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COD1GO CIVIL

DOS

ESTADOS DNIDOS DO BRASIL

IIX
OBRAS DO AUTOR

Codigo Civil commentado. Em 6 volumes.


Direito Civil (Theoria geral). 2.a edição, 1 vol. in-8.0,
Direito das obrigações. 1 vol.
Direito das suecessões. 1 vol.
Direito da familia. 1 vol. in-8.0 de 653 pags.
Em defeza do projecto de Codigo Civil brasileiro. Livraria
Francisco Alves, Rio, 1906.
Estudos Jurídicos (Historia, Philosophia e Critica), i vol.
in-8.0 de 300 pags.
Lições de legislação comparada. 2.11 edição. 1 vol.
Historia da Faculdade de direito do Recife, Livraria Fran-
cisco Alves, Rio, 1927, 2 vols.
Criminologia e direito. 1 vol.
Juristas philosophos. 1 vol.
Direito internacional privado (Princípios elementares de).
Rio de Janeiro, 1934. 1 vol.
1901. 1 vol. in-8.0.
Direito publico internacional. 2 volumes.
Esboços e fragmentos de philosophia e literatura, 1 vol. in-8.0
de 295 pags.
Projet d'organisation d'une Cour permanente de Justice in-
ternationale. Rio, 1923.
Estudos de direito e economia política. 2." ed. Rio de Janeiro,
1901. 1 vol. in-8.0.
Literatura e Direito (em collaboração com Amélia de Freitas
Beviláqua). 1 vol. in-lG.
CONSELHO REGIONAL DO TRA8ALHC
V. REGIÃO

CODIOOCIViL

DOS

ESTADOS UNIDOS DO BRASIL

COMMENT A DO

POR

Clovis Beviláqua

SEXTA EDIÇÃO

VOLUME III

LIVRARIA FRANCISCO ALVES


106, Rua do Ouvidor, 166 — Rio db Janeiro
s. PAULO BliUI.O HORIZONTE
292, Rua Libero Badaró Rua Rio de Janeiro, 655
1942
N9 1003

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PAUTE ESPECIAL

LIVRO 11

Do direito das coisas

TITULO I

Da posse

CAPITULO I

Da posse e sua classificação

Art. 485 — Considera-se pr&siíiíoij todo


aquelle, que tem, de factq, o exercieá^ ^jeno ou
não, de algum dos poderés inh^renles ao do-
mínio ou propriedade.
i -• ' ' - < •• ^
Direito anterior — Não havia na lei elementos precisos
para o conceito da posse, que era dado somente pela doutrina.
Legislação comparada — O Codigo Civil brasileiro foi o
primeiro a consagrar, inteira e francamente, a doutrina de Jhe-
ring sobre a posse. Nenhuma disposição idêntica á do art. 485
se encontra, portanto, nas outras legislações, salvo no Cod. Civil
peruano, ed. de 1936, art. 824. Cumpre, entretanto, salientar
a do Codigo Civil portuguez, art, 474, que seguiu oiientação
digna de nota, e offerece da posse um conceito ainda mais lato
do que o do brasileiro, apesar de, nos termos, lembrar o francez:
"Diz-se posse a retenção ou fruição de qualquer coisa ou di-
reito. Os actos facultativos ou de méra toleiancia não consti-
tuem posse".
Vejam-sei D. 41, 2, fr. 1, pr.^ possessio appellata est.. •
a sedibus quasi positio; quia naturaliter tenetur ab eo qili ei
insistlt; Codigo Civil allemao, art. 854: adquire-se a posse de
Uma coisa pela obtenção do poder de facto sobre ella {der Besits
6 CODIGO CIVIL

einer Sache wirã ãurch ãie Erlangung der thatsaecJilicJien Ge-


walt ueber ãie Sache erworhen) •, francez, 2.228; italiano, 685:
austríaco, 309; suisso, 919; hespanhol, 430; chileno, 700; argen-
tino, 2.351; uruguayo, 646; peruano, 465; boliviano, 1.530; ve-
nezuelano, 760; mexicano, 790, da edição de-1928; montenegrino,
18; japonez, 180; cubano, 430.
Projectos — Esboço, art. 3.709; Felicio dos Santos, 1.297;
Coelho Rodrigues, 1.325'; Beviláqua, 565; Revisto, 576.
Bibliographia — Archivo de Jurisprudência, Recife, I,
ps. 13-23, e II, pr. 249-258; Em defeza, ps. 519-532; Trabalhos da
Cansara, I, ps. 31-33; II, 75-6; III, 86 e segs. {Parecer de Luiz
Domingues); Trabalhos do Senado, IIT, 14 {Critica de Azevedo
Mai.quks ) e 72; Juvenal Lamartine, Parecer, ps. 93 e segs. do
impresso da Gamara, em 1913; LafAyettb, Direito das coisas I.
§§ 2.° e 3.°; Teixeira de Freitas, Consolidação, 3.a ed., ps. CVIII
e segs.; S. Vampré, Manual de direito civil brasileiro, II, §§ 1.°
e 2.°; Martinho Garcez, Direito das coisas, § 1.°; Ribas, Da posse
e das acções possessorias, cap. I; Astolpho Rezende, As acções
possessorias, ps. 258 e segs,; Mamial do Codigo Civil brasileiro,
VII, ns. 1 e segs.; A posse e a sua protecção, I, ns. 18 e segs.;
Pacheco Prates, Theoria elementar da posse; Hercilio de Souza,
Da posse, na doutrina e no Codigo, caps. I-VI; Azevedo Marques,
A acção possessoria, ns. 1 e segs.; José de Alencar, A proprie-
dade, ps. 157 e seguintes; Ruy Barbosa, Posse de direitos pes-
soaes; Edmundo Lins, Ensaio sobre a posse, nos Estudos Jurí-
dicos, Rio, 1935; Almaohio Dtniz, Direito das coisas, ns. 1-66;
Luiz Correia, O direito de propriedade, o domínio e a posse;
Lacerda de Almeida, Direito das coisas, nota ao § 8.°; Concomi-
tância de vários direitos no mesmo objecto, na Rev. da Faculdade
de Direito do Rio de Janeiro, anno IV, ps. 7 e segs.; Netito
Campello, Direito romano, II, pgs. 44 e segs.; Methodio Ma-
ranhão, Da posse; Tito Fulgencio, Da posse e das acções posses-
sorias, ns. 1 e segs.; Mklchiades Picanço, Direito das coisas, a
este artigo; Lino dl Moraes Leme, Da posse dos direitos pessoaes;
Coelho da Rocha, Inst. § 434; Planiol, Traité, I, ns. 933 e segs.;
Planiol et Ripert, Traité liratique de droit civil français, III,
ns. 143 e segs.; Laurent, Príncipes, XXXII, ns. 260-265; Gours,
IV, ns. 655-657; Zachariae, Droit Civil français, II, §g 281 e 282;
Baudry-Lacantinerie et Tissier, De la prescription, ns. 192-212;
Huc, Commentaire, XIV ns. 314 e segs.; Aubry et Rau, Cours,
DO DIREITO DAS COISAS T

5,in« éd., II, §§ 177 e seg.; Coknil, Traité de la possession dans


le ãroit romain; Saebuxes, Possession ães meubles, ps. 1-66;
Duquesne, Distinction de la détention et de la possession;
Bufnoir, Propriété et contrai, ps. 196 e segs.; Code Civil alie-
inanã, publié par le Comitê de lég. étr., notas ao art. 854; Dern-
burg, Pa,nd., § 169; Entwicklung und Begriff der juristischen
Besitzes ães rom. Rechts, §§ 1.°, 2.°, e 12-14; Jhering, Fonãement
des interdits possessoires; Der Besitzwille; Theoria simplificada
da posse, nas Questões de direito civil, trad. Adherbal de Car-
valho; Savigny, Traité de la possession en droit romain, trad.
Staedtler; Endemann^ Lelirbwcli, II, §§ 25-29; Roth, System, III,
§ 224; Windsoheid, Pand., II, §§ 148-152; Kohlek, Lehrhuch ães
b. Rechts, II, § 9.°; Chironx, Terminologia dei possesso, nos
Scritti giuriãici dedicati ed offerti a Giampietro Chironi, I, ps.
377-342; Solari, Sulla ãottrina dei possesso de Savigny, ibidem,
ps. 551-580; De Olivart, La posesion, onde se encontra estensa
bibliographia; Dias Ferreira, Goãigo Civil português, II ao
art. 474; .Ribeiro de Magalhães, Acções possessorias, ns. 1 e
segs.; Valderrama, El ãerecho de posesion, Bogotá, 1906; CuQ,
Institutions, II, pags. 202-216. V. para todos os artigos o Coã.
Civil annotaão, de JoÃo Luiz Alves. Adde: Salvat, Derecho
civil argentino, I, ns. 17 e segs.; Matos Peixoto, Gorpus et
animus na posse em direito romano.
Para se obterem noções geraes, com inteira segurança, ó
particularmente recommendavel o Programma de direito civil do
Des. Tito Fulgencio.

Observações — 1. — Direito das coisas. O livro II da


parte especial do Codigo Civil occupa-se do direito das coisas,
que é "o complexo de normas reguladoras das relações jurídicas
referentes aos bens corporeos" (Endemann, II § 1.°) e a direito
autoral. Nelle se comprebendem a posse, a propriedade, os di-
reitos reaes sobre coisas alheias, e a chamada propriedade lite-
rária, scientifica e artística.
Em ultima analyse, o seu objecto é a propriedade, a adapta-
ção das coisas do mundo externo ás necessidades do homem, na
vida social. Mas a propriedade, offerece matizes differentes, des-
membra-se, modifica-se, e desses factos resulta uma grande va-
riedade de relações.
8 CODIGO CIVIL

O direito das coisas completa-se, por um lado, com a theoria


dos bens exposta na Parte Geral, livro II, e, por outro lado,
com a theoria das obrigações e das successões, ás quaes serve
de base, porém com as quaes se acha em posição de interde-
pendência.
2. — Da posse, a) Evolução histórica. Podemos resumir a
evolução da posse, em poucas palavras. Como estado de facto,
detenção ou utilização das coisas do mundo externo, antecedeu,
historicamente, á propriedade. E' o que nos diz Nerva, segundo
Paulo (D. 41, 2, fr., 1, § 1.°); Dominium rerum ex naturale pos-
sessione coepisse Nerva filius ait: ejusque rei vestigium rema-
nere ãe Ms qui terra, mgri coeloque capiuntur, navi haec pro-
tinus eorum f iunt, qui primi possessionem eorum opprehenãerint.
Essa posse primitiva teve a sua phase collectivista como a
propriedade. "Os tempos primitivos nân conheceram nem um
sujeito individual do direito, nem uma coisa no sentido moderno
da expresão diz Hermann Post, Grunãlagen cies Rechts, p. 322.
Conheceram, apenas, a posse econômica de um bem utilizável,
posse collectiva de uma tribu, cuja protecção está no facto de que
o seu perturbador provocaria a cessação da paz e a vingança de
sangue, se não se desse a justa .compensação".
Depois, com o desenvolvimento intellectual e economico dos
poirns, a posse se distinguiu da propriedade, creando-se a relação
de direito ao lado da relação de facto, que continuou a subsistir.
&) Conceito. As innumeras theorias da posse são distri-
buídas em subjectivas e ohjectiuas cuja apreciação se pode ver
em Jherivg, Endemann, De Olivart, Duque,sne e Saleilles.
Aqui alludirei somente ás duas mais características, á de Savigny,
á de Jhering e á de Kohler,
Para o primeiro, posse "é o poder que tem uma pessoa de
dispor, physicamente, de uma coisa, acompanhado na intenção
de tel-a para si (animus clomini, animus rem sibi habenãi)Re-
sulta da combinação dos dois elementos: o poder physico (corpus)
e a intenção de ter a coisa para si {animus). Sem o elemento
volicional, a posse é simples detenção, posse natural e não posse
jurídica. Sem o elemento material, a intenção é, simplesmente,
um phenomeno psychico sem repercussão na vida jurídica.
Embora revista os caracteres exteriores do domínio, a posse
é um mero facto. Se o direito a protege, concedendo-lhe garantias
especiaes, é porque a perturbação e o esbulho são violências
DO DIREITO DAS COISAS 9

contra a pessoa do possuidor, e'o Estado deve, sempre, defender


os indivíduos contra as vias de facto illicitas. As acções pos-
sessorias são, portanto, pessoaes, e dilictos os actos que as pro-
vocam {Possession, ps. 11-12.
Jhering, sem negar a influencia da vontade na conceituação
da posse, acha que não tem ahi acção mais preponderante do
que em qualquer relação jurídica, e comprehende a posse como
"a relação de facto estabelecida, entre a pessoa e a coisa, pelo
fim de sua utilização econômica" {Der Besitzwille, p. 481). A
posse é a exteriorização da propriedade. E' o modo pelo qual
a coisa, normalmente, preenche o seu destino de satisfazer as
necôssidades humanas. E' o modo pelo qual a propriedade é uti-
lizada {Fundamento dos interãictos 2)ossessorios, trad. Adherbai.
de Carvalho, ps. 217 e segs.).
E' o interesse da propriedade que justifica a protecção da
posse. Sem essa protecção, prompta e segura, a defesa do do-
mínio seria incompleta.
2." — Kohxer parte da distincção entre a ordem jurídica e
o estado de paz; o direito é movimento e a paz é tranqüilidade.
Esse estado de paz consiste no respeito á pessoa, ao que se
agrupa em torno da pessoa, ou se acha em relação com ella.
O instituto da posse pertence a esse estado de paz; é um insti-
tuto social, que não se regula segundo#os princípios fundamen-
taes do direito individualista. Foi por não terem attendido a
essa distincção que os jurisconsultos não conseguiram construir
a theoria da posse. Apenas Puchta entreviu a verdade, mas
não a discerniu bem, por isso considerou a posse um direito da
personalidade.
Por não ser um instituto de ordem jurídica é que a posse
é protegida sem attenção ao direito, e o possuidor' pôde em
certos casos, fazer justiça por si, repellindo o turbador ou re-
cuperando aquillo de que foi esbulhado. Mas a ordem jurídica
vem em auxilio da posse, provendo-a de acções, que ainda ao
turbador e ao esbulhador podem aproveitar, desde que o decurso
do tempo haja consolidado a sua relação de facto.
Por outro lado, se a posse não é instituto de ordem jurídica,
é poderoso elemento do que se apresenta como direito; o Estado
e o povo consideram a posse como fôrma de expressão do direito,
o possuidor é tratado como proprietário.
c

10 CODIGO CIVIX

3. — O Codigo Civil allemão poz de lado o elemento psy-


chico da posse, o aniimis, porém, manteve o poder physico. O
brasileiro afastou, inteiramente, a construção de Savigny, por
não corresponder á realidade dos factos, nem á lógica do direito,
e adoptou a doutrina de Jhebing, segundo ella se manifesta nos
Fundamentos dos interãictos e no Papel da vontade na posse.
Cumpre, entretanto, notar que o titulo da posse não manteve a
feição que lhe imprimira o Projecto primitivo. Alterou-o em
muitos pontos, a Commissão do governo, embora não repellisse,
na essencia, a doutrina acceita.
Mabtinho Gabcez e Luiz Correta viram no accrescimo da
palavra propriedade, que o Senado fez, ao vocábulo domínio,
usado pelo Projecto da Gamara, um indicio de que o Codigo
havia adoptado a doutrina, que estende a idéa de posse aos
direitos pessoaes. Não ha fundamento para tal supposição, por-
que: 1.°, o Projecto primitivo também usava do vocábulo proprie-
dade, e, declaradamente, não esposava essas idéas; 2.°, em nenhu-
ma passagem do Codigo se encontra um dispositivo, que possa ser
considerado expressão dessa doutrina; 3.°, os direitos pessoaes,
não se enquadram no conceito da propriedade, que é direito reah
Para o Codigo, a posse é visibilidade do poder, que a lei
reconhece ao proprietário. Abrange o domínio e os direitos reaes.
Por isso, acertadamente, o Codigo se não restringiu ao domínio.
4. — Posse dos direitos. O Codigo reconhece a posse dos di-
reitos, que consiste na possibilidade incontestável do effectivo
exercício de um direito (Rotii, System, II § 224). Como, porém,
a posse é estado de facto, correspondente á propriedade, os di-
reitos susceptíveis de posse são apenas os que consistem em
desmembramentos delia, os direitos reaes, excluída, naturalmente,
a hypotheca, porque ella não importa utilização nem detenção
da coisa vinculada á garantia do pagamento.
Os direitos pessoaes são estranhos ao conceito da posse.
5. — Sobre esta matéria, publicou Astolpho Rezende um
substancioso estudo no Archivo Judiciário, vol. IV, Supple-
mento, a que deu o titulo —- Posse dos direitos pessoaes. E'
questão, definitivamente, liquidada., O Codigo Civil não conhece
posse de direitos pessoaes. Y. Também Azevedo Marques, op.
cit., ps. 10 a 18.
A interessante e erudita monographia de Moraes Leme,
Posse dos direitos pessoaes, debate, largamente, a questão, opi-
DO DIREITO DAS COISAS 11

nando que o Codigo Civil estende a posse aos direitos pessoaes.


A letra e o systema do Codigo, porém, não lhe dão razão.

Art. 486 — Quando, por força de obrigação


ou direito, em casos como o do usofructuario,
do credor pignoraticio, do locatário, se exerce,
temporariamente, a posse directa, não annnlla
esta ás pessoas, de quem elles a houveram, a
posse indirecta.

Direito anterior — Differente (Ord. 3, 45, § 10; 4, 53, § 1") .


Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 868,
suisso, 920; peruano, 825. Contra: chileno, 725; mexicano, 791.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.328; Beviláqua, 566,
Revisto, 5'77.
Bibliographia — Trabalhos da Gamara, I, p. 32; Astolpho
Rezênde, Manual do Codigo Civil, VII, ns. 12-14; A jwsse e a sua
protecção, I, ns. 74 e segs^; Tito Fxjlgencio, Da posse e das
adções possessorias, ns. 15-24; Hbrcilio, Da posse, ns. 96 e 97,
Endemann, Lehrbuch, II § 31; Jhering, Questões jurídicas, trad.
Adherbal de Carvalho, ps. 109-112; De Olivart, Posesion ns.,
414 e segs.; Goãe Civil allemand, puhlié par le Comitê de lég.
étr., ao art. 868; Saletixes, De la possession des meubles,
ns. 4-15.

Observações — 1. — Sendo a posse o estado de facto,


que corresponde ao exercício, pleno ou limitado, da propi iedade,
não sendo a intenção de ter a coisa como sua elemento consti-
tuitivo da posse, o usofructuario, o credor pignoiaticio, o lo
catario são possuidores directos, ou immediatos, e os piopiie
tarios, em nome dos quaes elles possuem, são possuidores inãi
rectos ou mediatos. Estabelecida uma relação juiidica, em vii
tude da qual o direito ou obrigação de possuir caiba a uma
pessoa que não possue, a titulo de propriedade, a relação pos
sessoria se desdobra, sendo directa para os que detêm a coisa e
12 CODIGO CIVIL

indirecta para os que lhes concedem o direito de possuir. Esta


posse directa ou derivada é, por definição, conceitualmente, tem-
porária, porque se funda numa relação de direito transitória.
Bndemann destaca os principaes casos de posse indirecta:
1.° O usofructuario e o credor pignoraticio têm a posse neces-
sária para o exercicio do seu direito real de usofructo e penhor.
2." O locatário, o arrendatário, o commoãatario e todos os
que retêm, juridicamente, a coisa, gozam da protecção posses-
sqria, com fundamento no direito obrigacional de que estão
investidos.
3.° O depositário e o encarregado do transporte de uma coisa,
têm a posse para o cumprimento da sua obrigação.
4.° Os directores de uma sociedade, o administrador judi-
cial, o testamenteiro necessitam da posse para exércer a sua
administração.
5." Ao marido na direcção da sociedade conjugai, e a pro-
genitor, no exercicio do pátrio poder, attribue-se a posse, por
causa da administração è do usofructo, q-ue lhes são concedidos.
2. — Saleilles (n. 15), accentuando a differença entre a
méra detenção dependente e o que elle denomina posse subordi-
nada (directa), diz que a primeira existe, quando não ha uma
iniciativa pessoal da parte do detentor; ha, simplesmente, con-
tacto material. Na posse subordinada haverá sempre, por mais
limitada que seja, essa iniciativa pessoal. O detentor é instru-
mento da posse de outrem; o possuidor exerce um poder pessoal,
proprio.
3. — Improcede a critica de Hekcilio -de Souza a este ar-
tigo, porque não quiz ver que, para o Codigo, a posse é exercido
de facto do domínio ou de um dos poderes, em que o domínio
se decompõe; e pretende aferir o dispositivo por idéias que o
Codigo, seguindo a melhor doutrina, intencionalmente abando-
nara. Improcede, ainda, por não ver que o Codigo offerece ele-
mentos mais que sufficientes para a distincção entre a posse
directa e a indirecta. V. Azevedo Masques, 02). cit., ps. 39-43.

Art. 487 — Naò é possuidor aqúelle que,


achando-se em relação de dependência para com
DO DIREITO DAS COISAS 13

outro, conserva a posse em nome deste, e em


cumprimento de ordens ou instrucções suas.
Direito anterior — Semelhante (Carlos de Carvalho, Di-
reito civil. art. 342).
Legislação comparada — D. 41, 2, fr. 15; Codigo Civil
allemão, art. 855; mexicano, 793.
Projectos — Beviláqua, art. 567; Revisto, 578.
Bibliographia — Archivo cie jurisprudência, loco citado; Em
defeza, ps. 519 e segs.; Astolpho Rezende, Manual do Codigo
Civil, VII, n. 14; A posse e a sua protecção, I, ns. 88 e segs.
Endemann, Lehrhuch, § 33; Jherixo, Der Besitzwille, caps.
V e XIX; Questões de direito civil, p. 111; Schneider, Pri-
vatreclitliches Gesetzõucli f . d. -K., Zurich, ao art. 66; Code
Civil allemand, publié par le Comitê de lég. étr., ao art. 855;
Dernuurg, Panã., § 174; Saleiij.es, De la possession des meu-
ides ns. 17-20.

Observação — Completa este artigo a noção da posse, ex-


cluindo delia o simples detentor da coisa alheia, que mantém
a posse em nome de outrem ou em cumprimento de instrucções
recebidas do possuidor. Tal é o caso do empregado, que con-
serva os objectos do patrão sob sua guarda, sul) custodia; do
operário, a quem o dono da obra ou da oficina entregou instru-
mentos para realizar certo serviço; do que na qualidade de
mandatario, recebeu alguma coisa do mandante para entregal-a
a outrem.

Art. 488 — Se duas ou mais pessoas pos-


suirem coisa indivisa, ou estiverem no gozo do
mesmo direito, poderá cada uma exercer, sobre
o objecto commum, açtos possessorios, comtanto
que_ não excluam os dos outros compossuidores.
Direito anterior — Doutrina acceita ( Carlos de Carvalho,
Direito civil, art. 345).
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, artigos
865 e 866; mexicano, 796.
Projectos — Beviláqua, arts. 586 e 587; Revisto, 579.
14 CODIGO CIVIL

Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 7.°, de


onde foi tirada a fórmula do artigo; Astolpho Rezende, Manual
do Coãigo Civil, VII, n. 15; A, posse e a sua protecção, I, ns. 149
e segs.; Ribas, Da posse e das acções possessorias, tit. I, cap.
IV, § 2.°; Pacheco Prates, Theoria elementar da posse, §§ 12 e
13; Tito Fulgencio, Posse, ns. 25-30; Azevedo Marques, op.
cit., n. 46; Almachio Diniz, Direito das coisas, n. 68. Mar-
tinho Garoez, Direito das coisas, § 4.°, Savigny, Possession,
§ 11; Endemann, Lehrbuch, II § 40; Code Civil allemand, pu-
blié par le Comitê de lég. étr., aos arts. 865 e 886; Roth,
System, III, §§ 231 e 233; Baudry-Lacantinerie et Tissier, De
la prescription, n. 206; Kohler, LeTxrhucli, II, 2.a parte, § 10-

Observações — 1. — E' a compossessão, ou posse em com-


mum. O compossuidor exerce a posse, e usa dos interdictos
como possuidor, que é; mas tem de respeitar a posse dos seus
consortes. Dahi resulta que também é possivel usar da protec-
ção possessoria contra o consorte, que impedir o outro de exer-
cer os actos de posse, que lhe competem. Se, porém, o compos-
suidor não, nega ou. não repelle a. posse do outro, mas contesta
apfeíias os limites dentro dos quâes esse outro pode usar da
coisa, a questão já se não resolve por acção possessoria. (Cod.
Civil allemão, art. 866), porque então já não se trata de questão
de facto, e sim de direito, o que somente no petitorio se decide.
2._o marido e a mulher, os herdeiros antes da partilha,
os condominos são compossuidores. Mas, em relação aos direitos
do marido e da mulher, na communhão de bens, prevalecem os
principios estabelecidos no direito da familia.
No caso de sociedade personificada, não ha posse commum
do acervo social, porque a possuidora é a pessoa jurídica.
3. — Partilhada a coisa commum, entende-se que cada um
possuía a parte que lhe tocou, desde o momento em. que se esta-
beleceu a communhão possessoria.

Art. 489 — E' justa a posse que não for vio-


lenta, clandestina, ou precária.
1)0 DIREITO DAS COISAS 15

Direito anterior — 0 mesmo (Qrd. 4, 58, pr., e §§ 1.° e 3.°;


Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 366, paragraplio único).
Legislação comparada — D. 43, 71, fr. 1, § 9.°. Vejam-se
ainda: Codigo Civil chileno, art. 702; argentino, 2.355; aus-
triaco, 316; allemão, 858.
Projectos — Esboço, art. 3.178; Coelho Rodrigues, 1.332;
Beviláqua, 570; Revisto, 580, que modificou a substancia do
Projecto primitivo (V. Actas, p. 150).
Bibliographia — Laeayltte, Direito das coisas, I, § 8.°, de
onde foi tirada a fórmula do artigo; Astolpho Rezende, Manual
do Codigo Civil. VII, n. 16; A posse e a sua protecção, I, ns. 154
e segs.; S. Vampré, Manual, II § 5.°; Martinho Garcez, Direito
das coisas, § 5.°; Ribas, Acções possessorias, parte I, cap. II,
§ 3.°; Azevedo Marques, op. cit., ns. 20 a 23; Aumachio Diniz,
Direito das coisas, n. 69; Coelho da Rooha, Inst., § 436; Pla-
niol, Traité, ns. 947-964; Baudry-Lacantinerie et Tissier, De
la prescription, ns. 251-273; Chironi, Ist., § 117; Aubrt et Rau,
Cours, 5m« ed., II, § 180; Huc, Gommentaire, XIV, ns. 348 e
segs.; Dbrnburg, Pand., I, parte 2.a, § 175; Pacheco Prates,
Theoria elementar da posse, § 10; Salvat, Derecho civil argen-
'«O, I,.ns. 48eSeSs.6fcNÈêbMw h.UjNAU DO T«ABALHo
K REGIÃO

Observações — 1. — Posse violenta é a que se adquire


pela força. E' a violência inicial que constitue o vicio. Uma vez
firmada a posse, a violência passiva, do que resiste contra o
turbador ou esbulhador, ou, ainda, activa, do que os repelle, e
expulsa, não constitue vicio. A posse isenta de violência, tanto
no seu inicio, quanto no curso de sua duração, diz-se mansa,
pacifica, ou tranquilla.
2. — Posse clandestina é a que se estabelece ás occultas
daquelles que têm interesse em conhecel-a. (D. 41, 2, fr. 6, pr.) .
A qualidade contraria a este vicio é a publicidade.
3. — Posse precaria é a que se origina do abuso de con-
fiança, por parte daquelles que recebera a coisa, para restituir,
e se recusa a fazel-o.
16 } CODIGO CIVIL

Art. 490 — E' de boa fé a posse, se o pos-


suidor ignora o vicio, ou o obstáculo, que lhe im-
pede a acquisição da coisa, ou do direito possuido.
Paragrapho único. O possuidor com justo
titulo tem por si a presumpção de boa fé, salvo
prova em contrario, ou quando a lei, espressa-
mente, não admitte es&a presumpção.
Direito anterior — Era doutrina corrente. Veja-se a Ord.
4, 3, § 1.°.
Legislação comparada — Codigo Civil hespanhol, art. 433;
portuguez, 476 e 478; austríaco, 326; italiano, 701 e 702; ar-
gentino, 2.536; uruguayo, 693; venezuelano, 777 e 778; peruano,
art. 832. Confora-se com o francez, arts. 550 e 2.268. Mexicano,
art. 806.
Para o direito romano; D. 50, 16, fr. 109; Cod. 8, 45, 1. 30.
Projectos — Esboço art. 3.716; Felicio, dos Santos, 1.316:
Coelho Rodrigues, 1.333; Beviláqua, 571-573; Revisto, 5'81. E'
deste ultimo Projecto a fórmula, que passou para o Codigo (Actas,
pagina 150).
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 8.°:
Ribas, Acções possessorias, parte l.a, tit. I, cap. II, § 4.°, e capí-
tulo III; Astolpho Rezende, Manual do Codigo Civil, VII, ns. 17
e 18; A posse e a sua protecção, loc. cit.; Martinho Garcez,
Direito das coisas, § 6."; Tito Fulgencio, op. cit., ns. 35-37;
Azevedo Marques, op. cit. ns. 24 e 45; Axmachio Diniz, Di-
reito das coisas, n. 70; Coelho da Rocha, Inst., § 437; Salexl-
les, De la possession des meubles, § 125; Planiol, Traité, I, ns.
971-975; Savigny, De la possession, § 8.°; Chironi, Ist., § 120;
Trabalhos do Senado, III, p. 15' (critica de Azevedo Marques) ;
Pacheco Peates, Theoria elementar da posse, § 11; Salvat, obr.
e logar citados.

Observações — 1. — Vicio da posse é toda circumstancia


que a desvia das prescripções da lei. O vicio pode ser objectivo
ou subjectivo. O primeiro refere-se ao modo de estabelecer-se a
posse, como nos casos de que tratou o artigo antecedente: vio-
lência, clandestinidade e precariedade. O segundo refere-se á
intenção, á consciência do indivíduo. E* a mala fides, é o conhe-
DO DIREITO DAS COISAS 17

cimento, que o possuidor tem, da illegitimidade da sua posse,


na qual, entretanto, se conserva.
Azevedo Marques fez justas censuras á fórmula do Projecto
que passou, não obstante, para o Codigo.
2. — Justo titulo é o titulo hábil para conferir ou transmit-
tir o direito á posse, como a convenção, a successão, a occupação.
Cumpre distinguir a posse em relação aos interdictos e a
respeito do usocapião. Para invocar os interdictos, basta que a
posse não apresente os vicios objectivos (vi, ciam aut precaiio).
Para o usocapião necessário se faz que haja titulo justo e bôa
fé, nas condições estabelecidas pelos arts. 551 e 618, salvo quando
a lei os presume (arts. 55'0 e 619).
3. __ posse de direitos. Veja-se a Observação n. 5, ao art. 485.

Art. 491 — A posse de bôa fé só perde este


caracter, no caso, e desde o momento, èm que as
circumstancias façam presumir que o possuidor
não ignora que possue indevidamente.

Direito anterior — Era principio acceito (Coelho da


Rocha, Inst., § 438).
Degislação comparada — Codigo Civil hespanhol, art. 43o,
portuguez, 478; francez, 580 e 2.269; mexicano, 808; peruano,
art. 833. V. argentino, 2.362. Differente; italiano, 702.
Projectos — Esboço, arts. 3.728 e 3.729; Felicio dos Santos,
' 1.313; Coelho Rodrigues, 1.335 e 1.336; Beviláqua, 573; Revisto
582. Continua a ser deste ultimo Projecto a fórmula do Codigo.

Observação — As circumstancias capazes de fazer presumir


a má fé do possuidor podem variar, mas os autores costumam
reduzil-as ás seguintes: confissão, do proprio possuidor, de que
não tem nem nunca teve titulo; nullidade manifesta deste, o
facto de existir em poder do possuidor instrumento repugnante
á legitimidade da sua posse.

Beviláqua — Codigo Civil — 3." vol.


18 CODIGO CIVIL

Art. 492 — Salvo prova em contrario, en-


tende-se manter a posse o mesmo caracter, com
qne foi adquirida.

Direito anterior — Prevalecia o principio expresso pelo


artigo.
IjegisJação comparada — D. 11, 2, fr. 3, §§ 18-20; 41, 2,
fr. 33*, l.0; 44, 3, § 11; Cod., 7, 32, 1. 11. V- o Codigo lies-
panhol, art. 436.
Projectos — Este artigo é da Commissão do Governo,
(Actas, p. 151), por isso consta, somente, do Projecto revisto,
art. 383.
Bibliographia — Lafayhtte, Direito das coisas § 8.°; Ribas,
Ac$ões possessorias, l.a parte, cap. II, § 3.a, n. 5; Saleil-
les, De la possession ães meubles, ns. 90-99; Astolpho Rezende,
Manual do Codigo Civil, VII, ns. 20 e 21; Tito Pulgencio, op-.
cit., n. 40. /

Observação — Caracter da posse é a modalidade pela qual


essa relação se apresenta na vida juridica: é legitima ou ille-
gitima; viciosa ou isenta de vicios; de bôa ou de má fé; di-
recta ou indirecta; a titulo de proprietário ou no exerçicio de
facto de um uso "economico da coisa (como a servidão, o uso-
fructo, o arrendamento, o penhor).
A posse, que começou violenta, clandestina, ou precaria,
mantém esses caracteres, que se transmittem aos successores
por titulo universal, salvo, quanto á violência e á clandestini-
dade, provando-se que cessaram (art. 497).
Também não é licito mudar, por exclusiva deliberação do
possuidor, a causa ou titulo da posse. Quem possue pro herede,
não pôde, arbitrariamente, invocar outro titulo de posse, affir-
mando que possue pro ãonato, ou pro derelicto, ou pro emptore.
Nemo sibi ipsi causam possessionis mutare potest. Pôde, porém,
o possuidor mudar o titulo da posse, por um fundamento jurí-
dico. Possuía como arrendatário e, depois, adquiriu o prédio, que,
deste então, possue como dono.
DO DIREITO DAS ÇOISAS 19

CAPITULO II

Da acquisição da posse

Art. 493 — Adquire-se a posse.


I. Pela apprehensão da coisa, ou pelo exer-
cício do direito.
II. Pelo facto de se dispor da coisa ou do
direito.
III . Por qualquer dos modos de acquisição
em geral.
Paragrapho único. E' applicavel á acqui-
sição da posse o disposto neste Codigo, ar-
tigos 81 a 85.

Direito anterior — Nos compêndios, eram e continuam a


ser expostos esses modos de adquirir a posse. Veja-se Carlos
de Carvalho, Direito civil, arts. 337 e 338.
Legislação comparada — O Codigo Civil allemão, ait. 854,
consagra apenas uma phrase a este assumpto. Vejam-se, tam
bem, o hespanhol, 438; o suisso, 922 a 925; e o japonez, ar-
tigos 180 e 181; peruano, 843 e 847.
Projectos — Todo este capitulo é da Commissão do Go-
verno, e, em particular, do Conselheiro Barradas (Actas, pa
ginas 149-151): Projecto revisto, arts. 584-589. Veja-se o Esboço,
arts. 3.811 e segs.
Bibliographia — Lafayette, Direito (Ias coisas, I, §§ 9.°
e segs.; Ribas, Acções possessorias, parte l.a, tit. 11, cap. I; As-
tolpho Rezende, Manual do Codigo Civil VII, ns. 22-35, A posse
e a sua protecção, ns. 118 e segs.;- S. Vamprè, Manual, II, § 6.";
Pacheco Prates, Theoria elem. da posse, §§ 14 e segs.; Tito
Pitlgbncio, op. cit., ns. 41-56; Mixchxades Picanço, Direito das
coièas, ao art. 493; Hbrsilxo, op. cit., n. 103; Martinho Garcez,
Direito das coisas, § 9.°; Metiiodio Maranhão, Da posse, cap.
17; Ai.machio Diniz, ns. 75-82; Coelho da Rocha, Inst, §§ 439
e 443; Planiol, Traitc, l, n. 939; Laurent, Cours, IV, ns. 658
e 659; Baudry-Laoantinerte et Tissier, De la prescnption, ns.
213-231; Aubry? et Rau, Cours, II, § 179; Huc, Commentaire,
20 CODIGO CIVIL

XIV, ns. 344 e ,segs. ; Kohler, Lehrbucli, II, 2.a parte, § 11;
Endemann, Lehrbuch, II, §§ 34 e segs.; Wjndscheid, Panã., 1,
§§ 153 e 154; SavicTny, De la possession, §§ 14-18; Roth, System,
III, § 227; Deknbukg, Pand., §§ 176-179; Chironi, Inst., § 123;
Jhebing, Fonãement ães interdits, caps. X e XII; Theoria sim-
plificaãa da posse, caps. VIII e IX; Salvat, op. cit.,. I, ns.
98 e segs.

Observação — E' um artigo perfeitamente ocioso, o 493, em


face da doutrina acceita pelo Codigo Civil. Se a posse é o estado
de facto, correspondente ao exercício da propriedade ou de seus
desmembramentos, sempre que esta situação se definir, nas re-
lações jurídicas, haverá posse. Mas, se se queria um artigo sobre
acquisição de posse, bastaria o n. III. (Vejam-se os arts. 531 e
segs. e 592 e segs). O Codigo faz remissão aos arts. 81-85, onde
se lançam os princípios geraes dos actos jurídicos, afim de re-
cordar que a acquisição da posse é um acto desse genero, que
requer agente capaz, objecto licito e fôrma prescripta ou não
defesa em lei.

Art, 494 — A posse pôde ser adquirida:


I. Pela própria pessoa, que a pretende.
II. Por seu representante ou procurador
III. Por terceiro sem mandato, dependendo
de ratificação.
IV. Pelo constituto possessorio.
Direito anterior — O mesmo (Carlos de Carvalho, Diveito
civil, arts. 342 e 344) .
Legislação comparada — D. 41, 2, fr. 1, §§ 2.°, 5.°, 20 e 22;
fr. 3, § 12; fr. 18 e fr. 42; Codigo Civil hespanhol, art. 439;
argentino, 2.387, 2.394-2.398; chileno, 721; portuguez, 481.
Projectos — Esboço, arts. 3.830-3.832; Coelho Rodrigues,
1.329; Beviláqua, art. 5'65, 2." parte (quanto á acquisição da
posse por meio de representante); Revisto, 585.
líibliographià — A do artigo antecedente.
DO DIREITO DAS COISAS 21

Observação — Pôde a posse,, como qualquer outra relação


jurídica, ser estabelecida pelo proprio indivíduo, em favor de
quem ella se firma, ou por intermedie de representante.
O que ha de particular, neste ultimo caso, é o constituto pos-
sessorio, operação jurídica, em virtude da qual, aquelle que pos-
suía em seu proprio nome passa, em seguida, a possuir em nome
de outrem. Alguém compra um objecto e o deixa em poder do
alienante, que assume o caracter de representante do adquirente.
Eis o constituto possessorio. Quod vieo nomine possiãeo, possum
alieno nomine possiâere; nec enim muto miiii causam posses-
sionis, sed de sino possiâere et alium possessorem ministério me o
facio (D. 41, 2, fr. 18, pr.) .
A clausula constituti não se presume; deve ser expressa ou
resultar, necessariamente, de clausula expressa, como quando o
vendedor conserva o prédio em seu poder a titulo de aluguel.
Sobre esta especie, leiam-se Lafayettè, Direito das coisas,
§ 14; Ribas, Acções possessorias, parte l.a, tit. II, cap. I, § 9.">
Savigny, De la possession, § 27; Astolpho Rezende, Manual
VII, ns. 40-42; A posse e a sua protecção, I, n. 131. Tito Ful-
gengio, op. cit., n. 65 e 66.

Art. 495 — A posse transmitte-se, com os


mesmos caracteres, aos herdeiros e legatarios do
possuidor.

Direito anterior — Semelhante (Alvará de 9 de Novembio


de 1754).
Legislação comparada — D. 41, 2, fr. 3, § x9; Cod., 7, 32,
1, 11; vitia possessionum a majoríbus contracta perdurant. V.
Codigo Civil allemão, arts. 857 e 858, 2.'a parte, e a legislação
citada no artigo seguinte.
Projectos — Felido dos Santos, art. 1.306; Beviláqua, 569,
Revisto, 586.

Observação — Este artigo completa o pensamento exarado


no art. 492. Ali a posse é considerada, em relação ao possuidor
actual, ou, objectivamente, em relação ao phenomeno posses-
22 C0D1G0 CIVIL

sorio. Aqui se attendeu ao momento da transmissão. Yeja-se


art. 1.572.

Árt. 496 — O successor universal continúa,


de direito, a posse do seu antecessor; e, ao suc-
cessor singular, é faciütado unir sua posse á do
antecessor, para os effeitos legaes.

Direito anterior — 0! mesmo com fundamento no alvará de


9 de Novembro de 1754, no Codigo Commercial, art. 455, e no
direito romano.
legislação comparada — Inst. 2, 6, §§ 12 e 13, D. 41,
fr. 13, § 13; 44> 3, fr. 5 e fr. 14, § 1.°; Cod. 7, 33, 1. 11; Codigo
Civil francêz art. "2.235; italiano, 693 (dispositivo idêntico ao
do Codigo Civil brasileiro); portuguez, 483; hespanhol, 440,
chileno, 722; argentino, 2.475, 4.004 e 4.005; boliviano, 1.537.
venezuelano, 769; japonez, 187; allemão, 857; peruano, 829. ^
Bibllographia — Ribas, Acções possessorias, parte l.a, tit. I,
cap. II, §' 3.V n. 5; Huc, Commentaire, XIV, ns. 367-370; As-
tolpho Rezende, Manual do Codigo Civil, VII, ns. 47 e 48;
A posse e sua protecção, I, ns. 167 e segs. Atjbky et Rau, Couts,
II, § 181; Lafayette, Direito das coisas, § 72; Tito Fulgenuio,
op. cit., ns. 67-69; Hehsiijo, op. cit., n. 106.

Observações — 1. — Successor a titulo universal é aquelle


que substitue o titular do direito na totalidade de seus bens,
ou numa quota parte delles. Tal é o herdeiro.
Successor a titulo particular é o que substitue o antecessor
em direitos ou coisas determinadas. Tal é o comprador.
O legatario é successor a titulo particular; porém, como suc-
cede por herança, que é modo universal de transmittir, o Co-
digo estabelece a continuidade da posse entre o testador e o
legatario.
1» — O que se affirma é que o legatario continúa a posse do
testador, embora lh'a transmitia o testamenteiro, ou o herdeiro.
V. as observações ao art. 1.690. B assim é, precisamente, porque,
sendo a successão modo universal de transmittir direitos, não ha
solução de continuidade entre a posse do de cujus e a do her-
DO DIEEITO DAS COISAS 23

deiro, nem entre a deste e a do leg^tario. Invocar, contra noção


tão simples, o art. 1.690 do Codigo Civil, como faz Hersilio, é,
de todo, inadequado. A regra aqui dominante é a do art. 495,
que não deixa logar a duvida. V. Azevedo Marques, op. cit., n. 26.
2.a — O herdeiro e o legatario, continuando a posse do autor
da herança, recebem-na com os mesmos caracteres, qualidades
e vicios. O successor particular tem o direito de unir a sua
posse á do antecessor; usará delle, se lhe convier, se a posse do
antecessor fôr extreme de vicios (accessão da posse).
Cumpre notar que, por direito romano, o legatario não con-
tinuava a posse do testador (D. 44, 3, fr. 5).

Art. 497 — Não induzem posse os actos de


méra permissão ou tolerância, assim como não
autorizam a sua acquisição os actos violentos ou
clandestinos, senão depois de cessar a violência
ou a clandestinidade.
Direito anterior — Doutrina seguida.
Degislação comparada — V. Inst. 2, 6, § 2." e 8.", D. 8,
5, fr. 10, pr.; Codigo Civil francez, arts. 2.232 e 2.233; italiano,
688 e 689; hespanhol, 444; venezuelano, 754 e 765.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.302 (quanto á 1.
parte); Revisto, 588.
Blbliographia — Astoepho Rezende, Manual do Codigo Ci-
vil, VII, ns. 49 e 50; A posse e a sua protecção. II, n. 210; Aubry
et Rau, Gours, II, §§ 179 e 180; Bufnoir, Propriété et contrat, ps.
227 e segs.; Peaniol, Traité, I, ns. 9^4, 955, 960; Huc, Com-
mentaire, XIV, ns. 361-365; Baudry-Lacantinerie et Tissier, De
la prescription, ns. 251-263; e 282-286; Ribeiro de Magalhães,
Acções possessorias, ns. 21 e 22; Tito Fuegenoio, op. cit., ns.
70 e 71; Hbrselio, op. cit., ris. 107 e 108.

Observações —- 1. — Denominam-se actos de mera per-


missão ou tolerância os que alguém pratica, sem pretender o
direito de os praticar, e o titular do direito os suppoita, sem
24 CODIGO CIVIL

delle abrir mão. O agente colhe a sua vantagem, a titulo pre-


cário, sabendo que a poderá perder, a qualquer momento. Con-
sinto que os meus visinhos tirem agua da minha fonte; que se
sirvam periodicamente, do meu campo, para reunir o seu gado;
mas não lhes cedo a posse da fonte nem a do campo, fazendo-lhes
sentir sempre o meu direito, ou porque para entrar no logar,
onde se acha a fonte ha uma cerca, ou outro indicio da minha
posse, ou porque, em qualquer hypothese, e por qualquer modo,
torno clara a precariedade dos seus actos.
2. — Na segunda parte do artigo, o Codigo deixou a dou-
trina romana mais rigorosa, porém mais justa para adoptar a
franceza e italiana, que é mais pratica.
Em face deste artigo, o vicio da violência e da clandesti-
nidade são temporários, quando por direito romano prevalecia
a regra: quocl ab initio vitiosum est non protest tractu temporis
convalescere. Pelo Codigo Civil, desde que á violência e a clan-
destinidade cessam, a posse começa a firmar-se utilmente, de
modo que, passados annos, não seja o possuidor despojado delia,
simplesmente por esse vicio originário.

Art. 498 — A posse do immovel faz pre-


sumir, até prova contraria, a dos moveis e obje-
ctos, que nelle estiverem.
Direito anterior — Não se achava formulada esta regra.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.403;
hespanhol, 449; mexicano, 892. Veja-se ainda: D. 41, 2, fr. 18, §
2.°, 43, 16, fr. 1, §§ 32 e 33.
Projectos — Beviláqua, art. 568; Revisto, 589.
Bibliographia — Astolpho Rezende, Manual ão Codigo Ci-
vil, n. 51; Saleilles, Possession, n. 20; Troplong, Prescription,
ao art. 2.228, n. 274; Sanchez • Roman, Derecho civil, III, ca-
pitulo XVI, n. 34; Ttto Fulgbncio, op. cit., n. 72.

Observação — E' um principio de extensão da posse o que


consigna o Codigo neste artigo. Applica-se a todo possuidor; mas
cumpre attender á natureza e aos limites da posse.
DO DIREITO DAS COISAS 25

CAPITULO III
Dos effeítos da posse
Art. 499 — O possuidor tem direito a ser
mantido na posse, em caso de turbação, e resti-
tuido, no de esbulho.
Direito anterior — O mesmo (Carlos de Carvalho, Direito
civil, art. 347).
Legislação comparada — D. 43, 16, fr. 1; 43, 17, frs. 1 e 3;
Codigo Civil hespanhol, 446; portuguez, 484; allemão, 858; aus-
tríaco, 344-346; mexicano, 893; japonez, 198-200; do Montenegro,
19; suisso, 927 e 928.
Ver também: italiano, 694 e 695; argentino, 2.468 e segs.',
uruguayo, 658 e segs.; chileno, 916 e segs.; venezuelano, 770 e 771.
O Codigo Civil italiano concede a acção de esbulho á posse
quer dos moveis, quer dos immoveis, e a de manutenção em favor
somente da posse dos immoveis e dos direitos reaes; no mesmo
sentido, o venezuelano. O direito francez, o argentino, o chileno
e o uruguayo reservam as acções possessorias para a posse dos
immoveis.
Drojectos — Esboço, arts. 4.012 e segs.; Coelho Rodrigues,
1.339; Beviláqua, 577 e 579; Revisto, 590.
Bibliographia — Lafayettb, Direito das coisas, §§18 e
segs.; Teixeira de Freitas e Correia Telhes, Doutrina das ac-
ções, §§ 84 e segs.; Ribas, Acções possessorias, parte 2.\ tits, I
e
n; A. Cirxe, Acções summarias, ps. 84-97; Martinho Garcez.
Direito das coisas, § 15; Astolpho Rezende, Manual do Codigo
Civil, VII, ns. 52 e segs.; Acções possessorias, cap. I; A posse
e a sua protecção, I, ns. 173 e segs.; Edmundo Lins, Ensaio sobre
a posse, nos Estudos jurídicos, cap. II, p. 126 e. segs.; Alma-
chio Diniz, Direito das coisas, n. 101; S. Vampré, Manual, II,
§§ 11 e segs.; Tito Fulgbncio, op. cit., ns. 73 e segs.; Her-
silio, op. cit., n. 110; Azevedo Marques, op. cit., ns. 49 e
segs.; Tolentino Gonzaga, Interdictos possessorias; Carvalho
Santos, Codigo do Processo Civil, V. p. 102 e segs.; Coelho da
Rocha, Inst., § 447; Salexlles, De la possession ães meubles,
3." estudo ns. 1 e segs.; Planiol, Traité, I, ns. 983 . e
segs.; Aubry et Rau, Cours, II, §§ 184 e segs.; Zacha-
Riae, Droit civil français, II, § 285; Endemann, Lehrbueh
26 CODIGO CIV1X,

II, §§ 40 e segs.; Windscheid, Panei., I, §§ 158 e segs.; Roth,


System, III, § 229; Deenbükg, Panei., § ISi; Entwicklung und
Begriff eles juristischen Besitses, passim; Jhering, Fondement
eles interãits, caps. Vil e VIII; Savigny, De la possession, §§ 34
e segs.; Chironi, Ist., § 126; Giantübco, Ist., § 44. Dias FeR;
reii4A, Godigo Civil português, notas aos arts. 484 e 485; Ri-
beiro de Magalhães, Acções possessorias, ns. 4-11; Olivabt,
Possession, ns. 143 e segs.; Rivarola, Derecho civil argentino,
I, ns. 384 e segs.; Bonjean, Institutes, II, ns. 2.672 e segs.;
Guq, Institutions, II, ps. 216-221.

Observações — 1. —' Trata este capitulo dos effeitos da


posse, que são; 1.°, o direito ao uso dos interdictos; 2.°, a per-
cepção dos fruetos; 3.°, o direito de retenção por bemfeitorias:
4.°, a responsabilidade pelas deteriorações. Além desses effeitos
considerados no capitulo, cumpre ainda, additar: 5.°, a posse
conduz ao usocapião; 6.°, se o direito do possuidor é contestado,
o ônus da prova compete ao adversário, pois que a posse se
estabelece pelo facto; 7.°, o possuidor goza de uma posição fa-
vorável em attenção á propriedade, cuja defeza se completa pela
posse, ainda que, no systema do Codigo, não induza sempre a
presumpção de propriedade em favor do possuidor.
2. — Alguns Codigos Civis não se occupam dos interdictos
possessorios, por ser matéria processual; mas justifica-se o sys-
tema contrario, pela intima ligação existente entre a posse e a
sua protecção; e porque mais avulta nas relações jurídicas a
defesa da posse do que o proprio facto em que ella consiste.
Se, no Brasil, se entregasse aos Codigos processuaes a matéria
dos interdictos, teríamos, dispersando os elementos da theoria
possessoria, tornado muito precaria a sua firmeza.
3. — Perturbação da posse é todo acto praticado contra a
vontade do possuidor, que lhe estorve o gozo da coisa possuída,
sem delia o excluir, completamente (vis inquietativa).
Pode ser positiva, como se o turbador corta arvores no
terreno alheio; ou negativa, como se impede o possuidor de
fazel-o.
A posse defende-se da turbação pela acção de manutenção,
de força turbativa, ou interdicto retinendae possessionis. Esta
DO DIREITO DAS COISAS 27

defeza contra a turbação toma também as formas: de embargo


cie terceiro possuidor, especial á phase executoria do processo,
de interãicto prohiMtorio, de que trata, em seguida, o art. 501.
de embargos de obra nova; e de acção clemolitoria.
4. — Esbulho da posse é o acto em que o possuidor é pri-
yado da posse violentamente, clandestinamente, ou por abuso de
confiança.
Contra o esbulho, ha o interdicto r.ecuperanãae possessionls
ou acção recuperatoria, de força espoliativa.

Art. 500 — Quando mais de uma pessoa se


disser possuidora, manter-se-á, provisoriamente,
a que detiver a coisa, não sendo manifesto que
a obteve de alguma das outras por modo vicioso.

Direito anterior — Não era doutrina seguida, desde que


distingamos o que aqui se estabelece, das providencias tomadas
pelos arts. 507 e 508.
Legislação comparada — Este artigo foi tirado do Codigo
Civil cm Zuricn, art. 78.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.340; Revisto, 491.

Observação -— Schneidkr, commentando o art. 78 do Codigo


Civil do Cantão de Zurich, observa que esta providencia constituo
o possessorium summárium do direito commum, o que sé con-
firma com o que ensina Roth, System, III, § 229. Consultem-se
Savigny, De la possession, § 51; Ribas, Acções possessorias, § 3. ,
da parte 2.", tit. I, cap. III, e tit. II, cap. V, § 1.°; Astolpho
Rezende, Manual cio Codigo Civil, VII, ns. 63-66; Tigo Fut-
gencio, op. cit., ns. 126-131; e Tolentino Gonzaga, Interãictos
possessorios, §§ 8.° e seguintes.
A hypothese prevista pelo artigo, é a de diversas pessoas,
dizendo-se cada qual possuidora com exclusão das outras. Uma
dellas detem a coisa; mas ha duvidas sobre o seu direito. Se
essa detenção não resulta de um esbulho ou abuso de confiança.
28 COIHGO CIVIL

o juiz mantém a posse apparente, emquanto não se apura a


quem, realmente, ella cabe. Esta disposição applica-se á posse
nova, de menos de anno e dia. A' posse velha applica-se o dis-
posto no artigo 508. Combine-se a regra deste artigo com a do
artigo 507.

Art. 501 — O possuidor, que tenha justo re-


ceio de ser molestado na posse, poderá impetrar
ao juiz que o segure da violência imminente,
comminando pena a quem lhe transgredir o pre-
ceito.
Direito anterior — Seínelhante (Ord. 3, 78, § 5.°).
Legislação. comparada — Codigo Civil portuguez, art. 485.
allemão, 862; suisso, 928.
Projectos — O Esboço, art. 4054, não permitte acção pos-
sessoria fundada em turbação'imminente ou em ameaça de tur-
bação. Em taes casos as partes deveriam recorrer a medidas po-
liciaes. O Projecto primitivo, art. 577, concedia acção possessoria
contra ameaças de turbação; a formula, porém, que passou para
o Codigo, é do Projecto revisto, 592.
Bibliographia — Lafayetttk, Direito das coisas, § 21; Teí-
xeira de Freitas, Consolidação das leis civis, nota 19 ao art. 812;
Ribas, Acções possessorias, parte 2.a, tit. II, cap. IV; Astol-
mo Rezende, Acções jjossessorias, caps. VIII e X; Manual do
Codigo Civil, VII, ns. 67 e 68; A posse e a sua protecção, II,
ns. 322 e segs.; S. Vampré, Manual, II, § 14; Tito Pulgencio,
op. cit., ns. 184 e segs.; Azevedo Marques, ns. 50 e 82
a 84; Tolbntino Gonzaga, op. cit., §§ 15 a 21; Cornxi.,
Traité de la possession ãans le droit romãin, § 30; Cor-
reia Teixes e Teixeira de Freitas, Doutrina das acções, nota
387 e § 94; Ribeiro de Magalhães, Acções possessorias, ns. 249-
271; Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, notas aos arti-
gos 484 e 485.

Observações — 1. — Concede este artigo o interdicto pro-


hibitorio, que é uma das modalidades da acção de manutenção,
com a differença de que, na manutenção propriamente dita,
DO DIREITO DAS COISAS 29

o possuidor pede para que não continue ou não se repita a per-


turbação feita, e, no interdicto prohibitorio, se notifica o réo
para não realizar a turbação tentada,, com a comminação de
pagar determinada quantia, se transgredir o preceito.
'Denominam, também, os nossos autores este interdicto de
preceito comminatorio, acção ãe notificação. e embaraços á pri-
meira.
2. — Questiona-se, entre nós, sobre se este interdicto pôde
ser invocado contra actos da Administração publica. A juris-
prudência do Supremo Tribunal Federal, em vários casos, mos-
trou-se desfavorável. Realmente, havendo uma acção especial
para defeza dos direitos contra actos da administração, é
dispensável o remedio possessorio (Octavio Kelly, Jurisprudên-
cia federal, n. 1.203; e mais: accs. do Supremo Tribunal Fe-
deral, no Diário Official, de 22 de Janeiro, 10 e 19 de Feve-
reiro de 1922). E, na systematica do Codigo, não ha posse
senão de direitos reaes. Mas se o acto da Administração pu-
blica, em vez de um preceito geral, é uma violência directa
contra os bens de qualquer pessoa, acto manifestamente illegal,
é admissível o interdicto prohibitorio.
2.a — Contra ameaça ou violação de direito certo e incon-
testável por acto manifestamente inconstitucional ou illegal de
qualquer autoridade, a Constituição de 1934, art. 113, n. 33,
creou o mandado de segurança, regulado pela lei n. 191, de 16
de Janeiro, de 1936.
3. — Differentemente da Ord. 3, 78, § 5.°, o Codigo somente
se refere ao justo receio de ser o possuidor molestado na posse,
deixando a offensa ás pessoas para os termos de segurança e
acção policial, como, aliás, já era o nosso direito. O interdicto
defende a posse das coisas e dos direitos reaes; a pessoa dispõe
de outros meios de defesa.
4. — o interdicto prohibitorio, de que cogita o art. 501, do
Codigo Civil, não se estende aos direitos pesspaes (accórdão do
Supremo Tribunal Federal, n. 208, de 9 de julho de 1921, no
Diário Official, de 19 de Fevereiro de 1922).

Art. 502 — O possuidor turbado, ou esbu-


• Ibado, poderá manter-se, ou restituir-se por sua
própria força, comtanto que o faça logo.
30 CODIGO CIVIL

Paragraplio único. Os actos de defeza, ou de


desforço, não podem ir além do indispensável
á manutenção, ou restituição da posse.
Direito anterior — O mesmo quanto ao esbulho (Ord., 4,
5*8, § 2.°, Teixeuba de Freitas, Consolidação, art. 812). A tur-
bação também justificava a defeza por acto pessoal de accôrdo
com o preceito do Codigo Penal, art. 32, § 2.°, 2.a parte, mas
no direito civil o principio ainda não se crystallizara. Veja-se,
entretanto, Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 348.
negisflação comparada — D. 41, 2, fr. 17; 43, 16, fr. 17;
43, 17, fr. 3, § 9.°; Cod. 8, 2, 1. 1; Codigo Civil portuguez, ar-
tigo 486; allemão, 859; austríaco, 344; argentino, 2.470;
suisso, 926.
Projectos — Esboço, arts. 4.013, 4.016 a 4.018; Beviláqua,
574 a 576; Revisto, 593.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 23; Ribas.
Acções possessorias, parte 2.", tit. II, cap. II; Astolpho Rezekde,
Manual do Codigo Civil, VII, ns. 69-72; Tito Ftjlgencio, op. cit.,
ns. 192 e segs.; Azevedo Marques, op. cit., n. 48; Tolentino
Gonzaga, op. cit., § 22; Martinho Garcez, Direito das coisas,
§ 18; Coelho da Rocha, Inst., §§ 452 e 453; Dias Ferreira, nota
ao art. 12, do Codigo Civil portuguez; Ribeiro de Magalhães,
Acções possessorias, ns. 354-380; Code civil allemanã, publié par
le Comitê de lég. étr., ao art. 859; Endemann, Lehrbuch, II,
§ 43; Rosskl et Mentha, Droit Civil suisse, II, ps. 344-345.

Observações — 1. — O ãesforço immediato é um acto de


legitima defeza da posse. Tem «a sua medida na regra estabele-
cida pelo art. 160; será justo, emquanto não exceder o indis-
pensável á manutenção ou restituição da posse. Adquire, porém,
aqui a defeza uma latitude maior, porque a lei permitte que
o esbulhado, depois de expulso da posse, a recupere por sua
própria força e autoridade.
Resistência é defeza contra a turbação. Deve ser praticada
no momento da turbação.
2. — O desforço para ser legitimo deve ser immediato. Jw-
ipso congresso, dizia a lei romana. O Codigo diz; comtanto que
o faça logo. A Ord. que lhe emprestou essa expressão —^ logo —
DO DIREITO DAS COISAS 31

deixara ao julgador determinar o in+ervallo de tempo, dentro


do qual era permittida a repulsa do usurpador, e mandava at-
tender á qualidade da coisa, ao logar e á condição das pessoas,
tanto a do forçado quanto a do forçador. Esses preceitos não
podem mais nos servir de guia. Outra é a nossa concepção do
direito.
Nabuco propoz em 1843, a revogação da Ord. 4, 58, § 2.°.
Apuã Joaquim Nabuco, üvi estadista do império, I, p. 62.
O desforço deve ser em acto continuo, immediato. Se se
trata de coisa movei, o esbulhado pôde perseguir o esbulhador,
que procura fugir com o objecto, e retomar-lh'o. Se é um prédio
o objecto da espoliação, a acção particular do espolio deve
ser iniciada sem demora, no caso de violência, e logo que lhe
conste o esbulho, no caso da clandestinidade. Confestim, ex
continenti, non ex intervallo, dizia a lei romana.

Art. 503 — O possuidor manutenido, ou re-


integrado, na posse, tem direito á indemnização
dos prejuizos soffridos, operando-se a reinte-
gração á custa do esbulhador, no mesmo logar
do esbulho.

Direito anterior — O mesmo (Ord., 3, 78, § 3.°; 4, 58, pi.


e § 1.°).
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, arts. 492
e 493; chileno, 921; argentino, 2.494 e 2.497; uruguayo, 661,
japonez, 198-200.
Frojectos — Esboço, arts. 4.037 e 4.051; Coelho Rodrigues,
1.342 e 1.343; Beviláqua, 578 e 580; Revisto, 594.
Bibliographia — Ribas, Acções possessorias, parte 2.a, tit. II,
cap. VI, p. 270, e cap. VII, ps. 278 e 279; Teixeira de Freitas
e Correia Telles, Dottírino das acções, §§ 85 e 86; Lafayette,
Direito das coisas, §§ 19 e 22; Astolpho Rezende, Manual do
Codigo Civil, VII, ns. 73-75'; Tito Fuegencio, op. cit., n. 152;
Azevedo Marques, op. cit., n. 35.
32 CODIGO CIVIL

Art. 504 — O possuidor pôde intentar a


acção de esbulho, ou a de indemnização, contra
o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada, sa-
bendo que o era.

Direito anterior — O mesmo, segundo a Ord. 3, 58, pr., e


as ampliações da doutrina (Cahlos i>e Carvalho, Direito civil,
art. 350).
Legislação comparada — Godigo Civil portuguez, 504; chi-
leno, 927; uruguayo, 668.
Projectos — Esboço,, arts. 4.032, 2.* e 4.033; Coelho" Rodri-
gues, 1.345; Beviláqua, 581; Revisto, 595.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, 22; IUbas,
Acções possessorias, parte 2.:,, tit. II, cap. VII; Astoi.pho
Rezende, Acções possessorias, n. 11; Manual do Coãigo Civil
VII, ns. 76-78; Coeeho da Rocha, Inst., § 453; Tito Fulgencio,
op. cit., ns. 171, 192 e 294.

Observação — O possuidor tem á sua escolha a acção de


esbulho, que lhe restitue as coisas com perdas e damnos, ou a
de indemnização, que lhe dá o preço da coisa usurpada. A pri-
meira é que é uma acção possessoria, a segunda, não. Se delia
aqui fala o Codigo é, somente, para tornar certo que o esbulhado
a pôde dirigir contra o terceiro, que não praticou o esbulho,
mas se tornou cúmplice, recebendo a coisa, certo do vicio da
posse de quem lh'a transmittiu. O direito romano não dava
acção restitutoria contra terceiro; foi o direito canonico que
a creou e transmittiu ao direito pátrio.

Art. 50u Não obsta á manutenção, ou re-


integração na posse, a allegação de domínio, ou
de outro direito sobre a coisa. Não se deve, en-
tretanto, julgar a posse, em favor daqueíle a
quem, evidentemente, não pertencer o dominio.
DO DIREITO DAS COISAS 33

Direito anterior — O mesmo (0rd., 3, 40, § 2.°; 78, § 3.ü;


4, 58, pr.; Assento de 16 de Fevereiro de 1786, 2.° quesito; Tei-
xeira de Freitas, Consolidação das leis civis, arts. 817 e 818).
Legislação comparada — Vejam-se, quanto á primeira parte
do artigo, Codigo Civil allemão, art. 863; austríaco, 346, 2.°, ita-
liano, 696; portuguez, 487 e 489; argentino, 2.484 a 2.486; chi-
leno, 923; uruguayo, 665; japonez, 202.
O Godigo Civil suisso, art. 927, admitte a excepção fundada
em direito preferente, desde que se estabeleça immediatamente.
Para o direito romano; D. 41, 2, fr. 12, § 1.°; Nihil communo
habet proprietas cum possessione; 43, 17, fr. 1, § 2.°; separata
esse ãehet possessio a proprietate.
Drojectos — Esboço, art. 4.040, 1.°; Beviláqua, 582; Re-
visto, 596.
Dibliographia — Lafayettb, Direito das coisas, § 22, nota
11, Ribas, Acções possessorias, parte 2.a, tit. II, cap. VII, ps. 284-
287; João Monteiro, Processo, I, § 24, nota 1; Astolpho Re-
zexde, Acções possessorias, n. 19; Manual do Codigo Civil, Vil,
as. 79-91; A posse e a sua protecção, II, ns. 298 e segs.; Vieira
Ferreira, Codigo Civil annotaão, ps. LXII e segs.; Justi-
XI ano DE Serpa, Questões de direito e legislação, paginas
227 e segs., e 286 e segs., Martinho Gaboek, Direito das
coisas, § 21; Juvenal Lamartine, Parecer em 1913; Tito Ful-
gencio, op. cit., n. 144-148 e 170; Hbrsilio, op. cit., n. 116; Aze-
vedo Marques, op. cit., ns. 56 e 58; Cunha Gonçalves, Tratado
de direito civil, m, n. 407.

Observações — 1. — A primeira parte do artigo é, univer-


salmente, acceita. Nihil commune habet proprietas cum posses-
sione é uma regra de processo, não uma idéa elementar do con-
ceito das duas relações jurídicas. Também processual é a norma
separata esse debet possessio a proprietate. Ainda que a posse
exteriorize a propriedade, nem sempre o proprietário é o pos-
suidor.
2. — A segunda parte do artigo, reproduzindo o assento
IR 16 de fevereiro de 1786, é que consagra um principio modi-
ficativo da regra geral, principio que» era, diversamente, enten-
Pevilaqua —- Codigo Civil — 3." vol. 3
34 CODIGO CIVIL

elido pelos nossos juristas. Cumpre attender ao pensamento do


Codigo, afim de se não reproduzirem os dissídios de outr'ora.
O Projecto primitivo adoptara a lição de Teixeira de Freitas,
dizendo (art. 582, 2.:i parte); "Todavia não se deve julgar a
posse em favor daquelle a quem se mostra, evidentemente, não
pertencer a propriedade". O Revisto alterou, ligeiramente, a re-
dacção desse dispositivo, sem lhe tocar na substancia. A Gamara
também acceitou essa excepção, que, entretanto, passou a ser de
domínio. Alguns entenderam, porém, que, tendo o Codigo ado-
ptado a doutrina de Jhering, quanto á posse, era íncongruente
manter a excepção em favor do domínio. Encontrou essa opinião
agasalho no Senado, cuja Commissãn propoz e obteve que se
supprimisse esta parte do artigo (Diário do Congresso, de 22 de
Setembro de 1912).
Mas, segundo bem notou Juvenal Lamartine, se, no pensa-
-mento de Jhering, é o interesse da propriedade que justifica
a defesa da posse, em vez de contraria á doutrina do grande
romanista, é um corollario delia a excepção em favor do domínio.
Attendendo a estas ponderações, o Congresso a restabeleceu.
3. — Tendo o Dr. Astolpho Rezende coudemnado, ao mesmo
tempo, a doutrina da segunda parte deste artigo, referente á ex-
cepção do domínio, quer quanto á sua doutrina, quer quanto á
observância das formalidades constitucionaes, na sua redacção,
Justiniano de Serpa deu-lhe resposta completa, da qual re-
sulta a harmonia da exceptio ãominii com a doutrina da posse
adoptada pelo Codigo, o respeito aos tramites constitucionaes na
sua redacção, e a incompetência do judiciário para declarar se
o Congresso seguiu ou não a ordem normal na formação das
leis, quando se occupou da especie.
4 — a excepção do domínio, porém, não pôde ser utilmente
invocada, senão quando: a) A posse disputada se apresentar
como exterioridade do dominio do possuidor. A posse indi-
recta é estranha á excepção do dominio. h) Evidentemente, o
dominio não pertence ao contender. O Codigo prevê a hypothese
em que duas pessoas pretendem a posse a titulo de proprie-
tárias, e manda que, se, em relação a uma dellas, falhar, evi-
dentemente, esse presupposto, a favor delia se não julgue a
posse, pois lhe falta o fundamento.
Não sendo evidente o direito dominial ds um dos conten-
dores, ou restringindo-se o pleito ao facto da posse, sem referencia
DO DIREITO DAS COISAS 35

ao domínio, applicam-se os preceitos communs, que formam a


theoria da posse, e dizendo-se varias pessoas possuidoras do
mesmo objecto, applicar-se-á o estabelecido nos arts. 500 e 507.

Art. 506 —- Quando o possuidor tiver sido


esbulhado será reintegrado na posse, desde que
o requeira, sem ser ouvido o autor do esbulho
antes da reintegração.

Direito anterior -—- O mesmo (Ord., 3, 40, § 2.°; 3, 78, § 3.°;


4, 58, pr., in fine, e § 1.°). V. Ribas, Consolidação, art. 750.
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 487.
O direito romano permittia que o réo, na acção de esbulho, se
defendesse, allegando que o esbulhado tinha posse viciosa em
relação a elle, salvo se o seu esbulho fosse praticado vi armata
(Bonjean, Institutes, II, n. 3.719). Veja-se, entretanto, Ribas,
Acções possessorias, p. 310. A regra do artigo procede do di-
reito canonico.
Projectos — Revisto, art. 597.
Bibliographia — Lafayeixte, Direito das coisas, § 22; Ribas,
Acçoes possessorias, parte 2.% tit. II, cap. VII; Astolpho Re-
zende, Manual do Codigo Civil, VII, ns. 90 e 91; A posse e a sua
protecção, II, ns. 246 e segs.; Azevedo Marques, op. 'cit.,
ns. 77 e 81; Tito Fuxgencio, op. cit., ns. 176-183, e ps.
598 e segs. onde se lêem julgados e a discussão, que o assumpto
provocou; Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, II, nota ao
art. 482; Coelho da Rocha, Inst., § 447; Cunha Gonçalves,
Tratado de direito civil, lll, n. 407.

Observações — 1. — Como não é permittido a cada um fazer


justiça por suas próprias mãos, salvo nos casos de necessidade,
legitima defesa e^ desforço immediato, não protege o Codigo o
esbulho, ainda que se pretenda fundado em direito. Também
deve o disposto neste artigo ser entendido como limitação do
ai
't. 502, que permitte o desforço. Effectuado o esbulho, se a
repulsa não é feita em seguida, já o antigo possuidor prati-
cará um acto espoliativo se despojar da posse o usurpador. De-
verá recorrer á autoridade judiciaria.
36 CODIGO CIVIL

Foi no interesse cia ordem publica que se estabeleceu o


principio expresso no art. 506; spoliatus ante omnia restituendu.i
est aãversus quemeumque spoliantem.
Applica-se esta regra ao esbulho de menos de anno e dia.
Passado esse têmpora norma reguladora é a do art. 508.
2. — No Fórum, vol. V, ps. 316-330, encontra-se um accordão
da Relação do Estado de Minas Geraes, cuja ementa é a seguinte;
— Quanto o possuidor tiver sido esbulhado, será reintegrado
na posse, desde que o requeira, sem ser ouvido o autor do es-
bulho, antes da reintegração. — É digno de nota o voto do des-
embargador Arnaldo de Oliveira, que desenvolve a these com
muita lógica e segurança.
Sobre esse mesmo assumpto escrevi uma carta dirigida ao
Dr. Memdes Pimentel, que a publicou em sua Revista Forense,
vol. XXX, de onde a transcreveu o Fórum, no vol. cit, ps. 331-334.
Ainda na Revista Acadêmica, da Faculdade de Direito do
Recife, vol. XXVI, voltei ao assumpto. Ahi affirmei, em substan-
cia, o seguinte; A restituição do art. 506, por petição da parte e
despacho do juiz, é um acto meramente administrativo, confiado
ao critério da autoridade judiciaria, que decretará a restituição,
quando se lhe provarem o facto da posse e o do esbulho, dis-
pensando a audiência do espoliador, mas podendo usar de meios,
que lhe pareçam adequados á verificação do que se allega. Não
se veja líessa medida extraordinária da restituição da posse por
decisão graciosa do juiz uma deficiência de garantias para as
relações jurídicas, porquanto o juiz nada decide, apenas resta-
belece a situação anterior ao esbulho. E, num systema jurídico,
em que se permitte a reintegração da posse pelo destorço imme-
diato, não é muito que se a permitta por simples mandado da
justiça, pela força exclusiva da autoridade publica.
O fundamento do remedio é, nos dois casos, o mesmo: —
não merece a protecção da ordem jurídica o autor da violência
ou do abuso, porque a dispensou e a offendeu, usando do seu
proprio poder, como se não se achasse numa sociedade policiada.
Houve quem notasse contradição entre o art. 565 e o 506,
aquelle admittindo a excepção de domínio evidente e este não
permittindo que seja ouvido o esbulhador; mas desapparece tal
antinomia, desde que se tenha em attenção que, no art. 505,
ha uma acção em juizo, na qual os contendores exhibem os seus
títulos, e, no art. 506, não ha debate judiciário.
1)0 DIKEITO DAS COISAS 37

3. — Hoje esta matéria está, definitivamente, esclarecida, e


todos os que têm noções seguras de direito, e procuram inter-
pretar, lealmente, o Codigo Civil, comprehendem o alcance deste
artigo, cujo objecto é, tão só, restabelecer, provisoriamente, o
estado anterior ao esbulho recente.
4. — Astoijpho Rezende, A posse e a sua protecção, II, ns.
246 e 263, expõe e discute, largamente, a matéria deste artigo,
mostrando a estranheza, que, a principio, causou a regra, com-
batendo interpretações tendenciosas, e mostrando que, a inter-
venção do Supremo Tribunal Federal, desfez as duvidas levan-
tadas, com decidir que o art. 506 é categórico e preciso.

Art. 507 — Na posse de menos de anuo e


dia, nenhum possuidor será manutenido, ou re-
integrado judicialmente, senão contra os que não
tiverem melhor posse.
Paragrapho único. Entende-se melhor a
posse que se fundar em justo titulo; na falta de
titulo, ou sendo títulos eguaes, a mais antiga;
se da mesma data, a posse actual. Mas, se todas
forem duvidosas, será seqüestrada a coisa, em-
quanto se não apurar a quem toque.

Direito anterior — A Ord., 4, 95, § 2.", não consagrava este


principio, mas os praxistas procuraram dar-lhe a amplitude que
agora o Codigo adoptou. A Ord., 4, 54, § 5.", também consagrava o
seqüestro no caso de duvida sobre o direito do locador de coisas,
o os autores ampliaram essa medida, ao caso de esbulho (Cândido
Mendes, Cocliç/o filippino, á cit. Ord.; Cart.os de Carvalho, Di-
reito Civil, art. 374).
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 488,
hue foi a fonte do nosso artigo. V. também hespanhol, 445, e
mexicano, 893.
Lrojectos — Revisto, art. 598.
Dibliographia — Ribas, Acções possessorias, parte 2.", tit. II,
ca
P • V, § 2.°; Consolidação das leis do processo civil, art. 894;
Martixno Gakcez, Direito das coisas, § 23; Astolpiio Rezende,
38 .CODIGO CIVIL

Acções possessorias, § 24; Manual ão Co digo Civil, VII, ns. 92-96;


Savigny, De la possession, § 51; Dias Fetuíeika, Codigo Civil
portuguez, nota aos arts. 482 e 547; Trio Fulgencio, op. cit.,
ns. 132 e segs.; Hebsilio, op. cit., n. 118; Azevedo Marques,
op. cit., n. 59; Cunha Gonçalves, Tratado de direito civil,
III, n. 403 a 407.

Observações — 1. — O art. 500, no caso de muitos se dizerem


possuidores, manda que o juiz mantenha, provisoriamente, o que
detiver a coisa. Agora se diz que, se as posses forem duvidosas,
a providencia será o seqüestro. Os dois artigos devem comple-
tar-se, embora procedam de origem differente. O seqüestro seiá
decretado, quando o juiz não puder, summariamente, averiguai
a quem assiste melhor direito á posse, e o detentor tiver obtido
a coisa de modo vicioso.
2. _ Segundo a lição de Rxras, o seqüestro presuppõe os
seguintes requisitos;
1.° A citação das partes.
2.° Prova de perigo provável de rixas e violências criminosas.
3.° Vacuidade da posse ou duvida de quem seja o actual
possuidor.
O Codigo Civil, no caso de posse duvidosa, determina o
seqüestro independentemente de outros requisitos.

Art. 508 — Se a posse for de mais de anno


e dia, o possuidor será mantido, summariamente,
até ser convencido pelos meios ordinários.

Direito anterior — Regra seguida de accôido com a


Ord., 3, 48.
Legislação comparada —- Vejam-se Codigo Civil portuguez,
arts. 489 e 504; italiano, 694 e 695; allemão, 861, 862 e 864; ar-
gentino, 2.473-2.477; chileno, 918 e 920; uruguayo, 661, 662 e
669; japonez, 201.
Frojectos — Este artigo é do Projecto Revisto, art. 599.
Confira-se com o de Coelho Rodrigues, 1-347, e Beviláqua, 583,
Bibliographía — Veja-se o art. 499,
1)0 DIREITO DAS COISAS 39

Observação — Este artigo completa as providencias esta-


belecidas no artigo antecedente. Aquelle trata da posse de menos
de anno e dia (posse nova) e este da posse de mais de anno e
dia {posse velha). Na posse nova, entende-se a relação posses-
soria ainda não firmada de modo seguro, terá o juiz de examinar
os títulos e a duração delia para resolver sobre a providencia a
tomar. Na posse velha, a situação possessoria já está, defini-
tivamente, firmada, e o juiz a mantém, summariamente, sem
excluir a acção possessoria ordinária, que se possa, por ventura,
propor.
Este dispositivo, inspirando-se no art. 489 do Codigo Civil
portuguez, delle se afastou remettendo o autor para os meios
ordinários, que podem ser os possessorios, ao passo que o Codigo
portuguez o remette para o petitorio. Além disso, este ultimo
Codigo fala em manutenção e restituição, e o brasileiro, mais
correctamente, diz, apenas, que o possuidor será mantido.

Art. 509 — O disposto nos artigos antece-


dentes não se applica ás servidões continuas não
apparentes, nem ás descontínuas, salvo quando
os respectivos títulos provierem do possuidor do
prédio serviente, ou daquele de quem este o
liouve.

Direito anterior — Não havia dispositivo legal semelhante,


nem doutrina seguida.
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 490, de
onde foi extraindo este dispositivo pela Commissão do Governo.
Projectos — Revisto, art. 600.
Bibliographia — Ribas, Acções possessorias, parte 2/, tit. II,
cap. VIII; Astoupho Rezende» Manual ão Gocligo Civil, VII, nú-
meros 98-100; Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, ao art. 490;
Ribeiro de Magalhães, Acções possessorias, ns. 62-70; Tito Fhe-
gencio, op. cit., ns. 206 e segs.; Cunha Gonçalves, Tratado
de direito civil, III, n. 407.
40 CODIGO CIVIL

Observação — O çiiie sejam servidões apparentes e não ap-


parentes, continuas e descontínuas, dirá o commentario ao
artigo 695.
O art. 509 preceitua que os remedios possessorios se não
applicam á defesa das servidões descontinuas e não apparentes,
porque, não se manifestando ellas por signaes visíveis, podendo
confundir-se com actos meramente tolerados, não realizam as
condições da posse, que é um facto correspondente ao exercido
de um direito real.
As servidões de transito e de tirar agua são descontinuas.
Podem ser actos de simples tolerância. As de não levantar edi-
fício mais alto dizem-se não apparentes. Não se exteriorizam
por um facto visível.
Mas se taes servidões tiverem por base um titulo prove-
niente do possuidor do prédio serviente ou do seu antecessor, já
não podem ser reputadas actos de tolerância e têm no titulo a
sua razão de ser.

Art. 510 — O possuidor de boa fé tem di-


reito, emquanto ella durar, aos fructos perce-
bidos.

Direito anterior —- Regra seguida, com apoio nas Ords. 3,


86, § 4.°, e 4, 48, § 7.°. Aliás, esta ultima Ord. manda compensar
os fructos com as bemfeitorias.
Legislação comparada — Inst., 2, 1, § 35; D. 22, 1, fr. 25,
§ 1.°;. 41, 1, fr. 48; Codigo Civil francez, art. 549; italiano, 703;
portuguez, 495; hespanhol, 451; suisso, 93.8; austríaco, 330; al-
lemão, 987, 988 e 101; argentino, 2.423; uruguayo, 649, 4.° e 694;
chileno, 907, 3.a parte; peruano, 834; boliviano, 294; venezuelano
779; mexicano, 810; do Montenegro, 22; japonez, 189.
Projectos — Esboço, art. 3.959, 1.°; Felicio dos Santos, 1.315,
3.° e 4."; 1.317; Coelho Rodrigues, 1.348; Beviláqua, 588; Re-
visto, 601.
Bibliographia — Astolpho Rezende, Manual do Codigo Civil,
VII, n. 101; Jhebing, Questões de direito civil, trad. Adhekbal
de Carvalho, ps. 175-197; Savigny, De la possession, § 22; Wind-^
scheid, Pand., 186; Hue, Commentaire, IV, ns. 120-124; Trra
Fulgencio, op. cit., ns. 221 e segs.; Hersilio, op. cit., n. 121;
DO DIKEÍTO DAS COISAS 41

Azevedo Marques, op. cit., ns. 27 e segs.; Cunha Gonçalves,


Tratado de direito civil, III, n. 408.

Observação — O art. 490 define o que é posse de bôa fé.


Reputa-se ter cessado a bôa fé, desde a contestação da lide,
na acção proposta para reivindicar a coisa ou destituir da posse
aquelle que nella se acha investido.
Sobre o que sejam fructos e quaes as suas categorias,
veja-se o commentario ao art. 60. Consultem-se Lafayette, Di-
reito das coisas, § 99, e Huc,' Commentaire, IV, n. 111).

Art. 511 — Os fructos pendentes, ao tempo


em que cessar a bôa fé, devem ser restituidos,
depois de deduzidas as despezas da producção
e custeio. Devem ser também restituidos os fru-
ctos colhidos com antecipação.

Direito anterior — Era principio assente (Coelho da Ro-


cha, Inst., § 449).
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 495,
Dr-> 2.a parte; hespanhol, 452; chileno, 907, S." e 4.a partes;
do Montenegro, 22 in fine.
Confiram-se, ainda; allemão, 101 e 102; uruguayo, 695 e 696;
argentino, 2.426; francez, 548 e 459; mexicano, 810, IV.
Ror direito romano, o proprietário devia indemnizar as des-
pesas feitas com a producção dos fructos: D. 5, 3, fr. 36, § 5.°:
fructus intellignntur deductis impensis.
Projectos — Esboço, art. 3.964; Felicio dos Santos, 1.315;
§§ 3.° e 4."; Coelho Rodrigues, 1.348 e 1.349; Beviláqua, 589;
Revisto, 602.

Observação — Quem colhe os fructos com antecipação, per-


mitte que se suspeite de sua bôa fé. Mas, ainda quando tenha
razão plausível para assim proceder, os fructos, que corres-
42 CQDIGO CIVIL

ponclem ao tempo, em que cessou a sua bôa fé, lhe não podem
pertencer. Colhidos ou pendentes, não lhe pertencem, pois em
relação a elles não mais se acha loco clomini, e elles, se nã.o
fossem colhidos antecipadamente, seriam partes integrantes da
coisa. V. Cunha Gonçalves, Tratado de direito civil, III, n. 409.
Quanto ao usofructuario, vejam-se arts. 721 e 723.

Art. 512 — Os fructos naturaes e indus-


triaes repntam-se colhidos e percebidos, logo que
são separados. Os civis reputam-se percebidos,
dia por dia.

Direito anterior — Regra assente.


Degislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 101:
hespanhol, 451, 2.R parte; uruguauyo, 694, 2.a e 3." ais.; mexicano,
816; japonez, 89.
Dispõem differentemente, quanto aos fructos civis; argen-
tino, 2.425, e chileno, 647.
Projectos — Esboço, arts. 3.962 e 3.963; Beviláqua, 591;
Revisto, 603.

Observação — Alguns autores, como Aubry et Rau, Pla-


niol, Teixeira de Freitas (art. 3.963 do Esboço), ensinam que
os fructos civis só se adquirem pela percepção effectiva; e, por
exemplos, os alugueis do prédio foram pagos. Outros, porém,
entendem que o vencimento do fructo civil importa a sua per-
cepção, e que, se a bôa fé justificar a percepção dos fructos, deve
assegurar ao possuidor os fructos civis já vencidos. O Codigo
Civil brasileiro seguiu esta segunda opinião, por mais equita-
tiva, e para uniformizar as diversas situações do possuidor em
relação aos fructos.

Art. 513 — O possuidor de má fé responde


por todos os fructos coibidos , e percebidos, bem
DO DIREITO DAS COISAS 43

como pelos que, por culpa " sua, deixou de per-


ceber, desde o momento, em que se constituiu de
má fé; tem direito, porém, ás despezas da pro-
ducção e custeio.

Direito anterior — O mesmo (Carlos de Carvalho, Direito


civil, art. 371).
Degislação comparada — Inst., 2, 1, § 35; D. 5, 3, fr. 36,
§ 5.°; Codigo Civil francez, avts. 548 e 549; portuguez, 497; lies-
pauhol, 452 e 455; allemão, 990; chileno, 907; uruguayo, 695;
peruano, 840; mexicano, 814; boliviano, 294; do Montenegro, 23:
japonez, 190.
Veja-se, ainda, o suisso, 940.
Pro.jectos — Esboço, art. 3.979, 1.°; Felido dos Santos, 1.318,
ns. 1.° e 2.°; Coelho Rodrigues, 1.353; Beviláqua, 592; Revisto, 604.

Art. 514 — O possuidor de boa fé não res-


ponde pela perda ou detoriacão da coisa, a que
não der causa.

Direito anterior — Principio acceito menos quanto á cláu-


sula final (Coelho da Rocha. Inst., § 449).
Degislação comparada — D. 5, 3, fr. § 31, § 3.", Codigo Civil
portuguez, art. 491 (fonte); allemão, 989; suisso, 938; argentino,
2-431; chileno, 906; uruguayo, 704; japonez, 919. Nenhum desses
Codigos, salvo o portuguez, contém a clausula; -— a que não de>
causa. V. mexicano, 811.
Projectos — Esboço, art. 3.959, 2.°, e 3.966; Felido dos
tantos, 1.315, 2."; Beviláqua, 593. Revisto, 605.

Observação — A restricção final do artigo, a que não der


causa, deve ser entendida como eqüivalendo a que não pr o-
ceder de culpa ou dolo seu. Tal é a intelligencia de Dias Fer-
reira, commentando o art. 494 do Codigo Civil portuguez, de
onde a Comissão revisora extrahiu a sua formula.
44 codkío civil

Não se encontrava essa restricção no Projecto primitivo,


porque o possuidor, que detem a coisa como sua, animo ãomini,
não deve responder pelas deteriorações qui quasi suam neglexit
nulli querellae subjectus est. E, se trata de posse subordinada,
a responsabilidade derivada da própria relação jurídica; a dete-
rioração (ou a perda) constituirá acto illicito.
Justo seria que o possuidor de bôa fé indemnizasse o rei-
vindicante, proporcionalmente ás vantagens, que Ibe tivesse tra-
zido a deterioração ou a perda.

Art. 515 — O possuidor de má fé responde


pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que
accidentaes, salvo se provar que, do mesmo mo-
do, se teriam dado, estando ella na posse do
reivindicante.

Direito anterior — Doutrina seguida (Coelho da Rocha,


Inst., § 449).
Legislação comparada — V. Codigo Civil suisso, art. 940;
allemão, 990; argentino, 2.435; chileno, 906; uruguayo, 704;
japonez, 191; portuguez, 496. Direito romano: D. 5, 3, fr. 20, § 21.
O systema do Codigo Civil mexicano, de 1928, arts. 812 e 813,
segue orientação differente.
Projectos — Esboço, art. 3.979,. 2.°; Felicio dos Santos 1.318,
ns. 3 e 4; Beviláqua, 594; Revisto, 606.

Art. 516 — O possuidor de bôa fé tem di-


reito á indemnização das bemfeitorias necessá-
rias e úteis, bem como, quanto ás voluptuarias,
se lhe não forem pagas, a levantai-as, quando
o puder, sem detrimento da coisa. Pelo valor
das bemfeitorias necessárias e úteis, poderá exer-
cer o direito de retenção.

Direito anterior — O mesmo (Ord., 3, 86, § 5."; 4, 48, § 7.°.


4, 54, § 1.°) .
DO DIREITO DAS COISAg 45

Legislação comparada — Codigo- Civil allemão, arts. 994-997;


hespanhol, 453 e 454; argentino, 2.427 e 2.428; chileno, 908 e 909;
uruguayo, 698, 699 e 701; do Montenegro, 24.
Vejam-se ainda: italiano, 705' e 706; portuguez, 498-500; ve-
nezuelano, 781 e 782; japonez, 196.
Projectos — Esboço, art. 3.959, ns. 3 e 4; 3.968, 3.969 e
3.976; Felicio dos Santos, 1.315, ns. 6-8; Coelho Rodrigues, 1.352
(em parte); Beviláqua, 595 e 597; Revisto, 607.

Observações — 1. — O que sejam bemfeitorias e quaes as


suas modalidades já disseram os arts. 62 e 64. Vejam-se as
observações a esses artigos, O pagamento de foros e impostos,
a con
strucção de cercas e muros, que impedem as depredações,
a defesa judicial do immovel, são despesas necessárias.
Os gastos ordinários para a conservação e utilização da coisa
compensam-se com os rendimentos.
2. Ao possuidor de bôa fé assegura o Codigo os direitos
de indemnização pelas bemfeitorias necessárias e úteis, assim
como o jus tollendi, quanto ás voluptuarias. Este ultimo direito,
porem, somente pôde ser exercido, se não se damnificar a coisa.
O primeiro é garantido pelo direito de retenção, que consiste
er
u o possuidor conservar a coisa em seu poder, até ser embol-
sado das despesas, a que tem direito.
• ' Se o réo não exercer o direito de retenção, poderá
usai da acçâo de indemnização, para cobrar a importância das
bemfeitorias necessárias e úteis.

Art. 517 — Ao possuidor de má fé serão


resarcidas sómente as bemfeitorias necessárias;
wias não lhe assiste o direito de retenção pela
importância destas, nem o de levantar as volu-
ptuarias.

Direito anterior — Doutrina seguida, mas não definitiva-


mente assente, estendendo alguns o direito do possuidor ás bem-
íeitoiias úteis e necessárias. Differente quanto ás voluptuarias
(Coelho da Rocha, Inst., § 449).
46 CODIGO CIVIL

Legislação comparada — CotL, 3, 32, 1. 5; hespanhol, ar-


tigo 453, pr. O mexicano obedece, actualmente, a outra orienta-
ção. V. o art. 815.
Vejam-se também: chileno, 908, 910 e 914; uruguayo, 700
e 701; portuguez, 498-500; allemão, 994, 995 e 1.000; argentino,
2.440; do Montenegro, 25; japonez, 196.
Projectos —- Esboço, art. 3.979, 3.°; Felicio cios Santos, 1.318,
§§ 7.° e 8.°; Coelho Rodrigues, 1.35'4; Beviláqua, 596; Revisto, 608.

Observação — A doutrina do Codigo semelhante á do di-


reito romano, é a mais justa. O possuidor de má fé detem o
que sabe não ter direito de possuir. Durante a sua posse, goza
do bem alheio. Não pôde reclamar, quando, forçado, restitue o
alheio, senão as despesas que o proprietário, necessariamente,
faria, para conservação da coisa.
As bemfeitorias úteis e voluptuarias, que o possuidor não
pôde levantar, compensam o dono do tempo em que esteve, in-
justamente, privado do seu bem.

Art. 518 — As bemfeitorias compensam-se


com os (lamnos, e so obrigam ao resarcimento,
se ao tempo da eviccão ainda existirem.

Direito anterior — Silencioso.


Legislação comparada — Vejam-se: Codigo Civil italiano,
art. 704; portuguez, 501; japonez, 196.
Projectos — Coelho Rodrigues, arts. 1.350 e 1.351; Beviláqua,
598; Revisto, 609.

Observações — 1. — O possuidor de bôa fé tem direito de


ser indemnizado pelas bemfeitorias necessárias e úteis (art. 516),
e responde pelas deteriorações a que der causa. Deduz-se a quac
tia, a que elle tem direito, da quantia de que é devedor. O resto
será o seu credito ou o seu debito, segundo as hypotheses.
DO DIREITO DAS COISAS 47

O possuidor de má fé somente pelas bemfeitorias necessárias


pode reclamar indemnização (art. 517) e responde até pelas de-
teriorações accidentaes (art. 515). Encontrará aquelle seu cre-
dito com esta divida.
2. — A regra de que as bemfeitorias só obrigam ao resarci-
mento, se existirem ao tempo da evicção, refere-se ás que se
materializam em melhoramentos e accrescimos do bem. Assim,
s
e o possuidor cercou o campo de cultura, afim de que animaes
alheios o não estragassem, não pode exigir que o indemnize o
evictor, se não mais se encontra esse melhoramento do campo.
O melhoramento não entrou para o patrimônio do evicto.
Ha, porém, despesas que se incorporam no bem sem deixar
vestígio material, como a defesa judicial delle. Taes despesas
não desapparecem, e, ao tempo da evicção, devem ser levadas
em conta, quando aproveitem ao reivindicai!te.

Art. 519 — O reiyindicante obrigado a in-


demnizar as bemfeitorias tem direito de optar
entre o seu valor actnal e o sen custo.

Uireito anterior — Doutrina acceita (Coelho da Rocha,


Inst., § 449).
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 49J,
§ 4-0 V. D. 6, 1, fr. 38, e Codigo Civil italiano, 705.
Urojectos — Coelho Rodrigues, art. 1.351; Beviláqua, 599,
Revisto, 609, paragrapho único.

Observação — O reivindicante indemniza- as bemfeitorias,


por(lu
e são vantagens accrescidas ao bem reivindicado. E justo,
boi ém, que o possuidor não receba de indemnização mais do
hue despendeu. Se despendeu 10, não se lhe deve dar mais, ainda
que o melhoramento tenha maior valor no momento da evicção.
va
le menos, seria injusto que o reivindicante pagasse o que
büo recebeu; deve indemnizar apenas o accrescimo de utilidade,
hue, realmente, lhe adveio, e não as despesas, que, acaso, tenha
íe
ito o possuidor.
48 C0D1G0 CIVIL

CAPITULO IY

Da perda da posse

Art. 520 — Perde-se a posse das coisas:


I. Pelo aHandono.
II. Pela tradição.
III. Pela perda, ou destruição dellas, ou
por serem postas íóra do commercio.
IV. Pela posse de outrem, ainda contra a
vontade do possuidor, se este não foi manute-
nido, ou reintegrado em tempo competente.
V. Pelo constituto possessorio.
Paragrapho único. Perde-se a posse dos
direitos, em se tornando impossivel exercel-os,
nu não se exercendo por tempo que baste para
prescreverem.

Direito anterior — Quanto ao principio do artigo, não havia


preceito de lei, mas a doutrina era corrente. Quanto ao para-
grapho único, a doutrina estava em via de formação.
Legislação comparada — I. D. 41, 3, fr. 37, § 1.°; Codigo
Civil portuguez, art. 482, 1.° (fonte do artigo, nos quatro pri-
meiros números); hespanhol, 460, 1.°; austriaco, 349; argentino,
2.455; uruguayo, 655; mexicano, 828, 1.°; japonez, 203.
II. D. 41, 2, fr. 3, § 9.° fr. 18, § 2.° e fr. 33. Veja-se também:
Codigo Civil portuguez, art. 482, 2.°; austriaco, 350; hespanhol,
460, 2.°; argentino, 2.453; chileno, 724; mexicano, 828, 2.°.
III. D. 41,' 2, fr. 3, §§ 17 e 18; fr. 13, pr. e fr. 25, pr
III. D. 41, 2, fr. 3, §§ 17 e 18; fr. 13, pr. e fr. 25, pr.:
Codigo Civil portuguez, art. 482, 3.°; hespanhol, 460, 3.°; austriaco,
349; argentino, 2.451, 2.452, 2.457 e 2.459; mexicano, 828, S.0-
IV. D. 41, 2, fr. 3, § 9.a: fr. 15; 41, 3, fr. 4, § 22; fr. 33,
§ 2.°; 43, 16, fr. 1, §§ 24, 45 e 47. Codigo Civil portuguez, ar-
tigo 482, 4.°; austriaco, 349; hespanhol, 460, 4.°; argentino, 2.455
e 2.456; uruguayo, 655; chileno, 726; mexicano, 828, 5.°; japonez,
203. V. mais suisso, 921.
DO DIREITO DAS COISAS 49

V. D. 41, 2, fr. 18, pr.; Quod mMo nomine possicleo, possum


alieno nomine possiclere.
Veja-se, também, o Codigo Civil allemão, art. 856, que es-
tabelece uma regra synthetica.
Paragraplio único. O direito romano conhecia apenas a quasi
posse das servidões e da superfície. A perda da posse dos di-
reitos resultava da impossibilidade de restaurar a relação pos-
sessoria, e do abandono permanente. Vejam-se o Codigo Civil
c
t Áustria, art. 351 e o mexicano, 829.
p
rojectos — Esboço, art. 4.061 e 4.070; Felicio dos Santos,
1 3()4
- ; Coelho Rodrigues, 1.359; Beviláqua, 601; Revisto, 610.
PibliogTaphia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 15 e 16,
Ribas, Acções possessorias, parte 1.% tit. II, caps. III e IV,
Astolpho Rezende, Manual do Codigo Civil, VII, ns. 128 e 151.
^t Posse e a sua protecção, I, ns. 136 e segs.; Admachio Diniz,
Direito das coisas, § 18; Coelho da Rooha, Inst, § 444; Bah-
ury-Lacantinerie et Tissier, De la prescription, 232-234; Sa-
VIGIÍY
' De ia possession, §§ 30 e 31; Rotii, System, Ul,
§ 228; Windschéid, Pand., I, §§ 156 e 157; Derxburg, Panei.,
§§ 182 e 183; Jhering, Fonãemente des interãits, ps. 185 e segs.,
Atjr
Ry. et Rau, Cours, § 179; Tito Fulgencto, op. cit., ns. 272
a 29
ta
7. Hersilio, op. cit., ns. 126 e 128; Cunha-Gonçalves, Tra-
do de direito civil, III, n. 402. . r» *! li
^ «rn^L DO TRABAIH
CONSELHO—r^ciãO
Gbsei-vações —- l. o Codigo, seguindo o systema analytico,
enumera vários modos pelos quaes se perde a posse. O Projecto
Primitivo, preferindo o methodo synthetico, e fiel ao systema,
One adoptara, dissera, simplesmente; ""Perde-se a posse das
Co
isas, desde que ellas não se acham mais em posição conforme
cl0 ni0 0
a
^ pelo qual o proprietário costuma utilisal-as. Peide ^
Posse dos direitos reaes, desde que cessa a possibilidade e
exercel-os".
ho Codigo ainda se nota a influencia da doutrina de Sa
que, aliás, permittiria também uma synthese.
2. Entre os modos de perder a posse, destacados pelo
odigo, acha-se a tradição. Convém notar que a tradição só im
Porta em perda da posse, quando feita cofá esse intuito. Po-
demos entregar a coisa a outrem por effeito de um contracto,
Se
ni perder a posse. Assim é no caso da posse indirecta, como,
4
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol.
50 CODIGO CIVIL

ainda, na posse derivada. O arrendatário, por exemplo, a quem


a coisa é entregue, adquire a posse immediata, sem que o pro-
prietário perca a sua posse indirecta. O dono, que entrega coisa
ao preposto, para administral-a segundo as suas instrucções, não
perde a posse.
Perde-se a posse também pela transcripção, que é uma tra-
dição solemne.

Art. 521 — Aquelle que tiver perdido, ou a


quem houverem sido furtados, coisa movei, ou
titulo ao portador, pôde rehavel-os da pessoa
que os detiver, salvo a esta o direito regressivo
contra quem lidos transferiu.
Paragrapliq único. Sendo o objecto com-
prado em leiíap publico, feira ou mercado, o
dono, que pretender a restituição, é obrigado a
pagar ao possuidor o preço por que o comprou.

Direito anterior — Principio acceito, mas não expresso em


lei, salvo quanto aos títulos-ao portador.
Legislação comparada — Vejam-se: Inst, 2, 6, §§ 2.° e 6.°;
D. 41, 2, frs. 15 e 25, pr.; 41, 3, fr. 4, § 12; Codigo Civil italiano,
arts. 708 e 7091 (fonte); francez, 2.279 e 2.280; hespanhol, 464;
venezuelano, 784 e 785; mexicano, 709 e 800.
Projectos — Este artigo é da Commissão do Governo: Pro-
jecto revisto, art. 611, do qual foi eliminada a primeira parte,
correspondente ao art. 707 do Codigo Civil italiano, por estar
em contradição com o systema do proprio Projecto, e em par-
ticular, com o art. 720.
Bibliographia — Salktlles, De la possession cies meuMes,
segundo e terceiro estudo; Huc, Commentaire, XIV. ns. 503-532;
Batjdry-Lacaktikeiue et Tissier, De la prescription, ns. 235 e
236; Astolpho Rezende, Manual ão Codigo Civil, VII, ns. 152-173;'
Pontes de Miranda, Manual ão Codigo Civil, XVI, l.a parte,
ns. 107 e segs.; Tito Fulgencio, op. cit., ns. 292 e segs.; Her-
silio, op. cit., ns. 12'9 a 134.
DO DIREITO DAS COISAB 51

Observações — 1. -— O Codigo Civil brasileiro não acceitou


a regra do direito francez, — en fait cie meuhles possession vaut
titre, nem ainda sob a fôrma attennada do Codigo Civil italiano,
art. 707. E, deante da critica levantada contra esse regra, não
se pôde deixar de applaudir a sua rejeição, aliás aconselhada
pela tradição, do nosso direito.
2. — Quanto aos titulos ao portador, vejam-se os arts. 1.505-
1.511, onde será exposta a doutrina dessa figura de direito. O
art. 521 estabelece o principio de que os proprios titulos ao por-
tador, que, em si mesmos, trazem a sua legitimidade, è que
se destinam, á circulação rapida, sem formalidade, podem, no
caso de perdimento ou furto, ser recuperados de quem os detiver.
Além dessa providencia, attendendo á indole especial do titulo,
prescreve outra o art. 1.509, para impedir que o injusto detentor
receba, do emissor, a importância do titulo ou o seu interesse.

para o ausente, quando, tendo noticia da occupa-


ção, se abstem de retomar a coisa, ou tentando
recuperal-a é violentamente repellido.

Direito anterior — Applicação de princípios acceitos em


matéria de esbulho (Ord. 4, 58, § l.0)-
Legislação comparada — V. Codigo Civil hespanhol, art. 46B;
uruguayo, 657; chileno, 632. V. ainda: D, 41, 2, fr. 3, §§ 7." e 11:
f
r. 25, § 2.°, fr. 44, pr., e fr. 46.
Projectos — Este artigo é da Commissão do Governo: Pro-
jecto revisto, art. 612.

Observação — A palavra ausente é tomada pelo Codigo Civil,


neste artigo, na sua accepção commum, e não no sentido te-
chnico de desapparecido (art. 463 e segs.). As Ords. denomi-
navam quasi força o esbulho da coisa cujo dono ou possuidor
não estivesse presente. O Codigo refere-se, no art. 522, a essa
hypothese, facultando ao ausente o direito de recuperar a coisa
por sua própria autoridade ou pela justiça. Somente no caso
52 CODIGO CIVIL

de não conseguir retomal-a é que a sua posse se reputará per-


dida. O destorço deve ser effectuado, porém, em seguida ao mo-
mento em que ao possuidor chegou a noticia do esbulho, por
acto clandestino.

CAPITULO Y

Da ppotecção possessoria

Art. 523 — As acções de manutenção e as


de esbulho serão summarias, quando intentadas
dentro em anno e dia da turbação ou esbulho;
e, passado esse prazo, ordinárias, não perdendo,
comtndo, o caracter possessorio.
Paragraplio único. O prazo de anno e dia
não corre, emquanto o possuidor defende a pos-
se, restabelecendo a situação de facto anterior á
turbação ou ao esbulho.

Direito anterior — O mesmo (Ord., 3, 48).


Projectos — Revisto, art. 613, quanto ao principio do ar-
tigo. O paragraplio único é accrescimo da Gamara, art. 528 da
sua proposição enviada ao Senado. Veja-se, entretanto, o Pro-
jecto primitivo, art. 583.
Degislação comparada — Codigo Civil italiano, arts. 694 e
695 (a acção de manutenção protege somente a posse dos im-
moveis, dos direitos reaes e das universidades de moveis); por-
tuguez, 504, paragrafo único (as acções de manutenção e de
restituição prescrevem em um ano); allemão, 864 (as acções
possessorias extinguem-se no prazo de um anno); suisso, 929
(prescripção de um anno); mexicano, 804 (prescreve em um
anno o interdicto recuperatorio).
Bibliographia —• Correia Telles e Teixeira de Freitas,
Doutrina ãas acções, §§ 85, 8.° e 86; Ribas, Acções possessorias,
parte 2.a, tit. II, caps. VI, VII e X; Consolidação do Processo
civil, arts. 746 e segs. e comment. DXI; Astolpho Rezende,
Acções possessorias, cap"s. .II e III; Manual do Codigo Civil,
IJO MRÉITO DAS COISAs .53

VII, ns. 174 e segs.; A posse e a sua protecção, II, ns. 201 a 217;
Coelho da Rocha, In.st., §§ 452 e 453; Trro Fulgbncio, op. cit.,
ns. 302 e segs.; Heksilio, op. cit., ns. 135 e 148; Azevedo Mar-
ques, op. cit., ns. 49 e segs., e 64 a 76; Cunha Gonçalves,
Tratado de direito civil III, ns. 403 a 407.

Observações — 1. — O Codigo Civil, sem lhes manter os


nomes, conservou a distincção entre acções de força nova, in-
tentadas dentro de anno e dia, e acções de força velha, inten-
tadas depois desse tempo, sendo as primeiras summarias e as
segundas ordinárias.
Não ha prazo para a extinção da acção de força velha. Pre-
screve, consequentemente, em trinta amros.
Mas, nesse tempo, já se terá consummado o usocapião, se-
gundo o prescripto nos arts. 550 e 551, 618 e 619. A acção de
força velha será util somente dentro do prazo, em que ainda
se nao haja realizado o usocapião, cuja conseqüência é a perda
da posse anterior.
A acção especial de força nova prescreve em anno e dia.
2- — Conta-se o prazo de anno e dia a começar da lesão da
posse. Foi por equivoco ou erro de cópia que se disse no art. 524
do Codigo do Processo Civil e Commercial do Rio de Janeiro;
sendo a posse de mais de anno e dia, será competente a acção
ordinária. Vejam-se as observações de Odilon de Andrade a esse
artigo. Aliás, o Codigo Civil, neste passo, manteve o direito
anterior. Helvecio dk Gusmão faz a mesma censura ao Codigo
de Processo acima citado: "é a turbação ou o esbulho de mais,
ou menos, de anno e dia, e não a posse, o característico distin-
ctivo do curso da acção".
TITULO II

Da propriedade

CAPITULO I

Da propriedade em geral

Art. 524 — A lei assegura ao proprietário


o direito de usar, gozar e dispor de seus bens.
e de rebavel-os do poder de quem quer que, in-
justamente, os possua.
Paragraplio único. A propriedade literária,
scientifica e artistica será regulada conforme as
disposições do capitulo VI deste titulo.

Direito anterior — O mesmo (Teixeira de Freitas, Con-


solidação, art. 884; Carlos de Carvalho, Direito civil, artigos
375 e 376) .
Legislação comparada — Inst. 2, 4, § 4.°, in fine; Cod., 4, 3o,
1. 21, in médio; Codigo Civil francez, art. 544; italiano, 436, 437
e 439; portuguez, 366; hespanhol, 348; allemão, 903; suisso, 641,
austríaco, 353 e 354; argentino, 2.506-2.510 e 2.513-2.516; chileno,
582 e 584; uruguayo, 486-491; peruano, 850-852; venezuelano,
523-524 e 526; mexicano, 830; boliviano, 289,; do Montenegro, 93,
japonez, 206.
Proiectos — Esboço, art. 4.072; Felicio dos Santos, 995;
Coelho Rodrigues, 1.310; Beviláqua, 602; Revisto, 614.
Bibliographia — Ponto de vista jurídico: Lafayette, Di-
reito das coisas, §§ 24-26; Lacerda de Almeida, Direito das coisas,
§ 8.°; Virgílio Sá Pereira, Manual do Codigo Civil, VIII, ns. 1 e
segs.; S. Vampré, Manual, II § 16; Luiz Correta, O direito de pi o-
priedade, o domínio e a posse, ns. 1-5; Martinho Garcez, Direito
das coisas, § 39; Almachio Diniz, Direito das coisas, § 19, José
de Alencar, A propriedade, caps. I-III; Melra de Vasconcellos,
Parecer, em 1913, Carvalho de Mendonça, Dos direitos reaes,
DA PROPRIEDADE 55

cap. 1; Melciiiadf.s Picanço, Direito das coisas, a este artigo; Co-


elho da Rocha, Inst., §§ 401-408; Neto Campello, Direito roma-
no, II, ps. 78 e segs.; Planiol, Traitê, I, ns. 1.013-1.049; Planiol et
Rippbrt, Traité pratique de droit civil français, III, ns. 211 e segs.;
Huc, Commentaire, IV, ns. 75-89; Baitdry-Lacantinerie e Chau-
veau, Des biens, ns.195-265; Laurent, Príncipes, VI, ns. 100 e
segs.; Cours, I, ns. 523 e segs.; Charmont, Les transformations
du Droit civil, cap. XIII; Aübry et Rau, Cours, II, §§190e segs.;
Zaohariae, Droit civil français, II, ns. 274-277; Letoijrneau,
Evolution de la pròpriété; Coãe civil allemand, publié par le
Comitê de lég. étr., ao art. 903; Roth, System, III, §§ 230-
232; Endemann, Lehrbuch, II, §§ 67-69; Debnburg, Pand.,
§§ 192-193; Windscheid, Pand., § 167; Jhering, Der Tiweck im
Recht, I, ps. 518 e segs.; Kohxeb, Lehrbuch d. B. Rechts, II,
2 Theil, §§ 15 e segs.; L. der Reehtsphilosophie, ps. 81-86; Schir-
meister, § 42 e notas; Chironi, Ist., I, §§ 127-129; Cianturco, Ist.,
§ 46; D'Aguano, Aa genesi e Vevoluzione dei ãiritto civile, ca-
pítulos VII-IX; Francisco Cosentini, La riforma delia legisla-
zione civile, parte 2.a, cap. III, §§ l.0-5."; Cimball, Nuova fase dei
diiitto civile, ns. 132-142; a mesma obra em portuguez, trad. de
Adüerral dk Carvalho; Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez,
aos arts. 2.167-1.170; Sanchez Roman, Derecho civil, III, cap. II;
Rivarola, Derecho civil argentino, I, ns. 401-406; Rossel et Men-
tha, Droit civil suisse, II, ps. 9 e segs.; R. Salvat, Derecho
civil argentino (derecho reales) I, ns. 501 e segs.
Aããe: Clovis Beviláqua, Direito das coisas, §§ 31 e segs..
Ponto de vista economico: Proudhon, Qidest-ce que la prò-
priété; Thiers, De la pròpriété; Yves Guyot, La sciencie éco-
nomique, liv. V, cap. I; Henry George, Progress and poverty,
livros VII e VIII; Schmoller, Príncipes d'économie politique, í,
§§ 11-21; Foulllée, La pròpriété sociale et démocratie; K.
Marx, li capitale; Menger, II diritto civile e il proletariato;
Novicow, El problema de la miséria, trad. Salmeron y Garcia,
Mais uma vez recommendo, para noções fundamentaeS fir-
memente estabelecidas, segundo o Codigo Civil, o magistral Pro-
gramma de direito civil, do Des. Tito Fülgencio .

Observações — 1. — O direito de propriedade tem sido de-


finido por diversos modos. Os romanistas adoptaram um, que,
realmente, parece traduzir, com fidelidade, o conceito genuína-
56 CODItíO CIVIL

mente romano dessa relação jurídica: — dominium cst jus


utendi, fruenãi et ahutenãi re sua, quatenus júris ratio patitur.
Os romanos, segundo demonstrou Jheking, c recorda Gkny (In-
terpretation et sources, p. 165), não emprestavam á propriedade
um caracter absoluto. O seu individualismo era subordinado ás
necessidades sociaes.
O Codigo Civil francez procura conciliar, também, a extenção
dos poderes individuaes do proprietário, com as exigências do
interesse publico: — La propriété est le droit de jouir et disposer
des choses, de la manière la plus aisolue, pourvue qWon rten
fasse pas un usaqe prohibé par les lois ou par les rèqlernents
(art. 544) . A definição do Codigo Civil jd*Austria não at-
tende ás restricções que a lei possa impôr ao poder do indi-
víduo: — Ais ein Recht betrachtet, ist Eigenthum das Befugnisz,
mit des Substanz und den Nutzungen einer Sache nach Wilkuer
zu schalten, und jeden andem davon auszuschliesse (art. 354).
A propriedade, considerada como direito, é o poder de dispor,
arbitrariamente, da substancia e das utilidades de uma coisa,
com exclusão de qualquer outra pessoa. O Codigo Civil allemão
(art. 903) absteve-se de dar uma definição, porém forneceu
os elementos de um conceito verdadeiro: Der Eigentliuemer einer
Sache kann, soweit nicht das Gesetz oder Rechte Dritter entge-
genstehcn, mit der Saclie nach Beliehen verfahren und Anãere
von jeder Einwirkung ausschliessen- O proprietário de uma
coisa, salvo disposição contraria da lei ou direitos de terceiros,
pôde comporta-se a respeito delia como entender, assim como
impedir que qualquer pessoa delia faça o menor uso.
O Projecto primitivo dissera: "A lei assegura ao proprie-
tário, dentro dos limites por ella traçados, o direito de utilizar-se
de seus bens, como entender, e de reivindical-os, quando cor-
poreos, do poder de quem, injustamente, os detenha". O Codigo
Civil eliminou essa clausula, que recordava as restricções legaes
da propriedade, e a que indicava a liberdade de proceder do
proprietário.
Ficou, assim, incompleta a definição legal, porque as re-
stricções estão consignadas no Codigo (vejam-se: a secção V, do
capitulo II deste titulo; os princípios relativos ao usocapião; a
desapropriação por utilidade publica), e fóra delle, com os im-
postos e as prescripções municipaes, por motivos de liygiene, de
utilidade e de aformoseamento.
DA PROPRIEDADE 57

Quanto á liberdade, ainda que restricta, do proprietário, essa


entra no conceito da propriedade plena.
2. — O conteúdo positivo do direito de propriedade está
indicado nas expressões — usar, gozar e clispôr ãe seus hens,
que, aliás, presuppõem a posse. A defesa especial desse direito,
claramente, apparece nas palavras — de rehavel-as do podey de
quem quer que injustamente as possua, que se referem á acçao
de reivindicação.
Deixou o Codigo de alludir ao conteúdo negativo da propiie-
dade, a exclusão de qualquer outra pessoa, por não ser um
caracter distinetivo dessa relação jurídica. Todo direito, como
poder de acção, é exclusivo dentro da sua esphera.
3. — A Constituição de 1934, art. 113, n. 17, modificou o
conceito de propriedade consignado no Codigo Civil, appioxi
mando-o mais do exarado no Projecto primitivo. Bstatue o
citado preceito constitucional; — E' garantido o direito de pro
prieãade, que não poderá ser exercido contra o inter esse social
ou collectivo, na forma que a lei determinar.

Art. 525 — E' plena a propriedade, quando


todos os seus direitos elementares se acham re-
unidos no do proprietário; limitada, quando tem
ônus real ou é resoluvel.

Direito anterior — Principio corrente. Veja-se Carlos de


Carvalho, Direito civil, art. 377.
Legislação comparada — Codigo Civil austríaco, arí. 357,
argentino, 2.507; portuguez, 2.187.
Projectos — Eshoço, art. 4.072; Felicio dos Santos, 998;
Revisto, 615.

Observação - Os direitos elementares do dominio, segundo


o art. 524, são: uso, gozo e disposição, os dois primeiios ■
quaes presuppõem a posse. Quando se desmembra da proprxe
algum desses elementos, para constituir, em favoi de ou i
um direito real, a propriedade deixa de sei plena, poique a
58 CO DIGO CIVIL

expressão jurídica, o poder de acção, em que ella consiste, está


dividido entre o proprietário e o titular do direito real restricto.
É esse um limite na extensão do direito, que perde algum
dos seus elementos. Quando, porém, a propriedade é resoluvel,
o limite se refere, somente, á duração do direito.

Art. 526 — A propriedade do solo abrange


a do que lhe está superior e inferior, em toda a
altura e em toda a profundidade, úteis ao seu
exercicio, não podendo, todavia, o proprietário
oppor-se a trabalhos, que sejam emprehendidos
a uma altura ou profundidade taes, que não te-
nha elle interesse algum em impedil-os.

Direito anterior — Nenhuma disposição de lei regulava esta


matéria, salvo quanto á extensão da propriedade, ao sub-solo
(Constituição, art. 72, § 17, 2.!l al.).'
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 905;
suisso, 667; japonez, 707. Consultem-se, também; francez, 552;
argentino, 2.518; italiano, 440; hespanhol, 350; austríaco, 297;
portuguez, 2.288; venezuelano, 527; do Montenegro, 96; peru-
ano, 854.
Pelo Codigo Civil da Rússia Soviética, art. 53, o solo, o sub-
solo, as florestas, as aguas e as vias ferreas podem ser, exclusi-
vamente, propriedade do Estado.
Projectos -w Esboço, arts. 4.227 e 4.228; Felicio cios Santos,
1.006; Beviláqua, 636. Eliminado pela Commissão do Governo,
foi afinal restabelecida esta disposição, porém diversamente
redigida. ,
Bibliographia — Em clefeza, ps. 370-372; SÁ Vianna, Do-
mínio aereo, na Sciencias e letras, I, ps. 46-51; Virgílio Sá Pe-
reira, Manual ão Codigo Civil, VIII, ns. 9-16; J. V. Meira de
Vasconcellos, Parecer, em 1913; Baudry-Lacantinerie, et Chau-
veau, Bes biens, ns. 331-338; Huc, Commentaire, IV, ns. 127-135;
Aubry et Rau, Cours, II, § 192, Planiol et Ripert, III, ns. 251-
253; Jhering, Zur Lehre, v. d. Beschraenkungen d. Eigenthum,
no Jhering, Jahrbuch, VI, ps. 18 e segs. e trad. nas CEuvres
DA PROPRIEDADE 59

choisies, de Meulenaere, II, ps. 105-e segs. ; Endemann, Lehr-


huch, II, § 71; Windscheid, Fancl., § 139, nota 3; Kohxer, Lehi-
hnch, II, 2 Theil, § 65; Dernburg, Pand., § 198 (vol. I, 2.'1 par-
te); Roth, System, III, § 230, III, 1, a; Gabra, Quistioni, T,
Delia proprietà wsque ad sidera et inferos; Rossel et Mentha,
Droit civil suisse, II ps. 45-46; Sci-iirheister, I, § 42, e notas.

Observações — 1. — Este artigo teria lucrado, se a sua


redacção fosse substituída pela que propoz Meira de Vascon-
ceixos, dizia a primeira edição deste livro. Felizmente a lei
n. 3.725, de 15 de Janeiro de 1919, corrigiu a defeituosa re-
dacção do artigo. Mas está elle mal collocado entre as disposi
ções relativas á propriedade em geral. O seu objecto é determinai
a extensão da propriedade immovel. Em todo o caso, melhoi foi
incluil-o aqui o Senado, á ultima hora, do que deixar de con-
signar o principio, como ia acontecendo, por ter a Gamara
acceito a orientação do Projecto revisto.
O proprietário do immovel estende seu diieito á superfici
inclusive o espaço aereo correspondente, e ao sub-solo, em pio
longamento vertical da porção de solo, correspondente supei
ficie. Mas a propriedade é noção econômica, a sua extensão
corresponder á sua utilidade; é, também um pbenomeno sócia ,
deve adaptar-se ás necessidades da vida collectiva. Sob o influx
da sociologia e da economia política o direito impiime á pio
priedade a fôrma, que ella deve ter. Por isso, ainda reconhecendo
que a columna atmospherica acima do solo e as camadas do
solo pertencem ao proprietário do terreno, a lei civil estabelec
limites a esse direito, tomando por medida a utilidade. E o qu-
estabeleceu o art. 526. O Projecto primitivo, art. 636, dizia. Nao
se considera offensa âos direitos do proprietário do solo, o qu
se fizer a tão grande altura ou a tão grande profundidade, qi
não possa prejudicar os seus legítimos interesses . E o mesmo
pensamento.
2. — No sub-solo, ha que considerar as minas, cuja propne-
dade a Constituição de 1891, expressamente, assegurava ao pio
prietario do solo, que, aliás, teria de se submetter ás mf '
estabelecidas, por lei, a bem da exploração desse genero
industria.
60 CODIGO CIVIL

Além das minas, ha que considerar outras matérias úteis,


que se acham no sub-solo, as quaes, todas pertencem ao pro-
prietário. Quanto ao thesouro, vejam-se os arts. 607 e 608.
3 — a propriedade das minas tinha sido regulada pela lei
n. 4.265, de 15 de Janeiro de 1921, que, no art. 2.°, declara:
"Consideram-se minas, para os effeitos desta lei, além das mi-
nas propriamente ditas, as jazidas, ou concentrações naturaes,
existentes na superfície ou no interior da terra, de substan-
cias valiosas, para a industria, exploraveis com vantagem, eco-
nômica, contendo elementos metallicos, semi-metallicos, ou não
metallicos, e os respectivos minereos, os combustiveis fosseis,
as gemmas ou pedras preciosas, e outras substancias de alto valor
industrial". Minas propriamente ditas são as massas mineraes ou
fosseis existentes no interior da terra, as jazidas de metaes, com-
bustiveis, gemmas, etc. A lei citada não considera minas as
pedreiras, as massas rochosas, que ^ornecem material de con-
strucção, calcareos e mármores, as saibreiras, as barreiras, os de-
posites de areia, os pedregulhos, ocas, turfas, kaolins, amianto e
mica, as areias de minereo de ferro, os depósitos superficiaes
de sal e salitre, e os existentes em lapas e cavernas. Também
não se consideram minas as fontes de aguas thermáes, ga-
zosas, mineraes e minero-medicinaes (art. 3.°).
A mina constitue propriedade immovel, accessoria do solo,
mas distineta delle (art.-5.°).
É permittido ao proprietário separar a mina do solo, para
o fim de a arrendar, hypothecar ou alienar, e pôde", egualmente
reservando a mina para si, arrendar, hypothecar ou alienar o
solo (art. 6.").
Nos contractos de arrendamento e de emphyteuse, não se
comprehende o direito á exploração da mina, se delle não se
faz expressa menção (art. 7.°). Se as terras pertencem á União,
salvo clausula especial, não se transmitte a propriedade das
minas, quer nos aforamentos, quer nas alienações (art. 15).
A lei de 15 de Janeiro de 1921, foi regulamentada pelo de-
creto n. 15.211, de 28 de Dezembro do mesmo anno.
4. — Em 1934, o dec. n. 24.642, de 10 de Julho regulou
systematicamente esta matéria. Em 1940, foi esse Codigo substi-
tuído pelo de 29 de Janeiro (decreto-lei) .
E a Constituição, de 1937, arts. 143 e 144 estabeleceu os
princípios básicos para a exploração das minas, fazendo a de-
DA PROPRIEDADE 61

pender de autorização federal. Desses princípios resulta que a


propriedade das minas e demais riquezas do sub-solo consti-
tuem propriedade differente da do solo, para o effeito de
exploração ou aproveitamento industrial, que depende de autoii
zação federal. Esta só poderá ser concedida a brasileiros ou
empresas constituídas por brasileiros. O proprietário tem pie-
ferencia na exploração; se, porem, não a realiza, teiá pai ti
cipação nos lucros.
V. D. Magalhães Lima, Goãigo de minas, Araújo Castro,
A Constituição de 1937, 2.a ed. ps. 414 a 419 e o meu Direito
das coisas, § 42.

Art. 527 — O dominio presume-se exclusivo


e illimitado, até prova em contrario.

Direito anterior — O mesmo (Carlos de Carvalho, Diieito


civil, art. 377, pr.).
Legislação comparada — Cod. 3, 34, 1. 9; Codigo Civil por-
tuguez, art. 2.172; C. dos bens para o Montenegro, art. 94.
Projectos — Eshoço, art. 4.073; Felicio dos Santos, 1.001,
Beviláqua, 638; Revisto, 616.

(
Observação — Diz-se que o dominio, isto é, a piopriedade
la coisa corporea, é exclusivo, para significar que o pioprietario
tem o direito de afastar, daquillo que é seu, a acção de qualque
pessoa estranha. Quando ha condomínio, o caracter de exclusi
vismo não desapparece, porque os condomínios são cònjunctamente,
es agentes do direito.
O dominio é illimitado, porque abrange os poderes elemen
tares, que o constituem. Não se o pôde consideiai absoluto
sem restricções. Como já vimos, essas restricções apparecem,
direitos de visinhança, nos impostos, nas prescripções municipaes,
na desapropriação. Illimitado, na linguagem do Codigo, equiva
a pleno. Se não se provar que ha qualquer ônus limitam o a
plenitude do dominio, a lei o declara pleno.
62 COI)IGO CIVIL

Art. 528 — Os fruçíos e mais productos da


coisa pertencem, ainda quando separados, ao sen
proprietário, salvo se, por motivo juridico, es-
pecial, houverem de caber a outrem.

Direito auterior — Corollario do direito de propriedade que


os compêndios registravam, fundados no direito subsidiário e
argumento das Ord., 4, 96, §§ 7.° e 97, pr. (Coelho da Rocha,
Inst., § 403).
Legislação comparada — Inst., 2, 1, § 19; D. 22, 1, frs. 25,
pr. e 36; Codigo Civil francez, arts. 546 e 547; italiano, 444;
allemão, 953; portuguez, 2.290; hespanhol, 354; suisso, 643- ar-
gentino, 2.522; chileno, 646 e 648; boliviano, 291; uruguayo,
487; venezuelano, 530; mexicano, 886 e 887.
Projectos —• Esboço, arts. 4.144 e 4.146; Folicio dos Sontos,
996, 2.°; Bevilaqíia, 604; Revisto, 617.

Observação — O direito aos fructos e aos productos da


coisa é uma das modalidades do gozo delia. A propriedade es-
tende-se, naturalmente, a todas as utilidades, que a coisa produz.
Os fructos naturaes adquirem-se, desde que são produzidos.
Os civis adquirem-se quando percebidos, e reputam-se percebidos
dia por dia. Assim todos os fructos naturaes, pendentes, per-
tencem ao proprietário da coisa, que os produziu, ou a quem
competir o direito de gozal-a (Esboço, art. 4.415); pois são
partes integrantes delia.
Vejam-se os art. 60, e 510-512.

Art. 529 — O proprietário, ou o inquilino


de um prédio, em que alguém tem direito de
fazer obras, x^óde, no caso de damno imminenté,
exigir do autor dellas as precisas seguranças con-
tra o prejuizo eventual.

Direito anterior — Nada dispunha a lei a respeito.


DA PROPRIEDADE 63

Legislarão comparada — Este dispositivo foi tirado do


Codigo Civil de. Zurich, art. 136. Veja-se, também, o do Monte-
negro, 95.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.402; Beviláqua, 639;
Revisto, 618.

Observação — É outro artigo mal collocado, porque se re- »


fere, especialmente, á propriedade immovel. No Projecto primi-
tivo, fazia parte da secção V do capitulo concernente á proprie-
dade immovel, e tinha por epigraphe — Da extensão dos direitos
do proprietário. A regra é, realmente, destinada, em • parte, .a
proteger o proprietário contra os damnos, que lhe possam causar
os que fizerem obras no seu prédio, sejam os que têm servidão
sobre elle, sejam os que tiverem direito por outro titulo. Em
parte, porém, é, egualmente, um limite ao direito do proprie-
tário, pois que ha outrem autorizado a fazer obras no prédio.
Contra o prejuízo eventual, que essas obras possam produzir,
também, se pôde acautelar o inquilino, cuja pessoa e cujos bens
podem achar-se, egualmente, ém perigo de damno.
O caso previsto nesse artigo nada tem com os embargos de
obra nova, que suppõem o desconhecimento de uma servidão poi
parte do autor da obra. No caso do nosso artigo, pelo contrai io,
é o titular da servidão, ou de outro direito, que faz a obi a.

CAPITULO II
Da propriedade immovel
SECÇÃO I
Da acquisição da propriedade immovel
Art. 530 — Adquire-se a propriedade im-
movel :
I. Pela trauscripção do titulo de trans-
ferencia no registro do immovel.
II. Pela accessão.
III. Pelo usocapião.
IV. Pelo direito hereditário.
64 CODXGO CIVIL

Direito anterior — Eram esses os modos de adquirir re-


conhecidos, ainda que se disputasse a respeito da transcripção,
que alguns consideravam formalidade complementar, especial ao
regimen hypothecario.
Legislação comparada — Será indicada nas secções se-
guintes.
Projectos — Esboço, arts. 3.735, 3.809, 4.075 e 4.078; Coelho
% Rodrigues, 1.381; Bevilaquâ, SOS1 e 606; Revisto, 619 e 620.
Felicio dos Santos, 2.025, que se afastou dá doutrina tradicional
entre nós, fazendo depender a transmissão da propriedade, entre
vivos, da simples declaração da vontade.

Observações — 1. — Nas diversas secções deste capitulo


serão apreciados os modos de adquirir indicados no art. 530, os
tres primeiros dos quaes se referem a acquisições entre vivos,
consideradas neste mesmo capitulo, e o ultimo á transmissão
mortis causa, exposta no livro IV, da Parte Especial.
2. — O Projecto primitivo, arts. 607 e 608, como o Revisto,
621 e 622, comprehendia, entre os actos translativos da pro-
priedade immovel, os endossos dos titulos representativos da
propriedade cadastrada, deixando á lei especial a regulamen-
tação da especie. A Gamara, porém, eliminando estes artigos, fez
desapparecer, além da semente lançada para o cadastro geral
sobre os moldes, que se achassem convenientes, o registro e a
transmissão de immoveis pelo systema Torrens, instituído e re-
gulado pelos decs. n. 451 B, de 31 de Maio de 1890, e n. 995 A,
de 5 de Novembro de 1890, que encontram applicação generali-
zada em algumas regiões do Sul da Republica.
2.a — Isto diz, de modo irretorquivel, a lógica jurídica. O
illogismo, porém, muitas vezes, é poderoso elemento na formação
das leis. Assim é que, depois de ter o Codigo Civil eliminado, pela
suppressão tanto quanto, pela incompatibilidade, o registro Tor-
rens, a lei n. 3.446, de 31 de Dezembro de 1917, orçando a
receita, deixou esgueirar-se a affirxnativa de que está em vigor
esse registro. Veja-se na Gazeta dos Tribunaes, anno, I, n. 179, o
que a respeito escreveu Phxladfxpho Azevedo.
é curioso esse modo de legislar. O Codigo Civil regula
a organização da propriedade immovel, segundo um determinado
systema e declara revogadas as leis concernentes ás matérias do
HA PROPRIEDADE 65

direito civil, por elle reguladas. Sorrateiramente, uma lei de or-


çamento manda considerar vigente uma dessas leis, que oiganiza
a propriedade immovel sobre outras bases. De modo que temos
hoje dois systemas de propriedade immovel: o commum regulado
pelo Codigo Civil, e o Torrens, onde o instituíram, com todas as
suas facilidades.
Accrescente-se pois, um paragrapho ao aitigo, restauran o
o art. 607 do Projecto primitivo, ou 621 do Revisto: Compre-
hende-se, ainda, entre os actos translativos da pi opi iedade im
movei, os endossos dos títulos representativos da propriedade

3. -'o Codigo Civil reconhece e regula diversos modos de


adquirir. Uns applicam-se, exclusivamente, aos moveis, como
occupação; outros, exclusivamente, aos immoveis, como a fran-
scripção do titulo; uns são originários, como a acceSSao natural,
outros derivados, como a tradição; um a titulo umversa .
successão hereditária; outros a titulo singular.

SECQÃO II

Da acquisição pela transcripção do titulo

Art. 531 — Estão sujeitos á transcripção,


no respectivo registro, os títulos trans ativos a
propriedade immovel, por acto entre vivos.

Direito anterior - Os decs. n. 169 A, de 19 de Janeiim


de 1890, art. 8.°, e n. 370, de 2 de Maio de 18 0'
depender da transcripção a efficacia, a respei o
transmissões, entre vivos, de bens immoveis.
• , - comparada __ No sentido do Codigo«niaqn
Legislação
T Civil 656"
Dia
., . i, - im p
sileiro: allemao, arts. 313 e ato, 873" austríaco, 431, suisso, do ,
uruguavo 664 1 0, 2.11 alinea; chileno.
uguayo, 1í.ddi, 049-951,
68 . 1.°, e o hespanhol.
O Codigo Civil portuguez, • 4. arts. 949 . , ciei transmissdo,
o offipaciâ. ,i.{in„TT.issão reití.
606, fazem depender do registio
lativamente a terceiros. , /.nnvpncões
/"i-.ríi fmncez e que as convenções
O systema do Codigo Cl^ Vejam.Se os arts. 711 e 712.
operam a transmissão de propn • ^ Fiançai aos pre_
A fôrma da transcipçao obedece,
Beviláqua — Codigo Civil 3- A '
66 CODIGO CIVIL

ceitos da lei de 24 de Julho de 1921, que alterou a lei de 23 de


Março de 1855.
Confiram-se, ainda, o Codigo Civil italiano, art. 1.932, e ve-
nezuelano, art. 1.992. O dec- italiano, de 9 de Novembro de
1916, tornou obrigatória a transcripção dos actos translativos da
propriedade immovel e de outros bens susceptíveis de hypotheca.
Projectos — Esboço, art. 4.075, n. 1.°; Felicio dos Santos,
2.668 (differente); Coelho Rodrigues, 1.381; Beviláqua, 609:
Revisto, 623.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 48-55;
Teixeira de Freitas, Consolidação, Introducção, ps. CC e se-
guintes; arts. 906 e 907, com as respectivas notas; Lacerda de
Almeida, Direito das coisas, §§ 27-33; Virgílio Sá Pereira,
Manual do Codigo Civil, VIII, ns. 22 e segs.; Lysippo Garcia,
O registro de immoveis, I, caps. I a IV; Philadelpho Azevedo,
Registros públicos, ns. 127 e segs.; Martinho Garcez, Direito
das coisas, § 46; Didimo, Direito hypòthecariot ns. 220-242; Alma-
chio Dmiz, Direito das coisas, §§ 21 e 22; Trabalhos da Gamara,
II, p. 56 (Parecer da Faculdade Livre de Direito do Rio de Ja-
neiro) 76-77 (resposta a esse Parecer); V, ps. 231-234 (discurso
do Sr. Andrade Figueira), ps. 238-240 (resposta); ps. 275-278
(continuação); Trabalhos do Senado, III, ps. 16-17 (Vieira Fer-
reira), p. 76; Planiol, Traité, I, ns. 1.346 e segs.; Planiol
et Ripert, III, ns. 626 e segs.; Laurent, Cowr^, IV, ns. 295-322;
Htüc, Commentaire, VII, ns. 121-131; XVI, 1-17; Zachariae,
Droit civil français, V, §§ 837-840; Buenoir, Propriété et con-
trai, lições V e segs.; Troplong, Transcription; J. G. Ferrox,
Publicité ães ãroits réels; Auury et Rau, Cours, II, § 174; Coãe
Civil allemand, publié par le Comitê de lég. étr., aos arts. 313
e ás ps. 459-465, do vol. II; Rossel" et Mentha, Droit civil
suisse, II, ps. 32-34; Endemann, Lehrbuch, II, 47-66 e 76-79;
Saciiez Roman, Derecho civil, III, cap. IX; Gierke, na Fn-
cyclopaedie de Holzendorf e Kohxer, §§ 46 e segs.; Kohler, na
cit. Encyclopaedie, § 25; Lehrbuch, II, 2a parte, §§ 23 e segs.:
Alph. de Buschere, De la transcríptions des actes de mutations
immobilières, na. Revue de VInstitut de droit compare, V, pa-
ginas 179-210; Almeida Prado, Transmissão da propriedade immo-
vel.
DA PROPRIEDADK 67

Observações — 1. — Noções históricas. — No direito ro-


mano clássico, as translações da propriedade, entre vivos, com-
pletavam-se pela tradição acompanhada de um formalismo afei-
çoado ás idéas do tempo. Traãitionihus... non nuãis pactis,
ãominia rerum transferuntur. A tradição dos immoveis era a
immissão na posse, a principio real, e, depois, pela longa mão,
pela breve mão e pelo constituto possessorio.
Era uma simplificação no processo da tradição, que se foi
accentuando, até que se a julgou dispensável. Este elo da evo-
lução, porém, já não foi realizado pelos romanos, muito práticos
e de sentimento juridico muito vivaz, para se nortearem para
esse alvo. (Planiol, Traité, II, ns. 1.353-1.364; Bndemann, Lehr-
buch, II, § 95, n. 2). O Codigo Civil francez adoptou essa theoria
simplificada da translação do domínio.
Mas havia em tal modo de ver uma confusão de idéas. O
direito real, devendo prevalecer erga omnes, não pode resultar,
exclusivamente, do accordo das partes. "Para que um direito
exista e possa valer perante todos os membros da sociedade
disse Maynz {Droit. romain, § 105), é preciso que a sociedade
tenha concorrido para estabelecel-o e que lhe sanccione a exis-
tência'.
O Codigo Civil francez, porém, não poude ser fiel ao prin-
cipio que adoptara, e proclamou, ao lado da transferencia, pelo
simples effeito das obrigações (art. 711), a transferencia pela
simples tradição dos moveis (art. 2.279). E, quanto aos im-
moveis, acceitou-se o principio da transcripção, com a lei de
23 de .Março de 1855, que, aliás, não fez mais do que restabelecer
idéas consignadas na lei de 1 de Novembro de 1798.
2. — Publicidade — A publicidade tornou-se uma condição
necessária da transmissão da propriedade, e, em particular, da
propriedade immovel. "Pela natureza das coisas, por uma simples
operação lógica, por um sentimento de justiça, pelo interesse
da segurança das relações privadas, ás quaes se liga a pro-
priedade geral, comprehende-se, desde o primeiro momento, quo
o direito real deve manifestar-se por outros caracteres, por ou-
tros signaes, que não sejam os do direito pessoal, e que esses
signaes devem ser tão visíveis e tão públicos quanto possível".
São palavras do eximio Teixeira de Freitas.
Para corresponder a essa necessidade de publicidade, d«
certeza, de garantia dos direitos reaes sobre immoveis, esta-
68 CODIGO CIVIL

beleceram-se dois systemas principaes: o da transcripção e o


do registro predial.
Systema ão Codigo Civil. — Nosso direito anterior adoptara
o systema da transcripção, • para que as transmissões da proprie-
dade immovel, por actos entre vivos, valessem contra terceiros.
Mas a doutrina, representada pelos nossos mais notayeis juris-
consultos, Teixeika de Freitas {Consolidação, ps. CCX e CCXI,
da Introducção, 3." ed., e nota ao art. 909), e Lafaybtte {Direito
das coisas, § 43), via na transcripção a tradição dos immoveis.
Todavia, como a lei somente exigia a transcripção para efficacia
da translação do domínio, relativamente a terceiros, não so-
mente havia quem entendesse que a simples escriptura de trans-
ferencia era sufficíente, como, na realidade, se criava, entre a
escriptura e a sua transcripção, que, aliás, podia não se effe-
ctuar, uma propriedade meramente relativa, o que repugna até
ao proprio conceito da propriedade, que deve prevalecer erga
omnes. Tínhamos, assim, uma publicidade fallivel, porque mera-
mente voluntária, das translações do domínio. O Codigo, se-
guindo a orientação de Teixeira de Freitas e Lafayette, deu
um passo adeante, no sentido da segurança, da publicidade mais
completa, da prová "stifficiente, e da' legalidade.
A propriedade movei transfere-se, inter vivos, pela tradição,
a immovel pela transcripção, que é uma tradição solemne, sendo
ambas modos derivados de adquirir.
Durante a discussão do Projecto, esforçaram-se alguns para
se manter o principio do direito anterior, de que a transcripção
não induzisse prova de domínio, que ficaria salvo a quem de
direito; mas, afinal, vingou a idéa de que o registro constitua
uma prova sufficiente, ainda que possa ser destruída.
2-a. — O systema adoptado pelo Codigo Civil, quanto á tran-
scripção é que ella: 1.°, Prova a translação do domínio; mas essa
prova não é absoluta e indestructivel; constitue uma presumpção
júris tantmn (art. 859), que poderá ser destruída por acção an-
nullatoria do registro (art. 860); 2.°, Legaliza a transmissão
do domínio por actos inter-vivos, dando ao official do registro o
direito de examinar os títulos para conhecer a verdade nelles
enunciada, 3.°, Publica, solempemente, a translação do direito
real, tornando a sociedade conhecedora das suas mutações, e,
assim, dando maior segurança ás relações jurídicas. E' nesse
sentido que se diz ser a transcripção uma tradição solemne. Na
DA PROPRIEDADE 60

tradição, ha uma publicidade limitada; na transcripção, é a


sociedade juridicamente organizada que, por intermédio do func-
cionario competente, dá publicidade á mutação do direito real;
na tradição o alienante entrega a coisa movei, na transcripção,
o official do registro attesta a transmissão do immovel.
Sobre esta matéria, vejam-se as observações de Lvsippo
Garcia, Registro ãe immoveis, I, ps. 99 e segs., que fielmente
interpretam o systema do Codigo Civil.
3. — Efficada da transcripção. — Sendo a transcripção um
modo de transferir o domínio por actos entre vivos, requer
capacidade no alienante como no adquirente (art. 82) e titulo
legitimo, hábil para transferir o direito. Titulo legitimo é o
acto ou facto em virtude do qual a propriedade se transfere
segundo as disposições da lei.
Como observou Lafayette, o nome que se deveria dar a
esta formalidade é inscripção, pois o registro é feito por êx-
tracto (nota 6, ao § 52). V. Em defeza, ps. 44 e segs.
4. — Formalidades. — A transcripção opera-se segundo os
preceitos estabelecidos no dec. n. 18.532, de 24 de Dezembro de
1928, arts. 229-241. CCNSELHO R. Cl ,N"-L DO TRABALHO
K REGIÃO
Art. 532 — Serão também transcriptos:
I. Os julgados, pelos quaes, nas acções di-
visórias, se puzer termo á indivisao.
II. As sentenças, que, nos inventários e par-
tilhas, adjudicarem behs de raiz em pagamento
das dividas da herança.
III. As arrematações e as adjudicações em
hasta publica.

Direito anterior — Não se transcreviam esses títulos (de-


creto n. 370, de 2 de Maio de 1890, art. 237).
Legislação comparada — Vejam-se: leis francezas de 23 de
Março de 1855, art. I.0, de 13 de Fev. de 1889 e de 24 de Julho
de 1921; Codigo Civil italiano, arts. 1.932 e 1.933; venezuelano,
1.992 e 1.993; portuguez, 949.
Projectos — Esboço, art. 4.075, 2.° 4.076 e 4.077; Coelho
Rodrigues, 1.798; Beviláqua, 610; Revisto, 624.
70 CODIGO CIVIL

Bibliographia — Lafayette, Direito cias coisas, §§ 50 e 51;


Lacerda de Almeida, Direito das coisas, § 28; Lysippo Garcia,
O registro ãe immoveis, I, ps. 515 e segs.; Ferron, Publicité ães
ãroits réels immoMliers, parte l.a, cap. II, secção II, e parte
terceira; Almeida Prado, Transmissão da gropriedade immovel.

Observação — O art. 531 sujeita á transcripção todos os


titulos translativos da propriedade immovel por acto entre vivos.
Assim, a compra e venda, a permuta, a dação em pagamento,
a transferencia feita pelo socio á sociedade, a doação, o dote,
e, era geral, todos os contractds translativos da propriedade
immovel, têm de ser transcriptos.
O art. 532 accrescenta a esses actos; I Os julgados, que põem
termo a indivisão; II as sentenças de adjudicação de immoveis
em pagamento de dividas da herança; III as arrematações e as
adjudicações em hasta publica. Não estavam estes actos sujeitos
ao registro pelo direito anterior, mas a doutrina reclamava essa
providencia, como necessária para completar o systema de pu-
blicidade instituído para as mutações do domínio por actos
entre vivos.
As sentenças, em geral, não estão sujeitas á transcripção,
porque não operam transferencias de domínio; porém, nos juizos
divisórios (partilha, divisão e demarcação), fazendo cessar a
indivisão, e declarando qual a parte individuada, que pertence
a cada um, as sentenças determinam outro estado de relações
jurídicas, differente do preexistente, e servem de, fundamento
aos direitos correspondentes a esse novo estado de coisas.
A adjudicação de immoveis para pagamentos de divida da
herança é uma dação em pagamento com intervenção do juiz,
mas o acto, passando-se no processo do inventario, entre her-
deiros, não teria a publicidade necessária para evitar as fraudes,
se não fosse registrado.
As arrematações e as adjudicações em hasta publica passam-
se aos olhos de todos; mas essa publicidade é momentânea e o
direito real exige uma publicidade permanente, de modo que os
interessados possam, a toda hora, verificar o estado da pro-
priedade immovel.
O Projecto revisto mandava submetter a registro todos os
actos translativos de domínio, inclusive os mortis causa. O Co-
DA PROPRIEDADE 71

digo, no art. 531, refere-se, apenas, aos inter-vivos. Mas, exigindo


o art. 532 o registro para os julgados, que põem termo ás in-
divisões nos juizos divisórios, as transmissões mortis causa, em
regra, se registrarão.

Art. 533 — Os actos sujeitos á transcripção


(arts. 531 e 532, ns. II e III) não transferem
o domínio, senão da data, em que se transcre-
verem (arts. 856 e 860, paragrapho único).

Direito anterior — Desde a data da transcripção, a trans-


missão inter-vivos operava seus effeitos a respeito de terceiro
(dec. n. 169 A, de 19 de Janeiro de 1890, art. 8.°, pr., e dec.
de 2 de Maio de 1890, art. 233) .
Legislação comparada — Vejam-se o Codigo Civil portuguez,
art. 951, e o suisso 656.
Projectos — Esboço, art. 3.735; Coelho Rodrigues, 1.388;
Beviláqua, 612; Revisto, 625.

Observações —1. — O titulo translativo, nos actos inter-


vivos, é, apenas, constitutivo de obrigação entre as partes. É a
transcripção delle que opera a translação do domínio. Por isso
a data do registro e não a do titulo é que determina a trans-
missão, salvo se outra se fixar no proprio titulo» como nas
transmissões aprazadas.
A transcripção é a tradição dos immoveis. Como a tradição,
não transfere mais direitos do que tem a alienante. Se não
traduz a verdade, annulla-se. Veja-se o vol. III, p. 76, dos Tra-
balhos do Senado.
2. — Affirma este artigo que os actos sujeitos á transcripção
não transferem o domínio, senão da data, em que se trans-
creverem. E, com a remissão aos arts. 531 e 532, ns. II e III, deixa
ver a que actos se refere. E' aos actos translativos do domínio
(art. 531), ás sentenças que, nos inventários e partilhas, adju-
dicarem bens de raiz em pagamentos de dividas da herança
(art. 532, II) e as arrematações e adjudicações em hasta pu-
72 OODIGO CIVIL

blica (art. 532, III). Em todos esses casos, é a transcripção que


determina a transferencia do domínio.
A remissão ao art. 532, não menciona, porém, o n. I desse
artigo, porque, nos casos, a que esse dispositivo se refere, a
translação do domínio já preexiste. As pessoas se acham em
communhão, isto é, são comproprietarias, e o julgado, que põe
termo á indivisãn, não lhes transfere direitos, apenas os indi-
vidualiza e declara.
O Codigo impõe no emtanto, a transcripção nestes casos, em
que ella não é modo de transferir. E a razão é que o registro
é meio de publicidade e ha de exprimir o estado da proprie-
dade immovel, em suas varias mutações.
Esta obrigação de registrar os actos declaratorios do domí-
nio, se é util cumpril-a, desde logo, somente se torna exigivel,
quando o proprietário trata de alienar o immovel, ou impôr-lhe
ônus real em favor de outrem. Se os actos declaratorios não
transferem o domínio, mas estão sujeitos á transcripção, como
os attributivos de direito, não é de rigor que se levem a re-
gistro, desde que são praticados; mas ficaria sem applicação
o art. 5'32, I, que os manda transcrever, se essa formalidade
não fosse cumprida, antes que o proprietário dispuzesse do
immovel.
Consultem-se a respeito; Lysippo Garcia, Registro de im-
moveis, I, ps. 146 e 15'6 a 159; Virgílio dk Sá Pereira, Direito
das coisas, p. 169; Philadelpho de Azevedo, Registros públicos,
ps. 128-131; e na Revista dos Tribunaes, de S. Paulo, vol. LXIIl,
ps. 203 e segs., a exposição do official do registro, Almeida
Prado, e a sentença do juiz, Leme da Silva. A mencionada
sentença acha-se no livro de Almeida Prado, Transmissão da
propriedade immovel, p. 351, onde a matéria é proficientemente
exposta, de p. 339 a 372.

Art. 534 — A transcripção datar-se-á do


dia, em que se apresentar o titulo ao official do
registro, e este o prenotar no protocollo.

Direito anterior — Semelhante (arts. 42 e 43 do reg. nu-


mero 370, de 2 de Maio de 1890).
DA PROPRIEDADE 73

Legislação comparada — Veja-se o Codigo Civil portuguez,


art. 956. Confira-se, também, o 120, 2.a parte, do Codigo Civil
de Zuricli.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.389; Beviláqua, 613,
Revisto, 626.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 52; Di-
dimo, Direito hypothecario, n. 235; Lysippo Garcia, Registro de
immoveis, I, cap. VII, II; Lacerda, Direito das coisas, § 33.

Observação — Protocollo é o livro em que o official toma


apontamento dos títulos, que lhe são apresentados para as for-
malidades da inscripção, transcripção ou averbação. O d-ec. de
2 de Maio de 1890, art. 23, que assim o definia, considerava-o,
nesse mesmo artigo, a chave do registro. O reg. n. 18.542, de
24 de Dezembro de 1928, art. 178, reproduz o mesmo dispositivo
e assim o actual regulamento dos registros públicos, decreto
n. 4.857, de 9 de Novembro de 1939, com as alterações feitas pelos
decretos ns. 5.318, de 1940, e 5.553, do mesmo anno, art. 183.
Apresentado o titulo para a transcripsão, o official apon-
tará, no protocollo, a data da sua apresentação e o numero de
ordem, que lhe cabe, e, no titulo, annotará essa data e o nu-
mero. Vejam-se os arts. 200 e seguintes do citado regulamento
de 9 de Novembro de 1939.

Art. 535 — Sobrevindo fallencia ou insol-


vencia do alieuante, entre a prenotação do ti-
tulo e a sua transcripção, por atrazo do official
ou duvida julgada improcedente, far-se-á, não
obstante, a transcripção exigida, que retroage,
nesse caso, á data da prenotação.
Paragrapho único. Se, porém, ao tempo da
transcripção, ainda não estiver pago o immovel,
o adquirente, logo que for notificado da fallencia
ou tenha conhecimento da insolvencia do alie-
uante, depositará, em juizo, o preço.

\
74 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Não havia disposição correspondente.


Degislação comparada — Este artigo teve por fonte o ar-
tigo 120, 3.a parte, do Codigo Civil de Zurich.
Projectos —• Coelho Rodrigues, arts. 1.390 e 1.391; Bevi-
láqua, 614 e 615; Revisto, 627.

Observação — O official do registro poderá demorar a


transcripção por accumulo de serviço, ou por duvidar da le-
galidade do titulo, até que a autoridade competente decida da
procedência da sua duvida. Porém, como o titulo está prenotado
no protocollo, a data, que prevalece, quando se fizer a tran-
scripção, é a do dia da apresentação do titulo, porque, em ul-
tima analyse, nessa apresentação é que está, realmente, o acto
que corresponde á tradição dos moveis.
Se entre a prenotação no protocollo e o dia da transcripção
sobrevier a fallencia, é claro que este acontecimento se deu
depois da transferencia. Por isso determina o Codigo que ella,
não obstante, se faça, retroagindo á data annotada no protocollo.
No juizo da fallencia ou no concurso creditorio se verificará,
então, a validade da alienação.
Conhecida, porém, a fallencia ou insolvencia do alienante,
já não pode este, validamente, receber o preço, que será con-
signado em juizo, para ser entregue a quem competir.

SECÇÃO III

Da acquisição por accessão

Art. 536 — A accessão pode dar-se:


I. Pela formação de ilhas.
II. Por alluvião.
III. Por avulsão.
IV. Por abandono do alveo.
Y. Pela construcção de obras ou planta-
DA PROPKIEDADE

Direito anterior — Matéria não regulada, systematicamente,


em lei patria; mas tratada no direito subsidiário e na doutrina,
com apoio em disposições esparsas do direito escripto.
Legislação comparada — Para cada um dos números deste
artigo, vejam-se, adeante, as citações nas inscripções cones-
pondentes. O Codigo Civil do Perú consagra, no art. 867, uma
regra geral; El proprietário de un inmueble adquiere por
accession lo que se une o adhiere materialmente a dicho in-
mueble.
Projectos — Esboço, art. 4.140; Beviláqua, 616; Revisto, 628.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 39-40:
Lacerda, Direito das coisas, §§ 19-20; Virgilto Sá Pereira, Ma-
nual do Codigo Civil, VIII, n. 33; S. Yampré, Manual 11, §§ 27-29;
Martinho Gabcez, Direito das coisas, § 51; Almachio Diniz,
Direito das 'coisas, § 23; Coelho da Rocha, Inst., §§ 417-418,
Plakiol, Traité, I, ns. 1.568 e segs.; Plaamol et Ripert, III,
ns. 256 e segs.; Huc, Gommentaire, IV, ns. 108-159; Baxjdrl-
Laoantinerie et Chaxjveau, Des biens, ns. 280-417; Laurent,
Cours, I, ns. 534-547; Zachariae, Droit civil français, II, §§ 293-
297; Aubry et Raxj, Cours, II, §§ 202-204; Endemann, Lehrbuch.
II, §§ 76 e 79; Roth, System, § 244; Windscheid, Panã., I,
§§ 185 e 186; Dernburg, Panã., I, §§ 205, 207 e 208; Chironi,
Ist, § 132; Giantxrco, Ist., § 47; Salvat, Derecho civil argen-
tino, I, ns. 813 e segs.

Observação — Accessão é o modo originário de adquiiir,


em virtude do qual fica pertencendo ao proprietário tudo quanto
se une ou se incorpora ao seu bem. Accessio ceãit 1)1 incipan
(D. 34, 2, fr. 19, § 13). Diz-se que a accessão se pôde realizar
por tres modos: de immovel a immovel, de movei a immovel,
e de movei a movei. E' das duas primeiras modalidades da acces-
são que se occúpa a secção III deste capitulo. Da ultima tratarão
os arts. 611-617.
A producção dos fructos é augmento da coisa, e a, sua per-
cepção é também apresentada como um caso de accessão. Porém
o Codigo o destacou, no art. 528, porque, em primeiro logar, os
fructos consistem num mero incremento da coisa, por seu pró-
prio desenvolvimento; e, sobre elles o proprietário exerce o seu
76 CODIGO CIVIL

direito, como sobre qnaesquer partes componentes da coisa. Ha


nesse facto, antes, um direito de fruição do que de accessão, em
que se suppõe união ou incorporação de uma coisa em outra.

Das ilhas

Art. 537 — As ilhas situadas nos rios não


navegáveis pertencem aos proprietários ribeiri-
nhos fronteiros, observadas as regras seguintes:
I. As que se formarem, no meio do rio, con-
sideram-se accrescimos sobrevindos aos terrenos
ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na
proporção de suas testadas, até á linha, que di-
vidir o alveo em duas partes eguaes.
II. As que se formarem, entre essa linha e
uma das margens, consideram-se accrescimos aos
terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado.
III. As que se formarem, pelo desdobra-
mento de um novo braço de rio, continuam a
pertencer aos proprietários dos terrenos, á custa
dos quaes se constituiram.

Direito anterior — Na deficiência das leis, observava-se o


direito romano. ,
ÜLegislação comparada — Inst., 2, 1, § 22; D. 41, 1, fr. 7,
§§ 3.° e 4.°; frs. 29, 30, § 2.°; 56 e 65, §§ 2.» e 3.°; 43, 12, fr. 1,
§ 6.°; Codigo Civil francez, arts. 561 e 562; italiano, 458 e 460:
portuguez, 2.295 e 2.296; hespanhol, 373 e 374; chileno, 655 e 656;
uruguayo, 755; peruano, 498; venezuelano, 545; do Montenegro,
43, partes l.a e 2.a; austríaco, 407 e 408-
Projectos — Esboço, arts. 4.149, l.a parte, 4.151 e 4.156, 2.°;
Feiicio dos Santos, 1.047; Coelho Rodrigues, 1.394; Beviláqua,
617; Revisto, 629.
Bibliographia — A do art. 636, e, em particular; Lafayette,
Direito das coisas, § 39; Lacerda, Direito das coisas, § 19, d;
M. I. Carvalho de Mendonça, Rios e aguas correntes, §§ 101-103;
S. Vampré, Institutas, notas 51-54, ao liv. II; Martinho Gaucez,
DA PROPRIEDADE 77

Direito ãa* coisas, § 51; Huc, Commentaire, IV, ns. 155-156;


Zachaeiae, Droit civil français, § 297, 4.°; Baudky-Lacantinerie
et Chauveait, Des biens, ns. 410-416; Aubry et Rau, Cours, II,
§ 207, c; Chironi, Ist., I, § 132; Windschbid, Panã., I, § 185:
Dernburg, Pand., § 203, d.

Observações — 1. — Trata o Codigo Civil nos ns. I e II


das ilhas formadas nos leitos dos rios particulares. Os rios na-
vegáveis e os de que se formam os navegáveis são públicos.
Também se consideram públicos os que servem de limites á
Republica ou se estendem a território estrangeiro. As ilhas
formadas nos leitos dos rios públicos têm o mesmo caracter.
Vejam-se as observações ao art. 66.
2. — O n. III deve generalizar-se, abrangendo tanto os rios
públicos, quanto os particulares. Nos casos previstos nos nú-
meros I e II, as ilhas sã.o formações novas, que apparecem no
meio da corrente. Esta é particular, como o terreno por onde
passa;. deverão as novas formações pertencer ao proprietário das
terras. E, como a propriedade das terras adjacentes deve es-
tender-se até á linha mediana do alveo, se o rio passar entre
terras de differentes donos, as ilhas pertencerão a uns ou a
outros, segundo a proximidade e a extensão das respectivas tes-
tadas.
Mas, se a ilha se forma, porque do rio se desdobrou um
novo braço, penetrando nas terras marginaes, outra deve ser a
razão de decidir. Já não interessa a categoria do rio, se é publico
ou particular, porque não é no meio delle que surge a ilha, para
participar de sua natureza. São as aguas que invadem os terrenos
ribeirinhos, e estes, embora atravessados pelo rio, conservam o
seu caracter particular, e, portanto, a ilha assim formada per-
tence ao proprietário do terreno á custa do qual se constituiu.

Da aliuvião

Art. 538 — Os accrescimos formados por


depósitos e aterros uaturaes, ou pelo desvio das
aguas dos rios, ainda que estes sejam navegáveis,
pertencem aos donos dos terrenos marginaes.
78 CODIGO CIVIG

Direito anterior — Prestava subsidio o dirfeito romano.


Legislação comparada — Inst., 2, 1, § 20; D. 41, 1, fr. 7,
1.°; fr. 12, pr. e fr. 16; Codigo Civil francez, arts. 556 e 557;
italiano, 453 e 454; hespanhol, 366; chileno, 650; uruguayo, 752;
venezuelano, 540 è 541; boliviano, 301; austríaco, 441; mexi-
cano, 908.
Vejam-se, também: portuguez, 2.291 e 2.295; argentino,
2.572 e 2.574.
Projectos — Esboço, arts. 4.158-4.162; Felicio dos Santos,
1.046 e 1.047; Coelho Rodrigues, 1.392; Beviláqua, 619; Re-
visto, 631.
Bibliographia — Lafaybtte, Direito das coisas, § 39; La-
cerda, Direito das coisas, § 19; M. I. Carvalho de Mendonça,
Rios e aguas correntes, n. 104; S. Vampré, Institutos, notas 48
e 49 ao liv. II; Aubry et Rau, Cours, II, § 203, a; Salvat,
op. cit. I, ns. 818-838.

Observação — As Institutas de Justiniano definem alluvião


o accrescentamento insensível (incrementum latens) que o rio
annexa ás terras, tão vagarosamente, que seria impossível, em
dado momento, apreciar a quantidade accrescida {ita paulatinv
adjicitur, ut intelligere non possis quantum quoquo momento
temporis adjuciatur).
Esses aterros naturaes ou resultantes de obras feitas no
rio, que não sejam os próprios aterros, pertencem aos proprie-
tários dos terrenos adjacentes. Mas o direito dos particulares aos
terrenos de alluvião têm de reconciliar-se com o direito dos Es-
tados ou da União, ás margens dos rios públicos para as ne-
cessidades da navegação, o serviço da qual exige certo espaço
livre nas margens. Vejam-se as observações ao art. 66. Não ha
direito de alluvião relativamente aos canaes abertos pelo tra-
balho do homem.

Art. 539 — Os donos de terrenos, que con-


finem com aguas dormentes, como as de lagos
e tanques, não adquirem o solo descoberto pela
DA PROPRIEDADE 79

retracção dellas, nem perdem o que ellas inva-


direm.

Direito anterior — Prevalecia a mesma doutrina, com fun


damento no direito romano.
Legislação comparada — D. 41, 1, fr. 12, pr.; Codigo Civil
francez, art. 558; italiano, 455; argentino, 2.578; hespaníiol,
367; mexicano, 909.
Em sentido opposto: Codigo Civil portuguez, art. 2.297;
venezuelano, 542.
Projectos — Esboço, art. 4.170; Felicio dos Santos, 1.055
(diferente); Bevüaqua, 621; Revisto, 632.
Bibliographia — Huc, Commentaire, IV, n. 153; Baudry-
Lacantinerie et Chauveaxj, Des Uens, ns. 396-402; Laueent,
Príncipes, VI, n. 289; M. I. Carvalho de Mendonça, Rios e aguas
correntes, n. 104; Axjbry et Rau, Gours, II, § 203, a.

Observação — A razão, pela qual os proprietários marginaes


dos lagos, lagoas e tanques não adquirem o solo descoberto pela
sua retracção, é que as suas propriedades se consideram limi-
tadas pelas aguas dormentes na sua altura normal, á la hauteur
de la décharge de Pétang, diz o Codigo Civil francez. Ainda que
as aguas dos lagos e tanques desçam, não ha, propriamente, allu-
vião, que é um incremento paulatino das margens pelo deposito
constante de matérias, que as aguas correntes arrastam. Os
limites do lago e das propriedades marginaes são fixos.

Art. 540 — Quando o terreno alluvial se


formar em frente a prédios de proprietários dif-
ferentes, dividir-se-á entre elles, na proporção da
testada de cada um sobre a antiga margem, res-
peitadas as disposições concernentes á nave-
gação.

Direito anterior — Havia o direito subsidiário.


so CODXGO CIVIL

Legislação comparada — Vejam-se; Codigo Civil francez,


art. 556; italiano, 452, 2.a parte; portuguez 2.295; chileno, 650;
uruguayo, 752; venezuelano, 540; boliviano, 301.
Projectos — Eshoço, art. 4.159; Jievilaqua, 622; Re-
visto, 633.
Bibliographia — BaudrYiLacantinekib et Chauveau, Bes
Mens, ris. 386-391; Laukent, Príncipes, VI, ns". 285-294; Axjbby
et Rau, Gours, § 203, a.

Observação — As linhas divisórias dos terrenos prolongam-


se, perpendicularmente á linha mediana do alveo do rio. Nisto
consiste a proporção a que se refere o artigo. A proporção se
refere á extensão da testada. Cada proprietário adquire a allu-
vião que se fôrma ao longo das suas terras. Não se attende á
direcção das linhas divisórias dos prédios, e sim á extensão das
testadas, de cujos pontos terminaes partem as linhas perpen-
diculares á linha mediana do alyeo.
A clausula final deste artigo allude aô direito publico sobre
as margens para as necessidades da navegação. No uso desse
direito terão os poderes públicos a faculdade de impedir a
formação de ilhas, mochões e terrenos alluviaes, dragando os
rios, conservando as margens.
Além disso, o nosso direito administrativo, reconhece, aos
Estados, um direito ao uso das margens dos rios públicos, se-
gundo já ficou observado, nos commentarios aos artigos 66 e 538.

Da avulsão

Art. 541 — Quando, por força natural vio-


lenta, uma porção de terra se destacar de um
prédio e se juntar a outro, poderá o dono do
primeiro reclamal-a do segundo; cabendo a este
a opção entre acquiescer a que se remova a par-
te accrescida, ou indemnizar ao reclamante (ar-
tigo 178, § 6.°, n. XI).

Direito anterior — Recorria-se ao subsidio do direito romano.


DA PROPRIEDADE 81

Legislação comparada — In&t., 2, 1, § 21; D. 41, 1, fr. 7,


§ 2.°; 39, 2, fr. 9, § 2.°; Codigo Civil francez, art. 559; italiano,
456; austríaco, 412; uruguayo, 753; chileno, 652; peruano, 495;
venezuelano, 543;. mexicano, 910; cio Montenegro, 42.
Vejam-se ainda: Codigo Civil portuguez, 2.292; hespanhol,
369, e argentino, 2.583.
Projectos — Esboço, arts. 4.173-4.179; Felicio dos Santos,
1.049; Coelho Rodrigues, 1.396; Beviláqua, 623; Revisto, 634.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 39, infine;
Lacerda, Direito das coisas, § 19, h; M. I. Carvalho de Men-
donça, Rios e aguas correntes, n. 105; S. Vampré, nota 50 ao
liv. II das Institutas; Coelho da Rocha, Inst., § 417; Almachio
Diniz, Direito das coisas, § 25; Huc, Commentaire, IV, n. 154;
Zachariae, Droit civil français, § 297; 3.°; Baubry-Lacantinerie
et Chauveau, Des Uens, ns. 403-409; Aubry et Rau, Cours, IT,
§ 203, h; Chironi, Inst., § 132, c; Dernburg, Pand., § 207, h;
Salvat, op. cit., I, ns. 839 e segs.

Observações — 1. — Avulsão é o desprendimento de uma


porção de terra por força natural violenta. Differe nisto da
alluvião, que é o accrescimo lento e insensivel.. Desprendida a
porção de terreno e juntando-se a outro, o proprietário do se-
gundo, ao qual veio adherir o bloco arrancado ao primeiro, po-
derá, desde logo, considerar effectuada a accessão, indemnizando
o reclamante.
Refere-se o Codigo a uma porção de terra. Nesta expressão,
comprehende-se qualquer porção de crosta terrestre, seja grande
ou pequeno o seu valor. Pouco importa que a adherencia se ef-
fectue por superposição ou por juncção lateral. Tanto pode o
terreno reunir-se a terreno fronteiro quanto a terreno inferior
2. — O proprietário desfalcado pela avulsão pôde reclamar
o seu terreno, dentro de um anno (art. 178, § 6.°, n. XI). Depois
desse lapso de tempo, considera-se, definitivamente, consummada
a accessão, e extingue-se o direito de reclamar, attribuido ao que
soffreu a avulsão. Não é um caso de prescripção propriamente
dita, e, sim, de prazo extinctivo.
2-a. — o proprietário das terras, que soffreram a avulsão
nenhuma indemnização deve ao proprietário do prédio, onde a
Beviláqua — Codigo Civil — 3." vol. C
82 CODIGO CIVIL

porção de terreno foi ter, quer reclame, quer renuncie a qual-


quer reclamação.
E' a lição de Aubby et Rau, que se funda na justa consi-
deração de que o desprendimento de terras é um acontecimento
de força maior, e de que o direito de reclamar a parte arrancada
pela força das aguas é manifestação do direito de propriedade.
3. — o dono do prédio, onde se veio juntar a porção de
terra destacada do outro, consentindo na remoção delia, poderá,
não obstante, pedir indemnização pelos prejuízos, que esse acto
lhe causar.

Art. 542 — Se ninguém reclamar dentro em


um anno, considerar-se-á, definitivamente, in-
corporada essa porção de terra ao prédio, onde
se acha, perdendo o antigo dono o direito a rei-
vindical-a, ou ser indemnizado (art. 178, § 6.°,
n. XI).

Direito anterior — Divergiam os autores, quanto ao prazo


dentro do qual podia o proprietário desfalcado fazer a sua re-
clamação. Vejam-se: Coelho da Rocha, Inst., § 417; Borges
Cakneibo, Dir. civil, liv. II, tit. IV, § 20, ns. 6 e 7; Lacerda,
Direito das coisas, § 19, nota 9; Laeayette, Direito das coisas,
§ 3.°; M. I. Carvalho de Mendonça, Rios e aguas correntes, n. 105.
Legislação comparada — A do artigo anterior. Aããe: Co-
digo Civil argentino, arts. 2.584 e 2.585.
Projectos — Esboço, art. 4.175; Felicio dos Santos, 1.049;
Coelho Rodrigues, 1.396; Beviláqua, 624; Revisto, 635.

Observação — O Codigo desfez a duvida existente no direito


anterior, fixando o prazo extinctivo, de um anno para a recla-
mação do proprietário, de cujo prédio foi arrancada a porção
de terra. »

Art. 543 — Quando a avulsão for de coisa


não susceptível de adherencia natural, applicar-
se-á o disposto quanto ás coisas perdidas.
DA PROPRIEDADE 83

Direito anterior — Nada dispunha.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.586
(fonte); suisso, 660. V. mexicano, 911.
Projectos — Esboço, art. 4.180; Bevüaqna, 625'; lie-
visto, 636.

Observação — Se, por exemplo, a força natural arrasta ou


arremessa de um terreno para outro, lanços de cerca, madeiras
cortadas, ou outras coisas semelhantes, não haverá adherencia
natural dellas ao novo terreno; não se dará, portanto, accessão.
Se o proprietário das terras, onde esses ou quaesquer outros
objectos foram ter, os tornar, artificialmente, adherentes ao solo,
nem por isso lhes adquire a propriedade por avulsão. Applicar-
se-âo os princípios da construcção e plantação (art. 546) . Se a
adherencia artificial for de movei a movei, regularão as normas
estabelecidas para a adjuncção e a commistão (arts. 615-617).
I"
Do alveo abandonado
Art. 544 — O alveo abandonado do rio pu-
blico, ou particular, pertence aos proprietários
ribeirinhos das duas margens, sem que tenham
direito á indemnização alguma os donos dos ter-
renos, por onde as aguas abrirem novo curso.
Entende-se que os prédios marginaes se esten-
dem até ao meio do alveo.

Direito anterior — Applicava-se o direito romano.


Legislação comparada — Inst., 2, 1, § 23; D. 41, 1, fr. 7,
§ 5"; Codigo Civil italiano, art. 461; hespanhol, 370; vene-
zuelano, 548.
Vejam-se também: chileno, 654; uruguayo, 757; mexicano, 914.
Consagram regra differente: austríaco, 409 e 410; francez,
563 (lei de 8 de Abril de 1898, art. 37); portuguez, 2.293; boli-
viano, 305.
Projectos — Esboço, arts. 4.080, ns. 3 e 4, e 4.181-183
(differente); Felicio dos Santos, 1.053; Beviláqua, 626; Re-
visto, 637.
84 CODIGO CIVIL

Bibllographia — Lafayette, Direito das coisas, § 39, 2.°;


Lacerda, Direito das coisas, § 19, c; M. I. Carvalho de Men-
donça, Rios e aguas correntes, n. 106; Martinho Garcez, Direito
das coisas, § 59; Coelho, da Rocha Inst., § 417; S. Vampré,
nota 55 o liv. II das Institutas; Planiol, Traité, I, n. 1.576;
Huc, Commentaire, IV, ns. 157 e 158; Zabhariae, Droit civil fran-
çais, II, § 297, 5.°; Baudry-Lacantinerie et Chahveau, Des Mens,
ns. 417-426; Aubry et Rau, Oours, II, § 203, cl; Darnburg, Panã,
§ 207, c; Chironi, Ist., I, § 132.

Observações — 1. — O Codigo adoptou a regra do direito


romano, ampliando-a, porém, aos rios particulares. E certo que,
se o rio íor particular, o leito, accessorio da corrente, pertence
aos proprietários ribeirinhos; se as aguas mudam de curso, a
propriedade do solo continúa a ser dos mesmos donos anteriores
á mudança. Consequentemente aqui não ha accessão; mas o Co-
digo necessitava destacar o caso, para affirmar dois princípios:
1.°, que os donos dos terrenos, por onde as aguas abrirem novo
curso, não têm direito á indemnização, pelo prejuizo que lhes
causa esse accidente natural; 2.°, que, não havendo titulo em con-
trario, os prédios marginaes se estendem até ao meio do alveo.
2. — Quando o rio é publico, á mudança de curso torna
publico o novo leito, como accessorio do rio, e o alveo dei-
xado, já não tendo serventia publica, accede aos proprietários
marginaes, pro modo latitudinis cujusQue praedii (D. 4, 1,
£r. 7, § 5.°).,
A regra franceza de distribuir o antigo leito entre os pro-
prietários do terreno invadido, segundo o texto primitivo do
Codigo Civil, (art. 563), ou permittindo aos ribeirinhos a acqui-
sição onerosa do alveo descoberto do rio publico, segundo a lei
de 8 de Abril de 1898, é contraria ao rigor dos principios, e
pretendendo ser equitativa, torna-se, apenas, complicada.
3 _ se o desvio do curso do rio fôr determinado por obras
publicas, os terrenos, por onde passar o rio publico, devem ser
desapropriados, segundo as regras do direito. Neste caso, o
leito abandonado continuará pertencendo ao Estado ou á União,
segundo o caso fôr, mas perderá a condição de coisa commum.
para adquirir a de bem dominical (art. 66, n. III).
DA PROPRIEDADE 85

Das construcções e plantações


Art. 545 — Toda construcçao, ou plantação,
existente em um terreno, se presume feita pelo
proprietário, e á sua custa, até que o contrario
se prove.
Direito anterior — Principio acceito, que a lei presuppunha.
mas não exprimira.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 553; ita-
liano, 448; hespanhol, 359; argentino, 2.518; uruguayo, 749;
boliviano, 298; venezuelano, 535; mexicano, 896; japonez, 242:
peruano, 868.
Para o direito romano, veja-se D. 41, 1, fr. 7 § 10.
Projectos — Esboço, art. 4.200; Felicio dos Santos, 1.041;
Beviláqua, 627; Revisto, 638.
Bibliographia — Huc, Commentaire, IV, ns. 136-139; Bau-
dry-Lacantinerie et Chauveatj, Des biens, ns. 341-348; Zacha-
uiae, II, Droit civil français, nota 1, ao § 297; Atjbry et Rau,
Cours, II, 204.

Observação — Ha neste artigo a applicação de dois prin-


cípios, um mais geral, que affirma: a coisa accessoria segue
a principal (art. 59); e outro particular, segundo o qual a pro-
priedade do solo comprehende a da superfície, Superfícies solo
ceãit. Assim, se outrem não possue titulo, que lhe dê direito ás
construcçbes e plantações existentes em um terreno, esses ac-
crescimos do solo pertencem ao proprietário delle. Os artigos,
que se seguem, são desenvolvimentos desta regra.

Art. 546 — Aquelle que semeia, planta, ou


edifica em terreno proprio, eom sementes, plan-
tas, ou materiaes alheios, adquire a propriedade
destes; mas fica obrigado a pagar-lhes o valor,
além de responder por perdas e damnos, se obrou
de má fé.
86 C©DXGO CIVIL

Direito anterior — Regra não formulada expressamente,


mas reconhecida. Veja-se Carlos dk Carvalho, Direito civil, ar-
tigo, 426, § 3.°.
Legislação comparada — Inst., 2, 1, §§ 29 e 31; D. 41, 1,
fr. 7, §§ 12 e 13; Codigo Civil francez, art. 554, italiano, 449;
portuguez, 2.304; hespanhol, 360; argentino, 2.587; chileno, 668,
uruguayo, 750; boliviano, 298; venezuelano, 536; mexicano,
897-898; peruano, 870.
Veja-se também, o suisso, 671.
Projectos — Esboço, arts. 4.188, 4.191, 4.202 e 4.203; Fe-
licio cios Santos, 1.402; Beviláqua, 623.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 40; La-
cerda, Direito das coisas, § 20; Martixho Garcez, Direito das
coisas, § 61; Coelho da Rocha, § 421; Planiol, Traitc, I, nú-
meros 1.585 e segs.; Planiol et Ripert, III, ns. 262 e segs.:
HuC, Comnientaire, IV, ns. 140 e segs.; Baudey-Lacantinerie,
et Chauveau, Des biens, ns. 349-377; Laurent, Cours, I, ns. 539
e segs.; Zachartae, Droit civil français, II, § 297; Dernburg,
Pand., I, § 208; Windscheid, Pand. I, § 188; Salvat, oj). cit. I,
ns. 852' e segs.

Observação — Os arts. 546 e 549 desdobram o principio ex-


posto no art. 545, estabelecendo as regras referentes á accessão
pela sementeira, plantação e construcção (satis, plantatio, inaedi-
ficatio). O canon, que domina a matéria, é o seguinte; quiãquid
solo plantaiur vel ipaedificatur solo cedit.
As sementes, as plantas e os materiaes alheios são adqui-
ridos pelo proprietário do solo, a que adherem, mas este se
locupletaria com o alheio, se não pagasse os- bens de que se
utilizou, de bôa fé, suppondo serem seus.
Emquanto as sementes, as plantas e os materiaes não se
incorporam ao solo, pela acção do proprietário, podem ser reivin-
dicados, porque ainda se não operou a accessão.
O proprietário que, de má fé, se apodera de semente,
plantas e materiaes alheios, é também favorecido pela accessão.
Esta solução impõe-se, apezar da má fé, porque, por um lado,
seria anti-economico e até contrario aos fins culturaes humanos
destruir lavouras e edifícios; e, por outro, essa destruição resul-
taria inútil ao dono das sementes, que já haviam brotado, das
DA PROPRIEDADE 87

plantas que se haviam enraizado e dos materiaes transformados


pela applicação dada. Manda, por isso, o direito ao proprietário,
apenas, que pague o valor dos objectos alheios, e, por causa da
má fé, que indemnize as perdas e damnos, que causou.

Art. 547 — Aquelle que semeia, planta, on


edifica, em terreno alheio, perde, em proveito
do proprietário as sementes, plantas e construc-
çõ.es, mas tem direito á indemnização. Não o
terá, porém, se procedeu de má fé, caso em que
poderá ser constrangido a repor as coisas no es-
tado anterior e a pagar os prejuizos.

Direito anterior — Quanto ás sementes e plantas, vigorava


o mesmo principio, com assento na lei de 9 de julho de 1773, e
no direito romano. Quanto á construcção, ensinavam Meli.o
Freire, liv. 3. tit. 3, § 8.°; Lafayette, Direito das coisas, § 40;
Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 427, paragrapho único,
e ainda outros, que, se o edifício fosse muito mais valioso que
o solo, este se consideraria accessorio.
Legislação comparada — Inst., 2, 1, §§ 30 e 32; D. 6, 1,
fr. 37; 41, 1, frs. 7, §§ 12 e 13; Codigo Civil argentino, ar-
tigos 2.588 e 2.589.
Vejam-se também; francez, 555; italiano, 450; portuguez,
2.306 e 2.307; suisso, 671 e 678; allemão, 946; hespanhol, 361;
boliviano, 299; uruguayo, 751; venezuelano, 537; mexicano, 900.
e 902.
Projectos — Esboço, arts. 4.193-4.199; Beviláqua, 629; Re-
visto, 640.

Observação — Estas accessões iudustriaes, ainda que se


possam, no rigor technico da expressão, distinguir das bem-
feitorias, obedecem a normas semelhantes. Equiparam-se a
bemfeitorias úteis, e o Codigo, no art. 548, lhes dá esse nome.
Adquire-as o dono do solo, com a obrigação de as indemnizar, se
o plantador ou constructor estava de bôa fé, quer dizer, se pen-
CODIGO CIVIL

sava trabalhar em terras suas, e sem essa obrigação, no caso


contrario. Poderá o proprietário, se assim lhe convier, exigir do
plantador ou constructor de má fé que reponha as coisas no
estado anterior, e que se lhe paguem os prejuizos.
As soluções dadas pelas diversas legislações variam, porque
o caso jurídico é complexo; mas a do Codigo Civil brasileiro
obedece aos princípios fundamentaes da accessão e ao rigor da
justiça, além de uniformizar relações semelhantes: as das bem-
feitorias (516 e 517) e as das accessões industriaes pela semen-
teira, plantação e construcção.
Dir-se-á que o proprietário lucra os melhoramentos, que re-
presentam trabalho e valores de outrem. Mas emquanto esses
melhoramentos se fizeram esteve privado das suas terras, e
ameaçado de perdel-as, porque o plantador ou constructor, de
má fé, se havia dellas apoderado, como se fossem suas, sabendo,
aliás, que não eram.
Conceder a indemnização ao que procedeu de má fé seria
fomentar a falta de escrúpulo e constranger o proprietário a
despesas, que não desejariá fazer. Não é do lado do que anda
de má fé que se deve collocar o direito; sua funcção ê proteger
a actividade humana orientada pela moral ou, pelo menos, a
ella não opposta.

Art. -— 548 — Se de ambas as partes houve


má fé, adquirirá o proprietário as sementes,
plantas e eonstrucções, com encargo, porém de
resarcir o valor das bemfeitorias.
Paragrapho único. Presume-se má fé no
proprietário, quando o trabalho de construcção
ou lavoura se fez em sua presença, e sem im-
pugnação sua.
Direito anterior — Quanto ao edifício levantado na pre-
sença do dono do terreno, ensinavam os doutos que pertencia
ao constructor (Lavayette, Direito das coisas, § 40, 3.°, a), que
indemnizaria o valor do solo.
Legislação comparada — Codigo Civil hespanhol, art. 364;
argentino, 2.590; mexicano, 903 a 905.
DA PROPRIEDADE 89

Para o direito romano; D. 44, 4, fr. 5, § 2.°, e fr. 14.


Projectos — Beviláqua, art. 630, Revisto, 641.

Observação — A má fé de ambos é tratada como a bôa fé,


porque nenhum dos dois terá motivo de queixa contra o outro,
nem razão para esperar do direito apoio melhor aos seus in-
teresses.

Art. 549 — O disposto no artigo anteceden-


te applica-se, também, ao caso de não perten-
cerem as sementes, plantas on materiaes, a quem
de bôa fé os empregou, em solo alheio.
Paragrapho único. O proprietário das se-
mentes, plantas ou materiaes poderá cobrar do
proprietário do solo a indemnização devida,
quando não puder havel-a do plantador ou cons-
tructor.

Direito anterior — Não era considerada esta hypothese.


Legislação comparada — Codigo Civil hespanhol, art. 365.
Vejam-se também: italiano, 451; venezuelano, 538; mexi-
cano, 906; argentino, 2.951; allemão, 951.
Projectos — Esboço, arts. 4.188, 4.192 e 4.202; Beviláqua,
631; Revisto, 642.
CCNSEtHO- Ri-GION DO TRABALH
Ia, R_ GIÃO
Observação — As relações entre o plantador, ou constructor,
e o proprietário do solo não se verificam, quando as sementes,
plantas ou materiaes pertencem a terceiro. Terá cada um os di-
reitos e obrigações, que lhe attribuem os arts. 456 e 457, segundo
as varias hypotheses ahi consideradas. O terceiro, dono das se-
mentes, plantas ou materiaes, por sua vez, tem acção directa
contra aquelle que as utilizou; mas se não puder haver delle o
valor dos seus bens, poderá cobral-o do proprietário, que ainda
90 CODIGO CIVIL

não tiver pago ao plantador, ou constructor. Se o proprietário do


solo já tiver pago uma parte da indemnização devida, somente
sobre o restante o terceiro terá direito. Se nada tiver elle que
pagar, porque o constructor ou plantador estava de má fé,
nenhuma acgão tem contra elle o dono dos materiaes ou das
sementes.
secção iv

Do usocapião

Art. 550 — Aquelle que, por trinta annos,


sem interrupção, nem opposição, possuir, como
seu, um immovel, adquirir-lhe-á o dominio in-
dependentemente de titulo e boa fé, que, em tal
caso, se presumem; podendo requerer ao juiz
que assim o declare por sentença, a qual lhe
servirá de titulo para a transcripção no registro
de immoveis.

Direito anterior — A lei era omissa quanto á prescripção


acquisitiva extraordinária de trinta annos, pois a Ord. 4, 3, § 1.°.
fala, apenas, da prescipção da acção real do credor; mas a
doutrina ensinava que a diuturnidade do tempo fazia presumir
o titulo, não a bôa fé.
Veja-se Coelho da Rocha, Inst., § 463.
Por outro lado, como as acções reaes se extinguiam, em dez
ou vinte annos, passando esse tempo, ficava o possuidor em po-
sição favorável em frente ao proprietário.
Conhecia ainda o direito a prescripção de 40 annos e a
immemorial, ambas estranhas á systematica do Codigo Civil.
Legislação comparada — Semelhante: Codigo Civil por-
tuguez, art. 529; hespanhol, 1.959; argentino, 4.015; uruguayo,
1.211; chileno, 2.510-2.513; suisso 662; peruano 871.
O Codigo Civil japonez, art. 162, contenta-se com 20 annos
de posse tranquilla para assegurar a propriedade. O mexicano,
1.152, III, exige apenas dez annos de posse ainda que de má fé.
O Codigo Civil francez, art. 2.262; o italiano, 2.135; o
venezuelano, 2.052, declaram que as acções reaes se extinguem
DA PROPRIEDADE 91
no fim de trinta annos, sem que 'haja necessidade de titulo
contrario, e sem que se possa oppôr ao prescribente a excepção
da má fé.
Para o direito romano, veja-se o Cod. 7, 39, Is. 3 e 8.
Por direito allemão, a propriedade registrada não está su-
jeita á prescripção. Todavia, se o proprietário morre ou des-
apparece, é licito ao possuidor de trinta annos pedir a declaração
de que se extinguiu o direito daquelle para ser inscripto o seu
(art. 927).
Projectos — Felicio cios Santos, arts. 1.334 e 1.348; Coelho
Rodrigues, 249; Beviláqua, 632 e 635; Revisto, 643 e 647.
Bibliògraphia Almeida Oliveira, Prescripção, ps. 300-
303; Lafayette, Direito cias coisas, §§ 59-63 e § 70; Lacerda, Di-
reito cias coisas, § 44; Teixeira de Freitas, Consolidação, ar-
tigo. 1.325 e nota; V. de Sá Pereira, Manual do Codigo Civil,
VIII, ns. 68 a 73. Almachio Dlniz, Direito das coisas, § 28;
S. Vampré, Manual, II, §§ 41 e 44; Trabalhos do Senado, III,
ps. 17-18 (Azevedo Marques); Planiol, Traité, I, ns. 1.462 e
1.463; Planiol et Ripert, III, ns. 688 e segs.; Huc,. Commen-
taire, XIV, ns. 431-440; Baudry-Lacantinerie et Tissier, De la
prescription, ns. 584-620 e 650 e segs.; Laurent, Príncipes, XXXII,
ns. 367-385; Cours, IV, ns. 683-686; Zachariae, Droit civil français,
V, § Soo, Aiibry et Rau, Cours, II, § 216; Troplong, Prescriptions,
n. 819; Bufnoxr, Propricté et contrai, ps. 171-185; Dernburg,
Panei., § 222, Wíndscheid, Panei., I, 183; Girard, Droit roviain,
ps. 302-310; Cuq, Institutions, II, ps. 243-251 e 822; Pereira
Braga, üsocapião de immovel, na Revista de Direito, vol. LII,
ps. 262 e segs.; Daniel de Carvalho, na Revista Jurídica, vol.
XíV, paginas 295 e segs.; Salvat, op. cit. I, ns. 904 e segs.

Observações — 1. — Üsocapião é a acquisiçã.o do domínio


pela posse prolongada. Est acquisitio ãoniinii per possessionevi
piolixam et justam, vel acquisitio per usum (Calvino) ; ou, como
disse Modestino: Est adjectio dominii per continuationeni pos-
sessionis temporis lege definiti (D. 41, 3, fr. 3).
O Codigo denominou üsocapião a prescripção acquisitiva,
paia evitar confusões, provenientes da identidade de certos câ-
nones, quê formam o tecido dos dois institutos: a prescripção
Piopriamente dita ou liberatoria, e o üsocapião ou prescripção
acquisitiva.
92 CODIGO CIVIL

Os requisitos do usocapião serão expostos no commentario


ao artigo seguinte, porque, ahi, têm elles maior interesse.
2. — Consagra este artigo um preceito de grande relevância
na vida econômica. Merece que se lhe dê toda a attenção.
Não introduziu o Codigo uma innovação, com a regra que
o artigo consagra; antes ultimou a evolução de um instituto,
que se vinha formando no direito pátrio. Aquelle que, durante
trinta annos, possue um immovel, é considerado o verdadeiro
dono, sem ter necessidade de exhibir titulo, nem justificar a
sua bôa fé, requisitos, que se presumem.
As condições que o Codigo exige, são a continuidade, a
tranqüilidade (objetiva) e o animus clomini (subjectiva). Os
trinta annos de posse devem ser contínuos, sem interrupção,
muito embora o possuidor actual junte a sua posse á dos seus
antecessores. A posse deve ter atravessado todo esse decurso
de tempo sem contestação. Este respeito ou acquiescencia de
todos e a diuturnidade fazem presumir que não ha direito con-
trario ao que se manifesta pela posse, e, por isso, deve esta
ser tratada como propriedade, e assim inscripta no registro de
immoveis.
3. — No usocapião trintenário, o que domina é o facto da
posse continua e incontestada, unida á intenção de ter o pos-
suidor o immovel como proprio. Os requisitos do justo titulo e
da bôa fé são dispensados. Nem o possuidor necessita delles,
nem terceiros poderão intervir para provar-lhes a carência.
Mas os bens públicos, communs, de uso especial ou domi-
nicaes, não se adquirem por usocapião (art. 67). Os bens par-
ticulares, ainda que inalienáveis, podem ser objecto do usocapião
de trinta annos; porque a inalienabilidade dos bens públicos
é essencial á natureza jurídica, e a dos bens particulares é
uma garantia, que a lei concede, em attenção a certas pessoas,
ou a certas situações jurídicas-
O dec. n. 22.785, de 31 de Maio de 1933, confirmou a opi-
nião acima exposta, declarando que os bens públicos, seja qual
fôr a sua natureza, não são susceptíveis de usocapião.
4. — Cumpre attender á provisão do Codigo. Autoriza elle
o possuidor do immovel, a requerer ao juiz que declare por sen-
tença que, effectivamente, a sua posse se prolongou por trinta
annos, sem interrupção nem opposição.
DA PROPRIEDADE
Esse pedido deve ser instruído com as provas que tiver o
possuidor; mas comprehende-se bem que a justificação não se
ha de passar entre o possuidor e o juiz. Este ha de, necessaria-
mente, provocar a manifestação dos interessados, sendo os au-
sentes citados por editaes. Verificada a verdade da allegação do
possuidor, assim o declara o juiz. E' bem de ver, como crite-
riosamente observou o desembargador SÁ Pereira, que é inope-
rante a opposição posterior á petição do possuidor, se a posse
foi mansa e ininterrupta por trinta annos.
5. — A Constituição de 1934, art. 125, criou uma figura nova
de usocapião, que dispensa titulo e bôa fé, em favor do brasileiro,
que, não sendo proprietário rural ou urbano, occupar, por dez
annos contínuos, sem opposição nem reconhecimento de domínio
alheio, um trecho de terra, alé dez hectares, tornando-o pro-
ductivo por seu trabalho e tendo nelle a sua morada. Será trans-
cripta a sentença declaratoria dessa acquisição. A Constituição
vigente manteve essa creação, (art. 148).

Art. 551 Adquire, também, o dominio do


immovel aquelle que, por dez aunos, entre pre-
sentes, ou vinte, entre ausentes, o possuir como
seu, continua e incontestadamente, com iusto ti-
tulo e bôa fé.
Paragrapho único. Reputam-se presentes os
moradores do mesmo município e ausentes ps
que habitam municípios diversos.

Direito anterior — O mesmo, segundo construcçâo da dou-


trina, salvo quanto ao conceito de presente ou ausente, que se
referia á comarca e não ao município (Ord. 4, 3, § 1.°; dec. n. 370,
de 2 de Maio de 1890, art. 232).
Legislação comparada — Inst., 2, 6, pr.; Cod. 7, 33; Co-
digo Civil francez, 2.265'; hespanhol, 1.957; argentino, 3.999;
chileno, 2.508; uruguayo, 1.204.
Vejam-se ainda: suisso, 661; italiano, 2.137 (dez annos);
Portuguez, 528 (quinze annos quando a posse não é registrada)
e
526 (cinco annos para a posse registrada); venezuelano, 2.054
94 CODTGO CIVIL

(semelhante ao italiano); mexicano, 1.152, I; boliviano, 1.563;


do Montenegro, 45; japonez, 152 e 163.
Projectos — Felicio cios Santos, art. 1.346; Revisto, 645. Este
artigo não tem correspondente no Projecto primitivo, a cujo
systema é estranho.
Bibliographia — Almeida Oliveira, Prescripção, ns. 283-299;
Teixeira de Freitas, Consolidação, arts. 1.319-1.324, e as respe-
ctivas notas; Lafayette, Direito das coisas, §§ 64-69; Lacerda,
Direito das coisas, §§ 39-43; SÁ Pereira, Manual, cit., ns. 74 e
segs.; Martinho Garcez, Direito das coisas, § 66; Coelho da
Rocha, Inst., §§ 460-462; Planiol, Traité, I, ns. 1.452-1.498;
Planiol et Ripert, III, ns. 700 e segs.; Huc, Commentaire,
XIV, ns. 441-462; Baudry-Lacantinerie et Chauveau, De la pre-
scription, ns. 650-700; Laurent, Príncipes, XXXII, ns. 386-426;
Cours, IV, ns. 687-696; Bufnoir, Propriété et contrai, ps. 155-185;
Zachariae, Droit civil français, V, § 854; Dernburg, Panã., I,
§§ 219-221; Windscheid, Panã., I, §§ 175-182; Roth, System, III,
§§ 249 e 250; Aubry et Rau, Cours, II, §§ 217 e 218.

Observações — 1. — Os requisitos do usocapião de dez ou


vinte annos são: a) posse; h) coisa hábil; c) justo titulo;
d) hôa fé-
a) A jwsse para conduzir ao usocapião deve ser: 1.°, com
animo de ter a coisa como própria, animo domini {líossuir o im-
movei como seu)-, 2.", continua, isto é, sem interrupção durante
o tempo necessário para o usocapião, mas, sendo possível, que
se junte a posse dos antecessores-á dos successores; 3.°; tran-
quilla, mansa ou pacifica, quer dizer sem que a disputem ou
contestem outros (incontestadamente, diz o Codigo).
A posse também não deve ser viciosa (vi, ciam, precário)',
mas a ausência dessas maculas entra no conceito de hôa fé,
que será apreciada em seguida.
b) Podem adquirir-se por usocapião todas as coisas, que
estão no commercio. Consequentemente, as coisas publicas e as
particulares inalienáveis, por estarem fóra do commercio, não
podem ser objecto do usocapião de dez ou vinte annos, embora
as ultimas possam sel-o do usocapião trintenário.
cp Titulo é o fundamento do direito. Em relação ao domínio,
é o facto jurídico, pelo qual a propriedade se adquire ou trans-
DA PROPRIEDADE 95
fere, como a venda, a troca, a dação e"m pagamento, a doação,
o legado.
O titulo deve ser justo, segundo as fôrmas do direito. Entre
essas formas está a transcripgã.o a respeito dos actos declarados
nos arts. 531 e 532.
d) Bôa fé, em matéria de usocapião, é a crença, em que se
acha o possuidor, de que a coisa possuída lhe pertence.
Essa crença, porém, não corresponde á realidade; funda-se
em um erro excusavel de facto. A bôa fé deve persistir durante
o curso do usocapião. Presume-se que persiste, quando não ha
prova do contrario.
1-a. — SÁ Pereira, discutindo a matéria, de que aqui se
trata sob o n. 1, letra c (titulo justo), declara que, em relação
aos julgados, que. põem termo á indivisão, é indifferente o re-
gistro para o effeito do usocapião, porque não são elles títulos
translativos da propriedade. Não se pretendeu affirmar o con-
trario, contra dispositivos expressos do Codigo, quando se fez
a referencia ao art. 532. Apenas se quiz dizer que, nesse artigo,
havia actos, cuja transcripção era necessária para fundamentar
a posse a titulo de proprietrio. Taes são, irrecusavelmente, os
indicados nos ns. II e III.
2. — O decurso de tempo é de dez annos, entre pessoas, que
habitem o mesmo município (inter presentes), e de vinte, entre
habitantes de municípios diversos (inter assentes). A situação
do immovel não é, porém, indifferente, como alguns têm affir-
mado. A presença e a ausência devem ser consideradas em re-
lação ao município em que está situado o immovel- Presentes
são os que residem no município da situação do immovel; au-
sentes são os que habitam municípios, onde não se acha o im-
movel, ou somente um mora no município da situação.
A presença que interessa é a do proprietário, observava
Lafayktte. .Mas a Commissão revisora, do Governo, quiz manter
o direito anterior, attendendo mais ao tradicionalismo do que
ás observações da doutrina, por melhor fundadas que fossem.

Art. 552 — O possuidor pôde, para o fim de


contar o tempo exigido pelos artigos anteceden-
cs, accrescentar, á sua possej a do seu ante-
96 CODIGO CIVIL

cessor (art. 496), comtanto que ambas sejam


continuas e pacificas.

Direito anterior — Semelhante (Carlos de Carvalho, Di-


reito civil, art. 343).
Legislação comparada — Veja-se o art. 496.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 1.341 e 1.342; Bevi-
láqua, 633; Revisto, 644.

Observação — Consagra este artigo o principio da accessiò


possessionis, a que o art. 496, já dera fôrma. Veja-se este artigo.
A remissão, que agora se faz ao art. 496, significa, muito clara-
mente, que a regra ali estabelecida, tem applicação natural ao
caso considerado no art. 552, isto é, que o successor universal
continúa, de direito, a posse do seu antecessor, tal como ella lhe
foi transmittida e que o successor singular invocará ou não
a posse do seu antecessor para os effeitos legaes, segundo lhe
convier.
No pensamento do Projecto primitivo, como no do Revisto,
a matéria agora considerada referia-se, exclusivamente, ao uso-
capião de trinta annos. E, como, neste usocapião extraordinário,
se attende, exclusivamente, á posse a titulo de proprietário, sem
necessidade de titulo e bôa fé, diz o artigo que se opera a
juncção das posses, comtanto que- sejam continuas e pacificas-
Para o usocapião de trinta annos não era preciso mais. Para
o de dez ou vinte annos, cumpre não pôr de lado o justo titulo
e a bôa fé.
Ê preciso, pois, comprehender o artigo, já que lhe deram
posto e funcção differentes dos que lhe haviam sido, originaria-
mente, designados, como se referindo, exclusivamente, ao requi-
sito da posse, deixando intactos os outros requisitos do titulo e
da bôa fé, quanto ao usocapião de dez ou vinte annos.

Art. 553— As causas, que obstam, suspen-


dem ou interrompem a prescripção, também se
applicam ao usocapião (art. 619, paragrapho
DA DEOPRIEDADE 97

único), assim como ao possuidor se estende o


disposto quanto ao devedor.

Direito anterior — Assim era.


Projectos — Beviláqua, art. 634; Revisto, 646.

Observação — Foi a identidade de certos princípios da


pi escripção e do usocapião, (iue conduziu os juristas á inducção
precipitada de que uma e o outro nada mais eram do que moda-
lidades do mesmo instituto, ainda que, na primeira, prevalecesse
a acçao extinctiva de direito, e, no segundo, a constructiva ou
acquisitiva.
O Codigo Civil brasileiro já não reflecte mais esse momento
da evolução das idéas. Por isso, nelle se encontram bem discri-
minadas as normas da prescripção e do usocapião, indicando o
art. 553 o que ha de commum entre os dois institutos.
Vejam-se os arts. 168 a 171 e 172-176.

SECÇÃO Y

Dos direitos da vizinhança

Do uso nocivo da propriedade

Art. 554 — O proprietário, ou inquilino, de


um prédio tem o direito de impedir que o máo
uso da propriedade visinha possa prejudicar a
segurança, o socego e a saúde dos que o habitam.

Direito anterior — Era direito ligado á posse.


Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 906; do
Montenegro, 141-143; suisso, 684.
Para o direito romano: D. 39, 2, fr. 39.
Projectos — Eshoço, art. 4.233; Coelho Rodrigues, 1.477-
1-481; Beviláqua, 640-643; Revisto, 648.
Beviláqua — Codigo Civil 3.° vol. 7
CODIGO GIVIL

Bibliographia — Correia Telles e Teixeira de Freitas,


Doutrina das acções, § 97; Ribas, Acções possessorias, ps. 247,
248; Schneider, PrivatrecMliches Gesetzbuch, f. d. K. Zuericli,
aos arts. 188 a 190; Windscheid, Panã., I, § 169, 8; Dernburg,
Panã., I, § 41; Endemann, Lehrbuch, II, § 73; SÁ Pereira, Ma-
nual do Cod Civil, VIII, n. 83.

Observação — Este direito traduz-se pela acção de daimio


infecto, na qual se pede que o visinho dê caução do damno
imminente, cautio damni infecti, ou pela de responsabilidade
do autor do damno, se este se realiza.
Correia Teeles, nota 496, enumera diversos casos, em que
o visinho, fazendo mau uso da sua propriedade, deve ser respon-
sabilizado, judicialmente.
O Codigo permitte que a acção defensiva seja proposta pelo
proprietário ou pelo possuidor, considerando como tal o inquilino.

555 __ O proprietário tem o direito^ a


exigir do dono do prédio visinho a demolição,
ou reparação necessária, quando este ameace
ruina, bem como que preste caução pelo damno
imminente.

Direito anterior — Era, também, direito ligado á posse.


Legislação comparada — Vejam-se: Codigo Civil aLemão,
arts. 907 e 9()8; hespanhol, 389; italiano, 699; lei franceza de
5 de Abril de 1884, art. 97; Codigo Civil do Montenegro, 140.
Direito romano: D. 9, 2, fr. 27, § 10-
Projectos — Beviláqua, art. 639; Revisto, 651.
Bibliographia — A do artigo antecedente.

Observação — B' outra forma do damno infecto, que aqui


apparece, com amplitude maior, sob a denominação de uso no-
civo da propriedade. Por se achar no capitulo das limitações» da
DA PROPRIEDADE 99

propriedade, em attenção ao direito dos visinhos, não se seguo


que o possuidor não possa usar da acção do damno infecto, pro-
veniente de obra ruinosa. A posse é exterioridade do dominio. A
significação especial do artigo, que resulta de sua collocação, é
que o proprietário pôde, ainda que não habite o seu prédio, usar
da acção para pedir que seja demolida ou réparada a parte do
prédio visinho que ameaça ruina, e o dono deste preste caução
pelo damno imminente.

Das arvores limitrophes

Art. 556 — A arvore, cujo tronco estiver


na linha divisória, presume-se pertencer, em
cominum, aos donos dos prédios confinantes.

Direito anterior — O mesmo, com apoio no direito romano


(Coelho da Rocha, Tn.st., § 423).
Legislação comparada — Inst., 2, 1, § 31, in fine; D. 41,
l,fr. 7, § 13, in fine; Codigo Civil francez, art. 670; italiano, 569;
allemão, 923; portuguez, 2.319; chileno, 859, l.a pa-rte; argentino,
2.745; boliviano, 710; venezuelano, 685.
Projectos —■ Coelho Rodrigues, art. 1.437- Beviláqua, 646;
Revisto, 622.

Art. 557 — Os fructos caidos da arvore do


terreno visinho pertencem ao dono do solo, onde
caíram, se este for de propriedade particular.

Direito anterior — Differente pelo subsidio do direito


romano.
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 911;
francez, 673 (lei de 18 de Fevereiro de 1921) ,
Em sentido differente, permittindo ao dono colher os fructos
caidos, comtanto que não commetta violência: D., 43, 28, fr.^
único; e responda pelos prejuízos, que causar; Codigo Civil por-
tuguez, art. 2.318.
Veja-se, ainda: Codigo Civil Suisso, art. 687.
100 CODIGO CIVIL

Projectos — Coelho Rodrigues, arts. 1.441 e 1.443; Bevi-


láqua, 645; Revisto, 653.
Bibliographia — Ribas, Acções possessorias, p. 246, n- 3;
Correia Telles e Teixeira de Freitas, Doutrina das acções, § 92,
3.°; Coãe Civil allemand, publiê par le Comitê de lég. étr., notas
ao art. 811; Schneider, Privatrechtliches Gesetzhuch, f. d. K.
Zuerich, ao art. 160; Windscheid, Panei., I, § 169, 9.°; Dern-
burg, Pand., I, § 200, 2.°.

Observação — A solução deste artigo é a do direito ger-


mânico (Ueberfallsrecht), preferida á' do romano pelas con-
tendas, que motivava a entrada do dono da arvore, para a
apanha dos fruetos, no terreno visinho. Se é publico o terrenc,
onde os fruetos caem, não. se extingue a propriedade do dono da
arvore sobre os fruetos, que, desprendidos da sua arvore, se
encontram no solo visinho, porque as complicaçõès, queixas e
disputas não têm mais causa.

Art. 558 — As raízes e ramos de arvores,


que ultrapassarem a extrema do prédio, poderão
ser cortados, até ao plano vertical divisório, pelo
proprietário do terreno invadido.

Direito anterior — Semelhante, segundo o subsidio do di-


reito romano e do uso moderno (Coelho da Rooha, Inst., § 593).
Degislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 910,
italiano, 582; francez, 673 (lei de 18 de Fevereiro de 1921):
austriaco, 422; portuguez, 2.317; suisso, 687; do Montenegro,
114 (quanto ás raizes), 111 (quantos aos ramos); argentino,
2.629; venezuelano, 689; japonez, 233.
Para o direito romano: Inst., 2, 1, § 31, in médio; e D. 43,
27, fr. 1, § 8.°, 47, 7, fr. 6, § 2.°.

Observações — 1. — As raizes e os ramos das aivoies


plantadas num terreno podem, estendendo-se para o terreno
DA PROPRIEDADE 101
visinho, prejudical-o; por isso podem ser cortadas pela linha
lindeira. Os Projectos accentuavam que era o prejuizo que auto-
rizava o proprietário do terreno invadido a tomar essa provi-
dencia. O Codigo, alterando a redação, concede esse direito de
cortar raizes e ramos da arvore alheia, pelo simples facto de
transporem os limites do prédio contíguo.
Tratam outros Codigos das matérias expostas neste e
nos artigos seguintes, no capitulo das chamadas servidões legaes.
Outro foi o systema seguido pelo Codigo Civil brasileiro, que as
considera restricções do direito de propriedade, impostas pela
situação especial da visinhança, pela necessidade de harmonizar
os interesses recíprocos dos prédios contíguos, como nos casos
dos artigos anteriores.

, Da passagem forçada

Art. 559 — O dono do prédio rnstico, ou


urbano, que se achar encravado em outro, sem
sahida pela via publica, fonte ou porto, tem di-
reito a reclamar do visinho que lhe deixe pas-
sagem, fixando-se a esta, judicialmente, o rumo,
quando necessário.

Direito anterior — Semelhante (Carlos de Carvalho, Di-


reito civil, art. 605; lei n. 601, de 18 de Setembro de 1850, ar-
tigo 16, § 2.°; dec. n. 720, de 5' de Setembro de 1890, art. 65,
paragrapho único).
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 917;
portuguez, 2.309 (direito de accesso); suisso, 694; do Monte-
negro, 115; japonez, 210. Este grupo de Codigos considera a
passagem forçada, como uma restricção do domínio, determi-
nada pela situação jurídica da visinhança.
Regulam a matéria, como servidão: Codigo Civil francez, ar-
tigos 682 e 683 (lei de 20 de Agosto de 1881); italiano, 593; hes-
panhol, 564 e 565; venezuelano, 645; argentino, 3.068; chileno,
874; uruguayo, 581; peruano, 974; mexicano, 1.097.
Para o direito romano: D. 7, 6, fr. 1, § 1.°; 11, 7, fr. 12.
Projectos — Esboço, arts. 4.289, 2.°, e 4.292 (considera o
caso de desapropriação por utilidade publica indirecta); Felicio
102 CODIGO CIVIL

dos Santos, 1.237; Coelho Rodrigues, 1.409; Beviláqua, 647; Re-


visto, 655.
BibliogTaphia — Lafayette, Direito das coisas. § 125; José
Mendes, Servidões de caminho, § 58; Aguiar e Souza, Das ser-
vidões, §§ 101-135; Lacerda, Direito das coisas, § 12, e nota 17;
SÁ Pereira, Manual cit, VIII, ns. 89 e segs.; Planiol, Traité,
I. ns. 1.879-1.883; Planiol et Ripert, III, ns. 924 e segs.; Huc,
Commentaire, IV, ns. 392-401; Baudry-Lacantinerie et Chau-
veau, Des Uens, ns. 1.044-1.069; Laubent, Cours, I, ns. 668-672;
Zachariae, Droit civil français, § 331; Gode Civil allemand,
plubiiê par le Comitê de lég. étr., notas ao art. 917; Endemann,
Lehrhuch, § 74, Kohleb, Lehebuch, II, § 61-

Observações — 1. — Para se tornar accessivel e utilizável


o prédio encravado necessita de ter passagem através do vi-
sinho. A solidariedade social assim o exige. E' uma questão de
interesse publico, manifestando-se debaixo da apparencia de in-
teresse particular.
Supprimindo-se a via publica, a que o prédio encravado se
ligava pela passagem através do visinlio, subsiste, para o dono
delle, o direito de passagem para outra via publica. A situação
do encravamento é a mesma; a necessidade de dar entrada e
sabida ao proprietário ê a mesma.
2. — O artigo diz: sem sabida pela via publica, fonte ou
porto. Comprehendem-se bem o primeiro caso e o terceiro:
sabida pela via publica ou porto. Mas o segundo, sabida pela
fonte, já não é a mesma coisa. Os projectos diziam sabida para,
preposição que convinha perfeitamente aos tres casos.

Art. 560 — Os donos- dos prédios, por onde


se estabelece a passagem para o prédio encra-
vado, têm direito a indemnização cabal.

Direito anterior .-—• O mesmo (Carlos de Carvalho, Di-


reito civil, art. 605).
DA PROPRIEDADE 103

Legislação comparada — Veja-se o artigo antecedente. Aããe.


Codigo Civil italiano, 594; venezuelano, 646; chileno, 848; uru-
guayo, 584; do Montenegro, 116; japonez, 212.
Projectos — Felicio ãos Santos, art. 1.239; Coelho Rodrigues,
1.410; Beviláqua, 648; Revisto, 656.

Art. 561 — O proprietário, que, por culpa


sua, perder o direito de transito pelos prédios
eontiguos, poderá exigir nova conununicação
com a yia publica, pagando o dobro do valor da
primeira indemnização.

Direito anterior — Deficiente.


Legislação comparada — Este artigo teve por fonte o Co
digi Civil de Zurich, art. 41. Veja-se, também: o allemao, ar-
tigo 918.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.412; Beviláqua, 649,
Revisto, 657.

Art. 562 — Não constituem servidão as pas-


sagens e atravessadoiros particulares, por pro-
priedades também particulares, que se não di-
rigem a fontes, pontes, ou logares públicos, pri-
vados de outra serventia.

Direito anterior — O mesmo (Lei de 9 de julho de 1773.


§ 12; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 95*, Carlos de
Carvalho, Direito civil, art. 606). JoÃo Arruda (Revista Juri
dica, vol. III, ps. 10-11), observa que a lei de 9 de julho de 1773,
não era applicavel ao Brasil.
Projectos — A Commissão do Governo colheu este aitigo
na Consolidação das leis civis, art. 957. Nenhum dos Piojectos
o incluirá. Somente apparece no Revisto, art._ 658.
104 CODIGO CIVIL

Observações —• 1- — Este dispositivo encontraria melhor


cabida, depois do art. 705, á cuja xnateriá se prende. Não ha
nelle um direito de visinhança, limitativo da propriedade- Veja-se
Vieira Ferreira, Ementas e emendas, ps. 68-70.
Pondo de lado esta questão de tchnica, o edicto do artigo
affirma que os caminhos, que atravessam prédios particulares, se
não se dirigem a logares públicos; entendem-se meras concessões
do proprietário, se não se fundarem em titulos legítimos. Não
se adquirem por usocapião.
Consultem-se José Mendes, Servidões de caminho, § 74.
2. — A redacção deste artigo é defeituosa, como já o era
a fonte de onde foi tirado. A clausula final — privados de outra
serventia — refere-se, entendo eu, a atravessadouros. É certo
que outro era o pensamento do art. 957 da Consolidação das
leis civis; porém, tal como se acha redigido o artigo, o participio
privado não pôde referir-se a logares puhlicos, porque não faria
sentido. Veja-se, entretanto, SÁ Pereira, Manual cit. VIII, n. 91.
No sentido da opinião, que acima exponho, desenvolvendo a obser-
vação anterior: Vieira Ferreira, Jornal do Commercio, de 24 de
Março de 1929 — Teratigenese jurídica.

Das aguas

Art. 563 — O dono do prédio inferior é


obrigado a receber as aguas, que correm, natu-
ralmente, do superior Se o dono deste fizer
obras de arte para facilitar o escoamento, pro-
cederá de modo que não peiore a condição na-
tural e anterior do outro.

Direito anterior — Semelhante, segundo o subsidio do di-


reito romano.
Legislação comparada —- D. 39, 3, fr. 1, §§ 13 e 20-22,
fr. 2, pr,; e fr. 22; Codigo Civil francez, art. 640; suisso, 689 e
690; italiano, 536; portuguez, 2.282; hespanhol, 552; chileno,
833; uruguayo, 558; argentino, 2.647-651; boliviano; 379; vene-
zuelano, 630; mexicano, 1.071 e 1-072; do Montenegro, 117;
japonez, 214.
DA PROPRIEDADE 105

Projectos — Felicio dos Santos, arts. 1.159 e 1.160, nú-


meros 1 e 2; Coelho Rodrigues, 1.416 e 1.417, 2.a parte; Bevilá-
qua, 651; Revisto, 659.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 121; Car-
valho de Mendonça, Rios e aguas correntes, ns. 170-174; La-
cerda, Direito das coisas, § 12, d; Aguiar e Souza, Das servidões,
§§ 59-73; SÁ Pereira, .Manual cit., VIII, n. 72; Huc, Commen-
taire, IV, ns. 262-266; Laurenx, Cours, n. 633; Zachariae, Droit
civil français, II, § 317; Dernburg, Pand., I, § 200, 4.°; Planiol
et Ripert, III, ns. 504 e segs.

Observação — Nasce esta obrigação da situação dos pré-


dios. As aguas descem pelo declive natural, e o dono do prédio
inferior não pode impedir-lhes o escoamento. Subsiste a obri-
gação, ainda quando o prédio inferior esteja separado do outro
por uma via publica.
As aguas, a que se refere o artigo, podem brotar do solo
ou provir de chuvas- Seu fluxo, porém, deve ser natural, não
resultar de obra humana. Esta poderá apenas facilitar o escoa-
mento natural, conservada a natureza do terreno, e sem peiorar
a condição anterior do prédio obrigado a receber as aguas.

Art. 564 — Quando as aguas, artificialmen-


te levadas ao prédio superior, correrem delle
para o inferior, poderá o dono deste reclamar
que se desviem, ou se indemnize o prejuizo, que
soffrer.

Direito anterior — Semelhante, com fundamento no di-


reito romano, e na applicação do preceito contido no aitigo
antecedente.
Legislação comparada — D. 39, 3, fr. 1, § 1.°; Codigo Civil
francez, art. 641 (lei de 8 de Abril de 1898; mexicano, 1.072. A
fonte do artigo foi o Codigo Civil de Zurich, art. 145, 2.,, paite.
Veja-se também o portuguez, 461.
106 CODXGO CIVIL

Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.160, ns. 3 e 4; Coelho


Rodrigties, 1.417, 2.8 parte; Beviláqua, 652; Revisto, 660.

Observação — O art. 563 obriga o prédio inferior a receber


as aguas, que defluem, naturalmente do superior, referindo-so
ás aguas pluviaes, e a quaesquer outras, que não tenham sido
obtidas por intervenção da industria humana." Se, porém, o pro-
prietário do prédio superior conduzir para elle aguas colhidas
aliunãe, ou hauril-as do sub-solo, para o seu uso, a condição
natural e anterior do prédio visinho peiora; portanto é justo
que se componha o damno soffrido.

Art. 565 — O proprietário de fonte não


captada, satisfeitas as necessidades do sen con-
sumo, não pode impedir o curso natural das
aguas pelos prédios inferiores.

Direito anterior — O mesmo (Teixeira de Freitas, Conso-


lidação art. 901).
Legislação comparada — Vejam-se: Codigo Civil portuguez,
arts. 444 e 447-449; francez, 642-643; italiano, 540-545; suisso,
704-707; argentino, 2.637 e 2-638; chileno, 835; uruguayo, 562
e 563; boliviano, 380-382; venezuelano, 634 e 635.
Confira-se ainda; D. 39, 3, fr. 21.
Projectos •— Esboço, art. 4.260 (differente); Felicio dos
Santos, 1.165, 1.168 e 1.169; Coelho Rodrigues, 1.418; Bevi-
láqua, 653; Revisto, 651.

Observações — 1. — O proprietário do solo ê dono da fonte


como accessorio ou parte componente do solo. Portio agri vi-
detur aqua-viva. Mas, assim como a solidariedade humana e o
interesse geral exigem que o prédio inferior receba as aguas,
que correm do superior, também reclamam que o dono do prédio
superior não impeça que as aguas da sua fonte, depois de
satisfeitas as necessidades do seu consumo, desçam para os
prédios inferiores, é uma especie de uso commum das aguas,
DA PROPRIEDADE 107

com direito preferencial do senhor da fonte, que não pode,


egualmente, corromper as aguas, que têm de seivii aos pio-
prietarios a jusante.
2. Fala o Codigo de fonte não captada. Se houver tra-
balho de captação, já não há direito dos proprietários infeiioies
sobre as aguas da fonte.
Surge, porém, uma questão: pôde o dono da fonte captai a,
sem offensa do direito dos proprietários dos prédios inferiores?
Nenhuma duvida pôde levantar-se ao seu direito, se não ha
servidão, que o limite; mas não pôde desviar o curso das aguas,
de modo que, as sobras do seu uso, ao sahir do seu piedio,
sigam rumo diverso do que lhes traçara a natureza do terreno

Art. 566 — As aguas pluviaes, que correm


por lugares públicos, assim como as dos rios pú-
blicos, podem ser utilizadas por qualquer pro-
prietário dos terrenos, por onde passem, obser-
vados os regulamentos administrativos.

Direito anterior — Semelhante (Teixeira db Frei ias, Con-


solidação, nota (12), ao art. 894 da 3.a edição).
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, artigo
453 (fonte); uruguayo, 568; francez, 641 (lei de 8 de Abril
de 1898).
Projectos — Esboço, arts. 4.270 e 4.271; Beviláqua, 654;
Revisto, 662.

Observações — 1- — As aguas pluviaes, quando cáem, se-


gundo observa Peaniol {Traité, I, n. 1.119), são coisas sem
dono, de que o proprietário do solo se pôde apropriar por oc-
cupação. As que derivam por terrenos particulares, pertencem
aos donos dos prédios, que as colherem na passagem. Se cone
rem por logares públicos, podem ser occupadas, na sua passagem,
por qualquer proprietário de terras confinantes, obseivados os
regulamentos administrativos; porque, se continuam sem dono,
á autoridade, a quem compete o direito de legulai o uso
108 CODIGO CIVIL

coisas publicas, sabe, egualmente, superintender o uso daquillo


que nellas se encontre.
2. — O Projecto da Gamara, em 1902, como o Primitivo e
o Revisto, applicaram o mesmo principio ás aguas dos rios pú-
blicos. Nem é licito recusar aos proprietários dos terrenos mar-
ginaes dos rios públicos o uso das aguas, desde que observem
os regulamentos administrativvos. Tal era o direito anterior
(Teixeira de Freitas, Consolidação, arts. 894 e 895), e tal con-
tinúa a ser o direito vigente, como se vê deste artigo.
3. — O uso das aguas publicas abrange as necessidades
domesticas, agrícolas e industriaes- Mas o uso agrícola não . im-
porta o direito de desviar a corrente, de prejudicar obras pu-
blicas, ou de restringir o uso dos outros ribeirinhos.
O uso para movimentação de machinas ou usinas, deve ser
autorizado ou concedido pela autoridade competente, que, era
todos os casos, superintende o uso das aguas publicas e o pode
submetter a normas conciliadoras dos interesses individuaes e
colletivos. V. M. I. Carvalho de Mendonça, Rios e Aguas cor-
rentes, ns. 94, 113, 114, 124 e 176.

Art. 567 — E' permittido, a quem quer que


seja, mediante prévia indemnização aos proprie-
tários prejudicados, canalizar, em proveito agri-
cola ou industrial, as aguas a que tenha direito,
através de prédios rústicos alheios, não sendo
chacaras ou sitios murados, quintaes, pateos,
hortas, ou jardins.
Paragrapho único. Ao proprietário preju-
dicado, em tal caso, também assiste o direito de
indemnização pelos damnos, que, de futuro, lhe
advenham com a infiltração ou a irrupção das
aguas, bem como com a detoriação das obras
destinadas a canalizai-as.

Direito anterior — O mesmo (Teixeira de Freitas, Consoli-


dação, nota (12) ao art. 894, que cita o alvará de 27 de Novembro
de 1804, § 11, applicado ao Brasil pelo de 4 de Março de 1819).
DA PROPRIEDADE 109

Legislação comparada — Codigp Civil portuguez, art. 456


(fonte); lei franceza de 29 de Abril de 1845; Codigo Civil ita-
liano, arts. 598-600-; suisso, 691; hespanhol, 557-559; argentino,
3.082, 3.084 e 3.085; chileno, 861-865; uruguayo, 569-580; me-
xicano, 1.078 e 1.096.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 1.181-1.185; Coelho
Rodrigues, 1 420 e 1.421; Beviláqua, 655; Revisto, 663.

Observação — Cabe o direito de aqueducto ao proprietário


pleno, ao emphyteuta, ao usofructuario e, ainda, ao arrendatário.
Creada em favor da agricultura ou da industria, essa concessão
somente aproveita aos prédios rústicos e não ás fabricas si-
tuadas dentro dos perímetros das cidades, villas ou povoações.
Não havendo accôrdo dos interessados, decidirá a autoridade
competente sobre o direito de aqueducto, a direcção e a capaci-
dade deste, assim como sobre a indemnização a pagar.
Vejam-se: Alfredo Valladão, Dos rios públicos e parti-
culares, §§ 25 e 26; e Aguiar e Souza, Das servidões, §§ 74-92;
Planiol et Ripert, III, n. 507.

Art. 568 — Serão pleiteadas em acção sum-


ariaria as questões relativas á servidão de aguas
e ás indemnizações correspondentes.

Uireito anterior — Não havia disposição semelhante. A am


torização para passagem de aguas processava-se administrativa-
mente. (Ribas, Processo civil, art. 921, § 6.°). As outras acções
eram tratadas como possessorias ( Correia Tellbs e Teixeira de
Freitas, Doutrinas das acções, §§ 88, 89, 90, 91 e 93).
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 457.
Projectos — Revisto, art. 664.

Observação •— O Codigo de Processo Civil eliminou o pio-


cesso summario.
110 CODIGO CIVIL

Dos limites entre prédios

Art. 569 — Todo proprietário pode obrigar


o seu confinante a proceder com elle á demar-
cação entre os dois prédios, a aviventar rumos
apagados, e a renovar marcos destruídos ou ar-
ruinados, repartindo-se, proporcionalmente, en-
tre os interessados, as respectivas despesas.

Direito anterior — Semelhante (Dec. n. 720, de 5 de Se-


tembro de 1890)-
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 646,
italiano, 441; allemão, 919; austriaco, 850; portuguez, 2.340;
hespanhol, 384; suisso, 669; argentino, 2.746 e 2.752; boliviano,
385; chileno, 842; uruguayo, 590; venezuelano, 528; mexicano.
732; do Montenegro, 110; japonez, 223.
Para o direito romano, consulte-se o D. 10, 1 {finium re-
gonãoruvi), e, em particular os frs. 2, pr.,,e 4, §§ 1. e .
Projectos — Esboço, arts. 4.222, 3.°, e 4.225; Coelho Rodri-
gues, 1.453 e 1.459; Beviláqua, 659 e 660; Revisto, 665.
Bibliographia — Correia Telles e Teixeira de Freitas,
Doutrina das acções, § 114; Ribas, Processo civil, Commentario,
CDLXIX; Macedo Soares, Medições e demarcações; Rodrigo
Octavio, Divisão e demarcação de terras; L. F. L. eA. F. L.,
Divisões demarcações e tapumes; Whitakeb, Terras; Affonso
Fraga., Divisão e demarcação, ns. 42 e segs.; SÁ Pereira, Ma-
nual cit, n. 100; Athos Magalhães Direito de Demarcar; Plácido
e Silva, Codigo de Processo Civil aos arts. 415 e segs.; Carvalho
Santos, Codigo de Processo Civil interpretado, aos arts. 415 e segs.;
Planiol, Traité, 1, ns. 1.075-1.089; Planiol et Ripert, III, ns. 431
e segs.; Huc, Commentaire, IV, ns. 298-309; Batjdry-Lacantinerie
et Chauveau, Des biens, ns. 900-917; Laurent, Cours, I, n. 639;
Zachariae, Droit civil français, II, § 320; Aubry et Rau, Cours,
II, § 199; Gode Civil allemand, publié par le Comitê de lég. étr., ao
art. 919; Endemann, Lehrbuch, II, § 71; Dias Ferreira, Codigo
Civil Portuguez, aos artigos 2.340-2.344.
DA PROPRIEDADE 111

Observações — 1- —Demarcação é a operação que tem


por fim fixar e assignalar, por meio de marcos, as linhas divi-
sórias entre prédios. O Codigo Civil considera o direito de exigii
a demarcação, como faculdade inherente ao domínio, e a olni-
gação de attender a essa exigência, como limitação da pioprie-
dade decorrente da visinhança.
2. — A acção de demarcação (finium regunãorum) comvete
ao proprietário, ao usofructuario e ao emphyteuta. O possuidoi
tanquam ãominus não a tem. Nisto differe o direito pátrio do
portuguez, que attribue, expressamente, esse direito ao possuidor,
Applica-se aos prédios rústicos (D. 10, 1, fr. 4, § 10).
2a. — Não pode haver acção finium regunãorum, entre vi
sinhos, cujos prédios se acham separados por via publica, ou se
entre elles corre rio publico. Não são confiantes esses prédios.
3.— A sentença, que puzer termo á demarcação, deve sei
transcripta (art. 532, I).

Art..570 — No caso de confusão, os limites,


em falta de outro meio, se determinarão de con-
formidade com a posse; e, não se achando ella
provada, o terreno contestado se repartirá, pio-
porcionalmente, entre os prédios ou, não^ sendo
possivel a divisão commoda, se adjudicará a um
deites, mediante indemnização ao proprietário
prejudicado.

Direito anterior — Não havia disposição expressa corres-


pondente .
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, ait. 920,
austríaco, 851; portuguez, 2.341 e 2.342; hespanhol, 385 e 38b.
Veja-se, também, o argentino, 2.755. ' ^
Para o direito romano: Inst., 4, 17, § 6.°; D. 10, 1, Us-
§ L0: 3, 4, pr.
Projectos — Eshoço, arts. 4.404, 4.418 e 4.422, Beviláqua,
657; Revisto, 666.
112 CODIGO CIVIL

OI>sgi*vjíiçõgs — 1. — O caso, de quo trata este ai tigo, iiao


foi previsto pelo Codigo Civil francez, nem pelo italiano; mas o
direito portuguez e o liespanliol não o desconheciam, como o
germânico.
Manda o artigo que, na falta de titulos e outros meios de
prova, se determinem os limites dos prédios pela posse; se a
posse fôr viciosa, ou não estiver provada, o terreno contestado
será considerado commum e attribuido aos prédios limitrophes,
proporcionalmente. Se não fôr possivel uma divisão commoda,
será adjudicado a um delles, mediante indemnização.
A redacção do artigo é obscura. Diz, na falta de outra prova
e de posse, a parte contestada do terreno será dividida, propor-
cionalmente, entre os prédios. Proporcionalmente a que? Deve
entender-se —- por xxxttes eguaes, como estava no Pvojccto primi-
tivo, no Revisto e no da Gamara. O Senado substituiu essa locução
pelo advérbio proporcionalmente, que nos deixará perplexos, se
não o entendermos como equivalente á expressão substituida.
Depois determina que se indemnize, no caso de adjudicação,
ao proprietário prejudicado. Não ha proprietário prejudicado.
Cada prédio tem direito a uma parte do terreno contestado; como,
porém, não se pôde dividir esse trecho de terra, as paites coiies
pondentes aos outros prédios são dadas em dinheiro.
2. — SÁ Pereira não desconhece a procedência da obser-
vação anterior, quanto ao advérbio proporcionalmente, mas en-
contra embaraço para o juiz substituil-o segundo a razão. En-
tretanto, appella para a jurisprudência.
3_ — Affonso Fraga, Divisão e Demarcação, 3.a ed., n. 68,
justifica o proporcionalmente, com apoio em Macedo Soares, e
refere a proporção á linha de testada. A solução é, theorica-
mente, acceitavel, porém ajusta-se mal á letra do artigo, poique
repartir, proporcionalmente, entre os prédios não é o mesmo
que repartir, proporcionalmente, á linha de testada. Um prédio
menor pôde ter linha de testada na zona contestada muito mais
extensa do que outro de area maior. E não seria injusta a di-
visão por esse critério, no caso figurado? Atiios Magalhães, Do
Direito cie demarcar e da acção de demarcação, opina que a pro-
porcionalidade deve ser em relação a grandeza dos prédios con-
finantes (n. 149, b).
DA TROPEIEDADE 113

Art. 571 — Do intervallo, muro, valia, cerca


ou qualquer outra obra divisora entre dois pré-
dios, têm direito a usar, em commum, os pro-
prietários confinantes, presumindo-se, até prova
em contrario, pertencer a ambos.

Direito anterior — Semelhante {Orã., 1, 68, § 36; Teixeira


de Freitas, Consolidação, art. 951 e nota).
Legislação comparada — D. 10, 1, fr. 4, § 10, in mediu;
Codigo Civil francez, arts. 653, 666 e 670 (lei de 20 de Agosto
de 1881); italiano, 546 e 565; allemão, 921; austríaco, 854;
suisso, 670; venezuelano, 671.
Vejam-se também; portuguez, 2.336, 2.337 e 2.348; argen-
tino, 2.743 e 2.745.
Projectos — Esboço arts. 4.384, 4.385 e 4.391-4.394; Be-
viláqua, 658; Revisto, 667.

Observações — 1. — A presumpção estabelecida pelo ar-


tigo 5'71 applica-se tanto aos prédios urbanos quanto aos rústicos.
2. — O uso, que o proprietário confinante fizer da obra divi-
sória commum, não deve estorvar o exercício de eguaes direitos
do outro, nem, por qualquer modo, prejudical-o.
Sobre condomínio de paredes, vejam-se os arts. 581 e 642-645.
3. — O condomínio das obras divisórias é permanente, pela
própria natureza das coisas. É uma excepção á regra do art. 629,
principio.

Do direito de construir
Art. 572 — O proprietário pôde levantar,
em seu terreno, as construcções, que lhe aprou-
ver, salvo o direito dos visinhos, e os regulamen-
tos administrativos.

Direito anterior — Semelhante (Orã., 1, 68, § 24; Carlos


r>E Carvalho, Direito civil, art. 614).
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 4-227.
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 8
114 CODXGO CIVIL

Projectos — Esboço, art. 4.227; Coelho Rodrigues, 1.45G;


Beviláqua, 661; Revisto, 669.

Observação — 0 direito do proprietário levantar construc-


ções no seu solo comprehende-se; em qualquer parte delle até á
linha divisória; em qualquer profundidade; e com elevação,
que lhe parecer.
Esse direito, porém, encontra limitações determinadas pela
visinhança, e pelos regulamentos administrativos. As limitações
da primeira classe estão indicadas, em traços geraes, nos artigos
seguintes. As da segunda referem-se á forma, segurança, hy-
giene dos prédios urbanos, assim como á policia dos estabeleci-
mentos industriaes.

Art. 573 — O proprietário pôde embargar


a construcção de prédio, que invada a area do
seu, ou sobre este deite gotteiras, bem como
daquelle, em que, a menos de metro e meio do
seu, se abra janella, ou se faça eirado, terraço
ou varanda.
§ 1.° A disposição deste artigo não abrange
as frestas, seteiras on oculos para luz, não
maiores de dez centimetros de largura sobre
vinte de comprimento.
§ 2.° Os vãos ou aberturas para luz não
prescrevem contra o visinbo, que, a todo tempo,
levantará, querendo, a sua casa ou contramuro,
ainda que lhes vede a claridade.

Direito anterior — Semelhante (Orâ., 1, 68, §§ 23, 24,


33 e 38).
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 2-325.
Vejam-se, também; Codigo Civil francez, arts. 676-679; ita-
liano, 584 e 587-590; argentino, 2.658-2.660; venezuelano, 691-693.
DA PROPRIEDADE 115

Projectos — Esboço, arts. 4.231, 4.236 e 4.243; Beviláqua,


662; Revisto, 670.
Bibliogvaphia — Teixeira de Freitas, Consolidação, ar-
tigos 940-949; Lafayette, Direito das coisas, § 126; Martinhc
Garcez, Direito das coisas, § 85; Coelho da Rocha, Dist., § 594;
Aguiar e Souza, Das servidões, §§ 36-43; SÁ Pereira, Manual
cit., ns. 104-106; Plantol, et Ripert, III, ns. 914 e segs.

Observações — 1. — O principio deste artigo, accentuando


a situação jurídica decorrente da visinhança dos prédios, firma,
de modo preciso, os seguintes direitos em favor do proprietário:
o de impedir que outrem invada o seu terreno, estendendo sobre
elle construcções; e o de se resguardar de construcções visinlias
muito próximas, de onde por janellas, eirados, terraços ou va-
randas possam devassar, de muito perto, e, portanto, vexatoria-
rnente, a sua casa, sobre o seu terreno deixar cair obectos.
Para a defesa da propriedade, nestes casos, offerece o direito
o embargo de obra nova (Correia Telles e Teixeira de Freitas,
Doutrina das acções, § 95). Concluida a obra, usar-se-á da acção
demolitoria.
Pelo systema do Codigo, as acções de embargos de obra nova
e demolitorias, tanto se podem fundar na posse, quanto no direito
real.
2. — o § 1.° declara que a prohibição do artigo não com-
prehende as frestas, seteiras ou oculos, porque taes aberturas
são feitas, simplesmente, para dar luz ao edifício; por ellas,
não se olha para a casa visinha, nem se collocam nellas objectos,
Que possam cair no prédio contíguo.
Frestas e seteiras são aberturas estreitas e de pouca altura
feitas na parede, para que por ellas penetre a luz. Oculos são
aberturas circulares, para o mesmo fim. O destino e a dimensão,
conjuntamente, as distinguem das janellas, acham-se no alto da
parede e apenas se prestam para dar passagem á luz. Aquellas
têm maior largura e se. prestam para dar vista. A fresta ou se-
teira não deve ter mais de 10 centimetros de largura sobre 20
de altura.
3. — Se o proprietário pode abrir frestas e seteiras para
a luz, na parede que extrema com o visinho, isso não impede
116 CODIGO CIVIL

que o visinho, erguendo a sua construcção, vede a luz, que


por essas aberturas entrava. Elias beneficiam o prédio, onde
existem, mas não limitam o direito de propriedade alheia.
4. — O Codigo de Processo Civil regula a nunciação de obra
nova nos arts. 384 a 392.

Art. 574 — As disposições do artigo prece-


dente não são applicaveis a prédios separados
por estrada, caminho, rua, on qualquer outra
passagem publica.

Direito anterior — Era conseqüência do prescripto na Orã.,


1, 68, § 24, Vejam-se Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 941,
e Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 609.
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 2.326;
italiano, 587 e 588.
Projectos — Esboço, art. 4.242, 1.°; Revisto, art. 671.

Observação — Este artigo parece ocioso. Se o antecedente


estatuirá que se não podiam abrir janellas ou fazer terraços, a
menos de metro e meio do prédio visinho, está claro que, se
entre os prédios se interpuzer via publica, estarão fora do al-
cance desse dispositivo, pois taes passagens não poderão ter
menor largura.
Também não se applicam essas disposições do artigo an-
tecedente, se entre os dois prédios existir muro que exceda a
altura das janellas ou terraços. As claraboias abertas nos te-
lhados são, egualmente, estranhas á matéria do art. 573.

Art. 575 — O proprietário edificará de ma-


neira que o beirai do seu telhado não despeje
sobre o prédio visinho, deixando, entre este e -o
beirai, quando por outro modo o não possa evi-
tar, um intervallo de dez centimetros pelo menos.
DA PROriilEDADE 117

Direito anterior — Semelhante (Coelho da Rocha, Ins.,


§ 594; Correia Telles, Digesto portuguez, art. 972).
Yejam-se, entretanto, a Orã., 1, 68, §§ 38 e 39; Teixeira de
Freitas, Consolidação, art. 948 e 949, e Carlos de Carvalho,
Dir. civil., art. 613.
Legislação comparada — D. 39, 3, fr. 1, § 19; Codigo Civil
francez, art. 681; italiano, 591; portuguez, 2.327 (fonte); boli-
viano, 41^; venezuelano, 494.
Veja-se, também, o argentino, 2.630 e 2.631.
Projectos — Esboço, arts. 4.243 e 4.244; Beviláqua, 662;
Revisto, 672, do qual é a formula, que passou para o Codigo.

Observação —- Na primeira edição deste livro, observava-se:


"O artigo tinha terminado, muito naturalmente, na expressão —•
quando menos. O Senado mandou accrescentar a clausula final
— de modo que as aguas se escoem, que, visivelmente, é uma
superfetação, uma excrescencia, que nenhuma funcção exerce,
se não a de afeiar a phrase da lei". A lei n. 3.725 eliminou
a excrescencia apontada.

Art. 576 — O proprietário, que aimuir em


janella, sacada, terraço, ou gotteira, sobre o seu
prédio, só até o lapso de anuo e dia, após a con-
clusão da obra poderá exigir que se desfaça.

Direito anterior — Semelhante (Orã., 1, 68, § 25 Teixeira


de Freitas, Consolidação, art. 942; Carlos de Carvalho, Direito
civil, art. 609, § 1.°.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.453; Beviláqua, ar-
tigo 663; Revisto, 673.

Observações — 1. — Passando o prazo de anno e dia, depois


de concluída a obra, está, definitivamente, adquirido o direito
de a ter, onde se acha, e o dono delia poderá segural-a pela
118 CODIGO CIVIL

acção confessoria, ou defendel-a pelos interdictos ou excepções


competentes. Esse direito é uma verdadeira servidão, adquirida
pela posse e o decurso de tempo, e cujo titulo é a concessão
presumida do visinho (usocapião).
2. —'O verbo annuir empregado neste artigo tem a signi-
ficação de não se oixpuzer. O proprietário que não se oppuzer
á abertura de janellas, sacada, etc. Para se oppôr, é necessário
estar presente ou saber do facto. O proprietário viu e não se
oppoz. B' a situação que o artigo presuppõe.

Art. 577 — Em prédio rústico, não se po-


derão, sem licença do visinho, fazer novas con-
strucções, ou accrescimos ás existentes, a menos
de metro e meio do limite comnmm.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente.


ijegislafgo comparada — Este dispositivo teve por fonte o
Codigo Civil de Zurich, art. 169.
Projectos —- Coelho Rodrigues, art. 1.459; Beviláqua, 664;
Revisto, 674.
Dibliographia — Schxeider, Privatrech t liclies Gesetzbuch,
f. d. K. Zuerich, ao art. 169.

Observação — As novas construcções restringem a facul-


dade, que tem o visinho de utilizar-se, livremente, do seu prédio.
Para conciliar os direitos de cada um, a lei os limita segundo
aconselha a razão. E' uma restricção semelhante á do art. 578,
quanto a janellas, eirado, terraço ou varanda, que se applica
a qualquer categoria de prédios-

Art. 578 — As estrebarias, curraes, pocil-


gas, estrumeiras, e, em geral, as construcções,
que incommodam ou prejudicam a visinliança,
guardarão a distancia fixada nas posturas mu-
nieipaes e regulamentos de hygieiíe.
DA PROPRIEDADE 119

Direito anterior — A matéria "do artigo era, apenas, regu-


lada pelas posturas municipaes e regulamentos de hygiene.
Legislação comparada — Vejam-se: Codigo Civil francez,
art. 674; italiano, 573 e 574; portuguez, 2.338; argentino,
2.261-2.263; chileno, 587; uruguayo, 612; venezuelano, 687; me-
xicano, 1.017.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.460; Beviláqua, 665;
Revisto, 67!j.

Art. 579 — Nas cidades, villas e povoados,


cuja edificação estiver adstricta a alinhamento,
o dono de um terreno vago pôde edifical-o, ma-
deirando na parede divisória do prédio contiguo,
se ella agüentar a nova construcção: mas terá de
embolsar, ao visinho, meio valor da parede e do
chão correspondente.

Direito anterior "— O mesmo {Orei., 1, 68, § 25; Teixeira


de Freitas, Consolidação, art. 953).
Legislação comparada — Veja-se o Codigo Civil argentino,
art. 2.731; venezuelano, 678; francez, 661; italiano, 556; por-
tuguez, 2.328.
Projectos — Esboço, art. 4.736; Coelho Rodrigues, 1.466;
Beviláqua, 669; Revisto, 676.

Observação — Este direito corresponde á servidão de metter


trave (tigni immittenãi), e constitue condominio legal. Nas
Ordenações já se diz que o visinho pôde madeirar, dando a esse
direito um caracter de restricção legal ao domínio do senhor da
parede.
Para tornar effectivo o direito de madeirar na parede do
prédio visinho, deve o interessado, se não puder conseguil-o ami-
gavelmente, requerer á autoridade, que lh'o assegure, deposi-
tando o valor da indemnização judicialmente fixada.
Paga a metade do custo da parede e do solo correspondente,
estabelece-se o condominio. A lição de Lafayette {Direito das
120 € O DIGO CIVIL

coisas, § 127) é que a indemnização x-epresenta o preço do ônus


da servidão de ti^avejar, e não o da parede. Mas não é justa e
não corresponde ás necessidades, que determinam a creação desse
direito.
Sobre a matéria deste artigo, consultem-se Aguiar e Souza,
Das servidões, §§ 136-142; e SÁ Pereira, Manual, VIII, ao mes-
mo dispositivo.

Art. 580 — O confinante, que primeiro con-


struir, pôde assentar a parede divisória, até meia
espessura no terreno contiguo, sem perder, por
isso, o direito a haver meio valor delia, se o vi-
sinho a atravejar (art. 579). Neste caso, o pri-
meiro fixará a largura do alicerce, assim como a
profundidade, se o terreno não for de rocha.
Paragrapho único. Se a parede divisória
pertencer a um dos visinhos, e não tiver capaci-
dade para ser travejada pelo outro, não poderá
este fazer-lhe alicerce ao pé, sem prestar caução
áquelle, pelo risco a que a insufficfencia da nova
obra exponha a construcção anterior.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.725.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.466, §§ 1.° e 2.°; Be-
viláqua, 670; Revisto, 677.

Observação — Como faz notar SÁ Pereira, Manual, VIII,


a este artigo, o Projecto Coelho Rodrigues e o Primitivo diziam
que o visinho, sobre cujo terreno, quizesse o dono do terreno
contiguo construir a metade da parede divisória, tinha o dix^eito
de fixar a largura e a profundidade do alicerce. Como está re-
digido o segundo periodo do principio do artigo, é o invasor do
terreno visinho, que tem o arbítrio de marcar a largura e a
profundidade do alicerce cavado em terreno alheio.
DA PROPKIEDADE 121

Art. 581 — O condommo da parede meia


pode utilizal-a até ao meio da espessura, não
pondo em risco a segurança ou a separação dos
dois prédios, e avisando, préviamente, o outro
consorte das obras, que ali tencione fazer. Não
pôde, porém, sem consentimento do outro, fazer,
na parede meia, armarios, ou obras semelhantes,
correspondendo a outras, da mesma natureza, já
feitas do lado opposto.

Direito anterior — Sem correspondente.


Legislação comparada — Este artigo foi inspirado pelos ar-
tigos 179 e 180 do Codigo Civil de Zurich. Vejam-se os Codigos
seguintes, em cujos dispositivos se encontra affinidade com a
matéria do artigo: francez, 657 e 662; portuguez, 2.330; italiano,
551; argentino, 2.725 e 2.731; uruguayo, 601; chileno, 855; pe-
ruano, 1.141; boliviano, 393; venezuelano, 679; mexicano, 969;
do Montenegro, 139.
Projectos — Esboço, arts. 4.391 e 4.392; Coelho Rodrigues,
1.467 e 1.468; Beviláqua, 671 e 672; Revisto, 678.

Art. 582 — O dono de um prédio, ameaçado


pela construcção de chaminés, fogões ou fornos,
no contiguo, ainda que a parede seja commum,
pôde embargar a obra e exigir caução contra os
prejuízos possíveis.

Direito anterior — Sem correspondente exacto; mas, em


casos taes, era licito recorrer á acção de damno infecto.
Legislação comparada — Outro artigo cuja fonte foi o Co-
digo Civil de Zurich, art. 176.
Vejam-se, também; portuguez, 2.338; hespanhol, 1.908; ar-
gentino, 1.133; italiano, 698.
Direito romano: D. 39, 2 {De damno infecto).
122 CODIGO CIVIL

Projectos — Esboço, art. 3-690; Coelho Rodrigues, 1.469;


Beviláqua, 673; Revisto, 679.

Observação — Como se vê do paragrapho imico do artigo


seguinte, as chaminés ordinárias e os fornos communs de cozinha
não se consideram damnosos ao visinho.
Usará o proprietário da acção de ãamno infecto. O particular
deste caso, além de se fundar a acção no dominio e não na posse,
sem, aliás, a excluir, é que offerece o Codigo meio de defesa
até contra o condomino da parede, e, com mais forte razão,
contra quem não tenha o direito de usar delia.
Veja-se; Correia Tellks e Teixeira de Freitas, Doutrina clis
acções, § 97.
Se a obra estiver acabada, a caução será dada para que
não use delia quem a fez ou possue, pois o damno se teme neste
caso, do uso das obras e não dellas mesmas, em si inoffensivas
para o visinho.

Art. 583 — Não é licito encostar á parede


meia, ou á parede do visinho, sem permissão
sua, fornalhas, fornos de forja ou de fundição,
apparelhos hygienicos, fossas, cano de esgoto,
depósitos de sal, ou de quaesquer substancias
corrosivas, ou susceptíveis de produzir infiltra-
ções danininhas.
Paragrapho único. Não se incluem na pro-
hibição deste e do artigo antecedente as chami-
nés ordinárias, nem os fornos de cozinha.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente,


mas o visinho dispunha de acção para defender-se do damno em
casos semelhantes.
Legislação comparada — Vejam-se o artigo antecedente e o
578. A fonte do Codigo, neste dispositivo, foi o Codigo Civil
de Zurich, arts. 177 e 178, combinado com o art. 2.338 do Codigo
Civil portuguez.
123
DA PEOPKIEDADE

Projectos — Esboço, art. 3.690; Coelho Rodiigites,


Beviláqua, 674 e 675; Revisto, 680, que modificou a n.
teria, ajuntando-lhe o disposto no Codigo Civil portuguez.

Observações — 1. — As fornalhas, os fornos de 01


fundição, ou outros semelhantes, pelo damno possive , 1
motivar o pedido de caução, ainda quando afastados a E ^
v
isinha, segundo o prescripto no artigo antecedente. A<:'cie^
0
ar.t, 583 que o proprietário não os pôde encostai á pai ^
visoria, commum ou não, sem permissão do visinho, que p ^
evitar essa construcção por embargos de obia nova, ou p
demolição delia, se feita clandestinamente. (Vejam-se eork ■
Tkli.es e Teixeira de Freitas, Doutrina das acçoes, §§
2. — Os fossos, apparelhos higiênicos, depósitos f1„m .
outras substancias susceptiveis de produzir infilti ações ^
nhas, podem ser removidos por decreto judicial, quan o,^
licença do interessada, se encostarem á parede divisoiia
teressado é o proprietário ou usofructuario do prédio con g
Se a parede fôr propriedade exclusiva do dono ( fogSOg)
onde se installam os apparelhos higiênicos, se abi em |íre^0
011
se depositam matérias corrosivas, o visinho não em
de reclamar. . e
Nisto differem estas installações e depósitos dos foie
não é licito construir junto á parede commum ou a '
também delia afastados, pelo damno futuro, que po en
• Confira-se a matéria deste artigo como o

Art, 584 — São prohibidas construcçoes ca-


pazes de polluir, ou inutilizar para o uso
fiario a agua do poço ou fonte alheia, a e ^,
preexistentes.

Direito anterior — Não havia disposição conesponden


lei geral.
Legislação comparada — Foi esta regra de direito trans ^
dada do Codigo Civil de Zurich, art. 181, que, P01 sua
encontrou no Codigo da Prússia, art. 129.
124 CODIGO CIVIL

Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.472; Beviláqua, 6745;


Revisto, 681.

Observação — Não é necessário que as construcções dam-


nosas se levantem no prédio contiguo. São prohihiãas as con-
strucções capazes de polluir ou inutilizar, diz o Codigo. A cir-
cumstancia da proximidade ou visinhança não apparece na lei.
E bem se comprehende que alguém, que não se ache na con-
tiguidade do poço ou da fonte, lhes possa estragar as aguas.
Mas, observa Schneider, commentando o Codigo Cixil de
Zurich, este principio não se applica, de modo absoluto, e sim
de accordo com as circumstancias. Se, por exemplo, através do
meu campo de cultura, passa o conducto das aguas da fonte de
outrem, que não tem o cuidado de trazer a sua canalização em
bom estado, posso, na defesa de meu campo, impedir que as
aguas o enxarquem, fazendo-as deter-se nas proximidades do
cond.icto, ainda que dahi resulte prejuízo para a pureza dellas,
porque a culpa é do dono da fonte, que não conserva a sua
canalização em estado conveniente.

Art. 585 — Não é permittido fazer excava-


ções que tirem, ao poço ou á fonte de outrem,
a agua necessária. E', porém, permittido fazei-
as, se apenas diminuirem o supprimento do poço
ou da fonte do visinlio, e não forem mais pro-
fundas que as deste, em relação ao nivel do
lençol d'agua.

Direito anterior — Não havia disposição expressa; mas a


doutrina era differente (Coelho da Rocha, Inst., § 592).
Legislação comparada — A fonte do dispositivo foi o Co-
digo Civil de Zurich, art. 182. Differentemente dispunham o
D. 39, 3, fr. 1, § 12, e fr. 21, e o Codigo da Prússia, art. 130,
que, neste caso, não viam senão o poder absoluto do proprie-
tário do solo, que podia nelle emprehender as obras que lhe
conviesse. •
DA PROPRIEDADE 125

Projectos — Coelho Rodrigues, aft. 1.473; Beviláqua, 677,


Revisto, 682.

Observações — 1. ■— Prescrevia o direito romano, cum eo,


Qui in suo foãiens vicini fontem averterit nihü posse agi..- Sl
non animo vicini nocendi, sed suum agrum melioiem facienãi,
id fecit (D. 39, 3, fr. 1, § 12); e mais; Si in meo aqua arrumpat
quae ex tuo f%indo venas habet, si eas venas incideris, et ol) id
desierit ad aqua pervenird, tu non viãeris vi fecisse, si nulla
servitus mihi eo nomine debita fuerit. (D. eod. fi. 21).
O direito do proprietário era absoluto, salvo se procedia
má fé, ou se se achava o seu prédio vinculado a uma servidão.
Outro é o ponto de vista do Codigo Civil pátrio. Sem duvida o
Proprietário pôde fazer excavagões no seu prédio; mas o seu
direito está limitado pelo direito do dono da fonte, a quem a lei
Quer assegurar a agua necessária, embora permitta diminuir
a
quantidade. Os direitos equilibram-se, limitando-se reciproca-
mente .
2- -— Não é necessário que sejam contíguos o prédio, ond
oxiste a fonte ou o poço e aquelle, em que se fazem as exca
Ções. Attende-se á direcção do lençol d'agua, que pode sei
tado, mais acima ou mais em baixo, produzindo o mesmo damno.
2 ■ O uso e as applicações das aguas da fonte ou do p Ç
d que, em cada caso, determinarão a quantidade necessai i
Se
u dono.
4- — As eruditas e sempre eloqüentes explanações cii '
^e Pereira a este artigo não conseguiram, no meu s
demonstrar que o sentimento de equidade e de humanidaa0
que se funda seja falso ou se tenha tornado impecilho P
Sresso industrial ou scientifico. Se ha um interesse collec ivo,
tolitur qnaestio, desapropria-se o terreno com a fonte. Mas, co
locados indivíduo em frente a indivíduo, tanto vale o p q
agricultor, que vive do seu campo, fertilizado poi sua on
quanto o grande industrial, que explora um hotel de luxo ou
u
m sanatório para opulentos. E o equilíbrio dos direitos es
e
m que, o uso que do seu alguém faça não impoite na ini
z
ução do direito alheio, ainda que indirectamente e por ^
conseqüência; está em que supporte cada um as limitações que
Puta o seu interesse decorrem da coexistência.
126 CODIGO CIVIL

A moderna jurisprudência franceza dá razão ao Codigo Civil


brasileiro (Planiol et Ripert, III, n. 540).

Art. 586 — Todo aquelle que violar as dis-


posições dos arts. 580 e seguintes é obrigado a
demolir as construcções feitas, respondendo por
perdas e damnos.

Direito anterior — Em casos idênticos ou semelhantes, era


admittida a acção demolitoria, modalidade da de manutenção,
de que tratam Correia Telles e Teixeira de Freitas, na Dou-
trina cias acções, § 96.
Projectôs — Este artigo é da Commissão do Governo. (Actas,
pag. 165; Projecto revisto, art. 683).

Observação •— A obrigação de demolir as construcções feitas


contra a lei e contra direito de outrem é a sancção natural do
preceito prohibitivo, que foi violado. Essa obrigação, porém, só
se torna effectiva, se o prejudicado usar da acção competente,
que é a demolitoria, facultada ao proprietário, como ao pos-
suidor, sem se desviar do rito processual, que lhe é proprio.

Art. 587 — Todo o proprietário é obrigado


a consentir que entre no seu prédio, e delle,
temporariamente, use, mediante prévio aviso, o
visinlio, quando seja indispensável á reparação
ou limpeza, construcção e reconstrucção de sua
casa. Mas, se dalii lhe provier damno, terá di-
reito a ser indemnizado.
Paragrapbo único. As mesmas disposições
applicam-se aos casos de limpeza ou reparação
dos esgotos, gotteiras o apparellios bygienicos,
assim como dos poços e fontes já existentes.
DA PROPRIEDADE 127
Direito anterior — Não havia disposição correspondente.
Legislação comparada — Codigo Civil de Zurich, artigos
183-186, de onde procede o preceito; portuguez, 2.314.
Projectos — Coelho Rodrigues, arts. 1.474-1.476; Beviláqua,
678-680; Revisto, 684.

Observações — 1. — Na Jurisprudência, I, ps. 331-372, João


Marques dos Reis censurou este artigo (592 do Projecto da
Gamara) sob fundamento de que é uma exorbitante restricção
ao direito de propriedade.
Não me parece fundada a critica. Em primeiro logar, note-se
que não se pôde mais, em nossos dias, ter da propriedade um
conceito de absolutismo exclusivista, e sim é forçoso comprc-
hendel-a como uma relação jurídica subordinada ás exigências
do interesse collectivo e aos esclarecimentos da razão social.
Depois, a historia do artigo mostra bem que essa norma veiu
de um paiz, onde se cultiva, com fervor, a liberdade e o direito,
a
Suissa, cujo Codigo Civil, art. 695, fez menção de outras re-
stricções semelhantes.,
Finalmente, se o direito autoriza a passagem, pelo terreno
^isinho, para dar sahida ao prédio encravado, porque se ha de
estranhar que o proprietário possa entrar no prédio visinho para
repaiar o seu, quando de outro modo não o podia fazer? Quando
indispensavei á reparação, limpeza, construcção ou reconstrucção
da sua casa? E Coelho da Rocha, inst., § 591, fundado no Co-
digo da Prússia, já nos familializara com uma disposição se-
uielhante.
No Pí ojecto primitivo, no Revisto e no da Camara, não se
falava em construcção, porque para construir ninguém necessita
de entrar no prédio alheio. Esse accrescimo exorbitante, em que
uão lepaiou o jurista bahiano, é que tirou ao direito o seu fun-
damento, qual era a necessidade de evitar o prejuízo de um
Proprietário, mediante ligeira restricção ao direito de outro.
Ti atava-se do Hamtnerschlagsrecht do direito germânico, inappli-
cavel ás novas construcções (Schneider, ao art. 183 do Codigo
Civil de Zurich). Foi o Senado que, sem attender á parti-
Nularidade do caso, ampliou o direito ás construcções (emenda
h- 584).
128 CODIGO CIVIL

2. — O direito conferido por este artigo está subordinado


ás seguintes condições:
a) Não poder o trabalho ser feito senão da parte do prédio
visinho, como quando é necessário rebocar o oitão de uma casa,
que fecha um dos lados do pomar visinho. Quando seja indis-
pensável, diz o Codigo.
ft) Aviso prévio ao proprietário. Além de uma prova de
acatamento ao seu dominio, este aviso serve para que o visinho
tome as cautelas, que achar convenientes.
c) Responsabilidade pelos damnos causados.
d) O uso da propriedade alheia deve ser no tempo e pelo
modo menos incommodo ao dono. Quer dizer: ao dono do prédio,
embora obrigado a consentir que nelle entre o visinho com os
materiaes para o concerto, não se pode recusar o direito de exigii
que o não incommodem, além do que fôr estrictamente neces-
sário.
No Projecto primitivo (art. 679) está expressa esta clausula,
como no de Coelho .Rodrigues (art. 1.475), e no Codigo Civil de
Zurich, art. 185. Supprimiu-a o Projecto revisto, mas ella se
impõe pela força da razão, e deve considerar-se comprehendida
nas condições do aviso prévio e da responsabilidade pelos damnos.

Do direito de tapagem

Art. 588 — O proprietário tem direito a


cercar, murar, vaiar ou tapar, de qualquer
modo, o seu prédio, urbano ou rural, confor-
mando-se com estas condições.
§ 1.° Os tapumes divisórios entre proprie-
dades, presumem-se communs, sendo obrigados
a concorrer, em partes eguaes, para as despesas
da sua construcção e conservação, os proprie-
tários dos immoveis confinantes.
§ 2.° Por tapumes entendem-se as sebes
vivas, as cercas de arame ou de madeiras, as
vallas ou banquetas, ou quaesquer outros meios
de separação dos terrenos, observadas as di-
DA PROPRIEDADE 129

inensões estabelecidas em posturas mimicipaes,


de accôrdo com os costumes de cada localidade,
comtauto que impeçam a passagem de auimaes
de grande porte, como sejam gado vaccum, ca-
vallar e muar.
§ 3.° A obrigação de cercar as propriedades
para deter, nos seus limites, aves domesticas e
auimaes, taes como cabritos, porcos e carneiros,
<pie exigem tapumes especiaes, cabe exclusiva-
mente, aos proprietários e detentores.
§ 4.° Quando for preciso decotar a cerca
viva, ou reparar o muro divisório, o proprietá-
rio terá direito de entrar no terreno do visinlio,
depois de o prevenir. Este direito, porém, não
exclue a obrigação de indemnizar ao visinlio
ledo o damno, que a obra Ibe occasione.
§ 5.° Serão feitas e conservadas as cercas
marginaes das vias publicas pela administração,
a quem estas incumbirem, ou pelas pessoas ou
emprezas, que as explorarem.

Direito anterior — O principio do artigo corresponde a uma


íegra de direito geralmente reconhecida. Os tres primeiros para-
graphos reproduzem o dec. 1.787, de 28 de Março de 1907.
Os dois últimos são innovações.
Legislação comparada — Quanto ao principio do artigo:
Codigo Civil portuguez, art. 2.346; francez, 647; italiano, 442;
hespanhol, 388; suisso, 697; boliviano, 386; chileno, 844; uru-
guayo, 593; venezuelano, 529.
A matéria dos paragraphos não tem correspondentes exactos
1108
Codigos Qivis. Vejam-se: Codigo Civil francez, art. 666 e
seguintes (lei de 20 de Agosto de 1881); italiano, 565-569; por-
tuguez, 2.347-2.353; allemão, 919 e 921; uruguayo, 594 e segs.;
chileno, 841) e segs.; boliviano, 401-406; venezuelano, 671 e segs.;
hue tratam do assumpto, ainda que differentemente.
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 9
130 CODXGO CIVIT-.

O paragrapho 4.° teve origem no Codigo Civil de Zurich,


art. 163; e o 5.° é do Projecto Coelho Rodrigues, que, neste
ponto, não reproduz o Codigo Civil de Zurich, que lhe fôra
modelo, nesta matéria.
Projectos — Coelho Rodrigues, arts. 1.444-1.448; Revisto, 685.
O Projecto primitivo não continha esta sub-secção relativa ao
direito de tapagem; regulava o assumpto como condomínio de
cercas e vallos, arts. 750-753.
líibliogTaphia — Trabalhos do Senado, III, p. 18; L. T. L e
A. T. L., Divisões, demarcações e tapumes ps. 114-124; Coelho
da Rocha Inst., § 591 Dias Ferkexba, Codigo Civil Português
aos arts. 2.347 e 2.353; Planxol, Traité, I, ns. 1.090-1.096, 1.228-
1.242; Planxol et Ripert, III, ns. 443 e segs.; Huc, Commen-
taire, IV, ns. 310-317; Baüdry-Lacantinerxe et Chauveau, Des
hiens, ns. 923-1.013; Zachariae, Droit Cicil français, II, §§ 321-
325; Auuiiv et Rau, Cours, II § 199.

Observações — 1. — O principio do artigo estabelece um


preceito, que é manifestação clara do direito de propriedade.
Cada proprietário tem o direito de cercar, tapar ou murar o
seu prédio, sujeitando-se aos regulamentos locaes, no que con-
cerne ao modo de fazel-o.
Se o prédio fôr urbano, as normas a applicar são as dos
arts. 642-645, aliás communs ao rural, Sendo desta ultima classe,
além dos citados artigos, applicam-se, os §§ do artigo 5'88.
Desses artigos resalta o pensamento' de que as despesas de
tapagem, entre prédios ruraes confinantes, são communs. Dahi a
obrigação de concorrerem para ellas os respectivos proprietários.
Esta obrigação modifica,, em conseqüência da contiguidade dos
terrenos e da situação jurídica da visinhaça, o direito procla-
mado no principio do art. 588, que se nos apresenta sob esta
outra forma: cada proprietário rural tem o direito de cercar
ou tapar o seu prédio, e acção para obrigar, judicialmente, o
confinante a concorrer para a construcção e conservação de ta-
pumes divisórios. Este accrescimo de direito redunda em uma
restricção, porquanto, se o proprietário tem direito de cex-car o
seu prédio, não o tem de deixal-o em aberto, se o confinante
o convida a separal-o.
DA PROPRIEDADE 131
2. — Os tapumes divisórios, para cuja construcção e con-
seivação os confinantes são obrigados a concorrer, em partes
eguaes, são os definidos no § 2.", os destinados a impedir a pas-
sagem de animaes de grande porte. Os tapumes especiaes serão
construídos por quem delies necessitar, sem que possa constran-
ger o visinho a coadjuvai-o.
__ 3. o § 4.° estabelece um principio semelhante ao consa-
giado no art. 587, facultando ao proprietário a entrada no terreno
do visinho, quando fôr necessário decotar cerca viva ou reparar
o mui o divisório, respondendo pelos damnos que causar.
íjote paragrapho, juxtaposto aos antecedentes, não conserva
a mesma linguagem, denunciando diversidade de origem; mas
deve entender-se que a faculdade, concedida para a entrada no
tmieno visinho, se refere a qualquer tapume, que tenha de ser
epaiado. Não poderá, porém, usar o visinho dese direito, sem
as
cautelas necessárias, sem o aviso prévio, e de modo a ser o
menos incommodo que lhe fôr possível. Se o tapume fôr com-
mum, como, geralmente, acontecerá, será dispensada a entrada
no
prédio confinante, porque o visinho fará de sua parte o que
ídi necessário. Somente no caso de desaccordo é que será oppor-
tuno reccorrer a esse direito excepcional.
" O § 5." attribue á Administração a construcção e con-
seivação de cercas marginaes das vias publicas.
Deve entender-se esta prescipção a respeito das cercas ao
longo das estradas de ferro, de rodagem ou outras, que muitas
vezes, se levantam para defesa das obras e segurança das pes-
S0as ass
' im como para impedir que das terras particulares en-
tiem animaes para a via publica, perturbando o transito e dando
motivos a questões.
Não pretende o § 5.° impôr á administração municipal, es-
tadual ou federal a obrigação de ladear todas as estradas de
ceicas, e dispensar os proprietários de construil-as, segundo os
seus interesses dictarem. Onde, porém, o interesse publico exigir
que se construam, as despesas serão da Administração publica
0
n da empreza, que explorar a estrada.
132 CODIGO CIVIL

SECÇÃO YI

Da perda da propriedade immovel

Art. 589 — Além das causas de extincção


consideradas neste Codigo, também se perde a
propriedade inimovel:
I. Pela alienação.
II. Pela renuncia.
III. Pelo abandono.
IY. Pelo perecimento do immovel.
§ 1.° Nos dois primeiros casos deste artigo,
os effeitos da perda do dominio serão subordi-
nados á transcripção do titulo transmissivo, ou
do acto renunciativo, no registro do logar do
immovel.
§ 2.° O immovel abandonado arrecadar-se-á
como bem vago, e passará, dez annos depois, ao
dominio do Estado ou ao do Districto Federal,
se se achar nas respectivas circumscripções, ou
ao da União, se estiver em território ainda não
constituído em Estado.

Diroito anterior — Não se adiava systematizada esta ma-


téria; mas as causas extinctivas da propriedade immovel eram
as mesmas.
Legislação comparada — Vejam-se; Codigo Civil allemão,
art. 928; suisso, 66; francez, 539; argentino, 2.304-2.610.
Projectos — Esl)Oço, arts. 4.272 e 4.273; Coelho JtoúviQues,
1.511-1.512; Beviláqua, 681 e 682; Revisto, 686.
Bibliographia — Lafayette, Direito cias coisas, §§ 89-92;
Lacebda de Almeida, Direito cias coisas, §§ 50-5"3. Aãcle: Theoria
geral, §§ 74 e 75.

Observações — 1. — As causas de extincção da propriedade


immovel não indicadas nesta secção, vêm a ser usocapião e a
DA PROPRIEDADE 133

accessão, realizadas ambas em detrimento do proprietário an-


terior.
2. — O Codigo distingue o abandono da renuncia. Nesta, ha-
verá sempre a manifestação expressa da vontade. O titular do
direito delle se despoja, declaradamente. No abandono, o pro-
prietário deixa o que é seu, com a intenção de não o ter mais
em seu patrimônio, porém, não manifesta a sua intenção.
O abandono, porém, não se presume. Deve resultar de actos
que o indiquem de modo positivo (Lafayette, Direito cias coisas,
§ 35, 2). Veja-se o art. 78.
3. — O immovel abandonado, passados dez annos, será con-
siderado bem vago e entrara para o domínio do Estado, onde
se achar, ou para o do Districto Federal se nessa curcumccripção
estiver situado, ou para o da União, se se encontrar no território
do Acre. A lei n. 3.725, de 15 de Janeiro de 1919, harmonizou
este dispositivo com o art. 1.594, referente á herança vaga.
Prevaleceu a opinião de Almeida e Souza contra a de
LapayetteF Pensava este que o interesse particular, neste caso,
devia ter preferencia, e, consequentemente, que o immovel aban-
donado podia ser occupado por outrem, e sustentava aquelle que
0 ac
^ to do abandono devolvia o immovel ao Estado.
O Codigo somente considera o abandono consumado no fim
de dez annos. Durante este tempo, ha para o Estado uma espe-
ctativa de direito, e para o proprietário um prazo para que se
Possa arrepender. Consequentemente, apezar do abandono, con-
sidera-se o immovel como do proprietário, até que, decorrido o
prazo de dez annos, entre para patrimônio publico.
Não foi, portanto, nenhuma das duas opiniões a que pre-
valeceu, e sim uma terceira distanciada de ambas.
Se ha renuncia expressa, inscripta no registro de immoveis,
0
prédio é, desde logo, considerado vacante e, como tal, do pa-
trimônio publico.

Art. 590 — Também se perde a propriedade


immovel, mediante desapropriação 'por necessi-
dade ou utilidade publica.
§ 1.° Consideram-se casos de necessidade pu-
blica ;
134 CODIGO CIVIL

I. A defesa do território nacional.


II. A segurança publica.
III. Os soccorros públicos, nos casos de ca-
lamidade.
IV. A salubridade publica.
§ 2.° Consideram-se casos de utilidade pu-
blica :
I. A fundação de povoaçÕes e de estabele-
cimentos de assistência, educação ou instrucção
publica.
II. A abertura, alargamento ou prolonga-
mento de ruas, praças, canaes, estrada de ferro,
e, em geral, quaesquer vias publicas.
III. A construcção de obras, ou estabeleci-
mentos, destinados ao bem geral de uma locali-
dade, sua decoração e bygiene.
IY. A exploração de minas.
Direito anterior — O mesmo, salvo quanto ao n. 1, do § 2.",
que tinha maior amplitude, e ao n. IV do mesmo paragrapho,
que agora se accrescenta. Constituirão, art. 72, § 17; Lei de
9 de Setembro de 1826, arts. I.0 e 2.°; Lei n. 353, de 17 de Julho
de 1845, arts. I.0 e 35; Lei n. 816, de 10 de Julho de 1885;
dec. numero 1.021, de 26 de Agosto de 1903.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 545; ita-
liano, 438; suisso, 666; hespanhol, 349; argentino, 2.610; uru-
guayo, 492 (na edição de 1914; da secção, a que pertence este
artigo somente elle foi conservado, por não ser a matéria con-
siderada de direito civil, e porque as innovações da lei de 22 de
Março de 1912 pareceram destinadas a provocar reclamações que
lhes determinassem modificações); boliviano, 290; venezuelano,
art. 525.
Projectos —'Esboço, arts. 4.288, 4.289 e 4.297; Beviláqua,
683-685; Revisto, 687.
Bibliographiá— Teixeira de Freitas, Consolidação, arts. 63-
64, e as notas respectivas; Carlos de Carvalho, Direito, civil,
arts. 841-844 e 846; João Barbaliio, Constituição federal, ao
DA PROPRIEDADE 135

art. 72, § 17. Solidonio Leite, Desapropriação por utilidade pu-


blica, ns. 1-9, e 13-17; Celso Spinola, Desapropriação por neces-
sidade, ou utilidade publica; F. Whitaker, Desapropriação;
Aaeãõ Reis, Direito administrativo, ns. 447 e segs.; Viveiros de
Castro, Sciencia da administração e direito administrativo,
2.a ecl., ns. XLVII-LVI; Planiol, Traité, I, ns. 1.149-1.155; Pla-
niol et Ripert, III, n. 339; Huc, Gommentaire, IV, ns. 93-107;
Auèry et Rau, Cours, II, § 193; Charmont, Les transformations
du droit civil, c. XIV; Roth, System, III, § 246; Cihbali, Nuova
fase, ns. 143-156; G. Lagré Sille, vl). Exphpriaion, na Grande
Bncyclopeãie; Cezare Caglx v. Expropriazione, no Dizzionario de
Scialoje e Busatti; A, Buciialet," Lei de requisição, na Revista
Jurídica, vol. XXIII, ps. 562 e segs.; Costa Carvalho, Do di-
reito de desapropriação, 1933; J. Oliveira e Cruz, Da desapro-
priação, em face do nossa direito constitucional; Salvat, op.
ait- I, ns. 668 e segs.; Octavio Meira, do direito de desapropriação.

Observações —- 1. — A matéria da desapropriação por neces-


sidade ou utilidade publica é da espliera do direito publico, por-
que é o constitucional que a fundamenta, e o administrativo que
a desenvolve e adapta ás condições da vida collectiva. Apparece
n
o direito civil, simplesmente, como um dos modos pelos quaes
se extingue a propriedade. Ficaria incompleta a theoria da pro-
Piiedade, no direito civil, se não mencionasse a desapropriação
Por necessidade ou utilidade publica.
2. -— o fundamento da desapropriação é a preponderância
(1
o interesse publico sobre o privado, quando os dois se acham
e
ni collisão. Tanto é falsa a doutrina dos que vêem nessa restri-
oçâo imposta ao direito de propriedade, a acção do domínio emi-
nente, attribuido ao Estado, sobre todos os bens, que se acham
no território, onde elle exerce a sua soberania, como a daquelles
qne imaginam uma reversão da propriedade individualizada a
Piopriedade collectiva, por deliberação do Estado.
al
— Aqui se trata da desapropriação dos immoveis, que,
iás, é a mais commum. Não repugna, porém, ao direito a des
apropriação de outros bens. O Codigo Civil, art. 660, applica a
desapropriação ao direito autoria!; os privilégios industriaes
Podem ser desapropriados; o dec. n. 11.860, de 9 de Dezembio
136 CODXGO CIVIL

de 1915, considerou os navios nacionaes susceptíveis de desa-


propriação por necessidade publica; e o regulamento approvado
pelo dec. n. 14.027, de 21 de Janeiro de 1920, art. 3.°, letra c,
permitte a requisição e a desapropriação de generos alimentícios
e de primeira necessidade.
A lei n. 4.265, de 15 de Janeiro de 1921, art. 13, declara que
as minas podem ser desapropriadas, para exploração industrial,
nos termos do art. 590, § 2.°, n. 4, do Codigo Civil. E o dec.
numero 15.211, de 28 de Dezembro de 1921, art. 16, paragrapho
único, manda applicar a essa desapropriação o regulamento ap-
provado pelo dep. n. 4.959, de 9 de Setembro de 1903, com as
modificações trazidas pela legislação federal.
3-a. — As minas podem ser desapropriadas, para a explo-
ração industrial; mas se o proprietário a estiver lavrando já
não se torna necessária a desapropriação, porque se ella se
desapropria para ser explorada, em beneficio da industria, des-
apparece o fundamento dessa medida, quando o proprio dono
utiliza a mina (lei n. 4.26^, art. 31, § 4.°).
Ha, porém, um caso em que não se attende senão á neces-
sidade publica. E' o da segurança e defeza nacionaes. Este caso
está previsto pelo Codigo Civil, art. 591, I e II. Não tinha ne-
cessidade a Constituição reformada de declarar, no art. 72, § 17,
que as minas e jazidas mineraes, necessárias á segurança e á
defeza nacionaes e as terras onde existirem não podem ser trans-
feridas a estrangeiros. E' uma simples expressão de desconfiança
que, em nada, fortalece a defeza e a segurança do paiz.
3-b. — Entrou em duvida se os prédios possuídos pelas nações
estrangeiras para as suas embaixadas, legações ou consulados,
podiam ser desapropriados pela União. Não ha, porém, razão
para suppor-se que os privilégios diplomáticos se estendem aos
prédios onde habitem os representantes dos Estados estrangeiros
(Whitaker, Desapropriação n. 21). Não ha porção do território
nacional sobre a qual não se exerça o poder soberano da União,
quando a necessidade publica se faz sentir.
Censuraram alguns o systema do direito pátrio, que dis-
tingue duas ordens de causas, que autorizam a desapropriação: a
necessidade e a utilidade publica. Não ha, realmente, diferença
alguma, quer de effeitos, quer de processos, entre a desapro-
priação por necessidade publica e a desapropriação por utilidadé
geral. Todavia é incontestável que os casos mencionados çomc)
DA rROPBXEDADE 137

de necessidade apresentam um caracter de maior gravidade e


urgência, do que os de utilidade, e esta consideração justifica
a distincção tradicional do direito pátrio.
5. —• Nos processos de desapropriação não são admisiveis
embargos á immissão de posse, porquanto, se taes embargos
fossem permittidos, quando' a desapropriação é julgada urgente,
ficariam inteiramente burlados os fins visados pelo legisladoi.
o da necessidade immediata da medida, e o da celeridade do
processo (Acc. do S. Tribunal Federal, n. 3.258, de 25 de Agosto
de 1922, publicado do Diário Official, de 15 de Dezembro do
mesmo anno.
6- — Os prédios de mais de 5 andares, divididos em apai-
tamentos pertencentes a diversos donos, só podem ser desapropiia-
dos na totalidade (decreto n. 5.481, de 25 de Junho de 1929,
art. 7).
7. — O decreto-lei n. 1.283, de 18 de Maio de 1939, dispoz
sobre o processo de desapropriação, retirando ao Poder Judiciai io
0
direito de avériguar e decidir se o caso é, ou não, de necessi-
dade ou utilidade publica, cuja enumeração na lei é apenas
exemplificativa (art. 2), e considerando pagamento prévio o de-
posito do preço, se o desapropriante ou terceiros se oppuzerem
ao pagamento do preço arbitrado, allegando que o immovel lhe
Pertence, e o juiz verificar que ha duvida sobre o domínio.
Dá-se ao desapropriado o direito de disputar o preço pox acção
própria (art. 3). E' manifesta a inconstitucionalidade deste dis-
positivo, além de que põe o proprietário a mercê do desapiopii
ante, de modo injusto e conturbante do equilíbrio das eneigias
sociaes bem orientada-s.
8.. — O decreto-lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941, eliminou
a dualidade dos agrupamentos de causas. Todas são de utilidade
Publica. Todos os bens podem ser desapropriados por esse
fundamento (art. 2). Os casos de utilidade publicas são os se-
guintes; segurança nacional; defeza do Estado; socorro publico
em caso de calamidade; salubridade publica; creação e melho-
uamento de centros de população, seu abastecimento regular do
meios de subsistência; o aproveitamento industrial das minas e
jazidas, das aguas e da energia hydraulica; a assistência publica,
us obras de hygiene e decoração, casas de saúde, clinicas, estações
de clinica e fontes medicinaes, exploração ou conservação dos
serviços públicos; abertura, conservação e melhoramento de vias
138 CODIGO CIVIL

ou logradouros públicos; execução de planos de urbanização;


loteamento de terrenos edificados on não, para sua melhor utili-
lização econômica, hygienica ou technica; funccionamento dos
meios de transportes collectivos; preservação e conservação dos
monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em
conjuntos urbanos ou ruraes, bem como em medidas necessárias
a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou cara-
cterísticos e, ainda, a protecção das paisagens e locaes particular-
mente dotados pela natureza; preservação e conservação ade-
quada de archivos, documentos e outros bens moraes, de valor
histórico ou artístico; construcção de edifícios públicos, monu-
mentos commemorativos e cemitérios; creação de estádios, aeró-
dromos, de campos de pouso para aeronaves; reedição ou divul-
gação de obras ou invento de natureza scientifica, artística ou
literária; os demais casos previstos por leis especiaes (art. 5).
A declaração da utilidade publica far-se-á por decreto do
Presidente da Republica, Governador, Interventor ou Prefeito
(art. 6.)
Declarada a utilidade publica, ficarão as autoridades admi-
nistrativas autorizadas a penetrar nos prédios submettidos á desa-
propriação, podendo recorrer, em caso de opposição, ao auxilio
da força policial. Os abusos de poder dão causa a indemnização,
sem prejuízo da acção penal (art. 7).
Ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação,
decidir se se verificam, ou não os casos de utilidade publica
(art. 9).
Não havendo accordo entre o desapropriante e o desapropriado
intentar-se-á a desapropriação judicialmente, na forma estabe-
lecida nos arts. 11 e seguintes.
Se o desapropriante allegar urgência, e depositar quantia
arbitrada de conformidade com o art. 685 do Codigo de Processo
Civil, o juiz mandará imitil-o, provisoriamente, na posse dos bens
(art. 15).
A contestação só poderá versar sobre vicio do processo ju-
dicial ou impugnação ao preço; qualquer outra questão deverá
ser decidida por acção directa (art. 20).
Se o juiz verificar que ha duvida fundada sobre o domínio,
o preço ficará em deposito, resalvada aos interessados a acção
própria para disputal-o (art. 34, § único).
DA PROPRIEDADE 139

Art. 591 — Em caso de perigo imminente,


como guerra ou coiumocão intestiua (Coustitui-
ção Federal, art. 113,17), poderão as autoridades
competentes usar da propriedade particular, até
onde o bem publico o exija, garantido ao pro-
prietário o direito á indenmização posterior.
Paragraplio único. Nos demais casos, o pro-
prietário será previamente indemnizado, e, se
recusar a indenmização, consignai-se-lhe-á, judi-
cialmente, o valor.

Direito anterior — O mesmo (Constituição federal art. 72,


§ 17; lei de 9 de Setembro de 1826, art. 8.°; Teixeira de Frei-
tas Consolidação, arts. 67 e 68; Carlos de Carvalho, Direito
cípíZ, arts. 844, § l.0-3.0, e 845).
ITojectos — Beviláqua, arts. 686 e 687; Revisto, 688.

Observações — 1. — O Projecto primitivo e o revisto, at-


tendendo a que a Constituição exigia indemnizaçáo prévia, como
requisito da legitimidade da desapropriação, não se animaram
a modificar, nos casos urgentes, essa exigência constitucional.
Mas, tendo o Supremo Tribunal de Justiça do Maranhão ponde-
rado, que, assim dispondo o Codigo, não haveria differença nos
casos regulados pelo artigo anterior e por este {Trabalhos da
Gamara, II, p. 30, 2." col.), a observação captou a adhesão de
Luiz Domingues, relator da Commissâo especial, e o artigo foi
alterado, eliminando-se a condição da indemnizaçáo prévia (Tra-
balhos da Gamara, III, ps. 90-91, e VI, ps. 243 e 247).
E' incontestável que as requisições militares, em tempo de
guerra, autorizadas pela pratica das nações, não podem, em
muitos casos, soffrer delongas, como não o pode o uso da pro-
priedade particular, nem os Projectos desconheciam a anormali-
dade e a urgência desses casos, tanto que os destacavam, dispen-
sando-os de toda formalidade. Mas é certo que, ainda assim,
a exigência da indemnizaçáo prévia é estorvante.
Dever-se-ia, portanto, entender a Constituição como exigindo
a indemnizaçáo prévia nos casos ordinários, em tempo de paz. Sus-
140 CODIGO CIVIL

pensas, porém, as garantias constitucionaes, no theatro da guerra


ou da commoção intestina, era licito ás "autoridades competentes
usar da propriedade particular, até onde o bem publico o exijisse,
garantido ao proprietário o direito á indemnização posterior".
Nessas emergências, não era o art. 72, § 17, da Constituição, que
dominava a situação, mas sim o art. 80.
Cumpre, também observar que o Codigo fala neste artigo,
não de desapropriação, mas do uso da propriedade, que não
importa na extincção do direito, senão quando as coisas são
consumiveis, ou se destroem com o uso a que as submetam.
A Constituição de 1934, normalizou a situação attendendo
ao caso de perigo imminente, como guerra ou commoção intestina,.
para autorizar o uso da propriedade particular até onde o bem
publico o exija, resalvando o direito de indemnização ulterior;
(art. 113, n. 17).
2. — A lei n. 4.263, de 14 de Janeiro de 1921, regulou as
requisições militares. Ver em Solidonio Leite Filho, Requisi-
ções militares, a legislação attinente a esta matéria, e o respe-
ctivo commentario.
3. — Veja-se a observação 8 ao art. anterior.

CAPITULO III

Da acquisição e perda da propriedade movei

SECÇÃO I
Da occupaçâo
Art. 592 — Quem se assenhorear de coisa
abandonada, ou ainda não apropriada para logo
lhe adquire a propriedade, não sendo essa oc-
cupaçâo defesa por lei.
Paragrapho único. Volvem a não ter dono
as coisas moveis, quando o seu as abandona, com
intenção de renuncial-as.

Direito anterior — Conforme, pelo subsidio do direito ro-


mano.
DA PRODIUEDADE 141
Legislação comparada — Inst, 2, 1, § 47; D. 41, 1, fr. 3, pr.:
Quvcl nullius est iã ratione naturali occupanti conccditur; 41, 7
ir. l, tSires pro ãerelicto hcibita sit statim nostrd esse ãesinit et
occupantis statim fit; D. eodem, frs. 2-8; Codigo Civil allemão, ar-
tigos 958 e 959; suisso, 718; austríaco, 3-81, 382 e 386; italiano,
711; portuguez, 383 e 430; hespanhol, 610; argentino, 2.525;
chileno, 606; uruguayo, 706; peruano, 877; venezuelano, 788; do
Montenegro, 78 842 e 843; japonez, 239. O Codigo Civil francez
não destacou este onodo de adquirir.
^ Projectos — Estwço, arts. 4.082 e 4.127; Felicio dos Santos,
1-269; Coelho Rodrigues, 1.517. Beviláqua, 699 e 700; Revisto,
art, 690.
Bibliog-raphia — Lafayette, Direito das coisas, § 33; La-
cekda, Direito das coisas, § 15; Ribas, Curso, ps. 416-425;
Pereira, Manual, VII., n. 128; Coelho da Rocha, Dist., § 410;
Planiql, Traité, I, ns. 1.300-1.304; Planiol et Ripert, III, nu-
mero 589; Huc, Commentaire, V. ns. 4 e 5; Aubry et Rau,
Cours, II, § 201; Zachariae, Droit civil français, II, § 294;
PuFxVoiR, Propriété et contrai, p. 11; Endemann, Lehrhuch, § 86;
Roth, System, III, § 245; Derkburg, Pand., I, 203; Windsoheid,
Rand., I, § 184; Chiroxi, Inst., § 135; Gianturco, Isth, § 47;
Pias Ferreira, Codigo Civil portuguez, ao art. 383; Rossel et
Mextha, Droit civil suisse, II ps. 86-87 e 98; Kohler, Lehrbuch,
H. 2.a parte, §§ 68 e 69; Salvat, op. cit., I, ns. 128 e segs.

Observações — 1. — Occupação é a tomada de posse de


uma coisa sem dono, com a intenção de adquiril-a para si. Ou.
attendendo mais á linguagem da lei, é o modo original de
adquirir, pelo qual alguém se assenhoreia de coisa sem dono.
As coisas sem dono são as que nunca foram apropriadas
Ç es nullius), e as que o proprietário abandona ou renuncia
O es derelictae). As coisas communs (res covvmunes omnium).
também são susceptíveis de apropriação parcial, como quando
alguém apanha um pouco d'agua no rio publico.
Sao condições da occupação: agente capaz; coisa sem dono,
e
permissão legal, que se entende haver, sempre que não ha
prohibição.
2. O abandono não se presume; deve resultar da mani-
festa intenção de renunciar a propriedade ou a posse. Às coisas
142 CODIOO CIVIL

alijadas ao mar, por occasião de mau tempo, e as que vêm dar


á costa, em conseqüência de naufrágio, não são abandonadas.
Continuam a pertencer aos seus donos.
3. — Quando o abandono, ou renuncia, é feito na intenção
de beneficiar alguém, ha doação. Consequentemente, se outrem
se apoderar da coisa abandonada, não a terá adquirido.
4. — O dec. n. 5,573, de 14 de Novembro de 1928, auto-
rizou leilões de volumes ou objectos que forem, na fôrma da
lei, julgados abandonados nas repartiçõés publicas. Para esse
fim estabeleceu certas normas e determinou que do saldo apu-
rado, quando proveniente de leilões effectuados nas estradas de
ferro, dez por cento seriam deduzidos em favor da respectiva
Caixa de Aposentadoria e Pensões.

Art. 593 — São coisas sem dono e sujeitas


á apropriação:
I. Os animaes bravios, emquanto entregues
ã sua natural liberdade.
II. Os mansos e domesticados, que não fo-
rem assignalados, se tiverem perdido o habito
de voltar ao logar, onde costumam recolher-se,
salvo a hypothese do art. 596.
III. Os enxames de abelhas anteriormente
apropriados, se o dono da cqlmeia, a que per-
tenciam, os não reclamar, immediatamente.
IV. As pedras, conchas e outras substan-
cias mineraes, vegetaes ou animaes, arrojadas as
praias pelo mar, se não apresentarem signal de
dominio anterior.

Direito anterior — O mesmo, segundo o subsidio do direito


romano.
Legislação comparada — Inst., 2, 1, §§ 12, 14, 15, 16 e 18;
D. 1, 8, fr. 3; 41, 1, frs. 1, § 1.°; 3, § 1.°; 5.° §§ l.0-6.0; e 44;
Codigo Civil allemão, art. 960-964; austríaco, 384; portuguez, 468:
argentino, 2.527; peruano, 877.
DA PROPBIEDADE 143
Vejam-se, ainda: Codigo Civil francez, 714 e 717; italiano,
713 a 719; portuguez 400-403; argentino, 2.545; chileno, 620;
hespanhol, 612 e 617; uruguayo, 718; venezuelano, 790 e 797;
mexicano, 870-874; do Montenegro, 76 e 77.
Projectos - Esboço, arts. 327 e 4.040; Felicio dos Santos,
1-277: Beviláqua, 703; Revisto, 691.

CONSELHO—FuX J "N" * t DO TRABALHO


la, REGIÃO
Observação — Este artigo exemplifica, somente, não fixa
nem enumera as coisas, que podem ser apropriadas pelo oc-
cupante.

Da caça

Art. 594 Observados os regulamentos


administrativos da caça, poderá ella exercer-se
nas terras publicas, ou nas particulares, com
licença do seu dono.

líireito anterior — A caça nas terras particulares não cer-


cadas independia de autorização do dono (Teixeira de Freitas,
Consolidação, arts. 886 e 888; Carlos de Carvalho, Direito civil,
art. 410).
Legislação comparadaNa França, o exercicio da caça
está i egulada pelas leis de 3 de Maio de 1844, 20 de Dezembro
de 1872, 22 de Janeiro de 1874, 18 de Julho de 1889, art. 5.°.
15 de Fevereiro de 1898, e 3 de Abril de 1911. Vejam-se: Codigo
Civil italiano, art. 712; hespanhol, 611; e venezuelano, 789, que re-
mettem a matéria para as leis especiaes. Consultem-se, também:
Codigo Civil portuguez, art. 384; argentino, 2.542; chileno, 622;
uiuguayo, í 08-711; peruano, 878 e 879; suisso, 699, mexicano,
856 e 857.
Projectos — Esboço, arts. 4.094 e 4.095; Felicio dos Santos,
1-271; Coelho Rodrigues, 1.532 e 1.533 (differente); Beviláqua,
715; Revisto, 693.

Observações 1. — A caça e a pesca, ainda que figuras


juiidicas individualizadas, são modalidades da occupação, e se
144 COWGO CIVIL

acham submettidas ás prescripQões municipaes. O Codigo limita-se


a fixai certos pontos, que a legislação especial respeitará e poderá
desenvolver.
O Codigo, neste artigo, mostra-se mais respeitador da pro-
priedade do que o direito anterior, não autorizando a invasão
das terras particulares, ainda as não cercadas ou valladas, sem
licença do dono. O direito romano assegurava ao proprietário o
direito de impedir a caça em suas terras (Inst., 2, 1, § 12, in
meclio).
2. Ivsta matéria está hoje regulada, especialmente, pelo
decreto-lei n. 1.210 de 12 de Abril de 1939, Codigo de Caça, cujos
dispositivos mais interessantes se acham resumidos no Direito das
coisas, § 45, III, para onde remetto o leitor.

Art. 595 — Pertence ao caçador o animal


por elle apprehendido. Se o caçador for no en-
calço do animal e o tiver ferido, este llie perten-
cerá, embora outrem o tenha apprebendido.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — Inst., 2, 1, §§ 12 e 13, cuja solução
é differente quanto ao animal perseguido, que podia ser objecto
de apprehensão de outrem. No sentido do Codigo Civil bra-
sileiro dispõem; o portuguez, art. 388; o argentino, 2.540 e 2.541;
o uruguayo, 714; o chileno, 617 e 618; e o mexicano, 859-860.
Projectos — Esboço, arts. 4.092 e 4.093; Felicio dos Santos,
1.272 e 1.273; Beviláqua, 713 e 714; Revisto, 692.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 34, 2; La-
cerda, Direito das coisas, § 16; Coelho da Rocha, Inst., § 411;
Planiol, Traité, I, n. 1.310; Huc, Commentaire, V, n. 8; Bufnoir,
Propriété et contrai, ps. 13-17; Dias Ferreira, Codigo'Civil por-
tuguez, aos arts. 388-390.

Observação — E' da apprehensão do animal bravio ou da


ave sylvestre, que resulta a propriedade do caçador, estejam elles
vivos ou mortos. Se o animal ferido foge, e o caçador lhe vae
DA XMÍOPxMEDADE 145
no encalço, a apprehensão está iniciada pelo ferimento, e con-
tinúa pela perseguição; consequentemente, o animal perdeu a
sua condição de res nullius, embora a possa readquirir, se a
perseguição resultar infructifera.

Art. 596 — Não se reputam animaes de caça


os domesticados, que fugirem a seus donos, em-
quanto estes lhes andarem á procura.

Direito anterior — Não bavia desposição expressa.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.544;
do Montenegro, 741. Vejam-se, também: chileno 623; uruguayo,
709, in fine; e portuguez, 400 e 401.
Projectos — Esboço, arts. 4.680 e 4.088; Beviláqua, 718;
Revisto, 696.

Observações — 1. — Para o direito civil, os animaes clas-


sificam-se em: a) mansos, os que pertencem ás especies, que
vivem, ordinariamente, sob a dependência do homem, como o
boi, o cavallo, o cão, a gallinha; 5) clomesticaclos, os que, sendo
bravios de natureza, habituam-se a viver com o homem, cuja
morada procuram: in sylvam ire et reãire solent; c) bravios,
ou sylvestres, os que andam livres e independentes do homem,
seja nos bosques, nos ares ou nas aguas.
2. — Os animaes domesticados, se perdem o costume de
voltar ao dono, e readquirem a primitiva liberdade, tornam-se
bravios; e podem ser legitimamente apprehendidos por outrem.
Não assim os mansos, quando embravecem, como o boi que
amonta.
3- — E' licito matar os animaes ferozes, emquanto fugidos
de sua clausura.

Art. 597 — Se a caça ferida se acolher a


terreno cercado, murado, vallado ou cultivado,
o dono deste, não querendo permittir a entrada
do caçador, terá que a entregar, ou expellir.
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 10
146 CODXGO CIVIL,

Direito anterior Não havia disposição expressa.


Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 389,
e mexicano, 861.
Contra: chileno, art. 617, ultima parte,
liojectos Esboço, art. 4.096, de onde foi extrahido o
artigo; Felicio dos Santos, 1.21 Beviláqua, 716; Revisto, 694.

Observações 1. — Se o terreno estiver em aberto e não


fôr cultivado, o caçador pôde sem offensa do disposto, neste e
no artigo seguinte, nelle penetra para colher a caça ferida em
cuja perseguição vae.
2. — Este artigo apenas applica o preceito estabelecido no
art. 595, 2.a parte. O animal ferido e perseguido pelo ^caçador
entende-se pertencer-lhe, ainda que outro o apprehenda; por-
tanto, se se acolhe a terreno cercado, nesse terreno cahiu objecto
de outrem. Ver em Planiol et Ripeet, III, n. 597, como o caso
é resolvido no direito francez.

Art. 598 — Aquelle que penetrar em ter-


reno alheio, sem licença do dono, para caçar,
perderá para este a caça, que apanhe, e respon-
der-lhe-á pelo damno, que lhe cause.

Direito anterior — Era permittido caçar em terreno aberto.


Legislação comparada — Semelhante; Codigo Civil argen-
tino, art. 2.543; chileno, 610; uruguayo, 711. Vejam-se, também, o
portuguez, art. 390.
Projectos — Esboço, art. 4.097 (fonte); Beviláqua, 717;
Revisto, 695.

Observação A responsabilidade pelo damno é uma appli-


cação do principio geral. O direito romano incluía o caso entre
os de culpa aquiliana. A perda da caça é uma punição civil da
violação do direito, praticada pelo caçador. A caça não é ,acces-
n.v pkophie;)ai)e 147

sorio do sólo; não é, portanto, por ser dono do prédio invadido


que alguém adquire a caça ahi apanhada; é, sim, em satisfação
ao seu direito, e em punição do acto illicito do caçador.

Da pesca

Art. 599 — Observados os regulamentos ad-


ministrativos, licito é pescar em aguas publicas,
ou nas particulares, com o consentimento do
seu dono.

Direito anterior — Semelhante (Teixeira de Freitas, Con-


solidação, art. 886; Carlos de Carvalho, Direito civil, ax't. 411).
Legislação comparada — Vejam-se: Codigo Civil italiano,
art. 712; hespanhol, 611; portuguez, 395; argentino, 2.347 e 2.549;
venezuelano, 789; chileno, 622; peruano, 483 e 488; mexicano,
868 e 869.
Para o direito francez vejam-se o art. 715 do Codigo Civil
e as leis de 15 de Abril de 1829, 6 de julho de 1840 e 31 de
Maio de 1863.
Pfojectos — Esboço, art. 4.101; Felicio dos Santos, 1.281;
Voelho Rodrigues, 1.257-1.531 (seguiu o systema de concessões
ou privilégios); Beviláqua, 722; Revisto, 699.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 34; La-
oerda, Direito das coisas, § 16; SÁ Pereira, Manual cit., VIII,
n
n
- 135; Coelho da Rocha, Inst., § 4.12; Planiol, Traitó, I,
s. 1.311-1.317; Plaxiol et Ripert, III, ns. 599 e segs.; Huo,
Gommentaire, V. ns. 10-14; Aubky et Rau, Cours, II, § 201, b;
Büfnoir, Propriété et contrai, ps. 17-19; Dias Ferreira, Codigo
Civil portuguez, aos arts. 395-397; Kohler, Lebrbuch, II 2.a par-
lo» § 68; Salvat, op. cit. I, ns. 734 e segs.

Observações — 1. — A industria da pesca está regulada


Por lei federal, quando exercida em aguas da União. A lei federal,
que se occupava desta matéria, era a de n. 2.544, de 4 de Janeiro
(
le 1912, cujo art. 73, § 2.°, é o do teor seguinte: "Em regula-
niento especial, que o Poder Executivo decretará para immediata
148 CODIGO CIVIL

execução da creação das inspectorias de pesca, deverá prohibir


o emprego de substancia venenosas e explosivas, e o escoamento
de resíduo das fabricas nos rios: determinará quaes os apparelbos
de pesca permittidos, dimensões das malhas das rêdes, tempo e
local para a pesca; dimensões das diversas especies; distancias
da costa, a que é permissivel a pesca de arrasto por barcas a
vapor, e zonas especiaes, em que estes barcos podem operar, e
as condições em que serão concedidas as licenças para a pesca
em barcos a vapor, acautelados os interesses dos pescadores pela
concessão de garantias e favores para, quanto possível, assegu-
rar-lhes lucro do seu trabalho, na concorrência com os apparelhos
da pesca moderna".
2. — Está regulada, actualmente, esta matéria pelo Codigo
de pesca, decreto-lei n. 974, de 19 de Outubro de 1938, cujo
resumo se encontra no Direito das coisas, § 45, IV.
Vejam-se os decretos seguintes: Leis n. 2.566, de 6 de Se-
tembro de 1940, sobre garantias de empréstimo aos industriaes
do pescado; n. 2.601, de 19 de Setembro do mesmo anno,
sobre isenção de selo e emolumentos para as certidões de nasci-
mento e os attestados necessários á matricula de pescador; e
n. 3.832 de 18 de Novembro de 1941, sobre a situação, perante
o Instituto de Aposentadoria e Pensões, dos pescadores e indiví-
duos empregados em profissão connexa com a industria da pesca.
O regulamento previsto por esse dispositivo foi publicado e
mandado observar pelo dec. n. 9.672, de 17 de julho do mesmo
anno de 1912, que creou a Inspectoria de Pesca, lhe prescreveu
as funcções, e firmou normas referentes ao exercício da pesca.
Actualmente vigora o Codigo de Pesca, decreto-lei n. 974,
de 19 de Outubro de 1938, cujo art. 5 foi modificado pelo de-
creto-lei n. 1.709, de 27 de Outubro de 1939. Remetto o leitor
para essa legislação especial e para o meu Direito das coisas,
I, § 45, IV.
Os serviços de pesca ficam subordinados, em todo o Brasil
ao Ministério da Agricultura pelo orgão competente, que é o ser-
viço de Caça e Pesca do Departamento Nacional de Producção
Animal e pelo citado Codigo de Pesca.
3. — A pesca da baleia está regulada pela convenção inter-
nacional, firmada em Genebra a 24 de Setembro de 1931, entre
vários paizes, á qual o Brasil adheriu (Diário Ofjicial de 18 de
Novembro de 1933).
DA PROPRIEDADE 119

Art. 600 — Pertence ao pescador o peixe,


que pescar, e o que, arpoado ou farpado, per-
seguir, embora outrem o colha.

Direito anterior — Conforme o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — Inst., 2, 1, §§ 2.° e 12; Codigo
Civil argentino, art. 2.547; chileno, 617, l.a parte, e 618.
Projectos — Esboço, arts. 4.099 e 4.100; Beviláqua, 720 e
721; Revisto, 698.

Art. 601 — Aquelle que, sem permissão do


proprietário, pescar em aguas alheias, perderá
para elle o peixe, que apanhe, e responder-lhe-á
pelo damno, que lhe faça.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente.


Legislação comparada — Codigo Civil uruguayo, art. 712;
chileno, 616.
Projectos — A formula deste artigo, analogo ao 598, é da
Commissão da Camara, (Trabalhos, VI, p. 592).

Art. 602 — Nas aguas particulares, que


atravessem terrenos de muitos donos, cada um
dos ribeirinhos tem direito de pescar do seu lado,
até ao meio dellas.

Direito anterior — Não constava esta regra do direito es-


cripto.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.548.
Veja-se, também, o portuguez, 397.
Projectos — Esboço, art. 4.103; Beviláqua, 724; Revisto, 701.
150 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — As aguas particulares pertencem aos


lespectivos donos, que podem impedir o uso dellas, a quem quer
que seja. Os ribeirinhos, sendo senhores das aguas até ao meio,
não podem pretender apanhar peixe além. Seria invadir a pro-
priedade alheia e crear uma communhão, que não corresponde
ao seu titulo, nem ao uso normal e innocuo das aguas. Para
que lhes seja licito pescar além do meio, será necessário ou
que a sua propriedade tenha extensão correspondente, ou que
hajam adquirido o direito de fazel-o.
2. — O exercício da pesca está regulado pelo Codigo de Pesca.
São do domínio publico todos os animaes e vegetaes, que se en-
contrem nas aguas publicas dominicaes (art. 4). Somente aos
brasileiros é facultado exercer e explorar, profissionalmente, a
pesca (art. 5). E' permittido o exercício da pesca, em todo o
teuitorio da Republica, mediante licença, aos brasileiros maiores
de 16 annos (art. 6). Isenta-se dessa exigência a pesca de
caniço ou linhas de mão, feitas de terra (§ 1.°).

Da invenção

Art. 603 — Quem quer que ache coisa alheia


perdida, ha de restituil-a ao dono ou legitimo
possuidor.
Paragrapho único. Não o conhecendo, o in-
ventor fará por descobril-o, e, quando se lhe não
depare, entregará o objecto achado á autoridade
competente do logar.

Direito anterior — Semelhante (Codigo Penal, art. 331,


n. 3.°; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 890).
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 965;
austríaco, 388 e 389; italiano, 715; portuguez, 414 e 415; hes-
panhol, 615; suisso, 720; argentino, 2.532-2.534; chileno, 629;
uruguayo, 725'; venezuelano, 792; do Montenegro, 82 e 83
Vejam-se também: Inst., 2, 1, § 48; D. 6, 1, fr. 67; Codigo
Civil francez, art. 717, in fine; peruano, 515; japonez, 240; ita-
liano, 715; portuguez, 414; allemão, 965; argentino, 2.532 e 2.534;
chileno, 629.
DA PEOPEIEDADE 151

Projectos — Esboço, art. 4.088, 1.°; Coelho Rodrigues, 1.518-


1.519; Beviláqua, 704 e 705; Revisto, 702.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 35; La-
ceuda, Direito das coisas, § 15; SÁ Pereira, Manual cit., VIII,
ns. 136 e segs.; Coelho da Rocha, Inst., § 416; Code Civil al-
lemand, publié par le Comitê de lég. étr. ao art. 965; Ende-
mann, Lehrhuch, II, § 87; Planiol et Ripebt, III, ns. 59^ e segs.;
Saivat, op. cit., I, ns. 785 e segs.

Observações — 1. — Na technica do Codigo Civil, a invenção


não é modo de adquirir coisas moveis, como era no direito
romano. Nem a considera o Codigo êspecie da occupação, como
alguns autores ensinam, nem modo independente, como pre-
tendem outros. A invenção ou achado apenas cria uma relação
jurídica da qual nascem obrigações e direitos para o inventor:
obrigação de restituir o objecto achado; de fazer diligencias para
encontrar o dono; e, ainda, de responder pelos damnos, se agir
dolosamente; direito de exigir uma recompensa, e de ser inde-
mnizado das despesas que tiver feito, com a coisa achada. O in-
ventor é um negotiorum gestor de modalidade particular.
Este modo de regular a especie provém da consideração de
que a coisa perdida pertence ao dono, ejus eam esse, cujus fuerat;
não é coisa abandonada, derelicta. Não se extingue a proprie-
dade pelo facto da perda, senão decorrido tanto tempo quanto
o necessário para a coisa ser considerada vaga ou ser adquirida
por usocapião. A invenção do thesouro é caso particular de
accessão.
2. — Lafayette capitula como invenção a apropriação de
pedras, pérolas, conchas, coral, ambar e outras substancias na-
turaes, que o mar aroja á praia. Taes coisas, na systematica
do Codigo Civil, sendo nullius, adquirem-se por- occupação. Se
por ventura, alguém as encontrou e não se apropria dellas,
guardando-as ou assignalando-as, para indicar a sua occupação,
Pôde outrem, legitimamente, ôccupal-as.

Art. 604 — O que restituir a coisa achada,


nos termos do artigo precedente, terá direito a
152 CODKJO CIVIL

uma recompensa e á indemnização pelas des-


pezas, que houver feito com a conservação e
transporte da coisa, se o dono não preferir
abandonal-a.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente.


Legislação comparada — Codigo Civil allemão arts. 970 e
971; suisso, 722, 21a parte; hespanhol, 615, in fine; argentino,
2.533; peruano, 520.
Vejam-se também: italiano, 718; austríaco, 391; português,
418; venezuelano, 795; do Montenegro, 86.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.520; Beviláqua, 706;
Revisto, 703.

Observações — 1. — A achada da coisa, só por si, dá direito


á recompensa, em todos os casos, quer appareça o dono, quer
este a abandone.
O Codigo não determina o quantum da recompensa. Deixa
essa determinação ao aprazimento das partes, e, não se accor-
dando ellas, á fixação pela autoridade.
2- — A indemnização pelas despesas com a conservação da
coisa é devida, sempre que taes despesas tiverem sido feitas.
Não tem, porém, o inventor direito a despesas úteis. Somente
lhe sãn devidas as necessárias á conservação da coisa, e, ainda,
as de transporte, se a tiver de remetter ao dono. Se este pre-
ferir abandonal-a, desapparecem, naturalmente, estas ultimas des-
pesas, ou correrão por conta do inventor, se as fez, não obstan-
te o abandono. Mas a coisa abandonada pode ser objecto de
legitima occupação, nos termos do art. 592.

Art. 605 — O inventor responde pelos pre-


juízos causados ao proprietário ou possuidor
legitimo, quando tiver procedido com dolo.

Direito anterior — Silencioso.


DA PROPRIEDADE 153

Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 968; do


Montenegro, 90; portuguez, 420.
Projectos — Beviláqua, art. 707; Revisto, 704.

Observação — O inventor, ainda que a relação juridica da


invenção corresponda a uma gestão de negocios alheios, não
responde senão por damnos, que tenham provindo de seu dólo,
como se, intencionalmente, deteriorou a coisa, se do uso inde-
vido a que a applicou, resultou prejuízo, se a alienou.

Art. 606 — Decorridos seis mezes do aviso


á autoridade, não se apresentando ninguém, que
mostre dominio sobre a coisa, será esta vendida
em hasta publica, e, deduzidas do preço as des-
pesas, mais a recompensa do inventor (artigo
604), pertencerá o remanescente ao'Estado, ou
ao Districto Federal, se nas respectivas circum-
scripções, se deparou o objecto perdido, ou á
União, se foi achado em território ainda não
constituido em Estado.
Direito anterior — As coisas achadas e manifestadas á au-
toridade competente, sem se descobrir o dono, assim como os
bens do evento (semoventes), eram consideradas bens vagos, e
estes eram attribuidos á União se apparecidos no Districto Fe-
deral ou no Território do Acre, e aos Estados, nos outros casos
(Theoria geral ão direito civil, §§ 42 e 45).
Legislação comparada — O Codigo Civil uruguayo, artigo
726, divide o producto da venda, em hasta publica, do objecto
achado, entre o inventor e a Junta economico-administrativa do
Departamento; o argentino, 2.535, deixa o remanescente, depois
de deduzidas as despesas de conservação e o prêmio do inventor,
á municipalidade do logar do adiamento; o chileno, art. 630,
divide o producto da venda, depois de tiradas as despesas, entre
o inventor e a municipalidade.
154 CODIGO CIVIL

Um outro grupo de Codigo attribue a propriedade da coisa


achada ao inventor, depois de decorrido um prazo, que varia de
extensão: — Codigo Civil allemão, arts. 973 e 975 (um anno);
italiano, 717 (dois annos); austríaco, 392 (um anno) ; hespanhol,
615, 4.11 parte (dois annos); suisso, 722 (cinco annos); vene-
zuelano, 794 (um anno); peruano, 521 (seis mezes); portuguez,
419 (se a coisa não exceder o valor de tres mil réis, o prazo
é de 45 dias; será de um anno se o valor exceder de tres mil
réis); do Montenegro, 87 (dois annos). Varia, também, o modo
de contar o prazo.
Projectos — Beviláqua, art. 708; Revisto, 705,

Do thesouro
Art. 607 — O deposito antigo, de moeda ou
coisas preciosas, enterrado ou occulto, de cujo
dono não haja memória, se alguém, casualmente,
o achar, em prédio alheio, dividir-se-á, por
egual, entre o proprietário deste e o inventor.

Direito anterior — O mesmo, na essencia, segundo o direito


romano. Contra: Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 211, 7i,
que considera o thesouro bem vago.
Legislação comparada — Inst., 2, 1, § 39; D. 41, 1, fr. 31,
§ 1.°: thesaurus est vetus quaedam depositio pecuniae cujus non
extat memória; ut jam dominum non hahet: sic enim fit ejus qui
invenerit, quod non alterius sit; Cod. 10, 15', 1. única; Codigo
Civil francez, art. 716; italiano, 714; hespanhol, 351 e 352; argen-
tino, 2.551 a 2.556; chileno, 625 e 626; uruguayo, 720 e 721;
boliviano, 441 e 442; venezuelano, 719; japonez, 241.
O peruano não define o thezouro, mas determina que se o
divida entre o dono do terreno e o achador (arts. 887 e 889).
O allemão, 984, não se refere á casualidade do descobrimento,
e exige apprehensão; o autriaco, 398 e 401, attibue ao inventor
uma terça parte do thesouro; o suisso, 723, concede-lhe uma
gratificação, que poderá chegar até á metade do valor do the-
souro; o portuguez, 423 e 424, considera thesouro o deposito de
coisas preciosas feito ha mais de trinta annos, e attribue ao
achador um terço delle.
DA PROPRIEDADE 155

O mexicano, que trata do assumpto nos arts. 875 e segs.,


exige a casualidade do descobrimento, e contém (art. 878) uma
disposição digna de apreço: se os objectos descobertos forem in-
teressantes para a sciencia ou para as artes, serão adquiridos
pela nação, por seu justo preço; o qual se distribuirá entre o
dono do immovel e o descobridor.
Projectos — Esboço, arts. 4.104-4.126; Felicio dos Santos,
1.291 e 1.293; Coelho Rodrigues, 1.521 e 1.522; Beviláqua, 710;
Revisto, 706.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 35, 3 e 4;
Lacerda, Direito das coisas, § 15; SÁ Pereira, Manual cit.,
ns. 140 e segs.; Coelho da Rocha, Inst., § 416; Planiol, Traité,
I. ns. 1.320-1.329; Planiol et Ripert, III, ns. 605 e segs.; Huc,
Commentaire, V, ns. 15 e 16: Atjbry et Rau, Cours, II, § 201, 3.°;
Zachariae, Droit civil français, § 294; Bufnoir, Propriété et
contrai, ps. 20-23; Endemann, Lehrbuch, II, § 88; Roth, System,
III, § 24^, III; Dernburg, Pand., I, § 206; Windscheid, Pand.,
I. § 184; Kohler, Lehrbuch, II, 2.a parte, § 73; Dias Ferreira,
Codigo Civil portuguez, aos arts. 423-427; Salvat, op. cit., I, ns.
"46 e segs.

Observações — 1. — Divergem os autores quanto á classi-


ficação do modo de adquirir o thesouro. Invenção affirmam uns
Que seja, outros, occupação, e outros, accessão. Esta ultima pa-
rece a melhor doutrina, porque o thesouro é adquirido pelo
proprietário do immovel, onde se achava occulto. O direito do
descobridor é nma recompensa por ter restituido á vida eco-
nômica ou intellectual da sociedade coisa esquecida, porém ainda
ntil (Dernburg).
2. — Não sendo occupação o modo de adquirir pela achada
do thesouro, o requisito da apprehensão é excusado. Basta que
o inventor tenha descoberto o deposito de coisas preciosas, para
que lhe seja devido o prêmio, ainda que outrera delle se apodere.
Outra é a construcção jurídica do Codigo Civil allemão, art. 984,
que exige a tomada de posse (wird... in Besitz genommen)
para que o inventor possa ter direito á metade do thesouro.
3. — São característicos do thesouro: a) Ser um deposito
antigo de moedas ou coisas preciosas. São coisas reunidas e in-
156 CODIGO CIVIL

tencionalmente occultas em determinado logar (no sólo, numa


parede, no forro da casa). &) Não havei' memória cio seu dono.
Se se provar que pertence a alguém, será coisa perdida. Pelo
decurso do tempo, já se lhe não pode attribuir a propriedade
a este ou áquelle. Por isso define o Codigo deposito antigo, vetus
ãepositio, e accrescenta: ãe cujo dono não haja memória, c)Estar
occulta em um immovel {em prédio alheio). O Codigo não con-
sidera thesouro o deposito, que se encontre em um movei, porque
o movei não offerece condições para a vetustidade do thesouro.
Pela transmissão da propriedade do movei se poderá conhecer
a quem pertençam as coisas preciosas nelle encontradas. E' ainda
quando faltem provas, a occultação será sempre de data relativa-
mente recente. Em doutrina, porém, não repugna que o thesouro
se occulte em coisa movei.
4. — O adiamento do thesouro deve ser casual, para dar
direito ao inventor. O que penetra em prédio alheio, no intuito
de fazer pesquizas de thesouro, commette um acto illicito, que o
direito não autoriza e muito menos pôde premiar. Neste caso, o
thesouro pertencerá integralmente, ao dono do prédio (art. 608).

Art. 608 — Se o que achar for o senhor do


prédio, algum operário seu, mandado em pes-
quiza, ou terceiro não autorizado pelo dono do
prédio, a este pertencerá, por inteiro, o thesouro.

Direito anterior — Conforme, segundo o direito romano.


Ijegislação comparada — Inst., 2, 1, § 39; Cod., 10, 15,
I única; Codigo Civil francez, art. 716. initio; italiano, 714.
Projectos — A formula deste artigo é da Commissão do
Governo, que tomou por modelo Lafayette, Direito das coisas,
§ 35. Frojecto revisto, art. 707.

Observações — 1. — O proprietário do prédio estende o


seu direito a tudo quanto nelle se acha encravado ou a elle
adhere. O thesouro, pois, que é uma coisa movei, que a ninguém
DA PROPRIEDADE 157
pertence, é considerado, accessorio do immovel, onde se acha,
e como tal o. adquire o dono do prédio.
2. — O operário, pesquizando por ordem do dono do prédio,
nenhum direito adquire em relação ao thesouro, que achar, por-
que está agindo como preposto, e sob as ordens do proprietário,
Para o fim de descobrir o deposito, que se suppõe soterrado.
Se, porém, no exercicio de outra funcção, casualmente, deparar
o thesouro, cabe-lhe o direito á metade do que achou.
3. — Terceiro não autorizado pelo dono. Este modo de
dizer não traduz, com fidelidade, o pensamento da lei. O terceiro
uao autorizado a investigar no prédio alheio a existência de
thesouros é, precisamente, quem pôde fazer jús á metade delle,
porque o achará casualmente. O autorizado á busca terá o di-
reito, que lhe conceda o proprietário. O Codigo quer significar
que não terá direito á metade do thesouro aquelle que, sem au-
torização do dono do prédio, nelle entrar e ahi descobrir the-
souro.
Lafayette, disse; "O thesouro pertence todo ao senhor do
prédio, se foi achado:... c) Por terceiro que o descobre em acto
de pesquiza intencional não autorizada", Esta idéa de autoriza-
ção aqui não é descabida; mas no artigo obscurece a regra.
Melhor fora pol-a de parte como se fez na lei única do Codigo
lomano, 10-15 in médio: si... in alieno loco thesaurum scrutatus
invenerit, totum hoc domino locorum redãere compellahir.

Art. 609 — Deparando-se em terreno afo-


bado, partir-se-á, egualmente, entre o inventor
e o empliytenta, ou será deste por inteiro,
quando ele mesmo seja o inventor.
IMreito anterior — Ponto não regulado; mas outra era a
lição de Lafayette, Direito das coisas, § 151, A, 2. Os autores
divergiam.
Legislação comparada. — Semelhante: Codigo Civil por-
tuguez, art. 424, paragrafo único.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.2^] Beviláqua, 782,
S." parte; Revisto, 811.
158 CODXGO CIVIL

Art. 610 — Deixa de considerar-se tliesouro


o deposito adiado, se alguém mostrar que llie
pertence.

• Direito anterior — Corollario do conceito de tliesouro.


Projectos — Beviláqua, art. 712; Revisto, 708,

Observação — Por definição, ignora-se quem preparou e


depositou o tliesouro, tão remota se considera essa operação. Se
alaguem provar que são suas as coisas preciosas depositadas,
deixam ellas de ser tliesouro. O deposito é recente, e tem dono.
Não poderá o dono do prédio invocar usocapião contra
aquelle que se apresenta como dono do tliesouro, porque não
tinha sua posse, ignorava até a sua existência. Não sendo o
tliesouro formação natural adherente aq sólo, a accessão não
actua sobre elle, senão porque elle não tem dono, e esta condi-
ção falta ao caso agora considerado.

SECQÃO II

Da especificação

Art. 611 — Aquelle que, traballiando em


matéria prima, obtiver especie nova, desta será
proprietário, se a matéria era sua, ainda que só
em parte, e não se puder restituir á forma
anterior.

Direito anterior — Recorria-se ao direito romano.


Legislação comparada — Inst., 2, 1, § 25: si ea cpecies aã
materiam reãuci possit, eum videri dominum esse qui materiae
dominus fuerit; si non i)ossit reduci eum potius intelligi domi-
num qui fecit. Quod si partim ex sua matéria partim ex aliena
especiem aliquam fecerit quis...eum esse dominum qui fecerit,
eum nom solum operam suam dedit, seã et partem ejusdem ma-
teriae proestavit; D. 41. 1, fr. 7, § 7.
DA PROPRIEDADE 159
Vejam-se: Codigo Civil francez, art. 572; italiano, 469; chi-
leno, 662, 4.' ai.; uruguayo, 741; boliviano, 716; venezuelano, 556;
argentino 2.567. Estes Codigos consideram commum a especio
nova na proporção do valor da matéria e da mão de obra. Veja-se,
ainda, o japonez, 246, 2.a parte, que attribue a propriedade ao
especificador se o valor da matéria por elle fornecida junto ao
valor da mão de obra exceder o valor da matéria alheia.
Projectos — Esboço, arts. 4.104 e 4.138; Felicio dos Santos,
1.064; Coelho Rodrigues, 1.538; Beviláqua, 725', Revisto, 709.
Bibllographia — Lafayette, Direito das coisas, § 37; La-
cerda, Direito das coisas, § 17; Planioe, I, ns. 1.606 e 1.607;
Huc, Commentaire, V, ns. 160 e 161; Aubry et Rau, Cours, H,
§ 205; Endemann, Lehrbuch, II, § 84; Roth, System, § 248;
Vindscheid, Pand., I, § 187; Dernburg, Pand., I, § 204; Salvat,
0
P. cit., ns. 799 e segs..

Observações — 1. — No direito francez, a matéria deste ar-


tigo e a dos seguintes, collidindo cora a regra en fait de meubles
possession vaut titre, foram por ella supplantadas. Onde, porém,
não prevalece tal principio, como entre nós, se o assumpto não
tem a grande importância, que lhe deram os romanos, merece
a attenção do legislador.
2. — A' especificação é um modo particular de adquirir dif-
ferente da accessão, porque a matéria prima, não podendo voltar
ao estado anterior, se considera extincta. Somente a especie nova
subsiste. Mutata fôrma prope interimit substantiam rei (D. 10,
4, fr. 9, § 3). A acquisição resulta da industria, do trabalho,
creador da especie nova.
Se é possivel volver á forma anterior, não ha especificação,
salvo quando o valor da obra é muito superior ao da matéria
nella empregada. Neste ultimo caso, o valor economico ou ar-
tístico impede o regresso ao estado antecedente. Em attenção
aos fins culturaes da humanidade, não se sacrifica o trabalho
humano valioso, nem se inutiliza a riqueza obtida.
3. O art. 611 considera o caso, em que alguém, traba-
lhando em matéria prima, a transforma e obtém especie nova,

/
160 CODIGO CIVIL

isto é, coisa differente do que antes era. Se a matéria traba-


lhada era do especificador, é claro que continúa em seu dominio.
Se era sua apenas em parte, e não pode volver á fôrma pri-
mitiva, como a estatua feita do bloco de mármore, a especie
nova pertence ao especificador, que indemnizará o dono da ma-
téria de que se apropriou.

Art. 612 -— Se toda a matéria for alheia, e


não se puder reduzir á forma precedente, será
do especificador de boa fé a especie nova.
§ 1.° Mas, sendo praticavel a reducção, ou,
quando impraticável, se a especie nova se obteve
de má fé, pertencerá ao dono da matéria prima.
§ 2.° Em qualquer caso, porém, se o preço
da mão de obra exceder, consideravelmente, o
valor da matéria prima, a especie nova será do
especificador. •'' ■ - .v : :
v
Direito anterior — Quanto ao principio do artigo e ao § 1.°,
prevaleciam as mesmas regras, tiradas do direito romano (Inst.,
2, 1, § 25; D. 10, 4, fr. 12, § 3.°); quanto ao § 2.°, ainda o prin-
cipio exposto era o acceito, segundo a doutrina corrente.
Xiegislação comparada — Semelhante: Codigo Civil portu-
guez, arts. 2.302 e 2.303; argentino, 2.5G7-2.570.
O Codigo Civil allemão, art. 950, attribue a propriedade ao
especificador, salvo se o valor do trabalho fôr muito inferior
ao da matéria empregada. O francez, 570 e 571; o italiano, 468
e 470; o venzuelano, 555 e 557; o chileno, 662; o boliviano, 312
e 313, attribuem a especie nova ao dono da matéria, salvo se
o valor da mão de obra exceder muito ao da matéria prima.
O austriaco, 415, considera a nova especie commum, salvo se o
transformador procedeu de má fé. O suisso, 726, declara que
se o operário estava de má fé, ainda que a obra seja mais
preciosa do que o material, o juiz pôde attribuir a especie nova
ao proprietário da matéria.
DA PROPRIEDADE 161

Projectos — Esboço, arts". 4.134-4.137; Coelho Rodrigues,


1.539; Felicio dos Santos, 1.062; Beviláqua, 726; Revisto, 710.
As soluções adoptadas não são sempre as mesmas.

Observação — A acquisição pela creaçâo de uma especie


nova, pesuppõe a bôa fé do especificador. Sem esse requisito,
terá elle praticado uma apropriação indébita, um furto, que não
pôde gerar direito. Todavia, attendendo ao grande valor da obra
em comparação com o da matéria prima, concede o Codigo ao
especificador a propriedade da especie nova, independentemente
de bôa fé. Esta solução a Commissão do Governo tirou de La-
payette, que, nesta parte, acompanhou o Codigo Civil francez,
desviando-se do direito romano, ao qual se cingira o Projecto
primitivo, salvo quanto aos trabalhos graphicos e á esculptura
em metal.
Sendo a obra de grande valor em relação á matéria, não
se indaga se ella pôde ou não ser reduzida á fôrma anterior
Adquire-a sempre, o transformador, devendo indemnizar o valor
do material. CONSELHO REGIO^L DO TRABALHO
u. R-GIÃO
Art. 613 — Aos prejudicados, nas liypo-
tlieses dos dois artigos precedentes, menos a
ultima do art. 612, § 1.°, concernente á especifi-
cação irreductivel obtida de má fé, se resarcirá
o damno, que soffrerem.

Direito anterior — Era esta a doutrina seguida.


Legislação comparada — Vejam-se o Codigo Civil allemão,
art. 951; francez, 571; italiano, 470; suisso, 726, ultima parte;
argentino, 2.568-2.570; chileno, 662;. venezuelano, 557; uruguayo,
740; boliviano, 316.
Projectos — Esboço, arts. 4.135-4.137; Felicio dos Santos,
1.062 e 1.063; Beviláqua, 627; Revisto, 712.

Beviláqua — Codigo Civil — 3." vol. 11


•162 CODÍGO CIVIL

Observação — Desde que, na especificação, ha o material


de um e o trabalho de outro, e os dois não se tornam condô-
minos, como prescrevem algumas legislações, é forçoso que in-
demnize o outro aquelle que adquire a especie nova.
No caso, porém, de má fé, por parte do especificador, o dono
da matéria nada tem que indemnizar. Este preceito não se ap
plica, porém, ao caso em que uma parte da matéria .pertencia
ao especificador, nem também ao caso do § 2.° do art. 612.

Art. 614 — A especificação obtida por al-


guma das maneiras do art. 62 attribue a pro-
priedade ao especificador, mas não o exime á
indemnização.

Direito anterior — Doutrina acceita, quanto á obrigação


de indemnizar.
Projectos — Beviláqua, art. 619; Revisto, 712.

Observação — Esta remissão tem o valor doutrinário de


classificar a pintura, a esculptura e a escripta como especi-
ficação da téla, do bronze e do papel, e não como simples ac-
cesorio. Veja-se commentario 4, ao art. 62.

SECÇÃO III

Da confusão, commissão e adjuncção

Art. 615 — As coisas pertencentes a diver-


sos donos, confundidas, misturadas ou ajunta-
das, sem o consentimento delles, continuam a
pertencer-lhes, sendo possivel separal-as, sem
deterioração.
§ 1.° Não o sendo, ou exigindo a separação
dispendio excessivo, subsiste indiviso o todo,
DA PROPRIEDADE 163

cabendo a cada um dos donos quinhão propor-


cional ao valor da coisa, com que entrou para a
mistura ou aggregado.
§ 2.° Se, porém, uma das coisas puder con-
siderar-se principal, o dono sel-o-á do todo, in-
demnizando os outros.

Direito anterior — Regia estes casos o direito romano.


Legislação comparada — Inst., 2, 1, §§ 27 e 28; D. 6, 1,
fr. 3, § 2.°; fr. 4 e fr. 5, § 1.°; 41, 1, fr. 27, pr.; Codigo Civil
allemão, arts. 947 e 948; suisso, 727; do Montenegro, 70 e 71;
japonez, 243-245.
Vejam-se também; francez, 566-569 e 573; italiano, 464-467,
e 471; austriaco, 415 e 416; portuguez, 2.299 e 2.301; hespanhol,
375-378 e 382; argentino, 2.594, 2.595, 2.596-2.600; uruguayo,
737-739, 742 e 743; venezuelano, 551-554 e 558; boliviano, 308-311;
mexicano, 916 e 918.
Projectos — Esboço, art. 4.205-4.213; Felicio dos Santos,
1.057-1.060; Coelho Rodrigues, 1.541; Beviláqua, 729; Revisto,
art. 713.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 41 e 42;
Lacerda, Direito das coisas, §§ 21 e 22; Coelho da Rocha, Inst.,
§§ 418 e 419; Endehann, Lehrbuch, II, § 83; Dernburg, Pand.,
I, §§ 209 e 210; Winuscheid, Pand., I, §§ 189-190.

Observação — Considera o Codigo Civil, neste artigo, tres


modalidades de accessão: a contusão, a mistura e a adjuncção.
Na confusão, mesclam-se coisas liquidas, ou liqüefeitas; na mis-
tura, reunem-se coisas seccas; e na adjuncção justapõe-se uma
coisa á outra.
Da confusão e da commissão involutarias, ordinariamente,
resulta o condomínio, por não se poder considerar uma coisa
principal e a outra accessoria. Se a mistura é voluntária, a
relação jurídica será a determinada convencionalmente.
Na adjuncção apparece, normalmente, a coisa principal, a
que se veio unir a accessoria; será um raio que se collocou em
164 CORIGO CIVIL

uma roda, um braço que se ligou á estatua, o verniz que se


passou no movei. Havendo coisa principal e accessoria, o dono
da primeira adquire a segunda indemnizando o dono desta.

Art. 616 — Se a confusão, adjuncção ou


mistura se operou de má fé, á outra parte ca-
berá escolher entre guardar o todo, pagando a
porção, que não for sua, ou renunciar a que lhe
pertencer, mediante indemnizaçáo completa.

Direito anterior — Matéria não regulada.


Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 2.300.
Yejam-se também: hespanhol, 379; argentino, 2.596; me-
xicano, 817. Confira-se com o francez, 576, e o italiano, 474.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.061; Coelho Rodri-
gues, 1.542; Beviláqua, 730; Revisto, 714.

Art. 617 — Se da mistura de matérias de


natureza diversa se formar nova especie, a con-
fusão terá a natureza de especificação, para o
effeito de attribuir o dominio ao respectivo
autor.

Direito anterior — Semelhante de accôrdo com o direito


romano.
Legislação comparada — D. 6, 1, fr. 5, § 1.°, cuja solução,
aliás, diverge da que se lê nas Inst., 2, 1, § 27.
Projectos — Este artigo é da commissão revisora do Go-
verno, que o extrahiu de Lafayette, Direito das coisas, § 42,
in fine (Actas, p. 172); Projecto revisto, art. 730.
0A PKOPRXEDADE 165

Obsei^ação — A solução do artigo é conforme á razão. Nas


fontes romanas, havia controvérsia, da qual dá noticia Ulpiano,
que rejeita a opinião de Pomponio, e que deixou vestigios nas
Institutas e no Digesto, nos logares acima citados. Mas os ro-
manistas alliaram-se ao parecer de Ulpiano, pela bôa razão,
em que se funda, e pureza da doutrina, que consagra. Veja-se
Windscheid, Panei., I, § 189, 3.

secção iv

Do usocapíão
Art. 618 — Adquirirá o dominio da coisa
movei o que a possuir como sua, sem interru-
pção nem opposição, durante três annos.
Paragrapho único. Não gera usocapião a
posse, que se não firme em justo titulo, bem
como a inquinada, original ou surperveniente-
mente, de má fé.

Direito anterior — Era regra acceita com fundamento em


direito romano. Veja-se Carlos dk Carvalho, Direito civil, ar-
tigo 429, I.
Legislação comparada — Inst., 2, 6, pr.; Cod. 7, 31, 1. única;
Codigo Civil portuguez, art. 532; austríaco, 1.460-1.466; hes-
panhol, 1.940, 1.441 e 1.955; chileno, 2.498 e 2.508; uruguayo,
1.212: peruano, 893; boliviano, 1.559; mexicano, 1.151 e 1.153.
O Codigo Civil allemão, art. 937, exige o decurso de dez
annos para o usocapião das coisas moveis; o suisso, 728, e o
do Monetnegro, 91,exigem o lapso de cinco annos.
No direito francez, prevalece o principio — en fait de meu-
bles la possession vaut titre, que, alás, não impede a reivindi-
cação das coisas perdidas ou furtadas, dentro de tres annos (Co-
digo Civil, art. 2.279). Semelhantemente dispõe o Codigo Civil ita-
liano, art. 707, reduzindo a dois anos o prazo da reivindicação
das coisas furtadas ou perdidas. O venezuelano, arts. 783 e
2.061, reproduz o italiano.
Projectos —■ Felicio dos Santos, arts. 1.334, 1.351 e 1.352;
Beviláqua, 696; Revisto, 716.
166 CODIGO CIVIL

Bibliographiíi — Teixeira de Freitas, Consolidação, ar-


tigos 1.319-1.323 as notas respectivas; Lafayette, Direito das
coisas, §§ 64-69; Lacerda, Direito das coisas, §§ 39-43; SÁ Pe
reira, Manual cit., VIII, ns. 158 e segs.; Coelho da Rocha,
Inst., §§ 460-462; Saleilles, De la j)ossession des meuhles, 2.°
estudo, ns. 1 e segs.; Planiol et Ripert, III, 369 e segs.;
Aubry et Rau, Cours, II, § 183; Roth, System, §§ 249 e 250;
Dernbürg, Panã., I, §§ 217-221; Windscheiü, Pand., I, §§ 175-182
Code Civil allemand, publiê par _le Comitê de lég. étr., ao
artigo 937; Salvat, op. cit., I, ns. 982 e segs..

Observação — Para a acquisição da coisa movei em virtude


do usocapião, são necessários os seguintes requisitos: posse con-
tinua e pacifica, justo titulo, bôa fé e decurso de tempo. Sobre
esses requisitos, vejam-se os commentarios ao art. 551.
Para o usocapião dos moveis não entram em consideração
a presença e a ausência das pessoas.

Art. 619 — Se a posse da coisa movei se


prolongar por dez atmos, produzirá usocapião
independentemente de titulo ou boa fé.
Paragrapbo único. As disposições dos arti-
gos 552 e 553 são applicaveis ao usocapião das
coisas moveis.

Direito anterior — O prazo desta prescripção era de trinta


annos (Cod., 7, 33; Ord., 4, 3, § 1.°; Lafayette, Direito das coisas,
§ 70; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 431).
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 532.
Vejam-se, ainda: suisso, 728 (5 annos); uruguayo, 1.214 (6
annos), e do Montenegro, 91 (5 annos); o mexicano exige dez
annos, para usocapião, quando a posse foi adquirida de má fé, e
esses dez annos se contam, depois de extincta a acção penal,
quando a posse se inicia por um delicto (arts. 1.154 e 1.155).
DA PKOtlUEDADE 167

Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.354; Beviláqua, 697


e 698 (mantinha o prazo do direito anterior); Revisto, 717.

Observação — Vejam-se as observações aos arts. 550, 552


e 553.

secção v

Da tradição

Art. 620 — O domínio das coisas não se


transfere pelos contractos, antes da tradição.
Mas esta se subentende, quando o transmitente
continua a possuir pelo constituto possessorio
(art. 675).

Direito anterior — Idêntico {Ord., 4, 5, § 1.°; 4, 7, 58,


§§ 3.6 e 4.°; alvará de 4 de Setembro de 1810; Carlos de Car-
valho, Direito civil, arts. 443-445).
Legislação comparada — Semelhante, exigindo a tradição
para a transferencia do domínio: Inst., 2, 1, § 40; D. 41, 1,
fr. 9, §§ 3.0-6.0; fr. 20 e fr. 31; Cod. 2, 3, 1. 20: traditionibus et
usucapionibus dominia rerum, non nudis pactis transferuntur;
Codigo Civil allemão, arts. 929 e 930; austríaco, 423 e 426;
suisso, 714 e 717; argentino, 577 e 2.601-2.603; uruguayo, 758 e
segs.: chileno, 670 e segs.; do Montenegro, 65 e 834-840.
Differente, admittindo a translação do domínio por effeito
dos contractos: Codigo Civil francez, art. 711, in fine; italiano,
710, 2.a parte, in fine; portuguez, 715; venezuelano, 787; mexi-
cano, 2.014; boliviano, 729.
Projectos — Esboço arts. 3.734 e 4.074, 5.°; Beviláqua, 698
e 690; Revisto, 718.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 43-46;
Teixeira de Freitas, Consolidação, arts. 908 e 909 com as notas
respectivas; Lacerda, Direito das coisas, §§ 23-26; S. Vampré,
Manual, II, §§ 31 e segs.; SÁ Pereira, Manual cit., VIII, n. 160;
Coelho de Rocha, Inst., § 440 e nota KK no fim do volume li;
168 CO DIGO CIVIL

Endemanív, LeJirbuch, II § 80; Dernburg, Panei., I, §§ 211-216;


Windsoheid, Panã., I, §§ 171 e 172; Roth, System, § 254; Coãe
Civil allemanã, publié par le Comitê de lég. étr., aos arts. 929 e
930; Kohler, Lehrlucli, II vol., segunda parte, '§§ 77 e 78.

Observações — 1. — A necessidade social de tornar publica


a transferencia dos direitos reaes, que prevalecem erga omnes,
criou para os moveis a tradição, e para os immoveis a tran-
scripção (art. 531).
A tradição é a entrega da coisa. E' simples transferencia da
posse {nuãa traditio), nos contractos reaes, como o penhor, o
deposito, o commodato, para o effeito de completar a relação
jurídica, sem intenção de deslocar o domínio; e é, também trans-
ferencia da posse, para o fim de tornar possível o exercício do
domínio pelo adquirente. Neste ultimo caso, que é o de que
agora trata o Codigo, a tradição é modo de adquirir inter vivos.
Não que ella, por si, tenha força de gerar o domínio, mas
porque opera a transformação do direito pessoal, criado pelo
contracto, em direito real.
^ tradição, como acto jurídico, presuppõè capacidade
no tradente e no adquirente, forma legal e objecto licito. Quanto
aos outros elementos constitutivos da tradição, nada ha que ac-
crescentar. A fôrma è que pede alguma elucidação. A tradição
das coisas moveis opera-se pela apprehensão effectiva, pelo assi-
gnalamento, pela entrega a terceiro por ordem do adquirente,
pela remessa do objecto á casa do adquirente, ou a logar por
elle designado, pela entrega das chaves da casa, onde a coisa
se acha. São modalidades da tradição real os casos apontados
em primeiro logar; o ultimo constitue tradição symdolica. Dá-se
tradição ficta no constituto possessorio, em virtude do qual o
tiadente continua na posse da coisa, não mais, porém, no pro-
piio nome, e, sim, no adquirente. O constituto possessorio é
uma tradição convencional, porque resulta de uma cláusula de
contracto. Veja-se o art. 494.
Quando o adquirente já se acha na posse da coisa, como
usofruetuario, como arrendatário, ou, por outro titulo, a tradição
se eífectua por simples effeito da vontade {traditio hrevi manu).
DA PROPRIEDADE 169

3. — Ha casos em que a propriedade das coisas moveis se


transfere independentemente de tradição, ou porque o acto de
transferencia já tenha solemnidade sufficiente para dar publi-
cidade á translação do dominio, como na communhão universal
de bens, ou porque a lei estabelece outro modo de transferencia,
como a respeito de apólices da divida publica (dec. n. 6.711,
de 7 de Novembro de 1907, arts. 97-119), e das acções nomina-
tivas das sociedades anonymas e em commandita por acções
(dec. n. 434, de 4 de Julho de 1891, arts. 23 e 26).
As transferencias de embarcações nacionaes são requeridas,
no porto, em que a operação se realizar, á autoridade compe-
tente, e registram-se no Tribunal Administrativo (decreto
n. 24.584, de 5 de Julho de 1934, arts. 24 e 88). Veja-se também
o decreto n. 5.798, de 11 de junho de 1940.

Art. 621 — Se a coisa alienada estiver na


posse de terceiro, obterá o adquirente a posse
indirecta pela cessão, que llie fizer o alienante,
de seu direito á restituição da coisa.
Paragrapho único. Nos casos deste artigo e
do antecedente, parte final, a acquisição da
posse indirecta eqüivale á tradição.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente.


Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 931.
Projectos — Beviláqua, arts. 691 e 692; Revisto, 719.
Bibliographia — Endemann, Lehrhuch, II, 80, 3, c; Coãe
Civil allemanã, publiê par le Comitê de lég. étr., ao art. 931;
Kohler, Lehrbuch, II, 2.a parte, § 79.

Observação — Sobre o que seja posse indirecta, veja-se o


art. 486. Para a cessão, vejam-se os arts. 1.065 e segs.
A coisa alienada está na posse directa ou immediata do
arrendatário, commodatario, depositário ou de outra pessoa, que
tem direito de a possuir. A cessão, pelo alienante ao adquirente,
170 ' OODIGO CIVIL
/
do direito de exigil-a, eqüivale, neste caso, á tradição, quanto
á posse indirecta, que não consiste no contacto immediato da
coisa, e sim, num poder eminente, que domina a posse directa
e se manifestará, quando se fizer necessário. ^

Art. 622 — Peita por quem não seja pro-


prietário, a tradição não alheia a propriedade.
Mas, se o adqnirente estiver de boa fé, e o alie-
nante adquirir, depois, o dominio, considera-se
revalidada a transferencia, e operado o effeito
da tradição, desde o momento do seu acto.
Paragrapho único. Também não transfere
o dominio a tradição, quando tiver por titulo
um acto nullo. i

Direito anterior — A lacuna da lei era, nestes casos, pre-


enchida pelo direito romano.
Legislação comparada — D. 21, 3, frs. 2 e 3; 41, 1, fr. 20:
traclitio nihil amplius transfere ãebet vel prest acl eum, qui
accipit, quam est apuã eum, traclit. Si igitur quis dominium
in fundo hahuit, id tradendo transferi: si non hahuit, ad eum
qui accipit, nihil transferi; 41, 1, fr. 31, pr.: nunquam nuãa tra-
ditio transferi dominium, sed ita, si venõitio, aut aliqua justa,
causa praecesserit, propter quam traãitio sequeretur; 5.°, 17, fr.
54: Nemo plus júris ad alium transferre potest, quam ipse ha-
heret; Codigo Civil allemão, art. 932; argentino, 2.601-2.603;
chileno, 682; uruguayo, 769 e 775.
Veja-se também; suisso, 714, 2.:l parte; austríaco, 367. Con-
fronte-se com o francez, art. 2.279; o italiano, 707, e o vene-
zuelano, 783.
Projectos — Beviláqua, arts. 693 e 694; Revisto, 720.

Observações — 1. — A tradição presuppõe uma justa causa


translaticia do dominio, que será um contracto, em que haja o
DA PROPRIEDADE 171

intento de alienar, como a venda e a doação, ou um acto judi-


ciário como a arrematação e a adjudicação.
Quando a causa translaticia do dominio é um acto judiciário,
o juiz é o representante legal do-proprietário para effectuar a
tradição (Codigo Civil chileno, art. 761; uruguayo, 770; Projecto
primitivo, 695). ^
2. — Se o tradente não é o proprietário, a tradição é um
acto sem valor jurídico, porque ella nada mais é do que o com-
plemento da alienação, que somente o proprietário pôde effe-
ctuar. A alienação por quem não é dono da coisa é um acto
criminoso, que a lei condemna e pune, e não pôde gerar direito.
Todavia, em attepção á bôa fé do adquirente, se o alienante
vier a adquirir depois o dominio; se, por exemplo, o receber em
herança, considera-se revalidada a transferencia, desde o mo-
mento da tradição. A redacção do Codigo não foi muito feliz,
no dizer; " considera-se revalidada a transferencia e operado o
effeito da tradição, desde o momento do seu acto".
3. — Também a bôa fé do adquirente unida ao justo titulo,
ainda que a tradição seja feita a non domino, pôde legitimar a
posse e produzir o dominio pelo usocapiáo, no fim de tres annos.

CAPITULO IY

Do condomínio

. SUCÇÃO I

Dos direitos e deveres dos condominos

Art. 623 — Na propriedade em commum,


com propriedade 011 condominio, cada condomino
ou consorte pôde:
I. Usar, livremente, da coisa, conforme seu
destino, e sobre ella exercer todos os direitos
compatíveis com a indivisão.
II. Reivindical-a de terceiro.
IIl. Alhear a respectiva parte indivisa ou
graval-a (art. 1.139).
172 00DIGO CIVIL

Direito anterior — Os preceitos não estavam systematizados;


eram deduzidos dos princípios geraes e do direito romano. Sobre
a liypotheca do immovel commum a diversos proprietários,
havia a disposição do dec. n. 169 A, de 19 de Janeiro de 1890,
artigo 4.°, § 8.°.
Legislação comparada — semelhante: D. 10, 2, fr. 8, § 1.°;
17, 2, fr. 68; Cod. 4, 52, 1. 3; Codigo Civil italiano, arts. 675
e 679; austríaco, 828 e 829; portuguez, 2.176; hespanhol, 394 e
399; allemão, 747, 1.009 e 1.011; argentino, 2.676 e 2.769; ve-
nezuelano, 750 e 755; peruano, 895 e 896.
Projectos — Esboço, arts. 4.349-4.351; Felicio dos Santos,
1.009-1.011; Coelho Rodrigues, 1,371 e 1.372; Beviláqua, 731;
Revisto, 721.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 30; La-
cerda, Direito das coisas, § 13; S. Vampré, Manual, II, § 17;
Whitaker, Terras, ns. 1-9; SÁ Pereira, Manual cit., VIII, nú-
meros 164 e segs.; Affonso Fraga, Divisão e demarcação das
terras particulares, ns. 1 a 27 da 4.a ed.; Coelho da Rocha,
Inst., §§ 466 e 467; Bndemakn, Lehrbuch, II, § 70; Windscheid,
Panã., I, § 142; Dernburg, Pand., I, § 195; Roth, System, III
§ 232; Gode Civil allemand, publié par le Comitê de lég. étr.,
aos arts. 741 e 747; Aubry et Rait, Cours, II, § 221; Zachariae,
Droit civil français, II, § 279; Planiol, Ripebt III, ns. 286
e segs.; Báudry-Laoantinerie et Chauveau, Les hiens, ns. 267-
272; Chironi, Ist., §§ 114 e 147; Sanchez Roman, Derecho
civil, III, sec. II, cap. VI; Pascaud, Le Coãe Civil, ps. 167-171;
Caetano Grisostomo, vb. Condomínio, no Dizionario dei diritto
privato de Scialoja e Busatti; Salvat, op. cit., I, ns. 1.228; Stolfi,
Diritto civile, II, ns. 477 e segs..

Observações 1. — O condomínio ou compropriedade é u


forma anormal da propriedade, em que o sujeito do direito não
é um indivíduo, que o exerça com exclusão dos outros: são dois
ou mais sujeitos, que exercem o direito simultaneamente.
O condomínio pôde nascer de um contracto (communhão
convencional), de herança ou de outro acontecimento, em que
não haja concurso das vontades (communhão eventual ou in-
DA PROPRIEDADE 173

cidente). Pôde abranger a totalidade da coisa ou apenas uma


parte, como no condomínio de paredes e tapumes.
2. — Cada condomínio pôde usar da coisa commum, segundo
o destino, que lhe é proprio; porém de modo a não impedir que
os outros usem de egual direito, e sem prejudicar os interesses
da communhão; de onde se vê que o condomínio é uma pro-
priedade limitada pela pluridade dos sujeitos.
Entre os direitos do condomínio enumerados neste artigo, não
se acha o de usar dos interdictos possessorios, que poz em relevo
o art. 634, e de que tratara o art. 488. Vejam-se esses artigos.
Relativamente á constituição de ônus real sobre a coisa
commum, veja-se o art. 757.
A alienação, que faz o consorte, somente pôde ter por objecto
a sua parte ideal no direito sobre a coisa commum. Aec quem-
quam partis corporis ãominum esse seã totius corporis pro inãi-
viso pro parte dominium hadere (D. 13, 6, fr. 5, § 15). A fixação
da parte material somente se effectuará com a divisão.
3. — O Codigo acceitou, desenvolvendo-a, a doutrina ro-
mana do condomínio. Ao lado delia, conhece a doutrina a pro-
priedade collectiva do direito germânico, em que os condomínios
não têm uma determinada parte ideal na propriedade commum,
porém somente, o direito de gozar da coisa em commum. No
compasçuo (art. 646) ha uma figura jurídica semelhante. Sobre
a communhão germânica (Gemeinschaft zur gesammten Hand)
vejam-se; Dernburg, Panã., I, § 196, II; Endemann, Lehrhuch,
II, § 70, 1; Gierke, na Encyclopaedie de Hoezendorfe e Koler,
I, § 48, pag. 490.
4- — A theoria do condomínio era vacillante no direito an-
terior, por falta de base legal, por insufficiencia de preceitos.
O Codigo preencheu esta lacuna, regulando a matéria de modo
satisfatório.
5- — O Codigo Civil francez não tratou do condomínio em
particular. Considerou apenas algumas das fôrmas da indivisão
(communhão de bens, sociedade, bem de família, communhão
hereditária). Mas a doutrina e a jurisprudência tiveram de sup-
prir essa lacuna da lei.
174 OODICiO CIVJTj

Art. 624 — O condomino é obrigado a con-


correr, na proporção da sua parte, para as des-
pesas de conservação on divisão da coisa, e
supportar, na mesma razão, os ônus, a que
estiver sujeita.
Paragrapbo único. Se com isso não se con-
formar algum dos condominos, será dividida a
coisa, respondendo o quinhão de cada um pela
sua parte nas despesas da divisão.

Direito anterior — Quanto ao principio do artigo, appli-


cavam-se, por analogia, as regras sobre sociedades civis (Oid., 4,
44, §§ 9.0-ll). V. também, 4, 96, 4. Quanto ao paragrapbo único,
havia silencio na lei.
Legislação comparada — Semelhante ao principio; D. 10, .3,
fr. 4, § 3.°; Codigo Civil italiano, art. 676; allemão, 748; por-
tuguez, 2.178; hespanhol, 395; chileno, 2.309; argentino, 2.685;
venezuelano, 749; do Montenegro, 103; suisso, 649; peruano, 900.
Differente quanto ao paragrapbo único: italiano, 676, 2.a par-
te; hespanhol, 395, in fine; portuguez, 2.178, in fine; argentino,
2.685; venezuelano, 751 e 752. Todos estes Codigos declaram que
o consorte se eximirá das obrigações contrahidas com a conser-
vação da coisa commum, e dos ônus a que ella estiver sujeita,
abandonando o seu quinhão. O Codigo Civil japonez, art. 253.
decreta que os consortes adquirirão a parte do relapso.
O Codigo Civil allemão, que trata desta matéria no Direito
das obrigações, não ofíerece solução á difficuldade prevista no
paragrapbo único.
Projectos — Esboço, art. 4.349; Felicio dos Santos, 1.012
e 1.016; Beviláqua, 732; Revisto, 722. Não dispunham seme-
lhantemente estes Projectos, quanto á matéria do paragrapbo
único. A solução do Codigo foi dada, em parte, pela Commissão
do Governo, e, em parte, pela Commissãò da Gamara, em 1902
{Trabalhos, III, p. 92, e VI, p. 243).
DA PROPRIEDADE 175

Observações — 1. — As despesas de conservação aproveitam


a todos os condominos; todos devem supportal-as, na proporção
de suas partes. Seria injusto que somente alguns gastassem e
que todos lucrassem.
2. — A indivisão é um estado transitório pelas questões, em
que é fecunda. Qualquer condomino pode, quando lhe parecer,
pedir que se divida a coisa, e a despesa com essa operação é
de todos, porque é para todos que se faz.
3. — Se algum dos consortes não quizer contribuir para as
despesas de conservação da coisa commum, urge fazer cessar o
estado do indivisão. Pode ser inconveniente ou prejudicial no
momento o divisão; mas é forçoso effectual-a, se os consortes
não querem tomar sobre si os gastos que competem aos refra-
ctarios. As despesas com a divisão serão feitas por todos, e
aquelles que não quizerem contribuir, espontaneamente, serão a
isso obrigados, respondendo por elles os seus quinhões. O modo
pratico de tornar effectiva esta garantia é o direito de retenção
pelas despesas feitas. Estas compensam-se com os fructos (Es-
boço, art. 4.361).

Art. 625 — As dividas contraliidas por um


dos condominos, em proveito da communlião, e
durante ella, obrigam o contrabente; mas asse-
guram-lbe acção regressiva contra os demais.
Paragrapbo único. Se algum delles não
annuir, proceder-se-á conforme o paragrapbo
único do artigo anterior.

Direito anterior — Lacunoso.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.687;
chileno, 2.307. Não se referem á matéria do paragrapbo único.
Projectos — Beviláqua, art. 733; Revisto, 723. Veja-se, tam-
bém, o Esboço, art. 4.358.
176 OODIGO CIVIL

Observação — 0 condomínio, certamente, não é represen-


tante dos seus consortes, nem está autorizado por elles a realizar
despesas em proveito commum. Por isso, obriga-se individual-
mente. Mas, como o proveito é de todos, o Codigo lhe dá acção
regressiva para haver dos outros as quotas respectivas. Natural-
mente não serão quaesquer dividas, que hão de dar essa acção
regressiva São dividas que trazem proveito á communhão.
O consorte é considerado, neste caso, um negotiorum gestor. Se
a gestão resultou proveitosa á communhão, os consortes não
devem colher somente as vantagens á custa do outro E' justo
que o indemnizem, na razão daquillo que deviam despender,
segundo o seu quinhão.
Se, porém, a divida contrahida foi para um melhoramento
de méro recreio, ou que nenhuma vantagem traga á communhão,
por ella não respondem os outros consortes, se não deram o
seií consentimento. Outra solução permittiria abusos, que o di-
reito não pode patrocinar.

Art. 626 — Quando a divida houver sido


contrahida por todos os condominos, sem se dis-
criminar a parte de cada um na obrigação col-
lectiva, nem se estipular solidariedade, entende-
se que cada qual se obrigou, proporcionalmente
ao seu quinhão ou sorte, na coisa commum.

Direito anterior — Nada dispunha.


Legislação comparada — Vejam-se o Codigo Civil argen-
tino, art. 2.688 e o chileno, 2.307, 2.a parte.
Projectos — Beviláqua, art. 73'3; Revisto, 724.

Observação — Este artigo teve por fonte os Codigos do


Chile e da Argentina, mas a solução adoptada é differente.
Naquelles Codigos, a obrigação de cada consorte, no caso pre-
visto, é uma quota egual; não se attende á quantidade do qui-
DA PROPRIEDADE 177

nhão, e, sim, ao numero dos socios. Neste sentido também dis-\


puzera o Projecto primitivo, mas á Comissão do Governo julgou
melhor resolver o caso, como se se tratasse de sociedade.

Art. 627 — Cada consorte responde aos


outros pelos frnctos,' que percebeu da coisa
commiun, e pelo clamno que lhe causou.

Direito anterior — Nada dispunha, especialmente; mas a


regra da Ord., 4, 96, § 4.°, podia ser generalizada.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.691;
chileno, 2.308; peruano, 899. Veja-se, o D. 10, 3, fr. 8, §§ 2."-4.°
Projectos —• Esboços, art. 4.358; Beviláqua, 735; Revisto,
art. 725.
Bibliographia — Dernbxjrg, Panã., I, § 196; Gaetano Gri-
sostomo, no cit. Dizionario de Scialoja e Busatti 4.

Observação — Os fructos, pelos quaes responde o consorte,


são os da coisa commum, utilizada em commum. Seja uma casa
pertencente a vários donos. Se está alugada, o rendimento se
divide entre os consortes. Se, porém, os fructos resultam do
trabalho exclusivo de um dos condominos, entende-se que é
mandatario dos outros, e applicam-se as regras de direito cor-
respondente: Se em um prédio rural commum, cada condô-
mino occupa uma parte e a cultiva ou explora, entende-se que
concordaram nesse modo de usar e gozar a propriedade com-
mum, colhendo cada um o resultado do seu trabalho.

Art. 628 — Nenhum dos comproprietarios


pode alterar a coisa commum, sem o consenso
dos outros.

Direito anterior — Recorria-se ao direito subsidiário.


Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. . ,12
178 conico CIVIL

Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.681;


hespanhol, 397; italiano, 677; austríaco, 828; japonez, 251.
Para o direito romano, veja-se o D. 8, 2, 27^ § 1.°.
Projectos — Felicio dos Santos art. 1.013; Coelho Rodri-
gues, 1.403; Beviláqua, 736; Revisto, 726.

Observações — 1. — O condomino pôde impedir que o seu


consorte altere a coisa commum. Para esse effeito, dispõe das
acções possessorias. Se o consorte já tiver realizado a alteração,
poderá ser constrangido a restabelecer a coisa no primitivo
estado, indemnizando os outros dos prejuizos causados (Roth,
System, III, § 232, III, c; Sanchez Roman, Derecho civil, III,
p. 180; Caetano Grisostomo, loco citado, n. 4, ultimo periodo).
2. — O conceito de alteração não é determinado pelo Co-
digo. Mas, de um modo geral, deve estender-se que a alteração
prohibida é a que muda o destino da coisa, ou lhe transforma
o modo de ser, como quando de um terreno de cultura se faz
um campo de pastagem, ou se adapta uma casa de habitação
individual á fôrma de habitação collectiva. As bemfeitorias e
melhoramentos, que augmentam as utilidades da coisa sem mo-
dificar-lhe o uso adoptado, não são alterações.

Art. 629 — A todo tempo, será licito ao con-


domino exigir a divisão da coisa commum.
Paragraplio único. Podem, porém, os con-
sortes accordar que fique indivisa por termo
não maior de cinco annos, susceptivel de proro-
gação ulterioiq

Direito anterior — Semelhante, quanto ao principio do ar-


tigo. O paragrapho único é innovaçâo do Codigo. Veja-se Carlos
de Cavalho, Direito civil, art. 384, paraghapho único.
Legislação comparada — D. 10, 3, frs. 8, pr. e 14, § 2.°;
Codigo, 3, 87, 1. 5; Codigo Civil allemão, arts. 749 e 758;
portuguez, 2.185; francez, 815; italiano, 681 (10 annos) e 984;
DA PROPRIEDADE 179

hespanhol, 400 (10 annos); argentino, 2.692 e 2.693; vene-


zuelano, 757 e 1.061; do Montengro, 733; japonez, 256. Vejam-se,
ainda, o austríaco, 80 e 831, e o suisso, 650; peruano, 903.
O Codigo Civil suisso, arts. 336 e seguintes, regula uma indi-
visão como forma de bem de família, que pode ter uma duração
indeterminada, porém, que pode ser denunciada por qualquer
consorte, mediante aviso prévio (art. 338).
Projectos — Esboço, arts. 4.349, 3, e 4.362-4.364; Beviláqua,
737 e 738; Revisto, 727 e 728.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 30, in fine;
Lacerda, Direito das coisas, § 13, C; Whitaker, Terras, ns. 8 e
segs.; Morato, da prescripção nas acções divisórias; Aefonso
Fraga, Divisão e demarcação, 3.u ed., ps. 39-41; Coelho da Rooh\,
Inst., §§ 467 e 469; Roth, System, III, § 232, IV Dernhurg,
Pand., I, § 197, 2."; Code Civil allemand, publié par le Comitê de
lég. étr., ao art. 749; Zachariae, Droit civil français, II, § 279;
Huc, Commentaire, V, ns. 277 e segs.; Aubry et Rau, Cours,
II, /§ 221.

Observações — J. — A regra do principio do artigo, como


as outras aqui postas em revelo, não se applica, naturalmente, á
cominunhão de bens entre cônjuges, que perdura emquanto não
se dissolve a sociedade conjugai. Os princípios reguladores dessa
espeeie têm feição particular, que exigem tratamento á parte.
2. —- Ha coisa que se destinam a permanecer indefinida-
mente communs, como as paredes meias, os tapumes divisórios,
ou tumulos de família. Não lhes toca o preceito deste artigo.
3. — A acção para pedir a divisão da coisa commum podo
ser a de partilha (familiae ersciscundae) ou a de divisão (com-
muni dividunôo. Esta ultima, sendo o condomínio de terras,
está regulada pelo decreto federal n. 720, de 5 de Setembro de
1890, e por leis estaduaes.
4. — O Supremo Tribunal Federal em accordão n. 2.841, de
31 de Janeiro de 1921, declarou inconstitucional o art. 55, do
dec. n. 720, de 5 de Setembro de 1890, põr importar em des-
apropriação por interesse particular. Esse artigo considerava
estranhos, no processo de divisão, os confrontantes, os quaes, se
prejudicados, apenas poderiam reclamar, por acção competente,
180 CODIGO CIVIL

a restituição dos terrenos usurpados, ou a correspondente in-


demnização, á escolha da parte obrigada.

Art. 630 — Se a indivisão for condição es-


tabclecida pelo doador ou testador, entende-se
que o foi, somente, por cinco annos.

Direito anterior — Não havia disposição semelhante.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.694.
Projectos r—Esboço, art. 4.365; Beviláqua, 739; Revisto, 729.
Bibliographla — Zaohariae, Droit civil français, II, § 389;
Hüc, Commentaire, V, § 284; Laueent, Príncipes, X, n. 243.

Observações — 1. — O Codigo tolera que o doador e o tes-


tador possam impôr o estado de indivisão da coisa dada ou
deixada a diversos. O pae deixa, na sua meaçâo disponível, uma
fazenda aos filhos, com a condição de que não a dividam, por-
que, constando ella de um estabelecimento bem installado, receia
que, se a retalharem, não dê os resultados, que elle quiz asse-
gurar. Além disso, imagina que o trabalho commum, num im-
movel de tradição familiar, aperte os laços da fraternidade.
O Codigo permitte essa condição. Não é um constrangimento da
vontade dos consortes é uma clausula, que pôde ser acceita ou
não. Se não fôr, está claro que o herdeiro será excluído, e que
a sua parte accre^cerá a dos outros.
2. — O doador ou testador, porém, não pôde estipular a
indivisão por mais de cinco annos. Qualquer que seja a vontade
do testador ou doador, o prazo da indivisão não poderá exceder
de cinco annos, no fim dos quaes qualquer dos condominos terá
direito de exigir a partilha.

Art. 631 — A divisão entre condominos 6,


simplesmente, declaratoria e não attibntiva da
DA PROPRIEDADE 181

propriedade. Esta poderá, entretanto, ser jul-


gada, preliminarmente, no mesmo processo.
Direito anterior — Apesar de contrario ao direito romano,
era doutrina acceita, porém não traduzida em artigo de lei.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.695;
francez, 883; italiano, 1.034.
Projectos — Beviláqua, art. 740; Revisto, 730.
Bibliographia — Direito cias successões, § 103; Morato, Da
prescripção nas acções divisórias, ns. 8 e segs.; SÁ Pereira, Ma-
nual cit., YIII, ns. 179 e 180; Zachariae, Droit civil français,
II, § 279; Huc, Commentaire, V, ns. 436-450; Baiidry-Lacakti-
nerib et Wahl, Des successions, HI, ns. 3.370-3.287; Laurent,
Cours, II, ns. 152; Mourlon, Rcpétitions écrites, II, ns. 479 e
480; Aurry et Rau, Cours, II, § 221, e X, nota 1 ao § 625; Chi-
eoni, Ist., § 154; Coelho da Rocha, Dist., § 491.

Observações —- 1. — O principio adoptado neste artigo, em


opposição ao direito romano, tem soffrido a critica de alguns
civilistas; porém considerações de ordem pratica, a facilidade e
a clareza das relações juridicas justificam a sua preferencia.
Quer elle dizer que cada um dos consenhores se reputa dono
exclusivo da parte, que lhe coube na divisão, desde que se esta-
beleceu a communhão. Portanto, nenhum direito lhe cabe sobre
o que tocou a outro, nem tão pouco a sua parte responde pelas
dividas pessoaes do ex-consorte.
l.a — Aubry et Rau (X, nota 1, no § 625, in meclio, á p. 190
da 5.a ed.), depois de notar que, em rigor, a partilha não é
nem exclusivamente declarativa, nem, tão pouco, exclusivamente
attributiva, ensina que o alcance do art. 883 do Codigo Civil
francez, correspondente ao 631 do brasileiro, é simplesmente,
fazer retrotrahir os effeitos da divisão ao dia, em que se iniciou
o condominio, e que esse effeito retroactivo da partilha pode
explicar-se pela própria natureza do direito de compropriedade,
que se applica in tota et in qualihet parte rei communis, e pela
condição resolutoria a que esse direito se acha virtualmente sub-
mettido, em virtude da regra de que ninguém é obrigado a per-
manecer em communhão.
182 CODIGO CIVIL

2. — Não obstante ser a divisão meramente declarativa da


propriedade, estão sujeitos á transcripção os julgados, que llie
puzerem termo (art. 532, I).
3. — Discutem os doutos acerca da natureza das acções di-
visórias. Acha-se essa matéria examinada, magistralmente, por
Affonso Fraga, no livro Divisão e demarcação das terras par-
ticulares, n. 33. Sustenta o notável jurisconsulto a realidade da
acção de divisão, por nella preponderar a relação jurídica real.

Art. 632 — Quando a coisa for indivisível,


ou se tornar, pela divisão, imprópria ao seu
destino, e os consortes não quizerem adjudical-a
a um só, indemnizando os outros, será vendida
e repartido o preço, preferindo-se na venda, em
condições igüaes de offerta, o condomino ao
estranho, entre os condominos o que tiver na
coisa bemfeitorias mais valiosas, e, não as ha-
vendo, o de quinhão maior.

Direito anterior — Semelhante em parte (Ord., 4, 96, § 5.°}.


Logislação comparada — Codigo Civil portuguez, arts. 1.566
e 2.183; hespanhol, 404; mexicano, 940, 973, 974 e 2.279; do
Montenegro, 109; japonez, 258; allemão, 753; suisso, 651; fran-
cez, artigo 1.696; peruano, 919 e 920.
Projectos — Esboço, art. 4.372; Beviláqua, 741; Revisto, 731.
A parte final do artigo é da Commissão da Gamara (Tra-
balhos, III, ps. 92-93, e VI p. 244), de accôrdo com uma indi-
cação do Dr. Paranhos Montenegro.

Observações — 1. — Coisas indivisíveis, definiu o art. 53,


são: I, as que se não podem partir, sem alteração na substancia;
II, as que, embora naturalmente divisxveis, se consideram indi-
visíveis por lei, ou vontade das partes. Os moveis, que constituem
uma individualidade, como um quadro, um piano, são, ordinária-
DA PROPRIEDADE 183

mente, indivisíveis. Os semoventes, também considerados indivi-


dualmente, são indivisíveis. Um boi, um cavallo, um carneiro não
se podem dividir.
Essa indivisibilidade dos moveis não tem interesse na re-
lação jurídica do condomínio, porque não costumava recair sobre
um delles a communhão; mas quando recaia applica-se a regra
do artigo.
O interesse da questão assenta, principalmente, na indivisi-
bilidade dos immoveis ruraes ou urbanos, sobretudo nos pri-
meiros. E' a ellas que se refere o Codigo Civil, quando prevê
a possibilidade de o bem se tornar, pela divisão, impróprio ao
machinismos, terrenos apropriados a varias culturas e trechos
seu destino. Supponha-se um estabelecimento agrícola, onde ha
safaros; ou uma fazenda de gado com uma só aguada. A di-
visão pôde tornal-os impróprios á cultura.
Nestes casos, convém mais aos legítimos interesses dos
consortes, adjudicar o bem a um delles, que indemnizará os
outros. A venda só é permittida se não houver accôrdo para a
adjudicação; e, na venda, o consorte prefere ao estranho, em
egualdade de condições. Poderá, porém, acontecer que se apre-
sentem, pretendendo a coisa, dois ou mais condominos. Manda
o Codigo preferir entre elles: 1.° o que tiver bemfeitorias mais
valiosas; 2.°, não as havendo, o que tiver quinhão maior.
2, — O processo para se apurarem os requisitos exigidos
pelo artigo 632 do Codigo Civil é o administrativo.
O condomino, que deseja terminar a communhão, reque-
rerá, provando a sua qualidade de condomino com titulo hábil,
"a citação dos demais para, em audiência, deliberarem todos
a respeito da adjudicação ou venda do immovel commum", en-
sina Joaquim Amazonas. (Revista da Faculdade de Direito de
Recife, anno XXYII, p. 137).
Bem se comprehende que poderão chegar ao mesmo' resul-
tado por accôrdo particular, que, para garantia de todos, deve
ser reduzido a escripto e authenticado.
Não havendo nenhuma dessas causas de preferencia, o di-
reito egual dos condominos annulla-se reciprocamente, e a coisa
será vendida ao estranho.
Vejam-se os arts. 405, 406, 704 e 706 do Codigo de Processo
Civil, que tratam da venda da coisa commum.
184 CODIGO CIVIL

Art. 633 — Nenlium condomino pôde, sem


prévio consenso dos outros, dar posse, uso ou
gozo da propriedade a estranhos.

Direito anterior — Não havia este preceito e, nos condo-


mínios ruraes, introduzira-se o prejudicial costume opposto.
Projectos — Este artigo é da Commissão da Gamara, em
1902, por indicação do Dr. Paranhos Montenegeo {Trabalhos,
III, ps. 92-93, e VI, p. ,244). Aliás, o Projecto primitivo, art. 586,
consagrava uma providencia, que, até certo ponto, attendia ao
pensamento do artigo.

Observação — As terras communs, no interior do paiz, têm,


muitas vezes, numero extraordinário de condoniinos, porque cada
consorte se julgava no direito, não só de tomar para si uma
parte do terreno, como de ceder direito egual a outros. Quem
possuía uma décima parte de determinadas terras, nella esta-
belecida, segundo a qualidade do sólo, uma fazenda de gado ou
uma plantação de cereaes, sem attender á proporção entre a
sua quota e a extenção do terreno, o que aliás, não se poderia
fazer, rigorosamente, senão pela divisão. Mas, não contente com
isso, cedia da sua parte ideal fragmentos a outros, que proce-
diam do mesmo modo. Foi para evitar esse mau uso do direito,
que emmaranhava e complicava uma relação jurídica já de si tão
sujeita a questões, que o Codigo estabeleceu a regra salutar de
impedir a interferência de estranhos no condomínio, sem o ac-
côrdo dos outros consortes.

Art. 634 — O condomino, como qualquer


outro possuidor, poderá defender a sua posse
contra outrem.

Direito anterior — Não havia lei expressa consignando este


direito, mas a jurisprudência o reconhecia (Direito, vol. 89, ps.
424 e segs.). V. D. 10, 13, fr. 12.
DA PKOPRIEDADE 185

Pi'ojectos — Bevüaqua, arts. 586, 2.a parte, e 587; Revisto,


art. 579.
Também este artigo é da Commissão da Gamara, em 1902
(Trabalhos, III, ps. 92-93, e VI, p. 244), mas os dois Projectos
citados haviam tratado da matéria nelle contida.

Observação — Se o condomino é possuidor, não se lhe podem


recusar os actos possessorios, quer os de uso normal da coisa,
quer os defensivos. O que é mister accentuar é que essa defesa
pôde ser desenvolvida contra outro consorte, que perturbe a posse,
ou delia e esbulhe o condomino.
Este artigo, aliás, é ocioso, porque o art. 488 já reconhecera
a legitimidade dos actos possessorios praticados pelos compos-
suidores de coisa indivisa.

SECÇÃO II

Da administração do condomínio

Art. 635 — Quando, por circumstancias de


facto ou por desaccordo, não for possível o uso
e gozo em commum, resolverão os condominos
se a coisa deve *ser administrada, vendida ou
alugada.
§ 1.° Se todos concordarem que se não venda,
á maioria (art. 637) competirá deliberar sobre a
administração ou locação da coisa commum.
§ 2.° Pronunciando-se a maioria pela admi-
nistração, escolherá também o administrador.

Direito anterior — Era lacunoso.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, arts. 2.699
e 2.670; italiano, 678; allemão, 744; suisso, 647; mexicano, 946
e 947.
Projectos — Esboço, art. 4.352 (fonte do artigo); Bevilá-
qua, 742-744; Revisto, 732.
186 CODIGO CIVIL

Bibliographia —• Lacerda, Direito das coisas, § 13, B;


Coelho da Rocha, Inst., § 468; Trabalhos do Senado, III, pa-
ginas 18-19 (Azevedo Marques) e 78. /

Observações — 1. — Quando, pela natureza da coisa, ou


por seu destino (circumstancias de facto), ella não se presta
a uma coveniente divisão, ou quando é indivisível, tomam-se
as providencias indicadas no art. 632. Mas, emquanto não se
tomam, ou, sendo a coisa facilmente divisivel, emquanto não se
effetua a divisão, pôde occorrer a circumstancia prevista no
art. 635.
A coisa é indivisível. Os condominos reconhecem, porém
(depois de ter falhado a providencia de adjudical-a a um dos
consortes), que a venda, no momento, seria desastrosa, e con-
cordam em esperar momento mais propicio. Todavia o uso e
gozo em commum é impossível. Resolvem, então, se a coisa deve
ser alugada ou administrada
A coisa é divisivel, mas a divisão no momento encontra
difficuldades. A situação é a mesma. Se todos concordam em
que seja adiada a divisão, e o uzo e gozo em commum não é
possível, ou a coisa será alugada ou administrada, até que se
effectue a divisão.
2. — As deliberações para adiar a divisão ou a venda devem
sèr tomadas pela totalidade dos condominos. Basta a vontade
de um para cessar a communhão; portanto, para mantel-a, será
necessária a vontade harmônica de todos. Resolvida, porém, a
permanência provisória do condomínio, é a- maioria que decide
se a coisa deve ser alugada ou administrada, e, neste ultimo
caso, compete-lhe escolher o administrador.

Art. 636 — Eesolvendo alugar a coisa com-


mum (art. 637), preferir-se-á, em condições
eguaes, o condomino ao estranho.
.Direito anterior — Não havia disposição correspondente.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.702.
DA PROPRIEDADE 187

Frojectos — Eshoço, art. 4.355; Beviláqua, 745; Revisto,


art. 733.
<
n
Observação — Os motivos da preferencia dada ao condô-
mino são intuitivos. Além de ser elle dono de uma parte da
coisa, offerece, nessa mesma qualidade, uma garantia real aos
outros consortes.
O aluguel pôde ser feito particularmente, ou em hasta pu-
blica, segundo entender a maioria.

Art. 637 — A maioria será calculada não


pelo numero, senão pelo valor dos quinhões.
§ 1.° As deliberações não obrigarão, não
sendo tomadas por maioria absoluta, isto é, por
votos, que representem mais de meio do valor
total.
§ 2.° — Havendo empate, decidirá o juiz, a
requerimento de qualquer condomino, ouvidos
os outros.
/
Direito anterior — Nada dispunha sobre este ponto.
liegislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.703-
2.706.
Vejam-se, igualmente: italiano, 678; allemão, 745; hespanhol,
398; austríaco, 833; do Montenégro, 104; venezuelano, 754; ja-
ponez, 252; mexicano, 947.
Projectos — Esboço, art. 4.356; Beviláqua, 746; Revisto, 734

Observações — 1. — E' a indivisão da coisa que determina


o condomínio. Para administrar o bem commum deve prevalecer
o interesse -real, economico, sobre o interesse das pessoas, ainda
quando a communhão seja convencional, procurada pelos con-
sortes.
188 CODIGO CIVIL
1
2. — Quando o juiz intervier, em caso de empate, cumpre-lhe
attender "a maior vantagem dos condominos e ao uso a que a
coisa é destinada (Esboço, art. 4.356, G.0).

Art. 638 Os frnctos da coisa cominum,


não havendo, em contrario, estixnüação ou dis-
posição de ultima vontade, serão partilhados na
proporção dos quinhões.

Direito anterior — O mesmo (Ord., 4, 96, § 2." applicação


da Ord., 4, 44, § 9.°).
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.707;
italiano, 674, 2.11 parte; hespanhol, 393, l.a parte; venezuelano,
755, allemão, 743, in fine. Veja-se também o portuguez, 1.190.
Projectos — Esboço, art. 4.35'7; Felicio dos Santos, 1.012;
Beviláqua, 747; Revisto, 735.

Observação — Os fructos devem ser partilhados na propor-


ção dos quinhões, porque o condomínio é um modo de explo-
ração de um capital, que pertence, por fracções, aos consortes.
Mas os consortes podem combinar outra coisa. Além disso, a
communhã.o pôde resultar de um contracto, como se diversas
pessoas compram um prédio para revender. No contracto po-
derá ser estipulada uma divisão de lucros, segundo a vontade
dos pactuantes. Valerá então, o que fôr convencionado. Pode,
também, a communhão nascer de um testamento ou de uma
doação. O testador, ou o doador, tem o direito de estabelecer
cláusulas, regulando o modo pelo qual devam se distribuir os
fructos. E' suppletiyamente, que, nesses casos, prevalece a regra
do artigo. Não havendo contracto, nem testamento, a divisão se
fará na proporção dos quinhões.

Art. 639 — Nos casos de duvida presumem-


se eguaes os quinhões.'
DA PROPRIEDADE 189

Direito anterior — Silencioso.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.708;
italiano, 674, l.tt parte; hespanhol, 393, l.a parte venezuelano,
749; japonez, 250; mexicano, 942, ultima parte.
Projectos — Esboço, art. 4.357, ultima parte; Felicio dos
Santos 1.015; Beviláqua, 748; Revisto, 736.

Observação — Quando os consortes «contribuem com quantias


differentes para a acquisição de um prédio commum, entende-se
que as partes de cada um correspondem é respectiva contri-
buição, se outra coisa não constar de documentos dos consortes.
A solução contraria não se funda na razão naturql, embora
possa invocar autoridades em seu favor.

Art. 640 — O condomino, que administrar,


sem opposiçao dos outros, presume-se manda-
tário commum.

Direito anterior — Não havia tal presumpção.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.709. •
Caso defferente é o do quinhão, regulado pelo Codigo Civil por-
tuguez, art. 2.190 e segs.
Projectos — Esboço, art. 4.358; Beviláqua, 749; Revisto, 737

Observação — O condomino, que administrar a coisa com- '


mum, sem opposição dos outros, exerce um mandato tácito, que
pôde ser revogado pela maioria, porém que, emquanto fôr exer-
cido, produzirá todos os effeitos de direito.

Art. 641 — Applicam-se, nos casos omissos,


á divisão do condomino, as regras de partilha
da herança (arts. 1.772 e seguintes).
190 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Assim era.


Legislação comparada — Codigo Civil italiano, art. 684:
liespanhol, 406; venezuelano, 759.
Projectos — Este artigo é da Commissão do Governo; Pro-
jecto revisto, art. 738.

Observação — A devolução da herança colloca os co-her-


deiros em estado de communhão, que termina com a partilha,
E' essa a origem mais freqüente da communhão. A divisão do
condominio é uma partilha que, naturalmente, obedece a prin-
cípios idênticos aos da partilha da herança.
Desta identidade resulta a) que os credores e cessionários
dos consenhores também podem pedir a divisão da coisa com-
mum; h) que se os consenhores forem pessoas capazes podem
effectuàr a divisão amigavelmente, por escriptura publica ou por
instrumento particular homologado pelo juiz, devendo, num e
noutro caso, ser transcripto, no registro de immoveis do logar,
o documento, que serve de titulo á propriedade em separado, de
cada um dos ex-consortes; c) se os consenhores dissentirem, ou
se algum delles fôr menor, a divisão será judicial; ã) a divisão
deverá, attendendo-se á differença dos quinhões, ser tão egual
quanto possível, em relação á natureza e qualidade daquillo que
se divide.

SECÇÃO III

Do condomínio em páredes, cercas, muros e vallas

Art. 642 — O condominio por meação de


paredes, cercas, muros e vallas regula-se pelo
disposto neste Codigo, arts. 569 a 589 e 628 a
634.

Projectos — Beviláqua, art. 750; Revisto, 739.


DA PROPRIEDADE 191
Observação O condomínio por meação de paredes, cercas,
muros e vallas já fôra considerado nos art. 569-588, e 623 a 634.
Na primeira edição do Codigo Civil havia, neste artigo, remissões
erradas, que a lei n. 3.725, de 15 de Janeiro de 1919, corrigiu.
Ver, sobre este assumpto, Saevat, op. cit., I, ns. 1.328 e se-
guintes, que sobre ella discorre largo e proficientemente.

Art. 643 — () proprietário, que tiver direito


a extremar um immovel com paredes, cercas,
muros, vallas ou vallados, tel-o-á, egualmente, a
adquirir meação na parede, muro, valia, vallado
ou cerca do visinlio, embolsando-lhe metade do
que actualmente valer a obra, e o terreno j)or
ella occupado (art. 727).

Direito anterior — Vejam-se a Ord., 1, 68, § 35, e dec. nu-


mero 1.787, dê 28 de Março de 1907.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.736.
Veja-se, também, a legislação citada, em referencia aos arts. 579,
580 e 588.
Projectos — Eshoço, art. 4.376; Beviláqua, 751; Revisto, 740.

Observação — Os arts. 579 e 580 presuppõem, quanto ás pa-


redes divisórias, o direito de lhes obter a meação, e o art. 588
contém outro modo de exprimir esse mesmo direito, quanto ás
tapagens ruraes. Estes artigos devem ser combinados com o
disposto no art. 643.

Art. 644 — Não convindo os dois no preço


da obra, será este arbitrado por peritos, a ex-
pensas de ambos os confinantes.
192 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Não havia disposição correspondente.


Projectos — Esboço, art. 4.382; Beviláqua, 752; Revisto, 74J.

Observação — A providencia decretada pelo artigo é neces-


sária para a solução do desaccôrdo entre os visinhos. Se a parede
ou obra divisória estiver tão deteriorada que exija reconstrucção,
os peritos determinarão o valor actual dos materiaes, o qual,
sommado com a metade do valor dos alicerces e do terreno,
será o preço da meação a ser pago pelo visinho.

Art. 645 — Qualquer que seja o preço da


meação, emquanto o que pretender a divisão
não o pagar ou depositar, nenhum uso poderá
fazer da parede, muro, valia, cerca ou qualquer
outra obra divisória.

Direito anterior — Não regulava o caso.


Projectos — Esboço, art. 4.383, 2." parte; Beviláqua, 753;
Revisto, 742. .

Observação — No caso de meação de obras divisórias, ha


como que uma desapropriação por utilidade particular e conve-
niência de visinhança, pois que o visinho tem o direito de adqui-
ril-a ainda que contra a vontade do outro. Mas é rigorosamente
justo que o pretendente não adquira o direito á meação, antes
de pagar o preço. Se houver duvidas sobre quem deva receber
o pagamento, se o visinho se recusar a recebel-o, ou se occorrer
outra das circumstancias previfetas no art. 973, o pagamento se
fará por consignação.
DA PROPRIEDADE 19?

SECÇÃO IY •

Do compascuo

Art. 646 — Se o compascuo em prédios


particulares for estabelecido por servidão, reger-
se-á pelas normas desta. Se não, observar-se-á,
no que lhe for applicavel, o disposto neste
capitulo, caso outra coisa não estipule o titulo,
de onde resulte a communtião de pastos.
Paragraplio único. O compascuo em terre-
nos baldios e públicos regular-se-á pelo disposto
na legislação municipal.

Direito anterior — A lei n. 601, de 18 de SeteDibro de 1850,


art. 5.°, § 4.°, referia-se aos campos de uso commum dos morado-
res de uma ou mais Freguezias, Municípios ou Comarcas.
Legislação comparada — V. D. 8, 3, frs. 3 e 4 {Pecoris
pascendi setvitutes); Codigo Civil portuguez, arts. 2.262-2.266.
Confira-se, também o italiano, 682.
Projectos — Este artigo é devido á Commissão do Governo,
que recebeu suggestão do Codigo Civil portuguez, sem, aliás,
seguil-o. Só apparece no Projecto revisto, art. 743.
Bibiiographia — Lafayette, Direito das coisas, § 130, 4.°:
Lacerda, Direito das coisas, § 102, nota 24; Aguiar e Souza, Se7'-
vidões, §§ 248-254; Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, aos
artigos 2.262 a 2.266; SÁ Pereira, Manual cit, VIII, n. 196.

Observação — Absteve-se o Codigo de definir a figura jurí-


dica do compascuo. Em direito portuguez,-"consiste na commu-
nhão de pastos de prédios pertencentes a diversos proprietários"
(Codigo Civil portuguez, art. 2.262). Dias Ferreira, annotando
essa definição, observa que "a essencia do direito de compascuo
consiste não em terem diversos indivíduos communhão nos pas-
tos do mesmo prédio, mas sim em terem diversos proprietários
communhão nos pastos dos seus prédios".
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 13
194 CODIGO CIVIL

Na França, ha o que se denomina vaine pâture, e consista


no "direito que têm os habitantes de uma communa, de enviar
seus animaes a pastar, livremente, nos campos de todo o mundo,
depois da colheita, e antes da sementeira, quando as terras podem
ser pisadas sem inconveniente (Planiol, Traité, I, n. 1.141)".
Esta matéria está regulada pelas leis de 5 de Abril de 1884, ar-
tigo 68, 9 de Julho de 1889, e 22 de Junho de 1890.
Parece que o nosso Codigo não acceitou o instituto portu-
guez. Não podia ter passado despercebida aos revisores a ad-
vertência de Dias Ferreira: "E' uma especie de propriedade
commum altamente inconveniente para o progresso e desenvolvi-
mento da agricultura" {Codigo Civil português, V, ao art. 2.262).
Além disso, se á intenção fosse crèar '•eSfee instituto, seria
forçoso accentuar-lhe os contornos, pois que o direito anterior
o desconhecia. Trata-se, pois, de pastos communs.
Quando o direito de enviar gado a pastar em terreno alheio,
é estabelecido por servidão, vigoram os principios dessa relação
de direito. Haverá, então, occasião de distinguir entre o jus pas-
cenãi, exclusivo ao dono do prédio dominante, e o jus covipas-
cenãi, commum aos donos dos dois prédios, serviente e o do-
minante.

CAPITULO Y

Da propriedade resoluvel

Art. 647 — Resolvido o domínio pelo im-


plemento da condição on pelo advento do termo,
entendem-se também resolvidos os direitos reaes
concedidos na sua pendência, e o proprietário,
em cujo favor se opera a resolução, pôde reivin-
dicar a coisa do poder de quein a detenha.

Direito anterior — A doutrina consagrava o principio que


o Codigo adoptou, mas não era pacifica. V. Carlos de Carvalho,
Direito civil, art. 380.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, artigos
2.668-2.670.
DA PROPRIEDADE 195

Vejam-se, também, o italiano, 1.511; o allemão, 161; e o


portuguez, 2.171.
Projectos — Esboço, arts. 4.310-4.313; Beviláqua, 754 e 755;
Revisto, 744. Este Projecto altera o dispositivo do anterior;
o Congresso o restabeleceu.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas. § 27; Vieira
Ferreira, Ementas e emendas, ps. 71-72 e 132-133; Trabalhos do
Senado, III, ps. 78-79; SÁ Pereira, Manual cit, VIII, ns. 197 e
199; Pi.aaiol, Traité, I, 1.050-1.065; Planiol et Ripert, III, nú-
meros 231 e segs.; Zachariae, Droit civil français, II, § 278;
Ciiiro.m, Ist., § 113; Audry et Raxj, Cours, II, § 220, bis.
ÇQNSELHO Do TRABALHO
K-G1ÃO
Observações — 1. — Propriedade resoluvel, ou revogavel,
é a que, no proprio fitiRo da sua constituição, encerra o prin-
cipio, que a tem de extinguir, realizada a condição resolutoria,
ou advindo o termo extinctivo, seja por força de declaração da
vontade, seja por determinação da lei.
Ordinariamente, a resolução opéra a restituição da coisa ao
antigo dono ou ao seu successor. Quando, por effeito da reso-
lução, a coisa passa a terceiro, a propriedade é fiduciaria, fôrma
% Que o Codigo regula nos artigos 1.733-1.740.
2 ■' — O principio da retroactividade da condição e do termo
resolutivo encontrou expressão no art. 647. E' uma questão que
tem dado motivo a controvérsias, ás quaes alludiram os com-
mentarios aos arts. 118, 122 e 124. A solução dada pelo Codigo
e
a mais racional. Se a propriedade é condicional, devendo ex-
tinguir-se com o implemento da condição, quando volve ao
antigo proprietário, ou ao seu successor, ha de vir expurgada
dos encargos, que lhe foram postos pelo proprietário condicional.
A
revogação opéra os seus effeitos ex tunc, e, por isso, se diz
que a devolução se faz como se não tivesse havido mudança
de proprietário.
O mesmo se deve dizer do termo, que limitar a duração da
Propriedade. A causa da revogação preexiste aos encargos, o
Proprietário a termo não pôde transferir direito mais extenso
do que o seu, consequentemente, como affirmam os adagios,
fesoluti jure dantis resolvitur jus accepientis, resoluto jure ce-
dentis resolvitur jus concessum.
196 CODIGO CIVIL

Todavia é certo que o titulo jurídico poderá modificar estas


conseqüências, se a resolução é determinada por declaração de
vontade. Assim, vendida a coisa com a clausula da retrovenda,
pôde o alienante declarar que respeitará determinadas servidões,
que o comprador instituir.

Art. 648 — Se, porém, o domínio se resolver


por outra causa superveniente, ò possuidor, que
o tiver adquirido por título anterior á resolução,
será considerado proprietário perfeito, restando
á pessoa, em cujo beneficio houve a resolução,
acção contra aquelle cujo domínio se resolveu
para haver a própria coisa ou seu valor.

Direito anterior — Era a doutrina seguida.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.672.
Projectos — Esboço, art. 4.312; Beviláqua, 756; Revisto,
artigo 745.
Bibliographia — A do artigo antecedente.

Observações — 1. — Quando o domínio se resolve por causa


superveniente, isto é, que não está no proprio titulo, que pro-
cede de facto posterior á transmissão da propriedade, não é re-
soluvel em sua origem, mas se revoga, de facto. Assim acontece
no caso de doação revogada por ingratidão do proprietário. O
donatário, por exemplo, é proprietário perfeito, mas, se se mos-
trar ingrato, o doador pôde revogar a doação (art. 1.181); com-
tudo a revogação não prejudica os direitos adquiridos por ter-
ceiro. A revogação opera-se ex nunc.
2. — Alguns autores incluem nesta classe o caso da annulla-
ção do contracto translativo da propriedade por incapacidade do
alienante, mas sem razão o fazem, porque o vicio da annullabili-
dade, como o da nullidade, está no proprio acto, e, uma vez pro-
nunciada, a annullação produz effeito ex tunc (art. 158).
DA PROPRIEDADE 197

Se o adquirente aliena a coisa, ou sobre ella institue ônus,


antes de sobrevir a causa da alienação, esses actos produzem
os seus naturaes effeitos: a alienação e o gravame subsistem.'
Aquelle, em favor de quem se dá a revogação, não tem acção
contra o terceiro, que comprou a coisa, a quem foi ella hypothe-
cada, ou que sobre ella obteve outro direito real. A sua acção
é pessoal contra aquelle cujo dominio se resolveu, e este, não
podendo restituir a coisa, pagar-lhe-á o valor.
3. — SÁ Pereira acoima de contradictoria, "aos olhos mais
myopes", a doutrina deste commentario, que, apoiada no texto
clarissimo do art. 158 do Codigo Civil, affirma: a revogação
do acto por vicio de nullidade, seja esta absoluta ou relativa,
produz effeito, ex tunc; porque, em ambos os casos, o vicio, que
destróe o acto, está nelle ab initio, é congênito. Para demonstrar
a imaginada contradicção, salienta que os actos annullaveis podem
ser ratificados. Mas, se forem ratificados, não haverá nullidade
Pondera mais que as nullidades relativas, segundo preceitúa o
art. 147, não têm o effeito antes de julgadas por sentença. Mas,
uma vez julgadas por sentença, têm effeito, e esse effeito, por
ser conseqüência do vicio, que a sentença declarou, remonta ao
tempo, em que o vicio começou a existir, isto é, ao momento da
formação do acto. O art. 147 não diz, nem poderia dizer que o
acto annullado por sentença é valido até a data da sentença
que o rescinde, e nullo dahi por deante. O que elle diz é que
a nullidade, nesses casos, tem de ser declarada por sentença,
para que produza* os seus effeitos. Supponha-se a venda de um
immovel, em que ha vicio da vontade, ou cujo alienante é pessoa
relativamente incapaz. Proferida a sentença annullatoria, si o
adquirente não possue mais o bem, por tel-o vendido a outrem,
sem por isso a venda, que elle realizou subsistirá. Se subsis-
tisse, não haveria annullação do acto viciado. "A nullidade ou
a rescisão pronunciada pelo juizo tem por effeito repor as coisas
no mesmo estado em que se achavam antes da formação da
obrigação annullada ou rescindida", ensinam Atjbry et Rau,
Cours, IV, § 336. E' a regra do nosso Codigo Civil, art. 158,
hue se apoia na lógica e na lição dos mestres entre os quaes
Huc, Gommentaire, VIU, n. 214, in fine. "A annullação ou a
r
escisão refletem-se contra os terceiros, a quem as partes attri-
buiram direitos sobre as coisas, que foram objecto do contracto
198 conico CIVIL

annullado ou rescindido". Veja-se mais a bibliographia citada


em Aubry et Rau, nota 2 ao § 336 acima citado.

Da propriedade literária, scientifica e artística

Art. 649 — Ao autor de obra literária,


scientifica, ou artistfca, pertence o direito ex-
clusivo de reproduzil-a.
§ 1.° Os herdeiros e successores do autor
gozarão desse direito pelo tempo de sessenta
annos, a contar do dia de seu fallecimento.
§ 2.° Morrendo o autor, sem herdeiros ou
successores, a obra cáe no dominio commum.

Direito anterior — A duração do direito autoral, segundo


a lei n. 496, de 1 de Agosto de 1898, era de.50 annos, contados
de 1 de Janeiro do anno da publicação (art. 3.°); se a obra era
póstuma, o prazo era contado em favor dos successores, do dia
1 de Janeiro do anno do fallecimento do autor (art. 8.°); para
as traducções era de 10 annos, contados de 1 de Janeiro do anno
em que fosse publicada; para as representações ou execuções,
também de 10 annos, contados da primeira, que se effectuasse
com permissão do autor (art. 3.").
O caso previsto no § 2.° não fôra regulado.
A lei n. 2.577, de 17 de Janeiro de 1912, estendeu a prote-
cção jurídica ás obras publicadas em paiz estrangeiro, adherente
a convenções internacionaes sobre a matéria.
O Codigo depurou esse regimen, expungindo-lhe as restri-
cções. Não faz distincção entre nacionaes e estrangeiros, quanto
ao gozo dos direitos civis (art. 3.°). Não faz depender esse gozo
da residência, nem estabelece qualquer restricção especial quanto
aos direitos de autor.
Legislação comparada — O prazo durante o qual o direito
dos autores é tutelado pelo direito positivo offerece a maior
variedade nas legislações. Era perpetuo, no México (Codigo Civil,
art. 1.138), com algumas limitações: o editor de obra póstuma,
não sendo herdeiro nem cessionário, gozaria da propriedade du-
rante 30 annos (art. 1.143); o autor dramático desfructaria o
DA PROPRIEDADE 199

seu direito emquanto vivesse, e os seus herdeiros durante 30


annos (art. 1.169); os cessionários teriam o gozo desse direito
até tres annos depois da morte do autor (art. 1.170); além disso,
a propriedade literária e artística prescrevia em 10 annos, e a
dramatica em quatro (art. 1.263). Actualmente, porém, o México
alterou, neste particular, a sua legislação, o art. 1.181 do novo
Codigo Civil confere aos autores de obras scientificas, por 50
annos, o privilegio de publical-as, traduzil-as e rep.roduzil-as;
e aos autores de obras literárias, cartas geographicas, desenhos,
etc., o direito exclusivo, por 30 annos, á publicação e repro-
ducção por qualquer processo. E' ainda perpetuo na Guatemala
(lei de 29 de Outubro de 1879), na Venezuela (lei de 17 de Maio
de 1894, art. 4.°), e em Portugal (lei de 27 de Maio de 1927).
Dura 80 annos, depois da morte do autor, na Hespanha
(lei de 10 de Janeiro de 1879, art. 6.°) e na Colombia (lei de
26 de Outubro de 1884). Esse prazo reduz-se a 2o annos para os
cessionários, se o autor deixar herdeiro necessário, ao qual
competirá o gozo do direito durante 55 annos.
E' de 50 annos, contados depois da morte do autor, a du-
ração do direito autoral, na França (lei de 14 de Julho de 1866,
art. 1.°); na Bélgica (lei de 22 de Março de 1866, art. 2.°); na
Hungria (lei de 25 de Abril de 1884, art. 11); na Inglaterra (lei
de 16 de Dezembro de 1911, art. 3.°); no Luxemburgo (lei de 10
de Maio de 1898, art. 2.°); na Bolívia (lei de 13 de Agosto de
1874, art. 10); no Equador (lei de 3 de Agosto dè 1887, art. 9.°);
era em Portugal (Codigo Civil, arts. 579 e 584); e é na Suécia
(lei de 10 de Agosto de 1877, art. 7.°).
E'Me 30 annos na Allemanha (lei de 19 de Junho de 1901,
art. 29), ná Áustria (lei de 26 de Dezembro de 1895, art. 43),
e no Japão (lei de 3 de Março de 1889, art. 3.°).
E' de 28 annos nos Estados-Unidos da America (lei federal,
de 4 de Março de 1909, arts. 23 e 24).
De 10 annos na Argentina (lei de 16 de Setembro de 1910,
art. 5.°),
O systema italiano, da lei de 1882, está hoje modificado
Pelo decreto-lei de 7 de Novembro de 1925, que estabelece para
a duração ãel ãiritto cli autore a duração de 50 annos, depois
da morte do mesmo, salvo excepções (art. 26). Para as obras
póstumas, os 50 annos se contam, da data da publicação, se
200 CODIGO CIVIL

esta occorrer dentro dos 30 annos posteriores á morte do autor


(art. 30).
As leis citadas não variam somente na determinação do
prazo de protecção ao direito autoral; falta-lhes uniformidade
ainda sota varias relações, o que seria longo accentuar neste
momento, porém, que se poderá verificar, consultando-as nas
collecções especiaes ou no Annuaire cie législation étrangère.
Convenções. Depois da lei de 17 de Janeiro de 1912, o Brasil
celebrou com a França a convenção de 15 de Dezembro de 1913,
para assegurar aos autores brasileiros e francezes as garantias
da lei dos dois paizes. Essa convenção foi approvada pelo Con-
gresso Nacional (dec. n. 2.966, de 5 de Fevereiro de 1915)
e mandada executar pelo dec. n. 12.662, de 29 de Setembro
de 1917.
O Brasil adheriu á convenção de Berne, de 9 de Setembro
de 1886, revista pelo acto addicional de Paris, de 4 de maio de
1896 (V. o meu Direito publico internacional. § 218), em Berlim,
a 13 de Novembro de 1908, e em Roma a 2 de Junho de 1928.
Esta convenção foi promulgada pelo dec. n. 23.270, de 24
de Outubro de 1933.
A Quarta Conferência Internacional Americana, reunida em
Buenos Aires, no anno de 1910, votou o texto de uma convenção
sobre a propriedade literária e artistica, para o fim de ser re-
conhecido, em todos os paizes da America, o direito de autor,
obtido em qualquer delles, na conformidade das suas leis, inde-
pendentemente de qualquer outra formalidade, sempre que ap-
pareça, na obra, qualquer manifestação, que indique a reserva
da propriedade {Quarta Conferência Internacional Americana, I,
paginas 480-484) .
A convenção assignada em Buenos Aires, ã 11 de Agosto
de 1910, foi approvada pelo Congresso Nacional (resolução de
31 de Outubro de 1914), sanccionada e promulgada pelos de-
cretos ns. 2.881, de 9 de Novembro de 1914, e 11.588, de 19
de Maio de 1915.
O instrumento de ratificação (acto de 9 de Fevereiro de
1915) foi depositado no Ministério das Relações Exteriores da
Republica Argentina.
Com Portugal havia o accordo de 9 de Setembro de 1889.
Hoje temos a convenção de 26 de Setembro de 1922, approvada
pelo Congresso Nacjonal (dec. n, 4.818, de 23 de Janeiro dq
DA PROrilIEDADE 201

1924, e promulgada pelo decreto n. 16.152, de 9 de Abril de


1924 {Diário Official, de 12 de Abril de 1924) .
Projectos — Coelho Rodrigues, arts. 99 e 100 (differente);
Beviláqua, 757 e 767 (sem limitação de tempo); Revisto^ 746 e
756 (sem limite de tempo).
BibliograpUia — Lições de legislação comparada, 2.a ed.,
lição XYI; Revista acadêmica da Faculdade de Direito do Re-
cife, 1892, ps. 24-37; Em defeza, ps. 114-123; 479-494; Direito
das coisas, I, tit. III, cap. V, p. 267 e segs.; Lacerda, Direito
das coisas, § 3.°; Arthuk Lemos, Parecer {Trabalhos da Gama-
ra, III, ps. 95-104); Discurso (op. cit., V, ps. 245-248); M. F.
Correta, Discurso {Trabalhos cit., V, ps. 222-227); Tobias Bar-
reto, Estudos allemães, ed. do Recife, ps. 251 e segs.; Estudos
de direito, Rio, ps. 479-483; Almachio Diniz, Direito das coisas,
ns. 251-268; Medeiros e Albuquerque, no Paiz, de 26 de Maio
de 1901, Propriedade literária; Armando Vidal, Direitos de autor,
na Revista de Direito, XXVII, ps. 467-488; Samuel Martins, Di-
reito autoral, Recife, 1906; S. Vampré, Manual, II, §§61 e segs.;
Pouiixet, Traité théorique et pratique de la propriété litterairò
et artistique; Delalande, Êtuães sur la propriété littéraire et
artistigue; Lyon Caen et Paul Dslalain, Lois françaises et
étrangères sur la propriété littéraire et artistique, 2 vols.; Pla-
niol, Traité, I, ns. 1.282-1.291; Rothlisberger, Le ãroit ã'auteur
cVaprcs la nouvelle loi luxembourgeoise, in Ctunet, 1889, ps. 502-
508; As publicações officiaes e o -direito autoral, na Revista de
Direito, XXX, ps. 407-412; D arras, Uétat actuel du droit ftauteur,
em Glunet, 1893, ps. 688 e segs.; Cnavegrin, Notes et reseigne-
ments sur la propriété littéraire et artistique, em Clunet, 1895,
ps. 47-55, 548 e segs.; 1896, ps. 78 e segs.; 1901, ps. 50-65, 481-
497, 729-737; 1906, 93-107, 1.017-1.025; V. de Carnaxxde, Tratado
da propriedade literária e artística; Alexandre Herculano,
Gpusculos, II; R. Teixeira Mendes, Nota sobre a propriedade
literária; Sanchez Roman, Derecho civil, 111, cap. XII; Jhering,
Actio injuriar um, trad. Meulenaere, ps. 145-170; Kohler, Re-
chtsphilosophie, ps. 82-83; Encyclopaedie, I, ps. 37-48; Dernburg,
Das buergerliche Recht, VI, zu Ende gefuert von J. Kohler;
Spencer, Justice, trad. Castelot, ps. 121-137; Daireaux, De la
nouvelle loi argentino, em Clunet, 1911, ps. 449-456; Quarta
Conferência Internacional A.mericana, I, ps. 185-247, e 480-484;
•Giuseppe Lustig, La parodia nel diritto e nelVarte; Fadda e
202 CODIGO CITIL

Bensa a d Windscheid, Panã., I, ps. 648-650; Amak, Sul conceito


de opere deli igegno, nos Scritti Giuridice ãedicati a Giavipietro
CMroni, I, ps. 15-20; Erwin Riezler, Zur gesetlichen Neugestal-
tung des sweizeriscTien, Uai., pol., uncl tschechoslow. Urheberecht
(1928); Alexandre Eisler, Die sachlichen Grenzen des TJrlieher-
t echt (1928). (Publicações da Internationale Vereinigung f. verg-
leichende Rechtswissenchchaft und Volkwirtschaftslehre); Ettork
Valerio, La nuova legge sul diritto d'autore; Philadelpho Aze-
vedo, Direito moral do escriptor, G. A. Bailly, Direitos autoraes;
Carlos Xavier, Dos crimes contra o patrimônio, ns. 277 e segs.;
Teijles Netto, A criação literária em face do direito civil bra-
sileiro; A proteeção do operário intellectual; e Aspectos do con-
tracto de eáHção; Hermano Duval, Cinema e direitos autoraes,
no Jornal do Commercio de 12 de Agosto de 1937.

Observações — 1. — Tem-se debatido muito a respeito da


natureza do direito autoral e sua exacta classificação, parecendo
a muitos que não ha nelle senão uma íorma particular, pela qual
se manifesta a personalidade, como "expressão directa do es-
pirito pessoal do autor (Bluntschli, Dahn, Gierkb, Tobias Bar-
reto) entendendo outros, que elle constitue modalidades espe-
cial da propriedade: é a propriedade immaterial ou intellectual
(Ahrens, Jhering, Kohler, Dernburg ); opinando terceiros que
nao ha, no caso, propriamente, um direito, mas um simples pri-
vilegio concedido para incremento das artes, das sciencias e das
letras (Gerber, Coelho Rodrigues, Medeiros e Albuquerque) .
Esta matéria tem sido, ultimamente, debatida entre os ju-
ristas allemães, sustentando E. Heymann e outros que o direito
autoral é, na sua essencia e na sua origem, um direito ligado
á pessoa do autor, a que se addiciona um prazo para depois
da sua morte.
O Codigo Civil trata o direito autoral como propriedade
immaterial, e por essa razão lhe traça os lineamentos legaes
neste logar, entre o domínio e os direitos reaes sobre coisa alheia.
Isto, porém, não significa desconhecer que haja neste direito,
além de um aspecto geral outro pessoal, que se não desprende
da própria personalidade do autor.
UA PROPRIEDADE 203

2. — O Projecto primitivo propuzera a perpetuidade para o


direito dos autores. Contra esse modo de ver levantam-se obje-
cções, que não são muito convincentes. Diz-se que a perpetui-
dade aproveitaria aos livreiros e não aos autores. Mas, desde
que o autor não alienasse, o seu direito de modo absoluto, e
apenas cedesse edições, como é mais commum fazer, onde a in-
dustria do livro é mais remuneradora, não podiam os livreiros
ter as vantagens, que o argumento imagina. Allega-se mais que
a perpetuidade disseminaria, infinitamente, o direito do autor
entre os seus herdeiros e successores. Pura phantasia. A repar-
tição do direito, como a da propriedade das coisas corporeas, tem
um limite. B, assim como o condomínio dos immoveis é, sempre,
no systema do Codigo Civil, um estado transitório, sel-o-ia, egual-
mente, a compropriedade immaterial. Lembram, por fim, o con-
curso que o autor recebe da humanidade, para a elaboração da
sua obra, cujas idéas são applicações ou desenvolvimento de
idéas tiradas do patrimônio intellectual commum da sociedade.
Mas, -como bem ponderou Spencer, esses productos intellectuaes
da civilização "são accessiveis a todos ; utilizando-os, o escriptor
ou o artista não diminuiu a possibilidade de outros os utiliza-
rem. Sem subtrair coisa alguma á riqueza commum, elle apenas
combinou algumas partes delia com os seus pensamentos, seus
princípios, seus sentimentos, seu talento technico, coisas que sãu
exclusivamente suas, que lhe pertencem, mais verdadeiramente
do que os objectos visíveis e tangíveis, que encerram a matéria
prima tirada ao uso potencial dos outros homens, pertencem aos
proprietários. Um producto do trabalho mental é, mais plena-
mente, uma propriedade do que o producto do trabalho corporal,
porque o trabalhador foi o único factor da sua riqueza".
Realmente o que o direito autoral protege são as formas
novas creadas pelo engenho humano, e não se comprehende que
sejam minhas as coisas preexistentes, de que eu me aproprio
pela caça, pela pesca, pela simples apprehensão, e o não possam
ser coisas que eu criei, dando fôrma nova a elementos, que
encontrei no mundo intellectual. E, uma vez creada essa riqueza
immaterial, não ha, em principio, razão theorica para que se
não transmitia pelos modos adoptados para a transmissão da
riqueza material. São razões de ordem pratica, e uma certa
obscuridade de idéas, próprias da phase evolucional, em que se
acha o direito autoral, que explicam essa forma de propriedade
204 CODIGO CIVIL

menos plena, de propriedade temperaria e revogavel, que as leis


imprimem ao direito dos autores.
2.a — Para os livros publicados sob o império da lei nu-
mero 496, de 1 de Agosto de 1898, e que ainda não haviam
cabido do dominio commum, quando entrou em vigor o Codigo
Civil, o prazo da garantia legal é o do Codigo Civil, porque o
direito autoral, ainda subsistente, passou a ser regulado pela
lei nova.
3. — Entre os jurisconsultos modernos, foi Kohler quem
melhor tratou da propriedade immaterial, em obras de grande
valor, como TJrheherreclit, Autorrecht, Fatentrecht, Kunsttoerk-
recht e outras. Merece que se dê aqui um ligeiro resumo da
sua construcção juridica.
O direito sobre bens immateriaes é positivo, como a pro-
priedade: é um direito de gozo, não um simples direito prohi-
bitivo. E' absoluta, no sentido de que é uma relação immediata
entre uma pessoa e um bem jurídico. Os bens immateriaes São
alienaveis, podem ser transmittidos por actos entre vivos e por
successão hereditária, tal como a propriedade.
Não se deve confundir o direito immaterial com o de per-
sonalidade. Este ultimo tem por objecto o que é necessário á
personalidade para a sua existência e desenvolvimento. A per-
sonalidade é inalienável; o direito immaterial, alienavel. O bem
immaterial, que, antes, se achava na esphera da pessoa, delia
se desprende, como o filho, que, depois de nascido, tem vida
própria. O dizermos que a obra é sempre nossa indica, somente,
a facto histórico da producção, sem apanhar a sua substancia-
lidade.
O objecto do bem immaterial é uma iãeação ildteegestaltung)
de natureza esthetica ou technica, que se dintingue do objecto
que a corporiza. Nada mais commum, outr'ora, do que a confu-
são entre a propriedade do manuscripto e o direito immaterial
sobre o seu conteúdo, coisas, que, aliás, se distinguem, funda-
mentalmente. Quando o pintor aliena um quadro, não transfere
a idealidade, que o quadro representa.
Todo direito immaterial origina-se de uma creação, isto é,
de uma ideação creada por iniciativa espiritual. Pouco importa
que resulte de um rasgo de gênio ou de mediação diuturna.
O conteúdo do direito immaterial não pôde abranger toda e
qualquer relação sobre o bem immaterial. Seria uma loucura pre-
DA PKOPRIEDADE 205

tender que somente o autor de uma poesia a pudesse ter na


mente ou recital-a para si. O direito exclusivo dos bens imma-
teriaes não se equipara ao direito exclusivo das coisas mate-
riaes, que, entretanto, não impede o uso innoxio. Somente a
utilização publica, ou industrial, pôde ser contraria ao direito
do autor, não o uso privado.
Outras limitações soffre o direito immaterial. Interesses da
humanidade, por exemplo, permittem que se executem obras
musicaes em concertos de beneficência, ou em festas populares,
sem attenção ao direito exclusivo do autor.' O interesse colle-
ctivo, sobrepujando o individual, autoriza a desapropriação do
direito immaterial. Dadas certas circumstancias, um direito im-
material pôde ser condemnado por abusivo.
O direito immaterial pôde ter por objecto uma fôrma a ex-
teriorizar certa idéa, technica ou esthetica. Por ambos os modos
se constitue o direito sobre as obras literárias, o qual consiste
em ter somente o autor o direito de se utilizar, industrialmente,
do producto da sua intelligencia, seja por meio da imprensa, seja
por cópias manuaes, ou por outros modos de reproducção.
O editor tem, somente, um direito de utilização dentro de
certos limites; não é, como se pensava outr'ora, um successor.
Em regra, elle não tem o direito de traduzir, nem o de modi-
ficar a obra. Além disso, o direito do editor está ligado a im-
portantes obrigações, de modo que elle somente o pôde alienar,
dando segurança sufficiente do cumprimento dessas obrigações
{Eiicyclopaeãie, I, ns. 38-48, ps. 621-625).
4. — O Codigo Civil, não se occupa com as outras fôrmas
de propriedade immaterial, como as marcas , de fabrica e as
^atentes de invenção, que constituem o direito industrial. O
• Projecto revisto as incluirá, mas o Congresso achou que essa
matéria melhor se enquadra em leis especiaes, ou no direito
commercial, e supprimiu as duas secções a ella consagradas
pela Commissã.o do Governo.
Quanto ao nome civil, já se disse que elle não offerece ele-
mentos para constituir um direito distincto. Veja-se o vol. I,
deste livro, ps. 200-202 da sexta edição.
4.a — Está, hoje, disciplinada a propriedade industrial
pelo dec. exec. n. 16.264, de 19 de Dezembro de 1923, appro-
vado pelo dec. legislativo n. 4.932, de 10 de Junho de 1925 e
modificado pelos decretos n. 22.989, de 26 de Julho de 1933 e
206 CODIGO CIVIL

22.990, de da mesma data. Temos sobre essa matéria a con-


venção celebrada a 2 de Junlio de 1911, em Washington, e outras
.(V. Hiliiebrando Accioly, Actos internacionaes vigentes no
Brasil).
5. — A expressão olora literária, scientifica ou artística,
segundo a doutrina corrente e a definição dada pelo direito
anterior, que o Codigo se absteve de reproduzir por desneces-
sário, compreheude os escriptos de qualquer natureza, as lições,
os discursos ou sermões, as obras musicaes, as pinturas, de-
senho, esculptura, architectura, photographia, as cartas geográ-
phicas, os planos e os esboços de qualquer especie.
6. -— O direito de autor sobre obras literárias e scientificas
comprehende a faculdade exclusiva de publicar, editar, espalhar,
expôr á venda, traduzir e modificar a obra (lei austriaca,
art. 23; argentina, art. 3."). O direito sobre obras dramaticas e
musicaes abrange mais o de executal-as; e sobre obras de arte,
o de expôl-as (leis citadas).
7. — A violação do direito dos autores também constitue
crime punido pelo Codigo Penal, arts. 184 e 185.
8. — Morrendo o autor, sem deixar herdeiros ou successores,
a obra cáe no dominio commum, determina o Codigo Civil, art. 649,
§ 2.". As obras do Governo, não sendo actos públicos e documentos
officiaes, cáem no dominio commum quinze annos depois da pu-
blicação (art. 662) . Telles Netto propõe uma taxa para á ex-
ploração da obra de autor particular, após o período posthumo,
a qual seria arrecadada por uma Caixa- cie literatura nacional
(Aspectos do contracto de edição, fr. 48-52).

Art. 650 — Goza dos direitos de autor, para


os effeitos ecouomicos por este Codigo assegu-
rados, o editor de publicação composta de arti-
.gos ou trechos de autores diversos, reunidos
num todo, ou distribuídos em séries, taes como
jornaes, revistas, diccionarios, encyclopedias e
selectas.
DA PROPRIEDADE 207

Paragrapho único. Cada autor conserva,


neste caso, o seu direito sobre a sua producçao,
e poderá reproduzil-a em separado.

Direito anterior — Não havia artigo correspondente .na lei


de 1 de Agosto de 1898.
Legislação comparada — Lei allemã, de 19 de Junho de
1901, art. 4.°; austríaca, de 26 de Dezembro de 1895, art. 8.°;
russa, depois alterada, de 20 de Março de 1911, arts. 13 e 14,
que reduzia a 25 annos a duração do direito dos editores de
jornaes, revistas, diccionarios, almanaques e outras collectaneas;
japoneza, de 3 de Março de 1899, art. 14; Codigo Civil mexi-
cano, arts. 1.198 e 1.199; lei italiana, de 1925, art. 17.
Projectos — Beviláqua, art. 758; Revisto, 747.

Observação — Para os effeitos economicós, diz o Codigo a


fim de accentuar a distincção entre o elemento real e o pessoal
do direito dos autores, o primeiro que se transmitte e pode
ser objecto de transacções econômicas, o segundo que está sem-
pre ligado ao productor intellectual.

Art. 651 — O editor exerce, também, os


direitos, a que se refere o artigo antecedente,
quando a obra for anonyma ou pseudonyma.
Paragrapho único. Mas, neste caso, quando
o autor se der a conhecer, assumirá o exercicio
dos seus direitos, sem prejuizo dos adquiridos
pelo editor.

Direito anterior — Semelhante (Lei de 1 de Agosto de 1898,


art. 11).
Legislação comparada — Lei austríaca, de 1895, art. 11;
lei belga, de 1886, art. 7.°; hespanhol, de 1879, arts. 2.°, 4.° e 26;
lei luxemburgueza, de 1898, art. 7.°; lei russa, d« 1811, revogada,
208 CODIGO CIVIL

art. 17; lei japoneza, de 1899, arts. 5.° e 12. Vejam-se a lei ita-
liana, de 1925, art. 14-; e o Godigo mexicano, 2.216.
Projectos — Beviláqua, art. 759; Revisto, 748.

Observação — A Constituição, de 1891, art. 113, n. 9, in médio,


prohibe o anonymato (consulte-se JoÃo Babdalho, ps. 320-321),
e a vigente mantém esse preceito (art. 122, 15, letra d. Mas essa
prohibição não pode abranger obras publicas antes da organi-
zação republicana. Além disso, o que a Constituição visa é a
responsabilidade, e, sob esse ponto de vista, o editor faz as
vezes do autor.
A obra anonyma não éres millius, tem dono, e seria inad-
missivel confiscal-a ou declaral-a do dominio commum, ou com-
minar-lhe qualquer outra punição idêntica, sem que o Codigo
Penal assim decretasse. Veja-se o Codigo Penal, arts. 184, 185.

Art. 652 — Têm o mesmo direito de autor


o traductor de obra já entregue ao domino
commum, e o escriptor de versões permittidas
pelo autor da obra original, ou, em sua falta,
pelos seus herdeiros e successores. Mas o tra-
ductor não se pode oppôr á nova traducção,
salvo se for simples reproducçao da sua, ou se
tal direito lhe deu o autor.

Direito anterior — Semelhante em parte. A lei não se re-


feria á necessidade de permissão do autor ou de seus successores
(Lei de 1898, art. 12).
Legislação comparada — Vejam-se: a lei belga, arjt. 12, a
argentina, art. 3.°, a hespanhola, art. 2, 2.° e 14; a luxemtaur-
gueza, 12; a austríaca, 28, 29 e 47; o Codigo Civil portuguez,
577; e o mexicano, 1.208 e 1.209.
Reina grande variedade. A lei austríaca restringe, conside-
ravelmente, o direito de traducção." O Codigo Civil portuguez
DA PROPRIEDADE. 209
reconhece-o, somente, por dez annos, se o autor é estrangeiro, e
com a condição de o exercer dentro dos tres primeiros .annos da
publicação. A lei hespanhola faz depender o respeito ao direito
de traducção da obra estrangeira, da reciprocidade concedida
aos autores hespanhoes. V. a lei italiana, art. 12.
Projectos Beviláqua, art. 760; Revisto, 749.

Observações — 1. — O direito de traducção é um dos mo-


dos pelos quaes se manifesta o direito autoral. Tem, portanto, a
mesma duração delle. Mas, se a obra traduzida já cahira no
domínio commum, o traductor é considerado autor para os ef-
feitos da protecção legal, sem, todavia poder impedir que outros
façam o mesmo que elle, isto é, que se utilizem do que a nin-
guém mais pertence. Em relação ao novo traductor, o primeiro
tem, somente, o direito de exigir que faça trabalho proprio,
não se locuplete com o seu. O objecto do seu direito autoral é,
precisamente, a forma da sua traducção.
2. — Se a obra ainda está no patrimônio de alguém, o tra-
ductor deve ser autorizado por quem tenha direito de fazel-o,
o autor, seus herdeiros ou successores. Esta disposição interessa,
particularmente, aos autores estrangeiros. As versões, para go-
zarem da tutela jurídica, hão de ser consentidas pelo autor da
obra original, ou por aquelle, a quem passou o seu direito. O
direito autoral tem uma feição cosmopolita, que se não pôde
ajustar, sem mutilação, ao âmbito de um paiz. Necessita de ex-
pandir-se, até onde chega a influencia das obras do espirito.

Art. 653 — Quando uma obra, feita em


collaboração, não for divisivel, nem couber na
disposição do art. 651, os collaboradores, não
havendo convenção em contrario, terão, entre si,
direitos eguaes; não podendo, sob pena de res-
ponder por perdas e damnos, nenhum delles,
sem consentimento dos outros, reproduzil-a, nem
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. • 14
210 CODIGO CIVIL

lhe autorizar a reproducção, excepto quando


feita na collecção de suas obras completas.
Paragrapho único. Pallecendo um dos col-
laboradores, sem herdeiros ou successores, o seu
direito accresce aos sobreviventes.

Direito anterior — Semelhante apenas em parte do prin-


cipio do artigo. O paragrapho único prescreve principio novo
(Lei cit., art. 9.°).
Legislação comparada — Lei belga, arts. 5.° e 6.°; luxembur-
gueza, 5.° e 6.°; japoneza, 13. Vejam-se, também, a allemã', de
1901, art. 6.°; a italiana, art. 18; Codigo Civil do México, 1.195.
Projectos — Beviláqua, art. 761; Revisto, 750.

Observações — 1. — A compropriedade autoral, como o con-


domínio, estabelece a communhão de interesse. Nenhum dos
consortes pôde exercer o. seu direito, com,exclusão dos outros.
Tal exercício coiístituirá" uni acto iilicito, que determinará res-
ponsabilidade por perdas e damnos, não obstante as vantagens
da reproducção deverem ser distribuídas por todos.
Se a obra é divisivel, salvo estipulação em contrario, cada
collaborador pôde publicar a sua parte, em separado. Sendo indi-
visível, só o poderá fazer na collecção de suas obras completas.
2. — O direito de accrescer concedido pelo paragrapho único
tem por fim evitar duvidas, que poderiam surgir, quando se
verificasse fallecimento de um dos collaboradores, sem deixar,
herdeiros ou successores. A sua parte não pôde cahir no do-
mínio commum.
O projecto belga continha uma disposição semelhante. A
Commissão central, porém, a eliminou, sob fundamento da rari-
dade da hypothese (Lton Caen et Paul Delalain, Lois fran-
çaises et étrangères sur la propriété lit., et artistique, I, p. 172,
nota 1). V. a Convenção de Berne, revista em Roma em 182S,
7, bis.
DA PROPRIEDADE 211

Art. 654 — No caso do artigo anterior, di-


vergindo os collaboradores, decidirá a maioria
numérica, e, em falta desta, o juiz, a requeri-
mento de qualquer delles.
§ 1." Ao collaborador dissidente, porém, fica
o direito.de não contribuir para as despezas de
reproducção, renunciando a sua parte nos lucros,
bem como o de vedar que o seu nome se inscreva
ua obra.
§ 2.° Cada collaborador pôde, entretanto, in-
dividualmente, sem acquiescencia dos outros, de-
fender os proprios direitos contra terceiros, que
daquelles não sejam legitimos representantes.

Direito anterior — Semelhante (Lei cit., art. 9.°).


Legislação comparada — A do artigo antecedente.
Projectos — Beviláqua, art. 762; Revisto, 751.
CONSELHO RLCILNAL DO TRABALHO
d^rRcGlÃO

Art. 655 — O autor -de composição musical,


feita sobre texto poético, pode executal-a, publi-
cal-a ou transmittir o sen direito, independente
de* autorização do escriptor, indemnizando, po-
rém, a este, que conservará direito á reprodu-
cção do texto sem a musica.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente.


Legislação comparada — Lei italiana, art. 19. O autor da
parte literária tem o direito de reproduzil-a, sem a musica; não
Pôde, porém, cedel-a a outro para pol-a em musica; o autor da
Parte musical tem os direitos constantes do nosso artigo.
A lei belga, art. 18, reproduzida, textualmente, pelo do
Luxemburgo, art. 18, é assim concebida; "Quando a obra se
compõe de palavras, ou libretos, e musica, o compositor e o autor
nao poderão, a respeito delia, tratar com um novo collaborador.
212 CODIGO CIVIL

Comtudo terão o direito de a explorar isoladamente, por pu-


blicação, traducção ou execução publica". Vejam-se ainda, a lei
hespanhola, art. 23; e allemã, 20.
Projectos — Beviláqua, art. 761, § 1.°; Revisto, 750, § 1.°.

Observação — Neste caso, a obra de collaboração se compõe


de partes distinctas, o texto poético e a musica. Esta ultima
é considerada principal no sentido de que, de ordinário, é mais
valiosa e arrasta comsigo a letra, sem comtudo lhe tirar a
individualidade, de modo que não possa cada uma apparecer e
se reproduzir em separado. A especialidade do caso exigia um
dispositivo particular, tanto mais necessário quanto a variedade
das legislações denuncia que a relação jurídica estabelecida entre
o compositor e o autor offerece mais de um aspecto, por onde
se possa considerar, juridicamente. A solução do Codigo Civil
brasileiro, semelhante á da lei italiana, attende, satisfactoria-
mente, á natureza da compropriedade creada entre o poeta e o
musico.
Consulte-se, a respeito deste artigo, a dissertação de Gabba,
escripta a proposito da demanda entre Verga e Mascagni, por
causa da Cavalleria rusticana (Quistioni, I, ps. 303-340.
V. a Convenção de Berne, revista em Roma, em 1928, art. 13.

Art. 656 — Aquelle que, legalmente autori-


zado, reproduzir obra de arte mediante processo
artistico differente, ou pelo mesmo processo, ha-
vendo na composição novidade, será, quanto á
cópia, considerado autor.
Paragrapho único. Goza, egualmente, dos
direitos de autor, sem dependência de autoriza-
ção, o que assim reproduzir obra já entregue
ao dominio commum.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente.


DA PROPRIEDADE 213
Legislação comparada — Vejam-se a lei allemã, de 9 de
Janeiro de 1876, sobre obras de artes figurativas (an Werken
der UUenãen Kuenste), art. 7.°; austríaca, art. 39, 1.°; a ja-
poneza, art. 22; e a hespanhola, art. 3.° V. lei italiana, art. 2.
Projectos — Beviláqua, art. 763; Revitso, 752.

Observações —- 1. — O Projecto primitivo e o revisto so-


mente se referiam ás reproducções mediante processo differente.
A Gamara, attendendo ás ponderações de Arthur Lemos, apoiado
em PouiriLET e Pataille, admittiu, também, as reproducções pelo
mesmo processo, havendo novidade na composição. E' do mesmo
pai lamentai a emenda additiva de que resultou o paragraplxo
único {Trabalhos da Gamara, III, p. 101, p. e VI, p. 267).
A disposição refere-se, particularmente, ás artes figurativas.
Um quadro a oleo, pôde ser reproduzido pela gravura (processo
differente), ou, ainda, pela pintura (processo idêntico). Em
ambos os casos, é necessário o consentimento do autor da obra
original, sem o que, haveria ofensa ao seu direito.
Se a reproducção pelo mesmo processo fôr autorizada, e com-
tiver novidade, que a distinga do original, seu autor poderá re-
clamar de quem a copie ou reproduza, sem o seu consentimento,
Essa novidade, cunho da personalidade do artista, que reproduz
obra de outro, poderá ser o seu modo particular de compor; mas
deverá sempre ser tal, que as duas obras não se confundam.
Um romance, ou um conto, pôde ser transformado em obra
theatral e vice-versa. Mas, se o autor não consentir nessa trans-
formação, haverá offensa ao seu direito.
2. — A reproducção abusiva, sem permissão do autor, toma,
ás vezes, a fôrma do plagio, quer se trate de obras d'arte, quer
de obras literárias ou scientificas. A parodia, porém, differindo
essencialmente, do plagio e da reproducção abusiva, por lhe
faltar a má fé, o intuito de se locupletar com o alheio, não
constituo offensa ao direito autoral, ainda que, algumas vezes,
possa ser desagradável ao autor, pela feição satyrica ou depre-
ciativa que reveste. E' uma creaçâo, um producto do engenho,
muito embora inspirado em obra alheia, cujo desenvolvimento
acompanha, dando-lhe outra intenção. Leia-se sobre este assum-
Pto, Lustio. La parodia nel diritto e neVarte. O regulamento
214 CODIGO CIVIL

venezuelano, de 12 de Janeiro de 1888, art. 33, prohibe trans-


crever nas paródias extracto literal da obra parodiada.
V. Citada Convenção de Roma, art. 14.

Art. 657 — Publicada e exposta á venda


uma obra tlieatral ou musical, entende-se annuir
o autor a que se represente ou execute, onde
quer que a sua audição não for retribuida.

Direito anterior — O mésmo (Lei cit., art. 153) .


Legislação comparada — Vejam-se a lei allemã, art. 27;
a russa, 50; a austríaca, 34; a luxemburgueza, 16; o Codigo
Civil portuguez, 595; e a lei italiana, art. 23.
Projectos — Beviláqua, art. 764; Revisto, 753.

Observações — 1. — Nas obras theatraes e musicaes, cum-


pre distinguir o direito de publicar e o de executar. A musica
e a composição scenica não se publicam sem consentimento do
autor. Depois de publicados, quem as adquire faz dellas o uso,
a que se prestam, menos o de executal-as por dinheiro. Para
as audições retribuídas subsiste o direito do autor.
Não ha, porém, offensa aos direitos do autor, quando a
receita do espectaculo ou do concerto é destinada a ura fim
de beneficência, e os artistas ou amadores não recebem remu-
neração .
2. — Muitas leis estrangeiras exigem que o autor declare,
nos exemplares das obras musicaes publicadas, se reserva para
si o direito de execução, entendendo-se que o renunciou, se não
faz essa declaração. Não adoptou esse systema o Codigo Civil
brasileiro. A obra theatral ou musical, publicada, pode ser, livre-
mente, executada, onde a sua audição não fôr retribuida isto é,
onde não se adquira o direito de ouvil-a, mediante remuneração.
Mas o autor não está impedido de fazer declaração de que se
reserva o direito de autorizar as execuções do seu trabalho, em
publico, ainda quando ellas não sejam retribuídas.
DA PROPRIEDADE 215

3. — O dec. n. 4.790, de 2 de Janeiro de 1924, art. 2.",


reproduz em termos differentes, a matéria deste artigo, e, no
art. 3.°, autoriza o autor, editor, cessionário, traductor, ou pessoa
subrogada nos direitos destes, a requerer, á autoridade policial,
a interdicção do espetáculo, ou representação da peça, que não
tenha sido autorizada.
4. — Pôde a musica publicada acompanhar a projecção de
fita cinematographica, independentemente de autorização do
compositor? Entendendo que sim; porque as composições musicaes
executadas por orchestras durante a exhibição da fita cinema-
tographica, se concorrem para tornar mais aprazível o espe-
ctaculo, não o constituem.

Art. 658 — Aquelle que, com autorização cio


compositor de uma obra musical, sobre os seus
motivos escrever combinações ou variações, tem,
a respeito destas, os mesmos direitos, com as
mesmas garantias, que sobre aquella o seu autor.

Direito anterior — A lei de 1 de Agosto de 1898, art. 16,


attendia, particularmente, ao direito do autor da obra original,
ao contrario do que faz o Codigo, que accentua o direito do que
faz combinações e variações.
Legislação comparada — Vejam-se; lei allemã, de 1901, ar-
tigo 13; austriaca, 32-36; belga, 17; hespanhola, 7.°, segunda
parte; italiano, 3.°, 2.a parte; luxemburgueza, 17; russa, 42 e 43.
A matéria não é tratada, do mesmo modo, nas leis citadas. A
lei austriaca, por exeniplo, prohibe a publicação de extractos,
pot-pourris, combinações e modificações, mas não as variações,
transcripções, phantasias e estudos orchestraes, a que attribue
caracter de obra original.
A lei belga e a luxemburgueza limitam-se a declarar, como a
nossa de 1898, que o direito do autor de composições musicaes
comprehende o direito exclusivo de fazer combinações sobre o
tnotivo da obra original.
Projectos — Beviláqua, art. 765; Revisto, 754.
216 CODIGO CIVIL

Observação — Cabe, exclusivamente, ao autor fazer com-


binações, variações, transposições, modificações. E' essa uma das
faces, por que se manifesta o direito autoral, que é exclusivo e
não poderia tolerar essas invasões lesivas. Mas se o compositor
autoriza outrem a escrever, sobre os motivos da sua obra, com-
binações e variações, estes se consideram obras origiriaes, tão
merecedoras da protecção legal quanto a que lhes forneceu o
thema ou motivo.

Art. 659 — A cessão, ou a herança, quer dos


direitos de autor, quer da obra de arte, literatura
ou sciencia, não transmitte o direito de modifi-
cal-a. Mas este poderá ser exercido pelo autor,
em cada edição successiva, respeitados os do
editor.
Paragrapho único. A cessão de artigos jor-
nalisticos não produz effeito, salvo convenção em
contrario, além do prazo de vinte dias, a contar
da sua publicação. Findo elle, recobra o autor,
em toda a plenitude, o seu direito.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente,


salvo quanto á primeira parte do principio do artigo (lei n. 496,
de 1 de Agosto de 1898, art. 5.°).
Legislação comparada — Quanto ao principio do artigo,
confiram-se, com o preceito do Codigo Civil brasileiro, os das
leis seguintes, que, aliás, não tratam do assumpto pelo mesmo
modo; allemã, de 1901, art. 9.°; austríaca, 15-17; belga, 3.° e 8.*;
hespanhola, 9.°; italiano, 16; luxemburgueza, 3.° e 8.°; russa,
20 e 40; Codigo Civil mexicano, 1.223.
Pvojectos — Beviláqua, arts. 766 e 774, § 2."; Revisto, 755 e
763, § 2.°. Estes Projectos nada dispunham sobre a matéria do
paragrapho único. Este originou-se de uma emenda de Arthur
Lemos, como relator desta parte do Projecto, na Gamara, em
1902 {Trabalhos da Gamara, III, ps. 101-102).
DA PROPRIEDADE 217

Observações — 1. — 0 principio deste artigo põe em relevo


um dos mais importantes elementos da parte pessoal do direito
do autor da obra literária, artística ou scientifica. O que, nor-
malmente, se transfere, na obra, é a parte real do direito, a
face econômica da relação jurídica. A parte pessoal e intima ê.
em rigor, intransferível, por alienação ou herança, porque 6
uma expressão da própria personalidade do autor, da qual se
não desprende.
Leiam-se, a esse respeito, Dernburg, Das huerg. Recht. VI,
§ 13, III, e Koiiler, Encyclopaedie, I, §§ 38 e 39.
Está, egualmente, no interesse da cultura humana, resguar-
dar as obras de modificações perturbadoras de estranhos, ás
vezes ignaros. Certamente os pensamentos divulgados pela obra
entram no patrimônio commum, e sobre-a obra de um escriptor
se podem fazer commentarios e criticas, desenvolvendo ou com-
batendo as idéas por elle emittidas, mas a historia do desenvol-
vimento mental humano pede que se respeite a modalidade, que
á producção intellectual imprimiu o autor.
2. — Os artigos de jornaes constituem uma forma especial
da propriedade, literária. Por isso o Codigo Civil os destacou em
disposições, que lhe exprimissem uma das particularidades: o
paragrapho único deste artigo, e o n. II do art. 666. O primeiro
desses dispositivos assegura ao editor, ou dono do jornal o di-
reito de uso e gozo durante vinte dias, passados os quaes, o
autor recupera a plenitude do seu direito. O intuito do Codigo,
com esta prescripção, é garantir o editor contra publicações
ainda que autorizadas pelo escriptor, e garantir o escriptor
contra pretensões abusivas do editor.

Art. 660 — A União e os Estados poderão


desapropriar, por utilidade publica, mediante in-
demnização prévia, qualquer obra publicada,
cujo dono a não quizer reeditar.

Direito anterior — Silencioso.


Legislação comparada — Lei boliviana, art. 17; italiana, 55;
Codigo Civil mexicano, art. 1.240; portuguez, 587. A Consti-
218 COMGO CIVIL
tuxçao do Peru, art. 26, também permitte a desapropriação por
utilidade publica, da propriedade intellectual, literária ou ar-
tística.
Projectos — Beviláqua, art. 767, paragrapho único; Revisto,
. 756, paragrapho único.
Bibliographla — Lyon Caen et P. Delalain, Lois françaises
et étrangères sur la proprióté litteraire et artistique, Introdu-
ction, ps. LV-LVII; Pouillet, Be la proprióté litteraire et ar-
tistique, n. 204; Kohler, Encyclopaeãie, I, § 42, p. 624; Dias
Feekeiba, Cocligo Civil portuguez, II, ao art. 587.

Observações — 1. _ Poucas legislações consagram, expres-


samente, o direito de desapropriação, por utilidade publica, do
direito autoral. Nenhuma razão ha, porém, para não se lhe
apphcar essa restricção em favor do interesse collectivo, a que
não foge nem a propriedade commum nem a industrial. A lei
hespanhola e a venezuelana, em vez da desapropriação propria-
mente dita, prescrevem a caducidade do direito dos autores, em
relaçao ás obras não reeditadas, durante vinte annos, podendo
entretanto, o autor ou seus herdeiros declarar que não quer
que a obra seja republicada.
2. — Para se verificar que, realmente, o dono da obra não
a quer reeditar será necessário intimal-o para que, dentro da
certo prazo faça a publicação, sob pena de se proceder ao pro-
cesso da desapropriação, fixando o valor da obra por arbi-
tramento.

Art. 661 — Pertencem á União, aos Estados,


ou aos Municípios:
I. Os manuscriptos dos seus arcMvos, bi-
bliothecas e repartições.
IX. As obras encominendadas pelos respe-
ctivos governos, e publicadas á custa dos cofres
públicos.
DA PROPRIEDADE 219

Paragraplio imico. Não caem, porém, no do-


mínio da União, do Estado, ou do Município, as
obras simplesmente por elles subvencionadas.

Direito anterior — Eram reconhecidas estas normas, porém


não estavam formuladas de modo preciso na lei civil. Veja-se
Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 520, § 1.°.
Legislação comparada — Quanto ao n. I: Codigo Civil do
México, art. 1.255-1.257. Quanto ao n. II: Codigo Civil portu-
guez, art. 580, que, aliás, não corresponde exactamente ao nosso.
Projectos — Beviláqua, art. 769; Revisto, 758. O paragraplio
único resultou de uma emenda de Artiixjr Lemos {Trabalhos da
Gamara, III, p. 102, 2.a col.).

Observação — Não se pode, com bons fundamentos, recusar


ás pessoas juridicas de direito publico, a propriedade dos manu-
scriptos, mappas, cartas dos seus archivos, não só para o effeito
de lhes darem o destino mais conveniente, facultando a sua con-
sulta, com as cautelas, que forem precisas, como para as poderem
publicar, auferindo, quando lhes parecer necessário, vantagens
compensadoras das despesas feitas. Nem com assim proceder se
torna o Estado industrial ou commerciante. Apenas se facilita a
divulgação de trabalhos interessantes para os estudiosos, ou
para o publico em geral, porque nem sempre estariam os poderes
públicos habilitados a fazer, exclusivamente á sua custa, e sem
remuneração, a publicação dessas obras ou documentos. E' claro
que os governos podem conceder a particulares a faculdade de
publicar os manuscriptos da sua propriedade.
O mesmo se deve dizer das obras encommendadas.
Quanto aos actos públicos e documentos officiaes, veja-se o
art. 666, n. IV.

Art. 662 — As obras publicadas pelo Go-


verno Federal, Estadual ou Municipal, não sendo
actos públicos e documentos officiaes, caem,
220 CODIGO CIVIL

_ quinze ciiiiios dçpois da publicação, no doniinio


commum.

Direito anterior — Não havia disposição semelhante.


Legislação comparada — O Codigo Civil mexicano, art.
1.235, declara que o Governo não pode obter direitos de autor.
Na itaha, o direito do Estado, e outras administrações publicas,
no caso do nosso artigo, dura 20 annos (Lei cit., 26, 5,11 aí.).
Projectos — Beviláqua, art. 770; Revisto, 759.

Observação — Dada a natureza moral da União, dos Estados


e dos Municípios não lhes convindo intenções de lucro, não
sendo essas entidades autores, e, sim, simples publicadores de
obras alheias, apenas lhes attribue o Codigo, em relação ás
obras, que publiquem, um direito de gozo sufficiente para resar-
cirem as despezas feitas com a acquisição e publicação.

Art. 663 Ninguém pôde reproduzir obra,


que ainda não tenha caído no dominio commum,
a pretexto de annotal-a, commental-a, ou melho-
ral-a, sem permissão do autor ou seu represen-
tante.
§ 1. Podem, porém, publicar-se em sepa-
lado, formando obra sobre si, os commentarios
ou annotações.
§ 2.° A permissão confere, ao reproductor, os
direitos do autor da obra original.

Direito anterior — O principio era reconhecido, mas não


se achava expresso em artigo de lei; era applicação do direito
attribuido aos autores.
Legislação comparada — Lei hespanhola, art. 7.°; Codigo
Civil do México, art. 1.213; lei venezuelana, 7.°.
DA PROPRIEDADE 221

Observações — 1. — As annotações e commentarios publi-


cados com a obra original fazem corpo com ella, que será, então,
um trabalho commum aos dois autores. Não é concebivel uma
obra de collaboração sem accôrdo dos collaboradores. Além disso,
os commentarios podem não convir ao autor da obra original,
ou porque se reserve o direito de fazel-os, ou porque entenda
que ella os dispensa. E' direito seu não permittil-os ao lado da
sua producção intellectual. Não pôde, entretanto, o seu direito
ir ao ponto de impedir que esses commentarios se façam e se
publiquem como obra distincta, porque, neste caso, o commen-
tador não reproduz a fôrma literária, scentifica ou artística de
onde resulta a individualidade de sua obra; extrae delia apenas
idéas que entram par o domínio mental commum, desde que
se externam.
2. — As obras musicaes não podem ser utilizada por outrem
para se publicarem com acompanhamentos para se transporta-
rem ou acommodarem a outros instrumentos, sem consentimento
dos autores, segundo o prescripto no art. 658.

Art. 664 — A permissão do autor, neces-


sária, também, para se lhe reduzir a obra a
compêndio, ou resumo, attribue, quanto a estes,
ao resumidor ou compendiador, os mesmos di-
reitos daquelle sobre o trabalho original.

Direito anterior — Não havia esta disposição.


Legislação comparada — Lei hespanhola, arts. 2.°, 3.°, e 4-5
do respectivo regulamento; Codigo Civil do México, art. 1.214.
Projectos — Bevilaqtia, art. 712; Revisto, 761.

Observação — No resumo ou no compêndio extrahido de


uma obra extensa, não ha fôrma nova do pensamento, há, sim-
plesmente, condensação delle. Além disso, é porque a obra orh
ginal tem valor, é porque o nome do autor se impõe á curiosi-
dade dos leitores, que o resumo ou compêndio se fez, collocando-
222 CODIGO CIVIL

lhe as idéas ao alcance de todos. Nem outra coisa pretende o


autor do resumo senão apresentar a própria doutrina do es-
criptor original, sem pôr de si outro trabalho senão o de ser,
como o traductor, fiel na reproducção do pensamento alheio. E'
claro que, para se servir do nome e da celebridade do escriptor
original, tei'á necessidade de seu consentimento, seja por mo-
tivos de ordem intellectual, seja por considerações de ordem
econômica.

Art. 665 — E' egualmente necessária, e


produz os mesmos effeitos da permissão, de que
trata o artigo antecedente, a licença do autor da
obra primitiva a outrem, para de um romance
extrabir peça tlieatral, reduzir a verso obra em
prosa e vice-versa, ou delia desenvolver os epi-
sódios, o assumpto e o plano geral.
Paragrapho único. São livres as para-
pbrases, que não forem verdadeira reproducção
da obra original.

Direito anterior — Não havia disposição expressa corres-


pondente .
Legislação comparada — Vejam-se a lei belga, art. I.0; a
hespanhola, art. 2, 3.°.
Projectos — Este artigo proveio de uma emenda de Arthur
Lemos (Trabalhos da Gamara, III, p. 102, 2.:l col.). O Projecto
primitivo e o revisto nada continham de semelhante, parecendo
que a idéa estava sufficientemente expressa.

Observação — Qualquer das obras literárias indicadas neste


artigo, aproveitando a obra primitiva, dão-lhe outra feição com
offensa do direito exclusivo do autor de reproduzir o seu tra-
balho intellectual, e com prejuízo das operações econômicas, de
que possa ser objecto esse trabalho. Essas transformações devem
DA PROPRIEDADE 223

ser tratadas como as traducções, e, portanto, reservadas ao


proprio autor, que, segundo lhe parecer, concederá ou não a
outrem o direito de fazel-as. As paraphrases, porém, merecem
um tratamento á parte, embora, em rigor, devessem ser equipa-
radas aos commentarios. O Codigo Civil considerou-as obras
originaes, quando não sejam reproducção do trabalho original,
porque, neste caso, nã-o terão individualidade, nem valor lite-
rário, que mereça a tutela do direito.
Quanto ás paródias, já as considerou o commentario 2 ao
artigo 656.
V. a citada Convenção de Roma, arts. 12 e 13.

Art. 666 — Não se considera offensa aos


direitos de autor.
I. A reproducção de passagens ou treclios
de obras já publicadas, e a inserção, ainda inte-
gral, de pequenas composições alheias no corpo
de obra maior, comtanto que esta apresente ca-
racter scientifico, ou seja compilação destinada
a fim literário, didactico ou religioso, indicando-
se, porém, a origem, de onde se tomarem os ex-
cerptos, bem como o nome dos autores.
II. A reproducção, em diários ou periódi-
cos, de noticias ou artigos sem caracter literário
ou scientifico, publicados em outros diários ou
periódicos, mencionando-se os nomes dos autores
e os dos periódicos ou jornaes,. de onde forem
transcriptos.
III. A reproducção, em diários e periódi-
cos, de discursos pronunciados em reuniões pu-
blicas/de qualquer natureza.
IY. A reproducção dos actos públicos e do-
cumentos officiaes da União, dos Estados, dos
Municípios e do Districto Federal.
224 CODIGO CIVIL

Y. A citação, em livros, jornaes ou revis-


tas, de passagens de qualquer obra, com intuito
de critica ou polemica.
VI. A cópia, feita á mão, de uma obra qual-
quer, comtanto que se não destine á venda.
yil. A reproducção, no corpo de um es-
cripto, de obras de artes figurativas, comtanto
que o escripto seja o principal, e as figuras
sirvam, somente, para explicar o texto, não se
podendo, porém, deixar de indicar os nomes dos
autores, ou as fontes utilizadas.
yill. A utilização de um trabalho de arte
figurativa, para se obter obra nova.
IX. A reproducção de obra de arte exis-
tente nas ruas e praças.
X. A reproducção de retratos ou bustos de
encommenda particular, quando feita pelo pro-
prietário dos objectos encommendados. A pessoa
representada e seus successores immediatos po-
dem oppôr-se á reproducção ou publica expo-
sição do retrato ou busto.

Direito anterior — Lei de 1 de Agosto de 1898, art. 22.


O Codigo Civil introduziu alguns accrescimos e modificàções,
porém manteve, neste artigo, a orientação geral da lei anterior.
Os ns. VI e VIII são accrescimos: o n. I modificou o art. 22,
1.°, da lei de 1898; o n. X contêm, na ultima parte, prescri-
pção nova.
Legislação comparada — Vejam-se: lei allemã, de 19 de
Junho de 1901, arts. 19-24; austríaca, de 26 de Novembro de 1895,
arts. 25, 26, 33 e 39; Codigo Civil mexicano, art. 1.255; lei japo-
neza, de 3 de Março de 1889, art. 30; italiana, arts. 6 e 7.
Na França, a lei define a reproducção illicita (contrefaçon),
mas sem fazer a enumeração dos actos permittidos como em
nosso artigo (dec. de Ú de Fev. de 1910, art. 41, n. 7), e es-
tende a protecção do direito ás obras estrangeiras (lei de 28 de

)
DA PROPRIEDADE 225
Março de 1852). Vejam-se ainda: lei belga, de 22 de Março de
1886, arts. 22 e 25; hespanhola, de 10 de Janeiro de 1879,
arts. 45-47; italiana, de 19 de Setembro de 1882, arts. 32-442;
luxemburgueza, de 10 de Maio de 1898, arts. 22-27; Codigo Civil
portuguez, arts. 571, 572, 576, § 1.°, e 607-612.

Observação — A offensa ao direito dos autores pode re-


sultar, quer da reproducção, quer da publicação, quer da diffusão
mercantil da obra intellectual. Sendo maliciosa, isto é, feita
conscientemente e com animo de prejudicar, constitue um crime
punido pelo Codigo Penal, arts. 345-350, feita, no art. 346, a
exclusão dos discursos proferidos em reuniões publicas de qual-
quer natureza.
Constituirá acto illicito, quer praticado por dólo, quer por
simples culpa. Veja-se Debnburg, Das buergerliche Recht, VI,
§§ 3.° e 74-77.
A publicação das leis e actos officiaes era prohibida pelo
Codigo Penal, arts. 342-344. Apesar da lei de 1 de Agosto de
1898 ter adoptado outro principio mais liberal e mais consen-
taneo com os fins desses actos, havia quem se apoiasse na lei
penal, para restringir a civil (Carlos de Carvalho, Direito civil,
artigos 508, 3.° e 520) . O Codigo Civil reafirma a regra da
lei de 1898.
O interesse gera1, reclama a mais ampla divulgação das leis,
decretos, regulamentos, instrucções, sentenças, accordãos, reso-
luções e outros actos officiaes. O systema do Codigo Penal era,
portanto, contrario á natureza e ao fim desses actos. Como bem
diz Rothlisberger, "procederia contrariamente á sua missão
social, que lhe impõe a vulgarização completa, illimitada, desses
actos; faltaria a um de seus deveres fundamentaes, a uma de
suas funcções mais úteis" o Estado que creasse para si um di-
reito autoral exclusivo sobre tal categoria de actos (na Revista
ãe direito, XXX, p. 410).
O autor citado recorda que a reproducção dos actos officiaes
é livre; na Allemanha, na Áustria, na Bélgica, no Brasil, na
Colombia, na ÍMnamarca, no Equador, na Hespanha, na França,
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 15

A
226 CODIGO CIVIL

na Italia, no Japão, no Luxemburgo, no, México, em Nicaragua,


na Noruega, nos Paizes Baixos, na Rússia e na Suissa.
— Convenção de Roma, arts. 5, § 3.° e 9, § 2.°.

Art. 667 — E' susceptível de cessão o di-


reito, que assiste ao autor, de ligar o nome a
todos os seus productos intellectuaes.
§ 1.° Dará logar á indemnização por perdas
e damnos a usurpação do nome de autor ou a
sua substituição por outro, não havendo con-
venção, que a legitime. , . _
§ 2.° O autor da usurpação, ou substituição,
será, outrosim, obrigado a inserir na obra o
nome do verdadeiro autor.

Direito anterior - Veja-se a lei de 1 de Àgosto de 1898


arts 4.° e 24. O que essa lei declarava susceptível de cessão era
o direito de reproduzir, publicar e espalhar, mercantilmente, a
obra, não o direito pessoal de ligar o nome do autor aos seus
productos intellectuaes.
Legislação comparada - Quanto ao principio do artigo
não ha correspondente nas legislações referidas neste capitulo.
Quanto aos §§ L" e 2.»: V. lei belga, art. 25; dec. hespanhol,
de 3 de Setembro de 1880, art. 3.°.
Aliás, nas leis citadas, a figura da usurpação do nome não
tem o relevo, que lhe deu o Codigo Civil brasileiio.
Projectos — O Projecto primitivo, art. 774, e o Revisto,
artigo 763, dispunham, diversamente, quanto ao principio do
artigo, e não destacavam a matéria dos paragraphos, por estai
contida em outros artigos. A fórmula do Codigo procede de uma
emenda de Arthur Lemos (Trabalhos ãa Gamara, III, p. 103).

Observações — 1. — O Codigo Civil permitte ceder não so-


mente o direito de reproduzir, publicar e espalhar a obra (ar-
DA PROPRIEDADE 227

tigo 669), como ainda, o de ligar o nome ao productor intellectual


(art. 667). Parece-me contraria á natureza do direito autoral, na
sua parte intima e personalíssima, a doutrina do Codigo. O
Projecto primitivo, art. 774, estatuíra, precisamente, o contrario
do que, afinal, prevaleceu.
O Congresso, porém, impressionou-se com as razões de
Arthuk Lemos, que invocava a autoridade de Poxjiixet, e seguiu
outro rumo. Essas razões são fracas. Ha, por toda a parte, "obs-
curos operários das letras, trabalhando sem êxito e se impor-
tando menos com a gloria do que com o dinheiro. Estes alugam
a sua industria e não podem reclamar, sobre a obra por elles con-
cebida e escripta, sob encommenda e por conta de terceiro, direito
algum de propriedade". São palavras de Arthur Lemos influen-
ciado por Pouiixet.
Mas não se trata do direito de propriedade, lado economico
da relação jurídica. Nenhuma duvida se levanta contra a aliena-
bilidade dos proventos, que a obra possa produzir, do direito de
explorar a obra, de usar delia para quaesquer fins lícitos. O que
se contesta é que o autor possa despojar-se dessa irradiação da
sua, personalidade, que se manifesta vinculo indestructivel entre
o seu espirito e a obra, que elle creou. E contesta-se, não so-
mente em nome da lógica jurídica, violentada por essa constru-
eção, como, também, por motivos de ordem moral, que aliás, não
escaparam ao illustre parlamentar brasileiro. Afastou-se, porém,
pensando melhor favorecer algum pobre diabo de talento, que
consiga viver á custa da 'í vaidade, ridícula sem duvida, mas não
injuridica do incapaz, que quer passar como autor". Não será
injuridica essa vaidade, mas, egualmente, não deve o direito
fomentar a mystificação do publico.
2
- — A usurpação e a substituição no nome do autor são
modalidades revelantes, pelas quaes pode ser violado o direito
do productor intellectual. Voluntariamente, pode o autor ceder o
seu nome a outrem; mas, contra a sua vontade, ninguém pôde
usar delle, nem retiral-o da obra, que elle produziu.
2
• Este art. 667, do Codigo Civil, que levantou acerbas
criticas, está hoje revogado pela Convenção de Berne, revista
em Roma e approvado pelo decreto n. 23.270, de 24 de Outubro
de 1933, art. 6, bis.
228 CODIGO CIVIL

Art. 668 — Não firmam direito de autor,


para desfructar a garantia da lei, os escriptos
por esta defesos, que forem por sentença man-
dados retirar da circulação.

Direito anterior — Não liavia disposição correspondente.


Degislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 593.
(fonte).
Projectos — Revisto, art. 764. Foi o Conselheiro Bakradab
que prppoz a inclusão, no Projecto revisto, deste e dos disposi-
tivos seguintes, extrahidos do Codigo Civil portuguez {Actas,
pagina 177).

Observação — Os escriptos defesos por lei são coisas illi-


citas, que não podem reclamar a protecção da lei. Estão fóra
do commercio. Mas essa desclassificação ha de resultar de uma
sentença, que os declare prohihidos por lei. Acham-se nessas
condições as reproducções não autorizadas de obras alheias, que
constituem o delicto punido pelo Codigo Penal, arts. 345-347, com
a pena de apprehensão e perda dos exemplares. Veja-se o dis-
posto no artigo seguinte.

Art. 669 — Quem publicar obra inédita, ou


reproduzir obra em via de publicação ou já pu-
blicada, pertencente a outrem, sem outorga ou
acquiescencia deste, além de perder, em bene-
ficio do autor ou proprietário os exemplares da
reproducção fraudulenta, que se apprehenderem,
pagar-lbe-á o valor de toda a edição, menos
esses exemplares, ao preço por que estiverem á
venda os genuinos, ou em que forem avaliados.
Paragrapho único. Não se conhecendo o nu-
mero de exemplares fraudulentamente impres-
DA PROPKIEDADE 229

sos e distribuídos, pagará o transgressores o valor


de mil exemplares, além dos apprebendidos.

Direito anterior — Semelhante quanto ao confisco (lei de


1 de Agosto de 1898, arts. 23, 25 e 27).
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 608
(fonte); mexicano, 1.260-1.267.
Vejam-se, ainda; lei allemã, arts. 37-53; argentina, 9.° aus-
tríaca, 51-63; belga 22-37; hespanhola, 45-49; italiana, 61, a;
luxemburgueza, 22-29; japoneza, 29 e 31-45.
Projectos — Revisto, art. 765.

Observações — 1. — Era inútil a Commissão do Governo


pedir ao Codigo Civil portuguez o que melhor se achava regulado
em nossa lei de 1 de Agosto de 1898, cujas normas processuaes
para o Districto Federal não ficaram revogadas, e no Codigo
Penal, arts. 345-350.
2. — Em vez da acção civil, que este artigo attribue ao
autor lesado, pode elle usar da acção penal.
3. — O autor não está impedido de reclamar perdas e
damnos pela reproducção desautorizada, pois que é um acto
illicito que o prejudica.
Não se refere o artigo acima, nem outro qualquer,
expressamente, ás conseqüências da representação illicita de obra
dramatica, ou execução illicita de obra musical, de que se oc-
cupava a lei de 1 de Agosto de 1898, art. 25; mas é certo que
taes actos, por lesivos dos direitos do autor dão logar á acção
de indemnização. Além disso, pode o autor usar da acção que lhe
faculta o art. 348 do Codigo Penal.
O autor pôde impedir a representação ou execução desauto-
rizada de sua obra.

Art. 670 — Quem vender, ou expuzer á


venda ou á leitura publica e remunerada uma
obra impressa com fraude, será solidariamente
230 CODIGO CIVIL

responsável com o editor, nos termos do artigo


antecedente; e, se a obra for estampada no
estrangeiro, responderá como editor o vendedor
ou o expositor.

Direito anterior — O Codigo Penal, art. 347, considera acção


punivel traduzir e expôr á venda qualquer escripto ou obra, sem
licença do autor. B o art. 349 reprime a importação, venda, oc-
cultação ou recebimento, para serem vendidas, de obras lite-
rárias ou artísticas illicitamente reproduzidas.
Uegislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 609
(fonte).

Art. 671 — Quem publicar qualquer ma-


nuscripto, sem permissão do autor ou de seus
herdeiros, ou representantes, será responsável
por perdas e damnos.
Paragrapho único. As cartas missivas não
podem ser publicadas, sem permissão dos seus
autores, ou de quem os represente, mas podem
ser juntas como documentos, em autos judiciaes.

Direito anterior — O principio do artigo não se adiava ex-


presso em artigo de lei, mas era natural applicação dos princí-
pios expostos na lei de 1 de Agosto de 1898. O paragrapho único
reproduz o pensamento do Codigo Penal, art. 191.
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, arts. 574.
575 e 610; mexicano, 1.193.
Vejam-se: lei allemã, art. 39; austríaca, 24, 1.° e 2.°; ita-
liana, 12.
Projectos —- Revisto, art. 767.

Observação — As cartas podem ser consideradas, sob o


ponto de vista do direito autoral, como forma de actividade
DA PKOPKIBDADE 231

mental, e, do ponto de vista da inviolabilidade dos segredos, do


abuso de confiança, ou da simples indiscripção. No primeiro as-
pecto, as cartas são manuscriptos pertencentes ao destinatário,
porém que elle não pôde publicar, sem permissão do autor, e,
sim, apenas, juntar, como documentos, em autos judiciaes. A sua
publicação total ou parcial constituirá offensa ao direito do
autor, que, enviando carta, communicou o seu pensamento, ex-
clusivamente, á pessoa a quem se dirigiu, não lh'o alienou, nem
lhe cedeu o direito de reproduzil-o ou publical-o. No segundo
aspecto, posto de lado o interesse literário, que nem sempre
haverá, a divulgação da carta é uma offensa á personalidade
do signatário, é um abuso de confiança, que o Codigo Penal
reprime.
Sobre este assumpto consultem-se; Jhebing, Actio injuriarum,
trad. Meulenaere, ps. 155-159; Dernbxjg, Das BuergerlicTie Recht,
VI, § 35; Geny, Des ãroits sur les lettres missives; Fadda e
Bensa, aã Windscheid, Panã., 1, pags. 650-654; Kohlêr, Das
Rechi an Briefen.

Art. 672 — O autor, ou proprietário, cuja


obra se reproduzir, fraudulentamente, poderá,
tanto que o saiba, requerer a apprebensão dos
exemplares reproduzidos, subsistindo-lhe o di-
reito á indemnização por perdas e damnos,
ainda que nenhum exemplar se encontre.

Direito anterior — Semelhante (Lei de 1 de Agosto de 1898,


arts. 23 .e 27).
Legislação comparada — Vejam-se: Lei allemã, arts. 36 e
segs. (esta lei fala em destruição dos exemplares illicitamente
preparados ou distribuídos, sem excluir a indemnização); aus-
tríaca, 51 e segs. (o delicto, Vergehen, que é o exercício indébito
dos direitos de autor, é punido com multa de 100 a 2.000 florins,
ou prisão de um a seis mezes, e a contravenção {üehertretung),
com a multa de 5 a 100 florins); a parte lesada pôde pedir,
ainda, o confisco e a destruição da obra, além de perdas e
damnos; argentina, art. 9.° (indemnização e confisco); belga,
232 CODIGO CIVIL

23 e segs. (multa e confisco, além de prisão em certos casos):


hespanhola, 46 e segs. (confisco e prisão); italiana, 33 e segs.
(multa até 5.000 liras, indemnização e, nos casos de furto ou
roubo, as penas estabelecidas no Codigo Penal para esses cri-
mes) ; luxemburgueza, arts. 23 e segs. (multa, confisco, prisão em
certos casos); Codigo Civil do México, 1.268 e 1.269 (indemniza-
ção e mais a repressão penal); Codigo Civil portuguez, art. 611
(correspondente exactamente ao art. 672 do Codigo Civil brasi-
leiro, do qual foi a fonte); lei russa, 21-26; japoneza, 33 e segs.
Projectos -— Revisto, art. 768.

Observação — A busca e apprehensão são concedidas com


relativa facilidade. Desde que ao interessado conste que se re-
produziu ou se está reproduzindo, fraudulentamente, a obra;
pode requerer ao juiz a busca e apprehensão para impedir que
venha a lume, ou se espalhe, ou clandestinamente se distribua.
Esta providencia não impede, qualquer que seja o seu resultado,
que o autor ou proprietário da obra exija, pelos meios communs,
a reparação do damno causado pela reproducção fraudulenta da
sua obra.

Art. 673 — Para segurança de seu direito,


o proprietário da obra divulgada por typogra-
pbia, lithograpbia, gravura, moldagem, ou qual-
quer outro systema de reproducção, depositará
com destino ao registro, dois exemplares na
. Bibliotheca Nacional, no Instituto Nacional de
Musica ou na Escola Nacional de Bellas Artes
do Districto Federal, conforme a natureza da
producção.
Paragrapho único. As certidões do registro
induzem a propriedade da obra, salvo prova em
contrario.
DA PROPRIEDADE 233

Direito anterior -— Differente. 0 art. 13 da lei n. 496, de


1 de Agosto de 1898, estabelecia o registro na Bibliotheca Na-
cional, como formalidade indispensável para os autores gozarem
dos seus direitos.
Legislação comparada — Lei hespanhola, arts. 33-37; regu-
lamento intaliano, de 19 de Setembro de 1882; lei japoneza, 15;
italiana, 58-60.
Em sentido contrario, exigindo o registro para a existência
do direito (privilegio), o Codigo Civil mexicano, art. 1.244.
Projectos — Revisto, art. 769.

Observações — 1. — Este artigo alterou o direito anterior


em dois pontos. Em primeiro logar, estabeleceu tres registros,
conforme a natureza da obra: para as* obras scientificas e lite-
rárias continúa o registro da Bibliotheca Nacional; para as de
musica, creou o registro do Instituto Nacional de Musica: e o
da Escola Nacional de Bellas Artes, para as outras.
Em sentido contrario, exigindo o registro pax-a a existência
do direito; para maior facilidade da sua conservação e defesa.
Não é formalidade indispensável, para que o autor entre no
gozo do seu direito, como estatuia a lei de 1 de Agosto de 1898.
Aliás esse preceito peccava, directamente, contra a Constituição,
art. 72, § 26, que assegurava, aos autores, o direito exclusivo de
reproduzir as- suas obras literárias e artísticas, independente-
mente ,de qualquer .formalidade. O Codigo Civil harmonizou as
suas disposições com o preceito liberal da Constituição. Criou o
registro, porque é util para a segurança das relações jurídicas,
como meio de prova e verificação de propriedade. Mas não fez
delle depender o exercício de um direito que, na obra, tem uma
objectivação certa.
Esta segunda alteração é de grande valor, porque indica um
outro modo de comprehender esta interessante e complexa figura
jurídica, o direito autoral, ou propriedade intellectual.
1-a — Provocado pelo Director da Bibliotheca Nacional, o
Ministro da Justiça, ouviu o Consultor Geral da Republica, Dk.
Solidonio Leite,* que contestou a opinião acima exposta, e affir-
mou que o registro continuava a ser indispensável para que os
autores gozassem de seus direitos.
234 CODIGO CIVIL

As razões desse Parecer são de todo improcedentes.


Invoca, em primeiro logar, o histórico do Codigo Civil,
quanto a este artigo, pretendendo que o mesmo pensamento se
manteve, através das varias phases da discussão, desde que, con-
tra o systema do Projecto primitivo, se admittiu a necessidade
do registro.
Mas a Commissão revisora, acompanhando o Codigo Civil
portuguez, dissera: — Para gozar do beneficÁo concedido neste
cdpitulo, o autor ou proprietário de qualquer obra deve
depositar dois exemplares, etc. (art. 769) Esta formula evi-
dentemente alheia á Constituigão, que expressamente reconhe-
cera o (ãreito dos autores, direito que descera á categoria de
mero beneficio baseada pelo Codigo em formação, foi, aos pou-
cos, se modificando, até que, no Senado, foi substituída pela
que afinal se lê no Codigo: — Para segurança do seu direito,
o proprietário da obra depositará, com destino ao regis-
tro, dois exemplares, etc.
Ali o gozo do direito dependia do registro. Gozo do direito
é attribuição de direito, abstracção do exercicio, segundo a dou-
trina. Em qualquer dos casos, o direito autoral deixaria de exis-
tir sem o registro, desde que delle dependia o gozo.
Aqui o direito preexiste, e não pode deixar de preexistir,
desde que a Constituição o reconhece; e o registro lhe offerece
segurança, quer dizer meio de defesa, pela prova legal delle
extrahida.
V. a Convenção de Berne revista em Roma em 1928, art. 15.
Essa descussão, aliás, é ociosa, porque, se a Constituição
reconhece, expressamente, o direito dos autores, dizendo; "Aos
autores de obras literárias e artísticas é garantidk) o direito
exclusivo de reproduzil-as pela imprensa ou por qualquer outro
processo mecânico ', o Codigo Civil, como lei ordinária, não po-
dia estabelecer restricção a esse direito, fazendo depender o
seu uso do registro. Em face da Constituição o caso é liquido;
o registro não pôde ser attributivo da propriedade das obras
literárias, scientificas e artísticas.
Além disso, não para roborar o argumento de ordem consti-
tucional, que dispensa qualquer auxilio, mas para mostrar outra
face da incongruência da opinião de que o registro é indispen-
sável para o gozo dos direitos autoraes, cabe lembrar que o
Brasil adheriu á Convenção Internacional de Berlim, para a
DA PROPRIEDADE

protecção das obras literárias e artísticas, em cujo artigo 1.",


2.a alinea, se declara que o gozo e o exercido desses direitos
não estão subordinados a formalidade alguma.
Essa convenção, approvada pelo Congresso, é lei do paiz, e
não é possível admittir que no Brasil coexistam os dois prin-
cípios, o que torna o registro attributivo do direito autoral e
o que o declara independente do registro.
2. — O Ministro da Justiça e Negocios Interiores (Carlos
Maximiliano), publicou as Instrucções, de 18 de Janeiro de 1917,
para execução do disposto no art. 673, do Codigo Civil, que
foram substituídas pelo regulamento n. 18.542, de 24 de De-
zembro, de 1928, arts. 280-294. Actualmente, vigora o decreto
n. 4.857, de 9 de Novembro de 1939, cujos arts. 297 a 311 têm
por objecto o registro da propriedade literária, scientifica e ar-
tística. O registro será feito: na Bibliotheca Nacional, para as
obras literárias, scientiflcas e artísticas; no Instituto Nacional
de Musica, para as composições musicaes; e na Escola Nacional
de Bellas Artes, para ás obras de caracter artístico, inclusive
photographias e films cinematographicos (art. 299).
O requerimento do registro declarará a nacionalidade e o
domicilio do autor e do proprietário da obra, o titulo desta, o
logar e tempo da publicação, o systema da reproducção, e todos
os característicos essenciaes, de modo a distinguir, em todo o
tempo, a obra de qualquer outra congenere (art. 301). Se duas
ou mais pessoas requererem, ao mesmo tempo, o registro de
uma obra, ou de obras que pareçam idênticas, ou sobre cuja
autoria se tenha suscitado discussão ou controvérsia, não se
fará o registro, sem que se tenha decidido, por accôrdo das
partes, ou perante o juizo competente, a quem cabem os di-
reitos de autor (art. 300).
TITULO III

Dos direitos reaes sobre coisas alheias

CAPITULO I

Disposições geraes

Art. 674 — São direitos reaes, além da


propriedade.
I. A empliyteuse.
II. As servidões.
III. O usofructo.
IV. O uso.
Y. A habitação.
YI. As rendas expressamente constitnidas
sobre immoveis.
VII. O penhor.
YIII. A anticbrese.
IX. A bypotbeca.

Direito anterior — O mesmo, salvo quanto ao n. VI. Era


direito real o legado de prestações ou alimentos expressamente
consignado no immovel (Dec. n. 169 A, de 19 de Janeiro de 1890,
arts. I.0 e 6.°; dec. 370, de 2 de Maio de 1890, arts. 238 e 240).
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, arts. 2.502
e 2.503. O Codigo Civil portuguez, art. 2.189, denomina proprie-
dades imperfeitas os direitos reaes sobre coisas alheias.
Projectos Esboço, arts. 3.703-3.705; Felicio dos Santos,
2.671; Coelho Rodrigues, 84; Beviláqua, 775; Revisto 802.
Bibliographia — Revista da Faculdade de Direito do Recife,
XIII, ps. 67-89; Teixeiba de Fkeitas, Consolidação, ps. LXII-CII,
da Introducção; Lafaybtte, Direito das coisas, § 1.°; M. I. Cab-
valho DE Mendonça, Introducção geral ao direito das coisas (dos
DOS DIREITOS REJAES SOBRE COISAS ALHEIAS 237

direitos reaes), ps. 31 e segs.; José de Alencar, Propriedade,


ps. 27-44; Rigaud, Le droit réel, 1912, toda a obra; Demogue, Les
notions fondamentales du droit prive, ps. 405-443; Planiol, Trai-
té, I, ns. 761-770 e 1.618-1.624; Batjdry-Lacantinerie et Chau-
veau, Des Mens, ns. 1-8; Huc, Gommentaire, IV, ns. 73 e 74;
Laurent, Príncipes, VI, ns. 72-81; Zachariae, Droit civil français,
II, n. 262; III, n. 524; Endemann, Lehrbucli, II, §§ 3.°, 10-16, e 94;
Roth, System, III, § 266; Kohler, Encyclopaedie, I, ps. 603-604,
§ 24; Lehrhuch, II vol., 2.a parte, § 90; Eifuehrung in die Recht-
swissenschaft, § 6.° Padda e Bensa, ad Windscheid, Panã., 1,
nota &, ao § 37, ps. 545-597; Dernburg, Panã., I, §§ 22 e 192;
Chiboni, Ist., I, §§ 112 e 113; Sanohez Roman, Derecho civil,
III, cap. I; Savigny, Droit romain, § 58; Ortolan, Généralisation
ãu droit romain.

Observações — 1. — Direito real é o poder jurídico do


homem sobre uma coisa determinada, adherindo a ella, emquan-
to perdura, e prevalecendo contra todos. "Affectar o objecto da
propriedade, sem consideração a pessoa alguma, seguil-o, inces-
santemente, em poder de todo e qualquer possuidor, diz Teixeira
de Freitas, eis o effeito constante do direito real, eis o seu
caracter distinctivo".
E' ocioso renovar aqui o debate levantado, entre realistas e
subjectivistas, sobre a natureza do direito real, que os primeiros
querem que seja, de accôrdo com a definição dada acima, um
vinculo entre a pessoa e a coisa, modo de ver que os outros
repellem, por não comprehenderem relações jurídicas senão en-
tre pessoas. Basta-me affirmar que a relação entre a pessoa e
a coisa é manifesta e irrecusável, para quem não se deixe do-
minar por preconceitos. As coisas corporeas entlam na esphera
de nossa actividade jurídica, e recebem a acção directa de nosso
poder, dentro da ordem jurídica e sob a protecção delia. São
objectos de direito.
1-a — Quanto ao modo de adquirir, differem, fundamental-
mente, na systematica do Codigo, o direito real do pessoal ou de
credito. O direito real sobre immoveis não se transmitte, entre
vivos, sem a transcripção do titulo (arts. 531, 533 e 676), o
direito real sobre moveis não se transfere entre vivos sem a
tradição (arts. 620 e 675).
238 CODIGO CIVIL

No direito obrigacional a manifestação da vontade, só por si,


gera a relação jurídica.
Na sua essencia, o direito real é o poder sobre a coisa e o
obrigacional é o encaminhamento para se firmar esse poder.
Como diz Rigaud, "o direito real traduz, socialmente, um estado
de independência relativa do seu autor, ao par-o que o direito
de credito exprime uma relação de interdependência social e de
cooperação". Nessas duas modalidades das relações jurídicas viu
Dueckheim duas fôrmas de solidariedade social, a activa no
direito pessoal e a passiva no real.
2. — Os caracteres essenciaes do direito real são:
a) Adhere, immediatamente, á coisa, vinculando-a, directa-
mente, ao titular. E' jus in re.
h) Segue o seu objecto, onde quer que elle se ache {direito
de seQuelü). Rem meam ubi invenio ibi vindico. Pela seqüela,
e credor pignoraticio ou hypothecario assegura o seu pagamento,
e o proprietário separa o seu bem da massa fallida.
c) Não permitte que outros se estabeleçam, onde um já
existe. Não faz a hypotheca excepção a esta regra, porquanto a
posterior não pode ser excutida antes de vencida a primeira. No
condomínio, ha um sujeito composto da mesma relação jurídica,
até que a divisão o decomponha e simplifique.
d) E' provido de acção real, que prevalece contra qualquer
detentor da coisa. Em razão deste caracter, dizem-no absoluto;
mas não me parece que se devam identificar as duas noções,
a de real e a de absoluto. A affirmaçâo categórica de Fuchs,
Dinglichkeit ist Absolutheit não é exacta. Ha outros direitos
cuja protecção jurídica é unilateral, actua generaliter. Taes são
os direitos de personalidade (á vida, á honra, á liberdade).
O estado das pessoas também se manifesta por esse modo e as
acções, que os protegem, podem ser propostas aãversus omnes
(João Monteiro, Direito das acções, ns. 15-17; Lagarmilla, Las
acciones en matéria civil, n. 33).
e) O numero dos direitos reaes é sempre limitado nas le-
gislações. Não ha direito real, senão quando a lei o declara.
Os direitos obrigacipnaes são innumeraveis.
/) Sómente o direito real é susceptível de posse.
A posse é a visibilidade do direito real, a exteriorização da
propriedade. E' uma relação de facto entre a pessoa e a coisa.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 239

No direito pessoal, o objecto da relação jurídica é a presta-


ção de outra pessoa, e essa prestação, por isso mesmo que é acto
de outrem, não submette uma coisa ao poder directo do credor,
não é modo pelo qual se exteriorize a propriedade. Aquelles que,
por força de obrigação ou direito, exercem a posse directa ou
subordinada (art. 486), têm a posse em nome dos proprietários,
e o objecto delia é sempre um elemento da propriedade e não o
direito de credito, a relação obrigacional.
3. — Como acima ficou affirmado, os direitos reaes são em
numero reduzido, constituem figuras de typo fixo, é a lei que
os determina.
O direito romano reconhecia seis figuras de direito real: a
propriedade, a servidão, a emphyteuse, a superfície, o penhor
e a hypotheca (Bonfante, Direito romano, § 76). O direito mo-
derno pouco se tem desviado desse quadro. A emphyteuse e a
superfície são contempladas por umas legislações e excluídas
por outras. Typos novos, raro apparecem.
O Codigo Civil pátrio já se occupou, no titulo segundo deste
livro, do domínio e da propriedade literária, scientifica e artís-
tica, isto é, dos direitos reaes sobre a coisa própria. No titulo
terceiro, trata dos direitos reaes sobre coisas alheias, jura in
re aliena, que se constituem pela desaggregação de uma parcella
do poder dominical, ou recaem sobre utilidades particulares da
coisa. São gravames ou ônus, que, dilatando o poder jurídico e
as faculdades de fruição do titular, restringem, correspondente-
mente, a propriedade alheia, á custa da qual se formam.
4. — Podem classificar-se os direitos reaes segundo a exten-
são dos seus poderes do seguinte modo:
a) Direito de posse, uso, gozo e disposição: a propriedade.
b) Direito de posse, uso, gozo e disposição, mas sujeito a
restricções procedentes de direitos de outrem: a emphyteuse.
c) Direitos de posse, uso e gozo, sem disposição; o usofructo
e a antichrese.
d) Direitos limitados a certas utilidades da coisa: as servi-
dões, o uso, a habitação e a renda, constituída sobre immovel.
e) Direitos de garantia; o penhor, a hypotheca e a antichrese.
5. — O Projecto revisto accrescentava, aos direitos reaes
declarando neste artigo a superfície, que consiste no direito real
de construir, assentar qualquer obra, ou plantar em sólo de
outrem. Pareceu, porém, ociosa essa creação, que o Codigo Civil
240 CODIGO CIVIL

da Allemanha reduziu ao direito, transmissivel por acto entre


vivos e por successão hereditária, de ter construcção em prédio
alheio (Erbbaurecht), Bndemann, Lehrbuch, II, § 97).
No direito romano, o direito de superficie creado pelo pretor
não alcançara o seu pleno desenvolvimento, ainda que era pro-
tegido pelo interdicto ãe superficiehus, e por uma actio in rem.
(D. 43, 18 § 1.°), quando se tratava de uma concessão perpetua
ou de longo tempo. Mas, segundo, judiciosamente, ponderou Velez
Sarsfield (nota ao art. 2.503 do Codigo Civil argentino), melhor
foi volver ao direito romano puro, porque a superficie, como
direito distincto, "prejudicaria os bens de raiz, e traria mil dif-
ficuldades e pleitos com os pfoprietarios dos terrenos".
Prevalece, pois, na systematica do Codigo Civil, o principio
superfícies solo ceãit; porque a superficie é uma parte do sólo,
que tão intimamente a elle se liga, pela própria natureza, que
não se a pôde transferir sem elle. Este principio não impede,
porém, que se possa ter um direito distincto sobre a mina en-
cravada no sólo, porque a mina é capaz de possuir, econômica
e juridicamente, uma individualização própria. Por isso, ella pôde
ser, como a pedreira, objecto de hypotheca (art. 810, VI). Sobre
a superficie, leiam-se Windscheid, Panã., § 223; Debnburg, Panei.,
§§ 258 e 259; Laurent, Príncipes, VIII, ns. 409-433, e Benedicto
de Souza, Parecer nos Trabalhos da Camara, III, p. 109.

Art. 675 — Os direitos reaes sobre coisas


moveis, quando constituidos ou transmittidos
por actos entre vivos, só se adquirem com a
tradição (art. 620).

Direito anterior — O mesmo, segundo os principies geraes


reguladores da matéria.
Legislação comparada — Veja-se o art. 620.
Projectos — Esboço, art. 3.734; Felicio dos Santos, 1.877 e
1.878 (differente); Beviláqua, 776; Revisto, 803.

Observação — Vejam-se os commentarios aos arts. 530 e 620.


DOs DIREITOS BEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 241

Art. 676 — Os direitos reaes sobre immo-


yeis, constituidos ou transmittidos por actos
entre vivos, só se adquirem depois da transcri-
pção, ou da inscripção, no registro de inunoveis,
dos referidos titulos (arts. 530, n. I, e 856),
salvo os casos expressos neste Codigo.

Direito anterior — Semelhante (decs. n. 169 A, de 19 de


Janeiro de 1890, arts. 6.° e 9.°, e n. 370, de 2 de Maio do mesmo
- anno, art. 241). A transcripção e a inscripção eram necessárias
para que os direitos reaes valessem contra terceiros.
Projectos — Esboço, art. 3.735; Felicio dos Santos, 1.877 e
1878 (differente); Beviláqua, 777; Revisto, 804. Foi este ultimo
Projecto que accrescentou a clausula: — Salvo os casos exce-
ptuados neste Codigo.

Observações — 1. — A clausula final allude a excepções


que, se existissem, perturbariam a eurythmia da construcção
jurídica, nesta matéria. O usofructo dos paes sobre os bens dos
filhos não é um direito real sobre coisa alheia, como já ficou
observado no commentario ao art. 389.
Quanto ás servidões apparentes, vejam-se os commentarios
ao art. 697.
O usofructo de immoveis, constituído por disposição
de ultima vontade, está sujeito á transcripção, como o que se
constitue por acto entre vivos (art. 715).

Art. 677 — Os direitos reaes passam com o


immovel, para o dominio do adquirente.
Paragrapbo único. O ônus dos impostos
sobre prédios transmitte-se aos adquirentes,
salvo constando da escriptura as certidões de
recebimento, pelo fisco, dos impostos devidos, e,
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 16
242 CODIGO CIVIL

em caso de venda em praça, até o equivalente do


preço da arrematação.

Direito anterior — Semelhante (decs. n. 169 A, de 19 de


Janeiro de 1890, art. 6.°, §§ 3.° e 4.°, e n. 370 de 2 de Maio do
mesmo anno, arts. 239 e 242).
Projectos — Esboço, art. 3.707; Felicio dos Santos, 2.673
e 2.675; Coelho Rodrigues, 84; Beviláqua, 778; Revisto, 805.
E' deste ultimo Projecto o paragrapho único; porém, a fórmula
actual provém da emenda do Senado, corrigida pela lei n. 3.725,
de 15 de Janeiro de 1919.

Observações — 1. — O principio do artigo, reproduzindo a


linguagem do dec. n. 169 A, de 1890, art. 6.°, § 4.°, dizia na
primeira edição, que os direitos reaes passam ao domínio do
comprador ou successor. Devera dizer, como agora, do aãqui-
rente, porque, se a transmissão se opera por outra acto, que
não seja compra e venda, seja a titulo oneroso ou gratuito, da
mesma forma se verifica a persistência do gravame. E' certo
que o successor, a que o Codigo, em seguida, se refere, tanto
pode ser por titulo universal, como por titulo particular. Mas,
então, era escusado falar no comprador.
O principio, que constitue um dos caracteres mais notáveis
do direito real, está, agora, formulado em termos geraes, com-
prehensivos de todas as modalidades de transmissão da pro-
priedade. O que o Codigo affirma, neste passo, é que — os
ônus reaes adherem á coisa, e a seguem no transito de uns
para outros patrimônios.
2. — A lei attribue ao imposto sobre prédios, urbanos ou
ruraes, a propriedade de adherir ao seu objecto, como se fora
ônus real. E' um preceito de direito fiscal, que tem por fim asse-
gurar e facilitar a cobrança dos impostos, a que estão sujeitos os
prédios. E das escripturas deverá sempre constar que o prédio
está desobrigado para com o fisco, segundo prescreve o art. 1.137.
Do final do paragrapho, se vê que o preço da arrematação
responde pelo imposto, que o pode absorver, na sua totalidade.
Neste caso, o prédio passa ao adquirente desonerado do imposto,
DOS DIREITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 24?
precisamente como se o fisco o tivesse levado á praça, com o
fim de se cobrar, do que lhe era devido.
V. o decreto n. 22.866, de 28 de Junho de 1933, que dá pre-
ferencia á Fazenda Publica, por impostos e taxas, sobre todos os
outros créditos.

CAPITULO II

Da emphyteuse

Art. 678 — Dá-se a emphyteuse, afora-


mento ou emprazamento, quando, por acto entre
vivos, ou de ultima vontade, o proprietário at-
tribue a outrem o dominio util do immovel,
pagando a pessoa, que o adquire, e assim se
constitue emphyteuta, ao senhorio directo, uma
pensão, ou foro annual, certo e invariável.

Direito anterior — Semelhante, pois os aforamentos vita-


lícios tinham cahido em desuso (Teixeira de Freitas, Consoli-
dação, art. 309, com as respectivas notas; Carlos de Carvalho,
Direito civil, art. 627).
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, artigos
1.653 e 1.654; italiano, 1.556.
O Codigo Civil francez não trata da emphyteuse, mas a
jurisprudência a restabeleceu, contra a opinião de alguns civi-
listas dos mais notáveis, e, afinal, a lei de 25 de Junho de 1902
a legulou, como direito temporário. O allemão também não
enumera o aforamento entre os direitos reaes; porém elle existe
na legislação dos Estados (Endemann, Lehrbuch, II, § 11;
Einfuehrungsgesetz, arts. 59 e 63). O Codigo Civil suisso, o ar-
gentino, o uruguayo, o chileno, o boliviano, o peruano, e o me-
xicano actual não regulam esta figura jurídica.
Projectos — Eshoço, arts. 2.423 e 4.424; Felicio dos Santos,
2.344; Coelho Rodrigues, 1.482 e 1.483; Beviláqua, 779 e 780;
Revisto, 806. A fórmula complicada, que se lê no Codigo, pro-
cede de emenda do Senado.
244 CODIGO CIVIL

Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 137-140


e 144-146; Lacerda, Direito das coisas, §§ 77, 78 e 81-84; Marti-
nho Garcez, Direito das coisas, § 197; Almachio Diniz, Direito
das coisas, § 57; S. Yampré, Manual, II, §§ 69 e segs.; Coelho
da Rocha, Inst., §§ 531-537; Luiz Teixeira, Curso, III, tit. XI,
§§ 1.°, 11; Planiol, Traité, I, ns. 1.98S-1.G98; Planiol et Ripert.
III, ns. 1.000 e 1.002; Laurent, Gours, I, ns. 705-707; Aubry
et Rau, Gours, §§ 224 e 224 bis; Endemann, Lehrbuch, II,
§ 95; Dernburg, Pand., §§ 258 e 260; Windscheid, Panã., § 218;
Bruns-Egk-Mitteis, na Encyclopedia dé Holzendorff e Kohler
I, ps. 351-352; Chironi, Ist., §§ 198 e 199; Dias Ferreira,
Godigo Civil portuguez, ao art. 1.653; Benedictò de Souza, Pa-
recer nos Trabalhos da Gamara, III, p. 108; Sanohez Roman,
Derecho civil, caps. XVIII e XXV; meu Direito das coisas, I, §§
65 a 72.

Observações — 1. — Emphyteuse é o direito real de posse,


uso e gozo pleno do immovel, que o titular (emphyteuta) pôde
alienar, e transmitte, liereditariamente, porém com a obrigação
de pagar uma pensão annual (fôro) ao senhorio directo.
A palavra emphyteuse veio do direito grego para o romano,
onde a instituição, encontrando outra semelhante, o direito dos
agri vectigales, com ella se fundiu. De Portugal vieram os no-
mes de emprazamento e aforamento. Emprazamento ou prazo é a
concessão de terras, que faz o dono ao cultivador, para que as
beneficie, pagando-lhe certo prêmio annual. Aforamento ou fôro,
é a acquisição de direitos de cultivar terreno alheio, mediante
pagamento de certa renda annual. Na essencia é a mesma coisa,
olhada, no primeiro caso, do ponto de vista do proprietário ter-
ritorial, no segundo, do ponto de vista do cultivador.
Havia em Portugal, além do aforamento perpetuo (fateusim).
o de vidas, que o direito brasileiro rejeitou, como despiu o in-
stituto de certos formalismos e complicações, que lhe haviam
enxertado as praticas medievaes. Volvemos á simplicidade ro-
mana .
2. — A emphyteuse constitue-se por acto entre vivos ou
por disposição de ultima vontade. O contracto constitutivo da
emphyteuse, não sendo locação nem venda, é uma figura jurí-
dica distincta, o contracto emphyteutico. Nelle se podem incluir
DOs DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 245

quaesquer cláusulas, em que as partes concordem, comtanto que


não alterem a substancia do instituto. Não ha solemnidades
especiaes para esse acto. Apenas, como qualquer contracto cons-
titutivo de direito real, sobre immovel de valor acima de um
conto de réis, tem de ser feito por escriptura publica (art. 134,
II) e, em todos os casosi transcripto no registro de immoveis
(art. 676).
A respeito da disposição de ultima vontade, nenhuma obser-
vação ha que fazer.
Ainda que o não diga, expressamente, o Codigo, também
se adquire a emphyteuse por usocapião. E' certo que esta é um
instituto singular, que, por isso, exige disposição expressa de
lei; mas, desde que o Codigo equipara a emphyteuse ao dominio,
dando-lhe o proprio nome, dominio util e directo, e desde que,
nem implícita nem explicitamente revelou a intenção de alterar,
neste particular, o direito anterior, devemos admittir a influen-
cia do usocapião sobre as relações emphyteuticas.
2-a — Entrou em duvida se era licito estabelecer encargos
no contracto de emphyteuse, para a segurança dos quaes se
convencionasse a pena do commisso. Respondi que era possível,
desde que o encargo não contrariasse a natureza da emphyteuse.
3. — Dominio util, no sentido em que o direito moderno
emprega esta expressão, consiste no direito de usofruir a coisa
do modo mais completo, e transmittil-a a outrem por acto entre
vivos e de ultima vontade, E', como diz Lafayette, a somma de
todos os direitos elementares do dominio, "separados da pessoa
do dono do immovel e reunidos na pessoa de um terceiro".
Foram os glosadores, que inventaram essa expressão, mas para
designar a utilis rei vindicatio. Mais tarde significou o direito
do emphyteuta, do superficiario e de todos aquelles que tinham
a faculdade de usofruir o immovel (Dernbxjrg, Panei., § 258,
nota 14). Por fim passou a significar, exclusivamente, o direito
do emphyteuta, que comprehende, realmente, todas as utilidades
do bem, com extensão ainda maior do que no usofrueto,
Dominio directo, ás vezes chamado também eminente, é o
direito á substancia da coisa, sem as suas utilidades. E' um di-
reito que se mantém, ordinariamente, na sombra e somente ap-
parece para a percepção do canon; nas alienações para o rece-
bimento do laudemio, ou o exercício do direito de opção; e
246 CODIGO CIVIL

quando se extingue a emphyteuse, por alguma das causas, a


que o direito attribue esse effeito.
4. — A emphyteuse é direito mais extenso do que o uso-
fructo; abrange todos os productos, e o poder de alterar e trans-
formar a coisa, não deteriorando a substancia. E' transmissível
por herança e alienavel, ao passo que o usofructo é inalienável
e se extingue com a morte do usofructuario. O pagamento do
fôro é da sua essencia, e o usofructo é, ordinariamente, gratuito.
5. — O decreto lei n. 2.490 de 16 de Agosto de 1940, esta-
beleceu normas para os aforamentos de terrenos de marinha,
accrescidos, mangues da costa e terrenos situados á margem dos
rios e lagoas, até onde chegue a influencia das marés. O fôro
annual corresponde a 0,6% do valor real do terreno; o laude-
mio é de 5 % sobx-e o preço da transferencia; os terrenos não
podem ser vendidos nem escamhados sem licença do Dominio da
União.
6. — Os contractos de arrendamento, emphyteuse ou afora-
mento da propriedade do sólo não transferem o direito á ex-
ploração da mina acaso existente, o qual pertencerá sempre ao
proprietário ou senhorio directo (lei n. 4.265,- de 15' de Janeiro
de 1921, art. 7.°).
Quanto á emphyteuse, é um desvio dos princípios essa dis-
posição, que, entretanto, em alguns casos, poderá justificar-se
por motivos de ordem econômica ou política.
7. — A exploração das minas, ainda que de propriedade par-
ticular depende de autorização federal (Const. de 1937, art. 143,
e decreto-lei n. 1.485, de 29 de Janeiro de 1940 (Codigo de
minas).

Art. 679 — O contracto de emphyteuse é


perpetuo. A emphyteuse por tempo limitado con-
sidera-se arrendamento, e como tal se rege.

Direito anterior — Tal era a fôrma do nosso direito (Tei-


xeira de Freitas, Consolidação, art. 609, nota 5). Os aforamentos
vitalícios tinham cahido em desuso, e os arrendamentos de longo
prazo, reputavam-se simples locações (lei de 4 de Julho de 1766).
DOs DIREITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 247

Legislação comparada — Cod. 1, 34, 1. 1; 11, 70, 1. 5; 11,


61, I, 7; Codigo Civil portuguez, art. 1.654. No Japão, toda em-
phyteuse é temporária (Codigo Civil, art. 278).
Projectos — Esboço, art. 4.437; Felido cios Santos, art. 2.346;
Revisto, 807.
Bibliographia — A do artigo anterior. Aããe: Trabalhos da
Gamara, V, ps. 257-258 e 267-268.

Observação — Nunca estiveram em uso, no Brasil, os afora-


mentos por vidas, "a grande fonte dos abusos e das difficui-
dades, que enredavam o direito portuguez", segundo observa
Lafayette {Direito cias coisas, § 138, 3). O Codigo, portanto,
nada mais fez, neste dispositivo, do que dar expressão legal ao
direito em uso, eliminando os escombros da legislação, a que se
mostrava avessa á indole do povo.
Ainda que, em doutrina, seja fácil distinguir a locação do
aforamento temporário, pois este é um direito x'eal, abrangendo
a parte util da coisa, e aquella um direito obrigacional, sem as
faculdades próprias do direito real, o Codigo, reconhecendo os
inconvenientes da emphyteuse temporária, mandou consideral-a
mero arrendamento, isto é, direito pessoal.

Art. 680 — Só podem ser objecto de em-


pbyteuse terras não cultivadas, ou terrenos, que
se destinem á edificação.

Direito anterior — Semelhante (Teixeira de Freitas, Con-


solidação, arts. 606 e 607; Carlos de Carvalho, Direito civil,
art. 629).
Legislação comparada — Cod. 11, 58, 1. 16. Veja-se, também:
Codigo Civil portuguez, art. 1.658 e 1.664.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.485; Beviláqua, 781;,
Revisto, 808.
248 CODIGO CIVIL

Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 141; La-


cerda, Direito das coisas, § 39; Coelho da Rocha, Inst., § 538;
Liz Teixeira, Curso, III, tit. XI., § 9.°.

Observação — O fim da emphyteuse, a sua razão de ser na


ordem jurídica ê, principalmente, pela attracção de uma pensão
módica, tornar possível o aproveitamento de terras incultas ou
abandonadas, que, sem esse estimulo, difficilmente, poderiam ser
beneficiadas. Direito perpetuo, a sciencia econômica lhe não
approva a applicação a prédios, que o trabalho já tornou capitães
productivos. E tal foi sempre a sua funcção. Para o direito
grego, de onde veio o instituto, veja-se E. Beauchet, Histoire
du ãroit privé de la Rép. Athénienne, III, ns. 309-317.

Art. 681 — Os bens emphyteuticos trans-


mittem-se por herança, na mesma ordem estabe-
lecida a respeito dos allodiaes neste Codigo, ar-
tigos 1.603 a 1.619; mas não podem se divididos
em glebas, sem consentimento do senhorio.

Direito anterior — Vejam-se as Ords. 4, 36, § 1.° e 4, 96,


§§ 23 e 24.
Legislação comparada — Semelhante; Codigo Civil portu-
guez, art. 1.662, pr.
Projectos — Este artigo é da Commissão do Governo: Pro-
jecto Revisto, art. 810. Veja-se Felicio dos Santos, arts. 2.354
e 2.359.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 155; La-
cerda, Direito das coisas, § 88; Coelho da Rooha, Inst., § 545;
Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, ao art. 1.662.

Observações — 1. — A primeira parte deste artigo é, de


todo, ociosa e pôde induzir em erro, pois faz suppôr que a
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 249

emphyteuse é propriedade não allodial. O allodium oppõe-se ao


feuãum; mas não temos propriedade feudal. Ainda que a em-
phyteuse, de origem greco-romana, se andasse emmaranhando
com idéas e formalidades feudaes, dellas se libertou, entre nós,
volvendo á simplicidade anterior. Toda a propriedade, no direito
pátrio, era e é livre. Teixeira de Freitas, no art. 975 da Con-
solidação, usou de expressões semelhantes ás do artigo 681 do
Codigo; mas, em face da Ordenação, era permittido fazel-o.
2. — A segunda parte do artigo declara que o prazo não
pode ser dividido em glebas, isto é, em partes distinctas e se-
paradas, sem consentimento do senhorio. E' uma persistência
da idéa de que o foro não se deve partir entre muitos, "por se
não confundir a pensão delle", segundo advertia a Ord., 4, 36,
§ 1.°. Nessa idéa insiste o art. 690, mantendo o encabeçamento
da emphyteuse num dos condominos.
Aliás, segundo observa Lafayette, estava em uso, entre
nós, a divisão do fôro {Direito das coisas, § 154 nota 6).

Art. 682 — E' obrigado o empbyteuta a sa-


tisfazer os impostos e os ônus reaes, que gra-
varem o immovel.

Direito anterior — Assim se praticava (Lafayette, Direito


das coisas, § 150, 2.° e 3.°; Lacerda, Direito das coisas, § 92, o e &).
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 1.675;
italiano, 1.558; venezuelano, 1.611; mexicano, 3.129.
Projectos — Esboço, art. 4.451, n. 6, e 4.483; Felicio dos
Santos, 2.360; Coelho Rodrigues, 1.488, § 1.°; Beviláqua, 783;
Revisto, 812.

Observação — Tem o emphyteuta o gozo pleno do immovel,


explora-o segundo entende, cabe-lhe a parte util do domínio, deve
supportar os impostos, e os ônus reaes, que gravarem o bem.
O senhorio tem, na emphyteuse, um direito de -segundo plano,
de actividade descontínua.
250 CODIGO CIVIL

Art. 683 — O emphyteuta, ou foreiro, não


pôde vender nem dar em pagamento o domínio
util, sem prévio aviso ao senhorio directo, para
que este exerça o direito de opção; e o senhorio
directo tem trinta dias para declarar, por es-
cripto datado e assignado, que quer a preferencia
na alienação, pelo mesmo preço e nas mesmas
condições.
' Se, dentro no prazo indicado, não responder,
ou não offerecer o preço da alienação, poderá o
foreiro effectual-a com quem entender.

Direito anterior — O mesmo (Ord., 4, 38, pr., e § 1.°; Tei-


xeira de Freitas, Consolidação, arts. 616 e 617; Carlos de Car-
valho, Direito civil, arts, 644-649).
Legislação comparada — Cod., 4, 66, 1. 3; Codigo Civil
portuguez, art. 1.678. Compare-se com o italiano, 1.562; o ve-
nezuelano, 1.616, e o japonez, 272, que dispensam' o aviso por
não estabelecerem o direito de opção.
Projectos — Esboço, arts. 4.451, n. 4 e 4.459-4.469; Coelho
Rodrigues, 1.448, § 3.° e 1.449; Beviláqua, 784 e 785; Jíeuisío, 813.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 149 e
152; Lacerda, § 90; Coelho da Rocha, Inst., §§ 549-551; Liz
Teixeira, Curso, III, tit.'xi, §§ 12-17; S. Vamprê, Manual, II,
§§ 75 e 76.

Observações — 1. — O primeiro direito do senhorio é per-


ceber a prestação annual, ou foro, que o art. 678 pôz em re-
levo. O segundo é a preferencia na alienação do dominio util,
pelo mesmo preço e nas mesmas condições (jus protimeseos). O
fundamento deste direito está na utilidade social de extinguir-se
o ônus do dominio, e na equidade, que consiste em dar a tota-
lidade do direito, a quem já tem delle parte, desde que dahi
nenhum prejuízo resulte ao emphyteuta.
2. — O foreiro tem obrigação de notificar o senhorio, so-
mente quando a alienação é a titulo oneroso. O Codigo diz: não
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 251

pôde vender nem dar em pagamento, abrangendo nessas ex-


pressões a venda, a permuta, por coisa fungível, qíie se equi-
para á venda, a dação voluntária em pagamento, a transacção
e a alienação forçada por execução de sentença. Não ha direito
de opção, mas, não obstante, não está o emphyteuta dispensado
de notificar a alienação ao senhorio, nas doações ou dotes, por
se não prejudicar o fim benefico do acto. Nas desapropriações
por necessidade ou utilidade publica, não ha notificação, porque,
nesse caso, se extingue o direito do senhorio, como o do em-
phyteuta. Quanto ás alienações gratuitas e á troca, veja-se o
art. 688.
2-a O emphyteuta, que entra para uma sociedade com o
seu domínio util, aliena á pessoa jurídica da sociedade o seu
direito; portanto lhe cumpre dar aviso prévio ao senhorio, que
terá direito ao laudemio, se não usar da sua faculdade de pre-
ferencia.
3. — O aviso será dado por eseripto particular, tomando
o foreiro as cautelas, que lhes parecerem necessárias, para que
não possa allegár o senhorio que o não recebeu. Se as circums-
tancias o aconselharem, poderá a notificação ser feita judicial-
mente.
Sendo o senhorio menor, ou interdicto, o aviso deve ser
dado ao seu representante. A mulher casada, deve ser notificada
pessoalmente, e exercerá o seu direito de opção, sem outorga
do marido, se o bem aforado fôr paraphernal.
Sendo condominos os senhorios, bastará notificar aquelle
que administra a communhão.
4. — A falta de notificação torna annullavel a alienação;
mas se terá por confirmada, se o senhorio receber o fôro do
novo emphyteuta ou o laudemio do antigo. Veja-se o art. 685.

Art. 684 — Compete, egualmente, ao forei-


ro, o direito de preferencia, no caso de querer o
senhorio vender o dominio directo ou dal-o em
pagamento. Para este effeito, ficará o dito se-
nhorio sujeito á mesma obrigação imposta, em
semelhantes circumstancias, ao foreiro.
252 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Não havia disposição semelhante.


Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 1.678,
paragrapho 1.°.
Projectos — Felicio cios Santos, arts. 2.362 e 2.363; Re-
visto, 814. A Commissão do Governo extrahiu este artigo do
Codigo Civil portuguez.

Observação Este direito de opção, conferido ao foreiro


é uma innováção do Codigo Civil que modifica a estructura
da emphyteuse, dando-lhe uma feição de sociedade ou condo-
mínio. Uma vantagem delle resulta; é mostrar que, na em-
phyteuse, não ha o menor resquício de subordinação entre o
foreiro e o senhorio, como poderiam suppôr os que olhassem
para essa figura jurídica, impressionados com as adherencias
que o feudalismo lhe deixou.

Art. 685 — Se o emphyteuta não cumprir o


disposto no art. 683, poderá o senhorio directo
usar, não obstante, de seu direito de preferencia,
havendo do adquirente o prédio, pelo preço da
acquisição.

Direito anterior — Era caso de commisso ou simples annul-


lação da venda (Ord., 4, 38, 1; Teixeira de Freitas, Consolidação,
arts. 627 e 628; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 648).
Legislação comparada —- Codigo Civil portuguez, art. 1.681;
mexicano, 3.138.
Projectos — Esboço, art. 4.470; Felicio dos Santos, 2.365:
Coelho Rodrigues, 1.492; Beviláqua, 786; Revisto, 815.

Observações —< 1. — Estatue este artigo a sancçâo para a


omissão do emphyteuta, em avisar o senhorio directo, a fim de
que este use, ou não, do seu direito de preferencia. Este direito
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 253

subsiste, e prevalece contra a alienação, que se annulla em favor


do senhorio, emquanto não prescreve a acção (art. 177).
2. — E se o senhorio não cumprir o disposto no art. 684?
Guardou silencio o Codigo. Ha duas soluções possiveis; a) O
emphyteuta pode usar do seu direito de preferencia, como o se-
nhorio depois da alienação; é a solução do Codigo Civil por-
tuguez, art. 1.681, § 1.°; &) O emphyteuta exigirá do senhorio
perdas e damnos, se o adquirente estiver de bôa fé, e poderá
annullar a alienação, no caso contrario. E' a solução do Codigo
Civil do México, art. 3.139, antes da leforma em vigor.
Penso que a lacuna do Codigo deve ser preenchida segundo
o disposto no Codigo Civil portuguez, que foi a fonte do nosso
na innovação de conferir ao emphyteuta o direito de preferencia,
porque é a conseqüência natural da paridade sob esta relação,
estabelecida entre os dois sujeitos do direito çmphyteutico, por
occasião de qualquer delles alienar a sua parte.

Art, 686 — Sempre que se realizar a trans-


ferencia do dominio util? por venda ou dação em
pagamento, o senhorio directo, que não usar da
opção, terá direito de receber do alienante, o lau-
demio, que será de dois e meio por cento sobre o
preço da alienação, se outro não se tiver fixado
no titulo de aforamento.

Direito anterior — O mesmo (Ord., 4, 38 pr.; alvará de 14


de Dezembro de 1775, § 9.°; Teixeira de Freitas, Consolidação,
arts. 618-622; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 650).
Legislação comparada — Cod., 4, 66, 1. 3. O Codigo Civil
portuguez e os outros, que regulam esta matéria, não manti-
veram o laudemio.
Projectos — Esboço, arts. 4.472-4.482; Coelho Rodrigues,
1.489, § 2.°; 1.470 e 1.491; Beviláqua, 787; Revisto, 816.
Bibliographia — Lafayettb, Direito das coisas, § 153; La-
cerda, Direito das coisas, § 91; Coelho da Rocha, Inst., §§ 552
e 553; Liz Teixeira, Curso, III, tit. IX, § 17.
254 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — O lauãemio é a compensação daõa


ao senhorio por não consolidar, na sua pessôa, o direito de pro-
priedade, quando lhe cabe a opção (art. 683). Não é devido o
laudemio, quando a alienação do domínio util se opera a titulo
benefico, por doação ou dote.
No caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pu-
blica, para as obras da União e do Districto Federal, prescreve
o regulamento n. 4.956, de 9 de Setembro de 1903, art. 33, que
o valor do domínio directo se calcule sobre a importância de
vinte foros e um laudemio; o domínio util será o valor do
piedio deduzido o do domínio directo; e o dos subemphyteu-
tas será esse mesmo' valor deduzidas vinte pensões subempby-
teuticas e equivalentes ao domínio do emphyteuta principal.
1-a — Também, neste caso, não ha laudemio a pagar, por-
que o senhorio recebe do desapropriante o valor integral do
seu direito; nem lhe cabe o direito de opção, do qual é com-
pensação o laudemio.
importância do laudemio é calculada sobre o preço
da alienação. O valor do bem augmentado pelas accessões e
bemfeitorias também aproveita ao senhorio directo, pois é pro-
prietário, e o valor é a expressão econômica do bem na sua
totalidade.
Se a alienação se annulla, restitue-se o laudemio. Se se
disti acta, depois de transcripta, recebe o senhorio novo lau-
demio, porque haverá duas alienações.

Art. 687^— O foreiro não tem direito á re-


missão do foro, por esterilidade ou destruição
parcial do prédio emphyteutico, nem pela perda
total de seus fructos; pôde, em taes casos, porém,
abandonal-o ao senhorio directo, e, independen-
temente de seu consenso, fazer inscrever o acto
da renuncia (art. 691).

Direito anterior — A primeira parte do artigo reproduz


regra acceita, com fundamento no direito romano. A segunda
é accrescimo do Codigo.
DOS DIKEITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 255

Legislação comparada — Semelhante em parte; Cod. 4, 66,


I. 1; Codigo Civil italiano, arts. 1.559 e 1.560; venezuelano,
1.613 e 1.614; japonez, 274 e 275.
Contra; Codigo Civil portuguez, art. 1.688.
Projectos — Esboço, arts. 4.487-4.489; Coelho Rodrigues,
1.493; Beviláqua, 788; Revisto, 817.
Blbliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 148, 3.°;
Lacerda, Direito das coisas, § 87; Coelho da Rocha, Inst., § 546
(sustenta idéas differentes); Dernburg, Panei., § 260, 2.

Observação — O fôro representa o reconhecimento do di-


reito do senhorio sobre os terrenos aforados; por isso independe
dos rendimentos alcançados pelo foreiro. Se, porém, nenhuma
Vantagens lhe traz a emphyteuse, resta-lhe o direito de renunciar
o domínio util, consolidando-se a propriedade nas mãos do se-
nhorio directo.
Não é a pensão emphyteutica a renda, que se attribue á
terra, como factor da producção da riqueza. E' módica e não
varia, predicados que não correspondem á renda da terra, que
tem crescido, extraordinariamente, e vária com as circumstancias.
Cessa a obrigação de pagar o fôro, se o immovel se extingue,
ou destróe,. porque, nesse caso, também perecerá o direito do
senhorio directo.

Art. 688 — E' licito ao emphyteuta doar,


dar em dote, ou trocar por coisa não fungível, o
prédio aforado, avisando o senhorio directo,
dentro em sessenta dias, contados do acto da
transmissão, sob pena de continuar responsável
pelo pagamento do fôro.

Direito anterior — Semelhante, por ter a doutrina corrente


assim interpretado a Ord., 4, 38, pr. V. Carlos de Carvalho,.
Direito Civil art. 646.
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 1.667;
mexicano; 3.132 e 3.133.
256 CODIGO CIVIL

Projectos — Beviláqua, art. 779; Revisto, 818.


Bibliographia — Lafayette;, Direito das coisas, § 152;
Coelho da Rocha, Int., § 553; Dias Fekbeiba, Codigo Civil
portuguez, ao art. 1.677.

Observações — 1. — Na doação, como no dote, o empliyteuta


não tem vantagens, faz beneficio; não tem que pagar laudemio.
A doação e o dote hão de, necessariamente, favorecer determi-
nada pessoa; não é possivel, sem desnaturar taes actos, per-
mittir que o senhorio seja preferido á pessoa, que se quer be-
neficiar. Seria contrasenso a opção neste caso; não haveria por
que optar.
2. — Disputavam os nossos juristas, no dominio das Or-
denações, quanto á troca. Realmente a Ord, 4, 38, pr. de-
clarava que o foreiro não poderia "vender, escaimbar, nem alhear
a coisa aforada. E, querendo vender ou escaimbar, deve, pri-
meiro notificar ao senhorio, e requerel-o se a quer tanto por
tanto"... Mas, na troca era impossível essa determinação de
tanto por tanto. Sem duvida, poderia avaliar-se a coisa per-
mutada pelo fôro, mas não seria possivel ao senhorio dal-as ao
foreiro. Daria o preço, mas não a coisa, se esta fosse infun-
givel. Na permuta por coisa fungível, ha uma avaliação, ha
um preço, e é possivel ao senhorio offerecel-a na quantidade
precisa. Assim a melhor opinião, entre os civilistas pátrios, era
a que adoptou o Codigo; não ha opção, nem laudemio na troca
do fôro por coisa infungivel. Subsiste, porém, a obrigação de
avisar ao senhorio, sob pena de continuar o emphyteuta obrigado
pelo pagamento do fôro.

Art. 689 — Fazendo-se penhora, por dividas


do emphyteuta, sobre o prédio emprazado, será
citado o senhorio directo, para assistir á praça,
e terá preferencia, quer no caso de arrematação,
sobre os demais lançadores, em condições eguaes,
quer, em falta delles, no caso de adjudicação.
DOg DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 257

Direito anterior — O mesmo (Ord., 4, 38, pr., 3.a alínea, in


finé). , . " ?i !. ;• ' . 1
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, arts 1 682
e 1.683.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.367 (differente);
Beviláqua, 790; Revisto, 819.

Observação A falta de citação, para qüe o senhorio exerça


o seu direito, vicia a alienação, e o senhorio não fica, por
ella, privado de exercer o seu direito de preferencia. Se o não
exerce, do preço da arrematação se deduz o que lhe deva ser
dado a titulo de laudemio; e, no caso de adjudicação, far-se-á
o calculo para esse pagamento.

Art-. 690 Quando o prédio emprazado vier


a pertencer a varias pessoas, estas, dentro em
seis
- mezes, elegerão um cabecel, sob pena de se
devolver ao senhorio o direito de escolha.
§ 1. Feita a escolha, todas as acções do se-
nhoiio contra os foreiros serão propostas contra
o cabecel, salvo a este o direito regressivo contra
os outros pelas respectivas quotas.
§ 2.^ Se, porém, o senhorio directo convier
na divisão do prazo, cada uma das glebas, em
que for dividido, constituirá prazo distincto.

Direito anterior — Vejam-se as Ords., 4, 36, §§ 1.° e 4.°;


96, §§ 23 e 24, cujas providencias não coincidem, exatamente, com
as do Codigo Civil.
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 1.662.
Projectos — Eshogo, art. 4.455 (differente); Felicio dos
Santos, 2.354 e 2.355; Coelho Rodrigues, 1.496 e 1.497; Be-
viláqua, 791 e 792; Revisto, 820.
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 17
258 CODIGO CIVIL

Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 155; La-


cerda, Direito das coisas, § 88; Coelho da Rocha, Inst., § 545;
Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, ao art. 1.662.

Observação — Consagra este artigo, como já fizera o ar-


tigo 681, .segunda parte, a indivisibilidade do prazo, em re-
lação ao senhorio directo. Effectuada a divisão de facto, em
relação aos foreiros, torna-se, então, necessário, nomear quem
represente os emphyteutas para os effeitos das prestações de-
vidas ao proprietário. Como, porém, essa indivisibilidade não
é da essencia da emphyteuse, emphyteusis non natura sua sea
jure individua est, diz Mello Freire, pôde o senhorio concordar
na divisão em glebas, quer no proprio acto constitutivo,' quer,
posteriormente, quando occorrer facto, que o condicione.

Art. 691 — Se o empliytenta pretender aban-


donar, gratuitamente, ao senhorio, o prédio afo-
rado, poderão oppor-se os credores prejudicados
com o abandono, prestando caução pelas pensões
futuras, até qug sejain pagos- de-suas dividas.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente.


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.499; Beviláqua, 793;
Revisto, 821.

Art. 692 — A emphyteuse extingue-se:


I. Pela natural deterioração do prédio afo-
rado, .quando chegue a não valer o capital cor-
respondente ao foro e mais um quinto deste.
II. Pelo commisso, deixando o foreiro de
pagar as pensões devidas, por tres annos conse-
cutivos, caso em que o senhorio o indemnizará
das bemfeitorias necessárias.
DOs DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 259

III. Fallecendo o emphytenta, sem herdei-


ros, salvo o direito dos credores.

Direito anterior — Nada dispunha quanto á matéria do


n. I, e conhecia outras causas de commisso; a deterioração
dolosa do prédio, e a alienação sem prévia notificação do se-
nhorio (Ord., 4, 39, pr., e §§ 1.° e 2.°).
Legislação comparada — I. Codigo Civil portuguez, ar-
tigo 1.672.
Compare-se com a 1. 1. Cod-, 4, 66; as Nov. 7, c. 3, § 2.°,
e 120, c. 8; o Codigo Civil italiano, art. 1.56^, 2.°; e o vene-
zuelano, 1.619, 2.°.
II. Compare-se com o Cod., 4, 66, 1.. 2; as Nov. 7, c. 3,
§ 2.°, e 120, c. 8; o Codigo Civil italiano, art. 1.565, 1.°; o
venezuelano, 1.619, 1.°; e o japonez 276.
III. Codigo Civil portuguez, art. 1.663.
Projectos — Esboço, arts. 4.484-4.529; Felicio dos Santos,
2.359 e 2.369-2.371; Coelho Rodrigues, 1.498-1.502; Beviláqua,
793-795; Revisto, 821-823. A fórmula actual é da Gamara.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 156; La-
cerda, Direito das coisas, § 93; S.- Vampré, Manual, II, § 77;
Coelho da Rocha, Inst., §§ 554-558; Liz Teixeira, Curso tit., IX,
§ 27; Dernburg, Pand., § 260; Windscheid, § 222; Chironi

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Observações 1. — Neste artigo declaram-se os modos


particulares de extincção da emphyteuse. A perda total do Im-
movel, o usocapião, a renuncia são modos geraes de extincção
dos direitos reaes.
2. A consolidação resulta da caducidade, no caso do n.
III, e da liberação do prédio, nos casos do n. I, e dos arts. 684,
685 e 693. A liberação por deterioração natural (n. I) opera-se
em favor do senhorio, apesar de não haver culpa do emphyteuta
Se a deterioração fôr imputavel ao foreiro, responde este por
perdas e damnos. No direito anterior, a deterioração culposa
du dolosa era um dos casos de commisso.
3. Se o foreiro deixar de pagar a pensão por tres annos
consecutivos, cae em commisso, isto é, perde o seu domínio
260 CODIGO CIVIL

util, por decreto judicial provocado pelo senhorio em acção com-


petente .
Esta doutrina da necessidade da autoridade judiciaria para
a decretação do commisso está sanccionada pelo S. Tribunal
Federal, no accordão n. 2.392, de 14 de Janeiro de 1918 {Diário
Official, de 11 de Junho do mesmo anno).
4. — Dá-se a caducidade da emphyteuse, quando o foreiro
fallece sem deixar herdeiro legitimo ou testamentario. Neste
caso, dá-se a reversão em favor do senhorio, e não a devolução
do ônus em beneficio do Estado, porque é, hoje, da essência
da emphyteuse que, extincto o direito do emphyteuta se libere
o prédio. Outrora essa reversão era estipulada nos actos con-
stitutivos do prazo, depois incorporou-se na própria essencia do
direito.
Os credores do emphyteuta podem, porém, suspender a re-
versão, requerendo que se lhes conceda o gozo do prédio até
que sejam pagos. Podem, egualmente, usar do direito de resgate.
4-a — A lei n. 4.783, de 31 de Dezembro de 1923, art. 41,
permittlu aos foreiros de terrenos de marinha em alcance por
mais de tres annos, o pagamento dos foros atrazados até 31 de
Março de 1924, revalidando-se os respectivos contractos.
4-& — A relação emphyteutica, segundo já se. disse, pôde
constituir-se por usocapião; mas a emphyteuse estabelecida não
se extingue pelo decurso do tempo, em favor do foreiro, porque
não pôde este allegar prescripção contra o proprio titulo (Cod.,
7, 39, 17, § 6.°; Mackeldey, Droit romain, § 334, n. 5, nota 4;
Lafayette, Direito das coisas, § 156, nota 2; Silva Costa, na
Revista Jurídica, vol. X, ps. 5 e segs.; Contra: S. Vampré,
Manual, II, § 77, 3.

Art. 693 — Todos os aforamentos, salvo ac-


cordo entre as partes, são resgataveis trinta an-
nos depois de constitnidos, mediante pagamento
de vinte pensões anmiaes pelo foreiro, que não
poderá, no seu contracto, renunciar o direito ao
resgate, nem contrariar as disposições impera-
tivas deste capitulo.
Direito anterior — Não havia direito de resgate.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 261

Legislação comparada — Semelhante: Codigo Civil italiano,


art. 1.564; venezuelano, 1.618.
Veja-se também, o japonez, 278, que estabelece para a em-
phyteuse a duração de trinta annos, quando o acto constitutivo
não a determina. E mais o hespanbol, art. 1.608.
Projectos — Esboço, arts. 4.5'25-4.527; Coelho Rodrigues,
1.503-1.506; Beviláqua, 796; Revisto, 824. E' da Gamara a de-
terminação do preço do resgate em vinte pensões annuaes. Os
Projectos mandavam calcular o capital, tomando por base os
juros legaes, ou por arbitramento.

Observações — 1. — O direito de resgate não aproveita aos


aforamentos já constituídos, quando o Codigo Civil entrou em
vigor, por se não offender o direito dos senhorios, que, contando
com a perpetuidade, estipularam cânones extremamente modi-
dicos. Somente a respeito dos prazos concedidos de 1 de Ja-
neiro de 1917, por deante, pois que já se constituem na vigência
do novo direito, é que o resgate é possível. Vejam-se: Paulo
de Lacerda, Manual do Codigo Civil, I. Introãucção, p. III,
nota 35, e SÁ Freire, Emphyteuse, estudo do art. 693 do Codigo
Civil. Em "sentido contrario manifestou-se João Luiz Ajlves, na
Revista de Direito, vol. XLVII, ps. 484 e segs.
1-a — Esta matéria foi exhaustivamente discutida por Epi-
tacio Pessôa, que demonstrou; 1.°, a inapplicabilidade do res-
gate ás emphyteuses anteriores ao Codigo Civil, por se tratar
de acto perfeito e acabado, constituindo direito definitivamente
adquirido; 2.°, que o accordo entre as partes, mencionado no
art. 693, se refere ao prazo maior ou menor para o resgate, e
não ao proprio direito do resgate, que não pode ser renunciado
{apud Madruga, Terrenos de marinha, II, ps. 369-372).
2- — Sobre o aforamento dos terrenos de marinha da União,
veja-se o que se disse na observação 5 ao art. 678 e mais o que
se lê, adeante, na observação 3 ao art. 694.
2• — A lei n. 4.230, de 31 de Dezembro de 1920, art. 26,
declara vedado o resgate dos aforamentos dos terrenos da fa-
zenda nacional de S. Cruz.
E o dec. n. 22.785, de 31 de Maio de 1933, art. 1.°, es-
tendeu essa prohibição a todos os aforamentos dos bens da
União.
262 CO DIGO CIVIL

Art. 694 — A subemphyteuse está sujeita


ás mesmas disposições que a empliyteuse. A dos
terrenos de marinha e accrescidos será regulada
em leis especial.

Direito anterior — Tal era o direito consuetudinario quanto


á subemphyteuse.
Legislação comparada — Contra: Codigo Civil portuguez,
art. 1.701.
Projectos — Coelho Rodrigues, arts. 1.5'07-1.510; Beviláqua,
797, Revisto, 825,. Os dois primeiros Projectos citados prohibiam
a subemphyteuse, para o futuro, pelas complicações que acarreta.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 157, La-
cerda, § 94; Coelho da Rocha, Int., § 561; S. Vampré, Manual
II, § 78.

Observações — 1. -— Creação do direito costumeiro, não


era a subemphyteuse comprehendida, uniformemente, pelos pra-
xistas, do que resultavam duvidas e controvérsias.
Deve entender-se a subemphyteuse, como uma relação de
direito, em que, mantidos os direitos do senhorio directo, e as
obrigações do emphyteuta para com elle, o emphyteuta se in-
veste, em relação ao subemphyteuta, em direitos semelhantes
aos do senhorio. Assim, o senhorio continua a receber a pensão
como dantes; mantém o direito ao laudemio nas alienações one-
rosas; conserva a sua. acção de commisso, tal como se não hou-
vesse a subemphyteuse. Por seu lado, o emphyteuta exerce eguaes
direitos, como se fôra senhorio directo.
2. — Disputam os escriptores sobre se a constituição de
subemphyteuse é alienação, que deva ser denunciada ao senhorio.
Tão emmaranhada andava esta questão, que, Almeida e Souza,
com abundancia de argumentos, sustentou o pró e o contra.
Pax-ece, porém que se deve considerar a subemphyteuse,
como a sublocação, uma relação jurídica entre o emphyteuta
e o subemphyteuta, que não attinge, em coisa alguma, á que
preexiste entre o primeiro e o senhorio. Consequentemente, não
ha necessidade de notificação, se o acto constitutivo a não exige.
Pela mesma razão, o senhorio não tem direito de preferencia.
DOS DIREITOS KKAES SOBRE COISAS ALHEIAS 263

A preferencia é para a consolidação do dominio, para a liber-


tação do prédio; mas, se o senhorio se tornar subemphyteuta,
não se consolida o dominio, e fica elle numa situação estranha,
em que pagará ao foreiro pensão maior do que delle recebe, e
podendo incorrer em commisso pela não satisfazer.
A bôa razão repelle essa construcção visivelmente extra-
vagante .
3. — O que sejam terrenos de marinha e accrescidos já
se disse no Commentario 5 ao art. 66; convém, entretanto, attender
ás novas leis. O decreto-lei n. 2.490, de 16 de Agosto de 1940,
art. 3, definiu os terrenos de marinha á semelhança das leis
anteriores, com referencia ao preamar médio em 1931; mas o de-
creto-lei, n. 4.120, de 21 de Fevereiro de 1942, manda fixar a linha
do preamar máximo actual (33 metros) por observações de
longo periodo (370 dias) ou, na falta deste, por observações de
curto periodo (30 dias consecutivos).
Esta matéria estava regulada pelas instrucções de 14 de De-
zembro de 1832; dec. n. 4.105, de 22 de Fevereiro de 1868,
e aviso n. 377, de 12 de Julho de 1833. Actualmente, alem dos dois
decretos leis acima citados, ha o decreto-lei n. -2.490, de 16 de
Agosto de 1940. Consultem-se: Theoria geral ão direito civil,
§ 43; Epitacio Pessôa, Terrenos de marinha, e J. X. Carvalho de
Mendonça, Terrenos de marinha e os interesses da União, dos
Estados e das Municipalidades, no Direito, vol, 85, ns. 473-486;
João Barbalho, Constituição, ao art. 64; Galdino Loreto, Tra-
balhos do Senado, III, ps. 40-45; Madruga, Terrenos de marinha, I,
ps. 367-372.

CAPITULO III

Das servidões prediaes

SECÇÃO I

Da constituição das servidões

Art. 695 — Impõe-se a servidão predial a


um prédio em favor de outro, pertencente a di-
verso dono. Por ella perde o proprietário do pre-
264 CODIGO CIVIIi

dio serviente o exercício de algum dos seus di-


reitos dominicaes, ou fica obrigado a tolerar que
delle se utilize, para certo fim, o dono do prédio
dominante:

Direito anterior — A matéria das servidões prediaes não


se achava regulada em lei. Havia o subsidio do direito romano,
a doutrina dos escriptores, e algumas disposições dispersas em
varias leis.
Legislação comparada — Inst. 2, 2, § 3.°; D. 8, 1, fr. 15,
§ 1.°: servitutium nom ea natura est ut aliquiã faciat quis...
seã ut aliquiã patiatur, aut non faciat; Codigo Civil francez,
art. 637; italiano, 531; portuguez, 2.267; hespanhol, 530; aus-
tríaco, 472 e 482; allemão, 1.018; argentino, 2.970 e 2.971;
chileno, 820 e 821; uruguayo, 550; peruano, 960 e segs.; vene-
zuelano, 625; boliviano, 372; mexicano, 1.109.
Veja-se, também, o japonez, art. 280. O suisso, 730, define
a servidão sem se referir á diversidade de donos dos prédios,
e, no art. 732, permitte que o dono de dois prédios grave um
delles em beneficio do outro.
Projectos —- Esboço, arts. 4.731, 4.733 e 4.745; Felicio dos
Santos, 1.5'43; Beviláqua, 798; Revisto, 833.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 114; La-
cerda, Direito das coisas, §§ 62 e 96; Aemaohio Diniz, Direito
das coisas, § 58, José Mendes, Das servidões de caminho, § 1/;
Aguiar e Souza, Tratadfo das servidões, §§ 1.° e 2.°; S. Yampré,
Manual, 11, §§ 80 e segs.; Coelho da Rocha, Inst., § 587;
Liz Teixeira, Curso, III, §§ l.0-3.0; Planiol, Traité, I, ns. 1.812
1.834; Planiol et Ripert, IIÍ, ns. 886 e segs.; Huc, Commen-
taire, IV, ns. 260, 261 e 402-411; Baudry-Lacantinerie et Chau-
veau, Des biens, ns. 790-819 e 1.071-1.092; Laurent, Cours, 1,
números 617-623 e 675-676; Aubry et Rau, Cours, II, § 225, e
III, §§ 238 e segs.; Zachariae, Droit civil français, II, §§ 316
e 332-333; Coãe Civil allemand, annoté par le Comitê de lég.
étrangère, II, notas ás ps. 627-631; Endemann, Lehrbuch, II,
§§ 98-101; Roth, System, III, §§ 277 e segs.; Dernburg, Pand.,
§§ 235-241; Windscheid, Pand., §§ 200, 201, 209 e 210; Gebber,
System § 114; Bruns-Eck-Mitteis, Encyclopaeãle, I, ps. 348-351;
Kohler, Lehrbuch, II, 2.a parte, §§ 103 e segs.; Encyclopaeãle,
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 265

I, 614-615; Chironi, Ist., I, §§ 160-162, 172 e 173; Gianturco,


Ist., §§ 49 e 51; Rossel et Mentha, Droit civil suisse, II, ps.
112 e segs.; Sanchez Roman, Derecho civil, III, cap. XVII; Dias
Ferreira, Codigo Civil portuguez, V, ao art. 2.267; Rivarola,
Derecho civil argentino, l, ns. 397 e 508 e segs.; Bonjean, Ins-
titutes, I, ns. 995' e segs.; Cijq Institutions, II, ps. 226-273;
Girard, Droit romain, ps. 359 e segs.; R. Salvat, Derechos reales,
II, ns. 1.776 e segs.

Observações — 1. — As servidões consistem em restricções,


impostas á faculdade de uso e gozo do proprietário, em bene-
ficio de outrem. Se a restricção recáe sobre um prédio, para
o fim de favorecer um outro, diz-se que a servidão é predial.
Se se destina a proporcionar vantagens a alguém, denomina-se
pessoal.
E' da primeira categoria que se occupa este capitulo; a
segunda comprehende o usofructo, o uso e a habitação, de que
o Codigo se occupa em seguida.
,2. — Servidões preãiaes, segundo os elementos de definição,
que nos offerece o Codigo, são ônus impostos a um prédio (o
serviente), em favor de outro (o dominante), em virtude dos
quaes o proprietário do primeiro perde o exercício de algum ie
seus direitos dominicaes sobre o seu prédio, ou tolera que delle
se utilize, para determinado fim, o proprietário ou possuidor do
prédio dominante.
As servidões prediaes recáem sobre prédios rústicos ou ux'-
banos, isto é, sobre terrenos ou construcções permanentes.
Sendo um direito real, a servidão predial adhere, perma-
nentemente, aos prédios, gravando o serviente, favorecendo o
dominante e os acompanha em todas as mutações, por que pas-
sem, de uns para outros donos. E' aos prédios que ella se re-
fere e não aos proprietários.
Todavia a servidão presuppõe dois proprietários differentes:
porque, se os dois prédios pertencem ao mesmo dono, este se
utiliza de ambos, sob tollas as suas relações, n^, qualidade de
proprietário; não ha que destacar uma parcella do domínio sobre
um dos prédios, para vantagem do outro; o domínio é um só.
Nemini res sua servit.
266 CODIGO CIVIL

Não é essencial que os prédios guardem, entre si, conti-


guidade. Ordinariamente, o vinculo da servidão se estabelece
entre prédios visinhos, mas, algumas vezes, vâe attingir a prédios
afastados, como pode acontecer com a servidão de transito, e
com a de tirar agua.
3. — Caracteres das servidões prediaes. As servidões pre-
diaes são direitos reaes immoveis. São direitos accessorios, que
não podem subsistir sem os prédios, a que se referem. Não
podem ser penhoradas, nem hypothecadas, nem cedidas isola-
damente; soffrem, com os prédios, a acção da penhora e da
hypotheca assim como os acompanham, quando alienados. São
qualidades activas ou passivas dos prédios. Reputam-se, também,
indivisíveis, como accentua, o art. 707.
Dizem-nas também perpétuas. Melhor será atribuir-lhes ãu-
ração indefinida, porque: a) nada impede que se extingam por
convenção; &) certos factos acarretam, necessariamente, a sua
extincção (arts. 709 e 710); c) e o direito moderno, differen-
temente do romano, admitte a servidão sem causa perpetua.
4. — Classificação. Pondo de lado certas categorias des-
tituídas de interesse, como as urbanas, as rústicas, as positivas
e as negativas, é de utilidade distinguir as servidões continuas
das descontínuas e as apparentes das não apparentes.
Continua é a servidão que, uma vez estabelecida, subsiste
e se exerce, independentemente de acto humano, ainda que, na
realidade possa deixar de se exercer ininterruptamente. Tal é,
por exemplo, a servidão de passagem d'agua. Descontínua, em
contrario, é a servidão, que depende de acto humano para ser
exercida, como, por exemplo, a de transito.
A servidão apparente revela-se por obras exteriores, todos
lhe vêem as installações, como a de aqueducto. A não appa-
rente escapa á inspecção ocular, como a de levantar edifício
mais alto.
5. —- Modalidades. As servidões podem variar infinitamente,
conforme as necessidades dos prédios e o desenvolvimento das
industrias. As mais notáveis são as de aqueducto, de transito,
de pasto (ruraes), e as de luz, de vista, de não edificar mais
alto (urbanas).
6- — Acções. A servidão predial é defendida por uma acção
especial, a confessaria, que tem por fim affirmar a existência
da servidão, quando contestada ou negada. Pôde usar da acção
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 267

publiciana aquelle que, embora dono da servidão, prefere de-


fender-llie a posse. Quando a servidão é, apenas, perturbada, pode
abroquelar-se com acção de manutenção (uti possidetis). Não se
harmonizam com a indole desse direito os interdictos recupe-
ratorios, porque a permanência dos prédios vinculados pela ser-
vidão não permitte o esbulho, no rigor do seu conceito (La-
fayettb, Direito das coisas, §§ 135 e 130; Aguiar e Souza, Ser-
vidões, §§ 338-345 e 359-363; Correia Telles e Teixeira de Frei-
tas, Doutrina das acções, §§ 88-93; Coelho da Rocha, Inst.,
603-606). Lacerda, § 107, é contrario, mas José Mendes, Ser-
vidão de Caminho, § 75, n. 12, é favorável â doutrina de La-
fayette, aqui acceita.
O dono do prédio serviente defende-se pela acção negatoria,
contra quem pretenda exercer, sem direito, servidão sobre o seu
prédio, ou ampliar a existente, salvo se se verificam as con-
dições previstas no art. 706, principio (Correia Telles e Teixeira
de Freitas, Doutrina das acções, §§ 58-60; Aguiar e Souza,
Servidões, §§ 346-353; Coelho da Rocha, Inst., § 603, Dern-
burg, I, § 256).

Art. 696 — A servidão não se presume.

Direito anterior — Era principio corrente (Carlos de Car-


valho, Direito civil, art. 590, pr.; Coelho da Rocha, Inst.,
§ 588; José Mendes, Das servidões de caminho, § 1.°, n. 5).
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 3.044;
uruguayo, 631; do Montenegro, 145.
Projectos — Esboço, art. 4.773; Coelho Rodrigues, 1.556,
que se inspirou no Codigo Civil de Zurich, art. 151; Beviláqua,
799; Revisto, 831.

Observação — Como direito real sobre immovel alheio, a


servidão constituida ou transmittida por actos entre vivos, só
se adquire depois da transcripção no registro de immoveis (ar-
tigo 676). Mas o titulo transcripto pode prestar-se a duvidas;
e principalmente, o preceito evita que actos de mera tolerância
sejam invocados para constituir servidão pelo decurso do tempo.
268 CODIGO CIVIL

Art. 697 — As servidões não apparentes só


podem ser estabelecidas por meio de transcripção
no registro de immoveis.

Direito anterior — Todas as servidões podiam ser adqui-


ridas por prescripção, pois, na ausência de lei, prevalecia o di-
reito romano. Todavia, Coelho da Rocha, Inst., § 599, abria
excepção para as descontínuas e as não apparentes.
Legislação comparada — Vejam-se; Codigo Civil portuguez,
art. 2.273; uruguayo, 633; peruano, 966; francez, 691; ita-
liano, 630; venezuelano, 707; hespanhol, 539; boliviano, 419;
chileno, 882; japonez, 283. A matéria é tratada differentemente
por esses Codigos; mas, certas idéas são communs e se re-
produzem .
iO suisso, art. 731, estatue que a inscripção no registro
predial é sempre necessária para a constituição das servidões.
O austríaco, 481, exige a inscripção para as servidões, que
gravarem coisas sujeitas ao registro predial.
Para o direito romano; D. 8, 5, fr. 10, pr.; Cod., 7, 33, 1. 12.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.245; Coelho Ro-
drigues, 1.566; Revisto, 835. ;
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 131-133;
Aguiak e Souza, Servidões, tit. VII, §§ 275-295; S. Vampré,
Manual, 11F § 84; Planiol, Traité, I, ns. 1.910-1.944; Planiol
et Ripeet, III, ns. 955 e segs.; Huc, Gommentaire, IV, núme-
ros 412-428^ Baudry-Lacantinerie et Chauveatj, Bes hiens, ns.
1.093-1.115; Laueent, Gours, I, ns. 677-686; Zaohariae, Droit
civil français, II, ns. 334-337; Dias Ferreira, Codigo Civil por-
tuguez, aos arts. 272 e 273; Chironi, Inst., I, §§ 177-180; Salvat,
Derechos reales, ns. 1.847 e segs.

Observações — 1. — As servidões constituem-se por acto


entre vivos, por disposição de ultima vontade, ou por usocapião.
Constituídas por actos entre vivos, não se consideram adqui-
ridas se não depois de transcriptas. Constituídas por acto de
ultima vontade, independem de transcripção, mas o interessado
poderá mandar transcrevel-as no registro de immoveis. Aliás,
como as sentenças, que julgam as partilhas, devem ser trans-
DOg DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 269

criptas, constará, ordinariamente, do registro a transcripção da


servidão estabelecida por acto de ultima vontade. E quando a
servidão fôr não apparente, por isso mesmo que não ê visivel,
quer o Codigo, que, em todo o caso, ella seja transcripta, para
que tenha existência juridica.
2. — As servidões podem, também, ser constituídas por
adjudicações no juizo divisório. A sentença, que assim estatuir,
deverá ser transcripta (art. 532, I). A servidão não apparente
não exigirá registro especial.
3. — A servidão não apparente não pode ser adquirida por
usocapião. Estatue o Codigo que ônus dessa especie, só por
meio de transcripção, pôde ser estabelecido. Quer dizer: qual-
quer que seja a sua origem, só a transcripção a constitue.
Dahi resulta que o usocapião não pôde gerar a servidão não
apparente, como, aliás, prescrevem vários Codigos, por lhe fal-
tarem as installações, que sirvam de base e ponto de partida
ao direito. Todavia o decreto n. 4.857, de 9 de Novembro de
1939, art. 178, só exige transcripção do titulo para ás servidões
não apparentes. Ficou assim modificado o Codigo Civil, nesta
parte.
3-a. — Pelo conceito que nos dá o art. 695, do que seja
servidão; pelo principio ao art. 710, I, que estabelece a ex-
tincção da servidão, desde que os dois prédios, o dominante
e o serviente se reúnem no domínio da mesma pessoa; numa
palavra, pelos cânones fundamentaes do instituto, devemos re-
conhecer que, na systematica do Codigo Civil, não ha servidão
constituída por destinação do proprietário, de que tratam La-
fayette, Direito das coisas, § 133, 3; o Codigo Civil francez,
arts. 692 e 693; o portuguez, 2.274, e o chileno, 881.
O Codigo Civil brasileiro manteve a doutrina romana.
3 &. — Philadelpho Azevedo, Destinação do immovel, p.
47 e seguintes, disserta largamente, sobre esta matéria e conclue.
com Aleuedo Beenardes e outros, sustentando opinião opposta
á que adopta a obs. 3.a, que tem apoio, também, de outros ju-
ristas e de tribunaes. V. Achilles Beviláqua, Codigo Civil, nota
252 a este artigo. E' outra tendência para modificar o Codigo
Civil.
4. — Cumpre observar que este artigo se ajusta mal ao
systema do Codigo. O Projecto Coelho Rodrigues, de onde foi
extrahido, só exigia o registro para as servidões não apparentes;
270 CODIGO CXVII,

as outras podiam dispensal-o. O Codigo, porém, quer que se


registrem todos os direitos reaes, que se fundem num acto ju-
ridico entre vivos, e sendo as servidões direitos reaes, entiam
na regra. Para accommodar o artigo á systematica do Codigo, é
preciso entendel-o como acima fica exposto.

Art. 698 — A posse incontestada e continua


de uma servidão por dez ou vinte annos, nos ter-
mos do art. 551, autoriza o possuidor á transcre-
vel-a em seu nome no registro de immoveis, ser-
vindo-liie de titulo a sentença, que julgar con-
summado o usocapiao.
Paragrapho único. Se o possuidor não tiver
titulo, o prazo do usocapião será de trinta annos.

Direito anterior — O usocapião era modo de adquirir ser-


vidões; mas não se determinava que o facto fosse julgado por
sentença e esta servisse de titulo para a transcripção.
Legislação comparada — Vejam-se: Codigo Civil francez,
arts. 690 e 691; italiano, 629-631; hespanhol, 537 e 538; suisso,
731, ultima parte; austríaco, 480; portuguez, 2.272; uruguayo,
632; boliviano, 418 e 419; venezuelano, 706-708; japonez, 283.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 1.245 e 1.246; Coelho
Rodrigues, 1.5'48 e 1.550; Beviláqua, 808, quanto ao paragrapho
único; Revisto, 836. E' deste Projecto a fórmula defeituosa que
passou para o Codigo.
Bibliographia — A do artigo antecedente.

Observações —1. — Este artigo applica, ao direito real


de servidão, o modo de adquirir a propriedade consistente na posse
fundada em justo titulo, e exercida em bôa fé pelo espaço de
dez annos, entre pessoas que habitam o mesmo município do
immovel, ou pelo espaço de vinte annos, entre pessoas que ha-
bitam municípios diversos. E' de notar, porém, pelo disposto
DOg DIREITOS EKAES SOBRE COISAS ALHEIAS 271

no artigo antecedente, que repelle a idéa de posse a servidão


não apparente. Não se manifesta por signal exterior, só se es-
tabelece pela transcripção no registro de immoveis.
A posse continua e incontestada de uma servidão apparente,
por espaço de trinta annos, dispensa o titulo e a bôa fé, que
se presumem.
2. — Não ha, como arguiu o Instituto da Ordem dos Advo-
gados Brasileiros, antinomia entre o principio do artigo e o seu
paragrapho. O principio, fazendo remissão ao art. 551, exige
do usocapião bôa fé e titulo (nos termos do art. 551, ahi se
diz). E no paragrapho único dispensa o titulo, como no artigo
550. Se o Codigo manda transcrever, no primeiro caso, a sen-
tença, commetteu, antes, um equivoco. O artigo contém uma idéa,
que devia estar no paragrapho. V. Phh.adelpho Azevedo, Re-
gistros públicos ps. 117-119.

Art. 699 — O dono de uma servidão tem di-


reito a fazer todas as obras necessárias á sua
conservação e uso. Be a servidão pertencer a
mais de um prédio, serão as despezas rateadas
entre os respectivos donos.

Direito anterior — Era doutrina corrente.


Legislação comparada — Vejam-se: D. 8, 1, fr. 10; 8, 4.
fr. 11, § 1.°; Codigo Civil francez, art. 697; italiano, 639; hes-
panhol, £43 e 544; portuguez, 2.276; argentino, 3.022, chileno
829; peruano, 972; boliviano, 422; venezuelano, 717; japonez, 280.
Projectos —• Esboço, arts. 4.776, n. 3, e 4.777; Felicio dos
Santos, 1.251 e 1.253; Coelho Rodrigues, 1.557; Beviláqua, 800;
Revisto, 837.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 118; S.
Vampré, Manual, II, § 85; Coelho da Rocha, Inst., § 601;
Planiol, Traité, I, ns. 1.945-1.950; Peaniol et Ripert, III, nú-
meros 978 e segs.; Baubry-Lacantinerie et Chauveau, Des hiens,
n. 1.129; Laxjrent, Gours, I, n. 688; Zachariab, Droit civil
français, II, 338; Chironi, Ist., I, § 181; Salvat, Derechos reales,
II, n. 1.865 e segs.
272 CODIGO CIVIL

Observação — O dono da servidão tem direito a tudo


quanto é necessário ao exercício delia. São os adminicula ser-
vitutis. Assim se diz que a servidão de tirar agua importa a
de passagem até a fonte, onde tem de ser haurida. Para o effeito
de se utilizar de servidão, permitte-se, egualmente, ao titular
fazer as obras necessárias á conservação e uso do seu direito.
O direito de fazer obras no prédio serviente acarreta o de
nelle depositar materiaes e penetrar com operários. Mas deve
ter-se o cuidado de causar ao dono do prédio serviente o menor
incommodo possível.
O proprietário do prédio dominante responde pelos damnos
que causar, no prédio serviente, além do que, naturalmente, de-
corre da construcção da obra exigida para o uso da sua ser-
vidão, e ainda pelos que resultarem da falta de conservação da
obra que tiver construído.

Art. 700 — As obras, a que se refere o artigo


antecedente, devem ser feitas pelo dono do pré-
dio dominante, se o contrario não dispuzer o ti-
tulo, expressamente.

Direito anterior — Doutrina corrente, com fundamento no


direito romano.
Legislação comparada — D. 8, 5, fr. 6, § 2.°: in omnihus
servitutibus, refectio aã eum pertinet qui sibi servitutem aãser-
vit, non ad eum cujus res servit. Sed evaluit Servii sentencia
in proposita specie,- ut possit quis defendere jus sibi esse, cogere
adversarium reficere parietem aã onera sua sustinenda; Codigo
Civil francez, art, 698; italiano 641; hespanhol, 543, portuguez,
2.276, e § 1.°; argentino, 3.022, segunda parte; e 3.023, initio;
uruguayo, 639, segunda parte, chileno, 829, segunda parte; ve-
nezuelano, 718.
Vejam-se, também: allemão, art. 1.021, austríaco, 483; ja-
ponez, 826; e suisso, 741.
Projectos — Esboço, art. 4.777, 1.° e 4.800; Coelho Ro-
drigues, 1.558; Beviláqua, 801; Revisto, 838, pr.
Bibliographia — A do artigo antecedente.
DOS DIREITOS REAE8 SOBRE COISAS, ALHEIAS 273

Observação ■— A servidão consiste não em aliquid facere,


mas em aliquid pati vel non facere. Portanto é preciso que do
titulo resulte a obrigação positiva de fazer alguma coisa, sem
o que a attitude do dono do prédio será a de retrahimento.
Esta obrigação pode constar do titulo constitutivo ou ser as-
sumida posteriormente.
Terá, ainda, o dono do prédio serviente obrigação de fazer
obras ou despesas para o exercicio da servidão ou conservação
delia, quando de culpa sua resultar a necessidade de fazel-as;
ou se o uso da coisa na parte sujeita á servidão, fôr commum
aos proprietários do prédio dominante e do serviente, porque,
neste ultimo caso, havendo communhão, as despesas hão de ser
communs, na proporção das respectivas vantagens (Codigo. Civil
italiano, art. 641).

Art. 701 — Quando a obrigação incumbir ao


dono do prédio serviente, este poderá exonerar-
se, abandonando a propriedade ao dono do do-
minante.

Direito anterior — Tal era o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — D. 8, 5, fr. 6, § 2.°, in fine; Laheo,
autem, hanc servitutem non hominem ãebere, sed rem: ãenique
licere domino rem derelinquere, scripsit; Codigo Civil francez,
art. 639; italiano, 643; portuguez, 2.277; argentino, 3.023; uru-
guayo, 639, ultima parte; chileno, 819, ultima parte; venezue-
lano, 720.
Projectos — Esboço, art. 4.803 (em sentido contrario);
Coelho Rodrigues, 1.559; Beviláqua, 802; Revisto, 838, para-
grapho único.

Observação — Não é necessário que o dono do prédio o


abandone por inteiro; mas, simplesmente, a parte delle sujeita
á servidão, se assim puder ser.

Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 18


274 CODIGO CIVIL

Art. 702 — O dono do prédio serviente nao


poderá embaraçar, de modo algum, o uso legi
timo da servidão.

Direito anterior - Prevalecia esse principio com funda-


mento na doutrina e no direito romano.
Legislação comparada /i — r» s 2,
D. 8, ? tr.
fr 17 pr.; mhil coutva
u, Pp.
Serwí«tm lacere; 8. 3, ír, 13, § l.»; Codigo Cml Irancez, a
tigo 701, 1.- parte; italiano. 646, l.' parte; hespanhol, 645; 1.
parte- portuguez,
paire, yu 6 , 2.278, pr.; argentino, 427 l.auruguayo,
hniiviano 3.036; parte; vene-
chileno, 830; peruano, 965, boliviano, «z/, y
zuelano, 722, 1.» parte; do Montenegro, 149; suisso, 737,

^viojéctoíEspoçp, arts: 4.791 e 4.792; Felicio Santos,


1.254; Coelho Rodrigues, 1.560; Beviláqua, 803, Revis o,
Bibliograpliia — Lafayette, Direito das coisas, § 118, oe-
..oTZnl inst..601; Hno. C^entaire, IV, n 430; B
dry-Lacantinerie et Chaeveau, Des hiem, ns. 1.140 . ,
Zaohariae, Droit civil français, II, § 338, 4.°.

Observação - Se a servidão fôr affirmativa, o dono do


prédio serviente nada fará, que possa estorvar o uso da ser-
vidão, se fôr negativa, abster-se-á dos actos em cuja omissão
consiste o ônus, a que está sujeito o seu piedio.
Assim, não poderá constituir nova servidão com prejuízo da
que já existe (D. 8, 3, fr. 14); nem fazer obras em seu prédio
que alterem, diminuam ou tornem mais incommodo o exercício
da servidão.

Art. 703 — Pode o dono do prédio serviente


remover, de um local para outro, a servidão, com-
tanto que o faça á sua custa, e não diminua, em
nada, as vantagens do prédio dominante.

Direito anterior — Principio acceito pela doutrina


DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 275

Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 701,


S." parte; italiano, 645; 3.a parte; portuguez, 2.278, 2.a parte;
hespanhol, 545, 2.a parte; allemão, 1.023; suisso, 742; argenti-
no, 3.037; urüguayo, 641, 2.a parte; chileno, 830, 2.a parte; pe-
ruano, 695, 2.a parte; boliviano, 427, 3.a parte; venezuelano, 722,
3.a parte.
Para o direito romano; argumento do D. 8, 1, fr. 9, in médio,
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 118; Coe-
lho da Rocha, Inst., § 601; Planiol, Traité, I, n. 1.953; Pla-
niol et Ripert, III, ns. 988 e 989; Huc, Commentaire, IV,
n. 441; Baudry-Lacantinerie et Chauveaü, Des biens, números
1.043-1.045; Zachariae, Droit civil français, II, § 339; Salvat,
Derecho reales, II, ns. 1.907 e 1.908.
CCN:E-H^ iv i DO TRABALHO
REGIÃO
Observações — 1. — Em regra, o dono do prédio serviente
não pode mudar a servidão do logar onde se acha estabelecida
para outro, sem consentimento do proprietário do prédio do-
minante. Mas, se esse deslocamento, feito á sua custa, nenhuma
diminuição traz ás vantagens do prédio dominante, concede a
lei que o execute, porque, não se alterando o gozo do dono da
servidão, não ha motivo para impedir o proprietário do ser-
viente de tornar menos onerosa a sua sujeição. Nem tão pouco
ha razão para que, sem prejudicar a servidão, aproveite a parte
do prédio, sobre que a mesma assenta.
O proprietário do prédio dominante somente se poderá oppôr
a essa remoção provando, em juizo, que lhe trará damno.
2. — Algumas legislações, como a italiana (Codigo Civil,
artigo 645, 4.a parte), e a venezuelana (Codigo. Civil, art. 722,
4.a parte), concedem egual direito ao proprietário do dominante;
mas não é idêntica a situação. Por isso, o Codigo Civil bra-
sileiro o não consagrou, preferindo seguir a doutrina acceita
pelos nossos civilistas (Lafayette, Direito das coisas, § 118,
nota 17).

Art. 704 —Restringir-se-á o uso da servidão


as necessidades do prédio dominante, evitando,
276 CODIGO OIVIL

quanto-possivel, aggravar o encargo ao prédio


serviente.
Paragrapho único. Constituída para certo
fim, a servidão não se pôde ampliar a outro,
salvo o disposto no artigo seguinte.

Direito anterior — Principio reconhecido (Carlos de Car-


valho, -Direito civil, art. 590, pr., 2.a parte).
Legislação comparada — D. 8, 1, fr. 9; 8, 3, fr. 5, § l.0,---
%t maxime... servitus constitui possit, non ultra posse, quam
quatenus acl eum ipsum funãum opus sit; 8, 4, fr. 13, § 1.
Codigo Civil francez art. 702; italiano, 646 e 647; allemão,
1.019, 2.a parte, e 1.020, l.a; austriaco, 484; suisso, 737 e 739;
argentino, 3.025 e 3.026; uruguayo, 640; boliviano, 428; venezue-
lano, 723-724; do Montenegro, art. 151.
Projectos — Esboço, arts. 4.809 e 4.810; Felicio dos Santos,
1.2^5; Coelho Rodrigues, 1.562; Beviláqua, 805; Revisto, 841.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§115, in
fine, e 118; Lacerda, Direito das coisas, § 63, d; José Mendes,
Servidões de caminho, § 3.°, n. 5; Coelho da Rocha, Inst.,
§ 588; Dernkurg, Panã., I, § 237 3; Windscheid, Pand., I, § 209;
5; Chironi, Ist., I, 181; Schneider, Privatrechtliches Gesetzbuch
f. d. K. Zuerich, aos arts. 262-265 do Codigo Civil de Zurich;
Calvino, vb., Actus, iter, via: Salvat, Derechos reales, II, ns.
1.872 e segs.

Observação — A servidão deve ser exercida civüiter, como


prescreviam as fontes romanas. Aliás, é claro que, sendo ella
uma restricção ao direito de propriedade do dono do prédio
serviente, não poderia ficar ao arbitrio do titular amplial-a,
segundo melhor lhe parecesse. Terá de exercel-a, segundo o seu
titulo, dando-lhe, restrictamente, a extensão exigida pelas ne-
cessidades do prédio dominante.
Se o dono do prédio dominante ampliar, abusivamente, a
servidão, o possuidor do serviente poderá contel-o por acçâo de
manutenção ou por acção negatoria.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 277

Art. 705 — Nas servidões de transito, a de


maior inclue a de menor ônus, e a menos exclue
a mais onerosa.

Direito anterior — Doutrina acceita, com fundamento no


direito romano.
Legislação comparada — Confiram-se; Inst., 2, 3, pr.; D.
8, 3, fr. 1, pr.; e fr. 7, pr.; 50, 17, frs. 21 e 110, pr.; Codigo
Civil francez, art. 696; chileno, 828.
Projectos —• Coelho Rodrigues, art. 1.411; Beviláqua, 806;
Revisto, 842.
Bibliographia — Lafaybtte, Direito das coisas, § 130; José
Mendes, Servidões de caminho, todo o livro, e, especialmente,
o § 19; Aguiar e Souza, Servidões, §§ 226-247; Bonjean, Ins-
titutes, I, ns. 106 e 107.

Observações — 1. — As servidões de transito, em direito


romano, eram as seguintes, ordenadas segundo a sua extensão:
iter, actus, via. Iter é a passagem do homem a pé, a cavallo
ou em liteira; actus comprehende, além da passagem do ho-
mem, a de rebanhos e animaes de carga; via é mais ampla;
além da passagem a pé, a cavallo ou carro, abrange o direito
de transportar materiaes em vehiculos. Via... eam latitudinem
haheat, qua vehiculum ire potest, alioqui iter fit.
O direito pátrio não obedece a essa graduação, nem con-
sequentemente, mantém nomes correspondentes. Temos a ser-
vidão de transito, caminho ou passagem, mais ou menos onerosa,
segundo o respectivo titulo. Mas o Codigo ainda consagra o
principio característico das servidões de transito, por ser ra-
cional: a de maior ônus inclue a de menor, a de menor exclue
a de maior. Non dehet, cui plus licet, quod minus est, non licere.
Assim, aquelle que tem direito de transportar materiaes em
vehiculo pelo prédio serviente, pode passar a carro, a cavallo
ou a pé; aquelle, porém, que apenas pôde transitar a pé, não
pode introduzir carros ou carroças no prédio alheio.
2. — As servidões de transito são apparentes, pois que
para o seu exercício existe a faixa de terreno, por onde se
effectua a passagem. São descontínuas, porque se exercem pela
278 CODIGO CIVIL

aeção do homem que atravessa o prédio dominante, ou por


elle conduz animaes ou carros. Prendem-se, directamente, ao
sólo, in solo consistunt, e não ás construcções, o que não quer
dizer que o dono da servidão não possa fazer as obras necessárias
para o exercício delia.
3. _ Assim é que o dono da servidão pôde cortar arvores
para abrir caminho, fazer aterros, construir pontes, introduzir
no prédio serviente o pessoal necessário para executar essas
obras, e mantel-as em bom estado, emfim, praticar todos os
actos, necessários para o estabelecimento, uso e conservação do
seu direito de transito.
4 — Caberia aqui a matéria do art. 562, ao qual remetto
o leitor.

Art. 706 — Se as necessidades da cultura do


prédio dominante impuzerem á servidão maior
largueza, o dono do serviente é obrigado a sof-
frel-a, mas tem direito a ser indemnizado pelo
excesso.
Paragraplio único. Se, porém, esse accres-
cimo de encargo for devido á mudança na ma-
neira de exercer a servidão, como no caso de se
pretender edificar em terreno, até então desti-
nado â cultura, poderá impedil-o o dono do pré-
dio serviente.

Direito anterior — Não havia este preceito.


Legislação comparada — Este dispositivo tem por fonte
os art. 258 e 259 do Codigo Civil de Zurich. O Codigo Civil
suisso não lhe consagra a doutrina, pois, no art. 739, estatue,
"As necessidades novas do prédio dominante não aggravam,
de modo algum, a servidão".
Projectos — Coelho Rodrigues, arts. 1.563-1.564; Revisto,
843. O Projecto primitivo, como o Esboço e Felicio dos Santos,
desconheciam este edicto.
I>OS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 279

Observação — 0 artigo, desenvolvendo o pensamento con-


tido no art. 704, refere-se, exclusivamente, ás servidões ruraes
e deve applicar-se, com a moderação necessária, por não dege-
nerar em abuso. Aliás, ê da natureza das servidões exercerem-se
civiliter.

Art. 707 — As servidões prediaes são indi-


visíveis. Subsistem, no caso de partilha, em be-
neficio de cada um dos quinhões do prédio do-
minante, e continuam a gravar cada um dos do
prédio serviente, salvo se, por natureza ou des-
tino, só se applicarem a certa parte de um, ou
de outro.

Direito anterior — O mesmo, segundo o direito romano e


a doutrina.
Legislação comparada — D. 8, 1, fr. 17; 8, 3, fr. 23, § 3/,
33 3, fr. 7; Codigo Civil francez, art. 700; italiano, 644; lies-
panhol, 535; suisso, 743; allemão, 1.025 e 1.026; austriaco, 485;
portuguez, '2.269; argentino, 3.007 e 3.008; chileno, 825-827;
boliviano, 377; peruano, 963; venezuelano, 721; mexicano, 952;
japonez, 281; do Montenegro, 153.
Projectos —< Felicio cios Santos, arts. 1.149 e 1.150; Coelho
Rodrigues, 1.565 e 1.566; Beviláqua, 807; Revisto, 844.
Veja-se, também, o Esboço, arts. 4.782-4.790, cuja doutrina
diverge.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 116 e
117; Lacerda, Direito das coisas, §§ 63, b, e 98; José Mendes,
Servidões de caminho, § 6.° ns. 79; Aguiar e Souza, Tratado
das servidões, § 1.° c; Planiol, Traité, I, ns. 1.955 e 1.956,
Planiol et Ripert, III, n. 977; Huc, Commentaire, IV, ns.
433-438; Baudry-Lacantinerib et Chauveau, Des biens, ns. 1.138
e 1.139; Laurent, Cours, I, n. 622; Gode Civil allemanã, publié
par le Comitê de lêg. étr., aos arts. 1.025 e 1.026; Dernburg,
Panã., I, § 241; Winscheid, Panã., I, § 209, 8; Salvat, Derechos
reales, II, ns. 1.782 e segs.
280 CODIGO OXVXL

Observação — A indivisibilidade das servidões prediaes ê


um dos seus caracteres mais notáveis, pela conseqüência que de-
termina. A indivisibilidade da servidão consiste na sua adhe-
rencia aos prédios, de modo que aproveita a todo o prédio do-
minante e a cada uma de suas partes, e, gravando o serviente,
attinge-o na sua totalidade, se não fôr constituida somente em
favor de uma parte do dominante, ou se não recair sobre local
determinado, como acontece, por exemplo, com a servidão de
transito, que grava somente a faixa de terreno, por onde se des-
dobra o caminho; mas, localizada nesse trecho de terreno, man-
tém a sua indivisibilidade.
Ba indivisibilidade resultam as conseqüências seguintes; o)
A servidão não pôde ser adquirida, nem se pôde perder por
partes; b) Demandada por um dos condominos do prédio do-
minante aproveita a todos, e, se demandada contra um dos
condominos do prédio serviente, prejudica a todos.

SECÇÃO II

Da extincção das servidões

Art. 708 — Salvo nas desapropriações, a


servidão, uma vez transcripta, só se extingue,
com respeito a terceiros, quando cancellada.

Direito anterior — Não estava formulado em lei este pre-


ceito.
Legislação comparada — Codigo Civil suisso, art. 734. Este
artigo reproduz o de numero 247 do Codigo Civil de Zurich.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.5'51; Revisto, 846.
Toda esta secção é da Commissão do Governo, que a tirou do
Projecto Coelho Rodrigues.

Observação — Este dispositivo é uma applicação forçosa


do systema do Codigo, em vista do qual os direitos reaes só
se constituem e transmittem, por actos entre vivos, com a trans-
cripção dos titulos no registro de immoveis (art. 676). Em-
DOS DIREITOS BEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 281

quanto perdura o registro, subsiste o direito. E' necessário can-


cellal-o para que publicamente, conste a extincção do direito
real. Excusada, porém, é a clausula — com respeito a terceiros,
porque o direito real prevalece erga omnes.

Art. 709 — O dono do prédio serviente tem


direito, pelos meios judiciais, ao cancellamento
da transcripção, embora o dono do prédio do-
minante lb'o impugne:
I. Quando o titular houver renunciado a sua
servidão.
II. Quando a servidão for de passagem, que
tenha cessado pela abertura de estrada publica,
accessivel ao prédio dominante.
III. Quando o dono do prédio serviente res-
gatar a servidão.

Direito anterior — A lei não regulava os casos previstos


neste artigo.
Legislação coinpax'acIa — A disposição foi extrabida do Có-
digo Civil- de Zurich, art. 248.
Confira-se com o suisso, art. 736.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.552; Revisto, 847,
Bibliographia — Para a matéria especial do artigo, veja-se
Schneider, Privatrechtliches Cesetzhuch, f. d. K. Zuericb, ao
art. 248. Para a extincção, em geral, das servidões; Lafayeite,
Direito das coisas, § 134; Aguiar e Souza, Servidões, §§ 303-318;
S. Vampré, Manual, II, § 86; José Mendes, Servidões de ca-
minho, §§ 62-68; Planiol, Traité, I, ns. 1.963-1.986; Planiol
et Ripert, III, ns. 991 e segs.; Huc, Commentaire, IV, ns. 456
467; Baudry-Laoantinebie et Chauveau, Des hiens, ns. 1.148
I.173; Laurent. Gours, 1, ns. 697-702; Zachariae, Droit civil
français, II, § 341; Dernburg, Pand., I, § 254; Windscheid,
Pand., I, §§ 215 e 216; Chironi, Ist., I, § 182; Rossel et Men-
tha, Drbit civil suisse, II, ps. 117-120; Salvat, Derechos reates,
II, ns. 1.911 e segs.
,282 CO0IGO CIVIL

Observações — 1. — A renuncia é acto voluntário do ti-


tular do direito e deve ser expressa. E' o acto renunciativo,
que, apresentado ao registro, autoriza o cancellamento da ser-
vidão e, consequentemente, a liberação do prédio. O acto deve
revestir a forma juridica adequada, estar perfeito e acabado,
para extinguir o direito de quem o pratica.
2. — A servidão de passagem, que cessa pela abertura de
uma estrada publica, é a que é determinada pela necessidade
de dar accesso ao prédio para algum povoado, porto, estação ou
fonte, que a estrada publica passa a satisfazer. Cessando a
razão de ser da servidão, ella desapparece de facto, e o dono
do prédio serviente deve estar autorizado a cancellar-lhe a tran-
scripção. Se a passagem é determinada por qualquer necessidade,
a que a via publica, posteriormente aberta, não attende, subsiste,
naturalmente. A abertura da estrada pode até ser motivo de
se estabelecer servidão de transito, que d'antes não existia.
3. — Resgate é a liberação do prédio serviente, mediante
accordo dos interessados. E* da parte do dono do prédio do-
minante uma renuncia expressa e. convencional. O documento
escripto desse acto é o titulo, que, levado ao registro pelo dono
do prédio serviente, justifica o cancellamento.

Art. 710 — As servidões prediaes extin-


guem-se:
I. pela reunião dos dois prédios no dominio
da mesma pessoa.
II. Pela suppressao das respectivas obras,
por effeito de contracto, ou de outro titulo ex-
presso.
III. Pelo não uso, durante dez annos con-
tinuos.

Direito anterior — Não se achava a matéria regulada em


lei; mas as duas causas extinctivas declaradas nos dois pri-
meiros números eram reconhecidas pela doutrina, e o não uso
por dez ou vinte annos, determinava a extincção do ônus.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 283

Legislação comparada — Este artigo teve por fonte o 249


do Codigo Civil de Zurich.
Yejam-se, também: Codigo Civil francez, arts. 703-710; ita-
liano, 662-672; suisso, 735 e 736; hespanhol, 546-548; austríaco,
524-527; portuguez, 2.279-2.281; argentino, 3.045-3.067; uru-
guayo, 646-648; chileno, 885-888; boliviano, 429-436; venezuelano,
738-747; mexicano, 1.128-1.131, japonez, 289-294.
Não obedecem todos esses Codigos ao mesmo systema, o
allemão, 1.098, só se refere á prescripção da acção do dono
do prédio dominante, ciuando surge obstáculo ao exercicio da
sêrvidão; o suisso destaca os casos de reunião dos prédios nas
mãos do mesmo proprietário e a liberação judicial, quando cessa
a utilidade da servidão, para o prédio dominante; o japonez,
põe em relevo o usocapião; os outros Codigos, ainda que apre-
sentando variantes, seguem a orientação do francez.
Para o direito romano: D, 8, 3, frs. 34, § 1.°, e 35, 8, 6,
frs. 1, 5, 7, 10, pr. e § 1.° e 14. Todo o titulo VI, do liv. VIII,
aliás, ê consagrado á extincção das servidões, como se verifica
da epigraphe; — Quemaãmoãum servitutes amittuntur. Cod.,
7, 35, 1. 12, § 1.°.
Projectos — Esboço, arts. 4.813-4.837; Felicio dos Santos,
1.25'7-1.268; Coelho Roãrigties, 1.553; Beviláqua, 808 e 809; Re-
visto, 848, aliás modificado pela Gamara.
Bibliographia — A do artigo antecedente.

Observações — 1. — A reunião dos dois prédios no domínio


da mesma pessoa extingue a servidão, porque, pelo proprio
conceito legal desta figura jurídica, os prédios por ella vin-
culados hão de pertencer a diverso dono (art. 695). O Codigo
desconhece a servidão estabelecida pelo proprietário de dois pre
dios em favor de um delles como permitte o Codigo Civil
suisso, art. 733.
2. — A suppressão das obras, que manifestam a servidão
e lhe facultam o exercicio, deve constar de um acto expresso.
Não basta que resulte do não uso mais ou menos prolongado,
salvo se este não uso se prolonga durante dez anos, porque,
então, o prédio serviente se libera, por effeito do usocapião.
284 CODIGO CIVIL
3. O não uso durante dez annos extingue a servidão, per-
maneçam ou não as obras que a exteriorizam. Não era isso o
que estabelecia o Projecto revisto, reproduzindo CoelTio Rodri-
gues, que, por sua vez, acompanhava o Codigo Civil de Zurich.
O citado Projecto fazia a extincgão resultar da suppressão das
obras pelo não uso durante dez annos. Ainda na redacção par-
cial da Gamara, vol. YI dos Trabalhos, p. 603, art. 848, o dis-
positivo conserva essa modalidade, que, em seguida, desapparece,
para se introduzir a innovação, pouco feliz, constante do n. III,
do art. 710. Não ha razão jurídica sufficiente para justificar
esta quebra do systema do Codigo em relação ás servidões.
^■ Além das causas especiaes de extincção das servidões
apontadas neste artigo e no antecedente, deixou de mencionar
o Codigo, por parecer ocioso; a destruição de qualquer dos pré-
dios, ou, sequer, da parte sobre que recáe a servidão; e a reso-
lução do domínio de quem a constituiu (D. 8, 6, fr. 11, § 1.°).

Art. 711 Extincta, por alguma das cau-


sas do artigo anterior, a servidão predial trans-
cripta, fica ao dono do prédio serviente o direito
a fazel-a cancellar, mediante a prova da extin-
cção.

Direito anterior — Matéria não regulada em lei.


Legislação comparada — Codigo Civil de Zurich, art. 249,
2.°, ultima parte; suisso, 735 e 736.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.554; Revisto, 849.

Observação — Emquanto não cancellado o registro, a ser-


vidão se considera existente, com respeito a terceiros. Deve,
portanto, o interessado na sua extincção provar que, realmente,
esta se deu, para o respectivo cancellamento.
As provas dos dois primeiros casos do art. 710 nenhuma
duvida offerecem. A do terceiro caso terá de distinguir entre
as servidões affirmativas e as negativas. O não uso das pri-
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 285

meiras conta-se do momento, em que cessa o exercício. Este


entende-se ter cessado, se a servidão é continua, quando deixa
de existir o estado de coisas, ou installação que a servidão
presuppõe, como se a janella se fecha. Se a servidão é des-
contínua, cessa o exercício, quando o senhor do prédio domi-
nante deixa de exercel-a, como se não mais transita pelo ca-
minho aberto no prédio serviente; ou é impedido de exercel-a,
sem recorrer aos meios legaes para garantir o seu direito. Nas
servidões negativas, o não uso se inicia no momento, em que
o dono do prédio serviente pratica o acto prohibido, como se
constroe, onde estava obrigado a não construir.

Art. 712 — Se o prédio dominante estiver


hypotlaecado, e a servidão se mencionar no titulo
liypotliecario, será também preciso, para a can-
cellar, o consentimento do credor.

Direito anterior — Matéria não regulada em lei.


Legislação comparada — Codigo Civil de Zurich, art. 250.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.555; Revisto, 850.

Observação — A servidão é uma qualidade util do prédio


dominante, augmenta-lhe o valor, e no caracter de coisa acces-
soria está, com o prédio, vinculada ao ônus hypothecario. Por
isso depende da vontade do credor permittir que ella se can-
celle, ainda quando se dê um dos factos extinctivos destacados
nos arts. 709 e 710. Se, porém, a servidão não estiver men-
cionada no titulo hypothecario, não se entenderá que ella está
excluída da garantia, porém, sim, que o credor não tem direito
de impedir a sua extincção.
286 CODIGO OIVXL

CAPITULO IY

Do usofructo

SECÇÃO I

Disposições geraes

Art. 713 — Constitue usofructo o direito


real de fruir as utilidades e fructos de uma coisa,
emquanto temporariamente destacado da pro-
priedade. s 1

Direito anterior — Não estava expresso em lei o conceito


do usofructo.
Legislação çomparada — Inst., 2, 4, pr.; jus alienis rebus
utenãi, fruenãi, salva rerum substantia; D. 7, 1; fr. 1; Codigo
Civil francez, art. 578; italiano, 477; hespanhol, 467; portuguez,
2.197; austríaco, 509; suisso, 745; allemão, 1.030; argentino,
2.807; uruguayo, 493; chileno, 764; peruano, 924; boliviano, 319;
venezuelano, 564; mexicano, 980; do Montenegro, 156.
Projectos — Esboço, art. 4.530; Felicio dos Santos, 1.066;
Beviláqua, 810; Revisto, 851.
Bibliographia —• Lafayette, Direito das coisas, § 93; La-
cerda, Direito das coisas, § 64; Carvalho de Mendonça (M.
I), Do usofructo,, do uso e da habitação, n. 8; S. Vampré,
Manual, II, §§ 88 e segs.; Martinho Garcez, Direito das coisas,
§ 231; Almachio Diniz, Direito das coisas, ns. 298-300; Didimo
da Veiga, Manual do Codigo Civil, IX, parte 2.% ns. 382 e segs.:
Coelho da Rocha, Inst., § 607; Silva Continentino, Estudfis,
doutrina e julgados, I, ps. 21-76; Duarte de Azevedo, Contro-
vérsias jurídicas, ps. 247-252; Benedicto de Souza, Parecer nos
Trabalhos da Gamara, III, ps. 109-110; Planiol, Traité, I, ns.
1.625-1.626; Planiol et Ripert, III ns. 756 e segs.; Huc, Com-
mentaire, IY números 162-170; Baudry-Lacantinerie et Chau-
veau, Dev biens, ns. 430-453; Laurent, Cours, n. 554; Aubby
et Rau, Cours, II, § 266; Zachariab, Droit civil français, II,
§§ 302 e 303; Code civil allemand, publié par le Comitê de lég.,
étr., II, notas ao titulo sobre usofructo e ao art. 1,030; Roth,
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 28T

S.ystem, III, §§ 271 e 272; Endemann, Lehrhuch, II, §§ 103-106;


Dernburg. Panã., I, § 246; Windsoheid, Panã., I, §§ 202 e 203;
Kohler, Encyclopaedie, I, p. 614, § 33; LehrbucU, II, 2.a parte,.
§ 106; Chironi, Ist., § 164; Gianturco, Ist., § 50; Sanchez,.
Roman, Derecho civil, III, cap. XVII, § 2.°, ns. 61-63; Riva-
rola, Derecho civile argentino, I, ns. 469 e 470; Bonjean, In-
stitutes, I, ns. 1.031-1.037; Salvat, Derechos reales, II, ns. 1.488-
e segs.; meu Direito das coisas, I, §§ 78 a 83.

Observações — 1. — O usofructo, o uso e a habitação são


as servidões pessoaes, que o Codigo Civil regula. Dizem-se ser-
vidões pessoaes porque são direitos de uso e gozo, estabele-
cidos em beneficio de determinada pessoa. Ligadas a alguém,
as servidões pessoaes não se alienam, como não se transmittem
hereditariamente.
Usofructo é o direito real, conferido a uma pessoa, durante
certo tempo, que a autoriza a retirar de coisa alheia os fructos
e utilidades, que ella produz.
Esta definição, formada com os elementos fornecidos pelo
Codigo, escapa aos defeitos geralmente apontados na do Codigo
Civil francez: a deficiência e a obscuridade. Accentua que o
usofructo é um direito temporário, e não allude á substancia da
coisa, por duas razões: l.a, Seria necessário definir a substancia
da coisa em direito, e distinguil-a da fôrma, para saber se esta
pode ser alterada e destruída e aquella não, o que, aliás, pouco
adeantaria. 2.a, Não se attenderia a que o usofructo umas vezes
abrange todas as utilidades da coisa e outras se limita a al-
gumas dellas, nem, tão pouco, se abriria espaço á possibilidades
do quasi usofructo.
2. — O usofructo presuppõe, normalmente, a existência si-
multânea de dois sujeitos do direito: o usofructuario, a quem
é conferida a faculdade do uso e gozo da coisa, e o nu pro-
prietário, a quem a coisa pertence. Esta dualidade approxima
o usofructo do fideicommisso e da emphyteuse, mas delles se
distingue, quando considerado em sua feição própria. No uso-
fructo, os dois sujeitos coexistem, no fideicommisso apparecem
successivamente; o usofructuario perfeito não tem direito de
dispor da coisa, o fiduciario pôde alienar. Na emphyteuse, os
288 CODIGO CIVIL

dois sujeitos do direito coexistem, mas os direitos do emphy-


teuta são mais amplos do que os do usofructuario, não somente
quanto ao uso da coisa, como quanto á alienação.

714 _ O usofructo pôde recair em um


ou mais bens, moveis ou immoveis, em um pa-
trimônio inteiro ou em parte deste, abrangendo
lhe, no todo ou em parte, os fructos e utilidades.

Direito anterior — O mesmo, salvo quanto ao usofructo


particular, que não se achava sufficientemente destacado (Cab-
lob i>e Carvalho, Direito civil, arts. 578-580).
liegislação comparada — Inst., 2, 4, § 2; D. 7, 1, fr. 3,
§ 1.°; Codigo Civil francez, art. 581; italiano, 478, in fine; hes-
panhol, 469; suisso, 345, 1." parte; argentino, 2.808 e 2.827;
boliviano, 322; venezuelano, 565, 2.a parte, in fine; peruano, 925.
Vejam-se ainda: allemão. 1.030, 1.032 e 1.035; austriaco, 510.
Projectos — Esboço, art. 4.530. Coelho Rodrigues, 1.5'79;
Beviláqua, 811; Revisto, 852.
Bibliographia — Laeayette, Direito das coisas, § 94; La-
cerda, Direito das coisas, § 65; M. I. Carvalho de Mendonça,
Do usofructo, ns. 20 e segs.; Didimo, Manual do Codigo Civil,
IX, ns. 401 e segs.; Coelho da Rocha, Inst., § 608; Planiol,
Traité, I, ns. 1.627-1.632; Planiol et Ripebt, III, ns. 758
segs.; Huc, Commentaire, IV, n. 172; Laxjrent, Cours, I, n. 55o,
Code Civil allemand, puhlié par le Comitê de lég. étr., nota (2),
sobre a inscripção da secção, notas sobre os arts. 1.030, 1.032 e
1.035; Endemann, Lehrbuch, II, § 103 Kohler, Encyclopaedie,
I, pagina 614, § 33.

Observações — 1. — O usofructo que recác sobre uma


universalidade de bens, como, por exemplo, sobre uma herança,
chama-se universal. Recebe ainda o epitheto de universal se o
seu objecto é uma parte alíquota do patrimônio. E' particular
se recáe sobre objecto individualmente determinado; uma fa-
DOS DIREITOS BEAES SOBBE COISAS ALHEIAS 289

zenda, um prédio urbano. E' pleno, se abrange todos os fructos


e utilidade da coisa, e restricto se algumas se excluem.
2- Normalmente, o usofructo tem por objecto coisas não
fungiveis, ainda as immateriaes, como o direito autoral, as ac-
ções, os titulos de credito. Admitte-se, porém, o Qiiasi-usofructo,
ou usofructo impróprio, de coisas que se consomem com o pri-
meiro uso. Foi essa especie creada por um senatus-consulto,
a que se refere o D. 7, 5, fr. 2, § 1.°, qüe forçou um tanto a
natureza das coisas, como sentiu Gaio: nec enin naturalis ratio
auctoritate senatus commutari potuit, seã, bemedio introãucto,
coepit quasi ususfructus haberi. Desde então, todas as coisas,
que estão em nosso patrimônio, puderam ser objecto de uso-
fructo, como se vê do D. 7, 5, fr. 1: omnium rerum, quas in
cujusque patrimônio esse constarei, ususfructus legari possit.
O Codigo Civil, nos arts. 719 e 726, admittiu esta especie
de usofructo, em que o usofructuario adquire a propriedade da
coisa, por ser consumivel pelo uso, devendo restituir o equi-
valente em genero, qualidade e quantidade ou, não sendo pos-
sível, o valor. Veja-se o art. 726.
O quasi usofructo pôde ser constituído isoladamente, ou ap-
parecer como accessorio de um usofructo universal.

Art. 715 — O usofructo de immoveis, quan-


do não resulte do direito de familia, dependerá
de transcripção no respectivo registro.

Direito anterior — O mesmo, quanto ao usofructo consti-


tuído por acto entre vivos. (Dec. n. 370, de 2 de Maio de
1890, art. 241).
Degislação comparada — Codigo Civil chileno, art. 767, do
Montenegro, 157. Veja-se também, o allemão, 873. Vide ainda:
suisso, 746.
Projectos — Esboço, arts. 4.537 e 4.539; Coelho Rodrigues,
1.580; Beviláqua, 812; Revisto, 853.

Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 19


290 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — O usofructo resultante do direito de


familia é, em primeiro logar, o do pae sobre os bens do filho
menor (art. 389); e, em segundo, o do marido sobre os bens
da mulher quando lhe couber esse direito pelo regimen do ca-
samento (arts. 260, I, 262, 265, 271, V, 289, IIK Nestes casos,
dispensa-se a transcripção, porque não ha um direito real, no
sentido proprio da expressão, e, sim, um direito de família,
que constitue figura differente. Além disso, para conhecimento
de terceiros, o regimen dos bens é registrado, como registrado
e notorio é o casamento. Denomina-se Tegal ou legitimo, poi
se fundar na lei, o usofructo paterno. O direito real de uso-
fructo constitue-se por testamento ou por acto entre vivos; e
voluntário.
2. — o codigo estabelece uma regra geral, que abrange
tanto o usofructo constituido por testamento, quanto o consti-
tuído por acto entre vivos, quando exige o registro. No direito
anterior, somente o usofructo constituido por contracto estava
sujeito a registro (Lafayette, Direito das coisas, § 95). Vejam-
se os artigos 676 e 697.

Art 716 — Salvo disposição em contrario,


0 usofructo estende-se aos accessorios da coisa
e seus accrescidos.

Direito anterior — Era doutrina acceita.


Legislação comparada — D. 7, 1, fr. 9, § 4.°; fr. 15, § 6.°,
nisi sit contraria voluntas etiam instrumentum fundi vel domus
contineri; Codigo Civil argentino, arts. 2.867 e 2.910; chileno,
785; uruguayo, 510; portuguez, 2.206; allemão, 1.031; hèspanhol,
479. Vejam-se também; francez, 596-598; italiano, 494; boliviano,
333-335; venezuelano, 581; mexicano, 1.000; austríaco, 511.
1
Projectos — Eshoço, art. 4.568, 3.°; Felicio dos 8antos,
1.086 e 1.087; Beviláqua, 815; Revisto, 854.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 291

Observações — 1. — Os accessorios e accrescimos da coisa


fazem com ella uma unidade, sobre a qual se estende, natural-
mente, o usofructo. O direito romano excluía as ilhas forma-
das no rio particular que banhasse o prédio usofruido (D. 7,
1, fr. 9. § 4.°); mas não ha razão sufficiente para esta exclusão.
Vejam-se os arts. 537 e 544.
O thesouro é um accessorio, mas sobre elle não áe estende
o usofructo, porque não adhere ao prédio, fazendo com elle um
todo. Veja-se o art. 727.
2
- — Este artigo foi retirado da secção II, onde estava o
seu posto natural, pois nelle não se dispõe sobre generalidade
do direito de usofructo, e sim sobre direito do usofructuario.

Art- 717 — O usofructo só se pôde transfe-


rir, por alienação, ao proprietário da coisa; mas
o seu exercicio pode ceder-se por titulo gratuito
ou oneroso.

Direito anterior — Tal era o principio corrente (Carlos


de Carvalho, Direito civil, art. 588).
Legislação comparada — Inst., 2, 4, § 3.°; D. 23, 3, fr.
66: usumfructnm a fructuario cedi non posse; Codigo Civil al-
lemão, art. 1.059; argentino, 2.870; italiano, 492; venezuelano,
579.
Contra; Codigo Civil francez, art. 595; portuguez, 2.207;
hespanhol, 480; suisso, 758; chileno, 773 e 793; uruguayo, 511;
boliviano, 332; mexicano, 1.002.
A divergência, que se observa nas legislações modernas,
prende-se ao direito romano. O D, 7, 1, fr. 12, § 2.°, parece
autorizar a alienação do usofructo, quando diz: usufructuarius
vel ipsc frui ea re, vel alii fruenãam concedere, vel locare, vel
vendere potest. Aliás, ha ahi, apenas, inexactidâo de termos,
falando-se de venda do direito, quando se devera falar de venda
do exercicio do direito; ou se tratará da venda dos fructos e
não da coisa fructuaria ou do direito de usofruir.
Projectos — Esboço, arts. 4.568 e 4.677; Felicio dos Santos,
1-085; Beviláqua, 813; Revisto, 855.
292 CODIGO CIVIL

Bibliograpliia — Lafayette, Direito das coisas, § 101; La-


cerda, Direito das coisas, § 68; M. I. Carvalho de Mendonça,
Do usofructo, ns. 54 e segs.; Didimo, Manual do Godigo Civil,
IX, ns. 41-0 e segs.; Huc, Gommentaire, IV, ns. 205-210; Pla-
niol, Traité, I, ns. 1.722 e 1.737; Plaííiol et Ripert, III, ns.
810 e segs.; Zachariae, Droit civil français, % 308; Baxjdry-La-
cantxnerie et Chauveau, Des hiens, ns. 539-544; Aubry et Rau,
Cours, II § 230, 4.°; Code Civil allemanã, publié par le Comitê
de lég. étr., ao art. 1.059; Bndemann, Lehrbuch, § 103; Dern-
burg, Panã., § 246; Windscheid, Pand., I, § 205; Chironi, Ins.,
I, § 166; Kohler, Lehrbuch, II 2.'1 parte, § 109; Salvat, Dere-
cbos reates, II, ns. 1.573 e segs.

Observação — O direito francez permitte a alienabilidade


do usofructo. Alguns interpretes do direito romano, também, pre-
tenderam, erroneamente, attribuir-lhe construcção semelhante;
mas as melhores autoridades repelliram essa opinião, em face
das fontes, que apresentavam o usofructo ligado, essencialmente,
á pessoa do usofructuario.
Está, justamente, na inalienabilidade do usofructo a sua
principal vantagem, porque, assim, melhor corresponde aos in-
tuitos do instituidor. O usofructo é, ordinariamente, gratuito, e
creado para beneficiar alguém, dando-lhe meios de prover á
sua subsistência ou, pelo menos, fornecendo-lhe, para isso sub-
sidio. Sendo alienavel, o usofructo não poderia satisfazer, ple-
namente, a esses intuitos.
Por outro lado, o usofructo é uma servidão pessoal quer
dizer, um direito vinculado á pessoa. E' contrario á sua es-
sência tornal-o alienavel. Com a morte do usofructuario, iextin-
gue-se o usofructo, porque o direito foi instituido em beneficio
delle; é personalíssimo, intransmissivel.
O exercício do direito, porém, pôde ser transferido, porque
seria, muitas vezes, inútil e vexatório exigir que o titular do
usofructo gozasse da coisa, pessoalmente;;-elle a usofrue, egual-
mente, alugando-a ou cedendo a outrem o exercício do seu di-
reito. Quem adquire o exercício do usofructo ou de uma de
suas faculdades, em separado, adquire, somente, um direito
pessoal.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 293

SECQÃO II

Dos direitos do usofructuario

Art. 718"— O usofructuario tem direito á


posse, uso, administração e percepção dos fru-
ctos.

Direito anterior — O mesmo, salvo quanto ao modo de


considerar a posse do usofructuario.
.Legislação comparada — Codigo Civil suisso, art. 755. Con-
fira-se com o D. 7, 1, fr. 7, pr., e 59, § 1.°; o Codigo Civil
francez art. 582; o italiano, 479; o hespanhol, 471; o austríaco,
511; o portuguez, 2.202; o allemão, 1.036; o argentino, 2.863;
o uruguayo, 502; o peruano, 924; o boliviano, 323; o venezue-
lano, 566, o mexicano, 989 e 990. Exceptuando o allemão,
não salientam estes Codigos a posse do usofructuario, como
fazem o suisso e o brasileiro.
Projectos — Esboço, art. 4.568, 1.° e 2.°; Felicio dos Santos,
I.071; Coelho Rodrigues, 1.582; Beviláqua, 814; Revisto, 856.
Bibliograpliia — Lafayette, Direito das coisas, § 97; La-
cerda, Direito das coisas, §§ 66, 67 e 74; M. I. Carvalho de
Mendonça, Do usofructo, ns. 76 e segs.; Didimo, Manual do
Codigo Civil, IX, ns. 417 e segs.; S. Yampré, Manual, II, 90;
Coelho da Rocha, Inst., § 612; Planxol, Traité, I, ns. 1.674
e segs.; Planiol et Ripert, III, ns. 774 e segs.; Huc, Com-
mentaire, IV, ns. 174 e segs.; Baudry-Lacantinerie et Chau-
veau, Des Mens, ns. 483 e segs.; Laurent, Cours, I, ns. 560
e segs.; Aubry et Rau, Cours. II, 230; Zachariae, Droit civil
Irançais, II, § 308; Code Civil allemanã, publié par le Comitê de
lég. étr, ao artigo 1.036; Endemann, II, § 103, 3; Dernburg,
Panã., § 247; Chironi, Ist., I, §§ 165 e 166; Kohler, Lehrbuch,
II, segunda parte, § 107; Salvat, Derechos reales, II, ns. 1.539
e segs.
CCNS£i_HO PU ■- I DO TRABALHO
K REGIÃO
Observação — Este artigo apresenta, em synthese, os di-
reitos componentes do usofructo; a posse, o uso, a administração
294 CODIGO CIVIL

e a percepção dos fructos. Nos artigos seguintes desta mesma


secção, expõem-se as particularidades mais importantes dos di-
reitos do usofructuario.
A posse do usofructuario é a posse directa, que não exclue
a indirecta do nu proprietário (art. 486); mas, na sua relação,
prevalece contra esse mesmo proprietário, se a pei turbai ou
tentar delia despojar o usofructuario.
Uso é a utilização directa e material da coisa. Abrange-a
na sua totalidade, inclusive as servidões vinculadas á coisa uso-
fruida. O uso do usofructuario é tão extenso quanto o do pro-
prietário .
Administrar é dar á coisa o seu destino, é desenvolvei-lhe
as capacidades econômicas, aproveitar-lhe a productividade.
Perceber os fructos é tirar da coisa os proveitos, a que ella
se presta. No commentario ao art. 60, já se definiu o que é
fructo. Mas a expressão aqui não tem rigor technico; abrange
os fructos, propriamente ditos, e os productos. Por outro lado,
a noção de fructos, neste capitulo, depende do destino dado á
coisa usufructuaria, e do titulo. Assim, as mattas destinadas á ex-
tracção de madeiras, as arvores são fructos; deixarão de sel-o;
se outro fôr o destino das terras (D. 7, 1, frs. 10; 48, § 1.°,
e 59, § 1.°). As plantas de viveiros são fructos. Os productos
das minas e pedreiras, a turfa e o barro consideram-se fructos,
quando as jazidas já eram exploradas, no momento de se cons-
tituir o usofructo (D. 7, 1, frs. 9, § 2.°; e 13, §§ 5.° e 6.°).

Art. 719 — Quando o usofructo recáe em


títulos de credito, o usofructuario tem direito,
não só a cobrar as respectivas dividas, mas,
ainda, a empregar-lhes a importância recebida.
Esta applicação, porém, corre por sua conta e
risco; e, cessando o usofructo, o proprietário pô-
de recusar os novos títulos, exigindo em especie
o dinheiro.

Direito anterior — Omisso.


DOS DIREITOS REAE8 SOBRE COISAS ALHEIAS 295

Legislação comparada — A fonte deste dispositivo foi o ar-


tigo 281 do Codigo Civil de Zurich. Veja-se, também, mexi-
cano, 995.
Dispõem, differentemente: o allemão arts. 1.070 e 1.077.
o suisso, 773-775; o argentino, 2.875; e do Montenegro, 163.
Projectos — Esboço, arts. 4.655-4.662; Felicio dos Santos,
1.079 e 1.120; Coelho Rodrigues, 1.583; Beviláqua, 816; Re-
visto, 857.
Bibliographia — M. I. Carvalho de Mendonça, Do uso-
fructo, ns. 87 e segs.; Aubry et Rau, Cours, II, § 230; Salvat,
Derechos reales, II ns. 1.570 e segs.

Observação — O usofructo sobre titulos de créditos é im-


próprio. E' um caso de quasi usofructo, sobre o qual dispõe,
particularmente, o art. 726. Cobradas as dividas, o usofructuario
faz seu o dinheiro recebido, que, depois, entregará em espécie,
ao proprietário, se este não lhe acceitar a collocação.
Se o usofructuario não cobrar os créditos, restituirá os
titulos.
Não os pôde ceder, nem remir, nem sobre elles transigir,
porque esses actos importam na extincção dos bens, sem subs-
tituição correspondente, o que excede ao poder do usofructuario,
e importaria em despojar o proprietário. Poderá, porém, praticar
qualquer desses actos, mediante accôrdo com o proprietário.

Art. 720 — Quando o usofructo recáe sobre


apólices da divida publica ou titulos semelhan-
tes, de cotação variavel, a alienação delles só se
effectuará, mediante prévio accôrdo, entre o uso-
fructuario e o dono.

Direito anterior — O mesmo, quanto ás apólices da divida


publica federal (Dec. n. 9.370, de 14 de Fevereiro, de 1885,
artigo 71; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 583).
296 CODIGO CIVIL

Legislação comparada — A fonte do artigo foi o Codigo


Civil de Zurich art. 828. Aliás, como ficou indicado, a sua
matéria se achava regulada no direito pátrio.
Projectos — Felicio á)os Santos, art. 1.120; Coelho Ro-
drigues, 1.584; Beviláqua, 817; Revistot 858.

Observação — Duas razões justificam esta norma especial,


com respeito a titulos de credito, que não podiam ficar sujeitos
á regra do artigo antecedente: 1.° Quanto aos titulos de cotação
variavel, em geral, como acções de Companhia, o desejo natmal
do usofructuario será delles se desfazer, em tempo de baixa,
para melhor emprego do capital; mas ao proprietário, que tenha
razões para esperar melhor cotação, pode ser isso prejudicial.
Cumpre que se ponham de accordo, para a alienação. 2.° Quanto
ás apólices da divida publica, accresce que offerecem condições,
de segurança maior do que os titulos de emprezas particulaies,
alienal-as na intenção de obter maiores rendimentos, é compro-
metter um capital solidamente garantido. Essa operação, natu-
ralmente, não pôde caber nos direitos do usofructuario. Ainda
que sejam titulos de credito, são consideradas em si mesmas,
bens duradouros, de rendimento certo, que podem ser objecto do
usofructo. Alienal-as será alienar a propriedade, alterar a sub-
stancia da coisa sobre que recáe o usofructo.

Art. 721 — Salvo direito adquirido por ou-


trenq o usofructuario faz seus os fructos uatu-
raes? pendentes ao começar o usofructo, sem en-
cargo de pagar as despesas de producção.
Paragraplio único. Os fructos naturaes, po-
rém, pendentes ao tempo em que cessa o uso-
fructo, pertencem ao dono, também sem compen-
sação das despesas.

Direito anterior — Tal era o subsidio do direito romano,


por ser lacunoso o nosso direito escripto; mas entre os autores
havia divergência.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 297

Legislação comparada — Inst., 2, 1, § 36; D. 7, 1, fr. 27,


e argumentos do fr. 34, § 1.°, eoãem; Codigo Civil francez,
art. 585; italiano, 480; liespanhol, 472 (differe quanto aos fructos
pendentes al fin ãel usufructo); portuguez, 2.203 e 2.204 (se-
melhante ao hespanhol); argentino, 2.864; uruguayo, 504; pe-
ruano, 928; boliviano, 326; chileno, 781; venezuelano, 567;
mexicano, 991; do Montenegro, 158 l.a parte. Veja-se também,
o austríaco, £19. Prescripção differente no suisso, 756, quanto
ás despesas de producção.
Projectos —- Eshoço, art. 4.634,' 11.° 4.636 e 4.637; Fe-
licio dos Santos, 1.072 e 1.073 (manda pagar as despesas com a
producção dos fructos pendentes, no começo do usofructo, ao pro-
prietário, e, no fim ao usofructuario); Coelho Rodrigues, 1.585;
Beviláqua, 818; Revisto, 859.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 102; La-
cerda, Direito das coisas, § 69; M. I. Carvalho de Mendonça,
Do usofructo, n. 82; Coelho da Rocha, Inst., § 612; Correia
Telles, Digesto portuguez, art. 514; Planiol, Traité, I, ns.
1.678-1.691; Planiol et Ripekt, III, n. 780; Huc, Commentaire.
IV, números 176-181; Baudey-Lacantineeie et Chaijveau, D es
biens, ns. 485-520; Laurent, Cours, I, ns. 564 e 565; Dernburg,
Panei., § 247; Windsciieid, Panã., § 203; Chironi, Ist., I, § 165.

Observação — Os fructos naturaes, emquanto pendentes,


fazem parte da coisa, pars fundi videntur. E' com a separação
que elles adquirem qualidade de coisas individuadas; mas, ini-
ciado o usofructo, a coisa entra na posse do usofructuario, e
a este cabe apprehender-lhe os fructos. Assim os pendentes,
quando se inicia o usofructo podem ser colhidos, sem que o uso-
fructuario tenha de indemnizar as despesas de producção. Elle
recebe o bem como se acha. Salvo direito de terceiro, diz o Co-
digo, porque o proprietário poderá ter alienado a alguém esses
fructos pendentes, e o direito do adquirente excluirá o do uso-
fructuario; ou, por outro titulo, esses fructos podem ser de
terceiros.
Cessando o usofructo, cessa a posse do usofructuario, e, com
ella, o direito de separar os fructos. Por isso os fructos pen-
dentes, quando se extingue o usofructo, passam ao proprietário.
298 CODIGO CIVIL

E este não tem que indemnizar as despesas de producção, por-


que ê seu direito receber a coisa no estado em que se acha,
com os seus accrescimos e melhoramentos, ao tempo em que
cessa o usofructo.
Assim, se o usofructuario tiver vendido, por antecipação e
a credito, os fructos pendentes ao tempo em que terminou o
usofructo, não terá direito de receber o preço, pago depois de
entregue a coisa ao proprietário. Mas, se o usofructuario tiver
colhido os fructos antes de tempo, a propriedade delles não lhe
pôde ser contestada, porque, em relação á separação dos fructos,
o seu poder é tão amplo quanto o do proprietário.
O que se diz dos fructos naturaes applica-se, egualments.
aos industriaes, que são uma simples modalidade dos primeiros.
Yejam-se os arts. 60 e 723.

Art. 722 — As crias dos animaes pertencem


ao usofructuario, deduzidas quantas bastem, pa-
ra inteirar as cabeças de gado existentes ao co-
meçar o usofructo.

Direito anterior — Assim prescrevia, em parte, o direito


romano, subsidiário do pátrio.
Legislação comparada — Inst., 2, 1, §§ 37 e 38; D. 7, 1,
pr.; 68, §§ 1.° e 2.° fr. 69; Codigo Civil francez, arts. 615
e 616; italiano, 513; portuguez, 2.225; argentino, 2.902 e 2.908;
chileno, 788; uruguayo, 522; boliviano, 352 e 353; venezuelano,
599 e 600; peruano, 931 e 933.
Projectos — Esboço, art. 4.645; Felicio dos Santos, 1.116-
1.118; Coelho Rodrigues, 1.568; Beviláqua, 819; Revisto, 860.
Bibliographia — Lafatette, Direito das coisas, § 100; La-
cerda, Direito das coisas, § 67; Coelho da Rocha, Inst., § 612;
Planiol et Ripert, III, n. 789; Salvat, Derechos reales, II, ns.
1.659 e 1.661.

Observações — 1. — Applica-se a regra do artigo, quer se


fale de usofructo constituído numa universalidade, uma fazenda
DOS DIREITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 299

de gado, por exemplo, como era a doutrina romana, quer se


trate de algumas rezes determinadas. A lei providencia para
que a coisa não diminua durante o usofructo, e, assim, possa
o proprietário recebel-a na quantidade entregue ao usofructuario.
Se as rezes perecerem, sem culpa do usofructuario, de modo
que não possa haver substituição dos individuos mortos, pelas
crias, soffrem o prejuizo os dois interessados.
2. — O preceito deste artigo tem applicação ao usofructo
de arvores frutiferas. Os individuos mortos devem ser substi-
tuídos por plantas novas.

Art. 723 — Os frnctos civis, vencidos na


data inicial do usofructo, pertencem ao proprie-
tário, e ao usofructuario os vencidos na data, em
que cessa o usofructo.

Direito anterior — Assim dispunha o direito romano, cha-


mado a preencher a lacuna do pátrio.
Legislação comparada — D. 7, 1, fr. 26, initio, e fr. 58,
19, 2, fr. 9, § 1.° in médio; Codigo Civil francez, art. 586:
italiano 481; hespanhol, 474; suisso, 757; argentino, 2.865; chi-
leno, 790 uruguayo, 505; peruano, 928; .boliviano, 327; me-
xicano, 992; do Montenegro, l^S, 2.a parte; venezuelano, 568.
Projectos — Esboço, arts. 4.634, 13, 4.686 e 4.687; Fclicio
aos Santos, 1.076; Coelho Rodrigues, 1.587; Beviláqua, 820; Re-
visto, 861.
BiWiographia — A do artigo antecedente; Planiol et Ri-
pert, III, n. 779; Salvat, op. cit., II, n. 1.547.

Observação — Os fructos civis entendem-se percebidos dia


por dia (art. 512); por isso até o dia do inicio do usofructo
pertencem ao proprietário e, durante o tempo do usofructo, até
o dia do seu termo, pertencem ao usofructuario.
A restricção — salvo direito adquirido por outrem tem
applicação, egualmente, aos fructos civis. Assim, se os juros
300 CODIGO CIVIL

do capital, vencidos depois de iniciado o nsofructo, já tiverem


sido pagos, antes da constituição do direito real, o usofructuano
não tem direito de os reclamar.
Se, porém, o usofructuario percebeu fructos civis, que não
correspondem ao tempo do nsofructo, deve restituil-os, a quem
pertençam.
Veja-se o artigo 60.

Art. 724 — O usofructuario pôde usofruir


em pessoa, ou mediante arrendamento, o prédio,
mas não mudar-lhe o genero de cultura, sem li-
cença do proprietário, ou autorização expressa
no titulo; salvo se, por algum outro, como os de
pae ou marido, lhe couber tal direito-

Direito anterior — Era preceito reconhecido.


Legislação comparada — A fonte deste artigo foi o Codigo
Civil de Zurich, art. 286. Vejam-se, também, o Codigo Civil
allemão, 1.036 e 1.037, e D. 7, 1, fr. 1, 2, § 2.°; usufructuarius
vel ipse frui ea re, vel alü fruendum concedere, vel locare...
potest; Codigo Civil francez, 595; suisso, 769 (em parte); me-
xicano, 1.002.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.588; Beviláqua 821;
Revisto, 862.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 93, 3;
Lacerda, Direito das coisas, § 66; M. I. Carvalho de Men-
donça, Do tisofructo, n. 104; Schneider, Privatrechtliches Gesc-
tzbuch f. d. Kanton Zuerich, ao art. 286; Planiol, Traité, I,
números 1.706-1.724; Huc, Commentaire, IV, ns. 205-210.

Observações — 1. — E' da natureza do nsofructo que o


usofructuario, extrahindo da coisa todas as vantagens, que ella
offereça, não estenda o seu poder juridico além das utilidades.
As fontes latinas exprimiam esse limite do nsofructo com a co-
nhecida restricção: salva rerum suhstantia. Por substancia,
DOS DIREITOS UEAES SOBRE COISAS ACHEI AS 301

neste caso, entende-se a fôrma, que a coisa apresenta, sob o


ponto de vista economico, no momento da constituição do uso-
fructo. E porque essa significação do termo não corresponda
á usual, dando motivo a duvidas, não a quiz empregar o Codigo.
Neste artigo declara-se que o usofrqctuario do prédio não
lhe pode mudar o genero de cultura, sem licença do proprietário.
Por exemplo: não pode transformar uma fazenda de gado, em
um engenho de assucar. Pode, porém, intensificar a cultura,
dando maior largueza á estabelecida.
Se o usofructuario fizer, no prédio, obras não autorizadas,
que lhe alterem o genero de cultura, poderá ser constrangido a
removel-as, ou destruil-as á sua custa.
2. — Estas restricções, porém, não attingem a quem exerce
o usofructo por direito de familia, como o pae ou a mãe, em
relação aos bens do filho, que se acha sob o pátrio poder, e
o marido em relação aos bens da mulher, confiados á sua admi-
nistração, uso e gozo. Já se observou que o usofructo do pae
ou do marido não é da mesma natureza do direito real de uso-
fructo regulado neste capitulo do Codigo. Agora assignala-se
a differença que entre elles existe, quanto á extensão dos po-
deres de quem os exerce.

Art. 725 — Se o usofructo recáe em flores-


tas, ou minas, podem o dono e o usofructuario
prefixar-lhe a extensão do gozo e a maneira da
exploração.

Direito anterior — Matéria não regulada.


Legislação comparada — Vejam-se; Codigo Civil francez,
arts. 590, 594 e 598; italiano, 485, 491 e 494; hespanhol, 476-
478 e 485; allemão, 1.038, no qual se inspirou o dispositivo do
nosso Codigo; portuguez, 2.211-2.213; suisso, 770 e 771; chileno,
783 e 784; boliviano, 329-331 e 335; venezuelano, 5'72-578 e 581;
mexicano, 997-998.
Projectos — Beviláqua, art. 822; Revisto, 863.
302 CODIGO CIVIL

Observação - A exploração das florestas e das minas deve


obedecer a determinado plano, para não ser prejudicada. Des-
tacou-a, por isso, o Codigo; estatuindo que entram o proprie-
tário e o usofructuario em accordo sobre a extensão do gozo
do prédio e a maneira de o explorar. Se nada, porém, fôr com-
binado, o usofructuario se conformará com o uso do logar.
Vejam-se as observações ao art. 718.

Áxt 726 — As coisas, que se consomem pçlo


uso, cáem para logo no dominio do usofructuario,
ficando, porém, este obrigado a restituir, findo
o usofructo, o equivalente, em genero, qualidade
e quantidade, ou, não sendo possivel, o seu valor,
pelo preço corrente ao tempo da restituição. ^
Paragraplio único. Se, porém, as referidas
coisas foram avaliadas no titulo constitutivo do
usofructo, salvo clausula expressa em contrario,
o usofructuario é obrigado a pagal-as pelo preço
da avaliação.

Direito anterior - O artigo consagra regra acceita no


direito anterior, porém não expressa em dispositivo legal, senão
deduzida do direito romano e da doutrina.
Degislação comparada Inst., 2, 4, § 2. , D. 7, 5, fi. 7,
Codigo Civil francez, art. 587; italiano, 483; austríaco, 510,
hespanhol, 482; portuguez, 2.209; allemão, 1.067; suisso, 772,
argentino, 2.871; chileno, 789; uruguayo, 507; peruano, 930;
venezuelano, 571; do Montenegro, 159.
Projectos — Esboço, arts. 4.652 e 4.653; Coelho Rodrigues,
1.589 e'1.590; Beviláqua, 823 e 824; Revisto, 864 e 865.
Bibliograpbia — Lafayette, Direito <Ms coisas, § 110; La-
cekda, Direito das coisas, § 65, II; M. I. Carvalho de Men-
donça, Do usofructo, ns. 41 a 43; Coelho da Rocha, Inst., 608;
Planiol, Traité, I, ns. 1.629 e 1.630; Planiol et Ripert, III,
números 759 e 874; Huc, Commentaire, IV, n. 182; Bahdry-La-
cantinerte et Chauveau, Des Uens, ns. 574-582; Laurent, Cours,
DOS DIREITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 303

I, n. 568; Zachariae, Droit civil français, § 306; Chironi, Ist.,


§ 165; Endemann, Lehrluch, II, § 104, 7; Dernburg, Panã.,
I, § 249; Windscheid, Panã. I, § 206; Kohler, Encyclopaedie,
I, p. 614, § 33; Salvat, op. cit. II, n. 1.669.

Observações — 1. — O usofructo de coisas, que se con-


somem pelo uso, é denominado usofructo impróprio ou quasi
usofructo. Esta especie violenta a natureza própria do uso-
fructo, porque este se deve limitar ao aproveitamento das uti-
lidades da coisa, e no quasi-usofructo o usofructuario adquire a
propriedade do bem. Kohler acha que não se devia falar aqui
em propriedade transmittida ao usofructuario, segundo a con-
cepção romana, porém, sim, em usofructo com poder de dis-
posição, porque, num caso de insolvencia do usofructuario, o
proprietário ficará prejudicado, concorrendo apenas com o seu
credito. Esta critica de ordem pratica, se attinge ao Codigo
allemão, não se applica ao brasileiro, porque o proprietário se
pode resguardar com a caução, que o ponha a coberto desse
perigo (art. 729).
No usofructo impróprio, o domínio do usofructuario é re-
soluvel, e o proprietário tem, apenas, um direito pessoal de
lhe exigir a restituição do bem, quando se extinguir o uso-
fructo. Não ha, nesta especie, a dualidade simultânea de su-
jeitos de direito, o usofructuario e o proprietário. Ha um só
sujeito, que é o usofructuario, com direitos de dono.
2. — Concebe-se o quasi usofructo isolado ou em conjuncção
com o usofructo verdadeiro ou proprio. Se a alguém é con-
cedido o usofructo sobre uma determinada quantidade de di-
nheiro, o quasi usofructo é isolado. Se, porém, o objecto do
usofructo é um complexo patrimonial, como, por exemplo, a
meação do cônjuge deixada em usofructo ao sobrevivente, con-
jugam-se as duas especies de usofructo: o proprio sobre os bens
infungiveis e não consumiveis; e o impróprio sobre os consu-
miveis e fungíveis.
3. — No fim do usofructo, deve o usofructuario restituir o
equivalente em genero, qualidade e quantidade. Se, por exem-
plo, o objecto do usofructo são mil arrobas de café, deve ser
restituida ao proprietário quantidade de café correspondente
304 CODIGO CIVIL

q da qualidade que o titulo determinar. Quando não é possível


restituir o equivalente em qualidade e quantidade, restitue-se
o valor, pelo preço corrente ao tempo da restituição, porque
ê nesse momento que se torna effectivo o direito do proprietário
de receber o equivalente daquillo que foi dado em usofiucto.
O titulo, porém, poderá determinar o valor que ha de ser pago.

Art. 727 — O usofíuctuario não tem direito


á parte do thesonro achado por outrem, nem ao
preço pago pelo visinho do prédio usofruido,
para obter meação em parede, cerca, muro, valia
ou vallado (art. 643).

Direito anterior — Assim dispunha o direito romano, quanto


ao thesouro. Quanto ao preço por meação de obra divisória
nada dispunha a lei.
Legislação comparada — D. 24, 3, fr. 7, § 12, in fine; 41,
1 fr. 63, § 3.°; Codigo Civil francez, art. 598, in fine; hespa-
nhol, 471, in fine; austríaco, 511, in fine; italiano, 494, in fine,
allemão, 1.040; argentino 2.868; uruguayo 510, in fine; chi-
leno, 786; boliviano, 335, in fine; venezuelano, 581, in fine;
portuguez, 2.216.
Toda essa legislação é concorde, mas somente em referencia
ao thesouro.
Projectos — Esboço, art. 4.569, que foi o inspirador do
artigo; Felicio dos Santos, 1.088 (fala somente do thesouro);
Beviláqua, 825; Revisto, 866.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 99; M.
I. Cabvalho de Mendonça, Do usofructo, n. 26; Planiol, Traité,
I, n. 1.705; Planiol et Ripert, III, n. 788; Baudry-Lacanti-
nekie et Chaiiveau, Des Mens, n. 634; Salvat, op., cit., II, n.
1.559.

Observação — Sobre o que seja thesouro, veja-se o art.


607. Não sendo o thesouro fructo nem producto do prédio, não
DOS DIREITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 305

entra, naturalmente, no conceito do usofructo. Ainda que o pro-


prietário deva adquiril-o por accessão, nã-o é o thesourq, um
accessorio, que fique ligado ao solo; ao contrario, é qualquer
coisa de extranlio a elle, que, accidentalmente, nelle se acha.
O preço da meação em obras divisórias também não é ren-
dimento do prédio; não faz parte do usofructo. Como partes
integrantes do prédio, taes obras pertencem aos proprietários,
e o preço pago pelo visinho, em compensação dessa fracção
da propriedade, cabe naturalmente ao proprietário, que a cons-
truiu.
Se, porém, a obra divisória foi levada pelo usofructuario,
cabe-lhe a indemnização da metade, que o visinho tiver de pa-
gar, e o proprietário lucrará o melhoramento.

Art. 728 — Não procede o disposto na se-


gunda parte do artigo anterior, cpiando o uso-
fructo recair sobre universalidade ou quota par-
te de bens.

Direito anterior — Nada dispunha a respeito desta matéria.


Projectos —• Esboço, art. 4.570, fonte do dispositivo; Be-
viláqua, 826; Revisto, 861.

Observação — Quando o usofructo recáe sobre uma uni-


versalidade, uma herança, por exemplo, ou sobre uma quota
parte delia, entende-se que abrange quaesquer vantagens, que
lhe advenham, que o usofructo não abrange somente as utili-
dades communs e os fructos da coisa. Se o usofructo fôr de
um determinado prédio, não cabe ao usofructuario a meação
que pagar o visinho pela meação da parede, muro, cerca, valia
ou vallado, porque o usofructo somente se refere aos rendimentos
do prédio; se recair sobre uma herança o usofructuario terá
direito ao preço da meação da parede, do muro ou da cerca,
que dividir, de outro visinho, o prédio incluído na herança,
porque, na herança, estão comprehendidos todos os bens, sejam
coisas, sejam direitos.
Sobre a noção de universalidade, vejam-se os arts. 54-57.
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 20
306 CODIGO CIVIL

SECÇÃO III

Das obrigações do usofructuario

Art. 729 — O usofructuario, antes de as-


sumir o usofructo, inventariará, á sua custa, os
bens, que receber, determinando o estado, em que
se acham, e dará caução fidejussoria ou real, se
lh'a exigir o dono, de velar-lhes pela conserva-
ção, e entregal-os, findo o usofructo.

Direito anterior — Assim prescrevia o direito romano sub-


sidiário do pátrio. Veja-se também a Ord., 4, 91, § 3.°.
Legislação comparada — I) Inventario: D. 7, 9, fr. 1, § 4.°,
Codigo Civil francez, art. 600; italiano, 496; hespanhol, 491,
1.°; português, 2.221, 1.°; uruguayo, 514, 1.°; chileno, 775; pe-
ruano, 937; venezuelano, 583; mexicano, 1.006, I.
Vejam-se, também,.o allemão, 1.035, e suisso, 763.
II) Caução: D. 7, 1, fr. 13, pr.; 7, 9, frs. 1 e 7; Codigo
Civil francez, art. 601, pr.; italiano, 497; hespanhol, 491, 2.°),
portuguez, 2.221, 2.°; uruguayo, 514, 2.°; chileno, 775; peruano,
937; venezuelano, 584; mexicano, 1.006, II. O allemão somente
se refere á caução, quando o usofructuario põe em perigo os
direitos do proprietário (art. 1.051). No mesmo sentido, dispõe
o suisso, art. 760, que torna a providencia normal, se o uso-
fructo, recáe sobre coisas consumiveis. Veja-se, também, o do
Montenegro, artigo 164.
III) Conservação: D. 7, 1, fr. 13, § 4,°; 7, 9, fr. 2; Codigo
Civil francez, art. 601; allemão, 1.041, pr.; argentino, 2.878
e 2.893; mexicano, 1.006 e 1.017, II; do Montenegro, 161.
IV) Restituição: allemão, art. 1.055; mexicano, 1.006, II;
do Montenegro, 161.
Vejam-se, também; francez, 589; italiano, 484, e venezue:
lano, 571.
Projectos — Esboço, arts. 4.607, 3.°, e 4.612; Felicio dos
Santos, 1.090-1.093; Coelho Rodrigues, 1.591-1.593; Beviláqua,
827; Revisto, 688.
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 307

Bibliogíaphia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 103 e 106;


Didimo, Manual cit., IX, ns. 493 e segs.; M. I. Carvalho
de Mendonça, Do usofructo, ns. 100 e segs.; S. "Fampré, Ma
nual, II, § 91; Lacerda, Direito das coisas, §§ 70 e 71; Coelho
da Rocha, Inst., §§ 610 e 611; Planiol, Traité, I, ns. 1.725
e segs.; Planiol et Ripebt, III, ns. 818 e segs.; Huc, Com-
mentaire, IV, ns. 221-220; Baudry-Lacantinbrie et Chauveau,
Des hiens, ns. 636-668; Laurent, Gours, I, ns. 584-586; Aubry
et Rau, Gours, II, § 229; Zachariae, Droit civil français, II, §
309; Chironi, Inst., I, § 167; Dernburg, Pand., I, § 248;
Windscheid, Pand., I, § 204; Salvat, op. cit., II, ns. 1.588 e segs.

Observações — 1, — O usofructuario recebe a coisa no es-


tado, em que ella se acha, sem que o proprietário seja obrigado
a entregal-a em bôas condições de aproveitamènto. Como, porém,
deAm restituir a coisa, findo o usofrueto, como a recebeu, para
própria garantia e segurança, deve fazer o inventario dos bens.
Basta que o inventario conste de um documento assignado
pelo usofructuario e entregue a quem de direito. Se do titulo
constitutivo do usofrueto constar a enumeração e especificação
dos objectos sobre que recáe, com a declaração do estado, em
Que se acham, torna-se dispensável o inventario, porque já está
feito. E', porém, direito do usofructuario verificar se a relação
é exacta.
Se os interessados forem menores ou pessoas a elles equi-
paradas em direito, deverá o inventario ser feito com a inter-
venção do juiz.
Do inventario não é necessário constar o valor dos bens.
Aliás, somente no usofrueto impróprio essa avaliação pôde ter
interesse (art. 726, paragrapho único).
Se do titulo não constar a enumeração especificada das
coisas dadas em usofrueto, nem o usofructuario as inventariar,
pôde o proprietário exigir que seja cumprida essa obrigação
preliminar.
2. — A caução (cautio usufruetuaria) será prestada, se o
proprietário a exigir. Pôde ser real ou fidejussoria; isto é, o
usofructuario pôde garantir a restituição dos bens e a repa-
ração dos damnos por meio de fiança, penhor, deposito de tí-
tulos ou hypotheca.
308 CODIGO OIVXL

Ò Codigo estabeleceu a caução, como direito do proprietário,


e este deverá sempre exigil-a no quasi-usofructo, porque, recaindo
sobre coisas consumiveis, o seu direito estará exposto a serio
risco, sem essa providencia.
A obrigação de prestar caução refere-se a todos os uso-
fructuarios, excepto os declarados no art. 731; e aquelle que
a não cumprir sujeita-se a perder a administração do usofructo
(art. 730).

Art. 730 — O usofructuario, que não quizer


ou não puder dar caução sufficiente, perderá o
direito de administrar o usofructo; e, neste caso,
os bens serão administrados pelo proprietário,
que ficará obrigado, mediante caução, a entregar
ao usofructuario o rendimento delles, deduzidas
as despesas da administração, entre as quaes se
incluirá a quantia taxada pelo juiz em remune-
ração do administrador.

Direito anterior — Não havia disposição legal a respeito,


e o direito romano entregava ao arbitrio do juiz a providencia
necessária, em caso de não querer ou não poder o usofructuai io
dar caução (D. 7, 1, fr. 13, pr., initio; 35, 3, fr. 6).
Legislação comparada — Codigo Civil chileno, arts. 776 e
777. Este Codigo, aliás estabelece varias providencias. Yejam-se
Codigo Civil francez, arts. 602 e 603; italiano, 498 e 499; hes-
panhol, 494 e 495; portuguez, 2.222; suisso, 762; uruguayo, 516,
519; do Montenegro, art. 165. A fonte do Codigo Civil brasileiro
foi o de Zurich, art. 292.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 1.096 e 1.097; Coelho
Rodrigues, 1.595; Beviláqua, 829; Revisto, 869.

Observação — Prescreve este artigo a sancção ao dever


imposto ao usofructuario, de dar caução, quando o proprietário
lh'a exigir. Pois que não pode assegurar a restituição integral
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 309

dos bens, não tem direito de os possuir e administrar. Os


nossos autores falavam da providencia, que o Codigo aqui con-
sagrou (Lafayette, Direito das coisas, § 103, 3); porém outros
expedientes eram, também, apontados. O Codigo escolheu a pro-
videncia que, realmente, parece mais adequada.
Caberá ao proprietário requerer ao juiz, para que o uso-
fructuario seja intimado a dar a caução, sob pena de não poder
administrar a coisa fructuaria.

Art. 731 — Não são obrigados á caução:


I. O doador, que se reservar o usofructo da
coisa doada.
II. Os paes,. usofructuarios dos bens dos
filhos menores.

Direito anterior —■_ Tal era a norma seguida, com apoio


no direito romano.
Legislação comparadia — Cod., 6, 61, 1. 8, § 4.°, in fine,
quanto ao pae; Codigo Civil francez, art. 601; italiano, 497:
hespanhol, 492; uruguayo, 515; venezuelano, 584; suisso, 761;
portuguez, 2.221, § 1.°; mexicano, 1.007.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.094; Coelho Rodri-
gues, 1.594; Beviláqua, 828 e 830. Estas disposições, porém, não
correspondem á fórmula do Codigo, o segundo numero da qual
se originou de uma emenda de Benedicto de Souza, approvada
pela Gamara (Trabalhos, III, p.. 110 e VI, p. 315). O Projecto
primitivo remettia o usofructo do pae, do marido, e do herdeiro
do ausente, para o direito da familia.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 103; La-
cerda, Direito das coisas, § 70; M. I. Carvalho de Mendonça,
Do usofructo, n. 103; Planiol, Traité, I, ns. 1.668-1.673; Pla-
niol et Ripert, III, ns. 828 e 829; Huc, Commentaire, IV, ns.
215-217; Baudry-Lacantinerie et Chauveau, Des hiens, ns.
653-664; Windscheid, Pandt., I, § 204; Dernburg, Pand., I, § 248;
Salvat, op. cit. II, ns. 1.600 e segs.
310 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — Todos os usofructuarios estão sujeitos


a dar caução, se o proprietário a pedir, excepto o que se re-
serva o usofructo da coisa doada, assim como os paes, em ie-
lação aos bens dos filhos menores.
Esta segunda excepção, não o é, em rigor, porque o uso-
fructo dos paes não entra na classe dos direitos reáes sobre
coisa alheia; é, sim, direito de família. O pae, entretanto, se
não tem que dar caução em garantia dos haveres dos filhos
menores, terá os immoveis hypothecados, por força da lei, em
garantia da sua gestão (art. 827, II). Outros casos de garantia
pela administração e gozo de bens conhece o direito da família,
taes como o do herdeiro provisorio do ausente (art. 4/3), o
o do marido em relação aos bens da mulher, sujeitos á sua
administração (art. 827, I).
2. — O titulo constitutivo do usofructo pode tlispensar o
usofructuario de prestar caução, pois que ao constituinte, que
podia dispor, livremente, da sua propriedade, em favor de quem
lhe parecesse, não se pode recusar o direito de dispensar o uso-
fructuario desse ônus. Neste caso, não poderá o pioprietaxio
exigir a caução, sob o fundamento de que o usofructuario
está abusando do seu direito, e arruinando os bens? A solução
dos escriptores francezes ê no sentido affirmativo. Dir-se-á que,
se o instituidor do usofructo dispensou o usofructuario da
caução, imprimiu ao usofructo essa construcção, da qual resulta
que não tem o proprietário direito de exigir-lhe garantia, e tem
o usofructuario o direito de recusal-a. Verificado, porém, que,
por culpa do usofructuario os bens se arruinam, o usofructo
se extingue (art. 739, n. VII). Não é, portanto, desarrazoado
que o proprietário, como principal interessado na conservação
dos bens, possa, em vez de promover a extincção do usofructo,
contentar-se com a garantia, que lhe dê o usofructuario de se
utilizar da coisa como bom pae de família.
No caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pu-
blica, de destruição do prédio segurado, ou pela qual responda
o culpado no damno, ha transformação do usofructo pela sub-
stituição do objecto, que de coisa inconsumivel, que era, passa
a ser consumivel. Esta modificação, alterando a natureza di
usofructo, autoriza ò proprietário a pedir caução, ainda quando
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 311

o titulo delia tivesse dispensado o usofructuario. Restabelecidas,


porém, as condições anteriores, será elle exonerado da caução.

Art. 732 — O usofructuario não é obrigado


a pagar as deteriorações resultantes do exercicio
regular do usofructo.

Direito anterior — Assim era por determinação do direito


romano.
Legislação comparada — D. 7, 9, fr. 9, § 3.°; Codigo Civil
allemão, art. 1.050; austríaco, 513, 2.a parte; suisso, 752, ultima
parte; 926.
Vejam-se, também: francez, 589; italiano, 484; venezue-
lano, 570, mexicano, 1.018.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.081; Coelho Roãri-
gues, 1.586; Beviláqua, 831; Revisto, 870.,

Observação — Ha coisas que se deterioram ou depreciam


com o uso. O exemplo romano é tirado de roupas deixadas
em usofructo. Não se constituirão, em nossos dias, taes uso-
fructos; mas ha outros objectos que se prestam a ser usofruidos
o que se gastam, lentamente, com o uso. A mobilia de uma casa,
por exemplo.
Se as deteriorações resultarem, não do uso regular da coisa,
porém da culpa do usofructuario, responderá este por ellas, po-
dendo, até, perder o usofructo (art. 739, VII).

Art. 733 — Incumbem ao usofructuario:


I. As despesas ordinárias de conservação
dos bens no estado, em que òs recebeu.
II. Os foros, as pensões e os impostos reaes
devidos pela posse ou rendimento da coisa uso-
fruida.
312 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Eram preceitos recebidos do direito ro-


mano.
Legislação comparada — D. 7, 1, fr. 7, § 2.°, e fr. 9, § 2.°
(quanto ás despesas e aos concertos modicos: omnibus Ms usu-
rum, Quasi bonum patrem famílias; Codigo Civil francez arts.
605' e 608; italiano, 501 e 506; suisso, 764, l.a parte; hespanhol,
500 e 504; portuguez, 2.228; argentino, 2.881-2.883 e 2.894;
chileno, 795 e 796; uruguayo, 523 e 525; boliviano, 343 e 346;
venezuelano, 588-593; do Montenegro, 166.
Vejam-se, também; allemão, 1.041 . e 1.047, e mexicano,
I.018 e segs.
Projectos — Esboço, arts. 4.619-4.628 e 4.638-4.641; Ee-
Ucio dos Santos, 1.100-1.106; Coelho Rodrigues, 1.597; Bevi-
láqua, 882; Revisto, 871.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 104 e
105; Lacerda, Direito ãm coisas, § 71; M. I. Carvalho de Men-
donça, Do usofructo, n. 101; Coelho da Rocha, Inst. §§ 614
e 615; Planiol, Traité, I, ns. 1.727-1.745; Planiol et Ripert,
III, ns. 830 e segs.; Huc, Commentaire, IV, ns. 221-231; Bau-
bry-Lacantinerie et Chaxjveait, Des biens, ns. 672-693; Lau-
rent, Cours, I, números 587-593; Zachariae, Droit civil français,
II, § 309; Aubry et Rau, Cours, II, § 231; Salvat, op. cit., IT,
ns. 1.611 e segs.

Observações — 1. — O usufructuario deve conservar a coisa


usofruida, como bom pae de familia, fazendo as despesas or-
dinárias de conservação, impedindo as usurpações; usando das
servidões para que não se extingam pelo não uso, emfim, man-
tendo-a tanto possível, no estado, em que' a recebeu.
Despesas ordinárias de conservação vêm a ser os concertos,
os pequenos reparos, que se tornam necessários em conseqüência
do uso da coisa, ou resultarem de um accidente. São gastos
que cabem, perfeitamente, nas forças do rendimento da coisa e
se destinam a compor os estragos resultantes do proprio exer-
cício do usofructo.
Se para a conservação da coisa forem necessárias despesas
avultadas, correm ellas por conta do proprietário, nos termos
do artigo seguinte.
DOS DIREITOS REAES SOBEE COISAS ALHEIAS 313

Afesim as despesas com a conservação da coisa ficam a


cargo do usofructuario, somente quando ordinárias e módicas,
ou quando determinadas por culpa delle, qualquer que seja o
seu valor. Para a sancção dessa obrigação veja-se o art. 739,
n. VII.
Cessaram as duvidas para determinar a ' modicidade da
despesa.
Veja-se o paragrapho único do artigo seguinte. *
2. _ Consideram-se também encargos resultantes do uso e
gozo da coisa, os foros, as pensões e os impostos reaes. Cor-
Vem elles por conta do usofructuario, que é quem coíbe os pro-
veitos da coisa.

Art. 734 — Incumbem ao dono as repara-


ções extraordinárias e as que não forem de custo
modico; mas o usofructuario llie pagará os juros
do capital despendido com as que forem neces-
sárias á conservação, ou augmentarem o rendi-
mento da coisa usofruida.
Paragrapho único. Não se consideram mó-
dicas as despesas superiores a dois terços do li-
quido rendimento em um ano.

Direito anterior — Differente. Não tinha o proprietário


obrigação de fazer as despesas extraordinárias e as que não
fossem módicas.
Legislação còmparada — Confira-se o dispositivo do Codigo
com os seguintes: D. 7, 1, fr. 7, §§ 2.° e 3.°, e fi. 13, § 7. ,
Codigo Civil francez, arts. 60^-607; italiano, 502-504; hespanhol,
501 e 502; suisso, 764 e 765, ultima parte; portuguez, 2.228-2.2o0,
argentino, 2.889 e 2.917; chileno, 797 e 798; uruguayo, £>23 e
524; boliviano, 343 e 344; venezuelano, 590 e 591; mexicano,
1.020 e 1.021; do Montenegro, 167.
314 CODIGO OI VIL

Projectos — Esboço, arts. 4.621-4.628 e 4.641; Felicio ãos


Santos, 1.101, 1.104 e 1.105; Coelho Rodrigues, 1.598; Bevilá-
qua, 833; Revisto, 872.
Bibliographia — A do artigo antecedente.

Observações — 1. — Ha, neste artigo, determinações muito


importantes para a estructura do usofructo. A primeira dellas
é a que põe a cargo do proprietário a obrigação de fazer os
reparos extraordinários. O direito romano eximia dessas des-
pesas tanto o usofructuario quanto o proprietário. Si qua tamen
vetustate corruisent, neutrum cogi reficere, declara o D. 7, 1,
fr. 7, § 2.°. Mas qualquer delles poderia fazel-as, não sendo
licito ao usofructuario ampliar nem diminuir a utilidade da
coisa; néque ampliare, neque utile ãetrahere D. eoã., fr. 7,
§ 3.°. Alguns Codigos modernos impõem ao proprietário a obri-
gação de fazer os reparos extraordinários e os que não forem
modicos; deixam-na, porém, desprovida de sancção. Outros con-
servam o imprevidente arbitrio do direito romano. Entretanto,
o usofructuario é, naturalmente, levado a se eximir desse en-
cargo, por não querer despender quantias mais vultuosas em
propriedade alheia, e o proprietário, egualmentp, não se sente
inclinado a collocar capitães em um bem, que não está fruindo.
Este modo de comprehender os respectivos interesses e de agir
segundo os dictames delles, crearia uma situação econômica
desvantajosa para o aproveitamento dos bens e accrescimo das
riquezas particulares. Felizmente interesse de cada um ia,
espontaneamente, encontrando melhores soluções do que as ima-
ginadas pelos legisladores.
O Codigo Civil brasileiro seguiu a corrente das legislaçõe"s
mais previdentes e, combinado o prescripto no Codigo Civil
de Zurich, de onde extrahiu os elementos para o principio -do
artigo, com o regulado no portuguez, inspirado no da Prússia,
que lhe forneceu o paragrapho único, poude obviar os incon-
venientes apontados. Obriga o proprietário a fazer os reparos
maiores, que não forem devidos á culpa do usofructuario: po-
rém, como um emprego de capital, produzindo os juros legaes,
desde que sejam necessários á conservação da coisa, em estado
de poder ser usofruida, ou lhe augmentarem os rendimentos.
A solução é justa e apropriada a valorizar os bens.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 315

2 — Mas se o proprietário não quizer fazer essas repa-


rações maiores? Estatue o Codigo Civil hespanliol, que as fará.
então, o usofructuario, com direito de haver do proprietaiio,
findo o usofructo, o augmento do valor resultante das suas
bemfeitorias, e podendo reter o bem até ser pago (art. 502).
O Codigo Civil brasileiro não quiz adoptar esse expediente
coercitivo. Impôz a obrigação ao proprietário; se elle não a
quizer cumprir soffrerá o prejuizo, pois que o bem se depre-
ciará. E não terá motivos para se recusar, porque o capital que
empregar nessas obras será remunerado pelos juros, que pa-
gará o usofructuario. Este, porém, não estará inbibido de fazer
as obras, verificado que o proprietário não as quer executai.
3, — o paragrapho único do artigo nos esclarece a ies-
peito do que são despesas de custo modico. O àrtigo, poi ém,
não nos informa sobre o que sejam reparações extraordinaiias.
São em primeiro logar, as necessárias á existência eco-
nômica da coisa, em opposição ás exigidas para a sua con-
servação, que incumbem ao usofructuario, quando módicas. En-
tram nesta classe a construcção das paredes principaes do edi-
fício, e a restauração do prédio arruinado por vetustez ou poi
caso fortuito.
Em segundo logar, devem mencionar-se as reparações, que,
embora de conservação, excederem a dois terços do rendimento
liquido do prédio em um anno.
Por fim, são extraordinárias as reparações que, não sendo
módicas, se tornam necessárias a longos intervallos ou exce-
pcionalmente.

Art. 735 — Se a coisa estiver segura, in-


cumbe ao usofructuario pagar, durante o uso-
fructo, as contribuições do seguro.
§ 1.° Se o usofructuario fizer o seguro, ao
proprietário caberá o direito delle resultante
contra, o segurador.
§ 2.° Em qualquer hypothese, o direito do
usofructuario fica subrogado no valor da inde-
mnização do seguro.
316 CODXGO CIVIL

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil allemão, arts. 1.045
e 1.046; suisso, 767.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 1.132-1.137, cujas pio-
videncias, aliás, não são idênticas ás do Codigo; Beviláqua, 834;
Revisto, 873.

Observação — A obrigação de pagar as prestações do se-


guro cabe ao usofructuario, porque lhe incumbe velar pela con-
servação da coisa, e porque está no seu interesse que, se a
coisa perecer, seja substituída pela indemnização do seguro, so-
bre a qual se transfere o seu direito de uso e gozo.
O Codigo Civil brasileiro não impõe ao usofructuario a obri-
gação de segurar a coisa usofruida, e sim, somente, a de pagar,
durante o usofructo, as contribuições do seguro. Responderá elle
por perdas e damnos, se, por culpa sua, se perder o seguro.,
Pode porém, o usofructuario, por iniciativa própria, segurar
a coisa usofruida. Dado o sinistro, o direito do seguro pertence
ao proprietário, porque o bem é seu; mas sobre o valor de in-
demnização recáe o usofructo.

Art. 736 — Se o usofructo recair em coisa


singular, ou parte delia, só responderá o uso-
fructuario pelo juro da divida, que ella garantir,
quando esse ônus for expresso no titulo respe-
ctivo .
Se recair num patrimônio, ou parte deste,
será o usofructuario obrigado aos juros da di-
vida, que onerar o patrimônio, ou a parte delle,
sobre que recaia o usofructo.

Direito anterior — Era doutrina seguida.


Legislação comparada — Vejam-se: Codigo Civil francez,
artigos 611 e 612; italiano, ^08 e 509; hespanhol, 509 e 510;
suisso, 765 e 766; portuguez, 2.231-2.236; argentino, 2.899 e
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 317

2.900; uruguayo, 528 e 529; boliviano, 348 e 349; venezuelano,


594 e 595; do Montenegro, 168. Inspirou-se o Codigo Civil bra-
sileiro para dispor, como se vê acima, no Codigo Civil de Zuiich,
arts.- 296 e 297.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 1.109-1.113 (diffe-
rente); Coelho Rodrigues, 1.599 e 1.600; Beviláqua, 835; Re-
visto, 874.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 107; La-
cerda, Direito das coisas, § 71; M. I. Carvalho de Mendonça,
Do usofructo, n. 107; Coelho da Rocha Inst., § 616; Planiol,
Traité,-1, ns. 1.742-1.744; Huo, Commentaire, IV, ns. 233-237;
Baudry-Lacantinerie et Chauveau, Des hiens, ns. 649-717; Lau-
Baudry-Lacantinerie et Chauveau, Des hiens, ns. 649-717; Lau-
bent, Cours, I, ns. 594-597; Aubry et Rau, Gours, II, § 232,
Eniemann, Lehrhuch, II, § 106; Salvat, 021. cit., II, ns. 1.638
e segs.

Observação — Trata este artigo do usofructo sobre coisa


obrigada ao pagamento de uma divida e declara que, se o ob-
jecto do usofructo fôr coisa singular (art. 54, I), ou parte delia,
o usofructuario não responde pelos juros. Não se consideram
esses juros despesas ordinárias de conservação (art. 733), nem
encargo do usofructuario, se assim não dispuser o titulo. São
encargos do capital, que incumbem normalmente, ao proprietário.
Se, porém, o usofructo fôr de uma universalidade patri-
monial, ou de uma parte aliquota de patrimônio, entende-se
que os juros das dividas, que oneram esse complexo de bens
ficam a cargo do usofructuario, porque elle é um successor
a titulo universal a quem passam as vantagens e os ônus que
entram para a formação do patrimônio.
Constituído o usofructo sobre o patrimônio, respondem os
bens, tanto pelas dividas bypothecarias, quanto pelas dividas
simples, porque o activo e o passivo é que, em conjuncto, con-
stituem o patrimônio.

Art. 737 — Se um edifício sujeito a uso-


fructo fôr destruído sem culpa do proprietário,
318 CODIGO OIVIL

não será este obrigado a reconstruil-o, nem o


usofructo se restabelecerá, se o proprietário re-
construir, á sua custa, o prédio; mas, se elle es-
tava seguro, a indemnização paga fica sujeita
ao ônus do usofructo.
Se a indemnização do seguro for applicada
á reconstrucção do prédio, restabelecer-se-á o
usofructo.

Direito anterior — Para a matéria contida no primeiro


membro da primeira parte do artigo, havia o subsidio do di-
reito romano (D. 7, 1, fr. 7, § 2.°):... neutrum cogi reficere;
seã si heres refecerit passurum fructuarium uti).
Legislação comparada — A fonte do dispositivo foi o Co-
digo Civil de Zurich, art. 298. Vejam-se: Codigo Civil allemão,
art. 1.046; portuguez, 2.246; argentino, 2.935 e 2.936; francez,
607 e 624; italiano, 516-520; boliviano, 345; venezuelano, 601-
605. E ainda; hespanhol, 517 e 518; mexicano, 718; suisso, 750;
peruano, 949.
Projectos — Esboço, art. 4.671; Felicio dos Santos, 1.137-
1.140; Coelho Rodrigues, 1.061; Beviláqua, 836; Revisto, 875.
Bibliographia — M. I. Carvalho de Mendonça, Do uso-
fructo, n. 113; Planiol, Traité, I, ns. 1.763-1.766; Huc, Com-
mentaire, IV ns. 225-228 e 247; Baudry-Lacantinerie et Chau-
veatj, Des hiens, ns. 750 e 752; Aubry et Rau, Cours, II, § 231, 3.°.

Observação — Perecendo a coisa, objecto do direito, ex-


tingue-se esse (arts. 77 e 739, IV). Destruído o edifício, sub-
siste o terreno, mas o usofructo do edifício não é jus in solo,
e a reconstrucção á custa do proprietário representa o emprego
de novo capital deste, sobre o qual não pôde recair o usofructo
já extincto. Se, porém, essa reconstrucção é feita com o pro-
ducto da indemnização do seguro, para ella se transfere o di-
reito do usofructuario, porque, no valor da indemnização, fi-
cará esse direito sobrogado.
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 319

Quando o usofructo tiver por objecto um prédio rústico, o


usofructuario manterá o seu direito sobre o solo e os materiaes
do bem arruinado.

Art. 738 — Também fica subrogada no ônus


do usofructo, em logar do prédio, a indemniza-
ção paga, se elle for desapropriado, ou a impor-
tância do damno, resarcido pelo terceiro respon-
sável, no caso de damnificação ou perda.

Direito anterior — Silencioso.


Líegislação comparada — Vejam-se: o Codigo Civil lies-
panhol, art. 519; e o portuguez, 2.248; peruano, 946.
Projectos — Felicio cios Santos, art. 1.141 (differente);
Beviláqua, 837. Revisto 876.
Bibliographia — Baudry-Lacantinerie et Chauveau, Des
Mens, ns. 749 e 751.

Observação — A desapropriação extingue, juridicamente,


o objecto do usofructo por uma especie de mutatio rei, de mu-
dança na forma substancial da coisa. Mas o Codigo providencia
para que a somma da indemnização fique subrogada no ônus
usofructuario.
A perda da coisa por acto de terceiro determinaria também
a extincção do usofructo, se o Codigo não determinasse a sua
transferencia para a importância da indemnização.
Não sendo a perda total, a indemnização recebida se ap-
plicará na reparação da coisa. Em qualquer hypothese, porém,
sobre essa indemnização incide o usofructo.

SECÇÃO IY

Da extincção do usofructo

Art. 739 — O usofructo extingue-se:


I. Pela morte do usofructuario.
II. Pelo termo de sua duração.
320 CODIGO CIVIL

III. Pela cessação da causa de que se ori-


gina .
IY. Pela destruição da coisa, não sendo
fungivel, guardadas as disposições dos arts. 735,
737, 2.a parte, e 738.
Y. Pela consolidação.
YI. Pela prescripção.
YII. Por culpa do usofructuario, quando
aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens^, não
Ibes acudindo com os'reparos de conservação.

Direito anterior — Semelliante, segundo o direito romano


e a doutrina.
Legislação comparada — I — Inst., 2, 4, § 3.°; D. 7, 4,
fr. 3, § 2.°; Codigo Civil francez, art. 617; italiano, 515; hes-
panliòl, 513' 1.°;, portuguez, 2.241, 1.°; austríaco, 529; allemão,
1.061; argentino, 2.920, chileno, 806; uruguayo, 537, 1.°; vene-
zuelano, 601; boliviano, 354, 1.°; mexicano, 1.038, 1.°; pe-
ruano, 943.
U d. 7, 4, fr. 15; Cod. 3, 33, 1. 5; Paulo, Sent, III,
VI, § 33; Codigo Civil francez, 617; italiano, 515; hespanhol,
513, 2.°; portuguez, 2.241, 1.°; argentino, 2.921 e 2.926; uru-
guayo, 537, 2.°; chileno, 804; venezuelano, 601; boliviano, 354,
2.°; mexicano, 1.038, II e III.
III d. 7, 4, fr. 16; hespanhol, 513, 6.°; argentino, 2.918;
chileno, 816; mexicano, 1.038, VIII.
IV _ jnst., 2, 4, § 3.°; D. 7, 4, fr. 5', § 2."; Paulo, Sent, III,
VI, § 31; Codigo Civil francez art. 617; italiano, 515; hespa-
nhol, 513, 5.°; portuguez, 2.241, 6.°; argentino, 2.934; uruguayo,
637, 6.°; chileno, 807; venezuelano, 601; boliviano, 354, 5.á; mexi-
cano 1.038.
V — Inst, 2, 4, § 3.°; D. 7, 9, fr. 4; Codigo Civil francez,
art. 617; italiano, 515; hespanhol, 5'l3, 3.° e 4.°; portuguez, 2.241,
3.0 e 4.°; allemão 1.063; argentino, 2.928; uruguayo, 537, S.1;
venezuelano, 601; boliviano, 3^4, 3°.; mexicano, 1.038, IV.
VI Cod., 3, 34, 1. 13; Codigo Civil francez, 617; ita-
liano, 515; 'hespanhol, 518, 7.°; portuguez, 2.241, 4.°; argentino,
DOS DIREITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 321

2.924 e 2.942; uruguayo, 537, 4,°; chileno, 806; boliviano, 354,


4.°; venezuelano, 601; mexicano, 1.038, V.
VII — Codigo Civil francez, art. 618; italiano, 516; boli-,
viano, 355; venezuelano, 620. Veja-se, também o portuguez,
2.249. Em sentido differente: uruguayo, 540; chileno, 520; me-
xicano, art. 1.047.
Em direito romano, a deterioração culposa do usofructo
autorizava o seqüestro da coisa fructuaria, mas sem perda dos
direitos do usofructo (D. 39, 2, fr. 9, § 5.°, in fine).
Projectos — Esboço, arts. 4.663-4.674; Felicio dos Santos,
1.123 e 1.129; Coelho Rodrigues, 1.602. Beviláqua, 838; Re-
visto, art. 877.
Bibliographia — Lafatette, Direito das coisas, § 109; La-
cerda, Direito das coisas, § 73; M. I. Carvalho de Mendonça,
Do usofructo, ns. 123 e segs.; Didimo, Manual cit., IX, ns.
532 e segs.; Coelho da Rocha, Inst., §§ 620 e 621; Planiol,
Traité, i, ns. 1.758-1.802; Planiol et Ripert, III, ns. 861 e
segs.; Huc, Commentaire, IV, ns. 240-251; Baudry-Lacantinerie
et Chauveau, Des Mens, ns. 727-768; Laukent, Cours, I, ns.
602-610; Zachariae, Droit civil français, II, § 311; Aubry et
Rau, Cours, II, § 234; Chironi, Ist. I, § 169; Bonjean, Dis-
titutes, I, números 1.061-1.064; Code civil allemand; publié par
le Comitê de lég. étr., ao art. 1.061; Kolher, Lehrbuch, II,
2.a parte, § 109; Salvat, op. cit., II, ns. 1.688 e segs.

Observações — 1. — O usofructo é uma servidão pessoal,


está vinculado á pessoa, personce cohoeret, e com ella se ex-
tingue. O Codigo não conhece os usofructos successivos ou re-
versiveis, de que nos falam os escriptores francezes. A morte
extingue, necessariamente, o usofructo.
Lafayette sustentava que o testador pode deixal-o a um
mdividuo e aos seus herdeiros, adquirindo estes o direito, não
do usofruetuario, mas, sim, do testador, de quem seriam her-
deiros em segundo grau. Teríamos, então, um usofructo, rever-
sível, que, em ultima analyse, será usofructo de usofructo com
a
aggravante de gratificar pessoas ainda não existentes.
E' da natureza do usofructo que o proprietário e . o uso-
fruetuario coexistam.
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 21
322 CODIGO CIVIL

2. — O termo ãa duração do usofructo resulta, ordinaria-


mente, de determinação do titulo, ou seja porque se fixe um
momento preciso para a extincção do direito, ou seja porque
elle esteja sujeito a uma condição e esta se realize.
3. — Quando o usofructo for constituido por uma determi-
nada causa ou - razão juridica, se esta cesso, desapparece o di-
reito do usofructuario. Não ê somente ao usofructo do direito
de familia que se applica este modo de extincção. Também o
direito real de usofructo pôde extinguir-se pelo desappareci-
mento da causa, em razão da qual exista. Supponlia-se que
alguém concede a outrem o usofructo de certos bens, para
fim de o auxiliar em seus estudos. Terminados os estudos,
ou resolvendo a pessoa deixal-os, cessa a razão de ser do uso-
fructo.
4. — A destruição da coisa deve ser completa para extin-
guir o usofructo, como se a casa arruinada cáe, ou é inteira-
mente devorada por incêndio. Est jus in corpore, quod, suMato
et ipsum jus tolle necesse est. Se a destruição fôr parcial sub-
siste o usofructo na parte restante da coisa.
Eqüivalerá á destruição material da coisa, a sua transfor-
mação substancial, a rei mutatio, quando tal resulta do titulo
do usofructo ou do seu modo de ser? O usofructo de um campo
de cultura extingue-se, porque as aguas o invadiram e o trans-
formaram em lago? O direito romano respondia affirmativa-
mente. Pothier delle se afastou, Domat a elle volveu, e a sua
opinião conquistou a adhesão dos modernos civilistas francezes,
com raras excepções, entre as quaes se nota a de Planiol que
não se occupa da transformação da coisa, por caso fortuito.
O Codigo Civil brasileiro não seguiu a doutrina romana, pois
que transfere o usofructo para a indemnização proveniente do
seguro, da desapropriação por necessidade ou utilidade publica,
e do terceiro culpado pela destruição da coisa. Assim, se o
usofructo fôr de um campo de cultura, subsistirá sobre o lago
em que elle se transformou, porque as aguas não destruiram
a coisa, embora lhe mudassem a fôrma. Tal é a solução do
Codigo Civil do Chile, art. 808, que a razão approva.
Se o usofructo é impróprio, tendo por objecto coisa fun-
gível, , a destruição desta não entra em consideração, porque o
seu destino é ser destruída ou substituída pelo uso.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 323

Usou o Codigo, nesse passo, da expressão coisa fungível,


o art. 736 fala de coisas que se consomem pelo uso. Ainda que
não se devam confundir as duas categorias de coisas, as fun-
giveis (art. 50) e as consumiveis (art. 51), em relação ao uso-
fructo ellas se eqüivalem, porquanto, se este recair sobre coisa
fungível, o uso que o usofructuario delia fizer importará, ne-
cessariamente, no seu desapparecimento, porque terá de alienal-a
5. — Dá-se a consolidação da propriedade, quando o uso-
fructuario adquire o domínio da coisa. O direito de uso e gozo,
que andava separado da propriedade, a ella se reúne. Quando
o nu-proprietario adquire o direito de usofructo, que andava se-
parado da seu direito de propriedade, esta readiquire a sua con-
dição própria, que é a da plenitude.
6. — A prescripção do usofructo resulta do não uso do
direito. Não diz o Codigo Civil, quando se consumma essa
prescripção. No direito anterior, o prazo era, para uns, de
dez annos, entre presentes, ou vinte, entre ausentes (Lafayette,
§ 109), e, para outros, era de trinta annos (Coelho da Rocha,
Inst., § 620). Esta ultima opinião era, antes uma applicação
do direito francez. No direito novo, a acção real do usofructuario
extingue-se em dez ou vinte annos de não uso (art. 177), po-
dendo o proprietário libertar-se do ônus deante da impotência,
a que fica reduzido o direito do usofructuario. Não ha que
distinguir entre usofructo de moveis e de immoveis.
7.— A cíilpa ão usofructuario. Não conhecia o direito ro-
mano esta causa de extincção do usofructo, de que também não
tratam os nossos civilistas anteriores ao Codigo. Veio-nos ella
do direito francez, seguido por outros, como já ficou indicado,
sob a rubrica da legislação comparada. O usofructuario é obri-
gado a conservar a coisa em bom estadq, fazendo os reparos
ordinários, e velando por ella com interesse. Se não cumpre
essa obrigação, deve perder as vantagens correlativas. O mesmo
deve dizer-se do usofructuario perfeito que aliena o bem, sem
poder fazel-o.
A destituição opera-se, judicialmente, mediante acção do pro-
prietário.
8. — Não nos falou o Codigo da renuncia, que outras le-
gislações incluem entre os modos de extincção do usofructo.
Modo geral de extinguir os direitos patrimoniaes, nenhum in-
conveniente resulta da sua omissão. Para ter efficacia jurídica,
324 CODIGO CIVIL

a renuncia deve ser: expressa, feita, por pessoa papaz, e refe-


rente á totalidade do direito.
9. — Extincto o usofructo perfeito, o objecto, sobre que
elle recae, é entregue ao nu-proprietario. Extincto o quasi-uso-
fructo, pagar-se-lhe-á o valor, nos termos do art. 726.
Na restituição do usofruto, observam-se as normas esta-
belecidas nos arts. 719-728 e 732-738, quanto aos direitos e obri-
gações do usofructuario e do proprietário.

Art. 740 — Constituído o usofructo em fa-


vor de dois ou mais indivíduos, extinguir-se-á,
parte a parte, em relação a cada um dos que
fallecerem, salvo se, por estipulação expressa, o
quiulião desseá 'couber aos - sobreviventes.

Direito anterior — Matéria não regulada.


Legislação comparada — Dispõem differentemente o Co-
digo Civil portuguez, art. 2.250, o hespanhol, 521 e o pe-
ruano, 945.
Projectos — Esboço, artç 4.676 (fonte); Felicio dos Santos,
1.126; Beviláqua, 839; Revisto, 878.

Observação — Não ha direito de accrescer entre usofru-


ctuarios conjunctos, salvo estipulação expressa. A regra refe-
re-se, exclusivamente, a cláusulas de actos entre vivos; não
abrange as disposições de ultima vontade. O art. 1.716 deve
ser entendido .em polarização com o art. 740.

Art. 741 — O usofructo constituído em favor


de pessoa jurídica extingue-se com esta, ou, se
ella perdurar, aos cem annos da data, em que se
começar a exercer.
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 325

Direito anterior — Matéria não regulada por lei, porém


para a qual havia o estatuído pelo direito romano.
Legislação comparada — Este artigo procede do Codigo
Civil de Zurich, art. 300. Occupam-se do mesmo assumpto, mas
sem uniformidade; o Codigo Civil austríaco, art. 529, e o al-
lemão, 1.061, que não estabelecem limitação de tempo; o ar-
gentino, 2.920, que prescreve o espaço de 20 annos, o francez;
art. 619; o italiano, art. 518 (30 annos); o mexicano, art.
1.040 (20 annos); o do Montenegro, art. 159 (50 annos); o
suisso, 749 (100 annos).
Por direito romano, o usofructo concedido a uma pessoa
jurídica durava cem annos (D. 7, 1, § 56; 33, 2, fr. 8).
Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.130; Coelho Rodri-
gues, 1.603; Beviláqua, 840; Revisto, 879.

QONSFI-HO regional do trabalho


K REGIÃO
Observação — O usofructo é, por natureza, temporário, e
as pessoas jurídicas têm duração indeterminada, algumas per-
durando indefinidamente, como a União, o Estado e o Município.
Picaria sem interesse a nua-propriedade, se o usofructo per-
durasse illimitadamente. Tendo de estabelecer um prazo, o Co-
digo Civil manteve o do direito romano.

CAPITULO v

Do uso'

Art. 742 — 0 usuário fruirá a utilidade da


coisa dada em uso, quanto o exigirem as neces-
sidades pessoaes suas e de sua familia.

Direito anterior — No silencio da lei, os auctores não eram


accordes na determinação das faculdades contidas no direito
de uso.
Legislação comparada — Inst., 2, 5, § 1.°; Codigo Civil
francez, art., 630; italiano, 521, allemão, 1.090 e 1.091; aus-
tríaco, 505; hespanhol, 524, l.a parte; portuguez, 2.254 e 2.257;
argentino, 2.948, 1." parte; uruguayo, 541 e 545; peruano, 951;
326 CODIGO CIVIL

venezuelano, 606 e 608; boliviano, 367; do Montenegio, 170, 1.


parte; mexicano, 1.049.
Projectos — Esboço, arts. 4.699 e 4.710; Felicio dos Santos,
1.143 e 1.144; Beviláqua, 841; Revisto, 880.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 112, La-
cerda, Direito das coisas, § 76; M. I. Carvalho de Mendonça,
Do usofructo, ns. 152 e segs.; Didimo, Manual cit., IX, ns.
576 e segs.; Maetinho Gabcez, Direito das coisas, § 260; Al-
machio Diniz, Direito das coisas, § 65; Coelho da Rocha, § 622;
Planiol, Traité, I, ns. 1.803-1.806; Plâniol et Ripert, IIL
números 880 e segs.; Huc, Commentaire, ns. 252 e segs.;
Baüdry-Laoantinebie et Chauveaü, Des biens, ns. 774-789;
Laürent, Cours, I, ns. 611-616; Aubby et Rau, Gours, II, § 237;
Zachariae, Droit civil français, II, § 313; Endemann, Lehr-
buch, II, § 107; Windscheid, Pand., § 207; Dernbubg, Pand., I
§ 250; Chironi, Ist., § 170; Salvat, op. cit., II, ns. 1.738 e segs.

Observações — 1. — A differença essencial entre o uso


e o usofructo está em que o primeiro é mais restricto. Ne-
cessário é, porém, definir os limites do uso, para que cessem
toda confusão e incerteza. E' o que faz o Codigo, estatuindo
que a funcção do usuário se mede por suas necessidades pes-
soaes, accrescidas das de sua familia.
O direito romano conhecia ainda, além do uso e da ha-
bitação, uma outra servidão pessoal de conteúdo, limitado, o
direito ao serviço de escravos e de animaes (opera servorum
et animalium). Também o direito allemão admitte outras ser-
vidões pessoaes restrictas (beschraenkte persoenliche Dier^stbar-
keiten), entre as quaes podem incluir-se o uso e a habitação.
A tradição do nosso direito, porém, reduzira essas servidões
aos dois typos que o Codigo destacou.
2. — O uso é direito real temporário, como o usofructo.
Pode recair sobre movei ou immovel; mas não sobre coisa
fungível ou consumivel. Por não poder objectivar-se em coisa
consumivel, é mais rigorosa nelle a qualidade negativa, de não
poder ser cedido. Não se comprehende mesmo a cessão do exer-
cício do uso.
O usuário é possuidor directo.
DOS DIREITOS REAE8 SOBRE COISAS ALHEIAS 327

3. — Nos jazigos perpétuos, o jus sepulchri offerece o as-


pecto de uso, com a faculdade de sepultar nelles as pessoas
da família. Mas, entre nós, não exigiam, ainda, as necessi-
dades sociaes, que se désse relevo, e se fixasse essa relação
jurídica, ficando a matéria confiada aos regulamentos munici-
paes. Leia-se Carlos Fadda, Pareri giuriãici, IX.

Art. 74:3 — Avaliar-se-ao as necessidades


pessoaes do usuário, conforme a sua condição
social e o logar onde viver.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil austríaco, art. 0O6,
argentino, 2.954 e 2.955.
Projectos — Esboço, arts. 4.712 (fonte) e 4.715; Bevi-
láqua, 842; Revisto, 881.

Observação — Entrou em duvida, se as necessidades pes-


soaes do usuário são as existentes no momento, em que se cons-
tituiu o uso, quaesquer que ellas venham a ser no curso da
sua existência, emquanto subsistir o seu direito." Devemos se-
guir a interpretação mais favorável ao usuário, e declarar que
o seu direito subsiste e se desenvolve, se as suas necessidades
pessoaes augmentarem. Não se considéram necessidades pes-
soaes as da industria ou commercio do usuário.

Art. 744 — As necessidades da família do


usuário compreliendem:
I. As de seu cônjuge.
II. As dos filhos solteiros, ainda que ille-
gitimos.
III. As das pessoas de seu serviço domés-
tico.
328 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Codigo Civil argentino, art. 2.953;
chileno, 815; uruguayo, 545. Vejam-se, também, o italiano, 523;
o portuguez, 2.257; in fine, e o francez; 630. E ainda o no
Montenegro; 170.
Para o direito romano. D. 7, 8, fr. 2, § 1.°.
Projectos — Esboço, arts. 4.713 (fonte) e 4.716; Bevi-
láqua, 843; Revisto, 882.

Observação — Na expressão filhos não se comprehendem


somente os que existem ao tempo da constituição do uso, mas,
egualmente, os que sobrevierem. O mesmo se deve dizer das
pessoas de serviço doméstico.

Art. 745 — São applicaveis ao uso, no que


não for contrario á sua natureza, as disposições
relativas ao usofructo.

Direito anterior — Havia o subsidio do direito romano.


Legislação comparada — Inst., 2, 5', pr.; D. 7, 8, fr. 1;
Codigo Civil francez, arts. 625-627; italiano, 825-829; hespanhol,
525-529; portuguez, 2.255-2.258; chileno, 812; peruano, 951; me-
xicano, 1.058; venezuelano, 613.
Projectos — Esboço, arts. 4.706 e 4.730; Felicio dos Santos,
1.144; Beviláqua, 844; Revisto, 883.

CAPITULO VI-

Da habitação

Art'. 746 — Quando o uso consistir no di-


reito de habilitar, gratuitamente, casa alheia, o ti-
tular deste direito não a pôde alugar, nem em-
prestar, mas, simplesmente, occupal-a com a sua
famiHa.
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 329

Direito anterior — Recorria-se ao direito romano.


Legislação comparada — Inst., 2, 5, § 5.°; D. 7, 8, § 10,
pr.; Codigo Cívíl francez, arts. 632 e 633; italiano, 522 e 524;
portuguez, 2.254; suisso, 776 e 777; hespanhol, 524, 2.a ai.;
austríaco, 521; allemão, 1.093; argentino, 2.948, 2.a al., -815 e
819; boliviano, 369-371; venezuelano, 607 e 608; mexicano, 937
e 938; do Montenegro, 171.
Por direito romano, aquelle a , quem fosse conferido o di-
reito de habitação, usus aeãium, podia alugar a casa {Inst.r
2, 5, § 5.°; Cod., 3, 33, 1. 13).
Projectos — Esboço, arts. 4.700, 4.719 e 4.725; Felicio dos
Santos, 1.143; Bevüagua, 845; Revisto, 884.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 113; La-
cerda, Direito das coisas, § 76; M. I. Carvalho de Mendonça,
Do usofructo, ns. 164 e segs.; Didimo, Manual cit, IX, ns.
587 e segs., Coelho da Rocha, Inst., § 622; Planiol, Traité,
I, numero 1.807; Huc, Gommentaire, IV, ns. 252-258; Baudry r
Lacantinerie et Chahveau, Des biens, ns. 774-786; Laurent,
Gours, 1, ns. 611-616; Aubry et Rau, Cours, II, § 238; Zaoha-
riae, Droit civil français, II, § 314; Dernburg, Panã., I, § 250,
b; Windscheid, Panã., § 208; Chironi, Ist., § 170; Salvat, op.
cit., II, ns. 1.738 e segs.

Observação — O Codigo define indirecta, mas muito cla-


ramente, o direito de habitação, que é um direito real, tem-
porário, limitado á occupação da casa alheia, para a moradia
do titular e de sua família.
O habitador tem a posse directa da casa, sobre que exerce
o seu direito real. Mais limitado do que o uso, o direito de
habitação deve restringir-se á morada. Não teria um caracter
proprio se fosse, apenas, o uso da casa. Por isso não pode o
habitador empregar a casa para estabelecimento de industria
ou commercio, se nella não habita.

Art. 747 —Se o direito real de habitação


for conferido a mais de uma pessoa, qualquer
330 CODIGO CIVIL

dellas, que habite, sósinha, a casa, não terá de


pagar aluguel á outra, ou ás outras, mas não as
pôde inhibir de exercerem, querendo, o direito,
que também lhes compete, de babital-a.

Direito anterior — Omisso.


Legislação comparada — Nenhuma disposição correspon-
dente nos Codigos Civis citados neste livro.
Projectos — Esboço, art. 4.726 (fonte); Beviláqua, 846;
Revisto, 885.

Art. 748 — São applicaveis á habitação, no


em que lhe não contrariarem a natureza, as dis-
posições concernentes ao usofructo.

Direito anterior — Tal era o subsidio do direito romano


que, aliás, accentuava ser a habitação direito pessoal {aliquoã
jus), differente do usof ructo e do uso (neque usus viãetur
■neque usufructus).
Legislação comparada — Inst., 2, 5, § 5.°. D. 7, 9, fr. 5,
§ 3.°; Cod., 3, 33, 1. 13. Veja-se a legislação referida no com-
mentario ao art. 74E).
Projectos — Esboço, arts. 4.706, 4.707 e 4.730; Felicio
dos Santos, 1.144; Beviláqua, 847; Revisto, 886.

CAPITULO YII

Das rendas constituídas sobre immoveis

, Art. 749 — No caso de desapropriação, por


necessidade ou utilidade publica, de prédio su-
jeito á constituição de renda (arts. 1.424-1.431),
applicar-se-á em constituir outra, o preço do im-
movel obrigado. O mesmo destino terá, em caso
analogo, a indemnização do seguro.
331
DOS DIKEITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS

Direito anterior — Não havia este direito real, e, sim


o de prestações ou alimentos, consignado sohxe o immovel poi
disposição de ultima vontade (Dec. n. 169 A, de 19 de Janeiro
de 1890, art. 6.°). Veja-se o que dizem as observações adeante,
numero 1.
Legislação comparada — Sem correspondência exac a. e
jam-se; Codigo Civil allemão, arts. 1.199-1.203; portuguez, 1.644-
1.652 e 1.706-1.709; hespanhol, 1.604-1.627 e 1.657-1.664; suisso,
782-792; chileno, 2.022-2.052; francez, 1.909-1.914 e 1.968-1.983;
italiano, 1.778-1.801; venezuelano, 1.864-1.875; peruano, 1.749-
1.767. A legislação citada refere-se á renda constituída sobre
moveis ou immoveis, e teve aqui ingresso, somente para se con-
frontarem os modos differentes pelos quaes esta figura juridica
se acha organizada.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.615, in fine; Bevi-
láqua, 849. O Projecto revisto eliminara este capitulo, para mantei
.o direito anterior, mas a Gamara o restaurou {Trahalhos, VI,
paginas 315 e 317).
Bibliographia — S. Vampré, Manual, II, §§ 96-99; Didimo,
Manual cit. IX, ns. 598 e segs.; Coelho da Rocha, Inst.,
§§ 583-586, e notas B B e C C, no fim do vol.; Liz Teixeira,
Curso, III, tit. XI, §§ 5.° e 6.°; Planiol, Traité, I, ns. 88o e
segs.; Planiol et Ripert, III, ns. 1.003-1.005; Huc, Commen-
taire, IV, ns. 44-46; Baubry-Lacantinerie et Chauveau, Des
hiens, números 143-164; Aubry et Rait, Couis, II, § 22^, ter,
VI, §§ 387-390; Coãe Civil allemand publié par le Comitê de
lég. étr., ao art. 1.105; Endemann, Lehil)uch, §§ 108 e 109,
Schneider, Privatrechtliches G. B. f. K- Zuerich, aos arts.
306 e segs.; Rossel Mentha, Droit civil suisse, II, ps. 169
e segs.; Huber, Exposé des motifs, ps. 527-532; Dias Ferreira,
Codigo Civil portuguez IV, aos arts. 1.644 e segs.; Sanchez
Roman, Derecho civil, III, cap. XVIII; meu Direito das coisas,
I, § 86 a 88.

Observações — 1. — O direito pátrio antigo conhecia o


censo reservativo e o consignativo. O primeiro consistia na
reserva de fructos que, em seu favor, estabelecia o dono de
um prédio ao alienal-o; o segundo consistia em prestações, a
que alguém se obrigava, mediante o recebimento de certo ca-
332 CODIGO CIVIL

pitai. Eram mal vistos esses contractos, pelo receio de que


acobertassem a usura, que a lei condemnava.
A reforma hypothecaria de 1864, reduzindo as figuras de
direitos reaes a certas categorias,, retirou dos censos esse ca-
racter, e conferiu-o, somente, ao legado de prestações ou ali-
mentos, expressamente consignados no immovel. A remodelação
de 1890 reproduziu esse dispositivo, de modo que, no ultimo es-
tado do direito civil pátrio, os censos eram direitos pessoaes,
e apenas constituía direito real o legado nas condições apon-
tadas.
O Codigo Civil, combinando e desenvolvendo essas figuras
jurídicas, regulou a constituição de renda, attribuindo á que
recahisse sobre immovel o caracter de direito real.
2. — Renda constituída sobre immovel é o direito real
temporário, que grava determinado bem de raiz, obrigando o
seu proprietário a pagar prestações periódicas, de somma de-
terminada.
Pode a renda ser constituída por acto entre vivos ou de
ultima vontade. Em ambos os casos, deve ser transcripto no
registro de immoveis, para que se considere direito real. Po-
derá recair sobre um prédio ou sobre diversos. .
A renda deverá ser temporária (art. 1.124). Razões de
ordem econômica levaram o Codigo a repellir as rendas per-
pétuas, que seriam vínculos em desharmonia com a indole do
nosso direito.
3. — O contracto, que serve de base ao direito real, rege-se
pelos preceitos estabelecidos nos arts, 1.424 a 1.430 e será
lavrado por escriptura publica.
A prestação pode ser mensal, trimestral, annual, ou como
fôr estipulado. Será estabelecida a titulo oneroso ou gratuito;
em favor do constituinte ou de terceiro, que não venha a fal-
lecer, nos trinta dias seguintes á celebração do contracto, de
moléstia de que já padecia.
Constitue-se a renda sobre immovel, pela entrega de um
prédio urbano ou rural, que passa para o patrimônio do rendeiro
ou censuario, com a obrigação de pagar a prestação estipulada.
V
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 333

Art. 750 — O pagamento da renda, consti-


tuída sobre um immovel incumbe, de pleno di-
reito, ao adquirente do prédio gravado. Esta
obrigação estende-se ás rendas vencidas antes da
alienação, salvo o direito regressivo do adqui-
rente contra o alienante.

Direito anterior — Todo este capitulo é estranho ao di-


reito anterior.
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. l.lCh,
com referencia aos arts. 1.147 e segs. e 1.110; suisso, 792.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.624; Beviláqua, 850.

Observação — Como direito real, a renda constituída sobre


o immovel, segue-o através das mutações de propriedade, de
que elle fôr objecto. O rendeiro não está impedido de alienar
o immovel, mas o adquirente o recebe com o ônus, isto é,
com a obrigação de pagar as rendas vencidas e por vencer.
O credor não pago tem o direito de excutir o bem, para o
pagamento das prestações. A arremataçâo extingue o ônus,
porém o credor da renda tem o direito de haver, do preço ,que
o immovel alcançar, um capital correspondente, a renda que o
titulo lhe assegura, tomando-se por base os juros legaes de
6%, nos termos do art. 751, combinado com o art. 1.063.

Art. 751 — O immovel sujeito a prestações


de renda pôde ser resgatado, pagando o devedor
um capital em especie, cujo rendimento, calcu-
lado pela taxa legal dos juros, assegure ao credor
renda equivalente.

Legislação comparada — 'Veja-se o Codigo Civil suisso,


arts. 788 e 789. E ainda: francez, 1.911; italiano, 1.783 e 1.784,
portuguez, 1.648 e 1.651; hespanhol, 1.608-1.612 e 1.658; chi-
leno, 2.029 e 2.030 e 1.038-2.040.
334 CODIGO CIVIL

Projeçtos — Esboço, arts. 2.246-2.253; Coelho Rodrigues,


1.625; Beviláqua, 851.

Observação — O Codigo desconhece as rendas perpétuas,


mas, ainda, as temporárias, podem ser resgatadas por accórdo
das partes, ou, não combinando ellas, desde que o rendeiro se
promptifique a pagar, ao credor, um capital, que lhe assegure
Uma renda equivalente á que lhe dá direito o titulo. O credor
não tem direito de recusar o capital, nem é vallida a clausula,
pela qual o rendeiro renuncia o direito de resgate.
O resgate deve ser feito por inteiro, salvo clausula em con-
trario no titulo constitutivo.

Art. 752 — 'No caso de fallencia, insolvencia


ou execução do prédio gravado, o credor da ren-
da tem preferencia aos outros credores, para ha-
ver o capital indicado no artigo antecedente.

Projeçtos — Coelho Rodrigues, art. 1.626; Beviláqua, 852.

Observação — A constituição da renda não retira o prédio


do commercio; e, estando elle no patrimônio do rendeiro, res-
ponde por suas dividas. Tres situações se podem apresentar,
em que o prédio gravado pelas prestações de renda tenha de
ser alienado, forçosamente, por dividas do rendeiro: numa exe-
cução ordinária em que o prédio tenha sido offerecido á pe-
nhora; no concurso de credores, verificada a insolvencia; e na
execução collectiva, por ter sido o devedor declarado fallido.
Na fallencia, arrecada-se o patrimônio do devedor e os cre-
dores reunidos promovem a defesa dos respectivos direitos. So
da massa fallida faz parte um prédio gravado por prestações
de renda, o credor dellas terá direito de haver, do preço do
immovel, um capital, que lhe assegure a renda nelle consignada,
DOS DIREITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 335

e os credores chirographarias receberão somente o que exceder


desse capital. E' que, nessa execução geral, o credor das rendas
se apresenta com o seu direito real, que afasta todos os pes-
soaes, e, ainda, os reaes posteriormente registrados, segundo a
regra estabelecida no art. 1.560.
O mesmo se dará, quando da execução, ordinária resultar
concurso de credores (art. 1.554), que é, também, uma exe-
cução geral, ainda que organizada por molde differente do es-
tabelecido para a fallencia.
Ainda sem concurso creditorio, pode o bem ser. penborado
e arrematado para o pagamento de divida de terceiro. A situação
é a mesma; o bem terá de ser vendido, e sobre o preço o credor
de renda terá de retirar, quantia, que, a juro, lhe dê o rendi-
mento assegurado no seu titulo.
Os juros legaes são de 6 % (art. 1.063).

Art. 753 — A renda constituída por dispo-


sição de utinia vontade começa a ter effeito,
desde a morte do constituinte, mas não valerá
contra terceiros adquirentes, emquanto não
transcripta no competente registro.

Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.616. A Gamara ex-


trahiu este artigo e o seguinte do Projecto Coelho Rodrigues
(Trabalhos, VI, ps. 316, 317 e 359). V. também o Revisto, 887.

Observação — E' caracteristico do direito real prevalecer


erga omnes. Não se compadece com a bôa lógica juridica um
direito real que somente exista entre as partes por elle vin-
culadas. E' também principio geral estabelecido pelo Codigo
que a acquisição dos direitos reaes sobre immoveis dispensa
a transcripção, quando constituídos por actos de ultima von-
tade (art. 676). O art. 753, portanto, consagra uma excepção
a este principio, além de um desvio da doutrina constructiva do
direito real. O desvio melhor fora que o tivessem eliminado; a
336 CODIGO CIVIL

excepção justifica-se pela necessidade de melhor se garantirem


os direitos de terceiros.

Art. 754 — No caso de transmissão do pré-


dio gravado a muitos successores, o ônus real da
renda continua a graval-o em todas as suas par-
tes.

Legislação comparada — Codigo Civil suisso, art. 792, se-


gunda parte; allemão, 1.108, 2/ parte.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.617.

Observação — Do que prescreve este artigo resulta que a


divida de prestações, consignada no immovel, é solidaria; e in-
divisível o direito do credor da renda. Dividido o prédio entre
vários donos, a divida da renda contihúa a graval-o na sua
totalidade, como se elle permanecesse integro; mas periclitarxa
o direito do credor, se a essa indivisibilidade do seu direito
não correspondesse a solidariedade da obrigação, uma vez que
o Codigo não estabeleceu, como para a divisão do prédio em-
phyteutico, a concentração da divida na cabeça de um dos do-
nos (art. 690).
Assim, do facto de continuar o ônus real a gravar o im-
movel, em todas as suas partes, depois de dividido, resulta que
os successores do devedor são devedores conjunctos, e esta
conjuncção se traduz, necessariamente, por uma solidariedade
passiva, da qual só o credor poderá dispensar os devedores.
Aquelle que pagar a renda. terá direito regressivo sobre os
outros condevedores, e a cada um incumbirá uma parte pi o-
porcional ao valor do seu quinhão.

CAPITULO VIII

Dos direitos reaes de garantia

Art. 755 — Nas dividas garantidas por pe-


uhor, antichrese ou liypotiieca, a coisa dada eni
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 337

garantia fica sujeita, por vinculo real, ao cum-


primento da obrigação.

Direito anterior — Principio reconhecido, mas não havia


synthese legal semelhante á do Codigo Civil.
Projectos — Beviláqua, art. 853; Revisto, 889.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 159; La-
cerda, Direito das coisas, § 108; Ouro Preto, Credito movei,
cap. I; Azevedo Marques, A hypotheca; A. D. Gama, Da hy-
potheca; S. Vampré, Manual, II, §§ 100 e segs., Barão de Lo-
reto, Parecer, nos Trabalhos da Gamara, II, ps. 140 e segs.;
Rivadavia Correia, Parecer, nos cits. Trabalhos, III, ps. 111 e
segs.; veja-se, também, a discussão deste Parecer, na qual to-
maram parte Andrade Figueira, Azevedo Marques, Adolpho
Gordo, Correia, Oliveira Figueiredo, Coelho Rodrigues, Didimo
da Veiga, Salvador Moniz. E mais: Guillouard, Previlèges et
hyyothèques, I, Introãuction; Aubry et Rau, Gours, III, §§ 256
e segs.; Planiol et Ripert, Droit civil français, XII, ns. 1-lu
e 305 e segs.; Kohler, Lehrbuch, II, 2.a parte, §§ 127 e segs.;
Endemann, Lehrbuch, II, § 112; Dernburg, Pand, I, §§ 251 e
segs.; Roth, System, III, 290; Windscheid, Pand., I, § 224.
Chironx, Ist., I, § 206; Affonso Fraga, Direito reaes de ga-
rantia, ns. 33 e segs.; meu Direito das coisas, II, §§ 89 a 100.

Observações — 1. — Direitos reaes de garantia. Todo o


patrimônio do devedor assegura, de modo geral, o pagamento
dos seus credores. Alguns destes podem, todavia, ter, a seu
favor, razões de preferencia, a fim de serem pagos com ex-
clusão dos outros. As razões de preferencia são ou de ordem
pessoal ou de ordem real. As primeiras constituem os privi-
légios e as segundas os direitos reaes de garantia (art. 1.557),
também denominados direitos pignoraticios.
O que caracteriza esta classe de direitos é a intima con-
nexão, em que se acham com as obrigações, cujo cumprimento
asseguram, das quaes dependem e são accessorios. E' por vin-
cularem a coisa, directamente, á acção do credor, para a sa-
tisfação do seu credito, que lhes cabe, adequadamente, a deno-
minação de direitos reaes de garantia.
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 22
338 CODIGO CIVIL

Differem, essencialmente, dos outros direitos reaes de uso


e gozo. a) Não destacam da coisa, sobre que recaem (salvo
a antichrese), quaesquer utilidades econômicas em beneficio do
titular; dão-lhe, somente, o poder de se pagar pelo valor ou
pelos productos delia; &) não existem por si, gravando a coisa
alheia; dependem do direito de credito, cuja realização asse-
guram. Desta dependência resulta que, se são insufficientes
para cobrir os créditos, que garantem, estes subsistem na parte
restante; mas se o credito, que é a coisa principal, se extingue,
desapparece o direito real de garantia.
2. O resultado, que se obtém com a constituição desse»
direitos é a prelação. Mas elles differem dos outros titulos de
prelação em que, nos outros, a preferencia é o proprio con-
teúdo do direito como no privilégio; e, nos direitos reaes de
garantia, a preferencia é conseqüência forçosa de se achar a
coisa vinculada ao cumprimento da obrigação; o conteúdo do
direito é esse vinculo. Desta differença resulta que o credito
real prefere ao pessoal, excepção feita do proveniente de sa-
lário devido ao trabalhador agricola (arts. 759 e 1.560). Outra
excepção consistia na indemnização por accidente no trabalho
(dec. 13.498, de 12 de Março de 1919, art. 27). Mas o dec. n.
24.617, de 10 de julho de 1934, mandou prevalecer esta preferen-
cia apenas contra quaesquer créditos privilegiados e não contra
os reaes.
3. _ Dos direitos reaes de garantia, o penhor e antichrese
conferem a posse ao credor, que detem a coisa dada em ga-
rantia. O credor hypothecario não detem o immovel, que lhe
garante o pagamento da divida; o dono do bem hypothecado
continúa a possuil-o, como se não houvera o vinculo.

Art. 756 — Só aquelle que pôde alienar, po-


derá liypothecar, dar em anticlirese, ou empe-
nhar. Só as coisas, que se podem alienar, pode-
rão ser dadas em penhor, antichrese, ou hypo-
theca.
Paragrapho único. O dominio supervenien-
te revalida, desde a inscripção, as garantias
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 339

reaes estabelecidas por quem possuía a coisa a


titulo de proprietário.

Direito anterior — Conforme, segundo os princípios geraes,


e os decs. 169 A, de 19 de Janeiro de 1890, art. 2.°, §§ 4.° e
6.°; e n. 370, de 2 de Maio de 1890, art. 121.
Veja-se, também, Carlos de Carvalho, Direito civil, ar-
tigos 626 e 728.
Legislação comparada — V. quanto ao principio do artigo;
Codigo Civil liespanhol, art. 1.857; argentino, 3.119; chileno,
2.387; uruguayo, 2.294; francez, 2.124; italiano, 1.974; portuguez,
894; boliviano, 1.472; venezuelano, 1.962; mexicano, 2.906.
Contra o disposto no paragrapho único; Codigo Civil ar-
gentino, art. 3.126.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.538 e 2.541; Coelho
Rodrigues, 1.630; Beviláqua, 854; Revisto, 890.
O paragrapho único é devido á Commissão da Gamara {Tra-
balhos, VI, p. 320.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, II, §§ 161,
162, 178, 210 e 216-218; Lacerda, Direito das coisas, II, §§ 164,
169 e 170; Didumo, Direito hypothecario, ns. 5'6-61 e 66-73; Aze-
vedo Marques, A hypotheca, ps. 15 e segs.; Barão de Loreto,
Trabalhos da Gamara, II, ps. 143-144; Planiol, Traité, II, ns.
2.770-2.779; Huc, Gommentaire, XIII, ns. 201 e 209; Guillouard,
Des Privilèges et hypothéques, II, ns. 934-987; Paulo Pont, D es
privilèges et hypothéques, II, ns. 608-635; Zachariae, Droit
civil français, V, § 799; Sanchbz Roman, Derecho civil, III,
cap. XIX; Affonso Fraga, Direitos reaes de garantias, n.-. 35 a
39; Chironi, Ist. I, § 213.

Observações — 1. — Neste capitulo VIII, reuniu o Codigo


os princípios communs aos diversos direitos reaes de garantia.
A primeira regra, estabelece, depois de firmado o conceito
dessa categoria de direitos, concerne á capacidade da pessoa,
que os pretenda constituir.
Somente aquelle que pôde alienar pôde constituir direito
Leal de garantia sobre os seus bens, porque o bem que, assim,
garante uma divida; fica sujeito ao pagamento delia, pela venda
340 CODIGO CIVIL

amigável ou judicial, ou pela percepção dos fructos, desde que.


por outro modo, não fôr solvida. D'alii resulta que somente o
proprietário do bem pôde empenlial-o, hypotliecal-o ou dal-o em
anticlirese. Mas o proprietário, muitas vezes, não tem a livre
disposição de seus bens, ou não a tem em relação á classe de
bens, a que se refere o direito real de garantia, e a lei lhe
restringe, correspondentemente, a faculdade de offerecer bens
em garantia real.
Os incapazes não podem dar bem em garantia de dividas,
suas ou alheias, por isso que não têm a faculdade de alienai .
Os paes não podem hypothecar nem gtavar de hypotheca os
bens dos filhos, que se acham sob o poder paternal, senão me-
diante autorização do juiz, em caso de evidente utilidade ou
reconhecida necessidade (art. 386). Não lhes prohibe a lei, ex-
pressamente, empenhar os moveis; porém, como o seu diieito
não vai além da simples administração, ser-lhes-á, também, ne-
cessária a autorização do juiz para dar em penhor bens dos filhos.
Aos tutores é vedado constituir qualquer dos direitos reaes
de garantia sobre os bens dos pupillos, porque mais limitado,
ainda, é o seu poder, relativamente aos bens dos menores, do
que o dos paes. Apenas os bens destinados á venda lhes é li-
cito alienar; os outros, somente nos casos em que a lei o pei
mitte, e, sempre, em praça ou hasta publica (arts. 426, n.
IV; 427, n. VI. e 429). Nesta matéria ha maior rigor no Codigo
do que havia no direito anterior. E comprehende-se bem a razão.
Os tutores não são donos dos bens, são meros administradores
e representantes legaes. Não podem exercer sobre os bens do
menor, além da simples administração, senão os direitos quo
a lei, expressamente, lhes conferir.
O mesmo deve dizer-se dos curadores (art. 453).
Ao prodigo é licito bens em penhor, antichrese ou hy-
potheca, mediante assentimento do curador (art. 459).
O marido não pôde hypothecar nem dar em antichrese.
quer os immoveis da communhão, quer os seus proprios. A
mulher soffre egual limitação em sua capacidade (art. 242, ns.
I e II ). Para taes actos, cada um dos cônjuges necessita do con-
sentimento do outro, e esse consentimento pôde ser suppiido
pelo juiz. Em relação á mulher, que, ausente ou interdicto o
marido, assume a direcção da família, o Codigo reconhece a ca-
DOS DIREITOS BEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 341

pacidade de alienar os bens próprios, sem necessidade de inter-


venção de quem quer seja (art. 2^1).
lo- — Azevedo Marques, Hypotheca, ps. 11-15, opina dif-
ferentemente, quanto á hypotheca de tutelados e curatelados, e
certamente por equivoco, me attribue, quanto á dos filhos-fa-
milias, opinião que não emitti.
Continuo a pensar, quanto á hypotheca dos tutelados e cura-
telados, que se não pôde realizar, porque, importando a hypo-
theca alienação, e exigindo esta hasta publica, o acto é, pra-
ticamente, irrealizavel; e porque sendo a alienação dos immo-
veis dessas pessoas permittida somente quando houver mani-
festa vantagem (art. 429), tal permissão se não applica á hypo-
theca, da qual pode resultar alienação desastrosa; e ainda por-
que se não compadece com a funcção de tutor contrahir dividas
em nome do menor, compromettendo-lhe a parte mais solida
do patrimônio. O tutor administra, não especula com os bens
do pupillo; conserva o capital e tira delle os rendimentos nor-
maes, não os inverte em negocios, que os podem ou multiplicar
ou exhaurir. Tal é o systema. do nosso Codigo Civil, que resulta
do conjuncto dos dispositivos referentes á tutela e á curatela,
e que tem o mérito de ser cauteloso, como convém, nesta ma-
téria.
1 b — Affonso Fraga, op. cit., p. 63 a 68, também dis-
corda do ponto de vista adoptado neste livro, quanto á hypo-
theca dos tutelados.
2. — A constituição de direito real deve recair sobre coisa
alienavel. Aquellas que estão fóra do commercio por sua pró-
pria natureza ou por disposição de lei (art. 69) não podem
ser objecto de penhor, antichrese ou hypotheca. Por este prin-
cipio, afastam-se, dos vinculos reaes, de garantia, os bens pú-
blicos, de uso commum, ou de uso especial (arts. 66 e 67),
os immoveis dotaes (art. 293), os bens doados ou transmittidos
por successâo com a clausula da inalienabilidade (arts. 263, n.
II, 1.676 e 1.723), e os que já se acham penhorados, ou na
imminencia de o ser (Reg. n. 737, de 25 de Novembro de 1850,
art. 494, § 2.°).
3. — Por isso que a faculdade de alienar é a medida da
faculdade de constituir direitos reaes de garantia, não pode
coisa alheia ser objecto desses direitos. O acto, porém, não é
nullo, e o domínio superveniente revalidará, desde a inscripção,
342 CODIGO CIVIL

ou transcripção as garantias reaes estabelecidas por quem pos-


suiu a coisa a titulo de propriedade, prescreve o paragrapho
único do artigo analysado. Não é a garantia real de qualquer
pessoa que pode ser revalidade pela acquisiçã.o posterior do do-
mínio; é somente a do possuidor a titulo de proprietário; por-
que essa posição de proprietário apparente pode, facilmente, in-
duzir em erro os que com elle tratam, e a lei protege a bôa
fé. E' um principio de equidade em symetria com o estabelecido
no artigo 662, 2.a parte. ,
No direito francez, largamente, se discutiu esta matéria e
as opiniões se dividiram. Axtbry et Rau, Zachariae, Maktou,
Paul PoiyT, Loyjnes e Eaurent sustentam que a nullidade ra-
dical da hypotheca da coisa alheia não desapparece com a su-
perveniencia de domínio. Merlin, Troplong, Colmet de San-
terre, Guillouard e Planiol têm opinião contx-aria. Mas a ju-
risprudência se fixou no sentido da nullidade absoluta dessa
hypotheca. (Plamol et Ripekt, XII, ns. 420-421).
A solução do Codigo Civil brasileiro remonta ao direito
romano (D. 20, 1, fr. 15l, § IP), e tem por si longuissima
tradição. Vejam-se ainda: Trabalhos da Gamara, VI, p. 322, e
VII, p. 275; Mayns, Droit romain, § 241; e Lysipo Garcia, Re-
gistro de immoveis, II, ps. 110-111.
4. — O art, 756, paragrapho único, diz como disseram,
antes, delle, a lei de 24 de Setembro de 1864, art. 2.°, § 6.°, e
%
o decreto n. 169 A, de 1890, art. 2.°, § 6.°, que o domínio su-
perveyiiente revalida, desde a inscripção, as garantias reaes, es-
tabelecidas por quem possuía a coisa a titulo de propriedade.
Tem-se affirmado que, em vez de inscripção, em todos os casos,
deve ler-se transcripção. Tal não é possível, quanto a hypo-
theca. E' á inscripção, que o nosso direito hypothecario se vem
referindo, desde 1864, com apoio nos melhores interpretes (La-
fayette, Direito das coisas, §■ 216), e porque, no domínio do
Codigo Civil, não se comprehende hypotheca por quem não tenha
o seu titulo de propriedade transcripto no registro de immo-
veis. Por isso, no n. 3 acima, se diz: desde a inscripção ou
transcripção. Esta ultima formalidade refere-se ao penhor (arts.
796 e 801) e á antichrese (arts. 676, 760 e 856, III), e não
á transcripção do acto translativo da propriedade, no caso de
se achar o immovel hypothecado. A superveniencia do domínio
DOS DIREITOS HEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 343

retrotráe. ao momento em que se constituiu o * acto revaüdade


como observa Lafaytte, (§ 216, 3).

Art , 757 — A coisa commnm a-dois ou mais


proprietários não pode ser dada em garantia
real, na sua totalidade, sem o consentimento de
todos, mas cada um pôde, individualmente, dar
em garantia real a parte que tiver, se. for divi-
sivel a coisa; e só a respeito dessa parte vigo-
rará a indivisibilidade da garantia.

Direito anterior — O mesmo, quanto á hypotheca (dec.


numero 169 A, de 19 de Janeiro de 1890, art. 4.°, § 8.°; Carlos
de Carvalho, Direito civil, arts. 745 e 783).
Legislação comparadã — V. D. 17, 2, fr. 68, pr.; 20, 6, £r. 7,
§ 4."; Codigo Civil portuguez, art. 915; italiano, 679; hespanhol,
399; chileno, 2.417; uruguayo, 2.330; venezuelano, 755; do Mon-
tenegro. 103 e 832. Vejam-se, ainda: allemão, 1.114 e 1.258; ar .
gentino, 3.123 e 3.124; mexicano, 2.902; e suisso, 800.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.^66; Coelho Ro-
drigues, 1.631; Beviláqua, 855. Revisto, 891.
Bibllographla — Lafayette, Direito das coisas, II, § 219.
III; Lacerda, Direito das coisas, II, § 167; Didimo, Direito hy-
VOthecario, n. 172; Azevedo Marques, A 'hypotheca, ps. 17 e
seguintes; A. D. Gama, Da hypotheca, n. 19 A; Lysippo Garcia,
Registro de immoveis, II, ps. 115 e segs.; Barão de Loreto,
nos Trabalhos da Gamara, II, ps. 144 e 145; Tito Fltlgexcio,
Jurisprudência hypothecaria, ps. 253 e segs.; Archivo de Ju-
risprudência, I (1903), ps. 295-302; Augusto Vaz, Revista da
Faculdade do Recife, XX, ps. 107 e segs.; Guillouard, Des
privilèges et hypothèques, II, ns. 949-956; Paul Pont, Des pri-
vilèges et hypothèques, II, ns. 640 e 641; Aubry et Rau, Gours,
II, § 266; Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, ao art. 915:
Afeonso Fraga, op. cit., ns. 40 e 41.
344 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — Muito se discutiu, no domínio das


leis anteriores, sobre a possibilidade de se hypotbecar (e só
em relação á hypotheca a matéria tem interesse) a porção idéal
de um bem havido em commum. Principalmente, depois que
a lei, em 1890, firmou o principio da especialização' para todas
as hypothecas, reconhecendo-se que o registro com os requisitos
exigidos não se ajustava bem a essa fôrma do domínio, come-
çou a tomar corpo a opinião de que devia pôr-se de lado a
hypotheca de uma parte indeterminada do immovel. A conclusão
semelhante parece ter chegado, em Portugal, Dias Ferreira,
quando pendera; "desde que a parte do proprietário não era
susceptível de ser determinada, isto é de ser especializada,
era impossível o registro e não podia constituir-se a hypo-
theca" {Coãigo Civil portuyuez, II, p. 366, ao art. 915).
Attendendo a essas razões, e ás difficuldades reveladas em
mais de um pleito, procurou o Projecto primitivo cortar a con-
trovérsia, declarando que o bem commum somente podia ser
dado em garantia real, mediante assentimento dos consortes.
Foi, porém, julgada muito radical essá medida, que era, apenas
racional, e teve, depois, a consagração do Codigo Civil suisso,
artigo 800. Assim pensando, a Commissão revisora do Governo
restabeleceu o dispositivo censurado da lei hypothecaria de 1890.
Na descussão levantada perante a Commissão da Gamara, ap-
parecem emendas tendentes a esclarecer a matéria, sendo ac-
ceita a do autor do Projecto concebida nos termos seguintes:
"A' coisa commum não pôde ser dada em garantia real, na sua
totalidade, sem o consentimento dos proprietários; mas cada
comproprietario pôde hypothecar, individualmente, a parte, que
tiver no immovel commum, se este fôr manifestamente divisivel,
e só a respeito desta parte subsistirá a hypotheca" {Trabalhos
da Gamara, VI, ps. 320 e 384). Entretanto, na redação final,
a fórmula refugada, de novo, surge para se reproduzirem as
duvidas e os debates.
2. — Cumpre assentar que na falta de consentimento dos
outros, o condomino somente poderá hypothecar a sua parte,
se o immovel fôr material e economicamente divisivel, e se a
divisibilidade fôr manifesta.
A difficuldade da matéria provém, principalmente, da In-
divisibilidade do bem; mas concorre egualmente' para ella a
necessidade da especialização, que não se ajusta com a indi-
DOS DIREITOS BEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 345

visão. Deterxninando-se que o devedor dá em garantia a parte


indeterminada, que possue no immovel, não haverá propriamente,
e em rigor, especialização dessa parte. Somente do immovel
na sua totalidade poderá haver especialização.
3. — Gom a indivisibilidade, mais grave é o embaraço. Mas
a indivisibilidade tanto pode resultar da natureza da coisa quanto
da sua organização econômica.
Não sendo a coisa divisivel, o condomino, em verdade, não
terá nella uma parte real, e sim, apenas, no seu valor; porque
o bem terá de ser adjudicado a um dos consortes ou vendido
a estranho, e o condomino receberá a porção do preço corres-
pondente ao seu quinhão. Dadas essas hypotheses, a hypotheca,
ou a antichrese, ficaria sem objécto. E' pois, da mais alta
conveniência, para o credor por garantia real, saber se a coisa
é divisivel material e economicamente, mas sabel-o sem pos-
sibilidade de engano. E se a lei quer resguardar esses legí-
timos interesses do credor, não pode ser entendida senão como
acima se expôz.
4. — Quando o immovel pertencer a uma sociedade civil,
uma de duas hypotheses se ha de dar; ou a sociedade é peiso-
nifiçada pelo registro (art. 18) e o bem não é commum, per-
tence á pessoa jurídica; ou a sociedade é mero contracto, e,
neste caso, haverá communhão, tendo cada um dos socios di-
reito a uma parte correspondente á sua entrada; ou o que lhe
attribuir o contracto.

Art. 758 — O pagamento de uma ou mais


prestações da divida não importa exoneração
correspondente da garantia, ainda que esta com-
prehenda vários bens, salvo disposição expressa,
no titulo ou na quitação.

Direito anterior — Argumento do art. 10, pi-, do dec. nu


mero 169 A, de 19 de Janeiro de 1890, e dos arts. 216 e 217
do dec. n. 370, de 2 de Maio do mesmo anno.
Legislação comparada — Semelhante. D. 20, 1, fi ■ 19,
Codigo Civil francez, art. 2.082, 1." al. e 2.114; italiano, 1.888,
346 CODIGO CIVIL

1.889 e 1.964; portuguez, 870; uruguayo, 2.317 e 2.336; chileno,


2.405 e 2.408; argentino, 3.112; boliviano, 1.426; venezuelano,
1.926, 1.927 e 1.950; mexicano, 2.911; hespanhol, 1.860.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.632; Beviláqua, 856;
Revisto, 892.
Bibliographia — Lafatette, Direito das coisas, II, § 176;
Lacerda, Direito das coisas! II, § 130; Didimo, Direito hypo-
thecario, ns. 287-290; Ouro Preto, Credito movei, ns. 22 e 112;
Huc, Commentaire, XII, n. 399; Guillouard, Des privilèges
et hypothèques, I, n. 148; II, 636-641; III, 1.532-1.535: Paul
Pont, Des privilèges et hypothèques, I, ns. 325 e 330-335; Pla-
niol. Traiícv II, ns. 2.653-2.655; Planiol et Ripekt, XII, ns.
339 e segs.; Windschejo, Panã■, I, § 226 a; Affonso Fraga;
op. cit., ns. 42 e 43.

Observação — O direito real de garantia é indivisível.


Ainda quando a obrigação e o objecto, sobre que recáe o di-
reito de credito sejam divisiveis, o vinculo jurídico da garantia
real será indivisível. Quer isto dizer; 1." Que subsiste inteiro
sobre os bens dados em garantia, e sobre cada uma de suas
partes. E' o que Lacerda chama integraliãaãe. 2.° Que não
se fracciona, não se adquire, nem se perde por partes.
A integralidade é da essencia do vinculo real de garantia.
Quanto accrescer á coisa, se ihe submette. Est totum in toto
et in qualihet parte, seja licito dizer, modificando, ligeiramente,
a repetida phrase de Dumoulin. A indivisibilidade, propriamente
dita, do vinculo, não é da essencia da relação jurídica; é creação
da lei, em beneficio do credito. Por isto as partes podem afas-
tal-a quer no titulo constitutivo, quer em acto posterior, quando
o devedor solve uma parte da divida.

Art. 759 — O credor hypotliecario e o pig-


noraticio têm o direito de excutir a coisa liypo-
thecada, ou empenhada, e preferir, no pagamen-
to, a outros credores, observada, quanto á hypo-
theca, a propriedade na inscripção.
DOS DIREITOS E.EAES SOBRE COISAS ALHEIAS 347

Paragraplio único. Exceptua-se desta regra


a divida proveniente de salários do trabalhador
agrícola, que será paga, precipuamente, a quaes-
quer outros créditos, pelo producto da colheita,
para a qual houver concorrido com o sen tra-
balho.

Direito anterior — Quando ao principio do artigo, dispu-


nham, semelhantemente, em relação á hypotheca, o dec. nu-
mero'l69 A, de 1890, art. 2." § 9.°, 5 e 10, § 1.°, e o dec. n.
370, arts. 112; 220; 221 e 271; § 1.°.
Quanto ao paragrapho único, o reg. approvado pelo de-
creto n. 6.437; de 27 de Março de 1907, consagrava o privi-
legio dos trabalhadores agrícolas.
Legislação comparada — Principio do artigo: Codigo Civil
francez.art. 2.114, 3." al.; 2.094 e 2.134; italiano, 1.964, 3P
al.; 1.950 e 2.007; portuguez, 892, 950 e 1.005; chileno, 2.428,
l.a al., 2.470 e 2.477; üruguayo, 2.307 e 2.310; do Montenegro,
209; e japonez, 369.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.633; Beviláqua, 857;
Revisto, 893. O paragrapho único procede de emenda do Senado,
para o fim de agglutiimr no Codigo Civil as providencias do
regulamento n. 6.437, de 27 de Março de 1907, que appare-
ceram depois de votado o Pvojecto pela Camaia.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, II, § 163,
268 e 269; Lacerda, Direito das coisas, II, §§ 113 e 183; Ouro
Preto, Credito movei, n. 7; Planiol, Traité, II, ns. 2.435-2.43í
e 909 e segs.; Eduardo Espinola, Código do prbcesso do Estado
da Bahia, II, arts. 369-384 e notas.

Observações — 1. —A essencia da garantia real pelo pe-


nhor e pela hypotheca está, precisamente, nesse poder confe-
rido ao credor de se pagar pelo producto da venda judicial
do bepi empenhado, excluindo, da somma assim obtida, os outros
credores, até o reembolso integral da divida.
Opera-sé a excussão do penhor por meio de acção própria,
cuja forma determinam as leis de processo. Vejam-se, paia a
348 CODIGO CIVIL

excussão do penhor transferido por warrants, o dec. 2.502, de


24 de Abril de 1897, artigo 6.°; e para o penhor rural, a lei n.
432. de 30 de Agosto de 1937.
Não manteve o Codigo a forma, extrajudicial da venda dos
objectos "empenhados, por avaliadores (Ord., 4, 56, pr.). Fala,
somente, em excutir,, e em vender amigavelmente.
2. — A acção hypothecaria continúa a ser a executiva
como a intituiu o dec. n. 169 A, de 19 de Janeiro de 1890,
arts. 14 a 19. Assim determina o art. 826 do Codigo Civil.
Veja-se' esse artigo.
3. ^— O Codigo manteve, no paragraplio, um favor excepcio-
nal concedido aos trabalhadores agrícolas, cujos créditos pes-
soaes são preferidos aos reaes, contra a ordem commum dos
privilégios pessoaes, que são, ordinariamente, sotopostos aos
reaes, segundo se vê do art. 1.650. Justifica-se este privilegio,
como uma protecção especial do Estado aos trabalhadores agrí-
colas, para não se verem esbulhados do producto do seu tra-
balho, pelos poderosos credores dos proprietários das terras,
cujas riquezas são o producto da sua indefessa actividade.
Este privilegio é restricto á safra do anno agrícola. Se
o producto da safra fôr insufficiente para a solução integral
das dividas por salarios, haverá ratei# entre os trabalhadores,
e, pelo restante, serão elles simples credores chirographarios.
São operários agrícolas, segundo o dec. n. 6.437, de 1907,
os jornaleiros, colonos, empreiteiros, feitores, carreiros, carro-
ceiros, machinistas, foguistas, e outros empregados no prédio iiiral.
4. — O art. 1.564 manda deduzir do preço do immovel
hypothecado as custas judiciaes da sua execução, bem como as
de conservação feitas por terceiros, mediante accôrdo dos in
teressados, depois de constituída a hypotheca.
5. — O regulamento approvado pelo dec. n. 13.498, de 12
de Março de 1919, para a execução da lei n. 3.724, de 15 de
Janeiro, do mesmo anno, sobre obrigações resultantes de acci-
dentes no trabalho, dispõe, no art. 27, que o credito da victima,
pelas indemnizações determinadas no mesmo regulamento ê pri-
vilegiado e insusceptivel de penhora, e que (§ 1.°), a divida
proveniente dessas indemnizações goza sobre a producção da
fabrica, em que se tiver dado o accidente, da preferencia ex-
DOS DIREITOS UEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 349

cepcional, attribuida pelo paragrapho único do art. 750 do Co-


digo Civil, aos créditos por salario de trabalhadores agricolas.
Mas o decreto n. 24.637, de 10 de Julho de 1934, art. 45,
reduziu esse privilegio a prevalecer, somente, contra outros pri-
vilégios, tornando-o mero privilegio geral.

Art. 760 — O credor antichretico tem di-


reito a reter, em seu poder, a coisa, emquauto a
divida não for paga. Extingue-se, porém, esse
direito, decorrido trinta annos do dia da trans-
cripção.

Direito anterior — Era doutrina" assente a da primeira parte


do artigo.
Legislação comparada — Para a l.'1 pai te. D. 20, 1, fi •
11, § 1.°; Codigo Civil francez, art. 2.087; italiano, 1.893; hes-
panhol, 1.883; argentino, 3.245'; chileno, 2.444; uruguayo, 2.358;
boliviano, 1.431; venezuelano, 1.931.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.907, 1.°; Beviláqua,
858; Revisto, 894.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, II, § liO,
Lacerda, Direito das coisas, II, § 122; Didimo, Direito hypo-
thecario, n. 376; Martinho Garcez, Direito das coisas, § 278;
A. D. Gama, Da antichrese, n. 37, B.

Observações — 1. — A antichrese, como o penhor, reali-


za-se pela retenção da coisa gravada, em poder do credor, paia
garantia da divida. O Codigo, porém, somente se refere á an-
tichrese, neste artigo, porque a retenção é elemento principal
nesta figura jurídica; e porque, para accentuar a distincção,
que ha entre os tres direitos reaes de garantia, tendo indicado
o poder de excutir, inherente ao penhor e á hypotheca, mostia
que não o tem o credor antichretico, e sim, somente o de le-
ter a coisa em seu poder, para o fim de, com os rendimentos,
350 CODIGO CIVIL

pagar-se da divida e dos juros, não podendo,' porém, essa re-


tenção prolongar-se por mais de trinta annos.
O penhor e a antichrese dão o poder de retenção; mas
com uma differença: o credor antichretico percebe os fructos
da coisa gravada; o pignoraticio, não.
A hypotheca e o penhor dão o direito de excussão; mas
a primeirá não confere a posse da coisa gravada, que é um
dos elementos constitutivos do segundo.
Vejam-se os arts. 805 e 808.
2. — Um dos argumentos levantados contra a antichrese era
que ella difficulta a circulação dos bens, podendo prolongar-se
indefinidamente. O Codigo Civil, porém, não somente deu á anti-
chrese uma estructura, que lhe tira esse inconveniente, como,
ainda, lhe estabeleceu uma duração que não poderá exceder de
trinta annos. O Projecto primitivo restringira esse lapso de tempo
a vinte annos.

Art. 761 — Os contractos de penhor, anti-


chrese e hypotheca declararão, sob pena de não
valerem contra terceiros :
I. O total da divida, ou sua estimação.
II. O prazo fixado para o pagamento.
III. A taxa de juros, se houver.
IV. A coisa dada em garantia, com as suas
especificações.

Direito anterior — A matéria não se achava systematizada.


Vejam-se, quanto á hypotheca, os decs. n. 169 A, de 1890, art.
4.°, §§ 1.° e 5.°, e n. 370, do mesmo anno, arts. 117 e 196.
Legislação comparada -— Vejam-se os Codigos Civis; fran-
cez, arts. 2.129 e 2.132; italiano, 1.965 e 1.979; argentino,
3.131-3.134; suisso, 794 e segs.; portuguez, 911.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.562 e 2.563; Coelho
Rodrigues, 1.634; Beviláqua, 859; Revisto,
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 351

Observações — 1. — O Codigo Civil estende o principio da es-


pecialização a todos os direitos reaes de garantia, embora somen-
te em relação a hypotheca essa formalidade assuma caractei mais
rigoroso e solemne. As necessidades do credito assim o exigem,
Em conseqüência dessa generalização, estabeleceu o Codigo Civil,
como requisitos essenciaes para a validade dos contractos de
penhor e antichrese, os que a lei anterior exigia para a hypotheca.
Sem esses requisitos, o contracto não é nullo, mas não gera
direito real. Vale, apenas, entre as partes, qúe nelle intervém.
Porém, como esses contractos somente se celebram para a cons-
tituição de direitos reaes, pode affirmar-se que não ha garantia
real, sem os requisitos exigidos pelo art. 761.
2. — Da necessidade de individuar o bem hypothecado re-
sulta que não são possiveis hypothecas convencionaes de. bens
futuros. Vejam-se sobre este ponto: o Codigo Civil francez, ar-
tigo 2.129; o italiano, 1.977; o venezuelano, 1.965; Planiol,
Traité, II, ns. 2.789-2.799; Huc, Commentaire, XIII, ns. 219-
226; Axjbry et Rau, Cours, III, § 266, 3.
Não se reputam bens futuros os accrescimos e melhora-
mentos, que recebe a coisa gravada (art. 811).
3. — A lei n. 492, de 30 de Agosto de 1937, art. 2, § 2.°,
menciona o que deve declarar a escriptura como contracto de
penhor rural.

Art. 762 — A divida considera-se vencida:


I. Se, deteriorando-se ou depreciando-se a
coisa dada em segurança, desfalcar a garantia,
e o devedor, intimado, a não reforçar.
II. Se o devedor cair em insolvencia ou fal-
lir.
III. Se as prestações não forem pontual-
mente pagas, toda vez que.deste modo se achar
estipulado o pagamento.
Neste caso, o recebimento posterior da pres-
tação atrazada importa renuncia do credor ao
direito de execução immediata.
352 CODIGO CIVIL

IV. Se perecer o objecto dado em garantia.


V. Se se desapropriar a coisa dada em ga-
rantia, depositando-se a parte do preço, que fôr
necessária para o pagamento integral do credor.
§ 1.° Nos casos de perecimento ou deterio-
ração do objecto dado em garantia, a indemni-
zação, estando elle seguro, ou havendo alguém
responsável pelo damno, se subrogará na coisa
destruida ou deteriorada, em beneficio do credor,
a quem assistirá sobre ella preferencia, até ao
seu completo reembolso.
§ 2.° No caso. dos. ns. IV e V, só se vencerá
a hypotheca antes do prazo estipulado, se o si-
nistro, ou a desapropriação recair sobre objecto
dado em garantia, e esta não abranger outros;
subsistindo, no caso contrario, a divida reduzi-
da, com a respectiva garantia, sobre os demais
bens, não desapropriados, damnificados, ou des-
truidos.
Direito anterior —: Semelhante: I, dec. n. 169 A, de 1890,
art. 4.°, § 3.°; dec. n. 370, do mesmo anno, art. 123.
II. Lei n. 2.024, de 17 de Dezembro de 1908, art. 26.
III. Dec. n. 169 A, de 1890, art. 4.°, § 9.°; dec. n. 370,
artigos 125 e 126.
IV e V e paragrapho primeiro. Dec. n. 169 A, de 1890.
art. 2.°, § 3.°; e dec. n. 370, arts. 368 e 371.
Legislação comparada — Vejam-se: Codigo Civil francez
arts. 1.188 e 2.131; lei franceza de 19 de Fevereiro de 1889, arts.
2.° e 3.°; Codigo Civil italiano, 1.176, 1.951 e 1.980; hespanhol,
1.129 e 1.877; suisso, 804, 809 e 810; portuguez, 741, 860, n. 4.°, 891,
ns. 3.° e 4.°, 901 e 902; argentino, 3.110 e 3.157-3.161; uruguayo,
2.335 e 2.339; chileno, 2.422 e 2.427; boliviano, 1.476; venezue-
lano, 1.938 e 1.966; mexicano, 2.907-2.911; do Montenegro, 208.
Projectos — Coelho Rodrigues, arts. 1.635-1.638; Beviláqua,
860-863; Revisto, 896-900. A forma actual é da Gamara, por
emenda de Andrade Figueira (Trabalhos, VII. p. 274).
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 353

Bibliographia — Lafatette, Direito das coisas, II, §§ 182,


222 e 223; Lacerda, Direito das coisas, II, §§ 192 e 193; Didimo,
Direito hypothecario, ns. 43-55, 168 e 173; J. X. Carvalho de
Mendonça, Tratado de direito commercial, VII, ns. 375-388;
Azevedo Marques, A hypotheca, ps. 29 e segs. A. D. Gama,
Da hypotheca, ns. 147-150; Barão de Loreto, Trabalhos da Ga-
mara, II, ps. 146 e segs.; Planiol, Traité, II, ns. 386-392 e
3.349-3.452; Huo, Gommentaire, VII, ns. 287-289, e XIII, ns.
224-2215; Guillouard, Des privilèges et hypothèques, III, ns. 1.551,
1.582, 1.584-1.587, 1.615-1.622; Paul Pont, Des privilèges et
hyiiothèques, II, ns. 689-701; Eduardo Espinola, Coãigo do pro-
cesso, II, arts. 590-597 e as respectivas notas; Affonso Fraga,
Direitos reaes de garantia, § 13.
TRABftttíy

Observações -^l. — Deterioração e depreciação. A obri-


gação de reforçar a garantia real tornada insufficiente im-
põe-se, quer a deterioração, ou depreciação, seja determinada
em conseqüência de acto voluntário do devedor, quer provenha
de facto alheio á sua vontade. Em face do Codigo, tanto vale
a deterioração material, quanto a desvalorização por causa de
ordem econômica. E assim diz a razão que deve ser, em nosso
systema, que não distingue entre a deterioração por culpa do
devedor e a que occorre por força maior ou accidente impre-
visivel. O que o interesse do credito real reclama é que, tor-
nada insufficiente, a garantia, se reforce. As causas da insuf-
ficiencia são postas de lado.
Não pôde, porém, o credor pedir reforço da garantia, se,
desde o começo, o valor dos bens era inferior á divida. A in-
sufficiencia deve ser superveniente.
Se o devedor, intimado, não quizer, ou não puder reforçar
a garantia, a divida considera-se vencida e o devedor poderá
ser executado.
A garantia dada em reforço é uma garantia nova, cuja
duração se conta do momento da inscripção ou transcripção.
2. — Fallencia e insolvencia. A fallencia, como execução
geral do devedor, reúne todos os créditos, funde-os, e equipa-
ra-os: consequentemente, faz desappareqer os prazos, a que es-
tavam submettidos, considerando, em geral, vencidas todas as
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 23
354 CODIGO CIVIL

dividas do fallido (lei n. 5.746, de 1929, art. 26), para que


todos os credores possam nella tomar parte. A' regra geral
do vencimento antecipado das dividas do fallido, abrem-se ex-
cepções com respeito aos contractos bilateraes a prazo, ás obri-
gações condicionaes, ás letras hypothecarias emittidas pelas so-
ciedades de credido real, ás obrigações solidárias, a prazo, re-
lativamente a terceiros, coobrigados com o fallido, ás fianças
prestadas ao fallido (J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado
de direito commercial, YII, ns. 381-386).
A insolvencia é o concurso creditorio, situação correspon-
dente á fallencia, que, egualmente, determina o vencimento an-
tecipado de todas as dividas (Codigo Civil, art. 954, I).
2 a. — Azevedo Marques declara, de modo peremptório,
que, a insolvencia não existe, em nosso direito, que, ao ler a
expressão insolvencia, no Codigo Civil, o interprete deve eli-
minal-a. Parece-me excessivo esse poder concedido ao interprete,
cuja funcção é esclarecer, completar, ampliar o pensamento da
lei, quando é necessário; que poderá preencher lacunas guiado
pelos principies geraes do direito, e, ainda adaptar a letra da
lei ás condiçõe da vida social. Deante de um dispositivo claro
e preciso, como o do art. 1.554 do Codigo Civil, e das suas
repercussões em numerosos dispositivos, passar autoritaria-
mente, um traço obliterador, vae muito além do que lhe é per-
mittido, até porque as necessidades sociaes não justificariam
essa violência. Porque o instituto não se acha regulado, ju-
ristas doutrinários e julgadores terão de desenvolver certo es-
forço para adaptar o pensamento da lei aos casos accorrentes.
Eliminar palavras e dispositivos inteiros poderá ser mais fácil,
porém é menos legitimo, tanto mais quanto a mutilação se
estenderá a outras leis, como o Codigo Penal e o reg. n. 737,
que, sabidamente, continha prescripção de direito substantivo,
definitivamente incorporadas ao nosso systema jurídico.
3. — Prestações não satisfeitas. O devedor, que não paga
a prestação vencida, infringe o contracto, e demonstra ou in-
capacidade econômica ou má vontade. A lei retira-lhe a van-
tagem de pagar a divida por fracções, espaçadamente. Como,
porém, este preceito coercitivo é estabelecido em beneficio do
credor, poderá elle renuncial-o no contracto, caso em que o pa-
gamento por prestação. será uma simples faculdade concedida
ao devedor, que usará delia ou não, segundo as suas convenien-
DOS DIKKITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 355

cias. Poderá, também, renuncial-o, sem estipulação expressa, re-


cebendo a prestação atrazada. Esta renuncia, porém, restrin-
ge-se á prestação recebida; se novo atrazo se der poderá o
credor usar do seu direito de excussão.
4. — No n. IV — deste artigo, havia uma impropriedade de
linguagem, que se insinuara na redacção vinda do Senado. A
lei n. 3.725, de 15 de Janeiro de 19X9, corrigiu esse defeito.
Se a coisa perecer, ou se degradar, devendo alguém res-
ponder por ella, satisfazendo o damno soffrido pelo devedor,
sobre o preço dessa indemnização, como sobre a somma paga
pelo segurador, se transfere o vinculado da garantia real. Num
e noutro caso, por excepção creada em beneficio do credito,
o perecimento da coisa não extingue o direito, nem a deterio-
ração torna a divida exigivel.
Em virtude da subrogação por força da lei, quer o segu-
rador, quer a pessoa obrigada pela indemnização da coisa, deve
consignar, em favor do credor, a somma necessária para o seu
integral pagamento, considerando-se vencida a divida. Se assim
não fosse, como observa Lafayette, que, aliás, não é completo
na providencia, que lembra, se a lei permittisse ao segurador
pagar o preço ao segurado, "teria ella mesma destruído a vir-
tude da providencia que consagra" (Direito das coisas, § 182,
nota 7). Deixará, porém, de ser assim, quando a indemnização
se applicar na reconstrucção do prédio. Sobre este renascerá
a hypotheca.
5. — Idêntica solução para o caso em que a coisa gravada
por garantia real é desapropriada. Do preço da indemnização
deposita-se a parte necessária para o integral pagamento do
credor hypothecario.
6. — No caso de haver mais de uma coisa gravada pela
garantia real, e de se verificar, somente, sobre uma dellas o
sinistro, o damno ou a desapropriação, diz o paragrapho único
do art. 762, que subsistirá "a divida reduzida, com a respectiva
garantia, sobre os demais bens não desapropriados, damnifi-
cados ou destruídos". Quer isto dizer que o preço da indem-
nização será applicado ao pagamento da divida; porém como
não será sufficiente para extinguil-a na sua totalidade, a parte
restante continuará garantida pelos bens gravados.
356 CODIGO CIVIL

^rt 763 — O antecipado vencimento da di-


vida, nas hypotheses do artigo, anterior, não im-
porta o dos juros correspondentes ao prazo con-
vencional por decorrer.

Direito anterior — O mesmo (dec. n. 370, de 2 de Maio


de. 1890, art. 126; lei n. 2^024, de 17 de Dezembro de 1908,
artigo 26).
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 861; Beviláqua, 864;
Revisto, 901. , ■
Bibliographia — A do artigo anterior.

Observação — Seria, em geral, injusto, e, nos casos de


fallencia e concurso creditorio civil, estabelecer-se-ia desegual-
dade entre os credores, se se contassem juros correspondentes
ao tempo ainda não decorrido do prazo estipulado. Os juros são
os fructos do capital; produzem-se com o decorrer do tempo:
não podem se considerar existentes, se o tempo da producção
ainda não chegou. Se estão incluidos no titulo, devem dedu-
zir-se, de accôrdo com a taxa convencionada.

Art. 764 — Salvo clausula expressa, o ter-


ceiro, que presta garantia real por divida alheia,
não fica obrigado a substituil-a, ou reforçal-a,
quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou
desvalie.

Direito anterior — Disposição tirada por via de conseqüên-


cia do dec. n. 169 A, de 1890, art. 2.°, § 7.°, e do dec. numero
370 do mesmo anno, art. 122.
Legislação comparada — Vejam-se: Codigo Civil francez,
arts. 1.020, 2.077 e 2.090; italiano, 1.883, 1.896 e 1.964; hes-
panhol, 1.857, ultima parte; portuguez, 859 e 895; argentino,
3.121 e 3.239; uruguayo, 2.327; chileno, 2.414 e 2.430; boli-
DOS DIREITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 357

viano, 1.418; venezuelano, 1.920, 1.934 e 1.950; japonez, 351 e


369 e 372; suisso, 824, ultima parte.
Para o direito romano, consultem-se o D. 20, 1, fr. 5, § 2:\
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.640; Beviláqua, 865:
Revisto, 402.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 212; Dt-
dimo, Direito hypothecario, ns. 74-76; Huc, Commentaire, XII,
ns. 381 e 420; Paul Pont, Des privilèges et hypothèques, I,
n. 9, e II, n. 608; Laueent, P.rincipes, XXVIII, n. 162, e XXX,
n. 461; Dias Ferreira, Godigo Civil português, ao art. 818;
Affonso Fraga, op. cit., § 14.

Observação — O artigo 764 presuppõe firmado o principio


de que é licito dar coisas próprias em garantia da divida alheia.
Dare quis hypothecam potest, sive pro sua ohligatione, sive-
pro aliena. Aquelle, porém, que offerece coisa sua em garantia
de obrigação alheia, não contráe obrigação pessoal, se assim
não o declara; o seu patrimônio não responde pela divida; e,
se o bem dado em garantia se deteriorar ou perecer, não pode
ser obrigado a reforçar ou substituir a garantia. Apenas o bem
vinculado responde pela obrigação, o proprietário não, pois que
a divida não é sua, nem por ella tomou outra responsabilidade,
senão a de garantil-a por determinado bem. Está claro que, se
a deterioração ou perecimento resultar de acto seu, contrahirá
a responsabilidade decorrente do seu delicto civil.
Não se considera terceiro o fiador. E' um coobrigado. Não
se lhe applica, portanto, o beneficio do art. 764, ainda que
tenha em seu favor o de ordem (art. 1.491).

Art. 765 — E' imlla a cláusula, que auto-


riza ó credor pignoraticio, anticliretico ou hypo-
thecario a ficar com o objecto da garantia, se
a divida não for paga no vencimento.

Direito anterior — O mesmo (Ord., 4, 56, pr., e § 1.°; dec.


numero 370, de 2 de Maio de 1890, art. 377, § 2.°; Carlos de
358 CODIGO CIVIL

Carvalho, Direito civil, art. 681; T. de Freitas, Consolidação,


artigo 769).
Liegislação comparada — Cod., 8, 28, Is. 4, 7 e 14 initio;
8, 35, 1. 3; Codigo Civil francez, arts. 2.078 e 2.088; italiano,.
1.884 e 1.894; suisso, 816, 2.a parte; hespanhol, 1.859 e 1.884;
portuguez, 864 e 903; argentino, 3.222 e 3.252; chileno, 2.397,
2.a al., e 2.441, uruguayo, 2.338 e 2.355; allemão, 1.149 e 1.229:
austríaco, 1.371; boliviano, 1.421; venezuelano, 1.921 e 1.932;
do Montenegro, 181 e 190 e 214; japonez, 349.
Em sentido semelhante dispõe o Codigo Civil do México,
artigos 2.887 e 2.916, que não admitte o pacto commissorio,
de ficar o credor com o objecto de garantia, se não fôr pago
na época do vencimento.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.641; Beviláqua, 866;
Revisto, 903.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 163; La-
cerda, Direito das coisas, § 113, 6; Ouro Preto, Credito movei,
ns. 24-28; Barão de Loreto, nos Trabalhos da Gamara, II, ps.
151-152; Coelho da Rocha, Inst., § 631; Huc, Gommentaire,
XII, ns. 382-388 e 417. Planiol, Traité, II, ns. 2.456-2.460;
Affonso Fraga, op. cit., § 54.

Observação — A prohibição do pacto commissorio funda-se


em um motivo de ordem ethica. O direito protege o fraco contra
o forte, impede que a pressão da necessidade leve o devedor
a convencionar o abandono do bem ao credor por quantia ir-
risória. O imperador Constantino, impressionado pelas manobras
capciosas dos pactos commissorios, cuja aspereza crescia assus-
tadoramente, decretou-lhes a nullidade, e as legislações moder-
nas acceitaram essa condemnação.
O pacto commissorio não pôde ser estipulado no momento
de ser dada a garantia real, nem posteriormente.
E' licito, porém, contractar que, em vez da execução judi-
cial, seja o penhor vendido amigavelmente (art. 774, III). Não
ha disposição semelhante em relação á hypotheca; nem podia
haver em relação á antichrese.
UOS DIREITOS REAE8 SOBRE COISAS ALHEIAS 359

Art. 766 — Os successores do devedor não


podem remir, parcialmente, o penlior ou a liypo-
theca, na proporção dos seus quinhões; qualquer
delles, porém, pôde fazel-o no todo.
Paragrapho único. O herdeiro ou successor,
que fizer a remissão, fica subrogado nos direitos
do credor pelas quotas, que houver satisfeito.

Direito anterior — Doutrina seguida.


Legislação comparada — Codigo Civil francez, arts. 2.083
e 2.114; italiano, 1.889; hespanhol, 1.860; venezuelano, 1.927;
do Montenegro, 211.
Projectos — Coelho Rodrigues, arts. 1.642 e 1.643; Bevi-
láqua, 867 e 868; Revisto, 904.

Observação — Consiste a remissão no acto de libertar-se


o bem do ônus, que o grava, pagando-se-lhe o preço ao credor.
Antes da execução, o penhor pôde ser remido pelo devedor.
E, no periodo da execução, poderá sel-o por sua mulher, as-
cendentes e descendentes. A remissão da hypotheca pôde se
vérificar, nos casos dos arts. 814, 815, 816, 818, 820 e 821. Ve-
jam-se esses artigos.
Sendo indivisível o vinculo da garantia pignoraticia ou hy-
pothecaria, é inadmissível a remissão parcial. O successor res-
ponde, apenas, por sua quota, mas o bem responde na sua in-
tegridade, pela divida, que garante. Por isso aquelle que paga
a divida pelos outros fica subrogado nos direitos do credor,
isto é, torna-se credor com os privilégios da garantia real, para
exigir o pagamento de cada um dos coobrigados e excutir a
parte do responsável.

Art. 767 — Quando, excutido o penhor, ou


executada a hypotheca, o producto não bastar
para o pagamento da divida e despesas judiciaes,
360 CODIGO CIVIL

continuará o devedor obrigado, pessoalmente,


pelo restante.

Direito anterior — Não havia disposição de lei, salvo em


matéria de fallencia, os arts. 99 e 130 da lei n. 2.024, de 17
de Dezembro de 1908; mas a doutrina estava definitivamente
assentada no sentido do que agora dispõe o Codigo.
Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 2.209;
italiano, 2.080; venezuelano, 2.003.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.647; Bevüaqua, 772.
Revisto, 905.

Observação — O direito' real, que garante a divida, não


exclue a garantia pessoal generica, do patrimônio do devedor,
para a solução das obrigações contrahidas. Ao lado da garantia
real especializada, subsiste a pessoal generalizada, commum a
todas as dividas. A razão jurídica, de modo algum, exige que,
constituída a garantia real, somente os bens dados em garantia
respondam pelo pagamento. Como bem observou o Barão de Lo-
reto, no seu Parecer (Trabalhos da Gamara, II, p. 152), esta
disposição do art. 767, "evidentemente leva em mira que não
sejam excutidos os bens, que formam a garantia commum, senão
verificada a insufficiencia dos bens sobre que recáe a garantia
real". Essa verificação, porém, somente se opera com a excussão
da garantia.

CAPITULO IX

Do penhor

SECÇÃO I

Disposições geraes

Art. 768 — Constitue-se o penhor pela tra-


dição effectiva, que, em garantia do debito, ao
credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 361

alguém por elle, de um objecto movei, susceptí-


vel de alienação.

Direito anterior — O mesmo, segundo o Codigo Commercial,


arts. 271 e 273, completado pela doutrina.
Legislação comparada — D. 20, 1, fr. 10; Codigo Civil fian-
cez, arts. 2.071-2.073; italiano, 1.878 e 1.879; hespanliol, 1.863
e 1.864; suisso, 884; portuguez, 855 e 856; argentino, 3.204;
chileno, 2.384; uruguayo, 2.292; boliviano, 1.415-1.419, vene-
zuelano, 1.915'; mexicano, 2.856 e 2.858; do Montenegro, 172 e
863; japonez 342 e 344.
Veja-se, também, o allemão, 1.204-1.206 e 1.273.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.491, 2.493 e 2.494;
Beviláqua, 871; Revisto, 907.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 160-162;
Lacerda, Direito das coisas, §§ 109-112; Teixeira de Freitas,
Consolidação, art. 767 e nota; Martinho Garcez, Direito das
coisas, § 286; Almachio Diniz, Direito das coisas, § 69; Ouro
Preto, Credito movei, n. 723; S. Vampré, Manual, II, § 101;
A. D. Gama, Gontractos por instrumento particular, ns. 813
e segs.; Barão de Loreto, nos Trabalhos da Gamara, II, ps.
152-157; Coelho da Rocha, Inst., § 626; Luiz Teixeira, Curso,
III, tit. XIV, §§ l.0-5.0: Laurent, Cours, IV, ns. 247-250; Pla-
niol, Traité, II, ns. 2.388-2.439; Huc, Commentaire, XII, ns.
345-355; Aubry et Rau, Cours, VI, §§ 431 e 432; Zachariae,
Droit civil français, V, §§ 778 e 779; Gode Civil allemand, pu-
bliê par le Comitê de lég. étr., notas á secção referente ao
direito de penhor e aos arts. 1.204 e 1.273. Endemann,
Lehrhuch, II, §§ 135 e 136; Roth, System, III, §§ 323 e 324;
Dernburg, Panã., IV, §§ 261 e segs.: Windscheid, Pand., I, §§ 224
e segs.; Kohler, Encyclopaedie, I, ps. 619-620; Lehrhuch, II,
2* parte, §§ 163 e segs.; Chironi, Ist., § 243; Rossel et Men-
tha, Droit civil suisse, ps. 301-306; Dias Ferreira, Codigo Ci-
vil portuguez, II, ao art. 855; Affonso Fraga, op. cit., §§ 18
a 24.

Observações — 1. — Penhor e o direito leal, (jue submette


uma coisa movei ou mobilizavel ao pagamento de uma divida.
362 CODIGO CIVIL

Constitue-se por escripto, e completa-se com a tradição ef-


fectiva, quando é o penhor commum ou a caução de títulos, e
pelo constituto possessorio seguido da transcripçâo, quando o
penhor é agrícola ou pecuário.
2. — O penhor, sendo um direito real de garantia, presup-
põe uma obrigação, de que seja accessorio como garantia do seu
cumprimento.
Outro elemento essencial da sua constituição é a coisa dada
em garantia. Podem ser objecto de penhor as coisas moveis
alienaveis, sejam corporeas, semoventes, fungíveis ou meramente
representativas, como os títulos de credito (letras, apólices,
acções de companhia), e, ainda, os fructos pendentes e os ins-
trumentos agrícolas immobilizados nos estabelecimentos ruraes.
3. — Por occasião de se discutir o Projecto na Gamara, foi
objecto de exame a possibilidade do penhor de coisa alheia.
Negava-a, de modo expresso, o Projecto, defendeu-a, com calor,
o Barão de Loketo, cujas idéas foram acceitas pelo relator da
parte respectiva. Mas no Projecto, organizado pela Commissão
da Gamara, não se encontram nem a prohibição expressa, nem
a expressa permissão.
Que se deve concluir? Penso eu que nem a questão ficou
em aberto, nem, se ficasse, poderia resolver-se no sentido da
possibilidade jurídica do penhor de coisa alheia, porque o acto
do estranho não pode cercear o direito do proprietário, a quem
se não pode recusar o direito de reivindical-a do poder do credor
pignoraticio. Esse. era o principio do direito romano, que só
permittia o penhor da coisa alheia, com assentimento do dono;
aliena res pignori ãari voluntate clomini potest; sed et si igno-
rante eo data sit, et ratum hahuerit, pignus valebit. Dessa nor-
ma de justiça não se desviou a tradição no nosso direito (La-
faybtte, Direito das coisas, § 161, 3). E a questão não ficou
em aberto, porque a emenda do relator, adoptando a proposta
do Barão de Loreto, foi rejeitada na redacção final, pela Com-
missão, que attendeu ás razões contrarias do Sr. Andrade Fi-
gueira (Tralalhos da Gamara, V, 275).
Depois, o art. 756, paragrapho único, resolve a questão.
Determina esse dispositivo que o domínio superveniente reva-
lida a garantia real. A regra abrange o penhor como a hypo-
théca e a antichrèse. Mas se o domínio superveniente revalida
a garantia real, quando é dada pelo possuidor a titulo de pro-
DOS DIREITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 363

prietario, o penhor de coisa alheia, evidentemente, é insubsis-


tante por falta de capacidade do constituinte do direito real.
Não seguiu o nosso Codigo a doutrina, que transparece em
alguns Codigos, como o allemão (1.207) e o suisso (884, 2.
al.) e é defendida por vários escriptores estrangeiros, que admit-
tem, em certos casos, o penhor da coisa alheia. Veja-se também
o Codigo Civil austriaco, art. 456.
Todavia, se alguém empenhar coisa alheia, não poderá o
dono, por autoridade própria, retiral-a do poder do credor pig-
noraticio. Se o fizesse, commetteria o crime previsto no art.
332 do Codigo Penal. Terá de propor a sua acção, para que
a retirada se realize por autorização legal.
Sobre o penhor de coisa alheia, consulte-se Dernburg, Pand.,
§ 267.
4. Outra questão é a de saber se o credor pignoraticio
pôde dar em penhor ao seu credor a coisa, que possue a titulo
de garantia real. O direito, romano permittia o subpignus, o
pignus pignori ãatum (D. 20, 1, fr. 13, § 2.°). Mas, bem pon-
dera Ouro Preto, acompanhando Mackeldey, "a coisa empenha-
da, materialmente, não pôde ser dada em penhor , pôde, sim,
o direito, a garantia que elle representa. O penhor da coisa
empenhada eqüivalia ao furto em direito romano. Si pignore
creditar utatur furti tenetur (D. 47, 2, fr. 54, pr.).
Também á luz do art. 756, resolve-se a questão pela ne-
gativa. Se somente pôde empenhar quem pôde alienar, é obivio
que o credor pignoraticio não pôde dar em penhor a coisa, que
lhe foi dada em garantia real.
5 _ — As casas de penhores e montes de soccorro regulam-se
por leis especiaes.
6. — O dec. 2.502, de 24 de Abril de 1897, permitte o pe-
nhor de mercadorias depositadas nos armazéns das Alfândegas
e Companhias de Docas, por meio de endosso dos warrants (ar-
tigo 3.°).
7.» _ o dec. n. 13.047, de 13 de Janeiro de 1919, permitte
ás pessoas naturaes ou jurídicas que possuírem, em suas fa-
bricas, tecidos ou matéria prima (algodão ou lã nacionaes),
contrahirem empréstimos com o Banco do Brasil, sob a fôrma
de penhor mercantil.
364 CODIGO CIVIL

Art. 769 — Só se pôde constituir o penhor


com a posse da coisa movei pelo credor, salvo no
caso de penhor agricola ou pecuário, em que os
objectos continuam em poder do devedor, por
effeito da clausula constituti.

Direito anterior — Semelhante (Carlos de Carvalho, Di-


reito civil art. 674.
Legislação comparada — D. 44, 7, fr. 1, § 6.°; Cr editor,
qui pignus accepit, re tenetur: qui et ipse de ea ipsa re quam
accepit restituenãa tenetur. Codigo civil francez, art. 2.076; ita-
liano, 1.882; hespanhol, 1.863; portuguez, 858; suisso, 884, l."
parte, e ultima, 885; argentino, 3.205; uruguayo, 2.300; vene-
zuelano, 1.919; mexicano, 2.258 e 2.859.
Projectos — Beviláqua, art. 871; Revisto, 908.
A clausula final —- em que os objectos continuam em poder
do devedor, por effeito da clausula constituti, é da Gamara, e
somente appareceu na redacção final {Trabalhos, VIII, p. 146,
artigo 776).
Bibliographia — A do artigo antecedente. Consulte-se, em
particular, quanto á exclusão do constituto possessorio, do pe-
nhor commum, Endemann, LehrZmc/i, II, § 136, c.

Observações — 1. — O Codigo Civil, neste artigo, firma


a regra de que o penhor só dispensa a tradição real e effectiva
quando é agricola ou pecuário (arts. 771-778). Tem por fim
tal rigor obviar corruptelas, que se iam introduzindo nas re-
lações commerciais e civis, e difficultar as fraudes, que se po-
deriam acobertar com a clausula constituti. Leiam-se sobre este
assumpto a dissertação de Andrade Bezerra: Do constituto pos-
sessorio e das cláusulas de deposito no penhor mercantil. Car-
valho de Mendonça, Tratado de direito commercial; VIII, n.
815; e Edmundo Lins, voto publicado na Gazeta dos Tribunaes
de 30 de Agosto de 1921.
2. — A redacção deste artigo não é digna de encomios.
O primeiro membro do dispositivo é uma repetição do que enun-
ciara o art. 768. Tanto monta estatuir que o penhor se cons-
DOS DIREITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 365

titue vela tradição effectiva, quanto declarar que só se pode


constituir com a posse da coisa movei. A parte utxl do artigo
está na excepção referente ao penhor agrícola e pecuário. Mas
nesta introduziu-se" doutrina, que não é, talvez, a mais pura,
considerando-se que o credor terá a posse dos objectos (ma-
chinas, fructos, animaes), pelo constituto possessorio.
O penhor agrícola e o pecuário participam mais da natu-
reza da hypotheca do que dá natureza do penhor commum, por-
que a coisa empenhada não se desloca do poder do devedor.
Achou-se, porém, que tal constrücção jurídica seria aberrante,
e imaginou-se explicar a permanência da coisa gravada em po
der do devedor, pelo constituto possessorio. E', no meu sentir,
uma theoria, que força a realidade, mas é a doutrina legal,
que se acha, expressamente, consagrada no Codigo.

770 — O instrumento do penhor con-


vencional determinará, precisamente, o valor do
debito e o objecto empenhado, em termos que o
discriminem dos seus congeneres.
Quando o objecto do penhor for coisa fun-
givel, bastara declarar-lhe a qualidade e quan
tidade.

Direito anterior — Não era exigido o instrumento para a


constituição do penhor civil. Vejam-se o Codigo Commercial,
artigos 271 e 272, e Carlos de Carvalho, J^ireito civil, art. 675-
Legislação comparada — Vejam-se; Codigo Civil francez,
art. 2.074; italiano, 1.880; hespanhol, 1.865; argentino, 3.217;
venezuelano, 1.918; portuguez, 858.
Por direito romano, não era essencial o escripto para a
formação do penhor.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.653; Beviláqua, 872
Revisto, 909.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 162, Tei-
xeira de Freitas, Consolidação, nota 1 ao art. 767, Lacerda,
Direito das coisas, § 112; Henrique Milet, O penhor mercantil
pôde ser provado independentemente de escripto? (dissertação),
366 CODIGO CIVIL

Descartes de Magalhães, Penhor mercantil, nos Estuâos ju-


rídicos, dedicados ao prof. des. Filinto Bastos, Bahia, 1916;
Curso de direito commercial, n. 110; Planiol, Traitéj II, ns.
2.415-2.427; Huc, Commentaire, XII, ns. 356-360, L atire nt,
Cours, IV, números 251-254; Zaohariae, Droit civil français, V,
§ 779, Aubry et Rau, Cours, VI, § 432; Salvat, Derechos reales,
II, ns. 2.613 e segs.

Observação — São elementos constitutivos do penhor con-


vencional: o instrumento do contracto pignoraticio; a tradição
da coisa empenhada, não sendo o penhor agricola ou pecuário,
nem caução de apólices nominativas; e a obrigação, de que o
penhor seja a garantia.
No direito anterior, era controvertido se o penhor mercantil
exigia para a sua validade o instrumento do contracto. Tei-
xeira de Freitas sustentava que não, e a sua autoridade era
de tal ordem que a opinião contraria como que se sentia aba-
fada. O Codigo Civil, porém, tendo de organizar o nosso di-
reito privado commum, seguiu, prudentemente, outra rota. Quer
que a convenção do penhor conste de instrumento particular
ou publico, e exige que, nesse escripto, se declarem, de modo
preciso: o valor do debito ou a sua estimação, os juros, se
houver (artigo 761), e o objecto empenhado, devendo ser este,
quando infungivel, descripto de modo a se discriminar, perfei-
tamente, dos outros congeneres. Sendo fungivel, bastará de-
clarar-lhe a qualidade e a quantidade, porque se entende que taes
coisas não têm existência individual, existem como represen-
tativas do genero, a que pertencem, e podem, por isso mesmo,
ser substituídas por outras da mesma qualidade, em egual quan-
tidade. O credor pode, consequentemente, alienar a coisa fun-
givel empenhada; sua obrigação é entregar coisa do mesmo
genero.

Art. 771 — Se o contracto se fizer mediante


instrumento particular, será firmado pelas par-
tes e lavrado em duplicata, ficando um exemplar
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 367

com cada um dos contraheiites, qualquer dos


quaes pôde leval-o á transcripção.

Direito anterior — Pratica seguida, menos quanto á tran-


scripção ( Bento de Faria, nota ao art. 272 do Codigo Com-
mercial).
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.654; Beviláqua, 873;
Revisto, 910.

Observação — Não é necessário que haja dois escriptos,


um para a obrigação principal e outro para o penhor em ga-
rantia delia. Num só escripto, podem se incluir a obrigação
e o penhor. Sejam, porém, dois actos ou um só, cada uma das
partes deverá ter o seu exemplar do instrumento do penhor,
porque direitos e obrigações reciprocas nelle se declaram.
O instrumento particular do penhor, contendo as enuncia-
ções exigidas pelo art. 761 e pelo antecedente, deve ser sub-
scripto por duas testemunhas (art. 135).
O instrumento transcreve-se; no registro especial de títulos,
se é de penhor, commum, de animaes, ou de títulos ao porta-
dor; no registro de immoveis, se é agrícolas; nas repaitições
competentes, se de apólices nominativas; na séde da associação
emissora, se de títulos de companhias (arts. /96 e <97). Ve-
ja-se a lei n. 4.827, de 7 de Fevereiro de 1924, arts. 4.°, II,
III, IV, e 5.°, h, XIV.

Art. 772 — O credor pignoraticio não pode,


paga a divida, recusar a entrega da coisa a quem
a empenhou.
Pôde retel-a, porém, até que o indemnizem
das despesas devidamente justificadas, que tiver
feito, não sendo occasionadas por culpa sua.

Direito anterior — Principio acceito, mas não formulado


em disposição legal.
368 CODXGO CIVIL

]Legislacão comparada — D. 13, 7, fr. 8, pr., e fr. 9, § 3. ,


Codigo Civil francez, arts. 2.080, 2/ al., e 2.082; italiano, 1.885,
2.a al., e 1.888, l.a al.; liespanhol, 1.866, l.a al., 1.867 e 1.871,
suisso, 889 e 891; portuguez, 860, 3.°, 861 e 870; allemao, 1.233.
argentino, 3.228 e 3.229; uruguayo, 2.305; chileno, 2.396, l.a
al.; peruano, 1.995 e 2.003; boliviano, 1.424 e 1.425, 1." al.;
venezuelano, 1.922 e 1.926; mexicano, 2.870, II; do Montenegro,
174 e 175.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.500; Coelho Rodri-
gues, 1.656; BevilaQua, 875; Revisto} 912.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 163; La-
■cerda, Direito das coisas, § 113; Ouro Preto, Credito movei,
números 57 e 60-68; Coelho da Rocha, Inst., §§ 628 e 629,
Planiol, Traité, 11, ns. 2.430 e segs.; Huc, Gommentaire, XII,
ns. 389-398; Laurent, Gours, IV, ns. 262-267; Bndemann, Lehr-
huch, II, § 137; Zachariae, Droit civil français, V, § 780,
Aubry et Rau, Gours, VI, § 345; Salvat, op. cit, II, ns. 2.663
e segs.

Observações — 1. — O penhor é constituido para assegurar


o cumprimento de uma obrigação. Cumprida esta, dissolve-se o
vinculo, desfaz-se a relação juridica creada pelo penhor. E a
posse do credor não tem mais razão de sei.
Se o credor pignoraticio, solvida a obrigação, se recusa a
•entregar a coisa empenhada, tem o dono acção para rehavel-a.
E' a de remissão do penhor. Justificar-se-á, porém, o credor,
provando que a coisa lhe foi roubada, ou pereceu por caso for-
tuito ou força maior.
2 — o direito de retenção do credor pignoraticio cons-
titue a essencia mesma do penhor considerado como direito
real. Assegura o cumprimento da obrigação, a que accede, e
o reembolso das despesas àevidamente justificadas, que tiver
feito, não sendo occasionadas por sua culpa. Despesas devida-
mente justificadas são as que o credor prova ter feito com a
conservação, guarda e defesa da coisa empenhada. Para a guaida
e defesa da coisa empenhada tem o credor, entre outros direitos,
o de usar das acções possessorias, ainda contra o proprio de-
vedor. Cabe-lhe, também, a pignoris persecutio, como appli-
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 369

cação do direito de seqüela inlierente ao penhor. Por meio delia


poderá retirar a coisa do poder de quem a detenha.

' Art . -773 — Pôde, egualmente, o credor exi-


gir do devedor a satisfação do prejuizo, que
houver soffrido por vicio da coisa empenhada.

Direito anterior — O mesmo, pelo subsidio do direito ro-


mano.
Legislação comparada — D. 13, 7, fr. 16, § 1.° in fine; Co-
digo Civil do Chile, art. 2.396, l.a al., in fine.
Projectos — Coelho RoáVigues, art. 1.657; Beviláqua, 876;
Revisto, 913.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 163; Ouro
Preto, Credito movei, n. 57, 6.°; Zachariae, Droit civil fran-
çais, V, § 780, 3.°; Mouelon, Répétitions écrites, III, n. 1.222.

Observação — Se o vicio da coisa empenhadá causa damno


ao credor, que a tem em sua guarda, responde pela indemni-
zação o devedor, segundo o que prescreve o art. 159, desde
que o credor ignorasse o vicio. Si sciens creditor accipiat...
morbosum, diz o fragmento do Digesto acima invocado, conti a-
riam ei non competit.

Art. 774 — O credor pignoraticio é obriga-


do, como depositário: .
I. A empregar, na guarda do penhor, a di-
ligencia exigida pela natureza da coisa.
II. A entregal-o, com os respectivos fructos
e accessões, uma vez paga a divida, observadas
as disposições dos artigos antecedentes.
III. A entregar o que sobeje do preço, quan-
do a divida for paga, seja por excussão judicial
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol.
370 CODIGO CIVIL

ou por venda amigável, se lli'a permittir, expres-


samente, o contracto, ou IVa autorizar o deve-
dor, mediante procuração especial.
IY. A resarcir, ao dono, a perda ou dete-
rioração, de que for culpado.

Direito anterior — Semelhante, segundo o direito romano


e a doutrina. Quanto ao n. II: Codigo Commercial, art. 278,
e, em parte, a Ord., 3, Tf8, § 7.°.
DegislaçãO comparada — D. 13, 7, fr. 6, § 1.°; fr. 7; fr.
13, § 1.°; frs. ,14; 22, §§ 1.° e 2.°; 24, § 3.° e 30; Codigo Civil
portuguez, arts. 861 e 866, quanto aos números I a III; chileno,
2.394, 2.395, 2.401 e 2.403.
Vejam-se, também; argentino, arts. 2.S23, 2.324, 2.325;
francez, 2.079 e 2.080, l.a ai.; italiano, 1.885 e 1.886; allemão,
1.214, 1.215, 1.217, 1.218 e 1.219; suisso, 889 e 890; hespanhol,
1.870 e 1.872; uruguayo, 2.307-2.316; peruano, 1.999, 2.003-
2.008; mexicano, 2.876, 2.880 e 2.886; venezuelano, 1.922, 1."
al., e 1.923; boliviano, 1.421-1.423; do Montenegro, 176, 178
e 180, 2.a al.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.498 e 2.501; Coelho
Rodrigues, 1.658; Beviláqua, 877; Revisto, 914.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 164; La-
cerda, Direito das coisas, § 114; Ouro Preto, Credito movei,
números 69-76; A. D. Gama, Contractos por escripto particular,
n. 850; Coelho da Rocha, Inst., §§ 629 e 630; Eduardo Espi-
nola, Codigo do processo do Estado ãH Bahia, II, arts. 369-384;
Planiol, Traité, II, ns. 2.440-2.445; Zachariae, Droit civil fran-
çais V, § 781; Aubry et Rau, Cours, VI, § 435; Windscheid,
Pand., I, §§ 237 e 238. Dernburg, Pand., I, §§ 279-282; Affonso
Fraga, op. cit., § 35; Salvat, oç. cit., II, ns. 2.648 a 2.662; o meu
Direito das coisas, II, § 120.

Observações — 1. — O penhor é entregue ao credor so-


mente para garantia do cumprimento da obrigação. O devedor
continúa na propriedade da coisa empenhada, e o credor tem
apenas a sua guarda, e possue para determinado fim. Nessa
guarda, empregará a diligencia exigida pela natureza da coisa.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 371
JSa igitur quae ãiligens pater famílias in suis relius prestare
solet, a cr editar e exiguntur (D. 13, 7, fr. 14). Cumpre-lhe, por-
tanto, usar de todos os meios assecuratorios e conservatórios
das coisas empenhadas. E responde pelas perdas e deteriora-
ções occorridas por culpa sua. Para excusar-se pela força maior,
deverá proval-a.
2
- Pela mesma razão de que, apenas, possue a coisa
paia garantir a solução da divida, tem o credor de restituil-a,
com os seus fructos e accrescimos, quando fôr pago; e, quando
fôi a coisa, amigavelmente, vendida para o seu pagamento, de-
volverá o que exceder do que lhe cabe pela divida e pelas des-
pesas justificadas (772, 2.!1 al.), que tiver feito.
3. — O Codigo offerece dois meios de liquidar-se o pe-
nhor: a excussão judicial e a venda amigavel. A excussão ju-
dicial é regulada pelo Codigo do Processo. A venda amigavel, se
naq fôr estipulada no contracto, deverá ser autorizada pelo,
devedor, que dará procuração especial ao credor para esse acto.
Não se permitte que no contracto fique estabelecida a venda
ao proprio credor, o que seria uma fôrma de pacto commissorio,
condemnada pelo art. 765. Mas nada impede que o credor
adquira o bem pelo preço que fôr achado, ao tempo do venci-
mento da divida.

Art. 775 — No caso do artigo antecedente,


n. IV, pôde compensar-se na divida até á con-
corrente quantia, a importância da responsabili-
dade do credor.

Direito anterior — Conforme, segundo os princípios geraes.


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.659; Beviláqua, 878;
Revisto, 915.

SECÇÃO II

Do penhor legal

Art. 776 — São credores pignoraticios, in-


dependentemente de convenção.
372 CODIGO CIVIL

I. Os hospedeiros, estalajadeiros ou forne-


cedores de x^ousada ou alimento, sobre as baga-
gens, moveis, jóias ou dinheiro, que os seus con-
sumidores ou freguezes tiverem comsigo nas res-
pectivas casas ou estabelecimentos, x^®^8 despe-
sas ou consumo, que ahi tiverem feito.
II'. O dono do prédio rústico ou urbano, so-
bre os bens moveis, que o rendeiro ou inquilino
tiver guarnecendo o mesmo prédio, pelos alugue-
res ou rendas.

Direito anterior — Não se achava definido em lei este


direito Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 704, &, c, e d,
consigna o direito de retenção em favor das pessoas mencio-
nadas na disposição acima.
Legislação comparada — Quanto ao n. I, Codigo Civil al-
lemão, art. 704. Quanto ao n. II, cit. Codigo, arts. 559 e 585;
austríaco, 1.101. O Codigo Civil argentino, art. 1.558 e o chi-
leno, 1.942, concedem ao locador direito de retenção sobre os
moveis do locatário. O francez, 2.102, ns. 1 e 5, concede pri-
vilegio tanto ao hoteleiro, quanto ao locador, e assim o vene-
zuelano, 1.944, nos. 4.° e 5.°. O italiano, 1.958, 3.°, e o mexicano,
2.959, referem-se, egualmente, ao locador e ao hospedeiro.
Para o direito romano vejam-se D. 20, 2, e Cod. 8, 15.
Planiol, Traité, II, n. 2.426, diz que, no seu entender, so-
mente um penhor tácito existe no direito civil francez; o do
locador de immovel sobre os moveis do locatário.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.660; Beviláqua, 901;
Revisto, 916. Estes Projectos estendiam o penhor legal a outras
pessoas em relação semelhante á do hoteleiro ou do locador.
Bibliographia — Lacerda, Direito das coisas, § 110; Ouro
Preto, Credito movei, ns. 60 e 61; Coelho da Rocha, Inst.,
§ 704; Planiol, Traité, II, ns. 2.425-2.427;. Paul Pont, Des
Privilèges et hypothèques, I, ns. 111-167; Guillouard, Des pri-
vilèges et hypothèques, I, ns. 254-355;Code. Cíuií allemand,
publié par le Comitê de lég. étr., notas aos arts. 559 e 585;
Endemann, Lehrbuch, II, § 136, d; Dernburg, Pand., I, § 268 e
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 373

269, 286; Windscheid, Panã., I, § 231; Affonso Fraga, op. cit.


§28.

Observações — 1. — O Codigo, em symetria com a hy-


potheca legal, criou, em beneficio de certas dividas, o penhor
legal, mais amplo que o simples direito de retenção, e de ef-
ficacia maior do que o privilegio pessoal.
Não está a figura jurídica do penhor legal construída, sim-
plesmente, como um pignus tacite contractum, porém como re-
sultante da lei, o que lhe dá feição mais. energica, resultando
do proprio facto, a que a lei attribue o effeito de crear o pe-
nhor. Constituído segundo os preceitos da lei, o penhor legal
confere a posse da coisa, a que se applica o direito de ven-
del-a judicialmente, e o privilegio de ser o credor pago pelo
preço obtido.
Estão excluídas do penhor legal as coisas inalienáveis (ar-
tigo 756) e as que, segundo as leis determinam, não podem
ser penhoradas.
2
- — Cumpre não confundir o penhor legal com o direito
de detenção, como alguns têm feito, apesar de serem, essencial-
mente, differentes as duas figuras jurídicas. Assim é que: a) O
penhor legal se constituo pela tomada de posse da coisa, se-
guida da homologação e da citação do devedor, para, em 24
horas, pagar ou allegar defesa; nos casos em que haja perigo
na demora, o penhor se torna effectivo antes da intervenção
da autoridade judiciaria (art. 779), mas a éxcussão do penhor
se fará como no caso anterior. O direito de retenção não tem
fôrma especial. &) O penhor legal pôde ser utilizado somente
pelas pessoas indicadas no artigo 776. O direito de retenção
é permittido a qualquer credor que tenha de restituir deter-
minada coisa ao seu devedor, desde que entre a divida e o cre-
dito haja connexidade. c) O penhor legal recáe somente sobre
moveis, que o devedor tenha comsigo, na casa do credor, ou
guarnecendo o prédio alugado. O direito de retenção applica-se
a coisa moveis e immoveis. d) O penhor legal é activo; o
credor apossa-se do bem que está no poder do devedor. O di-
reito de retenção é negativo; o credor recusa a entrega da
coisa, emquanto não é pago. e) O penhor legal inicia-se por
um acto de ordem privada, mas se completa com a intervenção
374 CODXGO CIVIL

da autoridade jurídica. No direito de retenção, a autoiidade


judiciaria não intervem. /) O penhor legal possue todos os
caracteres de direito real de garantia. O direito de retenção
não é direito real.

Art. 777 — A conta das dividas enumeradas


no artigo antecedente, n. I, será extrahida con-
forme a tabella impressa, prévia e ostensiva-
mente exposta na casa, dos preços da hospeda-
gem, da pensão ou dos generos fornecidos, sob
pena de nullidade do penhor.

Direito anterior — Nenhuma disposição a respeito da ma-


téria deste artigo e dos seguintes da presente secção.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.161; Beviláqua, 902,
Revisto, 917.

Observação — A divida do aluguel ou arrendamento é ceita


e precisa, pois o preço da locação é um dos elementos constitu-
tivos desse contracto. A de hospedagem, pousada ou alimentos
não offerece o mesmo caracter de fixidez. Porém o penhor legal
presuppõe uma obrigação certa e precisa. Para obter essa cei-
teza e precisão, o Codigo exige que p preço da hospedagem, da
pensão ou dos generos fornecidos constem de uma tabella im-
pressa, prévia e ostensivamente exposta na casa. Quando a
pessoa entra no hotel, hospedaria ou pensão, a tabella dos pre-
ços lhe dá resposta á sua natural interrogação, por quanto me
será prestado o serviço, que venho procurar nesta casa? E a
acceitação do serviço importa o accôrdo sobre o preço prêvia-
mente estipulado.
Contas extrahidas sem esse requisito não conferem o pe-
nhor legal.
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 375

Art. 778 — Em cada um dos casos do ar-


tigo 776, o credor poderá tomar em garantia um
ou mais objectos, até ao valor da divida.

Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.662; Beviláqua, 903;


Revisto, 918.

Observação — O credor toma posse do objecto em garantia


do seu credito por acto proprio. Não pode exercer o seu di-
reito senão sobre os objectos penhoraveis, que o devedor
tenha comsigo, no estabelecimento ou na casa, onde lhe foi pres-
tado o serviço, que não pagou.
Essa tomada de posse é o modo particular de constituir
o penhor legal. Este não resulta, immediatamente, da entrada
dos objectos na casa do credor. A lei faz as vezes do contracto
de penhor, ou, melhormente dito, o dá como firmado, uma vez
realizadas as condições, que estabelece. A tomada de posse cor-
responde á tradição, elemento constitutivo do penhor conven-
cional. Ha, porém, uma formalidade ulterior, sem a qual o
penhor desta especie não se considera, definitivamente, cons-.
tituido: é a homologação pelo juiz (arts. 780), dispensada so-
mente no caso de haver perigo na demora (art. 779).

Art. 779 — Os credores compreliendidos no


referido artigo podem fazer effectivo o penhor,
antes de recorrerem á autoridade judiciaria,
sempre que haja perigo na demora.

Projectos — Coelho Roãrigíies, art. 1.667; Beviláqua, 908;


Revisto, 922.

Observação — Os credores, de que trata esta secção, de-


vem legalizar a tomada de posse do penhor, com a. homolo-
3,76 CODXGO CIVIL

gação do juiz, segundo preceitua o artigo seguinte. Mas, se


houver notório perigo na demora, que, inevitavelmente, occa-
siona essa formalidade, o penhor se considera perfeito e aca-
bado, independentemente da homologação.
Este artigo elucida a marcha da constituição do penhor
legal, mostrando que não basta para ella que o credor retenha
os objectos do devedor, que é necessária a intervenção do juiz,
salvo quando ha fundado receio de que as delongas dessa for-
malidade façam periclitar a realização do penhor. Mas, effe-
ctuado, assim, o penhor, não se torna o credor dono do objecto,
nem o pode vender, Abre-se, então, a phase da execução, como
no penhor convencional.

Art. 780 — Tomado o penhor, requererá


o credor, acto continuo, a homologação, apresen-
tando, com a conta, por menor, das despesas do
devedor, a tahella dos preços, junta á relação
dos objectos retidos, e pedindo a citação delle
para, em vinte e quatro horas, pagar on allegar
defesa.

Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.667; Beviláqua, 909;


Revisto, 923.

' Observação — A homologação da autoridade judiciaria le-


galiza a posse tomada pelo credor, e ultima a constituição do
direito real de garantia. Concedida ella, o penhor resolve-se em
penhora, e seguem-se os termos da execução do penhor: depo-
sitam-se os bens em mãos de terceiro, e procede-se á avaliação
e á arrematação delles.
Negada a homologação, fica salvo ao credor o direito de
recorrer ás vias ordinárias, para exigir o pagamento do que lhe
fôr devido.
O processo da homologação será estabelecido pelas leis adje-
ctivas.
DOS DIREITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 377

SECÇÃO III

Do penhor agricoia

Art. 781 — Podem ser objecto de penhor


agrícola:
I. Macbinas e instrumentos aratorios ou de
locomoção.
II. Colheitas pendentes, ou em via de for-
mação no anno do contracto, quer resultem de
prévia cultura, quer de producção espontânea do
sólo.
III. Eructos armazenados, em ser, ou be-
neficiados e acondicionados para a venda.
IY. Lenha cortada ou madeira das mattas,
preparada para o.corte.
Y. Animaes do serviço ordinário de estabe-
lecimento agrícola.

Direito anterior — Semelhante (Dec. n. 370 de 2 de Maio


de 1890, art. 362, que era mais amplo, e n. 2.415, de 28 de
junho de 1911).
Legislação comparada —■ Vejam-se; a Lei franceza de 18
de julho de 1898, modificada pela de 30 de Abril de 1906; o
Codigo Civil suisso, art. 885; o mexicano, 2.857.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.673; Beviláqua, 879,
Revisto, 924. A Gamara reduziu a inscripção da secção, que
nos Projectos, incluía o penhor pecuário.
BibliograpMa — Ouro Preto, Credito movei, ns. 41 e segs.;
Planiol, Traité, II, ns. 2.710-2.711; Trabalhos da Gamara, III,
p. 114, e V. ps. 290 e 309; Almeida Oliveira, Lei das exeatções,
notas 26 29, na parte primeira, e ns. 1-40, da parte segunda;
Rossel et Mentha, Droit civil suisse, II, ps. 304-305; Huber,
Exposé ães motifs, ps. 661-667; Affonso Fraga, op. cit., §§
29 e 30.
378 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — O penhor agrícola foi creado, entre


nós, pelo Dec. n. 3.272, de 5 de Outubro de 1885, art. 10. *
Abrangia colheitas pendentes, productos agrícolas, animaes, ma-
chinas, instrumentos e quaesquer outros accessorios não com-
prehendidos na escriptura da hypotheca, ou, se estivessem com-
prehendidos, mediante consentimento do credor hypothecario.
O regulamento numero 9.549, de 23 de Janeiro de 1886, arts.
106 e 118, desenvolveu a matéria, accentuando, com maior fir-
meza, os contornos desta figura jurídica. Em seguida, o reg.
n. 370, de 2 de Maio de 1890, arts. 362-374, retomando a ma-
téria, introduziu alguns accrescimos e modificações. Por fim,
o Dec. n. 2.415, de 28 de Junho de 1911, declarou que eram
susceptíveis de penhor agrícola a gomma elástica, a piassava,
a castanha, o cacau e a herva matte.
Confrontando o art. 781, do Codigo Civil com o art. 362,
do reg. n. 370, de 2 de Maio de 1890, nota-se naquelle m^ior
sobriedade, maior precisão, e claro intuito de não ampliar o
penhor agrícola, ou o pecuário, além dos limites, que lhes
convém. Dentro dos termos do art. 781 incluem-se, natural-
mente, os productos agrícolas, postos em relevo pelo dec. n.
2.415, de 1911.
O dec. n. 13.407, de 13 de Janeiro de 1919, que autoriza
o penhor mercantil de tecido e matéria prima (algodão e lãs
nacionaes) em garantia de empréstimos feitos ao Banco do
Brasil, obedece a outra construcção jurídica.
1-a — A lei n. 492, de 30 de Agosto de 1937, creou o penhor
rural, que abrange o agrícola e o pecuário; contracta-se por
escriptura publica ou particular, transcripta no registro im-
mobiliario da comarca, em que estiverem situados os bens e os
animaes empenhados.
2. — O penhor agrícola é uma fôrma anormal do penhor,
que se approxima da hypotheca sob duas relações; l." Não
desloca a coisa gravada das mãos do devedor. Verdade é que
o devedor a detem pela clausula constituti (art. 769), e se con-
sidera depositário; mas o facto é que os objectos empenhados
continuam em poder do devedor, que os utiliza, como se não
houvera o vinculo. 2.a Recáe sobre immoveis, pois que o são
os fructos pendentes, as arvores, as machinas e os animaes em-
pregados no serviço de um estabelecimento agrícola (art. 43).
Outros objectos como os fructos armazenados e a lenha cor-
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 379

tada são moveis; porém os que primeiro foram mencionados


são bens de raiz.
Na Suissa, denomina-se de hypotheca movei.
Outra anormalidade desta especie de penhor é que podem
ser objecto delle coisas ainda não existentes, ou pelo menos,
que ainda não adquiriram a sua fôrma definitiva: as colheitas
em via de formação.
2 a.v— Mas, entenda-se bem, as colheitas, em via de for-
mação, no anno do contracto não são quaesquer colheitas fu-
turas de um anno, que o contracto designar, e, sim as que se
estiverem formando no anno, em que o contracto se concluir.
3. — Não ha differença substancial na enumeração do que
pode ser objecto de penhor agrícola, entre o que dispõe o Có-
digo Civil, art. 781 e a lei n. 492, de 1937, art.6 ; todavia,
como não ha coincidência completa, convém , transcrever a enu-
meração da lei.
Podem ser objecto do penhor agrícola, declara o art. 6:
I Colheitas pendentes ou em via de formação, quer resul-
tem de previa cultura, quer de producção espontânea do solo;
II Pructos armazenados, em ser ou beneficiados e acondi-
cionados para a venda;
III Madeira das mattas, preparada para o corte, ou em
toros, ou já serrada e lavrada;
IV Lenha cortada ou carvão vegetal;
V Machinas e instrumentos agrícolas;
Não se refere aos animaes do serviço ordinário, do serviço
agrícola.
4. — O novo Codigo Penal, art. 171, § 2.°, III, capitula como
estellionato alhear ou desviar os objectos dados em penhor, sem
consentimento do credor, ou, de qualquer modo, defraudar a
garantia pignoraticia.

Art. 782 — O penhor agrícola só se pócle


convencionar pelo prazo de um anno, ulterior-
mente prorogavel por seis mezes.

Direito anterior — Podia constituir-se pelo prazo de 3 an-


nos e até por 10 e 15 (dec. n. 370, de 1890, art. 364).
380 CODIGO CIVIL

Projectòs — Coelho - Rodrigues, art. 1.674; Beviláqua, 880;


Revisto, 925.

Observações — 1. — A anormalidade do penhor agrícola,


que se baseia no constituto possessorio, exige prazo limitado,
para ser uma combinação legitima dos interesses do agricul-
tor e do capitalista. Os longos prazos, comu os admittia o reg.
n. 370, de 1890, prejudicariam esses intuitos economicos, em um
penhor que não dá ao credor a posse effectiva do bem gravado.
Depois, os objectos mais communs delles são os colheitas, que
se fazem normalmente, uma vez cada anno. Para dar ensanchas,
porém, á realização dos capitães representados pelas safras,
concede a lei a prorogação.
2. — O penhor agrícola só se pode convencionar por um
anno, prorogavel por outro, e, embora vencido, subsiste a ga-
rantia, emquanto subsistirem os bens dados sem garantia,
diz o art. 7 da lei.

Art. 783 — Se o prédio estiver hypotheca-


do, não se poderá, pena de nnllidade, sobre elle
constituir penhor agricola, sem annuencia do
credor hypothecario, por este dada no proprio
instrumento de constituição do penhor.

Direito anterior — Semelhante (reg. n. 370, de 2 de Maio


de 1890, art. 32, i).
Projéctos — Coelho Rodrigues, art. 1.675; Beviláqua, 881;
Revisto, 926.

Observações — 1. — Os fructos pendentes fazem parte do


immovel. Não poderia sobre elles constituir-se direito real em
prejuízo da hypotheca, o vinculo da qual comprehende todo o
prédio, com os seus fructos. O mesmo deve dizer-se dos ac-
cessorios immobilizados pela exploração industrial.
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 381

Os fructos armazenados e a lenha cortada já adquiriram


a condição de moveis; porém a harmonia das linhas do ins-
tituto exigia que não se restringisse a disposição aos immoveis
por natureza e por accessão. Além disso, ê uma providência
vantajosa á segurança do credito, até porque aquelles productos
agrícolas podem destinar-se ao credor hypothecario.
2. — Em sentido differente, considerando illogico este pre-
ceito do art. 783, se manifestou JoÃo Luiz Alves, em seus
commentarios.
3. — Talvez por essa razão, a lei n. 492, de 30 de Agosto
de 1937,' art. 4, declara que independe o penhor rural do con-
sentimento do credor hypothecario; accrescenta, entretanto, que
o direito de prelação e a estensão da hypotheca ao ser execu-
tada, não ficam prejudicadas.

Art. 784 — No penhor de animaes, sob pena


de nnllidade, o instrumento designal-os-á com a
maior precisão, particularizando o logar, onde se
achem, e o destino, que tiverem.

Direito anterior — O dec. n. 370, de 2 de Maio de 1890,


artigo 362, b, destacava, entre os objectos do penhor agrícola,
os animaes de qualquer especie, ligados ao serviço de uma
situação rural; mas não regulava, propriamente, o penhor pe-
cuário que o Codigo Civil aqui põe em relévo.
Legislação comparada — Consultem o Codigo Civil suisso,
art. 885, e a lei franceza de 30 de Abril de 1906, art. I.0.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.676. Beviláqua, 882;
Revisto, 927.

Observações — 1. — Podem ser objecto de penhor pecuá-


rio: os animaes, que se criam pascendo para a industria pas-
toril, agrícola ou de lacticinios, em qualquer de suas modali-
dades; ou de que sejam elles simples accessorios de sua explo-
ração (lei de 30 de Agosto cit., art. 10).
382 CODIGO CIVIL

Em todo penhor, o objecto ha de ser determinado com


precisão, de modo a discriminar-se dos seus congeneres (arts.
761, n. IV, e 770). Mas, além das especificações communs aos
outros objectos, exige o Codigo Civil, no penhor de animaes
e designação do logar, onde se achem, e o destino, que tive-
rem. A primeira especificação é também necessária no penhor
agrícola, quer o objecto do penhor sejam accessorios, ou sa-
fras, de uma propriedade agricola, quer fructos armazenados.
Para individuação completa do objecto do penhor, é necessário
declarar-se a freguezia, onde está situada a propriedade, o
logar do armazém. Em relação aos animaes, exige o Codigo
maior rigor na especificação. Por isso nella insiste, e accres-
centa, ainda, a necessidade de se declarar o destino, que elles
tiverem.
Supponha-se que alguém, conduz gado do interior para ven-
der numa praça de grande consumo. A meio caminho, para
refazer os animaes, ou porque a estação seja imprópria, de-
tem-se, e sente necessidade de realizar a operação de credito
consistente no penhor pecuário. E' fácil comprehender a uti-
lidade das designações do logar onde se acha o gado, e do des-
tino, a que é levado, para a segurança das relações entre o
devedor e o credor.
Ia — A lei n. 492, de 30 de Agosto de 1937, art. 10,
§ único, manda mencionar, também, a especie, denominação
commum ou scientifica, raça, gráo de mestiçagem, signal, nome,
se tiver e todos os característicos por que se identifique cada
animal.
2. _ Veja-se a respeito do penhor pecuário, que alguns
não destacam, Lysippo Garcia, Registro ãe immoveis, I, ps.
327-328. As duas especies, penhor agricola e penhor pecuário,
acham-se bem discriminadas; apenas o Codigo denomina o ge-
nero, que as abrange, com o designativo penhor agricola, que
também applica a uma das especies.
3. — A lei admitte que se celebrem, conjunctamente, para
garantia da mesma divida, o penhor agricola e o pecuário, fi-
cando o acto subordinado á disciplina deste ultimo (art. 11).
Accrescenta que ambos independem de outorga uxoria.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 383

Art. 785 — O devedor não poderá vender o


gado empenhado, sem prévio consentimento es-
cripto do credor.

Direito anterior — Silente, pois que não hayia o penhor


pecuário, como o instituiu o Codigo.
Projectos — Coelho Rodrigues, arts. 1.677; Beviláqua, 883;
Revisto, 928.

Observação — Consigna este artigo uma particularidade


do penhor pecuário. Pôde ser vendido com prévio consenti-
mento do credor (lei cit. art. 12). O penhor não retira os ani-
maes do commercio, mas a alienação ha de ser autorizada pelo
credor, que estipulará as condições do seu rembolso.
O penhor pecuário não pode ser alienado, nem, salvo ac-
côrdo, distrahido do estabelecimento, onde se encontra. O de-
vedor não tem a posse exclusiva do objecto, e, sim, também em
nome do credor, respondendo pelo penhor, como se fôra de-
positário. No penhor pecuário, accentua-se mais o caracter hy-
pothecario do vinculo, embora o objecto delle seja coisa movei.

Art. 786 — Quando o devedor pretenda


vender o gado empenhado, ou, por negligente,
ameace prejudicar o credor, poderá este reque-
rer se depositem os animaes sob a guarda de ter-
ceiro, ou exigir que se lhe pague a divida incon-
tinenti.

Direito anterior — Silente.


Legislação comparada — Paz este artigo applicação, em
beneficio do credor, de uma regra que outros Codigos consignam
em referencia ao penhor commum, como garantia do devedor.
Vejam-se o D. 13, 7, fr. 24, § 3.°; e os Codigos Civeis seguintes:
francez, art. 2.082; italiano. 1.887; argentino, 3.230; portu-
guez, 862.
384 CODXGO CIVIL

Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.678; Beviláqua, 884;


Revisto, 929; Felicio dos Santos, art. 2.499, reproduz o dis-
posto no Codigo Civil portuguez, no logar acima citado.

Observação — Esta providencia está em relação imme-


diata com o prescripto no artigo antecedente. O devedor pôde
vender o penhor de animaes, porém com o concurso do credor;
se tenta alienal-o, sem essa formalidade, denuncia intenção de
fraudar o credor, e a lei vem em soccorro deste.
Ainda sem intuito fraudulento, pôde o devedor pôr em
risco o penhor, deixando, por negligencia, que o gado pereça,
ou se extravie, ou se desvalorize, seja por moléstias, seja por
mau trato. Providencia o Codigo para impedir que o prejuizo
assuma proporções maiores.
A lei de 30 de Agosto de 1937 consagra as mesmas provi-
dencias (art. 12, §1.°).

Art. 787 — Os animaes da mesma especie,


comprados para substituir os mortos, ficam sub-
rogados no penhor.
Paragrapho único. Esta substituição presu-
me-se, mas não valerá contra terceiros, se não
constar de menção addicional ao respectivo con-
tracto.

Direito anterior — Nada dispunha.


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.679; Beviláqua, 885;
Revisto, art. 930.

Observações — 1. — A subrogação somente se dá em re-


lação aos animaes mortos. A respeito dos vendidos com auto-
rização do credor, observar-se-á o que fôr combinado, entenden-
do-se que o credor concorda na diminuição do penhor, se al-
gum animal permitte que se aliene, isoladamente, ou em grupos.
"DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 385
A substituição presume-se, ainda na falta de prova positiva;
mas deverá constar do registro, para que prevaleça contra ter-
ceiro. 0 Codigo fala em menção addicional ao contracto; porém
como o contracto tem de inscrever-se para dar ao penhor o
caracter de direito real, é forçoso que, também, se inscreva
o additivo, para o mesmo effeito.
Quanto ás crias do rebanho, nenhuma duvida ha sobre que
se incorporam no penhor (D. 20, 1, fr. 13, pr.).
2. — A lei de 30 de Agosto de 1937, art.-12, § 2.° e 3.°, con-
sagra egual disposição quanto aos animaes comprados para sub-
stituir os mortos e providencia quanto ás crias no sentido aci-
ma exposto.

Art. 788 — O penlior de animaes não admit-


te prazo maior de dois annos, mas pode ser pro-
rogado por egual periodo, averbando-se a proro-
gação no titulo respectivo.
Paragrapbo único. Vencida a prorogação, o
penlior será excutido, quando não seja reconsti-
tuido.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente.


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.680. Beviláqua, 886;
Revisto, 931.

Observações — 1. — O penhor pecuário, embora também de


prazo curto, pôde esparçar-se um pouco mais do que o agricola.
E', ainda, uma discrepância entre as duas modalidades de
penhor desta secção, determinada pela differença dos respecti-
vos objectos: productos agricolas para uma, animaes para a
outra.
2. — A disposição da lei de 30 de Agosto dè 1937, art. 13,
é idêntica á do Codigo Civil.
A prorogação do penhor deve constar do registro.
3. — Essa lei instituiu a cédula rural pignoraticia, trans-
ferivel por endosso (arts. 14 a 21).
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 25
386 CODIGO CIVIL

SECÇÃO IY

Da caução de títulos de credito

Art. 789 — A caução de títulos nominati-


vos de divida da União, dos Estados ou dos Mu-
nicípios equipara-se ao penlior e vale contra ter-
ceiros, desde que for transcripta, ainda que es-
ses títulos não hajam sido entregues ao credor.

Direito anterior — Semelhante (dec. n. 434, de 4 de Julho


de 1891, arts. 37-93); Caklos de Carvalho, Direito civil, arts.
676 e 677; Caklos Barreto, Legislação ãe Fazenda, vb. Apólices.
Legislação comparada — Vejam-se os Codigos seguintes;
francez, art. 2.075, completado pela lei de 1." de Março de 1909,
italiano, 1.881; portuguez, 857; suisso, 899 e segs.; allemão,
1.273 e segs.; argentino, 3.209 e 3.212; chileno, 3.389; ve-
nezuelano, 1.918; mexicano, 1.780 e 1781; japonez, 362 e segs.
Este ultimo Codigo adoptou a distribuição allemã: penhor so-
bre moveis, sobre immoveis, e sobre direitos, que, também, se
encontra no suisso.
O direito romano desconhecia o penhor de coisas incor-
poreas; os créditos podiam ser hypotbecados, independentemente
de instrumento (D. 20, 1, fr. 4, in fine; Van Wetter, Droit
civil, p. 287).
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.495; Coelho Rodri-
gues, 1.681; Beviláqua, 887; Revisto, 932.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, II, §§ 161
e 162; Lacerda, Direito das coisas, II, § 111; Ouro Preto, Cre-
dito movei, n. 15; Planiol, Traité, II, ns. 2.292, 2.293 e 2.408
2.414; Huc, Gommentaire, XII, ns. 361-367; Zachariae, Droit
civil français, V, §§ 778 e 779; Gode Civil allemand, publié
par le Comitê lég. étr., aos arts. 1.273 e segs.; Endemann,
Lehrhuch, II, § 144; Dernburg, Pand., I, § '292; Affonso Fraga,
op. cit., ns. 93 e segs.

Observações — 1. — Occupa-se o Codigo, nesta secção, do


penhor dos titulos de credito, e dá-lhe o nome particular de
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 387

caução, que, aliás, tem, egualmente, um sentido mais generico


de garantia, subdividindo-se em caução real (penhor, hypotheca,
antichrese, caução de titulos) e fidejussoria (fiança).
Para o effeito da caução, distribue o Codigo os titulos em
duas classes: os titulos da divida publica, de que trata o art. 789,
e os de credito particular, a que se referem os artigos seguintes.
2- — A primeira edição do Codigo Civil consagrava, neste
artigo, uma impropriedade de linguagem, que importava em
tornar sem objecto o dispositivo. Falava em caução de titulos
de credito, inalienáveis. A lei n. 3.725, de 15 de Janeiro de
1919, substituiu a expressão criticada pela que agora se lê —
titulos nominativos ãa União, dos Estados e dos Municípios,
que é perfeitamente adequada e clara.
3 • —^ O penhor" das apólices nominativas da divida publica
federal é modificação da propriedade desses titulos, que deve
constar de assentamento na repartição da Fazenda incumbida
do respectivo serviço.
E', na linguagem do dec. n. 6.711, de 7 de Novembro de
1907, uma clausula de gravação, que se averbará, mediante a
apresentação do instrumento do penhor, como se faz com os
dotes de apólices.
Se o penhor fôr de apólices ao portador, como a simples
entrega de titulos opera a transferencia, não ha que annotar
o gravame nos livros da repartição. Transcrever-se-á o con-
tracto no registro especial de titulos.
O regulamento n. 18.542, de 24 de Dezembro de 1928, ar-
tigo, 134, III, manda transcrever no registro de titulos a caução
de titulos de credito pessoal e da divida publica. E', aliás,
determinação da lei n. 4.827, de 7 de Fevereiro de 1924, ar-
tigo 4.°, III.
Quando as apólices nominativas forem estaduaes ou muni-
cipaes, o assentamento da clausula pignoraticia será feito nas
repartições competentes. Sendo ao portador, observar-se-á o que
fica dito em relação ás federaes da mesma categoria. Os titulos
ao portador, relativamente á caução real, tratam-se como se
fossem objectos corporeos.
388 CODIGO CIVIL

Art. 790 — Também se equipara ao penhor,


mas com as modificações dos artigos seguintes,
a caução de títulos de credito pessoal.

Direito anterior — Não havia disposição correspondente,


em direito civil; mas o dec. n. 434, de 4 de Julho de 1891,
artigo 37, permittia o penhor de acções de sociedades anonymas
e em commandita, e o art. 273, do Codigo Commercial, o de
quaesquer papeis de credito negociáveis.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.681; Beviláqua, 888;
Revisto, 933.

Observação — Não era feliz a redacção deste artigo, que,


agora, se acha corrigida pela lei n. 3.725, de 11) de Janeiro
de 1919. Trata-se da caução de titulos representativos de cre-
dito em garantia do cumprimento de obrigações.
O Codigo assinala a differença entre o penhor dos titulos
da divida publica e o dos titulos de credito particular. O pri-
meiro ultima-se pela transcripção no registro de titulos, como
determina a lei n. 4.827, de 7 de Fevereiro de 1924, art. 4.°.
III, e não depende de entrega dos titulos ao credor. O se-
gundo não dispensa a tradição dos titulos. E', particularmente,
a esta ultima fôrma de caução que se referem os artigos se-
guintes .
Yeja-se Salvat, Derechos reales, II, ns. 2.586 e segs.

Art. 791 — Esta caução principia a ter ef-


feito com a tradição do titulo ao credor, e pro-
var-se-á por escripto, nos, termos dos arts. 770
e 771.

Direito anterior — Omisso.


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.683; Beviláqua, 889.
Revisto, 934.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 389

Observação — Como o instrumento do penhor convencional,


o da caução de títulos deve ser lavrado em duplicata; deter-
minar, precisamente, o valor do debito; e especificar o objecto
do penhor, para que se não confunda com outros. Esse instru-
mento deverá ser transcripto na séde da sociedade emissora,
se o penhor, fôr de títulos de companhias, acções ou debentures
Essas formalidades, porém, não bastam. Os títulos devem
ser entregues ao credor pignoraticio, ficar em seu poder até
á solução da divida. Aliás, neste particular, a caução de tí-
tulos se conforma com a regra geral do penhor, que exige a
tradição do objecto empenhado para se constituir.
Transcripção no registro de títulos (lei n. 4.827, de 7 de
Fevereiro de 1924, art. 4.°, III).

Art. 792 — Ao credor por esta caução com-


pete o direito de:
I. Conservar e recuperar a posse dos títulos
caucionados, por todos os meios eiveis ou crimes,
contra qualquer detentor, inclusive o proprio
dono.
II. Fazer intimar, ao devedor dos títulos
caucionados, que não pague ao seu credor, em-
quanto durar a caução (art. 794) .
III. Usar das acções, recursos e excepções
convenientes, para assegurar os seus direitos,
bem como os do credor caucionante, como se des-
te fora procurador especial.
IV. Receber a importância dos títulos cau-
cionados, e restituil-os ao devedor, quando este
solver a obrigação por elles garantida.

Direito anterior — Nenhuma disposição a respeito da ma-


téria deste artigo, nem dos seguintes; o direito commercial ê
que dispunha a respeito (art. 277, do respectivo Codigo).
Legislação comparada — Veja-se o Codigo Civil allemão,
arts. 1.281 e segs.; japonez, 367; e suisso, 900 e segs.
390 CODXGO CIVIL

Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.684; Beviláqua, 890:


Revisto, 935.

Observações — 1. — Modalidade especialissirna do penlior,


a caução de títulos, se obedece ás normas geraes dessa figuia
jurídica, offerece particularidade, que devem ser postas em
relevo para clareza das relações jurídicas.
Entregues os títulos ao credor pignoraticio, este exerce
sobre elles a posse, com todas as suas conseqüências. Pôde
usar dos interdictos de manutenção, dos recuperatorios, e, tam-
bém, das acções crimes, que no caso couberem, contra quem
subti-ahir do seu poder a coisa empenhada. Se o autor da sub-
tracção fôr terceiro, o credor pignoraticio agirá em nome do
dono; se fôr este, agirá em seu proprio nome. O Codigo Penál
de 1890, art. 332, considerava crime tirar, sem autorização legal,
a coisa própria, que se achar em poder de outrem, por effeito de
convenção, como o penhor.
2. — A caução do titulo de credito é um penhor do di-
reito, a que o titulo se refere; não que o credor pignoraticio
adquira a posse do direito pessoal, mas no sentido de que,
empenhado o titulo, o credor se obriga a não exigir o cum-
primento da obrigação, emquanto durar o penhor, e fica, du-
rante esse tempo, impedido de exercer os seus direitos cre-
ditorios.
Para que o devedor do credito empenhado não se chame
á ignorância, e fique certo de que não pôde entrar em com-
binação com o seu credor, para o pagamento da divida, o credor
por caução está autorizado a fazer intimar o devedor da obri-
gação constante do titulo, para que não pague ao seu credor,
emquanto durar a caução.
Veja-se o art. 794.
O penhor de acções de sociedades de capital não impede
que o accionista exerça os direitos, que essa qualidade lhe con-
fere, como o de votar nas assembléas geraes e o de receber di-
videndos (Reg. n. 434, de 4 de Julho de 1891, art. 38). Não
são as acções títulos de credito. Representam fracções do ca-
pital da sociedade, e concretizam os direitos de socios.
Todavia, será licito estabelecer no instrumento ou escriptura
da caução ou penhor, que o dono das acções não poderá sem o
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 391

consentimento do credor caucionado ou pignoraticio, votar em


certas deliberações (dec.-lei n. 2.627, de 26 de Setembro de 1940,
art. 83).
3. — Chegando o momento de solver-se a divida, cujo ti-
tulo está caucionado, o credor garantido pela caução poderá
receber a importância do titulo, e entregal-o ao devedor. A
caução confere-lhe mandato para esse effeito, assim como para
defender os direitos do credor caucionante.

Art. 793 — No caso do artigo antecedente,


n. IV, o credor caucionado ficará, como deposi-
tário, responsável ao credor caucionario, pelo
que receber além do que este lhe devia.

Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.865; Beviláqua, 891;


Revisto, 936.

Observações — O credor garantido pela caução está ha-


bilitado, como procurador especial, a receber a divida, cujo ti-
tulo lhe foi empenhado, e dar quitação ao devedor. Por esse
modo, paga-se por suas próprias mãos. Mas se a divida rece-
bida por elle fôr de somma, que exceda ao seu credito, o ex-
cesso não lhe pertence; cumpre-lhe restituil-o ao credor cau-
cionante. O Codigo declara-o depositário dessa quantia para
definir-lhe a responsabilidade.

Art. 794 — O devedor do titulo caucionado,


tanto que receba a intimação do art. 792, n. II,
ou se dê por sciente da caução, não poderá re-
ceber quitação do seu credor .

Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.686; Beviláqua, 892;


Revisto, 937.
392 CODIGO CIVIL

Obsex^vações —- 1. — A communicação, ao devedor, de que


o titulo da sua divida se acha caucionada, pôde ser feita por
notificação judicial (art. 792, n. II), ou por escripto parti-
cular, a que o mesmo devedor responda, também, por escripto
Ha no caucionamento de títulos de créditos uma fôrma de re-
lação jurídica analoga á cessão, que, no systema do Codigo,
se completa pela notificação, aliás dispensável, quando o de-
vedor, em escripto publico1 ou particular, se declara sciente da
transferencia (art. 1.069).
Peita a notificação: 1.°, o devedor já não pôde realizar
o pagamento ao seu credor, que não tem o titulo em seu poder
nem está autorizado a passar quitação; 2.°, o credor não pôde
exigir o pagamento, porque se entende ter cedido o seu credito.
O pagamento a elle feito não é, todavia, sem valor, como sem
valor não é a quitação por elle, então, passada. Responderão,
porém, o devedor e o credor caucionante, nos termos do art. 795.
2. — Assim como ao credor caucionario é que ha de ser
paga a divida, depois de notificada a caução, é do poder delle
que a poderá resgatar o devedor, antes do vencimento, se tiver
de realizar essa operação.
Por seu lado, o credor caucionante poderá resgatar a caução.
Neste caso, volve a situação jurídica do devedor ao estado an-
terior, recobrando o seu credor o direito de exigir o pagamento,
dar quitação e restituir o titulo volvido ao seu poder.

Art. 795 — Aquelle que7 sendo credor num


titulo de credito, depois de o ter caucionado,
quitar o devedor, ficará, por esse facto, obrigado
a saldar, immediatamente, a divida em cuja ga-
rantia prestou caução; e o devedor, que sciente
de estar caucionado o seu titulo de debito, accei-
tar quitação do credor caucionante, responderá,
solidariamente com este, por perdas e damnos ao
caucionado.
Projectos —• Coelho Rodrigues, art. 1.687; Beviláqua, 893;
Revisto, 938.
DOS DIKEITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 393

Observação — Consagra este artigo a sancção ao preceito


prohibitorio do art, 794.
O credor caucionante, que exonera o seu devedor, dando-lhe
quitação, inutiliza a garantia, que offerecera ao seu proprio
credor. Obriga-o, por isso, o Codigo a saldar, immediatamente,
a sua divida, e fal-o responder por perdas e damnos.
Este procedimento do caucionante eqüivale ao daquelle que
alheia objectos dados em penhor agrícola, e deveria ser, como
esse, punido pelo direito repressivo, para reforçar a sancção da
lei civil.

' SECÇxlO Y

Da transcripçâo do penhor

Art. 796 — O penhor agrícola será trans-


cripto no registro de immoveis.
Paragrapho único. Emquanto não cancella-
da, continha a transcripçâo a valer contra ter-
ceiros .

Direito anterior — Somente o penhor agricola de valor


excedente a cinco contos de réis estava sujeito á transcripçâo
no registro geral. Os de menor valor registravam-se nos car-
tórios dos escrivães de paz ou dos funccionarios, que os subs-
tituíram (decreto n. 370, de 2 de Maio de 1890, arts. 369 e 370).
Projectos — Coelho Rodrigues, arts. 1.689 e 1.697; Be-
viláqua, 895; Revisto, 939.
Bibliographia — Ouro Preto, Credito movei, ns. 47-54; Af-
fonso Praga, op. cit., n. 85.

Observações — 1. — O penhor rural, que abrange o agricola


e o pecuário, transcreve-se no registro de immoveis da comarca
em que estiverem situados os bens empenhados (lei n. 492, de 30
de Agosto de 1937, art. 2, confirmado pelo decreto-lei n. 2.612
de 1940, art. 1.°). No mesmo registro averbam-se as cessões,
subrogações e os cancellamentos.
394 CODIGO CIVIL

O penhor commum, quando feito por instrumento particular,


transcreve-se no registro de titulos; e, quando feito por escriptura
publica, dispensa o registro (V. meu Direito das coisas, II, § 119).
A caução de titulos de credito pessoal e da divida publica será
transcripta no registro de titulos e documentos.

Art. 797 — O penhor dos titulos de bolsa


averbar-se-á nas repartições competentes ou na
sede da associação emissora.

Direito anterior — Omisso. Quanto ás acções nominativas


de sociedades anonymas e em commandita, veja-se o dec. n.
434, de 4 de Julho de 1891, art. 37.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.690; Beviláqua, 895;
Revisto, 940.

Observação — O penhor dos titulos da divida publica, sendo


nominativos, averba-se na repartição, a que estiver entregue
o respectivo serviço. Sendo ao portador os titulos empenhados,
o contracto se transcreverá no registro especial de titulos.
Veja-se o commentario ao art. 771.
O penhor das acções e outros titulos negociáveis das so-
ciedades anonymas ou em commandita por acções, registra-se
em livros proprios, na séde da companhia, cujo capital ou obri-
gações representam.
O penhor de titulos de credito individual transcreve-se no
registro especial de titulos.

Art. 798 — O credor, que acceitar em cau-


ção titulos ainda não integrados, poderá, sobre-
vindo qualquer das chamadas ulteriores, execu-
tar logo o devedor, que não realize a entrada, ou
effectual-a sob protesto.
DOS DIREITOS KEAES SOBKE COISAS ALHEIAS 395

Direito anterior — Omisso.


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.692; Beviláqua, 897;
Revisto, 941.

Observações — 1. — O credor caucionario considera-se


procurador do caucionante para o effeito de assegurar os di-
reitos de ambos em relação ao titulo. Está, portanto, autorizado
a realizar as entradas do titulo não integrado. Mas, sendo a
obrigação do devedor, dono do titulo, realizar a entrada, se
o credor, consultando os seus interesses, achar mais conveniente
não desembolsar, além do que já lhe é devido, a somma da nova
entrada, executará logo o devedor, cuja garantia se esvae (dec.
n. 434, de 4 de Julho de 1891, arts. 33 e 34, Spehcer Vampré,
Sociedades anonymas, ns. 214-229).
2 — As sociedades anonymas não podem acceitar o penhor
de suas próprias acções (dec. n. 434, de 4 de Julho de 1891
art. 39).

Art. 799 — Se, nos termos do artigo ante-


cedente, se effectuar, sob protesto, a entrada, ao
debito se addicionará o valor desta, resalvado ao
credor o seu direito de executar, in continenti, o
devedor.

Direito anterior — Nada dispunha a respeito.


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.694; Beviláqua, 898;
Revisto, 942.

Art. 800 — O credor, ou o devedor, um na


ausência do outro, contrahente, pôde fazer tran-
screver o penhor, apresentando o respectivo in-
strumento, na fôrma do art. 135, se for parti-
cular .
396 CODIGO GIVIL

Direito anterior — Veja-se o reg. n. 370, de 2 de Maio


de 1890, art. 63. .

Observação — O interesse principal na transcripção é do


credor, porque esta formalidade é que, no penhor agrícola,
assim como na caução de títulos da divida publica, lhe confere
direito real e privilegio; e, nos outros casos, lhe authentica
e perpetua o titulo. Como, porém, interessa, por outro lado,
ao devedor que o seu titulo se conserve e legalize, para as-
segurar os seus próprios direitos, em frente ao credor, fica-lhe,
por egual, aberto o accesso ao registro.
Recorda o Codigo, neste artigo, que o escripto particular
do penhor deve ser passadq nos termos do art. 135, isto é,
escripto por um dos contrahentes, assignado por ambos, ou es-
cripto por terceiro e apenas assignado pejas partes, subscripto,
em ambos os casos, por duas testemunhas. Não exige o Codigo
o reconhecimento das firmas, porém é formalidade util. Ve-
jam-se as observações a esse artigo.

Art, 801 — Poderá o devedor fazer cancel-


lar a transcripção do instrumento pignoraticio,
apresentando, com a firma reconliecida, se o do-
cumento for particular, a quitação do credor
(artigo 1.093).
Paragrapho único. O mesmo direito compe-
te ao adquirente do penhor por adjudicação,
compra, successão ou remissão, exhibindo seu ti-
tulo .

Direito anterior — Omisso. O art. 101 do reg. n. 370, de


2 de Maio de 1890, ê preceito especial do direito hypothecario.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.695; Beviláqua, 900;
Revisto, 944.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 397

Observações — 1. — A quitação do credor prova que a


obrigação está solvida, extincta, e que desappareceu a razão
de ser do penhor. Exhibindo a quitação com firma reconhecida
se fôr passada por instrumento particular, é direito do devedor
cancellar a transcripção. Egual direito lhe cabe quando por
outro modo se extingue a obrigação ou penhor (art. 802).
2. — Vieira Ferreira, Ementas e emendas, p. 76, faz o
seguinte reparo ao paragrapho único deste artigo: "O final do
artigo é erroneo, quanto aos que adquirem por compra ou suc-
cessão, pois não têm, por esse facto, direito de cancellar a tran
scripção de penhor não extincto". Mas desapparecerá a razão
da critica, se attendermos a que o Codigo se refere;
1.° A' compra da coisa empenhada, quando por esse modo se
liquida o penhor, nos termos do art. 774, n. III. O comprador
da coisa empenhada entrega o preço ao credor pignoraticio, que
a vendeu de accôrdo com o devedor, e está autorizado a can-
cellar a transcripção do penhor.
2.° A' successâo, quando o penhor se extingue por qualquei
dos modos, que o Codigo reconhece. O devedor, por exemplo,
solveu a obrigação e recebeu do credor a quitação em devida
forma. Não cancellou, porém, o penhor. O seu herdeiro, exhi-
bindo esse documento, e provando que a coisa empenhada lhe
foi transferida por successâo, será recebido a cancellar a tran-
scripção do penhor.

SECÇÃO YI

Da extincção do penhor

Art. 802 — Resolve-se o penhor:


I. Extinguindo-se a obrigação.
II. Perecendo a coisa.
III. Renunciando o credor.
IV. Dando-se a adjudicação judicial, a re-
missão ou a venda amigavel do penhor, se a per-
mittir, expressamente, o contracto, ou fôr auto-
rizada pelo devedor (art. 774, n. III), ou pelo
credor (art. 785).
398 CODIGO CIVIL

Y. Confundindo-se, na mesma pessoa, as


qualidades de credor e dono da coisa.
YI. Dando-se a adjudicação judicial, a re-
missão, ou a venda do penhor, autorizada pelo
credor.

Direito anterior — O mesmo, segundo a doutrina e o reg.


n. 370, de 2 de Maio de 1890, art. 373. Veja-se Caklos de Car-
valho, Direito civil, art. 683.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, aids. 3.236
é 3.237; uruguayo, 2.330; chileno, 2.401 e 2.406; mexicano,
2.891. Veja-se mais a legislação citada em referencia ao ar-
tigo 772.
Para o direito romano; D. 20, 6, frs. 5, 6 e 8; Cod., 8, 26,
Is. 7 e 9.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.696. Beviláqua, 910;
Revisto, 945.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 167; La-
cerda, Direito das coisas, § 115; Ouro Preto, Credito movei,
números 104-112; Martinho Garcez, Direito das coisas, § 319.
S. Vampré, Manual, II, § 109; Affonso Fraga, op. cit., § 38.

Observações — 1. — O penhor è um direito accessorio con-


stituido em garantia de uma obrigação. Se esta se extingue,
extingue-se, por via de conseqüência, o penhor.
Os modos de solver a obrigação declara-os o Codigo nos
arts. 930 e seguintes. Cumpre, entretanto, notar que, se o pa-
gamento da divida é feito com subrogação, embora a obrigação
se extinga, outra nasce, em logar delia, mantendo-se as ga-
rantias da primeira (art. 988). Dada essa forma de pagamento,
o penhor não se extingue, passa a garantir a divida do novo
credor.
Se o pagamento da divida não fôr integral, subsiste o penhor.
Se a obrigação é annullada, a sua nullidade acarreta a do
penhor.
2. — O penhor á um direito real sobre coisa determinada.
Quando esta perece, o penhor fica sem object) (art. 77). Se,
porém, o objecto dado em penhor estiver seguro ou a sua
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 399

destruição fôr indemnizada pelo responsável, transferem-se a


garantia e o privilegio do penhor para a indemnização paga
(artigo 762, IV).
3. — A renuncia do penhor não extingue a divida, a desta
acarreta comsigo a do penhor.
4. — O penhor presuppõe a propriedade de quem o con-
stituiu, pois somente o dono da coisa pôde empenhal-a (art.
756). Se o domínio se resolve, extingue-se o penhor, que era
delle limitada parcella.
4 a. — Esta regra estava consignada na primeira edição
do Codigo; a segunda a eliminou; mas ella subsiste, por ser
conseqüência inilludivel de princípios jurídicos assentes e de
preceitos, que o Codigo estatue.
5 ■ — Se o credor adquire a propriedade da coisa empe-
nhada, não ha mais penhor, que presuppõe, necessariamente,
coisa pertencente a outrem, a garantir o pagamento daquillo
que nos devem.
6. — Excutido o penhor, será vendido judicialmente; mas
e exequente poderá requerer que o bem lhe seja adjudicado,
se não houver licitante, pelo preço da avaliação, ou com os
abatimentos conseqüentes, segundo as leis do processo.
Se o valor do bem adjudicado exceder a importância da di-
vida, o credor adjudicatario pagará o excesso ao devedor.
A venda poderá também ser feita amigavelmente, como prevê
o art. 774, n. III.
Na execução do penhor não se dá concurso creditorio, por
ser restricta ao objecto empenhado.
6 a. — Ha redundância entre o que dispõe o n. VI e o
IV, segundo a nova forma, que lhe deu a lei n. 3.725, de 15
de Janeiro de 1919. Repetem-se os mesmos modos de extincção
do penhor: adjudicação judicial, remissão, venda autorizada pelo
credor, no cáso do art. 785. Apenas, o actual n. IV, accres-
centa o caso da venda amigavel permittida pelo contracto, ou
autorizada pelo devedor (art. 774, III).

Art. 803 — Presume-se a renuncia do cre-


dor, quando consentir na venda particular do
penhor, sem reserva do preço, quando restituir a
400 CODIGO CIVIL

sua posse ao devedor, ou quando annuir á sua


substituição por outra garantia.

Direito anterior — Não havia disposição expressa, mas


as regras do direito romano, completadas pela doutrina, eram
no sentido do texto. Vejam-se os frs. 2, § 1.° (D. 2, 14), e 4,
§ 1.° (D. 20, 6).
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.698; Beviláqua, 912;
Revisto, 946.,

Observação — A cada um é licito renunciar o seu direito,


A renuncia tacita ha de resultar de factos inequivocos. O Co-
digo faz presumil-a, em relação ao credor pignoraticio;
1.° Da venda particular do penhor sem reserva do preço.
Entende-se, que, neste caso, a renuncia attinge a obrigação prin-
cipal, porquanto, se, com assentimento tácito do credor, o pe-
nhor desappareceu com a entrega do objecto empenhado ao com-
prador, com esse mesmo assentimento o preço foi pago ao de-
vedor, em vez de ser entregue ao credor.
2.° Da restituição da coisa empenhada ao devedor. Não
ha penhor, sem a posse do credor pignoraticio, salvo o de ti-
tules nominativos da divida publica > (art. 789, in fine). No
penhor agrícola e pecuário, o credor tem a posse exercida por
intermédio do proprio' devedor. O credor, que desiste da posse
do penhor, e o entrega ao devedor, renuncia o direito real
sobre a coisa alheia. Mas da renuncia do penhor não se infere
a da divida (art. 1.054).
3.° Da annuencia na substituição do penhor por outra ga-
rantia, como, por exemplo, a fiança. Desde que a nova garantia
não é concedida para reforçar, mas, sim, para substituir a do
penhor, houve pacto, ainda que não expresso, entre o credor
e o devedor, para extinguir-se a garantia substituída.

Art. 804 — Operando-se a confusão tão so-


mente quanto á parte da divida pignoraticia,
subsistirá inteiro o penhor, quanto ao resto.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS AXHEIAS 401

Direito anterior — Principio acceito, mas não expresso


em lei.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.699; Beviláqua, 913.
Revisto, 947.

Observação E' uma applicação do principio da indivi-


sibilidade da garantia real, que recáe sobre a totalidade dos
bens, a que se refere, e os vincula em cada uma de suas partes.
Se alguma se desaggrega, a garantia mantem-se integra em re-
lação aos que restam.
No caso em que um dos herdeiros do devedor redime o
penhor, subsistem, em favor delle, os direitos do credor, por
subrogação legal (art. 766). Operou-se a confusão relativamente
a sua quota; mas a garantia continua a actuar,sobre os quinhões
dos outros, para o effeito do reembolso daquelle que pagou a
divida integralmente.

CAPITULO X

Da Antichrese

Art. 805 — Pode o devedor, ou outrem por-


elle, entregando ao credor um immovel, ceder-
llie o direito de perceber, em compensação da
divida, os fructos e rendimentos.
§ 1.° E' permittido estipular que os fructos
e rendimentos do immovel, na sua totalidade,
sejam percebidos pelo credor, somente á conta
de juros.
§ 2.° O immovel bypotbeçado pôde ser dado
em antichrese pelo devedor ao credor hypothe-
cario, assim como o immovel sujeito a antichrese
pôde ser hypothecado pelo devedor ao credor
antichretico.
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 26
402 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Semelhante, embora a matéria não se


achasse convenientemente tratada em lei (dec. n. 169 A, de
19 de Janeiro de 1890, art. 6.°; Carlos de Carvalho, Direito
civil, artigos 706 e 713) .
Legislação comparada — Vejam-se: D. 20, 1, fr. 11, § 1.°:
20, 2, fr. 8; Codigo Civil francez, arts. 2.085 e 2.089; italiano,
1.891 e 1.895; hespanhol, 1.881 e 1.885; argentino, 3.239-3.241
e 3.246-3.248; chileno, 2.435-2.439; uruguayo, 2.349-2.353 e
2.356 e 2.35,7; peruano, 1.004; boliviano, 1.429, venezuelano,
1.929 e 1.933; do Montenegro, 183 e 184; japonez, 356 e 358.
O Codigo Civil allemão, art. 1.213, conhece> debaixo da
denominação de Nutzungspfand, um penhor sobre coisa movei,
com direito á percepção dos fructos, compensando-se com estes
os juros do capital emprestado (art. 1.214). Não ha mais an-
tichrese sobre immoveis. O suisso aboliu a anticbrese (titulo
final, artigo 45). O austriaco, 459, não põe em relevo a figura
jurídica da anticbrese, mas faculta a convenção pela qual o
credor possa utilizar-se da coisa empenhada.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 168 e
169; Lacerda, Direito das coisas, §§ 117-120; Didimo, Direito
hypothecario, n. 376; A. D. Gama, Da antichrese, ns. 1 e
segs.; Sc Vampeé, Manual, II, §§ 110 e segs.; Martinho Gar-
cez, Direito das coisas, § 322; Almachio Diniz, Direito das
coisas, § 75; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 768 e nota
2; Coelho da Rocha, § 668; Laurent, Cours, IV, ns. 273-277;
Planiol, Traité, II, números, 2.490-2.499; Huc, Commentaire,
XII, ns. 407-419; Zaohariae, Droit civil français, V, §§ 782 e
783; Aubry et Rau, Cours, VI, ns. 436 e segs. Kohler, Lehr-
hucli, II, 2.a parte, § 168; Endemann, Lehrãuch, II, § 114, 3,
e 135, 3; Dernburg, Pand., 1, § 278, 4; Windscheid, Pand.,
§ 234, nota 5; Calvino vb. Avtixqtictiç ; Trabalhos da Gamara,
V, ps. 311-313; discurso de Coelho Rodrigues. Veja-se também
do ultimo autor citado o que elle escreveu como introducção
ao seu Projecto, ps. 169-175 e 209-215, da ed. de 1897. Affoxso
Fraga, op. cit., §§ 40 a 42.
Projectos — Felicio dos Santos, arts, 2.502 e 2.503; Be-
viláqua, 914; Revisto, 948. O Projecto Coelho Rodrigues, arts.
1.769 a 1.772, apresenta a antichrese como relação jurídica
dependente da hypotheca, e organizada segundo os preceitos
do usofructo.
DOS DIREITOS RE A ES SOBRE COISAS ALHEIAS 403

Observações — 1. — Antichrese é o direito real sobre im-


movel alheio, em virtude do qual o credor obtém a posse da
coisa, a fim de perceber-lhe os fructos e imputal-os no paga-
mento da divida, juros e capital, sendo, porém, permittido es-
tipular que os fructos sejam, na sua totalidade, percebidos á
conta de juros.
Tem por base um contracto, que exige instrumento publico,
quando o seu valor exceder a um conto de réis (arts. 134, II),
e deve ser transcripto, sem o que não ha direito real (art. 676).
2. A antichrese existe no systema do Codigo, como di-
reito real autonomo, que pode ser constituído sem ligação com
outros. Pode, porém, combinar-se com a hypotheca, ou porque
o devedor antichretico hypotheque o immovel ao credor afim
de, com os rendimentos, amortizar a divida; ou porque o de-
vedor antfchretico hypotheque o immovel ao credor para maior
segurança deste. Não pode, porém, o devedor hypothecario dar
em antichrese o immovel hypothecado a outrem, que não o
credor hypothecario; nem ao devedor antichretico é licito hy-
pothecar o immovel gravado de antichrese, senão ao credor
antichretico? Assim deveria ser entendido o § 2.°, do artigo
805, que, por este modo providenciando, solveria, de antemão,
os conflictos possíveis entre a hypotheca e a antichrese, se o
art. 808, não mostrasse a. possibilidade de oppôr-se a antichrese
anterior á hypotheca posterior.
3. — Em nosso direito, a evolução da antichrese operou-se
pelo modo seguinte. A Ord., 4, 67, § 4.°, prohibiu-a, receiosa
da usura, salvo entre o senhorio directo e o emphyteuta. As
reformas hypothecarias de 1864, 1865 e 1890, retiraram essa
prohibição e fixaram alguns traços do instituto. O Codigo Civil
tompletou-lhe a evolução, dando-lhe a estructura definitiva, des-
tacando a antichrese da hypotheca, e accentuando-lhe a cara-
cterística de direito real sobre os fructos do immovel, para a
percepção dos quaes o titular se acha provido dos direitos de
retenção e seqüela.
4. — Sendo q credor antichretico um administrador de
coisa alheia, deve prestar contas, não obstante administral-a
em seu proveito. Entendiam alguns dos nossos civilistas, como
Lobão e Coelho da Rocha, que era excusada a prestação de
contas, quando o rendimento ficasse exclusivamente, a conta
de juros, compensando-se estes com os rendimentos do immo-
404 CODIGO CIVIL

yel. Mas, ainda neste caso, como " pode o credor, desidioso, ou
exorbitando dos seus direitos, deteriorar o prédio, ou não lhe
dar a applicação, adequada, ou alterar o modo de exploiação,
é sempre necessária a prestação de contas.

Art. 806 — O credor antichretico pôde


fruir, directamçnte, o immovel, ou arrendal-o a
terceiro, salvo pacto em contrario, mantendo,
no ultimo caso, até ser pago, o direito de reten-
ção do immovel.
Direito anterior — Não regulava a lei esta situação, mas
a doutrina, fundada no direito romano (D. 20, 1, fr. 11, § 1.°):
acceitava a norma, que o Codigo consagra.
Legislação comparada — Codigo Civil argentino, 3.249.
Bibliographia — Lafayette, Direito âas coisas, § 170, 2.°;
A. D. Gama, Da antichrese, n. 37; Coelho da Rocha, Inst.,
§ 669; Correia Telles, Direito portuguez, art. 1.237; Huc, Com-
mentaire, XII, n. 414; Aubry et Rau, Cours, VI, § 438.

Observação — Não ha razão sufficiente para impedii o


credor antichretico de arrendar o immovel a terceiro, se o con-«
tracto antichretico guarda silencio a respeito. Já o direito ro-
mano lhe concedia essa faculdade. E, muitas vezes, estaria o
credor impossibilitado de fruir o ptedio directamente.
O final do artigo — mantendo, no ultimo caso, até ser pago,
o direito de retenção ào immovel — não ê de fácil compre-
hensão. E' um accrescimo devido á Commissão do Governo
{Actas, p. 205), que bem podia ter sido dispensado, porquanto,
não em certo caso particular, mas, de regra, o credor antichre-
tico mantêm, até ser pago, o direito de retenção do immovel,
como se vê no art. 760. Nesse direito está um dos elementos
constitutivos da antichrese. Para darmos uma intelligencia ac-
ceitavel ao adjunto adverbial — no ultimo caso, temos de ler
o artigo, como se dissesse que o credor mantém o immovel
até ser pago, se não estipulou um prazo, ou não combinou
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 405

que a sua posse duraria o prazo máximo desse direito, segundo


o art. 760. Era excusada esta insistência sobre unv preceito
já fixado; mas se' suppuzermos que a clausula — no último
caso, se refere ao caso de arrendamento, poderia parecer que,
se o credor fruisse directamente o immoyel, não teria o direito
de retenção até ser pago. Inclusio unius exclusio alterius.

Art. 807 — O credor anticliretico responde


pelas deteriorações, que, por culpa sua, o immo-
vel soffrer, e pelos fructos, que, por sua negli-
gencia, deixar de perceber.

Direito anterior — Não havia direito expresso, mas o en-


sino dos doutos.
Degislação comparada — Codigo Civil francez, art. 2.086;
italiano, 1.892; hespanhol, 1.822; argentino, 3.258-3.260; vene-
zuelano, 1.930.
O direito romano não dispôz, especialmente, sobre a anti-
chrese neste particular, mas a regra do D. 13, 7, fr. 14, re-
ferente ao penhor, applica-se á' antichrese: ea igitur, quae di-
ligens paíer famílias in suis redus prestare solet, a creditore
exiguntur. E assim era, sempre que alguém usufruía bem alheio
como por exemplo, o marido em relação ao dote (D. 25, 1, fr. 13).
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.504; Beviláqua, 916-
918; Revisto, 950 e 951.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 171; La-
cerda, Direito das coisas, § 123; Coelho da Rocha, Inst., § 670;
Laurent, Cours, IV, ns. 278-282; Huc, Commentaire, XII, nu-
mero 415; Zacihariae, Droü civil français, V, § 785; Moúrlon.
Répétions écrites, III, n. 1.234; Aubry et Rau, Cours, VI, § 439;
Affonso Fraga, op. cit., n. 158.

Observações .— 1. — O credor antichretico é um adminis-


trador de coisa alheia, em proveito proprio. Ha de, necessa-
riamente, responder, pelas deteriorações, que, por culpa sua
o immovel soffrer. E' dever seu conservar a coisa alheia com
406 CODIGO CIVIL

o zelo, que empregaria na sua, e manter o genero de exploração


estabelecido pelo proprietário. Desviando-se dessa norma, in-
corre em responsabilidade.
Os fructos do immovel têm de ser percebidos em desconto
da divida começando a imputação pelos juros, ou somente á
conta destes, conforme fôr estipulado. Em qualquer hypotbese,
se o credor negligenciar o aproveitamento do immovel, preju-
dicará o devedor, que, desapossado do seu immovel, encontra
nesta prescripção legal um amparo equitativo.
2. — Durante a sua posse, o credor antichretico, em vir-
tude da responsabilidade, que lhe impõe este artigo, está na
obrigação de fazer os reparos úteis e necessários, a pagar os
foros e impostos, tirando essas despesas, precipuamente, dos
rendimentos do immovel. Poderá, porém, provar que o immovel
nada produziu, e haver do devedor os gastos, se outra coisa
não se convencionou. B' também direito seu exonerar-se dessas
obrigações, que se originam da sua posse, restituindo o immo-
vel ao devedor.

Art. 808 — O credor anticliretico pode vin-


dicar os sens direitos contra o adquirente do im-
* movei, os credores chirographarios, e os hypo-
thecarios posteriores á transcripção da anti-
chrese.
§ 1.° Se, porém, executar o immovel por não
pagamento da divida, on permittir que outro
credor o execute, sem oppôr o seu direito de re-
tenção ao exequente, não terá preferencia sobre
o preço.
§ 2.° Também não a terá sobre a indemni-
zação do seguro, quando o prédio seja destruido,
nem, se fôr desapropriado, sobre a da desapro-
priação .

Direito anterior — Omisso. Veja-se, entretanto, o dec. nu-


mero 169 A, de 19 de Janeiro de 1890, art. 19, §§ 3.0-5.0.
DOS DIREITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 407

Legislação comparada — Codigo Civil argentino, artigos


3.254 e 3.255.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 170; La-
cerda, Direito das coisas, § 122; Didimo, Direito hypothecario,
n. 376, A. D. Gama, Da antichrese, § 37, C; Coelho da Rocha,
Inst., § 669; Laurent, Cours, IV, ns. 285-287. Mourlox, Ré-
pétitons écrites, III, ns. 1.229-1.231; Zachariae, Droit civil
français, V, § 784; Aubry et Rau, Cours, VI, § 438; Affoin-so
Fraga, op. cit., § 49.

Observações — 1. — A antichrese transcripta no registro


de immoveis é um direito real, que prevalece erga omnes, e se
acha provido da seqüela. Investido nesse direito, se o devedor
alienar, como lhe é facultado, o immovel, o adquirente suppor-
tará o ônus da antichrese.
Os credores chirographarios não podem penhorar o bem
dado em antichrese, pois que esta se lhes oppõe como direito
real de retenção do immovel para a percepção dos fructos. Con-
tra essa penhora, tem o credor antichretico o r-emedio posses-
sorio dos embargos de terceiro.
Ainda o cerdor hypothecario de inscripção posterior está
inhibido de excutir o immovel, emquanto perdura a antichrese,
porque, na collisão de direitos reaes, a prioridade fundamenta
a preferencia. Não é porém provável que üm credor acceite
hypotheca de um prédio gravado de antichrese se esta não fôr
de prazo inferior .ao da hypotheca.
2. — Se, porém, o credor antichretico deixar que outro
credor execute o immovel, sem lhe oppôr o seu direito de re-
tenção, não terá preferencia sobre o preço, porque a antichrese
recáe sobre os fructos do immovel; são os fructos, que estão
sujeitos ao pagamento da divida, não o immovel; a retenção
deste é conseqüência do direito de fruição, é um meio, não
um fim; em relação ao preço em que foi transformado o im-
movql, o credor antichretico, tem, apenas, um credito pessoal;
e o immovel arrematado judicialmente ou adjudicado ao exe-
quente, na forma da lei, fica liberto do ônus antichretico.
Não havendo hypotheca inscripta sobre o immovel, poderá
o credor antichretico excutil-o, mas, se o fizer, se encontra na
408 CODIGO CIVIL

situação de um simples cliirographario, pelas mesmas razões


acima expostas.

CAPITULO XI

Da hypotheca

SECÇÃO I

Disposições geraes

Art. 809 — A lei da hypotheca é a civil, e


civil a sna jurisdicção, ainda que a divida seja
commercial, e comnierciantes as partes.

Direito anterior — Differente. O dec. n. 169 A, de 19 de


Janeiro de 1890, art. 2.°, pr., determinava que a hypotheca
se regularia somente pela lei civil, mas, no art. 14, § 10, de-
clarava: "a jurisdicção será sempre commercial". Ao contrario,
a lei de 24 de Setembro de 1874 submettia a hypotheca á ju-
risdicção civil.
Legislação comparada — E' sempre a lei civil que regula
as hypothecas; Codigo Civil francez, arts. 2.114 e segs.; ita-
liano, 1.964 e segs.; hespanhol, 1.874 e segs.; suisso, 793 e
seguintes; austríaco, 448 e segs.; portuguez 888 e segs.; al-
lemão, 1.113 e segs.; argentino, 3.108 e segs.; uruguayo, 2.322,
e segs.; chileno, 2.407 e segs.; boliviano, 1.459 e segs., vene-
zuelano, 1.950 e segs.; mexicano, 2.893 e segs.; japonez, 369
e segs.
Projectos — Felicio cios Santos, art. 2.532; Revisto, 953.

Observação — A hypotheca, sendo um vinculo sobre bem


immovel e uma garantia real, que pôde assegurar qualquer obri-
gação de ordem econômica, é, naturalmente, regulada pelo
direito civil, que é o direito privado commum, e o direito que
rege a organização da propriedade immovel, inclusive as ga-
rantias do credito real, que se prende ao sólo.
DOS DIEEITOS EEAES SOBEE COISAS ALHEIAS 409

Sendo civil a lei que institue e regulamenta a hypotheca,


civil deve ser a sua jurisdicção. Doutrina aberrante era a do
dec. n. 169 A, de 1890, art. 14, § 10, que somente se justifica,
pela conveniência de se applicarem, ás execuções hypothecarias,
as disposições do processo commercial, mais simples e de mo-
vimentação mais consentanea com as necessidades de segurança
do credito. Aliás, essa mesma justifificação é falha, porque o
regulamento n. 737, de 25 de Novembro de 1850, fôra applicado
ás causas eiveis.
Ainda que a hypotheca seja uma relação accessoria, cuja
constituição presuppõe uma obrigação, de que ella é garantia,
avulta de tal modo, na vida econômica da sociedade, que se
destaca, formando um vasto e complicado instituto autonomo,
de organização rigorosa e de influencia considerável. Assim
é que impõe a sua natureza civil á jurisdicção, ainda que a
divida seja commercial, e as partes commerciantes. O acces-
sorio aqui domina o principal.
Veja-se o art. 826.

Art. 810 — Podem ser objecto de hypotbeca:


I. Os immoveis.
II. Os accessorios dos immoveis conjun-
etamente com elles.
III. O domínio directo.
IV. O domínio ntil.
Y. As estradas de ferro.
VI. As minas e pedreiras, independente-
mente do sólo, onde se acham.
YII. Os navios (art. 825).

Direito anterioi* — O mesmo, salvo quanto aos ns. VI e


VII (dec. n. 169 A de 1890, art. 2.0, § 1.°). A lei não des-
tacava as minas e pedreiras, independentemente do sólo, para
ob jecto de hypotheca, e desconhecia a hypotheca dos navios.
Deglslação comparada — Não obedecem a princípios uni-
formes as legislações, quanto ao objecto da hypotheca. Vejam-se
os Codigos seguintes: francez, art. 2.118; italiano, 1.967; hes-
410 CODIGO CIVIL

panhol, 1.874, portuguez, 890; argentino, 3.109; uruguayo, 2.331,


cliileno, 2.418; boliviano 1.464; venezuelano, 1.953; mexicano,
2.898 e segs.; japonez, 369.
Alguns Codigos admittem a hypotheca do usofructo. Taes
são o francez, 2.118, 2.°; o portuguez, 890, 2.°; o chileno, 418; o
uruguayo, 2.331; e o venezuelano, art. 1.953, 2.°.
Por direito romano, podiam ser objecto de hypotheca todos
os bens alienaveis, fossem moveis ou immoveis (D. 20, 1, fr. 9,
§ 1.°; Dernbukg, Panei., I, § 261).
Projectos — Felicio cios Santos, arts. 2.534-2.537; Coelho
Rodrigues, 1.700 e 1.701. Beviláqua, 920 e 921; Revisto, 954.
Blbliographia — Lafatette, Direito cias coisas, §§ 174-181;
Lacerda, Direito das coisas, § 128-137; Didimo, Direito hypo-
thecario, ns. 941; Azevedo Marques, A' hypotheca, ps. 49-51;
A. D. Gama, Da hypotheca, n. 18; S. Vámpré, Manual, II,
§ 113; Martinho Garcez, Direito das coisas, § 326; Almachio
Diniz, Direito das coisas, § 76; Lysippo Garcia, Registro de
immoveis, II, ps. 59 e segs.; Laurent, Cours, IV, ns. 437-446;
Planiol, Traité, II, ns. 2.645 e 2.733; Planiol et Pipert, XII,
ps. 344 e segs.; Huc, Commentaire, XIII, ns. 168-175; Paul
Pont, Des privilèges et hypothèques, I, ns. 319-346; Guillouard,
Des privilèges et hypothèques, II, ns. 630-681; Aubry et Rau,
Cours, III, § 256 e segs.; Coãe Civil allemand, publiê par
le Comitê de lég. étr., notas á inscripção do titulo refe-
rente á hypotheca, e ao art. 1.113; Bndemann, Lehrhuch, II,
§§ 115-117; Kohler, Lehrhuch, II, 2.a parte, §§ 141, 142 e 147
Roth, System, III, §§ 292-295; Rossel et Mentha, Droit civil
suisse, II, ps: 231-234; Chironi, Ist., §§ 214 e 215; Sanchez
Roman, Derecho civil, III, cap. XX, §§ 1.° e 2.°; Rivarola,
Derecho civil argentino, I, ns. 548, 558; Affonso Praga, op.
cit., §§ 58 a 61 e 66; Salvat, op. cit., II, ns. 2.184 e segs.;
meu Direito das coisas, II, §§ 130 e segs.

Observações — 1. — Hypotheca é o direito real sobre im-


movel, navio ou avião alheio, em virtude do qual este, continuando
na posse do devedor, assegura, ao credor, o pagamento da di-
vida, pela preferencia sobre o preço alcançado na execução.
Faz-se referencia ao navio para abranger a hypotheca ma-
rítima, que o Codigo remette para os regulamentos especiaes.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 411

Lafayette, define: "é o direito real constituido em favor


do credor sobre coisa immovel do devedor ou de terceiro, tendo
por fim sujeital-a, exclusivamente, ao pagamento da divida, sem,
todavia, tiral-a da posse do dono".
E' um direito real de garantia. Quer isto dizer: é um di-
reito meramente accessorio, cuja existência depende da exis-
tência da obrigação, que se destina a assegurar..
Como direito real,' prevalece contra todos, e é provido de
seqüela. Como direito de garantia, possue o predicado da pre-
ferencia .
Pode constituir-se por força da lei, em vixdude do contracto,
ou resultar de uma sentença. Assim, segundo a sua origem,
é legal, convencional ou judicial.
2. — Os princípios communs aos direitos reaes de garantia,
a sua natureza accessoria, a sua indivisibilidade, o direito de
excussão quem os pode constituir, os requisitos essenciaes do
contracto constitutivo, a especificação do bem gravado, o ven-
cimento antecipado da divida, a subrogação do objecto do vin-
culo pela indemnização do seguro ou da desapropriação, são
assumptos dos arts. 75'5-767, aos quaes remetto o leitor.
3. _ podem ser garantidas por hypotheca todas as obri-
gações de ordem econômica. Se a obrigação é de dar dinheiro
ou coisas reductiveis a dinheiro, a hypotheca assegura, dire-
ctamente, a entrega do objecto da prestação; ^se é de fazer ou
de não fazer, assegura a indemnização por perdas e damnos,
em conseqüência da inexecução.
As obrigações futuras ou condicionaes são susceptíveis de
garantia hypothecaria; mas, emquanto a obrigação se não for-
ma, não tem efficacia a hypotheca. E'■ com a divida, e desde
a data desta, que ella começa a valer.
4. — Somente os immoveis alienaveis podem ser objecto
de hypotheca, porque sómehte esses podem ser judicialmente
vendidos, para o pagamento do credor. Aos immoveis públicos,
de uso commum ou de uso especial, aos dotaes, e aos clausu-
lados de inalienabilidade repugna o vinculo hypothecario (ar-
tigo 756).
5. — o art. 810 destaca, em primeiro lugar, entre as coisas
susceptiveis de ser objecto de hypotheca, os immoveis, consi-
derados genericamente. Por esta expressão devemos entender
os immoveis materiaes, isto é, o sólo com os seus accessorios
naturaes, comprehendendo as arvores, os fructos pendentes, ou-
412 CODIGO CIVIL

tros productos orgânicos da superfície, e o sub-sólo, os edifícios


e as construcções (art. 43, I e II).
Em segundo logar, vêm os accessorios de immoveis, con-
junctamente com elles. São accessorios dos immoveis, além dos
objectos que adherem, natural ou artificialmente, ao sólo como
as arvores e os edifícios, — tudo quanto o proprietário, in-
tencionalmente, mantém no immovel, para a sua exploração
industrial, aformoseamento, ou commodidade (art. 43, III),
como animaes, machinas, utensílios, instrumentos. E' a estes
últimos accessorios, por accessão intellectual, que, especialmente,
se refere o Codigo, quando adverte que os accessorios somente
se hypothecam juntamente com os immoveis; porque as plan-
tações e os edifícios se acham physicamente unidos ao solo,
não se podendo delle separar, sem que percam a sua entidade.
Os objectos, que têm individualidade própria, porém, que
são collocados no immovel, para a sua exploração e aformo-
seamento, ou para a commodidade do proprietário, emquanto
unidos ao prédio, são immoveis por accessão intellectual; se-
parados readquirem a sua qualidade de moveis. Não podem
elles ser objecto de hypotheca sem os prédios de que fazem
parte, assim como os edifícios e plantações não o podem ser
sem o sólo, a que adherem. Os machinismos e as plantas, con-
sideradas como fructos pendentes, podem, entretanto, ser objecto
de penhor agrícola (art. 781), que é uma espécie de hypotheca
de forma especial.
6. — Entre os direitos reaes sobre immoveis, somente o
domínio util do empfiyteuta e o directo do senhorio podem,
alem da propriedade, receber o vinculo hypothecario, porque
são modalidades do domínio, e são susceptíveis de alienação;
Por ser inalienável, o usufructo. é impróprio para objecto
de hypotheca. As legislações, que incluem o usofructo entre
as coisas susceptíveis de hypotheca, attribuem-lhe o predicado
da alienabilidade.
A hypotheca não pode ser hypothecada; pode, porém, ser
cedido o direito hypothecario.
7. -—As estradas de ferro são immoveis adherentes ao
sólo, e constituem unidades econômicas, que abrangem o ma-
terial fixo, o rodante e os edifícios. A hypotheca desse bens
apresenta certas particularidades, que o Codigo teve de des-
tacar nos arts. 852-855.
DOS DIREITOS REABS SOBRE COISAS ALHEIAS 413

§. — As minas je pedreiras, por isso mesmo que podem


constituir explorações independentes do sólo, de que fazem parte,
foram destacadas como objecto de hypotheca.
Minas definiu a lei n. 4.265, de 15 de Janeiro de 1921, ar-
tigo 2.°, são além das minas propriamente ditas, as jazidas
ou concentrações naturaes, existentes na superfície ou no inte-
rior da terra, de substancias valiosas para a iqdustria, explo-
raveis com vantagem econômica, contendo elementos metallicos,
semimetallrcos ou não metallicos, e os respectivos minérios, os
combustíveis fosseis, as gemmas ou pedras preciosas, e outras
substancias de alto valor industrial. Vejam-se as observações
ao artigo 526.
Fazendo parte do sólo, a mina é accessorio delle; mas o
direito, attendendo a motivos de ordem econômica, permitte
que possa ser alienada isoladamente, e, consequentemente, hy-
pothecada. Vejam-se o commentario 3 do art. 61, vol I, e Car-
neiro da Rocha, A propriedade das minas nos Estudos jurí-
dicos, dedicados ao Prof. Felinto Bastos, ps. 197-215.
As pedreiras não são minas; porém, o Codigo, mantendo
o direito anterior, considera-as susceptíveis de hypotheca, e,
portanto, alienaveis separadamente do sólo.
8 a — As minas e as riquezas do sub-sólo, bem como as
quedas dagua, ainda que de propriedade particular, dependem,
para o seu aproveitamento industrial, de autorização Federal,
que somente será concedida a brasileiros ou a emprezas consti-
tuída por accionistas brasileiros (Const. de 1937, art. 143).
V. mais o dec. 1.985, de 29 de Janeiro de 1940, que reformou
o Codigo de minas, distinguindo entre jazida e minas.
9. — Os navios, embora moveis, podem ser hypothecados/
Sobre este assumpto volverão os commentarios, no logar
competente, que é o art. 825.
10. — A hypotheca é especial, quando constituída por con-
tracto; quer isto dizer que recáe sobre immovel especialmente
designado no contracto, e assegura obrigação especialmente de-
terminada; e especializada, quando se origina da lei, indeter-
minadamente; sobre os immoveis do responsável, que se devem
especificar para firmar-se o vinculo. Veja-se, no commentario
ao art. 82^, em que consiste a especialização.
414 CODIGO CIVIL

Art. 811 .—- A liypotlieca abrange todas as


accessões, melhoramentos ou construcções do
immoyel.
Subsistem os ônus reaes, constituídos e tran-
scriptos, anteriormente á hypotheca, sobre o
mesmo immovel.
Direito anterior — O mesmo (dec. n. 169 A de 19 de Ja-
neiro de 1890, art. 6.° §§ 2.° e 5'.°; dec. n. 370, de 2 de Maio
do mesmo anno, arts. 137, 138 e 241). v
Degislação comparada — Primeira parte do artigo: D.
20, I, fr. 16, § 4.°. Codigo Civil francez, art. 2.133; italiano,
1.966; portuguez, 891; hespanhol, 1.877; suisso, 805 e 806; al-
lemão, 1.120-1.130; argentino 3.110; uruguayo, 2.335; chileno,
2.420 e 2.421, peruano, 1.717; boliviano, 1.478; venezuelano,
1.952; mexicano, 2.896; do Montenegro, 205; japonez, 370.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.543-2.545; Coelho
Rodrigues, 1.702 e 1.703; Beviláqua, 992 e 923; Revisto, 955.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 180 e
183; Lacerda, Direito das coisas, § 137; Didimo, Direito hypo-
thecario, ns. 244-255; Azevedo Marques, A hypotheca, ps. 51
e segs.; A. D. Gama, Da hypotheca, n. 10; Lysippo Garcia,
Registro de immoveis, II, ps. 79 e segs.; Huc, Commentaire,
XIII, ns. 232-233; Planiol, Traité, II, ns. 2.734-2.746; Paul
Pont, Des privilèges et hypothèques, I, ns. 401-411; Guillouard,
Des privilèges et hypothèques, III, ns. 1.512-1.548; Goãe Civil
allemanã, publié par le Comitê de lég. étr., arts. 1.120-1.130;
Endemann, Lehrbuch, II, §§ 6.° e 122; Kohler, Lehrbuch, II
2.a parte § 129; Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, ao art.
891; Rivarola, Derecho civil argentino, I, ns. 564-565; Planiol
et Ripert, Traité, XII, ns. 381 e segs.; Affonso Fraga, op.
cit., §§ 66 67.

Observações — 1. — A hypotheca abrange o immovel na


sua integridade e totalidade, comprehendendo todas as accessões
naturaes e as produzidas pelo trabalho humano, como os melho-
ramentos. As ilhas, que se formam nos rios, o alveo abandonado,
as alluviões, as plantações, as bemfeitorias úteis e necessárias,
os fructos e rendimentos, tudo quanto se une ao immovel, por
accessão intellectual, para a sua exploração, os direitos, que se
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 415

reúnem ao domínio por consolidação como no caso de extincção


de empliyteuse e de usofructo, emfim, todos os accrescimos in-
corporados ao immovel acham-se comprehendidos na hypotheca.
Excluem-se delia, porém, as acquisições posteriores de pré-
dios contiguos, ainda que annexados ao immovel, porque não
são accessões; conservam a sua individualidade, quando consi-
derados em relação ao bem, a que se vieram juntar.
O dec. n. 370, de 2 de Maio de 1890, art. 138, § 3.°, de-
terminava que a hypotheca se estendia aos terrenos adquiridos
pelo devedor e incorporados, expressa ou tacitamente, ao im-
movel hypothecado, mas, somente, quando o devedor readqui-
risse partes de um immovel hypothecado, que, posteriormente,
se fraccionara por divisão ou partilha.
O regulamento actual não manteve esse dispositivo.
E' claro que a porção de terreno, que o devedor adquire,
para alargar as suas terras, está, inteiramente, fóra da com-
prehensão da hypotheca cujas regras são limitativas, e que
não deve abranger senão o immovel especialmente gravado
e as accessões, que se integram nelle. Esta é a doutrina en-
sinada por Lafayette, criticando o art. 143, § 3.°, do reg. n.
3.453, de 26 de Abril de 1865 (§ 183, nota 10); Mabtou, Fri-
vilèges et hypothèques, II n. 730; Paul Pont, Priviléges et
hypothèques, I, numero 411; Duranton, XIX, n. 259, e con-
sagrada no Codigo Civil argentino, art. 3.110, in fine.
2. — Quando as bemfeitorias úteis e necessárias são de-
vidas a terceiro, com direito de indemnização contra o proprie-
tário, o credor exequente, que as lucra, deve descontar-lhes o
valor no preço do immovel, para pagamento das bemfeitorias.
O autor destas está armado com o direito de retenção contra
o credor hypothecario.
2 a. — Azevedo Marques contesta a solução adoptada na
observação antecedente, que tem por si a autoridade de La-
fayette {Direito das coisas, § 183, 1.°), copiado por mim no
dizer do illustrado professor de S. Paulo. Deixo ao leitor vulgar
a verificação da cópia, e passo a considerar a opinião emittida,
que nada soffreu com os argumentos contra ella invocados.
O que se affirma, nestes commentarios, é que as bemfei-
torias úteis e necessárias, pelas quaes, terceiro, o autor das
bemfeitorias, tem direito de ser indemnizado, não passam ao
credor hypothecario exequente, sem que este as indemnize, por-
que a situação do credor hypothecario não pode ser melhor
416 CODIGO CIVIL

do que a do proprietário, a quem, o immovel é restituido, e


porque se não se attendesse ao valor des bemfeitorias, o cre-
dor hypothecario exequente se locupletaria com o alheio, pois
que as bemfeitorias são accrescimos de valor, que se ajuntam
ao prédio, mas não pertencem ao devedor.
Azevedo Marques oppõe a esse raciocínio inatacavel, que.
o credor nada lucra com as bemfeitorias, pois que elle somente
recebe o seu capital e juros. Mas elle mesmo admitte que se
desconte o valor das bemfeitorias» úteis e necessárias, quando
feitas antes da inscripção hypothecaria, como se as bemfeito-
rias fossem direito real transcripto, o que é inadmissível. Se
ha razão para se attender ás bemfeitorias anteriores á ins-
cripção da hypotheca, essa mesma ha de justificar o desconto
do valor das posteriores. Depois não é licito affirmar que o
credor não colha vantagem com o'augmento do valor do pré-
dio, que leva á praça para obter o pagamento do que lhe é de-
vido. Despesas de conservação (bemfeitorias necessárias) e me-
lhoramentos (bemfeitoras úteis) augmentam o valor do immovel,
.e asseguram preço vantajoso na arrematação, o que verte em
proveito do credor exequente, porque, não obstante o desconto
do valor das bemfeitorias, obterá somma superior á que lhe
daria o prédio sem ellas.
Essa argumentação, porém, além de improcedente, está des-
locada. A questão foi collocada nos commentarios em outros
termos. Affirmaram eles que o credor exequente lucra o valor
das bemfeitorias, porque esse valor está incorporado no do im-
movel hypothecado, e como é o immovel que responde pela
divida, se as bemfeitorias devem ser indemnizadas a quem,
de bôa fé as fez, do preço integral do immovel manda a jus-
tiça que se deduza o das bemfeitorias.
Menos procedentes ainda são os argumentos extrahidos dos
arts. 759, 1.564 e 1.566, III, do Codigo Civil. O primeiro ar-
tigo abre excepção á regra de que o credito pessoal cede o
passo ao direito hypothecario, e ninguém pretendeu accres-
centar a essas excepções uma outra, sem base na lei. O ultimo,
assegurando um privilegio especial ás bemfeitorias, corrobora a
natureza pessoal desse credito. Mas não occorreu ao commen-
tador criticado erigir em direito real o credito por bemfeitorias
O segundo, porém, fornece antes um argumento em favor
do systema seguido pelos commentarios. Por esse artigo (1.564),
as despesas de conservação, feitas no immovel hypothecado,
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 417

depois de constituída a hypotheca, mediante consenso do de-


vedor e do credor, deduzem-se do preço do immovel hypotliecado.
Porque assim se dispõe? Porque, segundo as fontes romanas,
essas despesas salvaram o bem hypotliecado. Ora, no caso de
bemfeitorias feitas de bôa fé, o mesmo se dá: ellas salvam,
quando necessárias, o bem da ruina, e, quando úteis augmen-
tam-lhe o valor. Em ambos os. casos, a.bôa fé eqüivale ao consen
timento.
3. — As coisas immobilizadas por accessão intellectual (ar-
tigo 43, III), se o proprietário as mobiliza, separando-as do
immovel, a que accedem os fructos e productos, depois de co-
lhidos, tornam-se alheios ao vinculo hypothecario. Até ao mo-
mento da penhora, o proprietário pôde, livremente, immobilizar
os primeiros e colher os últimos. Se, a pretexto de se utilizar
do seu prédio, o devedor o desvaloriza, ha para o credor o re-
curso do art. 762, I.
4. — Em relação á divida, a garantia hypothecaria abrange
o principal, os Juros, as penas pecuniárias e as custas da exe-
cução .

Art. 812 — O dono do immovel liypotlieca-


do pôde constituir sobre elle, mediante novo ti-
tulo, outra hypotheca em favor do mesmo, ou
de outro credor .

Direito anterior — Direito reconhecido pelo dec. n. 169


A, de 19 Janeiro de 1890, art. 4.°, § 7.°.
Legislação comparada — Codigo Civil portuguez, art. 914;
suisso, 813.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.706; Beviláqua, 924;
Revisto, 956.

Observação — Se o valor do immovel excede o da obri-


gação garantida pela hypotheca e deixa margem para asse-
gurar outra obrigação, a lei, que procura dar expressão ás ne-
cessidades econômicas e ás riquezas territoriaes, desenvolvendo
o credito, permitte, ao devedor, que o hypotheque segunda ou
mais vezes.
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 27
418 CODIGO CIVIL

O Codigo Penal, vigente, art. 171, considera esteilionato,


§ 2.°, II, dar em garantia coisa própria gravada por ônus.
Parece difficil de realizar-se esse crime, á vista da publicidade do
registro, tratando-se, de immoveis. E' a occultação fraudulenta
de outro ônus real, que constitue a improbidade punivel; o
elemento criminoso está na intenção de illudir a bôa fé alheia,
com a offerta de falsa garantia. Desde, porém, que não se dê
essa occultação (e, em verdade, não se dará nos systema de
publicidade pelo registro, que o credor pode verificar), não ha-
verá perigo algum, haverá somente vantagem na possibilidade de
se constituir, sobre o mesmo bem, uma segunda, ou terceira
hypotheca, quando o valor do immovel, fôr sufficiente para
garantir o pagamento das novas obrigações,
verdade, não se dará nos ystema de publicidade pelo registro,
que o credor pode verificar), não haverá perigo algum, ha-
verá somente vantagem na possibilidade de se constituir, so-
bre o mesmo bem, uma segunda, ou terceira hypotheca, quando
o valor do immovel, fôr sufficiente para garantir o pagamento
das novas obrigações.

Art. 813, — Salvo o caso de insolvencia do


devedor, o credor da segunda hypotlieca, embo-
ra vencida, não poderá executar o immovel, an-
tes de vencida a primeira.
Paragrapho único. Não se considera insol--
vente o devedor, por faltar ao pagamento das
obrigações garantidas por hypotbecas posterio-
res á primeira.

Direito anterior — O dec. n. 169 A, de 19 de Janeiro de


1890, art. 4.p § 7.°, era omisso, quanto ao direito do credor por
segunda hypotheca; mas a melhor doutrina mandava recorrer
ao regulamento n. 9.ã49, de 23 de Janeiro de 1886, art. 4,
que alguns entendiam ter perdido a força imperativa, por não
ter sido consolidado no reg. n. 370, de 2 de Maio de 1890.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.707; Beviláqua, 925;
Revisto, 957. A fórmula actual resultou de emenda do Senado.
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 419
Bibliographia — Lafayette, Direito cias coisas, §§ 255 e
273; Lacerda, Direito das coisas, § 329 Azevedo Marques, nos
Traiamos da Gamara, V, ps. 280-282; Trabalhos do Senado, I,
ps. 20-22; Gama, A hypotheca, ps. 56 e segs.; Martinho Gar-
cez, Direito das coisas, § 329; Revista Jurídica, VII, ps. 97-109;
Adolpho Gordo, Trabalhos da Gamara, em 1913, ps. 24 e 25
do impresso; Didimo, Trabalhos dia Gamara, V, ps. 314-323;
Augusto de Freitas, Annaes da Gamara, sessão extraordinária
de 1902, II, p. 82; Trabalhos do Senado, III, p. 86; João Mon-
teiro, Applicações do direito, paginas 60-6(>.-

Observações — 1. — A matéria do principio deste artigo


foi muito debatida na Gamara sem que se tivesse chegado a
obter uma solução capaz de satisfazer a todos. A fórmula do
Godigo o Senado foi pedil-a a João Monteiro. Na essencia,
o pensamento é o mesmo do Projecto primitivo e da emenda
Azevedo Marques.
O credor da segunda hypotheca, quando se garantiu, já en-
controu o immovel gravado, na sua totalidade, em proveito do
primeiro credor. Entende-se que a sua garantia visou, apenas,
a parcella de valor do immovel, que restasse do pagamento
da hypotheca inscripta em primeiro logar. Por conseguinte, não
poderá executar o immovel, senão quando se realizar essa con-
tingência. O seu direito de excussão se retarda, porque a sua
garantia é condicional: recáe sobre o remanescente.
Outra solução teria prejudicado os direitos do credor, que
primeiro recebeu o immovel em garantia do seu credito.
Abre-se, porém excepção para o caso de insolvencia ou
fallencia, porque, então, se opera uma execução geral, concor-
rendo todos os credores, aliás sem prejuízo da prelaçâo real,
e da prioridade entre as hypothecas.
2
- — A falta de pagamento de obrigações garantidas por
hypotheca ulteriores não constitue fundamento para a insol-
vencia, porque esses credores não poderão executar o devedor,
senão depois de vencida a primeira. Até então, o seu direito
de excussão se acha suspenso, e por isso mesmo, não conduz
á verificação da insufficiencia do activo do devedor, em frente
ao passivo.
420 CODIGO CIVIL

Sem esta providencia complementar, que, aliás, é conse-


qüência forçosa do principio estabelecido na primeira parte
do artigo, ficariam burlados o mesmo principio e os direitos
do credor hypothecario anterior.

Art. 814 — A hypotheca anterior pôde ser


remida, em se vencendo, pelo credor da segunda,
se o devedor não se offerecer a remil-a.
§ 1.° Para a remissão, neste caso, consignará
o segundo credor a importância do debito e das
despesas judiciaes, caso se esteja promovendo,, a
execução, intimando o credor anterior para le-
vantal-a, e o devedor para remil-a, se quizer.
§ 2.° O segundo credor, que remir a hypo-
theca anterior, ficará ipso facto, sobrogado nos
direitos desta, sem prejuizo dos que lhe compe-
tirem contra o devedor commum.
Direito anterior — Omisso.
Legislação comparada — Codigo dos bens para o princi-
pado do Montenegro, art. 213.
A remissão das hypothecas era desconhecida dos romanos,
affirma Van Wetter, Droií civil, p. 322. Havia, porém, a suc-
cessio hypothecaria, que tem sido, ultimamente, objecto de ac-
curados estudos, e que, afinal, corresponde á remissão deste
artigo, tornando o credor de segunda classe subrogado nos di-
reitos do primeiro. Dá-se a successão hypothecaria; 1.°, em
favor do capitalista, que antecipa dinheiro para o pagamento
de uma hypotheca anterior; 2.°, em favor do adquirente do
immovel hypothecado, que desinteressa o respectivo credor; 3.°.
em favor do credor hypothecario posterior ou inferior, que
desinteressa o anterior ou superior (jíís offerenãi et succeãen-
di). Vejam-se: Dernburg, Pfanãrecht, ,11, §§ 161 e segs.. Panã.,
I, § 289; Gikard, Droit romain, 5.a ed., ps. 784-786.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.708 e 1.709; Bevi-
láqua, 926 e 927. Revisto, 959 e 960.
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 421

Observação — Estaria o credor por segunda hypotheca


desarmado para a segurança do seu credito, e sujeito ao ca-
pricho do primeiro credor, se a lei não lhe désse meios de ga-
rantir. os seus interesses legitimos, de realizar o seu direito.
Até o vencimento da primeira hypotheca, elle está privado de
qualquer acção contra o devedor, ainda que a sua obrigação
se ache vencida. Mas, chegado o momento de executar-se a
primeira hypotheca, se o credor e o devedor não se movem,
indifferentes ao seu interesse, e ao dos outros, já não sub-
sistem as razões, que impediam a interferência do segundo
credor; a divida do primeiro já se venceu, e este já devia
excutir o immovel gravado, para se pagar e permittir que os
outros débitos fossem, egualmente, satisfeitos. Impossibilitado,
porém, de excutir o prédio hypothecado, porque o seu direito
occupa um segundo plano, tem deante de si outro credoi-, que
o prefere pela prioridade, offerece-lhe a lei o recurso da re-
missão, que, libertando o bem do primeiro ônus, immediata-
mente o vincula aò debito garantido pela segunda hypotheca.
Sobre o remissão, veja-se mais o artigo seguinte.
A execução iniciada pelo primeiro credor não impede o se-
gundo de remir a hypotheca. A remissão desinteressará o primei-
ro credor, offerecendo-lhe de prompto, o que a execução lhe daria
com delongas; e o segundo credor não ficará dependendo de con-
luios possiveis para a procrastinação do termo do executivo.
Os direitos de todos os credores por primeiras e ulteriores
hypothecas acham-se attendidos e bem resguardados, com as
providencias prescriptas neste. artigo e no antecedente.

Art. 815 — Ao adquirente do immovel hy-


potliecado cabe, egualmente, o direito de remil-o.
§, 1.° Se o adquirente quizer forrar-se aos
effeitos da execução da hypotheca, notificará,
judicialmente, dentro em trinta dias, o sen con-
tracto aos credores hypothecarios, propondo pa-
ra a remissão, no minimo, o preço por que adqui-
riu o immovel.
422 CODIGO CIVIL

A notificação executar-se-á no domicilio in-


scripto (art. 846, paragrapho único), ou por edi-
taes, se ali não estiver o credor.
§ 2.° O credor notificado pôde, no prazo as-
signado para a opposição, requerer que o imino-
vel seja licitado.

Direito anterior — O mesmo (dec. n. 169 A, de 19 de


Janeiro de 1890, art. 10, §§ 4.° e 5.°; e n. 370, de 2 de Maio
do mesmo anno, arts. 257-267).
Legislação comparada — Vejam-se os Codigos Civis se-
guintes: francez, arts. 2.183-2.192; italiano, 2.040-2.053; por-
tuguez, 938-948; suisso, 828 e 829; argentino, 3.162-3.180; ja-
ponez, 378 e 382-384.
Projectos — Este artigo e o seguinte são devidos á Com-
missão do Governo, que os extrahiu da lei hypothecaria então
vigente; Projecto revisto, art. 961. Não se encontravam, porém,
na edição da Gamara {Trabalhos, I, p. 226), porque resulta-
ram de accrescimo posterior á publicação do Projecto no Diário
Official. Dispunha também, semelhantemente Felicio dos San-
tos, artigos 2.587-2.595.
Bibliographia — Lafayétte, Direito das coisas, §§ 256-265.
Lacerda, Direito das coisas, §§ 196-198 e 200; Didimo, Direito
hypothecario, ns. 297-304; Azevedo Marques, A hypotheca, ps.
65 e segs.. A. "D. Gama, Da hypotheca, ns. 179 e segs.; Phi-
ladelpho Azevedo, Remissão hypothecaria, na Gazeta dos Tri-
bunaes, anno I, n. 161 (23 de Julho de 1921); Laurent, Cours,,
IV, n. 582-585; Planiol, Traité, II, ns. 3.274-3.386; Huc, Com-
mentaire, XIV, números 70-173, bis; Aukry et Rau, Gours, II,
§ 294; Zachariae, Droit civil français, V, §§ 832-836; Güillouard,
Des privilèges et hypothèques, IV, ns. 1.493-2.162; Paul Pont,
Des privilèges et hypothèques, II, hs. 1.261-1.427; Chironi,
ist., I, § 234; Dias Ferreira, Oodigo Civil portuguez, aos arts.
938 e segs.; Apfonso Fraga, op. cit., §§ 76 e 78.

Observações — 1. — Remissão, em matéria hypothecaria,


é o beneficio legal, concedido ao interessado, para libertar o
immovel da hypotheca, pagando ao credor o preço do immovel,
DOS DIREITOS BEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 423

se a remissão é feita por terceiro adquirente (arts. 815 e 816),


ou a importância do debito, accrescida das despezas judiciarias
da excussão, se feita pelo credor da segunda hypotheca (art.
814). E' da primeira que agora se trata.
Afponso Fraga, prefere chamar esse acto — reãempção.
A remissão é vantajosa para o adquirente, por libertar
o immovel; evita o processo da execussão, a que estava sujeito
e desobriga o adquirente das despezas desse processo, assim
como de receber o immovel por adjudicação, se não houver
lançador, pagando a differença entre o preço da sua acquisição
e o da avaliação, segundo o prescripto no art. 816, §§ 2.° e 3.°.
E', precisamente, o adquirente quem mais lucra com a re-
missão, pois que o beneficio foi creado em seu favôr. Mas o
credor nada perde com ella, porque recebe, justamente, aquillo
que devia esperar da garantia hypothecaria, segundo o valor do
immovel.
A vantagem do devedor está em poder alienar, facilmente,
o immovel hypothecado, porquanto os compradores escasseia-
riam, se o não pudessem libertar do onús hypothecario.
2. — A remissão, sendo um beneficio, só aproveita áquelles
a quem a lei, expressamente, o concede, isto é, no caso do ar-
tigo 814, ao credor de hypotheca ulterior; e no caso, do art.
815, ao adquirente, quer a hypotheca seja convencional quer
seja legal. Adquirente, no sentido amplo em que aqui se toma
a expressão, é aquelle a quem foi transferido o direito de pro-
priedade por acto gratuito ;gu oneroso, inter vivos ou viortis
causa; o comprador e o donatário, o legatario e o herdeiro.
A este ultimo, não obstante ser representante e continuador da
pessoa do devedor, a lei não recusa o beneficio da remissão:
porém, como ficou dito, no art. 776, terá de remir a hypotheca
em sua totalidade; não ha remissão parcial do quinhão here-
ditário.
A remissão presuppõe, é manisfesto, que o acto acquisitivo
foi transcripto, nos termos dos arts. 531 e 532.
São excluidos do favor da remissão os que figuram na obri-
gação ou na hypotheca, porque são coobrigados ao pagamento
da divida.
Por outro lado, operações ha que dispensam a remissão,
porque expungem o immovel de todos os seus gravames. Taes
são a desapropriação, por necessidade ou utilidade publica e a
424 CODIGO CIVIL

arrematagão por execução de sentença judicial (vêr o artigo


849, VII).
3. — A remissão, que destróe o direito real, deve ser noti-
ficada ao credor liypothecario, o qual, se não acceitar o preço
offerecido, requererá, no prazo assignado para a opposição, que
o immovel seja posto em licitação entre os proprios credores hy-
pothecarios, os fiadores do devedor e o adquirente. O juiz defe-
rirá o pedido, e mandará publicar editaes, para que nenhum
dos credores se chame á ignorância.
Ultimado o processo da remissão, a autoridade judicial
julga-a por sentença, e. esta autoriza o cancellamento da hypo-
theca.
4.. — Azevedo Marques e Philadelpho Azevedo consideram
desvantajosa a r.emissão do adquirente do immovel hypothe-
cado. Também o Projecto primitivo tentou eliminal-a de nossa
legislação, mas não pelos inconvenientes apontados e, sim, por-
que não era solicitada por uma necessidade social. Venceu, to-
davia, a tendência tradicionalista. A legislação de 1864 e 1865
a consagrava, a de 1890 a manteve; entendeu-se que melhor
seria conserval-a do que eliminal-a. O rigor dos principies acon-
selhava a sua eliminação; porém, como, no decurso de tantos
annos, se manteve sem inconveniente, pareceu, excusado ex-
pungir o systema desse defeito innocuo, que aliás, em certas
opportunidades será vantajoso.

Art. 816 — São admittidos a licitar:


I. Os credores hypotliecarios.
II. Os fiadores.
III. O mesmo adquirente.
§ 1.° Não sendo requerida a licitação, o pre-
ço da acquisição ou aquelle que o adquirente
propuzer, haver-se-á por definitivamente fixado
para a remissão do immovel, que, pago ou depo-
sitado o dito preço, ficará livre de liypotliecas.
§ 2.° Não notificando o adquirente, nos trinta
dias do art. 815, § 1.°, aos credores hypotlieca-
rios, fica obrigado:
UOS DIEEITOS EEAES SOBEE COISAS ALHEIAS 425

I. A's perdas e damnos para com os credo-


res hypothecarios.
IÍ. A's custas e despesas judiciaes.
III. A' differença entre a avaliação e a
adjudicação, caso esta se effectue.
§ 3.° O immovel será penliorado e, vendido
por conta do adquirente, ainda que ele queira
pagar, ou depositar o preço da venda, ou da ava-
liação, excepto se o credor consentir, se o preço
da venda ou da avaliação bastar para a solução
da bypotlieca, ou se o adquirente a resgatar.
A avaliação não será nunca em preço in-
ferior ao da venda.
§ 4.° Disporá de acção regressiva contra o
vendedor o adquirente, que soffrer expropriação
do immovel, mediante licitação ou penbóra, o
que pagar a bypotheca, o que, por causa da adju-
dicação, ou licitação, desembolsar com o paga-
mento da bypotbeca importância excedente a da
compra, e o que supportar custas e despesas ju-
diciaes .
■ § 5.° A bypotheca legal é remivel na forma
por que o são as liypothecas especiaes, figurando
pelas pessoas, a que pertencer, as competentes,
segundo a legislação em vigor.
Direito anterior — O mesmo (dec. n. 169 A, de 19 de Ja-
, neiro de 1890, art. 10, §§ 3.°, 6.°, 8.° e 10; n. 370, de 2 de Maio
do mesmo anno, arts. 264 e 267-277).
Legislação comparada — Vejam-se: Codigo Civil francez,
artigos, 2.167-2.179, 2.186 e 2.193-2.195; italiano, 2.013-2.023,
2.046 e 2.052; japonez, 387-391; portuguez, 941.
Quanto ao § 4.°, vejam-se mais: argentino, art. 3.185; chi-
leno, 2.429, uruguayo, 2.341; venezuelano, 1.978. Estes Codigos
não regulam a remissão pelo adquirente.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.596-2.606.
426 CODIGO CIVIL

Bibliographia — A mesma do artigo anterior. Aããe; La-


fayette, Direito das coisas, § 266; Lacerda, Direito das coisas,
§ 199; Didimo, Direito Jiypothecario, ns. 306-309.

Observações — 1. — A licitação restringe-se aos interes-


sados, que são o adquirente, os fiadores do devedor e os cre-
dores, porque ella tem por fim dar ao immovel o seu valor
real, não tendo sido acceito o da acquisição, ou o que, acima
deste, o adquirente houver proposto.
Serve de base á licitação o preço da acquisição ou o valor
proposto pelo adquirente. O immovel adjudica-se ao licitahte,
que maior preço offerece, dada a preferencia ao adquirente, em
egualdade de condições.
A licitação pôde ser requerida por um só dos credores, e apro-
veita-a todos. Para a desistência, é necessário o concurso de todos.
2. — Se o immovel fôr adjudicado ao adquirente, hão ha
que transcrever a adjudicação, porque esta não é o seu titulo
de propriedade, e, sim, o anterior, que já se acha transcripto,
e, em vista do qual, requereu a remissão do immovel. Se a
outrem fôr entregue o immovel, a adjudicação deve ser trans-
cripta (art. 532, III), porque é o titulo de acquisição. Neste
caso, como se tem por annullado o acto translativo da pro-
priedade em favor do adquirente, a sua transcripção será can-
cellada e resolver-se-ão todos os ônus, com que elle, por ven-
tura, tenha gravado o immovel.
2- — Pago, ou depositado, o preço, ficará o immovel exo-
nerado da hypotheca, diz o § 1.°. Deve entender-se que, pago
ou depositado, o preço, a remissão é julgada por sentença, fi-
cando autorizada por ella o credor para o cancellamento da
inscripção hypothecaria.
4- — Deixando de notificar os credores hypothecarios, nos
trinta dias seguintes ao seu contracto, ou ao julgamento da par-
tilha, fica o adquirente sujeito ás conseqüências do § 2.°; ás
custas e despesas judiciaes, á differença entre a avaliação e a
adjudicação, e ás perdas e damnos. Estas perdas e damnos,
pelas quaes responde o adquirente, são as oriundas de dete-
rioração ou desvalorização, que soffra o immovel por culpa
delle, e não as que provierem de caso fortuito, como incêndio
ou destruição. Devem ser pedidas por acção, em que se prove
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 427

a culpa do adquirente, que, em relação aos credores hypothe-


carios, dada a publicidade da hypotheca, se considera um de-
tentor, a quem foi confiada a guarda do immovel do devedor
(Lafayette, § 259, nota 6; Paul Pont, II, n. 1.199).
5. — O adquirente, declara o § 4.°, tem acção regressiva
contra o vendedor. Refere-se o Codigo ao vendedor, porque,
geralmente, as transmissões onerosas, entre vivos, se operam
por compra e venda; e é essa a classe das transmissões que
o Codigo tem em vista. Não ha regresso, quando a acquisição
provém de herança.
Nosso direito não admitte, como outros, o beneficio da ex-
cussão, nem a faculdade de largar a hypotheca. O adquirente
soffre, directa e irrecusávelmente, a acção hypothecaria. E' de
justiça que possa rehaver, do alienante, aquillo que despendeu
por causa da hypotheca do immovel adquirido.
A acção do adquirente a titulo oneroso, tem por objecto:
a) Em todos os casos, as despesas e custas judiciaes'.
h) Quando o adquirente já tiver pago ao alienante o preço
do immovel, no todo ou em parte, aquillo que teve de, nova-
mente, pagar aos credores.
c) A differença entre o preço da avaliação e o que tiver,
effectivamente, desembolsado no pagamento dos credores, se
ainda não tiver pago ao alienante; ou toda a somma despen-
dida, se já tiver pago.
d) Se o immovel lhe fôr adjudicado por quantia maior que
a da acquisição, a differença accrescida.
e) Se a outrem fôr adjudicado o immovel, o que por elle
recebeu o alienante.
Sendo a alienação a titulo gratuito, a acção do adquirente
será para rehaver as quantias despendidas com o. processo da
remissão, ou com a expropriação forçada.
6. — No regimen da lei de 1864, as hypothecas legaes não
se podiam remir pelo processo estabelecido para as conven-
cionaes; no do decreto de 1890, sendo especialisadas todas as
hypothecas, tornou-se possível a remissão, e assim o declarou a
lei; o Codigo manteve, como era natural, esta disposição.
O preço da remissão da hypotheca legal, não pode ser en-
tregue á pessoa em cujo beneficio foi instituída; porque, como
bem disse Lafayette, ainda não ha divida verificada, e é pos-
sível que não venha a existir. O preço deve ser depositado
428 CODIGO CIVIL

em apólices da divida publica federal ou estadual, que ficarão


caucionadas em substituição do immovel (art. 820).

Art. 817 — Mediante simples averbação, re-


querida por ambas as partes, poderá, prorogar-se
a bypotbeca, até perfazer trinta annos, da data
do contracto. Desde que perfaça trinta annos,
só poderá subsistir o contracto de hypotbeca,
reconstituindo-se por novo titulo e nova inscri-
pção; e, neste caso, Ibe será mantida a precedên-
cia, que então Ibe competir.

Direito anterior — Differente. O dec. n, 169 A, de 1890,


artigo 9.°, § 2.°, e o n. 370, do mesmo anuo, art. 215, estabe-
leciam o prazo de trinta annos, para a duração da inscripção;
mas não se referiam ao contracto, nem á prorogação por simples
averbação.
Legislação comparada — Vejam-se: Codigo Civil francez,
art. 2.154,' italiano, 2.001; argentino, 2.154; mexicano, 1.848.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1,711; Beviláqua, 929;
Rçvisto, ■ 962.

Observações — 1. — No fim de trinta annos os contractos


perdem a sua efficacia; as acções que se originam delles ex-
tinguem-se pela prescripção; e os proprios bens podem ter sof-
frido considerável modificação. Duração maior, também, por
isso mesmo, não poderia ter a inscripção. Transcorrido esse
prazo, é necessário que se reconstitua a hypotbeca por novo
titulo e nova inscripção. Todavia a lei liga a hypotbeca an-
terior á nova, mantendo-lhe a precedência, como se fôra uma
prorogação ou como se continuasse a mesma hypotbeca.
■ Dentro dos trinta annos, a prorogação de hypotbeca de-
pende apenas de simples averbação requerida por ambas as
partes, que assim demonstram o accôrdo em que se acham.
Ia. — Azevedo Marques é de parecer que a hypotbeca,
reconstituída, após trinta annos, por novo titulo e nova ms-
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 429

cripgão, é nova hypotheca e deve receber o numero de ordem


que lhe competir na occasião (vêr o seu commentario a este
artigo). Mas, para chegar a esse resultado, teve necessidade
de" substituir palavras que o artigo traz, desde a sua formação
na Gamara dos Deputados, como o propio illustrado commen-
tador reconhece. O Codigo diz; e, nesse caso, lhe será man-
tida a ijreceãencia, que então lhe competira. Azevedo Marques
manda lêr: terá a collocação que então lhe competir. Nada
justifica essa interpretação, ou, antes, essa alteração do que
dispõe o artigo. Manter a precedência é conservar a collocação
anterior; se se tratasse de nova hypotheca, sem ligação com
a precedente, era inútil o disposto no final do artigo, que foi
accrescimo nelle intencionalmente posto, precisamente para mos-
trar que, embora houvesse necessidade de novo titulo e de nova
inscripção, a hypotheca mantinha o posto, que lhe cabia deante
das outras.
Pelo mesmo fundamento devemos rejeitar a sua intelligencia
da primeira parte do artigo. Prorogar é prolongar a existência
de alguma coisa, é continuar o que deveria terminar em certo
momento. Se a lei permitte que a hypotheca se prorogue, ella
não se modifica mantem-se, prolonga-se, continua tal qual era.
Em ambos os casos, ha prorogação; uma depende de simples
averbação, quando se opera dentro de trinta annos da data do
contracto; outra exige novo titulo e nova inscripção, quando
se transpõe esse lapso de t^npo.
No Projecto primitivo, não se dava á hypotheca reconsti-
tuída o mesmo posto determinado pela ins.cripção anterior; mas,
por proposta de Coelho Rodrigues, se effectuou esse accrescimo,
que está no artigo.
2. — Refere-se este dispositivo ás hypothecas convencio-
naes. A hypotheca legal subsiste por todo o tempo, em que
perdurar a situação jurídica, de que ella fôr a garantia.

Art. 818 — E' licito aos interessados fazer


constar das escripturas o valor, entre si ajus-
tado, dos immoveis hypotliecados, o qual será a
base para as arfematações, adjudicações e re-
missões, dispensada a avaliação.
430 CODIGO CIVIL

As remissões não serão permittidas antes de


realizada a primeira praça, nem depois da assi-
gnatnra do auto de arrematação.

Direito anterior — Quanto á primeira parte: o dec. nu-


mero 169 A, de 19 de Janeiro de 1890, art. 14, § 11, declarava
que a avaliação constante do contracto serveria para base da
hasta publica, e o dec. n. 370, de 2 de Maio do mesmo anno,
admittia a mesma regra, quanto aos bens hypothecados ás so-
ciedades de credito real, salvo accôrdo das partes para nova
avaliação.
Quanto á segunda parte; as remissões podiam ser reali-
zadas, desde a primeira praça, até á assignatura do auto de
arrematação (dec. n. 169 A, cit., art. 14, §§ 3.° 5.°).
Projectos — Este artigo provém de emenda do Senado.
Contra ella se manifestou o relator especial da Gamara, Dr.
GÚmercindo Ribas (p. 125 do impresso de 1913), consideran-
do-a inconveniente e mal redigida. Mas a Gamara não obstante,
acceitou-a.

Observações — 1. — A primeira parte do artigo deve ser


entendida de modo a não impedir: a) Que, as partes concor-
dando, se proceda a nova avaliação, quando os bens tiverem
de ir á praça; &) Que ainda se proceda a essa formalidade,
quando houver alteração do valor do bem, para mais ou para
menos, por qualquer causa, inclusive, o decurso do tempo.
•, Ica. •. —;: Azevedo Marques (a este artigo) não concorda
como o que se diz acima sob a letra &')'.' íilas se o immovel foi,
em bôa fé, avaliado em duzentos contos, quando se celebrou
o contracto, e, no momento da execução, por uma causa qual-
quer, não vale cincoenta, não parece justo que se mantenha
a mesma avaliação. O inverso poderá dar-se; o immovel, que
valia cincoenta contos, poderá no momento da execução, valer
o quádruplo. Attendendo a essas possibilidades, é que me pa-
receu justo ler o art. 818 do Codigo Civil, sem esquecer o que
a respeito consagrava o reg. numero 370, de 1890, art. 392.
João Luiz Alves sustenta opinião semelhante á minha.
2. — As remissões, a que se refere a segusda parte do
artigo, são as que se permittem no período da execução, ao
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 431

proprio executado, ou, independentemente de citação, ou accôrdo


deste, á mulher, ascendentes e descendentes, afim de evitar
que os bens passem para mãos extranhas.
O Codigo só as admitte depois de realizada a primeira
praça (hoje única), isto é, não quer que as pessoas indicadas
expunjam o bem do ônus hypothecario, senão depois de conhe-
cidos os lanços, em primeira praça, afim de o levar o remissor
pelo preçq do maior lanço, ou pelo da avaliação, se não appa-
recer lançador, que o cubra.
Por este modo se uniformiza o direito das remissões.
2 a. — Azevedo Marques (comm. a este artigo) acha que
não há motivo para se affirmar que a mulher, os ascendentes
e os descendentes possam remir, porque o Codigo não men-
cionou, expressamente, esse direito. Também não o deu, de
modo expresso, ao executado. Parece que se procedesse o ar-
gumento, a conclusão deveria ser que ninguém poderia remir.
Mas, se o Codigo assegurou o direito, de remissão judiciaria,
e não designou as pessoas a quem competia esse direito, salvo
nos casos de insolvencia ou falência (art. 821), é claro que,
não sendo insolvente ou fallido o devedor, o direito de remir
ha de competir a alguém, e esse alguém, que o Codigo não
aponta, deve ser quem pelo direito anterior, já o tinha, pois,
como se sabe, esta parte do Codigo nada mais é do que a re-
producção feita á ultima hora do direito anterior, onde erro-
neamente, se suppoz* que havia lacuna. Neste mesmo sentido
se pronuncia João Luiz Alves.
3. — Este artigo, occupando-se de incidentes da execução
hypothecaria, devera ter sido collocado no fim da secção.
CONSELHO K- -1 • - DO TRABALHO
K REGiÃO
Art. 819 — O credor de hypotlieca legal, ou
quem o represente, poderá, mostrando a insuf-
ficiencia dos immoveis especializados, exigir que'
seja reforçada com outros porteriormente adqui-
ridos pelo responsável.

Direito anterior — Semelhante (dec. n. 370, de 2 de Maio


de 1890, arts. 167-169).
Legislação comparada — Codigo Civil mexicano, art. 2.938.
432 CODIGO CIVIL

Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.713; Bevüaqua, 931;


Revisto, 964.

Observação — O Codigo prevê a hypothese, em que a pes-


soa obrigada a garantir a sua responsabilidade por hypotbeca
legal, não possua bens na quantidade sufficiente para esse ef-
feito. Se, porém, a insufficiencia resulta de deterioração ou de
depreciação occorrida depois de especializada a hypotbeca, ha-
verá egual razão para pedir-se reforço.

Art. 820 — A hypotlieca legal pode ser sub -


stituída por caução de títulos da divida publica
federal ou estadual, recebidos pelo valor de sua
cotação minima no anno corrente.

Direito anterior — A lei n. 1.237, de 24 de Setembro de


1864, art. 10, § 11, permittia a substituição das hypothecas
geraes por fianças idôneas, mas o dec. 169 A, de 19 de Ja-
neiro de 1900, não manteve esse dispositivo, nem prescreveu
regra equipolente.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.788; Bevüaqua, 932,
Revisto, 935.

Observação — Offerece o Codigo, neste artigo, uma faci-


lidade aos que se acham sujeitos á hypotbeca legal, permit-
tindo a substituição delia por uma caução de titulos da divida
publica federal ou estadual. Por este modo, assegura, egual-
mente, os interesses, que o direito procura acautelar, sem os
inconvenientes economicos da hypotbeca legal, que desvaloriza
os bens gravados, para as alienações e algumas outras opera-
ções, em que tenham de funccionar como capital em jogo.

Art. 821 — No caso de fallencia do devedor


hypotliecario, o direito de remissão devolve-se á
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 433

massa, em prejuízo da qual não poderá o credor


impedir o pagamento do preço por que foi ava-
liado o immovel. O restante da divida liypothe-
caria entrará em concurso com as cliirograplia-
rias.
No caso de insolvencia, cabe aquelle direito
aos credores em concurso.
Direito anterior — Não se encontra disposição corespon-
dente.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.717; Beviláqua, 936;
Revisto, 967.

Observações — 1. — Achando-se o devedor em estado de


insolvencia ou de fallencia, abre-se o concurso dos credores,
que realizam uma execução collectiva sobre a generalidade dos
bens do devedor. Como, porém, o credor hypothecario tem as-
segurada a sua preferencia para pagar-se precipuamente, pelo
preço do immovel gravado, excluindo os outros credores, o con-
curso ou a fallencia não lhe suprimem a posição privilegiada.
A sua prelação subsiste; apenas não impedirá a execução geral.
Na execução commum, promovida pelo devedor hypothecario,
o proprio executado, sua mulher, ascendentes ou descendentes,
poderão remir os bens hypothecados; mas, declarada a insol-
vencia ou fallencia do devedor, cessa esse direito de remissão,
que se devolve, exclusivamente, aos credores em concurso. A
remissão se fará, nesse caso, pelo preço da avaliação do bem,
independentemente de praça. Poderá acontecer que o preço
não cubra a divida, mas o credor não tem direito de recusal-o;
e, extincto o vinculo hypothecario pelo pagamento, concorrerá
com os credores chirographarios para se pagar do restante.
O effeito da remissão é desinteressar o credor hypothecario,
que, não obstante o estado de insufficiencia econômica do de-
vedor, recebe o valor dado ao immovel, e comparte quanto
ao resto, se esse valor não bastar para o seu pagamento, a
sorte dos outros credores.
A justiça desta solução é manifesta; mas os factos podem
tornal-a injusta. Dahi a necessidade de completal-a. E' o que
faz o artigo seguinte.
Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 28
434 CODIGO CIVIL

2. — Não quer entender este artigo, como acima se expõe,


o illustre professor Azevedo Marques. A intelligencia dada
nestes commentarios, porém, é a única em harmonia com as
palavras claríssimas da lei. Diz ella que, nos casos de fallencia,
ou insolvencia, o direito de remir devolve-se á massa; quer
dizer que, em taes casos, nem o fallido, nem os seus parentes,
poderão remir o immovel. E accrescenta: — em prejuízo ãa
qual não poderá o credor impedir o pagamento do preço, por
que foi avaliado o immovel. Não se fala em praça. Supponha-se,
porém, que houve praça e que, appareceu quem desse preço
maior do que o da avaliação. Que significação teriam as pa-
lavras transcriptas em itálico? A massa tem o direito, segundo
as mencionadas palavras, de remir o immovel pelo preço da
avaliação; a praça seria, então, sem objecto.
E' preciso ler este artigo em cotejo com o seguinte. Apre-
ciados os dois, conjunctamente, ver-se-á que as duas provisões
se completam e se reduzem, ao seguinte: No caso de fallencia
ou insolvencia, não ha remissão, salvo em beneficio da massa,
que libertará o immovel pelo preço da avaliação; mas se esta
fôr inferior ao montante da divida cabe ao credor o direito
de requerer a adjudicação do immovel em pagamento da mesma.

Art. 822 — Pode o credor liypothecario, no


caso de insolvencia ou fallencia do devedor, para
pagamento de sua divida, requerer a adjudica-
ção do immovel, avaliado em quantia inferior a
esta, desde que dê quitação pela sua totalidade.

Direito anterior — Não havia disposição semelhante.


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.718; Beviláqua. 937;
Revisto, 968.

Observações — 1. — Se o devedor hypothecario se mostra


insolvente ou é declarado fallido, os credores podem remir a
hypotheca, segundo prescreve o artigo antecedente pelo preço
da avaliação do immovel, sem que o credor hypothecario o
nOS DIREITOS KEAE8 SOBRE COISAS ALHEIAS 435

possa recusar, muito embora o seu credito seja superior. Seria


injusto esse rigor, se não se permittisse ao credor recurso
contra avaliações inexactas. Avaliado o bem, por preço inferior
á divida, o credor poderá impedir a remissão pelos credores,
requerendo a adjudicação pela totalidade do credito. A adju-
dicação importa neste caso, em quitação plena. O credor não
terá mais que concorer, pelo restante da divida, com os chi-
rographos.
Se o preço da avaliação exceder ao montante da divida
já não poderá o credor hypothecario requerer a adjudicação
do immovel, para pagamento da sua divida, sem repôr á massa
a differença entre a divida e o valor dado ao bem.
2. — A avaliação de que tratam este e o artigo antecedente
é a que se faz nas execuções ou a que consta do contracto de
hypotheca. Quer se dê a remissão pela massa, quer a adjudi-
cação em beneficio do credor hypothecario, não ha licitação.
Não se devem confundir os casos communs de remissão e adju-
dicação, com os disciplinados pelos arts. 821 e 822, quando o
devedor é insolvente ou fallido.

Axt. 823 — São imllas, em beneficio da


massa, as liypotbecas celebradas em garantia de
débitos anteriores, nos quarenta dias preceden-
tes á declaração da quebra, on á instauração do
concurso de preferencia.

Direito anterior — Semelhante quanto á fallencia (lei nu-


mero 2.024, de 17 de Dezembro de 1908, art. 55, n. 3, que
tornava revogaveis as hypothecas constituídas dentro do termo
legal da fallencia, tratando-se de divida contrahida antes desse
termo).
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.720; Beviláqua, 939;
Revisto, 969.

Observações — 1. — E', de notar: 1.°: Que o Codigo equi-


para a insolvencia civil á' fallencia commercial. Não estando,
436 CODIGO CIVIL

entre nós, organizado o processo da insolvencia civil, como


propuzera o Projecto primitico, deve entender-se que ella So
considera declarada, quando se abrir o concurso creditorio, por
não ter o devedor executado bens que cheguem para a solução
de suas dividas (art. 1.554), 2.°, Que as hypothecas são de-
claradas nullas, em beneficio da massa e não simplesmente
annullaveis. Os Projectos usavam do adjectivo annullaveis. A
Gamara é que declarou nullas as hypothecas. Mas, attendendo
aos princípios geraes estabelecidos nos arts. 106 e 113, 145 e
147, deve entender-se que ha impropriedade de expressão no
art. 823. Os actos viciados de fraude, fora do periodo da exe-
cução ou do caso previsto no reg. n. 737, art. 494, 3.°, são
annullaveis. Na hypothese do art. 823, a fraude resulta do
facto de pretender o devedor collocar um credor em posição
melhor do que os outros, quando os bens já são insufficientes
para o integral pagamento de todos.
Consultem-se; J. X. Cakvaliio de Mendonça, Tratado de
direito commercial, VII, ns. 510-520; e Bento de Faria, Das
fallencias, nota 106.
A nova lei de fallencia, n. 5.746, de 9 de Dezembro de 1929,
art. 55, 3.°, declara sem effeito, relativamente á massa, a hy-
potheca constituida dentro do termo legal da fallencia, tra-
tando-se de divida anterior. E' o mesmo dispositivo da lei de 1908.
2. — Por não admittir a insolvencia civil, apesar do que
dispõe o art. 1.554 do Codigo Civil e das numerosas referencias
que a ella faz o Codigo neste e em muitos outros capitulos (ar-
tigos 106, 107, 108, 109, 110, 111, 113, 535, 75'2, 762, II. 813,
821, 823, 913, 914, 1.131, 1.396 e 1504), contesta Azevedo Mar-
ques ter o art. 823 equiparado a insolvencia civil á fallencia
para o efffeito de tornar annullaveis as hypothecas celebradas
em fraude aos credores chirographarios. Mas é negar a evi-
dencia, e decidir contra formal disposição de lei. Queiram ou
não os interpretes, ha, no systema do Codigo Civil, a insol-
vencia civil, embora não organizada como cumpria que fosse.

Art. 824 — Compete ao exeqnente o direito


de prosseguir na execução da sentença contra os
adquirentes dos bens do condemnado; mas, para
DOS DIKEITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 437

ser opposto a terceiros; conforme caler, e sem


importar preferencia, depende de inscripção e
especialização.

Direito anterior — O mesmo (dec. n. 169 A, de 19 de


Janeiro de 1890, art. 3.°, § 11; dec. n. 370, de 2 de Maio do
mesmo anno, art. 108.
Legislação comparada — Vejam-se Codigo Civil francez,
art. 2.123; italiano, 1.970-1.973; austriaco, 449 e 450; boliviano,
1.468-1.471; venezuelano, 1.958-1.961. Na Bélgica, a hypotheca
judiciaria foi substituída pela inãisponibiliãaãe conseqüente
á transcripção do mandado (commendement) do juiz, que
precede á penhora. Na Hespanha substituiram-na pelas preno-
tações (Sanohes Roman, abaixo citado). O novo Codigo Civil
mexicano deixou de a contemplar.
Para o direito romano, consultem-se: D. 13, 7, § 26; Cod.,
8, 23, 1. 1. Mas é certo que o direito romano desconhecia esta
especie de hypotheca, segundo a fôrma que hoje apresenta.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.560; Coelho Rodri-
gues, 1.722 e l. 723, ns. 9 e 10; Beviláqua, 941 942, ns. 9
10. Revisto, 970,
Bibliographia — Lafavette, Direito das coisas, §§ 207-209;
Lacerda, Direito das coisas, §§ 160-162; Didimo, Direito hypo-
thecario, ns. 154-161; S. Vampeé, Manual, II, § 115; Azevedo
Marques, A hypotheca, ps. 84-88; Lysidpo Garcia, Registro de
immoveis, II, ps. 99-107; A. D. Gama, Da hypotheca, núme-
ros 200-210; João Monteiro, Processo, III, nota ao ^ § 197; Pla-
niol, Traité, II, ns. 2.849-2.875; Planiol et Rippert, XII, ns.
557 e segs.; Huc, Commentaire, XIII, ns. 193-200; Paul Pont,
Des privilèges et hypothèques, I, ns. 567-605. Guillouard, Des
privilèges et hypothèques, I, ns. 122 e 167; II, 901-930; IV,
1.885; Zachariae, Droit civil français, V, § 798; Aubry et Rau,
Cours, III, § 265; Chironi, Ist., 219; Sanchez Roman, Dere-
cho Civil, III, cap. XX, § 4.°, n. 18; Philadelpho Azevedo, Re-
gistros puhlicos, ns. 102 e 104; Affonso Fraga, op. cit., § 95;
Salvat, Derechos reales, II, ns. 2.401-2.411.

Observações — 1. — A hypotheca judicial é a que a lei


attribue á sentença condemnatoria, e consiste no direito real
438 CODIGO CIVIL

conferido ao exequente sobre os immoveis do executado, para


o effeito de responderem pela execução da sentença. Caracte-
riza-se por ser um simples direito de seqüela, sem preferencia.
Nem poderia ter preferencia o credor, que a não convencionou,
ném a lei lh'a poderia dar em detrimento dos outros credores.
Como direito real provido de seqüela, a liypotheca judi-
ciaria acompanha os immoveis do executado, os quaes podem
ser penhorados, em poder de quem os tiver adquirido, de bôa
ou má fé.
Ia. — Não tem razão Azevedo Marques, em attribuir pre-
ferencia á hypotheca judiciaria. O Codigo é expresso em sen-
tido contrario: sem importar preferencia, diz elle. Assim sempre
foi no direito pátrio (dec. n. 3.453, de 26 de Abril de 1865;
dec. n. 370, de 2 de Maio de 1890, art. 108). E nunca dis-
crepou a lição dos nossos autores depois da lei de 24 de Se-
tembro de 1864 (Teixeira de Freitas, Consolidação, nota 19
ao art. 285, e artigo 1.278, com a respectiva nota; Lafayette,
Direito das coisas, § 208, in fine; Lacerda de Almeida, Direito
das coisas, § 160).
2. — As sentenças, que geram hypothecas judiciarias são
as que, já tendo passado em julgado, condemnam o vencido a
uma obrigação de dar quantia ou coisa, ou de satisfazer perdas
e damnos.
Se a condemnação impõe obrigação illiquida, cumpre liqui-
dal-a para inscrever a hypotheca.
E' a sentença proferida pelos tribunaes judiciários, que
gera a hypotheca; não as de autoridades administrativas. Di-
dimo opina que as decisões do Tribunal de Contas produzem
hypotheca, porque são equiparadas ás dos tribunaes judiciários,
e Lacerda é do mesmo parecer. Parece juridica essa these, visto
como o Tribunal de Contas exercita actos de jurisdicção con-
tenciosa, como tribunal de justiça, a par de actos de fiscali-
zação. Também produzem hypotheca as sentenças arbitraes,
quando se tornam executorias.
3. — As sentenças dos tribunaes estrangeiros não geram
hypotheca sobre immoveis situados no Brasil, senão depois de
homologadas pelo Supremo Tribunal Federal; porque somente
então recebem poder executorio. Antes disso, são actos cuja
autoridade se concentra nos limites da soberania do Estado,
onde se realizam.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 439

4. — Como bem esclareceu Lafayette, o direito de pe-


nhorar bens alienados em fraude á execução differe da hypo-
theca judiciaria.
O primeiro suppõe a fraude do alienante, a connivencia do
adquirente, e a falta de outro bens sobre os quaes se exerça
o direito do exequente. A segunda é um effeito immediato
da sentença, e, depois de inscripta, prevalece contra o adqui-
rente de modo absoluto.
E, por isso que são distinctos, os dois direitos podem co-
existir.
5. — A hypotheca judiciaria não recáe sobre todos os im-
moveis do condemnado, e, sim, sobre aquelles que, conside-
rados bastantes para o pagamento da divida, forem designados
pelo vencedor, quando, munido da sentença se apresentar para
a inscripção (reg. n. 370, de 2 de Maio de 1890, art. 201; de-
creto n. 4.857, de 9 de Nov. de 1939, art. 274.
Effectuada a inscripção, os immoveis escolhidos se acham,
definitivamente, vinculados ao cumprimento da sentença sem,
comtudo, ter o exequente prelação sobre o preço, do qual não
poderá afastar o concurso dos outros credores.

Art. 825 — São susceptíveis do contracto de


hypotliecá os navios, posto que ainda em con-
strucção.
As liypotliecas de navios reger-se-ão pelo
disposto neste Codigo e nos regulamentos espe-
ciaes, que sobre o assumpto se expedirem.

Direito anterior — Differente; os navios não eram objecto


de hypotheca (decs. n, 169 A, de 1890, art. 2.°, pr., e § 1.°;
e n. 370, do mesmo anno, art. 110, que confirmaram a revo-
gação do artigo 468 do Codigo Commercial, pela lei de 24 de
Setembro de 1864).
liegislação comparada — Codigo Civil francez, art. 2.120,
e lei de 10 de Julho de 1885; chileno, 2.418; uruguayo, 2.331;
boliviano, 1.461.
O Codigo Civil allemão, arts. 1.259-1.272, regula o penhor
dos navios.
440 CODIGO CIVIL

Projeòtos — Este artigo foi suggerido por Parecer do Su-


perior Tribunal do Maranhão, {Trabalhos da Gamara, II, pa-
ginas, 32-35) e adoptado pela Commissão da Gamara {Traba-
lhos cit., VI, p. 327). '
Bibliographia — Parecer do Superior Tribunal de Justiça
do Maranhão, relatado por Cunha Machado {Trabalhos da Ga-
mara, II, ps. 32-35); A. D. Gama, ãa hypotheca, n. 19; Octa-
vio Mendes, Da hypotheca naval no Brasil; Waldemar Ferreira,
A hypotheca naval no Brasil; Soares de Souza Neto, Da hypo-
theca marítima; Silva Costa, Direito commercial marítimo, Tí.
ns. 64 e 1.027-1.043; Bento de Faria, Coãigo Commercial, ao
art. 468; Lysippo Garcia, Registro ãe immoveis, II, paginas
68-77; Mao-Dowel, Créditos privilegiados; Danjon, Droit ma-
ritime, I, ns. 85 e segs.; J. W. Coops, Loi des navires; Paul
Pont, Des privilèges et hypothèques, I, n. 403, bis; Goãe Civil
allemanã, publié par le Comitê de lég. étr., aos arts. 1.251
1.272; Planiol et Ripert, XII, ns. 273 e segs.; Affonso Fra-
ga, op. cit., § 69; meu Direito das coisas, II, §§ 65 e segs.;
João Villasbôas, hypotheca naval (1942).

Observações — 1. — O navio é coisa movei, mas está


ligado pelo registro, a um porto determinado, tem nome e na-
cionalidade; a sua construcção e caracteres constam, official-
mente, do registro; a sua alienação obedece a formalidades es-
peciaes. Offerece, portanto, as condições necessárias para as-
segurar o pagamento de uma divida pela seqüela e a prelação.
O Codigo Civil limitou-se a declarar susceptível de hypo-
theca o navio posto que ainda em construção, e remetteu o
assumpto para os regulamentos especiaes, que se deviam sub-
metter ás regras sobre direito hypothecario firmadas por elle.
Aliás, como reconhecera e proclamara Teixeira de Freitas,
não' desapparecera, entre nós, a hypotheca marítima, com a
legislação hypothecaria restricta aos immoveis, pois a lei de-
clarava subsistentes as obrigações reaes, estabelecidas pelo Co-
digo Commercial e registradas nas repartições, a que elle con-
fiava esse serviço. Havia a hypotheca sem o nome, como, aliás,
se vê do dec. n. 169 A, art. 2.°, pr., nas palavras; "Ficam
derogadas as disposições do Codigo Commercial, relativas à
hypotheca ãe bens ãe raiz. Subsistiam, consequentemente, as
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 441

hypothecas de embarcagões (Codigo Commercial, art. 468); não


as tacitas (arts. 470, 662), porque todas as hypothecas legaes
deviam ser especializadas e inscriptas; mas as voluntárias. As
hypothecas tacitas passaram a ser privilegio, e estes, no do-
mínio do direito commercial, ficaram reduzidos, quanto a immo-
veis, á hypotheca e á antichrese (lei n. 2.024, de 1908, aitigo 94).
Sendo assim, está muito limitada a tarefa deixada aos re-
gulamentos especiaes, a que se refere o artigo commentado.
2. — Sobre o estado civil das embarcações mercantes e o seu
registro, consultem-se os decs. n. 10.524, de 23 de Outubro de 1913
(regulamento da marinha mercante e navegação de cabotagem),
e decreto, ri. 220 A, de 3 de Janeiro de 193^.
2a. — O regulamento da capitania de portos, acima citado,
foi substituído pelo dec. n. 17.096, de 28 de Outubro de 1925.
Yejam-se, a respeito do assumpto da obs. 2, os arts. 391 e segs.
3. — Os regulamentos, a que allude o Codigo Civil, neste arti-
go, a elle remettendo a matéria da hypotheca dos navios, estão
publicados e são os seguintes; n. 16.788, de 8 de Novembro de
1922, e 15.809, de 11 de Novembro do mesmo anno. O primeiro
destes decretos organiza a hypotheca marítima, tomando por
base os princípios firmados pelo Codigo Civil, e orientando-se
de accordo com o pensamento de uniformizar o direito maríti-
mo dos povos cultos.
Depois de definir a hypotheca marítima, de declaral-a su-
jeita á lei e á jurisdição civil (art. I.0): de explicar que na
palavra navio se comprehendem todas as construções nauticas,
destinadas á navegação de longo curso, de grande e pequena
cabotagem, inclusive as apropriadas ao transporte fluvial (art.
3.°); de determinar o que se deve considerar navio brasileiro
(arts. 3.° e 4.°) e quem pôde ser proprietário de navio bra-
sileiro (art. 5.°); estabelece as seguintes regras: — Para re-
gular os effeitos jurídicos da hypotheca marítima, os direitos
e as responsabilidades das partes contractantes, attender-se-á
tanto quanto possível, ú lei do pavilhão (art.- 6.°)" — A lei
brasileira regulará porém, salvo convenção internacional em
contrario, os contractos de hypotheca maritima, ajustados ou
realizados por brasileiros em paiz estrangeiros, quando exeqüí-
veis no Brasil, e as obrigações contrahidas em paiz estrangeiro,
relativas ao regimen hypothecario brasileiro (art. 8.°). — A hy-
potheca de navio brasileiro, constituída fóra do paiz, deve constar
de escriptura publica, lavrada pelo cônsul brasileiro do logar do
442 CODIGO CIVIL

contracto, e ser inscripta, dentro de sessenta dias, na repartição en-


carregada do registro naval competente (art. 9.").
No art. 10, recorda-se o principio da indivisibilidade da hypo-
theca, e se especificam os accessorios que constituem parte inte-
grante do navio (botes, lanchas, escaleres, apparelhos, instrumen-
tos náuticos, machinas, etc.). O1 art. 11 particulariza a hypotheca
do navio em construcção. Para a hypotheca de navio pertencente
a dois ou mais proprietários, é necessário consentimento ex-
presso de todos os condominos (art. 16). O navio brasileiro, ob-
jecto de hypotheca marítima, não poderá ser fretado, arrendado,
ou empregado, de qualquer modo, no serviço de nação estrangeira.
Não terá mais de um ponto de registro nem o seu proprietário
poderá mudal-o discrecionariamente (art. 19). A mudança de na-
cionalidade não prejudica os direitos existentes sobre o navio (art.
19, paragrapho único). O credito hypothecario marítimo prefere
a quaesquer outros, com excepção dos seguintes: a) custas e despe-
sas jurídicas, e impostos federaes; b) créditos resultantes de en-
gajamento do capitão, tripulação e pessoal de bordo; c) indemni-
zações devidas por salvamento, e contribuição ás avarias com-
muns; ã) obrigações assumidas pelo capitão, fora do registro
para as necessidades reaes da conservação do navio ou continua-
ção da viagem:e) indemnizações devidas em razão de abalroa-
mento, ou outro qualquer accidente de mar (art. 20).
A inscripção da hypotheca marítima far-se-á, em livro es-
pecial, nas Capitanias de Portos, nos termos do Capitulo V,
tit. X, do dec. n. 11.505, de 4 de Março de 1915 (art. 21).
O dec. n. 15.809, de 11 de Novembro de 1922, estabeleceu
as fórmulas necessárias para a inscripção, averbaçâo e espe-
cialização da hypotheca marítima, e para o effeito do registro
desse ônus real dividiu o território nacional em tres districtos:
1.°, Do Amazonas a Sergipe, com séde em Pernambuco, 2.°
da Bahia a S. Paulo, com séde no Distrito Federal; 3.° Com-
prehendendo os outros Estados da Republica e tendo a sua séde
no Rio Grande do Sul.
3a. — O dec. n. 18.399, de 24 de Setembro de 1928, deu
regulamento para os officios privativos de notas e registro dos
contractos marítimos.
4
- — Assim como as embarcações, podem as aeronaves ser
objectos de hypotheca. V. Planiol et Ríppert, XII, n. 278.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 443

Veja-se o dec. n. 483, de 3 de Junho de 1938 que instituiu


o Codigo do ar.

Art. 826 — A execução do immovel hypo-


tliecado far-se-á por acção executiva. Não será
valida a venda judicial dos iminoveis gravados
por hypothecas devidamente inscriptas, sem que
tenham sido notificados, judicialmente, os respe-
ctivos credores hypothecarios, que não forem,
de qualquer modo, partes na execução.

Direito anterior — Quanto ao inicio do artigo, assim dis-


punha o dec. n. 169 A, de 19 de Janeiro de 1890, art. 14, § 6."
Em relação ao segundo membro do dispositivo, o citado decreto,
art. 16, concedia ao credor hypothecario embargos, para obstar
a venda judicial do immovel hypothecado. Veja-se, ainda, Car-
los de Carvalho, Direito civil, art. 734.
Projectos — A primeira parte do artigo veiu de uma emenda
de Azevedo Marques (Trabalhos da Gamara, VI, p. 327). A
segunda, de outra emenda do mesmo deputado 'e do seu com-
panheiro de bancada L. Piza (Diário ão Congresso, de 26 de
Março de 1902, p. 495). Os projectos não regulavam a matéria.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 270-272;
Lacerda, Direito das coisas, §§ 203-205; Didimo, Direito hypothe-
cario, ns. 354-369; Martinho Gabcez, Direito das coisas, ps. 644
e segs.; Azevedo Marques, e Adolpho Gordo, Discursos (nos Tra-
balhos da Gamara, V, ps. 279-286; Azevedo Marques, A hypotheca,
ps. 89-91; E. Espinola, Codigo do processo do Estado da Bahia,
arts. 706-715, e notas; A. D. Gama, Da hypotheca, ns. 198 e 199;
S., Vampré, Manual, § 126; Affonso Fraga, op. cit., n. 379 a 381.

Observação — A acção do credor hypothecario, para tornar


effectiva a garantia real e fazer-se pagar pela venda do im-
movel, em juizo, é a executiva. Quer isto dizer que a lei suppõe
liquida e certa a divida hypothecaria, e bem fundada a intenção
444 CODIGO CIVIL

do autor, como se a tivesse provado em debate judicial, perante


a autoridade competente, que llie reconhecesse a justiça. Pre-
ponderando, no direito hypothecario, considerações de ordem eco-
nômica, tendo a lei em vista dar a maior segurança e movimen-
taçãn ao credito real, foi investido o credor de um bastante
energico e de applicação rapida, afim de que não hesitasse em
dar os seus capitães para fecundar a vida industrial e as riquezas
adormecidas no sólo.
0 rito da acção executiva está regulado, actualmente pelo
Codigo de Processo Civil, arts. 299 e 301. Inicia-se pela citação
do réo, para pagar dentro de 24 horas, sob pena de penhora.
Peita a penhora o réo terá 10 dias, para contestar a acção, que
prosseguirá com o rito ordinário.

8ECÇÂO II

Da Jhypotheca legal

Art. 827 — A lei confere hypotheca:


I. A' mullier casada, sobre os immoveis do
marido, para garantia do dote e dos outros bens
particulares delia, sujeitos á administração ma-
rital.
II. Aos descendentes, sobre os immoveis do
ascendente, que lhes administra os bens.
1 III. Aos filhos, sobre os immoveis do pae,
ou da mãe, que passar a outras nupcias, antes de
fazer inventario do casal anterior (art. 183, nu-
mero XIII).
YI. A?s pessoas, que não tenham a admi-
nistração de seus bens, sobre os immoveis dos
seus tutores ou curadores.
Y. A' Fazenda Publica Federal, Estadual,
ou Municipal, sobre os immoveis dos thesourei-
ros, collectores, administradores, exactores, pre-
postos, rendeiros e contractadores de rendas e
fiadores.
BOS DIREITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 445

YI. Ao offendido, xm aos seus herdeiros, so-


bre os immoveis do delinqüente, para satisfação
do damno cansado pelo delicto, e pagamentos
das custas (arts. 842? n. I) .
VII. A' Fazenda Publica Federal, Estadual
ou Municipal, sobre os immoveis do delinqüente,
para o cumprimento das penas pecuniárias e o
pagamento das custas (art. 842, n. II).
YIII. Ao coberdeiro, para garantia do seu
quinhão ou torna de partilha, sobre o immovel
adjudicado ao herdeiro reponente.

Direito anterior — Semelhante (dec. n. 169 A, de 19 de


Janeiro de 1890, art. 3.°, §§ l.0-3.0 e 5.0-8.0; dec. n. 370, de 2
de Maio do mesmo anno, art. 107, § 1.°).
Legislação comparada — I — Codigo Civil francez, ar-
tigo 2.121, l.a al.; italiano, 1.969, 4.a: portuguez, 906, 3.a; pe-
ruano, 230; boliviano, 1.466, 2.a; venezuelano, art. 1.95'6, 7.a.
II — Codigo Civil venezuelano, 1.956, 3.a; mexicano, 2.935, II.
III — Sem correspondência.
IV — Codigo Civil francez, art. 1.121, 2.a e 3.a ais. ita-
liano, 1.969, .3." (quanto aos menores e interdictos); portu-
guez, 906, 2.a; lei peruana, art. 4.°, § 5.°; Codigo Civil boli-
viano, 1.466, 3.° e 4.°; venezuelano, 1.956, ns. 4 e 5; mexicano,
2.935, III.
V — Codigo Civil portuguez, 906, l.a; francez, 2.121, 3.a
al.; boliviano, 1.466, l.a; mexicano, 2.935, V.
VI — Italiano, 1.969, 5.a, 2.a parte. O Codigo Civil francez
e os outros acima referidos não incluem a hypotbeca do offen-
dido entre as legaes.
VII — Italiano, 1.969, 5.a, l.a parte.
VIII — Italiano, 1.969, 2.a; portuguez, 906, 7.a; venezue-
lano, 1.966, 2.a; suisso, 837, 2.a mexicano, 2.835, I.
O Codigo Civil francez, art. 2.103, concede, neste caso, um
privilegio.
O direito romano concedia hypotbeca legal á mulher ca-
sada, aos menores, aos interdictos, ao fisco, ás igrejas, ao iin-
446 CODXGO CIVIL

perador, á sua mulher, e a outras pessoas (Van Wettek, Droit


civil, paginas 311-315).
0 Codigo Civil allemão, o hespanhol, o argentino; o uni-
guayo e o chileno desconhecem a hypotheca legal.
Projectos —- Felicio aos Santos, arts. 620, 1.553 e 1.559;
Coelho Rodrigues, 1.723; Beviláqua, 941; Revisto, 971.
Este ultimo projecto, por uma reminiscencia intempestiva
do direito anterior á Republica, fez referencias ás pessoas ju-
rídicas, tendo em vista as igrejas, mosteiros e corporações de
mão morta.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 187 a
206; Lacerda, Direito das coisas, §§ 138-162; Didimo, Direito
hypothecario, ns. 96-151; Lysippo Garcia, Registro de immo-
veis, II, ps. 87 e segs.; Martinho Garcez, Direito das coisas,
§§ 342-356; Laurent, Cours, IV, ns. 451-495; Huc, Commentaire,
XIII, ns. 176-187; Planiol, Traité, II, ns. 2.810-2.847; Planiol
et Ripert, XII, ns. 465 e segs.; Zachariae, Droit civil fran-
çais, §§ 794-797; Paul Pont, Des privilèges et hypothèques, I,
ns. 423-506; Guillouard, II, ns. 683-868; Chironi, Ist., I, §
218; Dernburg, Pand., I, § 269; Windscheid, Panã., I, § 232;
S. Vampré, Manual, II, § 114; A. D. Gama, Da hypotheca,
ns. 211 e segs.; Aubry et Rau, Cours, III, §§ 264-264 quarter;
Affonso Praga, op. cit., § 88; meu Direito das coisas, II,
§§ 150-160.

Observações — 1. — Hypotheca legal ê a instituída por lei,


em garantia de obrigações, que por sua natureza, ou pela con-
dição das pessoas, a que são devidas, merecem esse privilegio.
Ha nella dois momentos: a) o inicial, quando se dá o facto.
de que ella surge (casamento, tutela, posse do cargo), durante
o qual o seu caracter é o de um vinculo potencial, indeterminado,
sobre os immoveis, pois não vale contra terceiros; &) e o de-
finitivo, em que, pela especialização e a inscripção, incide sobre
immoveis determinados, como direito real provido de seqüela e
preferencia.
Dois momentos, egualmente, se distinguem nas hypothecas
voluntárias, que, antes da inscripção, são simples créditos chi-
rographarios e, depois, são créditos reaes.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 447

2. — A Jiypotheca legal ãa mulher casada tem por fim ga-


rantir-lhe a restituição do dote, ou de outros bens .seus en-
tregues á administração do marido. Presuppõe casamento va-
lido, ou putativo, e bens incommunicaveis da mulher. Asse-
gura a restituição dos bens e dos seus fructos posteriores á
dissolução da sociedade conjugai, assim como a indemnização
dos prejuízos causados por culpa ou dólo do marido.
O valor dos bens da mulher, pelos quaes responde o ma-
rido, é determinado no pacto antenupcial. Em relação ao dote,
a estimação é substancial (art. 278); no regimen da commu-
nhão parcial, é também de rigor (art. 273). Em todos os casos,
em que ha bens excluídos da communhão, a escriptura ante-
nupcial lhes deve determinar o valor, sob pena de nullidade
(reg. n. 370, de 2 de Maio de 1890, art. 173, paragrapho único).
Entenda-se: desde que os mencionados bens se achem na posse
do marido (art. 260).
Na constância do casamento, pode, também, a mulher adqui-
rir, por doação ou testamento, bens particulares.
3. — Não reclamam explicações particulares as outras hypo-
thecas estabelecidas por lei. O objecto proprio de cada uma está,
claramente, exposto nos números respectivos do art. 827.

Art. 828 — As liypotliecas legaes, de qual-


quer natureza, não valerão, em caso algum, con-
tra terceiros, não estando inscriptas e especia-
lizadas .
Direito anterior — O mesmo (dec. n. 169 A, de 19 de Ja-
neiro de 1890, arts. 3.°, § 10, e 9.°, pr.; dec. n. 370, de 2 de
Maio de 1890, art. 116).
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.569. Os outros Pro-
jectos seguiram systema differente. A hypotheca legal deveria
comprehender todos os immoveis do responsável, emquanto não
fosse especializada, e a inscripção se fazia sem dependência da
especialização; Coelho Rodrigues, arts. 1.724 e 1.726; Beviláqua,
943 e 945; Revisto, 972 e 974. A Gamara preferiu restabelecer o
systema do dec. n. 169 A, de 1890. E' delia a fórmula do art.
828. Vejam-se os Trabalhos da Gamara, V, ps. 207-209.
448 CODIGO CIVIL

Observação — A regra de direito, que o art. 828 consagra,


não é exclusiva das hypothecas legaes. Com as hypotliecas volun-
tárias dá-se a mesma coisa. E' da inscripção que tiram ellas o
caracter de direitos reaes, não da escriptura (art. 676). A dif-
ferença entre as duas especies de hypotheca, sob o ponto de
vista agora considerado, é que as voluntárias são especiaes pela
própria constituição, as legaes especializam-se.
A publicidade e a especialidade são condições consideradas
essenciaes á organização de um bom regimen hypotlxecario.
A publicidade, que firma a ordem das preferencias, que põe,
aos olhos do capitalista, a capacidade do proprietário, para a
solução das suas dividas, obtem-se por meio da inscripção de
que se occupa o Codigo, nos arts. 831 e segs. A especialização,
que serve de base ao registro das hypothecas legaes é a ope-
ração judicial, que tem por fim fixar o valor da responsabili-
dade, e especificar os immoveis, que ficam sujeitos a garan-
til-a.
O dec. n. 370, de 2 de Maio de 1890, art. 117, declara que
a especialização consiste; 1.°, Na determinação do valor da res-
ponsabilidade; 2.°, Na designação dos immoveis dos responsá-
veis, que ficam especialmente hypothecados.
Consideram-se especializadas; a hypotheca do coherdeiro e
a judicial (cit. dec. n. 118). Quanto á hypotheca judicial não
se deve dizer, propriamente, que se considera especializada.
O que ha é que o valor da responsabilidade está determinado
pela sentença e a hypotheca recáe sobre o immoveis do devedor
condemnado, que o exequente designar. E nisto consiste a sua
especialização exigida pelo art. 824, como a exigia o direito
anterior (dec. numero 169 A, de 1890, art. 3.°, § 11).
As leis de organização judicial dirão quaes os juizes com-
petentes para a especialização. Veja-se, todavia, o art. 139 do
reg. n. 370, de 2 de Maio de 1890. O processo da especialização
foi estabelecido pelo mesmo regulamento, art. 144 e segs.

Art. 829 — Quando os bens do criminoso


não bastarem para a solução integral das obri-
gações enumeradas no art. 827, ns. YI e Vil, a
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS AEHEIAS 449

satisfação do offendido e seus herdeiros prefe-


rirá ás penas pecuniárias e custas judiciaes.

Direito anterior — O Codigo Criminal de 1890, art. 30,


dizia que a mais completa satisfação do offendido preferena
sempre ao pagamento das multas. Laeayette, Direito das coisas,
II, § 205, nota 4, considerou esse dispositivo revogado pela lei
hypothecaria de 1864, que declarou não haver outras hypothecas
senão as que ella estabelecia; porque o citado art. 30 do Co-
digo Criminal estabelecia, em continuação ás palavras acima
citadas, a hypotheca legal pelas multas. Desapparecendo essa
hypotbeca, desappareceria todo o dispositivo. Apesar de cri-
ticavel esta interpretação do grande civilista, como expoz João
Vieira, Codigo Criminal brasileiro, Commentario, n. 157, alguns
a seguiram, como Francisco Luiz e Ferreira Tinoco, e outros
conciliaram o art. 30 do Codigo Criminal com a lei hypothe-
caria, como Thomaz Alves e Toledo. Sobreveio, porém, o Co-
digo Penal de 1890, e não reproduziu essa parte do Codigo Cri-
minal, por ser matéria civil, que todos consideravam revogada.
Por isso, na primeira edição deste livro, se declarou sob esta
lubrica: — Não havia esta providencia. E, de facto, no direito
immediatamente anterior, nada havia a respeito.
Projeçtos — Coelho Rodrigues, art. 1.727; Beviláqua, 946;
Revisto, 976.

Observação — O delinqüente está obrigado á satisfação do


damno causado pelo delicto, e ao pagamento dos penas pecu-
niárias, que lhe forem applicadas, assim como ao pagamento
das custas do processo. Mas, se os seus bens não bastarem para
o pagamento integral de todas essas obrigações, solverá, em
primeiro logar, o que deve ao offendido, ou aqs seus herdeiros.
A obrigação de resarcir o damno causado ao offendido é mais
imperiosa, a justiça e a equidade exigem, com força maior
do que o pagamento de custas e de penas pecuniárias, que se
podem substituir pela privação da liberdade.

Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 29


450 CODIGO CIVIL

Art. 830 — Vale a inscripção da hypotheca,


emquanto a obrigação perdurar; mas a especia-
lização, em completando trinta annos, deve ser
renovada.

Direito anterior — Differente (dec. n. 169 A, de 9 de Ja-


neiro de 1890, art. 9.°, § 2.°; e dec. n. 370, de 2 de Maio do
mesmo anno, art. 215).
Projectos — BcvilaQUd, art. 947j Revisto, 977.

Observação — A inscripção fixa a data e dá exacta infoi -


mação do ônus, a que estáo sujeitos immoveis do responsável.
Não ha necessidade de renoval-a, emquanto perdura a situação
jurídica, que exige a garantia hypothecaria. Tal situação nem
sempre terá longa duração. A's vezes durará pouco tempo. Mas,
desde que perdura, longamente, como pôde acontecer em xelaçao
á hypotheca legal da mulher casada, do interdicto, dos exacto-
res da Fazenda Publica e outras, não ha necessidade de nova
publicação. Ha sim, de nova especialização, porque no dilatado
espaço de trinta annos, a responsabilidade se terá modificado,
convém que seja novamente fixada; os bens devem ser, outra
vez, avaliados, algum poderá ter perecido, alterações podem ter
occorrido, que devam ser verificadas em novo exame. Se, desse
exame, resultar que os bens especializados são insufficientes,
será o caso de reforçar a hypotheca. E alterações, que mere-
çam consignação, devem ser averbadas, mantendo a inscripção
o seu numero de ordem.
Veja-se o art. 817.

SECÇÃO III

Da inscripção da hypotheca

Art. 831 — Todas as bypothecas serão in-


scriptas no registro do logar do immovel, ou no
de cada um delles, se o titulo se referir a mais
de um.
BOS DIBEITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 451
Direito anterior — O mesmo (Decs. n. 169 A, de 19 de
Janeiro de 1890, arts. 7 e 9, pr., e n. 370, de 2 de Maio do
mesmo anno, arts. 204 e 205).
Legislação comparada — Vejam-se; Codigo Civil francez,
arts., 2.131 e segs.; italiano, artigo 1.981; hespanhol, 1.875; por-
tuguez, 949, l.a, e 950; chileno, 2.410; argentino, 3.133 e 3.143;
boliviano, 1.480 e 1.488; lei peruana de 2 de Janeiro de 1888,
arts. 3.° e 4.° Codigo Civil mexicano, 2.919; do Montenegro, 194
e 195.
O direito romano desconhecia a inscripção das hypothecas.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 174; Di-
dimo, Direito hypotliecario, ns. 199-214 e 253-255; Azevedo Mar-
ques, A hypotheca, ps. 96 e segs.; A. D. Gama, Da hypotheca,
ns. 42 e segs.; Lysippo Garcia, Registro de immoveis, II, pa-
ginas 145 e segs.; Laurent, Cours, IV, n. 516; Planiol, Traité,
II, ns. 2.940-2.985; Huc, Commentaire,. XIII, ns. 251-281; Za-
chariae, Droit civil français, V, §§ 804-816; Aubry et Rau, Cours,
§§ 267 e segs.; Paul Pont, Des privilèges ta hypothèques, II,
ns. 723-837. Güillouard, Des privilèges et hypothèques, III, ns.
1.041-1.045 e 1.101-1.262; Peron, •Pií.&Ziciíé des droits réels, In-
troducção e Parte terceira; Endemann, Lehrbuch, II, §§ 47-66;
Chironi, Ist., I, § 221; Velez Sarsfield, nota ao art. 3.203 do
Codigo Civil argentino; Affonso Fraga, op. cit., §§ 98 a 104;
Salvat, Derechos reales, II, ns. 2.317 e segs.

Observações — 1. _ a especialidade e a publicidade são


condições consideradas essenciaes para a organização de um
bom regimen hypotliecario, como já ficou dito na observação
ao artigo 828. A especialidade consiste na determinação pre-
cisa da responsabilidade e dos immoveis, que a ella ficam su-
jeitos. A publicidade obtem-se pela inscripção, que consiste
na declaração, inserta no registro de immoveis, do vinculo hy-
pothecario, segundo as prescripções do art. 846.
A inscripção, no systema do Codigo Civil, não é simples
formalidade extrinseca, que supponha a hypotheca existente. E'
elemento constitutivo delia como direito real. Sem inscripção
não ha hypotheca; o instrumento publico pelo qual ella se con-
stitue, é apenas uma declaração de vontade, creadora de um
452 CODIGO CIVIL

direito, que se perfaz, tornando-se real, com a inscripção. Antes


da inscripgão a escriptura documenta uma obrigação, é titulo de
direito pessoal. A inscripção dá-lhe força contra todos, com o
direito de seqüela e a preferencia.
2. — A inscripção tem por fim; 1.°, fixar a data da hy-
potheca (art. 848); 2.°, imprimir no direito o caracter real, e
provel-o da virtude preferencial; 3.°, estabelecer, entre os outros
direitos reaes transcriptos e as hypothecas inscriptas, assim
como entre estas, a ordem da preferencia; 4.°, tornar publica a
existência do ônus hypothecario, para que tenham delle conheci-
mento quantos tiverem nisso interesse.
Mas a inscripção não pôde sanar os vicios do titulo in-
scripto, nem a sua nullidade importa a nullidade do titulo, que
poderá ser novamente inscripto.
3. — Estão sujeitas á inscripção todas as hypothecas volun-
tárias, legaes e judiciaes. As primeiras são especiaes por sua pró-
pria constituição, pois do instrumento deve constar: o) piecisa-
mente fixada, a responsabilidade; b) e, claramente caracterizados
os immoveis a ellas sujeitos. As segundas especializam-se, como
requer a art. 828, e estatuem os preceitos regulamentares estabele-
cidos. As ultimas têm a responsabilidade determinada pela sen-
tença e o immovel se especializará com a escolha do exequente.
Assim, as hypothecas voluntárias inscrevem-se, desde que
se constituem, porque já têm a especialidade; e as legaes têm,
de, préviamente, submetter-se, nos casos, em que fôr preciso
(artigo 828), á formalidade da especialização.
4. — A inscripção deve ser feita no registro do logar da
situação do immovel. Feita em outro é inoperante. Se o im-
movel se estende por mais de uma circumscripção do registro,
a inscripção se fará, em todas ellas, como se fossem dois ou
mais prédios.

Art. 832 — Para a inscripção das liypotlie-


cas haverá, em cada cartorio do registro de im-
moveis, os livros necessários.

Direito anterior — O mesmo (dec. n. 169 A, de 19 de Ja-


neiro de 1890, art. 22, e reg. n. 370, do mesmo anno, arts.
I.0 e segs.).
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 453

Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.174; Beviláqua, 975;


Revisto, 979.

Observações — 1. — O reg. n. 370 declarava quaes os


livros do registro de immoveis, a sua fôrma, e como deviam
ser escripturados. Vejam-se os arts. 11-39.
O regulamento, n. 18.542, de 24 de Dezembro de 1928,
art. 177, menciona os livros do registro de immoveis, com pe-
quena alteração do que estabelecera o anterior. Os livros, actu-
almente exigidos pelo decreto n. 4.857, de 9 de Novembro de
1939, art. 182, são os seguintes: 1.°, o protocollo, 2.° o de
inscripção hypothecaria; 3.° o de transcripção das transmissões:
4.°, o de registros diversos; 5.°, o de emissão de ãeõentures; 6.°,
o indicador real; 7.° o indicador pessoal e 8.°, registro especial.
No Protocollo, toma o official do registro apontamentos
dos títulos, que lhe são apresentados, declarando a data da
apresentação, a qualidade do titulo, o numero de ordem, que
lhe compete e, depois da inscripção, a referencia ao livro onde
foi feita.
O livro de Inscripção hypothecaria é destinado á inscripção
das hypothecas de qualquer especie.
Os livros acima indicados, sob os ns. 3 a 5, têm, nas suas
denominações, a indicação precisa de sua serventia.
O Indicador real é o repertório de todos os immoveis, que,
directa ou indirectamente, figuram nos livros ns. 2, 3 e 4.
O indicador pessoal conterá, em ordem alphabetica, o nome
das pessoas que, activa ou passivamente, individual ou collecti-
vamente, figuram nos livros do registro de immoveis (reg. cit.,
art. 194).
Além desses, ha os livros auxiliares para inscripções de
hypothecas especializadas, e para transcripções integraes de tí-
tulos translativos da propriedade.
O livro n. 8, Registro especial, é destinado á inscripção da
propriedade loteada, para a venda de lotes a prazo, em prestações
successivas e periódicas.
2. — Lisippo Garcia {Registro de immoveis) propõe a re-
ducção desses livros, de modo a facilitar o trabalho e dar ao
registro o seu verdadeiro caracter de expressão da propriedade
immovel, em suas mutações successivas. Por sua proposta.
454 CODIGO CIVIL

reunir-se-iam as inscripções e as transcripções; cada folha con-


sagrada a um immovel no Indicador Real consignaria todos
os actos, que lhe dissessem respeito, e desappareceriam os livros
sob os ns. 2, 3 e 4, assim como o auxiliar do 2.

Art. 833 — As inscripções e averbações, nos


livros de hypotbecas, seguirão a ordem, em que
forem requeridas, verificando-se ella pela da sua
numeração successiva no protocollo.
Paragrapho único. O numero de ordem de-
termina a prioridade, e esta a preferencia entre
as hypotbecas.

Direito anterior — O mesmo dec. n. 169 A de 19 de Ja-


neiro de 1890, art. 2.°, § 8.°, e art. 9.°, § 3.°; e reg. n. 370,
de 2 de Maio do mesmo anno, arts. 43, 112 e 113.
Legislação comparada — Codigo Civil italiano, art. 2.007,
portuguez, 2.056; chileno, 2.410; venezuelano, 1.969. \ejam-se
ainda: argentino 3.149 e 3.150; uruguayo, 2.323.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.550 e 2.629. Coelho
RoãHgues, 1.777; Beviláqua, 976; Revisto, 980.

Observação — O Protocollo assignala a data da apresen-


tação do titulo para a inscripção; e o numero de ordem, que,
então, é dado ao titulo, firma a sua prioridade.
A prioridade firma a preferencia entre os direitos reaes;
consequentemente, a primeira hypotheca exclue as seguintes,
que não poderão ser pagas pelo immovel conjunctamente gra-
vado, senão depois de desinteressada a primeira.
Não ha que distinguir entre hypotbecas voluntárias, legaes
ou judiciaes, quanto á prioridade; mas cumpre notar que a hy-
potheca judicial não dá preferencia. A regra do art. 833, para-
grapho único, é absoluta e geral, quanto á prioridade; mas é
claro que não dá preferencia á hypotheca judicial, que não a
tem.
DOS DIKEITOS EEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 455

Art. 834 — Quando o official tiver duvida


sobre a legalidade da inscripção requerida, de-
claral-a-á por escripto ao requerente, depois de
mencionar, em forma de prenotação, o pedido no
respectivo livro.

Direito anterior — O mesmo (dec. n. 370, de 2 de Maio


de l'890, arts. 65-67).
Legislação comparada — Vejam-se; Codigo Civil portuguez
art. 981; do Montenegro, 203.
Em sentido differente: francez, 2.199; italiano, 2.069.
Projectos — Felicio cios Santos, arts. 2.636 e 2.637; Coelho
Rodrigues, 1.778; Beviláqua, 977; Revisto, 981.

Observação — O official do registro não tem direito de


oppôr-se á inscripção do titulo, ainda que lhe pareça nuílo ou
falso. Recebe-o, annota a sua apresentação, e dá-lhe o numero
de ordem que lhe competir, para lhe assegurar a prioridade
e, depois, o restitue á parte, declarando por que duvida da sua
validade, e não o inscreve. E' essa inscripção resumida e pro-
visória, que se denomina prenotação.
A parte levará o caso ao conhecimento do juiz, que re-
solverá, então, a duvida.

Art. 835 — Se a duvida, dentro em trinta


dias, for julgada improcedente, a inscripção far-
se-á com o mesmo numero, que teria na data da
prenotação. No caso contrario, desprezada esta,
receberá a inscripção o numero correspondente
á data, em que se tornar a requerer.

Direito anterior — O dec. n. 370, de 2 de Maio de 1890,


regulava esta matéria pelo mesmo modo, porém não estabe-
lecia o prazo de trinta dias (arts. 68-71).
456 CODIGO CIVIL

Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.638 e 2.639; Coelho


Rodrigues, 1.779; Beviláqua, 978; Revisto, 982.

Observação — Alterou o Codigo, em parte, o direito an-


terior, na providencia da prenotação, dando-lhe valor, somente,
por um mez. Se, dentro desse tempo, a duvida fôr julgada
improcedente, prevalecerá, para a inscripção, o numero de or-
dem prenotado. Transcorrido esse prazo, perde a prenotação
sua efficacia, e o numero de ordem da inscripção será o que
o titulo obtiver, quando novamente apresentado.
O official cancellará o registro, com a declaração de que
não lhe foi apresentado o titulo para a inscripção definitiva,
dentro do prazo legal. Egualmente o cancellará, quando a sua
duvida fôr julgada procedente. Neste caso, deverá archivar o
despacho do juiz, que assim julgar.

Art. 836 — Não se inscreverão, no mesmo ■


dia, dnas hypothecas, ou uma hypotheca e outro
direito real, sobre o mesmo immovel, em favor
de pessoas diversas, salvo determinando-se, pre-
cisamente, a hora, em que se lavrou cada uma
das escriptura. y

Direito anterior — Differente (dec. n. 169 A, de 19 de


Janeiro de 1890, art. 9.°, §§ 4.° e 5.°; e n. 370, de 2 de Maio
do mesmo anno, arts. 44-46).
Legislação comparada — Vejam-se Codigo Civil francez,
art. 2.147; italiano, 2.008 e 2.009; portuguez, 956 e 1.017; al-
lemão, 879.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.630-2.632; Coelho
Rodrigues, 1.780; Beviláqua, 979; Revisto, 983.
Bibliographia — LAFAYETTEj Direito das coisas, §§ 242 e
268, 5; Dióimo, Direito hypothecario, n. 263; Azevedo Marques,
A hypotheca, p. 100; João Luiz Alves, Codigo Civil annotado
a este artigo; A. D. Gama, Da hypotheca, n. 71; Dias Fer-
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 457

REiRA, Coãigo Civil portügues, II, ao art. 956; Huc, Commen-


taire, XIII, n. 318; Aubry et Rau, Cours, III, § 291.

Observação — A clausula final do artigo, devida á Com-


missão do Governo, compromette, de alguma forma, a provi-
dencia salutar do artigo. O systema dos decretos de 1890, era
dividir o dia em duas partes (de 6-12 e de 12-18) e dar o mesmo
numero ás hypothecas apresentadas dentro de cada uma dessas
fracções de tempo. Dizia-se que um titulo apresentado ás 9
horas e outro apresentado ás 11 1|2 tinham vindo ao registro
simultaneamente. O Projecto primitivo, seguindo o de Coelho
Rodrigues, prohihia inscrever, no mesmo dia, duas hypothecas,
ou uma hypotheca e outro direito real, sobre o mesmo immovel,
a favor de pessoas diversas. São obvios os intuitos da prohi-
bição: tornar clara e segura a prioridade; evitar a concorrência
de hypotheca simultaneamente constituídas; acabar com a pos-
sibilidade de hypothecas do mesmo numero, entre as quaes não
ha prioridade. A Commissão acceitou a providencia, mas fa-
cultou, desde logo, uma excepção pouco feliz, pelas conseqüên-
cias, a que pode conduzir. Se se determinar, precisamente, a
hora, em que se lavrou cada uma das escripturas, diz o Co-
digo. Porém como se fará essa determinação, se não constar
da própria escriptura? E, se tiverem sido lavradas na mesma
hora por tabelliães differentes? Sobretudo, não é um desvio
do systema de publicidade pela inscripção, fundar a prioridade
na data Qa escriptura que apenas constitue o direito pessoal?
Evidentemente, creou essa excepção um caso, em que o direito
pessoal poderá prevalecer contra o real. Assim acontecerá,
quando a hypotheca de hora anterior chegar ao registro depois
de protocollada a de hora posterior.

Art. 837 — Quando, antes de inscripta a


primeira, se apresentar ao official do registro,
para inscrever, segunda hypotheca, sohrestará
elle na inscripção desta, depois de a prenotar,
até trinta dias, aguardando que o interessado
inscreva primeiro a precedente.
458 CODIGO CIVIL

Direito anterior — Não havia disposição semelhante.


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.781; Beviláqua, 980;
Revisto, 984. O prazo de trinta dias foi accrescimo da Com-
missão da Gamara.

Observações — 1. — Esta providencia articular-se-ia me-


lhor no artigo antecedente, sem o accrescimo da excepção nelle
inserta. Tal como se acha redigido o Codigo, deve entender-se
que, no art. 836, se prevê o caso de se apresentarem á ins-
cripção, no mesmo dia, duas hypothecas, ou uma hypotheca e
um ônus real sobre o mesmo immovel, em favor de pessoas
diversas. Não se inscreverão, se tiverem a mesma data, salvo
quando houver discriminação de hora na escriptura, para a fi-
xação da precedência de uma dellas. A hypothese do art. 837
ê a de uma hypotheca somente, que se apresenta como segunda,
para a inscripção. O official do registro prenota-a, mas não
a inscreve, á espera de que appareça a primeira. Se esta não
apparecer, passados trinta dias far-se-á inscripção, com o nu-
mero de ordem, que lhe competir pela prenotação. Vindo a
registro, dentro desse prazo, a primeira hypotheca, tomará o
numero, que lhe couber, e a segunda perderá o da prenotação
para ser collocada em seguida á primeira. Se a primeira hy-
potheca fôr apresentada depois de decorridos os trinta dias,
soffrerá desclassificação, pois, necessariamente, terá de inscre-
ver-se depois da segunda, que ficará sendo primeira. A prio-
ridade é determinada pelo registro, e este assignala á segunda
hypotheca um numero de ordem anterior ao da primeira, dan-
do-lhe preferencia sobre esta. A escriptura é titulo de um
direito pessoal; embora declare que a hypotheca é primeira
as suas enunciações não prevalecem contra o numero de ordem
do registro, de cujo Protocollo deverá constar, na columna das
observações, o motivo dessa discrepância entre a precedência
do instrumento e da inscripção.
2. — Veja-se o art. 198 do reg. n. 18.542, de 24 de De-
zembro de 1928, que confirma a doutrina exposta.

Art. 838 — Compete aos interessados, exlii-


bindo o traslado da escriptura, requerer a iu-
DOS DIKEITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 459

scripção da hypotheca; incumbindo, especial-


mente, promover a da legal ás pessoas determi-
nadas nos artigos seguintes.

Direito anterior — Na substancia, o mesmo, porém com


alguma differença na forma (dec. n. 169 A, de 19 de Janeiro
de 1890, art. 9.°, §§ 6.° e segs.; dec. n. 370, de 2 de Maio
do mesmo anno, arts. 50 e 210-211).
Legislação comparada — Vejam-se Codigo Civil francez
art. 2.148; italiano, 1982-1.989, venezuelano, 1.991; suisso, 963.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.782; Beviláqua, 981;
Revisto, 985.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 243; La-
cerda, Direito das coisas, §§ 182-184; Didimo, Direito hypothe-
cario, n. 264; Azevedo Marques, A hypotheca, p. 102; A. D.
Gama, A hypotheca, ns. 60 e segs.; Lysippo Garcia, Registro
de immoveis, II, ps. 159 e segs.; S. Vampré, Manual, II, § 119;
Huc, Commentaire, XIII, ns. 324 e segs., Planiol, Traité, II
ns. 2.947-2.950; Paul Pont, Des privilèges et hypothèques, II,
ns. 930-954; Guillouard, Des privilèges et hypothèques, III, ns.
1.075-1.150; Aubry et Rau, Cours, III, 270; Affonso Fraga,
op. cit., § 99.

Observações — 1. — Note-se desde logo, que o Codigo não


se refere aos extractos exigidos em duplicata pelo art. 50 do
dec. n. 370, de 1890. Contenta-se com o traslado da escriptura.
Realmente, são ociosos os extractos, desde que a parte apre-
senta o titulo, e que não é admissivel extracto, se não fôr re-
sumo fiel do titulo. Todavia nada impede que os interessados
façam essas notas para facilidade do serviço da inscripção, se-
gundo os preceitos do art. 864. Contra a exigência dos extractos
pronunciaram-se Lafayette e Lacerda.
Ia. — Bem pondera Lysippo Garcia que nem sempre o ti-
tulo apresentado será um traslado da escriptura, porquanto, pelo
art. 134, II, do Codigo Civil, a escriptura, publica somente é de
substancia do acto, se o seu valor exceder de um conto de réis.
O Projecto primitivo dizia titulo onde agora se diz traslado.
460 CODIGO CIVIL

2. — São competentes para requerer a inscripção da hypo-


theca voluntária: 1.°, o credor; 2.°, o devedor; 3.°, as pessoas quo
os representarem; 4.°, os que tiverem interesse na inscripção.
O credor é, realmente, o mais interessado na inscripção, por-
que delia nascerão o seu direito de seqüela è o de prelação.
Os herdeiros e cessionários do credor são seus representantes;
podem inscrever a hypotheca, e nisso têm egual interesse.
Ainda como interessados se Mo de considerar os credores do
credor hypothecario.
3. — O titulo a apresentar para a inscripção de hypotheca
legal, é a sentença de especialização, exceptuando-se a do co-
herdeiro, cujo titulo será o formal da partilha. Para a hypo-
theca judicial, o titulo será a carta de sentença (dec. de 2
de Maio de 1890, arts. 190-201).
4. — Nos artigos seguintes, não se indicava, especialmente,
a quem incumbiria inscrever a hypotheca legal das pessoas ju-
rídicas, sobre os bens dos seus administradores, a que se re-
feria, na primeira edição do Codigo, o art. 827, IV. A hypo-
these, realmente, era estranha, porque, no systema do Codigo,
as pessoas jurídicas não são incapazes. Depois, era natural
perguntar: que pessoas jurídicas são essas, que não têm a admi-
nistração de seus bens? Havia ahi, um enxerto, que não podia
adherir ao organismo do Codigo. Era uma sobrevivência, um
apparelho sem funcção, que a lei de 15 de Janeiro de 1919
eliminou.

Art. 839 — Incumbe ao marido, ou ao pae,


requerer a inscripção e especialização da bypo-
tbeca legal da mulher casada .
§ 1.° O official publico, que lavrar a escri-
ptura de dote, ou lançar em nota a relação dos
bens particulares da mulher, communical-o-á,
ex-officio, ao official do registro de immoveis.
§ 2.° Consideram-se interessados em reque-
rer a inscripção desta hypotheca, no caso de não
o fazer o marido ou o pae, o dotador, a própria
DOS DIKEITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 461

mulher, e qualquer dos seus parentes successi-


yeis.

Direito anterior — Semelhante em parte (decs. n. 169 A,


de 19 Janeiro de 1890, art. 9.°, §§ 8.o-10, e n. 370, de 2 de
Maio do mesmo anno, arts. 171-181).
Legislação comparada — Vejam-se: o Codigo Civil francez,
arts. 2.136-2.139; o italiano, 1.982; e o venezuelano, 1.991.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.783; Beviláqua, 982;
Revisto, 986.
Bibliographia — Lafayette, Direito cias coisas, § 237; Di-
dimo, Direito hypothecario, n. 265; Azevedo Marques, A hypo-
theca, p. 103; A. D. Gama, Da hyjiotheca, ns. 53 e segs. Ly-
sippo Garcia, O registro de immoveis, I, ps. 124 e segs., II,
ps. 155 e segs.; Paul Pont, Des privilèges et hypothèques, II,
ns. 838-861; Guillouard, Des privilèges et hypothèques, III,
ns. 1.243-1.262; Huc, Gommentaire, XIII, ns. 270-281.

Observações — 1. — A inscripção da hypotheca da mulher


casada sobre os immoveis do marido, em garantia do seu dote
ou de outros bens sujeitos á administração marital, é obrigação
do proprio responsável. O reg. de 2 de Maio de 1890 dava-lhe
oito dias para o cumprimento dessa obrigação. Se a não cum-
prisse nesse prazo, a lei appellava para a affeição do pae, e, para
dar-lhe força e autoridade, declarava-o obrigado a promover a
inscripção.
O actual regulamento dos registros públicos, manteve essa
norma, (art. 266).
São essas as pesoas, á quem a lei incumbe a obrigação
de inscrever a hypotheca da mulher casada, sob pena de respon-
derem por perdas e damnos, em caso de omissão (art. 845).
Quanto ao marido, accresce que, pelo casamento, elle fica in-
hibido de alienar os seus immoveis sem a outorga uxoriana,
cabendo á mulher o direito de annular as alienações realizadas
sem a sua outorga, ou o supprimento desta pelo juiz (art. 239).
2. — Para assegurar a inscripção, o Codigo ordena ao of-
ficial publico, "que lavrar a escriptura de dote, ou lançar em
nota a relação dos bens particulares da mulher, se o regimen
462 CODIGO CIVIL

do casamento não fôr o dotal, que communique, de officio, esse


facto ao official do registro de immoveis, para que fique de
sobreaviso, e possa levantar duvidas sobre a legitimidade de
algum ônus real, que o marido pretenda impôr aos bens im-
moveis (art. 834).
Não se refere o Codigo ao tabellião, nem ao testamenteiio,
como fazia o dec. n. 169 A, de 1890, art. 9.°, § 10. Desta omis-
são resulta a desnecessidade da intervenção do juiz de direito
em correção, relativamente ás notificações, que os tabelliães
e escrivães deviam fazer aos maridos. Quanto á acção directa
do juiz sobre o marido, ao ter conhecimento de que a hypo-
theca ainda não está inscripta, é matéria deixada ás leis do
processo organização judiciaria.
2 ã — Azevedo Marques acha innocua, sem valor, esta
communicação obrigatória, imposta, ao official publico, que la-
vrar a escriptura antenupcial; e, mais ainda, vê, nesse facto
uma descabida ingerência dos tabelliães e officiaes de registro
nas relações oriundas dos pactos antenupciaes. Mas Lysippo
Garcia bem explicou a intenção do dispositivo, que é salva-
guardar o interesse dos incapazes e assegurar a indisponibi-
lidade dos bens. "Essa providencia, diz elle, habilita o offi-
cial do registro a, pelas averbações que fizer, avaliar da in-
capacidade dos interessados no acto cuja inscripção se pedir;
e assegura aos incapazes, nas acções annullatorias, a retroacti-
vidade, que a sentença tem de imprimir á inscripção no re-
gistro.
"Resguarda-se-lhes o direito de reivindicação (art. 647 do
Codigo) e se evita que taes causas de nullidade, estranhas ao
titulo, se considerem supervenientes, em seu prejuízo (art. 648)".
2 b. — Philadelpho Azevedo, Registros públicos, n. 122,
paginas 104, apesar das razões expostas, colloca-se ao lado de
Azevedo Marques.
3. — Se o marido e o pae não cumprem o seu dever legal,
pode a própria mulher, independentemente de outorga marital,
requerer a inscripção da hypotheca (art. 248, VI). Aliás, mais
justo seria collo'cal-a na primeira linha, para requerer a in-
scripção de uma hypotheca constituída em seu beneficio, na
qual ella funcciona como credora. São razões de ordem pratica
e de ordem moral, que a fazem apparecer, somente quando o
marido se mostra desidioso ou inescrupuloso, e o pae, protector
natural da filha, que tem conhecimento das coisas, mais amplo
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 46^

do que ella, não cumpre também o dever, que o direito e a


natureza lhe impõem, ou, acaso, já não existe.
4. — O marido, que foge ao cumprimento dessa obrigação,
não tem consciência da sua posição de chefe de familia, ou
avalia-mal as responsabilidades jurídicas e sociaes, que dessa
posição decorrem. Mas a mulher, por inexperiente, affectiva ou
respeitosa, não obstante a incúria ou incorreção do marido, po-
derá não promover a inscripção da hypotheca. Se se trata de
dote constituído por terceiro, o proprio dotador, como acto
complementar da sua liberalidade, para dar-lhe segurança, po-
derá requerer a inscripção, depois de verificar que o marido
e o pae não o fizeram. Não sendo, porém, esse o caso, qualquer
dos parentes successiveis da mulher está autorizado a tornar
effectiva a hypotheca instituída, por lei, em beneficio delia.

Art. 840 — Incumbe requerer a inscripção e


especialização da hypotheca legal dos incapazes:
I. Ao pae, mãe, tutor ou curador, antes de
assumir a administração dos respectivos bens, e,
em falta daquelles, ao Ministério Publico.
II. Ao inventariante, ou ao testamenteiro,.
antes de entegrar o legado, ou a herança.

Direito anterior — Não era idêntico, segundo se verifica


dos decs. n. 169 A, de 19 de Janeiro de 1890, art. 9.°, §§ 11,
13 e 16 a 18; e n. 370, de 2 de Maio do mesmo anno, arts.
182-195.
Legislação comparada — Vejam-se: o Codigo Civil francez,.
arts. 1.136-1.139; o italiano, 1.983; e o mexicano 2.936, I e II.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 238; Di-
dimo Direito hypothecario, n. 266; A. D. Gama, Da hypotheca,.
n. 55; Paul Pont, Guillouard e Huc, nos logares citados, sob
esta mesma rubrica, em relação ao artigo anterior.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.784, ns. 1 e 2; Be-
viláqua, 893; Revisto, 987.
464 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — As pessoas acima indicadas sob o n.


I são obrigadas a inscrever a hypotheca, antes de assumir a
responsabilidade da administração dos bens dos incapazes. Con-
sequentemente, o pae, ou a mãe, quando, por doação ou he-
rança, cabe algum bem ao filho, que se acha sob o seu poder,
deve, dentro de 8 dias inscrever a hypotheca legal em garantia da
administração, que vai iniciar. Se os bens do menor lhe vêm
de herança de um dos progenitores, ao sobrevivo impõe a lei
a hypotheca, por duas causas: em virtude da obrigação de in-
ventariar e partilhar os bens deixados pelo cônjuge premorto,
antes de passar a outras nupcias, e, em seguida á partilha, em
conseqüência da administração do patrimônio do filho.
Se procedem os bens de outra origem, se doados ou dei-
xados por parente, ou estranho, o inventariante, ou testamen-
teiro, antes de entregar o legado, ou a herança, promoverá a
especialização e a inscripção da hypotheca.
Egual procedimento a um e outro prescreve a lei, quando
tenham de entregar bens de pupillos, ou interdictos, a tutores,
ou curadores.
Estes, logo que assignem o termo da tutela, ou curatela,
antes de entrar no exercicio das suas funcções, têm o dever
de pedir a inscripção da hypotheca legal, que pesa sobre os
seus immoveis, como estatue o n. 1 do artigo agora examinado.
2. — Ao Ministério Publico a lei commette o encargo de
fiscalizar o cumprimento desta obrigação imposta aos paes, tu-
tores e curadores, dando-lhe competência para effectuar a es-
pecialização e a inscripção da hypotheca, se o não fizerem os
responsáveis.
Ao juiz também incumbe, em relação aos tutores e cura-
dores, a obrigação de exigir a effectividade da garantia, que
lhes impõe a lei (art. 420 do Codigo e 267 dos Registro públicos).
Veja-se mais o artigo seguinte.

Art. 841 — O escrivão, em se assignando


termo de tutela, ou curatela, remetterá, de offi-
cio e com a possível brevidade, uma cópia dello
ao official do registro de immoveis.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 465

Paragraplio uiiico. Na inscripção desta hy-


potheca, se considerará interessado qualquer pa ■
rente successivel do incapaz.

Direito anterior — Quanto ao principio do artigo, não havia


disposição correspondente. Ao paragrapho único era semelhante
o prescripto no dec. n. 169 A de 19 de Janeiro de 1890, art. 9.°,
§ 12, e no art. 183 do decreto n. 370, do mesmo anno. O art.
18, deste ultimo decreto mandava o escrivão de orphãos, quando
assignado algum termo de tutela, ou curatela, ou quando o pae
de um orphão prestasse juramento de cabeça de casal, notificar
o tutor, o curador, ou o pae, a fim de inscrever a hypotheca
legal em favor do menor ou interdicto. Differente é a pres-
cripção do art. 841 do Codigo.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.784; Beviláqua, 894;
Revisto, 988.

Observações — 1. — Pelo termo de tutela, constitue-se a


hypotheca legal do tutor. O escrivão do inventário remette,
sem demora, ao official do registo de immoveis, uma cópia
delle, para dar-lhe conhecimento do facto, e habilital-o a sus-
citar duvida sobre a legalidade de alguma hypotheca volun-
tária, que o mesmo indivíduo pretenda inscrever sobre immo-
veis já onerados pela hypotheca legal, embora ainda não ins-
cripta.
Fala o artigo somente em tutela; mas a razão de dispor
é a mesma quanto á curatela.
1 a. — E' preciso attender ao systema do Codigo para
bem sentir o valor desta providencia, semelhante á do art.
439. O registro de immoveis offerece a prova, dá publicidade
e legaliza as inscripções dos direitos reaes. O official do re-
gistro não impede, por autoridade própria, a inscripção da hy-
potheca; avisado, porém, pelo escrivão de que se assignou de-
terminado termo de tutela, fica de sobreaviso, para, no mo-
mento opportuno, oppôr as suas duvidas, das quaes resultará
o conhecimento do caso pelo juiz, que decidirá. A previdência,
portanto, é valiosa, e contribue para a legalidade da inscripção.
A notificação do direito anterior era muito menos efficaz, in-
Bevilaqua — Codigo Civil — 3.° vol. 30
466 CODIGO CIVIL

negavelmente, não obstante a opinião em contrario do professor


Azevedo Marques.
2. — para completar as providencias destinadas a tornar
effectiva a garantia legal creada em favor dos menores sob
tutela, ou curatela, o Codigo autoriza os parentes do menor,
successiveis a promovel-a, requerendo a especialização e a ins-
cripção da hypotheca. O direito francez autoriza os amigos dos
menores e estes proprios a requererem a inscripção da hypotlieca
legal (Cod. Civil art. 2.139); e o italiano dá, também, esse
direito aos menores e interdictos, independentemente de autori-
zação, ou assistência (art. 1.983 do Codigo Civil).

Art. 842 — A inscripção da hypotlieca legal


do offendido compete, além deste:
I. Se elle for incapaz, ao seu representante
legal, para satisfação do estatuido no art. 827, n.
YI.
II. Ao Ministério Publico, para o disposto
no art. 827, n. YII.

Direito anterior — Algo differente (dec. n. 169 A, de 19


de Janeiro de 1890, art. 9.°, § 14; e dec. n. 370, de 2 de Maio
do mesmo anno, art. 143).
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.785.; Beviláqua, 985.
Revisto, 989.

Observação — O n. I não se referia ao pae do offendido.


Mas a edição actual do Codigo Civil corrigiu o defeito de re-
dacção, que havia na primeira. Representantes legaes do of-
fendido incapaz são: o pae, a mãe, na falta deste, o tutor e
o curador, conforme se acha o mesmo sob o pátrio poder, sob
tutela, ou em curatela.
Veja-se o art. 268 do regulamento dos Registros públicos.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 467

Art. 843 — Os interessados na inscripção


das referidas hypothecas podem, pessoalmente,
promovel-a, ou solicitar a sua promoção official
ao Ministério Publico.

Direito anterior — Não ha correspondência.


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.786; Beviláqua, 986;
Revisto, 990.

Observações — 1. — As referidas hypothecas, de que trata


este artigo, são as dos offendidos pelos damnos resultantes dos
delictos e custas do processo (art. 827, VI).- Em garantia das
penas pecuniárias é dever funccional do Ministério Publico pro-
mover a hypotheca dos immoveis do deliquente.
2. — Não tem razão Azevedo Marques, em estender a dis-
posição deste artigo ás hypothecas dos incapazes (art. 840).
Basta attender a que o Codigo, acompanhando a ordem do art.
827, consagra disposições especiaes á inscripção da hypotheca
legal de cada uma das categorias de pessoas, ás quaes a con-
cede: á mulher casada (art. 839), aos incapazes (art. 841),
ao offendido, etc. Se a expressão — os interessados na ins-
cripção das referidas hypothecas se referisse a todos os casos
considerados anteriormente, o Codigo teria necessidade de ex-
cluir o da mulher casada, a quem, especialmente, já conferira
o direito de requerer a inscripção da hypotheca legal, que lhe
compete, ou teria declarado, que, com ella, os outros interes-
sados, poderiam, pessoalmente, requerer a inscripção.
Mas é excusada outra qualquer consideração para justificar
a intelligencia dada na observação 1, além da que offerece o
artigo 842, I, combinado com o art. 843. O primeiro nos diz
a quem compete promover a inscripção da hypotheca legai do
offendido, quando incapaz, para a satisfação do damno causado
pelo delicto e pagamento das custas. Pergunta-se: e se o of-
fendido fôr pessoa capaz? Responde o art. 843: elle mesmo
a promoverá, e, se não se achar em condições de fazel-o, por
sua situação econômica, ou por outro motivo digno de pon-
deiação, solicitará do Ministério Publico essa providencia.
Ver o art. 268 do regulamento dos Registros públicos.
468 CODIGO CIVIL

Art. 844 — A inscripção da liypotlieca dos


bens dos responsáveis para com a Fazenda Pu-
blica será requerida por elles mesmos, e, em sua
falta, pelos procuradores e representantes fis-
caes.

Direito anterior — Semelhante (dec. n. 169 A, de 19 de


Janeiro de 1890, art. 9.°, § 19, e n. 370, do mesmo anno, art.
141, combinado com o art. 210.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.887; Beviláqua, 987;
Revisto, 991.
Bibliographia — Didimo, Direito hygothecario, n. 270; La-
fayette, Direito das coisas, § 239; Carlos Barreto, Legislação
de fazenda, vbs. Fiança e Procuradoria Federal.

Observação — Na primeira linha dos que devem especia-


lizar e inscrever as hypothecas legaes dos bens dos responsa-,
veis com a Fazenda Publica estão os proprios responsáveis aos
quaes se devem accrescentar os seus fiadores. Em segundo pla-
no vêm os procuradores e representantes fiScaes. Procuradores
fiscaes são os funccionarios de Fazenda Publica destinados a
velar pela fiel execução das leis, que interessam ao fisco, soli-
citando providencias para esse fim necessárias, ou promovendo
os meios a isso conducentes. Veja-se o dec. n. 5.390, de 10
de Dezembro de 1904, arts. 27 e segs. Representantes fiscaes
sã'0 os funccionarios especialmente designados pelos poderes com-
petentes, para promover a especialização e a inscripção das
hypothecas sobre os bens dos responsáveis para com a Fazenda
Publica.
Consulte-se a circular n. 11, de 10 de Abril de 1906, refe-
rente á fiança dos responsáveis para com a Fazenda Federal.
O regulamento dos Registros públicos reproduz o art. 844 do
Codigo Civil.

Art. 845 — As pessoas, a quem incumbir a.


inscripção e a especialização das bypotliecas le-
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 469

gaes, ficarão sujeitas a perdas e damnos pela


omissão.

Direito anterior — Differia a sancção (dec. n. 169 A, de


19 de Janeiro de 1890, art. 9.°, §§ 20 e 21).
Legislação comparada — Codigo Civil italiano, art. 1.984.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.789; Bevüaqua, 988;
Revisto, 992.

Observação — Haverá responsabilidade por perdas e dam-


nos, quando as pessoas referidas deixarem de especializar a ins-
crever as hypothecas creadas pela lei, e quando, por culpa sua,
fôr nulla a inscripção que promoverem.
Para confronto do direito anterior, leia-se Didimo, Direito
hypothecario, n. 271.
V. o art. 270 do regulamento dos Registros públicos.

Art. 846 — A inscripção da liypotheca, le-


gal ou convencional, declarará:
I. O nome, o domicilio e a profissão do cre-
dor e do devedor.
II. A data, a natureza do titulo, o valor do
credito e o da coisa, ou sua estimação, fixada
por accordo entre as partes, o prazo e os juros
estipulados.
III. A situação, a denominação e os cara-
cteristicos da coisa liypotliecada.
Paragrapho único. O credor, além do seu
domicilio real, poderá designar outro, onde
possa também ser citado.

Direito anterior — O dec. n. 169 A, de 19 de Janeiro de


1890, art. 9.°, § 22, distinguia entre as hypothecas voluntárias
e legaes, quanto ás enumerações da inscripção; mas, no dec.
n. 370, do mesmo anno, art. 196, as duas apparecem unificadas.
470 CODIGO CIVIL

Legislação comparada — Vejam-se; Codigo Civil francez,


art. 2.148; italiano, 1.987; allemão, 1.115; uruguayo, 2.334;
chileno, 2.432, portnguez, 960; argentino, 3.119; lei peruana,
artigo 9.°.
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.652, 2.676 e 2.678;
Coelho Rodrigues, 1.790 e 1.791; Beviláqua, 989 e 990; Revisto,
993 e 994.
Bibliographia — Lafayetxe, Direito das coisas, §§ 244 e
248; Lacerda, Direito das coisas, §§ 185-187; Didimo, Direito
hypothecario, ns. 272-280; A. D. Gama, Da hypotheca, n. 42
e seguintes; Laueent, Cours, IV, ns. 526-533; Planiol, Traité,
II, ns. 2.951-2.985; Huc, Gommentaire, XIII, ns. 324-372; Paul
Pont, Des privilèges et hypothèques, II, 955-1,068; Guillouaed,
Des privilèges et hypothèques, III, ns. 1.151-1.213; Aubby et
Rau, Cours, III, §§ 267 e 273-282; Affonso Praga, op. cit.,
§ 104.

Observações — 1. —- A inscripção destina-se a dar publi-


cidade á hypotheca. Para esse effeito, a lei exige certas enun-
ciações destinadas a tornar conhecidos o gravame, o immovel
sobre que elle recáe, contra quem foi estabelecido, e por que
responsabilidade. , Além disso, a inscripção deve ter o seu nu-
mero de ordem, que, aliás, não devia constituir formalidade subs-
tancial, porque é, apenas, requisito de methodização. A prio-
ridade da hypotheca é determinada pelo numero de ordem do
Protocollo. As cláusulas essenciaes são as declaradas no art.
846, que, embora nem todas sejam rigorosamente necessárias ao
conhecimento da importância da divida e do immovel hypo-
thecado, comtudo são elementos informativos, que a lei con-
sidera indispensáveis.
Ia. — A enumeração dos requisitos para a inscripção é mais
extensa no art. 259 do decreto n. 4.857, de 9 de Novembro de
1839. Além dos mencionados pelo Codigó Civil, destaca: o numero
de ordem e o da inscripção; o nome do tabellião, ou do Juiz e
escrivão.
Quando o immovel pertencer a terceiro, serão também re-
gistrados o seu nome, profissão e domicilio.
2. — O credor, diz o paragrapho único, além do seu do-
micilio real, poderá designar outro, onde receba quitação. Este
DOS DIBEITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 471

domicilio. eleito somente prevalece para as acções referentes


a inscripção e a remissão. Para o mais, é ao domicilio real
- que se attende. Tal é a lição axacta de Lafavette, § 244,
nota 23.
3. — Annexas ás inscripgões acham-se as averbações, nas
quaes se declaram todas as circumstancias, que possam influir
sobre o direito hypothecario, como a prenotação, a existência
de outra hypotheca, a cessão, a subrogação da hypotheca, a
sua extincção.
As averbações são numeradas, datadas e assignadas.
As que se lavram depois da inscripção devem ser requeridas _
pelo interessado, apresentando o titulo ou documento, que prove
o facto, cuja averbação deve ser feita.
4. — O official do registro de hypothecas é responsável
pelos prejuízos, que causar ás partes, quando, nas inscripções
e averbações, não observar os preceitos legaes. Além disso,
incorrem em penas disciplinares ou criminaes, segundo as cir-
cumstancias (dec. n. 4.857, de 9 de Novembro de 1939, arts.
37 e 38).

Art. 847 — Os credores cliirograpliarios e


os por hypotheca não inscripta em primeiro to-
gar e sem concorrência, só por via de acção or-
dinária de nullidade ou rescisão poderão inva-
lidar os effeitos da primeira hypotheca, a que
compete a prioridade pelo respectivo registro.

Direito anterior — O mesmo (dec. n. 169 A, de 19 de


Janeiro de 1890, art. 19, § 1.°, e n. 370, art. 395).
Projectos — Este dispositivo, transcripto, literalmente, da
lei hypothecaria acima citada, é devido á emenda do Senado,
sob o numero 834.

Observações — 1. — A matéria deste artigo já se acha,


em parte, attendida nos arts. 759 e 813, aos quaes remetto
o leitor.
472 CODIGO CIVIL

Os credores chirographarios não têm acção sobre o im-


movel hypotliecado; e os de hypotlieca u.lterior estão delle ex-
cluídos, emquanto não se vence a hypotheca anterioi. Mas
a lei lhes permitte destruir a hypotheca por acção ordinária
de nullidade ou rescisão, se ella padecer de vicio que a torne
nulla ou annullavel. Este remedio funda-se nas seguintes con-
siderações; — Todo o patrimônio do devedor está sujeito ao
pagamento das suas obrigações. Abre-se uma excepção a esta
regra geral, em favor do direito preferente das garantias reaes.
Mas, se tal garantia fôr juridicamente insubsistente, restabe-
]:ece.se a regra geral da garantia commum. Por isso, aos cre-
dores, chirographarios ou hypothecarios ulteriores, confere o di-
reito acção ordinária, para proporem a nullidade ou annullação
da hypotheca viciada por defeito, que a torne insubsistente.
Leia-se Didimo, Direito hypothecario, n. 374.
2. — Philadelpho Azevedo contesta a proposição destes
commentarios acima expendida; — os credores chirographarios
não têm acção sohre o immovel hypothecado. Mas abi não está
senão um principio, que decorre, necessariamente, do systema
hypothecario estabelecido no Codigo, segundo o qual a hypo-
theca assegura, do modo mais completo, o pagamento da divida,
que garante, e afasta qualquer execução de outro credor, salvo
o caso de insolvencia. Se o segundo credor hypothecario não
tem direito de executar o immovel," emquanto não se vence
a primeira, como poderia tel-o o chirographario?
Os argumentos do illustrado jurista são os seguintes.
I. O dec. n. 169 A, art. 16, permittia embargos do credor
hypothecario nas execuções dos chirographarios contra o de-
vedor commum, e não ha motivo para que não subsista a mesma
defesa; portanto é admissível a acção dos chirographarios con-
tra o immovel hypothecado.
Respondo: Havia e subsistem esses embargos, para a de-
fesa do direito hypothecario. Qual é, porém, a natureza desses
embargos? Não o diz a lei: mas sejam elles equivalentes a
embargos de terceiro, como parece de razão, ou pertençam a
outra categoria, terão por fim excluir a execução dos chiro-
grapharios sobre o immovel, isto é, pôl-o a salvo da acção
por elles promovida.
II. O art. 826, 2.a parte, declara nulla a venda judicial
do immovel gravado por hypotheca, se os credores hypothe-
DOS DIREITOS KEAES SOBEE COISAS ALHEIAS 473

carios não tiverem sido, judicialmente, notificados; logo é pos-


sível a acção do chirograpliario sobre o immovel hypothecado.
Respondo; A notificação tem por fim tornar conhecida a
execução, e possível a defesa do credor hypothecario, por via
de embargos. Apresentados estes, excluída ficará a execução
do chirograpliario, que somente por acção ordinária de nulli-
dade, ou rescisão, poderá invalidar os effeitos da hypotheca.
Se, porém, o credor hypothecario, não obstante a notificação,
se conservar inactivo, a execução proseguirá, mas, nem por
isso, estará extincto o direito do credor hypothecario. O vin-
culo da hypotheca seguirá o immovel arrematado ou adjudi-
cado, como no caso de alienação voluntária, pois a arrematação,
que extingue a hypotheca, é a que resulta de execução hypo-
thecaria regular (artigo 954, II).
Em qualquer hypothese, o immovel hypothecado continúa
assegurando o direito do credor por garantia real, e outra coisa
não é o que se pretendeu affirmar, com a phrase impugnada.
III. O art. 954, II, confere ao credor o direito de cobrar
a divida, antes de vencido o prazo estipulado, se os bens hy-
pothecados forem penhorados em execução por outro credor.
E', pois, certo que o credor chirograpliario poderá penhorar
o immovel hypothecado. E' a elle que se refere este dispo-
sitivo; o de hypotheca ulterior somente depois de vencida a
primeira poderá executar o immovel (art. 813).
Respondo: A situação é a mesma já considerada anterior-
mente. Se o immovel hypothecado fôr objecto de penhora, o
credor hypothecario tem deante de si tres caminhos a seguir:
ou defenderá o seu direito, embargando a execução; ou dei-
xará que se ultime a venda judicial, e sobre o immovel con-
tinuará o seu direito, onde quer que o mesmo se ache; ou
considerará a divida, vencida e virá receber a sua importância,
levantando-a, precipuamente, do preço do immovel; somente
depois disso, os chirographarios poderão pagar-se, havendo sobra.
A lei não tornou, certamente, nulla a penhora do bem hy-
pothecado, se promovida por credor chirographario, mas, em
qualquer hypothese, conserva o bem vinculado á solução da
divida hypothecaria, e deixa ao credor hypothecario, o direito
de impedir que a execução se ultime, se não preferir pagar-se
desde logo, ou deixar que o bem se transfira a outrem, com
o ônus da garantia hypothecaria.
/
474 CODIGO CIVIL

Veja-se no meu Direito cias coisa, II, § 148, II, a discussão


deste ponto jurídico. A emenda do Senado, mandando restabe-
lecer o art. 19, § 1.° do decreto n. 169 A, de 19 de Janeiro de
1890, é a fonte dessa divergência, ao que parece Irreductivel,
entre os juristas.

Art. 848 — As hypothecas somente valem


contra terceiros, desde a data da inscripção.
Emqnanto não inscriptas, as hypothecas só
subsistem entre os contrabentes.

Direito anterior — O mesmo (dec. n. 169 A, de 19 de


Janeiro de 1890, art. 9.°, pr., e § 1.°, dec. n. 370, do mesmo
anno, art. 131, pr.).
Projectos — Outro dispositivo devido á emenda do Senado.

Observações — 1. — A matéria deste artigo já foi con-


sidex-ada nos arts. 759 e 833, paragx-aplxo único. Affirma-se
que é com a inscripção que a hypotheca adquire a sua força
de direito real, com a seqüela e a prefexencia; que, antes dessa
formalidade, ha somente um direito pessoal entre os contra-
hentes. Sobre essas proposições já foi dito o sufficiente. O
artigo é redundante.
2. — Não pode ser acceita a lição de Azevedo Marques
( a este artigo), quando ensina que a hypotheca ainda não ins-
cripta vale contra terceiros "se estes tamtem não estiverem
inscriptos"; que, desde a data da inscripção, prevalece contx-a
direitos reaes postexúoiunente inscriptos, sobre o immovel. A
segunda proposição é verdadeira; não o é, porém, a primeira.
A hypotheca ainda não inscripta é simples contracto entre
as partes; é mero direito pessoal; não tem seqüela nem pi-e-
fex-encia; e, portanto, não poderá prevalecer, em concorrência
contra outros créditos egualmente pessoaes, porém munidos de
privilegio, ainda que estes créditos sejam de data posterior.
Também não me parece que a hypotheca ainda não inscripta
dê direito á acção executiva. Essa acção é excepcional; cabe
DOS DIREITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 475

somente nos casos, em que a lei, expressamente a concede.


Quando o art. 826, diz que a execução do immovel hypotlie-
cario se fará por acção executiva, presuppõe não o mero con-
tracto, e, sim, o direito real que somente começa a existir
com a inscripção. Antes desta não ha ainda hypotheca, do
mesmo modo que, antes da tradição, ainda não existe penhor.

SECÇÃO IY

Da extincção da hypotheca

Art. 849 — A liypotlieca extingue-se:


I. Pelo desapparecimento da obrigação
principal.
II. Pela destruição da coisa, ou resolução
do dominio.
III. Pela renuncia do credor.
IY. Pela remissão.
Y. Pela sentença passada em julgado.
YI. Pela prescripção.
Vil. Pela arrematação, ou adjudicação.

Direito anterior — O mesmo (dec. n. 169 A, de 19 de


Janeiro de 1890, art. 11, §§ l.0-5.0, completado pelo dec. n.
370, artigo 226).
Legislação comparada — Vejam-se: Codigo Civil francez,
arts. 2.125 a 2.180; italiano, 2.029 e 2.030; portuguez, 1.027;
suisso, 801; argentino, 3.187, 3.193, 3.194 3.196-3.198. uru-
guayo, 2.340, 2.a al., e 2.347; chileno, 2.426 e 2.434; boliviano,
1.501; venezuelano, 1.979, 1.980 e 1.983; mexicano, 1.925.
Em direito romano, as hypothecas extinguiam-se: pela ex-
tincção da divida (D. 20, 6, fr. 6, pr.); pela renuncia (Cod.,
8, 14. 1. 20) e pela prescripção (cod., 7, 39, 1. 7, § 1.°, initio,
e § 2.°; 7, 36, 1. 2; 7, 39, 1. 8, § 1.°, in meãio et in fine).
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.607-2.614. Coelho
Rodrigues, 1.793; Beviláqua, 992; Revisto, 995.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, §§ 275-278;
Lacerda, Direito das coisas, §§ 206-208; Didimo, Direito hypo-
476 CODIGO CIVIL

tnecario, ns. 310-330; Azevedo Marques, A hypotheca, ps. 111-


116; A. D. Gama, Da hyiiotheca, ns. 125 e segs.; S. Vampbé,
Manual II, § 127; Lysippo Garcia, Registro ãe immoveis, II,
ps. 251 e segs.; Planiol, Traité, ns. 3.388-3.452; Laurent,
Gours, IV, números 573-581. Huo, Commentaire, XIV, ns. 52-69;
Zachariae, Droií civil français, V §§ 830 e 831; Aubry et Rau,
Gours, III, §§ 292 e 293; Paul Pont, Des privilèges et hypo-
thèques, II, números 1.221-1.2C0; Guillouard, Des privilèges
et hypofhèques, IV, ns. 1.895-1.934; Chironi, Ist. § 240; Dias
Ferreira, Goãigo Civil portuguez, II, ao art. 1.027; Affonso
Fraga, op. cit., §§ 110 e seg.; Salvat, Derechos reales, II, ns.
2.483 e segs.

Observações — 1. — Pelo desapparecimento da obrigação


principal. A hypotheca ê um direito accessorio, creado para
garantir uma obrigação. Se esta se extingue, perde a hypo-
theca a sua razão de ser. Não ha que indagar da causa ex-
tinctiva da obrigação; qualquer que ella seja, operando o seu
effeito em relação á obrigação principal, acarreta a extincção
do vinculo hypothecario, com tanto que seja total.
Se a extincção da obrigação fôr parcial, mantem-se a hypo-
theca em relação á parte restante (arts. 758 e 762, paragrapho
único, in fine).
2. — A destruição da coisa ou resolução do dominio. A
-destruição da coisa tira á hypotheca o seu objecto; se, porém,
ha quem indemnize a destruição (o segurador, o responsável
pelo damno) sobre o preço se transporta o direito preferente
do credor (art. 762, ns. IV e V). A desapropriação, extin-
guindo o dominio, produz situação semelhante á resultante da
destruição. Resolvido o dominio, resolvem-se os direitos que
do mesmo se derivam, feita a distincção que se segue.
Com a resolução do dominio por implemento da condição, ou
advento do termo, resolvem-se os direitos reaes instituidos na
sua pendência (art. 647). Quando o dominio se resolve por
causa superveniente, como no caso de doação revogada por in-
gratidão (art. 648), a hypotheca subsiste.
3. — Renuncia do credor. A renuncia tacita difficilmente
se harmoniza com o direito hypothecario. Deve ser ordinaria-
mente, expressa. Comtudo, se o credor juntamente com o de-
TOS DIKEITOS KEAES SOBRE COISAS ALHEIAS 477

vedor requerer o cancellamento da liypotlieca, sem estar pago,


é claro que renunciou a hypotheca.
4. — Remissão. Vejam-se os arts. 814-816 e 818, segunda
parte. Não é á remissão da divida que allude o n. IV, do art.
849, e sim á do immovel.
5 — Sentença passada em julgado. E' a sentença que
rescinde ou declara nulla a liypotheca.
— Prescripção. A prescripção da obrigação principal
ja foi considerada no n. I. Trata-se, agora, da prescripção
da acção hypotliecaria, da usucapio libertatis.
Segundo o art. 177, as ações reaes duram dez annos, en-
tre presentes, e vinte entre ausentes, prazos correspondentes aos
do usocapião (art. 551). Para o devedor, esses prazos não têm
applicação, porque a hypotheca, relação jurídica accessoria esta
indissoluvelmente ligada á divida ou responsabilidade, relação
juridica principal. Applica-se, porém, ao terceiro, que adquiriu
o bem como livre, e o possuiu como tal, durante dez ou vinte
annos, depois de transcriptos o seu titulo no registro de immoveis.
Não é licito dizer que a publicidade da inscripção faz sup-
pôr a má fé da parte do adquirente, porque a má fé não se
presume, senão quando a lei assim o estatue. A presumpção
commum é a da bôa fé. Além disso, também a transcripção
é fôrma de dar publicidade ao direito, e o credor hypothecario
deve conhecer, por ella, a alienação do immovel; se deixa cor-
rer o tempo, e, por sua negligencia o seu direito perde a effi-
cacia, sibi imputei.
6 a. — Contra a opinião acima exposta, relativamente á uso-
capio libertatis. insurge-se Azevedo Marques, surprehendendo-se
de que o grande Lafayette houvesse avançado semelhante erro.
e considera erradíssima uma decisão judiciaria, que a sufragou.
Mas nem errou Lafayette, no que a respeito nos ensinou,
nem deante do art. 849 é licito adoptar outro parecer. Trata
este artigo da extincção da hypotheca, note-se bem, do direito
real de garantia vinculado ao immovel. Como esse direito é
accessorio, por isso mesmo que é de garantia de divida, extin-
gue-se quando se extingue a obrigação principal. Assim, diz
o art. 849, I, que pelo desapparecimento da obrigação principal
se extingue a hypotheca. Como é qüe desapparece a obrigação
principal? Desapparece pelo pagamento, pela novação, pela com-
pensação, pela transacção, pela confusão, pela remissão da divida,
e pela prescripção. Logo, nesse n. I, o art. 849 já considerava
478 CODIGO CIVIL

a prescripção da obrigação; não tinha mais que se referir, no


n. Y, a essa mesma causa extinctiva do vinculo hypothecario.
Se ahi falou am prescripção, é porque attendeu a outra especie,
que outra não pode sèr senão a prescripção da acção hypothe-
caria, quanto a terceiro adquirente de bôa fé.
Percorrendo as causas extinctivas do vinculo hypothecario,
na enumeração feita pelo art. 849, nota-se que o n. I refere-se á
obrigação principal, o n. II, á coisa hypothecada, e os outros ao
vinculo hypothecario: renuncia do credor hypothecario, remissão
do bem hypothecado; sentença annullatoria da hypotheca; arre-
matação e adjudicação do bem hypothecario. E' logico suppôr que
o pensamento não volveria mais a .considerar a obrigação, quando
attendia,, especialmente, á hypotheca, maximé, não tendo mais
o que accrescentar quanto á obrigação principal.
S. Yampré apoia esta intelligencia dada ao n. VI, do art. 849.
6 b. — Lysippo Garcia, porém, a combate, com argumentos,
cuja leitura tenho satisfação de recommendar {Registro de im-
m,oveis, pr. 266 e segs).
7. — Arrematação ou adjudicação. O art. 826 declara que
não será valida a venda judicial do immovel hypothecado, sem
a notificação dos credores hypothecados que não forem, de qual-
quer modo, partes na execução. D'ahi se conclue que a arre-
matação, que extingue a hypotheca, é, exactamente, a ordenada
pelo juiz em excução hypothecaria regular. O immovel hypo-
thecado não pode ser objecto de outra execução, emquanto a
hypotheca, devidamente inscripta, não fôr rescindida ou decla-
rada nulla, a menos que os credores hypothecarios, judicial-
mente notificados, deixem correr, á revelia, a execução de outro
credor, porque neste caso, o immovel será arrematado ou adju-
dicado, mas sem prejuizo do direito do credor hypothecario.
Na primeira edição, admitti que da inércia do credor hy-
pothecario se induzisse renuncia; mas, ponderando de novo a
situação jurídica, achei mais conforme á indole do direito hy-
pothecario a solução agora apresentada: — o vinculo hypo-
thecaiio continúa a gravar o immovel hypothecado, judicial-
mente vendido em execução promovida por credor chirographa-
rio, não obstante a inércia do credor hypothecario, a quem
foi notificada a execução.
Como bem decidiu a Côrte de Appellação do Districto Fe-
deral, somente a arrematação feita no executivo hypothecario
extingue a hypotheca, e não a que se der em qualquer outra
DOS DIEEITOS KEAES SOBKE COISAS ALHEIAS 479

execução (Revista ãe Direito, vol. VI, p. 681). Nas execuções


por credores chirographarios, se a venda judicial é notificada
ao credor hypothecario, terá validade, mas não extinguira a
hypotheca; não havendo notificação, a venda será nulla.
8. — O Supremo Tribunal, em recurso extraordinário, de-
cidiu que a arrematação em hasta publica (em execução de
credores chirographarios) não é meio de extinguir a hypothecq.
Os votos dos Ministros Sebastião de Lacerda e Pedro Lessa,
collocaram muito bem a questão (Revista do Supremo Tribunal,
XXIV, ps. 186-189).

CONsiLVto T". —*! - Trabalho


. U. RtGlÂO
Art. 850v-— A extincção da hypotlieca só co-
meça a ter effeito contra terceiros, depois de
averbada no respectivo registro.

Direito anterior — O mesmo (dec. n. 169 A, de 19 de


Janeiro de 1890, art. 11, § 6.°, e dec. n. 370, do mesmo anno,
art. 227).
Legislação comparada — Çodigo Civil portuguez, art. 965;
mexicano, 1.911; suisso, 801.
Confira-se com o francez, 2.157-2.160, e o italiano, 1.911-2.033
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.615; Coelho Rodri-
gues, 1.794; Beviláqua, 993; Revisto, 996.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, § 250; La-
cerda, Direito das coisas, § 189; Didimo, Direito hypothecario,
numero 331; Azevedo Marques, A hypotheca, ps. 117-119; A.
D. Gama, Da hypotheca, n. 136; Lysippo Garcia, Registro de
immoveis, II, ps. 284 e segs.; Laurent, Cours, IV, ns. 539-546.
Planiol, Traité, II, ns. 3.058-3.072; Huc, Gommentaire, XIII,
ns. 373-389; Paul Pont, Des privilèges et hypothèques, II,
números 1.069-1.107; Guillouard, Des privilèges et hypothè-
ques, III, ns. 1.413-1.465; Zachariae, Droit civil français, V,
§ 819; Aubry et Rau, Cours, III, §§ 281 e 282; Chironi, Ist.,
§ 238; Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, II, aos arts. 965 e
992; Affonso Fraga, § 108; Salvat, Derechos reales, II, ns.
2.522 e segs.
480 CODIGO CIVIL

Observações — 1. — Cancellamento é a averbação datada


e assignada, que o official competente lança no registro, de-
clarando extincta a inscripção. Denominou-se, também, de haixa.
Veja-se o dec. n. 370, de 1890, arts. 99 e 100.
Pôde o cancellamento ter por objecto, apenas, uma das
cláusulas da inscripção, como quando a hypotheca, que con-
prehendia mais de um immovel, é reduzida a um só dos ins-
criptos.
2. — A- inscripção cancella-se por qualquer das causas ex-
tinctivas da hypotheca (art. 849), e, ainda, por sentença, que
a declare sem efficiencia, em conseqüência de vicio substancial.
Mas, emquanto não é cancellada, produz, todos os seus effeitos,
ainda que se funde em titulo nullo ou falso, e ainda que se
prove, por outros meios, que a hypotheca se acha extincta.
A razão deste rigor provém da necessidade de dar ao re-
gistro, como instrumento de publicidade e efficacia dos ônus reaes,
a maior segurança, fazendo depender delle a existência desses
ônus. Não existem emquanto não inscriptos; persistem emquanto
não se cancella a inscripção. Mas aos terceiros, prejudicados será,
licito, em Juízo fazer prova da extincção dos ônus reaes e pro-
mover a effectuação do cancellamento (decreto-lei n. 4.857, de 9
de Novembro de 1939, art. 293).
3. — Ver o decreto- lei n. 4.857, acima citado, arts. 288 a 291.

Art. 851 — A inscripção cancellar-se-á, em


cada um dos casos de extincção de liypotheca, á
vista da respectiva prova, ou, independente des-
ta, a requerimento de ambas as partes, se forem
capazes, e conhecidas do official do registro.

Direito anterior — Algo differente (dec. n. 169 A, de 1890,


art. 12; n. 370, do mesmo anno, arts. 102-105).
Legislação comparada — Consultem-se os Codigos Civis
seguintes: francez, arts. 2.157-2.160; italiano, 2.033-2.039; por-
tuguez, 988-999; mas, especialmente, 992; argentino, 3.199-3.203;
boliviano, 1.497-1.501; do Montenegro, 219 e 220; suisso, 964.
DOS DIREITOS REAE8 SOBRE COISAS ALHEIAS 481
Projectos — Felicio dos Santos, arts. 2.68*4-2.689; Coelho
Rodrigues, 1.796; Beviláqua, 995; Revisto, 997.
Bibliographia — A do artigo antecedente.

Observação Extincta a hypotheca, a pessoa a quem


o ônus prejudica, requer o cancellaniento, que não pode ser
recusado, se os documentos apresentados provam a sua ex-
tincção, e merecem fé. São competentes para pedir o cancel-
lamento: o devedor, o dono do prédio hypothecado, o adqui-
rente, os credores por hypotheca posterior.
O credoi e o devedor podem, sem apresentar documentos,
requerer o cancellamento da inscripção da hypotheca volun-
tária, porque a elles somente interessam o direito e a garantia.
Decreto n. 4.857, de 9 de Novembro de 1939: "O cancellamento po-
derá ser total ou parcial e se referir a qualquer dos actos do
registro, sendo, promovido pelos interessados, mediante sentença
hábil, ou, ainda, a requerimento de ambas as partes, si capazes
e conhecidas do official" (art. 289).

SECÇÃO V

Da hypotheca de vías-ferreas

Art. 852 — As liypothecas sobre as estradas


^ ferro serão inscriptas no município da esta-
ção inicial da respectiva linha.

Direito anterior — O dec. n. 169 A, de 1890, apenas des-


tacava as estradas de ferro, com os seus accessorios, como
objecto de hypotheca (art. 2.°, § 1.°, in fine).
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.759; Revisto, 998.
Bibliographia — Didimo, Direito hypothecario, ns. 31-33;
Lacerda, Direito das coisas, § 135; Martiniio Garcez, direito
das coisas, § 378; A. D. Gama, Da hypotheca, ns. 152 e segs.;
Guillouard, Des privilèges et hypothèques, II, n. 659; Aucoc, *
De l hypothèque sur les chemins de fer; Affonso Fraga, op.
cit., n. 218.

Beviláqua — Codigo Civil — 3.° vol. 31


482 CODIGO CIVIL

Observações -1.-0 Codigo destaca as estradas de ferro,


como objecto de hypotheca, pelo valor economico desses bens,
porque formam um conjuncto, uma unidade jurídica; porque
algumas legislações não incluem as vias ferreas entre os^ im-
moveis sujeitos á hypotheca, entendendo-se que os concessioná-
rios dellas têm, somente, direitos moveis; -eT porque era con-
veniente attender ás particularidades, que a especie offerece.
Coelho Rodrigues, arts. 1.755-1.768, consagrava providencias
minuciosas sobre esta matéria, que o Projecto primitivo elimi-
nou. e das quaes o Projecto revisto extrahiu as que constituem
esta secção do Codigo Civil.
2< __ As estradas de ferro, comprehendendo o leito sobre
que assentam a superstructura metallica, os edificios destinados
ás estações, assim como o material rodante, formam um o o
que, por se achar ligado ao sólo, directamente, por accessao
intèllectual, tem, evidentemente, o caracter de immovel. Durante
o periodo de exploração, a empreza concessionária é dona do
sólo, que lhe foi cedido pelo poder competente, ou obtido por
desapropriação, e é como proprietária que a empreza hypotheca
a estrada.
As companhias de bondes urbanos não podem hypothecar
as suas linhas e construcções annexas porque não sao proprie-
tárias do sólo. Têm somente o direito de uso e gozo, que alguns
equiparam ao de superficie. Podem porém, hypothecar cs edi-
ficios de que forem proprietárias como qualquer o faz.
3, — Qualquer que seja o domicilio da empreza explora-
dora da estrada de ferro, a inscripção da hypotheca sobre esta
ha de ser feita no registro do município da estação inicial.
A regra é que, se o immovel se estende a vários districtos de
registro, em cada um delles se fará a inscripção (art. 831):
mas, em relação ás estradas de ferro, que percorrem muitos
municípios, seria excessivo e inútil exigir mais de um registro.
Se a hypotheca se restringir a um ramal, a inscripção se
fará no município da primeira estação da linha principal, e não
no do entroncamento.
4. — Sobre a legislação e o aspecto economico-social das
estradas de ferro, leia-se Clodomiro Pereira da Silva, Política
e legislação de estrada de ferro, 2 vols.
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 483

Art. 853 — Os credores hypotliecarios não


podem embaraçar a exploração da linha, nem
contrariar as modificações, que a administração
deliberar, no leito da estrada, em suas depen-
dências, ou no seu material.

Direito anterior — Não se achava formulado em lei este


principio.
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.765, pr.; Revisto,
999, pr.

Observação — Estabelece o Codigo, neste artigOi a these


geral, commum aos credores hypothecarios; não podem inter-
ferir na exploração do bem hypothecado, que fica em poder do
proprietário. Seria, talvez, excusado lembral-a, se, em seguida,
não houvesse a necessidade de limital-a, em sua applicação ás
hypothecas de estradas de ferro, como se vê do artigo seguinte.

Art. 854: — A hypotheca será circumscripta


á linha, ou linhas especificadas na escriptura, e
ao respectivo material de exploração, no estado
em que ao tempo da execução estiverem. Não
obstante, os credores hypothecarios poderão op-
pôr-se á venda da estrada, a de suas linhas, de
seus ramaes, ou de parte considerável do mate-
rial de exploração; bem como á fusão com outra
empreza, sempre que a garantia do debito lhes
parecer com isso enfraquecida.

Direito anterior — Omisso.


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.765, § 1.°; Revisto,
999, paragrapho único.
CODIGO CIVIL

Observação - A hypotheca pôde recair sobre toda a estrada,


sobre um ramal, ou sobre diversas linhas da mesma empresa.
Comprehenderá, sempre, o solo, os trilhos, as e^eo^' ^
mazens, as oítioinas, os depósitos, e «uaeM7 4
cessorias da estrada assim como todo o material applicad .

""'oTmedores .hypothecarios, porém, receberão esses bens no


estado em aue se acharem, ao tempo da execução. Nao po
derào,' sob pretexto de deterioração, ou desvalorização dos ens,
interferir na economia da empreza. Concede-lhes, poiem,
direito mais energlco, qual é o de se opporem a ^ da ^
trada. de algunns de suas linhas, ou de parte hohmderavel do
seu material de exploração, se lhes parecer que, com isso, f ca
enfraquecida a garantia. Nas hypothecas sobre °ut™" ^
moveis, quando o bem gravado se desvalorizo, desfalcando a
garantia, a õivida considera-se vencida (art. 762); mas o cr
não impede as alienações, porque o seu direito se limita a se-
qüela e 4 preferencia para se fazer pagar pe o va or '
Na hypotheca sobre estradas de ferro, porem, o Codigo faculta
aos credores, um poder de veto, que modifica a "atureza do
vinculo hypothecario. E essa restrlcçâo aos direitos da e""
não se limita ás alienações, vae ao ponto de impedir a fusão
da empreza devedora com outra. ,.
São modificações que as- necessidades do 'Creditb impõem
ao direito hypothecario, quando applicado a estradas de ferro.

Art. 855 — Nas execuções dessas liypotlie-


cas não se passará carta ao maior licitante nem
ao credor adjudicatario,, antes àe se intimar o
representante da Fazenda Nacional, ou do Fs-
tado, a que tocar a preferencia, para, dentro em
quinze dias, utilizal-a se quizer, pagando o preço
da arrematação, ou da adjudicação fixada.

Direito anterior — Nada dispunha a respeito.


Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.767. Revisto, 1.00 .
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 485

Observações — 1. — As estradas de ferro são, ordinaiia-


mente, construídas sobre terras publicas, ou particulares desa-
propriadas. Emquanto perdura o prazo da concessão, essas terras
se acham sob o domínio resoluvel da empreza,, e, em seguida,
volvem com a estrada ao patrimônio da União ou do Estado
concedente. As hypothecas estabelecidas sobre as estradas de
ferro entendem-se subordinadas a essa reversão futura dos bens,
que serão recebidos sem ônus. Em attenção a essa reversão
e aos interesses superiores da conectividade, que podem exigir
que a administração publica não deixe passar a estrada a outras
mãos, dá o Codigo á União, ou ao Estado concedente, o direito
de remir a estrada pelo preço da arremataçãq ou da adjudi-
cação. Será nulla a carta de arrematação ou de adjudicação,
que se passar sem a audiência do representante dá Fazenda
Nacional ou do Estado, segundo fôr a estrada federal ou esta-
dual, para que exerça o seu direito de preferencia. Não obs-
tante a carta, a Fazenda Publica exercerá esse direito, cha-
mando a si a estrada pelo preço fixado.
2. — Não se refere o Codigo ás vias ferreas municipaes.
Deve-se, porém, applicar-lhes o mesmo principio, reconhecendo
o direito preferencial do município, se foi delle a concessão.

SECÇÃO VI

Do registro de immoveis

Art. 856 — O registro de inimoveis compre-


^ ^ ., d ...
I . A transcripção dos títulos de transmissão
da propriedade.
II. A transmissão dos títulos enumerados
no art. 532. .
III . A transcripção dos títulos constitutivos
de ônus reaes sobre coisas alheias. ■^ ^
IV. A inscripção das hypothecas.

Direito anterior -r- iSemelhanté (dec. n. 169 A, de 19 de


Janeiro de 1890, arts. 7." é 8.°).
486 CODXGO CIVIL

Legislação comparada — Vejam-se: Codigo Civil francez,


arts. 2.196-2.203; italiano, 2.071 e 2.072; portuguez, 949; lies-
panhol, 605; suisso, 942-952 e 958; venezuelano, 1.992; mexi-
cano, 3.002.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 2.622; Coelho Rodri-
gues, 1.797; Beviláqua, 966; Revisto, 1.001.
Bibliographia — Lafayette, Direito das coisas, I, §§ 48-51;
II, 225 e segs.; Lacerda, Direito das coisas, I, §§ 27-29; II, 177
e segs.; Didimo, Direito hypothecario, ns. 199-242; Lysippo Gar-
cia, Registro de immoveis, I, ps. 135 e segs.; Philadelpiio
Azevedo, Registros públicos, ns. 81 e segs.; Laurekt, Cours,
IV, ns. 289 e segs.; Ferron, Publicité ães ãroits reéls immo-
Mliérs; Endemann, Lehrbuch, II, §§ 47-66; Kohler Lehrhuch, II,
2.a parte, §§ 23 e segs.; Code Civil allemanã, publié par le
comitê de lég. étr., II, ps. 459-464; Rossel et Mentha, Droit
civil suisse, II, paginas 361-385; Saxchez Roman, Derecho civil,
III, cap. XXI. Dias Ferreira, Codigo Civil portuguez, II, ao
art. 949.

Observações — 1. — O registro de immoveis é o instru-


mento da publicidade das mutações da propriedade e da in-
stituição dos ônus reaes sobre immoveis. A lei anterior deno-
minava-o geral; mas fôra organizado com referencia á liypo-
tbeca. O Codigo Civil aproveita o mesmo apparelho, dando-lhe
maior amplitude.
As transcripções se realizam, como as inscripções, e têm
como ellas os seus números de ordem. O que as distingue não
é a forma e, sim, a substancia. O interessado, porém, pode
pedir que a transcripção se faça na integra, para o que ha
livro apropriado.
Apparelho de publicidade, o registro deve ser accessivel
aos interessados, que lhe desejam ver os livros, ou que solicitem
certidões de actos nestes exarados, sem que o official tenha
que indagar da razão do seu interesse (dec. n. 4.857, de 9
de Novembro de 1939, arts. 19-25).
2. — As transcripções dos actos translativos da proprie-
dade devem declarar; o numero de ordem; a data; a freguezia
da situação do immovel; a denominação deste, se fôr rural, e
a menção da rua e numero, se fôr urbano; as confrontações
DOS DXKEXTOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 487

e os característicos; o nome e o domicilio do adquirente e do


transmittente; o titulo de transmissão; a sua forma e o nome
do tabellião que o escreveu; o valor do contracto; as condições
deste; e as averbações, que forem necessárias (dec. n. 4.857,
de 1939, arts. 247-249).
Entre as occorrencias, que devem ser averbadas, merecem
menção as que annotam o implemento de condições pactuadas
no titulo transcripto, o numero de ordem de transcripções pos-
teriores referentes ao mesmo immovel, e o cancellamento da
transcripção, em virtude de sentença, para constar que não.
tem mais effeito o registro de transmissão.
Nas transcripções dos ônus reaes, o actual regulamento, ar-
tigo 247, não dispensa as confrontações, que, aliás, não têm
interesse immediato.
3. _ A lei n. 4.827, de 7 de Fevereiro de 1924, assim in-
dica os títulos sujeitos á inscripção no registro de immoveis:
I. Do instrumento publico da instituição do bem da fa-
mília (Codigo Civil, art. 73). E' de notar-se que o Codigo fala,
neste caso, de transcripção.
II. Do instrumento publico das convenções antenupciaes
(Codigo vCivil, art. 261).
III. Do descobrimento de minas.
IV. Da hypotheca marítima (Codigo Civil, art. 810, n.
VII).
V. Das hypothecas legaes ou convencionaes (Cod. Civil, ar-
tigos 831 e 85'2).
VI. Dos empréstimos por obrigações ao portador (lei nu-
mero 177 A, de 1893).
VII. Das penhoras, arestos e seqüestres de immoveis.
VIII. Das citações de acções reaes ou pessoaes reiperse-
cutorias, relativas a immoveis.
E manda fazer a transcripção.
I. Da sentença de desquite, nullidade ou annullação do
casamento, quando, nas respectivas partilhas, existirem immo-
veis, ou direitos reaes, sujeitos á transcripção.
II. Do contracto de locação, no qual tenha sido consignada
clausula de sua vigência, no caso de alienação da coisa locada
(Cod. Civil, art. 1.197).
III. Dos títulos translativos da propriedade immovel, entre
vivos, para a sua acquisição ou transmissão (Codigo Civil,
artigos 530, I, e 589, § 1.°).
488 CODIGO CIVIL

IV. Dos julgados nas acções .divisórias, pelos quaes se põe


termo á indivisão (Codigo Civil, art. I).
V. Das sentenças, que, nos inventários e partilhas, adju-
dicarem bens de raiz em pagamento das dividas da herança
(Codigo Civil, art. 532, II).
VI. Da arrematáção e adjudicação em hasta publica (Co-
digo Civil, art. 532 III).
VII. Da sentença declaratoria da posse do immovel por
30 annos, sem interrupção nem opposição, para servir de titulo
ao adquirente por usocapião (Código Civil, art. 550).
VIII. Da sentença declaratoria da posse incontestada e con-
tinua de uma servidão apparente por dez ou vinte annos, nos
termos do art. 531 do Codigo Civil, para servir de titulo acqui-
sitivo (Codigo Civil, art. 698).
IX. Para a perda do domínio nos casos do art. 589, nú-
meros I e II, e § 1.°.
X./ Dos títulos ou a inscripção dos actos inter vivos rela-
tivamente aos direitos reaes sobre immoveis, quer para a acqui-
sição do domínio (Codigo Civil, arts. 533 e 676), quer para
a validade contra terceiros (Codigo Civil, arts. 789 e 796, para-
grapho único, 848 e 850). O Senado propoz a suppressão deste
numero, fundado em parecer do Instituto da Ordem dos Advo-
gados Brasileiros, que o considerava inútil e defeituoso, como
realmente é. Mas foi mantido (V. Philadelpho Azevedo, Re-
gistros públicos, p. 123).
XI. Dos títulos das servidões não apparentes, para a sua
constituição, bem assim a averbação, na transcripção, do can-
cellamento destas servidões (Codigo Civil, art. 697 e 708).
Outro numero cuja redacção o Instituto censurou com apoio
do Senado e de Philadelpho (op. cit., p. 124).
XII. Do usofructo e do uso sobre immoveis e da habitação,
quando não resultem do direito de familià (Código Civil, ar-
tigos 715, 745 e 748.
XIII. Das rendas conètituidas ou vincüládãs a immoveis
por disposiçãó de ultima vontade (Codigo Civil, aft. 753).
XIV. Do contrãcto dè jpenhor agricoía.
B ordena ã averbação: ,
í. Na inscripçaó da sebteiíça de sépafàção dó dote (Codigo
Civil, art. 309, paragrapho único).
II. Dó julgádo sobre o restabelecimento da sociedade con-
jugai (Codigo Civií, art. 323) . ' . ,
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS 489

III. Da clausula de analienabilidade imposta ■. immoveis


pelos testadores e doadores.
IV. Por cancellamento da extincção dos direitos reaes.
3 a — O decreto n. 4, 857, art. 247, indica os requisitos da
transcripção e no art. 252, os da inscripção.
4. — Para o registro das minas, haverá dois livros especiaes,
em cada cartorio do registro de immoveis, sendo um para o
registro dos manifestos de descoberto {registro de manifesto
de minas), e outro para o registro do direito de lavrar (re-
gistro de minas). São creações da lei n. 4.265, de 15 de Ja-
neiro de 1921, art. 12, e do dec. n. 15.221, de 28 de Dezem-
bro de 1921, art. 14.

Art. 857 — Se o titulo de transmissão for


gratuito, poderá ser promovida a transcripção:
I. Pelo proprio adquirente.
II. Por quem de direito o represente.
III. Pelo proprio transferente, com prova
da acceitação do beneficiado.

Direito anterior — Semelhante (dec. n. 370, de 2 de Maio,


de 1890, arts. 63, 211 e 214).
Projectos — Coelho Rodrigues, art. 1.799; Beviláqua, 997;
Revisto, 1.002.

Observação — Na transmissão por titulo gratuito, pode o


adquirente ser, pessoa incapaz; por isso previne a lei que a tran-
scripção pódç ser promovida por seu representante , (pae, tutor,
ou curador) e pelo próprio transferente, com a prova , da ac-
ceitação dp beneficiado. O berdeiró, entre na classe dos repre-
sentantes.
Quando a translação é onerosa, são competentes para pro-
mover-lhe o registro o adquirente, seus representantes, ou suc-
cessores, e seus credores. , - A n- '■
490 CODIGO CIVIL

Art. 858 — A transcripção do titulo de


transmissão do dominio directo aproveita ao ti-
tular do dominio util, e vice-versa.

Direito anterior — Omisso.


Px*ojectos — Coelho Rodrigues, art. 1.800; Beviláqua, 998;
Revisto, 1.003.

Observação — A regra é que a transcripção aproveita a todos


os interessados, ainda que somente um delles a tenha promo-
vido (Codigo Civil italiano, art. 1.941, venezuelano, 1.991). No
caso de dominid emphyteutico, está, forçosamente, no titulo de
cada um dos proprietários limitados, a referencia ao direito
do outro. A emphyteuse consiste, precisamente, na divisão do
dominio entre duas pessoas, cabendo a uma a parte util e á
outra a substancia.
Qualquer dellas, que registre a alienação do seu direito,
terá, simultaneamente, operado a transcripção do direito da
outra„ pela geminação conceituai das duas relações juridicas,
das quaes uma é o anverso e a outra reverso da mesma medalha.

Art. 859 — Presume-se pertencer o direito


real á pessoa, em cujo nome se inscreveu ou
transcreveu.

Direito anterior — Differente (dec. n. 169 A, de 1890, ar-


tigo 8.°, § 4.°, e dec. n. 370, do mesmo anno, art. 235).
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, art. 891.
Veja-se também o suisso, 971-973.
Projectos — Beviláqua, art. 999; Revisto, 1.004.

Observação — A regra do direito anterior era que a trans-


cripção não induzia prova de dominio, que ficava salvo a quem
fosse.
DOS DIKÈITOS KEAES SOBKE COISAS ALHEIAS 491

O Codigo seguiu outra orientação. Quiz dar á publicidade


do registro predial, significação juridica de maior importância.
O registro não declara, simplesmente, que alguém realizou certo
acto translativo da propriedade, ou constitutivo de direito real.
Affirma que o acto se realizou, e apresenta-lhe o titulo, porque
é o registro que gera o direito real.
Esta presumpção, que, aliás, pôde ser destruida (art. 860),
é conseqüência lógica do systema adoptado pelo Codigo. Os di-
reitos reaes sobre immoveis não se consideram existentes, senão
depois de transcriptos ou inscriptos. Consequentemente, uma
vez registrado o titulo, entende-se que o direito pertence áquelle
a quem o registro o attribue.
A proposição inversa é egualmente verdadeira: cancellado
o registro, presume-se extincto o direito, a que elle se referia,
Yejam-se os arts. 531-535.

Art. 860 — Se o teor do registro de inimo-


yeis não exprimir a verdade, poderá o prejudi-
cado reclamar que se rectifique.
Paragraplio único. Emquanto se não tran-
screver o titulo de transmissão, o alienante con-
tinúa a ser havido como dono do immovel, e res-
ponde por seus encargos.

Direito anterior — A matéria do principio do artigo não


fôra contemplada em lei. A do paragrapho uniço achava-se pre-
vista no reg. n. 370, de 1890, art. 234, ainda que não de modo
tão incisivo.
Legislação comparada — Codigo Civil allemão, arts. 894-
899; suisso, 975 e 977.
Projectos — Beviláqua, arts. 1.000 e 1.001; Revisto, 1.005.

Observações — 1. — O reg. n. 370, de 1890, attendeu as


nullidades do registro, quando á fôrma (arts. 253-255). O Co-
digo prevê, no principio do artigo, que o teôr do registro po-
492 CODIGO CIVIL

derá não traduzir a verdade da relação jurídica, da qual deve


ser a prova, e permitte que a pessoa prejudicada possa pedir-
lhe a rectificação, por acção annullatoria do registro.
E' um recurso necessário, em face do valor dado ao registro.
Presume-se verdadeira a declaração nelle contida; mas, se, por
qualquer circunstancia, fôr inexacto, não se pôde recusar ao
prejudicado o direito de rectifical-o.
Não tem o official, porém, competência para fazel-o, senão
á vista de sentença proferida por juiz competente, em acção,
proposta contra a pessoa a quem o erro aproveita.
1 a. — Esta ultima proposição entende-se referir ao caso
em que os interessados não concordam na alteração, pois, se
assim, fôr, poderão apresentar-se ao official do registro e pedir
a rectificação ou um delles levar o consentimento do outro.
Se, porém, a pessoa, a quem aproveita o erro não o quizer re-
conhecer, forçoso será recorrer ao poder judiciário; e, ainda que
a acção tenha por objecto rectificar-se o registro, ha de ser
proposta contra essa pessoa.
E' a decisão do Codigo Civil suisso, que tem por si a razão.
Eis o art. 977: "Se não se obtiver o consentimento escripto
dos interessados, o conservador do registro não poderá realizar
rectificação alguma, sem decisão do juiz. A rectificação pôde
ser substituída pelo cancellamento da inscripção inexacta, se-
guido de inscripção nova. Os simples erros de escripta recti-
ficam-se de officio, na conformidade de uma ordenação do Con-
selho Federal".
Idêntica é a solução do direito allemão, como se vê dos
antigos, 894 e seguintes do Codigo Civil, e das notas da Com-
missão de legislação estrangeira, que o traduziu para o francez
(II, paginas 496 e segs.). A acção de rectificação do registro
predial, dizem os annotadores franceses, tem a natureza jurí-
dica da acção negatoria.
Dada a força probante do registro e a sua legalidade tor-
navam-se necessárias providencias correctivas.
2. — A these jurídica, expressa no paragrapho único for-
mula um dos princípios cardeaes do systema do registro pre-
dial, adóptado pelo Codigo; E' o registro que ijnprime o ca-
racter de direito reáf á relação jurídica; ántês delle,' âs con-
ACkO
DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS

venções criam, apenas, direitos pessoaes, vínculos obrigacionaes


entre as partes contractantes. Veja-se o art. 5 •

Art. 861 — Serão feitas as inscripções, ou


transcripções no registro correspondente ao o-
gar, onde estiver o immovel.

Direito anterior — O mesmo (dec. n. 169 A, de

- Feliciotos santos, art. 2.624; CoelHo


gues, 1.808; Beviláqua, 1.006; Revisto, 1.009. ^
^ vr Podiso Civil francez, art.
Legislação comparada — V. Loaigo
2.146; italiano, 1.938; portuguez, 950; suisso, 951.

Observação - Sobre as inscripções já prescreveu o ar-


tigo 831. Excusado seria repetil-o agora. O principio, a ias,
é o mesmo, tanto para as inscripções quanto para as trans-
cripções. Devem ser exaradas no logar da situação do immovel
gravado ou transmittido, e, se elle se estender a mais de um
districto de registro, de todos elles deverá constar a mscnpçao
ou transcripção. Somente para as hypothecas de estradas e
ferro é que o artigo 852 se contenta com o registro no dis-
tricto da estação inicial, e o mesmo principio devera preva-
lecer para as transcripções.

Art. 862 — Salvo convenção em contrario,


incumbem ao adquirente as despesas de tran-
scripção dos títulos de transmissão da proprie-
dade, e ao devedor as da inscnpçao ou tran-
scripção dos ônus reaes.

Direito anterior - Semelhante (dec. n. 169 A, de 1890,


artigo 7.°, § 2.°).
494 CODIGO CIVIL

Legislação comparada — Codigo Civil francez, art. 2.155;


italiano, 1.947 e 2.000. Yeja-se também o suisso, 954.
Projectos — Felicio dos Santos, art. 1.809, Beviláqua, 1.007;
Revisto, 1.010.

Observações — 1. — As despesas com a transcripção dos


títulos translativos da propriedade competem ao adquirente, por-
que a elle é que aproveita o registro, pela segurança, que lhe
dá ao direito. As da transcripção dos ônus reaes e da inscripção
da hypotheca são deixadas ao encargo do devedor, porque é
o complemento necessário da sua obrigação ou responsabilidade.
Aliás, sendo essa regra meramente suppletiva, para se applicar
na falta de accôrdo das partes, quando este é possível, isto é,
sempre que o titulo a registrar fôr declaração de vontade, a
sua funcção é mais preventiva do que normativa.
2. — As despesas com as averbações e certidões incumbem
aos que requerem (reg. n. 370, de 1890, art. 89); e quando
o transmittente e o credor fizeram as despesas, que incumbem
ao adquirente e ao devedor, terão contra os mesmos direito
regressivo (cit. reg., art. 90).
3. — A lei n. 4.827, de 7 de Fevereiro de 1924, art. 9.°,
substituiu a regra deste, artigo do Codigo Civil pela seguinte:
—■ As despesas com o registro incumbem ao interessado que
requerer.

Fim do 3.° vol.


índice:

PARTE ESPECIAL
LIVRO II

DO DIREITO DAS COISAS

TITULO I

DA POSSE
PAGS>
Cap. I — Da posse e sua classificação ã
Cap. II — Da acquisição da posse 19
Cap. III —■ Dos effeitos da posse 25
Cap. IV — Da perda da posse 4S
Cap. V — Da protecção possessoria 52

« ' TITULO II

DA PROPRIEDADE

Cap. I — Da propriedade em geral 54


Cap. II —Da propriedade immovel 63
Secção I. — Da acquisição da propriedade im-
movel ^3
Secção IJ. — Da acquisição pela transcripção
do titulo 65
Secção III. — Da acquisição por accessão .. 74
Das ilhas ^
Da alluvião ^
Da avulsão
Do alveo abandonado 83
Das construcções e plantações 8S
496 CODXGO CIVIL

PAGS.
Secção IV — Do usocapião 90
Secção V — Dos direitos da-visinhança 97
Do uso nocivo da propriedade 97
Das arvores limitrophes 99
Da passagem forçada 101
Das aguas 104
Dos limites entre prédios 110
Do direito de construir 113
Do direito de tapagem 128
Secção VI — Da perda da propriedade immovel 132
Oap. III — Da acquisição e perda da propriedade movei .. 140
Secção I — Da occupação 140
Da caça 143
Da pesca 147
Da invenção 150
Do thesouro 154
Secção II — Da especificação 158
Secção III — Da confusão, commistão e ad-
juncção 162
Secção IV — Do usocapião 165
Secção V — Da tradição 167
Cnp. IV — Do condomínio 171
Secção I — Dos direitos e deveres dos condô-
minos 111
Secção II —Da administração do condomínio 185
Secção III — Do condomínio em paredes, cer-
cas, muros e vallas 196
Secção IV — Do compascuo 193
Cap. V — Da propriedade resoluvel 194
Da propriedade literária, scientifica e ar-
tística , 198
\
TITULO III

DOS DIREITOS REAES SOBRE COISAS ALHEIAS


236
Cap. I — Disposições geraes
243
Cap. II — Da emphyteuse
263
Cap. III — Das servidões prediaes
Secção I — Da constituição das servidões ... 263
Secção II — Da extincção das servidões 280
ÍNDICE 497

PAGS.
Cap. IV — Do usofructo 286
Secção I — Disposições geraes 286
Secção II — Dos direitos do usofructuario .. 293
Secção III — Das obrigações do usofructuario 306
Secção IV — Da extinção do usofructo .... 319
Cap. V — Do uso 325
Cap, VI — Da habitação 328
Cap. VII — Das rendas constituidas sobre immoveis .... 330
Cap. VIII — Dos direitos reaes de garantia 336
Cap. IX — Do penhor 360
Secção I — Disposições geraes 360 '
Secção II — Do penhor legal 371
Secção III — Do penhor agricola 377
Secção IV — Da caução de títulos de credito 386
Secção V — Da transcripção do penhor .... 393
Secção VI — Da extincção do penhor 397
Cap. X — Da antichrese 401
Cap. XI — Da hypotheca 408
Secção I — Disposições geraes 408
Secção II — Da hypotheca legal 444
Secção III — Da inscripção da hypotheca .... 450
Secção IV — Da extincção da hypotheca .... 475
Secção V — Da hypotheca de vias-ferreas 4 8l
Secção VI — Do registro de immoveis ...... 485

N. 8.325 — Oficinas Gráficas da Livraria Francisco Alves •

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