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Se bem que relativamentetardia, € complesa e matizada a rellexao husserliana sobre ‘a cultura e, em particular, o significado do Ocidente. Para Husser, a cultura filosica é a cultura da Razio, Nesse sentido, a Filosofia néo é europeia. elo contririo, éa Europa que ‘6 filoséfica, Ea grandeza da Europa flosdfica,o seu estatuto de *arconte” da Humanidade, no se confunde com qualquer projeto de dominio protagonizado por um povo, mas com ‘© modo como ela, na fnitude das suas formas de cultura, €0 fenémeno da ideia infnita de ‘uma cultura racional que pode, sem limites, tornarse a cultura de uma Humanidade univer sal, A supranacionalidade europeia nao seri, por iss0, um projeto de dominagZo para uso dos “europeus’, masa ideia de uma humanidade auténtica, congregada nas tareas infinitas de realizagio da Razio, que jamais poderdo alcangar uma forma final definitiva, apta para “uma repetigio regular ou pars uma imitagio puramente exterior. 0 optisculo sobre a crise «da humanidade europeta, de 1935, juntamente com os artigos para a revista japonesa Kaizo, de 1923-24, sobre renovagio, sio pega essencias da reflexdo de Husserl sobre a cultura ‘ocidental e sobre o papel dete-minante que neta desempenha a idea de Filosofia Sfo eles que se oferecem aqui, nesta primeira tradueio para Lingua Portuguesa, sob “o titulo genérico de Buropa: Crise € Renovacio. EUROPA: CRISE E RENOVACAO na Morfvia, atual Repiiblica Checa, em 8 de abril de 1859. Estudou Astronomia 1a Universidade de Leiprig entre 1876 € 1878. Em seguida, estudou. Matemitica, primeiro sobre a diregio de Kronecker e de C.Weierstrass,em Berlim, entre 1878 ¢ 1880, € depois na Universidade de Viena, de 1880 1882. F deste tiltimo ano o seu primeiro , trabalho académico: a dissertagio “Beitr ge mur Theorie der Variationsrechnung” (‘Contrbuigées para a Teoria do Céleulo de Variagdes"), Terd, em seguida, opomuni- dade de assstir a algumas ligdes de Franz Brentano nos semestres de vero de 1884- 1885 € 1885-1886, oportunidade que ha» | via de alterar radicalmente a sua postura | intelectual, levando-o da Matemética até a | Filosofia, Bstuda em Halle com Car! Stumpf | EUROPA: CRISE E RENOVACAO centre 1886 € 1887. Ai, na Universidade de Walle, inicia sua atividade docente como Privatdozent, entre 1887 € 1901, Mudzse | ‘em seguida para a Universidade de Gotinga, como auferordentlichen Professor, nela permanecendo até 1915, oa Ga www. forenseuniversitaria.com.br Ks Respite dite ster) jie © GEN | Grupo Editorial Nacional retine as editorss Guanabara Koogan, Santos, Roca, AC Farmacéutica, Forense, Método, LTC, EPU. e Forense Universitéria, que publicam nas reas clentifica, téentca e profssional, Essas empresas, respeitadas no mercado editorial, construiram catélogos inigualaveis, com obras que tém sido decisivas na formagéo académica e no aperfeigoamento de -virias geragées de profisionais e de estudantes d2 Administragio, Direito, Enferma~ gem, Engenharia, Fisioterapia, Medicine, Odontologia, Educagio Fisica e muitas outras. cigncias, tendo se tornado sindnimo de seriedade € respeito. Nossa missio é prover o melhor conteido cientifco e distribul-lo de maneira flexivel e pprecos justos, gerando beneficios eservindo a autores, docents,livr r0s, funcionsrios, colaboradores e acionistas. Nosso comportamento ético incondicional e nossa responsabilidad social e ambiental so reforcados pela natureza educacional de nossa atividade, sem comprometer 0 cres- cimento continuo ¢ a rentabilidade do grupo. Edmund Husserl EUROPA: _ CRISE E RENOVACAO Artigos para a revista Kaizo A crise da humanidade europeia e a filosofia De acordo com os textos de Husserliana V1 ¢ XXVII Editados por ‘Walter Biemel e Thomas Nenon / Hans Rainer Sepp. ‘Tradugao de Pedro M. S. Alves Carlos Aurélio Morujio Diretor cientifico Pedro M. S. Alves Aprovada pelos Arquivos-Husserl de Lovaina Centro ce Filosofia da Universidade de Lisboa awh, Rio de Janeiro 1 ABDITORA FORENSP se responsable pelos vicios do produto no que concern sus edi compre ndidst a lmpressioe a apresentagio 3 fn de posibiita a coasumider bem manased-lo ello, Osvcios relacionados 2 atualizagio da obra, 20s conceit doutindvis, is concepqSes ideologics © referncias Indevids slo de responsabildade do autor cou avalizador ‘Asrecamagies dever ser fetasaténaventa dia partir da compra even com {oat 26 da Lei n 8678, de 1.091930) = Teanstation from German language edition DIE KHISS DER EUROPAISCHEN WISSENSCHAFT EN UND DIE TRANSZENDENTALE PHANOMENOLOGIE by Edmund Huser Copyright © 1954 Kluwer Academic Publishers BV. -Kluer Academic Publishes B.Vie apart of Springer Sclncet Business Media All Righte Reserved, ase num conn com Spring VeriagoCento de ilo daUnveriad deLisos, detente shore cand panting praguns a qual eta gud do Pet de ego “Tradgio das Obra Hse te FT. sob rs de Petro MS Aes = Europa: crise e renovacio ISBN 978-85-309.5826 8 ‘Deretosexclusivos da presente digo para o Brasil Copyright© 2012 by [FORENSE UNIVERSITARIA um sel da EDITORA FORENSE LTDA. Uma editors ntegrante do GEN | Grupo Editorial Nacional ‘Travessa do Ouvidor, I~ 6 andae~20040-040 ~ Rio deJaneiro ~ RY “Tels: (OXX1) 3543-0770 ~ Fax (0X21) 3543-0896 bslacpintowgrpogen com br | www grupogen comb + O pula cos obra sje faudulertamentereproduida, dvulgoda ou de qualquer forma willaada poder requere a apreensto dos exemplaresreproduzidos ou sspensio da divalgago, sem prejuizo da inden 2asiocabivel (rt. 102 da Lei n. 99610, de 192.198), ‘Quem vender, exputervends, ocular, adquir dist, iver em depésit ou uslizar obra ox fonogra~ sma eproduzidos com fade, com a finlidae de vender cbter ganho, vantagem, provetolnro dito ox Indireto, pars sou para outem, ser soidariament responsivel com ocontafto, nos terms dos artigos precedente, respondendo como contaftores 0 impartidore distribudor em caso de reprodugso no stein (at 1 da ein 9.610098) 1 eaigdo = 2014 ‘Tradvtor Calos Audio Mora e Pedro M.S. Alves Direorcentifico Pedro M.S. Alves (CIP Brasil Catalogagto-na-omte Sindiato Nacional dos Editors e Livros, R. 196 Huser, Edmund, 1859-1938 Europe: crise e renovago:artiga pare a revita Ksio — a crge da humanidade europea @ 2 flosofa/ Edmund Hssr: taducio Pedro M. S. Ales e Carlos Aurého Morujie ~ 1 ed. ~ Rio de Janeiro: Porense Univers, 2014 176 pil. “Talagd de Die kris des eropiscen menschetms und de ploophie ISBN 978.85-309-5826-8 1. lost modetea. 2. Clncia-Flosofia. 3. Rrnomenologa 4. Tanscendentalismo, [Titulo 14-1408, cpp: 190 Du INDICE GERAL Introdugéo na Traducio Portuguesa. ‘CINCO ARTIGOS SOBRE RENOVAGAO.......... Renovagao. Seu Problema e Método © Método de Investigagio da Esséncia Renovagao como Problema Ftico-Individual 1. Formas de vida da autorregulagdo enquanto formas prévias da vida tica, Intro- dugio a0 tema : ‘A. O hiomem como ser pessoal livre B, Formas de vida especificamente humana e formas p lagio ... M.A forma individual de vide auténtica-humanidade ‘A. Génese da renovagio enquanto autorregulacio absoluta e universal. Razio, felicidade, contentamento, conscigncia ética B.A forma de vida humanidade auténtica C.Bsclarecimentos e complementos Conclusio Renovacao e Cigncia ... L.A essénca, a possibilidade de uma verdadeira comunidade de cultura 11. A forma de valor superior Humanidade-propriamente-humana ....... Tipos Formais da Cultura no Desenvolvimento da Humanidade 1. Os niveis da cultura religiosa . oe . A.A Religido “que despertou naturalmente” .... B.A figura do movimento de liberdade religiosa CA figura cultural religiosa da [dade Média... TL. Os niveis da cultura cientifica . ‘A.A figura do movimento filoséfico da ibertacio. A esséncia da auténtica Ciencia. : B. Apreparacio da figura cultural losfiea na Greek tica Ciencia citieteetieeeees Os dois niveis da auten- vir mu 4 a 31 35 39 40 50 52 33 65 7 a n 76 7 7 34 €.0 desenvolvimento da figura cultural filos6fica na Idade Média e aa Moder- nidade nena votes a 07 ACRISEDA HUMANIDADE FUROPEIA EA FILOSOFIA -.c ccs. 113 INTRODUGAO NA TRADUGAO PORTUGUESA Teese cess 15 u wl CON Co nm en en A hws 153 Se bem que relativamente tardia, é complexa ¢ matizada a reflexio husserliana sobre a Cultura e, em particular, o significado do Ocidente, GLOSSARIO ALEMAO-PORTUGUES sone 155 Ela desenvolveu-se sobretudo nas décadas de 20 e de 30 do século XX, ‘eve, porém, o seu inicio por ocasido das vicissitudes da Primeira Grande Guerra ~ catastréficas para a Europa no seu todo e, para Husser!, também draméticas no plano pessoal, com as mortes de seu filho Wolfgang, em 1916, no campo de batalha de Verdun, e de Adolf Reinach, seu discfpulo, em 1917 -, nas célebres ligdes sobre Fichte, proferidas em Friburgo, no ano de 1917, ¢ repetidas por duas vezes em 1918. Os dois opiisculos aqui reunidos ~ os artigos para a revista japonesa Kaizo, de 1923-24, e a confe- réncia de Viena, de 1935 -, apesar da distancia temporal de mais de uma década, sao pecas essenciais de uma mesma reflexdo e apresentam uma unidade e complementaridade assinaliveis Neles, duas ideias funcionam como motivos permanentes de refle- xo. Elas coatém, mais que um diagndstico acabado, uma identificagio dos sintomas a partir dos quais serd possivel compreender o destino da cultura europeia e agir tempestivamente sobre a sua situagao presente. Sio elas as ideias de crise e de renovagao. “A Europa esté em crise’, “Algo novo deve suceder” ~ tais sao as duas afirmagées terminantes que Hus- serl faz, em unissono com muitos outros pensadores contemporineos, no inicio da conferéncia de Viena, de 1935, e no primeiro dos artigos para a revista japonesa Kaizo, de 1923. Elas so o centro de gravidade de todo 0 pensamento de Husserl nestes dois opisculos. Essas ideias de crise e de renovagao estao, porém, ligadas de uma maneira diametralmente oposta tanto ao modo costumeiro de relaciond- vi -las como & maior parte dos diagndsticos hodiernos da cultura europeia, muitos deles célebres. Desses tilt 105, mencionemos apenas dois casos, que esto a mon- tante e a jusante destes opuisculos husserlianos que ora se publica, Pri- meiro, o de Oswald Spengler, em 1918, com a longa obra intitulada A Decadéncia do Ocidente. Esbogo de uma Morfologia da Historia Mundial, onde um biologismo da cultura, totalmente contrério ao pensamento de Husserl, anuncia a desagregaco e a morte da cultura ocidental, Uma © outra vez, na conferéncia de Viena e no primeiro artigo para Kaizo, Husserl alude a esta tese e toma distancia relativamente a esta concepgao global a respeito do destino do Ocidente. “Por razdes essenciais, nao ha nenhuma zoologia dos povos’, diré em um passo significative da confe- encia de Viena. De seguida, e em um contraste ainda mais vivo, é instrutivo men- ‘cionar aquele diagndstico que, em 1936, em plena maré nazista ¢ fascista, Heidegger havia de fazer em Roma, sob o titulo A Europa e a Filosofia Alema, uma conferéncia que faz. um diptico a negro com a de Husser! em Viena, proferida apenas um ano antes, e onde se torna patente que Heidegger nao ¢ apenas o “antipoda filosofico” de Husserl no quadro das discussées de escola sobre Fenomenologia, como este uma vez confessou, ‘mas 0 seu completo oposto no que diz respeito &s questdes m: Cultura, da Politica e da Civilizagao, Heidegger termina sugestivamente a sua conferéncia com um célebre fragmento de Heraclito sobre polemos, vastas da a guerra ou o combate. E bem significative que polemos, aquele que, nas, palavras de Heréclito, expde a uns como douloi, servos, ¢ a outros como eleutheroi, livres, seja, nas palavras de Heidegger, aquele que expde uns homens como escravos (Knechte) e outros como Senhores (Herren). Ora, para Senhor, neste sentido preciso do dominio sobre outrem, os Gregos usavam a palavra despotes, e a relagio de senhorio e servidio ¢, na sua origem, uma relagio que se desenvolve na esfera domestica do oikos. Que esta ndo seja a experiéncia origindria da liberdade para os Gregos, é 0 que vit ‘© atesta o célebre verso de Menandro: “Na Casa {oikos], 0 tnico escravo & ‘0 Senhor [ddespotes]”. A experiencia grega da liberdade (da eleutheria) e do ‘seu contrario, aservidao, é, antes, a experiéncia da insergao do individuo nna vida da polis ¢ do seu surgimento como cidadao, na igualdade com os dlemais, $6 no miituo reconhecimento da igual liberdade de todos pode cada um ser efetivamente livre. E este o terreno, “politico” por exceléncia, da liberdade des Gregos, que implicava, na época classica, os direitos po- icos muito concretos de, por exemplo, falar e votar na Assembleia, ser E por referéncia a ele que se deve compreender a privacao de liberdade prépria do escravo. A tra- arconte ou nomear os magistrados, e outro: dugio de eleutherios por Herr, ou seja, a submersio da liberdade politica na esfera das relagdes de dominio ¢ servidao, é ndo s6 uma perversio do que significa liberdade para os Gregos, mesmo para um “pré-classico” como Heréclito, como uma flagrante confissio do que ela estava signifi- cando para o Heidegger de 1936. Bla era, como a conferéncia o diz logo no inicio, © destino do povo alemao para um projeto de autoafirmacao, conjugando as ideias de defesa perante “o asiatico” (certamente o nome moderno para os barbaroi de outrora, que incluia, por junto, a Russia bolchevista e os judeus europeus) e de superacio do “desenraizamento” € “fragmentacao’ da Europa. Coisa completamente diversa tinha Husserl para dizer acerca da Filosofia e da supranacionalidade europeia, em 1935. A cultura filosé- fica é a cultura da Razao. Nesse sentido, a Filosofia nao é europeia. Pelo contrario, é a Europa que ¢ filoséfica. E a grandeza da Europa filoséfica, 0 seu estatuto de “arconte” da Humanidade, nao se confunde com qual- quer projeto de dominio protagonizado por um povo, mas com 0 modo como ela, na finitude das suas formas de cultura, é o fendmeno da ideia infinita de uma cultura racional que pode, sem limites, tornar-se a cul- tura de uma Humanidade universal. A supranacionalidade europeia nao sera, por isso, um projeto de dominacao para uso dos “europeus’, mas a ideia de uma humanidade auténtica, congregada nas tarefas infinitas x de realizagao da Razio, que jamais poderao alcangar uma forma final ¢ definitiva, apta para uma repetigio regular ou para uma imitagio sem critério. E justamente neste contexto que a ideia de strenge Wissenschaft, Ciencia Estrita, é relevada por Husserl como o lugar de realizacao de uma cultura auténtica, articulada nos planos da vida cognitiva, ética e social. Neste contexto, nao tem qualquer sentido a acusa¢do, muito dissemina- da, de um “eurocentrismo” de Husserl. Antes de afirma-lo, seria, de fato, importante esclarecer 0 que a Europa verdadeiramente é, para Husserl, e de que é ela a fenomenalizacao, Nessa perspectiva, compreende-se que 0 modo como, nestes optisculos, as ideias de crise e de renovagao aparecem conjugadas cho- que também, como dissemos, com a forma costumeira de pensé-las, ‘Nao se trata, para Husserl, da verificagao, no plano fatual, de uma crise qualquer da Europa que impusesse uma inovagao na sua cultura ou, mais fundo ainda, um novo comego diante da suposta faléncia do cami- nho até entao percorrido, Nao se trata, pois, com 0 tema da crise, da ve. rificagao de um fracasso da cultura da Razao. Pelo contrario, trata-se de renovagao, nao de inovagao. E a renovacao nao é resposta a faléncia de um projeto. Ela consiste, antes, no regresso ao sentido original da cul- tura europeia e no cumprimento da exigéncia de constante renovacao que lhe é insita, ou seja, de constante reatualizacao do seu ideal de vida Em suma, a crise detectada nao é culminagao de uma trajetéria da cul- tura europeia que se revelaria, por fim, invidvel, mas um abandono de rumo; e a renovagao exigida nao é, por isso, reinvengao, mas regresso € repristinagao. Husserl aponta com clareza o ponto em que crise se ori- ginou: sua demasiado estreita, sob o padrao das ciéncias mateméticas da Natu- rata-se de um transvio da racionalidade, de uma interpretagdo re7za, com as inevitaveis consequéncias do naturalismo e do objetivismo na compreensio da esséncia da subjetividade. Esta limitagio da forma de uma cultura racional esta apelando, do ponto de vista de Husserl, nao para um abandono da matriz racional de uma cultura auténtica, x mas para um “superracionalismo” e para um “heroismo da Razio’, que possa restabelecer as conexdes perdidas entre racionalidade e vida e vencer, assim, essa situagio critica atual de desespero perante o siléncio da Razio no que respeita aos problemas mais fundos da subjetividade e da vida humana. Dar a forma de uma cultura racional a vida ética indi- vidual e comunitéria, surpreender a renovacdo como exigéncia basilar da humanidade auténtica, que a poe na rota de uma progressio ilimita- da em ditecdo a um polo que “reside no infinito’, fazer também para o eidos Homem 0 que as ciéncias matematicas fizeram j4 para a Natureza, segundo a forma peculiar da racionalidade prética, imperativa e nao apenas assertiva — eis 0 que se imp@e para a ultrapassagem da “crise das ciéncias’, crise que nao resulta de um falhanco da racionalidade cien- tifica, mas do seu estreitamento e de uma compreensio unilateral sua, metodologicamente moldada sobre o eidos Natureza. A sétie de cinco artigos sobre renovacao foi motivada por um con- vite da revista japonesa Kaizo, feito através do seu representante T. Akita, em 8 de agosto de 1922. O convite enderecado a Husserl seguiu-se aos convites feitos a Bertrand Russell e Heinrich Rickert, e foi certamente motivado pelo fato de o pensamento de Husserl conhecer, na altura, gran de divulgagao entre os circulos filoséficos japoneses, suscitando mesmo a visita frequente de estudantes e docentes a Friburgo, onde assistiam as suas licdes e seminirios. No outono e no inverno de 1922/1923, Husserl entregou-se A preps: ragdo da sua contribuicdo. O nome da revista, Kaizo, que significa pre- cisamente renovagio, deu-lhe oportunidade de recuperar de uma forma istemdtica uma multiplicidade de reflexdes sobre a Ftica e a teoria da cul: ‘tra que haviam sido despoletadas pelos acontecimentos trauméticos da Primeira Grande Guerra, colocando, nomeadamente, a problemtica Etica x! sobre um novo enfoque relativamente As ligdes de Etica de 1908/1909. projeto desde cedo se desdobrou em uma série de artigos. A 14 de de- zembro de 1922, Husserl comunica a Roman Ingarden que escreve nesse momento “quatro artigos sobre problemas ético-sociais (renovagio) para uma revista japonesa”: Os trés primeiros ficaram concluidos em janeiro de 1923, em versao impressa. E nessa data que Husserl os envia para 0 editor. © primeiro apareceré no mesmo ano em edigdo bilingue. Os se- gundo e terceiro artigos surgirao em 1924, apenas na traducao japonesa. Para todos eles, desconhece-se a identidade do tradutor. Por forca de discordancias, entretanto, surgidas entre Husserl e o editor, os dois artigos remanescentes da série prevista por Husserl nunca chegaram a aparecer. Deles, existe apenas a versio manuscrita, sem clara indicacao da ordem por que deveriam ser publicados, ¢ 0 artigo que, na presente edigao, surge em iiltimo lugar nao esta sequer terminado. A conferéncia de Viena sobre “A Crise da Humanidade Europeia e 2 Filosofia” tem também uma génese ocasional, apesar da extraordinéria eficacia que o tema da crise das ciéncias ter na derradeira fase da ativida- de de Husserl. Em marco de 1935, o Kulturbund vienense convida Husser! para proferir uma conferéncia. © convite é aceito, em pleno trabalho de preparacdo da contribuicdo para o Congresso de Praga, promovido pelo Cercle Philosophique de Prague pour les Recherches sur I'Entendement Hu- main. A 5 de maio, Husser] desloca-se para Viena, passando por Muni- que. No dia 7, pelas 20 horas, a conferéncia é dada na sala de conferéncias do Osterreichisches Museum. Mais uma vez a Roman Ingarden, Husserl diré que venceu a fadiga e que falou ‘com um sucesso inesperado’, Por forca dessa recepgio, a conferéncia sera repetida a 10 de maio, A.19 de junho, Husser! confidencia a Dorion Cairns que trabalha na conferéncia dada em Viena, melhorando-a do ponto de vista literério, aprofundando-a e fundamentando-a “para leitores alemaes”, O resultado desta reelaboracao permaneceu, porém, inédito. Deste cadinho havia de sair o que seria a derradeira, e para muitos decisiva, obra de Husserl, 0 xi seu verdadeiro testamento filoséfico ~ A Crise das Ciéacias Europeias ea Fenomenologia Transcendental, aparecida em 1936. A presente edigao segue o texto publicado na colegio Husserliana. Assim, para os cinco artigos sobre Renovaco, a tradugao tem por base 0 volume XXVII, intitulado Aufsdtze und Vortriige (1922-1937), editado por Thomas Nennon e Hans Rainer Sepp, e publicado em Dordrecht pela Kluwer Academic Publishers, em 1989. Os artigos traduzidos ocupam, nessa edigao, as paginas 3 a 94, sob o titulo geral Fiinf Aufsitze tlber Er neuerung. A traducao da Conferéncia de Viena basek de Husserliana, intitulado Die Krisis der europaischen Wissenschaften und se no volume VI die transzendentale Phinomenologie, editado por Walter Biemel e publi- cado em Haia por Martinus Nijhoff, em 1962. A conferéncia figura, nessa edigdo, como um texto complementar, sob 0 titulo Die Krisis des euro- piiischen Menschentums und die Philosophie, entre as paginas 314 e 348, A tradugéo que cra se apresenta resultou da colaboracao entre Pe- dro M.S, Alves e Carlos Aurélio Morujao. Da responsabilidade de Pedro M. S. Alves é a tradugéo dos quatro primeiros artigos sobre Renovacao e da Conferéncia de Viena, Carlos A. Morujo traduziu o quinto artigo sobre Renovacio. Nesta edigdo portuguesa, mantém-se entre <> e a negrito as pagi- nas da edigio da Husserliana, As palavras que aparecem entre <> sim- ples, sem negrito, sao insergdes dos editores da Husserliana, motivadas por faltas de particulas de ligagao (principalmente conjungées) ou por auséneia de titulos cm algumas subdivisées do texto, lacunas que foi necessario colmatar. As notas dos tradutores estao assinaladas pela sigla [N-T: Nota do Tradutor]. As anotagdes dos editores da Husserliana esto assinaladas pela sigla [Nota da Hua]. As notas do proprio Husserl estéo assinaladas por (N.A.: Nota do Autor). Completa esta edicdo portuguesa xl um Glossério Alemao-Portugués, onde as principais opgées terminolé- gicas sdo expressamente indicadas, Por fim, seja dito que 0 titulo deste volume, A Europa sob o Signo da Crise e da Renovagao, & da responsabilidad do diretor desta colesao de Obras de Edmund Husserl. Pedro M, §, Alves x CINCO ARTIGOS SOBRE RENOVAGAO r— cw RENOVACAO. SEU PROBLEMA E METODO! Renovacio é 0 grito de chamada geral no nosso doloroso presente, € €-0 no dominio de conjunto da cultura europeia. AIGUGEE que devas- tou a Europa desde o ano de 1914 e que, desde 1918, apenas preferiu, em vex dos meios de coacao militares, os meios “mais refinados” das torturas da alma e das misérias econdmicas moralmente dey b Todavia, esta descoberta significa precisamente a obstrugao da sua forca impulso- ra mais propria. Uma nacdo, uma humanidade vive e cria na plenitude das forcas quando é transportada por uma crenga impulsionadora em si mesma ¢ em um sentido belo e bom da sua vida de cultura; quando, por conseguinte, nao simplesmente vive, mas antes vive ao encontro de uma grandeza que tem diante dos olhos e encontra satisfagio no seu sucesso progressivo, pela aii de valores auténticos cada ver. mais elevados. GABAA que nos clevou, a nés ¢ @ nossos pais, ¢ que se trans- mitiu as nagbes que, como a japonese, s6 nos tempos mais recentes se juntaram ao trabalho da cultura europeia, esta crencd(@O QUE PEERED 1 Primeiro artigo para 2 revista Kaizo. Aparecido inicialmente em The Kaizo, 1923, Caderno 3, p. 84-92 (texto original) e p. 68-83, traducio japonesa [Nota da Hua) <4> Se ela jd se tinha tornado vacilante antes da guerra, desmoro- iouueselagoraleompletamenteyComo homens livres, estamos perante este fato; ele deve determinar-nos do ponto de vista prético. De acordo com isso, dizemos: {J MOve deve bucede maw suceder em nés e através de nés préprios, através de nds enquanto membros da Hhumanidade Vivendo neste mundo) dando-lhe forma através de nds e re- cebendo forma através dele. Sera que deveremos aguardar para ver se esta cultura nao sana a partir de si propria, no jogo de sorte entre as suas for- gas produtoras e destruidoras de valores? Deveremos promulgar a “deca- déncia do Ocidente” como um fatum que se abate sobre nés? Este fatum 36 0 é, porém, se o olharmos passivamente - se passivamente o pudermos olhar. Mas isso nao o podem nem mesmo os que no-lo anunciam. Somos homens, sujeitos de vontade livre, que engrenam ativamente no seu mundo circundante, que constante e conjuntamente 0 configuram. Quer queiramos quer nao, mal ou bem, fazemos assim. Nao poderemos também agir racionalmente, ndo estarao em nosso poder a racionalidade eaeexceléncia? Esses sio OBERNOSUMIMENEDD objetardo certamente os pessimistas ¢ os adeptos da “Realpolitik”. [NARIS6 Nie itive ia Yona IONE é jd um ideal inatingivel para o individuo singular, como quereriamos nds empreender algo semelhante para a vida comunitéria, nacional, para a humanidade ocidental no seu todo? No entanto, que dirfamos nés a um homem que, por causa da inaces- sibilidade do ideal ético, abandonasse os objetivos éticos e no assumisse como seu o combate ético? Sabemos que GS ESRB tanto quanto seja sério e continuado, {SiH tds as CiPCUNStAnCIaS) Gin SighiniCad EHAGOE MeVAlOTESI Ue é mesmo ele que eleva, por sis6, a personalidade combativa ao nivel da verdadeira humanidade. Quem negaré, além disso, @)possibl dade de um progresso ético continuado sob a direc3o do ideal da razio? Sem nos deixarmos desorientar por um pessimismo pusilanime e por um “realismo” sein ideais, aS) UEVERGS Han inCOnSGeRaaMEATe @SMollmsposWED precisamente o mesmo também para os “homens em ponto grande’, para @S\gOHtinidades isis Wlatgadaele par aslarguiseia ‘mas, e deveremos reconhecer como uma exigéncia ética absoluta uma semelhente disposicao para 0 combate em direcio a uma humanidade melhore a uma auténtica cultura <5> Assim fala de antemdo um sentimento natural que, manifes- tamente, se enraiza naquela €Sal6giapIaOnien Entre O NOMeMSingULD @aleSrmRIGAdA STnalogia nao é de modo algum, porém, uma ideia plena de espitito ocorrendo nos filésofos que sobem muito além do pen- samento natural, ou mesmo dele se perdem, mas ada ase gUeW Ee presséo de uma apercepgo quotidiana que desponta, de modo natural, das atualidades da vida humans. Na sua naturalidade, ela mostra-se tam- bém como G@ffipre Metenmninante)para) por exemplo, GUAe TUCO de juizos politicos de valor, nacionais e mundiais,e como motivo para as correspondentes agdes. Todavia, serdo as apercepgdes naturais desse tipo, ‘¢s tomadas de posi¢do emocionais que elas suportam, um fundamento suficiente para reformas racionais da comunidade, e justamente para a maior de todas as reformas, que deve renovar radicalmente e por inteiro ‘uma cultura humana como a europeia? A crenga que nos preenche ~ que & nossa cultura ndo é consentido dar-se por satisfeita, que €la)DOUCE UNE ser reformada através da razio ¢ da vontade humanas ~ 6 pode, portan- to, “mover montanhas” na realidade ¢ nao na simples fantasia quando se transp6e para pensamentos sbrios racionalmente evidentes, quando estes levam a uma completa determinidade e clareza tanto a esséncia ea possibilidade do seu objetivo como 0 método para realizd-lo. Com isso tia ela, por vez primeira e para si mesma, o seu {GiiGamventO ae juSEn @ROTAEOAAD 56 esta clareza intelectual pode convidar a um t€@Ballid GBBILOR. pode dar & vontade a resolucdo e a forca impositiva para ad@ao {bertAGDTD 56 0 seu conhecimento pode tornar-se um bem comum fir- me, de tel modo que, sob a atuagio conjunta da mirjade dos convencidos ‘por uma tal racionalidade, as montanhas finalmente se movam, ou seje, ‘o movimento simplesmente emotivo da renovacio se transmute no pré- prio processo de renovacgo. Contudo, €$sa clareza 8018) de modo nenhum, facil de ober. Aque- Je SERSRISMONe que falamos e 2 GRipUBEREIA/AASORSTICAPOMCS, tao fatidicamente dominante no nosso tempo, que se serve da argumentagao ético-social apenas como cobertura para os filiS|egoistas Ge\UnInaCIOna GMOOMPLCMER LC MeBENERAAD, no seriam de modo algum possiveis se GEGHEEHOSMECORURIGAAEnaturalmente formados, ndo estivessem, pese embora a sta naturalidade, @f@{dos pOrNONZOnteS OBSELISS, por mediagdes enredadas e encobertas, cuja explanacao clarificadora ultra- passa completamente a forca do pensamento néo exercitado. Apenas a Ciéncia Estrita pode, aqui, <6> criar métodos seguros ¢ resultados fir- mes} apenas cla pode, por conseguinte, fornecer GfabalNGREGHCOIPEVIO de que uma reforma racional da cultura esté dependente. Todavia, encontramo-nos aqui em uma grave situacdo: pois (GB éncia que nos deveria servir, procuramo-la nés em vio. Nisso, aconte- ce-nos o mesmo que ém toda a restante praxis da vidaleomunitadls, 2 saber, quando preferimos fundar, de um modo seguro, os nossos juizos POLLO NEES) de politica externa ou nacional, ¢fijunijeonhecimento de causa e procuramos retirar algum saber de um ensinamento cienti- fico que nos pudesse libertar, neste mundo pesado de consequéncias da vida comunitéria, do estado primitivo da representagio e da acéo ins- fintivay tradicional eVaga Ciéncias grandes e sérias sobreabundam na nossa época. Temos ciéncias “exatas” da natureza e, através delas, aquela * tdo admirada técnice da natureza que deu & civilizagao moderna a sua poderosa superioridede, mas que teve seguramente também, como con- sequéncia, danos muito lastimados. Seja como for, flestalesfera técnic® natural do agir humano, a Ciéncia torna possivel uma verdadeira racio- alidadelprALIES) e fornece o ensinamento prefigurador do modo como ‘a Ciéncia em geral se deve tornar a candeia da prética. Todavia, @@lfapOm completo a ciéncia racional do homem ¢ da comunidade humana, que fandamentaria uma racionalidade na ago social e politica, bem como ‘uma técnica politica racional, Precisamente 0 mesmo vale também a respeito dos problemas da #EROWGAB) que tanto nos interessam. Caracterizado com mais precisio, falta-nos a ciéncia que tivesse empreendido a realizagio para a ideia de HOWBRMe, com isso, também para o par de ideias a priori insepardveis: homem singular e comunidade) ¢@{il6[ejleta iniatematica|piira|daqHa tureza empreendeu para a ideia de natureza e que tealizou ja nos seus @lementos|capitais) Assim como esta tiltima ideia - natureza em geral, enquanto forma genérica ~ abarca a universitas das ciéncias da natureza, ‘também a ideia do ser espiritual - e especialmente do ser racional, do Homem - abarca a universitas de todas as ciéncias do espitito, e espe- cialmente de todas as ciéncias humanas. Por um lado, na medida em que a matematica da natureza desenvolve, nas suas disciplinas aprioristicas acerca do tempo, espaco, movimento, forcas motrizes, as necessidades aprioristicas que encerram, em tais componentes de esséncia, uma na- tureza em geral (“natura formaliter spectata”), <7> torna ela possivel, na aplicacio & faticidade da natureza dada, as ciéncias empiricas da natureza com métodos racionais, ou seja, matemiticos. Ela proporciona, por con- seguinte, com os seus principios a priori, a(@4EIOHAliza¢a0 UO ERPIBICO Por outro lado, temos, agora, muitas e frutuosas ciéncias referidas ao reino do espirito, correspondentemente, ao da humanidade, mas las séo ciéncias completamente empiricas ciéncias “simplesmente” empi- ricas, A profusio colossal de fatos temporais, morfologicos, ordenados indutivamente ou sob pontos de vista préticos, permanect nelas sem ‘qualquer vineulo de racionalidade principial. Falta, aqui, precisamente a ciéncia aprioristica paralela, por assim dizer, fa{0lUa simples experiéncia externa) Um exame principial da naturezaem geral conduz, portanto, a priori, apenas a uma racionalidade das exterio- ridades, a saber, a leis de esséncia da forma espago-temporal e, por sabre isso, apenas a uma necessidade de ordenacdo regular, exata e indutiva, daquilo que esté espaco-temporalmente repartido - aquilo que nés cos- tumamos designar, pura e simplesmente, como(@[@RaelegaISeaua Em contraste estdo as formas totalmente diferentes do espiritualem sentido especifico, as totalmente diferentes (efermniniagoes GeneralissimaS de esséncia acerca das realidades singulares e das formas essenciais da li BAGO. Nao corsiderando que a forma espaco-temporal tem, no reine do espirito (por exemplo, na Hist6ria), um sentido essencialmente diferente do da natureza fisica, ha aqui que indicar que QU ReANCadeTeSpinRuaL singular tema sua interioridade, uma “vida de consciéncia” em si mesma EAANGACAAAT ED enquanto POOGEEpor assim dizer/ Genitalia za todos os atos de consciéncia singulares, pelo que estes atos esto numa conexio de “motivagao”. ‘Além disso, @§ realidaaes|singulareslSeparadas, correspondente- mente, 05 seus sujeitos-eu, surgem uns para 0s outros em relagées de mi- ‘tua compreensio (“intropatia”); através de atos de consciéncia “sociais’, {fistifiem(imediata ou mediatamente) uma €@EmalGe ipo COipletameny te novo de congregacio de realidades: a forma da comunidade, espiritu- almente unida por momentos internos, através de atos ¢ de motivagées intersubjetivos. ‘Ainda mais uma coisa importante: @GS[StOS)E)4s]Suas|imotivaeoes correspondem as diferencas do racional ¢ do irracional, do pensar, do valorar e do querer “corretos” e “incorretos” ‘Agora, certamente que podemos também €@fisidetanas realidades CEPA) de certo modo, GBREGSRTMCTEMERSHAAME|(en quanto s gunda natureza): podemos considerar @(@ORSClGiia| COMi0|ANERO|EREHIO) GaSPAIGEESTIISIEDD (dos respectivos corpos fisicos); podemos consi- derar homens e animais como simples acontecimentos no espago, “na” natureza, As regularidades indutivas que, entio, deste mado se ofere- cem nao sao, porém - tal como é valido, por esséncia, para a natureza fisica -, indicagdes de leis exatas, de leis que determinem a “natureza” objetivamente verdadeira de tais realidades, isto é, que as determinem em uma verdade racional de acordo com o seu tipo de esséncia. Por cu- tras palavras: aqui, onde a esséncia peculiar do espiritual se exprime na interioridade da vida de consciéncia, na senda aberta pela abordagem indutivo-causal, <9> ndo reside nenhuma explicacéo racional, e isso a sartielelfundaMentOsU/priori|(de modo que é um contrassenso procu- rar uma coisa tal, a0 modo da nossa Psicologia naturalista). Para uma Gfetival acionalizapaoldo lempiticd eNgeSE (aqui inteiramente como no caso da natureza) prSCiSamente lunniregresso)as leis\delesseniciaiqueldaora) ‘medida, por conseguinte, um regresso 20 especifico do espirito, enquanto mundo das interioridades. Ora pertencem as formas da consciéncia, cor- respondentemente, da motivagio, delineadas a priori na esséncia da es- piritualidade humana, também as formas normativas da “razo” e, além disso, existe a priori a possibilidade de pensé-las livremente em geral ¢, de acordo com leis normativas aprioristicas autorreconhecidas, determi- rnarmo-nos em geral para a pratica. Em conformidade com isto, SO] COTESPIFIRO HUNAN AONERLOSLEPERED como pressupusemos acima, € diferentemente do caso da natureza {Chained CORStrUGSOTE jIZOS 165 6ricos” em sentido especifico, 2 saber, de juizos dirigidos para “simples ROS MATSRSTERE (matter of fact). Em consequéncis, AAOREHGS diante de nés apenas as tarts Ue FacionializalGao estes fatostatraves das chama® Gas Horas explicativas’ de acordo com uma disciplina aprioristica que investigue a esséncia do espirito de um modo puramente cousal. Pelo contréio, entra aqui em cena também (Giftip@[COHipletainiente OVORIE! ajuizamento e de racionalizagao de tudo o que é espiritual: 0 que procede segundo normas, correspondentemente, <€GUHd6|diseiplinas ap HORSE ‘cas normativas da razio, da razo légica, valorativa e pratica. A raza que ajuiza segue, porém, in praxi, ou pode em liberdade seguir, um sujeito conhecendo a norma e, em consequéncia, agindo livremente. Em confor. midade, na esfera espiritual surgem, de fato, ainda as tarefas de uma di- redo racional da praxis, por conseguinte, de uffilHOVOIMOdS da BOSeIvEl) racionalizagdo de fatos espirituais a partir de fundamentos cientificos, 2 saber, através de uma disciplina aprioristica prévia a respeito das normas de diregao pratica da razio. Se retornarmos, agora, outra vez ao nosso problema préprio, é en- to visivel que as ciéncias humanas simplesmente empiricas jé existentes (como as nossas G@HEMSIISOHEASaAEUIREOu até mesmo @PSICSIOR! moderna simplesmente indutiva) x@6)BOGeHii}ue fato, GIRRREERBARSTELe 10 AGulilalque) aspirando a nenovacao MOS ae falta que, efetivamente, s6 aquela se existisse ~ nos poderia interessar enquanto coadjutora racional. Antes de tudo, estabelecemos firmemente que @&heiaside simples fatos estae) ClifmiRACASPMESUEYOVANICIOD <10> - Certamente que as nossas questdes acerca da renovacio se ligam a simples fatualidades, elas dizem respeito nncia aprioristica sobre a esséncia da espiritualidade humana - cultura presente e, especialmente, ao circulo da cultura europeia. Con- tudo, 05 fatos sio aqui ajuizados valorativamente, so submetidos a uma normalizacio da razio; pergunta-se CGiG|&I— ue aia retort destalvida de cultura desprovida de valor poder conduzir ao caminho de uma vida racional’Toda e qualquer reflexdo aprofundada reconduz, aqui, as quess t8es principiais da razao pritica, as quais dizem essencialmente respeito 0 individuo, & comunidade e a sua vida racional em uma generalidade PUTAMERRE FORMA), que deixa muito abaixo de si todas as fatualidades em- piricas e todos os conceitos contingentes. Bem pouco basta para fundamentar isso e, com isso, para tornar 20 mesmo tempo visivel que essa ciéncia da esséncia do homem em geral seria precisamente aquilo de que precisamos, enquanto coadjutor. Seisibmetemoslal Osea CUIUED - portanto, a nossa humanidade, que se cultiva a si mesma e ao seu mundo circundante -@juinijuizoyderes provagdo, entio esté implicado isso que cremos numa humanidade “boa” enquantolpossibilidadeideal, No nosso juizo, esta implicitamente conti- daa crenga em uma humanidade “verdadeira e auténtica’, enquanto ideia objetivamente valida, em cujo ambito de sentido o objetivo das nossas aspiracées de reforma deve ser reformar a cultura fatica. As primeiras reflexdes deveriam dirigir-se, portanto, para um esboco claro desta ideia Se nao andarmos pelo caminho fantasioso da utopia, se apontarmos, an- tes, para a sbbria verdade objetiva, entio GHB(ESbOGS Ceve tera fornia “Gia acter ag O|MElESSCHIAIpUFAMENte|eonCeptual, do mesmo modo que as possibilidades de realizacao da ideia devem, desde logo, ser a prio- riponderadas, em rigor cientifico, como possibilidades puras de esséncia. n Que formas particulares, dirigidas pela norma, seriam, entdo, possiveis € necessdrias no interior de uma humanidade conforme a esta ideia de ‘uma (HMGRMASEOEBURS, tanto para as pessoas singulares que a consti- tuem enquanto membros da comunidade, como para os diversos tipos de associagées, instituigdes comunitérias, atividades culturais etc. =D | (Gira RE RUEEREEROMRSOAAD)c conduz a miltiplas investigacses particulares que se vio ramificando. Jé uma reflexéo répida torna claro que o inteiro tipo e Ga (CRBERIERETUAR TVET recessirias para o nosso interesse eo, de fato, GARE lfera erie em Comumpor sobre todas as faticidades, com um numero indefinidamente grande de outras culturas idealit L eis (SIDED SST ase (@ERPORBAERE - portanto, uma investigacdo que rompe até ao que é da ordem dos princios - aaa anna no bom sentido do termo. Assim 0 & conceito de homem em geral en- quanto ser racional, o conceito de membro da comunidade, o da propria comunidade e néo menos todos os conceitos particulares de comunida- de, como Familia, Povo, Estado etc. Do mesmo modo para os conceitos de cultura e de sistemas de cultura particulares: Ciéncia, Arte, Religiio etc. (igualmente nas Zormas normativas: Ciéncia, Arte, Religiio “verda- deiras’, “auténticas”), | O lugar originério e cléssico de formaco da investigacio pura de \@sséncia € da correspondente abstragio de esséncia (abstracio de con- Ceitos “puros’, “aprioristicos” (@AIMaleMaes, mas este tipo de investi- ga¢do e de método nio esta, de modo algum, limitado a ela. Por pouco familiar que nos possa ser o exercicio desta abstrago na esfera espiritual © a investigagao do seu “a priori”, das necessidades de esséncia do es- pirito e da razdo, é, no entanto, possivel fazer aqui coisas semelhantes; | 2 A abstragio metédica e consciente do teor empiri- co dos respectivos conceitos, a sua configuracao consciente em conceitos “puros’, poder néo se efetuar; mas este teor no desempenha nenhum papel de comotivaséo para o nosso pensamento. Se pensarmos na comu- nidade em geral, no Estado, no povo em geral, do mesmo modo que no homem, no cidadio e em coisas semelhantes, e se pensarmos ainda no ue, nesta generalidade, pertence “autenticidade’, ao racional (@BBiRERERGADempiricas e faticas da corporalidade e da espiritualidade, das circunstancias concretas, terrenas, da vida, e coisas semelhantes, 0D _tardo, entdo, manifestamente “indeterminadas” e sero “variéveis livres’, tal como as notas caracteristicas concretas e os eventuais vinculos em- piricos das unidades ou das grandezas o sero na consideracio ideal do aritmético ou do algebrista. Se o homem tem empiricamente érgios de ercepcao construidos assim ou de outra maneira, olhos, ouvidos etc., se tem dois ou x olhos, se tem estes ou aqueles drgios de locomogio, se tem pernas ou asas, e coisas semelhantes, tudo isto esté totalmente fora de questio e fica indeterminadamente aberto em reflexes principiais como, or exemplo, as da pura razio, ‘to ido par inet sistema conceit, que se oma lip mente ¢ que atravessa todo o pensamento cientifico-espiritual enquanto ossatura formal, e especialmente, portanto, para aquelas investigacdes de estilo normativo que esto para nds em questo. Agora, se uma ciéncia aprioristica das formas e das leis de esséncia +e, coisa que aqui sobretudo nos interessa, da espiritualidade racional néo foi ainda levada a um desenvolvimento sistemético, e se nao podemos ir beber aos tesouros de conhecimentos jé A nossa disposigao para dar 4 a ‘nossa aspiragdo de renovacéo uma base racional ~ que deveremos entio fazer? Deveremos de novo proceder como na praxis politica, por exem- plo, quando nos preparamos para votar enquanto cidadaos? Deveremos ‘és, por conseguinte, julgar apenas por instinto e palpite, por suposigdes superficiais? Coisas semelhantes podem ser perfeitamente justificiveis | | quando a hora exige a decisio e quando, com ela, a ago se consuma. No nossc caso, porém, onde vale 0 cuidado pelo temporalmente infinito pelo eterno no tempo - o futuro da humanidade, o devir verdadeira hus " manidade, de que nds mesmos nos sentimos responsiveis -, e para nos que, educados pela Ciéncia, sabentos também que apenas a Ciéncia pode fandamentar decis6es racionais definitivamente vilidas e que apenas ela pode ser a autoridade que as faca finalmente prevalecer ~ para nés, nao pode haver qualquer chivida acerca daquilo que nos obriga. =. ‘este seu, a8consdergies at aqui desenolids so jefe (Geompresaeprepiras deal segundo oesperams, nao destituidas de utilidade, Nao destituidas de utilidade, antes de tudo, por- que nes mostraram, sob a perspectiva metédica, que sé um tipo de consi- eras, que se pode apeseta como ERISA GEERT cau spec Sih a - GHAUSTERGYAGE? Mas ao se tornar claro que algo como uma “renovacao” pertenze ainda, por uma necessidade de esséncia, 20 desenvolvimento do <13> homem e da humanidade em direcio a uma humanidade ver- dadeira, resulta que ‘ontudo, o que podemos fazer agora e em primeiro lugar seré apenas a sua preparacio, 4 No préxime artigo, queremos arriscar a tentativa de, aproximando- -nos da ideia de humanidade auténtica e de renovagao, prosseguir uma série de linhas de pensamento principiais que, consumadas de um modo plenamente consciente na atitude direcionada para a esséncia, hio-de mostrar de um modo determinado como pensamos os comegos ~ come- ¢0s tateantes ~ das investigacdes culturais da esfera normativa ~ ético- -social - na sua sobriedade cientifica e, com isso, aprioristica. Na nossa situagdo cientifica, o interesse deve estar, antes de tudo, dirigido para a ‘problemética e para o método. O METODO DE INVESTIGAGAO DA ESSENCIA? Por investigacio da esséncia entendemos o exercicio puro e conse- quente do método de visio das esséncias, jé introduzido na Ciéncia por Platao € Aristétees, e 0 conhecimento predicativo das ideias, que tam- bém se chama conhecimento aprioristico. Acerca disto, estamos muito longe de assumir como nossa qualquer uma das interpretagées filoséticas (sejam platénicas ou pés-platénicas) e, por conseguinte, de nos sobre- carregarmos com qualquer uma heranga metafisica a que os conceitos de “ideia” e de a priori estao historicamente ligados. Na pratica, qualquer ‘um conhece o a priori a partir da Matemética pura. Qualquer um conhe- ce ~ € aprova - 0 modo matemético de pensar, antes das subsequentes interpretacdes metafisicas ou empiristas, que em nada afetam a esséncia peculiar deste tipo metédico. 2 Segundo artigo para a revista Kolzo. Aparecido inicialmente {apenas em lingua japonesa) em Tne Kaizo, Caderno 4, p. 107-116, 1924 [Nota da Hua}. as — Orientamos por ele o nosso conceito de a priori. Dito de um modo completamente geral, toda e qualquer efetividade experienciada e, do mesmo modo, toda e qualquer efetividade fingida na livre fantasia, em ‘uma palavra, <14> relativamente a todo o “empirico”, podemos traté-lo do mesmo modo (e, com isso, ascender da mesma maneira ao seu @ prio- 11) que o matemitico “puro” faz a respeito de todos 0s corpos empiricos, formas espaciais, grandezas temporais, movimentos etc,, de que se serve durante a sua atividade de pensamento. Especialmente no caso em que 0 matemitico produz “originariamente” os seus pensamentos, desde logo, 08 seus conceitos elementares - que sio protomaterial para toda a sua construgéo de conceitos -, ou seja, no caso em que ele “torna claros” estes conceitos, isto é, regressa da compreensao vazia das palavras até os conceitos auténticos e “origindrios” Em tudo isto - e tal designa um ca- réter fundamental de todo o pensamento “aprioristico” -, 0 matematico abstém-se, de modo principial, de qualquer juizo acerca da efetividade real. Certamente que as efe‘ividades da experiéncia Ihe podem servir, mas elas nao Ihe servem e nao valem para ele enquanto efetividades, Elas valem para ele apenas como um exemplo qualquer, a modificar do modo que se quiser na livre fantasia, coisa para a qual as efetividades da fantasia também poderiam servir de igual modo, e servem, por regra, frequentemente. A esfera temética do pensamento matemitico puro néo é precisamente, a natureza efetiva, mas antes uma natureza possivel em ‘eral, ¢ isto significa uma natureza que deve poder ser, em geral, epre- sentavel em um sentido concordante. A liberdade da Matemitica é a li- ~ berdade da fantasia pura e do pensamento puro na fantasia. A submissio rigida a leis por parte da Matemética nao é mais que a submissio a leis de um tal pensamento na fantasia: a saber, na medida em que a fantasia ‘matematica, em todas as suas configuragées arbitrariamente fingidas, a si mesma se obriga, por meio de uma vontade consequente, a conservar subsequentemente em sentido idéntico o que foi no inicio posto como sfetividade fingida 6 Para expé-la com mais algum detalhe, o significado dessa auto- normagao do pensamento puro da fantasia € o seguinte: exercer 0 pensa- ‘mento matematico (e, assim, 0 pensamento aprioristico em geral) néo é entregat-se, por jogo, & miscelénea caleidoscépica de ideias desconexas, mas antes produzir configuragées na fantasia, pé-las como efetividades possiveis e manté-las daf em diante como idénticas. Isso implica 0 se- guinte: para tudo 0 que foi posto de inicio na fantasia, permitir apenas aquelas direcdes da variagao arbitréria na fantasia que possam ser repre- sentveis e reconheciveis, de modo concordante, como a mesma efeti- vidade possivel e como compativel com todas as outras posigdes. Neste sentido, 0 matemético nao trata de espacos, de corpos, de superficies etc, efetivos, como os da <15> efetividade natural fitica, mas, sim, de espacos, corpos, superficies representiveis em geral e, com isso, pensé- veis de modo concordante, “idealiter possiveis”. Um tal pensamento puro na fantasia nao depende, porém, das possibilidades singulares contin- gentes que tenham chegado, na fantasia, a configuracao correspondente, mas, por meio delas, eleva-se 0 matemitico até o pensamento geral da esséncia ¢, originariamente, & intuigdo geral de esséncia das “ideias” ou “esséncias” puras e das suas “leis de esséncia’. A partir dai, progride o matemitico até proposigées consecutivas mediatas, a provar por dedu- do intuitiva, e abre-se assim 0 reino infinito da teoria matematica. Os conceitos fundamentais que 0 matemitico originariamente produz na intuigdo geral so generalidades puras, diretamente extraidas na intui- ao das singularidades fantasiadas, generalidades que, com base na livre variagao de tais singularidades, se destacam como o sentido geral idén- tico que as atravessa e que nelas se singulariza (eis a methexis platonica na sua intui¢ao originaria). E assim que, por exemplo, a possibilidade pura de um corpo sin- gular, que uma fantasia clara e concordante nos pée diante dos olhos, produz ao mesmo tempo, através da variagdo livre - e, decerto, na consci- éncia do cardter arbitrariamente prosseguivel de tal variagao -, a conscién- Ww cia originaria de uma infinitude aberta de corpos possiveis. No percorrer sinético da infnitude aberta de variacOes, 0 idéntico, conservado em tal variagio, sobressai na evidéncia enguanto idéntico que a atravessa, en~ quanto sua “esséncia geral’, sua “ideia’. Ou, o que é 0 mesmo, dai resulta o seu “Conceito puro” comum, visto intuitivamente, 0 conceito de um corpo em geral, que esté, por conseguinte, referido a esta infinitude de possibi- lidades ideais cingulares como a sua “extensao”. A Maternatica opera com conceitos desse modo originariamen- te criados, produz as leis de esséncia imediatas (os chamados axiomas) enquanto verdades “necessérias e gerais em sentido estrito’ “acerca das quais nenhuma excep¢io € permitida enquanto possivel” (Kant), Ela as vé como estados-de-esséncia gerais, que se podem produzir em identi- dade absoluta para todas as singularizacdes penséveis dos seus conceitos Puros ~ para todas as infinitudes de variacio fixamente delimitadas ou Para as suas “extensdes” aprioristicas ~ e que so, enquanto tais, reco- nheciveis com evidéncia. A partir deles, produz ela mais ainda, numa intuigdo dedutiva (a “evidéncia” aprioristica, a consequéncia necesséria), as suas teorias e “teoremas” derivados, de novo como identidades ideais visiveis em qualquer <16> repeticéo que os produza Fica aquiestritamente inibida toda e qualquer coposicao de efetivi- dades experienciadas - como as que estdo contidas em todos os concei- tos empiricos, por exemplo, os conceitos da historia natural, como ledo, Jagarto, violeta etc., ¢, com Neste sentido, aquilo que o pensamento matematico estabelece é comple- 80, também as proposi¢des gerais empiricas. tamente a priori perante toda a empiria. Contudo, qualquer coisa que seja pensével como singularizagao dos seus conceitos “puros”, portanto, que deva poder manter a identidade do ser possivel, cai debaixo das corres- pondentes leis “puramente conceituais” ou de “esséncia” A aplicaséo a efetividade fatica baseia-se em que toda e qualquer efetividade alberga em si, de modo evidente, possibilidades puras. Toda e qualquer efetividade se deixa, por assim dizer, transportar para a fantasia, 18 com todos 0s seus teores de determinacdo constitutivos, precisamente por meio da exclusio (da livre abstengio) de todas as posicdes de efetivi- dade. A efetividade devém, entdo, um caso de possibilidade pura, a0 lado de inumeréveis outras possibilidades com iguais direitos. De acordo com isso, toda e qualquer efetividade, dada através da experiéncia e ajuizada. através do pensamento de experiéncia, esté, no que respeita & corregio de tais juizos, sob a lei incondicionada de ter de corresponder, antes de tudo, as “condigdes da experiéncia possivel” aprioristicas e do pensamento possivel de experincia, ou seja, as condigdes da sua possibilidade pura, da sua representabilidade e posicionalidade enquanto objetividade com um sentido idéntico concordante. Estas condig6es aprioristicas exprime- -as, para a natureza (a efetividade da experiéncia fisica),a Matemética da natureza, com todas as suas proposigdes ~ ela exprime-as a priori, isto é sem que fale “da” natureza enquanto fato. A referéncia aos fatos é coisa de aplicagio, uma aplicagdo de cada vez a priori possivel e compreensivel de modo evidente nesta possibilidade, Agora hé que dizer em geral o seguinte: ajuizar as efetividades se- gundo as leis da sua possibilidade pura, ou ajuizé-las segundo “leis de esséncia’, segundo leis aprioristicas, é uma tarefa universal, referindo-se a efetividades de todo o tipo, e uma tarefa inteiramente necesséria. Toda € qualquer efetividade tem a sua “esséncia” enquanto seu teor racional, toda e qualquer uma torna possivel e exige o seu conhecimento racional (“exato”). Isto é assim, porém, na medida em que a sua esséncia pura se ordena a uma ciéncia de esséncias em um reino fechado de racionalida- de pura (um reino de verdades de esséncia que se compertencem coisal- mente), <17> e na medida em que, em segundo lugar, a aplicagao desta ciéncia de esséncias torna, agora, também possivel um conhecimento teorético racional da efetividade dada e do inteiro dominio de efetivi- dades a que ela pertence. $6 assim pode o conhecimento cientifico da ‘efetividade empirica ser “exato’, s6 assim se torna participe da autintica racionalidade, porquanto retrorrefira esta efetividade a sua possibilidade 19 de esséncia ~ por conseguinte, através da aplicagio da correspondente ciéncia de esséncias, Auténtica racionalidade, enquanto conhecimento a partir de “prin- ciplos, é, precisamente, conhecimento a partir de leis de esséncia, € co- nhecimento de efetividades a partir das leis da sua pura possibilidade ~ coo 0 podemos aprender pelo protétipo da ciéncia exata da natureza, que se baseia na aplicagio da Matematica pura. Porque o que pusemos aqui a claro, a propésito do pensamento matemético e da ciéncia mate- mitica da natureza, é valido, em geral, para qualquer esfera de abjetos A cada uma pertence um pensamento aprioristico possivel e, em confor- midade, uma citncia apriorfstica e uma igual fungio de aplicagao dessa ciéncia - porquanto demos por todo lado 20 a priori o mesmo sentido sObrio,s6 ele significativo, Nao existe o menor fundamento para conside- rar a metédica do pensamento apriorfstico - tal como a mostramos, nos seus tracos gerais de esséncia, a propésito do pensamento matemitico ~ como uma peculiaridade exclusiva do dominio matematico. A propria assuncio de uma tal limitacéo seria jé um direto contrassenso, tendo em vista as relagdes gerais de esséncia entre efetividade e possibilidade, entre experiéncia ¢ fantasia pura, Para cada efetividade concreta, bem como para cada traco singular nela efetivamente experienciado e experienci- vel, esté aberto 0 caminho que leva ao reino da possibilidade ideal ou Pura ¢, com isso, ao reino do pensamento aprioristico. Segundo 0 que € generalissimo, 0 método (no essencial, socratico-platonico) de confi- guragdo é por todo lado 0 mesmo, tanto a respeito das possibilidades singulares puras como a respeito das “extensdes” infinitas destas possibi- dades, que passam umas nas outras na transformacio variante; e, ent3o, também € naturalmente a mesma a formagéo originariamente intuitiva das correspondentes generalidades puras de esséncia, das “ideias” (essén- ias, conceitos puros) e das leis de esséncia E certamente de esperar ~ portanto, também nao de desatender ~ ue, em funcio dos pontos de partida, em funcdo das ideias que ai des- 20 pontam, e sob o ponto de vista dos <18> dominios aprioristicos que resul- tam das conexdes de esséncia, também a metédica especial eo inteiro tipo de teorias aprioristicas possam e devam acabar por ser muito diferentes. Ciencias aprioristicas ~ ao menos possiveis e, por conseguinte, para Pér em obra ~ no hé apenas, por conseguinte, acerca da natureza e das suas formas de esséncia peculiares, mas também do espitito pessoal, do individual ¢ do social, e, no quadro da natureza, no hé apenas acerca das simples coisas fisicas, mas também dos organismos e das realidades psicofisicas “bilaterais”; e nao hé apenas de tudo isto, mas também dos objetos culturais, dos valores culturais de cada categoria, que ha que edi- ficar de forma pura. Com isso, néo queremos desatender o fato de, acerca da matemati- caespecifica da natureza (Geometria pura, doutrina pura do tempo, dou- trina pura do movimento etc.) que tivemos acima em vista de um modo preferencial, haver que distinguir uma Matemética puramente formal (Andlise, Doutrina das Multiplicidades etc.) que, apesar da sua constante aplicagao as ciéncias da natureza, nao pertence, porém, especificamente a natureza, mas, tomada universalmente enquanto “ontologia formal’ per- tence de igual modo - e, portanto, simultaneamente ~ a todos os objetos € dominios objetuais possiveis em geral. Do mesmo modo, reparamos em. outras disciplinas formais aprioristicas em sentido semelhante - como a Légica Formal das proposicées, a doutrina aprioristica das formas das significagoes' (Gramatica pura), a teoria geral da razio, de que existem historicamente projetos ou primeiros esbosos -, que aguardam ainda um tratamento novo, sistemitico, plenamente consciente do sentido peculiar do método aprioristico. Em todo caso, & chegado finalmente 0 tempo de lancar por terra os velhos preconceitos e de atacar a tarefa, grande e altamente necesséria, da fundamentagao de todas as ciéncias aprioristi- 3° NACE As minhas Investigagées Légicas, | §§ 65-72. Cf, loco citato, I, 4, IV? investigagao, cas e de, assim, dar av mesinv tempo satisfagzo a plena e auténtica ideia de mathesis universalis (que ultrapassa em muito a ideia leibniziana). De {fato, que todas as disciplines apriorfsticas possiveis formem uma univer- ssitas interconectada na pluralidade de uma intima unidade, que elas, em ‘uma ciéncia aprioristica protofontanal, ponham em interconexao toda a cconsciéncia e ser possiveis - em uma “Fenomenologia transcendental’ <19> de que elas devem ser tratadas, por uma necessidade de esséncia, como ramificagdes -, no éaqui o lugar para mostré-lo. Se, por exemplo, procedermos segundo o método aprioristico aci- ma descrito, a respeito do homer, a passagem da empiria para o reino das puras possibilidades dé como resultado, enquanto unidade principial -suprema, a ideia pura de um ser animal em geral, animico-corporal. Esta ideia suprema desponta enquanto tal através de livre variagao de todos os ‘momentos passiveis de variacdo nos homens individuais, que funcionam como exemplos. A pura diferenciacao desta ideia - obviamente, néo no -pensamento verbal vazio, mas antes, intuitivamente, no pensamento con- sumado na ligacdo & correspondente variacio ~ da como resultado, como uma espécie particular e de novo pura, aideia (ndo 0 “ideal”!) do Home, e,em contraposicao a ela, enquanto ideia correlativa, a do “simples” Ani- mal. Se diferenciarmos, de seguida, © homem, por exemplo, segundo as, formas tipicas da sua vida pessoal possivel, se formarmos a ideia da vida de vocacio e dos seus tipes possiveis, e coisas semelhantes, entio isto sio exemplos de sempre novas diferenciagdes aprioristicas. Trata-se, com isso, de diferenciagdes inteiramente andlogas as da ideia de figura em ge- ral em figura fechada e, de seguida, ainda em figura retilinea, triangulo etc, Exigem-se investigacdes proprias de grande envergadura (que faltam completamente na literatura) para sujeitar sistematica ¢ intuitivamente © teor exato de esséncia de ideia do “animal”, com a corporalidade ¢ a 5 N.AZ Cf. As minhas /deias para uma Fenomenologia Pura e uma Filosofia Fenome- nolégica. Halle, 1933, 2 “alma” que por esséncia lhe pertencem, a determinagio de esséncia se gundo 0s conceitos e leis elementares; e, de seguida, mais especialmente, para fazer isto mesmo para o notavel - para o tao mais copioso nas suas diferenciagées subsequentes - teor de esséncia “Homem’, com as suas correspondentes ideias de razdo (correlativamente, “irrazao”). No primeiro talhe de uma investigacao de esséncia de um dominio qualquer, por exemplo, o da Humanidade, funciona naturalmente como pensamento diretor uma ideia pura, totalmente geral, mas ainda indi- ferenciada, por exemplo, a ideia de Homem. Nao é de negar que s6 no caso em que 0 nosso procedimento va beber efetivamente as profunde- zas da intuicdo da esséncia - e nao fique suspenso de pensamentos ver- bais vazios - poder-se-4 adquirir conhecimentos intelectivos de esséncia, mesmo sem que as anélises elementares tateantes tenham progredido da ideia suprema, em si indiferenciada, até uma mostracao intuitiva das ideias elementares tiltimas. Visto com mais preciséo, até hoje, nem sequer a Matematica <20> conseguiu isto plenamente: dai a querela acerca dos seus fundamentos tiltimos e a cruz dos “paradoxos”, ‘Todavia, essa indicacao pode servir precisamente para fazer des- pertar a convicydo ~ cuja fandamentagao aprofundada nos levaria aqui demasiado longe ~ de que todos os conhecimentos que nao so hauridos nas fontes tltimas e origindrias da mais perfeita intuigdo (a da subjetivi- Gade fenomenologicamente pura) nao alcangam o rigor ¢ a cientificidade ‘ltimos. Todas as evidencias ainda afetadas, por assim dizer, de restos de pressentimentos vagos, de antecipagdes nao aclaradas, tém um valor de conhecimento apenas intermedidrio, ainda necessitado de clarificagio e determinagio éltimas. Um conhecimento pode bem ser completamente a priori, pode ser também correto “no essencial’, e ser, porém, relativa- mente imperfeito ~ por mais que ele signifique, por outro lado, um pro- _gresso pujante perante a empiria ainda carecida de principios. Nessa conformidade, os nossas ensaios sobre “a renovagao como problema ético-individual e ético-social’, que se seguirdo nesta revis- 23 ta, tentardo ~ a uma altura intermédia, por assim dizer, que é a tinica possivel no nosso tempo ~ submeter a ideia pura do homem ético a uma investigacao de esséncia ¢ fazer o trabalho preparatério para uma ética prircipial RENOVACAO COMO PROBLEMA ETICO-INDIVIDUAL® I, FORMAS DE VIDA DA AUTORREGULAGAO ENQUANTO FORMAS PREVIAS DA VIDA ETICA. INTRODUGAO AO TEMA, Renovagao do homem, do homem singular e de uma humanidade comunalizada ~ eis o tema supremo de toda a Etica. A vida ética é, se- gundo a sua esséncfa, uma vida que esté conscientemente sob a ideia de renovacdo, uma vida voluntariamente guiada e enformada por esta ideia A Etica pura é a ciéncia da esséncia e das formas possiveis de uma tal vida, na generalidade pura (aprioristica). A Etica empirico-humana quer, de seguida, adaptar ao empfrico as normas da Btica pura, ela quer tornar- sea <21> condutora do homem terreno sob condicdes dadas (individu- ais, histéricas, nacionais € outras). Sob o nome de “Stica” nao se deve, porém, pensar na simples Moral, que regula 0 comportamento pritico “bom’; “racional’, do homem em relagao ao seu sernelhante sob ideias de amor a0 préximo, A Filosofia Moral é apenas uma parte completamente dependente da Etica, a qual deve ser necessariamente tomada como @ ‘citncia da completa vida ativa de uma subjetividade racional sob 0 ponto de vista da razio, que unitariamente regula esta vide no seu conjunto. Para todas as esferas particulares de aco possivel que podemos conside 6 Terceiro artigo para a revista Koizo. Aparecido inicialmente (apenas em lingua ja ponesa) em The Kaizo, Caderno 2, p.2-31, 1924 [Nota da Hua), 24 rar sob este ponto de vista normativo ~ seja mesmo, por exemplo, a ago que designamos como pensamento cognitivo -, ai ter também a Etica 0 seu campo temitico. Mesmo 0 nome “razio” deve, por conseguinte, ser tomado de um modo completamente geral, de tal maneira que Etica e ciéncia da razio pritica se tornem conceitos equivalentes. Ora, além disso, a Btica nao é simples ética individual, mas também Atica social. Néo esta ja dado algo definitivo com 0 fato de 0 comporta- ‘mento prético do homem singular para com os seus semelhantes, ou seja, para com os seus companheiros na unidade da comunidade, ser subme- tido a uma investigacao ético-individual. Hi, também, necessariamente, uma ética da comunidade enquanto comunidade. Em particular, daquelas comunidades universais que denominamos “humanidade” - uma nagio ou uma humanidade coletiva, abarcando varias nacdes. Faz parte disto, por exemplo, a humanidade “europeia” ou “ocidental”. Uma humanidade estende-se tanto quanto se estenda a unidade de uma cultura; no ponto ‘mais alto, estende-se até uma cultura universal independente e fechada sobre si prépria, que pode conter em si muitas culturas nacionais singu- lares, Em uma cultura, objetiva-se precisamente uma unidade de vida ativa, cujo sujeito coletive é a respectiva humanidade. Por cultura nao entendemos outra coisa sendo 0 conjunto das realizagdes que se efetivam nas atividades consecutivas do homem comunalizado, que tém uma exis- téncia espiritual permanente na unidade da consciéncia comunalizada e da sua tradicao persistente. Com base na corporizacao fisica, com base na expressio exteriorizant= do seu criador original, essas realizagdes sio -experienciadas no seu sentido espiritual por qualquer um que esteja apto a efetuar um ato de recompreensdo. Nos tempos posteriores, elas podem sempre de novo tornar-se centros de irradiagdo de influxos espirituais para <22> geragbes sempre novas, no quadro da continuidade histérica. Precisamente neste quadro, tudo 0 que o titulo “cultura” abrange tem 0 seu tipo essencial peculiar de existéncia objetiva e funciona, por outro lado, como uma constante fonte de comunalizacio. 25 A comunidade & uma subjetividade pessoal, uma subjetividade pluricéfala, por assim dizer, mas conectada. As suas pessoas singuleres sio os seus “membros’, funcionalmente entrelacados uns com os outros através de “atos sociais pluriformes, que unem espiritualmente pessoa com pessoa (atos eu-tu como ordens, acordos, atividades amorosas etc.). Por vezes, uma comunidade funciona pluricefalamente, mas, no entanto, em um sentido mais alto, “acefalamente’, a saber, sem que se concentre na unidade de uma subjetividade volitiva ¢ aja analogamente a um sujeito singular. Ela pode, porém, assumir também esta forma mais alta de vida, tornar-se uma “personalidade de grau superior” e consumar, enquanto tal, prestacdes coletivas, que nac so apenas somas das prestacdes das pesso- as singulares, mas antes, em sentido verdadeiro, prestagdes pessoais da comunidade enquanto tal, realizadas pelo seu esforgo e pela sua vonta- de. Consequentemente, pode também a vida ativa de uma comunidade, do todo de uma humanidace ~ mesmo que tal néo tenha ocorrido em qualquer realidade hist6rica efetiva -, assumir a figura unitéria da razto pratica, a de uma vida “ética’, Isto, porém, compreendido por analogia efetiva com a vida ética singular. Tal como no caso desta, seria, portanto, uma vida de “renovagio’, nascida da propria vontade de se dar a forma de uma humanidade auténtica, no sentido da razao pr: tura a forma de uma cultura “autenticamente humana’. Uma humanidade pode e deve ser efetivamente considerada como um “homem em ponto grande” e, assim, pode e deve ser pensada ético-comunitariamente, como ica, de dar a sua cul- eventualmente se autodeterminando ¢, por isso, também como devendo * determinar-se eticamente, Esta ideia deve, porém, ser esclarecida quanto A sua possibilidade principial, ser tornada intelectivamente constrange- dora e tornar-se determinante do ponto de vista prético, depois de inves- tigadas as possibilidades de esséncia e as necessidades normativas nela contidas — isto, naturalmente, para a comunidade enquanto comunidade, portanto, para os membros da comunidade porquanto sejam portadores funcionérios da vontade comunitaria. 26 Fica com isso caracterizada, nos seus tragos capitais, a meta final das investigagbes gerais subsequentes ~ renovagdo enquanto problema ético-social fundamental. <23> Entretanto, a relagio de esséncia da renovacéo ético-social com a renovagao ético-individual exige um tratamento prévio de fundo deste problema fundamental da ética individual: a ele se dedicaré o pre- sente estudo. O nosso método deve, segundo o meu artigo precedente, “Problema e Método da Renovacic’, ser 0 método “aprioristico”, 0 méto- | do da “investigagao da esséncia”, Para a sua caracterizagio mais precisa, remeto para o meu ensaio “O Método de Investigacao da Esséncia"? ‘A. O homem como ser pessoal e livre De acordo com 0 nosso propésito particular, devemos dirigir 0 olhar para determinados tragos de esséncia do homem em geral. Que- remos, nomeadamente, tentar construit, no interior desta ideia, certas particularizag6es diferenciadoras das formas do ser e da vida humana, as quais se perfazem na ideia do homem ético. E nelas que sera esclarecida, na sua motivagio de esséncia, a peculiar forma de devir da autorrenova~ do, da autoformacao em direcdo ao “homem novo”. Como ponto de partida, tomamos a capacidade, que pertence &es- séncia do homem, de autoconsciéncia, no sentido pleno do autoexame (inspectio sui), e a capacidade, nela fundada, de tomar posicao retrorrefe- rindo-se reflexivamente a sua vida e, correspondentemente, aos atos pes- soais: 0 autoconhecimento, a autovaloracao ¢ a autodeterminacio pratica (0 querer proprio ¢ a autoformagio). Na autovaloracao, 0 homem a si proprio se ajuiza enquanto bom ou mau, enquanto valioso ou sem valor. Ele valora, com isso, os seus atos, os seus motivos, os meios ¢ fins, até The Kaizo, Ca 104, p, 107-126, 1924. Ver p, <13-20>. 2 chegar a seus fins tltimos. Nao valora apenas seus atos, motivos e metas efetivos, mas também seus atos, motivos e metas possiveis, em um cons- pecto do dominio de conjunto das suas possibilidades priticas: por fim, valora também o seu préprio “carater” pratico e as suas propriedades par- ticulares de cardter, toda a espécie de disposicées, aptides, habilidades, na medida em que determinam 0 tipo e a direcdo da sua praxis possivel, precedam elas, de resto, toda e qualquer atividade, enquanto hébitos ani- icos originérios, ou tenham elas préprias nascido através do exercicio ‘ou, eventualmente, <24> do treino de atos. Atentemos, ainda, na indole peculiar dos atos especificamente pes- soais, Em vez de estar abandonado passiva e nio livremente aos seus im- pulsos (tendéncias, aetos) ¢, assim, em um sentido alargado, ser movido afetivamente, o homem tem também a peculiaridade essencial de “agir”a partir de si, a partir do seu eu-centro, de um modo livremente ativo, de ex- perienciar uma atividade autenticamente “pessoal” ou “livre” (por exem- plo, observando), de pensar, valorar e intervir no mundo circundante de que faz experiéncia. Com isto se diz que ele tem a capacidade de “obstar” 20s efeitos do seu fazer passivo (0 ser conscientemente impulsionado) e a0s pressupostos que passivamente o motivam (tendéncies, opiniées), de pé-los em questo, de realizar as ponderagées correspondentes e de che- gar a uma decisio voluntaria somente com base no conhecimento, que dat resulta, a respeito da situagio existente, das possibilidades que so, em geral, nela realizaveis e dos seus valores relativos. $6 em tal decisio é © sujeito um “sujeito voluntério” em sentido pleno, ele ja néo segue “in- voluntariamente” a tragao afetiva (a “tendéncia”), mas chega antes a sua decisio a partir de si, “livremente’, e, quando a realizacéo é voluntéria, baseada em um tal querer auténtico, ele € sujeito “agente”, ator pessoal da sua agéo. O homem pode também permitir que esta liberdade impere precisamente a respeito dos seus atos livres, por conseguinte, a um nivel superior, pode, outra vez (portanto, também a respeito destas tomadas de posigio livres), inibi-los, pé-los outra vez criticamente em questio, 28 sopesar e decidir; a respeito de decis6es volitivas ja tomadas, pode reco- nhecé-las em afirmagoes volitivas ou rejeité-las em negacdes volitivas; & do mesmo modo a respeito de ages ja realizadas. O acontecer realizador ndo pode, certamente, ser regressivamente desfeito. Mas o eu pode sub- meter & critica volitiva posterior a vontade ativa, cuja validade perdura naturalmente na sua vida ulterior; pode, segundo o caso, confirmé-la na sua validade duradoura ou recusar-Ihe esta validade pratica em um “nao” volitivo, Como sujeito voluntario, ele valora-se, em consequéncia, como tum sujeito voluntario e agente, que é justo ow injusto. As ponderacées criticas podem ser singulares e gerais. Porque per- tence a esséncia do homem que ele nao exerga apenas uma atividade de representar, de pensar, de valorar e de querer singulares, mas que possa consumar todos esses atos também sob a forma do em geral, na forma da generalidade “particular” ou “geral’. O “simples animal” pode bem, por exemplo, sob certas circunstancias, <25> atuar sempre da mesma manei- ra, mas ele ndo tem uma vontade na forma da generalidade. Ele nao co nhece aquilo que o homem expressa nestas palavras: “eu quero em geral agir assim, sempre que me encontro err. circunstancias deste tipo, porque, para mim, bens deste tipo so em geral valiosos’ Compreensivelmente, nao se fala aqui de propriedades empiricas dos homens ¢ dos animais, mas antes de diferenciagdes de esséncia, de distingdes a priori de formas de atos e de capacidades possiveis, para ho- ‘mens e animais possiveis a priori. ‘A esséncia da vida humana pertence, ademais, que ela se desenrole continuadamente sob a forma do esforco; ¢, por fim, ela toma constan- temente, com isso, a forma do esforco positivo, ¢ esté dirigida, portanto, para a consecugdo de valores positivos. Porque todo esforgo negativo, a saber, o esforgo para se afastar de um desvalor (por exemplo, a dor “sen: vel”), é apenas um ponto de passagem para o esforgo positivo. A auséncia de dor, em que o esforgo de afastamento se relaxa - do mesmo modo que a auséncia de prazer, no caso do derradeiro relaxamento do esforgo 23 para o prazer, quando se desfrutou “até a saciedade” do valor govado ~» motiva, no mesmo instante, novos esforcos positives, dirigidos para enchimento com valores positivos do vazio, entretanto, surgido. O esforco positive, que encontra sempre uma nova motivacéo, con- duz, de modo cambiante, a satisfagbes, a decepgbes, & imposicéo do delo- roso ou do que ¢ mediatamente sem valor (por exemplo, a sensagdo de falta de novos valores para nos esforcarmos, que elevem o nivel geral de valor: 0 tédio). Ademais, novos valores, efetivos e possiveis do ponto de vis- ta pritico, entram no raio de a¢do, lutam com os que eram mesmo agora ainda validos e eventualmente desvalorizam-nos, pata o sujeito do esfor- 0, porquanto estes novos, enquanto valores de grau superior, reclamam a primazia pritica. Em suma, 0 sujeito vive na luta por uma vida “ple- nna de valor’, assegurada contra sobrevenientes desvalorizades, contra © desmoronamento ou 0 esvaziamento de valores, contra as decepsces, em uma vida que sempre se eleva no seu teor de valor ~ 0 sujeito vive para uma vida que pudesse obter uma satisfacao global continuadamen- te concordante e segura. No nivel superior, o da espontaneidade livre, 0 sujeito nao & porém, como no nivel inferior, uma simples cena passiva para forcas motivas reciprocamente conflituantes. Ele olha sinoticameate a suz vida e, enquanto sujeito livre, esforca-se, conscientemente e sob diferentes formas possiveis, para dar & sua vida a forma de uma vida sa- tisfatéria, “feliz” © motivo originario para pdr fora de agdo a sua afetividade respec- tiva <26> e para passar A livre ponderaco ¢ a penosa vivéncia da negagao ¢ da divida; portanto, a vivéncia da aniquilacéo, efetiva ou iminente, das “opinides" judicativas, valorativas e préticas e, eventualmente, das ponde- rages e decisGes ja livremente consumadas ~ na medida em que também elas podem tornar-se duvidosas e ser submetidas a uma nova critica. Por outro lado, porém, aclareza do ver, “evidéncia’, a “intelecgao”, enquanto consciéncia da autocaptagio direta do visado (na acio realizadora, trata- se doalcancamento do proprio valor meta), destaca-se por sobre a simples 30 presungao antecipadora. Ela torna-se uma fonte de normas verificadoras, fonte que é, agora, objeto particular de uma valorizagao ¢ de um esfor¢o. Assim se compreende a peculiaridade do esforgo racional, enquanto es- forco para dar 4 vida pessoal, a respeito das suas respectivas tomadas de posi¢do judicativas, valorativas e praticas, a forma da intelectividade, ou seja, em uma relagio de adequacao a esta, a da legitimidade ou da racio- nalidade. Em uma expressao correlativa, isso é 0 esforgo para expor, na autocaptacdo intelectiva, o “verdadeiro” em cada um destes aspectos - ser verdadeiro, contetido judicativo verdadeiro, valores e bens verdadeiros ou “auténticos” -, no qual as simples opinides encontram o seu padrao normativo de corregic ¢ de incorrecio. Mas poder ver isto ¢ deixar-se motivar por isto pertence as possibilidades de esséncia do homem. Como também, além disso, a possibilidade de que o homem se avalie segundo normas da razio e se transforme do ponto de vista pritico. B. Formas de vida especificamente humanas e formas pré-éticas da autorregulagio Ligamos aqui o seguinte: na possibilidade de livre autoformagé que reconhecemos no final, fundam-se formas de vida especificamente humanas a priori distintas, ou seja, tipos humanos pessoais, que nos ele- vam a forma de valor suprema do homem ético e que nela culminam, © homem pode olhar sinoticamente, de um modo unitério, a sua vida inteira, se bem que em graus de determinidade e clareza bem distin- tos, ¢ valoré-la universalmente segundo as efetividades e as possibilida- des. Ele pode propor-se, entao, uma meta geral de vida, <27> submeter- -se, a si ea sua inteira vida, na sua infinitude aberta de futuro, a uma -exigéncia de regulacao que brote da vontade livre prépria. Como motivo -que, de fato, se torna eficaz enquanto omnideterminante, outorga ela & ‘vida pessoal uma forma completamente nova. Contudo, na generalidade 31 desta descrigio, desenha-se um tipo geral de vida que deixa ainda em aberto tipos particulares diferentes. ‘Uma tal regulacéo, conscientemente estendida por sobre a infini- tude ilimitada da vida, est presente, por exemplo, quando alguém quer dedicar um cuidado universal, planificado, a conservacao sensivel de si proprio e aos bens que a servem, e se volta, em consequéncia, para uma profissao que Ihe permita ganhar bem; pode, de resto, fazé-lo apenas pela razio de que entrou nessa profissao por tradigao familiar, e que tem ra- izes firmes nela, ou porque reconhece nos bens econdmicos a condicéo prévia de todds os outros bens, ou mesmo porque Ihes dé precedéncia perante todos os demais. Entre as mailtiplas figuras de tais formas de vida, destaquemnos um. tipo assinalado, assinalado pelo modo peculiar como uma decisao valo- rativa pessoal se torna determinante para uma autorregulacio da vida pessoal no seu todo, Ao ver sinoticamente e ao valorar a sua vida futura possivel, pode alguém se tornar ciente de que valores de um tipo deter- minado, que pode a cada momento eleger como metas de alo, tém para ele 0 caréter de valores incondicionalmente desejados, sem a realizacao continuada dos quais nao poderia encontrar nenhum contentamento (neste sentido, valem como incondicionalmente preferiveis, para uns, 0s bens do foder, para outros, os da fama, do amor ao préximo etc; uma_ coisa que est, agora, fora de questio é saber se se trata de bens verda- deiros ¢ auténticos ou de bens simplesmente presumidos). Consequen- temente, a pessoa decide-se, entio, a dedicar-se a si propria e a dedicar a sua vida futura a possibilidade de realizacao de tais valores. Isto néo exclui que renuncie a esses valores em certas circunstancias, que 0s sa~ ctifique ao reconhecer que, sob estas novas circunstancias, outros valo- res hao-de ser preferidos. Pode muito bem ser que se trate, com estes il- timos, debens em si mesmos superiores, perante os quais os seus, como 4 prdptia pessoa o vg, figuem em geral para trés: como, por exemplo, para quem deseja o poder, os valores do amor ao préximo. Estes bens 32 podem residir a todo o momento no seu dominio pratico, de tal maneira. ‘que a pessoa poderia também dedicar a eles a sua vida. E, no entanto, nao 0s privilegia sendo ocasionalmente, <28> quando eles the trazem «um pequeno “custo”, Por conseguinte, a valoracio objetiva superior nijo ‘precisa se tornar uma preferéncia prética, porquanto uma pessoa viva sna certeza permanente de que esses bens inferiores so, para ela, os mais. preferiveis, a que ela nao quer nem pode renunciar incondicionalmente;, ‘¢ no o poderia porque as quer incondicionalmente. Aqui. 0 que desde ogo se destaca ¢ 0 fato geral de que uma disposi¢ao para uma entrega incondicional a metas valorizadas, nascida da incondicionalidade com que se as deseja, se torna principio de uma regulacdo da vida; seja esta. -entrega, como no nosso exemplo, uma entrega completamente irracio- nal, um enamoramento cego, ou nao 0 seja. Um caso particular &, portanto, o de uma deciséo por uma vocagdo de vida, no sentido pleno e superior. Pensamo-lo por referencia a um ge- nero de valores que sio amados, pelo homem respectivo, com um amor puro’, valores cuja prossecucio lhe traria, por conseguinte, uma satisfa- ‘¢do “pura”. E disso estaria ele proprio certo com evidéncia. Trata-se aqui, desde logo, de valores auténticos, reconhecidos na sua autenticidade e, ademais, de valores que pertencem a uma regido de valores singular, pre- ferida com exclusividade. A vocagio para ela, a entrega em exclusivo da vida & realizacio dos valores que Ihe correspondem, consiste em que o ‘sujeito respectivo esti, na sua vida pessoal, exclusivamente vinculado a precisamente esta regido ~ por exemplo, a da Ciéncia ou da Arte, ou dos valores comun:térios auténticos. Uma diferenga essencial anuncia-se jé ‘em que eu posso considerar e estimar plenamente toda espécie de valores sem, porém, os amar a partir do centro mais intimo da minha persona lidade - “com toda a minha alma” ~ como os meus, como aqueles a que ‘eu, enquanto sou o que sou, inseparavelmente pertengo. Assim é a Arte “vocag “filésofo"); ela ¢ 0 dominio de atividades e realizagées espirituais a que se parao artista auténtico, a Ciéncia, para 0 cientista auténtico (0 33 sabe “convocado’, e convocado de um modo tal que s6 a criagao de tais bens Ihe traz a satisfacdo “mais intima’ e “mais pura’, concede-lhe, com cada novo sucesso, a consciéncia da “felicidade” Com isso, aprendemos a conhecer algumas formas de autorregula- ‘s4o universal que, manifestamente, podem ser, agora, submetidas a uma Possivel critica, e certamente a uma critica que se faca também do lado daquele que se decidiu por elas. Estas formas de vida podem ser reco- nhecidas como sendo, em parte, plenas de valor e, em par‘e, sem valor, € também como formas mais valiosas ou menos valiosas relativamente. <29> A forma de vida ética esti essencialmente aparentada com elas; a sua caracterizagio deverd ser a nossa proxima tarefa, IL. A FORMA INDIVIDUAL DE VIDA AUTENTICA-HUMANIDADE A forma de vida do homem ético é, perante as outras ~ por exem- plo, as formas da vida vocacional descritas na se¢do anterior -, nao apenas a mais valiosa relativamente, mas antes a tinica alsolutamente vValiosa. Todas as formas de vida que sdo para avaliar positivamente s6 podem permanecer valiosas, para o homem que s¢ elevou ao nivel do ético, porque se integram na forma de vida ética e adquirem nela, néo apenas uma nova doacio de forma, mas também a sua norma e justifi- cagéo tltimas. O artista auténtico, por exemplo, nao é ainda, enquanto tal, o homem auténtico, no sentido mais elevado. Mas o homem autén- tico pode ser um artista auténtico, e pode sé-lo apenas se a autorregula- ‘ho ética exige isso dele. Deve levar-se, agora, estas teses & inteleccZo enquanto necessida- des de esséncia, Procuremos desenvolver geneticamente, para comecar, a forma ce vida ética como uma forma essencial (aprioristica) da vida ‘humana possivel, isto é, a partir das motivacOes que a conduzem a partir dos fundamentos essenciais. 34 ‘A, Génese da renovacio enquanto autorregulacao absoluta e universal. RazAo, felicidade, contentamento, consciéncia ética ‘Atentemos desde jé no seguinte. Formas de vida com base na autorregulago universal, tal como as descrevemos acima, por exem- ‘plo, como a forma de vida do homem vocacionado, abarcam, decerto, a vida no seu conjunto, mas nao de tal modo que regulem cada acéo determinando-a, que atribuam a cada a¢io uma forma normativa que possuisse a sua fonte origindria na vontade geral que estabelece a re- gra. Assim, a decisio que determina uma vida vocacional pretende re- gular apenas as at:vidades vocacionais; apenas elas tém, a partir dai, a forma do que é devido e que é <30> para realizar da melhor maneira possivel. Além disso, todas as formas de vida deste tipo assentam em uma saida do homem do estado de ingenuidade animal. Ou seja, a vida ja nao se consuma mais, exclusivamente, na entrega ingénua do eu as afecc6es, que partem do mundo circundante de que se tem, em cada caso, consciéncia. O eu jé nao vive simplesmente segundo impulsos, originais ou adquiridos, segundo inclinagées habituais, e coisas seme- Ihantes, mas volta-se antes, reflexivamente, como foi acima descrito (na primeira sesao, sub A), para si proprio e para o seu agir, torna-se 0 eu que se determina e se escolhe, ¢, como na vida de vocacio, que submete o conjunto da sua vida a uma vontade geral ¢ refletida. Mas, em geral, uma tal vontade livre exerce-se ainda, de novo, em uma certa ingenuidade. Falta a intengao habitual para uma critica das metas e dos caminhos que a elas conduzem, tanto no que respeita a saber se as metas sao factiveis e os meios adequados e vidveis, como no que res- peita 4 sua validade axioldgica, a sua autenticidade enquanto valores. Uma tal critica deve, primeiro que tudo, assegurar 0 agir frente as de- cepgoes provindas do falhango tanto relativamente ao seu objeto como ao valor da aco, mas também dar, de seguida, a alegria de alcangar a meta, a sua forca permanente, que sempre de novo se confirma, para 38 protegé-la de desvalorizagdes subsequentes, em virtude do abandon da pertinéncia substantiva ou axiolégica do agir. Neste altimo aspec to, tais desvalorizagdes nascem do penoso reconhecimento de que 0 “bem” almejado seré apenas um bem presumido; 0 trabalho que lhe foi dedicado ser, portanto, inutil, a alegria a se sentido, e, de seguida, uma alegria que néo pode ser contada na soma de bens da vida até entio vivida. respeito, carecida de ‘A motivagao que provém desse tipo de cesvalorizagdes e de de- cepgdes penosas é o que motiva, como jé foi indicado antes, a necessi- dade de uma tal critica e, com isso, o esforgo especifico para a verdade, ou seja, o esforco para comprovacao, para a justificacéo “definitivamen- te valida’, através de uma fundamentagio intelectiva. Um tal esforgo pode, no inicio, vir & luz do dia e ser eficaz apenas em casos singulares, ‘ou em certas classes de casos. No entanto, existem aqui possibilidades de esséncia para uma motivagao que desemboque em um esforgo ge- nérico para uma vida perfeita em geral, isto é, para uma vida que seria plenamente justificada em todas as suas atividades e que garantiria uma satisfagdo pura e constante. Carecemos aqui de desenvolvimentos mais pormenorizados. £ da especificidade peculiar <31> do homem que ele possa, a cada mo- mento, ver sinoticamente 0 todo da sua vida (enquanto unidade para ele objetivamente constituida). A isso perterce, como se destaca jé do anterior, também a possibilidade de submeter a um livre exame a infinitude do agir proprio possivel e, em unidade com isso, a infi- nitude do acontecer circum-mundano a respeito das possibilidades priticas ai contidas. Precisamente por isso, aumenta, na progressao do desenvolvimento individual (¢ tanto mais quanto é mais elevado © seu nivel), nao apenas a multiplicidade e complicacéo dos projetos praticos, dos planos, das atividades de realizacao pratica, mas aumen- ta também, em medida crescente, a incerteza intima do homem, cuidado opressivo por bens auténticos, sélidos, por satisfagdes que 36 estejam asseguradas contra toda e qualquer critica desvalorizadora e abandono. ‘A destacar de modo muito particular ser’, aqui, como algo que constantemente dificulta o estado de animo e a praxis humana, a inter- dependéncia funcional dos valores praticos, que se funda na esséncia da pris racional posstvel,e @ correspondente forma essencial geral da des- valorizagao pritica, que se expressa na seguinte lei de absorgdo: onde ha varios valores, dos quais cada um pode ser realizado por usn mesmo su- jeito no mesmo ponto temporal, ao passo que a sua realizacéo coletiva (em paretha e, portanto, em conjunto) é uma impossibilidade, ai o valor de bondade do mais elevado destes valores absorve o valor de bondade de todos 0s valores menores. Isto significa que é errénea a escolha de cada tum destes valores “absorvidos’, que ser4 mesmo um mal, ai onde umber pratico mais elevado entra em concorréncia com eles. Essa lei da “pritica formal” entrelaca-se com outras leis de es- séncia. Assim, por exemplo, com a lei da soma: da realizagao coletiva de bens praticos, que nao sofrem qualquer diminuic&o de valor nesta realizacio, resulta um “bem aditivo” de valor mais elevado que o de cada uma das partes abrangidas na soma, ou membros singulares. Tais, leis fundamentam uma referencialidade reciproca de todos os possi- veis valores de bem ou, como também poderiamos dizer, de todos os fins de um mesmo sujeito; tais leis fundamentam a impossibilidade de, a0 ponderar, planear, agir, tomar em consideragao os valores sin- gulares apenas por si préprios, como se a realizagio singularizada ea satisfagdo dai resultante pudesse produzir um contentamento duredou- ro. 0 contentamento nao brota de satisfagdes singulares (mesmo se <<32> puras, referidas a valores verdadeiros), mas funda-se na certeza da maior satisfagao continuada possivel no conjunto da vida em geral. ‘Um contentamento racionalmente fundado estaria, portanto, radica~ do na certeza intelectiva de poder conduzir plenamente a vida no seu todo a ages bem-sucedidas na maior medida possivel, a ages que, 2 37 respeito dos seus pressupostos metas, estivessem asseguradas contra as desvalorizagées. Quanto mais o homem vive no infinito e, conscientemente, olha sinoticamente as possibilidades de vida e acao futuras, tanto mais se des- taca diante dele a infinidade aberta de possiveis decep¢des e tanto mais se produz um descontentamento que, finalmente ~ no conhecimento da liberdade de escolha prépria e da liberdade da razio -, se volve em des- contentamento consigo mesmo e com o seu agir, © conhecimento, que devém consciente em casos singulares, da possibilidade de justificagdes intelectivas, bem como da possibilidade de poder preparat ¢ configurar a sua ago de tal modo que ela nao se justi- fique apenas posteriormente e de um modo contingente, mas, enquanto fundada em uma ponderagéo racional intelectiva, traga consigo de an- temao a garantia do seu direito, este conhecimento cria a consciéncia de responsabilidade da razao ow consciéncia ética O homem, que vive jé na consciéncia da sua faculdade racional, sabe-se agora responsével pelo justo ¢ o injusto em tcdas as suas ativi- dades, sejam elas atividades de conhecimento ou atividades valorativas, ou ainda agdes tendo em vista a eficécia real. Ai onde estas falham na sua justeza ou racionalidade, ai reprova a si proprio, fica descontente consigo mesmo. Dai surge, por uma motivacao possivel e compreensivel, 0 desejo € a vontade de uma autorregulacdo racional que deixa muito atrés de si as autorregulacées universais da vida vocacional autéatica, as quais se estendem a toda a vida, mas nao so efetivamente universais. Ou seja, 0 desejo € a vontade de dar uma forma nova, no sentido da razio, a vida propria no seu conjunto, a respeito de todas as suas atividades pessoais: de torna-la uma vida a partir de uma perfeita boa consciéncia, ou uma vida cujo sujeito seja capaz de se justificar a cada momento perante si mesmo de um modo perfeito. © mesmo dito de outro modo: para uma vida que traga consigo um contentamento puro e duradouro. 38 <33> B. A forma de vida humanidade auténtica Pode ser, & partida, questiondvel até onde se estende a possibi- lidade pratica de “renovar” a vida inteira neste sentido e de, com isso, se dar a forma de um homem “novo”, verdadeiramente racional. Mas © que € desde o inicio claro, e claro para aquele que avalia universal- mente a si proprio ea sua vida, é em todo caso, uma possibilidade geral, se bem que imperfeitamente determinada quanto 20 contei- do, de poder agit “segundo a melhor ciéncia ¢ consciéncia’, portanto, de poder conferir & sua vida ativa, segundo a melhor capacidade em cada caso, veracidade, racionalidade e justeza (correspondentemente, 0 verdadeiro, auténtico, o justo visiveis). Uma tal vida, a melhor pos- sivel em cada caso, 6, para 0 seu sujeito, caracterizada como 0 que é absolutamente devido, Surge, desse modo, a forma de vida “humanidade auténtica’, e, para o homem que a si préprio se avalia, que avalia a sua vida e a sua eficicia possivel, surge a ideia necessiria do “homem auténtico e ver- dadeiro” ou do homem de razao. Ele é 0 homem que se chama animal rationale nao simplesmente porque tenha a faculdade da razio e por- que regule e justifique de um modo simplesmente ocasional o seu agir segundo intelec¢oes racionais, mas antes que, sempre e em todo lado, na sua vida ativa, assim procede porquanto aspira ao racionalmente pritico em geral e puramente por causa do seu valor pritico absoluto, com base em uma autodeterminagao genérica de principio, e se aplica consequentemente, de seguida, nao s6 a reconhecer intelectivamente, segundo as suas forcas, 0 que é verdadeiro ou bom do ponto de vista pritico, enquanto o melhor da sua respectiva esfera pratica, mas tam- bem a realiza-lo. Se vamos, aqui, até a fronteira ideal ~ dito matematicamente: até “limite” -, entao, de um ideal relativo de perfeicao, destaca-se um ideal absoluto. Nao & outra coisa sendo o ideal de perfei¢do pessoal absolu- 29 ta ~ adsoluta perfeigao tedrica, axidtica® e pritica em qualquer sentido; correspondentemente, é 0 ideal de uma pessoa enquanto sujeito de todas, as faculdades pessoais potenciadas no sentido da razao absoluta - uma ‘pessoa que, se a pensdssemos ao mesmo tempo como onipotente ¢ “to- do-poderos@’, teria todos os atributos divinos. Em todo caso, excetuan- do esta diferenga (extrarracional), poderfamos dizer: o limite absoluto, 0 polo cue reside para lé de toda a finitude, o polo para que todo o esforco ‘autenticamente humano <34> esté dirigido é a ideia de Deus. Ela propria € 0 Eu “auténtico e verdadeiro” que, como haveré que o mostrar, todo ‘homem ético traz em si proprio, a que ele infinitamente aspira e que infi- rnitamente ama, e do qual se sabe sempre infinitamente distante. Perante ‘este ideal de absoluta perfeicio esta o relativo, o ideal do perfeito homem ‘humazo, do homem que faz “o melhor’, da vida na consciéncia do que é, cde caca vez, o “melhor possivel” para ele - um ideal que traz em si, ainda -e sempre, o selo da infinitude. C. Esclarecimentos e complementos Para uma consideragao mais pormenorizada destes ideais da ra- zo e da ideia pritica, com eles relacionada, do homem ético, recorra- mos forma de vida do homem paradis{aco, portanto, & da “inocéncia paradisiaca’. Ela designa (se a quiséssemos referir precisamente a todo 6 tipo de atos) uma forma de vida que a custo se pode levar a clarida- de plena, portanto, de que a custo se pode mostrar a possibilidade. No melhor dos casos, tratar-se-ia de um caso limite ideal provindo de uma infinitude de outras possibilidades e, em todo caso, de uma possibilidade que nio poderfamos de modo algum considerar como o ideal de perfei- go e ainda menos como 0 ideal prético. “O homem erra porquanto se jotisch no original 40 esforca’, por conseguinte, porquanto é homem. Teriamos de considerar ‘que errar, em todas as suas formas, é nao apenas uma possibilidade de esséncia em aberto, mas também — j pela relacdo de esséncia do homem com um mundo circundante natural - uma possibilidade faticamente in- contornavel em cada vida humana pensavel. O homem paradisiaco seria. infalivel, por assim dizer. Mas nao seria a infalibilidade divina, a infal bilidade provinda da razdo absoluta, mas antes uma infalibilidade cega, contingente, porque um tal homem nio teria o minimo pressentimento- acerca do que seja a razio, a evidéncia critica e a justificagéo. Na sua in- genuidade irrefletida, ele seria apenas um animal idealmente adaptado a circunstincias contingentemente estaveis através de um instinto cego. O homem nao é, porém, animal, mesmo que perfeito no seu tipo e cons- tantemente satisfeito. Como foi mais pormenorizadamente desenvolvido nna 1* seco, ele tem “autoconsciéncia” Na sua referéncia subjetiva a si proprio, nao se deixa viver de um modo simplesmente ingénuo e dentro do seu mundo circundante exterior. Mas, pensando em si proprio e nas possibilidades (que pertencem a sua esséncia) de atingir a meta ou de falhar, da satisfagio e da insatisfacao, de ser feliz ou infeliz, exerce, <35> como foi mostrado, a autovaloragao judicativa ¢ a autodeterminagao pré- tica, Nasce aqui, manifestamente, a gradualidade auténtica, essencial, de perfeigio da humanidade enquanto tal, a partir da qual toda a constru- cio legitima de ideais deve ser efetuada. Quanto mais livre e claramente co homem olhe sinoticamente a sua vida inteira, a avalie ¢ a reconsidere segundo as possibilidades priticas, tanto mais sera critico no balango da sua vida e faré um comego que tudo leve em conta para o conjunto da sua vida futura; tanto mais decididamente adota na sua vontade a forma racional, reconhecida enquanto tal, da vida e dela faz a lei inquebrével da sua vida: tanto mais perfeito ele é ~ enquanto Homem. Aqui reside também o tinico ideal prético do homem que é possivel pensar e, simul- taneamente, a forma absolutamente necesséria de todos os graus de valor positivo que se pode ainda distinguir quanto & atividade, & realizacao € a a0 cardter habitual. © homem enquanto homem tem ideais. Mas é da sua esséncia criar para si proprio e para a sua inteira vida um ideal enquanto este eu pessoal, e mesmo um duplo ideal, um ideal absoluto e um relativo, € ter de por o seu esforco na maxima realizacio possivel desse ideal; ter de o por, se deve ter 0 direito de reconhecer-se, em si mesmo e na sua propria rai homem. Este a priori que nele repousa cria-o, portanto, na sua forma como um homem racional, como verdadeiro e auténtico ‘mais originéria, a partir de si préprio, enquanto sew “ew verdadeiro” e seu “melhor eu”, Ble é, na sua composigao absoluta, 0 ideal do seu proprio eu vivendo em atos absolutamente justificados perante si préprio, vivendo apenas em atos a justificar absolutamente. Se ele alguma vez pressentiu € viu este ideal, entio deve também reconhecer, de urn modo intelecti- vo, que a forma de vida que lhe é conforme, a forma de vida ética, nio é apenas a melhor possivel de um ponto de vista relativo, como se, ao lado dela, outras pudessem ser em geral chamadas boas, mas antes que ela é a inica boa sem mais, a que é “categoricamente” exigida. O que poderia ser bom pare o eu, antes de ter captado 0 ideal racional do seu verdadeiro eu, deixa pura e simplesmente de ser bom, ¢ toda e qualquer felicidade pura que ele tivesse obtido anteriormente cessa de valer incondicionada- mente € de ser, para ele, verdadeira felicidade. Agora, s6 & bom o que se justifica absolutamente, portanto, nao aquilo que se justifica apenas na sua singularizagao, mas antes no universo de possibilidades priticas e a partir de uma vontade universal de uma vida provinda da razio pritica, segundo a melhor ciéncia e consciéncia, Onde, porém, se confirme o que fora denominado bom, é esta mesma confirmasio que faz disso, por vez primeira, um verdadeiro bem, <36> Deste modo, o carster de fundo de uma vida humana da mais alta figura de valor é um caréter absolutamente imperativo. Todo homem esté, podemos dizé-lo de acordo com a férmula kantiana, sob um “impe- Tativo categérico” S6 pode ser “verdadeiro homem’, valorado como pura « simplesmente bom, porquanto se submeta voluntariamente ao impera- a2 T rr tivo categérico ~ a este imperativo, que, pelo seu iado, nao diz outra coisa endo: sé um verdadeiro homem; segue uma vida que possas justificar §ntelectivamente de ponta a ponta, uma vida provinda da razio pratica. Por esséncia, a exigéncia valorativa de assim ser pertence, porém, -a exigéncia pritica de assim se tornar e, indo ao encontro do polo que _giia a partir de lonjuras inalcangaveis (ao encontro da ideia de perfeicio absoluta a partir da razio abscluta), fazer o “melhor possfvel” em cada momento e, assim, tornar-se sempre melhor segundo as possibilidades de cada momento. Deste modo, ao ideal absoluto do ser pessoal perfeito no devir absoluto da razdo corresponde o ideal humano do devir sob a forma de um desenvolvimento humano. O ideal absoluto é 0 do sujeito absolutamente racional e, nesta medida, absolutamente perfeito, a respei- to do todo da sua faculdade racional. A sua esséncia consiste em criar-se a si proprio enquanto absolutamente racional, « partir de uma vontade universal e absolutamente fixa de racionalidade absoluta e, certamente, como dissemos, em um “devir absoluto da razéo”; mas isto porquanto a vida, que é, em geral, devir necessério, dimane, aqui, da vontade racional orignariamente instauradora, como um agir que seja absolutamente ra ional em cada pulsada. A respeito da sua racionalidade, a pessoa absolu: tamente racional é, portanto, causa sui Consideremos, perante dle, 0 ideal ¢ o tipo desenvolvimento hu- ‘mano. Trata-se de um desenvolvimento que se distingue nitidamente do tipo de um desenvolvimento simplesmente organico e, assim, tam- bém de um desenvolvimento simplesmente animal. Pertence objetiva mente a um desenvolvimento organico que ele conduza realiter a uma forma madura tipica, em um tpico fluxo de devir. Também 0 homem, tanto como o animal, tem o seu desenvolvimento orginico, do ponto de vista corporal e, por ai, igualmente do ponto de vista espiritual, com 0s correspondents niveis de desenvolvimento. Mas 0 homem, como ser racional, tem também a possibilidade ¢ a livre faculdade de um de- senvolvimento de tipo totalmente diferente, na <37> forma da livre au- 43 r toconducdo ¢ autoeducasio, ao encontro de uma ideia fnal absoluta, que conhece (livremente formada no conhecer racional préprio), que valora e que ¢ de anteméo posta na prépria vontade. Trata-se de um desenvolvimento para a livre personalidade “ética’, e decerto em atos Pessoais, em que cada um quer ser, a0 mesmo tempo, um fazer racional ¢ um fato racional, a saber, uma aspiracdo para algo verdadeiramente bom que, por outro lado, enguanito tal esforco, asi proprio a priori as- pira e livremente opera. E claro que, para o homem que se esforsa eticamente, h que dizer Precisamente o mesmo: ele é sujeto e, ao mesmo tempo, objeto do seu esforgo, obra era devir até 0 infnito, cujo artifice & ele proprio, Precisa- ‘mente por isso, forma de vida do homem ético tem um cariter notével A sua vida perdeu a ingenuidade e, com ela, a beleza origindria de um crescimento orginico natural para, com isso, ganhar a beleza animica superior do combate ético pela clareza, pela verdade, pelo dircito e, bro- tando disso, a beleza da bondade humana auténtica, que se torna uma “segunda natureza’: Cada ato singular de um eu amadurecido na forma- cdo ética, na bos-formacio através da autoformaczo, tem o teor feno- menol6gico de legitimidade habitual a partir de justificagSes anteriores, mesmo quando surge sem uma justificagio propria. Nesta consciéncia ‘eta, enraizada no hébito, mas que, em cada caso, se deixa fenomenologi camente assinalar enquanto tal, tem ele a sua forma ética (observada ou inobservada), que o distingue de todos os atos ingénuos. Exemplos claros sto dados pelo modo como o cientista tem consciéncia de proposigSes que foram anteriormente provadas, nos casos em que faz ur novo uso delas, ou pelo modo como o pensamento exercitado no célculo esbaca ovas proposi¢Ges em uma consciéncia habitual da sua retidac, Na auto- educagio, serve para este efeito a habitual forma da imperatividade, ou a disposicao para querer agir ~ e agir de fato - “conscienciosamente” “tio bem quanto possivel, que ¢ fenomenologicamente transferida para cada ago sem uma nova reflexdo. Pensamos a forma de desenvolvimento especificamente humana enquanto ideal, porquanto a pensamos como o méximo ideal do em- penho que é possivel a um: homem, em cada momento, para dar a sua vida aquela forma que ele tem diante dos olhos como 0 ideal absoluto da auténtica humanidade. Mas o homem pode bem ter-se proposto este ideal, enquanto a priori prético do todo da sua vida ativa, ter-he mesmo dado a forca de uma ideia-final que governa de ponta a ponta a inteira habitualidade do seu <38> esforco pessoal, ele pode, portanto, enquan- to eu eticamente centrado, estar e manter-se dirigido para ela de modo habitual, se bem que, seja momentaneamente ou em longas porgdes de tempo, se deixe arrebatar por “afecgdes exteriores” e “se vé perder no mundo”. O comeco de tode e qualquer autodesenvolvimento é imperfei- ‘glo. Perfeicdo é decerto, a ideia-final que dirige de modo consequente 0 desenvolvimento; mas a simples vontade de se tornar perftito nao da de repente a perfeigao, cuja realizagao esté ligada & forma necessaria de ‘um combate sem fim, mas também de um fortalecimento no combate. Subsiste sempre, com isso, a possibilidade de esséncia de que o homem caia em uma vida mundana “pecaminosa’, em uma vida que ja nio é outra vez, ingénua, porquea decisio ética, que continua eficaz, faz valer continuadamente (e conscientemente, no sentido indicado) a sua exi sgencia para a vida; contude, em ver da forma habitual da conformidade & norma, a vida “pecaminosa” tem a forma da contraposigéo & norma, em vez da forma do preenchimento da exigéncia absoluta do dever, a do seu abandono nao ético, a da queda e decadéncia éticas. O carater de consciéncia da maldade ética adere, com isso, ao que é feito enquanto tal, e, sem reflexdo, adere ao eu pessoal e 20 seu agir, com os seus carac: teres correlativos do extravio pecaminoso. De resto, este carater, assim como o sentimento de consciéncia que 0 acompanha (eventualmente, como “adverténcia penetrante da consciéncia"), podem passer comple- tamente despercebidos e, também, permanecer desatendidos do ponto de vista prético. Por forca de uma continuada desatencao pratica, por 45 forca de uma abstencao continuada de noves tomadas de censciéncia ¢ da retomada atualizadora da vontade origindria de vida ética (da von- tade de se tornar um homem novo), @ eficécia da sua forga motivadora deve, por fim, estiolar-se. A vida assume, entdo, a forma da pecarino- sidade endurecida, da consciente desatengao a exigéncia ética, da “falta de consciéncia”, O sujeito, que se perdeu em certas metas, ou que, por livre escolha, a elas se abandonou ea elas se vinculou inseparavelmente, recusa-se a afirmar, na vontade, aquela norma que conhece, ou recusa- se a toda e qualquer critica dessas metas e a qualquer reconhecimento pratico de normas que possam falar contra elas. A vida verdadeiramente humana, a vida na infindével autoeduca , por assim dizer, uma vida do “método’, do método para a huma- cao, nidade ideal. Por mais elevado que seja 0 nivel relativo de perfeigao <39> da vida ética, esta é sempre uma vida de autodisciplina, correspondente- mente, de autocultura, de autogoverno, sob uma constante autovigilan- cia, Como ha-de ela decorrer, em detalhe, segundo a sua esséncia, quais sio 0s seus perigos especificos, os seus tipos possiveis de autoenganos, de extravios, de degenerescéncias duradouras, as sttas formas habituais de automendacidade, as reservas éticas inconsideradas ~ expor isto sistema- ticamente é a tarefa de uma ética individual pormenorizada De um modo assaz notavel, expde-se nas nossas consideragées de esséncia, formais e gerais, a estrutura ideal da vida humana como um. “pan-metodismo”. £ a consequéncia necesséria do tipo essencial geral do homem, um ser que, na agdo livre e racional, se eleva sobre o animal. Enquanto ser racional, e de acordo com a sua prépria intelecglo, ele s6 pode chegar ao contentamento puro através da autogovernayao ¢ da au- tocultura segundo a ideia centralizadora da razo pratica, ele deve, en- tdo, exigir categoricamente de si proprio uma vida correspondente, Uma. vida humana consequente com esta forma humana de desenvolvimento é uma tal autoelevacao continuada, mas sempre apenas por uma passa- ‘gem ativa e livre da imperfeicdo para uma menor imperfeicéo, portanto, 46 da indignidade para uma menor indignidade. Porque 86 0 ideal absoluto da perfeicao, a ideia-final do desenvolvimento humano, confere a plena dignidade que a si propria se confirma, Denominamos, em geral no sentido mais lato, toda e qualquer vida (também a que nao é completamente consequente) autogoverno, segundo a exiggncia categérica da ideia-final ética, como uma vida éti- a; a0 seu sujeito, sendo alguém que se determina a autodisciplina ética, denominamo-lo - de novo num sentido lato - uma personalidade ética. De acordo com isso, a ideia da vida ética, enquanto forma geral e necessdria de uma vida humana de valor superior, conteria em si possibi- lidades de esséncia de valor positivo e negativo; uma vida ética, no nosso sentido mais lato, pode ser uma vida ética mais ou menos perfeita ¢, com isso, ume vida boa ou mé - uma vida “nio ética’ A ultima expressio aponta para conceito pleno de uma vida ética (de modo semelhante, de personalidade ética), Este compreende em si exclusivamente a cadeia de niveis das formas de vida de valor positivo, entre as quais a forma otima ideal de uma vida consequente <40> de acordo com o “melhor’ a saber, segundo a melhor “ciéncia ¢ consciéncia” em cada caso possivel para 0 sujeito correspondente. Repare-se bem na generalidade, jé sublinhada na Introdugéo, com que sao aqui usados, por razdes essenciais, os conceitos de razao e de per- sonalidade ética. © conceito de raza estende-se tanto quanto se possa falar de algum modo} nos atos pessoais, de correto e de incorreto (corres- pondentemente, de justo ¢ injusto), de racionalidade ¢ de irracionalida- de, eisto ocorre em um sentido miltiplo, mas encerrando uma manifesta comunidade de esséncia, Correlativamente, falar-se-d, portanto, do ver- dadeiro, do auténtico, do bom etc., a respeito das metas dos atos pessoais. Consideram-se aqui todos os tipos de atos; todos eles e, por consequén- cia, todos 0s tipos de razao esto inseparavelmente entrelacados uns nos outros através de leis de esséncia: apenas uma doutrina racional que se estenda a completa universalidade da razdo, na direcao das possibilida- 4a des de esséncia de uma vida pritica racional e de uma correspondente “Btica” universal, pode fornecer intelecgbes principiais perfeitas e, por consequéncia, tornar possivel uma vida ética do nfvel de valor mais ele~ vado, que provém da mais perfeita clareza de principios. A ideia normativa da razao refere-se tanto a0 que se denomina, no sentido habitual, o agir (a eficiéncia no mundo circundante), como. também aos ates légicos € valorativos (por exemplo, esteticos). A Etica, completa abarca a Légica (a arte légica), em todas as suas delimitacdes costumeiras, bem como a Axiologia (doutrina dos valores, especialmente: a doutrina estética), como também a pratica toda, seja como for que se delimite. Também todo e qualquer conhecer teorético é, por exemplo, um “agir’, e 2 vida do clentista, dedicada por vocacio & verdade, é uma vida “ética de conhecimento’, quando ela , em geral, legitima e racional no pleno sentido. © que faz 0 cardter de esséncia do ético, no nosso sentido atual da ética individual, é que ele exige uma regulacio da vida individual total segundo 0 “imperativo categérico” da razdo ~ a saber, que ele exige dela que seja a melhor possivel perante a razio e em todos os atos pessoais possiveis, S6 de acordo com isso poder-se-d estabelecer, por vez primeira, até que ponto, no quadro formal de uma tal vida imperative, poce ser justificada, em geral, a forma da vida vocacional e profissional, ¢, de se- ‘guida, especificamente, por exemplo, a de uma vida cientifica, artistica ow politica, e sob que formas circunstanciais e sob que restrigdes limitadoras ela é possivel e, de seguida, exigida enquanto vida ética Em geral, o “imperativo categérico” é, manifestamente, ainda que -ele préprio imperativo, apenas uma forma significativa vazia para todos ‘0s imperativos individuais de contesido determinado possivelmente vé- lidos. E, antes de tudo, a tarefa de uma Etica desenvolvida tracar, nesta forma universal, por meio de uma investigagao e critica sisteméticas das formas de vida possiveis compreendidas a priori na esséncia do homem, ‘as particularizagdes categoricamente exigidas por referéncia as formas de personalidade possiveis e de circunstancias possiveis, ¢, deste modo, des- 48 crever também as formas éticas da vida vocacional possivel em todas as suas diferenciagdes de dignidade ética, que se podem consumar a priori, ‘tanto como, naturalmente, esbogar também a tipica essencial das formas ‘éticas negativas, Todo homem tem, por conseguinte, tanto a sua individualidade ‘como a sua ideia e método ético-individual, o seu imperativo categérico individual, concretamente determinado para 0 seu caso. Sé a forma es- ‘senctal geral do homem ético ea de uma vida sob o imperativo catego- rico formalmente idéntico é comum a todos 0s homens enquanto tais; assim como, naturalmente, tudo o que uma Etica cientifica e principial (portanto, formal) pode derivar da “esséncia” do homem em matéria de normas aprioristicas. ‘Acrescentemos, finalmente, ainda uma palavra sobre 0 conceito ético-individual de cultura. Toda e qualquer vida especificamente pes- soal é vida ativa e esté, enquanto tal, sob normas de esséncia da razio. © campo de atividade do eu pessoal é 0 dominio infinito ~ que se deve ‘tomar, primeiro, na sua totalidade ~ daquilo que é reconhecivel para 0 homem enquanto objeto de uma possivel livre eficiéncia. Compreendido em uma limitagdo apropriada, este mundo circundante pritico de cada homem abarca todo 0 mundo circundante de que toma consciéncia, a natureza, o mundo humano ¢ animal, a respectiva cultura, mas também, finalmente, ele proprio, 0 seu corpo, a sua vida espiritual propria, 05 seus atos, faculdades ativas e a “natureza animica’, enquanto plano de fundo constante, funcionando passivamente (associagio, meméria etc.). Tudo isso est submetido, em uma medida que varia individualmente, a vonta- de e an trahalho conscientemente apontado a fins. A totalidade dos bens subjetivos que so produzidos nas atividades pessoais (e, especialmente, nas ages racionais) poderia ser designado (no caso especial dos bens au ténticos) como 0 dominio da sua cultura individual e, especificamente, da sua cultura auténsica. Ele proprio é, entdo, <42> a0 mesmo tempo, sujeito e objeto de cultura; e, de novo, ele &, a0 mesmo tempo, objeto de cultura 49 principio de todos os objetos culturais. Porque toda cultura auténtica s6 € possivel por meio de uma autocultura auténtica e no quadro ético nor- ‘mativo desta. Mesmo uma obra de arte acabada é, por exemplo, tomada em € por si mesma, um simples valor hipotético, por mais que ela faca “feliz, em um sentido puro, o seu criador e aqueles que a recompreen- dem. Todo e qualquer imperativo que se Ihe dirija isoladamente é por as- sim dizer, um simples “imperativo hipotético”. Apenas no quadro de uma vida ética se consuma uma avaliacéo universal e, com isso, uma valoraco absoluta, ¢ isto corresponde ao que foi explanado anteriormente para to- dos os atos. Por conseguinte, témbém a obra de arte acabada ~ um valor “emt si, enquanto objeto-meta de intengdes estéticas que se preenchem Puramente ~ tem apenas, com esta objetividade de valor para “qualquer um’, uma possibilidade de valor vélida, positiva, mas apenas hipotética para qualquer um, ou seja, para qualquer sujeito que valore racionalmen- te, Ela 6 recebe valor efetivo por referencia a uma individualidade efetiva (aqui, uma pessoa singular) ¢ no interior da universalidade da sua razzo ¢ da sua vida ética totais. Apenas nisso recebe a felicidade da dedicacao & obra de arte a sua norma de direito dltima, mas também limitadora, e mesmo para todos os géneros de “valores em si” lomente o direito ético é um direito iltimo. Aquilo que se chama, sem mais, valor ou bem, chama- -se assim apenas porque preenche certas determinacées de esséncia que, no quadro de uma vida ética, em vez de serem a limine excluidas, exigem 4 priori ser tomadas em consideragao como um fator valorativo positivo no cilculo de valor. Conctusio De acordo com estas anélises, é claro que a vida ética, segundo a sua esséncia, é, de fato, uma vida provinda de uma “renovagdo”, pro- vinda de uma vontade originéria de renovagio que, de seguida, sem- 50 pre de novo se deve reativar. Uma vida que se denomine como vida ética, no sentido verdadeiro. Nao pode devir e crescer “a partir de si a0 modo da passividade organica, nio pode também ser encaminha- da e sugestionade a partir de fora, sejam quais forem as disposicées racionais originarias capazes de desenvolvimento que se possam pres- supor, € seja qual for a ajuda trazida pelo exemplo e a reta orientacéo dos outros. Somente pela liberdade propria pode um <43> homem chegar a razao e dar forma racional tanto ao seu mundo circundante quanto a si préprio; sé assim pode encontrar a sua maior “felicidade” possivel, a tinica que pode ser racionalmente desejada. Cada um deve em sie por si, uma vez na vida, realizar esta autorreflexio universal e tomar essa decisao ~ determinante para a sua vida inteira e pela qual se torna um homem eticamente emancipado - de fundar originaria- mente a sua vida como uma vida ética. Por meio desta livre instituicio ou produgao originaria, que encena 0 autodesenvolvimento metédico frente a ideia ética absoluta, destina-se o homem (ou seja, ele torna se) a ser um nove € auténtico homem, que rejeita o velho homem e prefigura a forma da sua nova humanidade. Na medida em que a vida ética é, segundo a sua esséncia, um combate contra as “tendéncias rebaixantes’, pode também ser descrita como uma renovagao continu- ada. O homem decaido na “servidao ética” renova-se, em um sentido Particular, por meio da reflexdo universal e pelo reforco dessa vonta- de originéria de vida ética que se tornara impotente, isto é, por meio de uma nova consumagao da instituicao originaria que, entretanto, perdera validade. Todas as nostas explanagées, toda a fundamentacio de leis norma- tivas determinadas, particularmente as que dizem respeito 20 individuo ético enquanto membro da comunidade, enquanto sujeito de deveres Sociais, pertencem ja ao edificio da propria ética individual e néo mais ao esbogo das suas linhas diretoras principiais. Foram, porém, estas que tivemos em vista nesta investigacio. si

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