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UM CLICHÊ PARA O CEO

Silmara Izidoro
Copyrught © 2020 Silmara Izidoro
Todos os direitos reservados.
Criado no Brasil.
Esta é uma obra de ficção.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos
da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível ꟷ sem
consentimento por escrito da autora.

Todas as imagens foram devidamente adquiridas no site:


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Capa: VT Designer
Diagramação: Silmara Izidoro
Revisão: Silmara Izidoro
SINOPSE
Gael Gallegher, herdeiro de uma empresa de cosméticos, se preparava
para assumir os negócios da família quando descobriu que sua noiva o estava
traindo com um famoso diretor de novelas.
Ele se viu disposto a fazer o que fosse preciso para evitar que seu nome,
ainda desconhecido no país, ficasse marcado por um escândalo e, de quebra,
se vingar da mulher que partiu seu coração. Até mesmo manipular e usar
Fernanda Lombardi, a historiadora antissocial e namorada do tal diretor, para
alcançar seu objetivo.
O plano teria sido perfeito, se um trágico acidente de carro não tivesse
mudado completamente o rumo daquela história.
Destino, coincidência ou má sorte, pouco importava.
Gael não sabia explicar, mas quanto mais tentava resgatar a garota
apaixonada por "bugigangas antigas", do fundo do poço que ele mesmo a
jogou, mais se encantava por ela e o pior, mais gostava de se encantar.

Será que o jovem CEO vai conseguir convencer Fernanda que um amor
de verdade, pode nascer de uma grande mentira?
A você que acredita em finais felizes, e a você que sonha com o seu
felizes para sempre.
PRÓLOGO
GAEL

Alguns meses antes...

— O senhor Claudio acabou de chegar — Ruth, minha secretária


falou.
— Pode mandar ele entrar — ordenei sem tirar meus olhos da cidade
que não dormia, diferente de mim, que há dois dias mal conseguia pregar os
olhos, ansioso demais por aquele momento.
Com as mãos guardadas nos bolsos e o corpo rígido, ouvi a porta
sendo fechada e, segundos depois, aberta novamente.
— Ruth, por favor, remarque os compromissos do Gael para a
próxima semana e não repasse nenhuma ligação até o fim do expediente. —
A voz firme do meu advogado e melhor amigo não deixava dúvida de que o
assunto que iríamos tratar era de suma importância e não deveria ser
interrompido.
— Sim, senhor.
O baque suave, os passos precisos, o arrastar da cadeira e uma longa
respiração foi a sequência de sons às minhas costas, antes de Claudio dizer:
— Consegui tudo que me pediu.
— É verdade? — Meu coração, ridiculamente tolo, acelerou.
— Infelizmente, sim.
Fechei os olhos por um instante, tentando me acalmar.
— Desde quando?
— Por que não se senta?
— Quando? — Claudio bufou, irritado.
Ele era um ótimo amigo e trabalhava comigo. Não tinha intenção de
envolvê-lo naquela sujeira, mas não confiava em mais ninguém para
compartilhar a minha desgraça.
— Eles começaram a se encontrar depois da festa de ano novo, em
Ilha Bela.
Esfreguei a testa, temendo sentir as pontas dos chifres elevando sob
minha pele. Nunca imaginei que um dia fosse passar por aquilo, menos ainda
que Penélope me trairia com um homem comprometido.
— Seis meses — concluí entre os dentes cerrados, engolindo o fogo
que insistia em subir pela garganta em busca de uma saída para queimar tudo
ao meu redor.
— O que você vai fazer?
Eu vinha me fazendo aquela mesma pergunta desde que descobri, há
pouco mais de uma semana, que minha noiva estava tendo um caso com um
famoso diretor de novelas.
A data do nosso casamento tinha sido marcada no ano anterior, os
preparativos da festa corriam a todo vapor e meu avô planejava anunciar sua
saída da Gallegher Cosméticos após a lua de mel do seu único neto e
herdeiro, o corno que iria assumir seu lugar no comando da empresa que ele
construiu sozinho e fez prosperar nos últimos trinta anos.
Girei o corpo e fitei os olhos negros de Claudio, que me avaliavam em
um misto de raiva, curiosidade e certa compaixão, e embora ele soubesse o
quanto eu amava Penélope e sonhava em me casar com ela, meu amigo
também sabia que nada me faria prosseguir com o noivado depois de
confirmar minhas suspeitas.
Nem mesmo todo o arrependimento de Penélope, e ela iria se
arrepender profundamente por ter me traído.
Eu garantiria isso, de um jeito ou de outro.
— Ainda não sei — admiti, me esforçando ao máximo para não
demonstrar o quanto me sentia fracassado. — Preciso pensar.
Claudio retirou um dispositivo eletrônico do bolso e colocou o
pequeno objeto em cima da mesa.
— Está tudo aqui, mas acho melhor você não assistir.
Desabotoei o terno preto e sentei na minha cadeira, sorrindo
cinicamente.
— Filmou eles trepando? — perguntei de maneira retórica, pois não
acreditei que minha noiva chegasse a tal ponto, mas pela expressão taciturna
de Claudio, entendi que mais uma vez, Penélope tinha me surpreendido.
E não de uma forma boa.
— Trair você foi uma escolha dela, Gael, e as escolhas dela não têm
nada a ver com você. Eu sou testemunha da quantidade de mulheres que
tentaram te convencer a dar uma escapada nos últimos anos, inclusive eu te
incentivei a se divertir um pouco antes de se casar, mas você nunca pisou na
bola. — Claudio disse olhando diretamente para mim. — Fidelidade é uma
questão de caráter, meu amigo, e a Penélope provou que não merece um
homem íntegro como você.
Ele tinha razão, eu sabia, mas ainda assim, a sensação de fracasso e de
não ter sido homem o bastante para a minha mulher me corroía por dentro.
Não que durante todos os anos que estivemos juntos, eu não tivesse me
sentido atraído por outras mulheres, porém jamais cogitei a possibilidade de
trair Penélope, nem mesmo quando começamos a sair no segundo ano da
faculdade.
— Falta poucos meses para o casamento e para o meu avô anunciar
meu nome como novo CEO da empresa — falei, voltando ao assunto que
realmente importava, determinado a deixar para lamber minhas feridas
quando estivesse sozinho. — Não posso me casar com uma traidora
ordinária, nem fazer parte de um escândalo envolvendo o nome da minha
família, mas...
— Quer se vingar — Claudio concluiu meu raciocínio, e embora a
palavra vingança parecesse extremamente pesada, não existia outra para
definir o meu desejo.
— Preciso dar um jeito de desmascarar a Penélope sem me envolver.
— Recostei na cadeira de couro macio e joguei a cabeça para trás, apoiando-a
no encosto. — O que descobriu sobre ele?
— Danilo Colosso, trinta e cinco anos, é um diretor de novelas amado
pelas atrizes, venerado pelos atores e o queridinho da mídia sensacionalista.
A namorada dele se chama Fernanda Lombardi, tem vinte e sete anos e é
historiadora.
— Historiadora? — indaguei com a testa franzida.
Que mulher nos dias de hoje se interessa por história?
— Não encontrei muita informação sobre a vida pessoal dela, mas tem
uma coisa que você precisa saber.
Eu me ajeitei na cadeira e apoiei os cotovelos sobre a mesa, mais
interessado do que nunca no que Claudio tinha encontrado sobre a garota que
poderia ser a solução para todos os meus problemas.
— Vai me dizer que ela também tem um amante? — Tentei fazer uma
piada, mas não obtive qualquer sucesso.
— Não, a garota é praticamente uma sombra do Danilo Colosso. Sem
redes sociais, só acompanha o namorado em eventos beneficentes e trabalha
no acervo do Caminhos do Passado, um museu de história que fica no
Morumbi. O sonho dela é abrir um antiquário. — Claudio apontou para o
pendrive que ele havia deixado sobre o tampo de mogno. — Tudo que
descobri sobre a Fernanda, foi através das redes sociais do pai dela, o
apresentador do Boa noite, BR, Marcos Lombardi.
— Está me dizendo que a namorada do cara que está trepando com a
minha noiva, é filha do apresentador do jornal que o meu avô assiste? —
indaguei, atônito, pois aquela informação era mais do que relevante.
— Isso mesmo.
Ponderei por um instante, a ideia perfeita surgindo na minha cabeça,
tão voraz quanto a raiva que me consumia.
— Esse tal Danilo pode ser famoso, mas o prestígio dele nem se
compara ao do sogro. Marcos Lombardi é um ícone do telejornalismo
nacional e qualquer informação que vaze sobre uma possível traição do genro
dele, vai virar notícia grande.
Levantei-me, muito agitado para continuar sentado, e fui até o minibar
que eu mantinha no meu escritório. Abri uma garrafa de Bourbon e servi duas
doses.
— Gael, não gosto quando você fica assim. O que está pensando? —
Claudio perguntou com um leve tom de preocupação em sua voz, o que me
fez sorrir.
Entreguei um copo para ele e ergui o braço na sua direção, propondo
um brinde.
— Eu já sei o que fazer para desmascarar a Penélope e cancelar o
casamento sem envolver meu nome nessa merda.
Meu amigo me encarou por alguns segundos, uma carranca
desformando levemente suas feições.
— E como pretende conseguir isso?
— Fornecendo munição para a outra parte interessada e esperar que
ela aperte o gatilho.
— Por favor, não me diga que vai envolver a Fernanda nisso?
Encostei-me na mesa e bebi o uísque de uma vez só. O líquido desceu
queimando e aquecendo tudo por dentro, aliviando momentaneamente a
sensação incômoda que havia se instalado no meu peito a uma semana atrás,
quando peguei, por acaso, uma troca de mensagens entre Penélope e o tal
diretor.
— A garota merece saber que o namorado está fodendo com a amante
enquanto ela fica juntando quinquilharia por aí.
— Gael, eu sei o quanto essa situação está mexendo com a sua cabeça
— Claudio começou a falar e se remexeu na cadeira, desconfortavelmente. —
Mas pensa bem, você descobriu que a sua noiva está tendo um caso a tempo
de cancelar o casamento, antes de cometer um dos maiores erros da sua vida.
Por que não fala para a Penélope que não quer mais se casar e encerra o
assunto de uma vez?
De repente, toda a fúria que eu estava acumulando dentro do meu
peito ganhou força através do meu braço, que arremessou o copo vazio contra
a parede em um movimento rápido, inesperado. O barulho do cristal se
espatifando no chão ecoou dentro do escritório, assustando Claudio.
Nunca fui um homem violento, tampouco descontrolado, mas guardar
aqueles sentimentos amargos e rancorosos nos últimos dias, havia se tornado
uma tarefa árdua para mim, como nenhuma outra.
— Não! — respondi com firmeza. — Eu vou fazer a Penélope pagar
caro por todo mal que está me causando. É uma questão de honra ver a cara
dela estampada em todos os sites de fofoca, taxada como a pivô da separação
do casalzinho feliz enquanto eu sigo a minha vida, longe dela!
— Gael, se a notícia vazar para a imprensa, mais cedo ou mais tarde,
eles vão acabar descobrindo quem é o noivo da Penélope.
— Se você fizer tudo que eu mandar, meu nome não vai sair nem nos
créditos finais.
— E a Fernanda? — Claudio inquiriu, praticamente derrotado. — Ela
é tão inocente nessa história quanto você, cara. Quer se vingar da Penélope?
Ok, mas deixa a garota fora disso.
— Você sabe tão bem quanto eu, que em todo investimento existe
uma margem de risco.
— É isso que ela é para você, Gael? Um risco? — Meu amigo me
conhecia bem e sabia o que dizer para me atingir, mas nada que ele dissesse
me faria mudar de ideia.
— Não. Fernanda Lombardi não é risco para mim. Ela é apenas um
efeito colateral.
Contornei a mesa, ignorando a pontada de culpa que acompanhou as
palavras de Claudio até meu cérebro, e voltei a olhar pela janela.
Eu não conhecia a garota, mas não podia me apegar a dor dela quando
não estava conseguindo suportar nem a minha, sem contar que as mulheres
lidavam melhor com a traição do que os homens.
Talvez a garota até soubesse que o diretor a traía com uma loira
gostosa e desconhecida. No entanto, não fazia diferença.
Em pouco tempo, Fernanda flagraria o namorado famoso na cama
com a minha noiva, a notícia da traição se espalharia e Penélope teria sua
reputação manchada para sempre, enquanto eu sairia por cima e assumiria o
lugar do meu avô, mais solteiro do que nunca.
Não tinha como dar errado.
O plano era perfeito.
CAPÍTULO 1
GAEL

Dias atuais...

— Tem certeza que não se incomoda que eu vá sozinha? — Penélope


pergunta, manhosa.
— Confio em você, linda. — Beijo sua boca rapidamente, guardo a
carteira no bolso interno do paletó, pego o celular e a chave do carro. —
Você sabe como são as reuniões com o meu avô e não quero que perca
nenhum compromisso por minha causa.
Danilo Colosso, amante da minha noiva, pode ser diretor de novelas,
mas certamente eu mereço o prêmio de melhor ator do ano. O sorriso
estampado em seu rosto ao ouvir minha resposta, garante que estou sendo tão
convincente, que Penélope nem desconfia que hoje é o dia pelo qual venho
esperando ansiosamente, desde que descobri que ela está tendo um caso com
o namorado da Fernanda Lombardi.
— Gael — Penélope chama meu nome quando abro a porta do quarto.
Olho por sobre o ombro e a visão dela deitada nua sobre a minha
cama, que antes me motivava a trabalhar e me esforçar cada dia mais para me
tornar um homem tão bom quanto meu avô, agora só me causa repulsa.
Dela, por ter coragem de mentir na minha cara com tamanha
facilidade, e de mim, por fingir que está tudo bem e continuar transando com
ela apenas para atingir meu objetivo, mesmo sabendo que em poucas horas a
safada vai abrir as pernas para outro homem e voltar para casa como se nada
tivesse acontecido.
— Eu te amo. — A voz melodiosa me tira do transe momentâneo.
Seus olhos verdes fitam os meus com intensidade.
Às vezes, tenho a impressão que ela também desconfia que estou
armando de alguma coisa, mas então as imagens dos seus encontros secretos
com Danilo invadem a tela do meu celular, logo depois do almoço, e nós dois
seguimos nossas vidas, fingindo e enganando um ao outro.
Forço um sorriso e falo:
— Eu também te amo, linda. — Fecho a porta e inspiro, resignado.
Falta pouco para essa farsa acabar, penso tentando me convencer
que a partir de amanhã minha vida vai voltar para os trilhos. Sem amor e toda
essa merda de romance. Nada de casamento ou família feliz.
Meu peito aperta apenas de imaginar a decepção do meu avô quando
souber a verdade por trás do meu noivado, mas sei que o senhor Dwayne
Gallengher vai entender meus motivos e me apoiar, como sempre faz desde
que meus pais morreram e fui morar com ele e minha avó.
Eles me criaram com amor, me ensinaram valores éticos e morais que
levarei comigo até o dia da minha morte, e me educaram para ser um homem
justo e honesto, tanto nos negócios quanto nos relacionamentos pessoais.
O único problema é que Penélope mexeu com meu brio,
desestabilizou minha autoestima e, por um bom tempo, ainda conseguiu fazer
com que eu me sentisse culpado pela sua traição.
Por mais que eu soubesse que deveria dispensá-la assim que descobri
sobre o seu caso com o diretor, não fui forte para lutar contra a necessidade
de rebaixá-la publicamente ao que ela realmente é: uma mulher mentirosa,
egoísta e interesseira.
— Bom dia, Graça — cumprimento a diarista, que me espera com
uma xícara de café na mão. — Obrigado.
— Bom dia, Gael. Quer que eu deixe alguma coisa preparada para
você comer à noite?
— Não, hoje vou jantar com o velho.
Tomo um gole e dou uma olhada no celular, checando as notícias.
— Como sua avó está?
— Na frente dele ela parece uma rocha, mas sempre desaba nos dias
de quimioterapia.
— Tenho fé que ele vai sair dessa, meu filho.
Termino de beber o café e coloco a xícara na pia. Dou um beijo na
testa dela e falo com sinceridade, pois não duvido que meu avô vai superar
essa doença dos infernos.
— Eu também, Graça. Eu também.
Deixo a casa que divido com Penélope e sigo para a academia, que
fica a poucos quilômetros do luxuoso condomínio fechado onde moro, no
bairro Jardins. Entrego a chave do Volvo preto para o manobrista e vou direto
para a vestiário, onde visto a sunga, coloco a toca de silicone e tomo uma
chuveirada, antes de cair na piscina.
Dentro da água, por uma hora, as braçadas esvaziam minha mente dos
problemas e mantêm meu corpo em forma, disposto e forte, para suportar a
rotina puxada de trabalho. Natação e sexo sempre foram indispensáveis para
mim, mas ultimamente nem mesmo transar com Penélope tem ajudado a
aliviar a tensão que me acompanha para onde quer que eu vá, desde que
descobri que ela estava me traindo.
Tânia, a professora, toca no meu braço quando finalizo mais uma
série.
— Eu sei que você não gosta de dividir a raia, Gael, mas a piscina está
lotada e preciso da borda para uma aluna iniciante.
Assinto, prendo os óculos na testa e aproveito para encaixar o palmar
nas mãos.
— Tudo bem, mais dois tiros de quinhentos metros e estou saindo —
falo, só então notando a presença de uma mulher que está em pé ao lado da
Tânia.
Ela é baixinha e está usando um maiô preto que, apesar de
comportado, modela seu corpo delicioso com curvas perfeitas. A toca
prateada na cabeça não permite que eu veja a cor do seu cabelo e seus olhos
me lembram duas grandes balas de caramelo, brilhantes, lindos.
O rosto delicado é salpicado de sardas, o nariz pequeno e arrebitado,
as sobrancelhas são claras e os seios estão sendo esmagados pela lycra, mas
quando um breve sorriso desponta em seus lábios cheios, é como se o mundo
inteiro também sorrisse para mim e, por um instante, fico hipnotizado,
incapaz de desviar o olhar.
— Vem, Nanda, pode entrar aqui. Não esquece de colocar os óculos
ou vai ficar com os olhos ardendo por conta do cloro — Tânia fala para a
mulher que a encara, quebrando nosso contato visual e me puxando de volta à
realidade.
Não espero que ela entre na água para retomar o exercício, mais
determinado do que nunca a expurgar a raiva que sinto por ter me dedicado
tanto, por tanto tempo, a uma pessoa que nunca me amou, me enganou e me
traiu.
Encerro o treino e saio da piscina sem olhar para trás.
Quando Claudio conseguiu as provas da traição de Penélope, decidi
que viraria aquela página da minha vida com dignidade e não trairia minha
noiva, mesmo que ela merecesse um belo par de chifres, o que não significa
que meu corpo não anseie em encontrar prazer em outros corpos.
Só mais um pouco e estarei livre para fazer o que quiser, onde, como e
com quem quiser. Só mais um pouco e Penélope terá o que merece. Só mais
um pouco e serei um homem livre, definitivamente.
Esses são meus pensamentos a todo o momento.
Só mais um pouco...
Depois de um banho rápido, dirijo até a empresa e troco a roupa casual
pelo terno preto de três peças e camisa preta. A gravata prateada, da mesma
cor da toca da mulher na piscina, me faz lembrar do efeito que o sorriso dela
causou em mim e me recrimino.
Afasto quaisquer pensamentos que não estejam ligados diretamente ao
flagrante que acontecerá logo mais, e penteio o cabelo. Às oito em ponto,
Claudio entra no meu escritório sem bater na porta, e pela sua cara sei que
está tão ansioso quanto eu.
— Enfim, chegou o grande dia — Ele fala e se senta na cadeira à
minha frente.
— Acredita que ela ainda tem coragem de dizer que me ama? —
indago, inconformado com a hipocrisia da minha futura ex-noiva.
— Você não acredita ou não quer acreditar?
— Não acredito — respondo, prontamente.
— Por quê?
— Como assim, por quê?
— A gente conhece muitos homens que traem as esposas, mas
continuam apaixonados.
Solto um sorriso zombeteiro e nego com a cabeça.
— Isso é machismo. Quem ama não trai, independente se for homem
ou mulher.
— E você?
— Eu, o que?
— Ainda a ama?
— Não.
Agora quem sorri debochado é ele, o que me irrita.
— Você se apaixonou por ela quando estava na faculdade, Gael.
Sempre foi louco por essa mulher, tanto que nunca sequer pensou em trair a
Penélope, e agora quer me convencer que de uma hora para outra deixou de
amar. Simples assim?
Apoio os cotovelos sobre a mesa e encaro meu amigo de longa data
com os olhos estreitos e o coração batendo acelerado dentro do peito.
— Não foi por essa mulher que eu me apaixonei, aliás, ela nunca
existiu. A única Penélope que existe é a que está me traindo há quase um ano
e mente com a mesma facilidade com que troca de roupa, e essa mulher, meu
amigo, posso te garantir que eu não amo. Se estou puto? Estou. Se estou me
sentindo um monte de merda? Estou. Se me culpei por ter sido traído? Pode
ter certeza que sim. Mas depois desses três meses, deixando a Penélope
acreditar que está me enganando e dando corda para ela se enforcar, descobri
que nunca amei ninguém e se depender de mim, nunca vou amar — brado
furioso, sentindo meu sangue esquentar.
Claudio assente com um leve aceno de cabeça, sem dizer nada. Bom
para ele. Recosto na cadeira, um pouco mais calmo, após vomitar um tanto
da cólera que ainda ocupa a maior parte de mim.
— Falou com a Fernanda? — Meu amigo pergunta o que, de fato,
interessa. — Ela confirmou que vai estar lá?
Em vez de responder suas perguntas, entrego o aparelho de telefone
que comprei para me comunicar com a Fernanda. Ela sabe que o namorado
conheceu a amante na festa de Réveillon do ano passado, na mansão de um
amigo em comum, em Ilha Bela.
À época, meu avô estava internado e eu acabei não indo. Por algum
motivo que desconheço, Fernanda também não foi, o que facilitou a
aproximação dos dois miseráveis traidores.
Com as provas que enviei para ela, não tinha como duvidar que Danilo
e Penélope eram amantes, mas a garota parecia desesperada para provar o
contrário. A verdade é que esses malditos três meses, foi o tempo que
demorei para convencer a Fernanda que eu era seu amigo e estava disposto a
ajudá-la a desmascarar seu namorado.
— Bom, você conseguiu o que queria — Claudio fala e empurra o
celular na minha direção, claramente irritado. — Já contratou o repórter?
Faço que sim com a cabeça, me esforçando para não me sentir
culpado.
— Vai mesmo entregar a garota de bandeja para esse bando de
abutres?
Repito o movimento, fingindo não notar o desprezo em sua voz. Ele
arrasta a cadeira para trás e se levanta, apoia as mãos na beirada da mesa e
fala:
— Eu entendo que o que a Penélope fez foi uma merda, cara. Mas o
que você está fazendo com a Fernanda, não é muito diferente.
— Ela não vai descobrir.
— Eu espero que não.
Claudio vai embora e me deixa sozinho com meus pensamentos. Tudo
que Fernanda sabe é que hoje, ela irá flagrar o namorado e a amante.
Ela não sabe meu nome verdadeiro, nem que contratei uma equipe de
reportagem independente para acompanhar, escondida, sua entrada no quarto
de hotel onde Danilo e Penélope se encontram três vezes por semana,
tampouco que as imagens serão cedidas para as emissoras de televisão e
divulgadas nas redes sociais.
Amanhã a essa hora, Penélope estampará todas as manchetes de
jornais como a vadia interesseira e destruidora de lares que ela é. Danilo
sofrerá alguns ataques, mas logo será perdoado pela mídia. Fernanda cairá no
esquecimento em poucos dias e voltará a ser a historiadora invisível que ela
tanto se esforça para ser e eu, terei me vingado da única mulher que amei e
seguirei minha vida, longe dos holofotes.
Repasso tudo na minha cabeça desde o início e relaxo, afinal de
contas, o plano é perfeito e não tem como dar errado.
CAPÍTULO 2
FERNANDA

— Eu sempre vou apoiar você, mas pensa bem Nanda, essa ideia tem
tudo para dar errado.
— É só um flagrante, Tay. — Me defendo, insegura.
— Só? — Ela começa a rir, descontroladamente. Reviro os olhos e
espero, pois, sei que minha tia e melhor amiga está nervosa e quando
começar a rir desse jeito ela meio que demora para parar.
Tayane e eu estamos no meu apartamento, mais especificamente, na
minha cozinha. Hoje, na teoria, é o dia que vai definir o futuro do meu
relacionamento com Danilo, o cara que eu chamo de namorado há um bom
tempo. Aliás, era para ser um dia para lá de especial já que estamos
completando cinco anos de namoro, mas pelo visto as coisas não vão ser tão
lindas assim. Ainda mais se tudo que descobri sobre ele for verdade.
— Tay — chamo o nome dela, que continua rindo. — Será que você
consegue, por favor, parar de rir e falar comigo? — imploro, realmente aflita.
— Vou tentar, mas é difícil. — Tayane leva a mão ao peito e respira
com dificuldade, sem deixar de sorrir. — Se seu pai souber o que você está
querendo fazer, ele vai ficar doido.
— É por isso que ninguém sabe — resmungo ranzinza. — Nem sei
porque você insiste em trazer meu pai para essa conversa.
— Apenas para lembrar, seu pai é amigo do seu namorado, aquele
babaca traidor que você está querendo flagrar em um quarto de hotel com a
amante vadia. — O sorriso largo se foi e dá lugar a uma carranca. — Então é
melhor se preparar, porque ele ainda não sabe, mas vai acabar sabendo e
quando ele souber, vai querer matar o embuste, ou você tem alguma dúvida?
Abro a garrafa térmica e encho a xícara pela segunda vez.
— Sou bem grandinha e posso resolver meus problemas. Não preciso
que ninguém me defenda — rebato prontamente, rápido demais.
— Ninguém disse que não era, florzinha — Tay estende o braço por
cima da mesa e cobre minha mão com a sua. — O que eu quero dizer é que se
eu, que nunca gostei do Danilo e nunca escondi isso de ninguém, demorei
para acreditar nessa merda e fiquei puta da vida quando vi aqueles vídeos,
imagina quando o Marcos descobrir que o genro que ele tanto admira não
passa de um embuste?
Puxo minha mão, apoio os cotovelos sobre a mesa e a cabeça entre
elas. Inspiro devagar algumas vezes e relaxo o corpo, ou melhor, tento
relaxar, mas é impossível. Esfrego o rosto, me proibindo de chorar.
Danilo não merece que eu desperdice mais nenhuma lágrima com ele
e se pudesse voltar no tempo, recuperaria todas as que gastei desde que recebi
os primeiros vídeos do meu namorado com a amante, a três meses atrás.
— Eu preciso fazer isso, Tay — murmuro, mais para mim do que para
ela.
— Em outra situação, eu mesma te incentivaria a entrar naquele quarto
e acabar com a raça daquele rançoso, porque é bem a cara do Danilo negar
que é ele e o seu pau de dez centímetros, naqueles pornôs de quinta categoria
com a loira siliconada. — Minha tia beberica o café e me encara por cima da
xícara com as sobrancelhas arqueadas. — E um flagrante, além de ser uma
prova incontestável de que ele é um mentiroso traidor, também comprova que
o infeliz está abaixo da média nacional.
— Não é tão pequeno assim — minto, porque realmente é, mas o
tamanho do seu pênis nunca impediu o Danilo de me fazer gozar.
Tay solta uma gargalhada.
— É tão pequeno que eu quase não vi. — Ela ri ainda mais.
— Não tem só dez centímetros.
— Tudo bem, onze.
— Ele compensa em outras coisas.
— Dois dedos já compensariam, florzinha. Três seriam praticamente
um arrombamento... — não quero rir da sua piada maldosa, mas é impossível.
Agora o som da nossa gargalhada ecoa pelo apartamento, mas assim
como a Tay, estou nervosa, ansiosa, agitada e muito, muito triste.
Tayane é irmã do meu pai, e apenas oito anos mais velha do que eu. A
famosa “raspa de tacho” da família Lombardi. Nós praticamente fomos
criadas por minha avó enquanto nossos pais trabalhavam, e ainda que a
diferença de idade tenha nos distanciado quando minha tia entrou na fase da
adolescência, distribuindo cabelos brancos para todo mundo, ela sempre foi
minha melhor amiga. Sem contar que eu posso confiar nela de olhos fechados
para tudo e qualquer coisa.
Tay nunca me deixou na mão. Nunca.
Nem mesmo quando anunciei que tinha passado no vestibular e ia
fazer faculdade de história, e não de jornalismo como todos queriam. Tenho
certeza que foi a única vez que vi a decepção nos olhos do senhor Marcos
Lombardi, um dos homens mais respeitados do telejornalismo nacional, pois
o sonho dele era que a sua única filha seguisse seus passos, tanto na edição
do jornal quanto na frente das câmeras. Infelizmente, o talento da
comunicação estacionou no meu pai e se recusou a seguir viagem até mim.
Meu celular toca em cima da mesa anunciando uma nova mensagem
de Otávio. Desbloqueio a tela sob o olhar arisco de Tayane e leio:

Bom dia, está preparada para dar o bote ou vai recuar?

Encaro o aparelho na minha mão, em dúvida.


— É ele? — Tay indaga.
Maneio a cabeça, confirmando.
— Vai me contar ou vou ter que implorar?
Puxo uma longa respiração e entrego o telefone para ela em silêncio,
pois não sei o que dizer. Tayane lê a mensagem e solta um “merda” baixinho.
— Esse cara é muito estranho, Nanda.
— Ele só quer me ajudar — repito o que tenho repetido para mim
mesma nos últimos noventa dias, apesar de não estar cem por cento certa
disso.
— A troco de que? — Tay se levanta, irritada. — Não consigo
entender as motivações dele. É só... estranho, você não acha?
— Pode ser, mas se não fosse o Otávio, eu nunca desconfiaria que o
Danilo tem uma amante há quase de um ano — admito me sentindo péssima
e sinto novas lágrimas se acumularem nos meus olhos.
— Aqueles vídeos são provas suficientes para você entrar com o pé e
o Danilo com a bunda. O idiota sempre foi um galanteador de araque, mas
esse tal de Otavio não me engana com esse papo de defensor da ética e dos
bons costumes. Ele tem sim, outros motivos para fazer o que está fazendo.
Ninguém em sã consciência se envolve, do nada, na vida de alguém só para
fazer justiça, Nanda.
— Talvez ele seja apaixonado pela mulher — falo a primeira desculpa
que me vem à cabeça para justificar a atitude de Otávio.
— Ou talvez ele não goste do Danilo e está usando você para se
vingar.
Tay tem razão, mas mesmo assim não posso deixar de ser grata pela
intromissão de Otavio na minha vida amorosa. Depois de um tempo de
namoro, entendi que as diferenças entre Danilo e eu eram infinitas e se eu não
confiasse cegamente nele, nosso relacionamento teria chegado ao fim antes
de começar.
Festas badaladas, viagens internacionais, noites de gala, eventos
chiques e exibicionismo ao extremo fazem parte da vida dele, não da minha.
Meu namorado tem a agenda lotada de compromissos e precisa marcar
presença em todos eles, ao contrário de mim, que acordo cedo, trabalho mais
de dez horas por dia, todos os dias, em um lugar que a maioria da população
nem sabe que existe e volto para casa.
Danilo Colosso é um homem bonito, famoso e rico. Ele conhece
pessoas bonitas, famosas e ricas e, bom, eu não me encaixo em nenhum
desses quesitos, pois não vivo com meus pais, trabalho em um museu e não
sou bonita. O problema é que por ser filha de Marcos Lombardi, as pessoas
acabam confundindo as coisas e, realmente, as coisas não são dessa forma.
— Tudo que eu tenho que fazer é estar no hotel às duas da tarde, pegar
o cartão que o Otávio vai deixar para mim e entrar no quarto. — Suspiro,
tomando coragem para responder a mensagem. — O que pode dar errado?
— Você fala como se fosse fácil pegar o homem que você ama
transando com outra mulher, mas acredite, Nanda, não é. — Tay lava a
xícara, seca a mão no pano de louça, se encosta na pia e me encara com seus
lindos olhos verdes. — O Danilo é um idiota, cínico e mentiroso, mas é seu
namorado e você é apaixonada por ele, muito por sinal. Mais do que deveria
e mil vezes mais do que o embuste merecia. Então, não caia no papo furado
do Otavio, porque se você for até aquele hotel, o único coração que vai ser
estraçalhado é o seu. E nada que você disser sobre o seu justiceiro vai me
convencer que ele não tem segundas e até terceiras intenções por trás dessa
história, mas você está com tanto medo que não consegue enxergar.
— Não estou com medo — minto, pois estou, aliás, estou apavorada.
— Florzinha, eu te conheço e você está se borrando toda, porque nós
duas sabemos que o Danilo não vai admitir que é ele naqueles vídeos.
Provavelmente ainda vai virar o jogo e te convencer a procurar uma terapeuta
para tratar o seu TCTT.
Enrugo a testa.
— TCTT? — indago, sem entender.
— Transtorno do ciúme de trastes traidores.
Sorrio de lado e enxugo o rosto com as costas da mão.
— Eu sei que é ele nos vídeos.
— Então termina o namoro e esquece essa merda, Nanda.
— Não posso, Tay.
— Por quê?
— Porque eu quero que o Danilo saiba que eu não sou burra.
— Primeiro, confiar no namorado não é burrice. Segundo, desde
quando você se importa com o que os outros pensam?
— Não me importo, mas preciso fazer isso por mim.
Ficamos caladas, apenas nos encarando por alguns segundos. Tayane
se aproxima e se abaixa ao meu lado. A preocupação estampada em seu olhar
faz meu coração doer um pouco mais, pois não quero que ela se preocupe
comigo. Pelo menos não por causa da traição do meu namorado.
— Tem certeza que é isso que você quer?
— Tenho — respondo com firmeza.
— Existe alguma coisa que eu possa fazer ou falar para te convencer a
não ir até aquele hotel?
— Não.
— Posso te dar o último conselho?
Sinto as lágrimas molharem minhas bochechas de novo.
— Se eu disser que não, você vai dar do mesmo jeito?
Tay sorri e acaricia meu braço.
— Vou.
Encolho os ombros e retribuo o sorriso pequeno.
— Pensa bem antes de tomar uma decisão. Às vezes, o amor é muito
maior do que a mágoa de ser traída e, nesses casos, o melhor que a gente
pode fazer é se fingir de cega e continuar amando. Só entre naquele quarto se
for para nunca mais voltar para o Danilo, porque se depois de pegar o
embuste com outra mulher você perdoar a traição, eu mesma vou carimbar o
seu atestado de burrice.
— Vou pensar.
— Promete?
— Prometo.
Minha tia me abraça com força, beija minha testa e vai trabalhar. Eu
tomo a terceira xícara de café puro, pensando em como foi o meu namoro nos
últimos três meses e quero me estapear por ter sido tão idiota.
Não tive coragem de contar para Tay todas as mentiras que o Danilo
me contou para me dispensar e até mesmo para não ficarmos juntos durante a
semana, muitas delas tão comuns que se não fosse pela desconfiança
aflorada, jamais teria descoberto que o meu namorado me usa para manter
seu nome ligado ao do meu pai e com isso, ganhar créditos extras na emissora
que eles trabalham, já que o nome do senhor Marcos Lombardi é quase uma
marca de grife, daquelas que representam confiança e máxima qualidade.
Digito a mensagem para o cara que decidiu me ajudar me enviando as
provas da minha burrice, pois é exatamente isso que eu sou: uma burra.

Mais preparada do que nunca.

Cinco segundos depois, outra mensagem de Otavio:

Ótimo. Vai dar tudo certo.

Pior do que descobrir a traição do homem que eu amo, é aceitar que


enquanto meu nome estiver diretamente ligado ao do meu pai, jamais vou ter
certeza sobre o real motivo de as pessoas se aproximarem de mim.

Confio em você.

E ainda que eu não conheça o Otavio pessoalmente, ele é o mais


próximo de ser o amigo que já tive em toda a minha vida.

Pode confiar. Eu só quero o seu bem.

Sou inundada por uma onda de alegria, convencida de que Otavio


realmente gosta de mim e está preocupado comigo, afinal, o que mais ele
poderia querer em troca da sua ajuda?
CAPÍTULO 3
GAEL

Pode confiar. Eu só quero o seu bem.

— Qual dos dois você prefere? — A voz fina de Leona, diretora de


marketing da Gallengher Cosméticos, me tira dos devaneios.
— Nenhum deles representa fielmente o produto, acho que podemos
trabalhar um pouco mais até que o anúncio fique perfeito. O lançamento de
uma nova linha é o ponto mais importante para fixar a marca no mercado e
quanto mais objetivo for, melhor.
Ela suspira, mas não discorda.
— Vou pedir para o pessoal focar no ponto principal, que é a limpeza
de pele.
— Ótimo. A Ruth vai agendar uma reunião para a próxima semana
com a equipe inteira. A seleção para a modelo que vai estampar os outdoors
está marcada para o próximo sábado, e eu gostaria que você estivesse
presente para me ajudar na escolha.
— Sim, senhor. Será um prazer. — Leona me oferece um sorriso
insinuante, como sempre, antes de alisar a saia por cima da coxa e sair do
escritório. A mulher é bonita e atraente. Negra, cabelos encaracolados, corpo
bem torneado, inteligente e tem uma boca carnuda que deixa várias ideias
soltas pela imaginação de qualquer homem, inclusive eu.
Porém, ela e todas as funcionárias da empresa sabem que o futuro
CEO é comprometido, e ainda que a malícia esteja estampada em cada gesto
seu, até nos mais simples, Leona se mantém à distância respeitando o meu
atual estado civil.
Encaro a última mensagem que enviei para Fernanda na tela do
notebook e jogo a cabeça para trás. Merda! Odeio mentir e odeio ainda mais
quando sei que estou me aproveitando da inocência de uma garota como ela
para alcançar meu objetivo.
Apesar de nunca ter visto ou falado pessoalmente com a namorada do
Danilo Colosso, justamente para não correr o risco de me apegar ou me sentir
pior do que já me sinto, nos últimos três meses trocamos mensagens quase
todos os dias e, aos poucos, percebi que Fernanda Lombardi não é como a
maioria das mulheres da idade dela que conheço e fazem parte do meu ciclo
social.
Em nenhum momento ela mencionou o nome do pai ou usou a posição
dele para se gabar, muito pelo contrário. Todas as vezes que perguntei sobre a
sua família, Fernanda foi vaga e evitou o assunto. É como se ela não quisesse
ser associada à imagem de um dos homens mais conhecidos do país para
conseguir qualquer benefício.

Você vai estar lá?

Pisco, um tanto atordoado com a nova mensagem na tela. Esfrego o


rosto e verifico o horário. Menos de uma hora para o último encontro entre os
dois calhordas traidores e o Claudio ainda não confirmou se conseguiu fazer
tudo que mandei.

Está nervosa?

Respondo com outra pergunta para ganhar um pouco de tempo.

Quer saber a verdade ou só está curioso?

Sorrio sem tirar os olhos da tela.

Os dois.

A resposta chega logo em seguida.

Estou morrendo de medo.

Meu sorriso morre no mesmo instante.

Medo do que?

Dou uma checada no celular da empresa, enquanto espero Fernanda


digitar.
Do que vou encontrar.

Cacete! Claro que está.


Por mais que ela saiba que o namorado a está traindo e até tenha visto
alguns vídeos dos dois juntos, o que Fernanda está prestes a assistir ao vivo,
vai muito além de uma cena de sexo qualquer. É o namorado dela. O homem
que ela ama que vai estar na cama gemendo o nome de outra mulher e
sentindo prazer com um corpo que não é o dela.
Meu sangue circula mais rápido conforme meu cérebro produz
imagens de Danilo e Penélope transando naquele quarto de hotel, as batidas
do meu coração aceleram regando a raiva dentro de mim como uma semente
ansiosa para florescer no início da primavera.

Você gostaria que eu estivesse?

Assim que aperto a tecla de envio me arrependo. Não faz parte dos
meus planos presenciar a ruína da minha noiva e não tenho a menor intenção
de ser visto nem mesmo no mesmo bairro no momento do flagrante. No
entanto, Claudio pode fazer esse papel para mim.

Sim, muito. Por favor!

Merda! Merda! Merda!


Sinto o desespero em sua súplica e meu peito comprime um pouco
mais. Antes que eu tenha tempo de formular alguma frase, uma nova
mensagem surge na tela.

Podemos nos encontrar em algum lugar para uma bebida?

Puta que pariu!


Frustrado, mas determinado a acabar com a farsa ainda hoje,
respondo:

Vou estar lá por você.

Mais uma entre tantas mentiras.

Promete?
Santo Deus! Penteio o cabelo com os dedos e dou um soco na mesa,
furioso. No entanto, nem mesmo a culpa me impede de digitar e mentir.

Prometo.

E como se nada fosse o bastante, Fernanda tem a capacidade de fazer


com que eu me sinta um monte de merda.

Obrigada, Otavio. Você é um amigo maravilhoso.

Empurro a cadeira para trás com força e me levanto. Ando até o


minibar e viro duas doses de uísque, uma atrás da outra. O telefone da
empresa toca. Claudio. Atendo rapidamente.
— Por que demorou tanto? — brado, inquieto.
— Você achou que seria fácil convencer o gerente a transferir todos os
hóspedes do andar para outros quartos?
— Conseguiu? — pergunto quando paro e olho pela janela, acionando
todo meu autocontrole para me distrair com a vista.
— Nada que um bom incentivo financeiro não resolva. O único quarto
ocupado é o do casal de pombinhos, todos os outros estão reservados no
nome de Otavio Cintra.
Solto o ar devagar, esvaziando meus pulmões até não restar nada.
— A equipe de reportagem chegou?
— Já está posicionada, pronta para entrar em ação.
— Quantos são?
— Três, dois homens e uma mulher.
— Maravilha. Onde você vai ficar?
— Em lugar nenhum, Gael. Estou voltando para a empresa.
— Não, preciso que fique no hotel.
— Nem pensar, cara!
— Prometi para a Fernanda que estaria por perto.
— O que? Você enlouqueceu de vez, porra?
Bato a mão fechada em punho no vidro e aperto os olhos com força.
— Por favor, ela está com medo e eu disse que... — Inspiro
profundamente, envergonhado demais para admitir em voz alta o quanto sou
um tremendo babaca.
— Disse o que, Gael?
— Que ia sair com ela para beber alguma coisa.
Claudio solta uma gargalhada sem um pingo de humor, na verdade ele
está puto da vida e com toda razão, já que eu também estou.
— Dessa vez você se superou, cara.
— Eu sei, mas isso acaba hoje e a Fernanda nunca mais vai precisar
falar comigo.
— É um pedido do meu amigo ou uma ordem do meu patrão?
— Depende, se o meu amigo se recusar a me ajudar, vou ser obrigado
a mandar meu advogado no lugar dele.
— Quero que fique registrado que quem está aqui é o seu advogado,
porque o seu amigo não concorda com essa merda.
Endireito os ombros recuperando a compostura depois de ouvir as
palavras do Claudio. Tudo bem, estou errado em envolver a Fernanda nessa
merda, mas ele sabe que estou tomando todas as providências para que ela
saia de lá com nada, além do seu ego ferido.
— Fica de olho na Fernanda e se certifique para que ela chegue em
casa com segurança. — Minha voz é firme.
— Sim, senhor. Mais alguma recomendação?
— Não, siga o plano e não esquece de me enviar o link para eu assistir
a tudo daqui.
Encerro a chamada sem me despedir.
Aproveito os vinte minutos que faltam para o início do show para
almoçar no escritório mesmo e aviso a Ruth que não quero ser interrompido
até a reunião das três horas com o pessoal da informática.
Desligo o celular que comprei para entrar em contato com a Fernanda,
e entro no link do aplicativo que me dá acesso as imagens capturadas pela
câmera profissional da equipe de reportagem que um dos membros carrega
sobre o ombro.
Coloco os fones de ouvido e com o coração a mil por hora, vejo cada
detalhe e ouço cada palavra proferida por todos que estão no local. É como se
eu estivesse em uma sala de cinema usando óculos 3D. Mas tudo fica
absurdamente surreal quando as imagens são transferidas para uma mini
câmera posicionada em um vaso de cerâmica, e vejo Danilo sair do elevador,
atravessar o corredor vazio e entrar no quarto reservado em seu nome,
minutos antes de Penélope fazer o mesmo percurso.
A repórter e o rapaz responsável pela filmagem estão escondidos atrás
da porta que leva à escadaria. Meia hora depois, eles são avisados pelo
terceiro membro, que está posicionado na recepção do hotel, que Fernanda
acaba de entrar no elevador.
Os dois cochicham e repassam o que devem fazer quando um grito
feminino ecoa no corredor. A mulher empurra a porta e corre na direção do
quarto seguida de perto pelo seu colega. As imagens trepidam durante os
poucos segundos que eles demoram para chegar ao quarto.
Tudo acontece muito rápido e cada maldito detalhe é capturado com
maestria, mas ao contrário do que pensei, meus olhos não estão na vadia de
quatro na beirada da cama, nem no homem de pé atrás dela que tenta a todo
custo se cobrir e se justificar, e sim, na mulher que chora copiosamente e
parece completamente perdida, sem rumo, no meio de uma guerra que ela não
pediu para lutar.
Em meio a gritaria e muita confusão, Fernanda sai do quarto correndo
como um foguete. Danilo vai atrás dela e deixa Penélope sozinha para lidar
com os dois invasores indesejados que acabaram com a sua festinha
particular. E é com um close no rosto da minha noiva, todo borrado pela
maquiagem, que a transmissão finaliza.
O preto preenche a tela do notebook.
Estou paralisado. Totalmente imóvel. Acho que não sou capaz sequer
de respirar. Então a realidade me estapeia violentamente. Deu tudo certo e a
partir de agora, sou um homem livre.
Acabou.
CAPÍTULO 4
GAEL
Estou eufórico.
Em menos de uma hora, o vídeo em que o diretor de novelas Danilo
Colosso é flagrado pela namorada, Fernanda Lombardi, transando com a
amante desconhecida, viralizou nas redes sociais e já repercutiu em várias
emissoras de televisão. Não se fala em outra coisa, inclusive dentro da minha
empresa.
Recolho minhas coisas, desmarco todos os compromissos e vou direto
para a casa do meu avô. Apenas Claudio sabe onde me encontrar e enquanto
o alvoroço na mídia acerca do assunto estiver a todo o vapor, pretendo evitar
qualquer exposição pública, pois não quero que meu nome seja vinculado ao
de Penélope, de forma alguma.
— O que aconteceu para você aparecer aqui no meio da tarde, filho?
— Flora, minha avó, pergunta quando abre a porta.
— Preciso falar com a senhora e com o vovô. — Beijo sua testa.
— Algum problema?
— Não, mas prefiro que vocês saibam por mim.
— Seu avô está descansando.
Nós nos sentamos no sofá da sala, um ao lado do outro. Minha avó
parece mais cansada a cada dia que passa. No fim das contas, a doença do
meu avô não está acabando apenas com a saúde dele. Dona Flora é uma
guerreira e não desiste de nada, nunca, mas as batalhas que a vida tem
imposto para ela se tornaram mais difíceis nos últimos anos.
— A senhora me disse que ele estava bem. — Passo o braço por cima
do seu ombro e a puxo para perto de mim. O cheiro de lavanda invade
minhas narinas e traz lembranças maravilhosas da minha infância.
— E estava. Hoje de manhã ele começou a ter febre. O doutor
Agnaldo passou para uma consulta domiciliar e pediu alguns exames, mas
garantiu que é só uma infecção na garganta.
— E a senhora?
— Eu o que, meu filho?
— Como a senhora está?
Ela descansa a cabeça no meu ombro, sua respiração é lenta e pesada.
— Estou ótima.
— Tem certeza?
— Claro, o pior já passou. Agora me conte o que aconteceu.
— Sempre tão curiosa, dona Flora — brinco e beijo seu cabelo branco.
— Você pode me falar enquanto eu passo um café fresquinho.
Minha avó não me dá chance para protestar, se levanta e segue para a
cozinha.
— A Penélope não vem para o jantar? — ela indaga e coloca a
chaleira cheia de água para esquentar.
— É sobre ela que eu quero falar.
— Descobriu que a sua noiva não é a mulher que você pensou que ela
fosse?
Franzo a testa.
— Por que está dizendo isso?
— Porque mais dia, menos dia, você ia acabar descobrindo.
Flora Drumond Gallengher é brasileira, tem setenta anos e está mais
lúcida do que a maioria das mulheres da sua idade. A velha é sábia,
observadora e já sofreu mais perdas do que deveria. Ela costuma dizer que a
morte do seu único filho só não a devastou por completo porque ele deixou
aos seus cuidados uma cópia perfeita dele. No caso, eu.
— A senhora nunca me disse que não gostava dela.
— Também nunca disse que gostava.
Minha avó abre o forno e retira uma assadeira de vidro. O cheiro da
cobertura de chocolate do bolo de cenoura impregna o ambiente.
— Por que não me falou nada? — pergunto sem esconder a decepção.
— Porque você é apaixonado por ela e não cabe a mim interferir nas
suas escolhas.
Eu a ajudo a arrumar a mesa, em silêncio, digerindo suas palavras com
cuidado. Sempre fui muito apegado aos meus avós e tirando minhas
aventuras sexuais, eles sabem tudo a respeito da minha vida.
— A Penélope estava me traindo. — Uma dor aguda explode em meu
peito ao ouvir minha própria voz admitindo aquela merda.
Olho para os meus pés quando minha avó me encara com o cenho
enrugado. Eu não deveria me sentir mal por conta disso, mas o sentimento de
incompetência é incontrolável. Dona Flora não fala nada, apenas se aproxima
de mim e me abraça. A sensação de conforto é ótima e em poucos segundos
me sinto revigorado.
— Não se culpe pelos pecados dos outros, Gael — ela adverte antes de
se afastar e começar a partir o bolo em pequenos quadrados.
— É mais fracasso do que culpa.
— Ninguém conquista uma vitória antes de fracassar, meu filho. —
Enfio um pedaço na boca. — Como você descobriu?
— O amante enviou uma mensagem enquanto ela estava no banho e
eu acabei lendo.
— Você pegou os dois? — Minha avó pergunta com os olhos
arregalados.
— É uma longa história.
— Ainda bem que não temos pressa.
De repente perco a vontade de comer e a imagem da Fernanda parada
no meio do quarto, assistindo seu namorado foder Penélope por trás embrulha
meu estômago.
O cabelo castanho-claro preso em um rabo de cavalo, os óculos de
grau que a todo momento escorregava até a ponta do seu nariz, vermelho e
inchado, a boca trêmula que ela mal conseguia abrir, parecia um CD
arranhado, repetindo incontáveis vezes as duas palavras que saíam dela:
Por quê?
A campainha toca e não preciso atender para saber quem é. Trinco os
dentes, mais irritado do que nunca.
— É ela — falo, encolerizado.
— Por que não fica no escritório, meu filho? — Minha avó sugere. —
Vou ver se o seu avô já acordou.
Assinto e espero ela desaparecer no corredor para abrir a porta.
Penélope trocou o vestido vermelho colado ao corpo, que usava
quando chegou ao hotel, por uma calça jeans escura e uma blusa de seda azul
marinho. Nos pés, as sandálias pretas de salto alto deram lugar as sapatilhas
da mesma cor da blusa. O cabelo loiro está solto e cai liso sobre os ombros, o
rosto limpo sem nenhuma maquiagem. Os olhos azuis me fitam cheios de
lágrimas no instante em que a boca se entreabre, mas antes que ela possa falar
qualquer coisa, eu rosno:
— O que você quer?
— Gael, por favor, me escuta. — Penélope pede aos prantos juntando
as mãos em oração à frente do peito, mas sua dor não me comove nem por
um mísero segundo.
— Eu perguntei o que você quer?
— A gente precisa conversar, meu amor. Eu sei que você viu o vídeo e
claro que parece real, mas não é. Eu juro. Foi tudo uma armação. Por favor,
me deixa entrar e vamos conversar.
— Você quer que eu acredite que armaram para você? — Minha voz é
carregada de escárnio e descrença. Era só o que me faltava essa puta traidora
achar que pode me enganar com uma história de merda.
— Eu juro, Gael. Foi tudo uma armação! Por favor...
Penélope tenta passar por mim, no entanto, isso não é mais uma opção
para ela. Seguro seu braço e a puxo de volta impedindo-a de colocar seus pés
imundos na casa das duas pessoas mais importantes da minha vida.
— Cala a boca! — vocifero entredentes. Minha ex-noiva emudece. —
Sabe quantos vídeos iguais aquele tem no meu celular? Doze, Penélope!
Doze vídeos em que você está trepando com o seu amante pelas minhas
costas. Eu já sei de tudo, sua vagabunda!
— Não... não... por favor... — Ela se ajoelha aos meus pés e abraça
minhas pernas. — Me perdoa, Gael! Me perdoa, por favor...
Inclino-me para frente e seguro seus pulsos forçando-a a me liberar do
seu abraço hipócrita. Penélope se desequilibra e cai de bunda.
Eu me abaixo na frente dela e olhando dentro dos seus olhos, sibilo:
— Você não passa de uma puta interesseira. Nunca mais aparece na
minha frente e se você abrir a boca para falar qualquer coisa a meu respeito
ou da minha família, juro que o vídeo de hoje vai parecer desenho animado
perto de todos os outros.
— Você não pode fazer isso! — Penélope grita, histérica, e fica de pé
num pulo.
Imito seu movimento e também me levanto.
— Quer pagar para ver? — Dou meu melhor sorriso cínico e avanço
um passo, ameaçadoramente. Ela recua. — Some da minha vida. Desaparece.
E nunca, em hipótese alguma, abre a boca para falar sobre mim ou o tempo
que ficamos juntos.
— E o nosso casamento? — Gargalho com vontade.
Isso sim é uma verdadeira piada.
— Acabou, Penélope! — esbravejo sem me preocupar com os
vizinhos. — Você estragou tudo quando resolveu abrir as pernas para outro
homem, porra!
— Por favor, Gael... — a desgraçada se joga em cima de mim e seus
braços envolvem meu pescoço.
— Me solta, sua vagabunda! — Apoio as mãos em seus ombros e a
afasto com facilidade. — Nunca mais encosta um dedo em mim!
— Eu errei, Gael! Me perdoa...
— Não! — Aponto o dedo em riste na cara dela, finalmente
assustando-a. — Ninguém comete o mesmo erro por quase um ano! Agora
some da minha frente ou eu chamo a polícia!
— Eu te amo, Gael!
Retiro o celular do bolso e abro o arquivo com senha onde estão os
vídeos e mostro para ela. Penélope cobre a boca com a mão ao mesmo tempo
que seus olhos arregalam.
— Se você não quiser que esses vídeos se juntem aos outros na
internet, vai embora e faz exatamente o que eu mandei — falo baixo, irado,
indignado, e guardo o celular no bolso. — Some da minha frente e não ouse
mencionar o meu nome em qualquer lugar, para qualquer pessoa, ou não
respondo por mim e acabo de vez com o resto da sua reputação que ainda
sobrou.
Entro na casa e bato a porta com força exagerada. Vou até o escritório,
precisando de uma bebida urgentemente para não cometer uma loucura que
piore ainda mais a situação.
Minha vontade é de encher a cara da desgraçada de porrada.
Viro duas doses de uísque numa golada só e me jogo na poltrona de
leitura do meu avô, exausto, tomado por uma mistura se sentimentos
confusos que me desgastam ao extremo e me consomem intensamente.
Desde que descobri que Penélope estava me traindo, minha vida se
transformou numa roda-gigante de emoções repugnantes que exige, toma,
suga e espreme, sem nunca dar nada em troca. E quando eu penso que meus
problemas acabaram depois do flagrante bem-sucedido, Claudio decide me
ligar para provar que eles estão apenas começando.
— Ainda está na casa da Flora? — Ele parece apavorado.
— Estou, por quê?
— Liga a televisão.
— O que?
— A televisão, Gael. Liga a televisão, cara!
Alcanço o controle remoto e ligo a TV, que já está sintonizada no
canal de notícias e a imagem do carro capotado é impressionante.
— Que merda é essa?
— Vai acompanhando as notícias. Estou chegando. — Meus olhos
estão cravados na tela de 60 polegadas presa à parede, quando uma foto do
Danilo aparece no canto superior, mas é a legenda que faz meu mundo
desabar. E pela segunda vez, paraliso.
CAPÍTULO 5
FERNANDA
Verifico o celular novamente. Nada. Nenhuma mensagem do Otávio.
Desligo e deixo o aparelho de lado.
— Aqui, e nem adianta reclamar. — Tay me entrega um comprimido e
um copo d’água. — Só para constar, você está horrível.
Engulo a bolinha branca e bebo um gole, coloco o copo em cima da
cômoda, me sento na cama com as costas apoiadas na cabeceira e cruzo as
pernas.
— Alguma notícia do Danilo? — Me odeio por ainda me preocupar
com aquele traste.
— Não, a última informação é que ele estava inconsciente quando deu
entrada no hospital.
É impossível conter as lágrimas que insistem em deslizar pelo meu
rosto. Encaro minha tia.
— Eu não sabia que depois de tudo que ele fez, o Danilo fosse ter
coragem de ir atrás de mim.
Tayane se senta ao meu lado e segura minha mão. Seus olhos sempre
brilhantes e alegres estão opacos e preocupados.
— Você não tem culpa, Nanda.
— Então por que me sinto culpada?
— Porque você é mole e tem um coração mais mole ainda.
— Foi horrível. — Meus lábios tremem como se tivessem vida
própria. — O Danilo estava transando com ela, Tay...
Meu corpo inteiro trepida como uma britadeira.
Minha tia me abraça e eu desabo de vez com a cabeça apoiada no
ombro dela. A cena do meu namorado com sua amante linda, loira e com um
corpo escultural vai ficar guardada para sempre na minha memória. Me senti
humilhada, fracassada e tão sozinha dentro daquele quarto, que nem percebi a
entrada dos jornalistas.
— Acabou, Nanda. — Tayane murmura acariciando meu cabelo.
Eu me afasto e limpo o rosto com a barra da camisa velha, que vesti
após tomar um banho rápido logo que entrei em casa, a duas horas atrás. Não
sei como consegui pegar um táxi quando saí do hotel. Estava transtornada e
só pensava em encontrar Otávio, apesar de nunca ter visto o homem antes.
Naquele momento, eu só precisava de alguém para conversar sobre o que
tinha acabado de acontecer. Um amigo que me ouvisse sem me julgar, e achei
que ele pudesse ser essa pessoa.
Aliás, nem sei porque acreditei que Otávio fosse estar lá como
prometeu. Eu deveria ter imaginado que era tudo mentira. Minha tia tinha
razão, ele me usou para se vingar do Danilo. Provavelmente é um ator
iniciante que meu ex-namorado barrou em algum teste de elenco, só pode.
— Meu pai já sabe?
— O Brasil inteiro sabe, querida.
— Meu Deus, por que aquele imbecil tinha que ir atrás de mim? —
Jogo o corpo para baixo e inspiro profundamente.
— Porque ele é um imbecil — Tay fala e faz uma careta enquanto
checa o celular em sua mão.
— O que foi? — pergunto, curiosa e ansiosa.
— Nunca pensei que um dia fosse te falar isso, mas ainda bem que
você é pré-histórica e não tem redes sociais. — Apesar de tentar parecer
relaxada, sua voz tem um tom meio triste e ao mesmo tempo, revoltado.
— Pode me contar a verdade, Tay. As pessoas estão com raiva de mim
por causa do acidente, não estão?
Minha tia se levanta sem responder minha pergunta, então suponho
que sim. Meu ex-namorado, por algum motivo mais imbecil que ele, saiu
correndo atrás de mim. Eu podia ouvir meu nome ecoando alto pelo corredor
do hotel mesmo depois que entrei no elevador.
Estava tão desesperada para fugir daquele lugar, que no instante que
percebi que Otávio não estava me esperando na recepção, como prometeu
que estaria, peguei o primeiro táxi que apareceu na minha frente e vim para
casa.
Não faço a mínima ideia do que passou pela cabeça do Danilo. Tudo
que sei até agora é que ele estava tão desesperado quando decidiu me seguir,
que acabou furando o sinal vermelho em um cruzamento perigoso e o carro
dele foi atingido por um caminhão em alta velocidade.
Tayane me disse que Danilo tinha sido conduzido ao hospital, mas
ainda não havia nenhuma nota oficial sobre o estado de saúde dele.
— Nanda, seu pai está vindo para cá.
— Meu pai? — Estranho, pois a essa hora ele deveria estar na
emissora se preparando para apresentar o telejornal do horário nobre.
Minha tia volta a se sentar, porém sua expressão é de puro terror.
— Você precisa ser forte e fazer tudo que seu pai mandar, ok?
Eu me remexo sobre o colchão. As batidas do meu coração aceleram,
do nada, e um calafrio perpassa minha coluna.
— O que aconteceu, Tay?
Ela puxa uma longa respiração antes de me dar a notícia que vai
mudar o rumo da minha vida, totalmente e para sempre.
— O Danilo, ele... entrou em coma e corre risco de morte.
Abro e fecho a boca repetidas vezes, mas o nó apertado na minha
garganta impede que qualquer palavra saia. Uma dor excruciante atinge meu
peito, trazendo com ela um tipo de medo que jamais senti.
— Não... — balbucio, sem forças. — Não pode ser... ele.... ele... não
pode morrer, tia...
Tayane não diz nada, apenas me abraça e me consola, enquanto eu me
desfaço em seus braços, perdida, culpada e, profundamente arrependida de ter
dado ouvidos a um homem que me usou, mentiu e me enganou tanto quanto
meu ex-namorado. Sinto ódio de mim por ter concordado com aquela
encenação humilhante que serviu apenas para trazer desgraça e sofrimento
para a minha vida.
Como pude ser tão burra?
— Vai ficar tudo bem, querida.
O que faço durante incontáveis minutos é chorar e lamentar, até que o
cansaço físico e a exaustão emocional me dominam e me entrego a escuridão
de um sono sem sonhos.
◆◆◆

O afago no meu rosto é reconfortante. Tanto, que não quero abrir os


olhos, mas abro mesmo assim e me deparo com um par de olhos cor de
caramelo, idêntico ao meu.
— Pai... — Minha voz sai rouca, tão fraca quanto eu me sinto.
— Como você está, princesa?
A pergunta é a mesma desde que eu me conheço por gente, todas as
vezes que ele me vê. Não importa onde, quando e quem esteja por perto, o
senhor Marcos Lombardi me trata como uma garotinha indefesa e inocente.
Talvez ele seja assim por saber que a sua filha continua a mesma tapada de
sempre, ainda que tenha vinte e sete anos, more sozinha, seja independente e
aja como uma mulher adulta na frente de todos.
— Vou ficar melhor se o senhor me disser que o Danilo está bem. —
Em um movimento rápido, eu me sento e o abraço com toda força e amor que
sinto por esse homem. O único que jamais vai me magoar propositalmente.
— Primeiro vamos falar de você e depois vamos falar do resto. — Ele
sussurra no meu ouvido e beija minha testa, antes de me afastar e olhar em
meus olhos.
— Estou bem, pai.
— Fica difícil de acreditar nisso olhando para você, filha.
— Só estou cansada de tanto chorar.
— Por que não me contou que o Danilo estava traindo você logo que
descobriu?
Meu pai é lindo e não digo isso apenas por ele ser meu pai. Não
mesmo. Marcos Lombardi tem cinquenta e seis anos, cabelos castanho-claro,
olhos que parecem duas pérolas de mogno e um sorriso que pode iluminar
uma cidade inteira. Mas a sua beleza física não chega aos pés da beleza do
coração dele e para deixá-lo ainda mais perfeito, esse homem de quase um
metro e noventa de altura, forte, famoso e rico, é perdidamente apaixonado
pela minha mãe, sua primeira namorada, com quem está casado há quase
trinta anos.
Nunca, desde que ele assinou seu primeiro contrato com a maior
emissora do país, seu nome esteve envolvido em qualquer tipo de escândalo
e, ao longo dos anos, mulheres para destruir o casamento dos meus pais não
faltaram. O amor e a cumplicidade entre eles são admiráveis e,
consequentemente, invejáveis. No entanto, os dois provaram que a confiança
mútua é capaz de blindar um relacionamento quando ele é honesto,
desinteressado e verdadeiro.
— Não tive coragem — admito sem desviar meus olhos dos seus.
— Teve medo de me contar que estava sendo traída, mas foi corajosa
para armar um flagrante em um quarto de hotel? — Apesar da provocação,
ele não se esforça para esconder o divertimento.
No entanto, pela forma que meu pai está conduzindo a conversa, sei
que minha tia contou para ele sobre o Otávio e claro, como fui ingênua por
acreditar que um cara que sequer me conhecia estava me ajudando apenas por
se importar comigo.
— A Tay já falou tudo? — pergunto, mesmo sabendo a resposta.
— Eu não dei muitas opções para ela, princesa. Você se meteu em
uma situação complicada e para te ajudar a sair dessa eu precisava saber o
que tinha acontecido.
— Desculpa, pai. Eu não queria envolver ninguém nos meus
problemas.
— Desde quando os seus problemas deixaram de ser nossos?
— A traição do Danilo nem teria sido um problema se ele não tivesse
ido atrás de mim — falo, pois é a verdade.
Sei que o acidente foi uma consequência gravíssima do flagrante e
estou realmente chateada por ele ter levado a pior, mas não posso me culpar
pelo que aconteceu. Em momento algum pedi para que ele saísse dirigindo
pela cidade como um louco para provar que estava arrependido.
Aliás, nunca sequer passou pela minha cabeça que o Danilo fosse se
importar com os meus sentimentos já que estava me traindo desde o
Réveillon do ano passado com a mesma mulher.
— Nanda, o único culpado por tudo que aconteceu com o Danilo é o
próprio Danilo, e qualquer cidadão com um cérebro pensante sabe disso. —
Meu pai me abraça novamente ao notar novas lágrimas se aglomerando em
meus olhos. — O problema é a mídia, princesa, e é por isso que a sua mãe e o
Arthur estão te esperando na sala.
— O que o seu assessor de imprensa está fazendo aqui?
Por um instante, até esqueço do estado crítico de saúde do meu ex-
namorado. Arthur é a última pessoa que eu quero ver agora e saber que ele
está dentro da minha casa me deixa profundamente irritada.
— Nanda, você não tem ideia do que está acontecendo porque não usa
as redes sociais, mas confie em mim, filha, eu jamais teria trazido o Arthur se
ele não fosse a única pessoa no Brasil que pode te ajudar. — Meu pai segura
meu rosto entre suas mãos e beija minha testa, demoradamente. — Toma um
banho, troca de roupa e escuta tudo que ele tem para falar. Nunca menti para
você e não vou começar agora. As próximas semanas serão as piores da sua
vida, filha, e você vai ter que estar preparada.
Engulo em seco, pois a seriedade com que o senhor Marcos fala é o
sinal de alerta mais assustador que ele já me deu. E para o meu pai convocar
o cara por quem eu fui perdidamente apaixonada durante toda minha
adolescência e quebrou meu coração em um milhão de pedaços quando eu
tinha dezenove anos, é porque a situação está mil vezes pior do que imaginei
que estivesse. Caso contrário, Arthur jamais estaria aqui.
Quando meu pai sai do quarto, faço exatamente o que ele mandou e
antes de ir ao encontro do primeiro homem que amei, ligo o celular para me
certificar de que o Otávio não tentou entrar em contato comigo. Mas para a
minha surpresa, tem uma notificação de chamada perdida e uma mensagem
não lida.
Meu coração, que já batia acelerado, perde algumas batidas sem que
eu consiga entender o motivo. Acho que só preciso saber que ele não mentiu
para mim e, de fato, se preocupa comigo. Talvez assim eu não me sinta tão...
burra, por ter acreditado nele.

Por favor, me liga quando ler essa mensagem. Preciso ouvir sua voz
e ter certeza que você está bem.

Um pequeno sorriso estica meus lábios e a vontade de responder


imediatamente é grande, mas desligo o aparelho sem digitar qualquer tecla e
vou ao encontro dos meus pais.
Antes de falar com Otávio, preciso saber até que ponto o acidente do
Danilo pode interferir na minha vida e, principalmente, no meu futuro.
CAPÍTULO 6
GAEL
Ando de um lado para o outro dentro do escritório do meu avô, como
um leão enjaulado e faminto, enquanto ouço cada maldita notícia sobre o
acidente de Danilo Colosso.
Por que esse idiota tinha que ser tão idiota a ponto de estragar tudo?
Essa é a pergunta que me faço de cinco em cinco segundos e para a
minha infelicidade, não encontro uma resposta.
Além de comer minha ex-noiva ele ainda está conseguindo jogar a
imprensa inteira contra Fernanda, que acusa a garota de ser mimada e
petulante por não ter dado ao namorado uma chance de ele se explicar.
Como se a traição do calhorda tivesse qualquer justificativa. Cacete!
Tento ligar para ela, mas seu telefone cai direto na caixa postal.
Procuro suas redes sociais e me surpreendo por não encontrar nenhuma.
Claudio já tinha me alertado que Fernanda era antissocial e ainda assim, não
deixa de ser uma surpresa saber que a filha de um dos homens mais
conhecidos do país, sobreviva aos dias atuais sem a droga de um Facebook
ou ao menos uma conta no Instagram.
Decido enviar uma mensagem praticamente implorando para que ela
me ligue, e esvazio a garrafa de uísque irlandês que o senhor Dwayne
Gallengher guarda em seu refinado bar caseiro.
Minha cabeça dói como um inferno e meu corpo anseia por alguma
informação nova que a imprensa se recusa a compartilhar com seus
telespectadores.
A porta é aberta e meu avô aparece sob o batente, mais abatido do que
há dois dias, antes da última sessão de quimioterapia.
— Más notícias? — ele pergunta com seu jeito tranquilo de sempre.
— Todas ao mesmo tempo.
Ele abre os braços me oferecendo um abraço, que eu me nego a
recusar por nada desse mundo, e quando me aproximo dele sinto meu mundo
ruir, implacavelmente.
— Não precisa ser forte o tempo todo, filho. Estamos aqui para você.
Suas palavras recrutam o resquício de energia que ainda resta dentro
de mim e me permito ceder a dor que acumulei nos últimos três meses,
sozinho.
— A Penélope me traiu, vô — admito me afastando dele. Passo a mão
pelo cabelo e deixo a garrafa vazia em cima do aparador. — Eu estava tão
focado em machucá-la e expor a sem-vergonhice dela que não me importei
em arrastar para a lama uma garota inocente.
Apoio as mãos na beirada da mesa e expiro com força.
— Por que não me conta tudo enquanto tomamos o café que a sua avó
preparou? — Concordo, envergonhado como nunca antes.
Desligo a TV e sigo meu avô até a cozinha, onde minha avó já nos
espera sentada em sua cadeira. Eu me sento de frente para eles e meu peito
estufa de orgulho ao ver o casal que viveu uma vida inteira juntos, construiu
um negócio sólido de forma honesta e constituiu uma família pequena, mas
cercada de amor e valores inestimáveis.
— Quem é a moça, Gael? — ele pergunta e come um pedaço de bolo
que minha avó serviu.
— Fernanda Lombardi.
— A filha do Marcos Lombardi? — Sua voz é firme e um tanto
surpresa.
Faço que sim com a cabeça e relato todos os fatos, desde o dia em que
peguei a troca de mensagens entre Penélope e Danilo até o acidente do
infeliz, horas antes. Por quase trinta minutos, tento explicar os motivos que
me levaram a fazer o que fiz, porém, nem mesmo eu me convenço de que
todas as minhas ações foram inocentes ou despropositais.
A verdade é que fui extremamente egoísta para resolver meu problema
com a Penélope sem envolver a Fernanda. Agora é tarde demais para
lamentar, e tudo que posso fazer é encontrar um jeito de ajudar a amenizar o
problema que ela certamente vai ter de enfrentar nos próximos dias, semanas
até.
— Ela não teve culpa de nada! — Minha avó se rebela assim que
termino de apontar todas as acusações que a mídia está jogando contra
Fernanda.
— Eu sei, mas o Danilo é o queridinho dos artistas e ele está em coma,
correndo risco de morte. A imprensa precisa encontrar um culpado para o
acidente e ninguém está preocupado se ele traiu a namorada por quase um
ano e foi flagrado na cama com outra mulher. — Apesar de ser um absurdo,
essa é a realidade de um país que nasce, cresce e vive para ser influenciado
pela mídia e culpar a vítima de qualquer crime cometido contra ela.
— Você acha que isso pode prejudicar a menina? — Meu avô indaga,
cheio de preocupação.
— Já está prejudicando. Os atores mais famosos da emissora estão
fazendo campanha nas redes sociais, recriminando a Fernanda por não ter
dado uma chance para ele se explicar. Todos falam a mesma coisa, que se ela
tivesse ao menos parado para ouvir o que o Danilo tinha a dizer, ele não teria
entrado no carro, transtornado, e não teria sofrido o acidente. — Rio sem
nenhum humor. — Alguns até chegaram a acusá-la de ter contratado a equipe
de reportagem que estava no hotel para se promover às custas do “maior
diretor de novelas dos últimos tempos” — Faço sinal de aspas com os dedos,
sentindo a raiva voltar a crescer dentro de mim.
— Gael, o pai dela é um dos homens mais famosos do país. Apenas as
pessoas maldosas não vão enxergar que a menina não precisava do namorado
para ganhar um único confete. E o fato de ela não ter rede social comprova
isso.
— Vô, eu sei, o senhor sabe, minha avó sabe e um monte de gente
sabe, mas a repercussão do assunto na internet é o que realmente vale e,
infelizmente, a grande maioria dos internautas está contra ela.
Retiro o celular do bolso, abro o Instagram e clico sobre o nome do
Danilo Colosso. No mesmo instante aparece a postagem mais recente feita
pela assessora dele, notificando o último boletim médico. Ela confirma que o
diretor está em coma e seu estado de saúde é gravíssimo, devido a um
traumatismo craniano.
No entanto, são as centenas de comentários que me enojam de uma
forma brutal. A cada dez seguidores que ofendem Fernanda e a culpam pelo
estado crítico do embuste, somente um a defende e imediatamente é
massacrado pelos demais.
Deslizo o aparelho sobre a mesa na direção do meu avô para que ele
veja com seus próprios olhos uma pequena demonstração do quão grave é a
situação. Ele nem precisa falar nada, pois sua expressão de desgosto e tristeza
me diz tudo que o velho está sentindo.
— Não vai ser fácil reverter isso, mas tenho certeza que o pai dela tem
meios para amenizar a situação.
— Preciso encontrar um jeito de ajudar, mas não sei o que fazer. —
Encaro o homem que me criou como se fosse seu filho. — Falta muito pouco
para a minha apresentação na empresa como novo CEO. Um escândalo
envolvendo meu nome pode acabar com o trabalho de uma vida inteira num
estalar de dedos, e não vou jogar na lama o que o senhor levou trinta anos
para conquistar, por causa de uma péssima escolha minha.
Meu avô maneia levemente a cabeça e entrega o aparelho para minha
avó, que coloca os óculos para conseguir enxergar as letras miúdas. O
simples gesto que a vi fazendo durante toda minha vida mexe comigo pela
primeira vez, e a imagem da Fernanda ajeitando seus óculos enormes sobre o
nariz pequeno invade minha mente.
A garota tem uma beleza diferente, natural, leve, e talvez por isso
parecia uma peça decorativa, que havia sido colocada por engano naquele
quarto de hotel entre aquelas pessoas maldosas que tinham algum interesse
obscuro para estarem lá, ao contrário dela, que sequer sabia o motivo real de
estar.
Até a repórter se encaixava na cena deprimente e humilhante,
protagonizada por Penélope e Danilo, mas Fernanda não. Sua ingenuidade
não combinava em nada com aquela sujeira, e a tristeza genuína que a
envolvia por inteira, confirmava que ela amava o namorado e sofria mais que
qualquer um dos que estavam envolvidos naquela merda. Direta ou
indiretamente.
— Meu Deus, eu não sabia que as pessoas podiam ser tão maldosas —
exaspera minha vó, claramente chocada com o que lê.
— Não quero nem pensar no que vai acontecer se o Danilo morrer. —
Apoio os cotovelos sobre a mesa e afundo a cabeça entre as mãos.
— O que a menina faz da vida? — Meu avô questiona.
Recosto na cadeira e tento comer mais um pedaço de bolo.
— Ela trabalha em um museu.
— Museu? — Acabo sorrindo com a reação dele, pois é exatamente
igual a minha quando soube que Fernanda tem graduação em História.
— Pedi para o Claudio investigar e ele descobriu que o sonho dela é
abrir um antiquário. Atualmente ela trabalha no Caminhos do Passado, um
museu de história que fica no Morumbi.
— Esse museu é lindo! — Minha avó comenta sem tirar os olhos do
celular. Pelo visto ela está lendo todos os comentários.
— A senhora conhece? — indago, um tanto estupefato.
— Sim, estive lá a alguns meses atrás numa exposição de peças
antigas que foram restauradas de um navio construído no século XIX que
naufragou na costa de Itaparica, na Bahia. — Dona Flora desvia o olhar para
mim, sorrindo docemente. — Se não me engano, quem acompanhou o meu
grupo foi uma menina chamada, Nanda. Ela trabalha no acervo e foi a
responsável pela doação das peças ao museu.
Meu coração dá uma acelerada quando ouço minha avó falar da
Fernanda com carinho sem ao menos ter certeza se realmente era ela, no
entanto, não pode ser apenas coincidência um museu de história ter duas
funcionárias com o mesmo nome, certo?
A campainha toca antes que eu possa encher minha avó de perguntas
sobre a funcionária do Caminhos do Passado.
— Eu atendo, deve ser o Claudio — aviso e me levanto.
Ligo a televisão antes de abrir a porta para o meu melhor amigo, que
está com uma aparência péssima e nitidamente preocupado.
— Alguma novidade? — ele indaga e passa por mim, adentrando na
sala e parando de frente para a TV.
— A Penélope veio aqui — respondo e enfio as mãos nos bolsos.
Claudio vira o pescoço e me encara com os olhos estreitos.
— Ela teve coragem de vir falar com você? — Sua voz é carregada de
desprezo.
— Ainda tentou me convencer que tinha sido uma armação.
Basta uma troca de olhar para nós dois cairmos na gargalhada. Se a
situação com a Fernanda não estivesse tão ruim, certamente hoje seria o dia
perfeito para encher a cara e brindar aos mentirosos.
— Cara, pensei que nada mais iria me surpreender, mas essa da
Penélope superou minhas expectativas. O que você fez?
Dou de ombros.
— Disse que se ela abrisse a boca para falar o meu nome ou da minha
família, ia jogar os outros vídeos na internet.
— Ótimo, um problema a menos.
— O Danilo continua em coma.
— Não é a saúde dele que me preocupa, Gael. É a da Fernanda.
— Descobriu alguma coisa? Eu tentei falar com ela, mas não
consegui.
— Falei com um amigo meu que presta serviço terceirizado para o
departamento jurídico da emissora e ele me garantiu que o Marcos Lombardi
não vai apresentar o jornal de hoje à noite, porque vai dar uma coletiva no
escritório do assessor dele, um tal de Arthur Delgado. Pelo visto, a coisa vai
esquentar nos bastidores e todos os famosos que se pronunciaram contra a
Fernanda entraram na lista de inimigos do homem.
— Merda! Você viu quando ela saiu do hotel? — pergunto, mais
agitado e nervoso que antes.
— Vi, cara, mas não deu tempo de fazer nada. A garota estava
totalmente fora do ar.
— Quero saber tudo, nos mínimos detalhes.
Puxo Claudio pelo braço e o arrasto até a cozinha. Ele cumprimenta
meus avós e se senta à mesa. Verifico o relógio, confirmando que falta menos
de uma hora para o início da entrevista do pai da Fernanda e passo os
próximos minutos ouvindo meu advogado relatar tudo que viu e ouviu
enquanto esteve no hotel.
E quando Claudio encerra sua narrativa sem muitas informações
relevantes que possam me ajudar a definir uma maneira de ajudar a ex-
namorada de Danilo Colosso, a voz de Marcos Lombardi ecoa na sala de
estar.
A coletiva acaba de começar e alguma coisa me diz que não vou
gostar do que estou prestes a ouvir.
CAPITULO 7
GAEL
— Boa noite, não é segredo para ninguém que Fernanda Lombardi
nunca fez uso das redes sociais para conquistar simpatia e aprovação da
imprensa ou dos internautas. É uma escolha dela manter sua vida privada e
evitar qualquer tipo de exposição. Mas nem todo o seu cuidado para
preservar sua privacidade poupou minha filha de ser alvo de ataques injustos
na internet, por isso decidi vir a público para falar sobre o que aconteceu na
tarde de hoje.

A imagem de Marcos Lombardi preenche a televisão e ao contrário do


traje formal que ele costuma usar para apresentar o telejornal, que vai ao ar
de segunda à sábado às oito da noite, agora está vestindo uma calça jeans
escura e camisa polo preta.

— Fernanda era namorada do diretor de novelas Danilo Colosso e há


três meses descobriu que ele a estava traindo. Ela recebeu vários vídeos de
um amigo que, aliás, serão divulgados caso haja necessidade. Esses vídeos
comprovam que a traição do namorado não era recente, tampouco uma
“escapada”, como muitos afirmaram. Existem provas de que os dois se
conheceram no final do ano passado, em uma festa de Réveillon, e
mantiveram um caso durante todo esse tempo. Minha filha cansou de ser
enganada, traída, ferida e humilhada, e na tarde de hoje decidiu dar um
basta no relacionamento. Fernanda sabia que o Danilo se encontraria com a
amante naquele hotel e foi até lá para flagrar os dois. Ela nunca contratou
nenhuma equipe de reportagem e não tem qualquer ligação ou contato com
os jornalistas que estavam no local.

Marcos Lombardi tem uma postura exemplar, fala bem, é seguro e


mantem o tom de voz constante, embora a tensão em seu rosto seja notória.
Meu avô assente levemente com a cabeça a cada final de frase dita pelo
apresentador, concordando silenciosamente com ele. Minha avó parece
emocionada e não duvido que vai começar a chorar. Claudio está ao meu lado
com os olhos cravados na tela plana, atento a cada mínimo detalhe e faz
algumas anotações em seu celular, enquanto eu me pergunto onde a Fernanda
está agora, nesse exato momento, e como ela deve estar se sentindo vendo
seu pai demonstrar o quanto a ama em rede nacional.
Marcos segue falando:

— Qualquer mulher na posição da minha filha teria feito o mesmo


quando o namorado tentou se explicar, já que não havia qualquer explicação
que justificasse um ato tão baixo vindo justamente do homem que ela confiou
e amou por quase cinco anos. Com isso, afirmo com convicção que Danilo
Colosso é o único responsável pelo acidente de trânsito que o levou ao coma.
ELE traiu a namorada. ELE foi pego em flagrante pela mesma. ELE foi atrás
dela. ELE estava dirigindo. ELE não respeitou o sinal vermelho. Minha filha
só queria ir para casa e fazer o que todas as mulheres, que descobrem que
foram traídas e sofrem a dor da rejeição e do desprezo, fazem: comer um
quilo de chocolate e chorar até não sobrar nenhuma lágrima, dormir por um
dia inteiro e quando acordar descobrir que tudo não passou de um sonho.

Marcos faz uma breve pausa, une as mãos sobre a mesa e inspira
profundamente, antes de falar:

— É triste, mas infelizmente vivemos em uma sociedade machista e


tenho certeza que se fosse a minha filha naquele carro, nenhuma das pessoas
que está promovendo campanha na internet acusando a Fernanda pelo
estado de saúde do Danilo, estaria culpando o homem por ter sido flagrado
na cama com outra mulher. Nessa história existe apenas uma vítima e como
sempre acontece no Brasil, é ela quem está sendo acusada pelas pessoas que
deveriam ser solidárias e empáticas nesse momento delicado. Fernanda não
deseja nenhum mal ao Danilo, mesmo depois de todo sofrimento que ele
causou a ela. Eu e minha família lamentamos o ocorrido, estimamos sua
melhora o mais rápido possível e nos colocamos à disposição para ajudá-lo
em sua recuperação. Mas não aceitaremos quaisquer tipos de ataques, sejam
eles verbais ou por escrito.

Depois de uma segunda pausa, Marcos Lombardi estreita os olhos tão


castanhos como os da Fernanda, tornando-os duas fendas felinas. Para quem
apenas vê, não passa de um gesto simples do pai que saiu em defesa da sua
única filha, mas para quem pode enxergar, é mais que um aviso. É uma
ameaça velada. Uma promessa que ele pretende cumprir a todo custo. Eu
enxergo com tamanha clareza que chega a assustar.

— Para todos aqueles que tentarem difamar o nome da minha filha,


de qualquer forma, através de qualquer meio de comunicação, serão
tomadas TODAS as providências cabíveis dentro lei. E essa não é uma
decisão da Fernanda, é de um pai inconformado com a falta de empatia e
sororidade de mulheres que passaram pelo que a minha filha está passando,
de um profissional respeitado que se sente indescritivelmente decepcionado
com a falta de ética da sua classe, e sobretudo de um homem que protege,
respeita e ama sua família acima de qualquer coisa.

Pelo canto do olho vejo meu avô abraçar minha avó e beijar sua
cabeça coberta por fios brancos. Uma saudade esmagadora dos meus pais me
sufoca ao mesmo tempo que meu peito dói quando penso que Penélope
destruiu o único sonho que eu ainda nutria depois da morte deles de formar
minha própria família, ter uma esposa para amar, adorar e cuidar, a mãe dos
meus filhos. Uma mulher, uma amante e uma amiga que estaria ao meu lado
todos os dias, até o último. Na saúde e na doença.
A voz de Marcos afasta os pensamentos indesejados.

— Não vou admitir que Fernanda assuma uma única


responsabilidade que não seja dela, e qualquer um que aceite isso como uma
ofensa ou desafio, e insista em atacá-la, responderá judicialmente. E quando
digo qualquer um é para deixar claro que não vou me importar se tiver que
processar um colega de trabalho, um ator, uma atriz, nem mesmo um político
ou um cidadão comum que não tenha vínculo com a emissora da qual o meu
nome consta, há mais de vinte anos, na folha de pagamento.

Marcos Lombardi se levanta, apoia as mãos na beirada da mesa e se


inclina para frente. Seu olhar é mais brando, assim como a sua expressão e o
tom da sua voz, mas não menos intimidante.

— É a primeira vez que me pronuncio publicamente sobre um assunto


que diz respeito exclusivamente à minha família e garanto que será a última.
De agora em diante, todas as pessoas que ofenderem Fernanda Lombardi ou,
de alguma forma, difamarem seu nome serão penalizados conforme as leis
do nosso país. Peço para que a jornalista que esteve no hotel onde tudo
aconteceu, admita que minha filha não tem nenhum vínculo com a sua equipe
e que Otávio Cintra, o amigo da Fernanda que enviou os vídeos reveladores
para o seu celular, esclareça de uma vez por todas como teve acesso às
imagens íntimas do Danilo com sua amante e nos conte por que tomou a
decisão de enviá-las para ela. Vocês são os únicos que podem ajudar minha
filha nesse momento e espero que façam a coisa certa. A Fernanda foi vítima
de uma armação de circo e não merece passar por tudo que está passando.
Obrigado.

No instante que a imagem de Marcos Lombardi desaparece, uma


mulher loira toma o seu lugar com uma expressão assombrada,
provavelmente um reflexo da minha. As últimas palavras do pai da Fernanda
acertam minha cabeça como um raio.
A voz da repórter é grave e seu sotaque carioca denuncia sua cidade
natal, ainda que ela esteja segurando o microfone de uma emissora paulista.
Sua boca abre e fecha, seus braços se movem no ar quando ela aponta para
um edifício atrás dela, no entanto, não ouço nada tampouco reconheço o local
onde ela está.
Meu cérebro parou de funcionar quando o nome de Otávio Cintra foi
mencionado e ainda estou assimilando o pedido feito por Marcos para que ele
se pronuncie publicamente, o que está total e completamente fora de questão,
já que tudo que fiz teve, desde o início, o único propósito de conseguir
rigorosamente o contrário.
Eu me sinto culpado pelo que está acontecendo com a Fernanda e
pretendo ajudá-la, mas preciso encontrar uma forma de fazê-lo sem
prejudicar os negócios da minha família e piorar a condição física do meu
avô, que já não é das melhores.
Em poucos meses serei nomeado o novo CEO da Gallengher
Cosméticos e qualquer escândalo pode arruinar o trabalho de uma vida inteira
como num passe de mágica. Não posso permitir que isso aconteça.
Meu avô não merece. Minha avó não merece. Eu não mereço.
Merda!
— Gael — Claudio fala e põe a mão no meu ombro. — Está me
ouvindo, cara?
Pisco algumas vezes e o encaro.
— O que?
— Ouviu o que eu disse?
Esfrego os olhos, perturbado.
— Não, estava pensando em outra coisa — admito e volto a encará-lo.
— O que você falou?
Ele me fita, desconfiado.
— Vai para casa descansar e tenta esquecer o dia de hoje por algumas
horas. Você precisa de um banho e uma boa noite de sono.
Concordo com um movimento de cabeça, pois ele tem razão. Preciso
de uma trégua ou vou acabar enlouquecendo. Me despeço dos meus avós com
a promessa de voltar para jantar no dia seguinte, já que nem isso
conseguimos fazer por conta dos acontecimentos e da coletiva do Marcos.
Chego em casa e sou surpreendido com Penélope sentada no sofá. Ela
levanta a cabeça quando fecho a porta. Nossos olhares se encontram e, por
um breve momento, as palavras do pai da Fernanda vêm a minha mente:
Minha filha só queria ir para casa e fazer o que todas as mulheres,
que descobrem que foram traídas desejam... dormir por um dia inteiro e
quando acordar descobrir que tudo não passou de um sonho.
De fato, acordar desse sonho e descobrir que os olhos azuis que me
conquistaram com um único olhar, a boca que impediu que eu desejasse todas
as outras, o sorriso que eu ansiava ver assim que chegava em casa, o corpo
que eu adorava como um santuário, e a mulher que amei e desejei com todas
as forças nunca seria capaz de me trair, era tudo que eu mais queria. No
entanto, aquilo não era um sonho, e sim, o pior dos meus piores pesadelos.
Aqui, bem diante de mim, tudo que vejo não passa de uma variante
muito malfeita da versão original e perfeita da mulher que criei na minha
cabeça quando tinha vinte anos. Aparentemente Penélope ainda é a mesma,
mas diferente de antes, agora consigo enxergar o que ela esconde por trás da
sua beleza estonteante e da sua capacidade invejável de fingir ser uma pessoa
que ela não é, aliás, que ela nunca foi.
E pela primeira vez, enxergo a sua feiura.
CAPÍTULO 8
GAEL
— O que você está fazendo aqui? — sibilo entredentes desviando o
olhar de Penélope, deixo a pasta de couro sobre o aparador e me esforço para
manter o controle.
— Vim buscar minhas coisas.
Sigo na direção da cozinha, penduro o paletó no encosto da cadeira,
abro o armário onde guardo uma garrafa de uísque irlandês que ganhei do
meu avô e a pego junto com um copo de cristal. Me sirvo uma dose e volto
para a sala a fim de encerrar para sempre aquele capítulo da minha história
com a mulher que me enganou por sete malditos anos.
Paro à sua frente. Meus olhos nos dela e aponto o queixo para a
pequena mala de viagem que está no chão, ao seu lado.
— Duvido que todas as suas coisas couberam ali dentro.
Penélope se remexe e prende uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Não tenho para onde ir, Gael.
— Devia ir para o hospital — falo e bebo um gole. A bebida desce
queimando minha garganta. — Seu homem está em coma. Era lá que você
tinha de estar, ao lado dele.
Penélope fica em pé, lágrimas descem pelo seu rosto pálido e seus
lábios tremem, mas nada disso faz meu ódio por ela diminuir.
— Ele não é o meu homem. Nunca foi...
Solto uma risada rancorosa e enfio a mão livre no bolso para não
correr o risco de estapeá-la e perder a razão.
— Claro que não, provavelmente ele não foi o primeiro e não deve ser
o titular da sua lista. — Ergo uma sobrancelha ironicamente.
— Eu nunca traí você, Gael.
Dessa vez eu gargalho alto, com vontade.
— E você quer que eu acredite nessa merda?
— Por favor, por que não pode me dá uma chance de explicar?
Esvazio o copo num único gole e o abandono sobre a mesa de centro.
Desabotoo as mangas da camisa, uma de cada vez, e as enrolo até o antebraço
sob o olhar esperançoso de Penélope.
Ela deve me achar um verdadeiro idiota para acreditar que vai
conseguir me enrolar com esse papinho ridículo, mas estou disposto a
devolver cada minuto que riu de mim pelas minhas costas enquanto trepava
com Danilo Colosso.
— Está certo. Vou ouvir sua explicação. Faça o seu melhor.
O esboço do sorriso vitorioso em seus lábios quase me força a desistir
de jogar esse jogo e expulsá-la agora mesmo, no entanto, meu orgulho de
macho ferido fala mais alto e me obriga a prosseguir.
Eu me sento na poltrona de canto e apoio os cotovelos nos braços
largos, dando a entender que estou pronto para ser enganado novamente.
Penélope não perde tempo e se ajoelha entre minhas pernas. Suas
mãos repousam sobre as minhas coxas e seus dedos me acariciam sobre a
calça social. Ela morde o lábio inferior e fala:
— Você foi meu primeiro homem, Gael, e o único que tive em anos.
Depois que seu avô descobriu que estava doente e nós marcamos a data do
casamento, você mudou. Eu sei que não estava nos seus planos assumir a
empresa antes dos trinta e você precisava se dedicar ao máximo para se tornar
o novo CEO, mas em nenhum momento percebeu o quanto estava se
distanciando de mim, me deixando sozinha para resolver os problemas da
empresa e nunca tinha tempo para me acompanhar nos eventos sociais.
Suas mãos se movem lentamente indo e vindo dos joelhos até a
virilha, e ainda que eu me esforce para não corresponder ao assédio
indesejado, meu corpo reage inconscientemente ao seu toque. Penélope não é
burra, pelo contrário, ela sabe o quanto gosto de sexo e o volume cada vez
maior sob o tecido a encoraja a prosseguir com a ideia de que irá me
convencer de que eu fui o responsável pela sua traição.
Continuo calado, minha expressão imparcial, atento a cada movimento
que ela faz com a intenção de me seduzir.
— Eu me sentia sozinha, Gael. Raramente você tinha horário para
almoçar comigo e não jantava mais em casa durante a semana. Estava sempre
tão ocupado com o trabalho que nunca sobrava tempo para mim. Todas as
vezes que a gente transava era de madrugada ou então, dava uma rapidinha
antes de você sair para trabalhar. Não estou falando essas coisas para culpar
você pelo meu erro, amor, mas uma mulher precisa de atenção para se sentir
amada e desejada, principalmente quando ela não tem nenhuma experiência e
o seu noivo age como se não a desejasse mais como a desejava antes de fazer
o pedido de casamento.
Penélope desafivela meu cinto como se ainda estivéssemos juntos e
jamais tivesse me traído. Se ela quer me chupar pela última vez, que tenha
sua abençoada despedida. Eu jamais pediria para que minha ex-noiva fizesse
isso, pois não há a menor possibilidade de continuarmos com essa farsa,
porém, a iniciativa é única e exclusivamente dela, e a simples ideia de que a
sua humilhação será mil vezes maior quando descobrir que falhou
miseravelmente na reles tentativa de me enganar novamente, faz minha
ereção ainda maior.
— No Réveillon, eu implorei para você ir à festa comigo. — Ela
desabotoa minha calça e abre o zíper. — Mas você preferiu ficar com o seu
avô e eu fiquei muito chateada. — Seus olhos fitam os meus quando suas
mãos seguram o cós da minha calça num pedido silencioso para abaixá-la.
Levanto o quadril e permito. — Eu estava com tanta saudade de você, que até
reservei um quarto no Resort mais caro da Ilha para passarmos o fim de
semana isolados do mundo. Só nós dois. — A cueca desce junto, liberando
meu pau que salta duro para fora. Penélope sorri de lado, orgulhosa de si
mesma e me envolve em sua mão. — Eu só queria ser a sua prioridade amor,
mas você me deixou sozinha em pleno ano novo.
Então Penélope me engole, e enquanto ela se delicia em seu último
boquete, penso em tudo que acabei de ouvir e me sinto mais determinado que
nunca a expulsar essa mulher manipuladora da minha vida para sempre. Sem
culpa ou qualquer arrependimento.
Meu avô foi internado às pressas para tentar retirar o tumor em seu
intestino. A notícia da doença já tinha sido um baque que nenhum de nós
esperava e não havia nenhuma chance de eu priorizar minha noiva mimada
naquela época, até porque eu confiava nela de olhos fechados e foram anos
de dedicação integral a ela, antes de a minha vida e das duas pessoas mais
importante para mim mudarem radicalmente.
Desde então venho me entregando cem por cento ao trabalho,
estudando, aprendendo e me atualizando. É uma luta diária em que me
esforço para aprimorar o que já faço bem, e me empenho para melhorar o que
ainda não considero bom, pois a Gallengher Cosméticos não é uma empresa
de grande porte e ainda disputa por um espaço extremamente concorrido em
um dos setores do mercado mais exigentes do mundo, em um centro
financeiro selvagem e competitivo que hospeda dezenas de marcas
conceituadas de primeira linha e longos anos de experiência.
Meu avô investiu pesado na minha juventude e disposição para dar
continuidade ao seu trabalho à frente dos negócios, mesmo que os diretores
não me considerassem o homem mais apropriado para elevar o nome da
nossa família a um patamar que ainda não alcançamos, mas nós dois estamos
confiantes de que irei alcançar.
Penélope geme quando me sente engrossar e me chupa mais rápido.
Em vez de segurar seus cabelos com força como adorava fazer, agarro com
força o couro da poltrona no momento que o orgasmo me atinge e explode na
sua boca. Ela engole tudo, me limpa com a língua e sorri satisfeita, crente que
marcou sem ponto e vai ter onde dormir essa noite.
Minha ex-noiva parece um filhote de cachorro que está sendo
adestrado à espera de um biscoito como recompensa, sentada em cima dos
calcanhares com as mãos inquietas em seu colo, ansiosa por uma resposta. Eu
me levanto, subo a calça e a cueca por minhas pernas, fecho o zíper e passo
por ela sem lhe dar um segundo da minha atenção.
Em cima do aparador, abro a pasta e retiro o celular de dentro dela. Só
então me viro e encaro Penélope com o aparelho colado no ouvido. Sua testa
franze e logo está andando na minha direção. Sustento seu olhar desconfiado
e agora um tanto incerto.
— Boa noite — falo quando a atendente me cumprimenta. — Um táxi,
por favor. — Os olhos de Penélope se arregalam quando dito o endereço da
minha casa como ponto de partida e informo o do hotel em que ela se
encontrava com Danilo como o destino final da viagem.
— O que está fazendo, Gael? — Minha ex-noiva pergunta,
estarrecida.
— O que você deveria ter feito assim que terminou de arrumar sua
mala. — Guardo o telefone e balanço a cabeça de um lado para o outro. —
Não precisa me devolver as chaves. Amanhã, no primeiro horário, vou
providenciar para que todas as fechaduras sejam trocadas, e antes do almoço
o resto das suas coisas serão entregues no seu quarto.
Minha voz é fria e vazia, exatamente como me sinto.
— Você não pode fazer isso, Gael! Eu sou sua noiva!
Olho no fundo dos seus olhos.
— Não, Penélope. Você é só uma puta interesseira e manipuladora
que achou que um boquete e meia dúzia de mentiras esfarrapadas fossem me
convencer a te aceitar de volta. — Avanço um passo encurtando nossa
distância para que ela entenda de uma vez por todas que a nossa história
chegou a fim. — Você deixou de ser qualquer coisa minha quando escolheu
me trair com outro homem e não existe nada, absolutamente nada nesse
mundo, que possa me convencer a te perdoar.
— Se você me amasse de verdade, me perdoaria — Penélope fala e
ainda que pareça sincera, não consigo acreditar em nada que ela fala.
— Se você me amasse de verdade, jamais me trairia — retruco
prontamente.
— Eu errei, Gael, por favor me perdoa.
Penteio o cabelo com os dedos, cansado demais para seguir a diante
com aquela discussão desnecessária.
— Depois de todas as mentiras que me contou não quero você perto
de mim ou da minha família, nunca mais. Nem mesmo como uma amiga,
porque nenhuma amizade sobrevive sem confiança e eu jamais vou confiar
em você outra vez.
Inspiro, expiro, encaro seus olhos azuis e me odeio um pouco mais por
ter feito papel de otário por tanto tempo, por ter confiado nela e nunca ter
desconfiado de nada. Porém, esse encerramento definitivo é necessário para
que eu possa resgatar a paz que perdi no meio da sujeira que Penélope fez na
minha vida, para poder me reerguer e seguir em frente.
Ainda com a voz fria, totalmente desprovida de qualquer sentimento
bom, falo:
— Desde o nosso primeiro beijo, no estacionamento da faculdade, eu
te amei, te respeitei, fui fiel e nunca menti para você, mas tudo que te ofereci
durante os sete anos que passamos juntos, não foi suficiente para te fazer
feliz. Você me traiu com outro homem às vésperas do nosso casamento
porque quis. Foi a sua escolha. E agora, estou fazendo a minha. Acabou,
Penélope. Não tem mais volta. Vai embora e esquece que um dia a gente se
conheceu, porque é isso que eu vou fazer.
Ela cobre o rosto com as mãos e começa a chorar. Olho para o teto
soltando o ar com força, sem paciência para o drama, e agradeço
mentalmente quando a campainha toca. Pego a mala dela e abro a porta.
— Boa noite, senhor Gael. — O motorista da empresa de transporte
que atende a Gallengher Cosméticos me cumprimenta.
— Boa noite, Munhoz. — Entrego a bagagem e uma nota de cem reais
para ele. — Obrigado.
Seguro a porta aberta e libero a passagem para que Penélope saia pela
última vez da minha casa e da minha vida. Uma hora mais tarde, quando caio
na cama, depois de tomar um banho demorado e responder meus e-mails, me
permito sofrer em meio a escuridão e a solidão que preenchem o quarto de
hóspedes.
A dor pode me levar para dois caminhos: o da depressão ou o da cura,
e antes mesmo de me entregar a exaustão, tenho absoluta certeza de qual
deles pretendo seguir quando abrir os olhos pela manhã.
Como meu avô costuma dizer, não importa quantas vezes você caia e
sim, quantas vezes você é capaz de se levantar e começar tudo de novo. Está
mais do que na hora de recomeçar, e corrigir o maior erro que cometi é o
primeiro passo para o recomeço que tanto desejo.
Eu só espero que não seja tarde demais para ajudar Fernanda
Lombardi a se reerguer. Comigo.
CAPÍTULO 9
FERNANDA
Não consegui parar de chorar até cair no sono, emocionada, triste por
tudo que aconteceu e ao mesmo tempo feliz por cada palavra que meu pai
disse na coletiva em rede nacional. O senhor Marcos Lombardi, mais uma
vez, provou o quanto me ama e não se intimidou diante das câmeras ao
ameaçar veladamente todas as pessoas que estavam me julgando e me
culpando nas redes sociais pelo acidente do Danilo.
Se bem que eu mesma me culpava, ainda que não tivesse culpa.
— Bom dia, flor do dia — Tay fala assim que entro na cozinha.
— Bom dia. Você dormiu aqui? — pergunto antes de beijar sua
bochecha.
— Fiquei preocupada — diz ela e coloca a garrafa térmica em cima da
mesa.
— Estou bem, tia — minto, pois me sinto péssima e vou começar a
chorar a qualquer momento.
— Eu sei, mas você nunca toma remédio para dormir e queria ter
certeza que não ia perder a hora da sua aula de natação.
— Não vou para a academia — Afirmo e me sirvo uma xícara de café,
mesmo sem nenhuma vontade. Se não comer, Tayane não vai me deixar em
paz e tudo que quero hoje é ficar sozinha.
— Claro que vai, aliás, nós duas vamos. Já fiz minha matrícula pelo
site. — Ela levanta a barra da camisa e dá uns tapinhas na barriga. — Tô
precisando me exercitar para diminuir essa pança. Daqui a pouco minhas
calças não vão mais fechar e não pretendo passar o verão usando maiô.
— Você odeia praia.
— Não, florzinha, eu odeio a multidão que sempre decidi ir à praia
quando eu estou lá.
Reviro os olhos. Tay é uma das pessoas mais extrovertidas que
conheço e ama interagir com desconhecidos. E sim, ela odeia praia, só está
falando isso para me tirar de casa.
— Não quero ir — reafirmo, decidida a me isolar por algumas horas
antes de ir para o trabalho.
— Você não quer, mas vai. Passar a manhã inteira trancada dentro de
casa não é uma opção, Nanda.
Apoio os cotovelos na mesa e a encaro.
— Preciso de um tempo, Tay.
— Você tem todo o tempo do mundo para fazer o que quiser, mas hoje
nós vamos para a academia gastar energia.
Seu olhar é desafiador e estou cansada demais para discutir.
— Não gosto de nadar de manhã. Prefiro ir à noite. — Tento
argumentar, quem sabe ela desiste de insistir e eu ganho algumas horas para
fugir do compromisso que minha tia inventou para nós.
— Você me disse que não estava rendendo nas aulas depois do
trabalho.
— A academia de manhã é muito cheia e as raias ficam lotadas.
— Qual o problema?
Esfrego os olhos, desanimada até para explicar que no único dia que
tentei fazer uma aula de natação de manhã, tive que dividir a raia com um
cara lindo, mas extremamente grosseiro e mal-educado.
— Os alunos da noite são mais... solícitos — resumo.
— Não vai me dizer que algum imbecil falou besteira para você.
Sorrio sem jeito, pois o bonitão nem se deu o trabalho de falar
qualquer coisa, muito pelo contrário. Apenas maneira com que ele me
encarou deixou claro que estava com raiva por ter de dividir a raia comigo.
— Ninguém falou besteira.
— Então, o que aconteceu?
— Esquece isso, Tay.
— Não, florzinha. Estou cansada de ver você aceitando tudo que as
pessoas te dão como se não fosse nada demais.
— Não faço isso.
— Faz, sim.
— Não faço não.
Tayane cruza os braços e estreita os olhos.
— Nanda, até quando vai deixar?
Recosto na cadeira. Minha cabeça dói, meus olhos ardem, minha
garganta parece mais seca que o normal e meu estômago embrulha. Não
respondo, pois sei exatamente do que minha tia está falando e me recuso a
entrar nessa discussão sem sentido, outra vez.
Tay bufa, mas não desiste.
— Eu fiz uma pergunta, Fernanda Lombardi. Até quando você vai
deixar as pessoas fazerem e falarem o que quiserem só para evitar uma briga?
— Não gosto de brigar — murmuro mais para mim do que para ela.
— Existe uma grande diferença entre brigar e se defender.
— No fim, dá no mesmo.
— E no fim, você sempre acaba cedendo.
Dou de ombros.
— Não me importo.
— Claro, você não se importou de trocar seu horário nas escalas do
museu porque a Karina não podia perder as aulas de Zumba nos fins de
semana. Você não se importou em abrir mão da sua vaga na garagem porque
o seu vizinho rabugento não queria que o carro dele ficasse perto da saída de
banhistas. Você não se importou em perder sua carteira de motorista porque o
Danilo transferiu todas as multas dele para o seu nome.
Irritada, Tayane enumera algumas coisas que fiz e já tinha até
esquecido, me deixando sem argumentos para rebater suas acusações.
Ela corta uma fatia de mamão e põe no prato, nitidamente furiosa.
— Você não se importou em transar com um babaca idiota de pau
pequeno por cinco anos, porque outro babaca mais idiota ainda quebrou seu
coração e te falou um monte de merda.
De repente nós duas começamos a rir, ou melhor, a gargalhar.
— Você não vai esquecer isso, né?
— Esquecer o que? O pau pequeno do Danilo ou a babaquice do
Arthur?
— Os dois — respondo sem conseguir parar de rir.
— Florzinha, minha memória é especialista em gravar apenas fatos
marcantes. Eu também me lembraria se o Danilo tivesse um instrumento
decente de vinte e dois centímetros e o Arthur fosse um cara legal. Não tenho
culpa se eles só me deixaram com essas lembranças lastimáveis.
— Ele não queria dividir a raia — admito em voz baixa, deslizando a
ponta do indicador sobre a borda da xícara.
— O que? — Tay indaga com a testa franzida, sem entender o que
falei. Tomo o último gole de café.
— Como ainda não sei nadar muito bem, a professora gosta de me
passar alguns exercícios na borda da piscina para melhorar minha flutuação.
Quando fui para a aula de manhã, o cara que estava nadando ficou com raiva
por ter de dividir a raia comigo. Pelo que ela me falou ele é legal, mas gosta
de nadar sozinho.
— Mais um motivo para você ir comigo para a academia.
Arrasto a cadeira para trás e fico em pé.
— Não vou discutir com um homem que eu nem conheço por causa de
uma raia, Tay.
— Discutir, não. Mas você não pode voltar para o horário da noite só
porque um imbecil egoísta acha que é o dono da piscina. A sua mensalidade
vale tanto quanto a dele e dane-se se ele gosta de nadar sozinho. Nós vamos
de manhã e você não vai aturar uma merda desse cara, Nanda!
No fundo, meu cérebro inteligente concorda com a minha tia e acha
que está na hora de eu parar de ser boba, mas meu coração quebrado só quer
uma trégua do mundo e quando abro a boca para dizer que não vou voltar
atrás na decisão de ficar em casa, meu celular toca na sala de estar.
— Alô.
— Bom dia, Nanda. — A voz nauseada da diretora do museu
Caminhos do Passado, acelera minhas batidas cardíacas. Ela só me liga à essa
hora quando tem algum problema.
— Bom dia, Verônica. Aconteceu alguma coisa?
— Na verdade, sim. Por isso resolvi te ligar. — Fico em silêncio e
ouço sua respiração pesada do outro lado da linha. — O chefe da segurança
acabou de me avisar que tem mais de dez repórteres aglomerados na porta do
museu fazendo perguntas sobre você para todos os funcionários.
Minhas pernas bambeiam e tenho que apoiar a mão no rack para não
me desequilibrar.
— Não pode ser...
— Me desculpa, Nanda, mas depois do que aconteceu ontem, acho
melhor você ficar em casa até a poeira baixar. Já falei com a Teodora e ela
concordou que não é bom ter o nome do museu vinculado ao seu nesse
momento. Espero que entenda que não é nada pessoal e você é uma das
melhores funcionárias que temos, mas...
— Você está me demitindo? — pergunto num fio de voz.
— Não, Nanda. Estou te dando férias a partir de hoje. Trinta dias para
você descansar e resolver seus problemas pessoais.
Fico completamente atônita, incapaz de formular uma frase coerente.
Férias. Trinta dias longe do lugar que mais amo nesse mundo e sem fazer o
que mais gosto.
— Nanda — Verônica chama meu nome me tirando dos devaneios.
— Sim — falo com esperança de que a diretora vá voltar atrás na
decisão que tomou de me afastar.
— Eu sei o quanto esse trabalho é importante para você — ela
sussurra. — Mas o pessoal do RH vai entrar em contato por telefone para
explicar tudo e se precisar de alguma coisa pode me ligar a qualquer hora.
— Não posso ir até o museu? — indago, sem acreditar que ela está
insinuando isso.
— Seu namorado sofreu um acidente gravíssimo, está entre a vida e a
morte, e seu nome é o mais falado em todos os sites de notícias da internet.
Você se envolveu em uma situação que teve uma repercussão agressiva e
extremamente negativa, e pode gerar consequências graves para a boa
imagem que estamos tentando construir do museu desde o dia da
inauguração. Aproveite o seu período de férias para viajar um pouco, vai ser
melhor para todo mundo se você se afastar.
— Eu estive com você e a Teodora desde o primeiro dia, lutando para
construir essa imagem “boa” do museu. O que estão fazendo não é justo —
falo num misto de raiva e tristeza.
— Nossa decisão já está tomada, Nanda. Sinto muito.
— Sente mesmo?
Verônica xinga um palavrão que não entendo antes de dizer:
— Vejo você em trinta dias. Boa sorte. — E como se não tivesse
acabado de me tratar como um vírus contagioso, desliga o telefone na minha
cara sem esperar minha resposta.
Só então me dou conta de que ela sequer me perguntou como eu
estava, e por mais difícil que seja de acreditar, meus olhos não marejam, não
choro e tampouco tenho vontade de chorar.
Na verdade, sinto uma necessidade absurda de alguma coisa que nem
sei muito bem o que é. Tudo que sei é que o telefonema da diretora do museu
me deixou com raiva. Muita raiva mesmo.
— O que aconteceu? — Tay pergunta atrás de mim, preocupada.
Olho por sobre o ombro e respondo:
— Acabei de saber que estou de férias e não posso aparecer no museu.
Ela xinga Verônica e Teodora — principal investidora do museu —,
de todos os nomes nada agradáveis que conhece, quando lhe conto o que a
diretora falou.
— E agora, Nanda, o que você vai fazer?
Verifico o horário e confirmo que ainda não são nem sete da manhã.
— Vou para a academia com a minha tia. — Pisco e forço um sorriso.

— Assim que eu gosto, florzinha.


Enquanto Tayane vai para o quarto de hóspedes se trocar, eu vou para
o meu, não tão irritada nem tão forte quanto me sentia minutos antes.
Leio de novo a última mensagem que Otávio me enviou e confesso
que meus dedos coçam para ligar para ele, mas em vez disso, ligo para a
única pessoa que pode me dar notícias sobre o estado de saúde do Danilo.
Com o telefone colado ao ouvido, encaro meu reflexo no espelho e
admito para mim mesma que a minha vida está, incontestavelmente, uma
verdadeira bagunça e precisa ser arrumada o mais depressa possível.
A ligação cai na caixa postal, e decidida a ligar para o Arthur quando
voltar da academia, rezo para que Deus envie um dos seus anjos à Terra para
me ajudar a atravessar essa ponte sem cair novamente.
Um passo de cada vez, Nanda. Um passo de cada vez...
É o que repito na minha cabeça, várias e várias vezes. Pena que é
muito mais fácil falar do que fazer.
CAPÍTULO 10
GAEL
O estacionamento vazio indica que muitos alunos desistiram de treinar
por conta da queda brusca de temperatura, o que para mim é ótimo, pois perdi
a primeira aula e a segunda é sempre mais cheia. A recepcionista me
cumprimenta com o seu costumeiro sorriso insinuante, que eu retribuo com
um simples maneio de cabeça quando passo pela catraca.
Coloco a mochila esportiva em cima do banco do vestiário e tiro o
agasalho, ficando apenas de sunga. Guardo a mochila no armário e tomo uma
ducha antes de entrar na área da piscina, onde Tânia está conversando com
uma aluna.
Ela está de costas para mim, e é impossível não admirar o corpo da
garota que ouve as instruções da professora. Seu cabelo é castanho-claro e
desce ondulado até o meio das costas. A cintura fina evidencia o quadril
avantajado e por Deus que o maiô comportado parece uma segunda pele
cobrindo a bunda mais gostosa que já vi, grande e empinada.
Não percebo que estou quase babando até Tânia me fitar sobre o
ombro da garota com a testa franzida, certamente estranhando minha
indiscrição. Desde que comecei a nadar aqui, há sete anos, nunca desperdicei
mais de dois segundos com nenhuma mulher, e a própria professora me
confidenciou que chegou a pensar que eu era gay por ignorar os olhares e
cantadas que recebia, tanto de alunas como de funcionárias da academia.
— Bom dia — falo um tanto sem jeito.
E então tudo acontece rápido demais, para o meu completo espanto.
Minha voz ecoa um pouco mais alto que o normal, chamando a atenção da
garota, que gira o corpo. Seu olhar curioso segue o desconfiado da Tânia, e
encontra o meu, perplexo. Meu cérebro entra em curto circuito por um
momento, logo que o reconhecimento me golpeia forte e eu perco o fôlego.
Não pode ser, mas é.
— Perdeu a hora? — Tânia pergunta, mas não consigo desviar meus
olhos da Fernanda, que sorri de lado e abaixa a cabeça, constrangida.
— Eu... — Arranho a garganta. — Pois é.
A professora faz uma careta engraçada, de certo pensando que estou
com algum problema de fala. Mal sabe ela que minha mente sofre de uma
pequena, ou melhor, uma enorme pane geral.
— Você pode dividir a primeira raia com a Nanda — Tânia diz
olhando para mim e aponta o indicador para a única raia vazia. — Começa
com trezentos metros livre. O treino de hoje está no quadro. — Ela coloca
uma mão sobre o ombro da Fernanda, que desvia o olhar do chão e a encara.
— Põe a toca e os óculos. Vou pegar sua ficha e já começamos.
Tânia passa por mim e segue em direção ao balcão dos professores,
mas não sem antes estreitar os olhos como quem diz:
O que deu em você, Gael?
Ignoro sua pergunta silenciosa e ponho a touca. Fernanda faz um
coque no cabelo e põe a dela. Os óculos dançam na minha mão enquanto eu
continuo admirando a filha de Marcos Lombardi, incapaz de fazer qualquer
outra coisa.
Ela se vira e nossos olhares se encontram mais uma vez. Pode ser
impressão minha, mas seu peito sobe e desce rápido como se estivesse com
dificuldade para respirar. Exatamente como o meu.
— Prazer, Gael. — Estendo o braço e paro com a mão suspensa no ar.
— É a sua primeira aula? — pergunto tentando quebrar o clima tenso.
— Fernanda, mas pode me chamar de Nanda. Eu nadava à noite, mas
a Tânia percebeu que meu rendimento estava caindo por causa do trabalho e
me aconselhou a vir de manhã.
O sorriso que ela dá é tímido e ainda mais lindo que o primeiro, se é
que isso é possível, quando sua mão pequena segura a minha, quente, macia e
delicada. O simples toque arrepia todos os pelos do meu corpo e por um
segundo não quero soltá-la.
Nós apenas nos encaramos.
— Nanda... — sussurro seu apelido mais para mim do que para ela,
gostando da sensação que sinto ao pronunciá-lo em voz alta pela primeira
vez. Gostando muito para ser sincero. Mais do que deveria, aliás.
— Gael — Fernanda me imita e murmura meu nome.
Ela deve achar engraçado e agora seus lábios se estendem me
presenteando com um sorriso largo que a deixa mais do que linda. A garota é
estonteante sem qualquer esforço.
— Por que ainda não entraram na piscina? — A voz da Tânia corta o
clima estranho. — Vocês estão dez minutos atrasados.
Contrariado, coloco os óculos e sorrio para Fernanda, antes de me
afastar e cair na água. Completo os primeiros cinquenta metros no modo
automático, minha mente atordoada demais para se concentrar na técnica das
braçadas ou até mesmo na respiração, que parece acelerada demais para um
início de treino.
Não tenho o hábito de interromper as séries durante a aula, mas é
impossível não fazer uma pausa a cada duzentos metros, apenas para conferir
o que Fernanda está fazendo, em que lugar da piscina ela está ou se está
olhando para mim.
E todas as vezes que nossos olhares se encontram tento me convencer
de que essa sensação de estômago embrulhado é devido a culpa que sinto por
tê-la envolvido na armação para flagrar seu namorado com a minha ex-noiva.
Jamais poderia imaginar que Fernanda fosse ter ânimo para sair de
casa tão cedo e vir à academia depois de tudo que aconteceu ontem, já que eu
mesmo perdi a hora e só não desisti do treino porque me conheço e sei que se
não fizesse minha atividade física diária, ficaria mil vezes pior do que estou.
Quando Tânia se afasta para falar com um aluno na outra ponta da
piscina, aproveito que Fernanda está descansando e apoio as costas nos
azulejos, ao lado dela. Prendo os óculos no alto da cabeça e esfrego os olhos
com a ponta dos dedos.
— Me desculpe — ela fala, do nada, e sorri sem jeito.
— O que? — indago sem entender.
— Sei que você já nada há um tempão e não gosta de dividir a raia
com ninguém, mas a Tânia insistiu para eu ficar aqui. Ela gosta de passar
alguns exercícios na barra.
Os olhos dela estão atentos aos desenhos circulares que suas mãos
fazem sob a água, e evitam os meus. Claro que me lembro do dia que
Fernanda esteve aqui, eu só não sabia que era ela.
— Não me importo de dividir a raia com você — admito com
sinceridade enquanto assimilo essa baita coincidência e chego à conclusão de
que pode ser minha grande chance de me tornar seu amigo.
— Tem certeza? Você parecia meio irritado da última vez que a Tânia
pediu.
Sua cabeça inclina levemente para o lado. Seu olhar caramelado me
analisa à procura de uma mentira e quando não encontra, ela sorri novamente
embrulhando um pouco mais o meu estômago.
— Sou eu que tenho que me desculpar por ter agido como um idiota, e
espero que acredite em mim porque realmente não me importo. — Sorrio, ou
melhor, tento sorrir, mas estou focado demais no sorriso dela para me
preocupar com o meu.
— Bom, de qualquer jeito, vou descobrir se você está mentindo. —
Ela diz com seriedade, mas seu tom de voz não esconde o divertimento.
— Pretende usar alguma tática de interrogatório? — pergunto
igualmente divertido, enquanto Fernanda ajeita os óculos e pega a prancha.
— Não, vou transferir minha matrícula para o primeiro horário da
manhã e começar a vir cinco vezes por semana, em vez de três. — Ela dá de
ombros. — A Tânia disse que um treino para iniciantes pode durar até seis
meses, então espero que esteja falando a verdade ou vai ter que me aturar por
um bom tempo na sua raia.
Fernanda dá uma última risadinha antes de sair batendo as pernas e me
deixar ali, parado por alguns minutos, sem saber o que pensar. Por fim decido
não pensar em nada, apenas acreditar que se o destino colocou a garota no
meu caminho, tudo que preciso é encontrar um jeito de dizimar a culpa que
me condena por ter feito o que fiz com ela.
E torcer para que Fernanda nunca descubra que Otávio e eu somos a
mesma pessoa.
PENÉLOPE
As paredes brancas e a temperatura baixa do hospital provocam
calafrios na minha pele. Ainda não acredito que Gael me expulsou da nossa
casa com tanta facilidade e me obrigou a dormir naquele hotel de quinta
categoria onde eu me encontrava com Danilo.
— Bom dia, em que posso ajudar? — pergunta a atendente.
— Eu vim visitar um... amigo. Ele sofreu um acidente de carro ontem
à tarde e está internado aqui.
— Nome do paciente, por favor.
— Danilo Colosso.
A mulher de meia idade digita algumas vezes e fala sem tirar os olhos
da tela do computador:
— Ele está na UTI e apenas pessoas autorizadas pela família podem
visitá-lo. Qual o seu nome?
— Penélope Sanches.
Ela se levanta e vai até o outro guichê. Afundo a cabeça entre as mãos,
entorpecida. Claro que ela não vai encontrar meu nome na lista. Danilo e eu
éramos amantes e ninguém sabia do nosso caso até ontem, quando a
namorada dele invadiu o quarto que ele havia reservado para os nossos
encontros e transformou nossa vida em um verdadeiro inferno.
Antes que a funcionária retorne, deixo a recepção e sigo para o
elevador. Não preciso entrar na UTI para saber notícias do Danilo. Ele é o
único que pode me ajudar a conseguir um lugar melhor para ficar enquanto
penso em uma maneira de convencer o Gael a me aceitar de volta.
Apesar do meu erro, nunca cogitei a ideia de abandonar meu noivo.
Nem por um segundo sequer. Desde que nos conhecemos na faculdade, eu
sabia que Gael era o homem da minha vida. Eu o amo de verdade e errei feio,
mas não menti quando disse para ele que me sentia sozinha.
Sou culpada, não posso negar, mas de jeito algum vou desistir de
provar que nenhuma mulher vai fazê-lo feliz como eu. Gael sempre me amou,
conheço cada um dos seus sonhos e sei que o que ele mais deseja é constituir
uma família como seu pai e do seu avô.
Meu noivo é o homem mais romântico que já conheci.
— Bom dia — falo para o jovem que está atrás do balcão de
atendimento do terceiro andar, onde fica a UTI. Apesar de novo ele deve ser
médico, pois veste branco dos pés à cabeça e usa um estetoscópio pendurado
ao redor do pescoço. — Você pode me dar uma informação sobre um
paciente?
Ele levanta a cabeça e sou nocauteada por lindos olhos pretos e uma
boca carnuda que faz minha imaginação fantasiar várias cenas eróticas.
Endireito os ombros, lhe ofereço um sorriso malicioso e jogo o cabelo para
frente por cima do ombro
— O paciente está internado nesse andar? — Sua voz rouca é como
música para os meus ouvidos.
— Está.
— A senhora é da família?
— Não — falo rápido. — Amiga de infância, nós crescemos juntos.
— Sinto muito. Não tenho autorização para falar sobre os pacientes da
UTI se não for um membro da família.
Apoio os cotovelos sobre o balcão e me inclino para frente lhe dando
uma bela visão do meu decote, mas o médico bonitão não desvia seus olhos
dos meus.
Seguro o crachá preso no bolso do jaleco, entre o polegar e o
indicador, leio seu nome e mordo o lábio inferior antes de falar:
— Doutor Maldonado, o senhor não precisa entrar em detalhes, apenas
me diga se o meu amigo está bem e se já tem uma previsão para ele ser
transferido para o quarto — murmuro, fingindo exagerada preocupação.
Ele estreita os olhos para mim, mas vejo o esboço de um sorriso se
formar em seus lábios grossos.
— Vou ver o que posso fazer. Qual o nome do paciente?
— Danilo Colosso.
As duas fendas negras se arregalam quando digo o nome do meu
amante e sei que o médico bonitão sabe perfeitamente que estou falando do
diretor de novelas que sofreu um grave acidente de trânsito depois de ter sido
flagrado pela namorada transando com a amante.
E pela forma que seu olhar, até então respeitador, percorre meu corpo,
acredito que ele desconfia que sou a mulher do vídeo que viralizou na
internet e é o mais acessado nas últimas horas.
— Por que não conversamos sobre o seu amigo de infância, enquanto
tomamos um café na cantina?
Deslizo a língua entre os lábios e cubro sua mão, que descansa sobre o
balcão, com a minha.
— É uma ótima ideia, doutor.
Não tenho dúvida alguma de que é uma questão de tempo para Gael
cair em si e admitir que não consegue viver sem mim, no entanto, descobri
nos últimos meses que sou uma mulher com necessidades especiais e
somente um homem com necessidades iguais, é capaz de suprir.
Talvez o flagrante não tenha sido de todo ruim, afinal. E se o médico
bonitão estiver disposto a me ajudar, quem sou eu para negar?
CAPÍTULO 11
FERNANDA
— Ainda não acredito que pediu desculpas.
— Do jeito que você fala parece que cometi um pecado.
Tayane para de mexer o canudo em seu suco de laranja e me encara
com uma carranca enfurecida.
Depois das nossas aulas, paramos na cafeteria da academia para comer
alguma coisa. Estou me sentindo bem mais animada e não posso negar que
toda essa animação é resultado da minha inesperada interação com meu novo
amigo nadador, que tornou a primeira hora do dia muito, mas muito
interessante mesmo.
— Quem tinha de se desculpar por ter sido um idiota era ele.
Sorrio convencida.
— Bom, ele também se desculpou.
— Como assim? — Ela se vira e fica de frente para mim.
Meu sorriso aumenta e dou de ombros.
— Exatamente isso. O Gael me pediu desculpas por ter agido como
um idiota naquele dia.
— Gael? — Tay ergue as sobrancelhas, ironicamente.
— É o nome dele.
— Espera aí, vocês conversaram?
— Um pouco.
— Não me parece um pouco já que você sabe o nome dele e houveram
dois pedidos de desculpas, florzinha.
— Foi um bate papo rápido.
— Tão rápido que você decidiu mudar o seu horário para de manhã.
— Se me lembro bem, foi a senhorita quem insistiu para eu vir nadar
às sete horas.
— E não me arrependo. Pelo menos esse seu “bate papo” com o tal de
Gael te deixou mais animadinha.
Entrego uma nota de cinquenta reais para a moça do caixa e dou uma
olhada no celular. Meu sorriso morre no instante que vejo a mensagem do
Arthur.
— Droga — resmungo e jogo o aparelho dentro da mochila.
— O que foi?
Falo enquanto Tayane toma seu suco:
— O Arthur está me esperando.
— Onde?
— Na porta da academia.
— Como ele sabe que você está aqui?
— Adivinha? — pergunto com desdém.
Minha tia faz uma careta.
— Se estiver com pena, eu posso cortar a língua da sua mãe para você.
Prometo que vai ser rápido e indolor.
— Não sei como ela ainda pode pensar que nós vamos voltar a
namorar depois do que ele fez.
— Fácil. A Lilian acha que todos os homens são iguais o seu pai.
— Nenhum homem é igual ao meu pai — afirmo, pois não tenho
nenhuma dúvida de que não existe ninguém tão romântico, apaixonado e fiel
como o senhor Marcos Lombardi.
— Pelo jeito a sua mãe é a única que não sabe disso.
— Não quero falar com o Arthur — admito.
— Pensei que quisesse saber notícias do Danilo.
— Eu quero, mas posso fazer isso por telefone.
— Ah, entendi. Você não quer falar pessoalmente com o traste.
Assinto com um aceno de cabeça, confirmando sua ênfase na palavra
que altera completamente as condições da conversa que pretendo ter com o
meu primeiro ex-namorado.
— Não fala. Você não é obrigada a nada.
— Se eu não falar, ele vai pensar que ainda me afeta.
— Ele tem razão? — Tay pergunta, desconfiada.
— Não — respondo honestamente.
— Então qual o problema?
Inspiro profundamente antes de dizer:
— É como se a traição do Danilo fosse a comprovação do meu
fracasso e mesmo que o Arthur nunca admita, no fundo eu sei que ele está
comemorando isso.
Minha tia segura meus ombros e olha dentro dos meus olhos.
— Você está proibida de se culpar por ter se apaixonado por dois
trastes que não valorizaram a mulher maravilhosa que eles tiveram o
privilégio de chamar de namorada. Eu sei que é recente e essa história ainda
vai te machucar muito, mas confia em mim, florzinha, o seu cara ainda não
apareceu e quando ele aparecer, você vai entender que tanto o Arthur quanto
o Danilo fizeram um enorme favor quando te traíram.
Ela me abraça com força e eu me agarro às suas palavras enquanto
descanso minha cabeça em seu ombro de olhos fechados, em busca de
coragem para sair da academia e encarar meu ex-namorado.
— Nanda? — Tayane se afasta quando uma voz grossa chama meu
nome. Ela arregala os olhos e sua boca se abre formando um grande O.
Olho por sobre o ombro e quase caio para trás ao ver Gael vestido em
um terno cinza chumbo, camisa branca e uma gravata azul que combina
perfeitamente com seus olhos. O cabelo preto está úmido e foi penteado para
trás, mas alguns fios teimosos caem sobre a sua testa.
Ele é uns dez centímetros mais alto que eu e minha garganta seca, pois
sei exatamente como são os ombros largos, o peito forte, os braços
musculosos, a barriga definida, as pernas grossas e a bunda durinha que estão
escondidas sob a roupa elegante.
— Eu sou Tayane, a tia da Nanda — Tay se adianta em se apresentar
já que não consigo falar absolutamente nada.
— Prazer, Gael.
— Eu sei quem você é.
Ele meio que sorri sem tirar seus olhos de mim.
— Eu... quero dizer, ela... — gaguejo e aponto para a mulher
exageradamente sorridente ao meu lado. — A gente estava tomando um suco
e acabei falando que você gosta de nadar sozinho, e eu decidi mudar de
horário só para te abrigar a dividir a raia comigo.
— A Nanda também me contou que ela te pediu desculpas sendo que
você foi o idiota da história — Tayane conclui com tanta naturalidade que eu
me encolho, morrendo de vergonha.
Gael franze a testa para mim e pergunta.
— Será que um dia você vai me perdoar?
Engulo em seco com a intensidade do seu olhar, mas antes que eu
possa responder, minha tia se intromete onde não é chamada e rouba a minha
vez, de novo.
— Ela pode pensar nisso se você se desculpar direito.
Gael e eu olhamos para Tayane. Ele confuso e eu, profundamente
irritada pela sua falta de filtro e claro, de noção.
Mas ela não se intimida com a minha encarada ameaçadora, muito
pelo contrário. Tay me ignora como se eu fosse a intrometida e sorri
descaradamente para o homem lindo à nossa frente que, ingenuamente, cai na
sua armadilha e faz a pergunta que ela está desesperada para responder.
— E como eu posso me desculpar direito? — Gael reveza seu olhar
entre ela e eu, no entanto, enquanto meu coração bate forte e quase salta pela
boca, Tay encurta a distância entre eles e murmura baixo, mas alto o bastante
para que eu possa escutá-la.
— Peça de joelhos, de preferência quando ela estiver tomando banho.
Agora é a minha boca que está aberta formando um grandessíssimo O.
Gael começa a rir quando minha tia pisca para ele com malícia e fala
diretamente para mim, antes de seguir para o estacionamento:
— Espero você no carro, florzinha. Não se apresse por minha causa.
Cubro o rosto com as mãos, envergonhada como jamais estive.
— Ela não parece sua tia — Gael diz ainda sorrindo e puxa meus
pulsos para baixo, me forçando a encará-lo.
— Eu sei. Minha avó praticamente criou a filha e a neta ao mesmo
tempo. Deu para perceber porque às vezes me esqueço que ela é oito anos
mais velha.
— Você tem sorte de ter alguém que se preocupe com você.
Ele está tão perto que posso sentir o cheiro do seu perfume. Uma
mistura de fim de tarde na praia, essência pura de baunilha e mistério. Como
uma fragrância feita exclusivamente para ele, inebriante, intoxicante.
— Sou muito sortuda. — Minha voz sai rouca e arrastada.
O toque do meu celular desperta Gael do nosso transe. Ele me liberta
do seu toque quente e recua um passo. Abro a bolsa e estranho quando vejo o
nome da minha tia brilhando na tela.
Atendo a chamada enquanto Gael pede um expresso para a atendente.
— Tay?
— Não sai daí — ela ordena, nitidamente nervosa.
— Por quê?
— Tem muitos repórteres na porta da academia fazendo perguntas
sobre você para os alunos. O Arthur já chamou a polícia e está tentando
distrair os abutres com algumas informações irrelevantes sobre o flagrante e a
coletiva do seu pai, mas é melhor ficar aí dentro até as coisas se acalmarem
aqui fora.
Fecho os olhos, apertando-os com força e lamento que a última hora
seja pisoteada pela realidade que promete me assolar sem compaixão. Gael
me encara com a testa franzida o que só faz a minha dor aumentar.
A semelhança entre a amante do Danilo e a professora do Arthur, com
quem ele me traiu quando estava no primeiro ano da faculdade, comprova
que os homens não se contentam com garotas esquisitas como eu e sempre
saem à procura de mulheres como elas.
Apesar das lágrimas que se acumulam em meus olhos, contra a minha
vontade, forço um sorriso e falo para a minha tia sob o olhar enviesado do
Gael:
— Pode deixar, vou dar um jeito nisso.
— Nanda...
Encerro a ligação sem responder e tento disfarçar a tristeza enquanto
guardo o celular na mochila.
— Algum problema? — Gael pergunta com um tom de voz que me
faz acreditar que ele está preocupado de verdade, porém, nem mesmo a sua
preocupação diminui a dor excruciante dentro do meu peito.
— Não — minto sem culpa. — A Tay pediu para eu dar uma passada
no banheiro e ver se a nécessaire dela está lá. Ela sempre esquece alguma
coisa.
— Tem certeza que é só isso?
— Tenho, claro. — Ajeito a alça larga sobre o ombro e passo a mão
pelo cabelo. — Preciso ir. A gente se fala amanhã.
Assim como fiz com a minha tia, não espero a resposta do Gael e
caminho apressadamente na direção da piscina fingindo que as últimas vinte
e quatro horas não passam de um pesadelo e que a minha vida vai voltar ao
normal no instante em que eu acordar.
Mas logo que a porta do vestiário se fecha atrás de mim, sento-me em
um dos bancos de madeira e permito que a tristeza assuma o seu lugar no
meu coração que sofre, desolado, por cada minuto que desperdiçou
acreditando no amor. E choro. Choro muito.
Até não sobrar nenhuma lágrima ou qualquer esperança.
CAPÍTULO 12
GAEL
— Estável? — questiono sem acreditar no que acabo de ler.
— É um procedimento padrão. Os médicos afirmam que as primeiras
setenta e duas horas são as mais críticas e se o paciente em coma superar esse
período, a família pode ter alguma esperança que ele vai acordar.
— Faz um dia que o Danilo sofreu o acidente, Claudio. E o primeiro
boletim médico divulgado oficialmente pela direção do hospital se resume a
uma palavra que não representa porcaria nenhuma.
— Aí é que você se engana. Eu conversei com uma enfermeira que
participou da cirurgia e ela me disse que o traumatismo craniano do Danilo
não foi tão grave. Então estável é uma boa notícia e quer dizer que as chances
de ele sair dessa são bem grandes.
Arrasto a cadeira para trás e me levanto.
— Não estou preocupado com esse idiota — rosno, mais irritado do
que do que gostaria.
Paro de frente para a janela e enfio as mãos nos bolsos da calça.
— Eu sei que não, mas a imprensa não vai deixar a Fernanda em paz
enquanto o Danilo não sair daquele hospital, de preferência sem nenhuma
sequela.
Meus olhos estão cravados no céu cinzento encoberto por nuvens
carregadas. Pingos grossos de chuva esbarram nos vidros transparentes
remodelando a paisagem deprimente para quem a aprecia através deles, numa
tentativa da natureza de iludir um admirador anônimo, como eu, e
transformar esse dia sombrio em algo encantador.
Mas não há nada que me encante no dia de hoje.
Nada que faça a angústia no meu peito diminuir.
Ninguém que possa amenizar a impotência que está me devastando
desde que saí da academia e fui cercado por repórteres que mais pareciam
urubus esfomeados, em busca de informações sobre Fernanda Lombardi.
Eles não querem a verdade. Eles querem qualquer coisa que possa ser
usado contra ela para aumentar a audiência de seus programas, a vendagem
dos seus jornais e o número de visualizações em seus sites de fofoca. Fui
tomado por uma fúria violenta e por pouco, muito pouco mesmo, não vomitei
tudo que sabia apenas para livrar a garota desse tormento.
No entanto, me calei.
Por sorte, ninguém me reconheceu e logo me deixaram de lado quando
viram que eu não iria abrir a boca.
O problema é que sempre tem alguém disposto a fornecer um pedaço
de carniça ao urubu faminto em troca de algum benefício, nem que seja
alguns minutos de fama, e foi exatamente isso que aconteceu. Uma das
funcionárias da academia confidenciou ao repórter de uma emissora de TV
que a Fernanda estava devidamente matriculada, e frequentava as aulas de
natação três vezes por semana.
Pelas informações que Claudio conseguiu, a recepcionista já foi
identificada e demitida por justa causa, mas isso não vai impedir que os
miseráveis façam campana na porta de uma das academias mais conhecidas
do bairro do Jardins nos próximos dias, semanas e até meses.
— O que mais? — pergunto sem desviar os olhos do céu, tão umbroso
quanto o meu coração.
O silêncio prolongado de Claudio me obriga a girar o corpo e encará-
lo. Ele penteia o cabelo com os dedos e solta uma longa respiração.
— Desembucha logo! — falo impaciente. Sinto que estou prestes a
explodir e tento me acalmar.
— A diretora do museu forçou a Fernanda a entrar de férias. Trinta
dias. E a proibiu de aparecer por lá.
— Merda. Como você descobriu?
— O dono da contabilidade que presta serviços para o Caminhos do
Passado é amigo do meu pai, e me contou em segredo que essa tal de
Veronica pretendia demitir a Fernanda depois que um grupo de jornalistas
acampou na porta do museu hoje de manhã. Mas ele aconselhou que ela
esperasse um tempo para não correr o risco de levar um processo trabalhista.
A ideia das férias foi dele.
— Ela pode demitir a Fernanda por causa disso? — questiono,
indignado e mais enfurecido do que nunca.
— Poder, pode. Mas é um risco que não vale a pena correr nesse
momento. Porém, nada impede que depois de um mês ela faça, caso o
assunto continue em alta nas redes sociais. Nenhum estabelecimento que
preza pela integridade do seu nome quer um funcionário ligado a um
escândalo como esse, Gael.
— A Fernanda não tem culpa de nada! — esbravejo, cansado de tanta
injustiça por interesse e desinformação.
— Nós dois sabemos disso, mas a imprensa não sabe.
Ando de um lado para o outro dentro do meu escritório, nervoso,
irritado, e ansioso para desatar o nó invisível nos meus pulsos que me impede
de estender as mãos e ajudar a Fernanda.
— Eu preciso fazer alguma coisa, mas não sei o que.
— Por enquanto não tem nada que você possa fazer sem comprometer
os negócios, Gael.
— Tem de ter, Claudio. Não posso mais ficar de braços cruzados.
— Eu imagino que deve ser difícil ver tudo que a Fernanda está
passando e não poder fazer nada, mas pensa bem e tenta ficar calmo. Se
alguém descobrir que a amante do Danilo era sua noiva, tudo que você fez
para manter o seu nome e o da empresa longe desse escândalo vai por água
abaixo. O mais prudente agora é usar a academia para se aproximar da
Fernanda, conquistar a confiança dela e fazer ela se abrir com você. Assim a
gente pode pensar em uma maneira de ajudar sem comprometer sua
nomeação.
A simples sugestão de me aproximar da Fernanda acelera meus
batimentos cardíacos sem que eu consiga entender o motivo. Nosso encontro
de hoje tinha tudo para ser perfeito se não fosse a chegada dos repórteres.
Fazia tempo que uma mulher não me deixava tão à vontade e tão curioso para
saber mais a respeito dela.
— Tem mais uma coisa que você deve saber — Claudio usa seu tom
de voz impassível, mas conheço meu amigo para saber que não vou gostar do
que ele tem para me dizer.
Esfrego os olhos com força e me sirvo uma dose de Bourbon antes de
voltar a me sentar. Bebo um gole e encaro o homem à minha frente como se
ele fosse meu pior inimigo, pois é assim que o vejo nesse exato momento.
— Estou ouvindo.
Claudio apoia os cotovelos sobre os joelhos com os olhos cravados
nos meus.
— Lembra que te falei do assessor do Marcos Lombardi?
Faço que sim com a cabeça e tomo mais um gole, saboreando a
queimação que a bebida provoca na minha garganta.
— O nome dele é Arthur Delgado. Ele estava hoje de manhã na porta
da academia e tudo indica que foi ele que chamou a polícia.
— Por que está me contando isso?
— Porque esse cara foi o primeiro namorado da Fernanda.
Meu corpo esquenta, ou melhor, ferve.
— Namorado? — inquiro. Minha mão pressiona o copo com tanta
força, que as pontas dos meus dedos ficam esbranquiçadas. Não sei se
Claudio percebe, mas eu percebo, e não gosto do que estou sentindo.
— Os dois se conhecem desde pequenos e a Fernanda sempre foi
apaixonada por ele. No aniversário dela de dezoito anos, o Arthur assumiu o
namoro publicamente e um ano depois, traiu a Fernanda com uma professora
da faculdade.
Não noto que estou com os dentes trincados até que os escuto
rangendo uns contra os outros. Meu coração pulsa na garganta e, por acaso, já
odeio esse tal de Arthur Delgado com todas as minhas forças, mesmo sem
conhecer o babaca.
— Vou querer saber como você conseguiu essas informações? —
pergunto tentando mudar de assunto, pois não pretendo me aprofundar nessa
história.
Claudio dá uma risada, nitidamente satisfeito com a minha reação
indiferente. Talvez meu amigo tenha notado a mesma coisa que eu acabo de
notar sobre o efeito que a Fernanda causa em mim e usou essa informação
para me testar.
— Se você procurar no Google vai encontrar tudo sobre o assunto. Na
época, a notícia repercutiu nas redes sociais, mas não por causa da Fernanda.
Na verdade, o nome dela nem chegou a ser mencionado porque o Arthur não
era conhecido na faculdade pela sua fama de namorado fiel. Foi o marido da
professora que descobriu que a esposa de quarenta e cinco anos estava
transando com um aluno de dezenove, e denunciou o caso para a Reitoria.
— E por que, exatamente, você achou que deveria me contar isso?
Claudio fica em pé e pega sua pasta, enquanto eu recosto na cadeira
fingindo uma tranquilidade que estou a anos luz de sentir.
— Não achei que deveria contar, mas contei porque tenho certeza que
você iria querer saber.
— Por que, Claudio?
Meu amigo me encara por alguns segundos como costuma fazer
quando está em dúvida, no entanto, não forço a barra e espero que ele decida
se deve ou não me falar a verdade. E embora eu aprecie a sua sinceridade que
beira a grosseria, dessa vez estou torcendo para que Claudio mantenha
quaisquer conclusões para si mesmo.
Mas para a minha infelicidade, ele não pensa como eu e cospe a
verdade na minha cara.
— A Fernanda parece um anjo perto da Penélope e depois de tudo que
aconteceu, você precisa de um tempo para aproveitar as maravilhas que só o
inferno pode oferecer, em vez de fazer uma parada rápida no paraíso para
reabastecer. Por mais que seja difícil de admitir, a verdade é que você ainda é
apaixonado pela Penélope e nós dois sabemos que a três meses atrás, uma
parte sua morreu quando descobriu que a mulher que você ama estava te
traindo. — Claudio faz uma pausa para recuperar o fôlego. —Respondendo a
sua pergunta, estou te falando tudo isso porque não quero que você seja mais
um Arthur ou um Danilo na vida da Fernanda. Não apenas porque ela merece
um cara por inteiro, mas porque não vai sobrar nada do meu amigo se você
fizer essa garota sofrer de novo e por puro egoísmo.
Claudio vai embora e me deixa sozinho.
Confuso, aflito e perdido. Totalmente sem rumo.
Enfrento duas reuniões em menos de três horas, e quando o expediente
chega ao fim não sinto a mesma ânsia de voltar para casa. Então, como se
uma força maior e muito mais poderosa usurpasse minha determinação de
aceitar os conselhos do meu amigo, digito no campo de busca do Google o
nome de Arthur Delgado e passo quase uma hora lendo cada matéria
sensacionalista que encontro sobre o jovem publicitário que se tornou
assessor do pai famoso da ex-namorada.
Estou pronto para desligar o notebook quando uma imagem da
Fernanda no centro da tela captura minha atenção, e exatamente como foi
com o nosso encontro na academia hoje de manhã, tenho a estranha sensação
de que o destino quer me levar até ela. Literalmente.
Então, ignorando a razão, eu permito que ele me leve.
E vou de bom grado.
CAPÍTULO 13
GAEL
Dou uma passada na casa dos meus avós e depois do jantar vamos
para o escritório onde atualizo meu avô sobre os negócios, revisamos duas
vezes as planilhas do financeiro, repasso para ele todas as decisões que foram
tomadas nas últimas reuniões, revemos alguns dos meus compromissos da
próxima semana e detalho cada ideia que pretendo colocar em prática para o
lançamento da nova linha de cosméticos.
Meu avô não esconde o orgulho que sente de mim e do trabalho que
estou fazendo nos bastidores da empresa, e eu não escondo o quanto isso me
deixa feliz e me motiva ainda mais para seguir seus passos à frente dos
negócios.
Quando ele dá os primeiros sinais de cansaço, combinamos de
almoçar juntos no sábado, logo que encerrar a seleção da modelo que será
contratada para representar a nova linha que deve ser lançada em poucos
meses. É a primeira vez que o senhor Dwayne não contribui ou participa da
criação nem da produção de um produto da Gallengher Cosméticos, desde a
sua fundação.
E ainda que meu avô confie totalmente em mim para liderar esse
trabalho, sei o quanto o sucesso do próximo lançamento é imprescindível,
tanto para o meu futuro dentro da empresa quanto para o futuro da própria
empresa, pois após a minha nomeação todos os holofotes estarão voltados
para o novo CEO, único herdeiro de um dos homens mais respeitados e
admirados no meio empresarial.
Por isso nada pode dar errado. Absolutamente nada, ou tudo que meu
avô trabalhou a vida inteira para construir terá sido perdido, e eu prefiro a
morte do que permitir que isso aconteça.
Minha avó, no entanto, não perde nenhuma oportunidade para fazer
perguntas aleatórias e, aparentemente, despretensiosas sobre a Fernanda, o
que me surpreende um pouco já que ela nunca demonstrou qualquer interesse
nos meus assuntos pessoais. Respondo quase todas de maneira impessoal
para que ela não crie quaisquer expectativas, embora eu mesmo já não tenha
tanta certeza do que penso, sinto e realmente quero.
Faltando quinze minutos para as dez da noite, me despeço dos dois e
vou embora. No caminho para minha casa ainda estou em dúvida se devo ou
não fazer o pequeno desvio, mas acabo cedendo ao desejo quase insano de
me aproximar da Fernanda e pego a rotatória a três quarteirões de onde moro.
Estaciono o carro em frente ao condomínio luxuoso, do outro lado da
rua, e olho para a imagem aberta na tela do meu celular, apenas para me
certificar de que não estou ficando maluco ou tendo alucinações.
Sorrio de lado. É aqui mesmo.
Na foto que foi tirada da Fernanda há algum tempo, ela está na porta
do que eu torço e acredito para que seja o prédio onde ela mora, mexendo no
telefone, distraída, linda e alheia ao que acontece a poucos metros de
distância.
Dá para perceber que o fotógrafo não queria ser visto fazendo seu
trabalho e ficou escondido atrás de alguma árvore. Não posso mentir e dizer
que o cara não foi competente, pois a imagem é de tirar o fôlego.
Estava frio, Fernanda vestia calça preta, blusa preta de gola alta e um
casaco branco felpudo. As botas de cano curto, também pretas, eram de salto
alto e os óculos de grau com aro preto davam a ela um ar sério, intelectual. O
cabelo castanho estava bem mais curto, um pouco abaixo dos ombros, mas
não diminuiu nenhum pouco a sua beleza feminina e natural, sem contar os
raios de sol que reluziam sobre ela e pareciam efeitos especiais, tornando sua
aparência ainda mais angelical.
Não sei com quem Fernanda estava trocando mensagens, no entanto, o
sorriso que ela mantinha no rosto era nada menos que encantador, e me pego
sorrindo para a imagem que ainda brilha na tela do meu celular sem me
incomodar com o embrulho no estômago que tem me afetado sempre que
penso nessa garota ou, no caso, olho para ela.
Guardo o celular e respiro fundo, decidido a aproveitar uma nova
chance que o destino está me ofertando, de graça. Abro a porta e desço do
carro, atravesso a rua e aceno para o porteiro, que me reconhece na mesma
hora e libera a minha entrada.
— Boa noite, Cícero — cumprimento do lado de fora da guarita.
— Boa noite, Gael. — Ele deixa seu posto e sai para me cumprimentar
com um aperto de mão. Seu sorriso é sincero. — Faz tempo que não aparece
por essas bandas. Algum problema no apartamento?
— Da última vez que vim aqui a faxineira me disse que tinha um
vazamento no banheiro. Você sabe se o Zé arrumou?
Cícero faz uma careta, pois não sabe de nada. E eu sei que não tem
como ele saber, já que o problema foi resolvido a um ano atrás, porém, para
obter as informações que quero, preciso iniciar uma conversa com o único
funcionário que trabalha no período da noite.
José Carlos, mais conhecido como Zé, é o zelador do condomínio, o
“faz tudo”, e foi ele que deu um jeito no banheiro do meu apartamento, um
dos cinco que comprei diretamente com o dono da construtora, e meu amigo
pessoal, quando seus projetos ainda estavam na planta.
Meu investimento em imóveis começou cedo, logo que entrei na
faculdade, e hoje possuo dez no total. Três no bairro do Jardins, dois no
Morumbi, dois na Vila Mariana, dois em Alphaville e um na Avenida
Paulista, mas apenas sete estão alugados.
Por sorte, mera coincidência ou obra do destino, reconheci a fachada
do condomínio em que Fernanda aparece na foto e estou confiante que ela
mora aqui, mas antes de dar o próximo passo, tenho de ter certeza.
— Para ser sincero, não sei. Preciso confirmar com o Zé. Você se
incomoda de esperar eu ligar para ele?
— Não se preocupe com isso, vou subir e dar uma olhada. Pode pegar
minha chave, por favor? — pergunto e aponto com o queixo para o grande
quadro de madeira dentro da guarita, cheio de ganchos numerados que
identificam os números dos apartamentos e é usado pelos porteiros para
guardar as chaves dos inquilinos e proprietários.
— Claro — Ele volta para o seu posto e me entrega o chaveiro
prateado com a letra G pela janelinha. — O senhor vai passar a noite ou veio
só para uma visita?
— Não sei, ainda não decidi. Estou pensando em vender minha casa e
não quero sair do bairro — falo casualmente, e apesar de ser uma história
inventada para puxar conversa, a ideia até que não é ruim. — Mas tenho um
pouco de medo por causa dos moradores. Depois que a gente se acostuma
com a privacidade de uma casa é difícil se adaptar ao barulho e as confusões
entre os vizinhos, principalmente à noite.
— Ah, mas aqui não tem isso, Gael. O síndico é linha dura e a maioria
dos moradores não tem criança pequena. Só o casal do 102 e a moça do 409,
mas os meninos vão para escola de manhã e só chegam no fim da tarde.
— Bom saber. — Abro um meio sorriso e falo baixo como se
estivesse contando um segredo: — Não estou mais noivo. Tem alguma
solteira gostosa ou as moradoras são todas comprometidas?
Cícero retribui o sorriso, mais malicioso que o meu, e por um instante
me sinto um pouco culpado. Mas pensando bem, não estou mentindo e essa é
uma típica conversa de homem, ainda que não seja do meu feitio ficar
perguntando sobre mulheres por aí. Por fim, me convenço de que é por um
bom motivo e mando a culpa para o inferno.
— Tem duas que são de parar o trânsito. Elas não são pro meu bico e
se a minha mulher desconfiar que tô falando isso, é bem capaz de me capar,
mas para o senhor vai ser mamão com açúcar.
— Duas? — pergunto, de fato, interessado. — Você sabe que andar
elas moram e o nome delas?
Cícero deve ter uns trinta e cinco anos, é baixo, meio calvo e
barrigudo. A esposa dele trabalha em uma creche que fica na rua detrás e
sempre passa por aqui para deixar uma marmita para o marido. Ele olha para
os lados se certificando de que ninguém está ouvindo e responde:
— A dona Marcia mora no 806. Uma loira bonitona que terminou o
namoro faz pouco tempo, sei disso porque eu estava trabalhando quando o
namorado veio trazer ela em casa e os dois discutiram feio na porta do prédio.
Depois daquele dia, a moça só saiu de casa para ir pro trabalho, e a única
pessoa que vem aqui é a mãe dela.
O porteiro se cala quando um casal passa por nós e segue para o hall.
Nenhum deles sequer nos cumprimenta, o que me enfurece e claramente o
entristece. No entanto, finjo que a falta de educação dos dois moradores não
me incomoda e sorrio para ele.
— E a outra moradora? Minha ex-noiva era loira, cara. Estou
querendo mudar um pouco. Pra variar, sabe? — falo em tom de brincadeira
para descontrair e funciona.
Cícero sorri amplamente como se nada tivesse acontecido.
— A dona Tayane não mora no prédio, mas está quase todo dia aqui
visitando a sobrinha. A danada é linda e muito simpática. Vive sorrindo e
falando besteira, e não é loira. Ela tem cabelo castanho e olhos verdes.
Meu coração não está mais batendo, ele galopa dentro do meu peito.
Fico tão perplexo pela coincidência, ou o que quer que seja isso, que não
consigo falar qualquer coisa. O sorriso de Cícero diminui quando ele fala:
— Só tem um probleminha, Gael.
— Qual? — indago, mais ansioso que o normal por sua resposta.
— A dona Tayane é um pouco mais velha, mas nem parece porque ela
é baixinha e miúda, então engana bem.
— E a sobrinha dela? — Leva todo meu esforço para não parecer
muito interessado. — Você disse que a sobrinha dela mora aqui, não disse?
— Mora, mas a dona Fernanda tem namorado, ou pelo menos tinha, já
nem sei mais.
— Como assim? — Meu corpo esquenta, muito.
Sinto o suor escorrer pelas minhas costas o que é surreal, pois a
temperatura não deve passar de dezoito graus.
— Faz mais de duas semanas que ele não aparece por aqui.
— Ele vinha sempre?
— Quase todo dia.
De repente estou fervendo de raiva. Para ser sincero é mais que raiva.
É ódio puro. Olho para o hall de entrada, e odeio imaginar a Fernanda
passando por ali de mãos dadas com o Danilo, falando com ele com a sua voz
suave e sorrindo para ele como sorriu para mim na academia.
Quero me estapear na cara quando a minha ficha, enfim, cai. Eu não
odeio nada. Não odeio ninguém. Só estou me roendo de ciúme, isso sim.
Mas o fato de estar morrendo de ciúme de uma mulher que eu mal
conheço, pensa que meu nome é Otávio e está passando por uma das piores
fazes da sua vida graças a mim, sem dúvida alguma não é apenas a pior
notícia da noite.
É o meu maior pesadelo.
CAPÍTULO 14
FERNANDA
Encaro o celular dividida entre responder a mensagem de Arthur e
ignorar sua pergunta tosca. É quase impossível de acreditar, mas ele
realmente está me convidando para sair pela terceira vez em quatro dias.
Resolvo acabar logo com isso em vez de protelar a situação. Digito:

Obrigada por tudo que fez por mim na academia, mas não quero
sair com você. Nem hoje, nem amanhã, nem nunca. Por favor, pare de
insistir.

Teclo em enviar e deixo o telefone em cima da cômoda. Ainda é muito


cedo e não tenho nada para fazer, mas como não consigo dormir até tarde me
levanto da cama. Abro a janela e inspiro profundamente. O tempo está
horrível, o céu escuro, chovendo como há tempos não chovia e esfriou muito.
Meus olhos se enchem de lágrimas, de novo.
Passei praticamente a semana toda em casa, trancada, isolada e triste.
Se o episódio no museu já tinha me deixado mal, o da academia acabou
comigo.
Não tenho redes sociais, nunca tive, porém, assisto televisão
diariamente e de vez em quando ouço rádio. É claro que estou acompanhando
as notícias sobre o acidente de trânsito que deixou um dos maiores diretores
de novela do país em coma. E apesar de o estado de saúde do Danilo ser
bastante comentado, chega a ser irrelevante em comparação a importância
que eles dão ao motivo que gerou o acidente. Ou seja, a insensibilidade da
sua namorada egoísta, mimada e sem sal, por não ter dado ao canalha traidor
a chance de se explicar.
Euzinha mesmo.
E pelo visto a imprensa está muito disposta a me crucificar de
qualquer jeito e de todas as formas, já que não perde uma única oportunidade
de distorcer a história e — direta ou indiretamente —, me culpar pelas
escolhas do Danilo, sobretudo por ele ter ido atrás de mim quando não tinha
condições emocionais para dirigir.
Em todos os debates ou reportagens é sempre a mesma coisa e no
final, todos chegam à conclusão de que o pobre coitado ficou muito nervoso e
abalado por ter sido flagrado pela mulher da vida dele, cometendo um erro
malditamente insignificante que, aliás, deveria ter sido perdoado
imediatamente. Afinal de contas, quem nunca errou nessa vida, certo?
O que mais me entristece é que em nenhum momento se preocuparam
em citar o nome da amante do Danilo. Sequer foram atrás para descobrir
quem ela é, de onde veio, o que ela faz ou deixa de fazer, onde ela trabalha,
se é solteira, casada, divorciada e, acima de tudo, se ela está apaixonada pelo
Danilo ou a relação deles era puramente sexual movida pela luxúria insana.
Como se o fato de ela ter mantido um caso com um homem
comprometido, por quase um ano, não fosse grande coisa.
Juro que até pensei em fazer minha própria pesquisa para saber mais
sobre essa mulher, mas desisti no segundo pensamento já que a simples ideia
de criar uma conta no Instagram ou no Facebook me apavora.
Não é frescura, tampouco encenação ou esquisitice. Eu apenas odeio,
por isso evito qualquer tipo de exposição e não consigo entender essa
necessidade meio que doentia que as pessoas têm de compartilhar cada
acontecimento das suas vidas com um monte de desconhecidos através de
publicações que ninguém sabe se são verdadeiras.
Desde pequena, nunca tive muitos amigos, apesar de não ser tímida ou
apresentar dificuldade em me relacionar com outras pessoas.
Yolanda, minha terapeuta, diz que por meu pai ser um homem famoso,
acabei criando certa aversão a um tipo de contato mais íntimo por medo, pois
é muito difícil de acreditar que as pessoas não estão se aproximando de mim
por causa dele, por quem ele é e pela importância que ele tem.
Yolanda reforça em cada sessão que tudo se resume a insegurança.
Talvez ela tenha razão, no entanto, evito pensar muito sobre isso. Tenho
minha própria vida, meu trabalho, minha família, meus sonhos, ideais,
objetivos e convicções. Sou financeiramente independente e inteligente o
bastante para me proteger do que me faz mal, e isso é muito mais do que a
maioria das mulheres da minha idade consegue ter.
Chega de chorar, Nanda.
Penso, fecho a janela e saio do quarto. Hoje é um novo dia. Uma nova
chance de recomeçar. Preciso apenas me convencer que esse inferno é apenas
uma fase e, como todas as outras, vai passar e tudo vai ficar bem.
Tomara que não demore muito.
◆◆◆

— Até quando pretende ficar trancada dentro de casa? — Tay


pergunta no instante que entra na cozinha, às seis da manhã.
Ela sempre teve a chave do meu apartamento e vem aqui quase todo
santo dia com a desculpa de saber como estou, mas desde a confusão na porta
da academia, minha tia praticamente tomou posse do quarto de hóspedes.
— Quer que eu vá para onde? — respondo com uma pergunta óbvia.
— Florzinha, fazem quatro dias e as pessoas estão começando a
esquecer o que aconteceu. Sabe como se chama isso?
Reviro os olhos e apago o fogo. Despejo a água fervente sobre o
coador e me concentro no aroma delicioso de café fresco que impregna a
cozinha.
— Notícia antiga — Tay fala com o queixo apoiado no meu ombro
quando me abraça por trás. — É isso que você é florzinha.
— Enquanto o Danilo estiver internado naquele hospital, duvido que
meu nome seja esquecido tão cedo.
— Pelo amor de Deus, Nanda, não vai me dizer que você está
pensando em ficar enclausurada nesse apartamento até o príncipe de pau
pequeno resolver acordar do seu sono de beleza?
Olho para ela boquiaberta, incerta se ouvi direito.
— Ele está em coma, Tay! — exclamo, sem acreditar que minha tia
tem um sorriso debochado estampado em seu belo rosto.
— Exatamente o que eu disse, um sono de beleza. — Ela dá de
ombros.
— O que aconteceu com a mulher sensível que habitava dentro desse
corpinho sexy?
— Comi. — Não é a resposta curta que me assusta, mas o seu humor
ácido.
Eu a encaro e dessa vez não rio da sua piada, porém Tayane não
parece nem um pouco afetada pela minha expressão horrorizada, muito pelo
contrário. Ela se senta à mesa e pega uma fatia de mamão como se não
tivesse falado nenhum absurdo.
— Sério, estou tentando entender seu ponto, mas você não está
ajudando.
— O que importa é que eu tenho um ponto, florzinha.
— Ótimo, porque eu quero muito saber qual é.
Eu me encosto na pia com os braços cruzados. Tay salpica farinha de
aveia sobre o mamão e bufa, impaciente.
— Não sei se você está pronta para ouvir, Nanda.
— Pode acreditar, tia. Estou mais que pronta.
Tayane termina de mastigar uma porção da gororoba saudável que ela
costuma comer no café da manhã, limpa a boca com um guardanapo de papel
e solta uma longa respiração.
— Tudo bem, mas depois não adianta reclamar.
Fico em silêncio e espero.
— O Danilo estava te traindo desde o Réveillon do ano passado com a
mesma mulher. Você descobriu, resolveu tirar a história a limpo e pegou os
dois na cama. Eles não estavam conversando ou só dando uns amassos. Seu
namorado estava fazendo sexo com a amante. Não existe explicação ou
desculpa para isso e você foi embora como qualquer mulher inteligente, e
com um pingo de amor próprio, teria ido. Todos os exames toxicológicos do
Danilo comprovaram que ele não tinha ingerido álcool nem usado
entorpecentes, o que também comprova que ele estava lúcido e consciente
quando ultrapassou o farol vermelho em um dos cruzamentos mais perigosos
da cidade e provocou um terrível acidente de trânsito. — Tay levanta a
cabeça e seus olhos encontram os meus, frios e indiferentes. — O Danilo
pode estar em coma, mas tenho certeza que ele não está sofrendo um terço do
que você está. E se quer mesmo saber, não duvido que aquele traste egoísta
tenha provocado o acidente para fazer você se sentir culpada e perdoar a
canalhice dele. Então, não, florzinha. Eu não tenho pena do Danilo e não
sinto muito se ele está naquela cama de hospital respirando com ajuda de
aparelhos desde segunda-feira, porque ele não destruiu apenas a vida dele
quando decidiu dirigir como um louco pelas ruas de São Paulo. A sua vida foi
destruída também. E enquanto seu ex-namorado traidor de pau pequeno está
lá, desfrutando do sono de beleza, você está aqui fora pagando injustamente
pelos erros que ele cometeu porque é egoísta, prepotente e não te ama como
você merece ser amada. E eu odeio não poder fazer nada para abrir seus olhos
e te mostrar o quanto essa porcaria é injusta.
Tay bebe um gole de água e me oferece um sorriso murcho.
— Esse é o meu ponto, Nanda.
Estou pasma e completamente sem reação. Suas palavras gritam na
minha cabeça. Alto. Muito alto mesmo. Não como uma melodia suave ou
relaxante, é mais como um coro revoltado e exigente.
— Você acha que ele provocou o acidente? — Minha voz é apreensiva
e retrata com perfeição meu estado emocional.
— Nanda, se o pau do Danilo fosse tão grande quanto o ego dele, você
seria a modelo dos comerciais de pasta de dente mais bem paga do Brasil.
Óbvio que ele não pensou que ia acabar em coma, mas acho que ele sabia
muito bem o que estava fazendo quando furou o sinal.
Meus joelhos bambeiam e sou obrigada a me sentar.
— Por que ele faria isso? Não consigo entender.
Tay enfia a última colherada na boca, mastiga e engole a gororoba
antes de falar:
— O Danilo é o mestre da teledramaturgia nacional, florzinha. O cara
ama um dramalhão, mas não se engane, porque a sua vida estaria mil vezes
pior se ele não estivesse em coma.
— O que? — pergunto, atônita. Agora meu cérebro bugou total e não
consigo mais acompanhar a linha de raciocínio da minha tia.
— Se de boca fechada ele conseguiu fazer esse estrago todo, imagina
se o idiota pudesse falar.
E dessa vez não seguro a risada. Nervosa, ansiosa e preocupada, mas
ainda assim, divertida. Meus olhos marejam e meu coração aquece pelo
acolhimento que recebo diariamente da minha família.
Meus pais não vieram me ver desde que tudo aconteceu na última
segunda-feira, com medo de serem seguidos por algum repórter. O
apartamento onde moro é meu refúgio, meu porto seguro, e poucas pessoas
conhecem esse lugar, mesmo assim, eles me ligam várias vezes por dia,
fazem chamadas de vídeo e me mandam mensagens motivadoras.
Tayane é a única que entra e sai sem levantar suspeitas, já que a
maioria dos moradores pensa que ela é a dona do apartamento e eu, a
sobrinha que visita a tia esporadicamente.
— Acho que você tem razão, mas estou com medo de sair e ser
reconhecida — admito, cabisbaixa. — Não quero causar mais problemas.
Ela segura minha mão por cima da mesa.
— Nanda, para de se preocupar com os outros. Se você não fosse tão
pré-histórica e tivesse uma conta no Instagram, ia saber que o que aconteceu
na porta da academia foi muito melhor que qualquer propaganda que o
proprietário pudesse pagar para divulgar o negócio dele.
— Se eu já não gostava das redes sociais antes de tudo isso, agora nem
sei dizer o que sinto.
— Tudo bem, mas você precisa sair de casa nem que seja para fazer
sua aula de natação e dar uma passada no mercado para abastecer a geladeira.
Põe um boné, uma peruca, usa óculos de sol, sei lá.
Verifico o celular e sorrio para a minha tia.
— Está a fim de fazer um pouco de exercício? — falo me sentindo
mais empolgada.
— Na verdade, não. Esse tempinho me deixa preguiçosa, mas estou
muito a fim de ver aquela delícia de olhos azuis de novo. Qual o nome dele
mesmo?
— Gael — respondo rápido. Me recuso a dizer em voz alta, mas
também estou muito a fim de ver o Gael de novo. Nem que seja só para
admirar a beleza do homem que invadiu meus pensamentos nos últimos dias,
mais vezes do que sou capaz de admitir.
— Eu sei, só queria ter certeza que você não tinha esquecido.
Ignoro seu olhar afiado e me levanto.
— Vou me trocar. Não demora, senão a gente vai se atrasar.
— Pena que fiz minha matrícula na musculação, queria ver o Gael de
sunga.
Fecho a garrafa térmica que esqueci aberta em cima da pia, ciente das
segundas, terceiras e quartas intenções da Tayane.
— Dá para assistir a aula pelo vidro.
— Ou você podia tirar uma foto dele mais de perto.
— Não.
— Só uma.
— Não.
— Será que ele vai achar ruim se eu invadir o vestiário masculino?
Penduro o pano de prato e falo quando passo por ela e vou para o meu
quarto:
— Não demora.
— Eu ia perguntar se o pau dele é maior que o do Danilo, mas aí me
lembrei que qualquer pau é maior que o dele.
Minha vontade de responder que o pau do Danilo é do tamanho do
bom senso dela é gigantesca, no entanto, apenas dou risada e fico quieta. Os
últimos dias foram bons e ruins ao mesmo tempo, por vários motivos, mas o
principal é que tive tempo para fazer um balanço de tudo que aconteceu
comigo até o momento que entrei naquele quarto de hotel.
E cheguei à uma única conclusão: o direito que eu tenho de amar, não
me garante o direito de ser amada, e meu coração precisa aceitar esse fato se
não quiser ser estraçalhado de novo.
Homens como Gael são como artefatos da Primeira Guerra Mundial
encontrados recentemente, aqueles que uma mulher como eu pode admirar de
longe e se tiver muita sorte, até tocar uma vez ou outra, mas jamais poderá
chamar de seu.
O problema é que mesmo depois de toda dor e todo sofrimento que o
Arthur e o Danilo me causaram, continuo acreditando que, um dia, ainda vou
encontrar o meu artefato raro e viver o meu clichê.
E ele vai ser todinho meu.
CAPÍTULO 15
GAEL
Estou dentro do carro, no estacionamento da academia, há quase uma
hora esperando a Fernanda, exatamente como fiz desde que ela sumiu depois
de receber um telefonema da tia dela, na cantina. Aquela foi a primeira vez
que nos falamos fora da piscina e apesar de ter sido rápida e um tanto
superficial, a conversa com garota não sai da minha cabeça e me sinto
ansioso para uma segunda chance de conhecê-la um pouco mais.
É difícil de acreditar que estou mesmo agindo desse jeito, mas não
posso evitar. Preciso falar com ela o mais depressa possível ou vou acabar
enlouquecendo, e hoje é o último dia da semana que tenho para fazer isso
sem precisar tomar uma atitude drástica, ou seja, me mudar definitivamente
para o meu apartamento que fica no mesmo prédio que o dela.
Por enquanto, tenho passado algumas noites por lá, até levei uma
muda de roupas e comprei os eletrodomésticos que estavam faltando.
Claudio disse que estou exagerando e não devo me preocupar tanto,
pois a Fernanda é uma mulher adulta e sabe se virar, sem contar que ela não
está sozinha e os pais dela já provaram que não vão abandoná-la a própria
sorte no meio desse furacão.
Talvez meu amigo tenha razão, no entanto, é muito mais forte do que
eu. E a falta de notícias somada a essa angústia de não saber o que está
acontecendo, acabou influenciando diretamente no meu trabalho de uma
forma muito, muito ruim.
Não consigo me concentrar em nada que não esteja relacionado à
Fernanda Lombardi. É como se a minha cabeça estivesse presa ao meu corpo,
mas sem nenhuma conexão segura e saudável com ele. Uma verdadeira
bagunça mental que precisa de arrumação com urgência.
Meu telefone toca e o nome do Cícero surge na tela. Finalmente.
Atendo no segundo toque.
— Alô.
— Senhor Gael, elas acabaram de sair — ele sussurra.
— Tem certeza?
— Absoluta. A dona Fernanda deixou a chave aqui na portaria.
— Ela está com a tia?
— Está, eu vi as duas saindo juntas no carro da dona Tayane.
O relógio marca seis e cinquenta da manhã. Com certeza elas estão
vindo para a academia. É sexta-feira, a chuva não dá trégua e pelas
informações que tenho recebido do porteiro desde que estive no condomínio
no início da semana, Fernanda não saiu de casa nem para ir à padaria, o que
confirma que ela está de férias do trabalho como Claudio havia falado.
— Obrigado, Cícero.
— Por nada, senhor.
Pego minha mochila e faço meu caminho até a recepção com o
coração batendo mais rápido. Aceno para a nova recepcionista e sigo para o
vestiário. Termino de me trocar, tomo uma ducha rápida sentindo a ansiedade
aumentar a cada passo que dou na direção da piscina.
Nunca me senti assim e ainda não sei como lidar como essa euforia
confusa que irradia dentro de mim. A expectativa de reencontrar Fernanda é
difícil de ser explicada, então nem perco meu tempo tentando decifrá-la.
Tânia está encostada no balcão dos professores com algumas fichas na
mão. Vou até ela e paro à sua frente.
— Bom dia.
— Bom dia, Gael. Achei que não viesse hoje.
— Perdi a hora — minto descaradamente, pois hoje é o terceiro dia
que entro no segundo horário.
— Eu te entendo. Com essa chuvinha a cama parece mais tentadora do
que a piscina.
Eu assinto e ela sorri.
— Acho que vou ter aula particular — falo, pois não tem ninguém
nadando.
— Não me lembro qual foi a última vez que o horário da seis zerou.
— Pelo visto, o das sete não vai ser muito diferente.
— Já tem um aluno, então não vai zerar.
Tânia dá uma piscadela e olha para a porta.
Meu olhar segue o dela e fico sem ar quando vejo Fernanda vindo em
nossa direção com um lindo sorriso em seu rosto. O cabelo já está preso e ela
traz na mão a touca e os óculos.
— Bom dia. — Sua voz é doce, seus olhos passam pelos da professora
e param nos meus, que a fitam sem qualquer discrição.
— Bom dia, sumida. Pensei que tivesse desistido. — Tânia brinca.
— Eu... achei melhor dar um tempo depois do que aconteceu. —
Fernanda desvia o olhar para os próprios pés, constrangida.
— Besteira. Você não teve culpa. — A professora fala com firmeza.
Ela assente e pergunta, mudando de assunto:
— Vai ter aula?
— Claro, meus dois alunos preferidos vieram. Por que não ia ter?
Fernanda sorri e volta a me encarar. Sei que não falei nada até agora,
mas é impossível tirar meus olhos dela e elaborar alguma frase coerente ao
mesmo tempo.
— Vou pegar sua ficha nova na secretaria, Nanda. Mas já pode cair na
água. — Tânia toca meu braço e não tenho outra opção além de olhar para
ela. — Hoje o senhor pode escolher a raia que quiser e começar com
quinhentos metros, estilo livre. Eu já volto. Se comportem, crianças.
Quando a professora se afasta de nós, eu me aproximo da Fernanda.
— Você está bem? — pergunto preocupado.
Ela nega com um movimento leve de cabeça e fala:
— Não, mas vou ficar.
— Aquele dia na cantina, a sua tia ligou para falar que os repórteres
estavam na porta? — Minha voz é baixa e tranquila, o oposto de como me
sinto estando tão perto dela.
— Ela pediu para eu não sair.
— Por que não me contou? — indago, usando todo meu autocontrole
para não tocá-la.
— Por que eu deveria contar? — Fernanda balbucia, ofegante.
— Eu podia ter ajudado.
— Ninguém podia me ajudar, Gael. Ninguém pode — Ela dá uma
risadinha triste.
— Eu posso. É só me falar o que preciso fazer.
— Por que você se importa?
A maneira que nos encaramos, a confusão que Fernanda provoca nos
meus sentimentos e o significado da sua pergunta, despertam minha mente
para a nossa realidade. Ela e seu namoro com o Danilo, eu e meu noivado
com Penélope.
O golpe vem duro e certeiro.
— Porque sou seu amigo e é isso que os amigos fazem, não é?
Fernanda pisca rápido demais, muitas vezes, e por um segundo me
arrependo de ter falado o que falei, entretanto, o brilho decepcionado nos
olhos dela é um alerta de que é tarde demais para voltar atrás.
E ainda que a vontade de confortar Fernanda em meus braços seja
assustadoramente tentadora, sei que não posso ultrapassar qualquer limite
com ela. A obrigação de ajudá-la a sair dessa merda é minha, porque fui eu
quem a colocou lá, mas não posso esquecer o que nós dois passamos antes de
tudo acontecer.
— Obrigada, Gael, é muita gentileza sua. — Ela enfia a touca na
cabeça e dá um sorriso que não chega aos olhos. — E para oficializar a nossa
amizade, vou ficar com a primeira raia. — Dá uma piscada, coloca os óculos
e entra na piscina.
Não conheço a Fernanda muito bem e também não somos amigos de
longa data ou qualquer coisa parecida, mas ela é uma das pessoas mais fáceis
de se ler e sei que está se esforçando para esconder sua tristeza.
Cacete!
Está na cara que não sou o único afetado por essa atração maluca e
perturbadora entre nós. Fernanda parece tão afetada quanto eu e já não sei
mais se isso é bom ou malditamente ruim. Há três meses descobrimos que
fomos traídos pelas pessoas que amamos e confiamos, o que torna impossível
que role qualquer coisa entre nós além de amizade.
Muito menos sexo casual, ainda que meu corpo implore por isso vinte
e quatro horas por dia.
Droga. Preciso transar.
Tânia já está de volta e me encara com a testa franzida. De certo
estranhando que eu ainda esteja parado no mesmo lugar como uma estátua,
contudo, meus pensamentos vagam para longe enquanto eu me pergunto até
quando a presença da Fernanda Lombardi vai continuar interferindo na minha
capacidade de raciocinar com clareza, sem imaginar que essa resposta está
bem debaixo do meu nariz.
Mas só vou enxergá-la quando for tarde demais.
◆◆◆

Tomo um banho rápido sem me preocupar em colocar a gravata.


Fernanda nadou na raia ao lado da minha, mas me evitou durante a aula
inteira e saiu da piscina antes de mim, como se estivesse fugindo. E no fundo,
sei que era exatamente isso que ela estava fazendo. O que me deixou um
pouco mais confuso.
Ignorando os olhares das alunas e funcionárias que transitam pelo
corredor, encosto na parede em frente ao vestiário feminino e espero. Mais
cedo ou mais tarde, Fernanda vai ter que sair e não me importo se terei que
ficar aqui por algumas horas, mas não pretendo ir embora sem falar com ela.
Para a minha surpresa, depois de dez minutos a porta se abre e
Fernanda sai, porém estaca no lugar assim que me vê. Ela está mais linda do
que nunca o que transforma a missão de não a devorar com os olhos
humanamente impossível.
Seu cabelo está úmido e solto. Ela veste uma calça jeans justa que
marca o contorno perfeito das coxas grossas e da cintura fina. A camisa
branca de manga comprida e um pouco transparente, parece ter sido feita sob
medida para auxiliar o sutiã da mesma cor a amparar os seios fartos que me
deixam com água na boca. Nos pés, um par de sapatos de salto alto preto para
combinar com a mochila e a armação dos óculos de grau, que ocupam grande
parte do seu rosto.
Nada de maquiagem. Simples. Elegante. Discreta.
Eu me arrisco a dizer, perfeita.
Meu olhar encontra o seu depois de inspecionar seu corpo dos pés à
cabeça. Talvez eu devesse me sentir envergonhado por não conseguir
disfarçar minha admiração e o desejo que sinto por ela, no entanto, a maneira
que sua boca se entreabre e seus olhos brilham com a mesma luxúria
estampada neles, me absolvem da culpa de fantasiar as coisas mais obscenas
com essa garota nua e à minha inteira disposição entre quatro paredes por
uma noite inteira.
— Gael — Fernanda sussurra meu nome, ofegante. — O que está
fazendo aqui?
— Esperando você. — Me aproximo dela e sem dizer nada, tiro a
mochila do seu ombro e a coloco sobre o meu.
Ela franze a testa.
— Me esperando?
Ajeito a minha mochila no outro ombro e seguro sua mão.
— Estou morrendo de fome e pensei que você gostaria de dividir
comigo um café da manhã reforçado.
— Não estou com fome — Fernanda tenta soltar minha mão, mas não
permito.
Paro à sua frente e a encaro.
— Pensei que fosse minha amiga — falo em tom de desafio.
— Eu sou sua amiga. — Sua voz é suave e seu olhar é intenso.
— Então qual o problema de dividir um café comigo?
— Nenhum... — Ela quebra o contato visual e fita o chão entre nós.
Seguro seu queixo com o indicador e levanto sua cabeça. Fernanda
inspira profundamente e abre os olhos.
— Eu só quero a sua companhia por alguns minutos — admito.
— Por que eu, Gael? — Fernanda questiona e fico sem entender o
sentido da pergunta. Ela nota e completa: — Você pode convidar qualquer
mulher da academia. Por que eu?
— Porque eu gostei da nossa conversa e quero te conhecer melhor.
Fernanda analisa meu rosto e estreita os olhos.
— Então você quer mesmo ser meu amigo. — Agora não é um
questionamento e sim uma afirmação, no entanto, falo como se estivesse
respondendo.
— Eu quero mesmo ser seu amigo, Fernanda, mas vou entender se
você não quiser ser minha amiga.
Ela me encara com seus olhos caramelos por mais alguns segundos,
meu coração acelera em expectativa. Ansioso para saber sua decisão.
— Eu aceito ser sua amiga. — Fernanda sorri e dessa vez seu sorriso é
amplo e sincero. — Mas você paga.
— Você me disse que não estava com fome — provoco sem esconder
o divertimento.
— Bom, isso já faz parte do passado. E meu primeiro conselho como
sua mais nova amiga é: Esqueça o que passou, viva o momento e não adiante
o futuro.
Sorrio também sem me dar conta de que ainda estou sorrindo quando
chegamos à cantina da academia e, por agora, decido aceitar o conselho que a
Fernanda me deu e esquecer o passado, ou melhor, quem somos e o
verdadeiro motivo de estarmos aqui.
O problema é que a cada minuto que passo ao lado dela, mais desejo o
que não posso ter.
CAPÍTULO 16
GAEL
— A Leona está aqui para falar com você — Ruth fala entrando no
meu escritório e me entrega dois relatórios que precisam ser assinados.
— Ela disse qual é o assunto?
— Não, mas acredito que tem alguma coisa a ver com a seleção de
amanhã.
Confiro os dados e assino as quatro folhas antes de devolvê-las para a
minha secretária.
— O Claudio já chegou?
— Está na sala dele.
— Peça para ele vir aqui e marque um horário com a Leona depois da
reunião com o pessoal da informática.
— Pode deixar.
Ruth sai do escritório e agradeço o breve minuto de solidão. Está
quase na hora do almoço e não parei desde que coloquei meus pés na
empresa. Todos estão trabalhando duro para que o lançamento da nova linha
de cosméticos seja um sucesso, mas nem toda a correria e o excesso de
trabalho distrai minha mente da mulher que está confundindo meus
sentimentos e o pior, atiçando meu corpo como nenhuma outra.
Começo a me arrepender de ter insistido para Fernanda aceitar meu
convite e dividir o café da manhã comigo. O que era para ser apenas uma
interação frívola se transformou em uma conversa íntima e muito reveladora
sobre a filha de Marcos Lombardi.
Fernanda é o tipo de mulher que cativa sem ao menos perceber o
quanto é linda e honesta. As palavras escapam da sua boca carnuda, que por
dezenas de vezes imaginei em volta do meu pau, tão espontaneamente que
fica impossível de não querer descobrir todos os seus segredos e realizar
todas as suas fantasias mais devassas.
Merda.
A companhia da Fernanda e a falta de sexo estão me matando aos
poucos, lentamente. Estou vendo a hora que meu corpo vai exigir mais prazer
do que a minha mão pode oferecer e ainda não sei o que devo fazer quando
isso acontecer, pois temo que não vai demorar.
Claudio entra sem bater e me encara com o cenho enrugado.
— Que cara é essa?
— Bom dia — falo com sarcasmo.
— Pode ser bom dia para mim, mas pelo jeito não está sendo bom
para você.
— Encontrei a Fernanda na academia — digo sem rodeios. Claudio é
o único amigo que confio plenamente para falar sobre esse assunto. Nem
mesmo com meus avós me sinto à vontade para compartilhar essa algazarra
que a garota está causando na minha vida.
— Falou com ela? — Meu amigo se senta à minha frente.
— Nós tomamos café juntos.
— Outro encontro casual?
— Não, eu convidei.
— Quer me explicar melhor? Acho que perdi alguma coisa.
Conto para ele tudo que aconteceu desde que a Fernanda entrou na
piscina e depois do meu relato Claudio me encara como se eu fosse um
ciclope.
— Deixa ver se eu entendi direito. A Fernanda te ignorou durante a
aula e saiu da piscina sem se despedir depois que você disse que era “amigo”
dela. Então você ficou plantado na porta do vestiário feminino e pediu para
ela dividir um café da manhã. É isso mesmo?
— Por que você faz parecer tão inconcebível? — retruco um tanto
irritado.
— Talvez porque estou enxergando coisas que você se recusa a
enxergar.
— Se importa de compartilhar comigo? Sinceramente não consigo
entender o que fiz de tão grave.
— Eu posso listar se você quiser. — Claudio diz com ironia e recosta
na cadeira.
— Por favor, estou ouvindo. — Faço o mesmo sem disfarçar o quanto
sua acusação me enraivece.
Claudio dá um sorriso debochado e passa a mão pelo cabelo.
— Primeiro. — Ele ergue o indicador. — Você não precisa fingir que
é amigo dela para ajudá-la de qualquer forma. Segundo. — Ergue o dedo
médio. — Você e a Fernanda foram traídos, estão vulneráveis e carentes. Se
continuar insistindo nisso, quanto tempo acha que vai demorar para essa...
amizade entre vocês evoluir para uma noite de sexo, quem sabe duas ou três?
O que para você, meu amigo, pode ser um ótimo passatempo e até servir
como uma válvula de escape para não cair em tentação e aceitar a mulher que
você realmente ama de volta, depois de ela ter te traído. Mas não se esqueça
que ao contrário de nós, a Fernanda não sabe quem você é, nem o motivo que
te levou a se aproximar dela e as chances de ela se apaixonar pelo cara que
jogou a vida dela na sarjeta para salvar os negócios da família dele, são
grandes, Gael.
Claudio inclina o corpo para frente e ergue o anelar, sem desviar seus
olhos dos meus.
— Terceiro e mais importante. Você está pronto para quebrar essa
garota por causa de algumas trepadas, sendo que tem dezenas de mulheres
mais experientes e dispostas a sentar no seu pau por uma noite sem criar
qualquer expectativa na manhã seguinte? — Ele dá de ombros. — Eu entendo
que a Fernanda é linda, gostosa e tem tudo que você admira em uma mulher.
Mas se quiser o meu apoio nessa história, conta a verdade. Abre o jogo com a
Fernanda e deixa ela decidir se quer ou não, ser a amiga de foda do ex-noivo
da mulher que destruiu o namoro dela. Caso contrário, não conte comigo para
te consolar quando você cair na real e aceitar que ainda ama a Penélope e a
Fernanda não passou de uma agradável distração para o seu período de
negação.
— E se a Fernanda for mais do que uma distração? — pergunto
apoiando os cotovelos em cima da mesa.
— Está me dizendo que gosta dela?
— Não acho que seja amor, mas também não acho que seja apenas
atração física — admito a verdade tanto para ele quanto para mim.
Claudio investiga minha expressão, provavelmente à procura de algum
sinal de que eu esteja mentindo, apesar de me conhecer há muito tempo para
saber que não costumo mentir se não for extremamente necessário.
— Gael, por mais que a Fernanda tenha mexido com você. Como quer
que eu acredite que gosta dela se não faz nem uma semana que vocês se
conhecem?
— Se eu tivesse todas as respostas não estaria me sentindo assim. —
respondo e me levanto, incapaz de permanecer sentado.
Paro de frente para a janela e enfio as mãos nos bolsos da calça,
torcendo para que a vista da cidade de São Paulo se prontifique a realinhar
meus pensamentos. Claudio também fica em pé e se posiciona ao meu lado.
— E como você está se sentindo, Gael? — Sua voz é mais branda.
— Confuso pra cacete. — Três palavras que definem o turbilhão
emocional que vem me atormentando mais e mais a cada dia que passa.
— Tem certeza que não está nessa só para esquecer a Penélope?
Eu rio, amargurado.
— Sabe quantas vezes pensei nela desde que falei com a Fernanda na
academia pela primeira vez? — inquiro, no entanto, não espero sua resposta.
— Nenhuma. Para ser sincero, acho que nem estou mais com raiva dela.
— Você sabe que eu nunca acreditei nessas merdas de amor à primeira
vista, cara. Me desculpa, mas não sei o que pensar.
— Eu me afastaria dela se pudesse.
— Você pode, só não quer.
— Não quero — concordo, exausto demais para discordar.
— O que vai fazer quando acordar na cama da Fernanda ou ela
acordar na sua?
Nego balançando a cabeça, determinado a não ultrapassar os limites
que estipulei para nós.
— Não vou fazer nada, porque não vou transar com ela.
Sinto o olhar de Claudio sem precisar virar a cabeça na sua direção.
— Sério?
— Sério.
— E como pretende se segurar?
— Ainda não sei, mas vou dar um jeito de não estragar tudo.
— Só tem um jeito, cara.
Nesse momento eu encaro meu amigo, que está sorrindo de lado.
— Estou ouvindo — falo sem humor.
— Encontre uma mulher para cuidar do seu pau enquanto você não
descobre o que sente pela Fernanda. Só assim vai aguentar ficar perto dela
sem pensar em trepar a cada cinco minutos.
Desvio o olhar e volto a admirar a vista digerindo a sugestão do
Claudio. Talvez passar um tempo na cama com uma desconhecida seja a
única saída para não ferrar as coisas, ao menos até eu conseguir entender o
que significa esse sentimento que a Fernanda desperta em mim.
Claudio me deixa sozinho minutos mais tarde. Almoço no escritório
mesmo e ocupo minha mente durante as duas reuniões da tarde. A primeira
com o diretor do departamento jurídico e a segunda com a equipe de
informática.
São quase seis da tarde, o expediente já chegou ao fim, e estou
sozinho na sala de reuniões fazendo as últimas anotações para discutir com o
meu avô, amanhã depois do nosso almoço. Estranho quando alguém bate na
porta, pois o escritório já devia estar vazio.
— Está aberta — falo alto sem me dar o trabalho de ser educado.
— Tem um tempinho para mim? — Leona pergunta colocando a
cabeça para dentro.
Fecho os olhos e faço uma careta.
— Desculpa, esqueci completamente que você queria falar comigo.
Ela entra me dando ampla visão do seu corpo gostoso. A saia creme
que chega um pouco acima dos joelhos é justa e contrasta com o laranja da
blusa de seda cheia de babados e sua pele negra. O cabelo encaracolado está
solto, o batom alaranjado realça os lábios carnudos e o salto alto da cor da
blusa evidencia seu gosto refinado e chamativo.
Leona coloca sua pasta e bolsa em cima da mesa retangular para
quinze pessoas antes de apoiar a bunda empinada na beirada, ao meu lado, e
mais perto do que faria se não estivéssemos sozinhos.
— Estou te atrapalhando? — Sua voz é melosa.
— Não, só estava revisando a pauta da última reunião. — Apoio os
cotovelos nos braços da cadeira e a encaro, realmente a encaro. — O que
você precisa?
Ela desliza a língua entre os lábios e prende uma mecha de cabelo
atrás da orelha.
— Meu carro quebrou e só vai ficar pronto amanhã depois do almoço.
Preciso de uma carona até o estúdio onde vamos fazer a seleção da modelo,
mas não quero causar nenhum problema para você.
— Não vai causar problema nenhum. Passo na sua casa às nove em
ponto.
— Obrigada.
— Disponha.
Leona sorri, no entanto, não se move.
— Pensei que a sua noiva fosse uma mulher ciumenta — ela fala e
arrasta a bunda sobre o mogno se aproximando um pouco mais de mim.
As palavras do Claudio retumbam na minha cabeça quando o perfume
da diretora de marketing invade minhas narinas e me pego comparando a
fragrância exageradamente adocicada com o cheiro de verão e fim de tarde na
praia, tão peculiar da Fernanda.
Merda, não posso ultrapassar os limites.
Esse pensamento é determinante para que eu dê o primeiro passo na
direção que minha mente aponta, contrariando a indicação do meu corpo e do
meu coração.
Relaxo o corpo na cadeira e estico as pernas abertas.
— Pensei que soubesse que não estou mais noivo.
Leona leva poucos segundos para entender o recado. Seus olhos
ganham um brilho diferente e seu sorriso agora é típico de uma predadora.
— Eu gostaria de dizer que sinto muito por isso, mas não sou
mentirosa.
— Bom para mim, eu suponho. — Seguro meu pau por cima da calça,
retribuindo o sorriso e lhe dando carta branca para avançar.
Leona não se faz de rogada e pergunta:
— Se quiser ajuda para aliviar a tensão é só me pedir, Gael. Estou
disponível para fazer algumas horas extras.
— Não sei se você pode me dar o que estou precisando — desafio.
— Eu posso dar o que quiser, chefe.
— Tem certeza? — provoco.
— Absoluta.
Ela se encaixa entre as minhas pernas e abaixa a cabeça para me
beijar, mas antes que seus lábios toquem os meus, sussurro em seu ouvido:
— O único lugar que você vai ter a sua boca é no meu pau, querida.
Seu corpo tenciona, mas ela não se afasta.
Há muito tempo Leona se insinua e eu finjo que não percebo. Hoje é
diferente, porém não significa que teremos qualquer merda além de sexo e
nada melhor do que usar a sinceridade para esclarecer como as coisas vão
funcionar entre nós.
— Tudo que eu preciso é de uma boa foda. — Sigo sussurrando em
seu ouvido e aproveito para deslizar a mão por baixo da sua saia até alcançar
a virilha. — Sem beijos. Sem romance. Sem flores ou compromisso. —
Esfrego meu polegar na sua boceta sobre o tecido de renda, que umedece ao
meu toque áspero. — A decisão é sua, mas não esqueça que a única coisa que
você vai ter é o meu pau te fodendo duro. Nada mais do que isso.
Ela geme e se contorce, porém não me dá uma resposta. Recolho a
mão e rosno sem qualquer gentileza:
— Ou se ajoelha e mostrar o que sabe fazer com a boca, ou vai
embora. Não tenho tempo para essa merda.
Ao contrário do que pensei que Leona faria, ela cai de joelhos,
desafivela o cinto, desabotoa minha calça e abre o zíper. Segura meu pau e
faz exatamente o que mandei. Agarro seu cabelo com força para foder sua
boca com estocadas violentas, e enquanto meu corpo se entrega ao prazer eu
finjo que aos meus pés está a garota de cabelos castanhos e olhos
caramelados.
Nanda.
E no segundo seguinte, eu gozo.
CAPÍTULO 17
FERNANDA
Acordo mais cansada do que estava ontem à noite e me forço a sair da
cama. Encaro meu reflexo no espelho na tentativa de enxergar a mulher que
eu costumava ser, mas o que vejo é um monte de cabelo marrom
desgrenhado, olheiras profundas e uma pessoa apática, abatida.
Ficar em casa sem trabalhar está acabando comigo. Passo a maior
parte do tempo na frente da televisão mudando de canal em busca de algum
programa que me distraia, no entanto, tudo que encontro são pessoas
desconhecidas discutindo sobre a minha vida e falando de mim como se me
conhecessem intimamente.
Está na hora de mudar isso e reverter o jogo.
Tomo um banho demorado, visto uma calça jeans e uma blusa preta de
manga comprida. Calço minhas botas preferidas, escovo o cabelo, passo uma
base para disfarçar as marcas arroxeadas ao redor dos olhos e coloco os
óculos, antes de deixar meu quarto.
Encontro um bilhete da Tayane na porta da geladeira avisando que ela
foi para casa e mais tarde vai passar aqui para jantarmos juntas. Ontem à
noite, garanti que ficaria o dia todo em casa, mas estou farta de me esconder e
assistir minha vida passar como se eu fosse uma mera expectadora.
Pego a bolsa, chave do carro e me arrependo quando desbloqueio o
celular para ler a mensagem que Arthur me enviou.

Não tenho pressa. Posso esperar o tempo que for preciso, mas você
vai voltar para mim. Quer jantar comigo? Saudade.

Minha vontade é de xingar o cara por quem fui apaixonada por muito
tempo, mas acabo rindo porque Arthur nunca vai mudar, e enquanto não
conseguir o que quer não vai parar de tentar até entender que destruiu tudo
que existia entre nós quando me traiu.
Tranco a porta e sigo para o elevador, ansiosa e com medo do que
pode acontecer caso alguém me reconheça. No entanto, quando as portas da
caixa metálica se abrem, paraliso ao ver o casal abraçado.
O homem franze a testa e estreita os olhos quando me vê.
— Fernanda? — ele fala como se estivesse surpreso por me encontrar,
mas alguma coisa em seu olhar me diz o contrário.
— Gael. — Submeto minha voz a sair firme e abro um sorriso cínico.
Encaro a mulher linda que, diferente de mim, sorri com sinceridade.
— Leona, muito prazer — ela diz com satisfação, e pela sua aparência
ruborizada não duvido que realmente esteja satisfeita.
Assim como o cabelo do Gael e o meu, o dela também está molhado,
mas é o brilho em seu olhar que anuncia aos quatro ventos tudo que preciso
saber sobre o que eles fizeram durante o banho, mesmo que eu não tenha
nenhum interesse de saber qualquer coisa.
Entro no elevador e giro o corpo, ficando de costas para eles. Fecho os
olhos me recriminando duramente por permitir que esse encontro inesperado
me consterne de forma tão brutal. Odeio me sentir assim.
— O que está fazendo aqui, Nanda? — A voz grossa e rouca
interrompe minha autocensura.
Dou uma espiada por sobre o ombro e respondo friamente:
— Eu moro aqui.
Leona dá uma risada estridente e acaricia o rosto de Gael com as
costas da mão. O gesto é de uma simplicidade absurda e mostra o quanto são
íntimos. Não que isso seja errado ou me incomode, mas me sinto uma
completa idiota por ter acreditado em tudo ele me contou.
Em nossa conversa na academia, ontem de manhã, Gael me disse que
tinha acabado de sair de um relacionamento de muitos anos e não estava
envolvido com ninguém, tampouco à procura de uma namorada para
substituir sua ex. O que está claro como água da fonte que é uma grande
mentira.
— Vocês se conhecem e não sabem que moram no mesmo prédio? —
Leona pergunta com exagerada animação.
Agora sou eu quem franze a testa e encaro Gael, que está nitidamente
sem graça por conta do comentário zombeteiro da sua acompanhante,
namorada ou sei lá o que, mas não me importo.
— Você mora aqui? — inquiro sem acreditar que isso seja possível.
— Mudei essa semana. Eu te falei que vendi minha casa e comprei um
apartamento menor, lembra? — explica como se eu fosse uma criança.
Ficamos nos encarando por alguns segundos até que a campainha do
elevador toca indicando que chegamos ao piso térreo. Gael estende o braço
para segurar a porta aberta, sua namorada passa por mim e sai primeiro. Ele
acena com a cabeça indicando para que eu saia em seguida, mas dou um
passo para trás e falo:
— Esqueci minha carteira. Tenho que voltar em casa para buscar.
— Qual o número do seu apartamento? — Gael pergunta ignorando
Leona que está com os braços cruzados e bate o pé no chão, impaciente.
— Por que quer saber?
— Porque você é minha amiga, lembra?
Ele ergue uma sobrancelha. Estreito os olhos, irritada.
— 501 — respondo e aperto o número cinco no painel para que ele
entenda que estou com pressa.
— Não vai perguntar qual é o meu?
Tenho a ligeira impressão que Gael está brincando comigo, no
entanto, não estou no clima para brincadeiras.
— Não.
Gael substitui sua mão pelo ombro quando se encosta na porta e enfia
as mãos no bolso, segurando o elevador parado.
— Por quê?
— Porque não pretendo fazer uma visita.
— Está com medo?
— O que? — balbucio e ando para trás até minhas costas encontrarem
a parede metalizada. Preciso de um apoio para não correr o risco de me
estatelar no chão.
Seu sorriso gentil é substituído por um sacana.
— Está com medo de aparecer no meu apartamento, Nanda?
Hesito, mas me recupero a tempo.
— Não, claro que não.
— Tem certeza? — Há um desafio explícito em seu olhar e já não sei
se Gael está brincando, provocando, desafiando ou apenas me testando.
— Absoluta.
Então tudo faz sentido.
Claro que o Gael não está interessado em mim como minha tia
afirmou que ele estava e, no fundo, eu também pensei que estivesse. Mas
basta olhar para a linda mulher que passou a noite com ele e prestar atenção
às suas perguntas para entender o que está acontecendo.
De fato, Gael me contou que morava com a noiva desde o início do
namoro e após a separação, decidiu vender a casa e se mudar para um
apartamento. Coincidências a parte, Gael só está preocupado com o futuro da
nossa amizade agora que descobriu que somos vizinhos.
Por isso, antes que ele abra a boca, lhe ofereço um sorriso e falo sem
titubear:
— Vamos combinar o seguinte: quando você quiser aparecer no meu
apartamento ou eu quiser aparecer no seu, a gente manda uma mensagem
antes para avisar. Assim evitamos situações constrangedoras.
Meu sorriso diminui quando Gael faz que não com a cabeça.
— Nada disso, amigos não precisam avisar nada.
— Sou sua amiga, não uma empata foda.
— O que você quer dizer? — Gael indaga me deixando nervosa.
Ele continua segurando a porta do elevador e por cima do seu ombro
vejo o Zé, zelador do prédio, vindo em nossa direção. Certamente para dar
uma bela bronca no novo morador.
— Quero dizer exatamente isso. Já pensou se eu tivesse aparecido na
sua porta ontem à noite sem avisar?
— Qual o problema?
— Como assim, qual o problema? A sua namorada estava lá e com
certeza não ia gostar, Gael!
— Ela não é minha namorada.
— Que diferença faz? — esbravejo entre os dentes.
— Faz toda diferença, Nanda, porque não tenho namorada.
— Eu nem sei porque a gente está discutindo sobre isso — digo num
misto de raiva e impaciência. — Não vai ser nada legal se eu aparecer na sua
casa quando você estiver com uma mulher, ou você aparecer na minha
quando eu estiver com um cara.
Meu olhar reveza entre o homem lindo à minha frente e o zelador, que
parou no hall para falar com Leona. Estou tão distraída que não percebo
quando Gael libera a porta, mas em vez de sair e se juntar a sua sei lá o que,
ele entra no elevador e me cerca com seus braços.
Engulo em seco, sem reação. O corpo alto e forte parece muito maior
assim tão perto e seu cheiro me deixa mais embriagada que tequila.
— Você está saindo com alguém? — Sua voz é áspera, baixa,
ameaçadora. Seus olhos azuis fuzilam os meus, intimidantes. E se o aroma
entorpecente que emana dele não fosse o bastante para me deixar zonza, seu
hálito que é uma mistura de menta e café, tão impróprio quanto seu perfume,
se certifica de terminar o serviço.
— O que? — murmuro, patética, mal conseguindo respirar.
— Não gosto da ideia de chegar na sua casa e encontrar você com um
cara. — Ele enfatiza a última palavra parecendo zangado.
A campainha do elevador toca de novo, as portas se abrem e eu
finalmente desperto para a vida.
Quem o Gael pensa que é para me falar uma coisa dessas sendo que
tem uma mulher linda lá no térreo esperando por ele?
Não sei explicar o que estou sentindo e talvez seja melhor para a
minha sanidade nem pensar muito sobre isso, no entanto, não são os meus
sentimentos divergentes que me apavoram, mas a intensidade com que Gael
olha para mim nesse exato momento.
Como se ele estivesse com... ciúme, talvez?
Mas não pode ser, óbvio que não.
E tanto quanto não quero saber ou tentar entender porque estou me
sentindo quente, ou melhor, fervendo, por causa da nossa proximidade,
também não estou preparada para descobrir o que a reação dele significa de
fato.
Então, o mais depressa que consigo, dobro os joelhos e escapo do seu
domínio passando por baixo do seu braço. Gael ainda tenta me impedir de
sair do elevador, mas não consegue. Quando as portas começam a se fechar,
olho diretamente para ele e falo sarcasticamente:
— Qual o problema de encontrar um cara no meu apartamento, Gael.
Você é meu amigo, lembra?
Tenho absoluta certeza que se o olhar dele fosse fogo, eu seria um
amontoado de cinzas. Meu coração pulsa forte na garganta quando entro no
meu apartamento e me jogo no sofá.
Fecho os olhos, apoio a cabeça no encosto do estofado e puxo várias
longas respirações, mas em vez de me acalmar tudo que consigo é ficar ainda
mais agitada, ansiosa e muito, muito excitada.
Santo Deus, que merda foi essa que acabou de acontecer?
CAPÍTULO 18
GAEL
— Qual o problema de encontrar um cara no meu apartamento, Gael.
Você é meu amigo, lembra? — Fernanda fala com um sorriso safado, tão
cínica e malditamente linda.
As portas do elevador se fecham em câmera lenta, mas não movo um
músculo. Estou completamente desorientado e isso me deixa ainda mais
aturdido. Encosto na parede, passo as mãos pelo cabelo, esfrego os olhos,
soco o metal com o punho fechado uma, duas, três vezes. Merda!
Mil vezes merda!
Essa mulher está me transformando em um homem que não sou e nem
quero ser. Perco o controle quando ela está perto e ela nunca esteve tão perto
como agora. Deus! O cheiro dela, seu olhar de gatinha assustada quando a
encurralei como um felino selvagem e faminto, seu jeito atrevido, o desejo de
beijar sua boca e levá-la duro é tão surreal que beira a insanidade, e me
fermenta por inteiro de uma forma irracional.
O toque irritante do elevador soa, ajeito meu pau duro e endireito os
ombros. Não é possível sentir tanto tesão por uma mulher que sequer beijei,
depois de transar com outra por horas a fio.
Isso não deveria acontecer já que o intuito de passar a noite com
Leona foi justamente suportar a presença da Fernanda sem ferrar tudo.
Mas que inferno.
Preciso recuperar o controle e o bom senso. Inspiro, expiro e saio para
o hall onde encontro Leona conversando com o Zé, que faz uma careta ao me
ver.
— Bom dia, Gael.
— Bom dia.
Faço um maneio com a cabeça e indico a saída para a diretora de
marketing, que também não está com a cara muito boa.
— Não é permitido ficar segurando o elevador. — A voz do zelador
atrás de mim é repreensiva. Eu giro e o encaro. — O síndico é um aposentado
que fica o dia inteiro olhando as câmeras. — Ele aponta para a caixinha preta
instalada no teto. — Você deve receber uma advertência ainda hoje e se
acontecer de novo vai ser multado.
As palavras estão na ponta da língua assim como os xingamentos, mas
não falo nada e saio andando com Leona em meu encalço. O apartamento é
meu, pago as contas em dia e quero que o síndico se dane.
Contudo, além de ter consciência de que estou errado, estou atordoado
demais para começar uma discussão desnecessária com o portador da notícia.
Então prefiro guardar minha energia para o momento certo e gastá-la com a
pessoa que merece ouvir tudo que eu tenho a dizer sobre essa porcaria.
— O que foi aquilo, Gael? — Leona pergunta logo que chegamos ao
meu carro, estacionado em frente ao prédio, me resgatando dos infinitos
devaneios enervantes.
— Do que está falando? — indago dissimuladamente, pois sei que ela
se refere à minha interação com a moradora do apartamento 501.
Leona põe as mãos na cintura e sorri com arrogância.
— Eu sei que é só sexo, mas...
Ela se cala no segundo que avanço um passo fechando a distância
entre nós, coloco o indicador em riste sobre seus lábios e aproximo os meus
do seu ouvido.
— Não existe, “mas”, querida. Ontem à noite deixei bem claro o que
eu queria de você e o que você teria de mim — sibilo entre os dentes
cerrados, sem tocá-la. — Passamos a noite juntos, trepamos, foi bom, fim.
Sem perguntas, sem insinuações. Não quero ouvir nenhum comentário sobre
o que aconteceu e vou ficar muito desapontado se não cumprir com a sua
parte no nosso acordo. Confiei em você porque acredito que seja uma mulher
adulta, bem-resolvida e inteligente para saber que uma noite de sexo não vai
mudar absolutamente nada entre nós, nem dentro da empresa nem fora dela.
Não me decepcione, Leona.
Eu me afasto um pouco mais calmo, embora ainda ferva por dentro.
Ela está de olhos fechados, respirando com dificuldade e posso apostar
que está excitada. A mulher é um furacão na cama e adora ser submetida,
porém não estamos mais no mesmo jogo e não vou permitir que se ache no
direito de me questionar sobre o que faço ou deixo de fazer, muito menos se
tratando da Fernanda.
Espero pacientemente Leona se recuperar e me encarar.
— Estamos entendidos? — pergunto sem qualquer emoção.
A diretora de marketing assente de queixo erguido, abro a porta do
carro para que ela entre e ocupo meu lugar no banco do motorista.
— Dentro do porta-luvas tem uma pasta com as fotos das modelos que
foram selecionadas na primeira fase. Por que não olha e me diz qual delas
tem a cara do nosso produto? — falo enquanto dirijo até o Studio Best Click,
que fica na Avenida Paulista.
— Você já tem alguma preferência? — Leona faz o que mandei e
começa a analisar as quinze fotografias. Sua postura é séria e profissional.
Ótimo, penso. Ela entendeu o recado.
— Tenho, mas quero a sua opinião.
A maior parte do percurso é feita em silêncio. Leona faz uma pergunta
ou outra sobre as candidatas e eu respondo sem muito interesse, já que a
minha mente não desliga do meu último encontro com a Fernanda, dentro
daquele maldito elevador.
Depois do boquete de Leona na sala de reuniões, ela se ofereceu para
ir à minha casa. Por um instante pensei em recusar a oferta, mas novamente
as palavras do Claudio vieram à tona e acabei concordando.
Porém, em vez de ir para o lugar que dividia com Penélope, decidi
levar Leona para o apartamento, mas jamais imaginei que fosse encontrar a
Fernanda àquela hora da manhã, em pleno sábado.
Se o Cícero estivesse trabalhando, com certeza ele teria me avisado
sobre a saída da Fernanda — como fez durante toda a semana — e eu, com
certeza não entraria no elevador até me certificar de que não havia nenhuma
chance de cruzar com ela no meio do caminho.
Mas o turno dele encerra às sete da manhã e o Zé nem sonha que o
porteiro da noite está recebendo um bom dinheiro para me passar
informações sobre a moradora do 501.
Confesso que levei Leona para lá, torcendo para ser visto por outros
moradores e até mesmo pela Tayane. No fundo eu queria que, de alguma
forma, Fernanda soubesse que há outras mulheres na minha cama enquanto
ela é apenas uma amiga.
O problema é que quando as portas do elevador se abriram e nossos
olhares se encontraram, eu só conseguia pensar em uma maneira de explicar
para ela que a mulher ao meu lado não significava nada para mim, além de
uma foda casual. Já que era impossível tentar esconder ou desmentir que
Leona e eu tínhamos passado a noite juntos.
E então toda a confusão na minha cabeça, que parecia ter sido
esclarecida quando deixei Leona me chupar, voltou ainda mais impetuosa.
Sei que preciso recuperar meu autocontrole e parar de agir como um
maníaco surtado quando estou com a Fernanda. Juro que estou tentando, mas
parece que está ficando cada vez mais difícil refrear a intensidade de toda
essa merda que ela provoca em mim com um simples olhar caramelizado ou
um dos seus lindos sorrisos.
Prova disso foi o tamanho do estrago que a sua pergunta provocativa
causou no meu cérebro, no meu corpo e no meu coração, e só de imaginar
Fernanda nos braços de outro homem, estremeço dos pés à cabeça, aperto o
volante com força desmedida e trinco os dentes.
Não tenho a menor ideia do que faria se um dia eu aparecesse no
apartamento dela e um idiota abrisse a porta para mim usando apenas uma
cueca samba canção. Na verdade, o pensamento me enoja e enfurece na
mesma proporção.
Entro no estacionamento do Studio, faço uma manobra rápida na vaga
e desligo o carro.
— Eu gosto dessas duas — Leona me entrega as fotografias das suas
escolhidas. — Temos o mesmo gosto?
Uma das modelos é loira e a outra é negra. São realmente lindas e
fotogênicas, mas nenhuma delas combina com a nova linha, ao menos sob o
meu ponto de vista. Devolvo para ela e abro a porta.
— Não.
— Qual delas você gosta?
Encaro o envelope em sua mão e subo meu olhar até o dela.
— Lembra da reunião que tivemos com os diretores de todos os
setores para definir o produto que seria o carro chefe e o nome da nova linha,
a um ano atrás?
— Lembro, foi a primeira que seu avô não participou.
Assinto, ela só esqueceu de dizer que também foi a primeira reunião
que presidi sozinho na Gallengher Cosméticos e apresentei todas as ideias
para esse lançamento que, aliás, foram aprovadas com unanimidade porque
eram muito boas.
— Lembra o que falei sobre a principal característica que os produtos
dessa linha deveriam ter?
Um vinco de pele se forma no centro da testa da Leona, entre os olhos,
seus lábios esticam para o lado indicando que ela está em dúvida.
— A Fíor [1]não tem esse nome por acaso — falo com convicção, pois
essa é a minha criação. — Não estamos falando de sofisticação, de
maquiagem de cores berrantes ou adstringentes que deixam a pele brilhante
se você usar um lenço umedecido especial. É uma linha de cosméticos para a
dona de casa, a mãe de gêmeos, a professora da rede pública, a manicure, a
motorista de Uber. Mulheres reais que cuidam da casa, dos filhos, do marido.
Mulheres que não se vestem com roupas de grife no dia a dia e trabalham
duro para colocar comida na mesa. A Fíor é para as mulheres que querem
cuidar da pele para se sentirem bonitas sem pagar uma fortuna por 30mg de
demaquilante que vai durar duas semanas.
Aponto para o envelope e falo antes de sair do carro:
— Todas as modelos são lindas, mas a Fíor não precisa de uma
modelo, ela precisa de uma mulher real e entre as quinze candidatas só uma
parece real para mim.
Somos recebidos na porta pelo dono da agência que contratei para me
ajudar a encontrar um rosto que representasse a Fíor, e apesar de tudo que
falei para a Leona sobre a minha escolha da candidata, confesso que até
conhecer a Fernanda, pessoalmente, eu ainda não tinha feito uma escolha.
Mais uma vez ela me ajudou a entender algo na minha própria criação
que eu não havia entendido. Não por desgostar ou por desconhecer, mas por
não enxergar o que esteve o tempo todo bem debaixo do meu nariz.
Quando expliquei para o meu avô que o público alvo da nova linha de
produtos da Gallengher Cosméticos são as mulheres que vivem e sobrevivem
com um salário mínimo, os olhos dele se encheram de lágrimas, pois minha
avó, um dia, foi uma dessas mulheres e mesmo com todo o luxo e conforto
que ela tem atualmente, dona Flora continua sendo uma mulher real, assim
como a Fernanda.
— Como vai, Gael? — Evaldo Risko me cumprimenta com um firme
aperto de mão.
— Estou bem e você? — Retribuo o gesto e passo por ele.
— Leona, não sabia que viria — ele diz surpreso, já que na primeira
seletiva, Penélope foi minha acompanhante.
— Eu também não, o Gael me convidou no início da semana.
— É um prazer ver você de novo. As meninas já estão prontas.
— Ótimo, podemos começar — falo sem demonstrar o quanto ainda
estou perturbado por conta dos acontecimentos recentes.
— Por aqui. — Evaldo faz uma mesura para Leona seguir na frente e
eu entro logo atrás dela.
Atravessamos um corredor até chegarmos à uma sala ampla e arejada
onde três funcionários estão finalizando os preparativos. Eu me sento em uma
cadeira posicionada no centro com a diretora de marketing à minha direita e o
fotógrafo à minha esquerda.
Depois de uma hora, a única modelo de cabelos e olhos castanhos foi a
escolhida. E o que para todos ao meu redor foi totalmente incompreensível,
para mim foi perfeito.
— Você pode cuidar da papelada? — pergunto para Leona.
— Claro — ela responde e fala baixo para que apenas eu a escute. —
Se mais tarde você quiser aliviar a tensão é só me ligar.
Concordo com um leve movimento de cabeça, me despeço de Evaldo,
parabenizo a modelo eleita e sigo para a casa dos meus avós.
Estou ansioso para contar sobre a escolha e o que me fez tomar aquela
decisão, no entanto, quando minha avó abre a porta com os olhos cheios de
lágrimas é como se todas as cores do mundo fossem apagadas.
E tudo que fica é o breu.
CAPÍTULO 19
FERNANDA
São quase onze da manhã e eu ainda estou um pouco zureta por causa
do meu encontro, para lá de esquisito com o Gael, mas a fome fala mais alto
e me obrigo a sair de casa para almoçar em algum lugar tranquilo.
Não quero ficar sozinha e ficar matutando essa coisa na minha cabeça
nem me acomodar no sofá de frente para a televisão. Preciso de uma trégua
disso tudo, então saio do apartamento e faço o que deveria ter feito horas
antes.
Cumprimento o zelador com um sorriso e deixo a chave na portaria.
Decido caminhar em vez de usar o carro para espairecer e me distrair um
pouco pelas ruas do bairro, mas o medo de ser reconhecida me força a andar
de cabeça baixa na maior parte do tempo.
Estou prestes a atravessar a avenida quando vejo uma loja de
acessórios e me recordo da sugestão da Tayane para me disfarçar. Do lado de
fora, dou uma olhada na vitrine e me encanto por um gorro preto com uma
trança artificial na parte de trás.
É exatamente o que estou precisando. Penso ao entrar e dar de cara
com uma vendedora muito simpática que me mostra outros gorros de cores
diferentes, mas todos semelhantes ao que gostei. Acabo comprando três e já
saio da loja com o preto na cabeça. Ele combina com a minha roupa além de
ser elegante e nada chamativo.
Mais confiante, sigo em direção ao restaurante italiano que adoro e
costumo ir de vez em quando com a Tay. No meio do caminho meu telefone
toca e sorrio ao ver o nome do meu pai na tela.
— Oi, pai.
— Oi, filha. Onde você está?
Olho para os lados à procura de alguma placa que indique o nome da
rua, mas não encontro.
— Perto do Baggio’s — resumo. — Por quê?
— Sua mãe acabou de me ligar. Ela foi até a sua casa, mas o porteiro
disse que você tinha saído.
Paro de andar na mesma hora.
— Por que ela não me avisou?
— Acho que foi uma decisão de última hora, filha.
— Estou voltando e...
— Não, sua mãe já foi embora. Ela tentou ligar para você, mas não
conseguiu, por isso pediu para eu tentar.
Fico triste com a notícia. Não vejo meus pais desde o dia da confusão
e sinto falta deles.
— Estou com saudade, pai — murmuro retomando minha caminhada.
— Nós também, princesa. Como você está?
— Na mesma. Alguma notícia do Danilo?
Meu pai fica em silêncio por alguns segundos e quase me arrependo
de ter perguntado.
— Ainda não. O quadro dele é estável, mas os médicos dizem que é
impossível dar uma previsão para ele acordar.
Chego ao restaurante cedo, e está vazio como eu previa. Um dos
garçons me acompanha até uma mesa no canto perto da janela e sinalizo que
farei o pedido assim que encerrar a ligação.
— Como estão as coisas na emissora? — Coloco minha bolsa na
cadeira ao meu lado enquanto espero a resposta.
— Você sabe como funciona. Na minha frente ninguém tem coragem
de abrir a boca para falar nada, mas sei que falam pelas minhas costas.
— Será que vai demorar para acabar? — Minha voz é baixa e
desanimada.
Meu pai é um homem maravilhoso e me conhece mais do que eu
mesma. Não tenho segredos com ele nem com a minha mãe, apesar de omitir
muitas coisas que me aborrecem justamente para não os aborrecer, pois sei
que eles sofrem todas as minhas dores.
— Já era para ter acabado, Nanda. Existem pesquisas confiáveis que
afirmam que as pessoas se cansam de ouvir ou ler sobre o mesmo assunto por
mais de cinco dias, o que obriga a mídia a encontrar novos assuntos para
manter a audiência. Mas acho que enquanto o Danilo não sair do hospital, o
máximo que vai acontecer é a pressão em cima de você diminuir.
As batidas do meu coração aceleram.
— E se ele não acordar? — Minha voz é praticamente um sopro.
— Não pensa nisso, filha.
Lágrimas enchem meus olhos e embaçam minha visão. Estou me
esforçando para não pensar que o Danilo pode nunca mais não sair daquele
hospital com vida, mas é impossível ignorar essa possibilidade, ainda que
seja remota e os médicos afirmem que o pior já passou.
— Como, pai? O que vai acontecer comigo se ele morrer?
— Nanda, quantas vezes vou ter que repetir que você não teve culpa
pelo que aconteceu com o Danilo? — Ele fala mais altivo o que de certa
forma, me intimida e conforta ao mesmo tempo.
O senhor Marcos Lombardi sempre usa esse tom para impor sua
autoridade, ou melhor, para me lembrar que ele é meu pai e não admite que
eu o confronte ou duvide da sua palavra.
Claro que jamais discutiria ou desrespeitaria o homem que mais amo e
admiro nesse mundo, e mesmo ciente de que ele está absolutamente certo,
uma pequena parte minha ainda me culpa por ter sido tão boba e permitido
que Otavio me manipulasse daquela forma.
— Eu sei, é só que...
— Pode parar, filha. Esquece o Danilo. Não quero saber se é justo ou
injusto. Ele está numa situação difícil, mas a sua não é das melhores e é com
você que eu me preocupo. Todos nós estamos torcendo para o Danilo se
recuperar e sair dessa, mas essa decisão não é nossa, Nanda. Me promete que
você vai ao menos tentar retomar a sua vida.
Enxugo os olhos com o guardanapo me sentindo horrível por não ter
contado aos meus pais que a diretora do museu me obrigou a sair de férias.
Entretanto, não me arrependo. É bem capaz de a minha mãe baixar na porta
da Veronica e falar poucas e boas para a minha chefe, o que não me ajudaria
em nada. Pelo contrário, ela não pensaria duas vezes em me demitir e ainda
usaria a boca suja da dona Lilian Lombardi como pretexto.
— Prometo, pai.
— Preciso finalizar o último bloco do jornal. Eu falo com você
amanhã. Liga para a sua mãe se não quiser que ela vá até a sua casa para te
dar umas palmadas — ele diz com carinho e sei que está sorrindo.
— Tá bom.
— Te amo, princesa.
— Também te amo pai.
Encerro a ligação e no segundo seguinte o garçom está anotando meu
pedido. Enquanto espero a comida, observo os clientes ao redor sentados às
mesas do restaurante que, por sinal, está bem mais cheio do que estava meia
hora atrás.
Tem de tudo, casais, homens de negócios e famílias com filhos
pequenos. Todos quietos, ocupados demais com seus telefones para interagir
com as pessoas que estão a um toque de distância.
Esse é o efeito colateral da tecnologia avançada que ninguém se atreve
a falar. Ao passo que as informações chegam do outro lado do mundo em
questão de segundos, o ser humano demora cada vez mais para se conectar
um com o outro, pessoalmente, quero dizer.
As pessoas deixaram de conversar. O diálogo está tão extinto quanto o
mico leão dourado e a intolerância tomou o lugar da gentileza e da empatia.
Hoje em dia, casais se separam pelo whatsapp e outros fazem sexo através de
sites de encontro. Até os assaltantes estão preferindo os golpes digitais às
saidinhas de banco.
Acho que nunca vou entender como isso pode ser uma coisa boa se
não houver um equilíbrio. Talvez seja a minha paixão pelo contato físico e o
meu fascínio de olhar nos olhos de quem está falando comigo. Ou talvez
Tayane tenha razão e a minha alma seja pré-histórica, por isso não consegue
se conectar a esse mundo constantemente conectado por dispositivos
eletrônicos de última geração.
Saboreio devagar a lasanha de berinjela e a taça de vinho tinto.
Nem a ligação do meu pai conseguiu me animar a dar uma volta no
shopping. Passo no mercado para comprar dois potes de sorvete e faço meu
caminho de volta para casa me sentindo um tanto melancólica.
O porteiro me entrega a chave e me olha de um jeito estranho, mas
não fala nada. É impossível não lembrar de Gael quando piso dentro do
elevador e me obrigo a espantar as imagens fantasiosas que a minha mente
cria dele com a linda mulher, na cama, embaixo do chuveiro, em cima da
mesa...
Santo Deus, tenho que parar ou vou ser obrigada a usar o vibrador.
Nem me recordo quando foi a última vez que fiz sexo com o Danilo e
meu corpo começa a sentir falta de uma boa pegada masculina. Mas enquanto
espero pelo meu clichê, vou aproveitar a companhia dos quatro litros de
gordura hidrogenada em forma de sorvete.
A campainha do elevador dispara e o número cinco ilumina o visor.
Estou balançando a chave, perdida entre os incontáveis pensamentos
discrepantes quando levanto a cabeça e quase tenho uma parada
cardiorrespiratória.
Gael está sentado no chão com as costas encostadas na porta do meu
apartamento. Os joelhos dobrados, a cabeça enterrada sobre eles e os dedos
das mãos entrelaçados na nuca.
Seus olhos brilhosos por conta das lágrimas que descem pelo seu rosto
encontram os meus, e tenho certeza absoluta que se eu não enfartar agora não
enfarto nunca mais.
Gael se levanta e noto que ele ainda veste a mesma roupa. Calça jeans
escura, camisa de botão azul marinho de manga comprida e sapatos pretos.
Não sei o que houve e talvez nem venha a saber, mas seja lá o que foi mexeu
com ele de uma forma assustadora.
Esse homem lindo, alto, forte, que me pediu para ser sua amiga está
devastado, sofrendo muito mais do que ele gostaria de admitir. Ficamos ali,
um de frente para o outro por longos segundos, em silêncio, apenas nos
encarando.
E por algum motivo que desconheço, largo as sacolas com os sorvetes
no chão, ao lado dos meus pés, e abro os braços. Se a minha iniciativa já não
fosse total e completamente paradoxal, quando Gael aceita meu convite e me
abraça como se estivesse deixando a sua vida sob os meus cuidados,
compreendo o sentido de uma frase que li em algum livro de Poesias quando
ainda era menina.
Inocentemente confuso, você procurou em mim o amor que tanto
desejava, sem saber que era o amor que eu tanto procurava...
Autor desconhecido.
CAPÍTULO 20
GAEL
Fernanda não diz nada, nem eu.
Ela me olha como se fosse capaz de enxergar minha alma, sentir
minha agonia e sofrer minha dor, enquanto tudo que faço é compartilhar com
ela todos os meus sentidos e sentimentos, do mais simples poético ao mais
complexo perturbador.
Então, como se tudo já não estivesse vergonhosamente bagunçado
dentro de mim, quando Fernanda larga as sacolas que carrega no chão, e abre
os braços, minhas pernas se movem sem consentimento me arremessando
para ela. E eu vou sem pensar duas vezes.
Não consigo explicar como cheguei até aqui, mas agora sei, sem
sombra de dúvida, que é o único lugar onde eu queria estar.
E no abraço apertado que une meu corpo ao dela, reencontro o homem
que havia se perdido em algum ponto cego da sua trajetória. Fernanda me
acolhe, se acolhe em mim e dá um novo significado para esse gesto de
carinho e... recíproco.
Com ela até um simples abraço se torna tão especial que não quero
mais soltá-la. Nunca. Mas Fernanda tem outros planos e se afasta, pega as
sacolas do chão e abre a porta do seu apartamento.
— Vem. — Sua voz é doce, suave.
Não recuso o convite e entro. Ela fecha a porta e me oferece um
sorriso tímido.
— Vou guardar o sorvete. Você já almoçou?
Meu peito dói, minha garganta está seca e as palavras se recusam a
sair. Faço que não com a cabeça sem tirar meus olhos dela.
— Senta aqui, a Tay sempre deixa alguma coisa na geladeira.
Fernanda vai para a cozinha e eu vou atrás.
— Não estou com fome. — Consigo dizer.
— Você gosta de estrogonofe de frango? — ela pergunta ignorando
meu comentário.
Apoio os cotovelos sobre a mesa e cubro o rosto com as mãos. Escuto
barulho de panelas, pratos, talheres e das portas do armário abrindo e
fechando. Sinto o latejar nas têmporas, implacável.
— Meu avô está morrendo — falo baixo, mas o silêncio que recai
sobre nós como concreto confirma que Fernanda ouviu. — Ele está com
câncer. — Em vez de encará-la, fito meus dedos que brincam uns com os
outros. — Seis meses. — Meu coração sangra. — O médico disse que se ele
tiver sorte pode viver por mais seis meses.
De repente a barulheira recomeça. Olho para cima e a vejo andando de
um lado para outro.
— Quantos anos seu avô tem? — ela pergunta, do nada.
— Setenta e dois.
— Você já disse?
Não compreendo sua pergunta.
— Disse o que?
Fernanda continua na sua missão de me alimentar e nem se preocupa
em olhar para mim quando fala:
— Que você ama o seu avô. Você já disse?
Meu corpo retesa.
— Meu avô sabe que ele e minha avó são tudo para mim.
Ela gira o corpo e encosta a bunda na pia. Seu olhar caramelado no
meu, intenso, especulador.
— Não me leve a mal, Gael. Não estou perguntando isso por causa do
seu avô.
— Está perguntando por que, então?
— Por sua causa.
Devo estar fazendo uma careta de desentendimento, pois Fernanda
desencosta da pia e se aproxima de mim. Ela para ao meu lado e coloca sua
mão macia e quente, sobre as minhas, trêmulas e geladas, olhando no fundo
dos meus olhos o tempo todo.
— Se o seu avô tem seis meses de vida, aproveita cada minuto para
dizer o quanto você é grato por tudo que ele fez e ainda faz por você, e não
deixa de dizer o quanto você ama, desesperadamente, ele e a sua avó. —
Fernanda aperta minhas mãos com mais força. — No seu lugar, eu não ia
querer guardar tudo isso para mim, porque acredito que o meu avô teria sido
muito mais feliz se ouvisse da minha boca a importância que ele teve na
minha vida. Ainda não conheci ninguém que tenha reclamado de ouvir que é
amado e admirado por uma pessoa que ama e admira.
O rascunho de um sorriso estica levemente os lábios dela para o lado
quando ela conclui:
— E eu duvido muito que com o homem que fez meu amigo chorar
vai ser diferente.
Fernanda se abaixa e deposita um beijo casto na minha bochecha antes
de voltar para o fogão.
Estou embasbacado, boquiaberto com a sua sensibilidade.
— Você é muito apegado aos seus avós, não é? — ela indaga e de
alguma forma, sei que está tentando desviar minha atenção da pior notícia
que recebi em toda vida.
— Meus pais morreram quando eu tinha quatorze anos. Foram eles
quem me criaram.
— Sinto muito, eu não sabia.
Forço um sorriso para que ela não se sinta mal.
— Tudo bem, sinto falta deles, mas não posso reclamar. Tanto o meu
avô quanto a minha avó fizeram um bom trabalho comigo. Nunca me
deixaram faltar nada e sempre me amaram incondicionalmente.
— Você não tem irmãos? — Fernanda começa a arrumar a mesa com
naturalidade e é como se ela me conhecesse há muito tempo.
— Não, e você?
— Sou filha única, apesar de ter a Tay como uma irmã mais velha.
— E os seus pais? Você se dá bem com eles? — pergunto mesmo
sabendo a resposta. Estou curioso para saber mais sobre essa garota.
O rosto da Fernanda se ilumina.
— Meu pais são maravilhosos. Eu não sei o que seria de mim se não
fossem eles.
O cheiro do estrogonofe é delicioso e apesar de não estar com fome,
me sirvo quando Fernanda coloca as travessas na minha frente para não fazer
desfeita depois de todo trabalho que ela teve de preparar a comida.
— Por que decidiu morar sozinha? — Dou a primeira garfada e
mastigo devagar. Fernanda senta na cadeira ao meu lado e noto que a deixei
desconfortável.
— Eu passei por alguns problemas e achei que ia ser bom para mim
ter meu próprio canto.
— Então não foi porque estava revoltada com o mundo? — brinco a
fim de descontrair um pouco.
— Não. — Ela dá de ombros, ajeita os óculos e me encara. — Você
acredita em destino?
Paro de mastigar. Meus olhos cravados nos dela. Sua pergunta me
pega desprevenido.
— Não sei se a palavra certa é destino, mas acredito que nada
acontece por acaso e ninguém cruza o nosso caminho sem um porquê. —
Nossos olhares estão presos um ao outro, atentos e ansiosos. — E você,
acredita?
— Mais do que em qualquer outra coisa — Fernanda murmura
sustentando meu olhar.
— Mais do que no amor? — As palavras apenas... saem. Livres,
soltas, independentes.
— É difícil acreditar no que você nunca sentiu — ela responde
tristemente.
— Você nunca amou ninguém? Quer dizer — Arranho a garganta. —
Um namorado ou alguma coisa assim?
Fernanda tenta disfarçar sua mágoa, mas não faz ideia do quanto é
transparente e nem que passasse horas treinando em frente ao espelho
conseguiria esconder qualquer coisa.
— Acho que sim.
Não entendo sua resposta.
— Por que disse que nunca amou?
— Não disse que nunca amei, Gael. Eu disse que nunca senti o amor,
é diferente.
Limpo a boca com o guardanapo e tomo um gole de água.
— Se você já amou alguém, significa que já sentiu o amor, Fernanda.
Ela faz que não e olha para o teto, quebrando nosso contato visual.
— O único amor que eu senti foi o meu, mas ainda não sei como é a
sensação de provar o amor de outra pessoa. — Franzo a testa, vacilante.
Fernanda arrasta a cadeira para trás e se levanta. Quando ela volta a me
encarar, o que vejo em seus olhos é o retrato perfeito da decepção. — Talvez
eu acredite no amor quando encontrar alguém que me ame de verdade. Até lá,
prefiro acreditar que o destino está me preparando para quando esse dia
chegar.
Emudeço, novamente nocauteado pela sua sinceridade exacerbada e
desconcertante.
— E você Gael, acredita no amor? — Fernanda fala abrindo a
geladeira.
Tomo mais um gole de água para ajudar a empurrar a comida que
ficou entalada junto com o seu questionamento.
— Acredito — respondo honestamente.
— Você amava a sua noiva? — Ela tira uma garrafa de vinho e eu
agradeço internamente.
Essa conversa desviou do percurso seguro e começou a seguir por um
caminho extremamente perigoso que não estou preparado para percorrer. Pelo
menos por enquanto.
É muito cedo para abrir mão dela e tarde demais para voltar atrás. A
verdade é que desejo Fernanda como nunca desejei nenhuma mulher, nem
mesmo Penélope quando nos conhecemos.
— Amava — admito a contragosto.
— Ela amava você? — Fernanda me entrega a garrafa de vinho e o
saca-rolha e põe duas taças de cristal em cima da mesa.
— Eu achava que sim. Hoje já não tenho tanta certeza — respondo
sem olhar em seus olhos com a desculpa de que estou trabalhando na tarefa
de abrir a garrafa
— O que a sua noiva fez para você duvidar que ela te amava?
— Minha ex-noiva me traiu — friso meu atual estado civil segundos
antes do “ploc” ecoar na cozinha.
Fernanda ruboriza, nitidamente embaraçada. Por essa ela não esperava
e para falar a verdade, nem eu.
Não estava nos meus planos contar sobre o motivo que culminou o
término do meu noivado, no entanto, essa informação não fará qualquer
diferença enquanto Fernanda não souber com quem ela me traiu.
Sua boca entreabre sem emitir som algum, o que me faz querer sorrir,
mas me contenho para não a deixar ainda mais constrangida. Encho nossas
taças, entrego uma para Fernanda e ergo a outra.
— Um brinde a vida e ao amor — falo olhando no fundo dos seus
olhos cor de caramelo.
— Aos recomeços — ela diz baixinho.
É aqui, no apartamento da Fernanda, perto dela, ouvindo sua voz e
começando a descobrir o que o que essa garota esconde por baixo das suas
camadas superficiais, que me sinto vivo, completo.
O que me atordoa é uma vibração nova e diferente de tudo que já
senti. E justamente por não conseguir identificar, não sei se é fruto da atração
física arrebatadora que me impulsiona cada vez mais para ela, ou apenas uma
fascinação por sua personalidade única e... especial.
Tudo que diz respeito a Fernanda Lombardi me afeta, me abala e me
comove de forma descomunal. Razões mais do que justas para que eu me
afaste para o mais longe dela possível.
Ainda assim, quando Fernanda me pergunta o que eu acho de
assistirmos a um filme, respondo rapidamente, receoso de que ela mude de
ideia e me expulse da sua casa ou pior, da sua vida.
— Acho perfeito.
CAPÍTULO 21
FERNANDA
— O melhor amigo da noiva? — Gael faz uma careta de nojo para o
título do filme que escolhi, de propósito, para assistirmos.
— Você não conhece esse filme? — Coloco a mão no peito e arregalo
os olhos, dramaticamente, imitando a donzela virginal que teve sua moral
pura ofendida por um lorde cafajeste só para irritá-la.
Gael está sentado no sofá de três lugares como se fosse o rei do
pedaço e eu estou de pé ao lado da TV, de frente para ele.
A camisa azul da cor dos seus olhos está com uma parte da barra para
fora da calça, os primeiros botões estão abertos me dando uma bela visão do
seu peitoral sem pelos, as mangas estão dobradas deixando à mostra seus
antebraços fortes e o Rolex dourado em seu pulso esquerdo.
Os cotovelos apoiados no encosto de forma relaxada enquanto os pés
estão em cima da mesinha de centro e as pernas cruzadas na altura dos
tornozelos.
— Nunca ouvi falar, mas pela sua cara deve ser um daqueles
romances água com açúcar que as mulheres adoram. — Ele continua com as
sobrancelhas unidas e os lábios repuxados para o lado, demonstrando sua
insatisfação com a minha escolha.
— Não se atreva a chamar o melhor clichê dos últimos tempos de
romance água com açúcar. Isso é imperdoável até para você,
comprovadamente um desconhecedor de obras clássicas cinematográficas. —
Repreendo com seriedade, mas tenho certeza que ele nota meu deboche.
Se minha tia estivesse vendo a mesma coisa que eu, ela concordaria
comigo que se Gael fosse um artefato raro ele seria um trépano da época
romana. Uma ferramenta terrivelmente sombria e perigosa, mas de uma
beleza sóbria e inexplicavelmente instigante.
Jogo o controle remoto no colo dele e vou até a cozinha pegar a pipoca
que está no micro-ondas.
— Estou te proibindo de tomar mais vinho, Nanda. — Ouço Gael me
chamar pelo apelido e meu coração perde umas dez batidas. — Você só pode
estar bêbada para dizer que esse filme é uma obra clássica cinematográfica.
— Não seja rancoroso só porque está morrendo de inveja do Patrick
Dempsey — falo e solto uma risada alta.
É bom saber que ele tem senso de humor.
Abro o pacote e jogo a pipoca dentro de uma tigela. Estou tão distraída
que não percebo Gael atrás de mim.
— Eu sou muito mais bonito que esse cara — sussurra no meu ouvido,
me assustando.
Meu corpo inteiro se arrepia. Inclino a cabeça para o lado e esfrego a
orelha no ombro, me afastando rapidamente para que ele não veja a evidência
da minha excitação através da blusa preta que marca meus mamilos carentes
de uma boa chupada.
Deus, preciso — URGENTEMENTE — ensinar boas maneiras para o
meu corpo aprender a se comportar quando estiver perto desse homem.
— De ilusão também se vive, querido — Minha voz não é tão firme
quanto eu gostaria.
Abro o armário, ainda de costas para ele e pego a segunda garrafa de
vinho. Dessa vez, escolho o tinto.
— Você acha aquele cara mais do bonito que eu? — Gael me cerca
com seus braços. O calor do seu corpo atrás de mim me incendeia. Sua boca
está colada no meu ouvido, seu peito nas minhas costas e por muito, muito
pouco não empino a bunda para alcançar sua virilha, que está longe demais
para o meu gosto.
Por sorte, antes que eu faça uma besteira e coloque nós dois em uma
situação extremamente constrangedora e desagradável, Gael se afasta. Puxo o
ar com dificuldade, quase deixo cair a droga da garrafa, fecho a porta do
armário com força desnecessária e ainda por cima, preciso me apoiar na
beirada da pia para girar o corpo e encarar seus olhos azuis como se meu
corpo não estivesse à beira de um colapso.
— Amigo, nenhum homem é mais bonito que o meu Patrick —
respondo com ironia e falsa sinceridade. Apesar de amar o ator norte-
americano, nenhuma beleza masculina supera a do Gael.
— Meu Patrick? — Ele cruza os braços à frente do peito e ergue uma
sobrancelha, meio que desdenhando da minha posse.
— Sim, meu. — Entrego a tigela de pipoca para ele. — Patrick
Dempsey é o meu sonho de clichê, querido. Aceite isso se quiser continuar
sendo meu amigo.
Pego a garrafa de vinho e fujo para a sala. Ele murmura alguma coisa
que não entendo e me segue. Encho as taças que estão sobre o aparador de
canto e sento no sofá, ao lado dele.
— Dá psra me explicar o que é um clichê? — Gael fala baixo assim
que aperto o play e as primeiras imagens surgem na tela.
Ele já colocou os pés em cima da mesinha de novo e agora tem a
tigela em seu colo. Viro a cabeça e o encaro com os olhos estreitos.
— Está falando sério que você não sabe o que é um clichê?
— Já ouvi falar, mas não sei o que significa, exatamente.
— Você gosta de ler?
— Leio assuntos pertinentes ao meu trabalho, mas nunca fui muito fã
de livros de ficção.
— Não sei mais se quero ser sua amiga. — Faço um biquinho e meu
corpo volta a incendiar quando os olhos de Gael fitam a minha boca.
É tão rápido que até fico em dúvida se ele, de fato, queria me beijar ou
se foi apenas fruto da minha imaginação que, aliás, hoje está mais indecorosa
que o normal.
— Supera, Nanda. Estou no sofá da sua sala, assistindo um clichê
ridículo, comendo pipoca e tomando vinho. Já somos amigos. — Ele desvia o
olhar para a televisão e enfia um punhado de pipoca na boca.
— Estou começando a me arrepender de ter concordado com isso.
Gael passa o braço por cima do meu ombro e me puxa para perto dele.
Eu me aconchego e apoio a cabeça em seu ombro e, mais uma vez, meu
coração perde algumas batidas quando ele beija meus cabelos e fala:
— Você ainda me deve uma explicação.
— Sobre o clichê?
— Uhum...
— Quando o filme terminar, eu explico.
Sinto o peito dele tremer embaixo de mim e sei que está sorrindo.
— Se eu estiver dormindo não precisa me acordar.
Também sorrio, mas não falo nada, pois não sou capaz de falar
qualquer coisa. Apenas fecho os olhos e aproveito a calmaria, a paz, a
sensação de pertencimento e a segurança que esse contato físico
despretensioso me dá.
E, por um momento, desejo ficar aqui por vários momentos, mas estou
ciente de que isso não vai acontecer por diversos motivos.
Tudo bem que o Gael apareceu na minha porta depois do nosso
encontro desastroso no elevador, mas isso não significa que ele esteja
interessado em mim, até porque ele passou a noite com outra mulher e deixou
claro que não existe nenhuma chance de rolar nada entre nós.
Gael é lindo, gostoso, cheiroso, tem uma condição financeira legal e
pelo pouco que conheço dele, já deu para perceber que é um cara que leva a
sério seus relacionamentos. Resumindo, ele pode ter mulheres lindas, como
Leona, num estalar de dedos.
E para o meu próprio bem é melhor eu me controlar ou vou acabar
entrando em outra roubada, mas dessa vez a culpa vai ser toda minha, pois
ele deixou claro que somos apenas amigos.
Gael estava muito chateado porque descobriu que seu avô está com os
dias contados e ainda não me falou porque veio até a casa da garota que ele
conheceu na aula de natação há menos de uma semana, e descobriu que era
sua vizinha a doze horas atrás, quando o mais coerente seria ir até a casa de
um amigo ou de alguém com quem ele tivesse mais intimidade. Um primo ou
colega de trabalho, tanto faz.
Decido não pensar sobre o assunto e assisto ao filme pela vigésima
vez. Nunca vou enjoar dessa história, afinal, um clichê é sempre um clichê.
Mas um clichê com o Patrick Dempsey, é “O clichê”. Na verdade, é mais do
que isso. É o melhor passatempo enquanto eu espero pelo meu.
E eu sei que um dia, o meu clichê vai chegar.
ARTHUR
Estou saindo do escritório quando meu telefone toca. Atendo sem ver
quem é.
— Alô.
— Sou eu.
Ele não precisa se identificar, pois reconheço sua voz. Sigo andando
até meu carro que está parado em frente ao edifício comercial na Avenida
Paulista.
— Conseguiu alguma coisa?
— Não. A imagem está muito desfocada e só o programa de
reconhecimento facial que foi usado para granular a cara da garota pode
reverter o processo.
Essa merda está começando a me irritar.
— Então voltamos à estaca zero.
— Desculpa, brother, mas dessa vez vou ficar te devendo.
— Beleza. Vou pensar em alguma coisa.
— Por que não fala com a pessoa que filmou?
— Porque não quero meu nome envolvido nisso. Esqueceu que sou o
assessor do pai da Nanda?
— Eu sei, mas é o único jeito de descobrir quem é a garota no vídeo.
— Tem que ter outro jeito — falo mais alto, alterado.
— Se tivesse, eu te falaria. Confia em mim, Arthur, não tem.
— Preciso pensar, o Danilo ainda está na mesma e os médicos não
sabem quando ele vai sair do coma. Se as coisas não melhorarem na próxima
semana, vou tentar entrar em contato com a equipe de reportagem que filmou
o flagrante.
Desligo o alarme, abro a porta e entro no carro. Jogo minha bolsa no
banco do passageiro e me ajeito no do motorista.
— Quem diria que você ia se arrepender, hein?
— Não me arrependi de nada — respondo com impaciência.
— Até quando vai continuar se enganando, brother? Está na cara que
você ainda gosta da Nanda. Por que não assume logo e conta para ela antes
que outro apareça e faça o que você não fez?
Fecho as mãos em punho e rosno:
— Eu não te pago para encher meu saco, Isaac. Tenho um
compromisso, preciso ir.
Encerro a ligação pouco me importando se fui grosseiro. Estou
cansado demais para ficar ouvindo sermão do meu irmão mais novo que mal
saiu das fraldas.
Jogo a cabeça para trás e inspiro profundamente, meu cérebro
fervendo por causa da Fernanda e eu aqui nesse impasse desgraçado.
Conheço minha ex-namorada desde pequeno, nossas mães eram
amigas de infância e mantiveram a amizade mesmo depois que se casaram.
Nossos pais se tornaram bons amigos e crescemos juntos.
Sempre fui apaixonado pela Fernanda, mas ainda na adolescência as
diferenças entre nós começaram a nos afastar e elas eram gritantes, tanto na
personalidade quanto na aparência. Enquanto eu era considerado o garoto
mais bonito e popular da escola, Fernanda era feinha e vivia se escondendo
para não chamar a atenção. Mas isso nunca acontecia, pois na época Marcos
Lombardi já celebrava a fama de âncora do telejornal com maior audiência do
país. Todo mundo queria ser amigo dela e ela odiava aquilo.
Porém, enquanto eu comia todas as amigas da Fernanda, ela crescia e
se tornava uma garota linda e ainda mais fechada, além de se afastar cada vez
mais de mim por causa da minha fama de pegador. Eu sabia que a magoava
cada vez que fodia uma das meninas da sala dela e no fundo, gostava de saber
que ela se ressentia.
Até que no aniversário de dezessete anos da Fernanda, acabei me
rendendo ao que sentia e acabamos ficando juntos pela primeira vez. Depois
de um ano saindo com ela sem que ninguém soubesse, assumi o namoro
publicamente, o que foi um choque tanto para a minha família quanto para os
meus amigos e, principalmente, para as garotas que se revezavam na minha
cama.
Apesar de amar minha namorada, entrar na faculdade de jornalismo
levou embora toda a minha determinação de ser fiel e voltei a ser o mesmo
Arthur Delgado que era no colégio. Fernanda sempre foi uma garota na dela,
avessa às redes sociais e muito insegura para permitir que as pessoas se
aproximassem dela, o que facilitava a minha vida dupla.
Por quase um ano tive tudo que sempre quis: sexo casual com garotas
aleatórias na rua e uma namorada que eu amava me esperando em casa. Mas
como diz o ditado: Tudo que é bom dura pouco.
Fiz a grande besteira de me envolver com uma professora casada e
depois de um tempo, a mulher confidenciou que tinha se apaixonado por
mim. Isso não teria sido um problema se o marido dela não tivesse
descoberto e armado o maior barraco de todos os tempos.
O Brasil inteiro ficou sabendo e foi assim que a Fernanda me excluiu
totalmente da vida dela sem vacilar. Ninguém conhece aquela garota como eu
e apesar da sua fachada de boazinha e tolerante, Fernanda tem uma
personalidade forte, é determinada e uma das mulheres mais orgulhosas que
já conheci.
Ela pode aturar muita pancada, mas jamais vai perdoar uma traição.
Principalmente uma como a minha, que a decepcionou muito mais do que ela
admite. Fernanda confiava cegamente em mim e eu pisei na bola, feio.
Por isso estou fazendo de tudo para conseguir descobrir quem é a
mulher que aparece no vídeo transando com o babaca do Danilo. Tenho
certeza que se o nome da vadia vazar para a imprensa, o foco em cima da
Fernanda vai diminuir e quando ela souber que fui eu que a ajudei, acho que
posso ter uma chance de me redimir e provar que mudei.
O grande problema é que hoje sou um profissional respeitado, e tenho
clientes importantes que não iriam gostar de saber que o nome do seu
assessor está envolvido com uma equipe de reportagem independente, que se
sustenta ferrando a vida de outras pessoas e vazando vídeos íntimos na
internet.
Sobretudo Marcos Lombardi, pai da Fernanda e meu assessorado mais
renomado. Foi ele quem abriu as portas para mim nesse meio e desde que o
vídeo do flagrante vazou, ele me proibiu de fazer qualquer coisa além de
oferecer à sua filha o suporte que ela precisa para enfrentar essa barra.
No entanto, descobrir quem é a amante do Danilo pode ser minha
única chance de reconquistar a mulher que eu amo, e nem mesmo uma ordem
direta do pai dela vai me convencer a desistir.
Ligo o carro e dirijo pelas ruas de São Paulo. Normalmente, em um
sábado à noite, eu estaria a caminho de alguma boate a fim de encontrar uma
mulher para trepar a noite inteira, mas hoje isso não vai acontecer.
Não sei por quanto tempo vou aguentar manter uma vida regrada e
certinha, mas para ter Fernanda de volta vale a pena fazer o esforço.
Seleciono o contato que preciso para dar credibilidade à minha encenação e
faço a chamada. Ela atende no segundo toque.
— Arthur, querido! — Sua voz animada me faz sorrir.
— Boa noite, Lilian. Estou saindo do escritório e pensei e dar uma
passada por aí.
— Que notícia boa, o Marcos já deve estar chegando e vai adorar ter a
sua companhia no jantar.
Meu sorriso aumenta, pois adoro os pais da Fernanda e sei que quanto
mais próximo deles eu estiver, mais rápido vou me aproximar dela.
— Maravilha, estou chegando.
— Até daqui a pouco, querido.
Encerro a ligação e aumento o volume do rádio, me sentindo mais
animado. Depois de cinco anos de espera, chegou a hora de pegar de volta o
que sempre me pertenceu. Fernanda ainda me ama, eu sei. Agora é só uma
questão de tempo até ela aceitar que sou o homem da sua vida.
E voltar para mim.
CAPÍTULO 22
GAEL
O filme acaba e Fernanda não se mexe.
Ela está encolhida no sofá, seu corpo aconchegado ao meu e sua
cabeça descansa no meu peito. Beijo seus cabelos pela quarta ou quinta vez,
em dúvida se devo ou não a acordar.
Retiro o celular do bolso para saber se minha avó me enviou alguma
mensagem e confirmo que passa das dez. Desligo a televisão e apoio a cabeça
no encosto do sofá de couro confortável. Encaro o teto por alguns segundos
antes de fechar os olhos.
Minha consciência exige que eu vá embora. Meu corpo e meu coração
imploram para que eu fique exatamente onde estou.
E a baderna dentro de mim segue mais firme e forte do que nunca.
Quando cheguei na casa dos meus avós para almoçar, foi um baque
encontrar o oncologista que está acompanhando a tratamento do meu avô
consolando minha avó, que chorava copiosamente sem qualquer cerimônia.
Mas nem a dor explícita da dona Flora superou o choque de saber que seis
meses é o limite máximo de tempo que meu avô vai suportar a doença.
Se ele tiver sorte, salientou o médico.
Óbvio que minha avó e eu sabíamos que uma hora isso ia acontecer,
mas nenhum de nós esperava que fosse tão rápido. Abalado e completamente
transtornado com a notícia, nem consegui almoçar e saí de lá sem saber ao
certo para onde ir ou com quem falar.
Estacionei em frente à casa do Claudio, porém nem cheguei a sair do
carro. Não sei descrever o porquê, apenas senti que não era com o meu amigo
que eu queria estar naquele momento para me abrir sem reservas e expor tudo
que insistia em destruir minha alma, pouco a pouco.
Quando dei por mim já estava sentado na porta da Fernanda, chorando
feito um menininho solitário, perdido e assustado, mas muito esperançoso de
que a garota de olhar caramelado pudesse curar aquela ferida aberta,
pungente, que sangrava dentro de mim.
E apesar de não ter curado totalmente, Fernanda fez o que mais
ninguém conseguiria fazer. Ela afrouxou o nó que estrangulava meu peito,
abrandou a dor desumana que trucidava meu coração, abriu meus olhos para
a realidade que eu não enxergava, e ainda por cima me presenteou com a
companhia de uma garota que eu não sabia que existia.
Agora travo uma batalha comigo mesmo e estou dividido entre ficar
aqui, no único lugar onde quero estar, ou ir embora. Sei que devo voltar para
o meu apartamento e manter Fernanda a uma distância segura, para que eu
possa ajudá-la a sair da enrascada que eu a coloquei. Talvez até seja a atitude
mais ética e por isso está me sufocando, porque não sou forte o bastante para
deixar essa garota.
Estou tentando me convencer que em alguns dias, esse feitiço vai
enfraquecer. Em algumas semanas, essa necessidade quase inverossímil que
sinto de estar com ela vai ser reduzida a uma carência tolerável. Em poucos
meses, a companhia da Fernanda vai ser totalmente insignificante.
E enfim, poderei desfrutar da sua amizade honestamente sem precisar
me sentir um monte de merda por estar fingindo o tempo todo que não quero
tomá-la em meus braços, arrancar suas roupas, beijá-la até perder o fôlego e
saborear seu corpo como se ele fosse minha última refeição, e eu, um
prisioneiro condenado à pena de morte a caminho da execução.
Minha decisão está tomada.
Inalo o cheiro da Fernanda e me rendo ao sono...
◆◆◆

A claridade sobre os meus olhos me desperta. Tento me mover, mas


minha coluna está travada. Merda.
Ouço vozes não muito distante e esfrego o rosto. Apoio os cotovelos,
erguendo o corpo o suficiente para que eu possa olhar ao redor. Demoro
longos segundos para reconhecer a sala de estar do apartamento da Fernanda.
Estou sem os sapatos e um lençol cor-de-rosa cobre meu corpo da
cintura para baixo. Duas vezes merda. Não acredito que dormi aqui, menos
ainda que não acordei quando ela se levantou e me deixou sozinho no sofá.
Com certa dificuldade consigo me sentar. Penteio o cabelo com os
dedos e penso sobre o que aconteceu comigo desde que coloquei meus olhos
nessa garota, mas sou cem por cento inapto para compreender o que quer que
seja essa... coisa.
Devo estar ficando louco ou algo parecido, só pode ser, pois não há
outra explicação para as decisões que tomo sempre que a Fernanda está
envolvida na equação. Preciso parar e vou fazer isso agora mesmo, ou o
mísero resquício de controle que ainda tenho sobre as minhas ações também
vai para os quintos dos infernos, junto com o meu bom senso.
Levanto e caminho na direção das vozes que cochicham na cozinha,
mas paro quando ouço a pergunta da tia da Fernanda.
— Por que não manda esse idiota ir catar coquinho no meio do mato,
Nanda? — Não preciso ver para saber que Tayane está irritada. Meu corpo
trava no lugar.
Será que ela está falando de mim?
— Eu já falei que não vou sair com ele, mas você conhece o Arthur.
Ele não vai parar até conseguir o que quer.
A resposta da Fernanda espanta minha sonolência e me põe em estado
total de alerta. O que esse idiota está querendo?
Meus pés criam raízes e minha mais recente decisão de esquecer tudo
parece que foi tomada no século passado, já que não há a menor chance de eu
sair daqui antes de saber o que a Fernanda sente pelo ex-namorado.
— Florzinha, o Arthur não é mais o garoto irresponsável e egocêntrico
que você conheceu. Ele cresceu e agora é um homem inteligente para o seu
próprio bem. Se não cortar as asinhas dele, esse cara não vai parar — Tayane
fala baixo, sua voz é complacente. — E só para você saber, ontem, ele jantou
com seus pais.
Descanso a testa na parede e mordo a língua para não soltar um
palavrão.
— Como você sabe? — Fernanda parece tão descrente quanto eu, o
que me deixa um pouco mais aliviado por ela não estar feliz com a notícia.
— Eu passei lá para falar com o Marcos e ele estava jantando como se
fizesse parte da família.
— Desde quando o Arthur fica em casa num sábado à noite?
— É isso que estou falando, Nanda. Esse cara é inteligente e está
comendo pelas beiradas. Até a Lilian acredita que o Arthur mudou e disse
que torce para vocês se entenderem.
— Tay, eu sei que o Arthur é um babaca egoísta, mas gosta dos meus
pais. Não acho que ele seria capaz de usar a confiança deles para se
aproximar de mim.
— Ele não quer se aproximar de você, Nanda. Ele quer te convencer
que mudou. Quem melhor do que o Marcos e a Lilian para confirmar isso?
— O Arthur pode fazer o que quiser, porque nada que ele faça vai me
fazer mudar de ideia. — A firmeza na voz da Fernanda me acalma.
Em contrapartida, as palavras da Tayane fazem até meus ossos
trepidarem.
— Eu sei, florzinha. Te conheço bem para saber que essa sua fachada
de bobinha é só para enganar o resto do mundo. Minha sobrinha é a garota
mais rancorosa que eu conheço e nunquinha vai aceitar o embuste traidor de
volta.
— Não sou rancorosa — Fernanda se defende. — Eu confiei no
Arthur e ele me traiu, mentiu para mim. Como vou perdoar uma traição?
— Muitas mulheres perdoariam depois de tanto tempo — Tayane fala
e me pergunto se ela está apenas constatando uma estatística ou insinuando
que a sobrinha deveria perdoar o ex.
— Bom, eu não perdoo, e o Arthur me conhece bem para saber disso.
Se ele realmente estiver dizendo a verdade e ficou esse tempo todo esperando
por uma chance, não posso fazer nada.
Outro reboliço chacoalha minhas entranhas. Esse é um lado da
Fernanda que eu também não conhecia e apesar de saber que ela tem uma
personalidade forte, descobrir escondido atrás da porta que seu orgulho é
maior que o meu, me deixa apreensivo.
O que essa garota vai fazer se souber que eu sou o Otavio? Me banir
da sua vida como ela fez com o Arthur e o Danilo? Não! De jeito nenhum.
Ela não pode saber. Três vezes merda.
— Mudando de assunto, o que está rolando entre você e o Gael? —
Tayane pergunta baixinho.
Fecho os olhos e prendo a respiração. Meu corpo inteiro em stand by à
espera de uma resposta sem sequer saber o que desejo ouvir.
— Não está rolando nada.
— Florzinha, estamos falando do homem delicioso dormindo no seu
sofá.
— Ele só quer ser meu amigo, Tay. — Fecho e abro as mãos algumas
vezes, odiando o desânimo com que ela fala.
— Amigo, Nanda? E você acreditou nessa besteira? — A tia pergunta,
incrédula, e posso jurar que ela está rindo.
— Se você visse a mulher que estava com ele ontem, também ia
acreditar.
Não. Não. Não.
Não é possível que a Fernanda se ache menos que a Leona.
— Bonita? — Tayane indaga.
— Deslumbrante. Uma negra maravilhosa, com um corpo estonteante
e um sorriso arrasador. — O esmorecimento com que Fernanda descreve a
diretora de marketing é palpável e me parte ao meio.
— Você acha que eles têm alguma coisa séria?
— O Gael disse que não, mas é difícil de acreditar, sabe? A maneira
que os dois estavam abraçados no elevador, a intimidade e o jeito que ela
olhava para ele. Não sei, mas isso também não vem ao caso.
— Por que não? Você me disse que está muito atraída por ele.
Minha frequência cardíaca acelera com a revelação de Tayane, embora
eu tenha comprovado, pessoalmente, o desejo estampado nos olhos da
Fernanda, tão avassalador quanto o meu.
— Olha para mim, Tay. O Gael nunca vai se interessar por uma
mulher como eu.
Já ouvi o suficiente, e antes que a tia dela fale mais alguma coisa,
entro na cozinha pegando as duas de surpresa. Uma me encara estupefata
enquanto a outra segura o riso.
— Bom dia, Tayane — falo com a voz rouca de sono quando passo
por ela e vou até a pia, onde sua sobrinha está.
Paro na frente da Fernanda, desço meu olhar por seu corpo coberto até
o meio das coxas por uma camiseta do Mickey, tamanho gigante, e subo até o
contorno dos seios fartos, livres de sutiã. Os mamilos duros contra a malha
fina são um insulto perverso à minha tentativa de ser um cavalheiro.
Fernanda se retrai, claramente envergonhada por ter sido surpreendida
sem prévio aviso. Umedeço os lábios com a ponta da língua e levando meu
olhar faminto até o seu, um fascinante oceano achocolatado que desperta
todas as minhas piores intenções.
— Bom dia, Nanda — murmuro, e sem lhe dar tempo para me
impedir, eu a abraço com força.
Alguns segundos mais tarde, Fernanda relaxa sob o meu aperto,
envolve meu pescoço com os braços e sussurra em meu ouvido.
— Bom dia, Gael.
E mais uma vez estou no único lugar onde quero estar.
Mil vezes, merda!
CAPÍTULO 23
GAEL
— Tem certeza que quer que eu vá com você, Gael? — Fernanda
pergunta, de novo, quando abre a porta do seu apartamento.
— Quantas vezes vou ter que repetir que sim, para você acreditar? —
respondo com outra pergunta e não perco a oportunidade de dar uma checada
em suas curvas deliciosas.
Ela veste uma calça preta, blusa de malha vermelha, calça botas pretas
e usa um gorro preto na cabeça. Os óculos estão de volta em seu rosto.
Penduradas em seu braço, uma bolsa e uma jaqueta de couro, ambas pretas.
Nada de maquiagem ou joias extravagantes. Apenas um conjunto de brincos
pequenos e gargantilha de ouro, e um relógio de pulso dourado.
Simples, perfeita.
Fernanda é naturalmente linda. Discreta, elegante e feminina.
— Pelo menos você avisou que ia levar uma amiga?
— Avisei — respondo fingindo impaciência.
— Essa roupa está boa? — Ela alisa a blusa e franze a testa. — Acha
que eu devo trocar? Não sei, talvez se eu colocar uma blusa preta.
— Você está linda e se não fechar essa porta nos próximos cinco
segundos, vou te jogar no meu ombro e te carregar até o carro.
Fernanda me encara boquiaberta. Quero sorrir, mas mantenho minha
expressão séria.
— Não seja um homem das cavernas, Gael.
Cutuco o relógio de pulso.
— Dois segundos.
Ela abre um largo sorriso debochado e é tudo que preciso para fazer o
que prometi. Com um movimento rápido, agarro suas coxas, levanto seu
corpo com facilidade e a coloco sobre o meu ombro. Fernanda dá um gritinho
e cai na gargalhada.
Fecho a porta do seu apartamento, giro a chave e a enfio no bolso da
minha calça, antes de atravessar o corredor em direção ao elevador.
— Me solta, Gael! — ela grita e o som da sua risada é delicioso.
— Eu avisei, querida. Nunca duvide de um homem das cavernas.
Entro no elevador com ela, que não para de se debater. Dou um tapa
na sua bunda e Fernanda gargalha ainda mais alto, me fazendo sorrir como
um bobo. Quando chegamos ao térreo, dou de cara com Zé, o zelador, que
está ao lado de um casal no hall de entrada.
Passo por eles com passos firmes.
— Boa tarde — cumprimento sem me importar com a expressão
embasbacada que os três têm em seus rostos.
Fernanda se cala por um momento e fala quando passamos por eles:
— Boa tarde e um ótimo domingo para vocês.
Entrego a chave da Fernanda para o porteiro como se nada estivesse
acontecendo.
— Tá bom, Gael, já entendi. Agora me põe no chão! — ela fala
quando estou abrindo o portão, prestes a sair na rua.
— Eu disse que ia te carregar até o carro, querida.
— Por favor, juro que não faço mais isso.
Dou outro tapa na sua bunda. Ela grita e gargalha alto, o que me faz
querer não a soltar. Mas então chego ao carro e sou obrigado a colocar
Fernanda no chão. Seu corpo escorrega junto ao meu, aquecendo cada
maldita célula viva que habita em mim.
Seus olhos caramelados encontram os meus, brilhantes, sedentos.
Quando seus pés tocam o piso de concreto, meus braços estão ao redor da sua
cintura fina e minhas mãos descansam despreocupadas sobre a curva da sua
bunda empinada, enquanto os braços dela continuam em volta do meu
pescoço.
Estamos perto, muito perto um do outro.
Inalo sua respiração e não tenho dúvida que ela sente minha ereção
sob o jeans contra a sua barriga. Fernanda respira rápido. No entanto, eu mal
consigo respirar. Meu olhar cai para a sua boca, ela lubrifica os lábios com a
língua e estou a ponto de jogar tudo para o alto e aplacar o meu desejo,
quando uma buzina estridente assusta a garota em meus braços.
Fernanda recua um passo se afastando de mim.
Passo a mão pelo cabelo, irritado comigo mesmo. Estava prestes a
fazer uma besteira que podia estragar tudo e isso, essa miríade de emoções
incontroláveis que Fernanda desperta em mim, me enerva de uma maneira
cruel. Me sinto o ser humano mais desprezível da Terra por não ser capaz de
conter minha libido.
— Gael... — ela sussurra, sem jeito.
— Vamos, estou morrendo de fome — eu a corto propositadamente,
pois sei que Fernanda ia falar qualquer coisa sobre a forma que estávamos
nos devorando no meio da calçada, em frente ao prédio que moramos e em
pleno domingo na hora do almoço. E para ser honesto, não estou preparado
para dizer absolutamente nada.
Abro a porta do Volvo e espero Fernanda se acomodar no banco. Dou
a volta no carro, amaldiçoando mentalmente meu pau que escolheu uma
péssima hora para se manifestar. Disfarçadamente, ajeito o salafrário dentro
da calça antes de ocupar o assento do motorista.
— Gael... — O sussurro estremecido interrompe meus devaneios.
Apoio o joelho no banco e giro o corpo, ficando de frente para ela.
Prendo uma mecha do seu cabelo atrás da orelha, encantado com o rubor que
reveste suas bochechas.
— Me desculpe por isso, Nanda. Prometo que não vai mais acontecer,
está bem? — falo me obrigando a fixar meus olhos nos seus. — Eu gosto
muito de você e não quero estragar a nossa amizade porque meu pau não
consegue se controlar quando está perto de uma garota bonita.
Fernanda empurra o aro dos óculos para cima e vira a cabeça para o
outro lado, mas não é rápida o suficiente para que eu não veja uma lágrima
escorrer por seu rosto.
Meu coração encolhe na caixa torácica.
O que eu mais queria era pegar essa mulher no colo e fazer com ela
tudo que venho fantasiando desde o dia que a vi na piscina. Porém, não
posso. Não com tantas mentiras e omissões entre nós.
— Tem alguma playlist gravada pra gente ouvir, ou você é do tipo que
só ouve a Rádio Bandeirantes?
Fernanda pergunta com divertimento e sorri com sinceridade, mas
tenho certeza que minhas palavras a magoaram. Ela não sabe que ouvi sua
conversa com a Tayane hoje cedo, e nem imagina o quanto é difícil para mim
saber como se sente em relação a Leona. Mas vai ser melhor para ela se
acreditar que só estou interessado na sua amizade.
— Pode ficar à vontade. — Aponto para a multimídia instalada no
painel. — Tenho mais de mil músicas gravadas. Estão separadas por pastas.
Escolhe o que você quiser.
Dou a partida e coloco o carro em movimento enquanto Fernanda se
ocupa em definir qual gênero musical combina com o dia de hoje. Eu poderia
sugerir fúnebre, mas se o fizesse ela descobriria que o meu corpo está sendo
velado, em chamas e sedento pelo seu toque.
Passo quase os cinquenta minutos que demoramos para chegar à casa
dos meus avós em silêncio, respondendo automaticamente algumas perguntas
que Fernanda faz sobre a doença do meu avô. É meio-dia quando estaciono o
carro na frente do sobrado luxuoso em Alphaville.
— Seus avós moram aqui? — ela indaga, curiosa e admirada pela
beleza da propriedade.
— Há mais de vinte anos — respondo orgulhoso. — Eles viviam em
um apartamento pequeno na Vila Mariana. Minha avó veio visitar uma amiga
que morava na rua detrás e se apaixonou por essa casa que estava caindo aos
pedaços. Meu avô quase enlouqueceu quando ela disse que só sairia do
apartamento se fosse para morar aqui.
— Ele reformou? — Fernanda está olhando para cima, perplexa.
— Demorou dois anos para deixar como a minha avó queria.
— Seus avós se amam muito né, Gael? — ela murmura, e ainda que se
empenhe para disfarçar a emoção em sua voz, não atinge o seu objetivo.
Está tudo ali, escancarado no brilho dos seus olhos.
A admiração por confirmar que algumas pessoas tiveram a sorte de
encontrar suas almas gêmeas; o encantamento ao reafirmar que quando o
amor é verdadeiro, se torna o elo mais poderoso que qualquer dificuldade;
mas, sobretudo, a esperança que acaba de ser renovada de que, um dia, ela
também vai encontrar um homem que realize a reforma dos seus sonhos.
Fernanda não sabe, mas eu a enxergo. Mesmo sem querer, ela se
mostra para mim. A cada gesto, cada olhar e cada sorriso, essa garota se
revela, despretensiosamente. Por inteira. Crua. Pura.
E quanto mais eu vejo, mais gosto, mais desejo e mais quero ver.
É como uma compulsão, uma obsessão.
— Eles se amaram desde a primeira vez que se viram — confesso. —
E se amam até hoje.
Fernanda assente e um enorme sorriso desliza em seus lábios quando
minha avó aparece no portão em um de seus vestidos estampados que ela
tanto adora, retribuindo o sorriso carinhoso, embora a tristeza em seu olhar
seja evidente.
— Fernanda, essa é a dona Flora, minha avó. — Encaro a mulher que
me criou e amou como um filho. — Vó essa é a Fernanda, minha... amiga.
A última palavra deixa um gosto amargo na minha boca.
— É um prazer te conhecer, Fernanda. Vamos entrar, o almoço está
quase pronto.
— O prazer é todo meu, dona Flora. A sua casa é linda, parabéns.
Sigo Fernanda e me abaixo quando passo pela minha avó para que ela
beije minha testa como sempre faz. Mas ao contrário de todas as outras vezes
que ela repetiu esse mesmo gesto, eu a abraço com força e sussurro em seu
ouvido:
— Te amo, vó.
Os olhos marejados da dona Flora ao ouvir minhas palavras atestam
que Fernanda tinha razão. Por mais que minha avó saiba o quanto eu a amo, a
emoção e a surpresa ao ouvir as palavras da minha boca a deixam
maravilhada e ainda que por alguns minutos, me sinto realizado por
conseguir ofuscar sua dor com tão pouco esforço.
— Eu também te amo, meu filho — ela balbucia com a voz oscilante.
Passo o braço por cima do seu ombro e ando ao seu lado pelo trecho
de pedras que cruza o jardim até a porta da frente.
Fernanda também me fita com os olhos marejados, exultante por eu
seguir seu conselho e verbalizar meu amor para as duas pessoas mais
importantes da minha vida, antes que seja tarde demais.
Meu coração infla com mais uma, entre tantas outras emoções novas
que essa garota desperta em mim.
Agora, outro tipo de frenesi me envaidece, semelhante ao que sinto
sempre que vejo o orgulho nos olhos do meu avô, mas muito, muito mais
veemente. E me pego inflamado a provocar essa reação na Fernanda mais
vezes, apenas para que ela possa olhar para mim dessa forma.
Nunca apresentei nenhuma mulher para os meus avós, além da
Penélope, e por mais difícil que seja de acreditar, quando Fernanda se senta
ao meu lado na mesa posta para o almoço de domingo, é como se este lugar
estivesse esperando por ela, o tempo todo.
E mais uma vez, estou no único lugar onde quero estar.
CAPÍTULO 24
FERNANDA
Eu gosto muito de você e não quero estragar nossa amizade, porque
meu pau não consegue se controlar quando está perto de uma garota bonita.
A declaração do Gael não sai da minha cabeça durante todo o percurso
até a casa dos avós dele. Mais direto, impossível, e apesar de ter me magoado
pelo significado, não posso mentir e dizer que Gael foi grosseiro ou teve a
intenção de me humilhar. Nada disso.
Ele falou apenas a verdade sobre o que sentia e foi sincero, eu ousaria
dizer que foi até delicado, justamente para não ferir meus sentimentos. No
entanto, feriu mais do que eu gostaria que ferisse.
Rejeição é uma droga e eu tinha sido rejeitada. Mas como das outras
vezes, eu também iria me recuperar. Eu sempre me recupero. Sempre.
Conheço Gael há pouquíssimo tempo, mas já deu para perceber que
ele não é um homem mentiroso, tampouco canalha. Se fosse teria se
aproveitado do meu estado deplorável de excitação e transado comido no
carro mesmo, em frente ao prédio.
E naquele momento, eu não teria impedido ou me importado menos.
Na verdade, teria gostado muito e meu corpo, incendiado como jamais
esteve, ainda mais. Mas ele não fez e agora, depois de pensar melhor em tudo
que está acontecendo entre nós só posso agradecê-lo por ter me poupado de
um enorme vexame.
Se ter sido rejeitada antes do sexo foi ruim, não quero nem imaginar
como seria se ele tivesse me rejeitado depois. Pior ainda, se ele se
desculpasse por ter transado comigo. Acho que eu iria morrer, sem contar que
a nossa recente amizade nunca mais seria a mesma.
Por sorte, a dona Flora e o senhor Dwayne estão fazendo um trabalho
primoroso em afastar as lembranças deprimentes.
Estamos almoçando no jardim de frente para a piscina oval sob um
toldo branco que, segundo Gael, é montado todos os fins de semana já que a
sua avó faz questão de almoçar ali até quando chove.
— Come mais um pouquinho, Nanda — dona Flora fala apontando
para a travessa de carne assada com batata.
— Se eu comer mais uma garfada, minha barriga vai explodir. —
Recosto na cadeira, suando frio. Não é mentira. Estou empantufada depois do
segundo prato. — A sua comida é deliciosa, nunca comi uma carne tão bem
temperada.
O senhor Dwayne e o Gael trocam olhares cúmplices e dão uma
risadinha. Dona Flora faz uma careta e eu fico sem entender.
— O que foi? — pergunto, curiosa e um pouco acanhada. — Falei
alguma besteira?
Os dois homens riem mais alto.
— Não, minha filha. Eles estão rindo porque eu não sabia cozinhar
quando conheci o Dwayne — Dona Flora responde com uma carranca
adorável.
— Dizer que você não sabia cozinhar é um eufemismo, mo grá.
— Mo grá? — indago, confusa.
— Significa ‘meu amor’, em irlandês.
— O senhor nasceu na Irlanda? — Minha voz é um pouco mais
empolgada.
Ele confirma com um sutil movimento de cabeça.
— Meu filho e meu neto também.
Encaro Gael, que está sorrindo de lado.
— Você não me disse que era irlandês!
— Eu nasci na Irlanda, mas não me considero irlandês.
— Em que lugar da Irlanda você nasceu?
— Dublin. Minha família toda é de lá.
— Toda, não senhor. Metade. A outra metade é brasileira — corrige
dona Flora.
— Meu pai estava trabalhando lá quando minha mãe engravidou e
voltaram para o Brasil depois que eu nasci.
— Sua mãe também era irlandesa?
— Não. Ela nasceu aqui em São Paulo, como a minha avó — Gael dá
uma piscadela para dona Flora, e toda sua braveza por ele ter debochado das
suas habilidades culinária desaparece num piscar de olhos.
— Os homens dessa família têm uma quedinha pelas brasileiras —
fala o senhor Dwayne.
— Duas gerações de irlando-brasileiros que se apaixonaram por
brasileiras? — Arqueio as sobrancelhas com ironia. — Não é uma quedinha,
é uma quedona.
O homem de aparência abatida aponta com o queixo para o neto e
fala:
— Duas não, três. Esse rapaz bonito também se apaixonou por uma
brasileira.
— Vô... — Gael repreende o avô, mas é tarde demais.
O clima na mesa muda. Pelo canto do olho vejo Gael segurar a mão do
senhor Dwayne sobre mesa e o gesto de carinho derrete meu coração. Ele
sabe, tanto quanto eu, que seu avô não falou por mal, pelo contrário e não sei
o que fazer para reverter a situação, no entanto, dona Flora sabe.
Sua voz é suave quando ela pergunta:
— Nanda, você disse que trabalha em um museu, não disse?
Enquanto ajudávamos a avó do Gael a arrumar a mesa no jardim,
combinamos de não falar sobre trabalho durante o almoço. Eu realmente
fiquei feliz com o nosso acordo, pois não queria mentir, mas também não
tinha a menor intenção de contar o que havia acontecido comigo.
— Trabalho — respondo desviando o olhar para o meu prato vazio.
— Eu tenho algumas coisinhas antigas que comprei em um antiquário.
Você quer ver?
Então o clima ao nosso redor muda novamente, para melhor, claro.
Ninguém precisa me dizer que meu sorriso é largo e sincero, pois eu sei que
é, aliás, eu sempre sorrio assim quando falo sobre o que mais amo.
— Claro! — Dona Flora sorri igual.
A mão do Gael toca minha coxa sob a mesa fazendo meu corpo fremir
timidamente.
— Vou aproveitar para resolver algumas coisas com o meu avô no
escritório, enquanto você se diverte com as bugigangas da minha avó, está
bem?
Meus olhos se tornam duas fendas assassinas em sua direção.
— Da próxima vez que ofender qualquer objeto antigo dessa maneira,
vou fazer você se arrepender de querer ser meu amigo.
A gargalhada que Gael solta é nada menos que fabulosa. Ele joga a
cabeça para trás e o som que sai da sua boca, desbanca a música clássica do
primeiro lugar no meu ranking de sons preferidos.
Não consigo desviar o olhar enquanto ele se contorce de tanto rir e só
percebo que estou praticamente babando por Gael quando pego a avó e o avô
dele me encarando com... admiração, talvez?
De fato, não sei, e decido que não me importo.
— Ele não vai mais parar? — pergunto com ironia.
— Não tão cedo — dona Flora responde e se levanta. — Vamos,
minha filha. Quero saber sua opinião sobre uma peça que comprei mês
passado.
Gael ainda está sorrindo, menos, mas está. E antes que eu siga sua avó
para dentro da casa, ele leva minha mão à boca e deposita um beijo nos nós
dos meus dedos sem desviar o olhar do meu. É em momentos como este que
meu cérebro surta e fantasia que Gael me deseja com a mesma intensidade
com que eu o desejo.
Mas agora, o surto dura pouco, pois logo me lembro da sua declaração
e me conformo com a realidade que, o que vislumbro em seus olhos quando
ele me encara como está me encarando é fruto da minha imaginação infantil
com o intuito de confortar meu coração quebrado.
Com este pensamento em mente, me curvo para frente e falo baixinho
em seu ouvido, mas alto o bastante para que seu avô escute.
— Não precisa morrer de saudade. A gente se vê mais tarde.
Beijo sua bochecha e dou uma piscadela para o senhor Dwayne, que
também está sorrindo, antes de fazer meu caminho até o cômodo que a dona
Flora adaptou para guardar suas “bugigangas”.
E não nego que é um dos lugares mais incríveis que já vi.
— É maravilhoso! A senhora tem muito bom gosto — exclamo,
fascinada.
— Aqui tem sido o meu refúgio desde que descobri que o Dwayne
está com câncer — diz ela com os olhos cheios de lágrimas.
— O Gael me contou que ele não passou bem ontem de manhã.
— Ele piorou muito depois da última sessão de quimioterapia. O
médico disse que isso é normal quando o organismo está debilitado.
Dona Flora para ao meu lado e enquanto conversamos, ela me mostra
os objetos que adquiriu ao longo dos anos em suas visitas a antiquários de
vários lugares do Brasil.
— Em seis meses, muita coisa pode acontecer. — Tento animá-la
mesmo sabendo que apenas um milagre pode protelar a vida do seu marido.
— É engraçado como desde pequeno sabemos que um dia todos nós
vamos morrer, mas nunca estamos preparados para aceitar a morte.
— Para um casal que se ama de verdade, como a senhora e o senhor
Dwayne, acho que a dor seria a mesma se ele tivesse ficado doente dois
meses depois que vocês se conheceram. — Dou de ombros. — Prefiro
acreditar que a história de um amor assim não termina com a morte.
Ela me mostra um relógio de bolso que tem o ano de 1910 gravado na
parte de trás. Examino a peça com cuidado, admirando seu perfeito estado e
me imagino em um lugar cercado por dezenas de peças como essa.
— E você, Nanda? — A pergunta da dona Flora me puxa de volta.
— Eu, o que? — Coloco o relógio no lugar e pego um vaso de barro.
— Já encontrou o seu amor?
Sorrio tristemente sem tirar meus olhos da peça pesada e rudimentar,
mas extremamente bela, sobretudo por sua aspereza.
— Eu me apaixonei uma vez, mas acho que nunca amei ninguém.
— As pessoas confundem paixão e amor. Fico feliz por você saber a
diferença.
Nego, balançando a cabeça de um lado para o outro e ponho o vaso de
volta na prateleira. Dona Flora está ao meu lado e seus olhos estão cravados
nos meus como se ela estivesse fazendo uma análise minuciosa.
— Não sei diferenciar — admito sem me incomodar se pareço
inexperiente. — Só acho quando o amor fere intencionalmente, não é amor.
— Você se feriu?
— Não, eu fui ferida.
Ela assente e segura meu queixo com o indicador.
— O amor não é perfeito, Nanda. Nem as pessoas. Quem é capaz de
amar também é capaz de ferir, você só precisa ter certeza se vale a pena
perdoar quem te feriu, ou não.
— A senhora perdoaria uma traição?
— Não sei querida, mas já perdoei muitos erros do meu marido como
ele já me perdoou muitas vezes. Isso é o que o amor faz. Ele transforma quem
ama.
O toque do meu telefone me impede de continuar a conversa, e o
nome do meu ex-namorado brilhando na tela naquele exato momento, até
parece um sinal.
Como de costume, penso em ignorar a ligação, no entanto, a
declaração do Gael e as palavras da sua avó encaminham meus pensamentos
para uma nova direção.
Peço desculpas a dona Flora e indico o aparelho em minhas mãos,
antes de avisar que estou indo até o jardim. Enquanto admiro a luta do sol
para brilhar entre as nuvens cinzentas, tomo coragem para fazer o que não
faço há muitos anos.
E atendo a chamada.
— Oi, Arthur.
CAPÍTULO 25
GAEL
— Gostei da sua amiga. — Meu avô fala quando o ajudo a se sentar
em sua cadeira, no escritório.
— É impossível não gostar da Fernanda.
Eu me sento de frente para ele.
— Por que está fazendo isso, filho?
— O que eu estou fazendo?
— Fingindo que não gosta dela.
Sorrio sem humor.
— Acabei de dizer que é impossível não gostar da Nanda, vô.
— Se não te conhecesse podia jurar que não gosta apenas como
amigo.
— A gente se conhece há uma semana, de que outro jeito eu poderia
gostar dela?
— Você conhece essa moça pessoalmente há uma semana, mas me
disse que trocou mensagens com ela por três meses.
— Quem trocou mensagens com ela não fui eu, foi o Otavio.
— Você estava com raiva e agiu por impulso.
— É muito tarde para consertar as coisas.
— Nunca é tarde para corrigir um erro, Gael.
— A Nanda merece alguém especial.
— Você é especial.
— Diz o homem que me ama como se eu fosse um filho.
— Me disseram que ele é muito esperto e sabe das coisas.
— Eu digo que ele é muito bom e acredita que o amor resolve tudo.
— Pensei que só gostasse dela como amigo.
É assim que o senhor Dwayne consegue o que quer. Uma conversa
entre avô e neto dentro de um escritório caseiro, que começa com um
comentário inocente e de repente se converte para a confissão de um pecador
diante do padre dentro do confessionário.
— Eu gosto da Nanda. Ela é linda, inteligente, simples, honesta e
mexe comigo. Mas não sei se o que sinto é algum derivado do amor.
— Você amou a Penélope, não pode ser tão diferente assim.
— É exatamente esse o problema. — Fico em pé, incapaz de continuar
sentado. Ando até a janela e apoio as mãos no parapeito. — Tudo que eu
sinto pela Nanda é diferente do que senti pela Penélope.
Meu avô fica em silêncio. Giro o corpo e me encosto na parede com as
mãos enfiadas nos bolsos da calça.
— Eu gostava da Penélope quando a gente se conheceu na faculdade.
Ela era uma das garotas mais bonitas do campus, mas não fazia parte de
nenhum grupo porque era bolsista. — Fito meus pés, embaraçado. — Sei que
no começo do nosso namoro a Penélope estava me usando para se enturmar
com os meus amigos e não me importava, porque de certa forma eu também
estava usando a imagem dela para me exibir e provar que podia ter a mulher
que quisesse, mas o tempo foi passando, a gente foi se conhecendo e o
sentimento mudou.
Levanto a cabeça e encaro meu avô.
— É por isso que eu acredito que amei a Penélope. A nossa relação foi
construída com o tempo e a convivência. O que eu sentia por ela no começo
se transformou em amor ao longo desses sete anos.
— Como foi com a Fernanda? — Ele faz a única pergunta que não sei
como responder.
— Rápido.
— Quão rápido? Dois dias? Três? Uma semana?
— Não, vô. — Passo a mão pelo cabelo e expiro longamente. — Eu já
tinha visto a Nanda na piscina uma vez antes de saber quem ela era. Foi
bom... de um jeito que não sei explicar. Estranho, mas bom. Ela nem precisou
abrir a boca para mexer comigo, e um dia depois do flagrante eu reconheci a
Fernanda assim que coloquei meus olhos nela. É como se...
— Certo. — A voz do meu avô interrompe minha busca para
encontrar uma palavra que descrevesse aquele momento. — Quando você
reconheceu a Fernanda foi como se fosse certo. — Ele conclui.
Confirmo com a cabeça.
— E o que isso tem de errado, filho? — indaga. Eu volto a me sentar e
apoio os cotovelos sobre os joelhos.
— Foi rápido, vô. Muito rápido.
— Isso importa?
— Claro!
Meu avô sorri e fico feliz em saber que ele está se sentindo melhor
com a nova medicação, ainda que sua aparência esteja mais abatida.
— Por que, Gael? Por que o tempo é importante?
Recosto na cadeira e respondo seriamente.
— Porque não acredito que alguma coisa que comece tão rápido pode
durar muito tempo.
— Está dizendo isso baseado na sua experiência com a Penélope?
— Vô, o senhor está casado com a vovó desde os vinte e poucos anos,
passou mais da metade da vida com ela, construiu uma história ao lado dela e
hoje, ama mais a sua esposa do que amava quando vocês se conheceram. É
nesse tipo de relacionamento que eu me baseio, porque é esse tipo de
relacionamento que quero para mim. Foi por isso que fiquei sete anos com a
Penélope e tinha planos de passar o resto da minha vida com ela.
Abaixo a cabeça, puxo uma respiração, depois outra e outra. Quando
encaro meu avô novamente, ele não está mais sorrindo. No entanto, continuo
falando:
— O que eu sinto pela Fernanda não é apenas diferente do que eu
sentia pela Penélope. É confuso, me deixa nervoso e irritado, mas ao mesmo
tempo é bom, me faz bem, e só de pensar em me afastar dela, dói. Não como
doeu quando descobri que estava sendo traído. Eu me senti tão fracassado
com a traição da Penélope, que cheguei a me culpar. — Inspiro e expiro num
tentamento de me acalmar. — A Fernanda não sai de casa com medo de ser
reconhecida na rua porque está sendo massacrada pela imprensa. É bem
provável que ela perca o emprego no mês que vem. Eu continuo mentindo
mesmo depois de tudo que fiz, e além de ter plena consciência que sou o
culpado pelo que aconteceu, também sei que deveria me afastar para o bem
dela. Eu já tentei, vô. Juro que tentei, mas não consigo...
— Por isso quer ser amigo dela? — ele murmura com pesar.
Balanço a cabeça para cima e para baixo, confirmando.
— É o único jeito de manter a Nanda perto de mim sem estragar tudo,
até eu encontrar um jeito de contar a verdade para ela.
— A única coisa que você precisa encontrar para contar a verdade, é
coragem, filho.
— Primeiro eu preciso entender o que é isso que estou sentindo.
— Entender ou aceitar?
— Vô, eu gosto da Nanda e sinto um tesão louco por ela, mas não
consigo acreditar que seja paixão, muito menos amor.
O senhor Dwayne se cala, abre uma gaveta e pega algumas pastas que
reconheço assim que ele as coloca em cima da mesa. São os relatórios que
trouxe da última vez que estive aqui e combinamos de analisar ontem.
— Vamos dar uma olhada nos números do último mês? — Ele inquire
com um tom de voz impassível, e a mudança repentina de assunto me
desconcerta.
— Não vai falar mais nada sobre a Fernanda?
— Filho, você já tomou sua decisão. O que quer que eu faça?
— Não sei, vô. — Encolho os ombros. — Pode me dizer o que o
senhor acha ou me dar um conselho. Qualquer coisa.
Ele me observa com seus olhos meticulosos por longos segundos que
demoram a passar até que resolve perguntar:
— Você quer um conselho?
Seu olhar incitador me adverte, sugerindo que eu passe a vez e siga
direto para a próxima rodada, no entanto, o homem que me encara do outro
lado da mesa é o único no mundo a quem eu confio minha própria vida.
— Quero — refuto sem demora.
Ele dá um pequeno sorriso sacana e fala:
— Todo mundo precisa de um ombro amigo de vez em quando, mas
uma mulher quer um homem na cama dela todos os dias. Decida qual deles
você quer ser, antes que a Fernanda decida por você e encontre um homem
que não esteja interessado apenas na amizade dela. Porque se acontecer, e nós
dois sabemos que é inevitável que isso aconteça, você vai ficar sem a amiga
por ser covarde e sem a mulher por ser burro.
Fico estarrecido com o que o meu avô chama de conselho e estou
pronto para dizer a ele o quanto me aturdiu, quando o barulho da porta atrás
de mim atravanca as palavras na minha garganta.
Minha avó entra acompanhada pela enfermeira, que traz uma bandeja
de prata nas mãos com algumas caixas de remédio, uma jarra de água e um
copo descartável.
A mulher vestindo um jaleco branco deposita a bandeja em cima da
mesa e entrega os comprimidos ao meu avô. Dona Flora se acomoda na
cadeira ao meu lado enquanto espera o marido engolir cada um deles.
— Cadê a Fernanda? — indago, curioso para saber o que as duas estão
aprontando.
— No jardim — minha avó fala sem muito interesse.
— A senhora não ia mostrar as coisas que comprou no antiquário?
— Eu estava mostrando, mas ela saiu para atender uma ligação.
Pela visão periférica vejo meu avô sorrindo. Me remexo, incomodado.
— A tia dela deve estar preocupada — murmuro, torcendo para que o
meu palpite esteja certo.
— Qual o nome da tia dela? — minha avó pergunta, vigiando cada
movimento da enfermeira.
— Tayane.
— Não, o nome que eu vi no celular dela começa com a letra A.
Merda!
Rapidamente me levanto com o dedo em riste para o meu avô, que
continua sorrindo, e falo:
— Eu volto em cinco minutos pra conferir os relatórios com o senhor.
— Não pretendo ir a lugar nenhum, filho.
Óbvio que ele está sendo irônico, mas saio do escritório sem cair na
sua provocação e sigo para o jardim. Passo pela sala de estar, cozinha e
lavanderia até alcançar a porta dupla de vidro que dá para o espaço cimentado
onde o toldo está montado, e é ali que encontro Fernanda.
Ela transfere o peso do corpo de uma perna para outra, segura o
telefone colado ao ouvido com uma mão, enquanto a outra abraça sua cintura
e seus olhos encaram o chão.
Meu coração bate depressa quando restrinjo a distância entre nós e
paro atrás dela. Mal ouço a sua voz de tão baixo que ela fala.
Seu corpo endurece quando sente a minha presença, mas Fernanda não
se vira. No entanto, a última frase que ela fala, um segundo antes de desligar
o telefone, é o suficiente para reiniciar a arruaça infernal dentro de mim e me
deixar a um passo da insânia.
— Eu te ligo quando chegar em casa, Arthur.
Fernanda guarda o telefone no bolso da calça preta. Eu a aguardo, sem
pressa. Ela puxa o cabelo para o lado e o joga para frente por cima do ombro.
Culpa me arremete quando meus olhos fitam sua nuca e vão descendo por
suas costas e fazem a última parada na sua bunda.
Meu pau desperta, ampliando a culpa. Eu só preciso avançar um passo
para ter seu corpo colado ao meu, dos pés à cabeça. Um passo para deslizar
minha língua por seu pescoço e sentir seu cheiro. Um passo para abraçar sua
cintura e enfiar minha mão por dentro da sua calça.
Um maldito passo para dar um basta a essa tortura agonizante que é
ter Fernanda tão perto e, ao mesmo tempo, tão distante.
Fecho as mãos em punho, debatendo, guerreando. Eu contra eu
mesmo. Uma guerra desleal e injusta que estou cansado de lutar. Se ao menos
ela girasse o corpo e me encarasse, talvez facilitasse a minha decisão, mas
nada acontece. Fernanda não se vira.
Sua respiração acelera, como a minha. Seus ombros sobem e descem
rápido, como os meus. Eu espero por ela. Ela espera por mim. Estamos juntos
nesse jogo perigoso como se fôssemos rivais, mas no fundo estamos do
mesmo lado, desejando e ansiando a mesma coisa.
Eu menti quando disse que queria sua amizade e Fernanda está se
esforçando para acreditar na minha mentira, mas meu corpo não pode mentir
para o dela e chegamos a um impasse.
Se eu a deixar aqui, ela vai me deixar ir.
Se eu a tocar, pode ser o começo de alguma coisa como pode ser o fim
de tudo que mal começou.
Tenho muitas dúvidas sobre o que sinto por essa garota, mas tenho
certeza que não quero perdê-la. E é essa convicção que bate o martelo, pela
última vez.
Então, eu dou o primeiro passo.
CAPÍTULO 26
FERNANDA
Arthur está falando o quanto sente minha falta e no segundo seguinte,
sinto a presença de Gael atrás de mim. Meu corpo paralisa, a voz do meu ex-
namorado se torna um sussurro inaudível, o ar abandona meus pulmões e
meu coração trepida dentro do peito.
— Eu te ligo quando chegar em casa, Arthur. — Expulso as palavras
da minha garganta ressecada, guardo o telefone e fico sem saber o que fazer.
Calor me sufoca, queima. Puxo meu cabelo para frente no intuito de
amenizar a quentura na nuca. Fecho os olhos, inspiro devagar e espero.
Gael continua atrás de mim, tão estático e mudo quanto eu. A
confusão me toma, provocando, atiçando e desafiando a Fernanda impulsiva
escondida por trás da fachada de boa moça. Mas não admito que ela venha à
tona. Por enquanto.
O medo de uma segunda rejeição é ainda maior que a curiosidade de
saber qual a intenção do Gael, quando ele decidiu vir até aqui bisbilhotar sem
ter sido convidado a participar da minha conversa com Arthur.
É instintiva, primal e real, a minha necessidade de definição para o
que quer que seja, essa coisa que Gael e eu estamos fazendo, ou melhor,
vivendo. Para essa indecisão que ele demonstra sempre que decide me afastar
e dizer que sou apenas sua amiga.
Amigos não sentem tesão quando se tocam, não exibem desejo
escancarado quando se olham e não ofegam como estamos ofegando nesse
exato momento. Me recuso a girar o corpo, a tomar a iniciativa.
Então espero e espero. Expectativa tangendo em cada célula,
querendo, torcendo. Implorando para que Gael dê o primeiro passo.
E ele dá.
— Essa é a sua chance de dizer que não me quer, Fernanda. Aproveita,
porque não vai ter outra se eu colocar minhas mãos em você.
A voz rouca soprada em meu ouvido é a prova da insolência do anjo
— ou demônio — encarregado de escolher os timbres das cordas vocais do
Gael. Uma afronta ao controle da libido feminina. Em especial, o meu.
Ele está mais perto. O mormaço que emana do seu corpo escalda o
meu sem nenhum toque. Minha calcinha umedece.
— Cinco segundos. — Não é um aviso. É uma promessa que eu
anseio que ele cumpra.
Perco a contagem do tempo quando a ponta da sua língua percorre o
contorno do meu lóbulo sensível, tortuosamente lenta. Gemo baixo, meus
mamilos enrijecem sob a blusa vermelha, minhas pernas bambeiam.
— Não diga que eu não avisei. — A sutileza em sua voz se vai e leva
com ela a gentileza do seu toque.
As mãos do Gael apertam as laterais do meu corpo e me giram como
se eu fosse uma boneca de pano. Numa fração de segundos estamos cara a
cara, minhas mãos apertam seus braços fortes, as dele se separam, e enquanto
a direita enrola um punhado do meu cabelo ao seu redor, a esquerda desce
para a minha bunda e me aperta, amparando sua ereção na parte mais
desamparada do meu corpo.
— Você devia ter ido embora. — Seu nariz acaricia minha bochecha,
queixo e lábios. Meus braços envolvem seu pescoço.
— Eu quero ficar. — Ele puxa meu cabelo, me intimando a olhar para
cima. Para ele.
Seus olhos percorrem cada parte do meu rosto, sondando,
investigando. Um pavio aceso prestes a queimar a cera, determinado a tacar
fogo em tudo que estiver à sua frente.
Gael inclina minha cabeça mais para trás, a posicionando no ângulo
que bem quer. Seu olhar é duro, esfomeado.
— Quer que eu te beije? — Sua língua macia se arrasta de um lado ao
outro do meu maxilar.
— Sim...
Sem hesitar, Gael submerge na minha boca, chupa minha língua,
lambe, prova, devora e comprova o que eu mais temia. Nunca ninguém me
beijou assim. Sou uma marionete em seus braços, acatando suas ordens
silenciosas, indo, vindo e parando onde ele determina.
Entrego tudo em suas mãos, de mão beijada.
E me recuso a negar qualquer coisa que ele queira ou exija, pois sei
que negar a Gael é negar a mim mesma. Eu desejo esse homem desde a
primeira vez que o vi, e agora que tenho certeza que ele me deseja igual, não
tenho forças para recuar.
— Merda! — xinga, ofegante. Mordisca meu lábio inferior, seus
dedos aumentam a pressão no meu cabelo e na minha bunda quando me
esfrego contra sua virilha.
Gael me beija mais duro, esmaga meus seios contra o seu peito forte,
grunhe, investe pesado usando sua boca cada vez mais exigente e
desesperada, que não renuncia a minha nem mesmo quando nos conduz com
passos cuidadosos em direção ao banheiro da piscina, na área externa da casa.
Seu corpo pressiona o meu contra a parede azulejada e fria, no instante
que a porta se fecha atrás de nós. Gael gira o trinco nos trancando do lado de
dentro.
Minhas roupas se tornam adversárias perigosas e começam a ser
eliminadas, peça por peça, assim como meus óculos. A calcinha de renda
vermelha é a única sobrevivente, mas não apresenta resistência alguma
quando os dedos longos e grossos do Gael ultrapassam as fronteiras do tecido
fino e reivindicam sua posse.
— Aqui, Nanda. — Ele me abre e esfrega meu clitóris. — É aqui que
eu quero entrar. — Sua boca abandona a minha para abocanhar meu seio. Seu
olhar azul-escuro encontra o meu. — Mas antes eu preciso te provar.
Gael mordisca meu mamilo tão rápido quanto volta a capturar minha
boca, suas mãos agarram minha bunda, erguem meu corpo e me colocam
sentada na beirada da pia.
Ele se afasta, me empurra delicadamente para trás até que meus
ombros se escorem na parede e tira minha calcinha. Seus olhos descem pelo
meu corpo e aterrissam no meio das minhas pernas como um Boeing 787[2].
— Tão linda e toda molhada pra mim, Fernanda! — diz ganancioso.
Sua respiração entrecortada, a expressão de pura luxúria.
Gael se inclina para frente, passa os braços por baixo das minhas
coxas e me puxa para frente. Ele ergue minha bunda, quando escorrego pelo
granito escuro, e faz seu mergulho onde meu corpo mais necessita e deseja
sua presença.
Fecho os olhos e gemo alto, pois não há mais nada que eu possa fazer
além de me submeter ao prazer incongruente que Gael me oferece.
Sua língua chicoteia meu clitóris com golpes furiosos e ritmados,
subindo, descendo, circulando, esmagando. Minhas mãos estão ávidas para
agarrar alguma coisa e as dele para me enlouquecer.
Gael segura meus tornozelos com firmeza e apoia meus pés na curva
da pia, me deixando totalmente exposta para ele. Quase fico encabulada com
a posição, mas então meus olhos se veem no espelho lateral, ou melhor, veem
uma mulher nua à mercê das vontades mais devassas e imorais de um homem
viril, possessivo, autoritário e completamente vestido, dentro de um banheiro
qualquer.
Sem dúvida é uma visão pornográfica que beira a vulgaridade. Chula,
decadente, mas extremamente excitante.
Estou no paraíso queimando no fogo do inferno, e quero mais.
Preciso de mais.
Com a ponta do indicador e do polegar, Gael abre minha carne úmida
para que o dedo médio da outra mão me invada com facilidade, e dá início a
uma sequência de golpes certeiros. Dentro, fora, dentro, fora, dentro e fora.
Rápido. Duro. Implacável.
Ele procura, encontra e flagela meu ponto G, ao mesmo tempo que sua
língua azucrina meu clitóris, tenso e inchado.
Minhas pálpebras lutam para ficar abertas, para não ceder as sensações
que arruínam meu discernimento, e impedir meus olhos de apreciarem cada
minuto da imagem libertina que reflete uma Fernanda que eu desconheço.
Sequer sabia que existia.
A mulher arreganhada em cima da pia. Dominada. Rendida.
Submetida. Que geme — sem fingimento — como uma atriz pornô e implora
por mais dos lábios, da língua e dos dedos do macho alpha que se farta entre
suas pernas.
A mulher que morde a mão fechada para abafar o grito alto que escapa
da sua garganta, quando dentes afiados mordiscam seu clitóris extasiado, e
lhe apresentam a um inexplorado mundo colorido, repleto de estrelas
cadentes brilhantes, tremores sem fim, arrepios, calafrios, ainda mais desejo
devasso, e um sentimento tão novo quanto ela mesma.
Gael passa o nariz ao longo da minha abertura, desde o ânus até a
fenda ensopada, uma última vez, antes de endireitar o corpo. Sua boca está
brilhante e melada do meu prazer, os cabelos bagunçados, as maçãs do rosto
coradas e o olhar... selvagem. Insaciado.
Ele abaixa minhas pernas, se encaixa entre elas, sua mão envolve
minha nuca e me puxa para frente. Para ele.
— Gostosa pra caralho — murmura e toma posse da minha boca.
Não há maneira de descrever esse beijo isento de tudo, menos de
fome.
Sua língua dança, lambe e chupa, tão severamente como acabou de me
foder — lá embaixo. Provo do meu gosto e gosto do que provo. Uma mistura
excêntrica de saliva e gozo. De Gael e Fernanda.
Puxo a barra da sua camisa preta para cima e ele completa o serviço de
se livrar da peça, antes de descalçar os sapatos. A calça é jogada de lado junto
com a cueca e as meias. Minhas mãos passeiam livremente pelo seu corpo e
aproveito para admirar esse homem tão lindo à minha frente.
Sua ereção dura, longa e engrossada me dá agua na boca. Quero
provar, mas Gael nota minha expressão de gula e, mais uma vez, me domina
com extrema facilidade.
— Mais tarde — fala suavemente, no entanto, sem dar margem para
contestação. Ele me põe no chão e gira meu corpo de frente para a pia. —
Apoia as mãos e segura firme para não cair, porque eu vou te comer com
força até você gozar no meu pau, chamando meu nome.
Ofego com suas palavras depravadas e o encaro pelo espelho. Gael
pega uma camisinha no bolso da calça, desliza sobre a extensão e se
posiciona atrás de mim.
— Sabe quantas vezes eu imaginei isso? — sibila entre os dentes,
agarra as laterais dos meus quadris e se inclina para a frente. Afasta meu
cabelo para o lado liberando meu pescoço e ombro para sua boca. — Sabe
quantas vezes eu sonhei que estava te comendo assim? Tem ideia do quanto
eu te desejo?
Gael encaixa seu pau no alto das minhas coxas e desliza para frente e
para trás, enquanto seus dedos beliscam, torcem e esfregam os dois mamilos
ao mesmo tempo, com movimentos idênticos em pé de igualdade. Como um
pai atencioso deve fazer quando têm filhos gêmeos para que um não tenha
ciúme do outro.
— Você me deixa louco, Fernanda... — sussurra em meu ouvido.
Considero como um elogio, mas da forma que Gael fala mais parece
um xingamento, e se não fosse a lascívia explícita em sua voz, eu poderia
jurar que ele está com raiva de mim.
Com um único e calculado movimento, Gael me invade.
Fundo. Profundo. Bruto. Intenso.
Ele me enche, preenche, alarga. Eu o recebo, o acolho.
E é... Perfeito.
Eu ainda não sabia, mas foi naquela tarde, dentro daquele banheiro em
Alphaville, quando entreguei meu corpo, minha alma e meu coração para o
Gael e permiti que ele me visse na íntegra, sem máscaras ou disfarces, que a
minha vida começou a ser reescrita.
Linha por linha.
Parágrafo por parágrafo.
Página por página.
Capítulo por capítulo.
E apenas no epílogo, descobri que nem todas as histórias de amor são
clichês e nem todos os mocinhos são heróis.
CAPÍTULO 27
GAEL
Melhor.
Porra, entrar em Fernanda por trás é milhões de vezes melhor do que
imaginei, aliás, jamais pensei que pudesse ser assim tão bom. Tão perfeito.
Perfeito pra caralho!
Enrolo seu cabelo em minha mão e o jeito que ela me olha através do
espelho, quando me engole por inteiro, é demais para mim. Sua boceta
apertada se avoluma para receber o meu tamanho, que parece ainda maior
devido ao tesão que me consome com fúria e me enfurece ao extremo.
Seguro seu ombro com a mão livre, começo lento para não acabar
rápido. Não quero que isso acabe nunca. Puxo para trás, deixando apenas a
cabeça rosada dentro dela e me sinto carente. Empurro com mais força
impulsionando seu corpo curvado para frente.
Ela geme e eu me perco nela, dentro dela, ao som dos seus gemidos
sussurrados. Nossos olhares travando uma batalha libidinosa.
Por que tinha de ser tão gostosa, merda?
Fernanda empina a bunda se oferecendo ainda mais para mim. Ela me
fode de volta quando meto sem piedade até o talo. Minhas bolas resvalam na
sua bunda a cada choque dos nossos corpos, que conversam entre eles e se
reconhecem, se conectam, se completam.
É como se o antes tivesse sido programado em cada mínimo detalhe
para chegar ao que está acontecendo agora. Eu, aqui, dentro dela. Tomando o
controle do seu prazer, a posse do seu corpo e da sua alma.
Fernanda...
— Que delícia de boceta, porra! — rosno entredentes, tomado pela
cólera quando olho para baixo.
Meus olhos cravam no ponto exato onde nossos corpos se encaixam e
a visão do meu pau entrando e saindo, me arrebata. O espetáculo é digno de
Óscar. A maldita perfeição.
— Mais forte, Gael. — Seu pedido é carregado de lamento. Uma
súplica sussurrada que me leva além de quaisquer limites, racionais e rígidos,
há tempos pré-estabelecidos.
Sou mar em fúria, tempestade, tsunami.
Trinco os dentes e acelero os movimentos, enraivecido pela falsa
sensação de controle que sempre tive longe dela e sempre perco quando estou
perto dela.
O pensamento de que Fernanda é a minha fraqueza me torna
impetuoso, cruel, sórdido. Como sua boceta com violência, sem clemência ou
compaixão. Insisto em descontar minha raiva a cada estocada, ciente de que a
estratégia está se voltando contra o estrategista.
Quanto mais eu fodo Fernanda, mais quero foder. Poderia morrer
fodendo essa mulher e se morresse dentro dela, morreria feliz. Jamais senti
nada igual, tampouco deduzi que pudesse existir um prazer como esse.
E, ao mesmo tempo que me encanta e fascina, me aterroriza e
preocupa. Mas pensar em parar, em abrir mão de estar dentro dela, é uma
utopia até para o homem mais perseverante.
— Gael... — Fernanda chama meu nome baixinho, ofegante, trêmula.
Sua boceta esmaga meu pau, tão justa, quentinha e molhada, pronta para
gozar.
— Vem pra mim, Nanda. — Ela acata minha ordem e goza.
Eu me inclino sobre ela, cubro seu corpo pequeno com o meu sem
parar de meter. Suor nos une, meu peito em suas costas, afundo a cabeça no
vão do seu pescoço. Fernanda me leva mais fundo, minhas investidas ficam
mais vigorosas quando inalo seu cheiro de fêmea e mordo seu ombro antes de
encher a camisinha com a minha porra.
Descanso a testa na sua cabeça, mais confuso do que estava antes de
sair do escritório do meu avô e vir atrás dela. Meu coração retumba contra
sua pele suada. Não sei o que foi isso, quando começou, como aconteceu,
menos ainda se vai durar.
Mas sou egoísta demais para afastar Fernanda e agora que provei a
delícia de estar dentro dela, reconheço que não quero deixá-la nem quero que
me essa garota deixe. Não posso ficar sem... Ela.
— Isso foi... — Fernanda murmura.
Levanto a cabeça e a vejo sorrindo para mim pelo espelho. Meu
coração dá um salto e mergulha no precipício caramelado dos seus olhos.
— Perfeito — digo sem titubear, porque é o que é, e não vou mais
mentir para mim mesmo, nem fingir que essa garota não virou a minha vida
de cabeça para baixo sem nenhum interesse ou pretensão.
Beijo seu cabelo, meu pau amolece e escorrega para fora. Sinto o
abandono e já quero voltar, mas estamos na casa dos meus avós e o senhor
Dwayne deve estar me esperando.
Seguro Fernanda pelos ombros e giro seu corpo miúdo. Os seios fartos
pressionam contra mim, os mamilos endurecidos são uma merda de distração
para o meu pau, que pulsa festeiro querendo brincar novamente.
E quando nossos olhares se encontram, eu a beijo. Não com furor, mas
com paixão. O beijo é lento, calmo. Uma degustação no fim do jantar. Um
agradecimento e também um aviso de que eu a tenho a partir de agora.
Fernanda Lombardi é minha.
Abraço sua cintura, aperto sua bunda, exploro sua boca. Meu pau
endurece e engrossa contra a sua barriga.
— Eu queria muito te comer de novo, mas deixei meu avô no
escritório e preciso falar com ele. — Afasto as mechas suadas do seu rosto
corado e beijo sua testa.
— Sua avó também deve estar preocupada comigo. Eu saí para
atender o telefone e não voltei mais.
— Ela sabe que está comigo.
— Sabe? — Fernanda pergunta com a testa franzida.
Eu me afasto e começo a recolher nossas roupas espalhadas pelo chão.
Nunca fui um cara ciumento, mas saber que o Arthur ainda a quer me deixa
possesso. Puto da vida, na verdade.
— Foi ela que me disse que você estava no jardim. — Entrego sua
calça, blusa, calcinha e gorro.
— Por que veio atrás de mim, Gael?
Visto a cueca sem encará-la, incerto se é o momento certo para termos
essa conversa e decido que não.
— Por vários motivos, mas não vamos falar disso agora, está bem? —
Visto a calça e fecho o zíper.
Fernanda para à minha frente, seminua, em silêncio, e segura meus
pulsos, impedindo que eu coloque a camisa. Ela está esperando que eu a
encare, sei disso. E contra a minha vontade, faço a vontade dela.
— Não precisamos falar sobre nada, Gael, mas preciso que me fale se
ainda somos apenas amigos depois do que acabou de acontecer.
Eu deveria dizer que não podemos, ou melhor, não devemos ser nada
além de amigos até que ela saiba a verdade. Toda a verdade. No entanto, a
simples ideia de afastá-la da minha vida, pois é isso que vai acontecer se
ignorar o que fizemos e voltar à estaca zero, comprime meu peito e faz doer.
Machuca.
Seguro seu rosto entre minhas mãos e olhando no fundo dos seus
olhos, escolho ser cem por cento sincero com ela, ao menos dessa vez.
— Acabei de sair de um relacionamento de sete anos e não sei definir
o que sinto por você. Só sei que eu te desejo como nunca desejei outra
mulher. Se você estiver disposta a arriscar, eu quero isso também, mas vou
entender se não...
Não consigo terminar porque Fernanda se joga em cima de mim e me
beija com gula. Ela está tão faminta quanto eu e a satisfação de ter essa
mulher me diz que talvez, apenas talvez, meu avô pode estar certo.
Preciso apenas de coragem para contar tudo e torcer para que ela me
perdoe por ter mentido.
— Eu quero arriscar, Gael — Fernanda murmura na minha boca.
Aperto seu corpo contra o meu para que sinta minha ereção e rosno
em seu ouvido, ameaçadoramente, antes de afastar sua calcinha para o lado e
enfiar dois dedos dentro dela.
— Isso significa que essa boceta é minha e eu não divido o que é meu
com ninguém. — Deslizo a língua por toda a extensão do seu pescoço. Ela
ofega e abre as pernas me dando mais acesso. — Sou um homem possessivo,
Fernanda. Nunca se esqueça disso.
E sem prévio aviso, retiro minha mão e dou um passo para trás,
deixando Fernanda atordoada. Seus olhos brilham luxuriosos, ela parece meio
grogue. Sorrio, cínico, e chupo os dedos melados como se fossem uma fruta
saborosa, embora eu duvide que existe alguma coisa mais deliciosa que o
gosto da boceta da Fernanda.
— Quando encontrar a minha avó, não tente mentir. Ela é esperta e
você está com cara de quem acabou de ser fodida no banheiro da casa dela.
— Pisco com um olho, giro nos calcanhares e destranco a porta.
— Quando encontrar o seu avô, não tente mentir — Fernanda fala
atrás de mim com ironia. — Ele é esperto e você está com cara de quem
acabou de foder no banheiro da casa dele.
Contenho a vontade de sorrir, dou meia-volta e avanço sobre ela,
pegando-a totalmente de surpresa. Fernanda solta um gritinho quando a
empurro contra a parede, cerco seu corpo com os braços e vocifero ao mesmo
tempo que belisco seu clitóris.
— Quando a gente chegar em casa, Fernanda — digo apenas,
deixando a sugestão no ar a fim de instigar sua curiosidade.
— O que vai fazer? — ela indaga sem fôlego e se contorce.
Pressiono com mais força o nervo inchado entre os dedos.
— Vou te ensinar uma lição para garotas insolentes. — Mordisco seu
lábio inferior arrancando um gemido estrangulado dela. — E você vai
descobrir que sou um ótimo professor.
Dou um tapa na sua boceta e dessa vez, me apresso em sair do
banheiro para não cair em tentação e fazer exatamente o que mais quero.
Preciso retomar o controle sobre o meu corpo ou vou passar o tempo
todo dentro dessa mulher.
Por que tinha que ser tão gostosa?
CAPÍTULO 28
NANDA
O reflexo no espelho comprova que qualquer pessoa que olhar para
mim, vai saber que acabei de ter o melhor sexo da minha vida. Ajeito o gorro
na cabeça, coloco os óculos e sigo pelo jardim me esforçando para não sorrir
como uma adolescente apaixonada.
Até porque não acredito que esteja realmente apaixonada por Gael,
afinal de contas, eu mal o conheço. Mas o fato de ele também querer arriscar
e ver até onde isso vai dar é mais do que o bastante para me deixar
esperançosa de que pode dar em alguma coisa boa.
Meu telefone toca quando abro as portas de vidro e entro na cozinha.
O nome do Arthur brilha na tela. Encerro a ligação sem atender e enfio o
aparelho no bolso da calça. Encontro dona Flora sentada no sofá da sala, ela
sorri quando me vê.
— Estava esperando você para me acompanhar — fala e aponta para
uma garrafa de licor e dois copinhos de cristal, em cima da mesa de centro.
— Não sabia que a senhora gostava de beber, mas fico feliz em
descobrir que gosta. — Eu me sento ao seu lado.
— Sou esposa de um irlandês, esqueceu? — A avó do Gael serve duas
doses e me entrega uma. — Vamos fazer um brinde ao amor, Nanda.
Sorrimos uma para a outra e brindamos.
— Como é estar casada há tanto tempo? — pergunto e apoio um
joelho no estofado, me acomodando de frente para ela.
— Muitas das minhas amigas me dizem que cometi um grande erro
quando me casei com dezoito anos. A maioria não entende como consegui
passar todo esse tempo sem me aventurar por aí e provar coisas diferentes. Se
é que me entende. — Ela toma um golinho da bebida esverdeada e sorri com
os olhos marejados. — Dwayne foi o único homem que tive, Nanda, mas não
por obrigação. E vai continuar sendo até o fim, porque não consigo expressar
em palavras o tamanho do amor que sinto pelo meu marido.
— Eu discordo das suas amigas e fico emocionada quando ouço
histórias como a sua — confesso honestamente. — Acho que sempre sonhei
viver um amor assim, apesar de saber que hoje em dia as pessoas se separam
com a mesma rapidez com que se casam.
— Quando não existe amor fica mais fácil se livrar do problema do
que tentar resolvê-lo. Não vou mentir e dizer que sempre vivi às mil
maravilhas e nunca quis enforcar o Dwayne quando ele me deixava de lado
por causa dos negócios. Mas um casamento exige paciência, esforço,
dedicação e compreensão. E os dois precisam querer as mesmas coisas ou
não vai dar certo. Como aconteceu com o Gael.
Fico tensa no segundo que dona Flora menciona o nome do neto. Ele
me disse que foi traído pela noiva, mas não entrou em detalhes e apesar da
minha curiosidade, fico calada, covarde demais para perguntar.
Por sorte, ela parece feliz em me contar um pouco sobre a mulher que
Gael amou, e talvez ainda ame.
— Meu neto sempre quis se casar, ter filhos e uma família. Igual ao
avô e o pai dele. Mas desde que o Gael conheceu aquela mulher e eles
começaram a namorar, eu sabia que não era o que ela queria.
— Ela não gostava do Gael? — indago disfarçando meu interesse.
— Acho que até gostava, mas não como ele gostava dela.
Uma pontada de ciúme me deixa desconfortável e em dúvida se quero
mesmo levar essa conversa a diante, mas dona Flora parece aliviada em
desabafar e continua:
— Meu neto era completamente apaixonado por ela. O Gael ainda
estava no segundo ano da faculdade quando me falou que tinha comprado
uma casa e ia convidar a namorada para morar com ele. Eu e o avô ainda
tentamos fazer o Gael mudar de ideia, mas você sabe como são os jovens.
Depois que enfiam uma ideia na cabeça não tiram mais. Então nós apoiamos
a decisão dele, mesmo sem concordar.
Bebo um gole do licor que estava esquecido.
— A senhora acha que ele ainda... — Levo uma mão à boca e arranho
a garganta. — Será que o Gael ainda gosta dela?
Dona Flora toma o restante da sua bebida e coloca o copo na mesa.
— Não sei, mas se ele ainda gostar, espero que você consiga fazer
meu neto esquecer aquela mulher. — Dona Flora segura minha mão livre
entre as suas e sorri. — Apesar desse jeitão todo sério e fechado, no fundo o
Gael não passa de um menino romântico que teve o coração quebrado por
uma interesseira que só queria se aproveitar do dinheiro e do status dele. Meu
neto ainda vai errar muito e fazer muita besteira, mas ele é um homem bom,
responsável, carinhoso, fiel e merece alguém especial que queira as mesmas
coisas que ele. Alguém como você, Nanda.
Meu coração está batendo muito rápido. Uma mistura de medo, ciúme
e insegurança.
— A senhora fala como se me conhecesse há muito tempo. Quem
garante que eu não sou igual e ela? — Seu sorriso se alarga.
— Se você fosse, eu não estaria fazendo fofoca sobre a intimidade do
meu neto e também não te contaria que ele saiu correndo do escritório
quando eu dei a entender que você tinha ido para o jardim atender a ligação
de outro homem. — Arregalo os olhos, estarrecida com a confissão da dona
Flora. Ela solta uma risada típica de quem está aprontando alguma coisa e dá
uns tapinhas não minha mão. — Eu conheço meu neto, querida, ele só
precisava de um empurrãozinho para deixar de ser teimoso e aceitar o que
está debaixo do nariz dele, mas ele se recusa a enxergar.
— O que a senhora quer dizer? — falo, mais temerosa do que gostaria
de parecer.
— Quero dizer que o Gael gosta de você, Nanda, mas como ele te
conheceu esses dias, não acredita que pode gostar. Na cabeça do meu neto, o
amor não acontece do dia para a noite, porque leva tempo para amar alguém
de verdade.
Engulo em seco, sem saber o que pensar.
Por um lado, entendo e até concordo com o pensamento do Gael, mas
o meu outro lado, fascinado por um clichê, insiste em acreditar que o amor se
mostra de várias maneiras, sobretudo das mais impossíveis.
— E a senhora, dona Flora. No que a senhora acredita?
A avó do Gael seca as lágrimas que escorrem pelo seu rosto enrugado,
sem deixar de sorrir para mim com enorme carinho, e responde:
— Acredito que Deus tem seus próprios planos para cada um dos seus
filhos, e o amor é a ferramenta mais poderosa que Ele tem disponível. Todos
nós somos abençoados com algum tipo de amor desde que nascemos, não
importa se é o amor de mãe, de pai, de irmão, de avó ou de amigos. Mas o
amor que passamos a vida inteira procurando, nós só encontramos na hora
certa.
— E como a gente sabe que é a hora certa? — pergunto com a voz
embargada.
— Na hora certa, o seu coração vai dizer e o mundo inteiro vai ouvir.
Ela acaricia meu rosto e só então percebo que também estou chorando,
profundamente tocada por suas palavras.
Quando voltamos para casa, no início da noite, não tenho a menor
dúvida de que esse é um dos dias mais especiais e marcantes da minha vida,
porque hoje meu coração falou comigo pela primeira vez, mas ao contrário
do que a dona Flora afirmou, o mundo não ouviu o que ele disse.
Apenas eu.
PENÉLOPE
O bar está tranquilo quando me sento em um banco desocupado. A
atendente me reconhece e sorri. Eu sorrio de volta, mas não é um sorriso
sincero. Todas as outras vezes que vim aqui, Gael estava comigo, e sei que
essa garota sempre foi a fim do meu noivo. Ela não perdia uma oportunidade
de se insinuar para ele e só desistiu de tentar quando percebeu que o Gael não
é como os outros homens.
Meu noivo nunca me trairia, ainda que tivesse vontade.
— Você tem dez minutos. — A voz irritadiça ao meu lado me assusta.
Levo à mão ao peito e fecho os olhos apertando-os com força. Se eu
não estivesse tão desesperada, jamais teria marcado esse encontro.
— Você me assustou. — Contenho o desprezo que sinto por ele que,
aliás, é o mesmo que ele sente por mim.
Gael desconfiava que seu melhor amigo não ia com a minha cara, mas
nunca soube porquê. No entanto, Claudio e eu sabemos, e é por isso que
estou aqui, ao lado dele, domingo à noite, pagando por uma bebida cara
quando deveria estar economizando.
Inferno! Depois de sete anos sem me preocupar com as minhas
despesas sou obrigada a ficar fazendo cálculos e contando moedas.
Claudio ergue o braço e olha seu relógio de pulso, teatralmente.
— Nove minutos.
— Por que não pede uma bebida e relaxa um pouco? — falo como se
não estivesse tremendo por baixo do meu casaco roxo.
— Não estou brincando, Penélope, ou você fala logo o que quer ou eu
vou embora. — Apesar da sua beleza angelical, Claudio é um lobo em pele
de cordeiro. O oposto do seu melhor amigo.
— Preciso da sua ajuda para reconquistar o Gael — admito de uma
vez sem ao menos me constranger. Não tenho tempo para timidez quando
minha vida está uma bagunça.
Claudio solta uma gargalhada, chamando a atenção da atendente e
alguns clientes que estão perto de nós.
— Você pensa que eu tenho tempo livre para vir até aqui escutar piada
ou o que? — Eu o encaro sem nenhum traço de divertimento em minha
expressão.
— Acha mesmo que estou brincando? — inquiro.
— Acha mesmo que vou te ajudar com essa merda? — Ele brada na
minha cara, grosseiro como sempre. — Você não precisou de ajuda para
mostrar para o Gael que tipo de mulher a ex-noiva dele era. Demorou sete
anos, Penélope, mas ele finalmente viu. Segue com a sua vida pervertida e
deixa o cara em paz.
Claudio gira nos calcanhares para ir embora, mas agarro seu braço
com força e o trago de volta. Ele não gosta, claro, e com um puxão se livra do
meu aperto. Seus olhos se tornam duas fendas assassinas. Letais. Conheço o
advogado e sei que não deveria provocá-lo desse jeito. O problema é que
estou ficando desesperada e pretendo levar isso até as últimas consequências.
Não vou desistir de reconquistar meu noivo.
— Ou você me ajuda ou conto tudo para o Gael — ameaço com
seriedade. A palma da minha mão transpira sobre o balcão de madeira.
Claudio cruza os braços fortes à frente do peito e sorri zombeteiro.
— Contar o que, Penélope? — Ele finge que não sabe do que estou
falando.
— Que a gente transou, duas vezes.
— Certo, deixa ver se eu entendi. — Sua voz é carregada de ironia
quando ele avança dois passos e desfaz a distância que havia entre nós. — Se
eu não te ajudar a reconquistar o Gael, você vai contar para ele que quando
estava no terceiro ano da faculdade, passou um fim de semana inteiro
trancada no meu quarto, dando a boceta e o cu para mim, e ainda chupou o
meu pau dentro da biblioteca um dia antes de se mudar para a casa dele. É
isso mesmo?
A forma como ele fala é nojenta e me deixa em choque. Claudio
percebe que conseguiu me abalar e segue com o seu objetivo de me
desmoralizar:
— Eu gosto do Gael, Penélope. Hoje, ele é meu melhor amigo, mas
naquela época a gente mal se falava, então foda-se. Quer contar que eu te
comi? Conta. Isso só vai fazer ele te odiar mais e quer saber? Eu nunca te
julguei por transar por aí antes de você e o Gael irem morar juntos, mas saber
que você não mudou e continuou traindo o cara depois de tudo que ele fez
pela sua família, só prova que além de ser uma puta interesseira, você
também não tem caráter e não merece nem mais um segundo do meu tempo.
— Claudio me dá as costas e vai embora, enquanto eu fico ali, apoiada no
balcão para não cair.
Tremendo, arrependida e completamente sozinha.
Pago a minha bebida e saio do bar com o rosto banhado em lágrimas.
Está escuro e faz frio. Pego o ônibus e desço na porta do hospital. Vou até a
recepção e procuro saber se houve alguma alteração no quadro clínico do
Danilo, antes de voltar para o hotel.
Se o meu ex-amante não acordar nos próximos dias, terei que aceitar o
emprego de camareira para continuar morando no quarto que Gael alugou
para mim. Me acomodei tanto depois que fui morar com o ele, que quase não
terminei a faculdade, nunca me preocupei em arrumar um emprego ou
continuar estudando para me manter atualizada.
É muito tempo para tentar recuperar e correr atrás de um trabalho
decente. Preciso de uma resolução imediata para conseguir dinheiro e me
sustentar, ao menos por enquanto.
Uma enfermeira acredita que sou namorada do Danilo e me informa
que os médicos estão confiantes na recuperação do diretor de novelas, mas
infelizmente não existe qualquer previsão para ele acordar.
Nunca passei por nada parecido na minha vida e até conhecer o Gael,
eu já tinha passado por situações que quase me destruíram. No entanto, não
sou uma mulher frágil, nem covarde, e não vou desistir.
Mais cedo ou mais tarde, vou reconquistar meu noivo e as coisas
voltarão aos seus devidos lugares.
CAPÍTULO 29
GAEL
— Você está fazendo um ótimo trabalho, filho — elogia meu avô.
— A reunião no início do semestre com o pessoal de Marketing fez
toda a diferença para alavancar os números. As campanhas de divulgação das
linhas mais antigas estão mais objetivas e atrativas.
— Leona é muito inteligente e gosta de desafios.
— Sim ela é — concordo —, mas o cérebro criativo da equipe tem
outro nome.
Meu avô não é tolo e sabe que estou dizendo a verdade. Eu só não
entendo porque ele promoveu Leona a diretora do departamento, quando
tinha alguém muito mais capaz do que ela para trabalhar diretamente ao seu
lado.
— Então você já percebeu? — Ele se recosta em sua cadeira com os
dedos entrelaçados sobre o estômago.
— Que a Leandra é quem coordena as criações nos bastidores? —
Meu avô assente. — Na primeira conversa que tivemos.
O senhor Dwayne não fala nada, apenas me encara, ressabiado, como
está encarando desde que entrei no escritório depois que voltei do meu
encontro clandestino com a Fernanda no banheiro da piscina.
— Por que não promoveu a Leandra quando surgiu a oportunidade?
Eu sei que as duas já trabalhavam na empresa e o antigo diretor indicou o
nome dela para assumir o lugar dele quando ele saiu.
— Eu promovi. Mas a Leandra não aceitou a promoção.
— Por quê? — pergunto com a testa franzida.
Ninguém recusa uma promoção que, além de proporcionar ao
funcionário uma porcentagem sobre os lucros mensais do departamento,
também o coloca em destaque no mercado.
— Ela tinha acabado de perder o marido em um acidente de carro e o
trabalho não era prioridade naquele momento. A Leandra teve que lutar
contra a depressão por mais de dois anos. Faltava muito, saía mais cedo para
ir às sessões de terapia e pouco colaborava com os projetos — explica com
pesar. — A demissão dela ficou na minha mesa o tempo todo, esperando para
ser assinada, mas eu sabia que aquela menina tinha potencial e achei que
valia a pena esperar.
— Eu não sabia e nunca ouvi ninguém falando sobre isso na empresa.
— Poucas pessoas sabem.
Penso a respeito e admiro ainda mais o meu avô. Em uma situação
como essa, nenhum empresário bancaria um funcionário improdutivo por
mais de dois anos. Sem contar o mal-estar que deve ter causado entre os
funcionários do departamento.
— Como o senhor conseguiu controlar a equipe? — indago curioso.
Nossas conversas sempre me rendem excelentes lições.
— A Leona era a minha segunda opção e quando ofereci o cargo para
ela, a danada fez um baita discurso de agradecimento e no final avisou que só
aceitaria ser a nova diretora de marketing se a Leandra não fosse demitida. —
Meu avô encolhe os ombros. — Eu nunca tive a intenção de demitir ninguém
e já estava mexendo os pauzinhos para lidar com os outros diretores, mas
nunca contei isso a ela. Durante o tratamento, as ideias principais ainda saíam
da cabeça da Leandra, mas quem executava todo trabalho era a Leona. Foi ela
que controlou a equipe, não eu.
— É uma história e tanto, só não entendo por que o senhor não me
contou isso antes.
Meu avô dá um sorriso de lado, presunçoso. Mesmo doente e
nitidamente debilitado, Dwayne Gallengher não deixa de ser um predador
perspicaz quando o assunto é o ramo empresarial.
— Um homem não precisa ter sido um bom jogador de futebol para
ser um excelente técnico. A Leandra pode ser a mais talentosa, mas quando
assumiu o cargo, a Leona não provou que é apenas a melhor líder, ela provou
que é leal aos seus colegas de trabalho. E para uma empresa em constante
crescimento como a nossa, ter a lealdade dos funcionários é imprescindível.
O silêncio agora é meu, enquanto absorvo as novas, e um tanto
inusitadas, informações sobre a mulher que esteve na minha cama a dois dias
atrás. Espero que Leona saiba separar sua vida pessoal da profissional, ou em
breve terei mais um problema na empresa.
— Descobriu quem estava ligando para a Fernanda? — Sua pergunta
me traz de volta.
— O ex-namorado — respondo prontamente.
— Ele não estava internado?
Esfrego a testa com a ponta dos dedos. Lembrar que o idiota ainda tem
interesse nela me deixa irritado.
— O Danilo ainda está em coma. O que ligou foi o Arthur. Ela era
bem mais nova quando eles namoraram e terminou assim que descobriu que
ele estava tendo um caso com uma professora da faculdade.
— Vocês se entenderam?
— Estamos nos entendendo, vô. Eu decidi que quero tentar e ver onde
isso vai dar.
— Já decidiu quando vai contar para ela?
Abaixo a cabeça e nego.
— Não demora, filho. Pelo visto esse rapaz está tentando se aproveitar
do momento delicado que a Fernanda vem passando para se reaproximar, e
pelo pouco que percebi, a menina não parece ser o tipo que aceita qualquer
coisa. Vai ser pior se ela descobrir por outra pessoa que você era noivo da
amante do namorado dela. E nós não vamos conseguir esconder isso da
imprensa por muito tempo, Gael.
— Eu sei. — Fico em pé, pronto para ir embora. — Eu vou contar.
Esconder a verdade da Fernanda está me matando.
Contorno a mesa e ajudo meu avô a se levantar. Ele perdeu peso, está
fraco e abatido, mas sua vontade de viver é impressionante e isso me faz ter
esperança de que o diagnóstico do médico possa estar errado.
Nós nos despedimos dos meus avós e prometemos visitá-los durante a
semana. Apesar de ser domingo, o trânsito está intenso e demoramos um
pouco mais do que o normal para chegarmos em casa.
Toda a expectativa de ter Fernanda para mim por mais algumas horas,
vai pelo ralo no instante que vejo Claudio me esperando na porta do prédio.
Ele estranha ao reconhecer minha acompanhante e mais ainda ao notar que
meu braço está sobre os ombros dela, no entanto, não fala nada. Apenas
cumprimenta Fernanda com um rápido aceno de cabeça e fala:
— Eu tenho um assunto importante para falar com você. O porteiro
me disse que não estava em casa, então decidi esperar.
Claudio sempre foi um cara reservado e a maneira que me fita,
evitando o olhar da Fernanda não me agrada. Tiro as chaves do bolso e
entrego para ele.
— Sobe, eu vou deixar a Nanda em casa e já te encontro lá.
Sem ao menos se despedir da garota ao meu lado, Claudio faz o que
pedi e nos deixa para trás. Paramos em frente a porta do apartamento da
Fernanda e mentalmente agradeço por ela não fazer perguntas sobre o
comportamento do meu melhor amigo e advogado.
— Vou ver o que aconteceu e mais tarde passo aqui, está bem? —
Seguro seu rosto entre as mãos e beijo seus lábios.
— É melhor você ir. Seu amigo parece bem abalado — ela fala,
sorrindo gentilmente.
— Me espera acordada. Temos um assunto pendente para resolver.
— Estou ansiosa por isso.
Eu a beijo novamente, agora com mais furor e me afasto para não
correr o risco de deixar Claudio esperando, pois, meu corpo ferve quando
tenho Fernanda em meus braços.
Entro no elevador com um péssimo pressentimento e torço para que
seja apenas coisa da minha cabeça, mas quando o cara que conheci no
primeiro ano da faculdade coloca seu telefone sobre a mesa e liga o gravador,
descubro que meus instintos estavam certos e Penélope não foi a única que
me apunhalou pelas costas.
FERNANDA
— Não precisa ir agora, Tay. — Confirmo que já passa das dez horas.
— Está tarde. Acho que o Gael não vem mais.
— Ele disse que vinha, florzinha, e não quero atrapalhar a safadeza de
vocês.
Eu me sento ao seu lado e coloco uma almofada no colo.
— O amigo dele não estava bem, talvez eles tenham saído para beber
alguma coisa.
— É bem estranho o Gael não te apresentar para o amigo.
Maneio a cabeça em concordância, mas opto por manter minha boca
fechada. Não sei quem é aquele cara, nem de onde conhece o Gael, mas tenho
certeza que a maneira que ele agiu como se eu não estivesse ali influenciou
na decisão do Gael de me deixar de fora.
— Você não sabe quem ele é? — Tayane pergunta como quem não
quer nada.
— A gente ainda não chegou nesse nível.
— Mas já transaram e é isso que importa.
Reviro os olhos sem esconder o sorriso bobo.
— Já estou começando a me arrepender de ter contado.
— Florzinha, você estava tão desesperada para me contar que eu nem
precisei usar minhas técnicas de interrogatório.
— Eu não estava desesperada.
— Estava sim.
— Não estava.
— Mulher só esconde que transou por dois motivos. — Ela pontua. —
Se o cara tem pau pequeno ou não faz ela gozar. Por acaso você já esqueceu o
que tive de fazer para conseguir uma dica de como tinha sido sua primeira
noite com o Danilo?
— Não esqueceria mesmo se quisesse. Fiquei três dias de ressaca por
causa daquele porre.
Tayane pisca um olho e exibe um sorriso orgulhoso.
— Eu sempre soube que o Danilo tinha um pau pequeno, mas não
sabia que era tão pequeno.
— Meu Deus, quer parar com isso? — Jogo a almofada nela. Tayane
levanta os braços por reflexo para se defender do arremesso certeiro.
— Você devia ganhar um prêmio de super fã de O Pequeno Príncipe
— ela fala pegando a almofada que caiu no chão.
Duas coisas importantes sobre a minha tia: 1- Tayane Rosana
Lombardi perde a melhor amiga, mas nunca, jamais, em hipótese alguma,
perde a piada. 2- Ela me ama e me defende com uma leoa, o que significa que
vai odiar, zombar e desprezar, qualquer pessoa que me fizer sofrer.
Danilo assumiu a segunda posição na sua lista de embustes. A
primeira continua pertencendo ao Arthur, que Tayane já não gostava antes de
ele me trair, e passou a odiar depois de ele ter me traído. Não que a traição do
Danilo não tenha me magoado, mas nenhuma dor supera a de ter o coração
quebrado pelo seu amor de infância.
Minha tia não saiu do meu lado em nenhum momento e só me deu
uma trégua da sua presença quando Danilo e eu começamos a namorar. Por
isso eu sei que ela vai falar alguma baboseira, mas não resisto e acabado
caindo no jogo dela.
— Por que eu deveria ganhar um prêmio de super fã se eu li esse livro
uma vez quando estava no ensino médio?
Tay se inclina para frente, bem devagar, como a felina que é, pronta
para dar o bote. A expressão em seu rosto é impagável.
— Porque Antoine de Saint-Exupéri se inspirou na sua relação com o
pau do Danilo para escrever uma das frases mais famosas da literatura
mundial: O essencial é invisível aos olhos.
Ela ainda está rindo como uma hiena, achando graça da sua piada
enfadonha, quando a campainha toca. Minha tia fica de pé num pulo e eu
corro para atender com o coração socando a caixa torácica, mesmo sabendo
quem é o visitante noturno.
Mas toda a minha alegria de esvai no momento que abro a porta e me
deparo com Gael. Sua camisa está rasgada na barra, seu cabelo parece um
ninho de rato e escorre sangue do canto da sua boca.
— Puta merda! — Tayane fala atrás de mim, mas estou muito
concentrada no homem desolado à minha frente para prestar atenção nela.
Recuo um passo, dando passagem para ele. Gael desvia o olhar e entra
no meu apartamento ao mesmo tempo que minha tia sai para nos dar
privacidade.
Vou até a cozinha, pego uma bolsa de gelo que mantenho no freezer,
uma garrafa de vinho e duas taças, antes de voltar para a sala e encontrar Gael
de frente para a janela com corpo curvado, mãos no parapeito e cabeça baixa.
Sua postura derrotada indica que o óbvio. Ele e seu amigo brigaram e
isso o arruinou. Eu me aproximo, timidamente, pronta para lhe oferecer meus
cuidados. Gael se vira e as lágrimas acumuladas em seus olhos me causam
uma profunda algia, mas são as primeiras palavras que saem da sua boca,
logo em seguida, que fazem meu coração sangrar:
— Ele me traiu. O filho da puta transou com a minha noiva...
CAPÍTULO 30
GAEL
Pela cara da Fernanda quando ela abre a porta, sei que meu estado é
deplorável. Em poucas horas, Claudio conseguiu ofuscar todos os minutos
maravilhosos que passei ao lado dela desde ontem à noite.
Entro no apartamento 501 em silêncio, cumprimento Tayane com um
maneio de cabeça e ando até a janela. O vento gelado chicoteia minha pele,
diminuindo um pouco a temperatura que me queima por dentro, afogueia,
entorpece e o pior, emburrece.
Foco nas luzes coloridas que iluminam o bairro, firme em meu
propósito de colocar uma pedra em cima do assunto. Ouço Fernanda atrás de
mim e giro o corpo para olhar em seus olhos. Ela tem as mãos ocupadas, os
lábios esticados em uma linha fina e um olhar complacente, que me irrita e
ofende.
Não quero sua pena, tampouco sua compaixão.
Fui burro por ter confiado e acreditado no amor da Penélope e na
amizade do Claudio. Fui cego, pois não vi os sinais da patifaria dos dois, que
estavam na minha cara o tempo todo. Mas agora acabou essa merda.
— Ele me traiu. O filho da puta transou com a minha noiva... —
Cuspo as palavras atochadas na minha garganta.
Os braços da Fernanda vão caindo ao longo do corpo em câmera lenta.
Ela pisca rápido como se quisesse ter certeza de que ouviu direito. Sua boca
entreabre, mas não exprimi qualquer som ou reação.
— Foi por isso que vocês brigaram? — Sua voz é baixa.
Ela direciona seu olhar para o outro lado, deposita a garrafa de vinho e
as taças em cima da mesa de centro e se senta no sofá de dois lugares. Não
respondo.
Sua relutância em me encarar me irrita ainda mais.
Estressado, passo a mão pelo cabelo.
— Se quiser que eu vá embora, é só me dizer. Não quero te encher
com os meus problemas.
Ela fica em pé tão rápido quanto o seu olhar perde a complacência e se
torna especulador, me deixando aturdido. Fernanda avança dois passos e
invade meu espaço pessoal, trazendo consigo o suave aroma que exala da sua
pele, naturalmente. O cheiro dela é inconfundível e único.
— Por que está aqui, Gael? — A pergunta afiada perfura meus
ouvidos como pregos.
— O que? — Devolvo a questão, sem entender nada.
Fernanda ergue o queixo impondo sua determinação. As reações
contraditórias dessa garota soam como um alerta na minha cabeça, mas antes
que meu cérebro tenha tempo de analisar a causa da discrepância, ela repete:
— Por que está aqui, Gael?
— Porque eu disse que viria — respondo, incerto se essa é a coisa
certa a dizer, e pelo modo zombeteiro que Fernanda estica seus lábios para
cima, tenho a minha resposta.
— Bom, você já cumpriu o seu dever. Pode ir agora. — Ela mal
termina de girar o corpo e minha mão já está em seu cotovelo trazendo-a de
volta num aperto firme.
— Dá para me explicar o que está acontecendo? — peço abrandando a
voz.
— Por que você não me explica?
— O que quer que eu te explique? — Sou abduzido pela frustração de
não saber o que eu fiz para deixá-la assim.
— Por que você está aqui? — Ainda que Fernanda não demonstre, ela
parece tão frustrada quanto eu.
— Porque eu disse que viria e queria te ver.
— Tudo bem. — Suspira resignada e volta a se sentar no sofá menor.
— Quer falar sobre o que aconteceu entre você e o seu... amigo?
Enfio as mãos nos bolsos e encaro os pés. Me sinto novamente
dividido entre falar sobre essa merda, ou arrastar Fernanda para o seu quarto
e me perder dentro dela para esquecer o que aqueles dois desgraçados
fizeram.
— Conheci o Claudio no primeiro ano da faculdade, ele cursava
direito e eu, administração. Fomos juntos para algumas festas, entramos no
mesmo time de futebol dos calouros e passamos metade das férias de janeiro
na casa de campo de um colega em comum. A gente sempre se deu bem e
pensei que éramos amigos. — Me sento no sofá maior e relaxo meu corpo. —
Quando as aulas voltaram, em fevereiro, conheci minha ex-noiva e em
poucas semanas começamos a namorar. Ela era bolsista e estava passando
por um sério problema pessoal. No ano seguinte, achei que seria uma boa
ideia convidá-la para morar comigo quando decidi sair da casa dos meus
avós. O Claudio viajou para os Estados Unidos depois da formatura, passou
três anos fora e quando voltou veio trabalhar na empresa da minha família.
Quando descobri que meu avô estava doente eu pedi minha namorada em
casamento e ficamos noivos.
Narro devagar, com cuidado para não falar mais do que Fernanda pode
saber, por enquanto. Nada de nomes, sobrenomes ou ramo de trabalho.
Apenas o suficiente para que ela entenda o que aconteceu.
— Há alguns meses descobri que ela estava me traindo e terminei o
noivado. Não tive mais notícias dela, não sei onde está morando, o que está
fazendo da vida e também não procurei saber. — Encaro Fernanda, que tem
seus olhos em mim. — Hoje à tarde, ela ligou para o Claudio e disse que
precisava falar com ele. Eles se encontraram em um bar que a gente
costumava ir quando estava junto. Foi por isso que ele veio até aqui.
Espero Fernanda dizer alguma coisa, qualquer coisa, no entanto, ela
não abre a boca. Apoio os cotovelos nas coxas e puxo uma longa respiração,
antes de contar a parte mais sórdida da história.
— Ela tentou chantagear o Claudio. Disse que se ele não a ajudasse a
me reconquistar, ia me contar que eles tinham transado mais de uma vez
quando ainda estávamos na faculdade.
— O Claudio te disse isso? — Fernanda finalmente pergunta.
— Disse — confirmo. — Ele saiu do bar, depois do encontro, e veio
direto para cá.
— Você acredita nele? — indaga, desconfiada.
Dou uma risada sem humor.
— Eu acreditaria de qualquer forma, mas ele não é um dos melhores
advogados que conheço à toa. O Claudio sabia que ela ia aprontar alguma
coisa e gravou a conversa.
— Meu Deus! — Fernanda exclama, pasma.
— Eu perdi a cabeça e parti para cima dele quando terminei de ouvir a
gravação.
— Imagino que não deve ser fácil descobrir que a mulher que você
ama fez uma coisa dessas, justo com o seu amigo. Sinto muito que esteja
passando por isso, Gael. Sinto muito mesmo.
Cubro meu rosto com as mãos, envergonhado demais para encarar a
Fernanda. Tudo que consigo pensar é que em menos de três meses, descobri
que Penélope me traiu com dois homens diferentes e tenho medo de imaginar
o que vou descobrir se investigar mais a fundo.
Odeio saber que por sete anos fui motivo de chacota entre os caras que
estudaram comigo na faculdade, sem ao menos desconfiar. A desgraçada teve
tudo do bom e do melhor. Fiz o que estava ao meu alcance para vê-la feliz.
Nunca traí a Penélope, sequer cogitei essa possibilidade, e oportunidades não
faltaram desde que engatamos o namoro.
Fernanda se levanta e fala sem jeito.
— Estou cansada e preciso dormir um pouco. — Estende a bolsa de
gelo na minha direção. — Pode levar para colocar em cima do seu
machucado.
— Está me mandando embora? — pergunto, ignorando seu braço
parado no ar.
— Você tem muito que pensar e espero que entenda que eu não sou a
pessoa mais apropriada para te ajudar a decidir o que fazer.
— Não tenho nada para pensar, Fernanda! — esbravejo e também me
levanto. — Eu nem queria falar sobre essa merda com você. Não vim até aqui
para isso!
— O que você quer de mim, Gael? — Sua voz falha e seus lábios
tremem.
— Pensei que a gente já tivesse passado dessa fase depois do que
aconteceu no banheiro. — Esmaeço o tom de voz.
Não tenho a menor ideia do que Fernanda está maquinando dentro da
sua cabeça, mas com certeza não estamos na mesma página e me recuso a
sair daqui antes de entrarmos em sincronia de novo.
— Isso foi antes de você aparecer todo machucado porque descobriu
que a sua ex transou com o seu amigo.
Só então entendo qual é o problema.
Fernanda acha que perdi as estribeiras com Claudio porque ainda amo
a Penélope, o que é uma grande bobagem já que desde que vi minha ex-noiva
pela última vez, nunca mais sequer pensei nela, pois estava muito ocupado
pensando na garota de olhos caramelizados para me concentrar em outra
mulher.
— Não é como que você está pensando, Nanda. — Dou um passo para
frente. Ela dá um para trás.
— Não? — Fernanda me desafia com as mãos na cintura.
— Não. — Balanço a cabeça de um lado para o outro e dou mais um
passo. Ela não hesita em recuar e esbarra no sofá atrás dela.
Paro à sua frente, nossos corpos praticamente colados um no outro.
Fernanda respira com dificuldade, seu coração bate acelerado e os lábios
estão semiabertos para facilitar o abastecimento de ar em seus pulmões.
— Não bati no Claudio porque ele transou com a minha ex-namorada.
— Prendo uma mecha do seu cabelo atrás da orelha e acaricio sua bochecha
com as costas da mão. — Não perdi a cabeça porque fiquei com ciúme nem
porque tinha intenção de voltar com ela.
Abaixo a cabeça e sussurro em seu ouvido:
— Eu quis matar o Claudio porque ele mentiu para mim e me enganou
esse tempo todo. Minha visão escureceu quando terminei de ouvir aquela
gravação, porque se o Claudio fosse o homem que pensei que fosse, ele teria
sido sincero comigo desde o começo e me contado que a mulher que morava
sob o mesmo teto que eu, não passava de uma interesseira. E teria sido para
mim o amigo que eu fui para ele.
Fernanda ofega.
Deslizo minhas mãos por seus ombros, braços, cotovelos e pulsos.
Entrelaço nossos dedos ao mesmo tempo que meu nariz percorre toda a linha
do seu maxilar até chegar aos lábios cheios.
— Não sou nenhum santo, Nanda. — Encosto minha testa na dela com
os olhos fechados, inalo sua respiração e saboreio seu cheiro suave que me
leva à loucura. — Já menti muitas vezes, enganei, manipulei e usei pessoas
inocentes para conseguir o que eu queria e não me orgulho disso. Você vai se
decepcionar e até me expulsar da sua vida quando souber todas as coisas que
fiz, mas não estou mentindo agora.
Enlaço sua cintura e a abraço com força, trazendo seu corpo gostoso
para perto do meu.
— Juro que tentei te afastar. Mas todas as minhas tentativas
fracassaram porque simplesmente não consigo ficar longe, e estou cansado de
lutar contra essa necessidade que está me consumindo de ter você por perto o
tempo todo.
Meus lábios acariciam os dela, implorando silenciosamente para que
recebam minha língua e me deixem devorar a sua, como eu desejo e sei que
ela deseja ser devorada.
— Eu quero ficar... — murmuro. — Me deixa ficar, Nanda...
Fernanda atendeu minha súplica, abriu sua boca, seu coração e
permitiu que eu ficasse. Uma troca fácil, simples, espontânea, honesta. Ela
me deu tudo que tinha e tomou tudo o que quis.
Então o fogaréu aceso no instante que coloquei meus olhos nessa
garota se tornou lava de vulcão, incinerando e reduzindo a cinzas quaisquer
lembranças do meu passado recente.
E foi assim que Fernanda Lombardi deu um novo significado à
palavra: pertencimento.
CAPÍTULO 31
FERNANDA
— E esse? — pergunto a Tay, mostrando o vestido azul.
— É lindo — ela responde com um sorriso sincero.
— Você disse isso do preto e do vermelho.
— Porque todos são lindos, florzinha.
Reviro os olhos e me encaro no espelho do provador. Minha tia não
mentiu quando disse que os outros vestidos são bonitos, mas o azul marinho
parece perfeito, pois combina com a cor dos olhos do Gael.
— Ele não disse para onde vai te levar? — Tay indaga, tão curiosa
quanto eu.
— Não — sorrio feito boba. — Disse que é surpresa.
— É a primeira vez que vejo um homem convidar a namorada para
um encontro no meio da tarde.
— A gente não está namorando — repito para ela o que venho
repetindo para mim mesma nas últimas três semanas, sem muita firmeza.
— Vamos ver — Meu olhar encontra o da Tay pelo espelho. — Vocês
vão juntos para a academia, tomam café da manhã, ele vai trabalhar enquanto
você coça o saco o dia todo.
— Não tenho saco — repreendo sem deixar de sorrir.
— Que seja — ela resmunga. — Enquanto você coça a periquita.
Minha tia não se importa com as pessoas que estão na loja e ainda que
não sejam muitas, devido ao horário, chama a atenção das que ocupam as
outras cabines.
— Ele mal chega do trabalho e vai para a sua casa. Se o Gael não
estivesse sempre tão cheiroso, eu podia jurar que o homem troca de roupa
sem tomar banho, só para não perder tempo. Mas como já abri a porta para
ele algumas vezes, tenho certeza que rola pelo menos uma chuveirada rápida
para lustrar a pistola de aço.
Agora é a minha risada que chama a atenção da vendedora e da cliente
que ela está atendendo. Minha tia é engraçada por natureza, mas não está
dizendo nenhuma mentira, e essa constatação faz meu coração dar uma
cambalhota.
— Pistola de aço? — murmuro, olhando por cima do ombro dela para
ter certeza que ninguém pode me ouvir.
— Florzinha, nenhuma mulher acorda às cinco da manhã achando que
é a Taylor Swift se não tiver gozado à noite toda, e desde que você deu para o
Gael na casa dos avós dele, já poderia ter gravado um álbum solo se não
fosse tão pré-histórica e fissurada em quinquilharia. Sua voz é realmente
linda. — Tayane balança a mão no ar, como se estivesse se abanando. — Seu
namorado carrega uma arma potente dentro das calças, querida, e a minha
sobrinha é a garota mais sortuda que eu conheço.
Meu corpo esquenta só de pensar em Gael e toda a sua... disposição.
Não sou virgem desde os dezessete anos e antes dele tive apenas dois
homens. Posso ser inexperiente, no entanto, duvido que a maioria das
mulheres transe todos os dias, no mínimo duas vezes.
Sim, Gael e eu ainda não passamos em branco nas últimas três
semanas e por incrível que pareça, o sexo está cada vez melhor. Nem sob
decreto vou dizer isso a Tayane, aliás, a ninguém, mas Gael realmente tem
uma pistola de aço e o mais importante, ela está sempre pronta para atirar.
Deus, talvez minha tia não seja uma boa influência para mim...
— Vocês se veem todos os dias — ela fala me arrancando da
dispersão. — Jantam juntos, fazem compras juntos, assistem filmes
românticos agarradinhos no sofá, e está na cara que estão apaixonados um
pelo outro. Se isso não é um namoro, florzinha, por favor, me interne.
Não via o meu relacionamento com Gael dessa forma, mas Tay tem
razão e olhando por esse prisma, acho que posso dizer que tenho um novo
namorado.
— A gente nunca falou sobre isso, quer dizer, não demos um nome ao
que estamos fazendo. — Encaro meu reflexo pela última vez, aliso a barra do
vestido e tomo minha decisão. É esse.
— Vocês estão vivendo, Nanda. — Ela pisca para mim, mais
emocionada do que quer parecer. — Nunca vi você sorrir desse jeito e eu
amo o Gael por isso. Por te fazer sorrir assim. Às vezes até esqueço que a sua
vida ainda está um caos, que você ainda está de férias e proibida de
frequentar o lugar dessa cidade que mais ama, e que o belo adormecido de
pau pequeno se recusa a acordar do sono de beleza.
Tay olha para baixo e disfarçadamente, passa a mão sob o olho. Tenho
certeza que minha tia está chorando por minha causa, mas ao contrário de
antes, é porque ela sabe o quanto estou feliz.
Verdadeiramente feliz. E, de fato, o mérito é todo do Gael.
— É por isso que não me importo com os rótulos — digo, abraçando
minha tia e minha melhor amiga. — O Arthur e o Danilo me chamaram de
namorada, mas nunca me trataram como uma. O Gael nunca me chamou e
me trata como se eu fosse a mulher da vida dele.
— Você não merece nada menos que isso, florzinha. E vale lembrar
que a sua periquita não quer saber se você é, ou não, a mulher da vida do
Gael, contanto que ela continue sentando naquele homem, com garra. Nem
que isso me torne a mulher mais invejosa do mundo...
Por fim, compro os três vestidos que provei, dois pares de sapatos e
alguns conjuntos de lingerie. Para quem não pretendia nem sair de casa
naquela manhã, até que gastei bastante.
A mensagem do Gael chegou pouco antes das nove. Na verdade, foi
um convite, irrecusável, por sinal. Ele disse que tinha uma surpresa para mim
e passaria para me buscar na hora do almoço.
Tayane adorou a ideia de sair para fazer compras em plena terça-feira
e eu adorei que ela tenha adorado, pois a sua companhia sempre garante
risadas fáceis, conversas honestas e bons momentos.
Mal posso acreditar que em tão pouco tempo minha vida mudou tanto,
e o mais engraçado é que tudo entre mim e o Gael começou justamente
quando pensei que tivesse acabado.
Depois da briga dele com o Claudio e do nosso embate no meu
apartamento, nós transamos, muito por sinal. Mas também conversamos
muito entre uma sessão de sexo incrível e outra.
Naquela noite, sob a penumbra do quarto e envolvidos pelo desejo
sufocante que dominava nossos corpos, confessamos o que sentíamos um
pelo o outro, admitimos o quanto aqueles sentimentos novos estavam
mexendo com a gente, nos confundindo, amedrontando, e revelamos nosso
medo de sermos traídos e termos nossos corações quebrados novamente.
Foi naquela noite, depois de fazermos amor por longas horas, que
aceitamos os fatos e a realidade do que estava acontecendo entre nós.
Foi naquela noite, que decidimos parar de pensar, de analisar, tentar
explicar ou buscar uma explicação para essa conexão, claramente
inexplicável, que nos possuiu desde que nos vimos pela primeira vez, na
piscina, e apenas sentir, aproveitar cada momento de prazer que
proporcionamos um ao outro quando estamos juntos e, sobretudo, não
esconder o que pensamos, o que queremos e o que nos faz mal.
Ainda não sei se Gael e eu somos namorados, tampouco se existe uma
maneira certa de nomear o que somos. Tudo que sei é que isso não importa,
porque agora eu sei o que sinto por ele.
Preciso apenas de coragem para dizer em voz alta.
◆◆◆

— Como estou? — Dou uma voltinha para exibir meu visual.


— Linda, florzinha. Parece uma princesa.
— Tem certeza que não está muito exagerado? — pergunto em
dúvida.
— De jeito nenhum. Esse modelo de vestido é ótimo por causa disso,
você pode usar tanto de dia como de noite. O segredo está nos acessórios. —
Tayane fala com a segurança que falta para mim.
— Se pelo menos o Gael me dissesse para onde estamos indo... —
lamento um tanto desapontada.
Minha tia larga a travessa de macarronada que ela está preparando e se
aproxima de mim. Suas mãos seguram as minhas ao mesmo tempo que um
sorriso gentil desliza em seus lábios.
Gentil demais para o meu gosto, penso, mas não falo.
— Você está insegura? — Sua voz é suave e doce. Na minha tradução
significa: dissimulada.
— Um pouco — respondo aceitando o desafio, embora saiba que
Tayane sempre me surpreende no final.
— Eu entendo. — Ela acaricia meu rosto e pisco os cílios como uma
boneca de porcelana. — Gael é um homem lindo, gostoso, cheiroso e
pauzudo. Deve ter um monte de mulher se jogando em cima dele o tempo
todo e você está certa de se sentir assim.
Abro a boca em estado de choque e tento puxar minhas mãos, mas Tay
as prende com força e nega com a cabeça.
— Tsc, tsc, tsc. — Estala a língua me dando nos nervos. — Uma
mulher madura deve aceitar a verdade e nós sabemos que não estou
mentindo. Mas eu tenho a solução para todos os seus problemas, florzinha, e
se você quiser manter seu homem amarradão, basta seguir o meu conselho.
Minha tia sorri com malícia e me xingo mentalmente por cair na sua
arapuca. Porém, é mais forte do que eu e, bem ou mal, entre tantas besteiras
que ela fala sempre dá para salvar alguma.
— Fala logo, Tay. O Gael já deve estar chegando — exaspero mal-
humorada.
— Não se preocupa, é coisa rápida.
— Anda, Tayane. Você só está me deixando mais nervosa com esse
suspense.
Ela dá uma risada falsamente inocente e fala dois segundos antes de a
campainha tocar:
— Vá sem calcinha e surpreenda seu homem, florzinha.
— O que? — Minha voz é praticamente um sussurro.
Tay segura meus ombros, gira meu corpo na direção do meu quarto,
dá um tapa na minha bunda e fala baixinho atrás de mim:
— Anda logo. Eu abro a porta enquanto você deixa a sua periquita à
vontade brincar no pula-pula do seu namorado.
Se a minha tia não bate bem da cabeça, eu bato bem menos do que ela,
porque assim que ouço o barulho da chave sendo girada na fechadura, disparo
em direção ao meu quarto como um foguete para fazer exatamente o que ela
mandou.
CAPÍTULO 32
GAEL
Cumprimento a recepcionista e subo de elevador até o décimo andar,
onde fica o meu escritório. A Gallenger Cosméticos ocupa os dois últimos
andares do edifício comercial San Francisco. Ainda não são nem oito horas e
acredito que esteja vazio. Cheguei mais cedo para adiantar o trabalho, pois
pretendo tirar a tarde de folga e levar a Fernanda para conhecer o antiquário
Central da História, aqui no bairro do Jardins mesmo.
Sorrio, satisfeito por ter conseguido fechar o negócio com o antigo
proprietário. Nanda nem desconfia que comprei o lugar e pretendo propor
uma sociedade para ela. Na verdade, minha avó é quem vai cuidar da minha
parte, caso ela aceite, e espero que as duas se deem nos negócios tão bem
quanto se dão fora deles.
Ainda estava investigando a vida do amante da Penélope quando
descobri que o sonho da Fernanda era ter um antiquário, mas só tomei a
iniciativa de dar um empurrãozinho para que realizasse seu sonho no dia que
ela mesma me contou, a uma semana atrás.
O brilho em seu olhar sempre que fala do seu trabalho é lindo,
contagiante e motivador. Algo raro de se ver nos dias de hoje, onde as
pessoas preferem trabalhar para ganhar dinheiro em vez de investir tempo e
estudo para fazerem o que gostam.
Atravesso o corredor e entro na minha sala. Tiro o paletó, penduro no
encosto da cadeira e me sento. Estou abrindo o notebook para responder
meus e-mails quando batem na porta.
— Entra — falo baixo, um tanto decepcionado. Pensei que teria ao
menos alguns minutos de paz até a agitação começar.
— Desculpa, Gael, mas estou tentando falar com você há dias —
Leona surge em meu campo de visão. Cabelos molhados, vestido branco que
modela suas curvas, e calçando sapatos vermelhos que combinam com o
conjunto de brincos, colar e pulseira. — Até parece que está fugindo de mim.
— Bom dia, não leve isso para o lado pessoal — Aponto para minha
mesa, abarrotada de documentos. — Muito trabalho, pouco tempo.
— Fico mais aliviada. — Ela se senta na cadeira de frente para mim,
do outro lado da mesa. — Pensei que estivesse me evitando.
E estava, penso, mas não pelo motivo que ela acredita. Sei porque
Leona está afoita querendo falar comigo desde a semana passada e fiz tudo
que podia para adiar esse encontro.
— Foi um golpe de sorte me encontrar aqui ou anda me seguindo? —
pergunto, desconfiado.
— Coincidência, na verdade. Eu tinha marcado com a minha
fisioterapeuta quando vi você entrando no estacionamento.
— Não sabia que tinha uma fisioterapeuta aqui no prédio.
— Segundo andar, sala 2005, o nome dela é Ana e faz um excelente
trabalho de condicionamento postural.
Assinto, sem muito o que falar, até porque ninguém sabia que eu
estaria aqui antes de o expediente começar.
— Então, em que posso ajudar? — pergunto fingindo ignorância.
Leona me encara por alguns segundos com o cenho franzido. Ela sabe
que eu sei e não entende porque estou evitando o assunto, no entanto, não me
confronta, cruza as pernas e fala:
— Enviei um informativo do lançamento da Fíor para algumas
revistas e jornais. Como você sabe, esse é o primeiro passo para iniciar a
divulgação e temos os próximos sessenta dias para trabalhar. Muitos editores
se interessaram pela nova marca, alguns pela originalidade e outros pelo seu
criador.
Leona avalia minha expressão, que continua impassível. De jeito
nenhum vou permitir que ela saiba como estou me sentindo em relação a isso,
tampouco a razão do meu embrulho estomacal logo cedo.
— Acredito que você já tenha tudo esquematizado, certo? — indago
sustentando seu olhar.
— O cronograma está pronto. O contrato com a agência da modelo foi
assinado e o fotógrafo que você escolheu para fazer a campanha já confirmou
as datas para a sessão de fotos na praia. — Ela apoia as duas mãos sobre o
joelho. — Agora só preciso que me diga qual o melhor dia para ele vir aqui
tirar as suas fotos, que serão usadas para apresentar o novo CEO da
Gallengher Cosméticos.
Eu sabia que esse momento estava próximo e fiz tudo que pude para
adiar, porém, estamos a dois meses da festa de lançamento da Fíor, e existe
um protocolo elaborado pelo departamento de marketing que precisa ser
seguido, isso inclui minha cara exposta em dezenas, talvez centenas, de sites,
blogs, jornais e revistas.
Fato que me leva de volta à razão do embrulho em meu estômago, que
atende pelo nome de Fernanda Lombardi.
No instante em que eu confirmar a data da minha sessão de fotos,
também vou determinar o prazo que terei para contar a verdade, ou melhor,
toda a verdade para ela.
Fernanda já conhece alguns capítulos da trajetória de vida do meu avô
e da empresa que ele construiu ao longo dos últimos trinta anos, sabe qual a
minha posição e também o que faço aqui dentro. Mas para que ela continue
exatamente onde está, ou seja, ao meu lado, Fernanda precisa conhecer a
história na íntegra, me ouvir, me entender e ser capaz de me perdoar por ter
mentido durante todo esse tempo.
Não vai ser fácil, eu sei. Nas últimas três semanas, Fernanda me
apresentou uma mulher ainda mais encantadora, fascinante, íntegra, sensível
e quente como o inferno. Se algum dia pensei que me cansaria de estar com
ela ou dentro dela, hoje tenho certeza que me enganei.
Quanto mais tenho dela, mais quero ter.
Quanto mais entro nela, mais quero entrar
Quanto mais a conheço, mais quero conhecer.
Quanto mais fico com ela, mais quero ficar.
Em vinte e poucos dias, tive com Fernanda o que jamais tive com
Penélope em sete anos. É mais que amizade e muito mais que atração
doentia. É carnal, sem dúvida. O desejo que sinto por aquela garota me
exaure quando estou longe dela e me submete quando estou perto dela.
Reluto para deixá-la depois do café da manhã e conto os minutos para
voltar para casa no fim do dia. Meu corpo está desenvolvendo uma
dependência do dela, mas de uma forma boa, se é que isso é possível.
É como uma cura. Uma recarga de bateria. Uma brisa em um dia de
calor. Uma brasa em um dia de inverno.
Fernanda está se tornando a minha reabilitação.
— Gael? — A voz fina de Leona interrompe meus devaneios
agonizantes. — Você está bem?
Inspiro profundamente, conformado e determinado a não perder a
mulher que está me transformando de dentro para fora em um homem
melhor, mais feliz. Não importa o que terei que fazer ou como farei, mas não
vou desistir do que quero.
E eu quero a Fernanda.
— Duas semanas e você terá suas fotos — decido, por fim.
A diretora de marketing parece satisfeita.
— Vou agendar — informa, mas não se levanta.
— Precisa de mais alguma coisa?
— Não, só estou curiosa para descobrir quem é a sortuda que
conseguiu fisgar seu coração.
— Se é tão importante para você, espero que descubra — falo
seriamente olhando em seus olhos. — Se já acabou.
Leona maneia levemente a cabeça.
— Eu aviso quando tiver a data e o horário da sessão de fotos.
— Obrigado.
Ela sai e me deixa sozinho com meus pensamentos conflitantes que
estão me atormentando mais que o normal, no entanto, me recuso a permitir
que eles estraguem o dia de hoje. Envio uma mensagem para Fernanda e a
convido para passar a tarde comigo. A resposta chega menos de dez minutos
depois e me faz sorrir.
É muito cedo, eu sei, três semanas não é nada para quem sonha
encontrar uma mulher para compartilhar todos os dias do resto da sua vida.
No entanto, estou começando a acreditar que talvez eu tenha caído em uma
armadilha do destino, o que não seria um grande problema, claro.
Se eu não tivesse gostado tanto...
◆◆◆

Entre reuniões, telefonemas e assinaturas de contratos, nem percebo


que a manhã passou voando e já está quase na hora do almoço.
A porta do escritório se abre e Claudio entra seguido por Ruth logo
atrás dele. Recosto na cadeira com os ombros relaxados, ignorando o
turbilhão raivoso que sinto todas as vezes que me lembro o que ele fez.
— Desculpa, Gael, eu avisei o doutor que você está ocupado — Minha
secretária fala, nervosa.
Levanto a mão sem desviar meu olhar do advogado, que está parado à
minha frente, esperando a minha resposta.
— Pode deixar, Ruth. Eu cuido disso.
Ela sai cabisbaixa.
— Não me obrigue a trancar a porta — rosno.
— Se não me ignorasse, eu não seria obrigado a invadir sua sala.
— O que você quer?
— Quero saber quando pretendia me contar sobre a retirada de
dinheiro que fez a dez dias atrás.
— Quando eu disse que você podia continuar trabalhando aqui, pensei
ter sido claro sobre o seu afastamento das minhas contas pessoais — rebato
prontamente.
— A partir do momento que o valor da retirada ultrapassa o limite
estipulado pelo seu avô, deixa de ser pessoal.
Claudio não sabe que usei o dinheiro da empresa para comprar o
antiquário, mas certamente sabe que minha avó tem livre acesso ao caixa da
empresa para fazer o que bem quiser. O que confirma que ele está aqui para
saber o que foi feito com o dinheiro.
Há um mês, eu teria contado em primeira mão para ele.
Hoje, tudo que ele vai ter é o meu silêncio.
— Se houver qualquer irregularidade, mande direto para o e-mail do
senhor Dwayne, ou para o diretor do financeiro — falo friamente. Desligo o
notebook, fico em pé, visto meu terno e passo por ele. — Feche a porta
quando sair.
Deixo o escritório sem olhar para trás.
Claudio é o melhor advogado da empresa e se tem uma coisa que
aprendi com o meu avô é não misturar assuntos pessoais com profissionais.
Ele foi um péssimo amigo e a minha vontade era de demiti-lo para nunca
mais ter que olhara para a cara dele.
No entanto, como CEO da empresa, tenho de pensar num todo e não
em partes. Por isso o transferi para o andar de baixo e restringi seu acesso as
contas abertas em nome da Gallenger Cosméticos. Óbvio que ele não gostou,
já que era o responsável por todas as transações particulares da minha
família. O fato é que eu não me importo.
Sigo até o estacionamento e me obrigo a esquecer os problemas até
amanhã. Agora tudo que eu quero é aproveitar o resto do dia com a Fernanda,
e é exatamente isso que vou fazer. Estou ansioso para encontrá-la, beijar sua
boca e explorar seu corpo delicioso com a minha língua.
Fernanda é linda, mas quando aparece na sala do seu apartamento
usando um vestido azul que abraça seu tronco como um amante possessivo, e
desce até o meio das coxas um pouco mais largo, instigando minhas mãos a
se embrenharem por baixo da saia rodada e alcançar a parte do seu corpo que
desejo a cada maldito segundo, não esqueço apenas os problemas. Esqueço
tudo e todos. Somos apenas ela e eu.
Estou sem palavras, embasbacado e enfeitiçado por sua beleza natural,
desprovida de maquiagem. É somente Fernanda, seu vestido
escandalosamente sexy, um par de sapatos de salto médio e uma pequena
bolsa que ela segura como se fosse seu amuleto da sorte.
Não me dou o trabalho de dizer qualquer coisa até porque, nada que eu
diga vai fazer jus ao que estou sentindo. Eu a tomo nos braços e a beijo com
paixão, minha língua devora a dela, lambe, explora, chupa. Ávida, insaciável
e sedenta por mais.
E então o mundo ao meu redor desaparece e tudo que vejo, desejo e
preciso está aqui, bem à minha frente, em meus braços.
CAPÍTULO 33
GAEL
— Você está linda — elogio logo que entramos no elevador.
— Obrigada. — Fernanda sorri de lado. — Pensei que não tinha
gostado do vestido.
Enlaço sua cintura trazendo seu corpo para perto do meu.
— Perdoe a minha falta de educação — sussurro em seu ouvido. —
Gostei tanto do seu vestido que me distraí imaginando tudo que vou fazer
com você quando eu te deixar sem ele.
Os pelos dos seus braços arrepiam, os mamilos despontam, empinados
sob o tecido delicado, e meu pau lamenta por não poder fazer nada a respeito
porque as portas do elevador se abrem.
— Prometo que vou me redimir mais tarde — falo com um sorriso
sacana em meu rosto.
Atravessamos o hall de mãos dadas, nossos dedos entrelaçados, como
um casal de namorados. E eu gosto de quem somos e como somos quando
estamos juntos, aliás, gosto muito mais do pensei que fosse gostar.
Fernanda ajeita os óculos e a bolsa ao redor do pulso. Suas bochechas
estão coradas e não sei se a minha confissão a deixou envergonhada, com
tesão ou as duas coisas.
— Eu não me importaria de passar a tarde inteira na cama ouvindo
seus pedidos de desculpa, Gael, mas estou muito curiosa para saber qual a é a
surpresa que você preparou para mim. Então vamos ter de adiar a sua
remissão até a nossa volta. — Nanda estreita os olhos e diz baixinho. —
Beijar uma garota como se estivesse chupando um picolé de chocolate, no
meio da sala de estar e ainda por cima com outras pessoas assistindo, antes de
dizer o quanto ela está bonita, é uma infração gravíssima para um cavalheiro
e exige retratação imediata.
Seus cílios batem tão rápido quanto as asas de uma borboleta, os
ombros encolhem com exagero, e seus lábios se levantam, franzidos,
formando um beicinho, dando a Fernanda um ar inocente e virginal quando
ela fala:
— Honestamente, não esperava um comportamento indecoroso como
aquele e estou deveras decepcionada, o que não vai fazer uma tarefa muito
fácil para você me convencer de que realmente está arrependido por ter
ignorado as boas maneiras e cedido com tamanha facilidade a luxúria,
permitindo que seu corpo fosse guiado por esses... — Fernanda olha para o
céu enquanto bate o indicador no queixo repetidas vezes, fingindo que está
tentando encontrar uma palavra para descrever o desejo que sinto por ela. —
Esses impulsos imorais, indecentes e pervertidos. — Enfatiza a palavra
impulso com uma expressão de repugnância.
Contenho a vontade de rir alto por conta da sua descarada encenação
dramática. Solto minha mão da dela para abrir o portão e aproveito para roçar
o meu pau na sua bunda quando ela passa por mim.
— Você vai poder me dizer se eu sou, ou não, um verdadeiro
cavalheiro, assim que estiver sentada na minha cara, gozando na minha boca,
gritando meu nome e me implorando para te comer com força — murmuro de
pau duro, sem perder a chance de dar uma conferida na sua bunda gostosa
gingando de um lado para o outro, alguns passos à minha frente. — Posso ser
um homem muito convincente quando se trata da sua doce boceta apertada,
senhorita Puritana Decepcionada.
Primeiro Fernanda ofega e depois explode em uma gargalhada
encantadora, que aumenta a pressão dentro do meu peito — inseparável e fiel
companheira nas últimas três semanas.
Nanda ainda está sorrindo como uma adolescente apaixonada quando
abro a porta do Volvo para que ela entre, dou a volta no carro e assumo meu
lugar atrás do volante. No entanto, seu sorriso diminui, pois ela sente a minha
tensão no instante em que afasto uma mecha do seu cabelo por cima do
ombro esquerdo e fito seu olhar caramelo.
— Tem certeza que quer passar o resto do dia comigo? — pergunto,
apreensivo.
Preciso me certificar de que Fernanda está bem com a ideia de que
pode ser reconhecida por qualquer pessoa na rua. E ainda que eu tenha
tomado todas as providências para que isso não aconteça, é meu dever fazer
que ela entenda que sempre haverá um risco, uma margem de erro e aconteça
alguma merda.
Fernanda solta o cinto de segurança que acabou de prender. Sua bolsa
cai no chão quando ela inclina o corpo na minha direção, envolve sua
pequena mão na minha nuca e me beija com paixão. É um beijo calmo e ao
mesmo tempo tempestuoso, exatamente como a garota que está me beijando.
Nossas línguas começam dançando no ritmo de uma valsa, mas em
poucos segundos perdem o compasso e passam a devorar uma a outra,
enquanto minhas mãos tocam todas as partes acessíveis do seu corpo com
sofreguidão.
— Nunca quis tanto passar uma tarde inteira com alguém como quero
passar com você... — Sua resposta sussurrada, quase sem fôlego na minha
boca é mais do que eu esperava, e Fernanda percebe o quanto me
desconcertou, pois, emenda logo em seguida. — Eu amo surpresas e não vejo
a hora de descobrir o que está aprontando.
— Não me importa o motivo, Nanda, contanto que você queira ficar
comigo — falo a verdade olhando em seus olhos.
— Eu quero muito, Gael.
— Eu também quero muito ficar com você. — Deslizo o polegar pelo
seu lábio inferior adorando ver sua expressão lânguida sob meu toque áspero.
— E espero que nunca se esqueça disso, Fernanda. — Eu a beijo mais uma
vez antes de dar a partida e seguir para o nosso primeiro destino, onde vamos
almoçar.
Apesar de ser a pessoa mais reservada que conheci em toda a minha
vida e irredutível quando se trata da sua privacidade, Fernanda não é nada
tímida, recatada ou conservadora, muito pelo contrário. Quanto mais tempo
passamos juntos, mais ela me mostra o quanto é bem-resolvida com seu
corpo, gosta de se aventurar no sexo e experimentar coisas novas,
confirmando o que eu suspeitava desde o início.
Fernanda teve dois namorados egoístas que nunca se preocuparam
com o prazer dela, nem tiveram qualquer interesse em descobrir o que está
escondido sob as diversas camadas superficiais que ela mantém à vista de
todos, apenas para se proteger de possíveis invasores oportunistas.
E embora eu não faça a menor ideia de como vai ser sua reação
quando eu lhe contar a verdade, o que sinto por essa garota me faz querer
mais que tudo ser o homem que irá proporcionar a ela suas primeiras e
melhores experiências. De todas as formas e em todos os sentidos.
Quero conhecer Fernanda de trás para frente; entender o significado de
cada olhar e cada sorriso dela; reconhecer o que está sentindo só de ouvir sua
voz por telefone; saber o que está pensando apenas de olhar em seus olhos,
sem que ela precise me dizer nenhuma palavra.
Quero ser o amante que ela cobiça entre suas pernas o tempo todo e a
todo o tempo; o possuidor absoluto dos seus sonhos; e o único homem com
quem Fernanda deseja estar.
Quero ser a primeira pessoa para quem ela vai ligar quando se sentir
sozinha, triste, carente ou explodindo de felicidade; quando estiver excitada,
louca para gozar e até mesmo quando ela quiser desabafar seus problemas, ou
compartilhar uma notícia maravilhosa.
Mas sobretudo, quero que esse sentimento confuso que continua se
expandindo dentro do meu peito, também esteja se expandindo dentro do
peito dela.
Fernanda desperta o que há de melhor em mim.
Sempre que estou com ela, perto dela ou dentro dela, me lembro do
cara que eu costumava ser antes de conhecer Penélope e admito que gosto de
ser esse Gael.
— Me dá pelo menos uma dica. — Ela está tão ansiosa que mal
percebe a direção que estamos seguindo.
— Se eu te der uma dica, você vai descobrir e se você descobrir, não
vai ser mais surpresa. — Desfruto da pausa obrigatória quando o semáforo
fecha, para deslizar a mão por sua perna.
Fernanda prende o lábio inferior entre os dentes e respira com
dificuldade. Seu corpo fica mais tenso à medida que meus dedos se infiltram
sob o vestido e vão subindo pelo meio das suas coxas.
Ela até tenta frear meu avanço firmando sua bolsa no colo para me
impedir de chegar ao meu lugar favorito do mundo, no entanto, fraqueja
vergonhosamente quando sou recebido por lábios melados, e não pela costura
do que deveria ser a última barreira protetiva da sua boceta.
— Puta que pariu! — Minha voz sai rouca e fraca. — Por que não me
disse que estava sem calcinha?
A garota perversa sorri com malícia e afasta mais as pernas, me dando
livre acesso para escorregar dentro da sua quentura encharcada.
— É a minha surpresa pra você... — ronrona como uma gata no cio.
Meu pau engrossa rogando por sua liberação, enquanto meus dedos
entram e saem da sua boceta e Fernanda geme, empurrando o quadril para
frente em busca do seu prazer. Tudo ao mesmo tempo. E por alguns minutos
esqueço que continuamos parados em um semáforo movimentado, cercados
de carros e motos por todos os lados.
O vermelho dá lugar ao verde, algum infeliz esquece a mão na buzina,
o outro xinga, os vendedores ambulantes correm para a calçada e o trânsito
volta a fluir, para o meu desamparo e total desgosto.
— Se a sua intenção era me surpreender — murmuro colocando o
carro em movimento. — Sua missão foi concluída com sucesso. — Enfio os
dedos na boca e chupo um por um sob o seu olhar libidinoso.
— Gostou da surpresa? — Fernanda murmura e passa a mão sobre a
saia do vestido.
— Você vai ter sua resposta enquanto a gente espera o almoço. —
Desvio rapidamente o olhar para ela lhe oferecendo meu melhor sorriso
cafajeste e volto minha atenção para a rua à minha frente. — Eu sempre quis
comer a sobremesa antes do prato principal. Pelo visto, hoje é meu dia de
sorte.
Fernanda não aguenta e cai na gargalhada. Linda demais!
Cinco minutos e duas curvas depois, chegamos à Cantina Mangia
Bene[3], onde reservei uma mesa no terraço dos fundos para almoçarmos com
tranquilidade. Não me importei de dar uma gorjeta generosa ao gerente e
garantir que o espaço arejado e bem decorado não fosse oferecido a nenhum
outro cliente.
Desse jeito, Fernanda pode ter sua privacidade e eu posso matar a
minha fome.
CAPÍTULO 34
ARTHUR
Eu sabia, porra!
Bato a mão fechada em punho no volante com força, quando vejo
Fernanda sair do prédio com um cara engravatado e boa pinta. Ela está
sorrindo para ele como nunca sorriu para ninguém, nem mesmo para mim.
Mas que merda!
Ligo o carro ao mesmo tempo que seleciono o contato do meu irmão e
não penso duas vezes em segui-los. Tenho que descobrir se esse babaca é
quem está dificultando nossa reaproximação e encontrar uma maneira de tirá-
lo da jogada.
— Fala, brother — Isaac atende no segundo toque.
Meu corpo fervilha de raiva.
— Preciso que verifique uma placa para mim.
— Estou dirigindo, não posso fazer isso agora.
— É urgente, tem que ser rápido — brado, impaciente.
— Ouviu o que eu disse? — meu irmão pergunta, irritado. — Me
passa o número e eu vejo quando chegar em casa.
Entrecerro os olhos, apertando o volante.
— GDG 1502 — sibilo entredentes. — Um Volvo preto, modelo novo.
— Onde você está? — ele indaga. Seu tom de voz é mais baixo.
— Jardim América — respondo enquanto sigo meu alvo.
— A Fernanda não mora nesse bairro?
— Mora — rosno.
— Ela tem alguma coisa a ver com isso?
— Tem.
— Por que não me conta logo o que está acontecendo, Arthur?
O semáforo próximo ao Clube Atlético Paulistano fecha quando tento
trocar de pista para ter uma visão melhor do motorista do Volvo, mas sou
obrigado a jogar o carro para o lado oposto graças a um motoqueiro que
dirige pelo corredor em alta velocidade, e acabo ficando mais distante.
— Porque ainda não sei o que está acontecendo, porra! — Frustração
saliva na minha boca. — Tem umas três semanas que a Fernanda não atende
minhas ligações e não responde minhas mensagens.
— Não é isso que ela faz desde que descobriu que você comeu a
professora casada?
— Era, Isaac, era — resmungo, mal-humorado. O semáforo muda para
o verde e os carros voltam a se movimentar. — A Tayane passou na casa do
Marcos naquele sábado que eu jantei com ele e a Lilian. Eu aproveitei e
liguei para a Fernanda no domingo, porque sabia que a fofoqueira ia dar com
a língua nos dentes e contar que tinha me visto lá.
— Conversou com ela?
— Estava conversando, mas, do nada, ela disse que me ligava mais
tarde e desligou o telefone.
— E não ligou — conclui meu irmão. — Foi por isso que foi atrás
dela?
Quando o motorista do Volvo entra à direita e pega uma rua menos
movimentada, já sei para onde ele está levando a Fernanda. Aquele quarteirão
concentra os melhores e mais caros restaurantes italianos do bairro.
— Não. A Fernanda tem essa coisa de ser orgulhosa e eu sei que não
adianta pressionar. Quanto mais ela se sente acuada, mais se fecha. —
Diminuo a velocidade, aumentando a distância entre nós. — Foi o que o
Marcos falou para a secretária dele que me deixou intrigado.
— O que o Marcos disse?
Estaciono meu Hyundai Ix-35 em frente à Mangia Bene — cantina
preferida da minha mãe em São Paulo —, atento a tudo que acontece do outro
lado da rua. O cara abre a porta do passageiro para a Fernanda e eles são
recepcionados ainda no estacionamento pelo gerente, que conduz os dois para
uma entrada lateral, do lado de fora.
— Que não se lembra de ter visto a Nanda tão feliz como nas últimas
semanas — ladro, sentindo a fúria me abordar novamente.
Isaac fica em silêncio, provavelmente assimilando o que acabei de
contar e se fazendo a mesma pergunta que eu me fiz, incontáveis vezes, até
ver a resposta com meus próprios olhos
Como a Nanda podia estar feliz depois de perder o que mais amava?
Claro que acredito que ela ficou triste quando pegou o Danilo com a
amante, como acredito que a forma com que a repercussão do acidente dele
interferiu diretamente na vida dela, a deixou arrasada. Sem contar que a
demora do Danilo para sair do coma, piora a situação em vários níveis.
Mas duvido que qualquer coisa magoou tanto a Nanda como o seu
afastamento do museu. Aquele lugar é a vida dela.
Se a Nanda estivesse trabalhando, a afirmação do Marcos não teria me
abalado, mas considerando que a Nanda jamais seria capaz de enganar o pai,
e seu pai jamais diria aquilo se não fosse verdade, abalou.
— A Fernanda está com o dono do Volvo? — Meu irmão pergunta
cauteloso, ciente de que não sei lidar com esse tipo de rejeição.
— Está.
— O que pretende fazer, Arthur?
Inspiro longa e vagarosamente, me esforçando para relaxar meu corpo
inquieto.
— Esperar.
— Esperar? — Isaac grita, incrédulo.
Fecho os olhos e apoio a cabeça no encosto do banco.
— Sim, Isaac, esperar — concordo, entediado por fora e puto da vida
por dentro. — Esperar você me dizer quem é o cara que está tentando roubar
a Nanda de mim. Esperar e descobrir se o que está rolando entre eles é sério.
— Penteio o cabelo com os dedos. — E esperar o momento certo de atacar
para pegar de volta o que me pertence.
Meu irmão xinga uma dúzia de palavrões.
Ele está preocupado, ou melhor, apavorado, e tem todos os motivos
para estar, pois não é segredo para ninguém que eu não sou um homem
paciente e não existe nada no mundo que eu odeie mais do que... esperar.
GAEL
Dante já está nos esperando no estacionamento quando paro o carro
em uma vaga reservada para clientes privilegiados. O gerente de uma das
cantinas mais conhecidas de São Paulo é baixinho, barrigudo, careca,
gesticula sem parar e fala alto como todo bom italiano.
Fernanda cumprimenta o homem com dois beijinhos e acha graça de
tudo que ele fala.
Dante nos conduz até o terraço do piso superior, usando a entrada
lateral para não sermos vistos, apresenta o garçom que irá nos atender e
desaparece do meu campo de visão.
— É lindo aqui em cima — ela diz depois que fazemos nossos pedidos
e ficamos sozinhos.
— Você não conhecia a Mangia Bene?
— Já vim almoçar algumas vezes com meus pais, mas sempre ficamos
lá embaixo.
Seguro sua mão por cima da mesa e entrelaço nossos dedos.
— Achei que você ia preferir o terraço.
— Obrigada por se preocupar, Gael. — Seu olhar amarronzado me
cativa com extrema facilidade.
— Eu gosto de me preocupar com você — digo, porque é verdade.
Ainda que o que sinto por ela não seja apenas preocupação devido a culpa
que corrói cada célula do meu corpo.
É muito mais, só não estou preparado para dizer isso a ela.
— Eu gosto que você se preocupe comigo.
Somos obrigados a interromper nossa interação no momento que o
garçom retorna com o vinho tinto italiano, sugerido por Dante, e uma porção
generosa de queijos, salames, pães, focaccias e molho especial.
Segundo ele, uma cortesia da casa para enganar o estômago já que as
massas demoram em torno quarenta minutos para serem servidas, pois são
frescas e preparadas na hora.
— Você vem muito aqui? — Fernanda pergunta, um tanto sem jeito.
— Antes de o meu avô ficar doente, eu trazia ele e a minha avó para
jantar pelo menos uma vez por mês. Ele jura que nunca comeu uma pizza de
pepperoni como a daqui. — É difícil para cacete evitar a melancolia ao falar
de um tempo em que eu cheguei a acreditar que o senhor Dwayne Gallengher
viveria para sempre. — Depois, nunca mais vim. Hoje é a primeira vez.
Tomo um gole de vinho apenas para disfarçar o embargo na voz.
— Você está preparado para assumir os negócios? — A mudança de
assunto deveria ser um alívio, no entanto, falar com Fernanda sobre a
empresa ainda é um campo minado.
— Para assumir os negócios sim, para substituir meu avô, não.
— Tenho certeza que ele sente muito orgulho do neto.
Puxo o ar com força, dividido entre dar continuidade a conversa ou
direcioná-la para uma direção mais segura.
O conflito interno é intenso.
Uma parte do meu cérebro, a mais otimista e confiante, diz para eu
aproveitar o momento e contar tudo para a ela, mas a outra, covarde e
carente, praticamente implora para que eu espere até ter certeza que Fernanda
gosta tanto de mim a ponto de me perdoar.
— Você tinha razão. — Fernanda faz uma careta de desentendimento.
Sorrio e apoio os cotovelos na mesa. — Quando me aconselhou a dizer tudo
que sinto para ele antes que... seja tarde demais. — As últimas palavras
trepidam amargadas na minha língua.
Fernanda retribui o sorriso, mas o seu é sem dúvida muito mais
sincero. Não que o meu não seja, porém não traduz tudo que carrego no
coração, especialmente o medo vergonhoso de afugentá-la com a verdade,
enquanto o dela é tão transparente que posso enxergar cada uma das suas
cicatrizes, das mais antigas até as mais recentes.
— É sempre um prazer ajudar.
Meu olhar cai para os seus lábios gulosos que se abrem para receber
um pedaço de queijo e então, dez segundos mais tarde, tenho um pau
endurecido e invejoso lutando contra o zíper, ansiando ser sugado por aqueles
mesmos lábios para dentro daquela boca.
E pela forma que seus olhos entrecerram cravados nos meus, sua
respiração acelera e seu corpo se remexe na cadeira, Fernanda se entrega,
produzindo provas incriminadoras contra ela mesma.
Evidências explícitas e desaforadas, que servem apenas para
corroborar minha acusação silenciosa de que Fernanda sabe exatamente o que
estou pensando, e que estou mais do que pronto para responder à pergunta
que ela me fez no carro.
Minha doce e apertada sobremesa.
O clima entre nós muda, radicalmente. A sensação térmica dispara e
se iguala a do Saara. A tensão sexual é quase tocável.
Arrasto a cadeira para trás, olhando direta e intensamente no fundo
dos seus olhos.
— Vem aqui — ordeno friamente, retiro o paletó e o jogo de qualquer
jeito sobre a cadeira vazia ao lado da minha.
Fernanda engole em seco e se levanta, acatando minha ordem,
contorna a mesa e para à minha frente, entre as minhas pernas.
— Se eu tocar sua boceta agora, como ela vai estar? — A seguro por
trás dos seus joelhos e a puxo para mais perto de mim.
— Molhada — sussurra, ofegante, trêmula. Ela cambaleia e apoia as
mãos nos meus ombros para não cair.
Puta merda!
— Quente ou fria? — Meus dedos percorrem suas coxas, alcançam
sua bunda empinada e sem qualquer aviso, esmagam a carne firme sem
compaixão.
— Quente... — sopra num fio de voz.
Meus dentes rangem, enquanto meus dedos enrolam a saia do vestido
em sua cintura.
— Santa ou putinha? — Não sei o que me enlouquece mais, o cheiro
da sua boceta ou a forma como ela brilha para mim. De qualquer maneira, ter
Fernanda exposta na minha frente e à minha inteira disposição me transforma
em um maníaco obsessivo.
— Putinha. — Ela joga a cabeça para trás no instante que meu polegar
encontra seu clitóris, acuado entre os lábios da sua boceta.
— Forte ou fraco? — rosno antes de meter o dedo médio.
— Forte... — Fernanda geme abrindo mais as pernas.
— Rápido ou devagar? — Minha voz é dura e exigente, assim como
meu dedo a fode.
— Rápido.
— De frente ou por trás?
— Frente...
Mal a palavra sai deixa sua boca, fico em pé, ergo seu corpo e a
carrego para o banheiro. Entro com ela ainda em meu colo, tranco a porta, a
coloco sentada em cima da pia e falo antes de cair de boca na sua boceta.
— Quer gozar na minha língua ou no meu pau?
Prendo seu clitóris entre meus lábios, sugando, pressionando,
esmagando. Fernanda agarra meu cabelo com tanta força que sinto o couro
cabeludo arder.
— Nos dois...
Liberto o nervo inchado e levanto a cabeça. Nossos olhares se
encontram em meio a neblina depravada que paira sobre nós, densa,
carregada, libidinosa.
— Sou todo seu...
Para Fernanda, essas três palavras são apenas parte de um jogo erótico
que inventamos e, aos poucos, estamos aperfeiçoando, incrementando e nos
excitando cada vez mais. Descobrindo, estimulando e desafiando um ao
outro.
Mas para mim, elas não querem dizer nada além do que dizem em sua
forma mais crua, direta, límpida e real.
Pena que nem todas as verdades são tão simples...
CAPÍTULO 35
FERNANDA
— Sobremesa, senhor? — O garçom pergunta mais encabulado do que
eu. Minhas bochechas esquentam e não sei se rio, ou se choro.
Gael é o único, de nós três, que não parece abalado.
Seu cabelo continua impecável, assim como a sua roupa. A postura
relaxada e a expressão neutra seguem firme em sua missão de fingir que não
fomos pegos saindo do banheiro masculino, depois de transar como se o
mundo fosse acabar nos próximos dez minutos e aquela, a nossa última
chance de fazer sexo e gozar como dois loucos.
— Não, obrigado. Estou satisfeito. — Pausa para um sorriso de lado,
sacana e debochado. — Por enquanto... — sussurra sem tirar os olhos dos
meus.
— Senhorita?
— Não, obrigada — falo baixo e me obrigo a encarar o pobre homem
que está parado sem saber para onde olhar. — A comida estava deliciosa —
falo com sinceridade, no entanto, meu objetivo principal é amenizar o
embaraço, tanto o dele quanto o meu.
Seu maneio de cabeça é tão sútil, que eu sequer teria notado se não
estivesse olhando para ele. Em compensação, os lábios do Gael se esticam
para o lado direito, aumentando seu sorriso petulante. Nem a minha encarada
ameaçadora o intimida, pelo contrário.
Ele batuca os dedos na mesa e fala:
— Me arrisco dizer que foi a comida mais gostosa que já comi. — A
afirmação do Gael é saturada de malícia.
Ao menos alguém está se divertindo.
Fico tão estarrecida com a sua cara-de-pau que, sem pensar duas
vezes, chuto sua canela por baixo da mesa. Gael nem pisca, porém o brilho
libidinoso em seu olhar anuncia que a minha tentativa de frear sua
provocação descarada, serviu apenas como um combustível para sua
determinação.
Então, antes que ele possa abrir a boca para mais uma insinuação com
duplo sentido, falo:
— Pode trazer a conta, por favor. — Recebo outro maneio de cabeça
sútil antes de o homem girar nos calcanhares e sair apressado porta afora,
mais envergonhado do que estava quando nos viu saindo do banheiro.
Gael começa a rir, descontraído, alegre, solto e relaxado, enquanto eu
paraliso diante dele, aprisionada pelo som que sai da sua boca, alcançando
cada canto do terraço, elegantemente decorado, e toca meu coração, incitando
um insólito tsunami emocional.
Não é uma gargalhada escandalosa e forçada, tampouco uma risada
sarcástica que pode ser ouvida de longe. É algo que eu não conhecia, aliás,
nem sabia que ele era capaz de sorrir como está sorrindo agora. Chega a ser
inocente com sabor de infância.
Acho que é isso. Gael está sorrindo como um menino livre de
responsabilidade, poupado do sofrimento que a doença terminal do seu avô
lhe causa, desmemoriado para se lembrar da traição da sua noiva e feliz
demais para se impedir de sorrir.
Eu devo estar encarando o homem sentado de frente para mim como
uma sociopata tarada. Talvez eu esteja apenas boquiaberta e pelo canto da
minha boca escorra um filete de baba incolor, ou Gael finalmente constatou
que não posso parar de olhar para ele e, ainda que pudesse, não pararia, pois
jamais vi nada tão bonito.
— Você deveria sorrir sempre assim. — Só reparo no que falei
quando é tarde demais para engolir as palavras de volta.
Seu olhar é azul-escuro encoberto por um nevoeiro de mistérios e
segredos, de beleza aterrorizante e, ao mesmo tempo, deslumbrante.
Exatamente como eu imagino ser o mar do Pacífico durante as tempestades
de inverno, o tipo de perigo fascinante que incita a ser desafiado. E mesmo
com todos os avisos, somos tragados para a sua imensidão anil, ansiosos pelo
afogamento.
— Sempre é muito tempo — Gael passa a mão pelo cabelo,
nitidamente sem graça.
— Não me importo se for sempre que possível ou sempre que quiser.
— Dou de ombros, disfarçando meu desapontamento por ter ultrapassado os
limites, mesmo que sem querer. — Você escolhe quando.
Gael me fita sem discrição e indecentemente.
Meu corpo revida na mesma hora o impacto do seu olhar. Pelos
arrepiados, mamilos endurecidos, calafrio na coluna, umidade entre as coxas,
secura na garganta e frequência cardíaca acelerada.
— Existe uma teoria muito interessante sobre o sorriso — Gael
murmura inclinando o corpo para frente e apoia cotovelos sobre a mesa. —
Desde pequenos somos condicionados a acreditar que as pessoas que sorriem
mais, são mais felizes. O que poucos sabem é que o sorriso não passa de uma
resposta quase imediatista a um estímulo e, na maioria das vezes, provocado
por terceiros.
Engulo em seco. Gael cobre a minha mão com a sua, entrelaça nossos
dedos e sorri para mim. Ele realmente sorri. Sincero, lindo.
— Existe apenas um jeito de eu atender o seu pedido.
Seu polegar acaricia minha pele, disparando ondas elétricas para todas
as células do meu corpo. Sou apossada por frenesi, histeria e ambição
luxuriosa.
— Que jeito? — Meu tom de voz se enquadra entre o sussurro e o
gemido.
Gael leva minha mão a boca e beija os nós dos meus dedos, um por
um, devagar. Muito, muito devagar. É uma tortura efetiva, no entanto, uma
tortura efetivamente deliciosa.
— Eu só vou sorrir assim se você estiver comigo, porque você é o
meu estímulo.
Agora é o meu sorriso que se alarga. Meu coração parece um bumbo
de escola de samba atravessando a Sapucaí em pleno domingo de carnaval.
— Temos um acordo? — pergunto e pisco para ele.
— Sempre.
O garçom parece menos inibido quando retorna carregando uma
bandeja de prata. Sobre ela, a conta e dois expressos. Gael entrega o cartão
para o homem e enquanto aguardamos a conclusão da transação, saboreamos
o café puro.
— Eu acompanho vocês. — O garçom indica a saída.
Pego minha bolsa e desço os degraus com Gael logo atrás de mim.
Esperamos o rapaz destrancar a porta e liberar nossa passagem.
Agradecemos, nos despedimos e seguimos para o estacionamento de mãos
dadas.
Antes de prender o cinto de segurança, Gael se acomoda de lado no
banco e sua mão segura minha nuca com delicadeza, o toque antecede o
beijo, não tão delicado quanto o toque. Não discuto, não reclamo ou recuso.
Adoro todas as vezes que ele me pega com força, toma o que quer
com aspereza, sem gentileza. Não pede, ordena. É um jogo sensual e
excitante que eu adoro jogar. Faz eu me sentir bonita, gostosa e atraente.
Permite que eu me solte e exprima meus desejos mais secretos sem me
envergonhar por desejá-los. Gael libertou uma Fernanda safada e abusada,
que descobriu recentemente que é apreciadora de sexo bruto e de um homem
autoritário disposto a dominá-la na cama.
Nossas bocas se separam para recuperar o fôlego. Minha testa na dele,
a respiração dele na minha.
— Você confia em mim? — Os olhos do Gael investigam os meus,
aguardando a resposta.
Estamos juntos há três semanas. Não verbalizamos regras, impusemos
condições, nem exigimos exclusividade, já que nada disso foi necessário. As
coisas simplesmente foram acontecendo e conforme elas aconteceram, nós
conversamos sobre elas.
Não houve discussões, impasses ou incertezas, porque apesar de
termos personalidades diferentes e modos diferentes de agir, nossos
pensamentos, convicções e ideais são muito parecidos.
Há quem diga que é cedo para confiar em quem mal conhecemos, o
que não é nenhum absurdo, afinal, não ganhamos confiança de presente de
Natal ou a compramos em um mercado. Nós provamos que a merecemos e a
conquistamos com o passar o tempo.
No entanto, até que ponto devemos julgar as pessoas baseados em
nossas experiências pregressas quando esbarramos, por acaso, em alguém que
nos preenche, entende e nos aceita como ninguém jamais o fez?
— Confio — respondo prontamente.
Seu aperto na minha nunca intensifica, seus olhos se fecham,
apertados, como se ele estivesse sentindo dor e sua respiração acelera.
— Eu confio em você — repito, agora com mais convicção, pois
quero que Gael também confie em mim e acredite que eu jamais o trairia de
qualquer forma.
Ele me beija, dessa vez com calma e reverência, até faltar o ar. Em
silêncio, Gael estica o braço, abre o porta-luvas e pega um saquinho preto.
— Vou vendar seus olhos para não estragar a surpresa, está bem?
Dedos ágeis desamarram o nó do cordão e pescam uma máscara preta
de cetim de dentro do saquinho da mesma cor.
— Não quer que eu veja para onde vamos? — Minha voz fraqueja.
— Você não pode tirar até eu dizer que pode. — Gael ergue uma
sobrancelha. A desafiação silenciosa estampa seu olhar azulado:
Você não disse que confia em mim? Prove.
— Ok. — É tudo que eu falo.
O sorriso que ele dá é lindo e por poucos segundos me distrai. Ao
menos até o seu indicador em riste girar no ar, indicando para que eu faça o
mesmo e vire de costas. Guardo os óculos dentro da bolsa e me viro para que
Gael cubra meus olhos com a máscara, deposite um beijo molhado na minha
nuca, prenda o meu cinto de segurança e fale:
— Preparada? — O tom provocador acompanha um mais divertido.
— Me diga você. — Faço o melhor que posso para não mostrar o
quanto estou nervosa, porém suponho que Gael enxergue além da minha
superfície e saiba que o meu corpo tenso, as mãos trêmulas e o suor gelado
que brota em minha testa, não têm nada a ver com a privação da visão.
Gael coloca o carro em movimento e passa o tempo todo, até
chegarmos ao nosso destino final, com a mão descansando sobre a minha
coxa e acarinhando minha pele, enquanto falamos amenidades e rimos feito
dois adolescentes das amenidades que falamos.
Somente quando o motor do Volvo silencia, a realidade me atinge.
— Chegamos? — indago, receosa, ansiosa, nervosa e excitada, na
verdade, morrendo de tesão e carente da mão do Gael sobre a minha pele,
ainda que longe demais do lugar em que eu preciso que ela esteja.
— Sim, mas você ainda não pode tirar a venda, tudo bem?
Confirmo com a cabeça, tateando a lateral do banco para soltar o cinto
de segurança.
— Fica aqui, vou abrir a porta e te ajudar a sair do carro.
A ausência da visão intima os outros sentidos a trabalharem com mais
afinco. Dentro do carro, tudo já é muito familiar e não há nada que desperte
minha curiosidade. Em contrapartida, no instante que Gael abre a porta e toca
meu braço, me oferecendo o seu como uma bengala, é como se eu estivesse
imergindo em um universo completamente desconhecido.
— Vem, não precisa ter medo. Estou do seu lado e prometo que não
vou deixar você se machucar. — Meus olhos não veem, mas meu corpo sente
o carinho com que Gael fala em toda sua plenitude.
— Confio em você.
Ele não diz nada, mas o som da sua respiração me conta tudo.
Com passos vagarosos e excessivamente cuidadosos, ele me conduz
por alguns metros e abre uma porta — ou um portão —, não sei ao certo.
Ouço o baque suave às minhas costas preceder o toque possessivo da sua mão
sobre a minha e o entrelaçar dos seus dedos aos meus, enquanto avançamos
mais alguns passos.
— Está pronta?
Inalo seu perfume, me aqueço com o calor do seu corpo, e desfruto da
calmaria em sua voz para acalmar meu coração.
— Sempre — balbucio num sopro arquejante.
Gael segura meu rosto entre suas mãos e devora minha boca em um
beijo ganancioso. Sou dominada por uma torrente farta de emoções e
sensações, milhões de vezes mais aguçadas. Os braços que me envolvem,
exigentes, me transformam em uma peneira onde os mais diversos
sentimentos são despejados e escorrem por todos os poros.
Tudo é muito e ainda assim, parece pouco para aplacar a avidez que se
destaca dos demais.
Estou à flor da pele e exposta como jamais estive.
Gael salpica beijos estalados por todo meu rosto antes de descansar
sua testa na minha e levar minha mão ao seu peito, precisamente sobre o seu
coração, que bate tão freneticamente quanto o meu.
— Você é o meu estímulo, Fernanda.
Não há tempo para processar suas palavras, pois Gael retira a venda e
dá um passo para o lado, destampando a visão da propriedade atrás do seu
corpo. Eu pisco uma, duas, três, muitas e muitas vezes.
Primeiro para me adaptar a claridade nublada e depois, para saldar as
lágrimas que se hospedam aos montes, em meus olhos.
— É o... — O embargo na minha voz veta a conclusão da frase.
— Antiquário Central da História. — Gael conclui para mim, com um
deslumbrante sorriso em seu belo rosto.
— O que... — Arranho a garganta, meus olhos indo do homem lindo
ao meu lado para a casa antiga à minha frente. — Por que estamos aqui?
Ele enfia as mãos nos bolsos da calça preta, adotando uma postura
profissional que eu ainda não conhecia e, por um milésimo de segundo, perco
o chão.
CAPÍTULO 36
GAEL
— Vamos entrar. A gente conversa lá dentro — falo, ignorando sua
pergunta.
Ela está de boca aberta, literalmente, olhando para todos os lados,
curiosa e extasiada. E eu estou ficando viciado em andar de mãos dadas com
a Fernanda, essa é a única explicação, pois não perco uma única oportunidade
de entrelaçar nossos dedos como se esse gesto simples, insignificante até,
determinasse minha posse sobre ela.
Ou, talvez a Fernanda tenha razão e eu, de fato, sou descendente de
um primata irlandês autoritário e dominador. O que quer que seja, pouco me
importa, contanto que a sua mão esteja dentro da minha.
— Por que o antiquário está vazio? — ela pergunta e juro que posso
ouvir as engrenagens girando dentro da sua cabeça.
— Porque está temporariamente fechado.
Fernanda para sob a soleira da porta de entrada, me forçando a parar
também. Os óculos estão de volta quando seus olhos se revezam entre os
meus e o monte de prateleiras cheias de objetos antigos, organizadas entre os
cinco corredores espaçosos e compridos, que vão de uma ponta a outra do
enorme salão adaptado.
— Se está fechado, como você conseguiu permissão do dono para me
trazer aqui?
Não precisava ser um gênio para saber que ia ser difícil convencer a
Fernanda a dar uma olhada em tudo antes de fazer a proposta para ela se
tornar sócia da minha avó, mas não imaginei que nem chegaríamos à metade
do caminho.
— Eu sei que você tem muitas perguntas para fazer e prometo que vou
responder todas elas, mas primeiro preciso que veja o lugar e as peças que
estão à venda, para me dizer com sinceridade se vale a pena investir nesse
negócio.
Os olhos caramelados se arregalam por trás das lentes.
— Gael, isso é loucura, eu... — Ela fecha a boca e leva a mão ao peito.
— Você vai analisar, dar sua opinião e depois vou responder suas
perguntas. Sem discussão, sem reclamação. E não esqueça que isso não é um
pedido. — Interrompo sua fala e a puxo para os meus braços, colando nossos
corpos. — Se for uma menina boazinha e fizer tudo que eu mandei... — Beijo
seu pescoço e apalpo sua bunda deliciosa por baixo do vestido. — Vai
receber uma grande recompensa — sussurro com a boca em seu ouvido,
pressionando minha ereção contra ela.
Fernanda ofega, em dúvida se empina a bunda para ampliar o campo
de acesso dos meus dedos no seu traseiro, ou se empurra os quadris para
frente e aceita de vez o convite libertino do meu pau para se esfregar nele.
A tentação de arrastar Fernanda até a primeira superfície plana, abrir
suas pernas e meter fundo dentro dela, exatamente como fiz no banheiro da
Cantina Mangia Bene, é indescritível. E meu corpo já provou que não é tão
forte, tão determinado, nem tão disciplinado, para seguir à risca o conselho
do meu avô, que vive repetindo que homens de sucesso jamais priorizam a
diversão em vez da obrigação.
Com as palavras do senhor Dwayne em mente e um sacrifício dos
infernos, seguro os ombros da Fernanda, que está quase desfalecendo em
meus braços de tanto tesão, e a afasto antes que minha cabeça de baixo tome
as rédeas da cabeça de cima e resolva fazer tudo ao contrário.
— Não se apresse. — Beijo sua boca mais rápido do que gostaria, giro
seu corpo e falo baixinho. — Acredito que não deve ser a mesma coisa, mas
aproveita essa tarde de folga para matar a saudade do museu.
— E você? — ela indaga, esbaforida.
— Eu, o que?
— O que você vai fazer enquanto eu fico aqui?
— Vou procurar um lugar para sentar e responder alguns e-mails. Não
se preocupe comigo. — Mordisco o lóbulo da sua orelha sentindo seu corpo
estremecer ao meu toque. — Se precisar de alguma coisa é só me chamar.
Dou um tapa na sua bunda e sigo para a saleta que fica nos fundos do
antiquário. A casa é enorme, seu terreno é um dos maiores da região com
quase novecentos metros quadrados, bem localizada e foi adaptada para
atender as necessidades da microempresa do ex-proprietário.
Porém, além de não entender nada desse ramo, não tenho a menor
ideia se o espaço é, de fato, funcional ou somente agradável aos olhos. Por
isso a opinião da Fernanda é de extrema importância. Ninguém melhor do
que ela para me dizer o que precisa ser modificado e o que pode ser mantido.
Entro no escritório e me sento no sofá de dois lugares. Retiro meu celular do
bolso do terno para checar as notificações e vejo que minha avó me ligou
duas vezes. Retorno a chamada e ela atende logo em seguida.
— Oi, filho.
— Oi, vó. Está tudo bem com o vovô?
— Ele acordou indisposto e sem fome, mas conseguiu comer um
pãozinho e já está mais animado.
Suspiro, aliviado. Antigamente, quando minha avó me ligava, era para
bater papo e jogar conversa fora. Agora, cada vez que o nome dela aparece na
tela, até os meus pulmões param de funcionar, apreensivos.
A tensão de receber a notícia que eu tanto temo me consome de uma
maneira febril e me impede de respirar.
— A senhora queria falar comigo? Vi que me ligou mais cedo.
— Liguei para saber como estão indo as coisas. Não era hoje que você
ia levar a Nanda até o antiquário e fazer a proposta para ela?
Relaxo meu corpo e dou um sorriso satisfeito.
— Ela está lá no salão vendo as bugigangas nesse exato momento.
— Você já contou, Gael? — Dona Flora não precisa fazer a pergunta
completa para saber do que ela está falando.
Óbvio que eu sei.
— Vou contar, vó.
— Quando, filho?
Meu corpo que estava quase relaxando, volta a tencionar como
normalmente acontece quando falo em voz alta sobre essa merda que não sai
da minha cabeça nem por um minuto sequer.
— Não sei.
— O que você está esperando?
Esfrego os olhos, puxo uma respiração e penso em uma resposta
convincente, tanto para minha avó como para mim, pois nem eu sei o que
estou esperando para abrir o jogo com a Fernanda e contar tudo de uma vez.
— Eu vou contar, vó. Só preciso de um pouco mais de tempo.
Dona Flora fica em silêncio por alguns segundos.
— Não precisa ter medo, filho. A Nanda gosta de você e vai entender
os seus motivos.
— Não estou com medo — retruco rápido demais.
— Gael, esquece o cronograma da empresa e para de adiar essa
conversa com a menina.
— Por que a senhora está me dizendo isso?
Minha avó suspira pesadamente.
— Porque você pode adiar a verdade, mas ninguém pode adiar a
morte. Seu nome vai estar em todos os lugares quando o seu avô morrer e só
Deus sabe o quanto meus joelhos estão calejados de tanto pedir por um
milagre para que esse dia demore a chegar. — Dona Flora faz um pequeno
intervalo, de certo para retomar o fôlego. — Quanto tempo você acha que a
imprensa vai demorar para descobrir que a mulher que a Nanda pegou na
cama com o namorado dela, era sua noiva?
— Eu sei, vó.
— Você gosta dessa moça, Gael? — Fico de pé, renunciando de vez a
pretensão de relaxar por alguns minutos.
— Gosto — assumo.
— Você está apaixonado por ela?
— Vó... — resmungo, assistindo meu bom humor escorrer pelo ralo.
— Existe uma diferença entre as duas coisas, Gael.
— Eu vou contar a verdade para a Fernanda de qualquer jeito,
independente dos meus sentimentos por ela.
— Esse é o problema filho — Dona Flora murmura em completo
desânimo.
— Que problema, vó?
— Carregar um vaso precioso na palma da sua mão e só descobrir que
não existe cola para cacos de vidro, depois que ele se quebra. — Meu coração
suspende uma ou duas batidas. — Pode até parecer clichê o que eu vou falar,
mas não adianta chorar o leite derramado se você não se importou quando ele
ainda estava no copo.
— E se ela não me perdoar? — murmuro me sentindo sufocado.
— É porque você não implorou direito.
De repente estamos rindo com vontade. Essa é uma das coisas que
mais amo na minha avó, ela pode estar abatida, nocauteada e profundamente
ferida, como aconteceu quando os meus pais morreram. Na mesma noite,
Dona Flora perdeu seu amado filho e a nora que ela considerava como filha.
Mas ela nunca se entregou.
A doença do meu avô é a prova da sua força.
— Obrigada, vó. Eu amo a senhora e o vovô.
— Nós também te amamos, filho — fala com a voz estremecida.
Encerro a ligação e abro a janela que dá de frente para o quintal dos
fundos. Nuvens cinzentas cobrem o céu de São Paulo, a garoa fina volta a
regar a cidade que nunca dorme e o vento gelado é a prévia de mais uma
noite fria. Meus pensamentos vagueiam e acabam dando uma passada rápida
no passado, mas logo regridem.
Não tem mais nada, nem ninguém, que os prendam por lá. Repasso a
conversa com a minha avó na cabeça, conformado com a verdade, ainda que
eu não seja capaz de sequer conjecturar admiti-la para qualquer outra pessoa
além de mim mesmo.
Ok, não tenho medo de contar a verdade para a Fernanda, tenho medo
que ela ainda não goste de mim o bastante para me perdoar e, sinceramente,
não sei o que fazer.
Decido ir até o salão para ver o que ela está fazendo e quando a vejo
sentada no chão, cercada por bugigangas de todos os tipos e tamanhos, sou
obrigado a me conformar com a segunda verdade, malditamente mais penosa
de admitir do que a primeira.
Precisava ser tão complicado, merda?
FERNANDA
Deslizo os dedos pelas prateleiras, admirada e encantada com cada
peça restaurada e conservada com tamanho zelo. Logo percebo que os
corredores são divididos por categorias: Obras de Arte, Decoração, Cristais,
Porcelanas e Relógios.
A decepção por não encontrar os objetos antigos que mais amo é
grande, mas ela não dura muito, pois atrás do quinto corredor, dois tapetes —
um Persa e um Seneh — estão pendurados em ganchos como se fossem
cortinas.
A qualidade dos tecidos ratifica que são legítimos. Afasto-os com
cuidado e acendo o interruptor de luz, apenas para ser capturada pela beleza
dos móveis espalhados pelo chão do grande cômodo.
No entanto, são as raridades que cativam meu olhar. A quantidade de
objetos é bem menor, em contrapartida sua relevância histórica é
infinitamente maior. Desde um kit de costura, até esporas de cavaleiros e o
primeiro modelo de máquina registradora.
Não conheci o dono do Antiquário Central da História pessoalmente,
mas sei de cor a trajetória da família dele, que chegou ao Brasil uma década
após o descobrimento, e do quanto ele lutou para preservar um legado que
vale mais que qualquer quantia em dinheiro.
Cada objeto carrega uma história, mantém um passado em segredo e
acumula recordações de todos os tipos e de variadas épocas. Sobreviveram a
catástrofes naturais, guerras, batalhas, mas, sobretudo, ao mais cruel, temido
e impiedoso inimigo: o tempo.
Não sei o que Gael pretende fazer a respeito desse antiquário,
tampouco se tem a intenção de injetar capital para manter as portas abertas,
porém, as chances desse negócio não atender quaisquer expectativas que ele
tenha criado, são gigantescas.
Pego duas peças na mão à procura de alguma etiqueta que forneça os
dados mais importantes. Data de fabricação, tipo de material e número de
restaurações feitas desde a aquisição do proprietário. Mas não encontro nada.
Olho ao redor, pois deve haver algum registro.
Volto ao salão de exposição e rapidamente encontro uma pilha de
cadernos — vinte e cinco no total —, sobre uma mesa estilo Luís XV em
madeira de imbuia. Cada caderno contém informações detalhadas de todas as
peças adquiridas, desde a primeira, em julho de 1995, até a última, em
setembro de 2020.
Sorrio, encantada, ao notar que tudo foi escrito a mão, em letra cursiva
caprichosa e caneta tinteiro. Não há computador, televisão ou CD-player. O
telefone fixo é um modelo do ano de 1900 e nas paredes, pequenos quadrados
de pergaminhos foram usados para anotar números de telefones, recados e até
datas de consultas médicas.
Um painel de recados à moda antiga.
Estou curiosa para saber se as anotações estão corretas e todas as
peças exibidas nas prateleiras possuem registro. Opto por começar minha
investigação pelos anos mais recentes e separo o caderno de 2019.
A organização é tão imensamente eficaz, que em poucos minutos me
encontro sentada no chão analisando item por item do catálogo criado por um
homem que aprecia a história, tanto ou até mais do que eu.
Entretida com as inúmeras anotações, não percebo a presença do Gael
até que ele simula uma tosse. Levanto a cabeça e sorrio.
— Já tem alguma opinião formada?
— Acho que sim, quer dizer, sim. Tenho.
Gael olha o celular e faz uma careta, meio que impressionado.
— Menos de uma hora, até que foi rápido.
— O senhor Santiago fez um trabalho incrível e...
Ele levanta a mão me interrompendo.
— De qual Santiago você está falando?
Gael franze as sobrancelhas e me confunde, pois pensei que ele ou
seus avós conhecessem o proprietário do antiquário.
— Santiago Coimbra — respondo e dou de ombros.
— Você conhece ele?
— Pessoalmente, não. Mas sei que o Antiquário Central da História
foi ideia da esposa, Augusta de Castro Coimbra, depois que ele recuperou
todas as obras de arte, joias e objetos pessoais, que pertenciam à família dele,
e tinham vendidas em leilões sem autorização.
Gael me encara por longos minutos, de um jeito estranho que não sei
identificar, antes de se sentar à minha frente com as pernas cruzados,
exatamente como eu estou.
— A dona Augusta faleceu há dois meses, Nanda. — Cubro a boca
com a mão, triste pela notícia. — O senhor Santiago está desolado e não
consegue mais vir aqui.
— Como você sabe disso? — pergunto mais confusa ainda.
— Minha avó era amiga dela e me contou. Foi por isso que depois que
você me disse que o seu sonho era ser dona de um antiquário, eu procurei o
Santiago.
Abro a boca. Fecho a boca. Abro de novo e fecho outra vez.
— Por que você procurou o senhor Santiago, Gael?
Agora tudo começa a fazer sentido, mas anseio ouvir o que ele tem a
dizer sobre essa loucura.
— Porque eu precisava ter certeza que ele ia vender o antiquário. —
Meus olhos marejam, embaçando minha visão. — Porque eu comprei o
Central da História para a minha avó e quero que você seja sócia dela.
Uma lágrima escorre pelo meu rosto. Não consigo falar nada.
— Essa era a minha surpresa para você, Fernanda. E essa era a
proposta que eu queria te fazer. Você aceita ser sócia da dona Flora e assumir
a administração do antiquário mais conhecido de São Paulo?
Meu coração não bate, ele galopa.
Minha garganta ainda não libera passagem para as palavras e pela cara
do Gael, sei que ele está temeroso e ansioso por uma resposta.
Então, respondo do único jeito que sei que ele vai entender.
Eu me jogo em seus braços, literalmente. Gael solta uma gargalhada e
tomba para trás comigo em cima dele.
— Isso é um sim? — pergunta, sorrindo como um menino.
Nossos rostos a uma respiração de distância, seus braços em volta da
minha cintura, os meus em seu pescoço. Seu corpo grande, forte, musculoso,
ampara o meu, pequeno, roliço, macio.
O encaixe só não é mais perfeito do que a nossa conexão. Suas mãos
afastam meu cabelo que cai sobre o seu rosto, e olhos de um azul-escuro
fitam os meus, brilhantes, cúmplices, apaixonados.
Sem deixar de sorrir, Gael ergue uma sobrancelha com ironia, o que
me faz lembrar da sua pergunta.
Então, mais uma vez, eu respondo à minha maneira.
E beijo sua boca com amor e paixão, até perder o fôlego.
CAPÍTULO 37
GAEL
— O que você acha?
Fernanda ainda está sentada no meu colo, no sofá da sua casa, me
encarando como se eu fosse a rena líder, conduzindo o trenó do Papai Noel
na noite de Natal.
— Eu... hum... — Ela tenta se levantar, porém não facilito sua
escapada e a puxo de volta.
— Se você não quiser ir, tudo bem. É só me dizer e eu cancelo —
Afasto uma mecha do seu cabelo e beijo sua mão para que ela não note minha
frustração.
— Não é isso, Gael, claro que eu quero passar o fim de semana com
você na Riviera de São Lourenço. Sempre quis conhecer essa praia, mas... —
Fernanda se força para cima e agora não a impeço de se afastar.
Ela parece triste e não quero fazer ou falar nada que a deixe chateada,
ainda que a sua recusa me deixe profundamente chateado.
Depois que a Nanda aceitou se tornar sócia do antiquário, a uma
semana atrás, fui presenteado com os melhores dias da minha vida ao lado
dessa garota, mesmo com toda a correria no escritório.
A conversa com a minha avó, o avanço da doença do meu avô e a
divulgação do meu nome como criador da marca Fíor e novo CEO da
Gallangher Cosméticos, também influenciaram na minha decisão.
No entanto, quando Fernanda me contou que seu pai tinha descoberto
sobre o nosso namoro através do Arthur, seu ex-namorado, que, aliás, está se
tornando cada vez mais inconveniente, ligando várias vezes ao dia —
algumas até de madrugada —, e encurralando Fernanda na porta do prédio
quando ela está sozinha, foi que me dei conta que não havia mais o que
esperar para abrir o jogo e lhe contar a verdade.
Desde o começo, sem deixar nenhum detalhe de fora.
Depois de pensar e analisar todas as minhas opções, cheguei à
conclusão de que a melhor forma de convencer Fernanda a me perdoar depois
que ela descobrir que Gael e Otávio são a mesma pessoa, que fui eu que a
manipulei por três meses para flagrar Danilo e Penélope transando naquele
hotel e, ainda por cima, contratei a equipe de reportagem para filmar o
flagrante e publicar o vídeo na internet, seria fazer isso longe de tudo e de
todos.
Então, com a ajuda da dona Flora, planejei essa viagem de três dias
para a Riviera de São Lourenço, litoral de São Paulo.
— Qual o problema? — pergunto, inquieto, me remexendo no sofá.
Ela anda pela sala de um lado para o outro e ao redor da mesa de
centro, uma mania que a Fernanda tem sempre que está nervosa, e acaba me
deixando nervoso também, pois não consigo entender porque o meu convite
para passar um fim de semana na praia mexeu tanto com ela.
— A gente precisa conversar. — Ela leva a mão ao peito e nega com a
cabeça. — Na verdade, eu preciso falar e você precisa me ouvir...
De repente Fernanda para à minha frente, se ajoelha entre minhas
pernas, apoia suas mãos pequenas nas minhas coxas e me encara com seu
olhar caramelado. Não resisto, seguro seu rosto entre minhas palmas e me
curvo para beijar sua boca.
Seus lábios me recebem prontamente e se abrem para recepcionar
minha língua ambiciosa. Beijar Fernanda é como ser premiado com um passe
livre para frequentar o paraíso, e possuir seu corpo é uma espécie de
bonificação depois de uma passagem na Terra sem pecados e ser beneficiado
com a vida eterna.
Não estou exagerando, é exatamente assim que me sinto quando estou
com essa garota. E apenas de imaginar que ela pode não me querer, tanto a
minha cabeça, quanto meu corpo e, principalmente, meu coração, sofrem por
antecipação. Dói pra cacete.
Fernanda agarra meus pulsos quando encerro o beijo para recuperar o
ar, levanta a cabeça e fala olhando no fundo dos meus olhos:
— Antes de conhecer você, eu namorava o Danilo. Ele é diretor de
novelas e amigo do meu pai. Há cinco meses, um homem chamado Otávio
Cintra, me enviou uma mensagem dizendo que sabia quem eu era e não
achava certo o que o meu namorado estava fazendo comigo. Um pouco mais
tarde, ele me enviou um vídeo do Danilo transando com uma mulher.
Recosto no sofá, incapaz de mover um músculo sequer. Tenso. Rígido.
Praticamente uma pedra. Fernanda inspira profundamente e continua falando:
— Depois desse dia, eu falei com o Otavio todos os dias, até nos finais
de semana. A gente não conversava por muito tempo e nem falava sobre a
nossa vida pessoal, mas eu gostava de falar com ele. — Ela sorri tristemente.
— Eu nunca tive muitos amigos. O Danilo e a Tay eram as únicas pessoas
que eu confiava e quando descobri que ele estava me traindo, desde o
Réveillon do ano passado, foi um baque muito forte. Eu não queria aceitar
que a história estava se repetindo pela segunda vez, que uma pessoa que eu
amava e confiava estava mentindo para mim há tanto tempo, me enganando,
me traindo. E se não fossem as mensagens do Otavio, a paciência e o apoio
dele, eu teria caído em depressão, porque apesar de não amar o Danilo como
eu amava o Arthur, assistir ele fazer com a amante tudo que não fazia
comigo, feriu. Feriu muito.
Ela não fala com raiva ou rancor, mas está na cara o quanto a traição
do Danilo ainda a magoa. Em compensação, ouvir Fernanda falar sobre o
Otavio faz eu me sentir estranho, mais para caótico do que para esquisito.
Uma parte minha, aquela toda segura e cheia de confiança, diz que o
que fiz foi errado, que fui egoísta, manipulei a Fernanda para poupar meu avô
de aborrecimento e blá, blá, blá.
No entanto, a outra parte, mais covarde e sentimental, bate os pés
afirmando que aqueles três meses que passamos trocando mensagens,
conversando sobre a traição do Danilo e da Penélope, não foram
fundamentais apenas para ela, mas para mim também.
À época, falar com a Fernanda era o que me impedia de chutar o
balde, mandar tudo para o inferno e acabar com a vida daqueles dois, sem me
importar se ia acabar com a do meu avô por tabela. Pois era isso que ia
acontecer se eu perdesse a cabeça e fizesse um escândalo.
Se não fosse o acidente do Danilo...
— Nunca tive intenção de esconder isso de você, Gael, mas não falei
nada porque tive vergonha, e porque não sabia se as coisas entre nós iam dar
certo. Não tenho certeza, mas acho que você já sabe que foi por causa da
repercussão do acidente do Danilo que aqueles repórteres estavam me
esperando na porta da academia, e a diretora do museu me obrigou a tirar
férias do trabalho. — Ela dá uma risadinha. — Como diz a Tay, até em coma
ele continua ferrando a minha vida.
— Eu sei tudo sobre você, Fernanda — admito, pois é a verdade. —
Sempre soube.
Ela assente, prende uma mecha de cabelo atrás da orelha e ajusta os
óculos no nariz.
— Imaginei que soubesse, e agradeço por não ter tocado no assunto.
Eu ainda não estava pronta para falar sobre isso com você.
Inclino-me para frente, reaproximando nossos corpos e acaricio sua
bochecha com as costas da mão, sem tirar meus olhos dos seus.
— Tem uma explicação para eu nunca ter falado sobre os seus ex-
namorados, Fernanda — murmuro, decorando cada centímetro do seu rosto.
— Tem? — ela indaga. Sua testa franze formando um pequeno V
entre os olhos.
Faço que sim com a cabeça enquanto esfrego a ponta do polegar
naquele lugar para desfazer o vinco de pele.
— Tem.
— Vai me dizer qual é?
Dou um sorriso sacana, meu dedo escorrega por seu nariz e faz dos
seus lábios carnudos suas próximas vítimas, deslizando entre eles. Fernanda
abre a boca e ofega. Suas pálpebras ficam pesadas à medida que aumento a
pressão, indo e vindo, de um canto ao outro.
— Depende — Minha voz é rouca, as mãos da Fernanda apertam
minhas coxas com força e meu pau ganha vida.
— Do que? — ela ofega.
— Do que você está disposta a me dar em troca.
Suas pálpebras se esforçam para ficarem abertas, quando enfio meu
dedo na sua boca. Sua língua rodopia, lambendo e chupando, fazendo meu
pau engrossar ainda mais.
— O que você quer? — Fernanda sussurra no instante que puxo meu
dedo para fora e o deslizo por seu pescoço.
— Muitas coisas — brado entredentes.
Infiltro minha mão por baixo do seu cabelo, agarro sua nuca,
apertando-a com força, e trago sua cabeça para ainda mais perto, enquanto
enfio a outra por baixo da camisa de malha que a Fernanda usa para dormir e
belisco o mamilo.
— Que coisas? — Ela pressiona uma coxa na outra, respira com
dificuldade e mal consegue falar.
— Se eu tocar sua boceta agora, como ela vai estar? — Dou início ao
jogo depravado que mais gosto de jogar. O nosso.
— Ensopada...
Chupo sua orelha e mordisco a pontinha do lóbulo ao mesmo tempo
que belisco o outro mamilo.
— Quente ou fria?
— Fervendo...
Lambo seu pescoço enquanto minha mão percorre o trajeto dos seios
até a bunda, ultrapassa o elástico do short e se aloja no meio dela. O dedo
médio se encarrega de esfregar o buraquinho enrugado da Fernanda, por cima
do fio dental, do jeito que ela gosta.
— Com fome?
— Sim...
— Gulosa?
— Muito...
Afasto a calcinha, libero a entrada para forçar meu dedo para dentro,
mordo seu queixo, seu lábio inferior e puxo seu cabelo para trás num tranco
forte. Fernanda joga a cabeça, fecha os olhos e entreabre a boca.
— Malvada ou boazinha?
— Malvada...
— Recompensa ou punição? — Puxo o dedo e empurro com mais
força arrancando um gemido alto da sua garganta.
— Punição...
— Vou te dar uma lição para você aprender a se comportar direito, sua
safada gostosa — sibilo, meus dentes entrecerrados, meu pau duro e minhas
bolas doendo.
Retiro meu dedo do seu traseiro, solto seu cabelo e me afasto sem ao
menos avisar. Fernanda se desequilibra sobre os joelhos, atordoada, ofegante,
suada e excitada.
Tiro a camisa, abaixo a bermuda junto com a cueca e com a mão
direita seguro meu pau, duro feito uma barra de aço, ansioso para ser
engolido pela boceta mais gostosa que já provou.
Ela se recupera do abandono proposital rapidamente, e fica em pé.
— Tira a roupa — ordeno, frio como uma pedra de gelo.
Fernanda obedece sem contestar. Primeiro a camisa, depois o short e o
retalho minúsculo que mal cobre os lábios da sua boceta, que ela teima em
chamar de calcinha.
A visão dessa garota nua à minha frente é malditamente linda. A mais
linda de todas. Perfeita.
— Vem. Quero você montada no meu pau. — Minha voz é dura, firme
e grosseira.
Estendo o braço para ajudá-la a subir no sofá. Ela apoia uma perna
dobrada de cada lado do meu corpo, empurra os peitos na minha cara e sorri
sacana. Posiciono a cabeça robusta na entrada da sua boceta e quando meus
olhos encontram os seus, rosno entredentes como um leão faminto diante da
sua presa:
— Sua punição é levar uma surra de pica para aprender a se comportar
direito.
Com um movimento forte, ergo o quadril e me enterro nela. Gememos
juntos, tomados por um prazer indescritível, uma paixão avassaladora que
nos consome e a promessa de um amor ainda não revelado, mas que tanto
Fernanda quanto eu, sabemos que é sincero, único e especial.
— Gael... — ela geme, sobe e desce, me engole por inteiro. — Qual a
explicação para você não ter me falado que sabia do Danilo? — Fernanda
pergunta. Suas mãos apoiadas no encosto do sofá e as minhas na sua bunda,
ditando o ritmo das estocadas, seus olhos nos meus.
Prometi a mim mesmo que não mentiria mais para ela, então respondo
uma parte da verdade. A parte mais pura.
A melhor parte.
— Não falei porque não quero saber do seu passado. É o seu futuro
que me importa. E o seu futuro sou eu, Fernanda. Só eu...
Ela me beija com fúria e desespero, emocionada, goza gritando o meu
nome e me leva junto em sua corrida para alcançar o êxtase. Ficamos ali,
enroscados um no outro, com o meu pau enterrado dentro dela. Suados,
satisfeitos, felizes.
Fernanda não é somente o meu futuro.
Ela é o único lugar onde eu quero estar.
CAPÍTULO 38
FERNANDA
— Já arrumou tudo? — Tayane encara a mala no chão.
— Arrumei.
— Cadê?
— Cadê o que? — Termino de calçar os sapatos e pego a minha bolsa.
— As outras malas.
Reviro os olhos e dou uma última olhada no espelho.
— São três dias, Tay, não três semanas.
— O que não ia fazer muita diferença para você.
Paro na frente dela e sorrio.
— Estou indo para a praia com um homem lindo, gostoso, cheiroso e
pauzudo, palavras suas, não minhas — enfatizo sem deixar de sorrir. — Se
depender de mim não vou usar nem metade das roupas que coloquei aí
dentro. — Pisco um olho.
— Está me dizendo que pretende passar três dias trancada em um
quarto de hotel, pelada, dando a periquita?
— Esse é o plano.
Tayane gargalha e me abraça.
— Você está saindo melhor do que a encomenda, florzinha.
— Vou considerar um elogio.
— Que o seu pai não me ouça falando uma coisa dessas para a
princesinha dele. — Ela se afasta, apreensiva. — Já falou com ele?
Abaixo a cabeça, me sentindo péssima.
— Vou falar quando voltar.
— Eu sei que ainda está chateada, Nanda, mas releva.
— Não estou chateada porque o meu pai quer que eu leve o Gael para
jantar na casa dele. Estou chateada porque ele nunca foi assim, e nada me tira
da cabeça que tem o dedo do Arthur nessa história.
— Concordo com você. Qualquer hora, seus pais vão avisar que
decidiram adotar o Arthur, porque todo dia o embuste inventa uma desculpa
para se enfiar na casa deles como se fosse membro da família.
Tay fala com tanta seriedade, que fico impressionada. Pelo menos até
as próximas palavras saírem da sua boca.
— Não duvido que se o seu pai fizer um Raio-X do pinto, o infeliz vai
aparecer no resultado, agarrado nas bolas dele como se fossem um cipó. Vai
ser puxa-saco assim lá na China. Deus me livre...
Eu gargalho, claro, e só paro quando minha mente reproduz a imagem
do Arthur se balançando entre as pernas do meu pai. Bizarro.
Estou arrastando a mala para a sala quando meu celular notifica uma
mensagem do Gael.

Chegando.

Com um imenso sorriso estampado em meu rosto, respondo:

Descendo.

Cinco segundos depois, outra mensagem:

Não demora. Saudade.

Se o meu sorriso já era grande, agora é gigantesco.

Chega logo. Muita saudade.

— O Gael não vai subir? — Tay pergunta.


— Não, ele quer sair de São Paulo antes do horário de pico para evitar
o trânsito.
Ela abre a porta e me abraça com força.
— Boa viagem.
— Obrigada. E não esquece que só você sabe onde me encontrar —
falo e deposito um beijo na sua bochecha. — Não fala para ninguém e só me
liga em caso de vida ou morte.
— Para de se preocupar e aproveita...
Tayane volta para o apartamento logo que entro no elevador. Estou
ansiosa para passar o fim de semana com o Gael e torcendo para que dê tudo
certo, ainda que o problema com o meu pai não saia da minha cabeça.
Semana passada, ele me ligou e perguntou se podia vir à minha casa.
Pela maneira que falou comigo, eu sabia que alguma coisa estava errada. Meu
pai sempre foi meu amigo, nunca escondi nada dele ou da minha mãe, e
jamais dei motivo para que não confiassem de mim.
O problema é que o senhor Marcos Lombardi não estava com raiva ou
magoado. Ele estava se sentindo traído porque a sua filha não contou que
estava namorando um empresário.
A minha cara de taxo quando ele me disse isso, não foi por causa do
namoro, tampouco do namorado em questão, mas por sua descoberta, já que
eu não via meus pais desde o dia do acidente do Danilo.
Foi então que descobri que o porta-voz da notícia tinha sido o Arthur,
o que só me deixou ainda mais furiosa, já que não havia como o meu ex-
namorado saber sobre o Gael se não estivesse me vigiando, pois nós só
saímos juntos para ir à academia e, de vez em quando, ao mercado.
Sem contar que passei a última semana trancada em casa, resolvendo
os detalhes do contrato da sociedade no antiquário com a dona Flora, e como
o estado de saúde do senhor Dwayne não é dos melhores, fizemos tudo
online. Para o meu completo desgosto.
Depois de alguns minutos e muita conversa, meu pai entendeu o jogo
do Arthur, ou melhor, achei que tivesse entendido, já que ele está exigindo
que eu leve o Gael para jantar na sua casa.
Por isso, ignorei suas ligações e nem visualizei suas mensagens nos
últimos dias. Quero aproveitar ao máximo essa viagem e deixar para resolver
as coisas com o senhor Marcos Lombardi quando retornar.
Atravesso o hall de entrada do prédio arrastando a mala de rodinhas,
mais feliz do que jamais estive. Aceno com a mão para o porteiro, desço as
escadas e abro o portão para sair do prédio, mas estaco no lugar.
Gael está parado ao lado do Volvo com o telefone colado ao ouvido.
Não sei com quem ele está conversando, nem o que a pessoa está
dizendo, no entanto, os olhos vermelhos e as lágrimas que descem por seu
rosto delatam que a notícia não é boa e a nossa viagem terá de ser adiada.
Solto a alça da mala e vou até ele.
Seu braço cai ao lado do corpo quando me aproximo e quase me
desiquilibro quando Gael me abraça, enfia a cabeça no vão do meu pescoço, e
chora como um menino. Não sei o que falar e também não quero perguntar o
que aconteceu, então faço a única coisa que posso.
Compartilho sua dor como se fosse a minha.
ARTHUR
Estou no meio de uma reunião com um dos meus clientes quando meu
telefone toca. Isaac.
Envio uma mensagem rápida avisando que estou ocupado e não posso
atender agora, mas vou retornar à ligação assim que me livrar do jovem ator
em ascensão que foi preso por dirigir embriagado.
Dali em diante, não consigo me concentrar em mais nada.
Meu irmão descobriu que o dono do Volvo é um tal de Gael
Gallengher, único neto do dono de uma empresa de cosméticos pouco
conhecida em São Paulo, e futuro CEO.
Não tive dificuldade em levantar a ficha dele à procura de alguma
coisa que pudesse usar para afastá-lo da Fernanda, mas o cara é todo certinho,
o que torna o meu objetivo muito mais complicado.
Ainda tentei usar o Marcos para limpar meu caminho até sua filha,
contando deliberadamente que a imprensa iria massacrá-la se alguém
descobrisse que ela já estava envolvida com outro homem, antes mesmo de o
Danilo sair do hospital.
Marcos não gostou de saber que a Fernanda estava namorando, menos
ainda de descobrir sobre o namoro por mim. E apesar de ele ter ficado com
uma pulga atrás da orelha, depois que dei a entender que talvez ela tivesse
sido influenciada pelo namorado para manter o relacionamento em segredo, a
discussão entre pai e filha não foi o bastante para fazer a Fernanda largar o
idiota.
Se é que o embate fajuto que eles tiveram pode ser chamado de
discussão.
A reunião demora mais do que o previsto e só consigo sair do
escritório no fim da tarde. O telefone do Isaac está desligado, por isso dirijo
até o apartamento dele em vez de ir para o meu. Meu irmão e eu moramos
perto um do outro, no mesmo bairro, mas o trânsito infernal de São Paulo faz
parecer que ele mora em outra cidade.
O porteiro já me conhece e libera minha entrada sem interfonar. Como
se não bastasse o atraso na reunião e a eternidade para chegar até aqui, o
elevador é mais lento que uma lesma.
Minha irritação aumenta a cada segundo que passa.
Toco a campainha e espero. Do corredor, ouço a música alta do lado
de dentro e não sei como Isaac ainda não está surdo.
Desde pequeno, o garoto sempre foi fissurado por equipamentos
eletrônicos. Aos quinze, ele começou a fazer dinheiro plagiando trabalhos
universitários publicados na internet e vendendo para os alunos do colégio
que precisavam de nota, mas não queriam saber de estudar.
De lá para cá, Isaac já fez de tudo usando seu conhecimento em
informática e, hoje em dia, ganha uma pequena fortuna prestando todo tipo
de serviço, para qualquer um que esteja disposto a pagar o que ele cobra.
Porém, o garoto não ostenta para que meus pais não descubram o que
ele faz. Meu velho teria um piripaque se soubesse e minha mãe encheria sua
cara de porrada antes de denunciá-lo para a polícia.
Meu irmão abre a porta e sinaliza para que eu entre. Isaac veste nada
além de uma cueca boxer e fones de ouvido. Uma das vantagens do home-
officer.
— Pensei que não viesse — Isaac fala e fecha a porta.
— O dia foi uma merda. Se a situação com a Fernanda não fosse tão
ruim, eu não teria vindo. — Largo o corpo no pufe e estico as pernas. —
Espero que tenha alguma coisa boa para mim.
— Para a minha sorte, tenho duas.
Isaac se senta no pufe ao meu lado do meu com o notebook no colo.
— Para sua sorte, não. Para a minha — retruco, de olho na tela.
— Tua cara está uma merda e seu humor, pior ainda. E eu, brother,
sou o único que te atura. É para a minha sorte, sim senhor.
— Estou cansado, com fome e há mais de um mês sem trepar. Queria
que eu estivesse como?
— Comendo alguém — ele responde e digita alguma coisa.
— Não posso. — Jogo a cabeça para trás e fecho os olhos. — Tive
que esperar cinco anos para ter uma chance com a Fernanda de novo. Não
vou vacilar dessa vez.
— Você devia guardar sua fidelidade para quando estiver com ela.
— Não, porra! — falo com arrojo. — A Fernanda nunca vai acreditar
que sempre fui apaixonado por ela se descobrir que estou transando com
alguém. E não adianta falar que se eu fizer direito, ninguém vai descobrir,
porque nós dois sabemos que é mentira. Uma hora a verdade aparece.
— Para provar que estou orgulhoso do meu irmão fiel, olha o que
descobri sobre o seu arquirrival, Gael Drumont Gallengher. — Meus olhos
arregalam no instante que Isaac vira a tela do notebook na minha direção.
Várias imagens do namorado da Fernanda preenchem a tela e em
quase todas, ele está com uma mulher loira muito bonita.
— Quem é ela? — pergunto, curioso e mais animado.
— Penélope Sanches, ex-noiva.
— Ex?
Em vez de responder, fala:
— Achei muito estranho não ter nada sobre a vida pessoal dele e
comecei a pesquisar mais a fundo. A maioria dessas fotos estava no perfil
dela no Instagram, desativado no final do ano passado. — Isaac dá um
daqueles sorrisos esnobes que costuma dar quando faz alguma proeza. —
Essa mulher não te lembra ninguém, Arthur? — Entrecerro os olhos, atento a
cada detalhe da loira alta, magra e com jeito de biscate.
— Não. Eu me lembraria se conhecesse.
Isaac volta a digitar enquanto fala.
— Eu sabia que já tinha visto essa mulher em algum lugar, mas não
me lembrava de onde. — O som dos seus dedos afundando as teclas é o único
que ouço, além da minha respiração acelerada. — Criei um programa simples
de reconhecimento facial e acrescentei mais algumas informações que peguei
das fotos.
— Você descobriu?
O sorriso do meu irmão aumenta, mas ele não diz nada.
A tela do notebook está novamente virada na minha direção, mas
agora, dividida em duas. À direita, uma foto da ex-noiva do Gael, à esquerda,
o vídeo que o Danilo aparece transando com a amante, mas agora, o rosto da
loira está nítido, sem efeito granulado que impossibilita sua identificação.
— O namorado da Fernanda era amante da noiva do Gael. Um mês
depois, o Gael está namorando com a Fernanda — falo, assimilando as
informações. — Você acredita em coincidências, Isaac?
— Isso aqui pode ser qualquer coisa, brother, menos coincidência.
— Seja o que for, eu vou descobrir. — Levanto rapidamente, pronto
para ir embora.
— Eu disse que tinha duas coisas boas para você. — As palavras de
Isaac me impedem de dar o próximo passo. Olho por sobre o ombro,
diretamente em seus olhos. — Essa foi uma. Não quer saber qual é a outra?
Em silêncio, dou meia-volta e espero que meu irmão diga o que é, mas
ele não diz. Isaac também se levanta, abre uma gaveta do rack, pega um
pedaço de papel e me entrega.
— O que é isso? — pergunto sem ler o que está escrito.
— Isso. — Ele aponta com o queixo para o papel na minha mão. — É
o endereço de onde a Penélope está morando. Você vai precisar quando for
falar com ela.
Enfio o papel no bolso da calça, retribuindo o sorriso esnobe.
— Pode apostar que vou.
CAPÍTULO 39
GAEL
A vida pode ser boa, mas quando quer ser uma vadia traiçoeira, é
imbatível.
Esse é o meu pensamento enquanto choro abraçado a Fernanda no
meio da calçada, em frente ao prédio onde estou morando há pouco mais de
um mês.
— Desculpa, mas vamos ter que adiar a viagem. — As palavras têm
gosto ruim na minha boca. Amargo, ácido.
— O que aconteceu? — Sua voz é mansa e me acalma.
— Meu avô. Ele... — Engasgo. Limpo o rosto com as costas da mão e
me afasto para olhar em seus olhos. — Ele começou a passar mal, disse que
estava sentindo dor no peito e não conseguia respirar...
Meus avós não mereciam passar por tudo isso no fim da vida. Todo
esse sofrimento, o desgaste físico e emocional, a tensão e a incerteza se hoje
vai ser o último dia que vão estar juntos.
É uma merda.
— Sua avó chamou o médico? — Fernanda pergunta, dispersando
minha agonia por alguns segundos.
— Não. Ela ligou para o hospital e pediu uma ambulância. Meu avô
foi levado direto para a UTI. O médico plantonista diagnosticou que ele teve
uma parada cardiorrespiratória e só não morreu graças ao atendimento, que
foi rápido.
— Sinto muito, Gael.
Beijo sua testa, destruído por dentro. Tinha tantos planos para o fim de
semana e estava tudo pronto para contar a verdade para ela, mas agora não
consigo pensar em nada que não seja cuidar da dona Flora.
— Tenho que ir para o hospital. Não posso deixar minha avó sozinha
— falo, sentindo uma dor excruciante no peito. Um aperto, um vazio.
— Eu vou com você — Fernanda rebate prontamente.
— Não precisa fazer isso...
— Não preciso, mas quero fazer. — Ela me corta, fica na ponta dos
pés e beija castamente meus lábios molhados pelas lágrimas. — A gente vai
ter muito tempo para viajar. A prioridade agora é cuidar dos seus avós.
Fernanda se afasta e pega sua mala.
— Posso deixar no seu carro? — diz, sem jeito. — A Tayane está em
casa e vai me encher de perguntas se eu disser que não vamos viajar.
— Tem certeza que quer ir comigo? — Insisto. — Não sei se vou
voltar para casa.
— Se você vai para o hospital, eu também vou — fala com convicção.
— Já está decidido, então o senhor pode parar de tentar me convencer do
contrário.
São atitudes como essa, tão naturais e espontâneas, que me encantam
nela. Nada sobre a Fernanda é superficial ou fingido. Tudo que essa garota
faz é porque quer e por quem ela gosta.
— Está bem, você venceu. — Sua mala é pequena, então a coloco no
banco traseiro. — Minha avó vai adorar te ver.
Abro a porta para ela e dou a volta no carro para ocupar meu lugar
atrás do volante. Dou a partida, mas antes de acelerar, seguro a mão dela e
beijo os nós dos seus dedos, um por um.
— Obrigado — murmuro, triste pelo meu avô, preocupado com a
minha avó, apaixonado por essa garota e aterrorizado pelo nosso futuro, que
deveria ser esclarecido nos próximos dias.
Agora, com meu avô internado em estado crítico e minha avó sozinha,
já não tenho tanta certeza se terei uma chance de consertar meu erro no
último fim de semana, antes da sessão de fotos.
— Não é para me agradecer, Gael. Eu adoro seus avós e quero ajudar
da forma que eu puder.
— Não estou agradecendo por isso — declaro, ainda com os lábios em
sua mão delicada.
— Não? — Suas sobrancelhas quase se unem no meio da testa quando
ela afina o olhar para mim.
Nego com um movimento ameno de cabeça.
— Por que está me agradecendo, então?
— Por ser você — esclareço honestamente. — Obrigado por ser você.
Fernanda pisca, afetada pela minha assertiva, e antes que ela abra a
boca para dizer qualquer coisa, eu a beijo.
No caminho para o hospital particular Santa Clara, Nanda me conta
algumas ideias que teve para melhorar as instalações do antiquário. Na última
semana, minha avó e ela se falaram todos os dias por telefone, e resolveram
as principais questões do contrato de sociedade sem a minha intromissão.
Desde o começo deixei claro para as duas que não iria me meter, a menos que
pedissem minha opinião ou precisassem de ajuda para resolver alguma
questão burocrática. E elas estão se saindo muito bem.
Passa das seis da tarde quando deixo o carro no estacionamento do
hospital, me identifico na recepção e sou informado que meu avô continua
internado na UTI.
Fernanda e eu preenchemos um cadastro, recebemos um crachá de
visitante e somos direcionados para a sala de espera onde encontramos minha
avó, sentada no canto, segurando um copo descartável vazio e olhando para o
nada.
É como se meu coração estivesse sendo pisoteado quando vejo a
mulher que me criou com tanto amor, cuidado e devoção, despedaçada.
Dona Flora gira a cabeça em nossa direção. Ela me vê, apoia as mãos
na cadeira para ajudar a se levantar e abre os braços para mim.
Seu choro abafado contra o meu peito leva o pouco de autocontrole
que ainda mantenho em estoque, e abraçado a minha avó, choro com ela
como chorei quando era apenas um garoto que tinha acabado de ficar órfão,
pois é exatamente assim que me sinto.
Órfão pela segunda vez em menos de quinze anos, porque apesar de o
meu avô não ter morrido, a dura realidade me obriga a aceitar o inevitável, e
ainda que eu me agarre a qualquer fio de esperança de que ele vai sair dessa,
cada recaída encurta a estadia dele por aqui.
É um fato. É a verdade nua e crua. É a vida.
E fica cada vez mais difícil suportar essa dor.
— O médico já passou por aqui? — Beijo sua cabeleira grisalha.
— Ainda não. Eles levaram seu avô para a UTI e mandaram eu
esperar até os resultados dos exames ficarem prontos — minha avó responde
e me deixa de lado para abraçar Fernanda, que está logo atrás de mim.
— A senhora já comeu? — Dona Flora nega.
Nanda enrosca seu braço no dela, ajuda minha avó a sentar e se senta
ao seu lado. Elas ficam de mãos dadas, uma dando apoio para a outra.
— Por que a senhora não vai para a casa descansar um pouco? —
sugiro, mesmo sabendo que ela não vai arredar o pé daqui sem notícias do
meu avô. — Eu vou ficar e ligo assim que tiver alguma novidade.
— Não estou com fome.
Solto um suspiro pesaroso e esfrego o rosto. Agradeço por Fernanda
puxar assunto sobre o antiquário para distrair minha avó, enquanto eu me
sento na cadeira de frente para elas, me sentindo o homem mais impotente do
mundo, pois não há nada que eu possa fazer, além de esperar.
◆◆◆

— Como ele está, doutor? — Faço a pergunta que o homem vestido de


branco já deve ter escutado mais vezes do que é capaz de se lembrar.
São onze horas da noite. Minha avó está entre Fernanda e eu, à frente
da porta de vidro que separa a recepção do nono andar e a Unidade de
Terapia Intensiva. É a primeira vez, desde que chegamos, que alguém aparece
para nos atualizar sobre o estado de saúde do senhor Dwayne.
— Nós conseguimos estabilizar a pressão arterial, que estava muito
oscilante. O paciente teve todos os sintomas de um princípio de infarto, e
recebeu o tratamento adequado, mas o resultado do exame realizado logo que
ele deu entrada na emergência, descartou o diagnóstico. — O médico explica
com calma e paciência.
— Se não foi infarto, o que foi?
— É difícil afirmar por conta do avanço da doença, principalmente
porque alguns órgãos já foram comprometidos.
Minha avó aperta meu braço sem sequer perceber.
— Quanto tempo ele vai ficar internado?
— Infelizmente, não temos uma previsão.
— Doutor. — Minha avó dá um passo à frente e segura as mãos do
médico. — Seja sincero, por favor.
O homem a encara e faz o que ela pede.
— Aproveite a companhia do seu marido aqui no hospital. As chances
de ele voltar para casa são praticamente nulas.
Dito isso, o médico volta ao trabalho. Fernanda convence minha avó a
ir com ela até em casa para tomar banho, comer alguma coisa e descansar um
pouco. Enquanto fico ali, sozinho, assistindo a noite virar dia.
Esperando e torcendo para que o amanhã, traga notícias melhores.
PENÉLOPE
— Um moço está lá na recepção te esperando — fala Bento, o
asqueroso, responsável pela equipe de limpeza do hotel. — Você tem dez
minutos.
Largo a vassoura de qualquer jeito, esperançosa de que Gael tenha se
arrependido e vindo me tirar desse inferno de lugar.
— Como ele é? — pergunto seguindo o velho babão pelo corredor.
— Não reparei.
— Que roupa ele está vestindo? — Tento mais uma vez.
Bento não responde.
— Por favor, só me fala se ele está usando terno e gravata.
Com um olhar antipático sobre o ombro, Bento resmunga:
— Está.
Levo minha mão ao peito sentindo meu coração acelerar.
Estou tão feliz que até poderia chorar. Sempre soube que o Gael se
arrependeria. Ele me ama e não consegue me esquecer. Foi assim desde o
início do nosso namoro.
Essa vida de camareira não é para mim. Nunca foi. Eu não nasci para
ser pobre, mas entendo que feri os sentimentos do Gael e ele precisava de um
tempo para me punir. Os homens são diferentes das mulheres quando o
assunto é traição. Para alguns, é imperdoável.
Graças aos céus Gael é romântico, honesto e fiel.
Dessa vez, vou fazer tudo direitinho como manda o figurino. Nada de
sexo casual para sair da rotina, nem flertes aleatórios com desconhecidos ou
conversas em chats de sites de namoro.
As últimas semanas foram as piores da minha vida. Nunca paguei tão
caro por um quarto para dormir e dois pratos de comida. Chega.
Aprendi a lição e agora vou reconquistar a confiança do meu noivo.
Bento abre a porta da sala dos funcionários, mas não se afasta para eu
passar. O lazarento não perde uma oportunidade de se esfregar nas
camareiras, no entanto, hoje nem isso me irrita.
Passo por ele e sigo para a recepção. Esfrego as mãos suadas na calça
preta do uniforme e chego ao balcão de atendimento, onde uma recepcionista
que não conheço mexe no celular.
Olho para os lados à procura do Gael, mas não o vejo em canto
nenhum. Vou até a porta, coloco a cabeça para fora e nada. Nem sinal dele.
— Penélope? — Dou um pulo no lugar, assustada com a voz raivosa
às minhas costas.
Giro o corpo, deparando com um homem alto e muito bonito, que me
olha como se me conhecesse, mas tenho certeza que não o conheço.
Eu me lembraria se já tivesse visto esse cara antes.
— Como sabe meu nome?
— Você era noiva do Gael, não era? — ele pergunta e guarda as mãos
nos bolsos da calça. Seus olhos não desgrudam dos meus.
— Quem é você?
Ele dá um passo à frente, eliminando a distância que há entre nós.
— Sou o homem que pode te tirar daqui.
Sua voz é grossa, firme. Seu olhar é duro, frio. Ele é intimidador.
Depois de viver sete anos desfrutando tudo que o dinheiro do Gael
pôde comprar, sei identificar um homem rico, e esse que está à minha frente,
definitivamente, é. Muito rico, por sinal.
Mas não sou burra, nem ingênua para me iludir com promessas rasas.
Tem muito mais por trás dessa indireta do que ele me deu.
— Não sei quem você é, nem como me encontrou, mas se está aqui
me oferecendo ajuda, vai querer alguma coisa em troca.
Ele sorri, e fico com a impressão de que está fazendo chacota.
— Quem diria que por baixo dessa roupa de empregada se esconde
uma garota esperta?
— O que você quer? — pergunto, decepcionada por não ser Gael no
lugar dele.
— Você vai saber se responder uma pergunta. Mas tem que ser a
verdade, ou nada feito.
— Que pergunta? — Estou muito curiosa para descobrir quem é esse
homem.
Ele retira o celular do bolso, digita alguma coisa e me entrega o
aparelho. Meus olhos vão dos dele para a tela. Tinha que ser.
Já assisti esse vídeo execrável centenas de vezes e, mesmo assim, o nó
que se forma na minha garganta e o ódio mortal que sinto por tamanha
humilhação, retornam sempre que assisto.
O aparelho é arrancado da minha mão de repente. Quase sufoco com a
sensação ruim que azeda minha boca.
— Pela sua cara já tenho a resposta.
Levanto a cabeça e o encaro de queixo erguido. Meus olhos ardem e
sei que estou prestes a chorar. Não ligo. Quero que se dane. Nessa história,
fui a única que se deu mal e perdi tudo que tinha. Nada pode ser pior do que
ter de trabalhar como camareira em um hotel de quinta categoria para não
passar fome e dormir ao relento.
— O que você quer? — ladro, furiosa.
— Calma, querida! — Ele zomba com as mãos erguidas em sinal de
desculpas. — Não vim até aqui para te julgar.
— Não vou perguntar de novo. — Por cima do seu ombro, vejo Bento
apontando para o relógio, indicando que já passaram os dez minutos.
Os olhos do estranho seguem os meus e veem a mesma coisa.
— Meu tempo acabou. Preciso voltar ao trabalho — falo, fingindo
desinteresse no que ele tem a dizer.
— O que você está disposta a fazer para ter o seu noivo de volta?
Aperto os olhos, dividida e desconfiada, mas, ao mesmo tempo,
confiante de que uma aliança com esse homem pode ser promissora.
— Tudo. Estou disposta a fazer tudo para reconquistar o Gael.
O homem sorri, exultante.
— Você tem dez minutos para pegar suas coisas, mandar aquele velho
tarado para puta que o pariu e vir comigo.
— O que? — inquiro com perplexidade.
— Dez minutos, Penélope, e sem mais perguntas por hoje. — Ele gira
nos calcanhares e vai na direção do bar do hotel.
Minha boca está seca, minhas pernas bambas e meu coração bate num
ritmo descompassado. Busco forças para fazer o oposto do que ele mandou, e
lanço a pergunta que está me deixando louca:
— Qual o seu nome?
O homem para de andar, olha para mim por sobre o ombro e
contrariando quaisquer expectativas, responde:
— Pode me chamar de Arthur. — Aponta a cabeça para a sala dos
funcionários. — Anda logo. Não tenho o dia todo.
Minha mãe sempre me disse que não importa o caminho que você vai
escolher, contanto que consiga chegar aonde quer.
Eu quero o Gael.
CAPÍTULO 40
GAEL
— Não! — falo mais alto do que gostaria.
Leona me encara, desconfiada.
— Se não me disser o que está acontecendo, não vou poder te
ajudar a resolver o problema, e esse problema precisa ser resolvido hoje.
Eu me levanto e vou até a janela do escritório, mas é domingo e
as ruas estão vazias, livres do habitual movimento que sempre me
distrai.
— Tem que ter outro jeito — murmuro. Apoio as mãos no
parapeito me sentindo derrotado. Estou perdendo minhas forças.
— O médico disse que seu avô não tem muito tempo, Gael. Se
você quiser atender o pedido da sua avó, a única solução é manter a data
do lançamento e adiantar a da sua nomeação como novo CEO.
Aperto os olhos com força, implorando silenciosamente para que
ela se cale, mas Leona segue falando:
— Eu tomei a liberdade de organizar uma cerimônia formal no
auditório do prédio, apenas para os funcionários e uma parte da
imprensa. Se o seu avô não puder comparecer, sua avó fará o anúncio e
um coquetel será servido para encerrar o evento.
Leona não entende que esse é o problema, porque ainda não
contei a verdade para a Fernanda e se adiantar a data da minha
nomeação, terei que contar nos próximos dias. O que não seria um
problema se minha vida não estivesse um maldito caos.
— Vou pensar e amanhã te dou a resposta — asseguro, embora
duvide que encontre uma solução em vinte e quatro horas.
Não percebo a aproximação da Leona até que a sua mão toca o
meu ombro.
— Já faz um tempo que você está diferente — ela fala às minhas
costas. Sua voz é baixa, porém, firme. — Mais sorridente, falante e bem-
humorado. Nem parece que terminou um relacionamento de tantos anos.
Não sei o que está acontecendo, mas suponho que tenha a ver com a
mulher que você conheceu nas últimas semanas. Só quero que saiba que
pode confiar em mim para te ajudar com qualquer coisa.
Solto uma risada amargurada, exatamente como me sinto.
— Ninguém pode me ajudar.
— Por que não tenta?
Giro o corpo e fico de frente para ela. Cruzo os braços e a encaro.
— Porque não confio em ninguém.
— Se o senhor Dwayne confia em mim, você também pode
confiar.
Lembro-me da forma carinhosa com que meu avô se referiu à
Leona.
Leal, foi o que ele disse que ela era, mas como posso arriscar
depois de descobrir que meu melhor amigo, o cara que sabia tudo sobre
a minha vida e eu confiava cegamente, me traiu?
— É complicado — alego, passo por ela e começo a arrumar
minhas coisas para ir embora.
— Pensa um pouco. Você tem até amanhã para decidir. — Leona
pega sua bolsa e segue na direção da porta. Antes de sair, ela fala: — Às
vezes, o que parece complicado para você, pode ser simples para outra
pessoa. Tudo depende dos olhos que veem o problema. Espero que o seu
avô melhore.
Apoio os cotovelos na mesa e a cabeça entre as mãos. Solto um
suspiro pesaroso que exprime minha exaustão. Cheguei no meu limite e
estou a um passo de ultrapassá-lo.
Não dormi por mais de três horas desde que meu avô foi
internado, a dois dias atrás. Fernanda não desgrudou da minha avó um
minuto sequer para que eu pudesse resolver os problemas da empresa,
que triplicaram quando os diretores souberam que o senhor Dwayne
estava na UTI em estado grave.
Ontem à tarde, convoquei uma reunião de emergência numa
tentativa de adiar minha nomeação e o lançamento da nova marca. Nem
preciso dizer que não consegui, muito pelo contrário. Todos exigiram o
adiantamento para que meu avô tenha ao menos uma chance de estar
presente, nem que seja remotamente, caso os médicos não permitam que
ele deixe o hospital por algumas horas.
Hoje pela manhã, o oncologista assegurou que se não houver
oscilação na pressão arterial e os últimos exames não apresentarem
alteração, meu avô será transferido para o quarto e poderá receber
visitas.
São duas da tarde, estou sozinho, confuso e com medo. Farto de
carregar o peso dessa mentira nas costas. Fernanda não merece isso, nem
eu. Contar a verdade em meio a anarquia que estamos vivendo pode ser
um tiro no pé, pois se ela não me perdoar, não serei capaz de suportar o
que está por vir, no entanto, se não contar, pode ser ainda pior.
Decidido a resolver o impasse que está consumindo minha alma e
sugando toda minha energia, dirijo até o hospital Santa Clara, onde
Fernanda e minha avó estão. Vou fazer isso e que Deus me ajude.
O estacionamento lotado me obriga a deixar o carro na rua. Retiro
o crachá de visitante na recepção e subo de elevador até o nono andar.
Minha cabeça vai explodir a qualquer momento.
Preciso de um analgésico forte, ou um calmante. Talvez os dois.
As portas de metal se abrem, agradeço a ascensorista e saio. O
cheiro de desinfetante puro renova os votos com o latejar nas minhas
têmporas, que fica mais martirizante a cada passo que dou em direção a
sala de espera.
De longe, reconheço a mulher que está de costas, conversando
com minha avó. Meus olhos esquadrinham o lugar à procura da
Fernanda, mas não a vejo em lugar algum. Meu corpo retesa quando me
aproximo.
— Meu filho, que bom que voltou — Dona Flora mal disfarça seu
nervosismo.
— Oi, Gael — Tayane me cumprimenta sem o costumeiro sorriso
carismático e uma de suas piadas sarcásticas.
— Cadê a Fernanda? — inquiro, agoniado por uma resposta.
É instintivo o que sinto e não é bom, porém, não sei explicar, só
sei que aconteceu alguma coisa ruim.
— A Nanda... teve que dar uma saidinha rápida, mas disse que
não vai demorar — responde a tia da Fernanda.
— Onde ela foi? — sibilo entredentes.
Tayane e minha avó trocam olhares preocupados e não sei se a
preocupação das duas é por causa da saída repentina da Fernanda, ou da
minha reação quando souber o motivo para ela não me avisar aonde ia.
— Fica calmo, meu filho... — Dona Flora pede com a mão em
meu braço.
— O que aconteceu? Onde a Fernanda foi? — pergunto
diretamente para Tayane, olhando em seus olhos como um gavião.
Ela puxa uma longa respiração antes de responder:
— Ligaram do Hospital 15 de maio e avisaram que o Danilo
acordou do coma. A Nanda foi para lá, Gael.
E por alguns segundos, o mundo ao meu redor para de girar.
FERNANDA
Estou dirigindo devagar não porque o trânsito é caótico, ou está caindo
um dilúvio que requer atenção redobrada. Nada disso. O velocímetro marca
20Km/h porque não quero chegar rápido ao hospital e não quero ver nem
falar com o Danilo.
Ele teve mais de um mês para acordar, mas foi despertar do seu sono
de beleza — como diz minha tia —, justo agora. E para piorar o que já está
muito ruim, ainda pediu para me ver. Logo eu. A última pessoa no mundo
que o Danilo deveria pensar em rever.
Estaciono o carro em frente ao hospital e a calmaria na entrada
principal indica que a notícia ainda não foi divulgada, o que é muito estranho,
pois a assessora do Danilo aproveitou a repercussão do acidente, de todas as
formas possíveis, para beneficiar a imagem do seu cliente favorito. Sem se
importar com a minha.
Quando a funcionária do hospital me ligou, demorei para acreditar e,
ainda que eu não tenha tido culpa alguma pelo acidente, me senti culpada. É
por isso que agora estou aqui, dentro do carro, indecisa, sem saber o que
fazer. Nunca fui uma mulher egoísta, mas sei que estou sendo. Tenho plena
consciência disso e pior, não ligo.
Por que eu devo falar com o Danilo, se não quero?
Por que ele se achou no direito de mandar me chamar?
Não tenho qualquer obrigação de estar aqui, muito menos de fazer o
que o meu ex-namorado quer.
Meu pai sempre me aconselhou a não tomar nenhuma decisão de
cabeça quente, e ele tinha razão. Fiquei tão abalada com a notícia que, sem ao
menos pensar e ponderar os fatos, liguei para Tayane e pedi que ela ficasse
com a dona Flora para que eu pudesse atender o pedido do Danilo, pois não
queria deixá-la sozinha.
Embora seja difícil de admitir, a verdade é que fui motivada pela
culpa. Uma culpa que não é minha. Nunca foi.
Por sorte, o hospital Santa Clara fica a uns vinte quilômetros do
Hospital 15 de maio, e a distância entre eles me deu tempo para analisar
melhor a situação, que é totalmente descabida, aliás.
Danilo acordou? Ótimo.
Fico feliz em saber que o meu ex-namorado está bem. No entanto, não
é ele quem eu quero ver, não é com ele que eu quero falar e, definitivamente,
não é com ele que eu quero estar.
Ligo o carro e vou embora, deixando meu passado para trás.
ARTHUR
Ligo para Penélope, que atende no primeiro toque.
— Como foi? — indago, batendo o calcanhar no chão, irrequieto.
— Não foi.
— Como assim? — esbravejo, sem acreditar no que escutei.
— Ela não apareceu.
— O que? — grito, puto da vida.
— A garota não veio, Arthur — ela fala entediada.
— Claro que foi! Eu vi quando ela saiu do Santa Clara.
— Ela pode ter saído, mas não chegou no 15 de maio.
— Não é possível! — Passo a mão pelo cabelo, agitado, nervoso. —
Você fez o que combinamos?
— Fiz, Arthur.
— Quanto tempo você ficou esperando?
— Ainda estou aqui, desde aquela hora. — Penélope resmunga
alguma coisa que não entendo. — Olha, eu também quero que isso dê certo,
mas você me disse que conhecia bem essa garota e garantiu que ela ia
aparecer para falar com o Danilo.
Puxo os cabelos, colérico.
— Ela ia, merda! Eu vi a tia dela chegar no Santa Clara, vinte minutos
depois que você ligou para a Fernanda e falou que o Danilo tinha acordado!
— Respiro fundo. — E vi a Nanda sair no carro da tia, logo em seguida.
Penélope não rebate minha afirmação, porém, acho que não acredita
em mim.
— O que quer que eu faça agora? — pergunta, desanimada.
— Vai para o hotel e não sai de lá até eu mandar, entendeu?
— Ok — responde, conformada e desliga.
Porra!
Bebo todo o uísque de uma só vez e jogo o copo contra a parede. Tudo
que a Nanda tinha que fazer era entrar no hospital e ir até o quarto do Danilo.
Lá, ela encontraria a amante do seu namorado e a Penélope se encarregaria de
contar que era noiva do Gael. Fim da história.
Depois de tudo que a Penélope me contou sobre o ex-noivo e todos os
planos dele para assumir o lugar do avô na empresa da família, tenho certeza
que o Gael está envolvido naquele flagrante, só não sei como e também
pouco me importo.
O que realmente importa é que a Fernanda não sabe quem é o homem
com quem está namorando, mas vou garantir para que ela descubra ainda essa
semana.
De preferência, em um local público e na frente de várias pessoas.
CAPÍTULO 41
GAEL
— Por que ela não me avisou?
— Porque a Nanda sabe que você está sobrecarregado com os
problemas da empresa e não queria te aborrecer com mais um — Tayane
responde.
De uma hora para outra, o mundo achou que seria uma boa ideia
entrar em campo e jogar contra mim. Parece uma grande conspiração
que tudo esteja acontecendo ao mesmo tempo.
— Quando o Danilo acordou? — indago, inconformado que até o
infeliz escolheu esse fim de semana para dar as caras.
— Não sei. É muito estranho. Estou acompanhando todos os sites
de fofoca, mas ainda não divulgaram nada.
— Ela não devia ter ido. — Levanto-me bruscamente. — Mesmo
que a assessora do Danilo exija que a direção do hospital mantenha a
informação em sigilo, não vai demorar para a notícia vazar e aquele
lugar virar um campo de batalha.
— A Nanda não queria ir — certifica minha avó. — Mas a
enfermeira que ligou disse que quando o Danilo acordou, ele estava
desorientado e não parou de chamar o nome da Fernanda. Por isso os
médicos acharam por bem pedir que ela fosse até lá para ver se com a
presença dela, ele se acalmava.
Ficamos os três em silêncio, porém a algazarra dentro da minha
cabeça não se cala e pelo visto não tem a menor intenção de se calar tão
cedo. Eu não devia ficar temeroso ou sentir ciúme do Danilo. Sei que a
Fernanda gosta de mim e não sente mais nada por ele, mas a sombra das
traições da Penélope ainda causa um efeito nocivo na minha segurança
que é difícil de lidar.
Não sei se estou delirando quando Fernanda abre a porta da sala
de espera. Nossos olhares se esbarram em algum ponto do caminho,
refletindo todas as emoções que afloram sempre que estamos juntos. São
muitas, mas a mais evidente é a saudade.
Ficamos nos encarando sem dizer nada, e como se tivessem
ensaiado uma coreografia, nossas pernas se adiantam e extinguem o
espaço entre nós, até que não haja mais nada que me impeça de abraçar
seu corpo gostoso e beijar sua boca do jeito que eu tanto quero e preciso.
Fernanda amolece em meus braços quando minha língua penetra
sua boca, lambendo, chupando, exigindo e usurpando seu direito de
respirar. Por alguns segundos, esqueço quem somos, onde estamos,
todos os malditos problemas, e me perco nela.
— Senti sua falta — sussurro e deslizo meu nariz por todo seu
rosto.
— Senti a sua.
— Estou feliz que tenha voltado.
— Estou feliz de estar de volta.
— O que aconteceu? — Minha voz é rouca, acanhada.
Fernanda se afasta com um pequeno sorriso em seus lábios, e
segura minhas mãos.
— Eles me ligaram do hospital para avisar que o Danilo acordou
e pediram para eu ir até lá.
— Eu sei, sua tia me contou. Quero saber o que aconteceu quando
você viu o Danilo. — Ao mesmo tempo que quero saber, não quero
saber, mas pergunto mesmo assim, porque preciso saber.
— Não vi o Danilo. — Fernanda acaricia meu rosto e vê o
desentendimento em minha expressão. — Eu fui até a porta do hospital,
mas não entrei.
Ouço Tayane vibrar atrás de mim.
— Por quê mudou de ideia? — Esse tipo de pergunta não deveria
sair da minha boca, no entanto, é impossível saciar a sede que tenho por
respostas.
— Porque eu não queria estar lá. Não queria ver o Danilo e não
queria falar com ele.
Um sorriso bobo desliza em meus lábios, aliviado, satisfeito.
— Bom saber...
Beijo Fernanda mais uma vez, não tão duro nem tão agressivo,
mas igualmente faminto.
A entrada do médico interrompe o momento. Minha avó já está
parada à frente dele com Tayane ao seu lado. Seguro a mão da Fernanda
entrelaçando nossos dedos e me aproximo a levando comigo.
— O laboratório enviou os resultados dos exames do senhor
Dwayne e infelizmente não são bons. — Ele olha para minha avó e
depois para mim. — O câncer atingiu o estágio quatro.
Dona Flora, a guerreira que enterrou seu único filho e cuidou do
marido doente por mais de um ano sem se abater, desmorona diante dos
meus olhos, entregue a mais profunda dor.
A dor de perder alguém que ama profundamente.
Deixo a mulher que, em poucos meses, virou a minha vida de
cabeça para baixo, e aparo a que me amparou em um dos momentos
mais difíceis da minha vida. Minha avó chora acolhida dentro do meu
abraço, pois é tudo que posso fazer para retribuir o que ela fez e ainda
faz por mim.
O médico, acostumado a esse tipo de reação, espera
pacientemente dona Flora se acalmar, e quando penso que cheguei ao
fundo do peço, ele prova que, mais uma vez, eu estava errado.
A vida sempre encontra um jeito de cavar mais um pouco.
— Vamos suspender a medicação por vinte e quatro horas. O
horário de visita será livre e a dieta, sem restrição. Se quiserem trazer
alguma coisa que ele goste de comer, podem trazer.
Meu coração aperta.
— E depois dessas vinte e quatro horas, o que acontece? —
Minha avó levanta a cabeça para ouvir a explicação do médico a
pergunta que fiz.
— Nesse estágio da doença, nossa maior preocupação é deixar o
paciente confortável, minimizar a dor o máximo possível. E a única
forma de fazer isso é manter uma dosagem alta da medicação, período
integral.
— O que isso significa? — Fernanda inquiri.
— Ele deve dormir a maior parte do tempo e quando estiver
acordado é provável que não se lembre de algumas coisas, tenha enjoos,
vômitos e não consiga comer.
— Então essas vinte e quatro horas que o senhor está nos dando
é... — Minha voz falha.
— Uma despedida — o médico conclui, enternecido. — Eu já fiz
a solicitação da transferência do senhor Dwayne para o quarto. Acredito
que em poucas horas vocês poderão falar com ele. Estou de plantão até
às sete da manhã, se tiverem alguma dúvida é só me chamar.
Minha avó está amuada em meus braços. O silêncio pesa uma
tonelada e ofusca os gritos que ecoam, escandalosos, em todas as partes
do meu corpo.
Fernanda e Tayane conversam sobre o Danilo e debatem os
possíveis motivos para a imprensa ainda não ter divulgado que ele saiu
do coma. Escuto suas vozes, entendo o que falam, mas minha atenção
segue firme na mulher deprimida ao meu lado.
Segundos viram minutos, que viram horas. Três, para ser mais
exato. É quando uma enfermeira entra na sala de espera e avisa que meu
avô já está no quarto, mas apenas duas pessoas podem ficar com ele.
Não quero que a Fernanda vá embora, e sei que ela também não
quer ir. No entanto, nenhum de nós tem escolha. Tayane se despede e
avisa que vai aguardar a sobrinha no carro, enquanto minha avó fica ao
lado da enfermeira me esperando.
— Olha para mim — peço gentilmente, segurando seu rosto entre
minhas mãos. Fernanda levanta a cabeça e faz o que pedi.
Não posso contar a verdade como eu queria, mas posso contar o
que sinto por ela, o que ela me faz sentir e como me sinto quando estou
com ela. É exatamente o que faço:
— Sempre acreditei que o amor fosse construído com o tempo e a
convivência, mas isso foi antes de conhecer você. — Beijo sua testa,
Fernanda ofega. — Quero que seja minha por vários motivos. — Beijo
seus olhos. — Seu sorriso me faz sorrir. — Beijo a ponta do seu nariz.
Suas mãos agarram meus braços. — Sonho com você quando estou
dormindo. — Beijo na bochecha direita. Seus olhos marejam. — Sonho
com você quando estou acordado. — Beijo na bochecha esquerda. —
Quero te comer o tempo todo. — Mordisco a orelha direita. Fernanda dá
uma risadinha. — Estou viciado na sua boceta. — Mordisco a orelha
esquerda.
Seco uma lágrima fujona com o polegar e olho no fundo dos seus
olhos para que ela jamais duvide da verdade que estou prestes a dizer:
— Não sei como, nem quando aconteceu, mas em algum
momento desde o dia que te vi pela primeira vez, eu me apaixonei por
você.
É Fernanda que me beija na sala de espera do hospital que meu
avô está internado, antes de ir embora, sorrindo lindamente em meio as
lágrimas. O que nenhum de nós sabia é que no dia seguinte, as mentiras
contadas seriam mais convincentes do que as verdades mostradas.
E aquele, seria o nosso último beijo.
Uma única mentira, tem o poder de transformar todas as verdades em
dúvidas.

Tayane Lombardi
RELATO – PARTE 1

GAEL
Os primeiros sinais de que as coisas pareciam fora de ordem
naquele dia chegaram bem cedo, mas eu não estava atento a eles. Talvez
não fizesse nenhuma diferença no fim das contas, ou talvez fizesse. No
entanto, essa é uma, das muitas dúvidas, que está destinada a me
acompanhar até o dia da minha morte, enquanto eu viver.
Meu avô já tinha acordado quando entrei no quarto carregando
dois copos de café, uma porção de mini pão de queijo, uma garrafa de
água com gás e guardanapos de papel. Ele sorria para a minha vó, que
estava sentada na beirada da cama ao lado dele.
Ver os dois me fez sorrir e por alguns segundos, até esqueci que
aquele corpo acamado hospedava o seu carrasco, seu anjo da morte. Que
aquela cena poderia não se repetir. Que das vinte e quatro horas, três já
tinham sido furtadas, e restavam apenas vinte e uma, para aproveitar a
companhia do senhor Dwayne.
Claro que havia esperança e fé de que o médico estava enganado
e que meu avô resistiria ao parasita mortal que se alimentava da sua
saúde. E enquanto houvesse qualquer zero por cento de chance de salvar
meu avô, nós iríamos lutar sem nunca desistir.
— Bom dia — cumprimentei mais animado do que me sentia,
coloquei a comida e a bebida em cima da mesa e dei um beijo na cabeça
do meu avô. — O senhor tem que parar com essa história de ficar
doente, ou as enfermeiras vão acabar brigando por sua causa. Elas ficam
enlouquecidas quando um coroa sexy precisa de ajuda para tomar banho.
Minha avó bufou, mas não escondeu o divertimento.
— Desde quando as mulheres disputam para cuidar de velho,
Gael? — Mesmo debilitado, ele entrou na brincadeira.
— Velho? — Olhei para os lados como se estivesse procurando
alguém. — Não estou vendo nenhum velho. E pelo que ouvi por aí, as
enfermeiras que trabalham no turno da noite estão até planejando trancar
a vovó no quartinho da limpeza no horário do seu banho. Elas são as
mais ciumentas.
Ele sorriu tanto que ficou sem ar.
— Não brinca com essas coisas, Gael, senão seu avô vai acabar
acreditando — minha avó repreendeu.
— Deixa o menino falar, Flora. Você nunca ouviu dizer que as
palavras têm poder? Vai que dá certo?
Dei uma olhada no relógio e vi que passava das sete. Tinha
dormido no hospital e ainda precisava passar em casa para tomar um
banho e trocar de roupa antes de ir para o trabalho.
A porta do quarto se abriu.
— Bom dia! — Girei o corpo e fiquei surpreso ao ver Leona.
— Bom dia, querida — minha avó cumprimentou a diretora de
marketing e contornou a cama para abraçá-la. — Não precisava ter
vindo tão cedo.
— Eu pedi para ela vir, Flora — meu avô falou num tom mais
sério.
Encarei o homem, meio sentado meio deitado, em cima da cama,
e quase não o reconheci. Se não fosse pela aparência fragilizada, poderia
jurar que estava frente a frente com o jovem de vinte anos, ambicioso e
determinado, que alugou uma garagem para vender perfumes
importados.
— Por que o senhor pediu para a Leona vir aqui? — perguntei
desconfiado.
— Porque você vai precisar de ajuda para organizar a cerimônia
da sua nomeação. — Fiquei em pé e me afastei. Não queria falar sobre
aquele assunto com ele. — Estou morrendo, filho.
Fechei os olhos, engolindo em seco. Eu sabia que tinha de
adiantar as datas, mas precisava conversar com a Fernanda primeiro.
— Vô... — Tentei argumentar.
— Flora, por que você não leva a Leona para tomar um café,
enquanto explico para o meu neto o que acontece no quarto estágio do
câncer?
Minha avó, Leona e eu arregalamos os olhos.
— Eu sei o que acontece, vô! — Minha voz falhou. — Não
precisa me explicar nada.
— Então você sabe que não pode mais adiar a cerimônia, filho. —
Sua voz também falhou, porém, ao invés de chorar, ele sorriu e piscou
para a minha avó. — Não sei se vou ter a chance de ver minha linda
esposa se tornar uma empresária de sucesso. — Voltou a olhar para
mim. — Não sei se vou ter a chance de ir ao seu casamento ou conhecer
meus bisnetos. Mas não posso perder a última chance que vou ter de ver
meu herdeiro, filho do meu único filho, de assumir o meu lugar na
empresa que eu trabalhei duro para construir.
Lágrimas embaçaram a minha visão e naquele momento me dei
conta de que todo sacrifício que eu tivesse de fazer por aquele homem,
ainda seria pouco por tudo que ele fez e representava para mim. Até
mesmo perder a mulher por quem eu havia me apaixonado.
Guardei as mãos nos bolsos da calça e assenti, ciente que as
minhas próximas palavras significavam uma decisão, uma escolha que
poderia mudar para sempre a minha vida.
— Por onde o senhor quer começar?
RELATO – PARTE 2

FERNANDA
— Você me enganou — Tayane acusou. Seu dedo em riste
apontado na minha cara me deixou confusa.
— Eu nunca te enganei — repliquei, ofendida, e ainda sem saber
do que ela estava me acusando.
Tay despejou café em sua xícara e esticou o braço para pegar o
açucareiro, na outra ponta da mesa.
— Tem certeza?
— Claro que tenho. — Recostei na cadeira e cruzei os braços.
— Então me explica como esse sorriso foi parar na sua cara se o
Gael não dormiu aqui?
Franzi a testa, mais confusa ainda.
— A única pessoa que me deve uma explicação é você, porque
não sei do que está falando. — Inclinei o corpo para o lado e toquei sua
testa com as costas da mão, apenas para me certificar de que ela não
estava delirando por conta de uma febre.
— Para com isso, florzinha. — Tay empurrou minha mão. — Não
estou doente.
— Então o seu caso é bem pior do que pensei — falei fingindo
indiferença. — Se estivesse passando mal, teria uma desculpa para
justificar as besteiras que você fala. Agora vai ter que assumir que é
louca mesmo. — Minha tia deu risada enquanto salpicava a farinha de
aveia sobre o mamão amassado.
— Você me enganou, florzinha, porque esse sorrisinho que não
sai do seu rosto bonito é reservado, exclusivamente, para os dias que a
sua periquita cortesã senta no trono do rei Gael. — Tayane me encarou
com os olhos estreitos e o cenho enrugado. — A não ser que você tenha
saído escondida durante a noite para se encontrar com ele.
— Vamos por partes. — Fiz uma pausa tentando não rir da minha
tia. — Não tenho nenhum sorrisinho exclusivo para os dias que faço
sexo. — Pontuei sem sequer saber porque estava fazendo aquilo. — E
não saí escondida para encontrar ninguém, o que nos leva ao início da
conversa e corrobora a minha afirmação: eu nunca enganei você.
— Tudo bem, acredito na minha sobrinha preferida.
— Não quero partir seu coração, mas sou sua única sobrinha.
— Mais um motivo para você continuar se esforçando, ou vai ser
rebaixada para o posto de “filha do meu irmão”. — Ela balançou os
dedos no ar, indicando aspas. — E apenas para nível de esclarecimento,
aquele sorrisinho não é exclusivo para os dias que você faz sexo,
florzinha, é para os dias que faz sexo com o Gael.
Revirei os olhos, tomando o resto de café.
— São sete horas da manhã e meu cérebro mandou avisar que
está com preguiça de processar tanta informação inútil.
— Você não pode me culpar por ser uma tia exigente, mas pode
me contar porque estava sorrindo daquele jeito quando entrou na
cozinha.
— Eu não estava sorrindo — menti, pois estava.
— Agora você está me enganando. Vamos lá, Nanda, faça uma
boa ação para o seu cérebro preguiçoso e conte para a sua tia preferida o
motivo do seu sorriso.
Empurrei minha cadeira para trás e me levantei. Lavei a xícara e a
coloquei no escorredor antes de girar o corpo para encostar a bunda na
pia. De nada adiantou o meu esforço para conter o bendito sorriso, pois a
declaração do Gael, dizendo que tinha se apaixonado por mim, ficou
gravada na minha cabeça e eu não conseguia pensar em outra coisa
desde que saí do hospital, ontem à noite.
— Ele disse que está apaixonado — confessei.
Tayane cuspiu a gororoba no prato e ficou de pé num pulo.
— Nanda... — Minha tia me abraçou com força. — Pelo amor de
Deus, esse homem ainda vai me matar do coração. — Ela se afastou e
me encarou. — Você disse que também está apaixonada por ele?
Abaixei a cabeça e neguei.
— Por que, florzinha?
— Não sei, fiquei tão nervosa que não consegui dizer nada.
— Tem certeza que foi isso?
Voltei a olhar para ela, novamente confusa.
— Tenho. Por que mais seria?
— Gostar do Gael é diferente de estar apaixonada por ele.
— Sempre pensei que o que sentia pelo Arthur fosse amor, mas
quando conheci o Gael descobri que não era. — Tayane sorriu
lindamente.
— Mesmo que o Gael não falasse nada, o jeito que aquele homem
olha para você é a maior prova que ele está apaixonado.
— Como ele me olha? — perguntei, plenamente consciente do
sorriso que esticou meus lábios.
— Do mesmo jeito que você olha para ele, florzinha. — Ela me
abraçou de novo. Fechei os olhos com o queixo apoiado em seu ombro.
— Eu me apaixonei pelo Gael, Tay.
— Eu sei, e tenho certeza que ele ia gostar de saber disso também.
Nós nos afastamos.
— Vou tomar um banho e me trocar. Quer ir comigo até o
hospital? — indaguei, ansiosa para contar ao Gael o que sentia por ele.
— Querer eu quero, mas não posso. O Marcos me convocou para
uma reunião às dez horas. Seus pais vão dar uma festa para comemorar
os trinta anos de casamento e querem que eu ajude a organizar.
— Ele me contou quando veio aqui na semana passada.
— Eu te ligo quando a reunião acabar. Se ainda estiver no
hospital, passo lá para visitar o senhor Dwayne e aproveito para ver a
dona Flora.
— Combinado.
Duas horas mais tarde, encontrei os avós do Gael no quarto 501
que, por coincidência, era o número do meu apartamento. Eles me
disseram que o neto tinha ido para a empresa e não sabiam se ele
voltaria para o hospital, pois estava muito ocupado organizando um
evento.
O senhor Dwayne e dona Flora não me deram muitos detalhes
sobre o tal evento e como não queria ser enxerida, não perguntei, o que
foi um erro. Talvez o mais grave que já cometi em toda a minha vida.
Pois acabei descobrindo da pior forma possível.
RELATO - PARTE 3

GAEL
Eu tinha milhões de tarefas para cumprir naquela segunda-feira,
mas somente dois objetivos: organizar a cerimônia da minha nomeação,
que aconteceria à noite, e contar toda a verdade para a Fernanda, antes
de a cerimônia começar.
Primeiro, porque não aguentava mais me culpar por ter
demorando tanto para abrir o jogo. Segundo, porque não tinha mais
qualquer dúvida do que sentia por ela. Terceiro e mais importante,
porque queria que a Fernanda fosse comigo à cerimônia como minha
acompanhante para que eu pudesse apresentá-la, oficialmente, como
minha namorada.
Fui direto para a empresa quando deixei o hospital. Precisava
autorizar o envio dos convites e não podia perder tempo. Meu avô não
fez muitas exigências, na verdade, apenas uma. Ele fazia questão de ser
o homem em cima do pequeno palco, atrás do microfone, anunciando
meu nome aos quatro cantos do mundo como seu sucessor.
Todo o resto foi decidido por mim e por Leona, que, aliás,
mostrou o quanto era proativa. Minha avó deu ótimas sugestões para
aproveitarmos ao máximo a infraestrutura do auditório do edifício São
Francisco, e ficou incumbida de coordenar o deslocamento do senhor
Dwayne até o local.
Apesar de ser um evento pequeno, comparado ao que
planejávamos fazer antes da internação do meu avô, exigia máxima
atenção e cuidado.
Nada podia dar errado, afinal, três dos principais influenciadores
digitais do estado de São Paulo tinham confirmado presença. Sem contar
as matérias pagas nos jornais e revistas de moda, que dariam o pontapé
inicial no cronograma de divulgação do lançamento da linha Fíor.
— A gerente da lavanderia ligou e disse que seu terno será
entregue na portaria do prédio às seis em ponto. — Ruth falou assim que
me encontrou no corredor, a caminho da minha sala. — Os
departamentos já foram informados que o expediente vai encerrar mais
cedo e a presença de todos os funcionários na cerimônia é obrigatória. A
floricultura confirmou a entrega dos arranjos uma hora antes do início,
às sete. O responsável pelo buffet acabou de chegar. Eu o acompanhei
até a cozinha e entreguei para ele a lista dos nomes dos garçons que
foram contratados para trabalhar, junto com os crachás digitais que dão
acesso a entrada de funcionários. — Ela pausou para tomar fôlego. —
Normas de segurança do prédio.
— Qual elevador vai ficar disponível para os convidados? —
perguntei enquanto pendurava o paletó no encosto da minha cadeira.
— O terceiro. A partir das sete e meia, ele vai ser programado
para subir direto para o auditório, sem escalas. Os outros dois ficarão
desligados até amanhã de manhã.
Assenti e falei:
— A Leona contratou duas mulheres para recepcionar os
convidados. Uma vai ficar na entrada principal do prédio e a outra na
antessala do auditório. A equipe de som deixou tudo pronto. O
Humberto, da informática, testou os microfones e disse que estão ok. As
três primeiras fileiras de cadeiras foram reservadas para os diretores e o
pessoal da imprensa. — Sentei-me e retirei o telefone do bolso. — Mais
alguma coisa?
Ruth folheou sua agenda.
— Acho que não está faltando nada.
— Ótimo. Pode ir para casa se arrumar.
— Você não vai embora? São quase cinco horas.
Encarei a tela do aparelho, nervoso pra cacete.
— Vou. Só preciso resolver um problema antes de sair.
— Hoje é um dia muito importante para a sua família, Gael. Seu
avô deve estar orgulhoso de você.
— Sim, ele está — murmurei.
Antes de começar o tratamento apropriado de um homem com
câncer no estágio quatro, o médico deu um prazo de vinte e quatro horas
para o senhor Dwayne desfrutar aquele dia como bem quisesse, livre de
quaisquer restrições.
Quando acordei naquela manhã, pensei que meu avô fosse querer
fazer alguma loucura, tipo, saltar de asa delta, andar de tirolesa ou
pilotar um carro de fórmula-1 no autódromo de Interlagos, mas em vez
disso, ele me pediu uma cerimônia para anunciar o nome do homem que
iria assumir seu lugar à frente da empresa que ele fundou a trinta anos
atrás.
Então passei as últimas dez horas trabalhando como um burro de
carga, correndo de um lado para o outro, subindo e descendo escadas,
carregando mesas, falando com dez pessoas ao mesmo tempo e
garantindo que meu avô tivesse seu pedido atendido. O último, talvez.
Agora precisava encontrar a Fernanda, contar a verdade e torcer
para que ela acreditasse em mim e me perdoasse.
Ruth se despediu e quando a porta se fechou atrás da minha
secretária, fiz a ligação mais importante da minha vida.
Fernanda atendeu no terceiro ou quarto toque.
— Está em casa? — perguntei sentindo a frequência cardíaca
acelerar.
— Hum, não. Estou chegando na casa dos meus pais. Por quê? —
Afrouxei o nó da gravata.
Ar... estava sem ar.
— Porque preciso falar com você, Fernanda. E é urgente.
— Pode falar. — Sua voz era baixa, cheia de preocupação.
— Não dá para falar por telefone. Tem que ser pessoalmente.
— O que aconteceu, Gael?
Fiz merda e estou tentando consertar.
— Quanto tempo vai demorar para voltar? — indaguei, sem
responder sua pergunta.
— Hum... uma hora, mais ou menos.
O relógio do meu notebook marcava cinco e quinze da tarde. Se
ela chegasse até as seis, eu teria uma hora e meia para dizer tudo o que
precisava. Não era muito, mas não desperdiçaria nem um segundo.
— Vai direto para o meu apartamento. Vou ficar esperando você.
— Gael.
— Não menti quando disse que me apaixonei por você. — A
cortei. — Acredita em mim e volta logo, por favor.
Ouvi sua respiração pesada, tão ofegante quanto a minha.
— Eu acredito, Gael e... vou voltar.
— Promete? — Se ela ainda não tinha notado meu nervosismo,
notou naquele momento.
— Prometo.
Suspirei aliviado e encerrei a ligação.
Dei uma passada rápida no hospital para ver meus avós antes de ir
para casa. Peguei meu terno novo na portaria e fui para o meu
apartamento. Tomei um banho demorado, fiz a barba, vesti uma boxer
preta, abri uma garrafa de uísque irlandês e me sentei na poltrona para
esperar a Fernanda.
Cada vez que o barulho do elevador repercutia do lado de fora,
meu corpo estremecia em expectativa do lado de dentro, no entanto, o
tempo foi passando e a Fernanda não apareceu. Eu não suportava mais
esperar.
Comecei a ligar para ela, mas as chamadas caíam direto na caixa
postal e a Fernanda também não respondeu nenhuma das minhas
mensagens. Às sete e meia, me troquei e fui até o seu apartamento.
Ninguém atendeu.
O porteiro confirmou que nem a Fernanda nem a Tayane estavam
em casa. Meu telefone tocou, atendi sem ver quem era, desesperado para
que fosse ela, mas era a minha avó avisando que já estavam a caminho
do auditório.
Sete e cinquenta.
Meu tempo acabou e, mais uma vez, fui obrigado a adiar a nossa
conversa. Tentei ligar de novo e, de novo, caiu na caixa postal. Escrevi
um bilhete e pedi para o porteiro entregar para a Fernanda.

Fiquei te esperando. Você não apareceu. Estou


preocupado, me liga assim que puder. Precisamos
conversar.
Obs.: Em algum momento, eu me apaixonei por você.
Por favor, acredite em mim. Gael.

Eu não sabia onde a Fernanda estava, com quem estava ou o que


ela estava fazendo, como também não sabia se tinha acontecido alguma
coisa com os pais dela que a impediram de ir ao meu encontro.
Mas eu soube que o seu sumiço repentino não era aleatório, assim
pisei no auditório lotado e virei a cabeça para o lado, a fim de descobrir
de quem era a mão descansando sobre o meu ombro.
— Penélope? — Cuspi o nome da minha ex-noiva. — O que está
fazendo aqui? — Ela soltou uma risada alta e jogou a cabeça para trás,
como se eu tivesse acabado de contar uma piada, o que chamou a
atenção de alguns convidados que ainda estavam em pé.
— O que qualquer mulher no meu lugar faria, querido. Estou
prestigiando a nomeação do meu noivo.
Tolamente, acreditei que nada poderia ser pior do que presença da
Penélope na cerimônia, mas o destino se encarregou de provar que eu
nunca estive tão errado.
RELATO – PARTE 4

FERNANDA
Baseada nas minhas próprias experiências, eu tinha um motivo
justo para acreditar mais no destino do que no amor, afinal, era disso que
se tratava, certo?
Arthur foi meu primeiro em tudo, até na sua traição que resultou
no meu coração destruído. Com Danilo, apesar de ter sido diferente por
não o amar como pensei que amasse, confiei nele da mesma forma que
confiei em Arthur, então a dor da traição foi igual, ainda que meu
coração tenha sido poupado de uma nova destruição.
Por essa razão, quando Gael me telefonou naquela tarde, dizendo
que precisava falar comigo e pediu que eu fosse até o apartamento dele
quando chegasse, não imaginei que em um intervalo de poucas horas,
tudo que acreditei nos últimos anos iria se transformar em um monte de
nada.
Mas foi exatamente o que aconteceu.
O início da transformação começou assim que toquei a campainha
da casa dos meus pais, e quem abriu a porta foi o Arthur. Ele estava
elegante em seu terno cinza com uma camisa branca e gravata vermelha.
O cabelo penteado, o rosto sem pelos e o sorriso galanteador, faziam
parte dos apetrechos que ele usava para manter sua imagem sofisticada
de assessor de imprensa conceituado.
No entanto, fazia muito tempo que nada em Arthur Delgado me
impressionava. O problema é que ele não estava muito convencido
daquilo.
— Oi, Nanda. — Meu ex-namorado me cumprimentou. — Entra.
Não tive a intensão de ser sarcástica, mas a maneira que ele falou,
como se fosse o dono da casa, fez com que eu me lembrasse das
besteiras que a Tay disse a seu respeito e, mesmo sem querer, acabei
dando risada.
— Algum problema? — Danilo não estava mais sorrindo.
— Não, nenhum.
Passei por ele e fui direto para a cozinha.
— O que eu fiz de tão engraçado?
— Nada, deixa para lá. — Abri a geladeira e peguei a garrafa
d’água.
— Se não fosse nada, você não estaria rindo desse jeito.
Coloquei a garrafa em cima da pia e olhei para ele.
— Que jeito? — perguntei, incapaz de segurar o riso.
— Debochado. — Ele cruzou os braços, nitidamente irritado.
— Não estou debochando — rebati. — Onde minha mãe está?
Arthur encostou o ombro no batente da porta e cruzou os braços.
— Na sala de estar, comprando roupas, eu acho. — Tomei um
pouco de água e assenti. — Foi por isso que você veio?
Devolvi a garrafa na geladeira.
— Exatamente.
— Ainda não gosta de sair para fazer compras?
Eu estava acostumada a esse tipo de pergunta do Arthur, sempre
carregada de ironia, porém não havia nada de irônico em seu tom de
voz.
— Eu nunca disse que não gostava.
— Então, por que está aqui? — Arqueou as sobrancelhas.
Claro, Arthur estava insinuando que eu tinha ido até a casa da
minha mãe por causa dele. Apesar de ser bizarro, acreditar que as
pessoas viviam em função dele e o mundo girava ao seu redor, era uma
das características mais marcantes da personalidade do meu ex-
namorado.
Dei uma risadinha afetada, me aproximei e parei à sua frente.
— Marcos Lombardi, meu pai, comprou essa casa para a esposa
dele que, por acaso, é a minha mãe. Não sei se você sabe, mas sou filha
única. — Arthur ficou sério, o que me fez sorrir ainda mais. — Tenho
certeza que meu pai trata muito bem os funcionários dele, já que está
aqui, mas sugiro que faça uma nota mental sobre isso, ou melhor, sobre
quem é quem nessa história e poupar o seu ego de se sentir
ridicularizado.
Nunca usei minha posição para tirar vantagem de alguma coisa ou
desmerecer ninguém, mas estava cansada de ser tratada daquela maneira
por ele. Então, dane-se!
— O Marcos e a Lilian são meus amigos — Arthur contestou.
— Bom, até onde eu sei, os amigos agendam visitas, não os
filhos.
— Você entendeu errado. — Passou os dedos pelo cabelo,
frustrado. — Eu não quis dizer isso.
— Não quis dizer que eu vim aqui por sua causa? — perguntei
com sarcasmo.
Ele endireitou os ombros ganhando alguns centímetros de
vantagem sobre mim. Arthur era um pouco mais alto, não tanto quanto
Gael, mas podia ser intimidador se quisesse e, de fato, ele queria.
— Se você agisse como a filha que todo mundo pensa que você é,
e visitasse seus pais com mais frequência, eu não presumiria que tivesse
vindo até aqui por minha causa.
Senti meu rosto esquentar e não era de vergonha. Era de raiva.
No entanto, eu não tinha tempo nem disposição para debater sobre
a minha família com Arthur, até porque meu ex-namorado era
especialista em reverter as situações a favor dele, e no final ainda saía de
vítima.
— E se você agisse como o funcionário que todos pensam que
você é, se preocuparia mais com o seu trabalho do que comigo —
sibilei, meus dentes entrecerrados e olhos afunilados. — Aliás, espero
que esteja recebendo um bônus pelo serviço extra de mordomo, ou será
que abrir a porta da casa dos meus pais já está incluso no de puxa-saco?
Desviei do seu corpo, imóvel como uma estátua, e segui na
direção da sala de estar, a fim de encontrar minha mãe e a Valquíria, sua
amiga e sócia da Bella Donna, uma das boutiques mais conhecidas de
São Paulo.
Valquíria era sacoleira e a dona Lilian foi uma das suas primeiras
clientes. As duas mantiveram a amizade ao longo dos anos, e a Valquíria
fazia questão de mostrar as peças exclusivas para a amiga, antes que elas
fossem expostas nas vitrines da boutique.
Eu ainda estava no hospital quando minha mãe me ligou avisando
que a Val estaria na sua casa naquela tarde e me convidou para ir até lá.
A princípio, pensei em ignorar o convite, mas percebi como a
dona Flora ficou sem graça de combinar com o médico — na minha
frente —, como seria feito o deslocamento do senhor Dwayne até o local
onde aconteceria o tal evento misterioso.
Então usei o convite da minha mãe como desculpa para ir embora
e deixá-la à vontade, ainda que estivesse muito magoada. Não por não
ter sido convidada, mas porque estavam escondendo alguma coisa de
mim.
— Nanda, que bom que chegou, filha! — Minha mãe me abraçou
e beijou minha testa assim que me viu. — Estava falando de você para a
Ângela. — Apontou para a mulher sentada no sofá, que inspecionou
meu corpo descaradamente, dos pés à cabeça.
— Cadê a Val? — perguntei, um tanto incomodada.
— Ah, ela teve um imprevisto de última hora e não pôde vir —
respondeu minha mãe. — A Ângela é vendedora e trouxe bastante coisa.
Além da forma inconveniente com que me encarava, também não
gostei de como Ângela se forçava a sorrir sempre que eu elogiava
alguma peça. Ela era muito bonita e devia ter a minha idade, um pouco
mais nova, talvez. O fato foi que meu santo não bateu com o dela e tudo
piorou quando o Arthur apareceu, do nada, e descobri que eles se eram
amigos.
Nunca acreditei em intuição, sexto sentido ou premonições, mas
podia jurar que tinha algo no ar, uma tensão mascarada. Não sabia
explicar, porém, podia sentir em minhas entranhas que não era bom.
Minha mãe não parava de tagarelar e fiz de tudo para ignorar
aquela sensação ruim, no entanto, em determinado momento, entendi
que precisava sair dali.
Eram quase sete da noite quando me levantei, pronta para ir
embora.
Estava ansiosa, tanto para me livrar dos olhares perseguidores de
Ângela quanto para encontrar o Gael e descobrir o que ele tinha de tão
importante para me falar.
— Mãe, vou deixar as peças que escolhi e passo amanhã para
pegar, está bem?
— Você já vai embora? — Ângela não disfarçou o desagrado ao
me ver em pé com a bolsa pendurada no ombro.
— Tenho um compromisso.
Ela deu mais um dos seus sorrisos forçados e retirou o celular do
bolso da calça preta.
— Me desculpa, não quero que se atrase por minha causa, mas a
Valquíria pediu para você dar uma olhada no novo catálogo e se ela
souber que fiquei batendo papo e esqueci de te mostrar, vai brigar
comigo. Por favor, prometo que é rapidinho.
Suspirei, renunciando a fuga estratégica, e peguei o aparelho
estendido na minha direção.
— A Val não me falou nada desse catálogo — comentou minha
mãe, se postando ao meu lado para ver as fotos tiradas na loja.
— É um catálogo só para noivas — Ângela explicou, empolgada.
— Mas o mais interessante é que a Bella Donna não vai contratar
modelos profissionais. As próprias noivas vão posar para as fotos de
divulgação.
Os vestidos eram lindos, sem contar que as mulheres pareciam
perfeitas. Todas deslumbrantes.
— Adorei a ideia — afirmei com sinceridade, e entreguei o
aparelho para Ângela. — Vai ser um sucesso.
— Espera, você não viu tudo. — Ela mexeu no teclado
rapidamente, antes de me devolver o telefone. Seus olhos ansiosos
cravados nos meus. — Essas fotos foram tiradas hoje. Não são lindas?
Desviei o olhar para a tela e fiquei sem ar.
— Ual! Que homem é esse? — minha mãe exclamou.
— Eles estão noivos, vão se casar ano que vem.
Minhas pernas bambearam e fui obrigada a me sentar para não
cair.
Apesar de usar óculos, não tinha um problema grave de visão.
Estava ali, diante dos meus olhos, mas meu cérebro se recusava a aceitar
as informações capturadas pela minha visão.
— Nanda? — Nem mesmo a voz preocupada da minha mãe fez
com que eu levantasse a cabeça. — Você ficou pálida, filha. Está
passando mal? O que está sentindo?
Era como se meu corpo tivesse sido anestesiado e somente meus
olhos não estivessem sob o efeito da anestesia.
Eu reconheceria a mulher que estava transando com o Danilo em
qualquer lugar, e era ela que estava naquelas fotos com o Gael, sorrindo
para ele, beijando a boca dele, sendo abraçada por ele. Era ela!
— Quer que eu pegue um copo d’água? — Ângela questionou e
só então notei que estava sentada ao meu lado.
— Você — pigarreei —, conhece esse casal?
Não desviei meus olhos do aparelho nem por um milésimo de
segundo, enquanto o resto do meu corpo assimilava o que estava
acontecendo, porque estava acontecendo, e tentava descobrir o que eu
tinha feito de errado para estar acontecendo.
— Conheço. — De repente Ângela não parecia tão empolgada,
mas eu não podia, não conseguia, e não queria olhar para outro lugar que
não fosse a tela, exibindo as fotos daquelas pessoas, especialmente para
mim. — A Penélope é cliente da loja e o Gael é o noivo dela.
Gael. Gael Gallengher.
Pouco a pouco, meu cérebro foi retomando o controle das minhas
ações e pensamentos, trazendo a realidade com fúria. Eu ainda estava
em choque, hipnotizada por aquelas imagens, mas consegui perguntar:
— Tem certeza que essas fotos foram tiradas hoje?
— A maioria. — Ângela hesitou. — A Penélope foi escolher o
vestido que ela ia usar no evento da empresa da família. Pelo que
entendi, o avô do Gael está muito doente e vai nomear o neto como o
novo CEO.
A verdade me agrediu violentamente e tudo fez sentido.
— Tenho que ir. — Apoiei as mãos no estofado para me levantar.
— Não pode sair nesse estado, Nanda! — advertiu minha mãe,
agachada à minha frente.
— Está tudo bem. Eu estou bem — balbuciei, firmando minhas
pernas.
— Você não está nada bem. Espera um pouco e se acalma.
Quando estiver melhor, eu te levo para casa.
Fiz que não com a cabeça e segui até a porta, desorientada.
Precisava de ar, de espaço. Absorver o golpe, decidir o que fazer.
Alguma coisa tinha de ser feita.
Então veio o estalo. Girei o corpo e meu olhar capturou o de
Ângela, temeroso, compadecido.
— O evento. Onde vai ser o evento? — Fiquei orgulhosa por falar
com firmeza e ocultar o estado de calamidade que entorpecia minha
alma.
Ela abaixou a cabeça e seus ombros arriaram, ao mesmo tempo
que mudou o peso do corpo de uma perna para outra. A imagem
derrotada daquela desconhecida despertou a cadela adormecida dentro
de mim.
Avancei sobre ela, agarrei seus braços com o pouco de força que
me restava e chacoalhei seu corpo, para frente e para trás, assustando
minha mãe, que começou a implorar para que eu soltasse a infeliz.
— Não era isso que você queria? — gritei, encolerizada. — Não
foi por isso que me mostrou as fotos? — esbravejei entre os dentes
cerrados. — Quem mandou você aqui, sua desgraçada?
— Me solta! Você está me machucando! — Ângela choramingou.
Seu rosto estava vermelho e seus olhos marejados.
Eu a soltei, mas não me afastei.
— Onde? — rosnei na cara dela.
Ângela recuou, eu avancei.
— Onde? — gritei, histérica.
— No edifício São Francisco, onde fica o escritório do Gael.
Tirei os óculos embaçados, ajeitei a alça da bolsa em meu ombro
e falei olhando no fundo dos seus olhos, ameaçadoramente.
— Eu ainda não acabei com você.
Depositei um beijo rápido na bochecha da minha mãe, que estava
aos prantos, e refiz meu caminho até a porta, mas daquela vez, não olhei
para trás. Não vi Arthur em lugar nenhum, o que serviu apenas para
aumentar minhas suspeitas.
Um passo de cada vez.
Pesquei o telefone na bolsa e só não atirei o aparelho contra a
parede quando vi as dezenas de chamas perdidas do Gael, porque
precisava descobrir o endereço do escritório dele.
Entrei no carro, me acomodei no banco do motorista e respirei
fundo.
Digitei o nome do homem que havia me enganado, por mais de
um mês, no campo de busca do Google e fiquei surpresa pela escassez
de informações sobre ele e da empresa do senhor Dwayne, mas não
reclamei, pois, a única que me interessava estava disponível.
Encarei meu reflexo no retrovisor.
Nenhuma lágrima, o que era ótimo para o que eu precisava fazer,
entretanto, no fundo eu sabia que aquele era um mal sinal, pois quanto
mais tempo eu demorasse para desabar, mais eu demoraria para me
reerguer.
Gael conseguiu em algumas semanas, com extrema facilidade, o
que nem o Arthur e nem o Danilo conseguiram em anos.
Porém, antes de me entregar a escuridão, liguei o carro e segui
para o local indicado no GPS, contrariando as ordens do meu cérebro.
A ex-noiva do Gael era a amante do Danilo. Eu vi e tinha certeza
que encontrar os dois no evento, juntos, podia significar a minha ruína.
Mas meu tolo e perdidamente apaixonado coração, ainda se
agarrava com unhas e dentes a um fiapo de esperança, se recusando a
acreditar que o Gael havia mentido e me enganado daquela forma.
Minutos mais tarde, compreendi que as pessoas preferiam a
mentira, porque a verdade era muito cruel para suportar.
E, finalmente, desabei.
RELATO – PARTE 5

GAEL
— Se não sair da minha frente, vou chamar os seguranças —
rosnei como um maldito psicopata.
Penélope deu um passo para trás, acuada. O medo em seus olhos e
a tensão em seus ombros atestaram a veracidade da minha ameaça.
— Não vim aqui para brigar e você não vai querer estragar essa
noite. Nós dois sabemos o quanto esse evento é importante para o seu
avô.
Segurei seu braço, apertando-o com força.
— Nunca mais abra a sua boca suja para falar da minha família.
— Você está me machucando — Penélope choramingou.
— E vou machucar muito mais se não der o fora, agora!
— Gael? — Leona surgiu no meu campo de visão. Seu olhar indo
do meu para a minha mão esmagando o braço da traidora interesseira. —
São oito e quinze, o Claudio está pronto para começar. — Ela olhou ao
redor e voltou a me encarar. — Vocês estão chamando a atenção dos
convidados.
— Acompanhe essa mulher até a saída e se certifique de que ela
nunca mais coloque os pés nesse prédio. — Soltei Penélope
bruscamente.
Ela deslizou a mão sobre a pele avermelhada e empinou o queixo.
— Vou assistir sua nomeação e nem tente me impedir. O que
você acha que essas pessoas vão dizer quando eu mostrar como meu
noivo é um homem violento? Um escândalo como esse vai acabar com a
sua carreira antes mesmo de ela começar. — A safada fez uma careta de
dor. — Se me dão licença, vou encontrar um lugar para me sentar.
Antes que eu pudesse impedir Penélope de se afastar, Leona se
posicionou à minha frente.
— Você precisa se controlar, Gael!
— Como eu posso me controlar com essa desgraçada aqui,
merda?
— Para todos os efeitos, ela ainda é sua noiva.
— Ela não é minha noiva.
— Os diretores não sabem disso — Leona apontou o queixo para
um ponto atrás de mim.
Olhei por sobre o ombro e todo o meu ódio aflorou quando vi
Penélope se acomodando entre o diretor do departamento jurídico e o do
departamento financeiro. Passei as mãos pelo cabelo, esfreguei o rosto e
soltei uma longa respiração.
— Essa desgraçada está aprontando alguma coisa. Como ela ficou
sabendo que antecipamos a data da nomeação? — Minha voz era fria,
exasperada.
— Tenta ficar calmo e deixa para se preocupar com a Penélope
quando a cerimônia acabar, ok? — Leona disse com tranquilidade. —
Vá para o seu lugar. Vou avisar o Claudio que ele já pode começar.
Todas as luzes do auditório se apagaram. Apenas os holofotes que
iluminavam o pequeno palco permaneceram ligados. Meus avós estavam
sentados do lado direito, perto do corredor que dava acesso aos
banheiros e a saída de emergência.
Foram enviados duzentos convites online, acompanhados por uma
breve explicação sobre o estado de saúde do senhor Dwayne e um
pedido de desculpas pelo envio de última hora.
Através da escuridão que recaiu sobre o auditório, constatei que
poucas cadeiras continuavam desocupadas, o que significava que a
maioria dos convidados estava presente.
Minha cabeça doía, meus músculos estavam rígidos e meu
coração batia acelerado. Meu corpo estava naquele lugar, mas todos os
meus pensamentos se mantinham fieis a Fernanda.
Ocupei a cadeira ao lado do meu avô no instante em que o
Claudio subiu no palco e deu início a cerimônia com o discurso de
abertura. Ele falou sobre os primeiros anos da Gallengher Cosméticos, e
a coragem do seu fundador de ingressar em um mercado extremamente
concorrido.
O advogado citou a filosofia da empresa e apresentou alguns
números para comprovar o quanto ela cresceu na última década, graças
aos diversos investimentos no setor de produção e de criação das novas
linhas de produtos. Claudio foi aplaudido depois de agradecer ao senhor
Dwayne em nome de todos os funcionários por sua história de vida, e o
convocou para tomar o seu lugar.
Mesmo com a perda de peso e a aparência enferma, meu avô
estava elegantemente vestido em seu terno preto de três peças, camisa
branca e gravata prateada. Os poucos fios grisalhos foram penteados
para trás. Os olhos azuis brilhavam de encantamento e ele sorria com
orgulho, nitidamente emocionado.
Ajudei meu avô a ficar em pé e o acompanhei até a escada lateral
do palco, onde Claudio já o aguardava para conduzi-lo até o púlpito.
Retomei meu lugar ao lado da minha avó e, com as mãos unidas as dela,
ouvi cada uma das palavras do homem por quem eu tinha verdadeira
adoração e admiração. Foi um discurso sucinto, mas
extraordinariamente enternecedor. Todas as pessoas que o conheciam,
sabiam que aqueles dizeres representavam com exatidão o homem que
as proferia.
E para fechar com chave de ouro, ele disse:

“Há muitos anos, eu me preparei para este momento. Não saiu


exatamente como planejei, mas a felicidade de poder estar aqui para
informar a todos vocês; funcionários, amigos e parceiros, que devido ao
meu problema de saúde, estou meu afastando definitivamente da
empresa. E com muita alegria, nomeio, Gael Drumond Gallengher, o
novo CEO da Gallengher Cosméticos. Meu neto, meu herdeiro e meu
sucessor”

Um sorriso modesto deslizou em meus lábios.


Dona Flora me beijou e me abraçou, tão emocionada quanto o seu
marido. Todos no auditório estavam em pé, aplaudindo, assobiando e
saudando seu novo líder. Penélope novamente tentou se aproximar como
se ainda ocupasse um lugar de destaque na minha vida, mas eu a afastei
e fui ao encontro do meu avô, em cima do palco.
Não dissemos nada um ao outro, não precisávamos.
O senhor Dwayne sabia que a felicidade que ocupava uma
pequena fatia do meu coração naquela noite, era por vê-lo feliz. No
entanto, a culpa, o medo e a dúvida, dominavam o restante do imenso
vazio.
Com as mãos apoiadas no púlpito, meus olhos percorreram o
auditório, e em meio ao breu proposital, reconheci Fernanda encostada
na porta de entrada do auditório.
Não fazia ideia de quanto tempo ela estava ali, tampouco do
quanto ela tinha visto ou escutado da cerimônia. Mas a certeza de que eu
havia estragado tudo entre nós, veio no instante que ela se foi.
De todas as verdades que escondi, nenhuma se comparava com a
que descobri naquele milésimo de segundo:
Fernanda era minha, e eu a teria de volta.
RELATO – PARTE 6

FERNANDA
Estacionei o carro em frente ao edifício comercial luxuoso e me
perguntei se confrontar Gael era, de fato, o que eu queria fazer. Como
todas as outras perguntas que me perseguiram durante o percurso até ali,
não tive uma resposta e o medo de descobrir que tudo que havíamos
vivido nas últimas semanas, ofuscava a necessidade de saber a verdade.
Uma batalha desleal, já que eu seria incapaz de seguir em frente
se fosse embora com um mundo de dúvidas desmoronando sobre a
minha cabeça e esmagando meu coração.
Desci do carro sem me importar com a roupa simples que estava
usando, calça jeans, blusa branca de manga comprida lisa e nos pés,
sapatos pretos de salto alto. A imagem da noiva do Gael voltou a me
perturbar, a loira exuberante e seu vestido vermelho chique, marcando
as curvas do seu corpo magro e esguio.
Uma afronta a qualquer mulher, principalmente, uma como eu.
Passava um pouco das oito da noite quando cheguei à recepção e
fui informada que somente convidados podiam seguir para o auditório,
onde acontecia uma cerimônia privada, organizada às pressas por uma
das empresas que possuíam salas comerciais no edifício luxuoso.
Dei um passo para o lado e vi um homem engravatado, que estava
logo atrás de mim, mostrar para a recepcionista o convite digital em seu
celular e ter sua entrada liberada logo em seguida.
Talvez fosse um alerta do destino para que eu desse meia-volta e
saísse dali o mais depressa possível.
No entanto, um garoto que não devia ter mais de vinte anos,
chegou correndo e perguntou, ofegante, onde ficava a entrada dos
funcionários, pois ele tinha sido contratado para trabalhar no evento da
Gallengher Cosméticos e estava atrasado. A recepcionista indicou que a
entrada dos funcionários ficava na lateral do edifício.
Mais convidados chegaram exigindo a atenção da mulher
elegante, o que facilitou a minha escapada e, consequentemente, a
primeira infração da noite. Invasão. Em outra ocasião, eu poderia até
achar graça, no entanto, quando me vi do lado de dentro e livre para
subir pelo elevador de serviço até o auditório, senti a ponta da lâmina
atingir meu coração.
O garoto que tinha chegado atrasado segurou as portas metálicas.
— Vai entrar ou não? — perguntou, impaciente.
Não respondi, apenas entrei e encostei as costas na parede forrada
por uma lona cinza. Ficamos em silêncio. Levantei a cabeça e inspirei
profundamente, foquei meu olhar no teto, deliberando minha decisão.
As portas se abriram e dessa vez o garoto não fez questão de ser
gentil. Ele saiu tão apressado quanto o coelho da Alice no país das
maravilhas. Saí logo depois.
Encontrar a entrada do auditório foi muito mais fácil, pois do lado
oposto, a quantidade de pessoas vestidas apropriadamente para um
evento empresarial era grande.
Difícil mesmo foi ver o Gael no auge da sua beleza e elegância,
entre Penélope e Leona. De longe, não podia afirmar se conversavam,
discutiam ou combinavam um ménage após o evento.
Senti a Lâmina apertar. Meus olhos arderam.
Precisava de ar.
Voltei para o corredor. Inspirei, expirei, várias e várias vezes.
Tomando meu tempo. Tomando coragem. As pessoas começaram a
ocupar os lugares vazios do auditório e as conversas se transformaram
em cochichos. Estava pronta para exigir a verdade quando as luzes se
apagaram e um homem subiu ao palco. Claudio.
Encostei na porta, atenta a cada palavra que ele dizia sobre o
senhor Dwayne com tanto carinho. A lâmina afiada começou a perfurar
com mais força, advertindo que não demoraria muito para eu desabar.
Os aplausos acalorados me distraíram da dor implacável que a
realidade de onde eu estava e o que estava prestes a fazer me infringia.
Deus, ele mentiu o tempo todo!
Novas lágrimas escorreram pelo meu rosto quando o avô do Gael
subiu ao palco. Àquela altura, meu coração já tinha sido fatiado em
pequenas tiras, e o tão esperado anúncio do novo CEO ergueu a pá de
cal pela última vez, enterrando a sete palmos do chão aquele pequeno
fiapo de esperança de que havia alguma verdade perdida entre tantas
mentiras.
Por quê?
Eu podia perguntar, mas acreditaria se ele me dissesse?
Provavelmente, não.
Gael se levantou e, embora a escuridão me impedisse de enxergar
os detalhes, vi Penélope ao seu lado pouco antes de ele se posicionar
atrás do púlpito e seu corpo ser iluminado pelos refletores do palco. Tão
lindo.
Os olhos de Gael percorreram o auditório e encontraram os meus.
Vislumbrei a tristeza dentro deles, mas compreendi que não passava de
um recurso da minha mente para amenizar a dor execrável dentro de
mim.
Naquele momento, descobri que nem o Arthur, nem o Danilo,
sequer chegaram perto de ferir meu coração.
Agora, eu só precisava descobrir como juntar os pedaços que
sobraram dele, longe do homem que o quebrou pela primeira vez.
RELATO – ÚLTIMA PARTE

GAEL
— Desde já, quero agradecer a presença de todos. Faço minhas as
palavras do meu avô, o homem que admiro e amo incondicionalmente.
Minha fonte de inspiração. Atuando como CEO, pretendo seguir seus
passos à frente da Gallengher Cosméticos com o intuito de levar à
empresa ao patamar que ela merece dentro do mercado nacional. E para
falar sobre os projetos futuros, gostaria de chamar a diretora de
marketing, Leona Cavalcanti.
Não esperei Leona se aproximar do palco e desci apressadamente.
Nada daquilo estava programado, mas não podia esperar para falar com
a Fernanda.
— Gael, você enlouqueceu? — A diretora de marketing
perguntou, me fuzilando com os olhos.
Apoiei minhas mãos em seus ombros, forçando-a a me encarar.
— Anuncia o cronograma do lançamento, conta um pouco sobre a
modelo que vai representar a marca e convida todo mundo para
participar do coquetel. Se alguém perguntar, fala que estou dando uma
entrevista, resolvendo um problema de última hora, não sei. Qualquer
coisa. Eu só preciso de um tempo. — Ela bufou, batendo o pé no chão.
— Por favor, Leona.
— Vai me contar o que está acontecendo?
— Vou, mas não agora. — Beijei sua bochecha. — Obrigado.
Atravessei o corredor, indo até onde meus avós estavam sentados
e me abaixei à frente deles. Meu olhar revezando entre os dois.
— A Fernanda está aqui — revelei sem rodeios. Minha avó
cobriu a boca com a mão. — Preciso falar com ela e explicar tudo. A
Leona vai cuidar das coisas até eu voltar.
— Vai, meu filho. Não se preocupa, nós vamos ficar bem. —
Meu avô sorriu e, apesar da escuridão, ficou evidente seu abatimento.
— Obrigado, vô.
— Conta a verdade para ela, Gael — minha avó pediu com
tristeza.
— Vou contar, eu prometo. — Depositei um beijo em sua testa e
um na testa do meu avô.
A passos largos, segui na direção da entrada do auditório,
nervoso, ansioso e apreensivo para encontrar Fernanda. Se ela tivesse
indo embora, eu iria até o seu apartamento. Não iria mais adiar aquela
conversa.
Um ponto vermelho surgiu na minha frente, do nada. Parei de
supetão ou atropelaria a desgraçada, não que isso fosse um sacrifício, de
qualquer forma. No entanto, todos estavam de olho em cada passo meu,
e começar uma nova discussão com Penélope estava fora dos meus
planos.
— Nós precisamos conversar, Gael! — ela disse tão alto, que nem
a voz da Leona, ecoando pelo auditório através das caixas de som,
impediu que os convidados em nosso entorno escutassem.
Penélope queria chamar atenção e não se importaria de fazer um
escândalo se fosse preciso, no entanto, antes que eu agarrasse seu
pescoço e a enforcasse, alguém me impediu segurando meu ombro com
força. Virei para ver quem era.
Claudio meneou levemente a cabeça e falou baixo para que
ninguém, além de mim, ouvisse:
— Cobertura. Deixa que eu cuido dessa aqui.
Arqueei as sobrancelhas, absorvendo suas palavras.
Eu sabia do que o Claudio estava falando e, principalmente, de
quem ele estava falando, apenas não entendia porque estava me
ajudando, porém não tinha tempo para perguntar.
Assenti e passei por Penélope, que encarava o advogado com os
olhos arregalados. Claudio era o que os mais antigos costumavam
chamar de “tubarão”. Se Penélope tentasse estragar a cerimônia
novamente, teria de lidar com ele e minha ex-noiva podia ser muitas
coisas, mas burra, com certeza, ela não era.
Não esperei o elevador. Subi correndo os quatro lances de escada
até a cobertura do prédio, onde o Claudio me disse que a Fernanda
estava. De frente para a grande porta de ferro, respirei profundamente,
uma e outra vez, para recuperar o fôlego e desacelerar a frequência
cardíaca.
Fechei os olhos, buscando meu autocontrole, perdido em algum
momento daquele fim de semana do caralho, que começou com a
internação do meu avô e estava prestes a acabar naquele telhado.
Encostei a testa na porta. Minhas mãos suadas, frias, trêmulas.
Meu coração pulsando na veia da garganta. Meu estômago enjoado. No
entanto, nenhum dos sintomas físicos se comparava ao medo que
subvertia meu peito. Era sufocante. Me dava náusea todas as vezes que
eu antecipava a dor da perda, da saudade e da ausência.
Merda!
Tomei coragem e empurrei a porta pesada. O vento gelado
acertou meu rosto como um tapa.
Fernanda estava perto da mureta, de frente para a cidade de São
Paulo e de costas para mim. Os braços cruzados à frente do peito, os
ombros tombados, a cintura fina marcada pelo cós da calça jeans, colada
à sua bunda empinada como garras de stretch, que destacava suas coxas
grossas, mais alongadas por conta do par de sapato preto.
O cabelo castanho, que meus dedos adoravam puxar enquanto eu
comia sua boceta por trás, caía livremente por suas costas. Os fios
balançavam de um lado para o outro, lenta e suavemente, como se
estivessem dançando ao ritmo do vento.
Os pelos da minha nuca arrepiaram, avancei dois passos e me
aproximei dela, determinado a acabar com aquela angústia nauseante.
Mas travei no lugar quando Fernanda girou o corpo e nossos olhares se
encontraram pela primeira naquele dia, tão perto.
— Você é noivo, Gael? — A pergunta não me abalou, mas ouvir
meu nome saindo da sua boca foi como receber uma descarga elétrica
sobre o meu corpo.
Nem o vermelho dos seus olhos, ou as lágrimas descendo pelo seu
rosto, tampouco sua expressão melancólica e derrotada, me coibiram a
desviar o olhar, ainda que não poder tomá-la em meus braços e nunca
mais a soltar, estivesse me matando por dentro.
— Não — respondi placidamente e guardei as mãos nos bolsos
para não fazer uma besteira e tocá-la sem a sua permissão.
— Você era noivo? — perguntou com a voz mais firme e secou o
rosto com a manga da blusa.
— Era.
— Daquela loira que estava de vestido vermelho? — Seus olhos
se tornaram duas fendas ferozes.
— Sim. — Eu responderia todas as suas perguntas, e não me
importaria se ao final, Fernanda me consumisse por inteiro e deixasse
apenas a minha carcaça.
— Você sabia que ela era a amante do Danilo?
Soltei uma longa respiração, mas não desviei o olhar nem vacilei
na resposta.
— Sabia.
Fernanda deu um sorriso sarcástico e empurrou os óculos sobre o
nariz, antes de perguntar:
— Algum dia você pretendia me contar que sabia que a Penélope
era amante do meu namorado?
Dei um passo à frente, pois além de querer toda sua atenção para
mim quando eu respondesse aquela pergunta, também precisava sentir o
calor do seu corpo, nem que fosse somente o vapor. Eu me contentaria
com o que ela quisesse me dar. Qualquer coisa.
— Eu contei — afirmei, resoluto.
Primeiro Fernanda franziu a testa, confusa. Depois corou, furiosa.
— O que foi, Gael, perdeu a graça apenas mentir para mim? Me
fazer de idiota? — esbravejou na minha cara. — Agora você quer me
transformar na louca da história? Você nunca me contou que a Penélope
era a amante do Danilo! NUNCA!
O único culpado por tudo que estava acontecendo, era eu. Por
minha culpa nós chegamos até o alto daquele prédio e apenas eu poderia
nos tirar de lá. Mas para sairmos do jeito que eu queria, Fernanda
precisava da verdade, ou melhor, de toda a verdade. Então, eu daria a
ela.
— Você não teria descoberto se eu não tivesse contado. —
Fernanda demorou alguns segundos para compreender. — Era eu desde
o começo. Sempre fui eu.
— Otavio — balbuciou, estupefata.
— No meu aniversário de dezoito anos, meu avô me perguntou se
eu queria assumir o lugar do meu pai na empresa. Eu respondi que
nunca quis outra coisa, porque era verdade. Entrei na faculdade de
Administração e não tinha a menor pretensão de me tornar o CEO da
Gallengher Cosméticos antes dos trinta. Mas tudo mudou no final do
ano passado, quando meu avô descobriu que estava com câncer.
Comecei a narrar uma das partes da minha vida que Fernanda não
conhecia e se tudo desse certo, ela não sairia daquela cobertura antes de
conhecer todas.
— Quando meu avô fez os primeiros exames, os médicos foram
otimistas, mas quanto mais o tempo passava, mais as estimativas
diminuíam. Diminuíram tanto, que no começo do ano ele convocou uma
reunião com os diretores, contou o que estava acontecendo e informou
que me nomearia como novo CEO, no lançamento Fíor. — Dei de
ombros. — Eu trabalho na empresa desde os vinte anos, mas depois
daquela reunião, minha rotina mudou completamente, e todos os
funcionários passaram a me ver como o chefe. Tudo aumentou; a
responsabilidade, a cobrança, a pressão. Tudo. Eu era o primeiro a
chegar e o último a sair. Nos fins de semana, quando não estava
trabalhando, estava com meus avós. Na minha cabeça, a única coisa que
continuava estável na minha vida era o meu relacionamento. Mas um
belo dia, a Penélope estava tomando banho e o telefone dela tocou em
cima da cama. Ela era minha noiva, a gente estava junto havia sete anos
e ia se casar em poucos meses. Qual o problema de eu ver quem estava
ligando para ela às cinco horas da manhã?
Fernanda era quase uma estátua, imóvel. Ela ouvia a tudo em
silêncio e parecia interessada, o que me motivou a continuar:
— Era a mensagem de um homem, dizendo o quanto ele tinha
gostado do último encontro deles e perguntando quando seria o próximo.
— Dei uma risada sem humor. — Se eu queria matar a Penélope?
Queria. Se eu queria enforcar a desgraçada em praça pública? Queria.
Mas eu não podia — vociferei. — Não podia, porque qualquer
escândalo envolvendo o nome da minha família ia destruir em cinco
minutos, tudo que meu avô passou a vida inteira construindo. Não podia,
porque se a imprensa descobrisse que a noiva do futuro CEO da empresa
que almejava o TOP 10 nacional, estava trepando com o diretor de
novelas mais amado do Brasil, o nome da minha família ia se
transformar em motivo de piada. Não podia, porque o homem mais
importante da minha vida estava morrendo e ele não merecia ter sua
reputação arruinada por causa de uma mulher interesseira que eu levei
para dentro da casa dele.
Fernanda não disse nada. Nem um comentário. Sabia que ela
estava digerindo todas as informações e não ficaria mais fácil.
— Eu não podia fazer nada, mas a minha necessidade de vingança
era muito grande. E quando descobri que a namorada do amante da
Penélope era filha de um dos homens mais famosos do país, não pensei
duas vezes em entrar em contato com ela. Eu só não esperava trocar
mensagens com ela por três meses, gostar de falar com ela e me apegar a
ela. Eu manipulei você para armar o flagrante, Fernanda. Contratei a
equipe de reportagem e autorizei a publicação do vídeo na internet —
disse tudo de uma vez, sem nunca desviar meus olhos dos dela. — Era
para ter acabado ali. Você nunca mais ia falar ou ouvir falar do Otavio.
Eu já tinha conseguido o que eu queria e quebrado qualquer vínculo que
a Penélope pudesse ter com a minha família. Mas nem sempre as coisas
acontecem como a gente planeja, e o acidente do Danilo me levou de
volta para você.
Fernanda ofegou, como se somente agora se desse conta do que
realmente havia acontecido.
— Não consegui suportar o que a imprensa estava fazendo com
você, por minha causa.
— Na academia, você...
— Não! — falei prontamente. — Vou entender se não acreditar,
mas faço natação naquele horário desde que me mudei para o bairro. —
Avancei um passo, restringindo um pouco mais a nossa distância. — Eu
menti sobre o Otávio, menti sobre a Penélope e menti sobre a empresa.
Mas nunca menti sobre você. — Prendi uma mecha do seu cabelo atrás
da orelha. — Nunca menti sobre o que sinto por você. — Deslizei a mão
por seu pescoço, ombro, braço, alcancei sua mão e entrelacei nossos
dedos. — Não menti que, em algum momento dessa história, eu me
apaixonei por você, Fernanda.
Ela fechou os olhos permitindo que novas lágrimas escorressem
por seu rosto. Descansei minha testa na dela.
— Desde que eu te beijei pela primeira vez, nunca mais quis
beijar outra pessoa. Por favor, acredita em mim...
Ficamos assim por longos minutos. A esperança crescendo dentro
do meu peito, se expandindo e ganhando força. Acariciei seu rosto com
a mão livre, sequei suas lágrimas com a ponta dos dedos.
— Me perdoa — sussurrei, roço meus lábios nos dela. — Por
favor, Fernanda, me dá uma chance...
Ela respirava com dificuldade, seu peito subia e descia, tão rápido
quanto o meu, mas num piscar de olhos, o encanto se desfez.
Subitamente ela se afastou, limpou o nariz com a manga da
camisa de forma áspera, balançou cabeça de um lado para o outro,
negando e negando, antes de olhar no fundo dos meus olhos e dizer:
— Não posso, Gael. Não depois de você ter mentido para mim...
— Me dá uma chance, por favor — implorei quando ela se
afastou. — É tudo que eu peço. Uma chance de provar que me apaixonei
de verdade, Fernanda.
Meus olhos arderam e a dor voltou a comprimir meu peito com
força.
— Eu não acredito em você — ela disse de queixo erguido, sua
voz inabalável, e seu olhar ousado.
— Não faz isso, Nanda! — supliquei, ciente de que estava quase
chorando. — Me perdoa. Eu sou completamente apaixonado por você.
Me dá uma chance, por favor...
Fernanda já caminhava na direção da porta, mas respondeu por
sobre o ombro antes de passar por ela e me deixar sozinho na cobertura:
— Nossa história acaba aqui, Gael. Segue com a sua vida, que eu
vou seguir com a minha.
O baque da porta pesada ofuscou o barulho dos meus joelhos se
chocando contra o chão, mas não foi alto o bastante para ofuscar o meu
grito de dor.
A maldita dor da perda.
É difícil condenar um homem por esconder a verdade, quando você
sabe que mentiria se estivesse no lugar dele.

Dwayne Gallengher
CAPÍTULO 42
FERNANDA
— O que você está fazendo, florzinha?
— O que você está vendo eu fazer — rebato, mal-humorada.
Tayane senta na beirada da cama e cruza as pernas.
— Vai fugir para onde? — pergunta com deboche.
— Não estou fugindo. — Dobro a última calça e a coloco dentro
da mala de viagem, aberta sobre o colchão.
— Você não é mais funcionária do museu e mesmo se fosse, já
tirou férias. Não tem nenhuma viagem de trabalho agendada, até porque
o antiquário ainda não foi reinaugurado — ela fala com tanto cinismo,
que se eu pudesse, colaria sua boca com supercola. — Seus pais não te
convidaram para o cruzeiro de lua-de-mel que eles vão fazer para
comemorar os trinta anos de casamento. Sim, florzinha, você está
fugindo. E não, isso não é nada legal.
— Às vezes, uma pessoa querer se afastar um pouco, não
significa que ela esteja fugindo de alguma coisa.
— No seu caso, de alguém.
— Não estou fugindo de ninguém.
— Sério?
— Sério, Tay. E se você fosse minha amiga, estaria me apoiando
e não me infernizando.
— Não seja injusta. Eu sempre apoiei você.
Eu a encaro com as sobrancelhas arqueadas.
— Desde quando incentivar a sobrinha a dar uma chance ao
homem que mentiu para ela, é apoiar?
— Incentivo você a dar uma chance para o Gael, porque não
aguento mais te ver chorando pelos cantos.
— Não choro pelos cantos — retruco, meu humor pior do que
estava.
— Quem está mentindo agora?
— Não estou mentindo. — Aponto o indicador para ela. — E
você deveria me apoiar em vez de ficar defendendo o Gael.
— Florzinha, eu entendo que você está sem sexo há um mês,
perdeu peso, não dorme direito, chora na maior parte do tempo e está
ansiosa por causa da reinauguração do antiquário. Mas não coloque
palavras na minha boca. Eu nunca defendi o Gael pelo que ele fez.
— Você disse que não podia julgar o Gael, Tayane! — falo mais
alto do que pretendia.
— E não posso, porque não me acho no direito de julgar. O que
não quer dizer que eu concorde com o que ele fez.
— Você diz isso porque não foi para você que ele mentiu.
— Nanda, vou explicar pela última vez, então presta muita
atenção porque não vou repetir. — Tayane arranca as meias que estou
tentando dobrar e segura minhas mãos. Seus olhos nos meus. — O Gael
errou? Errou, e está pagando caro pelo erro dele. Eu não concordo com o
que ele fez, principalmente porque o erro dele está fazendo você sofrer,
e quando você sofre, eu também sofro.
Ela limpa uma lágrima fujona que escapa do meu olho com o
polegar, e volta a falar:
— Seu pai, sua mãe e você, são a única família que eu tenho, e as
três pessoas que eu amo acima de qualquer coisa nesse mundo. É por
isso que não posso julgar o Gael, porque se um dia eu tiver que mentir
para proteger vocês, eu vou mentir. — Tayane me abraça. — Eu mataria
e morreria por vocês, florzinha.
Ela se afasta e deposita um beijo na minha testa.
— Eu posso estar enganada e me arrepender do que vou dizer,
mas tenho certeza que você também faria qualquer coisa para proteger
seus pais, até mentir para uma pessoa que você ama.
Não abro a boca, como sempre, pois sempre concordo com ela,
ainda que em silêncio, pois o nó apertado na garganta não permite que
as palavras deixem a minha boca.
— Que horas você vai sair? — Minha tia pergunta indo em
direção a porta do meu quarto.
— Meio-dia — respondo, me recriminando por estar mentindo,
embora não seja uma mentira, já que eu não tenho hora certa para sair,
então posso sair a qualquer hora.
— Precisa de ajuda?
— Não, eu me viro.
— Tenho uma reunião no escritório do seu pai, vou tentar passar
aqui antes do almoço para me despedir de você.
Ela está quase saindo quando pergunto com sarcasmo:
— Não vai falar que eu tenho que dar uma chance para o Gael?
— Faço uma careta e espero que Tayane faça o mesmo, mas para a
minha surpresa, ela nega com a cabeça e dá uma risadinha triste.
— Não, você me convenceu.
— Convenci do que? — indago sem entender o que ela quer
dizer.
— Que você não precisa do Gael para ser feliz.
Meu coração dá um solavanco.
— Como eu te convenci? — Minha voz é praticamente um
murmuro.
— Com o seu orgulho.
Levo a mão ao peito.
— Tay... — Ela ergue o braço, me interrompendo.
— Logo, logo, o Gael também vai perceber que você não quer
nada com ele e tudo vai voltar ao normal.
— Como assim? — pergunto, não gostando nenhum pouco da sua
insinuação.
O sorriso dela se alarga.
— Normal, florzinha. O Gael vai encontrar uma mulher que
queira se casar, ter filhos, e toda aquela porcaria conservadora que ele
sonha. E você vai encontrar um homem lindo, trabalhador, gostoso,
cheiroso, pauzudo como ele, mas que não seja um mentiroso, safado e
traidor como ele. E todos viverão felizes para sempre. — Ela manda um
beijo para mim. — Me espera! Não vai embora sem falar comigo, hein?
Depois que a Tayane sai, eu me jogo na cama e cubro os olhos
com o braço, pensando em tudo que ela falou. Aliás, pensar é tudo que
tenho feito no último mês, desde que descobri toda a verdade que Gael
escondeu de mim.
Minha tia não entende, ou talvez entenda e finge que não entende.
Mas eu preciso dar um tempo de tudo, sozinha.
Para um alcóolatra em tratamento, nada de bebidas à vista ou ao
alcance das mãos. Para um dependente químico, nada que o induza a
sair em busca da última dose. Para um hipocondríaco, até passiflora
pode se tornar uma brecha para o descontrole.
No meu caso, minha fraqueza tem 1,90m de altura, cabelos
pretos, olhos azul-escuros, ombros largos — resultado de anos
praticando natação —, peito forte, barriga definida, sorriso gentil e um
pau que me preenche de um jeito que até meu coração se sente possuído.
Há um mês, Gael está tentando me convencer a lhe dar uma
chance, e a cada tentativa, eu me vejo mais tentada a ceder. Ele passa
aqui para me dar bom dia, todos os dias, antes de ir trabalhar. Me manda
mensagens na hora do almoço, quando chega da empresa, e sempre volta
para me desejar boa noite. Sem contar as flores e os e-mails.
Um mais lindo que o outro.
Estou me sentindo uma ilha, cercada de Gael por todos os lados.
O problema é que existe um abismo entre nós, que ele abriu
quando escolheu mentir para mim. Agora, não consigo atravessar para o
lado dele e não tenho coragem de permitir que ele atravesse para o meu.
Tayane tem razão, os últimos trinta dias foram os piores da minha
vida e sinto que estou no meu limite, muito perto de perder a cabeça,
mesmo evitando o Gael de todas as maneiras que posso.
Sinto falta dele, de falar com ele, estar com ele, ouvir a voz dele,
olhar para ele, dormir com ele, transar com ele. É como se estivesse
faltando um pedaço do meu coração — fundamental — para que eu me
sinta completa outra vez. E a simples ideia de imaginar o Gael com outra
mulher, me deixa doente.
No entanto, sempre que admito para mim mesma que eu também
me apaixonei por ele e quero lhe dar uma nova chance, meu orgulho
chega com a chave do passado e libera a porteira das recordações, me
lembrando porque eu não posso e não devo permitir que o Gael volte
para a minha vida.
Estou cansada, enfraquecida e mais triste do que jamais estive, e
esse é outro ponto favorável ao orgulho, pois evidencia o poder que
aquele homem exerce sobre mim. Ele é o único capaz de me levar aos
extremos, tanto da felicidade quanto da tristeza, e a pergunta que fica é:
Até que ponto vale a pena ser imensamente feliz, se a tristeza vai
ter a mesma proporção, quando ele mentir outra vez?
Não. Eu preciso de uma pausa para pensar, colocar minha cabeça
em ordem, realinhar meus sentimentos. Sozinha. Longe de tudo. De
todos.
Longe dele.
Pois é, minha tia tem razão, eu estou mesmo fugindo do Gael.
GAEL
— Viajou? — pergunto olhando por cima do ombro da Tayane.
— Ficou surdo, por acaso? — Ela revira os olhos, igual a Fernanda.
Acho que é mal de família.
— Para onde ela foi? — Dou mais uma checada dentro do
apartamento, apenas para me certificar de que não é mais uma das artimanhas
da Fernanda para não falar comigo.
— Quer entrar? — Tayane desloca o corpo para o lado e eu entro sem
titubear. — Não sei, Gael. A Nanda não disse para onde ia, só que precisava
se afastar de tudo.
— De tudo, ela quis dizer de mim, certo?
— Eu não queria magoar seus sentimentos, mas já que chegou a essa
conclusão sozinho, sim. Se afastar de você.
Nós nos sentamos no sofá, um ao lado do outro, cabisbaixos. Estar no
apartamento 501 sem a proprietária dele por perto é uma merda.
— Não sei mais o que fazer — admito, derrotado.
— Você fez tudo que podia, Gael. A Nanda é que é muito orgulhosa.
— Ela nunca mais vai confiar em mim.
— Já está pensando em desistir? — Tayane pergunta, surpresa.
— Não. De jeito nenhum — respondo com sinceridade. — Eu amo a
Fernanda e não vou desistir se ela não disser na minha cara que não sente
nada por mim.
— Isso é bom.
— É?
— Claro. — Revira os olhos novamente. — Minha sobrinha é especial
e merece um homem especial como ela. Não um Zé Mané que abre a bico na
primeira dificuldade.
— Eu vim para essa guerra preparado. Sabia que ia ser difícil.
— Posso fazer uma pergunta?
— Claro.
— Não precisa responder se não quiser.
Assinto e a encaro.
Tayane é uma mulher extrovertida e fala tudo que vem à cabeça, sem
pensar. Essa é a primeira vez que ela parece um tanto... encabulada.
— Se você voltasse no tempo até o dia que descobriu que a vaca da
sua ex-noiva estava te traindo, e pudesse fazer tudo de novo. O que você faria
diferente?
Por acaso, ou não, eu tinha pensado nisso quando meu avô foi
selecionado para fazer parte de um grupo de pacientes com câncer no estágio
quatro, e passou a receber uma dose diária de uma droga importada da
França, ainda em fase experimental, que tem como finalidade impedir o
avanço da doença e não a sua cura.
Receber essa notícia, dois dias depois da cerimônia de nomeação, foi o
impulso que eu precisava para lutar com todas as minhas armas para
reconquistar a confiança da Fernanda, porque naquele momento entendi o
propósito de tudo que havia acontecido na minha vida.
— Nada — falo honestamente.
— Por quê? — ela indaga com o esboço de um sorriso em seus lábios.
— Porque eu não teria conhecido a Fernanda como conheci, não teria
me apaixonado por ela como me apaixonei e não teria que lutar por ela, como
estou tendo que lutar, se mudasse alguma coisa. — Tayane sorri amplamente.
— Quando decidi que ia usar a filha do Marcos Lombardi para me vingar da
Penélope, jamais imaginei que aquela garota ia se tornar tão importante para
mim. Mas hoje, depois de um mês longe dela, eu entendo que o amor que eu
sinto pelos meus avós foi o que me levou para a vida Fernanda. — Dou de
ombros. — Ou o que trouxe a Fernanda para a minha, tanto faz.
— A Nanda também é apaixonada por você, Gael.
— Eu sei que é.
— Ela te falou? — Tayane arregala os olhos e abre a boca, me
fazendo rir.
— Não.
— Como você sabe?
— Porque algumas coisas não precisam ser ditas para serem sentidas.
Ficamos em silêncio por alguns minutos até a tia da Fernanda falar:
— Seu amigo idiota conseguiu descobrir mais alguma coisa?
— O Claudio? — Não me esforço para esconder minha diversão.
— Duvido que você tenha dois amigos com aquele nível de idiotice.
— Até tenho, mas nenhum é tão idiota como ele.
— Fico feliz por você.
Rio ainda mais.
A princípio, pensei que minha ex-noiva estivesse agindo sozinha em
sua missão de ferrar as coisas entre Fernanda e eu, mas quando Tayane me
contou como ela tinha descoberto sobre a Penélope, minha investigação
particular tomou um rumo completamente diferente.
Eu estava arrasado, desesperado, triste e mais parecia um herdeiro
zumbi do que um homem. Não que eu ainda não pareça, mas já faço a barba,
mando meus ternos para a lavanderia e me porto como um CEO deve ser
portar, ao menos dentro da empresa.
Claudio e Leona se prontificaram a me ajudar quando souberam da
minha desconfiança, e Tayane exigiu ser incluída na averiguação sigilosa que
estávamos fazendo na vida dos três pilantras.
Enquanto o advogado cuidava da Penélope, Tayane investigava a
Ângela, e a Leona ficou encarregada de se aproximar do ex-namorado da
Fernanda. Graças as informações que eles conseguiram, as peças começaram
a se encaixar, no entanto, ainda faltavam algumas para que o quebra-cabeça
estivesse completo.
— O que ele conseguiu? — Tayane volta a perguntar.
— Foi a Penélope que ligou para a Fernanda se passando por
enfermeira e disse que o Danilo tinha saído do coma. Ela estava no Hospital
15 de Maio esperando a Fernanda e ia contar que era minha noiva naquele
dia. Mas o plano deu errado porque a Nanda mudou de ideia.
— Por favor, não me diz que a Penélope caiu no golpe do Claudio de
novo e percebeu que ele estava gravando a conversa?
Apoio os cotovelos nas coxas e assinto.
— Pela terceira vez, ela caiu.
— Será que essa burra nunca vai aprender?
— Espero que não.
— O que está faltando para você dar o golpe final, Gael?
Passo a mão pelo cabelo, nervoso.
— Ter uma conversa de homem para homem com Marcos Lombardi,
e esperar a Fernanda voltar.
Tayane gargalha, mas eu não acho a menor graça.
— Preciso dizer que não vai ser fácil dobrar meu irmão?
— Eu faço qualquer sacrifício para ter a Fernanda de volta.
Tay fica me encarando, em dúvida.
De repente ela se levanta e estende a mão para mim. Eu a seguro e me
levanto também. Tayane me arrasta pelo corredor, para na frente do quarto da
Fernanda e fala:
— Se quiser, pode ficar aqui. Mas se contar para ela que eu deixei
você dormir no quarto dela, eu corto suas bolas. — Tayane beija meu rosto.
— Boa noite, Gael.
Com o coração acelerado e a palma da mão suada, giro a maçaneta e
entro no lugar que desperta a maior parte das minhas melhores lembranças,
todas ao lado da mulher que levou uma parte de mim quando foi embora
daquela cobertura.
Fernanda não está, mas tudo me remete a ela, principalmente seu
cheiro impregnado nos lençóis. Pela primeira vez, depois de um mês
patinando no inferno, consigo dormir por algumas horas e acordo revigorado.
Pronto para fazer uma visita ao meu futuro sogro.
E que Deus me ajude...
CAPÍTULO 43
GAEL
— Amanhã começamos a contagem regressiva para o lançamento
da nova linha de produtos em nossas redes sociais e nos dez outdoors
espalhados pela cidade. — Leona passa os últimos tópicos da reunião
para todos os diretores, a última do dia. — O slogan “Fíor, para
mulheres reais”, teve um índice excelente de aceitação dos nossos
clientes e vamos explorar esse número para captação de novos, mas o
principal objetivo é a fidelização de todos eles. — Ela oferece um
sorriso orgulhoso e retira a capa que cobre o quadro lilás preso ao tripé.
— Apresento a vocês, Beleza ao seu alcance, o cartão de fidelidade da
Gallenger Cosméticos. Com ele, nossos clientes vão acumular pontos a
cada compra e poderão trocar os pontos acumulados por produtos de
acordo com a pontuação.
A novidade agrada a todos, sobretudo os diretores mais antigos,
que estavam reticentes com a gestão do novo CEO. Felizmente, essa é
apenas uma das ideias que pretendo pôr em prática no próximo ano.
Leona segue falando, explicando e respondendo a perguntas
pertinentes ao cronograma de divulgação do lançamento por mais
quarenta minutos. Agradeço os elogios, enalteço o trabalho em equipe,
sincronizado com eficiência entre os departamentos envolvidos, e
encerro a reunião.
Eu me despeço de todos e volto para a minha sala. Ainda tenho
alguns relatórios para analisar antes de encerrar o expediente, quer dizer,
o meu expediente, pois passa das seis da tarde e a maioria dos
funcionários já foi embora.
— Está muito ocupado? — Claudio pergunta, entrando sem bater
na porta.
Algumas manias nunca mudam.
— Terminando o último relatório financeiro, por quê?
— Pode me acompanhar até a Informática?
Recosto na cadeira, desconfiado.
— Algum problema?
— Você é o cara dos problemas, meu amigo. Eu trago as
soluções. — Ele sorri com presunção.
Levanto-me rapidamente e o sigo para fora.
— Conseguiu alguma coisa?
— Na verdade, a Leona já tinha conseguido, nós é que não
sabíamos o que fazer com a informação.
Esfrego o rosto quando entramos no elevador.
— Quem está trabalhando? — inquiro e recebo um olhar
enviesado do advogado.
— Ninguém, só o Humberto. Ele é o único que sabe, por isso
ainda está aqui — responde e sei que está zangado, porém não posso
evitar.
Solto um suspiro, exausto pra cacete.
— Desculpa, mas não gosto de trazer meus assuntos pessoais para
a empresa.
— Não deveria se preocupar quando seus assuntos pessoais
interferem diretamente nos assuntos da empresa. E você tem autonomia
para usar os serviços dos seus funcionários sem ser obrigado a dar
satisfação para ninguém. Sabe disso, não sabe?
As portas se abrem e caminhamos até o cubículo do Humberto, o
técnico de informática que está nos ajudando a descobrir como o Arthur
conseguiu as fotos do Instagram desativado da Penélope.
— Meus assuntos pessoais não interferem nos assuntos da
empresa — rebato, ignorando a segunda observação.
— Sua secretária, Leona e eu descordamos.
— O que a Ruth tem a ver com isso?
Claudio solta uma longa respiração, para de andar no meio do
corredor e cruza os braços, me obrigando a parar ao lado dele.
— Aquela mulher merece um bônus de Natal, meu amigo.
Duvido que qualquer outra secretária faria o que ela fez por você, nas
duas primeiras semanas depois que a Fernanda te deu um pé na bunda.
— Não me lembro de ter ficado tão mal assim — me defendo,
mas é em vão, pois todos viram o meu estado deplorável.
— Claro que não, você estava muito bêbado para se lembrar. Mas
eu não estava e acredite, minha mente já fez de tudo para esquecer
aquelas imagens bizarras. — Claudio não alivia. — Agradeça a Leona
também, se ela não fosse boa no que faz e não tivesse usado a doença do
seu avô como desculpa para a sua “tristeza”, você teria sido jantado pela
imprensa — enfatiza a palavra com sarcasmo.
— Eu estava muito triste.
— Todos nós sabemos, aliás, nós vimos.
— Mas agora já estou bem.
Claudio apoia a mão no meu ombro e lança outro sorriso irônico.
— Não, meu amigo. Você continua na merda. Só aprendeu a
disfarçar melhor.
— Obrigado por — forço uma tosse —, por tudo.
— Você já me agradeceu, Gael.
— Não, é sério. Se não fosse você aquela noite no auditório, a
Fernanda teria ido embora sem falar comigo.
— Ela só precisava de um pretexto para ficar, porque é muito
teimosa para admitir que queria esclarecer as coisas com você. Agora
chega desse assunto e vamos ao que interessa.
Volto a caminhar à frente dele; irritado por saber que é tudo
verdade, aliviado por saber que o pior já passou, e agradecido por ter
amigos leais em um ambiente extremamente competitivo. Qualquer um
deles poderia ter se aproveitado dos meus incontáveis momentos de
fraqueza para jogar a diretoria contra mim, mas em vez disso eles
ficaram do meu lado, me apoiaram e ainda se dispuseram a me ajudar a
reconquistar a Fernanda.
Talvez o bônus de Natal não seja uma má ideia.
Claudio abre a porta do cubículo e entra, sem bater, claro.
Humberto está sentado à frente de dois computadores com Leona ao seu
lado.
— Boa noite, Humberto, obrigado por ficar até mais tarde —
cumprimento o jovem de apenas vinte e três anos.
— Boa noite, Gael. — Ele aponta para a tela. — Ah, eu
costumava fazer isso antes de vir trabalhar aqui.
— Você investigava a vida das pessoas? — indago, curioso e um
tanto espantado.
O garoto solta uma risada.
— Stalkear [4] é mais apropriado.
— Explica para o Gael o que você descobriu — Claudio pede.
— Claro. — Humberto gira a cadeira e fica de frente para mim.
— Como você sabe, a Leona esbarrou no Arthur, de propósito, no
restaurante que ele costuma almoçar e derramou bebida na roupa dele.
Ela fingiu que estava interessada, ele acreditou e como não é burro,
convidou a gostosa para sair. — Leona dá um peteleco na cabeça do
garoto, que esfrega a palma da mão no local com exagero e faz uma
careta de dor
Claudio e eu damos risada da interação dos dois. Após o
momento descontraído, Humberto retoma a explicação:
— No primeiro encontro que a Leona teve com o Arthur, ele não
entrou em detalhes sobre a família, mas mencionou que tinha um irmão
mais novo. No segundo encontro, ele se sentiu mais à vontade e contou
que o irmão trabalhava em casa, por conta própria — ele fala com a
alegria genuína de quem ama o que faz.
Por um momento, lembranças da Fernanda sentada no chão do
antiquário, rodeada por um monte de bugigangas antigas vêm à minha
mente e a dor da saudade ameaça me tomar novamente. Chega a ser
assustador como uma simples palavra, um gesto casual ou um fato
aleatório me faz lembrar dela, como se o mundo confabulasse para que
eu não a esquecesse nem por um minuto.
A voz do Humberto dispersa os pensamentos e eu o agradeço
mentalmente pelo favor.
— Arthur Delgado é um assessor de imprensa conhecido e tem
vários clientes famosos. Ele é cuidadoso com a reputação, raramente é
visto com mulheres em eventos e evita falar sobre a vida pessoal.
— Devo me preocupar com a forma que você descobriu tudo
isso?
— Não, eu sei apagar meus rastros.
Claudio e Leona dão risada. Eu mal posso me mover, de tão
tenso.
— Tudo bem, continue. — O apresso.
— Para um hacker, invadir uma conta do Instagram não é difícil,
mas para uma pessoa comum, além da dificuldade para acessar os dados
de alguém, ainda temos que supor os riscos que ela está correndo se for
descoberta. A Ângela disse que o Arthur enviou as fotos para o celular
dela. Partindo desse ponto, quem deveria ter invadindo a conta da
Penélope, era o próprio Arthur, mas não encontrei nada no histórico de
busca dele. — Humberto gira a cadeira novamente e aponta para a tela
da direita. — Esses são os registros do notebook do Arthur. — Ele
aponta para a tela da esquerda. — E essas são as mensagens que ele
trocou com o irmão, entre o sábado e a segunda-feira, dia da cerimônia
da sua nomeação.
— Duzentas e oito? — pergunto, alarmado.
— Sim, um número excepcional até para dois funcionários de
uma empresa em três dias úteis. — Humberto olha para mim por sobre o
ombro. — Isaac Delgado é o nosso hacker, e tenho certeza que foi ele
que descobriu sobre o evento.
— Mas como o irmão do Arthur ia descobrir? Decidimos tudo em
cima da hora e poucas pessoas foram convidadas.
Humberto digita alguma coisa e de repente a resposta para a
minha pergunta estampa a tela.
— O convite — balbucio, embasbacado.
— O Isaac hackeou[5] o servidor da empresa e teve acesso ao
convite digital que enviamos para os convidados junto com o QR-
CODE.
— Isso explica a entrada da Penélope — concluo.
— O único problema é que você não pode usar essas informações
para fazer uma acusação, Gael — Claudio avisa. — O que o Humberto
fez é tão ilegal quanto o que o Isaac fez.
Meus lábios esticam em um sorriso satisfeito.
— Eu não posso, mas conheço uma pessoa que pode.
— Quem?
— O homem com quem eu vou me encontrar daqui a pouco.
Os três se entreolham, mas não dizem nada.
— Você vai contar para a Fernanda? — Leona indaga.
— Vou.
— Quando?
— Quando ela voltar de viagem.
— A Fernanda viajou? — É Claudio quem pergunta.
Enfio as mãos nos bolsos e faço que sim com a cabeça.
— Para onde ela foi?
— Não sei. Ela não disse para onde ia.
Humberto me encara com a testa franzida.
— Se você quiser, posso tentar descobrir se ela usou algum site de
viagem.
Claudio abre um sorriso ao estilo Einstein, como quem diz:
Viu? Aqui está a solução para todos os seus problemas.
— Não, obrigado. A Fernanda precisa de um tempo e por mais
que eu me preocupe com a sua segurança, não vou... stalkear a vida
dela.
— Você não vai estalkear a vida de ninguém. O Humberto vai
stalkear a Fernanda. — Claudio fala com o seu sarcasmo habitual.
— Ninguém vai stalkear a Fernanda, nem a vida dela — retruco
mal-humorado. — Na hora certa, ela vai voltar para mim.
◆◆◆

Segundo os médicos, graças ao tratamento experimental, o quadro


de saúde do meu avô teve uma melhora significativa, com isso o senhor
Dwayne recebeu alta e voltou para casa depois de ficar internado por
duas semanas no hospital.
— Oi, filho. Não sabia que você ia passar por aqui. — Minha avó
senta ao meu lado, no sofá. — Seu avô já está dormindo.
— Saí agora pouco da empresa e só passei para saber se a senhora
falou com a Fernanda.
— Ela me mandou uma mensagem na hora do almoço e disse que
vai ficar incomunicável por alguns dias.
Assinto, pois já esperava que a Fernanda avisasse sua sócia sobre
a repentina viagem.
— Eu imaginei que ela fosse falar com a senhora.
— Você sabe para onde a Fernanda foi?
— Não. Ela disse para a Tay que precisava se afastar.
Minha avó segura minha mão com carinho.
— Se você quiser a Fernanda de volta, vai ter que ser paciente,
meu filho.
Beijo sua bochecha enrugada e me levanto.
— Eu vou ser qualquer coisa, vó. — Ela também fica em pé. —
Vocês marcaram a data da reinauguração do antiquário?
Sem soltar sua mão, sigo na direção da porta. Já está tarde e tenho
mais um compromisso antes de voltar para casa.
— Marcamos para daqui a duas semanas, mas com essa viagem
da Fernanda não sei se vai dar tempo de preparar tudo. Talvez seja
melhor adiar mais um pouco.
— Me avisa se precisar de alguma coisa, está bem? — Deposito
um beijo na sua testa. — Amanhã eu venho almoçar com o vovô.
— Por favor, Gael, não traz aqueles relatórios financeiros. Ele
está melhor, mas continua doente.
— Não se preocupa. Meu avô querer saber sobre a empresa é a
maior prova que a medicação está surtindo efeito.
— Traz um tabuleiro de xadrez, um baralho ou um dominó. Nada
de relatórios, Gael, ou vou enfiar aquelas pastas no picador — Dona
Flora fala com o indicador em riste e pela sua cara, sei que não está
brincando.
— Tudo bem, mas se ele brigar comigo, vou colocar a culpa na
senhora.
Ela encolhe os ombros e faz uma careta engraçada.
— Pode colocar, se me derem uma vassoura eu saio voando.
Gargalho com vontade.
— Até amanhã, minha bruxinha!
— Deus te acompanhe, meu filho. — Minha avó se despede e
entra.
Dentro do carro, ligo para a Tayane, que atende no segundo
toque.
— Ele já está em casa? — Minha voz revela meu nervosismo.
— Acabou de chegar.
— Estou a caminho.
— Quer mesmo fazer isso?
— Quero.
— Bom. Vou amaciar o terreno para você.
— Obrigado.
Durante o percurso até a casa dos pais da Fernanda, penso e
repenso em tudo que aconteceu nos últimos meses e reafirmo o que eu
soube desde o início: por ela, qualquer sacrifício vale a pena.
Estaciono o carro em frente à casa luxuosa de dois andares e toco
a campainha. Tayane me recebe com um largo sorriso no rosto e fico em
dúvida se ela está feliz em me ver, ou feliz em saber que seu irmão não
vai ficar feliz em me ver. A mulher é perversa e sempre me confunde.
— Entra, eles estão na cozinha.
— Avisou que eu vinha?
— Avisei, mas o Marcos não acreditou que você teria coragem de
aparecer aqui depois do que fez com a princesinha dele.
Abro a boa para falar, mas uma das vozes mais conhecidas do
Brasil reverbera às minhas costas.
— Espero que seja um corredor veloz, Gael. — O homem alto,
magro, com cabelos e olhos caramelos, iguais aos da Fernanda, me
encara com um olhar estreito, encoberto de raiva. — Ainda não
alimentei meu pit bull[6] hoje, e ele adora carne malpassada.
Engulo em seco, mas não recuo ante a sua ameaça velada, ainda
que a fucinheira de couro em sua mão indique que ele não está
brincando.
— Posso lidar com o seu cachorro, Marcos, mas antes preciso que
você e a sua esposa escutem tudo que eu tenho a dizer.
Ficamos nos encarando em total silêncio. Ele, certamente
decidindo como vai me matar, e eu, repetindo para mim mesmo que
independente do que aconteça, Fernanda vai voltar para mim.
Com ou sem a ajuda dos pais dela.
CAPÍTULO 44
FERNANDA
O som do despertador é irritante. Estico o braço, apalpo a mesa de
cabeceira até encontrar o celular, e confirmo que não estou sonhando.
São sete da manhã.
É impressionante como me sinto cansada depois de passar dez
dias no meio do mato sem fazer nada além de comer, ler e matar uma
nação de pernilongos. Mas não posso reclamar.
A chácara que aluguei na cidade de Atibaia tinha tudo que eu
precisava para me desligar do mundo, e a minha missão teria sido um
sucesso se minha mente e meu corpo não fossem dois traidores, aliados
a serviço de um certo CEO de lindos olhos azul-escuros.
Entro na cozinha e estranho o silêncio. Tayane costuma acordar
cedo e a essa hora já está preparando o café. Coloco a água para ferver e
começo a arrumar a mesa.
Não quero ficar ansiosa, mas quando o relógio marca sete e meia,
meu coração acelera em expectativa. Gael vai sair para trabalhar antes
das oito e deve passar por aqui.
Vou até o quarto de hóspedes para chamar minha tia e quase caio
para trás quando deparo com a cama vazia. Onde ela está?
Nem eu sabia que ia voltar ontem à noite. Desliguei o telefone e
não me preocupei em avisar minha tia do meu retorno. Cheguei em casa
tão tarde, que a Tayane já estava dormindo. Talvez ela não tenha visto
minha mala largada na sala.
Estou voltando para a cozinha quando ouço vozes no corredor.
Meu coração acelera, fecho os olhos e inspiro profundamente, mais
ansiosa do que o normal. Pensei muito antes de tomar uma decisão, e
ainda que não seja a decisão que meu coração quer que eu tome, é a que
ele sabe que preciso tomar para o seu próprio bem.
Alguns minutos depois, o silêncio impera do lado de fora do
apartamento. Nenhum sinal da Tayane ou do Gael. Dou uma olhada pelo
olho mágico confirmando que o corredor está vazio, o que é estranho,
pois tenho certeza que ouvi os dois conversando.
Forço minha mente a aceitar que aquela será a nossa realidade
dali em diante; que o Gael não fará mais visitas matinais para me saldar
com o seu delicioso bom dia; que ele também não enviará mensagens
românticas na hora do almoço, nem e-mails carinhosos ou buquê de
flores com recados apaixonados.
Apoio as mãos na pia e abaixo a cabeça, o peso da decisão me
deixando corcunda de tão pesado sobre meus ombros. Parecia tão fácil
quando estava longe daqui e agora, depois de ouvir a voz dele, aquele
misto de saudade, mágoa e paixão, volta a me afrontar.
Lágrimas pinicam meus olhos, mas me recuso a chorar quando o
som da porta abrindo e fechando ecoa dentro do apartamento, e Tayane
aparece sob o batente da porta, sozinha.
— Bom dia, florzinha — ela diz com euforia e me abraça por trás.
— Como foi a viagem?
Mexo no armário, lavo um copo que estava limpo e me obrigo a
sorrir.
— Bom dia. Foi ótima. Estou pensando em fazer isso mais vezes
assim que estiver tudo ajeitado no antiquário.
Giro o corpo para ficar de frente para minha tia e meu coração
perde o ritmo cadenciado. Tayane está corada, seus cabelos úmidos, seus
olhos brilham e seu sorriso é de uma mulher satisfeita, quer dizer,
sexualmente satisfeita.
Pisco várias vezes e me afasto de maneira abrupta.
— O que foi, Nanda? — ela questiona com preocupação. — Você
está se sentindo bem? Fala comigo, florzinha!
Estou morrendo de vergonha por vislumbrar, ainda que por
míseros segundos, que minha tia e o Gael fariam algo assim comigo.
Quero abrir um buraco no chão e me enterrar dentro dele.
— Não foi nada — minto, descaradamente. — Eu só... hum...
acho que a minha pressão caiu, mas já estou melhor.
Tay é esperta e sabe que não é verdade, no entanto, não insiste.
— Vem, senta um pouquinho. — Puxa uma cadeira e eu faço o
que ela manda. — Já comeu?
— Não. — Apoio os cotovelos na mesa e afundo a cabeça entre
as mãos.
— Você chegou tarde e deve estar cansada.
— Como sabe que eu cheguei tarde?
— Vi sua mala perto da mesa hoje cedo. Se você tivesse avisado
que ia chegar ontem, eu teria te esperado acordada.
Recosto na cadeira, observando Tayane abarrotar o coador de
papel com pó de café. Minha tia vai completar trinta e cinco anos, mas
parece bem mais jovem. Ela está usando um vestido amarelo de alças
finas, colado da cintura para cima e mais soltinho na parte de baixo.
— Você... — arranho a garganta. — Foi para a natação?
A pergunta é ridícula, pois é evidente que ela não foi. A culpa
volta a me assolar por não ser capaz de controlar o ciúme.
— Não — Tayane responde com um sorriso pequeno no rosto. —
Fui tomar café com o Gael e o Claudio no empório que abriu na rua
detrás.
Fico calada, digerindo suas palavras.
— Quer que eu prepare uma omelete para você? — Minha tia põe
a garrafa térmica em cima da mesa e fica em pé, com as mãos apoiadas
no encosto da cadeira.
— Não, obrigada. — Encho a minha xícara. — Então você
conheceu o Claudio? — indago como quem não quer nada.
— O Gael me apresentou aquele idiota um dia desses — Tay
responde com uma careta de nojo.
— Idiota?
— O rei da Idiotolândia.
Eu gargalho, me sentindo ainda pior por ter agido feito uma
megera.
— Pensei que ele fosse um cara legal.
— Ele é, quando está com a boca fechada.
— Pelo visto, você não gosta muito dele.
— Nada contra, tirando o fato que ele é um idiota.
— Um idiota bonitão.
— Nem me fala, florzinha. — Tay se abana com as duas mãos,
exageradamente. — Se aquele pacote que ele carrega na virilha for de
verdade, o idiota poderia ser um astro da pornografia mundial.
Nós estamos rindo como duas adolescentes quando a campainha
toca, fazendo meu corpo estremecer.
— Você vai falar com ele? — Tayane pergunta, apreensiva.
Empurro a cadeira para trás e me levanto.
— Vou. — Não preciso dizer qual é minha decisão, pois ela deve
estar evidente em meus olhos.
Tay me abraça com força.
— Se precisar de mim, estou no quarto.
— Obrigada — murmuro seguindo minha tia até a sala.
Inspiro com força, giro a maçaneta e abro a porta, apenas para me
arrepender de ter aberto. Porém, é tarde demais.
Tanto esforço para em menos de dez segundos, toda a minha
asseveração escorrer por meus dedos. Gael me encara com uma
intensidade que me desestabiliza e arremessa meu foco para longe, fora
do meu alcance.
— Bom dia, Fernanda — ele sussurra com sua voz grave e rouca,
como se estivesse declamando um poema erótico.
— Bom dia — falo e gesticulo para que ele entre, sem quaisquer
condições de dizer outra coisa.
O cheiro do seu perfume deixa um rastro de poder, Gael e
promessa de sexo maravilhoso, por onde passa, reavivando o desejo
animal que somente ele desperta em meu corpo e havia sido reprimido
com tamanho êxito nos últimos dias.
Fecho a porta sem pressa, buscando nos cafundós da minha mente
a determinação que preciso para fazer o que deve ser feito.
— Nanda. — Posso sentir sua presença dominante às minhas
costas com cada grama do meu ser.
Impossível respirar enquanto meu corpo arde em chamas.
— Senti tanto a sua falta — Gael sussurra. Eu ofego, gemo. Ele se
aproxima mais e beija meu cabelo. — Olha para mim.
Uma ordem camuflada de pedido, do jeito que eu mais amo. Do
jeito que só ele sabe falar. Aperto os olhos com força, menosprezando os
apelos do meu corpo e me atendo ao motivo que nos trouxe até aqui.
— Não — murmuro, ainda de costas para ele. Covarde demais
para encarar seus olhos.
— Não, o que? — Sua voz é firme, no entanto, não parece
ressentida.
— Não vamos ter outra chance, Gael.
— Olha para mim, Fernanda.
Estremeço, excitada, necessitada do seu toque, e obedeço.
Giro o corpo e o encaro. A distância entre nós é quase nada.
Estamos perto demais para o que tenho de fazer se não quiser meu
coração estraçalhado novamente.
— Você não vai me dar uma chance? — Gael inquiri, fitando
meus olhos.

Outra chance para mentir para mim, como o Arthur mentiu?


Outra chance para me enganar, como o Danilo enganou?
Outra chance para me quebrar em milhões de pedaços, como
você quebrou?
Outra chance para que, afinal, se não sobrou nada do meu
coração para você destruir com mais uma das suas farsas?
Entreguei tudo que havia de melhor dentro de mim para o único
homem por quem me apaixonei de verdade, mas descobri que tudo não
passou de uma mentira para que ele conseguisse sua tão sonhada
vingança.

Os questionamentos sobrevoam minha mente inquieta, pedindo


para serem convertidos em palavras, mas estou fraca demais para fazer
qualquer coisa. Arrasada, desiludida, perdida, vazia e sozinha.
Tão, tão sozinha.
— Não — respondo, muito mais fragilizada do que pensei que
estivesse.
— Você não está apaixonada por mim?
Fecho os olhos e me calo.
— Responde, Fernanda. Você não sente nada por mim? — A voz
é branda e, ao mesmo tempo, feroz.
Eu poderia mentir para ele e acabar de uma vez com essa tortura,
mas não minto. Não faço nada.
— Olha nos meus olhos, Nanda, por favor.
Acato sua ordem no segundo em que uma lágrima escapa e
escorre por minha bochecha. Gael expira pesadamente, ressentido.
— Se quiser que eu me afaste de você, vai ter que dizer olhando
nos meus olhos que não sente por mim a mesma coisa que eu sinto por
você. Que não me deseja como eu desejo você. Que não sente a minha
falta como eu sinto a sua. E que não está morrendo por um beijo meu
como eu estou morrendo por um beijo seu.
Nem sequer ameaço abrir a boca. O único sintoma do que estou
sentindo, é a enxurrada de novas lágrimas que descem livremente pelo
meu rosto. Gael descansa a testa na minha, respirando tão pesado e
descompassadamente quanto eu.
— Vou aceitar sua decisão, porque não suporto mais te ver
sofrendo desse jeito. — Segura meu rosto com as mãos e beija minha
testa, demoradamente. — Eu me apaixonei por você, Fernanda, essa é a
única verdade que eu vou levar comigo.
Gentilmente, Gael me afasta, abre a porta e vai embora, levando
com ele o pouco que restou do meu coração.
Como se tudo aquilo não fosse suficiente para suportar, a primeira
notícia que vejo, logo que ligo a televisão, eleva meu estado a um
patamar bem próximo da calamidade emocional.
Depois de quase dois meses, meu ex-namorado e amante da ex-
noiva do Gael, Danilo Colosso, finalmente acordou do seu sono de
beleza.
Como a Tayane costuma dizer:
Nada está tão ruim, que não possa ficar pior.
CAPÍTULO 45
GAEL
A dor é sempre um lembrete, seja de alguma coisa boa ou ruim. É
o resultado, o produto final. Algumas vezes, ela pode ser momentânea,
outras tantas, duradoura, e em casos raros, permanente.
Não importa se é insignificante, tolerável ou insuportável.
Dor é dor. E a minha, parece não ter fim.
— Sua cara está péssima — Claudio aponta o óbvio, sentado de
frente para mim.
— Se ainda não reparou, eu estou péssimo.
— Já pensou em desistir?
— Não.
— Nem uma vez?
— Não.
— Mais cedo ou mais tarde, vai ter que começar a considerar.
— Vou considerar, quando ela disser que não sente nada por mim.
— E se ela não disser?
— Vou continuar tentando.
— Como vai tentar alguma coisa, se a Fernanda mal fala com
você?
— Ela ainda está magoada.
Acabamos de sair de uma reunião que se estendeu por quase duas
horas, com um dos nossos principais fornecedores, e apesar de termos
assinado um contrato excelente para a empresa, me sinto esgotado.
Claudio se levanta, abotoa o terno e segue na direção da porta.
Antes de sair, fala:
— Sua persistência é louvável, mas se as minhas contas estiverem
certas, você está nessa merda há uns dois meses e já implorou mais do
que qualquer homem imploraria. Você mentiu para proteger seus avós, e
se a Fernanda não consegue superar isso, talvez o orgulho dela seja
maior do que o amor que você acha que ela sente por você.
— Eu não acho. Eu sei que a Fernanda é apaixonada por mim —
rebato, numa tentativa de me defender.
— Quantas vezes ela te falou isso?
Não respondo. Claudio sabe que a Fernanda não disse nada sobre
os seus sentimentos. Nenhuma vez. Nunca. Ele passa a mão pelo cabelo
e balança a cabeça de um lado para o outro, antes de dizer:
— Eu errei quando não contei a verdade sobre a Penélope e quase
perdi meu melhor amigo por isso, mas me arrependi, me desculpei e
você me perdoou, porque o valor da nossa amizade prevaleceu sobre a
importância do meu erro. — Claudio me surpreende com sua
declaração. — Não pretendo cometer o mesmo erro duas vezes, Gael,
mesmo que isso te machuque. Como seu amigo, é minha obrigação dizer
que está mais do que na hora de esquecer essa garota e seguir em frente.
A Fernanda pode não saber, ou fingir que não sabe, mas eu sei o quanto
você gosta dela e o quanto está sofrendo por causa dela. Imagino que
não deve ser fácil desistir de algo que sempre sonhou. Só me prometa
que vai pensar nisso.
Assinto, sem saber o que dizer.
Quando a porta se fecha atrás dele, me sirvo uma dose de uísque e
vou até a janela. Está começando a anoitecer e o céu é uma mistura
tranquilizadora de cinza, preto e azul marinho. Em contrapartida, lá
embaixo, a cidade é uma aquarela de todas as cores na perfeita harmonia
do caos, exatamente como a minha vida.
Não sei mais o que fazer, se é que ainda posso fazer alguma coisa,
para convencer a Fernanda a mudar de ideia. Ela não atende minhas
ligações, não responde minhas mensagens e faz de tudo para não
esbarrar comigo no prédio.
Se não fosse a Tayane e minha avó, eu já teria desistido, mas as
duas me garantiram que a Fernanda está triste, deprimida e vive
chorando pelos cantos quando pensa que não tem ninguém olhando.
Depois da minha conversa com Marcos Lombardi, ele concordou
em me ajudar a desmascarar o Arthur e o irmão dele, Isaac. Até a Lilian,
mãe da Fernanda, fez questão de usar sua amizade com a Valquíria,
sócia da boutique Bella Donna e patroa da Ângela, para conseguir mais
informações sobre os dois.
Minha intenção era mostrar para a Fernanda tudo que
conseguimos, provar que eu pretendia contar a verdade para ela naquele
fim de semana, e se não fosse a internação do meu avô e a armação dos
três filhos da puta, nós ainda poderíamos estar juntos.
O problema é que depois de passar dez dias fora da cidade,
isolada e incomunicável, Fernanda voltou determinada a me afastar da
sua vida, definitivamente, e nada que eu faça parece o bastante para
convencê-la a mudar de ideia e me dar outra chance.
Saio do escritório e vou direto para a casa dos meus avós. Dona
Flora me ligou mais cedo pedindo para eu dar uma passada por lá, antes
de ir para casa. Ela não admite, mas sei que está preocupada desde que o
diretor de novelas, Danilo Colosso, saiu do coma.
Minha avó morre de medo que eu perca a cabeça se o idiota tentar
se reaproximar da Fernanda.
— Oi, vó. — Beijo sua cabeça grisalha assim que ela abre a porta.
— Oi, filho. Seu avô está na sala.
— Como estão as coisas no antiquário? — Tiro o paletó e o
penduro no encosto da cadeira.
— A Fernanda confirmou a reinauguração para a próxima semana
— ela fala empolgada, andando à minha frente.
— A senhora não disse que ia ficar muito em cima da hora por
causa da viagem dela?
— Eu pensei que não ia dar tempo de organizar o coquetel e
preparar a decoração, mas do jeito que a Fernanda está trabalhando, vai
ficar tudo pronto uns dois dias antes da data.
Pelo que minha avó me contou, Fernanda chega ao antiquário
antes das sete da manhã, vai embora depois das sete da noite, e não para
um minuto sequer, nem mesmo para comer.
Assim como eu, ela descobriu que o trabalho é a melhor rota de
fuga para despistar a saudade e a dor que esfola o coração.
Meu avô está sentado no sofá assistindo televisão com o controle
remoto na mão, zapeando pelos canais. Ele sempre foi viciado em
telejornais e programas de entrevistas.
— Oi, vô — Me inclino para depositar um beijo na sua cabeça e
me sento ao lado dele.
— Oi, filho. Que cara é essa?
Minha avó se acomoda na sua poltrona de costura, de frente para
nós.
— A mesma cara de sempre — respondo fingindo
desentendimento.
Ele inclina a cabeça para o lado, me analisa e faz uma careta.
— Não, eu te conheço, filho. Você está parecendo mais doente do
que eu. O que aconteceu?
— Não fala bobagem, Dwayne! O Gael não está doente. Ele está
sofrendo por amor, deixa o menino em paz. — Dona Flora sai em minha
defesa, sem saber que a sua explicação só piora a minha situação perante
ao clube dos machos alfas, dominantes, insensíveis e mulherengos.
— Por causa da Fernanda? — ele pergunta com outra careta.
Confirmo, apoiando os cotovelos nos joelhos e a cabeça nas
mãos, aceitando de vez o desolamento.
— Não sei mais o que fazer.
É melhor desabafar toda minha frustração aqui, na casa dos meus
avós, do que na empresa. Talvez não melhore nada, mas o
constrangimento com certeza vai ser menor.
— Ela ainda não perdoou você por ter mentido? — ele pergunta,
inconformado.
— Não, e estou começando a achar que ela nunca vai perdoar.
— Você falou com ela? Explicou tudo direitinho?
— Já fiz de tudo, vô. Até implorar, eu implorei
— Sou um homem vivido. Sei o que estou falando. É mais fácil
apontar o erro do outro do que tentar entender porque o outro errou. —
Meu avô encolhe os ombros. — No seu lugar, eu teria feito a mesma
coisa se fosse para proteger minha família. E se essa moça não entende e
não quer te perdoar, vai ver ela não gosta de você, filho — Ele diz com
naturalidade.
— Não fala besteira, homem! — Minha avó exaspera de cara feia.
— A Fernanda está pior que o Gael. Hoje mesmo parecia um filhote de
cachorro perdido na mudança. Toda amuada no canto do corredor de
Raridades, com os olhos cheios de lágrimas, chorando baixinho para
ninguém ouvir.
Recosto no sofá e relaxo o corpo. Jogo a cabeça para trás, cansado
demais para participar do debate sobre a minha fracassada vida amorosa.
— E como você sabe que ela estava chorando por causa do Gael?
Mulher chora por qualquer coisa! Até quando descasca uma cebola.
— A Fernanda me disse, oras bolas.
Agora dona Flora tem minha total atenção.
— O que ela falou para a senhora? — pergunto, com os ombros
eretos e os ouvidos alertas.
— Eu notei que a Fernanda parecia mais tristonha do que nos
outros dias quando vi que ela estava chorando escondida, disfarcei e dei
meia-volta, porque não queria ser indiscreta e deixar a menina sem
graça. Mas acho que a Fernanda estava precisando desabafar, porque
começou a me contar sobre o dia que você preparou a surpresa no
antiquário e como ela ficou feliz. A Nanda me contou que um dos
maiores sonhos dela, era ter um antiquário e se não fosse por mim, ela
nunca teria realizado esse sonho antes dos trinta anos. — Minha avó
suspira com pesar. — Eu só falei a verdade, Gael.
— Que verdade? — questiono, confuso, pois não faço a menor
ideia do que ela está falando.
— Que desde moça, eu também sonhava ter o meu próprio
negócio, mas se você não amasse a Fernanda, eu não estaria realizando o
meu sonho, e se não fosse o amor que você tem pelo seu avô, você
jamais teria envolvido a Fernanda naquela confusão com a imprensa.
Tudo que você faz, certo ou errado, é por amor, meu filho. — A voz da
dona Flora falha. Sinto a mão do meu avô apertando a minha, com força.
— Você pode errar, mas não tem vergonha de se arrepender e pedir
perdão. Seu coração nasceu para amar, Gael.
— Vó... — Eu vou até ela e a puxo para cima, acolhendo seu
corpo roliço dentro dos meus braços, com força, muita força. — O seu
coração ensinou o meu e se eu me tornei esse homem, foi graças a
senhora e ao vovô, que me criaram com tanto amor e carinho. Eu amo
vocês. Vocês são as pessoas mais importantes da minha vida. Obrigado!
Obrigado por tudo!
— A Fernanda sabe que você é apaixonado por ela, mas é
insegura e tem medo de se machucar de novo — murmura Dona Flora,
chorosa, enquanto seca as lágrimas que banham seu rosto.
— Mas se o Gael já fez de tudo, até implorou, Flora — Meu avô
força a voz para esconder a emoção. — O que mais o menino pode fazer
para convencer essa moça que não vai mentir para ela? Pagar para
publicar uma matéria na primeira página da Folha de São Paulo, de
domingo, por acaso?
Num primeiro momento, ainda na casa doas meus avós, a ideia do
senhor Dwayne pareceu absurda e me fez gargalhar.
Num segundo momento, enquanto eu dirigia para o meu
apartamento, a ideia continuou parecendo absurda, mas em vez de
gargalhar, meu cérebro cogitou algumas adaptações para torná-la, no
mínimo, aceitável.
Num terceiro momento, enquanto eu subia de elevador até o
oitavo andar, a ideia já não parecia tão absurda e meu cérebro seguia
firme cogitando novas adaptações para torná-la, digamos, mais viável.
Mas foi no quarto momento, quando acordei de madrugada,
ofegante, assustado e banhado em suor, que a ideia do meu avô,
totalmente readaptada para as minhas necessidades, se tornou a ideia
mais genial do mundo.
Claro que vai me dar uma trabalheira dos infernos, pois vou
precisar de toda ajuda que conseguir e não tenho muito tempo para
organizar tudo, mas essa é a minha última tentativa de convencer a
garota que virou minha vida de cabeça para baixo, a me dar uma nova
chance.
E eu não pretendo poupar nenhuma arma que estiver disponível
para alcançar meu objetivo.
Afinal, para ter Fernanda de volta, qualquer sacrifício vale a pena.
CAPÍTULO 46
GAEL
Ando de um lado para o outro dentro da pequena barraca de
camping. Me sinto enclausurado e claustrofóbico nesse espaço apertado.
Aumento a velocidade do ventilador, estou suando e não posso suar, ou
vou amassar minha roupa.
Verifico o celular, de novo. Nenhum sinal da Tayane, e isso me
enerva, aumenta a angústia no meu peito, o embrulho no estômago. Se
ela não conseguir vai estragar tudo, e hoje, nada pode dar errado. Nada.
É a minha última chance.
A última que estou me permitindo para reconquistar a Fernanda e
sinto em cada veia do meu corpo que posso conseguir, mas para isso,
tem que sair tudo perfeito, do início ao fim.
Se depois dessa loucura — a maior que já fiz na vida —, a
Fernanda não me perdoar, acabou. Para sempre.
Vou fazer o que ela mandou, esquecer cada detalhe do que
aconteceu entre nós e seguir com a minha vida, nem que eu tenha de
reprimir o amor que me consome em algum canto escuro do meu
coração.
O aparelho vibra na minha mão. Tayane.
— Conseguiu? — pergunto em desespero assim que atendo.
— Consegui, mas essa foi por pouco — ela responde, esbaforida.
— Onde você está?
— No apartamento.
— E a Fernanda?
Tayane demora para responder. Ouço o ruído de uma porta, vozes
ao fundo e depois o silêncio, até que ela fala baixinho.
— A Nanda está aqui. O cabeleireiro acabou de chegar.
— Graças a Deus.
Meu corpo relaxa depois de quase duas horas de puro estresse.
— Preciso desligar ou ela vai desconfiar. A gente se vê depois da
entrevista.
— Ok.
— Gael? — Tayane chama meu nome. — Boa sorte.
Aperto os olhos, irrequieto.
— Obrigado.
Encerro a ligação, guardo o telefone no bolso e me sento na
cadeira de madeira. Estico as pernas, entrelaço as mãos sobre a barriga,
olho para o teto de lona e tento relaxar. Não funciona.
É muita tensão acumulada nos últimos seis dias.
Estou travado e preocupado com o que pode acontecer.
Desde o momento que acordei na minha cama, de madrugada,
depois de ter sonhado com a ideia mais mirabolante que um homem
poderia ter, sabia que não seria fácil colocá-la em prática.
E, definitivamente, não foi.
A primeira dificuldade foi convencer as pessoas que poderiam me
ajudar que eu não estava ficando louco, pirando mesmo, a ponto de ser
internado em um manicômio. Depois, veio a dificuldade para organizar
as tarefas e sincronizar todas elas de acordo com a disponibilidade de
tempo dos colaboradores — mais conhecidos como amigos leais.
Por fim, deparei com a dificílima missão de fingir que não estava
mais interessado na Fernanda, para que ela não desconfiasse de nada, o
que teria sido fácil, se o idiota do Danilo não tivesse emitido uma nota
através da sua assessora, a três dias atrás, pedindo perdão aos seus fiéis
seguidores e a Fernanda.
O diretor de novelas confessou que traiu a ex-namorada por seis
meses com uma mulher comprometida e ao ser flagrado em uma
situação, deplorável e irreversível, entrou em choque e,
intencionalmente, passou o semáforo vermelho para provocar o acidente
que o deixou em coma por quase dois meses. Danilo Colosso também
admitiu que era apaixonado pela Fernanda e logo que recebesse alta,
procuraria a ex-namorada para lhe pedir perdão, pessoalmente.
Não preciso dizer que a mídia sensacionalista voltou a infernizar a
vida da Fernanda, dessa vez, pressionando para que ela perdoasse o
diretor e voltasse correndo para os braços do embuste.
E para agravar a situação, a notícia de que a Fernanda havia se
tornado sócia do Caminhos do Passado vazou para a imprensa, e nas
últimas setenta e duas horas, um grupo de repórteres e desocupados de
plantão montaram acampamento na porta do antiquário.
Ou seja, esse bando de urubus desesperados por uma carniça,
quase ferrou com os meus planos, outra vez.
Não sei ao certo se foi sorte, acaso ou destino, e admito que pouco
importa, mas agora, faltando pouco menos de cinquenta minutos para eu
dar o passo mais arriscado que já dei até hoje, tenho certeza que tudo
tem hora marcada para acontecer.
E sempre acontece na hora certa, nem um ano antes, ou um
segundo depois, ainda que não seja a hora que queremos.
O farfalhar da lona branca me desperta dos devaneios e Marcos
Lombardi abaixa a cabeça para entrar na barraca. Ele veste um terno
cinza escuro, camisa branca e gravata vermelha.
— Está tudo pronto, quer repassar alguma coisa? — pergunta com
as mãos guardados nos bolsos da calça social.
— Não, prefiro que seja espontâneo — respondo e me levanto.
— Você sabe tudo que está colocando em jogo, não sabe?
O pai da Fernanda é um homem íntegro, correto e extremamente
sincero. Ele sabe o quanto eu gosto da sua filha e torce para que ela me
dê uma nova chance, no entanto, Marcos está preocupado com o que a
minha loucura pode acarretar para a Gallengher Cosméticos.
— Sim, eu sei.
— Tudo isso começou porque você queria proteger seus avós.
Seis meses depois, por causa de uma mulher que você nem tem certeza
que gosta de você, está fazendo exatamente o contrário. — Marcos faz
que não com a cabeça, solta o ar e volta a me encarar. — Eu só preciso
entender a lógica, Gael.
Assinto, visto o blazer azul-marinho e paro à sua frente.
— Você vai ter todas as suas respostas na hora certa.
Ele dá um sorriso de lado e estende o braço na minha direção,
num explícito convite para que eu o cumprimente. Aperto sua mão com
firmeza, da mesma forma que fiz na sua casa, quando nos conhecemos.
— Vamos, o pessoal precisa desmontar tudo antes que a Nanda
chegue.
— Você falou com o Arthur? — indago, seguindo Marcos pelo
jardim até o portão dos fundos.
— Falei.
— Como ele reagiu?
Olho ao redor, impressionado com a estrutura que foi montada
pela equipe de produção e operação da emissora, sem notar que ele está
parado em frente a um Motor Homes de aproximadamente uns dez
metros.
Marcos encolhe os ombros, abre a porta do estúdio improvisado e
faz uma mesura para que eu entre primeiro, antes de responder:
— Na hora certa você vai saber.
— Certa resposta — brinco e subo os quatros degraus.
Se fiquei impressionado com a equipe da emissora fez do lado de
fora, dentro do Motor Homes estou embasbacado.
Uma mesa retangular foi posta ao centro, duas cadeiras elegantes
nas extremidades da mesa, e duas xícaras em cima dela. Oito telas de
vinte polegadas enfileiradas à nossa frente, sobre um balcão de aço inox,
que vai de uma ponta a outra da parede, e mais três cadeiras, ocupadas
pelo técnico de som, o cara da iluminação e o diretor do telejornal,
apresentado por Marcos Lombardi, que vai ao ar de segunda à sábado,
no horário nobre da televisão nacional.
Meus olhos vagueiam pelas imagens capturadas pelas câmeras
espalhadas por todo o quarteirão, e as batidas do meu coração aceleram
em expectativa.
— A Fernanda está estacionando o carro — fala o diretor pelo
ponto eletrônico. — Entramos no ar em dez minutos.
Ele prende o microfone no meu terno, pede para eu testar o
aparelho e depois de ajustar o volume do áudio, faz o mesmo com
Marcos.
— Dona Flora, é a sua vez. — Um nó se forma na garganta
quando o diretor menciona o nome da minha avó. Fecho os olhos,
esfrego uma mão na outra, torcendo para que ela não fique nervosa e
ligue o telão que foi instalado dentro do antiquário, sem a permissão da
Fernanda, claro.
O retorno demora alguns minutos para chegar e no instante que a
voz sussurrada da minha avó ecoa no Motor Homes, solto o ar com
força.
— Pronto. Já está ligado.
— Bom trabalho, senhora. Obrigado. Em dois minutos o seu neto
estará ao vivo para todo o Brasil. — O diretor pisca um olho e sorri. —
Quer mandar algum recado para o Gael? Ele está ouvindo.
Ouço minha avó soluçar. Paro de respirar.
— Seu avô e eu te amamos mais que tudo e estamos muito
orgulhosos de você. Boa sorte, meu filho.
O diretor maneia a cabeça, me autorizando a falar.
— Obrigado, vó. Eu também amo vocês.
— Dona Flora, a senhora já pode tirar o ponto. Vamos entrar ao
vivo em um minuto. — Ele olha diretamente para mim. — O Marcos vai
entrar primeiro para fazer a chamada e apresentar você como o
convidado de hoje. Responda as perguntas com calma e não se preocupe
com as câmeras. Nós vamos procurar o melhor ângulo. — O diretor
aponta para o cronômetro. — Trinta segundos.
Marcos estica o braço por cima da mesa e dá dois tapinhas no
meu ombro, chamando minha atenção.
— Vai dar tudo certo, Gael.
— Eu sei — afirmo com uma segurança que estou a anos luz de
sentir, mas com a certeza de que depois dessa noite, minha vida nunca
mais será a mesma.
Os últimos números da contagem regressiva, comprovam que não
há mais volta.
— 3,2,1 — diz o diretor e aponta o indicador para o homem que
está arriscando a sua carreira para me ajudar. — NO AR!
As duas palavras piscam em vermelho e no segundo seguinte a
voz de Marcos Lombardi estronda como um raio dentro do Motor
Homes.
— Hoje, no Boa noite, BR, temos a companhia de um convidado
especial. Ele teve participação direta em um dos casos de maior
repercussão no país dos últimos anos e está aqui para contar uma parte
da história que poucas pessoas conhecem. — Marcos gira levemente o
corpo na minha direção. — Seja bem-vindo, Gael Gallengher, CEO da
Gallengher Cosméticos.
— Obrigado, Marcos. É um prazer estar aqui.
Ele apoia os cotovelos na mesa e crava seu olhar no meu.
— Nosso tempo é curto e sabemos que você tem muito para falar,
então vou direto ao ponto. Como você conheceu a historiadora Fernanda
Lombardi, ex-namorada do diretor de novelas, Danilo Colosso?
Engulo em seco, inspiro profundamente e começo a contar minha
história para milhões de pessoas, com a esperança de que apenas uma
me escute. Realmente me escute.
E acredite em mim.
CAPÍTULO 47
FERNANDA
Trabalhar até cansar para não pensar.
Este é o meu lema atual, embora não esteja funcionando tão bem
quanto eu gostaria.
Há pouco mais de uma semana, mais precisamente, desde que
Gael foi embora do meu apartamento — e da minha vida —, sinto que
estou descendo uma ladeira interminável, ansiando o momento do
impacto que nunca chega. A colisão que vai dar um basta a essa
tormenta dolorosa que está acabando comigo, minando minhas forças e
colocando em dúvida todas as convicções que eu tinha como certas,
antes de conhecer o Gael.
Antes de descobrir que ele mentiu para mim e me manipulou
como uma marionete para conseguir sua vingança.
Antes de acreditar que ele era diferente.
Antes de me apaixonar perdidamente por ele.
Quando meu período de férias do museu chegou ao fim, enviei
meu pedido de demissão por e-mail para a diretora Verônica. Ela me
ligou cinco minutos após o recebimento, contestando minha decisão e
ainda teve a cara-de-pau de insinuar que eu estava sendo infantil, por
não ter ido falar com ela pessoalmente.
Para alguém que trabalhava com fatos antigos, era contraditório
que Verônica não se lembrasse a forma com que ela me informou sobre
o meu afastamento imposto, além da sua ordem para que eu não
aparecesse no museu. Um telefonema e nenhuma opção de diálogo ou
qualquer consideração por uma funcionária que esteve ao seu lado desde
o começo.
Verônica esbravejou e gritou, enquanto eu fiquei ouvindo suas
acusações infundadas e injustas, em silêncio. Quando ela percebeu que
não haveria discussão, réplicas ou tréplicas, apelou para o
sentimentalismo barato, o que apenas ratificou minha decisão de
encerrar a chamada e bloquear seu número.
Foquei toda minha energia nos preparativos da reinauguração do
antiquário, confiante de que fazer o que mais amava, pudesse disseminar
as recordações que eu tanto desejava esquecer. Porém aquele lugar se
tornou ao mesmo tempo a libertação e a masmorra, já que foi lá que vivi
um dos momentos mais bonitos da minha breve história com o Gael.
Enquanto conferia as peças antigas e cadastrava as novas, minha
mente trazia à tona as lembranças daquele dia em que transamos em
meio aos artefatos espalhados pelo chão, testemunhas oculares da
promessa de um amor genuíno e verdadeiro.
As lágrimas se tornaram minhas companheiras inseparáveis e
fizeram questão de marcar presença em cada minuto de dor e desolação.
Em contrapartida, o orgulho, a insegurança e o medo de uma nova
decepção, me frearam todas as vezes que meu corpo e meu coração
suplicaram para minha mente esquecer o passado, para que eu pudesse
me jogar nos braços fortes do Gael e me render a mais uma
oportunidade de ser feliz ao lado dele.
Estava tudo uma grande porcaria, mas eu tinha fé que, mais cedo
ou mais tarde, meu coração iria entrar em sintonia com o meu cérebro e
as coisas voltariam aos seus devidos lugares. No entanto, quando a
assessora do Danilo divulgou o pedido de desculpas que ele mesmo
redigiu, a três dias atrás, contando que havia me traído por seis meses e,
impulsionado pela culpa e pelo choque de ter sido flagrado na cama com
a amante, provocou, propositadamente seu acidente, foi como voltar ao
inferno.
E eu continuei caindo e caindo e caindo, sem, de fato, chegar ao
fim da queda.
Ao contrário da primeira vez, não houveram acusações, motins
midiáticos ou diligências caluniosas nas redes sociais, como também
não houveram quaisquer pedidos de desculpas ou retratações de todos
que me ofenderam e me julgaram sem ao menos me conhecer.
O que estava acontecendo era uma campanha nacional de apoio
ao diretor de novelas mais amado do Brasil para que eu o perdoasse por
tudo que ele fez e retomasse o nosso namoro, como se nada tivesse
acontecido naqueles dois meses.
Inferno, aconteceu muita coisa!
Era o que eu queria gritar para todo mundo ouvir.
Talvez não tenha acontecido com o Danilo ou com a amante dele,
mas aconteceu comigo, em mim e dentro de mim. Acontecimentos tão
marcantes que eu sequer me lembrava da traição do meu ex-namorado,
ou me importava com o fato de ele ainda estar em coma.
No entanto, não falei nada. Não gritei.
Fiquei ali, estagnada com o meu sofrimento, focada em não
sofrer.
Hoje, dia da reinauguração do antiquário que, teoricamente,
deveria ser um dos dias mais felizes da minha vida, pois vou realizar um
dos meus maiores sonhos, não tenho ânimo nem para sair da cama.
O despertador toca novamente, agora com o alarme soneca, cinco
minutos depois do alarme principal.
Viro na cama e fecho os olhos, ignorando o chamado que insiste
em me avisar que um novo dia está começando. Eu deveria agradecer a
nova oportunidade que tenho de escalar as paredes desse poço fundo,
mas justo hoje só quero me afundar um pouco mais.
Finjo que ainda estou dormindo quando Tayane entra no quarto e
abre as cortinas. A claridade só não é mais irritante do que a minha tia
em seus momentos de Coach Motivacional.
— Bom dia, florzinha! — Ela puxa o lençol para me descobrir e o
joga no chão. — Levanta essa bunda caída que hoje nós temos muito
trabalho pela frente!
— Me deixa em paz, Tay.
— Claro, meu amorzinho, assim que você deixar o azedume no
travesseiro e sair dessa cama.
— Vou dormir mais um pouco — resmungo, malditamente
ranzinza.
— Nem pensar! São nove horas e a Lilian já está esperando a
gente.
Droga!
Tinha esquecido que minha mãe vai comigo escolher o vestido.
— Ela já ligou? — pergunto e apoio os cotovelos no colchão.
— Duas vezes.
Jogo o corpo para trás e uso o braço para cobrir os olhos
inchados. O colchão afunda quando Tayane se senta ao meu lado.
— Ainda está triste, né? — Sua voz me deixa ainda pior, uma
ranzinza jururu. Não respondo, pois ela sabe que estou. Muito.
Profundamente triste.
— Nanda... — Minha tia ameaça falar, mas ergo o braço e a
impeço.
— Não começa com o sermão, por favor. Sou a primeira da classe
na sua aula de conscientização e aceitação.
— Você é exemplar nas aulas teóricas, florzinha, mas nas práticas
está quase sendo reprovada.
— Ter consciência e aceitar não me impede de não gostar, Tay!
— Você tem pretensão de fazer alguma coisa para mudar isso?
Mais uma vez me calo, agora por não saber o que dizer. No
entanto, meu silêncio não tem o mesmo significado para a minha tia.
— Você conhece o ditado, Nanda: não dá para esperar um
resultado diferente, se continuar agindo da mesma forma. — Ela fica
em pé. — O Gael só faltou implorar por uma chance. Você não deu e
ainda mandou o cara se afastar da sua vida. Agora não adianta ficar
chateada se ele decidiu fazer o que você mandou e não vai na
reinauguração.
— Eu não sou a única dona, Tayane — resmungo, birrenta, e jogo
as pernas para fora da cama. — Você acha justo com a dona Flora?
— Quem tem que achar justo ou não, é ela. Não você e muito
menos eu — ela rebate com invejável tranquilidade. — E nós duas
sabemos, que aquela adorável senhorinha nunca, nunquinha mesmo, vai
ficar chateada com o Gael por ele estar priorizando o trabalho.
Eu me levanto, irritada, chateada, confusa, triste e mal-humorada.
Tudo junto e misturado.
— Ah, Tayane, até parece que ele vai deixar de ir na
reinauguração do antiquário da avó dele, por causa de uma reunião
marcada em cima da hora! Fala sério! Está na cara que o Gael tem um
encontro romântico e a dona Flora está feliz da vida pelo neto ter
seguido em frente — vocifero.
— Seguido em frente ou seguido suas ordens? — Tayane sorri,
debochada.
Ergo o braço e aponto o indicador para o corredor.
— Sai! Vou me trocar e te encontro na sala.
Ela não reclama da minha grosseria, tampouco me critica por
parecer uma doida varrida no auge da instabilidade emocional, apenas
me deixa sozinha para remoer minha decisão de afastar Gael e lamber
minhas feridas enquanto tomo banho.
E eu agradeço a minha tia por isso. Mentalmente, claro.
◆◆◆

— Você está linda, Nanda! — exclama minha mãe com os olhos


marejados.
— Ficou um arraso, florzinha! — Tay elogia.
Não consigo desviar os olhos do espelho, encantada com o
vestido azul-marinho que parece ter sido feito especialmente para mim.
Simples, elegante e sensual na medida certa. Perfeito e da cor dos olhos
dele.
— É esse, não vou experimentar mais nenhum — afirmo.
— Essa foi a compra mais rápida da história. — A vendedora
brinca com um sorriso enorme.
Meu telefone toca dentro da bolsa e atendo sem ver quem é.
— Alô.
— Nanda, sou eu.
— Arthur?
Minha mãe e minha tia param de falar na mesma hora e me
encaram.
— Você está ocupada? Preciso que me escute, é urgente.
Não quero falar com ele, mas alguma coisa em seu tom de voz me
preocupa e atiça a minha curiosidade.
— Não tenho muito tempo.
— É rápido, prometo.
Suspiro, apreensiva. Não nos falamos desde o episódio
catastrófico na casa dos meus pais, e se dependesse de mim, nunca mais
falaria com o Arthur, pois tenho certeza que ele está envolvido naquela
armação. De qualquer forma, não faz nenhuma diferença.
— O que você quer?
Ele pigarreia e fala:
— Eu... recebi uma proposta de emprego em outro estado e vou
me mudar. Sei que não fui um bom namorado e pisei na bola, mas quero
que saiba que tudo que eu fiz, foi por amor. Eu te amo, Nanda.
— Arthur...
— Não, por favor, não fala nada. As coisas não saíram do jeito
que eu queria e vai demorar um pouco até a poeira baixar. Algumas
pessoas vão falar mal de mim, me acusar injustamente de crimes que
não cometi, mas nada disso me importa. Só quero que saiba que eu
sempre te amei e sempre vou amar, Nanda.
— Acabou? — inquiro, arrependida de ter dado ouvidos a ele.
Estou farta desses joguinhos manipuladores.
— Não. Eu sei que hoje é um dia muito importante para você e
não quero que nada dê errado.
— O que quer dizer com isso? — Minha desconfiança aumenta.
— Algumas pessoas estão armando para boicotar a reinauguração
do seu antiquário.
Um milésimo de segundo até que eu começo a rir.
— É sério, Nanda. Se não acredita em mim, vai até lá e veja com
os seus próprios olhos, o que eles estão fazendo no quintal dos fundos.
— Chega, Arthur. Como você disse, hoje é um dia especial para
mim e eu não vou permitir que ninguém estrague isso. Muito menos
você.
Desligo o telefone com as mãos trêmulas.
— O que aquele imbecil queria? — Tayane pergunta enquanto me
ajuda a abrir o zíper do vestido.
Minha tia empalidece quando repito as palavras do Arthur.
— Eu vou matar aquele desgraçado!
— Por que ele ia me falar uma coisa dessas?
— Porque ele quer infernizar a sua vida, florzinha.
Visto a calça jeans, a blusa preta frente única e calço as sapatilhas
vermelhas. Minha mãe tira o vestido da minha mão, troca um olhar
estranho com a Tayane e avisa que vai pagar o vestido para mim.
— E se o Arthur estiver falando a verdade? — indago enquanto
caminhamos até o estacionamento onde minha mãe deixou o carro.
— Esquece esse cara, Nanda — Tay repreende.
— Vamos dar uma passada no antiquário. Não custa nada —
insisto.
— Não! — minha mãe fala com urgência. — Você vai para casa,
tomar um banho e se aprontar para a reinauguração.
— Mãe, daqui até lá não vai demorar nem quinze minutos. É
rápido, só preciso ter certeza que ele não mentiu.
— O Arthur já provou que não é confiável, minha filha.
Tayane está tão entretida mexendo no celular, que nem participa
da conversa, e a sensação de que tem alguma coisa errada volta a me
azucrinar. A tensão domina o interior do carro durante todo o percurso
até o meu apartamento.
Minha mãe e minha tia trocam olhares aflitos a cada cinco
segundos, mas quando questiono o motivo da aflição, elas fazem cara de
paisagem como se eu estivesse ficando louca.
No entanto, não estou. Sei que não. Posso sentir.
Ligo para a dona Flora e ela me garante que os preparativos
seguem a todo vapor como programamos. Não satisfeita, ligo para a
dona do buffet, para a gerente da floricultura e para a decoradora.
Todas confirmam que os serviços que contratamos estão seguindo
o cronograma e não há nada de errado.
Apesar do alívio, é impossível conter a inquietação que me
escolta até a entrada do antiquário, minutos antes de os primeiros
convidados começarem a chegar.
Minutos antes de a dona Flora ligar um telão que apareceu, do
nada, pregado no centro da parede do salão principal.
Minutos antes de o meu pai dar início a apresentação do
telejornal, informando que terá a companhia de um convidado especial,
anunciar o nome do novo CEO da Gallenger Cosméticos, e um lindo par
de olhos azul-escuros surgir na tela.
Mas somente quando Gael responde a primeira pergunta feita pelo
apresentador do Boa noite, BR, ao vivo, em rede nacional, para milhões
de telespectadores, é que me dou conta que o momento pelo qual eu
tanto ansiei nas últimas semanas, chegou.
Então, sinto o impacto violento da queda.
E paro de cair...
CAPÍTULO 48
FERNANDA
“Como você conheceu a historiadora Fernanda Lombardi, ex-
namorada do diretor de novelas, Danilo Colosso?”

“Você contratou a equipe de reportagem que estava no hotel, na


hora do flagrante?”

“Quando a sua ex-noiva apareceu na sua casa, você contou para


ela que era o responsável pelo flagrante?”

“Você já tinha conseguido a sua vingança. Por que decidiu


procurar a Fernanda?”

“Como você descobriu onde a Fernanda morava?”

“O encontro de vocês na piscina, também foi uma armação?”

“Quando você descobriu que estava apaixonado por ela?”

Cada pergunta que meu pai faz, Gael responde como um homem
que está desabafando com um velho amigo, enquanto tomam cerveja
sentados à mesa de um bar.
Ele não enrola, não gagueja e não se contradiz em momento
algum.
Dona Flora está ao meu lado, segurando minha mão. O senhor
Dwayne está sentado em uma cadeira confortável, posicionada perto da
imensa tela de plasma.
Todos os convidados para a reinauguração do antiquário estão
como eu, estupefatos com o que está acontecendo bem diante dos nossos
olhos. A cada resposta do Gael, uma lacuna da nossa história é
preenchida de forma honesta e crua.
Ele não faz rodeios, não se exime da culpa e afirma diversas vezes
que jamais mentiu ou emitiu sobre o que sente por mim.
Quando Gael relata como Arthur, Isaac, Penélope e Ângela,
armaram para que eu descobrisse a verdade no dia da cerimônia da sua
nomeação, o silêncio é substituído por exclamações sussurradas que
evidenciam indignação e certa revolta.
Fico chocada quando Gael revela que minha tia, minha mãe e até
meu pai, colaboraram para que todos os pontos fossem esclarecidos, mas
me choca ainda mais ao revelar que a ideia da entrevista transmitida ao
vivo, para todo o país, surgiu depois de uma conversa com seus avós.
Ao mencionar nossa conversa na cobertura do edifício São
Francisco, ele resume sem dar muitos detalhes, mas não deixa de
enfatizar o quanto se culpa por ter me magoado e me decepcionado
tanto.
— Gael, vou fazer a pergunta que venho me fazendo desde que
concordei com essa loucura — meu pai fala com o esboço de um sorriso
em seus lábios. — Tudo isso começou, porque você queria proteger seus
avós. Hoje, quase seis meses depois, você está aqui, expondo sua vida
para um país inteiro e fazendo exatamente o que você fez de tudo para
evitar, inclusive usar a Fernanda. Por quê?
Gael passa a mão pelo cabelo e responde olhando diretamente
para o homem que fez a pergunta:
— Há seis meses, acreditei que podia manipular os
acontecimentos a minha volta e controlar tudo que eu sentia, mas
aprendi a duras penas que nada nem ninguém tem o poder de comandar
o destino. Hoje, depois de tudo que aconteceu na minha vida nos
últimos, cento e oitenta dias, posso afirmar que aprendi com os meus
erros, cresci como homem e profissional, amadureci e estou preparado
para arcar com as consequências de cada um deles. Eu tentei proteger
meus avós de um escândalo, mas descobri que eles precisam do meu
amor, do meu apoio, da minha amizade e do meu respeito, não da minha
proteção. Nada para os meus avós é mais importante do que a minha
felicidade e estou aqui, tentando pela última vez, uma chance de ser feliz
com a Fernanda.
Meu pai encara Gael com orgulho e diz:
— Antes de fazer a última pergunta para encerrar o programa,
quero deixar registrado que o Arthur Delgado não é mais meu assessor
de imprensa e foi dispensado de todas as funções que exercia dentro
desta emissora. — Ele recosta na cadeira, cruza os braços à frente do
peito e arqueia as sobrancelhas. — Quais são as suas intenções com a
minha filha?
Ouço os risos abafados, mas Gael não sorri. Nem eu.
Meus olhos ardem e as primeiras lágrimas deslizam pelo meu
rosto quando ele desvia seu olhar para a câmera pela primeira vez, desde
o início da entrevista, e responde:
— Quero conhecer a mulher que está escondida por baixo das
camadas superficiais que ela usa para se proteger. Quero namorar a
Fernanda, passear de mãos dadas no shopping e descobrir tudo sobre ela.
Quero começar do começo, sem pular nenhuma fase. No pouco tempo
que passamos juntos, eu me apaixonei por ela, mas quero transformar
essa paixão em amor, porque eu sei que a Fernanda nasceu para ser
minha, e só preciso de uma chance para provar que eu nasci para ser
dela.
A tela escurece de repente e por um longo tempo não consigo me
mexer, pois estou mortificada, paralisada, e em dúvida se tudo foi real
ou não passou de uma ilusão.
Não preciso olhar para saber que Gael está atrás de mim. Parece
impossível, já que ele estava conversando com meu pai agora pouco,
mas posso sentir sua presença mais forte do que nunca.
Meu coração acelera, as mãos tremulam, mais lágrimas banham
meu rosto. Abaixo a cabeça, alheia a tudo e todos ao nosso redor,
determinada a absorver, única e exclusivamente, o calor do seu corpo
tão perto do meu. Fecho os olhos, absorta no emaranhado de emoções e
sensações que me enchem e transbordam. Até que ele segura meu
queixo e me obriga a encará-lo. Ofego, medrosa e apavorada.
Gael me olha e me olha, vasculhando meu rosto à procura de
algo. Não sei se encontra o que procura, ou se apenas desiste de
procurar, porém as palavras que deixam a sua boca em seguida, me
abatem e volto a cair, de novo.
Mas agora eu caio... por ele.
GAEL
Respondo a última pergunta, me perguntando se fui convincente o
bastante para a Fernanda acreditar em mim. As telas se apagam e me curvo
para frente, esgotado física e psicologicamente.
Uma mão aperta meu ombro e a voz do Marcos quebra o silêncio
dentro do Motor Homes.
— Essa decisão é da Nanda, mas quero que saiba que estou torcendo
para que a minha filha tenha visto o mesmo homem que eu vi.
— Obrigado... — Forço uma tosse.
— Parabéns, Gael, você se saiu muito bem — elogia o diretor. —
Tivemos o maior índice de audiência do programa nos últimos anos e o
segundo maior da emissora. Perdemos apenas para o jogo da seleção
brasileira, na final da Copa América.
— Imagino que seja uma notícia boa.
Os quatro homens dão risada.
— Quando o programa em questão é um telejornal, pode apostar que a
notícia é maravilhosa. — Ele olha para o Marcos. — Não atingimos esse
número nem no dia do debate entre os candidatos à presidência, nas últimas
eleições. Podemos incluir a ideia de trazer alguns convidados para serem
entrevistados em uma nova edição. Talvez uma vez por semana, o que você
acha?
— Acho ótimo, contanto que a minha filha não esteja incluída na
pauta. — Todos riem novamente, quer dizer, exceto eu.
— Como estão as coisas lá fora? — Marcos pergunta.
Fico em pé, me aproximando do balcão para ver melhor as telas e
entender o motivo da sua indagação. Estava tão concentrado nas perguntas do
pai da Fernanda que nem reparei na multidão aglomerada em frente ao
antiquário.
— Quando essas pessoas chegaram? — Meus olhos vão de uma tela
para a outra. — Os convidados da reinauguração estão conseguindo entrar?
— É impossível conter a preocupação.
Além de expor a Fernanda em rede nacional sem sua permissão e com
a ajuda do seu próprio pai, ainda estrago uma das noites mais importantes da
vida dela. Merda!
— Fica tranquilo, Gael. Nós sabíamos que isso podia acontecer —
Marcos está encostado na mesa com as mãos nos bolsos, tranquilo demais
para o meu gosto.
— Você falou que a entrevista iria chamar a atenção dos moradores da
região para o coquetel de reinauguração do antiquário, e os mais curiosos
poderiam aparecer no local. — Aponto o indicador para a tela. — A rua está
interditada, Marcos! Como os convidados vão conseguir atravessar esse mar
de gente?
Ele e o diretor se entreolham, certamente se divertindo às minhas
custas, mas não estou nem aí. A Fernanda e a minha avó trabalharam duro
nas últimas semanas, para que a reinauguração fosse um sucesso e não vou
me perdoar se o resultado não for o que elas esperam por causa da entrevista.
Por minha culpa, outra vez. Cacete!
Marcos se desencosta da mesa e se posiciona ao meu lado. Sua mão
esquerda no meu ombro e o braço direito erguido no ar, na direção das telas.
— Aqui. — Indica a primeira tela, a que mostra a multidão na porta do
antiquário. — Essa imagem é da câmera instalada no poste de iluminação,
fora da propriedade. — Aqui — fala indicando a última tela, na outra ponta
do balcão. — Essa imagem é a única que interessa para você.
Meus olhos recaem sobre a movimentação dentro da enorme casa
onde acontece o coquetel, e vejo Fernanda parada no centro do salão,
sozinha, de frente para o telão. As pessoas circulam em volta dela segurando
taças e copos de cristal, conversam entre si e apreciam as bugigangas
exibidas nas prateleiras.
Reconheço minha avó, rodeada por um grupo de mulheres da idade
dela, perto da Fernanda. Meu avô fala com dois casais que estão em pé à sua
frente. Ele também está perto da Fernanda, e posso jurar que tanto ele quanto
a minha avó veem a mesma coisa que todos nós estamos vendo.
Ela ainda está sob o efeito da entrevista. Anestesiada.
— Nossa equipe de segurança fez um cordão de cinco metros de
isolamento no portão da casa — avisa o diretor. — Decoramos o interior do
Motor Homes com a mesma decoração dos programas da editora, para
ninguém desconfiar que a entrevista seria gravada na rua detrás do antiquário.
— Escuto tudo que ele fala, mas meus olhos não desgrudam da tela, tão
paralisados quando a garota no meio do salão. — É de praxe a emissora
tomar medidas preventivas de segurança sempre que gravamos fora do
estúdio, independente da premissa de relevância da reportagem. Não se
preocupe, Gael, todos que receberam convite e compareceram, entraram sem
nenhum problema. Mas sugiro que contrate uma equipe de segurança
particular. Depois de hoje, o nome Caminhos do Passado vai estar em todos
os lugares.
— A Fernanda deve estar me odiando — murmuro para mim mesmo.
— Cinquenta metros separam você da resposta que vai definir o rumo
da sua vida, Gael. Por que não vai até lá e pergunta para ela?
Quando imaginei essa noite na minha cabeça, assim que acabasse a
entrevista, meu telefone ia tocar e o nome da Fernanda ia aparecer no display.
Ela gritaria, SIM, antes mesmo de eu dizer, alô.
Se eu não estivesse vendo o que estou — o jeito que ela está —, com
certeza acreditaria que a Fernanda continuava decidida a não me dar outra
chance. Mas estou vendo, com meus próprios olhos e em tempo real.
Quantos minutos se passaram desde que a entrevista acabou. Dez?
Quinze? Trinta? Não faço ideia, no entanto, ela está lá. Ainda.
Completamente estática, como se estivesse engessada dos pés à cabeça
e não pudesse mover um músculo sequer.
De repente meu coração acelera e meu corpo eletriza, revigorado,
energizado. Penteio o cabelo com os dedos, ajeito o blazer por cima da
camisa branca e falo, já saindo do Motor Homes:
— Obrigado por tudo que fizeram essa noite, mas se não for pedir
muito, torçam por mim.
— Eu vou com você — Marcos avisa. — A Lilian está me esperando.
O segurança que vigia a porta dos fundos da casa, cumprimenta o pai
da Fernanda e libera nossa passagem. Atravessamos o jardim, que está
iluminado e seguimos para a entrada principal.
Eu me sinto estranho, pois as pessoas param de fazer o que estão
fazendo quando me veem ao lado do Marcos. Como já está acostumado, ele
sorri e acena como se fosse um amigo íntimo, mas para mim é muito mais
complicado que isso.
Não gosto de ser o centro das atenções, e mesmo com toda a
repercussão da entrevista e a provável exposição na mídia depois do
lançamento da linha Fíor, no próximo mês, não tenho a menor intenção de
me tornar.
Quando piso dentro do antiquário, imediatamente meu corpo reage ao
lugar e a tudo que ele representa para mim. A visão da Fernanda, de costas,
mais linda do que nunca em um vestido azul-marinho brilhante, sem alças,
me desnorteia. O tecido é diferente, parece mole, leve, e se ajusta com
perfeição as curvas do seu corpo.
Nos pés, sandálias de tiras e saltos altíssimos, da mesma cor do
vestido que por coincidência, ou não, é da cor do meu blazer e da minha
calça. O cabelo desce por suas costas, solto, ondulado, natural.
Fernanda me atrai como um magneto e agora entendo como ela se
sente. Cercada por tantas pessoas e, ainda assim, sozinha.
Tudo que vejo é a garota no centro do salão, onde fizemos amor e
descobri que estava completamente apaixonado por ela. Me aproximo,
desesperado para afastar os fios castanhos para o lado, abraçar sua cintura e
beijar seu pescoço.
Os ombros da Fernanda enrijecem. Será que ela sentiu?
Será que ela me sentiu?
Três passos e estou à frente dela, mas ela abaixa a cabeça para não me
encarar. O medo renasce das cinzas, embrulha o estômago e sufoca.
Espero, ignorando os cochichos, os murmúrios, a porra do mundo.
Meu foco é ela, dela e para ela. Seguro seu queixo e levanto sua cabeça.
Quero olhar em seus olhos. Preciso que Fernanda olhe nos meus.
E responda.
Seu rosto é uma bagunça de lágrimas, tons de vermelho por conta do
choro e maquiagem borrada. Linda! Procuro a raiva em seu olhar, a decepção
ou a mágoa, mas tudo que vejo é uma bagunça ainda maior.
Chegou a hora, não posso mais esperar. Necessito da sua resposta para
voltar a viver decentemente, por bem ou por mal. Nossos olhos não se
afastam.
Deus, como eu quero beijar essa garota.
Puxo todo ar que consigo, encho meu peito de coragem e falo:
— Você viu a entrevista e sabe porque estou aqui — Fernanda ofega.
— É a última vez que eu vou perguntar e prometo que se a resposta for não,
vou sair da sua vida, para sempre — ela ofega mais alto.
Novas lágrimas escorrem por seu rosto, meu coração se encolhe.
— Eu quero uma chance de provar que não menti quando disse que
estava apaixonado por você. Uma chance de começar de novo. Uma chance
de ser o verdadeiro Gael e te fazer feliz. Você vai me dar essa chance,
Fernanda?
Ela não responde.
Meu braço cai ao lado do corpo, tão desolado como me sinto, quando
a realidade vem com tudo para cima de mim e me golpeia, brutal e
violentamente. Enfio as mãos nos bolsos, desvio dela, pronto para fazer meu
caminho e sair dali o mais depressa possível, mas minhas pernas bambas se
recusam a acelerar para longe dela.
Um passo, conto mentalmente, dois, três...
— Sim — o sussurro trêmulo é como uma brisa suave às minhas
costas. Paro de andar. Não ouso me mover.
Fecho os olhos, relutante a acreditar que não estou louco, tampouco
surdo ou ouvindo coisas.
— Sim, Gael. Minha resposta é sim. — Giro o corpo. Meu coração
dispara quando a vejo sorrindo e chorando e fungando.
Exatamente como Fernanda fez no dia que perguntei se queria ser
sócia da minha avó no antiquário, ela se joga em meus braços com força, sem
se preocupar com a plateia que nos assiste, sem se importar com as palmas,
os assobios e os gritos de comemoração. Enquanto eu faço o que desejo fazer
desde o nosso encontro na cobertura do prédio, a quase dois meses atrás.
E devoro a boca da historiadora de olhos caramelos que usei para me
vingar, mas invadiu a minha vida sem pedir licença e virou tudo de pernas
para o ar.
A garota linda, inteligente e orgulhosa, por quem eu me apaixonei.
Perdidamente.
Completamente.
Irrevogavelmente.
DOIS ANOS DEPOIS...

GAEL
Fíor, para mulheres reais.
O Slogan da nova linha de produtos de beleza da Gallenger
Cosméticos está em todos os sites, revistas, jornais e blogs. Sem contar
os outdoors espalhados por toda a cidade.
Fecho o notebook, o coloco em cima da mesa de cabeceira e volto
a me deitar na cama quando Fernanda desliga o chuveiro.
Ela já não gostava de redes sociais quando nos conhecemos, mas
depois de tudo que aconteceu, desde o acidente do Danilo, a palavra
ódio ainda é singela para descrever seu sentimento atual.
Mais do que nunca, meu trabalho está cem por cento vinculado a
essa ferramenta poderosa de divulgação, e essa única palavra —
aparentemente inofensiva —, usada facilmente para descrever a
interação online compartilhada por bilhões de pessoas, é a responsável
por manter Fernanda isolada do mundo digital.
Poderosa.
Infelizmente, a internet não tem o poder apenas de ajudar
qualquer usuário, seja ele autônomo, empresário ou investidor, a
divulgar seu trabalho para captar novos clientes e aumentar sua renda.
Nem de possibilitar a comunicação entre amigos e familiares que moram
em outras cidades, outros estados e até outros países, tampouco de
fornecer informações preciosas ou de facilitar o aprendizado à distância
com seu arsenal de tutoriais, cursos profissionalizantes e graduações.
Sim, a internet pode ajudar de muitas formas.
Mas ela também tem o poder de destruir a vida e a carreira desse
usuário com a mesma eficiência, em questão de minutos. A diferença é
que somente quem já foi perseguido, acusado e julgado, de forma
perversa, invasiva e injusta, consegue enxergar a internet como, de fato,
ela é — uma ferramenta colaboradora —, e se dispõe a usá-la com
responsabilidade, sabedoria e, sobretudo, respeito ao próximo.
Para evitar conflitos e discussões desnecessárias, Fernanda e eu
fizemos um acordo. Nenhum de nós traz trabalho para casa, simples.
Quando estamos juntos, à noite ou de manhã cedo, e durante os
fins de semana, ligações telefônicas, e-mails e mensagens de whatssap,
só recebem nosso retorno se forem de extrema importância e máxima
urgência, caso contrário, nada feito.
Estarei mentindo se disser que é fácil, pois não é, mas a Fernanda
não sofreu sozinha quando foi massacrada pela imprensa. Todas as
pessoas que a amam também sofreram, inclusive eu. E hoje, dois anos
depois da entrevista que mudou a nossa vida, sei melhor do que ninguém
o quanto a privacidade é importante para ela.
Por isso, utilizo todos os benefícios da internet para alavancar as
vendas da Gallenger Cosméticos; divulgar nossos produtos; fazer
pesquisas de preferência e controle de qualidade; e manter um canal
aberto de comunicação com os clientes, vinte e quatro horas por dia, sete
dias por semana; além de otimizar tempo e reduzir gastos com anúncios
em rádio e na televisão.
Mas quando estou com a Fernanda, valorizo cada minuto que
passamos juntos e confesso que, apesar de amar meu trabalho, reluto
para sair de casa pela manhã, e conto os minutos para voltar para ela, no
fim da tarde.
— Não vai se arrumar? — Fernanda pergunta com a testa
franzida.
— Ansiosa para me ver de calça jeans?
Ela acabou de sair do banho, uma toalha branca felpuda é tudo
que cobre seu corpo e o cabelo úmido está preso em um coque no alto da
cabeça.
— Você fica lindo vestindo qualquer coisa, mas eu sempre vou
preferir ver esse corpinho sarado, sem roupa.
— Se tirar minha cueca, seu desejo pode ser realizado. — Jogo o
lençol no chão e cruzo os braços atrás da cabeça, lhe dando ampla visão
do volume escondido por baixo do tecido.
— Vamos chegar atrasados — ela murmura com um olhar guloso
passeando pelo meu corpo esparramado na cama.
— Só se você não me obedecer. — Acaricio meu pau por cima da
cueca. — Tira essa toalha e vem aqui. — Minha voz é rouca, porém
autoritária, do jeito que eu sei que ela gosta.
Fernanda acata a ordem sem contestar. A toalha cai aos seus pés e
a visão do seu corpo nu me faz salivar. Os seis fartos, a cintura fina, as
coxas grossas, a bunda empinada e a boceta mais deliciosa que já comi.
A única que quero comer enquanto eu respirar.
Ela sobe na cama, se acomoda no meio das minhas pernas, de
joelhos, sem desviar os olhos da minha mão, que continua indo e vindo
bem devagar. Fernanda desliza a língua entre os lábios e se remexe.
— Tesão? — pergunto.
— Morrendo.
Abaixo o cós da cueca e libero meu pau que escapa do seu exílio,
grosso e pesado. Fernanda ofega, suas mãos apoiadas nas coxas.
— Seca ou molhadinha?
— Encharcada — murmura, ofegante.
— Quente?
— Fervendo.
Sento-me apenas para agarrar sua cintura e colocar Fernanda
montada em mim, com meu pau encaixado entre os lábios carnudos e
escorregadios. Ela geme alto.
— Santinha ou safada? — Aperto sua bunda com uma mão
enquanto a outra acaricia seu mamilo.
— Gael... — Ela se inclina para frente e segura na cabeceira.
Dou um tapa no seu traseiro.
— Eu fiz uma pergunta — rosno e abocanho um seio.
— Safada.
— O que a minha menina safada gosta de fazer?
— Sexo... — Fernanda responde.
Olho para cima e a encaro com as sobrancelhas arqueadas. Ela
prende o lábio inferior entre os dentes sem esconder sua intenção
sacana. Outro tapa em seu traseiro.
— Errado. Minha menina safada gosta de dar a bocetinha —
mordisco o mamilo —, pra mim. Só pra mim.
Com um movimento rápido, viro Fernanda, inverto nossas
posições e solto seu cabelo. Ela solta um gritinho, abre as pernas e
abraça meu pescoço. Nossos olhares se encontram.
A cabeça do meu pau na entrada da sua boceta melada cobiça o
acolhimento que somente ela é capaz de oferecer.
— O que a minha menina safada quer? — sussurro na sua boca,
empurrando um pouco mais.
Fernanda envolve minha cintura com as pernas.
— Quero que me foda. Me foda com força.
Ela sabe como me enlouquecer.
— Tudo que você quiser!
Beijo sua boca com fome, desejo e paixão, ao mesmo tempo que
meto forte, com fúria e desespero.
Por alguns minutos, minha boca devora a dela no ritmo das
estocadas, mas quando sua boceta apertada espreme meu pau, puxo seu
cabelo para trás, enfio a cabeça no vão do seu pescoço, apoio os joelhos
no colchão e fodo Fernanda como um troglodita irracional, movido pela
necessidade alucinante de gozar e pelo prazer indescritível que sinto
sempre que estou dentro dela.
Fernanda goza chamando meu nome. Eu gozo chamando o seu.
Somos suor, taquicardia, satisfação e pertencimento.
Um homem e uma mulher, que acompanharam de perto todas as
fases que precedem o reconhecimento do amor. A afinidade que
originou o interesse genuíno. A atração física que exigiu extravasar
depois do primeiro beijo, riscou o fósforo, acendeu o pavio e deixou
queimar até a paixão explodir.
E ela explodiu como uma bomba atômica, impiedosa e cruel.
Agora, a transformação é vista a olhos nus, em cada toque, gesto e
palavra de carinho. Na saudade que sentimos quando estamos longe e na
felicidade quando estamos perto. No tesão implacável que nos consome,
no desejo insaciável que nos submete e no prazer extraordinário que
nunca para de crescer.
— Você vai sair correndo se eu disser que te amo? — sussurro em
seu ouvido. Fernanda dá uma risadinha e eu a encaro.
Ela acaricia meu rosto.
— Se você prometer que não vai sair correndo se eu disser que te
amo, vou ficar exatamente onde estou.
Descanso minha testa na sua e fecho os olhos.
— Eu te amo, Fernanda.
— Eu também te amo, Gael.
Minha boca toma a sua em um beijo duro, antes de os nossos
corpos cederem a luxúria, novamente.
Chegamos atrasados à festa, claro.
Hoje é aniversário da Tayane e para todos os efeitos, esse é o
único motivo da comemoração, no entanto, não é.
Nunca escondi da Fernanda o quanto quero me casar e ter filhos
com ela, aliás, nunca escondi de ninguém.
Depois da entrevista, eu a levei para jantar e a pedi em namoro,
oficialmente. Continuamos morando no mesmo lugar, cada um no seu
apartamento, ainda que dormíssemos juntos, acordássemos juntos, e
fizéssemos tudo junto, todos os dias.
O expediente de trabalho era a única coisa que nos separava, fora
isso, onde eu estivesse, Fernanda estava comigo, e vice-versa. Sempre.
No evento de lançamento da linha Fíor, Fernanda foi como minha
convidada, e claro que eu não desperdicei a oportunidade de apresentá-la
como minha namorada, embora todos já soubessem.
Naquela noite, antes de rasgar seu vestido e comer sua boceta em
cima da mesa da cozinha, eu disse que a amava pela primeira vez, e para
o meu espanto e minha felicidade, ela disse que me amava também.
Os negócios na empresa iam bem, meu avô estava se
recuperando, e minha avó e a Fernanda tocavam o antiquário sem
grandes problemas, mas eu queria mais. Eu queria tudo.
Há um ano, contei para a Fernanda que pretendia comprar uma
casa e convidei minha namorada para morar comigo. Ela aceitou sem
titubear e duas semanas depois, nos mudamos para o nosso lugar.
A maioria dos homens casados, reclama da esposa, da rotina do
casamento e vive suspirando com a ideia de que a vida de solteiro é
muito melhor. O que posso dizer?
Os dois exemplos de casamento que tive, colaboraram para que eu
desejasse vivenciar a mesma experiência e encontrar o mesmo tipo de
amor que meus pais compartilharam e meus avós compartilham até hoje.
Se eu não tivesse descoberto a traição da Penélope, certamente
teria me tornado um desses homens frustrados, infelizes e amargos, mas
o destino interviu a tempo e me presenteou com a Fernanda.
Tudo bem que eu errei feio e quase a perdi para sempre, no
entanto, acredito que os nossos caminhos já estavam destinados a se
cruzarem e, de um jeito ou de outro, ela seria minha.
Não preciso de outras mulheres e não quero outras mulheres.
Fernanda tem tudo que eu sempre desejei. Ela me completa, me faz feliz
e é apenas com ela que desejo passar o resto da minha vida.
Essa mulher nasceu para ser minha.
Desde que meu avô foi selecionado para fazer parte de um grupo
de pacientes com câncer no estágio quatro, e passou a receber a
medicação francesa para impedir o avanço da doença, ele teve uma
melhora significativa.
Mas os resultados dos últimos exames não foram muito bons e o
médico que acompanha o tratamento experimental, acredita que em
breve a doença vai voltar a atacar.
Foi então que tomei minha decisão.
EPÍLOGO

O GRANDE DIA
Hoje vou dar outro passo importante na minha vida.
Não somente porque amo a Fernanda como jamais amei, ou vou
amar outra pessoa, mas também pelo meu avô, pois sei o quanto ele
sonha em ver seu único herdeiro se casando.
Somos recebidos na porta por uma Tayane radiante, ela é a única
que sabe que a Fernanda será pedida em casamento esta noite, e pela sua
cara, se eu não agir logo, ela vai acabar dando com a língua nos dentes e
contar para todo mundo antes de mim.
— Florzinha! — Tayane abraça Fernanda e cochicha alguma
coisa no ouvido dela, que não consigo ouvir. — Como vocês estão?
Faço uma careta de desagrado e falo:
— Pode perguntar para mim. Vai ser um prazer dizer que estou
bem e que é muita gentileza sua se preocupar com o meu bem-estar,
obrigado.
Fernanda fica séria e Tayane parece nervosa.
— Vocês sabem que é brincadeira, certo? — Dou um beijo suave
na boca da Fernanda e puxo sua tia para um abraço. — Feliz aniversário.
Marcos e Lilian se aproximam para nos cumprimentar. Meu sogro
espera a esposa arrastar a filha e a cunhada para desfilar entre os
convidados, e me puxa pelo braço até o bar que foi montado no jardim.
— Soube o que aconteceu com o Arthur? — ele pergunta baixo
para que apenas eu escute.
— Não. O que aquele imbecil aprontou agora?
O ex-assessor do Marcos saiu de São Paulo às pressas, no mesmo
dia em que foi dispensado pelo pai da Fernanda. Alguns meses depois,
Arthur reapareceu como assessor de um deputado estadual do Rio de
Janeiro e foi acusado de envolvimento em um esquema de fraude
tributária.
— Ele e o Isaac foram presos quando tentavam fugir do país em
um voo clandestino para o Paraguai, com quinhentos mil reais e mais de
vinte quilos de cocaína.
— Finalmente a polícia conseguiu. Como você ficou sabendo?
— A mãe dele e a Tay são amigas. Ela veio se desculpar por não
poder comparecer na festa e acabou desabafando. A mulher está
arrasada.
— Não deve ser fácil saber que os dois filhos não valem nada.
Marcos abre um sorriso de orelha a orelha e fica me encarando
com cara de bobo.
— Por isso eu só quero saber dos meus netos.
— Calma, sogro. Um passo de cada vez, primeiro eu preciso
convencer sua filha a se casar comigo.
— Um homem pode sonhar, não pode?
Arqueio a sobrancelha, estranhando seu comportamento.
Ele nunca falou sobre netos e agora parece ansioso para ser avô.
O garçom coloca duas cervejas em cima do balcão. Marcos e eu
brindamos e ele muda de assunto.
— O Danilo está produzindo filmes pornôs.
Engasgo com a porcaria da cerveja.
— É alguma piada? — inquiro e limpo a boca.
— Não, mas isso não é o pior.
— Tem coisa pior?
— Muito pior.
Meu sogro toma um gole da bebida e me encara com seriedade.
— Olha, Gael, não tem uma maneira fácil de contar, então eu vou
falar de uma vez e você decide se quer que a Nanda saiba, ou não. —
Ele puxa uma respiração. — A Penélope assinou um contrato com a
produtora do Danilo e vai estrelar os dois primeiros filmes.
Não sei se rio ou se choro, mas no fundo a novidade não faz
qualquer diferença. Minha ex-noiva escolheu seguir o caminho mais
fácil depois que a imprensa descobriu que ela era a amante do diretor de
novelas, e passou a ser vista com diversos homens, alguns famosos,
outros não, mas todos conhecidos por suas contas bancárias milionárias.
— Pelo menos agora ela vai poder dizer que não depende de
ninguém para se sustentar. — Dou de ombros.
— Você vai contar para a Nanda?
— Não tenho motivo para esconder isso dela.
— Será que ela não vai ficar chateada?
— Acho que não. A Fernanda sabe que a Penélope não significa
nada para mim.
— Talvez fosse melhor esperar uns dois ou três meses para
contar.
— Por quê?
Marcos fica pensativo.
— Por nada. Só precaução.
Engatamos uma conversa sobre negócios e pouco tempo depois,
Tayane anuncia que o jantar será servido. Essa é a minha deixa, pois
agora os convidados estão tomando seus acentos e o espaço entre o
jardim e a piscina será liberado para mim.
Mesmo depois de dois anos e estando praticamente casado com a
Fernanda, pedir sua mão em casamento na frente de tantas pessoas me
deixa nervoso. Espero que ela aceite.
Aguardo até que todos estejam acomodados, apalpo o bolso da
calça para me certificar de que o anel ainda está lá e maneio a cabeça
para a aniversariante, indicando que estou pronto.
Fernanda acena para mim, me chamando para sentar ao seu lado.
Aceno de volta indicando a long neck na minha mão, dando a entender
que vou terminar a bebida primeiro.
— Boa noite, meus queridos! — Tayane fala com empolgação e
se não a conhecesse, diria que ela está ligeiramente alcoolizada. —
Obrigada por terem vindo. Estou adorando os presentes. — Todos riem.
— Hoje é um dia triplamente especial e vai entrar para a história das
nossas famílias.
Triplamente? Comprovado, Tay bebeu além da conta.
— Bom, o namorado da minha sobrinha preferida, resolveu me
dar um presente de aniversário especial. Vou pedir para o Gael vir até
aqui, porque o presente é tão maravilhoso, que eu quero que ele mesmo
conte para todos vocês o que é.
Alguns passos depois, abraço Tayane e sussurro em seu ouvido,
antes de assumir o seu lugar, no centro do jardim.
— Obrigado, Tay, por tudo.
— Obrigada por ser o homem que a Nanda merece — ela sussurra
de volta e se afasta com os olhos marejados.
Pigarreio, passo a mão pelo cabelo e fecho os olhos. Quando os
abro novamente, capturo o olhar da Fernanda, exatamente como faço
sempre que estou dentro dela, reivindicando seu corpo, sua alma e seu
coração. Inspiro profundamente e falo:
— Todo homem tem uma história de amor para contar, algumas
tristes, outras nem tanto. Eu tenho a minha e quando o primeiro
parágrafo foi escrito, nunca imaginei que haveriam tantas reviravoltas,
personagens secundários fundamentais para o desfecho, e um quarteto
de vilões de altíssima qualidade. — O silêncio é surreal. Fernanda pisca
os cílios várias vezes, emocionada. — Na minha história, o mocinho
conheceu a mocinha por acaso, por causa do destino. O plano era
perfeito, até não ser mais. Foi o que eu pensei, quando o destino decidiu
ser meu coautor e alterou o rumo que eu tinha planejado para ela. Se a
minha história não tivesse sofrido nenhuma alteração, ela seria chamada
de conto. Começaria com um desejo de vingança do mocinho, que faria
uma armação para conseguir o que queria e fim. Até pouco tempo atrás,
eu não conhecia os gêneros literários. Agora conheço, e posso afirmar
que a minha história é muito mais que um simples romance. Ela
começou com um desejo de vingança do mocinho e ele manipulou uma
garota para conseguir o que queria, daí em diante, teve drama, suspense
e uma boa dose de erotismo. Mas essa não é a melhor parte.
Fernanda está chorando.
Lentamente, vou caminhando até ela, sem parar de falar e sem
desviar meus olhos dos seus.
— A melhor parte, é que o mocinho se apaixonou pela garota
errada, e quando ele descobriu que ela era a certa, a mocinha também
descobriu que ele tinha mentido, e foi embora. O mocinho se arrependeu
e pediu perdão, mas a mocinha estava irredutível. Ele não sabia mais o
que fazer, até que ele teve uma ideia maluca para provar que o seu amor
por ela era verdadeiro. — Estou a poucos passos de onde Fernanda está
sentada. — O mocinho sabia que aquela era a última chance e contou
com a ajuda das pessoas que torciam pelos protagonistas, para que tudo
saísse perfeito. No fim, depois de muita angústia e sofrimento, a
mocinha perdoou o mocinho.
Paro à frente dela, enfio a mão no bolso e retiro o anel. Fernanda
cobre a boca com as mãos e chora ainda mais.
Eu me ajoelho aos seus pés e ergo o pequeno círculo dourado.
— Agora, eles vão escrever o capítulo final dessa história, juntos.
— Seguro sua mão direita e a beijo. — Você sempre me disse que
sonhava com o seu clichê, mas descobri que quem ganhou o clichê, fui
eu. Você é o meu clichê, Fernanda, e eu quero passar o resto da vida
lendo, relendo e reescrevendo cada página da minha história, ao seu
lado. Você aceita ser o meu eterno clichê?
Pela terceira vez, ela não responde, apenas se joga em meus
braços, me deixando sem ar. Fernanda chora copiosamente, além do
normal. Ela segura meu rosto e murmura:
— Eu aceito ser o seu clichê, mas com uma condição.
Gargalho alto, porque essa mulher sabe como me enlouquecer, em
todos os sentidos, e adora uma barganha.
— Tudo que você quiser, amor.
Fernanda beija meus lábios e leva a minha mão, que segura o anel
de ouro, à sua barriga.
— Você vai ter que escrever um epílogo para contar o que
aconteceu com os herdeiros do clichê do CEO.
Desço meu olhar até o ponto do seu corpo onde nossas mãos
descansam, entrelaçadas. Engulo em seco. Meus olhos ardem.
— Você... — gaguejo, incapaz de concluir a pergunta.
— Eu estou grávida, Gael. Nós vamos ter um bebê.
— Um bebê — repito as duas palavras num sussurro inaudível.
Ela está sorrindo, tão linda.
Tão minha.
— Eu te amo, Gael.
— Eu te amo, Fernanda.
Nós nos beijamos, nos abraçamos, rimos, choramos, vibramos e
comemoramos o nosso felizes para sempre.
Porque no meu clichê, o para sempre nunca vai chegar acabar.

FIM
[1] Fíor significa Real em irlandês.
[2] Modelo de Aeronave fabricada pela empresa norte-americana Boeing
[3] Cantina Comer Bem
[4] Sinônimo de bisbilhotar alguém através das redes sociais
[5] Reconfigurou ou reprogramou um sistema sem autorização do proprietário,
administrador ou designer
[6] Raça de cães oriunda dos Estados Unidos

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