Apandemia silenciosa
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A
Luis M. Monteiro
Médico de fami
29 de Novembro de 2021, 15:30 Bceberaertas
No tiltimo livro de Daniel Sampaio, intituladlo Covid-19 -Relato de um sobrevivente
(Editorial Caminho, 2021), 0 médico descreve a sua experiéncia como doente com
covid49. Foi uma jornada dolorosa, que incluiu o internamento nos Cuidados
Intensivos no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, mas com um final feliz. Coma sua
conhecida clareza, 0 célebre psiquiatra partilha com o leitor os seus receios, lutas €
expectativas. Logo nas primeiras paginas da obra, identifica a existéncia de duas
pandemias: a viral ea silenciosa. Esta iltima é, no fundo, um alerta para ninguém
esquecer 0 efeito do virus SARS-Co-2 na satide mental da populagio.
0 professor prevé o aumento da depressdo, ansiedade e stress pés-traumatico. Na
minha pratica clinica, como médico de familia, constato também o aparente
aumento destas patologias. Ougo queixas que podem identificar algumas causas
como “E dificil conciliar as reunides Zoom com 0s mitidos Id em casa” ou “Recebo
constantemente emails do trabalho durante a noite”, e ainda “Tantos anos a estudar
para receber to pouco. £ claro que descrevo apenas a minha experiéncia, 0 que
necessariamente redutor. Felizmente ha investigadores portugueses focados nesta
tematica.Um exemplo recente é 0 estudo Os ovens em Portugal, hoje: quem siio, o que pensam
0 que sentem, da Fundagao Francisco Manuel dos Santos, que teve aqui no P30
devido destaque com alguns dados preocupantes, como a precariedade laboral,
baixos rendimentos eo facto de um em quatro jovens ja ter sido medicado para a
depressio e ansieciade. Mas mesmo considerando que a covic-19 é apenas uma das
causas e que precisamos de mais dados para tirar concludes, parece-me oportuno
reforgar a importancia da satide mental nos jovens. E que, infelizmente, mantém-se
o estigma das doencas mentais. Nesta sociedade de consumo e de cidadaos que se
querem sempre produtivos, a depressio e ansiedade so menos aceites socialmente
do que uma patologia fisica, pois o que nao aparece em nenhum exame vistoso €
tecnolégico ¢ praticamente invisivel. E muitos ainda consideram a patologia mental
sindnimo de fraqueza e de falta de forca de vontade.
Perante isto, como podemos ajudar os mais jovens? Como escreveu Pedro Morgado,
aqui no PUBLICO, no Dia da Satide Mental, em 2018, “o principio de qualquer
solucdo ¢ falar”. A comunicacdo social esta ja a ter um papel de servico puiblico ao
abordar estes temas, e algumas figuras pablicas comegam a contar as suas
experiéncias contribuindo para o combate ao estigma, Mas cada um de nds também
pode ter um papel activo. A nossa familia e 0 nosso grupo de amigos podem ser
lugares para a promogao da satide mental, Sem condescendéncia, podemos criar
‘espacos seguros para a partilha. Se pudermos expressar o que sentimos podemos
identificar atempadamente quais os jovens que precisam de apoio. Podemos ainda
contribuir com algumas investigagdes para que a ciéncia identifique factores de risco
e de proteccao que serio titeis para programas de prevencao e intervengio.
Um dos exemplos ¢ o estudo Resultados Colaborativos sobre Satide e Funcionamento
durante 0 Tempo de Infecedo, um grande projecto de pesquisa internacional para
toda a populagio de patses afectados pela pandemia de SARS-CoV-2. Como cidadaos,
podemos ainda exigir aos nossos lideres os recursos necessarios para que a satide
mental nao se mantenha o parente pobre do Servico Nacional de Satide. Os cuidados
de satide primarios (CSP) prestam um servico de proximidade, pelo que sao
cessentciais para 0 acesso a tratamento adequado. Mas com as equipas
sobrecarregadas, a capacidade de resposta esta limitada. Assim, precisamos de
medidas concretas, como a integragao de mais psicélogos em equipas
multidisciplinares nos CSP e o alargamento de consultas de apoio aos jovens.
£ quea pandemia silenciosa exige solugdes audiveis.