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Pedro Paulo A. Funari Glaydson José da Silva Teoria da Historia editora brasiliense 1 Copyrot dt eis: Peo Paul re Fur ladon Jd iva ‘Neu pare desta publica pe er a, mazes itm cletrinio, feed, ssprozida por eis mecinca ou eaves qusnguer sem autor prvi deter Pris et, 208 regress, 2010 orden ederial: tice Kabah Coden de rds: Roel Sad Projet Gre e ater: Dia Servis Grin Capa: Fernando Pree montage sob imagem de bt de Heidt Tc, ‘Mie Naconte Nepal) Revisi Martla Nabe «Karin Otro Dados Internaconais de Catalogagio na Pal (Camara Besa do Lior, SP, Tana Psd Paulo Abo “Teoria sii Pedo Palo Abt Fai (lays Jon dS ~ St Plo: Bren, 208 = Tod Shir; 153) ISON 978 5-1-001460 |. Hiss sto ems 2. Hist lost 3. Hira Meteo 4 is “Teoria ea. ia, Gly es I. Tilo I Sei LO78s1 epp.s0, Thales pars callings saemiticoe {Hsia lsat 901 itor tiara brastonse Rus Muato Coca, 111 Pies (CEP OS4I7-010- Sto Paul ‘wrwatrbraliene cote SumArio Ivrropucio UM CAMPO INTERDISCIUNAR .« (Os ORIETIVOS DESTE LIVRO + Caviruto T AS ORIGENS ANTIGAS OU PRE-MODERNAS Carrruto I (© sureneTo ma tatstORiA # @ PasmViswe. Cartruvo TH A Escoia Meronica an Cavtruvo IV A concergAo De HisTORIA EM Maex Cavtruto V A Bsco1a pas AnnaLes rr) Cariruto VI A HISTORIA NOVA OUTRAS HISTORIOGRAFAS. «oe ee 69 Cariruvo VIL © Pos-MonERNtsMo . 81 Const AQOES FINAIS «+ REFERENCIAS E FONTES « ‘SuGEStOrs DE LErTURA . ‘Sonne os aurones . Agradecemosa Margareth Rago, Jair Batista da Silva ¢ Adilton Lufs Martins. Mencionamos, ainda, 0 apoio institucional do Naicleo de Estudos: Estralégicos (NEE/Unicamp), do Departamento de Historia, do CNPq e da Fapesp. A responsabitidade pelas idéias restringe-se aos autores, Intropugao UM CAMPO INTERDISCIPLINAR A Teoria da Histéria € uma rea de pesquisa e de reflexdo paradoxal. Disciplina obrigatéria nos cursos uni- versildrios de Hist6ria, constitui uum dos cernes da carreira do historiador, seja ele futuro professor, seja pesquisador: Nao se pode prescinclir de uuma formagao sobre os funda mentos epistemolégicos da disciplina, A propria palavra epistemologia, referida na frase anterior, contudo, nos alerta de que estamos diante de uma area que abrange di- versas outras disciplinas, Epistemologia, 0 conhecimento (logia) da ciéncia (episteme), remete & Filosofia, ao campo de conhecimento voltado para os processos de conheci- mento, mas leva-nos, também, aos gregos antigos, Foram Paavo Pate A. Fanart & Glaydson José da Silva os gregos que definizam a episteme como o resultado de uma reflexdo diante do que est colocado & nossa frente: hhistemai significa estar em pé e epi & a preposigio sobre. Opuseram-na a doxa, a simples opinio, assim como a tere, a arte ou técnica, Mas a Teoria da Historia nfo se relaciona apenas & Filosofia. Dest 0 século XIX, ¢ no séeulo XX, diversas disciplinas forncceram modelos de como inter pretar a sociedade ¢ as suas transformagées ¢ vieram a e ainda m servir de referencia para como os sobre a teoria da sua diseiplina. Foram particularmente relevantes as interpretacdes sociol6gicas e antropol6gicas, sem esquecermos aquelas oriundas da Lingifstica ¢ dos Estudos Literdrios. Temos ai, portanto, trés grandes ver~ tenles que eontribuiram para Teoria da Historia: a Filoso fia, as Ciencias Socials e as Letras, trés campos que, por sua parte, se relacionam também. Tudo isso significa que a Teoria da Histéria exige uma necesséria interagio com as outras ciéncias. oriadores pensaram, Os owserivos peste LivRo: Um dos grandes estudiosos da Teoria da Hist6ria, © historiador francés Henri Irenée Marrou (1904-1977), enfatizava a imporldncia de se publicarem livros de di- vulgagio. Esta obra visa introduzir o leitor no universo da Teoria da Hist6ria, a partir de suas origens até os dias atuais, Essa seqiiéncia permitird ao leitor verificar como ‘0s autores construiram suas interpretagdes a partir das Toria da Histivia 4" cexperiéneias anteriores, mas nfo implica nenhum jutzo de superioridade das pradugdes mais recentes, como se hot io em dirego A verdade. Apresentamos vesse uma evolu uma leitura possivel des explicitada desde o inicio: « pluralismo. Como constatou © historiador alemdio Chris Lorenz (1998), “o pis-moder- nismo € uma versio radical do pluralismo”. Partilhamos, «das preocupagoes de Margareth Rago (2000), quando es- clarece que a trajeldria, a partir de uma dtica 1 faz algum tempo que os historiadores perce beram as dificuldades do seu oficio, no apenas pelos bbsLiculos de acesso aos documentos, mas porque sua atividade ndo € neutra e nem o passado existe como coisa organizada e pronta, & espera de ser desvelado. O historiador produz o pasado de que fala a partir das fonles documentals que seleciona e recorta, compae uma trama dentre varias outras possivels ¢ constedi tuma inlerpretagao do acontecimento. 114 ‘mdltiplas hislGrias a serem contadas jd que os grupos sociis, Ainieos, sexuais, generacionais, de haixo ou de cima, se constiltiem de maneiras diversas, mas tm diferentes modlos de narré-las, A Hist6ria pote mostrar formas diferentes de pensar, de onganizar a vida, de proble- mmatizar, vivenciadas por ouleas sociedades, em outros momentos histdrieos. Accitar o desafio proposto por Marrou (1961) ¢es- crever uma obra de divulgagao nfo € tao simples quan- to pode parecer. O historiador americano Jacoby Russel (1992) lembra que “as generalizagdes sobre disciplinas B & 2 Pesto Rudo A. Buna & taydsom José da Sit académicas requerem audécia, pois materiais e descobe tas volumosas mesmo em dreas muito restritas podem minar, se ndo refular, as interprelagdes gerais". Corremos, esse risco, mas deixamos claro, desde o inicio, que apre- sentamos uma leitura possivel, convidando © leitor a fa zer seuis proprios juizos I AS ORIGENS ANTIGAS OU PRE MODERNAS Os TERMOS E SEUS SIGNIFICADOS Toda a Teoria da Hist6ria moderna, surgida com 0 racionalismo eo iluminismo do século XVII, surge em continuidade e em oposigdo a tradigo milenar de refle- xdo sobre o passado. Continuidade, pois muitas das refe~ rencias antigas foram retomadas em tempos modernos, mas, ainda mais, em oposigio, pelo distanciamento das maneiras de se conceber a Hist6ria nas tradigGes antigas medievais. Neste capitulo, a trajetéria de reflexao sobre © passado, € como isso se relaciona com a epistemolo- sia, sera apresentada a partir dos seus primérdios na- quilo que se convencionou chamar de tradi Como veremos, reflexdes das obras de Plato ou mesmo (0 ocidentall & 1 Pro Paulo A Bari & Glayidson Jost la Siva tioria da Histévia 1 dda Biblia contimuam, em pleno século XX1, a serem deba- tidas ¢ usadas como angumento para reconstruir a Teoria da Histéria Antes de Lratarmos disso, contudo, convém abor dar dois termos da equagdo: teoria e historia, termos de origem grega e prenhes de significado. Teo com o verbo Thesomai, enxergar, ¢ com thea, vista e est porlanto, no mesmo campo de teatro, em grego théatron. A teoria €, portanto, um ponto de vista, uma visio ¢ esse lermo j4 € em si muito revelador, pois s6 enxergamos tuma parte do que pode ser visto, s6 aquilo que nos per- mile nosso dngulo de visto ¢ a iluminagao externa, As- o € subjetiva, ela depende de quem olha e el também afetada por condigdes de visibilidade externas a0 observador. Para os antigas gregos, teoria difer da praxis, a agio no mundo, mas essa propria pratica de: pende da visdo, de um ponto de vista. A teoria é, portanto cinevilavelmente, subjetiva Em seguida, a Hist6ria, lermo grego que jé se eon: finde, no senso comum, com a nogio de pasado, como storia & um. se Fosse aquilo que aconteceu. Na verdad, hi termo grego que significava pesquisa, uma observax: de novo, uma nogdo ligada a algo investigado pela vista Na origem, a palavra nao se restringia ao estudo do pas- sado, era usada para qualquer pesquisa empitica sobre o movimento dos astros no eéue esse sentido da palavra s mantém, em nossa lingua, na expresso histéria natural \ssim, também pelo segunda terma da expresso — Teoria da Historia — estamos diante de uma subjetividade. Antes ma InvENGRO DA TEORIA B.A HisTORIA Antes mesmo da invengao, pelos gregos, dos termos Loria e histéria, j& se pensava sobre o pasado e 0 seu sig- nifieado, As coneepyées mais retomadas pela historiogratia moderna foram as hebraicas, parte da tradigao ocidental, por meio da Biblia. © tempo biblico & um tempo religioso, prenhe de subjetividade ¢ emogio, Os termos mais usuais ppara designar © tempo referem-se a um ciclo, como di (om), més (khodesh) ¢ ano (shan), que compoe uma vida tuma geragiio (dor). A palavra tempo, et, & de origem des conhecida, mas esta relacionada ao cielo da vida, em su acepeiio religiosa, como diz Ezequiel (31,16) Na Tua milo esto os meus tempos. Esse ciclo da vida encontra-se no proprio mundo, concebido como tendo uma criagao, a safda do homem do parat soe um final, a aurora messifiniea que representa um retorno superior ao paraiso perdido, Estas concepgdes encaram o presente como parte de um continuum com © pasado € 0 futuro, uma etapa em) um ciclo que se apresenta no prdprio quotidiano. Futuro © passado se confundem, na perspectiva do presente, cestudioso biblico Walter 1, Rehfeld prope que o tempo hiblieo corre do futuro para 0 pasado: A conscitncia do presente verd os “antepas sados” com posigies fixas anteriores no tempo, ‘marchando para frente, exatamente na mesma di- rego. De acordo com esta visio, 0 hebraieo eléssico qualifica o futuro longinquo como “o fim dos dias”, - & & 6 Puro Paulo A. Punari & Glaydson José da Silva permanecendo “parte de tris", as nossas evstas, en= quanto que o pasado corresponde ao que est em frente no espago. Se © passauo for A nossa frente € 0 futuro as nossas costas, entio marchamos do Futuro para o passado, Esse {ema ser retomado pela Teoria da Hist6ria ni século XX, por Waller Benjanyin, como veremas mais adiante. O que nos interessa, aqui, € apenas destacar que, mesmo antes da invengao da Hist6ria, com esse nome, {4 se pensava no sentido do tempo e essas dias, ligadas ‘a ciclos ¢ 2 salvagdo sero muitas vezes retomadas e laboradlas ao longo das séculos, Hisronna Binnie, * Cielica + Com inicio, meio e fim + Do futuro para © passado + Relipiosa Vioria dat Historia " Os GReGos © a Histor Herénoro, O estadista romano Marco Tilio Cicero (106~ 1.€)) denominou Herddoto de Halicarnasso (484-120 1.C.} “6 pai da Histéria” (De Lucius, 1, 1, 5), epiteto que, esde entao, difundiu-se ¢ fornou-se um lugar-comum. Herédoto foi o primeiro a adotar a palavra Histéria com, 0 sentido que passaria a ter. Logo no infeio de sua obra, cexplica que: Aqui est a exposiqdo das pesquisas de Heré- oto de Halicarnasso, para que as obras dos homens no sgjam esquecidas, com o tempo, nem as grandes e maravilhosas faganhas realizadas tanto por gregos: como por hirharos fiquem sem gliria e para mostrar as casas dos confltes, Nessas primeiras palavras, temos todo um progra: ma do que seja a tarefa do historiador. Em primeiro li yas, trata-se de um relato, uma est6ria, uma exposigao, primeira oral ¢ s6 depois escrita. Herddoto atravessou 0 ‘mundo, a recolher e ver, com os préprios olhos ea ouvir com as préprias orclhas, relatando essas experiéncias em raga pitbliea. Havia, desde o inicio, uma fungiio publ «a ¢ literdria dessas leituras, que deviam tanto entreter © miblico como falar aos sentimentos das pessoas. Como sabemos disso? £ 0 proprio Herédoto que nos conta e nos reporta & incredulidade dos ouvintes, diante do que cle afirmava ser a pura verdade, Essas mesmas observagies Ue Herédoto sobre a reagaio do palblico demonstram que a sua obra, no entanto, s6 se lornou perene com a eserita, & Pero Fula A, Funari & Glayedson José da sitva ori da tistéria » com a publi em tantas e agfio, em forma de obra litersria reproduzida pias ¢ que chegou até nés. Herédoto sempre ressalla sua fungao como teste- munho direto: “AtE aqui disse 0 que vi, refleti e averigiiei por mim mesmo, a partir de agora direi o que cont egipcios, como ouvi, ainda que aerescente algo do que vi" (Histéria 2,9). Este 0 sentido primeiro da palavra Histéria: {estemunho, Cabe ao testemunho preservar pela lembran ga as agdes humanas, pela memeria, para que nao sejam esquiecilas. Essas so todas palavras ligadas a relembran ga endo € 4 toa que palavras como “monumento” det vem de lembrar, A gloria aludida por Herdoto no inicio de sua obra tambéin do Ambito da meméria, Embora para 1nés, modernamente, a meméria seja quase sempre ligada a imprecisdo ¢ & transmissao oral, como lembra o histo- iador frances Jacques Le Goff (1988), para os antigos a meméria e a Historia estavam ligadas umbilicalmente. Por fim, Herddoto menciona que busca as eausas da guerra entre gregos e persas. A preacupacio com as sas leva a0 papel do juuize logic do historiador. Herédo, to usa muito a palavra ligos, que significa tanto palavra 1, tudo isso como parte dle um como conhecimento, rar relato racional, Assim, diz-nos que “o que me proponho, a0 largo do meu relato (légas) € eserever, tal como ouvi ‘0 que dizem uns e outros". O relate é uma obra litersria fundada na razao, com a reportagem das opinides cor trastantes. As causas so de carter racional, compreen- is pela contraposigo de pontos de vista, ainda que as forgas divinas nao deixem de ser mencionadas, assim como aceitas as coisas maravilhos que nfio foram bem comprovadas pela vista ou pela audigiio, como a existén- vin de seres esdrtixulos. O historiador italiano Arnaldo Momigliano (1908- 1987), em um estudo clissico, chegou A conclusio qu ‘sld ainda conosco com toda a forga de seu método de esludar as fontes orais nfio s6 no presente, como no pas: lo. E.curioso: Herédoto chegou a tornar-se, de verdade, © pai da Historia 56 nos tempos moxlernos”. Nao por aca~ «, Herédoto foi considerado o fundador de campos como 1 Aniropologia ea Geogratia, além da Historia. Sua Teoria «ha Histria encontraria correlatos, como veremos, na plu ridisciplinaridade da Histéria no século XX. Historia pana Hixonoro + Relato racional e agradvel (logos) + Investigagiio da visio € da audigio + Lembranga dos grandes feitos + Busca das causas Huctoines & 0 BFEMERO Tucidides dé continuidade a nascente historiografia rega, mas se erige diferente de seu antecessor, Her6doto. Kompe com a busca das causas tiltimas ¢ profundas, com 1 escuta dos povos ¢ seus costumes, preocupado apenas com a Histéria contemporanea de sua época. Despreacu- prado do que chamariamos de etnografia, Tuckdides volta- & » Paro Raulo-A. Fanart & Glaydson José da Silva se para as lutas intestinas, para a Historia constitucional Sua distancia comega ja por stia critica ao relato de hist6 rias para o pablico: A austneia de estorinhas em minha Histéria ir, temo, lirar um poueo do seu interesse. Contuda, se for considerado tll pelos pesquisadores que deseia rem um conhecimento preciso do passado, como ajuda para interpretar 6 futuro, ficareieontente, Esenvvi esta ‘obra nao como um relat ndo para reeebe do momento, mas come uma aquisigie para todo © sempre (Guerra do Ploponeso, 1,22) © apoio Em to poueas palavras, tanta divergéncia com He- rédoto, No falava em praga ¢ no queria saber da opiniio las pessoas, menos ainda «lo aplauso ilusério, pois vindo da ignoraincia. Nao aceila tratar do que ele chama de mi tico, as estorinhas. A precisio do conhecimento também chama a atengio, assim como a pretensio de que, mais do que pontos de vista, como ressaltava Herédoto, haveria, que produzir uma obra literdria para todo o sempre, frase que ficou famosa: ktema eis ari, uma conquista do conhe: cimento histérieo para sempre, a ser manler por nd de~ pender das opinides. Muitos historiadores modernos, no, auge do positivismo, no séeulo XIX, iriam retomar essa busca de transcendéncia em Tucidides, a descrigéio acurada lo ef€mero, em seu sentido original grego: do dia-a-dia, Historiador da guerra, Tucidides viria também por essa via a ser paradigmético para o moderne positivismo, A historiografia do século XX ressaltaria as defi- cigneias das certezas de Tuvidides, Arnaldo Momigliano fouria da Histéria a slestacou um aspecto, o carter por assim dizer jornalis- Lico das explicagSes de Tucidides, centradas nos pequenos sesencontros quolidianos, sem olhar o grande quadro do contexto histérico e das causas profundas: Tia a Hisléria diplomitica e social dos trin ta anos precedentes | Guerra do Peloponeso (431-404 aC.) est, lalvez, irremediavelmente perdi para nds Jastamente porque nio interessava a Tucidides. 1 lantas coisas que no sibemos porque Tucidides 30 procurou estudé-las, A busea da previsio liga. Histéria, como se a pesquisa histérica fosse uma inves Ligago das provas de um tribunal em busca da verdade (essa idéia seria retomada no século XX pelos paraligmas indicidrios, como verem fambém, no empi- rismo empregado pela medicina hipocratica. Tudo soma- Alo, Tueidides sere uma referéncia especialmente impor- lante para a historiografia moderna Tucines, + Busca das causas imediatas + Escrita de obra literdria como refer cia per * Busca da verdade como em um tribunal & & 2 Pearo Paulo A. Funari & Glayalson José da Silva Anistorntes, Porsi © Hstonia pensador grego Aristételes (384-322 a.C.) nunea ssereveu uma obra de HistGria, mas, mesmo assim, Lor: nour-se uma referéne! obrigatéria sobre a epistemologia da Histéria, Pode parecer paradoxal, apenas cia, contudo, Aristételes esereveu sobre qua comentario seu na /eética tem sido considerado essencial ia apai tudo © um’ pare entender o conhecimento possivel por meio da Histo- Fi, Quando Aristateles esereveu essa obra, jaa Historia era tum género literério ber estahelecido e € em sta obra sobre a eriagdes artisticas que ele dedicaré um apartado pa relagio entre a poesia ea Histéria, Segundo Aristoteles Nio € offcio de pocta narrar © que aconteceu; sim, 0 de represcntar o que poderia acontecer, quer dizer: o que € possivel segundo a verossimilbsanga ¢ a niecessidade, Com efeilo, nio diferem © historiador ¢ © poeta por escreverem verso our prosa (pois que hem poderiam ser postos em verso as obras de Hersdole, © nem por isso deisariam de ser Histéria, se fossem dliferem, sim, em {que diz. um as coisas que sueederam, ¢ ontro as que poderiam suceder. Por isso, a poesia € algo de mais filosético © mais séria do que a Hist6ria, pois refere aquela principalmente o universal, ¢ esta particu- «em verso 0 gue foram em prosa) le Por “referir-se ao universal” entendo eu alvibuir a lum indlividuo de determinada natuseza pensamentos & agSes que, por liam de necessidale ¢ verossimilhanga, conve a fal natureza; e a0 universal, assim entendi- «lo, vista poesia, ainda que d@ nomes as suas persona- looria da Histéria 2 ens; particular, pelo conteirio, €0 que fez Akibiades ou 0 que Ihe aconteccu (Podtica, 9,50). Aristételes aponta como earacteristica essencial da Hist6ria sua preocupagaio com o efémero, com 0 aconteci- mente que nao se pox repetir e que, por isso mesmo, nada nos pode ensinar sobrea naturezat humana ou mesmo do mundo. O particular, por definigao, nada revela, Tucidides G. P.2, 65) descreve a morte de Périeles, “ele sobreviveu por dois anos © meio apds o inicio da Guerra do Pelopo: risso e a eorreqo de suas previsies sobre ela tornaram poca da suia morte’. O que essa morte nos si sobre © comportamento humano? a a morte de um ppersonagem tnigico, no, cla apresenta uma lig ho caso de Hipslito, fiho de Teseu © a amazona Hip6lita, jue morte por reeusar © amor de Artemis. Representa, cnlre outras coisas, a perdigdo pela soberba. 4 a morte «ism Péricles, por mais importante que tenba sido, no jpossui essa dimensio floséfica profunda, Também como wremos, © positivismo vir relomar esses argumentos, vinda qute para valorizar a deserigio dos acontecimentos ¢ “alta de-ambigao epistemoldgiea da Historia we claras a Anistorniis + Hist6ria busca o particular e irrepetivel + Lin ja-se a narrar © que aconteceu + Nao ambiciona expli Fo homem ou o mundo & k oa 4 Pedro Paudo A. Funavi & Glaydson José da Silva ISTORIOGRAFIA GRECO-ROMANA E 0 CRISTIANISMO A historiografia de gregos ¢ romanos posteriores aos trés autores tratados inspirou-se ¢ referiu-se a eles, ainda que cada um tenha enfatizado alguns aspectos ou caracteristicas da Histéria, Assim, Polibio (200-118 a.C.) « Salistio (86-34 a.C.) enfatizardo a utilidade da Histéria,, tema que leré grande fortuna entre outros autores anti- {g0s, como Cicero e shia caracterizagaio da Histéria como) “mestra da vida". Essa énfase insere-se na perspectiva de’ “Tucidicles, de um monumento para o futuro, mas tem am-| bigdes priticas, como se a propria fungao da Histéria fosse! ensinar. Outro aspecto inovador foi a uifusio do coneeito) de decadéncia, como se houvesse uma degradagio com o/ passar do tempo, nogéio que tinha precedentes na mito Jogia, mas que foi aplicada & Histéria, com a constatagao’ de Téeito (55-120 4.C.) de que o dominio romano levava 22 paz dos cemitérios aos povos (solituctinem faciunt pacem appellant) © Cristianismo viria a introduzir motificagdes pro~ fondas, uma ruptura, como diria © historiador de nossa Epoca Jacques Le Goff. For um lado, herdeiro do pensamien- to hebraico, messianico, apresenta uma kitura escatologi- «a, visando ao fim dos tempos: éskhatos quer dizer tiltimo e légas conhecimento. Retoma, pois, a nocdo de tempo li near com a criagdo do mundo, a queda do homem, a vinda’ do Cristo e a espera do jutzo final. Deus passa a intervir na Hist6ria, como agente constante e oculto. O conhecimento do passado, com alguma precistio — como pregavam os, gregos antigos — nio faz. mais sentido. Santo Agostinho (854-430), em. suas Confissdes (14) interroge-se sobre lvoria dy Hist ria 8 Lempo: “0 que €0 tempo? Se ninguém me pengunta, sei-0; w quiser explicar a quem me pergunta, nao o sei”. Julga- «ha pelos sentidos, a fé € uma verdad cega, & diferenga da Ivoria grega, que era visivel e, por isso, demonstrével. A {€ vist € uma confianga firme no invisivel ¢, portanto, no \jue no € demonstravel. © historiador toma o passado em uma tinica di- mensfo, confuunde homens € acontecimentos, com desin- leresse pela sucesso temporal, preecupado apenas com os valores eternos € absolutos intemporais. A Historia nada mais €do que o desenvolvimento dos designios divinos e, ussim, o raciocinio teolégico s6 deixa lugar para a Historia uleal, eterna, Os homens e sas obras perdem interesse, pois a atividade humana nao pode ser efetiva. A historio~ jrafia moderna nasceria em reagao As concepgdes teolbgi- vas do mundo e da Histéria Hisromia exist * Linear: criagao, encarnagao de Deus, julzo final + Narrativa bascada na fé Deus ¢ seus designios + Busca de valores eternos ¢ intemporais & I O SURGIMENTO DA HISTORIA E O PosttivisMo © Renascimento A tradigdo historiogratica erista, com sua mescla ule Lemas sagrados e profanos, com a onipresenga de mi- ligres, viria a marcar a reago, a partir da releitura dos historiadores gregos ¢ romanos. Os escritores da Renas- tenga, @ partir do século XY, entusiasmaram-se com as sbordagens racionais e seculares dos antigos © comega~ vam a desenvolver uma erudigao critica. Lorenzo Vala (1107-1457) foi um desses pioneiros, ao publicar, em. 1540, um estudo, em latim, da chamada Doagao de Cons huntine, documento que seria transferéncia de terras a cia pelo imperador romano Constantino, Demonstrou —_____p Pedro Paulo A. Funari & Glaytdson José cla Silva que a Doagao no podia ter sido eserita Aquela época era, portanto, muito posterior. ‘Com a divulgago da imprensa e do uso das lingua vernaculares, como 6 francés, italiano ou ingles, difun diram-se obras hist6ricas de pensadores como Maqui vel (1469-1527) © Guicciandini (1483-1540), mas apenas com o Thuminismo, no século XVIII, que ter‘amos| © desenvolvimento da historiografia, na época conhecida ‘como era de Voltaire (1694-1778) ¢ Gibbon (1737-1794) Ja se estava, no século XVII, sab o clima de Huta declarada contra a influéncia das igrejas na interpretagdo do passa- do © na busca de uma interpretagéo racional do passado. No entanto, os iluministas nfo se preocupavam com al precisdio de um Tucidides, j que, camo dizia Vollaire, “da em-se os detalhes, pois so o lipo de verme que destréi as grandes obras” (MaRnick, 1976, p. 33). Todo o século} XVIII produziu: uma pletora de eruiditas que se preocupa- ram com a Histéria, como Giambattista Vico (1668-1744) ¢ Johann Gottfried von Herder (1744-1803), ambos pre- ‘ocupados com a Filosofia da Histéria. Ambos destacaram| a importdncia da compreensio dos contextos histéricos, ‘a diferenga do passado, diante do presente. Era o inicio do! metodo da empatia, que teria grande Fortuna na Teoria da Historia. Segundo Von Herder, "primeiro simpatize com a nagio estudada, va a sua época, A sua geografia, a toda sua Historia, sinta-se nela". Todos escreviam Historia na tuadigao da literatura, como grandes obras literdrias pro-| duzidas para o deleite, ainda nao havia a carreira universi- téria, a Hist6ria como parte de uma nova organizagaio da cigncia, na forma da Universidade moderna, de que atribu svi da Histévria » \ disroma Na UNiversipape A Universidade, instituigao criada em plena Idade Media, a partir do século XI, caracterizou-se, até fins do voutlo XVII, pelo conhecimento universal, de onde deriva eur nome, Formavam-se médicos, advogados ¢ tedlogos, todos com uma graduagao genérica predominante e com 1 Teologia no Apice. AS artes liberais englobavam gra~ ‘iuitica, dialética e ret6rica (trivium), além de aritmética, uisica, geometria ¢ astronomia (quadrivium). ‘Tudo em lilim, sob o controle da Igreja, visava a clevagtio da alma, ‘ria apenas no século XVII, com avango do lluminis: no, que a Universidade tomaria novo rumo, que resul- \avia no surgimento das disciplinas modernas — voltadas pora © conhecimento cbjetivo, ou positive, do mundo € shas relates hhumanas. A primeira disciplina a surgic, no que viria a ser 1s Ciéncias Humanas e Sociais, foi a Filologia, © conhe- cimento das linguas. Se antes, na tradigio’ medieval, eslava-se a gramdtica de uma lingua, o latini, a nova cigncia preocupava-se com o estudo das li iguias, stias ca vacteristicas © origens. Abandonada a explicagao biblica, faa diversidade das linguas & Torre de Babel, a hava disciplina buscou entender as linguas como se elas Jossem plantas, como se clas tivessem relagdes de paren~ {esco entre si ¢ origens partilhadas, inspiragao que vinha sla nascente Biologia. Logo surgiram os dois grupos de inguas, as linguas indo-curopé mieiras congregavam quase todas as I as ¢ as semiticas. AS pri- as curopeias, lem do persa e de Kinguas da india, e as segundas as lin- has do Oriente Médio mais conhecidas na Europa, como © hebraico, 0 aramaico e 0 arabe. be 2 Pro Paulo A, Funari a Glaytson José da Sil ora da Histéria a (0 surgimento da Filologia permitiu que se iniciass a Histéria como disciplina académica que esta conosco att hoje. A Filologia permitiu um conhecimento muito mais rigoroso e aprofundado das Iinguas antigas ede suas rela g6es. A Filologia Historica — preocupada com as origen: ¢ interconexées — mostrou, assim, que o latim ¢ © gre go compartilhavam muito, tanto em termos de estruturs como de vocabulério. Permitiu, ainda, que 0 conhecimen: to des documentos antigos fosse muito mais profundo objetivo. Esse foi 0 passo decisive para a criagao de um novo conceito de Histéria, como conhecimento positiv do passado, nfo mais como literatura ou relate religioso. Os pioneiros da Historia positivista foram escrito: res de lingua alema, em particular a partir da P na chamada revoluao historiogréfica de Berlim. Bart hol Georg Niebuhr (1776-1831) foi um dos fundadores da nova Universidade de Berlim, produto do reformism prussiano, o primeiro historiador da nova era, se assin podemos dizer, Suas palestras sobre a Histéria de Romay ministradas em 1811-1812, publicadas entre 1827 1832, marcam a nova erudigio positivista: a partir da Fi Jologia, estabelece-se a critica textual como pera angula do positivismo historiografico. Essa critica visava a saber se as documentos eram ventadeiros e fidedignos. im bus cea da descrigo factual precisa, inaugurava-se 0 estilo dal historiografia positivista, drido, dificil, em tudo diver Uda tradigio literdria da Hist6ria inaugurada por Hersdoto. Niebuhr usou a Histéria de Roma do historiador romano! Hilo Livio (59 a.C 17 &.C.) para desacredité-la, tanto por dade de historietas| ser lilerairia como por trazer uma i k— \nventadas. O positivismo visava ao conhecimento objet ‘do passado, nifo ao gozo de uma bela leitura e, menos vuwha, @ dar guarida a fantasia Leopold von Ranke (1795-1886) foi o grande histo: ‘uulor académico positivisia que daria seqiiéncia ¢ apro- hundaria a nova teoria positivista da Histéria proposta Niebuhr, Von Ranke pode ser considerado o fundador ‘hi moderna disciplina histérica, universitéria, tanto do vonto de vista epistemol6gico como administrativo. Es iheleceu, pela primeira vez, a disciplina na Universida vlc, algo que tardaria muitas décadas em outros lugares, no na Franga, Também foi pioneira a criagio da revista Historische Zeitschrift, em 1859, “cuja primeira tarefa era upresentar © mélodo verdadeiro da pesquisa histérica ¢ ipontar os desvios", como se Ié no editorial. No plano spistemolégico, o positivismo de Von Ranke marou a slisiplina por muitas décadas, a partir de seus aponta~ mentos de 1824 Considerowse que a Histéria deveria julgar © passado, instruiic o presente para o beneficio das ge- rregBes fuluras. This grandiosas pretenses no sio as~ piragGes desta obra: quer, apenas, mostrar o que pro- priamente acontecen (wiees eigentlich gewesen), Mais do que julgar, compreender (verstdhen) o pas alo, baseando-se na eritica eruudita das fortes (Quellen Jorschung), essas as pretenses do positivism I 1 fico nascente. A referencia a Cicero, na passage acin, ¢ a Historia ndo deve ser a mestra da vida J nos inicios, a Histéria positivista e académica encontrou ee eee toviog 2 Pedro Paulo A. Funari & Glaydson José da Sitva criticos, desconfiados da pretensa objetividade do historia dor: John Gustav Droysen (1808-1884), professor de His toria em Berlim ironizou.a “objetividade de um curico” de Von Ranke, assim como Jacob Burckhardt (1818-1897), professor de Hist6ria em Basiléia, na Suiga, denunciou a aridez do estilo descritive positivista, Como veremos, a valorizagio da beleza ¢ da subjetividade desses dois criticos pioneirus seré importante no século XX. O positivismo, no entanto, surgia com toda sua pujanga. A Histonia Postrivisin + Rompimento com a tradigio literdria: dis- curso arido ¢ erudito * Critica das fontes hist6 verdade + Descrigdo do que propriament + Institucionalizagio da disciplina Historia na Universidade jeas: em busca da Ti A Escoa Meropica Conhecimento indireto € confusiio marcaram os estudos historiogréficos que tiveram a Escola Metédica como objeto. Na trajetria do pensamento histérico, seus autores so mais citados que conhecidos. Lim grande nui- ‘mero de estudiosas de teorias e métodos que se opuseram fans metédicos, em seu contexto ou naqueles da Escola dos Annales ¢ de sua posteridade, certamente tomatt con- lato com textos fundacionais dos historiadores metédi- cos. Contudo, o “lugar” que esses textos e historiadores focuparam ¢ ocupam na historia da disciplina histérica conferiu-lhes, paradloxalmente, uma espécie de ostracis- mo, tendo subsistido em sua epistemologia sempre por Vias indiretas, nas alusdes, nas pardfrases ¢ nas citagSes Be. 4 Pedro Pando A. Puna’ & Glaydson José da Silva das citagies. Daf uma dedugiio: a Escola Metédica € co- ‘mumente negligenciada nos estudas historiograticos; isso advém nio do desconhecimento de suas proposigdes, mas de sua associagao a escolas ¢ movimentos que Ihe foram smo ¢ Positivismo) € com conlemporaneos (e.g, Histori 65 quais partilha algumas propos Para o senso comum historiografico, os metddicos entram para a epistemologia da disciplina com as criticas de Lucien Febvre (1878-1956) ¢ Mare Bloch (1886-1944) a Charles-Vietor Langlois (1863-1929) ¢ Charles Seigno- bos (1854-1942), com o advento dos Annales. Criticas das quais ¢ necessario abstrair seu grande componente polit. co, em beneficio de uma valoragio maior das continuida des, rupturas e transformagies nas teorias ¢ nos métodos dessas duias escolas, A Escola Metédica se constitui de um canjunto de historiadores fortemente marcados pela derrota na guer- ra franco-prussina de 1870 ¢ pela pesquisa historica alemi, fatores que muito influenciaram o pensamento hisl6rico na Franga no contexto da Ill Reptiblica (1870- 1940). A derrota do exército francés marca, além de um trauma na historia do pais, uma ruptura na historiogra~ fia do perfodo, conferindo & nagio nao 6 a necessidacle de uma segunda origem, que suplantasse o fracasso mi- litar, mas também a de novas formas de se representar a historia nacional, fundando ou refundando identida~ des, A influencia do pensamento hist6rico alemio esta no fato de muitos dos principais historiadores franceses do perfodo terem realizado seus estudos na Alemanha, entre eles, Gabriel Monod! (1844-1912), Charles Seigno- Nuria da Historia 3 bios e Ernest Lavisse (1842-1922). Formados em meio a grandes eruditos como Theodor Mommsen (1817-1903), «les influenciariam na formagao das futuras geragdes de historiadores franceses, Como todas os representantes de escolas intelec- luinis que se pretendem paradigmaticos, os metédicos huscam na critica e no rompimento com aqueles que os eeederam a fundamentagdo de seu modus faciendi, plei- ndo a constituigio de uma histéria nao esvaziada de ignificado, na qual a existéncia dos documentos — so- Inretuda escritos —, a ausencia da parcialidade e o rigor do inétodo sao os requisitos imprescindiveis da empresa e dos procedimentos cientificos. A geragio anterior a derrota de 1870 assinala na historiografia as marcas dos embates Uo igo Regime e da Revoltigdo, contra muitas das quais se 1m os metédicos; para ela, 1789 € o bergo da Franga mosterna, © evento maior da histéria nacional ¢ a medida para se avaliar o passado, Ruptura, @ Revolugdo evidencia 1 presenga de uma experiencia contraditéria, que dimina- va os liames de continuidade da histéria nacional, vista a impossibilidade” de representar, a partir de entio, uma ‘nagiio que partithasse de um passado ede valores comuns. Dos embates suscitados por preocupagdes dessa geragiio \le historiadores, para os quais a histéria est no pindculo © opera como meio de legitimagao e explicagio dos proble- mas politicos, desenvolve-se uma historiografia voltada para a hist6ria nacional, cuja preocupagao maior estar hia constituigaio de idleais de identidade, continuidade ¢ co- munidade de destinos da nagao. £ esse universo intelectual que embasaré o trabalho de muitos dos principais histo- Fladores tidos como metédicos. O *nascimento” da escola € — k : Paro Paulo A. Funct & Glaydson José da Silva habitualmente datado da publicagao do primeiro nimero da Revue Historique (1876), sendo considerado seu Avant propos, assinado por Gabriel Monod ¢ Gustave C. Fagniez (1842-1927), um texto fundador de seus pressupostas: Os estudos historieos assumem, em nossa po: a, uma importancia sempre erescente, ¢ torna-se cada vez mais dificil, mesmo para os sabios da profissio, manterem-se a par de todas as descobertas, de todas as pesquisas novas que se produzem cada dia (..) Cremos responder aos desejos de uma grande parte do publica letrado, em eriando, sob o ttlulo de Revue historique, uma toletanea periddica destinada a fa Iicagao de trabalhos originais (..) ¢ a fornecer easi- nnamentos exatas e completos sobre o movimento dos estudas historicas (..) (ose & sac2, 2006} roreeer a ple Deste entunciada que abre o preficio da revista, dois pontos se destacam como representatives dle suas propo- SigOes: o interesse pela histdria e sua importancia sempre crescente no perforlo ea pedagogia da diseiplina. Ao pri -meiro se liga a idia de que € 0 XIX o século da Revolucio, dda ascensao dos nacionalismos ¢ do surgimento de paises como a Italia € a Alemanha. Dat advém a necessidade de se explicar as nagGes; € bem o contexte de institucionali- zagao da disciplina histéria, mas também de efervescéncia de outras areas do conhecimento. Ao segundo se liga as preocupagses cientificas da disciplina, ao anunciar a pre- tensdo da revista de fornecer ensinamentos exatos e com- pletos. A esta proposigao estaria vinculada a publicagio de trabalhos originais, vollados para um puiblico maior, que - bp. Teoria da Histéria x leriam por objetivo evitar controvérsias contempordneas © que deveriam se constituir na imparcialidade de espi- Fito, manifestacio de uma histéria como um fim em si mesma, como observava Monod (2006) — com o rigor do método ea abséncia da parcialidade. A revista nao deveria fazer nem obra de polémica nem de vulgarizagio, nem se constiluir numa coletdnea de pura erudigao: Hla [a revista] nfo admitiré mais que traba- thos originais © de primeira mio, que enriquegam a cigncia, seja pelas pesquisas que serio a base, seja pe= los resultados, que sero a conchisdo; mas sempre af redlamando de nossos colaboradores.procedimentos de exposigdo estritamente cientificas, onde carla alle ‘aco seja acompanhada de provas, de reportagio as Fontes de citagdes; daf excluindo (..) as generalidacles vagas ¢ os desdobramentos oratérios, conservaremos 8 Revue historique o cardterliterério, ao quial os sdbios, assim como os leitores franceses alzibuem, eon tanto valor: © adjetivo *metédica” conferid a escola que se inicia com @ Revue Historique no € destitufdo de signi- licago — resume as preocupagdes de uma escola inte- leclual que atribui ao rigor do método a tinica maneira tle se chegar a0 conhecimento hist6rico, afastando-se da tspecuilagao e da nao objetividade. Assumindo como marco hist6rico-cronolégico a historia européia desde a morte de Teodésio (395) até a queda «le Napoledo 1 (1815), Monod ¢ Fagniez justificam isso em Virtude do fato de ser para esse perioco que os arquives ip 7 #8 Pedro Paulo A, Runari & Glayrdson José da Silva Thora da Histéria » © as bibliotecas conservam © maior dos tesouros inexplo- rados ¢ também pelo desejo de se absterem de questoes, contemporaneas. O objetivo desintensssado e cientifico € 0 espirito de imparcialidade que animam a revista sao respal- dados pela lista dos 53 colaboradores que antecede o final do prefaicio. Ligados aos Arquivos Nacionais, & Academia de Inscrigéies, 8 Biblioteca Nacional, a Ecole des Carthes a diferentes universidades, quase todos guardam, com seus oficios, estreitas relagdes com préticas documentais de organizacio, geste © conservagiio, mantendo, com isso, Uma aproximagio no ocasional dos pressupostos metodicos. Desses, aqueles da imparcialidade e da isengio anunciada nos primeiros paragrafos do Preftcio se cho- cam com o término do mesmo, que diz que: “O estudo do passado da Franga, que sera a principal parte de nossa tarefa tem (...) uma importancia nacional. por ela que podemos dar a nosso pafs a unidade e a forga morais das quais ele tem necessidade, em Ihe fazendo (...) conhi suas tradigdes hist6ricas € compreender as transforma~ bes quie elas acarretaram’. ‘Ainda no primeiro méimero da Revue Historique, se~ gue ao Preftcio aluudido um texto de Monod, intitulado Do rogresso dls estudos histbricos na Franga desde o séeulo XVI eujo objetivo esté em apresentar o desenvolvimento dos estudos historicos até o advento da revista, que represen. taria 0 coroamento da trajetéria da disciplina até entao Nesse texto, Monod faz uma erftica aos historiadores de ‘outros periodos pelo fato de terem em mente mais pre- sente que 0 passado, dizendo no ter existido e nio ter podido existir, no sentido exato co termo, cigncia histrica na Idade Média, Para ele, & na Renascenga que se inickam 5 estudos hiistéricos, que se desenvolvem sob influxos da imprensa, do Humanismo ¢ da critica teolégica. Se- cundada pela interdisciplinaridade e por um método rigo- oso € uma erttica prucente, a Histéria pode sendo descobrir sempre a verdade completa ao menos determinar exatamente sobre cada ponto, o certo, 0 verosstmil, 0 duvidoso eo falso. A ‘Alemanha ¢ nese dominio o grande referencial, visto ser ‘quem contribuiu mais fortemente para o trabalho histérico de nosso século. A contraposigtio de opostos binarios elabo- rada por Monod ao longo do texto (Alemanha/Franga) € sintomatica a esse respeito. © génio voltado paraa erudigéo, © pouco desenvol- vimento dla vida politica ¢ industrial, a importancia atri bhufda a organizagiio das universicades, a publicagdo de lextos € criticas de fontes contribuem, segundo Monod, para 0 maior avango da Alemanha em termos de consti- luiigdo da ciencia histérica. Esses fatores sao enfaticamente abordados no texto, ainda que a ciéneia alemd ele impute a prolixidade, o apego a mimticias e sutilezas. Longe de ter avmesma regularidade, os estudos hist6ricos na Franga se- iam Tigados & auséncia de tradigdes cientificas e de unidade de dirego, mantendo vinculos com os caminhos da ima- pinagaio, do sentimento artistico ¢ literario, das paixdes politicas e religiosas que conduziram tao fregiientemente alterar a verdade. Contudo, segundo Monod, cabia aos historiadores franceses o mérito de ter procurado o home fio lugar dos fatos, e dle ter criado uma agitagao intelectual Jicunda pela quantidade de pontos de vista novos, de idéias \erais — prematuras fregiientemente —, mas quase sempre Z — en engemosas e interessantes, “0 Pedro Pato A, Fanart & Glaydson José da Silva Com a unio dos pares e organizagao do ensino su- perior, em uma época mais que outras propria ao estudo imparcial e simpatico do passado, caberia a Histéria dar conta dos acontecimentos dolorosas da nagaio que rompe- ram com esse pasado ¢ mutilaram a unidade nacional len- tamente eriada por séculos, propiciando a todos se sentirem filhos do mesmo solo, eriangas da mesma raga, nao desacre- ditando nenhuma parte da heranga paternal; todos filhos dla velha Franga e, ao mesmo tempo, todos cidadaes da Franca moderna. E assim que a historia, sem se propor outro ob- Jjetivo e outro fim que o proveito que tiramos da verdad, trabalhia de maneira seereta e segura para garantir a gran— deza da Patria (...) fe] 0 progresso do género humano, -Vinte e dois anos depois da publicagdo do primeito rntimero da Revue Historique (1898), Langlois ¢ Seignobos publicariam sua Introduction aux études historiques, texto Classico ¢ representalivo dos metddicos ¢ grande tribu- trio dos ideais de Monod ¢ Fagniez, que se constituiria no manual formador de geragdes sucessivas de historia dores, Se 08 pressupostos metduicos foram estabelecidos pelos idealizados da Revue Historique, sua divulgagdo © posteridade sao devidas em geande parte ao impulso bis~ Loriografico dessa contribuigao ¢ 2 relevancia que confere a formactio dos historiadores, na busca de uma distingsio constante, pelo método, de pares como Michelet (1789- 1874) ¢ outros romanticos. Para além da pesquisa académica, a influéncia dos metédicos se faz. sentir fortemente na educagao, em to- dos 05 nfveis de ensino, espago de expresso maxima de seus pressupostos ¢ de suas contradigdes, mantendo um _ b- Teovia da Historia a relacao umbilical com 0 pensamento sobre a nagdio. A es- cola €, nesse ponto, a instancia privilegiada de difusao dos, valores nacionais. Do ensino primario aquele das univer sidades, a educago € reformada durante a til Reptiblica sob os influxos dos metddicas. Manuais como o simbo- Jico Introduction aux études historiques ou o Fetit Lavisse marcam as reformas e pretensdes da disciplina historica no periodo. A escola ¢ 0 ensino de histéria devem nutri 0 sentiment nacional, propiciando 0 amor ea compreen- so da patria dos antepassados gauleses ¢ das glorias na~ cionais, como descrito na Histoire de France (1900-1912) de Lavisse, para o qual importava a renga republicana de que a educago ocupava um papel significative no projeto hacional. Presentes em todo universo intelectual francés, particularmente entre 1886 ¢ 1929 (mas também até a ruptura de 1940 e depois), 05 metédicos dirigem grandes colecdes de Historia (Histoire de France — E, Lavisse; His toire Générale — A. Rambaud; Peuples et civilisations — 1 Halphen ¢ Ph. Sagnac etc.), participam das reformas do ensino € atuam, enfim, de modo expressive na obra es- colar da 111 Reptiblica, Ocupando eitedras em importan- tes universidades € altos cargos junto ao poder piblico, eles muito contribuem para a difuséa de seus axiomas, nem sempre incdlumes de criticas em seu proprio con- texto, como o exemplifica aquela feita pelo economista, socidlogo e historiador Frangois Simiand (1873-1935) — 0 denunciante dos trés ‘idolos da tribo dos historiadores’ (politico, cronol6gico ¢ individual) — a Langlois e Seig- nobos. £. sab a injungaio dessa andlise que se estabelecer, posteriormente, a eritica dda Escola clos Annales & Escola be 2 Pedro Palo A. tunari & Glaydson Jost da Sis Metédica, fundando, ambas — a erftica ¢ os Annales —, paradigmas rupturais na hist6ria da diseiplina, AL ESCOLA METODICN + Franga — segunda metade do século XIX + (Derrota francesa na guerra franco-prussiana) * InvestigagqIo histérico-cientitica — rigor do método + Importancia capital do documento Iv A CONCEPGAO DE IISTORIA EM MARX © marxismo € um dos sistemas de pensamento mais influentes desde o inicio do século XX; suas idéias econémicas, politicas e sacias, originarias dos influxos de Marx e Engels conheceram diferentes desdobramentos & ainda hoje marcam a epistemologia de diversas areas. Lata le classes, ideologia, alienago, mais-valia, proletariado, {etichismo, socialismo comunismo so palavras comu- mente ligadas ao seu vocabulirio, sendo representativas de um amplo modelo ao qual se associam concepgSes tes- ricas e praticas do pensamento social. Marx € filho de pais com ascendéncia judaica, con vertidos ao protestantismo em virtue das perseguigdes © restrigSes impostas aos juudeuis na Prissia, sendo natural de Tréveris, na Rennia, onde concluitr seus estudos se- = bh on a Pro Paulo A. tunati & Glaydson José da Silva cundérios (1835). No mesmo ano ingressa na Faculdade de Direito de Bonn, da qual se transfere no ano seguinte para o mesmo curso, na Universidade de Rerlim e, poste riormente, para a Universidade de Jena, onde defende em Filosofia (1841) a tese intitulada A Diferenga entre a filo sofia da Natureza de Demécrita ¢ a de Epicuro. fem Beclim que Marx toma contato com a filosofia de Hegel (1770- 1831) — ao ligar-se ao circulo dos *javens hegelianos”, ott hegelianos de esquerda, que compunba uma das partes de duas das prineipais vertentes analiticas da obra de Hegel; outra era denominada “direita hegeliana”. Contrapostas, cessas tendéncias marcaram o pensamento filoséfico acerea do Estado prussiano e da religidio de entao, manifestando. se nos embates em torno de dois aspectos da filosofia de Hegel: 0 metafisico ¢ teoligico e o politi. Para a direita hegetiana, inspirada no “iMcalismo’ « voltada para 0 conservadorismo ¢ a ortodoxia, 0 tado era considerado a mais alta realizagtio do Espirito (Geist), representando a completvide da dialética postulada pelo filésofo — a manifestagso do desenvolvimento so cial em sua totalidade, J para os jovens hegetianos, uma concepgio de mundo pautada em referenciais materia constituin sua diretiva de interpretagio finformada pela negagtio da idéia de Espirito Absoluto). Hegel deveria ser interpretado em um sentido revolucionsirio, a soviedade prussiana estava aquém do que vislumbravam os klea- listas € 0 Estado nao dava conta de modo satisfatério das clas poitico-sociais Em relacao a religio, também motivo de dissen- s8o, 0 Cristianismo era a fonte das maiores querelas. Li be. as Ihoria da Historia 6 ado principalmente ao Estado prussiano, o hegelianisma le “direita” atinha-se ao idealismo metafisico, intentanda onciliar a doutrina de Hegel e os dogmas cristios. Tenta- liva essa em larga medida respaldada pela propria obra de Hegel. Para a “esquerda hegetiana”, a rentincia as explica~ (Bes espiritualistas e a critica ao Cristianismo marcava sua interpretagdo do fil6sofo, numa espécie de adequagdo de Hegel aos seus postuladas. Se por um lado, os hegelianos de “direita’ justificavam o Estado e 0 Crist ro, os de “esquerda’” convertiam o ideali lismo, como forma de ianismo, por 0 mo em materia~ 2 social, voltando Hegel contra si mesmo; a essa vertente se ligaram nomes como Bru- no ¢ Edgar Bauer (1809-1882/1820-1886), Max Stirner (1806-1856), David Strauss (1808-1874), Ludwig Feu- erbach (1804-1872), Karl Marx ¢ Frederic Engels (1820- 1895), contudo, variantes na interpretagdio da obra de He el conduziram a divisées dentro desse proprio segmento, Entre “Jovens hegelianos” Feuerbach pode ser con- siderado a maior influéncia de Marx, mas é de Hegel que advém a mairiz de pensamento tanto de um quanto de ‘outro. No centro das criticas de Marx, dois velores de suma importincia presentes em Hegel: 0 espirito ¢ a dialética Para Hegel (1998) A histéiria do espirto 60 seu feito, pois ele €s0- mente o que ele faz, € 0 seu feito € 0 de fazer-se, eaqui propriamente enquanto espirito, objeto dat sua eonsei 2ncia, de apreenuer-se, enporilo-se para si mesmo. Bsse aprender € 0 seu ser € 0 seu principio, e 0 acabamento de um lestgio do] aprender € simuillaneamente a sua exteriorizagio que 0 aliena de sie a sua passage (2 de a “ Pero Paulo A. Fanart & Glayadson José da Silv ‘roria da Wistoria a tum estigio superior]. Exprimindo formalmente, 0 e5- pirito que apr ‘mesmo, que se adentra de novo ent sin alienagio, & 0 espitito do estigio mats elevaio em face de si, Lal como ele se encontrava nesse primeiro aprender. nce de novo esse apreenider €, 0 que EO esmo-a partir dda sua exteriorizaga © mundo para Hegel é 0 vir a ser do Espirito, em que a alienagio (estranhamento do homem em seu meio, espago em que nao se reconhece) € 0 grande ponto de par- tida rumo ao desenvolvimento racional ¢ inexordvel da hist6ria, O mundo material ¢, af, subordinado a légica do mundo do Espirito, mundo no qual tudo se origina © para o qual tudo se volta. A crenga num Espirito que a tudo antecede € parte da dindmiea que conduz, a dialé- tica hegeliana, cuja principal referencia € 0 principio das contradigges: tese (afirmacao), antitese (negagzo) ¢ sintese (negagao da negagdo), como oto que a flor refuta, Do ‘mesno modo que 0 fruto faz a flor parecer um falso ser-at da planta, pondo-se como sua verdade em lugar da flor: essas formas no 86 se distinguem, mas tambénn se repelem como incompattveis entre si. Forém, ao mesmo tenipo, sta nature za fluida faz delas momentas da unidade organica, na qual Tonge de se contradizerem, todas sito igualmente necessarios (1, 2000) fa historia universal a fonte de referencias na qual Hegel fundamenta sua dialética. © traballio pode ser vis~ to como uma ilustragao de seu método € por ele que ‘© homem transforma/domina a natureza, cumprindo © ciclo dialético, negando a matéria-prima, modificando-a c elevando-a. Em Hegel esse processo € suborttinado a T6gica do Espirito, j4 para Marx, a dialética af estava invertida — ¢stava de “cabega para baixo” —, 0 ponto de partida no poderia ser 0 Espirito, mas sim 0 mundo fisico. Como para Marx, Feuerbach cré que o que garante 0 conhecimento, a agdo e a possibilidade de entendimento do mundo nao gsté no universo das idéias, mas na matéria. A critica de Feuerbach ¢ anti-religiosa ¢ antiteleoldgiea — a ideia de Deus justo e bom é atributo humano. Para Hegel, a razio que entende o mundo, 0 constitu ¢ o transforma é dada & partir do Espirito, A concepgaio teleoligica da historia de Hegel se jun ta, em Marx, um projeto politico de libertagaio da huma- hidade, no qual o processo hist6rico se da fora do mundo das idéins. Em Marx ha uma orientagéo da ago poltti- aa partir da historia. Se o trabalho, que antes liberta~ va o homem ¢ possibilitava a sua realizagao/afirmagao no mundo se tornow a fonte de opressia desse por seus jguais, a indagagio que se coloca é quais so as cansas dessa opressio. Da leitura de sua obra se pode depreender que so: a divisio social do trabalho, a propriedade pri- vada dos meios de produgio ¢ a divisio da sociedade em lasses. A esses fatores se pode atribuir como causa 0 es~ tranhamento do homem em relago as suas atividades no mundo (e.g., « atividade do marceneiro no da sentido 20 homem quando autémata); o estranhamento em relago ao produto (e.g. no qual o sujeito no se reconhece na- quilo que realiza — o resultado de seu trabalho pode ser feito por qualquer um, além do mais, ndo The pertence e dele no pode usufruir). £ a consciéncia histérica dese processo de opresso que fundamenta a concepgao de his- -R ES he a ero Pando A. Runari & Glaydson José da Silva téria em Marx, nfo havendo livro ou texto espectfico no qual Marx ou Marx e Engels tenha(m) trabalhado com 6 objetivo de estabelecer essa concepedo, ainda que poss ser apreenida de forma mais completa em textos como A iideologia alema, A miséria da filasofia eo Manifesto do Partido Comunista. Inserido nos debates intelectuais de seu contexte na Alemanha e nos demais paises europeus, Marx intenta ofertar respostas aos problemas apresentados, mas seus, escritos no devem ser entendides somente nese senti do, pois hi uma preocupagao em pensar como ¢ posstvel agit, intervir na realidade. Na Questo judaica (1843), por exemplo, critica um texto de igual titulo escrito por Bru no Bauer. Num contexto em que a religige € considera- da de Fstado € no qual os judeus sofriam diferentes tipos de Opressio € exclusdo, Bauer apregoa sua emancipagio posttilando o imperative de se despojarem de sua religio como forma de se libertaremt do jugo que sofriam, A exi- _gvcia € que 0 judew abandone o judaismo e que o homer ent ‘geral_abandone a religido para ser emaneipado como cidadio {aikx, 1991). Para Mark, trata-se da libertagao dos ho- mans, da humanidade e nao $6 dos judeus, pelo que deno: mina erroa concent no “Estado cristo”, a0 invés de no Estado, em geral. A existéncia da religio no ¢ uu Eator a0 qual se opde a emancipagao politica acabada A-cmancipagao politica da religitio no significa a cemincipigao da religiao, visto que a primeira ndo implica na emandipagao humana, A emancipagdo civil, a emanci oro politica, implicaria na libertagdo dos lagos feudais 1 concessdo de direitos civis, individuais, reiterando, ¢ Teoria da Historia fo ireito a privilégios burgueses, como a propriedade, no contemplando a totalidade, 4 a emancipagao humana contribuiria para a libertaga0 dos homens do império a que estavam submetidos pela desigualdade e pelo indivi~ dualismo, Pode-se perceber nesse texto da juventude de Marx um dos pilares de seu pensamento, que se constitu dda idéia de consciencia ¢ transformagdo social, afastando- se da idgia de Espirito de Hegel e, também, da religizo, centrando nos homens (c, conseqtientemente, na hist6ria) o imperativo de sua emancipacao, fem A idoolagia alema (1845-1846) 0 texto em que Marx ¢ Engels mais desenvolvem sua concepgao de hist6- ria, dando continuidade & sua critica aos jovens ¢ velhos hegelianos. Para cl icos de Hegel nao tinham ten lado uma critica de conjunto do sistema hegeliano e nfo observavam a conexdo entre a filosofia alema ¢ a realida- de alemd, a conesdo entre a sua erttica ¢ 0 sew préprio meio material (Nowx/sncas, 1999). Essa leitura dos eriticos de Hegel reapareceria em Ad Feuerbach (1888) — de Marx, em diferentes teses, notadamente na tese XI, que dizia: Os fildsofos se limitaram a interpretar 0 mundo de difecentes maneiras, o que importa € transformd-lo, Para a eritica 40 idealismo hegeliano, volta-se a praxis revolucionéria e transformadora, em A ideologia’ Os pressupostos de que partimos nao sio arbi- Ldrios (.) So pressupostas reais de que nio se pode fazer absteago a no ser na imaginagdo. S30 0s indi ‘vidios reais, shia ago e stias condigées materials de vida, tanto aquelas por eles jf encontradas, como as prexluzidas por sua prépria aga. (..) O primeizo pres- & ai ee ee ee ee) eee et eee TT) 50 Bera Pat A. Paar Glaysan José da Silva suposto de toda historia humana ¢ naturalmente a isl@ncia de indivichuos vivos (..) Toda historiografia deve partir destes fundamentos naturais ede sua mo- Aifieagao no curso da histéria pela ago dos homens. (.) 0s homens devem estar em condi poder *fazee historia”, Mas, para vives, € preciso antes dle tudo comer, beher, ler hahitagio, vestir-se ¢ algu- Mareada pela critica ao idealismo e a0 materialismo & em A Ideologia que se percebe a crenga marxia- na de que a compreensiio do mundo deve partir dos ho- vulgai mens, domundo e da vida real. Esses referenciais pautam, também, a Miséria da filosofia (1847), obra na qual Marx contesta, pontualmente, os pressupostos de a Filosofia da iiséria (1846), de Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Para Marx, Proudhon eterniza, ao modelo dos economis- tas, relagées da produgo burguesa, divisio do trabalho, crédito, moeda ele., como categori a fixas imutiveis, a peito de todo movimento histdrico das relagdes de pro- dugio, de que as categorias apenas siio a expresso tebrica (naxx, 1978). Para Marx, nas eternidades imutaveis ¢ Smévetsanfo lof histdna. B ng combate dn vateroriansete has ¢ av aporte que dele decorre que traz. ao pensamento marxiano a idéia de historia como processo. Nas criticas a Prouidhon, Marx estabelece pressupostos de seu métoxio ¢ de sua coneepgao de histéria, colocando o proletariado como elasse atuante ¢ transformadora na realidade social 0 definir a historicidade das categorias econdmicas como principio basilar de sua eritica, A “complementaridade” da trajetdria desse pensamento pade ser observada no Mani- be Moria da Histévia sr Jfesto do partido comunista (1848), obra escrita conjunta- mente com Engels. De linguagem simples (voltada para @ divulgagio), © Manifesto representa a maturidade das teflexdes de seus autores a respeito da revolugio social que propugnam, cstabelecendo seus pressupostos e eritérios A base da concepeaio de hist6ria em Marx no Ma- hifesto centra-se no principio da contradigao. A histéria de Yoda sociedade até hoje é a histéria de luta de classes. Toda Sociedade até agui existente repousou, como viros, no antago- niismo entre classes de apressores e classes de opritmidas (MARX, 1996), Para Marx, foram os antagonismos de classe ¢ a ex- ploragio de uma parte da sociedade por outra em diferen- tes épocas fatores determinantes do movimento histérico. Em sua atualidade, era 0 proletariado, cuja lula contra a burguesia comegara com sua propria existéncia, que con sistia na classe verdadeiramente revolucionéria. Chamado ago, 0 Manifesto pode ser entendido como uma sintese do método marxista ¢ de sua interpretago da histéria sas breves incursdes na obra de Marx j& nos per item a sistematizagao de algumas consideragdes em re Jaco & sua concepeao de histéria; uma primeira ligase a seu fundamento materialista. O modo de produgao da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, poltti- fae intelectual em geral. Nao €a conscitncia des homens que determina o seu ser; € 0 seu ser social que, inversamente, de- termina a sua consciéncia (mex, 1973). Essa determinactio material se da pela produgio e pelas forgas produtivas, impelindo um carter evolutivo e contraditério a historia. io, resultado das atividades do hhomem ao longo a, faz dessa uum processo de desenvolvimento das ee 7 redro Paulo A, Runari & Glayrtson José da Sitra foreas produtivas, estabelecendo uma espécie de regulari- dade do processo historico, cuyja idéia teleoldgica de desen- volvimento contraditério, conflitivo e de constante supe- ragao seriam, em langa medida, tributérias da influéncia hegeliana. O conceito de produgao ¢ imaprescindivel para se compreender a nogio de histéria em Marx. A produgio ¢ social e culluralmente determinada ao longo do processo historico, estando na base da concepgaio materialista de historia, Para Engels (1980), foi Marx o primeiro a tentar par em relevo, na histdria, um proceso de desenvolvimento, uma eonexdo interna, conexao essa & qual se liga © trate historico.da matéria. ‘0 desenvolvimento da histéria postulado por Mars tem na revolugio a forga motriz. da historia (1999) € nas bases reais (materiais) seu principal fundamento, condu zindo ao imperative de que a historia deve ser escrita em consondncia com critérios situiados dentro dela e nao fore. Pode-se afirmar que Marx cria uma tearia social que s¢ volta a diferentes grupamentos humanos. A concepgai clapista de histéria como sucesso dos mods de produ Gio que atendem a uma lei inexordivel na historia consist uma leitura reducionista do pensamento de Marx. Ess! Jeitura pode ser imputada ao marxismo valgar, que insist em ver em Marx somente a préxis econmicista do méto do. O pensamento marxiano, fundamentalmente ligado enitica a divisio social do trabalho, & propriedade privacls aA desigualdade social consistitt ¢ consiste num das mais importantes contribuigdes intelectuais 2 historia da humanidade, A dialética materialista esteve ¢ est4 base epistemoligica de escolas ¢ correntes de pensament Teoria da Historia su objeto das mais variadas eriticas e suscetfvel 8s mais dife- rentes adequagdes, a obra de Marx deve constituir-se em Ieitura obrigatéria para todos aqules interessados numa compreensio mais elaborada dos universos sociais ACONCEPCAO DE HISTORIA EM MARX, + Critica ao idealismo hegeliano +A histéria como obra das ages humanas ¢ 0 provesso histérico € sua objetivagaio + Concepgao dialética da historia & Vv A Escoia pos ANNALES “Da produgdo intelectual, no campo da historiografia, no século XX, uma importante parcela do que existe de mais Inovador, notavel e significativo, origina-se da Franca”. Com. sta frase Peter Burke inicia ¢ conclu sew estudo a res peito da Escola dos Annales (1991). Ela ndio ¢ desprovida de sentido, principalmente ao se considlerar que os desdo- bramentos historiogréticos que se conhece hoje sio em Jarga medida tributarios dos Annales. Objeto de contusdes, € simplificagdes no meio historiogréfico, que vao da im- preciso conceitual ao desconhecimento homogeneizador, Escola dos Annales é conhecida por seu carater paradig- mitico na historia do pensamento histérico. £ om Estrasburgo que se origina a unio entre seus fiundadores, o especialista no século XVI Lucien Febvre é edvo Pauto A. Funari & Glaydson José da Silva ‘Moria da Histiia a (1878-1956) e © medievalista Mare Bloch (1886-1944) ‘Anexada ao Império Germanico com derrota francesa na Guerra franco-prussiana, Estrasburgo se torna, nova- mente, possessdo francesa com o fim da Primeira Guerra Mundial, Com a perda do territorio em 1870, sua rea nexagao em 1919 € também um marco na historiogratia francesa, Recém-anexada, 0 governo francés faz de sua universidade uma vitrine da pesquisa empreendida, que passa a contar com um néimero significativo de impor antes intelectuais, que formam um polo cientifico visan- do fazer frente aos ocupantes anteriores. Essa referencia € de se notar, visto a importancia que assumira nas confi rages des Annalles. Ao lado de grancles fcones como os socidlogos Maurice Halbwachs (1877-1945) ¢ Gabriel Le Bras (1891-1970), 0 psicélogo Charles Blondel, os histo. riadores Georges Lefebvre (1874-1959) ¢ Andi (1883-1968) e de outros nomes ligados a diferente: Febvre e Bloch passam a lecionar na Faculdade de Estras Durgo (1920}, respectivamente como professor e maitre de confirences. Data dai a aproximagao daqueles que seria, fem 1939, os fundadores da revista Annales d'Histoire Eeo rnomique et Social. Se os metédicos se insurgiram contra os romant: cose preterideram uma ruptura em relagio a eles, pode-se dizer que os historiadores dos Annales também tiveram tum alvo para suas criticas e construfram, em torno dek, © que julgavam ser um novo paradigma, Como a Rev Historique pretendera por o ponto final na tradigao histo riografica que the precedera, os Annales de igual modo « isso Lambém pretenderam. No prefacio do primeiro mi mero da revista, & enorme semelhanga daquele do primei- ro da Revue Historique e de algumas passagens do texto de Monod, pode-se perceber seu cardter cuptural e anun- tiador, nas palavras de Febvre e Bloch (1929): Ainda um periddico (...). Para alguns (...) nossa revista, ma produgdo francesa, europeia ou mundial ndo & a primeira. Cremos (..) que ao lado desses gloriasas ancestrais, ela terd sew lugar a0 sol. Ela se inspira em seus exemplos, mas aporta um espyrito que Ihe € prépri. A grande referéncia ao redor da qual se constréi 0 “novo” paradigm es a advinda das Ciéncias So- ciais, principalmente aquela dos problemas apontados por francois Simiand. Tendo em vista os metodicos, Simiand riticava (1903), principalmente, aquilo a que chamava de “idolos da Lribo dos historiadores”, que para ele eram Irés: © “idolo politico” — 0 estudo dominante (..} a preo- tuparao perpéiua da histdria politica, dos fates: polices, das guerras ete.; 0 “{olo individual” —o habite inveterado e conceber a histéria como uma historia dos individios, « 6 “idolo cronoldgico” — o habito de se perder nos estudos, das origens. Antigo aluno da fole Normale Supérieur, Si- miand é discipulo de Durkheim (1858-1917), filiagdo que Jona sintomiética a eritica que faz aos historiadores, co- inhecida como uma das mais contundentes a histéria dita *historicizante’. Simiand se forma, intelectualmente, no ‘mesmo perfodo de hegemonia da hist6ria politica tradicio- hal, na linha de Monod e Fagnicz ¢ de Langlois e Scigno- bos, fazendo da obra desses seu alvo principal. Propugna Juma anilise historica menos descritiva € mais relacional, is social, que encontraria a “causalidade” nas esferas ~_ & _ k = sa edo Paulo A. Funari & Glaydson José da Sitva coletivas ¢ nao individuais da sociedade, rompendo com a historia “événementiele”. Em sua lgica, a hist6ria se converteria em ciencia se descobrisse as regularidades do passado, as leis que o movian. Eesse 0 contexto de profundas mudangas nas Cien cias Humanas; na sociologia de Durkheim, por exemplo, operagies classificaldrias ocupam um lugar significative nna composigio da idéia de “tipo social”, rompendo com procedimentos quie tomavam os fatos como resultados es sencialmente das ages individuais de grandes omens. 0 conhecimento adviria pela confirmagao obtida da andlise de um grande ntimero de fatos no tempo, metodologia que colocava a sociologia como tendo um arco cronolégi- co maior, historico. A historia, para Simiand ¢ Durkheim, € parte integrante das Ciencias Sociais € sob os influxos desta se reelabora. Simiand seré 0 autor mais utilizado pelos historiadores dos Annales na eritica aos seus colegas da velha geragio. De Estrasburgo a revista migea para Paris, com a nomeagao de Febvre para o College de France (1933) ¢ de Bloch para a Sorbonne (1936). Para Burke, levando-se em consideragao a imporiancia de Paris para a vida intelectual francesa, essas transferéneias sdo sinais evidentes do sucesso (-) dos Annales. Em um plano global, o grupo se distin- {guia dos historiadores anteriores por algumas caracteris- ticas centrais: percepgio do social em detrimento do indi- vidual; insergo em novos ¢ diferentes eampos —além do politico, 0 econdmico, o social ¢ 0 cultural; pressuposte de uma hist6ria problema, em substituigao a tradicional historia narrativa, dos acontecimentos. Comumente, 0s his- Torta da Historia 3° toriadores dos Annales foram classificados em trés gera~ {yBes. A primeira liga-se aos fundadores da revista, Febvre Bloch, a segunda, principalmente a Fernand Brudel ¢ a Aereeira jé a um conjunto de historiadores. 18 GERAGAO (1929-1945) Febvre e Bloch t@m uma trajet6ria comum, foram ‘alunos da prestigiosa fcole Normale Supérieure ¢ viven- Garam tanto a influéncia de Durkheim quanto a interdis- Ciplinaridade propiciada pelos anos de Estrasburgo, que faportaram a seus trabalhos ¢ orientagdes importantes contribuigécs de diferentes éreas, numa prética episte- mol6gica que objetivava romper com a histéria politica ¢ dos eventos, tos reis, das guerras ete. aqueela & que Burke chamou (1991) de Antigo Regime da historiografia. Para Fe- byre, o problema € 0 come¢o ¢ 0 fim de toda histéria. Se nao hal problemas, nao ha histéria (1989). Com. isso pro~ pugnava uma historia que formulasse hipsteses, que fos- fe “cientificamente conduzida” (1989), nao automatica, mas problematica (1989, p. 49), que além de niio se fazer somente com textos deveria cotejar as cincias vizinhas. Armudanga af € 1 jo de documento, mas também da constituiggo de corpus documental, cujo obje fivo final € alcangar 0 homem. Histéria ciéncia do Homem, titncia do passado humano, E nao (...) eiéncia das visas, ow ddos conceitos, como observava Febvre (1989). Tal qual ihus- {rava Bloch (2001), 0 bom historiador se parece com 0 agro ida lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali estd a sua aga. Para Febre, “es fats (...) mas so fatos humanos; ta qefa do historiador: encontrar os homens que 0 viveram, 10 86 na concep, — . bp ——— « dro Paulo A. Fanart & Glaydson Jan da Sito © deles os que mais tarde aj se instalaram com as suas idéias, para os interpretar”; “os textos, sim, mas so Lex {os humanos. E as proprias palavras que os formam estilo cheias de substancia humana’; (..) “mas todos os textos. no sé os documentos de arquives em cujo favor se eria lum privilégio — o privilégio de daf tirar (..) um nome, ‘um lugar, uma data; uma data, um nome, ent lugar” Esse exemplo ilustra bem o equivaco na_crenga Iugar-comum de que a histdria dos Annales rompe com 168 textos ¢ com os fatos. Os homens sia os objetos da historia. Tomados em sentido mais ample, no apenas os textos, mas todos os documentos, ¢ sobretudo os que “e feliz, esforgo de disciplinas novas proporciona” (1989). J4 2 importancia da interdisciplinaridade, comumente rei vindlicada nas trilhas de Febvre e Bloch, talvez merega urn problematizagdo maior. Na sua Introdugao aas estudos his Iricas, Langlois ¢ Seignobes (19444) jé dedicavam um on go capitulo & importncia daquelas s quais chamavan “ciencias auxiliares", fazendo referencia & impossibilidade de o historiador exercer seu oficio sem um certo lastro We «s técnicas, a que nem disposigSes naturais, nem 0 método conseguiriam suprir Anda que niio se eredite & Fscola dos Annales 8 ps ternidade do recurso interdisciplinar (que antecede os mr {dlicos), € com seus representantes qui cle se institucko nraliza € se consolida no campo da historia, A maneita th astro", dito por Langlois ¢ Seignobos, Bloch (2001) in sistia na imprescincibilidade de um “verniz” que s6 adit das “ciércias auiliares". Para Febvre, a especializagdo © © grande flagelo das ciéncias. Para ambos, isolada, @ bt By. Moria da Histivia @ {6ria nao possbilitaria mais que um conbecimento parcial, dle seus objetos. Muitos foram os influxos legados & disci- plina por Febvre ¢ Bloch e pelos demais historiadores dessa erago, um dos maiores talvez seja 0 rompimento da si- onfmia estabelevida entre histéria e passado. A histéria € Oestudo do “pasado”, mas ndo o passado em si; presente epassado sio construgdes dos historiadores. O presente € ‘lugar temporal a partir do qual a pratica histérica € rea~ lizada; € o lugar das problematizagdes que orientam essa pratica. O passado €, por definigdo, um dado que nada mais modificara. Mas o conhecimento do passado, como observava Bloch (2001), é uma coisa em progresso que incessantemente se transforma e aperteigoa, 1 compreensio € que se associa uma idéia muito presente na Escola dos Anaales em todas as suas ieracdies — a de criagio dos objetos. f contra a idéia de que os fatos deveriam somente ser registrados que tama~ se “insurgem”, fundamentando a idia de que os fa~ sio criados, nao bastando somente wm método ¢ a sua licagio para que o fazer historico se completasse, era ssario se aperceber da dimensdo humana que orbitava into o documento quanto sua interpretago, senddo a “es ha” o elemento constituinte da eriagaa dos abjetos. fo istoriador quem “chama os fatos 2 vida", lembrava Lu- i¢n Febvre (1989), logo, elaborar uum fato € construs-o. propésito do livro Introdugao 4 histéria (1946), de Louis iphen, Febvre (1989) dé um exemplo que se conside- para além do documento escrito pode jlustrar sua ica aos objetos prontos, ja dados ao historiador, ¢ tam- gm sua nogdo de histéria historicizante, aquela a qual ee edo Paulo A, Funari & Glaydson José da silva combatia: Vou Ihe dizer... voce recolhe os fatos. Para isso vai aos Arquivos. Esses celeiros de fatos. La, 56 tem de se baixar para os recother. Cestadas cheias. Sacode-thes 0 p6, Pousa-os nna sua mesa, Faz 0 que fazent as criangas quando se divertem cont “cubos” ¢ trabalham para reconstruir a bela imagem que alguéin decompas para elas... A partida esta jogada. A hist ria esta feita Historia que basta a si mesma e que pretende bas- tar ao conhecimento histérico, como dizia o fildsofo Hen- 14 Berr (1863-1954). Citando o debate entre Berr ¢ Louis Halphen (1880-1950), Febvre (1989) diz: O que & de fato tum historiador historicizante? (...) Henri Berr respondiay (..) umm hemem que, trabathando sobre fatos particulares por ele mesmo escolhides, se prope ligar esses fatos entre si, coor ndi-los ¢ depois (..) “analisar as mudangas politicas, sociais e morais que as textos nas revelam num dado momento”. Eis, de fato, 2 grande vidrara dos Annales. E importante con- siderar © componencial discursive dessa critica. Com sua iddentidade construida na cantestagio da geragao “ante rior’, Febvre e Bloch apresentam-se, nas palavras de Fran- gois Dosse, camo andes confrontando-se com tim gigante (1992); maior €a conquista quanto maior for © adversi- rio, Imporla considerar © ambiente intelectual referente, as disputas pelo poder nas universidades e a perturbagio das certezas decorrentes do pos-Primeira Guerra. Sociolo- gia e historia disputam 0 controle de um mesmo campo do saber. Nesse contexto, a rejeigdo a0 historicismo, politico ¢ a importancia do presente marcam o discurso hist6rico. A incluso do econémico ¢ do social na agenda dessa primeira geragio & entdo, 0 grande mote temtico Teoria da Historia 5 le uma hist6ria que objetiva romper com as narrativas Itadicionais. Levada a termo pela primeira geragaa, essa nova hist6ria, nova em seus resultados, talvez possa ser vista como jé anunciada, desejada cu mesmo feita desde Voltaire (1694-1778) e Michelet (1798-1874), 28 GERAGKO (1945-1968) A segunda geragdo tem como grande representan~ te Fernand Braudel (1902-1985). Aquele a quem Fran- gis Dose (1992) — um dos mais duiros erfticos das An- hales — denominaria de “homem intermediario”. Por es far entre a heranga de Febvre e de Bloch, absorvendo e/ou reclaborando suas distintas orientagdes ¢ entre a primeira €a terceira geragdes. Pode-se dizer metaforicamente que ha uma “escolha” pela parte de Braudel do que hendar da primeira geraga, De Febvre e Bloch segue a orientagao in- {erdisciplinar, advinda principalmente das infhuéneias do primero a importancia atributda a geografia ¢ do segun- Alo 0 enfoquie nos aspectos econdmicas cla sociedade. AS Adias cle mentalidade, psicologia social e meméria coletiva tornar-se-iam aspectos mais valorizados pelos stucessores de Braudel, stcedendo uma geragao para a qual a historia econdmica tinha sido uma das grandes referéncias. A trajetéria académica de Braudel € sintomética para a compreensio da natureza de seus contributos. En- tre 1923 © 1932, seguindo o percurso comumente reali- zado por muitos recém-formados, € professor de colegio ha Argélia, ainda colonia francesa, A essa experincia su ede, entre 1935 ¢ 1937, a vinda ao Brasil, onde leciona, a convite, na recém-criada Universidade de Sao Paulo. A & E Re Puro Paulo A. Funari & Glaydson José da Sitva ele antecedem o antropélogo Clade Lévi-Strauss (1908: 1995}, 0 fil6sofo Jean Mauigii€ (1904-1985) e 0 gedgrato Pierre Monbeig (1908-1987). “Foi no Brasil que me tornei inteligente” viria a afirmar Braudel (narx, 1999). A expe- rigncia no estrangeiro e a pobreza contribuiriam para a composicao de sua tese, auxiliando-o na constituigdo de seu tiniverso temitica € teérice. No Brasil, indo para oin- terion, achavames feiras como as que existiam (..) hi 150 anos, rebanhos selvagens chegando, pastores vestids dle cou 10, Misicos cegos, um povo que canta ¢ danga. (..) O Brasil & a mesma civilizagao, mas nao na mesma idade. Foi efetiva mente 0 Brasil que me permitiu chegar a uma certa concepeao dla historia que eu ndo teria aleangado se tivesse permanecido ent torno do Mediterraneo (ratx, 1999), fia tocado por essas mudangas que Braudel encon tra Lucien Febvre em 1937 (vindo de um ciclo de conf réncias na Argentina), quando embareou em Santos ramo 4 Europa. Desse encontro auvém a origem de sua maior influéncia intelectual, da qual resultariam a mudanga de sujeito de stia lese e sta orientagdo: Filipe If (1527-1598) ¢ 2 Mediterraneo, belo tera, mas por que nao, 0 Mediterréreo Filipe 1? Vé-se passar assim de uma hist6ria diplomatic € personalista a uma historia mais ambiciosa, na qual © individuo ocupa um higar diminuto em face de um sujei to maior, o mar. A hist6ria de O Mediterraneo € a historia de uma das maiores elaboragdes tedrico-metodolégicas de segunda geracao. Tanto a carreira académica quanto a elaboragdo da io interrompidas com os dlesdobramentos da Seq} da Guerra (1939-1945). Designado oficial frances em ju tese Ihoria da Historia 5 nho de 1940, Braudel € preso na seqtiéncia e se torna pri- sioneiro em Mogiincia, de onde segue com a elaboragao de sua tese € mantém correspondéncia com Febvre. De Mo- gaincia ¢ transferido para o campo de punigao de Litbeck, onde permanece até o fim da Guerra dando continuidade A elaboragao da tese, que defender em 1947. Apds um longo proceso de elaboragao, "0 Meci~ terraneo” consagra Braudel como 0 historiador da sintese espaco-temporal, que objetiva a compreensio da totali- dade dos fendmenos humanos mediante a anélise social realizada principalmente pela uniio da Geografia © da Historia. fa Geografia que estard na base do pensamen- to braudeliano acerca de um dos tripés da estruturagio temporal —a “longa duragao” —, minorando o papel dos agentes sociais para dar lugar a um sujeito espacial, le- Yando ao limite a importancia atribufda por Febvre a essa Adisciplina. O Mediterraneo divide-se em trés partes — “cada uma das quais [segundo © autor — 1995] pretende ser uma explicagdo do conjunto”, sendo elas: A primeira a quel trata de uma histéria, quase imdvel, que € a do home nas suas relagdes com o mieio que 0 rodeia, ume histéria lenta; ‘Acima desta (...) pole distinguir-se urna outra, caracterizada por unt ritnte lento (.) a histéria dos grupos agrupamnentes. Ba terceira da hist6ria tradicional, necesséria se preten- demos uma histéria no a dimenséo do homem mas do individuo (...) isto € a da agitagdo de superficie, as vagas Jevantadas pelo poderoso movimento das marés (...) Nessa divisao tripartite da obra corresponde a cada parte um modo de explicagao do passado, centrado em Juma ordem temporal que pode ser ilustrada em esferas be. ye. 0 Pero Paulo A, Funari & Glaydson José da Silva de universos estruturais, conjunturais e factuais ou, em termos do tempo histérico, em um tempo gcogrilico, um tempo social ¢ um tempo individual. Na Geografia resi- diria a explicagio de uma historia quase imével, que € repetigao, Ientidao © permanéncia, e que encontraria no mar € nas montanhas do Mediterraneo situagdes plenas “de conseqiiéncias, que, de um ponto de vista histérico, importa realgar”. Para além desses imperativos « deter- minagSes Braudel situaria 0 tempo da “hist6ria social uma histéria em que tudo parte do homem, dos homens, — €a historia dos grupos, dos destinas coletivos e dos jo mais uma histéria imével, movimentos conjuntos, ja 5 mas uma histéria mutante, das estruturas econdmicas, politicas e sociais. ssa dina tecimentos, das politicas ¢ dos homens, marcadas pelos contlitos do tempo presente. Contudo, essa narrati se assemelha de modo algum aquelas inspiradas em Lan lois ¢ Seignobos. Braudel trata da politica ¢ da gucrra mas desloca o papel comumente atribusdo avs individuos em prol de explicayGes que minoram a sua participago a eritica & impossibilidace de uma “historia total”, que no conseguitia contemplar a tolalidade do bumano, 3 dcterminismo aprisionador do homem pela insisténcia um mundo insensivel ao seu controle, “0 Mediterrineo" objeto dos mais distintos julgamentos, mas sua origin» lidade, prineipalmente no que concerne a transformagin das nogSes de tempo e de espago na historia € comuments reconbecida pelos seus criticos. fica se completa na hist6ria dos acon: Weoria da Histéria o A obra de Braudel, seguramente, transcende “0 Mediterraneo’, © a propria segunda gerago dos Annales Lranscende a importanica de Braudel, mas a tese € seu aui- lor so juntos © que ha de mais representativo desse se~ gundo momento da Escola. AEscora pos Axnanes * Critica a historia metédica ¢ positivista * Importdneia interdisciplinar * Construgao do objeta fe a : VI A Historia Nova § ouTRAS HISTORIOGRAFIAS Ainda que também tenha sido utilizada para se re- rir 8 historia da Escola dos Annales em sua totalidade, a resstio “Hist6ria Nova” designa a historia pretendida 9s historiadores da terceira geragio do grupo. Essa am- igiiidade marca uma delimitago em relagao a histéria istoricizante e uma reavaliagao dos pressupostos tesrico: etodolégicos das geragdes anteriores. Em. ambos aspec 3s, dois trabalhos sdo significativos a respcito: A colegio, ire dle Vhistoire (1974), cuja novidade esta ligada a trés Ocess0s: “novos problemas” colacam em causa a prépria ist6ria; “novas abordagens” modificam, enriquecem, sub- tem as setores tradicionais da histéria; “novos objetos’, im, aparecem no campo epistemolégico da histéria (1 or, an, 1995) € 0 dicionario A histéria nova (1978), organi- _:—_—_____— 0 Pedro Paulo A. Funari & Glaydson José da Silva eorta da Historia 7 zado por Nora, que permitiria conhecer o que foi, ¢ 0 que ainda é, quanto a suas idéias principais, seus objetivos, se territério intelectual e cient fico, suas realizagdes, a histéria (que fot chamada “nova” (te core, 1990), Promogio de um novo tipo de histéria, sem dévida, mas como definir a Nova historia? Um “movimento” que, segundo Peter Burke (1992, 10-16), esta unido apenas na~ quilo a que se ope. £ ainda Burke a auiliar nessa compre- enso, contrastando a antiga ea nova historia em termos de opostes bindrios dizendlo, em face da dificuldade dle es- tabelecer 0 que ela €, 0 que ela nio é. £ na interface entre avaliagdo ¢ reelaboragIo que se situam os historiadores dessa geraga que, ao contrario das ou vre e Bloch Braudel a capitaned-las, € despersonalizads, caracterizando-se por uma maior fragmentagio intelectti- al, que pode ser entendlida como derivada de um contexte de “crise” da diseiplina e das Ciencias Humanas, em geral. Le Goff (1990) jd apontava para essa dupla constatagio no prefiécio & nova edigaio de A historia nova Problemas que deeorriam do sucesso das inova $8es postulladas, da passagem de uma época de pioneivos 2 uma época de produtores, além da repercussdio sobre a nova histria da incontestavel crise las ciéncias sociais. Em ‘outros termos: a extensdo ¢ os desdobramentos que trou xeram como corolério, o aprofundamento da diversidale da nova hist6ria econdmica ¢ social, a longa duragdio, a historia das minorias, das estruturas, das mentalidades, do imaginario, a Antropologia historica ete., e a crise en tendida como “a morte das ideologias” No verbete A histéria nova, Le Goff aponta para trés fenomenos que assinalam a emergéncia do novo campo do saber: a afirmagio das ciencias (novas ou surgidas), sua renovacio e a interdisciplinaridade. £ este o cenério intelectual das novos historiadores. Espistemologicamente, a terceira geragao pode ser definida pela ampliagéio de temas de pesquisa e pelo apor- te interdisciplinar a historia. Temas como morte, doerga, alimentagio, sexualidade, famitia, loucura, bruxaria, mu- Iher, clima etc, so estudados & luz das diferentes dreas do conhecimento, levando ao limite a abertura da disciplina propugnada por Pebvre marcanddo a passagem quase ex clusiva de preocupagdes socivecondmicas ¢ demogrsficas em declinio para uma histéria mais antropoldgica. Se a primeira geragdo foi marcada pelas preocupagies de uma hist6ria socioecondmica € psicolégica, ¢ a segunda por pretcrir o imagindrio ¢ a psicologia coletiva em beneficio do socivecondmico ¢ do demogratico, a terceira o € pela re cusa © accitagiio desses diferentes vetores. Ha nela uum le clinio dos temas socioecondmicos © uma valorizagdo das mentalidades, que a aproxima das psicologias coletivas. Essa valorizagéio talvez, tenha sido @ motivo da incompre- ensdo reducionista que estabelece uma sinonimia entre a terceira geragdio © a historia las mentalidades, negligen- ciando fatores outros come os métodos quantitativos (que auxiliam na compreensa das proprias mentelidades) ¢ 0s chamados relornas (dos fatos, da biografia, da narrativa da politica) Componente, mas nio definidora, a idéia de menta- lidade permeia os objetivos perseguidos por diferentes his. 2 be “ be

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