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Julia d’Alge Mont’ Alverne Barreto ree Si Digitalizada com Cam eee Introducao Durante boa parte do século XX, apés uma sequéncia de reformas politico- -administrativas, seguida de transformagées sociais, imperava a légica da Ad- ministra¢ao Publica burocratica como viabilizadora do bom funcionamento da maquina publica, cuja génese remonta ao século XIX, época em que ainda a estrutura administrativa funcionava de modo paternalista e patrimonialista — em alguns paises, predominavam, inclusive, as oligarquias, caracteristicas do sistema brasileiro durante as primeiras décadas do periodo republicano, com forte traco do personalismo como gerenciador do Poder Publico. No Brasil, a administra4o burocratica pode ser observada, principalmen- te, na Era Vargas, periodo em que foram observados o aumento da ingeréncia estatal e o surgimento de novos segmentos sociais, causando a derrocada das elites oligarquicas tradicionalmente postas na sociedade. A oligarquia passou a significar um velho modelo de organizacio politica, cedendo espago 4 moderna burocracia, que pressup6e a separacao entre interesses ptblicos e interesses pri- vados e a elevaco do interesse publico ao patamar de indisponibilidade. Apés a Segunda Guerra Mundial e os horrores dela decorrentes, houve uma tentativa de reconstrugao dos Direitos Humanos no cenério mundial, surgindo um movimento humanista que reformulou o entendimento sobre 0 cidadio e seu papel perante o Estado e a ordem internacional. Diante das atrocidades cometidas pelo regime nazista, os valores das sociedades modifi- caram-se, abrindo espaco para o surgimento de um novo constitucionalismo, pautado, essencialmente, no reconhecimento de direitos fundamentais e na Constituicao como vetor desses valores. Esse novo sistema, com raizes democraticas, tem como imperativo a ocu- pag’o do povo no espaco piblico, com a prerrogativa de escolher as politicas plblicas a regrarem a sociedade. A participacdo torna-se aspecto fundamen- tal do regime democratico, 0 qual passa a apresentar contetido substancial, e nao mais meramente formal - fala-se, entéo, em democracia participativa. A participaco compreende nao sé 0 ato de votar e ser votado, de modo que a representao politica dos governantes nao mais é suficiente para atender 5 Jilin dAlge Mont’Alverne Barreto 40s anseios coletivos. Emergem, pelas proprias necessidades do sade ta ‘ociedade, outras tantas formas de efetivar € garantir a participacdo cidada ‘como elemento concretizador dos valores propugnados pela Constituicao, ‘Confirma-se a reestruturagio da cidadania como ponto fulcral de um Estado Democritico de Direito. ; esse cendrio, fla-se na Administragdo Pablica contemporanes, néo mais pautada na légica puramente burocritica, mas, sim, aberta ao gerencialismo, ‘Apartirda experitncia da adocao de um modelo gerencial por sociedades em. presirias privadas, o setor piblico transplantou ~ ou, em alguns casos, vem, aos poucos,transplantando - esse conhecimento para seu campo de atuacao, ensejando um movimento de utilizagao de técnicas e normas tradicionalmen- te privatisticas pela Administracio Publica. ‘Uma das caracteristicas que se observa nesse ciclo de mudancas é a con- sensualidade como vertente de atuacio da Administragao Piblica, tanto em Ambito internacional como no Brasil . Assim, a Administragio Publica passa a fazer uso de ‘meio consensuais de composicio de conflitos, inclusive no ambito das agén- cias reguladoras, tanto para solucionar controvérsias havidas com os agentes regulados como para atender as reclamagbes da coletividade. Desse modo, a presente dissertagdo tem como objetivo geral analisar a adotado inicialmente em contratos de construc, em virtude da alta comple- xidade e dos aportes financeiros que normalmente sio feitos nessas empreit das, bem como pelo largo tempo de execucio do objeto contratual. ificos, este trabalho bi averiguar a compatibilidade dos dispute boards (ou comités de resolucao de disputas) com 0 ordenamento juridico brasileiro € avaliar a contribuicio do método como modelo alternativo de solugao dé disputas no ambito das agéncias reguladoras, Consensualidade administrativa No primeiro capitulo sero abordadas as diretrizes da Admis blica contemporinea, surgida a partir de novas exigéncias do principio de- mocrético, e suas premissas e consequéncias, sobretudo no que diz respeito a0 modelo participativo de democracia. Para fundamentar a nova forma de atuagéo administrativa, ganham relevo os principios da legalidade, de acordo ‘com uma compreensio substancial, e da eficiéncia, que permite o reconheci- mento de um direito fundamental & boa administracao. O conceito substancial da legalidade torna-se concreto a partir da supera- 205 poucos, da concepedo classica de sujeicdo da atividade administrativa a prévia existéncia de lei e da acepcio formal dessa lei enquanto resultado de ‘um processo legislativo, oriunda da complexidade das in |. A lei ndo mais pode ser vista como justa pelo simples fato de ser lei: 0 seu contetido deve ser compativel com as exigéncias sociais e com os preceitos constitucionais. Por sua vez, a concretizagéo do principio da eficiéncia, inserido no tex- to constitucional por meio da Emenda Constitucional n° 19/1998, enquanto instrumento destinado a conferir legitimidade a atuago administrativa, leva a constatacdo de um direito fundamental & boa administragdo, consagrado ‘em tratados internacionais, segundo o qual a atividade administrativa deve desenvolver-se do modo mais oportuno, adequado e congruente aos fins a se- rem alcangados. O valor simbélico do reconhecimento desse direito consiste no realce da cidadania, trazendo 0 cidadao para o posto de protagonista da atividade administrativa, a 10 expresso de qualquer forma de participagao na Ad- ministracio Pablica, e de modo mais restrito, referente ao acordo de vontades de que faz parte a Administracdo. Nesse capitulo, ser analisado 0 segundo ‘modelo, uma vez que o objetivo do trabalho versa sobre meios consensuais de solugao de conflitos. Em ambit internacional, alguns ordenamentos juridicos sio avangados no ‘que diz respeito ao uso da consensualidade pela Administragao Publica, razéo 1 Administra¢ao publica contemporanea e as exigéncias do principio democratico Atualmente, observa-se uma nova forma de legitimagao da atuagdo da Administragao Pablica no mais fundada com exclusividade nos tradicionais, processos de representacao politica, mas, também, na participacdo concreta e efetiva dos administrados, destinatérios do ato administrativo, e no resultado. Esse movimento decorre, dentre outros fatores, da globalizacio, da ascensio € da rapidez caracteristicas dos diversos meios de comunicacio ¢, por conse- guinte, da complexidade das relagdes sociais do século XXI, fendmenos que ‘marcam, também, a passagem de uma democracia representativa para uma democracia participativa, Esse quadro passou a exigir transparéncia das agbes estatais, sobretudo Porque, facilitado 0 acesso a informagao, a adequacio e a satisfagao da pres- tagio dos servicos piblicos tornaram-se elementos importantes, para além da tradicional concepgao de cumprimento estrito do ato administrativo inde- pendente da satisfagio obtida com o resultado. A busca por resultados passa a ser, portanto, uma preocupacdo da Ad- ministracio, especialmente em virtude do principio da eficiéncia, inserto na Constituigo Federal de 1988 por meio da Emenda Constitucional n* 19/1998, Nao € mais suficiente o atendimento & estrita legalidade € & moralidade na seara administrativa: a Administragao Publica contemporénea vai além do rigoroso e autoritério cumprimento dos ditames normativos. Como preceitua Dallari (2008, p.16) néo se pode mais aceitar uma submissio absoluta a letra da lei em detrimento da realizacdo dos fins a que ela se destina; a lei é cumpri- dda quando se atinge o resultado por ela almejado. s Jil d’Alge Mont‘Alverne Barreto 1.1Democracia participativa e administragao publica contemporanea [Aperspectiva mais gerencial do que burocrética, marca da Administragig Pablica contemporinea, vai de encontro ao modelo de Administragao patr. rmonial vigente no inicio do século XIX, em que os negécios piblicos eram diretamente ligados & propriedade e ao patriménio'. Na época, quem exercia 0 poder politico detinha, também, 0 poder econdmico, de modo que a pro- priedade e o poder politico constantemente se fundiam (SUNDFELD, 2006, 138). O aparelho estatal apresentava maior aproximacao dos setores sociais relacionados ao crescimento econémico. Durante boa parte do século XX, autores cléssicos apontaram a organi- zagio burocrética como garantia do bom funcionamento dos negécios e ser- vigos piblicos (PAULA, 2005, p.54). Para Weber (1999, p.230), a estrutura de dominagao burocratica esta naturalmente a servigo do avango da racionali- dade humana e, de modo geral, o desenvolvimento em direcio a objetividade racional do homem, a0 homem profissional ¢ especializado, fortemente fo- mentado pela burocratizacio. Historicamente voltada para solugdes técnicas - burocriticas -, a Admi- nistracio Piblica sempre enfatizou mais 0s aspectos instrumentais de gestio do que os sociopoliticos: ao passo que era conferida importancia a eficiéncia dos processos gerenciais, delegou-se a avaliagao dos seus impactos na socie- dade para a ciéncia politica. O resultado foi um descompasso entre as trés dimensdes consideradas fundamentais para a construgao de uma gestéo pi- blica democratica, So elas: a dimensio econémico-financeira, relacionada as finangas pablicas e aos investimentos estatais, abrangendo questées fiscais, tributérias e monetérias; a dimensio institucional-administrativa, relativa a problemas de organizacao e articulagao de érgaos administrativos, bem como dificuldade de planejamento e controle de acdes estatais; ¢ a dimenséo so- ciopolitica, que compreende questdes abrangidas pela relacao entre Estado € sociedade, envolvendo os direitos dos cidadaos e sua participagao na gestio 1 _Enmpregs-se, aqui o termo em sua iteralidade,e ndo no sentido do fenémeno do patrimonialismo, tucionado as tetativas de compreensio do Brasil e sua complexidade, cuia obra de Raymundo AO 0, “QS Dtosdo Kose” deve ser dercca’s 2 Consensualidade administration piblica. Haveria, entéo, a supervalorizagdo da eficiéncia administrativa em detrimento dos aspectos sociopoliticos (PAULA, 2005, p.21). Em nivel mundial, percebe-se que, em alguns paises, durante 0 século XX, a busca por uma diferenciacio entre a gestio empresarial ea publica esteve pre- sente nas discussdes académicas ¢ governamentais. Todavia, a partir da déca- da de 1970, observa-se tentativa de adaptar e transferir os conhecimentos ge- renciais desenvolvidos no setor privado para o setor piiblico, especialmente no Reino Unido e nos Estados Unidos da América. Essa perspectiva alcangou seu auge na década de 1980, com a emergéncia da new public management (ou nova administracao publica). Com a insercao da logica empresarial no setor puiblico ea visio dos servicos puiblicos como um negécio, a nova administragao piiblica ficou conhecida como administragao piiblica gerencial (PAULA, 2005, p.22). Por seu cardter controverso, no entanto, tal reorientacao nao passou imune 8 atengdo de analistas, a exemplo de David Whyte (2015, p.35-40), que eviden- cia ndo somente o avanco da compreensio privada a dominar 0 setor piblico 1na Gra-Bretanha de Margaret Thatcher, como revela o crescimento da corrup- ¢a0 governamental derivado desta nova perspectiva. Nesse contexto, Paula (2005, p.54-55) explica que vem se consolidando um modelo gerencialista em virtude do uso do discurso composto pela critica as organizagdes burocriticas, antes predominantes, e a valorizacéo da cultura do management, bem como pela conversao de técnicas e prticas adminis- trativas, usualmente adotadas, em “modismos gerenciais”. Aponta que, em 1954, 0 escritor Peter Drucker? publicou a obra “A pratica da administragao de empresas”, em que expés tracos do planejamento estratégico de empresas, orientado para 0 alcance de objetivos determinados. Na obra, defendeu que as ideias rigidas da Administracio por objetivos deveriam ser atenuadas pelo ‘empowerment, técnica que elimina niveis hierérquicos e delega decisées para trabalhadores diretamente ligados & tarefa a ser desenvolvida. Dessa combinagéo, surgiram criticas & administragdo. burocritica, das quais Peter Drucker foi pioneiro, as quais pregavam que a burocracia estaria cedendo espago a uma organizacao pés-burocritica, fundamentada 2 Peter Drucker (1909-205) fl um consultoradministrativoanlistainancelro, professor jornalista ¢ exeritoraustriacoBeonsderado um dos maiores expecialistas em Adminisragdo Moderna Su imei obra fol “The End of Economic Mar The Origins of Totalitarianism’, pbliada er 1939. 13 Jiliad’Alge Mont'Alverne Barreto na paticipagio ¢ na flxibilidade. A partir dessas criticas, © movimenta gerencialista gonhou forca, ajudando a moldar a cultura administrativa sop tm enfoque empreendedorista e adquirindo densidade com a ascensio do neoconservadorismo (PAULA, 2005, p.55-56). Com critica similar, Estorninho (1996, p47) aponta o movimento de pri. "Gute ptr icin est Dede oe ‘mento desenfreado da Administracao do Estado Social’, somaram-se fendme- nos de ineficiéncia e aumento da burocracia: Por outro lado, o agravamento das contribuigées exigidas aos cidadios para suportar as despesas crescentes da maquina esta- dual ea falta de imparcialidade do Estado (para jé nao falar de fendmenos extremos, como os de corrupcio) suscitam, cada ver mais, uma reagio generalizada de desconfianga e incomodidade do cidadio em face do poder piblico. Por tudo isso, aos poucos, comeca-se a por em causa 0 proprio crescimento do Estado e das fungées por ele desempenhadas e defende-se a necessidade de repensar a dimensio da méquina administrativa ¢ os tipos de tarefas que a seu cargo devem ser colocadas. (sic) Conclui que o alargamento da atividade administrativa conduziu a sobre- we a inn a ineficiéncia da ve Publica; assim, dda sociedade civil” (sic) (ESTORNINHO, 1996, p.47-48). A critica da autora portuguesa, produzida nos idos dos anos 1990, confir- ‘maa crise enfrentada pela Administracao burocratica, fundada na descren¢a 3 “*Cariosamente,(infeizment) no Estado Pés-Social a Administracio volta ater uma scara m+ ‘uma scara boa, & semelhanga do que acontecia no Estado Absoluto. S6 que, ao contririo do ue sucedia no periodo da Monarquia Absolut, onde apenas no Ambitojuridico-privado hava? ‘jegdo da Administraio ao Diteito, no Estado Pos-Social verifia-se precisamente o invets0 ¢ 8 scara moa wfacetaperversas desta Administracio Pablica «esquizofrénicas,revela-se quando la opta por actuar segundo o Diteito Privado e foge as suas vinculagSes juridico-piblicas” (sie) (FSIORNINHO, 1996, 79, ba egy lea Consensualidade administration por parte dos cidadaos em virtude do seu estado de ineficiéncia perante as demandas sociais. Diante dessa insatisfagio, iniciou-se o movimento geren- cialista, buscando a adocdo de novos mecanismos pela Administracio, a fim de tornar mais efetiva a sua atuagao, socorrendo-se, para tanto, em algumas situagdes, de institutos préprios do direito privado'. Por outro lado, revela-se o fato de que, passados alguns anos dessa mu- danga, as mesmas sociedades comegam a sentir o impacto de sua escolha: as perdas do Estado Social por vezes desorientam eleitores e sociedades no Brasil, nas Américas e na Europa, a ponto de, em algumas situagdes, trazerem de volta fantasmas de um passado ndo to remoto como os anos 1930: intole- rncia étnica e religiosa e segregagao econdmica. No Brasil, a historia da Administracdo Piiblica pode ser apresentada pela definigao de coalizdes politicas ou aliangas de classe: até os anos 1930, predo- minava um pacto politico oligirquico, baseado num modelo de desenvolvi- mento primério-exportador; de 1930 a 1964, prevaleceu o pacto populista ou nacional-desenvolvimentista’, em que a burguesia industrial, a classe média burocratica e alguns setores da velha oligarquia se uniram em torno da in- dustrializagao substituidora de importacdes; o regime oriundo do golpe mili- tar de 1964, por seu turno, instaurou pacto burocratico-capitalista, composto pela burguesia, os militares e os servidores puiblicos, excluindo trabalhadores e setores democraticos de classe média; e, em meados dos anos 1970, se es- tabeleceu o pacto democritico populista, com a burguesia rompendo lacos com 08 militares e aliando-se & classe média democratica e aos trabalhadores (BRESSER-PEREIRA, 1996, p.305).. Com esse contexto, constata-se que a construgao da democracia brasileira em muito se relaciona com o desfazimento de vinculos entre a classe ‘Cambie Souza (2017, .148) destacam que Antonio Carls Wolkmer, na obra Elementas para uma ‘rticado Estado, angava citicasao modelo de Estado prestador de servic baseado nas mds piticas «na deficitncia na prestagio de tervigos, alheio a0 atendimento do beneficidro, com composigio arcaica eeltsts favorecedora do coronelismo e do apadrinhamento, Assim, a crise no modelo estrutural da Administra deu azo tentativa de adogio de condutas gerencals. 5 Nao se utiliza, aqui, 2 versio tradicional negativa de populismo. Como qualquer fendmeno da politica, o populism pode ser vsto tanto em regimes mas incinadosesquerdacomoa direta se, ‘na Europa, sua conotagdo fascistaé evident desde oséculo XIX, na América Latina, por outro lado, (0s mais pobrestransformaram-e, por meio do populismo, em agenda de governo, como ocorreu ‘no governo de Lizaro Cirdenas, no México, no governo de uan Domingo Perén, na Argentina, no governo de Getilio Vargas, no Brasil 15 Fila d’Alge Mont‘Alverne Barreto ‘empresarial e os representantes do regime militar, estabelecendo, em algume, medida, nova alianga com os setores democraticos da sociedade. Nao se tratg de bonanca proveniente do governo militar, mas, sim, de ascensio das ideag originadas nas camadas democraticas. ‘Apesar dos esforgos de construgio de uma Administracéo mais técnicy, racionalizada e burocrética e, consequentemente, menos personalista, pater. nalista e patrimonialista, nao foi no século XIX que se instituiu essa co ao. A essa época pode-se dedicar a génese do processo de burocratizacig, ‘mas somente nos anos 1920 e 1930 se conferiu nova organizacao ao Estado, apés uma sequéncia de reformas politico-administrativas, acompanhada de transformagées sociais, tais como aquelas relativas & organizacao do trabalho, 4 educagio ea saide, bem como a ascensio de novos grupos econdmicos epo. liticos, como o Partido Comunista, em 1922, e a Aco Integralista Brasileira, ‘em 19328 (PAIVA, 2009, p.778-782). ‘A Era da Burocracia, assim denominada por Paiva (2009, p:784), demons. tra relevo, sobretudo, no periodo de Getilio Vargas, em que 0 Estado se tor- nou mais presente e o governo ampliou sua intervencao, abrindo espaco paraa emergéncia de novos segmentos sociais. Essa conjuntura provocou certa deca- dincia no prestigio das elites oligrquicas tradicionais, de modo que as questdes referentes is poiticas piblicas passaram a depender mais de negociacdes coma burocracia do governo do que da velha organizagao politica e social’. ‘Vargas foi um lider nacionalista e popular que encontrou um pais pre- dominantemente agrério e atrasado quando chegou ao governo e, 24 anos depois, o deixou dinamico e industrializado. © nacionalismo econémico de Vargas tornou um estadista e seu populismo - ou o caréter nacional-popular de seus governos -, com sua capacidade de se relacionar diretamente com 0 Essastransformagées, que fincam raies no século XIX, tem também a ver com transformagBesem ‘scala global. durante a Primeira Replica que um acontecimento de impacto como a Primeira Guerra Mundial (19141918) provoca importantes mudangas na forma pela qual os atores soci, politicos inteecanis aprenderam a realidade social de seu tempo. O conflto de escala mundial fef0u m8 mairia ds paises do globo profunda incerteza quanto & possiblidade de superacio do atrasosocial va iberalismo,o que ficaria realmente Gbvioa partir dos anos de 1930 |. Surge ento bandeira do Estado como.uma spécie de entdade organizadoraepreparada para interviremum reilidade, no minimo, ptencialmente catia" (PAIVA, 200, 784) 7 Para Pala (2005, 106), a eran clonal contribu para que a centralzagio do poder m4 _cipala ¢o autoritarismo do poder piblico se tornassem tracos distintivos da administragao publica rset, que perssiram duristea Replica Vth (1869-1929 cara Vatgs (1930-45) Consensualidade administratioa povo e atender algumas de duas demandas, abriu espaco para a democracia no Brasilt (BRESSER-PEREIRA, 2012, p98). Assim, € moderna a concepgao da Administracéo Publica como entidade burocritica, composta por pessoas que devem prestar contas com a sociedade® e cexercer de forma impessoal o poder que Ihes foi conferido. A essa forma de atua- ‘gio vincula-se a nogio de interesse piblico®, separada dos interesses privados de cordem patrimonial que outrora eram mesclados com a prépria Administracao, iperada a primeira barreira no século XX, cabe vencer a segunda (MOREIRA NETO, 2016, p.168). Hé importante distingao a ser feita entre o interesse piblico primétio eo in- teresse puiblico secundério: na concepgao de Nohara (2018, p.59-63),0 primeiro G aquele que a Administracéo Pablica deve perseguir no desempenho genuino 15 Vargas consolidou, no Brasil, uma nogio de desenvolvimento econémico associads nfo mais & realidade agroexportadora, mas A Incorporagio de tecnologias industrais ea c lempregos urbanos, cujs condides contratuais deixariam de eta 84 contratants, passando a ser reguladas publicamente (BASTOS, 2012, p.448). Além disso, 0 Estado ‘Novo trouxe mudangas irreversiveis nas instituigbes da politica e da administragdo publica. Como lum dos principais fitos, Vargas transformou a relago entee a autoridade federal a avtoridade «stadual,aproximando mais o Brasil de um governo verdadeiramente nacional “Em 1945, 0 Brasil hherdou um Executivo federal infintamente mais forte do queaquele que es revolucionirios tinham tomado em 1930. © processo constant defortalecimento do governo federal &custa dos governs ‘stadual e municipal comegou em noverbro de 1930 e fol acelerado depois de 1937, Havia um aspecto politico ¢ um aspecto administrativo ness procesto,apesar de ot dois serem estritamente relacionados (SKIDMORE, 2010, ps} 9 Como exemplo, mencione-se os Tribunais de Contas da Unido, dos Estados e dos Municipio, responsiveis pela fiscilizagio contbil, financera, orgamentéria, operacional e patrimonial dos respectivos entesfederados, auxiliando 0 Poder Legislativo no controle externo, conforme Preceituam os artigos 70275, da Consttuigéo Federal. 10 “0 ancien régime, com restrita excegdes, confundia oInteresse do recom o interesse piblico: © poder de império ndo se cindia,ndo se podendo falar de um conceito dogmaticamente auténomo ‘de interesse piblico. Com a revoluci francesa ¢ depos, com o desenvolvimento do positvismo juridico, 0 conceito ganhow autonomia,contendo-se nas defini legllativas ordindrias que 0

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