocou um

sorriso no rosto. Dirigiu-se à menina.

― Como se chama? ― Abaixado, ficou na altura dos olhos

da garota, que se parecia com Sage.

Ele sabia seu nome, apenas estava querendo relaxá-la. Meu

irmão tinha um fraco por crianças. Era apaixonado por todas as

suas sobrinhas, incluindo Graziela, que não partilhava nossos

lanços sanguíneos.

― Meus amigos me chamam de Tália ― respondeu de modo

doce.

Stefano enfiou a mão no bolso, tirando algo dali e estendendo

para ela.

― Você gosta de pirulito? ― perguntou.

Tália assentiu e olhou para o pai.

― Posso?

― Sim, filha ― disse Sage.


Voltando a fitar Stefano, Tália pegou o pirulito.

― Obrigada.

Meu coração bateu forte com seu gesto bondoso; nem se

assemelhava ao rapaz explosivo que eu conhecia bem. Ele insistia

que seu coração era repleto de escuridão, mas, seguidamente,

deixava transparecer sua luz.

― De nada, princesa. ― Endireitou-se quando notou que

todos olhavam, aturdidos, para ele. Sentou-se no sofá, não muito

longe de mim.

A tensão findou. Todos ficaram um pouco mais tranquilos.

― Querida, por que não vai ver meu pai? Ele mencionou que

sente sua falta ― disse Benjamin para Tália.

― Eu também sinto saudade! Mas queria ver as gêmeas

antes, papai disse que as bebês são lindas ― falou, animada.

― Carmen e Kélia estão com a Belinda, pode ir lá em cima.

― Sorri.
Tão logo a menina saiu, Stefano se pôs de pé, dando um

passo até Sage, que permaneceu quieto, mas tenso. Peguei seu

braço antes que chegasse ao seu alvo.

― Comporte-se. Não quero brigas.

― Minha intenção não é brigar, e sim transformá-lo em carne

moída. ― Encarava Sage, gélido.

― Por que vocês não saem e nos deixam a sós? ― pedi com

um suspiro frustrado.

Stefano me olhou como se eu tivesse enlouquecido.

― Não vai ficar sozinha com ele ― rosnou.

― Nem pensar ― acrescentou Miguel.

Fabrizio respirou fundo, cansado.

― Sage não vai machucá-la. ― Notei algo borbulhando por

trás da sua calma.

Fiz menção de andar até Sage, mas Miguel envolveu minha

cintura.
― Ah, por Deus! ― Exasperada, fuzilei os dois. ― Se não

querem sair, me permitam falar com ele sem me incomodar. Sage

não vai me ferir, Fabrizio já disse. Vocês dois estão sendo ridículos.

― Nunca machucaria Luna ― assegurou meu amigo.

Stefano soltou uma risada fria.

― Oh, como se eu fosse acreditar em um traidor ― sibilou.

Olhei para Fabrizio, pedindo ajuda com esses cabeças-duras.

Apenas ele poderia impedir uma possível luta. Porém, antes que se

manifestasse, ouvimos uma voz.

― O que está acontecendo aqui? ― perguntou Belinda,

checando os presentes. Ela segurava Carmen e Kélia em cada

braço.

― Veio na hora certa ― comentei. Minhas filhas distrairiam

seu pai e seu tio. ― Preciso de ajuda.

― Se você quiser que eu chute as bolas dos dois, me diga,

que farei sem hesitar. ― Aparentava ansiedade.


Miguel e Stefano olharam para ela.

― Bóa ― repetiu Kélia, sorrindo, e Carmen a imitou, levando

Miguel a fechar a cara.

― Não diga “bolas” na frente das minhas filhas ―

repreendeu-a. Eu não me importei, pois a palavra tinha mais de um

significado.

Belinda sorriu, provocando o cunhado. Ela parecia gostar

muito disso. Deu de ombros.

― Ok. Mas quando crescerem, apresentarei as tais bolas

para elas ao vivo. ― Piscou para mim, ampliando o sorriso dado às

meninas, que o retribuíram, alheias à discussão.

Minha irmã era genial: foi essa a maneira que encontrou de

distrair Miguel, que, agora, encontrava-se vermelho de fúria, indo na

sua direção. Protetor, Fabrizio se avizinhou de Belinda, a qual nem

parecia preocupada.
― Não vou tocar nela. ― A voz fervia de raiva. ― Só quero

pegar minhas filhas.

Fabrizio relaxou, embora não houvesse necessidade de

exaltação, para início de conversa. Miguel jamais machucaria

alguém que eu amava.

Aproveitei a distração e me aproximei de Stefano,

cochichando:

― Por favor, tome conta de Miguel para que não estrangule

minha irmã. ― Assim, ele também se ocuparia. Sua queda por

Belinda viria a calhar.

― Sorte sua ser mulher ― Miguel balbuciou, nada amigável.

Qualquer pessoa teria medo, mas Belinda? Não, ela adorava

um desafio. Idêntica a Stefano.

― Oh, não deixe que isso o impeça. Eu dou conta de você.

― Virou-se para as meninas: ― Permitem que eu bata em seu pai?

Stefano suspirou, sacudindo a cabeça.


― Você tem o poder de fazer ferver o sangue do homem

mais calmo da Terra. ― Soava divertido.

Poucas pessoas tiravam Miguel do sério; Belinda era uma

delas.

Stefano continuou:

― Bem, ao menos ela prometeu induzir as meninas para o

mal caminho apenas quando forem mais velhas ― disse, ao que

Miguel o fulminou. ― Ei, só estou tentando ajudar!

A distração funcionara; os dois se afastaram. Olhando de

mim para Belinda, Sage concluiu baixinho:

― Sorte do Miguel você não herdar o gênio da sua irmã.

― Não acho que teríamos nos apaixonado ― ponderei, feliz

por ser como sou.

― Talvez sim, o amor não escolhe cor, raça ou

personalidade. Quando vem, nos pega de jeito. Mal notamos os


defeitos da pessoa. ― Suspirou. ― Lamento por não ter dito nada

sobre mim antes. Eu não podia.

― Daquilo que conversamos quando éramos amigos… ―

Fitei-o. ― O que foi real?

― Tudo em relação à nossa amizade era real, Luna. No

começo, tratava-se de um serviço, mas após conhecê-la, passei a

admirar a menina meiga que ajudava muitos animais. ― Sorriu,

sincero. ― Sua amizade trouxe mais alegria para a minha vida.

― Eu achava que fosse gay, no entanto, é casado e tem uma

filha! ― Magoei-me por Sage esconder a verdade, porém, eu o

entendia.

― Mentir é péssimo, me desculpe. O pessoal estranhava eu

nunca ficar com ninguém, diferente dos outros homens do seu

irmão. Dizer que eu gostava de você me salvou até certo ponto. Mas

ele surgiu ― indicou Miguel ― e mudou os planos. Só me restou a

alternativa de falar que não curto mulheres.


Meu esposo segurava nossas meninas e dizia algo à Belinda,

que não lhe dava muita atenção.

Recordei que Sage pediu que eu mentisse sobre estar

apaixonada por ele no intuito de ganhar tempo com seu pai, que

nem era seu familiar de verdade.

― Não entendo uma coisa: você alegou que o seu pai era

homofóbico. Ele acabou sendo morto, supostamente, em função

desse preconceito. Mas você não é gay! E mais: ele nem era seu

pai. Você matou um cara qualquer… ― O assassinato de uma

pessoa inocente eu nunca poderia perdoar.

― Ele era um salafrário, Luna, e não um cara qualquer. Traiu

nosso povo, indo aliar-se com os Rodins. Eu não tive escolha. Como

eu não podia simplesmente eliminá-lo no território de Alessandro,

mostrei ao seu irmão o que ele estava fazendo de errado. Assim,

cumprindo ordens do capo, bem como de meu chefe real (Paolo,


seu pai), tirei a vida dele. De tudo isso, lamento apenas que você

tenha saído ferida no processo.

― Suas mentiras me machucaram. Mas conhecendo as

razões, eu entendo. Aceito seu pedido de desculpa.

Todos sempre comentavam que eu era incapaz de sentir

raiva de alguém. Estavam certos. Eu considerava a ira um pecado,

pois contrariava os princípios de Deus.

― Que bom, não quero perder sua amizade. ― Sorriu e

olhou para Belinda. ― Repito: ainda bem que não é como ela, ou

arrancaria minhas bolas.

Ri com gosto e pisquei, impressionada. Nos últimos dias, eu

não andava tendo a oportunidade de me divertir assim.

A felicidade acabou quando, aturdida, vi Belinda se lançar

contra Stefano. Fabrizio a segurava pela cintura.

― Vou estripá-lo com minha faca ― sibilou para meu irmão.

― Chega, os dois! ― ordenou Fabrizio.


O que motivou a briga?, perguntei-me. Ela estava furiosa, e,

Stefano, completamente relaxado.

Um novo susto os impediu de dar continuidade à discussão:

gritos de Serena, provenientes do andar de cima.

Os berros inconfundíveis motivaram Belinda a esquivar-se de

Fabrizio que, por sua vez, estava petrificado no lugar. Ela correu

para o piso superior, junto a Valentino, Santiago e Benjamin.

Fabrizio só saiu do transe após um berro de Belinda.

― Papai!

Como Fabrizio, eu travei, apossada pelo medo. Algo me dizia

que era o fim…

― Papai, acorde! ― Belinda exclamava.

Tudo dentro de mim se desfez, me levando a chorar. Se eu

queria ir até lá, por que não saía do lugar? Recordações invadiram

minha mente: Stefano gritando quando mamãe se foi…


Meus joelhos cederam. Deixei a dor tomar conta. Gemi,

chorei. Fui amparada por braços fortes.

― Ele se foi. ― A frase vinda de alguém que não identifiquei

me atingiu tal um tiro certeiro.

Essas palavras me assombrariam para sempre.


Luna

Quando somos amados, torna-se fácil apegar-se a uma

pessoa. O carinho que meu pai me deu nesse curto período foi

maior que aquilo que Marco me ofereceu em anos juntos. Seria

impossível não amá-lo, não desejar passar uma vida inteira na sua

companhia.

Eu me sentia oca. Não, não havia sido um alarme falso,

findado com o alívio de sua recuperação. Papai realmente partiu


para nunca mais retornar. Faleceu antes que o levássemos ao

hospital.

Por que isso tinha de acontecer? Tanta gente ruim por aí, que

machuca crianças e goza de grande saúde. Já meu pai, que tomava

conta dos seus, foi embora cedo demais.

Entorpecida, seguia o caixão. No cemitério, havia muitos

homens do meu pai. Era um chefe querido por todos. Alegrei-me por

ele ter conquistado a confiança de tantos.

― Cachinhos… ― começou Miguel, sem saber como

continuar. Ninguém podia aliviar minha dor.

Talvez, um dia, eu parasse de me sentir assim. Ficaria mais

fácil, como ocorreu com minha mãe.

Certa vez, o padre ministrou uma missa sobre a morte, na

igreja que eu frequentava. Disse que Deus conforta os entes

queridos para que não enlouqueçam com a perda. Eu acreditava ser


verdade. Só com ajuda divina conseguimos lidar, mas não é

simples, de qualquer jeito.

Uma parte de mim se despedaçou. Se eu, que o conhecia

havia pouco, já me sentia assim, imagine Serena e Belinda?

Tiveram uma vida ao seu lado! Pensando por outro aspecto, eu as

invejava, afinal, cresci com um “pai” de mentira.

Paolo me ensinou como um pai real age. Na máfia, existiam

muitos monstros similares a Marco, mas Paolo não era assim. Eu

finalmente compreendi o que era ter um pai que se importava

comigo.

Alessandro e Stefano me acompanhavam. Mia não

compareceu, pois a viagem era longa, e ela estava prestes a ter o

bebê. Rafaelle também não foi, mas mandou seus pêsames por

nossos irmãos; ele se encontrava com Mália e tinha seus motivos

para não poder deixá-la. Quanto à Jade, estava na casa de Paolo,


cuidando de Vicenzo e de minhas meninas. Luca, seu marido, se

encontrava ali.

Stefano não ia a um cemitério desde a morte de mamãe. Eu

me perguntava se sua presença tinha algo a ver com Belinda, ou se

só intencionava me reconfortar, como no passado.

Notei Mariano chegando e indo direto até Serena. Abraçou-a

e falou algo em seu ouvido, fazendo-a chorar e, na sequência,

relaxar. Ao menos essa perda os reuniria. Eu esperava que se

entendessem. Papai gostaria de vê-la contente. Ele também

adoraria se todos fôssemos fortes para lidar com sua perda.

Quando mamãe morreu, não tive a oportunidade de velar seu

corpo: Marco privou Jade e eu de dizer adeus. Assim como me

privou de conhecer meu pai de verdade. Guardar rancor não faz

bem, em particular por alguém que não está vivo, mas eu sentia isso

por Marco.
Olhando a sepultura e aquele caixão descendo, meu coração

se apertou ainda mais. Agarrei Miguel em busca de apoio ou cairia

ali mesmo. Ele era meu porto seguro nesse momento difícil. Se não

tivesse meu marido e minhas filhas, ficaria sem chão.

Perdi minha mãe na infância e, mesmo assim, foi doloroso

demais. Nós cinco, Alessandro, Rafaelle, Stefano, Jade e eu, nos

unimos para lidar com a dor ― claro, cada um à sua maneira. É

uma perda que não cicatriza: sempre haverá uma ferida exposta.

Nesse novo baque, eu disporia de mais pessoas me

ajudando a lutar: meus novos irmãos, Miguel e minhas filhas, que

amava em demasia.

O padre disse algumas palavras. Após, o público se

dispersou, restando apenas meus familiares Castilhos e Morellis. De

fora, somente Mariano.

― Meu amor, lamento tanto. ― Miguel tentava me consolar,

uma tarefa impossível.


― Sinto muito, Luna ― Stefano emendou.

― Eu sei. ― Minha voz saiu rouca pelo choro.

― Chego a pensar que teria sido melhor você continuar

desconhecendo a existência dele… ― Stefano sacudiu a cabeça.

― A vinda de Luna fez meu pai muito feliz ― disse Serena,

encolhida nos braços de Mariano.

― Ela tem razão. Não podemos ter medo de entregar nosso

coração a alguém, só pela possibilidade desta pessoa quebrá-lo. Se

agirmos assim, nunca seremos felizes. ― Aproveitei a oportunidade

para motivar meu irmão. ― Cada segundo ao lado de papai valeu a

pena. ― Respirei fundo, limpando as lágrimas

, e me aproximei da cova com uma rosa na mão. ― Você me

apresentou ao amor incondicional de um pai. ― Beijei a flor antes

de jogá-la sobre o caixão. ― Foi o melhor pai do mundo. Vou amá-lo

para sempre.
Miguel me puxou para seus braços, enquanto eu chorava

pelo luto.

― Vou cumprir o que prometi ao senhor, papai ― disse

Belinda. Amparada por Santiago, atirou sua rosa também. ― Amarei

você até o dia em que eu morrer.

― Como vou lidar com isso? Primeiro a mamãe, depois

Lorena e, agora, o senhor? ― Serena caiu de joelhos ao lado da

sepultura. ― Como serei forte, papai?

Percebi Valentino encolher-se à menção da irmã, que fora

assassinada brutalmente.

Todos sofriam, mas os homens não demonstravam muito.

Apenas Serena, Belinda e eu chorávamos. Contudo, o pesar deles

ficava evidente nos seus semblantes.

Valentino estava indo até Serena, mas Mariano foi mais

rápido, ajoelhando-se perto dela e assegurando:


― Terá forças porque todos nós sempre estaremos ao seu

lado.

Ela levantou os olhos banhados em lágrimas. Pude ver amor

ali.

― Você também? ― sussurrou, esperançosa.

Ele beijou sua testa e a abraçou, erguendo-a do chão.

― Sim ― jurou. ― Não precisará enfrentar nada sem nossa

ajuda.

― Mariano tem razão. Somos uma família unida; agora não

vai ser diferente ― disse Benjamin.

Sage e sua esposa não estavam muito longe de nós.

Ao redor, enxerguei mais gente da família, mas não me sentia

em clima de apresentações. Eu os conheceria no futuro, quando

meu coração já não doesse tanto.

A cada pá de terra escondendo o caixão, parecia que um

pedaço era arrancado de mim. Os soluços de Belinda, Serena e


meus ficaram mais altos. Outras mulheres ― parentes do papai,

segundo meus irmãos ― também choravam.

Paolo afirmava que não teria redenção, mas eu acreditava

que ele iria para o Céu. Talvez fosse tola por pensar isto de um

mafioso, mas desejava que ele encontrasse minha mãe no Paraíso.

Ele fez muitas coisas que não agradariam a Deus, mas papai era

bom em sua essência. Isso bastaria.

― Estaremos sempre juntos, como nosso pai nos ensinou ―

prometeu Belinda.

Sim, uma família forte e unida, como a que eu formava com

meus irmãos do lado Morelli. Alegrava-me ampliá-la com os

Castilhos, além de minhas filhas e Miguel. Havia motivos para ser

feliz, mesmo que, naquele instante, meu peito estivesse

estraçalhado.
Miguel

Cortava meu coração ver minha garota nesse estado,

algumas horas após o enterro de Paolo. Fomos todos para a casa

dele.

Levei Luna para cima, pois varou a noite no velório. Preparei

um chá calmante, para ver se ela pegava no sono. Funcionou.

Desci com Carmen e Kélia, assim não acordariam a mãe.

Luna precisava descansar.


Encontrei Stefano e Alessandro sentados no sofá junto a

Fabrizio e Valentino. Jade, Vicenzo e Luca já haviam se recolhido,

aparentemente. Não vi Santiago, Benjamin, Serena ou Belinda.

Decerto os irmãos estavam com as duas, dando apoio a ambas

nesse cenário difícil. Também estaria com Luna, se ela não tivesse

adormecido.

― Está marcado para hoje ― Fabrizio dizia quando cheguei

à sala.

― Bem que poderia esperar até amanhã ― comentou

Stefano. ― Vocês acabaram de perder seu pai.

Não sabia do que tratavam. Andava meio fora dos assuntos

que não envolvessem diretamente a Cachinhos.

Lembrei a promessa feita a Paolo em seus momentos finais.

Ele me alertou que logo partiria, eu só não esperava que seria no

mesmo dia.
― É a regra, meu pai quis assim. Deixou tudo arranjado. ―

Fabrizio deu um suspiro duro.

O homem não demostrava muitas emoções, mas eu

enxergava sua dor por trás da fachada.

― O que está acontecendo? ― perguntei, indo me sentar

perto de Alessandro.

― A ascensão de Fabrizio a chefe será hoje ― respondeu

Stefano.

Franzi a testa ao ouvir isso.

― Por que não adia? Enterraram o pai de vocês há pouco! ―

Sacudi a cabeça.

― São ordens dele, e não posso ir contra os anciões. Talvez

pareça frieza, dada a ocasião, mas essa hierarquia nos acompanha

desde a fundação de nosso grupo. ― Fabrizio acomodava-se à

nossa frente.
Assenti. Ele apenas seguiria a regra imposta por seu pai.

Fabrizio seria um bom chefe para o seu povo.

― Como Luna está? ― inquiriu Alessandro, apontando na

direção da escada. ― Eu ia conversar com ela, mas notei seu

cansaço.

― Ela tomou um chá que a ajudou bastante. Conseguiu

dormir.

Pus as meninas no chão

, onde andaram com destreza. Praticaram muito em nosso

tempo ali.

― Belinda e Serena? ― questionei. Se Luna estava

destruída, eu mal imaginava a situação das duas.

Antes que alguém comentasse, Belinda entrou na sala,

vestida toda de preto, com suas roupas de couro habituais. Ela

segurava um capacete.

― Belinda ― chamou Santiago, atrás dela, meio tenso.


― O que houve? ― perguntou Fabrizio, avaliando a dupla.

― Ela quer sair, mas não acho uma boa ideia ― explicou

Santiago.

A garota respirou fundo e se encolheu, como se aquele

simples ato doesse. Seus olhos estavam vermelhos.

― Só preciso de um tempo sozinha. Correr pode ajudar. ― A

voz se resumia a um sussurro desesperado.

― Não poderá ir sozinha, e vou necessitar de todos os meus

homens para a ascensão ― Fabrizio falou.

Belinda levou a mão livre à cabeça, num gesto de pura

frustração.

― Eu preciso… ― Ela se esforçava para não chorar.

Entendia esse sentimento, o ímpeto de fugir de uma dor

insuportável. Não adiantava, contudo: ela nos seguiria a qualquer

lugar.
― Vou com ela. ― Stefano se colocou de pé. ― Eu a

protegerei.

Belinda fitou-o, atônita, e não era a única. Meu cunhado

explosivo ajudando alguém que não sua família, sem esperar nada

em troca? Uma novidade, com certeza.

Fabrizio assentiu para Stefano e mirou a irmã, que mexia as

mãos, impaciente, querendo sair o mais rápido possível.

― Tudo bem, mas irão de carro. Esqueça a moto, Belinda, a

não ser que Stefano a pilote.

Ele tinha razão: a menina não se encontrava em condições

de andar de moto por aí. Seria perigoso.

― Vamos no meu carro ― informou Stefano, avizinhando-se

dela.

Num raro momento de impotência, Belinda anuiu, sem

retrucar. Isso provava o quanto estava arrasada. Rumou para a

porta com Stefano ao seu lado.


Ela parecia ser do tipo de pessoa que sofre sozinha, sem

deixar que ninguém a veja em seu estado mais vulnerável. Tinha

isso em comum com Stefano.

Antes de saírem, o Morelli mais jovem olhou para Alessandro,

avisando:

― Se quiser, pode ir embora. Eu vou depois.

O capo aquiesceu. Iam abrir a porta, mas Kélia abordou

Belinda, seguida da irmã.

― Oi, princesinhas da titia. ― Abaixou-se na frente das

gêmeas. As meninas sorriam. ― A tia não tem humor para brincar

hoje. Ainda bem que são novas e não entendem o que é perder uma

parte sua e ter que continuar a viver sem ela. Espero que nunca

passem por isso. ― Beijou a testa de ambas e saiu quase correndo

da casa.

Seus irmãos ficaram tensos, mas não disseram nada, a

princípio.
― Porra! ― Valentino praguejou baixo, de repente, e encarou

Fabrizio. ― Encontro vocês na ascensão.

― Tia… ― Kélia apontou o dedinho para a porta por onde

Belinda passara.

Pisquei, atônito. Aquela era a primeira palavra completa de

minha filha. Pena que Belinda não viu.

― A tia de vocês vai voltar, anjinhos. O tio Stefano vai cuidar

dela, tá? ― Beijou as duas e saiu também.

― Ti… aa! ― Carmen ia atrás, mas me levantei e peguei as

duas.

― Vocês não entendem porque são pequenas, mas a tia e a

mamãe perderam o seu avô, por isso estão chateadas. Precisamos

dar muito amor a elas, sim?

Minhas filhas riram. Sua inocência era uma benção.

― Também vamos na frente ― Benjamin falou. Chamou

Santiago e deixaram o local, após beijarem as meninas.


Fabrizio estendeu os braços.

― Me dê uma delas ― pediu.

Entreguei Kélia a ele e me sentei. Carmen ficou se

remexendo, então a coloquei no chão em pé. Ela caminhou até

Alessandro, atraída pelo anel em seu dedo. Minha menina adorava

joias, não podia ver uma que ficava mexendo. Já Kélia não

apreciava muito.

O anel usado por meu amigo fora comprado por ele junto à

Graziela. Simbolizava o laço entre os dois, de pai e filha, mesmo

que não compartilhassem sangue nenhum. A menina conquistara

todos os Morellis, assim como minhas filhas fizeram com os

Castilhos.

― Quando pretende partir? ― Fabrizio brincava com Kélia

enquanto conversávamos.

― Amanhã ou depois, não sei ainda. Verei com a Luna. Ela

queria ficar mais, mas…


― Precisam ir, eu sei. Será difícil sem minha nova irmã e

estes anjinhos sapecas aqui.

Kélia riu, puxando a gravata de Fabrizio.

― Entendo. Mia vai ter seu bebê, e Luna deseja estar lá para

ajudá-la.

― Depois retornarão ao México? ― sondou com um suspiro,

erguendo-se.

― Talvez a leve para Chicago, no aniversário da minha

sobrinha.

― Você não quer deixá-la sozinha. ― Não era uma pergunta.

― Boa ideia, Miguel. Ter pessoas ao redor evitará que pense

na morte de Paolo ― comentou Alessandro.

― Só espero que ela melhore. Levará um tempo, sim, mas

estarei ao seu lado para que se recupere. ― Fitei Fabrizio. ―

Lamento por sua perda, cara. Não disse isso antes, mas só queria
que soubesse. Eu vou cumprir a promessa que fiz ao seu pai. Foi

bom ouvi-lo insistir na proteção da filha.

― Sabe, neste nosso mundo, os homens são criados para

liderar; para entrar numa guerra e ganhar. Muitos atingem o fundo

do poço, levando sua alma consigo. Ou revelam seu monstro

interior, que sempre esteve lá, oculto. Mas há ainda gente boa, que

luta pela segurança dos seus. Nós cuidamos dos nossos. Fico feliz

que vocês também o façam. ― Fabrizio me devolveu Kélia. ―

Agora preciso cumprir o desejo do meu pai. Vou liderar esse império

a seu exemplo.

― Vá. Ficaremos aqui. Qualquer coisa, nos chame.

― Valeu. Só tome conta da minha irmã. ― Virou-se para

Alessandro. ― Agradeça Stefano por cuidar de Belinda. Ela se finge

de forte, mas está sofrendo. ― Acariciou os rostos de Kélia e

Carmen, em despedida.

Fabrizio saiu, e me vi sozinho com Alessandro.


― Um homem que faz tudo para cumprir seu dever. Valorizo

isso. ― Alessandro olhava a porta por onde meu cunhado tinha

partido.

― Paolo foi um bom chefe e um bom pai. Criou filhos e filhas

ótimos, que se amam e se respeitam.

― Verdade. Seremos como ele ou ainda melhores com os

nossos ― assegurou. ― Há caminhos alternativos para torná-los

fortes e corajosos sem precisar espancá-los. Paolo é prova disso.

Bem diferente de Marco.

― Meu pai também não foi exemplar. Nem deveria chamá-lo

assim, aliás. ― Ainda bem que estava no Inferno. ― Vamos parar

de falar disso. Como andam Rafaelle e Mália?

― Mália está treinando para um campeonato, mas machucou

a perna ontem, por isso não vieram ao enterro. Rafaelle queria vir,

mas não a abandonaria. ― Alisou o cabelo de Carmen, que dormira


no seu colo. ― Se, alguns anos atrás, alguém falasse que

estaríamos todos casados e com filhos, nós riríamos.

― Agora estamos aqui, felizes. Ou quase, devido às

circunstâncias. ― Kélia também adormecera nos meus braços.

Levantei. ― Vou levá-las para a cama.

― Eu o ajudo. ― Subimos as escadas. ― Amanhã vou para

casa, podemos retornar juntos.

Antes que eu respondesse, meu telefone tocou. Franzi a

testa; estava um pouco tarde para ligações. Acomodei Kélia em um

braço só e atendi.

― Alfred…

― Chefe, desculpe incomodar logo hoje, mas é uma

emergência. ― A voz soava grossa e furiosa do outro lado da linha.

― Do que se trata? ― Parei no corredor, e Alessandro me

imitou.

― Nossas instalações foram atacadas…


Rosnei, os dentes trincados.

― O que houve?

― Espancaram uma prostituta e uma dançarina, ficaram à

beira da inconsciência… ― iniciou a explicação.

― Espancaram?! ― Elevei o tom, fazendo Kélia se remexer.

― Só um minuto, já retorno.

― Sim, senhor.

Desliguei e coloquei as meninas no berço sem acordar Luna.

Saindo do quarto, encontrei Alessandro à minha espera.

― O que foi? ― perguntou.

― Não sei ao certo, vou ver agora. ― Digitei o número de

Alfred de novo, que finalizou o relato: as meninas foram atacadas

por alguém que usava uma máscara e um capuz, logo, não o

identificaram.

Cerrei os punhos com força.

― Achei melhor informar ― concluiu.


― Talvez seja um cliente insatisfeito que não sabe usar as

palavras. Descubra a identidade dele e lhe dê uma lição.

― Estamos encaminhando a situação, chefe. Não se

preocupe. ― Desligou.

― Seu pessoal foi atacado? ― Alessandro inquiriu.

― Duas meninas, ao saírem da boate.

― Pretende ir para o México resolver isso? Se precisar de

auxílio, me avise. Pode deixar Luna e as meninas lá em casa,

tomarei conta delas.

― Obrigado. Não é necessário, por ora. Alfred só quis me

alertar, mas vai cuidar do problema. ― Ele era meu braço direito.

Nesse momento, concentraria minhas energias em oferecer

todo o apoio do mundo à minha esposa.


Luna

Foi difícil ir embora da casa do meu pai, mas sabia que ele

não estaria mais lá. O bom era que teria meus irmãos quando

voltasse para visitar todos.

Eu precisava partir, não podia continuar no local, sendo que

Miguel tinha negócios a fazer. Eu não o privaria ainda mais.

Apenas esperaríamos o nascimento do filho da Mia, antes de

retornar ao México. Não via a hora de conhecer meu sobrinho.


― Luna, você está bem? ― Situava-me na sala, junto aos

meus irmãos por parte de mãe, menos Stefano, que se encontrava

na Espanha.

― Nem tive muito tempo com ele… ― Chorei nos braços da

minha cunhada.

― Oh, querida, lamento. ― Alisou minhas costas até eu me

acalmar.

― Luna… ― A preocupação estava em cada letra enunciada

por Miguel.

Respirei fundo e o fitei.

― Estou bem. ― Acrescentei após ele estreitar os olhos: ―

Ou vou ficar. Prometo.

Meu marido assentiu e colocou Kélia e Carmen no chão. As

meninas foram para onde Vicenzo brincava.

― Elas já estão andando mais firme ― observou Mia. ― E

mais sabidas!
Meu coração se aqueceu ao olhar as duas sorrindo.

― Belinda as ensinou muito bem ― respondi.

Minhas irmãs do lado paterno não queriam que eu levasse as

gêmeas. Belinda pediu que as deixássemos lá; Miguel quase

estourou uma hérnia. Ela estava brincando, claro, o que achei bom:

finalmente começava a retomar seu jeito maroto de ser.

― A garota adotaria as meninas, se permitíssemos ― ele

praticamente rosnou.

Mia riu.

― Adoraria ter visto isso. E estou na fila, também quero

essas duas princesas para mim.

― Ainda disse que ia apresentá-las a garotos! ― Trincou os

dentes.

Foi minha vez de gargalhar. Até me espantei: não imaginei

que isso aconteceria tão cedo.


Miguel me fitou, contente por me ouvir rindo. Ele e sua

proteção…

― Ué, elas precisam namorar algum dia, não? ―

argumentou Mia. ― Você não pode matar quem suas meninas

amarem.

― Alessandro faria o mesmo por Graziela ― apontou Miguel.

― Com certeza ― assegurou meu irmão.

Mia olhou para o marido e sorriu.

― Quero até ver ― zombou. ― Aquela garota tem você na

palma da mão.

― Não é só Grazi que me tem. ― Sentou-se ao lado dela e

tocou sua barriga. ― Vocês também.

Gostei de ver meu irmão feliz, esperando a chegada do filho.

― Vocês ficam bem juntos ― comentei. ― E Rafaelle firmou

o relacionamento com Mália… Só falta Stefano.


Era bom conversar sobre algo casual, focando menos no que

eu sentia.

― A única mulher que pode aturar seu irmão é a sua irmã,

Cachinhos. Ela desperta em qualquer um a vontade de esganá-la,

exceto em Stefano.

― Eu exercia esse efeito em Alessandro. ― Mia alternava o

olhar entre meu irmão e eu.

― Nunca quis esganá-la, Estrela-do-mar. Aliás, sempre

apreciei suas garras ao me enfrentar. ― Sorriu.

Esse sorriso de meu irmão era uma novidade; raramente

demonstrava seus sentimentos. Entretanto, eu sabia tudo que

Alessandro escondia dos demais. Já em relação a Stefano… Tinha

alguma coisa desconhecida acontecendo dentro dele. Torcia para

que nos deixasse ajudar, ou pioraria.

― Bem, depende do tipo de mulher de que a pessoa gosta.

― Luca entrou na sala, seguido por Jade, que sentou do meu outro
lado. Seu marido ficou à nossa frente, perto de Alessandro. ―

Também gosto de mulheres obstinadas, como Jade.

― Eu me sinto dócil perto de Belinda. Adoro isso nela ―

disse minha irmã. ― Amaria que virasse minha cunhada! Só não

entendo por que Luna não puxou esse gênio forte.

― Porque uma das irmãs precisava ser perfeita. Estremeço

só de pensar na Cachinhos sendo igual àquela garota.

Miguel me fez rir novamente.

― Por isso falo: cada um tem seu tipo ― reforçou Luca.

― De fato. Stefano deseja aquilo que não pode conquistar

com facilidade. Nenhum desafio o impede. Quanto maior o

obstáculo, melhor ― ponderou Alessandro. ― Vejo a forma como

fica quando Belinda o enfrenta.

Eu não mudaria de personalidade nem se tivesse escolha.

Não só pelo Miguel, mas por mim: eu me curtia do jeito que era,

assim como também amava minhas irmãs e suas peculiaridades. Na


minha opinião, amor-próprio é importante. Se alguém insiste para

que altere tudo em você, não vale a pena continuar ao lado dessa

pessoa.

― Espero que eles namorem ― revelei meu desejo. Só não

me meteria pois poderia estragar tudo.

― Por enquanto, ela não o quis. O que o deixou mais

animado para conquistá-la ― apontou Miguel.

― Mas não vai conseguir se não mostrar seu verdadeiro “eu”.

A mulher vê através da sua fachada.

― Como assim, “verdadeiro eu”? ― Jade franziu a testa. ―

Meu irmão é extrovertido, costuma mostrar o que sente.

Miguel sacudiu a cabeça.

― Ele não revela muita coisa. A sua espontaneidade é uma

máscara.

― Stefano não é de falar sobre seus sentimentos, disso eu

sei, mas ter algo mais sério por trás? ― duvidou minha irmã.
― Algo deve ter acontecido. Concordo com Miguel. Até pedi

que se abrisse, sem resultado. ― Alessandro parecia cabisbaixo. ―

Marco levou muito de nós cinco, mas sinto que tem algo a mais

nesse comportamento do Stefano.

― Eu queria ter sido filha de Paolo também. Ele sim era um

pai de verdade ― Jade cuspiu. ― Marco não merecia ter filhos. Que

apodreça no Inferno.

― Sou grata por não ser filha dele. ― Marco chegou a

obrigar meus irmãos a cometer atrocidades, além de espancá-los

enquanto crianças, a ponto de ficarem acamados. ― Será que

Stefano se tornou um pouco mais perturbado ao descobrir sobre a

mamãe e Paolo?

― Ele esconde algo há anos, mas piorou quando soube o

que Marco fez com nossa mãe e Rafaelle. Tem lutado mais, mal

para em casa. Por isso acho melhor que fique um tempo com os

Castilhos. Espero que se controle lá. ― Alessandro suspirou.


― Se ele não se controla aqui, sob ordens do seu capo e

irmão, por que o faria com membros de outra máfia? ― refletiu Mia.

― Por “Castilhos” eu me refiro especificamente a uma

esquentadinha que não dá muita bola para ele e retruca cada

palavra sua. Stefano passará uns bons meses tentando conquistá-

la, então estará distraído por ora.

― Faz sentido. A química entre os dois é palpável. ― Miguel

pegou minha mão.

― Ambos têm um temperamento idêntico. Será que dará

certo? ― Jade falava mais consigo mesma.

― Espero que sim, embora ele não possa saber do nosso

plano. Agradeço por não lhe contarem nada.

― Só torço para que Stefano não acabe quebrando o

coração de Belinda. ― Eu odiaria se um dos dois saísse ferido.

― Posso lhe garantir que Belinda dispõe desse mesmo poder

sobre ele ― Miguel falou.


― O resultado dependerá de um dos teimosos dar o braço a

torcer ― observou Mia.

― Quando estamos vazios e cercados de tormento, lutamos

contra aquilo que achamos não merecer ― disse Luca. ― Ele pode

considerá-la um desafio agora, mas tão logo começar a sentir algo

por ela, resistirá ao sentimento. Contudo, é uma luta perdida.

― Realmente. Só Mia foi capaz de quebrar a muralha que eu

próprio construí em volta do meu coração. Belinda é forte, poderá

ter sucesso também, se desejar. ― Alessandro alisou a mão de Mia.

Aquele relacionamento tinha tudo para funcionar. Se

dependesse do esforço de minha família, eles terminariam juntos.

Naquele instante, eu me senti grata pela óbvia tentativa de

me distraírem da perda recente de papai.

― Amo cada um de vocês por estarem aqui, me dando apoio.

― Apertei a mão de Miguel. ― Obrigada por tudo.


― Somos família, seguimos unidos a despeito das

dificuldades ― declarou Alessandro.

Por um milagre de Deus, eu dispunha de uma família forte

como uma rocha, algo raro no mundo da máfia. Nunca pararia de

valorizá-la.
Miguel

A dor de Luna era recente. Essa ferida levaria anos para ser

amenizada.

Eu continuava do seu lado para tudo e não queria deixá-la,

mas as coisas estavam se complicando no México. Não poderia me

ausentar por muito tempo mais.

Alguns dias tinham se passado desde a ligação de Alfred. Na

hora, supus tratar-se de um cliente insatisfeito ou de um homem

incapaz de aceitar um “não” de uma das mulheres espancadas. O


problema era que o caso se repetira com outras garotas no dia

anterior. Não podia ser coincidência.

Puto da vida, não fazia ideia de quem poderia ser o

responsável. As filmagens não nos ofereciam informações

suficientes. Isso me inquietava, pois temia outro inimigo no futuro.

Queria ir embora e resolver esse pepino, porém, Luna

desejava ficar para o nascimento do filho de Alessandro. Eu a

entendia, odiaria roubar isso dela, mas o cenário se agravara.

Se ela soubesse dos ataques, garanto que voltaria comigo.

Era para eu ter lhe dito, só não lhe contei justamente porque minha

esposa largaria tudo para retornarmos. Cercada pelos seus irmãos,

ao menos aparentava um pouco de alegria. Eu jamais a privaria

dessa sensação.

Meu telefone tocou. Franzi a testa.

― Quem pode ser a essa hora da noite? ― questionou Luna,

curiosa.
Acabáramos de colocar as meninas para dormir, e ela se

preparava para deitar, exausta. Nossas filhas eram perfeitas, eu as

amava mais que tudo, no entanto, as duas nos esgotavam.

Esses meses em que a Luna mal pregava os olhos, temendo

o pior pelo pai, foram puxados. Minha amada ainda não voltara a

dormir bem; eu a ouvia chorando no banheiro de madrugada. Ela

escondia sua dor para não me fazer sofrer ― uma tolice, pois eu

sabia de tudo; isto acabava comigo.

― É Alfred ― falei, beijando sua testa e indo para a porta. ―

Vou atender no andar de baixo para não acordá-las. ― Indiquei as

bebês.

― Tudo bem. ― Sentou-se na cama. ― Será que algo sério

aconteceu?

― Acredito que não, deve ser uma ligação rotineira. ― Mentir

para ela era horrível, mas não a preocuparia com meus problemas.
Quase ri pensando que, segundos antes, eu reclamava de

Luna omitindo sua tristeza, e agora estava ali, protegendo-a desse

louco que tentava me atingir.

Saí do quarto. Não vi ninguém na sala, então segui para o

escritório de Alessandro, assim conversaria com Alfred mais

tranquilamente.

― Chefe, desculpe incomodar…

― Sem problemas. O que foi dessa vez? ― objetivo, peguei

um copo de uísque e me acomodei na cadeira.

― Um novo ataque. Na verdade, novos, no plural mesmo.

Em sete pontos diferentes. Muitas das meninas machucadas se

encontram em estado crítico ― informou.

Amaldiçoei, querendo esmagar o causador.

― Alguma pista de quem os provocou?

― Não, repetiu o visual: máscara de ski e capuz. ― Suspirou.

― Não sabemos nem se é homem ou mulher. Vou enviar as fotos


de como as garotas desta noite ficaram.

Um bipe prenunciou sua mensagem. Conferi as imagens,

espantado com seus rostos desfigurados, cabelos arrancados e

dentes faltando.

― Merda! ― Algo não fazia sentido. Por que só as

espancavam, sem tomar uma atitude pior? ― Há sinal de estrupo ou

coisa do gênero?

― Não. Segundo testemunhas, as pessoas surgiram do nada

e começaram a bater nelas sem motivo aparente.

― Seja quem for, quer foder comigo. Vou mostrar como

revidamos a quem ousa nos importunar ― cuspi. Repetiria o

ocorrido com Death e seu irmão, que tentaram machucar Luna. ―

Vasculhe todos os lugares em busca do responsável…

― Estamos fazendo isso.

― Abra mais caminhos. Sei que é traumático para as

meninas, mas questione todas. Veja se lembram de algo, uma


tatuagem ou outro detalhe aleatório. ― Recostei-me na cadeira,

frustrado e furioso.

Se localizássemos o mandante, poderíamos fazê-lo pagar.

― Chefe, acho realmente que o senhor precisa estar aqui

para definirmos um plano de ação. Sinto muito sugerir isso num

momento tão complicado…

Ele tinha razão; eu precisava ir embora. Como contaria à

Luna?

― Certo, verei o que posso fazer, Alfred. Enquanto isso, tome

conta de nosso território.

Pertencíamos ao mundo do crime, logo, sempre haveria um

novo inimigo. Eu desejava entender essa ameaça para destruí-la de

uma vez por todas.

Desliguei e digitei o número do único que poderia me ajudar.

Alessandro estava envolvido em seus negócios e, em breve, sua


mulher daria à luz. Stefano permanecia com os Castilhos e,

Rafaelle, com Mália.

― Miguel ― Christian falou ao atender. ― Soube do que

aconteceu com Paolo. Planejei ir ao funeral, mas…

Enterros não eram muito a sua praia. Christian perdeu sua

família inteira e nunca superou.

Compreensível. Eu teria me abalado da mesma forma.

― Está bem. Ou ficará, com o tempo. ― Suspirei.

― Meus sentimentos à Luna. Não é fácil…

― Valeu, cara. ― Passei a mão no rosto, cansado. ―

Escute: estou com problemas. Pode me auxiliar?

― Sempre. Do que precisa? ― Entrou no modo “negócios”.

― Qual é o alvo?

Ele tinha uma agência de assassinos de aluguel, mas nunca

cobrava por seus serviços para mim.


― Não sei ― respondi sinceramente, afinal, se eu soubesse,

ele já estaria morto.

Silenciou por um segundo.

― O que tem sobre o assunto? O que essa pessoa fez?

Relatei tudo que Alfred me contou e lhe enviei as fotos.

― Hummm ― murmurou, passados alguns minutos. ―

Peculiar. Esse alvo apenas as machuca, não as estupra ou mata,

certo?

― É. Deve querer me enviar algum tipo de recado. Só não

entendo por que não faz algo mais sério… Se fosse um inimigo

cruel como a maioria, nenhuma delas viveria para contar a história.

― Esses cabelos arrancados e as marcas de unhas…

Parece mais um ataque vindo de uma mulher.

Pisquei, aturdido.

― Por que acha isso?


― Homens geralmente dão socos, quebram vários ossos.

Não dão unhadas ou puxões de cabelo. E mais: leve em conta a

ausência de abuso sexual. ― Enquanto ele conjecturava, eu

pensava em quem poderia estar comandando os ataques. ―

Alguma mulher com que você ficou, talvez? ― Leu meus

pensamentos.

Eu mantinha fodas avulsas antes de me apaixonar por Luna,

mas nada sério. Não recordava ninguém se interessando por mim,

não a ponto de machucar quem não tinha nada a ver com o

problema.

― Não faria sentido, estou há mais de dois anos com a Luna.

Uma pessoa apaixonada agiria bem antes. Quem sabe até atacaria

minha esposa ou eu. ― Refleti: ― E se for uma mulher se vingando

de algo que fiz contra algum parente seu? Isso sim pode acontecer,

não é? ― Entornei minha bebida para relaxar.


― É plausível, mas só teremos certeza quando pegarmos o

sujeito, seja homem ou mulher. ― Usava um tom cheio de

confiança. ― Pretende voltar para o México ou ficará para o

nascimento do seu sobrinho?

Christian e Mia haviam se tornado amigos, após ele ter

sequestrado ela no passado, a pedido de Alessandro. Para a

proteção da garota, que poderia ser atacada pelos ratos infiltrados

na organização de Alessandro, ele pediu que Christian a levasse a

um local isolado.

― Você virá? ― respondi com uma pergunta, ansiando que,

um dia, meu amigo vencesse as memórias.

― Não, não consigo…

Um nascimento acarretaria muitas lembranças de sua filha.

Mudei de assunto:

― Não sei se volto, quero evitar deixar Luna sozinha. Mas

desejo resolver essa situação…


― Luna entenderá, Miguel. Se você não for ao México, temo

que isso se alastre. ― Soava aliviado pela retomada do tópico

anterior. ― Decida e me avise. Já vou providenciar a localização

desse infeliz.

― Agradeço, irmão. ― Eu me despedi e desliguei o celular,

colocando-o na mesa.

Encarei o teto, pensativo. Sim, eu tinha que regressar, mas

ofereceria à Luna a escolha de permanecer com seus irmãos.


Miguel

― Miguel? ― Ouvi sua voz baixa me chamar da porta. Abri

meus olhos; nem notei que os havia fechado. ― O que está

acontecendo? ― Veio na minha direção, angelical.

Respirei fundo.

― Nada…

― Não minta. Por favor, me diga. Lidaremos com isso juntos.

― Acariciou meu rosto com suas mãos delicadas.


Seu toque aqueceu meu coração e minha alma. Apenas Luna

tinha esse poder.

― Sobrecarregá-la com esses problemas não é uma boa

ideia. ― Meu peito se apertava ao pensar nessa ameaça recaindo

sobre ela e nossas filhas.

Cachinhos piscou e suspirou.

― Somos casados. Você ficou do meu lado nos piores

momentos da minha vida, então me deixe ficar do seu agora.

Peguei-a pela cintura e a sentei em meu colo. Seus braços

envolveram meu pescoço.

― Miguel… ― O tom suave me motivou a revelar tudo.

― Tem alguém atacando as prostitutas e as dançarinas nos

meus estabelecimentos no México.

― Atacando como…?

Merda, despertei memórias desagradáveis sem querer,

recriminei-me. No passado, o irmão do Death quase violentou minha


esposa.

― Não houve abuso, Luna, não foque nisso. Só as

machucaram.

Mais aliviada, inquiriu:

― Sabe quem está por trás dos ataques?

― Ainda não…

Ela assentiu, mordendo os lábios.

― Precisa estar lá para resolver as coisas, não é? ―

Encontrou meus olhos.

Suspirei.

― Sim. Não sei quanto tempo demorarei. Fique aqui até que

Mia tenha o bebê. Se eu acabar antes, retorno. ― Distanciar-me

dela e das minhas filhas seria difícil, ainda mais para procurar

alguém sem rosto.

― Não, irei com você. Carecerá de apoio nessa busca. Ver o

seu pessoal… ― corrigiu-se ― o nosso pessoal ferido não será


simples.

Essa mulher era tudo de que eu preciso na vida. Ela me

conhecia mais do que eu mesmo.

― Tirei a sorte grande quando conquistei você ― declarei.

― Eu o amo, Miguel. Seguiremos juntos, aqui ou em

qualquer lugar. Mia vai entender. ― Pôs a cabeça em meu ombro e

beijou o local. ― Nossas meninas precisam do pai, e eu, do meu

marido.

― Espero resolver isso rápido. Assim voltaremos para o

nascimento ― comentei, alisando suas costas.

Seu cheiro me despertou uma vontade imensa de possuí-la

ali mesmo. Beijei sua boca, faminto, esquecendo os problemas e me

concentrando no prazer de ter essa mulher maravilhosa em meus

braços.

Havia meses que não transávamos, em razão dos

acontecimentos recentes. Nesse momento, contudo, era impossível


pensar com clareza.

Ela gemia baixinho, ao passo que eu acariciava suas coxas

por cima do roupão. Desejei estar na minha casa de Milão; tínhamos

ido para a de Alessandro pois achei melhor Luna ficar com sua

família.

Coloquei-a na mesa do escritório e fiquei entre suas pernas,

sem abandonar os lábios saborosos que eu amava.

Ouvi passos do lado de fora. Antes que eu me afastasse,

convencendo minha mente de que aquele não era o lugar ideal para

isso, a porta foi aberta. Luna gemia, alheia à situação.

― Não é porque é casado com minha irmã que pode… ―

Stefano parou, decerto pois a palavra que lhe veio à mente era

“foder” ― ficar com ela em todos os cantos.

Luna se afastou depressa. Encarou o irmão escorado no

batente da porta e de braços cruzados, toda vermelha.


― Não devia bater antes de entrar? ― rosnou, ajeitando o

roupão e ficando de pé.

Era tão linda quando se envergonhava.

― Isso é um escritório, não um motel… ― Luna o

interrompeu com um tapa. ― Ai!

― Não pretendíamos fazer nada ― falou com o rosto em

brasa. Após, me fitou: ― Não vai nos defender?

Até sua raiva me divertia. Não via essa emoção nela com

frequência, em especial nos últimos meses.

― Há tempos desisti de lidar com seu irmão. Vou deixar a

encargo de Belinda, ela tem garras mais afiadas ― provoquei.

Ele fechou a cara.

― Belinda? Vocês estão namorando? ― sondou Luna,

esperançosa.

― Não, não estamos, a menina é mais lisa que uma cobra e

tão letal quanto. ― Sacudiu a cabeça.


― O que houve?

― Nada, Luna. ― Passou a mão nos cabelos e deu um beijo

na testa da irmã. ― Preciso de um banho e de uma boa noite de

sono. ― Saiu apressado.

Notei algo diferente em seu semblante. Alguma coisa

acontecera entre os dois, para ele reagir assim. Carregava um toque

sombrio, pior do que antes.

― Luna, querida, deixe-os se resolverem. Belinda logo

conseguirá desmanchar as barreiras de Stefano. ― Mesmo que se

assemelhem mais a uma muralha impenetrável, acrescentei em

pensamento.

― Acha mesmo que os dois ficarão juntos? ― sussurrou em

retorno. ― Gostaria que acontecesse.

Sorri.

― Acredito que sim. Se alguém pode manter seu irmão sob

controle, esta pessoa é Belinda, e vice-versa. Eles se completam. ―


Passei o braço à sua volta. ― Vamos nos deitar também?

Ela pegou a minha camisa e encontrou meus olhos.

― Depende. Deitar para quê? Pensei em continuarmos de

onde paramos. ― Sua pele ficou escarlate.

De imediato, puxei-a e a beijei com devoção. Rumamos a um

dos quartos da mansão; as gêmeas dormiam em outro.

Lá, tirei seu robe e a empurrei com delicadeza para a cama.

Então me despi, louco para entrar nela. Contudo, iria com calma, a

fim de aproveitar cada segundo.

― Miguel, eu quero você ― confessou, abrindo as pernas,

necessitada.

― Oh, e você terá, Cachinhos. ― Abaixei-me para saborear

meu gosto preferido. ― Porra, senti falta disso. ― Degustei sua

boceta maravilhosa até fazê-la querer gritar; teve de abafar o som

com as mãos. ― Isso, fale meu nome… ― Pus dois dedos nela e

puxei seu clitóris, ao que se remexeu.


Arqueava o corpo a cada estocada. Sentia suas paredes

justas em meus dedos. Luna logo gozaria, por isso, tirei minha mão

e entrei nela antes que protestasse. Conhecia os pontos fracos de

minha esposa.

― Miguel… ― Fitou-me com amor.

― Aproveite, Cachinhos. ― Tomei seus lábios em outro beijo,

penetrando-a fundo. ― Sou todo seu, só seu.

Esfreguei seu clitóris, e Luna explodiu com um grito abafado

por minha boca.

― Amo você, Miguel. ― Sustentava um olhar intenso e

apaixonado.

― Também a amo, mais que a vida… ― Enfim gozei.

Nossas respirações estavam desiguais pelo esforço.

― Obrigada por ser paciente comigo durante todos esses

meses. ― Tocou meu peito.


― Você fez o mesmo quando fui quebrado, lembra? Por

semanas, fiquei sem me mover, exceto na fisioterapia. Tive que lutar

muito. Encontrei forças apenas porque a tinha do meu lado para me

incentivar.

― Eu sei. ― Acariciou meu rosto. ― Faço qualquer coisa por

você.

― Sempre estarei ao seu lado ― afirmei, beijando-a numa

tentativa de provar que cumpriria essa promessa, a despeito do

preço.
Miguel

Apesar de Luna querer ficar com seus irmãos, ela era uma

esposa devota. No dia seguinte à nossa conversa, me acordou e

determinou que partiríamos para resolver os problemas no México.

Se possível, retornaríamos para acompanhar o nascimento do bebê

de Mia e Alessandro.

Chegamos ao México bem cedo, um dia depois, e fui direto

encontrar Christian. Daemon ficara de levar Emília e Emma para lá,


assim Luna não passaria muito tempo sozinha. Desembarcariam

logo mais.

Marquei com Christian e Alfred no clube Drive Stripper.

Montaríamos uma estratégia para pegar o inimigo o quanto antes.

― Chefe, estão todos reunidos na sala dos fundos ― disse

Alfred.

O lugar se encontrava vazio, exceto por aqueles que chamei,

os homens em quem eu mais confiava. Afinal, poderia tratar-se de

algum traidor que restou. Mas se a suspeita de Christian se

confirmasse e fosse mesmo uma mulher, tudo se complicaria, pois

as possibilidades seriam infinitas.

― Essa pessoa quer vingança, mas não parece ser muito

cruel ― Arrow comentava quando entrei na sala.

― Não é cruel? As meninas estão gravemente feridas ―

objetei.

Christian, Arrow e Vlad debatiam.


― Eu sei, mas preste atenção nesses ferimentos. ― Passava

as fotos numa tela imensa. ― Não são sérios o suficiente. A pessoa

só parece querer lhe dar um recado.

― Verdade. Se fosse um inimigo comum, de algum cartel ou

da máfia, seria mil vezes pior. Fora o fato de que dariam o tal recado

através de assassinato ou estupro ― disse Vlad. ― Esse sujeito é

bom em esconder rastros.

― Não localizei nenhum suspeito ― informou Arrow ―

Precisamos fazer uma armadilha para ver se atacará de novo.

― Pode funcionar. ― Sentei-me. ― Prepararemos algo esta

noite.

― Tenha em mente que essa tentativa talvez não resulte em

nada. Se for esperto, o mandante vai suspeitar. Devemos orientar as

dançarinas e prostitutas, ensinar a elas seus papéis na arapuca.

Podemos grampear todas as funcionárias ― falou Christian. ―

Levaremos alguns dias, mas pegaremos o responsável. Contatei


minhas fontes nas máfias e nos demais clubes locais. Caso o

ataque seja de um cartel, saberemos logo.

― Também o fiz. E mandei meus homens vasculharem todo

o meu território à procura de um alvo. Não posso ficar no escuro, ou

isso respingará na minha família. ― Servi um copo de uísque. ―

Ainda bem que Daemon está vindo; tomará conta das garotas, junto

aos meus caras.

― Já chegou, falei com ele há pouco. Daemon não se

distanciará delas nem por um segundo, pode ficar tranquilo ―

garantiu Vlad.

Respirei aliviado. Minha casa era fortemente guardada, mas

Daemon e Emília serviriam de companhia para Luna, além de

reforço à sua segurança.

― Merda, tanta coisa para lidar, e esse maldito inventa de

atacar agora? ― rosnei.

― Vamos pegá-lo ― afirmou Christian. ― Ele pagará caro.


Eu esperava que sim. Não poderia focar em ajudar Luna se

vivesse em constante medo de uma emboscada.

Arrow, Vlad e Alfred saíram para organizar nossos planos da

noite. Sozinho com Christian, agradeci pelo auxílio, ao que ele

assentiu, sentando-se à minha frente.

― Vou precisar dos nomes de todas as mulheres com que já

ficou. ― Derramou uísque num copo. ― Não descartarei essa

hipótese até ter certeza do contrário.

― Não são muitas. Nunca fui de foder qualquer garota, você

sabe. Muito menos me lembro de alguma interessada em mim. Mas

vamos lá. ― Listei os nomes.

Eu ficava com algumas mulheres esporadicamente,

limitando-me a sexo para relaxar.

Ele tirou uma foto da lista e enviou para seus funcionários.

― Agora é só torcermos para ser uma delas. Facilitaria muito,

não é?
Sorri.

― Sim, mas duvido que seja.

― Vamos esperar. ― Suspirou, tomando um gole de sua

bebida. ― Como anda sua esposa?

― Melhor. É difícil… Passou a amar Paolo para depois

perdê-lo rápido, muito rápido. Essa merda é fodida, mas… ― olhei

para ele ― nunca a vi mais feliz, mesmo com as circunstâncias.

― Perder quem amamos é sempre um baque.

― Sabe, não queria tocar no assunto, mas… Mas já pensou

em seguir em frente? Viver de novo com alguém?

Sua respiração se tornou pesada.

― Miguel… ― Pôs-se de pé, com as mãos nos cabelos. ―

Não, não consigo seguir em frente. Quando tiraram as vidas delas,

acabaram com a minha também. Por que eu continuaria sem minha

família?
― Christian, você sobreviveu. Não experienciei algo similar,

mas entendo, em parte, sua dor. Desejo que seja feliz. ― Caminhei

até ele. ― Você é meu amigo, quero que fique bem.

― Eu vou ficar, não se preocupe comigo ― disfarçou a

mentira com um sorriso.

― Lamento por falar do passado. Estou aqui para o que

precisar. É para isso que servem os amigos, não? ― Dei um aperto

suave em seu ombro. ― Agora vamos pegar esse desgraçado que

quer machucar o meu povo.

Rumei à porta.

― Miguel?

Virei para ele.

― Sim?

― Obrigado, cara. Eu apenas… não me sinto vivo há anos. O

vazio e o tormento são profundos. Me faltam forças para lutar. ― A

voz soava quebradiça como vidro.


― Deixe as pessoas entrarem, Christian. Enfim, seja qual for

sua decisão, fico a seu dispor. Peço que tente, só isso. Participe

mais de nossos eventos, será bom. Até aquilo que é desagradável

pode auxiliá-lo a superar. O funeral de Paolo, por exemplo…

Sua aversão não era a velórios, e sim a ver seus amigos e

familiares indo para a tumba. Pelo que eu sabia, ele tinha uma

amizade com Paolo.

― Paolo me salvou uma vez, me ajudou no momento mais

difícil da minha vida, assim como Murilo. E eu não fui ao velório de

nenhum dos dois. Devo minha vida a eles, ou o que sobrou dela. E

mesmo assim, não consegui…

― …dizer adeus ― terminei a frase. ― Lembro o que senti

ao perder minha mãe e em todos aqueles anos pensando que

minha irmã estava morta, sendo machucada ou sei lá. Enterrar

quem amamos dói, mas é melhor que vê-los sofrer. Enfrente seus

fantasmas.
― Ainda ouço os gritos delas. ― Fechou seus olhos,

atormentado.

― Eu queria poder acabar com sua aflição. Por que não visita

seu irmão em Nebraska? A família tem esse poder de nos dar forças

para viver, em vez de apenas sobreviver, como vem fazendo. ―

Christian não o encontrava havia anos. ― Pense nisso. Cerque-se

de quem importa, de quem continua aqui. Vejo você lá embaixo,

quando estiver pronto.

Assentiu. Deixei-o com seus pensamentos, mas ele não

demorou a juntar-se a mim.

― Devia ser psicólogo, em vez de chefe da máfia ― caçoou.

― Talvez eu mude de profissão ― brinquei. ― Teria menos

inimigos. ― Houve uma época em que considerei desistir, mas,

atualmente, não o faria. Proteger os meus era um dever

importantíssimo.
― Verdade. ― Riu enquanto seguíamos para o salão do

clube. ― Contudo, homens como nós não conseguem se

desvencilhar desta vida. Ainda bem que sua família sabe quem você

é, diferente da minha. Eles não têm a menor ideia do que faço.

Seu irmão era casado, pai de gêmeos de quatro anos.

Christian não tinha outros familiares biológicos.

― Não interessa. Lance o adora e sente sua falta ―

argumentei.

Parou para me encarar, desconfiado.

― Tem falado com meu irmão? Como o conhece? ― Franziu

a testa.

― Nos conhecemos pessoalmente quando fui a Nebraska,

mais ou menos um ano atrás. Ele estava enfrentando problemas

com algum familiar de um dos homens que mandou para a cadeia.

― Eu sabia de sua existência havia tempos, mas só me aproximei

naquela ocasião.
― E você o ajudou?

― Sim. Por mais incrível que pareça, contratei os serviços

dele por mera coincidência. Estava buscando um advogado para me

ajudar com o caso de Tadeu, cuja família se mudou para lá. Então vi

uma foto sua na mesa. São muito parecidos, tirando o cabelo

comprido. ― Apontei seus fios loiros, presos num coque.

― Ele tem uma foto minha? ― indagou de cabeça baixa.

Anuí.

― Conversamos brevemente quando me pegou olhando a

imagem. Perguntou se eu sabia do seu paradeiro. Entendeu que

você só precisava de tempo, após tudo o que aconteceu. Garantiu

que as portas estariam sempre abertas, tão logo você se sentisse

preparado.

― Por que não me contou? ― Notei uma pontada de

acusação.

― Você não estava pronto para ouvir.


Levou as mãos à cabeça e deu uma risada dura.

― E agora estou? O que o faz achar isso? ― questionou,

pesaroso.

― Não acho. Mas aprendi algo com a partida de Paolo: a

vida é curta. Não vale a pena desperdiçá-la longe daqueles que

amamos. Podemos ser mortos a qualquer instante, tanto por nossos

inimigos quanto por uma doença aleatória. Aí vem a culpa de não

ter vivido ao máximo. ― Respirei fundo. ― Christian, somos

humanos, e não imortais. Não quero, um dia, vê-lo partir repleto de

arrependimentos. Não desejo isso para ninguém.

Silenciou, assimilando tudo. Eu continuei:

― Não precisa decidir nada agora, leve seu tempo. Só não

demore uma vida inteira.

― O problema que ele estava tendo… você resolveu? ―

sondou, após uns minutos.

Sorri para aliviar a tensão.


― O que acha? Você cuida da minha retaguarda, e eu da

sua. Somos família.

― Valeu pela sinceridade, irmão. Vou ver o que posso fazer.

Aquiesci.

Nesse momento, porém, eu só queria pegar o tal intruso e

acabar com o maldito.


Luna

Após nossa volta da Itália, Emília e seus filhos ― Emma e o

bebê Andrew ― me ajudaram a lidar com a dor da perda do meu

pai. Sem minha família, eu não teria suportado.

Queria ter ido ao nascimento de Enrico, mas não pude. Mia

me enviou uma foto dele: um loirinho muito lindo, parecido com os

dois. Prometi que, quando tivesse um tempo livre, após tudo isso

passar, iria conhecê-lo.


Nesse ínterim, fazia o que amava: cuidar de animais. Meu

hobby me mantinha centrada. Ia ao meu galpão todos os dias.

Miguel até me pedira para ficar em casa, devido aos ataques, mas o

convenci, alegando que os seguranças estariam comigo ― fora a

proteção extra no meu local de trabalho.

Ele andava cada vez mais estressado, pois não conseguiu

pegar a pessoa que atacou as garotas.

― Miguel o encontrará, eventualmente ― Emília disse para

mim do outro lado da linha.

Estávamos no telefone pois ela ficara em minha casa com

seus filhos e as gêmeas.

― Eu sei, mas não é só isso que me incomoda. Aconteceu

algo e não sei se conto ao Miguel. Ela pediu segredo…

― De quem está falando?

― Da suposta mãe de Sage, dona Eliací. Ela me ligou há

alguns minutos.
― A mesma que tomava conta das meninas? O que ela

queria?

― Exato. Queria conversar, mas, sei lá, soou estranha. ―

Não falei com ela em meu período na Espanha, pois a mulher

deixara o país para espairecer, de acordo com Fabrizio.

― Estranha como?

― Abatida. O relacionamento dela com Carlos, que fazia o

papel de pai do Sage, era real, aparentemente. Meu irmão me

contou que Eliací o amava.

― Ela disse algo mais?

― Não muito, apenas que deseja me ver. Perguntou se pode

vir aqui, pois está no México a passeio. Marcamos de nos ver no

meu trabalho. ― No fundo, eu adoraria reencontrá-la, mas temia a

reação de Miguel.

― Luna, ela é de outra máfia. Pelo que sei, um membro não

pode fazer isso sem a autorização do chefe. Será que seu novo
irmão permitiu que viesse?

― Acha que devo ligar para ele? ― Eu não via necessidade.

Eliací decerto apenas andava meio perdida, após a morte do

marido, o homem que se revelou um traidor.

― Sim. Sonde se ele sabe que ela está na cidade ― sugeriu.

― Certo. ― Suspirei. ― Obrigada. Você e seus filhos têm me

ajudado muito nos últimos dias.

― Somos sua família, Luna. Estamos aqui para qualquer

coisa ― declarou.

Desliguei e digitei o número do meu irmão, esperando que

ele tivesse notícias dela.

― Luna ― saudou Fabrizio no segundo toque. ― Como vai?

― Indo… ― Eu não conseguiria dizer se ele estava

perguntando sobre a nossa perda ou só estava sendo cortês. ― E

vocês?
Já havia checado todos os meus animais e retornava ao meu

escritório. Alguns bichos moravam em nossa casa, como Burnt, meu

cachorro, e Furry, meu gato.

― Tudo se encaminhando. ― Sua voz saiu baixa. ― Nosso

pai gostaria disso.

― Sinto falta de todos. Nos visitem em breve, por favor!

― Também sentimos. Como estão as minhas princesas? A

vida é mais escura sem elas.

― Estão muito bem, espertas até demais.

― Belinda se gaba para o mundo inteiro por já saberem falar

“tia”. ― Riu.

― As meninas ainda a chamam, de vez em quando. ―

Suspirei. ― Escute, quero perguntar uma coisa: como anda a dona

Eliací?

Ele silenciou por alguns instantes.


― Acredito que bem. Não ouvi falar muito dela, após sua

viagem para a América. Por quê?

O que contar?, perguntei-me. Resolvi abrir o jogo, quem sabe

assim me ajudaria a convencer Miguel a não ficar brabo com a

visita…

― Luna! ― exclamou, preocupado. ― O que houve?

― Nada… Ela me ligou e pediu para vir me ver, só isso. Eu

autorizei. ― Pus o celular no viva-voz. Os guardas se situavam do

lado de fora; raramente entravam em minha área de trabalho.

― Ela está aí?!

― Não chegou ainda. ― Eu avisara ao pessoal que receberia

uma visita, mas não informei quem.

― Onde você está? ― inquiriu, elevando a voz.

― No galpão…

― Há alguém com você?


― Sim, meus seguranças ― tranquilizei-o, confusa. ― Está

me preocupando. O que aconteceu? Por que parece tenso?

De repente, ouvi tiros do lado externo e me abaixei em minha

sala.

― Luna? Luna! ― chamou, nervoso.

Então alguém empurrou a porta com força. Eliací surgiu,

empunhando uma arma, a qual apontava para mim. E não

terminava aí: carregava uma lata quase vazia. Derramou pelo chão

o que restava do líquido.

Miguel

Havia dias aguardávamos um novo ataque para pegar o

infeliz. Porém, não aconteceu como esperávamos. Os atentados


pararam; permanecemos sem pista nenhuma.

― Será que esse maldito desconfiou da emboscada? ―

comentei.

Nos reuníamos numa das salas do clube.

― Não é normal alguém começar um ataque desses e

interrompê-lo do nada. ― Christian franzia a testa.

Após nossa conversa, ele parecia mais leve. Ligara para o

seu irmão, o que acarretou uma diferença positiva bem visível.

― É mais provável que tenha mudado de rumo, e não

cessado fogo. De estar focando em outra coisa.

Vlad piscou com as palavras de Arrow.

― Ou outro alguém ― destacou. ― E se essa pessoa só

queria obrigar Miguel a retornar ao México? O primeiro ataque

aconteceu com ele na Espanha. Como foi a Milão, em vez de

regressar, houve mais um, e assim por diante.

Ergui as sobrancelhas.
― Uma armadilha…? ― ponderei. ― Isso não explica os

ataques terem parado. Por que não tentou me atingir ainda? ―

Geralmente, meus inimigos investiam com tudo; não se escondiam

para dar o bote.

― Talvez não seja você o alvo… ― Arrow considerou.

Arregalei os olhos.

― Luna! ― O medo dominou meu ser. Peguei meu celular

para falar com ela, mas Fabrizio ligou na mesma hora. ― Fabrizio?

― atendi.

― A Luna corre perigo! ― gritou.

Meu coração se apertou, me impedindo de respirar por um

segundo. Não, não era verdade… Eu estava em um pesadelo, só

podia! Se alguém lhe causasse mal…

― Explique-se ― pedi, tonto.

― Eliací está com Luna no galpão do centro. A mulher

enlouqueceu, jogou gasolina em todo o lugar. Uma faísca e… ―


Vacilou. ― Salve minha irmã e mate a cadela ― disse, furioso.

Desliguei.

― Miguel, o que aconteceu? ― indagou Christian.

― Parece que a mãe de fachada de Sage é a pessoa que

deseja vingança.

Narrei brevemente a situação, enquanto saíamos apressados

do clube. Temia chegar tarde e perder minha mulher, a pessoa que

eu mais amava.

Meu telefone tornou a tocar. Era Zaquel.

― Chefe, tem uma doida na sala da Luna… ― relatou o que

eu já sabia.

― Porra! E minhas filhas? ― Isso não pode estar

acontecendo, não pode…

Christian tomou o meu telefone, pois minhas mãos tremiam.

― Vamos, irmão, controle-se por sua garota. Ela precisa de

você. Iremos tirá-la de lá, prometo. ― Agarrou meu braço, me


conduzindo à rua.

Assenti, aterrorizado. O pavor me entorpecia. Eu não

aguentaria nem um dia sem o amor da minha vida.


Luna

Eu estava em choque demais para ter uma reação. O que me

fez tremer mesmo foi o cheiro.

Ofeguei ao ver o que era.

Tiros ainda soavam lá fora, me fazendo estremecer.

― Luna! ― Zaquel, um dos meus seguranças, gritou,

tentando abrir a porta que Eliací trancou. ― Abra!

― Afaste-se, Eliací está com uma arma e jogou gasolina em

todo o lugar ― consegui alertá-lo.


― Desligue o telefone ― ela ordenou. ― Ou vou atirar em

você.

― Eliací? O que… o que está fazendo? ― balbuciei.

― Luna!? ― Fabrizio chamou, mas antes que eu

respondesse, a mulher tomou meu celular.

― Olá, Fabrizio. ― Em uma mão, segurava o telefone; na

outra, a arma. ― Você já não me dá ordens. Pagará por assassinar

o homem que eu amava.

Meu coração gelou. Temia a minha morte e a dos meus

animais. Nada podia acontecer com eles, nem comigo. Eu tremia

ante o pensamento de morrer assim.

Precisava reagir… Mas como?

Controlei meu medo. Se eu não lutasse, queimaríamos.

― Eliací, por favor ― supliquei. ― Vamos conversar, posso

ajudá-la.
― Não! ― Lançou-se na minha direção, derrubando o celular.

Parecia desesperada, nem um pouco lúcida.

― Luna! ― mais um segurança berrou lá de fora.

― Se alguém se aproximar, você arderá no Inferno. Isso se

eu não estourar seus miolos primeiro. Uma mera faísca explodiria

este lugar inteiro.

― Estou bem ― respondi a eles. Esperava continuar assim.

― Só tomem conta das minhas filhas.

― Sim, senhora ― replicou um.

― Emília está cuidando das meninas ― Zaquel avisou.

Obrigada, Deus!, agradeci mentalmente. Eu me preocupava

que, de algum modo, essa mulher tivesse mandado alguém para

atingi-las.

Eliací me enganara direitinho… Por sua causa, coloquei

muitas vidas em perigo.


― Não machucaria as gêmeas, meu acerto de contas é com

Fabrizio e Alessandro. Os dois vão pagar caro pelo que fizeram ―

disse com firmeza.

Recordei os ataques às mulheres. Teria sido ela a

responsável?

― As garotas que foram espancadas… Você fez isso?

Ela me olhou com frieza.

― Sim, contratei algumas meninas para bater nelas. Não

queria, mas precisava trazer vocês de volta. Da primeira vez, não

adiantou. Então repeti com mais garotas. Tinha algum dinheiro que

Carlos guardava de seus negócios contra os Castilhos ― falava

como se fosse algo banal. ― Esse dinheiro Fabrizio não tomou, pois

não sabia dele. O maldito roubou o restante da grana que meu

homem conseguiu.

Pisquei, aturdida. Como uma mulher aparentemente bondosa

chegara a esse ponto? Talvez fosse mesmo só fingimento, afinal.


― Essas pessoas que contratou conhecem Miguel e meus

irmãos? ― Se tinham ideia da reputação dos meus familiares e nos

atacaram, eram realmente loucas.

― Não, eu as achei na América. Uma gentinha que carecia

desesperadamente de dinheiro. ― Deu de ombros.

― Você as levou à morte! É isso que acontecerá com todas.

― Afora as máfias rivais, ninguém os enfrentava dessa maneira.

― Por que me importaria, se Carlos já não está aqui? ―

Seus olhos umedeceram.

Eu devia ficar quieta, mas almejava ao menos entender seus

motivos e, de quebra, enrolar enquanto não davam um jeito de me

salvar.

― Você foi bem esperta, trazendo esses intrusos. Eles

atacaram os locais, ao passo que se aproximava de mim. ― Eu

pensava que ela era uma boa pessoa. Na verdade, continuava

acreditando que havia bondade em Eliací; ela estava apenas doente


da cabeça. No seu lugar, eu não aguentaria a dor. A diferença entre

nós era que, se eu perdesse Miguel, jamais me vingaria

machucando inocentes.

― Carlos me ensinou algumas coisas. ― Prosseguiu, a voz

baixa e letal: ― Quando o maldito do Paolo mandou nos infiltrarmos

em outra máfia, eu me recusei, mas Carlos disse que era uma boa

forma de crescermos.

Ela estava magra, com olhos fundos, sinalizando noites mal-

dormidas. Com aquela expressão abatida, distinguia-se bastante da

pessoa que eu conhecia. O que uma perda e a solidão não fazem

com um ser humano?

― Ele nos traiu, se aliando ao inimigo ― informei. ― Meu

irmão não teve escolha.

Definitivamente foi um erro falar aquilo. Eliací me empurrou;

eu me desequilibrei e caí. Aquela era minha última chance de sair

dali com vida e, de preferência, sem nenhum arranhão.


― Eliací, por favor… ― Fiquei de pé, cerrando os punhos,

pronta para lutar.

― Cale a boca! ― gritou, sacudindo a arma. ― Não era para

ter sido assim, Luna! Queria que as coisas fossem diferentes.

― Lamento pelo que perdeu ― sussurrei.

― Não, você não lamenta ― desdenhou. ― Todos queriam

Carlos morto. Como não posso chegar aos homens que desejo

destruir, arrumei uma forma de fazer os dois pagarem ao mesmo

tempo. Vão sentir o que sinto. Castilhos e Morellis se arrependerão

por tudo que me forçaram a passar.

― Vamos conversar ― Zaquel pediu, do lado externo. ―

Seus cúmplices foram abatidos. Podemos deixá-la ir, se não tocar

em Luna.

Ela estava bastante alterada. Eu não era nenhuma psicóloga,

mas acreditava que a mulher precisava de ajuda com urgência.


― Não me faça rir, sei que acabariam comigo. Não estão me

levando a sério, é? ― Atirou na parede superior, onde não tinha

gasolina.

Pulei e me encolhi num canto, temendo que a próxima bala

se destinasse a mim.

― Luna! ― Ouvi Miguel exclamar, aterrorizado.

― Estou bem ― gritei de volta.

Meu escritório não tinha janelas; Miguel não quis facilitar para

um possível inimigo pôr um atirador num dos prédios ao redor. No

momento, porém, isto nos deixava em desvantagem. Se ele não

poderia me salvar, eu teria que me safar sozinha.

Olhei sua mão com o isqueiro e a arma. Daria tempo de eu

roubá-los antes dela botar fogo em tudo ou atirar em mim?

Minha cabeça doía por causa do cheiro forte da gasolina.

Não tinha escolha, era pegar ou largar. Se eu ficasse parada,


morreria eventualmente; uma hora ela cansaria dessa loucura.

Contudo, se eu lutasse, tinha uma chance.

― Me matar não trará seu marido de volta. ― Nem sabia se

se eram casados, mas estavam juntos, considerei somente isso. ―

Tenho duas filhas que precisam de mim.

Meu coração doía por medo de perdê-las. Quase morri em

duas ocasiões: quando o irmão de Death incendiou meu

apartamento, mandando um de seus caras fazer comigo algo pior

que a morte; e quando meu pai planejou me vender como gado.

Graças aos Céus meus irmãos me salvaram dos Rodins e, Miguel,

do indivíduo que ia me violentar.

― Você não irá sozinha. Vou junto. ― Sorriu como se me

desse um presente.

― Não faça isso, você pode buscar ajuda! Eu posso auxiliá-

la… ― Insistia para que visse a razão, mas não havia escapatória.

Ela acendeu o isqueiro por um segundo e o desligou na sequência.


Fiquei o mais longe possível. ― Quer mesmo morrer? ― continuei,

as lágrimas escorrendo pelas bochechas. ― Entendo sua dor por

perder o homem que ama. Mas isso que você pretende fazer é

errado!

― Não ligo, logo vou reencontrar Carlos, levando você

comigo, para o desespero de seus irmãos ― rosnou.

― Luna… ― Miguel bateu à porta; provavelmente via tudo

pelas câmeras.

― Por favor, não… ― supliquei. Estava difícil demais lidar

com a situação.

Ela não me ouvia. Mas quando Miguel repetiu seu chamado,

Eliací olhou para a porta. Aproveitei sua distração e me lancei para

cima dela, batendo em seus braços.

O isqueiro caiu. Eu segurei a mão que carregava a arma,

tentando fazer com que a soltasse.


Nessa bagunça, o revólver foi disparado. Congelei por um

segundo. Ao constatar que eu não sentia dor, destravei, ao menos

até escutar o grito de Eliací, que largou a arma.

Ela tombou, e o terror me inundou. Com o revólver em mãos,

temi tê-la matado. Por favor, que esteja bem, pensei como um

mantra.

Vi sua perna sangrando e suspirei de alívio. Mirei nela, mas

só atiraria se precisasse. A ideia de assassinar um ser humano me

apavorava mais que tudo. Apenas desejava sair dali e pegar minhas

filhas no colo.

― Me mate! ― gritou. Não conseguia se levantar, devido ao

ferimento. ― Se não o fizer, eles vão me torturar por dias.

― Acabou, Eliací ― avisei com um suspiro.

Abriram a porta.

― Sim, acabou ― repetiu, agora mais tranquila.


Olhei para ela e, em pânico, enxerguei-a estender-se para

pegar o isqueiro, perto demais do líquido no chão.

Nem tive tempo de pensar no que acontecia, pois fui puxada

para fora do escritório.

― Não! Ela precisa morrer também ― berrou.

― Miguel, ela vai… meus animais…

Ele não respondeu, correndo comigo para a rua. Virando para

trás, vi Zaquel pegar um extintor de incêndio. Então algo explodiu.

Os gritos da mulher cessaram, mas este som iria me

apavorar para sempre.

Miguel

Minutos antes
Cheguei ao local onde Luna estava sendo mantida refém da

desvairada da antiga babá das meninas. Imaginar que aquela louca

tomou conta delas me enraivecia.

― Como anda tudo aqui? ― perguntei aos meus homens.

― Luna pediu para ficarmos longe. ― Zaquel veio até mim.

― Esvazie o lugar. Leve os animais para o outro galpão, para

garantir. ― O medo era evidente em minha voz.

― Já foi feito, senhor ― um soldado me informou.

― Ela é forte. Qualquer pessoa gritaria ao ser ameaçada

dessa forma ― falou Zaquel.

As câmeras mostravam que a mulher, enlouquecida,

pretendia assassinar Luna e suicidar-se em seguida.

Tentei chamá-la, manter seu foco nos seus verdadeiros

inimigos, sem êxito. Para ajudar, eu não podia arriscar a segurança

de Luna arrebentando a porta.


O meu sangue gelou quando ouvi o primeiro tiro. Na câmera,

conferi, aliviado, que a bala não atingira ninguém.

Desesperado e impotente, acompanhei quando Luna a

atacou. Coloquei minhas mãos nos cabelos, esforçando-me para me

controlar ao vê-las brigando pela arma.

Outro tiro. Desta vez, em Eliací. Luna apanhou a arma, e a

vadia gritou. Era a minha chance.

Abri a porta e só tive tempo de enxergar a maldita prestes a

recuperar o isqueiro. Peguei Luna no colo e a carreguei para fora

dali, tão rápido quanto o Diabo fugindo da cruz.

Ouvia Luna dizer algo, mas soava desconexo, dado meu

medo de perdê-la. Na rua, coloquei-a no chão e a abracei para

confortá-la e agradecer por estar comigo. Eu me sentia orgulhoso

por ela ter conseguido se salvar; foi muito corajosa.

― Você está bem? ― Chequei cada centímetro de seu corpo.

― Eliací…
― Lamento, ela não sobreviveu ― disse Christian,

avizinhando-se. ― Chegou a acender o isqueiro, mas o fogo foi

contido, felizmente.

Saber que a mulher morreu foi um alívio. Por culpa dela, eu

me senti o homem mais infeliz do mundo ao achar que perderia

tudo.

Luna chorou. Ela se preocupava com Eliací.

― Quero ver as minhas filhas, abraçá-las e agradecer a Deus

por estar viva. ― Minha esposa tremia e soluçava.

― Leve-a, cuidaremos de tudo por aqui ― Christian me falou.

Afastada, Luna mirava o galpão.

― Miguel, por favor, não suma com o corpo dela. Me permita

enterrá-la com dignidade. Eliací estava doente, não podemos

simplesmente jogá-la em uma vala qualquer.

Todos ao redor a fitaram, aturdidos, incluindo eu. Mas Luna

não estava errada: Eliací conviveu conosco por um período


considerável. Minha amável esposa se apegara à mulher.

― Luna…

― Por favor, Miguel, faça isso por mim. ― Agarrou minha

camiseta.

Suspirei, incapaz de tomar tamanha decisão no momento.

― Resolveremos essa questão mais tarde. Agora vamos.

Você precisa tirar essas roupas cheias de gasolina… Tremo só de

imaginar o perigo que correu. ― Estava furioso com a situação.

Entramos no carro e nos dirigimos à nossa casa. Ao

chegarmos, Emília desceu as escadas correndo.

― Você está bem? ― perguntou à cunhada. ― Fiquei

preocupada! Quis ir lá, mas Edward não deixou. Ele disse que seria

melhor eu ficar com as crianças.

Daemon estava certo; ainda bem que manteve minha irmã

longe.
― Estou, sim. E minhas filhas? ― Afastou-se um pouco. ―

Preciso vê-las, vou apenas tomar banho antes.

― Estão ótimas, brincando com os primos no quarto. Já eu

quase enlouqueci de angústia! Graças a Deus tudo deu certo.

Luna sorriu de leve em agradecimento e subiu para o andar

de cima. Eu a segui.

Enquanto ela se banhava, recebi uma ligação de Alessandro.

― Minha irmã está aí? ― Sua voz se elevou.

Decerto Fabrizio ligara para ele.

― Sim, no chuveiro. Está abalada, mas bem, na medida do

possível.

― Ela passou por muita merda, agora vem mais essa? Luna

não merece isso ― sibilou.

Suspirei.

― Acredita que ainda me pediu para enterrar Eliací? Não

quer que demos um sumiço no corpo.


― Espere, o quê?! ― indagou. Depois, soltou uma risada

dura. ― Não podia esperar outra coisa dela.

― Isso é verdade. ― Olhei para a porta do banheiro, por

onde saía. ― Minha esposa é de outro planeta.

― Quem é? ― perguntou ela.

― Alessandro…

― Me deixe falar com ela ― seu irmão pediu.

Dei o telefone à Luna, avisando:

― Ele deseja falar com você. Vou aproveitar para checar

nossas meninas.

Deixei-a sozinha, embora minha vontade se resumisse a

segurá-la e protegê-la para sempre.

Cheguei ao quarto onde as gêmeas brincavam.

― Oi, meus amores. ― Beijei o topo de suas cabeças. ―

Hoje quase perdi sua mamãe… ― desabafei, abalado. Elas não

entenderiam, de qualquer maneira.


Meu peito se apertava ao pensar no assunto. Foi por pouco.

Minutos depois, minha mulher apareceu.

― Estou bem, Miguel ― garantiu ante meu olhar preocupado.

Virei-me para cima com a respiração desigual.

― Quase a perdi. De novo! Esta sensação é horrenda. Não

quero sentir isto nunca mais. ― Pondo-me de pé, puxei-a para mim

e a beijei. ― É tão bom sentir seu cheiro, saber que está segura em

meus braços.

― Eu também fiquei com medo. ― Sentou na cama, perto

das meninas. ― Por um instante, achei que morreria. Quando

disparou aquela arma… Enfim, a ideia de não ver mais minhas

filhas, nem você, me devastou.

― Não permitirei que nada mais a machuque.

Ela assentiu.

― Obrigada, estou contente por retornar à nossa família.

Respirei em paz por ter comigo meus bens mais preciosos.


Miguel

Cinco anos depois

As coisas estavam indo bem, nada de perigos para minha

família. Reforcei a segurança de minha casa e de cada lugar

frequentado por Luna e minhas filhas.

A mulher louca que quase a levou de mim foi enterrada, pois

prometi à Luna. Sim, só minha esposa para me fazer prometer algo

do tipo.
Meus negócios corriam perfeitamente. Como tudo neste

nosso mundo, eu trabalhava duro para isso e para proteger aqueles

que eu amava.

― Preparado? ― sondou Daemon, dando um tapinha nas

minhas costas.

Meu filho estava para nascer. Luna fora conduzida à sala de

parto, da qual eu só saíra para avisar aos meus amigos e familiares

que ela se sentia bem, na medida do possível ― o parto não é uma

experiência fácil.

― Mais que preparado. Passei para dizer que está tudo certo

com Luna e o bebê.

Todos os irmãos dela se encontravam ali, assim como minha

irmã e Daemon. Comemorávamos o aniversário das gêmeas,

minhas princesas, quando Luna sentiu dor e tivemos que nos

apressar até o hospital.


Voltei para o quarto onde Paolo viria ao mundo.

Concordamos em lhe dar o nome do pai da Luna, uma homenagem

ao meu sogro. Ele teria adorado isso. Não tínhamos contado a

ninguém ainda, revelaríamos depois que nosso menino nascesse.

Detestava vê-la sentir dor para dar à luz. Gostaria de evitar,

mas não podia, afinal, minha esposa optara por um parto natural.

Limitei-me a fazer o que conseguia: segurar sua mão.

Suspirei de alívio quando, horas depois, Paolo nasceu. Luna

o segurou com lágrimas de alegria. Meu coração também estava

aquecido de felicidade. Eu não me achava merecedor daquilo tudo,

mas, egoísta, agradecia por ter ganhado essa família maravilhosa.

De olhos claros e cabelos ruivos, puxara mais à Luna do que

a mim. Independentemente de com quem se parecesse, seria muito

amado por todos.

― É tão lindo nosso bebê. ― Minha esposa chorava,

emocionada, beijando sua cabecinha.


― Assim como você. ― Peguei Paolo no colo. ― Seu pai

teria amado a homenagem.

― Eu sei. Do mesmo modo que homenageamos as nossas

mães, eu também queria honrá-lo. ― Suspirou, abatida pelo

esforço.

Beijei sua testa.

― Descanse um pouco ― sugeri. ― Vou dar as notícias ao

pessoal.

― Tome conta dele.

― Sempre, Cachinhos. ― Pelos meus, eu era capaz de tudo.

As gêmeas ficaram com Graziela e os seguranças em nossa

casa. Também estavam lá Vicenzo e Enrico, o filho de Alessandro e

Mia. Não conseguimos ir ao nascimento de Enrico, alguns anos

antes, mas era um menino forte e sadio.

― Quer que eu conte o nome que escolhemos? ― sondei.

― Sim, por favor. E diga às meninas que as amo.


― Pode ficar tranquila.

Com Paolo limpo, levei-o à sala de espera. Não queria

abandonar Luna, mas ela estava sonolenta, e nossos familiares

aguardavam notícias.

Olhei para o meu menino e meu peito se inflou de orgulho.

Tão pequeno e indefeso, mas, um dia, se tornaria chefe em meu

lugar ― isso se as regras não evoluíssem nesse ínterim, permitindo

que uma das meninas, nossas primogênitas, assumissem o

comando. Até lá, faria de tudo para protegê-lo.

― Como está Luna? ― perguntou Alessandro quando me

aproximei.

― Bem. Vão levá-la ao quarto.

― Ai, meu Deus! ― Jade correu até mim, encantada com

Paolo.

Belinda, Serena, Mália e Mia me cercaram.


― É tão ruivo! E tem olhos azuis. ― Belinda sorria. ―

Lembra Luna e papai.

Minha relação com ela se tornara mais pacífica. Aprendemos

a lidar com nossas diferenças, embora, às vezes, ainda sentisse

vontade de esganá-la.

― Fofo demais ― sussurrou Serena.

Todos vieram conferir o bebê, os homens mais compostos

que as garotas.

― Que nome darão a ele? ― inquiriu Rafaelle.

Olhei para todos, principalmente os Castilhos.

― Luna me pediu para colocarmos o nome do pai de vocês.

Foi um gesto amoroso da minha esposa. Nunca seríamos

capazes de conceber alguém igual ao Paolo original; felizmente,

guardávamos sua memória em nossos corações, como eu fazia com

minha mãe. Em certas ocasiões, eu me pegava observando meus


filhos e pensando que ela teria amado conhecê-los. Não só os

meus, mas os de Emília também.

― Papai teria amado essa homenagem. ― Belinda tocou o

rostinho delicado.

As irmãs de Luna se emocionaram, e os homens Castilhos

não ficaram para atrás. Estavam orgulhosos da minha menina.

Então o semblante de Serena mudou.

― Ele adoraria desfrutar a companhia do neto. ― Suspirou.

Contudo, logo acrescentou: ― Mas hoje não é um dia para tristeza.

É um momento de alegria por recebermos esse homenzinho. ―

Sorriu para Paolo. ― Somos sua família e vamos amá-lo muito.

― Assim que liberarem as visitas, venho chamar vocês ―

anunciei, retornando ao quarto onde Luna dormia.

Sentei-me ao lado dela com nosso filho nos braços.

― A mamãe está cansada. Trazer você ao mundo não foi

fácil, hein? ― Alisei seu rosto perfeito. ― Quando ela acordar,


vamos lembrá-la de que a amaremos para sempre.

― Ele nem entende o que você diz.

Ergui a cabeça ao escutar um sussurro e me deparei com

aqueles olhos brilhantes que eu tanto admirava.

― Eu sei, mas a mãe dele entende. ― Beijei seus lábios de

leve. ― A pessoa que me deu tudo: amor e uma família pela qual

vale a pena viver.

― Amo você ― declarou. Após, fitou nosso bebê. ― E amo

meus filhos. Sou feliz por tê-lo conhecido, Miguel. Obrigada por

esses três presentes divinos.

― Nós tiramos a sorte grande. ― Sorri.

Em momentos assim, eu chegava a acreditar em milagres.

Mesmo sem merecer, encontrei Luna e fui abençoado com filhos

lindos. Por eles, eu mataria. E, por eles, eu morreria.


Luna

Três anos mais tarde

Passei anos ideais junto à minha família. Eu me sentia

realizada. As gêmeas estavam na escola, com seus quase nove

anos. Paolo já somava três. Todos os dias, agradecia por Eliací não

ter conseguido me matar.

Lamentava o que aconteceu com ela e tudo que sofreu.

Morrer daquela forma não era bom. Mas agora eu não pensava

tanto nisso, só queria apreciar as pessoas ao meu redor.

― Carmen, não pode sair chutando os outros ― disse Kélia,

entrando na cozinha.

Pisquei, chocada.

― Quem você chutou, Carmen? ― indaguei.


Ela parou na porta do cômodo, dando de cara comigo e

Miguel.

― Vicenzo ― assumiu ao encontrar meu olhar severo.

― Por que fez isso? ― protestei.

Seu pai, do meu lado, franzia o cenho.

― Sua mãe fez uma pergunta: por que o chutou? Ele é seu

primo. Famílias ficam juntas.

― Ele empurrou Elijah, que chorou quando ralou os joelhos.

Aproveitou só porque ele é menor. ― Encarou Miguel. ― O senhor

sempre disse que não devemos aceitar injustiças.

Elijah era filho de Rafaelle e Mália. Tinha uma irmã, Ella.

― Venha aqui ― chamou-a.

Carmen obedeceu, ostentando um ar confiante, embora seus

lábios tremessem de leve.

― O senhor vai brigar comigo?


A expressão de Miguel se abrandou. Colocávamos nossos

filhos de castigo, se necessário, mas sem encostar um dedo neles,

diferentemente de Marco, que feria meus irmãos e eu.

― Se Vicenzo errou, cabe a Luca e Jade castigá-lo, e não a

você ― respondeu, pegando as mãos dela.

― Falei a mesma coisa, papai ― concordou Kélia.

Carmen fechou a cara para ela.

― Isso porque aceita tudo. Na escola, quando Nilon puxou

seu cabelo e você chorou, fui eu quem socou o infeliz para defendê-

la.

Algumas semanas antes, o colégio nos ligara, relatando o

caso. Conversei com a mãe do garoto e resolvemos a situação.

Carmen, obviamente, foi castigada: ficou uma semana sem ir para

as aulas de boxe, algo que ela amava.

― E lembra o que aconteceu por conta disso? ― ressaltei. ―

Cadê a promessa que me fez? Não deveria ter apelado para a


violência.

― Mas…

― Sem “mas”. Se continuar assim, terei que pegar mais firme

com você e cancelar o boxe de vez. ― A voz de Miguel saiu dura.

― Agora suba para o seu quarto, está de castigo.

― Mas papai… ― Ela usava biquíni, pois estávamos tendo

uma festa na piscina para reunir a família.

― Não vou dizer novamente.

― Até quando ficarei de castigo? ― sondou.

Miguel suspirou.

― Não decidi ainda. ― Ele odiava puni-la, mas era preciso.

Estendeu a mão, dizendo: ― E me dê seu telefone.

Carmen até começou a reclamar, mas ele arqueou as

sobrancelhas, ao que nossa filha entregou o aparelho e subiu as

escadas, amuada.
― Será que ela vai ficar braba comigo por muito tempo? ―

Kélia mordeu os lábios.

― Não, meu amor. Agora volte para piscina e se divirta ―

falei.

Saiu quando Luca, Jade, Rafaelle e Mália entraram na

cozinha.

― Lamento pelo comportamento de Vicenzo. Ele entende o

que vai acontecer se fizer algo assim de novo ― Jade dizia à Mália.

― Isso sem contar que ficará de fora do acampamento, um

passeio em que queria muito ir. ― Luca suspirou.

― Elijah está bem, voltou a nadar. Mas senti orgulho da

atitude de Carmen, admito. Não a parte do chute, óbvio. ― Mália

sorriu ao final. ― A cada dia, fica mais parecida com…

― …Belinda ― terminou Miguel, trincando os dentes. ―

Também notei.

Peguei a salada, pois chegara a hora do almoço.


― Não só isso, mas a parte de gostar de lutas está deixando

Miguel de cabelos brancos. ― Sacudi a cabeça, rindo.

― Olha, se eu não enfartar antes dos cinquenta, considerarei

uma vitória ― murmurou. ― Ela devia ter um temperamento mais

controlado, como Kélia.

― Pare, você ama sua filha da forma que ela é.

― Gosto que Carmen se preocupa com os outros ―

confessou.

Rafaelle e Luca sorriram, assim como as mulheres.

― Agora vamos aproveitar este dia maravilhoso ― convidei,

e fomos todos à área da piscina.

A família reunia-se apenas em parte: faltavam os Castilhos.

Planejávamos outro encontro para o final do ano. Tínhamos nossos

afazeres, mas, mesmo assim, tentávamos nos ver com frequência.

Olhei para cima e notei Carmen espiando da janela. Meu

coração doeu, porém, ela precisava aprender a não ceder sempre


ao seu gênio difícil.

― Vou falar com ela ― disse Miguel, seguindo meu olhar.

― Agora, por favor ― reforcei.

Meu marido sumiu dentro da casa.

― Tia, acho que ele está com sono ― avisou Graziela, me

entregando Paolo.

Ela virou uma mocinha linda. Bem, sempre foi. Ademais, era

um doce de menina. Essa garota arrebataria corações quando se

tornasse mais velha. E seu irmãozinho, menino com muita energia,

não ficava atrás.

― Tudo bem, obrigada, querida. ― Peguei meu filho e fui

colocá-lo na cama. Antes de entrarmos no quarto, ele já

adormecera.

No caminho de volta, encontrei Miguel e Carmen no corredor.

― Obrigada, papai, amo você! ― Abraçou-o e, ao me ver,

veio agarrar minha cintura. ― Também a amo, mamãe.


― Oh, meu bem, eu a amo com todo o meu coração. ―

Beijei sua cabeça. ― Aonde está indo?

Afastou-se e sorriu com carinho para Miguel.

― Papai me liberou do castigo hoje! ― Parecia animada. ―

Prometi que não farei de novo.

Ergui as sobrancelhas para ele, após nossa garota correr

escada abaixo.

― Você controla milhares de homens com pulso firme, no

entanto, uma menina de nove anos o tem em suas mãos. ― Sacudi

a cabeça com um esboço de sorriso.

Nosso combinado era que, se um dava o castigo, o outro não

poderia se meter. Teríamos que repensar o assunto no futuro.

― Quando entrei, minha menina estava chorando, vendo

todos se divertirem lá fora. ― Encolheu-se. ― Não posso enxergá-la

assim. Retomará seu castigo amanhã.

Sorri e coloquei os braços à sua volta.


― Obrigada por ser um pai maravilhoso e amar nossas filhas,

mesmo nos momentos em que deveria ser mais duro com elas.

Ele sorriu.

― Na semana passada quem a liberou do castigo mais

cedo?

Miguel não estava errado.

― Certo, nós dois precisamos melhorar, ou Carmen nunca

tomará jeito. Espero que ela mude ao menos um pouquinho;

autocontrole é importante. Seja como for, estaremos aqui para

nossos filhos.

― Às vezes, me sinto prestes a explodir de felicidade por ter

vocês quatro. São mais do que mereço. ― Inalou meu cheiro.

― Eu também. E você merece tudo que tem, Miguel. Nós

merecemos.

Mamãe e papai se alegrariam por mim. Eu sempre acreditei

em um Deus poderoso, capaz de fazer milagres; um deles era estar


ali com esse homem que, eternamente, teria minha alma e meu

coração. Por sua causa, eu me sentia realizada em todos os

sentidos.

― Amo você ― declarei.

― Eu a amo mais que a vida. ― Beijou-me, selando nosso

destino.
1ª edição

2021
Copyright © 2021 Ivani Godoy

Revisão: Analine Borges Cirne


Capa: Babi Dameto
Diagramação digital: Babi Dameto

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É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL DESTA OBRA, DE QUALQUER
FORMA OU POR QUALQUER MEIO ELETRÔNICO, MECÂNICO, INCLUSIVE POR MEIO
DE PROCESSOS XEROGRÁFICOS, INCLUINDO AINDA O USO DA INTERNET, SEM A
PERMISSÃO EXPRESSA DA AUTORA (LEI 9.610 DE 19/02/1998).
ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO. NOMES, PERSONAGENS, LUGARES E
ACONTECIMENTOS DESCRITOS SÃO PRODUTOS DA IMAGINAÇÃO DA AUTORA.
QUALQUER SEMELHANÇA COM ACONTECIMENTOS REAIS É MERA COINCIDÊNCIA.
TODOS OS DIREITOS DESTA EDIÇÃO RESERVADOS PELA AUTORA.
Stefano Morelli quando criança foi forjado um assassino frio
da pior maneira possível. Sob o jugo de um pai que mais parecia um
monstro, cresceu sabendo que nunca seria feliz, pois isso foi tirado
dele há anos. Marco queria quebrá-lo e domá-lo, porém Stefano não
lhe deu esse prazer, embora, no fundo, o pai tenha levado dele algo
que nunca terá de volta, não importa quanto deseje isso ou quanto
sangue derrame para esquecer.
Stefano acredita que está além da redenção e no fundo não a
deseja. Ele sabe que o inferno o aguarda e aceita sua sina. O que
ele não aceita é que seu passado de tormento e tortura recaia sobre
a única mulher que faz com que se sinta vivo como não esteve em
anos. Por ela, irá ao inferno aonde nunca pensou que voltaria.
Eles querem ver o monstro que foi forjado? Que assim seja!
E, quando Stefano terminar, não sobrará nada além de sangue,
ruína e mortes.
Belinda Castilho é uma mulher capaz e decidida, que está se
curando da perda do pai, determinada a ser forte pela sua família e
amigos. Entretanto, Stefano parece enxergar sua alma. Ele vê
através da fachada e está disposto a ajudá-la, até que é tarde
demais... para os dois.
O que Stefano fará para proteger quem ama? E Belinda
aceitará o destino que foi imposto a ela?
Estávamos na estrada algumas horas após Marco e eu
sairmos do avião assim que pousamos em Bangkok. O lugar parecia
distante do aeroporto.
Ele não me contou por que tínhamos ido ali. Estranhei, pois,
sempre que íamos para um país diferente, meus irmãos estavam
juntos. No entanto, daquela vez eu estava sozinho em um lugar
desconhecido.
Não tinha medo. Na máfia, descobrimos logo cedo que
devemos ser fortes e encarar as coisas com a cabeça erguida,
nunca desistir. Foi isso o que Alessandro me ensinou. Ele me
treinava do seu jeito, evitando que meu pai levasse o meu treino a
um novo patamar, embora nós dois soubéssemos que meus irmãos
não poderiam me proteger para sempre. Logo eu teria que fazer o
que tanto abominava.
Meu pai achava que nossa aversão a matar, tanto minha
como dos meus irmãos, era uma fraqueza que ele repudiava e que
tínhamos herdado da nossa mãe.
Minha mãe era tudo para mim. Eu a adorava com cada fibra
do meu ser e não me importava de ter herdado a tal “fraqueza” dela.
O que me incomodava era o fato de o meu pai a usar
frequentemente para que meus irmãos fizessem o que ele queria.
Eu esperava que isso nunca acontecesse comigo.
― Aonde estamos indo? ― perguntei a Marco após
andarmos alguns quilômetros.
Ele não respondeu, e não insisti; sabia que seria pior caso o
fizesse.
Andamos mais meia hora, saindo de Bangkok, e entramos
em uma estrada de terra em um campo aberto. Nele tinha um
helicóptero com vários homens tailandeses.
Eu não estava gostando disso, mas controlei o que estava
sentindo, por mais que quisesse desaparecer da vida de Marco.
Poderia fugir, mas não o faria; eu não era um covarde que se
esconde dos outros, lutava de cabeça erguida. Era claro que sentia
medo, como qualquer ser humano, mas nunca deixava meu pai
saber, ou ele usaria isso contra mim.
Nas últimas semanas, Marco estava me testando, colocando-
me para cobrar dívidas de seus devedores junto a Rafaelle. Meu
irmão fazia o trabalho duro, e eu ficava lá apenas olhando, com o
coração doendo. Não gostava de ver aquela crueldade sendo feita a
nenhum ser humano, não importando se aqueles homens eram
bandidos.
Por ter nascido na máfia, eu deveria ser como meu pai, mas
agradecia aos Céus por não ser; já tinha visto coisas que me
enojavam, principalmente a forma como seus inferiores e
comparsas se aproveitavam de garotas novas. Quando eu via isso,
tinha vontade de colocar uma bala na cabeça deles. Nessa hora, eu
sentia que era capaz de matar, ou talvez fosse a natureza humana,
e eu evitava seguir esse instinto.
Parei de pensar nisso e foquei no presente; assim saberia
aonde estávamos indo.
A viagem de helicóptero durou mais uma hora, então olhei
para baixo e vi um lugar que parecia um presídio, com cercas
elétricas e cercado por guardas.
Por que ele me trouxe aqui?, pensei. O que quer que fosse,
não devia ser algo bom; nada que vinha de meu pai era.
― Aqui é onde farei de você um homem de verdade ― disse
Marco. ― Bem-vindo à Arena da Morte.
Arena da morte? Ele pensa em me colocar para lutar com
alguém?
Meu corpo inteiro tremeu diante disso, e o medo começou a
se apossar de mim, mas me controlei. Não sabia nada sobre aquele
lugar, mas só o nome dizia tudo que eu precisava saber.
Após aterrissarmos e entrarmos na propriedade, passamos
por celas onde havia vários garotos da minha idade presos. Seus
olhos pareciam mortos. Essa última palavra descrevia tudo. Eu só
podia imaginar o que tinham visto naquele lugar para se mostrar
assim, sem um pingo de alma.
Meu pai lidava com tráfico humano, algo que eu abominava e
me enojava, mas eu sabia que não podia fazer nada para mudar
isso. Esperava que um dia Alessandro fizesse a diferença e
mandasse Marco ao inferno, onde ele tinha um lugar à sua espera.
Naquele dia, descobri que meu pai lidava com lutas
clandestinas também. O que me chocou foi ver que ele não usava
homens, e sim crianças.
Alessandro não vai gostar disso, pensei. E quem gostaria?
Não alguém que tivesse um coração. Meu pai não sabia o
significado dessa palavra.
Contive a raiva e o medo, embora tudo em mim gritasse para
eu sair logo dali. Contudo, era-me impossível fazer isso.
Os garotos nos seguiam com o olhar, e percebi neles um
brilho de ódio direcionado a Marco. Bem-vindos ao clube!, pensei,
pois eu também sentia a mesma coisa.
Entramos em uma arena imensa que mais parecia um
estádio de futebol, com arquibancadas onde, ao seu redor, uma
multidão aplaudia garotos lutando em uma gaiola. Essa gaiola tinha
o tamanho de um ringue de luta normal, mas era completamente
envolvida por grades para evitar que os garotos saíssem. O chão
estava coberto de sangue.
Meu estômago se embrulhou ante o que eu estava vendo,
porém me mantive no controle. Esperava que continuasse assim.
A forma como os garotos lutavam me chamou a atenção;
eram rápidos e letais a cada golpe de suas armas brancas. Um
deles parecia mais brutal com seu cutelo; o outro possuía uma faca.
Não havia dúvidas sobre quem ganharia ali. Um dos competidores
me olhou com nada além de vazio e fúria por um breve segundo e,
no momento seguinte, voltou à luta.
Meu estômago se embrulhava a cada soco que eles davam e
a cada rasgo que as lâminas faziam em seus corpos. Meu coração
estava acelerado e angustiado. Era aquilo que Marco queria que eu
fizesse?
― Como anda tudo aqui? ― perguntou meu pai a um dos
homens que controlavam o local.
― As coisas estão indo bem, chefe, os garotos estão
ganhando muito dinheiro. ― O maldito sorriu.
Cerrei meus dentes, querendo socar todos ali, mas me
contive; não seria páreo para eles. Meu pai provavelmente me
deixaria apanhar e assistiria a isso sorrindo.
Bastardo fodido!, pensei com amargura. Repudiava toda
aquela escória.
― Que bom. Agora quero que treine meu filho como os
melhores lutadores que temos aqui ― ordenou Marco.
Encarei-o de olhos arregalados.
― Você só pode estar brincando! ― exclamei furioso.
Eu tinha um temperamento explosivo, algo que meu pai
odiava. Fuzilou-me.
― Basta, Stefano. Você vai fazer o que eu digo ― rosnou
com os olhos ardendo de fúria, depois encarou o homem barbudo.
― Leve-o e treine-o, não importa que tenha que quebrá-lo para que
isso aconteça.
Eu o odiava cada vez mais. Mesmo com o medo me
controlando, não conseguia implorar para ele não me deixar com os
lutadores. Eu treinava luta com Alessandro e Rafaelle, mas naquela
arena as lutas eram mortais e brutais, algo que eu nunca tinha feito.
Olhei para o homem que se dizia meu pai, porém
desconhecia tal palavra; nunca fora presente em nossas vidas,
minha e dos meus irmãos. Não sabia fazer nada além de nos
obrigar a fazer coisas que não queríamos.
Estava na ponta da minha língua mandá-lo para o inferno,
quando a plateia rugiu em aplausos.
Olhei para a arena, e o garoto que havia me encarado
minutos antes agora retalhava seu oponente, não ligando para o
sangue que respingava em seu rosto, deixando-o todo vermelho.
― O Número 10 ganhou! ― Uma voz soou num alto-falante.
― Ninguém é páreo para ele!
Aquela porra ficava cada vez pior. Então os desgraçados
fodidos não davam nomes a eles? Era como se não merecessem,
como se fossem apenas mercadoria.
― Vocês são todos fodidos! ― cuspi.
O crápula ao lado do meu pai riu como se eu fosse uma mera
mosca que ele desejava massacrar. Eu sabia ler as pessoas muito
bem para perceber aquilo.
Marco pegou meu braço em um aperto insuportável, fazendo
com que eu me encolhesse, mas não emiti som algum; não daria
esse gostinho a nenhum deles.
― Estou farto da sua boca malcriada, Stefano! Vamos ver até
quando vai continuar assim! ― grunhiu no meu rosto e me empurrou
para o cara. O seu fantoche pegou o meu braço no mesmo local que
Marco tinha apertado antes. Eu apostava que teria marcas, embora
isso fosse fichinha perto do que aconteceria comigo naquele lugar.
― Leve-o da minha frente ― ordenou Marco. ― Kanon, faça
o que precisar para devolvê-lo dócil e obediente.
O filho da puta sorriu com expectativa.
― Posso fazer com ele tudo que faço com os outros? ―
sondou com entusiasmo. O sujeito parecia um sádico fodido.
Meu intestino se retorceu de pavor com suas palavras, mas
escondi isso deles. Se ele achava que iria me tocar, eu provaria
para todos que o inferno congelaria antes.
Marco o fuzilou.
― Em relação às lutas, sim, mas, se ousar tocar nele de
outra forma, tanto você como qualquer outro, irão se arrepender. ―
Sua voz saiu letal, dita sem poder de recusa.
O gelo se apossou de minha alma. Eles estavam falando de
abuso sexual? Então todos ali eram malditos pedófilos? Isso me
amedrontou. Embora o aviso do meu pai me deixasse um pouco
aliviado, eu tinha certeza de que ele não tinha feito isso por seu
maldito coração negro ter alguma emoção paterna. Não, eu
apostava que ele não queria manchar seu nome ao ter um filho
molestado. Eu o conhecia e sabia o quanto era preconceituoso, mas
ele não impedia seus homens de fazerem aquilo com outros que
não seus filhos.
Só em pensar nisso, eu ficava ainda mais puto, não só com
Marco, mas com todos que tinham ido ali presenciar aquela porra
toda.
Kanon ficou branco, mas assentiu.
― Sim, chefe. Vou prepará-lo como deseja ― garantiu,
embora sua voz tremesse, mesmo tentando esconder.
― Ótimo. Agora leve-o para ficar com os prisioneiros nas
celas ― disparou, com um gesto da mão.
― Você me enoja como pai ― desdenhei.
Kanon pigarreou antes de Marco dizer ou fazer algo, tomado
pela fúria.
― Senhor, o que acha de o colocarmos na jaula? Isso iria
quebrar sua petulância de menino marrento. ― Ele parecia eufórico
por isso ou para que eu morresse na arena.
Marco olhou para mim como se quisesse me esfolar vivo. Eu
não entendia por que nunca o tinha feito. Ele encarou a arena um
segundo e depois a mim com um sorriso.
Eu não queria lutar com aqueles garotos que tiveram a
infelicidade de entrar no caminho de Marco. Poderia implorar para
ele não fazer aquilo e dizer que o respeitaria e seria obediente, mas
o orgulho falou mais alto; eu não conseguia me rebaixar. Não sabia
se era só o meu gênio ou se eu era um completo estúpido. Acho
que os dois, pensei com um suspiro baixo.
― Leve-o, mas mande que seus cães não o matem ― avisou
Marco.
Como ele podia chamar aqueles garotos assim? Jurei a mim
mesmo que, no dia em que saísse dali, iria arrumar um jeito de
ajudá-los de alguma forma. Mas como? Eu era só uma criança a
caminho da adolescência. Talvez Alessandro tivesse alguma ideia e
me ajudasse, porém eu não queria pensar naquilo no momento;
primeiro precisava sobreviver àquele lugar.
― Meus animais só fazem o que eu mando. ― O verme
parecia orgulhoso desse fato.
Ele me puxou para a arena, aonde um garoto loiro de cerca
de uns 15 anos foi levado após a luta do Número 10, que tinha ido
embora sem que eu visse. Esse era o Número 16, estava cravado
na sua pele como marca de gado.
O rapaz sorriu de forma tão sinistra que me provocou um
arrepio na espinha. Segurava facas e me olhava enquanto eu
entrava.
― Você aprenderá a fazer o que eu digo e me obedecerá
como um cãozinho ― disse Kanon.
― Você não passa de um capacho e cão do meu pai ― sibilei
com um sorriso sarcástico.
Kanon trincou os dentes e cerrou os punhos. Percebi que
queria me socar. Aquele lixo provavelmente não ouvia “não” todo
dia, não sem devolver o troco.
― Vou adorar domesticá-lo. ― Sorriu frio e me empurrou
para dentro da gaiola, acenando para o garoto ali parado, ainda sem
se mover, como se fosse uma máquina assassina. ― Lute com tudo
de si, só não o mate, ou irá para o inferno logo atrás dele.
O garoto me encarava sorrindo de um modo que parecia um
louco que tinha acabado de sair do hospício, embora não houvesse
emoção alguma em seu sorriso. O que eles faziam com aqueles
meninos? Pareciam zumbis assassinos sanguinários.
― Dê uma faca a ele! ― gritou Marco do lado de fora da
jaula.
― Senhoras e senhores, hoje temos um novo integrante que
irá lutar com o 16! ― ouvi o locutor dizer. ― Quem sobreviverá?
Eu vou fazer de tudo para sair deste lugar, não lhes darei o
prazer de fazer o que eles querem!
Foram-me entregues duas lâminas, mas permaneci parado
no lugar. Respirei fundo, segurando as facas com força, uma em
cada mão. A minha vontade era matar outro adversário, não aquele
em minha frente.
Eu sabia lutar bem, mas como sobreviveria sem dar o que
Marco queria? Se eu lutasse e matasse alguém, o único beneficiado
seria ele. Poderiam me chamar de tolo, mas eu não queria e não
faria aquilo.
― Não precisa lutar... ― comecei a falar, mas me calei; se
ele não fizesse aquilo, com certeza seria castigado. Eu não queria
isso.
Ele não respondeu, só sorria como se eu não tivesse falado
nada ou não se incomodasse em abrir a boca.
― Essa luta não é mortal ― disse o locutor. ― Que vença o
melhor!
Provavelmente não serei eu.
Então a luta começou. Eu só me esquivava dos ataques de
meu oponente, não revidava. Sua lâmina atingiu meu braço,
fazendo um corte grande. Encolhi-me, mas não gritei. Não queria
dar esse prazer aos animais que assistiam à luta, incluindo o pior
deles.
Fui jogado no chão de costas, o que roubou meu oxigênio por
um momento.
― Lute, Stefano! ― gritou Marco.
Olhei para ele e sorri. Se o bastardo achava que me
domesticaria a ponto de eu ser o cão de alguém, estava
redondamente enganado. Eu podia lhe obedecer por ser o chefe,
mas ser o seu capacho e aceitar tudo calado? Isso jamais
aconteceria.
Outro golpe me acertou, fazendo-me cerrar os dentes, mas
permaneci quieto. Ninguém sabia o quanto isso me custava, meu
instinto era revidar, tanto que meus ossos doíam com essa vontade,
mas, se eu cedesse, Marco venceria. Se eu vencesse e fizesse tudo
que ele tinha mandado, tinha certeza de que me submeteria àquilo
novamente.
A cada golpe, eu sentia como se meus ossos estivessem
prestes a se quebrar.
― Não vai lutar? ― O garoto aproximou seu rosto do meu.
Seu olhar não revelava nada além de loucura.
― Ao contrário de você, não serei o cão de ninguém ―
rosnei. ― Prefiro morrer.
A fúria tomou seus olhos, e ele levantou a faca para me
golpear, mas não me desviei por nenhum segundo, sabendo o que
aconteceria. Algumas pessoas pensavam que não tinha honra na
morte, mas eu discordava; dependia da forma que se morria.
Mesmo se eu me rendesse naquela luta, ainda iria partir de cabeça
erguida.
― Se quer acertar, faça agora, pois será a sua única chance
― avisei.
Eu tinha checado seus movimentos enquanto lutávamos e
sabia que podia lidar com ele. Eu treinara muito para enfrentar
adversários à altura, gostava de competir e era bom no que fazia,
mas Marco não sabia disso, e, se dependesse de mim, nunca
saberia. Para ele, eu era mais um garoto fraco que precisava ser
consertado. Não acreditava que venceria o lutador Número 10, pois
ele era ainda mais brutal, nada de humanidade fora deixada nele,
mas era capaz de dar conta do Número 16.
Antes que o garoto fizesse mais um movimento, foi afastado
de mim e jogado longe com um baque.
O rosto do homem que eu mais odiava no mundo surgiu em
minha frente.
― Lute, porra, ou pagará o preço! ― Sorriu frio. ― Ou ela
fará por você.
Uma sensação gelada desceu por meu corpo com suas
palavras. Segui seu olhar, e meu corpo se sacudiu como se tivesse
levado um choque. Com certeza eu preferiria isso à cena diante de
mim.
Sabia que tudo estava muito fácil; nada envolvendo aquele
homem era assim. Marco sabia que eu não seria domado tão
rápido, mesmo me trazendo àquele lugar. Por isso o maldito
resolveu usar a minha fraqueza contra mim. Eu estava à mercê
dele, pois faria qualquer coisa por aqueles que amava.
Já havia sido espancado ao ponto de ter costelas fraturadas,
apanhara com chicotes e até com cabos, tudo porque ele não
conseguia me controlar de fato. Eu não era daqueles que via
injustiças e simplesmente ficava quieto. Jade, uma de minhas irmãs,
era igual a mim nesse quesito.
Alessandro e Rafaelle escondiam melhor o que sentiam, mas
eu tinha vontade de explodir Marco. Não me importava com ele ou
com o que fizesse comigo, não seria domesticado como um cão.
Entretanto, ali estava eu, de mãos atadas, vendo aquele
monstro usar minha mãe contra mim.
A sala acima da arquibancada era envidraçada, e, atrás do
vidro, estava minha mãe com um homem segurando-a por trás com
a mão em sua garganta como se fosse para mantê-la imóvel. Outro
apontava a arma para a cabeça dela, que chorava olhando para
mim com impotência, a mesma que eu sentia naquele instante.
― Não a machuque! ― Não me incomodei por suplicar a ele.
Naquele momento meu orgulho era o menor dos problemas.
― Infelizmente, você não merece que eu faça isso. ― A voz
dele saiu letal. ― Agora se levante e lute, ou sua mãe vai arcar com
as consequências.
Eu não me importava em ser ameaçado, mas não ela, não a
minha mãe, a quem eu adorava mais que a vida.
― Vou lutar, mas não a machuque, por favor... ― Odiava
implorar qualquer coisa a ele, era pior que beber veneno e morrer
aos poucos ou andar sobre brasas.
Ele assentiu, entregando-me uma das facas; a outra,
colocou-a em minha garganta, mas nem pisquei, não desviando
meus olhos do seu olhar assassino.
Qualquer garoto da minha idade, ao se deparar com algo
assim, sairia correndo e chorando, mas a morte me visitara mais
vezes, todas através daquele homem que se dizia meu pai. Eu
acreditava que aquela não seria a última, mas era a pior delas até o
momento.
Enfim percebi que eu não me importava em matar alguém,
como achava antes. Eu não era como meus irmãos, embora nunca
tivesse matado, mas lutei, bati e até cheguei a torturar pessoas que
não mereciam respirar na Terra. O que me incomodava de verdade
era eliminar alguém quando Marco ordenava. Ele era o capo, e eu
devia respeitá-lo, mas o desgraçado não fazia jus a qualquer
esforço de minha parte nesse sentido.
― Por que sempre ousa ir pelo caminho mais difícil, Stefano?
Seus irmãos aceitaram quem são, mas você sempre arruma um
jeito de retrucar tudo que eu mando fazer. Fique aqui e aprenda
como ser um homem obediente, ou tiro tudo com que você se
importa, sua mãezinha e seus irmãos.
Não havia mentiras em suas palavras. Eu sabia que Marco
era capaz disso e de muito mais. Ele não dizia palavras vazias, tudo
que prometia, cumpria. Obviamente o verme não era um homem
honesto, longe disso; tudo de ruim aquele cara asqueroso fazia.
Eu queria dizer que nunca mais retrucaria suas ordens, mas
estaria mentindo, pois jamais seria como aqueles garotos ali, um
fantoche daqueles abutres. Não pensaria mais nisso agora; só faria
o que ele me ordenou para minha mãe não ser ferida.
― Vou fazer o que quer, mas não a machuque ― pedi de
novo.
Seus olhos se estreitaram.
― Pede pela vida dela ― apertou a faca ainda mais em meu
pescoço ―, mas não pela sua? Eu podia matá-lo agora.
Não respondi, pois sabia que ele tinha esse poder sobre mim,
mas não dava a mínima para o que pensava ou não.
― Essa fraqueza que você e seus irmãos têm me enoja! ―
cuspiu como se tivesse ingerido veneno.
Ele saiu de cima de mim, então fiquei de pé, ignorando as
dores em meu corpo.
― Porém, vou ensinar você a quebrar esse laço agora ―
Marco continuou, parecendo exultante.
O medo se instalou em minha alma. Todo o meu corpo
tremeu de pavor de que minha mãe fosse ferida.
Antes que eu pudesse implorar, pois sabia que ele ia fazer
algo, só não sabia o quê, Marco estalou os dedos na direção da
minha mãe.
― Você será o assassino perfeito que precisa ser. Se para
isso eu precisar quebrar esse laço, que assim seja.
O homem que a segurava assentiu e bateu em minha mãe,
fazendo com que ela caísse no chão. Eu não conseguia mais vê-la
direito, mas o outro cara lhe apontou a arma.
― Não! ― gritei, correndo e agarrando as grades da gaiola.
De qualquer modo, mesmo que eu conseguisse sair dali, não
poderia ir até aquela sala antes de o maldito puxar o gatilho.
― Mamãe! ― chamei, sacudindo as grades, não me
incomodando se machucasse minhas mãos.
Fui em direção à saída, mas o garoto entrou na minha frente.
― Saia do meu caminho, porra! ― Não queria perder tempo;
o pavor me consumia por dentro, pior do que já sentira algum dia.
Minha mãe caiu de joelhos e depois desabou no chão.
― Ela morreu, Stefano! ― falou Marco, parecendo gostar do
meu desespero.
Depois disso, eu me perdi. Não soube o que aconteceu, mas,
quando voltei a mim, estava no chão tomado de dor, uma dor carnal
que aliviava a outra que eu sentia.
Ao meu lado, o garoto jazia sem vida em uma bagunça
sangrenta, morto. Essa palavra era o eco do tormento que eu estava
sentindo.
Se Marco queria me quebrar, conseguiu, pensei em meio ao
torpor. Ouvia vozes, mas pareciam distantes. Da escuridão em que
eu me encontrava, não havia ninguém que pudesse me trazer de
volta.
― O que faço com ele? ― alguém perguntou.
― Tudo que quiser ― respondeu o homem que me levou
tudo.
Por que não fiz o que me mandou logo? Assim ele não teria
feito aquilo, pensei em lamento. A culpa me corroía profundamente,
pior do que meu coração sangrando.
Eu deveria sentir pavor por estar prestes a entrar no inferno,
mas nem liguei, pois quem eu mais amava no mundo se fora para
sempre.
As vozes ficavam cada vez mais distantes. Quem dera no
final fosse só um pesadelo, mas eu iria aceitar o que estivesse
preparado para mim, pois no fundo era pouco pelo que eu tinha feito
à minha mãe. Por minha culpa ela havia morrido.
No final, a escuridão me levou para um abismo de dor e
tormento.
A dor perfurava meu peito como um corte feito por uma
navalha cega. Eu estava esperando por isso e, no decorrer dos
meses que se passaram, tentei lidar com o fato de que perderia meu
pai. No entanto, ele levou um pedaço de mim consigo. Fazia algum
tempo que tínhamos descoberto sobre a sua doença, e fiz de tudo
para ser forte, mas não sabia mais se conseguiria ser.
Diante daquele túmulo ainda fresco, de joelhos eu chorava
sem ligar para a pessoa que tinha vindo comigo. Fraqueza era uma
coisa que fui ensinada a não demonstrar, ainda mais após tudo que
me aconteceu. Então me sentir devastada assim na frente de
alguém que não fosse da família era terrível, mas não dei a mínima,
pois a dor me consumia dos pés à cabeça, principalmente meu
peito, que latejava como uma ferida aberta.
Fiquei chocada quando Stefano se ofereceu para me
acompanhar. Os meus irmãos estavam fazendo a acessão de
Fabrizio a chefe, então nenhum deles podia estar comigo.
Eu não era contra seguir as regras da nossa família, era um
desejo do papai. O ruim era fazer isso no dia do enterro dele,
embora, para cumprir as vontades do nosso pai, Fabrizio era capaz
de tudo.
Eu sabia da responsabilidade que ele tinha agora, e meu
irmão se sairia bem, por esse motivo quis ficar sozinha sem que
eles me vissem daquela forma, por isso aceitei a proposta de
Stefano de me levar ao cemitério. Meus irmãos ficavam pior ao me
ver triste assim, então decidi sair. Estava ali havia horas, sabia que
devia ir embora para casa, tinha tentado me levantar algumas
vezes, mas sempre voltava a ficar no mesmo lugar.
― Papai, é tão difícil suportar sua partida. Sei que preciso ser
forte como pediu, mas como? ― Minha voz falhou.
Suspirei, não querendo sair dali, porém precisava retornar. Já
era bem tarde, e Stefano devia ter outras coisas para fazer em vez
de agir como minha babá.
― Sei que preciso ir, mas estou sem forças para sair daqui ―
sussurrei, inspirando fundo, mas doía ao fazê-lo.
― Me deixe ser sua força hoje. Um dia Alessandro e meus
irmãos foram a minha. ― Ele estendeu a mão para mim. ― Vou
fazer você se distrair para não chorar.
Pisquei, estreitando os olhos em seguida.
― Não precisa me olhar assim, não é bebedeira, ou sexo, ou
algo assim ― disse como se lesse minha mente. Stefano parecia
enxergar dentro de minha alma. Eu não gostava disso, talvez fosse
por isso que brigássemos tanto. O único dia em que não brigamos
era aquele, provavelmente devido às circunstâncias.
Olhei mais uma vez para o túmulo e sabia que precisava ir,
afinal tinha certeza de que papai não iria me querer ali sofrendo.
Seu pedido tinha sido que eu fosse forte, e eu seria.
― Te amo demais. Estou indo agora, mas saiba que jamais
vou esquecê-lo ― prometi e aceitei a mão de Stefano, que estava
estendida em minha direção. ― Vou ser forte por aqueles que
precisam de mim.
Eu me sentia tão pesada como chumbo a cada passo que
Stefano me levava para longe dali.
― Vou ajudá-la assim como Alessandro fez comigo ― ele
falou, apertando minha mão.
― Você o ama muito. ― Não era uma pergunta, mas uma
declaração.
― Somos uma família tão unida e forte como a sua ―
assentiu.
Stefano não era de mostrar e falar de sentimentos, muito
menos os dele. Eu podia aceitar isso, também era dessas que não
se abre muito, só com Santiago, um dos meus irmãos. Com ele eu
tinha até segredos que meus outros irmãos desconheciam. Santiago
me ajudava a esconder alguns. Não era nada tão sério, ou ele
jamais os guardaria.
Eu percebia que Stefano amava os irmãos, assim como eu
fazia com os meus. Foi bom termos isso em nossa vida na máfia. Eu
gostava de pertencer à minha família, não a trocaria por nada no
mundo.
Stefano tinha ficado todo aquele tempo ao meu lado sem
dizer nada, apenas me deixando despedir-me do meu pai.
Normalmente, homens como ele não acreditavam nisso, achariam
bobagem ir até ali em plena madrugada ver alguém que não estava
mais entre os vivos.
― Ele era minha força. Não sei se consigo lidar com isso.
Sua mão apertou a minha delicadamente. Eu estava tão
entorpecida que quase não notei.
― Você é uma das mulheres mais fortes que conheço,
Belinda, obstinada e valente. ― Mesmo ao meu lado, a sua voz
parecia distante.
― Eu pensava isso antes, mas agora? Me sinto oca, exceto
pela dor em meu peito. ― Coloquei a mão livre sobre o coração,
querendo arrancar o que estava sentindo. ― Não parece que vai ter
fim tão cedo.
Sabia que era recente, afinal ele tinha sido enterrado naquele
mesmo dia... mesmo assim era insuportável sentir tudo aquilo.
― A dor nunca passa, só precisamos conviver com ela. Um
dia fica suportável ― ele comentou, embora, pelo seu tom, não
parecia realmente ter superado o que quer que tivesse sofrido.
― Jura? Não é o que parece pela sua voz ― apontei. ― Seja
sincero, não preciso que minta só para me fazer bem. O que sente
com a partida de sua mãe?
Seu olhar estava distante, embora eu pudesse ver um brilho
ácido nele através da pouca claridade das lâmpadas dos postes que
margeavam as alamedas dentro do cemitério.
― A verdade? ― inquiriu.
― Sim, por favor ― assenti.
Quando perdi minha mãe, eu era pequena. Não me
recordava muito dela, então não doeu tanto como a perda de Lorena
e a de papai. Era uma dor insuportável, porque sempre fui apegada
ao meu pai.
― Não fui ao velório da minha mãe, só a vi morrer em sua
cama, algo parecido com o que aconteceu com seu pai. Marco me
expulsou do quarto logo depois ― sussurrou. ― Quando eu o
xinguei por não me deixar perto dela, me levou para o calabouço
que tinha em nossa antiga casa em Veneza, onde morávamos antes
de nos mudar para Milão recentemente.
― Não o deixou se despedir de sua mãe? ― indaguei de
forma dúbia.
Nada do que eu ouvia falar de Marco me surpreendia.
― Não, para Marco não existia despedida. Se fosse por ele,
não teríamos laços. Isso era uma fraqueza que ele repudiava.
― Deve ter sido difícil lidar com tudo sendo uma criança na
época. ― Mesmo eu tendo sido criada na máfia, fui cercada com
bastante amor.
― Faz mais de 13 anos, e ainda sinto a perda ― sussurrou.
― Não pude ir ao seu enterro, pois, como disse, Marco me deixou
preso por um tempo. Eu estava tão furioso que socava as grades do
lugar e nem ligava para o fato de minhas mãos estarem em carne
viva.
Ele ficou em silêncio um momento.
― Só parei quando Alessandro entrou e me impediu de
continuar. A dor era excruciante. Isso ajudou um pouco a aliviar a
outra dor que eu sentia no momento, a emocional.
― É por isso que toda vez que você entra em um ringue se
deixa ser abatido primeiro, mas depois revida e vence? Sei que
daria conta e venceria de boa, mesmo assim deixa seus adversários
socá-lo no começo. É por isso? ― Franzi a testa. Será que isso
ajudaria a aliviar essa dor que estou sentindo?
― Não! Não vá por esse caminho. Posso ver as engrenagens
girando em sua mente ― ele se apressou a dizer.
― Por quê? Acha que só você pode fazer isso? ― No fundo,
eu não pensava em me ferir. Era assistente social e gostava da
minha profissão, de ajudar, principalmente os meus meninos do
orfanato. Muitos chegavam lá sofrendo, e eu os ajudava a encontrar
lares estáveis em que fossem bem tratados.
― Não é isso. É que é um caminho sem volta; ao menos não
teve uma para mim. ― Sua respiração ficou aguda no final. ― Não
foi só o que aconteceu com minha mãe que desencadeou isso.
― O que aconteceu? ― Ali estava o verdadeiro Stefano, sem
as camadas que ele usava para tentar se esconder de todos.
Seus olhos se fecharam por um momento. Eu não sabia se
não queria pensar no que aconteceu ou se queria evitar que eu
lesse a agonia neles. Mesmo assim, eu a vi antes que os fechasse.
― Não posso dizer ― finalmente falou após ficar em silêncio
por vários minutos. ― É fodido demais...
Fosse o que fosse que tinha acontecido com ele, deixara
marcas profundas. Ele era incapaz de permitir alguém ultrapassar
as barreiras que tinha construído, talvez com o tempo, mas, para
isso, precisava deixar alguém entrar.
― Você teve sorte de ter tido um pai como o seu ―
finalmente disse, mas não me olhou; encarava a penumbra ao redor.
Ouvi a dor em sua voz, como se ele vivesse em tormento. O
que será que aconteceu? Fiquei tentada a perguntar, mas não
queria aprofundar o assunto e gerar mais sofrimento.
― Paolo não era só meu pai, era um amigo, confidente, que
esteve ao meu lado sempre, embora soubesse ser duro quando
precisava. ― Suspirei, encolhida com as lembranças que, mesmo
felizes, ainda doíam demais.
― É bom ter isso nessa nossa vida. Eu já não posso dizer o
mesmo de mim. O meu pai era um demônio que destruía tudo que
tocava. Sei que sou um monstro e aceito isso, mas ele... ― Sacudiu
a cabeça como se quisesse expulsar os pensamentos ruins. ― Sei
do que sou capaz e do que qualquer homem criado na máfia é...
Eu sabia que ele estava se abrindo mais do que era preciso
só para eu não enlouquecer com meus sentimentos. Era grata a
isso. Pude ver que havia muito mais por trás de sua personalidade
do que ele mostrava a todos. Stefano era provocador quando lhe
convinha, e algumas vezes me fez sentir tanta raiva que quis matá-
lo.
Passei a conhecê-lo um pouco após esses meses que ele
ficou em minha casa. Ele podia esconder de todos, mas eu via por
trás daqueles olhos mortos. O único que eu conhecia assim era El
Diablo, que teve uma perda imensurável que o destruiu.
Eu sabia que Stefano tinha perdido a mãe e que essa perda
levou um pedaço dele. Sabia disso porque sentia o mesmo agora,
mas, assim como ele apontou, não foi só isso que o levou a agir da
forma que o fazia. O que seria pior do que perder alguém que
amávamos? Para mim, nada, pois essa dor que estava em meu
peito era mais forte que tudo que já tinha sentido, tanto que eu não
sabia como lidar.
Seria pior se Stefano não estivesse ali comigo. Eu sabia que
nos enfrentávamos muito, acreditava que agir daquele jeito fosse
nossa armadura. Talvez no fundo eu o havia deixado ficar porque
sabia que ele era honrado – ou o quanto honrado um homem
pudesse ser na máfia.
Papai nos ensinou a ver através das pessoas, a ler o
semblante de alguém, dessa forma saberíamos se estávamos
sendo enganados ou não, assim como fui enganada uma vez por
um cara que dizia se importar comigo.
O desgraçado queria me usar para chegar ao papai, mas
meu pai descobriu e o matou. Por isso o irmão de Gazo sequestrou
minha irmã, estuprou-a e a assassinou. Foi por vingança por papai
ter matado o irmão dele.
Por anos me senti culpada por ter gostado de Gazo, por ter
sido cega e não visto quem ele era a tempo. Amava-o, era nova e
iludida, tanto que me entreguei a ele antes de me casar, algo
proibido em nossa família, pois, nela, a mulher foi feita para se
casar, era criada pensando assim desde criança. Ao menos o verme
estava no inferno, tanto ele como seu maldito irmão, que me tirou
uma pessoa que eu amava.
No final, Gazo foi morto, e perdi minha irmã Lorena. Valentino
foi ferido por minha causa. A culpa me corroía, mas papai me
ensinou a ser forte e a não me culpar.
Depois disso, não me aproximei mais dos homens nem lhes
dei meu coração. Para que fazer isso? Só para ele ser esmagado
como carne moída ou jogado em um triturador? Então, se
dependesse de mim, não iria me casar tão cedo. Sabia que a lei da
nossa família mandava que as mulheres se casassem antes dos 25
anos, ou seja, eu estava quase lá. Precisava arrumar um jeito de
evitar isso.
Às vezes pensava que deveria ter deixado Gazo me usar;
assim ele nunca teria ido até minha irmã. No final, papai teria sofrido
de qualquer jeito.
― Ele nunca me julgou, sabe? ― Já tinha revelado tudo ao
Stefano sobre o que aconteceu comigo e o que Gazo fez.
― Não foi sua culpa, então não havia nada para perdoar. Seu
pai sabia disso. ― Trincou os dentes. ― Os culpados foram os filhos
da puta que fizeram isso. Espero que estejam no inferno.
― Meu pai os mandou para lá, e foram tarde. ― Respirei
fundo. ― Nada muda o que eles nos tiraram.
― Penso da mesma forma. Quando eliminamos Marco foi
prazeroso, mas não mudou nada do que ele nos fez ou nos tirou.
Isso, jamais teremos de volta. ― Sua voz soou letal no final. ― Por
isso deve ficar feliz e agradecer por ter um pai que a amou e a
protegeu.
Ele tinha razão. Meu pai tinha sido meu protetor desde
sempre. Assenti.
― Papai lutou até o fim por nós e por nossa felicidade. ―
Limpei os olhos. ― Embora, nesse momento, ser feliz parece quase
impossível.
― Queria ser a pessoa que diz “tudo passa”, mas não é bem
assim. O que sinto ainda está vivo e cru dentro de mim.
― Tenho que ser forte, meus irmãos precisam que eu seja. ―
Eu sabia que era recente e que aquela dor ainda era muito crua,
como disse Stefano. ― Obrigada por ter ficado comigo.
― Deve estar doendo dizer isso. ― Piscou, sorrindo para
aliviar o clima.
Entendi o que ele quis dizer com sua provocação. Na
verdade, eu não era muito de pedir desculpas, não a pessoas de
fora da minha família.
― Sinceramente, prefiro você aqui a meus irmãos. Eles iriam
sofrer mais por meu estado, e você nem tanto. ― Não queria dizer
com isso que ele não se sentiria mal, porque qualquer um com
emoções teria o mínimo de empatia, e com Stefano não era
diferente.
― Na verdade, não me traz sentimentos bons estar aqui ―
comentou em voz baixa. ― Não venho a um cemitério desde que
minha mãe morreu.
Pisquei, pensando ter ouvido errado.
― O quê? ― Franzi a testa. ― Se não gosta, por que veio
então?
― Não é que eu não goste, porque creio que ninguém o faça,
é só que, na última vez que estive em um, não guardei lembranças
boas. Quando saí do castigo, fui ao túmulo de minha mãe e fiquei lá
por quase dois dias. Se não fosse por Marco ter ido me buscar à
força, não teria saído tão cedo. ― Sua voz parecia distante como as
estrelas, embora elas brilhassem, e os olhos dele pareciam um
vácuo de escuridão. ― Ele me deu umas porradas e me quebrou
algumas costelas quando eu não quis ir. Se não fosse por
Alessandro, acredito que eu o teria deixado me matar naquele
momento.
― Seu pai era um escroto. ― Eu soube que Alessandro
matou o pai deles porque Marco queria dar as filhas, Jade e Luna, a
um grupo de malditos assassinos estupradores. Meus irmãos iriam
tentar resgatar minha meia-irmã, Luna, mas Alessandro foi mais
rápido e eliminou a escória.
― Essa palavra não descreve nem um pouco do que ele era,
mas não vamos perder tempo falando em alguém que não merece
que gastemos saliva momento algum.
Durante todo aquele tempo ali, notei que ele estava alerta ao
nosso redor. Antes de chegarmos ao nosso carro, senti um arrepio,
o que me fez olhar cada canto do cemitério à procura de uma
ameaça, mas não vi ninguém.
― O que foi? ― Seguiu meu olhar, e o notei ainda mais
alerta.
― Não sei. Sabe aquela sensação de que alguém está nos
observando? Senti isso agora há pouco. ― Sacudi a cabeça. ―
Devo estar louca ou me tornando uma.
Stefano levou a mão ao coldre, mas não tirou a arma, só
varreu os olhos minuciosamente por cada canto e me puxou mais
rápido para o carro. Não havia outros seguranças, por isso sua
preocupação.
Chequei ao redor de novo, mas não vi nada além de túmulos.
― Não deve ser nada, devo só estar imaginando coisas ―
comentei, embora papai tivesse nos ensinado muito bem a lidar com
situações como aquela.
― Seja como for, vamos para um lugar mais seguro. Se
quiser retornar aqui amanhã, traremos mais seguranças. ― Ele
parecia realmente preocupado.
― Stefano... ― comecei, mas ele parou subitamente a alguns
passos do nosso carro, e trombei nele.
― Desculpe. ― Tentei passar por ele, mas não permitiu,
como se me cobrisse com seu corpo. ― O que foi?
― Entre no carro ― pediu baixo, fuzilando algo que estava
atrás do veículo.
Tentei olhar o que ele tanto encarava e descobrir o motivo de
o seu corpo ter ficado tenso daquela forma. Porém Stefano frisou
com mais urgência só para mim:
― Belinda...
Na mesma hora, os faróis de um automóvel se acenderam, e
não pensei duas vezes. Aprendi que, quando se diz respeito a
segurança, é bom seguir ordens, mesmo eu não gostando disso.
Entrei no carro blindado e olhei para o veículo a alguns
metros atrás do nosso. Os faróis ainda estavam acesos, mas ele
não tinha dado a partida.
Stefano entrou no carro e o ligou, mas notei seus olhos a
cada segundo no retrovisor.
― Pode não ser ninguém interessado em nós, talvez esteja
esperando alguém ― sugeri.
― Pode ser, mas, por via das dúvidas, pegue. ― Entregou-
me sua arma. ― Sei que sabe usar uma, afinal é a melhor aluna de
tiro ao alvo.
Lembrei-me de ter dito isso a ele havia algum tempo, quando
pensei que ele quisesse machucar meu pai. Eu disse que fritaria
suas bolas caso ele tentasse.
― Acha que vai nos seguir? ― Destravei a arma,
preparando-me para atirar.
― Só há uma maneira de saber. ― Saiu da rua do cemitério.
― Coloque o cinto. Vou precisar correr e despistá-lo caso ele nos
siga.
― Devo ligar para meus irmãos? ― Eu não gostava de ser
seguida e não podia nem pensar em ser levada. Minha família não
aguentaria outra perda.
― Não, parece que não vai nos seguir. ― Suspirou aliviado.
― Merda, eu não devia ter baixado minha guarda.
― Ei, você permaneceu alerta o tempo todo. Notei isso. ―
Toquei sua perna, e seus olhos seguiram o gesto, então percebi o
que estava fazendo e retirei a mão.
Antes de chegarmos a outra rua do Centro, um veículo
apareceu atrás do nosso cantando pneus. Não era o mesmo que
estava no cemitério, esse era uma van branca.
― Porra! ― rosnou Stefano, virando uma esquina de uma
vez e fazendo com que nossos corpos balançassem. ― Segure
firme, esse maldito não vai nos pegar!
― Acho melhor irmos logo para casa. ― Eu estava com raiva
por não poder ir visitar o túmulo do meu pai sem ser atacada.
Deviam ao menos respeitar esse momento. Quase ri. Como se um
bandido fosse ligar para algo assim. Provavelmente se aproveitaram
para nos atacar pensando que estávamos vulneráveis.
Eu estava com medo de ser sequestrada, mas não podia
deixar esse sentimento me dominar naquele instante. Stefano
precisava que eu estivesse alerta e focada em ajudá-lo para sairmos
daquela situação.
― Não vamos para a sua casa, iremos ao meu apartamento.
― Olhou pelo retrovisor; o condutor do veículo que nos perseguia
tentava se aproximar do nosso a todo custo.
― Por que não a minha casa? ― sondei. Não deviam ter
homens do meu irmão lá, deviam estar na acessão, mas a casa era
segura.
― Porque, seja quem for que esteja atrás de nós, eu os
quero longe de Luna, das gêmeas e de Vincenzo. ― Suspirou. ―
Pegue meu telefone no meu bolso da frente e ligue para Alessandro;
ele deve estar na mansão.
Eu ia colocar a mão em seu bolso, mas na hora fizemos outra
curva, então fui empurrada para ele, e minha mão caiu em suas
calças, melhor dizendo, em seu pau.
Notei a sua respiração desigual quando isso aconteceu, ou
talvez fosse pela nossa fuga do nosso perseguidor.
Não olhei para ele quando peguei o seu celular o mais rápido
possível, temendo tocar outra parte de novo.
― Não precisa temer, ele não morde ― brincou para aliviar a
tensão em que estávamos. Acho que tensão era eufemismo.
― Não, mas o dono dele sem dúvida o faz. Aliás, dá um bote
como uma serpente ― falei enquanto procurava o contato do seu
irmão. ― Por que não ligar para os meus irmãos?
Suspirou.
― Eles estão ocupados na reunião ― respondeu com tom
estranho. Antes que eu comentasse algo, Alessandro atendeu.
― Stefano...
― Sou eu. ― Não disse meu nome, achei que reconheceria
minha voz, mas por via das dúvidas resolvi acrescentar, mas ele
falou antes de mim:
― Belinda? ― No começo, seu tom saiu confuso, depois,
preocupado. ― Meu irmão está bem? Vocês saíram juntos, e agora
você está com o celular dele.
― Hummm... ― Olhei para o carro ainda atrás de nós. Seria
ele comparsa do outro no cemitério? Ou era só coincidência? ―
Tem um carro nos seguindo.
Coloquei no viva-voz.
― Atrás de vocês? Onde estão agora? ― Parecia que ele
estava se locomovendo.
― Indo para Vergana ― respondeu Stefano. ― Mas ele não
atacou nem nada, só está nos seguindo.
― Alguém de Fabrizio? ― sondou Alessandro com tom nada
amigável.
― Não, não é nenhum dos carros dele, além disso está muito
veloz. ― Então Stefano lhe contou sobre o sujeito no cemitério.
― Estou a caminho, só se mantenha com o foco em seu
destino. ― Ele parecia furioso. Eu tinha até pena do coitado que se
deparasse com aquela fúria.
― Não avise a Miguel, não quero que Luna saiba. Miguel não
guarda nenhum segredo dela. ― Stefano suspirou.
― Pode não ser nada... ― tentei dizer, embora não
acreditasse muito nisso.
― O cara ainda está seguindo vocês? ― Seu tom saiu duro
como uma rocha.
― Sim, mas...
Interrompeu-me:
― Então não é nada. Estou a caminho ― repetiu ele e
desligou.
― Receptivo ele, né? ― Sacudi a cabeça e ajeitei a arma na
mão. ― Não entendo por que só nos seguir nessa velocidade e não
nos atacar.
― Suspeito que esteja querendo que a gente saia do Centro,
assim não chamaria tanta atenção, mas nos segue, pois não quer
nos perder de vista.
― Como sabe disso?
― Simples. Se eu quisesse encurralar alguém, era o que
teria feito. Mas não vou facilitar para ele. ― Virou a esquina, indo
para a via mais movimentada.
― Isso não faz sentido. Estávamos em um cemitério. O que
pode ser mais isolado que isso? Por que não fez nada lá?
― Acredito que quem estava naquele carro não tinha nada a
ver com esse, talvez fosse só coincidência mesmo, mas esse aqui
não é. Essa pessoa que nos segue quer nos pegar ou...
― Nos matar ― terminei a frase por ele.
Antes de chegarmos à avenida, o perseguidor cansou de nos
seguir e começou a bater na traseira do nosso veículo, querendo
nos fazer capotar.
― Acho que ele resolveu partir para a ação ― disse Stefano
com um rosnado. ― Segure firme.
Sentia-me dentro de um carro de corrida, mas não por
diversão, por querer a adrenalina; lutávamos pelas nossas vidas, e
eu faria isso até o fim. Desistir não existia no meu vocabulário.
O carro mais uma vez tentou nos tirar da estrada, mas não
teve êxito. Por enquanto. Stefano era melhor ao manobrar contra
suas investidas.
Peguei meu celular.
― Para quem está ligando? ― perguntou.
Antes que eu respondesse, vimos um carro parado em frente
ao nosso, e, encostado nele, estava um homem com uma arma
apontando para nós.
― Aquilo é uma RPG? ― indaguei com a voz alterada. ―
Puta merda, vamos morrer!
O que essa nova perda causaria à minha família? Não, eu
não podia aceitar isso! No entanto, o que eu podia fazer? Apenas
rezar para não sermos mortos.
Stefano não disse nada, só diminuiu a velocidade do carro, o
que me fez olhar para ele.
― Stefano... ― Seus olhos pareciam estar vendo um
fantasma, tanto que ele não me ouviu chamá-lo algumas vezes, até
eu gritar seu nome de novo.
Piscou, parecendo sair de um transe. Ele conhecia o homem
que estava a ponto de nos explodir com uma arma tão potente como
aquela? Se sim, deveriam ser inimigos.
Stefano não disse nada, encarando o homem da frente, com
a arma, e o de trás, que nos seguia, mas nosso perseguidor parecia
querer fugir, pois virou o carro, entrando em um parque. Porém,
Stefano parou o nosso.
Antes que eu reclamasse por não tentarmos fugir dali, o cara
com a arma mudou seu alvo, direcionando a arma ao que fugia e
disparou. Tudo se dissolveu em luz na escuridão, fazendo o carro
do perseguidor explodir.
― Vamos fugir enquanto ele está atacando o outro carro! ―
sugeri a Stefano.
Ele não pareceu me ouvir, só ficou ali, parado como uma
estátua.
― Mas que porra! Se não vai agir, me deixa dirigir e nos tirar
daqui! ― rosnei.
Stefano suspirou.
― Não dá. Não podemos fugir caso ele queira nos matar
agora. ― Sua voz parecia letal e um tanto assombrada. Não me
parecia ser com sua morte.
― Você o conhece? É seu inimigo? ― Se for, estamos
mortos, pensei amarga.
― Sim para a primeira pergunta e não sei quanto à última.
Até hoje achava que ele estivesse morto.
Morto? Seria então atrás de vingança que o homem tinha
vindo? O que acontecera entre aqueles dois? Fosse o que fosse,
não era o momento de tentar saber; eu só queria viver e faria
qualquer coisa por isso.
― O que vamos fazer?
O homem se virou para nós ainda com sua arma e a apontou
para nós.
Fechei os olhos um segundo, pensando que nunca mais veria
a minha família de novo. Seria assim que minha irmã havia se
sentido quando estava prestes a morrer? Era claro que o que
aconteceu com ela foi pior do que morrer explodida. Eu preferia
assim. Só lamentava pelas pessoas que eu amava terem de sofrer
com minha partida.
Adeus, pensei.
Porra! O que vou fazer? Estou como naquele ditado, “se
correr o bicho pega e se ficar o bicho come”! De qualquer jeito, seria
o fim se assim ele quisesse.
Eu podia ver Belinda de olhos fechados, como se estivesse
se despedindo. A família dela tinha acabado de perder o pai e não
merecia aquilo. Além disso, eu não gostava da ideia de algo
acontecer a ela. Alguma coisa parecia apertar em meu peito.
Poderia culpá-la por estarmos naquelas condições, afinal
banquei o bom samaritano e a levei ao cemitério no meio da noite
sem nenhuma proteção, só a minha. Devia ter sido mais esperto e
alerta, afinal alguém poderia querer usá-la para chegar aos seus
irmãos por alguma represália. No nosso mundo, o que mais
tínhamos eram inimigos.
― Não vou deixar que nada aconteça a você. ― Peguei sua
mão e a apertei delicadamente. Essa promessa, eu faria qualquer
coisa para mantê-la. Já tinha feito promessas antes e fiz de tudo
para cumpri-las, só teve uma que não pude, e eu me arrependia
amargamente, mas ao menos tentei. Apenas não fui rápido o
bastante. Agora cumpriria minha promessa.
Ela abriu os olhos com medo e suspirou, dando um aperto
em minha mão também.
― Se eu morrer, meus irmãos... ― Ela mordeu o lábio, não
conseguindo terminar.
Percebi que o seu medo era que os irmãos sofressem com
sua partida. Ela não pensava no que algum monstro poderia lhe
fazer?
Peguei seu rosto entre minhas mãos e olhei nas profundezas
de seus lindos olhos cor de chocolate. Aquela não seria a última vez
que eu os veria.
― Juro que você vai ficar bem.
Naquele dia vi uma parte de Belinda que ela não mostrava
muito a ninguém, a parte vulnerável. Ela era sempre forte, ajudava a
todos, mas me revelou quem era de fato.
Belinda assentiu. Meu peito se aqueceu com algo
desconhecido por ela confiar em mim. Esperava não a decepcionar
e cumprir o que tinha prometido.
― O que vai fazer? Ele vai... ― foi interrompida com meus
lábios nos dela. Aproveitei sua boca aberta e mergulhei minha
língua, desfrutando do beijo, algo que eu estava com vontade de
fazer havia meses.
Uma de minhas mãos foi até seus cabelos macios e sedosos,
e com a outra a puxei contra mim. Se eu fosse morrer naquele dia,
que ao menos realizasse aquele desejo. Fazia meses queria beijá-
la, não naquelas condições, mas poderia não ter outra chance.
O problema era que, quanto mais a beijava, mais não
desejava parar, ficou impossível de resistir após ouvi-la gemer
baixo. Isso me deixou com vontade de matar quem agora me queria
levar consigo ou me matar.
Ouvi barulho de carro, o que me fez afastar dela sem querer
a fim de tentar salvá-la de algum modo. Fosse o que fosse, Lyn
queria a mim, e não a ela. Belinda ficaria segura e logo voltaria à
sua família.
Lyn... Eu tinha prometido salvá-lo do lugar onde estávamos
presos, quando ele era conhecido apenas como o Número 10, mas
Marco me fez crer que ele estava morto. Quando tive a chance,
voltei ao local para salvar os demais garotos, mas o lugar tinha sido
detonado junto a todos os meninos dentro dele. Seria por isso que
ele queria me matar? Então por que não tinha vindo antes? Haviam
se passado quase 14 anos, e eu não soube nada dele, não até
aparecer ali do nada. Devia ter uma razão para isso.
Belinda piscou, encarando minha boca, mas, antes de eu
poder avaliar qual sua reação ao que fiz, notei a quem pertencia o
carro que acabava de parar cantando pneus.
― Maldição! ― rosnei e me virei para ela. ― Não saia do
carro por nada! Te fiz uma promessa e vou cumprir.
Ela arregalou os olhos.
― Pensa em ir lá fora? Esse cara vai matá-lo... ― Sua voz
falhou no final.
― Pode ser, mas vou dar um jeito de deixar você fora disso.
― Dei de ombros e me virei para sair.
Ela pegou meu braço. Voltei-me para ela e encarei aqueles
olhos lindos. Belinda começou a abrir a boca, mas eu não podia
perder mais tempo. Se demorasse um segundo, meu irmão e meu
melhor amigo iriam se matar, e eu não queria isso.
― Seja o que quiser falar, espere caso eu sobreviva. ― Com
certeza ela iria me xingar por tê-la beijado, embora eu pudesse ver
que ela gostou tanto que ficou embriagada.
Eu poderia ter rido com essa vitória, porque nunca conheci
uma mulher tão difícil quanto aquela. Todavia, naquele dia, após ela
se abrir, pude ver qual a razão para se distanciar de todos. Eu
deveria ter ficado longe e não a ter beijado.
Saí do carro, não querendo pensar nisso, e sim focar no que
estava acontecendo. Esperava convencer Lyn a não machucar
ninguém ali. Ele estava de arma abaixada, mas a levantou quando
meu irmão saiu do carro com sua pistola apontada para ele. Com
sua arma mais potente, Lyn fritaria todos nós em segundos.
― Não! ― Entrei na frente do meu irmão, segurei sua mão da
arma e a abaixei.
― Stefano, que porra! ― rosnou Alessandro. ― O que acha
que está fazendo?!
Olhei para Lyn, que me encarava com aqueles mesmos olhos
vazios e mortos. No passado, eu ainda conseguia ver certo lampejo
de luz ali, mínimo, mas atualmente eu não via nada além de um
abismo.
― Se quer matar alguém, é a mim, não a eles. ― Suspirei,
tentando convencê-lo. ― Faço o que você quiser, só os deixe vivos.
Vou para onde você quiser.
Usei essas palavras uma vez com Marco, e o que aconteceu
depois levou um pedaço de mim que não podia ser trazido de volta.
Era uma coisa que eu gostaria de esquecer. Era uma pena não ser
possível arrancá-la do meu cérebro.
Foquei no presente e não no passado, ou sucumbiria ali.
Precisava manter meu rosto neutro.
― Stefano! ― Podia ouvir a ordem de Alessandro, que agia
naquele momento como chefe, mas não era hora para isso. Eu
precisava manter tanto a ele como Belinda vivos, e se para isso
tivesse que ir com Lyn, que assim fosse.
― Preciso resolver isso ― disse ao meu irmão e depois voltei
a olhar para Lyn, que não disse uma palavra. ― Vamos conversar.
Ele estreitou seus olhos, avaliando-me, depois ao meu irmão,
que segurou meu braço quando dei um passo para ir até Lyn, então
olhou para Belinda, que tinha saído do carro e apontava a arma
para ele. Mas que maldição! Por que ela não faz o que a gente pede
só uma vez?
Ele abaixou sua arma, não parecendo se preocupar com a
garota.
― Chamei meus irmãos. Todos estão a caminho agora, e eu
poderia desejar que eles o matassem, mas Stefano se importa com
você, então tem dez minutos para nos matar ou ir embora ― disse
ela.
É claro que ela não podia ficar de fora, pensei amargo. Se
ficasse, não seria a Belinda.
― Eu poderia fazer as duas coisas e ainda matar seus
irmãos ― Lyn finalmente respondeu com um sorriso frio.
Essa era a coisa errada a se dizer. Ele podia brigar e até
discutir com ela, mas não envolvesse seus irmãos, pois a mulher
virava uma leoa a ponto de atacar. Belinda era capaz disso, embora
pudesse provocar a morte de todos ali. Eu sabia que, se ela abrisse
a boca, tudo estaria acabado, porque eu não podia deixar que ele a
machucasse. Estaria eu preparado para matar um amigo?
― Você quer me matar? Se quiser, o faça ― falei, cansado
de tudo aquilo.
Seus olhos ficaram gelados.
― Ao contrário de você, eu cumpro minhas promessas ―
praticamente cuspiu e deu as costas, não porque confiava que não
fôssemos atirar, mas porque não temia a nada, muito menos a
morte. Aquela era a vida que levávamos, ela levava cada pedaço
nosso, não restando nada. Eu havia me apegado aos meus irmãos,
e mesmo assim muita coisa foi tirada de mim.
Suas palavras foram como um soco no estômago, tanto que
tive dificuldade de respirar por um momento.
― Ao sair daquele maldito lugar, ele realmente achou que
você tivesse sido morto. Voltou depois para ajudar os outros, mas só
encontrou cinzas ― respondeu Alessandro. Acho que ele notou que
eu não podia respirar direito.
Meus irmãos sabiam que eu tinha sido levado para a arena,
só não de fato tudo o que acontecia lá dentro. Eu nunca havia
contado a ninguém. Era algo que pretendia levar para o túmulo.
Lyn me avaliou de novo por um momento. Tentei esconder
minha expressão, mas acho que não fui rápido o suficiente.
― Não devia abaixar sua guarda nunca. Esqueceu a lição
que aprendeu? E outra coisa, não vim matar você. Se o quisesse
morto, teria feito isso há anos ― me informou, colocando a arma no
carro. Foi quando notei que era o mesmo do cemitério.
― Quem estava querendo me matar e como você soube do
ataque? ― sondei.
― Não é da sua conta e já foi resolvido. ― Entrou no carro,
dirigiu até próximo a mim e parou rapidamente. ― Devia limpar os
quatro corpos no cemitério que deixei lá. E vigie sua retaguarda.
Depois disso, Lyn partiu, e fiquei ali tentando pensar em
quem queria me matar e em como ele sobreviveu à explosão no
lugar onde tinha estado preso. Por que resolvera aparecer? Eram
muitas perguntas que só ele podia responder.
― Porra! ― Coloquei as mãos nos cabelos em um gesto
exasperado. ― Preciso encontrá-lo! ― Virei-me para meu irmão. ―
Você pode tomar conta de Belinda e levá-la para casa?
― Você não vai a lugar nenhum, Stefano. Hoje mesmo
vamos voltar para Milão ― ordenou categoricamente. ― Não ouse ir
contra mim.
― Stefano, ouça seu irmão. Se for atrás dele, pode ser que
repense e o mate. Ao que parece, tem rancor contra você ― disse
Belinda com um suspiro.
― Ele não vai me matar. Se quisesse, teria feito no cemitério,
mas ele tem razão quanto a uma coisa. ― Eu não gostava de
admitir, mas tinha pisado na bola.
― O quê? ― indagou ela, chegando mais perto de onde eu
estava, e me entregou a minha arma.
― Não posso baixar a guarda como fiz hoje. ― Não só ao
meu redor, mas também em relação aos meus sentimentos, como
quando beijei Belinda. Era melhor me manter longe dela para sua
própria segurança.
― Não vou embora com seu irmão! ― contestou Belinda,
pondo-se ao meu lado. ― Vou ficar com você. Nem ouse dizer o
contrário.
Notei que ela não iria fazer isso mesmo. Ainda não confiava
em Alessandro. Isso queria dizer que em mim confiava? Pois bem,
eu a deixaria em casa e depois resolveria aquele problema.
― Stefano, falo sério. Você não vai procurar esse cara ―
frisou Alessandro.
Ele tinha razão. Se Lyn conseguiu ficar no escuro todo aquele
tempo, então não seria fácil achá-lo. De qualquer modo eu tentaria,
só não podia ir contra Alessandro, ainda mais na frente dos outros.
― Ele nos salvou. Era ele que estava no cemitério ―
comentou Belinda. ― Não entendo. Por que não veio até nós
naquela hora?
Lyn ao menos deveria ter nos alertado do perigo que
estávamos correndo, principalmente pela minha dificuldade em
proteger Belinda. Ele disse que havia corpos no cemitério. Isso
significava que o inimigo tinha chegado perto de nós. Isso serviria
como referência futura, para eu prestar mais atenção ao meu
entorno.
― Sim, era ele. Não o vi lá porque o farol atrapalhava. Seus
irmãos estão chegando? Acho que devem entrar em contato com os
tiras na folha de pagamento deles para esconder isso. ― Indiquei o
carro que Lyn explodiu para nos salvar, que ainda pegava fogo.
Ele também havia me salvado no cemitério. Eu poderia jurar
que não tinha notado ninguém se aproximando, talvez devido aos
momentos em que revivi lembranças dolorosas.
― Não os chamei. Você pediu que eu não o fizesse, e eu não
queria preocupá-los, embora, depois disso, não acho que possamos
esconder deles. ― Ela deu um suspiro baixo.
Antes que eu comentasse sobre sua mentira para Lyn, ato
que eu lhe agradecia, embora não achasse que fosse isso que o
fizera ir embora, carros vieram em nossa direção. Antes que eu
ficasse tenso pensando ser mais inimigos, reconheci os veículos
dos irmãos de Belinda.
Fabrizio saiu do carro seguido por Valentino, Santiago e
Benjamin. Todos vieram na direção da irmã.
Santiago a abraçou forte.
― Você está bem? ― ouvi a preocupação na voz dele, assim
como vi na expressão dos irmãos.
Em seu lugar, eu estaria da mesma forma caso fosse com
minhas irmãs. Dava graças aos Céus por tanto Luna como Jade
estarem seguras na mansão dos Castilhos.
― Eles não chegaram perto de você? ― Benjamin checou
cada centímetro de Belinda.
Valentino estava parado meio em choque. Aquilo devia
trazer-lhes várias lembranças do que aconteceu a ele e sua irmã
Lorena.
― Sim, estou. ― Ela foi até cada um, abraçou-os e os
tranquilizou. Valentino foi o último. ― Estou bem, nada aconteceu
comigo nem vai.
Ele assentiu, beijando sua testa, e inspirou como se tentasse
se controlar e expulsar lembranças ruins.
― Não nos mate do coração assim de novo. ― Sua voz
estava grave, então ele pigarreou.
― Não vou fazer isso ― ela prometeu e depois suspirou. ―
Como sabia do que aconteceu se não ligamos para vocês?
― Sabemos tudo que acontece em nosso território ―
informou Benjamin.
― Nada fica escondido aqui por muito tempo ― Santiago
assentiu com o rosto duro.
Claro que sabiam, pensei. Não havia nenhum segredo acerca
da perseguição, eu só não os queria em cima de Lyn, pois ele nos
salvou, e isso devia contar alguma coisa.
― O que aconteceu? ― perguntou Fabrizio avaliando o lugar
e o carro pegando fogo.
Belinda ficou em silêncio por um momento e me olhou,
dando-me a chance de explicar. Seria por não ter certeza de que eu
não gostaria que eles soubessem de Lyn? Fosse como fosse, eu
era grato a ela por isso.
― Fomos atacados quando vínhamos...
― De um passeio, e na volta fomos abordados. ―
Interrompeu-me Belinda.
Ela não queria que soubessem que tínhamos estado no
cemitério? Seria difícil esconder deles os corpos que estavam lá,
mas percebi pelo olhar dela que me pedia segredo. Se Belinda não
queria revelar o local aonde tinha ido, eu que não o faria.
― Como aquele carro explodiu? ― sondou Fabrizio, indo até
perto do veículo.
― Foram vocês? ― indagou Benjamin parecendo
impressionado.
― Não fomos nós, alguém nos salvou ― respondi. Não iria
mentir quanto a isso, só não queria dizer o nome do nosso salvador.
De qualquer forma, descobririam logo.
Fabrizio arqueou as sobrancelhas.
― Alguém? Quem foi? ― indagou, voltando sua atenção
para mim.
― Alguém do meu passado que achei que estivesse morto.
― Não queria falar muito sobre Lyn. Na verdade, não havia muito a
dizer sem que as lembranças me atormentassem e me fizessem
sucumbir.
― Esse alguém tem nome? ― inquiriu com os olhos
estreitos. ― Essa ameaça foi do seu passado também? Se for,
preciso saber.
― Não sei sobre isso. ― Todos do meu passado que
mereciam morrer estavam no inferno, eu não conseguia pensar em
ninguém. ― A pessoa que nos salvou não quis dizer. Talvez não
tenha sido por vingança. Preciso falar com ele antes.
Ouvi sirenes ao longe, então era a nossa deixa para sairmos.
Eu deixaria Fabrizio tomar conta de tudo ali, pois tinha mais coisas
para fazer.
― Vai dizer o nome da pessoa que o salvou? ― frisou
Fabrizio.
Merda! Esse homem não desiste! O seu jeito me lembrava
muito Alessandro, sem rodeios e sem aceitar ficar sem respostas.
Por um segundo, imaginei o que ele faria se eu dissesse que não ia
contar nada. Apostava que não gostaria disso e que teria
repercussões, algo que eu não queria.
― Lyn. ― Esse era seu apelido, que significava raio, pois ele
era muito veloz nas lutas na gaiola.
― Lyn? ― indagou Valentino, piscando. ― Tem certeza de
que é esse nome?
Fechei a cara.
― Acho que tenho, afinal o conheço há quase 14 anos,
embora achasse que estivesse morto. ― Suspirei. ― Por quê? Você
o conhece?
― O cara é uma lenda. Ninguém sabe seu nome real, só El
Diablo, que descobriu, pois está querendo recrutá-lo. É conhecido
como o Fantasma no submundo ― respondeu Valentino um pouco
impressionado.
― Fantasma? ― indaguei, pois tinha ouvido falar sobre um
dos assassinos mais letais rondando por aí, embora não soubesse
que se tratava de Lyn.
― Ouviu falar sobre ele? ― sondou Fabrizio e continuou
assim que assenti: ― Se ele os salvou, é porque se importa com
vocês. Pelo que descobri, o homem não se importa com nada ou
ninguém, só faz seus trabalhos, e ninguém sabe quem é ele, só
conhecem a assinatura que deixa em seus assassinatos.
Eu tinha ouvido isso acerca do Fantasma também, e não era
de fato mentira; Lyn não se importava com nada, os únicos que o
faziam sentir alguma emoção era eu e Jet, talvez porque nos viu
agir de modo diferente naquele inferno. No fundo, Lyn sentira
alguma emoção ao me salvar. Eu apostava que tinha feito isso para
cumprir a promessa que fez a mim e ao nosso amigo.
Como assinatura em suas mortes, o Fantasma deixava um
origami. Por que não juntei as peças antes? Devia ter ao menos
suspeitado o que significava aquela assinatura, embora não
houvesse como, pois tive provas de sua morte. O que eu podia
fazer?
― El Diablo quer recrutá-lo? ― indaguei de olhos
arregalados.
― Sim, mas não está com muita sorte. O Fantasma gosta de
trabalhar sozinho e, por sinal, faz o trabalho bem-feito, sem deixar
rastros. Nunca mostra de fato seu rosto quando mata ― confirmou
Valentino.
― Vou apurar os fatos e entrar em contato com El Diablo ―
Fabrizio me informou. ― O que ele usou no carro para explodi-lo
dessa forma?
― Um lançador de foguetes portátil especializado em abater
tanques ― respondeu Belinda.
Ela entendia muito de armas, ao que parecia.
― Puta merda! ― Benjamin piscou. ― Não é de me
surpreender vindo dele.
― Depois vemos isso. Agora, Santiago e Benjamin, levem
Belinda para casa enquanto resolvemos as coisas com os tiras ―
ordenou Fabrizio.
Assim que eles partiram, fui em direção ao meu carro, mas
Fabrizio me chamou:
― Stefano?
― Sim? ― Parei onde estava e o fitei. Esperava que não
perguntasse mais sobre Lyn. As lembranças em minha cabeça me
atormentavam, e eu não estava a fim de discutir com ele.
― Onde vocês estavam quando foram perseguidos?
― Por que acha que não foi como Belinda disse? ― Franzi a
testa.
― Conheço minha irmã. ― Deu um suspiro duro. ― E, por
mais que seja boa em esconder as coisas, sei que está mentindo.
Dei de ombros. Não admitiria nada se Belinda não queria que
eu falasse.
― Terá que perguntar a ela ― falei e abri a porta do meu
carro.
― Estavam no cemitério, não é? ― Não parecia uma
pergunta.
Maneei a cabeça em sua direção.
― Você que está dizendo.
― Aonde está indo? ― sondou Valentino vindo na minha
direção.
― Vou limpar o lixo que Lyn deixou para trás.
― Vou com você ― informou, abrindo a porta do carro,
depois olhou para seu irmão. ― Mande a limpeza enquanto checo
se alguém viu algo.
― Stefano, lembra do que conversamos? ― interveio
Alessandro, alertando-me.
Assenti. Jamais o desrespeitaria. Eu só encontraria outra
forma de achar Lyn.
― Manterei em mente. ― Entrei no carro e parti. Era uma
pena que não estava sozinho, mas ao menos Valentino não era
daqueles que conversam muito.
Chegamos ao cemitério, onde provavelmente os quatro
corpos estavam.
― Ela veio aqui, então? ― finalmente Valentino falou,
checando ao redor com o olhar vazio.
― Sim. Acho que Belinda se sente mais perto do seu pai
neste lugar. ― Sabia que o Céu existia, assim como o inferno, para
onde eu iria um dia.
― Obrigado por protegê-la hoje e por ficar com ela ―
agradeceu-me quando achamos os corpos atrás de uma moita. ―
Eles chegaram muito perto. ― Seus olhos fitaram o local onde seu
pai foi enterrado.
― Fiquei um pouco de guarda baixa na tentativa de fazê-la
esquecer aquela dor, e por pouco isso não nos matou. ― Trinquei
os dentes. ― Teria acontecido se não fosse...
― Lyn ― concordou, parecendo tão grato quanto eu. ― Vai
tentar achá-lo? Se o encontrar, diga que temos uma dívida com ele.
Qualquer coisa que quiser, é só dizer.
― Preciso encontrá-lo. Tenho algumas coisas que quero que
ele saiba, e assim resolveremos o nosso assunto pendente.
Escondemos os corpos. Todos tinham recebido um tiro
certeiro na testa ou na nuca.
― Deixe que eu passo o recado, embora seja mais fácil ele
entrar em contato com você do que comigo.
― Se precisar de mim, estarei aqui ― Valentino me disse. ―
Não só eu, mas meus irmãos também.
― Valeu.
Gostei do fato de ele não ter me perguntado nada, mesmo
estando claramente curioso por eu conhecer Lyn. Imaginei que ele
agia daquela forma por ter sido sequestrado e torturado, e sabe-se
lá o que mais foi feito a ele. Eu percebia que isso levou um pedaço
dele, assim como o que passei levou algo de mim que eu nunca
teria de volta.
Abaixei-me perto dos corpos, checando cada um deles,
puxando suas roupas.
― O que está procurando? ― Ele ficou ao meu lado,
agachando-se também.
― Algum sinal de quem sejam eles. ― Muitas organizações
eram conhecidas por suas marcas, símbolos que mostravam quem
eram, outras não; essas eram mais difíceis de ser reconhecidas.
― Usam ternos caros, então o que fazem é lucrativo, mas
parece que não têm tatuagem... ― ele se interrompeu assim que
rasguei a camiseta e paletó de um deles e achei o que procurava.
Em sua pele tinha o número 15.
― Que porra é isso? ― Piscou, parecendo chocado, e
checou os outros. A mesma marca estava ali, uma que eu conhecia
muito bem. ― São marcados como gado. Quem aceita isso em seus
corpos? É fodido até para nós.
― Eles não aceitam, apenas não tiveram escolha, não foi
dada a nenhum deles. ― Trinquei os dentes, furioso com quem os
tornara daquela forma.
― Conhece essa organização? ― Sua cabeça se ergueu na
minha direção. Parecia aturdido.
― Lyn era de uma parecida. ― Não falei sobre mim, não
queria pensar nisso agora.
― Isso não explica por que vieram atrás de você.
― Essa é a resposta que pretendo descobrir. ― No entanto,
para isso precisava encontrar meu amigo.
Eu só conhecia uma pessoa que também estava atrás de Lyn
e que podia me ajudar a encontrá-lo. El Diablo.
Já estava havia uma semana enjaulado como um animal,
mas não me importava muito. Nada era pior do que ter visto minha
mãe sendo morta na minha frente. Eu poderia ter lutado mais, mas
por que, se minha mãe não estava mais presente?
A dor ainda era profunda e sempre seria. Eu não acreditava
que passaria algum dia. Além da dor espiritual, meu corpo também
doía, pois eu tinha acabado de ser torturado no ringue. Digo
torturado porque me recusava a lutar. Minha mãe se fora, então por
que eu devia viver?
O maldito Kanon me jogara na jaula para lutar nos últimos
dias, disse que era treinamento. Eu não dava a mínima para isso ou
para a forma como meu físico era maltratado. Era isso que dizia a
mim mesmo, mas meu corpo protestava, pois não aguentava mais
tantas pancadas e cortes das lâminas dos meus oponentes.
Havia muitos garotos ali que eu me recusava a matar. Kanon
não podia tirar minha vida, mas queria que eu o fizesse com outros
meninos. Marco deveria ter deixado minha mãe viva, assim eu teria
feito o que ele mandasse, mas agora eu não tinha mais motivos
para lhe obedecer.
― Você precisa resistir, ou não vai durar mais um dia ― disse
o garoto da cela do lado esquerdo, o Número 8. O Número 10
estava na do outro lado. Nunca tinha dito uma palavra desde que
cheguei ali.
Eu estava encolhido no chão frio, com vários ferimentos,
tanto por fora quanto por dentro. O lugar possuía um médico só para
não deixar os lutadores melhores morrerem, afinal dependia deles
para ganhar dinheiro. Porém não fui medicado como castigo por não
ter feito o que o infeliz queria.
― Não dou a mínima para isso. ― Estremeci ao ajeitar o
corpo em outra posição, mesmo assim não era boa.
― Por que resiste tanto? Todos que são trazidos aqui
resistem no máximo um dia, logo estão fazendo o que são
mandados, mas resistir por uma semana? Sorte sua ainda estar
vivo. ― Suspirou o garoto sardento. Era melhor chamá-lo assim do
que por um número. Todos tinham nomes, mas eram proibidos de
mencioná-los. Embora não tivesse ninguém ali nos vigiando, ainda
assim obedeciam.
― Se me matassem, seria um alívio. ― Era verdade. Sem
minha mãe, viver para mim não tinha sentido. A cada dor que me
tomava, eu sentia que a merecia, por ser o responsável pela morte
dela.
― Queria pensar assim, mas quero viver para sair deste
lugar um dia. Não quero morrer aqui sendo uma putinha desses
vermes imundos. ― Sua voz saiu amarga como fel.
Outra coisa que me enojava ali era o fato de, duas vezes na
semana, os responsáveis pelo local fazerem festas e convidarem
homens pedófilos para violentarem os garotos, que não tinham
poder para evitar isso nem podiam dizer uma palavra sequer.
O único que não tinha sido levado a essas festas naquela
semana, na quarta-feira e no sábado, foi o Número 10, o garoto de
olhos mortos. O Sarda me explicou que, quando um dos garotos era
campeão, não era obrigado a fazer nada, só lutar.
― Quero matar todos eles. ― O ódio estava presente em
cada palavra do ruivo.
― Te ajudaria com isso com o maior prazer, jogando todos
em uma coivara de fogo ― anunciei.
― Incluindo seu pai, que o trouxe aqui?
― Seria o primeiro, e vou fazer isso assim que tiver uma
chance. Se ele acha que vou me rebaixar e deixar me domarem
como um animal, está enganado. Prefiro morrer. ― Fechei os olhos,
ignorando as dores. Parecia que, a cada movimento que eu fazia,
elas me cercavam por todos os lados.
― Se sabia do que ele era capaz, por que nunca o matou? ―
Ele parecia curioso.
Aquele garoto estava no lugar errado. Era legal demais para
ser um assassino treinado de 15 anos. Todos ali não mereciam estar
naquele lugar, fazendo coisas que não gostavam só porque Marco
queria ganhar dinheiro.
― Por meus irmãos e... ― respirei fundo ― minha mãe, que
o miserável matou.
Não o matei antes porque tinha um propósito, mas agora isso
não importava mais. Assim que eu o visse de novo, eu o eliminaria
de uma vez por todas.
― Eles gostam desse monstro? ― indagou, incrédulo.
― Não, todos o odeiam. O problema é que, se um de nós o
matar, meu irmão mais velho, que será o capo no futuro, perderá o
direito, pois nenhum dos sujeitos seguidores de Marco irá se
submeter a Alessandro. Tínhamos um plano, buscar aliados para o
nosso lado, e, quando a hora certa chegasse, iríamos mandá-lo
para o inferno, mas...
― Você vai matá-lo por ter assassinado sua mãe. ― Não era
uma pergunta.
― Pode apostar. Assim que eu sair daqui, ele já era, o farei
se arrepender amargamente. ― Era uma promessa que eu
cumpriria.
Ele suspirou.
― No começo, achei que você tinha aversão a matar. Muitos
de nós temos no início, por isso não fazemos amigos, pois, na
próxima luta, podemos ter de matá-los. ― Sua voz soou triste no
final.
Era uma vida deplorável, uma que eu achava muito injusta, e
tudo por culpa daquele demônio. Marco precisava morrer.
― Aversão a matar? Até pouco mais de uma semana, eu
achava que tinha, mas descobri que não ligo de fazer isso se a
pessoa merece estar morta. Mas tirar a vida de inocentes? Isso não
é para mim, e é ainda pior ser obrigado a fazer isso, especialmente
por meu pai. Não vou dar esse gostinho a ele, não mesmo. ―
Coloquei a mão no peito, tentando me livrar da dor que me
esmagava a cada respiração.
― Você é um idiota ― rosnou uma voz grave vinda da
parede de grade ao lado.
Pisquei, pois não podia acreditar que Olhos Mortos estivesse
falando comigo.
― Você é patético se permitindo ficar nesse estado. ― Olhos
Mortos se sentou. Antes estava deitado em um colchonete. Eu
também tinha um, mas, como xinguei Kanon, o fodido o havia tirado
de mim.
― Como se eu tivesse pedido sua opinião... E tão certo como
a merda que não me importo com ela. ― Ignorei-o.
― Precisa entrar em cena se quiser eliminar seu pai. Ficar
parado aqui deixando que o arrebentem não irá ajudar ― rosnou,
fuzilando-me. ― Lute, porra! Ou seja um covarde. Aqui. ― Jogou-
me uma faca pela grade da cela. ― Pegue e corte seus pulsos,
ninguém chamará ajuda.
Peguei a faca no chão, e tudo em mim queria enfiar a lâmina
em meu coração, mas então pensei em meus irmãos. Todos
sofreriam. Jade e Luna..., pensei, com uma nova dor só com a ideia
de não as ver mais. Já bastavam ter perdido nossa mãe. Eu não
podia fazer isso com eles.
― Não faça isso! ― O Sarda fuzilou o Olhos Mortos e depois
a mim, que hesitava com a faca na mão. ― Seja o que for que o
esteja impedindo de fazer tal coisa, se apegue a isso e deixe essa
faca. Não vale a pena. Temos que sobreviver, é isso que importa.
Penso nisso todo momento quando aqueles homens estão me
violentando.
Pisquei, pois eu estava sendo realmente um covarde. Eles
passaram por coisa pior e ainda estavam de pé. Eu não podia me
sujeitar a me deixar levar assim. Eu ainda tinha os meus irmãos.
Precisava arrumar um jeito de sair dali por eles e para ajudar todos
aqueles meninos. Não sabia o que iria fazer, mas tentaria salvá-los
de alguma forma.
Deixei a faca cair no chão e me sentei com a mão na barriga,
ignorando as fisgadas de dor.
― Vou lutar e juro que vou arrumar um jeito de tirar vocês
daqui assim que eu sair. ― Não sabia como conseguiria, mas meus
irmãos poderiam me ajudar se eu pedisse a eles.
Quando eu lhes contasse sobre aquele antro, garantia que se
enojariam assim como eu. Ninguém merecia uma vida daquelas,
ainda mais garotos tão jovens.
― Pode fazer isso? Realmente vai nos ajudar? ― O ruivo
parecia esperançoso.
Se eu dissesse que sim e depois não conseguisse fazer
nada, iria me sentir culpado.
― Farei tudo que eu puder para isso acontecer. ― Era só o
que podia prometer. ― Quero esses filhos da puta mortos, de
preferência, com muita dor.
― Isso se o seu pai não o matar antes ― disse o garoto
sombrio.
― Se fosse por ele, eu nunca sairia deste inferno, mas, se
me deixasse aqui por muito tempo, meus irmãos revidariam, e as
coisas ficariam feias demais. Marco não quer isso, seu objetivo é
ganhar, e precisa que o meu irmão seja o chefe que ele acha que
vai ser um dia.
― Esse seu irmão devia matar o seu pai logo e esquecer
essa coisa de líder. ― O Sarda suspirou. ― Aquele ser desprezível
mantém este lugar ganhando dinheiro à nossa custa.
― Acredito que, quando ele souber do que Marco fez com
nossa mãe, as coisas mudem, e quero que isso aconteça, quero
eliminar aquele maldito demônio de uma vez por todas.
Rafaelle e Alessandro tinham ido para a América por dois
meses. Eu me encolhia só em imaginar ficar naquele inferno todo
esse tempo.
― Vamos focar em sua melhora logo, pois terão mais lutas, e
dessa vez você precisa esconder essa fraqueza que tem, a recusa a
matar um dos garotos daqui. Somos assassinos frios. A partir do dia
em que fomos trazidos para cá, nossa humanidade ficou lá fora.
Precisa deixar a sua também se quiser um dia sair daqui vivo e ter
sua vingança ― Olhos Mortos me disse sem qualquer emoção.
― Se lembram de algo da vida de vocês? ― Era melhor falar
sobre isso a pensar em não sair daquele lugar infernal e na dor que
eu estava sentindo.
Aqueles monstros não queriam que os meninos falassem
sobre quem eram, mas nenhum estava ali no momento para nos
ouvir e nos castigar.
― Lembro que eu estava num orfanato, na Austrália, em
Sidney... Sabe o que é mais estúpido? Eu reclamava por estar preso
lá após perder meus pais e ficar sem família. Queria sair sem
destino, sem ter ninguém me dando ordens. Eu achava que
conseguiria ao vir para cá...
Arfei, mas me controlei para não chamar a atenção dos
guardas do lado de fora.
― Vocês sabiam que vinham para cá? ― indaguei, não
acreditando que isso fosse possível.
― Não tecnicamente aqui. Apareceram uns caras no orfanato
disfarçados de guardas que nos disseram que tínhamos uma saída
para sair de lá e ganhar muito dinheiro. Isso foi há quatro anos. ―
Riu baixo e amargo. ― Nada indicava que era um lugar como este.
O pior é que eles continuam fazendo isso lá fora com garotos como
nós. Acho que pensam que, como não temos família, ninguém vai
ligar para o que aconteça com a gente no final.
― Isso não chama a atenção de ninguém, ao contrário do
que aconteceria se sequestrassem garotos por aí. ― Faziam esse
tipo de coisa também com garotas, enganando-as, inventando que
as transformariam em modelos, mas transformando-as em
prostitutas, até que ficavam em dívida com a máfia, o que era como
fazer um pacto com o diabo. Ao menos com Marco era assim.
― No dia em que chegamos aqui, eu e mais dois colegas
meus, Radir e Said... ― O ruivo fechou os olhos como se quisesse
tirar os pensamentos ruins da cabeça.
― O que aconteceu com eles? ― Pela sua expressão de dor,
eu imaginava que não tinham resistido.
― Radir não conseguiu lidar quando aqueles monstros... ―
Sacudiu a cabeça. ― Ficou tão arrasado, sabe? Tirou a própria vida.
Na verdade, se deixou ser morto, pois queria se livrar deste lugar.
― E Said?
― Um dos caras que o violentava o matou na hora... ― Sua
voz soou mortal. ― Um dia quero sair deste lugar e o matar, tanto
esse cara como todos que nos forçam a fazer essa porra nojenta.
O garoto de olhos mortos estava calado, enquanto o ruivo,
que era o mais conversador ali, falava. Gostei de ver a sua
esperança de sair daquele lugar. Eu também tinha, embora, se
fosse pela vontade de Marco, iria apodrecer ali.
― Quem são eles? Me diz, que, assim que eu sair daqui, vou
dar um jeito neles. ― Eu sabia que ainda era um garoto, mas
também sabia o que era. Crianças no meu mundo se tornavam
adultas rápido, e eu era uma delas, já não tinha mais inocência,
ainda mais naquele lugar. Se eu ainda tinha alguma ingenuidade
antes, ali tinha ido pelos ares. Esperava que, no final, me tornasse
humano de novo ou ao menos não me perdesse como o Sarda.
Nele tinha alguma luz que eu não via no Olhos Mortos e em outros
garotos ali.
Ele me falou os nomes dos caras, e pisquei ao saber de
alguns que eram casados, mas gostavam de garotos. Eu conhecia
alguns deles, outros, iria descobrir onde moravam e dar-lhes o fim
que mereciam. Mostraria para Marco o monstro em que me
transformei assim que enfiasse a minha faca em seu coração e o
arrancasse do seu peito.
― E você? ― indaguei, olhando o garoto de olhos frios. ―
Aliás, quais seus nomes verdadeiros?
― O meu é Jet ― respondeu o ruivo. ― Mas aqui não somos
nada além de objetos para esses fodidos.
― E você? ― insisti com o outro garoto, que não queria me
responder e só me olhava. ― Não precisa dizer se não quiser.
Seus olhos não mostravam nada além de um vácuo que
absorvia tudo.
― Você deve ser mais duro aqui, ou não vai aguentar mais
um dia. Não somos amigos para contarmos histórias sombrias uns
aos outros. Foque em ficar vivo ― disse, deitando-se e encarando o
teto.
― Lyn é duro, mas ele tem seus motivos, embora esteja
certo. Se você continuar evitando lutar, jamais sairá daqui. Agora
pegue isso e mastigue. ― Jogou algo para mim. Foi quando notei
serem comprimidos.
― O que é isso? ― Não queria me drogar naquele lugar. Se
algo acontecesse, eu precisava estar totalmente consciente.
― Para não deixar essas feridas infecionarem ― falou
baixinho. ― Nem todos neste lugar são filhos da puta loucos e
pedófilos.
Era bom saber disso. Talvez, com a ajuda dessas pessoas,
eu conseguisse resgatar todos os garotos presos ali depois.
― Valeu. ― Enfiei o remédio na boca e o mastiguei. Estava
com sede, mas ninguém ali me daria água, então nem pedi.
Ouvimos passos e ficamos em silêncio fingindo estar
dormindo. Naquele lugar não se dormia; cada passo dado ali me
tirava o sono.
Contei os passos da pessoa que caminhava no corredor. Da
porta do pavilhão onde estávamos até ali eram 20 passos de dois
guardas e 25 de Kanon por ser baixo. Agora eram os seus passos,
mas não parecia estar sozinho.
Nunca mostrei meu medo quando ouvia alguém andando no
corredor; agora não seria diferente. Isso acontecia direto, sempre
levavam garotos, mas poucos deles retornavam, e os que voltavam
estavam sempre cobertos de sangue.
A porta da minha cela foi aberta, e abri meus olhos,
encarando um homem de pé me olhando e sorrindo de modo cruel e
perverso.
Ainda bem que eu ainda estava com a faca que Lyn me
entregara antes. Se aquele cara tentasse algo comigo, eu iria fazer
boa serventia dela.
― Ele é todo seu. Pode brincar essa noite, e nossa dívida
será paga ― disse Kanon.
O homem mexeu o pescoço como se estivesse se
preparando para iniciar um trabalho.
― Vão para o inferno! ― rugi, sentando-me e ignorando os
protestos do meu corpo.
Não deixei o pavor me dominar. Tinha chegado a hora de eu
lutar e o faria com quem precisava ser extirpado desse mundo e
mandado ao inferno com passagem só de ida.
― Vou saborear cada segundo. Gosto de garotos que lutam
comigo. ― Ele olhou para a cela do Jet, que estava de costas
fingindo dormir, mas percebi que estava tenso. ― Assim como o
Número 8. Foi preciso muito para amansar essa putinha.
Cada vez que ele falava me fazia ficar mais irado. Então
aquele ser desprezível abusava de Jet? Como prometi que
eliminaria todos que o machucaram, era melhor começar com
aquele.
O sujeito veio para cima de mim, empurrando-me de costas
no chão e montando em meu corpo. Eu sabia que, se o deixasse
pegar meus braços, estaria dominado, e preferia morrer a deixar
que aquele verme fizesse qualquer coisa comigo. Enfiei minha mão
embaixo de mim e relaxei meu corpo. Se ele curtia garotos que
lutavam, veríamos como reagiria àquilo.
― Oh, achei que fosse lutar, pelo que eu soube de você, mas
já está se rendendo? ― Sua voz me enchia de fúria, ainda mais
com Kanon assistindo. Esse era outro em cujo coração eu amaria
enfiar minha faca.
Seu hálito quente e desprezível banhou meu rosto, e virei a
cabeça, fazendo sua boca tocar minha garganta. Segurei minha
ânsia de vomitar ali mesmo.
― Isso, manso como um cordeiro também é bom ― disse
contra meu pescoço.
Apertei a faca e a levei direto até sua garganta, fazendo-o
arfar.
― Que sua alma apodreça no inferno! ― Cuspi o sangue
dele, que respingou sobre meu rosto.
Seus olhos focaram em mim, e suas mãos tentaram conter o
sangue que saía pelo buraco que minha lâmina tinha feito. Dei
graças aos Céus por tê-la, ou eu estaria ferrado. Até poderia lutar,
mas estava muito ferido e com certeza perderia.
Daquele dia em diante, eu não me deixaria ser ferido de
novo. Precisava me manter forte, reerguer-me e eliminar todos que
tentassem me derrubar.
Empurrei-o para sair de cima de mim, e o cara caiu de
costas. Montei nele e enfiei a lâmina em seu coração, girando-a,
não desviando o olhar um segundo de seus olhos.
― Isso é por todos os garotos que abusou. ― Puxei a faca e
a desferi de novo e de novo, até seu peito ficar mole e parecendo
uma peneira.
Minha respiração estava aguda com o esforço. Sentia fúria e
nojo de seu cheiro repugnante em meu corpo.
Olhei para Kanon, que me olhava parecendo feliz com o
resultado que causei.
― Sempre vi potencial em você. Agora isso se provou certo,
mas não explica onde conseguiu essa faca. ― Apontou para o
objeto em minha mão.
― Um dia será você assim, e, quando a hora chegar, irei
dançar em cima de sua carcaça desprezível ― prometi, limpando a
lâmina em um pedaço de roupa sem sangue do homem sob mim. O
chão da minha cela estava coberto pelo sangue do cadáver.
― Pela desobediência ao me responder e por ter escondido a
faca, irá para a solitária. ― Indicou que seus homens viessem me
pegar. Eu poderia ter lutado, mas estava tão machucado das lutas
anteriores que sabia que não iria conseguir. ― Onde conseguiu a
faca? Se me disser, posso pensar em deixar você ficar aqui.
Jamais iria dedurar Lyn. Ele poderia ser castigado, e eu não
queria isso.
― Acha que ligo de ir para a solitária? ― Marco tinha me
deixado mais vezes do que eu podia contar em masmorras que ele
só criava para nos castigar. Não seria nada diferente.
― Vai ligar de ir para essa.
Os seus guardas me pegaram pelo braço e levaram dali
praticamente arrastado, pois eu mal conseguia andar.
Não olhei para Jet ou Lyn, assim nenhum deles seria
castigado comigo.
Quando achei que estava no inferno, percebi que aquilo que
eu tinha passado até o momento era fichinha perto do que estava
por vir, quando minha alma seria levada de vez.
Acordei suando e com meu coração pulsando forte, mesmo
estando em um clima frio.
Os pesadelos com aquele lugar nunca me deixariam? Queria
ao menos esquecer aquilo por um segundo. Os únicos momentos
em que eu o fazia era quando lutava e quando estava perto de
Belinda. Tinha algo nela que não me deixava voltar ao passado. Eu
não sabia se era porque, quando estava ao seu lado, focava em não
a deixar cair, primeiro em razão do seu sofrimento com a doença de
seu pai e agora com sua perda recente, ou se era apenas por sua
presença, da qual passei a gostar.
Após o reaparecimento de Lyn, fiquei um pouco longe de
Belinda, pois não queria que os caras que nos atacaram se
aproximassem dela, mas me reaproximaria, pois teria que voltar à
casa dos Castilhos para descobrir se lá era seguro ou não, como
Alessandro pediu.
Eu ajudava Belinda a lidar com sua perda não por ser um
homem bom, porque, convenhamos, eu não era assim, nunca seria
nem queria ser. Eu o fazia porque entendia aquela dor, a havia
sentido um dia e, no fundo, ainda a sentia tão crua quanto antes.
Meus irmãos me apoiaram, assim como eu sabia que os dela
também o fariam, mas a menina era muito cabeça-dura, fingia-se de
forte na frente deles. Contudo, eu sabia o quanto doía tudo aquilo.
Naquelas duas semanas, não falamos sobre o beijo que
trocamos. Fazia três dias que eu havia voltado a Milão para resolver
minha estada definitiva ao menos por mais um mês na Espanha
com os Castilhos.
Não comentei sobre o beijo porque não queria que ela tivesse
esperança de algo que eu nunca poderia lhe dar, não o que ela
merecia, mas não precisei explicar que foi um erro fazer aquilo, pois
a garota reagiu como se não tivesse gostado nem gasto um minuto
do seu dia pensando no assunto. Suas atitudes mostravam isso, o
que foi um golpe na minha autoestima, pois sempre tive qualquer
mulher que queria. A única que não consegui foi ela, pois era lisa
como uma cobra.
Uma parte minha queria deixar assim, mas outra queria
conquistá-la e provar que eu podia tê-la. Estava forçando-me a
continuar com a primeira opção, principalmente se minha presença
pudesse trazer algum perigo a ela.
Então foquei em localizar Lyn para perguntar quem tentara
nos matar, mas não tive sorte. Era como se tivesse desaparecido do
mapa. Até El Diablo não conseguiu achá-lo, e esse homem sabia de
tudo, tinha olhos em todo canto.
El Diablo disse que Lyn não queria ser encontrado e que ele
era bom em se manter no escuro. Ao menos, depois daquela
perseguição, não houve outros ataques. Enquanto eu estivesse em
Milão, Serena e Belinda ficariam trancadas, afinal ninguém sabia o
motivo da investida que quase levou à nossa morte, se não fosse
por meu ex-colega de cela.
Parei de pensar nisso, não queria voltar ao passado e me
assombrar ainda mais do que acontecia com os pesadelos que eu
tinha diariamente.
Passos suaves como uma pluma estavam chegando à porta
do meu quarto. Eu sabia de quem eram, conhecia todos os passos
das pessoas ali.
Sentei-me na cama, sabendo que não conseguiria dormir.
Não tinha ideia de quando tinha tido uma noite de sono decente.
Isso só acontecia quando eu estava no meu apartamento em
Barcelona, onde ficava sozinho no meu andar. Na casa de
Alessandro sempre ouvia passos no corredor que me impediam de
dormir.
Passei a mão no rosto, querendo tirar todas aquelas imagens
fodidas da minha cabeça.
Ouvi uma batida na porta, e um segundo depois, a maçaneta
foi aberta. Meu anjinho dourado entrou no quarto.
― Tio Stefano, teve outro pesadelo? Ouvi você gritando do
corredor. ― Não era a primeira vez que Graziela aparecia em meu
quarto quando eu gritava.
Recordei-me de Rafaelle. Ele tinha o mesmo problema, e foi
resolvido por Mália. O meu também só seria resolvido se eu
conseguisse uma mulher? Se fosse assim, eu estava ferrado.
Graziela veio até mim e se sentou ao meu lado, pegando
minha mão. Seus olhos estavam tristes por me ver daquela forma.
Cortou meu peito ver sua expressão, então coloquei minha
fachada, que usava como uma máscara, assim ninguém descobriria
o que havia por trás dela.
No fundo, Marco teve o que sempre quis. Era um monstro frio
e sem alma, incapaz de amar. Era uma pena que não pude fazer o
que imaginava assim que saísse daquele inferno na Terra. Por mais
que meu coração negro pulsasse, eu podia sentir que não havia
nada ali para ninguém além da minha família e a princesinha do tio.
Graziela, com sua graça, trouxe um novo colorido para a minha
vida, que antes era só trevas. Enfim eu podia ver uns frangalhos de
luz em razão dela e de minhas irmãs.
― Estou bem, anjinho ― menti e depois acrescentei: ―
Nenhum desses pesadelos pode me machucar mais.
Não fisicamente, pelo menos, apenas na minha cabeça,
pensei.
Odiava que aquele filho da puta tivesse esse poder sobre
mim mesmo depois de anos, quando ele estava apodrecendo no
inferno.
― Estou com você. ― Beijou meu rosto e colocou os braços
à minha volta. ― Te amo muito, tio Stefano.
Meu peito morto se aqueceu um pouco.
― Oh, minha princesa, eu lhe agradeço por me amar. ―
Beijei a cabeça dela.
Graziela afastava um pouco a minha escuridão. Antes
apenas minhas irmãs tinham esse poder, mas agora elas tinham
suas vidas e filhos, então eu só tinha minha boneca e... ela...
Belinda. Eu devia continuar ao seu lado só para ter um pouco de
paz?
Provavelmente por isso aquela garotinha me conquistou logo
que chegou àquela casa. Sua doçura tocou fundo algo que pensei
estar morto havia muito tempo.
― Agora que tal ir dormir? Está um pouco tarde para andar
por aí. ― Olhei o horário no despertador. Era quase 1h da manhã.
― O que faz acordada a essa hora?
― Também não consegui dormir ― sussurrou ela com as
mãos no colo e olhando para baixo.
Franzi a testa.
― Por quê? ― Fiquei curioso por ela perder o sono, não era
natural. ― Pode me contar, que resolvo qualquer coisa.
Ela parecia nervosa mexendo no pijama da Barbie com suas
mãos.
― Querida... ― Eu estava começando a ficar preocupado.
Respirou fundo.
― Acha que meu pai ainda vai me amar quando o bebê
nascer? ― finalmente disse.
Pisquei meio aturdido.
― Por que dia... ― interrompi-me e respirei fundo, pois
percebi que ela temia a resposta. ― É claro que ele sempre irá
amá-la. De onde saiu essa dúvida?
Alessandro adorava Graziela, tanto que a assumiu como sua
filha, então seu medo não tinha fundamento.
― É que não tenho o sangue dele, mas o bebê que vai
nascer, sim ― murmurou. ― Aconteceu isso com minha coleguinha.
Ela não era filha do marido da mãe dela, e, quando o bebê chegou,
o homem começou a desprezá-la e deixá-la de lado. Até a mãe dela
não ligava muito para ela.
Os pais daquela menina eram uns idiotas por fazer essa
merda. O que a criança não estaria passando?
― Acha que Alessandro e Mia fariam isso com você? ―
inquiri e continuei antes que respondesse: ― Eles adoram o chão
que você pisa e a amam de verdade.
― Sei que Mia é minha irmã, mas a amo como uma mãe... É
só que fiquei com medo de ela... não sei, gostar mais do bebê do
que de mim, igual fizeram com a Lainy. Não sou egoísta e não quero
a atenção deles só para mim, mas queria ficar em seus corações
como agora. ― Respirou fundo.
― Acha que a chegada de Enrico vai mudar algo? Se fosse
assim, minha mãe amaria mais a Luna por ter sido filha do único
homem que ela amou na vida, mas para ela não teve diferença, nos
amou igual...
― Mas todos vocês eram filhos dela. ― Graziela estava
realmente insegura em relação a isso. Alessandro e Mia deveriam
tem uma conversa com ela sobre aquele assunto.
― Está bem, deixa eu te contar algo. ― Ao falar sobre isso,
eu sentia como se estivesse comendo sal. ― Uma vez tive dois
amigos. Um tinha o sonho de ser jogador de futebol, sabe? Ele até
pensou em fazer mil origamis para alcançar esse desejo. É da
cultura japonesa acreditar que os origamis realizam desejos. ―
Embora onde estávamos não tínhamos direito a isso. Era
possivelmente por isso que Lyn usava origamis como assinatura em
seus assassinatos, como uma homenagem ao Jet. Seria alguma
promessa que ele tinha feito a si mesmo após a morte de nosso
amigo, que não conseguiu alcançar seus sonhos?
― Origamis realizam desejos? ― Ela piscou.
― É cultura do Japão. Não podemos desmerecer suas
crenças, mas eu não acredito nisso. Vai de pessoa para pessoa. ―
Eu não queria que ela acreditasse naquilo e resolvesse fazer a
promessa para pedir algo que já acontecia, que o meu irmão a
amasse como filha.
― O outro era fechado, não era de se abrir muito, mas
fizemos um pacto de que, quando saíssemos de onde estávamos,
iríamos nos tornar irmãos. Nós éramos ali, mas eles sabiam dos
meus irmãos de sangue. Jet temia que nossa aliança não fosse
suficiente, por isso juramos continuar irmãos. ― Respirei fundo para
me controlar. Pensar no passado arrancava lascas do meu peito. ―
O que eu quero dizer é que não importa o sangue, mas o que
sentimos uns pelos outros.
Eu não queria abrir muito o jogo sobre como fomos criados.
Ainda não era hora disso. Eu sabia que um dia ela precisaria saber,
mas caberia a Alessandro e a Mia contar-lhe a verdade.
― O que temos aqui ― apontei para seu coração ― é o que
importa. Nenhum de nós três tinha o mesmo sangue, mas eu os
considero irmãos e sempre será assim.
Nós juramos proteger um aos outros, e no final não consegui
cumprir essa promessa, mas minha princesa não precisava saber
dessa parte sombria da minha vida.
― E mesmo que você não tenha nosso sangue, iremos amá-
la para sempre. ― Dizer isso para ela era fácil, mas para outras
pessoas era difícil mostrar meus sentimentos. Seria por medo de me
machucar no final? ― Você é a baixinha mais importante para mim.
Fiquei de pé e estendi minha mão para ela.
― Vem, me deixa te mostrar uma coisa. ― Assim que peguei
sua mão, levei-a até a sacada do meu quarto.
― O que vamos fazer, tio? ― Ela estremeceu com o vento
gelado assim que abri a porta que dava para a sacada. Peguei a
coberta e cobri seus ombros.
― Olha para o céu agora. ― Essa foi a frase que minha mãe
usou comigo uma vez, quando pensei que tinha perdido tudo. ― O
que está vendo?
― Vejo milhares de estrelas brilhantes.
Segurei a dor que as lembranças me trouxeram, aliás, duas
delas, essa e a do Jet...
― Isso. Você é assim para Mia e Alessandro e para cada um
de nós. Uma estrela que ilumina nossas vidas. Sem você há apenas
escuridão. ― Eu sabia que todos pensavam a mesma coisa.
Ela ficou em silêncio um momento admirando as estrelas e
depois se virou para mim, abrindo aquele sorriso que eu amava.
― Obrigada, tio Stefano, você também faz minha vida brilhar.
― Abraçou-me pela cintura. ― Te amo muito.
― Oh, querida, também te amo. ― Respirei de modo mais
tranquilo, com meu peito se sentindo um pouco melhor. ― Agora
vamos para dentro para você não correr o risco de ficar doente.
Entramos, e fechei a porta.
― Posso dormir com você? ― ela pediu assim que me sentei
na cama.
Por mais que eu estivesse esgotado pelas últimas noites sem
dormir direito, não pretendia voltar a me deitar, pois estava longe de
pregar os olhos.
Precisava socar alguma coisa, só assim conseguiria relaxar
após tantas lembranças que me atormentavam. Além dos
pesadelos, ainda tive que me abrir com Graziela para fazê-la
entender que seu medo não existia. Lutar seria bom, assim eu
soltaria tudo que estava ameaçando explodir dentro de mim.
― Claro que pode, mas por que não vai aos seus pais? Ainda
pensa que eles não se importarão com você depois que Enrico
nascer? ― Olhei para ela.
Graziela sacudiu a cabeça.
― Não, acredito que os dois vão sempre me amar, assim
como você faz com seus amigos. E, por falar nisso, onde eles estão
agora? ― Ela se sentou na cama.
Eu não esperava essa pergunta. Era algo de que eu não
queria falar, ainda mais agora, que as janelas das lembranças
tinham sido abertas.
― Um deles morreu. O outro, eu achava que também estava
morto, mas acabei de saber que está vivo ― finalmente respondi
após expirar fundo.
― Oh, esse que morreu está com minha mãe então. ― A
mãe de Graziela e Mia morreu quando deu à luz a pequena após
Mia fazer o parto, mas não foi isso que a matou, mas sim o tiro que
levou do traste do marido dela.
Eu não achava que Jet estivesse no Céu, não após tantas
mortes que cometeu, mesmo não querendo. Talvez tivesse
conseguido ser absolvido no final devido ao seu coração generoso.
― Pode ser ― menti.
― Posso conhecer o que está vivo? Ele ainda é seu irmão,
não é? ― Aqueles olhos azuis brilhantes me suplicavam. Era
impossível negar algo a ela.
― Vou ver o que posso fazer. ― Não sabia o que tinha
acontecido com Lyn em todos aqueles anos e, até ter certeza, não o
queria perto de Graziela. Ainda esperava que fôssemos irmãos,
afinal ele salvou minha vida.
Uma vez juramos sempre estar juntos, e no final essa
promessa foi quebrada por mim, mas achei que estivesse morto, por
isso nunca fui atrás dele.
― Mas me diz, por que não vai para seus pais? ― voltei a
perguntar.
― Mamãe passou mal antes de dormir, então não quero
acordá-la agora, que a dor passou ― sussurrou. ― Coisa de
grávida, como ela diz.
Sorri, porque ela tentou imitar a voz de Mia.
― Vão passar logo esses enjoos. ― Eu não entendia muito
do assunto, mas achava que isso só acontecia no começo da
gestação.
― Sim. ― Ela parecia distraída. ― Não quero acordá-la nem
ao meu pai. Achei que pudesse ficar aqui.
Escorei-me na cabeceira da cama e bati ao meu lado.
― Pode ficar, sim. Deita aqui e dorme um pouco, ou, se
quiser, ligo a TV. ― Meu quarto era grande, uma TV imensa
ocupava parte da parede da frente.
― Não, eu vou dormir. ― Bocejou, fazendo-me rir. ―
Amanhã tenho treino.
Ela ficava cada dia melhor no balé, um sonho que minha mãe
também tinha, mas não pôde realizar.
Graziela se deitou, e puxei a coberta sobre seu corpinho,
afinal era uma época fria. Ajustei o ar quente para deixá-la
aquecida. Não demorou muito para minha princesinha adormecer.
Eu estava longe de pregar os olhos, então sairia do quarto
esperando encontrar uma luta e expulsar tudo que estava me
consumindo.
Lutar fazia parte da minha vida havia muito tempo. No
começo, era um esporte que eu até adorava, mas, quando fui
aprisionado naquele lugar e obrigado a lutar com garotos, passou a
não me agradar. Aliás, eu repudiava, embora as surras que levei me
ajudavam a lidar com a dor emocional que me impedia de ser
completo.
Quando Belinda pensou em fazer a mesma coisa, não a
incentivei a isso, afinal, para mim talvez aquele sofrimento não
tivesse retorno, mas para ela, sim. Além disso, uma parte minha não
queria vê-la ferida. Não era porque eu atuava assim que queria que
outras pessoas agissem da mesma forma.
Talvez se eu saísse me ajudasse a não pensar. Eu sabia que
nenhum daqueles vermes estava mais vivo, mesmo assim isso não
mudava as cenas vívidas na minha cabeça.
Porra! O que eu devia fazer? Estava tão cansado disso que
buscava formas de poder ao menos palear o tormento em meu
interior.
Graziela estava dormindo, então só me restava outra pessoa,
afinal eu não queria incomodar minhas irmãs.
Fui para a academia enquanto discava o número do telefone
dela, da outra pessoa que não me deixava pensar muito nos meus
problemas. Percebi o horário e acreditei que ela devia estar
dormindo, mas, antes que eu desligasse, Belinda atendeu.
― Stefano? ― Ouvi confusão em sua voz, afinal eu não era
de ligar para ninguém, muito menos uma mulher.
Quando queria sexo, eu o buscava, e isso aliviava a minha
tensão, embora, quando eu estava atormentado daquela forma,
preferia não me aproximar de ninguém. Aconteceu isso com Luca
uma vez. O meu cunhado quase matou uma mulher, e eu não queria
arriscar fazer o mesmo. Então meu caminho era lutar e liberar
aquela batalha que havia dentro de mim.
Ouvi uma voz do outro lado da linha, ao fundo. Era de um
homem, mas não dos irmãos dela. Quem Belinda estava vendo
àquela hora da noite?
― Quem é que está aí com você? ― A pergunta saiu antes
que eu pudesse trazê-la de volta.
Por que me incomodava com quem ela estivesse? Não era
da minha conta. Mesmo eu dizendo isso a mim mesmo, um desejo
furioso de mutilar o indivíduo, fosse quem fosse, me acometeu.
― Por que se importa? ― indagou ela com tom estranho. ―
Por que me ligou?
Boa pergunta, disse a mim mesmo. Eu não devia me
incomodar com ela ou com quem estivesse.
― Não me importo, e não era nada, pode continuar seja lá o
que esteja fazendo. ― Encerrei a ligação, com raiva de mim mesmo
por me importar.
Pediria ao Alessandro que mandasse outra pessoa investigar
os Castilhos, assim eu não precisaria vê-la mais.
Subi no ringue, ignorando meu telefone, que começou a
tocar. Sabia que era ela, mas não queria pensar nisso, já tinha
muitas coisas na cabeça para me preocupar com essa merda.
Ouvi passos, e só podia ser Alessandro. Rafaelle tinha
passos suaves, eu quase nem podia ouvi-los, além disso, ele não
estava ali naquele momento.
― Não vai atender? ― indagou meu irmão entrando no
cômodo. ― Não está tarde para treinar?
Sacudi a cabeça.
― Não para as duas perguntas ― respondi, socando o saco
de pancadas, mas percebi que isso não ajudaria naquele dia. Pela
forma como eu estava, precisaria de algo mais, como uma luta de
verdade.
Alessandro deu um suspiro ao ver quem ligava na tela do
celular, que estava no chão.
― Ela é o motivo para você estar assim? ― Apontou para
mim.
Quem dera fosse isso... No fundo, eu preferia que fosse, mas
não era. Eu não acreditava que tivesse solução para o que me
acometia.
― Não. ― Eu não queria muito conversar naquele instante,
então mudei de assunto para um que não me causasse dor. ― O
que faz acordado a essa hora?
Não parecia que ele sairia a serviço, pois usava short de
dormir e camisa.
Deu um suspiro duro. Devia ter notado que eu não ia falar.
― Estou procurando Graziela. A Mia me pediu que desse
uma olhada nela, mas não a encontrei em seu quarto. Estava indo à
sala de estar para ver se ela está lá, dançando ― respondeu por
fim.
Toda vez que Mia acordava, mandava-o ver Graziela, quando
ela mesma não ia. Devia ser difícil parar com o costume que tinha
antes de conhecer meu irmão. Foram anos lutando para sobreviver
sozinha junto à irmã caçula.
― Ela veio até meu quarto me pedindo para ficar comigo,
pois não conseguia dormir. ― Suspirei, parando de lutar e olhando
para ele.
Franziu a testa.
― Não conseguia dormir? ― Deve ter pensado o mesmo que
eu. O que faria uma criança da idade dela perder o sono? Em casa
não corria perigo algum, todos os seguranças eram confiáveis e
protegeriam nossa menina com a vida deles se fosse preciso.
― Acho que você e Mia deviam conversar com ela. Acredito
que anda pensando que, após o nascimento de Enrico, vocês não
vão amá-la como filha, não como o fazem agora, por ela não ser
filha de verdade dos dois.
Ele piscou parecendo chocado. Eu também fiquei na hora
com essa ideia estúpida.
― Parece que aconteceu isso com uma coleguinha da
escola, mas o medo dela é por não ser filha de sangue de vocês.
― Preciso falar com ela. ― Fez menção de sair dali, mas o
detive.
― Agora ela está dormindo, mas a fiz entender que isso não
seria possível. Porém acho que depois vocês dois devem frisar só
no caso de ela ainda ter alguma pontada de dúvida. Acho que ela
gostaria de ouvir isso de vocês. Pode deixá-la dormir no meu quarto,
não conseguirei adormecer de qualquer forma. Provavelmente
ficarei aqui até o amanhecer.
― Notei que sua insônia tem piorado nos últimos meses. O
que está acontecendo com você? ― sondou, avaliando-me.
Alessandro era bom em descobrir as coisas, por isso eu me
esforçava ao máximo para ninguém saber do que estava
acontecendo comigo. Ninguém precisava saber dos meus
demônios.
― Nada com que precise se preocupar. Vou ficar bem ―
menti.
Ele não caiu nessa.
― Besteira. Tem algo que vem te atormentando há anos, e
agora, com a descoberta do que nossa mãe passou, ficou pior. ―
Ele sacudiu a cabeça.
Falar sobre isso doía ainda mais, como se meu coração fosse
apunhalado com uma lâmina cega. Eu só queria esquecer, mas
como?
Antes da Mia e da Graziela aparecerem na vida do meu
irmão, Alessandro também não dormia bem. Eu percebia o quanto
ela o tinha ajudado. Outro também que tinha noites péssimas antes
da Mália entrar em sua vida era Rafaelle. Finalmente meus irmãos
pareciam o próprio sol de tão iluminados.
Além da insônia, eu não conseguia fazer sexo sem que as
garotas estivessem amarradas, assim elas não tocariam onde não
deviam. Só em pensar no que aconteceu, eu sentia repulsa de mim
mesmo.
Fazia poucos meses que eu havia ajudado Rafaelle a lidar
com seu problema em dormir ao lado de outra pessoa, assim ele
não machucaria Mália, principalmente pelo fato de que ele dormia
armado. Durante nossa viagem em busca de Sultão e Tomaso,
passei a dormir ao seu lado. Às vezes ele acordava me dando
socos, e eu retribua, cada um com seus demônios para enfrentar.
Era tão bom o fato de que meu irmão enfim estava lidando com
seus traumas. Quanto a mim, não podia dizer o mesmo. Não achava
que conseguiria lidar com aquela porra.
― Algum dia você precisará se abrir com alguém. Antes eu
não achava que isso ajudasse, mas, com a chegada de Mia, vi outro
fundamento nisso. Pode ajudar, Stefano. Não precisa ser comigo,
pode ser com ela. ― Indicou o celular, para o qual Belinda vinha
ligando até pouco tempo. ― Alivia o fardo que carregamos.
Ele me avaliava de forma cuidadosa. Por isso passei a
esconder tudo que sentia. No fundo, não queria preocupá-lo, mesmo
sabendo que estive no inferno. Meus irmãos não tinham
conhecimento do que passei na arena. Eu sabia que, se ouvissem a
verdade, iriam se culpar, e nada do que aconteceu era culpa deles.
Se eu tivesse aberto minha boca, Alessandro teria esquartejado
Marco no mesmo instante e não teria alcançado sua posição atual
na hierarquia, como o capo que foi destinado a ser, leal e fiel ao seu
povo. Apenas eu precisava lidar com minhas merdas.
Sorri, não querendo me aprofundar nas minhas lembranças
pavorosas.
― Não tenho uma Mia em minha vida ― provoquei-o.
Ele subiu no ringue e veio na minha direção. Meu corpo ficou
tenso, mas não demonstrei. Sabia o que aconteceria. Era outra
coisa que tinha mudado nele: antes, Alessandro não era de
demonstrar o que sentia, mas agora não parecia ter esse problema.
Eu poderia chegar àquele patamar algum dia?
― Mas tem a mim e Rafaelle e nossas irmãs. Sabe que pode
abrir o jogo conosco, que tentaremos resolver. ― Tocou meu ombro,
fazendo meu corpo inteiro sacudir, mas não reagi. Essa porra de
toque me fazia imaginar toques que eu repudiava, por isso deixava
as mulheres presas durante o ato sexual, assim eu não surtaria e as
machucaria.
Eu sabia o que ele estava dizendo, mas não gostava de
pensar nisso. Já bastavam os pesadelos que eu tinha à noite. Era
como no filme Freddy versus Jason; se estivesse dormindo,
morreria, e acordado também, embora no meu caso não fosse a
morte literal, mas da minha alma em razão dos pesadelos e
pensamentos atormentados.
― Eu sei, mas agora vá cuidar de sua filha e sua mulher. ―
Fugi do assunto. ― Vou precisar sair agora e conseguir participar de
uma luta em algum lugar.
O treino não estava me ajudando em nada, eu necessitava
de algo mais forte. Sangue e porrada, era isso que eu desejava
naquele momento.
― Não está treinando aqui? ― Arqueou as sobrancelhas.
― Sim, mas preciso de algo mais pesado do que socar esse
saco. ― Os sacos não revidam os golpes do jeito que preciso agora,
pensei. ― Estão acontecendo algumas lutas de rua no submundo
de Milão. Vou entrar em uma delas.
Seus olhos se estreitaram.
― Acho que está lutando muito esses últimos meses, ainda
mais após saber sobre o que nossa mãe passou ― comentou
cruzando os braços.
Esse era outro assunto do qual eu não queria falar, ou ficaria
mais puto do que já estava. Sabia que ela tinha sido feliz com Paolo,
embora por pouco tempo. O pior era saber que, por nossa causa,
nossa mãe não foi feliz pelo tempo que lhe restou. Eu preferia mil
vezes enfrentar o inferno que vivi a deixá-la infeliz e longe do
homem que amava, tudo por culpa de Marco.
Quando eu pensava naquele ser horrendo – porque nem
podia chamá-lo de homem –, sentia a ira me dominar. Eu até podia
lidar com o que ele me fez, mas descobrir sobre o que ele tentou
fazer com Jade, mandando um dos seus homens tocá-la, assim
como a bomba sobre Luna não ser filha dele e minha mãe amar
outro cara e só não ter sido feliz por culpa nossa era demais, e para
piorar soube que Marco a machucou e a violentou por ela ter
ajudado Rafaelle.
Tudo isso estava me consumindo por dentro, a ponto de eu
parecer uma bomba-relógio que a qualquer momento explodiria. O
que ele fez comigo me repugnava, mas com minha mãe e minhas
irmãs era pior. A impotência acabava comigo. Pensar no passado
era um desperdício, eu sabia, mas não mudava a forma como me
sentia.
― Preciso descarregar minha raiva em algo, e não me vejo
fazendo isso em um saco de pancadas. ― Matar foi o que fui criado
para fazer. Não me arrependia disso, era o que eu era, um
assassino, mas apenas porque fui obrigado a fazer, ou seja, não foi
minha escolha. O sentimento de culpa tinha ido embora havia muito
tempo.
― Você lutou mais cedo e matou seu oponente ―
Alessandro enfatizou.
― Ele era escória, não passava de lixo que não podia
continuar respirando nesse mundo. ― Todos os oponentes com
quem eu lutava, escolhia-os conforme seu passado. Quanto mais
fodido o adversário era, mais prazeroso era para mim sua
passagem para o inferno. Alguns eram assassinos de mulheres e
crianças, outros eram pedófilos. Esses últimos morriam lentamente.
― Eu sei. O que quero dizer é que, se você for lutar da forma
como está acostumado, matará o opositor, e a luta de hoje não
envolve mortes no final. ― Afastou-se de mim um pouco e indicou o
ringue. ― Vamos, vou lutar com você.
― Não acho uma boa ideia. ― Da maneira como eu me
sentia, era capaz de ele ver o verdadeiro monstro que eu não
revelava muito. Além disso, temia machucá-lo. Sabia que podia
encontrar um inimigo e eliminá-lo, mas jamais faria algo pelas
costas do meu irmão. Ele não queria me ver perdendo o controle
direto ao matar meus oponentes.
Alessandro esboçou um sorriso, tirando a camisa.
― O quê? Está com medo? ― provocou-me. ― Acha que
não pode lidar comigo?
Bufei, revirando os olhos. Uma coisa que eu nunca fazia era
não cumprir um desafio, ainda mais se insinuassem que eu era
fraco; se alguém me lançasse, eu sempre o aceitava. Meu irmão
sabia disso.
― Vamos começar. ― Pôs-se em minha frente. ― Solte tudo
que está preso.
Eu não podia fazer isso, mas lutaria para aliviar aquele
redemoinho que estava sentindo e me deixando louco. Ataquei-o, e
ele me bloqueou, acertando-me do lado direito, porém não foi forte,
não tão forte como eu sabia do que era capaz. Se tivesse me
atingido da forma como normalmente fazia com seus adversários,
eu teria uma costela quebrada.
― Se vai lutar, lute para valer, não se segure. Não preciso
disso! ― rosnei. Não estava com paciência para lutas suaves,
queria era sentir dor e muita dela.
Ele estreitou os olhos, mas fez o que pedi. Dessa vez o soco
foi forte, mas ainda não com toda a sua potência.
― Que porra de soco foi esse?! ― Querendo que ele
reagisse, acertei seus rins tão forte que ele chegou a se encolher,
mas teve o efeito contrário, pois Alessandro parou de lutar.
― Sei o que está fazendo. Se quiser lutar para espairecer e
limpar a cabeça, estou aqui, mas não vou enchê-lo de pancada só
para você sentir dor. ― Suspirou, parecendo frustrado. ― Porra,
Stefano, isso precisa parar! A dor física não o fará esquecer o que
tanto te atormenta e que está te comendo vivo.
Não, essa dor carnal ajuda a enfraquecer a outra, que
consome minha alma. É disso que preciso, pensei.
― Não quero falar, mas lutar! ― Respirei com dificuldade. ―
Se não vai lutar comigo, vou sair.
― Não vai! Da forma como você está, vai acabar matando
alguém.
― Desde quando se importa com essa porra?! Pelo que sei,
você é um assassino como eu, e nada vai mudar isso! ― Voltei ao
saco e comecei a esmurrá-lo. Pelo visto, era só o que eu teria.
― Não, não vai mudar, mas não é por isso que vou sair por aí
liberando meu ódio sobre todos! ― Aproximou-se de mim.
Bufei.
― Não mato quem não precisa e sem seu consentimento ―
retruquei.
― Jura? Quem mandou matar Elvian? Não me lembro de ter
dado essa ordem a você! ― Fulminou-me.
― Você me mandou ir aos mercados fazer a coleta. O
bastardo pegou uma criança e a fez de escudo. ― Eu falava
enquanto socava. ― Teria feito diferente?
― Não, mas o problema é que você perde o controle rápido
como uma bomba-relógio ― afirmou com um suspiro duro. ―
Precisa manter o controle, ou tudo estará perdido.
Parei de socar o saco e o fitei com o cenho franzido.
― Por que não para de rodeios e vai ao que interessa? ―
Conhecia meu irmão muito bem e até tinha uma suspeita de qual
era o seu medo.
― Daqui a dois dias irá ficar com os Pachecos e, se continuar
assim, irá fazer algo estúpido.
Ergui as sobrancelhas.
― Acha que vou matar algum deles? ― Voltei ao meu treino.
― Eu não faria isso com Luna. Ela ainda se recupera da morte de
Paolo.
Ela passou todo o resto do tempo em que ele esteve vivo ao
lado dele, e fiquei lá também, assim como Miguel, para caso algo
lhe acontecesse. Eu jamais os machucaria, pois minha irmã sofreria,
além de Belinda.
― Não é só isso. Tem a garota esquentada. ― Alessandro
pegou meu telefone, cuja tela mostrava notificações de mensagens
dela, e me entregou. ― Aposto que são dela por você não atender
suas ligações.
Sorri, abrindo as mensagens.
― Belinda... ― A garota tinha algo que me fazia sorrir de
verdade e não só fingir. Havia vários recados dela me xingando e
dizendo que eu era um idiota, estúpido e outras denominações. Se
eu fosse outro tipo de cara, ficaria irritado, mas sabia do seu gênio e
gostava dele.
― É disso que estou falando. Você diz o nome dela como se
fosse algo saboroso. ― Alessandro parecia irritado com alguma
coisa.
― E não é? Aquela mulher tem um dos corpos mais perfeitos
que já vi. ― Preferi não falar que a havia beijado. Isso o deixaria
mais puto.
Toda vez que eu estava ao lado dela, tinha que lutar com
minha ereção como um adolescente na puberdade. Nenhuma
mulher me chamara a atenção como aquela. Tudo que é proibido é
mais gostoso, ao menos é esse o ditado. Além disso, eu gostava de
um desafio, e essa menina era um.
― Um corpo que você não irá tocar a não ser que esteja
apaixonado por ela ― avisou, segurando o saco, que eu ainda
socava. ― Estou falando sério, Stefano. Não estou a fim de arrumar
guerra com os irmãos dela só por você ter tocado na irmã deles.
― Relaxa, não vou tocar nela. ― Eu teria que continuar
recitando mentalmente um mantra fodido só para manter o controle.
Só não pude me conter quando a beijei com a desculpa de achar
que morreríamos, mas na verdade não foi por isso.
― Bom. ― Virou as costas para sair e olhou por cima do
ombro. ― Não acho que preciso dizer, afinal ela não caiu em suas
garras. Acho que realmente tem cérebro.
― Isso é um desafio? ― Sorri provocante.
Ele fechou a cara.
― Não, justamente o contrário. Não a toque se não a amar ―
avisou.
― Então pode ficar tranquilo, pois sou incapaz de amar
alguém. ― Minha vida era escura demais para tal ato. O amor era
algo que eu não era capaz de sentir... nem queria.
― Lembra que eu dizia a mesma coisa? E hoje estou aqui,
casado com uma mulher maravilhosa e pai de dois filhos, o homem
mais feliz e realizado desse mundo.
Assenti. Estava feliz por meus irmãos terem encontrado
alguém. Seria eu capaz disso? Ajudaria com tudo que eu estava
sentindo?
Meu irmão saiu quando eu não disse nada. Eu não queria
mais pensar nisso, então olhei novamente as mensagens de
Belinda.
“Me liga e agora não atende?”
“Quer saber? Vá se foder!”
“Não me ligue mais, seu idiota!”
Sacudi a cabeça, sorrindo. Só essa mulher era capaz disso.
Ao menos aquele peso em meu peito ficou menor.
“Você estava ocupada, eu não queria atrapalhar”, enviei. Na
verdade, queria esmagar o cara cuja voz ouvi. Sorte dele que eu
estava em outro país. Era bom, assim eu tinha tempo de pensar
antes de agir. Pelo menos eu sabia que Belinda não era dessas que
fodiam por aí, por mais durona que parecesse. Eu sabia que tinha
um motivo para ter ouvido a voz masculina no outro lado da linha.
Como estava furioso na hora, isso me impediu de enxergar a
verdade.
Não achei que ela fosse responder minha mensagem, aliás,
pensei que, por ser tão tarde, ela estivesse dormindo, mas logo o
celular voltou a vibrar.
“O que eu falei sobre não me ligar?”. Se ela estivesse
falando, teria rosnado. Eu a conhecia bem o bastante para saber
disso.
“Ainda bem que não estou ligando, e sim mandando uma
mensagem”. Isso era algo que eu nunca tinha feito.
Deitei-me no tatame e escrevi antes dela.
“Sobre foder, prefiro fazer isso com você”. Suspirei, depois
sacudi a cabeça. O que eu estava fazendo? Era para fugir de
qualquer aproximação com Belinda, assim como prometi ao meu
irmão.
“Vai sonhando, Foguete. Sabe quando isso vai acontecer?
Quando o inferno congelar.”
Bufei com uma risada.
“Posso resolver isso”, provoquei. “Senti no nosso beijo que
me queria também.”
Ela mandou uma bonequinha gargalhando com a mão na
barriga.
“Essa sou eu rindo por você achar que gostei daquele beijo.
É melhor esquecermos que isso aconteceu”. Ela mandou a
mensagem e se desconectou.
Franzi a testa e tentei ligar para a Diabinha, mas foi a vez de
ela não atender. Era para eu estar com raiva, mas no fundo isso foi
bom, mesmo sendo um golpe no meu ego.
Era melhor focar só em descobrir se os meios-irmãos da
Luna eram confiáveis e depois voltar para casa como se nada disso
nunca tivesse acontecido. Tudo voltaria ao normal, exceto pela
escuridão que sempre habitaria em mim.
Era difícil de lidar com todo esse tempo longe do meu pai.
Tive que focar no trabalho e nos treinos que fazia na academia e no
clube de luta, assim não pensaria muito.
Lutar também liberava minha raiva de um certo arrogante que
uma vez me beijou e depois fingiu que não aconteceu. Isso me
deixou furiosa. Se Stefano não tocaria no assunto, eu que não o
faria, ainda mais se fosse para ele dizer que não tinha significado
nada.
Na noite em que ele me ligou, eu estava treinando com um
dos alunos da academia. Por um instante, achei que fosse tocar no
assunto do beijo, mas ele ficou furioso com alguma coisa que não
me contou. Quando telefonei para perguntar, o idiota me ignorou,
então desisti. Não vou cair aos seus pés como as outras mulheres,
pensei amarga.
Nas mensagens, ele falou do beijo, mas então saí por cima.
Sabia, pelo pouco que conhecia Stefano, que ele ia dizer que nada
tinha acontecido. Pelo visto, era o que ele realmente pensava, pois,
depois que eu sugeri que não havia gostado, o infeliz não ligou mais
nem mandou mensagens. Isso já fazia quatro dias. Não que eu
estivesse contando.
Soube que ele tinha voltado para a Espanha havia dois dias,
mas ainda não o tinha visto. Achei que andava me evitando. Fosse
como fosse, eu não dava a mínima.
Peguei meu oponente no rinque da academia e o derrubei no
tatame como fui treinada por Santiago.
― Precisa colocar um pouco de raiva no treino, ou seus
socos não serão tão bons ― disse uma voz conhecida.
Ergui meus olhos do meu adversário, encontrando os de
Stefano, que entrou no ringue. Ignorei a reação que sua presença
causou em meu corpo, que parecia estar perto de uma fornalha.
― O que foi? Nunca viu uma mulher derrotando um homem?
― Dei um sorriso torto. ― Posso chutar sua bunda em dois
segundos e nem preciso estar com raiva.
Stefano riu.
― Faço isso com vocês dois em meio segundo. ― Olhou de
mim para meu colega no chão, onde o derrubei. ― Mas o que
ganho com isso?
Estreitei meus olhos. Fazia tempo que queria lutar com ele,
via a sua forma de lutar nos ringues, era feroz e determinado,
embora eu percebesse a sua brutalidade em algumas das lutas.
Ele se aproximou de mim sem tirar os olhos dos meus.
― Você quer lutar comigo, posso ver que adora um desafio e
me acha um. Porém não luto com garotas. Você não devia estar
aqui, mas fazendo as unhas ou qualquer coisa que as mulheres
fazem para passar o dia ― falou como se eu fosse uma menina sem
cérebro, o que me deu vontade de chutar suas bolas.
Não que eu pensasse que mulheres que preferiam cuidar de
sua aparência fossem burras. Aquilo só não era a minha praia. Foi o
modo como ele me disse.
― Quer saber? Foda-se, imbecil! ― Cerrei os punhos e me
lancei contra ele preparada para quebrar seus dentes.
― Podemos fazer isso depois que eu derrotá-la.
Aquele seu sorriso metido me fez ficar mais puta da vida.
― Quando eu terminar com você, suas bolas não vão prestar
para nada ― grunhi, preparando-me. ― Vou te mostrar do que sou
capaz, Foguete.
Ele sorriu quando o acertei na boca e o sangue escorreu pelo
canto dos lábios.
― Vai ficar apanhando feito um covarde? ― zombei. ― Achei
que os Morellis tivessem bolas, mas acho que isso entre suas
pernas não serve para nada além de foder.
― Sabe como se caça uma raposa? Jogando uma isca... ―
Antes que eu pensasse sobre o que ele disse, lançou-se para mim,
jogando-me no chão, mas amorteceu minha queda com o braço.
Montou em mim, segurando minhas mãos acima da minha cabeça.
― Saia do meu aperto. ― Abaixou o rosto próximo ao meu.
Por um segundo, foquei em respirar, porque fui tomada de
surpresa. O cara parecia uma lebre. Deixou-me furiosa só para me
desconcentrar e me atacar.
Pensei em minhas chances. Minhas mãos estavam presas,
impossibilitando-me de usá-las para me soltar. O que restava eram
minhas pernas. Levantei uma delas para acertar suas bolas, mas
ele bloqueou o ato com facilidade.
― Livre-se dele, Belinda ― ouvi Santiago perto do ringue.
Não o tinha visto antes, devia ter chegado naquele instante. ― Você
consegue. Se lembre do que treinamos.
Sim, eu havia treinado para sair de situações assim, mas
tudo que eu tentava, Stefano bloqueava.
― Você é fraca para lutar com alguém como eu ― zombou,
depois alertou: ― Sempre tem que estar preparada, pois agora eu
poderia fazer qualquer coisa que quisesse e ainda matá-la.
Eu não gostava de saber que ele estava certo e não lhe daria
esse prazer. O homem era convencido demais para o meu gosto.
Então só me restava uma coisa.
Olhei bem dentro dos seus olhos e sorri doce e sexy, o que o
fez estreitar os olhos, mas não pensei muito no que fazia, ou me
arrependeria depois. Eu não me importava com a luta, só não
deixaria que ele saísse por cima. De qualquer modo, eu venceria.
Mordi o lábio inferior e relaxei meu corpo, o que o fez sorrir,
talvez sabendo o que eu estava fazendo. Como meu rosto estava
próximo ao dele, beijei-o, mergulhando minha língua em sua boca,
mas não fechei os olhos. Ele também não o fez. A princípio, não
achei que ele fosse retribuir, e sim me enxotar. Porém fiquei
surpresa quando se apossou de minha boca, devorando-a como se
estivesse faminto. Seu gosto de menta me inebriou, não me
deixando pensar com clareza. A forma como tomou minha boca,
como se conhecesse cada canto dela, fez-me fechar os olhos e
retribuir com um gemido baixo.
Por um segundo, esqueci-me do lugar em que estávamos e
de quem nos assistia, mas foquei minha mente turva a voltar a
raciocinar. Não me deixaria levar por gostar dos beijos dele, do seu
calor e de sua fome.
De repente seu corpo relaxou e desprendeu seu domínio
sobre mim. Ele também devia ter se esquecido do lugar em que se
encontrava ou não se importava. Eu também não; só o que me
importava era vencer, e foquei nisso assim que minha mente se
iluminou.
Girei a minha língua em sua boca ao mesmo tempo em que
levantei meu joelho direito. Dessa vez, acertei suas bolas, fazendo-o
gemer. Abri meus olhos, encontrando os seus. Algo perigoso piscou
ali, mas foi breve.
Mesmo recebendo uma joelhada na virilha, ele não me
soltou. Senti-o apenas retesado.
― Boa escolha, embora eu tenha uma dúvida. Vai beijar
todos os seus sequestradores para se soltar? ― Sorriu com
dificuldade e ficou de pé ainda encolhido.
Mesmo com certeza sentindo dor, seu rosto não
demonstrava. Ele também não gritou. Stefano soube controlar sua
raiva. Tinha algo perigoso por trás de sua aparente tranquilidade
que ele não deixou sair. Por um segundo, achei que fosse me matar.
Seria aquilo que eu tinha visto em suas lutas anteriores? Como se
ele tivesse um monstro adormecido dentro de si?
Minha respiração estava arfante com o seu toque e seus
beijos. Fiquei assim também na outra vez que ele me beijou.
Maldição, por que sinto isso justamente por ele? Merda! O que achei
estranho foi o fato de eu não ter gostado de machucá-lo. Por que
seria?
― É isso aí, Belinda, chutou a bunda do Morelli! ― gritou um
dos recrutas que eu achava que logo estaria pronto para entrar em
ação.
Stefano o fuzilou, e aquele olhar perigoso cintilou novamente,
agora mil vezes pior. Percebi o que ele ia fazer e pulei de pé na
frente dele assim que deu um passo na direção do garoto.
― Se controla, macho alfa ― pedi, colocando a mão em seu
peito e o impedindo de prosseguir. Seu corpo inteiro se sacudiu com
o toque, mas não me afastei, ou ele faria uma besteira. ― Ele não
disse por mal, só fala demais.
― Por que não vai procurar o que fazer? ― Santiago sugeriu
ao Barcelo, que estava paralisado no lugar, encarando um Stefano
ameaçador. ― Um aviso para o futuro: fique fora das vistas dele.
O garoto de 17 anos foi para os vestiários enquanto Stefano
o seguia com os olhos como se fosse um predador que estava
deixando a presa escapar.
Notei que meu irmão estava tenso como se temesse ter que
parar Stefano, mas não por medo dele. Para Santiago, seria difícil
lutar contra ele. A única que sairia machucada seria Luna, e nenhum
dos dois queria isso.
― Acho que eu não beijaria todos que tentassem me pegar,
ainda mais se fossem feios ― falei para distrair Stefano e expulsar
aquela expressão assassina de seu rosto.
Não deixaria que ele chegasse mais perto de mim. Eu tinha
consciência de que era uma mulher e que não conseguiria vencer
alguns homens, como Stefano, meus irmãos e outros do mesmo
porte deles. Eu aceitava isso. O que não aceitava era me rebaixar
sem lutar, por isso não reclamava da segurança que meus irmãos
me impunham.
― Embora, se eu tivesse a chance, fritaria as bolas dos meus
oponentes, adicionaria pimenta e os faria comê-las ― continuei a
tentar acalmá-lo.
Eu tinha certeza de que não havia sido só o comentário do
garoto que o deixara assim, mas também a forma como bati nele.
Ou teria algo mais que eu não sabia capaz de deixá-lo a ponto da
ruptura?
Seus olhos deixaram o seu alvo e pousaram em mim, mas eu
não o temia, embora pudesse sentir meu irmão ainda tenso nos
observando. Por alguma razão, ele e os outros confiavam em
Stefano. No fundo, eu também confiava. Uma pessoa que matava
só assassinos de crianças e mulheres nunca poderia tocar em uma.
― Ou os estriparia com uma pá ― continuei, porque notei
que ele estava se acalmando. Sua respiração estava voltando ao
normal. ― Poderia tratá-los com seu próprio remédio.
Com isso, ele sorriu. Soltei um suspiro aliviado e me afastei,
também querendo normalizar minha respiração. O seu sorriso tanto
me deixava de pernas bambas como às vezes me irritava bastante,
a ponto de ter vontade de socá-lo.
― Gostaria de ver algo assim, embora eu ache bom você
ficar longe de homens dessa natureza. Nem sempre a defesa contra
eles é a mesma que você está acostumada. Podem ter outros tipos
de arma.
― Também acho bom. Mas não gostei daquele beijo. ―
Santiago fez uma careta.
Se fosse outro homem que tivesse me beijado, estaria morto
no chão. O que tornava Stefano diferente para meus irmãos a ponto
de me deixarem sair com ele? Depois eu perguntaria a todos se
havia um motivo por trás dessa liberação. Ou talvez fosse algo da
minha cabeça, e eles tivessem apenas aceitado que eu me tornara
adulta.
― O que queria que eu fizesse? ― Pulei para fora do ringue.
― Não deixaria o Foguete ganhar nem que para isso tivesse de
usar qualquer arma que eu tivesse.
― Espero que não se torne um hábito, ou terei que matar
alguém ― Santiago avisou sombrio.
Ri sacudindo a cabeça. Por um momento, ali, esqueci minha
própria dor. Senti-me mal por esquecer papai, mas voltei a sorrir,
ficando alegre mesmo que fosse por algo tão banal.
― Vou tentar. Agora preciso tomar um banho e ir trabalhar.
Saí logo, não querendo que ninguém visse minha expressão.
Papai iria gostar disso, não? Ele mesmo me pediu para
continuar a viver. Eu só não queria esquecê-lo.
― Juro, papai, que isso nunca vai acontecer ― prometi,
apertando a correntinha com a foto dele e da minha mãe no
pingente.
Após tomar banho e enxugar meu corpo, enrolei-me na
toalha e saí do boxe do banheiro. Quando eu estava no vestiário,
nenhum dos homens entrava. Ninguém era louco a esse ponto, por
isso não me preocupei que alguém abrisse a porta.
Fui pegar minha roupa na bolsa. Foi quando senti um arrepio,
o mesmo do cemitério. Então olhei para o lado e encontrei os olhos
frios do amigo de Stefano.
― Não grite, não quero matar ninguém, mas farei isso se
alguém aparecer ― alertou com uma arma na mão, mas estava
abaixada, embora isso não deixasse as coisas menos
ameaçadoras.
Apertei mais minha toalha contra o corpo, temendo o pior.
Provavelmente não escondi o terror que estava sentindo, pois ele
falou:
― Não vou violentá-la, pode ficar tranquila, não é meu estilo.
Eu poderia gritar, mas não queria que ninguém saísse
machucado, muito menos aquele rapaz, com quem Stefano se
importava.
― O que você quer? ― Respirei mais aliviada, mas nem
tanto.
― Fique longe dela ― rosnou Stefano da porta, entrando em
dois segundos, sem tirar os olhos do amigo. Eu não sabia se ainda
mantinham a amizade, mas esperava que sim.
Lyn estava à minha direita, e Stefano, à esquerda, e eu no
meio dos dois, mais perto de Lyn do que gostaria.
― Venha para mim, Belinda ― Stefano me estendeu a mão,
mas não me movi, apenas olhei para o amigo dele. Temia ir, e, em
represália, Lyn matar Stefano e as pessoas fora do vestiário.
O homem elevou o queixo, uma rápida emoção cruzando seu
rosto ao encarar Stefano com os olhos vazios.
Não pensei duas vezes, aproximei-me mais de Stefano e
peguei sua mão, apertando-a, agradecendo-lhe por estar comigo. O
gesto não passou despercebido ao intruso, ainda mais quando
Stefano colocou o braço em minha cintura.
Eu sabia que jamais venceria em uma luta com aquele cara.
Não era louca para enfrentar alguém que não temia a nada, nem a
morte.
― Eu não ia machucá-la ― disse ele sem mostrar um pingo
de emoção.
Stefano estreitou os olhos.
― Não é o que parece, afinal a encurralou sozinha neste
lugar ― contradisse Stefano.
― Só vim alertá-la de que corre perigo ― avisou e foi até um
cômodo que tinha no vestiário onde ficavam materiais de limpeza.
Em todas as nossas propriedades tínhamos um túnel secreto
para o caso de o lugar ser atacado e termos de sair às pressas.
Entretanto, a entrada deles geralmente ficava no escritório, não no
vestiário. Como Lyn tinha entrado? Teria sido pelo duto de ar? Lá
cabia uma pessoa tranquilamente. Era a única explicação para ele
entrar sem ser visto.
― Perigo? Que tipo de perigo Belinda corre? É por minha
causa? ― indagou Stefano, colocando-me atrás de si e dando um
passo até seu amigo.
Eu estava mais confusa que ele. Alguém queria me usar para
atacar meus irmãos? Se fosse, eu não permitiria, não de novo. Não
perderia mais ninguém por minha causa.
― Não tem nada a ver com você, mas com ela, que não
consegue manter o nariz fora dos assuntos dos outros ― informou o
cara.
Franzi a testa. Tinha a ver comigo?
― Mas não me lembro de ninguém cuja vida andei
bisbilhotado ― sussurrei mais para mim mesma.
― Não é o que parece. ― Fuzilou-me com nada além de
vazio em seu olhar e depois se voltou para o Stefano. ― Se você se
importa com ela, a mantenha segura e fique esperto. Há muitos nas
sombras.
Ele entrou no cômodo antes que pudéssemos dizer algo.
― Lyn! ― Stefano foi atrás dele, mas o lugar estava vazio.
Encarou o duto de ar aberto. ― Mas que porra!
Pisquei de olhos arregalados.
― Será que ele machucou alguém quando entrou?
― Não creio. Ele não quer confusão com seus irmãos. Talvez
tenha apagado alguém. Era o que eu teria feito.
― Meus irmãos vão vê-lo pela câmera, não há como
esconder isso.
― Não. Lyn tem um hacker muito bom, pois tentei localizá-lo
esses dias, mas não o encontrei. Até El Diablo não conseguiu. Ele
disse que seja quem for que o mantém no escuro é bom demais até
para a hacker dele. ― Deu um suspiro duro e se virou para mim. ―
Você está bem? Ele... ― Sua voz tinha um tom amargo.
― Não acho que ele me machucaria, só veio me alertar, mas
não entendo. Quem estou cutucando a ponto de querer minha
morte? ― Tentei procurar na minha cabeça, mas não consegui
pensar em nada ou ninguém.
― Seja quem for, vamos descobrir antes que essa merda
exploda. ― Trincou os dentes e depois respirou fundo. Pôs-se em
minha frente, colocando a mão em meu rosto. ― Você ficará segura.
Cuidarei disso.
Aproximei-me mais, como se não conseguisse controlar meu
corpo. Era como se ele tivesse vida própria e quisesse aquele
homem. No fundo, eu queria mais de sua boca. Já havia beijado
antes, mas o beijo de Stefano era viciante, como um beijo da morte.
Eu poderia rir dessa analogia, mas não o fiz, só o beijei e tentei
colocar minhas mãos à sua volta, mas ele me rodou e me encostou
na parede, erguendo minhas mãos e as prendendo com uma das
suas.
Ofeguei, encarando seus olhos e sua boca.
― Não sabe no que está se metendo ― anunciou ele,
aproximando-se tanto que eu senti seu hálito quente banhar meu
rosto.
― Sei que quero a sua boca. Seu beijo é viciante ―
finalmente confessei.
Ele sorriu, e agora notei suas covinhas sexy.
― Você estava sozinha em uma sala com um assassino e
ainda pensa nisso? A maioria das mulheres teria gritado e estaria
histérica.
― Precisa mais do que isso para me abalar. Outra coisa, seu
amigo não é mau. Se me quisesse morta, o teria feito naquela noite,
e hoje veio me alertar sobre o perigo que estou correndo. ― Dei um
suspiro. ― Se não estiver a fim, me solte, que vou vestir minhas
roupas.
Devia estar mesmo louca por querer os beijos daquele cara.
Tudo nele gritava para eu me afastar, mas então por que eu não
conseguia fazer isso?
Tentei me soltar, mas ele só prensou ainda mais seu corpo
contra o meu e beijou de leve o canto da minha boca.
― Impaciente... Não sabe o quanto estou faminto por você.
― Então se apossou da minha boca, degustando cada canto dela.
Derreti-me, devolvendo com tamanho vigor que sentia a
pulsação entre minhas pernas. Gemi quando ele as abriu e tocou
com o joelho bem onde latejava. Levantei uma das pernas para me
expor mais, não me incomodando com qualquer pudor. Só queria
que aquele desejo fosse apagado, que o fogo que me consumia
fosse extinto.
― Esse gemido é um dos sons mais lindos que ouvi. ―
Levou uma de suas mãos até entre minhas pernas e circulou meu
clitóris, fazendo-me gritar, mas abafou o som com um beijo. A outra
ainda segurava minhas mãos juntas. ― Tão sensível.
Nada disso era como meus vibradores. O toque dele era o
nirvana e me fazia flutuar no Espaço Sideral com cada esfregão e
puxão em meu nervo sensível.
Eu tinha feito sexo uma vez, quando perdi a virgindade com o
traste do Gazo, mas mesmo com ele não sentia essas sensações, e
eu o amava na época. Eu não sabia o porquê daquilo, mas nada era
como o que eu estava sentindo agora. Gazo só ficou comigo por um
jogo de poder e se vangloriou aos meus irmãos por ter me
desonrado, quando foi morto. Depois disso, fechei-me e não quis
mais ninguém daquela forma.
Stefano era diferente, não temia me tocar, jamais diria algo
ou se vangloriaria por isso, sem contar a sensação que exercia em
meu corpo e meu peito. Só em olhar para ele me fazia sentir sem
fôlego, acelerava o meu coração.
― Isso, se desmancha em meus braços, Diabinha. Tão
perfeita ― arrulhou, tirando-me dos meus delírios.
Abri meus olhos, encontrando os dele quentes e cheio de
luxúria, mas tinha algo mais ali que eu não queria decifrar. Apenas
me deleitei com esse momento.
Ele rodou meu nervo, e minha boca se abriu em um “oh”
silencioso. Fechei os olhos de novo.
― Abra os olhos. Quero vê-los quando gozar em meus dedos
― ordenou.
Eu não sabia se conseguiria mantê-los abertos, mas tentei.
Queria encontrar a liberação que só ele podia me dar naquele
instante.
― Isso, goza para mim! ― Rodou meu clitóris mais rápido e
deu um puxão, não para doer, e sim para o meu prazer. E o êxtase
veio com tanta força que eu gritaria, mas seus lábios me impediram.
Nossos olhos estavam conectados como ferro e imã. Eu me
sentia incapaz de me mover enquanto meu corpo tremia com o
orgasmo. Juro que poderia mergulhar naqueles olhos castanhos.
Observando-os de longe, eu jurava serem negros, mas via de perto
que eram castanhos.
Ele me beijou até eu parar de tremer e ficar mole contra a
parede. Minha toalha tinha caído em algum momento, mas nem
percebi. Minha mente estava em outro lugar.
Sorri.
― Isso foi espetacular, melhor do que meu vibrador ―
informei, tentando normalizar a respiração.
― Usa um vibrador? Eu não podia esperar outra coisa de
você. ― Ele deu uma risada.
― Não é porque não sou virgem que eu saio por aí fodendo
adoidado. Fiz sexo apenas uma vez e foi o maior erro da minha
vida. Por sorte o desgraçado está queimando no inferno agora, ou
eu mesma o mandaria para lá. ― Tentei me afastar do seu toque,
mas Stefano não deixou.
Achei que ele não acreditaria em mim por eu ser daquela
forma, espontânea e sem papas na língua, mas por que me
importava com sua opinião?
― Isso faz de mim um sortudo por me deixar tocá-la. ―
Beijou de leve meus lábios. Foi casto, nada sexual.
― Sorte sua que seu toque é melhor do que todos os
vibradores que tenho ― falei, suspirando. Ele nunca reagia da forma
que eu imaginava, sempre fazia o contrário.
― Que bom que gosta do meu toque. Saiba que não fizemos
nem um terço do que quero fazer com você. ― Ele soltou meus
pulsos, que tinham marcas vermelhas, e acariciou minha pele. ―
Está doendo?
― Não. Minha pele é branca, fico marcada com facilidade. ―
Olhei para sua calça e o vi duro. ― Posso cuidar disso para você.
Riu parecendo deliciado.
― Vai me dar sua boca ou vamos foder? Seja qual for das
duas coisas, aceito. ― Seu tom era provocante.
― Nenhum dos dois, mas posso lhe dar minha mão ―
informei, abaixando-me e pegando a toalha.
Não achava que estava pronta para transar ainda. Não tinha
uma boa recordação da última vez que eu tinha feito sexo, mas só
precisava de tempo. Enquanto isso, podíamos curtir um ao outro.
― Nossa, não lembro quando recebi uma punheta de
alguém. Acho que foi quando eu era novo. ― Ele parecia falar
consigo mesmo.
Ergui as sobrancelhas.
― Talvez devesse procurar alguma mulher lá fora. Acredito
que tenham bocas experientes, capazes de dar o que você quer. ―
Eu poderia me insultar com isso, mas não era do tipo ciumenta. E
ter ciúmes de alguém como Stefano seria desperdiçar energia; o
homem trocava de mulher mais do que trocava de roupas. Eu não
seria uma delas.
Seu humor foi embora. Ele estreitou os olhos sobre mim,
avaliando-me. Fazia muito isso. Todavia, não o deixei ver nada.
Também era boa em esconder o que sentia.
― Vou ficar com a sua mão ― informou e a pegou, não antes
de dar uma olhada em todo o meu corpo. ― Fabuloso! Eu queria
mais do que isso, mas não posso. Já estou quebrando a promessa
que fiz ao meu irmão tocando-a dessa forma.
― Podemos continuar, não precisa contar a ninguém o que
estamos fazendo. ― Eu devia estar louca por lhe propor algo assim,
mas adorei ser tocada intimamente por ele. ― Afinal não vou me
casar agora.
Precisava arrumar um jeito de burlar as ordens dos anciões.
Não queria me casar, não por ora. Ainda não tinha encontrado o
amor, não de verdade. O único homem nos últimos tempos por
quem cheguei perto de sentir algo foi Stefano, e não acreditava que
ele um dia se casaria.
Algo perigoso cruzou suas feições, mas foi breve e incapaz
de ser decifrado.
― Tem certeza de que você quer só minha mão?
Eu ainda era inexperiente com sexo oral e queria aprender
mais com filmes e vídeos para lhe dar o mesmo prazer que ele me
proporcionou, pois tinha certeza de que Stefano devia ter tido muitas
mulheres experientes, e eu não ficaria atrás delas.
― Sim. Depois podemos fazer outras coisas, mas Alessandro
não pode saber, e acredito que os seus irmãos também não, ou
sairei daqui direto para o necrotério, isso se fizerem o favor de me
levar até lá. ― Ele me puxou para si e me deu um beijo delicioso.
Sorri.
― Que bom, será nosso segredo sujo. ― Mordi o lábio. Sabia
da enrascada em que estava me metendo. O que eu devia fazer era
fugir para longe.
― Vou adorar sujar você ― disse malicioso.
Deixei a toalha de lado e desabotoei sua calça, puxando para
baixo tanto ela como sua boxer. Então dei de cara com um pau duro
e grosso. Nele tinha um apadravya. Não fiquei surpresa; era a cara
do Stefano ter um piercing.
― Surpresa? ― Sua voz estava rouca.
― Foguete, já vi pênis antes, mas não estou surpresa sobre
o piercing. ― Peguei seu pau, alisando a sua crista, de onde saía
pré-sêmen.
― Isso é algo que não preciso saber ― comentou em um tom
amargo ao pronunciar as palavras.
Levantei as sobrancelhas para ele.
― Ciúmes não combinam com você. Nós temos um acordo.
― Voltei à minha tarefa, não querendo pensar em Gazo, embora eu
não tenha reparado muito no corpo dele. Quando transamos no
acampamento, era noite, então não vi quase nada.
O corpo de Stefano se sacudiu com uma risada.
― Para sua informação, não tenho ciúmes.
― Que bom que somos parecidos. Também não tenho. ―
Circulei a coroa do seu pênis. ― Achei que tivesse uma tatuagem
nele.
― Não ia tatuar meu pau. ― Fez uma careta.
― Bom, pretendo fazer uma na minha boceta. ― Estava
pensando nisso havia algum tempo.
― Vai ficar linda. ― Seu olhar vagou para lá. ― O que
pretende fazer?
― Não sei dizer ainda. ― Comecei a fazer uma punheta nele,
o que me deixou quente de novo. Levei minha mão até entre as
minhas pernas.
― Está com tesão de novo? ― Assenti, e ele me puxou para
um banco, deitando-me de costas. ― Vou cuidar de nós dois.
Minhas pernas se abriram. Meu corpo começou a latejar
ansiando pelo toque dele, que se posicionou entre minhas coxas.
Por um segundo, desejei seguir em frente, mas não faria isso agora.
Precisava de mais um pouco de tempo.
― Relaxa, não vou entrar, prometo ― informou-me com a
cabeça de seu pênis roçando entre minhas pernas. ― Jamais faria
algo para o qual você não esteja pronta.
Encontrei seus olhos, sentindo-me aliviada e grata por ele
entender.
― Confio em você. ― E no fundo confiava mesmo. Sabia que
não devia deixar rolar aquilo entre nós, mas eu gostava de
descobertas e adorava aquelas sensações quando estava com ele.
Quando Stefano começou a esfregar meu clitóris com sua
coroa, achei que estivesse flutuando. Era mil vezes melhor do que
com seus dedos. Mantive minhas mãos para baixo, mesmo
querendo tocá-lo. Parecia que, quando ele era tocado, sofria. Isso
também acontecia com Valentino. O que será que houve...
Meus pensamentos sumiram quando o piercing tocou meu
clitóris. Tudo em mim vibrou, e meu corpo se sacudiu, arqueando-
se.
― Merda, isso é muito bom! ― consegui dizer meio sem
fôlego.
Ele sorriu com os olhos quentes e capturou meus lábios.
― Estou feliz por satisfazê-la. ― Sua voz saiu baixa e
ofegante.
Meus olhos se fecharam, e deixei aquele turbilhão de
sensações se apossar de mim. Fosse o que fosse que aquela
escolha me trouxesse, esperava estar pronta para as
consequências. Porém não pensaria nisso no momento, só queria
desfrutar daquele êxtase transbordante, quando vi milhares de
estrelas mesmo sendo de dia.
Olhei seu rosto, que se encontrava com os olhos fechados.
Seu corpo estava tenso. Eu sabia que ele estava gozando. Tinha
algo no modo como ele se deleitava em seu orgasmo que o fazia
sexy e muito lindo.
Caiu em cima de mim com a respiração desigual.
― Obrigado ― disse-me em voz baixa. Pelo seu tom, parecia
que não estava agradecendo-me só pelo orgasmo. Talvez também
fosse por eu não o ter tocado quando estávamos juntos.
― Você me proporcionou dois orgasmos impressionantes,
tanto que estou atrasada para o trabalho. ― Empurrei-o um pouco
para sair de cima de mim.
Podia sentir seus olhos me sondando. Não sabia o que ele
pensava e no fundo não queria saber.
― Belinda, o que aconteceu...
Fui até a cabine para tomar banho. Precisava de outro após
tudo aquilo.
― Stefano, estou ciente sobre tudo que aconteceu aqui. Sei
que é só diversão. Se está preocupado que irei me ajoelhar em sua
frente e pedir você em casamento, pode ficar aliviado. Só estamos
nos divertindo. E, se não quiser fazer de novo, é só dizer. Não vou
implorar, isso não é da minha natureza. ― Olhei para ele, que
estava levantando as calças, mas parou diante de minha
indiferença.
O que ele tinha achado? Que eu seria como as outras e
rastejaria aos seus pés?
Antes que ele respondesse, meu irmão me chamou da porta:
― Belinda, você está bem?
― Estou, por quê?
Eu deveria ter pensado em se alguém resolvesse ignorar as
regras e entrar ali, mas o único que quebrou essa regra foi Stefano.
Eu não podia esperar outra coisa dele.
― Têm dois guardas meus apagados. Preciso checar o que
está acontecendo. Pode ficar aqui até eu ver isso? Javier e Alonso
vão ficar do lado de fora, bem como mais alguns dos meus homens
― respondeu com um suspiro duro.
― Tudo bem, eu fico.
Então Lyn realmente não havia machucado nenhum dos
guardas. No fundo, eu sabia que ele não faria isso.
― Você viu Stefano? ― sondou Santiago.
― Não, deve estar fodendo alguém por aí. ― O que não era
mentira. Meu irmão só não sabia que era eu a foda do momento.
Ele bufou.
― Vou procurá-lo, preciso dele ― informou-me, e ouvi seus
passos ao longe.
― Que bom que estamos na mesma sintonia então ―
comentou Stefano parecendo ter comido limão. Antes que eu
dissesse algo, saiu porta afora com uma fúria capaz de derrubar
uma cidade inteira.
Franzi a testa. Por que ele estava reagindo daquele modo?
Foi ele que disse para não contarmos a ninguém, ou seja, eu seria o
seu segredo sujo. Seria melhor acabar com tudo antes mesmo de
começar? Merda, estou fodida de toda forma, pensei amarga. Mas é
bom não sentir dor ao menos por um tempo.
Eu estava mais preocupada com quem estava querendo me
eliminar. Precisava contar aquilo aos meus irmãos. Iria focar nisso e
não em meus desejos carnais.
Fazia dois dias que eu não via Stefano. Poderia ligar para
ele, mas, por mais que eu pegasse o telefone para fazê-lo, não
conseguia prosseguir. Eu era teimosa, e ele também, então ficaria
difícil um dar o braço a torcer. Por isso, foquei no meu trabalho.
Eu tinha ido checar três garotos que foram adotados havia
alguns meses. Era para os pais adotivos manterem contato, e não o
faziam já havia um mês, por isso fiquei encarregada de ir conferir se
existia algum problema.
Rolander e Alonso, os meus seguranças, vieram comigo,
assim eu não ficaria desprotegida caso houvesse um ataque. Era
para eu ter dito aos meus irmãos sobre o fato de que alguém queria
me matar, mas, se o fizesse, eles não me deixariam trabalhar, eu
acabaria confinada em casa. Isso não podia acontecer, eu
enlouqueceria sem ter nada para fazer.
― Senhorita, não devia entrar antes de checarmos o lugar ―
rosnou Alonso.
Não liguei muito para ele e Rolander. Sabia que nenhum dos
dois gostava de ficar de guarda, mas eles não tinham escolha, pois
seguiam à risca as ordens antes do papai... agora do Fabrizio.
― São pessoas normais...
― Está nos chamando de anormais? ― indagou Rolander
com os dentes cerrados.
― Se a carapuça serviu. ― Dei de ombros.
Eu não gostava de, quando fazia meu trabalho, que eu
amava, alguém ficar ao meu lado de mau-humor.
― Por que não ficam no carro e me deixam cuidar de tudo?
Não se preocupem, não direi aos meus irmãos que não estão
fazendo seu trabalho direito. ― Toquei a campainha, ignorando seus
rosnados. Se eles continuassem assim, eu iria chutar suas bundas.
― Já te disseram que você tem a capacidade de fazer o
sangue de qualquer pessoa ferver? Até da pessoa mais calma que
existe. ― Ouvi a voz de Stefano atrás de mim.
Virei a cabeça em sua direção e o vi parado perto da
marquise da casa, de braços cruzados e esboçando um sorriso. Seu
humor havia demorado dois dias para mudar? Logo após sair do
vestiário naquele dia, ele foi lutar num ringue clandestino, e, pelo
que eu soube, a coisa não foi bonita. Santiago relatou que Stefano
parecia puto, para não dizer outra palavra. Achei que ele precisava
se acalmar para conversarmos melhor e eu entender sua reação.
Talvez não fosse só por mim, mas pelo seu amigo também, que não
queria falar com ele.
― Quem disse que você é calmo? ― bufei com escárnio,
voltando a tocar a campainha, mas ninguém atendeu. ― Você
parece um vulcão prestes a explodir, não há um segundo em que
não perca o controle. Aposto que não fica um dia sem querer
estrangular alguém.
Não vou sair daqui sem que eles me recebam!, pensei. Podia
jurar que estavam lá dentro, mas não queriam me receber.
― Não tem ninguém aí ― informou Alonso. ― Fizemos o
nosso trabalho vindo aqui.
― Você é tapado? Devia ser melhor vigilante, ou vai morrer
logo ― avisei, fulminando-o. ― Tem gente espionando lá dentro, vi
uma sombra. Só não quer abrir.
― O que vai fazer? Não pode entrar sem uma ordem judicial
― disse Stefano.
Sorri com as sobrancelhas levantadas.
― Não achei que fosse cumpridor da Lei ― provoquei-o. ―
Talvez devesse deixar de ser um mafioso e se tornar policial.
― Estou bem onde estou. ― Deu de ombros com um sorriso
desafiador.
Revirei os olhos e peguei um grampo de cabelo, curvando-
me para abrir a porta. Sabia que ninguém chamaria a polícia, isso
era certo. Vamos ver se não vão nos receber.
Ouvi o som de um soco, e logo depois alguém gemeu atrás
de mim. Endireitei-me; não queria brigas, muito menos naquele
momento.
― Mas que porra! ― praguejou Alonso tentando recuperar o
ar.
Franzi a testa e olhei para Stefano, que o fuzilava como se o
segurança fosse um inseto que ele queria esmagar.
― Procure outro lugar para olhar ― sibilou, vindo até mim e
pegando o grampo da minha mão. ― Deixe-me fazer isso, é melhor
do que você se curvar e esses idiotas comerem sua bunda com os
olhos.
Eu poderia ter rido disso, mas Stefano já havia aberto a porta
e entrado. Perguntei-me se ele estava com ciúmes, mas o cara não
era disso, não devia nem saber o que a palavra significava. Eu
podia estar sendo arrogante ao julgá-lo, mas não acreditava que ele
sentisse ciúmes, ao menos não de mim.
― Não podem invadir minha casa! ― O senhor Ramoni veio
em minha direção furioso. ― Vou processar você e todos no lugar
em que trabalha!
Antes que ele chegasse a mim, Stefano entrou na frente.
― Acho melhor controlar sua fúria, porque, se encostar nela,
esse chão estará manchado de vermelho sangue em dois segundos
― avisou.
― Foram emitidas várias intimações para o senhor
comparecer ao Conselho Tutelar, mas não apareceu. Agora, quando
precisei vir, estava aqui dentro e não queria abrir a porta. Preciso
verificar Yago, Neto e Paco. ― Os três irmãos estavam sob a
guarda provisória daquele homem e da senhora Ramoni, e eu era a
assistente social que os monitorava.
― Eles não estão ― respondeu o homem. Foi então que
notei o cheiro de álcool.
Fechei a cara.
― Vá buscá-los, pois sei que estão aqui. Deve estar com
medo desse seu bafo de gamba! ― cuspi.
Ele se lançou em minha direção.
― Olha aqui, sua vadia... ― foi interrompido quando Stefano
deu um soco em seu rosto, quebrando seu nariz. ― Vou processá-
los por invasão de propriedade e agressão!
― Falei para ficar longe dela ― grunhiu Stefano.
― Segure as pontas aqui, herói. ― Dei um tapinha em seu
peito. ― Vou procurar os meninos. A vizinha disse que não viu
nenhum dos três sair há dias para brincar.
― Vou com você. Suas sentinelas cuidam desse idiota ―
avisou Stefano.
― Vamos ver se achamos a senhora Ramoni.
Subi a escada com ele. Procuramos em todos os quartos,
que estavam organizados demais.
― Está notando o mesmo que eu? ― sondei ao Stefano.
― Parece como se não tivesse ninguém aqui há muitos dias.
Assenti. Continuamos a checar todos os cômodos, tanto do
térreo quanto do andar de cima, e realmente ali não tinha nada,
nenhum sinal dos meninos.
― Onde alguém poderia esconder o que não quer que
ninguém veja? ― falei comigo mesma, temendo o pior.
Pisquei ao mesmo tempo em que Stefano exclamou:
― O porão! Tudo de ruim pode acontecer em um.
Perguntei-me se estava se referindo a si mesmo, se tinha
sofrido em um. Não duvidava.
― Como alguém que parecia tão simpático se transforma
nesse tipo de pessoa? ― Quando os Ramonis foram adotar as
crianças, mostraram-se pessoas decentes que precisavam de uma
família grande e que adoravam crianças.
― Muitos fazem isso, não querem filhos, os adotam só para
maltratá-los... ― ele se interrompeu assim que comecei a correr
temendo que os meninos estivessem feridos. ― Espera, maldição!
― chamou-me, praguejando atrás de mim.
Ignorei-o, correndo escada abaixo com meus saltos,
esperando não cair.
― Falei que eles não estão aqui! A puta da Grenda os levou
com ela ― disse o homem do sofá.
Algo me dizia que aquilo não tinha acontecido. A vizinha dos
Ramonis disse que fazia dias que as crianças e a esposa não
saíam, e ela não os vira indo embora. Era o tipo de vizinha que
monitora a vida dos outros.
― Onde fica o porão? ― perguntou Stefano.
O homem ficou branco e tentou fugir, mas Alonso o empurrou
no lugar, mantendo-o quieto.
― Fique onde está e responda à pergunta dele. É melhor,
porque, se ele tiver de perguntar de novo, será doloroso para você
― avisou Rolander.
O homem engoliu em seco enquanto Stefano levantava a
camisa e pegava uma faca. Eu sabia que, ante aquele ato, o homem
tinha visto sua arma.
― No corredor à direita ― respondeu por fim, com a voz
tremendo.
Fui na direção indicada, e, no final do corredor, tinha uma
porta, mas estava trancada.
― Deixa que resolvo isso. ― Stefano saiu, talvez indo à
procura da chave.
― Meninos, estão aí? Sou eu, Bella, a assistente social, e
vim saber se vocês estão bem ― falei, tentando ouvir algum som
vindo lá de dentro. Bati. ― Tem alguém aí? Só quero protegê-los, se
estiverem com problemas.
Ser assistente social era o que eu amava fazer, mesmo
disfarçando-me ao trabalhar no orfanato, pois não queria que meus
colegas e empregadores soubessem que eu pertencia à máfia, ou
não me aceitariam. Talvez eu estivesse errada, mas não queria
pagar para ver e acabar tendo de abandonar algo que eu tanto
gostava.
― Neto está machucado... ― Ouvi uma voz fraquinha do
outro lado.
Os pais dos três morreram em um acidente de carro, e eles
não tinham outros familiares, por isso acabaram no sistema.
― Oi, meu amor. Estou aqui para levá-lo ao médico e tomar
conta de vocês. ― Meu coração doía pelos garotos.
― Cheguei. ― Stefano portava a chave. Notei sangue em
sua roupa. Acho que sei como ele a conseguiu...
― Meu bem, se afaste da porta, que vamos abri-la, tá?
Ouvi passinhos lá dentro.
Yago tinha 15 anos, Neto, 10, e Paco, 5. Os irmãos foram
jogados no mundo muito cedo.
Stefano abriu a porta, e senti o odor pútrido do lugar.
Paco estava ajoelhado ao lado de Neto, mas eu não via Yago
em lugar nenhum. O chão tinha sangue por todo o lugar.
― Oi, Neto... ― Abaixei-me para checar seus danos. Pelo
visto, tinha levado uma pancada na cabeça, mas aquela hemorragia
toda não parecia ser dele. Então de quem era? Virei a cabeça e vi a
senhora Ramoni caída em meio ao sangue.
― Porcaria! Será que ela... ― Stefano se interrompeu,
olhando para o garotinho, que estava com os olhos vermelhos de
tanto chorar. Foi checar a pulsação de Neto, mas Paco começou a
gritar de medo dele.
― Ei, querido, ele não vai machucar seu irmãozinho. Stefano
só quer ajudá-lo ― falei com doçura. ― Já o chequei. Está com
pulso, mas acho que ele precisa de um médico. Chame a polícia
também.
― Preferia não fazer isso, pois, quando a polícia chegar, não
vai ter sobrado nada do verme que está lá em cima. ― A voz dele
soou dura.
Paco gemeu baixinho.
― Ei. Paco, certo? ― Stefano se abaixou para ficar da
mesma altura do garotinho. O menino assentiu. ― Só queremos
ajudar seu irmão. Agora, que ele está doente, você é o homem forte
da casa. Precisa ser corajoso, está bem? Pode deixar a gente ver
se tem mais machucados nele?
O menino fitou Stefano um pouco mais e assentiu,
levantando-se. Estava descalço e com os pés manchados de
sangue, assim como a sua roupinha. Aquele garotinho teria muito
com o que lidar. Era desumano o que tinha aturado logo cedo.
Stefano checou Neto, e parecia que ele realmente tinha
sofrido uma pancada na cabeça, mas também estava com algumas
costelas fraturadas.
― Anjinho, onde Yago está? ― perguntei ao Paco.
― O homem mau o levou ― sussurrou, chorando. ― A
senhora Ramoni também está machucada.
― Vamos cuidar dela também ― prometi.
Tentei tirar Paco dali, mas o garotinho não queria sair. Fui até
Stefano, que tinha acabado de checar a mulher.
― Não sobreviveu ― disse baixo para o garotinho não ouvir.
― Os policiais estão chegando. Chamei os que estão na folha de
pagamento do seu irmão, embora minha vontade seja matar aquele
verme.
― A minha também, mas preciso detalhar tudo ao meu chefe.
Não posso simplesmente jogar o que aconteceu debaixo do tapete,
pois os meninos têm que voltar para o orfanato. ― Eu estava furiosa
com tudo aquilo. ― Pode descobrir onde Yago está? Quem é esse
homem que o levou?
― Vamos conseguir localizar o garoto. Vou tirar a informação
do cara antes que a polícia chegue.
― Os outros policiais não podem vê-lo todo estourado
depois. ― Eu desejava o contrário, mas naquele momento teria que
seguir a Lei ou ao menos parte dela, assim não traria problemas
para o meu chefe.
― Tem tortura que não deixa sequelas visíveis, fique
tranquila. ― Ele parecia animado com isso.
Quinze minutos depois, a ambulância chegou e levou Neto e
Paco para o hospital. A polícia prendeu o infeliz do Ramoni. Eu
esperava que ele apodrecesse na cadeia, mas duvidava muito. Só
havia um caminho a se seguir, mas depois eu resolveria isso.
Informei ao meu chefe o acontecido e onde Yago poderia
estar. Stefano tinha feito um bom trabalho com o verme.
Nessas horas, meu trabalho era difícil, porque eu queria
ajudar, mas quase nunca nada podia fazer. Meu peito se apertou,
sensibilizando-se com aqueles garotos. Muitos dos meninos que
estavam sob minha responsabilidade no orfanato passavam por
situações de maus-tratos como aquela.
Após a prisão de Ron Ramoni, fomos ao hospital atrás de
notícias dos meninos. Os policiais pegariam o depoimento deles no
dia seguinte, e eu teria que estar junto, pois eram menores.
― Como eles estão, doutor? ― perguntei assim que o
médico veio até nós.
― Paco está desnutrido, mas não tem ferimentos graves, já
Neto tem algumas fraturas. Acordou agora há pouco, mas não corre
risco de vida.
Assim que o pediatra liberou, fui vê-lo. Estava ansiosa
demais. Stefano me acompanhava. Ele não me deixou nenhum
segundo e não reclamava, como faziam os homens do meu irmão. A
cada dia eu percebia algo em Stefano que me fazia entendê-lo mais
e gostar do que descobria. Ele era muito diferente de sua fachada
arrogante e provocadora.
Entramos no quarto, e avistei Neto deitado na cama e
encolhido. Ao seu lado, Paco dormia.
― Foi a senhorita que nos achou? ― sondou ele.
― Sim. Como está se sentindo? ― Era uma pergunta tola,
mas eu queria ouvir dele.
― Eles me deram remédios, então estou sem dor.
Paco se mexeu e apertou o braço do irmão como se não
quisesse soltá-lo nunca mais.
― Agora eu quero saber o que aconteceu e o que houve com
Yago ― pedi, sentando-me em uma cadeira.
Queria conferir se a versão batia com a de Ron Ramoni só
para conferir se ele tinha mentido, embora achasse difícil mediante
a tortura que Stefano lhe administrou.
― Estava tudo indo bem após a adoção, a senhora Ramoni
era boa e gostava de nós, mas o marido dela jogava muito, sempre
ouvíamos os dois discutindo, mas hoje foi pior. O senhor Ramoni
chegou com dois homens para nos levar como forma de pagamento
de uma dívida, mas, quando souberam que tenho asma, não me
quiseram, e Paco era pequeno demais, então... ― Ele respirou
fundo, tentando controlar a dor na voz.
― Só restou Yago ― terminei a frase por ele. ― Sabe para
onde o levaram?
Ron Ramoni não sabia o local exato, só disse que os
empregados do cassino para o qual devia falaram que a dívida seria
paga se os homens fossem à casa deles para pegar os garotos.
― Enquanto eu estava caído, eles acharam que eu estava
inconsciente e disseram algo sobre um barco zarpar às 8h da noite.
― Piscou, contendo as lágrimas. ― Vão levar meu irmão com eles?
― Vamos trazer Yago de volta ― prometeu Stefano antes de
mim.
Meu coração balançou ante isso. Lancei-lhe um olhar
agradecido por ele estar comigo.
― Sim. ― Eu esperava realmente que sim. ― Agora preciso
ir, mas descanse. Volto para vê-los depois.
― Obrigado por aparecer lá e nos salvar, senhorita ―
agradeceu-me.
Toquei seus cabelos negros e depois os de Paco.
― Faria qualquer coisa por vocês. ― Era verdade. ― Assim
como vou fazer tudo para ajudar Yago a voltar para o seu lado.
Saímos do quarto para deixá-los descansar após tudo que
sofreram. Eu queria ficar com eles, mas precisava encontrar Yago.
Os policiais ainda não tinham ido à procura dele, e eu não sabia por
qual razão.
Só sei de alguém que pode me ajudar a achá-lo e fazer com
que todos os envolvidos paguem caro por ousarem tocar no meu
garoto, pensei amarga.
― Belinda, vamos. Vou levá-la para casa... ― disse Stefano.
― Os policiais não foram checar o porto ainda. Isso significa
que seja quem for que pegou Yago pagaram a eles, né? ― Eu
estava puta da vida com aqueles seres desprezíveis.
― Acredito que sim. Acho que seus irmãos precisam saber
disso caso alguém esteja fazendo negócios em seu território. ―
Puxou-me para o carro.
Ele tinha razão. Como eu mesma não podia ir salvá-lo, meus
irmãos fariam o serviço.
― Vai dar certo ― Stefano me garantiu assim que entramos
no carro e saímos do hospital.
― Faltam menos de duas horas para as 8h da noite! ―
exclamei impaciente. Não podia deixar que levassem Yago para
qualquer lugar que fosse. Peguei meu telefone.
― Para quem está ligando? ― Stefano deu partida no carro.
― Meu irmão. Você está certo, ele precisa saber de tudo e
me ajudar. Não posso ficar aqui parada sem fazer nada.
Fabrizio atendeu no segundo toque.
― Belinda...
― Preciso de sua ajuda. Um dos meninos que cuido foi
sequestrado e vai ser levado em um navio que sai hoje do porto! ―
Minha voz soou alterada. ― Por favor, me ajuda...
Meus olhos estavam molhados. Temia chegar tarde para
impedir que Yago fosse levado para longe dos seus irmãos.
Cumpriria a promessa que fiz a Neto.
Recordei-me do meu pai. Era para ele que eu normalmente
pedia ajuda, embora nada dessa magnitude. Uma vez ele me
auxiliou com o caso de um casal que resolveu usar a criança
adotada como saco de pancadas, como em outros casos parecidos.
Papai sempre lidava com tudo.
― Belinda, respira fundo e me diz tudo que aconteceu. ―
Relatei o acontecimento a ele nos mínimos detalhe. ― Vou cuidar
disso. Agora volte para casa...
― Mas, Fabrizio, eu...
― Você vai ficar de fora e deixar que eu resolva isso ―
ordenou. ― Com quem está?
― Stefano ― murmurei. Queria ajudar, mas, se eu fosse com
eles, poderia atrapalhar meus irmãos quando agissem.
― Me deixe falar com ele ― pediu.
― Ele está dirigindo, mas vou colocar no viva-voz.
― Pode falar ― disse Stefano.
― Mantenha Belinda segura e, por tudo de mais sagrado, a
faça ficar longe dos píeres. Vou encontrar seja quem tenha levado o
garoto.
Eu acreditava em meu irmão cegamente, então me
tranquilizaria.
― Vou tomar conta dela ― Stefano prometeu.
― Faça-os pagar ― pedi. Minha vontade era estar junto
deles, mas ficaria e esperaria.
― Ah, eles vão pagar ― assegurou e desligou.
E se tivessem matado Yago? O garoto era tão gentil,
ajudava-me várias vezes quando eu levava muitos papéis para o
orfanato. Nas festas que tínhamos lá, ele e seus irmãos sempre me
ajudavam a organizar as coisas.
― Ei, vai ficar tudo bem. Eles vão conseguir pegar o garoto.
― Stefano colocou a mão na minha perna, que se mexia
impacientemente. ― Vamos esperar.
Eu esperava que sim, ou Paco e Neto iriam ficar destruídos
por perder alguém que amavam. Eu bem sabia o quanto isso era
difícil, a dor nos seguiria para sempre.
― Estava pensando... E se o que Lyn disse tiver
envolvimento com o que você faz? Ao trabalhar como assistente
social, talvez esteja mexendo em um ninho de vespas e não sabe.
― Stefano me olhou de lado um segundo. ― Quem mais você está
checando? Há algum caso suspeito em que esteja trabalhando?
― Esse eu nem suspeitava. Como não notei? Sou bem
perspicaz nesses casos ― sussurrei.
― Faz quanto tempo que foram adotados? ― questionou ao
virar uma esquina.
― Logo depois que meu pai ficou doente ― murmurei.
― Por isso não prestou atenção, sua cabeça não estava boa,
Belinda, e com razão. Você amava seu pai e queria ficar ao lado
dele. Então nada disso é culpa sua. ― Pegou minha mão com uma
das suas enquanto dirigia com a outra.
Ele tinha razão quanto àquilo. Eu estava de licença para ficar
com meu pai. Mesmo assim, sentia-me culpada por aqueles
meninos terem sofrido tanto.
― Conseguiu falar com Lyn? Se o achasse, poderíamos
perguntar a que perigo ele se referia. ― Por mais que eu pensasse,
não conseguia lembrar-me de nenhum caso que envolvesse alguém
perigoso, que pudesse querer me matar.
― Não, desapareceu de novo. ― Deu um suspiro duro. ―
Procurei-o esses dias, mas não consegui localizá-lo.
― Achei que você estivesse me evitando. ― Olhei para ele.
― A última vez que nos vimos não acabou bem. Você parecia com
raiva.
― Raiva? ― Franziu os lábios, meio desgostoso. ― Acho
que é eufemismo. Não estou acostumado com garotas me dizendo
o que você me disse.
Levantei as sobrancelhas.
― Ficou com raiva daquilo? Stefano, você esmagou um
homem no ringue logo depois. Não creio que fosse só isso, deve ter
tido algo mais. Foi por minha causa? ― O rapaz era uma explosão.
― A minha vida não gira em torno de você ― rosnou, tirando
a mão da minha e apertando o volante.
Um aperto em meu peito me impediu de respirar um
segundo. Estava a ponto de responder, quando meu telefone tocou,
e respirei fundo.
― Bella, pode dar uma passada aqui? ― pediu Jared Calixto,
o meu chefe.
― Aconteceu alguma coisa? ― indaguei preocupada, mas,
se tivesse acontecido algo com Yago, meus irmãos teriam dito.
― Não, mas você precisa assinar alguns papéis sobre o caso
dos filhos adotivos dos Ramonis.
― Estou a caminho ― garanti e desliguei. Depois pedi a
Stefano: ― Pode passar no orfanato?
― Acho que devemos ir para casa...
― Não ligo para o que você acha, só me deixa lá ― rosnei,
perdendo a paciência.
Ele parou o carro bruscamente. Ainda bem que eu estava
usando cinto de segurança.
― Ficou louco? ― grunhi, recuperando o fôlego.
Fuzilou-me.
― Eu, louco? Não, estou puto da vida! ― Enfiou uma das
mãos em meu cabelo e me puxou para si, apossando-se da minha
boca com tamanho vigor que eu apostava que ficaria inchada
depois.
Lutei, empurrando-o a princípio, mas depois desfrutei de seus
beijos, porque era algo que eu estava querendo também desde a
última vez. Eu poderia ficar ali desfrutando por mais tempo daquilo,
mas estávamos no meio da rua, além disso eu estava preocupada
com Yago.
― Stefano ― sussurrei em sua boca ―, não é bom a gente
ficar aqui.
Ele me deu mais um beijo casto nos lábios.
― Sim, vamos para sua casa...
Interrompi-o:
― Meu chefe...
Cortou-me também:
― Cuido disso. ― Pegou meu telefone e discou, mas o tirei
da sua mão e mandei uma mensagem a Calixto dizendo que eu
assinaria os papéis no dia seguinte. Ele respondeu concordando.
― Resolvido. Satisfeito? ― provoquei-o.
― Sim. ― Deu-me outro beijo de leve e voltou a dirigir. ―
Combinaremos uma coisa. Vamos deixar rolar isso entre nós, mas
será sem compromisso. Não posso me envolver com alguém e não
quero magoar você.
Uma parte de mim ficou triste com suas palavras, mas era o
certo a se fazer. Stefano não era um homem com quem eu pudesse
me estabilizar, e, de toda forma, eu não queria sossegar com um
cara só, embora tivesse que fazer aquilo por causa da regra de
nossa família. Eu só tinha um ano para me decidir e escolher um
noivo, ou meu irmão faria isso por mim.
― Tudo bem. Vamos nos ver às escondidas, pois não quero
que meus irmãos saibam e o obriguem a se casar comigo. Eu
mesma quero escolher meu noivo daqui um ano. ― Suspirei. ―
Acha que El Diablo daria um bom marido? Ele é um gato.
Suas mãos apertaram mais o volante. Fiquei surpresa de não
ter quebrado o objeto.
― Vamos deixar uma coisa clara aqui: enquanto estivermos
juntos, você não deve se referir a outro homem dessa forma. ―
Trincou os dentes.
Franzi a testa.
― Stefano, eu não perguntei com quantas meninas você
transou depois que me tocou naquele dia. No fundo, não me importo
com quem foda. ― Dei de ombros, indiferente.
Contudo, era mentira. Eu não gostava de pensar nele
tocando outras mulheres, mas não deixaria que soubesse. Afinal,
ele não era meu.
― Então não fica incomodada que eu diga que fodi uma
mulher ontem? ― Avaliou-me.
Fiz de tudo para manter meu rosto neutro.
― Não, mas vou fazer um ponto e igualar o placar com você.
Se ficou com alguém, agora é minha vez de ficar com outra pessoa
e empatar, não acha? ― Coloquei a mão no queixo, pensativa. ―
Hummm... quem vou escolher...? El Diablo é um deus sarado...
― Mas que porra! ― rosnou parecendo um leão assassino.
― Não fodi ninguém, então pare de escolher homens com quem
foder!
Aproximei minha boca da dele.
― Não sou ciumenta, Stefano, mas você é. Vejo isso toda
vez que menciono outro homem. Noto a fúria que nasce em seu
peito, a ponto de ficar louco para esquartejar alguém.
― Não gosto de pensar em outra pessoa tocando você ―
sibilou. ― Muito menos El Diablo. Só de pensar nele... ― Sacudiu a
cabeça como se não quisesse pensar nisso. ― Sinto vontade de
matá-lo.
― Então vamos fazer assim: enquanto estivermos nos vendo,
não vamos ver outras pessoas, e, se você quebrar essa promessa,
terá o troco que merece, porque sou daquelas que acredita no
ditado “aqui se faz, aqui se paga” e com juros. ― Sorri, recostando-
me no banco.
― Vingativa, né? ― Ele riu, parecendo deliciado com isso. ―
Certo, não quebrarei minha promessa. Nunca faço isso.
Suas palavras chamaram minha atenção. Parecia que ele
realmente cumpria o que prometia. Seria por que tinha quebrado
alguma promessa antes e isso o machucava? Uma vez quebrei a
minha com Lorena, por isso fazia de tudo para cumprir o que jurava.
― Combinado ― assenti.
Meu telefone tocou quando o carro estava chegando em
casa, e atendi, porque era meu irmão.
― Fabrizio! E aí, conseguiram encontrar Yago? ― Estava
impaciente no banco.
― Achamos o garoto. Ele está bem, não houve danos. O
levamos ao hospital para ficar com os seus irmãos.
Franzi a testa.
― Tem mais alguma coisa? ― Sua voz estava estranha, para
não dizer letal.
― Tinham mais garotos no local, entre 10 e 15 anos. Nós os
libertamos também. ― Ele estava furioso.
― Essas pessoas os queriam para quê? ― Se fossem
garotas, provavelmente seria para vendê-las. Ainda bem que minha
família não lidava com isso, aliás, todos nós repudiávamos
prostituição infantil e escravidão sexual. Eu sabia que tínhamos
prostitutas trabalhando nos clubes de nossa família, mas elas eram
maiores e não eram forçadas.
― Não sei. Vou descobrir e fazer pagar quem ousou entrar
em meu território e pensar em cometer tal ato.
Eu confiava que assim seria feito.
― Os outros garotos vão ser levados para suas famílias? ―
sondei.
― São todos de orfanatos. Acredito ser uma rede de
corrupção que os tenha pegado. ― A fúria estava em cada palavra
sua. ― Vou precisar ir para confirmar essa suspeita. Depois nos
falamos.
Desligou, mas fiquei encarando o telefone.
― O que aconteceu? O que Fabrizio disse?
― Encontraram Yago. Ele não estava ferido e agora está com
os irmãos.
― Então por que você está assim? Não era para ficar feliz?
― Franziu a testa.
― Foram encontrados mais garotos no local. Meu irmão vai
buscar saber mais sobre o assunto. O que me incomodou foi saber
que são residentes de orfanatos. ― Quem faria algo tão terrível?
Para que os queriam? O que os obrigariam a fazer?
Stefano ficou paralisado, mudo, e tive de sacudi-lo até ele
sair do seu transe.
― O que foi? ― sondei.
Ele tentou disfarçar, mas percebi que algo naquela história o
atingia, pois eu jamais tinha visto o mesmo terror em seus olhos. Ele
parecia estar consumindo-se em chamas.
Todo o meu corpo tremeu ao saber que os garotos eram de
orfanatos. Isso me lembrava dos meninos que estavam presos
naquele inferno havia tantos anos. Todos eram órfãos e não tinham
ninguém a favor deles, por isso aquela quadrilha cometia aquela
atrocidade. Achei que tivessem encerrado a porra toda, mas, pelo
visto, não, era como um câncer criando ramificações.
― Stefano, o que está acontecendo? ― sondou Belinda ao
meu lado.
Eu tinha estacionado em frente à casa dela havia alguns
minutos, mas não saí do carro. Precisava checar como andavam as
coisas e ir ao cativeiro onde os bandidos provavelmente estavam
presos. Certamente Fabrizio deixara uns vivos para descobrir a
verdade. Eu precisava estar lá agora para descobrir quem estava
por trás disso. Lyn devia saber, mas ele tinha sumido. Isso me
deixava ainda mais furioso. Poderia ao menos me revelar a verdade.
― Você devia entrar. ― Indiquei a casa, mas Belinda não
saiu do lugar, só cruzou os braços. Isso era bem típico dela, a
tenacidade, algo que eu adorava, mas agora, nem tanto.
― Me diz o que está havendo! ― exigiu. ― Não saio daqui
antes de saber.
Eu não queria revelar tudo sobre mim, mas precisava ao
menos lhe dizer algo para fazê-la me deixar ir.
― Não gosto de nenhum tipo de rapto envolvendo crianças.
Isso me deixa irado. Quero participar da tortura que seus irmãos
certamente estão fazendo neste momento ― anunciei, revelando
um pouco da verdade.
Meus pensamentos turbulentos me incomodavam um pouco.
Não queria ficar longe dela, pois era a única que aquietava um
pouco o que eu sentia.
― Então dê meia-volta, pois vou com você. E nem adianta
me dizer o contrário ― frisou decidida.
― Belinda...
― Chega de papo! Se você for lá, vou junto. Quero ver os
malditos que ousaram pegar meus garotos! ― rosnou. ― Se meus
irmãos deixarem, quero ter minha vez com eles.
― Seus garotos? ― Ri. Só ela me faria rir da forma como eu
estava me sentindo.
Liguei o carro e saí da propriedade. Sabia para onde eles
levavam os miseráveis que deviam ser torturados.
― Cuido deles há algum tempo. É minha função encontrar
um lar em que sejam bem-cuidados e amados. ― Suspirou triste. ―
Só me descuidei com os meninos Laions, mas não vou fazer isso de
novo.
Respirei fundo.
― Não é sua função cuidar de tudo. Você é só uma
assistente social, Belinda, embora uma diferente, que abre a porta
de uma família com um grampo de cabelo para salvar meninos
maltratados. ― Olhei-a de lado, admirado pelas suas qualidades. ―
Ou que pede para os irmãos resolverem quando os garotos do seu
orfanato sofrem com maus tratos.
Aquela agonia em meu peito estava passando pouco a pouco
enquanto conversávamos.
― Meus superiores não podem saber disso. Eles nem sabem
quem sou realmente, e vamos deixar assim. Sempre procuro
pesquisar o passado dos candidatos à adoção, só vacilei, como
sabe, com esses meninos devido a tudo que passei. ― Olhou para
as mãos no colo, triste.
― Eles vão ficar bem, vamos fazer de tudo para que fiquem.
― Eu cumpriria essa promessa.
― Sim, nós iremos, mas estou preocupada com os outros
garotos. Por que sequestram meninos? Será tráfico humano?
Sexual, não acho provável, acredito que seja mais para venda de
órgãos. É um mercado muito lucrativo.
Muitas máfias faziam esse tipo de “negócio”. Ainda bem que
a da minha família, bem como a máfia Pacheco, não concordavam
com aquilo. Eu não queria responder afirmativamente ao comentário
de Belinda, pensava a mesma coisa, embora não tiraria a parte
sexual da coisa toda. A prostituição infantil não envolvia apenas
meninas. Se o que estava acontecendo fosse o que eu acreditava,
abusos sexuais podiam estar acontecendo, então precisávamos
cortar o mal pela raiz.
― Vamos esperar que não seja isso. ― Peguei sua mão. ―
Seus irmãos não vão gostar de vê-la lá.
― Como se você ligasse para o que eles pensam. ― Revirou
os olhos.
― Você tem razão. ― Conversar com ela aliviava minha
tensão.
― É bom ter ao meu lado alguém que não borra nas calças
com medo dos meus irmãos.
― O que a faz pensar que não tenho? ― De fato, eu não
temia ninguém, só tinha medo de algumas situações, como perder
pessoas com as quais me importava.
― Stefano, estamos tendo um caso. Sabe qual dos homens
do meu irmão faria isso? Nem Javier me quis por temer perder a
cabeça! ― Ela riu com isso.
― Javier? ― Ele era o executor da máfia Pacheco, assim
como Valentino. Belinda teve algo com aquele homem? Por que
será que não gostei? Bem, isso faz parte de seu passado, pensei.
― Sim. Eu tinha uma queda por ele, mas o tapado falou que
não ia me tocar se eu não me casasse com ele. ― Bufou,
parecendo tão linda. ― Se fosse por mim, nem existiriam
casamentos, só curtição, mas os anciões e suas regras estúpidas...
De qualquer forma, foi ele que perdeu.
― Com certeza perdeu. Azar para ele, sorte para mim. ― Eu
o entendia. Para tocar naquela mulher, precisaria ter muitos colhões,
e mesmo um executor teria de seguir as ordens do líder. Ainda bem
que Fabrizio não era meu chefe. Quanto ao meu irmão, ele podia
ficar puto comigo, mas jamais me mataria, como Fabrizio faria com
Javier. Se ele soubesse que eu a havia tocado e que pretendia fazer
com ela mais ainda do que já tinha feito, com certeza eu estaria
morto, assim como o desgraçado do “ex” dela.
― Talvez eu aceite sua mão no final. ― Ela parecia triste com
essa ideia.
― Não deve se casar com quem não quer, Belinda. ― Eu
achava isso uma merda. Ninguém deveria ser forçado a fazer coisa
alguma. Aqueles estúpidos! Bem que os irmãos dela poderiam fazer
alguma coisa e mudar aquela lei.
― Vou seguir as regras da minha família, jamais irei contra
elas, mas vou aproveitar esse tempo de solteira que me resta. ―
Sorriu para mim, colocando a mão em minha calça e dando uma
leve apertada. ― Adorei tudo que fizemos.
Porra, ela era tão sexy e tentadora como o pecado, como
uma deusa encantadora que enfeitiça os homens. Uma sereia. Isso,
Belinda tinha o encanto de uma sereia. Graziela me obrigou a ler
para ela um livro com esses seres míticos. Aquela mulher ao meu
lado no carro tinha o mesmo poder das sereias, pois enfeitiçava
qualquer um.
Eu não gostava de pensar nela com outros homens, fossem
quais fossem, mesmo seu futuro e hipotético noivo. Ainda assim,
quando terminasse o que tinha ido fazer na Espanha, iria embora, e
tudo que vivíamos seria uma mera lembrança. Eu não podia ficar
com ela, então desejava que o homem com quem ela se casasse a
fizesse feliz.
Merda, então por que meu intestino está torcido? Era como
se algo estivesse dando nós dentro de mim.
― Belinda... ― Ela acariciava meu pau por cima do jeans,
fazendo-me gemer.
― Se concentra na estrada, que eu cuido de você. ― Abriu
meu zíper antes que eu pudesse pensar direito. ― Nunca chupei um
pau. Estou curiosa para saber qual é o sabor.
― O que você... ― Meus pensamentos fritaram assim que a
Diabinha abaixou a cabeça e abocanhou meu pau, sua boca macia
e quente levando-me à loucura.
O carro dançou na estrada. Tive que lembrar que estava
dirigindo para manter a mente sã. Merda, mas era difícil. Como eu
manteria o controle, quando seus lábios agarraram a coroa e a
sugaram firme, da forma que eu gostava?
― Porra! ― praguejei, dirigindo para uma rua mais deserta,
não muito longe do local onde os irmãos dela estavam. Mesmo com
os vidros escuros, não queria que ninguém a visse daquela forma.
Era uma visão somente para mim.
Estacionei e segurei seus cabelos, mas não a forcei a ir mais
fundo.
― Isso, aperta e chupa mais ― rosnei, levantando meus
quadris para lhe dar mais acesso.
Eu já havia tido muitos boquetes desde que era novo, meu
pai mandou prostitutas até mim, dizendo que eu precisava virar
homem. Tentei evitar esses pensamentos, porque não queria
estragar aquele momento. Entretanto, era impossível a comparação
com as outras mulheres, porque o boquete de Belinda, a forma
sedutora como ela fazia, seus sons, tudo era tão perfeito.
Sua língua triscou no meu apadravya, e fechei os olhos,
tomado de desejo.
― Se não quiser que eu goze em sua boca, precisa tirar. ―
Merda, essa era a última coisa que eu queria, mas não desejava
que ela fizesse nada para o qual não estivesse pronta.
Belinda não só não tirou meu pau de sua boca, como
também acelerou mais os movimentos de sua língua e seus lábios,
fazendo justamente como eu disse para ela fazer antes. Parecia
uma profissional, embora eu soubesse que nunca tinha feito aquilo,
e eu lhe agradecia isso, porra!
Nunca gozei tão forte e rápido como naquele instante, e não
era só por não ter ficado com ninguém fazia algum tempo, essa
minha atração por Belinda me tornava cada vez mais louco por ela.
Eu a queria para mim. Não podia, mas era egoísta demais para me
afastar depois que a havia tocado. Parecia que, quanto mais a
tocava, mais desejava.
Ela afastou a boca com um sorriso sensual.
― Está satisfeito? ― provocou, lambendo os lábios. ―
Assisti a muitos vídeos ontem para aprender.
Eu ri.
― Excepcional. Merda, nunca gozei tão rápido. ― Coloquei a
mão em seu cabelo e a puxei para mim, tomando conta de seus
lábios. Eu nunca me cansaria de beijá-los.
Ela gemeu em minha boca.
― Chupar meu pau te deixou com tesão? ― perguntei,
mordiscando seu lábio inferior.
Ela sorriu.
― Não faz ideia ― declarou, abrindo suas pernas. ― Quer
conferir? Tão molhada que estou toda encharcada.
― Com o maior prazer. ― Levei minha mão até entre suas
pernas, mas, antes que eu a tocasse, uma buzina nos fez pular. ―
Maldição! Vou matar seja quem for por atrapalhar esse momento.
Olhei para o retrovisor buscando qualquer perigo, mas não vi
nenhum. Mesmo durante nossos “amassos”, eu checava cada
canto, mas, pelo visto, fiquei inebriado demais durante o orgasmo.
Só aquela mulher tinha esse poder sobre mim.
Havia atrás de nós um Porsche vermelho que eu conhecia
bem. Isso não me ajudou em nada. Abotoei rápido a minha calça,
enquanto Belinda ajeitava o seu cabelo, que eu tinha amassado.
― Acho que a parte de matar vai ter que deixar para outro dia
― ela brincou. ― Deixa que eu invento uma desculpa para
estarmos parados aqui, assim ele não pensará que estávamos
ficando um com o outro.
No fundo, queria que ele soubesse, mas então me recordei
do que prometi ao Alessandro, uma promessa que estava
quebrando, e não gostava de quebrar nenhuma. Entretanto, era
incapaz de ficar longe daquela mulher, ainda mais após tocá-la.
― Pode tentar, mas duvido que ele vá acreditar. Valentino é
muito perspicaz. ― Suspirei e abri a janela assim que ele se
aproximou com a expressão tão sombria como a noite.
― Posso saber por que estão parados aqui? ― indagou de
forma letal, fuzilando a mim e depois à irmã. ― E você não devia
estar em casa?
Belinda saiu do carro e ficou na frente do irmão.
― Posso falar a sós com você? ― perguntou e o puxou antes
que ele respondesse.
Franzi a testa. Por que ela não podia falar na minha frente?
Que tipo de desculpas inventaria?
Ela disse algo e apontou na minha direção, então Valentino
me olhou por um segundo e depois assentiu. Qualquer coisa que ela
falou, pareceu acreditar nela. O que aquela Diabinha estava
aprontando? Nada vindo dela era bom. Eu não duvidava nada que
estivesse falando algo de mim que eu não gostaria.
Belinda entrou no carro de Valentino, e ele indicou que eu
prosseguisse sozinho. Não parecia furioso ou querendo arrancar
meu pescoço. Eu não acreditava que o venceria em uma luta, acho
que empataríamos. O homem era muito bom, assim como Razor, o
irmão de Mália.
Não discuti, mas estava curioso com o que ela disse para ele.
Depois descobriria.
Respirei fundo, sentindo o cheiro dela, que ficou no carro. A
menina me deu um boquete excepcional, e eu nem pude retribuir.
Percebi o quanto ela estava com tesão. O idiota do irmão dela
estragou o clima.
Agora eu focaria em fazer aqueles malditos pagarem caro.
Depois iria para ela, Belinda, a única que me fazia sentir como se
estivesse perto do Sol.
Chegamos a um clube de stripper chamado Fuego. Um dos
locais para os quais os Pachecos levavam os inimigos para serem
torturados era o porão daquele clube, o mais perto do píer. Ali,
aqueles monstros iriam se arrepender do que fizeram.
Saí do carro e fui até Valentino e Belinda, que já estavam me
esperando para entrarmos no local.
― Belinda não deveria estar aqui ― recriminou-me ele.
― Você deve dizer isso a ela. ― Suspirei. ― Sua irmã é
muito teimosa.
― Eu estou aqui, pessoal, não falem como se não estivesse
― ela rosnou. ― Se não quer que eu participe da tortura, posso
ficar me divertindo na pista de dança.
Olhei seu corpo. A mulher faria um sucesso com aquela
roupa rosa justa, uma saia e um top, um estilo diferente para uma
assistente social em trabalho de campo.
― Você vai ficar com Santiago em uma das salas VIP. Não
queremos que presencie algumas coisas lá embaixo ― falou
Valentino decidido.
― Sabe que nada do que eu visse lá me faria mal. Aliás,
quero que eles paguem por ter sequestrado Yago e os outros
garotos. ― Ela foi sincera.
Isso foi o que mais me chamou atenção nela desde o
começo. Belinda era uma mulher que não temia nada, não se sentia
mal quando via sangue. Se fosse qualquer outra garota, estaria em
casa chorando traumatizada. Já ela decidiu ir ali participar da tortura
dos miseráveis sequestradores e, de bônus, ainda me deu um
boquete impressionante no caminho, um que me deixou até o
momento de pernas bambas.
― Farei o que você “pediu”, ficarei na sala VIP, embora
quisesse ir para lá. ― Ela entrou mal-humorada no lugar agitado.
Valentino deu um suspiro duro e a seguiu. Fiz o mesmo, com
minha atenção no local, checando a minha retaguarda. Enfim meu
cérebro estava funcionando.
Senti como se fosse observado, então olhei ao redor
acuradamente, mas não vi nada. Não era a primeira vez que eu
sentia isso. Aconteceu o mesmo no cemitério, mas ignorei a
sensação e, por isso, quase fui morto e levei Belinda comigo.
Eu sabia que ela não queria que ninguém soubesse do que
Lyn nos avisou, mas eu precisava revelar tudo aos seus irmãos. Não
era seguro guardar deles aquele tipo de informação, embora eu não
quisesse quebrar sua confiança em mim revelando tudo sem que
ela permitisse.
Depois eu iria conversar com ela e Alessandro sobre o
assunto. Poderia ter feito isso durante os dias em que fiquei com
raiva de Belinda após sua indiferença, mas estava irado demais
para tal ato durante aquele tempo.
Belinda foi até onde Santiago e Benjamin estavam.
― Sabia que ela o dobraria para trazê-la aqui. ― Santiago
sacudiu a cabeça, desgostoso.
― Se não fizesse, não seria a Belinda. ― Benjamin deu um
suspiro cansado.
Ele tinha razão, embora a Diabinha não tenha me dobrado,
não de certa forma. Eu quis trazê-la após ela insistir, sua presença
me fazia bem.
― Vocês me conhecem. ― Sorriu travessa, entrando na área
VIP com seu irmão.
Deixei isso de lado enquanto seguia Valentino pelo corredor,
indo para os fundos do estabelecimento. Depois entramos em um
elevador e descemos.
Meu telefone tocou, fazendo-me franzir a testa, pois não
reconheci o número.
― Alô?
Valentino ergueu as sobrancelhas, mas não disse nada,
embora eu soubesse que estava alerta.
― Vocês estão com os homens que sequestraram os garotos
e os levaram ao porto. ― Não era uma pergunta feita com a voz que
eu reconheceria em qualquer lugar, mas uma declaração.
― Sim. O que sabe sobre isso? ― sondei, com meus pelos
eriçando-se.
― Não precisa saber os detalhes agora. O que importa é que
necessito que extraia uma informação deles para mim. Eu mesmo
poderia invadir o local e descobrir, mas você se importa com essa
família, então deixarei que faça o serviço. ― Lyn parecia um pouco
tenso, o que era estranho da parte dele, pois não mostrava suas
emoções para ninguém.
Eu poderia retrucar por ele não me revelar muito, mas estava
curioso sobre o que ele queria saber.
― O que é?
― Pergunte quantas Prometheus existem e onde ficam.
Extraia essa informação como foi criado para fazer. Sabe que eles
não vão falar facilmente, pois não se importam se vão viver ou
morrer. Só há uma maneira de fazê-los falar qualquer coisa.
― Eu... ― Executar um animal daqueles não me
incomodava, mas extrair informações da forma como ele pediu? Eu
seria capaz de fazer aquilo sem que as lembranças me
consumissem? Esperava que sim, mas e se não... Não queria
pensar naquilo no momento, precisava confiar que tudo daria certo.
― Você consegue. Esses lugares para o qual estão levando
os garotos são iguais àquele em que fomos treinados como
assassinos. Preciso saber onde eles ficam para poder resgatar mais
meninos que foram levados para lá. ― Soltou um suspiro.
― É isso que esteve fazendo todo esse tempo? ― sondei,
querendo que me dissesse mais.
Eu também sempre procurava algo do tipo para poder
desarmar a merda toda. Os que encontrei não eram iguais, não tão
pavorosos, até achei um parecido, mas que já tinha sido desativado,
mas, pelo que percebi, não pesquisei fundo o suficiente.
― Sim. Esse é o motivo para eu não ter ido até você antes,
mas depois nos falamos. Agora você precisa conseguir essa
informação deles.
― Vou fazer isso ― finalmente prometi e desliguei com um
suspiro frustrado.
― Quem era? ― perguntou Valentino.
― Lyn. ― Não achei necessário mentir. Além disso,
estávamos perto, ele devia ter ouvido algo.
― O que ele queria?
― Me pediu para extrair informações que os crápulas aqui
têm.
― O que você poderia fazer que nós não podemos? ― Bufou
com escárnio.
― Não é só torturar com pancadas e outros métodos
conhecidos. Precisa ir mais fundo que isso e saber perguntar as
coisas certas. Deixa comigo, que sei como fazê-los falar. ― Saí do
elevador assim que ele parou no porão.
O lugar fedia a sangue e alvejante, embora isso em breve
pudesse mudar um pouco, pois eu teria que deixar o monstro em
mim sair para executar o que precisava ser feito.
Havia dois dos caras ainda vivos. Os outros estavam mortos.
Alguém tinha começado a tortura antes que chegássemos.
Fabrizio estava enrolando as mangas da camisa. Eu podia
ver o sangue nelas.
― O que descobriu? ― indagou Valentino.
O chefe dos Pachecos me olhou com os olhos estreitos.
― Nada ainda, mas vamos ver o quão bons eles são em ficar
mudos ― disse a ele e depois a mim. ― Não era para a minha irmã
estar em casa agora?
― Não vou forçá-la a fazer o que não quer e nem sei se
consigo. Sabe a irmã que tem. ― Indiquei os caras. ― Posso ter um
deles? Estou precisando me exercitar após toda essa merda.
Fabrizio assentiu. Não falou mais sobre Belinda. Ele a
conhecia, embora soubesse que, se o irmão desse a ordem, ela
teria ficado. A única coisa que ele ordenou para ela foi que não
ficasse longe de mim.
― É todo seu, pode escolher.
Chequei os dois e fui ao da direita, no qual notei um pouco de
medo, embora ele se esforçasse para não demonstrar.
― Valentino, pegue-o e o coloque de bruços sobre a mesa ―
pedi enquanto ia até os objetos de tortura pegar o que eu precisava.
O cara arregalou os olhos. Alguém já devia ter feito aquilo
com ele; Valentino, no entanto, não demonstrou nada, só fez o que
eu pedi.
― Prenda as mãos dele para cima. ― Peguei uma barra de
aço parecida com um taco de golfe, mas essa tinha vários grampos
como se fossem dentes de tigre metálicos.
― O que você pensa que vai fazer... ― o cara começou a
falar, mas o ignorei.
― Prenda as pernas dele e rasgue suas roupas de baixo. ―
Fiquei na frente do homem enquanto Valentino fazia o que eu pedia
sem reclamar ou perguntar os motivos.
― Mas que droga acha que vai fazer?! ― gritou o infeliz ao
ver o que eu tinha na mão.
― Se recorda disso? ― Levantei o objeto. ― Isso vai ser
colocado atrás de você caso não me diga o que eu quero saber. Seu
dono deve ter feito essa mesma coisa, não é?
Não com um objeto com aqueles dentes de aço, ou eles não
teriam sobrevivido para estar ali.
― Não tenho dono! ― Cuspiu sangue.
Sorri frio.
― Não? Esse número em seu peito comprova o contrário ―
indiquei. Era o número 8. Esse número me trouxe lembranças que
eu não queria no momento.
Foquei no agora, pois eles eram bons em ler as pessoas, e
eu não queria que tivessem vantagem sobre mim.
― Como sabe sobre isso? ― questionou o outro homem
encolhido. Alguém certamente tinha “brincado” com eles.
Os monstros daqueles lugares eram doentes e muito
perspicazes em inventar coisas que matavam o interior dos garotos
aos poucos, até não restar nada além de um corpo ambulante.
― Fiquei dois meses em uma prisão parecida com a sua e
acredito que passou mais coisas do que passei e presenciei, mas
aprendi muito lá, incluindo os medos dos garotos. ― Fui para trás
dele. ― Sei o que todos mais temem em um inferno como aquele.
Eu não gostava de pensar em fazer aquilo. Sentia-me tão
sujo como aqueles malditos.
― Valentino e Fabrizio, façam a mesma coisa que eu fizer
com o outro ― mandei, focado no presente e expulsando as
lembranças atormentadas.
Os dois indivíduos começaram a se apavorar.
― Só há uma chance de não fazermos isso, que é nos dar o
que queremos ― rosnei.
― O que é?! ― gritou assim que abri suas pernas com um
chute entre as canelas.
― Quantas Prometheus são e onde ficam? ― Pedi
mentalmente que me dissesse, assim eu não faria o que Lyn pediu.
Naquele inferno, ninguém temia a morte, mas sim ser
abusado. Todos queriam ficar no topo nas lutas, assim não seriam
obrigados a sofrer aquela atrocidade.
― Não vão escolher? Bom, então não me resta outra opção.
― Respirei fundo, preparando-me.
Tinha que haver outra forma de extrair informações deles,
mas qual? Se não fizéssemos aquilo, jamais saberíamos onde mais
garotos estavam sendo mantidos presos e torturados.
― Vocês não sabem com quem estão lidando! ― o cara que
estava com Valentino disse após ser dobrado sobre outra mesa.
― Vocês é que não sabem do que somos capazes, mas
vamos estripá-los, aí terão uma dose de seu próprio remédio ―
rosnou Fabrizio.
― Não tenho uma barra de ferro, mas acho que isso vai
servir. ― Valentino pegou um taco de beisebol com arame farpado
na ponta.
Os olhos dos miseráveis se arregalaram. Eu poderia me
solidarizar com eles por terem tido uma vida ruim, mas no final
temos escolhas a fazer, o lado certo ou o errado. Pelo visto, eles
foram para o errado, sequestrando mais meninos inocentes como
um dia eles próprios foram para levá-los para um inferno da mesma
proporção daquele em que viveram.
― O que vai ser? ― inquiri, colocando a arma em suas
costas e o deixando ainda mais tenso. ― Dez segundos. Assim que
eu descer esse ferro, ele não sairá mais, embora eu deva te mostrar
a proeza dele, o estrago que faz.
Apertei o botão do objeto, então ele gritou após receber um
choque.
― Pouquíssima voltagem, mas, lá dentro, será no limite.
Então vão querer que façamos isso ou morrer com honra como em
uma batalha? ― Precisava que tomassem a decisão certa. Não era
só chegar socando, mas induzi-los a fazer o que os honrariam em
sua morte, não agirem mais de modo fraco como foram criados até
se tornarem o que eram.
― Onde ficam as Prometheus? ― repeti a pergunta algumas
vezes. Sabia que não podia demorar mais, ou ele acharia que eu
não conseguiria fazer aquilo. Porém Valentino não parecia tão
avesso a prosseguir.
Alguns minutos depois, estávamos com o nome de um dos
locais, pois os caras só sabiam na hora, quando fossem levar os
garotos ao lugar.
― Celulares? ― Virei-me para Fabrizio.
― Criptografados. É incapaz de nós os rastrearmos ―
respondeu com a expressão sombria.
― Deviam ter escolhido outro caminho, mas, ao invés disso,
vocês levam garotos para terem o mesmo destino que o seu. ―
Minha fúria ultrapassava o auge.
― Não temos escolha! Você passou um tempo no inferno,
como disse, mas esse é pior! Não levam só nossa humanidade, mas
também nos deixam como zumbis. Agora têm o que querem, então
façam o que têm de fazer. A morte é mais prazerosa do que o
castigo naquele inferno. ― Essas palavras foram ditas pelo Jet
havia muitos anos, antes de ser morto...
Agora têm o que querem, então façam o que têm de fazer. A
morte é mais prazerosa do que o castigo naquele inferno, entoei em
minha mente.
Meu sangue fervia e meus ossos doíam. Tudo se tornou
nebuloso. Eu ouvia vozes, mas achava que a escuridão era demais
para ser arrastado de volta. Não havia ninguém que conseguisse...
As lembranças me sufocavam. Eu sentia como se o ar
estivesse me faltando.
― Stefano... ― Aquela voz calma e tranquila... Seria ela
capaz de me trazer daquele tormento sem fim?
Algo como calor me tocou, depois a escuridão me levou para
um caminho sem pesadelos, mas e quanto à luz? Iria conseguir me
alcançar algum dia?
Tinham se passado alguns dias após o episódio no porão dos
meus irmãos. Eu estava com Santiago e Benjamin, mas os convenci
a me deixar ir lá embaixo.
Não esperava a cena que vi. Corpos mutilados, sim, mas não
Stefano preso no chão por Fabrizio e Valentino e alguns dos
homens que os estavam ajudando. O lugar estava destruído, como
se um furacão tivesse passado por lá. Um furacão chamado
Stefano.
Seus gritos eram tão torturantes e enervantes que rasgaram
um pedaço de mim. Na hora corri até ele, ignorando o alerta dos
meus irmãos.
Tentei chamá-lo e tirá-lo do tormento que estava vivendo,
mas não consegui, então Santiago injetou um remédio em seu braço
que o fez apagar.
Depois disso, não o vi mais. Soube então que tinha uma luta
reservada para ele no clube de meus irmãos mais tarde. Tentei ligar,
mas não recebeu minhas ligações, então achei que precisasse de
tempo.
Ninguém falou da sua crise depois. Eu nem sabia se ele se
lembrava de algo, pois não conversamos. Fiquei preocupada, mas
meus irmãos disseram que ele estava bem.
Eu queria arrumar uma forma de ajudá-lo, mas como? Para
fazer isso, era preciso ele me deixar entrar, o que não parecia ser a
sua intenção. Além disso, eu queria mesmo me envolver com ele
mais do que já estávamos? Seria capaz de lhe dar meu coração só
para ele quebrá-lo no final?
Respirei fundo e olhei para o ringue de lutas clandestinas no
submundo de Barcelona. Ali era onde todos faziam apostas altas
por um vencedor. Auxiliar minha família ali, cuidando para que as
regras fossem cumpridas, ajudava-me a manter a mente ocupada.
Trabalhar evitava que eu pensasse tanto na perda do papai, que
ainda me machucava como uma navalha cortando meu peito, como
em Stefano, pelo que ele devia ter passado. Eu não sabia o que
aconteceu com ele para ter aquela crise, mas a coisa não devia ter
sido bonita.
Nesse momento, Stefano e outro cara estavam no ringue. Ele
tinha vencido algumas lutas na noite passada e na anterior, mas não
vi essas porque estava no trabalho no orfanato.
― Se continuar assim, vamos ficar sem lutadores ―
praguejou Gideon, trazendo-me dos meus pensamentos.
Ele era o homem que organizava as lutas.
― O que aconteceu? ― Encarei o ringue, onde Stefano
estava detonando um dos lutadores.
― Toda vez que ele entra no ringue, o seu oponente sai
morto, embora eu não ligue, pois ele só escolhe lutar com seres da
pior espécie, mas existem lutas que não são mortais. Logo ninguém
vai querer enfrentá-lo de verdade. Ele ao menos devia deixar alguns
vivos, quebrados, mas vivos.
― Por que não o impede que mate mais? ― indaguei com
um suspiro.
Sacudiu a cabeça.
― Valorizo minha vida ― respondeu, dando as costas e
saindo para checar os próximos lutadores.
Inspirei e fui até Santiago, que estava de braços cruzados
encarando Stefano, imóvel e sem dizer nada para impedir que ele
esmagasse o seu oponente. Eu sabia que não era por medo. Às
vezes sentia que meus irmãos me escondiam algo, eu só não tinha
ideia do que era. Algo me dizia que era sobre Stefano, por isso ele
fazia o que bem queria e ninguém dizia nada.
Não acreditava que fosse pelo surto de Stefano, afinal sentia
que me escondiam algo antes disso. Depois iria apurar o assunto e
descobrir se era só coisa da minha cabeça.
― Vai ficar aí só olhando, vendo-o eliminar todos os
lutadores? ― indaguei irritada. ― Ele não pode matar o seu
oponente se as lutas não forem mortais.
― Os espectadores estão gostando, e estamos ganhando
muito dinheiro com isso. ― Olhou-me de lado com um meio-sorriso.
― Se isso for demais para você, pode ficar no vestiário ou no
escritório.
Não era porque eu sabia o que acontecia na máfia e o que
faziam que eu gostava de presenciar mortes. Sempre que havia
lutas mortais, não assistia a elas, embora não saísse do local. Não
queria que as pessoas me achassem dócil demais, porque eu não
era.
Com Stefano no ringue, podia se esperar tudo. O homem
parecia um vulcão prestes a entrar em erupção.
― Não vou sair. ― Cruzei os braços, encarando a cena.
Stefano era veloz, brutal, encarando seu oponente, que tinha
um corte na boca e estava meio torto. Seu olhar era provocativo,
mas tinha algo neles que parecia vazio, morto. Eu via esse olhar
direto em Valentino. Seria por isso que Stefano tinha ficado louco
naquele dia? Não, não era loucura. Ele estava tomado de dor e
tormento.
Ele estava ali naquela noite para descontar nos seus
oponentes tudo que sentia, isso era um fato, mas percebi que, no
início das lutas, deixava-se levar algumas porradas. Eu o conhecia e
sabia que podia se defender, mas não o fazia. Isso me fez lembrar
do que ele me disse no cemitério sobre gostar de sentir dor. O que
ele estava sentindo era assim tão ruim a ponto de querer sentir dor
para aliviar? O meu coração doeu querendo ajudá-lo de alguma
forma, mas como, se ele não me deixava entrar? Eu não permitiria
que Stefano se deixasse ser abatido só para sentir dor.
― São sempre assim as lutas dele esses dias. Ele bate um
pouco, se deixa apanhar e depois vai com tudo, eliminando o
adversário como se esmaga uma barata. ― A voz de meu irmão
soou sombria.
― Vou acabar com essa palhaçada! ― rosnei para ele.
― Se alguém pode fazer alguma coisa, é você. Acredito que
seja a única nesse momento capaz de lidar com ele sem que
Stefano faça alguma coisa.
― Não achei que você tivesse medo dele. ― Pisquei,
chocada com isso.
Santiago sorriu.
― Não é medo, só o respeito por não deixar sua cara ser
esmagada no ringue. Ainda por cima, tem a Luna. Se eu lutasse
com Stefano nesse estado não iria ser bom. Além disso, Fabrizio
mandou que eu o deixasse libertar seja o que for que esteja
sentindo. ― Deu de ombros. ― Se lembra de Valentino? Eles se
parecem nisso. Só agora que nosso irmão deu uma folga nas lutas.
Acho que é uma válvula de escape.
― Sentir dor não é escape. ― Sacudi a cabeça, revoltada,
não com Stefano, mas com o monstro do pai dele, que o tornou
assim. ― Vou impedi-lo que se deixe ser machucado só para sentir
dor e impedi-lo de matar seu oponente no ringue quando não é
preciso. Se ele quebrar as regras de novo, quem vai chutar a bunda
dele com esses saltos serei eu.
― Belinda, não se aproxime muito do ringue ― disse
Santiago a meia-voz com um sorriso. ― Mas, se for chutá-lo, me
avise, que quero presenciar esse fenômeno.
Nós dois sabíamos quem ganharia caso eu enfrentasse
Stefano. Lutava disfarçada com o meu pseudônimo, o Mascarado.
Só Santiago e Benjamin sabiam, eles me ajudavam a encobrir de
Valentino e Fabrizio. Esses dois eram mais rigorosos e não
deixariam que eu competisse. Fazia tempo que eu não entrava no
ringue. Era boa nisso, tive os melhores professores, meus dois
irmãos caçulas.
Quando eu queria lutar, Santiago lutava primeiro com os
oponentes a fim de saber se eu conseguiria vencê-los, então,
dependendo do resultado, eu competia. Se eles percebessem que
eu não conseguiria vencer, não me deixavam lutar. Foi a regra para
permitirem que eu subisse ao ringue. Não reclamei, pois sabia que
existiam homens fortes que eu nunca derrotaria no mano a mano. E
eu sabia que, num combate contra Stefano, não conseguiria vencer.
O homem era uma máquina.
Santiago só me provocou porque sabia que ele nunca iria
lutar comigo da forma como fazia com os seus oponentes. Naquele
dia na academia, durante o treinamento, tive um pequeno exemplo.
Ele só me jogou no chão e não deixou que eu me libertasse.
Lutar era maravilhoso. A adrenalina consumindo meu corpo e
o sangue bombeando nas minhas veias era de outro mundo,
embora eu lutasse poucas vezes. Não era fácil esconder dos meus
irmãos mais velhos e dos meus colegas de profissão as manchas
roxas. Eu usava base e corretivo, mas nem sempre ajudava.
Enfrentar Stefano não era só lutar contra sua força física,
mas com sua mente sombria, pois era como se ele combatesse
vendo no oponente quem o machucara. Só assim para explicar
tanta raiva. Mesmo assim, eu daria tudo para lutar com ele nem que
fosse uma vez. Talvez, se eu usasse meu disfarce, Stefano não
saberia quem eu era.
― Nem pense nisso ― disse Santiago, perdendo o sorriso.
Eu não sabia que tinha dito aquilo em voz alta e que ele
ainda estava perto de mim.
― Foi só uma ideia. ― Pisquei de modo inocente para
tranquilizá-lo. ― E você me viu lutar com ele antes.
Sacudiu a cabeça, chegando mais perto de mim.
― Não, Stefano não estava lutando, e você sabe disso. Ele
estava só provocando-a. ― Suspirou. ― Estou falando sério.
Quando luta, Stefano é um predador cujo foco é só um, sua caça
sendo abatida. Ele destrói seu oponente e faz isso sorrindo, como
você mesma viu algumas vezes.
Sim, eu me recordava do porão. O que ele fez lá foi bem
sinistro, faria qualquer mulher correr para as montanhas, mas eu
não era uma delas.
― Se você lutasse daquela forma com ele, as coisas
poderiam seguir por outro rumo, ir por um caminho no qual você
acabaria machucada, e ele, morto, pois matamos qualquer um que a
toque. Isso resultaria em uma guerra entre os Pachecos e os
Destruttores, pois os irmãos deles não deixariam barato ― alertou-
me sério. ― Papai não ia querer isso, não quando a Luna sairia
ferida no processo.
― Eu sei. ― Pigarreei, não querendo pensar na ausência de
papai. Isso me faria sofrer mais. ― Não vou fazer nada, prometo.
Assentiu, parecendo relaxado.
― Ótimo.
Aproximei-me do ringue, onde Stefano dava um gancho de
direita, fazendo seu adversário cair contra as cordas e se agarrar
para se apoiar.
― Stefano, olhe as regras! ― gritei para ele, pois os
espectadores pareciam apoiar aquele nocaute e berravam.
Ele ainda não tinha feito nada, só se deixara apanhar um
pouco, mas eu sabia como aquilo terminaria e não queria que se
machucasse nem que saísse por aí matando a torto e a direito.
Minha função naquele trabalho era fazer com que todos seguissem
as regras, incluindo Stefano. Se ele queria matar alguém, que o
fizesse em outro lugar, menos no meu ringue.
Ele estava indo até o homem como um leão prestes a dar um
bote em sua presa, mas parou e olhou para mim.
Por um segundo, vi a escuridão ali. Eram órbitas negras que
absorviam tudo. Tão breve a expressão surgiu ali, no segundo
seguinte desapareceu como um relâmpago.
― Siga as malditas regras! ― repeti, caso ele ainda não
tivesse ouvido.
Antes que Stefano falasse algo, porque ele era desses, não
deixava nada barato, a multidão gritou para que a luta prosseguisse,
mas não me importei. Meu foco estava nele e no seu oponente, que
me fuzilava.
― Cale-se, vadia! Não se meta! ― rosnou o infeliz,
endireitando-se e fuzilando Stefano. ― Ninguém se mete nesta luta!
Vou matar esse bastardo!
Agora era eu que queria quebrar sua cara estúpida.
― Estou salvando sua vida, babaca! ― grunhi com os dentes
cerrados.
Stefano o encarava como se não tivesse um homem ali, mas
um inseto repugnante.
― Eu pedi? Mulheres como você só servem para chupar
paus! Espere, que depois que eu acabar com esse fedelho podemos
fazer isso. ― Sorriu, mostrando os dentes cheios de sangue.
O homem era um idiota. Poderia eu mesma resolver isso,
mas atrapalharia no prosseguimento da luta. Não queria trazer
problemas para meus irmãos e fazê-los perder dinheiro.
― Nem se eu estivesse bêbada ou drogada colocaria a boca
em seu pau mole cheio de herpes ― sibilei e olhei para Stefano. ―
Faça o que tem que fazer. Foda-se esse imbecil.
― Sua luta é comigo, não com ela ― ouvi a voz de Stefano.
Eu tinha dado um passo para sair, então me virei e vi que o infeliz
estava furioso como se quisesse me matar e tinha se aproximando
mais do limite do ringue. ― Estaria morto antes que a tocasse de
qualquer modo.
Ao mesmo tempo, Santiago veio para o meu lado com o rosto
duro como rocha. Eu não sabia se, em sua última frase, Stefano
estava se referindo a si mesmo ou ao meu irmão. Pelo visto, aquele
homem morreria naquela noite, ou pelo Stefano ou por Santiago. De
qualquer forma, seu destino foi selado assim que abriu a boca para
me insultar.
― Vamos. ― Santiago me puxou dali enquanto a luta
continuava. ― Você está bem? ― Ele estava tomado de fúria.
― Sim, não é nada que eu não tenha ouvido antes, sabe
disso. ― Alguns caras que não sabiam quem eu era muitas vezes
me diziam palavras ofensivas, mas se davam mal, porque eu
revidava com vigor, e, quando não dava conta, Santiago fazia o
serviço.
Nunca apareciam imagens minhas e de Serena nas
manchetes das colunas sociais. Papai determinou isso para
ninguém ficar de olho em nós, igual aconteceu com Lorena, então
muitas pessoas não sabiam quem éramos e a que família
pertencíamos.
― Eu poderia dizer que adoraria ter minha vez com o infeliz,
mas, conhecendo Stefano, duvido que sobre algo dele. ― Santiago
respirou fundo, tentando se controlar.
― Eu sei. Ainda tentei ajudar, mas ele foi estúpido demais
para notar ou se importar. Arrogante! ― Dei um suspiro frustrado.
― Sua arrogância vai ser sua morte ― concordou meu irmão,
de olho na luta.
Eu também ia tornar a olhar Stefano, mas meu telefone
tocou.
― Já volto, preciso atender.
― Quem ligaria a essa hora? ― sondou com o cenho
franzido.
― Jared. ― Fiquei preocupada por ele ligar naquele horário.
Teria acontecido algo com os garotos? Paco, Neto e Yago estavam
bem, eu tinha ido visitá-los no dia anterior. Acreditava que em
alguns dias estariam de volta ao orfanato.
Santiago fez uma careta.
― Esse homem está a fim de você ― indicou.
― Não acredito. O cara gosta de mulheres elegantes, não
como pareço em meu disfarce lá. ― Usava roupas folgadas e
óculos com lentes transparentes, mas sem grau. ― Ele é meu
chefe, nada mais.
― Conheço os homens, irmã, para saber que ele arrasta um
caminhão por você. ― Sorriu.
O único homem naquele momento que me fazia sentir algo
era Stefano, mas ele não daria o braço a torcer. O cara me
procurava, e ficávamos juntos, então acontecia algo que o fazia
surtar e depois ele sumia, não ligando ou recebendo mensagens. Eu
poderia buscar uma explicação, mas não estávamos em um
relacionamento para eu cobrar nada do que ele andava fazendo ou
com quem tinha estado durante esses dias.
― Não estou à procura de namorados, além disso não
conheço homens com bolas suficientes para enfrentar meus irmãos.
O único que me namorou foi Gazo, mas só fez isso para
humilhar minha família. Eu não gostava de pensar nesse assunto,
pois me sentia suja por tê-lo deixado me tocar.
Depois teve uma época da minha vida em que eu quis sentir
algo diferente, fazer sexo sem estar apaixonada. O único que eu
quis foi Javier, mas ele não quis tocar-me sem que nos casássemos
por respeito ao meu pai e aos meus irmãos, afinal era melhor amigo
de Santiago. Então deixei quieto.
No entanto, apareceu Stefano como um furacão em minha
vida. Não sei o que me chamou atenção nele, provavelmente sua
tenacidade, sua coragem ou o fato de ele não ter medo de nada ou
ninguém. Talvez fosse a escuridão que havia nele, que eu tinha
vontade de iluminar, mesmo não podendo fazê-lo.
Santiago riu.
― Se esse homem escolhido não conseguir lidar com nós
quatro, como vai lidar com você? Porque você, minha irmã, é osso
duro de roer.
Revirei os olhos enquanto o telefone continuava a tocar.
― Me deixa atender, pode ser importante. ― Fui para o
escritório, onde só era permitido entrar a mim e meus irmãos. Lá era
sossegado e eu não ouviria o barulho da multidão de espectadores.
O lugar não era grande, tinha uma porta à direita onde ficava
um banheiro privativo. Meu irmão o fez para eu não usar o
masculino.
Assim que entrei, peguei um copo de água, fui para a sacada
do lugar e me sentei em um banquinho, olhando a Lua no céu. Ela
estava brilhante.
― Oi, Jared ― finalmente atendi. ― Desculpe, estava longe
do celular.
― Oi. Vou precisar fazer uma viagem para a Rússia e
gostaria que você ficasse tomando conta do orfanato por uma
semana. Sei que não faz parte de suas atribulações, mas confio em
você. Além disso, os garotos que foram adotados pelos Ramonis
vão voltar, e eu gostaria que você ficasse de olho neles, em seu
estado após tudo que sofreram.
― É claro! ― Estava lisonjeada com o convite. De repente
pensei no que Santiago disse sobre Jared ter uma queda por mim.
― Mas por que eu? Maitê é mais especializada no assunto.
― Ninguém gosta mais desses garotos do que você, por isso
a escolhi. Ficarei um dia para auxiliá-la antes de viajar. ― Ele
parecia aliviado por eu ter aceitado.
― Não tem problema, adoro os meninos.
Ele ficou de 10 a 15 minutos conversando sobre o que eu
teria de fazer.
― Explicarei mais amanhã ― avisou e parecia que ia dizer
algo, mas um gemido sensual veio de trás de mim, fazendo-me
pular.
Pisquei, dando de cara com Stefano sorrindo travesso à porta
do banheiro do escritório e de banho tomado. Vestia só uma toalha,
que cobria seus quadris perfeitos. Como eu não o tinha visto entrar
ou ouvido o barulho do chuveiro? Devia ter ficado entretida demais
com o pedido de Jared para notar algo mais.
Stefano tinha seis gominhos no abdômen que o deixavam
mais lindo e sexy e me davam água na boca. Eu tinha vontade de
lambê-lo todo.
Ele chegou bem próximo de mim, que podia sentir seu cheiro
de sabonete. Meus olhos foram atraídos para aquele espetáculo de
homem. Uma gota de água escorria por sua barriga, indo rumo ao V
perfeito e tatuado dele. Meu corpo foi tomado por uma sensação
abrasadora, como se eu estivesse perto de um vulcão.
Eu tinha sentido sua falta naqueles dias em que ele esteve
longe, mas não queria demonstrar isso, pois podia afetar o que
tínhamos. Stefano era daqueles que corria quando a situação
pendia para o lado sentimental. Era como se eu o conhecesse havia
anos e não só alguns meses, ou no fundo era parecida com ele.
O calor entre minhas pernas aumentava, deixando-me
pulsante, incômoda, louca para saciar aquele desejo.
Ele gemeu de novo, caprichando, como se estivesse fazendo
sexo. E meus olhos se desviaram de sua anatomia perfeita para seu
rosto provocativo e pervertido.
― Bella, o que está fazendo? ― Tinha algo na voz de Jared
que não consegui identificar, aliás, tinha me esquecido de que ele
estava na linha. Meus pensamentos fritaram com a presença de
Stefano ali quase nu.
― Deixa esse telefone e vamos continuar de onde paramos.
Estou faminto por saborear seu corpo de novo. Adoro seu gosto.
Pelos deuses, esse homem sabia ser tentador demais! Era
capaz de fritar cada pensamento meu.
― Bella...
Cortei Jared:
― Amanhã a gente se vê. ― Encerrei a ligação e entrei no
escritório depois, fuzilando Stefano, que tinha me seguido. ― O que
acha que está fazendo?
Embora seu sorriso travesso deixasse claro. Ainda bem que
sua expressão sombria tinha sumido.
― Apenas batendo a real para aquele engomadinho. Agora
ele sabe que você tem um homem. ― Deu de ombros.
Ri, sentando-me no sofá e colocando o telefone de lado,
depois peguei a toalha dele, jogando-a longe. Mordi o lábio
pensando no dia em que fiz um boquete nele. Adorei chupá-lo e quis
fazer mais depois, mas ele desapareceu. No fundo, eu não buscava
explicação desse sumiço, pois o entendia.
― O que sente, Diabinha? Posso ver a fome estampada em
seu rosto. Quer me provar de novo? Pode fazer, sou todinho seu. ―
Sua voz saiu rouca. ― Ele necessita de você.
― Por que acha isso? Com certeza deve ter sido cuidado por
alguma mulher por aí. ― Levei meus olhos aos seus.
Ele esboçou um sorriso.
― Está com ciúmes? ― provocou.
― Não me faça rir. Tudo que você tem, qualquer homem tem.
― Indiquei seu pênis duro. ― Se você ficar com outra, posso fazer o
mesmo...
― Acha que aquele engomadinho é melhor do que eu?
Posso fazer você gozar várias vezes em uma noite e juro que não
pensará em nada a não ser no meu pau em sua boceta. Não andará
em linha reta por semanas ― gabou-se.
Bufei e me levantei.
― Quem disse que vou deixar seu pau entrar em minha
boceta? Posso deixar isso para o meu futuro marido. ― Queria rir
do ciúme dele por mim e Jared.
Sua respiração ficou pesada com minhas palavras, mas o
que tínhamos era bom do jeito que estava. Essa coisa de ciúmes
estava me deixando nervosa, não só os dele, mas os meus também
ao pensar nele com outra.
Stefano deu as costas para mim a fim de se recuperar –
supus – de minhas palavras. Não foram ditas para magoá-lo, só
para deixá-lo avisado sobre o que tínhamos. No fundo, eu só queria
que transássemos sem nada de sentimentos no meio.
Pisquei diante de sua tatuagem, ainda mais impressionada
com ela do que com sua bunda perfeita. A tatoo tomava suas costas
inteiras, toda em vermelho vivo e azul-marinho. Era formada por
uma corrente em forma de círculo, tendo em seu interior, na parte de
baixo, dois revólveres apontando para fora em direções opostas, e,
na parte de cima, três balas, sendo a do meio maior. Na parte
externa do círculo, em ambos os lados, havia uma asa aberta, como
se saísse da própria corrente, e, na parte inferior, duas adagas com
os cabos cruzados, tendo, ao lado da lâmina de ambas, um raio.
Além disso tudo, a tatuagem também era composta por quatro
estrelas, todas na parte exterior da corrente. Era duas de tamanho
mediano, cada uma entre o cabo de um dos revólveres e uma das
balas menores, uma pequena entre as lâminas das adagas e uma
grande entre os cabos cruzados delas.
O que será que a tatuagem significava? Fiquei tentada a
sondar, mas não queria trazer-lhe dor caso fosse algo significativo.
Podia não ser, mas e se fosse?
― O que temos é bom, Stefano. Não vamos deixar os
sentimentos entrarem, pois no final sairemos machucados. Eu não
quero isso e aposto que nem você ― finalmente disse o que
precisava ser dito. ― Você mesmo falou isso, lembra?
Ele estava prestes a se virar para me encarar, quando me
aproximei pelas suas costas e coloquei minha boca em seu ouvido.
― Podemos satisfazer um ao outro enquanto meu prazo não
termina... ― interrompi-me pela sacudida que seu corpo deu, como
se tivesse levado um choque. A princípio pensei que fosse pelas
minhas palavras, mas logo percebi que foi a minha aproximação do
seu ouvido. Seria ele traumatizado com aquilo, assim como era com
o toque? A sua respiração estava aguda, dando a entender que sim,
e, antes que eu pensasse sobre o assunto, fui prensada na parede
com minhas mãos para cima.
Estava a ponto de sorrir pelo movimento, mas algo em seu
rosto me disse que ele não estava bem. Lembrei-me da noite no
porão. Sua expressão era parecida com a de agora. O tormento
estava em cada linha da sua face. Minhas palavras e meu toque
tinham sido o gatilho? Eu não tinha feito por mal.
― Stefano ― chamei-o assim como fiz no porão. Lá não
consegui alcançá-lo, tanto que meu irmão precisou dopá-lo. Seria
capaz de conseguir agora?
Meus instintos me diziam para fugir, mas eu não queria
alertar ninguém lá fora. Stefano não iria querer que o vissem assim
de novo, parecendo frágil, um menino perdido, embora ainda letal e
perigoso. Se alguém podia ser as duas coisas ao mesmo tempo, era
ele.
― Stefano, sou eu ― tentei de novo. Parecia que ele estava
preso em um pesadelo.
Eu podia me defender dele, mas temia que sua escuridão
fosse demais e ele me machucasse sem querer. Isso provocaria a
ira dos meus irmãos, e Stefano se sentiria culpado.
Tentei conversar sobre temas banais do dia a dia só para ver
se ele voltava a reagir, mas não teve nenhum efeito. Então
aprofundei os assuntos, contando-lhe mais sobre alguns segredos
meus.
― Teve uma vez na escola em que eu estava em dúvida
sobre a minha sexualidade, então beijei uma garota e notei que não
gostei. Não era minha praia. Aí beijei um garoto que estudava
comigo e adorei. Foi uma pena que Santiago atrapalhou ― grunhi a
última frase.
Na hora, fiquei furiosa por meu irmão ter chutado a bunda do
coitado do garoto. Talvez, se eu tivesse ficado com ele, não teria
conhecido Gazo... Bem, não queria pensar naquele imundo filho da
puta agora.
― Uma vez fiquei curiosa em saber a sensação de dar a
parte de trás e tentei usar um vibrador, pois os homens perto de
mim correm dos meus irmãos, além disso eu não sentia nenhuma
química com eles, e Javier não me quis. Por isso não tinha ninguém
que me ajudasse a saciar essa curiosidade. Depois pensei que
podia fazer sozinha, sem precisar de um homem, mas, após colocar
o vibrador um pouco, não gostei. ― Dei de ombros. ― Não sei,
pareceu sem graça. Desde então uso apenas na frente todas as
noites.
Continuei a procurar fazê-lo voltar à realidade.
― Se um dia um cara enfrentar todos os meus irmãos e
ganhar, saberei que ele tem bolas. Eu poderia passar a vida toda
satisfazendo-o tanto na cama como fora dela.
O brilho nos olhos dele estava voltando, então continuei a
divagar:
― Uma vez tentei seduzir Javier. Você sabe que eu tinha
uma queda por ele, o achava lindo, e ele é mesmo. Mas ele não
quis, disse que gostava de respirar e que o que podia fazer era se
casar comigo. ― Bufei, encarando o teto. ― Casamento é só um
pedaço de papel, não simboliza fidelidade ou comprometimento.
Não tem muito isso em nosso mundo. Todos os homens que
pediram minha mão traíram suas ex-namoradas, por que comigo
seria diferente? Por que eu iria querer alguém infiel? Para no final
eu mesma ter que cortar o pau dele e fazer o maldito comer? Por
isso rejeitei todos os candidatos. Deve ter alguém fiel em algum
lugar para quem eu seja o bastante, só o que preciso fazer é
esperar.
Embora estivesse sem tempo, mas arrumaria alguma coisa
para burlar as ordens dos anciões, só não sabia exatamente o que
ainda. No fundo, queria me apaixonar, mas para isso não precisava
envolver casamento. Ao menos eu queria escolher se desejava isso,
não queria que fosse imposto pelos outros.
― Queria foder sem sentido um cara sem ter precisão de
carregar um anel dele. ― Dei um suspiro duro.
― Gosto da parte do foder sem sentido ― Stefano finalmente
disse.
Meus olhos foram para seu rosto, que agora esboçava um
sorriso maroto. Embora a escuridão ainda vincasse sua face,
parecia que ele estava se controlando.
― Podemos resolver esse problema se você não temer
morrer nas mãos dos meus irmãos. ― Eu estava aliviada por ele
estar melhor.
Stefano me soltou, e me sentei no lugar em que estava antes.
Queria sair dali antes que ele me fizesse perguntas sobre tudo o
que revelei, mas o infeliz não deixou.
― Então tentou fazer anal sem precisar de um homem? ―
Pelo seu sorriso, ele parecia divertido.
Droga! Pelo visto, ele não deixaria aquilo barato. Eu não
devia ter dito nada, na hora só queria distraí-lo. Por que ele não
podia ser uma pessoa normal, que podia se entreter falando sobre
música, dança ou saltar de paraquedas? Stefano não era normal ou
só estava querendo me provocar.
― Por que precisaria de um homem se os vibradores fazem
um trabalho melhor que eles? ― Ao menos eu pensava assim antes
de ser tocada pelo Stefano.
― Acha que enfiar um pau de silicone te satisfaria mais do
que o de um homem? ― Dessa vez ele riu. ― E quanto à sensação
de ter sua boceta lambida e seus seios chupados? Por acaso um
vibrador faz isso?
― Não posso dizer nada, afinal minha boceta não foi
chupada ainda. ― Mordi o lábio inferior, varrendo os olhos sobre
sua nudez perfeita. Seu pau ficou ereto com o peso do meu olhar.
― Podemos resolver isso agora. ― Veio até mim com um
olhar faminto.
Ao menos um vibrador não faz o que um homem é capaz,
partir o coração feminino em milhões de pedaços... Era isso que eu
temia envolvendo-me com Stefano, mas como ficaria longe dele?
Adorava o seu toque.
― O que está esperando, Foguete? ― Eu não sabia se ele
estava pronto para isso, mas não disse nada, deixando-o decidir
sozinho, pois, se eu falasse algo, poderia levá-lo para aquela
escuridão de novo.
Peguei sua mão e o levei para o banheiro. Enquanto isso,
tirava as minhas roupas. Logo estávamos ambos nus, e ele
capturou minha boca, deixando-me inebriada. O cara conseguia
fazer isso só com um beijo, imagina se fizéssemos sexo? Eu queria
experimentar a sensação de tê-lo dentro de mim. Apostava que iria
adorar.
O chuveiro foi ligado ao nosso lado, assim o som abafaria os
sons caso alguém viesse ali, mas eu duvidava.
Stefano me escorou na parede e levantou minhas mãos.
― Segure nesse ferro e não solte ― ordenou.
Nesse momento, eu não me incomodei em receber ordens
dele, pois faria qualquer coisa só para ter sua boca em meu corpo e
matar a necessidade que eu estava sentindo.
― Vou te mostrar a sensação de ter seus seios chupados. ―
Abocanhou um enquanto amassava o outro.
Meus olhos se fecharam com o turbilhão de sensações ainda
melhor do que quando me tocou antes. Cada toque seu era uma
descoberta maravilhosa. Eu temia me viciar e não saber ficar sem.
― Estou amando tanto que minha boceta está pingando e
não tem nada a ver com a água. ― Gemi com um chupão que deu
em meu seio direito.
― Vamos ver, então. ― Caiu de joelhos no chão em frente a
mim e colocou uma perna minha em seu ombro, abrindo-me para
ele. ― Cheiro maravilhoso.
A água caía ao lado, mas não em nós dois. Era só para
abafar os sons que estávamos soltando.
― Agora irei prová-la, algo que eu devia ter feito há alguns
dias, antes de o seu irmão nos interromper no carro. ― Triscou a
língua em meu clitóris.
― Vamos ver se é tão bom como você diz. ― Olhei para ele,
com o rosto enterrado em meu centro.
― Vou estragar você para todos os homens. Você vai querer
só o meu toque após eu terminar de saborear minha sobremesa. ―
Antes que eu lhe desse um comentário esperto, sua boca me
possuiu. Juro que eu me sentia vibrando como se usasse um
vibrador potente.
Sua língua girou em meu nervo pulsante, e me senti
perdendo as forças. Suas mãos apertaram minha bunda, e um dos
seus dedos circulava ao redor do meu ânus.
― Um dia quero possuir aqui e provar a você o quanto é
prazeroso, tanto que não vai mais querer ficar sem. ― Analisou o
meu buraco enrugado, depois seguiu para a frente. ― Por agora
ficarei com essa boceta cremosa. Você será todinha minha, cada
centímetro desse corpo.
Eu estava inebriada demais e muito fascinada com as
sensações maravilhosas para discordar dele. Não era virgem, mas
fiz uma promessa a mim mesma de não fazer mais nada por
impulso. Era claro que, na primeira vez, estava apaixonada, e agora
não. O estranho era que o que eu tinha com Stefano era mil vezes
melhor do que tive com Gazo. Estaria eu errada ao seguir aquele
desejo? Poderia aproveitar e não deixar os sentimentos tomarem
conta? Esperava não me arrepender depois, pois, após fazer sexo
com ele, seria tarde demais.
― Vamos foder agora, depois posso pensar sobre o anal,
embora meu futuro marido não vai... ― interrompi-me quando seus
dentes puxaram meu clitóris, fazendo-me gritar, então cerrei a boca.
― Não fale de outro homem quando estou comendo essa
boceta deliciosa ― praticamente rosnou, circulando mais rápido
com a língua meu nervo pulsante.
Eu faria qualquer coisa que ele dissesse naquele momento
só para que não parasse de usar sua língua. Sentia-me flutuando
em algum lugar do espaço. Era tudo tão intenso e arrebatador que
me segurei estoicamente para não deixar o grito de desejo sair
conforme queria.
― Isso, goza para eu engolir tudo e não deixar nada! ― Sua
voz foi o que bastou para o êxtase transbordar quando tudo em mim
se dissolveu em prazer.
Minhas forças se acabaram, e, se não fosse ele ali, eu teria
caído no chão. Minha respiração estava acelerada, meu coração
trovejava.
― Puta merda! Realmente os vibradores não chegam nem
perto disso ― finalmente comentei após poder respirar de modo
normal de novo.
Sorriu endiabrado e me beijou.
― Prova a si mesma e me diz se não tem um gosto bom. ―
Realmente era um sabor diferente, não era ruim. ― O melhor que já
provei.
― Não posso dizer o mesmo, já que não provei nenhuma
boceta para comparar os sabores. Quem sabe um dia eu prove ―
provoquei-o.
― Espero estar junto. Não há nada mais prazeroso do que
ver duas meninas fodendo. ― Piscou, parecendo realmente querer
ver algo assim.
Peguei seu pênis duro, fazendo-o gemer.
― Chegou a minha vez de brincar.
― Ele está sentindo falta dessa sua boca. Porra, só de
imaginar, fico mais duro ― rosnou.
Ajoelhei-me em sua frente, pegando seu membro. Estava
muito ereto, pronto para mim. De sua coroa escorria o pré-sêmen,
mas não o deixei cair, tracei minha língua, degustando seu sabor.
― Seu gosto é tão bom... Também senti falta dele. ― Apertei
seu pau, fazendo Stefano soltar um assovio por entre os dentes. ―
Vamos ver se vai pensar em ficar com outra pessoa depois de mim,
e, se ficar, vai se lembrar de mim.
Não queria imaginá-lo fazendo aquilo com outras. Outra vez
as emoções interferindo. Expulsei esses pensamentos, só pensei
em aproveitar e ajudá-lo a se livrar de todo o estresse que devia ter
sentido nos últimos dias. Tomei-o em minha boca e o suguei. O que
não coube, segurei com uma das mãos, enquanto a outra acariciava
suas bolas.
― Porra! ― Fechou os olhos tamanho o êxtase.
Queria vê-lo domado e mole, assim como ele me deixou. A
cada avanço que eu fazia, saíam mais sons de sua boca, e eu
jurava que esses gracejos iriam ficar comigo por muito tempo
quando tudo aquilo acabasse.
Ignorei o aperto em meu peito com essa ideia. Não queria
pensar nisso, só aproveitaria qualquer segundo, pois estava
adorando cada carícia tanto dele em mim como as que eu fazia
nele.
Tirei a boca de seu pênis e chupei suas bolas enquanto batia
punheta.
― Puta que pariu! ― O cara perdeu o fôlego, como eu
queria. Voltei a colocá-lo em minha boca. ― Merda, você me deixa
louco!
Quanto a mim, nem se fala! Eu só sabia que estava amando
cada segundo daquilo.
― Eu vou gozar! ― Sua mão pegou meu cabelo, mas não
me forçou a tomar mais dele. Aproveitei para deixá-lo mais louco do
que já estava.
― Goze em minha boca. Quero engolir tudo que sair de você.
― Levei-o mais profundamente em minha garganta, até que senti
seu aperto em meus cabelos, mas não me machucou. Então senti
quando ele gozou. Só parei de chupá-lo quando não restava mais
uma gota.
Levantei-me, vendo-o mole escorado na parede, olhando-me,
mas não consegui ler sua expressão e, nesse momento, não achei
que gostaria de saber.
Stefano me puxou para seus braços, beijando-me e nos
levando para debaixo do chuveiro.
― Você é perfeita, gostosa demais... Eu poderia fodê-la aqui,
mas quero que façamos isso em um lugar diferente, onde seus
irmãos não possam entrar e querer cortar meu pau.
Ri.
― Você não fica atrás, Foguete ― provoquei-o com um
sorriso. ― Mas agora vamos nos vestir, antes que... ― olhei para
ele pelado ― você acabe perdendo seu brinquedo. Seria bem ruim,
porque gosto dele.
Stefano deu uma risada divertida. Por um segundo, ela me
distraiu, deixando-me de boca aberta e com o meu peito quente.
Não, isso não pode acontecer! O que temos é só sexo e será
só isso!, pensei como um mantra.
Após nos vestirmos, estávamos prontos para sair, quando
Stefano me chamou.
― Sim? ― Olhei para ele, que agora estava sério.
Eu tinha certa sensação do que ele queria falar comigo, mas
deixei que tomasse seu tempo. Se quisesse se abrir, eu estava
pronta para ouvir.
― Você não me perguntou sobre o que aconteceu comigo, o
transe em que fiquei. ― Observava-me com o cenho franzido.
Suspirei.
― Não é assunto meu para discutir. Se você quisesse me
dizer, teria dito.
Eu entendia um pouco sobre traumas. Às vezes encarar o
que se sente é bom. Conversar ajuda muito, mas eu não queria que
ele fizesse isso se não estivesse pronto.
― Sim, mas você ajudou conversando comigo. ― Sua voz
soou baixa.
― Não sei o que aconteceu, mas deve ter sido sério, pois vi a
forma como você ficou tanto no porão como aqui. São sintomas de
trauma. Seja o que você tenha passado, deixou uma cicatriz
profunda. ― Olhei para ele. ― Não precisa falar comigo, mas devia
se abrir com um psicólogo. Isso ajuda.
― Psicólogo? Não preciso disso. ― Sacudiu a cabeça. ― Se
eu abrisse o jogo com um, aposto que ele vomitaria as tripas, isso
para não dizer outra coisa.
― É função deles aceitar e ouvir seja o quer for. Não precisa
decidir agora, só pense no assunto. Te ajudaria a dormir à noite e a
evitar ter crises iguais às que vem tendo. ― Queria de alguma forma
ajudá-lo. ― Os traumas psicológicos acontecem quando alguém
vivencia uma situação ou experiência negativa, como dissemos,
mas não consegue esquecer ou trabalhar as emoções despertadas
no evento. A lembrança do fato é angustiante para a pessoa.
― Ao pensar no meu passado, me sinto como se estivesse
queimando vivo. Não dá. ― Respirou com dificuldade. ― Muito
menos falar do assunto com um estranho.
― Hummm... ― Franzi os lábios. ― Acho que conheço
alguém com quem você pode se abrir sem medo.
― Belinda...
― Só vai lá. Se não quiser, não precisa dizer nada até estar
pronto ― pedi, aproximando-me dele e pegando sua mão. ―
Lorrany é reservada, assim como todos os psicólogos, mas, como
somos da máfia, além de manter tudo entre paciente e especialista,
ela não distingue quem quer que seja por suas ações.
Lorrany era minha avó, mãe da minha mãe, e morava a
poucos quilômetros do orfanato, perto da praia. Eu ia para lá quase
todo final de semana. Ela não pertencia à máfia, assim como minha
mãe não o fazia quando se casou com meu pai. Era uma psicóloga
brilhante, boa no que fazia. Por sua causa, eu queria ser psicóloga,
ia muito com ela a orfanatos quando era nova e gostaria de ser uma
quando crescesse. No final, optei pela Assistência Social, um ramo
que eu amava.
― É uma mulher? ― indagou de forma dúbia. ― Não acho
que isso daria certo, a maioria das mulheres são frágeis e...
― Valentino foi até ela, que o ajudou. Ao menos ele parou de
lutar da forma insana que fazia. ― Dei-lhe um sorriso para aliviar a
tensão. Se ele pensava que vovó era dócil, teria uma surpresa. A
mulher era pior do que eu. Tive a quem puxar, porém houve uma
época em que eu não era assim. As dores me fizeram crescer e
fortalecer.
― E você não faz o tipo dela, pode ficar tranquilo. ― Pisquei.
Ele me encarou um segundo parecendo em choque.
― Leve seu tempo. ― Dei mais um aperto em sua mão e me
virei para sair, quando um estrondo fez tremer o chão, como se uma
bomba tivesse sido jogada.
Stefano correu até mim e segurou meu braço, puxando-me
para o fundo do escritório.
― Maldição! Esqueci minha arma no vestiário antes da luta
― praguejou.
Antes que eu respondesse, meu telefone tocou. Atendi ao
meu irmão.
― Santiago... ― comecei a sondar o que estava havendo,
mas fui interrompida por ele:
― Onde você está?! ― inquiriu com preocupação, então ouvi
tiros.
― Estou no escritório ― sussurrei. ― Você e Benjamin estão
bem?
O telefone sumiu da minha mão antes que ele me
respondesse. Quis chutar Stefano, mas me controlei. Primeiro
precisava saber se todos estavam bem.
― O que está acontecendo? Estou sem uma arma aqui ―
perguntou Stefano. ― Tomarei conta dela ― prometeu e fez uma
pausa para ouvir. ― Sim, acho que sei. Vou fazer isso. Pode
detonar esses malditos.
Ele me entregou o celular e correu até um quadro que tinha
na parede. Ali tinha um cofre cuja senha ele tinha, pois o abriu. Meu
irmão devia ter-lhe dado. Dentro do cofre havia várias armas.
― Santiago, o que está acontecendo? ― perguntei com o
pânico crescendo, especialmente por temer pela vida de meus
irmãos. ― Benjamin e você estão...
― Estamos bem. Agora fique com Stefano e faça tudo que
ele disser. Logo vejo você. Ele sabe aonde levá-la. ― Parecia
furioso. ― Me deixa resolver aqui. Depois Stefano lhe conta o que
está acontecendo.
― Fiquem seguros. Amo vocês dois demais ― declarei antes
de desligar. Estava aliviada por meus irmãos estarem bem. Eu
confiava que tudo daria certo, e não queria atrapalhar a luta deles
com quem estava invadindo o nosso estabelecimento. Fui até
Stefano, que colocava uma arma no coldre e outra na bota e ficou
com uma em sua mão.
― Aqui, pegue. ― Entregou-me uma pistola. ― Só no caso
de precisão.
― Stefano, sabe quem está atacando?
― Não faço ideia. Vamos descobrir depois. ― Ele parecia
com raiva enquanto colocava um pacote de C4 na porta do
escritório enquanto ainda estávamos dentro do cômodo.
Pisquei.
― O que pensa que está fazendo? Vai nos explodir aqui?
― Não, vamos sair pela saída secreta. Se alguém abrir a
porta pelo lado de fora, vai ser explodida ― falou, abrindo uma porta
muito bem disfarçada. ― Seu pai foi esperto ao fazer um túnel, e
temos sorte por estarmos aqui na hora do ataque. ― Ele pegou meu
braço, e entramos no elevador por trás da porta. Ele ia dar no
subterrâneo, onde havia um túnel secreto.
Saímos do elevador, e Stefano abriu um alçapão.
― Eu vou pular, você vem logo atrás ― orientou-me, olhando
para o elevador, talvez com medo de virarmos carvão caso um dos
inimigos entrasse lá em cima. Pulou e estendeu os braços para
mim. ― Pula, que seguro você.
Bufei com um revirar de olhos.
― Sei pular, não sou uma criança que precisa ser amparada
― rosnei e saltei, mas o bastardo me pegou mesmo assim.
― Você é uma coisinha linda, sabia disso? ― Antes que eu
pudesse retrucar, deu-me um selinho. Foi suave e nada sexual.
Afastei-me, não querendo proximidade.
― Eu sei que você não é uma criança, posso ver muito bem
isso. ― Stefano piscou para mim para aliviar a tensão. ― Ainda
mais com essa bunda perfeita que tem.
― Só você para me fazer rir a essa hora. ― Ri sacudindo a
cabeça. ― Espero que não ande por aí pegando mulheres que
pulem em seus braços.
― Na verdade, faço isso de vez em quando. ― Ele começou
a andar. Segui-o enquanto meu peito se apertava e o sorriso sumia.
Estava ali de novo a sensação. Eu quis grunhir, não para ele,
mas para mim mesma por me importar.
― Fiz uma casa na árvore para Graziela, então, quando vou
lá, ela pula nos meus braços para eu colocá-la lá em cima. Está
inacabada, ainda precisando de escadas. Assim que tiver tempo,
vou construí-la.
Graziela era a filha de Alessandro e Mia. Eu ainda não a
havia conhecido, mas, pela forma como Stefano falava, parecia
adorar a criança, sua sobrinha, embora não de sangue.
Por que será que meu peito se aliviou após saber disso? Na
verdade, eu sabia, mas era algo em que não queria pensar.
― Você parece gostar muito dela. ― Mesmo sem o vínculo
genético, ele a amava como se ela fosse de sua família, e era isso o
que contava.
― Graziela é especial ― começou a dizer enquanto
andávamos pelo corredor do túnel iluminado. Provavelmente
Stefano tinha ligado as luzes ao abrir o alçapão, eu apenas não
notei. ― Ela entrou em nossas vidas como um sol, resplandecendo
tudo.
― Me senti assim com a chegada de Carmen e Kélia. Até
pedi a Luna que me desse as meninas ― sussurrei. Sentia uma
falta danada das minhas fadinhas.
Ele riu.
― Miguel deve ter adorado isso. ― Revirou os olhos, por
certo pensando na reação do nosso cunhado, que não foi nada boa.
Eu estava brincando sobre adotar as crianças, mas, se tivessem
permitido, era claro que eu não teria dito não.
― Achei que fosse pular no meu pescoço. ― Sorri, pensando
naquele dia. ― Espero ver minhas bonequinhas em breve. Sinto
muita falta delas e de Luna.
― Me fala quando, que apareço lá e a protejo de Miguel. ―
Piscou provocativo.
Bufei.
― Não preciso de sua proteção, sou capaz de lidar com meu
cunhado.
Andamos por mais algum tempo, o equivalente a dois ou três
quarteirões, então encontramos uma escada, que levava ao lugar
secreto. Subimos e entramos em um cômodo. Parecia um quarto ou
sala, eu não saberia dizer. Não tinha janela, só uma porta.
― Puta merda! ― arrulhou Stefano.
Pisquei chocada, pois havia uma parede lotada de armas
brancas e de fogo de todo tipo, incluindo um RPG igual ao que Lyn
usou.
Fui até ela, peguei uma faca e a prendi na faixa em minha
bota.
― Seus irmãos são preparados ― comentou ele um tanto
impressionado.
― Vocês não são? ― retruquei com as sobrancelhas
erguidas. ― Ouvi muitas coisas dos Morellis. Se for tudo mentira,
ficarei desapontada.
― Nós somos. O que aconteceu hoje aqui não aconteceria
em nosso território. ― Ele parecia orgulhoso ao dizer isso. Em
seguida recebeu uma mensagem e suspirou de modo sombrio após
ler. ― Conseguiram controlar a situação no clube de luta.
― Santiago disse o que aconteceu? Ouvi tiros, mas não
entendo como entraram. E aquela explosão? ― Sacudi a cabeça. ―
Como entraram com armas lá dentro?
― Parece que alguém entrou carregando uma bomba. O lado
direito da arquibancada foi destruído, assim como as pessoas que
se encontravam no local. Outros aproveitaram para entrar armados.
― Sua voz soou letal.
― Pessoas morreram? ― indaguei com o peito apertado. Eu
temia só em pensar que Santiago e Benjamin poderiam ter sido
feridos também. Graças a Deus que não foram. ― Acha que esse
ataque está relacionado ao perigo que Lyn nos disse que estou
correndo? ― Tinha chegado a hora de contar à minha família. ― Eu
deveria ter contado aos meus irmãos. E se eu não ter falado foi o
motivo da morte daquelas pessoas?
Stefano tocou meu rosto.
― Não é sua culpa nada disso. Se entraram no ringue
armados, foi porque alguém os deixou passar. ― Sua voz saiu
sombria.
― Acha que temos algum infiltrado? ― Arquejei, não
querendo pensar no que houve na última vez que tivemos um em
nossa família. Ele nos levou alguém de cuja perda fomos incapazes
de nos recuperar direito.
A porta foi aberta antes que alguém comentasse algo mais, e
Stefano levantou a arma na direção dela. Javier levantou a dele.
― Gente, estamos do mesmo lado. ― Tentei acalmar os
ânimos.
― Será? Ninguém ousaria nos atacar assim, a não ser
alguém que conheça o nosso local ― acusou Javier, fuzilando
Stefano. ― Só conheço alguém que está em nosso meio e que
poderia fazer tal coisa e fingir que não foi ele.
― Se está me acusando, é melhor ser homem e dizer na
cara. ― Stefano deu um passo até ele, mas segurei seu braço e o
firmei no lugar.
― Stefano, se controla ― pedi e olhei para Javier. ― E você
fique na sua. Confio nele.
― Jura? Não é só porque vocês andam fodendo... ― Suas
palavras foram cortadas pelo punho de Stefano em sua boca. O
sangue escorreu.
― Controle sua maldita boca antes de dizer merda sobre
Belinda, ou juro que nenhuma plástica vai consertar seu rosto, isso
se eu não o mandar para o inferno. ― Eu percebia que Stefano
estava tentando controlar sua fúria e não colocar suas palavras em
prática. ― Você teve uma chance com ela e a desperdiçou, agora
aceite isso, ou vamos ter um grande problema.
Pisquei. Achei que eles estavam se desentendendo porque
um não confiava no outro a respeito de traição e não porque Javier
estava com despeito. Como disse Stefano, ele teve sua chance e
não a aproveitou.
― Escuta aqui, seu idiota, se eu estivesse fodendo com
Stefano ou algum outro, não seria da sua conta. O que faço da
minha vida é problema meu, não seu. ― Cerrei os punhos para não
socar sua cara estúpida.
Javier me fuzilou.
― Ele vai quebrar seu coração em milhões de pedaços ―
rosnou.
Sorri de modo frio.
― Se isso acontecer, não será para você que vou chorar,
pode ficar tranquilo. Posso afogar a dor em qualquer braço ou cama,
menos com você, não depois do que acabou de dizer ― sibilei,
virando-me para sair.
― Belinda... ― Ele segurou meu braço, o que foi a coisa
errada a se fazer, pois Stefano se lançou sobre ele, colocando uma
faca em sua garganta. Javier ia revidar, mas peguei o braço de
Stefano.
― Parem com isso, ou vou chutar a bunda dos dois ―
grunhi, meus olhos relampejando. ― Vamos embora daqui. Ou
deixo vocês se matarem e vou sozinha.
Dois machos alfas se encarando, assassino versus
assassino. Os dois eram letais. Eu não sabia quem venceria, mas
provavelmente seria Stefano. Havia muita fúria reprimida dentro
dele.
Não esperei que respondessem, só virei as costas e saí do
cômodo cheio de armas. Eles que tomassem a decisão de vir
comigo ou se matar. Há coisas mais preocupantes no momento do
que dois homens brigando para ver quem tinha o pau maior, pensei
amarga. Entretanto, embora eu não quisesse admitir, as palavras de
Javier sobre Stefano quebrar meu coração estavam arrulhando em
meu cérebro.
Seria possível? Eu devia terminar tudo antes que fosse tarde
demais? Por que meu coração ficava tão apertado com a mera
menção dessa ideia?
No íntimo, eu acreditava que era tarde demais para me
afastar dele.
Tudo em mim fervia, pois fiquei vulnerável na frente de
Belinda por um momento. Impressionou-me o fato de ela ter me
ajudado a voltar a mim.
Os pensamentos me atormentaram assim que ela me tocou.
Não consegui trancá-los em meu inconsciente. Tudo era fodido
demais, por isso oscilei com a sua sugestão de eu me consultar com
uma psicóloga de seu conhecimento.
Fiquei de pensar sobre o assunto, mas fomos atacados por
alguém que explodiu quase todo o estabelecimento da máfia
Pacheco. Seria realmente alguém atrás de Belinda? No entanto,
isso não fazia sentido. Os homens que nos perseguiram no dia em
que fomos ao cemitério eram assassinos profissionais, não do tipo
que usavam atentados a bomba e feriam pessoas que nada tinham
a ver com o alvo.
Para mim, parecia que aquilo tinha o dedo de algum infiltrado
ou inimigo dos Castilhos. Se Belinda não estivesse comigo, poderia
ter sido uma das vítimas. Eu temia só em pensar nisso.
Essa merda não podia ficar mais fodida, ainda mais quando
Javier apareceu. Eu não gostava dele nem um pouco, ainda mais
após perceber que ele gostava de Belinda. Poderia matar o infeliz,
mas a segurança de Belinda era mais importante.
No momento, estávamos em um apartamento dos Castilhos
sobre o qual poucos tinham conhecimento, apenas os mais
próximos deles.
Belinda tinha ido para o quarto falar com a sua irmã e depois
tomar um banho. Eu queria estar com ela naquele instante e sentir
seu cheiro, pelo qual estava viciado.
Na sala, estavam Benjamin, Santiago, Valentino e Javier,
menos Fabrizio, que estava para chegar.
― O que descobriram? ― questionei. Não estava gostando
de ficar parado, sem fazer nada. Apreciava ação, mas não deixaria
Belinda sozinha com Javier ou qualquer outro homem. Todos,
exceto seus irmãos, podiam ser traidores em potencial.
― Não sabemos quem foram os responsáveis pelo ataque.
Os envolvidos foram mortos. Seja quem for, a sua intenção foi fazer
um belo estrago. Um deles tinha a bomba no corpo, enquanto o
outro atirava contra nós. ― Valentino se serviu de uma dose de
uísque e tomou um gole generoso.
Franzi a testa.
― Isso é estranho. Quem atacaria suas instalações só com
dois homens, sendo um deles suicida? ― Sentei-me no sofá. ―
Não faz sentido. E como conseguiram passar armados pelos
seguranças?
― Acredito que não estejam relacionados a nós. ― Olhou-
me. ― Não nos atacaram diretamente.
― Pareceu aleatório ― disse Santiago com o cenho franzido.
― O que me lembra dos guardas inconscientes na academia.
Nenhum foi morto. Não descobri nada nas câmeras naquele dia.
Lyn não faria aquilo, não era seu estilo. Eu podia estar havia
muitos anos sem saber dele, mas o cara jamais explodiria um monte
de gente “inocente”. Ele era do tipo que preferia um único tiro na
testa ou tortura dependendo de sua intenção.
― Descobriu alguma coisa nas câmeras hoje? ― Elas
deviam ter gravado algo. Se alguém tinha mandado aqueles dois
atacarem o local, estaria de olho em tudo.
― Não descobri nada. As imagens pareciam normais, mas,
após avaliar bem, notei que foram mexidas. Quem fez isso, é bom
demais ― destacou Benjamin. ― Tem gente nossa tentando
localizar a fonte das alterações.
Não era mesmo coisa de Lyn, disso eu tinha certeza. Ele não
nos avisaria do perigo que Belinda estava correndo e depois nos
atacaria. Além disso, sua assinatura não estava nas mortes. Se um
origami tivesse sido encontrado, Valentino e os outros saberiam.
― O que não se explica é porque atacaram e sumiram com
as imagens e depois simplesmente não fizeram mais nada, apenas
se deixaram ser mortos. Se fosse um ataque de uma gangue rival,
mais homens teriam participado ― destacou Santiago, sentando-se
também.
― Positivo ― assenti. ― Talvez tenha sido apenas para
checar os seus negócios. Mas ainda penso que não tem
fundamento eles terem conseguido entrar armados.
― O segurança da porta de entrada foi morto a alguns
quarteirões do clube ― disse Fabrizio, entrando com Sage, que
varreu os olhos em todos, focando por último em mim.
― Stefano. ― Curvou a cabeça em um cumprimento.
Eu não gostava dele. Se fosse por mim, estaria morto por ter
nos enganado. Tínhamos confiado no filho da puta, e ele nos traíra.
― Controle esse olhar assassino, Foguete ― disse Belinda
também adentrando na sala. Usava um robe e tinha os cabelos
úmidos, tão sexy e perfeita como sempre.
― Também não gosto desse olhar ― Santiago rosnou.
Ela se sentou ao meu lado. Seu cheiro recendeu em minhas
narinas, impedindo-me de focar no assunto que eu estava tratando
com os irmãos dela. Foquei em prestar atenção na conversa e
ignorar a tentação que era aquela mulher.
― Por que não veste uma roupa? ― Benjamin estreitou os
olhos.
Eu concordava com ele, embora não achasse que minha
opinião importasse.
― Não tem nada aqui para eu vestir. ― Ela suspirou. ―
Agora chega de falar da forma que estou vestida. Pegaram quem
atacou o clube?
Olhei para Belinda, querendo dizer-lhe que precisávamos
falar com seus irmãos sobre o perigo que corria, mencionado por
Lyn. Esperava que ela entendesse meu olhar. Não queria ser mais
claro, ou seus irmãos desconfiariam, e eu não queria falar sem que
ela concordasse.
― Não descobrimos nada ainda. ― Então Fabrizio relatou
sua busca por pistas, enquanto pegava uma bebida. ― Por ora,
você e Serena vão ficar na mansão até descobrirmos o mandante.
Razor está trazendo-a.
― Não posso ficar presa dentro de casa! ― Levantou-se em
um salto. ― Fui convidada para tomar conta do orfanato por uma
semana no lugar de Jared, que precisa viajar. Não posso deixar
passar essa oportunidade.
― Isso está fora de questão. Não sei quem é o responsável
por esse ataque e vou precisar de todos em quem confio realmente.
Não vou deixá-la desprotegida no orfanato ― Fabrizio frisou,
encontrando os olhos dela.
― Precisamos ficar de olho em vocês duas. Não gosto da
ideia de inimigos as tocando... ― Valentino colocou as mãos nos
cabelos em um gesto tenso.
Belinda pegou sua mão e se sentou ao meu lado de novo,
puxando o irmão para se sentar no outro lado.
― Ficarei bem. O orfanato tem guardas, acho que podem dar
conta do recado ― insistiu ela. ― E ninguém lá sabe quem sou
realmente.
― Belinda...
― Ah, vamos lá, gente! Alonso e Rolander vão estar comigo!
― começou a suplicar.
Eu não gostava da ideia de ela ser vigiada por outras
pessoas, não confiava em nenhuma delas, apenas nos irmãos, que
se importavam com Belinda e a amavam a ponto inclusive de dar
sua vida por ela. Eu sabia disso porque faria o mesmo pelas minhas
irmãs.
― Vou precisar deles. Como disse, só vou deixar os que mais
confio com vocês duas. Alonso e Rolander vigiarão Serena, e por
isso quero você lá junto a ela. ― Fabrizio tinha a expressão
sombria.
― Preciso me manter ocupada. ― Seus lábios tremeram. ―
Ou ficarei louca.
Contive o instinto de confortá-la. Isso estava passando do
limite. Eu não podia me envolver. Então por que não conseguia ficar
longe?
― Tudo bem ― concordou Fabrizio por fim.
― Fabrizio... ― começou Valentino, não concordando.
No fundo eu estava de acordo com ele, não queria que
Belinda fosse, mas a conhecia e sabia que ela não ficaria presa em
casa, sua mente precisava de distração.
― Stefano vai tomar conta de mim e me manter segura, e
posso ficar naquela casa que tem próxima ao orfanato. Com o meu
disfarce, ninguém que esteja atrás de nós me seguiria e atingiria
quem está no orfanato. ― Belinda levantou as sobrancelhas,
desafiando-me a dizer o contrário na frente dos seus irmãos.
― Eu... ― comecei a falar que não ia fazer aquilo, mas me
detive, porque, se ela fosse, eu a seguiria. Não ficaria bem sabendo
que ela podia correr perigo.
― Ele vai fazer isso. ― Belinda sorriu para todos e depois
para mim. ― Você me deve, Foguete, ou os Morellis não têm
palavra?
Aquela Diabinha me levaria à loucura. Sabia que, ao dizer a
última frase, ela estava apenas me provocando e não cobrando
realmente uma dívida. Belinda nunca cobraria por ter me ajudado
em meu surto.
― O que ele fez para dever algo a você? ― inquiriu Santiago
com os olhos estreitos.
Fiquei tenso imaginando o que ela diria, mas era uma reação
exagerada, pois Belinda jamais diria nada que não devesse, embora
eles tivessem me visto em um momento difícil, quando surtei em
seu porão. Eu lhes agradecia por ninguém ter tocado no assunto.
― Me impediu de esmagar o oponente com quem ele estava
lutando quando o cara sugeriu que eu chupasse o pau dele ― ela
respondeu com um grunhido. Sorriu para mim, levantando o copo
que tinha pegado da mão de Valentino como se estivesse
brindando. ― Por isso me deve. Além disso, você não tem muito o
que fazer aqui. Lá terá mais coisas interessantes para fazer.
Imaginei as coisas boas que podíamos fazer juntos. Uma
delas envolvia comê-la todinha. Expulsei esse pensamento; ficar
duro ali com os irmãos dela presentes não seria sábio.
― Espera. Um dos lutadores a tratou com desrespeito? ―
indagou Fabrizio. Olhou para Santiago e Benjamin. ― Não estavam
de olho nela?
― O cara estava no ringue com Stefano, então teve o que
mereceu. ― Santiago suspirou, falando: ― Pena não ter sido eu a
fazer o serviço.
Matar o bastardo foi muito prazeroso. Ele tinha a língua muito
afiada e falava muita besteira, principalmente o que disse que ia
fazer com Belinda. Isso me deixou puto. O verme não merecia
respirar o mesmo ar que ela. Escolhi lutar com ele porque o maldito
tinha batido em sua “ex” a ponto de deixá-la em coma havia alguns
anos e saído ileso. O destino dele estava selado antes mesmo que
abrisse a boca para insultar Belinda.
― Ótimo ― assentiu Fabrizio para mim. Vi respeito em sua
expressão e outra emoção que não identifiquei, não rápido o
bastante antes que a fachada voltasse ao seu rosto. ― Vai tomar
conta dela enquanto estiver no orfanato? Acho que deve levar mais
duas pessoas. Sage e Javier irão com vocês dois, caso aceite.
Eu acreditava que Alessandro não se oporia, mesmo que
preferisse que eu ficasse perto dos irmãos para saber se eles eram
confiáveis. Eu acreditava que eram, afinal, se não fossem, jamais
aceitariam deixar uma de suas irmãs sob a minha proteção.
― Sage precisa tomar conta de sua esposa e de sua filha ―
interveio Belinda antes que eu respondesse. ― Por que tanta
hesitação, Foguete? Está com medo de ficar sozinho comigo? ―
Pelo tom de sua última frase, ela estava com raiva. ― Se Stefano
não quiser ir, Fabrizio ― virou-se para ele, e percebi que eu não
gostaria do que ela diria ―, se estiver com medo, você pode chamar
El Diablo. Ele é lindo, e posso acabar me apaixonando...
Meus punhos se cerraram tão forte que não sei como as
juntas não se quebraram na época. Levantei-me, saindo de perto
dela, uma vez que não queria que visse minha reação. Eu tinha lhe
pedido que não falasse de nenhum cara enquanto estivéssemos nos
vendo. Só a mera ideia de aquele idiota tocando-a acabava comigo,
ou melhor, deixava-me louco para acabar com o verme.
― Ele não é para você, Belinda. ― A voz de Fabrizio soou
alta e dura. ― Há demônios demais nele, incapazes de você lidar.
Demônios... eu também tinha muitos, tanto que não sabia se
um dia seria feliz ou se poderia fazer alguém feliz. Se os irmãos de
Belinda achavam que ela não podia lidar com El Diablo, então não
gostariam que ficasse com alguém como eu.
― Preciso consultar Alessandro. ― Não queria ser o guarda-
costas de Belinda, pois não poderia sair de perto dela caso eu
surtasse novamente. Quando meus demônios me comiam vivo, eu
sumia por uns dias, mas, no orfanato, estaria com ela 24 horas por
dia.
Bem que Alessandro poderia me livrar daquilo e me mandar
voltar. Chega de ficar de olho nos Castilhos e lidar com uma
Diabinha que me faz ao mesmo tempo querer tomá-la e nunca mais
vê-la!
― Stefano... ― começou ela.
― Falei que vou conversar com Alessandro! ― Saiu
praticamente um rosnado.
Saí antes que ela pudesse me chamar de volta. Não estava
com humor para aturar mais de suas gracinhas. Fui à sacada a fim
de ligar para o meu irmão.
Vi notificações de mensagens, mas as ignorei. Não estava
com humor para ver nada naquele instante.
― Stefano? Aconteceu alguma coisa para ligar a essa hora?
― sondou Alessandro assim que atendeu.
― Houve um ataque no clube de luta dos Castilhos.
Explodiram metade do lugar ― informei.
― Ataque? De quem? ― Ouvi-o dizendo algo e depois uma
porta batendo.
― Não sabemos.
Contei-lhe tudo que aconteceu.
― Então não sabem quem fez?
― Não, Fabrizio vai investigar. ― Suspirei. ― De qualquer
forma, fui encarregado de proteger Belinda. Ela vai tomar conta do
orfanato onde trabalha essa semana.
Ele ficou em silêncio um segundo.
― Deve ir fazer o que lhe foi pedido ― disse por fim.
Encarei a escuridão da noite.
― O quê? Achei que não fosse aceitar por preferir que eu
ficasse aqui observando todos.
― Não, Rafaelle vai para aí, assim como Razor. Os dois
podem resolver isso junto aos irmãos Castilhos. Só tome conta da
garota.
Franzi a testa.
― Acho que eles são confiáveis e confiam em nós, afinal vão
me deixar cuidar de sua irmã, então posso encerrar aqui e ir
embora. Todos são sinceros e realmente adoram a Luna. ― Notei
isso durante o tempo que passei com eles e gostei.
― Não, fique aí por mais um tempinho, afinal pode ter
traidores, e preciso saber disso. ― O tom soou estranho para
Alessandro.
Por que a insistência em que eu ficasse ali e ainda tomasse
conta daquela Diabinha que fazia meu sangue ferver?
― Tem algo que está me escondendo? ― perguntei. ―
Algum outro motivo para eu estar aqui?
― Não, só faça isso, mas se lembre: não faça nenhuma
besteira ― advertiu.
― Isso não vai acontecer. ― Eu poderia ter-lhe dito que a
havia tocado, assim ele me chamaria de volta para casa, mas não
era de desistir de uma luta. Se aquela Diabinha gostava de mexer
com fogo, eu a faria se queimar debaixo de mim.
― Ótimo. Só foque em protegê-la ― pediu e desligou.
Não detectei mais nada ali, mas ele era bom em esconder as
coisas. Meu instinto me dizia que algo não cheirava bem naquela
história. Percebia isso desde que tinha chegado ali.
Estava a ponto de voltar para a sala, não querendo mais
pensar nas minhas dúvidas sobre aquilo tudo e mais controlado em
relação a Belinda, embora não menos furioso, mas notificações
sonoras de mensagens começaram a vir uma atrás da outra.
Resolvi checar o celular.
“Lamento... Só disse aquilo sobre El Diablo porque Santiago
estava desconfiado de algo”. Essa foi a primeira mensagem de
Belinda, antes de eu ligar para meu irmão.
Pisquei e olhei através da porta de vidro para a sala, onde a
vi sentada no mesmo lugar. Seus olhos se voltaram em minha
direção, e vi que ela estava sendo sincera.
Saber disso tirou um peso que nem notei que estava em meu
peito.
Li as outras mensagens:
“Por que não me respondeu?”
“Não devia ser ciumento assim. Quem falou que não tinha
ciúmes?”
“Se prometi que não tocaria no nome de outro enquanto
estávamos juntos, então devia acreditar em mim e não ficar puto da
vida e me ignorar.”
Era uma mensagem atrás da outra, e eu sentia que a cada
uma ela ficava mais irritada.
“Quer saber? Vai à merda! Se não acredita em mim, que
assim seja!”
Depois disso ela passou um tempo sem mandar outra
mensagem, até a última, um minuto atrás.
“Você é um idiota, estúpido, tapado e teimoso como uma
mula!”
Dessa vez eu ri com tantas palavras sinônimas. Ela estava
mesmo furiosa.
“Você mencionou outro cara. O que queria que eu fizesse?
Lesse sua mente? Sou algum telepata?”, escrevi e enviei.
Notei que ela estava respondendo, mas enviei outra
mensagem antes:
“Você me faz querer dobrá-la em meus joelhos e encher essa
sua linda bunda de palmadas.”
Observei sua reação através do vidro e a vi se remexer no
sofá como se estivesse se sentindo incômoda.
“O quê? Minha mensagem fez essa sua linda boceta pulsar?
Está molhada para mim? Estou faminto para comê-la, contando as
horas para ficarmos sozinhos e provar desse mel que se tornou meu
vício”, mandei.
Eu poderia tê-la fodido mais cedo, mas vi hesitação em seus
olhos. Ela tentou esconder, mas não conseguiu. Além disso, eu não
queria ter de ser rápido. Quando possuísse aquele corpo delicioso,
planejava passar horas desfrutando dele.
― De quem são essas mensagens? ― sondou Santiago.
Eu quis rir quando sua cabeça voou na direção dele. Foi tão
rápido que não sei como não teve um torcicolo.
Entrei na sala de olho nela, que estava com a respiração
desigual.
― Serena ― mentiu, recuperando-se.
Santiago franziu a testa. Antes que ele comentasse algo,
chamei a atenção dos Castilhos informando que já tinha minha
resposta. Assim Belinda não precisaria mentir mais, embora eu
adoraria ouvir o que diria.
― Então? ― sondou Fabrizio.
― Tudo certo, mas vou tomar providências quanto à
segurança de Belinda. Não confio em seus homens até ter certeza
de que não estão envolvidos no ataque. O guarda do clube de luta
com certeza foi comprado antes de ser morto, só assim para deixar
que eles entrassem armados, então pode haver mais traidores. ―
Olhei para Sage e Javier.
Esse último se eriçou.
― Está nos acusando? ― rosnou. ― Poderia ser você.
Sorri de modo frio.
― Se fosse eu, não explodiria o local, matando pessoas que
não conheço ― falei com um sorriso sombrio para Sage. ― Eu iria
atrás daqueles que quero e os torturaria por horas, demorando para
mandá-los ao inferno.
Sage sorriu com ironia.
― Como você quer fazer comigo? Estou aqui. Por que não
faz? ― inquiriu, mas no final parecia mais curioso que provocativo.
― Ele estaria morto antes que tentasse algo ― disse
Benjamin.
― Mas teríamos que explicar o sumiço dele a Luna ―
interveio Santiago, parecendo falar consigo mesmo.
― Não tenho medo da morte. ― Ignorei os dois, continuando
a fitar Sage. ― Só há uma razão para eu não ter dado fim à sua
vida: porque, de algum modo, Luna tem amizade por você e sofreria
com isso.
Sage não disse nada, mas não parecia com medo.
― Chega de tanto querer matar um ao outro. ― Belinda se
pôs de pé e ficou entre mim e Sage. Eu não o atacaria, embora
vontade não me faltasse. ― Se a reunião acabou, acho melhor
irmos dormir. Amanhã terei que acordar cedo.
Dormir... Eu não sabia quando havia tido uma noite de sono
decente. Poderia sair para espairecer, mas não adiantaria; naquele
momento, só queria ficar ao lado de Belinda.
Após ela ir se deitar, fiquei na sala mais um pouco a fim de
resolver tudo antes da sua estada no orfanato.
― Quem vai chamar para ajudar você a protegê-la? ―
sondou Fabrizio.
Só estávamos nós dois ali, os outros tinham saído para
checar alguns dos negócios após a reunião.
― Viper e Lyn. ― Ao menos eu esperava conseguir a ajuda
dele.
― Lyn? O assassino fantasma? ― sondou. ― Achei que ele
não quisesse vê-lo.
― Sim. Tem algo que preciso dizer, mas Belinda não pode
saber que contei. Ela pediu segredo, porém a sua segurança vem
em primeiro lugar. ― Eu não me sentia mal por não cumprir a
promessa. O irmão dela tinha que saber.
A expressão de Fabrizio se fechou, parecendo não gostar do
que estava ouvindo.
― O que Belinda esconde de mim? Falei com ela tem pouco
tempo, e não disse nada. ― Sua voz soou dura.
― Aqueles homens não foram ao cemitério por mim. Eles
queriam a Belinda ― informei.
Ele se levantou parecendo o que era realmente, um
assassino cruel.
― O quê?! Ela não pensa em me dizer? ― Sacudiu a cabeça
― Por que...
― Porque, se fizesse, você não a deixaria trabalhar mais, e
Belinda precisa disso. ― Suspirei. ― Ela esconde a dor que sente
de todos. Às vezes a vejo rir, mas por dentro isso a consome aos
poucos.
― Porra! ― exasperou-se.
Era difícil ver aquele homem calmo e frio perder o controle.
― Lyn apareceu há algumas semanas para alertar sobre
isso. Disse que ela estava metendo o bico onde não era chamada.
No começo, não achei nada que a relacionasse a quem quer que
fosse, mas...
― Após o que aconteceu com os meninos do orfanato, acha
que tem a ver com a profissão dela?
― Suspeito que ela descobriu algo, mas não sabe, e a
consideram uma ponta solta.
Ele suspirou.
― Você acha que vou deixá-la ir para aquele lugar depois
disso? ― Cerrou os punhos.
― Ela precisa focar no trabalho, e vamos protegê-la, vou me
certificar disso ― prometi. ― Além disso, pode não ser nada
relacionado ao instituto, mas às crianças que ela vai verificar após
as adoções, já que faz o acompanhamento dos casos. Talvez
apenas tenha relação com os meninos sequestrados, e, como os
libertaram, ninguém tenha mais nada contra ela.
Arqueou as sobrancelhas.
― Acredita mesmo nisso?
― Não, mas Belinda tem que trabalhar. Ficar parada em casa
vai consumi-la. Deixa que eu tomo conta da segurança dela. Ficarei
ao seu lado 24 horas por dia. Viper nos seguirá fora do
estabelecimento, e, se eu conseguir ajuda de Lyn, ele pode nos
vigar de longe.
― Ficará sob sua responsabilidade a segurança dela, e, se
acontecer algo à minha irmã, você estará morto. Está ciente disso?
― Não era uma ameaça vazia. Eu sabia que ele faria exatamente
isso.
― Fechado ― falei com tranquilidade. Nem parecia que
estávamos falando da minha morte. Em uma época de minha vida,
eu temia isso, mas fazia muitos anos que não mais. ― Se eu não
conseguir a ajuda de Lyn, estava pensando em chamar El Diablo.
― Você não parece gostar dele ― observou, checando-me.
Dei de ombros. Tinha certa antipatia por ele, ainda mais após
saber que Belinda o achava um deus grego ou fosse lá o que fosse
essa merda.
― El Diablo é profissional. Sei que sua linha de trabalho são
assassinatos, mas ele é bom com proteção também. Fez isso com a
Mia e deu muito certo. Pode funcionar com Belinda,
independentemente do que eu sinta em relação a ele. ― Asco,
pensei.
Ele assentiu.
― Acha que o ataque no clube tem relação a Belinda? ―
Serviu-se uma bebida.
― Não creio. Quem fez isso parecia querer espionar alguma
coisa, ao contrário daquele dia em que tentaram nos matar. Aqueles
homens são treinados em um lugar que leva tudo de você e não
deixa nada. Acredito que seja para um lugar desses que iam levar o
garoto que Belinda toma conta. ― Levantei-me, querendo sair logo
dali.
― Prometheus?
― Sim. Não sei bem sobre isso, mas parece ser uma rede de
corrupção de lutas clandestinas. As crianças são forçadas a isso e a
coisas muito piores. ― Eu não estava me sentindo muito bem
falando sobre o assunto.
Por um momento, achei que ele fosse perguntar como eu
sabia disso, mas não o fez. Agradeci-lhe mentalmente.
― Tem gente minha procurando informação sobre esse nome
― informou-me.
Assenti.
― Vou tomar conta dela, e você encontre também quem
explodiu o seu estabelecimento. ― Virei-me para sair, mas ele me
chamou. Voltei-me em sua direção. ― Sim?
― Mãos para si enquanto estiver com Belinda ― avisou,
letal. ― Ela não é algo que você pode pegar e descartar em
seguida. Minha irmã tem um futuro com alguém que morreria por
ela, que daria sua vida para salvá-la. Se você não vai ser esse
homem, não a toque.
― Certo. ― Saí, porque não queria falar do que eu estava
sentindo por Belinda. Na verdade, queria não sentir nada, mas não
achava possível evitar.
Belinda tinha a capacidade de conquistar qualquer um. Ao
mesmo tempo em que era valente, era altruísta, adorava ajudar os
outros, como aqueles meninos sem pais e família.
Eu faria qualquer coisa para ajudá-los a se livrar dos malditos
sequestradores. Não sabia se havia mais, mas, se aparecessem,
impediria que os levassem.
Como não conseguia dormir e não ia mandar mensagem
para Belinda, pois devia estar dormindo, resolvi ir até ela. Só
Fabrizio estava no apartamento. Os guardas se encontravam do
lado de fora.
Entrei no quarto dela sem que ninguém me visse e me sentei
no sofá ao lado da cama. Ela dormia tranquilamente, então não a
acordei. Ficar ali, perto dela, ajudava a afastar aquela ansiedade do
meu peito.
Queria me deitar ao seu lado, mas temia machucá-la caso eu
acordasse de um dos meus pesadelos, então me contentei em vê-la
dormir, pois, pelo visto, era só isso que eu seria capaz aquela noite.
Peguei sua mão e a segurei sem que acordasse. Respirei
fundo seu aroma no quarto. Pensei nas palavras de Fabrizio e no
que Belinda merecia. Estaria eu estragando sua vida? Poderia ir
embora agora... mas só pensar nessa ideia retorcia meu intestino.
― Não vou deixar ninguém tocar em você. ― Essa era uma
promessa que eu cumpriria custasse o que custasse. Moveria o Céu
e o Inferno para mantê-la.
Estávamos no carro a caminho do orfanato após deixar
nossas coisas na casa em que ficaríamos por aqueles dias. Passei
a noite observando Belinda dormir. Sempre que fazia isso, sentia-
me muito bem, até pegava no sono. Só acordei pela manhã, ainda
cedo, com ela despertando-me antes que seus irmãos me vissem
no quarto dela.
Fiquei chocado ao perceber quanto dormi. Não tinha uma
noite assim havia muitos anos. O que mais me impressionou foi não
ter notado a hora em que ela me cobriu com um cobertor, pois a
qualquer mero toque, eu acordava assustado e fora de mim. Nem
sequer ouvi seus passos. Seria Belinda a causa disso? Eu não
sabia, mas descobriria durante aquele tempo em que ficaríamos
juntos.
A sensação de dormir sem interrupções foi maravilhosa. Eu
esperava que acontecesse de novo. Muitas pessoas com insônia
como eu se entupiam de remédios, álcool e drogas, mas eu não era
fraco a esse ponto. Um homem entorpecido pelas drogas fica
impotente, e eu jamais estaria assim novamente.
― Obrigada por ter vindo comigo ― agradeceu Belinda assim
que virei à direita na rodovia.
― Não foi nada. Não confio muito nos homens dos seus
irmãos nesse momento.
Não queria deixá-la sozinha, por isso estava ali e prepararia
tudo para sua segurança. Viper já tinha ido para o local e me
esperava lá, porém não consegui localizar Lyn, portanto tive que
chamar El Diablo mesmo.
― Por isso não aceitou nenhum deles aqui? ― indagou ela
com o cenho franzido.
― Não posso focar em sua segurança se não confio neles,
não é? Além disso, seus irmãos não sabem que aqueles caras no
cemitério queriam você e não a mim ou a eles ― menti. ― Vamos
checar cada um no orfanato, pois acredito que tenha um infiltrado
nesse lugar. Só assim para saberem dos garotos adotados. ― Tirei
uma das mãos do volante e peguei a dela.
― O maldito do Ramoni deu os meninos para pagar uma
dívida de jogo. O que isso tem a ver com o orfanato?
― Neto disse que as coisas estavam indo bem, mas então
Ramoni começou a jogar. Pelo que descobri naquele dia, ele
recebeu um telefonema dizendo que seria morto se não fosse ao
cassino, e ali começou a perder e ficou em débito com o
estabelecimento. O idiota foi um frouxo por amar mais a vida dele do
que a mulher. ― Era cada tipo de homem que não devia existir... O
bom era que agora ele estava no inferno. Consegui que ele saísse
da cadeia, eliminei-o e tive muito prazer com isso.
― Então você está pensando que tem alguém dentro do
orfanato que informa onde os meninos estão para que sejam
sequestrados? ― Ela trincou os dentes.
― Tem outra forma de levar garotos. ― Contei a ela sobre o
que vi no cemitério.
― Numeram os meninos como gado? ― Sua voz se elevou
duas oitavas.
― Sim. Havia números nos corpos dos indivíduos no
cemitério e até nos dos que estavam no cativeiro dos seus irmãos.
Essas pessoas têm o intuito de convencer as crianças e
adolescentes a ir com elas, falam de coisas que os meninos
querem, e então eles são surpreendidos com o inferno que
encontram no lugar para o qual são levados. É isso que vou checar
aqui também. ― Tinha um gosto amargo em minha boca.
― Não acredito que meus garotos queiram ir embora para
algum lugar ― sussurrou ela.
Belinda não perguntou como eu sabia tanto sobre esse
assunto. Poderia imaginar que descobri na tortura dos caras, mas,
pelo seu olhar, eu sabia que não acreditava nisso. Ela sabia que
tinha algo que eu não estava contando, mas, como sempre, não
perguntou nada, mesmo que estivesse curiosa.
― Belinda, eles vivem em um orfanato. Com certeza querem
ser livres e, quando têm uma proposta tentadora, caem em cima.
Conheço isso. Presenciei coisas assim, e no final, quando caem no
inferno, é tarde demais. ― Sacudi a cabeça, com a mente nebulosa.
― Não faz sentido. O sumiço de uma criança em um orfanato
teria que chamar a atenção de assistentes sociais e vários outros
profissionais, além da polícia.
― Verdade. Isso me faz pensar que existe uma rede de
corrupção de menores, envolvendo pessoas que trabalham no setor,
e não devem ser poucas. Tem que ter muita gente envolvida. ―
Quando colocasse minhas mãos nelas, eu as faria pagar caro.
― Stefano, se a gente se deparar com algo assim, você
conseguirá lidar? Se for demais para você, é melhor deixar só com
Viper e El...
― Não, vou lidar com qualquer coisa que esteja lá dentro. Só
o que você tem que fazer é ficar diante das minhas vistas. Eu te
protejo de perto, enquanto Viper e El Diablo defendem nossa
retaguarda caso surja algum perigo.
― Obrigada mesmo por estar aqui. ― Apertou minha mão. ―
Lorrany vai ao orfanato três vezes por semana, caso queira vê-la.
Meu coração acelerava toda vez que pensava em contar a
alguém não só o que passei naquele lugar, mas o que presenciei,
enquanto não podia fazer nada.
― Eu...
― Como eu disse, tome seu tempo, mas precisa ir a um
profissional nem que seja para não dizer nada ao menos no início.
Depois acredito que vai ter força para se abrir. ― Aproximou-se de
mim, beijando meu rosto. ― Estarei com você sempre que precisar.
Esse gesto tocou fundo meu peito. Nós nos beijávamos, mas
num contexto diferente. Belinda não aceitava muito carícias fora dos
nossos momentos íntimos. Isso me pegou de surpresa, aliviando a
sensação enervante em meu peito.
Como eu não disse nada, ela se afastou. Não foi porque eu
não queria, simplesmente não conseguia verbalizar as palavras;
ficaram entaladas em minha garganta.
Estar próximo a alguém daquela forma era algo novo. Seria
daquela maneira que meus irmãos se sentiram? Se sim, era certo
deixar aquele sentimento fluir? Não, nada que havia em mim
permitiria a aproximação de alguém, não daquele jeito. Estávamos
nos divertindo, mas eu esperava que não passasse disso.
― Então o que vamos fazer quando chegar lá? ― perguntou
ela com tom estranho, como se se sentisse desconfortável após
suas palavras e gesto.
Uma parte de mim queria que ela sondasse o que eu estava
pensando, mas eu teria dito? Não acreditava nisso, porque não
sabia o que estava rolando de verdade entre nós. Só me sentia
confuso e desejava aquela mulher a cada dia mais.
― Aja normalmente enquanto a sigo como seu novo
segurança para não levantar suspeitas, assim vai ficar mais fácil
pegar os infelizes. ― E, quando isso acontecesse, eu lhes ensinaria
o que era bom. Eu os faria pagar caro.
― Estou ansiosa por essa semana, não só porque será bom
para minha carreira, mas porque quero que os meninos se sintam
bem no orfanato, que não queiram fugir de lá. ― Ela suspirou
parecendo triste, mas se alegrou de repente. ― Vou fazer alguma
coisa para deixá-los animados!
Nunca Belinda ficava para baixo por muito tempo.
― Vamos focar em descobrir se há perigo lá, depois
resolveremos isso. ― Era melhor assim. Eu não estava muito com
humor para festas.
Parei o carro no estacionamento do edifício imenso, que
parecia uma escola.
― Vou observar todos os funcionários, assim teremos certeza
de quem está envolvido e quem não está, embora saiba de uma
coisa: nada acontece em um lugar desses sem que o diretor saiba.
― Desde a primeira vez que vi Jared, não fui com sua cara, e isso
não tinha nada a ver com o fato de ele ter uma queda por Belinda.
― Jared? Não, isso...
― Não é possível? ― zombei com escárnio. ― Deve checar
com quem anda, Diabinha, mas isso só vai aprender com a vida.
Sua expressão se fechou.
― Já aprendi. ― Tinha um toque de dor em sua voz. Ela
tentou esconder, mas eu percebi.
Pensei em minhas palavras e no que ela deu a entender,
então me lembrei do ex-namorado que a enganou e, por causa
disso, ela acabou perdendo a sua irmã.
― Não foi isso que eu quis dizer ― apressei-me em explicar.
Não me dava bem com lágrimas, além disso não queria que ela se
culpasse, pois era isso que fazia.
― É o que é ― sussurrou.
Virei-me para ela.
― Belinda, o que aconteceu não foi sua culpa. Nunca
acredite nisso, tá? Agora pare de pensar no passado. Lá dentro, não
deixarei que fuja das minhas vistas.
― Não acho que meu chefe vai concordar com isso...
― Não dou a mínima para o que pensam. A única coisa que
farei será protegê-la ― destaquei, interrompendo-a.
Ela esboçou um sorriso.
― A única coisa que fará? Achei que teríamos momentos
juntos.
Eu ri.
― Também estou ansioso por isso, mas será à noite. ―
Estava mesmo louco para me apossar do seu corpinho lindo, só não
podia me distrair do que tinha que fazer ali.
Saímos do carro, e senti alguns olhares em nós. Só podiam
ser El Diablo e Viper, que estavam em algum lugar nos vigiando.
Não ousei procurá-los.
― O bom é que eles não sabem quem sou. Todos pensam
que sou assim ― ela apontou para seu corpo. ― Só sabem que
pertenço a uma família rica e poderosa, mas nem imaginam que
mafiosa.
Belinda vestia um vestido largo de vovó e usava óculos, que
ficaram bonitos sobre seu nariz arrebitado.
― Mesmo vestida assim, continua sexy ― comentei com um
sorriso.
― Se comporte! ― ralhou, dando-me um tapinha.
Olhei para a marquise, sob a qual avistei o diretor do lugar
sorrindo. Esse homem me fazia querer apagar aquele sorriso idiota
de sua cara.
― O engomadinho parece feliz em te ver ― grunhi com os
punhos cerrados.
― Somos amigos, e espero continuarmos sendo se ele não
for um dos desgraçados que estão atrás dos meus garotos. ― Ela
não parecia acreditar que aquele cara de cabelo lambido fosse um
criminoso.
― Veja por esse lado: se ele for, vou adorar esculpir o sorriso
do Coringa nele. ― Respirei fundo, ficando ao lado dela.
― Relaxa. Jared nunca tentou nada comigo, além disso ele
vai para a Rússia a negócios. É por isso que estou ocupando o lugar
dele.
Eu ligaria para Nikolai Dragon, o chefe da máfia russa. Ele
era casado com a prima do meu cunhado. Pediria algumas
informações sobre o que aquele homem faria de fato lá. Eu era bom
em ler as pessoas e sabia que ele não era flor que se cheirasse. Por
trás daquele sorriso de menino meigo e doce, carregava algo
escuro. Eu só precisava descobrir o que era.
― Sei justamente por que ele fez isso ― resmunguei com
tom amargo.
Ela me fuzilou.
― Acha que não sou boa no que faço para merecer ocupar o
cargo de diretora substituta?
― Justamente o contrário. Você ama o que faz, e ele está se
aproveitando, mas veja por esse lado: o idiota pode querer algo que
não consegue ter, e por isso lhe deu essa responsabilidade, para
ganhar pontos, mas mostre o quanto é boa no que faz e que jamais
dará uma chance ele.
Sua expressão relaxou.
― Não estou me vendendo, não é? ― Olhou para o idiota e
depois a mim. ― Não penso em ficar com ele, jamais me rebaixaria
a esse ponto. Quero conquistar as coisas por mim mesma.
― Está aproveitando uma oportunidade, que vai assumir e se
sair bem. ― Aproximei-me mais dela.
― Obrigada. Não achei que você fosse assim tão bom em
dar conselhos, achei que fosse dizer para eu paquerar o cara e
estava prestes a aceitar a dica. ― Apressou-se em dizer assim que
fechei a cara e sorriu travessa: ― Relaxa, estou brincando. Nesse
momento só quero você.
Dei um sorriso após relaxar e me aproximei, falando em seu
ouvido:
― O único que estará com a boca entre suas pernas e o pau
em sua boceta serei eu, não esse trouxa nem qualquer outro cara.
― Afastei-me quando sua respiração ficou pesada.
Jared saiu do seu lugar e veio em nossa direção com uma
expressão fechada a princípio, mas logo deu aquele seu sorriso
falso.
― Se comporte, Foguete ― arrulhou ela assim que rosnei
baixo.
Nenhum chefe viria buscar uma funcionária no
estacionamento. Aquele cara estava louco para entrar em sua
calcinha, algo que não aconteceria. Eu suspeitava que ele estava
aprontando alguma coisa, só não sabia o que ainda, mas iria
descobrir.
― Oi, Bella, que bom que veio! ― Aproximou-se como se
fosse beijá-la no rosto, mas a puxei para longe dele, o que o fez me
olhar com o cenho franzido. ― Outro segurança?
― Sim, o outro está doente ― mentiu ela. ― Esse é...
― Stefano. ― Não sabia se meu sobrenome tinha poder em
Barcelona, por isso achei melhor não o dizer, assim ele não nos
ligaria à máfia. Esperava que baixasse a guarda ao imaginar que eu
fosse um mero segurança. E resolvi acrescentar: ― E sou
namorado da Bella.
Como suspeitei, detectei uma surpresa nítida em seu olhar. O
que ele achava? Que ela não teria um namorado? Vi fotos dele com
mulheres que não pareciam nada com a Belinda naquele disfarce.
Então o que ele queria dela se não estava interessado?
― Sou Jared, o diretor do orfanato ― apresentou-se,
parecendo orgulhoso disso.
Quase ri de sua pompa. Como se eu me importasse com
quem ele era ou o que fazia....
― Não é novo demais para exercer esse cargo? ― Eu o
avaliava.
Acreditava que tinha quase a mesma idade de Belinda. Devia
ser só um pouco mais velho, quase da minha idade.
― Meu pai se aposentou e me deixou o cargo. Esse legado
passou de geração para geração ― respondeu ele e se virou para
ela. ― Seu namorado ― ele forçou as palavras a sair, notei isso ―
pode se acomodar no refeitório enquanto mostro a você tudo que
precisa fazer em minha ausência.
Notei que o infeliz queria ficar sozinho com ela e não gostei
disso.
― Na verdade, vou ficar com Bella, se não se importa ―
emendei esse final por causa do olhar aguçado de Belinda, embora
eu não desse a mínima para o que aquele engomadinho pensasse
ou deixasse de pensar. Não ia pedir autorização a ninguém, muito
menos àquele imprestável.
Fui ao carro pegar minha mochila, sem a qual eu não ficava,
ainda mais se houvesse a necessidade de usar o que estava em
seu interior.
O cara puxou Belinda para trás de uma árvore,
provavelmente para eu não ouvir, mas escutei suas palavras,
mesmo aos cochichos.
― Bella, ele não pode seguir você o tempo todo ― comentou
o maldito. O engomadinho estava de costas para mim, então não
me viu aproximando-me. ― Esse é um ambiente de trabalho.
― Eu sei, mas vou fazer o meu trabalho, e ele, o dele. ― Ela
suspirou falsamente. ― Não quero que ele perca o seu trabalho.
Ah, esse infeliz vai acabar morto com um tiro na testa! É isso
que vai acontecer se não tirar a mão do braço dela.
Belinda me lançou um olhar que ordenava que eu ficasse
quieto. Essa mulher parecia me enxergar por dentro e por fora. Isso
não era bom.
― Vamos fingir que ele não está aqui ― pediu ela com um
sorriso, desvencilhando-se do toque dele.
Oh, Diabinha, vamos ver se vai mesmo ser capaz disso. Eu
poderia dizer uma resposta espertinha, mas estávamos em seu
trabalho, e eu devia respeitá-lo.
― Ele precisa estar comigo, ordens dos meus pais. Stefano
gosta de fazer o trabalho bem feito.
― Imagino ― ele resmungou baixo, quase inaudível, depois
falou alto para Belinda: ― Eu vou na frente e encontro você lá.
Ela assentiu enquanto ele entrava no orfanato.
― Acha que ele está...
― Querendo entrar em sua calcinha? ― Sabia que ela não ia
perguntar isso, mas resolvi brincar. Não queria que Belinda
pensasse nos problemas, ou as coisas podiam ir de mal a pior,
afinal ela podia querer investigar, e o infeliz resolver machucá-la.
Bufou.
― Pode querer isso, mas não chegará perto de lá. ― Fez
uma careta.
Coloquei a mochila nas costas e a puxei para trás da árvore,
assim, se alguém olhasse da casa, não conseguiria nos ver. Beijei
sua boca.
― Stefano, eu tenho que...
― Eu sei que precisa ir, mas se lembre, quando estiver lá
com o engomadinho, de que o único a ter essa boceta e todo seu
corpo serei eu ― falei em seus lábios.
Ela riu deliciada.
― Ficarei atenta a isso. ― Sacudiu a cabeça e se afastou. ―
Não precisa ficar todo tempo comigo aqui, sou capaz de lidar com
alguém que queira me fazer mal. Enquanto isso, tome esse tempo
para checar ao redor, ir aonde os garotos estão e tentar descobrir
algo.
― Farei isso. ― Sabia que Viper e El Diablo estavam de olho
nas câmeras que tinham instalado do lado de fora do orfanato.
Dentro, eu tomaria conta. Se houvesse um problema, eles me
diriam. Seria bom se tivéssemos câmeras dentro do local, mas não
queríamos estragar o disfarce.
― Esses meninos tiveram uma vida sofrida, passaram por
coisas terríveis que os deixaram sem esperança. Não será fácil se
enturmar com eles, mas conheço você, Stefano, sei que pode fazer
qualquer coisa. ― Ela parecia ter tanta confiança nisso...
― Sou fácil de fazer as pessoas me amarem ― brinquei com
um sorriso jocoso.
― E quanto a você? É fácil amar alguém? ― sondou
parecendo curiosa.
― Só há quatro mulheres pelas quais daria a minha vida ―
disse a verdade, embora acreditasse que estava entrando uma
quinta pessoa na equação. Contudo, não lhe disse isso, porque
aquele sentimento me fazia temer. Eu não queria amar mais
ninguém. Quanto mais uma pessoa entrasse em minha vida, maior
era o risco de perdê-la.
Achei que Belinda iria perguntar quem eram as mulheres,
mas, como sempre, não fazia nada do que eu pensava que faria.
Embora eu achasse que ela tinha uma noção após nossa conversa
pelo túnel.
― Sorte delas então. ― Não parecia se importar ou
escondeu bem, depois entrou no prédio antes que eu pudesse dizer
algo.
Queria entender o que ela pensava e o que estava sentindo
em relação a mim. Às vezes sentia que ela pensava em nós mais do
que como um simples caso, mas então, em outros momentos, a
sentia tão fria. Seria esse o jeito dela ou realmente não tinha
nenhum sentimento por mim?
A pergunta que não queria calar era: por que eu me
importava com isso? Era melhor focar no trabalho a pensar naquilo
agora, porque logo tudo passaria, assim que eu fosse embora.
No começo, achei que seria fácil me enturmar com os
garotos, porém se provou o contrário. Eu sentia a tensão neles
sempre que um dos guardas passava perto.
Notei dois deles, um alto e outro mais baixo. Eles lançavam
olhares de alerta aos meninos sempre que alguma das funcionárias
do local se aproximava.
Peguei meu telefone, tirei uma foto de ambos discretamente
e mandei por mensagem para El Diablo investigá-los.
“Cheque esses dois homens para mim. Pela forma como
estão agindo, são suspeitos.”
“Farei”, foi a mensagem que veio de volta.
Assim que ele o fizesse, me mandaria o resultado. Era
melhor saber com quem estava me metendo. Eu não estava
gostando do medo nos olhos daquelas crianças. Já tinha visto isso
antes, algo que não achei que presenciaria de novo, ainda mais em
um lugar como aquele.
Enquanto o que pedi não viesse, iria colocar em prática o
meu plano. Fui até uma das mesas no refeitório na hora do café da
manhã. Nela havia quatro garotos cuja faixa etária variava de 10 a
15 anos. Pela forma como reagiram, sabiam o que estava
acontecendo e estavam envolvidos.
― Posso me sentar com vocês? ― Enrolei as mangas da
minha jaqueta, mostrando algumas tatuagens. Isso geralmente
chamava a atenção dos garotos. Esperava que daqueles também.
Foi assim comigo no passado, quando vi meus irmãos com suas
tatuagens.
Quatro pares de olhos se voltaram na minha direção, alguns
com expressão dura, outros, curiosa. Havia várias outras crianças e
adolescentes às mesas pelo salão.
― Claro ― disse um dos meninos, que tinha uns 12 anos.
Notei, do outro lado, um dos guardas ficar tenso com minha
aproximação dos garotos, embora não veio ao local onde eu estava.
Bom para ele.
Elevei meu queixo em sua direção, um cumprimento para
mostrar que eu não tinha medo dele e de seu comparsa.
― O que significa? ― um dos garotos, o mesmo que me
permitiu sentar-me à mesa, questionou. Indicava uma das minhas
tatuagens, no braço esquerdo, um espaço em preto com um pião
girando no cento.
Eu não queria dizer o significado, mas, se não o fizesse,
demorariam para se abrir comigo.
― Durante um tempo, estive em um buraco-negro, era pião
nas mãos dos outros ― respondi finalmente. ― Até que dei um
basta e lutei pelo meu próprio caminho.
Após dizer isso, me arrependi. Queria que os garotos
ficassem ali, não que saíssem por aí atrás de seu destino, então me
apressei em explicar o significado para que entendessem.
― Embora eu tivesse tudo e pessoas que se preocupavam
comigo, queria viver aventuras pelo mundo, e onde achei que
encontraria o paraíso, me tornei isso. ― Apontei para o pião. Na
verdade, tornei-me coisa pior, mas eles não precisavam saber
daquilo.
Uma parte do que eu disse era verdade, sobre ter pessoas
que se importavam comigo, minha família – ao menos parte dela.
Todavia, não era verdade que eu quis fugir e viver coisas novas.
Jamais teria deixado meus irmãos e minha mãe.
Os meninos não disseram nada, mas percebi que minhas
palavras mexeram com alguns deles. Outros continuaram a comer
desconfiados, principalmente um deles, o de cabelos ruivos, cuja
expressão era a mais dura e parecia ser o líder do pequeno grupo.
O curioso foi que o menor deles calou a boca após perguntar
sobre a tatuagem depois do olhar de advertência do suposto líder.
― Podem me dizer o nome de vocês? ― inquiri olhando cada
um com meu sorriso divertido.
― Por que quer saber? ― indagou um deles com a testa
franzida.
Pelo visto eu precisaria de mais do que meros sorrisos
amigáveis para fazer aqueles garotos se abrirem. Era claro que
levaria tempo.
Dei de ombros enquanto comia.
― Me chamo Collen ― disse o menor, que parecia mais
conversador. Ele me lembrava muito o Jet.
Parei nesse pensamento, ou não conseguiria continuar
falando com os meninos. A minha função era descobrir a verdade
por trás daquele lugar.
Os outros disseram seus nomes. O único que não o fez foi o
líder deles.
― Antônio ― informou Collen, indicando o de cara fechada.
Podia sentir olhos em mim, não só os dos dois guardas.
Devia haver mais ali, mas só liguei para um olhar, o de Belinda. Ela
estava perto do refeitório falando com outra mulher.
Sorri, pegando meu copo de café e o levantando em um
cumprimento, encontrando seus olhos. Ela retribuiu e disse algo à
sua companhia.
― É namorado da senhorita Bella? ― perguntou Collen ao
seguir meu olhar.
Notei que os outros meninos estavam curiosos com isso, mas
não verbalizaram nada.
Namorado? Não, mas tínhamos um lance que eu não queria
que acabasse tão cedo. Eu disse aquilo ao chefe de Belinda porque
não queria que o infeliz arrastasse asa para ela.
― Sou segurança dela ― informei.
― Ela é muito boa. Vou sentir falta dela... ― interrompeu-se
como se falar aquilo lhe trouxesse dor.
Percebi o garoto Antônio chutando-o por debaixo da mesa,
mas fingi não notar, embora isso tenha me dado o que pensar. Ou
ele seria adotado, o que eu duvidava muito, ou eles estavam
pensando em sair. Seria por isso que os guardas estavam tão
tensos? Eu podia checar alguma coisa com eles, mas isso geraria a
suspeita de todos ali. Precisava ir com calma, afinal não podia
torturá-los por respostas, mas podia fazê-lo com um dos guardas.
― Sim, Bella é perfeita. ― Mesmo com aquela roupa feia ela
era sexy. ― Obrigado, garotos, por me deixarem ficar aqui e fazer
companhia a vocês. ― Fiquei de pé. ― Agora vou falar com Bella. A
gente se ver por aí.
Saí antes que dissessem algo, deixando claro que eu não
queria saber de nada que não estivessem prontos para contar. Iria
ter minhas respostas de outro jeito, um no qual eu era bom.
Cheguei ao local em que Belinda estava com sua colega.
― Oi, moças ― cumprimentei-as sorrindo.
― Stefano, meu novo segurança ― disse ela à mulher,
depois a mim: ― Essa é Sully, uma das cuidadoras daqui.
A loira olhou para Belinda e depois para mim com um sorriso.
― Esse segurança é mais agradável que o outro ―
comentou.
Realmente Javier não era de sorrir muito. Até eu podia ver
por que a mulher disse aquilo.
― Posso falar com você? ― pedi a Belinda.
― Claro ― assentiu.
A mulher saiu, deixando-nos a sós. Ela se aproximou mais de
mim.
― Descobriu...
― Em casa conversamos ― cortei-a, só no caso de alguém
estar ouvindo. ― Mas esse processo é lento. Não posso ir direto,
ainda mais com olhos sobre mim.
Ela suspirou, checando o salão.
― O que foi? ― sondei, notando-a estranha.
― Tem algo que Jared disse que está me incomodando ―
sussurrou.
― O quê? ― questionei. Talvez eu descobrisse algo com sua
resposta e associasse ao que já tinha visto e ouvido. Acreditava que
a maioria era paga para manter a boca fechada, pois tinham garotos
tensos com a aproximação dos guardas, outros com os punhos
machucados, como se tivessem socado algo, ou seja, podiam ter
sido testados ou estar treinando. O estranho era que não havia
como fazerem isso sem ser notados.
― Me perguntou se conheço alguém que pertence à máfia.
― Olhou-me. ― Acha que ele desconfia de quem eu seja?
― Não creio. Mesmo com aquela fachada de bom moço, ele
teria tentado eliminá-la. Acho mais provável que saiba que a máfia
interceptou a entrega dos garotos, e eles devem estar se
perguntando como integrantes da máfia sabiam disso. Ao menos eu
ficaria curioso se estivesse em seu lugar. Vamos ficar de olho.
― Certo, vou ficar mais atenta, afinal você não pode estar
comigo 24 horas.
― Falei que ia ficar de olho em você e vou manter essa
promessa ― disse com firmeza. ― Assim que chegarmos em casa,
quero conversar sobre algo que descobri.
Não queria falar ali. Varri meus olhos pelas proximidades e
notei Antônio indo até um dos guardas que me observaram quando
eu estava à mesa dos garotos.
Eu não sabia o quê, mas algo estava rolando ali. Só
precisava descobrir o que era.
― Vamos esperar que não seja o que estamos pensando. ―
Ela tinha esperança, isso porque não sabia o que eu havia
presenciado.
Depois disso, Belinda voltou ao trabalho, e fiquei de olho
tanto nela como no orfanato.
Era bom que ali havia muitas formas de os meninos se
divertirem, como basquete, natação e outros esportes. Mesmo
assim, eles queriam fugir. O garoto Antônio tinha saído após eu vê-
lo mais cedo no refeitório.
No final da tarde, Belinda se aproximou de mim com sua
maleta e um sorriso imenso.
― Posso saber a razão desse sorriso lindo? ― Queria puxá-
la para mim e me apossar de sua boca, mas estávamos em público
e no trabalho dela.
Por que eu tinha esse desejo? Era algo mais do que sexual, e
eu não estava pronto para isso. Queria só terminar o que tinha ido
fazer na Espanha e partir.
― Você está bem? ― indagou ela quando chegamos ao
carro. ― Não é ruim se sentir mal se essa porcaria tiver infestado
este lugar.
Mudei minha expressão, porque ela parecia enxergar através
de mim.
― Esses garotos passaram por tanta coisa para chegar aqui,
onde deveria ter algo para eles, mas o que encontraram? Toda essa
corrupção. ― A fúria que me tomava era enorme. Era melhor
descobrir quem eram aqueles malditos do que ficar pensando no
que eu não podia ter.
― Verdade, mas vou fazer tudo que puder para ajudá-los. ―
Eu gostava do modo confiante dela; se algo estava errado, Belinda
sempre dava um jeito de conseguir remediar.
― Eu sei que vai. ― Sorri enquanto entrava no carro. ―
Então qual o motivo de sua felicidade antes de pensar no problema
que temos aqui?
Ela se sentou no banco do carona e se virou para mim
animada.
― Yago e Paco foram visitar o Neto junto a outra assistente
social daqui, a Pam, e a psicóloga. Ele está bem e amanhã ou
depois vai ser trazido para cá. ― Belinda estava eufórica.
― Por que não foi você que os acompanhou? ― sondei
curioso.
― Jared me queria aqui para me mostrar o que devo fazer
em sua ausência. ― Ela deu um suspiro.
― Logo você vai estar com eles. ― Parti com o carro, mas
antes, por instinto, dei mais uma olhada no orfanato. Antônio estava
escorado na parede com seus amigos, mas encontrou meus olhos
por um segundo. ― O que sabe sobre ele?
Aquele garoto parecia mais maduro do que era de fato, seus
olhos duros mostravam que ele tinha visto coisas terríveis na vida.
Eu conhecia esse sentimento.
Ela seguiu meu olhar e sorriu para Antônio, acenando com a
mão. Ele desviou os olhos de mim e a observou, mas sua expressão
não mudou, depois focou nos seus colegas.
― Ele é muito fechado, chegou aqui alguns meses atrás após
perder sua avó, que tomava conta dele. Não tem familiares, então o
caminho foi entrar no sistema. ― Perdeu seu sorriso lindo. ― Tentei
me aproximar, mas...
― O quê? ― Belinda teria notado algo nele, assim como eu?
― Não sei, não queria forçá-lo. ― Franziu a testa, encarando
a janela.
― Tem algo que a preocupa sobre ele?
― Sabe aquela sensação de que ele passou por mais do que
ter sido criado por uma avó amorosa? Embora eu saiba que uma
perda pode fazer alguém sentir como se tivesse sido privado da
alma. ― Ela levou a mão ao peito como se quisesse tirar sua dor.
― Ei. ― Coloquei a mão em sua perna para distraí-la. ―
Senti a mesma coisa acerca de Antônio. A forma como nos olha é
diferente, é igual... ― Pisei no freio, fazendo nós dois irmos para
frente. Por sorte, estávamos com cinto de segurança.
― Stefano!
― Puta que pariu! ― Não, isso não pode estar acontecendo!
Mas só pode ser isso! Não há outra explicação para essa merda
fodida...
O dia foi promissor. Tudo caminhou bem, e fiquei atenta a
tudo, mas não consegui descobrir muita coisa. Apesar disso, estava
feliz por Yago, Paco e Neto estarem se recuperando.
De repente, o carro sacolejou e fui lançada para frente.
Praguejei, assim como Stefano, mas provavelmente não foi pelo
mesmo motivo.
― Puta que pariu! ― Seus olhos estavam arregalados, e por
um breve segundo pensei que ele fosse surtar novamente.
― Stefano ― chamei-o. ― O que está acontecendo?
Estávamos falando de Antônio, um dos garotos que tinha
chegado havia algum tempo no orfanato. Eu adorava meus
meninos, tanto os antigos quanto os novos, mas aquele adolescente
tinha algo em seu olhar e comportamento que eu não conseguia
entender. A forma como agia era como se ele fosse um robô ou
tivesse treinado muito para não mostrar seus sentimentos. O que
isso significava? Pela sua postura, parecia que Stefano sabia a
resposta.
― Posso estar errado, mas agora sei como eles convencem
os garotos a cooperarem a fugir. ― Ele ainda parecia aturdido, mas
depois uma sombra cruzou suas feições. ― Como não suspeitei
antes?
― Stefano, dá para dizer o que há em sua cabeça? O que
descobriu? Porque está me deixando louca ― frisei, tentando me
controlar.
― Sabe aquele menino Antônio? Não é um garoto qualquer.
Acredito que infiltraram nos orfanatos meninos que foram treinados
em arenas Prometheus. Isso explica o olhar de Antônio. Não é o de
alguém que sofreu vendo um pouco do inferno, é de quem viveu em
um. ― Olhou para trás, para o estabelecimento.
Stefano estacionou na margem da rua. Tínhamos avançado
poucos quilômetros.
― Está dizendo que aquele garoto de 15 anos é um
assassino profissional? ― indaguei de forma dúbia.
Eu só podia estar ouvindo errado. Não podia ter um
assassino entre os meninos que eu cuidava.
― Posso estar errado, mas tudo indica que não estou. ― Sua
expressão se tornou sombria. ― É um plano perfeito para eles. O
diretor e os guardas cuidam para não ser acionada uma
investigação, enquanto esse infiltrado entre os garotos os convence
a fugir.
A fúria cresceu dentro de mim após saber disso. Deu-me
vontade de ir até lá pegar aquele fedelho, mas, se ele tinha sido
criado igual a Lyn, era perigoso. Podia atacar as outras crianças e
machucá-las. Eu não deixaria que isso acontecesse!
― O que vamos fazer? Não podemos deixá-lo lá! ― Virei-me
para Stefano.
― Vou checar. Um dia desses, faça com que todos vão à
piscina. Diga que é uma competição entre eles ou que estão
comemorando a volta de Neto ou a recuperação dele, qualquer
coisa, mas preciso ver Antônio sem camisa para conferir. ― Deu um
suspiro duro. ― Embora ele deve ter coberto a tatuagem. Ao menos
eu teria feito isso.
― Está dizendo que ele foi numerado igual os homens do
cemitério? ― Eu estava puta da vida com aqueles vermes que
faziam algo assim com crianças.
― Sim. ― Voltou a dirigir. ― Se ele for quem acredito que
seja, vai ter uma tatuagem ou uma cicatriz de remoção no lugar em
que ela deveria estar.
Sacudi a cabeça.
― Esses malditos vermes imundos! ― Cerrei meus punhos.
― Minha vontade é ir lá acabar com aquele fedelho.
― Não podemos mostrar que suspeitamos de algo. É preciso
ter certeza. Vou dar um jeito nisso.
Arqueei as sobrancelhas.
― Vai matar um garoto? Mesmo sendo ele quem é? ―
indaguei curiosa.
Ele não respondeu, o que já era uma resposta. Stefano era
contra maus tratos de crianças, assim como eu, mas tinha algo a
mais nele. Casos assim pareciam trazer-lhe memórias de algo que
viveu.
Marco não era um pai amoroso. O monstro fez coisas
terríveis com ele e seus irmãos. Eu recordava de nossa conversa no
cemitério e da dor que ouvi em sua voz.
― Não tenho a menor ideia. O pior é que, no fundo, não é
culpa deles serem assim. Foram treinados para não se importar, só
seguir ordens. ― Trincou os dentes. ― Quero mesmo é quem está
por trás dessa escória maldita. Seu chefe é um deles.
Escorei-me no banco, encarando a estrada.
― Custo a acreditar que Jared esteja envolvido. É sua função
proteger todos aqueles garotos. ― Queria eu mesma esganar o
desgraçado. Só não havia chutado sua bunda ainda porque
precisava focar no plano.
― Não tem como ele não estar envolvido. Sem sua ajuda, já
teriam descoberto a tempos essa quadrilha. Não é só ele, mas
juízes e outros que trabalham no ramo. ― Semicerrou os olhos. ―
Isso me diz que todos devem participar de Prometheus.
A sua fúria ultrapassava o auge. Eu teria até pena dessas
pessoas caso Stefano as descobrisse e resolvesse fazer justiça.
― O que acontece de fato nesses lugares? ― Temia a
resposta, mas, pela forma como Stefano agia, ele tinha ficado em
algum lugar parecido ou presenciara alguma atrocidade. Só assim
para ter essa veemência, esse ódio que sentia. O que me levava a
crer que era uma das razões de ele não suportar ser tocado em
algumas áreas de seu corpo, como pescoço e orelha, ou ser
abraçado por trás.
Meu estômago se embrulhou com a suspeita de que alguém
o tocara ou tinha chegado perto de fazer isso. Eu não queria
perguntar, afinal, se estivesse pronto para falar, ele o faria.
Com minha questão, a dor tomou suas feições belas. Como
eu não queria trazer-lhe lembranças ruins, mudei de assunto. Já
tinha uma ideia do que acontecia no inferno que deviam ser as
arenas Prometheus.
― Será que Lyn sabe sobre isso? ― Após verbalizar, tive
certeza de que ele sabia, afinal me alertou que eu estava me
metendo em algo que não era da minha conta.
Stefano me fitou com perguntas em seus olhos, mas não fez
nenhuma, embora eu tenha visto gratidão em sua expressão por eu
ter mudado de assunto.
― Acredito que sim. Só queria uma forma de falar com ele.
― Encarou a estrada, mas percebi sua respiração ofegante.
Ficamos em silêncio um momento, ele com seus
pensamentos longe, e eu querendo arrumar uma forma de ajudá-lo
a superar seus traumas. Além disso, estava preocupada com os
meninos do orfanato. Focaria nisso. Depois conversaria com
Stefano.
Quase ri. Por que iríamos conversar, se o que tínhamos não
passava de um caso? No começo, achei que isso fosse bom, mas
não sabia mais... pois todo passatempo tem um fim, e o nosso podia
acabar a qualquer momento.
Pensar nisso fez algo se retorcer dentro de mim. Seria mais
prudente terminar tudo então?
― Terminar o quê? ― indagou ele, trazendo-me dos meus
pensamentos.
Nem tinha notado que disse isso em voz alta. Recuperei a
compostura, não querendo falar sobre aquele assunto naquele
instante. Aproveitaria enquanto eu o tinha.
― Nada. ― Olhei ao redor, notando que já estávamos na
casa que era minha fachada, a casa de Bella Stewart.
Stefano não disse nada, e eu não soube se acreditou, o que
eu duvidava. Ele às vezes parecia me conhecer mais do que eu
mesma. Talvez apenas também não quisesse conversar sobre
aquilo. Fugia quando o assunto se voltava para o lado emocional,
assim como eu. No final, teríamos que conversar sobre o que havia
entre nós, se daríamos um nome à relação ou se seria só sexo
casual.
― Belinda, o que está te incomodando? ― perguntou ele
assim que entramos na casa. ― Temos de resolver essa merda
antes que seja jogada no ventilador.
O imóvel não era grande como uma mansão, mas era
gostoso ficar ali. Eu já tinha permanecido algumas vezes no local,
afinal a casa da minha avó na cidade não era longe da propriedade.
― Eu sei que temos. ― Precisava de um tempo sozinha para
pensar no que devia fazer em relação a nós, e ficar perto dele não
me deixava pensar com coerência.
― Preciso conversar com El Diablo, Fabrizio e Alessandro. ―
Stefano me puxou para seus braços e beijou minha testa.
― Enquanto isso, vou tomar banho. ― Quando ele me
tocava, eu perdia todas as minhas forças.
Ele sorriu.
― Minhas ligações serão rápidas. Logo me junto a você. ―
Eu ouvia sua fome em cada palavra.
Subi as escadas assim que ele foi dar o resumo do que
aconteceu no dia aos nossos irmãos e El Diablo. Um arrepio tomou
meu corpo. Adorava a ideia de tomar banho com Stefano. Por que
eu não podia ficar longe dele? Sabia a resposta para essa pergunta,
mas não queria aceitar. Nosso relacionamento, que antes era só
sexual, vinha se tornando algo mais forte, tanto que a mera ideia de
tudo acabar fazia meu interior se retorcer.
Tomei banho e fiquei sentada na cama encarando a janela
sem nada ver realmente.
― Belinda, o lugar está pegando fogo ― ouvi Stefano dizer e
o vi na minha frente, estalando os dedos.
― O quê?! ― Levantei-me em um salto, olhando para os
lados, buscando o perigo. Foi quando notei que ainda estava
enrolada na toalha e que não havia perigo algum.
Stefano suspirou.
― Estou te chamando há uns dez minutos. ― Sentou-se ao
meu lado e pegou minha mão. ― O que está acontecendo? Sei que
não é só sobre os garotos. Se fosse apenas isso, você estaria
furiosa e não pensativa assim.
Olhei para ele e fiquei tentada a contar o que eu realmente
sentia, mas, conhecendo Stefano, isso o faria correr para longe, e
eu não podia perdê-lo, não agora. Precisava dele comigo. Queria
dizer que era só para me ajudar, mas não era. Sendo realista, queria
mais tempo com ele. Talvez até começasse a gostar de mim
também.
Não respondi, não queria falar sobre aquilo, só aproveitar o
momento. Beijei-o, tomando sua boca e o montei, fazendo o
possível para não tocar em nenhum lugar, exceto seus braços.
― Belinda... ― sussurrou na minha boca.
― Não quero conversar, só vamos transar. ― Se eu
conversasse naquele momento, iria me perder, ou melhor, iria
perdê-lo, porque ele me deixaria, eu tinha certeza disso.
Stefano me observou, mas mudei minha expressão, não
querendo que ele soubesse o que eu andava pensando.
― O que foi, Foguete? Não queria que ficássemos a sós para
a gente aproveitar? ― provoquei-o, tentando afastar sua
desconfiança sobre os meus pensamentos.
Ele retribuiu alguns segundos depois, e me perdi em seus
braços. Colocou-me na cama, pairando sobre mim, não deixando de
me beijar, enquanto eu desfrutava de um turbilhão de sensações.
Nós já havíamos nos tocado antes, mas naquele instante o que eu
estava sentindo era mais profundo.
Fitei seus olhos, que estavam abertos me observando, e não
conseguia desviar o olhar. Podia um dia ter amado Gazo, mas, com
Stefano, era diferente de tudo que eu já tinha sentido. Meu coração
estava acelerado como nunca.
― Quer que eu tire sua roupa ou você mesmo tira? ― Merda,
por que minha voz está estranha? Pigarreei.
― Belinda, o que está havendo? ― Afastou a boca da minha,
seus olhos estreitos.
― Nada ― menti.
― Besteira. ― Afastou-se, deixando-me nua na cama. ―
Tem algo em sua cabeça, sinto isso. Vamos falar sobre o assunto e
depois fazemos o que você quiser.
Ficou sentado aos pés da cama, encarando-me. Eu sabia
que ele não ia fazer nada se eu abrisse o jogo, por isso não
contaria, não agora. Só queria aproveitar e esquecer que cometi a
mancada de deixar acontecer o que jurei nunca fazer novamente.
― Tudo bem, eu resolvo meu problema sozinha. ― Abri
minhas pernas, e, de onde ele estava, tinha uma bela visão.
Levei meus dedos à minha boceta e trisquei meu clitóris.
Enquanto isso, levei a outra mão aos meus seios com um gemido.
― Vai ficar só olhando ao me ver fodendo sozinha? ― Não
me desviei de seu olhar um segundo.
― Belinda... ― Sua voz soou rouca.
― Gosto de me tocar, mas preferia sua boca em mim. A
sensação dela chupando meu nervo pulsante é de outro mundo... ―
Puxei o bico do seio, dando-me mais prazer. Abri mais minhas
pernas, deslizando os dedos pelos lábios íntimos, e enfiei o
indicador dentro de mim profundamente, depois o tirei molhado e o
levei à minha boca, gemendo novamente.
Seus olhos estavam abrasadores e famintos.
― Quero sentir seu pau entrando todinho em minha boceta...
― Chorei de necessidade.
Ele tirou suas roupas com rapidez nada elegante e as jogou
longe, sentando-se em frente a mim. Peguei seu pau e o atraí para
a minha boca.
― Me deixa saboreá-lo... ― Estava ereto e pronto. ― Não
acho que eu posso viver sem isso. Acho que estou apaixonada pelo
seu pau ― provoquei. O cara era realmente gostoso (ou apenas
gostei de chupá-lo).
Stefano riu deliciado enquanto eu o levava à minha boca e
fechava os olhos. Circulei meu clitóris, mas então minha mão foi
afastada, e a sua tomou o lugar dela. Só o mero toque dele fazia
meu corpo quase entrar em combustão.
― Muito melhor sua mão do que a minha, Foguete. ― Sorri e
voltei a chupá-lo com toda a fome que eu estava sentindo.
― Porra, você é linda demais! ― Arfou. ― Também acho que
adoro sua boceta.
Ele enfiou um dedo em mim e circulou meu clitóris, enquanto
seu quadril empurrava para frente em minha boca, mas não me
forçou a ir mais fundo, nem quando sua outra mão agarrou meus
cabelos.
Suas palavras sujas estimulavam ainda mais o meu prazer.
Na verdade, Stefano em si me provocava uma combustão. Apertei
mais sua coroa com os lábios, a língua triscando o apadravya,
fazendo-o rosnar.
― Por mais que eu ame sua boca, não quero gozar nela, não
hoje. ― Puxou seu pau para fora e abaixou o rosto até o meu
centro. ― Quero sentir seu gosto, que amo, antes de me enterrar
em você.
Meu coração martelou com essa palavra, “amor”. Era tão
simples, mas podia trazer um grande estrago. Era desse estrago
que eu não sabia se iria me recuperar algum dia, assim que tudo
findasse.
― Está esperando o quê, Foguete? Minha boceta também
está louca para ter sua boca. ― Era melhor falar a pensar.
Ele soprou meu centro, deixando-me mais eufórica por suas
carícias, e logo me devorou de forma faminta.
Isso! Essa sensação era melhor que a outra. Com a luxúria,
com o prazer, eu podia lidar, mas com o amor? Estaria pronta para
dar esse passo? Poderia até estar, mas Stefano não poderia ser
aquele a quem eu entregaria meu coração. Como fui me deixar cair
assim?
Ele parou o que estava fazendo e pairou em cima de mim.
― Belinda, o que está acontecendo? Se não estiver pronta,
podemos esperar. ― Ali estava ele, deixando a decisão em minhas
mãos. Tão diferente de Gazo, que me disse que, se eu o amasse,
teria de ficar com ele, e no fundo fiquei para provar isso. Como eu
era ingênua e estúpida! Era isso que o amor fazia, deixava as
pessoas vulneráveis e tolas. Ao menos eu me tornei assim. Achei
que tinha aprendido a lição, mas, pelo visto, não tinha.
Eu confiava em Stefano a respeito do sexo e estava pronta
para dar aquele passo por mim mesma, sem ser na base da
coerção. Não era isso que me incomodava, mas deixaria que ele
pensasse que sim. Era melhor do que a verdade.
― Estou pronta, quero isso ― assegurei com firmeza. ―
Quero você dentro de mim.
Ele me avaliou um segundo.
― Stefano, se eu não estivesse, não estaríamos aqui, pode
ter certeza disso. ― Deixei o rosto o mais tranquilo que pude, assim
não estragaria o momento.
Então ele me beijou, e coloquei minhas pernas à sua volta.
Senti-o pronto e necessitado por mim, logo estava me preenchendo.
A sensação foi maravilhosa, de total prazer e plenitude.
― Merda, sinto suas paredes apertarem meu pau... ― rosnou
em meus lábios enquanto começava a se mover.
― Isso, me fode com força, Foguete! ― Fechei meus olhos,
balançando meu corpo conforme a intrusão.
Cada estocada dele me levava ao limite do prazer. Essa
sensação prazerosa era tão diferente da outra experiência que tive.
Antes, para mim, sexo devia ser tudo igual, mas enfim percebia que
não. Ao menos com Stefano não se comparava a nada, a não ser o
nirvana.
Nossos olhares se conectaram assim como nossos corpos já
estavam coesos. Com a forma como ele me fitava, parecia enxergar
minha alma, assim como eu a dele. Esse sentimento tomou posse
de mim como mágica. Resplandecia como o sol. Eu me sentia
flutuando não só de prazer, mas com algo em meu peito que tomava
conta e a cada dia ficava mais forte.
Fechei minhas pálpebras, rompendo o contato, pois era um
sentimento que eu não queria sentir naquele instante; só queria
desfrutar do prazer e da luxúria.
― Você é gostosa demais! ― Apossou-se da minha boca
enquanto batia fundo em mim.
Ele não ficava atrás enquanto me fodia duro. Digo duro
porque ouvíamos nossos corpos batendo em sincronia perfeita,
como se fôssemos feitos para nos encaixar assim.
Não, isso é só foda e mais nada!, entoei ao meu cérebro,
assim não correria o risco de cair ainda mais profundamente
naquele espiral de emoções e sair com o coração partido. Algo me
dizia que seria uma queda pior do que a de um arranha-céu.
Minhas mãos apertaram o lençol forte, querendo tocá-lo, mas
me segurei. Não queria estragar o momento e, pior, levá-lo a sentir
aquele tormento que já tinha visto antes em seu rosto.
Uma de suas mãos foi parar entre minhas pernas, circulando
meu clitóris.
― Abra os olhos. Quero vê-los quando você gozar em meu
pau. ― Sua voz crua me enchia ainda mais de tesão.
A sensação era boa demais para eu sequer abrir os olhos.
Além disso, queria evitar pensar na turbulência em meu peito.
― Belinda. ― Parou de se mover, fazendo-me gemer de
frustração, pois estava chegando perto... ― Eu sei o que está
fazendo.
Finalmente encontrei os olhos dele.
― Se sabe, deveria querer o mesmo, Foguete. Agora se
mexa, ou terei que fazer sozinha? ― provoquei, não querendo tocar
no assunto, não agora.
Ele me avaliou por um instante, mas, após suspirar, voltou a
me beijar e a se movimentar. Era melhor dessa forma, assim
ninguém sairia machucado.
Cada impulso que ele dava me levava à porta do paraíso, o
que eu estava amando. Os movimentos de seus dedos em meu
clitóris aceleraram, o que me fez gritar, mas sua boca abafou o som,
engolindo meu orgasmo alucinante. Juro que eu via um turbilhão de
luz através das minhas pálpebras fechadas.
― Isso, goza em meu pau! O quero branco com meu
orgasmo e o seu! ― Logo em seguida, apertou-se contra mim com
força. Eu sabia que ele estava gozando. Seu corpo ficou tenso e
deu mais duas estocadas, então se deteve com um gemido sexy.
Ficamos ali, parados, até nossas respirações se
restabelecerem, então o que ele disse me veio à mente, e pisquei,
empurrando-o.
― Mas que porra! Você não usou camisinha! ― Tentei sair
dos seus braços, mas ele não deixou.
― Relaxa...
― Relaxa? ― grunhi, empurrando-o de novo. Enfim me
deixou ir, e me levantei, fuzilando-o. Tive que me firmar, pois minhas
pernas estavam bambas.
― Você usa pílula ― declarou. Não era uma pergunta.
Estreitei os olhos.
― Como sabe? ― Eu usava anticoncepcionais para controlar
meu período. ― E isso não me impede de pegar alguma doença,
afinal sei de sua fama, maior que a torcida do Barcelona.
― Nunca transei sem camisinha ― afirmou sério.
― Por que quis fazer comigo? E como sabe que uso controle
de natalidade? ― perguntei novamente, mentindo, pois não era
esse o propósito das pílulas.
― Vamos dizer que entrei no seu quarto quando fiquei na sua
casa. ― Não parecia arrependido.
― O que foi fazer lá?
― Não conseguia dormir e, como Luna estava dormindo na
época e, quando fico assim, converso com ela, Jade ou Graziela, fui
ao seu quarto para conversar, mas você estava dormindo
profundamente. Seu telefone tocou na gaveta do criado-mudo. Foi lá
que vi a cartela. ― Deu de ombros, sentando-se na cama.
― Você saiu logo depois? ― pela forma como ele falou, eu
tinha certeza que não, mas achei melhor checar.
― Não, me sentei no sofá e fiquei lá por horas. ― Ele olhava
para seus pés. Não parecia arrependido, só confuso, como se não
entendesse por que tinha estado lá. Talvez fosse por isso que tinha
ido novamente ao meu quarto na noite anterior.
Eu poderia ficar puta, mas sabia sobre sua insônia devido
aos pesadelos. Ouvi-o gritar uma vez, mas ninguém pareceu ouvir.
Acho que todos estavam focados na doença de papai. Só escutei
porque passava em frente ao quarto de hóspedes na hora. Bati com
força na porta para acordá-lo e me escondi atrás do grande vaso
com uma planta no corredor. Vi-o sair e procurar o responsável no
corredor. Sua expressão me fez sentir mal por ele por semanas. A
dor vincava sua expressão como se ele estivesse andando sobre
brasas.
― Não vou chutar sua bunda por ter feito isso ― provoquei,
não querendo que ele se voltasse de novo para sua mente repleta
de dor.
Stefano me olhou um momento, talvez tentando ver se eu
estava com raiva, mas realmente não estava.
― Aposto que eu venceria, embora seja ruim, afinal você tem
uma bela bunda sexy ― continuei, sorrindo.
― A sua que é completamente sexy.
Ele me puxou para seus braços, beijando-me. Quando
percebi, era tarde demais para fugir daquele sentimento, ele já
estava ali, em meu peito. Não havia nada que eu pudesse fazer
para mudar isso. Estava completamente apaixonada por Stefano.
Eu sentia que Belinda andava estranha desde a nossa
primeira transa. No começo, achei que tivesse se arrependido, mas
não foi isso, não após termos transado três vezes.
Suspeitava que fosse o mesmo problema que eu tinha, o fato
de não conseguir parar de pensar nela nenhum segundo, a vontade
de ficar sempre ao seu lado, algo que não era possível. Não quando
eu não podia fazê-la feliz.
Olhei para a vasta piscina, onde os garotos do orfanato
estavam reunidos. Neto era o único que não se encontrava lá, pois
ainda se recuperava em um dos quartos. Após tudo que aconteceu
com os três irmãos, deixei alguém tomando conta dele enquanto
estava hospitalizado, no caso de as pessoas que o queriam
voltarem.
Na borda da piscina, Belinda estava falando com Yago e
Paco. Chamava minha atenção com sua elegância e carisma, pois
ela era assim, amigável com todos naquele lugar. Algumas pessoas
realmente gostavam dela, mas outras não eram tão simpáticas. Não
a tratavam mal, porém a olhavam de modo desgostoso. Essas com
certeza eram os miseráveis que estavam fazendo daquele
estabelecimento um abatedouro ao levar os garotos embora.
Após falar com El Diablo, confirmamos que realmente não
existia nenhum Antônio Hardy. A informação estava tão bem
escondida que, se a hacker que ele usou não fosse boa, não a teria
conseguido. Aquele garoto não era quem dizia ser. Era para termos
agido antes, mas achamos melhor esperar o momento certo para o
desmascarar.
Desde que entrei no orfanato naquela manhã, não tirei meu
foco dele. Queria saber o que realmente fazia ali. Se seu objetivo
fosse machucar os meninos, teria eu coragem de matá-lo? Seria
capaz de matar qualquer um, mas um garoto, ainda mais quando
ele viveu tantas atrocidades, assim como eu um dia?
Antônio encontrou meus olhos, e vi quem realmente era. A
fachada caiu, talvez quisesse que eu visse. Em um segundo, era um
simples garoto, e no outro, um assassino sem qualquer emoção.
Indicou com o queixo a direção do vestiário. Foi tão sutil que
quase não notei, mas eu era bom observador. Segui-o. Tinha
chegado a hora de descobrir a verdade sobre ele.
No começo, achei que aquele rapaz queria levar todos os
meninos, mas, após observá-lo naquele dia, notei que Antônio, ou
fosse qual fosse seu nome, não trabalhava para os malditos. Ele
tinha ido para o orfanato com a intenção de espionar ou proteger as
crianças. Em certo momento, enquanto observava todos se
divertindo, percebi saudade em seu olhar. Isso me deu muito o que
pensar. Entretanto, uma coisa era certa: ele era um assassino.
Cheguei ao vestiário e o encarei do outro lado do cômodo. A
princípio, minha intenção era desmascará-lo, mas já tinha visto a
sua verdadeira face, o que realmente fazia. Só não sabia o motivo
de ele estar ali.
― Você tem um segundo para dizer quem é antes que eu
derrame seu sangue nesse chão. ― Apontei a arma para ele.
Suas mãos estavam relaxadas ao lado do corpo e não
pegaram nenhuma arma.
Antes que ele respondesse, um telefone no banco próximo a
mim tocou.
― É para você ― disse o garoto, indicando com o queixo o
celular.
Estreitei os olhos, mas peguei o aparelho e o comprimi na
orelha sem desviar a atenção do meu alvo.
― Fique parado, ou estouro seus miolos. ― Esperava
realmente não ter de fazer aquilo.
Ele não retrucou, ficou ali parado, de olho em mim.
― Quem é? ― perguntei direto, assim que atendi. ― É
melhor ter uma boa explicação, ou seu amiguinho aqui vai voltar
para você aos pedaços.
― Pelo que eu soube, você não mata crianças, mesmo
sendo uma delas uma assassina ― disse a voz da pessoa que eu
estava à procura havia um bom tempo.
― Lyn. ― Suspirei. ― Por que mandar um garoto vir aqui
disfarçado de órfão?
Tinha uma vaga suspeita, mas queria uma resposta para
confirmar.
― É minha função encontrar esses vermes, e a maneira mais
fácil que achei foi infiltrando nos orfanatos garotos que resgato. É
uma quadrilha bem articulada, então preciso ser cauteloso, pois são
muitos espertos, embora eu seja mais ― me disse com aço na voz.
― Você, no entanto, indo parar aí foi uma surpresa com que eu não
estava contando.
― Desde quando sabe sobre este lugar?
― Alguns meses atrás, logo quando enviei Jacob para se
infiltrar aí. Foi quando eu soube de sua garota. Até consegui mantê-
la no escuro por um tempo, e a sua ausência devido à doença do
pai ajudou, mas as coisas se complicaram com a adoção dos irmãos
Laions. O perigo começou a cercá-la logo que retornou ao trabalho,
e foi quando vi vocês dois juntos.
― Desde quando sabe quem ela é? Porque aqui todos a
conhecem como Bella.
― Já há algum tempo, mas não ligo para seu disfarce. O que
quero saber é qual o seu plano, já que tem El Diablo e outro cara de
olho no lugar.
― Conhece El Diablo? ― A pergunta deveria ser se ele já
tinha ouvido falar de El Diablo, porque eu acreditava que não tinham
se conhecido pessoalmente. ― Ele tentou localizá-lo. Acho que quer
você trabalhando em sua agência.
― Quem não o conhece? ― Bufou. ― Trabalho sozinho, não
preciso de uma agência. Agora me diga, o que fazem aí?
Como sempre sem enrolação. Ele sempre era assim, ia direto
ao ponto.
― Achávamos que seu garoto convencia os meninos a
fugirem daqui, e os guardas acobertavam, assim como o diretor do
local.
― Eles não são tão inteligentes para bolar esse plano. Sorte
para mim. ― Suspirou.
― O que vai acontecer agora?
― Preciso saber os nomes dos locais onde mais Prometheus
estão instaladas, por isso coloquei Jacob aí. Os guardas são pagos
para conseguir garotos e treiná-los para, quando forem
supostamente adotados, já terem serventia ao ser levados para a
arena, como ia acontecer com o garoto Laion. ― Veneno escoava
de sua voz.
― Se sabe quem são os guardas, por que ainda estão vivos?
― Nessa semana, eu pensava em pegar um deles e torturá-lo, mas,
como suspeitei do garoto infiltrado, sabia que havia um plano ali,
então precisava descobrir antes de tomar uma decisão. Só não
contava que quem estava por trás dele fosse Lyn.
― Porque eles não sabem onde as arenas ficam, só são
pagos para fazer o serviço, além disso, não quero só uma
localização, como você descobriu com aqueles caras que torturou.
Quero mais localizações, e o cara que dá ordens ao diretor do
orfanato sabe onde estão. ― Ele estava puto da vida.
― Sabe quem é ele, mas não o pegou ainda? Quem é?
― Como disse, não quero uma ou duas localizações, quero
todas. O cara é convidado para as lutas e já foi a algumas em várias
Prometheus. E, antes que pergunte por que não o torturei para
descobrir as outras localizações, Jair Calixto só sabe os locais em
cima da hora, e, nos últimos meses, já foi a sete dessas arenas ―
falou com um suspiro duro.
― O juiz da suprema corte? ― Ele era tio de Jared Calixto.
Os dois estavam envolvidos naquela organização maldita.
― Sim, esse mesmo, mas não faça nada. Quero saber de
mais localizações, e amanhã vou saber onde fica outra Prometheus.
― Como sabe os dias das lutas, mas não tem conhecimento
dos locais em que acontecem?
― Ele vai sempre às quintas e sábados ― informou-me. ―
Então, seja o que estiver planejando, peço que espere um pouco
mais.
Não era pedir muito, afinal eu queria que aqueles malditos
pagassem com juros por tudo que faziam.
― Vou deixar como está por enquanto, mas, se respingar em
Belinda, vou massacrar todos. E quero estar junto quando você for
acabar com os malditos. ― Não podia ficar de fora daquilo, estava
contando com a possibilidade de fazê-los pagar.
― Fechado. Só preciso localizar o cabeça dessa
organização, não os peões...
Fomos interrompidos por tiros lá fora. Corri com o telefone na
orelha e a arma pronta para atirar.
― Vocês estão sendo atacados! ― ouvi-o dizer. ― Controle a
situação. Vou ver o que posso fazer.
Encerrei a chamada. Meu foco era Belinda, ela não podia sair
machucada. Meu intestino se retorcia só em imaginar essa hipótese.
Corri para a piscina, mas não a avistei, assim como Paco e
Yago. Havia outras crianças no local, mas não eles. Meu coração
estava acelerado, o que piorou quando não a vi.
― Bella, onde ela está?! ― perguntei a uma mulher
escondida num canto tomando conta de um grupo de garotos
pequenos.
― Ela foi com Yago e Paco para o quarto de Neto. Falei para
não irem, pois chamei a polícia, mas Bella não me ouviu. Disse que
não podia deixar Yago ir sozinho à procura do irmão.
Tinha que ser a Belinda! Ela não podia ser aquela que se
esconde em algum lugar até o perigo passar, mas sim a que vai
para a batalha enfrentar a todos. Porra! Aquela mulher me deixaria
de cabelos brancos ainda jovem.
Fui até Jacob, o verdadeiro nome de Antônio.
― Mantenha as crianças protegidas, leve-as a algum lugar
seguro. Não confie em ninguém aqui, atire antes e pergunte depois
se a pessoa parecer suspeita ― falei com urgência. Não o vi com
alguma arma, mas devia ter uma em algum lugar e, mesmo se não
tivesse, saberia lidar. ― Vou tomar conta de Belinda e dos irmãos
Laions. Esse ataque não foi aleatório.
― Aposto que querem aparar as pontas soltas ― disse e foi
até o grupo de crianças que a mulher estava mandando ficar
abaixado.
Mais tiros soaram na parte externa. Eu apostava que El
Diablo e Viper estavam revidando. Corri enquanto ligava para El
Diablo.
― Estou ocupado aqui, se não percebeu! ― foi seu
cumprimento.
― Quantos são? ― ignorei seu tom irritado.
― Uns 12 homens. Abatemos cinco, mas alguns passaram
por nós. Vai ter que cuidar deles você mesmo.
Praguejei baixo ao desligar e corri para o andar de cima.
Sabia onde ficava cada quarto. O dos irmãos era no final do
corredor à esquerda.
Ouvi um choro de criança e depois um grito. Esse era de
Belinda. Apressei meus passos, indo em direção a esses sons.
― Os deixe ir e fique comigo! ― ouvi a voz dela lá dentro.
Essas palavras significavam que um deles tinha passado e chegado
até eles. Alguém gemia de dor, o que significava que havia sido
ferido. ― Por favor, não os machuque mais! Faço qualquer coisa!
Belinda não suplicava por qualquer motivo. Isso mostrava
que estava sem opção.
Andei devagar e silenciosamente e cheguei à porta do quarto.
Vi Yago sangrando com um tiro que parecia ter sido no ombro, pois
o sangue minava daquela região. Ele e Belinda estavam na frente
de Neto e Paco, protegendo-os. Gostei daquele garoto e de sua
ligação com os seus irmãos. Tinha ido ali só para tomar conta de
Neto e foi sequestrado antes só para deixar os caçulas seguros.
Lembrava-me muito meus irmãos e a mim.
― Vamos matar os garotos, mas podemos nos aproveitar
dessa gostosa ― disse um cara. Não ouvi resposta, então supus
que estivesse falando por escuta.
O terror invadiu os olhos de Belinda, que ainda não tinha me
visto. A cada vez que o homem mencionava o que ia fazer, a fúria
tomava posse de mim a ponto de me deixar cego.
Ah, vou fazer esse verme pagar caro!
Em minha cabeça, imaginei tudo que faria a ele.
― E eu vou estripá-lo. ― Poderia dizer mais coisas que lhe
faria, mas Paco estava ali, chorando baixinho. Eu não queria
traumatizar ainda mais os garotos.
O infeliz se virou para me olhar, mas, antes que pudesse me
ver, atirei no seu ombro e me lancei sobre ele, derrubando-o no
chão. Não o queria morto agora, precisava obter informações. Além
disso, não queria que os meninos presenciassem.
― Poderia te matar agora, mas, por enquanto, isso vai servir.
― Nocauteei-o com a coronha da arma, fazendo-o apagar.
― Stefano! ― Belinda se colocou de pé e veio me abraçar,
colocando os braços em torno do meu pescoço. ― Não o encontrei
em lugar nenhum! Estava preocupada.
Meu corpo se sacudiu com o toque nessa região. Isso me
fazia ter lembranças que não queria.
― Desculpe... ― Afastou-se, talvez sentindo como meu
corpo ficou tenso.
Nós nunca conversáramos sobre isso, mas eu sabia que ela
desconfiava de que algo havia acontecido, só não tinha ideia da
atrocidade cometida.
― Estou bem. ― Não queria falar sobre isso agora nem
acerca do que descobri sobre o chefe dela. Quando fôssemos
embora, eu lhe contaria tudo, exceto a parte do que vivi. ― Temos
cobertura.
Olhei para os meninos. Ela se virou para eles também. Era
melhor isso a pensar no meu tormento vivo. Ademais, meu coração
estava na mão por ter temido chegar muito tarde até Belinda.
― Vocês estão bem? ― sondou, indo até os três irmãos.
― Sim, estamos bem ― disse Neto com a respiração difícil.
Fui até ele, peguei-o e o coloquei na cama. Ele ainda estava
ferido em suas costelas, devia ter se machucado mais durante a
invasão.
― Pode ficar aqui, ninguém mais vai entrar.
― Obrigado por nos salvar ― agradeceu Yago, levantando-
se. Ele tinha quase a minha altura. ― Acha que os outros meninos
estão bem?
― Creio que sim. Antônio e uma mulher de coque está com
eles.
― A senhorita Arminda. Ela é legal ― falou Neto enquanto
Paco se deitava na cama com ele.
― Precisa cuidar disso, Yago. Vamos ao banheiro para eu
dar uma olhada. ― Belinda o levou para o banheiro, que ficava não
muito longe.
― Enquanto isso, vou ficar na porta. Ninguém vai entrar aqui.
― Essa era uma promessa que eu não quebraria.
Levou alguns minutos para conseguirem neutralizar o ataque.
Eu queria ter participado da ação, mas não deixaria nem Belinda
nem aqueles garotos desprotegidos.
Como tudo foi empurrado para debaixo do tapete e saímos
como vítimas, ninguém suspeitou de quem éramos. A polícia se
desculpou pela demora em chegar informando que só souberam
tarde da invasão ao orfanato. A desconfiança deles era de que tinha
sido uma disputa entre gagues. Quase ri quando ouvi essa ladainha
vinda de um dos policiais ao explicar a morosidade aos funcionários
do estabelecimento.
― Bando de hipócritas... ― falei baixo para Belinda.
Nós estávamos mais afastados de todos, pois já tínhamos
dado o nosso depoimento.
― Esse com certeza trabalha para quem está envolvido
nesse ataque ― sussurrou de volta e suspirou ao olhar para Yago e
Neto, que estavam sendo levados por uma ambulância. Paco
chorava por não querer deixar os irmãos.
― Vou pegá-lo. ― Avisei a ela e fui até o menino, que
parecia perdido e assustado enquanto via seus irmãos serem
levados. Os dois estavam bem, era só rotina, afinal um levou um tiro
no ombro, e o outro já tinha fraturas antes de aquela merda
acontecer.
Belinda veio até mim e se abaixou na frente dele.
― Oi, homenzinho. Seus irmãos vão ficar bem, só precisam
ser hospitalizados, mas logo vão estar aqui ― ela disse tocando sua
cabeça.
― Queria ir com eles ― murmurou. ― Mas Yago pediu que
eu ficasse.
― Eu sei, meu anjinho. Que tal eu ficar aqui com você até
que eles voltem?
Franzi o cenho. Mesmo que ela tivesse ficado no lugar do
diretor, não podia fazer nada sem o miserável permitir.
O garotinho olhou para Belinda como se ela fosse seu anjo
da guarda.
― Vai me levar para ver Neto e Yago depois? ― perguntou
com os lábios tremendo.
― Sim, eu vou, mas amanhã, prometo. Hoje dormirei aqui, e
nada irá se aproximar de você.
― Bel...la ― Ia dizer o nome dela, quando me lembrei de
quem ela era ali. ― Acho que precisa de autorização para ficar aqui,
ou não?
― Falei com Jared quando relatei que o orfanato foi invadido.
Até lhe comuniquei que deveríamos levar as crianças para outro
lugar até sabermos mais sobre a invasão, mas ele disse que vai
enviar seguranças, então não preciso removê-las.
― Aposto que ele não gostou nada disso. ― Respirei fundo
para não grunhir.
Apesar de tudo, achei bom Belinda ficar; assim os meninos
não se sentiriam sozinhos. Esperava que Lyn tivesse descoberto a
outra arena para a qual o tio de Jared foi, pois eu estava louco para
matar o desgraçado.
Paco ficou olhando para Belinda.
― Vai ficar tudo bem, garotão. Vamos tomar conta de você ―
prometi.
Eu tinha certeza de que Jared tinha mandado gente para
matar Yago e seus irmãos. Tinha gente de El Diablo cuidando dos
outros garotos no hospital, nada chegaria até eles, enquanto
tomávamos conta de Paco, não só pela promessa que fiz a Yago de
manter o irmãozinho a salvo, mas também porque o menino parecia
perdido.
Belinda deu um sorriso radiante para o garotinho.
― Vai ficar mesmo comigo, senhorita? ― sondou ele com
esperança na voz.
― Sim, meu anjo. Vamos para um dos quartos, onde dormirei
ao seu lado. ― Pegou a sua mão e depois me olhou. ― Vai ficar
comigo?
Sacudi a cabeça aquiescendo.
― Não vai ficar fora da minha vista. ― Segui-a para dentro.
Meia hora depois, estabilizamos as coisas no orfanato, e os
seguranças que Jared disse que mandaria chegaram. Devia ter feito
isso para não parecer suspeito, mas eu não confiava em nenhum
deles. Mandei mensagem para El Diablo descobrir quem eram. Ele
disse que checaria e me informou que havia câmeras no orfanato
colocadas por Jacob. Com elas, eles estavam de olho em todos os
lugares.
Quando tudo estava resolvido, queria levar Belinda para
nossa casa... Nossa? Devia estar mesmo louco por pensar em ter
uma casa e uma mulher como ela, tão bondosa, fingindo-se de forte
na frente de todos.
O que aconteceu naquele dia provava que eu não estava
pronto para um relacionamento. O medo que senti de chegar tarde
demais não era normal. Não podia deixar ninguém entrar em meu
coração cheio de trevas.
Olhei-a colocando Paco para dormir. O menino não dormia
sozinho após tudo que presenciou na casa dos Ramonis, ficava
sempre com Neto ou Yago. Em sua situação, esse medo de estar só
era normal, afinal vinha passando por muita coisa desde que perdeu
seus pais.
Deixei os dois e fui ao fundo do corredor a fim de ligar para El
Diablo, que atendeu ao segundo toque.
― Stefano. ― Foi seu cumprimento.
― Sabe de Lyn? ― Precisava falar com ele. Não esperaria
mais para derrubar aquela maldita escória.
― Está comigo agora.
― Me deixe falar com ele.
― Vou passar. Mas antes quero que saiba que os meninos
estão protegidos. Arrow e Knife estão de olho neles. Nada os
alcançará. Vou passar para Lyn agora.
― Eles chegaram muito perto hoje. Encontrei um deles com
os garotos e Belinda. ― A raiva me consumia tão forte que fazia
minha boca amargar.
― Foi um erro. Achávamos que eles arrumariam um jeito de
tirar os garotos daí de outra forma, não imaginei que fossem atacar
para eliminar um alvo. ― Lyn suspirou. ― O bom é que isso prova
que eles não sabem sobre você e sua garota.
― Já deu essa merda toda. Espero que tudo seja resolvido
hoje, não vou deixar Belinda ficar nesse antro infestado de vespas.
― O juiz e seu sobrinho, o diretor do orfanato, vão a uma das
Prometheus que fica em uma ilha não muito longe daqui. Esse é um
novo local. Estou preparando meu pessoal para atacar as
instalações amanhã, assim que estiverem lá.
Eu sabia que o infeliz não estava na Rússia! Nikolai me ligara
no dia anterior avisando que Jared não tinha pisado lá.
― Deixe Jared vivo. Quero ter minha vez com aquele maldito,
assim como com o homem que quase matou os meninos. ―
Quando os policiais chegaram ao orfanato mais cedo, só se
depararam com os corpos do lado de fora. Não matei o que queria
eliminar os irmãos Laions. Esse, Jacob tinha levado consigo para
Lyn.
― Fechado. Depois dou um jeito de descobrir mais lugares.
― Ele deu um suspiro duro.
― Posso te ajudar com isso ― ofereci, querendo entrar
naquela guerra.
― Não está ocupado protegendo sua garota?
Minha garota... Por que meu coração balançava sempre que
ouvia isso? A sensação era boa, como se eu merecesse ter alguém
como ela, mas não merecia. Meu destino era ficar sozinho e pagar
por tudo que fiz.
― Se eu eliminar toda essa escória, ela ficará bem. ― Por
que parecia que meu peito tinha sido esmurrado?
― Tem certeza de que quer ir por esse caminho? Não vamos
terminar logo. Estou nisso há anos e nem cheguei perto de acabar.
O aperto em meu peito ficou insuportável após tomar minha
decisão.
― Sim. Limpe o orfanato, que depois vou com você ―
respondi e suspirei.
― Tudo bem ― concordou e depois ficou em silêncio por um
tempo. ― Stefano, se não estiver pronto para isso, você...
― Estou pronto ― garanti, querendo arranjar uma forma de
ajudar todos aqueles garotos que tiveram o mesmo caminho que
nós. Ninguém merecia aquela porra fodida.
― Ok, então vou resolver tudo essa noite. ― Desligou.
Respirei fundo, discando outro número que precisava ser
notificado sobre o ocorrido naquele dia.
― Stefano? Ligando a essa hora, suponho que tenha
acontecido algo ― disse Alessandro.
― Sim. ― Contei a ele tudo o que aconteceu no orfanato. ―
Essa merda é fodida.
― Sim, é. Ainda mais porque não descobrimos quem atacou
o clube de luta dos Castilhos. Pareciam ser membros de gangues
comuns, mas por que o suicídio? Tem algo aí que não faz sentido.
― Ele estava frustrado. ― Pergunte isso ao Lyn quando falar com
ele. Talvez saiba.
Eu tinha me esquecido de perguntar aquilo ao meu amigo,
mas, como ficaria com ele por um tempo, acreditava que saberia
caso ele tivesse conhecimento do caso.
Contei meus planos para Alessandro.
― Então vai deixar a menina Castilho? Achei que estivesse
se envolvendo com ela.
Eu conhecia meu irmão e sabia exatamente o que ele pensou
que iria acontecer.
― Eu só vim ficar com os Pachecos para espioná-los para
você, Alessandro...
Um ofego me fez virar e encontrar os olhos de Belinda
arregalados de dor e traição.
Porra, esse dia não podia ficar pior, pensei amago.
Eu tinha acabado de colocar Paco para dormir e de receber
uma ligação do hospital dizendo que os meninos estavam bem.
Estava feliz por todos termos saído vivos e, naquele momento, só
queria desfrutar dessa felicidade e alívio com Stefano, mas, após
ouvir suas palavras, meu corpo parecia que tinha recebido uma
descarga elétrica dos pés à cabeça. Não, aquilo não podia ter
acontecido de novo... Eu devia ter ouvido errado.
― Belinda... ― ele começou a dizer dando um passo até
mim, mas dei um para trás, não querendo seu toque naquele
instante.
― É verdade? Você se aproximou da minha família para
espioná-la? ― Que não seja isso, por favor!, pensei, mas a forma
como ele me olhava dizia que eu estava certa.
Stefano respirou fundo.
― Sim, eu...
― Seu desgraçado! Como pôde fazer essa merda?! ― Ri
com desdém. ― Como fui estúpida de cair nessa porra duas vezes?
Ser usada por canalhas!
Estava puta da vida com Stefano, porém mais comigo mesma
por ter caído em sua ladainha. Tanto que jurei que não cairia de
novo, e no final acabei traindo minha promessa.
― Não me compare com aquele lixo do seu “ex”. ― Uma
sombra atravessou sua expressão.
― Na verdade, vocês dois são iguais. Acharam que eu era
idiota e me usaram para chegar aos meus irmãos. ― Tentei
controlar a dor que estava sentindo.
― Belinda, eu não usei você... ― começou a falar, mas eu
não quis ouvir seus motivos.
― Quero que vá embora agora. ― Indiquei a porta. ― Te dou
duas horas para sair do território dos meus irmãos até contar a eles
que você é um espião de merda. Tanto que se enfureceu com Sage
por se infiltrar na sua família... Ao menos ele estava protegendo
Luna, ao contrário de você, que me usou para chegar aos
Pachecos.
Se eu contasse imediatamente, ele seria morto, e no fundo
eu não queria isso. Poderia desejar sua morte, afinal me usou, mas
não suportava a ideia de ele ser machucado. Outrossim, Luna
sofreria com aquilo.
― Belinda, me deixa explicar. Não usei você...
Fuzilei-o.
― Não acredito em nada que saia dessa sua boca. Você
mentiu para mim, me usou, me fez me apaixonar por você, tudo
porque queria algum tipo de informação dos meus irmãos ― sibilei.
Seu olhar ficou entre o pesar e o pavor. Algo em minhas
palavras o deixou assim, e eu sabia justamente o que era.
― Você não pode me amar...
Cortei-o, com dentes trincados:
― Não se preocupe, vou arrancá-lo do meu peito. Fiz isso
uma vez, faço de novo. ― Entretanto, dessa vez seria pior, porque o
que eu sentia por Stefano era tão forte que eu não sabia se um dia o
esqueceria.
― Sinto muito ― sussurrou.
― Não preciso de sua pena. Agora desapareça da minha
frente ― rosnei.
Estava contente comigo mesma, que não estava chorando
em sua frente, mesmo com aquela dor insuportável.
― Tem duas horas para sair de Barcelona, ou estará morto, e
você não quer ver Luna machucada, então sugiro que vá agora. ―
Indiquei novamente a porta.
― Não vou deixá-la sozinha aqui ― disse em voz baixa.
― Não se preocupe, estou correndo mais perigo ao lado de
alguém como você, um desgraçado fodido e manipulador de merda,
que usa as pessoas sem se importar com seus sentimentos. ―
Cerrei os punhos.
Ele não se moveu, então me lancei sobre ele, socando-o no
peito. Stefano não revidou. Foi quando me lembrei de que ele
gostava de sentir dor, então parei de atingi-lo.
― Só vá, Stefano ― pedi sem alterar a voz para não acordar
Paco e as outras crianças no andar de baixo. ― Por favor, se um dia
se importou comigo, vá embora. ― Não queria me sentir vulnerável
naquele momento. ― Mande El Diablo ficar aqui até meus irmãos
chegarem. Só não quero ver você de novo nunca mais.
Quando Gazo me usou para atingir meus irmãos, fiquei
neutra ao ver seu ódio, o que me impediu de suplicar por sua vida.
Com Stefano, eu o via perdido e atormentado. Ele não pensava em
me fazer mal; talvez à minha família.
Eu não podia pensar em alguém que queria destruir todos
que eu amava. Não entendia o motivo de os Destruttores terem feito
aquilo. No fundo, não dava a mínima; nada justificava ele me usar
da forma como fez.
Achei que Stefano fosse dizer alguma coisa, mas apenas
virou as costas e saiu. Entrei em um dos quartos vazios e caí de
joelhos no chão ao lado de uma cama.
O meu peito estava esmagado com aquela descoberta, que
não esperava. Estava contente com o que tínhamos e até temia ter
me apaixonado. Tive a certeza naquele dia, durante o ataque,
quando temi perdê-lo e soube que tinha ido mais fundo naquela
relação do que gostaria.
No fundo, achei que ele sentisse o mesmo, porque via a
forma como reagia a mim, mas me enganei. Quem se importa e
ama não mente e usa da forma como ele fez comigo.
Lembrei-me das palavras de Javier, que disse que Stefano
me quebraria. Eu estava despedaçada, mas não ficaria assim por
muito tempo. Sairia por cima, como já tinha feito uma vez. O pior
seria dizer aos meus irmãos que fui enganada novamente, e tudo
para alguém se aproximar deles.
Não soube quanto tempo fiquei ali, sentada e chorando, mas
devia ter sido muito, porque ouvi as vozes dos meus irmãos ao meu
redor.
― Ei, Belinda, o que foi? ― perguntou Santiago.
― Cadê Stefano? Não era para ele estar aqui com você? ―
sondou Benjamin.
Pisquei e levantei a cabeça, encontrando os olhos dos meus
irmãos.
― Belinda! ― Valentino me checou dos pés à cabeça. ―
Alguém a tocou?
Percebia o medo na sua voz, então me forcei a controlar-me
e guardar a dor por enquanto, embora não fosse fácil. É impossível,
pensei amarga.
Limpei os olhos e me sentei na cama.
― Não fui machucada. ― Não fisicamente, pelo menos, mas
a dor que eu sentia era pior. Preferia ter levado uma surra.
― Belinda ― ouvi a preocupação na voz de Fabrizio ―, onde
Stefano está? Não o vi quando chegamos aqui.
Olhei para o relógio no meu pulso. Naquela hora, ele já devia
ter partido, ou seja, meus irmãos não o machucariam por ter se
infiltrado em nossa família. Idiota era eu, sabia, ainda mais por me
importar.
Não respondi. Não conseguia dizer que tinha sido usada
novamente. Não queria ver a confiança que meus irmãos tinham em
mim desaparecer, bem como sua dor, afinal prometi a todos que não
me deixaria cair assim outra vez, que seria esperta e descobriria
qualquer intenção antes... o que não foi o caso. Se não ouvisse da
sua boca, ele jamais teria me contado a verdade.
― O que Stefano fez para deixá-la nesse estado? ― insistiu
Valentino.
Não conseguia encontrar seus olhos, só abaixei a cabeça.
― Não quero falar sobre isso. Vou lavar meus olhos. ― Fugi
para o banheiro antes que ele comentasse algo.
Não queria que Stefano estivesse ali naquele momento, ou
seria seu fim. Valentino era pior que Stefano em seus momentos
perturbados. Preferiria mil vezes sair machucada sozinha a dar esse
desgosto a meus irmãos. O que papai sentiria se estivesse vivo?
Era em seus braços que eu chorava sempre que algo assim
acontecia. O que eu faria agora? Sentia-me tão perdida.
Estava a ponto de voltar para o quarto e tentar estabilizar as
coisas, mas me detive ao ouvir a voz de meu irmão.
― Tínhamos um acordo, e você não honrou seu lado ―
sibilou Fabrizio. Não ouvi resposta, então ele devia estar falando
com alguém ao celular. ― Se eu pegar Stefano em meu território,
vou matá-lo ― rosnou ele. ― Não ligo para suas ameaças,
Alessandro. Ninguém usa minha irmã e fica por isso mesmo, ou vai
me dizer que não faria o mesmo pelas suas irmãs?
Fabrizio riu sombrio.
― Devia ter pensado nisso antes. Vou fazê-lo pagar caro se o
vir algum dia. ― Eu podia sentir a fúria do meu irmão. ― Não me
lembro de ter dado autorização para ele foder minha irmã. Você
quebrou sua palavra ao não controlar seu irmão. Era só para ele ter
ficado aqui e os dois começarem a gostar um do outro, não para ele
a tocar e a deixar logo depois... ― ele se interrompeu assim que
ofeguei de olhos arregalados.
Pisquei, chocada demais. Ele estava falando que foi tudo
armado entre eles para eu conhecer Stefano e me apaixonar por
ele? Como meus irmãos podiam ter feito isso comigo? Estava
entorpecida diante de sua discussão com o outro capo. O solavanco
que recebi com suas palavras foi pior que um tapa.
― Você e o irmão de Stefano o mandaram se aproximar de
mim para me conquistar? ― Não conseguia acreditar que tinha
ouvido isso.
― Stefano não sabe do plano. Era para ele ter ficado aqui
com a desculpa de nos espionar. Dessa forma, vocês se
envolveriam um com o outro. Confiei na palavra de Alessandro de
que seu irmão não a tocaria se não se importasse com você, mas
ele foi embora, não foi?
A dor em meu coração ficou pior com a traição dos meus
irmãos.
― Todos vocês sabiam desse plano? ― Seu silêncio disse
tudo. ― Não acredito que me usaram a esse ponto! Por que fizeram
isso? Não pensaram que eu poderia sair com o coração partido
dessa porra toda?
― Belinda, era preciso. Os anciões tinham dado um ultimato
ao papai. Ele só tinha mais um ano para esperar pelo seu
casamento e nos deixou com a missão de procurar um marido para
você. Como eu não queria obrigá-la a fazer isso, achei que você e
Stefano podiam acabar gostando um do outro. ― Respirou fundo. ―
Vi a forma que ele agia com você, parecia se importar...
Ri com desdém.
― Se importava mesmo, tanto que foi embora. Agora quero
que vocês também saiam daqui. ― Eu não conseguiria ouvir mais
nada naquele dia.
― Belinda... ― começou Fabrizio.
― O respeito como irmão e chefe, mas, agora, quero ficar
sozinha. Vocês mentiram para mim, me usaram assim como
Stefano. Ele pode não saber que era mentira seu papel de infiltrado,
mas pensava que era verdade, ou seja, não muda o fato de ter se
aproximado de mim com um motivo baixo. ― Apontei para cada um
dos meus irmãos, que me olhavam paralisados. ― Agora querem
fazê-lo pagar caso volte aqui? Vocês quatro e o irmão idiota dele
são responsáveis por isso. Nós dois não passamos de peões em
suas mãos.
― Não é assim. Só queríamos que escolhesse com quem
quer...
Cortei as palavras de Santiago:
― Com quem queria me casar? Bom, agora vou ter que
casar-me com um homem que vocês escolherem, embora esteja
apaixonada por outro. Quanta ironia, não é? Tentaram “ajudar” e só
atrapalharam. ― Limpei meus olhos. ― Preciso que saiam.
Nenhum se moveu do lugar, então saí do quarto e corri para
onde Paco ainda dormia. Tranquei a porta, escorando-me nela até
sentar-me no chão e cobri minha boca para os soluços do choro não
saírem. Naquele dia, meu coração foi partido de várias maneiras,
tanto por Stefano quanto por aqueles que eu pensava estarem
sempre do meu lado.
A dor me perfurava por todos os lados, deixando-me em
agonia. A minha respiração estava aguda e pesada demais, parecia
que tinha algo prensando meu peito.
A escuridão cercava o lugar nas masmorras para onde eu
havia sido trazido havia dias. Não poderia contar quantos, pois
desmaiei algumas vezes de sono e cansaço. Só saía dali para a
arena na hora de lutar e depois era trazido de volta. Eles jogavam
comida por debaixo da porta. Eu sentia um gosto de remédio na
comida, mas não era veneno, afinal eles nos queriam matar
lentamente. Certo dia vi um recado na vasilha, debaixo da comida,
explicando que tinham esmagado comprimidos e misturado ao
alimento. Isso ajudou na recuperação dos meus ferimentos.
Recordei de Jet dizer que nem todos ali eram maus.
No dia em que me trouxeram, torturaram-me para obter a
resposta de quem era a faca que eu tinha usado para matar aquele
pedófilo. Era claro que não o fizeram apenas pela resposta, mas
porque me recusei a contar. Isso era visto como desobediência e
desrespeito naquele lugar.
Que todos se fodessem. Eu não podia dedurar Lyn, não
quando ele já tinha passado por tanto sofrimento ali.
Apesar de tudo, a dor me mantinha vivo e são, porque ficar
preso naquele antro deixaria qualquer um louco. Até cheguei a ver
minha mãe sorrindo e pedindo para eu ser forte, que logo sairia dali.
Acreditei que estava delirando. Eu não podia enlouquecer, precisava
ver meus irmãos e irmãs. Só por eles e por Jet e Lyn eu ainda lutava
para divertir aquela corja.
Um dia, bem depois de eu ser trazido para lá, Jet e Lyn
também vieram. Jet se recusou a matar, e Lyn disse que a faca que
foi encontrada comigo era dele, então ambos foram castigados.
Eu até esperava isso de Jet, mas a atitude de Lyn me deixou
surpreso. Sabia o que fizeram, não queriam me deixar sozinho
naquele lugar. Eu tinha ganhado dois amigos naquele inferno na
Terra.
― Eles estão demorando muito ― sussurrei.
Jet e Lyn tinham sido levados havia algum tempo, e as lutas
já deviam ter acabado. Então por que a demora? Eu estava fora de
sintonia com o tempo. E se fosse sexta-feira? Teriam levado os dois
para os malditos que vinham abusar deles? Merda! Só em pensar
nisso, eu sentia ainda mais repúdio de todos ali.
De repente a porta da cela foi aberta, clareando subitamente
a escuridão em que eu estava imerso. Tive que piscar para firmar a
visão. Havia dois homens carregando um corpo mole e outro
cambaleante.
― Fique com essas putinhas como companhia ― disse um
deles sorrindo e jogando Jet sem roupas no chão. Ele estava
machucado e sangrando.
Depois o corpo inconsciente de Lyn, vestido, mas
ensanguentado, foi arremessado na cela.
Enquanto as portas eram fechadas, corri até eles e me
abaixei, mesmo com meu corpo protestando contra as dores
causadas pela luta anterior.
― Jet! ― Forcei a vista naquela escuridão e o vi com os
olhos fechados e gemendo de dor. ― Por favor, não morra! Fique
comigo!
O meu coração martelava só em imaginar o que fizeram com
eles para ficarem naquele estado. Tentei controlar meus nervos,
pois precisava ajudá-los.
― Stefano... ― finalmente ele sussurrou em uma voz
quebradiça. ― Preciso que faça algo por mim.
Respirei fundo.
― O que é, Jet? Que eu me vingue de todos? Vou fazer isso,
prometo! ― Meus olhos estavam molhados por vê-los naquela
situação sem poder fazer nada.
― Sim, eu sei que fará, mas agora quero que me mate.
Após ouvir suas palavras, ofeguei de pavor.
― O quê?! Não vou fazer isso, não posso! Vou tirar vocês
dois deste lugar, e iremos os três matar todos esses vermes! ―
Esperava cumprir essa promessa.
Tirei a camisa suja que usava e a coloquei sobre sua nudez.
Nem parecia aquele garoto cheio de esperança de quando eu havia
chegado ali.
― Stefano, não dá. Não posso voltar mais para lá e deixar
que eles...
― Não vai voltar, não vou deixar! ― No entanto, como eu
poderia cumprir essa promessa? ― O que aconteceu para você e
Lyn serem machucados dessa forma?
Quando essa brutalidade acontecia, era porque aparecia
alguém que gostava de provocar dor, mas Lyn era um vencedor,
então não devia ter sido abusado. Além disso, uma das punições da
arena era não tratar os ferimentos dos meninos.
― Eles queriam que eu fizesse com os novos recrutas a
mesma coisa que fazem comigo. Não pude, então fui castigado
com... ― Sua voz falhou.
Eu podia imaginar a crueldade que ele tinha vivido e que
ainda podia acontecer, tudo por culpa de Marco. Como podia existir
um verme como ele? Era fodido até para integrantes da máfia.
― Vamos sair desse inferno maldito. ― Eu tinha que manter
a esperança. Se ao menos meus irmãos chegassem mais cedo,
poderiam nos ajudar. ― E Lyn? Eles queriam que fizesse a mesma
coisa?
Nossa amizade durante aqueles dias ali tinha crescido
bastante. Podia ser pouco tempo, mas um dia naquele inferno era
como se fosse meses do lado de fora, durava a passar. Nossas
dores nos uniram, era a única coisa boa naquele lugar esquecido
por Deus.
― Um dos homens que assistia à luta gostou dele, e o
maldito verme do Kanon o deu ao cara, mas Lyn se defendeu na
hora, decepou o pau desse escroto e matou seus guardas. Kanon
não gostou e o castigou o açoitando. ― Suspirou. ― Suas costas
estão todas feridas.
― Me sinto tão impotente por não fazer nada por vocês ―
admiti com o coração doendo.
― Nada disso é culpa sua. Seu pai e esses malditos são os
únicos culpados ― me disse baixinho.
Sentei-me escorado na parede, coloquei a cabeça de Lyn em
um de minhas pernas e a de Jet na outra e fiquei ali, de mãos
atadas.
― Nenhum de vocês deveria ter vindo ficar comigo na
solitária ― sussurrei, limpando meus olhos marejados.
Lyn gemeu, virando-se de lado.
― Você se deixou vir para cá para não me entregar. Não
gosto de dever a ninguém.
Olhei para ele.
― Lamento por tudo ― murmurei. ― Queria que meus
irmãos soubessem o que está acontecendo aqui para nos tirar deste
lugar.
― Acho que isso ajuda. ― Lyn tirou um telefone do bolso e
me entregou.
― Onde você...
― O dono não vai se importar, está mais preocupado com o
pau dele no chão. ― Tinha um tom amargo em sua voz ao dizer
isso.
Meu coração se iluminou um pouco com a chance de sair
dali. Disquei o número de Alessandro.
― Alô? ― Ele parecia confuso ao atender.
― Sou eu, Stefano. ― Esclareci por que sussurrava: ―
Preciso de ajuda.
― S...
― Não diga meu nome, só ouça, não tenho muito tempo.
Papai mandou vocês para fora só para me trazer para a Indonésia,
a uma espécie de presídio. ― Expliquei o que acontecia naquele
lugar, as atrocidades cometidas, tudo que vi do aeroporto até ali.
― Filho da puta! ― ele rosnou. ― Vou dar um jeito de ir
resgatá-lo.
― Estou esperando. ― Minha garganta se fechou. ―
Obrigado. Não sabe o quanto é bom ouvir sua voz.
― Você está chorando?! ― Ele parecia louco.
Respirei fundo. Não queria contar como eu me sentia naquele
momento, ainda mais o que tinha acontecido com nossa mãe.
― Não, é só que... ― Minha garganta travou novamente. ―
Venham o mais rápido que puderem, tenho dois amigos feridos.
― Aguente firme, Stefano. Estaremos aí ao amanhecer.
― Valeu, irmão. ― Eu não queria desligar, mas não podia
correr o risco de os guardas lá fora me ouvirem e castigarem ainda
mais o Lyn. Eu não achava que ele sobreviveria.
― Vocês parecem se amar muito ― observou Jet com
saudade em seu tom de voz.
― Somos uma família, irmãos de verdade. Nós três podemos
ser isso lá fora, como irmãos postiços, se vocês não se importarem
de eu pertencer à máfia.
― Seu pai deixaria? ― indagou Lyn. ― Duvido muito. E, se
eu o vir, irei matá-lo.
― Não tiro sua razão. ― Suspirei. ― Me diz uma coisa: se
podia conseguir um celular, por que não pediu ajuda?
― Para quem iríamos ligar? Se chamássemos a polícia, não
resolveria. Sabe quantos policiais vêm aqui? Além disso, nem
sabíamos onde estávamos até você chegar aqui ― disse Jet. ―
Fomos trazidos desacordados.
― Não temos ninguém que se importe conosco e que viria
até nós ou que seria capaz de enfrentar esses malditos. ― Lyn
respirou com dificuldade.
― Coloque a mão aqui. ― Levantei a minha perto do rosto
dos dois. ― Vamos jurar ajudar um aos outros quando estivermos
em perigo e que seremos irmãos para sempre.
Jet levou a sua mão até a minha.
― Nunca tive um irmão, mas tinha amigos e gostava dessa
sensação. Acredito que com irmãos a ligação é mais forte, né? ―
Sorriu para mim. ― Tem certeza de que não vai mudar de ideia lá
fora, quando estiver com seus irmãos de verdade?
― Eles podem se tornar seus irmãos também. Acredito que
Rafaelle e Alessandro gostariam de vocês. ― Sorri também. ―
Então, Lyn, quer ser nosso irmão?
Ele me olhou um segundo com seu jeito sem expressão.
― O que eu estaria perdendo? ― Colocou a mão sobre as
nossas.
― Vou nos tirar daqui ― jurei com esperança, embora me
preocupasse com a forma como faríamos isso sem Marco saber.
― Você não mencionou ao seu irmão o que seu pai fez com
sua mãe ― observou Jet com a respiração aguda.
― Acha que eles sabem? ― sondou Lyn. A sua respiração
também estava difícil.
― Não. Se soubessem, Alessandro teria me dito, e com
certeza Marco estaria morto. ― Respirei fundo. ― Não queria
preocupá-los mais.
A dor me consumia, mas não deixei que tomasse conta de
mim, e sim o ódio e a ira. Eles me davam mais força para sair
daquele lugar. Lá fora, eu choraria por todo o sofrimento enrustido;
ali, lutaria e mataria todos aqueles vermes.
― Essa sensação é pior do que qualquer sentimento. Prefiro
aturar tudo que passei só para não pensar nessa perda ― disse Lyn
com a voz sombria.
Ele era fechado, não contava muito sobre o que acontecera
em sua vida.
― Quer nos dizer quem perdeu? Agora somos irmãos,
fizemos um pacto. ― Queria que ele se abrisse. Quem sabe assim
aliviaria o que o estava oprimindo.
Ele ficou em silêncio por um tempo.
― Meu pai era um bêbado fodido, chegava em casa e enchia
minha mãe e a mim de pancada. ― A dor estava em cada palavra.
― Nós morávamos à beira-mar em Skagen, na Dinamarca.
― Você tem sotaque de lá ― apontei.
― Acho que isso não se perde nem mesmo aqui ―
comentou e depois suspirou. ― Minha mãe ficou grávida de Ella, e,
ao passar dos anos, ele também queria bater nela, mas eu entrava
na frente e impedia que acontecesse.
― E sua mãe? ― A minha morreria por nós, o que, no fundo,
acabou acontecendo.
― Ela tentava impedir, mas apanhava junto. Isso durou anos.
― Sua voz agora soava baixa. ― Quando eu tinha 14 anos, e Ella
10, já tinha encorpado e lutava sozinho para dar conta delas e
defender minha mãe e minha irmã. Tínhamos um barco de pesca,
mas só eu trabalhava, afinal ele vivia mais bêbado que sóbrio.
Estava voltando da lida para casa, quando ouvi os gritos de Ella. Ao
chegar lá, minha mãe... estava morta no chão. E meu pai pelado,
tentando tirar as roupas de Ella. Perdi a cabeça e o matei ali
mesmo, manchando tanto ela como a mim de sangue. A bagunça foi
feia.
― Ele mereceu ser morto ― afirmou Jet.
― Sei que sim, mas não deveria ter feito isso na frente dela.
― Ajeitou-se no chão, buscando uma posição melhor, embora fosse
impossível naquela superfície dura e fria. ― Depois disso fui preso,
e ela foi levada para uma tia nossa nos Estados Unidos.
― Foi julgado? E sua tia não o ajudou a sair da cadeia? ―
inquiri.
― Não, ela sumiu com Ella, e eu fui trazido para este lugar.
Eles não procuram só órfãos, mas também garotos que foram
condenados ou estão para ser, como foi o meu caso.
― Sua tia devia ter procurado sua mãe, sei lá, tê-la ajudado
de alguma forma. ― Escorei a cabeça na parede, esgotado.
― Pode ser, mas ela não dava conta nem dela. É isso que
me deixa louco, não saber o que aconteceu com Ella enquanto
estou preso neste antro.
― Assim que sairmos, você pode ir ao encontro dela ―
assegurei.
― Ela me viu matando um homem, o nosso pai, na sua
frente. Sabe o que isso faz com uma criança? Ainda ouço seus
gritos. ― Estremeceu.
― Pode ser, mas ela vai entender que você a estava
protegendo do seu pai. ― Ao menos era o que eu esperava.
Ele não respondeu. Eu não sabia se tinha acreditado nisso ou
não, mas tinha esperança de que tudo daria certo. Precisava disso
após tanto sofrimento.
― Veja por esse lado, Lyn, ao menos vocês dois têm alguém.
Eu não tenho ninguém me esperando lá fora. ― Jet deu um suspiro
triste.
― Terá a nós dois. Lyn e eu estaremos com você ― jurei,
apertando sua mão.
― Obrigado, Stefano, por cuidar de nós ― sussurrou Jet.
― Descansem um pouco, vou tomar conta de vocês ―
prometi. ― Até o amanhecer, meus irmãos estarão aqui.
Não deixaria que mais nada acontecesse aos dois. Logo
estaríamos longe daquele inferno.
Sacudi a cabeça para expulsar as lembranças atormentadas
que não me deixavam em paz dormindo ou acordado.
― Elas nunca vão embora, não é? ― Lyn estava sentado em
frente a mim no helicóptero.
Nós estávamos indo para uma ilha vizinha ao local onde Jair
e Jared estavam. Os homens de El Diablo e os de Lyn estavam lá,
apenas nos esperando.
― Não. ― Ele tinha mais demônios do que eu, afinal fiquei
algumas semanas lá, enquanto Lyn permaneceu por quase dois
anos. Se eu me sentia atormentado, podia imaginar o que acontecia
em sua alma. ― É pior quando estou longe de Belinda.
Pensei no tempo em que estive com ela. Dormia a noite toda,
ainda que nem na mesma cama dormíssemos juntos. O dia passava
sem eu nem mesmo ter lembranças ruins. Só a sua presença me
trazia paz. Agora sentia a escuridão se alastrando em mim como
erva-daninha.
― Você está sendo um idiota por deixá-la ― disse El Diablo.
Ele estava sentado do outro lado.
Deixar Belinda foi a pior coisa que me aconteceu. Meu peito
estava vazio, exceto pelo aperto que sentia, a dor, melhor dizendo.
Pelo menos eu entraria em ação, o que me ajudaria a tentar não
pensar na dor nos olhos dela. Eu poderia ter voltado e dito que não
a havia usado, que não era como seu “ex”, aquele desgraçado
fodido. Porra, pensar nisso ainda me fazia querer voltar e explicar,
mas era melhor assim.
Esse não era eu. Precisava lutar para aplacar aquela agonia
por estar longe dela. O tal do amor não era para mim, pois fui
forjado para lutar e destruir, não amar. No entanto, como me manter
longe, quando só o que fazia era querer estar com ela, possuir todo
o seu corpo e também a sua alma? Precisava lutar para limpar
minha mente e lembrar quem eu era.
A partir daquele dia, eu iria por um caminho do qual não
sabia se voltaria inteiro, não só física, mas mentalmente. Sabia que
presenciaria coisas que me fariam perder a razão, embora
precisasse fazer isso. Queria ajudar os garotos que estavam
passando pelo que Lyn passou e eu presenciei e até vivi em alguns
momentos naquela época fodida.
― É o certo. Belinda merece alguém completo, que não
tenha tantos demônios. ― Olhei para o oceano banhado na
escuridão. A única luz era a da lua brilhante no céu. Tudo brilhava,
menos a minha vida.
Fabrizio estava certo ao afirmar que El Diablo não era
homem para ela em razão de tudo que ele carregava, e o mesmo se
estendia a mim.
― Acredito que ela não vá achar isso no mundo em que
nasceu. A família dela pertence à máfia, Stefano. Todos com quem
ela convive possuem demônios ― disse El Diablo.
― Logo ela vai me esquecer e seguirá em frente sem mim. ―
Enquanto eu continuaria naquele caminho tortuoso e escuro no qual
prosseguia havia tanto tempo.
― Bem, é bom que tenha dado adeus a ela, pois agora você
não poderá pisar no território dos Pachecos. ― Ergueu o telefone.
― Fabrizio colocou sua cabeça a prêmio caso pise aqui de novo.
Seu irmão está louco procurando você.
Amaldiçoei, pois deixei meu telefone no modo silencioso.
― Eles romperam a aliança? ― Assim que pousássemos, eu
ligaria para Alessandro. Ele devia estar puto da vida.
O que Belinda tinha falado aos seus irmãos? Que eu me
infiltrei para saber se eram confiáveis? Quem não gostaria da
quebra da aliança seria Luna.
Havia mais de vinte ligações perdidas dela, bem como várias
de Jade, Rafaelle e Alessandro, porém nenhuma de Belinda. Quase
ri. Ela não era mulher de correr atrás de alguém, e eu a machucara
profundamente, o que tornava ainda mais firme sua decisão.
Merda! Sorte minha que eu socaria muito naquela noite,
assim lidaria com tudo que estava dentro de mim, sufocando-me.
― Acho que não chegou a tanto, só que você é um homem
morto se andar por aqui. ― El Diablo suspirou. ― Devia ir embora
antes que saibam que ainda está em seu território e o matem.
Morrer nunca pareceu mais prazeroso, mas eu não permitiria
que isso acontecesse. Nem quando estava naquele inferno tive
vontade de fazê-lo. Minha mãe me fez jurar que, por mais que
estivesse em completa escuridão, nunca tiraria minha vida ou
sequer pensaria no assunto.
― Não vou partir até terminar o que viemos fazer. ― Não iria
a canto algum enquanto não eliminasse todos aqueles malditos.
Sentia-me como um animal que precisava ser alimentado com
sangue.
Ninguém respondeu. Era bom o fato de que nenhum deles
era daqueles que davam conselhos. Eu não queria nada além de
detonar toda aquela escória.
Assim que pousamos na ilha, mandei uma mensagem aos
meus irmãos dizendo que eu estava bem. Não ia ligar porque não
tinha tempo, mas depois conversaria com eles.
Pegamos uma lancha para rumar à ilha em que tinham
construído a arena; não queríamos chamar atenção ao chegar ao
local.
― Temos uma pessoa lá dentro que nos ajudará ― informou
Lyn.
― Achei que não soubesse quais eram os locais ― comentei.
― Nós seguimos Jair há um tempo. Se ele recebe uma
chamada ou mensagem para ir a algum local, sabemos também,
nosso infiltrado trabalha nisso todo o tempo. Existem outros de
quem suspeito também, mas Jair é o frequentador mais assíduo
desse ambiente.
O verme enriquecia à custa dos meninos levados a infernos
como aqueles. Quando colocasse minhas mãos nele, eu o faria
pagar caro.
Desligamos o motor da lancha alguns quilômetros antes da
costa e prosseguimos remando até perto do local, depois pulamos
no mar armados com automáticas à prova d’água. Nadamos até a
praia, onde avistamos alguns guardas, contra os quais abrimos fogo
com silenciadores, abatendo-os.
― Vamos nos dividir. Vou com Stefano. El Diablo pode ir com
os outros para o outro lado. Vamos limpar ao redor e cercar o local.
Não deixem que atirem para não chamar atenção ― orientou Lyn.
― Só vamos avançar quando eu der o sinal.
Prosseguimos pela esquerda, entrando na mata, enquanto El
Diablo foi para a direita.
― A coisa vai ficar feia lá dentro. Está preparado? ― sondou
Lyn ao meu lado.
― Para matar esses pedófilos imundos? Com certeza.
Fiquei imaginando como ele encarava tudo que tinha
acontecido consigo. Aquilo me fazia muito mal, tanto que devia
seguir o conselho de Belinda e procurar ajuda.
― Como lida com tudo que aconteceu? Às vezes sinto uma
raiva tão imensa que é capaz de explodir as coisas ao meu redor.
― Nossos sentimentos são iguais, mas por motivos
diferentes. Cada pessoa reage de uma forma. Meu foco é localizar
cada rede de tráfico infantil e resgatar os garotos, porque não há
ninguém por eles além de mim ― disse baixo. ― Sei o que é viver
naquele lugar sem esperança de resgate.
Respirei fundo, mas doeu.
― Lamento por não o ter salvado. Achei que estivesse morto,
senão eu teria voltado, aliás, nem teria saído de lá sem você ―
assegurei.
― Eu sei, Stefano, você não podia fazer muita coisa na
época. Ao menos seus irmãos vieram por você. ― Havia uma
tristeza latente por trás de sua frieza.
― A porra foi fodida demais. Eu só queria esquecer tudo,
mas é impossível. Quando fecho os olhos, vejo tudo. ― Minha
respiração ficou desigual.
― Stefano, queria ser aquele que diz coisas para melhorar,
mas, como disse, as pessoas são diferentes. A minha salvação
pode ser ajudar outras pessoas. Isso me mantém são. A sua pode
ser outra coisa.
Franzi a testa para a escuridão.
― Como pode saber? ― Minha garganta se fechou.
― Me diz uma coisa: como se sentia ao lado da sua garota?
Pense no que sentia quando estava com ela e no que sente agora.
― Sentou-se, escorando-se em uma árvore.
Quando eu estava com Belinda, tudo melhorava, tudo
ganhava um novo colorido em meu peito escuro, fazia-me sorrir de
verdade, sem a falsidade de sempre. Meu coração, que eu achava
estar morto, aquecia-se com o sorriso dela, sua risada, a forma
como protegia os outros, sua tenacidade. Tudo nela resplandecia
em meio à escuridão que tomava conta de minha alma.
― É isso que estou falando ― apontou após meu silêncio. ―
O que eu faço pode me ajudar a lidar com tudo. Em seu caso, talvez
seja ela a salvação.
― Não sou bom para ninguém, muito menos para Belinda. ―
Suspirei, encostando-me em outra árvore. ― O que posso dar a
ela? Nem dormir na mesma cama eu posso.
― Ao menos você consegue transar, ao contrário de mim,
que repudio sexo.
― Você não...
― No começo tentei, sabe? Mas não consegui. A um
pequeno toque, vomitava até as tripas e corria para tomar banho
depois, com as imagens sujas povoando minha mente, então deixei
quieto. Hoje tenho outro objetivo. ― Mirou além das árvores. ―
Resgatar meninos que passam pela mesma experiência que passei.
Senti-me egoísta por ter aqueles traumas, por me atormentar,
quando o que vivi não foi tão grave quanto o que ele suportou.
― O que acontece quando os liberta? ― sondei, porque os
garotos eram assassinos sem emoções. Eu me sentia assim quando
achei que tinha perdido tudo.
― Tenho um lugar onde os deixo até conseguirem lidar com
tudo e estarem preparados para sair sem querer derramar o sangue
de todo mundo. ― Olhou-me. ― Acho que sabe a sensação, não
sabe?
Sim. Quando fui resgatado do inferno em que vivia, mesmo
respirando, estava morto por dentro, não ligava para nada, embora
ainda visse os rostos das vítimas que eliminei, cada uma delas, bem
como de quem me fez mal. Eu não conseguia esquecer desses por
mais que tentasse.
― Se não fosse meus irmãos e minha mãe, não sei se eu
conseguiria ser trazido daquele lugar onde estava. ― Respirei
fundo. Não era só o lugar, minha mente estava imersa nas
lembranças.
― A família ajuda muito. Entendo a sensação. Senti esse
amparo com você e agora com esses garotos que resgato. ― A
verdade estava em cada palavra.
― E com sua irmã, não é? ― Ela morava na América, era
uma advogada.
― Agradeço por tomar conta dela enquanto pensava que eu
estava morto.
― Era o mínimo que eu podia fazer. ― Tinha dado uma bolsa
de estudos para ela, de forma anônima, claro. Nunca me aproximei
de Ella, para não a envolver em nosso mundo. ― Foi visitá-la?
― Não, ela está melhor sem mim, é uma advogada que
coloca criminosos na cadeia. O que acha que faria comigo? ―
Suspirou parecendo desolado. ― O bom é que ela está bem e feliz.
Ela poderia ficar melhor com ele, mas Lyn estava certo, não
era fácil uma pessoa de fora aceitar alguém do nosso mundo,
assassinos, traficantes. Mudei de assunto.
― Me diz uma coisa: como escapou daquele lugar? Fiquei
algumas semanas lá após perder Jet e não vi você em lugar
nenhum. Marco disse que você estava morto.
Antes que ele respondesse, seu telefone bipou uma
mensagem.
― Vamos ter que deixar essa conversa para outro dia.
Chegou a hora. ― Levantou-se.
Também me ergui, focado no que tinha vindo fazer ali. Depois
resolveria meus problemas com Belinda. Lyn tinha razão, ela podia
ser minha salvação, pois eu percebia a diferença entre o que sentia
ao estar com ela e o vazio que me tomava agora, fora a dor em meu
peito. Assim que aquela merda acabasse, iria até ela e diria como
eu me sentia. Agora focaria em massacrar aqueles malditos.
Entramos na mata escura, abatendo os guardas que
encontrávamos até chegar à porta da propriedade. Tínhamos dois
atiradores de elite, Knife e Cowboy, dando-nos cobertura.
Após limparmos a entrada, adentramos. Havia uma pessoa lá
dentro tomando conta das câmeras, mas um dos hackers de Lyn
tinha invadido o sistema e trocado as imagens ao vivo por gravadas.
Caminhamos pelo corredor, eliminando os que víamos em
nossa frente. Podíamos ouvir gritos na arena dos espectadores
vibrando com as lutas... ou algo mais.
Lyn pegou meu braço, detendo-me.
― Essa arena é diferente de onde ficamos. Aqui é pior. Se
não estiver preparado... Eu soube do surto que você teve naquele
dia ao torturar aqueles homens.
Franzi a testa.
― Estou preparado seja para o que for e vou matar todos ―
rosnei, dando um passo rumo à arena.
Travei, minha respiração aguda e imagens querendo entrar
em minha cabeça. O meu estômago estava tão embrulhado que, se
tivesse comido algo, teria vomitado até as tripas.
Havia meninos presos em correntes pelas mãos e pés, e os
malditos homens... tudo isso na frente de uma plateia aplaudindo
aquela atrocidade.
Perdi minha cabeça e me lancei contra todos com uma fúria
da força de um tornado. Não sei bem o que houve, só sentia meus
punhos socando algo até virar gelatina, molhando-se com algo que
certamente era sangue.
Fui consumido pela escuridão antes que pudesse ter
consciência do que fazia e queria: o sangue dos malditos derramado
e todos indo para o inferno.
Fiquei esperando meus irmãos a noite toda, não sabia havia
quantas horas, mas já devia estar amanhecendo.
A porta foi aberta subitamente por Kanon, que estava
enfurecido, ainda mais ao se deparar com os meninos inconscientes
e com a cabeça no meu colo.
― Seu desgraçado! Você foi deixado aqui para se tornar um
assassino frio, não um molenga sentimental! ― rosnou e acenou
para seus guardas. ― Leve o Número 10. Esse bastardo irá se
arrepender pelo que fez a um dos nossos clientes.
― Você não passa de lixo humano ― cuspi, cerrando os
punhos.
Lancei-me contra os guardas quando tentaram pegar Lyn
para machucá-lo.
― Vou ensiná-lo a não ser malcriado. Estou farto de sua
rebeldia. ― Kanon me empurrou com tanta força que caí, batendo a
cabeça no chão duro, o que embaçou minha visão por uns
segundos.
Os guardas pegaram Lyn. Tentei impedir de novo, ignorando
a dor na cabeça, mas Kanon me empurrou novamente,
aproveitando que eu estava meio desorientado. Segurou minha
cabeça e a bateu no chão. Dessa vez ofeguei de dor enquanto
tentava recuperar o fôlego.
― Seu pai me mandou não tocar em você, mas precisa disso
para saber quem é que manda. ― Ele me virou de bruços,
montando em mim e se curvando. Colocou a boca em minha orelha
e a mordeu, com certeza deixando uma marca.
― Seu desgraçado! ― gritei, lutando contra ele.
― Aprecio garotos que resistem a mim. ― Passou a língua
na lateral do meu pescoço, deixando-me enojado, depois levou suas
mãos nojentas até minha calça. Senti a lâmina de sua faca em
minhas costas.
Não podia deixar que ele me tocasse daquela forma, não
sem lutar, mas minha cabeça estava estourando de dor pela
pancada, a ponto de me deixar desorientado.
O medo me consumia, e não podia permitir que ele fizesse
aquela atrocidade comigo. Então outro empurrão me deixou mole e
sem fôlego por um instante. Queria lutar, mas estava fraco demais.
― Gosto de meninos que lutam enquanto os estou fodendo...
― A faca foi passada de leve em meu pescoço, cortando-o, logo
depois ele passou a boca pelo ferimento.
Por favor... Pensava em suplicar para ele não fazer o que
estava pensando, quando terminou de cortar minhas calças com a
faca, e então senti seu pau imundo em minha pele, o que fez meu
corpo gelar. Eu não podia me entregar! Se Lyn tinha lutado, eu
também tinha que fazê-lo!
Antes de aquele desgraçado conseguir me penetrar com seu
órgão imundo, ouvi um baque surdo, e Kanon saiu de cima de mim,
caindo de lado, meio mole com um chute na cabeça que Jet lhe deu.
Então meu amigo estava sobre ele.
Eu podia estar aliviado com o fato de aquele filho da puta não
ter concluído o ato, mas seu cheiro repugnante estava impregnado
em minha pele, deixando-me nauseado. Entretanto, não era hora de
surtar, e sim de fazê-lo pagar caro com a mesma moeda.
― Vou te matar por querer tocar em meu irmão! ― gritou Jet
enfurecido, socando Kanon.
Tentei me levantar, mas todo o meu corpo doía.
― Já que não me deixou ensinar uma lição a esse moleque,
vou ensiná-la a você! ― rosnou Kanon, subindo em Jet da mesma
forma como fez comigo.
― Stefano, a faca! ― meu amigo gritou, trazendo-me de volta
do meu pesadelo vivo.
Pisquei, olhando para a faca do maldito caída enquanto Jet
lutava com o infeliz, mas levou um soco que o deixou atordoado por
um momento.
― Vocês precisam ser mais exemplares e obedecer! Estou
farto de tanta rebeldia!
Só ouvir sua voz me enojava e me deixava enraivecido.
Puxei minhas calças enquanto voava para a lâmina,
ignorando as dores em meu corpo. Kanon tinha se abaixado para
beijar Jet ou mordê-lo, como fez comigo, deixando sua bunda fodida
nua voltada para a minha direção.
Apertei o cabo da faca firmemente e me lancei contra Kanon,
enfiando-a até o punho em sua bunda, fazendo-o gritar assim que a
puxei de volta, causando um grande estrago.
― Também gosto de enfiar facas em homens como você ―
cuspi.
Jet deu um rasteira nele, que caiu de bunda, gritando ainda
mais e chamando os guardas.
Não mesmo, esse miserável vai morrer hoje.
Fui até ele e peguei seu pau, cortando-o, depois subi em
cima dele, que ainda tentava lutar, mas Jet o segurava para mim.
― Gosto das minhas vítimas assim, sem forças para lutar.
Agora vou fazer você comer esse pau miserável que estuprou vários
garotos neste lugar. ― Coloquei-o em sua boca ao mesmo tempo
em que enfiei a faca em seu peito, atingindo seu coração maldito. ―
Você tentou roubar algo de mim hoje, então agora vou roubar sua
vida em troca. Espero que tenha valido a pena tentar me destruir
dessa forma e maltratar meus amigos.
Ele arregalou os olhos, encarando-me sem arrependimento.
Isso me deixou ainda mais furioso. Era uma pena que eu não podia
prolongar sua morte.
Ele estava prestes a morrer quando ouvi um tiro, deixando-
me petrificado por um segundo.
Meus dedos tremiam tanto pela fúria em razão do que quase
aconteceu como por medo ao ouvir aquele som.
Olhei para cima, quando me deparei com Marco com uma
arma na mão e dois dos seus homens ao seu lado. Contudo, o que
me fez paralisar foi ver Jet cair no chão com um tiro no tronco e
sangue por todos os lados.
A ira que eu sentia de Marco e Kanon ultrapassou o auge. A
dor perfurou meu peito, fazendo-me esquecer meu próprio amargor.
― Não! ― gritei, indo até Jet e caindo de joelhos ao seu lado.
― Por favor, não morra!
Saía sangue de sua boca.
― É melhor, sabe? Ele terá o que quer, então faça o que tem
de fazer. A morte é mais prazerosa do que o castigo que é viver
neste inferno. ― Respirou fundo. ― Viva por mim e faça tudo que
não pude fazer lá fora.
Sacudi a cabeça, chorando.
― Não! Viva comigo, e vamos sair deste lugar juntos! ― De
repente fui arrastado de perto dele por um dos guardas da arena,
não um do meu pai. Era o mesmo que trouxe Jet e Lyn mais cedo e
o chamou de “putinha”. Eu ensinaria a ele quem era uma puta logo,
logo. Seu toque repugnante me provocou um arrepio de terror e
raiva ao mesmo tempo.
― Você ainda é fraco por se importar com esses animais! ―
cuspiu Marco.
― O único animal aqui é você, que deixa seu filho neste lugar
para seu séquito tentar violentá-lo! ― Cuspi no chão, mostrando o
quanto ele me enojava, embora Marco não se importasse com isso
de qualquer modo.
Entretanto, não era hora de enfrentá-lo, de sequer lidar com a
dor do que quase fora tirado de mim, e sim focar em salvar Jet.
Marco apontou a arma para ele novamente, mas olhando
para mim, para o guarda que me segurava e para o corpo
ensanguentado de Kanon.
― Vocês colocaram a mão nele dessa forma, quando dei
ordens específicas para que não fizessem isso? ― sibilou.
Ele não se importava com o fato de eu ter sido abusado ou
não, e sim com sua ordem ter sido ignorada. Eu percebia isso,
conhecia-o muito bem para saber a verdade. Para ele, a minha vida
e minha segurança não tinham qualquer importância. Eu não sabia
por que não me matava de vez. Apostava que não o fazia por temer
a retaliação dos meus irmãos.
― Não, chefe... ― O guarda tremia atrás de mim.
― Mentiroso! Na minha cela, naquele dia, foi um teste para
saber se eu mataria o homem que enviou, para eu reagir e lutar ao
ser pego à força. ― Empurrei minha cabeça para trás, acertando
seu nariz e me desvencilhando de suas mãos. ― Mas hoje Kanon
só não o fez porque o matei antes. E você também tentou algumas
vezes.
O guarda grunhiu enfurecido.
― Ele está mentindo...
― Stefano pode ser tudo, menos um mentiroso. Aliás, ele é
verdadeiro até demais. ― Marco apontou sua arma, antes em Jet,
para o guarda. ― Dei uma ordem a vocês, e não cumpriram. ―
Seus olhos espelhavam pura frieza, assim como sua voz. Eu tinha
razão. Aquela era a razão de sua fúria, sua ordem ter sido
desobedecida. Era justamente por isso que eu estava naquele lugar
que tomou tudo de mim.
O infeliz do guarda teve a ousadia de me usar como escudo.
Eu tinha mentido ao dizer que ele tentara algo comigo, mas vi a
forma como agiu com Jet mais cedo. Era um cara que se
aproveitara do meu amigo, e eu o faria pagar.
― Acha que ele vai me poupar para não te matar? Não seja
estúpido. ― Eu poderia ter rido, se não estivesse com medo tanto
por Lyn, que foi levado para onde eu não tinha ideia, como por Jet,
ainda sangrando no chão. O tiro não devia ter atingido seu peito,
senão ele já teria... Não, ele ficaria bem. Eu só precisava arrumar
uma forma de sair daquele lugar. Se ao menos Alessandro e
Rafaelle chegassem, poderiam neutralizar as coisas.
― Stefano, ele é um dos que você me prometeu que mataria
por... ― sussurrou Jet olhando para o guarda.
Ah, eu teria prazer com sua morte.
― Quem te deu permissão para falar, animal? ― Marco o
fuzilou como se Jet fosse um inseto. Foi na direção dele para
terminar o serviço. Eu podia ver a intenção estampada em seu
rosto.
O medo tomou conta de mim, e corri para proteger Jet.
― Não o machuque mais ― pedi, controlando minha fúria.
Estava contando que Alessandro viesse a qualquer momento.
― Ficou aqui todo esse tempo, e não aprendeu nada. ― Ele
estava puto, mas eu também estava. ― Vou cuidar de você mais
tarde. Agora me diz como conseguiu o telefone para ligar para
Alessandro?
Eu não podia contar que tinha sido através de Lyn. Aliás, nem
queria que soubesse da minha amizade com ele, ou Marco o
machucaria da mesma forma que havia feito com Jet.
Então pisquei aturdido ao enfim perceber que ele sabia que
eu tinha me comunicado com meu irmão. Eles tinham sido
descobertos? Outro tipo de medo se instalou em meu peito, o de
que ele tivesse sido machucado.
― Onde Alessandro está? ― questionei com a voz trêmula.
Marco estreitou os olhos.
― Chegou a minha hora de quebrá-lo, Stefano. Se para isso
eu tiver que me livrar do laço entre você e seus irmãos, que assim
seja, pois a perda de sua mãe não foi suficiente ― desdenhou,
pondo-se na minha frente. ― Vou tirar tudo de você, incluindo esses
animais aqui, e acabar com o que resta de sentimento.
― Meus irmãos! Onde estão?! ― Lancei-me contra ele, mas
fui chutado para longe. Marco era um homem grande, forte, lutava
muito, ainda estava em forma para destilar crueldade por onde
passava. Eu sabia que não o venceria no mano a mano.
O pavor se instalou em mim, bem como a dor causada por
suas palavras acerca de minha mãe, deixando-me paralisado por
um momento. O meu peito estava acelerado, pois me sentia
impotente. Mesmo com ele estando tão perto, aquele homem
parecia intocável, porque o verme sabia usar seus jogos contra seu
adversário.
― Foram fazer companhia para sua mãe ― respondeu, indo
até Jet, puxando-o pelos cabelos e colocando uma faca em sua
garganta. ― Assim como seu amigo irá.
Tentei me levantar, mas mal respirava pelo impacto que levei.
Não podia deixar aquilo acabar assim! Por que não conseguia
pensar em uma saída naquele instante?
― Por favor, o deixe em paz, e faço qualquer coisa que você
quiser! ― Eu faria mesmo. Tanto por Jet e Lyn quanto por meus
irmãos, eu seria capaz de tudo.
― É essa sua fraqueza que me enoja, o modo como é capaz
de dar sua vida por esses vermes e pelos seus irmãos. ― Soou frio
como o Alasca. ― Vou lhe ensinar que minhas ordens devem ser
cumpridas.
― Está tudo bem, Stefano, é melhor assim. ― Jet manteve o
olhar em mim, entregando-se.
Ele era um lutador. Para sucumbir assim, devia ter cansado
de viver daquela forma. Eu não via mais um lampejo de esperança
em seu olhar. Queria dar-lhe isso, mas não sabia como.
― Por favor... ― Chorei. ― Sinto muito! Me perdoe...
Marco deslizou a lâmina na garganta de Jet antes que ele
pudesse comentar alguma coisa. O sangue escorreu
caudalosamente, e vi quando sua vida foi ceifada.
Antes que eu pudesse sair do transe ao vê-lo sem vida
caindo no chão, Marco disse de modo letal:
― Quem mais você precisa perder para se tornar o que é de
verdade? Perdeu sua mãe, seus amigos e seus irmãos. Quem mais
falta? Acha que eu não descobriria que Alessandro e Rafaelle
estavam se preparando para vir resgatá-lo?
O sangue fugiu do meu rosto. Não queria acreditar no que ele
tinha acabado de dizer.
― Isso mesmo, seus irmãos e irmãs estão mortos ― disse
sem um pingo de emoção. ― Inclusive aquele garoto que foi levado
daqui. Sem laços.
― Não acredito em você. ― Eu não podia ter perdido toda a
minha família. ― Luna e Jade...
― Se foram com seus irmãos. Como eu disse, sem laços. ―
Pegou seu celular e me mostrou um vídeo de uma casa pegando
fogo enquanto ao fundo se ouviam os gritos das meninas, depois
exibiu a manchete de um jornal revelando a morte dos meus irmãos,
de cada um deles, inclusive das minhas princesinhas.
O chão se abriu sob meus pés, fazendo-me cair de joelhos.
Era uma pena que ele não podia me engolir. A dor se apossou de
mim, pior do que tudo que eu já havia sentido antes, pois eu não
tinha perdido só uma pessoa que amava, mas todas, não me
restando nada além de dor e vazio.
Cerrei meus punhos e tentei socar Marco, só para ser
derrubado no chão com impacto, o que roubou meu ar e me encheu
ainda mais de dor, mas o sofrimento físico não era nada comparado
ao emocional.
― Estou farto de você tentar me atacar! ― rosnou Marco,
prensando-me no chão.
― Vou matar você. Então é bom que atire na minha cabeça
agora ― sibilei.
― Vamos fazer assim: você quer me matar, mas, se tentar de
novo, morrerá e não alcançará seu objetivo, mas, se ficar aqui e se
tornar quem eu quero que seja, no final vou lutar com você, e terá
sua chance de tirar minha vida. Passe algumas semanas aqui
fazendo o que eu preciso que faça, não apenas lutando; quero
sangue, mortes e frieza, Stefano, que se torne alguém sem emoção
alguma.
― Não vou ser abusado por seus malditos homens ― sibilei,
tentando me soltar.
― Ninguém tocará você dessa forma. Eles me obedecem ―
garantiu-me.
― Como se eu pudesse acreditar em sua palavra... Afinal
Kanon e seu guarda tentaram, e seguiam suas regras. ― Só disse
isso porque queria o animal morto.
Uma parte minha queria matar Marco, mas o desgraçado
tinha razão. Se eu tentasse agora, seria morto sozinho, enquanto
ele continuaria a gozar de saúde para destilar sua crueldade pelo
mundo. Se no final daquilo pudesse ter minha vez de levá-lo comigo
para o inferno, que assim fosse.
Por ora me contentaria com o guarda. Queria cumprir a última
promessa que fiz ao Jet. Olhei para ele ali, no chão, e a dor me
sufocou, mas a acorrentei dentro de mim. Não podia deixá-la
controlar-me, não quando eu tinha de fazer o que precisava naquele
lugar para ter uma chance de me vingar de Marco.
Como um homem podia estar tão perto de mim e ao mesmo
tempo tão longe? Seria tão fácil matá-lo, mas eu não conseguiria,
estaria morto antes de ao menos tentar. Precisava aprimorar minhas
habilidades em luta para vencer o maldito no final.
― Pode ter o guarda, como prova de que todos que
desobedecem às minhas ordens acabam mortos. ― Saiu de cima
de mim e foi até a porta, depois olhou para um dos seus homens. ―
Desarme Dray e entregue uma faca ao Stefano.
A que eu usava antes tinha ficado no peito de Kanon. Nem
tive tempo de pegá-la.
― Chefe, por favor...
― Não haverá clemência, assim como não houve para
nenhum desses meninos enquanto os violava ― rosnei para ele.
― Essa é a última emoção que deixarei que você sinta,
Stefano ― informou Marco e saiu do cômodo, mas seus guardas
ficaram.
Eu queria que ele ficasse ali, assim eu teria uma chance de
tentar enfiar em seu peito a lâmina que o guarda, Gael, me
entregou. Todavia, o bastardo não ia facilitar para mim. De qualquer
forma, eu teria minha vez com Marco um dia.
Respirei fundo e enfrentei Dray.
― Chegou sua vez de ir para o inferno ― grunhi.
― Acha que vou perder para um moleque como você? ―
Sorriu para mim. ― Te venço até desarmado.
Não me importei com suas palavras, só voei para cima dele,
que se defendeu, mas eu sabia lutar, e Dray era daqueles covardes
que gostavam de se aproveitar de indefesos, não tinha muita
habilidade como lutador.
Deixei minha fúria, minha dor e tudo mais que estava
sentindo ao lutar com aquele ser da pior espécie me dominar. Cada
soco, cada buraco que eu abria nele com minha lâmina era
prazeroso. Ele merecia aquilo por tudo que fez a cada um naquele
lugar, a cada garoto que maltratou, abusou e até matou.
Eu respirava com dificuldade quando acabei e olhei para a
poça sangrenta que estava sob meus pés.
― Jogue a faca para mim ― um dos guardas pediu da porta.
Apertei o cabo da faca e a joguei para ele. Foi rápido, incapaz
de ele se desviar, acertando entre seus olhos.
― Está aí, é só pegar.
Levantei-me, fui até Jet e me sentei ao lado de seu corpo.
Gael não disse nada, mas meu pai, que estava do lado de
fora sem que eu soubesse, sim. Entrou e checou o lugar todo
manchado de vermelho, dando-me um sorriso frio.
― Era disso que eu estava falando. Ele não será o último que
você matará.
― Você será o último cadáver que eu enviarei ao inferno ―
falei sem olhar para ele.
― Para isso você precisa eliminar esses seus sentimentos,
inclusive por esse cadáver aí no chão.
― Adeus, meu amigo. Obrigado por me salvar. ― Vou
cumprir a promessa que fiz a você. Matarei todos que um dia o
tocaram.
Naquele dia, perdi tudo que importava para mim, meus
amigos, minha família e minha honra, então a morte seria bem
acolhida, mas eu não iria para o inferno sozinho. Marco iria comigo.
O vazio se estendia em minha alma, não restando nada.
Amor, paz, remorso e felicidade passavam longe de mim. Quando
cheguei ali, sentia tudo isso, mas perdi tudo que tinha alguma
importância para mim.
Só via dor, sofrimento, escuridão, vazio e muito sangue, tanto
que podia encher uma piscina, derramado por mim. Cada rosto que
matei, cada expressão, cada último fôlego ficaria comigo para
sempre.
Uma parte minha dizia que eu tinha ficado sem emoções,
mas no fundo eu sentia algo, só que estava tão enraizado e
profundo que não conseguia puxar para a superfície.
Os dias passavam lentamente, como uma tortura. Eu não
sabia ao certo havia quanto tempo estava naquele lugar. Não
deviam ser nem dois meses, mas a sensação era de anos, como se
eu estivesse em um purgatório. No começo, foi difícil; agora, eu não
me importava mais. Só queria algo, minha vingança, e por ela faria
qualquer coisa. Com as lutas constantes, aprimorei-me ainda mais,
e finalmente tinha chegado o dia em que eu, com toda certeza,
venceria Marco. Logo me juntaria aos meus irmãos e amigos no
inferno. Era uma pena que não poderia ir para o Céu, onde estavam
minhas irmãs e minha mãe... Parei de pensar nelas, porque sentia
como se meu peito estivesse sendo rasgado.
As lembranças de Luna e Jade sorrindo, abraçando-me e
dizendo que me amavam acabavam comigo. Eram tão pequenas e
tiveram suas vidas ceifadas tão cedo.
Na solidão da masmorra, às vezes eu as ouvia me
chamando. Tinha ficado naquele lugar solitário e vazio como eu
estava por dentro. Essas alucinações deviam ser prova de que eu
estava enlouquecendo, mas eu não poderia me importar menos.
Precisava ficar são apenas para derrotar Marco.
Ele já estava ali, eu o vi quando havia lutado mais cedo e
notei o sorriso do maldito, o orgulho de ver o monstro que eu me
tornara. Eu iria esculpir um sorriso de Coringa nele com minha faca;
queria só ver se ainda teria vontade de sorrir.
Naquela hora fitei seus olhos, deixando estampado em meu
rosto o aviso: “logo será você”. Eu só vivia para cumprir essa
promessa, do contrário não estaria mais ali, não mesmo.
Ele não disse nada, mas notei que estava orgulhoso. Seu
sorriso estava diferente das outras vezes que me viu lutar. E, se não
fosse aquela maldita jaula, eu teria jogado meu machado em seu
pescoço e decepado sua cabeça.
Ignorei o alvoroço após a luta e fui direto para a cela na
masmorra, como fazia sempre, mas, antes que eu chegasse lá,
estanquei com a visão dos meus irmãos e minha mãe no corredor.
Era claro que eu sempre alucinava com eles, mas era um de
cada vez. No entanto, naquele momento os três faziam parte do
meu delírio. Eu os amava tanto antes de os perder, ou melhor, de
eles serem tirados de mim.
― Stefano ― disse Alessandro, observando-me.
Eu fazia o mesmo com todos. Estaria louco ao ponto até de
ouvir suas vozes?
― Oh, meu menino, o que fizeram com você? ― Minha mãe
chorava.
Suas lágrimas foram como um soco no meu estômago. Não
queria isso. Minha respiração ficou aguda, e aquelas emoções
queriam sair, mas por que eu não permitia? Seria por temer que
aquela miragem se dissipasse e eu descobrisse que eles não
estavam ali?
A alucinação estava diferente. Antes, só aconteciam à noite,
quando eu ficava tanto tempo na escuridão daquela cela ou quando
estava muito ferido. Na verdade, sabia que não era alucinação
alguma, mas então por que não conseguia me mover? Ou até abrir
a boca para dizer algo?
Mamãe deu um passo até mim, mas Rafaelle a segurou pelo
braço, como se a estivesse protegendo do que eu tinha me tornado.
Franzi o cenho e cerrei meus punhos, segurando meus
instintos de impedi-lo que evitasse a aproximação dela.
Seus olhos avaliavam cada movimento meu.
― Meu amor... ― Ela se afastou de Rafaelle e veio até mim,
abraçando-me enquanto chorava.
O solavanco em meu peito foi tão alto que juro que poderia
ser ouvido a quilômetros.
― Lamento tanto, meu menino, por tudo que passou... ―
gemia, apertando-me mais em seus braços.
Aquele sentimento enterrado estava ali em algum lugar. Eu
podia sentir sua dor, era como se fosse em mim.
― Mamãe! ― Coloquei meus braços à sua volta e respirei
seu cheiro, que eu tanto amava e que pensava nunca mais sentir de
novo. ― Está realmente aqui!
Quantos dias e noites chorei por achar que a tinha perdido
para sempre, e agora a via ali.
― Estou, sim, nunca o abandonei ― sussurrou, beijando meu
rosto.
― Mas eu vi você caída e depois eles... ― Não consegui
terminar de falar.
― Desmaiei na hora... Quando acordei, estava em casa sem
saber o que aconteceu com você. Quis fazer alguma coisa, mas...
― Sua voz falhou.
― Não foi sua culpa, mãe. ― Olhei para os meus irmãos. ―
Pelo visto, ele forjou a morte de todos. ― Minha voz se elevou: ―
Jade e Luna?
― Elas estão bem, estão em um hotel. Eu não as queria aqui.
― Minha mãe me tranquilizou.
Pensando bem na forma como tudo aconteceu, eu não a
havia visto morrendo, mas na hora não suspeitei que fosse uma
encenação, assim como não desconfiei das falsas mortes dos meus
irmãos. Deveria ter sido mais esperto e não ter caído nas mentiras
de Marco. Ele era manipulador e gostava de fazer jogos mentais.
Em minha defesa, naquele lugar qualquer pessoa não conseguiria
pensar com clareza.
Minha fúria por Marco aumentou exponencialmente.
― Teríamos vindo assim que você ligou, mas ficamos presos
até hoje cedo. ― Alessandro trincou os dentes. ― O bastardo
grampeou meu celular.
― Não queríamos que pensasse que nós o deixamos, mas,
quando chegamos aqui, soubemos que você pensava que nós
tínhamos... ― Rafaelle suspirou duro. ― Maldito Marco!
― Vou matá-lo ― afirmei. Estava ansioso para fazer isso. ―
Ele me prometeu que, se eu me tornasse o que ele queria, no final
lutaríamos até a morte.
― Não pode matá-lo ― murmurou Rafaelle, olhando
desconfiado para cada canto ao seu redor.
Fuzilei-o, controlando o instinto que me consumia. Ele é meu
irmão, não meu inimigo, entoei a mim mesmo.
― Além de me fazer pensar que perdi toda minha família, ele
matou dois amigos meus. Um deles morreu ao me proteger. ―
Evitei contar o que Kanon quase tinha feito comigo. Não queria
pensar naquele maldito. Por culpa dele, eu tinha pesadelos e sentia
nojo só em pensar no toque de qualquer pessoa.
― Se matá-lo agora, o Alessandro não vai poder ser capo um
dia ― Rafaelle se aproximou de mim e sussurrou. ― Conseguimos
o apoio de alguns, mas ainda é pouco para uma rebelião. Nesse
momento ele ainda tem muitos seguidores fiéis.
― Meu amor, sei o quanto sofreu neste lugar, mas vamos
embora. Depois você faz o que tem que fazer ― pediu minha mãe.
― Não quero perdê-lo de nenhuma forma.
Antes que eu respondesse, ouvi a voz do homem que mais
odiava na vida.
― Vejo que a reunião familiar acabou em choro. ― Fechou a
cara para minha mãe e depois para mim.
― Você mentiu sobre eles estarem mortos! ― cuspi com ódio
letal.
― Precisava que você alcançasse essa sua versão, um
assassino frio e sem alma ― rebateu e olhou para minha mãe. ―
Embora acredite que sempre terá uma fraqueza. Só acabaria com
ela realmente morta.
Queria mandá-lo ir para o inferno, mas o aperto da minha
mãe me impediu de fazê-lo.
― Acabaria, mas isso terminaria com o respeito dos seus
filhos, e, logicamente, teríamos que honrar a família a todo custo ―
disse Alessandro sem um pingo de emoção.
― Vou ficar bem, meus filhos ― mamãe nos disse, depois se
voltou para Marco: ― Podemos ir embora agora ou vai precisar
deles aqui?
Eu sabia que ela estava louca para me tirar de perto dele,
pois me encontrava a ponto de fazer algo, e minha mãe queria
evitar. Eu não queria ir contra sua vontade. Sempre tinha feito e faria
tudo por ela. No fundo, sabia que mamãe tinha razão, mas minha
vontade de acabar com ele era tanta que chegava a doer.
― Tenho que estar na Itália amanhã cedo para começar a
trabalhar e colocar Stefano para fazer algo também. ― Eu notava,
pela voz do meu irmão, que ele não queria ficar mais tempo naquele
lugar. Eu muito menos.
― Vão. Vou ficar para ver a próxima luta, podem ir embora
sem mim ― Marco disse e se virou para partir com seus
seguranças. Um deles era o mesmo que vi batendo em minha mãe
a ponto de deixá-la inconsciente.
Coloquei minha mão no coldre de Alessandro e peguei uma
faca. Percebi o alerta em seus olhos. Pedi, também com o olhar,
que confiasse em mim.
― Pai? ― chamei Marco, embora levasse tudo de mim para
chamá-lo assim, quando eu só queria fazê-lo sangrar como um
porco.
Ele se virou. Arregalou os olhos assim que joguei a adaga.
Pude ver que o bastardo fodido pensou que eu o mataria. Isso bem
que se passou em minha mente. Infelizmente, meu alvo agora era o
desgraçado que tinha machucado minha mãe.
Marco olhou de mim para o homem, que morreu com a adaga
enfiada em sua testa.
― Achei que fosse me atingir. ― Marco me avaliava. ― Já
está com o coração mole.
― Não tenho um coração. Você fez com que morresse tudo
que havia nele ― falei de modo frio.
― Nem tudo, ao que parece. ― Olhou para meus irmãos e
minha mãe e depois para mim. ― Vou deixar passar dessa vez o
fato de ter matado alguém sem que eu mandasse.
Eu queria rir de escárnio, mas não demonstrei sentimento
algum ao devolver seu olhar duro.
― Ele feriu minha mãe, então merecia morrer. E não pense
nem por um segundo que eu fraquejaria ao matá-lo, porque não o
faria. Aprendi uma coisa neste lugar, que meu destino é matar
qualquer que entre em meu caminho.
Uma sombra atravessou sua expressão. Sabia que ele queria
retalhar minha boca grande. Não que eu fosse mudar por causa
dele, mas não queria que ferisse alguém só para me atingir.
― Alessandro tem razão, devemos honrar nossa família,
incluindo você, pai. ― Porra, dizer isso estava me matando, mas eu
não queria que suspeitasse dos nossos planos para sua queda no
futuro.
Com isso, sua expressão sombria sumiu, e ele sorriu
parecendo orgulhoso.
― Ótimo, embora você devesse continuar aqui. ― Ainda me
avaliava.
Não revelei nada do que estava pensando.
― Já passei muito tempo aqui, quero ver como anda lá fora
― assegurei.
Ele assentiu.
― Não vai querer vingança por aqueles animais
desobedientes?
Todo o meu corpo tremeu, mas meu rosto ficou neutro. Nesse
momento, o aperto da minha mãe em meu braço ficou ainda mais
firme. Eu sabia que Marco estava me provocando para eu perder o
controle facilmente como antes. Na verdade, só me controlei por
causa da presença dela.
― Eles estão melhores onde estão agora. ― Foi minha
resposta.
Dizer isso me matou um pouco mais, embora no fundo fosse
verdade. Morrer era melhor do que permanecer naquele inferno. No
entanto, eu preferia os meus amigos vivos e saindo daquele lugar
comigo, como juramos fazer. Eu finalmente iria sair, mas sozinho.
― Devemos ir, as meninas estão sozinhas no hotel com os
seguranças. ― Mamãe puxou meu braço para sairmos dali.
Nem me incomodei em trocar a roupa cheia de sangue. Por
sorte, era preta.
Antes de entrar no carro, olhei mais uma vez para aquele
inferno e recordei tudo que tinha vivido lá. O pior foi tudo que tive de
fazer até estar naquela escuridão sem fim.
Sair daquele antro não teve o prazer que eu esperava ao
partir dali com Jet e Lyn. Eu estava indo embora sem os dois, e isso
me deixava com o peito despedaçado.
Eu não queria partir sem tirar todos aqueles garotos dali e
proteger cada um deles do que quase havia me acontecido e de
tudo que os meus amigos passaram e viveram lá.
― Vamos, filho ― chamou minha mãe, puxando-me para o
carro.
Assenti e entrei no veículo, sentindo-me esgotado, afinal
tinham sido muitas noites sem dormir direito, pois os pesadelos não
permitiam. A cada vez que eu fechava os olhos, lembrava-me da
voz asquerosa daquele ser desprezível. Isso deveria ter passado,
afinal Kanon estava morto, mas não, esse porra ainda fodia minha
cabeça.
Era noite, o céu estava estrelado, a lua, brilhante, mas eu
ainda me sentia na escuridão.
― Stefano...
Percebia que Alessandro queria falar algo, eu o conhecia
bem.
― Não precisa dizer nada. Sei que, se pudessem ter ido me
pegar antes, vocês teriam. ― Respirei fundo, não querendo pensar
no que tinha acontecido lá. ― A única coisa que está acabando
comigo é ter deixado Marco vivo após tudo que fez com meus
amigos.
E o fato de, por culpa dele, eu não ser mais o mesmo ao sair
daquele maldito inferno.
― Lamento por isso, meu amor. ― Minha mãe segurou
minha mão e a apertou, chorando. ― Me sinto tão impotente por
não poder proteger vocês dele.
― Não chore, mãe. Vamos reunir mais pessoas do nosso
lado, então o eliminaremos. ― Eu estava contando os dias para que
chegasse logo esse momento. Queria fazê-lo pagar por todo o
sofrimento que passei lá dentro, não só eu, mas cada criança,
muitas das quais ainda estavam presas, sem esperança de sair.
― O faremos pagar e seremos livres dele e de tudo que faz e
que abominamos ― disse Rafaelle sombriamente.
― Porra! Eu não sabia que ele mexia com coisas fodidas
como isso ― Alessandro rosnou.
― Prostituição infantil é tão ruim quanto isso, e faz parte dos
“negócios” dele. ― Rafaelle trincou os dentes.
― Vou resgatar esses garotos. Só preciso arrumar uma
forma de fazer isso sem Marco saber ― murmurei.
― Vou ajudá-lo com isso ― garantiu Alessandro.
Assenti e fiquei calado enquanto seguíamos para o hotel.
Assim que chegamos, fui para um dos quartos. Não queria que
minhas princesas me vissem todo sujo e coberto de sangue. Até
manchei a roupa da minha mãe, mas ela não pareceu se incomodar.
Entrei no banheiro e, debaixo do chuveiro, deixei que toda
aquela sujeira e o sangue de garotos inocentes escorressem. Era
uma pena não poder lavar minha alma também e deixá-la como
antes.
O remorso era um sentimento que eu tinha deixado enterrado
por um tempo em meu peito, mas agora se liberava de repente, com
força. Seria porque eu tinha o amor de minha família? Neles eu
enxergava bondade e respeito, uma força que nos ligava mais forte
do que a ira de Marco.
Sentei-me na cama e respirei fundo, com meu peito
sufocando por não ter salvado os outros meninos, por não ter
escapado antes de levarem uma parte de mim. Mesmo sendo tarde,
eu não sabia se conseguiria dormir.
Ouvi passos do lado de fora do quarto, depois uma leve
batida na porta.
― Posso entrar? ― Era minha mãe, cuja cabeça apareceu
no vão ao abrir de leve a porta.
― Claro, mãe. ― Eu podia ver a preocupação em seus olhos.
― Eu estou bem.
Ela entrou e se sentou ao meu lado.
― Nunca diga que está bem quando não é verdade. Sei que
está destruído por causa de seus amigos, se sente culpado por não
conseguir salvá-los.
Ela me conhecia bem, embora meu sofrimento não fosse só
por aquilo. Eu apenas não queria preocupá-la com meus demônios.
― Naquele lugar fiz coisas, mãe... ― Vivi coisas, pensei. ―
As imagens estão na minha cabeça. Não sei se um dia vou
conseguir esquecê-las. Havia só crianças presas lá, elas eram
obrigadas a matar umas às outras...
Mamãe me interrompeu:
― Você também foi obrigado a fazer isso. Foi mantido
naquele lugar contra sua vontade.
― Pode ser, mas tive chances de me matar lá... Não queria
ser como Marco. Cada vida que tirei... ― Fazer aquilo tinha levado
uma parte da minha alma, até não restar mais nada. Ainda assim,
algo me impedia de tentar o suicídio, como cortar os meus pulsos ou
simplesmente me deixar ser morto na arena.
Ela pegou meu rosto e capturou meu olhar com o seu
intensamente.
― Nunca pense em tirar sua vida, por mais que a escuridão
seja profunda ou os tormentos sejam demais. ― Senti a dor em sua
voz, tão potente como eu a via em seu rosto.
― Mãe... ― Eu preferiria sofrer a ela. Se pudesse resguardá-
la disso seria bom, mas não podia e precisava dela para lidar com
tudo.
― Somos uma família, e não vou deixar Marco quebrar
nenhum de vocês a esse ponto. Ele pode lhes ensinar toda a
maldade que faz, mas nenhum de vocês puxou a ele aqui. ―
Colocou a mão em meu peito. ― Seu coração é bom, Stefano, por
isso a culpa. Se você fosse igual ao seu pai, estaria se vangloriando
neste momento. No entanto, aqui está o meu menino, sofrendo.
― Estava perdido naquele lugar. Foi pouco tempo, mas um
dia lá é como um ano em um purgatório. ― Eu teria preferido isso,
um purgatório; ao menos sofreria sozinho e não levaria pessoas
comigo. ― O Jet... Ele tinha tanta esperança, mãe. ― Levantei-me,
sentindo minha garganta fechar, inquieto, louco, querendo explodir
algo. ― Ele queria tanto sair, mas sofreu ao ponto de acabar me
pedindo para matá-lo. Dá para imaginar alguém que fez tudo para
continuar vivo por anos, enfrentou toda aquela porcaria só para
desistir no final? O que isso lhe custou? ― O meu peito estava
esmagado.
― Teria gostado de conhecê-lo. Tanto a ele como ao seu
outro amigo.
― Eles estavam machucados demais após aqueles malditos
os torturarem. ― Encolhi-me com a lembrança deles no chão. ―
Quando liguei para Alessandro, pude ver a esperança surgindo
neles de novo. Fiquei tão feliz que juramos ser irmãos quando
saíssemos, que nossa amizade seria eterna.
― Meu bem... ― Seus olhos estavam molhados. ― Lamento
tanto, querido.
Os meus olhos também lacrimejavam, mas não derramavam
lágrimas. Devia ser pelo tanto que chorei naquele lugar abandonado
por Deus e pelo mundo.
― Então um dos homens do meu pai chegou para levar Lyn
― continuei. Contei o que aconteceu com os dois quando chegaram
machucados. ― Lutei com Kanon devido ao que fez, mas ele...
Não consegui contar o que quase me aconteceu. Não queria
que nem ela nem meus irmãos sofressem e se sentissem culpados.
Ninguém poderia ter feito nada, só Marco – que não fez, por sinal.
― Esse homem abusou de você? ― O terror estava em sua
voz e em seus olhos arregalados. ― Marco jurou que ninguém te
tocaria assim.
― Quase ― resolvi não revelar muito. Preferia sofrer sozinho
com os meus demônios a deixar que se culpassem por algo que não
estava em suas mãos. ― Se não fosse por Jet... Ele me salvou,
então Marco entrou e atirou nele. ― Sacudi a cabeça, não querendo
pensar em seus olhos sem vida.
― Querido...
― Os dois morreram sem eu poder fazer nada, e agora
aquele desgraçado ainda respira neste mundo. E, pior, se vangloria
do monstro que criou.
― Você não é um monstro. ― Ficou de pé e pegou minha
mão. ― Nunca pense isso.
― Fiz coisas imperdoáveis, mãe. ― Tirar uma vida nunca
tinha me incomodado tanto. Eu não gostava de ser obrigado a
matar, como acontecia na arena. Lá machuquei crianças; mesmo
sendo assassinas, ainda eram crianças.
― Venha comigo. Quero te mostrar o quanto você significa
para mim e seus irmãos.
Não discuti, só a segui para a varanda.
― Olhe para o céu agora. ― Apontou para cima. ― Me diga
o que vê.
Fiz o que pediu, mas sem entender. Comentei:
― As estrelas brilham na escuridão. ― Menos a minha vida.
Aliás, tudo em mim eram sombras e tormentos.
― Sim, são brilhantes e iluminam a escuridão. É assim você
em nossas vidas. Se um dia eu o perdesse, minha vida seria um
buraco-negro, porque, sem meus filhos, não teria nenhum sentido
viver. ― Virou-se para mim. ― Quero que me prometa que nunca
tirará sua vida nem sequer pensará em fazer tal coisa. Mesmo se
um dia eu não estiver mais entre vocês, sempre terá as meninas e
seus irmãos. Eles precisam de você.
Meu coração se apertou com a ideia de perdê-la. Eu não
podia passar por isso de novo. Só eu sabia o quanto foi doloroso
pensar que a havia perdido para sempre. Marco era perigoso, não
era normalmente o tipo de atirar antes e perguntar depois. O maldito
preferia acabar com a maior parte das pessoas primeiro
psicologicamente. Foi isso que fez comigo ao dizer que eu tinha
perdido tudo.
― Juro nunca mais pensar nisso. ― Cheguei a pensar lá,
mas não o fiz, pois queria vingança contra Marco, e no final não
consegui nem uma coisa nem outra. Bem, suicídio agora estava fora
de cogitação. Antes estava sozinho e cercado de sangue e morte;
agora tinha a minha família de volta.
― Obrigada, meu amor. Agora por que não vamos ver as
meninas? Elas sentiram falta de você durante sua ausência. ―
Mamãe apertou minha mão enquanto seguíamos para dentro do
quarto. ― Eu te amo muito, meu filho. Nunca se esqueça disso.
― Eu também, mãe, por isso foi doloroso pensar que jamais
a veria de novo. ― Era uma emoção que eu não queria sentir nunca
mais.
Fomos para o quarto ao lado. Antes de entrar, mudei minha
expressão para uma divertida. Não queria que as meninas me
vissem atormentado.
― Stefano! Estava com saudades! ― Luna correu para mim
e me abraçou.
Beijei sua cabeça.
― Também, pequena. ― Respirei fundo, adorando estar com
minha família.
― Me diz o que papai fez, que vou xingá-lo ― rosnou Jade
de braços cruzados.
Ela tinha oito anos e era muito valente. O que tinha Jade de
valentia, tinha a Luna de doçura.
― Jade, o que falei sobre não enfrentar Marco? Você vai
acabar sendo castigada ― disse minha mãe.
― Ele é um escroto filho da...
― Olha a boca! ― ralhou mamãe. ― É muito feio para uma
mocinha dizer palavrões.
Ela fez uma careta.
― Stefano diz o tempo todo.
Sorri de verdade e me senti estranho. Fazia tempo que não
me sentia dessa forma.
― Isso é porque sou homem, e não é tão feio quanto uma
garota xingando ― provoquei-a.
― Garotas podem chutar bundas tanto quanto homens ―
apontou ela, obstinada.
― Que tal parar de falar em chutar coisas? ― pediu mamãe.
― Encomendei pizza, ainda está quente.
Nossa... Eu não sabia havia quanto tempo não ingeria
comida de verdade.
― Vem aqui, sua danada. ― Puxei Jade para os meus
braços. Ela batia no meu peito.
― Também senti sua falta ― declarou. ― Ninguém me disse
onde estava.
― Em um lugar que não merece ser lembrado. ― Elas não
mereciam ter aquela imagem em suas cabecinhas.
Era bom estar em casa com minha família, com pessoas que
dariam tudo por mim, assim como eu faria por elas. Eu não sabia o
que seria dali para frente, mas desejava estar sempre com cada um
deles. Esperava que um dia eu pudesse esquecer tudo que fiz e vivi
e ter aquela luz que minha mãe disse que eu era para ela.
Voltei a mim e olhei para o chão ensanguentado da arena em
que tínhamos acabado de entrar e presenciar aquela
monstruosidade. Sentia minha respiração aguda, e minha raiva
ainda não tinha passado, nem depois de ter matado todos.
A plateia me olhava coberto de sangue, chocada com a cena
dos miseráveis desmembrados e sem vida.
Sorri de modo maníaco para os espectadores, segurando-me
para não acabar com todos.
― O que foi? Não queriam sangue, seus malditos vermes?
Como podem sentir prazer com essa porra fodida?! ― Olhei para
Lyn, que estava sem expressão. ― Alguém saiu enquanto eu estava
desmembrando esses insetos?
Era até um crime comparar um inseto com pessoas que
gostavam de participar e assistir àquela abominação.
― Não, o local está fechado. Ninguém sairá daqui.
Assenti e me virei para os garotos, uns dez mais ou menos,
mas eu sabia que havia mais nas celas. Aqueles eram os lutadores,
provavelmente os perdedores. Fosse como fosse, agora eu daria
uma diversão a mais a eles, uma de verdade.
― Querem entrar nessa festa? ― Fui até cada um, tirando
suas algemas. Ao se libertarem, puxaram suas calças para cima. ―
Todos precisam do mesmo remédio que deram a vocês.
Eles aquiesceram, fuzilando a multidão de homens e
mulheres.
― Vamos fazer essa arena estrondar com os gritos que
realmente merece ― falei, pulando do ringue na frente de Jared e
Jair, que em algum momento tinham sido imobilizados por Arrow. ―
Meninos, esses dois são meus e de Lyn. Vocês podem escolher
qualquer um na multidão.
Os garotos correram, pegando suas armas e atacando cada
um que aparecia na sua frente. Pela forma como agiam
descontroladamente, estavam muito putos da vida. Enfim eu
percebia por que Lyn deixava os jovens resgatados em algum lugar
até conseguirem controle sobre si mesmos, para que não
atacassem ninguém quando estivessem enfurecidos. E havia muita
fúria naqueles meninos. Lyn os ajudava a canalizá-la para quem
merecesse em vez de qualquer um. Eu entendia a sensação. Se
não fosse minha mãe e irmãos, eu não estaria ali, teria me tornado
um psicopata fodido.
Os olhos de Jared estavam arregalados enquanto viam os
garotos se divertindo.
― Não me mate... Te dou o que quiser, por favor... ― ele
começou a rogar.
Não me importei com suas súplicas nojentas.
― Ouviu quando alguns deles imploraram para que não os
tocassem? ― Aproximei-me mais dele e de seu tio.
― Pare de implorar e honre as bolas que tem ― rosnou Jair
para o sobrinho.
― Não se preocupe, logo Lyn te fará suplicar por
misericórdia. O bom é que não somos misericordiosos. ―
Movimentei minha faca entre as mãos. ― Você é, Lyn?
― Não. ― Foi sua resposta decidida.
― Vocês não passam de escória e não merecem respirar
nem mais um segundo.
― Bella sabe do que você faz ou está incluída nesse jogo?
Se aquela... ― Jared se interrompeu quando soquei sua boca,
fazendo o sangue escorrer.
Minha fúria estava me deixando um tanto cego, a ponto de
acabar terminando logo com aquilo, mas precisava manter meu
foco. Era melhor brincar com ele, pois eu precisava de uma luta.
― Não ouse dizer o nome dela com sua boca fodida ―
sibilei, socando-o de novo, dessa vez no estômago, o que o fez
ofegar. ― Nunca nem sequer pense nela.
― Quem, maldição, são vocês? ― grunhiu Jared, tentando
se afastar.
― Alguém que veio para destruir seu império maldito. ―
Manejei minhas facas.
Jared olhou para o lado, onde, na plateia, muitas pessoas
gritavam pelo ataque dos garotos.
― Não ligue. Eles estão recebendo o que lhes é cabível.
Tudo o que os meninos estão fazendo é pouco em vista do que já
fizeram a todos aqui e em outros lugares. ― Movimentei uma de
minhas facas rapidamente e abri um corte no peito do maldito, mas
não muito fundo, porque não queria que morresse logo.
Ele gritou.
― Maldito seja! ― Fuzilou-me. ― Podemos entrar em um
acordo! Quer dinheiro...
― Cale a boca, Jared. Eles são mafiosos, não precisam de
dinheiro ― disse Jair.
Pelo visto, Lyn teria um pouco de dificuldade para quebrá-lo.
― Isso, grite, pois é a única coisa que fará hoje. ― Sorri para
ele e depois para meu amigo e irmão. ― Lyn, fique com o tio
salafrário dele. Pode obter as informações que deseja.
― Ah, com certeza conseguirei. ― Ele ficou em frente a Jair.
― Principalmente quais as instalações Prometheus que você
conhece.
― Jared é todo meu. Vou adorar me divertir com ele, assim
como aposto que fazia com os garotos daqui. ― Só em pensar
nisso, eu ficava ainda mais enfurecido.
― Eu não os fodia, meu negócio é mulher! ― revelou,
parecendo esperançoso. ― Pode me deixar ir, não conto nada do
que vi aqui nem sobre vocês.
Ri zombeteiro.
― Não mexia com eles, mas os trazia para cá, alterava seus
documentos para que todos pensassem que foram adotados. Não
pensou no que eles passariam aqui, na dor que sofreriam neste
maldito lugar? ― rosnei. ― Era sua responsabilidade protegê-los, e
não jogá-los em um ninho de víboras!
Foquei em meu objetivo e deixei Lyn cuidar do dele.
Finalmente eu faria aquele filho da puta pagar caro.
― Não sei nada sobre onde ficam as... ― Grunhiu quando o
soquei. ― Você se aproveita só porque estou preso ― cuspiu,
tentando se soltar das mãos de Arrow. ― Não é homem para me
enfrentar no mano a mano!
Meneei a cabeça para os lados, pensando em sua
provocação. Estúpido de merda... Se ele soubesse o que eu tinha
preparado, iria desejar que eu o matasse naquele instante. Ele se
daria conta disso eventualmente.
― Bem, se está reclamando quanto a isso... ― Olhei para
Arrow e indiquei: ― Solte-o. Vamos ver o quanto ele é homem
lutando comigo.
O assassino não reclamou, só o soltou, dando um empurrão
nele em minha direção.
― É todo seu ― disse.
― Valeu! ― Se aquele babaca achava que podia me vencer,
eu lhe ensinaria o contrário. ― Olhe ao redor. ― Apontei para o
sangue e os corpos despedaçados na arena. ― Logo será o seu
sangue derramado aqui.
Lyn segurou Jair e o puxou para ficar fora do caminho da
minha luta. Eu poderia só matar Jared, mas precisava de mais; a
dor de receber alguns socos aliviaria o sofrimento que eu estava
sentindo naquele momento, um para o qual não havia cura. Apenas
uma pessoa podia aliviar aquele tormento vivo, mas, como eu era
idiota, a deixei escapar.
Foquei no presente para acabar logo com aquilo e ir até
Belinda, mesmo correndo o risco de ser morto pelos seus irmãos.
― Vamos acabar logo com isso ― Lyn declarou, indo fazer
seu trabalho com o tio daquele miserável.
― Você está armado, e eu não ― apontou Jared.
Nessa hora ri, porque, se fosse o contrário, ele teria me
matado, mas, como eu queria brincar um pouco e soltar aquela fúria
que me consumia, deixei que desse as cartas. Por enquanto. Logo
ele veria a verdade.
Joguei uma das minhas facas para ele, que a pegou com
habilidade, então imaginei que talvez ele fosse bom com lutas
armadas, mas não era páreo para mim.
― Agora estamos quites. ― Preparei-me. ― Chegou a hora
de brincar.
Ele se lançou para mim, acertando-me no braço e abrindo um
corte. Não me esquivei, o que trouxe um sorriso ao seu rosto. Deixei
que pensasse que tinha me acertado por ser um bom oponente.
A dor era meu refúgio havia anos, ela me fazia de certa forma
pagar por não ter conseguido salvar Jet e Lyn, quando eu achava
que Lyn estava morto. Naquele dia, queria senti-la por ter feito
Belinda sofrer.
A cada golpe que eu recebia, pensava em seu olhar triste.
Mesmo que ela não tivesse chorado na minha frente, eu sabia que o
faria após eu ter saído de lá, no dia anterior. Ela se manteve forte ao
menos até o momento em que fui embora, mesmo com o coração
partido.
― Porra, Stefano! Se você deixar ele te cortar mais uma vez,
eu mesmo vou terminar o serviço! ― ouvi Lyn grunhir em algum
lugar perto de mim.
― Deixar? ― Jared zombou. ― Ele não passa de um fracote
que não serviu nem para aquecer a cama da Bella. Não se
preocupe, vou cuidar disso quando eu foder todos os buracos dela,
e, acredite, ela vai gostar.
Meu sorriso sumiu. Fui tomado por uma fúria tão imensa que
senti meu rosto quente.
― Vou te mostrar quem é o fraco. E o único buraco que você
vai ter fica a sete palmos do chão ― cuspi e me lancei contra ele,
chutando-o após acertar suas costelas com a faca.
Jared caiu no chão, mas não lhe dei tempo para que se
levantasse antes de subir nele e enfiar a lâmina em seu peito. Ao
mesmo tempo, senti a dele no meu ombro.
― Você não devia ter falado em Belinda com sua boca
imunda ― rosnei, mexendo a faca, fazendo-o se engasgar com o
sangue que brotava em seus pulmões e subia à sua traqueia. ―
Agora vou te enviar para o inferno com uma passagem só de ida.
Ele cuspiu sangue.
― Você também vai... ― Tentou enfiar a lâmina novamente
em mim, mas segurei sua mão, não permitindo. Não podia deixá-lo
me ferir mais, precisava ir até Belinda. Estava irado demais para ter
me protegido e evitado o golpe.
― Não hoje. Um dia nos encontraremos lá. ― Puxei a faca
para baixo, rasgando sua barriga. ― Isso é pelos garotos que você
ajudou a colocar neste lugar com a ajuda de seu tio.
Não demorou muito para ele dar seu último suspiro. Era uma
pena eu não ter prolongado a situação e me divertido mais, mas
estava ansioso para ver Belinda.
― Maldição, por que não se defendeu antes de levar uma
facada? ― grunhiu Lyn, ajudando-me a ficar de pé após aquela
bagunça.
― Não vi o golpe, estava com muita fúria na hora.
― Sente-se aqui. ― Colocou-me na arena. ― Deixe-me ver o
estado disso.
Após conferir os danos causados, Lyn amaldiçoou.
― Precisamos de pontos, isso se não for necessária uma
cirurgia, dependendo do que foi destruído com a facada. Não foi só
o ombro. ― Apontou para o meu braço.
― Então dê os malditos pontos. Deve ter algum material
médico neste lugar. Não vou para o hospital. Preciso ir até Belinda.
― Devia ir a um médico, que sabe lidar melhor com esse tipo
de coisa.
― O helicóptero está aqui ao lado. Podemos levá-lo agora ―
informou El Diablo.
Após alguns minutos, entramos na aeronave, onde me
escorei no banco. Tinha colocado um pano para estacar o sangue
até alguém dar os pontos necessários.
― Só temos um problema. Estamos no território dos
Pachecos. Eles já devem estar cientes do que aconteceu e devem
estar a caminho. ― El Diablo estava ao meu lado direito, e Lyn, ao
esquerdo. ― Talvez devemos repensar em mantê-lo num dos
territórios deles.
― Acho que minha morte vai chegar antes disso ―
murmurei, sentindo que estava piorando. ― Mas não ligo se me
matarem, vou até a irmã deles.
― Stefano, você vai a um hospital ― Lyn frisou.
― Não vou. Só vou dar os pontos, depois quero ir para ela...
― Eu odiava hospitais, evitava-os a qualquer custo. Não ficaria
impotente a esse ponto.
Fechei os olhos, ansioso para estar ao lado de Belinda o
quanto antes e pedir que me desculpasse. Esperava que me
aceitasse e me perdoasse, porque eu não viveria sem ela.
De repente senti cheiro de clorofórmio, então abri os olhos,
encontrando os do meu amigo.
― Lamento. ― Foi tudo que ouvi, quando a inconsciência me
tomou.
Fazia alguns dias que eu tinha descoberto a traição dos meus
irmãos e Stefano. Dizem que o tempo cura, mas não, eu ainda
sentia o meu peito sangrando como no dia em que descobri. Tentei
me manter focada no trabalho para aquela dor não me derrubar,
mas não estava conseguindo.
Santiago vinha ao orfanato direto tentar falar comigo, mas eu
não queria ouvi-lo. Javier assumiu o posto de meu segurança, e as
coisas só pioraram, pois eu via a pena nos olhos dele. Talvez eu
estivesse vendo coisas, mas, de qualquer forma, precisava sair dali.
Por isso, fui para a casa da vovó e fiquei com ela durante
alguns dias. Só pude voltar ao orfanato após saber que Jared e seu
tio foram capturados por Lyn. Soube que Stefano estava com ele,
mas, quando meus irmãos chegaram à ilha, já tinha ido embora.
Fiquei aliviada por isso.
Era para aquele idiota ter partido do nosso território, mas
Stefano só podia ser um tapado que vivia em busca de adrenalina.
Foi bom que meus irmãos não o encontraram.
Não procurei saber o que mais tinha acontecido; a minha
cabeça não estava muito boa para nada.
Os irmãos Laions estavam de novo no orfanato, protegidos
enfim por uma pessoa que realmente se importava com eles e
tomava conta do local.
Entrei na sala da minha avó, que assistia ao noticiário sobre
uma chacina.
“Jared Calixto e Jair Calixto mantinham meninos presos na
ilha, onde os fazia lutar até a morte. Os dois foram encontrados
torturados e mortos. Acreditamos que o caso tenha a ver com o
atentado ao orfanato alguns dias atrás”, dizia a âncora.
O pai de Jared foi preso, após a polícia achar provas de que
fazia parte da quadrilha. Havia filmagens dos meninos lutando e
várias pessoas assistindo, políticos e muitas pessoas poderosas. Os
vídeos não vazaram na mídia; eu só soube deles porque obriguei
Javier a me mostrar.
Nunca tinha visto algo mais horrendo do que os garotos
algemados e os homens... Na hora corri para o banheiro e vomitei,
enojada com aqueles demônios malditos. Contudo, gostei do
massacre. Lyn e Stefano fizeram um belo estrago no local... Parei
de pensar nele, porque, toda vez que o fazia, sentia vontade de
chorar e muitas vezes sucumbia, só não na frente de alguém.
“As crianças prisioneiras não foram localizadas. Tudo indica
que, de algum modo, escaparam e massacraram todos que
assistiam às lutas. Agora esses meninos assassinos estão soltos. O
que esses adolescentes devem estar enfrentando aqui fora, quando
só o que sabem fazer é matar?”, voltou a dizer a apresentadora.
― Bando de hipócritas! Falam das crianças como se fossem
bichos perigosos que escaparam do zoológico ― ouvi minha avó
murmurar.
― Por um lado, eles estão certos, vó. Assisti ao vídeo deles
naquela arena lutando com correntes nos pés. Se fossem soltos,
com aquela fúria toda, não restaria nada, mas os meninos estão
bem. Tem alguém que toma conta deles até poderem voltar à
sociedade. ― Lyn cuidaria de todos e lhes ensinaria outras coisas
além de matar. Se Jacob tinha conseguido, os outros também
poderiam.
Por falar em Jacob, ele desapareceu no dia seguinte após o
massacre. Ninguém sabia dele. Possivelmente não precisavam mais
de sua presença no orfanato.
― Sabe para onde foram levados? Acredito que precisarão
de psicólogos, por tudo que viveram ― sondou.
― Não sei, mas estão sendo bem-cuidados, ou o quão bem-
cuidados podem ser no nosso mundo. ― Sentei-me no sofá ao seu
lado.
― Foram meus netos a massacrar aqueles crápulas? ― Ela
não pertencia à máfia, mas não se importava com o que meus
irmãos faziam. Amava-os o suficiente para ignorar isso.
― Não, foram outras pessoas ― sussurrei. ― Mas Stefano
estava lá. Com certeza fez um belo estrago. Ele não suporta que
crianças sejam maltratadas.
― Você sabe o que aconteceu com ele no passado? Ele lhe
contou alguma coisa sobre isso?
― Não, Stefano não se abre muito, mas presenciei algumas
atitudes dele. Ele tem trauma de ser tocado em algumas áreas do
corpo. Temo que, de algum modo, alguém tenha abusado dele ou
chegado perto disso. ― Quando eu pensava na possibilidade,
minha raiva por ele ter me usado diminuía um pouco, mas não tanto
para perdoá-lo. Ele não viera atrás de mim, sinal de que nada do
que tivemos havia significado para ele.
― Uma pessoa que passa por traumas profundos pode
desenvolver dois tipos de transtorno. Primeiro, Transtorno de
Personalidade Borderline. Esse é persistente e prejudica as
relações. A pessoa é instável e pode desenvolver automutilação por
não conseguir lidar com as emoções e se sentir “vazia”. E pode
adquirir Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Esse faz com que
a pessoa tenha um tipo de ansiedade em relação a situações que a
lembrem da situação traumática. A pessoa pode ter pensamentos
persistentes sobre isso e não consegue viver normalmente, tendo
pesadelos, insônia e crises de pânico.
― Ele não se automutila, mas se deixa apanhar no ringue
para sentir dor física. E às vezes surta em alguns momentos, como
com algumas cenas que acho que são parecidas com algo que
viveu ou viu. Também tem insônia e pesadelos. Até o aconselhei a
vir falar com você em busca de ajuda, mas então descobri seus
motivos para estar comigo, iguais aos de Gazo ― sussurrei,
encolhida por pensar que Stefano me usou e não se importou em
nenhum segundo com os meus sentimentos.
― Meu amor, durante tudo o que viveram, você não sentia
que ele a queria, mesmo não dizendo as palavras? Nem todos
sabem dizê-las, ainda mais alguém como ele, que se machucou
muito. ― Desligou a TV e se virou para mim. ― Quanto ao Gazo,
ele agia de modo perfeito demais. Ninguém é assim. Até cheguei a
comentar isso com você, mas estava apaixonada e não enxergava,
ou no fundo soubesse, só não queria aceitar.
― Fui idiota. Por isso perdemos Lorena. ― Meu peito
sangrava quando eu pensava na culpa que sentia.
― Não pense assim, meu amor. ― Aproximou-se mais de
mim. ― Aquilo foi uma fatalidade, não é culpa de ninguém além das
pessoas que fizeram isso com ela.
― Stefano disse a mesma coisa. ― Coloquei a mão no peito.
― Me sinto tão destroçada, vovó. Me apaixonei tanto por ele que
não sei se vou conseguir lidar com a perda. Tentei ser forte, mas me
sinto tão vazia, exceto por essa dor que me impede de dormir e
comer direito. Não me senti assim quando perdi Gazo.
― Isso, meu bem, é porque no fundo sabia o homem que ele
era. E Stefano não é assim, não é? Você deve saber disso, por isso
ainda o ama, só está magoada por ele não ter vindo se desculpar.
Com o que me contou sobre ele, sei que deve estar perdido e com
medo, por isso fugiu. Se ele realmente amá-la, vai voltar para você,
acredite.
― E se não me amar? ― Sentia que gostava de mim quando
ficávamos juntos, que não era fingimento, mas me enganei uma vez,
podia acontecer de novo, exceto que agora eu sabia ler melhor as
pessoas, não era mais uma menina ingênua, que acreditava em
tudo que me falavam.
― Então seguirá sua vida. Não será fácil, você é digna de
alguém que lhe dê tudo que merece e muito mais. ― Apertou minha
mão. ― Estou aqui para qualquer coisa.
― Eu sei que está. Agradeço por estar ao meu lado. ―
Abracei-a por um momento e me afastei quando ouvi o barulho de
um carro chegando. Levantei-me. ― Se for Santiago ou um dos
meus irmãos, não quero vê-los.
― Precisa desculpá-los, Belinda. Eles não fizeram por mal,
só queriam que escolhesse alguém por si mesma. ― Ergueu-se
também. ― Pense no que eles têm que fazer para seguir essas
regras, filha, no quanto se preocupam em ter que decidir com quem
você deve se casar.
― Estou muito chateada com eles ― murmurei.
― Eu sei. Só se coloque no lugar deles, vivendo sem opção
quanto a isso e outros assuntos da máfia. ― Vovó suspirou. ― Me
diz a verdade: se não fosse assim, você teria deixado alguém entrar
realmente em seu peito?
― Acho que não ― sussurrei.
― Não deixaria, pois o que aconteceu com você roubou sua
confiança nos homens, mas nem todos são como Gazo, querida.
Precisa se entregar às vezes, não tema amar alguém ou até se
decepcionar. É algo da vida.
― Não faça isso, ou vai acabar com o coração partido ―
disse Serena, entrando na sala com os olhos marejados.
Pisquei. Não era Santiago quem tinha chegado, mas minha
irmã.
― O que aconteceu? ― inquiri.
― Mariano é um estúpido! Disse que não pode ser nada além
de meu amigo. Como se eu quisesse ser amiga dele! Estou tão
cansada disso! Por anos sofri sozinha, me culpando por tudo, mas
papai estava certo, não posso viver assim, preciso seguir em frente.
Achei que ele fosse a pessoa que me ajudaria nisso, mas não. ―
Riu amarga e foi servir uma bebida para si. ― Não quero entrar na
zona da amizade.
Ela normalmente não era explosiva, sempre guardava o que
sentia. Isso me pegou de surpresa.
― Sabe o que podíamos fazer em vez de chorar por homens
idiotas que não nos querem? ― Fui até ela e peguei seu copo. Ela
era muito fraca para bebidas. Tomei um gole.
― O quê? ― questionou limpando as lágrimas.
― Belinda, não acho uma boa ideia...
― Vovó, só vamos nos divertir em uma boate qualquer.
Aposto que os seguranças vão estar conosco. ― Beijei seu rosto. ―
Jamais nos colocaríamos em perigo, só precisamos disso em vez de
ficar chorando pelos cantos.
― Bom, estou precisando disso, uma noite de irmãs. ―
Serena olhou para mim. ― Acho que precisa se arrumar.
Chequei meu pijama e o cabelo bagunçado.
― Acho que sim. Só um minuto. ― Assim que terminei, voltei
à sala. ― Estou pronta.
As duas piscaram.
― Nossa... Stefano é realmente um idiota por perder você. ―
Minha irmã sorriu.
Eu vestia uma calça de couro justa, um top deixando a
barriga de fora e botas de cano longo.
― Você deveria usar algumas de minhas roupas e deixar
esse vestido de lado. Vai ficar sexy. ― Nós tínhamos o mesmo
tamanho.
― Vou ficar bonita?
― Você é linda. Se Mariano não é capaz de ver isso, é um
estúpido, mas não vamos pensar nisso agora. ― Puxei-a para o
quarto e escolhi sua roupa. ― Vista.
Ela não reclamou, mas, assim que trocou de roupa, fez uma
careta.
― Não está curto demais?
― Nada que não devesse mostrar. ― A saia de couro que
separei não estava tão curta, e ficou ótima com um espartilho. ―
Está perfeita. ― Peguei o celular e a fotografei.
― O que está fazendo? ― sondou enquanto saíamos do
quarto.
― Mostrando a Mariano o que ele perdeu. ― Enviei a foto
para o imbecil. ― Agora vamos?
― Juízo, meninas. ― Vovó sorriu.
Fomos à varanda. Quando Alonso e Javier nos olharam,
abriram a boca. Estavam acostumados a me ver assim, mas não
Serena.
― Aonde pensam que vão? ― indagou Javier para mim.
― A alguma boate relaxar. ― Dei de ombros ao passar por
eles, mas Javier pegou meu braço.
― Não acho uma boa ideia...
― Não ligo para o que você acha. Só nos siga até lá. ― Sei
que fui rude, mas estava nervosa com cada olhar de pena dele. Eu
não precisava dessa merda. Mostraria a todos que sairia por cima e
não ficaria chorando pelos cantos por causa de um homem que me
usou e não me queria.
Chegamos à boate dos meus irmãos. Eu queria ter ido a
outra, mas não nos colocaria em perigo só para provocá-los, mesmo
estando chateada com eles. Alonso e Javier nos seguiam, um na
frente e outro atrás, observando cada canto.
Quando estacionei, avistei Santiago à porta nos olhando.
Estava sendo uma cadela por não falar com eles? Ainda me sentia
traída pelo que fizeram. Eu os amava demais e sabia que logo iria
perdoá-los, só precisava de tempo, pois sua traição me pegou
desprevenida.
O telefone de Serena não parava de tocar.
― Me dê isso! ― Peguei o aparelho de sua mão antes que
ela pudesse atendê-lo e o coloquei na orelha.
― Recebi a foto que Belinda me enviou. Onde vai vestida
assim, Serena? ― Razor praticamente rosnou.
― Oh, agora se preocupa com o que ela veste? ―
provoquei-o. ― Amigos não deveriam se importar.
― Belinda? ― cuspiu. ― Onde Serena está?
― Você é um idiota. Minha irmã passou anos apaixonada por
você, e agora vem dizer que só quer ser amigo dela? Sabe onde
enfiar essa amizade, não é? Hoje ela vai encontrar um homem de
verdade, um que queira fodê-la sem sentido...
O telefone sumiu da minha mão; Serena o tinha pegado e
encerrado a ligação.
― Por que disse isso? Não quero transar por aí ― sussurrou
vermelha.
― Ninguém está pedindo que faça isso. Nem tudo que
dizemos que faremos quer dizer que realmente iremos executar ―
tranquilizei-a. ― Só vamos nos divertir. E ele merecia ouvir algumas
verdades.
― Devo ligar para Stefano e dizer o mesmo? ― sondou
sorrindo.
― Na verdade, não precisa, falei tudo a ele quando foi
embora. Agora só quero esquecer que um dia o conheci. ―
Suspirei.
― Conversei com a Luna. Ela estava preocupada com você,
pois não recebeu nenhuma das ligações dela.
― Não queria ouvir nada sobre ele e sabia que ela acabaria
tocando no assunto ― sussurrei, depois emendei: ― Mas vou ligar
para ela amanhã.
― Que bom. Ainda custo a acreditar que temos outra irmã. ―
Suspirou feliz.
― Sinto falta dela e das minhas princesas. Podíamos ir visitá-
la, o que acha?
Seria bom sair da cidade por um tempo, embora o vazio e a
dor não passariam não importasse o lugar em que eu estivesse.
Não havia para onde fugir.
― Podemos marcar, sim. ― Pegou minha mão. ― Lamento
por tudo que aconteceu a você e Stefano.
― Eu também, mas não vamos ficar falando sobre isso,
vamos nos divertir. ― Sorri, mesmo que meu coração estivesse
destroçado.
Saímos do carro, e logo Javier e Alonso apareceram para nos
rebocar.
― Eles sentem sua falta. Devia lhes dar uma chance ― disse
Serena olhando nosso irmão em frente à boate nos esperando.
Antes que eu comentasse que iria falar com eles no dia
seguinte, a boate explodiu em chamas, e vi em câmera lenta
Santiago ser jogado pelo impacto da explosão, cair em cima de um
dos carros e depois no chão.
― Oh, meus Deus! ― gritei, dando um passo para ir até ele,
mas Javier me segurou. ― Os outros estavam...
Não podem estar lá! Benjamin, Valentino e Fabrizio... Oh,
Deus, não os deixe estar lá dentro!
― Não... ― Foi interrompido por carros parando não muito
longe e atirando em nós, acertando-o no peito.
― Oh, Senhor! ― Serena chorava agachada atrás de um
carro.
Corri e me abaixei ao seu lado, ignorando o sangue de Javier
em mim. Não podia surtar agora. Segurei sua mão; eu também
estava com medo.
― Fiquem aí! ― gritou Alonso.
Javier estava caído. Eu não sabia se estava morto, mas não
parecia estar respirando.
― Não devíamos ter vindo! ― Minha irmã chorou ainda mais.
― Nosso irmão! Ele...
― Precisamos ser fortes agora. Vamos acreditar que ele
esteja bem ― sussurrei, evitando transparecer meu medo, assim ela
não ficaria tão preocupada. Eu não podia pensar diferente, ou
entraria em pânico. Precisava arrumar uma forma de sairmos de lá.
― Deite-se debaixo do carro. Consegue entrar? ― pedi a ela.
Estávamos muito expostas ali.
― Sim, consigo, mas e você? ― sussurrou.
― Preciso checar Santiago...
― Você não pode ir lá...
― Sei lutar, e você não sabe ― eu lhe lembrei.
― Eles estão armados, não acho que terá uma luta ―
retrucou.
― Certo, não vou, então, mas preciso me esconder debaixo
de outro carro. Agora faça o que pedi. ― Não queria chorar de dor
pelo meu irmão, confiava que ele ficaria bem.
Alonso veio até nós e pegou nossos braços antes que Serena
fizesse o que pedi.
― Vamos correr assim que os seguranças atirarem nos
miseráveis... Vão nos dar cobertura para sair daqui.
― Íamos nos esconder debaixo de carros ― informou
Serena.
― Eles vão procurá-las. ― Sua voz soou amarga.
― Nós? ― indaguei. ― Achei que não éramos o alvo, afinal
foi a boate que explodiu.
Meu coração se apertou pensando nas pessoas lá dentro,
que tiveram suas vidas ceifadas. O atentado foi igual ao do clube de
luta. Achei que aquilo tudo tivesse acabado, então ri com amargura.
Como eu saberia, se não estava falando com meus irmãos?
Por culpa dessa escolha, Santiago podia... Não, eu não podia
pensar nisso, e tinha que arrumar um jeito de salvar a vida de
Serena e a minha.
― Parece que a casa da sua avó estava grampeada, por isso
sabiam onde vocês estariam. A explosão foi só uma distração para
poderem sequestrá-las ― respondeu Alonso.
Corremos rumo a um beco. Algo não cheirava bem. Como a
emboscada tinha acontecido, quando não fazia muito tempo que
decidimos sair? Mesmo que a casa estivesse grampeada, armar um
atentado daquele porte levaria horas, se não dias. Além disso, só
havíamos escolhido a boate durante o percurso, no carro. Não fazia
sentido, a não ser que alguém tivesse nos traído. Olhei para Alonso
à nossa frente, sem nenhum arranhão. Por que todos saíram
machucados, menos ele?
Fingi tropeçar, e Serena parou para me ajudar.
― Merda, esses saltos! ― rosnei.
― Vamos! Precisamos chegar ao beco logo, alguém vai nos
apanhar ― apressou-nos Alonso.
― Vou tirar os saltos para ficar melhor de andar ― falei para
ele, não demonstrando minha desconfiança.
Ele estava alguns metros à frente e não olhava nossa
retaguarda, o que só provava minha teoria. Se ele fosse mesmo um
dos nossos, estaria prestando atenção em tudo. Lembrei-me de
Stefano, da forma como ele agia quando saíamos.
― Preste atenção ― pedi baixinho a Serena. ― Não
demonstre reação ao que eu vou dizer. Assim que eu mandá-la
correr, faça, sentido à esquerda e não olhe para trás. Acho que ele é
um traidor. Vou lutar com ele enquanto você foge.
Ela arregalou os olhos e arfou, o que fez Alonso olhar para
nós.
― Vou tirar os sapatos também, preciso correr. ― Serena se
recuperou, dizendo aquilo a ele para que não desconfiasse de nada.
Alonso assentiu e ficou olhando para o beco, não muito longe
de nós. Se entrássemos lá, estaríamos ferradas.
― Preciso que corra não importa o que aconteça ―
sussurrei.
― Não vou deixar você ― lamentou.
― Posso vencê-lo, logo acompanho você ― menti. Tinha
treinado com Alonso e não sabia se poderia derrotá-lo, mas ao
menos salvaria minha irmã.
Tiramos nossos sapatos e os deixamos no chão. Olhei para
ela, assentindo, depois me lancei para Alonso, pegando-o
desprevenido com um chute nas costelas enquanto Serena corria,
mas parou e me olhou. Eu sabia que ela ia mudar de ideia!
― Corra! ― gritei. ― Agora!
Então finalmente fez o que pedi.
― Mas que porra! ― Alonso praguejou, fechando a cara para
mim e olhando para a direção onde Serena correu. ― Volte aqui!
― Seu traidor filho da puta! Como pôde fazer isso?! ―
rosnei, preparando-me para lutar.
Ele riu.
― Você é esperta, sabia que me daria problemas. Eu não
queria sua irmã mesmo, mas você.
Pisquei.
― Por quê? Meus irmãos...
― Eles não têm nada a ver com isso, e eu realmente não
queria envolvê-la, mas foi preciso.
― Não entendo. ― Estava confusa. Se eles haviam
explodido pessoas para chegar a mim, achei que fosse por vingança
contra os meus irmãos, como aconteceu com Lorena, mas...
― Stefano é o meu alvo, não meu, mas de uma pessoa que o
quer bastante ― declarou.
Minha respiração ficou aguda.
― Stefano? Mas não temos mais nada ― murmurei. ― Ele
não se importa comigo a ponto de ir me salvar ― menti, pois sabia
que, mesmo que não me amasse, ele se preocupava comigo.
― Então você vai se dar mal, pois a sua única forma de
continuar viva é se ele for ao seu encontro. ― Pegou meu braço em
um aperto de aço e me puxou para o beco.
Eu não iria sem lutar, não mesmo. Não queria Stefano perto
de quem quer que desejasse sua presença.
― Belinda, sabemos quem vai ganhar se lutarmos. Facilite as
coisas. Não quero machucá-la, mas eu vou se precisar. ― Deu um
aperto insuportável no meu braço.
― O que você é dessa pessoa? E o que Stefano fez para ela
querer tanto sua presença? ― Precisava saber onde estava me
metendo e não pensar no medo que estava sentindo. ― Quanto ela
pagou para você nos trair? ― Devia ser muito, afinal meus irmãos
pagavam bem.
― Por que não para de falar? Estou farto disso! ― grunhiu
sombrio.
― Me deixa ver... Não pode ser dinheiro. Talvez uma
chantagem ― chutei, mas, pela forma como Alonso ficou nervoso,
acertei.
― Cale a boca! ― sibilou.
― Espero que esse segredo valha sua vida, porque não a
terá mais quando meus irmãos o pegarem ― ameacei com uma
fúria homicida. ― Você machucou Santiago!
― Era preciso, e não foi eu quem colocou os explosivos. ―
Deu de ombros. ― Efeito colateral.
― Seu desgraçado! Não vou com você ― grasnei, chutando
o maldito. Não iria com ele sem lutar. Mesmo sabendo que não
conseguiria vencê-lo, atingi seu tórax com o cotovelo. Ele me
acertou na barriga, derrubando-me no chão.
― Eu não queria fazer isso, mas não me deixa escolha ―
gralhou.
Chutei suas bolas, fazendo-o cair e aproveitei para subir em
cima dele e socá-lo na boca e olhos. Tentei pegar sua arma no
coldre, mas ele me socou no peito, roubando metade do meu
oxigênio. Ao menos consegui pegar uma faca dele e fiquei de pé,
firmando-a na mão.
― Porra! ― praguejou, ainda com dificuldade de respirar.
― Vou fazê-lo se arrepender, seu cretino! ― Eu deveria ter
corrido, mas estava muito irada com o que ele fez com Santiago
para deixar por isso mesmo. Faria aquele desgraçado pagar caro.
― Você está pedindo por isso. ― Pegou uma faca em uma
capa na canela e se posicionou. ― Se quer dificultar as coisas, por
mim tudo bem.
Ele se lançou para mim, acertando meu braço, mas não fiquei
atrás. Dei um chute nele ao mesmo tempo em que lancei minha faca
à frente, atingindo seu peito e rasgando sua camiseta, mas eu
soube que cortou a pele, porque o ouvi rosnar.
Coloquei naquela luta tudo que aprendi com meus irmãos
durante todos aqueles anos. Não cairia sem o levar junto. Desistir
não estava no meu sangue.
― Maldição! ― ele grunhiu, colocando a mão na região do
corte.
Não lhe dei tempo para se recuperar, chutei suas costelas.
Ele estava a ponto de voar para cima de mim, quando senti uma
mão na minha boca e nariz, mas não era só isso. Senti um cheiro
estranho. Estava sendo dopada? Merda, por que não chequei minha
retaguarda antes?
― Idiota, apanhando de uma garota? ― zombou uma voz
que parecia familiar, mas não consegui distinguir de quem era
enquanto minha visão embaçava.
Antes que eu pudesse tentar lutar ou ver quem tinha me
pegado, a escuridão me tomou. O meu último pensamento foi para
minha família e Stefano, não sabendo se um dia voltaria a vê-los.
Acordei, deparando-me com um teto branco, então me
recordei do que aconteceu, a facada que Jared me deu antes de
morrer e a ida ao helicóptero, seguida por Lyn me dopando. Filho da
puta!
― Finalmente! ― ouvi uma voz ao lado da cama. Por mais
que eu adorasse essa voz, não era a que eu estava louco para
ouvir.
Virei-me, encontrando os olhos verdes do meu irmão. Aliás,
estavam todos ali, as meninas chorando ou com os olhos
vermelhos.
― Estou bem ― tranquilizei-as, mas olhei para Alessandro.
― Mas que porcaria! Não era para me apagarem!
― Você precisava, afinal odeia hospital ― disse Jade,
chegando mais perto de mim.
― Não teria ficado aqui um segundo, mesmo precisando por
causa desses cortes ― sussurrou Luna chorando.
Meu peito se encolheu com a dor delas.
― Lamento por isso, mas agora estou bem, foi só no ombro.
― Na verdade, eu sentia dor, mas nada com que não pudesse lidar.
― Eu sei, o médico só o deixou assim para se recuperar e
porque Alessandro pediu. Sabia que você não ia se deixar ser
curado ― ela me disse fungando.
Estreitei os olhos.
― Se sabia que eu ia ficar bem, então por que está
chorando?
Todos se entreolharam, deixando-me nervoso. Meu instinto
me dizia que eu não ia gostar da resposta.
― O que está acontecendo, droga?! ― Tentei me sentar,
ignorando a dor.
Luna segurou meu ombro bom para me manter no lugar. Eu
podia ver a dor em seus olhos. Os meus irmãos pareciam tristes, até
Jade, mas Luna estava arrasada.
― Luna ― pedi com a respiração aguda, pois minha intuição
me dizia que algo sério tinha sucedido. ― Aconteceu alguma coisa
com alguém?
Todos os meus irmãos estavam ali, não devia ser algo com
eles, mas com quem?
― Sim, aconteceu ― respondeu ela, chorando ainda mais, o
que fez Miguel abraçá-la.
Ele parecia estar sentido, mas não destruído, então as
minhas bonequinhas estavam bem.
Só havia algo que deixaria Luna destruída, mas não meus
outros irmãos. Por certo eles sentiriam, mas não como ela.
― Com quem? ― Meu peito estava acelerado, tanto que os
monitores apitavam freneticamente.
Belinda estava bem, não? Não podia ter acontecido nada
com ela. Eu estava indo até ela antes de apagar.
― Santiago está no hospital inconsciente ― respondeu
encolhida.
Suspirei de alívio por não ser Belinda, mas Luna não tinha
acabado de falar, pela forma como me olhava ainda chorosa.
― Aconteceu uma explosão na boate de meus irmãos.
Santiago estava esperando Belinda e Serena do lado de fora.
Quando elas chegaram, o lugar explodiu...
― Onde Belinda está? ― Sentei-me, logo arrancando os
cateteres e sensores do meu braço e peito.
― Stefano, você precisa se cuidar ― pediu Jade.
― O que preciso saber é se Belinda está bem ― retruquei,
respirando de modo irregular.
― Não sabemos! ― respondeu Luna, chorando.
Arregalei os olhos com o solavanco no meu peito.
― Como diabos não sabem?! ― esbravejei, colocando a mão
no tórax.
― Abaixe a voz ― rosnou Miguel.
― Não estou gritando com ela, mas enfurecido com os
idiotas dos irmãos dela por não a terem protegido! ― Fuzilei a
todos. ― O que aconteceu?
― O que sabemos é que Serena e Belinda fugiram na hora
do confronto. Javier morreu, e restou Alonso para protegê-las, o que
foi um erro, pois o cara era um rato. Belinda conseguiu que sua irmã
fugisse, prometendo que daria conta de Alonso, mas no final ela
desapareceu ― respondeu Alessandro.
Claro, tinha que ser a Belinda salvando todos! Ela sabia que
não podia vencer Alonso, eu já o tinha visto lutar, e o cara era forte.
Eu apostava que ela só disse aquilo para salvar a irmã.
― Quando tudo aconteceu? ― Levantei-me respirando com
dificuldade, não só pelo ferimento, mas por temer o pior.
― Por volta das 8h da noite passada. Agora é de manhã. ―
Rafaelle suspirou.
― Não mantiveram contato pedindo algo? ― Minha vontade
era socar alguma coisa e deixar aquela porra fodida sair do meu
peito.
Medo, eu já o sentira antes, mas nada daquela magnitude.
Por dentro, meu coração estava acelerado e temeroso, mas eu não
podia me deixar fraquejar, precisava encontrá-la.
― Não. Os irmãos dela estão tentando localizá-la, mas até
agora nada.
Saí porta afora, não me importando em estar sem camisa e
com pontos.
― Stefano, você está machucado! ― Jade veio atrás de mim,
assim como Luna.
― Os meus irmãos estão tentando achá-la ― disse Luna. ―
Então se recupere, ou os pontos podem abrir.
Virei-me para elas, que estavam preocupadas.
― Acham que ligo para o que acontecer comigo se ela não
voltar? ― Sacudi a cabeça, tentando manter o controle. ― Eu só
preciso achá-la.
Algumas pessoas passavam pelo corredor do hospital, mas
não dei atenção a elas, só me virei para sair logo dali e revirar o
mundo à procura de Belinda, mas Alessandro pegou meu braço.
― Stefano, você não pode ir ― ordenou meu irmão.
Desvencilhei-me do seu toque, prensando-o na parede com o
rosto próximo ao dele.
― Dessa vez não posso obedecer a você, porque, se
acontecer algo a ela, não haverá nenhum sentido em respirar nesse
mundo para mim ― falei com a garganta apertada. ― Aceitaria a
morte sorrindo.
― Oh, Céus! ― Jade exclamou chorando. ― Não posso
perder você!
Olhei para as minhas irmãs e respirei fundo, não querendo
preocupá-las mais.
― Não vai, mas preciso ir atrás de Belinda e encontrar quem
a levou nem que seja no inferno ― tentei acalmar as duas e depois
encarei Alessandro. ― Preciso encontrá-la.
Ele colocou sua mão em meu ombro.
― Vamos achá-la. Só não quero você no território dos
Pachecos. Eles ainda não mudaram de ideia sobre te proibir de
cruzar sua região sem matá-lo. ― Sua voz fervia, embora não
mostrasse, mas eu notei.
― Não me importo, e, seja o que for que queiram fazer
comigo, vocês não devem interferir ― pedi.
Seus olhos se estreitaram.
― Isso está fora de questão. Se você cruzar o território deles,
e o machucarem ou fizerem coisa pior, eu os destruirei. ― A
resolução estava em cada palavra.
― Alessandro! ― Eu percebia o medo na voz de Luna. Ela
amava todos nós, tanto os Morellis como os Castilhos, então era
uma situação difícil.
― Não haverá mortes. De qualquer modo, eu estava indo
falar com eles mesmo. ― Embora pensasse que a situação seria
diferente. ― Agora preciso de uma camisa e sair daqui.
Antes que alguém respondesse, ouvi uma voz suave.
― Tio Stefano? Meu irmãozinho nasceu! ― Minha princesa
estava animada.
Graziela se encontrava ao lado de Mia, e um pacotinho
embrulhado em tecido azul estava nos braços da minha cunhada.
― Quando nasceu? ― Fui até eles e olhei o rostinho de
porcelana de Enrico. Cabelos da cor dos de Mia, embora um pouco
mais escuros e os olhos do meu irmão.
― Ontem de manhã. Estávamos aqui quando a bolsa
estourou ― explicou ela tristonha. ― Como está? Soube de Belinda.
Sinto muito.
Assenti, tocando o rosto do bebê.
― Eu sei. Vou trazê-la de volta. ― Entretanto, preocupava-
me e temia a forma como ela voltaria. Não podia pensar naquilo, ou
ficaria louco antes da hora.
― Mas está ferido...
― Vou com ele ― respondeu Rafaelle. ― Não fui banido ou
rompemos a aliança.
― Meu irmão está lá, na cidade. Posso pedir que ajude a
controlar a situação ― ofereceu Mália ao lado dele.
Fiquei grato por estarem do meu lado, mas eu não queria
ficar muito tempo ali. Quanto mais tempo desperdiçasse, mais
Belinda poderia sofrer.
Despedi-me dos meus irmãos, exceto Rafaelle, que veio
comigo, e pegamos o jatinho para Barcelona. Quando pensei em
fazer esse trajeto antes, imaginava-me ansioso para ver minha
Diabinha raivosa. Agora me sentia tão oco por dentro, exceto pela
dor que me perfurava com uma navalha cega.

Assim que pousamos, fomos direto para a mansão dos


Castilhos. Eu não sabia se eles tinham ideia de que eu estava a
caminho, mas, fosse como fosse, não dava a mínima, só precisava
saber o que eles descobriram e se podíamos fazer algo. Só
precisava de uma luz no final da porra do túnel.
O meu peito martelava cada vez mais à medida que nos
aproximávamos da casa deles, mesmo sabendo que Belinda não
estava lá. Porra, por que eu a deixara naquele dia? Fui fraco e
estúpido por correr como um idiota assustado achando ser o certo.
― Stefano, seja o que for que acontecer lá dentro, deixe que
eu falo. Você não está em condições de lutar. ― Rafaelle me olhou
assim que paramos junto ao portão.
Não respondi, não querendo prometer-lhe nada. Estava puto
da vida com eles por não protegerem Belinda, mas estava mais com
raiva de mim, pois suspeitava que eles tivessem um rato infiltrado
na organização e, mesmo assim, fui embora, deixando-a.
Saímos do carro assim que o guarda nos deixou passar após
ver Rafaelle. Ele não me viu, o vidro era escuro, ou, se viu, me
deixou entrar desejando que eu fosse morto lá dentro. De qualquer
modo, eu não me importava nem um pouco.
Mal saí do carro, quando os Castilhos vieram em minha
direção. Valentino foi o primeiro, seguido por Benjamin e Fabrizio
logo atrás, todos com a expressão destruída, assim como a minha
após saber do sequestro de Belinda.
― O que faz aqui?! ― esbravejou Valentino, lançando-se
contra mim.
Rafaelle entrou na frente.
― Fique na sua ― avisou letal. ― Não vai tocá-lo, ele está
machucado.
― Não dou a mínima! Por causa dele, minha a irmã ficou
destruída por dias e não quis falar com nenhum de nós! Agora ela
está... ― Benjamin sacudiu a cabeça como se quisesse afugentar
os pensamentos ruins.
― Se minha irmã estivesse em casa, talvez não teria
acontecido nada, mas foi para uma boate no intuito de esquecê-lo!
Agora ela foi levada... ― Valentino me fuzilou.
Encolhi-me como se tivesse levado um soco, mas se fosse
atingido doeria menos. Teria preferido ser atingido fisicamente a
ouvir aquelas palavras.
― Não sejam mesquinhos jogando a culpa apenas em
Stefano. Vocês mentiram para ela também ― rosnou meu irmão
fuzilando cada um. ― Ela não quis falar com vocês por terem
armado para que ela e Stefano ficassem juntos.
― Espere... o quê? ― Minha cabeça se voltou em sua
direção, e pisquei chocado. ― Como assim armado?
― Alessandro e eu armamos para você vir para cá e, assim,
você e Belinda criarem um laço um com o outro ― respondeu
Fabrizio, falando pela primeira vez, avaliando-me. Ele era muito
observador. ― No entanto, ela foi a única a criar esse laço,
suponho.
― Porque você a deixou naquele estado! ― Benjamin se
encolheu.
Eu poderia perguntar mais sobre seu complô para me unir à
sua irmã e os motivos por trás disso, mas naquele momento só
queria encontrar Belinda, a minha menina linda e vibrante. Esperava
que quem a tivesse levado não a machucasse de nenhuma forma e
que pedisse logo o que queria. Não importava o que fosse, eu lhe
daria.
― O que sabem sobre quem a levou? ― Fui direto ao ponto;
deixaria para acertar as contas com meu irmão depois.
― Procuramos em todos os lugares, mas não conseguimos
localizá-la. Aqui, em nosso território, ela não está. Tem gente
procurando em cada canto. ― A voz gelada de Fabrizio parecia
quebradiça como vidro.
Dois carros pararam na entrada, e deles saíram El Diablo e
Lyn e Vlad e Arrow.
― Alguma notícia? ― sondou Valentino a eles. ― Acabei de
verificar nosso território, e ela não está aqui.
― Estou checando os caminhos de Alonso. Quem sabe não
descubro algo? ― disse Benjamin.
― E vocês tiveram uma luz? Porque estou a ponto de ficar
louco. ― Minha voz estava falha.
Suas expressões não eram nada boas. Porra, eu não vou
aguentar essa merda!
― Sim. Sabemos quem a levou ― respondeu Lyn com um
suspiro duro.
― Então por que estão aqui e não indo resgatá-la?! ― inquiri
com minha voz elevando-se.
― Porque as coisas não são simples assim. ― El Diablo
parecia enfurecido.
― Não dou a mínima para onde ela esteja! Eu vou encontrá-
la nem que seja no inferno! ― rosnei.
― Bem, acho que seu desejo se tornará realidade, então,
porque é justamente lá que ela está ― respondeu Lyn.
― Desembucha! ― grunhi. Estava exasperado e temeroso
demais para ser educado e agradecido a eles por estarem
ajudando-me.
― Não me importa onde ela está, só a quero de volta e vou
ao fim do mundo para trazê-la para nós ― rosnou Benjamin.
― O quão perigoso é esse lugar? ― A voz de Valentino
estava em um completo martírio enquanto ele sacudia a cabeça. ―
Não posso passar por essa merda de novo!
O gelo se apossou de mim ao pensar na irmã dele que foi
sequestrada, violentada e morta. Não, Belinda ficaria bem! Eu tinha
que acreditar que ela sobreviveria naquele lugar até eu chegar para
tirá-la de lá.
― Vamos entrar e organizar tudo ― chamou Fabrizio. ―
Assim vocês nos explicam onde ela está e podemos planejar como
resgatá-la. Não importa quem a levou, vou destruí-los no processo.
Eu estava com ele nisso, não ficaria amedrontado só porque
Lyn tinha falado daquele lugar como se fosse inalcançável. Nada
era impossível, não para trazer a mulher que eu amava para casa.
Amor... Nunca pensei que fosse capaz desse sentimento,
mas ali estava eu, loucamente apaixonado por aquela morena
valente e forte. Por isso tinha fé nela, que viveria para voltar para
todos nós. Se tinha um Deus no Céu, Ele a salvaria. Eu não merecia
nada d’Ele, pois não tinha redenção e, no fundo, não queria ter, mas
ela, sim, merecia cada coisa boa desse mundo.
Tinha acordado havia algumas horas pensando estar em um
pesadelo, mas, após ver a cela em que me encontrava, o sangue
fugiu do meu rosto. Não foi só por estar em um lugar terrível, mas
por estar cercada de garotos que eram prisioneiros como eu.
Estava em uma jaula que parecia com aquelas de zoológicos,
mas em um lugar fechado. A única claridade ali vinha das lâmpadas
velhas, que viviam piscando como se não fossem demorar a
queimar. O lugar tinha um odor desagradável de podridão e sangue.
Ao meu lado tinha um garoto de uns 13 anos mais ou menos.
Estava encolhido e chorando. Em frente tinha um com a expressão
parecida com a de Lyn. Havia mais ao redor, mas esses eram os
mais próximos.
― Lágrimas não vão resolver nada neste lugar ― disse o
garoto em minha frente ao menino loiro ao meu lado. Sua língua
era... Estávamos na República Tcheca? ― Eles adoram te ver fraco.
― Olha para essa garota. Não a vejo gritando, e deveria, pois
isso é normal em todas as mulheres ― respondeu outro escorado
na grade. A cela desse era vizinha à do menino em frente a mim.
Eu estava tremendo de medo por estar ali, temendo o que
viessem a fazer comigo, mas também furiosa por aqueles meninos
estarem presos. Enfim eu tinha uma vaga noção do que Stefano
havia passado em sua infância.
Não demonstraria medo ou choraria; precisava arrumar uma
forma de sair dali.
Desde que acordei, ninguém tinha vindo àquele lugar para
dizer nada, só guardas andavam pelo corredor. Isso me deixava
nervosa e aliviada ao mesmo tempo, por não ter sido tocada
enquanto estava inconsciente. Ainda estava vestida como na noite
anterior.
― Não sou frágil como pensam ― respondi aos meninos no
mesmo idioma deles. Chequei ao redor cada coisa ali que pudesse
usar como arma, mas não via nada além de jaulas e garotos.
― Estou vendo ― disse um dos guardas, aproximando-se e
me olhando de cima a baixo.
Segurei-me para não tremer de medo diante de seu olhar
excitado. Mantive-me controlada, embora tive que fazer um grande
esforço para isso.
― O que foi? Nunca viu uma mulher na vida? ― Trinquei os
dentes. Devia manter minha boca fechada, afinal estava em uma
posição nada boa.
― Deveríamos ter trazido aquela irmã dela. Ao menos seria
mais mansa, como um cordeiro ― ouvi outro guarda dizer ao que
me encarava. ― Essa parece selvagem demais.
― Gosto de mulheres selvagens, elas são um vulcão na
cama. ― Sorriu para mim como se fosse um gato prestes a comer
um canário.
Ele pegou a chave com a clara intenção de entrar na jaula
onde eu estava, o que me fez preparar-me para lutar, mesmo com
um corte no braço. Tinha enrolado um pedaço de pano nele assim
que abri os olhos para evitar que infeccionasse ou que tivesse uma
grande hemorragia.
― Tome conta lá fora enquanto aproveito esse momento ― o
infeliz disse ao outro.
― Se a tocar sem as ordens do chefe, ele vai matá-lo ―
aconselhou o homem, dando de ombros. ― Mas a vida é sua.
Ele saiu, deixando-me com o cara que queria me violentar.
― Vou ver o quanto é selvagem ao ser fodida...
― E eu vou arrancar seu pau mole e fazer com que você o
coma ― sibilei, pronta para resistir.
― Fique longe dela ― ordenou outro guarda, interrompendo-
o.
Pisquei ao ver aquele loiro, mas não foi por ser bonito que
fiquei chocada, mas por estar me defendendo. Não achei que
houvesse alguém ali que ligasse para o que acontecesse comigo.
― Não se meta nisso, Ondrej! ― rosnou o cara, fuzilando-o
como se fosse um mero inseto, depois continuou abrindo a
fechadura como se nada tivesse acontecido. Aquele homem era um
idiota.
Então o silêncio reinou lá, ninguém parecia respirar além de
mim. De repente, do nada, Ondrej veio por trás dele como um raio e
amassou sua cabeça na grade, fazendo um estalo soar. O homem
gritou, enquanto o sangue escorria por seu rosto.
Fiquei chocada, mas não disse nada, afinal estava grata por
Ondrej me proteger. Achei estranho, embora não fosse reclamar,
mesmo estando pronta para me defender.
― Quebrou meu nariz! ― grunhiu o rato, prestes a pegar sua
arma.
― Toque nessa arma, e vou matá-lo ― avisou Ondrej. ― O
chefe disse sem tocá-la, não antes de ele ter o que quer. Agora por
que não vai procurar outra coisa para fazer?
Achei que fosse sair, mas o infeliz abriu a cela do menino que
chorava e o arrastou para fora.
― Ah, eu vou foder alguém, mas não se esqueça, Ondrej, vai
pagar por isso ― sibilou, limpando o sangue com a manga da
camisa.
O menino chorava, implorando. Pela forma como agia, devia
ser novo ali. O medo era evidente nele, diferente dos outros, que
pareciam estar mortos. O vazio e a crueldade gritavam em todos ali.
A raiva se instalou em mim ao ver aquela cena horrível. Sabia
o que ele faria com aquele menino e morreria antes de deixar que
aquela merda acontecesse.
Não pensei no que iria me acontecer, só olhei para Ondrej,
que via a cena, mas permanecia imóvel. O desgraçado não ia fazer
nada, porque não se importava, mas eu, sim.
Como ele estava próximo à cela, que o infeliz estuprador
tinha aberto, não pensei, só agi, pegando a arma na cintura de
Ondrej e chutando a porta da cela, abrindo-a e acertando-o.
Ondrej rosnou, fuzilando-me, mas não parei, assim ele não
tentaria me impedir. Minha luta não era com esse cara, mas com o
ser abominável que ainda puxava o menino, mas parou ao ouvir o
barulho e me olhou.
― Você não vai tocá-lo... ― sibilei quando ele fitou de olhos
arregalados a arma na minha mão.
― Sua cadela! Você não vai atirar e me matar, não é capaz
disso! ― zombou, apertando o menino, que ainda chorava, em sua
frente, como um escudo. ― Vou foder esse garoto e depois a você e
a vadia de sua irmã.
Cada palavra que ele dizia me deixava mais puta, a ponto de
ver tudo vermelho.
Não temia atirar nele, tinha boa pontaria, mas temia que
machucasse a criança para me atacar.
Lembrei-me de o meu pai dizendo que, se um dia eu tivesse
que matar alguém, pensasse nas coisas ruins que o indivíduo tinha
feito, então não iria fraquejar e me salvaria. Era quase a mesma
situação, embora fosse o menino que precisasse ser salvo.
Sabia que não tinha muito tempo antes de ser impedida por
Ondrej ou outro guarda qualquer.
― Vou mostrar quem é vadia, seu estuprador de merda! ―
Minhas mãos se tornaram firmes com a visão dele forçando aqueles
garotos.
― Atira nele! Ele merece apodrecer no inferno! ― pediu um
dos meninos.
Logo havia um coro de garotos pedindo a mesma coisa,
alguns com mais fúria, eu supunha que eram aqueles que tinham
sido violados.
― Sua puta... ― Foi interrompido quando atirei entre seus
olhos da mesma forma que papai me ensinou. Aquele ponto e o
coração eram certeiros, mas eu não queria arriscar que a bala
atingisse o menino, que estava à sua frente.
A arma foi tirada da minha mão ao mesmo tempo em que o
homem caía sem vida no chão. Seus olhos estavam vagos,
encarando-me sem nunca mais poder me ver.
Eu sabia que tinha sido impulsionada pela adrenalina de
salvar o garoto e minha fúria, mas isso me provocaria pesadelos por
muito tempo, seus olhos vazios...
Ouvi muitos assovios dos meninos, mas meu corpo parecia
congelado, tremendo.
“Matar não é fácil para quem nunca não o fez”, eram essas
as palavras de papai. “Espero que nunca precise fazer isso. Farei
qualquer coisa para impedir que aconteça.”
Chutei Ondrej, que me segurava.
― Entre na cela, ou o garoto pagará as consequências ―
avisou-me de modo frio.
O meu coração sangrou enquanto eu fazia o que ele pedia.
Não podia deixar que o machucasse.
― Eu vou matá-lo também ― garanti a Ondrej.
― Pode ser, mas não será agora. ― Trancou-me e mandou o
menino entrar em sua cela, fechando-o também.
― Merda, essa porra não era para acontecer ― ouvi Ondrej
rosnar baixo em algum lugar perto de mim.
O menino encolhido em sua cela finalmente parou de chorar.
Suspirei de alívio por ele estar bem, mas ao mesmo tempo a
recordação do que eu tinha acabado de fazer me deixava trêmula.
Eu não podia surtar por ter eliminado alguém. O verme
merecia. Era hora de enfrentar todos os perigos e sair viva. Meus
irmãos não podiam perder mais ninguém... Não em cativeiro. A
última vez nos destruiu.
Santiago... O meu coração se encolheu ao pensar em meu
irmão. Tinha que pensar positivo, que ele estava bem. À minha
mente vinham direto lembranças da forma como ele caiu e não
voltou a si. Estava só inconsciente... dizia isso como um mantra em
meu cérebro.
― Que porra aconteceu aqui?! ― Era a voz fria de alguém,
ainda mais letal e brutal.
O homem que chegou era barrigudo e tinha bigode. Porcaria!
Santiago tinha mostrado a Serena e a mim a maioria dos homens do
submundo para que assim, se alguém se aproximasse de nós,
fôssemos capazes de reconhecê-los. Aquele era Marek, um dos
piores.
Aquele homem tinha comprado um dos nossos só para me
levar até ali. Falando em Alonso, eu ainda não o tinha visto em lugar
nenhum, nem o outro que me dopou. Não consegui reconhecer sua
voz, talvez devido ao produto que usaram para que eu desmaiasse.
― Quem matou Matej? ― Olhou para o defunto e depois
para Ondrej, na frente da minha cela. ― Quem lhe deu ordem para
matar alguém?
Achei que ele fosse revelar quem era a assassina, mas ficou
em silêncio. Aquele homem era estranho. Na hora em que peguei e
arma e atirei em Matej, Ondrej certamente teria sido capaz de me
impedir, mas não o fez, embora, ainda que não se importasse com o
homem, deveria ter me impedido em lealdade ao seu chefe.
― Estou fazendo uma pergunta! ― O barrigudo Marek
chegou mais perto de Ondrej, que não fez menção de se
movimentar ou falar qualquer coisa.
De repente um pensamento me tomou. E se ele fosse um
infiltrado? Isso fazia sentido, não ter deixado que eu fosse
estuprada, sua falta de ação em me impedir de matar um dos
homens do seu chefe. Agora estava ali, a ponto de ser morto para
me salvar. Eu devia deixar, mas não era assim, afinal era a
responsável pela morte de Matej.
― Eu o matei. ― Fui até o meio da cela, não tirando a
atenção de Marek.
Sua cabeça se voltou na minha direção.
― Oh, sim? Posso saber como fez isso, já que não possui
uma arma? ― Seu tom não demonstrou nada além de frieza e
ironia.
― O filho da puta abriu a cela e veio para cima de mim, me
arrastando para fora daqui...
― Foi quando ela conseguiu pegar a arma dele e atirar. ―
Ondrej indicou a arma em sua mão.
Eu não sabia que ele tinha pegado a arma do morto, então
aquele homem realmente não era um dos homens de Marek, mas
era infiltrado de quem?
― E você estava onde? ― perguntou a Ondrej.
― Vim checar por causa dos gritos. Foi quando a vi atirando
nele. Não deu para impedi-la, senhor, a não ser que eu atirasse nela
e a matasse ― respondeu, não demonstrando que mentia. ―
Acredito que o senhor não ia querer isso.
Marek me fuzilou e veio até perto da minha sala. Então fez
algo que eu não estava esperando. Achei que fosse me espancar ou
fazer algo pior. No entanto, o bastardo riu.
― Você é realmente filha do seu pai ― apontou. ― Paolo a
criou bem.
― Sei que ele o fez e, se me deixar, irei mostrar isso a você,
deixando-o igual ao seu homem ali. ― Indiquei o cadáver.
Não demonstrei tristeza ou medo, mas por dentro tremia não
só por temer o que ele faria comigo, mas também por causa do que
fiz. Não queria pensar naquilo agora. Depois lidaria com a morte que
cometi e poderia registrar o acontecido.
― Você tem uma boca esperta, não é? ― Seus olhos se
tornaram letais. ― Vamos ver se vai rir depois de saber que seu
irmão está morto.
O solavanco me atingiu tão forte que me senti sendo socada
bem na boca do estômago. Tropecei para trás até sentir minhas
costas contra a parede, a única que havia ali; as laterais eram
formadas por grades.
― Não, você está mentindo! ― Funguei, tentando não chorar,
mas o medo de ser verdade e a dor eram fortes demais.
― Problema seu se não acreditar, mas é verdade. ― Olhou
para Ondrej. ― Prepare-a para levá-la.
A dor me perfurava como lâmina afiada, quente como brasas.
Um buraco se estendeu em meu peito, deixando-me desolada. Não,
ele tinha que estar bem! Eu não podia perdê-lo!
― Vou matá-lo igual fez ao meu irmão! ― gritei, indo até a
grade e o fuzilando. ― Vou arrumar uma forma de derramar seu
sangue maldito!
― Vamos ver se vai sobreviver na arena para depois dizer
isso. Talvez nela se junte ao seu irmão ― disse e saiu.
Chorei dessa vez, não me incomodando com quem visse.
Não era por ter de ir para uma arena de luta, mas pela dor e o vazio
que se estendiam em meu peito. Custava-me acreditar que eu tinha
perdido Santiago para sempre. E o pior era que ele se foi pensando
que eu não o tinha perdoado, sem saber o quanto eu o amava.
Talvez a morte seja bem-vinda, pensei chorando.

Nem pude lidar com o buraco em meu peito pela perda do


meu irmão, porque fui tirada da cela para ser levada à arena, que,
por sinal, era no local onde eu era mantida presa. Eu nem sabia
quanto tempo tinha passado enquanto estava encolhida chorando
por Santiago, só sabia que era noite, pelo que ouvi um dos guardas
mencionar não havia muito tempo.
Estava contando que meus irmãos viessem me salvar antes
de eu ter de lutar, porque não queria matar mais ninguém. O único
que mataria de novo sem remorso era o maldito Marek.
Não temia enfrentar um bando de marmanjos, já disputara
com piores em minhas lutas como o Mascarado. Entretanto,
nenhum deles deveria ser tão letal como aqueles garotos
enjaulados. Eles eram brutais até o âmago, implacáveis. Foram
criados para suprimir as emoções. Eu esperava não ter de combatê-
los.
― Com quem vou lutar? ― sondei, não demonstrando
emoção alguma, escondendo-as. Primeiro iria tratar de sobreviver
até meus irmãos chegarem.
― Será uma surpresa, não fique ansiosa por isso ―
respondeu um dos guardas.
O lugar estava lotado de pessoas gritando, ansiando pelas
lutas.
― Vocês são um bando de abutres! Não vou lutar com um
garoto para satisfazê-los! ― rosnei quando entramos no local.
Não era uma arena de gaiola, mas de vidro transparente,
como uma cúpula quadrada, mas do tamanho de um ringue normal.
O vidro devia ser à prova de bala ou de qualquer impacto, senão os
meninos teriam tentado matar todos aqueles vermes. Eu o teria feito
se estivesse no lugar deles. Ondrej estava ao meu lado, calado, não
demonstrando nada. Não dei atenção a ele; estava com raiva de
todos por compactuarem com aquela merda.
― Todos vão adorar vê-la lutando, não vão, Mascarado? ―
Sorriu um indivíduo cujo nome eu não sabia, mas que tinha cabelos
escuros, do séquito de Marek.
Então tinham descoberto o pseudônimo que eu usava nas
lutas. Antes que eu pudesse dizer algo, fui empurrada para dentro
da arena, melhor dizendo, da cúpula.
O medo ficou ainda maior quando me trancaram lá dentro,
não por ter de lutar, porque eu era boa nisso, mas pela possibilidade
de meu oponente ser um daqueles garotos e eu ser obrigada a
matá-lo. Não podia fazer isso.
Cerrei os punhos quando fecharam a gaiola de vidro.
― Hoje temos uma participante diferente em nossa arena,
mas não menos letal ― disse Marek a todos. Ele estava do lado de
fora da arena.
Olhei para a multidão de espectadores sentados em seus
lugares na arquibancada, todos com expressões eufóricas e
ansiosos para ver mais brutalidade.
― Vamos ver essa gatinha soltar as garras. ― Sorriu frio
para mim e depois acenou para um dos seus homens. ― Temos
uma adversária à altura.
Adversária? Então era uma mulher? Ela era uma lutadora?
Isso me deixou mais aliviada.
O homem assentiu e puxou alguém encapuzado,
empurrando-o para dentro da arena e o fechando comigo. A pessoa
caiu no chão soluçando como se estivesse chorando. Ela
sussurrava parecendo estar orando. Merda, ela não era lutadora,
não merecia estar ali! Corri até ela, abaixando-me ao seu lado.
― Não tenha medo, vamos sair daqui juntas. ― Esperava
cumprir essa promessa.
Tirei o capuz de seu rosto, deparando-me com uma menina
de cabelos castanhos e olhos violeta, mas não tivemos tempo de
nos apresentar, pois a cúpula se abriu, e nela entrou um garoto de
uns 16 anos mais ou menos. Seu rosto não demonstrava nada,
nenhuma emoção, só frieza e brutalidade.
― Agora a luta vai ficar interessante! ― Marek disse à
plateia, depois se voltou para o garoto que tinha entrado na arena.
― Agora comece, mas não as mate. Preciso delas vivas para o que
planejo, mas pode brincar à vontade com as duas.
Coloquei-me de pé, mantendo a menina atrás de mim.
Menina, não, mulher. Ela devia ser da minha idade ou um pouco
mais nova.
― Vocês são uns miseráveis que deveriam ser queimados
vivos e lançados no inferno! ― gritei para todos.
A garota fungou às minhas costas.
― Vamos morrer, não é? ― sussurrou ela.
― Não, vamos sobreviver ― garanti. ― Os meus irmãos vão
nos tirar daqui.
Ela olhava para todos os lados e para o garoto, que sorria de
modo frio. Eu não sabia a razão de Marek levá-la até ali, mas, pelo
jeito, aquela garota não era do nosso mundo, aliás, não devia
sequer conhecer algo daquela magnitude.
― Chegou a hora de brincar. ― O sorriso do garoto me
lembrava um tubarão prestes a comer sua presa, ou seja, nós duas.
Talvez matar gente imunda assim não fosse tão ruim. Como
meu pai disse, era só pensar no que ela gostava de fazer e meter
bala. Nessa hora passei a entender a fúria de Stefano ao massacrar
tantos naquela ilha.
Meu adversário segurava duas adagas, relaxado, mas eu
percebia que estava prestes a dar o bote.
Ao meu lado havia dois punhais que eu não tinha notado
antes. Abaixei-me e os peguei, apertando os cabos em minhas
mãos. Não dei um deles à menina, porque, pela forma como ela
tremia, pensei que não fosse capaz de nada.
― Não precisa ir por esse caminho. ― Tentei uma
abordagem diferente para ganhar tempo. Sabia que meus irmãos
chegariam a qualquer momento. Eu confiava nisso... embora
também tivesse confiado que Santiago estava bem, quando o perdi.
Ele sorriu feroz e impiedosamente, sem um pingo de emoção.
― Acabe com elas! ― gritou alguém da plateia. ― Queremos
luta!
Eu sabia que não podia convencê-lo. Havia algo nele que
estava além da redenção, eu não podia alcançá-lo onde sua mente
estava.
Preparei-me, ficando em posição de luta quando ele veio
para cima de mim como um leão faminto à procura do meu sangue.
Chutou-me forte, tanto que voei e bati no vidro, que nem sequer
rachou. O ar foi tirado de mim por um momento, a dor me perfurou
quando sua lâmina atingiu minha barriga. Não foi fundo, mas
rompeu a pele. A dor me fez trincar os dentes, mas eu não ia me
deixar ser vencida tão fácil. Sabia que não conseguiria derrotá-lo
sem dar tudo de mim, mas não queria matá-lo... embora declinar da
vitória não estivesse no meu sangue.
Chutei sua canela, fazendo-o cair e aproveitei para passar
uma de minhas lâminas em sua pele, fazendo o sangue escorrer
pelo chão da arena. Ele nem gemeu ou se encolheu com a dor, mas
a fúria homicida estava em seus olhos.
De repente, a menina gritou, caindo de joelhos. Ele tinha
acabado de lançar uma de suas facas contra ela, acertando seu
braço e tornando o chão ao redor dela vermelho vivo. Seus gritos
podiam ser ouvidos de longe, eram desesperadores e
atormentados. Seus olhos se fecharam com força, e ela encostou a
cabeça no vidro da cúpula como se quisesse banir todos os
pensamentos ruins.
Corri até ela, mas, quando a toquei, ela surtou ainda mais.
Não tive tempo de ajudá-la, pois o infeliz do garoto veio
caminhando em nossa direção com aquele olhar assassino, pronto
para nos ferir ainda mais.
Postei-me na frente da garota de forma protetora. Não
deixaria que ele a machucasse.
Lancei alguns golpes em meu oponente, mas ele revidou na
mesma proporção. Tentava levá-lo para bem longe da menina. Se
focasse sua atenção em mim, assim ele não iria até ela.
Meu corpo doía por seus socos, chutes e cortes, mas o
infeliz, mesmo com a mesma proporção de ferimentos, não parecia
se incomodar. Devia estar familiarizado com a dor. Contudo, ele era
humano, então seu corpo tinha um limite. Eu esperava derrotá-lo
antes que eu chegasse ao meu.
Não sabia havia quantos minutos lutávamos. O pior era que a
maldita plateia estava gostando daquilo. Isso me deixou mais puta
da vida, com vontade de eliminar a todos.
Ele me deu uma rasteira, roubando meu fôlego, e logo
montou em meu corpo, mantendo aquele seu sorriso frio.
― Vou fazer você engolir esse sorriso de merda! ― rosnei,
levantando minha perna e acertando-o nas bolas, o que o fez me
soltar por um momento.
― Não a machuque! ― gritou a menina, pulando em suas
costas como um macaco-aranha.
Merda! Eu não esperava por isso, mas ela me ajudou a me
livrar do infeliz.
Ele foi para trás rapidamente, batendo com força as costas
da garota na parede de vidro e a fazendo gritar de dor. Fui para
cima dele, chutando-o na barriga.
Ele grunhiu parecendo um felino, mas não me importei e
apertei o cabo do punhal, preparando-me para atingi-lo, mas ele
bloqueou o golpe, acertando meu estômago. Caí de joelhos.
O garoto jogou a menina para longe. Ela bateu a cabeça no
vidro e apagou.
Meu coração estava acelerado, temendo que ela tivesse se
machucado demais. Como estava prestando atenção nela, mal
percebi quando ele enfiou a faca em minha perna.
― Por favor, pare! ― implorei, não querendo lutar mais e ter
de matá-lo.
Estava tão cansada de lutar, o meu corpo doía em todos os
lugares. Santiago... Ele não desistiria se estivesse ali, nem meus
irmãos, então eu não podia me deixar vencer. Aguentaria lutar até
chegarem? E se não viessem a tempo?
Olhei de lado para a menina, ainda inconsciente. Se eu não o
vencesse, aquele garoto poderia matá-la, e eu não podia deixar isso
acontecer. Não confiava em Marek, mesmo ele tendo ordenado ao
meu oponente que não nos matasse. O sorriso do infeliz ao me ver
toda ensanguentada era um que eu adoraria tirar.
Respirei fundo, preparando-me para os momentos finais
daquela batalha. Antes, eu não tinha lutado com todo o vigor,
porque estava me resguardando, afinal era só um garoto que fora
treinado como um assassino sem sentimentos. Todavia, chegava a
hora de lutar com todas as minhas forças e deixar as emoções de
lado.
De repente, meus olhos foram atraídos para uma pessoa que
tinha acabado de entrar na arena, levando minhas esperanças,
porque o fato de ele estar ali significava apenas uma coisa: a sua
morte.
Assim que entramos na mansão dos Castilhos, encarei Lyn e
El Diablo.
― Me diz o que estamos esperando para ir atrás dela? ―
Estava muito ansioso e furioso. ― Por que a levaram? Eles querem
algo dos Castilhos? Vingança?
― Não, isso não tem nada a ver com eles, mas comigo ―
respondeu Lyn. ― Eles me querem e a estão usando contra mim.
Franzi a testa.
― Por que iriam pegar Belinda para chegar a você? ― Isso
não fazia qualquer sentido.
― Quem é essa pessoa? ― grunhiu Valentino.
― Seu nome é Marek Kudela...
Interrompi-o, arfando:
― Está me dizendo que a porra da máfia tcheca a pegou?! ―
Minha voz se elevou.
Marek Kudela era chefe da máfia situada em Praga, na
República Tcheca. Ele e seu irmão, Borek, se desentenderam havia
alguns anos, e a família tinha se separado. Marek se tornou o chefe
da organização, enquanto Borek foi para a Eslováquia, onde criou
sua própria máfia junto aos seus homens, que partiram com ele.
Marek ficou com a minoria dos seguidores, embora não menos letal.
O cara era o demônio em pessoa com sua crueldade e brutalidade.
Borek Kudela foi morto pelo irmão havia alguns meses. Isso
teve bastante repercussão no submundo do crime.
― Ele não a machucou e não irá, ao menos não até ter o que
quer e...
Valentino o cortou:
― Como pode ter certeza disso? É a porra da máfia tcheca!
O que sei desse cara não é nada bom... ― Sacudiu a cabeça.
― Tenho um infiltrado lá dentro desde que consegui tirar a
informação sobre o local de Jair Calixto. Ele está constantemente
perto de Belinda desde que ela chegou lá ontem ― Lyn me
informou. ― Está presa em uma cela.
― Eles não a machucaram? ― O medo me fez engolir em
seco. ― Temos que tirá-la de lá!
― Nós vamos fazer isso essa noite ― informou-me com um
olhar furioso.
― Não vou esperar tudo isso. Praga não é tão longe, pouco
mais de duas horas de voo. Se partirmos agora, nós a tiramos de lá
em poucas horas ― reclamei, sentando-me. Não queria forçar muito
aqueles malditos pontos, precisava estar bom na hora da ação, por
isso trouxe uma injeção de adrenalina comigo para ajudar. ― Só
peça para seu infiltrado nos dizer as coordenadas de onde ela está,
que cuidamos do resto.
― Stefano, conheço Marek há anos e sei que ele não vai
tocar nela correndo o risco de não conseguir o que quer. Sei de sua
crueldade e brutalidade, mas ele quer muito a mim para correr o
risco de machucá-la e eu não ir até lá.
― Você? ― indaguei.
― Sim, mas não é só isso. Ele quer o império do irmão na
Eslováquia, que Borek deixou sob meu poder.
― Você vai entregar isso a ele? ― Uma parte de mim queria
que não o fizesse, mas a outra lhe agradecia por ajudar a salvar a
minha menina.
― Haverá um torneio em um dos clubes de luta dele no
subterrâneo de Praga. Marek vai estar lá, e vou resolver tudo. ―
Olhou-me. ― Esse lugar é fortemente protegido, não tem como
alguém de fora entrar à força. Alguém de dentro tem que abrir as
portas.
― Você tem um infiltrado; use-o ― apontei. ― E como
saberemos se Belinda estará lá também? ― Só tinha sentido algo
parecido com aquele aperto no peito quando perdi minha mãe.
Lyn hesitou.
― O que não está me contando? ― inquiri, trincando os
dentes. ― Conte a porra da verdade!
― Sua garota fala demais. E não ficou só nisso, ela matou
alguém.
Todos arfamos na sala.
― Matou? ― indaguei, a impotência me oprimindo. Eu
gostava do que fazia e não me arrependia de estar onde estava, de
matar e mutilar meus inimigos, apreciava vê-los sofrendo, era quem
eu era. Entretanto, não queria que ela tivesse que ter feito isso.
― Quem ela matou? ― sondou Fabrizio.
― Um dos homens tentou tocá-la, e na hora o meu infiltrado
lá dentro impediu, mas o cara pegou um dos garotos no lugar, afinal
Andreas impediu que ele tomasse Belinda. Ela não deixou barato,
aproveitou uma distração de Andreas e pegou a arma dele, atirando
no bastardo e impedindo que ele machucasse o menino. ― Lyn
parecia orgulhoso daquilo. Eu também estava até certo ponto.
Esperava que o que ela tinha feito não a atormentasse no futuro.
― Seu homem deixou isso acontecer? ― Trinquei os dentes.
― Ele não podia ter feito nada. Se a impedisse, o infeliz teria
violentado o garoto, e acho que você conhece sua garota. Mas isso
não é o pior...
― O que pode ser pior?! ― Não acreditei que ainda havia
mais naquela merda.
― Ela vai lutar no ringue essa noite. ― Observava minha
reação. A dele era fria, mas notei uma centelha de raiva em seus
olhos.
― Lutar? Com quem diabos fará isso? ― rosnou Benjamin.
― Faz dias que não treina!
― São lutas com crianças, mas temos um problema, são
garotos sanguinários, e hoje é luta mortal.
― Ela nunca machucaria uma criança ― comentei. ― Como
você mesmo disse, Belinda matou alguém para salvar um deles.
― Por isso vamos essa noite, antes que aconteça o pior.
― Achei que você tivesse fechado todas as arenas
Prometheus. ― Respirei fundo, tentando me controlar. Como estaria
em uma batalha àquela noite, precisava de energia. Não morreria
antes de achar Belinda, nem que fosse a última coisa que eu
fizesse.
― Sempre haverá uma por aí enquanto o chefe da
organização, Marek, viver, então tenho que cortar a cabeça da
serpente ― rosnou com aço na voz.
― Por que ele quer matar você? Não parece ser só por
querer seus negócios e por você ter destruído a maior parte de suas
arenas. ― Rafaelle serviu uma bebida para si e me ofereceu uma.
Aceitei-a, pois precisava.
― Borek me resgatou e me treinou para agir como o
Fantasma ― respondeu Lyn. ― Marek matou meu chefe, e eu
acabei com alguns negócios dele, mas você está certo, não é por
isso que ele quer me matar, e sim porque tirei alguém que era
importante para ele. Agora ele quer tirar alguém com quem me
importo.
― De novo, por que a Belinda? Você não tem nenhuma
relação com ela. ― Eu estava a ponto de estourar. ― Além disso,
por que não foi até sua irmã? Era mais provável ela, pela ligação
entre vocês.
― Ninguém sabe dela, só você. ― Olhou para os outros na
sala. ― E agora todos nesta sala.
― Não diremos nada ― afirmou Benjamin.
― Eu me mantive longe dela para nenhum dos meus
inimigos a usar contra mim. Nem ela sabe que eu existo. Marek não
sabe meu nome verdadeiro, ninguém sabe. O único que sabia era
Borek, e ele apagou meus dados. Sou uma pessoa que nunca
existiu, por isso o apelido.
Se ele tivesse se aproximado dela, eu saberia; tinha alguém
vigiando a garota para mim.
― Então por isso ele veio até minha irmã? ― A voz de
Valentino falhou.
― Estamos perdendo tempo, enquanto deveríamos ter ido
até lá. Se alguém a tocar... ― Benjamin se encolheu.
Eu não podia ficar parado discutindo enquanto algum infeliz a
machucava.
― Por que ele a quer? ― repeti, com meu coração encolhido
com o mesmo medo dos irmãos dela.
― Não é ela que ele quer ― Lyn me olhou ―, mas você. Ele
a pegou para atraí-lo até lá.
― Você não disse que Merek o queria? Por que a mim
também? Por que me atrair para lá, e não a você? Não faz sentido
algum. ― Sacudi a cabeça.
― Após eu ser levado da cela naquela noite... lembra? ―
Esperou que eu assentisse, mesmo eu não querendo recordar
aquilo. Ele prosseguiu: ― Marco achou melhor não me matar, pois
eu ganhava muito dinheiro para ele, afinal era o melhor lutador ali,
então resolveu me levar para outra arena, na República Tcheca. Lá
me disse que você estava vivendo sua vida e que não dava a
mínima para mim, que nem ao menos tentou me resgatar.
― Acreditou nele? ― indaguei, respirando de modo irregular.
Se eu sequer pensasse que Lyn estava vivo, teria ido até ele, aliás
fui até os outros, mas era tarde demais.
― No começo, sim, pois o infeliz mostrava fotos suas com
seus irmãos, e você parecia feliz. ― Deu de ombros. ― Ele me
disse que você tinha matado Jet.
― Maldito desgraçado! ― sibilei. ― Acha que eu o mataria,
ainda mais após ter me salvado?
― Sei que não. No entanto, aquele lugar mata sua fé em
Deus e nas pessoas. E foi assim, desacreditado, que Borek me
resgatou, não só a mim, mas a outros meninos também.
― Ele fazia o que você faz hoje? ― Era uma pergunta
retórica, afinal ele disse que o homem o havia ensinado.
― Sim, resgatava meninos em nossa condição e os ajudava
a seguir em frente. ― Sua voz soou baixa e emocionada. Parecia
que Lyn realmente o amava. ― Os outros garotos seguiram suas
vidas após se ajustar, mas eu não queria, precisava fazer algo de
útil, como resgatar mais crianças indefesas das mãos de homens
iguais ao seu pai. Então ele me treinou e me tornou quem sou.
― Foi isso que gerou a inimizade e ruptura entre os dois
irmãos?
― Marek tinha opiniões distorcidas, usava o seu poder para
promover lutas e, quando viu que ganharia muito mais grana
sequestrando e aprisionando meninos para lutarem, igual a Marcos,
aderiu a isso e criou a organização Prometheus.
― Ele era aliado da máfia Destruttore. Nós rompemos a
aliança após Marco ser morto ― afirmou Rafaelle.
― Um irmão promovia essa atrocidade, e o outro queria
acabar com isso. Foi essa a razão de eles se separarem e cada um
seguir seu caminho. Mas, alguns meses antes de eu vir para cá,
soubemos de algumas arenas que promoviam lutas de crianças
espalhadas pela Europa, então fiquei de checar aqui, em Barcelona,
onde sua garota trabalha, enquanto Borek ia verificar na Sibéria.
Dias depois, eu soube que era uma armadilha; ele foi para sua
morte. ― A raiva estava em cada palavra.
― Por que não vingou a morte dele? ― Rafaelle o avaliava.
― Afinal, parece se importar com Borek.
― Ah, eu me vinguei através de quem Marek mais gostava e
se importava, o seu namorado. Ele me tirou alguém, e eu fiz o
mesmo. ― Inspirou fundo. ― Por anos não me aproximei ou me
apeguei a ninguém, pois sabia que ele iria destruir a pessoa, mas,
depois que eu te salvei naquela noite no cemitério, de alguma forma
Marek soube e agora quer usar você para me atingir.
― Eram homens dele no cemitério? ― inquiriu Fabrizio.
― Sim, eles queriam apagar Belinda em razão do seu
trabalho como assistente social, cuidando dos garotos que
desejavam atrair para a Prometheus, mas, quando protegi vocês, de
alguma forma ficaram sabendo de nossa ligação, Stefano.
― Por que ele não veio diretamente a mim ao invés de ir aos
Castilhos? ― indaguei confuso.
― Ele soube que você estava inconsciente após a luta na ilha
e sabia que não teria como atacar os Morellis agora, com a máfia
Destruttore reerguida e com tantos aliados.
― E ele acha que somos fracos? ― sibilou Benjamin.
― Ele pensa que, como Fabrizio acabou de se tornar chefe e
com a morte do pai de vocês, estão mais vulneráveis. Além disso,
Alonso lhe contou sobre o dilema que vocês e Stefano estavam
tendo em relação a Belinda, que, em primeiro lugar, Marek já queria
morta. Ele resolveu sequestrá-la e esperar para matá-la, assim
conseguiria o que quer, Stefano e, consequentemente, a mim. ―
Lyn olhou para Fabrizio. ― Para ele, você não é tão esperto como
Paolo. Foram essas as palavras de Marek aos seus homens.
― Vou mostrar para ele quem está vulnerável quando o
pegarmos ― rosnou Fabrizio letal. ― Pagará com a vida por ter
ousado tocar em minha família.
― Ainda não entendo por que ele usa homens-bomba, como
fez no clube de luta e na boate dos Pachecos. Isso não faz sentido.
Quem se mataria para ajudar a máfia? ― Coloquei a mão no ombro.
A merda estava começando a doer.
― Não é voluntário. Marek sequestra suas famílias e as mata
se eles não fizerem o que os obriga. ― Lyn se aproximou de mim.
― Precisa tomar remédios para tirar essa dor.
― Não é a dor que me preocupa, mas o medo de não salvar
Belinda. ― Inspirei fundo. ― Como você sabe tudo isso?
― O meu infiltrado revelou, mas não soube a tempo. Quando
me disse, era tarde demais, sua menina tinha sido levada. Se eu
soubesse logo, a teria salvado.
― Eu sei. É só que não consigo ficar parado sem fazer nada,
enquanto ela...
― Até o fim dessa noite, tudo ficará bem. Vamos conseguir
tirá-la de lá antes de que algo aconteça ― tentou me tranquilizar.
― Eles mexem com meninos! O que não fariam com uma
mulher? ― Céus, que nada tenha acontecido a Belinda! Não a
quero com demônios igual a mim...
― Pode ser, mas ela está bem, Andreas está tomando conta
dela, foi encarregado disso.
― Você deveria ter colocado câmeras na boate após seu
clube ter sido explodido ― apontou Rafaelle a Fabrizio.
― Todos os nossos estabelecimentos têm, mas não
podíamos revistar todo mundo que entrasse; isso pegaria mal para
os negócios ― Valentino respondeu antes do irmão, colocando as
mãos nos cabelos exasperado. ― O que isso nos custou...
― Eles entraram com as bombas presas ao corpo? ―
questionou El Diablo.
― Colocamos detectores para alertar, mas alguém os deixou
entrar. Saberíamos mais se as gravações não tivessem explodido
junto ao local, o que é estranho, pois deviam ter sido salvas no
servidor. ― A voz de Fabrizio soou letal.
― Algum dos seus homens que estava na boate sobreviveu
ao impacto ou saiu minutos antes? ― sondou Rafaelle. ― Se um
deles deixou que os caras de Marek entrassem, com certeza
sobreviveu.
― Santiago estava com Rolander na boate ― informou
Benjamin. ― Ele tem apenas alguns arranhões, enquanto meu
irmão teve várias costelas quebradas.
Fabrizio se virou para Sage.
― Traga-o aqui para termos uma conversa. ― Ele estava
puto. Não era para menos, quando tinha tantos ratos em sua
organização. Eu me lembrava bem da época em que tivemos de
lidar com essa merda.
Sage assentiu e saiu enquanto Razor entrava na sala.
― Pela cara de vocês, sabem onde Belinda está e o que
farão com ela essa noite ― comentou.
― E como você soube? ― indaguei.
― Tenho um infiltrado lá.
― Também deveríamos ter colocado alguém, mas não achei
que Marek fosse perigoso para nós. Pelo visto, estava errado ―
comentou Fabrizio.
― Então vamos organizar tudo para essa noite e ir para
algum lugar perto do local. Não quero correr o risco de não chegar a
tempo. ― Sequei a bebida de meu copo.
De repente Serena desceu correndo a escada, chorando.
― Belinda! ― gritou ela com o telefone na mão. ― O cara na
linha disse que vai matá-la se...
Antes que eu pudesse correr para pegar o maldito aparelho,
Fabrizio foi mais rápido.
― O que você quer?! Aqui é Fabrizio Castilho. ― Foi direto
ao ponto. Pediu-nos silêncio com os olhos e colocou no viva-voz.
― Marek. Eu sei quem você é. Agora por que não me deixa
falar com o Fantasma? Sei que ele está na sua casa.
Eu o tinha visto uma vez, quando Marco estava no poder. Se
soubesse que no futuro ele seria uma ameaça, eu o teria matado
naquele tempo.
As palavras do bastardo me diziam que ele mantinha os
olhos sobre a máfia Pacheco. Era claro que manteria, ele não era
um líder idiota. O cara orquestrava uma linha de tráfico de crianças
e criara uma organização que as forçava a lutar. Não tinha criado
uma ou duas arenas Prometheus, mas inúmeras. Por isso era
perigoso, embora não soubéssemos que ele era o responsável até
Lyn nos dizer.
― Estou aqui ― revelou Lyn. ― Agora me diga o que você
quer. Por que levar uma garota com quem não me importo nem um
pouco? ― Sua voz não tinha nada de emoção, tão gelada que, por
um segundo, acreditei em suas palavras.
― Realmente? Deseja que eu mostre a vocês do que sou
capaz? ― zombou.
O gelo se apossou de minha alma, e me levantei em um
átimo, com ganas de que ele estivesse na minha frente para
estraçalhar o desgraçado.
― Não ouse machucá-la, ou vou matá-lo ― sibilei.
Ele ficou em silêncio um momento. Não ouvi gritos ao fundo,
o que talvez significasse que ele não a tinha tocado, embora não
bastasse para aliviar o meu peito angustiado.
― Esse deve ser Stefano? ― Riu. ― Eu me lembro de Marco
dizer que era um menino explosivo, até cheguei a ver suas lutas na
gaiola. Devo dizer que gostei do que presenciei.
Rafaelle segurou meu braço, alertando-me com seus olhos
para não mandar Marek para o inferno. Engoli minha fúria e respirei
fundo para me acalmar.
― Fico lisonjeado que minha forma de lutar lhe tenha
agradado ― ironizei. ― Por que está com minha mulher? Se a
tocar...
― Não tocarei em um fio de cabelo dela, a não ser que Lyn
não venha hoje à noite, assim como você, Stefano.
― O que fez com ela? Belinda está bem? ― Minha voz
falhou no final.
― Nada, mas não sei por quanto tempo isso vai continuar.
Vai depender de Lyn e de você... e de que ela mantenha sua boca
fechada e suas mãos longe dos meus homens. Matou um deles.
Meu peito estava apertado e sangrando por dentro com medo
de não a ver mais. Belinda provocava a ira de qualquer um. Eu não
sabia se conseguiria se manter calada.
― O que você quer? ― Lyn sabia, mas não demonstrou nada
ao perguntar. ― Vá direto ao ponto antes que eu perca a cabeça.
― Se fosse pela lógica, eu deveria castigá-la, mas, como o
quero aqui, vou esperar. ― Sua voz se tornou um grunhido: ―
Quero que você pague por tudo que me fez.
― Onde nos encontramos? ― Fingiu não saber do clube de
luta em Praga.
Marek disse o nome do local que já sabíamos.
― Espero vocês dois aqui ― repetiu, parecendo muito
ansioso.
― Stefano não precisa estar aí, mas eu vou ― retrucou Lyn,
o que me fez estreitar os olhos. Se ele achava que me deixaria de
fora, estava enganado. Se tentasse me dopar novamente, eu
quebraria a cara do infeliz.
― Como vou me vingar de você sem que eu tenha algo com
o que ameaçá-lo? ― Dessa vez ele riu, uma risada gelada. ― Você
mesmo disse que não tem laços com essa menina bocuda, mas sei
que tem com ele.
― Não tenho, mas nunca quebrei uma promessa. Se eu falo
que vou estar aí, eu vou.
― Os dois aqui à noite, ou a mando aos pedaços para vocês
após cada um dos meus homens se fartar dela. ― Desligou antes
que pudéssemos dizer algo mais.
Minha ira ultrapassou o auge, fazendo-me socar a mesinha
de centro de vidro, que se despedaçou, cortando minha mão. Caí de
joelhos, com dores por todo o corpo, mas a pior delas, a mais
intensa, estava dentro do meu peito.
Eu podia ouvir vozes, mas era incapaz de alcançá-las, estava
preso entre o torpor da dor e uma raiva que me rasgava por dentro
lentamente.
Belinda... Eu nunca quis deixá-la entrar, mas, durante
aqueles meses, ela fez morada em meu coração negro, fez-me
amá-la, mesmo eu achando que não era capaz disso. Enfim,
quando tinha a chance de tê-la, alguém a tirava de mim.
Eu poderia morrer naquela noite, mas mostraria a todos o
verdadeiro monstro que estava adormecido em meu interior e
aniquilaria aqueles que a levaram de mim. Não sobraria nada além
de pó e ruínas.
― Respire fundo, vai dar certo ― Lyn pediu assim que nos
aproximamos da Prometheus.
Estávamos em um lugar deserto, um galpão cercado de
mato, mas eu sabia que a organização era subterrânea, então devia
ter algum elevador dentro da estrutura.
Tínhamos formado um plano. Lyn e eu entraríamos no lugar,
e, assim que estivéssemos com Belinda, os infiltrados de Lyn e
Razor iriam abrir as portas para nossos amigos, assim atacaríamos
o local e massacraríamos todos, como fizemos com a outra arena
na ilha.
Rafaelle não queria me deixar entrar sem ele, mas, como
Marek só queria Lyn e a mim, eu não queria correr o risco de ele se
irritar e machucar Belinda. Ele só permitiu quando joguei em sua
cara que ele teria feito o mesmo por Mália.
― Se algo acontecer comigo, quero que a proteja. Ela é a
prioridade aqui ― pedi a Lyn antes de chegarmos à porta do galpão.
― Eu sei, mas nada vai acontecer com vocês dois. Assim
que estiver com ela, quero que saia e me deixei para trás; vou
distraí-lo ― disse, desligando o carro.
― Nem fodendo! ― rosnei. ― Te deixei para trás uma vez;
isso não vai acontecer de novo.
― Você pensava que eu estava morto ― lembrou-me. ― Não
foi sua culpa.
― Eu sei, foi do Marco, aquele filho da puta. ― Toda vez que
eu pensava naquele homem, uma onda de raiva me possuía. ― Me
diz uma coisa: recordo-me de você jurar que, se saísse, iria matar
Marco, mas, após ser libertado, não foi até ele.
― Na verdade, fui, cheguei perto de eliminar o desgraçado,
mas então Borek mencionou o seu propósito e o dos seus irmãos,
que estava conseguindo angariar pessoas para ficarem do seu lado
ao invés do dele. Aí me lembrei de que era esse seu desejo antes
de tudo. Deu certo. Mesmo eu o deixando vivo por algum tempo, no
final ele foi morto, e vocês estão no poder agora, com seu irmão
sendo o capo. Era tudo que você sonhava.
― Você poderia tê-lo matado. O meu irmão se tornaria chefe
de qualquer jeito, embora teríamos mais traidores; da forma como
foi, limpamos a organização algum tempo atrás. ― Nem sabia se
conseguiríamos vencer Marco na época, caso Lyn tivesse ceifado
sua vida, afinal nem alianças tínhamos, não como as de atualmente.
― Por isso não o fiz. No final, o infeliz foi para o inferno. ―
Suspirou. ― Agora vamos focar em sair desse lugar vivos.
― Vamos, então, acabar com isso. ― Meu peito se apertava
toda vez que eu pensava em Belinda e no que ela devia estar
passando.
Saímos do carro e fomos à entrada do galpão, onde alguns
guardas nos esperavam.
― Marek está nos aguardando ― Lyn falou a um dos dois
homens que estavam à porta. Havia mais ao redor, além de vários
carros e um helicóptero não muito longe dali.
― Mãos para trás. ― Ele segurava dois pares de algemas.
― Não vou ser algemado! ― grunhiu Lyn.
― Isso ou vaza. Vamos ver quanto tempo a garota vai
aguentar no ringue. ― O maldito sorriu.
Ah, eu vou arrancar esse sorriso dele ou esculpir um igual ao
do Coringa em sua cara!
― Lyn. ― Em minha voz havia um pedido. Não podia deixar
Belinda lutar, não com aqueles garotos. Não queria que ela tivesse
em sua consciência a morte de um deles. Fosse um homem adulto,
quem sabe, como ela já tinha feito, mas um garoto foderia sua
cabeça, eu tinha certeza.
Lyn suspirou e se deixou ser algemado. Eu sabia o quanto
devia ser difícil para ele se sentir impotente de novo. Agradecia-lhe
por estar ao meu lado e me ajudar a salvar minha menina.
― Nos acompanhem ― respondeu o guarda após nos
algemar e revistar, não encontrando nada.
Tínhamos deixado nossas armas, afinal podíamos matar sem
a necessidade de uma, e, na hora de uma possível luta, eu poderia
muito bem conseguir uma com uma das sentinelas. Não deixarei
com que Marek vencesse e nos derrubasse nem mesmo estando
algemado. Usávamos grampos de escuta. O meu estava em um dos
meus piercings, e Lyn tinha o seu em um relógio. Assim nossos
amigos saberiam a hora certa de atacar.
Seguimos por um corredor e depois entramos em uma
grande sala onde havia bastantes homens armados. Controlei o
instinto de matar a todos.
Descemos por um elevador para o local onde supostamente
Marek estava. Não falamos nada, só reparamos nos detalhes,
estudando formas de sair dali.
Não demorou muito até entrarmos em uma arena rodeada
por arquibancadas cheias de espectadores eufóricos com a luta em
questão. O ringue em que os lutadores estavam era cercado de
vidro.
― Desgraçados! ― sibilei, enfurecido com a cena na gaiola
de vidro.
Belinda estava ferida, havia muito sangue manchando sua
pele e suas roupas. Em compensação, o garoto que ela combatia
estava bem machucado também. Tinha mais alguém encolhido no
chão da arena, não dava para ver muito bem quem era,
principalmente por estar de costas para nós.
Antes que eu pudesse dizer algo, Marek se aproximou de nós
acenando para seus homens, que nos empurraram para ficarmos
em frente a ele.
― Finalmente tenho você aqui ― disse para Lyn, socando
sua boca em seguida.
Cerrei meus dentes para não revidar, ou as coisas ficariam
piores. Eu estava de mãos atadas enquanto Belinda estivesse
vulnerável na maldita arena.
Lyn não gemeu ou grunhiu; não havia ninguém mais tão
familiarizado com a dor quanto nós dois, ele ainda mais do que eu.
Eu não conseguia nem imaginar o que passou em seu tempo como
prisioneiro.
― Olá, Marek, é bom vê-lo de novo. É uma pena que não da
forma que eu queria. ― Lyn cuspiu o sangue no chão.
― Está aqui como desejei desde que tirou Milion de mim! ―
rosnou, apontando a arma para Lyn e depois para mim. ― Vou levar
todos com quem você se importa até não lhe restar nada além de
ruína.
Fiquei tenso pensando que ele iria atirar em Belinda, mas ela
não era tão importante para ele quanto eu.
― Consegui alguém que você protegeu e escondeu tanto
para eu não encontrar, mas não teve jeito. ― Sorriu, indicando a
arena. ― Ela é uma garota muito linda, eu poderia fazer serventia
dela.
No começo, achei que Marek pensava que havia algo entre
Belinda e Lyn, mas ele apontava para a pessoa caída no chão.
Então era uma mulher? Quem... Não, não podia ser ela... Olhei para
Lyn, que fitava a menina com os olhos arregalados. Se fosse
mesmo Ella, então o guarda que mantive de olho nela devia estar
morto. Miseráveis desprezíveis!
― Seu filho da puta! ― Lyn se enfureceu, indo para cima de
Marek e acertando sua cabeça na dele uma vez. Tentou fazê-lo de
novo, mas um dos homens de Kudela o impediu, dando-lhe uma
coronhada na cabeça com a arma. Isso o deixou meio tonto.
Chutei o estômago do infeliz por bater em meu amigo e
irmão. Nesse ínterim, Lyn se desvencilhou dos outros homens que o
seguravam e foi para cima de Marek novamente, acertando-o com
um chute também. Ele não parecia se importar com as muitas
armas apontadas para si, seu foco estava em sua irmã. De algum
jeito, conseguiu chegar até a cúpula de vidro, perto de onde Ella se
encontrava.
Belinda segurava um dos braços, olhando para nós, assim
como fazia o garoto. Encontrei os olhos dele, não vendo nada ali
além de um abismo pior do que aquele que eu via em Lyn. Eu tinha
de fazer algo, ela não ia aguentar mais, eu precisava agir.
― Acho que chegou a hora. ― Essa era a senha para que os
outros entrassem, mas falei olhando para Marek, assim ele pensaria
que eu estava falando consigo.
― Não adianta, Lyn, todos que você ama irão morrer. ―
Apontou sua arma para mim e acenou para alguém do outro lado da
arena, que apertou um botão. Logo depois uma espécie de gás que
parecia fumaça começou a ser expelido dentro da arena pelo teto de
vidro, fazendo Belinda tossir e se abaixar perto de Ella, tentando se
proteger.
― O que você fez?! ― gritei, com o coração acelerado,
pronto para lutar.
De repente, ouviu-se um estrondo na arena. A parede de
vidro no canto oposto onde as meninas estavam trincou.
Virei a cabeça, vendo um cara loiro com uma metralhadora
antiaérea norte-americana Browning ponto 50. A arma era capaz de
furar a blindagem de carros-fortes e aeronaves e media 1,68m e
pesava 38kg. Disparava de 400 a 600 tiros por minuto, tendo uma
precisão que alcançava 1,5km.
O garoto dentro da arena chutou onde o vidro estava rachado
para tentar fugir do lugar.
― Matem o traidor! ― gritou Marek, indo para cima de Lyn,
que ainda encarava a irmã inconsciente.
Desvencilhei-me dos guardas que me seguravam, acertando-
os com chutes. Era difícil lutar sem as mãos, além de com o ombro
machucado.
― Lyn! ― gritei. Não podia tomar conta de Marek, pois tinha
que proteger as meninas. ― Eu cuido delas!
O estranho era que boa parte dos homens de Kudela não
tentava nos matar; a maioria parecia estar do nosso lado. Isso me
recordou de quando eu estava preso. Havia pessoas dentro da
máfia que eram contra o que Marco fazia. Aquilo devia acontecer na
organização de Marek também.
Lyn se voltou para Marek. Aquela luta era dele. A minha era
resgatar minha menina e a irmã do meu amigo.
A multidão desesperada tentava sair da arena, mas não tinha
para onde; a maior parte dos elevadores não estava funcionando,
Andreas tinha cuidado disso. Só estavam ativos três deles, por onde
os meus amigos desceriam.
Avistei o cara que prendeu nossas algemas e tentei lutar com
ele, mas de mãos atadas era uma porcaria. Derrubei-o, passando
minhas pernas em seu pescoço e as apertando até ele parar de
tremer e dar seu último suspiro.
Era difícil procurar as chaves em seus bolsos assim.
― Deixa eu te ajudar ― pediu um rapaz de cabelos
castanhos e olhos verdes.
― Valeu ― agradeci assim que meus pulsos estavam livres.
― Dê as chaves a Lyn também.
― Vou fazer isso. Quer cuidar daquilo ou vai deixar comigo?
― apontou para a cúpula. Metade da parede de vidro tinha caído,
fazendo a fumaça se dissipar. Talvez alguém também tivesse
desligado o dispositivo.
O garoto assassino estava indo até Belinda e Ella, ainda
inconsciente. Belinda se colocou de pé, pegando a faca e se pondo
na frente da menina. Dava para perceber que ela se encolhia devido
às suas feridas. Como alguém assim, capaz de proteger uma
estranha mesmo estando machucada, lidaria com a culpa se
matasse uma criança? Ela não conseguiria e não iria matá-lo, mas
eu, sim.
Corri, passando pelo espaço formado pelo vidro quebrado e
subi no ringue, ficando entre ele e Belinda. O menino parou e me
observou.
― Me dê a faca, eu assumo a partir daqui ― pedi a ela sem
tirar a minha atenção do meu adversário. ― Fique abaixada para
não ser atingida por nenhuma bala perdida.
Belinda não se insurgiu, entregando-me o punhal e se
abaixando, ainda protegendo Ella. Algumas balas ricocheteavam no
vidro, mas, sem a arma certa, era impossível atravessá-lo.
Enquanto Lyn lutava com Marek, o lugar era tomado pelos
meus amigos e meu irmão, que tinham acabado de entrar.
― Stefano... ― ouvi a voz que tanto adorava, da minha
garota. ― Se for demais para você, eu posso...
― Não permitirei que você tire mais uma vida. ― Respirei
fundo, concentrando-me ali e não nas imagens do passado, quando
eliminei tantos garotos. Jurei a minha mãe que nunca faria aquilo de
novo, mas agora estava ali, prestes a cometer algo que prometi não
fazer mais.
― Aquele cretino merecia morrer ― ela sussurrou. ― Esse
aqui também; não há como trazê-lo de volta.
― Por isso você não pode acabar com ele. Não deixarei sua
alma ser manchada assim. Ainda há salvação para você, mas não
para mim. De qualquer forma, não quero redenção ― falávamos em
espanhol, e notei que ele não entendia a língua.
Belinda continuaria a discussão, era nítido por sua postura e
expressão.
― Tome conta de Ella. Logo tirarei as duas daqui ― prometi,
dando um passo à frente para lutar.
Matar não me incomodava, mas eliminar garotos mexia
comigo. Contudo, não era hora para pensar naquilo, mas para
salvar as duas e tirá-las daquele lugar antes que a coisa ficasse
feia. Deixei o ódio tomar conta de mim, assim eliminaria o que
estava me incomodando.
Ele veio para cima de mim com sua faca, mas me defendi
socando-o na boca e ao mesmo tempo acertando um chute em sua
barriga. O garoto me acertou no ombro ferido, fazendo com que eu
me encolhesse. Merda! Não podia continuar lutando com aquele
braço praticamente inutilizado. Percebendo meu ponto fraco, meu
oponente veio com tudo contra mim, e caímos no chão.
Se eu não estivesse machucado, teria lidado tranquilamente
com aquilo. Ou inconscientemente estava hesitando adiar o
inevitável?
Soquei sua mandíbula e o estômago, tirando-o de cima de
mim. Esquivou-se de alguns dos meus socos, mas consegui acertar
alguns.
― Merda! ― Levei a mão ao ombro, que sangrava. Os
pontos tinham estourado.
― Stefano! ― ouvi Belinda chamar. ― Está machucado! Me
deixe lutar!
Sem chance de eu permitir que ela derramasse mais sangue.
Se tinha alguém a fazer aquilo, seria eu.
Sinto muito, mãe, por descumprir a promessa e matar mais
um garoto, pensei.
Ele sorriu sem vida ao ver minha hemorragia. Não havia nada
em sua expressão, havia escuridão demais nele para ser alcançado
por qualquer luz. Se ele fosse outra pessoa, já estaria morto por ter
tocado em Belinda, mas, mesmo que eu estivesse com raiva, sabia
que ele era só um garoto que foi obrigado a perder tudo, inclusive
sua humanidade. Nenhum daqueles meninos tinha opção. Porém eu
estava de mãos atadas, não podia permitir que ele vivesse. Estava a
ponto de desferir meu punhal, e dessa vez seria um golpe fatal,
quando ele caiu no chão.
Arregalei os olhos ao perceber o dardo tranquilizante em
suas costas.
― Deixa que tomo conta disso ― disse o loiro que explodiu a
arena. ― Você toma conta das meninas.
Uma parte de mim estava aliviada por não precisar matá-lo.
Havia muitos ali para eu descontar minha fúria.
― O que fará com ele, Ondrej? ― sondou Belinda. Não vi
raiva em seus olhos; no fundo, ela entendia por que aquele garoto
agia daquele jeito. ― Vai matá-lo?
― Na verdade, meu nome é Andreas. Lyn cuidará dele ―
respondeu.
Essa palavra podia ter vários significados, mas não era hora
para eu me preocupar com isso. Olhei para Ella, ainda desmaiada.
― Como ela está? ― Chequei seu pulso, que ainda estava
batendo. Isso era um alívio.
― Respirando. Ele a jogou contra o vidro, e ela bateu a
cabeça. ― Suspirou e se escorou na parede transparente, fechando
os olhos.
Fui até ela e toquei seu rosto.
― Abra os olhos ― pedi preocupado. Ela devia ter perdido
muito sangue. Tinha vários cortes em seu corpo, o que me deixou
puto. Fuzilei o garoto inconsciente, pensando que realmente deveria
tê-lo matado.
― Vou tirá-lo daqui. ― Andreas pareceu adivinhar o que se
passava em minha mente. Talvez devesse ter ficado claro em meu
rosto. Pegou o garoto, que também estava muito ferido, e o levou
dali.
― Estou tão cansada ― sussurrou Belinda abatida.
― Eu sei, vou cuidar de você. ― Alisei seu rosto. ― Lamento
por você estar aqui.
― Não foi sua culpa. ― Abriu um pouco os olhos,
encontrando os meus. ― Merda, essa porcaria dói...
Eu não sabia se estava se referindo aos ferimentos ou ao que
fiz a ela. Antes que eu pudesse falar alguma coisa, ela apagou.
― Belinda! ― chamei-a, colocando o rosto em seu pescoço.
― Por favor, abra os olhos.
― Me deixe dar uma olhada nela. Tenho treinamento em
primeiros socorros ― pediu Andreas, que acabava de voltar após ter
levado o menino para algum lugar.
Eu não queria me afastar, mas era preciso, para ele fazer o
check-up. Aquele era o meu maior medo. Preferiria tudo àquilo, a
vê-la inconsciente e sofrendo com ferimentos. Trinquei os dentes,
com uma fúria ofuscante me tomando.
― Eu era como ele, sabe? ― comentou Andreas. ― Demorei
meses para me tornar um ser racional de novo... ou o que podemos
ser no nosso mundo. Lyn me salvou de mim mesmo, evitou que eu
me tornasse um psicopata com desejo de atacar a todos.
Olhei para Lyn, que socava furiosamente Marek, que não era
mais que uma geleia no chão.
― Sua menina ficará bem, mas precisa de cuidados. O
helicóptero está esperando lá fora.
Peguei Belinda em meus braços, encolhendo-me, meu ombro
explodindo de dor.
― Merda! ― praguejei, escorando-me no vidro.
A luta tinha cessado, mas eu ainda ouvia os gritos das
pessoas na arena tentando sair do local. Eu poderia ficar e desfrutar
ao fazê-los pagar, mas Belinda era minha prioridade.
― Deixe que eu fico com ela. ― falou El Diablo, surgindo ao
meu lado. ― Ajudo-os a chegar lá em cima. Você está muito ferido.
― Não, você pega Ella ― disse Andreas. ― Um dos irmãos
de Belinda pode ajudar Stefano.
Levantei meus olhos, deparando-me com Benjamin, Valentino
e Fabrizio ali perto.
― Por que não faz você? ― inquiriu El Diablo.
― Tenho que ajudar Lyn com os meninos presos. Os
caminhões estão esperando lá em cima para levar todos ―
respondeu.
― Ela está bem? ― perguntou Benjamin, tirando Belinda dos
meus braços e beijando sua testa. Assim a cumprimentaram
Valentino e Fabrizio.
― Sim, mas foi bastante ferida. ― Eu não queria deixá-la ir,
não quando a tinha em meus braços. Só deixei que ele a pegasse
para irmos logo ao hospital e assim eu poder cuidar dela.
― Você precisa de cuidados também, seus pontos devem ter
estourado ― informou Rafaelle, ao meu lado.
El Diablo se abaixou e pegou Ella. Algo cruzou seu rosto ao
encarar a face da garota. Ver uma mulher ensanguentada devia
trazer-lhe lembranças perturbadoras.
Assim que estávamos chegando ao elevador, Lyn se
aproximou de nós, coberto de sangue.
― Ella! Como ela está?
― Foi ferida, mas nada grave. A maior desse sangue é de
Belinda e de Cade. Ela vai ficar boa ― disse Andreas. ― Por via
das dúvidas, é melhor fazer alguns exames.
Eu nunca havia visto aquele olhar em Lyn, nem mesmo
direcionado a mim. Era amor. Lyn amava sua irmã, assim como eu
amava Belinda. Era claro que era um amor diferente, mas não
deixava de ser amor.
― Tome conta dela. ― Encarou os olhos de El Diablo. ―
Seja o que for que você queira depois, será seu.
Eu sabia o que El Diablo queria, que Lyn trabalhasse para
ele.
― Ela estará segura ― garantiu.
Entramos no elevador, e varri meus olhos mais uma vez na
arena antes que as portas se fechassem.
― Façam todos pagarem ― grunhi, escorando-me na parede
da caixa metálica.
― Pode esperar que nós vamos. ― Fabrizio encarou com
uma expressão assassina a multidão de espectadores.
Sim, ele faria aquela plateia fodida se arrepender por ter
assistido àquelas atrocidades sem fazer nada.
― Assim que terminarmos aqui, irei ao hospital de um
conhecido meu na cidade. O piloto vai levá-los até lá ― disse Lyn,
tocando o rosto da irmã. ― Ficará bem, princesinha.
Saíram do elevador para podermos subir, restando dentro
dele apenas eu, Benjamin, El Diablo e as meninas nos braços deles.
― Porra, estava com tanto medo de não vê-la mais! ―
Benjamin puxou uma respiração profunda.
Ele não era o único que temia isso desde que soube o que
aconteceu. Ainda bem que agora Belinda estava comigo. Eu não
permitiria mais que nenhum perigo caísse sobre ela. Eu a protegeria
com a minha vida se fosse possível.
Abri meus olhos, sentindo um ligeiro incômodo. Estava em
uma cama em um local que parecia um quarto de hospital. Olhei
para o meu corpo e notei cabelos que eu conhecia muito bem.
Stefano estava dormindo sentado em uma cadeira, com a cabeça
apoiada em meu tórax e a mão descansando em meu quadril.
Dormia tão sereno que parecia até um castigo acordá-lo, mas eu
estava apertada para ir ao banheiro.
Seu rosto perfeito estava tão sereno, nem parecia que
explodia fácil e que eu já tinha presenciado suas insônias e
pesadelos. Temia acordá-lo, e ele se assustar e acabar me
machucando. Isso seria difícil para ele.
Chequei-o, mas não vi nenhuma agulha enfiada em seu
braço, como tinha no meu. Havia manchas rochas em sua pele e
uma faixa na parte superior do braço até o ombro. Sua camisa
estava aberta, então eu podia ver claramente.
Levantei a mão do braço que não estava conectado ao
cateter e esquadrinhei suavemente seu rosto sem acordá-lo.
Precisava tocá-lo para saber que era real, que finalmente estava ali
comigo, embora por pouco tempo. Tinha vindo até mim por se sentir
mal por não me amar? Depois ele fugiria, e eu ficaria com minha
dor, pior do que aquela que eu sentia agora em meu corpo
arrebentado?
O pior era que eu já sentia uma dor que estava esmagando
meu peito por perder meu irmão. Lágrimas rolaram pelos meus
olhos, molhando o rosto de Stefano. Ainda me custava acreditar que
tinha perdido Santiago. Essa sensação penosa me dilacerava, era
tão excruciante que me roubava o ar, mas tentei estabilizar meus
batimentos cardíacos e minha respiração, mesmo que minha alma
estivesse rasgada.
Perder minha mãe, Lorena, papai e agora meu irmão era a
pior coisa que havia me acontecido. Respirei fundo, limpando o
rosto. Precisava vê-lo, dar adeus a ele.
Stefano se assustou, sentando-se e me olhando.
― Machuquei você? ― indagou, com a preocupação
vincando suas feições.
― N-não... ― Minha voz falhou devido ao choro.
― Merda, eu fiz, não foi? ― Sua voz... parecia tão
devastada.
― Stefano, não foi você. Estou assim pelo meu irmão. ―
Tentei estabilizar a voz para não o preocupar. Não queria que
pensasse que aquela tristeza era culpa sua, quando não era.
― Seu irmão? ― Franziu a testa. ― O que houve com ele?
Com qual deles, aliás?
― Santiago. ― Não entendia sua confusão. Por que ele não
me dizia logo o que havia acontecido? Seria porque estava tentando
me proteger da verdade que me deixaria sem chão?
― Ele está bem ― informou, suspirando. Parecia relaxado
agora.
Pisquei.
― Bem? Mas Marek disse que ele tinha... morrido.
Uma sombra cruzou suas feições, e ele se deitou ao meu
lado, puxando-me mais para si, como se não quisesse me deixar
nunca mais.
― Seu irmão está bem, só com algumas costelas fraturadas,
mas nada grave ― tranquilizou-me.
Soltei o ar de uma vez. Nem sabia que o estava prendendo.
Meu peito se aliviou como não o fazia desde que eu soube da
pretensa morte de Santiago.
― Graças a Deus! Estive sofrendo todo esse tempo ―
sussurrei.
― Lamento por você sofrer dessa forma. ― Esquadrinhou
meu rosto.
O meu coração palpitou devido ao seu toque.
― E por eu ser um idiota e ter partido daquele jeito. ― Sua
voz soou baixa e rouca.
― Ninguém é obrigado a amar alguém, Stefano. ― Dizer isso
destroçava meu coração, mas era preciso. Eu não queria sua culpa.
― Eu tinha conhecimento desde o início do risco que estava
correndo.
― Ei, nós dois caímos de cabeça nisso. Desde a primeira
que a vi, eu a desejei como nunca quis ninguém antes ― sussurrou.
― Mas eu não sou digno de ter alguém, minha vida é sombria
demais. Mereço ficar só por tudo que já fiz.
― O que você fez para dizer isso? ― sondei, querendo
entendê-lo um pouco.
Virou-se de costas, encarando o teto, mas sua mente parecia
distante.
― É fodido demais. ― Suspirou.
― Se esteve preso em algum lugar parecido com o que
fiquei, eu entenderia perfeitamente sua revolta, mas isso não seria
sua culpa, nem mesmo se alguém tivesse tocado em você. ― Eu
precisava falar com cuidado para não fazer com que ele corresse
para longe.
Stefano ficou calado, mas estava ouvindo. Eu podia imaginar
o quanto era difícil para ele se abrir.
― Se não estiver pronto para falar sobre esse assunto, tudo
bem, vou entender, mas preciso saber se vai nos dar uma chance,
porque, se não puder ou quiser retribuir o que sinto, eu gostaria que
fosse embora agora. Vai ser doloroso para mim, porém é o certo a
ser feito.
Meu coração estava destruído só em imaginá-lo saindo por
aquela porta.
― Eu não vou deixar você nunca! ― Tinha veemência em
sua voz ao dizer essas palavras.
― Preciso de mais do que isso. Eu amo você como nunca o
fiz na minha vida. Não ligo para o que fez ou faz. ― Entendia que
ele não se sentisse pronto para revelar o seu passado, mas ao
menos precisava saber se ele me amava da mesma forma que eu o
amava. Tinha a necessidade de ouvi-lo me dizer.
― O que quer que eu diga? ― Resfolegou, pondo o braço
sobre os olhos.
Tentei me virar para vê-lo melhor e tentar desvendar o que
ele estava pensando, mas uma dor perfurou minha barriga, que já
estava doendo havia algum tempo. O corte não foi profundo, mas a
lâmina fez seu estrago. Se eu não tivesse me desviado na hora,
teria ficado sem as tripas.
― Merda! ― grasnei, respirando com dificuldade.
― Ei, você está bem? ― questionou preocupado. ― Não se
mexa, vai arrebentar seus pontos.
― Vou ficar, não ligue para mim. ― Se ele precisava disso
para se manter livre, que assim fosse.
― Eu sou complicado, eu sei. ― Virou-se para mim,
apoiando-se no cotovelo bom.
― Isso é um eufemismo ― apontei e respirei fundo. ― Me
diz uma coisa, quando foi ferido lá na batalha?
― Não fui ferido quando fui salvar você, mas numa ilha, ao
resgatar os meninos que estavam presos na Prometheus de lá. ―
Ele me avaliava.
― Suspeitei que foi você a acabar com aquelas pessoas
horrendas que assistiam àquilo.
― Tecnicamente não fui eu, mas dei esse prazer aos garotos.
Lyn e eu ficamos com os cabeças.
― Essas pessoas mereciam, por tudo que viam sem fazer
nada, na verdade aqueles seres abomináveis gostavam disso.
Pensei que eu ia ficar louca por ter matado alguém, mas não fiquei,
ainda mais ao pensar no que aquele homem fazia lá dentro e ia
fazer com aquele menino. Nenhum deles merece estar vivo ―
relatei a verdade, esperando que ele fizesse o mesmo.
― Não queria que você tivesse feito isso. ― Acariciava
minha pele, causando-me arrepios, mas acho que ele nem notou
isso, de tão distraído e furioso que estava ao dizer aquelas palavras.
― Eu não podia ficar parada vendo aquele cretino prestes a
machucá-lo. O que aconteceu com os garotos e com esse menino
especificamente? Não parecia estar lá há muito tempo.
― O nome dele é Mason, e tinha chegado fazia dois dias.
Ainda não tinha sido tocado ou posto na arena para lutar. Ele vai
ficar bem. Lyn fez um bom trabalho. ― Parecia orgulho disso.
― Por que foi me libertar estando ferido? Por que foi lá hoje
sabendo o risco que correria?
― Na verdade, o ataque foi ontem à noite ― esclareceu. ―
Eu me feri na luta com Jared quando o matei. Acho que você vai ter
outro chefe logo.
― Se estava ferido, não deveria ter ido me salvar e encontrar
Marek ― recriminei-o. ― Eu deveria dar uns socos em você por ter
feito essa estupidez! ― Toquei a área perto de sua ferida,
agradecendo a Deus por ele estar vivo.
― Marek ligou falando que, se eu não fosse, você pagaria o
preço. ― Encolheu-se. ― Morri mil vezes pensando no que ele seria
capaz de fazer com você estando à mercê dele. O medo que senti
foi de outro mundo. ― Chegou mais perto, respirando meu cheiro.
― Eu estava bem. Contava que meus irmãos fossem me
resgatar ― sussurrei.
― E quanto a mim? Não estava contando que eu fosse
aparecer? ― Afastou-se e me avaliou.
― Conhecendo você, sabia que seria idiota a ponto de ir.
Mas não entendo. Alonso disse, quando me sequestrou para me
levar até Marek, que o fazia porque ele achava que eu era
importante para você...
Stefano me interrompeu com uma ferocidade desenfreada
em sua voz e expressão.
― Eu não buscava isso tudo! Minha vida era do jeito que
tinha de ser, escura como um breu. Mas aí você apareceu, e tudo
que era escuro se tornou brilhante. Quando estive longe, fui tomado
por uma agonia mil vezes pior que ser torturado. Preferiria isso a
não estar ao seu lado. Era um sofrimento sem fim. Sentia essa
necessidade de estar perto de você, pensava o tempo todo nesse
rosto lindo. ― Emoldurou minha face, enquanto eu o encarava de
olhos arregalados.
― Stefano... ― Minha garganta se fechou de emoção.
― Você é a coisa mais valiosa da minha vida. Sem você, não
tem sentido respirar nesse mundo. ― Abaixou o rosto,
aproximando-o mais do meu. ― Não precisa fazer essa cara de
choque.
― Você me ama? ― Pisquei, tentando assimilar suas
palavras, embora uma parte de mim soubesse, afinal só alguém que
ama seria capaz de ir direto ao covil do inimigo para salvar uma
pessoa, correndo o risco de ser morto.
― Para mim, falar de amor é fácil, mas, ao mesmo tempo,
difícil. Até pouco tempo, não achava ser capaz de sentir tal emoção.
No entanto, achei que você soubesse, pela forma como te olho, te
beijo e devoro seu corpo com uma fome desenfreada. ― Um sorriso
lindo curvou seus lábios perfeitos. ― Eu nunca disse as palavras,
mas meus olhos com certeza me entregaram antes mesmo de eu
perceber esse sentimento. Acho que você não notou...
― No fundo, sim, mas achei que você estivesse me iludindo
― sussurrei.
― Não é ilusão, é verídico. Adoro sua tenacidade, a forma
como se preocupa com os garotos de quem cuida, até com aqueles
que não conhece, como Mason. Seu sorriso lindo, sua risada, seus
beijos, seu corpo. ― Beijou minha bochecha. Eu a sentia dolorida
devido à luta, mas o toque foi tão suave que não me machucou, fez
meu coração resplandecer ainda mais. ― Amo tudo em você,
inclusive seu cheiro, que leva os pensamentos ruins para longe.
― Por isso fica me cheirando? ― Alguém devia ter me
limpado, pois eu não estava com sangue manchando minha pele.
― Sim. Descobri que não posso mais viver sem você, sem
sua presença, sem seu cheiro. ― Seu olhar amolecia meus ossos
de tão intenso. ― Eu ia voltar para você após o ataque à ilha, era
esse o plano, mas fiquei inconsciente por uns dias por ordem do
meu irmão, que achou que eu não ia parar quieto para me curar.
― Ele tinha razão, afinal você foi ferido ao enfrentar um
mafioso assassino ― acusei-o.
― Também sou um mafioso assassino ― assegurou e depois
suspirou. ― Quando me avisaram o que aconteceu com você, não
pensei, só fui para sua casa enfrentar seus irmãos ou esganá-los.
― Eles não tentaram te matar? ― Eu era grata aos meus
irmãos por isso.
― Acho que eu corria o risco de eles tentarem se eu não
estivesse ferido. Deviam estar preocupados demais com você para
pensar em vingança. ― Stefano não parecia com medo, mas ele era
assim, não temia a nada.
― Acho que esse sequestro teve um lado bom, afinal. ― Eu
tinha descoberto que ele me amava, e a tragédia unira nossas
famílias. Contudo, disse isso a ele apenas para aliviar a tensão.
― Não fale isso. Não posso nem pensar nessa merda sem
querer esmagar algo. ― Inspirou fundo.
― Desculpe. ― Peguei sua mão. ― Mudando de assunto, eu
não entendo algo. Alonso disse que levou a mim por ser importante
para você. Mas então quem era aquela garota na arena?
De repente pensei se, de algum modo, Stefano um dia
tivesse se interessado por ela ou se ainda o fazia. Minha pulsação
contra seus dedos mostrava minha reação, mesmo eu tentando
esconder. Isso me deu vontade de arrancar minha mão da dele.
― Sossegue esse coração. ― Beijou de leve meus lábios.
Mesmo com eles doloridos, senti a ternura com que me tocou. ―
Esse rapto não tinha a ver comigo, mas com Lyn. Marek queria se
vingar dele por ter tirado alguém que ele gostava, assim eliminando
todos com quem meu amigo se importava, como eu e Ella, sua irmã.
O alívio me tomou.
― Ela está bem? ― sondei.
― Sim, vai ficar. ― Ele arrumou o lençol sobre nós dois. ―
Quis saber sobre você e lhe agradecer, mas você estava
inconsciente.
― O que ela sabe?
― Não sabe sobre quem somos, então vamos deixar assim
por enquanto. ― Respirou fundo, aconchegando-se mais a mim. ―
É tão bom ter você em meus braços.
― Também acho. ― Entretanto, como preferi conversar com
ele, a minha bexiga estava difícil de aturar. Empurrei Stefano um
pouco para poder me levantar.
― Quer que eu saia? ― A sua voz parecia um pouco
temerosa com essa ideia.
― Não, mas estou apertada para ir ao banheiro ― comentei.
Ele saiu da cama e veio me ajudar com o soro.
― Posso saber por que você não tem essa coisa no braço?
Está ferido como eu. ― Conhecendo-o bem, duvidava que alguém o
obrigasse a alguma coisa.
― Eu não ia ficar apagado quando tenho que protegê-la.
Esses remédios que aplicam no soro dão muito sono. ― Indicou a
mesinha ao lado da cama, sobre a qual havia duas facas e uma
pistola.
― Acho que não estamos em um hospital convencional ―
murmurei. Se fosse, não permitiriam armas à vista de todos.
― Não, ainda estamos em Praga, em uma clínica de um
amigo de Lyn. Quer que eu ajude você?
― Acho que posso lidar com isso sozinha. ― Gostei do seu
oferecimento, mas, mesmo não sendo tímida, não queria fazer xixi
em sua frente.
Após fazer minhas necessidades, encarei-me no espelho,
checando minha aparência. Havia um lábio cortado, a maçã do rosto
direito estava um pouco inchada e arroxeada, isso fora as partes do
corpo que eu não via, mas sentia dolorosamente.
― Merda! ― grunhi.
Assim que pronunciei as palavras, a porta foi aberta e
Stefano entrou, vindo até mim e me checando de cima a baixo.
― O que aconteceu? ― Tocou meu rosto.
― Estou horrível. ― Suspirei. ― Aquele garoto realmente me
detonou, não foi?
― Ele não é um garoto qualquer, é um bom lutador, só o que
sabe fazer é matar. Ainda bem que cheguei a tempo. ― Levou-me
para o quarto, e tornamos a nos deitar lado a lado.
― Eu sei, jamais o venceria ― assenti. ― Temia continuar
lutando e, no final...
― Não vamos tocar nesse assunto agora, está tarde.
― Obrigada por estar comigo. ― Entrelacei nossos dedos. ―
E por me dar seu coração.
― É difícil deixar alguém entrar em meu coração para depois
ter que perder, lutei contra isso, mas foi uma luta vã ― sussurrou. ―
Espero que você não o quebre, pois tem esse poder.
Meu coração deu pulos de felicidade.
― Você tem o mesmo poder, então tomaremos conta um do
outro.
― Sim, tomaremos ― prometeu, beijando-me tão suave e
carinhosamente.
Nesse momento, agradeci aos Céus por estar nos braços
dele e por ter meu amor correspondido. Eu tinha mais do que um
motivo para ser grata a Deus: fui solta do cativeiro sem que
acontecesse nada sério comigo; meu irmão estava vivo; tinha o
amor de Stefano, algo que não achava ser possível. Não podia pedir
mais nada.
Após voltarmos de Praga, fui levada para casa. Meus irmãos
estavam mais controladores do que nunca, mais protetores comigo
e Serena. Eles não brigaram com Stefano por ter me deixado, aliás,
todos pareciam gratos por ele ter ido ao covil de mafiosos para me
salvar mesmo ferido.
Stefano também não me deixava sozinha um segundo. Eu
até gostava disso, mas estava louca para sair. Não suportava ficar
trancada, e o perigo tinha passado. No fundo eu os entendia.
Demoraria um pouco para eles pegarem leve comigo. Com a traição
de Alonso e Rolander – que foi quem me dopou, só bem depois eu
reconheci a voz dele –, meus irmãos ficaram ainda mais
desconfiados de todos.
Parei de pensar nisso e esperei um pouco para sair do
banheiro, no qual entrei com a desculpa de que precisava me trocar
para o almoço que teríamos em família, a minha e a de Stefano.
Tinha deixado a ele e vovó conversando no quarto. Eu havia pedido
a ela para tentar conseguir alguma informação dele. Já estava
achando que ele não ia falar nada, e eu não podia ficar ali por mais
tempo. Antes de sair, ouvi-os conversando enfim.
― Minha neta te ama muito, nunca a vi assim tão feliz ―
disse vovó.
― Eu sei que ela me ama. ― A voz dele soou baixa. ―
Queria ser alguém diferente para Belinda e preciso que você me
ajude com isso.
Eu entendia que era difícil para ele se abrir, por isso meu
coração foi tomado por uma emoção forte, porque ele estava
fazendo aquilo por mim.
― Não precisa ser diferente, ela o ama da forma como você
é, mas acho que necessita ao menos tentar lidar com isso que te
consome. Sei que é difícil, mas...
― É difícil ― concordou.
― Tome seu tempo. ― Ela era minha avó, mas parecia
diferente quando precisava agir como profissional, como naquela
hora.
O silêncio se estendeu por tanto tempo que achei que
Stefano não fosse responder. Eu estava prestes a sair do banheiro
quando ouvi sua voz sussurrada.
― Eu tinha quase 13 anos quando meu pai me levou para
ficar um tempo num local parecido com aquele em que Belinda
ficou. Ele disse que fazia aquilo para me quebrar, para me domar,
melhor dizendo. No entanto, lutei para não deixar que isso
acontecesse. ― Houve mais silêncio, mas ela não ia interrompê-lo a
não ser que fosse necessário.
― O que aconteceu mais lá? Pode me dizer? ― indagou
vovó quando o tempo se estendeu.
― Conheci Lyn, um garoto calado e sombrio, e Jet, um
menino esperançoso e vibrante. ― Sua voz se quebrou ao falar
deles, especialmente do último.
Meu coração se apertou, porque não conheci Jet, e, pela dor
em sua voz, ele estava morto.
― O que houve com ele?
― Jet lutou muito naquele lugar. Ele sempre tinha
esperança... ― sua voz falhou ― até o dia em que Marco o matou.
― Eram amigos. ― Não era uma pergunta. Ficou claro pelo
tom da voz de Stefano.
― Mais que isso, juramos ser irmãos para sempre,
contávamos que nós três sairíamos juntos, mas no final Jet não
aguentou, e me disseram que Lyn tinha morrido, quando ele teve de
aguentar mais tempo no inferno. ― Resfolegou. ― Poderíamos ter
demorado a acabar com Marco; queimá-lo vivo não foi suficiente.
Eu sabia como o pai dele tinha morrido e concordava com
Stefano; não foi suficiente apenas a sua morte para fazê-lo pagar
por toda a sua crueldade.
― Desculpe dizer isso assim, esqueci que você não pertence
à máfia ― ouvi-o dizer baixo e rouco, como se estivesse
controlando sua fúria.
― Estou acostumada com os meus netos. ― Ouvi um sorriso
na voz da vovó, mas, ao falar novamente, ela estava séria. ― Acha
que, se o seu pai estivesse aqui e você fizesse o que tanto queria,
seriam diferentes todos esses sentimentos que o atormentam?
― Acredito que sim... ― Entretanto, não parecia ter certeza.
― O que acha?
― Isso não é sobre mim, mas sobre se você tem certeza de
que, se pudesse se vingar como deseja, isso levaria os pesadelos
para longe.
Eu tinha mencionado sobre seus sonhos atribulados e insônia
a vovó.
― Belinda lhe contou sobre eles? ― Não havia acusação em
sua voz. Isso me deixou aliviada. Só contei aquilo a ela porque ele
não pediu nenhum segredo e eu queria ajudá-lo.
― Ela precisava saber como agir para tornar as coisas
melhores para vocês. Assim você não a machucaria quando
dormissem juntos.
― Uma avó não desejaria para a neta outra escolha de
homem? ― Tinha algo na voz dele que não detectei.
― Belinda faz o que quer, e, além disso, no fundo eu sei que
não a machucaria. Nunca o fez desde que começaram a dormir
juntos ― apontou.
― O cheiro dela e seu calor me acalmam ― declarou e
depois suspirou. ― Acha que tenho cura?
― Como psicóloga, eu lhe diria para fugir de tudo que
envolve a máfia e ter uma vida diferente de tudo que viveu.
― Essa opção está fora de questão ― ele retrucou. ― E não
me traumatiza machucar ou matar alguém que precise. Isso é quem
eu sou e não vai mudar. Belinda me aceita assim.
Stefano jamais sairia da máfia, e eu não queria que aquilo
acontecesse. Eu não deixaria minha família por nada no mundo.
― O que quero saber é se posso continuar dormindo com ela
sem machucá-la. ― A voz dele falhou. ― Não suporto a ideia de
Belinda ser ferida, ainda mais por mim.
― Como eu lhe disse antes, aquele era minha opinião como
profissional. Agora irei falar como avó dela. O meu aconselho é que
converse com Belinda antes de termos mais sessões. Se você
quiser continuar, claro.
― Não quer ouvir toda a minha história? ― ele sondou
curioso.
― O que conta não é o que eu quero, mas se você deseja
revelar agora. Quer?
― Não sei...
― Acho que deve contar a Belinda primeiro.
― Vou fazer isso. Mas digo logo que quero continuar com as
sessões ― assegurou. ― Falei com Valentino, ele disse que a
terapia o ajudou muito.
Meu irmão passou um tempo difícil após a morte de Lorena.
Para ele foi pior do que para todos nós, isso porque ele foi
sequestrado e obrigado a presenciar tudo que fizeram com nossa
irmã sem poder ajudá-la. Nós lhe dissemos que não era culpa dele,
o que era verdade, e no fundo eu achava que ele sabia, mas era
difícil lidar com os sentimentos. Por isso ele fazia terapia.
― Cada dia é um aprendizado ― comentou vovó. ― Como
avó de Belinda, estou feliz por ela ter alguém como você em sua
vida.
― Obrigado, senhora. Não sei o que vai acontecer com esse
meu problema, mas não vou desistir de sua neta por nada.
Ouvi um movimento como se alguém estivesse se
locomovendo.
― Eu sei que a fará feliz, aliás, já faz.
― Ela me faz muito mais. Essa escuridão que há em mim fica
menor na presença dela.
― Você criou um vínculo com Belinda, então se sente
confortável com ela. Acredito que é por isso que não a machucou e
que não o fará. ― Ela parecia confiante acerca disso, assim como
eu. ― Conte tudo a ela. Isso vai ajudá-lo a lidar com seus demônios,
porque deixar sentimentos guardados corrói como um câncer, eles
vão absorvendo e tomando conta de tudo. Como você me disse que
Belinda te ajuda a lidar com as lembranças, então se apegue a isso,
e tudo dará certo. ― Vovó suspirou. ― Diga à minha neta que vou
esperá-los lá embaixo.
Eu queria dar pulos de alegria por Stefano ter resolvido se
abrir com ela. Ainda não tinha contado tudo, e eu acreditava que o
pior estava por vir, mas pelo menos ele estava me deixando entrar.
― Aviso, sim. Vou esperar Belinda sair e já descemos.
Após ouvir a porta bater, eu soube que vovó tinha saído,
então era hora de eu ir até ele e depois aproveitarmos juntos aquele
dia com nossa família. Meu irmão tinha saído do hospital no dia
anterior e estava indo bem. No momento, estava em uma cadeira de
rodas até se recuperar melhor, o que Santiago estava odiando.
Quando entrei no quarto, Stefano estava sentado na cama
vestido com um terno sem gravata.
― Lindo! ― elogiei-o, não demonstrando que eu tinha ouvido
sua conversa.
Ele piscou, checando meu corpo de cima a baixo. Juro que
tudo em mim se acendeu como uma árvore de Natal. Cada célula
minha vibrou. Eu usava um vestido verde-água frente única e longo,
mas com uma abertura na coxa direita.
― Porra! Se não estivéssemos na casa dos seus irmãos, eu
a foderia sem sentido agora. Isso se não estivéssemos ainda um
pouco nocauteados. ― Sua voz calorosa me deixou ainda mais
quente que seu olhar. Tudo nele me fazia latejar entre as pernas. ―
Mas posso pensar em outra forma de “brincar” que não atrapalhe
nossa recuperação... Isto é, se não fosse seus irmãos lá embaixo.
Droga! ― Veio até mim e me beijou faminto.
Antes que eu pudesse aproveitar mais, Santiago gritou:
― Belinda, se não descer agora, juro que saio dessa cadeira
e subo essa escada!
Stefano indagou junto aos meus lábios:
― Ainda ficaria comigo se eu quebrasse a cara de seu
irmão? ― Afastou-se sem vontade.
Nessa hora, eu quis chutar a bunda de Santiago.
― Vamos descer antes que alguém venha aqui. ― Eu ainda
mancava em razão do ferimento e minha perna, mas estava me
recuperando bem, graças aos Céus.
Stefano tentou me pegar no colo.
― Nem ouse, ainda está machucado como eu, não pode
pegar peso ― declarei, afastando-me dele. ― Estou bem.
O seu corte estava cicatrizando-se, mas ele não podia
extrapolar. O meu também, além disso o meu braço ainda doía, mas
nada com o que eu não pudesse lidar.
Descemos a escada e encontramos todos na sala, meus
irmãos, Luna, seus irmãos e cunhados, filhos e sobrinhos. As
meninas estavam brincando perto do sofá, e Vincenzo, não muito
longe dali.
Santiago estava perto da escada com a cara emburrada.
― Está atrasada ― reclamou.
― Você devia arrumar uma namorada, talvez isso
melhorasse seu humor. ― Sorri provocante.
― Isso está fora de questão, não penso em me perder nunca.
― Sorriu provocador também. ― A vida é boa demais para eu ser
amarrado por uma mulher.
― Se lembra dessas palavras alguns meses atrás, Stefano?
― Rafaelle sorriu para o irmão e depois para o meu. ― Veja como
ele está agora com a sua irmã.
Santiago fechou a cara e já ia pronunciar algo, mas uma
menina loira de uns 10 a 12 anos se aproximou de nós. Era
Graziela.
― Tio Stefano, comprei para você e Belinda! ― Entregou
uma caixinha para ele.
― Para nós? O que é? ― Ele abriu o objeto, e dentro dele
tinha um globo de vidro com uma constelação. ― É lindo, querida,
obrigado.
― Você é uma estrela para mim, assim como sou para os
meus pais ― declarou a garotinha, sorrindo para Alessandro e Mia.
― Eles me amam.
― Todos a amamos, princesa ― assegurou Stefano com
uma emoção forte na voz.
― Obrigada, princesinha. ― Abracei-a.
― Também trouxemos algo para Belinda em gratidão por ter
nos salvado. ― A voz veio da minha direita.
Olhei para o lado, deparando-me com Paco, Neto e Yago,
que foi quem falou. Sorri quando se aproximaram. Os mais velhos
pareciam nervosos.
― Que surpresa boa estarem aqui! ― Abracei cada um
deles, pegando o presente das mãos de Paco. ― Obrigada.
― Não é nada grandioso. ― Neto olhou furtivamente para o
presente que Graziela deu a Stefano, algo que parecia ter custado
uma fortuna.
― Nós três fizemos ― afirmou Paco animado, sem notar o
nervosismo dos irmãos.
Isso tocou meu coração ainda mais, deixando-me orgulhosa
dos meus garotos.
― Eu tenho certeza de que vou amar. ― Abri o pacote, e,
dentro dele, tinha um álbum de fotos com nós quatro juntos, que
tiramos depois do ataque ao orfanato. ― Nossa, é lindo! Obrigada
aos três, adorei de coração.
Estava emocionada com o gesto deles.
― Eu não recebo presente? Estou aqui nessa cadeira de
rodas ― reclamou Santiago, mas eu apostava que disse aquilo
apenas para tirar a tensão dos meninos.
Os garotos e Graziela olharam para ele.
― Eu não trouxe nada para você. Não sabia que estava
doente. ― Graziela, com sua doçura, pareceu triste por um
segundo, mas depois olhou para Alessandro. ― Podemos ir
comprar um presente para ele, papai?
Percebi a fachada de gelo de Alessandro se derreter com o
gesto da filha. Aliás, isso aconteceu com todos ali, incluindo os
meninos, exceto Paco, que era novo demais para perceber.
― Podemos fazer um retrato para você também ― disse
Paco ao meu irmão.
Santiago era um homem durão, mas muito mole no que dizia
respeito a sentimentos. Notei que ele ficou emocionado.
― Vamos deixar para quando vierem aqui novamente ―
finalmente disse, sorrindo para os meninos e Graziela.
― Eu vou trazer, prometo. ― Sorriu a menina.
― Vamos fazer o nosso também ― asseverou Paco.
Graziela se virou para Neto. Os dois pareciam ter mais ou
menos a mesma idade.
― Podemos brincar no jardim antes do almoço, tem um
labirinto aqui, é tão lindo ― ela chamou os meninos.
Neto assentiu, pegando a mão de Paco.
― Adoraria vê-lo ― disse a ela, depois se voltou para mim.
― Podemos ir?
― Claro, a casa é de vocês. ― Sorri no intuito de fazê-los
relaxar.
Eles estavam saindo, quando Stefano alertou, após Graziela
pegar a outra mão de Paco:
― Estou de olho, Neto.
O garoto parou de andar e o encarou.
― Eu... ― Ele parecia tenso.
Eu entendia que era sua primeira vez ali, por isso estava
nervoso. Devia pensar que estava fazendo algo errado.
― Não liga, Stefano só está brincando. ― Sorri para fazer os
meninos relaxarem.
Neto o avaliou por um momento. Nesse instante, eu quis
chutar a canela de Stefano, mas, em vez disso, dei um beliscão em
uma de suas costelas, forçando-o a melhorar sua expressão.
― Estou, sim, amigão, pode ir ― afirmou ele.
Neto respirou fundo, parecendo aliviado.
― Meu tio é ciumento, não liga ― ouvi Graziela dizer
enquanto retornava a caminhar na direção da cozinha para ir ao
jardim dos fundos. ― Teve uma vez que ele ameaçou o meu amigo
de jogá-lo no vaso sanitário só para eu não dançar com ele...
A voz dela foi sumindo enquanto eles desapareciam de vista,
e não ouvi o que Neto respondeu.
― Você ameaçou uma criança? ― Pisquei aturdida.
Ele fez uma careta.
― Não ia fazer nada. ― Deu de ombros.
Eu sabia disso, Stefano preferiria cortar um braço a matar um
garoto. Nem aquele que me machucou ele quis matar, imagina uma
criança.
― Vou tomar conta deles ― garantiu Yago, saindo da sala e
indo até seus irmãos.
― Sorte sua ainda estar se recuperando, ou eu chutaria sua
bunda ― rosnei para Stefano, indo até Mia, que segurava um
embrulho nos braços. O filho dela tinha nascido enquanto Stefano
estava inconsciente no hospital, um dia antes de ele acordar, pelo
que ele me disse.
― Belinda, eu não ia fazer nada, juro. Só não queria que
minha princesa dançasse com aquele garoto ― ouvi Stefano dizer
atrás de mim.
Olhei para ele.
― Se disse isso por causa de uma simples dança, imagina
quando ela começar a namorar? ― Quis sorrir da expressão furiosa
de Stefano ante essa ideia.
― Ela não vai namorar nunca ― sentenciou Alessandro com
um grunhido.
Sacudi a cabeça.
― Todos são tolos por pensar isso. ― Suspirei e me virei
para Mia, que revirava os olhos para o marido. Toquei o rostinho de
porcelana da criança. ― Como ele se chama?
― Enrico.
― Ele é lindo. ― Sorri para o bebê.
― Você devia fazer um bisneto para mim, afinal meus netos
estão todos adultos ― disse vovó.
Ouvi grunhidos na sala vindos dos meus irmãos.
― Talvez uma menina, assim arruma um namorado para ela
ao invés de querer arranjar para as minhas filhas ― grunhiu Miguel
para mim.
Olhei para ele, ao lado de Luna e minhas princesas no chão,
brincando. Recordei-me de ter dito isso quando as meninas ficaram
aqui em casa, mas falei apenas para provocá-lo.
― Nem fodendo que, se tivermos uma filha, ela vai namorar.
Acho que eu irei alcançar um novo recorde de velocidade ao tirar os
infelizes de campo, como fiz com Jade e Luna. ― Stefano parecia
estar ansioso por isso.
Revirei os olhos e me sentei no sofá, pois meu corpo ainda
estava dolorido, principalmente minha perna.
― Eu deveria reclamar quanto a isso, mas não vou, afinal
tenho Luca ― disse Jade perto do homem de cabelos escuros, seu
marido.
― Miguel foi o único que enfrentou meus irmãos por mim ―
apontou Luna.
Nesse ínterim, as minhas princesas vieram até mim. Carmen
ficou de pé ao meu lado, mas Kélia subiu no meu colo, fazendo-me
arfar quando se sentou na coxa machucada.
― Tia... ― entoaram as duas.
Stefano se aproximou para tirá-la do meu colo, e eu
permitiria, mas Miguel e Luna foram mais rápidos, um pegando
Kélia, e a outra, Carmen.
― Sua tia está dodói. Assim que ela estiver boa, vai pegar
vocês duas ― disse o pai delas.
― Você está bem? ― sondou minha irmã, preocupada.
― Sim. ― Sorri para tranquilizar a todos e mudei de assunto
para distraí-los, perguntando a Fabrizio: ― Como conseguiu trazer
os meninos?
― O juiz que assumiu a jurisdição após a morte de Jair é um
dos meus aliados. ― Deu de ombros.
― Obrigada. Fico feliz que eles estejam aqui. ― Olhei a
todos. ― Que todos vocês estejam... ― Senti a falta de uma
pessoa. ― E Serena? Onde ela está?
― Já deve estar chegando ― respondeu Valentino.
Stefano se sentou ao meu lado e apertou minha mão.
― Queria dizer que estou grata e feliz por ter conseguido
estar aqui hoje. Ao ficar presa naquele lugar, pude sentir um pouco
do que Lorena e vocês passaram. ― Olhei para Valentino. ― É
horrível não saber o que acontecerá, estar à mercê de alguém.
Rezei para que eu pudesse me libertar para ver cada um de vocês.
No final, Deus me ouviu e me trouxe de volta para minha família.
Levantei-me e abracei cada parente meu, suspirando por
estar em seus braços, então me sentei de volta.
― Nós também estamos contentes e imensamente gratos por
você estar de volta sã e salva, meu bem. ― Vovó suspirou. ―
Espero que nada assim aconteça de novo.
― Não vai ― afiançou Stefano e Fabrizio ao mesmo tempo.
Depois meu namorado disse: ― Ela vai ficar segura em Milão.
― Acho que você está se apressando demais ― apontou
Santiago. ― Afinal nem se casaram ainda.
― Estou resolvendo isso ― Stefano falou.
Pisquei, olhando para cada um da minha família. Não sabia
se conseguiria deixá-los para ir a outro lugar, bem como o meu
trabalho, que eu amava fazer, os meninos... Meu peito se apertou,
sem saber o que fazer.
― O que foi? ― inquiriu Stefano.
― Nada. ― Coloquei uma fachada em minha expressão, não
querendo que ninguém soubesse o que eu estava pensando. Fiquei
de pé. ― Vamos almoçar ou não?
Meus irmãos me avaliavam, assim como Stefano,
provavelmente tentando descobrir o que se passava comigo, mas
eu não ia falar sobre aquilo por enquanto. Precisava pensar. Queria
estar ao lado de Stefano, mas não dar adeus a tudo que me
importava. Tinha pensado que poderia ter todos ao mesmo tempo.


A conversa à mesa se arrastou, mas não ouvi nada. A minha
mente estava um turbilhão.
Após o almoço, fui para o jardim e me sentei em um dos
banquinhos, vendo os meninos correrem pelo vasto espaço.
― Belinda, o que está acontecendo? ― Stefano se sentou ao
meu lado, pegando minha mão. ― Se não quiser se casar...
― Não é por isso. Ei, não devia pedir minha mão antes de
anunciar que vamos nos casar? ― Olhei para ele.
― Vou pedir a você depois, estou organizando umas coisas
para tornar o pedido perfeito.
Meu coração derreteu.
― Não quero deixar nada disso ― sussurrei, enfim falando o
que me incomodava.
― O quê? ― Ele parecia confuso. ― Está dizendo sua casa?
― Não a casa em si, mas a convivência com meus irmãos,
os meninos. ― Olhei para eles, brincando de bola não muito longe
dali. ― O orfanato, meu trabalho.
― Por que teria que deixar tudo isso? ― Franziu a testa.
― Você disse Milão...
Entendimento cruzou suas feições.
― Vem aqui. ― Abraçou-me de lado. ― Vamos resolver isso,
você não vai perder nada, eu juro.
Não era só isso. Em Barcelona vivi a minha vida toda, tinha
muitas memórias, ia sempre ao cemitério, e, caso me mudasse para
Milão, não poderia vir à minha cidade natal frequentemente.
Coloquei minha cabeça em seu ombro bom, inspirando seu
maravilhoso cheiro, que me confortava.
― Obrigada. ― Beijei seus lábios. ― Eu te amo.
Stefano aprofundou mais nossos beijos. Depois de sua
declaração no hospital, ao confessar o que sentia, eu não tinha
ouvido as palavras de novo. Embora eu soubesse o que ele sentia
por mim, era bom ouvir de vez em quando.
Deixei de pensar nisso e me derreti em seus braços.
Após conversar com Belinda na sua casa no dia do almoço
em família, havia algumas semanas, peguei-me a pensar no seu
medo de deixar tudo para ir a um lugar desconhecido.
Ela amava trabalhar, o que podia ser feito em Milão, mas
tinha o orfanato e as crianças, seus irmãos, suas visitas ao túmulo
de seu pai semanalmente. Eu percebia a sua necessidade de se
sentir nem que fosse um pouco mais próxima a Paulo.
Então só me restava uma opção, por isso estava na mansão
dos Castilhos, para falar com o irmão dela após tomar minha
decisão.
Entrei no escritório de Fabrizio.
― Quando vai pedir a mão de Belinda a ela? ― sondou
assim que me viu.
Eu já tinha pedido a ele e seus irmãos, só por formalidade,
afinal me casaria com Belinda de qualquer jeito, só se ela dissesse
não, o que eu tinha certeza de que não aconteceria.
Sentei-me em frente a ele.
― Tenho um problema quanto a isso. ― Um que eu faria de
tudo para resolver.
― Se vai desistir dela...
Cortei-o:
― Jamais faria algo assim! ― Suspirei. ― Após o
casamento, teremos que ir embora, mas acho que ela não quer ir.
Belinda ama demais o orfanato e tudo aqui, em Barcelona.
― Notei isso naquele dia, no almoço ― comentou. ― Estive
pensando, até falei com os anciões.
― Sim? ― incitei-o a continuar.
― Você tem duas opções. A primeira, ficar aqui...
― Não posso deixar os negócios da minha família. Meus
irmãos precisam de mim ― interrompi-o, preocupado.
― Foi o que pensei. ― Fabrizio assentiu. ― Então resta a
outra opção. Você ter um negócio aqui.
Franzi a testa.
― Está falando para eu trabalhar para você? Não sou um
desertor, jamais trairia minha família. ― Sair da máfia não era fácil,
e ainda pior era passar a fazer parte de outra, isso era considerado
traição. Havia uma grande diferença entre aliança e deserção.
― Não, honro a família e dou valor a quem valoriza os laços.
― Tinha respeito em seu tom de voz. ― O que eu ia sugerir era dar
metade de Barcelona a você para que traga negócios de sua
organização para cá.
― Está dando para mim um pedaço do seu território? ―
Fiquei um pouco chocado, mas no fundo entendia a sua razão. Eu
faria o mesmo pelas minhas irmãs.
― Sim, estou pensando em expandir meus negócios em
Praga e algumas partes da Alemanha, então perder parte de um
território não me fará mal algum. ― Olhou-me. ― É por Belinda.
Pela família, sou capaz de tudo. O que acha? Aceita?
― Tenho que falar com Alessandro, mas acho que vai dar
certo. ― Eu estava animado por ele ter oferecido aquela solução
para eu não ter de levar Belinda para longe.
― Então converse com ele. Qualquer coisa, marcamos uma
reunião para semana que vem.
― Sei que o que está fazendo é por Belinda, mas lhe
agradeço mesmo assim. ― Levantei-me, ansioso para informar a
Belinda sobre a decisão de seu irmão, algo que ela amaria.
Ele assentiu, bebendo um gole de seu uísque.
― Conseguiu o anel?
― Irei à procura de um hoje, com ela.
― Se não se incomodar com minha interferência, tenho a joia
certa para isso. ― Ele pegou algo em uma gaveta de sua mesa, e
logo percebi ser uma caixinha. ― Era da minha mãe. Ela me pediu
que eu o desse a quem das meninas se casasse primeiro. Acho que
Belinda vai gostar.
― Obrigado. ― Abri a caixa. Dentro dela tinha um anel com
dois diamantes corte princesa.
Após sair do escritório, antes de ir para o quarto de Belinda,
parei no corredor do andar de cima para ligar para Alessandro.
― Stefano. ― Ouvi gritos do outro lado da linha.
― Pode conversar agora? ― Alguém devia estar passando
por maus bocados.
― Sim ― respondeu, depois ouvi uma porta se fechando, e
enfim o silêncio.
― O que está acontecendo? ― sondei.
― Algumas pessoas que achavam que podiam me enganar
― rosnou. ― Nada sério. Foi resolvido. O que foi? Stefano, se você
desistiu de se casar, aí, sim, vamos ter um problema, pois...
Interrompi-o:
― Por que todos pensam isso? Primeiro Fabrizio, e agora
você?
Ele ficou em silêncio por um momento.
― Então qual é o problema? ― inquiriu.
― Belinda não quer morar aí, ela tem tudo que ama aqui. ―
Respirei fundo.
― Então o que você fará? Não vai se casar? ― perguntou
parecendo curioso.
― Claro que vou! ― declarei com firmeza. ― Mas vou morar
aqui com ela.
― Não pode fazer isso! Preciso de você aqui. Você fez um
juramento de lealdade a mim, o seu capo. Além disso, somos uma
família!
― Não vou desertar! ― grunhi. ― Não sou um traidor de
merda!
― Eu sei que não é, mas conheço agora o poder que o amor
tem. Ele nos faz capazes de desistir de tudo ― esclareceu.
― Desistiria do seu cargo de capo por amor? ― No fundo, eu
sabia a resposta.
― Espero nunca ter que fazer essa escolha ― finalmente
disse. ― Então o que você quis dizer?
Contei-lhe a minha conversa com Fabrizio.
― O que acha? ― Estava ansioso para que ele aceitasse.
― Bem, isso é bem generoso da parte dele. ― Ficou calado
por um tempo.
― Quer falar o que está pensando? Esse silêncio está me
deixando à flor da pele!
― Quando não esteve? ― Ouvi um sorriso em sua voz. ―
Acredito que podemos negociar e fazer funcionar.
Soltei um suspiro de alívio.
― Também acho, foi isso que Luca fez por Jade. ― Meu
cunhado veio para um dos nossos territórios em Milão após darmos
uma parte da cidade para os Salvatores.
― Agora os Castilhos estão fazendo o mesmo pela irmã
deles. Valorizo isso ― disse meu irmão. ― Vou organizar tudo com
Fabrizio.
Assim que desliguei, entrei no quarto de Belinda, que estava
terminando de fazer uma mala. Íamos passar o final de semana
juntos. Eu estava preparando uma surpresa para ela.
― Aonde vamos? ― Ela pegou a bolsa e a mala, mas as
peguei de sua mão.
― Surpresa.
Saímos da casa e entramos em meu carro, depois partimos
rumo ao lugar que eu tinha conseguido. Já estava tudo preparado.
Ainda bem que não precisei parar para comprar o anel.
Com a ajuda de Serena, descobri algo que Belinda gostava
de fazer junto às irmãs, até que Lorena foi morta. Depois disso, ela
não fez mais, nem sequer foi ao local. Eu só esperava que isso não
lhe trouxesse lembranças dolorosas demais.
― Ah, por favor, me diz aonde vamos! ― implorou no
caminho.
― Não vai demorar muito ― esquivei-me, saindo da cidade e
partindo na direção das montanhas.
Estava nervoso, tanto porque temia sua reação ao lugar
como por eu ter decidido lhe revelar acerca do meu passado. Não
podia pedir sua mão havendo segredos entre nós.
As minhas sessões com a sua avó me ajudaram um pouco,
eu só não me abria muito, pois queria fazer isso com Belinda
primeiro antes de dar aquele passo. Tinha me preparado a noite
toda, mas provavelmente nada seria capaz de me preparar para
uma revelação assim. Pensar no que aconteceu era uma coisa, mas
falar sobre o assunto era outra completamente diferente.
― O que foi? ― sondou ela, avaliando-me.
― Nada, só ansioso para ficarmos sozinhos. ― Não queria
contar-lhe o que estava pensando, não antes da hora.
Eu não sabia se ela tinha acreditado, mas não disse nada,
então ficou tensa assim que passei por uma curva, saindo da
rodovia.
― O que estamos fazendo aqui? ― indagou quando parei em
frente à mansão de férias dos Castilhos, que ficava em cima de uma
montanha. A neve caía ao redor em razão da estação do ano e da
altitude.
― Como você sabe, quero lhe contar o que aconteceu
comigo. Terei que enfrentar o passado e achei que você devia fazer
o mesmo, mas, se não quiser, podemos ir para outro lugar. ― Olhei
para ela e depois para fora da janela. ― Embora esteja nevando
muito para andarmos por aí. Você decide.
Belinda ficou em silêncio, encarando a casa, a mente cheia
de lembranças. Eu via isso em seu rosto.
― Quer saber? Vamos embora. ― Estendi a mão para ligar o
carro de volta, mas ela colocou a mão sobre a minha.
― Não. Se vai enfrentar o seu passado, vamos fazer isso
juntos ― anunciou com firmeza.
Assenti, e saímos do carro. Um vento gelado banhava meu
rosto.
― Vamos entrar antes que nossas bundas congelem. ―
Peguei sua mão e nossa bagagem, pendurando uma mochila em
um ombro e segurando a mala dela com a outra mão.
Corremos para dentro da mansão, que era muito
aconchegante.
― Onde fica seu quarto? ― sondei ao pé da escada. ― Vou
deixar as coisas lá. Enquanto isso pode acender a lareira para nos
aquecermos?
Ela me disse onde ficava a suíte, então subi e deixei a
bagagem no cômodo, depois desci à sua procura, encontrando-a
sentada no carpete de camurça diante do fogo, que começava a
crepitar, ainda fraco. Tinha uma garrafa de vinho no chão ao seu
lado.
― Achei que íamos precisar disso depois. ― Apontou para a
bebida.
Aquiesci e me sentei ao seu lado.
― Este lugar me traz muitas recordações. Ali ― indicou uma
mesa ― Lorena desenhava, enquanto Serena e eu brincávamos. Eu
vivia querendo levá-la para brincar na neve, mas ela quase não ia e,
quando o fazia, era para nos desenhar.
Peguei um caderno no chão, cheio de desenhos.
― Ela era brilhante ― declarei, colocando de lado o caderno
e a puxando para mais perto. ― Não trouxe você aqui para chorar,
senão vamos embora.
Ela fungou no meu peito.
― Não estou chorando ― contestou, fungando. Até naquele
momento difícil ela queria ser forte. ― E não quero ir embora,
vamos ficar. Não são recordações tristes, são alegres. Só sinto
saudades dela.
― Eu sei que sente, querida. ― Alisei seus ombros. ― Agora
quer ouvir o que aconteceu comigo?
― Se não estiver pronto, vou entender ― sussurrou.
― Tenho que estar. Não quero ter segredos entre nós quando
nos casarmos.
― Seja o que for, estarei ao seu lado para sempre. ―
Afastou-se e me fitou.
― Obrigado. Fico contente em ouvir isso. ― Respirei fundo.
― O que ouviu naquele dia em que falei com sua avó?
Eu sabia que ela tinha ouvido, mas não mencionou nada.
Acreditei que queria me dar o tempo que eu precisava.
― Que tinha dois amigos, Lyn e Jet, que foi morto, e que o
monstro do seu pai te deixou trancado em uma arena igual àquela
em que fiquei.
― Sim. Jet foi meu amigo até o seu último dia de vida. Me
salvou no final. ― Contei tudo a ela, que pensei que minha mãe
tinha morrido, os dias no cativeiro. Minha amizade com Lyn e Jet.
Nossas esperanças de sermos soltos. As atrocidades que
aconteciam naquele lugar. Ela não tinha visto nem metade de tudo
que acontecia naquele tipo de local.
― Alguém abusou de você? ― Sua voz falhou no final.
― Quase. ― Relatei o que aconteceu naquele dia com
Kanon, o que ele quase conseguiu fazer comigo, depois narrei o
assassinato de Jet por meu pai. ― No final, vendi minha alma ao
diabo só para ter uma chance de matar Marco. Estava louco por
pensar que tinha perdido tudo, meus irmãos, minha mãe, meus
amigos. Não me restava nenhuma luz naquela maldita arena.
Ao pensar naquilo, meu coração cortava fundo em meu peito.
― Matei muitos meninos só para chegar ao meu pai e
destruí-lo, e no final nem pude matar o infeliz.
― Odeio seu pai ainda mais! ― Belinda chorava ao final da
narrativa, com a cabeça em meu ombro.
Coloquei meu braço direito em cima de seu ombro e alisei
seus cabelos.
― Marco está queimando no inferno agora ― falei, mesmo
que no fundo quisesse que ele tivesse primeiro penado na Terra.
― Pode ser, mas deixou você com esse abismo de dor e
tormento com que lidar. ― Limpou seus olhos. ― Um pai não devia
permitir esse tipo de coisa.
― Eu sei. Deixei que ele me controlasse, fiz o que ele
desejava... ― Encarei as chamas da lareira. ― Não sinto
arrependimento quando mato, gosto de derramar sangue, ouvir os
gritos dos meus inimigos. Mas o que fiz com aqueles meninos me
consome por dentro. Podiam ser assassinos sem emoção, mas
eram garotos forçados àquele tipo de vida.
― Você também era, pensava que tinha perdido tudo. A dor o
absorveu, e só fez aquilo que achava ser o certo. Eu fiquei um dia
presa lá e quis matar todos aqueles vermes, imagina você, preso
por semanas ou meses com os homens do seu pai mexendo com
sua cabeça, a crueldade que havia lá... ― Ela sacudiu a cabeça
com raiva. ― Então não pense nisso, não foi sua culpa.
― Eu nunca tinha sentido uma dor daquela magnitude,
quando pensei que tinha perdido tudo de bom que havia em minha
vida. Foi desesperador. ― Respirei fundo. ― Em busca de
vingança, matei tantos... Seus rostos, ainda os vejo.
Fechei meus olhos, vendo cada um deles. No fundo, eu não
queria esquecê-los, pois precisava dessa dor; era pouco comparado
à vida que tirei deles.
Belinda segurou meu rosto entre suas mãos.
― Você era uma criança que foi deixada em um inferno.
Lutou lá dentro para sobreviver. ― Beijou meus lábios de leve. ―
Sei que levará um tempo para se curar, mas quero que saiba que
estarei sempre ao seu lado seja para o que precisar.
― O que preciso é do seu amor. Nada me fará mais feliz do
que isso. ― Fitei seus olhos lindos. ― Nunca pensei que fosse amar
alguém como amo você. Esse sentimento me faz ter forças para
lutar contra tudo.
― Eu também te amo muito ― declarou ela.
― Agradeço a quem quer que a tenha enviado para mim. ―
Estava mesmo grato.
― Acredito que foi nossa irmã, afinal, se ela não fosse de
ambas as nossas famílias, eu não teria conhecido aquele garoto
marrento e cheio de si. ― Ela sorriu.
Na verdade, eu achava mais provável que fosse o pai dela,
mas não queria tocar no assunto para evitar entristecê-la.
― Vamos agradecer a ela depois.
Deitei Belinda no carpete e pairei em cima dela, beijando-a
com fome, com aquela paixão avassaladora por aquela mulher, que
me consumia. Tirei suas roupas, deixando-a nua para o meu deleite
e prazer. A lareira nos aquecia, bem como o calor dos nossos
corpos.
― Eu estava faminto por você ― declarei, colocando um dos
seios em minha boca e o sugando.
― Merda, como isso é bom! ― Sua voz saiu falha.
Por causa de nossos machucados, ficamos um tempo sem
transar, só fazendo oral. Eu estava louco para possuí-la de todas as
formas que podia.
― Lembra de uma vez que eu disse que a tomaria de todas
as formas? ― Levei minha mão entre suas pernas, ao mesmo
tempo esfregando seu clitóris e a penetrando com um dedo.
Ela arfou, arqueando-se contra a minha mão.
― Sim, você disse que um dia faria sexo anal comigo e me
mostraria o quanto podia ser prazeroso. ― Ela ofegou, fechando os
olhos.
Sorri, mordiscando seu seio e acelerando mais os
movimentos dos dedos.
― Sim. Agora me diz, vai me dar essa parte sua? ― Estava
louco de tesão, mas só faria aquilo se ela quisesse. Não era todas
as mulheres que gostavam de anal.
― Eu sou sua, pode fazer o que quiser comigo! ― afirmou
apaixonada e gritou quando a liberação a atingiu.
Não parei, deixei seus seios e segui com uma trilha de beijos
até seu centro molhado. Inspirei o seu cheiro de sexo e prazer.
― Estava faminto para comer essa boceta saborosa. ― Abri
suas pernas, vendo-a tão exposta para mim, tão perfeita. Coloquei
minha boca sobre ela, tomando seu nervo pulsante entre os dentes,
mas não para ferir, só para gerar uma mistura explosiva de leve dor
e prazer.
Seus gemidos eram o som mais maravilhoso do mundo, que
passei a amar. Cada intrusão da minha língua a deixava mais louca,
até que ela gozou de novo, com um grito.
Afastei-me e tirei minha camiseta, olhando para ela ali, toda
mole e quente.
― Acho que é minha vez. ― Ela segurou o cós de minha
calça, mas segurei sua mão. ― O que foi?
Sorri de sua expressão, colocando a mão no bolso e pegando
a caixinha.
― Quero fodê-la como minha noiva. ― Entreguei-a a ela. ―
Veja se gosta.
Belinda deu uma risada.
― Nada de “aceita se casar comigo” ou “prometo que a
amarei para sempre”?
Sorri.
― Posso me pôr sobre um dos joelhos e pedir, mas sei que
vai aceitar de qualquer maneira. ― Ajoelhei-me entre seus quadris.
― Quer que eu faça?
― Não ligo para isso, contanto que seja meu, e eu seja sua.
― Ela abriu a caixa e arfou.
― Era de sua mãe. Fabrizio me deu para o entregar a você
― falei, pegando o anel de sua mão e o colocando em seu dedo. ―
Gostou dele?
― É lindo. Ele trouxe felicidade aos meus pais pelo tempo
que tiveram juntos, acredito que trará a nós dois também. ― Ela
sorriu. ― Agora sou sua noiva. Vai me foder ou ficar parado aí, me
olhando?
Aquela mulher era perfeita para mim! Mesmo eu não a
merecendo, eu a tinha ali, em meus braços.
― Ah, vou aproveitar cada segundo desse delicioso corpinho.
― Tirei minhas calças e sapatos, então me posicionei entre suas
pernas e a penetrei, enchendo-me de completo êxtase.
― Achei que quisesse minha bunda... ― ela falou, logo
jogando a cabeça para trás assim que bati fundo nela.
― A noite é uma criança. Podemos fazer mais tarde, ou
amanhã, ou depois. ― A cada palavra, eu a penetrava mais fundo,
até sentir minhas bolas batendo em sua bunda.
Seus gritos de prazer tomavam todo o lugar.
― Nesse momento, só quero comer essa boceta perfeita. ―
Tomei um dos seus seios em minha boca enquanto a estocava. ―
Isso, geme mais, grita, pois adoro quando faz isso!
A cada estocada, eu sentia que estava cada vez mais perto
da borda, mas não ia gozar sem que ela o fizesse antes. Coloquei a
mão entre nós e toquei seu clitóris, fazendo-a se desmanchar de
prazer contra o meu corpo.
― Goza, querida! ― Beijei-a enquanto ela gritava em êxtase
e alcancei o clímax logo depois dela, saboreando cada momento.
Fiquei em seu interior até que ela parasse de tremer em seu
orgasmo e a puxei para os meus braços.
― Agora, sim, é oficialmente minha noiva. Selamos a
promessa com sexo ― declarei, beijando o anel em seu dedo.
Belinda riu.
― Selada com sexo, hein? Gosto do som disso. ― Colocou o
queixo em meu peito e me olhou de modo sério. ― Sobre onde
morar...
― Vamos morar em Barcelona. ― Toquei seu rosto. ― Não
vou tirar você daqui.
― Mas sua vida está em Milão...
― Minha vida está onde você estiver! ― asseverei com
ferocidade.
― Seu irmão aceitou isso? ― Ela parecia aliviada.
― Sim, vamos abrir um negócio aqui. Fabrizio nos deu um
pedaço do seu território, então tomarei conta dos negócios da minha
família aqui. ― Beijei sua testa. ― Não precisará deixar nada, nem
os meninos.
Ela sorriu.
― Eu te amo demais! ― Abraçou-me, colocando o rosto em
meu pescoço, o que me deixou tenso. Afastou-se. ― Desculpe.
Minha respiração estava irregular. Todavia, não ia deixar
aquela merda me foder nunca mais.
― Tudo bem. Eu estava pensando... Em uma das sessões
que fiz com sua avó, cheguei à conclusão de que devo deixar que
você me toque aí. Não sei se vai ajudar, mas podemos tentar cada
dia um pouco, até que eu me cure desse trauma. ― Esquadrinhei
seu rosto. ― Quero que a gente seja um casal normal.
― Somos normais, ou o quanto podemos ser na máfia, mas
podemos tentar, assim como estamos fazendo ao dormir juntos. A
cada dia, uma descoberta, um avanço. ― Ela parecia tão
esperançosa.
― Não fiz nada bom para merecer você, mas lhe agradeço
por me amar. ― Beijei sua cabeça.
― Também lhe agradeço por você me amar dessa forma, por
ter se arriscado por mim, o que foi uma tolice, devo mencionar.
Graças a isso, estou viva e me tornei sua noiva, a mulher mais feliz
e realizada de todas.
― Não foi tolice. Se algo acontecesse com você, para mim
não teria nenhum sentido viver e respirar nesse mundo. Essa luz
que vejo agora, só a tenho com você ao meu lado. ― Jamais
deixaria que aquela luz se apagasse.
Belinda era a minha rocha, aquela que me fortalecia, que
fazia meu coração negro se aquecer como o sol, deixando-me feliz
e radiante.
Tinha chegado o grande dia, e, olhando para trás, eu via o
quanto a minha relação com Stefano havia melhorado. Durante
aqueles meses ao seu lado, eu o vinha ajudando a lidar com os
seus traumas. Sabia que levaria tempo. O bom era que finalmente
estávamos dormindo juntos na mesma cama. Tive que explicar aos
meus irmãos o motivo, ou Stefano ficaria sem o pescoço. Mesmo eu
não sendo mais virgem, meus irmãos não eram liberais a esse
ponto.
No começo, às vezes, ele acordava gritando e pulando da
cama, mas enfim estava evoluindo. Eu acreditava em Deus que um
dia ele conseguiria superar aquilo, embora jamais pudesse
esquecer. Vovó, assim como eu, estava ajudando-o.
O toque em seu corpo era outra situação com a qual ele
ainda não conseguia lidar bem, principalmente em algumas áreas,
mas o praticávamos todos os dias, mesmo sabendo que lhe trazia
lembranças ruins. No começo, foi difícil vê-lo sofrer, mas ele pedia
que eu continuasse, então eu o fazia. Para fazê-lo esquecer o
sofrimento nessa hora, eu o beijava suavemente e dizia palavras
tranquilizadoras, o quanto eu o amava e que, sem ele, não seria
feliz.
Como vovó dizia, tudo tinha de caminhar ao passo de um
bebê, e eu tinha fé que Stefano ficaria bom.
― Belinda, está quase na hora ― Fabrizio me chamou,
trazendo-me dos meus pensamentos.
Eu estava no corredor, indo ao encontro do meu noivo, em
breve marido. Era para meu pai me levar até o altar, mas ele não
estava mais entre nós, o que cortava fundo meu peito.
― Se não quer se casar...
Interrompi-o, arregalando os olhos por ele achar que eu
desistiria de Stefano, algo que jamais iria acontecer.
― Não é isso. Stefano é tudo que eu quero, eu o amo. ―
Esclareci: ― Só estava pensando em papai. Era ele que devia me
entregar ao meu noivo e dar sua benção...
― Eu sei o quanto sua ausência é difícil para todos. ― Pegou
um celular no bolso do paletó. ― Tenho um recado dele para você.
― Ele me deixou um vídeo? ― Meu coração acelerou.
― Sim. Disse para eu lhe dar no seu casamento. Enfim
chegou a hora.
Assenti, pegando o telefone, em cuja tela já estava o vídeo
que meu irmão tinha mencionado. Dei o play. O rosto do meu pai
apareceu. Tanto que eu sentia falta dele! Sua pele estava pálida, ele
se encontrava debilitado demais e respirava de modo irregular.
Acreditei que foi gravado no dia em que ele partiu, pois estava com
a mesma roupa.
“Minha princesa linda, se está vendo esse vídeo, é porque
resolveu se casar com Stefano. Ele é um menino que precisa muito
de você para ajudá-lo a lidar com tudo que aconteceu. É o tipo de
genro que eu sempre desejei para você e sua irmã”. Sua respiração
pesada não impediu que ele falasse.
O peso que eu sentia antes foi tirado de meus ombros
quando recebi a sua benção.
“Não fui honesto com vocês dois, mas era preciso para
ficarem juntos. Os dois são teimosos demais para se dar uma
chance. Pude ver a forma que um olhava para o outro, mesmo
assim não dariam o braço a torcer. Tenazes demais.” Ele deu uma
risada fraca que o fez tossir. “Acredito que vão lutar contra o que
sentem, mas confio que o amor prevalecerá.”
Eu queria pedir que ele parasse de falar, pois estava piorando
seu estado, mas não era possível.
“Se acontecer de você e Stefano ficarem juntos, desejo que
sejam felizes. Ele fará isso.”
Limpei minhas lágrimas, que desciam pelo meu rosto. Por
sorte a maquiagem era à prova d’agua.
“Quando li a carta que Kélia deixou para ele, tive certeza de
que, se Stefano a amasse, iria ao inferno só para fazê-la feliz. Esse
é o tipo de marido que quero para minhas filhas.” Ele estava cada
vez mais fraco, esforçando-se tanto para falar aquelas palavras.
“Não fique tão triste com minha partida, só viva e seja feliz ao
lado das pessoas que ama. Como presente de casamento, vou dar
metade do meu território em Barcelona para os Morellis, porque a
conheço, minha filha. Você não irá embora para qualquer outro
lugar; se fosse, seria para fazer Stefano feliz, mas no final você não
seria.”. Ele tentou respirar fundo. “Desde criança, foi a mais
apegada a mim e ao nosso mundo, enquanto Serena e Lorena
viajavam pelo planeta, antes de tudo acontecer. Você era a única
que preferia um ringue a viagens e passeios, preferia estar
envolvida nos negócios da família a qualquer outra coisa, ainda que
tivesse sua profissão à parte, por isso a conheço, sei que não seria
feliz longe de casa.”
― Oh, papai! ― Chorei ainda mais.
“Adeus, minha princesinha linda do pai. Te desejo toda a
felicidade do mundo, você merece. Te amo e sempre te amarei.”
O vídeo terminou.
― Oh, Deus! ― exclamei alto. ― Foi ideia dele dar o
território, então?
― Sim, foi o papai a decidir fazer isso ― Fabrizio afirmou
com a voz rouca. Ele estava tão emocionado como eu.
― Mas e se eu não estivesse com Stefano? ― sussurrei.
― Então não iria assistir a esse vídeo, mas no fundo ele
acreditava que vocês dois ficariam juntos. Eu também, até mesmo
quando Stefano foi embora. ― Limpou meu rosto molhado. ― Papai
tem razão, Stefano faria e fez tudo por você indo àquele lugar,
arriscando ser morto só para salvá-la.
― Não quero que ele faça nada parecido de novo. ―
Respirei fundo.
― Eu faria o mesmo por nossa família. ― Ele sorriu. ― E
você também, mas não é hora de falarmos disso, agora só seja feliz
neste grande dia e com a benção de nosso pai.
― Eu sou feliz. ― Entreguei o telefone a ele. ― Me envie o
vídeo depois.
Assentiu.
― Vamos, ou Stefano vai vir buscá-la. Aquele cara é
impaciente. ― Terminou de limpar meu rosto.
Seguimos e paramos em frente à porta da igreja. Eu estava
mais aliviada com as palavras do meu pai. Ele podia não estar ali
fisicamente presente, mas estava comigo em meu coração e aonde
quer que eu fosse.
Peguei o braço do meu irmão mais velho e respirei fundo
quando a Marcha Nupcial tocou. As portas se abriram, dando a
deixa para entrarmos. Como os meus costumes e os de Stefano
eram diferentes, pegamos um pouco de cada. Na Espanha, não era
necessário dama de honra, mas na Itália, sim, então permitimos.
Tantos os matrimônios italianos como os espanhóis costumavam ter
a troca de alianças, embora no mundo da máfia espanhola não
fosse preciso, pois os firmávamos com sangue, então decidi manter
os dois. Isso deixou Stefano louco, mas no final aceitou após eu
insistir que não tinha problemas com isso.
No corredor entre as fileiras de bancos, tinha uma guirlanda
de flores dos dois lados, e pétalas de rosas vermelhas no tapete.
Graziela, Tália e Paco estavam ali, as duas na frente de mãos
dadas, Graziela com um buquê de flores, e Tália com as alianças.
Paco estava logo atrás delas, segurando uma corrente, que era o
símbolo do elo de nossa organização.
Quando convidei Paco para esse papel, ele ficou muito feliz,
embora eu não achasse que ele entendesse o significado, mas o
menino gostava de ser incluso nas nossas famílias. Os três meninos
Laions faziam parte da minha família e da de Stefano.
De um lado, estavam convidados importantes do círculo
social da máfia Pacheco, e do outro, do círculo da máfia Destruttore.
As primeiras filas de bancos tanto de um lado quanto do outro foram
destinadas às nossas famílias.
Lyn e El Diablo se encontravam ali também, mas, quando
meus olhos pousaram em Stefano, todos as pessoas presentes
desapareceram, restando só aquele homem perfeito no altar, com
roupas escuras, tão elegante e sexy.
Meu coração se aqueceu quando, sorrindo, ele me olhou. Em
seu rosto vi todo o amor que sentia por mim.
Meu pai estava certo, Stefano faria qualquer coisa por mim,
assim como eu faria por ele.
Obrigada, papai, por me dar essa oportunidade. Stefano é
tudo que sempre desejei como marido, o homem que amo, pensei
enquanto seguia em direção a ele, esperando-me com toda sua
glória e perfeição.

Stefano
Eu estava ansioso esperando Belinda no altar. Andava de um
lado a outro.
― Devia relaxar, ela não vai fugir do casamento ― comentou
Valentino.
Fulminei-o, cerrando meus punhos.
― Socá-lo só vai estragar a cerimônia ― disse Alessandro ao
meu lado.
Ele tinha razão, bem como Valentino. Belinda não ia fugir e
me deixar. E, mesmo se o fizesse, eu iria encontrá-la nem que fosse
no fim do mundo.
― Sabe como funcionam os votos, né? ― Valentino me
olhou. ― Se declara o menos possível. Não queremos que alguém
a use para chegar a você, igual já aconteceu antes. Ávila vai
ministrar a união entre vocês dois.
Eu nem estava pensando em declarar amor a ela ali, não
conseguiria fazer isso na frente de todos. Belinda era a única
pessoa para quem eu conseguia falar de meus sentimentos.
Olhei para um senhor de cabelos brancos como a neve
ladeado por mais dois. Eles eram os anciões da organização
Pacheco.
De repente, o Hino Nupcial começou a tocar, e olhei para a
frente da igreja enquanto todos tomavam seus lugares.
Primeiro entraram as crianças, e minha princesinha Graziela
estava linda demais. Então Belinda adentrou no templo, com aquele
vestido branco todo rendado que delineava suas curvas como uma
luva. Ela não usava véu, mas uma mantilha de renda. Estava
deslumbrante, tanto que roubou meu ar.
Como eu podia ter tanta sorte por ter aquela perfeição de
mulher? Não falava só de sua beleza, que fazia a igreja
resplandecer, mas também de sua bondade e gentileza. Mesmo
com seu jeito de durona, eu podia ver através de sua fachada.
Notei seus olhos vermelhos, como se ela tivesse chorado.
Isso me fez lembrar-me do comentário do irmão dela. O que teria
acontecido?
Fabrizio me entregou sua mão, mas, antes, alertou-me:
― Cuide dela com a sua vida se for preciso. ― Era um
pedido, mas em seu tom havia uma ameaça.
Eu poderia retrucar que não obedecia às suas ordens, mas o
entendia. Fiz a mesma coisa com os meus cunhados.
― Sempre ― afirmei.
Ele assentiu e se afastou, e me aproximei de Belinda.
― O que foi? ― sondei baixo só para ela ouvir.
― Recebi a benção do meu pai. ― Sorriu feliz, então
esclareceu após perceber minha confusão: ― Ele deixou um vídeo
para esse dia desejando que fôssemos felizes.
― Seremos ― proclamei.
Ávila chamou nossa atenção para começar a ministrar a
cerimônia. Nós nos viramos para ele.
― Vamos forçar essa aliança entre Belinda Castilho e
Stefano Morelli.
Chamou Paco. O menino deu a corrente a ele.
― A partir de agora, como essa corrente, será a união de
vocês dois. ― Colocou a corrente sobre mim e Belinda. ― Forte e
firme como aço. Não haverá nada que a quebre. ― Ele pegou uma
agulha. ― Me deem suas mãos.
Na hora em que eu soube que isso aconteceria, fiquei furioso,
pois não queria que nada machucasse Belinda. Porém ela me
tranquilizou dizendo que era um pequeno furo, como fazer um
exame de diabetes, então permiti. Por isso, agora, mesmo não
gostando do ato, não interrompi o que o ancião fazia.
― Com sangue é selada essa união. ― Perfurou nossos
dedos, e unimos as feridas, compartilhando nosso sangue. ― Nada
nem ninguém romperá esse casamento, só a morte. Agora repitam
comigo.
Fitei os olhos dela assim que ele pronunciou as palavras.
― Com sangue derramado, selamos essa união, e só com
ele entornado, será cancelada. ― Eu não gostava desses votos,
jamais mataria minha esposa só para ficar livre ou permitiria que ela
me matasse. ― Prometo ser um marido que será leal e te dará uma
vida plena e realizada.
Nada naqueles votos envolvia amor, mas eu não precisava
dizer a todos o que sentia por Belinda. Ela saber já bastava.
Belinda disse seus votos, iguais aos meus, depois trocamos
as alianças.
― Eu vos declaro marido e mulher ― finalmente anunciou
Ávila. ― Pode beijar a noiva.
Finalmente ela é minha!, pensei, pegando seu rosto e
beijando seus lábios. Quis aprofundar mais o carinho, mas o lugar
se dissolveu em aplausos. Foi preciso muito esforço para eu me
afastar dela. Entretanto, era preciso dar atenção a todos.
― Parabéns ― disse Lyn, dando um tapinha no meu ombro e
pegando a mão de Belinda.
― Obrigada ― agradeceu ela, e assim eu também o fiz.
Após receber as felicitações de todos, fomos para o salão
onde aconteceria a festa. Na pista de dança, dancei com minhas
irmãs, Mia e Serena, enquanto Belinda dançava com seus irmãos e
os meus.
― Minha irmã está feliz, nunca a vi dessa forma ― afirmou
Serena. ― Vocês ficam bem juntos.
― Obrigado, cunhada. ― Dei um sorriso provocador. ― Sou
charmoso demais. Só assim para eu conseguir conquistá-la.
Ela jogou a cabeça para trás e riu.
― Minha irmã tem bom gosto. ― Recompôs-se um pouco. ―
E você também tem. Belinda é uma força da natureza.
Antes que eu pudesse comentar algo mais, Razor parou ao
nosso lado.
― Me deixa ter o prazer dessa dança? ― Tinha aço em seu
olhar ao me fuzilar, mas seus olhos ficaram calorosos quando ele
fitou Serena.
Ela parecia nervosa, mas assentiu. Eu sabia que eles tinham
um lance, só não tinha ideia de quando ficariam juntos, pois Razor
relutava contra o que estava sentindo.
― Eu vou procurar minha esposa. ― Saí, deixando os dois,
embora devesse tê-lo alertado que era impossível lutar, era uma
batalha perdida. Contudo, Razor descobriria isso por si mesmo.
Cheguei aonde Belinda tinha acabado de dançar com
Santiago.
― Posso ter minha esposa? ― Puxei-a para mim antes
mesmo que alguém dissesse algo.
― Sou toda sua ― declarou nos meus lábios, sorrindo.
― Vamos embora? ― Estava ansioso para ficar sozinho com
ela e para ler a carta da minha mãe.
Iríamos ficar na mansão dos Castilhos. A festa prosseguiria
até tarde.
Belinda jogou o buquê direto nas mãos de Serena, que sorriu
envergonhada.
Após nos despedirmos de nossos amigos e familiares,
partimos. Entramos no quarto, e a peguei nos braços, levando-a
para a cama. Eu a queria demais, mas estava muito ansioso para ler
minha carta.
― O que está acontecendo? ― Ela se levantou, olhando-me.
― Sinto que está inquieto.
Peguei a carta da minha mãe.
― Sabe quanto tempo esperei por isso? ― Tirei a missiva do
envelope. ― Não achei que um dia saberia o que minha mãe
escreveu para mim.
Ela sorriu.
― Porque pensava que nunca se casaria? ― Pegou minha
mão e se sentou ao meu lado.
Ri.
― Sim, mas aqui estou eu, casado e muito feliz. ― Suspirei e
abri a carta com meu coração acelerado.
― Estou aqui para você ― avisou.
Eu sabia que ela estava e lhe agradecia por isso. Passei a ler
as últimas palavras de minha mãe.

“Oi, meu amor,

Se estiver lendo essa carta, é porque não estou mais entre


vocês, e lamento tanto que eu não possa estar aí nesse dia tão
especial e conhecer minha nora.
Você sempre foi meu menino valente, capaz de fazer tudo
pelos seus irmãos e aqueles que precisam. Quando foi levado para
aquele lugar e ficou preso, eu queria ter feito mais, mas não pude.
Senti-me uma mãe horrível.
Ao ver a forma como você ficou e o que acontecia lá, as
atrocidades, isso acabou comigo. Até cheguei a implorar para Marco
no intuito de salvá-lo. No entanto, não deu em nada, não até mais
tarde. Por vocês, faço qualquer coisa, iria ao inferno se fosse
preciso.
Lamento por ter chegado tarde demais e não a tempo de
impedir o que você sofreu, a dor, a perda dos seus amigos, o
desespero que deve ter sentido lá, o que precisou fazer para se
manter vivo.
Só espero que essa pessoa que escolheu para se casar o
ajude a lidar com essa dor e a nunca pensar em tirar sua vida de
novo. Creio em Deus que o amor de seus irmãos o manteve forte e
que sua esposa lhe dará força e muito amor, porque você merece
tudo isso, meu menino.
Uma vez eu lhe disse que você era minha estrela brilhante,
mas não é só isso que é para mim. Tanto você quanto seus irmãos
são o sol, a lua, o universo inteiro.
Eu te amo e vou te amar para sempre.
Fique com Deus. Que Ele o traga de volta à luz, tirando-o
dessa escuridão em que você costuma viver – ou costumava,
espero.
Seja muito feliz, meu menino precioso.
Com amor de sua mãe, que te ama demais.

Fechei os olhos após ler aquelas palavras. Eu as guardaria


para sempre comigo.
― Ela te amava muito. ― Belinda limpou os olhos molhados.
― Sim. Eu também a amava demais. ― O meu coração se
apertou de saudade dela. Não importava quanto tempo passasse,
aquela dor ainda era viva em meu peito.
― Eu teria adorado conhecê-la. Aposto que nos daríamos
bem.
― Minha mãe teria adorado conhecer você também. ― Sorri.
― Ela tinha isso, sabe? O dom de deixar qualquer pessoa ao seu
lado feliz.
― Acho que você puxou isso dela, então. ― Apertou minha
mão.
― Obrigado por estar comigo, por me amar e por me fazer
feliz.
― Acho que devo lhe agradecer também, não é? ― Beijou
meu rosto, mas o virei e capturei seus lábios.
― Não é necessário. Agora me deixe tirar esse vestido. ―
Ajudei-a a tirar sua roupa e depois a minha, e logo estava tomando
posse do seu delicioso corpo.
A forma como suas paredes prendiam meu pau era de outro
mundo. Sempre achei que, se eu ficasse com uma mulher mais
tempo, enjoaria, mas enfim percebia que isso não era verdade. A
cada vez que possuía o corpo de Belinda, queria mais e mais.
Nunca era o suficiente. Seu toque e cheiro eram meu vício, um que
eu amava ter e do qual não queria me livrar.
― Quero que goze para mim ― pedi, beijando-a com paixão
avassaladora.
― Eu te amo! ― declarou ela com os olhos quentes e um
gemido.
― Eu também te amo ― afirmei, estocando cada vez mais
rápido dentro dela.
Coloquei meus dedos entre nós, fazendo-a gozar, e vim logo
atrás dela. Como era nossa noite de núpcias, aquela noite ali era só
nossa. No dia seguinte iríamos viajar em lua de mel para uma praia,
onde ficaríamos por um tempo.
Minutos depois, Belinda estava deitada em meu peito, ainda
respirando de modo irregular após nossa foda.
― Às vezes acho que estou sonhando e que logo vou
acordar e descobrir que você não é real ― sussurrei mais comigo
mesmo. ― Você é mais do que mereço.
― Sua mãe tem razão, você merece tudo, Stefano. Não
importa o que fez, e sim o que faz. Sei que se importa com os
outros, não só com sua família, mas com todos aqueles meninos
que foram presos. Gente que é ruim não ligaria para algo assim. ―
Tocou meu rosto. ― Foi isso que me fez me apaixonar por você, sua
proteção voraz com sua família e com outras pessoas fora dela.
― Você também possui essa mesma voracidade ― falei
sorrindo. ― Não acredito em destino, mas, se acreditasse, pensaria
que fomos feitos um para outro e que nossas vidas estavam
interligadas.
― Por obra do destino ou não, estaremos juntos para sempre
― declarou intensamente.
― Sim, estaremos ― concordei, beijando-a para selar esse
juramento, que eu faria de tudo para cumprir até meu último dia na
Terra.
Eu custava a acreditar que vinha vivendo todos aqueles anos
feliz e realizada ao lado da minha família.
Eu e Stefano aproveitamos a amizade e aliança da máfia
Pacheco com o novo juiz e adotamos provisoriamente os irmãos
Laions como nossos meninos. Concordamos que estariam mais
felizes conosco. No passado, fizemos um acordo com Yago e Neto,
que tinham 15 e 12 anos na época, respectivamente, e atualmente
estavam com 22 e 19 anos. Combinamos de eles cursarem a
faculdade e, após isso, resolverem o que queriam fazer de suas
vidas. Pretendiam arrumar um emprego, mudar-se e levar Paco
consigo. Embora agora eu não sabia se conseguiria ficar longe
deles, pois os amava como filhos. Entretanto, respeitaria a decisão
dos irmãos, mesmo que cortasse meu coração.
Yago estava acabando de fazer a faculdade. Ele se formaria
em administração, mas, com o passar dos anos, notei que o que ele
amava mesmo era lutar.
Olhei para ele no novo ringue do clube de luta dos Pachecos,
reconstruído após a explosão no passado. Naquela noite eu estava
disfarçada de Mascarado, mas não ia lutar.
Stefano não sabia que eu estava disfarçada. Tinha prometido
a ele não lutar mais. Ia a algumas lutas alguns anos antes
disfarçada como Mascarado, mas, quando voltava roxa para casa,
ele enfrentava Santiago e as pessoas com quem eu havia lutado.
Como eu não queria suas mortes, deixei aquilo de lado por
enquanto.
Precisava saber o que faria Yago realmente feliz, como ele se
sentia ao lutar de verdade com alguém. Ele tinha crescido muito,
estava encorpado e muito bonito, e eu o amava.
Stefano e Yago estavam lutando não para espectadores, só
para a família. Parecia que tanto meu marido quanto Fabrizio o
queriam lutando para eles. Eu só não sabia quem meu menino
escolheria.
Ele amava lutar, mas não queria ser reconhecido como
alguém do submundo por nenhuma pessoa da faculdade onde
estudava. Não era por ter vergonha de nós, afinal sabia quem
éramos. Tínhamos revelado a verdade a ele sobre a máfia e nossas
famílias e organizações havia alguns anos, e Yago aceitou bem, até
disse que suspeitava, mas que éramos gente boa, por isso não se
importava. Acordamos que nem ele nem seus irmãos sairiam muito
nas mídias sociais, assim ninguém iria atrás dele para nos atingir,
então sua vida como aluno de faculdade deveria ficar fora do
submundo.
Yago deu um soco em Stefano, que se esquivou, mas não do
segundo soco, indo parar no chão.
― Está ficando velho, Stefano. ― Subi no ringue, fazendo
todos me olharem.
Ele se pôs de pé em um segundo, fuzilando-me.
― Não vai lutar com essa porcaria de roupa ― rosnou. ―
Toda vez que entra em um ringue assim me dá vontade de matar o
seu oponente.
Tirei a máscara e o fitei.
― Vai me dizer que não faz isso? ― Sabia a resposta. O
homem ainda era uma explosão. ― Meu irmão teve uma clavícula
deslocada porque deu um soco nele.
Deu de ombros.
― Santiago merecia por deixá-la lutar no clube de luta ―
grunhiu.
Meu irmão ficou quieto, concordando com Stefano. No
entanto, fui eu que pedi.
― Certo, não vamos discutir isso de novo. ― Suspirei e me
virei para Yago. ― Acho que tenho a solução para o seu problema.
― Que problema? ― sondou Yago.
― Você teme ser reconhecido nos ringues, e não queremos
que seja também, para a segurança de todos. Então por que não
luta com esse disfarce? Não acho que eu precise mais dessas
roupas. ― Aproximei-me dele.
― Não achei que você fosse uma mulher que obedece a um
homem. ― Santiago me provocou com um sorriso.
Fechei a cara para ele.
― Não é isso, tenho uma razão mais importante. ― Eu não
pararia de lutar por exigência de Stefano. Na verdade, ele não havia
me obrigado a parar, apenas ia atrás de quem tinha me machucado
de alguma maneira e acabava com o cara. Voltei-me para Yago
novamente. ― Acho que, se você lutar com essa roupa, ficaria
incógnito, ao menos até terminar a faculdade. O que acha?
― Você vai desistir de lutar por mim? ― indagou ele, rouco
de emoção.
― Não é grande coisa, não é como se eu quisesse que meus
adversários sempre aparecessem em hospitais ou coisa pior. ―
Fechei a cara para Stefano, que deu de ombros.
― Todos mereceram. A quem ousar machucá-la, farei o triplo
― falou decidido.
Eu tinha outro motivo para não querer me arriscar mais, havia
descoberto naquele dia. Estava muito feliz com a notícia da
gravidez, mas não diria a eles ainda. Preparara um jantar para
revelar a todos.
― Ele não está errado. Vi alguns dos seus hematomas ―
disse Yago.
Olhei para ele e para os seus irmãos, não muito longe dali.
― Não pareço ter escolha, não é? ― Fingi que era esse o
motivo de eu parar. ― Então vai querer usar esse disfarce, de
Mascarado?
Yago olhou de mim para seus irmãos.
― Eu não sei. Tenho que focar na faculdade e arrumar um
emprego depois para cuidar dos meus irmãos, levá-los para morar
comigo.
Esse tinha sido o nosso trato havia tantos anos.
― Vamos deixar Bella? ― Paco veio até mim e pegou minha
mão. Eles ainda me chamavam assim, mesmo sabendo que meu
nome real era Belinda e quem na verdade eu era, pois o apelido
pegou. ― Não quero deixá-la, mas também não quero perder meus
irmãos.
Meu coração se derreteu com sua declaração.
― Me digam uma coisa, vocês querem mesmo se mudar
após a faculdade? ― perguntei a Neto e a Yago. ― Ou só querem ir
porque acham que vai ser melhor para nós, que queremos nos livrar
de vocês?
Yago suspirou.
― Foi esse o nosso acordo...
― Esqueçam o acordo. Quero saber o que realmente
querem. ― Interrompeu Stefano. ― Porque Belinda e eu não
queremos que vão embora. Na verdade, queríamos adotar vocês
três definitivamente, registrá-los como nossos filhos oficialmente,
mudar seus sobrenomes para Castilho & Morelli.
― Sim, já sinto que sou mãe de vocês há muitos anos. Agora
só quero que se torne oficial, mas só se vocês quiserem. ― Meu
coração estava batendo forte. ― Não precisam me chamar de mãe
se não quiserem, só não quero que vão embora.
Minha garganta se fechou.
― Nós vamos ficar, não é? ― Paco olhava para os irmãos. ―
Eu não quero ir embora, amo Bella.
― Também a amamos ― disse Neto após assentir para o
seu irmão. Veio até mim e beijou meu rosto. O garoto estava maior
do que eu.
― Se querem que fiquemos, então vamos ficar ― respondeu
Yago, limpando meus olhos molhados. ― Não chore, não vamos a
lugar algum. Aceito seu disfarce por enquanto.
Abracei-o apertado e puxei os outros comigo para um abraço
conjunto.
― Amo vocês demais! ― declarei, beijando o rosto de cada
um deles.
― Também a amamos ― revelou Paco.
― Estamos felizes que vocês estejam em nossa família e que
queiram continuar nela. ― Stefano pegou minha mão.
― Vocês nos mantiveram juntos, não quiseram nos separar
― lembrou Paco.
Antes de resolvermos adotá-los provisoriamente, um casal
quis Paco, mas não os outros dois. Foi nesse momento que tomei a
iniciativa de eu mesma os tomar como meus filhos, e Stefano me
apoiou, o que me deixou muito feliz. Assim como eu, ele não achava
justo separar os irmãos. “Parentes têm que ficar juntos”, foi sua
resposta na época quando lhe disse a minha resolução.
― Ter vocês comigo foi a melhor escolha que já fiz ― afirmei
com convicção.
― Me deixa treinar com o garoto agora ― disse Santiago,
pulando no ringue.
Saímos de lá e ficamos na arquibancada enquanto Yago e
Santiago lutavam.
No começo, preocupei-me que assistir àquelas lutas fizesse
mal ao Paco, pois ele precisou de muitas sessões de terapia, que
ainda fazia, em razão do que presenciou quando era tão jovem.
Claro que aquilo era só um treino, não o deixávamos assistir a lutas
reais, embora eu achasse que estávamos lutando contra isso, pois
ele me disse uma vez que se tornaria um lutador, ou seja, seguiria
os passos do irmão. Bem, eu não me importava com o que eles se
tornariam, só desejava que fossem felizes nas carreiras que
escolhessem.
Stefano apertou minha mão.
― Que tal, enquanto eles treinam, irmos dar uma volta? ―
sondou.
Pelo seu tom, queria tirar os meninos dali para a luta se
tornar mais agressiva. Tanto Stefano como Santiago estavam
pegando leve com Yago em razão de Paco.
― Posso ficar? Quero ver alguns golpes e treinar também ―
pediu Neto.
― Também quero...
― Paco, esses treinos são mais pesados. Não quero que
tenha pesadelos à noite ― informei. ― Vamos fazer assim: quando
você tiver idade suficiente, deixamos que veja as lutas e treine.
Podemos pedir para a vovó fazer mais sessões de terapia com
você.
Ele não queria, mas assentiu.
― Gosto da vovó. ― Meu menino adorava minha avó, que
considerava sua também.
― Se, daqui a alguns anos, quiser seguir seu irmão, porém
com algo diferente, pode fazer MMA. É luta também, mas não tão
feroz como aqui ― sugeri. ― Seja qual for sua escolha, estaremos
do seu lado.
― Posso levá-lo para ver um estúdio de boxe ― propôs
Stefano, pegando a mão dele, e saímos do clube.
Paco assentiu animado. Aquele menino tinha visto crueldade
demais quando ainda era muito pequeno. Seus irmãos, assim como
nós, o protegiam da verdade, inclusive que pertencíamos à máfia,
pois ele agora tinha apenas 12 anos. Para ele, éramos uma família
rica dona de várias boates. Essa ideia foi de Stefano. Dali a alguns
anos, pretendíamos revelar tudo a ele, mas só quando estivesse
pronto.
― Sim, posso ir treinando assim e, quando ficar mais velho,
lutar de verdade ― declarou com firmeza. ― Quero fazer vocês
orgulhosos, como também meus irmãos.
Meu coração se derreteu ainda mais.
― Somos orgulhosos de você, Paco ― declarou Stefano.
― Sim, é nosso menino e o amamos. ― Como alguém podia
ser feliz dessa forma? Eu sentia como se fosse explodir de emoção.
Olhei para o meu marido e vi o mesmo sentimento
estampado em seu rosto.


Estavam todos reunidos no andar de baixo esperando pelo
jantar que eu tinha preparado para dar a grande notícia da gravidez,
mas primeiro diria ao Stefano.
― Vamos descer? ― ele perguntou. Morávamos em uma
casa que compramos perto da dos meus irmãos. Nossos quintais
eram vizinhos, até os abrimos para ter acesso à casa deles sem
precisar entrar pela frente.
― Tem uma coisa que eu quero te contar. ― Estendi o
exame para ele.
Tínhamos decidido que eu pararia de tomar anticoncepcional.
Durante aqueles sete anos, aproveitamos nossa vida de casados,
nossas profissões e Paco, que só tinha cinco anos na época. Então,
já que ele tinha completado 12 anos, achamos que seria um bom
momento para eu engravidar.
― Está grávida? ― Stefano arregalou os olhos e fitou minha
barriga como se quisesse enxergar através dela. Depois encontrou
meu olhar. A emoção dominava suas belas feições.
― Sim, de oito semanas ― respondi e dei um gritinho
quando ele me pegou nos braços e me rodopiou.
― Me fez o homem mais feliz desse mundo! ― Beijou meus
lábios.
― Pare de me girar, ou vou vomitar em você. ― Os enjoos
estavam acabando comigo.
― Não ligo para isso. ― Eu percebia sua euforia. Enfim ele
me colocou no chão e tocou meu rosto. ― Obrigado por me
proporcionar essa alegria.
Stefano adorava crianças, eu via a forma como ele ficava
com nossos sobrinhos e sobrinhas, até com Paco, então chegamos
à conclusão de que um filho seria uma benção.
― Você me proporcionou a mesma alegria ― afirmei. ―
Agora vamos contar à nossa família. Vovó vai surtar.
Ele riu enquanto descíamos para encontrar nossos familiares,
tanto os meus quanto os dele, que estavam na cidade. Quando
revelamos a notícia a eles, todos ficaram muito felizes e nos
parabenizaram.
Se, após eu ter perdido minha irmã e meu pai, alguém me
falasse que um dia eu estaria casada, feliz e realizada, não
acreditaria. Não via muito sentido na vida, mas, após Stefano e os
meninos Laions entrarem em meu caminho, aprendi de novo a ter
esperança. Eu era grata a Deus por tudo que me concedeu.
Construir Stefano foi desafiador. Uma história intensa, com
personagens marcantes, que conta um pouco mais sobre o que ele
passou e seus traumas, mas, com a ajuda de Belinda, conseguiu
lidar com o tormento que viveu.
Belinda é uma mulher forte, que não atura desaforo de
ninguém, mas que tem um coração enorme.
Amei fazer cada personagem deste livro e espero que vocês
tenham apreciado cada um deles.
Desejo que o casal tenha conquistado seu coração como
conquistou o meu.
Agradeço à Carol Miranda e à Ingridy Estefany, que betaram
este livro e fizeram análise crítica. Adoro vocês!
Também à psicóloga Jessika dos Santos Alves, que me
ajudou bastante com sua opinião profissional, assim como à
assistente social Fabiana da Conceição Silva, que me ensinou
algumas coisas sobre a profissão de Belinda.
Não posso deixar de fora minhas leitoras, que amo de paixão.
Um abraço especial às meninas do grupo Mafiosas da Ivani Godoy,
no WhatsApp, e às dos grupos do Facebook, Leitoras Ivani Godoy e
Romances Ivani Godoy.
Agradeço de coração aos meus amados leitores e amigos.
Amo cada um de vocês.

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