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ae Ror: vlicadan 9 es poldml oe it (iil Wa Tieulo original How to defend the faith without raising your voice Copyright © 2014 do Autor Capa de Roberto Muniz de Souza Dados Internacionais de Catalogagio na Publicasio (CIP) Ivereigh, Austen Como defender a fé sem levantarr a vor / Austen Ivereigh; tradugio de Emérico da Gama. ~ Sao Paulo : Quadrante, 2014 Titulo original: How 10 defend the faith without raising your voice ISBN: 978-85-7465-174-3 1. Cristanismo 2. Igreja Cavdlica 3. Apologética 4. Doutrina cristé I Titulo, Il. Autor CDD-239 fadice para catdlogo sstemético: 1. Igreja Catdlica : Apologética 239 Todos os direitos reservados a QUADRANTE, Sociedade de Publicagoes Culturais Rua Iperoig, 604 - Tel.: 3873-2270 - Fax: 3673-0750 CEP 05016-000 - Sao Paulo - SP www.quadrante.com.br / info@quadrante.com.br Introdugao Sabemos bem como é subitamente, voc se vé “nomeado” porta-vor da Igreja Catdlica enquanto espera a sua vez na fila da xérox, toma tranquilamente uma bebida no bar, ou quando um grupo de pessoas para de repente € fixa os olhos em voce: ~ Vocé € catélico, certo? — alguém pergunta. — Hum... Sou ~ vocé confessa, olhando nervosamente para (© que agora mais se assemelha a uma turba pronta para o line chamento, Um deles diz que © Papa fer algum pronunciamento sin plesmente ultrajante; outro levanta a questio da AIDS e dos preservativos; talver um terceiro puxe 0 assunto do casamento gay. Elf estd voct, convocado a defender a Igreja Catélica em virtude do seu batismo, sentindo-se tio preparado para a tarefa quanto Daniel na toca dos leses. — Vamos! — parecem dizer-lhe, sem por as coisas nesses ter- mos. ~ Justifique o que a Igreja ensina! Juntando alguns pensamentos a esmo, vocé se sai com uma defesa corajosa, que as pessoas reccbem compreensivamente. Vocé contextualiza, chama a atengio para x ¢ y, faz algumas observagdes de que cles nunca se deram conta, traz um pouco 6 AUSTEN IVEREIGH mais de perspectiva para a questo. A turba se desfaz; todos sor- tiem. Nao se mostram persuadidos, mas néo desejam criar uma situagio desconfortéve Ou nao aconteceu nada disso? Talvex vocé tenha ficado um tanto agitado ¢ dito um monte de coisas que soaram pouquis simo convincentes ~ até mesmo para vocé. Provavelmente, ir- ritou-se ao observar uma vez mais que a Igreja é constantemente forcada a defender-se em processos inquisitoriais instaurados por humanistas laicos; que é acusada de conspiragoes malucas por gente que leu Dan Brown demais. O certo é que voc’ ficou com muita raiva e saiui dos eixos. O sentimento de perseguicio levou a melhor e, a0 final da sua furiosa defesa, 0 abismo entre voce € © restante das pessoas se alargou de maneita intransponivel ~ ¢ alguém, répida e nervosamente, mudou de assunto. Em qualquer caso, eis 0 que no aconteceu: vocé nao conse- guiu “reenquadrar visio da Igreja que uma instituigio dogma inumana. Vocé no “virou 0 jogo”, nao reformulou a ques- questo. As pessoas mantiveram a mesma tinham antes de voce ter tomado a palavra: autoritéria, antidemocritica, hipécri nfo abrit. as mentes e os coragSes, mas ficou preso nas ma Ihas langadas pelo oponente. Como diziamos no principio, nés compreendemos. Nao é fi- cil defender a Igreja. As questoes tendem a ser complexas, a0 asso que as manchetes so de uma simplicidade grotesca. Além disso, as vezes é dificil saber exatamente qual € 0 pensamento da Ieteja acerca de determinado assunto, Pode ser que voce tenha ouvido um bispo ou tedlogo responder no ridio precisamente a ‘ssa questio; out que tenha lido alguma coisa a esse respeito. Mas ‘© mais provavel é que simplesmente nio tenha tido tempo para cestudar a fundo as questées que parecem brotar a todo o instante nas conversas. Vocé ¢ inteligente e um catélico esforcado; mas também é uma pessoa muito ocupada © que vocé gostaria era de ter um conselheiro. Alguém que pudesse convocar para uma ripida prévia, que pudesse ofere- cer-lhe (a) um pouco de contexto; (b) um panorama das princi INTRODUCKO pais questes em debate; (c) algumas sugestes sobre como re- formular a questao; ¢ (d) alguns pontos para abordar da préxi- mma vez em que o tema surgir. Bem, aqui estamos. Nao um conselheiro propriamente dito, mas a segunda melhor opsio: um livro cheio desses conselhos. Conselhos priticos. Nas paginas que se seguem, vocé encontrar 0 resultado dos cesforgos de um grupo de catélicos reunidos para preparar-se precisamente para esse tipo de situagdes de alta pressio, em que se exigem explicagdes “a jato” ¢ definigées simples: ndo apenas para aquela conversa informal na pausa para o café, mas tam- bhém para curtas entrevistas ao vivo na TV. A experiéncia dessas pessoas, condensada aqui, vai ajudé-lo a “reenquadrar” as ques- (Ges candentes que vem a tona com frequéncia nos noticidrios € provocam discussées acaloradas. Dizemos que essas questdes sio “nevrilgicas”, porque tocam terminagées nervosas, aqueles lugares do corpo que, quando pressionados, fazem as pessoas gritar. Nas nossas conversas did- rias, hd temas que se situam em zonas fronteirigas, onde o pen- samento em voga habita (ou a0 menos parece habitar) num universo diferente daquele dos catdlicos. Mencione-os, ¢ as pes- soas ficario visivelmente incomodadas. “Como vocé pode acte- ditar numa coisa dessa", perguntario. Por outro lado, este livro nao the mostraré 0 que dizer em resposta a toda e qualquer pergunta. Cada didlogo diferente Ble também nao poderd ajudé-lo a prever o que apareceri na TV cada dia; nem mesmo os repérteres € redatores de jornais conseguem prevé-lo. Mas hé uma grande probabilidade de que voce se veja, dentro em breve, envolvido numa discussio em tomo de assuntos relacionados com a Igreja que aparecem no noticiério, Sd0 questes que, na sua maioria, rocam algum pon- to nevrilgico. De fato, ¢ isso que costuma fazer de um aconte- cimento uma noticia. Foi o que se passou, por exemplo, com algumas observagées que 0 Papa Bento XVI fez de improviso em serembro de 2009 a propésito da posigao da Igreja sobre 0 8 AUSTEN IVEREIGH tema dos preservativos ¢ da AIDS: a imprensa achou-as comple- tamente absurdas e fez delas nacional. A repercussao foi t em si, mas por causa do uma manchete de repercussio inter- 0 vasta ndo tanto pelas observagées onto nevrilgico que tocavam. Possamos prever cada reportagem, po- dlemos ter uma boa ideia esses pontos nevrilgicos. Ese lira va ensind-lo a identificar os dez mais comuns (e dificeis), a entender de onde vem a crltica a pensar no modo de expor a posigio da Igreja sem aceitar os pressupostos dos criticos. Ac final de cada “pfrulo, mencionaremos uma sétic de “pontos-chave” que ren, mito essa posicdo ¢ servirio de ajuda, esperamos, da proxima vez em que vocé deparar com um desafio neste terreno. Hé alguma coisa mais. E melhor explicarmos o méodo ¢ a abordagem utilizados aqui, de onde vém e quais sio pectativas Portanto, embora nao as nossas ex- Este livro € fruto de um projeto chamado Catholic Voices ("Vores catélicas”, em inglés), criado com vistas & visita do Papa Bento XVI ao Reino Unido em setembro de 2010, e que inspi- Tou grupos similares na Espanha, Irland, México e outros pat, ‘es, Formou-se uma equipe de palestrantes amadores, composta Por catdlicos “comuns” (em outras palavras, catélicos con ems Prego, filhos e contas a pagar), dispostos a explcar as posigbes ¢ ensinamentos da Igreja no rédio © na TV an visita papal. Apresentamo-nos 4 midia como pessoas “promtas a interagit com os meios de comunicagéo, que se sentem a vonta, de nos estidios © sem grande preocupacio com a propria ima- Bem’ © que quer dizer: abertos a questionamentos e compreen. fivos em relagao aos objetivos da midia e & sua razio de ser, ha. binuados as exigéncias de entrevistas a0 vivo de, em média, ts minutos ¢ as limitagdes e possibilidades do rédio e da TV: re nados quando o ciclo de noticias muda mais quer saber de tes — ¢ durante — a sig. de diresio e ninguém 16s. Fomos descritos como “peritos extraofi- Procurdvamos informar-nos a fundo dos ensinamentos consolidados da Igreja ¢ tornar-nos bem articulados, confiaveis © dotados de capacidade de comunicacéo, Mas, apesar de termos a INTRODUCAO, 2 béngio dos bispos, nio falivamos por eles. Se alguém desejasse ber como os bispos rcagiriam a tais ¢ quais noticias do dia, ti- cl ra-vores. Porém, se nha de entrar em contacto com os scus por cm, se desejava saber em que a Igreja cria e © que ensinava, podia cha: ne god foi um sucesso. Os membros do Catholic Voice participaram de dezenas de debates ¢ programas a pork, apareceram nos princpis ais de TV britnics¢ foram do jados tanto pelos bispas como pelas emissoras. i Talvez o fruto mais importante do Catholic Voices teaba 0 “método” que desenvolvemos ao longo da preparagio in- Ce cin mee eae gada do Papa, um método que cremos funcionar para qualquer pessoa que tenha de sair em defesa do pensamento da Igreja — ip Bosnia, breve ercyttelersvay tan tibet ern conversa répidas num bar ou numa discussio inesperada, pro- vocada por um artigo no jornal. Afinal, as duas situagdes no sio tao diferentes. Se vocé nao conseguir posicionarse de ma- ni cna convinene (ear como um ser humane tack ‘lj i a tia das pessoas. Pode nal), jd terd perdido o interesse ¢ a empat pe ne feacerguacuae dade eae dida. i © que descobrimos foi uma nova forma de pensar que a mostrou como evitar a posicio defensiva ou agressiva, e nos ha- bilitou a “reenquadrar” a critica, Resumimos essa — numa sétie de principios que talvez venham a ser um meio ; fer revives a amiga are de spologica nt nose: wma cx de noticias 24 horas. Esses principios spare See ies mo capitulo, para que voo® possa consulté-los sempre que cs ieee cea coe ee Ge lo coragio desta abordagem esté o que chamamos “inten- ese Por tris de toda critica 8 Igreja, mesmo que se mostre hostil ou preconceituosa, hé um valor ético; ae faz, consciente ou inconscientemente, um apelo a esse valor. ease fests pcaie | aenesessclis create! jumtiineniepoe 10 AUSTEN IVEREIGH darem a impressio de que um desses valores fulcrais esti sob ameaga. De mancira muitas vezes surpreendente, percebe-se que © valor em que se escora a critica em questio é um eseripulo vé- lido, ¢ até mesmo cristéo — ou 20 menos derivado de um valor ctistao. Nio se trata de um fendmeno inesperado, visto que vivemos em culturas cristis ~ ou, como alguns diriam, “pés-cristis”, O que a palavra “secularizagio” realmente quer dizer é que as pes- soas abandonam a Igreja, mas continuam, inconscientemente, a aderir aos seus valores, ¢ até recorrem a eles, mais uma ver in- conscientemente, quando criticam a Igreja. E bem mais facil per- suadit © oponente se vocé puder langar mao dos mesmos valores em que ele se apoia, ou mostrar que concorda com eles. Ao mes- mo tempo, vocé se colocard numa posigo menos defensiva, A empatia € 0 inicio do didlogo. “Didlogo” nao significa abandonar ou acomodar os valores préprios, mas sim construir relagées de confianga entre pessoas de convicgées diversas. Este livro ensina a arte dessa especie de didlogo, cujo objetivo nao é defender wma posigao, mas explicé-la ¢ capacitar os outros a entendé Atentando para a intengio positiva por trés da critica, fomos capazes de nos desvencilhar daqucla forma de pensar que dizia “Como posso justficar isto?” e, em ver disso, perguntar: “Qual é a verdadeira fonte de discordancia aqui?” Por exemplo: o descjo Pela legalizagao do suicidio assistido baseia-se na intengao positi- va de que o ser humano deve ser poupado de um sofrimento desnecessirio. Ora, nds catélicos concordamos em que, muito embora 0 sofrimento esteja inevitavelmente vinculado ao enve- Ihecimento © morte, ninguém deveria ter de resig dor ou solidio insuportivel, razio por que tantas casas de repou- 0 especializadas em cuidado paliativo foram fundadas ¢ sio ad- ministradas por catdlicos. Pois bem, uma vez que estejamos de acordo nesse ponto, podemos analisar os casos em que discorda- mos: o significado da morte, a questo da autonomia, etc. - ¢, 36 entdo, considerar a questao pritica acerca do impacto que tuma lei de suicfdio assistido teria na satide piblica, na visio que INTRODUGAO u se tem dos idosos, ¢ assim por diante. Dessa forma, a discussio seri mais racional e proveitosa, pois néo estaremos discutindo com seres de outro planeta, mas com pessoas que fazem parte da mesma cultura de valores que nés. Por isso, no inicio de cada capitulo, voce encontrar uma pequena secga0 que expord a intencao positiva por tras da criti ca. Isso vai auxilis-lo a colocar-se dentro da cabega do oponente © a perceber que temos um trabalho de esclarecimento a fazer. Vocé descobrira como deixar de sentir-se intimidado por cle ou cla e, em lugar disso, pensar: “Como posso exprimir com suces- so © que pretendo’ No inicio de cada capitulo, vocé encontraré também uma Ii ta de *perguntas desafiadoras”. Como jé dissemos, ninguém con- segue prever com exatidio que perguntas serio feitas a respeito de um determinado ponto nevrilgico. As noticias sempre va- riam, mas, como os pontos nevrilgicos permanecem os mesmos, (os questionamentos serio consideravelmente previsiveis. Os i tegrantes do Casholie Voices ficaram surpresos 20 constatar que as perguntas que Ihes eram feitas em entrevistas eram quase sempre variagSes daquelas que eles jé se haviam preparado para enfren- tar — isso porque a intengdo positiva por trés da eritica gera uma série natural de perguntas. Mas no pense que as nossas listas de penguntas desafiadoras serdo exaustivas; com certeza voce se lem- brard de algumas que no levamos em conta aqui. Depois de termos exposto alguma coisa sobre a nossa abor- dagem, gostarfamos agora de falar um pouco sobre a ideia de “escandalo”, ¢ de estender um convite feito pelo Papa Bento XVI. AA fé catélica “escandaliza.” Provoca reagbes fortes e suscita questionamentos dificeis. Agradecemos a Deus por isso, pois é © que o Evangelho propoe Bem-aventurado aguele que nio se es- candalizar em mim, diz Jesus, referindo-se aqueles que nao se afastam dEle com repulsa ou incompreensio (Me 11, 6). Alids, € 0 préprio Jesus quem langa as pedras de tropeco ~ os skanda- 1, como se chamam em grego. Um skéndalon é um obstéculo 2 AUSTEN IVEREIGH que uma pessoa encontra no caminho ¢ que a faz parar ¢ refletir, mostrando-lhe que pode constituir © inicio de um caminho novo, que leve poten- cialmente a uma nova visio a respeito de alguma coisa. Ou pode levar a0 “afastamento” escandalizado a que Jesus se refere. Esse afastamento, essa rejeigio furiosa, é inimigo da verda deira comunicagio. Porém, até 8e chegar a esse ponto, em que a pessoa se sente escandalizada © compelida a fazer novas pergun- tas — ainda que scjam perguntas em forma de acusagdes —, a ver- dade € que o interlocutor ainda nio se afasrou; ainda esté aberto a escutar outro ponto de vista. Portanto, toda a pergunta dificil feita durante uma enurevista, toda a discussao acalorada num bar, toda a situagZo “pesada” em reuniées familiares é uma opor- tunidade, Chamamos a isso evangelizacao? Parece-nos antes que € “varrer os obstéculos que impedem a evangelizagio”. Trata-se de esclarecer mal-entendidos, de langar um feixe de luz onde grassam 0 mito e a confusio, e de adotar uma pritica que pode- ri levar as pessoas a reconsiderar as suas objegdes ao que a Igreja ensina. Nao importa o nome que se queira dar a essa tarefa — “apologética’, “comunicagao” nko viral ua forma de pensar est4 ameagada. Isso € um testemunho, ¢ um testemu- No jargio da midia, ¢ *comegar pelo comego”, quer dizer, é moldar a noticia jé no instante em que cla surge. Alguns cha- mam a isso spin-doctoring, um vermo que data da década de 1980 e que caiu em descrédito por parecer aludit a técnicas escu. sas de manipulasio dos meios de comunicagao. E por isso que preferimos o termo “reenquadrar’ “reenquadramento” conta uma histéria diferente da que circula por af. Néo é um procedimento escuso ou manipulador, se 0 que vocé faz é contar a verdade: com efeito, 0 reenquadra- mento s6 funciona se 0 que vocé diz for verdade. “As ideias falsas podem, sem dtivida, ser refutadas pela argumentagio — disse 0 Beato John Henry Newman, nosso maior modelo para este pro- jeto -, mas somente as ideias verdadciras podem repeli-las” ‘Trata-se de um testemunho, ¢ também de uma vocagio. Fica INTRODUGAO, 3 aqui 0 convite. Esperamos que este livro venha a ajudar catéli- cos “comuns” — ¢, provavelmente, isso quer dizer voce — verse como comunicadores. Hi individuos (mais uma vez, tal- ver este seja 0 seu caso) que tém um dom natural para isso, Si0 © tipo de pessoas que adoram destringar um determinado as- sunto, ou entio que gostam de elucidar temas e construir pon- tes, H4 muitos tipos de comunicadores catélicos: alguns delei- tam-se em explorar conceitos, outros langam mio da sua p pria experiéncia; alguns sio oradores apaixonados, outros sio calmos, introspectivos € gentis. Mas todos sio motivados por uum desejo de comunicar a sua fé de maneira humana e bem ar- ticulada — € se mostram um pouco impacientes por sair pelo mundo corrigindo alguns dos ertos de percepcio mais frustran- tes que escutam todos os dias a respeito da Igreja que tanto Ninguém esté excluido desta vocagio, mas ela & preeminen- temente uma missio dos leigos, como disse o Papa Bento na sua homilia em Glasgow, apds chegar & Escdcia: “Fago um apelo especial a vocés, figis leigos, bem de acordo com a sua voca¢io € missio batismais: que vocés ndo se limitem a set publicamente exemplos da fé, mas também trabalhem para a promogio da sabedoria e visio da fé no debate piblico”, Num discurso de janeiro de 2012 20s bispos dos Estados Unidos, o Papa Bento repetiu a mesma exortagdo. Alertando para a pressio de um novo ¢ radical laicismo e para as ameagas A liberdade religiosa, pediu que os catdlicos se prontificassem a cenfrentar tais desafios “Aqui vemos novamente a necessidade de que se forme tum laicato catélico comprometido, articulado e bem organi- zado, dotado de um forte senso critico ante a cultura domi- nante ¢ de coragem para opor-se a um secularismo reducio: 4 AUSTEN IVEREIGH nista que pretende deslegitimar a participagao da Igreja no debate puiblico sobre questes que determinario o futuro da sociedade americana, O trabalho de preparar Ideres leigos com sentido do compromisso ¢ de oferecer uma articulagio convincente da visio crista acerca do homem e da sociedade continuam a ser uma tarefa prioritéria para a Igreja no seu pais . E uma tarefa mais ampla do que “defender a Igreja”. Em res- posta ao discurso do Papa, 0 arcebispo José Gomez, de Los Angeles, disse: “Agora é a hora de uma ago catdlica e de vores catdlicas. Precisamos de lideres leigos que no se esquivem & sua res- ponsabilidade para com a missio da Igreja, que ndo somente se prestem a defender a nossa fé ¢ os nossos direitos de cat6- licos, mas também sejam lideres de uma renovagio moral € civica ~ lideres que ajudem a moldar os valores e as bases morais para o futuro da América” E a tarefa de aprender a articular 0 que é um tesouro para a sociedade como um todo: o principio da liberdade religiosa, da qual emanam todas as outras liberdades; um pluralismo auténti- ©0 que possibilite a existéncia de uma sociedade civil vigorosa, fundada em familias fortes ¢ em casamentos compromissados, ¢ constituam as pedras fundamentais com que se constréi “uma sociedade verdadeiramente justa, humana prdspera”, nas pala- vras do Papa Bento. Isso significa, diz ainda o pontifice, “propor argumentos racionais em praca piblica’, aplicando as diretrizes das grandes enciclicas sociais, salientando as privagdes por que passam os pobres ¢ publica © nas instituigdes, e contribuindo para uma melhor defi- nigio da relagéo entre 0 Estado, 0 mercado ¢ a sociedade civil. Trata-se de trazer & luz uma visio de sociedade que defenda a vida, por mais frégil ou imperceptivel que possa ser, © a dignida- narginalizados, exortando a virtude na vida INTRODUCAO 15 de de todo ser humano ~ ¢ de ajudar a construir uma civiliza- gto de amor. Dat a necessidade de contar com catélicos que, para usar mos as palavras do Bem-aventurado Cardeal Newman, “conhe gam 0 seu credo tao bem que possam explici-lo”. A opinizo piiblica é em grande medida, moldada pela midia. E esta que ests na boca da gente, e € nessa feira de ideias que os catdlicos tém de aprender a sentir-se em casa, falando de forma sucinta e traente sobre a visio que a Igreja tem dos problemas em deba- te. Mas a praga puiblica também é o lugar onde vocé esti, onde voce topa com as outras pessoas ¢ interage com elas nas muitas cesquinas da sociedade contemporinea. Os romancistas falam com frequéncia do momento em que cada personagem encontra a sua prépria voz, daquele momento em que a figura que vinham criando ¢ desenvolvendo ganha vida © comega a falar com coeréncia. Isso € algo que a Igreja precisa fazer sempre, a cada geragio: encontrar a sua voz na so- ciedade. E é algo que todo 0 catdlico é chamado a fazer ~ na midia com certeza, mas também no trabalho, entre amigos, € naquelas reunides familiares que so subitamente tomadas por um siléncio desconfortavel. Esperamos que este livro ajude voce a encontrar a sua vor. Capitulo 10 Dez princfpios da comunicagao civilizada Eis os dez principios que ajudaram 0 movimento Vozes Caté- licas a desenvolver a atitude mental necesséria a uma comunica- fo civilizada: 1. Procure a intengito positiva por trds da critica Em ver de pensar nos argumentos que vocé deve formular, considere os valores em que esses argumentos se basciam. Busque © prinefpio ético cristio por tris desses valores, mesmo que as vezes se encontrem soterrados. Que outros valores cristios 0 ‘oponente ignora ou deixa de levar em conta? As questoes tor- nam-se nevrilgicas quando tratam de absolutos; 05 conflitos ‘como as gucrras, por exemplo ~ produzem-se quando esses valo- res absolutos parecem estar ameagados. E isso que origina atitu- des defensivas © antagénicas. Em vez de cair nessa armadilha, considere os diversos valores que estio em jogo ¢ como devem ser contrastados uns com os outros. Considere a seguir como vocé pode langar mao, logo no 10, DEZ PRINCIPIOS DA COMUNICAGAO CIVILIZADA 207 inicio da discussio, dos mesmos valores que 0 seu opositor de- fende, Este procedimento faz com que 0 critico se desarme € tem 0 potencial de proporcionar uma discussio mais tranquila ¢ amena para os dois. Agindo assim, voc’ deixa de ser um guer- reiro num campo de batalha cultural de absolutos para tor- nar-se alguém que traz uma visio mais ampla mais ponderada aum debate conflituoso. Por veres, os valores que voce vai encontrar nem sempre se- 10 valores cristios compartilhados, mas estario em oposigio direta & concepsio cristd. Em muitas discussbes sobre 0 Estado € a sociedade, por exemplo, vocé poder deparar com uma vi- so do mundo utilitéria ou individualista. Mas o principio con- tinua a poder ser aplicado: é importante compreender 0 valor latente na critica ~ ¢, se for possivel, até nomes-lo — e mostrar {que ha principios subjacentes em jogo. ( propésito deste principio de uma intenglo positiva é tor- nar clara a distinglo entre quest6es primérias ¢ secundérias; 0 nosso raciocinio comega pelos valores mais profundamente ar- raigados e parte em diego a consideragdes secundétias. Conse- guir distinguir uma coisa da outra, tanto na nossa prdpria argu- mentasio como na do lado oposto, leva a remover grandes obs- tdculos para ambas as partes. 2, Traga luz, ¢ nao calor, a discussao. ‘Como homens de fé, desejamos trazer luz aos assuntos mais delicados — j se gerou calor demais em torno deles. Mas tam- bém quercmos representar, em nés mesmos ¢ pelo nosso modo de ser, a Igreja a que pertencemos € que nos forma. Se vocé entra numa discussio com o propésito de derramar luz, em vez de esquentar ainda mais as coisas, 0 seu foco seré completamente diferente. Vocé revelar-se-é extremamente dis- posto a escutar as opinides e pontos de vista alheios, por mais que discorde deles. O seu objetivo seré fazer com que a luz en- 208 AUSTEN IVEREIGH tre aos pouquinhos no debate em pauta ¢ tomar a discussio mais aberta, respeitando a visio de mundo do outro enquanto permanece fiel & sua propria visio. ‘Assim como alguém pode deixar-se “contagiar” pela f que observa na vida de pessoas de uma fé impressionante, também & possivel “co sempre dé étimos resultados. se” de luz numa discussie. Manter a calma 3. As pestoas néo se lembrario tanto do que vocé thes disse, ‘mas do sentimento que lhes provocow. Intelectuais ¢ tedlogos, tomem cuidado! A crudigio é 0 opos- to da comunicagao que se serve de termos simples para explicar ideias complexas. A lucidez da argumentagdo nao é tao impor- tante como 0 sentimento que voce causa nas pessoas. E claro que ¢ importante a veracidade do que vocé diz. O propésito de ser uma “vor catélica” &, sobretudo, gerar claridade ¢ transparéncia: o que nos propomos fazer, quando respondemos a perguntas ou criticas, ¢ iluminar um ponto em que geralmente sgrassam as trevas e a confusio. Mas no somos nds que persuadi- mos; é a Verdade que o faz. O nosso trabalho ¢ servir a Verdade da melhor maneira possivel, e a melhor maneira de fazé-lo no é tentar “derrotar” os opositores. Busque sempre a gentileza, a em- patia e a clareza. ‘As manobras retéricas habilidosas ou 0 propésito de marcar pontos podem ser jogos divertidissimos, mas nao iluminam. Um debate cxaltado dificilmente tem sucesso no seu propésito de al- terar as convicgées dos ouvintes. Hé 0 perigo constante de ga- har o debate ¢ perder 0 apoio da audiéncia: seja ela composta por duas pessoas ou pelos milhdes de individuos que assistem a ‘uma transmissio televisiva Depois de cada troca de ideias, portanto, avalie 0 seu préprio desempenho segundo um tinico critério: - Consegui ajudar os ‘outros a compreender melhor os ensinamentos € posigdes da 10, DEZ PRINCEPIOS DA COMUNICAGAO CIVILIZADA 209 Igreja? Como fiz. com que todos se sentissem: clevados ou es- magados2, inspirados ou acossados?, desejosos de ouvir mais ow aliviados por eu haver terminado? 4, Nao digas simplesmente mostre. Este principio fundamental da boa escrita também é aplicé- vel & comunicagdo em geral. As pessoas preferem estérias a dis- cursos, ¢ deixam-se convencer mais pela expetiéncia do que por argumentos abstratos. Isto ndo quer dizer que voce no deva usar argumentos — este livro esti cheio deles. Mas, sempre que possivel, procure complementé-los com ilustragbes: epis6dios ti- tados de experiéncias pessoais ou exemplos hipotéticos que pos- sam ajudar os ouvintes a “imaginar" 0 que vocé tenta dizer. Em vex de meramente dizer a alguém que a Igreja auxilia indivi- duos portadores de AIDS na Africa, fale-lhe dos hospitais ¢ dis- pensétios situados nos vilarejos mais remotos do interior africa- no, onde as freiras cuidam dos pacientes em casebres sem ne- nhuma infraescrucura. Em ver de dizer que precisamos de mais albergues — que soam para a maioria das pessoas como institui- ‘goes desconhecidas e de carter vago ~ descreva a situagio de lugares onde os moribundos sao atendidos ¢ confortados, € convide 05 ouvintes a imaginar como seria bom que houvesse mais dessas instituiges. Nao se veja como porta-vor. de uma corporagao fria e distante, mas como um feliz térias e experiéncias a compartiar. cipullo com es- 5. Pense em sridngulos, ‘Alguns debates podem ser bastante desorganizados, seguin- do por caminhos tortuosos ¢ levando a becos sem saida, 20 ponto de o tema da discussio se perder por completo. Cuide de que a sua contribuigéo seja clara e concisa, sem tirar ninguém da principal linha de raciocinio. Concentre os seus pensamen- 210 AUSTEN IVEREIGH tos em apenas trés dos pontos mais importantes que vocé deseja abordar. Provavelmente, nao conseguird demonstré-los todos; se conseguir incluir dois dos trés na discussio, teré tido um étimo desempenho. No entanto, é importante que consiga orgat seus pensamentos em torno desses trés pontos. ‘Veja-os como um tridngulo. Sempre que se encontre no meio de um debate, pense de que modo 8e relaciona com o triangulo; s6 entéo procure expor 0 seu ponto de vista. Néo se distraia com as outras pessoas, abandonando os seus pontos principais; tam- bém nao espere pelo momento “certo” para introduzi-los. Ape- nas determine em que pé se encontra a discussio relativamente aos trés pontos do seu tridngulo. Embora as “mensagens centrais” ao fim de cada capitulo des- te livro sejam mais do que és, voce logo descobries que sio um bom ponto de partida para identificar 0 seu triingulo. Pelo me- nos um dos pontos escoll do positiva por trés da critica. Quando esse ponto tiver sido bem explorado, voce poder prosseguir com os outros dois jidos deverd visar diretamente a inten- 6. Seja positive, Este & um prinefpio bdsico da comunicagio, e é duplamente importante quando se preende defender uma posiggo da Igreja contra algum argumento. A Igreja é contra muitas coisas, mas sb porque € a favor de muitas mais: hd muitas coisas que a Igreja deseja proteger ¢ incentivar. Quase tudo o que a Igreja proclama tem por objetivo convidar as pessoas — ¢ a sociedade no seu to- do ~ 4 plenitude da vida, da satide da prosperidade sustentivel. A Igreja nao € um corpo de policia moral tenebrosa; parece-se mais com a Madre Teresa, que se devotou aos esquecidos ¢ doentes do mundo, e é importante que vocé procure transmitir essa imagem sempre que tiver de falar dos ensinamentos da Igre- ja. A experiéncia ~ colhida na oragio, na reflexdo sobre as Escri- turas € em séculos de uma profunda imersio nas lutas mais difi- 10, DEZ PRINCIPIOS DA COMUNICAGAO CIVILIZADA au ceis travadas pelo ser humano ~ fer. da Igreja uma “perita em hhumanidade”. Ela fornece-nos uma série de sinais que nos apontam as vias certas ¢ as erradas, bem como o desfecho que espera cada uma no final da caminhada rumo ao desenvolvi- mento humane, tanto para o individuo como para a construgio da sociedade. Ser positive néo quer dizer sorrir e fazer-se de “bonzinho.” ‘Trata-se de reconduzir o debate a visio positiva que a Igreja nos oferece — is maravilhosas ¢ infindas possibilidades da nossa liberdade. As “vozes catélicas” devem ser idealistas ¢ firmes, no seu empenho por convidar a sociedade a tomar um rumo novo e melhor. Os que batalham pré-vida devem parecer-se com os antigos abolicionistas, ¢ no com os moralistas chatos de épocas passadas, e os que se opdem 20 suicidio assistido devem dedi- carse a promover a abertura de um niimero cada vex maior de albergues. Nao sejamos figuras sinistras; sejamos 0 anjo que ‘mostra &s pessoas uma nova aurora. 7. Seja compassivo. ‘A compaixao € a qualidade que deve notabilizar os cristéos; no entanto, é triste ver que se encontra ausente de muitas dis- ccuss6es dos catélicos com outras pessoas. A principal razio para tanto é a sensagao de que estdo sob ameaga os nossos valores mais caros, como vimos acima ao falarmos da intengio positiva que deve animar um debate. As pessoas que tendem a exaltar-se frustram-se com frequéncia quando percebem que o interlocu- tor parece desconhecer ou desprezar 0 que para elas é imporran- te. No cntanto, essa frustragio & essencialmente egocéntrica. Quando vocé procede dessa forma, exige que 0 outro entenda e valorize aquilo que voce considera importante; mas 0 seu opo- nente também seré alguém que considera importantes as suas préprias crengas, ¢ provavelmente sentir-se-4 frustrado se vir que voce nao as valoriza, Estabelece-se entdo um ciclo vicioso. 212 AUSTEN IVEREIGH. A arte de ser compassivo, mesmo no meio de uma discussie violenta, é a chave para sair desse ciclo de invectivas miituas. Por tris de quase todos os pontos nevrilgicos tratados neste livro, es- to em jogo questées éticas muito pessoais, como as que cnvol- vem a sexualidade, a morte, a doenga ¢ a fé. E possivel que a pessoa com quem vocé entra em debate ja tenha tido uma expe- rigncia direta do ponto em questo, seja pessoalmente, seja como espectador muito préximo; ou que a sua experiéncia resulte de determinados atos das autoridades ¢ instituigoes que a tenham machucado no passado. Vocé poderé ou nao ter conhecimento dessas experiéncias do seu oponente; se ndo 0 souber 20 certo, presuma que a outta pessoa jé passou por esse tipo de exper cias. E comum que Deus seja usado como bode expiatério para a raiva, como uma vilvula de escape para frustragoes que de outra forma nao encontrariam explicagdo. Sentir compaixdo significa ser capaz de compreender essa raiva dor ¢ por-se no lugar da pessoa, num didlogo de coragio para coracio, Os que criticam a Igreja sio particularmente sensiveis a uma tendéncia observada em certos catélicos de repetir roboticamente aquilo que Ihes “mandam” pensar. A experiéncia pessoal surge en- to como o oposto da ortodoxia institucional, ¢ a experiéncia de vitimas individuais contréria aos interesses da coletividade. Nesse tipo de contraposigao, o catélico sempre causa a pior impressio — até mesmo porque colocar o individuo acima das instituigies & um conceito que se encontra no cerne do cristianismo. Existe um certo esterebtipo de que a Igreja produz em quantidades indus- triais ditames pontificios para multidées sequiosas de sabedoria “pré-pronta” ¢ desejosas de evitar ter de pensar por si préprias. Mas mais importante do que isso & observarmos a ideia ~ que po- derfamos até qualificar como intengio positiva ~ de que € a expe- rigncia que carrega consigo a maior autoridade. © modo de dissipar essa aparéncia de porta-voz fio e calcu- lista de uma instituigso que parece humanamente distante € um desafio permanente para 0s catélicos. H muitas maneiras de es- capar dessa armadilha: falar da nossa propria experiéncia, contar 10. EZ. PRINCIPIOS DA COMUNICAGAO CIVILIZADA 213 relatos que também apelem para 0 lado emocional, propor con- tra-exemplos, etc. Mas as vezes, teremos de ser simplesmente bons ouvintes, prontos a absorver a raiva € o ressentimento que alguns tém para com a Igreja; proceder desse modo € por si s6 tum ato de compaixio, Se alguém se abrir pela primeira ver a uma pessoa de f, a compaixio de simplesmente ouvi-la seré 0 melhor testemunho que lhe podemos oferecer, 8. Baseie-se em dados, mas evite 0 automatismo. Parte de uma boa preparacio é apresentar dados € estatisti- cas capares de reenquadrar a discussio. Mas lembre-se de que as estatisticas podem parecer excessivamente abstratas ¢ frias, ou entdo gerar a sensagio de que se pretende esconder alguma coi- sa; 05 politicos que nos scus discursos langam frequentemente mao de mimeros ganham fama de mentirosos. Acima de tudo, evite 0 pingue-pongue dos niimeros. Se voot tem de fazer uso de dados estatisticos, faca-o de um modo simples e compreensi- vel. Certifique-se de que os indices que menciona séo pertinen- tes e claros ~ e expressos em linguagem acessfvel e humana: no diga “30 de cada 100 pessoas”, mas “uma em cada trés”; nao “25 por cento”, mas “um quarto”. Use-os somente quando transmitirem uma mensagem importante, ¢ néo apenas como recurso retérico. Geralmente, as ctiticas Igreja baseiam-se em citagdes er- radas ou impedem a compreensio do quadro total. Por isso, é importante ir as fontes € verificar onde a verdade foi distorcida ou imperfeitamente compreendida. Lembre-se sempre do con- texto: o mimero de sacerdotes nos EUA ¢ hoje muito menor do que cra hé trinta anos, mas ainda é superior (proporcionalmen- te a0 mimero de catdlicos) ao da maioria dos demais paises do mundo, Um dado nao possui significado algum se nao estiver ligado a um contexto ¢ uma perspectiva Lembre-se também de que vocé nao conseguir dizer tudo; 214 AUSTEN IVEREIGH, © tempo ea capacidade dos ouvintes de prestar atengio sio limi- tados. Concentre a sua atencéo naquilo que é relevante ¢ impor- tante. Deixe assuntos menos importantes para outra ocasido. 9. Nao é nada pessoal. A boa comunicagio depende essencialmente de que se ponha ‘© ego de lado. O oponente nao se propée desvalorizar ou desres- peitar vocé, mas sim aquilo que vocé representa. O seu medo, falta de confianga ¢ atitude defensiva so produto do seu ego re- calcitrante. Pense em Sao Joao Batista, um comunicador deste- mido: a sua forea vinha do conhecimento de que the caberia set apenas a porta de vidro através da qual 0 povo viria a Cristo. Deixe de lado a preocupagio de saber se o seu desempenho serd fantéstico ou horroroso. Quando se estd prestes a falar em piiblico, € inevitével um certo grau de nervosismo. A adrenalina contribui para a concentragio, mas 0 excesso de nervosismo pode indicar falta de seguranca. Lembre-se: as pessoas nao estio interessadas em saber 0 que vocé pensa; estio interessadas em sa- ber 0 que vocé pensa. O ego, no entanto, leva-nos a pensar que nds que somos 0 centro das ateng6es, 0 que nos faz ora tremer de nervosismo, ora sentir um orgulho absurdo. Se vocé ficar nervoso, poderé vir a falar demais ¢ muito répido, tentando introduzir todos os seus argumentos juntos de uma vez. Respite fundo ¢ acalme-se antes de comegar, ¢ faca uma pausa sempre que for responder a uma pergunta. E, € claro, a melhor maneira de acalmar os nervos é preparar-se bem. E vital rezar antes de entrar num estiidio ow num debate: nnGo apenas para acalmar os nervos ¢ por o ego de lado, como também para no esquecer quem somos ¢ 0 que representamos. Reze para que 0 Espirito Santo 0 acompanke e fale por meio de voc. Se tudo der errado, alegre-se! © sucesso raramente tem algo a 10, DEZ. PRINCIPIOS DA COMUNICAGKO CIVILIZADA 215, censinar-nos. Peca a alguém da sua confianga que repasse com ‘vocé como decorreu o debate, para que descubram juntos em que pontos exatamente vocé errou € em que pontos poderia cortigit- se. E assim que se aprende a melhorar. E seja grato pela ligao. Lembre-se: 0 que vocé faz é ser instrumento da acio de Deus da melhor maneira possivel. Isso basta, mesmo quando tudo dé errado, O ego tenta persuadir-nos de que somos 0 me- Ihor orador da face da terra, ou, a0 contritio, o palestrante mais incapaz de toda a hist6ria de falar diante de um microfone. A verdade é que nio somos nem uma coisa nem outra; somos ape- ras razoavelmente bons. Contente-se com tanto. 10. Testemunhar nao significa vencer. Um dos repérteres escalados para cobrir a visita papal a0 Reino Unido relaxava num pub londrino depois de ter acompa- nhado Bento XVI no segundo dia da sua visita a Londres. Numa mesa préxima A sua, havia duas mogas que assistiam sem maior interesse & cobertura ao vivo da chegada do Papa a0 Hyde Park. Na TV, viam-se duas jovens articuladas e apaixona- das, que comentavam e explicavam concisa e alegremente 0 que Papa significava para elas, para os catdlicos e para o Reino Unido, ¢ por que clas achavam que aquela visita traria beneff- cios a toda a sociedade. Apés haverem terminado, uma das mo- gas voltou-se para a outra ¢ disse: “E, parece que eles nao sio tao malucos assim”. O repérter americano comentou-nos mais, tarde: “Parece que vocés acertaram em cheio”. ‘Nao € ficil medir 0 poder desse tipo de reagio, mas muitas pessoas que retornam & Igreja apés muitos anos de afastamento, ‘ou que decidem informar-se a respeito de como tornar-se catéli- co, contam ter visto ou ouvido alguém dizer alguma coisa que as tocou fundo e ficou nelas, inquietando-as de alguma forma. Na maiotia das vezes, no entanto, nfo se tratou de um argu- mento brilhante ou de um torneio retérico inusitado, mas sim de 216 AUSTEN IVEREIGH um “reenquadramento”: um preconceito que foi desafiado ou, em alguns casos, até revertido. Chamanmos a isso “conversio.” mo- delo aqui é Sao Paulo, que se transformou de perseguidor dos cris- tos na mais famosa testemunha de Cristo, A sua conversio pro- vocou uma nova maneira de ver as coisas. Depois de um periodo nismo e tentou destrut-lo, em que se escandalizou com o «i descobriu que 0 que 0 escandalizavs nao era senao a Verdade. O projeto “Vozes Catélicas” existe para convidar as pessoas a ver a Igreja de forma diferente, comunicando-thes a verdade so- bre ela, Na nossa Introdugao, falamos sobre 0 modo como a fé caté- lica “escandaliza’. Faz com que as pessoas reajam de forma extr mamente negativa e comecem a formular perguntas diff Observamos atrés como um skéndalon € um obstéculo no meio do caminho, que obriga as pessoas a parat, p E isso pode servir de inicio para outro caminho, um caminho que leva, potenci nsar € questionar, Imente, a uma forma diferente de enxergar de- terminada coisa ~ ou pode vir a causar a “apostasia” sobre a qual A tarefa do “Vozes Cat6licas” é situar-se precisa- mente nese momento de escindalo, em que os individuos ainda io apostataram completamente, mas se mostram indignados, confuusos, curiosos. Todo o desafio representa para nés uma oportunidade de dar testemunho: esclarecer mal-entendidos, der- ramar luz onde haja mito e confusio, demonstrar empatia, com- paixdo ¢ uma visio mais profunda. iinimigo deste tipo de testemunho ¢ 0 desejo de “vencer” € “derrotar,” uma mentalidade de tivalidade e vitéria, de vencedo- tes ¢ perdedores, de “nés contra eles,” de “certo ¢ errado”: é a lingua das batalhas cercos, da guerra e da perseguigao. Nao ha poucos catélicos que estariam (05 que pensam que 0 Papa esté redondamente enganado em cer- tos temas, como a adogio por homossexuais ¢ o abuso sexual no clero. Porém, embora estejam certos por desejarem defendéslo esclarecer determinados pontos, devem evitar tomar parte no mesmo ciclo de acusagio € defesa. Jesus nos avi }ostos a pegar em armas contra 1. DEZ. PRINCIPIOS DA COMUNICAGAO CIVILIZADA 217 Tomemos Jesus por modelo, tal como o vemos no Evange- tho de do, nunea assume a atitude de uma vitima de perseguicio, ao Joao: apesar de constantemente acossado ¢ desafia- Ninguém conseguiu manter-se fora desse ciclo vicioso tio hem como o préprio Papa Bento. © que fez, apés aterrissar em solo escocés? Saudou a Gri-Bretanha, deu gracas pela hospitali- dade, beijou bebés € conquistou os coragdes. Trouxe consigo mensagens fortes — verdadeiramente escandalosas — para os seus ouvintes; mas, a0 mesmo tempo, era uma mensagem de 270, compaixto e conviceao. Nao comandou nada, mas fez apelos; mostrou_compaixio, empatia e amor verdadeiro. Por haver dado primeiro esse testemunho, © povo britinico dispés-se a ouvilo, Essa foi a sua grande vit6ria, 0 tinico tipo de vitéria que devemos buscar.

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