D’où venons-nous? Qui sommes-nous? Où allons-nous? (1897/1898)
Museum of fine Arts Boston A disciplina acadêmica de RIs foi criada a partir das tragédias na Grande Guerra. (exemplo dos Vinte Anos de Crise de E. H. Carr e outros). Será a guerra o motor da História e, particularmente, o motor da história das relações internacionais? A guerra é uma decorrência da política quando esta última é motivada pela busca de uma ordem perdida? O campo de conhecimentos em RIs não dispõe até hoje de um grande e compartilhado elenco de Batalha de Aljubarrota que assegurou guerras na história; a independência do reino português não se sabe com precisão quantas guerras face a Castela, a nova Dinastia de Avis ocorreram, nem com qual periodicidade se e a Aliança Luso-Britânica. realizaram; Pintura do século XV de Jean Os internacionalistas ainda não sistematizaram em D’Wavrin British Library. uma tabela graduatória sobre quais foram as guerras mais importantes que ocorreram na história e, como incidiram na politica internacional, construindo ou destruindo uma ordem internacional. Será um “catálogo de guerras” a matéria prima da História das Relações Internacionais? A história das guerras não é nada mais do que uma cronologia? Na nossa proposta de interpretação, as guerras ocorreram em períodos cadenciados ao longo do tempo (da história), distinguindo-se em função das variadas intensidades que assumiram. Se observarmos a história dos últimos quinhentos anos do ponto de vista dos Estados, protagonistas ora um ora outro, de grandes projetos de conquista, de fases hegemônicas, de graves conflitos internacionais, julgaremos esta história muito fragmentada. Para nós, ao contrário - que vivemos no início do terceiro milênio – é fácil perceber o sentido de globalidade da história do último meio milênio, circunscrito na história da evolução do Estado moderno que, tendo se configurado no início do século XVI, parece hoje ter alcançado um ponto de inflexão com a considerada pós-modernidade, isto é, na iminência de ver superadas as suas tradicionais prerrogativas: a incondicionalidade da soberania, o primado da sua capacidade de extração fiscal, o ciúme da defesa das fronteiras pátrias, ... O objetivo do presente curso é o de reconstituir a lógica de atuação especificamente internacional do Estado Moderno e de examinar os condicionamentos que tal lógica exerceu sobre a política interna dos respectivos Estados singulares. Este propósito equivale considerar quase o meio milênio que vai do século XVI ao contexto contemporâneo de início do século XXI com traços comuns que permitam observar uma certa unidade, não no sentido de homogeneidade ou de continuidade (que, obviamente, não se verifica), mas no de identificar a especificidade de uma “história internacional” de amplas dimensões; de dimensões globais. A utilização da expressão “história internacional” ao invés da usual “história das relações internacionais” indica uma intenção inovadora em relação a tradição. Com a proposição de uma “história internacional” se reivindica uma perspectiva de caráter internacional (para não dizer, global e planetária) para as análises e observações dos diferentes processos, transformações e eventos experimentados ao longo do tempo no plano interno dos Estados, deslocando a abordagem tradicional estado-centrica da disciplina de Relações Internacionais. A hipótese desta proposta de trabalho (estudos e discussões) para o semestre é clara: o desenvolvimento da vida política interna dos Estados resulta das transformações internacionais de ampla dimensão. Mas qual será o modelo interpretativo geral desta “história internacional”? Propomos nos concentrar nos conceitos de ordem internacional como elemento continuo e, no de guerra como ruptura histórica. Esta proposição de análise implica em se concentrar, de modo essencial, na dinâmica da conflitualidade internacional, ou seja nas diferentes guerras de um determinado período histórico. No entanto, não se pretende fazer uma história das guerras no sentido tradicional manualístico, mas sim tomar as diferentes guerras como indicadores, ou seja, como instrumento para evidenciar as características especificas de cada época histórica. As guerras estarão no centro da nossa “história internacional”, mas realizaremos uma reflexão mais ampla do que a da convencional história das guerras. O período histórico que absorverá a nossa atenção se estende de 1521 (data do início do longo conflito entre entre a Espanha de Carlos V e a França de Francisco I) e irá até 1914 (por ocasião do começo da Primeira Guerra Mundial). No interior deste dois limites extremos, identificamos diferentes “séculos” (épocas históricas) inscritos entre duas grandes guerras. 1. O primeiro período se estenderá de 1521 a 1618; 2. O segundo período se estenderá de 1618 a 1792 e; 3. O terceiro período se estenderá de 1792 a 1914. A hipótese interpretativa que sustenta este modelo de análise é a de que cada um destes períodos históricos (“séculos”) esteve baseado em um determinado e especifico princípio de ordem internacional. Nossa “história internacional” terá início com a formação do chamado “Estado moderno”. Mas o que foi (ou, o que é) o Estado moderno? O Estado moderno foi uma forma particular de organização das relações no interior de uma comunidade de indivíduos, reunidos em um território muito precisamente delimitado no interior do qual se configurou de modo estável a ação de um poder central (no passado representado por um soberano e, hoje por um governo). Este poder central tinha de ser capaz de estender a todo o seu território algumas funções fundamentais: 1) a função executiva (primeiramente exercida por uma Corte e, depois por uma classe política e/ou por uma burocracia de Estado; 2) a função financeira que garante a extração fiscal e a capacidade de arrecadação; 3) a função judiciária (voltada para a manutenção da ordem civil e social) e; 4) a função militar direcionada seja para a defesa externa do Estado seja para o controle da ordem interna. Quando todas estas funções citadas – executiva, financeira, judiciária e militar – agiram de modo articulado e se desenvolveram harmoniosamente tivemos todas as condições de chamar o território no qual estas funções se realizaram de um Estado moderno. Na verdade de um Estado moderno soberano, ou seja, aquele com capacidade de não permitir a qualquer um que não seja o seu soberano de intervir nas questões internas do Estado. Este ponto de partida se verificou na sociedade espanhola do final do século XVI na qual somente uma autoridade central (onde no início do mesmo século existiam quatro reinos – Aragão, Castela, Navarra e Leão) emanou um poder politico destinado a valer para todo e qualquer vilarejo de toda a península ibérica (incluindo depois -1580 a 1640 o próprio reino português) Os Estados modernos soberanos configurados a partir do século XVI viram-se, entretanto, diante do dilema, que parte quase majoritária da teoria de RIs chama de “anarquia internacional”, ou seja, se cada Estado é soberano isto significa que todos os outros Estados representam para o primeiro uma potencial ameaça, já que é facilmente imaginável que um Estado maior, mais rico e mais armado pode pensar em se expandir em prejuízo do vizinho mais fraco ou mais indefeso. Esta é a base “material” da anarquia internacional. Não há possibilidade de pacificação (como ocorre a partir do contrato social e politico entre os cidadãos e o soberano no interior dos Estados modernos) nas relações entre os Estados dado que cada um destes atores é soberano e, portanto, independente e indiferente a tudo o que se desenvolve para além de suas fronteiras (com exceção dos problemas de segurança). Desta visão resultará, a única teoria formulada para a natureza das relações internacionais que é a do “equilíbrio de potência” para ser entendida como um incessante e repetitivo jogo de balanços recíprocos entre os Estados, ou melhor, entre suas coalizões ou alianças, destinadas a formarem-se e dissolverem- se em função das circunstancias. Mas basta observar que a teoria dos equilíbrios busca explicar tanto, a guerra (desagregação) quanto, a paz (consolidação) para tomar consciência que se trata de uma interpretação tautológica que pretende funcionar sempre, considerando indiferentes as mudanças das condições históricas. Qual interpretação alternativa pode ser utilizada para o estudo da história internacional? Na maior parte dos casos, as guerras são avaliadas como um ato extremo de processos de desagregação ou de crise os quais teriam sido determinados por um tipo de força inercial. Um outro caminho consiste em privilegiar a perspectiva de que a guerra encontra-se não no fim de uma época, mas no seu início. Nesta abordagem a guerra dá vida a um sistema internacional muito mais do que determina o fim do sistema precedente. (como se diz, “a paz nasce da guerra”) Podemos fazer uma analogia da ideia de que uma grande guerra, uma “guerra constituinte” dá vida a um novo sistema internacional com o exemplo do processo de formação do Estado moderno. O Estado nasceu de um conflito entre forças político-sociais que disputavam o poder de ditar a constituição depois que, entre os cidadãos (representados em partidos politico) se desenvolveu um período de vida “normal”, ao longo do qual a constituição formal se sustânciava em uma série infinita de comportamentos dos quais não estavam excluídos vários tipos de violações: comportamentos antijurídicos, ilegais ou criminosos. Tal tipo de Estado teve uma duração indeterminada e foi periodicamente avaliado nos seus princípios pela chamada das urnas. Das eleições resultaram para além da escolha dos representantes, a confirmação do pacto social entre os cidadãos.. Mas, no caso dos Estados sabemos também que existiram nascimentos e mortes, formações e dissoluções, transformações pacificas ou violentas, transições e revoluções. Podemos imaginar que a história dos sistemas internacionais seja algo similar e que a diferença mais notável seja, sem dúvida, existência da guerra (excluída do âmbito interno e, absolutamente, central no plano internacional). A guerra produz consequências de tais dimensões que toda a vida pacifica que a sucede é alterada. A guerra parece ser, de fato, continuação da política por outros meios (Clausewitz) e como tal o maior esforço que a razão politica pode conduzir para impor a sua vontade sobre outras. Mas as guerras não são todas iguais. Nossa proposição é a de identificar e caracterizar as chamadas “guerras constituintes” da história internacional. As “guerras constituintes” também chamadas de “guerras mundiais” têm sido conflitos de dimensões tão amplas e de consequências tão imponentes que envolvem todo o mundo em seus respectivos contextos. Exemplos: 1. A guerra entre Carlos V e Francisco I entre 1521 e 1559 se desenvolveu no territórios da Itália, França, Alemanha, Flandres e envolveu além do mais o Papado, Veneza, o Império Otomano e a Inglaterra. 2. O longo e grande conflito que iniciou com a guerra dos trinta anos de 1618 a 1648 combatido na Europa centro- setentrional e, portanto nos diversos territórios alemães e na Boêmia, Dinamarca, Suécia, na República das Províncias Unidas, na Itália setentrional, na França e envolve também Espanha e Inglaterra e, se estende até a guerra de sucessão espanhola (1701-1714) cujos os campos de batalha vão da Espanha aos territórios alemães, do Piemonte a Sardenha e as ilhas Baleares, de Gibraltar a Itália meridional dos quais participam Inglaterra, Império austríaco, Republica das Províncias Unidas e França. 3. As guerras revolucionarias e napoleônicas (1792-1815) e as guerras conduzidas pelas diversas coalizões formadas pelos Estados europeus para se contraporem aos projetos franceses e que foram combatidas em toda a Europa continental e também na África setentrional.