COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA
anteriores ~ elas morreram, mas ainda permanecem nossas mies.
Nao nos reconhecemos mais uns aos outros apenas devido as mu-
dangas em nossa aparéncia exterior. Em nossa vida diaria, vemos
muitos seres vivos diferentes, tanto humanos quanto nao huma-
nos. Consideramos alguns como amigos, outros como inimigos e
a maioria como estranhos. Essas disting6es sao feitas por nossas
mentes equivocadas; elas nao sao verificadas por mentes validas.
Devido as mudancas no nosso renascimento, nao reconhecemos
nossas maes, parentes e amigos das vidas passadas e, por causa
disso, vemos agora a maioria dos seres vivos como estranhos e
muitos, até mesmo, como inimigos. Essa aparéncia e concepgao
equivocadas é ignorancia. Estranhos e inimigos sao apenas criagdes
dessa ignorancia. Na verdade, nao existem seres vivos que sejam
estranhos ou nossos inimigos, porque eles sao todos nossas maes,
parentes ou amigos muito proximos. Nosso unico inimigo ver-
dadeiro sao as nossas delusées, tais como nosso desejo descon-
trolado (ou apego), nossa raiva e inveja e, especialmente, nossa
ignorancia do agarramento ao em-si. Compreender e acreditar
nisso ira nos dar um grande significado nesta vida e nas nossas
incontaveis vidas futuras.
Podemos, entaéo, meditar sobre a bondade das nossas maes
quando tivemos outros tipos de renascimento, considerando, por
exemplo, 0 quao atenciosa uma mie passarinho protege seus ovos
contra perigos e como ela protege sua cria sob suas asas. Quando
um cagador se aproxima, ela nado voa para longe e tampouco dei-
xa seus filhotes desprotegidos. Durante o dia inteiro, ela procura
comida para alimentd-los, até que estejam fortes o suficiente para
deixarem o ninho.
Certa vez, havia um ladrao no Tibete que apunhalou uma
égua que estava carregando um potrinho em seu utero. Sua
faca penetrou tao profundamente no flanco da égua que o corte
abriu seu utero, e o potrinho saiu pelo flanco da mae. Enquanto
morria, a égua consumiu suas ultimas forgas lambendo sua cria,
com grande afei¢ao. Ao ver isso, o ladrao encheu-se de remorso.
Ele ficou admirado ao ver como, mesmo entre as dores da morte,
106APRENDER A APRECIAR OS OUTROS
essa mae tinha tamanha compaixao por seu filho e como esta-
va preocupada somente com o bem-estar dele. O ladrao, entao,
parou com seu estilo de vida nao virtuoso e comecou a seguir
caminhos espirituais puramente.
Todos os seres vivos t&m nos demonstrado a mesma preo-
cupacao altruista, a perfeita bondade de uma mie. Além disso,
mesmo que nao consideremos os demais seres vivos como sen-
do nossas mies, ainda assim eles tem demonstrado extraordi-
naria bondade para conosco. Nosso corpo, por exemplo, é 0
resultado da bondade nao apenas de nossos pais, mas de incon-
taveis seres que o tém provido com alimentos, abrigo, e assim
por diante. E porque temos este corpo atual com faculdades
humanas que somos capazes de desfrutar de todos os prazeres
e oportunidades da vida humana. Até mesmo simples prazeres,
como dar um passeio ou contemplar um belo pér do sol, podem
ser vistos como 0 resultado da bondade de inumeraveis seres
vivos. Nossos talentos e habilidades, tudo provém da bondade
dos outros; tivemos que ser ensinados a comer, andar, falar, ler
e escrever. Mesmo a lingua que falamos nao foi inventada por
nés mesmos, mas € 0 produto de muitas geragées. Sem ela, nao
poderiamos nos comunicar com os outros nem compartilhar
de suas ideias. Nao poderiamos ler este livro, aprender praticas
espirituais ou até mesmo pensar com clareza. Todos os recur-
sos e instalagées que damos como certos e garantidos - como
casas, carros, estradas, lojas, escolas, hospitais e internet - sio
produzidos somente através da bondade dos outros. Quando
viajamos de énibus ou de carro, tomamos as estradas como se
ja estivessem ali, prontas, desde sempre, mas muitas pessoas
trabalharam arduamente para construi-las e tornd-las seguras
Para 0 nosso uso.
O fato de que algumas das pessoas que nos ajudam talvez nao
tenham a intengao de fazé-lo ¢ irrelevante. Recebemos beneficio
de suas ages; portanto, do nosso ponto de vista, isso é bondade.
Em vez de nos focarmos em suas motivagées, que, de qualquer
modo, nao conhecemos, devemos nos concentrar no beneficio
107COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA
pratico que recebemos. Todos os que contribuem de algum modo
para nossa felicidade e bem-estar sao merecedores da nossa gra-
tidao e respeito. Se tivéssemos que restituir tudo o que os outros
tém dado a nés, nao nos restaria absolutamente nada.
Podemos argumentar que nao recebemos as coisas gratuita-
mente, mas que temos que trabalhar por elas. Quando vamos as
compras, temos de pagar, e quando comemos num restaurante,
temos de pagar a conta. Talvez tenhamos um carro, mas tivemos
de comprar o carro e, agora, temos de pagar pelo combustivel,
impostos e seguro. Ninguém nos da nada de graca. Porém, de
onde tiramos esse dinheiro? E verdade que, em geral, temos de
trabalhar para ganhar nosso dinheiro, mas sio os outros que nos
empregam ou compram nossas mercadorias; portanto, indire-
tamente, sdo eles que nos proveem com dinheiro. Além disso, a
razao pela qual somos capazes de fazer um determinado tipo de
trabalho é que recebemos das outras pessoas a educacao ou trei-
namento necessérios. Para onde quer que olhemos, encontramos
somente a bondade dos outros. Estamos todos interconectados
numa rede de bondade da qual é impossivel nos separar. Tudo
que temos e tudo do que desfrutamos, inclusive nossa propria
vida, deve-se a bondade dos outros. De fato, toda a felicidade que
existe no mundo surge como resultado da bondade dos outros.
Nosso desenvolvimento espiritual e a felicidade pura da plena
iluminacao também dependem da bondade dos seres vivos. Nossa
oportunidade de ler, contemplar e meditar nos ensinamentos espi-
rituais depende inteiramente da bondade dos outros. Além disso,
como sera explicado mais adiante, sem seres vivos com os quais pos-
samos praticar generosidade, testar nossa paciéncia ou pelos quais
possamos desenvolver compaixao, nunca conseguiriamos desenvol-
ver as qualidades virtuosas necessdrias 4 conquista da iluminacao.
Em resume, precisamos dos outros para 0 nosso bem-estar
fisico, emocional e espiritual. Sem os outros, nao somos nada.
Nossa impressio de que somos uma ilha, um individuo autos-
suficiente e independente, nao possui relacio alguma com a rea-
lidade. E mais préximo da verdade nos imaginarmos como uma
108APRENDER A APRECIAR OS OUTROS
célula no vasto corpo da vida ~ distintos, porém intimamente li-
gados a todos os seres vivos. Nao podemos existir sem os outros,
e eles, por sua vez, so afetados por tudo 0 que fazemos. A ideia
de que é possivel garantir nosso proprio bem-estar enquanto ne-
gligenciamos o bem-estar dos outros, ou até mesmo 8 custa deles,
é completamente irrealista.
Contemplando as intimeras maneiras pelas quais os outros nos
ajudam, devemos tomar uma firme decisao: “Preciso apreciar to-
dos os seres vivos, pois eles sio muito bondosos comigo”. Com
base nessa determinacao, geramos um sentimento de apreco -
uma sensacao de que todos 0s seres vivos sao importantes e de que
a felicidade e a liberdade deles sao, também, muito importantes.
Tentamos misturar, de modo estritamente focado, nossa mente
com esse sentimento e 0 mantemos pelo maior tempo que con-
seguirmos, sem nos esquecer dele. Quando sairmos da medita¢ado,
devemos tentar manter essa mente de amor, de modo que, sempre
que encontrarmos ou nos lembrarmos de alguém, naturalmente
pensemos: “Essa pessoa é importante; a felicidade e a liberdade
dessa pessoa sao importantes”. Desse modo, faremos progressos
em nossa pratica de aprender a apreciar os outros.
OS BENEFICIOS DE APRECIAR OS OUTROS
Outra razao para apreciarmos os outros é que este é o melhor
método para solucionar os nossos préprios problemas e os pro-
blemas dos outros. Problemas, preocupagao, dor e infelicidade
sao tipos de mente; eles sao sensagées e nao existem fora da men-
te. Se apreciarmos cada pessoa que encontrarmos ou cada pessoa
em que pensarmos, nossa mente ficara em paz 0 tempo todo, de
modo que seremos felizes 0 tempo todo e nao haverd base para
desenvolver inveja ou citime, raiva ou outros pensamentos pre-
judiciais. Inveja ou citime, por exemplo, ¢ um estado mental que
nao consegue suportar a boa sorte alheia; mas, se apreciamos al-
guém, como a sua boa sorte pode perturbar nossa mente? Como
podemos desejar prejudicar os outros se consideramos a felicidade
109COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA
de cada ser como de suprema importancia? Apreciando genuina-
mente todos os seres vivos, agiremos sempre com bondade amo-
rosa, de um modo amigavel e atencioso, e eles irao retribuir nossa
bondade. Os outros nao agiréo de modo desagradavel conosco e
nao havera base para conflitos ou disputas. As pessoas irao gostar
de nés e nossos relacionamentos serao mais estaveis e satisfatorios.
Apreciar os outros também nos protege dos problemas causa-
dos pelo apego desejoso. E comum ficarmos fortemente apegados
a uma pessoa que achamos que iré nos ajudar a superar nossa so-
lidao, dando-nos 0 conforto, a seguranga ou o estimulo que ansia-
mos. No entanto, se tivermos uma mente amorosa por todos, nao
nos sentiremos sozinhos. Em vez de nos apegar aos outros para
que satisfagam nossas vontades, vamos querer ajuda-los a satisfa-
zerem as suas proprias necessidades e desejos. Apreciar todos os
seres vivos soluciona todos os nossos problemas, porque todos os
nossos problemas surgem da mente de autoapreco. Por exemplo,
se a pessoa com quem vivemos nos deixasse por outra, provavel-
mente nos sentiriamos transtornados; mas, se os aprecidssemos
verdadeiramente, desejariamos que fossem felizes e nos regozija-
riamos com sua felicidade. Nao haveria base para nos sentirmos
enciumados ou deprimidos e, embora pudéssemos achar a situa-
ao desafiadora, ela nao seria um problema para nés. Apreciar os
outros é a protecdo suprema contra sofrimentos e problemas e
nos permite permanecer calmos e serenos 0 tempo todo.
Apreciar os nossos vizinhos e as pessoas do nosso bairro con-
duzira, naturalmente, a comunidade e a sociedade como um todo
a harmonia, e isso tornara todos mais felizes. Talvez nao sejamos
uma personalidade famosa ou influente, mas, se apreciarmos
sinceramente cada um que encontrarmos, poderemos dar uma
profunda contribui¢ao 4 nossa comunidade. Isso é verdadeiro até
mesmo para quem nega 0 valor da religido. Se, numa escola, um
professor apreciar seus alunos e for livre de egoismo, os alunos
irdo respeitd-lo e aprender nao apenas 0 assunto que ele ensina,
mas também a bondade e as qualidades admirdveis que revela
possuir. Um professor assim naturalmente influenciard, de maneira
noAPRENDER A APRECIAR OS OUTROS
positiva, todos os que o cercam, e sua presenca transformara a
escola inteira. Diz-se que existe um cristal magico que tem 0 po-
der de purificar qualquer liquido em que seja colocado. Aqueles
que apreciam todos os seres vivos so como esse cristal - com
sua simples presenga, eles removem a negatividade do mundo e
devolvem amor e bondade.
Se alguém, mesmo inteligente e poderoso, nao amar os outros,
cedo ou tarde enfrentara problemas e achara dificil realizar seus
desejos. Se o governante de um pais nao apreciar seu povo, mas se
preocupar somente com seus proprios interesses, ele sera critica-
do e desacreditado e acabar, por fim, perdendo seu cargo. Se um
professor espiritual nao apreciar e nao cultivar boas relagdes com
seus alunos, eles acharao dificil desenvolver fé nele e isso fara com
que seus ensinamentos se tornem ineficazes e sem poder.
Se um patrao estiver preocupado apenas com seus proprios in-
teresses e nao cuidar do bem-estar de seus empregados, os empre-
gados ficarao infelizes. Provavelmente, eles trabalharao de modo
ineficiente e, certamente, nao terao entusiasmo algum para cum-
prir os desejos do patrao. Assim, o patrao sofrera as consequén-
cias da sua propria falta de consideracao pelos seus empregados.
Do mesmo modo, se os empregados estiverem preocupados ape-
nas com 0 proveito que podem tirar da empresa, isso irritard seu
patrao, que poderd reduzir-lhes o salario ou demiti-los. A empre-
sa talvez venha a falir, fazendo com que todos percam seus em-
pregos. Desse modo, os empregados sofrerao as consequéncias da
sua falta de consideracao pelo patrao. Em todo ramo de atividade,
a melhor maneira de garantir sucesso é fazer com que as pessoas
envolvidas reduzam seu autoapre¢o e tenham um maior senso de
consideragao pelos outros. As vezes pode parecer, ao autoapreso,
que existem vantagens a curto prazo, mas, a longo prazo, existem
somente problemas. A solugao para todos os problemas da vida
diaria é apreciar os outros.
Todo 0 sofrimento que experienciamos é 0 resultado de carma
negativo, e a fonte de todo carma negativo é 0 autoapreco. Por-
que temos um senso tao exagerado da nossa propria importancia,
m1COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA
frustramos os desejos das outras pessoas a fim de satisfazer os
nossos. Levados por nossos desejos egoistas, nao hesitamos em
destruir a paz mental dos outros e causar-lhes aflicées. Tais agdes
plantam apenas sementes de sofrimento futuro. Se apreciarmos
0s outros sinceramente, nao teremos o desejo de ofendé-los ou
prejudica-los e iremos parar de nos envolver em ages destruti-
vas e prejudiciais. Observaremos, naturalmente, disciplina moral
pura e iremos nos abster de matar ou de sermos cruéis com os
outros seres vivos, de rouba-los ou de interferir em seus relacio-
namentos. Como resultado, nao teremos de experienciar os efei-
tos desagradaveis dessas ag6es negativas no futuro. Desse modo,
apreciar os outros nos protege de todos os problemas futuros cau-
sados por carma negativo.
Ao apreciar os outros, acumulamos mérito continuamente, e
mérito € a causa principal de sucesso em todas as nossas ativi-
dades. Se apreciarmos todos os seres vivos, realizaremos, natu-
ralmente, muitas a¢Ges Uteis e virtuosas. Todas as nossas acdes
de corpo, fala e mente irao gradualmente se tornar puras e be-
néficas, e seremos uma fonte de felicidade e de inspiracao para
qualquer um que encontremos. Descobriremos, por experiéncia
propria, que essa preciosa mente de amor é a verdadeira joia-que-
-concede-desejos, pois ela satisfaz os desejos puros, tanto os nos-
sos como os dos outros.
A mente que aprecia todos os seres vivos é extremamente pre-
ciosa. Manter esse bom cora¢ao resultara somente em felicidade
para nds e para todos que nos rodeiam. Esse bom coragao faz
surgir a compaixao - 0 desejo espontaneo de libertar permanen-
temente todos os seres vivos do medo e do sofrimento. Isso, por
fim, transforma-se na compaixao universal de um Buda ilumina-
do, compaixao essa que verdadeiramente tem o poder de proteger
todos os seres vivos do sofrimento. Desse modo, apreciar os ou-
tros nos conduz 4 suprema meta ultima da vida humana.
Por contemplar todas essas vantagens de apreciar os outros,
chegamos & seguinte determinagio:
m2APRENDER A APRECIAR OS OUTROS
Vou apreciar todos os seres vivos sem excegiio, porque essa
preciosa mente de amor é 0 método supremo para solucionar
todos os problemas e satisfazer todos os desejos. Por fim, ela
ird me conceder a felicidade suprema da iluminagao.
Meditamos estritamente focados nessa determinagio pelo maior
tempo possivel, e geramos um forte sentimento de apre¢o por todos
e cada um dos seres vivos. Ao sair da meditacao, tentamos manter
esse sentimento e colocamos em pratica a nossa decisio. Sempre
que estivermos com outras pessoas, devemos estar continuamente
atentos de que a felicidade e a liberdade delas sio, no minimo, tio
importantes quanto a nossa propria felicidade ¢ liberdade. E claro
que nao conseguiremos apreciar todos os seres vivos de imediato,
mas, treinando nossa mente nessa atitude, comegando com os nos-
sos familiares e amigos, poderemos ampliar gradualmente 0 esco-
po do nosso amor até abranger todos os seres vivos. Quando, desse
modo, apreciarmos sinceramente todos os seres vivos, nao seremos
mais uma pessoa comum, mas teremos nos tornado um grande ser,
como um Bodhisattva.
13Como Aprimorar o Amor Apreciativo
A MANEIRA DE aprofundar nosso amor pelos outros é nos fa-
miliarizar com a pratica de apreciar os outros. Para fortalecer
nossa determinacao de apreciar todos os seres vivos, precisamos
receber instrugées adicionais sobre como aprimorar o amor
apreciativo.
Todos nés temos alguém que consideramos especialmente
precioso, como nosso filho, cénjuge ou mie. Essa pessoa nos
parece dotada de qualidades tinicas, que a destacam das demais.
Nés a valorizamos e queremos cuida-la e protegé-la de uma ma-
neira especial. Precisamos aprender a considerar todos os se-
res vivos do mesmo modo, reconhecendo todos e cada um de-
les como sendo especial e exclusivamente precioso. Embora ja
apreciemos nossa familia e os amigos mais préximos, nao ama-
mos os estranhos e, certamente, nado amamos nossos inimigos.
Para nds, a vasta maioria dos seres vivos nao tem significado
particular algum. Por praticar as instrugGes sobre apreciar os
outros, podemos remover essa parcialidade e passar a valorizar
todos e cada um dos seres vivos do mesmo modo que uma mae
estima seu mais querido filho. Quanto mais aprofundarmos e
aprimorarmos nosso amor por praticar desse modo, nossa com-
paixdo e bodhichitta irao se tornar mais fortes e alcancaremos a
iluminagao mais rapidamente.
45COMO TRANSFORMAR A SUA VIDA
RECONHECER NOSSAS FALHAS.
NO ESPELHO DO DHARMA
Uma das fungées principais dos ensinamentos de Buda, ou Dharma,
€a de servir como um espelho no qual podemos enxergar as nossas
proprias falhas. Por exemplo, quando a raiva surge em nossa mente,
em vez de procurar uma desculpa, devemos dizer a nés mesmos:
“Essa raiva é 0 veneno interior da delusio, ou afli¢ao mental. Ela nao
tem nenhum valor ou justificativa; sua unica fungao é prejudicar.
Nao vou tolerar sua presenca em minha mente”, Podemos também
usar o espelho do Dharma para distinguir entre apego desejoso e
amor. Esses dois sentimentos sao facilmente confundidos, mas é
fundamental discrimind-los corretamente, pois 0 amor s6 nos traz
felicidade, ao passo que a mente de apego s6 traz sofrimento e nos
prende mais fortemente ao samsara. No instante em que notar-
mos 0 apego surgindo em nossa mente, devemos ficar em estado
de alerta - nao importa quao agradavel possa parecer seguir nosso
apego, ele é como lamber mel no fio de uma navalha e, a longo
prazo, conduz invariavelmente a mais sofrimento.
Arazo principal pela qual nao apreciamos todos 0s seres vivos é
que estamos muito preocupados com nés mesmos, ¢ isso deixa um
espaco muito pequeno em nossa mente para apreciarmos 0s outros.
Se quisermos apreciar os outros sinceramente, precisamos reduzir
o interesse obsessivo que sentimos por nds mesmos. Por que nos
consideramos tao preciosos, mas nao os outros? A razdo é que es-
tamos muito familiarizados com 0 autoapreco. Desde tempos sem
inicio, temos nos agarrado a um eu verdadeiramente existente. Esse
agarramento ao eu faz surgir automaticamente 0 autoaprego, que,
instintivamente, sente “eu sou mais importante que os outros”. Para
Os seres comuns, 0 agarramento ao seu proprio eu e 0 autoaprego
sio como os dois lados de uma mesma moeda: 0 agarramento ao
eu agarra-se a um eu verdadeiramente existente, ao passo que 0
autoapreco sente que esse eu é precioso e o aprecia. A razao fun-
damental para isso ¢ a nossa constante familiaridade com 0 nosso
autoapreco, dia e noite, até durante o sono.
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