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t PensamennO LiBeRAL CUIMA, Lyz Atos CaUighe & DesenueuMEHe social Ho Bras captrud Ol 2A Epo € A constouat DE UNA socieone’ AGED HH uma crenca muito difundida, atvalmente, de que a educa- fo escolar ¢ um meio eficaz e disponivel para que as pessoas possam melhorar sua posigio na sociedade. Se as pessoas em pior posiggo puderem ingressar na escola piblica ¢ tiverem motivacio para utilizar construtivamente as aquisig6es intelectuais por ela propiciadas, seré certa a melhoria da sua posigio. Os ideais de uma escola piblica, universal e gratuta, apesar de ji concretizados em quase todes os paises chamados desenvolvides, siio perseguidos, ainda hoje, principalmente pelos paises da América Latina. Estes ideais educacionais 240 sio novos. Mas, a0 contririo, tém raizes no passado. Houve um momento histérico em que prin- cipios como igualdade de direitos ¢ de oportunidades, destruigio de privilégios hereditérios, respeito as capacidades ¢ iniciatives indivi- duais © educagio universal para todos constituiram-se nas diretrives fundamentais de uma doutrina: o liberalismo. Entretanto, podemos constatar que © papel atribuido & educacto pela doutrina liberal, como sendo o instrumento para a construcio de luma sociedade aberta, est presente, também, em outros discursos no Brasil: na pedagogia e no plano do Estado. Este capitulo objetiva explicitar esse conteido comum « inves: tigar a existéncia de possiveis diferencas. 1 — A educag&io no pensamento liberal © liberalismo 6 um sistema de idéias elaborado por pensadores ingleses e franceses no contexto das Tutas de classe da. burguesia contra a aristocracia, E foi mais precisamente no século XVIII, na Franca, que essa doutrina se corporificou aa bandeira revolucionaria de uma classe, a burguesia, e na esperanga de um povo que a ela se univ, Neste item, mostraremos 2s origens ideoldgicas do papel social que € atribuide a educagio na construcio do progresso individual © geral. 2 DUCAGID E DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO ARASH ara isso seré necessério examinarmos, nas suas origens, 8 formulagées do liberaismo, suas premissas ou priacipios tebricos ge- ris, seus pressupostos fundamentais e, finalmente, o que pensam seus ide6loges a respeito da educacio. 1.1 — Os princtpios gerais do liberatismo © liberalismo € um sistema de crengas ¢ conviesées, isto é, uma ideologia. Todo sistema de convicyées tem como base um conjunto de principios ou verdades, aceitas sem discussio, que formam 0 cotpo de sua doutrina ou 0 corpo de idéias nas quais ele se fundamenta, Abordaremos alguns desses prinefpios, os mais gerais, os que const {wem os axiomas bésicos ou os valores méximos da doutrina liberal Sio cles: © individualism, a liberdade, a propriedade, a igualdade © a democracia, (i) 0 individuaismo & 0 principio que considera 0 individuo enquanto sujeito que deve ser respeitado por possuir aptiddes e t: lentos préprios, atualizados ou em potencial. Um dos maiores expo- entes do liberalismo foi John Locke. Suas idéias baseiam-se na renga dos “direitos naturais do individuo”. Segundo Locke, todos os homens viviam originalmente num estado natural em que preva- leciam a liberdade © a igualdade absolutas e no existia governo de espécie alguma. A tinica lei era a Iei da natureza, que cada individuo Pusha em execugio por sua propria conta, a fim de proteger seus ireitos naturais & vida, & liberdade © & propriedade. Os homens ‘do tardaram, porém, a perceber os inconvenientes do estado natural. ‘Como cada um tentave impor os seus préprios direitos, os resultados inevitéveis foram a confusio © a inseguranga. Conseqientemente, 0s individuos convieram instituir um governo © ceder-Ihe certos pode. Fes, Esse governo nfo era, entretanto, absoluto. © dnico poder que se Ihe conferia era o de executar a lei natural, isto 6, a defesa dos direitos individuais naturais, A fungo social da autoridade (do govern) & « de permitir a cada individuo 0 desenvolvimento de seus taleatos, em competicao ‘com cs demais, ao miximo da sua capacidade. © individualismo acredita terem os diferentes individuos atributos diversos e & de acor- 1A eDvCigHo HA CONSTRUGKO DR UMA sOCHDADE ABERTA » do com cles que atingem uma posic§b social vantajosa ow mio, Daf © fato de o individualismo if que 8 individaos tenhara esco- Ihido voluntariamente (no sentido de fazerem aquilo que thes inte- ressa © de que so capazes) o curso que os conduziu a um certo cestégio de pobreza ou riqueza. Se a autoridade nfo limita nem tolh: 0 individues, mas, 40 contrério, permite a todos © desenvolvimento de suas potencialidades, o tinico responsivel pelo sucesso ou fracasso social de cada um ¢ 0 proprio individuo € nfo a orgenizegao socal Com este principio (o individualismo), a doutrina liberal nio s6 accita a sociedade de classes, como fornece argumentos que leg timam © sancioaam essa sociedade. f verdade que ela rejeita ot estratos sociais “Songelados” ou “cristlizados", mas no a divisio_ ‘da sociedade em classes. _— Locke cuida muito mais de proteger a liberdade ¢ a seguranga individual do que promover 0 progresso social, posto que 0 progresto individual resultaria benéfico para a sociedade em geral. Este, entre- tanto, nfio € 0 pensamento de Rousseau, teérico liberal da demo- cracia, como veremos adiante, que visava a protesio dos direitos da maioria, a protegio do individuo coletivo, do cidadio politico. Gi) Vejamos, agora, um outro principio da doutrina liberal ‘que the empresta o proprio nome: a liberdade. Este principio esté Profundamente associsdo ‘a0 individualismo. Peteia-se, antes de tudo, a lberdade individual, dela decorrendo todas as outras: liber dade econdmica, intelectual, religiosa e politica. Para essa doatrina, a liberdade ¢ condigdo necesséria para a defesa da aso e das poten- cialidades individusis, enquanto a nio-liberdade € um. desrespeito @ personalidade de cada um. © liberalismo usa do principio da lber- dade para combater 0: privilégios conferidos a certos individuos em virtude de nascimento ou credo. O principio da liberdade presume qx. om individu seja tho livre quanto outro para atingir uma posigdo social vantajosa, em virtude de seus telentos e aptidses. “‘Liberdade para o individuo significa que a este devei ser permitido, 20 menos em teoria, conseguir, para si pe6prio, o maior progresso, ¢ que este progresso redun- daria no maior beneficio para a sociedade”’. 30 EDUCAGIO F EESEWOLVIMENTO SOCIAL WO BRAS Assim, o progresso geral da sociedade como um todo esté con- dicionado ao progresso_de cada individuo_que_obiém éxito econt- ‘mico_e, em Gltims instincia, & classe (grupo de individaos) que alcanga miior sucesso material, ‘Com relagio is Iiberdades intelectual, religiosa ¢ politica 0 It beralismo, “(...) sempre viu com maus olhos e desconfianza 0 con tole sobre o pensamento e, na verdade, todo e qualquer sforgo da autoridade do governo para impedir a livre ati- vidade do individuo”?, . Influenciado pela Reforma, que incentivou o livre pensamento na «sfera religiosa (livre interpretago da Biblia), o liberalismo defende 4 tolerincia religiosa contra as perseguighes do Estado. Por isso, quanto menes poder o Estado possuit, menor seré sua esfere de acdo € maior seré a liberdade que o individuo poderd destratar. (ii) Outro elemento fundamental da doutrina liberal & a pro- riedade, Esta & entendida como um direito natural do individuo, ¢ (0 liberais negam auvoridade a qualquer agente politico para usurpar seus direitos natura, Na “Declarago dos Direitos do Homem ¢ do Cidadio", da Revolusio Francesa, a propriedade aparece imedia- tamente apés a liberdade entre os “direitos naturais imprescrtiveis’ Ainda que a grande maioria dos representantes do povo reclamasse, rnaquela época, 0 confisco e a redistribuicio da propriedade, tal coise ‘io se poderia fazer legalmente, pois se estaria desrespcitando 0 principio da liberdade individual. Se, por outro lado, o canfisco a redistribuigSo fossem feitos ilegalmente, seria justiicada a adogo de medidas eficazes de resistencia por parte dos propriettios. Por isso 0 liberalismo, “(...) quase desde o primeiro momento de sua hist6ria, lmejou limitar 0 Ambito da autoridade politica, confinar 08 negécies do governo a0 quadro dos princfpios const tucionais #, portanto, tentou sistematicamente descobrir tum sistema de direitos fundamentais que 0 Estado no foxse auterizado a violar. Tentou, sempre que péde, impor aos governos o dever de proceder, em suas ages, ‘elo espirito da lei e milo do arbitrio"®. A roucagko & A consTRuGHO DE UMA SOCIEDIOE SeERTA 31 Locke considers que o Estado existe para proteger os interes- ses do homem que, pelo seu proprio esforge, acumulou beas e pro priedades, pois como disse ele, Deus fizera o mundo para “uso dos industriosos e racionais”, e o Estado existe para protegé-los em sta exploragdo do mundé. Uma vez que a doutrina liberal repudia qualquer privilégio decorrente do nascimento e sustenta que 0 trabalho e o talento sio os instrumentos legitimos de ascensfo social e de aquisigio de rique- zas, qualquer individuo pobre, mas que tabalha tenha talento, pode adquirir propriedade e riquezas (iv) A igualdede, outro valor importante para a compreensio da doutrina liberal, no significa igualdade de condigées materias. Assim como os homens no slo tidos como iguais em talentos ¢ capacidades, também no podem ser iguais em riquezas, “Nilo temos todos talento igual e a propriedade 6, em geral, uma retribuigio ao talento. A propriedade igual ara todos € um simples quimera; s6 poderia ser obtica, por espoliagio injusta. £ impossivel, em nosso feliz, mun- do, que os homens que vivem em sociedade nfio se divi- dam em duas classes: 0s ricos ¢ os pobres™! Assim, para a doutrina liberal, como os homens no sto indivi- dualmente iguais, & impossivel querer que sejam socialmente iguais. Pelo contrério, a igueldade social € nociva, pois provoca uma padro- nizagéo, uma uniformizagio entre os individuos, o que & um desres- Peito & individualidade de cada um. “0 liberalismo vé na igualdade social o fruto da interver- slo autoritéria, cujo resultado final 6, em seu ponto do vista, uma restrigio personalidade individual”. A verdadeira posicdo liberal exige a “igualdade perante a lei", igualdade de direitos entre os homens, igualdade civil. Tal posig&> defende que todos tém, por lei, iguais direitos & vida, & liberdade, & ropriedade, & protegio das leis. Assim diz Rousseau: “(...) em lugar de destruir a igualdade natural, 0 pact» fundamental (o Estado) substitui, ao contrério, por uma igualdade moral e legitima, o que a natureza tinkia podido 2 ‘mBUCAGIO H DESENVOLYEMENTO SOCIAL NO BRASIL por de desigualdade fisica entre os homens, para que, podendo ser desiguais em forga ¢ em génio, todos se tor assem iguais por convencdo ¢ de direito’ Daf no se pode concluir, entretanto, que o princfpio da igualdade jimplique na climinasio das desigualdades sociais entre os homens, principalmente das diferengas de riqueza. © proprio Rousseau deixa isso bem claro: "(...) 4 respeito da igualdade, € preciso no entender por esta palavra que os graus de poder ¢ de riquezas se- jam absolutamente os mesmos; mas que, quanto 20 poder, ele se encontra abaixo de toda violéncia, ¢ nunca se exerce senfo em virude da posicéo social e das leis; ¢, quanto 4 riqueza, que nenhum cidadio seja suficientemente opu- lento para poder comprar outro, € que nenhum seja tio pobre que seja coagido a vender-se(...)"". Na sociedade pensada por Rousseau, trava-se uma luta entre a tendéncia espontines desigualdade entre os homens, pela prépria “forga das coisas”, e 2 forga regulamentadora do Estado na diresio ‘oposta, a da equalizacio, “Precisamente porque a forca das coisas tende sempre a destruir a igualdade, € que a forca da legislagio deve sem- pre tender a manté-la", Mas como se resolve a contradigio entre a igualdade desejada — a igualdade de direito, ¢ a desigualdade consentida — a desigual- dade de fato? Resolve-se, 20 nivel das idéias, pelo estabelecimento, de regras juridicas que permitam a cada individuo a disputa de posi- .96et privilegindas, sem distingdo. Ainda € Rousseau quem esclarece esse ponto: “Quando afirmo que o objetivo das leis € sempre geral, ‘entendo que a lei considera 0s séditos em conjunto ¢ as, suas apSes como abstratas, nunca um homem como indi- viduo nem uma agio particular. Assim, a lei bem pode cestatuir que haverd privilégios, mas nfio pode dé-los nomi- nalmente a ninguém; pode estabelecer varias classes de idadiios, designar as qualidade que dario direito a tais ‘A EOUCIGKO BA CONSTRUGRO OE UNA SOCIEDADE ABERTA 2 classes, mas néo pode nomear tais ou tais pessoas part ue nelas sejam admitidas (.. .): numa palavra, toda fun- ¢f0 que se refere a um dircito individual alo pertence 20 poder legislativo”*. Dessa forma, a doutrina liberal reconhece as desigualdades sociair © 0 direito que os individuos mais talentosos t&m de ser material mente recompensados. ()_ Os principios do individualismo, da propriedade, da liber dade ¢ da igualdade exigem a democracia, outro importante prin cipio da doutrina liberal. Consiste no igual diteito de todos de parti ciparem do governo através de representantes de sua prépria escolha (Cada individuo, agindo livremente, € capaz de buscar seus interesses proprios e, em conseqiléncia, os de toda a sociedade. “A democracia liberal é 0 método de governo que se pro- pée a assegurari comunidade nacional que tudos os indi viduos se atenham as regras do jogo da competicdo poli- tica, assim como competem pela riqueza disponivel da ago", B verdade que nem todos 0s te6ricos do liberalismo so demo- ceraias, como € 0 caso de Voltaire, que faz restrigdes a participacao Popular no governo. Seu interesse reside mais na garantia da scru- Tanga dos interesses dos individuos bem sucedidos do que na dos interesses gerais. Rousseau, o fundador da moderna doutrina demo- ‘critica, 20 contrério, dé especial importincia a instauragdo de um governo papular, um governo da maioria. Mas 0 préprio Rousseau via dificuldades priticas para a exis- téncia de um governo da maioria dos cidadios, “Tomando 0 termo em rigorosa acepo, nunca existiu, € nunca existiré, verdadeira democracia. E contra a ordem natural que 0 grande niimero governe e que o pequeno seja governado. Nao se pode imaginar que o povo per maneya incessantemente reunido para dar despacho 20s negocios piblicos, e com facilidade se vé que para esse feito nfo poderia estabelecer comissées, sem mudar a forma de administragio™, M4 NDUCAGIO © DUSENVOLVIMENTO SOCIAL MO HAAS parece, entio, uma contradigio entre proposta de um governs) da maioria ¢ a sua impossibilidade pritica, Essa contradigao € resol- vida através da instituigio da represemtagio parlamentar, que é uma maneira da maioria estar presente no Estado. Pelo exposto, pereebe-se u ligagio estreita entre os cinco prin~ cipios da doutrina liberal: 0 individualismo, a liberdade, a. proprie- dade, a igualdade ¢ a democracia. A ni realizacio de um $6 deles imptica na impossiblidade de todos os outros. Mas a sua cealizaglo resultaria numa sociedade aberta, onde todos os homens teriam iguais ‘oportunidades de ocupacdo das posigses nela existentes, Passamos, agora, a eomentar o papel atribuido pela doutrina lihe- ral A educagio escolar na construgio dessa sociedude. 1.2 — O papel social da edecasao © exame de virios teéricos liberais possibilitou-nos.sintetizar luma posigio que € mais ou menos comum entre eles © principal ideal liberal de educucio é 0 de que a escola nio deve estar a servigo de nenhuma classe, de nenhum privilégio dc heranga ou dinheiro, de nenhum credo teligioso ou politico. A ins tugio no deve estar reservada as elites ou classes superiores. nem ser um instrumento aristocritico para servir a quem possui tempo dinheiro. A educacio deve estar a servigo do individuo, do “homem total", liberaclo € leno. ‘A escola assim preocupada com o Homem, independente da familia, clase ou religido a que pertenga, ird revelar ¢ desenvolver, ‘em cada um, seus dotes inatos, seus valores intrinsecos, suas aptiddes, talentos ¢ vocagées. Para o pensamento liberal, a realizacdo da voce. ‘so individual no tem o significado que a Reforma Protestante (mais Precisamente a seita puritana) the deu, onde possivelmente o liberi. Tismo buscou inspirario. Os puritanos afirmavam que todo homem everia dedicar-se com devogio & cxecugio da sua vocagio (que ers lum chamado divino) a fim de contribuir com Deus na Sua obra de construgdo do mundo". Evoluindo desta nogd0 para uma posi¢ao ‘mais secular © utilitria, 0 liberalismo afirma que a vocacio ¢ 1 rea. lizagio individual para a construcao do progresso geral. E, pois, & partic dos talentos ou woeagées individusis (que escola tem capaciduds de despertar ¢ descnvolver) que o individuo 4 hoveagho & 4 cowsrAUGkO OE UM SOCIENBE mBERTA 5 adquitird sua posigdo, isto é, que o individuo ocuparé na sociedade 1a posigéo que seus dotes inatos e sua motivagio determinarem e, assim, de acordo com suas préprias aptidées, iré encontrar seu lugar ha estrutura ocupacional existente. A educagao liberal no considera (5 alunos ligados as classes de origem, ni os considera privilegiados ‘ou io, mas trata-os igualmente, procurando habiliti-los a participar da vida social na medida e proporsio de seus valores intrinsecos. Desta forma, ela pretende contribuir para que haja justiga social, levando a sociedade a ser hierarquizada com base no mérito indi- vidual. Donde se conclui que .a ascensio ou descensio social do ndividuo estari_condicionada & sua educso, a0 seu nivel de ins- ‘rugdo, ¢ ndo mais ao nascimento ou a fortuna que dispée. Isto porque © talento esté 0 individuo, independente de seu status ou condigéo material. (i) John Locke (1632-1704), apesar de se ter consagrado muito mais como te6rico politico liberal, apresentou tanibém novos conceitos educacionais. Seus pontos de vistz sobre a edueagio foram importantes para a nova visio da escola anticlassista ov para 0 novo papel atribufdo a educagio. Antes dele, pensava-se que a barreira Suprema ao progresso intelectual ¢ moral estava no fato de que as idéias so inatas. Esta doutrins deu apoiv a todos os principios tradicionais e escolisticos que eram usados como jusificativa das condigées existentes. Era nociva porque impedia todo esforgo para © progresso do conhecimento por observacic e experimentagao, Negando a dovtrina das idéias inatas, Locke contribuiu para as seguintes conclusdes em termos de educayio: “19 — se nada existe na mente’ antes do. naseimenio, também nio se pode assegurar gue a depravagio 6 inata no coragio humaro, Sua doutrina foi, entéo. de enccn- tro A tese dos edueudores tedlogos que aceitavam 0 dog- rma teol6gico da depravagio inata absoluta; 2° — se & alma é ‘tabula rasa’, todos os individuos séo iguais ao nascer, rico e pobre, escrave e rei, etc, As diferencas entre os homens so causadas pela educagBot. ..)" Entretanto, ao contririe do que se possa pensar, Locke nndo era favorivel & universalizazio da educagio, o que, aliis, é ccn- sistente com suas concepsdes @ respeito da igualdade € do papel do Estado, ja comentadas. Vejamos o que dele diz Laski % DUCAGIO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL “Para Locke, 0 mundo j esté dividido, no que diz res- peito & educacdo, nas duas classes fundamentais de ricos © pobres. Para os primeiros, a finalidade da instrugfo € doté-los da capacidade de governar, quer os negécios do Estado, quer a administragdo de seus negécios parti- cculares; para os segundos, uma virtuosa e til obediéacia € a finilidade da existéncia. Dificimente poderia ha- ver uma expresso mais clara do que a ascensio da bur- guesia acabou por implicar” Apesar de reconhecer que os individuos so iguais, sejam ricos ‘ou pobres, este pensador parece accitar, sem muita relutincia, que a ordem social ja se encontra estabelecida, dividindo ricos e pobres quanto & instrugio que devem receber para que essa ordem se man- tenha. (ii) Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), teérico da demo- cracia-liberal, teve também grande influéncia no pensamento educa- Clonal. Entre seus numerosos discipulos contam-se influentes peda ‘e088 como, por exemplo, Condorcet. Entretanto nfo nos interes- St, neste trabalho, apresentar seu proprio pensamento educacional, pois, diferentemente de sua teoria politica democrética, Rousseau aspirou a uma educigio bastante elitista para seu aluno ideal Emilio. Néo pensou na educagio das massas, mas na educagdo de um in- dividuo suficientemente rico para custear um preceptor. Seu Emilio 6 com efeito, um jovem que vive de suas rendas e que nao dé um s6 passo sem que 0 acompanhe seu mestre. (© que é importante lembrar de Rousseau é a sua idéia de edv- cago do “homem total” e pleno, independente da fungi0 ou pro- fissio para as quais se quer moldd-lo ou destiné-lo, ea sua idéia de educagio para a vida. A influéncia de Rousseau sobre os edu- cadores da época deve-se aos seus pressupostos politico-demoeré- ticos, daf a importdncia da andlise de seus discipulos, no estudo do ensamento liberal sobre educacao, ii) Frangois Marie Arouet Voltaire (1694-1778), grande expoente da teoria politica liberal, era um defensor da discrimina- 540 social “(...) Voltaire tem um profundo desprezo pela gente comum; para ele, a plebe € a fonte ¢ o alimento de toda superstigio © de todo fanatismo. Se, por vezes, escre- A mvcigio © A consmiuglo pe uaa socimDADE ARERTA 37 ‘yeu com entusiasmo sobre at possbilidades de edvcacio nacional, a maior parte do tempo manifestou a opiniio d= que isto nfo vale a pena. A canaille nfo € ‘digna’ de es- larecimento. Felicitou La Chalotais, a0 proibir os estu- dos educativos aos trabalhadores. A’ Damilaville (1° de abril de 1765) disse Voltaire que a perpetuagio das mas- 48 sem instruglo era essencial e que qualquer pessoa com ropriedade © com necessidede de servidores pensaria 0 ‘mesmo; ¢ escreveu a D’Alembert (2 de setembro de 1768) que qualquer estorco despendido na instrugio di criadagem ¢ dos sapatciros era, simplesmente, um desper- dicio de tempo. Desde que homens como os fil6sofos tivessem plena liberdade de especalar, pouco interessave s¢ 0 alfaiate ou o tendeiro continuavam sob o dominio dé Tgreje. Voltaire receava, de fato, as conseqiifncias s0- iais do esclarecimento popular; ‘quando a plebe se mete 8 discutir’, excreveu ele, ‘tudo esté perdido’. certo que le quer ver, pouco a pouco, © poder da razio ampliado dos cidadios importantes as classes mais pobres; e que, uma carta a Linguet, ele parece acreditar que o artesio, ‘operirio especializado, € suscetivel de receber instru- a", Apesar de Voltaire ser um liberal (enciclopedista), seu pensa- mento ainda revela resquicios de uma fase em que a educasio era ‘vista como privikgio de alguns. © fato de Voltaire nunca ter per- ido 0 temor das massas a ponto de, inclusive, recear o caclare- ‘cimento popular, poderia ser interpretado como sendo 0 medo de que a educaglo tivesse, como efeito, a minimizagio das desigualda- es entre as classes, ameaando com isso a burguesia que, mum pri- meiro momento, deveu sua ascensio A riqueza suferida nas tran- sages econtmicss ¢ nfo 20 seu nivel de instrusio. “A esséncta (do pensamenio) de Voltaire 6 um profun- do respeito pela ordem estabelecida(...). E isso € tan- to mais evidente quanto mais pormenorizadamente exa- minarmos o seu programa de reforma. As transforma ‘e5es que pedia cram, em suas Tinhas gerais, as da prés- pera burguesia. Queria liberdade; mas também queria a EOUrAGIO E DESENVOLVIMENTO sOCIKL NO BRAS. ‘uma liberdade compativel com as mais completas opor- tunidades de progresso para os homens de bens 2 pro- priedides. © mundo que Voltaire queria construir era, evidentemente, um mundo infinitamente melhor do que aquele que a sua geraglo herdara. Mas as melhorias {er-se-iam limitado, em seus beneficios, classe proprie- tiria, Seu liberalismo como principio’ ativo e sistémico rndo foi além das necessidades dessa classe, Nada exis- te nele que sugira aquela indignagio apaixonada contra luma ordem social injusta que é a chave de todo 0 pen- samerto de Rousseau” ", ‘ (iv) Denis Diderot (1713-1784) fazia parte, assim como Vol- ‘aire, do_mesmo grupo de pensadores associados ‘uo movimento li- beral_ne Franca. No entanto, “(...) Diderot difere de Voltaire em sua antipatia pelo uxo € na sua recusa cm acreditar que a pobreza ¢ 2 fe- licidade sejam facilmente compativeis. Desfechou mes- ‘mo alguns ataques virulentos contra a injustice da ordem social do seu tempo, os quais refletiam quase o espirito de Rousseau” Diderot ¢ Voltaire erum ambos intérpretes do terceiro estado, embora, como jé vimos, tivessem opinides cistintas: enquanto Vol- (aire interpretava especialmente os interesses da alta burguesia ¢ da nobreza ilustrada, Diderot refletia as aspiragdes dos artesiios ¢ dos, operarios. ‘Se Voltaire temia a insirugdo das massas como perigosa a ordem ‘social, Diderot, ao contrério, incentivava-a, como o fez em carla a imperatrit russa Catarina. aconselhando-a a criagio de uma univer- Sidade. Dizia ele ser desejavel que todos soubessem ler, escrever € contar, desde os ministros de Estado até o ultimo dos camponeses. Estes liberais (que nao eram exatamente tebricos da educacio) ainda_viam com restrigges (Locke), com idealismo romantico (Rousseau), de modo conservador (Voltaire) ou com otimismo (Diderot) © papel social que o liberalismo reservava a educasio, qual seja, a educazio como instrumento de ascensio social, e equa lizagio de oportunidades. Mas, 4 medida que as necessidades de twansformagdes © mudangus vo se tornando um imperativo das for ‘A tMUCAGAO EA COMSTRUGIE OF UMA BOCtLOADL speRTA » gas econdmicas, 0s liberais mais precipuamente preocupados com a educagdo vio radicalizando suas idéias € proposigies n0 sentido de- mocritico € vao tentando objetivi-las através de reivindicagdes le- Bais. precisamente 0 que veremos acontecer com alguns daqueles que vieram a participar mais diretamente da Revolugéo Francesa, (v) Um dos mais importantes tebricos da educagio liberal foi Jean Antoine Nicolas de Caritat, Marqués de Condorcet (1743- 1794)'". Este pensador nio foi um profissional da educagio, mas, devido a0 movimento légico de seu pensaniento filoséfico, foi levi do a se ocupar dela, propondo solugées priticas, através de um ém- portante plano de ensino que visava a um sistema pablico e gratuito de educacdo com a finalidade de estabelecer a igualdade de oportu- siidudes. Mas, para ele, no é suficiente que o Estado respeite os ireitos naturais do homem. Ele deve assegurar a cada cidadio 0 g0z0 dos seus direitos, intervinds na supressio das desigualdades, ‘no das naturais, pois no hd como suprimi-tas, mas das desigualda- des attificiais ou sociais, consequéncia da reuniio dos homens em Sociedade. Sao trés as desigualdades sociais, para Condorcet: a desigualdade de riqueza, a desigualdade de profissio e a desiguallude de instrugdo. O Estado atenuari a desigualdade de fortuna. abo. lindo as leis que favorecem a “riqueza adquirida”. Combateri 1 se gunda, pela instituigio de seguros para velhes, vias ¢ criangas. destruira a terceira, organizando um ensino piblico, livremente aber- {fo @ todos, que, ao mesmo tempo que assegurara o reino da ver dadcira igualdade, aperfeicoard indefinidamente o espirito. humano A. pedagogia de Condorcet difere da de Rousseau pois, para este, a educagao comsiste num dominio & parte da politica e dit eco- nomia. Para Condorcet, a Ciéncia da Educagio € um capitulo da Politica: a arte de educar as criangas esti estreitamente ligula 3 arte de governar os homens; a educago das criangas deve ser asst- ‘ida pelo Estado ¢ retirada da responsabilidade exclusiva dos par- ticulares. Apesar de ndo ter sido ele quem primeito colocou este Problema, foi, entretanto, quem o precisou € tomou claro ¢, tam- bém, quem the deu a sua feigo democr Os problemas essenciais da pedagogia de Condorcet se resu- mem em: a) que objeto deve perseguir a instrucio publica ¢ b) uais sdo, em matéria de instrugio, os deveres do Estedo e dos per ticulures, Sua pedagogia pode ser dividida em uma teoria dos fins “ soveafio © pesmvoL MUO sociaL Mo BRASIL da educagio ¢ uma exposiglo dos meios préprios a realizar estes fins. © fim supremo da educaglo, segundo cle, 6 0 de recolocar os homens, pela iberiagio dos espiritos e das almas, em sua liberdade natural, € de suprimir aio as desigualdades naturais, mas as desi gualdades socais que tormam as primeciras mais dolorosas © insupor- tiveis. Assim, a educagio deve ser, antes de tudo, libertadora, Condoreet firma que a instrugio faré desaparecer 0 despo- tismo de um homen sobre o outro € faré da liberdade um diteito ‘que 0s homens podem desfrutar. Ele no via incompatibilidade centre a liberdade © a igualdade, pois elas sto aspectos diferentes de luma mesina realidede. Através da luta pela liberdade consegue-se @ igualdade e vice-versa. Seus interesses sao idénticos ¢ insepard- veis. Por isso, sux pedagogia merece verdadeiramente © nome de liberal. Sua educa¢o emancipadora consiste, em primeiro lugar, fem organizar a cutura das faculdades intelectuais ¢ morais € asse- guré-la a todos, ao menos até o grau em que ela & necesséria para a independéncia. Ser independente € no s5, n0 sentido fisico, pro- ver por si proprio suas necessidades, mas também se bastar politica- mente ¢ poder exercer, por si mesmo (e sem se submeter cegamente A razio de outros), os diteitos garantidos por lei. A educacio 6 € emancipadora e digna de um povo livre na medida em que dé as criangas 0s conhecimentos que thes permitirio se bastar em todas as circunstincias (materiais, politicas e morais). Com relario aos deveres do Estado, ele deve dar apenas a instrugio. Uma intrugio piblica que deseja ser liberal deverd res- peitar escrupulosamente a liberdade de opinido. © ensino seri, de fato, liberal, se © mestre ensinar todas as doutrinas como se fos- sem opinies ¢ nfo ensinar apenas um credo como imposigo do po- der pico, pois a independéncia da instrugo fez parte dos direitos da espécie humana. Se 0 Estado néo tem direitos sobre a cons- ciéncia das criangas, tem o dever de expor todas as idéias para que cada uma escolha ivremente entre elas sem, entretanto, impor ne- huma crenga. As opinives religiosas devem estar disponiveis & es- colha das consciéncas independentes. Para isso, separa o ensino priblico do confessional, pois a instrugio que 0 clero dé nfo tem por objetivo 0 progiesso, mas scus interesses particulares. Os prin- ‘ipios mors a serem easinados so aqueles fundados na razdo ¢ A EDUCAGHO © A CONSTRUGEO DE UMA SOCIEEADE A8ExTA a {que pertencem a todos os homens. Assim, Condoreet reconhece ac Estado no 36 0 controle do ensino, como, também, a obrigacio de instruir, nfo a de educar, porque deixa a cargo das familias e dos padres a formacio das crencas religiosas, filoséficas ¢ morais. Estado deve easinar apenas as cifncias postivas. ‘A instrugfo piblica nfo deve deixar escapar neshum talento ¢ deve oferecer a todos os recursos reservados as ctiangas ricas. Para sso, deverd ser uma instrugdo gratuita. Em outros termes, para que o ensino piblico realize sua finalidade, que € asscgurar a todos (0 exercicio efetivo da igualdade através da instrugio, € preciso que seja gratuito, Para Condorcet, o que interessa € que toda crianga, qualquer que seja a sua condigto, possa usufruir integralmente do seu direito de saber. Mas cle viu, também, que a gratuidade ¢ insuficiente para estabelecer_a igualdade de instrugéo, porque 0 pobre precisa tra- balhar e nfo lhe importa a gratuidade do ensino se ele nfo pode ir 2 escola, Assim, a gratuidade no constitui, sozinha, uta meio efi- caz para a igualdade. Ela s6 se completaria se houvesse um siste- ma de pensies ¢ distribuicio de uniformes. Com a eclosio da Revolugio Francesa, Condorcet & eleito em 1789 deputado por Paris A Assembléia Legislativa depois eleito por citco departamentos & Convengao. Foi encarregado pelo Le- Bislativo de redigir um projet de decretos relativo @ instrugio pi- blica na Franga, mais tarde conherido como 0 seu famoto Rapport. Este foi lido ‘ina Assembléia Legislativa em 21 de abril de 1792, em nome do Comité de Instrugio Piblica. Em resumo, o Plano de Instrugo Pablica (Rapport) tinha os segilintes objetives: (a) Ensinar a todos 0s cidadios 05 conhecimentos necessérios 20 exercicio dos direitos comuns ao gozo da independéacia, que os colocario em estado de se conduzirem a si mesmos, sem recorrerem fa nenhuma razio estranha; de gorarem seus direitos naturis; de exercerem uma profissio remunerads — em poucas palavras, de nio dependerem seno de si mesmos nos atos ordindrios da vida econt- ‘mica, intelectual, moral ¢ social. Na pritica, este fim sera alcanga- do com a criagdo de um ensino elementar, comum a todas as criatu- ras, sem qualquer distingéo de ordem ou fortuna. Com eftito, € claro que uma sociedade que pretende assegurar aos seus membros © direitos naturais deve distribuir-hes igualmente os coahecimen- 2 oucagio © DESENVOLYIMENTO SOCIAL NO BAAS. {os sem os quais eles nfo podem conhecer nem exercer seus direitos Este minimo de conhecimento 4 0 objetivo necessirio da instrucdo celementar em um democracia, (>) Dar 2 cada um o saber técnico em vista de uma profis- sdo determinada. Esta instrugio técnica nio deveré ser idéntica ara todos. E preciso, ao contririo, diferencié-la em tantos cursos especiais quantas so as profissdes, ou, ao menos, grupos de profis- ses anilogas. Esta instrugio nao deve ser confundida com a pren- dizagem manual. Propde que numa parte desta instrucio, corres- pondendo a do's anos, seja inserido um certo némero de conheci men'os utlizdveis nas diversas profissées; na outea parte, correspon dendo 20 terceiro € quarto anos, os estudos devem ser organizados de mancira que cada aluno, tendo recebido a instrugio geral mais adequada 4 descoberta desenvolvimento de seus talentos naturais, ‘possa encontrar os cursos especiais que o preparario & profissio de sua escolha, (ec) Assegurar a cada um a cultura que desenvolverd plena- mente os diversos talentos pessoais. Para isso, € necessirio que a instrugéo varie segundo sua natureza e poteneial, que ela se diversifi que, por assim dizer, de acordo com cada individuo. € necessirio, Por outro lado, que ela seja proporcional zo tempo que cada um, Segundo sua situagto econdmica. possa dar aos estudos. & neces. sitio, entéo, obsewvar essas diferengas estabelecer diversos graus de insirugio de acordo com elas, de modo a que cada aluno per. corra mais ow menos graus, segundo o tempo de que disponha ¢ sua maior ov menor facilidade de aprender. Para Condoreet, quatro raus de insirugio parecem suficientes para assegurar esta cultura eral de todos 05 talentos © aptidées, dos mais modestos aos mais excepcionais. Propte que as crianeas pobres que mostrarem mais talento num dos graus de instrugo sejam convidadas a fazer 0 grav imediatumente superior as custas do Estado: sio os “alunos de pi- Iria” (Cleves de a patrie) ou bolsistas nacionais. (iv) LouisMichel Lepelterier de Saint-Fargeaw (1760-1793) foi um politico francés, eleito em 1789 presidente do Parlamento de Paris ¢ deputado da nobreza aos Estados Gerais. Gradativamente foi se tornando um adepto da Revolugéo. Em 1799 foi eleito pre- sidente da Assembléia Constituinte e depois deputado & Conveneao, quando, entdo. wtou pela execugio do rei. A ROUCAGRO BA COMSTRUGEO BE UMA SOCIEDIDE AMERTA “ © Plano Nacional de Educagio, concebido por Lepeletier, foi apresentado ¢ defendido por Robespierre na Convengic, em nome da Comissio de Instrugio Pablica, no’dia 13 de julho de 1793, apds 12 morte de seu autor. Embora aprovado pela Assembikia, nto foi posto em pritica, (© autor do Plano percebe que o sistema de educagio nacional € uma peca mestra do novo regime politico ¢ social. Lepelletier & Robespierre (que adoia inteiramente as idéias do primeiro) propoem ‘0s convencionais ajudar, desde a inféncia, na formagio do homem novo, liberado das serviddes da antiga ordem despética e da for- tuna. © projeto de Lepelletier defende muitos pontos de vista que fo- ram comuns aos demais projetos da época. Fala da gratuidede. igualdade e obrigatoriedade do ensino. Defende 0 dever do Estado fem promover a educa aé os 12 anos de idade e estabelece um programa de estudos onde nao hé lugar para a religido. projeto € bem um reflexo das idéias liberais no final do século XVI © pontos principais do projeto, aqueles que definem o pensa- mento do seu autor, sio os seguintes: (a) Todas as criangas serdo educadas as custas da Repiblica, (principio da gratuidude do ensino), desde a idade de $ anos até 12 anos para os meninos, ¢ desde 0s 5 até 11 anos para as menirss. (b) A educacio sera igual para todos; todos receberio a mes- ma alimentagio, as mesmas vestimentas, a mesma instrusdo € 0s mesmos cuidados (principio da iguallade que sera, para os alunos, nfo uma teoria, mas uma pritica efetiva) (c) Sendo a edvcucio nacional divida da Repablice para com todos, as criangas tém direito de recebé-Ia, ¢ 0s pais no poderio se subtrair a obrigagio de fazé-as gozar de’suas vantagens (principio o direito de todos & educacio © da obrigatoriedade escolar). (8) 0 objetivo da educazio nacional seri fortificar © corpo © desenvolvé-lo por meio de exercicios de gindstica; acostumar as ctiangas ao trabalho das mios; endurecé-las contra toda expécie de ‘cansago; dobré-las a0 jugo de uma disciplina salutar, formar-thes © coragdo e o espirito por meio de instrusdes iteis; ¢ dar conheci- Mentos necessérios a todo cidadio, seja qual for sua profissio (prin- cipio de orientagio concreta ¢ pritica) “ EDUCAGIO B BESENVOLYREENTO GOCHE NO AAAS (vil) Todos os tebricos do. pensamento liberal apresentados 406 aqui foram curopeus, um inglés © outros franceses. Mas nio Poderiamos deixar de mencionar um norte-ameticano, e mais recente, que atribui, também, & educagio, o papel de instrumento de equa. lizagio de oportunidades. 8 Horace Mann, o grande pensador li- beral que pode ser considerado um precursor de John Dewey nesta questo. “Nada, por certo, salvo a educato universal, pode con- abalancar a tendéncia- a éominagio do capital ¢ vilidade do trabalho, Se uma classe possui toda a queza ¢ toda a educapio, enquanto o restante da socie- dade € ignorante © pobre, pouco importa o nome que dermos a relago entre uns ¢ outros: em verdade © de fato, os segundos serio os dependentes servis © subju- ‘s2dos dos primeiros. Mas, se a educagio for difundida por igual, atrairé els, com a mais forte de todas as for- $88, posses e bens, pois munca aconteceu e nunca acon. tecerd que um corpo de homens intligentes e priticos Yenha a se conservar permanentemeate pobre(...) A educapio, portanto, mais do que qualquer outro instru- mento de origem humana, €a grande igualadora das con- digées entre os homens — o cixo de equilfbrio da ma- quinaria social(...). Dé a cada homem a independén- cia e 0s meios de resistir ao egoismo dos outros homens. Faz mais do que desarmar os pobres de sua hostilidade Para com os ricos: impede-os de set pobres” Assim, vimos que, embora entre os teébricos liberals, preocupa- dos com a educacio, houvesse alguns que defendessem uma posicdo slitista ou clasista com relago & educagio popular, havia também outros, como Condorcet, Lepelletier © Horace Mena, que viam a educagio como um diteito a ser garantido pelo Estado a todos, sem distingo de fortuna e justamente para diminut-la, Os primeiros, intxpretes especialmente da alta burguesia ¢ da aristocracia ilustrada, num certo sentido, eram fisis ao antigo dua- lismo liberdade-igualdade. Todos tém liberdade para se educar, mas ndo tém, igualmente, as mesmas condigdes, porque a realidade sécio-econdmica das diversas classes dentro da sociedade burguesa nfo Ihes permite uma mesma instrugo. Foram entio simplesmente A mpergio ws consraucio pe vaca socmDADE Asem 4s coerentes ao separar os tipos de escolas © até mesmo os tipos de instrugSo “adequados” a cada classe. , Os outros, no entanto, nfo apreseataram qualquer proposta de separagio de classe, pleiteando uma mesma e igual instragio. pare todos, visando 4 equalizacio de oportunidades, vale dizer, vistado A construgiio de uma sociedade aberta. 2 — A reconstrugéo social no pensamento pedagbgico © pensamento pedagégico sempre esteve impregnado da idéin de reconstructo individual no sentido do aperfeigoamento moral. Foi somente a partir da ascensio da burguesia como classe, na Ew ropa Ocidental, que o pensamento pedigésico passou a orientar-se ara a reconstrucéo social. © caminho foi muito longo. Talvez tenha se iniciado com Comenius que, no século XVII, postulou a possibilidade de se en- sinar todas as coisas a qualquer pessoa. E seu terino foi, provavel. mente, 0 pensamento de John Dewey ®, professor universitirio nor- te-americano que exercea grande influacia na pedagogia contem- Pordinea. Seu pensamento, deuominado “pedagogia da escola nova", apreseatava um modelo de escola (uma escola nova) que se desti ava a reconstrugo da sociedade. Em seu livro Democracia e edu. cacao, esse papel da escola é tratado de modo bastante explicito. Passamos a comenté-lo nos trechos que dizem mais respeito a0 nosso tema, © entendimento do papel social atribuido por Dewey & educa- so fica facilitado se partimos da sua critica a Platio. Este afir- ‘mava categoricamente que a posicéo de cada individuo na sociedade ‘no deveria ser determinada pelo nascimento ou pela fortuna ou por outro meio qualquer, a nfo ser pelas suas caracteristicas intrinsecas, descobertas no processo de educagio, Platio dizia que as pessoas se classficavam naturalmente em trés castas e, entio, a fungdo da educagio seria unicamente a de descobrir a qual delas pertence um dado individuo, Dewey contesta Platio por no ter reconhecido 0 caréter nico de cada individuo, cada um constituindo a sua prépria casta, haven do “a existincia de infinita variedade de tendEncias ativas ¢ de com images dessas tendéncias” ®. A pedagogia plat6nica seria uma 6 pvCAGIO E UESENVOLYIMENTO SOCIAL HO BRASIL maneira de estratificar a sociedade, consistente, alids com seu julga- mento sobre a mudanga social como sendo resultado da indiscipli- ra, pois a verdadcira realidade seria imutivel. Conclui entio Dewey que, & proporgio que a sociedade se torna democratic, deve orien- tar-se para a utlizago daquelas qualidades peculiares ¢ varidveis o individuo ¢ slo para sua cstratificagto em classes. O texto abaixo evidencia isto: “E indubitavel que uma sociedade para a qual seria fatal 8 estraificagio em classes separadas deve procurar fazer ‘com que as oportunidades intelectuais sejam acessiveis a {odos 0s individuos com iguais facilidades para os mes- mos. Uma sociedade dividida em castas necessita uni- ‘camente preocupar-se com a educagio da caste dirigente ‘Uma sociedad mével; cheia de canais distribuidores de ‘mudangas ocorridas em qualquer parte, deve tratar de fazer com que seus membros sejam educados de modo = # possuirem iniciativa individual e adaptabilidade”™ Este autor reconhece a dificuldade de existéncia dessa “socie. dade mOvel” ou “socitdade democritica’, pois, “(...) a presente orgunizacdo industrial da sociedade como toda sociedade que haja existide, cheia de iniqii dades. & objetivo da educaco progressista contribuir para atolir 0s privilégios indevidos € as injustas priva- S6cs, € no para perpetua-los. Onde quer que a dire- so socal importe na subordinagiio das atividades indi- viduals ds classes detentoras da autoridade existe 0 risco dde ser 8 educacio industrial dominada pela conformidade ‘com 0 status quo. As diferengas de oportunidades eco- némicas determinam compulsoriamente, nesse caso, as fu- turas profissdes dos individuos. Temos um inconsciente ressurgit dos defeitos do plano de Platio, sem seu inte- ligente método de selegao” Percebenios que Dewey, neste texto, reconhece a uificuldade de 8 sociedade produzit. espontaneamente, a demgcracia, isto é, fornar-se aberta. Ele aponta a tendéncia, esla sim espontane edvcacio ser utiizada como um meio de diferenciar os. indi de reproduzir as “iniqiiidades”. Mas, apesar disso, ele mostra o A noueagio £4 CONSTRUGIO OL UMA SOCIALE 4a caminho para # mudanga, isto é, para a utilizagio du educagio como tum instrumento de equaliza “O triunfo ou o mau éxito nessa realizagio ** depende mais da adogto de métodos educativos upropriados @ efetuar essa transformagio, do que de qualquer uti coisa. Pois essa mudanga € essencialmente « mulanga dda qualidade da atitude mental — uma mudunga eduea- tiva, Isto mao significa que podemos transformar 0 ca rater © 0 espirito com instrugao ¢ ctoriagio direta, inde- endentemente da transformagio das condigées indus- ial © politica. Essa concepgio colidiria com a nossa idéia bisica de que 0 cariter © o espirito sio atitudes criadas pelas nossas “respostas , pela nossa correspondén- cia em atividedes sociais participadas. Significa, sim, que devemos criar nas escolas uma projegio do tipo de sociedade que desejariamos realizar; e, formando 0s es Pititos de acordo com esse tipo, modificar gradualmente 08 principais ¢ mais recalctrantes aspectos da socied:de adalta”™ On seja, & medida em que a escola passar a produzir pessoas diferentes, estard contribuindo para a mudanga da sociedude, Se 4 estrutura interna da escola, bem como 0 conteado do curriculo forem orientados para um modelo demccritico, € certo que a sc ciedade reproduriré esse modelo, Mas qual & esse modelo segundo Dewey? Seria dificil transcrevé-lo todo aqui, pois apresenta nume- 30s componentes, a maioria deles desinteressantes para o tem que tratamos; como, por exemplo, 0 da relago professor-aluno o do material didético. No entanto, um desses componentes € extrema mente importante para o entendimento do pensamento pedagégice. Particularmente 0 da escola nova. € a questio da educacdo voca- ional, JA mostramos, numa citagdo cima, que Dewey reconhecia exis- tir “o isco de ser a educacdo industrial dominada pela conformi- dade com o status quo". Vamos, agora, focelizar com maior de- talhe sua anélise sobre essa questio. “E provivel que todo plano de educugio vocacional que tome como ponto de partida o regime industrial ora exis tente adote © perpetue suas divisbes e fraquezas, tornan Assim, fo seria uma mera preparagio para offcios ou para a progressio no sistema educacional visando a uma ilustrago distintiva. Se, de al- ‘gum modo, utiizarmos as possibilidades do desenvolvimento atual e futuro do educando, | “A Sinica preparacio adequada para as ocupagies & feita por meio de ocupagies” ®, A escola ndo deve ser um prolongamento das empresas, mas devemos “utilizar os fatores da inddstria para tornar a vida escolat mais ativa, experiéncia exercer a capacidade de readaptacio do aluno as condigées de © de desenvolvé-lo nos aspectos intelectuais, Tendo essas preocu- ppagdes, a escola provocaria duas repercussées: permitiria ao trabs nador nfo ficar “cegamente submisso a0 destino que fosse impos- to” ™, ¢ também faria com que os “representantes da classe social privilegiada’ atitude favordvel a descoberta nele de elementos culturais, e aumen- | tassem seu senso dos deveres sociais ®, Construir uma escola assim seria uma empresa dificil. Haveria vérias resisténcias. Dewey aponta as principais “Este ideal precisaria batalhar nio s6 contra a inércia das presentes tradigbes educacionais, como também con- EDUCAGZO E DESENVOLYIMENTO SOCIAL MO BRASIL se destarte um jinstrumento para encamagéo do dogma feudal da predestinagéo. Os que se acham em condi- ges de satisfazer os seus desejos exigirio uma profit. sto liberal e cultural, que prepare para o exercicio do Poder os dolescentes pelos quais diretamente se interes- sam. Dividir o sistema e dar a outros, em posigées me- ‘os favorecidas, uma educagdo consistindo unicamente em luma prepara¢do profissional especial é tratar a escola como um fator para transferir a uma sociedade nomi- nalmente democritica a antiga distingio entre trabalho © 020 de lazeres, entre cultura © ocupayées préticas, en tre espirito ¢ corpo, ¢ entre classe dirigente ¢ classe di- rigid” *, ‘no modelo proposto por Dewey, a educagto vocacional precieterminarmos a futura ocupagio dos adolescentes ¢ 4 educasdo para a sua preparagio, estaremos reduzinds mais cheia de significagées imediatas, mais associada a extra-cscolar”". A escola deve ter a preocupacio ‘de jumentassem sua simpatia pelo trabalho, tivessem uma A mpucAGTO B.A CONSTRUGZO DE UBA SOCIEDADE AREaTA ° tra a hostilidade daqueles que se entrincheiram no domi- rio da aparethagem industrial e que entendem que, caso se tomasse geral semelhante sistema educativo, ele con tituiria uma ameaca A sua faculdade de se utilizar dos outros individuos para a realizago dos seus préprics fins”, © pensamento de Dewey foi trazido para o Brasil por Anisio Teixeira, 0 maior dos educadores brasileiros e seu discipulo nos Bi tados Unides. Desde 0 inicio da déceda de 30 até o inicio da ée 660 (A excegio do periodo do Estado Novo, 1937-1946), Anisio Teixeira trabalhow intensamente dentro do Estado para que ele a sumisse a tarefa de reconstrusio social, utilizando para isso a escola publica, obrigat6ria ¢ gratuita Sua vasta obra pedagégica 6 toda voltada para a aplicagio do pensamento de Dewey. Escolhemes dois textos seus para exemplificarmos isso, aqueles em que trata jus- tamente do papel social que deve ser atribuido A escola para que cla posta mudar a sociedade. “A escola, de inicio aparelho aristocritico para aperfei- soar ¢ ilustrar os que tinham dinheiro e tempo para fre- qilenté-la, passou a ser aparclho de aivelamento politico € econdmico, destinado a preparar os bomens para pro- duzirem economicamente; ¢ agora visa, ambiciosamente, tornar-se © aparelno de equalizagio de oportunidades econdmicas ¢ sociais de cada individuo. Sociedade nova ¢ democrética como a brasileira, nfo a poderia conside- rrr senio feste ltimo aspecto. A escola nio esté a servigo de nenhuma classe, seja a dos consumiores pri- vilegiados da vida, seja a dos produtores ou indusriais, mas a servigo do individuo, procurando, gragas a0 pro- cesso de educagio, habilité-lo a participar da vida oa medida e proporg&o’ dos seis valores intrinsecos | Nesse “s escola € a grande reguladora social, seu programa inciui a corresio da maior porte das iniqii- Gades da atual ordem social ¢ 0 preparo de uma nova cordem mais estével © mais just. Isso nfo ¢ extremis mo, nem nenhum partidarismo sectério, mas reconheci- mento da fungdo social hoje proposta as escolas pébli- cas" © so AOUCAGIO E DESIAVOLVIMLAETO SOCIAL MO ARASIL “A escola regula a distribuigo social, Dai nao ser a educigdo mais do que um esforco para redistribuir os homens pelas diversas ocupagies ¢ meios de vida em que Se repartem as atividades humanas” * A Ieitura destes textos de Anisio Teixeira permite evidenciar 4 semelhanga de seu pensamento com o de Dewey. Explicitaremos isso apresentando 0 modelo subjacente « ambos, (i)_A tendéncia da presente ordem econdmica * & estabelecer uma sociedade organizada em classes onde algumas sio privilegiadas € Gutras niio. Aquelas organizam a educasao escolar de modo que cla reforce © sancione essa “inigiidade”. Gi) Entretanto, ndo é necessiriv que seja assim. A educa ‘Glo escolar tem uma certa independéncia dessa ordem iniqua, vale dizer, dos setores da sociedade que se beneficiam dessa ordem qua. Assim, a escola pode organizarse para produzir pessoas que vivam, na sociedade abrangente, segundo relagdes, concepgies € atitudes congruertes com uma sociedade aberta, isto €, onde haja cada vez mais igualdade de oportunidades. ii) © que torn isko possivel ol poder do Estado) neces rio para enfrentar as resisténias dos “covsumidares priilepiados Ga vida", dos “produtores industrinis” e da inércia dot proprios edu cadores. E preciso frisar que a necessidade do poder do. Estado ado € clara em Dewey, talver pels grande descenvalizaylo da auto. Tidade educacional nos Estados Unidos. onde 0 poder de decisho Sobre 0 funcionanento da escola esti no nivel local, no boon of education de tads county (iv) Implastada e generaizuls a escola nuva, a societade iti se tornande gizdaivamente aberta, 1850 no significa que no exir tirdo. mais diferengas entie individuos, que as lasses deixario. de cxisir.Signifiea, isto sim, que as classes sociais serdo abertas, que haveré. amplas possitilidades de que um individvo nescido em uma classe paste para outra, conforme suas qualidades intrinsecas, mant, festadas pelo prosesso educacional, suis motivagses as possibilt: dades objetivas (somo mercado de trabalho, par exemplo). Ea seconstrugio socia|_pela_ escola, Tendo sido spresentado © pensamento pedagdgico da excolt ova, através de John Dewey ¢-Anisio Teixcira, e evidenciady v A wwuengio & 4 constmugin ob UMA saci oun papel social atribuido & escola, podemos concluir que a peda- sogia (pelo menos a tratada aqui) € a expresséo mais completa e radical (no sentido literal da palavra) ‘daquela corrente do pensa- ‘mento liberal que s¢ orienta para a abertura das oportunidades, s0- ciais, na linha de Rousseau, Diderot, Condorcert e Lepelletier. 3 — Educagdo ¢ equalizaco no plano do Estado © estudo das metas do Estado brasileiro deisa claro o papel atribuido 4 educagio no desenvolvimento. © objetivo € a constru- glo de uma sociedade aberta no pais. definida como sendo aque'a onde inexistam barreiras objetivas que impecam qualquer individvo de realizar suas potencialidades pessoais. £ definida, também, pea institucionalizagao de um caminho adequado para a realizagio des- ‘sas potencialidades, que € a educagio escolar. Os textos sbaix0 expressam isso: “O ideal sera que cada um chegue ao grau mais elevado compativel com as suas aptidGes; quanto mais educado 0 ovo, tanto mais prospera a Naso; quanto mais educo- do 0 individuo, tanto mais capaz de viver em plenitude. E certo que razdes de ordem intelectiva impedirio que niuitos aleancem 0 topo, ainda que franqueada a todos a escada, Mas é certo, também, que nos dias de hoje © filtro econémico barra, ainda, a escalada de jovens promissores. Enquanto nao se puder abrir largamente as portas da educagio a cada um, © ineresse nacic- nal recomenda que se favoreca a ascensio cultural dos mais talentosos, os mais capazes de mobilizar a ciéncia a técnica em favor do progresso social. © unico ben que nagio alguma esti em condigdes de desperdigar & 0 talento de seus filhos. Mas © interesse social exige que ‘se eduquem os deficientes, no sentido de tornd-los, quan- to possivel, participentes de atividades produtivas. E. Hesse caso, 0 interesse fala mais baixo que os reclamos da eqilidade © da justiga”™ “G..) © grande impulso tomado pelo setor Educagio Geverd constituir forma poderosa de elevagdo da rends 2 EDUCAGIO B DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO DRAB. real das classes média e trabalhadora no presente ¢, principalmente, em futuro préximo” *, “Estamos certos de que a mago caminha para a constru- ‘eo de uma sociedade aberta, 0 que importa uma so- ciedade em que os cidadios se hierarquizam, nfo segun- do privilégios inaceitaveis ¢ injustos, mas segundo suas eapacidades © qualificagdes"™, “Se queremos construir uma sociedade aberta e reduzir as desigualdades individuais temos que universalizar as ‘oportunidades de acesso & educagaio” #. Passamos agora a comentar estes textos, clucidando o seu contetido. ‘A imagem da escola € a de um mecanismo pelo qual os talen- tos inatos sio transformados em habilitagSes cambidveis, por sua vez, fem renda, sob a forma de'salério ou lucro. A sociedade aberta ‘aquela que permite aos individuos de cada qualidade /quantidade de talento atingirem 0 seu degrau. A sociedade brasileira, no seu cs- tado atual, entretanto, nio € ainda completamente aberta, pois ha fatores que impedem a entrada (ou exigem a saida prematura) de muitos individuos da escola/escada antes de atingirem 0 “seu” de- grax. A ampliagio de atendimento e a diferenciagdo do sistema es- ‘colar far com que esses fatores deixem de ocorrer e isso se refle- tiré n0 aumento do nivel de renda das classes média ¢ trabalhadora, Assim, a ampliagio das matriculas e a diferenciagio (ensino adequado aos diferentes individuos ¢ mercados) do sistema escolar io instrumentos de desenvolvimento social, pois levam A construgio ‘de uma sociedade aberta. Nesse contexto, a educagio profissional passa a ter uma grande importincia, Ela é encarada como meio de se resolverem proble- mas graves como, por exemplo, o desemprego. Como disse um alto funcionério do Ministério do Trabalho, “no Brasil nko existe desemprego ¢ sim falta de qualificacio profissional que causa 0 subemprego”@. Visto assim, 0 desemprego deixa de ser uma consegiiéncia dos mecanismos impessoais, complexos, estruturais da economia, e se transforma numa caréncia de individuos. Na me dida em que haja uma agio do Estado no sentido da. superagio dessa caréncia, 0 desemprego, ou melhor, 0 subemprego, deixa de A mmueagio # 4 consmufo DE UMA socmDADE AnERTA 3 exists. Desta manera, fica eliminada mais uma barreira & igualfade de oportunidades no pals. ‘Mas a educago profissional nfo 6 destinada a resolver apenas ‘os problemas dos setores da populaclo com “falta de profissional”, ou seja, da classe trabalhadora. Para os sctores da populagto pertenceates a classe média ela € tida, agora, como um ‘meio de abertura de oportunidades. Em 1971 foi sancionada uma lei que reformava todo 0 ensino de 19 ¢ 2° graus no pais“®, Uma das suas principsis inovagtes foi & fusfo dos “ramos” de ensino médio existentes (secundério, in- dustrial, normal, agricola © comercial) num s6, todo ele profissio. foal, entio chamado de “profissionalizante”. principal objecivo ‘era fazer com que todos os jovens que concluissem o ensino de 2? gan ‘tivessem uma habilitago profissional. Com isso esperava-se resolver o problema dos concluintes que, ao fim da escola média, precisavam se candidatar a um curso superior a fim de conseguirem uma habilitagdo qualquer. Como o ensino superior é “naturalmente” seletivo, muitos tinham esse intento frustrado. Mas € preciso fri- sar que a preocupagio da nova lei com a profissionalizacio nko se restringe ao ensino de 2? grav, virtualmente destinado 4 faixa de 15-17 anos. Essa preocupagio atinge, também, o ensino de 1? grau, onde haveria uma “sondagem de aptidées” e até mesmo uma “ini. ciagio para o trabalho", esta conforme as necessidades do mercado de ‘trabalho local ou regional A profissionalizagio do ensino médio mais a extensio da esco- laridade obrigatéria de 4 para 8 anos foram encaradas como me- didas que resultariam numa abertura de oportunidades. Isso fica bem claro na mensagem do Presidente da Repiblica a0 Congresso Nacional encaminhando o anteprojeto que resultou na lei em ques- to: “Concorrerio essas medidas, juntamente com outras pre- Vistas no projeto, para romper es barreizas que ainda se opéem a plena difusio do ensino © para que se acelare © processo tendente a proporcionar a todos os elementos fundameatas para que, em igualdade de coodigbes: to ao aprendizado inicial, possam realizar suas aspiracSes © qualidades individuais” 4, ‘Mas o I Plano Nacional do Desenvolvimento jf nflo € tho Ctimista, Reconhece que as reformis educacionais podem no re- HOUCAGAD E ESENVOLVIMERTO. SOCIAL NO. BRASIL sultar nos objetivos visudos se nde forem relormados, também, outros setores da sociedade. © texto abaixo apresenta esti idéia com ‘muita clareza. Trata-se de uma passagem em que se apresentam as ‘duas implicagbes fundamentais, para a folitica educacional, das con- ccepg®es doutrinirias assumidas pelo Plano: @ convergéncia de um projeto de desenvolvimento, na direséo da consirucéo de uma soci dade democritice, com um projeto humano pessoal de cada indi duo. A primeira implicagdo decorrente dessas concepgdes & 4 "Co- ordenagao” entre a politica educacional e a politica econdmica. A segunda implicagio “(...) € a democraticagdo da educacio. Se, do. ponto de vists politico, afirmou-se a igualdade de todos perante 4 lei, economicumente reina, ainda, profurds desigual- dade, distribuinde-se a populagio em camadas de nivets muito diversos. Uma educagdo tecnicamente orientads para 9 desenvolvimento necessariamente mio. condue « luma sociedade Uemocritica. Pode. pelo contriio, cen: luar as distorgoes na repartigio da renda ¢ reforgar 0s priviligios © as desigualdades sociuis. Sem divida, & democratizugio econdmico-social transcende os poderes ds edueagio © depende de outras decisées politicus © outras estrategias™ ©, Eve manifesto nas ecliragdes oficiais © oficiosas de funcionarios do Estado, citados ‘mais acima, que atribuiam a ampliacdo da oferta dos sistemas esco- J lates 0 poder de superar as “distorcées” di sociedate. Mas essa primeira impressio fica deslocada pela continuagao do texto comen: tado que evidencia u convergéncia de cofiteudo com os demas Ato parece ser um freiv wo mimo otimista "Mas se 0 sistemu cducutiv6, por si $6, nw pode supri mir as desigualdades e neuttilizar-thes os efeitos, deve set orientado no sentido de contribuir para a correcio das injustigas © discriminagbes sociais. oferecendo a todos as oportunidades de formagio segundo capacida des" Assim, © planejamento do sistéma de ensino, orientado pelo Evado, fara com que a educagio escolar produza aquilo que espom: lancamente (por si s6) néo poder fazer: a equilizucie de oport A WWUCAGKO EA CONSTRUGKO BE UMA SOCIEDNDE AMEETA ss nidades educacionais de cada individuo, logo sociais, até © limite das. potencialidades 4 — Ideologia € realidade © exame do papel atribuido @ educagio para a construggo de uma sociedade aberta, pela doutrina liberal, pela pedagogia da es- cola nova ¢ pelo plano do Estado revela fortes tragos comuns ¢ al- gumas diferengas.retevantes. Comum € a atribuigéo A educagio do papel de instrumento de correcio das desigualdades injustas produzidas pela ordem econd- mica, encarada, entretunto, como nao sendo intrinsecemente injusta ou, ento, nfo sujeita a criticas, Ha um pressuposto, também co- mum, de que a educagdo no esti, ou pode nio estar ligada a ordem que produz as desigualdades. Dui a possibilidade de poder vir a ser utilizada para produzir algo diferente daquilo que a economia espontaneamente produ ‘Queremos comentar esse pressuposto € mostrar que, na recli de, ele € falso. No entanto, apesar de ser falso, © talvez por ciusa disso, desempenha um importante papel justamente na legitimecio da ordem econémica que produz as injustigas criticads, ‘Tomemos, para feito da andlise, © texto transcrito acim. co Plano do Estado, que diz que “o ideal sera qus cada um chegue vo) grau mais clevado_compitivel_com as suas aptidées"; mas ‘que razSex de ordem intelectiva impediro que muitos topo. ainda que franqueada a todos a escada”. Nossal ‘SE CoRcEPGHO consta de cinco pontos Primero, a efeata, “48 oportunidades de escolarizagéo, ndo € franqueade a todos. 0 atendimento do sistema educacional € extremamente desigual entie sas diversas regides do pais ¢, em cada uma, ehire as classes sociais. Seguido, mesmo onde ha maior atendimento, verifica-se uma grande desigualdade na qualidade da educagéo. Ora, 0 que conta, em ter- mos de qualificagio. é 0 produto da educacio, ¢ se esse € desipual. fem termos de qualidade. nio se pode dizer que hé iguallale de portunidades mesmo quando o atendimento do sistema escolar & amplo. “Tereeiro, as uptiddes das pessoas néo séo caracteristicas ‘imatas; a0 contririo, sio um produto da sua primeira educagio, as. Soclada as condigdes materiuis de vida no que se refere a alimenta- & 56 EDUCAGIO F DESENVOLYIBIENTO Sout. Mo BRASHL 40, a0 desenvolvimento psicofisiolégice, a0 desenvolvimento de certas destrezas que cada classe social tem como resultado da vida que leva. Assim, imaginar que as aptidSes sio inatas ignorar 0 ‘que produz essas aptiddes. Quarto, a educagio (escolar, no caso) est toda organizada para premiar as aptiddes desenvolvidas nas classes nfo trabathadoras da sociedade. Assim, os processos de avaliago, mesmo 0s consideiados “objetivos”, estéo voltados pare destacar os individuos que absorveram as aptidbes (e os comporta- ‘mentos, estados € manifestagées) “naturais”, “espontineas”, dessas classes como, por exemplo, o verbalismo e as “boas maneiras”. Quinto, dizer que sio “‘razdes de ordem intelectiva” que barram o rogresso (escolar) de alguns € dizer metade da realidade, vale di- zer, é dissimular a realidade. As “razdes de ordem intelectiva” sio expressdo de distincdes sociais prévias que assumem uma aparéncia desligada da sua origem. Esse desligamento aparente € reforcado pelo fato de que ha sempre uma certa quantidade de individuos oriundos da classe trabalhadora que progridem no sistema educaci nal. © que se esquece, sempre, & que esses individuos so exce- es cm nimero bastante reduzido em relago aos de mesma ori- gem. Esses cinco pontos sio suficientes para mostrar ** que os de- terminantes das diferensas intelectuais so as situagdes de classe. Assim, dizer que as diferengas intelectuais produzem as diferencas de claste € dizer, na realidade, que as diferengas de classe produzem as diferengas de classe, isto é, nada dizer. Mas, se essa colocagio é falsa, se ela dissimula a verdadeira natureza das coisas, por que continua em vigor na doutrina liberal, na pedagogia da escola nova ¢ no plano do Estado? Sua aparigo nesses discursos t2o distantes no tempo ¢ no espaso é uma simples coincidéncia? Se procurarmos o fio comam desses trés discursos, vamos cons- tatar que eles se referem a uma mesma realidade: a ordem econ6- | mica capitalista, isto €, a uma sociedade onde os recursos produ- tivos (ou a maior parte deles) € de propriedade privada (de certos Selores da sociedade) © cujo mével fundamental € a acumulagdo esses recursos para apropriagio também privada (desses mesmos setores). Essa ordem econdmica, pelos seus mecanismos prOprios, produz © reproduz quotidianamente as desigualdades entre as clas. ‘A EDUCAGIO E A CONSTRUGIO DE UMA S0CiEDADR ABERTA 7 ses socials. O que notamos que esses discursos lamentam 2s con- seqléncias dessa ordem econdmica, deitando intocados, entretanto, (05 mecanismos que as produzem. Paralelamente, imaginam ums ceducagio que venha a subverter essa “origem iniqua”, esquecendo ou deixando de dizer que essa mesma educagio, também pelos seus préprios mecanismos quotidianos, discrimina amplos sciores sociais ‘Ainda mais, fazem crer que 0 sucesso ou 0 fracasso escolares so produto nico das “razSes de ordem intelectiva", ou se, dissimulam {tanto 05 seus_préprios.mecanismos de discriminagéo quanto os da‘ ~% propria ordem econémica, Defisindo daquela mancira o papel social da educagio ¢ a sua natureza, essa concepcio desempenha uma importante fun;So ideo- logica: dissimula os seus proprios mecanismos de discriminagio 20- cial, legitimando, entio, essa discriminagio; atrai, também, para si, 4 preocupagio de setores descontentes da sociedade, que passam a vislumbrar na escola o instrumento de superagdo das condigées ma teriais consideradas injustas; com isso, livra de crticas a ordem eco- némica que produz ¢ reproduz essas condigdes. Essa fungao dissi- muladora da educagao fica revelada, paradoxalmente, nas. préprias palavras de Dewey, o formulador da pedagogia da escola nov, “(...) existe jé oportunidade para dar-se uma educagdo que, tendo em mira, em tragos mais salicates, 0 traba- Tho, reconciliard a cultura liberal com a educagio social- ‘mente ctl, com a, aptidio de compartir, eficientemente © com prazer, ocupagées produtivas. E tal educagio tenderé por sii mesma a eliminar os males da presente ssituacdo econémica. Quanto mais interesse ativo tiverem ‘0s homens pelos fins a que obedece a sua atividade, tanto mais livre e voluntéria seré essa atividade, perden- do sua exterior qualidade forcada e servil, ainda que Continue @ ser 0 mesmo 0 aspecto material de seu modo de trabathar” No entanto, alguém poderia perguntar se a educacio, embora Sendo atualmente um instrumento de diseriminagto social, nfo po- deria vir a ser um meio de equalizacio de oportunidades, apesar dessa ordem econdmiica e contrariamente a ¢la, E comum imaginerse que os mecenismos de discriminagio cxistentes no sistema educacional s4o conjunturais, acess6rios, pro- Gutos de ceréncias momentineas: falia de recursos para construir Ey EDUCAGIO E ORSEROOLYIMENT SOCIAL NO RRASIL mais escolas, para treinar mais professores, para melhorar a quali= dade do pestoal dozente, para melhorar 0 material diditico, para dar bolsas de estudos ¢, finalmente, para escolarizar mais cedo as scriangas da classe trabalhadora, a fim de diminuir os efeitos danc- 0s da educago familiar “insuficiente”. Essa crenga constitui mais um aspecto da fungio dissimuladora do pensamento educacional a respeito da verdadeira natureza dos seus proprios mecanismos. A anilise da realidade educacional do Brasil indo permite essa crenga. Havendo mais recursos (ma teriais, humanos ¢ financeiros), eles serio redistribuidos de um modo || tal que se reeditem os mecanismos de discriminacéo, como vem correndo na politica educacional. Acontece que u discriminagio 4 vai ficando, a cada passo, mais dissimulad: Para o observador desavisado fica muito dificil perceber esses mecanismos, ainda mai quando, como no caso brasileiro, as matriculus erescem » niveis ex- {emamente ator ¢ tanto mais inteasemente quanto mais elevado 0 # rau de ensino, Toda essa argumentacio nos leva a perceber que & essencial a nossa sociedade a fungio ideol6gica que tem a educagio de dissimu- Tar os seus préprios mecanismos discriminadores ¢ os da ordem eco. ndmica. Portanio, imaginar uma sociedade onde a educagio nio tenha essa fungdo significa imaginar uma sociedade onde a ondem scondmica nao produza ¢ reproduzs, quotidianamente, as dgsigusl- dades socias, Tratamos, aé aqui, dus semethungas entre os discursos da dou 4 trina liberal, da pedagogia da escola nova e do Estado. Passamos w trat agora, das suas dliferengas prineipais. A primeira prande Wifereriga é entre a pedagogiv da escola nova € politica edutucional no Brasil ™. Aquela critica ox tental de se utilizar 8 escola como instrumento de prepuracio para ocup [sBes, pois reconhece que isso reforcaria as diferengas de classe fentes. As classts que puderem arcar com os custos da educagio Particular procursrio uma formagio chumada “liberal”, isto é. des Provida de “utiliéade™ do ponto de vista ocupacional, # nio ser exercicio do poder. As demais restard a Gnica alternativa da for magio profissiondl, restringindo-se, assim as possiveis futuras opor- tunidades de ascenséo. A politica educacionil no Brasil. a0 con Initio, optow pelt profissionalizacio compulsoria no ensino de A eoveagho # A consrauglo oF UMA sociEDHOE meme 59 gundo grau © uma “iniciaso para o trabalho". no primeiro grat, festa, pouso definida, mas reveladora das possiveis conseqiéncias dliferenciadoras, na media em que a indica justamente para as sreas onde a escolarizago ¢ menos intensa, vale dizer, onde predomina (em termos relativos) a classe trabalhadora. Essa diferenga revela ‘que, no caso brasileiro, o papel discriminador da educagio.ndo foi, ‘ainda, completamente dissimulado *, A segunds grande diferenga € entre o plano do Estado ¢ a doutrina liberal, Esta apresenta seus principios de modo congrusa- te, particularmente no que se refere A democracia, como meca- rnismo de disputa pelo poder. em igualdade de condigées, e 20 papel da educacto como instrumento de equalizacio de oportunidades. A doutrina que legitima 0 Estado, no Brasil, tem pontos comuns ‘com © pensamento liberal, como o citado papel equalizador da educagio. No entanto, € aqui reside a grande diferenga, a caracteristica_auto- ritéria do Estsdo_maniém fechados_os_canais de participacio pol tiea “Essa jungio do papel equalizador da educagao com 0 uuto- Fitarismo € impossivel dentro do pensamento liberal, mes € perfei- lamente intelighrel se usamos o quadro de referencia apresentado in ideoligica da educasio, ibuido de instrumento de equalizacio ¢ a in- verso da sua verdadeira natureza. No Brasil. 0 fechamento dos canals de participacio tem sido necessério para que 0 Estado possa realizar a politica econdmica através da compressio salarial © do favorecimento as empresas multinacionais, o que néo seria possivel se houvesse ume representasio parlamentar e maior poder do legis- Iativ. “O regime de estabilidade politica ¢ instabilidade instve- fungdes bem conhecidas n0 plano 2). Eni primeiro lugar, garante a politica salarial. Segundo, garante a posigio as grances ‘empresas estatais ¢ paruculares (e 0 pacto entre ambas) 1Ro centro dinimico da economia. Terceiro, permite que © Estado controle 0 perfil di renda como insirumento a politica econémica de alta taxa de acumulagio, para © qual concorrem fortes investimentos externos. Quarto, ‘NEE no sentido de controlar indiretamente 2 cenda obtida pelo trabalho, parte dela convertida compulsoriamente em poupana™, o movcigio © DESENVOLYBEENTO HCL NO BAAS. ‘No entanto, simultinea e contraditoriamente, 9 Estado apresen- ta sua politica educacional que objetiva a construgdo de uma socie- dade aberts. Destoca, assim, as demandas da economia e da poli tica para a educarSo, poupendo-as de contestagfo, ou seja, aumen- tando a sua eficdcia “*, 5 — Conclusées ‘A anélise do papel atribuido a edueagio de instrumento de equalizagio de oportunidades, pela doutrina liberal, pela pedagogia da escola nova ¢ pelo Estado, mostrou ter essa atribuigdo a fungio ideolbgica de dissinular os mecanismos de diseriminacéo da propria edueagio, bem como os da ordem ccondmica. As desigualdades entre as classes socisis bem como a dissimu- Iago daquilo que 2s produz (pela educagio) s40 produto da ordem cconémica capitalista. © Estado que regulamenta, ditige e empre- fende a educago ¢ © mesmo Estado que regulamenta, dirige (em Parte, pelo planejamento) © empreende (em parte, através das em presas piiblicas © dos aportes de capital) a ordem econdmica, Deste modo, verificamos que a adverténcia feita por Luiz Pe- feira a respeito do uso da expressio “educagio para 0 desenvolvi- mento” € vilida para a expresso “educagio para a construgio de luma sociedade aberta”, podendo este lema ‘(...) tommar-se vazio de significago concréta © vir, por isso mesmo © por paradoxal que parega, a desempe- har fungées ideolégicas, como mais um dos recursos manipuléveis para retardamento de outras profundas ‘mudangas indispensiveis” *, notas ‘Oliver Cromwell Cox, “Da sociedade estamental & sociedade de clas- Sitcom bats Percn © Mariatice Forncchi, Educapdo e sociedade, Cin. (dior Nacional, So Paulo, 1964, -p. 263. [A moucAglO ® A CONSTRUGKO DE UMA sOCIEDNDE ABERTA a. 2 Harold J. Laski, O Hberaliemo europeu, Ed. Mestre Jou, 8. Paulo, 1973, p11. 3. Idem,» 12, 4. Voltaire, cite. por Laski, ob cit, p. 154, 5. Ob chp 1, 6 JeanJueques Rousseau, Do contrato sociel, Portuphia Péitors, Lit tos, 1968, p. 97. 7. dem, 132, & Idem, p 132, 9 dem, BANG. 10. Cromwell Cox, ob. ct, p. 267. 11.. Rousseas, ob, cit, p. 151. 12, Ver Max Weber, 4 tiica protestane © 0 expr do capitalism, capitulo 5, “A ascese © 0 empirito do capitalamo”, Livraria Pioveira Editors 13. Maria da Gléria de Rosa, 4 hiséria da educagto através dos textos Cultix, So Paulo, 1971, pp. 253-254, 14, Harold Lash, ob, ct, p. 66. 15. Idem, pp. 154455. 16. Idem, 3. 155, 17. Idem, p. 136. 18. Para maiores exclarecimentos sobre 0 pensamento de Condoreet aqui expesto, ver Francisco Vial, Condorcet y la educacién democraice, Ediciones de La Lectura, Badri, 1922, 19. Sobre o pensamento educacional de Lepelletir, ver Maria da Gléria de Rosa, ob. cit, p. 214 e segs. 20. Relatério de Horace Mann so Contetho de Educasio de Boston, BUA, 1848; citado por Anisio Teixeira, Eduesrlo ndo ¢ priviligo, Cia. Editors ‘Nacional, So Panlo, 1971, p. 54, 21. 1859 — 1952, 22, John Dewey, Demoeracia ¢ educaydo, Cia. Bd. Nacional, 8. Paulo, 23, Idem, . 96. 24. Idem, p. 94. 25. Idem, 26. A construrSo de uma sociedade onde todss as pessos so ocupam i lguma coisa que torne a vida das outras pessoss mals digea de set vivide, 5, POF cosseguinte torne mais perceptive or slot que ligam on individuos SS gj 80 fitima as trveras que oe ntanciam (Cl Dewey, ob. sit, 349)e e EDUCIGIO € DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO ARASIL 27, Dewey, ob. cit, pp. 349.380, 28 Hem, p. D0, 2. Mem, p. 351, 30. Adem, p. 30, 3h ddem, p38 32 Idem, p32. 3A Idem, pp. 342-359, 3M Hdem, p32. 3S. Asiio Tetra, Educopi pare « demscraia, Lvratia Joe Olympia Ediora, Rio de Janeio, 1936, pp. 352-353. Em trabulhor ponenores he, ‘Teixeira contirma ens colocagées. Ver seu Educatdn € ume ditcton Cie Faltora Nacional. Sao Paulo, 1968 36 Educ pera 0 democrivia, git po 24 37. Arisio Teistirs, como Dewey. referee 4 ordem econdmicn capite lista como sendo w erganizacio econtmica. Max cu teleréncin f cone implicit 7 MK Mininério

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