Referência: Gonçalves, M.; Bock, A. Indivíduo-sociedade: uma relação importante na
psicologia social. IN: Bock, A. A perspectiva sócio-histórica na formação em psicologia. Petrópolis: Editora Vozes, 2003
Pergunta: como você compreendeu a dicotomia objetividade-subjetividade?
Há um impasse entre duas visões da psicologia social: a primeira, herdeira do
positivismo, compreende a natureza dos elementos ordinários da observação psicológica como dicotômica, formulando a explicação do homem a partir de dois pólos excludentes, subjetividade ou objetividade; a segunda visão busca compreender o indivíduo a partir de sua relação material, histórica e dialética com o seu entorno, de forma a não aferir a cisão entre objetividade e subjetividade como contrários que apenas influenciam um ou outro, são, na realidade, contrários em constante ação transformadora. Noutras palavras, haveria para a primeira corrente, a análise naturalista e a-histórica, dois campos autônomos que se fazem presentes pelas relações dos indivíduos com a vida. Um campo seria o da razão ou subjetividade, onde o indivíduo se faz sujeito do conhecimento e é livre e racional; o segundo campo seria a natureza que é objetiva, no reino da objetividade existem regras, leis naturais, que comandam a ordem das coisas. O indivíduo para essa visão do pensamento humano estaria submetido a essas duas correntes, e cada teoria da psicologia colocaria maior peso para cada um dos polos, por exemplo: explicar o sujeito pela subjetividade, isto é, por sua dimensão consciente ou inconsciente ou estudar o indivíduo pela objetividade, seus os fatores biológicos, sociais ou ambientais que determinam o comportamento. Esses dois modos de ver o órgão central de relação do homem com o mundo também podem ser divididos pelos nomes tradicionais das correntes da filosofia moderna, racionalismo – conhecimento tendo origem nas ideias – e empirismo – apreensão da realidade pelos órgãos dos sentidos. Todavia, na visão da corrente sócio-histórica que faz uso do exame dialético entender o indivíduo nesse impasse é reduzi-lo a ficções totalizadoras de sua existência, pois o sujeito se faz enquanto movimento de sua ação sobre o mundo e consequente e simultaneamente do mundo sobre ele. Ora, a dicotomia teórica de campos separados independentemente um do outro é a cristalização de um olhar datado temporalmente e devedor aos interesses materiais de um dado período histórico. As ideias refletem interesses concretos e elas estão a serviço ou da consolidação deles ou da transformação. Por isso, não se afirma ingenuamente que o sujeito é livre, racional e natural e a natureza independente e passível do domínio do homem pelo conhecimento e pela técnica. A ciência que formula esse entendimento do mundo tem o interesse concreto de assim cunha-lo, fazendo a realidade, vista do ponto de vista teórico, ser tal como a realidade econômica espera que ela seja. A partir da crítica ao modelo estanque a visão sócio-histórica formula a sua compreensão de subjetividade e objetividade. Porque uma vez sendo o trabalho o motor da história, a ação do homem de mudança da natureza, então não se pode entender o indivíduo fora de seus contexto e nem o seu contexto fora do indivíduo, subjetividade e objetividade ou homem e realidade são uma unidade de contrários que estão em constante transformação. Se quantidade se transforma em qualidade, então quando que um acaba e o outro começa? São contrários que se negam e pela negação da negação se afirmam. A postura metodológica da visão sócio-histórica é, portanto, trazer a especificidade do contexto transformador, sem lançar mão de universais abstratos que visam enquadrar o indivíduo aos interesses da teoria vigente, mas sim explicitar o processo de determinações históricas particulares que levaram o objeto de estudo ao momento de análise. Nesse processo faz sentido, inclusive, observar do ponto de vista das ideologias vigentes, pois é da fricção entre elas e a realidade histórica que se emerge a contradição e o movimento de transformação.