You are on page 1of 8

A INFLUÊNCIA DO MEIO

NO SUCESSO ESCOLAR
A Influência do Meio no Sucesso Escolar

“As jovens mães, quando saem da maternidade, trazem,


quase todas, um livrinho que a Assistência Social lhes forneceu
e que contém informações sobre a higiene geral do bebé, os cuidados
a dispensar à sua alimentação, ao seu vestuário, etc...
Se as noções de higiene assim divulgadas são um auxílio precioso,
é lamentável que os jovens pais não recebam, igualmente,
conselhos gerais sobre a educação de seus filhos.”

Irène Lèzine 1

1. Ensino e/ou aprendizagem?

Nos últimos tempos, a expressão qualidade do ensino tem surgido com uma fre-
quência cada vez maior, nos mais variados discursos, públicos ou privados, sobre
questões de educação. Não raras vezes, infelizmente, esta expressão é usada em
referência, directa ou indirecta, aos professores (ensino) em detrimento dos alunos
(aprendizagem), separando, de uma maneira incorrecta, as duas faces da mesma moeda,
sem se tomar em consideração que se trata de uma relação dicotómica e dependente de
múltiplos factores, na sua maioria sócio-económicos.
“ ... os problemas que se põem ao educador e ao educando diferem consideravelmente
segundo o meio social e as idades em jogo. (...) evidência por cima da qual se passa
muitas vezes no exercício crítico da actividade escolar.”2 ; é incorrecto afirmar que a
relação professor-aluno é baseada na preponderância do mestre, ou que o seu espaço
físico - a escola - esteja totalmente isolado em relação à vida quotidiana.

“A relação professor-aluno é na sua complexa estrutura factor importante em todo o processo educativo.

1
Investigadora do “Centre National de la Recherche Scientifique” , em Paris, especialista do
desenvolvimento da primeira infância.
2
Prof. Dr. José A. Teixeira, no seu artigo Do Elemento Afectivo da Educação, Revista de Pedagogia,
Julho de 1972 ( p. 27) .

1
(...) o clima familiar e social do aluno no presente e no passado, o seu desenvolvimento mental, numa
palavra, a história da criança ou do jovem, condiciona de maneira mais ou menos intensa as suas
reacções e portanto a sua receptividade perante o professor. Ainda assim a personalidade do alun o
consegue em certos casos dominar o ambiente; mas em muitos outros é dominada por ele.” 3

Assim, em oposição, torna-se importante o contra-discurso da qualidade da


aprendizagem, pois é a dicotomia ensino / aprendizagem que deve estar sempre presente
no espírito; um processo que se revela tanto mais complexo quanto mais profunda é a
investigação que dele se possa fazer.

O que se entende realmente por sucesso escolar? Será, mensurável a curto prazo,
por intermédio de estatísticas, por parte da tecnocracia estatal, de carácter meramente
administrativo? Ou a longo prazo, verificando a capacidade de integração dos jovens na
sociedade? A resposta depende da perspectiva individual, mas é sempre indissociável
do conceito de “educação”.

2. O Meio Ambiente - a concepção behaviourista

“Os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas
consequências da sua acção. Alguns processos que o organismo humano compartilha com outras
espécies alteram o comportamento para que ele obtenha um intercâmbio mais útil e mais seguro em
determinado meio ambiente. (...) O comportamento altera o meio através de acções mecânicas,
e as suas propriedades ou dimensões relacionam-se frequentemente, de uma forma simples, com os
efeitos produzidos.” 4

A sobrevivência, assim como o desenvolvimento de um organismo, depende


das trocas que este efectua com o meio ambiente. Esta interacção consiste basicamente,
segundo a corrente behaviourista, num mecanismo de estímuloÞ(reforço)Þresposta.
Esta concepção da teoria do comportamento tem as suas raízes nas investigações de
Pavlov sobre a resposta condicionada, e foi desenvolvida ao longo das primeiras
décadas do séc. XX por investigadores como Watson, Thorndike, Guthrie, Hull; destes,
o mais destacado, o americano Burrhus Frederic Skinner, desenvolveu a teoria do
comportamento operante:

“ ... reacções emitidas do interior do sujeito como se fossem voluntárias, que operam no
ambiente para realizar uma mudança que leva à recompensa. Skinner acredita que “a tendência para
emitir as respostas operantes é fortalecida pelas respectivas consequências” “ 5

Atribuindo um papel quase exclusivo ao meio ambiente na construção psíquica


da criança (tendo vindo, por isso, a enfrentar sérios opositores), a corrente behaviourista
tem constituido uma importante fonte, no que concerne a concepção de educação
infantil, para a elaboração de documentos como o “Repertório de Comportamentos
Básicos” apresentado por Arthur Staats, assim como o programa Bereiter-Engelmann.
3
ibidem (p. 29) .
4
B. F. Skinner, O Comportamento Verbal, Ed. Cultrix, São Paulo, Brasil, 1978.
5
Ibidem citado em “ Psicologia”, Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 129.

2
O primeiro constitui a organização de um “conjunto de aquisições essenciais no plano
das capacidades sensório motoras, no da atenção, no da linguagem e no da motivação”,
cuja aquisição determina “o ritmo e a qualidade da aprendizagem escolar
subsequente” ; o segundo constitui a concretização do atrás exposto, sob a forma de
programa estruturado e tem como objectivo a compensação de “insuficiências culturo-
linguísticas em crianças de meios sócioculturalmente desfavorecidos”.

Da interacção técnica e cultural entre um indivíduo e o meio físico, que


fundamenta e caracteriza a vida de cada indivíduo, surge o conceito sociológico de meio
ambiente, que assume características diversificadas. Deste modo, são de assinalar as
noções de meio rural, meio citadino, meio profissional, meio familiar, meio escolar,
meio social, etc...

3. A Importância dos Primeiros Anos de Vida - o sistema nervoso e o meio ambiente

O sistema nervoso já está presente no feto após a 6ª semana de gravidez e atinge


o seu estádio básico de desenvolvimento até aos 2 meses de vida do embrião. Até ao
final do período da gravidez, o cérebro da futura criança continua em crescimento.
O cérebro de um embrião produz muito mais neurónios (células nervosas) do
que precisa, e depois elimina os excedentes. Os neurónios sobreviventes lançam
axónios (linhas de transmissão do sistema nervoso a longa distância); nas extremidades,
estes axónios produzem múltiplos ramos que se ligam temporariamente a muitos alvos.
Erupções espontâneas de actividade fortalecem algumas destas ligações, enquanto
outras (as que não são reforçadas pela actividade) se atrofiam.
Os axónios (que enviam sinais) e as dendrites (que os recebem) estabelecem
novas ligações (sinapses). A partir do momento do parto, com o surgimento de intensa
experiência sensorial, resultante do contacto com o meio ambiente, o processo de
desenvolvimento cerebral regista uma autêntica “explosão” de actividade eléctrica e de
multiplicação de novas sinapses; algumas delas, em número reduzido, vão sendo
eliminadas, devido ao facto de reve-
larem menor eficiência ou menor utilidade práctica.
Estabelece-se no sistema nervoso da criança um equilíbrio entre a formação e a
destruição de ligações neuronais, amplamente favorável ao crescimento, e que vai
manter-se até à idade aproximada de 10 anos; por essa altura o equilíbrio inverte-se: a
formação de sinapses é limitada, enquanto que o processo de eliminação atrás descrito
se mantém drasticamente.

“ (...) Privado de um ambiente estimulante, o cérebro de uma criança sofre. E sofre de tal
forma que aquelas que raramente sãoacariciadas ou brincam muito pouco desenvolvem cérebros 20 a 30
% mais pequenos do que seria normal para a sua idade. (...) experiências ricas produzem cérebros
ricos. (...) “ 6

6
J. Madeleine Nash no seu artigo intitulado “Pequenos Grandes Génios” , revista Visão, Fevereiro
1997.

3
Assim, pode-se concluir que o recém-nascido não é um simples produto da
sua herança genética, nem apenas um organismo passivo a aguardar a interacção com o
meio, mas a combinação destes dois aspectos.

“A acção conjunta do potencial genético e do meio em que esse potencial se expressa, é muitas
vezes descrita pela afirmação de que hereditariedade e meio interagem” 7

Quanto mais rico e estimulante se apresentar o meio ambiente durante os


primeiros anos de vida, mais satisfatório será o desenvolvimento da criança, não só ao
nível intelectual, mas também no plano motor, afectivo e social, etc...

4. A Origem Social

O sucesso escolar está fortemente relacionado com a origem social dos alunos.
Sejam quais forem os indicadores utilizados, quando o nível do estatuto social da
família se eleva, o êxito dos filhos aumenta igualmente.

“ ... algumas diferenças nas práticas educativas estão associadas à classe social dos pais. (...) os
pais da classe operária tendem a realçar a importância dos controlos externos, ao passo que os pais da
classe média tendem a inculcar o controlo interno. Quando se pergunta o que devem os pais realçar
quando educam os filhos, os pais da classe operária mencionam a “obediência”, os da classe média
provavelmente dizem o “autocontrolo”. Isto compreende-se se considerarmos o mundo em que os pais
vivem e trabalham. De modo geral, os membros da classe operária têm ocupações em que o trabalho é
supervisionado de perto, (...) o trabalho das pessoas da classe média é pouco supervisionado e pode ser
inteiramente autodirigido. Sendo assim, os pais tentam que os filhos se comportem em casa como eles
próprios no local de trabalho, a um exige-se que se torne obediente, a outro que se torne o seu próprio
patrão e aprenda a controlar-se a si próprio. (Kohn, 1969 ; Hess, 1970) ” 8

9
Sucesso Escolar Segundo a Origem Social

Profissões Grandes Pequenos


Liberais Proprietários Proprietários Empregados Operários
67,63 67,41 62,56 64,3 48,84

47,34 47,19 43,79 45,01 34,19

O quadro acima resulta de um inquérito internacional efectuado em 1964-65, em


12 países.
A aparente falta de actualidade deste estudo em relação à época actual, é só
aparente: por um lado, a estratificação social não tem sofrido alterações significativas ao
longo do espaço de tempo decorrido; por outro lado, o modelo de escolaridade mínima
7
Skinner, citado por Henry Gleitman em Psicologia, Fundação Calouste Gulbenkian, (cap. 13).
8
Kohn M. L. e Hess R. D. “Psicologia”, H. Gleitmann (p. 678).
9
Mohamed Cherkaoui - Sociologia da Educação, Colecção Saber, Publicações Europa-América.

4
que o quadro reflecte, corresponde agora à realidade do nosso país desde o final dos
anos 80.
O sucesso escolar foi medido por uma nota que varia de 0 a 100 10, igual à soma
dos resultados num grande número de testes de Matemática. A amostragem é
representativa de todos os alunos com 13 anos de idade ainda envolvidos no sistema de
ensino.
Verfica-se que o sucesso é mais elevado nos quadros superiores ou profissões
liberais; o sucesso menos elevado regista-se entre os alunos oriundos de famílias
operárias.
É necessário notar que se trata de valores médios, servindo de indicador
genérico; nada impede que, a nível individual, se registem variações totalmente
contrárias aos valores apresentados. Assim, por exemplo, um aluno proveniente de
uma família de grandes proprietários, pode eventualmente apresentar resultados globais
claramente inferiores aos de um aluno descendente de uma famíla operária, e vice-versa.
À primeira vista, trata-se de um facto com características aleatórias, no entanto, é
possível, em certos casos, encontrar a explicação averiguando diversos factores (sócio-
económicos, psicológicos, etc...) que possam vir a servir de indicador para clarificar
situações concretas; o clima familiar que envolve a criança, constitui um dos
principais indicadores para o as sunto deste trabalho.

Clima Afectivo e Cultural no Seio da Família

“A quantidade de reforço concedida ao comportamento verbal


de um falante varia de comunidade para comunidade (...).
Uma criança criada numa família que a reforça generosamente
tende a ter tal comportamento com muita força e falará em
quase todas as ocasiões. Caso contrário, ela tenderá a ser
relativamente taciturna ou silenciosa.”

B. F. Skinner

Para além de um ambiente pobre em estímulos, um clima afectivo pouco


construtivo a nível familiar, pode ter um efeito prejudicial nos resultados escolares da
criança, podendo inclusivamente contrariar o seu nível inteligência ou a sua
proveniência sócio-cultural.
Uma ou várias das seguintes situações podem justificar este fenómeno:

10
No original, os valores (incluidos no quadro sombreado) são apresentados numa variação de notas de 0
a 70; por uma questão de clareza, e de adequação ao nosso modelo, os valores foram aqui
redimensionados à escala 0 - 100.

5
· o desentendimento conjugal, que é por vezes acompanhado de violência
física ou psíquica; a consequente destruição progressiva da identidade e
da auto-estima de todos os elementos da família, quando prolongada e
quase banalizada, deixa marcas que se reflectem na personalidade e
comportamento futuros da criança;

· o papel demasiado preponderante do pai;

· o bloqueio da curiosidade natural da criança: um aluno que revela


indiferença a qualquer tipo de trabalho escolar , mesmo em relação às
actividades que parecem conter ingredientes que normalmente levam ao
prazer e à motivação, revela, para além de outras insuficiências sociais e
afectivas, uma educação redutora nos primeiros tempos de infância, em
que aspectos afectivos e comportamentais diversos foram cerceados, por
ex., através de simples proibições, como: “ ... uma criança bem educada só fala
quando a interrogam” em que a criança, naturalmente, interiorizou um
conceito que vai embaraçar o seu próprio desenvolvimento;

· expectativas exageradas dos resultados escolares;

· desvalorização do trabalho escolar: o exemplo, infelizmente demasiado


vulgar, de quem triunfou na vida sem ter frequentado a escola, é um dos
“métodos mais eficazes” de influenciar negativamente a motivação da
criança em relação ao trabalho escolar, a par da desvalorização da escola
em relação a uma actividade rentável do ponto de vista estritamente
salarial, e da desvalorização que muitos adultos fazem da sua vida
profissional na presença dos filhos, sobrevalorizando as férias e o lazer em
geral. 11

· o (não) acompanhamento da actividade escolar da criança em casa determina


significativamente o sucesso escolar da criança; falar em ensino-
aprendizagem implica a relação escola-família. Quando esta realidade
falha a criança poderá ver-se privada de um auxílio precioso que, se for
exercido de modo equilibrado, poderá melhorar diversos aspectos da vida
sua escolar ( motivação, assiduidade, métodos de trabalho, tarefas diárias,
etc...) .

11
Guy Avanzini, O Insucesso Escolar, Ed. Pórtico

6
BIBLIOGRAFIA

Avanzini, G. O Insucesso Escolar, Editorial Pórtico.

Cherkaoui, M. Sociologia da Educação, P. Europa América, 1986,


nº 193 da colecção SABER.

Gleitman, H. Psicologia, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1993.

Lèzine, I. Problemas Quotidianos de Educação, Livros Horizonte, 1964.

Perron, R. As Crianças Inadaptadas, Publicações Dom Quixote, Lisboa,


1974.

Skinner, B. F. O Comportamento Verbal, Editora Cultrix, São Paulo, 1978.

Vilhena, V.M. Pequeno Manual de Filosofia, 4ª ed. Sá da Costa Editora,


1978.

Wallon, H. Psicologia e Educação da Criança, Editorial Vega, 1979.

REVISTAS

REVISTA DE PEDAGOGIA, nº1, Julho de 1972.

VISÃO, nº 205, Fevereiro de 1997.

ATLÂNTIDA, Vol. XXXIII, 1º Semestre 1987).

You might also like