You are on page 1of 32

RI e global history

Silvia Patuzzi
História Global é um dos fenômenos intelectuais mais
relevantes da historiografia contemporânea.

Seu impacto nas técnicas, teorias e princípios da


pesquisa histórica pode ser visto na recente
proliferação de livros, artigos, periódicos, cursos e
fontes de financiamento. O processo tem sido facilitado
pela atual revolução no acesso a fontes digitais de
pesquisa em todo o globo.

Desafiando as narrativas predominantemente nacionais


da disciplina, esse movimento de internacionalização
da História abre espaço para vigorosos debates e
estabelece pontes com o estudo acadêmico das
Relações Internacionais.
Índice
I. Apresentação da proposta: histórias para
pessoas inteligentes: não queremos
“estudar” história, mas “pensar” a história
II. Uma nova abordagem para o estudo do
nosso passado: história moderna das
relações internacionais e global history
III. A construção dos impérios no mundo
moderno
IV. O mundo euroasiático na primeira época
moderna (séculos XV-XVIII)
1.  Livrar-se da camisa de força da setorização do
conhecimento dada pela disciplinarização do saber:
ainda faz sentido dividir a história em geral e nacional?
Em blocos cronológicos convencionais? As
universidades do século XXI e a inversão da rota da
hiperespecialização
2.  Estabelecer um diálogo entre a nossa história (do
Ocidente), relações internacionais, histórias extra-
européias, economia e arte: as disciplinas
humanísticas ainda são profissionalizantes?
3.  Exercitar com liberdade a capacidade retrospectiva e
prospectiva da história: o que aconteceu nos diz
respeito?
II. Uma nova abordagem para o estudo do nosso
passado: história moderna e global history
Charles H. Parker – nosso mundo resulta de intensas
interações globais

Segundo o autor, professor modernista da Saint Louis University, as


principais características da época moderna foram a expansão imperial
e os intercâmbios em escala planetária que originou: trocas comerciais
de longa distância, grandes fluxos migratórios, transferências e
alterações ecológicas, expansão religiosa e circulação de informação.
Partindo desta afirmação, apresenta as principais interações globais
ocorridas durante o longo período inscrito entre 1400-1800.

A tese defendida pelo autor é que com a dissolução do maior império da


história, o império eurasiático mongol dos séculos XIII-XIV, iniciou-se um
período de formação de estados crescentemente centralizados,
burocratizados e expansionistas, no qual emergiram os impérios
asiáticos e europeus dos séculos XV-XVIII.

Os principais responsáveis pelos contatos, interconexões e


intercâmbios entre distintos povos e continentes que levaram a um
processo de progressiva integração, competição e interdependência em
escala global foram os cinco grandes impérios territoriais asiáticos
(chinês, russo, otomano, safávida e mugal) e os cinco maiores impérios
marítimos europeus (português, hispânico, neerlandês, francês e
inglês), mesmo reconhecendo a existência de outras poderosas
unidades políticas e imperais asiáticas (choson e tokugawa), africanas
(bugunda, oyo, asante, rozwei e sokoto) e americanas (asteca e inca
Como seria o mapa das
interações globais do
mundo na época
moderna?
Quem aprodou primeiro foi o degredado
João Nunes…

Representação ufanista de Vasco da


Gama na chegada à Índia, ostentando a
bandeira usada nos Descobrimentos: as
armas de Portugal e a cruz da Ordem de
Cristo, patrocinadores do movimento de
expansão iniciado pelo Infante D.
Henrique. Pintura de Ernesto Casanova

Ernesto Casanova - Library of Congress


(Illustration for: Os Lusíadas by Luís de
Camões, edition of 1880.)
Não apenas Vasco da Gama,
Colombo e Marco Polo…
Os europeus não eram os únicos a
se aventurarem em terras
distantes. As aventuras de Ibn
Battuta (1304-1377)

Litografia do início do século XX


representando ibn Battuta no Egito
Partiu da sua cidade
natal em 1325 para a
sua primeira viagem,
cuja rota englobava o
Egipto, Meca e o
Iraque.

Mais tarde, correu o


Iémen, a África
Oriental, as margens
do rio Nilo, a Ásia
Menor, a costa do mar
Negro, a Crimeia, a
Rússia, o Afeganistão,
a Índia - onde visitou
Calecute, por exemplo
-, as ilhas da Sonda
(Indonésia) e a região
de Cantão, na China.

Itinerário 1325–1332
Itinerário 1332–1347
Itinerário
1349–1354

Nos últimos anos de vida, esteve em Granada, Espanha, quando esta era ainda a capital do reino nasrida
(dinastia muçulmana ibérica). Realizou depois a travessia do deserto do Saara pelo famoso e mítico trilho das
caravanas de Tombuctu. Por fim, acabou por se fixar no seu país de origem, Marrocos, onde acabaria por
falecer em 1377, na importante cidade de Fez. Como testemunho das suas viagens deixou ficar a obra ditada e
escrita pelo seu secretário, que se intitula Tuhfat annozzâr fi ajaib alamsâr, a qual relata as várias epopeias e
jornadas aventurosas da sua vida de viajante explorador.
A integração global do espaço
Os séculos XV e XVI não inauguraram a Era
dos Descobrimentos europeus, mas
assistiram a uma progressiva e intensa
integração global do espaço.

Neste mesmo período, diversos estados


asiáticos estabeleceram um controle político
sobre enormes parcelas de terras, homens
e recursos
Nascem os três impérios muçulmanos: Otomano, Safávida e Mogul
Na parte oriental da China nascia uma dinastia
vigorosa (Ming) que, a partir de meados do século
XIV, pôs as bases para o império mais poderoso
do mundo
No extremo norte, os russos criaram um império imenso
que abarcava a tundra siberiana até o Pacífico.
Expansão imperial
Os processos de formação dos estados e impérios asiáticos e europeus apresentaram influências
mútuas, paralelismos e diferenças. Os aspectos comuns foram: centralização política, criação de
burocracias, conquista militar, migração e conversão religiosa. O mais interessante a este respeito é o
destaque dado aos acordos com as elites locais. Enquanto os impérios asiáticos se caracterizaram pelo
controle de domínios territoriais muito mais vastos, os impérios europeus constituíram-se através do
controle de rotas marítimas de longa distância, articulando entrepostos e possessões em diferentes
continentes.

Um traço distintivo na formação dos numerosos estados europeus foi a sua acirrada competição, que se
refletiu em uma agressiva política de expansão ultramarina em África, Ásia e América. Parker observa que
a presença europeia no Índico foi mais marítimo-comercial e o seu poderio teve de ser construído ao
longo do tempo, enquanto no Atlântico foi mais territorial e agrícola, impondo-se de forma mais imediata.
Em ambos oceanos os ibéricos foram precursores, sendo seguidos por franceses, neerlandeses,
ingleses, suecos e dinamarqueses. Segundo o autor, o caráter comercial e marítimo dos impérios
europeus lhes teria garantido o papel de principais vetores das interações globais do período. Todavia, a
opção por iniciar pelos impérios europeus não parece apropriada, dada a precedência asiática em termos
de centralização política, expansão imperial e comercialismo.

As dinastias Ming e Qing puseram fim ao domínio mongol e empreenderam a conquista de largas porções
do centro e do sul asiáticos, dobrando o tamanho do império chinês. Aproveitando o declínio do poderio
mongol, os czares russos declararam independência e promoveram a conquista da Sibéria, constituindo o
maior império territorial da modernidade. Três impérios muçulmanos surgiram a partir do enfraquecimento
dos impérios mongol e timúrida. O império otomano expandiu-se a partir da Anatólia (atual Turquia),
dominando um imenso território que se estendia do Iraque à Áustria e da Ásia Menor ao Qatar. O império
safávida atingiu limites superiores aos do atual território iraniano, estendendo-se desde o Iraque até a
Índia. O império mugal, por sua vez, dominou quase toda a Índia, Paquistão, Bangladesh e partes do
Afeganistão.
Comércio de longa distância

Embora o comércio de longa distância fosse anterior ao período moderno, a expansão


dos impérios europeus e asiáticos originou redes comerciais de caráter genuinamente
global com fluxos em escala inédita. Tais conexões foram criadas a partir de centros de
produção regional, movimentando produtos africanos (escravos, ouro, marfim, cobre,
panos e produtos agrícolas), americanos (ouro, prata, madeiras, açúcar, cacau, tabaco,
algodão e índigo), asiáticos (artigos de luxo, manufaturas, peles, pimenta e outras
especiarias) e europeus (armas de fogo, têxteis e outras manufaturas). Suas rotas
integraram três grandes circuitos (índico, eurasiático e atlântico), conectando as cinco
maiores zonas comerciais do mundo: as cidades portuárias índicas, as rotas da seda
centro-asiáticas, os circuitos mediterrânico e báltico europeus, a região mesoamericana e
as redes transaarianas, centrais e sul africanas. O resultado foi a emergência de uma
economia mundial de caráter policêntrico.

As redes mercantis organizaram-se através da articulação entre poderes políticos, elites


econômicas, companhias comerciais, associações de mercadores e redes familiares. A
intensificação das trocas mercantis provocou diásporas comerciais, cujos casos mais
emblemáticos foram o judeu e o armênio, levando também ao aprimoramento de
tecnologias e instituições financeiras, como bancos, papel moeda, letras de câmbio,
empréstimos e técnicas contábeis. Ao contrário do que se poderia pensar, a abertura das
rotas marítimas de longa distância pelos europeus não levou ao fim das rotas terrestres
eurasiáticas, sendo que ambas coexistiram de forma complementar. Além disso, apesar
da decretação de monopólios, os estados e companhias europeus não tinham capacidade
de controlar completamente o comércio. Em todo caso, durante o final da modernidade a
supremacia econômica começou a passar da Ásia para a Europa.
Migração em larga escala
Reunindo os resultados de investigações recentes, o autor sublinha a importância decisiva das
interações demográficas, assinalando a ocorrência de quatro grandes movimentos migratórios que
promoveram mestiçagens e a criação de novas sociedades. Algo em torno de 12 milhões de africanos e
cerca de 1,4 milhões de europeus passaram para o continente americano, tratando-se das duas maiores
diásporas da história. Estima-se que 300 mil russos migraram para a Sibéria, realizando o terceiro maior
movimento populacional de que se tem notícia. Explorando o viés comparativo, o autor aponta diversas
similaridades entre a imigração russa para os territórios siberianos e a imigração euro-africana para o
continente americano. Por fim, milhares de chineses imigraram, parte deles forçadamente, para as
fronteiras imperiais do centro asiático, assinalando-se ainda uma diáspora comercial chinesa em direção
às cidades portuárias do sudeste asiático.

Charles Parker assinala que uma das mais profundas consequências destas migrações foi a
disseminação de doenças contagiosas, ocasionando catástrofes demográficas entre as populações
indígenas americanas, siberianas, oceânicas e sul-africanas, que não possuíam defesas imunológicas.
As populações indígenas centro e sul americanas foram reduzidas a cerca de uma décima-parte, em
grande medida por conta das doenças trazidas pelos conquistadores europeus e seus escravos
africanos, como varíola, sarampo, tifo, caxumba, malária e febre amarela. De forma semelhante, cerca
de metade das populações indígenas siberianas foi dizimada por varíola, sífilis e gonorreia transmitidas
pelos russos. Algo semelhante se passou no sul do continente africano. Tais morticínios favoreceram a
conquista europeia. Se, por outro lado, a malária endêmica contribuiu para que os europeus não
adentrassem no território africano, por outro, ao ser introduzida através de africanos no continente
americano e dizimar as suas populações indígenas, ampliou a demanda por escravos africanos. Para
além do conhecido comércio transatlântico de escravos, observa-se ainda que 1,7 milhões de africanos
foram vendidos para os mercados índico e arábico, informando-se também sobre o intenso comércio de
escravos eslavos na Criméia, o segundo maior centro escravista do mundo moderno.
Transferências e transformações ecológicas

Uma das partes mais interessantes e inovadoras do livro é a consideração das interações
biológicas e das alterações ecológicas ocorridas em praticamente todas as regiões do
globo, como a disseminação de doenças, a miscigenação, a transferência de culturas e
animais, o criatório extensivo, a mineração e a monocultura. Abordando uma questão
bastante atual, o autor enumera os seus impactos ecológicos, tais como epidemias,
desflorestamento, diminuição da biodiversidade, redução da população de peixes e
mamíferos terrestres e marinhos, contaminação do solo e do ar, erosão, assoreamento de
rios e aumento da aridez em determinadas regiões. Não por acaso, no século XVIII surgiu
na Europa e no Japão a preocupação com a exploração desenfreada dos recursos
naturais.

Para além das catástrofes demográficas e ambientais, destaca-se que a transferência de


plantas e animais proporcionou um largo aumento da produção alimentícia, sobretudo em
decorrência da introdução de alimentos americanos como milho, batatas, feijões,
mandioca e amendoim nos continentes africano, europeu e asiático. O mesmo se pode
dizer da introdução de animais de corte no continente americano, onde foram criados em
grande quantidade. O aumento da disponibilidade de alimentos ajuda a explicar como foi
possível que, apesar das epidemias, guerras e escravidão que marcaram o período, a
população mundial praticamente dobrasse entre 1500-1800, atingindo a marca dos 950
milhões.
http://visual.ly/origins-and-paths-epidemics
Expansão religiosa e circulação de informação

Outro aspecto explorado é a ligação entre a expansão imperial e os processos


paralelos de cristianização e islamização. Segundo o autor, a atividade
missionária teria promovido uma verdadeira globalização da fé durante a
modernidade. Observa-se que a missionação cristã e muçulmana produziu
sincretismos, evidenciando que as novas crenças não eram passivamente
acolhidas pelas sociedades locais.

Assinala-se que os missionários católicos foram mais ativos e mostraram-se mais


flexíveis, sendo, por isso, mais bem-sucedidos que os seus congêneres
protestantes. Ao privilegiar os territórios ultramarinos, a autor não aponta que a
missionação cristã se deu no interior do próprio continente europeu.

Algo semelhante se passou em relação à imposição das línguas nacionais


europeias. Segundo o autor, num segundo momento a propagação religiosa teria
sido marcada por reformas que visavam maior uniformização e o fortalecimento
de ortodoxias. A afirmação de que o enfraquecimento dos impérios muçulmanos
teria sido causado pela adoção de ortodoxias religiosas, por sua vez, mostra-se
pouco convincente. As interações globais são exemplificadas ainda através da
circulação de conhecimentos etnográficos, cartográficos e astronômicos entre
persas, árabes, turcos, judeus, chineses e europeus.
III. A construção dos impérios no
mundo moderno
Gengis Khan (1162 —1227)
A Eurásia antes do avanço mongol
IV. Leia e Pense!

Qual o lugar do 'global' na História das Relações


Internacionais?

Em que medida a "virada global" na pesquisa e


escrita da História das Relações Internacionais tem
proposto uma nova agenda de estudos que
transcendem o quadro metodológico dominante do
estado-nação e questionam o eurocentrismo das
narrativas históricas tradicionais?
Ângela Barreto Xavier e Catarina Madeira Santos, «Entrevista a Sanjay
Subrahmanyam», Cultura, Vol. 24, 2007, 253-268
http://journals.openedition.org/cultura/904#text;

Introdução do manual sobre História Global de Sebastian Conrad: Historia Global.


Una nueva visión para el mundo actual (2016);

Resenha de José Eudes Gomes à obra de Charles H. Parker Global Interactions in


the Early Modern Age. Cambridge: Cambridge University Press, 2010 (
http://journals.openedition.org/nuevomundo/67924);

Charles H. Parker Global Interactions in the Early Modern Age. Cambridge: Cambridge
University Press, 2010 (sobretudo prefácio e capítulo 1)
John Darwin: Ascensão e queda dos impérios globais. 1400-2000. Lisboa: Almedina,
2016 (sobretudo as pp. 17 a 37);

Conferência de Serge Gruzinski, "O Historiador E A Mundialização”


https://www.ufmg.br/ieat/wp-content/uploads/2015/06/Serge-Gruzinski-O-historiador-e-
a-mundializa%C3%A7%C3%A3o.pdf;

João Júlio Gomes dos Santos Júnior, Monique Sochaczewsk, "História global: um
empreendimento intelectual em curso", Tempo, vol. 23, 3, 2017
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-77042017000300483&script=sci_arttext
MARQUESE, Rafael; PIMENTA, João Paulo. Tradições
de história global na América Latina e no Caribe. História
da Historiografia, n. 17, 2015, p. 20-39.

BROWN, Matthew. The global history of Latin America.


Journal of Global History, v. 10, n. 3, 2015, p. 365-386.
“AHR Conversation: On Transnational History.” American Historical Review 111, no. 5 (December
2006): 1440–64.
*Conrad, Sebastian. “Enlightenment in Global History: A Historiographical Critique.” The American
Historical Review 117, no. 4 (October 1, 2012): 999–1027.
*McGerr, Michael. “The Price of the ‘New Transnational History.’” The American Historical Review
96, no. 4 (October 1991).
*O’Brien, Patrick. “Historiographical Traditions and Modern Imperatives for the Restoration of
Global History.” Journal of Global History 1, no. 01 (2006): 3–39.
*Sachsenmaier, Dominic. “World History as Ecumenical History?” Journal of World History 18, no. 4
(2007): 465–89.
Emily Rosenberg, Akira Iriyie, Jürgen Osterhammel and Charles Maier, A World Connecting:
1870-1945. Cambridge, Mass: Belknap Press, 2012.
Conrad, Sebastian, and Dominic Sachsenmaier. Competing Visions of World Order: Global
Moments and Movements, 1880s-1930s. Reprint edition. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2012.
Ferguson, Niall, Charles S. Maier, Erez Manela, Daniel J. Sargent, Jeremy Adelman, Thomas
Borstelmann, Matthew Connelly, et al. The Shock of the Global: The 1970s in Perspective. Belknap
Press, 2011.
Mazlish, Bruce. Reflections on the Modern and the Global. Transaction Publishers, 2013.
Mazlish, Bruce, and Ralph Buultjens. Conceptualizing Global History. Boulder: Westview Press,
1993.
Mazlish, Bruce, and Akira Iriye. The Global History Reader. New York: Routledge, 2004.

You might also like