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Claus Roxin Funcionalismo-e imputagao objetiva no Direito Penal (Tradugdo dos §§ 7 e 11, nm. 1/119, de Strafrecht, Allgemeiner Te: 3? edicdo, Miinchen, Beck, 1997) Tradugio e introdugio de Luis Greco Alo de Janeiro + Sd0 Paulo 2002 ‘Todos os direitos reservados & LIVRARIA E EDITORA RENOVAR LTDA. MATRIZ: Rua da Assembléia, 102.421 ~ Cena» RI CEP; 2001-901» Tel Sto Cristvio - (1) 2589-1863 / 2580-8596 / 3860-6199 - ax: 2 FILIAL SAO PAULO: Rus Samo Amaro, 257-4, ts ‘3108-9951 / 3108-5849 / 3101-2046 farenovarcombr renovar@editorarenovs ‘SAC: 0800-21863, Contetho Editorial ‘Amaldo Lopes Stsckind — Presidente {aro aliena Menees Dito Ler Eri F. da Ra so de ATbaquegue Mello Ricardo Perera Lin card Lobo Tones Vieete de Paulo Barreto evisio Tipogréfica Maia da Géria'S de Carvalho Renato R Carvalho Capa Silo Cesar Gomes Edivoragdo Bletrinica ‘TopTestos Baigoes Orifice Lida NE 1254 CiP-Brasl. Catalogagto-na-fonte == Sindicato Nacional dos Bditores de Livros, RJ Rai 1. Brasil 1 Dieito Penal — Brasil. Thule, cpp: 342.8024 Proibida a reprodugho (Lel 9.61098) Impresso no Brasil Esclarecimento ao leitor “A contribuigao do pensamento sistematico te- leolégico-racional (funcional) para a teoria do tipo dirige-se, principalmente, ao tipo objetivo, que recebe uma dimensdo completamente nova através da teoria da imputagéo objetiva” (RO- XIN, Finalitat und objektive Zurechnung, em: Ar- ‘min Kaufmann-GS, 1989, p. 237). Este livro apresenta ao piblico brasileiro dois capftu- los do Tratado de Direito Penal, de Claus Roxin!. Pri- meiramente, 0 método, a construcio politico-criminal dos conceitos ¢ do sistema da teoria do crime (§ 8); depois, uma aplicagdo deste método, a funcionalizagao do tipo através da moderna teoria da imputacio objetiva (§ ). Assim, pode 0 leitor entender em que contexto-a ia se enquadra, enxergé-la como a aplicagéo conse jente de uma determinada maneira de pensar o direito, 1 ROXIN, Strafrecht, Allgemeiner Teil, vol 1, 3* edigio, Miinchen, Beck, 1997. ( penal e suas categorias: o funcionalismo, Com autoriza- G40 do autor, acrescentei uma introducao, de minha la- Vra, que visa Com autorizagio do autor, chamar a atengao para certos aspectos que creio nao tao evidentes no atual debate da doutrina brasileira em torno da teoria da im- putagio objetiva ‘Agora, algumas observagées predominantemente técnicas. Tive a preocupagio de seguir a numeragao de pardgrafos do original. Na Alemanha, ¢ comum que os manuais numerem seus pardgrafos, € as citagoes igual- mente costumam referir-se menos as paginas que a estes ntimeros as margens dos pardgrafos (os Randnummer, que os alemées abreviam por Rn.). O leitor vera que © préprio Roxin se vale destes nimeros de margem quan- do faz referéncia a si proprio; assim também o fizno meu estudo introdutério. No curso desta tradugio, utilizei- me da abreviatura nm. (néimero de margem). Assim, aquele que citar um parégrafo deste livro traduzido pode estar certo de que o encontrar4 sob o mesmo numero no original, e vice-versa, as citacdes do original em outros trabalhos podem ser aqui facilmente encontradas. J4 a numeracao das notas de rodapé, em virtude de acrésci- mo de notas do tradutor, discrepa do original alemao. © primeiro volume da obra original possui vinte € quatro capitulos, cada qual numerado em um §. Este simbolo lé-se Paragraph. E preciso cuidado para evitar confusio com aquilo que nés comumente chamamos de parégrafos - os meros Abschnitte ou Absatze (que, em portugués, também se traduziriam por pardgrafos!) nu- merados segundo os ntimeros de margem. Os capitulos traduzidos so 0 § 7 € 0 § 11, sendo que este dltimo nao foi traduzido até o final; limitei-me a problematica da causalidade e da imputagao objetiva. Todas as abreviaturas constantes do texto encon- tram-se (ou, ao menos, deveriam encontrar-se) na lista de abreviaturas, Quanto ao modo de citar, segui o original, discrepan- do daquilo a que estamos acostumados no Brasil. Em regra, os livros citados séo apresentados da seguinte ma- neira, Spendel, 1948, 12 (tomei como exemplo a nota de rodapé 10, do § 11). Isto significa nome do autor, ano, pagina. Para saber a que obra o autor se refere, € preciso Consultar a bibliografia, em ordem cronolégica, que an~ tecede a cada pardgrafo. Os algarismos em poténcia sig- nificam o nimero da edigio. Assim, em Binding, Nor- men, vol. I, 41922, 0 significa quarta edicio. Ba mesma forma, AT ? significa que 0 livro citado (no caso, uma parte geral) se encontra na segunda edicio Gostaria, ao final, de agradecer a todos que me aju- daram ¢ estimularam para que este trabalho pudesse ser conclufdo. Primeiramente, € claro, meu obrigado a meu professor Claus Roxin, por seu apoio, amizade e confian- ¢a. Devo muito também aos amigos que me ajudaram com correcées ¢ sugestées: meu pai, Leonardo Greco, meu quase-irmao, Fernando Gama, ¢ meus grandes companheiros penalistas Jodo Paulo Martinelli e Johnny Felipe Alves Lima. Agradeso, por fim, ao dr. Horst We- ver, Professor da Escola Paulista de Medicina, pela ajuda com os termos médicos alemies, e a Editora Renovar, por ter possibilitado esta publicagao em espaco de tem- po tamanhamente limitado. E uma dedicatéria: este trabalho fica entregue aos ‘meus ex-alunos do 3° periodo, manha e noite, do primei- ro semestre de 2001, da Faculdade de Direito da UFRJ Este livro € para vocés; para que lembremos os bons momentos que passamos juntos! Munique, dezembro de 2001 Luis Greco Abreviaturas AG = Amtsgericht (Juizo de 1° Grau) ‘Anh. = Anhang (Anexo) AT = Allgemeiner Teil (Parte Geral) ARSP = Archiv fiir Rechts- und Sozialphilosophie (Arquivo para afilosofia juridica e social ~ periédico) BayGVBI_ = Bayerisches Gesetz- und Verordnungsblatt (Folha legislativa e de decretos da Baviera) BayOBLG = Bayerisches Oberstes Landesgericht (Tribunal Supremo da Baviera) BGB = Bargerliches Gesetzbuch (Cédigo Civil) BGH = Bundesgerichtshof (Tribunal Superior Federal, equivalente a nosso Superior Tribunal de Justiga) BGHSt = Entscheidungen des Bundesgerichtshofs in Strafsachen (Decisées do Tribunal Superior Federal em matéria penal ~ periédico) BtMG = Betabungsmittelgesetz (Lei de Téxicos) Einl. = Einleitung (Introducéo) FS = Festschrift (Estudos em homenagem) GA = Goltdammers Archiv fir Strafrecht (Arquivo de Direito Penal de Goltdammer peridico) GerS = Gerichtssaal (Sala de Justica ~ periédico) GG = Grundgesetz (Lei Fundamental, a Constituigio da Repiiblica Federal da Alemanha) ; Gs = Gedachtnisschrift (Estudos em meméria) Hsrg. = Herausgeber (editor) IKV) = Internationale Kriminalistische Vereinigung (Uniéo Criminalista Internacional) JBL = Juristische Blatter (Folhas J ‘austriaco) icas ~ periédico " SiGB = Strafgesetzbuch (Ci JK = Jura-Rechtsprechungskartei, Beilage der Zeitschrift Juristische Ausbildung - Jura (fichas de jurisprudén- Jura dung (Formacéo Juri IZ. = Juristenzeitung (Jornal dos Jurstas - periédico) Jes LB LG do Land, equivalente a , stisa). MedR = Mediainrecht (Direito da Medicina ~ peridico) MDR Monatsschrift fir Deutsches Recht (Revista Men- sal de Direito Alemio ~ periédico) MschrKrim= Monatsschrift fir Kriminologie und Strafrecht- sreform (Revista Mensal de Criminologia e Reforma do Direito Penal ~ periédico) NIW = Neue Juristische Wochensschrift (Nova Revista Semanal Juridica ~ periédico) = niimero de margem NSZ = Neve Zeitschrift fur Strafrecht (Nova Revista de Direito Penal - peri6dico) OGH = Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo austrfaco, cequivalente a0 nosso ST!) RG = Reichsgericht (Tribunal do Império, equivalente a nosso STJ a época do Império e da Repablica de Weimar) RGSt _= Entscheidungen des Reichgerichts in Strafsachen (Decisées do Tribunal do Império em matéria penal ~ periédico) SchwZSte = Schweizerische Zeitschrift fr Strafrecht (Revista StPO = Strafprozessordaung (Ordenacdo de Processo Pensl, equivalente a nosso Cédigo de Processo Penal) Stu\V = Strafverteidiger (Advogado Criminalista ~ peri6dico) VRS = Verkehrsrechts-Sammlung (Compilagio de Direito de Tednsito) ZPO = Zivilprozessordnung (Ordenscio de Proc , ‘equivalente a nosso Cédigo de Processo Ci ZSW = Zeitschrift gesamte Strafrechtswissenschaft (Revista para a Ciéncia Conjunta do Direito Penal ~ periédico) ZVR = Zeitschrift fir Verkehrsrecht (Revista de Direito de Trinsito ~ periédico aust Sumario A teoria da imputagio objetiva: uma introducio, Lufs Greco 1. Uma série de problemas nio resolvidos que € a teoria da 1. A superagio do naturalismo pelo neokantismo 2. O nascimento da “primeira” teoria da imputacéo 4) A teoria social da agto. €) A teoria fi A) A teoria do 4. Tentativas frustradas de revitalizar © conceito de imputacto. a) HARDWIG: a imputacio, um problema central do Direito Penal. b) KAHRS: o princfpio da evitabilidade. IV. A moderna teoria da imputagéo objetiva... 1. O principio do risco, de ROXIN (1970) 2. O contexto metodolégico: surgimento de uma dogmética funcionalista do delito nm a) A referancia axiol6gica (politica criminal) b) A referéncia 8 realidade (matéria juridica).... 3. A fundamentagio da moderna teoria da imputacso objetiva. 4) fundamento te6rico/constitucional 8) fundamento prio. 4. Criticas a) Risco e conhecimentos especiais do autor: 2 confusio entre o objetivo e o subjetivo. sone 105, dade de uma imputatoobjetia 35 culposes .. 6) Inadequacto da imputasdo objetiva nos delitos dolosos : 4) Conclusio. 109 VI. Aspectos probleméticos da teoria da imput 1, Dificuldades tebricas genéricas.... 4. Efeitos colaterais da teoria da imputacdo ob b. Conceitos indeterminados. €. Subsungéo em um grupo de casos err6neo d. Argumentos de autoridad 2, Peculiaridades de nosso Di a. oart. 13, caput, do CP... bioart. 1 a, Imputagdo objetiva, substivuta da causalidade? .. i ‘resposta a criminalidade moderna? IIL. Sobre a evolugio histérica da nova teoria do deli 2. A sua recepcio pelo le 3. Etapas histéricas da ev sma cléssico 4, Fundamentos hist6rico- 9 sistema clisico até fialista ita da teoria do delito dogmitica do Direito Penal ae 1. Vantagens do pensamento sistemético a) Facilitagdo do exame de casos b) A ordenacio do sistema como pressuposto de licacao uniforme e diferenciada do direto. icagio e melhor manuseabi exto sistematico como di desenvolvimento praeter legem do Direito 2. Perigos do pensamento sistemstico.. 8) Desatencéo a justica do caso concreto .. 'b) Redugéo de poss 6) Dedugées sistematicasilegitimas do ponto de ico-criminal.. acio de conceitos demasiado abstratos 3. Pensamento problemstico V. Fundamentos de um modelo teleol6gico/politico: de sistema, 1. Sobre a concepcdo de um sistema orientado a valores. a) A acto bo Oi d) A responsabilidade rn ¢) Outros pressupostos de punil 2, Dogmética juridico-penal e p loséficos da evolucdo desde soon 201 lades de solucio dos problemas. 193 1193 194 197 198 198 200 203 205 21 212 213 214 215 216 218 218 220 222 224 227 230 230 232 233 235 son 241 242 243 4) Risco e conhecimentos especiais do autor: a tre 0 objetivo € 0 sUbjetiVO..rnneunnne 10S ide de uma imputaglo objetiva |. Sobre a evoluclo hist6rica da nova teoria do delito. ‘A descoberta des conceitos fundament: ‘A sua recepgio pelo legislador Eas hrtrices de evolugso da sistemitica do deli a) O sistema clissico 6) Inadequagao da impuasto objerva nos delitos dolosos 4) Conchasis 3b) O sistema neocléssico V. A imputacéo objetiva na atuslidade, Modelos 201 alternativos de imputacéo. 1, ROXIN 2. JAKOBS. aoe 3. FRISCH 4, PUPPE, aoe VI Aspectosprablemticos aS Se Idades tebricas genéricas. 2. Efeitos colaterais da teoria da imputacéo objet 20 ». Conceitas indeterminados.. 1. Vantagens do pensamento sistemético 212 «. Subsuncio em um grupo de casos erréneo.. 8) Facilitagio do exame de €8508 0.0. 213 dd. Argumentos de autoridade b) A ordenacio do sistema como pressuposto de uma aplicacéo uniforme e diferenciada do direito 214 2. Peculiaridades de nosso Direito positive : €) Simplificagio e melhor manuseabilidade do direito 215 4d) O contexto sistemstico como diretsiz para 0 desenvolvimento praeter legem do Direit.. 216 3 2. Perigos do pensamentosistematico seve 218 4) Desatengio 3 justia do caso concreto 218 b. Imputacao objetiva, resposta & criminalidade mc 220 PARTE I aa (§ 7). Dogmitica e sistema juridico-penais. Problemas ee fundamentais da teoria geral do 181 Y. Fundamentos de um modelo teleol6gico/politco-crimin 1. A tarefa da dogmitica ¢ da sistematica do Direito Pen: a ind es aoe 'ico/politico-criminal 230 stos bésicos do sistema j 1. Sobre a concepgio de um sistema orientado a valores... 230 IL. Conceitos bésicos do sistema jurfdico-penal ... ue aH b) O tipo. a 233 6) O injusto oo 2235 d) A responsabilidade. 241 tros 242 5. Outros pressupostos da punibilidade ' Prana aa 3. As categorias do del enquanto perspectivas de consideracio... 249 4. A teoria do delito teleol6giea / politico-crimina ‘o metodo de construglo do sistema e de conceitos.n-252 PARTE II (11). A imputacao 20 tipo objetivo... 259 A) A teoria do nexo causal E27 1. Sobre a problem: IV. Teoria da adequaco e da relevancia. 302 B) A ulterior imputacio 20 tipo objetivo 306 ©) Criagdo de perigo e cu d) Aexclusto da imputacio nos casos de risco permitido...323 3. Ret do risco nfo permitido, 327 8) A exclusio da imputago no caso de auséncia de reslizacio do perigo. 327 b) A exclusio da imputacéo no caso de ndo-realizacio do risco nio permitido .... 331 ©) A exclusto da imputagio no caso de resultados ndo ‘compreendidos no fim de protegio da norma de cuidado 335 d) Comportamento alternative conforme ao Direito € teoria do aumento do risco. 338 €) Sobre a combinagSo das teorias do aumento do risco e do fim de protecéo. 349 4, Oaleance do tipo 352 8) A contribuicio a uma autocolocagio em perigo dolosa. 353, »b) A heterocolocacio em perigo consentida 367 ©) Aatribuigdo ao mbito de responsabilidade alheio..... 375 d) Outros casos. 382 Imputacio objetiva: uma introducao Luis Greco I. Uma série de problemas néo resolvidos ‘A imputagio objetiva é, sem sombra de dtivida, o ‘tema que suscita maior interesse no ambito do Direito Penal brasileiro na atualidade. Quando pensévamos po- der descansar, eis que seguiamos um sistema “moderno” (0 finalista), posicionévamos 0 dolo no tipo, distinguf mos erro de tipo de erro de proibicio etc. publicou-se, num curto espaco de tempo, uma série de trabalhos! que 1. André CALLEGARI, A imputagdo objetiva no Direito Penal, em: RT 764 (1999), p. 434 e ss. (também em Revista Brasileira de Ciencias Janeiro, 2000, p, 57 € 88. p. 103 e $8; Ferrando GALVAO, Imputagdo objetiva, Mandamentos, Belo Horizonte, 2000; Luiz Flivio GOMES, 1 acabou com nossas certezas. Estes trabalhos tinham por objeto, de modo exclusive ou néo, uma nova teoria, chamada “imputagio objetiva”, que se apresentaria com a pretensio de reformular por completo o tipo, com base na idéia central do “risco”. A teoria parecia resumir-se em dois pontos de vista: criagéo de um risco proibido € realizacao deste risco no resultado: “a imputacao ao tipo objetivo pressupée a criagéo de um risco juridicamente Teoria constitucional do delito no limiar do 3° milénio, em: Boletim do Ibccrim. n° 93, (2000), p. 3; Damisio de JESUS, Imputacdo objetiva, Saraiva, Sé0 Paulo, 2000; o mesmo, Imputagio objetiva: 0 "fugu assas srasco frustrado", ern: Boletim do Ibccrim, n° 86, (2000), p. tagdo objetiva e dogmAtica penal, Boletim do Ibecrim, reoria da imputagao objeiva, Boletim do Ibcerim n® 94, (2000), p. 3; tarez TAVARES, Teoria do injusto penal, Del Rey, Belo Horizonte, € ss CHAVES CAMARGO, Impuracao objetivae direito , So Paulo, 2001; 0 mesmo, Imput objetiva e direito penal brasileiro, em: Boletim do Ibecrim, 107, (2001), ». 7 € ss; Fernando CAPEZ, O declinio do dogma causal, em: RT 791 (2001), p. 493 ¢ ss.; Fébio Roberto D'AVILA, Crime culposo ¢ a teoria da imputagao objeriva, RT, Séo Paulo, 2001, p. 38 e ss; JESUS, Impu- ago objetiva e causa superveniente em: Revista da Associagdo Paulista ri Piblico,a° 36 (2001), p. 54 ess; José Carlos PAGLIUCA, taza objetiva & real, em: Boletim do Ibcerim, 101, (2001), p. 16; resmo, Breve enfoque sobre a imputagdo objetiva, em: Revista da Associagdo Paulista do Ministério Publico, n° 37 (2001), p. 44 ss Paulo de QUEIROZ, Direito Penal ~ Introdugdo critica, Saraiva, Sio Paulo, 2001, p. 132¢ ss; o mesmo, A teoria da imputagio objetiva, em: scrim 103, (2001), p. 6 e ss; Rodrigo de SOUZA COSTA, Algumas evticas ao conceito de incremento de risco, em: Boletim do Tecerim 108 (2001), p. 14 ess; ZAFFARONI, Panorama de es esfuerzos tebricos para establecer criterias de imputacién objetiva, em: Ester Ko- sovski / Zaffaroni (eds.), Estudos em homenagem a Jodo Marcello Araijo Jr., Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2000, p. 187 ess, Segundo me parece, «© primeiro a falar na teoria entre nés foi Juarez, TAVARES, Direito penal dda negligancia, RT, Sio Paulo, 1985, p. 151 ess. 2 desaprovado e a realizado deste risco no resultado"? A leitura desses trabalhos permite a seguinte conclusio: o tipo objetivo ndo se esgota mais nos elementos ago, resultado e nexo de causalidade; para que ele se realize é necessério, ademais, que se acrescentem os requisitos da criagdo de um risco juridicamente desaprovado e da realizacao deste risco no resultado. Contudo, esta conchusio nao satisfaz. Apesar da qua- lidade das publicagées, o clima entre os estudantes, pro- adores do Direito ainda é de total deso- rientacao. Aos olhos do piiblico, varias questdes perma- rnecem mal resolvidas. A primeira delas diz respeito aquilo que se poderia chamar de aspecto externo, a “cara”, da teoria, Ao invés de um conjunto reduzido de enunciados, a teoria da imputagao trabalha de modo disperso, difuso, fazendo referéncia a vdrios grupos de casos, 0 que nos parece sumamente estranho. Palavras como “comportamento al- ternativo conforme ao Direito”, “diminuigao do risco”, “contribuigéo a uma autocolocagéo em perigo”, desig- nam hip6teses mais ou menos concretas, dentro das quais nao raro se procede a novas subdistingSes (por ex., entre 0 comportamento alternativo conforme ao Direito que com certeza nao evitaria o resultado e aquele que s6 talvez.o evitaria), o que acaba dificultando sobremaneira © aprendizado da teoria. O estudante, acostumado a aprender coisas simples, como “a culpa pressupée a vio- aco do dever objetivo de cuidado”, ou “o erro de proi- Gh as formulagdes mais ou menos similares em CIRINO DOS SANTOS, Moderna teoria.... p- 57; GALVAO, Imputagto.... p. 27; JESUS, Imputagao.... pp. 33/34; TAVARES, Teoria... p. 225; CAPEZ, ( declinio... p. 502; D'AVILA, Crime culposo..., p. 44; PAGLIUCA, Breve enfoque... p. 44; QUEIROZ, A teoria..., p. 6. bigdo exclui a culpabilidade, quando inevitavel”, agora se vé forcado a memorizar numerosas distincées ¢ subdis- tingées. Por que tantas referencias a casos? Por que esse crescente uso da indugao, de casos da jurisprudéncia, se a tradicional dedugéo nos fornecia um sistema to mais simples? Existe um segundo problema, correlacionado ao pri- meiro, mas que com ele nao se confunde: em face de uma teoria tao detalhada.e complicada, téo diferente de tudo que ja vimos, qual sera a melhor postura... apren- dé-la, ou simplesmente ignoré-la? Afinal, valerd a pena o esforgo? A questo que pede uma resposta, portanto, diz respeito & legitimidade / necessidade de uma tal teoria da imputagdo: para que precisamos de uma imputacao objetiva? No que ela supera as construgées sistematicas anteriores? Ela realmente promete um ganho em justica da aplicacao do Direito Penal? Se o finalismo era insufi- ciente, por que ndo nos demos conta disso antes? Se a teoria da imputacao € tao necesséria, como sobrevive- mos até agora sem ela? Estes dois problemas sio, na verdade, conseqiiéncias de um fator que se pode qualificar de genético-estrutu- ral: a imputagdo objetiva € uma construcao estrangeira. Nés nfo assistimos a seu nascimento, ndo a vimos lutar pela sobrevivéncia, nao sabemos que mutagées sofreu ao passar pelos severos mecanismos de seleco natural exis- tentes na dogmética alema até que se consolidasse. Re- cebemos ccmo se estivesse pronta uma teoria que veio, aos trancos e barrancos, sendo discutida e reformulada a0 longo de trés décadas. Logo, € natural tanto que es- tranhemos 0 método de que ela se vale — a construgao de grupos de casos — como que nfo saibamos para que ela serve. O presente estudo visa, na medida do possivel, a suprir esta lacuna. Ele tentaré mostrar como surgit a imputagio objetiva, que caminhos ela atravessou até chegar a sua formulagdo atual, ou melhor, a suas formu- ages atuais. Far-se-4 um esforco no sentido de apontar como teorias jé familiares ao puiblico brasileiro — 0 con- ceito social de aco, a teoria da adequagio social, a teoria da causalidade adequada — so, na verdade, precursoras da imputacao objetiva, porque tentam resolver os mes- ‘mos problemas que ela atualmente solucionay Além dis- so, tentar-se-4 situar 0 surgimento da imputacdo objetiva dentro de um contexto metodolégico maior: 0 da supe- ragio da sistemStica finalista, de cunho ontologista, em favor de um sistema valorativo, teleol6gico, funcionalis- tana teoria do delito. A explicacao do que seja 0 funcio- nalismo ser capaz, a uma s6 vez, de esclarecer o porqué do uso do método indutivo (de grupos de casos), bem como 0 porqué da teoria, respondendo & pergunta quan- to a sua necessidade. Proceder-se-4 a uma fundamenta- 40 funcional da teoria, na linha da escola de ROXIN, apés 0 que sero expostos, como construgées alternati- vas, alguns dos principais sistemas de imputacio da atua- lidade: 0 de JAKOBS, FRISCH e PUPPE. Far-se-8, a seguir, uma reflexdo sobre os efeitos da teoria da impu- tagdo no restante da teoria do delito, e, para concluir, sero apontados alguns aspectos com os quais a doutrina brasileira, segundo me parece, deve ter especial cuidado. IL, Esclarecimentos preliminares: 0 que é a teoria da imputagao objetiva? Antes de prosseguirmos em nossa investigacio, cum- pre deixar claro o que significa imputacao objetiva. Ten- tar-se-4, por ora, uma simples aproximagio, cujo objeti- vo maior € permitir que também o leitor iniciante com- preenda aquilo de que se esté a falar. Para o sistema naturalista, 0 tipo dos crimes de re- sultado (também chamados, entre n6s, de crimes mate- riais) esgotava-se na descri¢éo de uma modificaco no mundo exterior’. O tipo do homicidio consistia em “cau- sar a morte de alguém’, 0 dano significava "causar dano a coisa alheia”. Esquematicamente: Naturalismo: tipo = ado + nexo causal + resultado. O finalismo acrescenta a este tipo uma componente subjetiva: a finalidade (dolo)‘, Nio haveré acio tipica 3L_Exte sistems foi defendido, entre n6s, principalmente por HUN- S*edigho, Forense, io de Jancico, 1978; Antbal BRUNO, Direito Penal, Parte Geral, Tomo 1 3" edigh 967. 4 O finalismo ¢ sustentado pela maior parte de nossa atual doutrina: cf, por ex., Cézar BITENCOURT, Manual de Direito Penal, v edigho, Saraiva, Sio Paulo, 2000; Cléudio BRANDAO, Teoria juridica do crime, Forense, Rio de Janeiro, 200) p. 152, Saraiva, Sao Paul ra Revista dos Tribunais, Séo Paulo, 1997, p. 409 ¢ ss., n. inclusive, dizer ter a Reforma Penal de 1984 adotado afirmativa desconhece certos limites & atuagio do legs sem a respectiva finalidade. Outros dados psiquicos, como fins especiais de agir (fim libidinoso, no rapto, fim de assenhoramento, no furto), também passam a inte- grar o tipo. O tipo, assim, comega a conter elementos objetivos e subjetivos. O conjunto dos primeiros deno- mina-se tipo objetivo; 0 conjunto dos segundos, tipo subjetivo. Logo: Finalismo: tipo = tipo objetivo + tipo subjetivo, onde tipo objetivo = agio + causalidade + resultado, tipo subjetivo = dolo + elementos subjetivos especiais. Note-se, contudo, que o finalismo nada mais fez que acrescentar, a0 conceito de tipo do naturalismo, a com- ponente subjetiva. O tipo objetivo do finalismo (agao + causalidade + resultado) 6 idéntico ao tipo do naturalis- mo. E exatamente isto que ver a ser modificado pela imputagdo objetiva. A imputagdo objetiva vern modificar © contetido do tipo objetivo, dizendo que nao basta es- tarem presentes os elementos acdo, causalidade e resul- tado para que se possa considerar determinado fato ob- jetivamente tipico. E necessério, ademais, um conjunto de requisitos. Este conjunto de requisitos que fazem de uma determinada causagao uma causagdo tipica, viola- dora da norma, se chama imputagdo objetiva.

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