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Contratos

Retenção na medida

Reter pagamentos de empreiteiros aumenta garantias da construtora de que


demandas trabalhistas ou retrabalhos serão honrados; mas prática exige cautela
quanto a prazos e termos da retenção

Por Rodnei Corsini

Ao contratar um empreiteiro, grande parte das


incorporadoras e construtoras retém parte do pagamento
das medições dos trabalhos, por prazos variáveis, como
forma de garantia contra eventuais prejuízos financeiros
causados por responsabilidade da contratada - como, por
exemplo, reexecução de serviços e processos
trabalhistas movidos por funcionários das empreiteiras.

A retenção deve estar amparada por uma cláusula no


contrato entre a construtora e a empreiteira. "No caso de
um eventual retrabalho, é melhor sim que a construtora já
esteja com o dinheiro na mão - porque faz o desconto
diretamente, sem que se tenha que exigir que o
empreiteiro devolva o dinheiro", diz André Choma,
engenheiro master da Vale e autor do livro Como Gerenciar Contratos com Empreiteiros. Mas a prática,
naturalmente, não garante imunidade à contratante. "Já nas questões trabalhistas, fica-se em uma
encruzilhada. O tempo que um funcionário tem para reclamar é longo - dois anos - e fica muito difícil para
a empresa conseguir se garantir por esse tempo todo", justifica.

Além disso, a contratante não pode se apoiar nessa cláusula do contrato para deixar de se
responsabilizar pelos funcionários de terceiros que trabalham em seus empreendimentos. "A Justiça do
Trabalho já pacificou entendimento no sentido de que há responsabilidade trabalhista - solidária ou
subsidiária - nos contratos de empreitada quando o dono da obra for empresa construtora ou
incorporadora", adverte Priscila Lago, advogada do grupo de prática trabalhista do escritório Trench,
Rossi e Watanabe.
A advogada especialista na área de contratos Marcia
Calafate, sócia do Trench, Rossi e Watanabe, explica
que, pelo fato da prática da retenção poder ser acordada
entre as partes, não há limite máximo de prazo para a
retenção. "Mas recomenda-se que as partes sejam
razoáveis ao estabelecer os seus termos, inclusive o
prazo, para que eles não sejam abusivos e acabem
inviabilizando o desenvolvimento do trabalho do
contratado", alerta.

A legalidade da retenção é em geral inquestionável


quando os termos do contrato são respeitados. "Em
Curitiba, já tive casos de empresas que entraram na
Justiça questionando essa retenção e a construtora teve
ganho de causa. A maioria dos tribunais, aqui,
consideram a retenção legal", diz a advogada Paula
Guérios, sócia do escritório Soares Neto & Guérios
Advogados Associados. Ela explica que a cláusula
precisa estar muito clara e bem especificada. A última
revisão do Código Civil, em 2002, determinou que
contratos particulares são revestidos do princípio da boa-
A retenção costuma ser praticada apenas nos grandes
fé - isso significa que o que é estipulado neles é
contratos de empreitada, como a execução das
considerado uma lei entre as partes. "Eu acho muito mais
estruturas
interessante que exista essa cláusula contratual em vez
de se correr o risco de, em uma provável demanda judicial, vir a perdê-la", afirma Paula.

'A Justiça do Trabalho já pacificou entendimento no sentido de que há


responsabilidade trabalhista - solidária ou subsidiária - nos contratos
de empreitada quando o dono da obra for empresa construtora ou
incorporadora'
Priscila Lago, advogada especialista na área trabalhista

Modelo de cláusula

A cláusula de retenção de pagamento deve ser bem clara. Veja um modelo sugerido pela advogada Paula
Guérios, sócia do escritório Soares Neto & Guérios Advogados Associados.

RETENÇÃO
As partes de comum acordo e cientes das suas responsabilizações estipulam a retenção correspondente a 10%
(dez por cento) sobre o valor das Notas Fiscais emitidas no mês, ou seja, sobre as Notas de Adiantamentos e
de Medições. A liberação dos valores relativos à retenção ocorrerá em favor da empresa Contratada em até 02
(dois) anos a contar da assinatura do termo de encerramento/rescisão deste contrato, referente ao término dos
serviços prestados, e desde que a documentação referente aos serviços prestados esteja de acordo com o item
XX [documentos relacionados abaixo]. Caso a documentação ao final deste contrato esteja em dia e apta, o
valor da retenção, então, será liberado em até (cinco) dias úteis após a apresentação e análise documental.

Fica ciente a CONTRATADA de que o valor correspondente à retenção acima mencionada poderá ser utilizado
pela CONTRATANTE a qualquer momento para os casos de, e não somente estes, pagamento de multas,
autos de infrações, acordos realizados na Justiça do Trabalho decorrentes do exercício profissional dos
empregados da CONTRATADA, pagamento de guias de recolhimento da previdência social - INSS,
indenizações decorrentes de acidentes de trabalho, e outras despesas que se façam necessárias e que sejam
provenientes da prestação de serviços relativos ao objeto do presente instrumento de contrato, do que
concordam as partes contratantes em todos os seus termos e condições, não havendo qualquer óbice entre as
partes quanto ao que está sendo disposto no presente contrato em relação aos percentuais de retenção e suas
utilizações.

Quando a contratante opta por reter o


pagamento, o contrato deve expressar todas as
condições aplicáveis à retenção: qual valor
deverá ser retido de cada parcela do preço a ser
pago, qual a finalidade da retenção, qual o
prazo para a liberação do valor retido e quais as
condições de liberação. "Os termos da retenção
devem ser razoáveis. Agindo assim, não haverá
risco para a empresa contratante, mas sim
segurança jurídica porque a retenção pode ser
utilizada para garantir diversas obrigações
contratuais", diz Marcia Calafate. A advogada
A MPD Engenharia retém 5% do valor do contrato, por seis meses,
também ressalta que a retenção em si,
como garantia contra eventuais pendências não resolvidas pelo
constando no contrato, não é discutível do ponto
subempreiteiro
de vista legal.

Entre as obrigações exigidas da empreiteira no contrato, costumam estar o cumprimento do prazo de


entrega e a garantia dos serviços prestados. Além disso, também devem ser exigidas as obrigações
trabalhistas do contratado que, caso não sejam cumpridas, podem gerar processos - como o pagamento
dos funcionários alocados na obra e o recolhimento dos encargos.

Tipos de retenção
André Choma já teve conhecimento de construtoras que praticavam a retenção de 10% do valor dos
serviços por um período de até dois anos. Mas, em geral, o percentual e o período de retenção costumam
ser menores. Pelo que o engenheiro pôde notar em sua experiência profissional, a maioria das
construtoras retém 5% do valor por um período que vai de 30 até 180 dias do término dos serviços.

A construtora e incorporadora MPD Engenharia tem como procedimento em suas contratações reter 5%
do valor do contrato como garantia contra eventuais pendências não resolvidas pelo subempreiteiro.
"Essas pendências podem ser de qualquer ordem: serviços executados em desacordo e que não tiveram
a reparação devida; pagamentos de salários, adiantamentos, encargos sociais etc., devidos aos seus
funcionários e não quitados a tempo; multas impostas pelos órgãos oficiais em decorrência de falta de
atribuições destes; compra de EPIs de responsabilidade dos subempreiteiros; multas contratuais, ações
trabalhistas, nas quais a MPD foi incluída no polo passivo e que resultou em condenação e, portanto, com
desembolso da MPD, entre outros", diz Antonio Jambeiro, diretor técnico da MPD.
A empresa retém o percentual por pelo menos seis meses após a conclusão dos serviços, desde que não
existam pendências contratuais e ou ações trabalhistas ainda não julgadas. A liberação é formalizada
mediante Termo de Encerramento e Quitação do Contrato. Assim como no prazo de retenção, não há
previsão legal quanto à porcentagem máxima ou recomendada. "A porcentagem da retenção costuma ser
definida caso a caso, levando-se em conta o vulto da obra, a sua complexidade e os riscos envolvidos",
diz Marcia Calafate.

TIRA DÚVIDAS
A retenção pode ser considerada abusiva?
A retenção é legal desde que praticada dentro dos termos estipulados no contrato entre as partes.

Qual percentual do pagamento pode ser retido? E por quanto tempo?


Não há nenhuma recomendação ou restrição jurídica quanto ao percentual a ser retido e quanto ao prazo de
devolução. Entretanto, é de bom senso que a retenção não inviabilize o negócio para a empreiteira.

A retenção protege a contratante contra irregularidades da subempreiteira?


Não. O valor retido pode ser usado para pagar pendências de responsabilidade da contratada. Mas questões
legais, como a observação do cumprimento de leis trabalhistas, também podem ser consideradas de
responsabilidade da contratante. A melhor garantia é verificar a idoneidade da contratada e fiscalizar sua
legalidade quanto às obrigações trabalhistas.

Quais os prós e contras da retenção para a construtora?


A retenção, amparada por cláusula no contrato, é considerada positiva para a construtora como forma de
garantia financeira contra pendências de sua contratada. Entretanto, as empreiteiras costumam considerar o
valor retido na formulação de seus preços, implicando contratos mais caros.

'A retenção, no meu entender, não traz prejuízos - traz um outro


panorama, que é legal e importante do ponto de vista de relações de
empresas'
Sheyla Serra, professora do programa de pós-graduação em construção
civil da UFSCar

A retenção não costuma ser praticada em todos os serviços prestados em


uma obra. "Os contratos de locação de equipamento pela empresa não
possuem cláusula de retenção, assim como os contratos de pequeno valor e de curta duração", diz
Antonio Jambeiro. Nos demais casos, a prestação de serviços à MPD - em especial, os relacionados com
atividades da parte civil ou de instalações elétricas e hidráulicas - é sujeita à retenção de garantia.

'Para serviços menores, como instalação de gesso e ar-condicionado,


normalmente não é feita a retenção. Se não, haveria muito trabalho
para gerir todas essas retenções de empreiteiros pequenos'
André Choma, engenheiro master da Vale

Choma também afirma que a retenção é mais praticada para os grandes


contratos de empreitada - onde há grandes equipes de estrutura, alvenaria
ou acabamento por exemplo. "Para serviços menores, como instalação de gesso e ar-condicionado,
normalmente não é feita a retenção. Se não, haveria muito trabalho para gerir todas essas retenções de
empreiteiros pequenos", afirma.

Gestão dos empreiteiros


A retenção dá mais garantias à contratante, mas há outras formas de diminuir os riscos, inclusive evitando
o uso do percentual retido do empreiteiro. Choma lembra que a rotatividade das empresas prestadoras de
serviço é bastante alta, além do tempo de vida da maioria das empreiteiras não ser muito longo. "Para
diminuir os riscos, acho que uma das melhores saídas é uma parceria de longo prazo - em que a
contratante consegue ter um trabalho no qual a equipe presta um bom serviço e investe-se, inclusive, em
capacitação", diz. Ele afirma que, na gestão do empreendimento, é muito importante cobrar os
comprovantes dos pagamentos de todos os direitos dos funcionários terceirizados, além de não aceitar
irregularidades da contratada.

A retenção sem cuidados pode, inclusive, inviabilizar financeiramente as contratadas. "Se eu retiver
demais e esmagar o empreiteiro, o problema vai ser maior para mim também. E, por outro lado, se o
empreiteiro tem consciência do quanto custa essa retenção, ele deveria colocar isso em cima do preço
dele", diz Choma. A professora do programa de pós-graduação em construção civil da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar), Sheyla Serra, afirma que, muitas vezes, a contratada dá até um preço
menor por não haver a retenção. "São casos de parcerias estratégicas. Mas a retenção, no meu entender,
não traz prejuízos - traz um outro panorama, que é legal e importante do ponto de vista de relações de
empresas. O contrato tem que ser um instrumento gerencial", afirma.

Em sua pesquisa para a tese de doutorado, Sheyla Serra entrevistou subempreiteiras que afirmavam que,
para manter a parceria com construtoras de renome, aceitavam a retenção sem considerá-la um fator
negativo. "Dependendo do cliente, as subempreiteiras absorvem a retenção no próprio preço que
fornecem. Acho que essa prática é tão comum que não chega a ser um desestímulo", diz.

A advogada Priscila Lago lembra da importância de se certificar de que o empreiteiro cumpre


regularmente a legislação trabalhista e previdenciária e é financeiramente idôneo, antes mesmo da
contratação e durante o desenvolvimento do contrato. Essa verificação pode ser feita por meio do exame
de documentos que comprovem o cumprimento das obrigações trabalhistas e fiscais (veja quadro). "O
exame dos documentos e das certidões serve não só para aferir a regularidade e a idoneidade no
cumprimento das obrigações pela contratada, mas poderá demonstrar, para evitar responsabilização por
eventuais processos trabalhistas, que a empresa agiu cuidadosamente tanto na contratação do parceiro,
quanto na execução do contrato", diz.

Documentação em dia

Com relação à documentação da empresa contratada, Paula Guérios lista que o responsável pela contratação
deve ficar atento aos seguintes documentos:
- Alvará de funcionamento da contratada;
- Cópia do cartão do CNPJ;
- Contrato social;
- Certidão simplificada da Junta Comercial;
- Comprovante de endereço dos sócios;
- Cópia da carteira de identidade dos sócios;
- Cópia do CPF dos sócios.

Além dos documentos que comprovam a constituição e a regularidade da empresa, é importante que o
responsável pela contratação também exija as seguintes certidões negativas:
- Certidão negativa da Justiça do Trabalho;
- Certidão negativa de Débito do Sintracon;
- Certidão negativa de Débito do Sinduscon;
- CRF do FGTS (Caixa Econômica Federal).

E, em relação aos documentos dos funcionários da empresa empreiteira, devem ser coletados:
- Cópia da Carteira de Trabalho assinada;
- Cópia da Ficha de Registro do Funcionário, com foto;
- Cópia do ASO (Atestado de Saúde Ocupacional).

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