You are on page 1of 32
10 Relagées gramaticais, esquemas relacionais Indice e ordem de palavras Inés Duarte 10. Relacdes gramaticais, esquemas relacionais e ordem de palavras 10.1. Relagdes gramaticais 10.1.1. 10.1.2. 10.1.3. 10.1.4. 10.1.5. 10.1.6. Predicado Sujeito Objecto directo Objecto indirecto Predicativo do sujeito e predicativo do objecto directo Relagées gramaticais obliquas 10.2. Subclasses de verbos e esquemas relacionais 10.3. 10.2.1. 10.2.2. 10.2.3. 10.2.4. 10.2.5. 10.2.6. 10.2.7. Verbos principais Verbos copulativos Verbos auxiliares Verbos principais de alternancia Verbos simétricos Verbos transitivos que admitem queda do objecto Entre verbos principais e verbos auxiliares: verbos leves e semiauxiliares Padrdes de ordem de palavras em frases declarativas 10.3.1. 10.3.2. Predicagdes Apresentacdes Este capitulo descreve as relagdes gramaticais dos constituintes na frase sim- ples e a ordem linear segundo a qual os mesmos ocorrem nas frases declarati- vas do portugués. Consideremos as seguintes frases: (1) (a) ~~ O jomalista contou a novidade aos amigos. (b) *A novidade aos amigos o jornalista contou. (1a) é uma frase basica do portugués que pode caracterizar-se sintacticamente, numa primeira abordagem, como uma sequéncia em que: (i) cada constituinte tem uma dada relac&o gramatical; (ii) os constituintes ocorrem segundo uma dada ordem linear (veja- -se a agramaticalidade de (1b) vs. a gramaticalidade de (1a)). Esta caracterizagao sintactica reporta-se & forma final das frases, i.e., & for- ma sintactica que corresponde a sua realizag4o material no discurso. Em linguas como 0 portugués, a relagdo gramatical final dos constituintes é o principal factor que determina a ordem linear da sua ocorréncia ('). (') Sobre outros factores que determinam a ordem de palavras, ver 10.3. 277 10.1. Relagdes gramaticais Um dominio sintactico de predicacaio — i.e, uma orac4o —, contém dois termos fundamentais: 0 predicado (abreviadamente, Pred), 0 constituinte ou sequéncia de constituintes formado pelo predicador e pelo(s) seu(s) argumento(s) interno(s), e 0 sujeito (abreviadamente, SU), 0 constituinte que satura o predi- cado ou, por outras palavras, o argumento externo do predicador (7). 10.1.1. Predicado De um modo geral, uma ora¢ao coincide com uma frase simples e, neste caso, o predicado inclui pelo menos um elemento verbal; vejam-se os seguintes exemplos, em que o predicado esté em itdlico eo Sujeito entre paréntesis rectos: (2) (a) [O mitido] comeu um gelado. (b) [0 mitido] tinha trocado do irmdo. Em (2a), 0 predicado é constitufdo pelo predicador verbal (= comeu) e pelo seu argumento interno (= um gelado); em (2b), 0 predicado inclui, para além do predicador verbal (= trogado) e do seu argumento interno (do irmdo), 0 ver- bo auxiliar (= tinha), que introduz um valor témporo-aspectual. Em ambas as oragdes existe, portanto, um tinico dominio de predicagao: a tradicao gramati- cal luso-brasileira denomina este tipo de predicado predicado verbal. Contudo, ha casos em que uma frase simples contém mais do que uma pre- dicacao. Assim, se considerarmos frases com verbos copulativos, como as exem- plificadas em (3), verificamos que elas contém uma dupla predicagao: predica-se 0 adjectivo ou a expressdo nominal em posicao pés-verbal acerca do sujeito da frase e predica-se toda a expressio em itdlico acerca do mesmo sujeito (cf. 12.1. e 13.4,): (3) (a) [0 mitido] estd contente. (b) [0 mitido] é filho do Pedro. Em (3), 0 predicado inclui um verbo predicativo (estd, em (3a); é, em (3b), para além de um predicador, adjectival em (3a) (= contente) € nominal em (3b) () Ou seja, uma oragao é 0 dominio sintactico em que uma projecgio maxima de nature- za predicativa fica saturada mediante a existéncia de um sujeito. 278 (= filho), seguido do seu argumento interno (= do Pedro). Por outras palavras, 0 adjectivo e a expresso nominal em itdlico constituem os predicadores sin- tacticamente secundarios das frases (3), sendo os verbos copulativos que nelas ocorrem os predicadores sintacticamente primdrios. Na tradigao gramatical luso-brasileira os predicados deste tipo so denominados predicados nominais. A relagao gramatical dos predicadores (sintacticos) secundarios em frases copu- lativas é a de predicativo do sujeito. Considerem-se agora exemplos como (4): (4) (a) [O Joao] considera a Maria inteligente. (b) [0 Joao] considera inteligente a Maria. Nestas frases, existem igualmente dois dominios de predicagdo: 0 predica- dor sintactica e semanticamente primério é um verbo da classe dos transitivos- -predicativos (considera), que selecciona como seu complemento um dominio de predicagao ({a Maria} inteligente), cujo predicador sintdctica e semanti- camente secundario € 0 adjectivo inteligente e cujo sujeito € a expresso nominal a Maria. Por outras palavras, as frases (4) so analisdveis numa oragdo cujo pre- dicado é a sequéncia em itdlico em (4) e 0 sujeito o constituinte o Jodo e numa oracao pequena, cujo predicado € o constituinte inteligente e 0 sujeito 0 cons- tituinte a Maria (*). Em (4b), o predicador primario e 0 secundério ocorrem adja- centes, formando o predicador complexo considera inteligente. A tradicao gramatical luso-brasileira denomina este tipo de predicados predicados verbo- -nominais. A relagdo gramatical dos predicadores secundarios em frases transitivas-predicativas é a de predicativo do objecto directo. Considerem-se ainda exemplos como (5): (5) (a) A teimosia do Joao tornou a discussao impossivel. (b) — O ferreiro pés o ferro em brasa. (c) A cozinheira cortou o pao as fatias. As frases (5) ilustram construgGes resultativas, i.., frases em que 0 cons- tituinte em itélico descreve 0 estado em que ficou o SN com a rela¢ao gramati- cal de objecto directo como resultado do evento descrito. Jmpossivel, em brasa e ds fatias tém, também, a relagao gramatical de predicativo do objecto directo. () Sobre as propriedades da construgdo transitiva-predicativa em portugués, veja-se Marrafa (1985). Sobre a andlise de frases envolvendo igualmente a existéncia de uma oragio pequena, veja-se 13.4 e a bibliografia af indicada. 279 Nas frases (2) a (5) os predicados so constitufdos apenas pelo predicador verbal e por outros constituintes seleccionados pelo verbo. Contudo, podem igualmente integrar 0 predicado adjuntos preposicionais e adverbiais, como se mostra nos exemplos (6): (6) (a) O mitido [comeu sofregamente 0 gelado},,., (b) Os ciclistas [cortaram a meta as seis horas),,.4 (d) O Joao [é sempre simpdtico],_.. (e) A Maria [estava zangadissima ontem),,.4 (f) — Eles [acharam a Maria cansada na festa), (g) O cantor [/evou a plateia ao rubro com as suas interpretacdes},,., Podem utilizar-se os seguintes testes para a identificagdo do predicado: (i) O predicado constitui a resposta a uma interrogativa da forma SU fez 0 qué?/ / O que aconteceu a SU? / O que se passa com SU?, consoante 0 tipo de verbo que ocorre na pergunta; vejam-se os resultados da aplicacdo deste teste as fra- ses (6) em (7): (7) (a) P: O que fez 0 mitido? R: [Comeu sofregamente o gelado),,., (b) — P: O que fizeram os ciclistas? R: [Cortaram a meta as seis horas),..3 (c) _ P: O que se passa com 0 Joao? R: [E sempre simpdtico),,.. (d) _ P: O que acontecia 4 Maria? R: [Estava zangadissima ontem),..4 (e) P: O que se passou com eles? R: [Acharam a Maria cansada na festa),..4 (f) P: O que fez 0 cantor? R: [Levou a plateia ao rubro com as suas interpretacées],..4 (ii) O predicado pode ocorrer em posigdo de contraste numa pseudoclivada, segundo o esquema O que SU faz / acontece a SU | se passa com SU é predica- do; veja-se o resultado da aplicacao deste teste as frases (6) em (8): (8) (a) O que o mitido fez foi [comer sofregamente 0 gelado},. (b) O que os ciclistas fizeram foi [cortar a meta as seis horas),..4 (c) O que se passa com 0 Jodo é [ser sempre simpdtico],,., (d) —O que acontecia a Maria era [estar zangadissima ontem),,.4 280 () (f) O que se passou com eles foi [acharem a Maria cansada na festa],,.4 O que o cantor fez foi [levar a plateia ao rubro com as suas interpretac6es} 24 (iii) O predicado pode ser anteposto, antecedido do advérbio Id, deixando como cOpia na posigao original o nticleo verbal; veja-se o resultado da aplicagio des- te teste as frases (6) em (9): (9) (a) La [comer sofregamente o gelado), 0 mitido comeu. (b) L4 [cortar a meta as seis horas], os ciclistas cortaram. (c) LA [ser sempre simpdtico], 0 Joao é. (d) LA [estar zangadissima ontem], a Maria estava. (e) 4 [acharem a Maria cansada na festa), eles acharam. () LA [levar a plateia ao rubro com as suas interpretagées], 0 cantor levou. (iv) O predicado pode ser recuperado em construgdes de Despojamento da for- ma e o SU também | mas o SU nao; veja-se a aplicacdo deste teste aos exem- plos (6) em (10): (10) @) (b) (c) @ (©) (C9) O mitido [comeu sofregamente o gelado},,,, € a mitida também [-]. ({-] = comeu sofregamente o gelado) Os ciclistas [cortaram a meta as seis horas],,,, Mas OS maratonistas nao [-]. ({-] = cortaram a meta as seis horas) O Joao [é sempre simpdtico],,,, € © Pedro também [-]. ([-] = é sempre simpdtico) A Maria [estava zangadissima ontem],,,, € eu também [-]. ({-] = estava zangadissima ontem) Eles [acharam a Maria cansada na festa],_,, © elas também [-]. ({-] = acharam a Maria cansada na festa) O cantor [levou a plateia ao rubro com as suas interpretagées],.., mas a banda nao [-]. ([-] = levou a plateia ao rubro com as suas interpretagées) 10.1.2. Sujeito Sujeito é uma das relagdes gramaticais centrais. Trata-se da relacao grama- tical do argumento do predicador a que € dada maior proeminéncia sintdctica. 281 Nas frases basicas, 0 constituinte com a relac¢éo gramatical de sujeito é 0 argu- mento mais elevado na Hierarquia Temitica (i.e, é 0 sujeito légico da frase), é a expressfio com a funcdo de t6pico (i.e, é 0 sujeito psicolégico, ou seja, € 0 assunto acerca do qual se afirma, nega ou questiona o predicado) e é a expres- stio que desencadeia a concordancia verbal (i.e, é 0 sujeito gramatical).Tém ti- picamente a relagio gramatical de sujeito final: (a) 0 argumento externo dos verbos transitivos e intransitivos ( cf. 10.2.1.); (b) o argumento interno directo dos predicadores verbais inacusativos (cf. 10.2.1.); (c) 0 argumento externo do predicador secundério em frases copulativas. A proeminéncia sintactico-semantica do sujeito traduz-se: (a) relativamente 4 ordem de palavras, pelo facto de, nas frases basicas, 0 sujeito ocorrer na primeira posig&o argumental na frase; (b) relativamente ao controlo de processos gramaticais, pelo facto de o su- jeito ser: — ocontrolador categérico da concordancia verbal; — ocontrolador preferencial da anafora frdsica (intra- e inter-oracional) e dos pronomes anaféricos. Dado que o portugués é uma lingua que fixa o valor positivo para 0 Para- metro do Sujeito Nulo, admite sujeitos sem realizagao lexical em frases finitas. Assim: (a) sujeitos argumentais podem ser foneticamente nulos, como em Soube que passaste no exame. Parabéns! (‘); (b) sujeitos expletivos (também denominados gramaticais, aparentes ou va- zios) que, noutras linguas, tém realizacao lexical, marcando a posig¢ao de sujeito em construgdes com verbos impessoais (compare-se Chove torrencialmente com It rains cats and dogs), com verbos de elevago (compare-se Parece que o Jodo jd chegou com It seems John has already arrived), com sujeitos frdsicos extrapostos (compare-se Sur- preende-me que o Joao tenha chegado atrasado com It surprises me that John came late) e em construgées existenciais (compare-se Ha trés (*) Esta propriedade foi proposta pela primeira vez para 0 portugués, no quadro da teoria padrio da GGT, por Meireles (1972). Correspondendo a um dos processos de supressiio do SU, ela foi designada por “queda do pronome SU nio enfético” e distinguida da “supresséo do SU por identidade”, regra que se considerava operar na derivagio de frases como Eu que- 10 sair. 282 janelas na sala com There are three windows in the room) sao sempre foneticamente nulos (°); (c) nao existe um pronome ténico para exprimir 0 sujeito com interpreta- cao arbitraria, denominado indeterminado na tradigéo gramatical luso- -brasileira; este pode ser expresso: — pelo clitico nominativo -se acompanhado da 3.* pessoa do singular de um verbo (compare-se Diz-se que o leite vai faltar com On dit quil manquera du lait); — pela 3.* pessoa do plural de um verbo com sujeito nulo (compare-se Dizem que o leite vai faltar com They say there will be a lack of milk); — pela 2. pessoa do singular de um verbo em frases com interpreta- cao genérica (compare-se Ajudas sempre os amigos e apesar disso eles criticam-te com One helps one's friends and they still criticize you). Podem utilizar-se os seguintes testes para identificacéo do sujeito: (i) O constituinte com a relacao gramatical de sujeito pode ser substituido pela forma nominativa do pronome pessoal, se for de natureza nominal, ou por uma forma t6nica neutra do pronome demonstrativo em posicao pré-verbal, se for de natureza frasica: (11) (a) [0 mitido que esta a jogar a bola],,, comeu um gelado. (b) — [Ele],,, comeu um gelado. (c) *[Ele] que esta a jogar 4 bola comeu um gelado. (4) Surpreendeu 0 Joao [que a Maria nao tivesse vindo a festa],,, (e) . [Isso], surpreendeu o Joao. (f) *Surpreendeu o Jodo [isso]. (ii) Pode construir-se uma estrutura clivada em que 0 sujeito ocorra em posigao de contraste e os restantes constituintes mantenham a posic¢aio que ocupavam (Ser SU que X): (©) Exceptuam-se frases feitas como a exclamativa Ele hd cada uma! e enumeragdes como Tudo esté mais caro: ele é 0 leite, ele é a fruta, ele é 0 peixe. Em variedades dialectais mais conservadoras podem ocorrer sujeitos expletivos com verbos impessoais como em Ele choveu toda a noite. Sobre este assunto, ver 12.4. 283 (11) (g) Foi [0 mitido que esta a jogar & bola] que comeu um gelado. (h) *Foi [0 mitido] que que estava a jogar a bola comeu um gelado (iii) Pode construir-se uma estrutura pseudo-clivada segundo o esquema Quem / / 0 que SV ser SU, consoante 0 sujeito seja [+ hum] ou [- hum]: (11) (@ Quem comeu um gelado foi [0 mitido que estd a jogar a bola). Gj) *Quem que esté a jogar a bola comeu um gelado foi [0 mitido]. (iv) Pode formular-se uma interrogativa sobre o constituinte com a relag4o grama- tical de sujeito segundo 0 esquema Quem / O que SV?, consoante este argumento seja [+ hum] ou [- hum], constituindo o sujeito a resposta minima nao redundante: (11) (kK) P: Quem comeu um gelado? R: [0 mitido que esté a jogar a bola), () =P: * =} Quem que esta a jogar 4 bola comeu um gelado? R: | [O mitido}. | (v) Numa frase activa com passiva correspondente, 0 sujeito final tem, na pas- siva respectiva, uma relaco gramatical obliqua, ocorrendo precedido da prepo- sig¢&o por: (11) (m) Um gelado foi comido pel{o mitido que estd a jogar a bola). (n) *Um gelado que estd a jogar a bola foi comido pel[o mitido]. 10.1.3. Objecto directo | A telacao gramatical de objecto directo (abreviadamente, OD) é outra das relagdes gramaticais centrais. Tém esta relagio gramatical os argumentos inter- nos directos de predicadores verbais de dois ou trés lugares cujo papel seman- tico é, tipicamente, Tema, como se pode observar nos exemplos (12a, b). (12) (a) Os mitidos comeram um gelado. (b) Os amigos ofereceram wma viagem ao Japdo aos recém-casados. Nas frases (12a, b), as expressdes em itdlico tém o seu papel tematico atribui- do pelos verbos comer e oferecer, ou seja, tais expresses constituem 0 objecto légico dos verbos; as mesmas expressées comportam-se também gramaticalmen- te como objectos directos na frase, i.e., si0 objectos directos gramaticais. 284 Mas ha construgGes em que a expressao com a relacao gramatical de objec- to directo nao é 0 objecto légico do verbo. Assim, nas frases (12c, d), a expres- so em itdlico tem o seu papel tematico atribuido pelo verbo beijar, ou seja, é 0 sujeito légico de beijar. Contudo, tal expressio comporta-se gramaticalmente como objecto directo do verbo ver: (12) (c) O Joao viu [[a Maria} beijar o Pedro]. (d) O Joao viu-a beijar o Pedro. Na exposigao que se segue, usaremos 0 termo “objecto directo” para os ca- sos em que a expressio é simultaneamente objecto légico e objecto directo gra- matical. Sao as seguintes as propriedades tipicas do objecto directo (a) O objecto directo pode ser nulo: —com certos verbos transitivos que tém como propriedade idiossincra- tica a possibilidade de satisfazerem no Léxico o Critério Temdtico quando o seu argumento interno directo tem uma interpretagdo ar- bitrdria, i.e., ndo definida (cf. verbos como beber, comer, escrever, ler) (°): (13) (a) O Joo leu toda a noite. (b) A Ana esta a comer. — em construgées de SV Nulo (ver capitulo 21) com verbos transitivos: (14) (a) O Joao comeu uma tarte e a Maria também comeu [-]. ([-]= uma tarte) (b) — P: O Joao comeu uma tarte? R: Comeu [-]. ({-]= uma tarte) — em construgdes de Objecto Nulo (ver 12.6 e capitulo 21); (15) P: Tens visto 0 Pedro? R: Vi [-] ontem na conferéncia mas no falei com ele. ([-]= 0 Pedro) (°) Sobre este assunto, ver Rizzi (1986). 285 (b) Certos verbos transitivos que exprimem tipos gerais de eventos ou pro- cessos constroem-se com um argumento interno directo com a relacdo gramatical de objecto directo final, existindo disponiveis no léxico da lingua verbos que descrevem subtipos desse tipo geral de eventos ou processos em que tal argumento interno esta incorporado no proprio verbo (ver 10.2.7.). Séo exemplos desta relagao dar uma ajuda a x / aju- dar x, dar um murro a x | esmurrar x, dar um grito | gritar; fazer um cozinhado Icozinhar, fazer um discurso | discursar, fazer uma finta a x | / fintar x; pér a data em x / datar x; por uma marca em x / marcar x; por um selo em x/ selar x. (c) Quando de natureza nominal, o argumento com a relacao gramatical de objecto directo é 0 argumento que admite mais facilmente um especifi- cador nulo, i.e, que ocorre mais facilmente como um Nome simples: (16) (a) Vi [mitidos],, no jardim. (b) *[Miidos],,, estéo a brincar no jardim. (c) */2Demos os rebucados a [mitidos],, (d) O objecto directo ocorre tipicamente sem preposicao. Notem-se, no en- tanto, os seguintes casos de objecto directo precedido de preposicao: — quando 0 objecto directo é 0 pronome relativo quem, ocorre obriga- toriamente precedido de a: (17) (a) Vio velhote [a quem],,, 0 Luis ajudou. (b) *Vi o velhote [quem], 0 Lufs ajudou — quando 0 objecto directo é um pronome clitico com redobro, o pronome de redobro ocorre na forma ténica precedido de a (ver 20.5): (18) (a) Vi-[os],, @ eles safda do cinema. (b) *Vi-[os],, eles a saida do cinema. — em construcGes que envolvem anteposigao, como a Topicalizacao ou a Deslocacgaéo & Esquerda Clitica (ver 12.6.), 0 objecto directo [+ hum] pode ocorrer precedido da preposigao a: (19) (a) [Ao Jodo}, vejo [-] sempre nos dias de eleigdes. (b) [Ao Jodo], vejo-o sempre nos dias de eleigdes. 286 — em certas expressdes feitas herdadas de sincronias antigas, 0 objecto directo ocorre precedido de a, como acontece com amar a Deus, temer a Deus (mas amd-Lo, temé-Lo); — com certos verbos, como uma forma de tornar mais saliente o objecto di- recto, como acontece em puxar a espada | puxar da espada, sacar a pis- tola | sacar da pistola; cumprir o dever / cumprir com o dever, fazer que @ noticia seja publicada | fazer com que a noticia seja publicada (’). (e) Nas frases basicas, 0 objecto directo ocorre (*): — como 1.° argumento a direita do verbo, se se tratar de um SN que nao seja pesado: (20) (a) O mitido deu [o caramelo],,, ao amigo imediatamente, (b) O mitido deu imediatamente [0 caramelo},,, a0 amigo. (c) O professor guardou [os testes], na pasta novamente. (b) _O professor guardou novamente [os testes], na pasta. — i direita do argumento com a relagao gramatical de objecto indirecto, se este for um pronome clitico: (21) 0 Joao deu-[lhe],, [um livro],, — A direita dos restantes argumentos internos e adjuntos, se 0 objecto di- recto for um SN pesado ou uma frase: (22) (a) A Ana comprou [ao Gongalo},, [o quadro do vencedor da 2.4 Bienal de Artes Plasticas de Cerveira},,, (b) A Ana contou [ao Gongalo],, [0 filme que foi ver ontem),, (c) O jornalista disse [aos amigos], [que lhe tinham censurado a reportagem),,, (d) A Ana levou [para CASA)... ony, [uma enciclopédia em 15 volumes], (e) O professor guardou [na Pastd],,..oy, [os trabalhos que os alunos the entregaram),, () Cf. Bechara (1999: 419). Antenor Nascentes denominava a preposig4o que ocorre nestes casos 'p6s-vérbio'. (*) Sobre a posigéo dos pronomes cliticos com a relagio gramatical de objecto directo, ver 20.6. 287 (f) Esse deputado declarou [na véspera das eleig6es} .s...0.on, que ia pedir a resciséo do mandato},,, Podem utilizar-se os seguintes estes para identificacdo do objecto directo (gramatical): (i) Pode substituir-se 0 constituinte com a relagao gramatical de objecto directo pela forma acusativa do pronome pessoal, se for de natureza nominal, por uma forma t6nica neutra do pronome demonstrativo em posicao pés-verbal ou pelo clitico demonstrativo invaridvel -o, se for de natureza frasica: (23) (a) Eles compraram [esse livro],,, em Londres. (b) — Eles compraram-[no],,, em Londres. (c) O Joao sabe [que tem de entregar o trabalho amanhd),,, (d) O Joao sabe [isso], (e) 0 Joao sabe-[o],,, (ii) Pode formular-se uma interrogativa sobre 0 constituinte objecto directo segun- do 0 esquema Quem / O que é que SU V?, consoante se trate de um objecto di- recto [+ hum] ou [- hum], constituindo o objecto directo a resposta minima néo redundante: (23) (f) P: O que é que eles compraram em Londres? R: [Esse livro],, (iii) O constituinte objecto directo de uma frase activa tem, na passiva corres- pondente, a relacao gramatical de sujeito: (23) (g) [Esse livro],,, foi comprado por eles em Londres. Pode utilizar-se o seguinte teste para identificagao do objecto légico: O objecto légico do verbo pode ocorrer na construgao de particfpio absolu- to, mantendo a mesma relacao semantica com esse verbo: (23) (h) Comprado [esse livro],, em Londres, eles leram-no numa semana. (24) (a) Chegado [o Jodo],,, comegdmos imediatamente a trabalhar. (b) *Telefonado [o Joao)... comecdmos imediatamente a trabalhar. 288 10.1.4. Objecto indirecto Em portugués, a relagdo gramatical de objecto indirecto (abreviadamente, Ol) é uma relag&o gramatical central. O constituinte com esta relagaio gramati- cal é tipicamente o argumento interno de verbos de dois ou trés lugares com 0 papel semantico de Alvo ou Fonte: (25) (a) 0 Joao ofereceu um CD [ao Pedro], (b) 0 Joao comprou esse livro raro [a um alfarrabista do Porto], Sao propriedades tipicas do objecto indirecto: (a) O constituinte com a relagado gramatical de objecto indirecto é, tipica- mente, um argumento [+ anim]. Ocorrem objectos indirectos [- anim] nos seguintes casos: —com certos predicadores de dois lugares, como acontece com obede- cer, sobreviver (obedecer ao regulamento, sobreviver ao massacre); — com dar ou fazer, seguido de um objecto directo cujo nticleo seja um nome deverbal: (26) (a) A Maria deu [uma pintura],, [as estantes],, (b) — Eles fizeram [uma enorme limpeza],, [a casa], Repare-se que estas construgdes admitem igualmente que o constituinte em itdlico ocorra como obliquo: (27) (a) A Maria deu [uma pintura],,, [nas estantes],,,, (b) _ Eles fizeram [uma enorme limpeza],,, [na casa],,,_ (b) Quando o objecto indirecto é um pronome pessoal, apresenta a forma dativa da flexao casual: (28) (a) Omitido deu [0 brinquedo],,, [ao amigo], (b) O mitido deu-[/he],, [0 brinquedo],,,, (c) Nas frases basicas, 0 constituinte com a relagaéo gramatical de objecto indirecto ocorre: — imediatamente 4 direita do objecto directo (ver (22a)); 289 — adjacente ao verbo, se for um pronome clitico (ver (21)); — imediatamente a direita do verbo, se 0 objecto directo for um SN pe- sado (ver (22a,b)) ou uma frase (ver (22c)). Podem utilizar-se os seguintes testes para identificacio do objecto indirecto: (i) Pode substituir-se 0 constituinte com a relacao gramatical de objecto indi- recto pela forma dativa do pronome pessoal: (29) (a) O mitido deu o brinquedo [ao amigo], (b) Omitdo deu-[/he],, o brinquedo. (ii) Pode formular-se uma interrogativa sobre 0 constituinte objecto indirecto se- gundo 0 esquema A quem/A que é que SU V (OD)?, consoante se trate de um argumento [+ hum] ou [- hum], constituindo o objecto indirecto a resposta mi- nima nao redundante: (29) (c) P: A quem é que o mitido deu o brinquedo? R: [Ao amigo], 10.1.5. Predicativo do sujeito e predicativo do objecto directo Como foi referido acima, os predicadores secundarios seleccionados pelo verbo tém a relacao gramatical de predicativo do sujeito (abreviadamente, PredSU), quando tal verbo pertence A subclasse dos verbos copulativos (cf. (30)), e de predicativo do objecto directo (abreviadamente, PredOD), quando 0 ver- bo pertence a subclasse dos verbos transitivos-predicativos (cf. (31)) ou quan- do se trata de construgées resultativas como as exemplificadas em (32): (30) (a) O mitido é [Jouro},,., (b) Ele est4 [um homem] su (31) (a) Todos acharam o espectaculo [fabuloso},,. sop (b) Os criticos consideraram o filme [um desastre)y.s op (32) (a) Esse professor torna qualquer matéria [interessante], sop (b) O cozinheiro desfez o bacalhau [em lascas}o..3 op 290 Sao propriedades tipicas do predicativo do sujeito: (a) Se 0 constituinte com a relagao gramatical de predicativo do sujeito for um predicador de natureza adjectival, concorda em género e numero com 0 sujeito: (33) (a) Ela anda [cansada],... 5, (b) Os mitidos foram [amorosos] 5.44 su (c) As janelas ficaram [abertas], .y 4 toda a noite. (b) Se o constituinte com a relag&o gramatical de predicativo do sujeito for um N simples, concorda em género e nimero com o sujeito: (34) (a) A Maria é [escultora),,.4 su (b) O Luts e o Anténio sio [actores} 24 sy (c) As minhas primas foram [alunas do Conservatério},,., su (c) Se o predicativo do sujeito for um SN indefinido, concorda, em geral, em género e ntimero com 0 sujeito: (35) (a) — Eles sao [uns investigadores muito conhecidos},,.4 su (b) A Maria é [uma éptima escultora), «4 (c) A Maria e a Francisca sio [umas meninas adoréveis},.. asu (d) Se o constituinte com a relacao gramatical de predicativo do sujeito for uma expressio nominal qualitativa (um epiteto como um espanto, um horror, um perigo, uma vergonha, ...), ndo concorda com 0 sujeito: (36) (a) Os teus amigos sio [um AMOT] 5.64 51) (b) A maquilhagem da Luisa era [um pavor},..4 sy (c) _ As intervengdes dele so [um perigo} 4 sy (ec) Em frases com um verbo copulativo usado impessoalmente, a concor- dancia verbal faz-se com o predicativo do sujeito: (37) (a) Sao [duas horasyns gy (b) Foram [meses e meses de secal,,.4 291 Podem utilizar-se os seguintes testes para identificacdio do predicativo do su- jeito: (i) Pode substituir-se 0 constituinte com a relagdo gramatical de predicativo de sujeito pelo clitico demonstrativo invaridvel -o: (38) (a) P: A Maria é [inteligente],, su. R: Sim, é-[o],,., sy (0 = inteligente) ) PY { A Maria ¢ [inteligente],,., 4? } R: "| Sim, Ea), 4 su (c) Elaé [simpdtical,_., su © 0S irmaos também [Olea sy $40. (0 = sim- paticos) (d) *Elaé [simpdtica],,., 4 © OS irmaos também [05] orca sy 840. (ii) Pode antepor-se o predicativo do sujeito, deixando uma lacuna ou uma cé- pia (0 clitico demonstrativo -o) na posigao original: (38) (e) — Inteligente, a Maria é [-]. (f) — Inteligente, a Maria é6-Jo}. Sao propriedades tipicas do predicativo do objecto directo: (a) Em construges com verbos transitivos-predicativos, 0 SN acerca do qual € predicado 0 predicativo do objecto directo nao pode ser um in- definido especffico: (39) (a) O Joao acha [a Maria], (uma éptima astrofisical,, 40D (b) O jiiri considera [qualquer investigador sénior],, lelegivel para essa funcao), 4 op (c) *O Joao acha [uma colega} [uma 6ptima astrofisica], 4 op (b) Quando 0 predicativo do objecto directo é de natureza adjectival, concorda em género e ntimero com 0 objecto directo: (40) (a) O Joao acha [a Maria], [simpdtica},, ., op (b) Os criticos consideram [estes dois tltimos filmes], [especta- culares},.4 op (c) O predicativo do objecto directo pode ocorrer adjacente ao verbo que 0 selecciona, formando um predicado complexo: 292 (41) (a) O Joao considera simpdtica [a Maria}. (b) A teimosia do Joao torna imposstvel [qualquer discussio com ele]. (c) As autoridades puseram em estado de alerta [as forgas militariza- das]. Podem utilizar-se os seguintes testes para identificagéo do predicativo do objecto directo: (i) A orag&o pequena encabegada pelo predicativo do objecto directo pode ser recuperada sob a forma de uma categoria sem realizacao lexical e, em constru- ges com verbos transitivos-predicativos, pode igualmente ser substitufda pelo clitico demonstrativo invaridvel -o: (42) (a) P: O Joao considera [a Maria simpdtica}? R: Sim, considera [-]. ({-] = a Maria simpdtica) P. (b) : A teimosia do Joao torna [qualquer discussdo com ele im- posstvel]? R: Sim, torna [-]. ([-] = qualquer discussao com ele impossivel) (c) P: As autoridades puseram [as forcas militarizadas em estado de alerta}? : Sim, puseram [-]. ([-] = as forgas militarizadas em estado de alerta) P: O Joao considera [a Maria simpdtica]? R: Sim, considera-[o]. ([o] = a Maria simpdtica) nw (@) (ii) Em construgdes com verbos transitivos-predicativos, a oragéo pequena encabegada pelo predicativo do objecto directo pode ser substituida por uma completiva finita (ver capitulo 15): (42) (e) O Joao considera [que a Maria é simpatica]. (iii) O predicativo do objecto directo pode ocorrer em posigdo de contraste numa construgao clivada, contrariamente a adjectivos em posicao atributiva internos ao constituinte com a relac¢éo gramatical de objecto directo (veja-se 0 contraste entre (42f, g) e (43a, b): (42) (f) — E [simpdtica] que o Joao considera a Maria. (g) _ E [impossivel] que 0 Joao torna qualquer discussio com ele. (h) Foi [em estado de alerta] que as autoridades puseram as forgas militarizadas. 293 (43) (a) — *Foi [simpdtica] que ele conheceu uma rapariga. (b) — *Foi imposstvel que ele ouviu uma discussao. 10.1.6. Relagées gramaticais obliquas Chama-se obliquas (abreviadamente, OBL) as relagGes gramaticais que nao sdio centrais. Tém relagdes gramaticais obliquas tanto argumentos obrigatérios (cf. (44)) e opcionais (cf. (45)) do predicador verbal (i.e., complementos do verbo) (°) como adjuntos (cf. (46)); como os exemplos abaixo mostram, os cons- tituintes com relacdes gramaticais obliquas sao tipicamente de natureza prepo- sicional, adverbial ou frasica: (44) (a) O Jofio pés 0 livro [na estante],,, (b) O cobrador foi [ali],,, (c) Os pais autorizaram a Rita [a acampar],,, (45) (a) O Pedro viajou [do México],,, [para Lisboa}... (b) 0 Joao trouxe [do Senegal],,, essa estatueta. (46) (a) O meu amigo pintou esse quadro [para a Maria],,, (b) Encontramo-nos todos [logo a noite],,,, (c) Ha falta de leite [por causa da seca]... (d)__ Tenho de sair j4 [para nao perder o avido),,, (e) Fico deprimida [quando chove semanas a fio],,, Podem utilizar-se os seguintes testes para distinguir obliquos complemen- tos de obliquos adjuntos: (i) Os constituintes com relagées gramaticais oblfquas que sdo complemento do verbo nao podem ocorrer num interrogativa segundo o esquema O que é que SU fez OBL? | O que é que aconteceu a SU OBL?, sendo a resposta minima nao redundante o SV constitufdo pelo verbo e pelos respectivos complementos (ver capitulo 11); veja-se 0 resultado da aplicagao deste teste as frases (44a) e (45a) em (47): (°) Aos argumentos com relaces gramaticais obliquas Bechara (1999) chama complemen- tos relativos. 294 (47) (a) P: O que é que o Joao fez? R: Pés 0 livro [na estante],,, (b) PP: ,, | O que € que 0 Joao fez [na estan” | R: [Pés 0 livro. (c) P: O que é que o Pedro fez? R: Viajou [do México],,, [para Lisboa],,, (dP: J O que é que 0 Joao fez [do México],,, [para Lishoaloy?} R: [ Viajou. (ii) Os constituintes com relagées gramaticais obliquas que sejam adjuntos podem ocorrer num interrogativa segundo o esquema O que é que SU fez OBL?/0 que é que aconteceu a SU OBL?, sendo a resposta minima nao re- dundante o SV constituido pelo verbo e pelos respectivos complementos (ver capitulo 11) veja-se o resultado da aplicagio deste teste as frases (46a,b) em (48): (48) (a) P: O que é que o meu amigo fez [para a Maria],,,? R: Pintou esse quadro. (b) P: O que € que fazemos [logo a noite],,,? R: Encontramo-nos todos. 10.2. Subclasses de verbos e esquemas relacionais Os esquemas relacionais representam os padrées possiveis de organizagao sintdctica das frases basicas de uma lingua, fornecendo informacao sobre: (i) 0 ntimero de argumentos do predicador (zero a trés argumentos); (ii) a relagdo gramatical final de cada um deles (sujeito, objecto directo, ob- jecto indirecto, obliquo); (iii) a existéncia de um predicador secundério (predicativo do sujeito, pre- dicativo do objecto directo); (iii) a ordem linear segundo a qual argumentos e predicadores secundérios ocorrem na frase. O esquema relacional de cada frase depende das propriedades do verbo pre- sente na mesma. Ora na classe dos verbos podem distinguir-se trés grandes subclasses, com base nas propriedades de seleccAo categorial e semantica de cada 295 Depois de termos passado em revista no capitulo anterior os problemas fun- damentais que se colocam 4 andlise das categorias sintagma nominal, sintagma adjectival, sintagma preposicional, sintagma verbal e sintagma adverbial relativa- mente a natureza dos seus nticleos, estrutura interna e posigdo que podem ocupar em certas construgdes, estamos agora em condicées de relacionar muitas das consideragées feitas e de analisar a estrutura das frases simples e complexas em portugués. A nogao de frase simples recobre, na verdade, varios tipos. Com efeito, os enunciados apresentam-se formatados em diferentes tipes de frases, reconhe- civeis através de propriedades sintdcticas (por exemplo, ordem de palavras), morfo-sintacticas (por exemplo, modo verbal), prosédicas (tipo de curva entoacional) e lexicais (por exemplo, presenga de palavras pertencentes a cer- tas subclasses). Nao existe isomorfismo entre tipo sintactico a que pertence uma frase e acto ilocutério realizado através da sua producao. Ou seja, 0 conceito de tipo sintactico é definido com base na presenga de elementos gramaticais que apresentam relagGes sistemdticas de co-ocorréncia. Podem distinguir-se cinco tipos de frases: (1) _ Tipo declarativo: trata-se de frases com certas propriedades gramaticais, que podem exprimir qualquer tipo de acto ilocutério; as propriedades das frases simples declarativas so tratadas em 12.1. 435 (2) Tipo imperativo: trata-se de frases com certas propriedades gramaticais, que exprimem actos directivos de ordem; sao objecto de 12.2. (3) Tipo interrogativo: trata-se de frases com certas propriedades gramati- cais, que exprimem actos directivos de pedido (de acco ou de informa- ¢4o); delas se ocupa em particular 12.3. (4) _ Tipo exclamativo: trata-se de frases com certas propriedades gramaticais, que exprimem actos expressivos de avaliagio; so abordadas em 12.4. (5) _ Tipo optativo: trata-se de frases com certas propriedades gramaticais, que exprimem actos expressivos de desejo; delas se ocupa 12.5. As construgées com tépicos marcados, que podem pertencer a varios dos tipos sintdcticos acima referidos, constituem 0 objecto de estudo de 12.6. Na caracterizacio dos varios tipos sintacticos, serao considerados os seguin- tes indicadores linguisticos: (6) a Indicadores gramaticais: entoac¢éo, modo verbal, tempo verbal, colocagao dos cliticos, posigao relativa do sujeito e do verbo, ne- gacdo expletiva, presenca de palavras funcionais; b. Indicadores lexicais: frmulas operativas, verbos performativos, certas subclasses de pronomes/quantificadores, micleos graduaveis. 12.1. A estrutura da frase simples de tipo declarativo 12.1.1. Os constituintes imediatos de frase (') Como vimos no capitulo anterior, as frases no sio sequéncias lineares de palavras mas obedecem a uma estrutura hierdrquica em que hé constituintes que por sua vez se formam de outros constituintes até se chegar ao nivel da palavra. Nas frases basicas do portugués € possivel considerar a existéncia de dois constituintes imediatos: o SN e o SV. Como veremos, alguns dos testes apresen- tados no capitulo 10. para a identificagio do sujeito permitem igualmente identi- ficar 0 SN constituinte imediato de F. Vamos recordar aqui alguns desses testes. (*) Este pardgrafo reproduz parte de 10.1. da versio anterior da gramética. Como se com- preender4 ao longo deste pardgrafo, a afirmagao de que 0 SV é um dos constituintes imedia- tos de frase s6 faz sentido numa concepgo simples da estrutura, sem 0 recurso a categorias funcionais. 436 Tomemos uma frase simples: (1) A amiga da Maria viu o filme. A pronominalizacao e a substituigaio permitem perceber que a sequéncia constituida por a amiga da Maria é um SN: (2) (a) Ela viuo filme. (b) A rapariga viu o filme. Outros testes, como a deslocagao (na passiva, na deslocagiio a direita) ou destaque pela construgdo clivada confirmam a anterior andlise: (3) _ O filme foi visto pela amiga da Maria. (4) Viuo filme, a amiga da Maria. (5) Foi a amiga da Maria que viu o filme. Os mesmos procedimentos aplicados a parte das sequéncias em causa da- riam resultados agramaticais ou com interpretagdes nao pretendidas: (6) (a) — *0O filme foi visto da Maria pela amiga. (b) *Da Maria viu o filme a amiga. (c) *Foi a amiga que viu o filme da Maria. Tomemos agora outros exemplos: (7) (a) O mitido comeu um gelado. (b) O mitido deu um beijo a mae. (8) (a) Acasa ruiu. (b) A casa foi vendida a um banco. (9) (a) O Joao esta contente. (b) O Joao parece um gala de bairro. Cada uma das frases tem como constituintes imediatos um SN (o mitido, a casa, 0 Jodo), e um outro, 0 SV: comeu um gelado, deu um beijo 4 mae, ruiu, foi vendida a um banco, esté contente, parece um gala de bairro. Para identificar 0 SV é possivel utilizar um conjunto de testes, alguns dos quais j4 foram referidos aquando da andlise da estrutura interna do SV: (i) Formulacao de uma interrogativa de instanciagao em que ocorra 0 SN sujei- 437 to da frase em quest&o e um substituto anaférico do predicado: o SV constitui a resposta nao redundante a essa pergunta. Com predicadores nao estativos agentivos, o substituto anaférico do predicado é fazer (cf. (11)); com predica- dores nao estativos nao agentivos, o substituto anaférico do predicado é geral- mente acontecer (*) (cf. (12)): (11) O que fez o mitido? Comeu um gelado. Deu um beijo 4 mie. (12) © que aconteceu a casa? Ruiu. Foi vendida a um banco. (ii) Construg&o de uma frase coordenada a frase em questo, com um SN sujei- to nao co-referente do SN sujeito dessa frase e também como substituto anaférico do SV dessa frase (*): (13) O mitdo comeu um gelado e a mae também [-] (14) O mitido deu um beijo 4 mae e 0 irmao também [-] (15) A casa ruiu e o muro também [-] (16) A casa foi vendida a um banco e a quinta também [-] (17) O Joao esté contente e a Ana também [-] (18) O Joao parece um gala de bairro e o Pedro também [-} A compreensio das frases coordenadas que ocorrem nestes exemplos im- plica que as reconhecamos como parafrases de: ... e a mde (também) comeu um gelado; ... e 0 irmdo (também) deu um beijo a mae; ...e 0 muro (também) ruiu; ea quinta (também) foi vendida a um banco; ... e a Ana (também) estd-conten- te; ... € 0 Pedro (também) parece um gala de bairro. Quer dizer, os constituin- tes “reconstituidos” representam o SV. Sendo assim, podemos propor para os exemplos apresentados a estrutura (19): () Na verdade, nao existe um substituto absolutamente adequado para predicados estativos. Por outro lado, 0 substituto acontecer e ainda 0 que hd com?, 0 que se passa com? so cor- rentemente utilizados pelos falantes para substituir quer predicados estativos quer predicados nao estativos, como se pode perceber com os seguintes exemplos: O que aconteceu ao Jodo? O que se passa com o Joéo? O que hd com o Jodo? A resposta pode ser: Estd doente. Foi atropelado. Fez uma asneira. () Cf. Raposo (1979: 40-42). 438 (19) F ee SN SV ce Oe a amiga da Maria viu o filme 12.1.2. Argumentos a favor da.categoria funcional FLEXAO; concordancia Sujeito-Verbo; acesso do SN sujeito ao nominativo; movimento do Verbo Se atentarmos bem nas frases anteriores, reparamos que a categoria que te- mos vindo a designar SV contém pelo menos trés tipos de informacoes: infor- macées relativas a estrutura de constituintes (mimero e forma dos constituintes € sua ordem intrinseca), informagées relativas 4 estrutura argumental do verbo e informagGes de tempo, modo, aspecto, pessoa e néimero. A consciéncia de que informagées relativas a tempo e modo sao proprieda- des da frase e nao do SV permite a formulagao da hipétese de que tais informa- ges, bem como as relativas a forma aspectual, a pessoa e a nimero, devem estar incluidas num constituinte denominado Flexo (Flex) (4). O constituinte Flex é uma categoria sintdctica funcional e, como tal, nao se confunde com a propriedade morfolégica da flexio, que, como sabemos, em lin- guas como 0 portugués, é caracterizada pela existéncia de afixos verbais. A Flex, concebida como categoria sintactica, é sobretudo a indicagaio de que estamos na presenga de uma proposi¢ao com tempo independente e, por outro lado, é a “marca” de que um processo sintdctico de Concordancia se efectua na frase. (*) Nos estudos sobre o inglés, este constituinte foi inicialmente designado como AUXI- LIAR (AUX). A razao invocada era o facto de no inglés as informagdes de tempo estarem fre- quentemente associadas a certos auxiliares como shall e will. No quadro da Teoria de Princfpios ¢ Pardmetros, propés-se que a Flexo podia ser dividida em duas categorias funcionais distin- tas (Tempo e Concordancia) (Pollock, 1989; Belletti,"1990); no quadro do Programa Minima- lista, Chomsky (1995) voltou a ideia de uma s6 categoria funcional, Tempo. Outros autores consideram haver evidéncia interlingufstica para considerar que existe um Parametro — o Pa- rametro da Flexo dividida. Nas linguas que fixem o valor positivo para o Parimetro, a frase conta com dois niicleos funcionais distintos: Concordancia e Tempo — seria este 0 caso do portugués e da generalidade das linguas romanicas; nas linguas que marcam o valor negativo para o Parametro, a frase seria a projecco funcional do nticleo nao dividido Flex — seria 0 caso do inglés (cf. Bobalijk e Thrdinsson, 1998; para o portugués Duarte, 1997; Costa, 1998a; Brito, 2001c), 439 14.1. Coordenagao, subordinac4o e aposigao A coordenagio é um processo de formacio de unidades complexas. Carac- teriza-se por combinar constituintes do mesmo nivel categorial — nticleos ou constituintes plenamente expandidos, i.e., sintagmas ou frases (') — que desem- penham as mesmas fung6es sintdcticas e semanticas (*). A expresso lingufsti- ca resultante é uma unidade complexa que exibe as mesmas fungées dos termos iniciais: (1) Afinal, eles estavam com ou contra os manifestantes? (2) (a) — Podes levar a crianga tanto ao restaurante como ao cinema. (b) O Pedro e a Ana vieram visitar-nos. (}) Para a lingufstica actual, a frase corresponde a um tipo especifico de sintagma, ou me- thor, de sintagmas: SFLEX, a projecgao de Flexdo verbal e SCOMP, a projecgao de Comple- mentador. Vejam-se, nesta obra, 12.1 e 12.3. (°) Esta caracterizagao aplica-se aos casos canénicos de coordenagao. Porém, como ve- remos mais adiante, existem casos fronteira entre a coordenacfo e a subordinacao em que ha disparidade de valor semAntico entre os termos coordenados, Estes tiltimos casos sao, por vezes, designados como coordenacées assimétricas (cf. Ross, 1967 e Culicover e Jackendoff, 1997, entre outros). 551 (3) (a) — Acho que ele participou no concurso mas ndo ganhou a viagem a Madeira. (b) Ele disse que o desastre tinha ocorrido de madrugada e que nao havia sobreviventes. No exemplo (1) so coordenados niicleos que permitem formar o nticleo preposicional complexo com ou contra (°). Em (2), sio coordenados sintagmas, em (2a) sintagmas preposicionais (ao restaurante, ao cinema) e em (2b) sintag- mas nominais (0 Pedro, a Maria). Em (3) so coordenadas frases, mais preci- samente, tipos diferentes de projec6es frasicas. Assim, em (3a), so coordenados por mas os dois SFLEXs que ocorrem na frase completiva iniciada por acho que (i.e., ele participou no concurso, ndo ganhou a viagem & Madeira). Em (3b) séo coordenados pela conjung’o copulativa e dois SCOMPs: que o desastre ti- nha ocorrido de madrugada, que nao havia sobreviventes. A coordenacao partilha com a subordinagao a propriedade de formar uni- dades complexas. Porém, outros aspectos distinguem sintacticamente estes dois processos. Em primeiro lugar, enquanto a subordinagdo opera sobre unidades oracionais frdsicas, a coordenagdo, como vimos em (1) e (2), pode ter por do- minio de aplicacao todos os tipos de categorias sintécticas. Em segundo lugar, na subordinagao, a orago subordinada desempenha sem- pre na subordinante uma fungio sintdctica (sujeito, complemento directo, com- plemento preposicionado ou adjunto) e uma funcdo tematica (tema, adjunto de fim, de causa, de tempo, etc.); o mesmo nio sucede nas estruturas de coordena- ¢4o mesmo que envolvam coordenagao frasica. Com efeito, nas seguintes fra- ses 0 membro coordenante nao é o sujeito de nenhum constituinte incluido no segundo membro coordenado; do mesmo modo, 0 segundo termo coordenado nao € seleccionado como um complemento ou um adjunto de um elemento pre- sente no primeiro membro coordenado (*). Pelo contrario, como a coordenagao ©) Uma hipotese alternativa seria assumir que neste caso hd a coordenago de dois sin- tagmas preposicionais e que um fragmento do primeiro membro coordenado é omitido. O exem- plo em (i) explicita esta interpretagdo, tendo sido colocado entre parénteses curvos o elemento potencialmente omitido: (i) Afinal, eles estavam [,,com (os manifestantes) Jou [,, contra os manifestantes]. No corpo do texto privilegiou-se a hipdtese de coordenagio de niicleos, pelo facto de no exemplo (1) a disjungao focalizar a preposigao e nao todo o sintagma com os manifestantes ou contra os manifestantes. (*) Embora esta seja uma opiniao generalizada relativamente as estruturas de coordena- ao, Munn (1992, 1993, 1999) apresentou uma andlise da coordenagao cujas consequéncias 552 de dominios subordinados mostra (cf. (4b)), ambos os termos coordenados de- sempenham a mesma fungio sintactica e a mesma fungao semantica. (4) (a) O Pedro comprou o jornal e a Maria leu-o. (b) Ele disse que tinha comprado o jornal e que a Maria 0 tinha lido. Uma terceira propriedade que permite distinguir as estruturas de coordena- cao da subordinagio € a mobilidade dos constituintes. De facto, contrariamente ao tradicionalmente assumido, os termos coordenados tém muito pouca mobi- lidade na frase. Assim, diferentemente do que acontece com as frases subordi- nadas completivas e adverbiais (vejam-se os exemplos em (5) e (6)), as frases coordenadas frdsicas nao podem ser facilmente deslocadas na frase — vejam- -se 0S contrastes em (7) e (8). (5) (a) Ele s6 confessou que detestava cozinhar & Maria. (b) Que detestava cozinhar, ele s6 confessou 4 Maria. (6) (a) — Ele vai ao restaurante quando ndo quer fazer o jantar. (b) Quando néio quer fazer o jantar, ele vai ao restaurante. (7) (a) Eles partiram para o Algarve mas ndo foram de férias. (b) *Mas ndo foram de férias, eles partiram para o Algarve. (8) (a) Nao 6 0 desastre foi aparatoso, como nao houve sobreviventes. (b) *Como nao houve sobreviventes, nao s6 0 desastre foi aparatoso. Esta mesma falta de mobilidade se verifica em estruturas de coordenagao nao frdsica, como ilustrado seguidamente (°): (9) (a) [Poucos professores mas muitos alunos] compareceram 4 reuniao geral. (b) *[Mas muitos alunos, poucos professores] compareceram & reuniao geral. (10) (a) — Ele levou a crianga {nao sé ao restaurante como ao cinema]. (b) *Ele levou a crianca [como ao cinema, nao sé ao restaurante. Jevam a aproximar a coordenacio frdsica da subordinacao adverbial. Os argumentos que apre- sentaremos nesta seccao levam-nos a nao adoptar essa andlise. (©) A falta de mobilidade dos constituintes coordenados foi inicialmente evidenciada por Ross (1967) e integrada como uma componente da sua Condi¢do da Estrutura Coordenada. 553 A aparente intercomutabilidade dos termos coordenados, frequentemente apresentada como uma das propriedades caracteristicas da coordenacao pela Gramatica Tradicional repousa numa certa liberalidade de manipulacao dos exemplos ¢ na consideragao de um subcaso muito restrito de estruturas coorde- nadas. Como mostram (11) e (12), a manipulagao efectuada consiste em nao considerar como parte integrante dos termos coordenados os conectores coordenativos que os introduzem. Adicionalmente, os casos considerados sao aqueles em que os termos sao semanticamente simétricos e formalmente inde- pendentes um do outro, sendo irrelevante qual deles ocupa a posigao de coordenante e de coordenado. (11) (a) O Jodo vai ao cinema mas a Maria vai ao concerto. (b) A Maria vai ao concerto mas o Jodo vai ao cinema. (12) (a) Ele levou a crianca [no sé ao restaurante como ao cinema]. (b) Ele levou a crianga [nao s6 ao cinema como ao restaurante]. Quando os termos coordenados nao so nem semanticamente simétricos (cf. (13)) nem formalmente independentes um do outro (cf. (14) e (15b)), estas manipulagGes nao sao possiveis, ou porque produzem resultados pragmaticamen- te anémalos (cf. (13b)) ou porque determinam construcées mal-formadas — vejam-se (14b) e (15b), na interpretacaio em que Eles e a Ana e o Pedro sio co- -referentes. (13) (a) — Senti uma vertigem e desmaiei. (b) #desmaiei e senti uma vertigem. (14) (a) O Jodo vai ao cinema mas a Maria nao. (b) *Mas a Maria nao, 0 Jodo vai ao cinema. (15) (a) A Ana e o Pedro foram para o Algarve, mas eles nao foram de fé- rias. (b) *Eles,nao foram de férias mas [a Ana e 0 Pedro], foram para o Al- garve. Com efeito, em construgées elfpticas como (14), o membro coordenante tem de estar numa posigao estrutural que Ihe permita fixar o contetido do constituinte eliptico (°), motivo pelo qual tem de o preceder (’). Quanto a (15b), a impossi- (*) Sobre as estruturas de elipse em geral, veja 0 capitulo 21. Sobre a relagao entre estru- turas de coordenacao e elipse, veja 14.6 deste capitulo. (’) Note-se que este tipo de restrigdo nfo é valido para todas as elipses mas apenas para aquelas que nao apresentam um elemento lexicalmente realizado que instancie o seu nticleo, 554 bilidade de 0 pronome sujeito no primeiro membro coordenado ser interpre- tado como co-referente do sujeito coordenado da frase coordenante pode ser explicada como uma infracgdo a um dos princfpios gerais que guiam o estabe- Jecimento da referéncia e co-referéncia das expressdes nominais, a serem ex- plicitados no capitulo 20 desta obra (*). A distincao entre subordinagao e coordenag&o nem sempre é facil de esta- belecer. Ha construgdes que esto na fronteira entre uma e outra. Centrando-nos nas construc6es classicamente consideradas coordenativas, por exibirem expli- citamente conjungGes de coordenagdo, s4o casos-fronteira as chamadas coorde- nagdes assimétricas (°). Estas coordenagGes estabelecem nexos entre os membros coordenados que, do ponto de vista semantico, se aproximam da relacdo entre subordinante e subordinada. Assim, as frases em (16) sao. equivalentes as explicitadas em (17). (16) (a) | N&o comes a sopa e nao te levo ao cinema! (b) — Esté um dia quente mas a crianga tem frio. (17) (a) Se nao comeres a sopa, nao te levo ao cinema! (b) Embora esteja um dia quente, a crianga tem frio. Porém, apesar do seu valor semantico de subordinacio, as frases em (16) comportam-se formalmente como coordenagées. Em primeiro lugar, nenhum dos seus membros exibe a mobilidade caracteristica das estruturas subordinadas correspondentes, como mostram os contrastes entre (18) e (19): (18) (a) *E nao te levo ao cinema, nao comes a sopa! (b) *Mas a crianga tem frio, est um dia quente. (19) (a) Nao te levo ao cinema se nao comeres a sopa! (b) A crianga tem frio, embora esteja um dia quente. neste caso, um verbo que suporte a flexao verbal. A relagdo de precedéncia esta estreitamente telacionada com a de c-comando assimétrico. Assim, na estrutura em andlise, o termo coordenante c-comanda assimetricamente 0 coordenado, ou seja, c-comanda-o mas nio é c- -comandado por ele. Recorde-se a nocdo de c-comando: uma categoria A c-comanda uma categoria B se ne- nhuma delas domina a outra, e toda a categoria C que dominar A dominar B. (*) O principio que esté em questio é 0 principio C da Teoria da Ligagdo que diz que uma expresso referencial (expressao-R) tem de ser livre, ou seja, nao pode ser c-comandada por um elemento que lhe fixe a referéncia. Sobre a aplicagdo deste principio nas estruturas coor- denadas veja-se Matos (1991). (°) Veja-se a nota 2 deste capitulo. 555 Em segundo lugar, os membros coordenados podem tipicamente ocorrer com autonomia em fragmentos discursivos distintos, como ilustrado em (20), sem se- rem necessariamente interpretados como envolvendo 0 concurso de dois locu- tores distintos (A e B) para a realizagfio concertada de uma tnica frase complexa formada por coordenagio, como acontece em (21). (20) (a) A: Nao como a sopa! B: E eu nao te levo ao cinema! (b) A: Hoje sé tenho tido arrelias: 0 transito estd diabélico, bati com o carro e faltei ao trabalho. B: Mas nao penses mais nisso, porque tudo se hé-de compor. (21) (a) A: A Maria nao come a sopa ... B: E a mie no a leva ao cinema! (b) A: Hoje esta quente ... B: Mas a crianga tem frio. Nas frases presentes numa estrutura de subordinaco, apenas o segundo pro- cedimento é possivel, dado que as frases subordinadas nao podem caracteristi- camente repartir-se por fragmentos discursivos aut6nomos("). Assim, enquanto as frases (22), paralelas a (21), so possfveis, os exemplos (23), correlatos de (20), séo marginais. (22) (a) A: Se a Maria nao come a sopa ... B: A mae nao a leva ao cinema! (b) A: Embora hoje esteja quente ... B: A crianga tem frio. (23) (a) 7A: Se nao como a sopa! B: Eu nao te levo ao cinema! (b) ??A: Hoje sé tenho tido arrelias: 0 transito esta diabélico, bati com 0 carro e faltei ao trabalho. B: Embora nao penses mais nisso, porque tudo se hé-de compor. (°°) No registo escrito é frequente os falantes nao respeitarem integralmente este procedi- mento, retirando efeitos de significado dessa infraccao, como ilustrado em (i). Na realidade, as duas frases constituem no seu conjunto uma unidade complexa, mas a pausa permite ca- racterizar a subordinada como um pensamento posterior do locutor. (i) A crianga esté com frio. Embora hoje esteja um dia quente. 556 Em suma, a distingao entre coordenagao e subordinagao é sobretudo de or- dem formal e nao semantica. A coordenacao distingue-se igualmente da aposicao, um processo que con- siste em justapor a sintagmas ou frases outros sintagmas e frases, materializan- do-se a conexao entre essas unidades através da utilizacgéo de pausas e de uma entoaciio especifica — vejam-se os exemplos em (24) e (25), em que as pausas est&o ortograficamente marcadas pelas virgulas (!'). (24) (a) O Joao, um amigo nosso, participou nessa expedigfio 4 Amazénia. (b) A coroa sueca, disseram no telejornal, foi desvalorizada. (c) Ocometa Hale-Bopp, que tem propiciado um magnifico especté- culo, continuaré visivel. Os exemplos em (24) mostram que é possivel apor constituintes sem os coordenar: (24a) apresenta um aposto nominal, (24b) exibe uma frase interca- lada e (24c) uma frase relativa apositiva. Em qualquer destes casos, 0 aposto nao pode ser substituido por um sintagma coordenado — veja-se a marginalidade de (25). (25) (a) *O Joao, e/ou um amigo nosso, participou nessa expedigao a Amazonia. (b) *A coroa sueca, e/mas disseram no telejornal, foi desvalorizada. (c) *O cometa Hale-Bopp, e que tem propiciado um magnifico espec- téculo, continuaré visfvel. Por outro lado, as frases em (26) mostram que a aposigdo é compativel com a coordenacao, embora a presenca da conjungao copulativa seja facultativa. (26) (a) A Inglaterra, e talvez também a Franca, interveio no conflito ar- mado nessa altura. (b) A Inglaterra, talvez também a Franga, interveio no conflito arma- do nessa altura. Em suma, a aposigao nao pode ser reduzida a um caso de coordenacao na medida em que pode incluir processos de formagao de unidades sintacticas com- plexas distintos da coordenagdo e ser, inclusivamente, compativel com este. (") O exemplo (24b) foi extrafdo de Mateus et alii (1992: 262). 557

You might also like