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1A [ndependéncia INVA ‘BRASILEIRA (f Novas dimensées ISBN 85-225-0555-1 Copyright © Jurandie Malerba Direitos desta edi EDITORA FGV Praia de Borafogo, 190 — 14" andar 2250-900 — Rio de Jancizo, R] — Brasil Tels: 0800-21-7777 — 21-2559-5543, Fax: 21-2559-5532 vail: editora@fgy-br — pedidosediors@lgy.br seb site: wunweditons fgu-be jo reservados 3 Impresio no Brasil / Printed in Broil Todos os dicitas escrrados. A reprodusio nio autorizada desta publics, no todo ‘ou em parte, constitu vilagao do copyright (Lei n®9.610/98), (Os conccitasemitides mee na so deimeira esponsabildad dos autores 1 edigio — 2006 REvISAO DF ORIGINAIS: Mara Lucia Leo Velloso de Magalhies, EDITOR\GAO ELETRONICA: PA Editoragio Elena RevisAo: Aleidis de Beltean e Fatima Catoni ‘Cava: aspectordesign FONTES DAS ILUSTRAGOES DE Cara £ 4” Cara: Luis dos Santos Vilhera, Reepilesio de noticias otropoitans ¢ brailces.. (Salvador: Imprensa Official do Estado, 1921, 1p. 254-255); Biblioteca Nacional, Segio de Lconografia, forte desconhecida Ficha catalogrifica cfaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV ‘A independénca brasileira: novas dimenses / Organiador Jura Malerba — Rio de Jaci = Editors FGV. 2006, 4329. Inco bibliog 1. Brasil — Histdra — Indpundcia, 1822, 1, Males, Jur die I. Fundaso Geli Vargos eon owtoeot Capitulo 5 Os apelos nacionais nas cortes constituintes de Lisboa (1821/22) Marcia Reging Berbel Projetos nacionais e independéncias As experiéncias constitucionais ibéricas do inicio do século XIX foram retoma- das por virios autores nos iltimos anos, Os recentes trabalhos sobre 0 perfodo da independéncia no Brasil incluem importantes anslises sobre a experiéncia portugue- soem 1821 ¢ 1822.' Paralelamente, virios trabalhos de autores de origem hispanica também incluem a reavaliagio da primeira Constituinte realizada na peninsula, em Cidis, entre 1810 ¢ 1814, sob as invasdes napolednicas* A reavaliagio da experién- cia gaditana ¢ esclarecedora para a comprcensie de todo 0 processo anterior as inde- pendéncias na Ameérica, pois esse foi o modelo constituinte utilizado em Portugal e na Espanha durance os anos 1820 e é referéncia fundamental para o liberalismo ibérico durante todo o século XIX. A grande quantidade de estudos realizados sobre 0 cema néo resulta, porétn, de uma seqiléncia de trabalhos conjuntos ou de um amaducecimento preliminar sobre os problemas abordados. Mais clo que resultado de um trabalho comum, essa reto- "Alexandre, 1993: Lye 1994; Neves, 2003: Olvera, 19995 Sousa, 1999: Vargues, 1997; ¢ Veedelho, 981 2 artls al, 1991; Caballero Mesa etal, 1991; Castillo Meléndes, 1994; Chuse, 19993 Garis Godoy. 1998; Garcs Lapuatdia, 1994; Marines de Montas, 1999; Moran Oi, 1994; Pass! Marines, 2001: RinuMillan, 1990; e Salis, 2002. 102 Aindependncia brasileira mada indica a necessidade atual de compreender um tema-chave para a formagio dos Estados emergentes da crise dos impérios portugués e espanhol. Nessas andlises, as reunides de depucados peninsulares ¢ americanos so vistas como fundamentais para a compreensio de vtios aspectos da expetiéncia e do pensamento politico por- tugués ¢ espanhol, nas antigas metropoles e nas col6nias, as vésperas das independé: cias, Destacam-se os momentos cruciais¢ fundadores de uma heranga que acompa- nharia, na peninsula Ibérica ¢ na Amécica, os dilemas da formagio dos Estados nacionais durante todo o século XIX, Aaauséncia de contato anterior entre esses pesquisadoresressalta a coineidéncia entre algumas de suas conclusies. Em todos os casos, os autores focalizam os apelos nacionais realizados por essas cortes constituintes. Manuel Chust (1999) destaca a originalidade do processo iniciado em Cédis, em 1810, que acompanharia as expe- riéncias constituintes de Espanha e Portugal no infcio da década seguinte: los representantes americanos en Cédiz esperaban consegui ds reformas, especial> ‘mente auronomistas, el legado de los representantes americanos que eswvieran pre- sentes en estas Cortés hispanas en la constitucién de los nuevos Estados-nacién ucante los afios veinte serdtrascendental. Toda la prixis politica de Cadiz ser trasladada a México, alas repiblicas centroamericanas, Peru, Ecuador y Chile (..) Laitegracin en sus propias estructuras nacionales de todo um imperio se presentaba sin un precedence histstico, sin modelos que seguit, Los cuatro estados nacionales que se habjan formado con anterioridad — Paises Bajos, Inglaterra, Estados Unidos de Norteamérica y Francia — consumaron sus revoluciones sin imperio detrés. ‘Sem modelo a seguis, os constituintes reunidos em Cédis tornaram-se uma nova referéncia para o mundo ibsrico, Os deputados de 1810-14 ou os de Lisboa de 1821/ 22, eleitos na Europa ou na América, lidavam com o dilema de construir a unidade de um vasto império, permeado por demandas autonomistas, sobre as bases de um Estado que projetavam como nacional. Desde a segunda metade do século XVII, os governos portugueses e espanhsis avangaram propostas para a unidade dos impérios; elas fariam parte da gama de preocupagoes que caracterizou o reformismo ilustrado nos dois palses. As propostas de unidade do inicio do século XIX, porém, continham elementos diferentes: basea- vvam-se na ila da soberania nacional expressa por representantes eleitos que, em suas reuni6es, constituiriam as novas bases politicas e juridicas para a unidade. Esse poder constivuinte contaria desde 0 infcio com representantes da América ¢, assim, 2 unidade seria transformada em novo “pacto politico”. ‘Os apelos nacionsisnas cortes constituintes deLishoa 183. Sob 0 impacto das invasSes napolednicas, reunidos em Cédis ou em Lisboa, os depurados europeus ¢ americanos encontraram-se, entio, na defesa da soberania na- ional. Quais 0s significados dessa unio e das concepgdes sobre nagao e soberania io aspectos destacados por quase todos os autores. Quais as implicagoes dessas for- mulacées no momento-chave da desintegracio dos impérios ibéricos & a indagagao {que move a retomada feita por esses pesquisadores. Deve-se ressltar que todos esses trabalhos observam as reunides dos constituintes como apetos pela unidade das na- ‘goes portuguesa e espanhola. Nesses termos, as reunides das cortes ndo sio vistas ‘como prentincio ou motivo das independéncias na América, mas como tentativas de manutengio da unidade das diversas partes do império com a adogao de novos prin- cipios legitimadores. Tais prineipios, baseados na defesa de uma na¢io soberana re- presentada por deputados eleitos, destrufam a antiga relagio metrépole-colénia ¢ inviabilizavam qualquer projero para uma possivel “ecolonizacio”, tal como se afir- ‘mou no Brasil durante os anos de 1821 ¢ 18227 encontro na defesa da soberania nacional estimulou, porém, a apresenta- ‘sto de virios projecos diferentes. Todos originavam-se da constatacéo de uma pro- funda crise, vivida diferenciadamence nas diversas partes do império e cuja supera- io se tornava tangivel na visualizagio de um Futuro diferente.* As reunides constituintes apareciam, entio, como espagos privilegiados para a apresentagio das propostas telativas a esses projetos, ¢ Sio importantes indicadores dos diversos interesses ¢ perspectivas politicas que marcaram a formagio dos Estados indepen- dentes da América, Nas cortes portuguesas de 1821 ¢ 1822, a diversidade dos projetos para a unidade do império dividiu os deputados do Brasil e também os de Porcugal. Con- flicos e tentativas de acordos ecorreram entre representantes de provincias do mes- mo rcino ¢ de reinos diferentes. Todos pretendiam a unificagio de leis, mercados e padrées politico-administrativos, ou seja, buscavam integrar pela via da unidade nacional aquele complexo que 0 sistema colonial havia soldado anteriormente € construir um Estado nscional na dimensio do império. Tracava-se de uma tarefa dificil ¢, até aquele momento, inédita. Diante dessas dificuldades, divergitam, como vveremos, quanto a forma e aos instrumentos necessitios para a realizagio da unida- de desejada. > Sobre a orgem do vocdbulo “ecolonisasio"¢ sua incorporaio pele historografa brasileira, ver Rocha, 2001. Una snd mais decid sobre a utzaso da iia da recoloizago pelos deputades do Brasil nas cones de Lisbos poder ser encontrads em Barbe, no plo. ance Pisens, 2000. Ye Aindependncia brasileira A incluso do Brasil nas cortes portuguesas Desde 1808 difundira-se em Portugal 0 sentimento de ser “coldnia de ana colénia’:invas6es napoleénicas em 1807 ¢ 1809, dominagio inglesa de 1808 a 1815, a cransferéncia da corte para o Rio de Janciro revelavam 2 perda de auronomiz do reino. A presenga da corte no Rio de Janeito simbolizava a inversio das papéis entre as partes da monarquia, Essa presenca e o crescente movimento comercial nos portos da América evidenciavam o papel secundrio da economia do reino portugues, agora relegado & sua propria producio. ‘A derrota de Napoleao Bonaparre em 1815 gerou a expectativa do retorno do rei a Lisboa. No entanto, até 1820, d, Jodo VI nao mostrava intengio de voltar. Além disso, a restauragio empreendida pelo Congresso de Viena incluia o reconhecimento da transformacio do Brasil em reino ¢ 0 monarca portugués poderia optar por qual- quer das partes da monarquia. A partir de 1816, entio, diversos setores da sociedade portuguesa, liberais ou no, mostraram sua insatisfago com essas mudancas: exigi- ram 2 volta do rei, a centralidade de Lisboa na aedministracio do império ¢ apresen- raram projecos para a restauragio da ordem na monarquia Essas exigncias eraro feitas de formas diferentes, Alguns setores da nobreza do reino clamavam pela restaurac2o de uma oxdem que consideravam perdide: coloca- vvam o retorno do rei a Lisbos no centro de sta campanha e reivindicavam a reunio das cortes teadicionais — bascada na representacio do clero, nobreza ¢ povo —, interrompida desde 1698. Os diversos grupos liberais, por sua vez, enfatizavam a defesa da soberania nacional para a tealizagio dos mesmos objetivos. Para esses libe- rais, a nagao era desrespeitada nas diversas decisdes do monarca e isso havia provoca- doa decadéncia do rein. Consideravam que somente 2 teuniio dos deputados elei- tos poderia restaurar uma monarquia que tachavam de degenerada pelo “despotism” Nos dais casos, a regeneragio implicaria também resgatar a tradicao da nagio portu- guesae seus direitos hiss6ricos sobre os dominios coloniais. Diceitos que, na concep Zo liberal, cram percinentes 20 conjunto das siditos portugueses: nfo se referiam apenas 20s habitantes do Brasil, rampouco aos integrantes da faralia de Braganga Os descontentamentos explodiram na revolugio iniciada no Porto em agosto de 1820. A regtncia de Lisboa tentou chamar as cortes tradicionais, mas, diante da negativa dos liberais, acabou estirnulando a formagao de diversas juntas regionais em setembro daquele ano. Formou-se, entio, pacificamente, um novo governo conten do os setores mais tcadicionais da nobreza do reine associados aos liberais resistentes do Porto ¢ demais regides do pais. Os representantes desses dois setores divergiram, como é cvidente, sobre © papel a set atributdo as cortes, sobre os propésitos da sobe- Os apelos nacionaisnas cortes constituintes de Lisboa 185: ania nacional, sobre as relagdes da nagZo com o rei ¢ sobre a importincia a ser Em 31 de outubro de 1820, o governo de coalizéo definiu as primeiras regras eleitorais para a convocagio das cortes. Buscando conci- liar os divetsos serores, os 38 artigos dessas instrugSes referiam-se apenas a0 reino de Portugal. Mas as presses foram enormes para que se adotassem os critérios espa- iis definidos na Consticuicdo de Cédis, em 1812. Em conseqiiéncia, novas instru- <6es foram publicadas em 23 de novembro de 1820, seguindo rigorosamente o mé- todo previsto pela Constituigio espanhola. A adogio dos critérios espanhéis garantia a vitdria liberal, pois estabelecia a proporcionalidade da representagio relacionada ao coral de individuos que integra- ‘yam a nagto portuguesa e descartava definitivamente qualquer mengio & tradicional divisio da sociedade em «rés ordens, Definia que “a base da representago nacional & 4 mesma em ambos os hemisférios”e, assim, os habitantes de ultramar eram inclut- atribuida aos dominios coloni dos no processo eleitoral Além disso, a adogio das definiges de Cédis introduzisiam a provincia como tiltima instincia para a escolha dos deputados. “Provincias” nao existiam no Brasil € a.aplicagio de tas critérios elevariam as tradicionais capitanias 8 condigio de unida- des provinciais, reconhecendo nelas, também, um certo grau de auronomia na esco- Iha dos depurados. O texto insistia na u qualquer referéncia 4 unidade definida em 1815 sob a forma do Reino Unido de Porvugal, Brasil e Algarves. Os 100 deputados leitos em Portugal reuniram-se pela primeira ver em 26 de janeito de 1821, iniciendo os trabalhos das “Cortes Gerais, Extraordinétias e Cons- tituintes da Nagio Portuguesa”. Resgatavam, assim, x uxdiysy das antigas wites, mas acrescentatam a elas, em carter extraordinario, a incumbéncia inédita de teali- zar a fungio constituinte. Assim, revelando o compromisso entre os vatios setores, preservava-se a tradigio das cortes e incorporava-se a concepgio liberal, Nao havia qualquer representante do reino do Brasil, mas, depois de superadas varias divergén- jade © na soberania da nagio ¢ nao Faria

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