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Unid 1
Unid 1
Doutora (2015) e mestre (1995) em Direito do Trabalho e Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP) e graduada em Direito pela Universidade Mackenzie (1987).
Professora titular da Universidade Paulista (UNIP) dos cursos de graduação em Direito e pós-graduação em
Direito do Trabalho, Processo Civil e Direito Previdenciário, e do curso de gestão de Serviços Jurídicos, Notariais e de
Registro, de Ensino Presencial e a Distância (EaD). Atua como advogada e consultora jurídica em direito do trabalho,
mediadora e conciliadora.
CDU 347.8
U511 – 07
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Lucas Ricardi
Sumário
Teoria Geral do Processo
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO......................................................................................................................................................... 10
Unidade I
1 MEIOS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS SOCIAIS.................................................................................... 11
1.1 Sociedade e direito............................................................................................................................... 11
1.2 Conflitos e sistema de solução de conflitos............................................................................... 13
1.2.1 Autotutela (ou autodefesa)................................................................................................................. 15
1.2.2 Autocomposição...................................................................................................................................... 17
1.2.3 Heterocomposição................................................................................................................................... 22
1.2.4 Meios extrajudiciais de composição de conflitos....................................................................... 26
1.2.5 Função estatal pacificadora (jurisdição)......................................................................................... 27
2 DIREITO PROCESSUAL.................................................................................................................................... 28
2.1 Direito Processual: noções gerais e teoria geral do processo............................................. 28
2.2 Direito Processual: conceito, autonomia, natureza jurídica e denominação............... 30
2.3 Direito Processual: divisão................................................................................................................. 32
2.4 Direito Processual: relações com outras disciplinas jurídicas............................................. 34
2.5 Direito Processual: objetivo e a legislação.................................................................................. 36
2.6 Evolução histórica do direito processual brasileiro................................................................. 37
3 FONTES E INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROCESSUAL..................................................................... 38
3.1 Norma Processual................................................................................................................................. 38
3.2 Fontes da Norma Processual............................................................................................................ 41
3.3 Interpretação da norma processual............................................................................................... 43
3.3.1 Métodos de Interpretação das normas processuais.................................................................. 44
3.3.2 Integração das normas processuais................................................................................................. 46
4 EFICÁCIA DA NORMA PROCESSUAL NO ESPAÇO E NO TEMPO..................................................... 47
4.1 Eficácia da norma processual no espaço..................................................................................... 47
4.2 Eficácia da norma processual no tempo...................................................................................... 48
4.2.1 Lei processual nova e processo em andamento.......................................................................... 49
4.2.2 Lei processual nova e a modificação ou extinção de competência.................................... 51
Unidade II
5 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PROCESSUAL................................................................................... 55
5.1 Tutela Constitucional do Processo................................................................................................. 55
5.2 Princípios Constitucionais do Direito Processual..................................................................... 58
5.2.1 Princípio do acesso à Justiça ou da inafastabilidade do controle jurisdicional............. 58
5.2.2 Princípio do juiz natural........................................................................................................................ 59
5.2.3 Princípio do devido processo legal ou due processo of law.................................................. 61
5.2.4 Princípio do contraditório e da ampla defesa............................................................................. 62
5.2.5 Princípio da igualdade........................................................................................................................... 65
5.2.6 Princípio da imparcialidade do juiz.................................................................................................. 66
5.2.7 Princípio da vedação da prova ilícita no processo..................................................................... 68
5.2.8 Princípio da presunção de inocência............................................................................................... 69
5.2.9 Princípio do duplo grau de jurisdição............................................................................................. 69
5.2.10 Princípio da publicidade..................................................................................................................... 71
5.2.11 Princípio da motivação das decisões judiciais ou fundamentação das decisões..............72
5.2.12 Princípio da celeridade processual ou da duração razoável do processo...................... 73
5.3 Princípios informativos do procedimento................................................................................... 74
5.3.1 Princípio da inércia da jurisdição e o impulso oficial............................................................... 74
5.3.2 Princípio da disponibilidade e da indisponibilidade.................................................................. 75
5.3.3 Princípio da oralidade............................................................................................................................ 76
5.3.4 Princípio da persuasão racional do juiz ou do livre convencimento do juiz................... 78
5.3.5 Princípio dos meios alternativos de composição de litígios: arbitragem,
conciliação e mediação.................................................................................................................................... 78
5.3.6 Princípio da boa-fé e da lealdade processual.............................................................................. 79
5.3.7 Princípio da cooperação ou da colaboração................................................................................ 80
5.3.8 Princípio da economia e da instrumentalidade das formas.................................................. 81
5.3.9 Princípio dispositivo e princípio da livre investigação das provas –
verdade formal e verdade real....................................................................................................................... 81
5.3.10 Princípio inquisitivo.............................................................................................................................. 82
5.3.11 Princípio da eventualidade ou da preclusão.............................................................................. 82
6 JURISDIÇÃO........................................................................................................................................................ 83
6.1 Jurisdição: conceito e objetivos do Estado ao exercer a jurisdição.................................. 84
6.2 Características da jurisdição............................................................................................................. 86
6.3 Princípios fundamentais da jurisdição......................................................................................... 88
6.4 Espécies de jurisdição.......................................................................................................................... 90
6.5 Limites da jurisdição............................................................................................................................ 93
6.5.1 Limites internacionais............................................................................................................................ 94
6.5.2 Limites internos........................................................................................................................................ 95
Unidade III
7 AÇÃO..................................................................................................................................................................... 99
7.1 Ação: generalidades, conceito e natureza jurídica.................................................................. 99
7.2 Condições da ação..............................................................................................................................101
7.2.1 Interesse de agir.....................................................................................................................................102
7.2.2 Legitimidade............................................................................................................................................103
7.3 Carência da ação.................................................................................................................................104
7.4 Elementos da ação..............................................................................................................................104
7.4.1 Partes..........................................................................................................................................................106
7.4.2 Pedido.........................................................................................................................................................106
7.4.3 Causa de pedir........................................................................................................................................108
7.5 Classificação das ações.....................................................................................................................109
8 COMPETÊNCIA.................................................................................................................................................110
8.1 Competência: conceito e critério determinativos.................................................................110
8.2 Classificação da competência........................................................................................................111
8.3 Critérios determinativos da competência.................................................................................113
8.3.1 Critério objetivo......................................................................................................................................113
8.3.2 Critério territorial...................................................................................................................................114
8.3.3 Critério funcional...................................................................................................................................115
8.4 Cooperação internacional................................................................................................................115
8.5 Cooperação nacional.........................................................................................................................117
8.6 Competência interna.........................................................................................................................118
8.6.1 Classificação da competência...........................................................................................................119
8.7 Competência absoluta e relativa..................................................................................................124
8.8 Modificação da competência.........................................................................................................125
8.9 Prevenção...............................................................................................................................................126
8.10 Declaração de incompetência......................................................................................................127
8.11 Conflito de competência................................................................................................................127
8.12 Competência de foro.......................................................................................................................128
8.12.1 Quadro esquematizado da competência de foro.................................................................. 132
APRESENTAÇÃO
A presente disciplina tem por objetivo o estudo e o conhecimento dos meios de solução de conflitos
sociais – autocomposição, heterocomposição e meios extrajudiciais –, assim como a promoção
da compreensão e da importância do direito processual e de seus institutos fundamentais, como a
ciência do direito.
No tocante aos objetivos específicos, serão estudados os princípios constitucionais do processo, como
princípios normativos de suma importância, e os princípios informativos do procedimento, específicos
do direito processual.
A jurisdição, como um dos meios de solução de conflitos sociais, será estudada no que se refere a seu
conceito, os objetivos do Estado no exercício dessa função, as características, os princípios fundamentais,
as espécies e os limites.
Por fim, será estudada a competência para o ajuizamento da ação, conceito e critérios determinativos
e cooperação internacional e nacional.
Assim, a disciplina busca fornecer subsídios necessários para permitir ao aluno a construção do
conhecimento a partir de aulas teóricas do curso, estudo da legislação e da jurisprudência, leitura do material
didático e de livros doutrinários e análise de problemas e de casos práticos, visando torná-lo apto
a enfrentar e solucionar as dificuldades apresentadas no campo do direito processual, bem como
proporcionar uma formação crítica a atender às necessidades do mercado profissional na atualidade.
Contará também com a resolução dos exercícios, textos complementares, participação do aluno em
chats e fóruns e realização de projeto integrado multidisciplinar.
9
INTRODUÇÃO
Esta disciplina tem por objetivo proporcionar conhecimento teórico do direito processual e a
capacidade de utilização de raciocínio jurídico adequado, de interpretação da lei diante de sua aplicação
ao caso concreto e de argumentação técnico-jurídica.
O direito processual é disciplina importante para a compreensão de várias outras originárias dela,
razão pela qual estudaremos o conceito, sua autonomia, denominação, divisão e relação com outras
disciplinas jurídicas e o seu objetivo.
A ação provoca o Poder Judiciário na solução de conflitos, e para tanto, convém estudarmos o
conceito de ação, natureza jurídica, classificação das ações, condições da ação e carência da ação,
visando ao seu desenvolvimento válido para fins da pacificação social.
Por fim, devemos estudar onde juizar a ação, sua competência e cooperação internacional e nacional.
10
TEORIA GERAL DO PROCESSO
Unidade I
1 MEIOS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS SOCIAIS
O ser humano possui uma vocação para viver em grupo da mesma espécie. O crescimento e o
desenvolvimento desse grupo de seres humanos deu origem à sociedade.
A sociedade é uma necessidade natural do homem, a qual teve importância para a sobrevivência e
a continuidade da raça humana.
Observando-se a sociedade como um agrupamento social, verifica-se que cada homem possui as
suas necessidades, os seus interesses, os seus bens, a sua família e as suas pretensões, podendo resultar
em conflitos sociais de interesses contrapostos.
No que concerne a necessidade, José Eduardo Carreira Alvim explica que “se o homem é um ser
dependente, podemos concluir que a necessidade é uma relação de dependência do homem para com
algum elemento”1.
Esse elemento necessidade do homem é o bem da vida, que compreende bens materiais e imateriais,
e que são capazes de satisfazer as necessidades pela sua utilidade.
Considerando a utilidade, que é a aptidão de um bem para atender a uma necessidade, podemos
citar como bens materiais o bem casa que tem como utilidade a moradia, a água para quem tem sede,
o alimento para quem tem fome, transporte; e como bens imateriais citamos a paz, a liberdade, a
honra e o amor.
O interesse é juízo que o homem faz quanto à utilidade de um bem, que pode ser de duas
espécies, interesse imediato e interesse mediato. Interesse imediato é posição ou situação que atende
diretamente à satisfação de uma necessidade, como por exemplo, o alimento para satisfazer a fome.
Interesse mediato é posição ou situação que se presta à satisfação indireta de uma necessidade do
homem, como por exemplo, o dinheiro para adquirir o alimento quando necessitar.
1 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 1.
11
Unidade I
“Os bens da vida se destinam à utilização pelo homem. Sem uns, este não
sobreviveria; sem outros, não se desenvolveria, não se aperfeiçoaria. A razão
entre o homem e os bens, ora maior, ora menor, é o que se chama interesse.
Assim, aquilata-se o interesse da posição do homem, em relação a um bem,
variável conforme suas necessidades. Donde consistir o interesse na posição
favorável à satisfação de uma necessidade. Sujeito do interesse é o homem;
o bem é o seu objeto”2.
Assim, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco
entendem que “[...] não há sociedade sem direito: ubi societas ebi jus3”.
Ante o aspecto sociológico, os mesmo doutrinadores, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini
Grinover e Cândido Rangel Dinamarco explicam que o direito é uma das formas de controle social, “[...]
entendido como o conjunto de instrumentos de que a sociedade dispõe na sua tendência à imposição
dos modelos culturais, dos ideais coletivos e dos valores que persegue, para a superação das antinomias,
das tensões e dos conflitos que lhe são próprios”4.
Os autores acima mencionados entendem que a causa dessa correlação está na função que o direito
exerce na sociedade, e que é a função ordenadora, explicando que esta função corresponde a
2 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012,
p. 25-26.
3 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do
Processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 27.
4 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do
Processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 27.
5 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do
Processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 27.
12
TEORIA GERAL DO PROCESSO
O Estado-juiz exerce o direito, com soberania e autoridade para garantir o cumprimento do direito.
O direito é exercido por meio de leis, que são normas gerais e abstratas impostas pelo Estado aos
particulares, que regulam as relações jurídicas.
Entretanto, a existência de normas regulamentadoras das relações sociais entre pessoas não são
suficientes, nem capazes de evitar ou eliminar os conflitos que podem surgir entre elas. Daí surge o
conflito de interesses, que precisa ser solucionado com o objetivo da pacificação social e da restauração
da paz social.
A solução de conflitos tem sua origem quando pelo menos duas pessoas têm o mesmo interesse em
um determinado bem da vida, que a só uma pode satisfazer.
“[...] pressupõe, ao menos, duas pessoas com interesse pelo mesmo bem.
Existe quando à intensidade do interesse de uma pessoa ou determinado
bem se opõe a intensidade de outra pessoa pelo mesmo bem, donde atitude
de uma tendente à exclusão da outra quanto a este”6.
O conflito de interesses caracteriza-se pela pretensão de uma pessoa, resistida por outra, quanto a
um determinado bem ou relação jurídica, gerando uma insatisfação.
É certo que a insatisfação é um fator antissocial, independentemente da pessoa ter ou não razão
ao bem pretendido.
6 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 26.
13
Unidade I
Se há um conflito entre duas pessoas, há uma lide, e o Estado-juiz é chamado para dizer qual a
vontade do ordenamento jurídico para o caso concreto (declaração) e, se for o caso, fazer com que as
coisas se disponham conforme essa vontade (execução).
Moacyr Amaral Santos entende que lide “[...] é o conflito de interesses qualificado pela pretensão de
um dos interessados e pela resistência do outro. Ou, mais sinteticamente, lide é o conflito de interesses
qualificado por uma pretensão resistida”7.
Assim, para a eliminação dos conflitos ocorrentes na vida em sociedade deve ser observado o sistema
de solução dos conflitos, que constitui um conjunto de meios e de formas de que o ordenamento
jurídico é dotado para colocar fim às controvérsias em geral.
• Autodefesa ou autotutela: impõe o sacrifício para a satisfação do interesse da parte mais forte
sobre o outro mais fraco.
• Autocomposição: um dos sujeitos (ou cada um deles) consente no sacrifício total ou parcial do
próprio interesse por meio de um acordo.
• Heterocomposição: impõe a participação de um terceiro suprapartes à solução do conflito,
Estado‑juiz ou árbitro.
7 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 31.
8 BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16.03.2015.
14
TEORIA GERAL DO PROCESSO
Para aclarar a compreensão, segue quadro dos meios de solução de conflitos sociais, a seguir:
Conciliação
Autocomposição
Mediação
Métodos de solução
de conflitos
Arbitragem
Heterocomposição
Jurisdição
Figura 1
Essas formas de solução de conflitos de interesses contrapostos serão analisados e estudados a seguir.
Nas fases primitivas da civilização dos povos não existia um Estado-juiz, sendo que se alguém
pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter, teria de utilizar da própria força, para
conseguir a satisfação de sua pretensão.
O vocábulo “autodefesa” indica o ato pelo qual alguém faz a defesa própria, por si mesma. Supõe
defesa pessoal, isto é, as próprias partes procedem à defesa de seus interesses.
Autodefesa consiste na solução direta entre os litigantes pela imposição de um sobre o outro, isto é,
impondo à outra parte um sacrifício não consentido por esta.
15
Unidade I
Marcus Orione Gonçalves Correia define autodefesa como solução de conflitos em que “[...] um dos
sujeitos do conflito impõe, por meio de uma ação própria, a sua vontade sobre a do outro”9.
Para distinguir a autodefesa, José Eduardo Carreira Alvim cita o ensinamento de Niceto Alcalá‑Zamora
y Castillo, que expõe “como notas essenciais da autodefesa: a ausência de um juiz, distinto das partes
litigantes e a imposição da decisão por uma das partes à outra”10.
• Ausência de juiz distinto das partes e de normas reguladoras das relações jurídicas.
• Solução do conflito por ato unilateral de uma das partes, que é imposta à outra parte, sem a
intervenção de terceiros (juiz ou árbitro).
• Uma das partes impõe a outra parte uma solução, sem cogitar a existência ou inexistência do
direito, satisfazendo-se simplesmente pela força.
São notórias as deficiências dessa técnica, cuja solução provém de uma das partes interessadas, que
é unilateral e imposta. Portanto, evoca a violência, e a sua generalização importa na quebra da ordem e
na vitória do mais forte e não do titular do direito.
Assim, os ordenamentos jurídicos proíbem a autodefesa como o exercício arbitrário das próprias
razões, autorizando-a apenas excepcionalmente, conforme os casos a seguir:
• No Direito do Trabalho, admite-se a greve, como manifestação autodefensiva, exercido dentro dos
limites legais.
• No Direito Civil, admite-se a autodefesa nos casos de direito de retenção (CC, arts. 578, 644, 1.219,
1.433, II, e 1.434 etc.), desforço imediato (CC, art. 1.210, § 1º), e o direito de cortar raízes e ramos
de árvores limítrofes que ultrapassem a extrema do prédio (CC, art. 1.283).
• No Direito Penal, o legislador autoriza a autodefesa nos casos de atos que, embora tipificados
como crime, sejam realizados em legítima defesa ou estado de necessidade, que são meios
excludentes da ilicitude do ato (CP, arts. 23, 24 e 25) e o poder estatal de efetuar prisões em
flagrante (CPP, art. 301).
• No plano internacional, como ações autodefensivas tem-se a agressão bélica, ocupações, invasões,
intervenções, etc.
9 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Teoria Geral do Processo. 4. ed. São Paulo: Saraíva, 2007, p. 6.
10 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 10.
16
TEORIA GERAL DO PROCESSO
1.2.2 Autocomposição
Surgiu a autocomposição, a partir do momento em que o homem compreendeu que seria melhor
um acordo, em vez que correr o risco de perder seus bens.
Autocomposição consiste na solução direta entre os litigantes através de acordo firmado entre eles,
isto é, o conflito é solucionado por ato das próprias partes conflitantes, sem emprego de violência, sem
a intervenção de um terceiro, mediante ajuste de vontades.
Características da autocomposição:
• Meio alternativo de solução dos conflitos autocompositivo, por meio do qual as partes conflitantes
chegam a um acordo.
• Uma das partes em conflito, ou ambas, abrem mão do interesse ou de parte dele.
• Solução autocompositiva admitida sempre que não se tratar de direitos indisponíveis, que são
os direitos da personalidade, tais como: vida, incolumidade física, liberdade, honra, propriedade
intelectual, intimidade, estado, etc.
Lembrete
O CPC, art. 3º, §§ 2º e 3º, dispõe que a solução consensual dos conflitos
está prevista na norma fundamental do processo civil.
17
Unidade I
a) Negociação
É, normalmente, a primeira forma de compor litígios, e caso não seja bem sucedida, é possível partir
para outra forma alternativa solução de conflitos, como por exemplo, a jurisdição tradicional.
Negociação é utilizada para lidar com situações de conflito, é um processo em que duas ou mais
partes, com interesses comuns e antagônicos, que se reúnem para confrontar e discutir propostas
explícitas com o objetivo de alcançar um acordo.
Exemplos de negociação:
• As perdas e os ganhos de cada parte são apresentados e constituem as cartas com as quais a
negociação se desenvolve, com objetivos claramente definidos.
11 CALMON, Petronio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. 3. ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015, p. 105.
12 BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e Arbitragem. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 168.
18
TEORIA GERAL DO PROCESSO
b) Conciliação
Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco entendem que
a conciliação, “tende à obtenção de um acordo e é mais indicada para conflitos que não se protraiam no
tempo (acidente de trânsito, relações de consumo)”13.
Na conciliação, as partes chegam a um acordo pela aceitação da proposta de uma delas, pela
convergência e acerto das duas propostas ou pela aceitação da proposta de um terceiro facilitador, o
conciliador. A conciliação pode ser compulsória, quando o juiz impõe a realização de uma audiência
conciliatória (a compulsoriedade não se refere à realização do acordo) (CPC, art. 334).
Há vários tipos de conciliação, extrajudicial e judicial. Extrajudicial quando realizada fora da Justiça
e quando ainda não há processo judicial em andamento perante o Poder Judiciário.
Poderá ser judicial, quando já se encontra em andamento processo judicial perante o Poder Judiciário
e conduzida por conciliador capacitado para atuar para atuar conforme previsto em lei.
Dispõe o artigo 334 e seus parágrafos 1º, 2º, 8º, 9º e 11º, o seguinte:
[...]
13 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do
Processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 38.
19
Unidade I
[...]
[...]”14.
A conciliação das partes é possível em todo momento e fase processual. Neste caso, como se
trata de conciliação judicial, o acordo depende da homologação judicial, que o reveste de efeito de
irrecorribilidade. E, se não cumprido o acordo pelas partes, pode ser executado diretamente perante o
Poder Judiciário.
Cabe ressaltar que, o acordo homologado judicialmente tem natureza de título executivo judicial
(CPC, art. 515, III).
A conciliação pode ser extraprocessual (fora de juízo) ou judicial (ou endoprocessual, que é aquela
que se realiza em processo já instaurado perante juízo competente), em ambos os casos visa a induzir as
próprias pessoas em conflito a ditar as regras a solução do conflito de interesses.
• a transação entre as partes através de mútuas concessões, cujos termos são transcritos no acordo
assinado pelas partes.
Na conciliação judicial (endoprocessual), a ação judicial está em curso perante o Poder Judiciário,
não havendo impeditivo às partes para a conciliação a qualquer momento e fase processual, como os
exemplos abaixo:
• a conciliação das partes através de mútuas concessões, cujos termos são transcritos no acordo
assinado pelas partes, cabendo ao juiz a homologação judicial desse acordo (CPC, arts. 334, § 11º,
e 487, III, “b”).
• a renúncia do direito sobre que se função a ação ou a reconvenção, para que o processo se extinga
com resolução de mérito (CPC, art. 487, III, “c”).
• a desistência da ação, mediante homologação judicial, para que o processo extinga sem resolução
de mérito (CPC, art. 485, VIII).
A autocomposição é admitida pela lei processual civil ao dispor que, o juiz dirigirá o processo
conforme as disposições do Código de Processo Civil, competindo-lhe promover, a qualquer tempo,
a autocomposição, preferencialmente com o auxílio de conciliadores e mediadores judiciais, e em
audiência de instrução, independentemente se já tentado (CPC, arts. 139, V, e 359).
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sobre a obrigatoriedade da proposta conciliatória em dois
momentos processuais: a primeira em audiência, após a qualificação das partes e seus procuradores, e
antes da defesa; e a segunda após as razões finais (CLT, arts. 847 e 850).
Os processos de competência dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais estão voltados à autocomposição
das partes, destacando a fase conciliatória, vez que só se passa à instrução e julgamento da causa, após
tentativa frustrada de conciliação (CF, art. 98, I; e Lei nº 9.099/95, arts. 21 a 26).
Observação
c) Mediação
Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco entendem
que a mediação é um meio autocompositivo de solução de conflitos em que “[...] visa prioritariamente
a trabalhar o conflito, constituindo na busca de um acordo objetivo secundário, e é mais indicada para
conflitos que se protraiam no tempo (relações de vizinhança, de família ou entre empresas etc.)” 15.
15 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do
Processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 38.
21
Unidade I
O mediador nada decide, apenas intermedia e interfere para proporcionar a conversa e a aproximação
das vontades divergentes dos litigantes. Geralmente, a mediação é extrajudicial, mas também pode
ser judicial.
Assim como a conciliação, os tipos da mediação são judicial e extrajudicial. A mediação judicial
ocorre quando já há processo em tramitação perante o Poder Judiciário, aplica-se o disposto no CPC,
art. 334 e seus parágrafos 1º, 2º, 8º, 9º e 11º, acima transcrito. E, a mediação extrajudicial ocorre antes
do ajuizamento da ação judicial.
Observação
1.2.3 Heterocomposição
Heterocomposição consiste na solução do conflito por uma fonte suprapartes, que decide com força
obrigatória sobre os litigantes, que são submetidos à decisão. A decisão não é das partes, mas de uma
pessoa ou órgão acima delas.
22
TEORIA GERAL DO PROCESSO
• A solução do conflito é dada por ato de terceiro que impõe a solução às partes (e não pelas
próprias partes).
a) Jurisdição ou Tutela
A palavra jurisdição vem do latim juris dictio, que significa dizer o direito.
Jurisdição é uma forma heterocompositiva de solução dos conflitos através de decisão judicial
(sentença judicial), mediante a aplicação do ordenamento jurídico, proferida pelo Poder Judiciário. É
uma espécie heterocompositiva por que um terceiro alheio às partes conflitantes soluciona o conflito,
impondo a solução de forma definitiva e obrigatória às partes.
O fim principal da jurisdição é a satisfação do interesse público do Estado na aplicação da norma que
disciplina o conflito e a composição dos litígios pelas pessoas ou órgãos investidos, pela lei, desses poderes.
Petronio Calmon conceitua a jurisdição como “o meio heterocompositivo de solução dos conflitos,
em que a solução do conflito é imposta por um terceiro imparcial. O terceiro substitui as partes em
litígio, aplicando coercitivamente a solução, pondo fim ao conflito que lhe é apresentado por elas”17.
• A solução dos conflitos é imposta pelo Estado-juiz, que examina as pretensões e resolve os
conflitos de interesses das partes.
• Os juízes agem em substituição às partes, que não podem fazer justiça com as próprias mãos.
16 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Volume I. 60. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2019, p. 110.
17 CALMON, Petronio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. 3. ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015, p. 33.
23
Unidade I
• A jurisdição é exercida através do processo, que pode ser conceituado como, o instrumento por
meio do qual os órgãos jurisdicionais atuam para pacificar as pessoas conflitantes, eliminando os
conflitos e fazendo cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso que lhes é apresentado em
busca de solução. O processo é um meio efetivo para a realização da justiça.
• A jurisdição é exercida por meio do processo, uma vez que as partes do conflito o transformam
em lide, entregando ao Estado-juiz a missão de solucionar a controvérsia.
A partir da jurisdição decorre o estudo da teoria geral do processo, do direito processual, princípios,
competência, dos poderes do juiz no processo, da exigência de fundamentação das decisões e do duplo
grau de jurisdição.
b) Arbitragem
A Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), no artigo 1º, dispõe que: “As pessoas capazes de contratar
poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”18.
Na arbitragem quem julga não é um juiz investido de jurisdição pelo Estado, mas um árbitro escolhido
pelas partes, que profere uma decisão chamada sentença arbitral.
A Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96), no seu art. 18, dispõe que: “O árbitro é juiz de fato e de direito,
e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”.
• A solução do conflito é dada por árbitro, que é uma terceira pessoa que irá solucionar por meio
de uma decisão, a sentença arbitral.
• O(s) árbitro(s) é(são) pessoa(s) de confiança de ambas as partes, escolhido(s) pelas mesmas.
18 Lei de Arbitragem. Lei nº 9.307/96, atualizada pela Lei nº 13.129, de 2015. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm. Acesso em: 21 fev. 2021.
24
TEORIA GERAL DO PROCESSO
• O(s) árbitro(s) não é(são) investido(s) do poder jurisdicional, não podendo realizar a execução de
suas próprias sentenças, nem impor medidas coercitivas.
• A sentença arbitral contém os termos da solução do conflito imposta às partes e com força
obrigatória no seu cumprimento.
• Desnecessidade de homologação judicial da sentença arbitral, que uma vez proferida pelo árbitro
deve ser obrigatoriamente cumprida pelas partes.
• Sentença arbitral tem natureza jurídica de título executivo judicial (Lei n. 9.307/1996, art. 31; CPC,
art. 515, VII).
• A arbitragem pode se dar por compromisso arbitral (contrato firmado entre as partes, para a
solução de um eventual conflito futuro) ou por cláusula arbitral (decidem pela arbitragem em
cláusula de contrato que celebram, para a solução de conflitos existente).
O árbitro deve ser pessoa capaz, terceiro escolhido pelas partes, que deve atuar de forma imparcial
na solução do conflito.
Cabe ressaltar que, o árbitro é pessoa de confiança das partes, que decidirá de modo a solucionar
o conflito impondo tal solução para cumprimento obrigatório para as partes. Trata-se de decisão que
impede o acesso ao juízo natural, para questionar seu mérito, porquanto opção das partes.
Pode ser formado um Juízo Arbitral, composto por um árbitro, ou um Tribunal Arbitral, composto por
mais de um árbitro, sempre em número ímpar, mas todos escolhidos pelas partes.
Arbitragem tem natureza jurídica de justiça privada, pois o árbitro não é funcionário do Estado, nem
está investido por este de jurisdição, como acontece com o juiz. É uma forma de heterocomposição, pois
não são as próprias partes que resolvem o conflito, como ocorre na autocomposição, mas um terceiro
que é chamado para decidir o litígio.
A sentença arbitral difere da decisão judicial pelos fundamentos, por que a sentença arbitral não
aponta, obrigatoriamente, fundamentos jurídicos, podendo se apoiar em aspectos econômicos, de bom
senso ou de conveniência no caso concreto. O árbitro não está investido do poder jurisdicional, por que
sua autoridade para decidir é atribuída pela vontade dos particulares cujos interesses são apreciados.
A sentença arbitral tem natureza jurídica de título executivo judicial (Lei n. 9.307/1996, art. 31; CPC,
art. 515, VII), que se não cumprida, pode ser executada perante o Poder Judiciário.
25
Unidade I
Quadro 1
Jurisdição Arbitragem
Árbitro é um particular, maior e capaz, de confiança
Juiz, órgão do Estado, diz o direito no caso concreto e escolhido pelas partes conflitantes, para atuar na
a ele submetido, pois está investido da função solução do conflito que lhe é apresentado para decidir,
jurisdicional. de quem é o direito.
O árbitro soluciona o conflito por meio da sentença
O juiz soluciona o conflito por meio da sentença judicial. arbitral.
O árbitro não impõe o cumprimento da sentença arbitral
Juiz determina às partes o cumprimento forçado da às partes, que deve ser executada perante o Poder
sentença. Judiciário.
Saiba mais
O atual Código de Processo Civil prestigia os meios alternativos de solução de conflitos, isto é,
incentiva a utilização pelas partes conflitantes de outros meios que se servem à pacificação social,
de forma a não depender da jurisdição e até mesmo evitar a provocação da prestação jurisdicional
para a solução dos conflitos, eis que o Poder Judiciário se apresenta abarrotado de processos (CPC,
art. 3º e parágrafos).
Todas as formas extrajudiciais de composição de conflitos só podem ocorrer entre pessoas maiores e
capazes e quando a controvérsia se referir a bens patrimoniais ou direitos disponíveis.
• a transação entre as partes através de mútuas concessões, cujos termos são transcritos no acordo
assinado pelas partes.
26
TEORIA GERAL DO PROCESSO
Recomenda-se que, os termos do acordo sejam transcritos e que sejam assinados pelas partes e duas
testemunhas, para fins de execução perante o Poder Judiciário no caso de não cumprimento dos termos
do acordo (CPC, art. 784, III).
Observação
A solução extrajudicial heterocompositiva será obtida por meio da arbitragem, com a participação
do árbitro ou árbitros (agente privado), que tem por função proferir uma sentença arbitral solucionando
o conflito que lhe foi posto à decisão.
A decisão das partes pela solução do conflito por meio do juízo arbitral ou tribunal arbitral importa
na renúncia à via judiciária. Porém, a sentença arbitral produz entre as partes e seus sucessores os
mesmos efeitos da sentença judicial (Lei nº 9.307/1996, art. 31).
O Estado no exercício do Poder Judiciário, com imparcialidade, é o mais apto a solucionar uma
situação conflitiva, passando o conflito à apreciação da jurisdição.
Logo, o conflito, em si, seria um dado sociológico, que antecede a lide ou litígio. Essa constatação é
importante, na medida em que nem todo conflito é deduzido em juízo. Para Carnelutti, lide é “conflito
de interesses deduzido em juízo”19.
Lide é o conflito de interesses, qualificado pela existência de uma pretensão resistida. Se uma pessoa
pretende o bem da vida (material ou imaterial) e encontra resistência relevante em outra pessoa, somente
o Poder Judiciário, como regra quase absoluta, pode, pela atuação do processo, solucionar a questão.
A função jurídica do Estado regula as relações intersubjetivas através de duas ordens de atividades:
19 CARNELUTTI apud CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Teoria Geral do Processo. 5. ed. São Paulo: Saraíva,
2010, p. 20.
27
Unidade I
• Jurisdição: o Estado busca a realização prática daquelas normas em caso de conflito entre
pessoas, declarando qual é o preceito pertinente ao caso concreto (processo de conhecimento) e
desenvolvendo medidas para que esse preceito seja realmente efetivado (processo de execução).
2 DIREITO PROCESSUAL
Marcus Orione Gonçalves Correia explica que “As normas de direito material disciplinam as relações
jurídicas entre pessoas, estabelecendo seus direitos e obrigações”20.
Muitas vezes a existência de normas imperativas e obrigatórias elaboradas pelo Estado, por meio
do Poder Legislativo, que regulamentam as relações sociais nas mais diversas áreas do direito material,
como direito civil e direito do trabalho, e outros, não são suficientes para manter o bom, correto e
adequado comportamento dos cidadãos e da relação entre eles, ou fazer cumprir as regras sociais, daí
surge o conflito de interesses.
Assim, há a necessidade do direito processual, ramo do direito público, também elaborado pelo
Estado e por meio do qual este exerce uma das suas principais funções soberanas, a Jurisdição, para
fazer valer o direito material eventualmente desrespeitado.
Nessa linha de raciocínio, Cassio Scarpinella Bueno ensina que o direito processual civil é um ramo
do direito público, voltado ao estudo da atividade-fim do Poder Judiciário, e que deve ser estudado a
partir da Constituição Federal.21.
20 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Teoria Geral do Processo. 5. ed. São Paulo: Saraíva, 2010, p. 26.
21 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil – Volume único. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2019, p. 47.
28
TEORIA GERAL DO PROCESSO
Para cumprir essa importante missão, o Estado utiliza do processo, que pode ser civil, trabalhista,
penal, etc., de acordo com o ramo do direito material objeto do conflito de interesse.
Marcus Vinicius Rios Gonçalves distingue o direito material e o direito processual, explicando
que as normas do direito processual “tratam do processo, que não é um fim em si mesmo, mas apenas
um instrumento para tornar efetivo o direito material” 23.
O direito processual como ramo da ciência jurídica que estuda as normas pertinentes à relação
jurídico-processual, é um só, visto que também é uma só a função jurisdicional, e desses princípios
fundamentais se originam normas processuais especializadas de acordo com a natureza dos conflitos
a solucionar, como o direito processual civil, direito processual do trabalho, direito processual penal,
direito processual tributário e outros ramos do direito processual.
Como é una a jurisdição, função exercida pelo Estado, é uno também o direito processual, sendo um
sistema de princípios e normas que se aplicam a todos os demais ramos do direito processual.
No que concerne a essa correlação do direito processual com outros ramos do direito processual,
é que nos cabe destacar a importância do estudo da nossa disciplina Teoria Geral do Processo,
como pilar do ordenamento processual naquilo que é comum aos diversos tipos de processo, como os
princípios e institutos fundamentais da ciência processual, aplicáveis a todos os demais processos, como
por exemplo, princípios fundamentais, conceitos de jurisdição, ação e processo, e aos muitos outros
institutos como a citação, a intimação, a sentença, a coisa julgada etc.
22 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 60. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 3.
23 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual. Vol. I. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 26.
29
Unidade I
A doutrina moderna desenvolveu uma teoria geral do processo cujos conceitos são aplicados a todos
os seus ramos indistintamente.
Para melhor explicar, José Eduardo Carreira Alvim define a teoria geral do processo como “o
conjunto de conceitos sistematizados que retratam os princípios fundamentais do direito processual
(nos seus distintos ramos), enquanto ramo do direito público que contém o repositório de princípios e
normas que disciplinam os diversos tipos de processo e seus respectivos procedimentos”24.
Logo, a teoria geral do processo estuda elementos comuns a todos os ramos da ciência do processo,
como base para o estudo de outros ramos do direito processual, como o direito processual civil, o direito
processual penal e o direito processual do trabalho, disciplinas estas que serão estudadas futuramente
no correr do nosso Curso de Direito.
Como já explicado anteriormente, lide se estabelece entre dois sujeitos, titulares de interesses
contrários, e necessita ser solucionado.
Lide perturba a paz social, e no entender de Moacyr Amaral Santos, “é o conflito de interesses
qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro”25.
É por meio do processo que o Estado compõe a lide, concedendo o direito à quem o tem no caso
concreto que lhe foi apresentado à solução pelas partes conflitantes.
Processo é um complexo de atos coordenados, instrumento por meio do qual o Poder Judiciário
aplica a lei ao caso concreto, que lhe é posto à solução de um conflito de interesses.
O processo é regido por princípios e leis, constituindo o fenônemo que se situa no campo do direito.
E, seguindo esse raciocínio, é que Misael Montenegro Filho explica que processo “é o instrumento
utilizado pela pessoa que exercitou o direito de ação para obter resposta jurisdicional que ponha fim ao
conflito de interesses instaurado ou em vias de sê-lo”26.
24 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 41.
25 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 31.
26 MONTENEGRO FILHO, Misael. Direito Processual Civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 131.
30
TEORIA GERAL DO PROCESSO
Cabe conceituar o direito processual, que para Moacyr Amaral Santos é um “sistema de princípios
e normas legais que regulam o processo, disciplinando as atividades dos sujeitos interessados, do órgão
jurisdicional e seus auxiliares”27. Melhor explicando, o mesmo autor entende que o direito processual
“constitui o sistema de princípios e normas legais regulamentadoras do exercício da função jurisdicional”28.
O direito processual é uma ciência autônoma no campo da dogmática jurídica, cuja natureza é de
direito público, constituída de princípios próprios, que regula a atividade jurisdicional do Estado, e que
tem como base a Constituição Federal.
Para Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco o
O direito processual, por sua vez, inclusive por meios de disposições contidas
no próprio texto constitucional, cria e regula o exercício dos remédios
jurídicos que tornam efetivo todo o ordenamento jurídico, em todos os
seus ramos, com o objetivo precípuo de dirimir conflitos interindividuais,
pacificando e fazendo justiça em casos concretos”29.
Assim, a autonomia do direito processual se evidencia pelo sistema de princípios que o regem e
que lhe são próprios, como também das leis que o constituem, com características próprias.
No tocante à natureza jurídica, o direito processual é ramo de direito público, que regula o exercício
de parte de uma das funções soberanas do Estado, que é a jurisdição. Na relação jurídica processual, se
encontra o Estado em posição de superioridade em face dos particulares, fazendo uso do seu poder de
império (ius imperii).
27 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 35.
28 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012,
p. 35.
29 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do
Processo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 56.
31
Unidade I
Ademais, deve-se considerar que, mesmo quando o conflito de interesses é eminentemente privado
(entre dois particulares), há no processo sempre um interesse público, que é o da pacificação social e o
da manutenção do império da ordem jurídica, mediante a realização da vontade concreta da lei.
As normas de direito processual são, em sua maioria, cogentes, eis que não se encontram à disposição
das partes a possibilidade de alterá-las.
Apesar de o direito processual ser uno e indivisível, a ciência processual o desdobra em vários outros
ramos, todos com autonomia e independência, como o direito processual civil, direito processual penal,
o direito processual do trabalho e direito processual tributário, dente outros, se diferenciando entre eles
pela pretensão posta em juízo.
Alguns doutrinadores entendem que, conforme a natureza da lide, o direito processual se divide em
dois, o direito processual civil e o direito processual penal. E, assim justifica Vicente Greco Filho dizendo
que “[...] direito processual civil e o direito processual penal são comuns em relação aos outros que são
especiais, porque regem a atuação da jurisdição toda vez que não se aplicam as jurisdições especiais”31.
Humberto Theodoro Júnior define o direito processual civil “como o ramo da ciência jurídica que
trata do complexo das normas reguladoras do exercício da jurisdição civil”32.
30 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol. I. 29. ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 36.
31 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro: teoria geral do processo a auxiliares da justiça. Vol. 1.
23. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 87.
32 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 60. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2019, p. 4.
32
TEORIA GERAL DO PROCESSO
As lides que não sejam de natureza penal, se compõem conforme as normas do direito processual
civil, vez que na maioria das vezes são interesses tutelados pelo direito privado, direito civil, direito
comercial etc.
Há lides cujos interesses são tutelados pelo direito público, como direito constitucional, direito
administrativo, direito tributário etc., que também se aplica o direito processual civil.
Assim, o direito processual civil tem ligação com todos os demais ramos do direito, muitas vezes com
aplicação subsidiária no processo penal, no processo do trabalho, no processo tributário e outros.
Cabe ressaltar que, a maior parte dos princípios que regem o direito processual civil está previsto na
Constituição Federal e alguns deles reproduzidos no Código de Processo Civil.
A jurisdição comum é disciplina pelo direito processual civil e o direito processual penal, e a jurisdição
especial disciplinada por leis especiais para as quais é dado tratamento especial, como para o direito
processual do trabalho, o direito processual eleitoral e o direito processual militar.
A distinção entre os vários ramos do direito processual respeita a natureza da lide, como instrumento
para fazer valer o direito material.
33 Nucci, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. .
34 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 59.
33
Unidade I
O sistema jurídico deve se organizar com coerência a Constituição Federal, o que decorre dos
princípios gerais e fundamentais sobre os quais se baseiam o direito processual civil, o direito processual
penal, o direito processual do trabalho e outros, em harmonia com princípios específicos de cada ramo
do direito processual.
O direito processual estabelece uma conexão com todos os outros ramos do direito processual,
e que pela sua instrumentalidade atua como correspondente dos ramos do direito material ou
direito substancial.
Convém diferenciar o direito material do direito processual, para a compreensão da nossa matéria e
da sua autonomia como ramo do direito.
O direito material, também chamado de direito substantivo, é o corpo de normas que disciplinam
as relações jurídicas entre as pessoas relacionadas a bens e utilidades da vida, estabelecendo direitos e
obrigações, como por exemplo direito civil, direito penal, direito administrativo, direito comercial, direito
tributário, direito do trabalho, direito do consumidor, e outros.
O direito formal (em oposição ao direito material) ou direito adjetivo (em oposição ao direito
substantivo) ou direito processual regula as relações jurídicas no âmbito do processo, instituindo
regras de como as partes devem comportar-se em juízo a fim de fazerem valer suas pretensões de
direito material.
Assim, podemos denominar direito processual como ramo da ciência jurídica que se ocupa dos
procedimentos judiciais através do complexo de normas e princípios que regem tal método de trabalho,
bem como da relação que se estabelece entre os sujeitos do processo, ou melhor, o exercício conjugado
da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado.
A distinção fundamental entre direito material e direito processual é que este último cuida as
relações dos sujeitos processuais, da posição de cada um deles no processo, da forma de se proceder
aos atos deste.
Aos diversos ramos do direito material correspondem correlatamente ramos do direito processual,
como abaixo demonstra-se:
34
TEORIA GERAL DO PROCESSO
Por sua instrumentalidade, o direito processual deve muitas vezes plasmar-se às exigências do direito
material, criando procedimentos específicos para atender ao direito material. Por exemplo: ação de
consignação em pagamento ajuizado por existir dúvida por parte do devedor sobre à quem deva pagar
a dívida e liquidá-la, para este processo a lei processual prevê a possibilidade de serem citados todos os
potenciais credores, que passarão a integrar o polo passivo desta ação.
O Direito Processual é uno e a unidade entre os diversos ramos do direito processual é clara, como
se depreende dos seguintes elementos:
• A maior parte são princípios fundamentais previstos na Constituição Federal e que são comuns
a todos os ramos do direito processual, como: princípio do devido processo legal, princípio do
contraditório e da ampla defesa, o princípio do acesso à justiça, dentre outros.
• As noções básicas da teoria geral do processo são comuns a todos os ramos, como conceitos
de jurisdição, ação, defesa e processo, bem como os princípios estruturais, da forma como são
utilizados no processo civil, processo penal e processo do trabalho.
• Direito penal se enlaça com o direito processual civil, como por exemplo falso testemunho, falsa
perícia, fraude processual e outros, sendo que certos ilícitos processuais são também delitos
punidos pela lei penal.
• A restauração de um direito violado terá de ser feita pela jurisdição civil, sob pena de incorrer em
crime de exercício arbitrário das próprias razões, salvo nos casos em que se permite a autotutela.
Quanto à natureza jurídica dos direitos processuais civil, penal e trabalhista, pertencem ao
ramo de direito público, visto que interessa ao Estado a solução dos conflitos por meio do processo,
para a busca da harmonia social a partir da decisão soberana tomada pelo poder estatal, nas relações de
direito processual esse mesmo Estado aparece em posição de superioridade (“jus imperii”). Devedor da
prestação de decidir, o Estado, mediante a atuação do juiz, submete os particulares a essa mesma decisão,
tendo estes de acatá-la. A vontade do Estado substitui a dos particulares a partir da decisão judicial.
Lembrete
35
Unidade I
As normas de direito processual regulam as relações jurídicas no âmbito do processo, como regras
sobre os sujeitos legitimados a participarem do processo e as práticas de atos processuais a fim de fazer
valer suas pretensões de direito material.
A função jurisdicional consiste na aplicação da lei, que é norma geral e abstrata de tutela de interesses
e reguladora da composição de conflitos de interesses nos casos concretos que são postos à solução.
Há uma correlação entre o legislativo e o judiciário, vez que aquele elabora leis de modo a regulamentar
as relações jurídicas, que se não observadas cabe ao órgão jurisdicional a composição dos conflitos por
meio do proferimento da sentença pelo juiz, impondo às partes o direito objetivo, ao conceder o direito
à quem o tem. O processo tem função pública
Assim, considerando que o processo tem por finalidade a atuação do direito objetivo, vez que se
destina a satisfazer o interesse público da paz jurídica, aplicando a lei ao caso concreto que lhe é posto
à solução, também deve ser considerado a finalidade de direito subjetivo, uma vez que a jurisdição deve
ser provocada pela parte interessada, que pretende ver o seu direito individual protegido ou resguardado
por meio de uma decisão do Poder Judiciário.
No que concerne a legislação, o direito processual encontra sua principal fonte no direito
constitucional, que consagra seus princípios básicos, define a estrutura fundamental do Poder Judiciário
e garante, como direito individual, o direito à ação e ao processo, no referido art. 5º, XXXV: “A lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
O direito processual, propriamente dito, está regulado em lei federal - no Código de Processo Civil,
Código de Processo Penal -, em virtude da competência da União para legislar sobre essa matéria,
conforme dispõe o art. 22, I, da Constituição da República.
Compete a cada um dos Estados federados legislar sobre sua Organização Judiciária, definindo as
circunscrições de atuação dos juízos, a distribuição de competência entre eles, quando houver mais de
um em cada foro, o quadro judiciário e a carreira da magistratura estadual. Por força do preceito contido
no art. 96, II, d, da Constituição Federal, cabe privativamente ao Tribunal de Justiça propor ao Poder
Legislativo a alteração da organização e da divisão judiciárias.
Cabe destacar que, em relação às Justiças especiais (Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça
Militar) e à Justiça Federal, a organização judiciária é disciplinada em lei federal própria para cada uma.
36
TEORIA GERAL DO PROCESSO
Mesmo com a independência (1822), através do decreto de 20.10.1823, o Brasil continuou a adotar
a legislação lusitana naquilo que não contrariasse a soberania nacional e o regime brasileiro. Assim,
o Brasil herdava de Portugal as normas processuais contidas nas Ordenações Filipinas e algumas leis
extravagantes posteriores.
As Ordenações Filipinas, promulgadas por Filipe I, em 1603, foram grandes codificações portuguesas,
precedidas pelas Ordenações Manuelinas (1521) e pelas Afonsinas (1456), cujas fontes principais foram
o direito romano e o direito canônico.
O processo civil, previsto nas Ordenações Filipinas, era regido pelo princípio dispositivo e movimentado
apenas pelo impulso das partes, com procedimentos e fases rígidos, e em forma escrita. Já o processo
penal admitia o tormento, a tortura, as mutilações, as marcas de fogo, os açoites e outras práticas
desumanas e irracionais, disposições estas que foram revogadas pela Constituição de 1824.
Em 1832, foi editado o Código de Processo Criminal brasileiro, que dispôs sobre matéria penal
e também sobre disposições provisórias da administração da justiça civil. Este foi alterado pela Lei
261/1841, por ser muito liberal, e, consequentemente, modificou disposições provisórias.
Em 1850, foi sancionado o Código Comercial, editando o primeiro código processual elaborado no
Brasil, e o Regulamento 737, aplicáveis somente às reações comerciais e às discussões judiciais a elas
relacionadas.
Em 1876, Comendador Antonio Joaquim Ribas foi encarregado de reunir o conjunto de legislação
relativa ao processo civil, elaborando a Consolidação das Leis do Processo.
A Constituição de 1891 consagrou-se pela dualidade de Justiça – Justiça Federal e Justiças Estaduais – e de
processos, com a divisão do poder de legislar sobre direito processual entre a União Federal e os Estados.
Com a Constituição de 1934, concentrou-se novamente na União a competência para legislar com
exclusividade em matéria de processo, mantendo-se essa regra nas Constituições subsequentes. Houve
a necessidade de legislar sobre processo.
O Código de Processo Civil de 1939 foi elaborado tendo como paradigma os Códigos da
Áustria, Alemanha e Portugal, adotando o princípio da oralidade, e o Código de Processo Penal foi
instituído em 1941.
O ingresso do método científico na ciência processual brasileira ocorreu em 1940, com a vinda para
cá de Enrico Tullio Liebman, professor na Universidade de Parma, na Itália, o qual lá já era professor de
direito processual.
37
Unidade I
Na Itália, Liebman foi aluno de Chiovenda e conhecedor de obra dos germânicos sobre a história
do direito processual e do pensamento de italianos, como Carnelutti. Aqui, veio a dominar a obra dos
autores luso-brasileiros mais antigos e o espírito da legislação herdada de Portugal.
Liebman foi admitido como professor visitante na Faculdade de Direito de São Paulo (USP), o qual
trouxe a influência europeia do direito processual.
No Brasil, Liebman além de ministrar aulas na Faculdade de Direito de São Paulo no largo São
Francisco, reunia estudiosos em sua residência em São Paulo, na Alameda Ministro Rocha Azevedo,
para debater temas de direito processual. Assim, estes jovens estudiosos deram início ao movimento
científico no Brasil, chamada “Escola Processual de São Paulo”.
Em 1973, entrou em vigor o Código de Processo Civil, elaborado a partir do projeto do Ministro Alfredo
Buzaid, representante da Escola Paulista do Processo Civil, que se desenvolveu com os estudos realizados
por Enrico Tullio Liebman, de quem era discípulo. Este representou um grande avanço por imprimir um
caráter científico ao Código, adotando os desenvolvimentos mais recentes da técnica processual.
Em 2015, foi aprovado o atual Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), com
uma vacatio legis de 1 ano, para sua entrada vigor, revogando o Código de Processo Civil de 1973.
O Código de Processo Civil de 2015 se destaca pela sistematização e organicidade, contendo duas
partes, Parte Geral e Parte Especial. A Parte Geral está dividida em seis livros, que tratam das Normas
Fundamentais do Processo Civil, Função Jurisdicional, sujeitos do processo, atos processuais, Tutela
Provisória e da formação, suspensão e extinção do processo. Estes seis livros contêm os princípios e
as regras gerais, aplicáveis a todos os tipos de processo. A Parte Especial está dividida em três livros,
dedicados ao Processo de Conhecimento, abrangendo procedimentos comum e especiais, jurisdição
contenciosa e voluntária e ao cumprimento de sentença; Processo de Execução; e dos Processos
nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais. E há um livro complementar sobre
Disposições Finais e Transitórias.
“É aquela que trata das relações que se estabelecem entre os que participam
do processo e do procedimento, isto é, do modo pelo qual os atos
processuais sucedem-se no tempo. A relação processual e o procedimento
são inseparáveis e não existem isoladamente. Ambos compõem e integram
o processo, por isso as normas processuais são as que tratam de um ou
outro. Entre elas, há as que versam mais diretamente sobre a relação que se
estabelece entre os sujeitos do processo, como as que cuidam dos poderes
do juiz, dos ônus e direitos das partes, e as que se referem especificamente
ao procedimento”35.
As normas jurídicas podem ser classificadas em cogentes e não cogentes. As normas jurídicas
cogentes são aquelas de ordem pública, imperativas, que impõe de modo absoluto, e que não podem
ser derrogadas pela vontade do particular.
As normas jurídicas não cogentes, também chamadas de normas dispositivas, são aquelas que
não contém um comando absoluto, permitindo ao interessado a derrogação das mesmas e dispondo
como lhe convier.
A norma processual tem natureza jurídica de direito público, uma vez que a relação jurídica que
se estabelece no processo é de poder e sujeição, predominando o interesse público sobre os interesses
divergentes dos litigantes, para a resolução dos conflitos e controvérsias.
Não é porque a norma processual é de natureza de direito público que é cogente, eis que em algumas
situações permite a aplicação da norma processual conforme convenção das partes.
35 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual. Vol. I. 14. ed. São Paulo: Saraiva,
2017, p. 30-31.
39
Unidade I
O atual Código de Processo Civil contém normas jurídicas processuais cogentes e não cogentes.
Inovou o Diploma Processual ao permitir a negociação processual, para os seguintes atos processuais:
• Se versar o processo sobre direitos que admitam autocomposição, as partes podem convencionar
mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificardes da causa e também sobre ônus,
poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou no curso do processo (art. 190).
• Quando o juiz e as partes, de comum acordo, fixem um calendário para a prática dos atos
processuais, com eficácia vinculante, devendo as partes serem intimadas para a prática do
ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário
(art. 191 e §§ 1º e 2º).
• Permite a perídica consensual, com a nomeação consensual das partes de um perito (art. 471).
• Eleição de foro convenciado pelas partes, sobre o local de competência onde será proposta ação
oriunda de direitos e obrigações (art. 63).
• Às partes, referem-se às faculdades e aos poderes destinados à eficiente defesa de seus direitos,
além da correlativa sujeição à autoridade exercida pelo juiz.
• regular as atividades das partes litigantes, que estão sujeitas ao poder do juiz;
• reger a imposição do comando concreto formulado através daquelas atividades das partes e do juiz.
1ª) Normas de organização judiciária, que tratam primordialmente da criação e estrutura dos órgãos
judiciários e seus auxiliares;
40
TEORIA GERAL DO PROCESSO
2ª) Normas processais em sentido restrito, que cuidam do processo como tal, atribuindo poderes e
deveres processuais;
3ª) Normas procedimentais, que referem-se ao modus procedendi, inclusive a estrutura e coordenação
dos atos processuais que compõem o processo.
Etimologicamente, a palavra “fonte” vem do latim fon”, que significa lugar de onde provém ou de
onde promana algo.
Nas fontes do direto encontramos a origem das normas jurídicas. Temos duas espécies de
fontes, a seguir:
• Fontes materiais: origem das normas diante de fatores históricos, sociais, políticos, econômicos
e filosóficos.
• Fontes formais: meios de produção ou expressão da norma jurídica, como: Constituição, leis,
usos e costumes, negócio jurídico.
Podemos dizer que, a fonte formal direta ou principal do direito processual é a lei. E, as fontes
acessórias ou indiretas são a analogia, os costumes, os princípios gerais do direito (Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro, art. 4º), as súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal (CF, art, 103-A)
e decisões definitivas de mérito sobre controle concentrado de constitucionalidade, nas ações diretas de
inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade proferidas pelo Supremo Tribunal Federal
(CF, art. 102, § 2º).
41
Unidade I
• normas que fixam e discriminam competências, que estipulam as diretrizes das organizações
judiciárias estaduais;
É a Constituição Federal quem estipula a competência privativa da União para legislar sobre direito
processual (CF, art. 22, I), e faculta à União, aos Estados e Distrito Federal competência concorrente para
legislar sobre procedimento em matéria processual, e a competência para a criação, o funcionamento
e o processo do juizado de pequenas causas (CF, art. 24, X e XI), bem como normas de organização
judiciária no âmbito estadual formuladas pelos órgãos estaduais (CF, art. 125 e parágrafos).
• inadmissibilidade, no processo, de provas obtivas por meios ilícitos (art. 5º, LVI);
• admissibilidade de ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo
legal (art. 5º, LIX);
• restrição por lei da publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse
social o exigirem (art. 5º, LX e § 2º), etc.
b) Leis infraconstitucionais: em geral, são as leis são atos do Poder Legislativo que impõem regras
gerais e abstratas de conduta, e disciplinam a relação processual e o procedimento.
De acordo com a CF, art. 22, I, compete privativamente à União legislar sobre direito processual
e outros ramos do direito. A CF, art. 24, XI, confere competência concorrente aos Estados e
ao Distrito Federal para legislar sobre procedimento em matéria processual. Os §§ 1º, 2º e 3º,
do referido art. 24, da CF, dispõem que a União editará as normas gerais sobre procedimento,
cabendo aos Estados a competência suplementar para editar as de caráter não geral, sendo que
na ausência de lei federal, a competência estadual é plena para editar norma geral.
Convém distinguir o vem a ser normas processuais das norma procedimentais. Normas processuais
são aquelas que tratam das relações entre os sujeitos do processo, poderes, faculdades, direitos e ônus
para cada parte no processo. Normas procedimentais são aquelas que versam sobre a forma pela qual
os atos se realizam no processo e se sucedem no tempo.
42
TEORIA GERAL DO PROCESSO
• Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), lei federal ordinária, que dispõe sobre regras do
processo civil, a jurisdição civil, contenciosa e voluntária em todo o território nacional.
• Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941 aperfeiçoado pela Lei nº 13.964/2019), lei
federal ordinária, que dispõe sobre o processo penal.
• Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452/1943, atualizada pela Lei nº 13.467/2017),
lei federal ordinária, que dispões sobre as relações de trabalho, direitos e obrigação trabalhistas.
• Lei do juizado especial (Lei nº 9.099/1995), lei federal ordinária que dispõe sobre os Juizados
Especiais Cíveis e Criminais.
d) Usos e costumes: tratam-se das praxes processuais, utilização reiterada de determinada prática,
que acaba por criar, no seio da comunidade, uma conduta padronizada, no caso de natureza processual
(que muitas vezes é incorporada futuramente pelos textos legais).
e) Negócio jurídico: trata-se de ato bilateral que cria, modifica ou extingue direitos.
As súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal (CF, art, 103-A) e decisões definitivas de
mérito sobre controle concentrado de constitucionalidade, nas ações diretas de inconstitucionalidade
e declaratórias de constitucionalidade proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, § 2º) têm
força equiparada à das normas jurídicas, sendo consideradas fontes formais.
O atual Código de Processo Civil, influenciado pela common law, introduziu no nosso ordenamento
jurídico o sistema dos precedentes e súmulas vinculantes, que foram erigidos em verdadeira fonte
formal do direito.
A lei se aplica a todos indistintamente e ninguém pode alegar ignorância da lei, para fins de justificar
o seu descumprimento. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), no art. 3º, dispõe:
“Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.
As normas jurídicas são gerais e abstratas, e cabe ao juiz interpretar e aplicar a lei ao caso concreto
que lhe é apresentado à solução.
43
Unidade I
Deve ser considerado que a lei faz parte de um ordenamento jurídico e para aplicá-la ao caso
concreto, cabe ao juiz interpretá-la, utilizando-se das técnicas de interpretação.
Além disso, ao interpretar a lei processual devem ser considerados os fins sociais a que ela se dirige
e às exigências do bem comum, conforme dispõe a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
(LINDB), no art. 5º: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências
do bem comum”.
Ainda com relação à interpretação e à aplicação da lei processual, o Código de Processo Civil, no
art. 8º, dispõe que:
A ciência que se dedica ao estudo da interpretação das leis é a hermenêutica jurídica, que no
entender de Carlos Maximiliano tem por “[...] objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis
para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito”37.
Marcus Orione Gonçalves Correia define o que vem a ser interpretar a lei “[...] é atribuir-lhe um
significado, medindo-lhe a exata extensão e a possibilidade de sua aplicação a um caso concreto.
Consiste em determinar-lhe o sentido, pensamento, espírito ou vontade da lei”38.
A interpretação das leis processuais se faz utilizando-se métodos, que veremos a seguir.
Os métodos tradicionais de interpretação valem para quaisquer dos ramos da ciência jurídica, podendo
variar quanto à utilização de um ou de outro dos métodos diante de princípios básicos de cada ramo.
36 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Teoria Geral do Processo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 31.
37 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 1.
38 SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO Délio; VIANNA, Segadas apud CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Teoria
Geral do Processo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 31.
44
TEORIA GERAL DO PROCESSO
No caso do direito processual, a interpretação das normas processuais pelos métodos comuns é
indispensável, devendo ater-se aos valores e as normas fundamentais constitucionais, os fins sociais
aos quais a norma se dirige e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade
da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a
eficiência (LINDB, art. 5º; CPC, arts. 1º e 8º).
Os métodos de interpretação classificam-se quanto às fontes (ou origens), quando aos meios e
quando aos resultados.
• Autêntica (ou legal ou legislativa): é aquela que emana do próprio órgão que estabeleceu a
norma interpretada, declarando o seu sentido e conteúdo por meio de outra norma jurídica.
• Gramatical (ou literal): como as leis se expressam por meio de palavras, o intérprete deve
analisá‑las, tanto individualmente como na sua sintaxe. Consiste na verificação do sentido exato
do texto gramatical das normas jurídicas, do alcance das palavras empregadas pelo legislador.
Desse limite o intérprete não pode afastar-se, sob pena de nulidade.
• Teleológico (ou finalístico): volta-se para a procura do fim objetivado pelo legislador, elegendo-o
como fonte do processo interpretativo do texto legal.
• Extensiva (ou ampliativa): verifica-se quando a fórmula legal é menos ampla do que a mens
legislatoris deduzida. Quando considera a lei aplicável a casos não abrangidos em seu teor literal,
ou melhor, estende a sua aplicação para outras situações que não àquelas previstas originalmente.
45
Unidade I
• Restritiva: supõe que o legislador, ao elaborar a norma, usou de expressões mais amplas do que
o seu pensamento. É a interpretação que limita o âmbito de aplicação da lei a um círculo mais
restrito de casos do que o indicado pelas suas palavras.
• Declarativa: confere à norma uma interpretação exata àquela de seu texto, não estende e
não restringe.
Pode ocorrer que o direito escrito não apresente soluções para determinado caso que lhe é
apresentado.
Pelo princípio da indeclinabilidade, o juiz não pode esquivar-se de exercer o seu poder jurisdicional
deixando de decidir a questão que lhe é submetida, ou seja, “o juiz não se exime de decidir sob a alegação
de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico” (CPC, art. 140).
Desta forma, quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes
e os princípios gerais de direito (LINDB, art. 4º).
No direito processual, ausente norma processual, o juiz deverá utilizar-se de três técnicas para
suprir a lacunas.
As técnicas de integração das normas processuais e seguindo essa ordem de integração das
normas, que são:
• Analogia: consiste em resolver um caso não previsto em lei, mediante a utilização de regra
jurídica relativa a hipótese semelhante. O juiz deverá aplicar à hipótese apresentada, que não se
encontra regulamentada no ordenamento jurídico escrito, desfecho semelhante ao conferido a
caso parecido com o apresentado e que tem solução na ordem jurídica escrita.
Carlos Maximiliano entende que “a analogia consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei
a disposição relativa ao caso semelhante”39.
• Usos e Costumes: são práticas comuns e reiteradas de conduta, aceitas consensualmente pela
comunidade e tidas como corretas em determinado local e momento. Na ausência de norma
processual, inexistente caso análogo a ser considerado para fins de integração, o intérprete deverá
recorrer a eles.
39 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 169.
46
TEORIA GERAL DO PROCESSO
Carlos Maximiliano entende que costume é tido como “uma norma jurídica sobre determinada
relação de fato e resultante da prática diurna e uniforme, que lhe dá força de lei”40.
• Princípios gerais de direito: não havendo a possibilidade da integração da norma pela analogia,
nem pela aplicação dos usos e costumes, cabe ao juiz, intérprete da norma processual, utilizar
da técnica de integração dos princípios gerais de direito, que são a base da ciência jurídica;
compreendem não apenas os princípios decorrentes do próprio ordenamento jurídico, como
ainda aqueles que o informam e lhe são anteriores e transcendentes.
Marcus Orione Gonçalves Correia define e explica os princípios gerais do direito, a seguir:
“[...] os princípios gerais do direito processual devem ser tidos como proposições
que se colocam na base da ciência jurídico-processual, informando-a.
Toda norma jurídica, inclusive a norma processual, tem eficácia limitada no espaço e no tempo, ou
melhor dizendo, aplica-se apenas dentro de dado território e por um certo período de tempo.
As normas de processo civil têm validade e eficácia, em caráter exclusivo, sobre todo o território
nacional (CPC, art. 16).
Todos os processos que tramitam no País devem respeitar as normas dos Diplomas Processuais.
O direito processual faz parte do direito público, regulador que é das relações dos cidadãos com o
Estado-juiz, visto que a norma processual tem por objeto a disciplina da atividade jurisdicional que se
desenvolve através do processo.
Portanto, por ser o processo constituído de uma parcela da soberania (poder estatal), não permite
o Estado brasileiro a aplicação de normas processuais estrangeiras no território nacional, como regra
quase que absoluta.
A jurisdição é exercida pelos juízes em todo o território nacional. O Código de Processo Civil, art. 16,
dispõe que “A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional,
40 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 153.
41 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Teoria Geral do Processo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 38.
47
Unidade I
conforme as disposições deste Código”. E, nesse mesmo sentido dispõe o Código de Processo Penal, art. 1º,
“caput”: “O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código [...]”.
Ao contrário do que acontece com o direito material disponível (via de regra de cunho obrigacional),
inviável que as partes estipulem em contrato a adoção de normas processuais de país estrangeiro. A
única exceção admitida se encontra contida na LINDB, art. 13, referente à obrigatoriedade de utilização
dos ônus e meios de prova do local onde o negócio jurídico material se realizou, afastadas, contudo, as
provas desconhecidas pela lei processual brasileira.
A norma processual começa a vigorar em todo o País 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente
publicada (LINDB, art. 1º).
Em regra, publicada a lei deve-se aguardar a vacatio legis para a sua entrada em vigência, que na
omissão da lei de uma data expressa para início de vigência, o período de vacância para a validade e
aplicação será após 45 dias da publicação oficial, salvo disposição expressa em contrário prevista na
própria lei nova.
A propósito, o atual Código de Processo Civil teve vacatio legis de 1 ano, por força de disposição
expressa (art. 1.045).
A lei processual tem aplicação imediata e geral, a partir do momento de sua entrada em vigor
(observado o prazo de eventual vacatio legis), inclusive aos processos em curso, respeitados o ato
jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (LINDB, art. 6º). Por outro lado, é ela irretroativa,
não atingindo atos processuais já praticados e findos (tempus regit actum) (LINDB, art. 6º, §§ 1º, 2º e 3º).
Assim, a lei processual nova deve respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada (CF, art. 5º, XXXVI; LINDB, art. 1º e §§ 1º, 2º e 3º.
Regras que compõem o direito processual intertemporal: as leis processuais brasileiras estão
sujeitas às normas relativas à eficácia temporal das leis constantes da Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942), a seguir:
• A lei processual começa a vigorar, em todo o país, 45 dias depois da sua publicação oficial.
• Se, antes de entrar em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, ocorrer nova publicação de seu
texto, destinada a correção, o prazo começará a correr da nova publicação (LINDB, art. 1º, § 3º).
• As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova (LINDB, art. 1º, § 4º).
48
TEORIA GERAL DO PROCESSO
• A lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue (LINDB, art. 2º). A vigência da lei (antiga) se
estende até que seja revogada por lei posterior (nova), que expressamente o declare ou quando
com ela seja incompatível ou regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (LINDB,
art. 2º, § 1º).
• A lei em vigor terá efeito imediato e geral, aplicando-se em situações a partir de então, visto que
não retroage para atingir situações pretéritas, respeitando-se o ato jurídico perfeito, o direito
adquirido e a coisa julgada (LINDB, art. 6º; CF, art. 5º, XXXVI).
Com a entrada em vigor de lei processual nova, tem-se três situações a serem analisadas, a seguir:
• Processo judicial findo ou já encerrado: ocorre quando já transcorreu todos os prazos segundo
a lei vigente à época de tramitação do processo. Neste caso, o processo já está extinto e com
legislação estabelecendo novos prazos processuais, não poderá haver a sua aplicação ao processo
já finalizado, vez que a lei nova não retroage para atingir situações jurídicas já consolidadas,
fundamentada no ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI).
• Processo a iniciar: os processos ainda não iniciados serão inteiramente regidos pela lei nova.
• Processos em curso: são aqueles que iniciaram sob a égide de uma lei processual, que no curso
do processo foi revogada, entrando em vigência nova lei processual, prevendo regras e prazos
novos, diferentes dos previstos na lei anterior. Neste caso, tem-se a aplicação da lei velha ou
da lei nova?
Em regra, com a entrada em vigor de lei processual nova, esta tem aplicação imediata desde o início
de sua vigência aos processos em andamento.
Para melhor compreensão, convém definir processo, que segundo Marcus Vinicius Rios Gonçalves,
“é um conjunto de atos que se sucedem no tempo, da propositura da demanda até o trânsito em julgado
da sentença ou até a satisfação do credor (nos processos de conhecimento de natureza condenatória)”42.
Para este caso, o CPC, art. 14, dispõe que: “A norma processual não retroagirá e será aplicável
imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações
jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.
Considerando que o processo é composto por atos coordenados que se sucedem no tempo, quando
lei processual nova entra em vigência, já foram praticados atos no processo em observância a lei em
vigência anteriormente. Os atos já consumados devem ser mantidos, vez que a lei nova só se aplica a
42 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual. Vol. I. 14. ed. São Paulo: Saraiva,
2017, p. 40.
49
Unidade I
atos posteriores à sua vigência, garantido pelo ato jurídico processual perfeito que se realizou de acordo
com os ditames da lei vigente à época.
Assim, em se tratando de processo em andamento, podemos concluir que a lei nova não atinge
situações consolidadas, nem prejudica ato já realizado.
E, quando a lei nova entra em vigor e o ato processual ainda não foi concluído? Como por exemplo,
em curso o prazo para as partes interporem agravo de instrumento contra decisão quando lei nova entra
em vigência, prevendo a redução ou a alteração desse prazo?
Neste caso, deve ser considerado que, quando surgiu às partes o direito de interpor agravo de
instrumento foi na vigência da lei anterior, e este prazo deve ser admitido, mesmo com o advento
de nova lei que altere ou reduza o prazo recural, bem como o prazo das contrarrazões de recurso à parte
contrária. Há um direito adquirido processual a ser considerado na forma vigente no momento da
intimação da parte, possibilitando a interposição de recurso. Mas, das decisões posteriores, o prazo será
o previsto na nova lei processual.
Caso a lei nova venha ampliar o prazo recursal, em fluência (não esgotado), como não prejudica
o direito da parte, a nova lei terá aplicação imediata, beneficiando a parte recorrendo, mesmo tendo
surgido o direito de recorrer na vigência da lei anterior. Mas, se já escoado o prazo recursal conforme lei
anterior, consumada está a preclusão.
A ampliação do prazo só vale se a decisão não estiver preclusa. Cabe exemplificar. Se, publicada
uma sentença, começa a partir daí a correr o prazo de 15 dias para apelação. Se, depois da publicação,
o prazo for reduzido para 10 dias, as partes não podem ser prejudicadas. Se, dentro dos 15 dias, o
prazo for elevado para 20 dias, todos se beneficiarão. Mas, se a lei nova só entrar em vigor no 16º dia
do prazo (já escoado o prazo recursal, sem interposição de recurso), não será aplicada a nova lei,
porque a decisão terá se tornado preclusa.
Se o prazo for ampliado, a lei nova será aplicável, pois a lei não pode reatroagir para prejudicar,
mas apenas para favorecer os litigantes.
A esse entendimento de direito intertemporal dá-se o nome de isolamento dos atos processuais,
que Marcus Vinicius Rios Gonçalves explica:
43 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2019, p. 58.
50
TEORIA GERAL DO PROCESSO
Logo, a lei nova deve respeitar os atos processuais já realizados e consumados. O processo deve ser
considerado um encadeamento de atos isolados, os que já foram realizados na vigência da lei antiga
persistem. Os que ainda deverão ser respeitarão a lei nova.
O que ocorre quando a lei nova modifica ou extingue a competência para o processamento e
julgamento de uma ação?
As ações dessa natureza em curso perante a Justiça Comum que ainda não tinham sido sentenciadas,
com a entrada em vigência dessa Emenda Constitucional, foram transferidas para a Justiça do Trabalho.
As ações já sentenciadas permaneceram em tramitação perante a Justiça Comum.
44 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2019, p. 59.
51
Unidade I
Em consequência, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 22, que dispõe:
Saiba mais
Resumo
Daí surge o direito, como uma forma de formas de controle social, com
função regulamentadora das relações jurídicas sociais entre as pessoas
de várias naturezas e também função ordenadora, com o intuito de
solucionar os conflitos.
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