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a tuma vez tendo estabelecido este principio em nossas anilises, um outro estigio toma-se bastante eviden- te. Os diferentes momentos ou aspectos no sio, na verdade, distintos. Existe, por exemplo, um sentido ‘no qual (bastante cuidadosemente) poclemos falar dos textos como “produtivos” © um argumento muito mais forte para ver a leitura ou consumo culraral ‘como tum processo de produso, no qual o primeiro produto toma-se um material para um novo traba- Iho, © texto-tal-como proxiuzido € um objeto dife- rente dotexto-tal-como-tido. O problema com andlise de Adomo ¢ talvez com as abordagens produtivistas ‘em geal esté no apenas em que clas inferem o texto- tal-como-lido do texto tal-como-produzisdo, mas gue, também, 20 fizer isso, clas ignoram os elementos da produio em outros momentos, concentrande a “ex atividade” no produtor ou no crtico. Esse €, talvez, ‘© preconceito mais profiindo de todos, entre 0s ese tores, 05 artistas, os professores, os edncadores, os comunicadores © os agitacores no interior das divi ses intelectusis de trabalho! ESTUDOS BASEADOS NO 1 TO ‘Todo um segundo bioco de abordagens esti, pri- ‘mariamente, preocupado com os produto euleuras Mais comumente, esses peodutos sio tratados como “textos”; © imporante & fomecer “letras” mais ov ‘menos defiitivas deles, Duas caracteristicas parecem, especialmente importantes: (1) a separagio entre ex ticos especiaizados ¢ leitores comuns ¢ (2) a divisto, ‘entre praticantes culturais e aqueles que, primaria ‘mente, comentamn as obras ce unos, Ambas as ca racterstcas tém muito a ver com o crescimento e 0 desenvohimento das instiuigées educacionais, espe- ialmente as acacémicas; mas € interessante observar ue 0s “modemismos”, que tém tio profiundamente influenciado os Estudos Culturas, surgiram como teorias do produror, mas sio agora discutidos mais, intensivamente nos contextos académicos e educaci- ‘onais, Estou pensindo, particularmcate, nas teorias associadas com 0 cubismo ¢ 0 construtivismo, com 0 formalismo ¢ 0 cinema russo e, naturalmente, nas teorias de Brecht sobre © teatro." Grande parte daquilo que se conhece sobre a oF ganizacio textual das formas culturais € agora ensi- ‘nado nas disciplinas académicas convencionalmente agrupadas como “Hlumanidades” ou “Artes”. As prin- pais discplinas das “Flumanidades", mais especial mente a Linguistica © os Estudos Literérios, rém desenvolvido meios de descrisio formal que sio in- dispensiveis para andlise cultural. Estou pensando, 66 por exemplo, na andlise terra das formas de narra- tiva, mas tambeéim na andlise de formas sintiticas, ma anilise das possibilidades e transformagdes em Lin- ‘guistica, na andlise formal de atos ¢ trocas na fala, na analise de algurmas formas clementares de teotia cul- tural feta pelos flésofos € nos conceitos tomados de empréstimo, pela cttica e pelos Estudos Cultus, a semiologia ¢ de outros estruturalismos. Vista de fora, a situagio nas Humanidades e, especialmente, na Literatura parece-me bastante pa- radoxal: por um lado, 0 desenvolvimento de ins- trumentos imensamente poderosos de anélise ¢ descrigio; por outro, ambigdes bastante modestas ‘em termos de aplicages e objetos de anilise. Existe ‘uma tendéncia que faz. com que os instrumentos continuem obstinadamente técnicos ou formais, ‘exemplo que considero mais impressionante: no mo- mento € © da Linguistica, que parece uma verdadeira caixa do tesouro para a andlise cultural, mas que esti soterrada sob uma mistica técnica ¢ «um profisionalismo académico exagerados dos quais, felizmente, esté comegando a emergir.® Outras pos sibilidades parecem perpetmamente presas & necessi dade de dizer algo novo sobre algum texto ou autor candinioo, Iso, algumas veres, permite um amadoris- mo de franco-atirador, cujas credenciais culturais agora aparentemente sancionam a aplicagio liberal de alguns julgamentos de ébvio senso comum a pratica- mente quasc tudo, Entretanto, 0 paradoxo esth em que 2s diiplinas das Fhumanidades, que estio tio ck ramente preooupadas em identifar as formas subjeti- vas de vida, s0, j, Estudos Culturas em embrizo! As formas, as regulaidadles © as tensoes primei- ramente identificadas na literatura (ou em certos ‘ipos de musica ou de arte visual) frequentemente acabam tendo uma crculagio social muito mais am- pla. As feministas que trabalham com © romance, por exemplo, tém analsado as correspondéncias en- tre as formas namativas da ficglo romintica popu- lar, 0s rituais piiblicos de casamento (0 casamento, real, por exemplo) e, mesmo que apenas através de ‘sua propria experitneta, o trabalho subjetivo das re- soluges simbélicas do amor roméatico.** Estimul- do por este modelo ainda em desenvolvimento, um conjunto de pesquisadoras esti investigando as fan- tasias conflitantes da cultura juvenil masculina e as formas narrativas do épico. Como se provocado pela deixa de um ponto teatral, o conilito das Malvinas crisalizou ambas essas formas, juntando-as em um expeticulo piblico particularmente dramético ¢ real Nio existe melhor exemplo, talvez, dos limites de se ‘eatar formas como o romance ou a épica como 68 construgies meramente literérias. Pelo contritio, las estao entre as mais poderosas € onipresentes das categoria socitis ou formas subjetivas, especialmen- te-cm suas construgées da feminilidade ¢ da mascw. linidade convencionais. Os seres humanos vivern, amam, sofrem perdas e yao 3 futa e morrem por elas. ‘Como sempre, pois, 0 problema consiste em se apropriar de métodos que estio frequentemente en- cerrados em canais disciplinares estreitos € usar seus reais insights mais amplamente, mais livremente. Que tipos de métodos baseacos na anglise de textos io, pois, mais titeis? E quais seriam os problemas a serem identificados € superados? A IMPORTANCIA DE SER FORMAL Expecialmente importantes sf0 todas as influén- cias modemistas e pés-modemistas, particularmen- te aquelas associadas com o estruturalismo € com a Linguistica pés-sanssureana, Incluo aqui os desen- volvimentos na semiologia, mas gostaria de inciuir também, como tendo algum tipo de parentesco, tal- vex. distante, algumas vertentes da Linguistica a glo-americana.® Os Estudos Calturais tém, muitas vezes, se aproximado dessas vertentes de uma for ‘ma um tanto acalorada, tendo lutas acirradas, em particular, com agueles tipos de anilises de texto inspiradas pela Psicandlise,* mas as renovadas infusdes modernistas continuam a ser uma fonte de desenvolvimentos. Como alguém que vem do oa- 110 lado, o histérico/sociologico, sou, frequentemen- te, surpreendido ¢ — de forma pouco critica — atraido pelas possibilidades aqui existentes. A anilise formal modema promete uma descri- <0 realmente cuidadosa e sistematica das formas subjetivas © de suas tendéncias e pressdes. Ela nos tem permitido identifcar, por exemplo, a narrati- vidade como uma forma bisica de organizagio da subjetividade.” Ela também nos dé indicagées so- bre © repert6rio das formas narrativas contempo- rancamente cxistentes — as estérias reais, caracteristicas de diferentes modos de vida. $e nés as tratarmos no como arquétipos mas como cons- tudes historicamente produzidas, as possbilida- des de um estudo concreto, produtivo, em uma guna ampla de materais, slo imensas. Pois as est6- rias, obviamente, nio se apresentam apenas na for- ma de ficcbes literitias ou filmicas; elas se apresentam também na conversasio diria, nos fu- turos imaginados e nas projegées cotidianas de to- dos nés, bem como na constragio — através de miemérias ¢ histérias — de identidades individnais 6 «€ coletivas. Quais sio os padres recorrentes aqui? (Que formas nés podemos, mais comumente, abstra ir desses textos? Parece-me que, no estudo das for- ‘mas subjetivas, estamos naquele estiuso da economia politica que Mars, nos Grundlisse, viu como neces- sitio mas primitvo: “quando as formas tinham ain- dda que ser laboriosamente escalpeladas do material”, Hi, aqui, uma série de inibigies. Uma delas a oposicio as categorias abstratas ¢ o medo do for- malismo. Penso que isso é, multas vezes, bastante mal colocado. Precisamos abstrair as formas a fim de descrevé-las cuidadosamente, claramente, ob- servando as variagdes e as combinagdes. Estou se- gruro de que Roland Barthes estava correto quando argumenton contra a rejeigio quixotesca do “ar- tificio da andlise”: “Menos aterrorizada pelo espectro do “forma lismo”, a erica histrica poderia ter sido me- os extéi; ela tera compreendido que 0 estdo ‘expecifco das formas ado contradiz, de modo algum, os prineipios necessirios da totalidade © da Histéra. Pelo contrério: quanto mais um sistema é especificamente definide por suas forsnas, mais cle estésujeito a extica histrica Para parodiae 0 dito bem conhecido, dieei que ouco formalismo nos afasta da Histéria, mas que muito formalismo nos leva de volta a ela Sem dtivida, a “Historia” de Barthes é suspeito- samente grafada em maiisculas ¢ esvariada de con- tetido: diferentemente do marxismo, a semiologia sido nos oferece uma prética (a menos que sejam os pequenos ensaios de Barthes) para reconstituir um todo complexo a partir das diferentes formas. Mas «estou certo de que n6s acabaremos com historias me Ihores, mais explicativa, se tivermos compreendido mais abstratamente algumas das formas e relagdes que as constituem. De algum modo, na verdade, penso que o trabalho de Barthes no € suliciente- mente formal. O nivel de elaboracio, em seu taba- tho da titima fise, parece, algumas vezes, gratuito: demasiado complexo para ser claro insuficentemen- ‘te concteto pata construir uma descrigio substantiva. ‘Nesse € cm outros empreendimentos semiol6gicos, ‘© que estamos ouvindo perfeitamente € 0 ruido agi- tado de autogerados sistemas intelectuais rapidamen- te flgindo ao controle? Se assim for, trata-se de um. rufdo diferente do barulho satisfiro de uma abstra- 0 realmente hist6rica! Os estrunuralismos radicais estimulam-me por uma outra razio.” Eles so 0 que existe de mais A n distante da critica do empiricismo que, como suge- i anteriormente, fundamenta filosoficamente os Estados Culturais. Este construcionismo radical — nada na cultura € tomado como dado, tudo é produzido — é um importante insight que nio po- demos abandonar. Naturalmente, esses dois est mulos estio estreitamente relacionados: 0 segundo como uma premissa do primeiro. & porque sabe- mos que mio estamos no controle de nossas prépri- as subjetividades que precisamos tio cesesperacamente identificar suas formas e descre- ver suas histirias ¢ possibilidades fucuras © QUE &, AFINAL, UM TEXTO? Mas se a andlise de texto ¢ indlispensivel, o que é, entio, um texto? Relembremos 0 Mini-Metro como um exemplo da tendéncia dos “textos” a um. ‘rescimento polimorfo; o exemplo da andlise dos sgéneros de James Bond, feita por Tony Bennett, é um exemplo ainda melhor.» A proliferacio de re- presentagGesaliadas no campo dos discursos pitblicos coloca grandes problemas para qualquer praticante dos Estudos Culturais contemporineos. Existem, ‘entretanto, melhores e piores formas de lidar com cles, Erequentemente, penso, chega-se a uma solugio literéia tradicional: elegemos um “autor” (na me- dida em que isto € possivel), uma tinica obra ou série, talvez um género distintivo. Nossas escolhas podem, agora, ser textos populares: talvez um meio eletrénico ou filmico, embora ainda haja limites nesses critérios “quase literérios”. Se, por exemplo, estamos realmente interessados «em saber como as convenges € 08 meios téenicos disponiveis no interior de um meio particular es- ‘ruturam as representagées, precisamos trabalhar 20, Jongo dos géneros e dos meios, comparativamente, Precisamos descrever as diferengas, bem como as si milaridades, entre 0 romance literitio, 0 amor ro- mintico como espetéculo pitbica ¢ 0 amor como uma forma privada on narrativa. H apenas dessa forma que podemos resolver algumas das mals importantes quests avaliativas aqui: em que medida, por exem- plo, o romance atua apenas para aprisionar a5 mu- Iheres em condigdes sociais opressivas, ¢ em que ‘medida a ideologia do amor pode, nio obstante, ex pressar concepedes ut6picas de relagdes pessoais. N3o temos, certamente, que limitar nossa pesquisa 2 cri ‘érios literérios; outras escolhas esto disponiveis, possivel, por exemplo, adotar “problemas” ow “periods” como critécio principal. Embora restri- tos por sua escolha de géneros e meios bastante “mas- culinos”, Policing the Crisis ¢ Unpopular Education slo estudos deste tipo. Eles giram em torno de uma definisio histérica basica, examinando aspectos da ascensio da “Nova Dircita”, principalmemte a par- tir do inicio dos anos 70. A légica desta abordagem foi ampliada nos recentes estudos do CCCS sobre ‘idia: um estudo de uma gama ampla de represen: tagdes, feiss pela mica, da Campanha pelo Desar- mamento Nuclear (outubro de 1981}# ¢ um estado da midia no perfodo de feriados pés-Malvinas (Na- tal de 1982 ao Ano Novo de 1983). Essa tiltima abordagem é especialmente produitiva, uma vez. que cla nos permite examinar a construgao de um feria- do (especialmente, 0 jogo em tomo da divisio pi ¢o/privado) de acordo com as possibilidades dos diferentes meios € géneros, como por exemplo, a te- lenovela © a imprensa diiria popular. Ao apreender algo da contemporancidade e dos “efeitos” combi- radios dos diferentes sistemas de representacao, es- eramos também chegar mais perto da experiéncia mais cotidiana de ouvir, ler e ver. Desta forma, 0 estudo, baseado em uma conjuntura que, neste €as0, € um tanto histérica (0 momento pds-Malinas de dezembro de 1982) ¢ sazonal (as festas natalinas), tem como premissa a crenga de gue 0 contexto & crucial na produgéo de significado. De forma mais geral, 0 objetivo € descemtrar 0 “texto” como um objeto de estado. © “texto” ndo é ‘mais esttidado por ele proprio, nem pelos efeitos so- ciais que se pensa que ele produz, mas, em vez disso, pelas formas subjetivas ou culturais que ele efetiva € toma disponiveis. O texto € apenas um meio no Es: tudo Cultural estritamente, talver, trata-se de um ‘material bruto a partir do qual certas formas (por exemplo, da narrativa, da problemética ideolégica, do modo de enderegamento.** da posigao de sujeito etc.) podem ser abstraidas. Ele também pode fazer parte de um campo discursivo mais amplo on ser ‘uma combinagio de formas que ocorrem em outros cespagos sociais com alguma regularidade. Mas o ob- jeto dltimo dos Bstudos Culeurais no é, em minha opinido, o texto, mas a vida subjetiva das formas socias em cada momento de sua circalagio, inchu- indo suas corporificagdes textuais, Isto est muito distance da valoragio literdia dos textos por si mes- mos, embora, naturalmente, os modos pelos quais algumas corporificagées textuais de formas subje- tivas so valoradas relativamente a outras, especialmente por criticos ou educadores (0 proble- ‘ma, especialmente, do “baixo” € do “alto” na cultu: za), sejam uma questio central, especialmente em teorias de cultura ¢ classe, Mas este € um problema 76 que subsume preocupagdes “lteririas” a0 invés de reproduzi-las, Uma questio-chave é a de saber como os atitérios do que é “lteritio” acabam por ser, eles préptios, foumulados e instalados nas priticas acadé- ‘micas, educacionais e em. outras priticas regulativas MIOPIAS ESTRUTURALISTAS Como constituir 0 texto é um problema; um ‘outro problema ¢ a tendéncia de outros momen- tos, especialmente da produgio cultural e da leisw ra, mas mais geralmente dos aspectos mais concretos e privados da cultura, a desaparecerem diante da leitura de um texto. Em torno dessa tendéncia, po- dderiamos escrever toda uma complicada historia dos formalismos, usando 0 termo, agora, em sen senti- do critico mais familiar. Compreendo o formalis- mo negativamente, no como uma abstragio de foomas a partir dos textos, mas como a abstrario dos textos a partir de outros momentos, Para onim, €ssa abstracio ¢ critica, assinalanco preocupacdes legiti- mas e excessivas com a forma. Fu explicaria 0 for- malismo, no sentido negativo, em termos de dois conjuntos principais de determinaydes: aguelas que derivam da localizaeao social do “critico” e dos imi- tes de uma prética particular, ¢ aquelas que derivam de problemiticas te6ricas particulares —~ os instru: mentos de escolas criticas diferentes. Embora aja ‘uma associagio histérica clara, especialmente no século XX, entre “critica” ¢ formalismo, nao existe nenhuma conexio necesséria entre eles Os formalismos particulares que mais me inte- ressam — porque existem mais coisas a resgatar — sio aqueles associados com as vivias discussdes es truturalistas € pés-estruturalistas sobre 0 texto, a narrativa, as posigdes de sujcito, os discursos e assim por diante. Incluo aqui, de uma forma necessaria- ‘mente sintética, toda 2 sequéncia que vai da linguls- rica de Saussure € da sociologia de Lévi-Strauss, passando por Barthes € por aquilo que é, algumas veres, chamado de “marca semiolégica 1”, até aos desenvolvimentos colocados em movimento pelo aio de 1968 na critica de cinema, na semiologia © ra teoria narratva, incluindo a complicada interse fo entre o manxismo althusseriano, as semiologias ais recentes ¢ a Psicanilise. Apesar de suas varia: bes, essas abordlagens das “priticas de significagao” partlham certos limites paradigmticos que en cha- mo de “miopias estruturalistas” [Bhs sio limitadas, de uma forma muito finda mental, por permanecetem no interior dos termos da andlise textual. Mesmo quando vio além dela, chs subordinam outros momentos & andlse textual. Em particular, elas tendem a negligenciar questdes sobre a produgio de formas culturais ou de sua oF- ganizacio social mais ampla, ou a reduzir questes de producto 8 “produtividade” (eu diria, “capaci dade de produzie”) dos sistemas de significagio jé existentes, isto é, das linguagens formais ou dos ¢6- digos, Elas também tendem a negligenciar questes relativas & leituras feitas pelo piiblico ou subordi- ini-las is competénctas de uma forma textual de and: lise, Flas tendem, na verdade, a deduzir a leitura do piiblico das leituras textuais do proprio critico. Gos- taria de sugerir que 0 elemento comum em ambos cesses limites € uma filha teGriea central — a ausén- ia de uma “teoria” pés-estruturalista (ou deveria dizer, pés-pés-estruturalist) adequada da subjesi- vidade, Esta auséncia ¢ uma auséncia que € enfatiza- da no interior dessas prOprias abordagens; constinuia, na verdade, uma acusa¢io importante contra os an tigos manistas 0 fito de que Ihes faleava uma “teo- sia do sujeito”. Esta auséncia é compensada, de uma forma bastante insatisfatoria, pela combinagao de uma andlise textual com 2 Psicandlise, em uma descrica0 da subjetividade que continua muito abstrata, “far ca” e no historica ¢ também, em minha opinio, ‘excessivamente “objetiva”. Para sumariar as imitagdes, TR nio existe, aqui, nenhuma andlise da génese das for- mas subjetivas ¢ das diferentes formas pelas quais 0s seres humanos as jnibem, A NEGLIGEN (CIA DA PRODUGAO Este € 0 ponto mais ficil de ilustrar. Ba diferen- sa, por exemplo, entre 05 Estudos Culturais na tra- digo do CCS, especialmente @ apropriagio pelo CCCS das anlises de Gramsci sobre a hegemonia e, digamos, a tendéncia tedrica principal da revista de critica cinematogrifica associada com o British Film Institute, Screen. No contexto italiano, a compara: «fo poderia ser entre as tradicdes semiolégicas “pu mas” € 05 Estudos Culturais. Enquanto os Estudos (Cultura de Biemingham tenderam a se tomar mais historicos, mais preocupados com conjunturas ¢ lo- calizagies institucionais particulates, a tendéncia da critica cinematogrifica, ma Inglaterra tem sido, em ver disso, na outra dicesto, Inicialmente, uma anti- ‘ga preocupagio manista com a proxugio cultural € ‘em particular com o cinema, com a indkistia € com 48 conjunturas da produgio cinematogréfica, era co- mum tanto na Inglaterra quanto na Franga, Mas, tal como as revista cinematogricasfrancesas, Screen tomou-se, nos anos 70, crescentemente preocupad2 80 menos com a produgio como um processo social € histérico € mais com a “produtividade” dos prépri- os sistemas de significag3o; em particular, com os meios de representacio do veiculo cinematogritico. ‘Argumentou-se mais explicitamente em favor dessa mudanca nfo apenas nas criticas das teorias realistas de cinema e das estruturas realistas do proprio filme convencional, mas também na exftica do “super-re alismo” de (celebrados) marxstas como Fisenstcin ¢ Brecht Ela fez parte de um movimento mais am plo que colocava uma énfase erescente nos meios de representacio em geral e argumentava que tinha. ‘mos que escolher entre a autonomia virmal ¢ a de- terminagZo ebsoluta da “significagao” ou tetornar & consisténcia do marxismo ortodoxo. Como diz uma clogante mas exagerada e unilateral expresso, s30 (0 mitos que narram 0 criador do mito, lingua que fala o falador, os textos que leem o leitor, a proble- sitica tedrica que produz a “ciéncia” ‘0 discurso que produzem 0 “sujeito”. Hhavia, sim, uma anilise da producio neste tra- batho, mas tratava-se de uma andlise bastante ffaca Se pensamos na produglo como envolvendo mater: ais bratos, instrumentos ou meios de produgio € formas socialmente organizadas de trabalho huma- no, as andlises flmicas feitas por Screen, por exemplo, ca ideologia cstavam focalizadas de forma estreita em alguns dos instrumentos € meios de produgio /representagao. Digo “alguns” porque as teorias semiologicamente influenciadas tm tido uma tendéncia a inverter as Prioridades de abordagens marxistas mais antigas da produgio, focalizando-se somente em alguns meios cultura, aqueles, na verdade, que a econo- ria politica negligencia. A teoria do filme dos anos 70 reconhecia a natureza “dual” do circuito cine- ‘muttico, mas estava preocupada, principalmente, em analisar 0 cinema como uma “maquinaria mental”. Esta era uma escolba compreensivel de prioridades, mas que foi, com ffequéncia, perseguida de wma for: ma hipercritica € no cumulativa. Mais séria foi a negligéncia relativamente a0 trabalho, 3 atividade Jumana real de prochuc3o. Outra vez, isso pode ter sido, em si, uma reagio exagerada contra ideias mais, ancigas, especialmente neste c4S0, contra a teoria do auteur, ela propria uma concepeio enfraquecida do trabalho! A negligéncia relativamente 3 atividade humana (estruturada), especialmente a negligéncia relativamente aos conflitos em tomo de todos os ‘ipos de produslo parece, em retrospecto, a ausén- cia mais impressionante, Assim, embora a concepgio de “pritica” fosse muito invocada (por exemplo “pritica de significagio”), tratava-se de uma pritica st 32 bascante sem “préxs”, no velho sentido manista. Os efeitos disso foram especialmente importantes nas dis- castes, 3s quas chegaremos, sobre textos ¢ sujitos. A aaftica pode, entretanto, ir um passo adiante: trata-se de uma concepso mito limitada de “meios”. Havia, na teoria da Sereen, uma tendéncia a olhar apenas para os “meios” especifcamente cinematogré- ficos — 0s cédigos do cinema. As relagies entre esses ncios ¢ outros recursos ou condigGes culturais no cram examinadas: por excmplo, arelagio entre os c6- digos do realismo € © profissionalismo dos cineastas ‘ou a relagio entre os meios, de forma mais geral, € 0 Estado e 0 sistema politico formal. Se esses elementos podiam ser considerados como meios (cles podiam também ser pensados como relagdes socais de prod- ‘lo), os materiais bratos da produglo estavam tam bém, em grande parte, ausentes, especialmente em ‘suas formas culturais. Pois 0 cinema, como outros, meios puiblicos, pega seus materiais brutos do campo precxistente dos discursos politicos — ito é, de todo. © campo € no apenas daquele segmento chamado “cinema” —¢, sob o tipo de condigies que n6s exa- ‘minamos, também dos conhecimentos privados. Uma critica da prépria nogio de representagio (vista como indispensivel 4 critica do realismo) fez com que tomasse dificil para esses tedricos trazer para suas analises filmicas qualquer reconhecimento muito ela- bborado daquilo que uma teoria mais antiga, mais ple- na, poderia ter chamado de “conteiido”, O cinema e, depois, a televisio cram analisados como se tratase, ppor assim dizer, apenas “de” cinema ou televisio, sm- plesmente reproduzindo ou transformando as for- ‘mas cinematogrificas ou televismais, nl incorporando transformando discursos primeiramente produzi- dos em outro local, Desta forma, o texto cinemaro- ‘gtfico era abstratdo do conjunto global de discursos ¢ relagdes socais que o rodcavam e o formavam. ‘Uma importante limitagio adicional em grande parte deste trabalho era sua tendéncia a recusar qual- quer gesto explicativo que fesse além dos meios exis- tentes de representacio, fosse ele a lingua, uma “pratica de signifcagio” particular, ou, na verdad, um siste- ‘ma politico. A anise ficava imitada aos meios textu- ais ¢ aos “cfeitos” (apenas) textuais. Os meios no ‘ram concebidos,historicamente, como tendo seu pro- prio momento de producto. Esta nio era uma dif culdade locilizada de anilises particulates, mas uma auséncia teGriea geral, encontrada nos primeiros mo- delos influentes da teoria, A mesma dificuldade as- sombra a linguistica saussureana. Embora as regras do sistema de linguagem determinem os atos de fala, © desenvolvimento cotidiano de formas linguisticas parece no tocar o sistema de linguagem em si. Isto ‘ocorre, em parte, porye sets prinefpios sio concebi- dos de forma tio abstrata que a mudanga historica on. a variagio social deixam de ser devectadas, mas isto ‘ocorre também porque nio existe nenbumm momento de produsio verdadeiro do sistema de linguagem em. si, Insights crucais sobre a linguagem ¢ sobre outros sistemas de significasio sio, pois, excluides: a saber, «que as linguagens sio produzidas (ou dlferenciadss), reproduzidas € modificadas pela pritica humana so- cialmente organizada e que no pode haver nenkiama linguagem (exceto uma linggagem morta) sem filan- tes, € que a linguagem é continuamente dsputaca em suas palavras, em sua sintaxe ¢ em sta realizagio dis- coarsiva. A fim de recuperar esses insights, os estudi- sos da cultura que estejam interessados ma linguagem tém que sar das tradigdes semiol6gicas preclominan- temente francesas, ¢ voltar a Bakhtin — 0 fil6sofo rmarrista da linguagem — ou recorrer & pesquisa in fiuenciada pelo trabalho de Bemstein ou Halliday. LEITORES NOS TEXTOS; LEITORES Na SOCIEDADE © demento mais caracteristico das semiologias ais recentes € a assergZo de que elas proporcionam 34 —- uma teoria da produgio de sujeitos. Inicialmente, a asservio estava bascada numa oposigio filosdfica ge- ral as concepgdes humanistas de um “eu” ou sujcito simples ¢ unificado, colocado, de forma nio proble- ‘miética, no centro do pensamento, da moral ou da awaliacio estética, Este elemento do estruturalismo tinha afinidades com argumentos similares em Marx sobre 05 sujeitos das ideologias burguesas (especial ‘mente sobre as premissas da economia politica) ¢ com 4 anise, feta por Freud, da contradigio da perso: nalidade humana A “semiologia avangada” apresenta diversas c2- madas de tcorizagio da subjetividade, as quais sto dificeis de desenredar*” Esse conjunto complicado de fuses ¢ enredamentos combinava importantes insights com desastres tedricos. O insight crucial, para mim, & que as narvativas ou as imagens sempre implicam ou constroem uma posigio ou posigdes a partir das quais elas devem ser idas ow vistas, Em- ‘bora o conccito de “posicio” continue problematico (aratase de um conjunto de competéncias cnlturas ou, como o termo implica, alguma “sujeiga0” necessiria ao texto?), temos af um insight fascinante, ‘especialmente quando aplicado as imagens visuais € a0 filme. Nés temos, agora, uma nova perspectiva & partir da qual podemos analisar o trabalho feito pela ‘camera: ela no se limita a apresentar um objeto; ca, za verdade, nos posiciona relativamente a ele, Se acres- ccentamos 2 iso 0 argumento de que certos tipos de textos (os textos “realistas”) naturalizam os meios pelos quais este posicionamento € atingido, temos um insight duplo de grande forga. A promessa. particular consiste em tomar processos até ali inconscientemen- te soffidos (¢ fruidos) abertos 2 andlise explicia ‘No contexto de meu préprio argumento, a im portincia desses insights ests em que eles propiciam uma fooma de fizer uma conexio entre, de um lado, a andlise das formas textuais ¢, de outro, a explora- Ho das intersegdes com as subjetividades dos leito- res, Una andlise cuidadosa, elaborada, bieranguizada das posigoes de leitura oferecidas em um texto (na cstratura narrativa ou nos modos de enderecamen- to, por exemplo} parece-me o método mais desen volsido que nés temos, até agora, dentro dos limites dda anilise textual. Naturalmente, essas leituras no deveriam ser tomadas como negando outros méto- dos: a reconstrucao dos temas manifestos de um texto, seus momentos denorativos ¢ conotatives, sua pro- blemética ideoldgica ou seus pressupostos limitado: res, suas estratégias metaforieas ou linguisticas. © objeto legitimo de uma identificagio de “posighes” & constituido pelas pressdes ou tendéncias das formas ¥— subjetivas, pelas “iregdes” nas qnais elas nos mo: vem, sua “fora” — uma ver ocupadas a8 posigdes, As dificuldaces surgem — e elas So muito numero- sas — quando se of como certo que elas foram ef vadas na subjetividades dos leitores, sem formas adicionais ¢ diferentes de anilise As fascinasdes da teoria tomam um tal movi- mento muito tentador. Mas passar do “leitor no iedade” & passar do momento mais abstrato (a atiflise de formas) para © objeto mais concreto (os leitores reais, tais como eles 0 constitaldos socialmente, historicamente, culturalmente). Isto significa, convenientemen- {c, ignorar — mas nao explicitamente como uma texto” para “o leitor na s abstrasio racional — uma série enorme de novas determinagdes ou pressoes das quais nds devemos agora dar conta, Em tetmos disciplinares, nés va- ‘mos de um terreno usualmente coberto por abor- dagens literirias para 0 terreno mais conhecido das competéncias hist6ricas ou sociolégicas, mas 0 novo € comm: elemento, aqui, é a capacidade para lidar com uma massa de determinacdes coexisten- tes, as quais agem em niveis muito diferentes. Isso nos levaria a uma longa ¢ complicada explo- ragto do momento da “leitura”, para testar e avaliar toda a enormidade desse salto." Exist espayo, aqui, 38 apenas para enfatizar umas poucas dificuldades em. tratar a leitura mio como recep¢io ou assimilacao, mas como sendo, ela propria, um ato de producto. Se o texto € 0 material bruto dessa pritica, nds en- contramos, outza vez, todos os problemas dos limi- tes textuais. O isolamento de um texto, com vistas a uma anilise académica, € uma forma muito especifi- ca de leitura, De forma mais cotidiana, os textos si0 promiscuamente encontrados; eles caem sobre n6s de todas as diregdes, através de meios divensficados € coexistentes ¢ em fluxos que tém diferentes it ‘mos. Na vida cotidiana, os materiais textuais sio com- plexos, miltiplos, sobrepostos, cocxistentes, justapostos; em uma palavra, “intertexnuais”, Se usar ‘mos uma categoria mais 4gil como “discus”, para indicar elementos que atravessam diferentes textos, podemos dizer que todas leituras sfo também inter- discursivas. Nenhuma forma subjetiva atua, jamais, por conta propria. Tampouco podem as combina $8es ser preditas por meios formais ou légicos, nem ‘mesmo a partir da andlise empitica do campo do dis curso piblico, embora, naturaimente, isto possa su- gerir hip6teses. As combinagSes advém, em vez disso, de logicas mais particulares — a atividade estrutu- rada da vida, em seus lados objetivos e subjetivos, de leitores on grupos de leitores: suas localizagtes sociais, suas historias, seus interesses subjetivos, seus mundos privados. © mesmo problema sarge se nds considerarmos 0s instrumentos dessa pritica ou 0s cédigos, as com- peténcias © as orientagbes jf presentes no interior de um milicu social particular. De novo, eles ndo slo previsiveis a partir de textos paiblicos. les per- tencem a “culturas” privadas, no sentido em que 0 termo tem sido comumente utilizado nos Estudos Culturais. Eles sio agrupados de acordo com “for- mas de vida”, Eles existem nos ensembles casticos € historicamente sedimentados que Gramsci carac- terizou através do conceito de “senso comm”. En- treranto, estes devem determinar os resultados de Jongo ¢ curto prazo de momentos interpelativos par- ticulares ou, como prefiro, as formas das transfor- mages culsurais que sempre ocorrem nas Ieituras. ‘Tudo isso aponta para a centralidade daquilo que é comumente chamado de “contexto”, © con- texto determina o significado, as transformagies ou a saliéncia de uma forma subjetiva particular, tanto quanto a propria forma, © contexto inclai os elementos culturais deseritos acima, mas também 08 contextos das situagdes imediatas (por exemplo, ‘© contexto doméstico do lar) ¢0 contexto on acon- juntura histérica mais ampla 89 Entretanto, qualquer anslise ficaria incompleta sem alguma atengio 20 proprio ato de leiarae sem ‘uma tentativa de teorizar seus produtos. A ausén- ia de agio por parte do leitor € caracteristica das analises formalistas. Mesmo aqueles tedricos (por exemplo, Brecht, Te! Quel, Barthes em 5/Z) que estio preocupades com a leitura produtiva, des- construtiva ou critica atribuem essa capacidade a tipos de texto (por exemplo, “escrevivel” em vez, de “legivel”, na terminologia de Barthes) ¢ nfo, de modo algum, a uma histéria de leitores reais. Essa auséncia da producio no momento da leitara tem. um paralelo na atribuigio de produtividade a siste- mas de signifcagao. Na melhor das hipsteses, atos particulares de leitura sio compreendidos como uma repetigao de experiéncias humanas primétias Exatamente da mesma forma que uma crtica lite- riria mais antiga buscava valores ¢ emogdes huma- nas universais no texto, também os novos formalismos compreendem a leitura como o revi ver de mecanismos psicanaliticamente definidos. As anilises do olhar do espectador, baseadas na teoria lacaniana da fase do espelho, identificam alguns ‘dos modos pelos quais os homens usam imagens de mulheres € s¢ relacionam com herdis.? Essas andl ses realmente fazem uma ponte entre 0 texto ¢ 0 90 ~~ oe es Ieitor, Existe uma enorme potencialidade para os Estudos Calturais no uso exstico de eategorias feu- lianas, isto &, to ctitico quanto se tornou (ou esté se tornando) 0 uso de categorias marxistas. Entre- tanto, 08 usos atuais frequentemente fazem uma ponte entre 0 texto € 0 leitor a um custo: a simpli ficagao radical do sujeito social, reduzindo-o a ne- cessidades originais, nuas, infantis. £ dificil, desse modo, especificar todos os dominios de diferensa que se deseja aprender, incluindo, suxpreenden- temente, o género. Na pior da hipéceses, as impli- cases sobre sujcitos reais resumem-se a uns poucos tuniversais, exatamente da mesma forma que, ago- ra, slo apenas uns poucos elementos bésicos do tex- to que nos interessam. Existem limites claros em tum procedimento que descobre — em fendmenos de resto vatiados — os mesmos velhos mecanismos produzindo os mesmos velhos efeitos. Uma auséncia nessas anslises & uma tentativa de descrever mais elaboradamente as formas superficiais — os fluxos da fila interior ¢ da narra tiva — que sio 0 aspecto mais empiricamente Sbvio a subjetividade. Serd possivel que se pense que é Jumanista prestar atengdo consciéncia dessa forma? Mas somos todos nés (no somos?) usuttios contin 6, cheios de recursos e absolutamente fienéticos de a mn 9 narrativas ¢ imagens? E esses sos ocorrem, em par- te, dentro da cabeca, no mundo imaginative ou ideal que nos acompanha em todas as ages. As nar rativas ndo tém como tinico efeito o de nos posic- conar, Usamos estérias realistas sobre o futuro para preparar ou planejar, representando, por antecipa- (20, eventos perigosos ou prazerosos. Usamos for- mas ficcionais ou fantésticas como forma de figa ‘ou escapismo, Contamos estérias sobre o passado, na forma de meméria, que constroem versdes de ‘quem nds atualmente somos. Talvez tudo isso este ja simplesmente pressuposto nas andlises formalis tas; trazé-las para o plano frontal parece, entretanto, ter importantes implicagdes,® tornando possivel re cuperar 0s elementos de autoprodugio nas teorias da subjetividade. Isto sugere que, antes que possa- mos avaliar a produtividade de novas interpelacdes co antecipar sua popularidade, precisamos reconhe- cer quais estrias ja esto em agio. ‘Tudo isso envolve um movimento para além da: quilo que parece ser um pressuposto formalista sub- jacente: © pressuposto de que os leitores reais si0 apagados (como se apaga wim quadro-negro) a cada ‘encontro textual, para serem posicionados ou libe~ rads (como se fossem um quadro-negro “impo”) pela proxima interpelagio, As revisdes pés-estruturalstas que enfitizam a produtividade continua da lingua gem ou do discurso como processo no ajudam, ne- cessariamente, em nada, aqui, porque no esti abgolutamente claro 0 que toxla essa produtividade realmente produz. Nao existe, aqui, nenhuma teo- fia real da subjetividade, em parte porque o expla nandam, © “objeto” dessa teoria, ainda precisa ser especificado, Em particular, nfo existe nenhuma andlise do sequenciamento ou da continuidade das autoidentidades de um momento discursivo para 0 seguinte, do modo que ima re-teorizagio da memé- ria em termos discursivos permitiia. Uma vez que nio existe nenhuma anilise das continuidades ou daquilo que permanece constante ot acumulative, no eviste nenhuma andlise das nmadangas estrutu- nas ou dos rearranjos maiores de um sentido do eu, especialmente na vida adulta, Estas transformagies esto sempre, implicitamente, referidas a formas tex- tuais “externas”, como por exemplo, textos revolu- cionarios ow poéticos — em geral, formas de fiteratura. Nao existe nenhuma andlise daquilo que predispoe o leitor a usar eses textos produtivamen- te ou de qunais condigdes, além daquelas das proprias formas textuais, contribuem para conjuntaras re- voluciondrias em suas dimensdes subjetivas. De for ‘ma similar, com uma tal carga colocada sobre o texto, 93 94 no existe nenhuma andlise de como alguns leitores (Gncluindo presumidamente os analistas) podem usar 6s textos convencionais ou realists de forma eriti- «a, Acima de tuo, nio existe nenliuma andlise da guilo que eu chamaria de “aspectos subjetivos da Jura”, nenimuma anélise de como existe wm momen- to-no fluxo subjetivo no qual os sujeitos socais (in- dlividuais ou coletivos) produzem narrativas sobre quem cles so como agentes politicos eonscientes, isxo é, como eles se constituem a mesmos politica- mente. Perguntar por uma tal teoria no significa negat os principais insights estrarualistas ou pés- estruturaistas: 0s sujeitos sio contraditérios, frag rmentados, produzidos, esto “em processo”. Mas 05 seres humanos ¢ 03 movimentos socials também se esforgam para produzir alguma coeréncia e conti- nuidade c, através disso, exercer algum controle so bre os sentimentos, as condigées © 0s destinos, E isto que quero dizer com uma anilise “pés- pés-estruturalista” da subjetividade. Isto envolve rexornar a algumas quest®es mais ancigas, mas re formuladas — sobre huta, “unidade” € a produgio de uma vontade politica, Envolve aceitar 08 insi- aghts estruturalistas como uma formulagio do pro- blema, quer estejamos filando dos nostos préprios us fragmentados, quer da feagmentagio objetiva € subjetiva dos possiveis argumentos politicos; mas também envolve levar a sério aquilo que me parece ser a indicacio tebrica mais interessante: a nogio de uma autoprodugio discursiva dos sujeitos, ¢s- pecialmente na forma de histrias © memérias * ANALISES SOCIAIS — LOGICA E HISTORIA Espero que a logica de nosso terceiro conjunto de abordagens, as quais se focalizam na “cultura vivida”, ja esteja clara. Para recapitular, o proble. ma consiste em saber como aprender os momen- tos mais concretos e mais privados da circulagio cultural. Isso coloca dois tipos de pressio. O pri- meiro vai na diregio de métodos que possam de- talhar, recompor € representar conjuntos complexos de elementos discursivos e no discur- sivos tais como eles aparecem na vida de grupos sociais particulares. O segundo vai na diregao de ‘uma “anzlise social” ou de uma busca ativa de ele- mentos calturais que ndo aparecem na esfera pa- blica ou que aparecem apenas de forma abstrata € transformada, Naturalmente, os estudiosos da cul- ‘mura tém acesso as formas privadas através de suas proprias experiéncias ¢ de seus proprios mundos sociais. Este € um recurso continuo, tanto mais s© — 98 cle for conscientemente especificado ¢ se sua rela- tividade for xeconhecida, Na verdade, uma auto- critica cultural deste tipo € a condigio indispensivel para se evitar as formas ideolégicas mais grosseiras de estudo cultural. Mas a pri: meira ligfo, aqui, € a do reconhecimento de dife rengas culturais importantes, especialmente as que atravessam aquelas relagdes sociais nas quais 0 po- der, a dependéncia c a desigualdade estejam mais em jogo. Existem perigos, pois, no uso de um au- toconhecimento individual ou (limitado) coleti- vo, no qual os limites e saa representatividade niZo estejam mapeadas, ¢ no qual seus outros lados — comumente os kndos da falta de poder — sejam simplesmente desconhecidos. Isto continua uma justificagio para formas de estudo cultural que zomem 08 niveis culturais de outros (frequente- mente 0s lados inversos de nosso proprio) como o objeto principal ‘Temos que manter um olhar inguieto sobre as Tinhagens hist6ricas ¢ as atuais ortodoxias daquilo que é, algumas vezes, chamado de “etnografia” — a pritica de representagio das culsuras dos outros (A pritica, tal como a palavra, jf amplia a distincia social e constrdi relagdes de “conhecimento-como- poder”. “Estudar” formas culturais € jé diferir de 96 ‘uma ocupagio mais implicita da cultura, que é a Principal forma de “senso comum™ em todos os SupOS sociais. (E quero dizer todos os grupos so- dais — 0s “intelectuais” podem ser étimos em des- rever os pressupostos implicitos de outras pessoas, mas sio to “implicitos” quanto quaisquer outros ‘quando se trata de seus préprios pressupostos), Em particular, os anos iniciais da pesquisa da “Nova Esquerda” — os anos 40 ¢ 80 ¢iniso dos anos 60 — envolviam um novo conjunto de relagtes entre os sujeitos ¢ 08 objetos da pesquisa, especial- mae longo de relagaes de classe Os inovimen- tos intelectuais associados com o feminismo ¢ o twabalho de alguns intelectuais negros tém transfor: ‘mado (mas no abolido) também essa divisoes soci «is, Experimentos em atitora baseada na comunidade ‘én também, dentro de limites, estabetecido novas rclagdcs socinis de produc cultural ¢ de publica do. Mesmo assim, parece pradente suspeitar Zo necessatiamente dessas pritcas em si, mas de todas as andlises delas que tentem minimizar 0s riscos ¢as re- onsabilidades politicas envolvidas ou resolver, de forma migica, as dvisdes sociais remanescentes. Uma Vez que as relagées sociais fomdamentais n3o foram tansformadas, a anilsc social tende, constantemen- te, a retomnar 3s suas velhas ancoragens, patologizando as culturas subordinadas, normalizando 0s modos dominantes, ajudando, na melhor das hipéteses, a construir reputagdes académicas sem retornos pro- porcionais aquelas pessoas ¢ aqueles grupos que sio representados. Além da posigio politica bisica (de que Jado estio os pesquisadores?), muito depend das for- sas teéricas espectficas de trabalho, muito depende do tipo de emografia LIMITES DA “EXPERIENCIA” Parece haver uma estreita associagio entre, de um lado, etnograias (ou histérias) bascadas numa arica- de de simpatia para com a cultura estadadda ¢, de ou- t1o, modelos empirists ou “expressivos” de cultura. A presséo vai no sentido de representar as culturas vividas como formas auténticas de vida ¢ de defendé- las contra 0 ridicolo ou a condescendéncia. As pes- quisas desse tipo tém sido frequentemente usadas para citicar a8 representagdes dominantes, especialmente aguelas que tém influénci sobre as poliicas publica, ‘As pesquisadoras tn frequentemente feito um tra- balho de mediagio entre 0 mundo operirio privado (cnuitas vezes o mando de sua prépra infincia) ¢ as definigdes — com seu vis de classe média — de esfe- 1a ptiblica. Uma forma muito comm de defender as 98 ~ cculturas subordinadas é a pritica de enfatizar os los entre os lados subjetivos ¢ objetivos das priticas po- ulares. A. cultura operitia tem sido vista como a ex- Pressio auténtica de condigdes proletirias, talven a finica expresso possivel. Essa relagio ou identidade tem, 3s vezes, sido flandamentada em antigos pressu- postos marsistas sobre a consciéncia da classe opers- tia, Ur conjunto similar de pressupostos baseia-se fem alguns escritos feministas sobre a cultura, os quais etatam ¢ celebran um mundo cultural feminino € dliscinto que seria 0 reflexo da condicio feminina. O termo que mais comumente marca este quadro de referéncia tedirico € “experiéneia”, com sua caracte ristca fasio de aspectos objetivos e subjetivos Esses quadros de referéncias produzem gran- des dificuldades, inclusive para as proprias pesqui: sadoras. A andlise secundaria e are-presentacio serio sempre probleméticas ou invasivas se as formas cul- ‘turais “espontiineas” forem vistas como a forma ne- cesséria ou completa de conhecimento social. A “nica pritica legitima, neste quacro de referéncia, consiste em representa, de alguma forma em seus préprios termos, um segmento no mediado da pré- pria experiéncia auténtica Existe também uma pressio sistemstica para que as culturas vividas sejam apresentadas, primariamente, cm termos de homogencidade ¢ distinglo, Essa pres- do twérica, em concepgbes tals como “modo global de vida", torna-se surpreendentemente clara quan- do se consideram questées de nacionalismo ¢ recs ‘mo. Existe uma incémoda convergéncia entre descrigdes “criticas” mas romanticas da “cultura da classe operiria” € nogdes que suptem a existéncia de uma “identidade inglesa” comum ou de uma etnia banca. Também aqui encontramos o temo “modo de vida”, utlizado como se as “cultaras” fossem blo- cos de significado carregados sempre pelo mesmo con- junto de pessoas. Na emografia de esquerda, o temo tem sido frequentemente associado com uma sub-re- presentagio de relagdes que nifo sejam de classe ¢ com. fragmentagies no interior das classes socizis.® ‘A principal auséncia no interior das teorias ex- pressivas é a atengio aos meios de significagio como ‘uma determinagio cultural especifica. Nao existe melhor exemplo de divércio entre a anise formal ¢ ‘0s “esrudos concretos” do gue a ratidade da andlise linguistica no trabalho histérico ou etnogréfico. Tal como boa parte da andlse estrucualsta, pois, as et nografas frequentemente trabalham com wma ver fo truncada de nosso circuit; mas o que esti ausente, aqui, € todo 0 arco das formas “pablicas”, Enfitizam: se, xssim, a cratvidade das formas privadas ¢ a con- 100—— ERE tinua produtividede cultural da vida cotidiana, mas ‘ao sua dependéncia dos materiais e modos dle pro- dugio piblica, Metodologicamente, as virtudes da abstragio sio evitadas, de modo que os elementos se- parados (ou separives) das culearas vividas no sio deslindados e sua complexidade real (em contraste com sna “unidade essencial”) ndo & reconhecida, A MELHOR ETNOGRAFIA Nio queto dar a entender que esta forma de estudo cultural esteja intrinsecamente compro- metida, Pelo contritio, tento vé-la como a forma Privilegiada de anélise, tanto intelectualmente quanto politicamente. Talvez isto fique claro a0 revisarmos, de forma breve, alguns aspectos dos melhores estudos etnogrificos feitos no centro de Birmingham.** Estes estucos tém utlizado a abstracio e a descti- fo formal para idemtificar elementos cruciais em wm ensemble cultural vivido, As culturas sio lidas “tex- tualmente”, Mas clas também tm sido visas através le uma reconstrusdo da posigio social dos usuirios. Existe uma grande diferenea, aqui, entre uma “ctno- syafia estrutural” ¢ uma abordagem mais ctometo- dol6gica, preocupada exclusivamente com 0 nivel do ——1n significado, ¢ em geral, no interior de um quadro de referéncia individualista, Essa € uma das razies, por cexemplo, pelas quais 0 tabalho feminista do Centro tem estado tio preocupado com a teorizacio da posi fo das muleres quanto com “falar com as garotas”, ‘Temos tentado combinar a andlise cultural com uma sociologia estrurural (is vezes cemasiadamente gene. ralizada) centrada no género, na classe © na raga A caracteristica mais distintiva é constituida pelas conexdes feitas entre ensembles culturais vividos formas pablicas. Tipicamente, os estu- dos tém se preocupado com a apropriagao de ele- mentos da cultura de massa e sua transformagio de acordo com as necessidades € a l6gica cultural dos grupos sociais. Os estudos sobre a contribu ‘do das formas culturais de massa (miisica popu- lar, moda, drogas, ou motocicletas) para os estilos subeulturais, sobre a utilizago das formas cul turais populares pelas garotas ¢ sobre a resistén: ia dos garotos ao conhecimento ¢ i autoridade da escola sio exemplos disso. Em outras palavras, ‘os melhores estudos da cultura vivida, sao tam- bem, necessariamente, estudos de “leitura”. E esse ponto de vista — o da intersego entre for- mas piblicas € privadas — que temos a melhor ‘oportunidade de responder aos dois conjuntos cen- 202- trais de questdes 3s quais os Estudos Culturais, de forma correta, continuamente retornam, O primeizo conjunto diz respeito ao prazer da “popnlaridade” ¢ ao valor de uso das formas cul- turais. Por que algumas formas subjetivas adqui- rem uma forsa popular, tomando-se principios de Vida? Quis sio os diferentes modos através dos uais as formas subjetivas sfo ocupadas — luica- ‘mente ou numa profunda seriedade, através da fan- tasia ou em acordo racional, porque se trata da coisa a fazer ou da coist a nko fazer? © segundo conjunto de questies diz respeito 205 resultados das formas culturais. Tendem esas formas culturais @ reproduzir as formas existentes de subordinasio ou opressio? Ela satisfizem ou contém ambigdes socials, definindo os descjos de forma muito modesta? Ou sio elas formas que per- mitem um questionamento das relagées existentes € sua superagio em termos de desejo? Elas apon- fam para attanjos socials altemativos? Julgamen- tos como esses no podem ser feitos com base na analise apenas das condigdes de producio ou dos textos; eles terio melhores respostas depois que ti- vermos deserito uma forma social diretamente atra- vés do circuito de suas transformagbes e tivermos feito algum esforgo para coloci-la no interior de ——— 103 todo o contexto de relagdes de hegemonia no inte: rior da sociedade. FUTURAS FORMAS DOS ESTUDOS CULTURAIS: DIREGOES ‘Meu argumento tem sido o de que existem trés ‘modelos principais de pesquisas em Estudos Culea- rais: esmdos baseados na procucao, estudos baseados no texto ¢ esttidos bascados nas culturas vividas. Essa divisio conforma-se as manifestagdes principais dos ircuitos culturais, mas inibe — de formas importan- tes ~~ 0 desenvolvimento de nossis compreensdes. (Cada abordagem tem uma racionalidade prépria re- Insivamente aquele momento gue ela tem mais esti tamente em vista, mas ela é muito evidemtemente, inadequada ou até mesmo “ideolégica”, como uma descrigfo do todo, Entretanto, cada abordagem tam- bem implica uma visio diferente da politica cultural. (Os estudos baseados na produgio implicam tama lata para controlar ou transformar os mais poderosos ios de produsio cultural ou para desenvolver meios altemativos pelos quais estratégias contra-hegemés «as poderiam set buscadas. Esses discursos so, em eral, dirigidos a reformadores institucionais ou a pattidos politicos de esquerda, Os estudos baseados op

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