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Ambientes Marinhos Profundos: Sistemas Turbidíticos (Deep Water


Environments: Turbidite Systems)

Chapter · January 2008

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3 3,831

13 authors, including:

Roberto Davila Luci Maria Arienti


Petróleo Brasileiro S.A. 29 PUBLICATIONS   148 CITATIONS   
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Maria Alice Nascimento Fagundes Aragão Fernando Vesely


Petróleo Brasileiro S.A. Universidade Federal do Paraná
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Tectônica, sedimentação e magmatismo na Bacia do Guaratubinha, PR View project

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244 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.
Cap.X
Capítulo X

AMBIENTES marinhos PROFUNDoS:


Sistemas turbidíticos

Roberto S. F. d’Avila
Luci Maria Arienti
Maria Alice Nascimento Fagundes de Aragão
Fernando Farias Vesely
Saulo Ferreira Santos
Helga Elisabeth Voelcker
Adriano Roessler Viana
Renato Oscar Kowsmann
Jobel Lourenço Pinheiro Moreira
Ana Paula Pires Coura
Paulo Sérgio Gomes Paim
Renata Solagaistua de Matos
Luís Cláudio Ribeiro Machado

ABSTRACT

The deep sea environment includes a great comprises lobes that constitute a major explorato-
variety of clastic, biogenic, authigenic, volca- ry target because of the great volume of sand and
nogenic and cosmogenic sediments. Of special the concentration of clean reservoirs. The turbidite
importance are those clastic deposits produced lobes could be tabular or lenticular deposits and
by turbidity currents and related gravity flows, amalgamated channelized bodies. There are many
which form the turbidite systems. Turbidite sand- different types of turbidite (lato sensu) systems with
stone reservoirs are responsible for almost 90% distinct facies, geometries and reservoir character-
of petroleum produced from Brazilian Basins. A istics. Five turbidite systems are commonly men-
comprehensive characterization of these systems, tioned in the literature: foredeep turbidite systems,
depicting the main differences in terms of their prodelta turbidite systems, mixed turbidite sys-
geometries, facies, and petrophysics, is a major tems, meandering channels turbidite systems and
goal of petroleum industry. Turbidites are com- channel-levee turbidite systems. Other gravity-flow
monly characterized by sandy deposits, origi- deposits originated from sediment instability, such
nated from extremely catastrophic flows, called as slides, slumping and debris flows, are somehow
turbidity currents. Turbidity currents are able related to turbidites, mostly in inclined slopes. In
to transport huge volumes of pebbles, sand and such regions, downslope resedimentation is rather
mud, forming turbidite systems in oceans, lakes, common and as a consequence, previously continu-
either in shallow or deep waters. These currents ous beds can be segmented, harming lateral con-
are essentially linked to fluvio-deltaic influx that tinuity of porous layers. In the Brazilian margin,
generates very dense hyperpycnal flows. Based on deep water turbidites and gravity-flow deposits
outcrop and subsurface data, two main zones with are commonly associated with bottom current de-
characteristic geometries and facies associations posits, largely in Tertiary strata. Such bottom cur-
are commonly identified in turbidite systems: the rent deposits often called contourites are petroleum
transference zone and the depositional zone. Ero- bearing reservoirs, commonly mistaken as turbid-
sion and bypass dominate in the transference zone, ites. Outcrop analogs studies and the application
which frequently occur as submarine canyons and of this knowledge had a growing importance in the
channels. Turbidite channels of very high energy last years, mostly concerning with deep water ex-
contain residual conglomeratic facies and coarse ploration and production from turbidites. In Brazil,
sandstone facies. Low energy systems may deposit turbidite systems that crop out in intracratonic Pa-
the great majority of sand within channels. These leozoic basins as well as in Cretaceous rift basins
low energy channels are typically sinuous and its can be used to make comparisons with the highly
infill is predominantly composed of sandstones productive deep water reservoirs of the Atlantic
and fine grained deposits. The depositional area margin.

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
2007p.244-303
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1- Introdução Bem mais raros são os sedimentos cosmogêni-
cos, oriundos do espaço exterior, constituídos por
Sob o ponto de vista da sedimentologia, consi- fragmentos de meteoritos que atingem o leito oce-
dera-se que os ambientes de águas profundas são ânico.
aqueles situados abaixo do nível base das ondas Até o século XIX, acreditava-se que a região
de tempestade, ou seja, um patamar de profundi- abissal dos oceanos não possuía areias, sendo
dade abaixo do qual as ondas não interagem com constituída apenas por sedimentos argilosos. Com
o fundo. Nesse contexto estão incluídos ambientes levantamentos feitos pelo navio Challenger (1872-
marinhos e lacustres em que os principais proces- 1876), foi elaborado o primeiro mapa do fundo
sos de transporte e deposição de grandes volumes marinho, feitas medidas de velocidades e tempe-
de sedimentos são os fluxos gravitacionais. raturas de correntes oceânicas e descobertos os
Dentre os reservatórios de petróleo silici- nódulos de manganês, constatando-se a existência
clásticos da margem atlântica brasileira, os tipos de vida em profundidades consideradas impossí-
mais importantes são aqueles depositados em am- veis pela ciência da época. Até meados do século
biente marinho profundo por correntes de turbidez XX, o oceano foi encarado como um meio inalte-
e, secundariamente, fruto do retrabalhamento por rado ao longo do tempo geológico, idéia que foi
correntes de fundo. Este capítulo é destinado prin- mudada com a datação dos sedimentos marinhos,
cipalmente a esses depósitos, que, devido a sua o conhecimento dos microfósseis e os dados de
importância econômica, são os mais bem amostra- paleotemperatura obtidos com o estudo dos isóto-
dos e estudados, tanto através dos dados de sub- pos, que revelaram oceanos cambiantes ao longo
superfície quanto pela comparação com análogos do tempo.
de afloramentos. O estudo dos turbiditos teve um grande impulso
O ambiente marinho profundo é constituído após a década de 1950, por motivações militares
por diversos tipos de sedimentos, tais como os durante a Guerra Fria, bem como pela importância
sedimentos terrígenos, biogênicos, autigênicos, para a indústria do petróleo. A expansão das fron-
vulcanogênicos e cosmogênicos. Os dois princi- teiras exploratórias mundiais para os contextos de
pais tipos de sedimentos desse ambiente são os águas profundas determinou a necessidade de um
terrígenos e os biogênicos, que diferem, sobretu- melhor conhecimento do substrato marinho, para
do, quanto à composição e ao local de formação. evitar que equipamentos submarinos para a produ-
Os terrígenos são alóctones, trazidos de fora do ção e o escoamento de petróleo fossem assentados
ambiente marinho, enquanto os biogênicos são em regiões onde grandes movimentos de massa,
autóctones, formados no próprio ambiente. correntes de turbidez ou vigorosas correntes de
Os sedimentos terrígenos são trazidos do con- fundo pudessem causar danos a estas instalações
tinente pelo gelo, pelos rios ou pelo vento, e sua (d’Avila & Paim, 2003).
composição reflete a constituição da área fonte. Grande parte do esforço exploratório das com-
Geralmente os sedimentos mais grossos (areia e panhias de petróleo está focada em turbiditos do
cascalho) ficam retidos junto à região costeira. Golfo do México, das bacias da margem brasilei-
Porém, correntes de turbidez são capazes de trans- ra, da costa oeste africana e da Indonésia, regiões
portar gigantescos volumes de clásticos grossos prolíferas e menos conturbadas que o Oriente Mé-
até grandes distâncias da costa, por dezenas ou dio. De acordo com Pettingill & Weimer (2001),
centenas de quilômetros, resultando em depósitos cerca de 30 BBOE (bilhões de barris de óleo equi-
espessos e relativamente contínuos, que possuem valente) foram descobertos em turbiditos entre
freqüentemente boa qualidade como rocha-reser- 1995 e 2002 em bacias de margem passiva e do
vatório para petróleo. tipo rifte.
Os sedimentos biogênicos do ambiente mari- Cerca de 90% da produção atual de petróleo
nho profundo são formados pela acumulação de do Brasil, oriundas de descobertas feitas pela PE-
carapaças de pequenos organismos. Quando o teor TROBRAS, estão em turbiditos e fácies associa-
desses fragmentos é elevado, constituem as cha- das, com um valor de mercado de muitas centenas
madas vazas, que podem ser silicosas, como as de bilhões de dólares. Estas descobertas transfor-
vazas de radiolários e diatomáceas, ou calcárias, maram o Brasil de um substancial importador de
tais como as vazas de foraminíferos e cocolitos. petróleo na década de 1970 para um grande pro-
Sedimentos de origem vulcânica são produzi- dutor e mesmo exportador de petróleo, colocando
dos a partir de lavas e materiais vulcanoclásticos também a PETROBRAS entre as maiores compa-
e piroclásticos, transportados tanto a partir de nhias de petróleo do cenário mundial.
vulcões situados no continente, como de vulcões
situados nos mares, sobretudo derivados de ilhas 2 - Fuidos e fluxos
vulcânicas. Sedimentos autigênicos são química
e bioquimicamente precipitados junto ao assoa- Todos os fluidos possuem uma resistência ao
lho oceânico, formando acumulações tais como fluxo, dita viscosidade, que é controlada pela
os nódulos de ferro e manganês e os fosforitos. composição e, em menor grau, pela temperatura

246 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X
do fluido. Com o aumento da salinidade e da car- Onde L = dimensão do fluxo (profundidade ou
ga sedimentar, crescem a densidade e a viscosi- diâmetro do tubo); ρ = densidade do fluido; U =
dade da água. O aumento da carga de sedimento velocidade; e µ = viscosidade do fluido.
suspenso, especialmente argila, aumenta signifi- Trata-se de um valor adimensional que descre-
cativamente a viscosidade da água, que passa en- ve a razão entre as forças inerciais e as forças vis-
tão a se comportar como uma mistura sedimento + cosas dentro dos fluxos. Se o sistema é dominado
água, com poder para mover grandes quantidades pelas forças viscosas, ou possui velocidades mui-
de material, mesmo de grande tamanho. to baixas, então o fluxo é laminar e o número de
Conceitualmente, os fluidos são materiais Reynolds pequeno (Re < 500). Para sistemas do-
que fluem quando submetidos à tensão cisalhante minados pelas forças inerciais (velocidades altas
(shear stress). Fluidos newtonianos não possuem em relação à viscosidade), o fluxo é turbulento e o
resistência, ou seja, a deformação do fluido é pro- número de Reynolds é grande (Re > 2.000).
porcional à tensão aplicada, não existindo um Nos fluxos turbulentos, a velocidade é muito
patamar inicial de resistência a ser vencido antes variável, mesmo em curtos períodos de tempo.
de o fluido começar a deformar e fluir. Assim, o Vórtices do fluido movem-se para cima, para bai-
fluido assume a forma do recipiente que o con- xo e para os lados, transferindo massa e momento
tém (e.g. canal). Os fluidos que apresentam um através de todo o fluxo. A mistura ocorre de forma
patamar inicial de resistência a ser sobrepujado abrangente dentro do fluxo. A água move-se qua-
antes de o fluxo iniciar são denominados fluidos se sempre desta forma, a menos que esteja fluindo
binghanianos (Fritz & Moore, 1988). Os fluidos muito lentamente em tubos ou canais. O fluxo tur-
newtonianos possuem um menor teor de sedimen- bulento é mais eficiente que o laminar em erodir,
tos dispersos na mistura e uma menor viscosidade esculpir e transportar sedimentos (Fritz & Moore,
que os binghanianos. Quanto maior a viscosidade 1988). Os sistemas naturais são turbulentos, com
de um fluido, maior o tamanho dos clastos que uma razão água/sedimento muito alta e muitas
podem ser carregados, atingindo até centenas de partículas finas em suspensão, gerando correntes
metros de diâmetro. Fluxos muito viscosos nor- sujas (túrbidas). Em canais com baixa rugosidade
malmente têm baixo poder de erosão do substrato, e com fluxos mais lentos, um fino intervalo pró-
carregando apenas os fragmentos que estão soltos ximo ao fundo apresenta fluxo laminar e constitui
na superfície. a “subcamada laminar” (laminar sublayer). Com
o aumento da velocidade, todo o perfil vertical
2.1 - Fluxo laminar vs. fluxo turbulento torna-se turbulento, havendo a destruição da sub-
Os fluxos podem ser classificados como la- camada laminar (Fritz & Moore, 1988).
minares ou turbulentos, em função do padrão de Fluxos podem sofrer mudanças no comporta-
movimento das partículas (Figura 1). Quando um mento da corrente (transformações de fluxo),
sistema é dominado pelas forças viscosas ou pos- que podem ocorrer várias vezes ao longo da sua
sui velocidades muito baixas, o fluxo é laminar, evolução e de várias maneiras diferentes. Existem
com todas as partículas movendo-se em “lâminas” quatro tipos principais (Figura 2): 1) transforma-
paralelas aos limites que contêm o fluxo. O flu- ções de corpo, quando o fluxo passa de laminar
xo turbulento é bem mais complexo, pois o fluido para turbulento e vice-versa, sem que ocorra va-
move-se em direções variáveis ao longo do tempo, riação significativa do fluido intersticial do fluxo;
causando redemoinhos complexos, superpostos à 2) transformações de gravidade, quando um fluxo
direção geral do fluxo. se torna gravitacionalmente segregado (biparti-
Fluxos laminares e turbulentos diferenciam-se do), sendo a porção basal essencialmente laminar
em função do número de Reynolds, que é expres- e de alta concentração, recoberta por uma porção
so pela seguinte fórmula: superior mais diluída e turbulenta; 3) transforma-
Re = ULρ/µ ções de superfície, quando ocorre a mistura do
fluido do topo de um fluxo com a água ou o ar
Fluxo laminar Fluxo turbulento
Laminar flow Turbulent flow
ambiente, o que resulta em diluição, aumento da
Linhas de fluxo
turbulência e separação de duas partes do fluxo,
flow lines
uma basal laminar e outra superior turbulenta; e
4) transformações por fluidização, onde o escape
ascendente dos fluidos da camada de alta concen-
tração produz uma camada turbulenta e diluída na
parte superior.
Dependendo do predomínio de forças inerciais
ou de gravidade, os fluxos podem ser supercríti-
Figura 1: Trajetória das partículas em fluxos laminar e
cos ou subcríticos. Se o fluxo possui alta veloci-
turbulento (modificado de Fritz & Moore, 1988). dade e é dominado por forças inerciais, o mesmo
Figure 1: Particle trajectories in laminar and turbulent é supercrítico, se comportando como um jato, sob
flows (modified from Fritz & Moore, 1988). regime de fluxo superior, com muitos sólidos sus-

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sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
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dos nos estudos da sedimentação fluvial (Smith,
A C 1986), sendo caracterizados por deposição grão a
grão dominada por tração. Durante cheias fluviais,
o fluxo hidrodinâmico é totalmente turbulento, e
essa turbulência mantém sedimentos em suspen-
são, sobretudo as partículas menores, impedindo
B D que atinjam o leito. Partículas maiores, como cas-
calho e areia grossa, entram temporariamente em
suspensão. Quando a energia da cheia diminui, os
grãos maiores caem da suspensão e passam a ser
tracionados junto ao leito, resultando na estrati-
Figura 2: Tipos de transformações de fluxos: A) transfor- ficação cruzada dos arenitos e na imbricação de
mação de corpo; B) de gravidade; C) de superfície
clastos dos conglomerados, típicas da deposição
e (D) de fluidização (modificado de Fisher, 1983).
Figure 2: Types of flow transformations: A) body trans- “normal” de um rio. O fluxo hidrodinâmico tur-
formation; B) gravity transformation; C) surface bulento de um rio em cheia possui uma densidade
transformation and D) fluidization (modified from bastante inferior à de uma corrente de turbidez,
Fisher, 1983). um tipo de fluxo gravitacional de sedimentos tur-
bulento e de mais alta densidade.
pensos e alta agitação (white water). O fluxo será Os fluxos gravitacionais de sedimentos ini-
subcrítico caso haja domínio de forças gravitacio- ciam quando a ação da gravidade sobre misturas
nais, gerando uma corrente lenta (fluxo tranqüilo) de sedimento e água reprime a ação da fricção
sob regime de fluxo inferior, que na superfície de ou da coesão entre as partículas. Inundações flu-
um rio aparecerá como águas calmas e límpidas. viais, tempestades, terremotos, tsunamis etc. atu-
A transformação de um fluxo supercrítico para am como principais mecanismos desencadeadores
um subcrítico ocorre gradiente abaixo através do dos fluxos. Assim, enormes volumes de sedimen-
salto hidráulico. Locais propícios para ocorrência tos podem ser então carregados para o ambiente
do salto hidráulico são zonas de desconfinamen- marinho ou lacustre (sobretudo o profundo). En-
to de canais ou cânions e quebras de gradiente, quanto o componente gravitacional da mistura se-
onde o fluxo sofre súbito decréscimo de velocida- dimento + água exceder a resistência friccional ou
de. Quando se observa um canal fluvial, vê-se que coesiva, os fluxos continuarão em movimento.
um fluxo supercrítico é desacelerado ao chegar Para que um fluxo gravitacional de sedimentos
num contexto menos inclinado e/ou mais descon- permaneça em movimento, é necessário que algum
finado. Nesse ponto, aparecerá no fluxo uma onda mecanismo “suporte” as partículas em suspensão.
movendo-se corrente acima, a qual indica o apare- Os mecanismos de suporte mais importantes são:
cimento do salto hidráulico, marcando redução da coesão da matriz (argilosa), colisão intergranular
velocidade e mudança no regime do fluxo. (pressão dispersiva), movimento ascendente da
água intersticial e turbulência. Na maior parte dos
2.2- Fluxo gravitacional vs. fluxo hidrodinâmico fluxos, sobretudo nas correntes de turbidez, é fre-
Fluxos gravitacionais de sedimentos são mistu- qüente que mais de um mecanismo de suporte dos
ras de sedimento + fluido que fluem declive abai- grãos operem simultaneamente. Outros processos,
xo devido à ação diferencial da gravidade causada tais como tração, podem ainda operar nos estágios
pelo contraste de densidade entre o fluxo e o meio finais de deposição, produzindo ou modificando
circundante, em contexto subaéreo ou subaquoso. estruturas e texturas dos sedimentos depositados
No fluxo hidrodinâmico, ou fluxo gravitacional de em estágios mais precoces de deposição da cor-
fluido, o fluido é movido pela gravidade e carrega rente.
os sedimentos, como é o caso de um rio ou corrente
oceânica. 3 - Processos no ambiente marinho pro-
Diversos mecanismos de transporte podem ope- fundo
rar nos fluxos gravitacionais de sedimentos e flu-
xos hidrodinâmicos, tais como a suspensão devida à A dinâmica sedimentar em águas profundas é
turbulência, a saltação criada por forças de soergui- dominada por uma série de processos: fluxos gra-
mento hidráulico e arraste das partículas, e a tração vitacionais de sedimentos, fluxos gravitacionais
gerada por arraste ou rolamento das partículas no de massa e correntes de fundo. Daremos maior
fundo. Entretanto, alguns mecanismos, tais como o ênfase aos fluxos gravitacionais de sedimentos,
fluxo intergranular ascendente dos fluidos, a intera- tendo em vista sua importância na transferência
ção direta entre os grãos e o suporte dos grãos pela de sedimentos para o ambiente marinho profundo
viscosidade da matriz, são importantes nos fluxos e no desenvolvimento de sistemas turbidíticos. As
gravitacionais de sedimentos, mas não têm maior correntes de fundo e os fluxos gravitacionais de
importância na maioria dos fluxos hidrodinâmicos. massa são considerados agentes modificadores,
Os fluxos hidrodinâmicos são muito aborda- que retrabalham e ressedimentam os depósitos pre-

248 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X
existentes. No caso dos reservatórios turbidíticos, 3.1 - Fluxo de detritos
as correntes de fundo e os fluxos gravitacionais Fluxos de detritos (debris flows) são fluxos
de massa podem piorar ou melhorar a qualidade binghanianos (alta viscosidade), ricos em sedi-
permoporosa e a continuidade dos depósitos. mentos, saturados em água, com propriedades
Segundo Middleton & Hampton (1973), os plásticas, devido à presença de argila e silte, e
fluxos gravitacionais de sedimentos podem ser que depositam sedimentos en masse quando a ten-
subdivididos em quatro tipos: fluxo de detritos, são cisalhante cai abaixo da resistência da matriz
corrente de turbidez, fluxo fluidizado (fluxo li- (Lowe, 1979). O suporte dos clastos maiores se
quefeito) e fluxo de grãos. Lowe (1979; 1982) dá pela combinação de força coesiva da matriz
relacionou os tipos de fluxo a propriedades reoló- (cohesive matrix strength), boiância (buoyancy) e
gicas e a mecanismos de suporte dos grãos (Figu- colisão intergranular (pressão dispersiva).
ra 3), admitindo que fluxos diferentes possam es- Lowe (1979) utiliza o termo “fluxo de detritos
tar encadeados num mesmo espectro contínuo de não-coesivo” como um sub-tipo de fluxo de de-
processos, iniciando como um fluxo de detritos, tritos no qual a pressão dispersiva é o mecanismo
passando a fluxo de grãos, corrente de turbidez de de suporte dominante. Entretanto, esse comporta-
alta densidade, e, por fim, corrente de turbidez de mento se equivale ao do fluxo de grãos, conforme
baixa densidade (Figura 4). Essa transformação originalmente definido por Middleton & Hampton
ocorreria gradiente abaixo à medida que o fluxo (1973). Os debris flows coesivos, ou simplesmen-
perdesse coerência e ganhasse fluidez, devido à te fluxos de detritos, serão tratados a seguir, en-
entrada de água no sistema. quanto os fluxos não-coesivos serão abordados no
Os fluxos de grãos e os fluxos fluidizados não item relativo aos fluxos de grãos.
são efetivos em carregar grandes quantidades de Fluxos de detritos depositam-se por congela-
sedimentos por longas distâncias. Esses processos mento coesivo, originando depósitos mal sele-
representam condições transientes nos fluxos gra- cionados, geralmente maciços, onde uma matriz
vitacionais durante as fases de iniciação e, parti- lamosa ou areno-lamosa sustenta clastos maiores
cularmente, nos estágios finais de transporte das (Figura 5). A matriz coesiva, uma mistura de ma-
correntes de turbidez, imediatamente antes e/ou terial síltico-argiloso e fluido intersticial, suporta
durante a deposição (Mutti, 1992). Assim, o pro- o peso dos clastos e forma um filme que lubrifica
duto resultante pode ou não refletir o mecanismo as irregularidades na superfície dos grãos. Mesmo
de suporte do fluxo. Em depósitos de fluxos gra- baixos teores de argila (~3%) proporcionam uma
vitacionais, o sedimentólogo poderá obter evidên- redução do atrito, possibilitando a sustentação dos
cias para inferir os mecanismos deposicionais e fluxos por coesão, permitindo que os mesmos flu-
de transporte atuantes através da análise do espec- am por grandes distâncias, ainda que em taludes
tro de fácies geneticamente relacionado mergulho com gradientes muito suaves (1° a 2°).
acima e abaixo. Clastos e fósseis frágeis podem ser preservados

Classificação de Fluxos Gravitacionais de Sedimentos


Classification of Sediment Gravity Flows

Comportamento Mecanismo de Suporte de Sedimento Tipo de Fluxo


Dinâmico Sediment Support Mechanismt Flow Type
Dynamic Behavior

Turbulência Correntes de Turbidez


Turbulence Turbudity currents

Fluido Movimento Ascendente de um fluxo de fluido Fluxos liquefeitos e ou


fluid
Upward fluid flow fluidizados
Liquefied and fluidized flows

Transicional Transicional "Slurry Flows"


Transicional Transicional Slurry fFows

Colisão entre grãos Fluxo de grãos


Fluxo de detritos

(Fricção) (Friccional)
Debris Flows

Friccional grain collision Frictional Debris Flows


Plástico
Plastic
Coesão entre grãos Fluxos de detritos
(argilas) coesivos
Cohesion between grains(Clays) Cohesive Debris Flows

Figura 3: Comportamento reológico e mecanismo de suporte para diversos tipos de fluxos gravitacionais de sedimen-
tos (modificado de Lowe, 1979; 2008).
Figure 3: Rheological behavior and supporting mechanisms for different types of sediment gravity flows (modified from
Lowe, 1979, 2008).

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sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
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Figura 4: Transições possíveis entre os Corrente de
diferentes tipos de fluxos ao longo turbidez de
da evolução completa de um fluxo baixa
densidade
gravitacional de sedimentos suba- Low-density
Corrente de
quático (modificado de Lowe, turbidity current
turbidez de
alta
1982; 2008). densidade
Figure 4: Possible flow transitions along the Fluxo
liquefeito High-density
complete evolution of a subaqueous turbidity current
sediment gravity flow (modified from Liquefied flow
Lowe, 1982; 2008).

devido ao isolamento proporcionado


pela lubrificação da matriz lamosa.
Grandes blocos salientes, chamados
de protruding clasts, são comuns na
frente e no topo das camadas. Em al-
guns fluxos, se observa uma diminui-
ção paulatina do tamanho dos clastos
com a distância da área-fonte, melho-
rando também a seleção. O afunda-
Fluxo de
mento dos clastos leva à concentração grãos
dos fragmentos maiores na parte pro-
Grain flow
ximal dos fluxos de detritos. Quando
a matriz é menos coesiva, o acentuado
choque entre partículas pode levar à Fluxo de
detritos
desintegração dos clastos maiores.
Nos fluxos de detritos, a interação Debris flow

grão a grão é reduzida pela presença


da matriz e, assim, a pressão disper-
siva só pode atuar junto à base de al-
guns depósitos menos viscosos, onde
os clastos maiores decantaram e se
aglomeraram (Lowe, 1979; 1982). Fluxos mais
espessos (vários metros) podem apresentar a gra-
dação inversa, que resulta do aumento da resis-
tência da matriz coesiva para o topo da camada.
Pode ocorrer também a gradação de cauda grossa
no topo dos fluxos de subaquosos. Já a gradação
normal é comum em fluxos menos coesivos, es-
pecialmente na metade superior de cada camada.
Devido à elevada viscosidade, fluxos de de-
tritos não desenvolvem estruturas sedimentares
trativas, tais como estratificação cruzada e rip-
ples. Estruturas trativas no topo de depósitos de
fluxos de detritos resultam de retrabalhamento
por fluxos aero ou hidrodinâmicos ou, ainda,
por correntes de turbidez. Fluxos de detritos são
laminares, possuindo pouco poder de erosão do
substrato.

3.2 - Fluxo de grãos


Nos fluxos de grãos, o sedimento é mantido em
suspensão devido às colisões entre os grãos, ocor-
rendo o efeito da pressão dispersiva (Figura 6).
Fluxos de grãos ocorrem tanto em ambientes suba-
éreos como subaquosos, em gradientes elevados,
como no caso dos estratos frontais de dunas, afe- Figura 5: Esquema de um fluxo de detritos e exemplo
tando sedimentos arenosos e cascalhosos limpos, de um depósito resultante.
sem matriz lamosa. Quando a inclinação diminui, Figure 5: Sketch of a debris flow and the resulting depo-
o atrito sobrepuja a movimentação e o fluxo de sit.
grãos se deposita por congelamento friccional.

250 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X
A Pressão Dispersiva B Figura 6: A) Em uma suspensão densa, a colisão
Dispersive Pressure
entre as partículas cria uma pressão disper-
siva, à semelhança do que ocorre entre as

Turbulento

Turbulent Flow
moléculas de gás. Próximo ao substrato, se a

Fluxo
colisão entre as partículas maiores se torna
freqüente, a pressão dispersiva poderá ser
suficiente para suportar os grãos. B) Onde os
grãos são muito grossos e a colisão é intensa,

Fluxo dominado pela


a carga de fundo poderá mostrar gradação

Flow dominated by grain


collisions (laminar flow)
colisão entre os
inversa.
Figure 6: A) In a dense suspension of particles,

grãos
elastic collisions will set up a pressure between
particles like that between molecules in a gas –
called dispersive pressure. Near the bed, if colli-
sions between large particles become frequent,
the dispersive pressure may become sufficient
to support the grains. B) Where grains are very
coarse and collisions intense, the bed load layer
may display inverse grading.

A gradação inversa é uma feição comum nestes dez quanto de fluxo de detritos coesivos, sendo
depósitos, e pode ser explicada de duas maneiras: denominado por Lowe & Guy (2000) e Lowe
1) como função de uma grande pressão dispersiva (2000) de “Slurry Flows”.
próxima ao plano de cisalhamento (base do fluxo), Existe um grande número de slurry flows,
de modo que partículas maiores são mais inten- mas o tipo mais comum apresenta a deposição
samente afetadas, devido a sua área superficial, das partículas maiores formando uma camada
e tendem a ser impelidas para o topo (sobreleva- basal, que é freqüentemente grão-suportada, e
das); ou 2 ) por um processo de filtragem cinética, uma camada superior constituída por uma granu-
caracterizado pela queda dos grãos menores entre lação mais fina, que é matriz-suportada (Figura
os maiores (peneiramento ou sieving). 7). Os depósitos englobam tanto diamictitos (pa-
Os depósitos de fluxos de grãos são constitu- raconglomerados de matriz lamosa), nos quais os
ídos normalmente por arenitos e conglomerados clastos maiores decantaram e atingiram a base,
limpos, maciços ou com diversos intervalos com quanto camadas similares a turbiditos com estru-
gradação inversa. Nas dunas eólicas, por exem- turas trativas e que passam, ao topo, para cama-
plo, são comuns as “línguas de grain flow”, que das arenosas com matriz lamosa.
aparecem como delgadas lentes de grãos mais Lowe (2008) postulou a existência de pelo me-
grossos, com alta inclinação e, localmente, com nos três tipos de fluxos tipo Slurry (Figura 8): A)
gradação inversa. Os fluxos de grãos podem estar Fluxo de detrito que se torna turbulento, no qual
comumente, mas não exclusivamente, associados os clastos grandes são suportados pelo fluxo tur-
a correntes de turbidez de alta densidade. bulento e depositados como uma camada basal,
em conseqüência do declínio do fluxo; B) Fluxos
3.3 - Fluxos do tipo slurry gerados junto à cabeça de uma corrente de turbi-
Muitos fluxos apresentam tanto o efeito da dez, que gradam, em direção a cauda, para fluxos
turbulência quanto da coesão da matriz. Tais flu- com comportamento similar ao fluxo de detritos
xos exibem feições tanto das correntes de turbi- rico em lama, dominados pela coesão da matriz;
C) Fluxos turbulentos dentro dos quais a desagre-
gação dos fragmentos lamosos produz um fluxo
laminar e coesivo próximo à carga de fundo, que
Suportada domina a sedimentação.
pela matriz Muitos slurry flows tratam-se, de fato, de de-
Matrix supported
pósitos de correntes de turbidez que erodiram ma-
terial lamoso pouco consolidado, incorporando
intraclastos muito plásticos. Esses fragmentos ex-
tremamente viscosos, quando em grande quanti-
dade, aderem aos grãos circundantes, o que acaba
Suportada
provocando o congelamento coesivo do fluxo.
pelos grãos
Figura 7: Perfil litológico mostrando o tipo mais comum de slurry flow, onde se
Grain supported observa a deposição das partículas maiores formando uma camada basal,
grão-suportada, e uma camada superior constituída por uma granulação mais
fina, matriz-suportada (modificado de Lowe, 2008).
Figure 7: Lithological profile of the most common slurry flows showing the settling of the
largest particles to form a basal layer that is often grain-supported and an upper
finer-grained layer is matrix supported (modified from Lowe, 2008).

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
2007p.244-303
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Figura 8: Modelos de slurry flows de Modelos de slurry flows
acordo com Lowe, 2008. A) Models of slurry flows
Fluxos turbulentos de detri-
tos no qual os clastos maiores
são parcialmente suportados A
pelo fluxo turbulento e assen-
tados tão logo o fluxo desa-
celera; B) Fluxo que grada
de uma corrente turbulenta
turbidítica na cabeça para
um fluxo de detritos coesivo
rico em lama em direção à
cauda; C) Fluxo turbulento
no qual a desaceleração cisa-
lhante dos grãos de lama na
base do fluxo produz uma B
camada laminar coesiva que
domina a sedimentação.
Figure 8: Models of slurry flows
according Lowe, 2008. A)
Turbulent debris flows in which
the larger clasts are partially
supported by flow turbulence
and settle to the base as the
flow declines; B) Flows that
grade from a turbulent turbi- C
dity current near the front to a
mud-rich cohesive debris flow
toward the tail; C) Turbulent
flows within which the shear
disaggregation of mud grains
at the base of the flow produ-
ces a laminar cohesive near
bed layer that dominates sedi-
mentation.

tergranular, levando a condições de congelamento


3.4 - Fluxo fluidizado e/ou liquefeito friccional. Os depósitos são tipicamente maciços,
Lowe (1982) subdividiu os fluxos fluidizados moderada a pobremente selecionados e com fei-
em fluxos fluidizados e liquefeitos, conforme o ções de escape de fluidos, tais como estruturas em
suporte dos grãos pelos fluidos intersticiais fos- prato, convolução, chaminés e vulcões de areia.
se total ou parcial, respectivamente. Ressalte-se Freqüentemente os fluxos fluidizados e/ou lique-
que, na análise de afloramentos, muitas vezes o feitos são disparados por um choque (e.g. abalo
aspecto final do depósito não permite a distinção sísmico) ou falhamentos no talude.
desses dois mecanismos de sustentação, obser- No Brasil, há bons exemplos de afloramentos
vando-se apenas abundantes feições de escape de turbiditos onde as feições de escape de fluidos
d’água. são comuns, como nos arenitos do Grupo Itararé
Os fluxos fluidizados e/ou liquefeitos são dis- (Bacia do Paraná), na região de Trombudo Central
persões muito concentradas de grãos e fluidos, (SC) e nos arenitos do Mb. Pitanga da Fm. Mara-
onde os grãos são mantidos em suspensão pela cangalha, na Bacia do Recôncavo (BA). Freqüen-
elevada pressão de poro do fluido e seu movi- temente o escape de fluidos reduz a qualidade dos
mento ascendente. Ao mesmo tempo em que os reservatórios de petróleo, devido à introdução de
fluidos são expulsos para o topo da camada, uma argila no espaço intergranular (permoporoso) da
“chuva” de grãos maiores e mais densos tende a rocha.
decantar, estabelecendo uma competição entre os
grãos que caem e os fluidos que tentam ascender, 3.5 - Corrente de turbidez
o que eleva a pressão de poros até o ponto em que O conceito atualmente mais aceito define a
o fluido rompe a barragem dos grãos e escapa pe- corrente de turbidez como um tipo de fluxo gra-
los espaços intergranulares. vitacional bipartido, com uma camada basal gra-
Enquanto houver suficiente aceleração do flu- nular, que flui devido à sobrepressão de poros e a
xo (gradiente inclinado) e pressão de poros ele- condições inerciais, e uma camada superior mais
vada, os grãos serão mantidos “suspensos” pelo diluída e turbulenta, que eventualmente retrabalha
fluido intersticial que busca escapar. O fluxo per- e ultrapassa o depósito final da camada basal (Fi-
petua-se apenas enquanto a dispersão é mantida, gura 9). O nome corrente de turbidez se originou
sendo o material depositado assim que os grãos se do aspecto túrbido de torrentes fluviais que aden-
reaproximem, aumentando o contato e o atrito in- travam lagos glaciais, o que foi observado pela

252 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X
primeira vez no Lago Geneva, no século XIX (Fo- res; 2) o corpo, a região central da corrente onde
rel, 1885 apud Middleton & Hampton, 1973). o fluxo é aproximadamente uniforme; 3) a cauda
O desencadeamento das correntes pode estar da corrente, uma zona de rápido adelgaçamento
ligado a eventos catastróficos de curta duração do fluxo, onde dominam os tamanhos de grão me-
(e.g. ondas de tempestade, choques induzidos por nores (Figura 10). A cabeça é uma região de inten-
terremotos, falhamentos de sedimentos devido a sa turbulência e erosão, formando escavações no
taludes muito íngremes) ou de mais longa dura- substrato como os turboglifos (flutes) e as marcas
ção, tais como grandes cheias fluviais. Esse últi- de objetos (tool marks).
mo processo é responsável pela formação de cor- A presença de sedimentos finos numa corren-
rentes de turbidez através de fluxos hiperpicnais. te de turbidez é importante, pois aumenta a den-
Uma corrente de turbidez pode ser subdividida sidade da corrente, que, por mistura com a água
em três partes: 1) a cabeça, porção frontal, mais ambiente, desenvolve uma maior turbulência na
rápida e até duas vezes mais espessa que o resto camada superior do fluxo. Os finos proporcionam
do fluxo, onde são transportados os grãos maio- também uma redução do atrito na camada basal,
Água ambiente Suspensão turbulenta
Nuvens de Suspensão turbulenta de mais alta
Velocidade da Ambient water
densidade
cabeça = 108cm/s suspensão turbulenta de baixa densidade
Low density turbulent High density turbulent
Velocity of the "empurradas" para
suspension suspension
head = 108cm/sec trás
Turbulent suspension clouds
"thrusted" backwards

Sucção devido ao forte Perfil de velocidade a uma Perfil de velocidade a uma


gradiente de pressão na distância de 1 segundo da distância de 2 segundo da
cabeça do fluxo cabeça do fluxo cabeça do fluxo
Declividade = 25º Velocity profile at 2 second distance from
slope= 25º suction due to strong pressure gradient Velocity profile at 1 second distance from
the flow head
in the head of the flow the flow head

Figura 9: Experimento mostrando uma corrente de turbidez bipartida em uma camada basal densa e laminar e uma
camada superior turbulenta. Os clastos se movimentam um em relação aos outros na interface das duas camadas,
onde o fluxo possui alta velocidade (Postma et al., 1988).
Figure 9: Experimental bipartite turbidity current composed of a lower dense and laminar layer and an upper turbulent layer.
Observe the oversized clasts displaced along a high velocity rheologic interface, developed between the inertial and tur-
bulent layers (from Postma et al. 1988).

Calda Corpo Cabeça


Tail Body Head

Perfilde velocidade
Velocity profile

Resistência viscosa e fricção contra o leito Força gravitacional VT -Velocidade da cauda


Viscous resistance and friction against the bed Tail velocity
Gravity force
Vb -Velocidade do corpo
Body velocity
Vh -Velocidade da cabeça
Head velocity

Figura 10: Subdivisão esquemática de uma corrente de turbidez (cabeça, corpo e cauda). Redemoinhos (wakes) se for-
mam atrás da cabeça do fluxo quando da mistura da porção basal da corrente, que possui maior velocidade (fluxo
granular sobrepressurizado), com a água do ambiente (modificado de Pickering et al., 1986).
Figure 10: Schematic subdivision of a turbidity current (head, body and tail) (modified from Pickering et al. 1986). Wakes form
behind the head due to mixing between a basal faster-flowing flow (overpressured granular flow) and the ambient water
(modified from Pickering et al, 1986).

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
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p.236-63 253
por formarem um filme lubrificante entre os grãos mos originados da interação direta dos grãos.
maiores, o que permite ao fluxo carregar os sedi- As correntes de turbidez de alta densidade
mentos mais longe. Ao perder os finos, os cho- incluem todos os tamanhos de grão. Com a de-
ques entre os grãos passam a acontecer, o atrito saceleração, são desenvolvidas progressivamente
aumenta muito e o fluxo desacelera e deposita a as ondas de sedimentação, depositadas após su-
carga areno-cascalhosa. cessivas reduções da densidade da corrente, que
Com base na presença e na proporção de di- provocam a instabilização das populações que não
ferentes tamanhos de grão, podem-se distinguir podem mais ser transportadas devido à queda de
dois tipos principais de correntes de turbidez: as energia, iniciando-se a deposição com os tama-
correntes de turbidez de baixa e as de alta densi- nhos maiores e finalizando com os menores, tanto
dade. mergulho abaixo como radialmente.
As correntes de turbidez de baixa densida- Correntes de turbidez freqüentemente iniciam-
de são constituídas predominantemente por grãos se com alta densidade e evoluem mergulho abaixo
do tamanho argila até areia média, que podem ser para correntes de baixa densidade. Essa variação
totalmente suspensos como grãos individuais pela de densidade ao longo da horizontal está presen-
turbulência do fluxo, independente da concentra- te também quando examinamos a vertical de uma
ção. A deposição inicia-se com a desaceleração corrente de turbidez, em sua parte proximal e me-
paulatina da corrente, principiando com areias diana, onde está presente alta densidade próximo
depositadas sob tração e finalizando com silte e à base e baixa densidade próximo ao topo (Lowe,
argila com feições de tração e suspensão. Cessada 1982).
a corrente de turbidez, depositam-se os sedimen- A fisiografia da bacia, o clima e o relevo da
tos hemipelágicos e pelágicos oriundos da carga área fonte influenciam, sobremaneira, o tipo de
muito fina em suspensão, geralmente rica em mi- corrente de turbidez e os depósitos turbidíticos
crofósseis, o que reflete a sedimentação normal formados. Correntes de turbidez disparadas por
(background) do ambiente. O resultado é uma ca- cheias fluviais em bacias foreland sofrem duas
mada gradada de grão médio a fino. acelerações – na região montanhosa cortada pe-
Areia grossa e cascalho apresentam um com- los rios e, posteriormente, no talude continental
portamento diferente, pois não podem ser manti- – ao passo que as correntes de turbidez geradas
dos em suspensão em fluidos diluídos, pelo me- por fluxos hiperpicnais (hiperpicnitos), em bacias
nos em grande quantidade. Esses grãos maiores de menor gradiente, aceleram apenas nas encostas
são transportados em correntes de turbidez muito das montanhas e normalmente depositam sua car-
concentradas, sendo mantidos em suspensão pelos ga na plataforma, antes de atingir o talude e sofrer
efeitos combinados da turbulência e de mecanis- aceleração catastrófica (Mutti et al., 2003).

Plataforma Talude
Shelf Slope

Sem deformações internas


Lack of internal deformation
Protólito
Original deposit

Deformações pervasivas
Pervasive deformation
(folded and disrupted beds)

Perda de características do
depósito original
Escorregamento Loss of the features of the original deposit Corrente de
Slump turbidez
Turbidity current

Fluxo de detrito
Debris flow

Fluxos gravitacionais de massa Fluxos gravitacionais de sedimentos


Mass flows Sediment gravity flows
Preservação das características do depósito original
(Preservation of the features of the original deposit)

Figura 11: Principais características dos depósitos gerados por fluxos gravitacionais de massa (deslizamentos e
escorregamentos) em comparação com os produzidos por fluxos gravitacionais de sedimentos. Modificado de
Shanmugam & Moiola (1994).
Figure 11: Comparison between mass transport deposits (slides and slumps) and those related to debris flows. Modified from
Shanmugam & Moiola (1994).

254 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X
estratos ricos em intercalações pelíticas. O grau
3.6 - Fluxos gravitacionais de massa de complexidade deformacional e de fragmenta-
Os fluxos gravitacionais de massa são pro- ção de estratos cresce à medida que o escorrega-
cessos de ressedimentação que estão freqüente- mento prossegue talude abaixo, podendo levar à
mente associados a fluxos de detritos (Galloway, fragmentação, boudinage e mesmo à homogenei-
1998), sobretudo nas porções mais proximais dos zação da massa transportada, a ponto tal que o de-
sistemas turbidíticos, em áreas geralmente com pósito resultante poderá gradar a um depósito de
gradiente mais íngreme, sendo, por conseguin- fluxo de detritos (debris flow).
te, mais suscetíveis à desestabilização por ação No registro geológico, os depósitos de escor-
da gravidade. Os fluxos gravitacionais de massa regamentos (slumps) ocorrem com espessuras que
diferenciam-se dos fluxos de detritos – que são variam desde poucos centímetros a centenas de
fluxos gravitacionais de sedimentos – porque ain- metros e têm como característica principal a pre-
da guardam resquícios da organização interna do sença de estruturas deformacionais que, mesmo
depósito original (protólito). A Figura 11 ilustra pervasivas, permitem o reconhecimento do acama-
tal relação: num espectro contínuo de processos, damento original. Por vezes, a íntima associação
fluxos gravitacionais de massa podem ser conver- dos fluxos gravitacionais de massa (deslizamento
tidos em fluxos de detritos e, em alguns casos, em de blocos e escorregamento de estratos) com flu-
correntes de turbidez. xos de detritos torna difícil a tarefa de definir li-
Os depósitos resultantes de fluxos gravitacio- mites de atuação desses processos no registro se-
nais de massa são divididos em dois tipos básicos: dimentar. Nesses casos, alguns autores preferem
depósitos de deslizamentos (slides) e depósitos de designar a associação das fácies produzidas por
escorregamentos (slumps). Ambos são caracteri- tais processos como “complexos de transporte em
zados por uma massa sedimentar que se desloca massa” – os mass-transport complexes de Weimer
sobre uma superfície geralmente bem definida e (1990) – ou simplesmente “depósitos caóticos”
relativamente plana, mas diferenciam-se entre si (Mutti et al., 2006) (Figura 12).
pelo grau de deformação interna, que é mínimo
nos deslizamentos e mais intenso e pervasivo nos 3.7 - Correntes de fundo
escorregamentos. Corrente de fundo (bottom current) é um ter-
O processo de deslizamento (sliding) envolve mo geralmente empregado para designar todo o
grandes blocos sedimentares, litificados ou par- movimento de água junto ao fundo de uma bacia,
cialmente litificados, movendo-se isoladamente que não tenha sido originado por um fluxo gra-
(olistolitos) ou em grupos (olistostromas), sempre vitacional de sedimentos. A velocidade das cor-
em contato com os sedimentos subjacentes. Du- rentes varia entre poucos centímetros por segundo
rante o transporte, praticamente não há deforma- até metros por segundo. Diferentes mecanismos
ção interna aos blocos, estando todo cisalhamento físicos podem originar correntes de fundo: ondas
concentrado na superfície basal de deslizamento. de superfície e internas, marés, correntes geos-
Todavia, com o incremento do transporte talude tróficas e termohalinas, tempestades que ocorrem
abaixo aumenta a fragmentação dos blocos. Es- nas profundezas por desequilíbrio de salinidade
tudos conduzidos nos taludes dos ambientes ma- ou pressão (tempestade bêntica), transmissão de
rinhos modernos permitem reconhecer blocos energia de vórtices, ressurgência ou mergulho de
deslizados com tamanhos e graus de deslocamen- águas frias (Pickering et al., 1989; Stow, 1986;
to variados, com os maiores atingindo algumas Viana, 1998). Parte das correntes de fundo segue
dezenas de quilômetros, sendo transportados por um mecanismo físico que as faz acompanhar as
vários quilômetros (Stow et al., 1996; Bosellini et margens continentais seguindo faixas de profun-
al., 1989). didade que contornam a topografia submarina, o
O processo de escorregamento (slumping) tem que lhes confere o nome mais conhecido na litera-
muitas similaridades com o de deslizamento e, em tura científica: correntes de contorno.
certos casos menos evoluídos, pode resultar em As águas dos oceanos se movem de modo per-
depósitos transicionais entre slides e slumps. Da manente. Esse movimento desempenha um papel
mesma forma que os depósitos de deslizamento importante na transferência de sedimentos do
(slides), os depósitos produzidos por escorrega- continente para as áreas abissais, na sua redis-
mentos (slumps) também têm uma superfície ba- tribuição ao longo das margens continentais, na
sal que concentra a maior parte dos esforços cisa- edificação de corpos sedimentares, assim como na
lhantes causadores do movimento talude abaixo; modulação do clima através das trocas de calor e
contudo, nos slumps o material transportado é salinidade entre os hemisférios e no controle do
caracteristicamente pouco consolidado, possibi- nível de CO2 atmosférico.
litando a geração de dobramentos e até mesmo A reconstrução dos oceanos antigos, efetuada
o rompimento de camadas. As deformações ad- a partir de estudos paleoceanográficos em esca-
vindas do processo de slumping são mais nítidas la global e de detalhe, tem mostrado que desde
quando o conjunto escorregado é constituído por o Oligoceno/Mioceno (há mais de 20 milhões de

Ambientes de Ambientes
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Delta de margem de
plataforma 500 m
Shelf margin delta
2 Km
cicatriz de
deslizamento
Slide scar

Depósitos de talude
Slope deposits

Depósitos de
escorregamentos e
fluxos detritos
(caoticos)
Cânion Slump and debris flow
Canyon deposits (chaotics)
Tubiditos arenosos
Sandy turbidites

Figura 12: Seção sísmica da margem continental brasileira ilustrando depósitos de fluxos gravitacionais formados na
região de talude-bacia.
Figure 12: Seismic section of the Brazilian margin showing gravity flow deposits formed in a slope-basin setting.

anos) houve o surgimento de uma circulação oce- são de baixa amplitude, raramente ultrapassando
ânica circumpolar que permitiu a implantação das dois metros em milhares de quilômetros. O núcleo
calotas polares, resultante da abertura da passa- destas elevações (colunas de água mais espessas) é
gem de Drake, que isolou o continente Antártico formado por águas de menor densidade, que fluem
da América do Sul. Esse regime propiciou o de- no sentido oposto ao do influenciado pelo vento,
senvolvimento do sistema de circulação do Ocea- por causa da força da Gravidade. Os ventos são a
no Atlântico que prevalece até os dias atuais. força essencial que origina as grandes correntes
O sol provoca a circulação atmosférica (ven- oceânicas superficiais, mas a inércia e os efeitos
tos), que transfere sua energia às camadas superfi- geostróficos são responsáveis por manter essas
ciais dos oceanos por um efeito casado de fricção correntes em movimento, mesmo durante períodos
entre ar e água. Essa fricção induz o movimento em que o vento pare de soprar. A Figura 14 repre-
destas camadas e gera a circulação oceânica su- senta a distribuição das correntes superficiais nos
perficial. Os ventos, como todos os fluidos, são oceanos atuais.
submetidos à Força de Coriolis, efeito físico que Além das correntes superficiais, existem corren-
deflete o movimento original dos fluidos, para a tes oceânicas profundas causadas por diferenças de
esquerda no hemisfério sul e no sentido inverso densidade da água do mar. As trocas de calor e de
no hemisfério norte, e que aumenta de intensidade salinidade entre a atmosfera e os oceanos provocam
com o aumento da latitude. Dessa forma, os ven- alterações na densidade da água do mar. Quando
tos tendem a se deslocar circularmente e, ao so- a água superficial se torna mais densa que a água
prarem sobre a superfície oceânica, induzem um subjacente, seja devido ao resfriamento da água,
acúmulo de água na porção central dos grandes ao excesso de evaporação sobre a precipitação plu-
giros hemisféricos (Figura 13). vial ou ainda à formação de gelo, observa-se um
Esse movimento resulta na convergência das mergulho das águas de superfície. Este mergulho
águas oceânicas, ocasionando um desequilíbrio gera uma circulação controlada por variações de
topográfico do oceano que é compensado por um densidade que transmitem, em direção ao fundo,
fluxo na direção contrária, que busca o reequilíbrio salinidade e redução de temperatura. Esta constitui
gravitacional das massas de água. O movimen- o que é conhecido como circulação termohalina.
to das águas, resultado do balanço entre a Força Geralmente as correntes termohalinas origi-
da gravidade e a deflexão causada pela Força de nam-se em altas latitudes, transferindo sal e calor
Coriolis, chama-se Corrente Geostrófica e é um em direção ao equador. A circulação termohalina
dos principais componentes que contribuem para a desempenha um papel preponderante no estabele-
formação das grandes correntes superficiais oceâ- cimento das características dos oceanos profun-
nicas. As elevações da coluna de água que ocorrem dos.
nas regiões de convergência de águas superficiais

256 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X
Ventos Correntes Currents
Winds Ventos do leste
Corrente polar
Polar current
East winds Giro subpolar
Subpolar spin

Ventos do oeste Deriva dos ventos do oeste


West winds West wind drift

Anticiclones
Cyclones Giro subtropical
Subtropical spin

Ventos alísios
Trade winds
Corrente equatorial
Equatorial current
Contracorrente equatorial
Equatorial counter-current
Ventos alísios
Trade winds Corrente equatorial
Equatorial current

Anticiclones Giro subtropical


Cyclones Subtropical spin

Ventos do oeste
West winds Deriva dos ventos do oeste
West wind drift

Figura 13: Modelo de circulação (flechas pretas) de um oceano ideal, representado pelo retângulo maior, submetido
somente às forças horizontais dos ventos (flechas grossas em cinza). A intensidade e o sentido relativos dos ventos
superficiais estão representados à esquerda (diagrama baseado em Munk, 1955, modificado por Unisanta).
Figure 13: Circulation Model (black arrows) of an ideal ocean represented as a rectangle and submitted only to the pressure of
winds (thick gray arrows). The intensity and the direction of the superficial winds are represented on the left (based on
Munk, 1955; modified by Unisanta).

Figura 14: Diagrama esque-


mático de distribuição
de correntes superfi-
ciais nos oceanos.
Figure 14: Schematic diagram
of the distribution of sur-
face oceanic currents.

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
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p.236-63 257
normal e uma sucessão vertical de estruturas se-
4 - Turbiditos dimentares que, quando completa, mostrava uma
porção basal maciça (intervalo Ta), passando a
4.1 - Transporte e deposição de turbiditos arenitos com laminação paralela (Tb), depois com
Levantamentos de campo e estudos de labora- laminação por ripples (Tc), hemipelagitos asso-
tório realizados por Kuenen & Migliorini (1950) ciados aos turbiditos (Td) e, por fim, sedimentos
levaram à conclusão de que as camadas com pelágicos de bacia (Te), depositados com a cessa-
gradação normal, depositadas em contexto ma- ção das correntes de turbidez.
rinho profundo, seriam o produto da deposição Diversos autores passaram então a tentar ex-
de correntes de turbidez. Doravante as correntes plicar os mecanismos deposicionais responsáveis
de turbidez passaram a ser consideradas como os pela formação da seqüência de Bouma numa ca-
agentes mais prováveis para escavar os cânions mada de turbidito, chegando à conclusão de que
(canyons) submarinos e transportar grandes volu- esta resultava da desaceleração de uma corrente
mes de sedimento para o mar profundo. Esse tra- de turbidez que depositava seus sedimentos dire-
balho foi pioneiro na sedimentologia ao relacionar tamente da suspensão, em fases com ou sem ação
um determinado mecanismo de transporte com os conjunta de processos trativos (Figura 15). Toda-
depósitos formados. Isso reforçou a utilização do via, as pesquisas ao longo da década de 1970 in-
“presente como chave do passado”, permitindo dicaram que a seqüência de Bouma era uma feição
aos estudiosos do flysch compreender que esses praticamente restrita a delgadas camadas de tur-
depósitos tratavam-se de turbiditos, cuja ciclici- biditos de grão fino a médio intercaladas a folhe-
dade de alta freqüência estava relacionada a even- lhos, originadas de correntes de turbidez de baixa
tos de correntes de turbidez e não à repetição, em densidade, que constituem o que se passou a de-
altíssima freqüência, de períodos tectônicos de nominar de “turbiditos clássicos” ou TBT’s (Thin
quiescência e de forte atividade. Bedded Turbidites) por Mutti (1992). O incremen-
Bouma (1962) apresentou o que seria a suces- to do estudo dos processos atuantes nas corren-
são ideal de estruturas sedimentares numa cama- tes de turbidez, sobretudo as de alta densidade,
da de turbidito (Figura 15). Ele percebeu que as responsáveis pelo transporte de enormes volumes
camadas de turbiditos apresentavam gradação de areias para o contexto marinho profundo, re-

Textura Divisões de Bouma Interpretação atual


Grain size (1962) Lowe (1982) e Mutti (1992)
Bouma divisions Current interpretation
Corrente de turbidez de baixa densidade
Lama Te-Lama pelágica/ desacelerante: decantação pelágica /
Mud hemipelágica laminada hemipelágica
Pelagic and hemipelagic mud Low-density turbidity current

Silte Silt Td-Silte laminado laminated silt Tração + decantação Traction plus fall-out
Tc-Ripples de corrente e
cavalgantes, lâminas -sob regime de fluxo inferior
Areia convolutas Low flow regime
Sand Cross laminated sands; climbing
ripples; convolute lamination
Tc-laminação plano-paralela -sob regime de fluxo superior
parallel lamination Upper flow regime

Corrente de turbidez de alta densidade


Areia grossa a grânulos Ta - Maciço ou com desacelerante: deposição en masse dos
Coarse sand to granules gradação normal grãos(frictional freezing)
Massive or normally graded High-density turbidity current, rapidly deposited
under upper flow regime
Carga e erosão
Loading and erosion

Figura 15: A seqüência de Bouma e os mecanismos de deposição inferidos para os intervalos Ta a Te para uma corrente de
turbidez de baixa densidade desacelerante (figura modificada de Pickering et al. 1986, incorporando conceitos de Lowe,
1982; Mutti, 1992).
Figure 15: The Bouma sequence and the inferred depositional mechanisms for Ta to Te intervals of a decelerating low-density turbidity
current (modified from Pickering et al., 1986).

258 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X
velou que os turbiditos resultam de mecanismos basal da cabeça do fluxo, formando carpetes de
de transporte e deposição mais complexos do que tração e depósitos de cascalho inversamente gra-
aqueles originalmente relacionados à seqüência dados (divisão R2) e com gradação normal (R3).
de Bouma. Segundo Lowe (1982), se o fluxo possuir su-
As correntes de turbidez de alta densidade são ficiente material arenoso para evoluir, forma-
subdivididas em dois tipos: as correntes de alta se uma corrente de turbidez de alta densidade
densidade arenosas (SHDTC – sandy high densi- arenosa, resultando numa segunda onda de
ty turbidity currents) e as cascalhosas (GHDTC sedimentação, com os três seguintes estágios:
- gravelly high density turbidity currents). Lowe 1) estágio de sedimentação por tração, deposi-
(1982) definiu várias divisões para os depósitos tando arenitos seixosos com escavações e es-
das correntes de turbidez de alta densidade, cha- tratificação cruzada ou plano-paralela (divisão
madas R2 e R3 para as correntes cascalhosas, e S1 S1); 2) estágio de sedimentação de carpetes de
a S3 para as correntes arenosas (Figura 16). tração, formados após o aumento da instabili-
Nos fluxos de alta densidade, a suspensão de- dade do fluxo e concentração da carga suspen-
pende dos efeitos da concentração do fluxo. As sa no leito, onde ocorre um grande número de
correntes de turbidez de alta densidade arenosas colisões intergranulares, gerando uma camada
têm o predomínio de areia grossa a grânulos, que basal mantida por pressão dispersiva e alimen-
são suportados principalmente pela turbulência e tada pela chuva de grãos grossos (divisão S2);
a decantação dificultada (hindered settling), en- 3) estágio de sedimentação sob suspensão, for-
quanto a pressão dispersiva é praticamente des- mando um leito liquefeito, depositando arenitos
prezível, a não ser na base dos fluxos, onde as maciços, com gradação normal ou com estrutu-
taxas de cisalhamento são maiores. Já as corren- ras de escape tipo prato ou pilar (divisão S3).
tes de turbidez de alta densidade cascalhosas são Esta seqüência S1-S3 reflete a evolução de um
ricas em seixos e calhaus, os quais são suporta- fluxo desacelerante, que é mecanicamente si-
dos, em grande parte, por pressão dispersiva e milar àquela desenvolvida pelas correntes de
flutuabilidade (buoyancy) da matriz. Os depósitos turbidez de baixa densidade que depositam as
cascalhosos das correntes de turbidez apresentam divisões Tbc (tração) e Td (tração + suspensão)
normalmente feições trativas e uma forte erosão de Bouma.
do substrato, o que os diferencia de fluxos casca- Os carpetes de tração são desenvolvidos pelo
lhosos que iniciaram e terminaram sua vida como cisalhamento causado por um fluxo turbulento
fluxos de detritos viscosos, puramente laminares. que se desloca velozmente sobre uma dispersão
Durante a evolução de uma corrente de turbi- friccional densa (Figura 17). Feições simila-
dez cascalhosa de alta densidade, a primeira onda res, denominadas de “estratificação espaçada”
de sedimentação deposita os cascalhos mais gros- por Hiscott (1994), formam níveis paralelos de
sos, que viajavam na frente da corrente, na porção grãos mais grossos, sendo formados em condi-
ções hidrodinâmicas fortemente
flutuantes sob ciclos de burst/
sweep de redemoinhos potentes
Alta densidade carga arenosa

Sedimentação a partir da suspensão


high-density sandy load

Suspension sedimentation
S3

Figura 16: Divisões de Lowe (1982)


para turbiditos de alta den-
S2 Sedimentação do carpete de tração
Traction carpet sedimentation sidade. Notar que a parte
superior da sucessão ideal de
Sedimentação por tração (carga do fácies contempla os turbiditos
S1 leito) de baixa densidade de Bouma,
Traction (bed load) sedimentation formados nos estágios mais
Alta densidade carga de

high-density gravelly load

R3 Sedimentação a partir de uma diluídos da corrente.


suspensão Figure 16: High-density turbidite
divisions of Lowe (1982). The
cascalho

Suspension sedimentation
R2 Sedimentação do carpete de tração uppermost divisions correspond
Traction Carpet sedimentation to the classic Bouma sequence
for low-density turbidites.
Sedimentação por tração (carga de
R1 leito)
Traction sedimentation(bed load)

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
2007p.244-303
p.236-63 259
que atingem a base da camada, gerando níveis já que as características dos depósitos turbidíti-
de gradação inversa, algumas vezes côncavos cos retratam principalmente os instantes finais
para o topo. Independentemente do exato pro- de deposição, sendo difícil inferir a natureza dos
cesso que gera os níveis com lâminas paralelas processos envolvidos no transporte a partir de um
inversamente gradadas, sabe-se que esta feição dado isolado. A análise mais adequada faz-se me-
está associada a correntes de turbidez que de- diante a aplicação do conceito de trato de fácies.
senvolvem fluxos trativos de altíssimas energia O trato de fácies mostra como uma fácies se rela-
e velocidade. ciona com a outra no espaço, representando a se-
Após a deposição das frações mais grossas gregação textural que ocorre durante o movimen-
da corrente de alta densidade, restam em sus- to dos fluxos gravitacionais para a bacia. Estas
pensão as partículas mais finas, que se movem diferentes fácies que compõem um trato de fácies
numa corrente de turbidez de baixa densidade. A estão geneticamente relacionadas, sendo deposi-
porção distal destas correntes de turbidez de alta tadas ao longo do caminho de um mesmo fluxo,
densidade é normalmente formada por arenitos refletindo o constante reajuste da capacidade e da
maciços ou com estruturas de escape da divi- competência da corrente a partir dos processos de
são S3, idênticos à divisão Ta de Bouma. Estes erosão, deposição e transformações de fluxo.
depósitos distais da corrente (intervalo Ta) são Mutti (1992) e Mutti et al. (1999) aplicaram o
freqüentemente retrabalhados por correntes de conceito de trato de fácies na confecção de um ar-
turbidez de baixa densidade, sendo recobertos cabouço genético de fácies turbidíticas, no qual
pelos depósitos residuais destas correntes mais Mutti e seus colaboradores assumem as seguintes
diluídas, formando os depósitos clássicos com premissas conceituais: 1) uma corrente de turbidez
seqüência de Bouma. Nestes fluxos turbulentos é um fluxo bipartido, com uma base altamente con-
de baixa densidade, a suspensão das partículas centrada e laminar e topo mais diluído e totalmen-
se dá apenas pela turbulência, sem que sejam te turbulento; 2) vários mecanismos de suporte de
necessários efeitos de concentração do fluxo grãos atuam ao longo da evolução de um fluxo, se
para manter os grãos em suspensão. relacionando com as diferentes populações de ta-
manhos de grão; 3) a deposição se processa como
4.2 - Arcabouço genético de fácies turbidí- ondas de sedimentação, com repetidos ciclos de
ticas tração e suspensão, havendo correntes de turbidez
A análise de um só afloramento ou teste- de alta e baixa densidade; 4) as correntes de turbi-
munho pode acarretar em erros de interpretação,

Sedimentação de um carpete de tração inicial seguida pela


formação de um segundo carpete de tração a partir da
queda de sedimentos grossos ainda em suspensão.

Sedimentation of a initial traction carpet is followed by the formation


Fluxo Turbulento

of a second traction carpet from settling of coarse sediment.


Turbulent flow
Fluxo dominado

flow dominated by
por colisão de

grain collisions
(laminar flow)
grãos

Sedimentação de um carpete de tração inicial seguida


diretamente pela sedimentação da carga em suspensão,
formando intervalos com gradação normal acima de
intervalos com gradação inversa.
Carpete de tração sobreposto Sedimentation of a initial traction carpet is followed by direct
por um fluxo turbulento suspended load sedimentation of still settling coarse sediment,
Traction carpet overlain by forming a normally graded layer above inversely graded layer.
turbulent flow

Figura17: Formação e acumulação de carpetes de tração (modificado de Lowe, 2008).


Figure 17: Formation and accumulation of traction carpets (modify from Lowe, 2008).

260 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X
dez evoluem através de sucessivas transformações tamento de um enorme número de seções geológi-
de fluxo, levando à segregação paulatina da car- cas descritas ao longo da direção mergulho abaixo
ga sedimentar; 5) o salto hidráulico tem um papel (dip) de diversos sistemas turbidíticos, permitindo
fundamental no desenvolvimento das fácies, pois a análise de fácies dentro de unidades sedimenta-
através dele a corrente ganha um “novo fôlego” ao res cronoequivalentes. O esquema de 1992 inclui
passar de trechos confinados para desconfinados nove fácies (F1 a F9). Essas fácies representam
do sistema turbidítico; 6) os fluxos apresentam estágios de deposição durante um fluxo caracte-
maior ou menor eficiência, ou seja, habilidade de rizado pelos seguintes estágios evolutivos: fluxos
distribuir os sedimentos bacia adentro. de detritos coesivos (fácies F1), fluxos hipercon-
O salto hidráulico principal separa a zona de centrados (fácies F2), correntes de turbidez de alta
transferência (cânions ou canais) da zona de densidade (fácies F4 a F8) e correntes de turbidez
acumulação (lobos) de um sistema turbidítico de baixa densidade (fácies F9). A fácies F3 repre-
(Figura 18). A região onde esta brusca passagem senta o depósito residual formado na transforma-
acontece foi denominada transição canal-lobo ção de um fluxo hiperconcentrado numa corrente
por Mutti & Normark (1991). Na zona de trans- de turbidez de alta densidade.
ferência dominam a erosão e a escavação mais Segundo o modelo de Mutti (1992), fluxos de
profunda do substrato, o bypass de sedimentos e a detritos coesivos originados de deslizamentos e
deposição de camadas lenticulares de conglome- escorregamentos de massa da borda da platafor-
rados e arenitos grossos a partir de correntes de ma aceleram ao longo dos cânions e sofrem uma
turbidez cascalhosas de alta densidade. Na zona progressiva mistura com a água, ocasionando sua
de acumulação de sedimentos, dominam super- transformação para correntes de turbidez (Figura
fícies erosivas menos profundas e mais planas, 11). Mais tarde, Mutti et al. (1999) admitiram que
depositando camadas tabulares dominantemente cheias catastróficas de sistemas fluviais que dre-
arenosas e pelíticas a partir de correntes de turbi- nam montanhas seriam mais efetivas na geração
dez arenosas de alta e baixa densidade. de volumosas correntes de turbidez. Esse meca-
O conceito de eficiência de uma corrente de nismo de desencadeamento passou a ser consi-
turbidez refere-se à habilidade da corrente em derado, portanto, mais compatível com a grande
carregar sua carga sedimentar gradiente abaixo e variedade de fácies turbidíticas areno-conglome-
segregar suas populações de grãos em diferentes ráticas observadas nos afloramentos. Muitos dos
fácies. Fluxos altamente eficientes segregam ple- escorregamentos e fluxos de detritos que ocorrem
namente as populações de grãos contidas no flu- na região de cabeceira dos sistemas turbidíticos
xo original, produzindo fácies relativamente bem não possuem relação genética com as correntes
selecionadas (Figura 18). Por outro lado, fluxos de turbidez, que são mais comumente geradas por
muito pobremente eficientes segregarão apenas fluxos hiperpicnais desenvolvidos durante cheias
parcialmente as diferentes populações de grãos, fluviais catastróficas. Por estes motivos, o esque-
produzindo assim um número mais limitado de ti- ma de Mutti et al. (1999) suprimiu a fácies F1. Já
pos faciológicos, caracterizados por uma seleção as fácies grossas com carpetes de tração (F4) fo-
ruim. ram também retiradas no esquema, provavelmente
Num fluxo bipartido, a eficiência se relacio- por se tratar de uma fácies de ocorrência pouco
na a diferentes processos operantes nas camadas comum (Figura 19).
basal e superior do fluxo. A eficiência da cama- O arcabouço faciológico de Mutti et al. (1999)
da granular basal está relacionada essencialmente considera que as fácies estão agrupadas segundo
à taxa de escape d’água e à quantidade de finos quatro populações de tamanho de grão: 1) mata-
contidos no fluxo, já que os finos dificultam o cão até pequenos seixos; 2) pequenos seixos até
escape de fluidos. Quanto mais rápido o escape areia grossa; 3) areia média a fina; 4) areia fina até
de fluidos da camada basal, mais rapidamente os lama. "Estas populações de tamanho de grão são
grãos entrarão em contato, o que provoca o au- transportadas pelas correntes de turbidez como
mento das colisões e da fricção intergranulares, entidades naturalmente distintas, resultando em
provocando a deposição dos grãos mais cedo que grupos de fácies também diferentes. As primeiras
numa situação de escape mais lento. A eficiência duas populações movem-se com a camada granu-
do fluxo turbulento superior está relacionada com lar basal; a terceira população move-se na ca-
a quantidade de energia turbulenta gerada na in- mada granular basal, mas pode ser progressiva-
terface das camadas granular e turbulenta. Quanto mente incorporada como carga suspensa no fluxo
maior a turbulência, maior a eficiência do fluxo. turbulento sobrejacente; a quarta população mo-
Isso depende da quantidade de finos que o fluxo ve-se preferencialmente como carga suspensa em
pode incorporar da camada granular basal a partir um fluxo turbulento.” (Mutti et al., 1999).
das suas transformações, e do volume de material Correntes de turbidez de alta eficiência são
erodido do substrato pela cabeça do fluxo. registradas como depósitos com uma boa segregação
Os arcabouços genéticos propostos por Mutti das diferentes populações de grãos, formando diver-
(1992) e Mutti et al. (1999) derivaram do levan- sas fácies turbidíticas arenosas, desde F2 até F9.

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2007p.244-303
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Figura 18: Padrão deposicional ideal Barra de cascalho
para uma corrente de turbidez Gravel bars
de alta eficiência (modificado scours
de Mutti et al. 1999).
Figure 18: Ideal depositional pattern of
a highly-efficient turbidity cur-
Velocidade de fluxo
rent (Modified from Mutti et al,

ZONA DE TRANSFERÊNCIA
Flow velocity
1999).

Transfer zone
Arenito grosso com seleção pobre
Coarse grained poorly
sorted sandstone
Arenito com estratificação
cruzada
Cross-stratfied sandstones
Ângulo de espalhamento do
fluxo do jato
ZONA DEPOSICIONAL

Angle of spreading of jet flow


Depositional zone

Lobo
Lobe

Planície bacinal
Basin plain

A fácies F2 é um paraconglomerado de matriz turbulento acima. Com isso o atrito cresce, a popula-
areno-lamosa, que comumente apresenta clastos ção de seixos e areia muito grossa perde a sustenta-
da área-fonte e de pelitos erodidos do substrato na ção e decanta, sendo tracionada (cisalhada) ao longo
região de talude. Com a aceleração do fluxo e sua da interface entre o leito que está se formando pro-
mistura crescente com a água ambiente, aumenta o gressivamente pela decantação e o fluxo cisalhante
escape dos fluidos basais, levando à segregação da turbulento que passa em alta velocidade, logo acima.
carga cascalhosa. Desenvolve-se um fluxo extre- Por esse processo é formada a fácies F4, um arenito
mamente turbulento na parte superior da corrente, muito grosso, seixoso, com laminação plano-paralela
que acaba tracionando os cascalhos depositados, e gradação inversa nas lâminas (carpetes de tração).
formando um lag basal, que pode configurar bar- Se não ocorre o escape total dos fluidos da ca-
ras de ortoconglomerados (fácies F3). mada basal, o fluxo sobrejacente torna-se menos
O fluxo continua seu deslocamento, carre- turbulento, e não consegue tracionar o leito visco-
gando adiante a população de seixos até areia so de areias ainda empapadas por fluidos e por fi-
grossa na camada basal, com os demais grãos na nos que tentam escapar. Isso resulta na deposição
suspensão turbulenta. Ao mesmo tempo em que da fácies F5, um arenito grosso, mal selecionado,
parte do fluxo continua sua viagem, uma nuvem maciço ou com estruturas de escape de fluidos.
de sedimentos finos é depositada sobre o ortocon- Em depósitos da mesma população granulo-
glomerado F3 assim que ocorre a diminuição da métrica que a fácies F5, mas que viajaram mais
energia, caracterizando a superfície de transpasse corrente abaixo, ocorre a elutriação dos finos e
(bypass) da corrente. No depósito resultante, essa um escape de fluidos mais completo, e o fluxo
superfície de bypass é registrada como um salto turbulento sobrejacente pode retrabalhar e tracio-
no gradiente vertical de granulometria: passa-se nar o sedimento grosso do leito depositado. Dessa
diretamente de cascalhos para sedimentos muito forma são depositados os arenitos grossos a mé-
mais finos. A presença dessa superfície indica que dios da fácies F6, com laminação plano-paralela
a fração arenosa ausente na camada “seguiu via- ou com estratificação cruzada acanalada, algumas
gem” e foi depositada a jusante. vezes capeadas por ripples de areias grossas. A
A corrente de turbidez continua sua viagem, até fácies F6 é bastante comum na zona de transição
o ponto em que os sedimentos seixosos e arenosos canal-lobo, área de grande bypass, onde a tração
grossos da carga granular basal passarão a ser depo- do substrato arenoso grosso está bem desenvol-
sitados como arenitos das fácies F4 ou F6. Isso ocor- vida, tendo como característica mais marcante a
re quando há o escape total dos fluidos da camada ba- ocorrência da estratificação cruzada, desenvolvi-
sal, incitando o desenvolvimento de um fluxo muito da pela migração corrente abaixo de megaripples

262 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X

FLUXO TURBULENTO TURBULENT FLOW

FLUXO GRANULAR GRANULAR FLOW


Bypass dos grãos mais Bypass dos grãos
finos do que a população B da população D
Bypass dos grãos mais
Bypassing of the grain Bypassing of the grain
finos do que a população A
populations finer than B populations D
Bypassing of the grain
populations finer than A

Fluxo
Superfície
F8 F8 residual
Superfície Depósito de
Fluxo bypassing
Residual
Superfície F5 F5 F5 de residual
flow
bypassing residual Residual Bypass
F2 F2-F3 F2-F3 de Fluxo Depósito
Bypass Residual deposit surface
Fluxo parental bypassing residual residual
Depósito surface flow
Parent flow Bypass Residual Residual
residual
surface flow deposit
Residual
deposit Ideal F8 F9
F6 Divisões Tb até Ta de Bouma
F3 Camadas com forma Maciço Ta “b” through “a“ Bouma divisions
Barra cascalhosa com acresção frontal; mud-drapes de megaripples, com divisão de Bouma
sobre blocos e seixos clastos pelíticos localmente estratificação cruzada Structureless
abundantes ou horizontal “a” Bouma division
Downstream accreting gravel bars; gravel bedforms; Horizontally and
mud-drapes cobbles and pebbles; mudstone clasts cross-stratified
locally abundant megaripple-shaped
beds
Principais populações de grãos Main grain populations

A: matação a B: seixos pequenos


a areia grossa C: areia média a fina D: areia fina a lama
seixos pequenos
B: small pebble C: medium to fine sand D: fine sand to mud
A: boulder to small
pebble-sized clasts to coarse sand

Ondas de sedimentação progressiva produzindo


bypass das populações de tamanho de grão Decantação progressiva dos grãos mais
mais fino, associado elutriação sofrida pela parte Bypass grossos devido à desaceleração de fluxo Deposition
basal do fluxo granular turbulento
Progressive sedimentation waves producing Progressive settling of coarser grains due to
bypass offiner-grain populations associated to deceleration of turbulent flow
progressive elutriation experienced by the basal
part of granular flow

Figura 19: Fácies turbidíticas e feições características de uma corrente de turbidez ideal, que tenha tido aceleração
suficiente e que dispusesse de todas as populações de tamanho de grãos (modificado de Mutti et al., 1999).
Figure 19: Facies tract and characteristic features of a very highly efficient (ideal) turbidity current with all grains popula-
tions (Modified from Mutti et al., 1999).

com alguns decímetros de altura, o que indica uma formada durante os estágios finais, depletivos e
origem a partir de correntes de turbidez de longa desacelerantes das correntes de turbidez. Pacotes
duração e de grande volume. A fácies F6 indica de fácies F9 constituem a região de franja de lo-
fluxos de extrema turbulência, e sua ocorrência bos de um sistema turbidítico. F9 é caracterizada
pode indicar a existência de grandes volumes de por depósitos de grão fino, com seqüência de Bou-
areia transportados para jusante, até a região dos ma incompleta (Tb-e), sem a base arenosa maciça
lobos. (Ta). A areia fina é depositada por processos de
As areias que permaneceram no fluxo e ul- tração+decantação, apresentando ondulações por
trapassaram a região canal-lobo se depositarão corrente cavalgantes (climbing current ripples);
à seguir, formando os lobos, onde a fácies mais com a redução da energia, a lama se deposita por
comum, F7, é caracterizada por carpetes de tra- decantação. Em contextos confinados, essa fácies
ção milimétricos, com alternância de lâminas de pode apresentar feições de reflexão, com ripples
areia grossa com média/fina. Esses depósitos são oblíquas à direção principal do fluxo, e ponding,
desenvolvidos por fluxos que combinam a tração caracterizado por uma grande espessura de lama
da carga grossa na base do fluxo concomitante turbidítica depositada sobre os arenitos (a lama
com a decantação de areia média e fina, derivadas foi barrada pelos altos adjacentes).
da suspensão turbulenta acima. Essas areias são Correntes de turbidez de baixa eficiência
oriundas da erosão e retrabalhamento de depósitos são originadas por escorregamentos de volume li-
de fluxos granulares depositados corrente acima. mitado ou por cheias de pequeno volume e curta
Numa posição ainda mais distal dos lobos, duração, desenvolvendo fluxos de surto (surge-
são depositados os arenitos da fácies F8, domi- type). Esses fluxos de baixa eficiência não pro-
nantemente de grão fino, maciços, sem estruturas duzem uma boa segregação faciológica, mostran-
trativas (equivalente ao intervalo Ta de Bouma), do um trato de fácies acoplado (attached facies
formados por uma “chuva de areia” da suspen- tract). A importância da camada superior turbu-
são turbulenta, com grande taxa de decantação de lenta é reduzida, resultando em sedimentos mal
sedimentos, o que impede o desenvolvimento da selecionados que ocupam uma extensão em área
tração. bem menor que aqueles depositados por fluxos de
A fácies F9 é a mais distal do sistema, sendo alta eficiência. Tipicamente, os depósitos distais

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p.236-63 263
e mais finos destes fluxos são mal desenvolvidos, aumentam grandemente a descarga em épocas de
originando fácies tipo F9b (Mutti, 1992), onde cheias, originando fluxos densos e carregados de
as estruturas trativas são incomuns, dominando a sedimentos. Esses fluxos adentram a bacia na for-
decantação dos finos. Isto sugere que os fluxos ma de fluxos hiperpicnais e atingem as cabeceiras
originais possuíam poucos finos ou não tiveram dos cânions submarinos, ao longo dos quais ga-
energia suficiente para incorporar finos pela ero- nham velocidade e, através da erosão do substrato
são do substrato. Depósitos das fácies F6, F7 e F8 lamoso, têm sua densidade incrementada (proces-
também não são comuns nesses fluxos. so de bulking). Esse aumento de densidade torna
Slumps e fluxos de detritos (como os da fácies a corrente mais erosiva e turbulenta, mantendo-a
F1 de Mutti, 1992) dificilmente desenvolvem cor- capaz de transportar areia para grandes distân-
rentes de turbidez arenosas expressivas, comu- cias.
mente gerando um pequeno volume de depósitos Os cânions atuam como zonas de transferência
turbidíticos hemipelágicos e fácies tipo F9, devi- de sedimentos, onde há erosão, bypass e pouca
do ao baixo teor de areia e à dificuldade de de- deposição. O registro sedimentar contido nesses
sagregar os pacotes deformados e promover sua condutos restringe-se a depósitos residuais da
mistura com a água. passagem das correntes de alta densidade, comu-
mente conglomerados e arenitos de base canaliza-
5 - Sistemas turbidíticos e depósitos asso- da e geometrias lenticulares. Intercalados a estes
ciados turbiditos, comumente se associam depósitos de
fluxos de detritos e escorregamentos, derivados
Neste trabalho serão apresentados cinco princi- das paredes íngremes dos cânions.
pais tipos de sistemas turbidíticos, que são os mais A dupla aceleração sofrida pelas correntes de
freqüentemente discutidos na literatura (Mutti, turbidez (elevação da área-fonte e declividade
comunicação pessoal 2004): 1) sistemas turbidí- do talude), somada ao seu poder erosivo no in-
ticos de foredeep; 2) sistemas turbidíticos de pro- terior dos cânions favorecem o desenvolvimento
delta; 3) sistemas turbidíticos mistos; 4) sistemas de fluxos de alta eficiência. No desconfinamento
turbidíticos de canais meandrantes; e 5) sistemas dos cânions, junto ao sopé do talude, os fluxos
turbidíticos de canal-levee. A ocorrência desses atingem o assoalho da bacia espalhando a carga
diferentes sistemas deve-se a uma combinação sedimentar na forma de extensos lobos ou len-
de fatores como tectonismo, clima, fisiografia da çóis de areia (sheet sands). Essas camadas are-
bacia, flutuação do nível do mar e natureza dos nosas são comumente de espessura métrica, mas
processos sedimentares (Figura 20). podem apresentar dezenas de quilômetros de ex-
tensão horizontal. A região mais distal do sistema
5.1 - Sistema turbidítico de foredeep compreende as franjas de lobos, constituídas por
Nesse sistema estão inseridos os turbiditos de- delgadas camadas de areia fina a muito fina depo-
positados nas depressões profundas (foredeep) sitadas no estágio mais diluído das correntes de
de bacias de antepaís (foreland). Os estudos pio- turbidez.
neiros de sedimentação turbidítica e os primeiros Reservatórios de petróleo relacionados a lobos
modelos de fácies (Keunen & Migliorini, 1950; turbidíticos de foredeep caracterizam-se por gran-
Bouma, 1962; Mutti & Ricci Lucchi, 1972) foram de conectividade hidráulica lateral. No entanto, a
desenvolvidos nesse tipo de sistema, que aflora conectividade vertical é muito comprometida, de-
de forma espetacular em regiões montanhosas da vido à alternância com camadas argilosas imper-
Europa, tais como os Apeninos e os Pireneus Es- meáveis. Esses intervalos lamosos assentados so-
panhóis. Esses sistemas turbidíticos de alta efici- bre os lobos arenosos se originam do material fino
ência, chamados de "turbiditos verdadeiros" por que estava em suspensão na corrente de turbidez
Mutti (comunicação verbal, 2001), estão ligados que depositou os próprios lobos arenosos, bem
a um contexto de regiões montanhosas, tectonica- como dos sedimentos pelágicos e hemipelágicos
mente ativas. normais da bacia, que constituem a sedimentação
O foredeep situa-se na frente de grandes cin- de background no contexto de águas profundas,
turões de dobramentos e cavalgamentos, de modo não associados às correntes de turbidez.
que há grande disponibilidade de sedimentos
(área-fonte elevada) e espaço de acomodação 5.2 - Sistema turbidítico de prodelta
(Mutti et al., 2003). A associação com uma cadeia Sedimentos arenosos que aportam no ambiente
de montanhas e a fisiografia de fundo permitem marinho como fluxos hiperpicnais de alta concen-
que os sistemas turbidíticos sejam alimentados tração podem depositar sua carga na plataforma,
por uma grande descarga de sedimentos e tenham não atingindo os cânions submarinos ou ambien-
uma inclinação suficiente para percorrer grandes tes de águas mais profundas. Nesse contexto, lo-
distâncias, sendo capazes de atingir porções dis- bos turbidíticos formam-se na região do prodelta,
tais da bacia (Figuras 21 e 22). preservando-se em profundidades onde o retraba-
Os rios que drenam as montanhas adjacentes lhamento por ondas e marés não é efetivo. Esses

264 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X

Tipo Bacia Geometria Continuidade/Interconectividade


de Geometry Continuity
Sistema
System type Basin Planta Seção Lateral Vertical
Map Section Lateral Vertical

Bacia Ótima Ruim


Turbidítico foredeep
de de uma
foredeep foreland
10,s Km 10's/100,s Km 10,s Km

Wedge top Ruim/Regular


Turbidítico Bacia
de basin deep
prodelta de uma
foreland;
100,s Km Boa
margem 100,s Km

Turbidítico divergente rifte Raso-Profundo


misto intracratônica

Km Km Boa Boa
Turbidítico
de Margem Bacia
canais divergente
meandrantes Boa Ruim
10-20 Km

Turbidítico Margem
de divergente;
canal-levee tipo Cone do
Amazonas 10-20 Km Boa
Figura 20: Quadro comparativo entre os diferentes sistemas turbidíticos.
Figure 20: Comparative chart of different turbidities systems.

turbiditos de prodelta são também denominados No contexto prodeltaico os arenitos com es-
de sandstone delta lobes por Mutti (comunicação tratificação cruzada hummocky são tipicamente
pessoal, 2001) e de “turbideltas” por Rodí Medei- depositados por correntes de turbidez de caráter
ros (comunicação pessoal, 1996). combinado, constituídas por uma componente
Durante muitas décadas, a gênese desses de- unidirecional e outra oscilatória. Na opinião de
pósitos foi intrinsecamente relacionada à ação Mutti et al. (1996), correntes de turbidez dispara-
de ondas de tempestade (tempestitos), em função das por cheias fluviais, possuem componente os-
da presença de estratificação cruzada hummocky cilatória, devido à própria turbulência na camada
(HCS) nas camadas de arenito (Walker, 1984). Es- superior do fluxo, e a um contexto de fisiografia
tudos subseqüentes, baseados em estratigrafia de confinada, propícia a desenvolver reflexão e osci-
alta resolução, constataram que muitos desses lo- lação dos fluxos.
bos estavam conectados gradiente acima com bar- Cabe ressaltar, contudo, que outros processos,
ras de desembocadura fluvial (Mutti et al. 1996; não relacionados a correntes de turbidez, tais como
1999; Tinterri, 1999 apud Mutti et al., 2003; Za- as tempestades, depositam arenitos com HCS em
vala et al., 2006), ao invés de fácies de praia que ambientes marinhos rasos dominados pela ação de
pudessem indicar litorais dominados por ondas. ondas, onde a componente oscilatória do fluxo se
Esses dados indicam que os lobos turbidíticos deve à ação de ondas de tempestade, que remode-
possuem relação genética com descargas fluviais lam os sedimentos trazidos pelas correntes.
catastróficas e não com eventos de tempestade. A Figura 23 ilustra o trato ideal de fácies ve-
Grande parte desses conceitos derivou de estudos rificado nos sistemas turbidíticos de prodelta.
realizados nos Pireneus Espanhóis, nos Apeninos Além da estratificação cruzada hummocky, os lo-
(Itália) e na Bacia de Neuquén (Argentina) (Mutti bos turbidíticos apresentam uma série de outras
et al., 2007). feições características, tais como: 1) presença de

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
2007p.244-303
p.236-63 265
Sistema turbidítico de foredeep

Fa
Foredeep turbidite system Área soerguida

lh
a
Brecha carbonática Uplifting area

de ust
th
Carbonate breccia

em ault
r

pu
f

rr
ão
Le A
qu lluv
es ial
al fans
Plataforma carbonática

uv
ia
Carbonate plataform Cânions

is
Canyons

Plataforma deltaica
Delta plataform Planície aluvial
Alluvial plain

Figura 21: Sistemas deposicionais de uma bacia foreland, ilustrando a deposição dos turbiditos no foredeep (modificado
de Dreyer et al., 1999).
Figure 21: Depositional systems in a foreland basin showing the development of a turbidite system in the foredeep (mofified
from Dreyer et al.1999).

Sistema aluvial
Bacia de topo de cunha

Alluvial system

Sistema fluvio-deltaico
dominado por inundação
Wedge basin

Flood-dominated fluvio-deltaic system

Sistema turbidítico
turbidite system
Milhares de metros de espessura

foredeep
interno
Thousand of meters thick

Inner fore-
deep
Figura 22: Padrão de
empilhamento
Foredeep basin
Bacia distal

vertical de uma
bacia foredeep, foredeep Turbiditos de fundo de
mostrando os axial bacia de antepais
fácies sedimenta- Axial fore- turbidite system
res desde a região deep
de águas profun-
das até os fácies
aluviais (modifi-
cado de Mutti et
al., 2003).
Figure 22: Idealized
vertical stack- foredeep
ing pattern of a externo
foredeep basin Outer
from its incep- foredeep
tion to its final
infill with alluvial Sucessão de rampa com aumento
External ramp
externa
Rampa

deposits (modified de lâmina d'água p/ o topo


from Mutti et al., Deepening-upward ramp succession
2003).
Plataforma carbonática externa
Outter carbonate shelf

266 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X
fitoclastos ou fragmentos de carvão atestando a exibem gradação normal, resultantes de um fluxo
contribuição fluvial; 2) bioturbações típicas de desacelerante (waning), ou ainda gradação inver-
ambiente plataformal; 3) feições do tipo ball & sa passando a normal para o topo, refletindo uma
pillow, formadas por carga diferencial da areia corrente com fase de aceleração e desaceleração
sobre sedimentos argilosos; 4) ripples produzidas (waxing to waning). Limites intra-camada podem
por fluxo combinado; 5) fragmentos de organis- ocorrer, estando muitas vezes associados a erosão
mos erodidos na região costeira e incorporados no e a níveis com cascalhos residuais, que registram
fluxo. o pico de velocidade atingido pelo fluxo hiperpic-
As camadas formadas durante esses eventos nal (Mulder et al., 2003; Mutti et al., 2003)
Lobos turbidíticos de prodelta consti-
tuem camadas tabulares a lenticulares,
A amalgamadas ou intercaladas com de-
Barra de pósitos finos de pluma deltaica (ritmi-
desembocadura tos de silte e argila). Como a região do
Mouth bars prodelta pode apresentar gradientes ín-
gremes (talude deltaico), os arenitos e
HCS pelitos ali depositados estão sujeitos a
Lobos arenosos ...
de cheia instabilização, sendo passíveis de res-
Flood-dominated HCS sedimentação mediante deslizamentos,
sandstone lobes ... escorregamentos ou fluxos de detritos.
Dependendo da eficiência dos flu-
... HCS xos, os lobos de prodelta podem estar
CS conectados com depósitos de barras de
desembocadura (sistemas de baixa efi-
Ritmitos e finos de
HCS
CF
ciência) ou totalmente desconectados
prodelta da desembocadura fluvial, na forma de
Prodelta rhythmites and CF
corpos arenosos isolados em meio a de-
fines pósitos argilosos (sistemas de alta efici-
ência). Nos sistemas de alta eficiência,
há pouca deposição na desembocadura
fluvial, predominand o feições erosivas,
Estratificação cruzada Ondulação de
HCS hummocky CF fluxo combinado depósitos residuais e muitas superfícies
Hummocky cross stratification Combined flow ripples de bypass (Figura 24).
... Gradação normal
Intraclastos argilosos Normal grading
Shale intraclasts
5.3 - Sistema turbidítico misto
Clastos de conchas Estruturas do tipo
Shell clasts ball&pillow O termo sistema turbidítico misto
Ball & pillow structure (mixed turbidite system) foi introduzi-
Clastos de plantas Bioturbação do por Mutti et al. (2003) para definir
Plant fragments Bioturbation
depósitos turbidíticos arenosos com

B C

Figura 23: Sistema turbidítico de prodelta. A) Trato ideal de fácies e feições típicas (adaptado de Mutti et al. 2007);
B) Sucessão espessa de lobos arenosos de prodelta na unidade Santa Liestra (Eoceno dos Pireneus Espanhóis);
C) Detalhe de uma camada com estratificação cruzada hummocky.
Figure 23: Prodelta turbidite system. A) Ideal facies tract and typical features (adapted from Mutti et al. 2007); B) thick succes-
sion of prodelta lobes from the Eocene Santa Liestra unit (Spanish Pyrenees); C) closed view of a bed with HCS.

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
2007p.244-303
p.236-63 267
características similares às dos turbiditos de tico misto do tipo A (Figura 26) são oriundos
foredeep (turbiditos stricto sensu), porém de- de uma corrente de turbidez de alta densidade,
finidos por um trato de fácies de baixa eficiên- incapaz de desenvolver turbulência suficiente a
cia e uma íntima relação espacial/genética com ponto de formar estruturas resultantes de tração
sistemas deltaicos. Nas bacias foreland, esses + suspensão (como, por exemplo, as divisões Tb
sistemas mistos são depositados num domínio e Tc de Bouma). Isso se deve à pequena quanti-
intermediário entre os lobos de prodelta e os dade de silte e argila no fluxo, decorrente tanto
turbiditos de foredeep, preenchendo depressões da própria característica do fluxo denso original
e/ou mini-bacias na plataforma e talude (Mutti quanto da pequena aceleração alcançada, impe-
et al., 2007). Situações semelhantes podem ser dindo que finos sejam incorporados do substrato
encontradas nas bacias de margem divergente, por erosão. O resultado é uma camada de even-
sobretudo naquelas onde falhas normais rea- to com gradação normal, composta por arenitos
tivadas do embasamento e a tectônica salífe- grossos a conglomeráticos na base (divisão A1
ra controlam a disposição de depocentros em – fluxo inercial com excesso de pressão de po-
águas profundas (Figura 25). ros), seguida de arenitos médios a grossos com
Os depósitos dos sistemas mistos variam muito laminação incipiente horizontal ou ondulada
em termos de fácies, dimensões e geometria, pois (divisão A2 – suspensão densa) e, finalmente,
seu desenvolvimento está ligado a uma série de divisão delgada de arenitos finos e bem sele-
fatores: 1. tipo do sistema deltaico alimentador; cionados com laminação horizontal (divisão
2. textura, composição e volume dos fluxos; 3. A3 – fluxo turbulento). A divisão A3 grada para
dimensões da bacia; 4. fisiografia do fundo ma- lamitos (divisão A4) sem o desenvolvimento de
rinho; 5. espessura da lâmina d’água; 6. mecanis- ripples, e sua formação é comumente suprimi-
mos de disparo dos fluxos (Mutti et al., 2003). da pela falta de turbulência na camada final do
Em termos faciológicos, podem ser divididos em fluxo.
dois tipos (A e B), caracterizados por seqüências O sistema turbidítico misto do tipo B re-
verticais de fácies típicas (Figura 26). sulta de um fluxo hiperpicnal persistente, ou
Os depósitos arenosos do sistema turbidí- seja, de longa duração e capaz de desenvol-

Principais populações granulométricas


Main grain size populations
1-Blocos a pequenos seixos 2-pequenos seixos-areia grossa 3-Areia média à argila
Boulders to small pebbles Small pebbles to coarse sand Medium sand to mud

Depósito de barra de desembocadura


Mouth bar deposit

Plano do jato
plane jet
Aumento da eficiência do fluxo
Increasing flow efficiency

Depósito de barra de desembocadura


Mouth bar deposit
Lobos arenos prodelta
Prodelta sandstone lobe

Lobos arenos prodelta


Eixo do jato
Prodelta sandstone lobe
axial jet

Figura 24: Diagrama simplificado mostrando a posição dos lobos turbidíticos de prodelta, as fácies sedimentares asso-
ciadas e a presença de HCS (hummocky cross stratification). Observar que com o aumento da eficiência do fluxo,
maior será a zona de bypass e maior será a distância entre a área fonte e o local da deposição dos sedimentos
(modificado de Mutti et al., 2003).
Figure 24: Simplified diagram showing the position of prodelta sandy lobes, the associated sedimentary facies and the pres-
ence of HCS (hummocky cross stratification). Observe that increasing flow efficiency increases bypass and enlarge the
distance between the source area and the depositional zone (modified from Mutti et al., 2003).

268 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X
Figura 25: Perfil longitudi-
nal hipotético de uma
bacia ilustrando os
três domínios onde
há acumulação de
Domínio proximal (lobos de prodelta)
depósitos turbidíticos
Proximal domain (prodelta lobes)
(baseado em Mutti et
al. 2007). ..
Domínio intermediário (sistemas turbidíticos mistos) Figure 25: Hypothetical lon-
Intermediate domain (mixed turbidite systems) gitudinal profile of a
basin with the three
Domínio bacial (lobos de prodelta) main domains in which
Basinal domain (foredeep systems) turbidite systems can
form (based on Mutti et
al. 2007).

Sistema turbidítico misto Tipo-A


Type A mixed turbidite system
Sistema turbidítico misto Tipo-B
Type B mixed turbidite system bacias do mundo. A maior parte dos exemplos
modernos situa-se em margens divergentes a ju-
sante da foz de grandes rios, tais como o Amazo-
nas, Mississipi, Zaire etc.
A porção offshore do oeste africano possui
excelentes exemplos de depósitos de canais me-
andrantes de idade miocênica, havendo bom ima-
geamento sísmico e dados de poços que amostra-
ram os depósitos arenosos (Abreu et al., 2003).
- Fragmentos vegetais - Superfície erosiva indicando queda de Exemplos brasileiros estão presentes na Bacia de
- Plant fragments concentração sedimentar com relativo
aumento de turbulência Santos, onde esses canais estão freqüentemente
- Erosional surface due to increasing turbulence
instalados (entrincheirados) dentro de cânions
submarinos, registrando o preenchimento desses
Figura 26: Seqüências ideais de fácies produzidas em sis- cânions após sua incisão por fluxos gravitacionais
temas turbidíticos mistos Tipo-A e Tipo-B (modifi- de mais alta energia (Figura 27).
cado de Mutti et al., 2003).
Figure 26: Ideal facies sequences of type A and type B mixed Assim como os canais fluviais, os sistemas me-
turbidite systems (modified from Mutti et al., 2003). andrantes de águas profundas exibem barras em
pontal bem desenvolvidas, resultantes da migra-
ção de formas de acresção lateral (Figura 28). A
sinuosidade dos canais e o crescimento das barras
ver uma série de estruturas trativas (laminação em pontal refletem o papel de correntes de lon-
plano-paralela e climbing ripples), bem como ga duração (sustained currents) originadas dire-
superfícies erosivas intra-camada que retratam tamente das descargas fluviais através de fluxos
mudanças na reologia do fluxo ao longo de seu hiperpicnais, sobretudo de baixa densidade. En-
trajeto (Figura 26). Para esses depósitos, Mut- tretanto, exemplos de afloramentos e de subsuper-
ti et al. (2003) reconhecem cinco divisões (B1 fície mostram grande variedade de fácies, inclusi-
a B5) relacionadas a um fluxo turbulento es- ve com turbiditos de alta densidade formados nos
sencialmente desacelerante (waning flow). Em estágios iniciais de implantação do sistema.
alguns casos, a fase crescente da cheia fluvial Segundo Wynn et al. (2007), sistemas de ca-
(waxing flow) fica registrada como uma divisão nais submarinos meandrantes depositam areia em
basal com gradação inversa (divisão B0), que pelo menos cinco contextos principais:
pode ser parcial ou totalmente erodida durante 1) no assoalho dos canais;
o pico da descarga do rio. 2) nas barras em pontal, formando sucessões
com granodecrescência ascendente;
5.4 - Sistema turbidítico de canais meandrantes 3) como camadas delgadas nos levees (quan-
Sistemas de canais submarinos sinuosos (me- do presentes);
andrantes) são importantes condutos da passagem 4) em splays laterais associados à avulsão do
de correntes de turbidez, transportando sedimen- canal (depósitos de crevasse);
tos oriundos do continente para regiões de águas 5) em splays frontais.
profundas (Peakall et al., 2007). Freqüentemente A migração do canal lateralmente forma corpos
tenta-se entender esse sistema a partir de analo- arenosos com até dezenas de quilômetros de con-
gias com os sistemas fluviais de alta sinuosidade tinuidade horizontal, que podem vir a constituir
(rios meandrantes), já que a morfologia e os ele- importantes reservatórios de hidrocarbonetos.
mentos deposicionais são semelhantes.
Devido ao grande incremento na qualidade dos 5.5 - Sistema turbidítico de canal-levee
dados sísmicos nas últimas décadas, esses siste- Esses sistemas turbidíticos caracterizam-
mas foram identificados e mapeados em muitas se por canais confinados entre duas ombrei-

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
2007p.244-303
p.236-63 269
Figura 27: Contorno de um horizonte sísmico mostrando sistemas turbidíticos de canais meandrantes confinados em
cânions submarinos na Bacia de Santos (a maior largura dos cânions tem aproximadamente 8 km).
Figure 27: Seismic slice showing meandering turbidite systems within submarine canyons in the Santos Basin(max. width can-
yons with about 8km).

ras ou diques marginais (levees). A sinuosida- se expressam como refletores sísmicos de alta am-
de é menor do que nos sistemas meandrantes, plitude (high-amplitude reflectors – HARs). De-
pois os levees impedem que os canais tenham pósitos também grossos acumulados na base dos
muita mobilidade lateral. Dessa forma, o pre- sistemas de canal-levee e nas depressões entre os
enchimento arenoso do canal se empilha ver- levees constituem “pacotes” de refletores de alta
ticalmente ao longo do tempo, acompanhando amplitude, ou HARPs (high-amplitude reflector
o crescimento dos levees. Por outro lado, se o packages).
processo de avulsão (rompimento do levee) for O padrão de empilhamento das fácies areno-
significativo, os canais podem migrar e formar sas do canal permite uma excelente conectivida-
padrões de empilhamento de maior extensão la- de vertical desses depósitos, porém, na horizontal
teral (Figura 29). são reservatórios pouco interessantes, pois os le-
Os sistemas de canal-levee podem atingir di- vees são constituídos de material fino e se tornam
mensões gigantescas. O canal-levee atual do Le- grandes barreiras de permeabilidade, impedindo a
que de Bengala (Ásia), por exemplo, apresenta interconexão entre os meios porosos (Figura 20).
20 km de largura (distância entre as cristas dos
levees) e um canal com 325 m de profundidade, 5.6 - Contornitos
parcialmente preenchido (Wynn et al. 2007). A Contornitos são depósitos sedimentares das
coexistência de vários sistemas propicia a coales- correntes de fundo e têm seu nome relacionado à
cência dos canais e levees, resultando nos chama- descoberta, nos anos 1960, de correntes termoha-
dos complexos de canais-levees. Esses comple- linas que contornam o relevo submarino e erodem,
xos são os principais elementos que compõem os transportam e depositam sedimentos. Houve mui-
grandes leques de águas profundas, tais como o ta discussão na literatura a respeito dos limites
leque (ou cone) do Amazonas (ver item 6.6. deste batimétricos em que estes depósitos, dominante-
capítulo). mente controlados por correntes geostrófica/ter-
O entendimento dos sistemas de canal-levee mohalinas, atuam (Faugères et al., 1993; Viana et
tem uma grande contribuição dos estudos basea- al., 1998a). Hoje eles são aceitos como aqueles
dos na interpretação de dados sísmicos. Os depó- depósitos onde predominam os sinais das corren-
sitos grossos que preenchem os canais geralmente tes geostróficas e/ou termohalinas, ocorrendo em

270 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X

Figura 28: Formas de acresção lateral em sistemas turbidíticos de canais meandrantes. A) Canal de Fraschetto, Itália;
B) Eoceno da Bacia de Santos (a espessura das formas é da ordem de dezenas de metros).
Figure 28: Lateral accretion in meandering turbidite systems. A) Fraschetto channel, Italy; B) Eocene of the Santos Basin, Brazil.

profundidades superiores a cerca de 300 m, limite mulações hecto-quilométricas, envolvendo de-


este que é muito variável em função da fisiogra- pósitos essencialmente finos, arenosos ou mistos
fia da margem sobre a qual circulam as correntes (Stow, 1986; Faugères & Stow, 1993; Faugères et
geostróficas (Viana et al., 1998a). al., 1999; Viana et al., 1998).
O impacto das correntes de fundo no assoalho A margem leste do Brasil oferece uma condi-
oceânico, além de depender da velocidade da cor- ção excelente para o estudo deste sistema integra-
rente, também é função do diâmetro do grão se- do clima-sedimentação-circulação oceânica. Ela
dimentar com o qual a corrente interage e o grau se situa numa posição-chave para a compreensão
de consolidação do substrato. Uma vez incorpo- da circulação global, tendo em vista as trocas
rados no fluxo das correntes de fundo, os sedi- de calor e salinidade entre os hemisférios sul e
mentos podem ser transportados tanto por tração norte, fatores controladores do clima, e fornece
quanto por suspensão. Dessa forma, as estruturas uma grande variedade de feições morfológicas e
sedimentares primárias formadas por correntes de de transferência de sedimentos para a bacia oceâ-
fundo podem ser facilmente confundidas com as nica. A posicão geográfica privilegiada tem feito
observáveis em outros tipos de depósitos de água com que, nas últimas décadas, essa região tenha
profunda, em particular os associados a correntes sido alvo de interesse de estudos voltados para
de turbidez pouco concentradas. a identificacão e a caracterizacão deste tipo de
Os depósitos contorníticos são observados em depósitos (Faugères et al., 1993; 1998; Gomes &
todos os oceanos do mundo. Ocorrem em diferen- Viana, 2002; Mézerais et al., 1993; Viana, 1998;
tes escalas, desde crenulações milimétricas a acu- 2001; Viana et al., 2002 a, b).

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
2007p.244-303
p.236-63 271
Figura 29: Sistema de canal-levee. A) seção 3º Corte principal Third master cut
esquemática mostrando migração A Preenchimento: Agradação vertical
lateral dos canais passando a agra- Fill: Vertical aggradation
dação na porção superior, quando
se estabelecem um canal principal e
overbanks fixos. B) Arquitetura depo-
sicional num complexo de canais com
migração lateral (I e II) e migração
lateral com agradação vertical (III
a IV) (Modificado de Kolla et al.,
2007). Preenchimento: Migração
Figure 29: Channel-levee system. A) Schematic Overbank principal
vertical & lateral
Fill: Vertical & lateral migration
section showing channel lateral migra- Master overbank 2º Corte principal
tion followed by vertical agradation Overbank secundário Second master cut
Secondary overbank Preenchimento: Migração lateral
and fixed overbanks in the main chan- Canal Fill:lateral migration
nel/valleys alongside the main banks; Channel 1º Corte principal
First master cut
(B) details of the depositional archi-
tecture. Channel complex with lateral Modelos de corte
migration. I and II - lateral migration/ e preechimento
Models of cut and fill
III and IV - vertical aggradation (modi- B

fied from Kolla et al., 2007). IV


IV Preenchimento: Agradação vertical
Fill: Vertical aggradation

6 - Exemplos brasileiros III


III Migração lateral e agradação vertical
Este item apresenta uma síntese de alguns dos lateral migration and vertical aggradation

principais sistemas de águas profundas brasilei-


ros, tanto fósseis quanto atuais, que exemplificam II
a grande variedade de fácies, processos e geome-
trias deposicionais desse tipo de ambiente. Siste- II
Migração lateral
mas turbidíticos e depósitos associados ocorrem I lateral migration
I
no registro estratigráfico de várias bacias, com
idades variando do Precambriano ao Recente (Fi-
gura 30). O contexto tectônico no qual os sistemas
se desenvolveram é igualmente diversificado, in- do mar (Fonseca, 2004).
cluindo margens divergentes (bacias de Campos e Segundo Fonseca (2004), o Complexo Turbidí-
de Santos), riftes (Bacia de Alagoas), depressões tico de Apiúna situa-se no intervalo denominado
adjacentes a faixas móveis (Bacia do Itajaí), mar- de seqüência 2 e caracteriza-se pela superposição
gens transformantes (Foz do Amazonas) e bacias de vários sistemas, cujos limites definem seqüên-
interiores (Bacia do Paraná). Muitos desses siste- cias de mais alta freqüência (4ª ordem). Paleocor-
mas abrigam importantes plays exploratórios, sen- rentes obtidas a partir de marcas de sola e turbo-
do portadores de reservas significativas de óleo e glifos nas camadas de turbidito indicam transporte
gás em seus reservatórios. O crescente nível de axial de nordeste para sudoeste.
conhecimento a respeito dos sistemas turbidíticos A discordância basal sobre a qual se instalou o
brasileiros deve-se a estudos minuciosos e inte- complexo turbidítico (limite inferior da seqüência
grados envolvendo afloramentos, dados de poços, 2) é indicada pela superposição abrupta de con-
sísmica e outras ferramentas, desempenhados tan- glomerados turbidíticos sobre depósitos platafor-
to na indústria quanto no meio acadêmico. mais, esses caracterizados por pelitos e arenitos
com estratificação cruzada hummocky. Os con-
6.1 - Complexo Turbidítico de Apiúna, glomerados contêm clastos de rochas vulcânicas,
Bacia do Itajaí metassedimentares e intraclastos pelíticos.
A Bacia do Itajaí, situada no nordeste catari- Segundo Fonseca (2004), os turbiditos do Com-
nense, é uma bacia neoproterozóica/eopaleozóica plexo Apiúna podem ser caracterizados conforme
do tipo foreland, alongada na direção sudoeste- os seguintes elementos deposicionais (Figuras 31
nordeste. A bacia foi originada e deformada nos e 32):
eventos relacionados à formação do cinturão de 1) canal turbidítico;
dobramentos Dom Feliciano (Rostirolla et al., 2) transição canal-lobo;
1999). 3) lobo turbidítico;
O preenchimento da bacia inclui sistemas de- 4) franja de lobo
posicionais siliciclásticos continentais até mari- As fácies constituintes foram interpretadas à
nhos profundos, organizados em cinco seqüências luz do arcabouço genético de Mutti et al. (1999).
de 3ª ordem (1 a 5) limitadas por discordâncias O elemento canal turbidítico acha-se bem
relacionadas a rebaixamentos relativos do nível caracterizado nos afloramentos Bergamota e Pe-

272 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X

Foz do Amazonas

Sergipe - Alagoas

Paraná
Campos

Itajaí Santos

Figura 30: Localização das bacias sedimentares brasileiras com destaque àquelas discutidas no texto.
Figure 30: Location of the brazilian sedimentary basins with emphasis on those discussed in the text.

dreira São Pedro (Figura 31) e define as porções O afloramento Apiúna I exibe uma sucessão
proximais dos sistemas turbidíticos, onde predo- de camadas arenosas de aproximadamente 145 m
minam erosão, transferência de sedimentos e de- de espessura, representando o estaqueamento de
posição de fácies essencialmente conglomeráticas lobos turbidíticos (Figura 32A). Os lobos com-
(Figura 32B), a partir de fluxos hiperconcentrados preendem camadas com espessura decimétrica a
(turbiditos de altíssima densidade). Os canais são métrica, tabulares e de grande continuidade late-
caracterizados por corpos lenticulares amalgama- ral. Constituem-se de arenitos finos a médios, es-
dos, formando sucessões de até 20 m de espessu- sencialmente maciços e por vezes com ripples no
ra. Preenchem os canais tanto ortoconglomerados topo (fácies F8). Os lobos apresentam-se amal-
polimíticos com gradação normal (fácies F3 de gamados ou estão intercalados com pelitos, que
Mutti et al., 1999) quanto paraconglomerados de marcam nitidamente os limites entre os eventos
matriz arenosa ou areno-lamosa contendo intra- (Figura 32A).
clastos métricos de folhelho (fácies F2). A região dos lobos constitui a principal zona
Na zona de transição canais-lobos aparecem deposicional dos sistemas turbidíticos, haven-
arenitos médios, maciços ou estratificados, em do muito pouca erosão associada aos eventos. A
camadas de 30 a 50 cm de espessura (fácies F5 porção distal desses lobos é definida por ritmi-
e F6), ainda com feições de erosão, porém mos- tos arenito/lamito delgados, o que caracteriza as
trando maior continuidade lateral e menor grau de franjas de lobos (Figuras 32C e D). As franjas
amalgamação. Níveis ricos em intraclastos argilo- são marcadas pela fácies F9 do esquema de Mutti
sos são relativemente comuns e representam zo- et al. (1999), ou seja, camadas tabulares e cen-
nas axiais de canais rasos, registrando erosão do timétricas de arenito fino com gradação normal,
substrato lamoso. exibindo base plana e topo ondulado, intercaladas

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
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p.236-63 273
Colibri Pedreira São Bergamota
Pedro Legenda Legend
Estratificação plano-paralela
Horizontal stratification
Laminação cruzada cavalgante
Climbing ripples
Estratificação cruzada acanalada
Trough crossbedding
Intraclastos
Intraclasts
Escorregamentos
Slump folds
Seixos dispersos
Disperse pebbles
Marcas de sola
Sole marks
Lentes de seixos
Pebble lenses
Canal turbidítico
Turbiditic channel
Transição canal-lobo
Channel-lobe transition
Lobo turbidítico
Turbiditic lobe
Franja de lobo
Encoberto Lobe tringe
covered Folheto/lamito
Shale/mudstone
Conglomerado
Conglomerate
Arenito muito grosso
Very-coarse sandstone
Arenito médio a grosso
Medium to coarse sandstone
Arenito muito fino a fino
Very-fine to fine sandstone

Figura 31: Perfis estratigráficos


verticais levantados nos aflora-
mentos Bergamota, Colibri e
Pedreira São Pedro (modifica-
do de Fonseca, 2004).
Figure 31: Stratigraphic vertical
profiles from Bergamota, Colibri
and Pedreira São Pedro outcrops
(modified from Fonseca, 2004).

com pelitos acinzen- padrões de empilhamento sedimentar sugere que


tados (Figura 32D). os fluxos responsáveis pela deposição dos siste-
Freqüentemente exi- mas turbidíticos do complexo Apiúna possuíam
bem a seqüência de eficiência moderada (Mutti et al., 1999), já que os
Bouma incompleta, diferentes elementos deposicionais encontram-se
mostrando o caráter conectados espacialmente. O afloramento Berga-
desacelerante das cor- mota demonstra claramente essa conecção entre
rentes de turbidez de os diferentes elementos, exibindo, numa sucessão
baixa densidade. Um de apenas 35 metros (Fonseca, 2004), um empi-
dos melhores exem- lhamento completo composto por canais, transi-
plos do elemento de- ção canais-lobos, lobos e franjas de lobos (Figura
posicional franja de 31).
lobos é o afloramen- Sob o ponto de vista estratigráfico, o com-
to Colibri, que exibe plexo turbidítico de Apiúna enquadra-se numa
cerca de 20 m desses seqüência deposicional de 3ª ordem, constituída
ritmitos (Figuras 31 e 32C). por um trato de sistemas de mar baixo (repre-
O arranjo espacial dos distintos sentado pelos turbiditos) e por um trato de siste-

274 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X

B C

D E

Figura 32: Exemplos de fácies e elementos deposicionais do complexo turbidítico de Apiúna. A) corpos arenosos tabu-
lares e de grande continuidade lateral representando lobos turbidíticos (afloramento Apiúna I); B) conglome-
rados de preenchimento de canal (afloramento Bergamota); C) fácies de franja de lobos, definidas por camadas
delgadas de arenito intercaladas com pelitos (afloramento Colibri); D) detalhe das franjas mostrando camadas
de areia gradadas com ripples no topo; E) sucessão espessa de folhelhos (ardósias) que marcam o afogamento
definitivo do complexo turbidítico.
Figura 32: Examples of fácies and depositional elements of the Apiúna turbidite complex. A) Tabular and laterally continu-
ous sandstone turbiditic lobes (Apiúna I outcrop); B) channel-fill conglomerate (Bergamota outcrop); C) lobe fringe
deposits consisting of thin sandstones interbedded with shale (Colibri outcrop); D) closed view of lobe fringe facies
showing graded and rippled sandstone beds; E) thick shale succession that records the definitive flooding of the tur-
biditic complex.

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
2007p.244-303
p.236-63 275
ma transgressivo (representado por uma suces- geleiras estavam relativamente distantes do sítio
são de 1.500 metros de folhelhos/ardósias que deposicional (lobos turbidíticos de prodelta). Am-
registram o afogamento dos sistemas arenosos bos os sistemas são freqüentemente submetidos a
– Figura 32E). Essa seqüência pode ainda ser processos de ressedimentação, tais como desliza-
subdividida em no mínimo cinco sequências de mentos, escorregamentos e fluxos de detritos, que
4ª ordem, cujos limites são marcados por que- constituem um terceiro grupo de depósitos liga-
bras no arranjo vertical das fácies e/ou elemen- dos a fluxos gravitacionais.
tos deposicionais. A superposição dos diferentes
elementos permite estabelecer padrões de em- Leques turbidíticos de outwash
pilhamento para essas seqüências de 4ª ordem, Compreendem sucessões areno-conglomeráti-
que podem ser progradacionais (depósitos pro- cas com espessuras que podem atingir cem me-
ximais sobre distais) ou retrogradacionais (de- tros. Tais depósitos são relativamente comuns
pósitos distais sobre proximais), significando nas porções Catarinense e Paranaense da bacia, a
fases de construção e abandono de leques turbi- exemplo dos arenitos Lapa e Vila Velha e outras
díticos, respectivamente. presentes nas seções de Dr. Pedrinho, Ventania e
Tibagi.
6.2 - Grupo Itararé, Carbonífero-Permiano As sucessões apresentam granodecrescência
da Bacia do Paraná ascendente e repousam em contato discordante
Arenitos turbidíticos do Grupo Itararé, da Ba- sobre pelitos, fácies caóticas (diamictitos resse-
cia Intracratônica do Paraná, são considerados os dimentados) ou arenitos finos de origem deltaica.
melhores reservatórios do principal sistema pe- Em alguns afloramentos, delgados corpos de tili-
trolífero da bacia, cujas geradoras são os pelitos tos ou pavimentos de matacões facetados e estria-
devonianos da Fm. Ponta Grossa (Milani & Zalán, dos ocorrem logo acima dos limites de seqüência,
1999). Esses depósitos têm sido empregados como indicando processos glaciais precedentes à depo-
análogos dos turbiditos e depósitos associados da sição dos turbiditos. Diápiros e feições de carga e
margem continental brasileira, devido a simila- escape de fluidos presentes nas fácies subjacentes
ridades faciológicas e de contexto deposicional. indicam que os depósitos ainda não estavam com-
Muitos turbiditos do Grupo Itararé e da margem pactados quando receberam o aporte trazido pelas
brasileira mostram uma relação genética com os correntes de turbidez de alta densidade.
fluxos hiperpicnais gerados por cheias catastrófi- De acordo com levantamentos efetuados por
cas do sistema flúvio-deltaico. d’Avila et al. (2006) e Vesely (2007) nas regiões
A maior parte da deposição do Grupo Itararé de Dr. Pedrinho e Ventania, respectivamente, as
registra um contexto glácio-marinho e marinho fácies mais comuns incluem conglomerados com
glácio-influenciado, cujos processos de sedimen- clastos imbricados, estratificação cruzada, ou
tação ocorreram abaixo do nível base de ondas de maciços, e arenitos médios a muito grossos, com
tempestade, produzindo turbiditos conglomerá- estratificação cruzada de baixo ou alto ângulo,
ticos e arenosos, pelitos de prodelta e fácies de planar ou acanalada, ou ainda estratificação pla-
rain-out (chuva de detritos), freqüentemente de- no-paralela e estratificação cruzada cavalgante de
sestabilizados e ressedimentados por ação de flu- grande porte (Figura 33). Em alguns casos, mata-
xos gravitacionais. cões de dimensões métricas ocorrem flutuando em
As seções do Grupo Itararé aflorantes nos es- algumas fácies conglomeráticas, indicando altas
tados do Paraná e de Santa Catarina revelam que concentração e densidade dos fluxos. A geometria
a unidade é composta por múltiplas seqüências, dos corpos é lenticular ou sigmoidal, tendendo a
limitadas por discordâncias regionais (Medeiros maior tabularidade em direção ao topo dos paco-
1971; Vesely & Assine, 2006; d’Avila et al., 2006; tes. Canais amalgamados e feições de escavação
Santos, inédito). O empilhamento de cada seqüên- (scours), ambas preenchidas por conglomerados
cia apresenta um padrão retrogradante-progradan- e arenitos conglomeráticos, são comuns na parte
te típico, com espessos arenitos e conglomerados inferior das sucessões turbidíticas.
turbidíticos na parte inferior (Figura 33). Alguns afloramentos de turbiditos apresentam
Dependendo da fisiografia da margem da bacia estruturas de carga com vários metros de altura
na época da sedimentação, dois tipos principais de e feições de fluidização. Estas feições são mais
sistemas turbidíticos podem ser identificados: comuns nos primeiros 5 a 10 m, junto à base do
1) leques turbidíticos formados na frente de depósito, e foram possivelmente originadas com
margens glaciais aterradas no assoalho marinho, a amalgamação e o peso das camadas de turbidi-
cuja alimentação é dada por jatos de água de de- tos. Isto sugere um intervalo de tempo pequeno
gelo submarinos (leques turbidíticos de outwash), entre as correntes de turbidez, sem que houvesse,
saídos da base dos glaciares; portanto, tempo suficiente para ocorrer a compac-
2) lobos turbidíticos desenvolvidos nas por- tação e a expulsão da água intersticial dos sedi-
ções terminais de sistemas deltaicos, alimenta- mentos.
dos por cheias fluviais nos momentos em que as Interpreta-se que esses turbiditos areno-con-

276 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X

B C

D E

Figura 33: Exemplos de fácies turbidíticas em afloramentos do Grupo Itararé. A, B e C: Lobos turbidíticos de pro-
delta na seção de Dr. Pedrinho (SC); B: Fragmento vegetal de origem terrestre; C: Marcas de sola na base de
camada arenosa. D e E: Turbiditos de outwash nas seções de Dr. Pedrinho (SC) e Vila Velha (PR), respectiva-
mente; D) Conglomerado rico em matacões depositado por correntes de turbidez de altíssima densidade; E)
Arenito com estratificação cruzada de grande porte, típica dos depósitos de outwash trativos.
Figure 33: Outcrop examples of turbidite facies in the Itararé Group. A, B and C: Prodelta turbiditic lobes in the Dr.
Pedrinho section; B: Continentaly derived plant fragment; C: Sole marks at the base of a sandstone bed. D and E:
Outwash turbidites in the Dr. Pedrinho and Vila Velha sections respectively; D: Boulder rich conglomerate related to
very high density turbibity currents; E: Cross-bedded sandstones typical of traction dominated outwash deposits.

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
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glomeráticos tenham se originado de fluxos alta- grandes distâncias, até contextos de águas muito
mente concentrados, gerados pelos jatos de água profundas (fácies F3, Mutti et al, 1999).
de degelo da base de uma geleira aterrada no mar
(Figura 34). Esses depósitos são equivalentes aos Lobos turbidíticos de prodelta
leques de outwash subaquosos do Quaternário e do Arenitos dispostos em camadas tabulares a len-
Recente, descritos por Rust & Romanelli (1975), ticulares e intercalados com pelitos, formam su-
Rust (1977), Powell & Molnia (1989) e Russel & cessões de 20 a 30 metros de espessura e dezenas
Arnott (2003). de quilômetros de extensão, constituindo lobos
O padrão geral de diminuição do tamanho de arenosos de prodelta (Figura 33). Esses sistemas
grão para o topo indica o decréscimo da energia possuem ampla ocorrência na faixa de afloramen-
das correntes de turbidez ao longo do tempo. Isto tos oriental da bacia, do centro de Santa Catarina
se deve, possivelmente, a uma diminuição da po- até, pelo menos, o norte do Paraná.
tência dos fluxos de degelo como decorrência do Na seção a norte de Dr. Pedrinho – SC, esses
afastamento e paulatino derretimento e diminui- turbiditos arenosos são de granulação fina e mé-
ção de volume dos glaciares. As feições trativas dia, com sete fácies principais: arenito com estra-
nos conglomerados e arenitos indicam que estes tificação cruzada, arenito com clastos e injeção de
fluxos possuíam longa duração e desenvolviam areia, arenito com laminação plano-paralela, are-
alto grau de turbulência na camada superior da nito maciço/fluidizado, arenito em camadas del-
corrente de turbidez, a qual retrabalhava os sedi- gadas tabulares, arenito em camadas com carga
mentos depositados pela camada basal, mais den- amalgamadas e arenito em camadas delgadas com
sa, da corrente. seqüência de Bouma incompleta. Freqüentemente
De modo geral, a presença de feições de bypass as camadas possuem turboglifos na base (Figura
para parte da população arenosa, a extensão dos 33). Fragmentos de vegetais são comuns na base e
depósitos areno-conglomeráticos mergulho abai- no meio das camadas, alguns com até meio metro
xo por vários quilômetros e a geometria de lentes de comprimento (Figura 33).
estratificadas destas camadas, similares a barras, O tamanho de grão dominantemente fino suge-
sugerem que estes sistemas turbidíticos possuíam re deposição por correntes de turbidez de densida-
eficiência moderada. De fato, estas barras cas- de relativamente baixa. As feições de injeção de
calhosas e arenosas são mais similares às barras areia no substrato sugerem que os fluxos possuí-
turbidíticas com bypass desenvolvidas em siste- am uma base sobrepressurizada (Figura 33). Estes
mas turbidíticos proximais, ligados a cheias ca- fluxos podem ter sido originados pela diluição de
tastróficas (Mutti et al., 1996) do que às barras correntes turbidíticas de alta densidade ou mes-
de ortoconglomerados de sistemas turbidíticos de mo ter-se originado diretamente como correntes
altíssima eficiência, que conduzem sua carga por de densidade relativamente baixa, que desenvol-

Nível do mar sea level

Pluma turbida
Turbid plume

Jato
Geleira Jet efflux
Glacier

Fluxos canalizados Fluxos desconfinados


Channelized flows Unconfined flows

Lobos turbidíticos
Turbidite lobes

Depósito subglacial Depósitos proximais de jet flows Leque outwash


Subglacial deposit Proximal jet flow deposit Outwash fant

Figura 34: Modelo de sedimentação em leques de outwash subaquosos (Powell & Molnia, 1989 apud Vesely, 2007).
Figure 34: Sedimentation in subaqueous outwash fans (Powell & Molnia apud Vesely, 2007).

278 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X
viam, freqüentemente, alta turbulência junto ao Depósitos de ressedimentação
fundo. A presença comum de estruturas de carga Na região de Alfredo Wagner - SC, há diver-
e em chama indica que as correntes de turbidez sos e belos afloramentos de arenitos de barras de
mostravam freqüência e taxa de deposição rela- desembocadura envoltos por diamictitos e pelitos
tivamente altas. Escorregamentos locais sugerem marinhos prodeltaicos, que documentam a deses-
que os turbiditos tenham se depositado numa re- tabilização das frentes deltaicas construídas du-
gião com alguma declividade. rante a fase final da deglaciação permocarboní-
A passagem abrupta para pelitos no topo das ca- fera do Gondwana. Estes afloramentos da porção
madas turbidíticas e a relativa escassez de ondula- superior do Grupo Itararé se constituem num dos
ções por corrente no topo das camadas, podem ter poucos exemplos brasileiros de depósitos gerados
sido causadas pelo escape mais lento dos fluidos por fluxos gravitacionais de massa (deslizamentos
da camada basal da corrente de turbidez, desenvol- e escorregamentos) em contexto marinho proxi-
vendo um menor grau de turbulência na camada mal e foram detalhadamente estudados por Santos
superior, que teria menor energia para tracionar o (em preparação).
leito e desenvolver ondulações por corrente. Par- Nessa região, o Grupo Itararé atinge espessu-
te da fração arenosa muito fina está comumente ras em torno de 200 metros, assentando-se dire-
ausente, sugerindo o bypass desta fração corren- tamente sobre o embasamento precambriano. A
te abaixo. O material pelítico fino depositado no ação erosiva dos glaciares permo-carboníferos
topo da camada pode ter-se originado do processo que modelaram parte do fundo da bacia receptora
de flow lofting, a geração de uma pluma túrbida dos sedimentos Itararé está evidenciada, em sítios
pela elutriação de finos da camada basal de uma vizinhos, através de pavimentos estriados com di-
corrente de turbidez, criando uma nuvem ascen- reção geral NNW-SSE, com provável sentido de
dente de baixa densidade, que decanta quando a deslocamento do gelo para norte, às vezes com
agitação do meio é bastante reduzida (Sparks et tilitos de alojamento associados (Rocha-Campos
al, 1993; Mutti et al., 2003). Outra possibilidade é et al., 1988; Machado, 1989).
que estes finos sejam depositados diretamente de Sobrepondo estes raros registros subglaciais,
fluxos hipopicnais (Bates, 1953), geneticamente ou recobrindo diretamente o embasamento gra-
relacionados com as cheias que originaram os flu- nítico, ocorre um pacote sedimentar eminente-
xos hiperpicnais parentais dos turbiditos. mente pelítico composto por algumas camadas
Os turbiditos arenosos da região de Dr. Pedri- delgadas de arenitos finos, maciços ou gradados,
nho foram possivelmente disparados por grandes intercaladas a espessos folhelhos pretos lamina-
cheias fluviais que desenvolveram fluxos hiper- dos, que, muitas vezes, também ocorrem sob
picnais, conforme sugerido pelas seguintes carac- a forma de intercalações rítmicas milimétricas
terísticas: 1) feições indicativas de fluxos de longa a centimétricas de arenito/folhelho (ritmitos).
duração com variação de energia, tais como o au- Estes intervalos podem ser interpretados como
mento e a diminuição de tamanho de grão na mes- depósitos de decantação de plumas túrbidas nas
ma camada, lâminas de grãos mais grossos desta- regiões mais distais da bacia, pontuados por
cando-se em meio a sedimentos mais finos, que eventos esporádicos de correntes de turbidez. A
representam possíveis picos de cheia; 2) a presen- única evidência da contemporaneidade dos gla-
ça comum de fragmentos de vegetais superiores ciares nas bordas da bacia marinha é a ocorrên-
nas camadas arenosas (Figura 33), que sugerem a cia de clastos pingados em determinados níveis
existência de duas etapas no desenvolvimento da do pacote pelítico.
sedimentação: os períodos de baixa energia, que Sobre esse pacote, está assentada a sucessão
caracterizam a fase “normal” do sistema fluvial, sedimentar aflorante em Alfredo Wagner (Figura
quando a vegetação crescia nas terras altas e na 35), a qual é, em grande parte, constituída por de-
planície de inundação do rio, e os momentos de pósitos caóticos formados a partir de deslizamen-
altíssima energia, com as cheias catastróficas, em tos, escorregamentos e fluxos de detritos. Nela
que o rio transbordava violentamente, erodindo os ocorrem espessos conjuntos de camadas arenosas
depósitos marginais e arrancando a vegetação que lenticulares a sigmoidais, dispostas como mega-
proliferou nos períodos de baixa energia. blocos imersos em pelitos escorregados (folhe-
Depósitos fluviais geneticamente relaciona- lhos, ritmitos e diamictitos). Os arenitos têm
dos a estes turbiditos não foram identificados nos contato basal abrupto com os pelitos subjacentes.
afloramentos do Grupo Itararé nas seções estuda- Internamente, possuem estruturas trativas (ripples
das. Isto se deve, provavelmente, à repetição de e cruzadas oblíquas) e freqüentes fluidizações, in-
ciclos de avanço e recuo glacial e ao soerguimen- dicativas de um suprimento sedimentar longo e
to da área fonte pelo reajuste isostático (rebound), contínuo, compatíveis com sítios deposicionais
que levariam à erosão quase total dos depósitos de frentes deltaicas. São comuns também defor-
continentais e costeiros, preservando apenas del- mações plásticas (fluidizações e dobramentos) e/
gados pacotes de tilitos acomodados no fundo de ou rúpteis (microfalhas reversas/normais e estrias
paleovales glaciais. interestratais com deslocamentos para oeste) que

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
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4 3

280
Turbiditos

Depósito de fluxo de detritos

Depósitos de fluxos de detritos Frente deltaica deslizada "afundando


interdigitados com turbiditos em pelitos de prodelta
Frente deltaica deslizada "afundando" em
pelitos de prodelta
2

Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


1

Bloco de arenito deslizado (slide)


pelitos dedeformados

Grandes blocos deltaicos deslizados em meio a pelitos prodeltaicos


Cap.X
sugerem a movimentação por gravidade desses Camaragibe e testemunhos do campo de Tabulei-
blocos para dentro da bacia. Esses arenitos, mes- ro dos Martins são representativos desse trato de
mo em afloramentos praticamente contíguos, apre- fácies (Figuras 36 e 37), mostrando a transição de
sentam arranjos estratais, fácies e paleocorrentes fácies proximais para distais no sentido NE-SW.
distintas, fato que apóia essa interpretação. A porção proximal do trato, descrita no aflo-
ramento Japaratinga (Figura 38), caracteriza-se
6.3 - Formação Maceió, Sub-Bacia de por depósitos de fluxos gravitacionais com muitas
Alagoas feições trativas, desenvolvidas pela passagem de
A Sub-Bacia de Alagoas representa o com- fluxos hiperpicnais areno-cascalhosos oriundos
partimento setentrional da Bacia de Sergipe-Ala- de sistemas de leques deltaicos. As principais fá-
goas e tem como limite norte uma importante es- cies observadas são conglomerados polimíticos
trutura positiva denominada de Alto de Maragogi ricos em intraclastos de siltito que passam no topo
(Figura 36). Depósitos de fluxos gravitacionais para arenitos médios a grossos com estratificação
pertencentes à Formação Maceió, de idade aptia- cruzada, mal selecionados, e apresentando seixos
na-albiana, foram depositados num ambiente la- e matacões dispersos, alguns na posição vertical
custre durante o estágio de transição de uma bacia (Figura 39). Os conglomerados basais ocorrem
do tipo rifte para uma margem divergente. preenchendo feições de escavação (scour) de até
A análise de fácies a partir de afloramentos e três metros de profundidade. Sob as fácies areno-
testemunhos de poços permitiu o reconhecimento conglomeráticas, ocorre um intervalo de siltitos
e a caracterização de turbiditos de alta densidade esverdeados portadores de conchas de conchos-
ligados a fluxos hiperpicnais (Arienti, 2006). O tráceos, indicando a presença de um corpo d’água
clima e a tectônica foram fatores preponderantes no ambiente deposicional. Esses pelitos foram
na formação desses depósitos. Períodos climáti- erodidos pelos fluxos gravitacionais e serviram de
cos úmidos representavam épocas de muito aporte fonte para os intraclastos observados em algumas
sedimentar para a bacia, favorecendo a deposição fácies.
de turbiditos hiperpicnais, tipicamente enriqueci- Seixos e matacões dispersos nos arenitos su-
dos em partículas de matéria orgânica de origem gerem transporte a partir de fluxos de densidade,
continental. Em contraste, períodos climáticos com turbulência suficiente para tracionar os se-
secos ficaram registrados como depósitos lacus- dimentos e formar estratificação cruzada. Seixos
trinos lamosos com gretas de ressecamento e car- na vertical descartam transporte trativo normal
bonatos microbiais. com carga de fundo (bedload), do tipo que ocor-
Clásticos grossos aportaram a bacia tanto a re em sistemas fluviais. Os intraclastos de silti-
partir da borda falhada, a noroeste, quanto de fon- to, que podem atingir um metro de comprimento,
tes axiais do Alto de Maragogí, a nordeste, depo- possuem aspecto “rasgado” resultante do cisalha-
sitando tratos de fácies distintos (Figura 36). mento desenvolvido entre a porção basal ao fluxo
Fluxos provenientes do Alto de Maragogi (fon- (mais densa) e a camada superior turbulenta.
te axial) desenvolveram um trato de fácies de A seção aflorante no Morro do Camaragibe
maior eficiência, capaz de segregar os depósitos é caracterizada por fácies mais distais em relação
formados durante as cheias dos sistemas fluviais. ao afloramento Japaratinga. As camadas turbidíti-
Durante as fases de energia relativamente menor, cas são mais tabulares e de maior continuidade la-
os sedimentos depositavam-se na região mais teral, sugerindo tratar-se da porção do sistema na
proximal, desenvolvendo leques deltaicos (fan- qual dominava a deposição (Figura 40). Predomi-
deltas). Os afloramentos Japaratinga e Morro do nam arenitos médios a grossos mal selecionados,
comumente com grânulos e intraclastos argilosos
dispersos (Figura 41A), em alguns casos associa-
dos a conglomerados polimíticos com intraclastos
argilosos (Figura 41C). Secundariamente ocorrem
arenitos finos a médios, que podem ser maciços,
deltaicas da porção superior
Figura 35: Depósitos de fluxos de

do Grupo Itararé em Santa


detritos e de fluxos gravitacio-
nais de massa (deslizamento e

desestabilização das frentes

Catarina. Perfil levantado ao


escorregamento) causados pela

longo da BR-282. Modificado

Figure 35: Deposits produced by debris


flows and mass movements (slides/
slumps) as a result of delta front
failure in the upper part of the the

State). Stratigraphic profile mea-

Figure modified from Santos (in


sured along the route BR-282.
Itararé Group (Santa Catarina

com estratificação plano-paralela, ou apresentar


laminação cruzada cavalgante (Figura 41E). Fei-
ções de fluidização, tais como estruturas em prato
(dish), são relativamente comuns (Figura 41B).
de Santos (inédito).

Camadas arenosas menos espessas, relacionadas


a correntes de turbidez de baixa densidade, inter-
calam-se com folhelhos escuros ricos em matéria
orgânica vegetal (Figura 41E).
Mesmo representando uma porção relativamen-
press).

te mais distal do sistema turbidítico, as fácies do


Morro do Camaragibe ainda guardam evidências
do forte controle das cheias fluviais na sedimen-

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
2007p.244-303
p.236-63 281
Campo de Tabuleiro dos Martins

Formação Membro Tabuleiro dos Evaporitos Formação Formação Ponta Seção pré-formação Embasamento
Poção Martins paripueira Maceió Verde Maceió Basament
Poção formation Tabuleiro dos martins mb Paripueira evaporites Maceió formations Ponta Verde formation Pre-Maceió formation section

Figura 36: Seção geológica SW/NE, mostrando o Alto de Maragogi a NE, a região de afloramentos próximos ao Poço 2,
e a localização do Campo de Tabuleiro dos Martins, a SW da área.
Figure 36: SW/NE geologic section showing the Maragogi High (NE), the region of the outcrops near the well 2 and Tabuleiro
dos Martins Field (SW).
Fonte (NW/SE) Fonte axial (NW/SE)
Source (NW/SE) Axial source (NW/SE)

Fandeltas de borda de falha Fandeltas axiais/ turbiditos Turbiditos hiperpicnais


Fault border fandelta hiperpicnais trativos Hyperpycnal turbidites
Axial fandeltas/tractive hyperpycnal
turbidites
NW SE NE SW

tin d e
a

s os
mh

ar ro d
Morro de Camaragibe
es

Riongui

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semi-planta Oeste Leste


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Us

A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9

Figura 37: Perfis esquemáticos mostrando a evolução ideal dos depósitos oriundos da borda (fonte NW->SE) e os prove-
nientes de fontes axiais (fonte NE->SW).
Figure 37: Schematic facies tract showing the evolution of the deposits derived from the border (NW source) and the sediments
sourced along the axial zone (NE source).

tação. A abundância de fragmentos lenhosos nos Os depósitos do Campo de Tabuleiros dos


arenitos (Figura 41D) indica que as cheias fluviais Martins representam a porção mais distal do trato
erodiram as porções vegetadas da planície aluvial/ de fácies turbidíticas. As fácies amostradas em al-
costeira e que fitoclastos foram incorporados nos guns testemunhos de poços mostram o predomínio
fluxos hiperpicnais. A existência de múltiplas va- de arenitos finos a médios, comumente fluidizados
riações granulométricas verticais numa mesma e arranjados em ciclos com um a três metros de
camada reflete fluxos persistentes sujeitos a osci- espessura (Figura 42). O topo dos ciclos é marca-
lações na energia da descarga fluvial, com níveis do por arenitos muito finos com ripples e siltitos
mais grossos representando os picos das cheias. ricos em matéria orgânica continental, formados

282 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Afloramento Japaratinga Japaratinga outcrop Cap.X

Conglomerados gradando para arenitos médios a grossos (conglomerate grading to coarse/medium sandstones)
Arenitos muito grossos a médios com estratificação cruzada (cross-bedded very-coarse to coarse sandstones)
Arenitos médio/grosso com gradação normal (normaly graded coarse to medium sandstone)
Arenitos fino/médio com climbing ripples (climbing-rippled fine to medium sandstones)
Silito rico em conchostráceos (conschotracea-rich siltstone)

Figura 38: Seção estratigráfica do afloramento Japaratinga, com datum na camada de folhelho rico em conchostráceos.
(A) Painel fotográfico mostrando o nível conglomerático e a erosão basal associada, e (B) Painel fotográfico da
Fácies Arenito grosso/médio, mostrando estratificações cruzadas tangenciais e acanaladas de pequeno porte, con-
tendo seixos e matacões de rochas granitóides e sílex dispersos. Afloramento de direção N10º - 15ºE, com mergulho
tectônico das camadas de 6º para SW. A paleocorrente média indicada pelas estratificações é para SW.
Figure 38: Stratigraphic section of the Japaratinga outcrop, with datum in the conchostracea rich shale bed. (A) Photografic
panel showing erosive features at the base of conglomeratic facies; and (B) Coarse and medium grained sandstone facies
with tangential and trough cross-beddings, with pebbles and bouders of granitic rocks and silex clasts. Structural dip is
6º to SW, and the mean paleocurrent direction is towards SW.

nos estágios finais e mais diluídos das correntes do rifte alagoano, em que se admite uma ciclicida-
de turbidez. Intercalados aos depósitos arenosos, de decorrente da alternância de períodos climáti-
ocorrem folhelhos escuros associados a laminitos cos úmidos e secos (Arienti, 2006). Durante fases
microbiais, que representam momentos de inter- de clima úmido (chuvas na área fonte), o aporte
rupção no suprimento terrígeno e relativa aridez. siliciclástico para a bacia era elevado, gerando
A Figura 43 ilustra o modelo evolutivo proposto sistemas de leques deltaicos e turbiditos hiperpic-
para a deposição da Formação Maceió no contexto nais. Nesses períodos, muita matéria orgânica ve-

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sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
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A B

Figura 39: Exemplos de fácies turbidíticas no afloramento


Japaratinga. A, B e C) Clastos dispersos em arenitos
com estratificação cruzada, por vezes na posição
vertical (B) e alinhados conforme a estratificação
(C). D) Arenito grosso com estratificação cruzada
sigmoidal.
Figure 39: Turbiditic facies at the Japaratinga outcrop: A,
B and C) Cross-bedded sandstones with scattered over-
sized clasts, which may appear vertically (B) or aligned
parallel to stratfification (C). D) Sigmoidally cross-
bedded coarse sandstone.

6.4 - Eoceno da Bacia de Santos


getal terrestre aportou à bacia e foi depositada nos Na porção norte da Bacia de Santos, flu-
próprios turbiditos areno-conglomeráticos ou nas xos gravitacionais foram os responsáveis pela
fácies finas relacionadas à decantação das plumas formação dos principais depósitos da região
túrbidas. Concomitante ao suprimento elevado, de talude-bacia no intervalo Eoceno Inferior
havia espaço disponível para acomodar os sedi- a Médio. A seqüência deposicional na qual se
mentos, como conseqüência do espessamento da inserem esses depósitos é caracterizada por um
lâmina d’água (transgressões lacustres). Nos pe- trato de mar baixo progradacional, seguido de
ríodos de clima árido, o nível do lago baixou e a tratos transgressivo e de mar alto com empi-
sedimentação se processou em ambiente com pou- lhamento agradacional (Figura 44). Mediante
ca disponibilidade de terrígenos. Nesse contexto a análise de seções sísmicas 3D e mapas de
foram depositados carbonatos microbiais, lamitos amplitude, dois conjuntos de sistemas depo-
lacustres ricos em matéria orgânica microbiana e, sicionais relacionados a fluxos gravitacionais
nas porções mais centrais dos depocentros, evapo- podem ser reconhecidos e mapeados: comple-
ritos. Feições de dissecação presentes nos lamitos xo arenoso e complexo lamoso (Moreira &
indicam repetidas fases de exposição aérea. Carminatti, 2004).

284 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X
Topo
Complexo arenoso
A formação do complexo areno-
so, no contexto do trato de mar bai-
xo, envolveu os seguintes estágios
deposicionais com seus respectivos
elementos paleogeográficos: câ-
nions, leques turbidíticos arenosos,
canais submarinos meandrantes e
deltas de margem de plataforma (Fi-
gura 45).
Quatro cânions escavados na
borda da plataforma podem ser iden-
tificados. Esses cânions migraram
lateralmente ao longo do tempo e
atuaram como condutos de transfe-
rência de sedimentos da plataforma
para a bacia durante o desenvolvi-
mento do complexo arenoso (Figura
46). O cânion mais antigo, síncrono
ao tempo de formação do limite de
seqüência, é também o mais longo
e profundo. Os demais cânions tor-
nam-se progressivamente menores
e mais rasos com o tempo. Sedi-
mentos arenosos foram trazidos da
plataforma por meio de cheias flu-
viais, fluíram através dos cânions e
atingiram a bacia formando leques
turbidíticos arenosos. É possível
identificar sistemas arenosos dis-
tintos, relacionados à escavação de
cada um dos quatro cânions subma-
rinos. O leque turbidítico mais anti-
go é o mais expressivo em termos de
volume sedimentar depositado, pois
se associa ao primeiro e mais pro-
nunciado evento de erosão. Como
conseqüência, o empilhamento dos
leques turbidíticos mostra padrão de
backstepping, com a zona de depo-
sição dos sistemas mais jovens recu-
ando em direção ao sopé do talude.
Canais submarinos meandran-
tes com formas de acrescão lateral
arenosas ocorrem dentro dos câ-
nions, desde a plataforma até as por-
ções distais da bacia. Os depósitos
arenosos formados nesse contexto
são menos volumosos se compara-
dos aos leques turbidíticos, suge-
rindo sistemas de menor eficiência,
aos moldes do que foi proposto por
Depósitos bacinais Mutti et al. (2003) para sistemas
mistos. A deposição no interior dos
Fácies de arenito fino/médios com climbing ripples cânions ocorreu como conseqüência
Fácies de arenitos médios/grossos, com grânulos,
fluidizados com badamentos, scours - depósitos com
geometrias tabulares Figura 40: Perfil litológico completo do aflora-
mento Morro do Camaragibe.
Fácies de conglomerados extraformacionais e Figure 40: Vertical profile of the Morro do
intraclásticos- depósitos de "canais rasos"
Base Camaragibe outcrop.

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sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
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2007p.244-303
p.236-63 285
A B

E
D

Figura 41: Fácies do afloramento Morro do Camaragibe. A) arenito grosso a muito grosso mal selecionado; B) estuturas
em prato relacionadas ao escape d’água; C) conglomerado rico em intraclastos argilosos; D) fragmento lenhoso
imerso em camada turbidítica; E) arenitos com laminação horizontal e climbing ripples intercalados a pelitos escu-
ros ricos em matéria orgânica vegetal.
Figure 41: Facies at the Morro do Camaragibe outcrop. A) Poorly sorted coarse to very coarse sandstone; B) dish structures
related to water escape; C) conglomerate rich in shale intraclasts; D) wood fragment embedded in a turbiditic sandstone;
E) thin layers of laminated and rippled sandstone interbedded with organic matter-rich dark mudstones.

da migração do sítio de deposição gradiente aci- topo podem ser reconhecidos os prováveis canais
ma, com preenchimento sedimentar em áreas que fluviais geneticamente relacionados. Esses canais
antes experimentavam erosão e bypass. serviram de alimentadores para depositar peque-
O estágio final de preenchimento dos cânions é nos corpos arenosos identificados na parte supe-
caracterizado, na plataforma externa e no talude, rior do talude.
por sistemas progradacionais, cujos refletores sís-
micos terminam em downlap sobre o cânion par- Complexo lamoso
cialmente preenchido. Essa progradação consiste Fluxos gravitacionais oriundos de fontes intra-
de deltas de margem de plataforma, em cujo baciais resultaram em depósitos de constituição

286 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X

Figura 42: Testemunhos do Campo de Tabuleiro dos Martins mostrando as principais fácies observadas. A) arenitos
médios/finos, maciços a fluidizados, localmente com estruturas trativas e; B) pacotes de folhelhos com matéria
orgânica microbiana e com calcilutitos de bird´s eyes que representam as épocas de maior aridez no sistema.
Figure 42: Cores from Tabuleiro dos Martins Field showing the main facies: (A) massive to fluidized medium/fine grained,
locally with traction structures; (B) shales with microbial organic matter and calcilutites with bird’s eyes that represent
periods of great drought in the system.

essencialmente pelítica (Moreira & Carminat- de depósitos com gradientes íngremes, muito sus-
ti, 2004). Tais depósitos constituem o complexo cetíveis a deslizamentos, escorregamentos e flu-
lamoso. Desde a fase tardia do trato de nível de xos de detritos. Colapsos na frente desses deltas
mar baixo até a fase tardia de nível de mar alto, a dispararam volumosos fluxos gravitacionais que
seção sedimentar foi marcada por forte tendência se deslocaram talude abaixo até atingir o sopé do
agradacional na região externa da plataforma. Em talude e a bacia, formando depósitos “caóticos”
detalhe, contudo, observa-se que tal estaqueamen- representados por paraconglomerados de matriz
to é formado, na verdade, por uma seqüência de lamosa (Figura 44) Os corpos sedimentares caóti-
sistemas deposicionais retrogradantes, agradantes cos são tabulares, adelgaçam-se contra o sopé do
e progradantes. talude e se estendem por mais de 200 km ao longo
O mapa de amplitude sísmica mostrado na Fi- do seu strike deposicional. Cânions e canais sub-
gura 47 revela três domínios principais: 1) res- marinos não são mais observados, de modo que a
quícios da zona de planície costeira com reent- fonte que alimentava os fluxos gravitacionais era
râncias rasas e estreitas, sugerindo a preservação múltipla e linear, desenvolvida paralelamente à
das partes proximais dos sistemas deposicionais borda da plataforma.
deltaicos do trato de mar alto; 2) corpos arenosos Na porção distal dos caóticos, formaram-se rit-
levemente curvilíneos depositados na plataforma mitos delgados compostos por areia muito fina e
externa e interpretados como sistemas de cordões lama, facilmente identificados em perfis de ima-
litorâneos dominados por ondas; 3) complexo la- gem. Tal fácies é interpretada, genericamente,
moso depositado no sopé do talude e na bacia. como sistemas turbidíticos formados por corren-
Progradações sucessivas de deltas de margem tes de turbidez de baixíssima densidade, geradas
de plataforma foram responsáveis pela formação por transformações ocorridas durante o fluxo gra-

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
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p.236-63 287
Fase climática úmida
Wet stage

Japaratinga

Morro do Camaragibe

Tabuleiro dos
Martins

Fase climática árida


Fase climática úmida tardia Arid stage
Late wet stage

Embasamento granítico Carbonatos microbiais


Granitio basement Microbial carbonates
Leques deltaicos Folhelhos lacustres
Fan deltas Lacustrine shale
Turbiditos hiperpicnais proximais Evaporitos
proximal hyperpycnal turbidite Evaporites
Turbiditos hiperpicnais distais Gretas de contração
distal hyperpycnal turbidites Mud cracks

Figura 43: Modelo deposicional da Formação Maceió em relação à alternância cíclica de fases climáticas úmidas e ári-
das. Durante o estágio climático úmido, sistemas turbidíticos hiperpicnais oriundos de fontes axiais preencheram
a bacia lacustre (modificado de Arienti, 2006)
Figure 43: Depositional model for the Maceió Formation and its relationship with the cyclic alternation of wet and arid climatic
phases. During the wet stage axially derived hyperpycnal turbiditic systems filled the lacustrine basin (modified from
Arienti, 2006).

vitacional da massa caótica. Concomitantemente ocorreu de duas formas principais: 1) condutos


aos fluxos gravitacionais, a região afetada pelas alimentadores (canyons) encaixados em linea-
cicatrizes de deslizamentos foi reconstruída me- mentos de direção noroeste, através dos quais
diante o acúmulo de uma cunha sedimentar de sedimentos arenosos foram transferidos da pla-
talude com formas de acrescão frontal. taforma para águas profundas; 2) falhas lístricas
nordeste que durante a deposição atuaram como
6.5 - Oligo-Mioceno da Bacia de Campos quebras de gradiente, permitindo a desaceleração
O intervalo estratigráfico de idade oligo-mio- dos fluxos e deposição dos sedimentos nos depo-
cênica da Bacia de Campos, depositado num perí- centros adjacentes.
odo de aproximadamente quatro milhões de anos, A sedimentação no intervalo Oligo-Mioceno
engloba importantes campos de petróleo em sis- envolve três seqüências deposicionais de 3ª or-
temas deposicionais turbidíticos de águas profun- dem (seqüências 1, 2 e 3), reconhecidas através
das, tais como o Campo de Marlim. de mapeamento sísmico de alta resolução nos
A tectônica salífera e a reativação de falhas do domínios plataforma, talude e bacia. Caracterís-
embasamento controlaram a fisiografia da bacia ticas relacionadas às fácies, associações de fácies,
no Oligo-Mioceno, influenciando sobremaneira assinatura de perfis elétricos, geometrias deposi-
os padrões de transporte e deposição dos siste- cionais, empilhamento estratigráfico e padrões de
mas turbidíticos. Esse condicionamento tectônico alimentação permitem que nessas três seqüências

288 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X

Figura 44: Seção sísmica paralela ao mergulho deposicional mostrando os principais elementos da seqüência deposicio-
nal do Eoceno Inferior-Médio. ST – superfície transgressiva; SIM – superfície de inundação máxima, C2 – cânion,
CM – canais meandrantes; DM – delta de margem de plataforma; EA – superfícies erosivas de alto ângulo (cica-
trizes de deslizamento); CA – cunha sedimentar de talude; SD – depósitos caóticos do complexo lamoso; SA – sis-
temas turbidíticos arenosos. Figura de Moreira & Carminatti (2004).
Figure 44: Dip-oriented seismic section showing the main elements of Eocene in the Santos Basin: transgressive surface (ST),
maximum flooding surface (SIM); Canyon (C2); meandering channel (CM); shelf-margin delta (DM); high angle ero-
sional surface or slide scars (EA); slope sedimentary wedge (CA); chaotics (SD) and sandy turbidites (SA). From Moreira
& Carminatti (2004).

sejam reconhecidos diferentes tipos de sistemas


turbidíticos, cujos depocentros migraram espa-
cialmente ao longo do tempo (Figura 48).
De maneira geral, observa-e que as principais
épocas de suprimento sedimentar para os sistemas
turbidíticos foram fases de queda relativa do nível
do mar na hierarquia de 3ª ordem. Superimpostos
a essa ciclicidade, deltas de margem de platafor-
ma desenvolveram-se durante tratos de nível alto
sem seqüências de 4ª ordem (Figura 49).
Os depósitos arenosos da seqüência 1 são ca-
racterizados por arenitos finos a muito finos, bem se-
lecionados, feldspáticos, maciços, com laminações
plano-paralelas ou ripples (Figura 50). Apresentam
espessura média de 40 m, mas, em alguns depocen-
tros controlados por falhas, podem atingir até 100
m. Esses sedimentos foram transferidos para a bacia
através de fluxos hiperpicnais, sendo, posteriormen-
te, retrabalhados por correntes de fundo. Mapas de
amplitude sísmica mostram condutos retilíneos na
Figura 45: Mapa de amplitude ao nível da discordância região da plataforma, que teriam servido de condu-
sobre a qual se instalou a seqüência deposicional
do Eoceno Inferior-Médio, ilustrando os ele- tos alimentadores de sedimentos para a bacia.
mentos do complexo arenoso. C1-C4 = cânions Os sistemas turbidíticos da seqüência 2 (Figura
submarinos; CAT = corpos arenosos de topo de 51) caracterizam-se por camadas amalgamadas de
talude; CM = canais submarinos meandrantes; arenitos muito finos a grossos, maciços, arcoseanos,
SA1-SA4 = leques turbidíticos arenosos. Figura mal selecionados, com grânulos dispersos e presença
de Moreira & Carminatti (2004).
Figure 45: Amplitude map at the sequence boundary comum de fragmentos de origem vegetal e carvão. O
showing the elements of the sandy complex. C1-C4 conjunto de estratos possui espessuras de até 120 m.
= canyons; CAT = upper slope sandstone bodies; A transferência das areias para águas profundas
CM = meandering submarine channels; SA1-SA4 ocorreu preferencialmente através de um canyon
= sandy turbiditic fans. Figure from Moreira and de direção noroeste. O soerguimento da Serra do
Carminatti (2004).
Mar nesse tempo criou um sistema de drenagem de

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
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p.236-63 289
Figura 46: Detalhe de seção sísmica mostrando os cânions que constituem o principal elemento estratigráfico da parte
basal da seqüência deposicional do Eoceno Inferior-Médio. Figura de Moreira & Carminatti (2004).
Figure 46: Detail of a seismic section showing canyons that stablish the principal stratigraphic element of the bottom part of
the Lower-Middle Eocene depositional sequence. System. From Moreira & Carminatti (2004).

Figura 47: Mapa de amplitu-


de sísmica evidenciando
os principais elementos
do complexo lamoso: (1)
depósitos arenosos litorâ-
neos provavelmente domi-
nados por ondas; (2) borda
de plataforma retilínea e
íngreme e (3) depósitos do
complexo lamoso. Figura de
Moreira & Carminatti (2004).
Figure 47: Seismic amplitude map
showing the main elements of the
muddy complex: (1) wave domi-
nated sandy coast; (2) steep and
rectilinear shelf-slope break and (3)
deposits of the muddy complex. From
Moreira & Carminatti (2004).

gradiente elevado adjacente a bacia, favorecendo a sísmica (ainda não perfurados por poços explora-
gênese de fluxos hiperpicnais durante cheias catas- tórios) e que foram transferidos por condutos mais
tróficas. Esses fluxos erodiram a região costeira, jovens, implantados a nordeste do principal canyon
incorporando grãos arredondados e bioclastos. Os presente nessa porção da bacia.
deltas de margem de plataforma formados nas fa-
ses de mar alto serviram de fontes de sedimentos 6.6 - Cone do Amazonas
para os tratos de mar baixo subseqüentes. O Cone do Amazonas representa uma das maio-
A seqüência 3 compreende depósitos de “lobos” res acumulações de sedimentos do planeta (Figu-
de águas ultra-profundas visualizados apenas por ra 52). Ele se estende da quebra da plataforma

290 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X
continental da Foz do Rio Amazonas até a lâmina ferência de sedimentos. As ombreiras possuem
d’água de 4.700 m, e possui um comprimento de mais de 200 m de relevo em relação à topografia
700 km e uma largura de 250 km na sua porção lateral adjacente.
mais proximal a 600 km na sua porção mais dis- A porção média-inferior do cone, que ocorre a
tal (Damuth & Flood, 1984). partir da isóbata de 3.000 m, é caracterizada por
Por ter como fonte o Rio Amazonas, com a canais distributários com levees que passam gra-
maior descarga do planeta (Oltman, 1968), o diente abaixo para numerosos canais rasos desti-
Cone do Amazonas foi motivo de interesse e alvo tuídos de levees. Essa é a principal zona de depo-
de sucessivas investigações por parte do Lamont- sição no cone.
Doherty Geological Observatory da Universida- O Cone do Amazonas encontra-se hoje aban-
de de Columbia, com a participação ativa da PE- donado, situação que prevalece nos últimos
TROBRAS. 11.000 anos (Holoceno) de nível de mar alto.
Segundo Damuth & Flood (1984), o Cone do Seus depósitos turbidíticos e de fluxos gravita-
Amazonas apresenta um perfil côncavo, com um cionais encontram-se recobertos por uma “neve”
gradiente médio de 6,6 m/km (0,4º), sendo divi- de sedimentos pelágicos, ricos em carapaças
dido em cone superior, médio e inferior. de foraminíferos e nanofósseis (Damuth et al.,
No cone superior, as feições principais são o 1975). Toda a descarga atual do Rio Amazonas
Canyon do Amazonas, e o grande canal com om- deságua na plataforma continental, formando um
breiras (levees) que dele emana (Canal do Ama- delta subaquoso cuja frente deltáica se desenvol-
zonas), nos quais predominam erosão e trans- ve entre as isóbatas de 30 e 60 m, não atingindo

30 Km

Figura 48: Bloco diagrama esquemático mostrando os deltas de margem de plataforma, sistemas turbidíticos e fácies
típicas da seqüência 2.
Figure 48: Schematic block diagram showing the shelf-margin deltas, turbiditic systems and typical facies of the sequence 2.

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de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
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p.236-63 291
Granulometria
Raio-gama

sa
os
gr

sa
os
to
o

ui
alh

gr
m

eia
sc

eia
ca

ar
ar

Figura 49: Deltas de Margem de Plataforma constituídos por areias grossas, muito grossas e grânulos, que apresentam
geometrias lenticulares a sigmoidais em seções sísmicas.
Figure 49: The shelf-margin deltas are constituted by coarse, very coarse sandstones with granules, displaying lenticular to
sigmoidal geometries in seismic sections.

a borda da plataforma (Nittrouer et al., 1986). Durante rebaixamentos do nível do mar, fo-
Durante períodos de nível de mar baixo, a des- ram depositados turbiditos arenosos de lobos de
carga do Rio Amazonas desaguava diretamente crevasse e de desembocadura de canal (HARPs)
no talude, através do Cânion do Amazonas. (Figura 55). Com a progradação do sistema, es-
Pirmez & Imran (2003) estimam que os ca- sas areias são recobertas por depósitos de canal-
nais meandrantes com suas ombreiras marcantes levee constituídos por turbiditos delgados e de-
foram formados por freqüentes (quase anuais) e pósitos arenosos de canal associados (HARs).
duradouras (dias) correntes de turbidez ricas em Com a subida do nível do mar e o afogamento
silte. Estimam velocidades de correntes de 2-4 do aporte sedimentar, acumula-se uma cobertura
m/s no cânion e cone superior a 0,5-1 m/s no de sedimentos hemipelágicos.
cone inferior, viajando por mais de 800 km. Os vários complexos de sistemas canal-levee
Esporadicamente, correntes ricas em areia e intercalam-se estratigraficamente com depósitos
cascalho, contidas nos canais pelas altas ombrei- de fluxos gravitacionais originados de instabili-
ras no cone superior, se esparramavam no cone zação e colapso do talude (ressedimentação).
inferior ou arrombavam uma ombreira num me-
andro de alta sinuosidade no cone médio, depo- 6.7 - Turbiditos modernos brasileiros:
sitando-se como um leque (Flood et al., 1991). Sistema Almirante Câmara
Estes últimos são identificados principalmente Nos últimos 20 anos, foram identificados 68 sis-
pela presença de clastos de lama das ombreiras. temas turbidíticos modernos na região das águas
Uma vez arrombada a ombreira, um novo siste- profundas (talude e elevação continental) da mar-
ma canal-levee se implantava progradando por gem continental brasileira. Esses sistemas turbidíti-
sobre o leque de arrombamento, com o conse- cos foram encontrados nas bacias de Pelotas, Santos,
qüente abandono do trecho anterior a jusante do Campos, Espírito Santo, Cumuruxatiba, Jequitinho-
ponto de avulsão. Dessa maneira formaram-se nha, Almada, Camamu, Sergipe, Potiguar, Ceará,
complexos de sistemas canal-levee constituídos Barreirinhas, Pará / Maranhão a Foz do Amazonas.
por sistemas empilhados num padrão de com- O estudo dos sistemas modernos mostra
pensação lateral. uma associação direta entre os depósitos
A análise sismo-estratigráfica da sedimenta- turbidíticos e os sistemas fluviais vigentes.
ção quaternária no Cone do Amazonas (Manley & Em alguns casos, o vale inciso que conecta o
Flood, 1988) e sua confirmação através de amos- rio ao cânion submarino tem sido mapeado,
tragem e perfilagem (Flood et al., 1991; Pirmez, assegurando a perfeita continuidade física de
Hiscott & Kronen, 1997; Normark, Damuth et todos os elementos. Há inclusive evidências de
al., 1997) revelou uma arquitetura composta pelo que alguns sistemas ativos (Holoceno – últimos
empilhamento de complexos de sistemas canal- 10.000 anos) são os mesmos do passado, sendo
levee. (Figura 53). Segundo Piper et al. (1997), constatada a ocorrência de um empilhamento
essa ciclicidade estaria relacionada a variações vertical dos canais distributários do sistema
do nível do mar de 5ª ordem (Figura 54). deposicional turbidítico ao longo do tempo

292 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X

Figura 50: Depósitos arenosos de águas profundas da seqüência 1 com padrões de perfil típicos. Descrição das fácies:
arenitos muito finos a finos, bem selecionados, com laminação horizontal e ripples. Interpretação: fluxo hiperpic-
nal com retrabalhamento por correntes de fundo.
Figure 50: Sandy deep-water deposits of sequence 1 showing typical well-log patterns. Facies description: well sorted very-fine
to fine sandstones, laminated or rippled. Interpretation: bottom current reworked hyperpycnal flows.

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sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
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p.236-63 293
GR Granulometria Porosidade
grain size porosity

Carvão

Figura 51: Sistemas arenosos de águas profundas da seqüência 2, com padrões de perfil típicos. Fácies: arenitos muito finos
a grossos, pobremente selecionados, maciços; fragmentos de carvão e clastos vegetais. Interpretação: fluxos hipercon-
centrados derivados de cheias fluviais.
Figure 51: Deep-water sandy systems of sequence 2 showing typical well log patterns. Facies description: poorly sorted very fine to
coarse sandstone; massive; coal and plant fragments. Interpretation: fluvially-derived hyperpconcentrated flow.
294 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.
Cap.X
50º 49º 48º 47º 46º 45º 44º
10º
Planí
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Deme issal de
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Up Su
Can

Parede do cânion pe pe
Canyon walls and scarp r fa rio
n r
Canais mapeados
Mapped channel
Q
ue
br

Complexo de
a

canais-levee
deelf Bre
Sh

Channel levee complexes


pla ak

Escorregamento
ta

Slump
fo
rm
a

Fluxo de detrito
Debris flow


Figura 52: Feições morfológicas do Cone do Amazonas. Canais mapeados continuamente no Cone Superior e Médio
através do sonar GLORIA, possuem continuidade no Cone Inferior, onde foram assinalados em linhas espaçadas
de ecobatímetro, como pontos negros (Damuth et al., 1988).
Figure 52: Amazonas Fan morphological features. Channels were mapped continuously in the Upper and Middle Fan zones by
the GLORIA sonar. This channels shows continuity in the Lower Fan.

Ambientes de Ambientes
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B
A unidade har
“Verniz” pelágico/hemipelágico
recobre um sistema canal-levee inativo (Turbiditos canalizados e depósitos de fluxos
(Seção condensada com depósitos gravitacionais associados; localmente
de highstand e transgressivo) fluxo de massa das paredes dos canais)
Har units
Pelagic/hemipelagic drape
(Buried channel-fill deposits from turbidity-currents
overlying inactive channel-levee systems
and related gravity controlled flows down channel;
(Condensed Sections with highstand and transgressive
localized mass transport from channel walls)
deposits and maximum flooding surfaces)

Sistemas de levee
C (Depósitos de overbank)
Levee systems
Canal (overbank deposits formed by turbidity-current
Channel
overflow of channel levees)
levee lev
Levee Leveee
e
Dep
ó
Ovseitos d
e overba nk rban e o
D epósitos d Hars kd epoverba
sits nk

Harps
Depósitos de transporte de massa
Mass-transport deposits

D E
Depósitos de transporte de massa unidade harp
Escorregamentos, deslizamentos e fluxos de Crevasse associados com avulsão;
detritos; depósitos regionais separam com- depósitos de desembocadura;
plexos canal-levee; depósitos localizados lobos turbidíticos da porção inferior do leque.
ocorrem em canais ou nas bordas externas do Harp units
levees (crevasse-splays associated with channel avulsion;
Mass transport deposits channel-mouth deposits; and lower-fan depositional
(shumps, slides and debris flows: regional deposits separate lobes deposited by turbidity currents and related gravity-
channel-levee complexes; localized deposits occur in chan- controlled flows)
nels and bacsksides of levees)

Figura 53: Distribuição das fácies na arquitetura sismo-estratigráfica de um canal/levee no Cone Superior e Médio
(Normark & Damuth et al. 1997). Fácies presentes em: A) lama biogênica (marrom, calcífera e bioturbada); lama
e argila mosqueada (cinza e bioturbada); areia biogênica (turbiditos de foraminíferos/Pterópodes); sedimentos
quemogênicos (crostas ricas em Fe e diagenetic crystas); B) camadas de areia maciças a caóticas, camadas de areia
com gradação e estratificação cruzadas; e lama caótica (presença de clastos de transporte de massa localizado);
C) lamas e argilas em bandamentos coloridos; silte e lamas em bandamentos coloridos; lâminas de silte irregu-
lares ou descontínuas; lâminas de areia e silte muito finas e regulares; lâminas; e camadas de silte com gradação
e estratificação; lâminas e camadas de silte maciças e lâminas e camadas de areia com gradação e estratificação;
D) cascalhos ou seixos de lama e lama arenosa; lama caótica com clastos, deformada / dobrada / e falhada; lama
maciça; areia caótica com clastos; E) camadas de areia maciças a caóticas, camadas de areia com gradação e
estratificação cruzadas; seixos desorganizados e seixos arenosos.

Figure 53: Facies distribution associated to the seismic-stratigraphic architecture of a channel/levee in the Upper and Middle
Fan (Normark & Damuth et al. 1997). Facies present: A) biogenic mud (brownish, calcareous, bioturbated); color-
mottled mud & clay (gray, bioturbated); biogenic sand (chemogenic sediment (Fe-rich crusts, diagenetic crystas); B)
disorganized sand beds (structureless to chaotic); organized sand beds (graded & cross-stratified); chaotic mud (clasts
from localized mass-transport); C) color-banded clay & mud; color-banded silt & mud; irregular or discontinuous
silt laminae; very thin, regular silt & mud laminae; organized silt beds and laminae (graded, X-Beds); disorganized,
structureless silt beds & laminae; organized sand beds & laminae (graded, X-beds); D) disogarnized pebbly or gravelly
mud & sandy mud; chaotic mud with clasts (deformeds, folded, faulted strata); homogeneous, structureless mud; disor-
ganized, chaotic sand with clasts; E) disorganized sand beds (structureless to chaotic); organized sand beds (graded &
cross-stratified); disorganized gravel & sandy gravel.

geológico - do Cretáceo ao Recente. de lençóis (drapes), pelas correntes de con-


Através dos dados obtidos pela testemunha- torno (Souza Cruz, 1995; Machado, 2001). As
gem a pistão, pode-se dizer que o talude conti- areias e os diamictitos lamosos são as princi-
nental brasileiro é composto majoritariamente pais fácies encontradas nas regiões proximais
ou totalmente por lama, depositadas na forma de água ultraprofunda (lâminas d’água entre

296 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X
Oeste Leste
West East
WMTD
Superior Levee
URMTD Upper Levee Complexo
Levee Complexo Complex
Intermediário Levee Complex BMTD
Middle Levee Complexo
Inferior Complex Basal Levee Complexo
Levee Levee Complex
Lower Botton

Depósito de transporte demassa


A Mass-transport deposit
Carbonato de higstand
Highstand carbonate

Zona de Estácão
nanofossil Isotópico
B Isótopo δ1818 O (‰) Nanofossil Isotopic
Age(ka) δ O (‰) zone stage

Erosão por
fluxo de massa
Complexo Erosion by
levee superior mass-transport flows
CN Upper L.C.
15b

Locais 942.946
Sites
Idade(ka)
Age(ka)

Complexo levee
intermediário Locais 936
Midle L.C. Site
CN
15a Locais 935,956,944
Sites

Complexo Locais 931,933


levee inferior Sites
Lower L.C.

Complexo
levee Basal
CN Bottom L.C.
14b

Figura 54: A) Seção esquemática transversal do Cone do Amazonas, mostrando os diferentes complexos de levees e
seus estágios isotópicos de oxigênio. Depósitos de fluxos de massa e carbonatos pelágicos de nível de mar alto se
associam. Furos de sondagem da Leg 155 do Ocean Drilling Program estão assinalados (eg. 936); B) Amarração
entre os estágios isotópicos das unidades em A com a curva de Martinson et al. (1987), que corresponde às osci-
lações do nível do mar. Por exemplo, o Complexo de Levee Médio se formou durante o estágio isotópico 6, um
período de grande rebaixamento do nível do mar entre 130.000 e 180.000 anos atrás (Piper et al., 1997).

Figure 54: A) Amazonas Fan schematic strike section showing channel-levee complexes and their oxygen isotopic stages.
Debris flows deposits and pelagic carbonates of the highstand sea level period are associated. Ocean Drilling
Program wells of the Leg 155 are indicated (eg. 936). B) Correlation between isotopic stage of units depicted in A and
the eustatic sea level curves of Martinson et al. (1987). For instance, the Middle Levee Complex was formed during
the number 6 isotopic stage, that correspond to one great sea level lowering period, between 130,000 and 180,000
years ago (Piper et al., 1997).

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
2007p.244-303
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Ponto de B
A
avulsão
Bifurcation point 0 20 Sistema abandonado do
(avulsion) Canal do amazonas
Sistema de Quilometros canal-levee de água (canal 1)
kilometers Abandoned aqua channel- Amazon channel (channel)
canal-levee levee system
de água 100 fan
Aqua channel fan wn
wn metros
levee system Do Do
meters
0

Fluxo não canalizado


HARs non-channelized flows
HARs

HARPs
HARPs Sistema abandona-
Sistema abandonado do do canal-levee
do canal-levee de de orange
orange Abandoned orange
GAPI Abandoned orange GAPI channel-levee system
50 100 channel-levee system 50 100

Crista do levee

el
nn
levee crest

cha

HAR
GAPI
50 100
HARP
Superfície de erosão
erosion surface

Figura 55: A) Formação de HARPs através do arrombamento de um levee (avulsão) por uma corrente de turbidez erosi-
va rica em areia, levando ao espraiamento da areia na zona intercanal adjacente, como se fosse um crevasse splay;
B) Num estágio posterior o canal/levee avulsionado prograda sobre o depósito de areia, abandonando o canal
antigo à jusante (Flood et al., 1991); C) Arquitetura de fácies de sistema de canais e levees do Cone do Amazonas,
com perfis litológicos e de raios gama correspondentes (Pirmez, Hiscott & Kronen, 1997).
Figure 55: A) HARPs are formed by a levee breaking through (avulsion) caused by erosion of a sandy rich turbidity current,
depositing a sandy sheet (like a crevasse splay) in the adjacent interchannel zone. B) In the later stage the channel/levee
progrades over the sandy deposits leaving behind the older channel (Flood et al., 1991). C) Channel and levee facies
system architecture of the Amazonas Cone with characteristic facies and corresponding Gamma Ray pattern (Pirmez,
Hiscott and Kronen, 1997).

2.000 e 2.500 m), na região que bordeja o talude atuou como bacia receptora de sedimentos pro-
continental brasileiro. venientes do Cânion de Almirante Câmara (Ma-
Na Bacia de Campos, o imageamento sísmico chado et al., 1997; 1998a; 1998b; 2004).
3D e dados obtidos de sonar de varredura (side- O sistema turbidítico que se desenvolveu a
scan) permitiram um bom detalhamento do fun- partir da desembocadura do cânion (Sistema Tur-
do marinho (Figura 56). Entre 130 km e 250 km bidítico Almirante Câmara) teve sua principal
da costa, em lâminas d’água de 1.500 a 3.000 m, época de deposição no último nível de mar bai-
situa-se uma feição de baixa declividade deno- xo associado ao período glacial de 18.000 anos
minada de Platô de São Paulo. Esse platô, cuja atrás. O sistema pode ser dividido em três ele-
fisiografia compreende um complexo arranjo de mentos principais: cânion, complexo de canais e
mini-bacias, degraus e muralhas halocinéticas, complexo de lobos.

298 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X

Areia
Lama
Rio - River
Paraíba do
sul
Vale inciso
Plataforma Continental Incised valley
Shelf 200m

Canyon
almirante
câmara
Talude Continental 0m
0
Slope 20
Calhas
Trough
Diamictito
Carbonatos Plateau de São Paulo Lobo
Profundidade lamoso
Bathymetry

Sistema Turbiditico 3000m


Turbidite System
Areia

Rio Paraíba Plataforma


do sul
Continental Talude
Continental
Delta Vale inciso Carbonatos 200m

Canyons
Plateau de São
Paulo
Diamicts

2000m Lobo 3000m Elevação


Calhas continental
Leque
Almofadas de sal Calha

Domos de sal
Seção esquemática - Schematic section Crosta oceanica

Sal
Areia
Carbonato Figura 56 – Fisiografia atual da Bacia de Campos com a distribuição dos depósitos
sedimentares.
Lama Figure 56 – Present physiography and sedimentary deposits in the Campos Basin.
Diamictito

O Cânion de Almirante Câmara está conec- de comprimento, 4 km de largura, 340 m de relevo


tado ao vale inciso do Rio Paraíba do Sul (Macha- e possui um traçado geral característico em zigue-
do et al., 2001; 2002), possibilitando a captação zague, indicando forte condicionamento estrutu-
de sedimentos da plataforma e transferência para ral. O seu profundo entalhamento, com perfil em
águas profundas. Em planta, o cânion tem 28 km “V”, a presença de um canal meandrante no seu

Ambientes de Ambientes
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de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
2007p.244-303
p.236-63 299
talvegue e a pronunciada endentação da cabeceira pistão, ensaios geotécnicos e filmagens de ROV
na plataforma continental, o diferenciam dos ou- (Remotely Operated Vehicle), permitiram obter
tros cânions da Bacia de Campos (Figura 57). detalhes tridimensionais em escala similar àquela
No sopé do talude continental, o cânion se co- obtida em afloramentos. Os canais maiores vistos
necta a uma calha limitada por falhas e muralhas de na sísmica 3D são canais compostos pela suces-
sal, no interior da qual se desenvolve um complexo são temporal de vários canais, por onde passaram
de canais entrelaçados (Figura 58). Os canais ser- inúmeras correntes de turbidez. O lobo principal
penteiam ao longo dessa calha até encontrarem uma representa um conjunto de pequenos canais entre-
barreira de sal a jusante, onde despejam sua carga laçados com 4 m de espessura e 200 m de largura
formando um complexo de lobos (Figura 58). (Figura 59), que terminam na forma de pequenas
O complexo de lobos é formado por feições barras de desembocadura ou “bulbos” (Machado
deposicionais amalgamadas de idade Holocêni- et al., 1998).
ca/Pleistocênica, apresentando cerca de 120 m
de espessura e 15 km de diâmetro. Os lobos são 7 - Considerações finais
constituídos por areias arcoseanas muito grossas a
muito finas com presença de intraclastos. O lobo O ambiente marinho profundo cobre cerca
mais novo é dissecado por canais preenchidos por de metade da superfície terrestre, e nosso co-
areias holocênicas, indicando tratar-se de um sis- nhecimento sobre estes depósitos está em fase
tema ainda ativo (Solagaistua, 2004). crescente, mas ainda inicial. O modo de vida da
No entorno do complexo de lobos arenosos, sociedade mundial é ainda extremamente depen-
ocorre uma série de outras feições deposicionais dente do petróleo, pois não existe, a curto prazo,
relacionadas a fluxos gravitacionais oriundos do um substituto energético à altura do petróleo,
talude e de cânions vizinhos. Destaca-se a exis- que garanta condições de custo e o suprimento
tência de um grande volume de depósitos forma- em larga quantidade. Esta necessidade leva à ex-
dos por fluxos gravitacionais de massa e fluxos ploração de recursos energéticos como óleo, gás
de detritos (depósitos caóticos), com dezenas de e, futuramente, hidratos de gás em ambientes
metros de espessura. Imersos nesses caóticos, cada vez mais profundos. O sucesso destes in-
ocorrem megaclastos argilosos de até 300 m de vestimentos depende, em muito, do entendimen-
diâmetro, resultantes do colapso da borda exter- to dos reservatórios turbidíticos, que constituem
na da plataforma continental. Acima dos caóticos as principais fácies permoporosas depositadas
deposita-se uma cobertura de sedimentos prova- neste contexto. Em águas profundas, as ativida-
velmente finos oriundos da desembocadura do des de prospecção e produção de petróleo – mes-
Cânion Itapemirim (Solagaistua, 2004). mo visando reservatórios depositados em outro
O imageamento do Sistema Turbidítico de Al- contexto, como carbonatos de águas rasas ou de-
mirante Câmara através de ferramentas de muito pósitos fluviais – necessitam do conhecimento
maior resolução, tais como Sub-Bottom Profile de geologia e do comportamento geotécnico do
(SBP - Sísmica 2D de 3,5kHz), testemunhos a fundo marinho. O entendimento do modelo de-

Figura 57: Mapa de coerência do fundo oceânico ilustrando o canal meandrante atual presente no interior do cânion.
Figure 57: Coherence map showing the present meandering channel system that fills the canyon.

300 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X

Figura 58 – Mapa de amplitude sísmica do fundo oceânico atual (amarelo e vermelho = altas amplitudes; azul e verde
= baixas amplitudes), ilustrando a sedimentação fina e caótica provenientes de cânions e taludes adjacentes.
Figure 58 – Amplitude map of the present sea-bottom (yellow and red = high amplitude; blue and green = low amplitude). The
map shows the fine-grained and chaotic sedimentation that comes from adjacent canyons and slopes.

A B C

Figura 59 – Imagens do lobo deposicional do sistema


D Almirante Câmara. Comparar o registro da
sísmica 3D (A) com o registro do side-scan
sonar (B, C e D). Cores quentes represen-
tam areia. A) Imagem em perspectiva com
amplitude sísmica superposta a batimetria;
B) Imagem em perspectiva com dados de
sonar superpostos a batimetria; C) Imagem
em planta com dados de sonar; D) Imagem
em planta com dados de sonar superpostos a
batimetria.
Figure 59 – Images of the depositional lobe of the
Almirante Câmara turbidite system. Compare
the 3D seismic record (A) to the side-scan sonar
record (B, C and D). Hot colors represent sand.
A) Tridimensional view showing seismic ampli-
tude over bathymetry; B) Tridimensional view
showing over bathymetry; C) Map view show-
ing side-scan sonar data; D) Map view showing
side-scan sonar data over bathymetry.

Ambientes de Ambientes
sedimentação siliciclástica do
de sedimentação doBrasil,
Brasil,2008
2007p.244-303
p.236-63 301
posicional do fundo marinho e da distribuição mas deposicionais: fluviais meandrantes, fluviais
das fácies sedimentares e suas propriedades me- braided, sistemas deltaicos, sistemas eólicos, le-
cânicas é fundamental para que os equipamentos ques aluviais etc.
de produção e perfuração possam ser assentados A caracterização inadequada dos reservatórios
em regiões estáveis, longe de sítios onde cor- turbidíticos, freqüentemente lastreada no uso de
rentes de turbidez, fluxos de massa ou vigorosas modelos teóricos importados ou em estudos de-
correntes de fundo possam causar danos às ins- masiado superficiais, não implica apenas numa
talações de petróleo submarinas. incorreta abordagem científica, ou na menor com-
Nos ambientes marinhos profundos, a palavra preensão da natureza, antiga e perene paixão de
“turbiditos” virou uma espécie de sinônimo para todo geólogo, mas pode efetivamente causar gran-
depósitos arenosos. Mas, como sabemos, existe des perdas econômicas.
uma enorme diversidade de depósitos arenosos em As grandes diferenças geológicas entre estes
águas profundas, que guardam em comum apenas depósitos, suas distintas propriedades de reser-
o fato de serem formados dominantemente por vatório e seu enorme valor econômico requerem
fluxos gravitacionais. Esses depósitos apresen- sua caracterização como sistemas diferentes, com
tam características bastante distintas, tais como elementos e nomes diversos. A correta caracteri-
as observadas nos sistemas braided submarinos, zação e mapeamento destes sistemas turbidíticos
nos sistemas canal-levee, nos sistemas meandran- é uma tarefa importante que se apresenta para a
tes submarinos com barras de acresção lateral, nos comunidade geológica das universidades e da in-
turbiditos em camadas tabulares que preenchem dústria de petróleo mundial.
as regiões ultraprofundas nas bacias de foreland Nós, geólogos brasileiros, temos o dever de
etc. elaborar os nossos próprios modelos, para os de-
Diferentes reservatórios turbidíticos ocorrem pósitos da margem continental brasileira que estu-
no contexto profundo, marinho ou lacustre. As di- damos e dos quais retiramos petróleo.
ferentes fácies e as geometrias deposicionais/ele- Os autores agradecem aos diversos colegas,
mentos arquiteturais de cada sistema implicam em dentre eles Maria Cristina Nunes e Arlindo Ya-
qualidades de reservatório também distintas quan- mato, pela troca de idéias e cessão de mapas e
do comparamos os diferentes sistemas turbidíti- figuras para ilustração dos diversos sistemas e fei-
cos. A elaboração de modelos próprios, baseados ções. Agradecem, também, a Almério França pela
nos dados de cada sistema turbidítico, balizados criteriosa revisão do capítulo, a PETROBRAS e
nos conhecimentos dos processos deposicionais UNISINOS pela permissão para participar desta
e das feições fundamentais impressas nos siste- publicação; aos geólogos Guilherme Estrella, Ma-
mas turbidíticos análogos aflorantes, permitem rio Carminatti e Sylvia Anjos pelo apoio gerencial
uma compreensão mais ampla da natureza destes para a finalização deste trabalho; aos artistas do
depósitos. É imperativo, portanto, que o geólogo "setor de desenho" da Exploração/Petrobras, em
tenha uma postura crítica em relação aos sistemas especial a Mario Ernesto Alves, José Sergival da
deposicionais, de sorte que sistemas turbidíticos Silva e Paulo Roberto Cabral Taveira; a Murilo
com fácies reservatório e elementos deposicionais Lisboa, pelo trabalho incansável para concluir
diferentes passem a ser classificados e rotulados esta publicação.
de forma diferenciada, dado que cada sistema Aos nossos professores, mestres Rodí Ávila
possui rochas reservatório com qualidades distin- Medeiros, Emiliano Mutti, Harold Reading, Mau-
tas, variando em faciologia, espessura, geometria, rício Ribeiro (o índio) e Renato Rodolfo Andreis,
conectividade e propriedades petrofísicas. Isto é agradecemos, por nos ensinarem a ler as rochas,
praticado, por exemplo, com o ambiente conti- com paixão e método.
nental, onde discriminamos seus diferentes siste-

‫۝‬

302 Ambientes Marinhos Profundos - D'Avila et al.


Cap.X

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