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COMO MORREU AU | (A BUSCA DOS DESAPARECIDOS) aA ee OSE eee msi sce (ie og PS ECR eC ROMO COLOR Co Te Ce fessora Cecilia Viveiros de Castro, que estava presa no DOI-CODI do Rio de Janeiro, conta a Afinal, com detalhes, os tltimos mo- mentos de vida de Paiva. E uma importante fonte militar, oe viveu intensamente os problemas daqueles anos de luta, - relata o interrogatério no qual Rubens Paiva foi Pe Mom CMM Umer ie Coc Plt \? tica, que perfurou sua carétida com um golpe de coronha de uma submetralhadora H-4. Em agosto de 1971 — sete meses depois de sua mor- ‘ te — o Conselho de Defesa dos Direitos da Pes- soa Humana, ligado ao Ministério da Justica, ar- quivou 0 caso Rubens Paiva. Pe PSU SOLE vai ser reativado eRe ROS LOE MOT] sess6es publicas. E o que o ministro Fernando Lyra EE eee Me Re eT to eT POM RAM CU oe Oem Rene ceor Mee Rice CUES COE CU CACO COMM CTO whe tam para saber, pelo menos, como morreram e onde seus |corpos foram enterrados. = ores Bie ar a hearers | De sua cela, no DOI-CODI do Rio, a professora Cecilia Vi- veiros de Castto ouvia um outro prisioneiro soletrar seu nome: Rubens Beirodt Paiva. Para cansar os presos e quebrar-Ihes 0 ‘moral, os interrogadores voltavam com suas perguntas a cada hora, naquele fim de noite (ou ja era o comego da madruga, da?) de 20 para 21 de janeiro de 1971. B-e-i--o-dat, soletrou © preso mais uma vez. E foi entdo que se pos a pedir agua e socorro médico: ““Quero agua, chamem um médico”’, dizia m ‘ma voz cansada mas nitida o Suficiente para ser ouvida na cela de Cecilia. A professora foi a tiltima pessoa nao ligada aos or | gis de repressdo a ter indicios de vida do ex-deputado fede- ral, pai de cinco filhos, empresdrio no ramo da construgao ci vil, pessoa de prestigio nos meios politicos e sociais da época, que no dia 20 de janeiro de 1971 foi preso em sua agradavel casa & beira-mar, no Leblon, por seis homens armados de me- tralhador junca mais voltou. Na épo Cecilia escreveu uma carta & mulher de Rubens, Eunice Paiva, na qual relata que foi transferida com 0 ex-deputa- do, num mesmo carro, quartel da III Zona Aérea pa- 1a0 DOL-CODI. E foi ali que ‘ouviu Rubens declinando seu nome. Nao quis falar mais, ou dar entrevistas & imprensa, porque tinha medo: seu filho Luiz Rodolfo, recém-chegado doexilio (explica ela hoje), era cconstantemente preso e inter rogado. Mas agora Cecilia re solveu contar a Afinal, em de talhes, tudo 0 que viu de Ru- bens Paiva enquanto esteve presa. Isso inclui roupas que julga serem dele, e que viu nu: ma sala de interrogatério e tortura, —eq ‘a professora A prio € 0 desapareci mento do ex-deputado — um mistério que dura até hoje — repercutiram intensamente no Congresso Nacional, onde g nharam a tribuna e provoca ram debates acalorados em plendrio. E abalaram seria: mente 0 Conselho de Defesa ds Direitos da Pessoa Humana, presidido pelo ministro da Jus tiga do governo Medici, Alfredo Buzaid (veja texto @ pagina 12). OT Exército, pressionado por pedidos de habeas-corpus, prim ut a prisio; depois expediu uma nota em que re- latava um rocambolesco seqliestro ao fim do qual Rubens Pai- va teria sido levado por terroristas. O suposto seqiiestro teria ocorrido no Alto da Boa Vista, quando militares levavam o pre so para reconhecer um enderego. Um carro baleado no "lo: Ele perguntou a Cecilia cal” dos fatos foi mostrado a repérteres, ¢ a ocorréncia regis trada na Delegacia da Tijuca. Depois, comprovou-se que 0 carro era roubado e tinha sido apreendido pela policia. Muito mais eloqiente foi a prova representada pelo carro Opel Kadet, de | Eunice Paiva, que o proprio Rubens dirigiu, acompanhado por ‘A senhora também aqui?” dois dos quatro homens que o haviam prendido, depois de dei- xar sta casa, Eunice, presa 24 horas depois do marido, junto com sua filha Eliana, entdo com 15 anos, acabou vendo 0 Opel no quartel da Rua Bariio de Mesquita onde ficava 0 DOI-CODI do Rio. Dias depois, a 4 de fevereiro, o carro foi devolvido a uma irma de Eunice, Renée, contra recibo: um papel com tim: bre do Ministério do Exército, importante prova de que 0 ex: deputado estivera (ou estava) preso la. Mas de tudo 0 que se sabe até hoje, pessoas ligadas a Ru bens Paiva — e principalmente Eunice — ficaram apenas com informagdes incompletas, de fontes ndo totalmente claras, que permitem montar uma hipétese: a de que Rubens foi morto no 21 de janeiro de 1971, nas dependéncias do DOI-CODI, ‘Como? “Ao ver uma violencia, uma indignidade, 0 Rubens per- | dia a serenidade”, diz Eunice. “‘Tornava-se cego. Chegava a ficar apoplético e perder a nogo do que fazia. A informacao que eu obtive, vinda de ami- ram de fontes militares, con- ta que ele se revoltou e se ex cedeu na linguagem. Um bo: ca-dura, como me disseram. Deve ter xingado e por isso que ele nao agiientou.”” Ru: bens Paiva esteve preso no {quartel da antiga III Zona Aé rea, hoje 3° Comando Aéreo Regional — Comar, e no DOI-CODI do I Exército. As informagdes dos amigos de | rntaram dar Eunice situam as dependéncias do DOL-CODI como local em {ue ocorreu a morte. Uma das causas, consideram, pode ter sido um brutal espancamento {que Rubens Paiva teria sofri- | do ainda no quartel da Aero- | nutiea. E uma informagao le vantada agora por Afinal, junto a uma bem-informada | fonte militar, conta com ou- tros detalhes essa mesma ce- | na: a professora Cecilia Vivei astro, Rubens Paiva © uma moga que fora presa com a professora, Marilena Corona, foram obrigados a ficar de méos para ovalto, por bom tempo, no quartel da Ill Zona Aérea. Cecilia acabou nao su: | portando e teve um desmaio. Quando isso aconteceu, Rubens saiu do “castigo ampari-la. Nesse momento, 0 oficial | ‘que comandava o interrogat6rio golpeou o ex-deputado com | a parte posterior de uma submetralhadora H-4. Esta arma tem lum ressalto de metal que, acidentalmente, perfurou a cardtida de Rubens. Ele comecou a perder muito sangue € um cirurgiao foi chamado as pressas. Com uma sutura, conseguiu estancar a sangria. O ex-deputado ficou muito debilitado e neste estado foi levado para 0 DOI-CODI. Viajou no assoalho de um car | ro, no qual também ia Cecilia (a professora dird, adiante, que | Rubens viajou sentado a seu lado). No DOL-CODI foidestra os de [Trey sec mete ARM cee (9 OC cree Be, i Eunice lombra que quando for Mulherzinna, calma. N&O € nada, Nao se assuste tado por soldados e finalmente submetido a torturas, que o fi- | trantes, alto, loiro, do tipo de um oficial ni enquanto piorar muito, Seu est avou-se de tal modo que | Cecilia (Sempre na versio da carta) chorava e pedia para 1u morrendo. A segura ao fazer ¢ jorturarem Rubens. O oficial gritou-lhe: “Ag 10: 0 homem que gol s P metra- | aqui ndo se tortura, isso € uma guerra”. Entdo fez Cecilia ora era o brigadeiro Joao Paulo Burnier omandante | Ievantar-se e acompanhé-lo a uma sala onde ha I Zona Aérea. (O brigadeiro, hoje reformado, nao at homem no cho. Mas ela fechou 0: nnuar olhando. Horas mais tarde; j ida por Eunice Paiva, uns dois me- | putado foram colocados num carro e levados para e deta- | CODI. Isto é o que cont ta, dizendo que esse rel pristio do marido, repete historia. Quem n Cecilia na frente de “duas senhoras que foram 1a libertagdo". Alg so também muito con sua mulher Eunice ia desmaiou, Rubens saiu de seu “cai para cima e tentou amparé-la, [ ou 0 oficial que mbém um loiro de olhos Rubens. O ex-deputado uu de uma ve paca de conclu a Cecilia Viveiros de Castro, Para | apartamento, em Copacaba advoua do Eurico Viveiros de Castro. E comegou contando que foi pas: sar férias no Chile (onde viviam seu filho Luiz Rodolfo e a m Iher, Jane) casualmente na época do seqilestro, no Rio, do em. baixador suigo Enrico Bucher. Cecilia e Marilena Corons irma de Jane, a mulher de Luiz Rodolfo, estavam em Santiago quando 0s 70 presos politicos trocados pelo embaixador e bi yam Id. Algum tempo depois, no dia 19 de janeiro de 1971, as duas mulheres embarcaram num v6o para Sa Paulo, trazendo cartas de exilados, para serem colocadas no Correio, aqui no Brasil; e recortes de jornais com noticiério |e fotos dos banidos chegando ao Chile. Marilena Corona, en- | 40 com 19 anos, trazia uma carta com nome e telefone de um homem que nio conhecia pessoalmente: Rubens Paiva. Assim | que o avido estacionou no Aeroporto do Galedo, alguns homens | subiram a bordo, falaram com os comissérios ¢ localizaram as dduas passageiras que lhes interessavam: Cecilia e Marilena. Num jipe, elas foram levadas para instalagdes da Aerondutica junto ‘a0 aeroporto. ““Coisa de rotina”, explicaram os homens, Na mala de Cecilia foram descobertas as cartas ¢ os recortes e tam- bem um poster de **Che” Guevara. Es- sas coisas, mais vinhos, chocolates, uma camara fotografica e uma peruca Foram apreendidas. E s6 0 poster foi devolvido. Cecilia lembra-se bem dos sustos de ser eneapuzada e separada depois de Marile na, de ser colocada entdo num quarto com a luz sempre acesa, de ser xingada; , no dia seguinte, um homem a quem | chamavam “‘doutor Luiz” veio dizer-the que toda a sua familia estava presa, iam todos perder seus empregos, as duas fi: thas estavam & mero® de seis homens num camburio policial. Cecilia, professora do Colégio Sion, era acusada de ser “pombo- de organizag Por fim, passaram-na para o quartel da Il Zona Aérea, provavelmente no Cen: tre de Informagio e Seguranga da Ae. rondtutica (CISA), onde ouviu gritos de tum homem sendo torturado, pedindo para pararem com aquilo. Nao pode dizer se seria ou nao Rubens Paiva. No relato da professora Rubens s6 surge no mo- ‘mento em que ambos foram transferidos para o DOI-CODI num carro comum, Cecilia acha que viajou junto com o ex-deputado porque os militares no sabiam que eles se conheciam. Rubens tinha da, do carona a professora de suas filhas no Colégio Sion, varias vezes. E foi esse mesmo homem que Cecilia viu ser colocado a seu lado, no banco de trds do carro. “Ele estava com as maos para a frente, amarradas. Estava ensangilentado e muito ver- | melho, Olhou para mim com uns olhdes arregalados, que eu | ‘nunca consegui esquecer. Mas nao disse nada. Nao conversa- | ‘mos, ndo era interessante saberem que nos conheciamos."” Du- rante 0 percurso para 0 local que chamavam de “‘aparelhao’ (© DOI-COD)), os homens que os levavam, provavelmente mi- Titares em roupas civis, conversavam com colegas pelo radio do carro. Cecilia diz ter ouvido claramente um deles dizer pelo ra dio: “Quem entrar, cana. Quem esta dentro nao sai”. Referia se a algum lugar do Leblon, Mais tarde, a0 conhecer fatos com. O oficial gritou: “Aqui nao se [Uino: habeas-corpus nao adiantava. pletos, a professora concluiu que aquele lugar — onde todos ‘eram mantidos presos — seria certamente a casa do ex-deputa. do. Chegando ao quartel do Exército em cujos fundos funcio- nava 0 DOL-CODI, na Rua Bardo de Mesquita, Tijuca, os dois presos foram obrigados a cobrir o rosto com toalhas; dentro, deram-Ihes sacos para vestirem como capuz, E a ordem de fi- ‘car — jd encapuzados — junto a uma parede, com as maos uunidas, acima de suas cabecas. ““Eu estava cansada, sem co- ‘mer, muito tensa. Tentei apoiar as maos na parede, mas uma voz gritou: ‘Tira'a mao da parede que esta pintada’.”” ediram entdo que dissesse seu nome, Depois perguntaram ‘© mesmo para Rubens Paiva. Foi a primeira vez que Cecilia ‘ouviu seu conhecido falar. Como aconteceria outras veres, ele teve que soletrar 0 Beirodt de seu sobrenome. A professora, enttetanto, nao agiientou muito aquela situacdo € desmaiou. ‘Tempos depois, quando voltou a si — sempre ela contando — descobriu-se sentada em uma cadeira. Um médico aplicava-lhe uma injegdo, Ela tinha os bragos doloridos e a blusa em desali rho, o que a fez concluir que tivesse sido arrastada até a cadei- ra por alguém de maus modos. Ouviu al- ‘guém perguntar: “Ela aguenta?” E con- cordaram que era melhor “deixar para amanha”. Concluiu que 0 desmaio a sal vara da tortura. Mais tarde foi levada a uma sala de reconhecimentos, separa dos que poderiam reconhecé-la por um v dro transparente s6 de um lado. Uma moga disse que a reconhecia, mas depois alegou engano. E também conduziram-na ‘a uma sala de interrogatérios. Eram trés homens, que manclaram Ceefiatirar 0 ca puz, por isso ela pdde ver: “Dois deles ‘eram cabeludos e usavam jeans. E 0 te ceiro era um loiro de othos azuis, tinha tum esparadrapo tapando seu nome n miseta, Se eu fosse fazer um filme sobre a II Guerra colocaria aquele homem no papelde nazista. Era um militar, poderia ter vindo do quartel da III Zona Aér Cecilia conta que ouvia gritos de tor tura; explicaram-Ihe que © mesmo the aconteceria se no colaborasse. Fizeram muitas ameagas. “Eu vi no chido roupas de homem, me disseram que era da pes- soa que estava sendo torturada. Poderia set do Rubens Paiva, mas ndo sei. Disse a eles: ‘Eu ndo sabia que no Brasil se torturava’. E 0 loiro de olhos azuis ficou bra Vo, me segurou € me disse: ‘Repita comigo, néo ha tortura no Brasil [sto é uma guerra’.”” Até este ponto da narrativa da pro: fessora Cecilia Viveiros de Castro nota-se uma série de coinci- déncias com outras versdes, inclusive a contida na carta andni ‘ma, Surge o mesmo loiro “parecido com um nazista’”, a mes: ‘ma frase sobre tortura no Brasil, as roupas no chao, o desmaio depois de ficar com as maos para o alto. A diferenca basica E que, nas outras versdes, estes fatos passam-se no quartel da Aerondutica; enquanto em seu relato Cecilia os situa no DOI- CODI. Também a professora nega 0 episédio de que Rubens Paiva a socorrera no desmaio e por isso apanhou muito; assim ‘como nega ter sido acareada com ele — ou mesmo té-l0 visto — no quartel da III Zona Aérea. A noite, continua Cecilia, foir tortura; isto é uma guerra”. |» levadaa uma cela, que tinha uma portinhola. De hora em ho- Re ries Asis ee acces Bee ee ee nee eee | ex-deputado responder ¢ ter que soletrar o sobrenome. “Ele ti nha uma voz sumida, parecia que ndo estava passando bem, Nas iiltimas vezes dizia: ‘Quero ‘amem uum médico’. De- via estar perto de mim, porque dava para ouvi-lo bem. Nao sei onde estava, se em outra cela, no corredor..."" No dia se: ‘guinte, um novo interrogatério, “mas ja sem a mesma agressi Vidade”; 0 reencontro com Marilena Corona, que viajara se parada da Aeronautica para 0 DOI-CODI e a quem nao vira mais (Marilena se queixaria & amiga de ter sido torturada); e a.transferéncia para o 8° Grupo de Artilharia de Costa Moto- rizada, onde seriam muito bem tratadas até a libertago, Mat lena saiu dois dias depois, Cecilia a 8 de fevereiro. O marido da professora, o advogado Eurico Viveiros de Castro, explica ue desde a prisdo de sua mulher procurou ajuda entre amigos € por todos os lads. “A maioria descon- versou, mas alguns se prontificaram a ajudar”, lembra Eurico. Entre estes ha- via militares e certamente deles — ou de um deles, que a familia prefere nao men- | cionar — obtiveram um decisivo apoio. Mas Eunice Paiva, hoje advogada, ¢ ainda empenhada em esclarecer 0 desa. parecimento do marido, acha que os fa tos ndo se passaram como Cecilia conta. “Essa historia esta incompleta, ha coisas por tris dela", diz Eunice, Na verdade, cla demonstra acreditar que a professora “negociou a histéria do Rubens com os militares”; ou seja, omitiu fatos impor tantes em (roca de sua transferéncia para uum quartel onde nao havia tortura e se ria bem tratada. Esta visto dos fatos aborrece os Viveiros de Castro, que con. sideram um ato de coragem Cecilia ter es crito a carta a Eunice, mesmo que a pe- dido desta, em 1971, quando os érgaos de repressdo estavam plenamente atuan- tes, De qualquer forma, Eunice Paiva esta convencida de que, independente da gra: Vidade dos maus-tratos sofridos no quar tel da Aeronautica, foi a tortura aplicada no DOI-CODI que ‘matou seu marido. “‘Na manhi seguinte ao dia da minha pri so (manhd de 22 de janeiro de 1971) notei que aqueles homens, | que me haviam submetido a um interrogatdrio bobo no dia an- terior, estavam diferentes, Tinham perdido a seguranca, mostravam-se nervosos, descontrolados” — lembra-se Eunice. | Continua: **Fui chamada para um novo interrogatério e fiquei aturdida, eram trés ou quatro homens que entravam e saiam. Falavam sobre um incidente desagradavel. Senti que alguma coi sa tinha acontecido. Para minha filha Eliana, solta no dia se guinte (22), eles disseram que o pai tinha fugido", Eliana foi deixada na Praca Saens Pena, na Tijuca, e lé recolhida por ami: gos da familia. A estes, repetiu o que Ihe haviam dito: “Disse Tam que o papai fugiu"”. Mas Eunice recorda ainda: “Os guar: das, recrutas da Policia do Exército, nao entendiam por que eu Eunice pediu aos homens: | ar condicionado. Estavam nisso quando tocou o telefone. Ru: Marcelo: ia a praia, naquele di ¢ Eliana estivamos presas. Eu descrevia o Rubens para eles, | que pouco depois voltavam e diziam: seu marido néo esté aqui. | ‘As autoridades sabiam que o Rubens tinha sido preso e o que | havia acontecido. Uma prova disso foi o que me disse um in terrogador: ‘Seu marido tem muito prestigio nesse governo, no?” Porque a pressio sobre eles devia ser muito grande. Nao sabiam o que fazer comigo. Negavam mina prisio, mas havia 0s habeas-corpus impetrados por nosso advogado. Até que me soltaram, 13 dias depois da prisio”. Fazia muito calor no Rio, na manhai de 20 de janeiro de 1971. Maria Eunice Paiva chegou do supermercado pelas 11 horas ¢ encontrou o marido conversando com um de seus amigos pro- ximos, Raul Ryff, que fora secretério de Imprensa de Jodo Gou- Tart, Na casa da Avenida Delfim Moreira 0s cinco fihos do ca- sal — um deles Marcelo Paiva, hoje escritor — preparavam-se para desfrutar do sol e da areia da Praia do Leblon, que po: diam ver pelas janelas. Depois da saida de Ryff, 0 casal resol yanjada num pequeno escritério da casa, com bens Paiva atendeu, desligou: “E alguém que tem uma carta do Chile para mim’ A pessoa, explicou, queria saber o ende- rego. Nao deu cinco minutos e a empre- gada interrompeu: ‘*Tem uma pessoa ai nha porta querendo falar com o senhor"” Rubens saiu para atender e fechou a porta do escritério. Alguns momentos depois abriu apenas uma fresta e disse: “Mulher alma. Nao é nada. Nao se assus- te”. A porta foi entdo escancarada e mos- trou quatro homens com metralhadoras Na verdade, eram seis homens na casa toda. Dois acompanhariam Rubens, no Opel Kadet de Eunice; os outros quatro ddariam o primeiro turno de servigo até ser substituidos por outros — isto até o dia seguinte, quando Eunice ¢ Eliana, com seus 15 anos, seriam levadas para o DOL CODI. Rubens certamente néo imagina- va tanto, Tratou os homens com muita amabilidade, pediu licenga e subiu a seu quarto para se vestir — terno e gravata jprestou uma camisa a uma das filhas, para servir de saida-de-praia Colocou charutos no bolsinho superior do palet6, despediu-se, saiu. Ninguém da familia nunca mais o viu ‘Os homens que ficavam na casa, lembra Eunice, agiam como se estivessem em um perigoso aparelho cheio de agentes sub- versivos. “E era a casa de uma familia normal, com seus cinco filhos, preparando-se para ir & praia", diz Eunice, Trés rapa- zes, amigos da familia, que tocaram a campainha & procura de uma das fithas do casal foram presos, levados a uma depen cial ou do Exército, e s6 libertados no dia segui telefone foi censurado. Mas foi através de telefonemas (que mostravam uma Eunice “diferente”) e de um bilhete passado para a vicinhanea, que os amigos de Rubens Paiva se alerta- . O bilhete foi colocado por Eunice numa caixa de f6sfo- +0. Ela pedi a seu filho Marcelo que o levasse escondido a uma vizinha. Pelo telhado e pulando um muro, o garoto, ent&o com 12 anos,chegou ao portdo da vizinha. Tocou a campainha.Re-» | guardem as metralhadoras. wean baie Geel eaniirs | nistro da Previdéncia Social Waldir Pires ¢ 0 advogado Lino | corpus. Ele esta convencido de que gra- | cas.a esse expediente Eliana, e depois Eu- com os caras, jo mudou 0 planiao. Jantar e Congonhas, © Paulo, que estava fecha- do carro Opel foi uma prova importante de que Rubens estava (ou tinha estado) no DOI-CODI, “Entrei no STM com a prova material, uma cépia do recibo. O STM reuniuse’em sesso secreta ¢ resol veu, por unanimidade, mandar o Exérci. to apurar os fatos,”” Os fatos, entdo, vi ‘nham em uma nota do I Exército, em que se apresentava a versio de que’ Rubens Paiva tinha sido sequiestrado por terroris. tas no Alto da Boa Vista. O Cédigo Pe nal Militar, explica 0 advogado, conside- ra crime deixar um preso se evadir. As: sim, Lino Machado representou ao STM €, por agao deste, um IPM foi aberto, Mas em nada resultou. Lino Machado Filho fala do tem- peramento do ex-deputado, do quanto a violéncia ¢ 0 arbitrio O revoltavam, ao expor como acha que morreu: tava ameagas, ndo se acovardava. Ao ser agredido, reagiu Esta € a minh Ele no acei O ministro da Justica, Alfredo Buzaid, era amigo da Paiva. O pai de Rubens, Jaime Almeida Paiva, seu genro Cas sio Mesquita Barros Jiinior, e mais Eunice Paiva conseguiram uma entrevista com o ministro, em sua casa, em Sao Paulo, ‘mais ou menos um més depois da prisio do ex-deputado. Ho: je, Eunice reproduz um trecho da conversa: umilia Buzaid disse: Paiva, com Almino Afonso, na Camara. Pode ficar trangiiila. Em dez dias serd solto” ror que dez dias?” sofreu alguns arranhdes ¢ no pode ser libertado. imediatamente. Mas eu garanto que em dez dias a senhora tera seu marido de volta” Eunice explica 0 que, a seu ver, estava acontecendo: “De: pois nés descobrimos que 0 Buzaid estava por fora. Os milita res nao o informavam de nada, mas ele ndo queria demonstrar isso". Por esse tempo Eunice viajava com frequéncia a Brasi lia: ‘Na Camara Federal poucos sabiam da existéncia do DOI- | CODL. Com a imprensa sob censura, muitos deputados pensa- | vam que se houvesse tortura isso era contra os comunistas de guerrilha... Lembro até hoje a cara de espanto do Tancredo Neves, quando eu contei como © Rubens eu e minha filha ti | nhamos sido presos. E 0 Ulysses ficou com os olhos cheios de | ldgrimas. Naquele momento eles perceberam que a mulher d les também poderia ser presa, Contei que eram homens sem farda, sem nome, falei dos capuzes. Foi a primeira vez que eles ‘ouviram essas coisas de alguém em quem realmenteconfiavam. Lembro-metambém. do Milton Campos (ex-senador mineiro, falecido). Ele chorava e me dizia: ‘Nao E possivel, e pensar que eu ajudei essa Re- volugao a vencer’””. E Eunice Paiva subi- tamente esta falando de sua casa, de seu marido e dos filhos, com indignacao: Levaram 0 Rubens sem intimagao, sem nada de formal. No dia seguinte levaram sua mulher e sua filha. Rubens tinha uma vida piiblica ¢ aberta de engenheiro, uma firma quehavia construido 2,000 casas po- pulares. Era simplesmente uma pessoa suspeita. Af evidenciou-se o poder que es: se grupo paramilitar tinha”, E a anistia deixa Eunice Paiva indignada: “Ninguém tem o direito de negociar 0 direito de mi nha familia de saber 0 que foi feito de Rubens Paiva. Com a anistia s6 0 que queriam era a volta dos cassados — os torturados e mortos que se lixem! Na Ar- gentina, as Forgas Armadas vio sai lim: pas. AS nossas saem sujas, ndo se sabe ‘quem fez.0 qué. Ou nao fez e é ctimplice porque acobertou, E uma instituigao fe- rida, Nao vai haver Forgas Armadas confidveis enquanto ca: sos como o do Rubens nao forem esclarecidos. E isto nada tem a ver com revanchismo. Porque a prisio de meia diizia de anor. mais ndo adianta. Nao vai suprir 0 mal que nos fizeram Em outubro de 1978 o Jornal do Brasil editou um suph | especial sobre o desaparecimento do ex-deputado | ro. “Quem matou Rubens Paiva?”, pergunta o titulo princi pal. E'ao longo da reportagem, considerada o melhor material sobre 0 assunto publicado até enti, dois repdrteres empen- hham-se em oferecer a resposta, através de um cuidadoso levan- tamento dos fatos. Em certo momento, apresentam uma ver- dadeira pericia do local onde supostamente Rubens Paiva foi subtraido de trés militares que o levavam preso, durante uma diligéncia, por um grupo de terroristas. O resultado funciona ‘como uma prova da inverossimilhanga da histéria que consta » Bem O que vai acontecer a ele? | = “Em dez dias ele sera solto’’. AFINAL, 16 DE JULHO DE 1985 Denunciando torturadores ‘Um grupo acusa 4 do governo Brizola “Durante todo wm dia, sofri toda espécie de tortura: paw de-arara, choque elétrico, afogamentos ¢ tive que enfrentar um filhate de jacuré colocado sobre o meu corpo, (Dulce Pan- dolfi, 36 anos, sociéloway " ‘Eu era torturada com choques elétricos no bico dos seias Além disso, era obrigada a ver meu marido ser torturado, prin- Cipatmente com choques elétricos nos drgdos sexuais.”” (Ceck- lia Coimbra, 44 anos, psicéloga.) Muitos brasileiros jd owviram depoimentos como estes, con- tadas por ex-presos politicos do regime que vigorou no Pats até marco siltimo, Bssas historias tenebrosas estdo agora se transformando em dentincias formais junto a um dredo de primeiro em um registro.na 19: com mais detalhes, em uma sindiedncia com data de 11 de fe erciro de 1971, assinada pelo major do Exérecito Ney Mendes, nat madrugada de 22 Delegacia de Policia; depois, Comtase ali que de janeiro um capitdo dois sargentos do Exército levaram Rubens Paiva para indi: car a casa de uma pessoa que irazia correspondéncia de bani dos, do Chile. O ex-deputado nao idemificou a casa e, na vol: ta, descendo do Alto da Boa Vista, 0 Volkswagen em que via javam foi interceptado por dois carros da mesma marca. Os militares desceram e refugiaram-se atras do muro, sob fogo dos, nimigos — que passaram a responder. Sob esse ago cruzado ‘continua a sindicdncia — Rubens deixou o carro, correu boa ssores, que Fugiu rapidamente. alhes improvaiveis ¢ que Rubens, muito machucado {¢ até pouco antes pedindo um médico, como conta a profes. sora Cecilia), tenha tido lidade para correr tanto ¢ escapar as bas, Sobre a morte de Rubens Paiva, 0 jornal reporta-se a fon varias verses: 0 excesso de violencia de um of Zia o imterrogatorio. E que condu ambém aqui surge 0 oficial loiro de ollios 1wuis. Os reporteres também investigaram demoradam miterios do. nte ce Rio, em busca de pistas que pudessem leva-los aos estos de Rubens Paiva. Mas, apesar do esforco evidente, nada cencontraram. E chegaram a conclusaio de que se 0 ex-deputado Toi enterrado como indigente, jamais se chegard aos seus res: re pois decorridos cinco anos 0s restos Va rent de Rubens, que estaria seu cor 10, Eunice teve informaydes de que se encontraria no Cemité- | nho branco”). Ea Nova Justica, que devera estar em circu i do Caju, ou de Inhatima, no Rio (vasculhados pelos rep6r- | ¢20 no Pais provavelmente ainda este més, é 0 nome de um eres do Jornal do Brasil, que nada encontraram); ou no Re- | livreto criado pelo Ministério da Justiga com 0 objetivo de es Ureio dos Bandeirantes, ou no Alto da Boa Vista. Ou simples- | timular o debate sobre a reformulacao dos conselhos do mini mente no fundo do mar, atirado por um helicéptero do Péra- | tério — entre eles 0 Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Sar. Ou ainda Rubens estaria vivo num pais vizinho, De tudo ‘6 que ouviu, Eunice Paiva tem apenas como certo que 0 mati do esti morto, E o grande problema que um morto nao oficial | 1971, na sessdo que votou arquivamento do caso Rubens Pai caust a Familia. “*Na cabeca dos meus filhos ena minha ele | va. O resultado de 4 a 4 foi desempatado pelo voto de Minerva nido estdi motto. Os meus tilhos ainda nado enterraram o pai. | do entao ministro da Justica Alfredo Buzaid — e 0 caso argui E uns fato que nao esti concluida, algo que nao foi superado. | vado.A partir dai,e da repercussaie negativa do fato,o conse-» assessoramento criado no final do més passado pelo governo fuminense — 0 Consetito de Justica e Direitos Huma- ‘nos do Rio de Janeiro, cujo presidente ¢.0 proprio gover- ‘nador Leonel Brizola, E ja enfrenta um problema: quatro dos cacusados nestas demiincias exercem, de alguma forma, cargos de confiunca no Governo daquele Estado. As demincias partiram do grupo Tortura Nunca Mais, eria- do no Rio ha dois meses com 0 objetivo de cobrar da Unido ‘uma soluedo para 0 problema dos desaparecidos, apontar os torturadores que ainda exercem fungdes publicas e esclarecer «@ sociedade sobre o que foi a repressao na década de 70. As principais acusacdes recaem sobre 0 major PM Riscala Corbage, também conhecido nos tempos do DOI-CODI co- ‘mo 0 Douor Nagib”. Ele & quase uma unanimidade, Dos ito forturados que ji depuseram no Conselho de Justigu, seis © gpontaram. como ‘orturador. Era ele 0 carrasco de As minhas filhas ainda sonham com o pai e vém me procurar desesperadas.”” | Formada advogada depois da morte do marido, e disposta | a entrar na Justiga com uma ayaa der ponsabilidade e inde- | Unido, Eunice considera “a tatica do desapa- | recido politico” como a "*mais cruel de todas”. “Atinge a fa- | mnilia ¢ 0s amigos, a vitima permanece viva no dia-a-dia. En im, mata-se a vitima e condena-se toda a familia a uma torte ra psicologica eterna. Esse problema ¢ latente entre os meus, Fazemos cara de fortes, dizemos que a vida continua, mas no podemos deixar de conviver con E nao ha uma ura podia-se tentar compreender n esse sentimento de injustiga aziio para isso continuar. Enquanto havia dita: | Mas a apontem os culpados, digam-me como o Rubens morreu, quem, iu, © que aconteceu, E expecam uma certidao de dbito, mor reu em tal dia, em tal quartel. Meus filhos se espantam: por ue nao fazer isso? Uma de minhas filhas, a Veroca, as veze me diz: ‘Mamie, nés temos que enterrar © papai. Eu nao siento mais iss0’."” aw | A Nova Justica, mais aberta. E a tortura passard a ser ie Definir a tortura como crime e colocar em circulagdo em to: do o Pais a Nova Justica. Essas duas iniciativas do Governo, na area dos direitos humanos, devem ser tomadas brevemente A primeira é uma proposta feita pelo procurador geral da Re- | publica, José Paulo Sepiilveda Pertence, que pretende inclui-la no anteprojeto que introduz alteragbes no Codigo de Processo Penal Gunto com a incluso dos chamados “crimes de col Humana, de funcionamento to polemico nas duas ultimas d cadas. Um dos momentos eruciais do conselho aconteceu em, Eunice: “‘Na cabega dos meus filhos, ele nao esta morto’’. Nene Cecilia Coimbra e de seu marido José Novaes, como também de Dulce Pandolfi, que chegou a ser usada como cobaia nu- ‘ma aula de tortura, Atualmente, 0 major Corbage trabatha como assessor de seguranca do Banerj, servindo de elo entre (0 banco e a PM, O coronel PM Whelington Rodrigues dos Santas ¢ 0 ex-guarda ferrovidrio Luis Timdteo de Lima fo- ram também denuneiadas como torturadores do DOI-CODI. ‘Na década de 70, 0 coronel era 0 chefe da P2 — 0 servico secreto da PM — e até o més passado comandava 0 5! BPM, ‘quando foi afastado do cargo e viajou para a Europa em go- +30 de uma licenca-prémio de sets meses. Luis Timéteo de Li- ‘ma & 0 atual chefe da seguranca da Assembiéia Legislativa “fluminense. AS acusagdes ndo param por ai. O coronel do Corpo de Bombeiros José Halfed Filho, atual se- cretdrio estadual da Defesa Civil, é Iho fechou-se. As reunides passaram aser seeretas, © numero de conselheiros foi ampliado, favorecendo decisdes de int resse do Governo; ¢ 0 érgdo passou a reunir-se apenas por convocagao do mi nisiro da Justiga. A Gnica vez em que se reuniu foi em novembro passad ra, 0 Governo pretende reativa-lo em no- vas bases. (© ministro Fernando Lyra, da Justia, id apresentou essas bases a0 presidente Sarney. Elas prevéem, ao invés de sessoes, seeretas, que dentincias ¢ providéncias por parte do Governo sejam divulgadas a Na lo, E pretendem uma atuacao do con: Selho contra a violéncia, discriminagdes racial, de sexoe otras fraude eleitoral ¢ampliagdo de seus membros, com a cria- ao de novos postos. Um documento so- bre a reformulagao dos conselhos (que so seis) indica que o funcionamento do Conselho de Defesa dos Direitos da Pes- Albagl: soa Humana ‘*¢ exigéncia do process de d Nova Reptiblica ¢ também compromisso internacional do pelo Brasil”. E esclarece 0 papel do conselho violagio dos direitos humanos o consetho nao tem p punir, apenas encaminha 0 resultado gos competente’ E isto basta? No di 1981, 0 entao deputado Fernando Lyra disse no plendrio da Camara: “Quando che {guei a esta casa Rubens Paiva simbolizava o sofrimento de ce tenas, milhares de familias brasileiras, com 0 desapareciment de seus entes queridos, Rubens Paiva desapareceu nos porde da ditadura ¢ alé hoje nao se tém noticias dele. Ressalt Pedroso Horta, que envidou todo clare fargos de nosso ex cesforcas no sentido de e er esse atentad manos”. O que tem hoje o minisiro Fernando Ly deputado Fernando Lyra? “O problema d $08", diz ele, “depois da anistia de 1979, ps Em conseqiténcia, 66 posso analisi-lo depois do fato do fato judicial." Um outro ministro, Waldir Pi ‘Nao sabia que se torturava ocratizagao da ‘acusado de praticar torturas psicologicas durante a época en ‘que serviu no Presidio Feminino de Sdo Judas Tadeu. O.co- ronel, que também & membro do Conselho de Direitos Hu- ‘manos, tem no secretério da Justica Vivaldo Barbosa win aliae do: “Em relagdo a ele, ndo hd acusagdes formais. Era apenas um carcereiro”, explica Vivaldo. ‘De qualquer forma, 0 Conselho de Justica e Direitos Hu- ‘manos decidiu recomendar ao governador Brizola o afasta- ‘mento de cargos de confianea das pessoas envolvidas nas act sagées. O coronel Nazareth Cerqueira, comandante geral da PM, anunciou na semana passada 0 afastamento do major Corbage de suas funedes no Banerj. O gavernador Brizola, no entanto — j@ intrigado com a reabertura do caso Bauin ‘garten— ficou irritado com as dentincias. “Dos torturadores devemos chegar aos golpistas, porque foio golpe que ensejou tulo”™ a déncia Social, fala de outros aspectos do desaparecimento dc ‘amigo dileto, um companheiro extraor Jinario™. Fala de sua morte: “O Rubens morreu entre 48 ¢ 72 horas depois de pre so. Acho que sua morte ocorreu no DOL COI da Rua Bardo de Mesquita (Rio). Quando ele saiv da IH Zona Aérea ja es tava muito machucado”. Lembra ainda que Rubens Paiva “foi quem viabilizou ‘a minha saida de Brasilia ¢ a de Darey Ri beiro (chefe da Casa Civil de Joao Gow: Tart), em 1966. Alem de se encarregar da >, cle custeou ash ppesas do teco-teco que nos tirou dagui dk Brasil bens, conta que na verdade seu marido, tinha um avid pequeno, de sua firma d nharia, E foi com ese aviio, © pro (Eunice Paiva, mulher de Ri idenciando gasolina ¢ dol seguiu também mandar Joao Goulart pa ra o Uruguai.) Mas 0 caso Rubens Paiva deixou perplexa ou ‘0 professor de medicina ¢ presidente da Asso- de Educagio, Benjamim Albayli. O pro! Conselho de Defexa dos Direitos da aso Rubens Paiva. Numa pri arquiva 1 testemunbt daquela épo% ciagdo Br a um dos membros d Pessoa Humana que julzava 0 6 ‘mento na terceira foi mii 0 des le Buz m Albagli procur oi = nas para dizer que ide expresso” © por um ge nto, Nao eft primei Pedro Calmon (que ne indo, 0 general Dani ‘9 personagem citado pelo prolessor cra o historiador Alba a Nunes. Hi jue os autos nao tinham nenhuma inf ou prisdo do Rubens Paiva. E juridica E 0 professor faz uma confis. autos. Po br tei certo: louvei-me nos autos’ so: “Em 1971 cu nio sabia que se matava ¢ se torturava no Brasil, Pensei que pudessem ter mudado © Rubens de presicio Mas nunca que tivesse havido esse tipo de tortura ou assassi rnato. Nos autos ndo havia um documento que nao compro. vasse a declaragao do comandante do I Exército (Sizeno Sar- ‘meno, com a versao de que Rubens fora seqiestrado por te- violenci nente vo. roristas). E eu nao podia imaginar qué o comandante do I Exér cito estava mentindo, que ch Nunca mais foram vistos Alguns dos 134 casos de desaparecimento sse a esse ponto O caso dos esqueletos seqiiestrads, tal- vver 0 mais insélito da historia dos desa- parecidos no Brasil, poderd resultar tam bem num desfecho inédito: a prisio € homens do DOL-CODI e da policia, E isto, pelo menos, o que acha © Comité Brasileiro de Anistia — CBA —, que conseguiu alinhar o nome de 134 desaparecidos, e descobrir 0s 0s50s de trés eles, em S20 Paulo, Esse total poderia {er subido para cinco se os esqueletos de dois estudantes, o casal Marcio Beck Ma- chado ¢ Maria Augusta Thomaz, nao ti: vessem dlesaparecido subitamente de uma fazenda em Goids, onde o CBA os tinha locatizado. A morte dos estudantes ocorreu no dia 17 de maio de 1973, em uma fa iada entre Rio Verde ¢ Jatai nnhas ¢ evidéncias materiais mostram que um grupo de agentes do DOI-CODI de delegados de policia locais nda si- Testemu- Sao Pa {eercou 0s dois jovens ¢ os abateu com ar: mas de grosso calibre. Marcio, militante do Movimento de Libertagao Popular (Molipo), estudava economia na Universidade Mackenzie, de Sao Paulo; sua mulher, Maria Augusta, atuava no mesmo mo: vimento e estudava na Pontificia Universidade Catdlica, tam bbém de Sao Paulo. Dados como desaparecidos, nunca se sou- embro de 1980, chegou ao CBA uma informagao falando de Goids. Depois de al oadvogado Luis Eduardo Greenhalgh, presidente do CBA, che gou a fazenda do casal Sebastido e Maria Cabral, no munic pio de Rio Verde. “Quando comecei a fazer perguntas eles puseram-se a chorar”, recorda o advogado. “E contaram que be deles até que, em se ocorrera ali uma carnificina, Marcio ¢ Maria Augusta estavam, dormindo quando foram atacados por bombas e armas de so calibre. Os homens prenderam os donos e todos os empre- gados da fazenda na casa principal e no dia seguinte escolhe dos dois mortos."” Por onde Maria Cabral ram dois deles para cavar a sepultura fim, Greenhalgh foi levado a um matag apontou o ponto onde estavam 0s corpos. © advogado voltou para Sao Paulo, reuniu um bom name: ro de deputados, jornalistas e pessoas como 0 hoje procurador Eagar Aquino: sumiu em 1973, igeral da Republica José Paulo Sepilveda Pertence (a primeira autoridade do Ministério Publico no Pais), que na época era vice-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil Seguiram para Rio Verde, e ali pernoitaram, sem poder deixar de chamar a atencdio. No dia seguinte foram a sepultura dos | dois estudantes ¢ levaram um choque: as ossadas tinham sido levadas, Fizeram entdo uma denincia pablica contra a Policia, Federal, jd que seus homens eram apontados por testemunhas como autores da remogiio, Sob a ameaca de um processo por callinia, por parte do entio diretor do Departamento de Poli cia Federal, coronel Moacir Coelho, 0 pessoal do CBA e da ‘OAB fez uma pericia no local, que revelou: unhas, dentes, 0s- 0s de dedos, fios de cabelos encontrados provavam que tinham jazido ali os corpos de um homem e de uma mulher (também encontraram-se capsulas de balas); e demonstrou-se ainda que a terra tinha sido revolvida pouco tempo antes. A familia das vitimas entrou com | acdo na Justiga Federal buscando apurar a responsabilidade de homens do DOI: CODI do II Exército e de Goitis. policiais federais e 0s delegados de policia estadual de Jatai e Rio Verde. Alguns destes fo- ram identificados, na época, pelos empre- | gados da fazenda e outras testemunhas. | © provesso ainda esta correndo. O advo- ado Luis Eduardo Greenhalgh acha que | vai dar para levar os autores da’ chaci nna as barras dos tribunais" dadas as ev déncias e provas. A lei da anistia ndo po- deria ser evocada? “Nao, porque ela pré- pria exclui crimes de sangue”, responde 0 advogado. Foi Greenhalgh quem também desco- briu os trés desaparecidos constantes da lista do Comité Brasileiro de Anistia. O primero desapa ecido brasileiro a ser achado — seus restos foram achados — foi Luiz Eurico Tejera Lisboa, estudante € militante da Ago Libertadora Nacio- nal (ALN). Em setembro de 1972 foi da- do, como preso em circunstancias des- conhecidas. Nao se soube mais dele até que, em junho de 1979, uma informacao levou 0 presidente do Comite Brasileiro de Anistia ao Cemitério Dom Bosco, em Perus, na periferia de Sao Paulo. A mulher de Luiz, Suzana, estava junto. A infor magio dizia po do estudante fora enterrado ali como indigente, sob o nome de Nélson Bueno — que se suicidara, Um trabalhoso levantamento levou & confirmagao de que um corpo com nome de Nélson Bueno realmente jazia nesse cemi \ério, © advogado ¢ Suzana foram ao Forum Criminal ¢ con szuiram achar © processo — arquivado — do suicidio. Nele havia uma foto que provocou em Suzana uma erise de choro € agitou 0 cartorio. Mostrava Luiz Eurico morto com dois re vélveres, um em cada mao, contra uma parede e méveis crave jados de balas. A morte ocorrera em uma pensio da Rua Ta: batinguera, num bairro central de Sao Paulo, Os donos conta ram que ali havia estado uma equipe do DOPS. Nada haviam porque os policiais exigiram silencio. O corpo de Luiz Eurico foi iio, encontradas duas | perfuragdes de ba iS mado; em seu ¢ INAL, 16 DE JULHO DE 1985 » Ocaminho do cemitério de no fim do governo Geisel, per | Perus levou a outras descober- untour sobre 0 caso. Mas, tas. O operirio Denis Ant6nio Casemiro, militante da Van- guarda Popular Revoluciond ria (VPR), foi visto no DOPS de Sao Paulo, por outros pre 0s, em abril de 1971. Chegou até 2 conversar com alguns de- les. E sumiu, Em junho de 1979, vasculhando os arquivos do cemitério, Greenhalgh deu com um atestado de dbito: Denis Casemiro (0 segundo nome fora omitido), 40 anos presumiveis, maiores dados ig norados. Enterrado como i digente, Era mesmo o operd- rio desaparecido, que na épo- ca da morte tinha 28 anos. “0s funcionzirios do cemitério disseram na época”, conta o advogado, "que os policiais chegavam de madrugada, tra- zendo caixdes lacrados nas viaturas, Mandavam enterr los e ficavam observando a que tudo estivesse pronto, Mas em 1980 foi em outro ce- mitério, 0 da Quarta Parada, de Sa0 Paulo, que o CBA en: controu mais um desapare ido: o estudante paranaense Antonio dos Trés Reis Olivei sepultado como indigente ninguém, até agora, soube comprovadar mente 0” que a- conteceu. Mais ou menos co- ‘mo ocorreu em outro episé: desaparecimento do la- vrador Mariano Joaquim da fa, em 1971. Aqui também uma mulher prestou um de- poimento importante. Foi Inés Etiene Romeo, presa em 1971 pelo DOI-CODI do Rio, ele vada para um casardo em Pe trdpolis, onde foi torturada Solta, mais tarde voltou a Pe trépolis e conseguiu localizar © que chamou de “*Casa da Morte”. Mas enquanto esteve la, Inés viu Mariano Joaquim da Silva, dirigente da Van: guarda Armada Revolucioné. ria Palmares (VAR-Palma. res). Os homens do DOL CODI do Rio prenderam-no no Recife e o levaram para 0 Rio, Eo resto da histéria é desconhecido. Hii ainda 0 ca: so do estudante de direito da Universidade Federal de Mi- nas Gerais José Carlos Novaes da Mata Machado, filho de um eminente jurista, Edgard da Mata Machado, ¢ militan fe da APML. Foi preso em outubro de 1973 na estagdo rodoviiria de Sao Paulo, quando © com o Reis trocado por Rios. Em um proceso da Au- ditoria Militar, em Sto Pau- tendia embarcar Jo, constava que esse Rios es- com alguns parentes, para Be tava enterrado em Quarta P: Jo Horizonte. © relatério do rada. Fol a pista para encon- Paulo Stuart Wright: te Carter perguntou por ele. Comité Brasileiro de Anistia trar Reis, lider estudantil e militante da ALN. O CBA registra | registra que foi torturado por mais de uma semana no DOI- ue, num documento datado de margo de 1976, presos politi- | CODI de Sio Paulo, depois transferido para o congé os de Sao Paulo contam como Reis morreu: metralhado com | Recife — onde foi morto “em decorréncia das barbaras ses Alceri Maria Gomes da Silva, por agentes da Operagio Ban- | sdes de tortura”. A versio oficial, apresentada por nota dos dcirantes, em maio de 1970 Srga0s de repressdo, diz que José Carlos foi denunciado por Entre 08 até hoje desaparecidos hd casos como o do deputa- | um outro preso e em conseqiiéncia morto em troteio. Mas 0 do estadual cassado de Santa Catarina, Paulo Stuart Wright, | testemunho dos parentes que viram o estudante ser preso na Um dos principals dirigentes da Ago Popular Marxista-Leni- | rodovidria desmente essa verso. Dois anos antes, em maio de nista (APML), Wright era filho de norte-americanos etinha du- | 1971, homens do Centro de Informag6es de Seguranca da Ae pla cidadania, Desapareceu em Sio Paulo, em setembro de | rondutica (CISA) prenderam um jovem militante do MR-8, 1973. Mas hd provas de que esteve preso no DOLCODI de Sao | Stuart Edgard Angel Jones, filho da famosa figurinista carioca Paulo: dois anos depois uma enfermeira, Maria Diva de Fa- | Zuzu Angel, Stuart morreu na noite de 14 para 15 de setem Fias, prestou um depoimento sigiloso a0 Superior Tribunal Mi | bro, em circunstancias que um outro preso, Alex Polar ttar, em Brasilia, Contou ter sido acareada com Wright no DOL | lou em seu livro Em Busca do Tesouro: a vista de um CODI de Sio Paulo e que ele etava muito machucado. © STM | nimero de torturadores, Stuart, jd com a pele semi-esfolada, mandou o comando do I Exército prestarinformagdes — mas | era arrastado de um lado para 0 outro do patio, amarrado (© desaparccimento de Wright, que tam- | um jipe. E, de quando em quando, obrigado a aspirar os bam era cidadio norte-americano, repercutiu muito nos Esta- | téxicos da descarga do carro, Fontes militares acrescentam 4 dos Unidos, O entdo presidente Jimmy Carter, ao visitar 0 Brasil | quase desacordado, Stuart encontrou forgas para desacatar seu | yrande nada mais aconte: Stuart foi obrigado a aspirar gases toxicos de carro Rep Er oer deiro Burnier to, diz a fonte, © brivadeiro ges. Abriram a cela e retira Fam de ld Stuart inerte, cer ‘amente jd morto”’, narra Po a andar. Para audién: entagao de testemu: Alguns entre Em junho de 1973 ‘om vida pela ultima .2 no DOPS de Sio Paulo. ilitado, Aropiate echvoa naan jamal Gesapareceriam. Estas fotos chegaram 20 Comité ‘Brasileiro de Anistia sem outras informacoes. Inés encontrou a isa da Morte’ em Petropolis

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