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Capítulo A Entrevista Psiquiátrica
Capítulo A Entrevista Psiquiátrica
OBJETIVO
Eu sou uma espécie de faxineiro da alma. O que eu faço é limpar um pouco as janelas
para você poder enxergar por si próprio.
Cada um desses elementos é importante para promover uma relação médico-paciente aberta,
honesta, recíproca, colaborativa, respeitosa, confiável e segura. Também aprofundam a ideia
de cuidado “centrado no paciente”. Os pacientes revelam mais sobre si mesmos quando
confiam no médico e que este não possui ideias preconcebidas a seu respeito.
Outra ferramenta útil na entrevista psiquiátrica é a facilitação de uma narrativa do paciente. A
prática da medicina narrativa envolve a capacidade de reconhecer, absorver, interpretar e agir
sobre as histórias e lutas dos outros. O processo de ouvir as histórias dos pacientes implicar
seguir o fio biológico, familiar, cultural e existencial da situação. Abrange o reconhecimento
dos múltiplos significados e contradições em palavras e eventos; atenta para os silêncios,
pausas, gestos e expressões não-verbais e entrar no mundo do paciente, despertando
memórias, associações, criatividade e respostas emocionais no próprio médico, fazendo com
que a narrativa seja co-criados pelo contador e pelo ouvinte.
Para tanto, é necessário que o médico esteja atento à sua própria história, até mesmo como
forma de eliminar barreiras transferenciais e contratransferenciais que impeçam essa co-
construção do conhecimento sobre o paciente.
Estudos sobre a relação médico-paciente apontam que uma comunicação eficaz tem grande
impacto sobre o desfecho. Um bom vínculo pressupõe cortesia, simpatia, empatia, construção
de uma parceria terapêutica e coleta de informações relevantes. Desfechos positivos
compreendem benefícios à saúde emocional, resolução dos sintomas e estabilização de SSVV
(PA, intensidade da dor, glicemia).
Esses cuidados iniciais estabelecem o tom, a qualidade e o estilo da entrevista a ser realizada.
Um exemplo é o do psiquiatra que avalia um paciente hospitalizado que está se recusando a
tomar o medicamento. O médico informa o motivo da sua presença, quem o contatou e por
quê e explica que está lá para entender o que está acontecendo e tentar ajudar, e para isso
precisará fazer algumas perguntas ao paciente sobre sua vida, o que demorará cerca de x
minutos. Indagar se tudo bem para o paciente e deixá-lo à vontade para dizer se está
incomodado, perguntando também se ele ficou com alguma dúvida a respeito da conversa.
Um dos pontos fundamentais é fazer com que o paciente se sinta seguro, e para isso é
essencial se mostrar amável e respeitoso, além de demonstrar interesse genuíno pelo
paciente, inclusive procurando deliberadamente esclarecer aspectos culturais e da história de
vida pelo paciente, como forma de afastar ideias preconcebidas que se possa ter a respeito
deste.
Para o paciente, a entrevista com o psiquiatra é provavelmente uma das mais difíceis entre as
especialidades médicas, por ser uma conversa profissional e ao mesmo tempo extremamente
íntima com um estranho. Nesse contexto, mostrar-se um ser humano atencioso pode ser mais
útil do que desempenhar meramente o papel do médico ali presente. Para isso, é necessário
fazer que a entrevista seja pessoal e que a técnica utilizada pareça fluir naturalmente.
Assim, é importante estar atento ao conteúdo afetivo das falas feitas ao paciente, abarcando
assim seu estado emocional e cognitivo, oferecendo a estes um parâmetro para a co-
construção de uma narrativa. Para tanto, resumos curtos durante a entrevista podem ser
muito úteis para demonstrar verbal e não-verbalmente que o médico conseguiu compreender
o problema do paciente. Na fala, também é válido ao médico tentar mostrar ao paciente que o
problema não é propriamente uma aberração e que, juntos, podem tentar encontrar uma
solução para ele, reafirmando a esperança.
COLETA DE DADOS
Este momento envolve também a explicação do diagnóstico e das forças e fraquezas e o modo
do paciente enfrentar os fatores estressores. No caso de avaliação inconclusiva, indicar os
próximos passos da investigação.
No caso de adolescentes, não deixar de tratá-lo com o mesmo tipo de respeito e atitude dados
a um adulto. Também é importante, por causa das demandas típicas desse tipo de paciente,
assegurar a confidencialidade e a confiança desse no médico, inclusive obtendo sua
autorização para falar com seus pais. Apesar da sua capacidade de abstração semelhante à do
adulto, a regressão ocasional e a labilidade emocional, naturais do adolescente, requerem
cuidados adicionais no momento da entrevista. Mostrar empatia, flexibilidade e bom humor,
se possível conhecendo as referências culturais da adolescência, mas não tentar “ser um
deles”.
Lidar com assuntos delicados: questões sexuais, uso de substâncias ilícitas, problemas
financeiros, comportamento impulsivo, experiências bizarras (sensoriais, religiosas),
violência doméstica, história de abuso e sintomas psicóticos. Muitos pacientes podem
evitar ou mesmo negar-se a abordá-los. Se não forem essenciais ao objetivo da
entrevista naquele momento, podem ser deixados para uma outra oportunidade,
conforme vá se estabelecendo uma relação de confiança. Mas em casos emergenciais
diretamente conectados com esses temas, é obrigatório abordá-los mesmo ante o
stress do entrevistado.
Discordância sobre avaliação e tratamentos: do paciente com o médico, ou com a
equipe, colocando o psiquiatra como mediador. É essencial ouvir o paciente e
identificar onde está a fonte do conflito, o que é útil também para restabelecer a
confiança no médico. Muitas vezes é a percepção do paciente de que os médicos estão
“contra” ele mais do que meramente uma dúvida ou um mal-entendido. Outras vezes,
pode se tratar de negação ou de minimização do problema pelo paciente, sendo
necessário abordar o assunto novamente ou envolver terceiros para colaborarem com
a situação. Dependendo da situação, será necessário tomar medidas protetivas e de
segurança, sempre respeitando, na medida do possível, o direito do paciente opinar e
até de rejeitar tratamento.
Erros comuns:
o Término prematuro do atendimento e conclusões precipitadas sobre os
sintomas
o Falso reasseguramento sobre o prognóstico
o Arrogância e postura defensiva sobre os preconceitos e mitos em torno da
Psiquiatria
o Omissão de partes importantes da entrevista
o Orientação de conduta antes do término da avaliação
o Explicações erradas ou incompletas sobre o diagnóstico e omissão sobre as
opções de tratamento
o Falha em estabelecer um rapport empático e genuíno
o Adotar postura agressiva diante de um paciente hostil ou vigiado
o Humilhar ou desconcertar o paciente, sem pedir imediatamente desculpas