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Veet Sspirite do Homem Primitivo eo Progresso da Cultura franz Boas! Vimos que as tentativas para reconstruir a histéria da cultura meciante a aplicagio do Principio d= que 9 simples precede o complexo, e também da andlise légica ou psicolégica dos ‘Tudos culturas, sig enganosas no que se refere aos fendmenos culturais especificos. Entretanto, fr cenduistas intelectuais recentes, que se expressam em pensamentos, em invenges, em feeursos que oferecem maior seguranga a existéncia e alivio para a necessidade sempre premente Ne obter alimentos ¢ abrigo, produzem diferenciagdes nas ati lades da comunidade que dio A ‘rida umm tom misis rico e variado, Nesse sentido, podemos aceitar a expresstio “avango cultural”. Corresponde av uso comm, cotidiano. Poderia parecer que, com essa definigfo, encontrarfamos também a de primitive. mitivos sto aqueles povos eujas atividades sfo pouco diversficadas, cujas formas de vida so sunples e uniformes, povos esses cuja cultura & pobre « intelertualmente inconseqttente em seu contetido ¢ em suas formas. Suas invengSes, ordem social, vida intelectual e emocional deveriam ser todas es ‘assamente desenvolvidas, Isso s6 seria aceitével se houvesse uma corrclagio esteeta entte todos os aspectos da vida étnica, todavia as interelagées entre esses ins sto variadas, Existem povos, como 0 australisno, euja cultura material é muito pobre, twas cuja organizagio social € altamente complex. Outros, como 0s indios da Califémia, produzem excelente trabalho técnico ¢ artistico, mas ‘o revelam, entretanto, uma complexidade senespondsate em outros aspectos das suas vides. Além do mais, essa medida adquire um scntule diferente quando € aplicado a uma extensa populago que se encontra dividida em estratos soci Assim, as diferengas entre o status cultural da populagdo rural pobse de muitas ares da Europa ¢ da Ameética e, sobretudo, dos estratos mais baixos do proletariade, por um {ade.¢ dos espiritos ativos representantes da cultura modema, por outro, & enorme. Dificilmente esferiamos encontrar, em qualquer outa parte, una austncia maior de valores culturais do que # que reflete a vida interior de alguns estratos da no: @ propria populagiio modema. Esses estrutos nfo sto, todavia, unidades independentes como as tribos que earecem de uma ie qv Em: BOAS, Franz. 1938 (revised edition 1911] Free Press. Traducto de Kiva Maria Pereira de “luiplicidide de invengses, pois eles utilizam as realizagdes culturais logradas pelo povo em Conjunto, Esse contraste aparente entre a independén cultural das tribos primitivas e a Gejpendincia dos estratos sociais, no que se refere ao complexo cultural total, € apenas a forma eXtiemia da dependéncia mitua entre as unidades socials, dos valor culturais demonstrou nao $6 cussto a respeito da di seminags 49 existe qualquer povo que esteja inteiramente livre de influéncia nbém 5 eMternas, mas vada uum deles copiow dos vizinhos, a similando-Ihes invengdes ¢ idgias. Em todos esses sss, prodte-se uma dependéneia econdmica e social da tribo. Exemplos desse tipo podem ser cucontrados particularmente na India. Os eagadores vedas do Ceildio constituem certamente uma tribo, Entretanto, suas ecupagdes dependem das ferramentas de ago que obtém dos seu habilidusos vizinhos; e, ademais, sua linguagem e grande parte da sua religido sao integralmente tomiados de empréstimo. A dependéncia econdmica dos toda é ainda mais not4vel. Dedicam-se exclusivamente ao cuidado dos seus rebanhos de bifalos ¢ obiém de seus vizinhos todos os ‘outros artigos necessérios para viver, com a troca de derivados do leite. Encontramos essa dependincia sob outra forma, 20 menos temporariamente, aos Estados belicosos que vives do roubo, subjugam seus vizinhos e se apropriam do produto do seu trabalho. Na realidade, onde auer que ocorta um intercfimbio ativo de produtos de diferentes nagSes, existe uma maior ou uncnor interdependéneia econémica e cultural Antes de qualificar de primitiva a cultura de um povo — no sentido de pobreza de Scully is —, 6 preciso responder a trés perguntas: primeiro, como a pobreza se express nus: diversos pecios da cultura; segundo, se 0 pove, como um todo pode ser sisiderade como uma unidade em relagio a suas posses culturais; tereciro, qual & a relagio citec om diversos aspectos da cultura, ou seja, se todos esses aspectos esto igualmente propenses ao pouco desenvolvimento, ou se alguns podem ser avangados, e outros no, mais ffeil responder a essas perguntas em relagdo A habilidade técnica, pois toda imovagdo tenia & um aeréscimo a re lizagdes anteriores. Os casos nds quais uma nova invenydo adotada ¢ desenvolvida por um povo suprime uma valiosa técnica ante F — comoa ‘Genica do metal suplantou a da pedra — so pouco frequentes. Consistem, em geral, na subvituiglo de uma (éenica pouco conveniente para determinade propésito por outra mais sdequada. Assim, pois, ndo seria dificil classifiear as culturas em relagdo & sua riqueza de ‘nvenyies, se houvesse alguma regularidade na ordem de aparecimento destas, 14 vimos que ssse mo € 0 caso. Devemos julgar um povo pastoril mais rico em inveng6es do que uma tribo agricola? As tribos pobres do Mar de Okhotsk so menos primitivas que os artistas americanos a costa noroeste do Pacifico s6 porque possuem cerimica? O mexicano antigo mais primitive G2 que uma pobre tibo negra porque esta, por acaso, possui a arte de fundir o ferro? Uma 3 ‘lorizagao tao rigida e absoluta das culturas de acordo com a série de invengdes que cada qual ossul nfo estd de acordo com nosso julgamento. J& vimos que essas invengdes nfo representam uma seqigncia temporal. Evidentemente, a no: io € deter > a avaliagi inada s6 pelas invengdes. Atribuimos *alor mus alto 2 uma eultara quanto menor & 0 esforco requeride para suprir as nevessidades tis: misloreé as wzulizagées tenets que nie atendem &s necessidades cotidianas indispensiiv Ss. Os objetos culturais afetatos pele nov invengio também devem influenciar nosso julgamento. Apesar da pericia técnica excepcional e da engenhosidade dos esquimés, néo ‘cultura um valor elevado, porque toda a sua habilidade e energia sio cmpregadas na perseguigio dria da caga e na busca de proceso contra 0 Figor do clima. Sobra- thes pouco espago para 0 exercicio da técnien com outros propésitos. As condigses entre os bosquimanos, australianos e vedas, similares as dos esquimés. Atribuimos um valor um Pouco mais alto As culturss dos indios californianos porque eles dispdem de tempo fazoavelmente livre que € empregado no aperfeigoamento téenico de objetos ndo absolutamente indispensdvels. Quanto mais variado € 0 exercicio das técnicas que amenizam a vida, mais clevada qualificaremos uma cultura. Onde quer que aparecam a fiagdo, atecelagem, a fabricagao de cestas, o entalhe em madeira ou osso, trabalhos artisticos em pedra ou metal, arquitetura ou cerimica, mio duvidamos que tenka havido progresso em relagao as condigdes primitivas simples. Nosso julgnmento no seré influenciado pela opsio alimentar em questo, quer essa opyiio seja por animais terrestres, peixes ou produtos vegetais. As divas da natureza no sto sempre obtidas em quantidades suficientes e com tat {neildade, de modo a abrir possibiidade para o lazer. Por mais perfeitas que sejam suas armas, 0 cagador nao realiza sem muito msago a proviso de alimentos necesséria a sua propria subsisténcia ¢ A de sua familia, e onde as exigéncias da vide, por causa do Figor do clima ou da “ez «lt eaga, demandam toda a sua atencZo, nfo sobra tempo para 0 desenvolvimento stative da tenica, S6 em regides em que o alimento € abundante € Pode ser obtido com pouco im ssfergo € que encontramos um rico desenvolvimento da técnica criativa As regises Fovorecidas compreendem zonas dos tr6picos, com sua riqueza de Produtos vegetais ¢ aqueles Ose panies do mar repleios de peixes. Nessas regies, a arte de conservar os alimentos libera 0 ‘omem, deixa-the bastante tempo livre para suas atividaces reereativas, Em outras regides, s6 se “enue provisio abundante de alimentos quando o homem aumenta artificialmente a provisto natural por meio da eriagio de gado ¢ da agricultura. # por isso que esas invengdes estdo ‘ntimamiente associadas com 0 avango geral da cultura, € preciso eonsiderar outro ponto. Podemos supor que os mats antigos progressos tecnicos do homem nfo resultaram de invengdes planejadas, mas que Pequenas descobertas 4 ram seu acervo téenico. Sé posteriormente a utilidade dessas descobertas foi cidentais enriquec Feconhecida, Mesmo que a invensio planejada representasse um papel pouco importante em tempus antigs as descobertas foram realizadas por individuos. Portanto, é provavel que as aulighes wos primeiros inventos tenham ocortide com rapider. tanto maior quanto mais individuos partivipavam Jo particular. Estamos nados a ver nisso uma das prin ipais causes da ragio da mudanya cultural, observave losos que compartitham. {pos popu as mesmas ocup: Pelo efeito das limitagdes impostas por uma natureza parcimoniosa, o crescimento numérico de uma tribo de cagadores mantém-se Centro de limites bem definidos. $6 nos lugares onde uma provisio suficiente de alimentos est sempre disponivel, 2 populagdo pode crescer apidamente, A pesca abundante pode oferecer tal oportunidade; a criaglo de gado também pode aumentar 2 quantidade de alimento disponivel para uma populagdo, mas a existéncia de uma Brande populasio que ocupe uma dren continua e cuja subsisténcia provenha do mesmo tipo de ‘ocupagio $6 se torna vidvel devido & agricultura. Por essa rao, a agricultura é a base de toda ‘a mais avangada, cultura técn Mais duas conseqiiéneias podem ser extrafdas dessas consideragdes: Os requislios do trabalho intelectual sio, evidentemente, muito similares Aqueles que determinam as inveng técnicas. Na ha oportunidade para o trabalho intelectual enquanto as necessidades do momento absorvam todo o tempo. Assim, atribuiremos um valor tanto mais alto A cultura, quanto mais plenamente v povo goze de tempo ¢ mais energicamente se aplique a ecupagdes inteleetuais. A atividade intelectual se expressa, em parte, nos avangos da técnica, borém, ainda mais, no jogo retrospectivo com as experigneias interiores e exteriores da vida. A esse respeito, podemos igualmente estabelever uma medida objetiva do progresso da cultura, porque reconhecemos que a elaboragio reflexiva do tesouro da experiéneia humana, de acordo coma eacionalidade, resultaré em um aumento do conecimento. Também em relagio a isso, 0 progresso serd tanto mais rapido qu nto mais tempo the for dedicado. Or trabatho intelectual aecessfrio conduz, em parte, & elimins Mio do erro e, em parte, & sistematizagao da experiénci Ambos representam um ganho, pois trazem novas contiibuigdes A verdade e permitem 0 desenvolvimento sistemético do conhecimento, A extensio e o caréter do conhecimento podem ser interpretados, nesse sentido, como meios de progresso cultural. i Outro elemento da cultura esté estreitamente vinculado ao avango da técnica eriativa, ‘A habilidade técnica é uma exigéncia fundamental para o desenvolvimento da arte. Nao existe arte deeorativa quando 0 povo carece do pleno dominio da sua téenica e de tempo para exercitd- ta, Podemos inferir dessa consideragio que as mesmas condig6es que sio importantes para 0 Sesenvolvimenty da técnica tambéin govemam o desenvolvimento da arte, ¢ que, com a > variedade de habilidades técnicas, aumentaré a variedade das formas de arte. Antes de dirigirmos nossa atengao a outros aspectos da atividade mental, podemos resumir os resultados da nossa investigagio afirmando que, na técnica, nas atividades intelectuais e na arte decorativa, existe um critério objetivo para a valorizacao das culturas ¢ que OS avungos, nesses campos, ¢: iio estreitamente relacionados entre si porque dependem do nica ¢ do discernimento. Progresso geral da habilidade A segunda questio que nos propomos a investigar refere-se & proporgo em que as conquistas culturais de um povo so compartilhadas por todos os seus membros, Nas culturas mais pobres, a cnergi integral de cada individuo & consumida na satisfagdo das necessidades clementares da vida, a tal ponto que a obtengio do alimento e da habitagdo constitui o conteido Principal de toda atividade, pensamento e emogdo da ‘da cotidiana; e, naquelas em que nio se desenvolveu qualquer divisto do trabalho, a uniformidade dos hébitos de vida serd tanto maior quanto mais unilaterais sejam os meios de obtengio do ali nento. O esquims tem que cacar ‘mamiTeros marinos no inverno, animais terrestres no vero, e o pensamento de todos gira em tomo dessa ocupagio. Essa uniformidade no € uma consequéneia necesséria do meic seogrifico, pois, mesmo nessas condigdes to simples, pode existir uma divisio do trabalho. Assim, por exemplo, os chukchee, que vivem em condigdes climéticas similares, estdo divididos em doi Tupos evondmicos que dependem, de certo modo, um do outro: um, dedicado a cringtio de renas; 0 outro, caga dos mamiferos marinhos. Mesmo entre os povos eagadores, uma pessoa se dedica preferivelmente A perseguigio de um tipo de animal; outra, a um tipo diferente, O modo de vi dos ¢: adores niio é favordvel A formagio de grupos individualizados, mas uma divisio existe aqui, como em outras parte: divisio entre 0 homem ¢ a mulher; 0 homem & ‘dor ou pescador; a mulher colhe plantas e animais que no fogem, executa as tarefas doméstiens ¢ euida das eriangas. Todo 0 curso da vide & preenchido por essas ocupagdes, de modo que nao sobra tempo para a t nica criativa. Assim que aparece a oportunidade, desenvoly: rse diferenciagdes de tarefas de acordo com o gosto ¢ a habilidade de cada um. Encontramos, enti, entalhadores de madeira, fabricantes de cestos, teceldes ¢ ceramisias. As pessoas podem ndo se dedicar exclusivamente a umia ou outra ocupagdo, mas se inelinario, em malor ou menor grau, num ou noutro sentido. Tambéin podemos encontrar pensadores e poetas, ols 0 jogo das idéias ¢ das palnvras exerce sua atrayio desde época remota, provavelmente, mesmo em perfodos nos quals ainda ndo bavia oportunidade para uma técnica criativa, pois, ainda que a caga ¢ as tarefas domésticas nio deixem tempo para o trabalho manual, 0 cagador que espreita ea mae que procura alimentos e cuida de s 48 filhos tm oportunidade e tempo livre para exercitar a imaginagio e o pensamento, Onde quer que uma eerta parte de um povo conquiste © domfnio de uma técnica, af f que s6 el norveste ceides ¢ bordados, cla meramente imita a arte dos homens. Por wutro cntre os pueblos € o: e vista alifornianos, parece pouco dotado do ponto do ambos, homens ¢ mulheres, levami, cada qua aum alto . suas préprias téeni nt de perfeicio, dois estilos distintos podem se desenvolver, como entre 0s tlingit do Alaska, orice os quais as mulheres fazem cestos tecnicamente perfeitos, com deseahos retilincos complexos, enquanto que os homens se dedicam 3 ais altamente criagio de figuras ani s- A essa altura, é suficiente assinalar qu> a diferenciagdo progressiva das atividades implica 0 enriquecimento cultural destas. A diferenciagio pode, poréim, produzir tal unit ‘eralidade nas ocupagdes de algumas Parcelas da populagio, que, consideradas por si s6s, as classes separadas sejam muito mais pobres em cultura que um povo que possua atividad menos diferenciadas. Isso € especialmente verdadciro quando, no curso do desenvolvimento econdmico, grandes parcelas da populagio am reduzidt i uma sittiag2o na qual & necessério empregar toda a energia disponivel para a flo das necessidades cotidianas, ou quando sua participagio na vida produtiva se toma impossivel, como em nossa civilizagio moderna, Nesse caso, mesmo que a produtividade cultural do povo como um todo possa ser de grau elevado, a valorizagao psicolégica deve levar em conta a pobreza da cultura das grandes massas. Nos diversos aspectos da cultura considerados até aqui, as diferencas de realizagao e, Fortanio, una medida objetiva de valorizagio, parecem evidentes, mas hi outros aspectos em ‘elagio aos quais nfo possivel responder, com tanta facilidade, & pergunta acerca do que 6a pobreza da cultura. J6 assinalamos, anteriormente, que 0 conhecimento, por si 86, nfo constitu Fiqueza de cultura, mas que a coordenagiio do conhecimento fornece um parimetro para nosso julgamento, Todavia, a valoriza gio da coordenagdo intelectual da experiancia, dos conceitos étieos, da forma antistica, do sentimento religioso & tao subjer! Gue allo € tarefa fécil definir uin incremento dos valores culturais. Quaiquer valorizagio da cultura significa que foi escolhido um ponto em relagiio a0 {qual se processam as mudangas, e © ponto tomado como padrito é a nossa eivi izagdio modema. Com © aumento da experigncia e dos conhecimentos sistematizados, ccorrem mudangas que chamamies de progresso, ainda que as idéias fundamentais possam nfo ter sido alteradas. O cédigo de ética humana para o grupo social fechado ao qual uima pessoa pertence é o mesmo em 7 0 essassinato, 0 roubo, 2 mentira ¢ a violagio so geralmente condenados. A todas as par difer de na extensio do grupo sociat em relagdo ao qual as obrigagSes se aplicam ¢ no © ainda mais diffcil definir o progresso em relagio A organizagao social. O femo considera como sew ideal a anarquia, enquanto outros créem na srssazagio veluntiria, © controle do individuo pela sociedade, ou a sujeigio a lideranga, a Uberdade individual, ow a conquista do poder pelo grupo como um todo, podem ser, cada um sles, considerados coma o ideal. O progresso s6 pode ser definido em relago a0 ideal especifico que levemos em conta. Nio existe progresso absolute, Durante 0 desenvolvimento da civilizagao moderna, a rigidez do status no qual nasce um individuo, ou no qual entra voluntariamente ou por forca, perdeu muito do seu valor, ainda que se observe uma recrudescéncia desse fendmeno na Alemanha atual, onde o status dos judeus 6 determinado nao pel onde 0 starus de uma pessoa depende da sua fil suas qualidades pessoais, mas pelo seu nascimento; ou na Ruissia, na Itilia e na Alemanha, io 20 partido, Em outros paises 0 mesmo se verifiea em relagio ao status do cidadio e a0 status matsimonial. Em um estudo objetivo da cultura, 0 conceito de progresso deve ser usado com grande cautela, Na tentativa de reconstruirmos as formas de pensamento do homem primitivo, tlevemios tentar seguir a histéria das idéias até 0 periodo mais antigo possivel. Comparando as formas mais remotas com 0 pensamento modemo, podemos chegar a compreender as curacteristicas do pensamento primitive. Devemos, antes de mais nada, esclarecer a exiensio do eriodo durante o qual pode ter existido uma vida espiritual similar A nossa, Ha duas vias para a abordagem desse problema: a pré-histéria ¢ a linguagem, No Egito ena Asia Ocidental, existiam ulturas altamente desenvolvidas hd mais de 7 000 anos. Dados pré-histéricos provam que um largo perfodo de desenvolvimento deve ter precedide 0 sew surgimento, Diversos achados realizados em outras partes do mundo corroboram essa conclusio, A agricultura na Europa & muito antiga, ¢ as condigdes culturais que a acompanham sfo inteiramente andlogas as das tribos modernas que tm padrdes culturais muito complexos. Em uma época ainda mais remota, no final do periodo glacial, a cultura magdaleana possuia uma inddstria e uma arte to altamente desenvolvidas que pode ser comparada com a das tribos modemas portadoras de realizagdes similares. Parece admissivel supor que o nivel cultural d tribos tdo semelhantes em sua cultura "éenica pode ter sido semelhante também em outros aspectos. &, pois, justificada, nossa suposigao de que, ha 15 000 ou 20 000 anos, as atividades culturais gerais do homem nao eram diferentes das atuais. A multiplicidade de formas lingufsticas ¢ a lentidéo com que se desenvolveram mudangas radicais na estrutura da lingusgem também levam & conelusdo de que a vida espititual 38 *° expressa por meio da linguagem, deve ser de grande antigilidade, ido 2 permangneia g formas fundameniais das linguas, Que S30 preservadas tudo pode nos conduzir a fodos de tempo, seu e ist6ria remota do no. Por essa razio, seria wit uma breve descrigio de alg uns dos tragos rgtagem humana, © toda lingua falada & possivel Teconhecer um nimero restrito, mas Uefinido, de Sue agrupamem forma a expresso Nnatistien. Um nimero timitade de © BTUPOs de articulagdes. sio_indispensiveis para a fala. Cada articulagao pons @ 4A) Som, € um nimeso limitado de sons & necessirio para o entendimento 5¢ 0 nmero de articulaydes de uma lingua fosse ilimitado, a exatidao de movimentos “iveis 2 fala © © pronto reconhecimento de “Ons complenos provavelmente jamais sa Plexos pr Gescavolveriam, Gragas 3 limitago do nimero de movimentos de articulaga0 ¢ A sua Tepetigao ante, €sSes ajustes exatos tomam-se autor witicos, © se des senvolve-se uma estreita | igo entre a articulagao eo som correspondente, | £ uma caracterfstica fundamental ¢ comum Ge sons emitides sirvam para expressar idéias, ¢ que cada grupo de sons tenha wn significado lementos fonéticos constitutives ¢ gtupos “SS Sons. mas também nos grupos de idgins que encontram © Hho. As linguas diferem nfo s6 no cardter dos seus el I 4a linguagem aticulada que os grupos *PFess3o nos grupos fonéticos fixos, O niimero total de combinagdes possiveis de clementos fonsticos é ilimitado, mas sé © siguilica que © mimero total de idéias que SNS €xPFessas por grupos fonéticos distinios & limitado. Chamar. ero lintitado esté efetiva Henle em uso. Is 2MOS a esses grupos fonéticos “rafzes de palavras" Dado que a esfera total da experiéncia Pessoal que a Lingua serve para expressar 6 ‘biilamente variada, e seu alcance total deve ser SXPFESSO Por um nuimero limitado de rafzes, “lensa classificagio de experigneias deve necessatiamente sustentar toda Hinguagem © com suas semelhaneas, em grupos mais ou menos amplos cujos limites podem ser determinados Por uma variedade 4° Pontos de vista. Apesar das suas diferengas Sas experiéncias, elementos comuns, bem como as ‘mo idGaticas, sempre que possuam um numero suficiente Assim, a limitago do atmero de ETUpOs fonsticos que tadividuais, reconhecem, Sessoms relacionadas, ov até mes, de tenga caractecisticos em; ¢ Uo psicologico de que muitas experiéncias individuais Jessiiferentes nos parecem representativas da mesma categoria de pensamento. » do pensamento ¢ da linguagem humanos pode ser comparado a limitagao movimenios articulados possiveis por intermédio da selegao de um niimero ‘os habituais. Se a massa total de conceitos, com todas as suas variantes, mM por grupos de sons ¢ de rafees de palavras inteiramente cos ¢ nio relacionados, ocorreria que idgias es'r camente Vinculadas ndo mostrariam nilaridade através da correspondente relagio ds simbolos sonoros, ¢ seria necessiirio sani niimero infinitamente grande de raizes distintas para que fossem expressas. Nesse caso, a asvociayio entre unta idéia ¢ sua voz representativa nao se faria suficientemente stdvel para ser reproduzida automaticamente, sem reflexao, em um dado momento. Do mesmo modo que 0 uso jo © auton "0 de articulagdes fez com que s6 um niimero limitado destas, cada uma com wariabilidade limitada, ¢ um niimero limitado de grupos de sons tenham sido eleitos entre a quantidade infinitamente grande de articulagées © grupos de articulagdes possiveis, assim também o nimero infinitamente grande de idéias fot reduzido, por classificaszio, a um nimero menor, que, por seu uso constante, estabeleceu firmes associagdes e pode ser usado aulumaticamente, O comportamento do homem primitive e dos desprovidos de educagao demonstra que tnis elassificagdes lingiiisticas nunca chegam a ser conscientes ¢ que, conseqiientemente, sua origent deve ser buscada, no em processos mentais acionais, mas nos processos mentais automiticos Em diversas culturas, ess: s classiticagdes podem estar baseadas em principios fundamentalmente distintos. O conhecimento d: categorias a partir das quais se classifica a experigneia em diferentes culturas ajudaré, portant, a entender os processos psicolégicos antigos, Verifica-se, também, diferengas de princfpios de classificagio no dominio das ses. Por exemplo: observou-se que as cores sio classificadas em grupos absolutamente Gistimos, segundo suas semelhangas, sem que isso seja acompanhado de nenbuma diferenga na capacidade de distinguir matizes de cor. O que chamamos verde e azul & sempre combinado em um termo como “cor de fel”, ou amarclo ¢ verde se combinam em um conceito que pode ser designade como “cor de folhas novas". Ao longo do tempo, nerescentam-se nomes para os tons adicionais que, em épocas mais antigas e, em parte, também na vida cotidiana atual, nfo se distinguem. F di | exagerar a importancia do fato de que, na fala e no pensamento, evoque um quadro diferente, de acordo com a clas como um grupo. a palavra ficagio verde e amarelo, ou verde ¢ azul 10 vio dos outros sentidos, ocomem diferengas de agrupamento, Assim, ~ No domis salgado e doce, 0 0 € amargo, so concebidos, salga vezes, como uma $6 classe; 0 gosto do Sleo ransoso € 0 do agiicar sio classificados juntos. Outro exemplo que ilustea as diferengas de prineipos de classificagio € oferecido ‘nologia de consangiinidade © afinidade. Estas so to diferentes, que & q luzir 0 conteiido conceitual de umn termo, de um sistema para outro, Assim, um emo oss Ser usado para a mide © codas as suas ims, ou ainda para a mie e todas as suas ss em lodos os graus sempre que descendem, na linha feminina, do mesmo antepassado ‘emiinino; © nosso vocsbulo “irmio" pode ser dividivo, em outro sistema, nos grupos de irmio “for € menor. Também nesse caso, as classes nfo podem ter sido formadas intencionalmente, m podem tanto ter surgido a partir de costumes que combinavam ou diferenciavam os individuos, quanto ter contribuido para eristalizar a relagio social entre os membros de grupos consangifneos ou afins, Os grupos de idéias expre: “as por rafzes especificas acusam diferengas substantivas cm diferentes Iiaguas e nio se conformam, de modo algum, a0s mesmos principios de

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