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Paul Gauguin, 1848-1903

D’où venons-nous? Qui sommes-nous? Où allons-nous? (1897/1898)


Museum of fine Arts Boston
A disciplina acadêmica de RIs foi criada a partir
das tragédias na Grande Guerra. (exemplo dos
Vinte Anos de Crise de E. H. Carr e outros).
Será a guerra o motor da História e,
particularmente, o motor da história das relações
internacionais?
A guerra é uma decorrência da política quando
esta última é motivada pela busca de uma ordem
perdida?
O campo de conhecimentos em RIs não dispõe até
hoje de um grande e compartilhado elenco de
Batalha de Aljubarrota que assegurou
guerras na história;
a independência do reino português
não se sabe com precisão quantas guerras face a Castela, a nova Dinastia de Avis
ocorreram, nem com qual periodicidade se e a Aliança Luso-Britânica.
realizaram;
Pintura do século XV de Jean
Os internacionalistas ainda não sistematizaram em
D’Wavrin British Library.
uma tabela graduatória sobre quais foram as
guerras mais importantes que ocorreram na
história e, como incidiram na politica
internacional, construindo ou destruindo uma
ordem internacional.
Será um “catálogo de guerras” a matéria prima da História das
Relações Internacionais?
A história das guerras não é nada mais do que uma
cronologia? Na nossa proposta de interpretação, as guerras
ocorreram em períodos cadenciados ao longo do tempo (da
história), distinguindo-se em função das variadas intensidades
que assumiram.
Se observarmos a história dos últimos quinhentos anos do
ponto de vista dos Estados, protagonistas ora um ora outro, de
grandes projetos de conquista, de fases hegemônicas, de
graves conflitos internacionais, julgaremos esta história muito
fragmentada.
Para nós, ao contrário - que vivemos no início do terceiro
milênio – é fácil perceber o sentido de globalidade da história
do último meio milênio, circunscrito na história da evolução
do Estado moderno que, tendo se configurado no início do
século XVI, parece hoje ter alcançado um ponto de inflexão
com a considerada pós-modernidade, isto é, na iminência de
ver superadas as suas tradicionais prerrogativas: a
incondicionalidade da soberania, o primado da sua capacidade
de extração fiscal, o ciúme da defesa das fronteiras pátrias, ...
O objetivo do presente curso é o de
reconstituir a lógica de atuação
especificamente internacional do Estado
Moderno e de examinar os
condicionamentos que tal lógica exerceu
sobre a política interna dos respectivos
Estados singulares.
Este propósito equivale considerar quase o
meio milênio que vai do século XVI ao
contexto contemporâneo de início do século
XXI com traços comuns que permitam
observar uma certa unidade, não no sentido
de homogeneidade ou de continuidade (que,
obviamente, não se verifica), mas no de
identificar a especificidade de uma “história
internacional” de amplas dimensões; de
dimensões globais.
A utilização da expressão “história
internacional” ao invés da usual “história das
relações internacionais” indica uma intenção
inovadora em relação a tradição.
Com a proposição de uma “história
internacional” se reivindica uma perspectiva
de caráter internacional (para não dizer, global
e planetária) para as análises e observações
dos diferentes processos, transformações e
eventos experimentados ao longo do tempo
no plano interno dos Estados, deslocando a
abordagem tradicional estado-centrica da
disciplina de Relações Internacionais.
A hipótese desta proposta de trabalho
(estudos e discussões) para o semestre é
clara: o desenvolvimento da vida política
interna dos Estados resulta das
transformações internacionais de ampla
dimensão.
Mas qual será o modelo interpretativo geral
desta “história internacional”?
Propomos nos concentrar nos conceitos de
ordem internacional como elemento continuo
e, no de guerra como ruptura histórica.
Esta proposição de análise implica em se
concentrar, de modo essencial, na dinâmica da
conflitualidade internacional, ou seja nas
diferentes guerras de um determinado período
histórico. No entanto, não se pretende fazer
uma história das guerras no sentido tradicional
manualístico, mas sim tomar as diferentes
guerras como indicadores, ou seja, como
instrumento para evidenciar as características
especificas de cada época histórica. As guerras
estarão no centro da nossa “história
internacional”, mas realizaremos uma reflexão
mais ampla do que a da convencional história
das guerras.
O período histórico que absorverá a nossa
atenção se estende de 1521 (data do início do
longo conflito entre entre a Espanha de Carlos V
e a França de Francisco I) e irá até 1914 (por
ocasião do começo da Primeira Guerra Mundial).
No interior deste dois limites extremos,
identificamos diferentes “séculos” (épocas
históricas) inscritos entre duas grandes guerras.
1. O primeiro período se estenderá de 1521 a
1618;
2. O segundo período se estenderá de 1618 a
1792 e;
3. O terceiro período se estenderá de 1792 a
1914.
A hipótese interpretativa que sustenta este
modelo de análise é a de que cada um destes
períodos históricos (“séculos”) esteve baseado
em um determinado e especifico princípio de
ordem internacional.
Nossa “história internacional” terá início com a
formação do chamado “Estado moderno”.
Mas o que foi (ou, o que é) o Estado moderno?
O Estado moderno foi uma forma particular de
organização das relações no interior de uma
comunidade de indivíduos, reunidos em um território
muito precisamente delimitado no interior do qual se
configurou de modo estável a ação de um poder central
(no passado representado por um soberano e, hoje por
um governo). Este poder central tinha de ser capaz de
estender a todo o seu território algumas funções
fundamentais: 1) a função executiva (primeiramente
exercida por uma Corte e, depois por uma classe
política e/ou por uma burocracia de Estado; 2) a função
financeira que garante a extração fiscal e a capacidade
de arrecadação; 3) a função judiciária (voltada para a
manutenção da ordem civil e social) e; 4) a função
militar direcionada seja para a defesa externa do Estado
seja para o controle da ordem interna.
Quando todas estas funções citadas –
executiva, financeira, judiciária e militar –
agiram de modo articulado e se desenvolveram
harmoniosamente tivemos todas as condições
de chamar o território no qual estas funções se
realizaram de um Estado moderno.
Na verdade de um Estado moderno soberano,
ou seja, aquele com capacidade de não
permitir a qualquer um que não seja o seu
soberano de intervir nas questões internas do
Estado.
Este ponto de partida se verificou na sociedade
espanhola do final do século XVI na qual
somente uma autoridade central (onde no
início do mesmo século existiam quatro reinos
– Aragão, Castela, Navarra e Leão) emanou um
poder politico destinado a valer para todo e
qualquer vilarejo de toda a península ibérica
(incluindo depois -1580 a 1640 o próprio reino
português)
Os Estados modernos soberanos configurados a
partir do século XVI viram-se, entretanto, diante
do dilema, que parte quase majoritária da teoria
de RIs chama de “anarquia internacional”, ou
seja, se cada Estado é soberano isto significa que
todos os outros Estados representam para o
primeiro uma potencial ameaça, já que é
facilmente imaginável que um Estado maior,
mais rico e mais armado pode pensar em se
expandir em prejuízo do vizinho mais fraco ou
mais indefeso. Esta é a base “material” da
anarquia internacional. Não há possibilidade de
pacificação (como ocorre a partir do contrato
social e politico entre os cidadãos e o soberano
no interior dos Estados modernos) nas relações
entre os Estados dado que cada um destes
atores é soberano e, portanto, independente e
indiferente a tudo o que se desenvolve para além
de suas fronteiras (com exceção dos problemas
de segurança).
Desta visão resultará, a única teoria
formulada para a natureza das relações
internacionais que é a do “equilíbrio de
potência” para ser entendida como um
incessante e repetitivo jogo de balanços
recíprocos entre os Estados, ou melhor,
entre suas coalizões ou alianças,
destinadas a formarem-se e dissolverem-
se em função das circunstancias. Mas
basta observar que a teoria dos
equilíbrios busca explicar tanto, a guerra
(desagregação) quanto, a paz
(consolidação) para tomar consciência
que se trata de uma interpretação
tautológica que pretende funcionar
sempre, considerando indiferentes as
mudanças das condições históricas.
Qual interpretação alternativa pode ser utilizada para o estudo da história
internacional?
Na maior parte dos casos, as guerras são avaliadas como um ato extremo de processos
de desagregação ou de crise os quais teriam sido determinados por um tipo de força
inercial.
Um outro caminho consiste em privilegiar a perspectiva de que a guerra encontra-se
não no fim de uma época, mas no seu início. Nesta abordagem a guerra dá vida a um
sistema internacional muito mais do que determina o fim do sistema precedente.
(como se diz, “a paz nasce da guerra”)
Podemos fazer uma analogia da ideia de que
uma grande guerra, uma “guerra constituinte”
dá vida a um novo sistema internacional com o
exemplo do processo de formação do Estado
moderno. O Estado nasceu de um conflito
entre forças político-sociais que disputavam o
poder de ditar a constituição depois que, entre
os cidadãos (representados em partidos
politico) se desenvolveu um período de vida
“normal”, ao longo do qual a constituição
formal se sustânciava em uma série infinita de
comportamentos dos quais não estavam
excluídos vários tipos de violações:
comportamentos antijurídicos, ilegais ou
criminosos. Tal tipo de Estado teve uma
duração indeterminada e foi periodicamente
avaliado nos seus princípios pela chamada das
urnas. Das eleições resultaram para além da
escolha dos representantes, a confirmação do
pacto social entre os cidadãos..
Mas, no caso dos Estados sabemos
também que existiram nascimentos e
mortes, formações e dissoluções,
transformações pacificas ou violentas,
transições e revoluções.
Podemos imaginar que a história dos
sistemas internacionais seja algo similar
e que a diferença mais notável seja, sem
dúvida, existência da guerra (excluída do
âmbito interno e, absolutamente,
central no plano internacional).
A guerra produz consequências de tais
dimensões que toda a vida pacifica que
a sucede é alterada. A guerra parece ser,
de fato, continuação da política por
outros meios (Clausewitz) e como tal o
maior esforço que a razão politica pode
conduzir para impor a sua vontade
sobre outras.
Mas as guerras não são todas iguais. Nossa proposição é a de identificar e
caracterizar as chamadas “guerras constituintes” da história internacional.
As “guerras constituintes” também chamadas de “guerras mundiais” têm sido
conflitos de dimensões tão amplas e de consequências tão imponentes que
envolvem todo o mundo em seus respectivos contextos. Exemplos:
1. A guerra entre Carlos V e Francisco I entre 1521 e 1559 se desenvolveu no
territórios da Itália, França, Alemanha, Flandres e envolveu além do mais o
Papado, Veneza, o Império Otomano e a Inglaterra.
2. O longo e grande conflito que iniciou com a guerra dos trinta anos de 1618 a
1648 combatido na Europa centro- setentrional e, portanto nos diversos
territórios alemães e na Boêmia, Dinamarca, Suécia, na República das Províncias
Unidas, na Itália setentrional, na França e envolve também Espanha e Inglaterra
e, se estende até a guerra de sucessão espanhola (1701-1714) cujos os campos
de batalha vão da Espanha aos territórios alemães, do Piemonte a Sardenha e
as ilhas Baleares, de Gibraltar a Itália meridional dos quais participam Inglaterra,
Império austríaco, Republica das Províncias Unidas e França.
3. As guerras revolucionarias e napoleônicas (1792-1815) e as guerras
conduzidas pelas diversas coalizões formadas pelos Estados europeus para se
contraporem aos projetos franceses e que foram combatidas em toda a Europa
continental e também na África setentrional.

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