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BRANQUEAMENTO E BRANQUITUDE NO BRASIL

Maria Aparecida da Silva Bento (Cida Bento)

O texto aborda as dimensões da branquitude, “traços da identidade racial do branco brasileiro a partir das
ideias sobre branqueamento” (p. 1). São focalizadas as dimensões subjetivas e objetivas das relações sociais
e seu papel na reprodução do racismo.
Três aspectos importantes da branquitude: “projeção do branco sobre o negro (no duplo sentido da
expressão: elevação e objetificação), os pactos narcísicos entre os brancos (tanto o amor quanto o ódio) e
as conexões possíveis entre ascensão negra e branqueamento (quando a superação das desigualdades se
converte em histórias de superação)” (p. 1).

Segundo a autora, no Brasil, branqueamento é considerado um problema do negro que buscaria se


reduzir/aproximar/identificar ao branco, tomado como modelo de humanidade aos não-brancos; Bento, no
entanto, assevera que se trata de uma invenção da elite branca brasileira que, além de tê-la dado origem, se
ocupa de preservá-la. O fenômeno produz efeitos distintos, mas complementares ao, por um lado, elevar o
branco à condição de um ideal e, consequentemente, por outro, manter em estado de permanente
rebaixamento o negro:

“Considerando (ou quiçá inventando) seu grupo como padrão de referência de toda uma espécie, a elite fez
uma apropriação simbólica crucial que vem fortalecendo a auto-estima e o autoconceito do grupo branco em
detrimento dos demais, e essa apropriação acaba legitimando sua supremacia econômica, política e social. O
outro lado dessa moeda é o investimento na construção de um imaginário extremamente negativo sobre o
negro, que solapa sua identidade racial, danifica sua auto-estima, culpa-o pela discriminação que sofre e, por
fim, justifica as desigualdades raciais” (p. 1-2).

Bento destaca que, ao longo de seus trabalhos, o aspecto mais importante para o qual ela tem chamado a
atenção “é o silêncio, a omissão ou a distorção que há em torno do lugar que o branco ocupou e ocupa,
de fato, nas relações raciais brasileiras” (p. 2). Nos projetos de que participou envolvendo diferentes
setores da sociedade brasileira (em grande parte constituídos por brancos progressistas), ela pôde observar
uma constante: a desigualdade racial é tratada como um problema exclusivo do negro e desse debate está
ausente o papel exercido pelo branco na sua (re)produção. Há o reconhecimento de que a desigualdade
racial é um fato, mas não se a vincula (ou mesmo se resiste a) ao problema da discriminação; situa-se a
questão no plano das desigualdades sociais e entre os dois fenômenos não haveria qualquer vínculo.
Apagamento da discussão sobre o papel exercido pelo branco resulta da resistência em se discutir as
“dimensões do privilégio”; isso parece ser um sintoma do tipo de sociedade em que estamos inseridos, na
qual o privilégio não é um problema, mas um valor; portanto, abrir-se a um debate que se pautasse por esse
ponto significaria colocar em risco o lugar social ocupado por aqueles que, de alguma forma, tem se
beneficiado historicamente do sistema instituído; trata-se de uma consagração do egoísmo que só faz
deturpar um olhar sobre as engrenagens que produzem as desigualdades raciais. Pode-se dizer, com base
numa observação de dados que ilustram as condições de vida de negros e brancos, cujos números apontam
para uma absurda distância, que a negação do papel da discriminação na produção da desigualdade só faz
fortalecer as bases que produzem essa mesma desigualdade e, portanto, perpetuam a própria discriminação.

Teorias da discriminação (deliberado/por interesse ou inconscientemente estruturado/por preconceito)

Ao relatar uma experiência num seminário sobre a condição da mulher no mercado de trabalho, Bento
destaca sua estupefação diante do fato de que o evento não ter se ocupado de um recorte de raça nas
discussões sobre o problema: “Eu resolvi, então, apontar essa questão usando um termo com o qual ando
brincando muito: a indignação narcísica. Há um sentimento de indignação com a violação dos direitos das
trabalhadoras, mas só quando essa violação afeta o grupo de pertença” (p. 4).

Ancorando-se em Opotow (1990), Bento fala no conceito de exclusão moral “que ocorre quando indivíduos
ou grupos são vistos e colocados fora do limite em que estão vigindo (sic) regras e valores morais. Os
agentes da exclusão moral compartilham de características fundamentais, como a ausência de compromisso
moral e o distanciamento psicológico em relação aos excluídos” (p. 5).

Narcisismo e projeção - autopreservação e não reconhecimento da autenticidade do outro, o outro como


representação.

Medo - sentimento que despertou no homem branco europeu seus arroubos mais severos e perversos de
violência, em grande parte alimentado por uma doutrina religiosa segundo a qual o diferente era a
representação do próprio Satã; assim satanizados, os grupos marginalizados e não bem integrados se viam
submetidos ao aniquilamento institucionalizado moral e legalmente: vitimização invertida que justifica e
legitima as injustiças que se produzem do centro na direção das periferias.

Assimilação - assimilar (converter em substância própria; absorver, incorporar - uso, costume, técnica,
cultura, modo de agir etc); do latim “similis”, tal como, semelhante e “ad”, proximidade. Na esteira, o
conceito de ódio narcísico (Adorno e Horkheimer, 1985), que se alimenta pela paranoia de uma ameaça
constante do diferente à autopreservação egoica. Daí resulta o que se denomina de falsa projeção (ou
projeção patológica, designação empregada mais à frente no texto), a qual permite depositar no outro aquilo
que é repulsivo em si mesmo.

De todos esses aspectos e de seu funcionamento resulta “uma intolerância generalizada contra tudo o que
possa representar a diferença” (p. 14).

Amor narcísico e ódio narcísico - “O amor narcísico está relacionado com a identificação, tanto quanto o
ódio narcísico com a desidentificação. O objeto do nosso amor narcísico é "nosso semelhante", depositário
do nosso lado bom. A escolha de objeto narcísica se faz a partir do modelo de si mesmo, ou melhor, de seu
ego: ama-se o que se é, ou o que se foi, ou o que se gostaria de ser, ou mesmo a pessoa que foi parte de si.
Por outro lado, o alvo de nosso ódio narcísico é o outro, o "diferente", depositário do que consideramos
nosso lado ruim” (p. 14).

“A projeção patológica ou falsa projeção é, segundo a psicanálise, a transferência dos impulsos socialmente
condenáveis do sujeito para o objeto. Se urna pessoa afirma que alguém quer atacá-la e não existe nenhuma
prova de que esta afirmação é verdadeira, temos boas razões para suspeitar que é ela mesma que tem
intenções agressivas e procura justificá-las pela projeção” (p. 15).

“problema do negro brasileiro” - o negro brasileiro como a fonte de um problema; o negro brasileiro como
o paciente de um problema; o negro brasileiro enquanto um problema; a palavra problema como questão a
ser enfrentada; a palavra problema como distúrbio a ser superado.

“Ou bem se nega a discriminação racial e se explica as desigualdades em função de uma inferioridade negra,
apoiada num imaginário no qual o "negro" aparece como feio, maléfico ou incompetente, ou se reconhece as
desigualdades raciais, explicadas como uma herança negra do período escravocrata. De qualquer forma, os
estudos silenciam sobre o branco e não abordam a herança branca da escravidão, nem tampouco a
interferência da branquitude como uma guardiã silenciosa de privilégios” (p. 15).
O termo herança aqui deve ser admitido no seu sentido literal para que se compreenda bem a questão: “o
patrimônio, incluindo bens, direitos e dívidas, deixado por alguém em razão do seu falecimento”. A
escravidão legou aos brancos os bens e os direitos e aos negros, as dívidas; em geral nos esquecemos da
primeira faceta desse processo hereditário; pior do que isso, nos esquecemos de que que a escravidão não é
uma entidade sobrenatural; ela foi concebida por atores sociais mais ou menos bem definidos: há um alguém
que legou essa herança; e mais ainda, esse alguém não está morto.

Janet Helms (1990) “identifica seis estágios no seu modelo de desenvolvimento da identidade racial branca:
contato, desintegração, reintegração, falsa independência, imersão/emersão e autonomia” (p. 17).
Letramento racial (?).

“Os estudos de Piza e Helms são fundamentais porque nos auxiliam a focalizar o problema das relações
raciais como um problema das relações entre negros e brancos e não como um problema do negro, como
habitualmente se faz no Brasil; como se o branco não fosse elemento essencial dessa análise, como se
identidade racial não tivesse fortes matizes ideológicos, políticos, econômicos e simbólicos que explicam e,
ao mesmo tempo, desnudam o silêncio e o medo” (p. 18).

“Kaes (1997) ressalta que, segundo Freud, a psicologia dos Povos existe como conseqüência da transmissão
dos processos psíquicos de uma geração para outra. Caso contrário, cada pessoa estaria obrigada a
recomeçar seu aprendizado de vida” (p. 19).

Privilégio convertido em mérito e competência

“Talvez possamos ainda problematizar a noção de privilégio com a qual as pessoas raramente querem se
defrontar, transformando-a rapidamente num discurso de mérito e competência que justifica uma situação
privilegiada, concreta ou simbólica. Quando se deparam com informações sobre desigualdades raciais
tendem a culpar o negro e, ato contínuo, revelar como merecem o lugar social que ocupam” (p. 20).

“Em sua obra, Freyre postula que a distância social entre dominantes e dominados é modificada pelo
cruzamento inter-racial que apaga as contradições e harmoniza as diferenças levando a uma diluição de
conflitos. Ao postular a conciliação entre as raças e suavizar o conflito, ele nega o preconceito e a
discriminação, possibilitando a compreensão de que o "insucesso dos mestiços e negros" deve-se a eles
próprios. Desta forma, ele fornece à elite branca os argumentos para se defender e continuar a usufruir dos
seus privilégios raciais. Estes postulados constituem a essência do famigerado Mito (ou ideologia) da
Democracia Racial Brasileira. Esse mito, ao longo da história do país, vem servindo ao triste papel de
favorecer e legitimar a discriminação racial” (P. 21).
O trabalho de “(...) Florestan Fernandes, A integração do negro na sociedade de classes, publicada em
1965, é imenso porque revela uma sociedade profundamente desigual (...)” (p. 22).

“Assim, compreender o branqueamento versus perda de identidade é fundamental para o avanço na luta por
uma sociedade mais igualitária. Porém, esse estudo tem mais possibilidades de ser bem sucedido se abarcar
a relação negro e branco, herdeiros beneficiários ou herdeiros expropriados de um mesmo processo
histórico, participes de um mesmo cotidiano onde os direitos de uns são violados permanentemente pelo
outro. A insustentabilidade ética e moral dessa realidade cresce incessantemente, em particular nos últimos
20 anos, tempo em que o Movimento Negro tem colocado sob fogo cruzado a violação de direitos do povo
negro e tem explicitado a verdadeira cara desse país. Esse movimento gera condições não só para a recriação
das identidades e, conseqüentemente, o deslocamento das fronteiras, mas possibilita um encontro do país
consigo próprio, com sua história, com seu povo, com sua identidade” (p. 27-8)

BRANQUITUDE - O LADO OCULTO DO DISCURSO SOBRE O NEGRO


Maria Aparecida Silva Bento

O artigo trata da “(...) abordagem psicossocial do processo de formação sobre relações raciais do CEERT”
(Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades). Os estudos do referido Centro têm revelado
que os desafios do ensino sobre o racismo se caracterizam muito mais pelas semelhanças do que pelas
diferenças por conta do silenciamento desta forma de preconceito e discriminação. Isso tem sido observado
nas mais diversas áreas como a do “direito, psicologia social e organizacional, educação”.

Uma preocupação importante: abordar o temas das relações raciais no interior de grupos mistos de gregos e
brancos; eu preferiria dizer “constitutivamente heterogêneos” para eliminar o risco de que se diluam as
diferenças e, consequentemente, se anule a diversidade característica.

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