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Copyright © 1957, 2019 by Russell Kirk Legacy, LLC.

Publicado originalmente sob o título:


Russell Kirk’s Concise Guide to Conservatism

Introduction Copyright © 2019 by Wilfred M. McClay


Published by arrangement with Regnery Publishing.

1ª edição 2021
ISBN: 978-65-89129-01-1
Impresso no Brasil

Tradução: Ulisses Teles


Revisão: Cesare Turazzi
Capa: Tiago Dias
Diagramação: Marcos Jundurian
Versão eBook: Tiago Dias

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Sumário

Introdução
1. A Essência do Conservadorismo
2. O Conservador e a Fé Religiosa
3. O Conservador e a Consciência
4. O Conservador e a Individualidade
5. O Conservador e a Família
6. O Conservador e a Comunidade
7. O Conservador e o Governo Justo
8. O Conservador e a Propriedade Privada
9. O Conservador e o Poder
10. O Conservador e a Educação
11. Permanência e Mudança
12. O que é a República?
Índice de Nomes
Introdução

Muita tinta foi derramada e incontáveis telas foram usadas em debate


sobre a ilusão chamada “conservadorismo”. Na verdade, já há algum tempo,
o conservadorismo tem sofrido uma profunda crise de identidade,
especialmente nos Estados Unidos. A candidatura, a eleição e a presidência
de Donald Trump apenas aceleraram um processo que começou pelo menos
três décadas atrás com o fim do governo Reagan, e provavelmente muito
antes disso. Atualmente, ninguém parece ser capaz de dizer com confiança
o que significa “conservadorismo”.

O problema pode ser inevitável. Pelo fato de os Estados Unidos serem


uma sociedade incomumente líquida, que valoriza a liberdade mais do que a
ordem e que estima a mobilidade social como uma de suas principais
virtudes, frequentemente não fica claro o que a palavra “conservador”
significa para nós — não tão claro quanto seria se, digamos, vivêssemos em
uma sociedade agrícola relativamente estática governada por elites estáveis
e sólidas com raízes profundas e bons costumes de convívio social
devidamente estabelecidos. Mas nossa sociedade não é nada parecida com
isso. Portanto, aqueles que vestem o manto de “conservador” nos EUA de
hoje vêm de princípios surpreendentemente diversos, dos liberais fanáticos
que abraçam a “destruição criativa” do capitalismo não regulamentado e a
reconstrução incessante das instituições sociais e culturais, até os
tradicionalistas que olham o passado com saudade da solidariedade, da
reciprocidade e da fiel integração da sociedade europeia medieval. Que base
comum poderia haver entre tais extremos? Não é de admirar que até mesmo
seus simpatizantes considerem o espetáculo do conservadorismo americano
confuso e se afastem dele, perplexos e desanimados.

Quando pediam que definisse o conservadorismo, Russell Kirk


frequentemente recorria a uma resposta formulada por H. Stuart Hughes,
historiador intelectual de Harvard: o conservadorismo é a negação da
ideologia. Esta é, na verdade, uma boa resposta, ou pelo menos o princípio
de uma boa resposta. Mas parte do problema hoje é que muitos
conservadores nos EUA são de fato ideólogos, aceitem ou não. Eles estão
muito mais interessados em conservar e estender a carreira de certos
princípios ideológicos do que em conservar e perpetuar o complexo
emaranhado do tecido social e as práticas que provaram o seu valor ao
longo das gerações. E para deixar as coisas ainda piores, os princípios que
são conservados costumam diferir de partido para partido. A força do
“conservadorismo”, portanto, pode ser estendida a ambos os lados, “a
favor” e “contra”, sobre as mais variadas problemáticas da política pública:
a liderança dos EUA no mundo, o livre comércio, a legalização das drogas,
o casamento gay, os direitos à propriedade privada, restrições à imigração,
os direitos civis e assim por diante. Quem se surpreenderia ao ver um artigo
propondo “a defesa conservadora da eutanásia” ou se opondo
categoricamente ao princípio de liberdade religiosa com bases
“conservadoras”? Se artigos assim ainda não foram publicados, é questão
de tempo.

Esse estado de confusão, no entanto, não é uma tragédia inevitável. Na


verdade, há forte alicerce para termos um conservadorismo americano
equilibrado e totalmente sensato, e Russell Kirk o estabelece com admirável
clareza nas páginas deste livro robusto, cuja reedição vem simplesmente na
hora certa, bem quando precisamos recuperar e revitalizar o
conservadorismo — não como uma ideia reinventada, mas como um corpo
de sabedoria que resistiu ao teste do tempo, que se provou inabalável diante
de mudanças precipitadas, motivadas ideologicamente e que afugenta as
paixões da ideologia revolucionária abstrata com a virtude concreta da
prudência.

Embora a maneira “kirkiniana” de comunicar ideias seja bem diferente


das fórmulas prontas dos dias atuais, seu apelo não arrefeceu diante dos
ditames da retórica atual. Para aqueles que estão acostumados a pensar no
conservadorismo sobretudo como uma questão de concórdia política,
apresentado em atraentes tabelas quantitativas e prosa burocrática carregada
de jargões, a mensagem de Kirk — com seu panorama histórico e esplendor
poético, seu deleite na beleza e na elegância, seu desdém pelo
academicismo em todas as formas, e seu talento em nos fazer sentir a
conexão vital entre nós mesmos e as histórias de pessoas que já se foram e
realidades do passado — será uma grande e agradável surpresa.
Para Kirk, o conservadorismo não é um conjunto de aspiração política. É,
pelo contrário, dispor-se ao grato deslumbramento diante do milagre de
nossa existência, chamando-nos a reconhecer as fontes de nosso ser e a lutar
para viver em respeitosa e amável harmonia. Para ele, o conservadorismo
está baseado, em último caso, na ampla visão de Edmund Burke de
“contrato da sociedade eterna”, entrelaçando os que já se foram, os que
ainda vivem e os que estão por nascer em uma misteriosa tríade de alegrias,
deveres e memórias compartilhadas.

Um dos vários mitos sobre o conservadorismo americano é o de relegá-lo


a uma perspectiva complacente por parte das classes ricas e a padrões à
parte da grande história americana de progresso e avanços individuais. As
origens de Kirk, no entanto, foram humildes e essencialmente americanas.
Ele nasceu em 1918, em Plymouth, Michigan, em uma família de classe
média que passava por dificuldades e morava em uma casa pré-fabricada
que não tinha nem mesmo banheiro interno. Kirk não teve acesso às
melhores oportunidades educacionais. À semelhança de muitos dos mais
extraordinários americanos, como Abraham Lincoln e Frederick Douglass,
Kirk, para chegar à educação superior, apostou no insaciável amor pela
leitura, conseguindo um pouco de ajuda das escolas públicas solidamente
tradicionais, que lhe proveram bases para suas habilidades literárias e de
debate.

Foi só depois de seus estudos de pós-graduação após a guerra, na


Universidade de St. Andrews, que Kirk se tornou um pensador conservador
completo. E teve tudo a ver com sua estadia na Escócia. A atmosfera, a
tradição, a paisagem, a arquitetura e o povo daquele país o encantaram e
despertaram sua veia literária. Ele escreveu, entre outras linhas, três livros,
sete narrativas breves e vinte e cinco artigos acadêmicos durante seus
quatro anos em St. Andrews, estabelecendo um padrão de produtividade
enorme que manteria por mais quatro décadas. Seu mais importante escrito
durante esse período foi sua dissertação de doutorado, finalmente publicada
em 1953 sob o título de A Mente Conservadora, um daqueles livros
verdadeiramente indispensáveis na história intelectual conservadora
americana e indiscutivelmente a mais importante de todas as suas obras.
É claro que 1953 foi um annus mirabilis para a mente conservadora
americana. Em particular, foi um ano fértil para livros conservadores. Além
da obra-prima de Kirk, foram também publicados os livros Quest for the
Community, de Robert Nisbet, Direito Natural e História, de Leo Strauss, e
The Genius of American Politics, de Daniel Boorstin. E nos anos anteriores
e posteriores, luzeiros intelectuais como T. S. Eliot, Ray Bradbury,
Christopher Dawson, Eric Voegelin, C. S. Lewis, Whittaker Chambers,
William F. Buckley Jr. e Francis Graham Wilson publicaram obras de
grande, talvez monumental importância para os conservadores.

Kirk, contudo, fez algo que nenhum desses outros autores fez. Ele
procurou provar que o conservadorismo anglo-americano não era uma
invenção recente, mas que tinha um passado útil, uma história venerável de
pensadores desde ao menos Edmund Burke, talvez até mesmo bem antes, e
adiante em direção a figuras contemporâneas como George Santayana e
Eliot. Nas palavras de seu biógrafo Brad Birzer, “na definição [de Kirk] do
que é ser conservador, o poético, o literário e o teológico superavam o
político”. Como Kirk explicou, em 1952, a Henry Regnery, o editor de A
Mente Conservadora, era imperativo “reconhecer a grande importância, na
literatura e na vida, da religião, da ética e da beleza”. A política, ele falava,
“é a diversão do universitário, e eu realmente tento transcender a pura
política em meu livro”.

Não que Kirk ignorasse a política em sua própria vida; tampouco ele o
faria hoje. Mas ele poderia reclamar com razão, se estivesse em nosso meio
agora, que o conservadorismo tem se empobrecido nos anos recentes por
uma ênfase demasiada em formas politizadas e ideológicas e pela
negligência do domínio da imaginação e do domínio da cultura mais geral,
domínios pelos quais a sensibilidade conservadora havia sido
poderosamente representada. Hoje, por vezes ouvimos que a política flui da
cultura, uma observação que teria parecido óbvia para Kirk. Pode ser que a
principal tarefa diante dos conservadores e do conservadorismo seja a
transformação de uma cultura irresponsável, desumana e que nega a vida
em uma realidade mais condizente com nosso legado humano.

Para a consolidação de propósito tão digno, este pequeno livro —


originalmente publicado em 1957 sob o título O Guia de Conservadorismo
para a Mulher Inteligente, uma paródia suave da obra O Guia da Mulher
Inteligente para o Socialismo e para o Capitalismo, de George Bernard
Shaw — é uma contribuição inequivocamente graciosa e vigorosa. Com
prosa evidentemente direta e de fácil leitura, esta obra é uma maravilha
condensada, uma introdução ao núcleo do conservadorismo americano, tão
aprazível quanto instrutiva. Os leitores que reclamam do estilo
ocasionalmente antiquado e floreado de A Mente Conservadora ficarão
impressionados com a prosa limpa e acessível desta obra. Kirk, escritor
profissional altamente habilidoso, sabia como escrever apropriadamente em
qualquer situação e para todos os públicos: poderia escrever tanto Colunas
de Opinião quanto contos de terror ou calhamaços enciclopédicos.

Poucos escritores poderiam reivindicar essa capacidade para si.

E o mais incrível de tudo, este livro não exige revisão dramática mesmo
depois de sessenta e dois anos. Esse próprio fato lhe dá um peso inesperado.
Os insights de Kirk sobre a família, a importância da propriedade privada, a
educação, a religião e vários outros assuntos não só permanecem sólidos,
mas nos dias atuais soam proféticos. Leia por si mesmo e veja se não
concorda. Se essa não é a prova de que o conservadorismo de Kirk era
baseado nas Coisas Permanentes, não sei mais o que é.

Wilfred M. McClay
Wilfred M. McClay detém prêmios e posições na Universidade de
Oklahoma e é diretor do Centro pela História da Liberdade. Seu livro
mais recente foi lançado sob o título de Land of Hope: An Invitation to
the Great American Story [Terra de Esperança: um Convite à
Grandiosa História Americana (Encounter, 2019).
CAPÍTULO 1
A Essência do
Conservadorismo

O conservadorismo moderno tomou forma por volta do início da


Revolução Francesa, quando homens, na Inglaterra e nos Estados Unidos,
foram inteligentes o bastante para perceber que a fim de a humanidade
preservar os elementos de uma vida digna na civilização, um conjunto de
ideias deve resistir ao aparelhamento e ao impulso destrutivo dos
revolucionários fanáticos. Na Inglaterra, o fundador do verdadeiro
conservadorismo foi Edmund Burke, cuja obra Reflexões Sobre a
Revolução na França revirou a maré da opinião britânica e influenciou de
maneira incalculável os líderes da sociedade no Continente e nos Estados
Unidos. Nos EUA, país recém-formado, os Pais da República,
conservadores pelo preparo e pela experiência prática, estavam
determinados a formar constituições capazes de guiar sua posteridade no
permanente caminho da justiça e da liberdade. A Guerra de Independência
dos Estados Unidos não foi uma verdadeira revolução, mas a separação da
Inglaterra. Estadistas de Massachusetts e da Virgínia não tinham o desejo de
virar a sociedade de cabeça para baixo. Em seus escritos, especialmente nas
obras de John Adams, Alexander Hamilton e James Madison, vemos um
conservadorismo sóbrio e posto à prova, baseado no entendimento da
história e da natureza humana. A Constituição que os líderes daquela
geração esboçaram provou ser o instrumento conservador mais bem-
sucedido de toda a História.

Desde Burke e Adams, os principais conservadores têm adotado


determinadas ideias que podemos definir resumidamente. Os conservadores
suspeitavam daquilo que Burke chamava de “abstrações” — isto é, dogmas
políticos absolutos separados da experiência prática em circunstâncias
particulares. Eles, no entanto, de fato criam na existência de certas verdades
permanentes que governam a conduta da sociedade humana. A seguir,
talvez sejam estes os princípios centrais que caracterizam o pensamento
conservador americano:
1. Homens e nações são governados por leis morais; essa legislação se
origina numa sabedoria que não é meramente humana — a saber, na
justiça divina. Em sua origem, os problemas políticos são problemas
morais e religiosos. O estadista sábio tenta apreender a lei moral e
governar sua conduta de acordo com ela. Temos uma dívida moral para
com nossos antepassados, que nos outorgaram nossa própria
civilização, legando-nos o dever moral diante das gerações futuras. Foi
Deus quem colocou essa dívida sobre nós. Não temos o direito,
portanto, de mexer de forma imprudente com a natureza humana ou
com o delicado tecido de nossa ordem social.

2. Variedade e diversidade são características de uma civilização


avançada. Uniformidade e igualdade absoluta são a morte de todo
verdadeiro vigor e liberdade existencial. Os conservadores resistem
com força imparcial à uniformidade de um tirano ou de uma
oligarquia; eles repudiam a uniformidade daquilo que Tocqueville
chamou de “despotismo democrático”.

3. Justiça significa que todo homem e toda mulher têm o direito ao que
lhes pertence — aquilo que é pertinente à natureza, às recompensas da
habilidade e da integridade pessoais e à propriedade de sua
personalidade. A sociedade civilizada exige que todos os homens e
mulheres tenham direitos iguais perante a lei, mas essa igualdade não
deve se estender à igualdade de condição: isto é, a sociedade é uma
grande parceria em que todos têm direitos iguais, mas não posses
idênticas. A sociedade justa exige firme liderança, diferentes
recompensas para as mais distintas capacidades e senso de respeito e
dever.

4. A propriedade e a liberdade estão inseparavelmente entrelaçadas; o


nivelamento econômico não é progresso econômico. Os conservadores
evidentemente valorizam a propriedade privada por aquilo que ela é,
mas a valorizam ainda mais porque sem a propriedade particular todos
estariam à mercê de um governo onipotente.
5. O poder é repleto de perigos; portanto, o Estado de bem é aquele
que não só confere e equilibra o poder, mas também o refreia por meio
de constituições e costumes sólidos. Até onde for possível, o poder
político deve ser mantido nas mãos de indivíduos e instituições locais.
A centralização é comumente um sinal de decadência social.

6. O passado é o grande armazém de sabedoria; como Burke disse, “O


indivíduo é tolo, mas a espécie é sábia”. O conservador acredita que é
necessário ser guiado pelas tradições morais, pela experiência social e
pelo complexo e completo conjunto de conhecimento legado por
nossos antepassados. O conservador apela para além da opinião
imprudente do momento, aquilo que Chesterton chamou de “a
democracia dos mortos” — isto é, a estimada opinião dos sábios que
morreram antes de nós, a experiência da raça. Resumindo, o
conservador sabe que não nasceu ontem.

7. A sociedade moderna precisa urgentemente da verdadeira


comunidade: e a verdadeira comunidade está a um mundo de distância
do coletivismo. A verdadeira comunidade é governada pelo amor e
pela caridade, não pela compulsão. Por meio de igrejas, associações
voluntárias, governos locais e uma variedade de instituições, os
conservadores lutam para manter a comunidade saudável. Os
conservadores não são egoístas, mas têm espírito público. Eles sabem
que o coletivismo significa o fim da verdadeira comunidade, pois
substitui a uniformidade pela variedade e pela força em prol da
cooperação de boa vontade.

8. Quanto aos arranjos das nações, os conservadores americanos


entendem que seu país deve servir de exemplo para o mundo, mas não
o refazer à sua própria imagem. É lei da política, assim como da
biologia, que todo ser vivente ama sobretudo — mais do que a própria
vida — sua identidade distinta, que o põe à parte das demais coisas. O
conservador não deseja a dominação do mundo, nem aprecia o
prospecto de um mundo reduzido a um padrão simples de governo e
civilização.
9. Os conservadores sabem que homens e mulheres não são perfeitos,
nem suas instituições políticas. Não podemos fazer o céu na terra,
embora possamos fazer o inferno. Somos criaturas boas e criaturas más
num só conglomerado; e quando ignoramos boas instituições e
negligenciamos os antigos princípios morais, o mal em nós tende a
predominar. Portanto, o conservador suspeita de todos os projetos
utópicos. Ele não acredita que, pelo poder de leis positivas, possamos
resolver todos os problemas da humanidade. Temos esperança de
tornar nosso mundo tolerável, mas não podemos torná-lo perfeito.
Quando alcançado, o progresso se encontra debaixo do
reconhecimento e da prudência das limitações da natureza humana.

10. Os conservadores estão convencidos de que a mudança e a reforma


não são idênticas: a inovação moral e política tanto pode ser destrutiva
como benéfica; e se empreendida em um espírito de presunção e
entusiasmo, a inovação provavelmente será desastrosa. Em alguma
medida, todas as instituições humanas mudam de tempos em tempos,
porque a mudança lenta é o meio de conservar a sociedade e de
renovar o corpo humano. Os conservadores americanos, contudo,
tentam reconciliar o crescimento e a alteração essenciais à vida com a
força de nossas tradições sociais e morais. Com Lord Falkland os
conservadores se juntam a uma só voz: “Quando não é necessário
mudar, é necessário não mudar”. Eles entendem que homens e
mulheres se contentam mais quando podem sentir que vivem em um
mundo estável e de valores permanentes.

Nos breves capítulos seguintes, falarei sobre esses vários princípios do


conservadorismo, direta ou indiretamente; e também falarei a respeito da
atitude dos conservadores diante da religião, da família, da educação e de
alguns dos assuntos urgentes da atualidade.

O conservadorismo, portanto, não é a mera preocupação daqueles que


têm muitas propriedades e influência; não é a simples defesa do privilégio e
da posição social. A maioria dos conservadores não é rica nem poderosa.
Apesar disso, muitos deles desfrutam, até mesmo os mais humildes, de
grandes benefícios de nossa república estabelecida. Eles têm liberdade,
segurança individual e no lar, igual proteção diante da lei, direito aos frutos
de seu trabalho e a oportunidade de atingir o máximo do seu potencial. Eles
têm o direito de personalidade na vida e o direito de consolo na morte. Os
princípios conservadores abrigam as esperanças de todos na sociedade. O
conservadorismo é um importante conceito social para todos os que
desejam justiça imparcial, liberdade individual e todos os amáveis e antigos
caminhos da humanidade. O conservadorismo não é simplesmente uma
defesa do “capitalismo”. (“Capitalismo”, na verdade, é um termo cunhado
por Karl Marx, que tinha a intenção inicial de deixar implícita a ideia de
que a única coisa que os conservadores defendem é um grande acúmulo de
capital privado). Mas, sim, o verdadeiro conservador defende
vigorosamente a propriedade privada e o livre comércio, tanto para
benefício próprio quanto porque esses são meios que alcançam fins
grandiosos.

Esses grandes fins são mais que econômicos e políticos; estes envolvem a
dignidade, a personalidade e a felicidade humana. Envolvem até mesmo a
relação entre Deus e o homem, pois o coletivismo radical de nossa era é
fortemente hostil a qualquer outra autoridade: o radicalismo moderno
detesta a fé religiosa, a virtude privada, a personalidade tradicional e a vida
de satisfações simples. Nossa geração ameaça tudo o que vale a pena
conservar. Fazer mera oposição impensada aos eventos atuais, agarrando-
nos em desespero ao que ainda temos, não será suficiente nesta era. O
conservadorismo instintivo deve ser reforçado pelo conservadorismo
pensado e imaginativo.
CAPÍTULO 2
O Conservador
e a Fé Religiosa

Nem todas as pessoas religiosas são conservadoras; nem todos os


conservadores são pessoas religiosas. O cristianismo não prescreve
nenhuma forma especial de política. Ao longo da História, houve radicais
famosos que seguiram fielmente o cristianismo — embora a maioria não o
seguisse. Ao mesmo tempo, não poderia haver conservadorismo sem uma
base religiosa, e, em nossa era, são os conservadores que majoritariamente
defendem a religião.

Quintin Hogg, talentoso conservador inglês do século XX, em seu


pequeno livro The Case for Conservatism [“Em Defesa do
Conservadorismo”] ressalta dizendo que “Não há nada que eu despreze
mais do que um político que procura vender sua política pregando a
religião, a menos que seja um pregador que tente vender seus sermões
falando de política”. No entanto, ele continua e afirma que o
conservadorismo e a religião não podem ser mantidos em compartimentos
separados, e que o verdadeiro conservador, em seu âmago, é um homem
religioso. A influência social do cristianismo tem sido nobremente
conservadora, e outras religiões majoritárias também exercem influência
conservadora, como o budismo, o islã e o judaísmo.

Desde a sua fundação, os EUA depositam um senso de consagração


religiosa sobre nossas instituições políticas. Quase todos os que assinaram a
Declaração de Independência e praticamente todos os delegados da
Convenção de Filadélfia eram homens religiosos. Desde o princípio da
república, presidentes têm invocado o poder e a misericórdia de Deus em
seus discursos solenes. A maioria dos nossos principais estadistas e
escritores conservadores eram homens profundamente religiosos — George
Washington, episcopal; John Adams, unitarista; James Madison, episcopal;
John Randolph, episcopal; John C. Calhoun, unitarista; Orestes Brownson,
católico; Nathaniel Hawthorne, congregacional; Abraham Lincoln, teísta
devoto, embora independente; e muitos outros. “Sabemos e sentimos
internamente que a religião é a base da sociedade civilizada, e a fonte de
todo bem e todo conforto”, escreveu Edmund Burke.

Agora, o conservador é a pessoa que vê a sociedade humana como um


contrato imortal entre Deus e o homem, e entre as gerações que já
passaram, a geração que vive agora e as gerações que ainda estão por vir. É
possível conceber tal contrato e ter um senso de dívida para com nossos
antepassados e de dever para com nossa posteridade, mas só se, antes,
houver um pleno senso de sabedoria e poder eternos. Lidamos com caridade
e justiça com nossos companheiros, homens e mulheres, apenas porque
cremos que a vontade divina nos ordena a assim fazê-lo, e a nos amarmos
uns aos outros. O conservador religioso está convencido de que tem um
dever a cumprir diante da sociedade, e de que o governo justo é governado
pela lei moral, uma vez que, à sua maneira humilde, o ser humano participa
da natureza divina e do amor divino. O conservador acredita que o temor de
Deus é o princípio da sabedoria.

O conservador deseja conservar a natureza humana — isto é, preservar


homens e mulheres verdadeiramente humanos à imagem de Deus. As
terríveis ideologias radicais de nosso século, como o comunismo, o nazismo
e seus aliados tentam eliminar a raiz e os ramos da religião porque sabem
que a religião é uma sólida barreira contra o coletivismo e a tirania. A
pessoa religiosa tem poder e fé; e o coletivismo detesta a força e a fé. Por
toda a Europa e a Ásia, a verdadeira resistência ao coletivismo provém de
homens e mulheres que acreditam que há uma autoridade maior do que o
Estado coletivista: essa autoridade é Deus.

A sociedade que nega a verdade religiosa não tem fé, não tem caridade,
não tem justiça nem qualquer tipo de restrição sobre os próprios atos. Hoje,
talvez ainda mais do que no passado, muitos americanos entendem a
conexão íntima entre a convicção religiosa e o governo justo, e,
aprofundando seu juramento de fidelidade, chegam a dizer: “uma nação sob
Deus”. Há um poder divino maior do que qualquer poder político. Quando
ignora a autoridade divina, a nação, intoxicada com o seu próprio poder
descontrolado, logo comete fanatismos nacionalistas, práticas que tornaram
o século XX tão terrível.
Toda religião, seja qual for, é passível de corrupção; e em nosso tempo,
muitos tentam nos persuadir de que a religião cristã apoia algum tipo de
coletivismo sentimental, uma “religião humanitária”, na qual a ideia cristã
de igualdade perante os olhos de Deus é convertida em uma igualdade
social e econômica sombria, forçada pelo Estado. No entanto, basta
examinar os credos do cristianismo e a tradição cristã para perceber que o
ensino cristão não apoia essa interpretação. O que o cristianismo oferece é
redenção pessoal, e não um sistema de revolução econômica. A pessoa
humana é a grande preocupação da fé cristã — como pessoa, e não na vaga
posição de “Povo”, ou de “Massas”, ou de “Desprivilegiados”. E quando
pregam a caridade, os cristãos têm em mente a doação voluntária daqueles
que têm para aqueles que não têm, e não a compulsão estatal que tira de
alguns para beneficiar outros. “Os estadistas que trabalham para inventar
uma riqueza comum a todos e sem pobreza”, comenta o velho Sir Thomas
Browne, “furtam o objeto de nossa caridade; eles não só ignoram as
propriedades do cristão individual, mas também se esquecem da profecia de
Cristo”. A religião cristã ordena que façamos ao próximo aquilo que
faríamos para nós mesmos, e não o emprego do poder político para forçar o
nosso próximo a entregar sua propriedade.

Toda religião majoritária, seja qual for, sofre ataques de heresias. No ano
do Manifesto Comunista, Orestes Brownson declarava que o comunismo
era uma heresia do cristianismo; e hoje ele é ecoado por Arnold Toynbee e
Eric Voegelin. O comunismo perverte a caridade e o amor do cristianismo
em uma feroz doutrina de aparelhamento; o povo é tornado igual por todo o
mundo. Não só isso, mas o comunismo também rechaça a verdadeira
igualdade, que é a igualdade perante o juízo final de Deus. Outras
ideologias que convertem o cristianismo em instrumento para oprimir uma
classe e beneficiar outra, também são heréticas.

Outra distorção do cristianismo é a doutrina radical de que “a voz do


povo é a voz de Deus”. Essa, o Lord Percy de Newcastle escreve, é “a
heresia da democracia” — isto é, o erro desastroso de supor que Deus é
simplesmente aquilo que a maioria pensa dele em determinado momento. O
conservador sabe que o julgamento popular comete erro após erro; a voz do
povo é tudo, exceto divina; ao contrário disso, a justiça imutável que
percebemos imperfeita ou vagamente, e tentamos imitar em nossas leis
humanas, é a verdadeira fonte de verdade na política.

Em terceiro lugar cito a heresia de que a sociedade terrena pode chegar à


perfeição se para esse fim for modelada por aqueles que governam o
mundo, por servos e cidadão, por decretos e sanções. O cristão sabe que a
perfeição, seja do ser humano, seja da sociedade, jamais será alcançada
neste mundo, mas pode ser encontrada somente em um reino superior. A
ilusão que faz parecer possível a perfeição terrena se encontra por trás da
maioria dos projetos socialistas e totalitários. O cristão professo não pode
ser um utópico professo. Nossa natureza caída, aos olhos do cristão sincero,
não será redimida até o final de tudo; portanto, seremos tolos se esperarmos
que a revolução política e econômica trará perfeita justiça e perfeita
felicidade. Homens e mulheres são criaturas boas e criaturas más num só
conglomerado, e mesmo em nosso melhor, o mal ainda se faz presente;
portanto, constituições políticas, leis justas e convenções sociais são
empregadas para restringir os impulsos malignos. O ser humano à parte de
um governo justo e prudente está entregue à anarquia, pois o bárbaro se
encontra simplesmente sob a pele da civilização.

Simular um paraíso sintético neste mundo, emulado em uma noção


otimista falaciosa da natureza humana, expõe o povo ao perigo do reinado
da irracionalidade. Planos vagos de governo mundial são comumente
afligidos por essa tolice. Nunca houve uma era ou sociedade perfeita, e
nunca haverá — o conservador religioso sabe disso. Todas as ideias
políticas da humanidade já foram testadas em tempos passados, mas
nenhuma delas satisfez perfeitamente.

Isso não quer dizer que o conservador religioso acredita que todas as eras
são iguais, ou que todos os males são males necessários. Uma era pode ser
muito pior do que outra; uma sociedade pode ser relativamente justa, e
outra relativamente injusta; o povo pode melhorar um pouco sob o domínio
de um governo prudente e humano, e pode deteriorar imensamente em
tempos de insensatez. Mas o falso evangelho do Progresso como a onda
inevitável e benéfica do futuro — uma doutrina agora destruída pelas
catástrofes do século XX — nunca iludiu o conservador religioso. Ele não
despreza o passado simplesmente porque é antigo, nem pressupõe que o
presente é maravilhoso simplesmente porque é nosso. Ele julga cada era e
cada instituição à luz de certos princípios de justiça e ordem,
compreendidos em parte por meio da revelação, em parte por meio da longa
e dolorosa experiência da raça humana.

O pensador religioso que critica a sociedade atual não está preso ao


simplismo de afirmar que uma época foi pura alegria, enquanto outra não
passou de sofrimento; ele consegue distinguir e discernir os tempos e seus
feitos. Discernindo com cuidado, é possível ter esperança de melhorias
consideráveis, ainda que seja impossível tornar a sociedade um lugar
perfeito. A história humana consiste no relato de homens e mulheres
correndo o mais rápido que podem, como Alice e a Rainha de Copas, para
se manterem onde estão. Por vezes somos preguiçosos, e então a sociedade
se afunda em um terrível declínio. Jamais conseguiremos correr rápido o
suficiente para chegar à utopia. E odiaríamos a utopia se finalmente a
atingíssemos, porque seria infinitamente entediante. O que de fato faz
homens e mulheres amarem a vida é a própria batalha, a luta para trazer
ordem a partir da desordem, a peleja pelo certo e contra o mal. Se essa luta
chegasse ao fim, morreríamos de tédio. Não é de nossa natureza descansar
contentes, como anjos, eternamente imutáveis. Em certo sentido, o
conservador religioso é utópico, mas em apenas um sentido: ele acredita
que a realidade quase perfeita existe, mas somente no interior de
indivíduos; e quando alcançada individualmente, a esse estado damos o
nome de santidade.

Também não deveríamos ficar descontentes com este mundo imperfeito.


G. K. Chesterton, em seu escrito “A Balada do Cavalo Branco”, fala sobre
como o Rei Alfredo (um intelectual conservador alguns séculos antes de a
palavra “conservador” ser cunhada) teve uma visão da Virgem Maria; e
quando perguntou a ela sobre o futuro, Maria lhe disse isto:

Não falo nada para seu conforto,


Sim, nada para seu desejo,
Exceto que o céu fica ainda mais escuro
E o mar se eleva outra vez mais.
A noite será três vezes noite sobre você,
E o céu haverá de ser cúpula de ferro.
Você tem alegria sem causa,
Sim, a fé sem esperança?
Agora, essas palavras, por toda a sua severidade, fizeram Alfredo feliz.
Porque Alfredo, sendo um líder cristão, sabia que estamos neste mundo
para lutar pelo certo, para batalhar contra o mal e defender o legado da
natureza humana e da civilização. Esse é o dever conservador de todos os
tempos; e, como escreveu Jefferson, a árvore da liberdade deve ser regada
de tempos em tempos com o sangue dos mártires.
CAPÍTULO 3
O Conservador
e a Consciência

O conservador é um egoísta endurecido? Ele acredita no “individualismo


frio” e na exclusão dos deveres tradicionais para com Deus e com o
homem? Resumindo, o conservador é dotado de consciência? O radical nos
diz que o conservador é um “trapo centrado em si mesmo”, mas tenho uma
opinião diferente.

“Não há conexão necessária entre o conhecimento e a virtude”, escreveu


o saudoso John Adams. “A simples inteligência não está associada à
moralidade. Que relação há entre o mecanismo de um relógio de parede ou
de pulso e o sentimento de bem ou mal moral, entre o certo e o errado? A
faculdade ou qualidade de distinguir entre o bem e o mal moral, assim
como entre a felicidade e a miséria física, isto é, o prazer e a dor, ou, em
outras palavras, uma consciência — palavra antiga, quase fora de moda —
é essencial à moralidade”.

A velha e boa palavra consciência já estava quase fora de moda quando a


República foi fundada, e desde então sofreu ainda mais; e como Adams
sabia, o mundo todo também sofreu proporcionalmente. Bentham tentou
reduzir a “consciência” a mero egoísmo iluminado; Marx afirmou que a
consciência não tinha função exceto como arma de expropriação contra os
terríveis expropriadores; Freud acreditava que a consciência não era nada
melhor do que o complexo de culpa derivado em princípio dos
contratempos sofridos na infância. Mas enquanto homens e mulheres
negavam qualquer significado ao mundo e ao conceito de “consciência”, o
mundo começava a experimentar as consequências desanimadoras de uma
filosofia que havia abandonado o antigo instrumento moral de
responsabilidade privada, a consciência individual, e tentado substituí-lo
por uma equação abstrata de “prazer e dor” na moralidade, ou por uma
noção amorfa de “justiça social” desassociada dos deveres pessoais e do
sentido pessoal de leis imutáveis do que é certo e errado. As atrocidades e
catástrofes de nosso século, como as cometidas na Grécia do século V a.C.,
demonstram o buraco no qual sociedades sofisticadas caem quando se
iludem e propõem autointeresse astuto, ou novos “controles sociais” como
alternativa satisfatória à consciência.

Agora, “consciência”, na definição do dicionário, é “o reconhecimento


inato de certo e errado perante ações e motivações; a faculdade que decide
sobre a qualidade moral das ações e dos motivos do ser humano, exigindo
que a pessoa se conforme à lei moral”. A consciência é de domínio
particular: não existe “consciência pública” ou um “Estado de consciência”.
A consciência tem dois aspectos: um que governa a relação entre Deus e o
indivíduo, e o outro que governa a relação entre o indivíduo e o próximo,
homens e mulheres. A maioria dos conservadores — homens e mulheres
que não nasceram ontem e que não têm medo de reconhecer que nossos
antepassados não eram tolos — crê tanto na realidade da consciência quanto
crê na realidade da verdade religiosa.

Ao longo do século XX, radicais têm tentado convencer o pensamento


público de que os conservadores são inimigos da consciência. O
conservador é um monstro do egoísmo, de acordo com o propagandista
radical: o conservador acredita no ditado “cada um por si e Deus por
todos”, o radical insiste; ele acredita em ganância como princípio, seu
coração está endurecido contra o pobre e desafortunado na jornada da vida
e quando fala de direitos e deveres, não passa de mero verniz para os
próprios interesses egoístas. Os conservadores, o radical proclama, são de
alguma forma moralmente impuros, cruéis e avarentos, dedicados à
afirmação de que “os conservadores tomarão o poder e manterão os seus
poderosos acima dos demais”.

No entanto, a verdadeira posição do conservador inteligente é o oposto


dessa caricatura radical. É claro, há conservadores egoístas e sem coração,
assim como há radicais egoístas e sem coração: a persuasão política não
pode por si mesma produzir a virtude privada, e todos nós somos pecadores
em algum grau, seja qual for o nosso partido. Dito isso, a teoria do
conservador pensante e sua prática comum remam a favor da consciência
privada, retendo diante de Deus e da humanidade os direitos e os deveres
que a consciência diligente exige em qualquer sociedade de qualquer época.
Pelo contrário, é o radical doutrinador dos tempos modernos que nega a
fonte divina da consciência, o senso de responsabilidade pessoal e o dever
tradicional que dá significado à consciência. Alguns que se dizem
conservadores sofrem do vício do egoísmo, do orgulho e da arrogância das
posses, assim como alguns radicais professos padecem do vício da inveja,
da cobiça dos bens do próximo. Apesar de tudo isso, estamos falando de
princípios sociais, e não de falhas individuais.

Certo crítico hostil afirma que o conservador acredita que todos os


problemas sociais estão alicerçados em questões de moralidade privada. Se
compreendida corretamente, é uma afirmação verdadeira, e o conservador
inteligente pode mesmo se orgulhar dessa convicção. A sociedade será boa,
acredita o conservador, quando tiver homens e mulheres governados pela
consciência, por um forte senso moral de certo e errado, pelas convicções
inatas de honra e justiça, seja qual for seu maquinário político; mas será
uma sociedade ruim se tiver homens e mulheres que permanecem no
abandono da moralidade, ignorantes da consciência, buscando apenas a
gratificação da luxúria, independentemente de quantas pessoas votem ou
quão “liberal” seja sua constituição formal. A justiça e a generosidade de
uma nação não são melhores nem piores do que as convicções particulares
que prevalecem em seus cidadãos. Aos olhos do doutrinador radical, a
Rússia soviética pode ter uma constituição modelo, embora a justiça e a
generosidade estejam muito mais vivas na Grã-Bretanha, porque nesta a
influência da consciência particular continua atuante.

Visto que o radical moderno tem desconsiderado a responsabilidade


particular na vida moral, política e econômica, assim também ele deprecia a
ideia de consciência particular. Ao mesmo tempo, também sabe que ainda
há poder na palavra “consciência”, e que não pode fugir do fato de que a
sociedade se deteriora quando não reconhece padrões permanentes de certo
e errado. Assim, tentando distorcer o termo “consciência” a fim de encaixá-
lo em sua ideologia, o radical frequentemente fala sobre “consciência
social”, embora raramente defina essa expressão. Seu significado é exposto
somente pelo contexto usado pelo próprio fanático. Por “consciência social”
o radical deixa implícita a crença de que o indivíduo deve se sentir culpado
por ser de alguma forma superior — e mais, que de alguma forma uma
justiça abstrata dita à humanidade o direito e o dever de manter todos num
só patamar imóvel de igualdade. Mas tenho consciência de que não estou
sendo justo com todos os radicais enquanto escrevo isto: alguns parecem
querer dizer algo melhor quando afirmam a “consciência social” — eles se
referem ao tradicional dever que os favorecidos e abastados têm de ajudar
os desventurados. Apesar disso, não consigo entender como essa última
aplicação do termo tenha qualquer vantagem sobre o velho e simples uso da
palavra “consciência”. A consciência sempre governou a caridade. Receio,
então, que, falando de “consciência social”, a maioria dos radicais queira
simplesmente derrubar estabelecimentos políticos, destruir a propriedade
privada e minar as capacidades privadas superiores.

O conservador nunca ergue um muro entre a consciência individual e a


sociedade. À parte das obrigações diante de Deus e do próprio eu que a
consciência dita, a verdadeira função da consciência é ensinar-nos a lidar
justamente com o nosso próximo, sejam homens, sejam mulheres. Ora, a
sociedade consiste justamente em homens e mulheres considerados
coletivamente. Não pode haver uma espécie de consciência para lidar com
todos aqueles que conhecemos, homens e mulheres como pessoas, e uma
segunda espécie para lidar com a “sociedade” abstrata, como se de alguma
forma esta não fosse composta por seres humanos individuais. A
consciência é simplesmente consciência. Ela não é “social” ou
“antissocial”. Ela é o senso de certo e de justiça que ensina o ser humano
como pessoa moral a conviver com outras pessoas morais.

O conservador, portanto, não é “antissocial” ou “sem consciência”. O


conservador consciente acredita que a consciência permanece saudável
enquanto lida com os seres humanos em sua pessoalidade, e deixa de ser
saudável quando se torna abstrata, sentimental, genérica, institucionalizada,
ditada pela impessoal autoridade política. Muitos daqueles que “abraçam o
universo” e falam vagamente sobre “consciência social” são os menos
confiáveis para serem guardiões do certo e do errado quando se deparam
com deveres pessoais e com a responsabilidade diante do próximo. O
conservadorismo tem sido chamado de “lealdade ao povo”, em oposição a
um apego ideológico abstrato a estabelecimentos impessoais de dogmas
teóricos. Dessa forma, o conservador é consciente porque respeita a pessoa
verdadeiramente humana, o indivíduo moral. Ele é caridoso precisamente
porque sabe que a caridade começa em casa; ele é justo precisamente
porque olha para homens e mulheres como seus irmãos e irmãs, sob o
mandamento divino de amor, e não como unidades em uma economia
planejada eficiente.

A boa e velha consciência sempre impeliu homens e mulheres a serem


caridosos (“caridade”, se entendida literalmente, significa “ternura”, e não
simplesmente “alívio”). A caridade sempre ensinou o forte, o sábio, o
trabalhador, o prudente, o afortunado, o rápido, o belo, o herdeiro de
riquezas a socorrer com a caridade de seu coração e com o máximo de suas
habilidades nossos companheiros, homens e mulheres fracos,
desafortunados, doentes, idosos, perplexos. Nesse sentido, a consciência
sempre foi “social”. O conservador não precisa de nenhuma nova
dispensação para reaprender esses deveres de caridade, mas está
convencido de que o caminho para a boa consciência é trilhado pela
caridade pessoal, por relacionamentos pessoais e deveres privados — e não
pelo aparelhamento mecânico e impessoal de algum grandioso plano de
Estado. O conservador deseja manter a consciência, assim como a caridade,
perto do lar. Ora, uma vez que a consciência deixa de ser pessoal, deixa de
ser consciência, sendo transformada em nada mais que egoísmo iluminado
ou lei positiva. O conservador reconhece que, em alguns tópicos e casos de
emergência, a consciência particular deve trabalhar coletivamente mediante
agências públicas. Ao entender a natureza da consciência, contudo, ele tenta
manter, o máximo que pode, a operação da consciência como um assunto
pessoal e privado.

Quando se engaja na caridade, por exemplo, o conservador procura


primeiramente fazer tudo o que pode no âmbito pessoal e privado. Quando
essa postura se mostra insuficiente — quando o ato de ajudar a si mesmo e
a cooperação familiar não são suficientes —, ele então se volta para as
agências voluntárias privadas. Quando essas, por sua vez, também parecem
ser insuficientes, ele então recorre à ação municipal, local e estatal. Se todos
esses recursos de alguma maneira fracassarem, daí ele se volta às
resoluções de esfera nacional. O conservador, contudo, está inclinado a
acreditar que os problemas comuns da sociedade, exceto em situações de
grande emergência, podem ser solucionados de maneira satisfatória e
bastante humana, com base no alicerce pessoal, local e voluntário de uma
consciência simples, e com fundamentos no senso de dever que bons
homens e boas mulheres têm pelo próximo. Agora, se essa consciência
privada saudável cair na apatia ou no vício, não fará sentido falar sobre
“consciência social”: não pode haver uma nação em que a moralidade
particular seja má e a moralidade pública, boa.
CAPÍTULO 4
O Conservador e
a Individualidade

O “individualismo”, bem como o “capitalismo”, é um termo cunhado por


partidários do socialismo. Com essa palavra os socialistas do século XIX
queriam insinuar que enquanto o socialista está preocupado com a
“sociedade” — isto é, com o bem-estar de todos —, o conservador é um
“individualista” com tamanho orgulho que o faz se preocupar apenas com o
próprio umbigo. Essa caricatura do conservador já causou muito estrago.
Por isso, acredito que seja importante entender o que o verdadeiro
conservador acredita sobre a individualidade humana e sobre os direitos
privados.

Atualmente, a palavra “individualismo” é usada de forma bastante vaga


nos Estados Unidos. Alguns de opiniões conservadoras prejudicam a si
mesmos e sua causa ao falar e escrever como se o conservador de fato fosse
tão egoísta por princípio quanto o “individualista”, como dizem os
socialistas. Como termo de ciência política, “individualista” — isto é, a
pessoa que professa o “individualismo”, a ideologia política — refere-se
aos discípulos de William Godwin, Thomas Hodgskin e Herbert Spencer.
Agora, Godwin e Hodgskin eram doutrinadores radicais, e Spencer —
embora haja elementos conservadores em alguns de seus escritos — jamais
teria imaginado chamar-se conservador.

O individualista da escola de Godwin e Hodgskin acredita que o ser


humano é a sua própria lei, que as instituições sociais estabelecidas — em
particular as formas estabelecidas de propriedade privada — são irracionais,
que a religião tradicional e a moralidade tradicional são em sua maior parte
sem sentido, e que todos devem agir sem reservas, como bem quiserem.
Bom, essas concepções podem ser tudo, exceto conservadoras. Logo, os
americanos que nutrem inclinações conservadoras e se autodenominam
“individualistas” correm o risco de confundir toda a discussão e
desacreditar o conservadorismo. É possível que caiam direto nas mãos dos
socialistas, que declaram que o conservador é um individualista sem
coração e, portanto, devoto à competição cruel, perfeitamente egoísta e
hostil a tudo o que é caridoso e louvável neste mundo. O verdadeiro
conservador, no entanto, não pode ser um individualista genuíno. O pleno
individualista é, no sentido estrito do termo, hostil à religião, ao
patriotismo, à herança de propriedades e ao passado. O conservador,
contrariamente ao individualista, é amigo da crença religiosa, da lealdade
nacional, dos direitos estabelecidos na sociedade e da sabedoria de nossos
antepassados.

Logo acima, expliquei um pouco do significado estrito do termo político


“individualismo”. O conservador, porém, é um individualista no sentido de
acreditar na primazia do indivíduo, no direito que a pessoa humana tem de
ser ela mesma. Quando o Estado presume ter o poder de ir contra os direitos
individuais, o conservador fica ao lado do indivíduo. O conservador se opõe
à teoria de Hegel de que o Estado de alguma forma existe
independentemente das pessoas humanas individuais que compõem a
sociedade. O conservador acredita que o governo é uma criação da
sabedoria divina e que serve sob a Providência para cuidar das necessidades
humanas. As principais dessas necessidades humanas são justiça, ordem e
liberdade. Se o Estado político começa a negligenciar os direitos individuais
e estabelece um sistema de “ditadura do proletariado”, “despotismo
democrático” ou “Estado das massas”, então o conservador se volta contra
essa usurpação de autoridade. Isso porque o conservador acredita que um
governo justo garante aos indivíduos toda a liberdade condizente com a
justiça e a ordem. A função do Estado de justiça é aumentar a liberdade
individual sob a lei, não diminuí-la. Se, em nome de um “bem-estar geral”
abstrato, o Estado reduz a liberdade ordenada dos cidadãos, então o
conservador leva adiante a causa da individualidade com resolução.

Indo direto ao ponto, acredito no conservador como alguém totalmente a


favor da individualidade, dos direitos individuais, da diversidade na
sociedade. O conservador é igualmente contra o “individualismo” como
ideologia política radical, e contrário aos sistemas políticos que tornam o
indivíduo um mero servo do Estado. O governo sábio, na visão do
conservador, procura garantir dois grandes princípios relativos à
personalidade humana. O primeiro desses princípios é o de que homens e
mulheres de mente e habilidades notáveis merecem ter protegido o direito
de desenvolver e manifestar personalidades excepcionais. O segundo desses
princípios é o de que homens e mulheres, no proceder comum da vida, que
não têm a habilidade ou o desejo de realizar coisas extraordinárias,
merecem ter protegido o direito de proceder tranquilamente com seus
deveres e deleites, sem serem oprimidos por aquelas pessoas de capacidades
extraordinárias. Esses dois princípios, pensa o conservador, são
orquestrados para abrigar e nutrir a individualidade verdadeira e saudável.
O conservador acredita que homens e mulheres, embora iguais perante a lei,
são muito diferentes em suas capacidades e desejos. Alguns homens e
algumas mulheres são dotados de ambição, energia e extraordinárias
qualidades de mente e coração. Pessoas assim devem ter o direito de
desenvolver seus talentos ao máximo, contanto que não infrinjam os
direitos dos demais. Mas outros homens e mulheres — e esses são a maioria
da humanidade — preferem viver uma vida tranquila, ordinária e segura.
Estes devem ter o mesmo direito de viver como quiserem, contanto que não
tentem forçar pessoas cheias de vigor ou talentosas a se submeterem a seus
próprios desejos e prazeres. Quando os direitos de ambos os grupos são
assegurados, logo a sociedade tem um governo justo e a individualidade
humana é corretamente reconhecida.

O conservador, portanto, não é um “individualista” egoísta (segundo a


expressão desagradável do socialista), passando por cima dos direitos e
desejos do seu próximo; nem é um coletivista enfadonho, que deseja reduzir
todos os homens e mulheres mortos de corpo e alma. O conservador deseja
que as pessoas sejam diferentes; porque um mundo em que todos fossem
iguais seria infinitamente chato, e se afundaria para sua própria destruição.
No entanto, todos precisam ser substancialmente iguais em algumas áreas
da vida. Homens e mulheres igualmente devem subscrever aos mesmos
princípios morais, prestar igual respeito ao legado de sua civilização e
manifestar a mesma lealdade às instituições sociais que lhes provêm justiça,
ordem e liberdade. O conservador não tem medo de ser taxado de
“conformista” nessas grandes questões. E quando o revolucionário radical
ou o boêmio inveterado tenta subverter essas convenções morais e sociais,
então o conservador não hesita em condenar a “individualidade” que
culminaria na ruína social.

Ou seja, quero dizer que o conservador não é um anarquista. Ele acredita


que o governo justo — como o governo constitucional dos Estados Unidos,
com seus poderes, freios e contrapesos, equilíbrios e garantias aos direitos
individuais — é uma grande força para o bem. Os homens que assinaram a
Declaração de Independência e os membros da Convenção de Filadélfia não
eram individualistas — enfaticamente não eram — no sentido de acreditar
que todos os homens e todas as mulheres são feitos livres ou felizes
simplesmente destruindo todos os antigos padrões morais e instituições
políticas. Pelo contrário, os Pais Fundadores planejaram estabelecer “uma
união mais perfeita” na qual a personalidade individual prosperaria
precisamente porque sólidas estruturas e um governo prudente restringem o
impulso anarquista da natureza humana. Atuar de acordo com a vontade de
terceiros, sem respeito pelos direitos e vontades do próximo, não é
verdadeira liberdade, e não leva ao verdadeiro desenvolvimento da
personalidade humana elevada, mas, pelo contrário, conduz a um estado de
vida primitivo, “pobre, desagradável, raso e bruto”.

Além disso, afirmo que o conservador não é um coletivista. Ele acredita


que, na medida do possível, homens e mulheres são livres, e espera que
cada um faça suas próprias escolhas na vida. O conservador não deseja uma
sociedade de insetos, onde as vontades das grandes massas ficam sujeitas às
decisões de uma oligarquia. O conservador acredita que o Estado existe a
fim de prover justiça, ordem e liberdade para a pessoa humana, e não que os
indivíduos existem para simplesmente servir um Estado abstrato. Ele
acredita que não há verdadeira humanidade se autoridades políticas,
julgando-se onipotentes, decidem pelo indivíduo. O conservador deseja ver
a diversidade rica, revigorante e interessante de uma sociedade na qual
todos — sujeitos à lei moral e às restrições moderadas de um governo
limitado — possam ser livres e “transparentes”.

O conservador sabe que tanto a liberdade sem qualquer tipo de restrição


pode levar à opressão ou à anarquia quanto o governo sem qualquer refreio
pode levar ao coletivismo. Mesmo sabendo disso, porém, ele acredita que a
melhor e mais efetiva restrição sobre o individualismo anárquico é a
obediência à lei moral e a consciência individual, ao invés de um exercício
constante e perturbador do poder policial da autoridade política. O
conservador acredita que o governo por si só não tem a capacidade, ao
menos não de forma bem-sucedida, de regulamentar o egoísmo e o desejo
por poder do coração humano. Mesmo que houvesse uma lei extremamente
complexa que munisse a autoridade estatal de poder para interferir em todas
as áreas da vida privada a fim de eliminar o egoísmo, a vanglória e a fome
por poder, ainda assim sua aplicação provavelmente não mais que agravaria
os males que pretenderia reprimir. A sociedade só será boa se os indivíduos
que a integram forem bons e verdadeiramente livres sob a lei moral.

A individualidade sem restrições morais ou leis justas costuma conduzir


ao egoísmo excessivo; há muitos exemplos na história do nosso país. No
entanto, o conservador prefere tentar a reforma do “individualismo cruel”
operando na consciência individual, e não com a força da polícia estatal. A
única forma de reprimir o egoísmo, diz Aristóteles, é “treinar a natureza
mais nobre, e não desejar mais”. E a única maneira de repelir a inveja é
lembrar as massas de que os talentos extraordinários têm tantos direitos
quanto os talentos ordinários. Há uma geração, Irving Babbitt expôs a visão
conservadora acerca deste ponto com grande dignidade:

O remédio para o homem que está no topo e falha em frear seus desejos não está, como o
agitador quer que acreditemos, no inflamar dos desejos do homem que está abaixo, nem no ato
de substituir a verdadeira justiça por alguma fantasmagoria de justiça social. Como
consequência de tal substituição, a pessoa estará deixando de punir o indivíduo ofensor para
atacar a instituição da propriedade. A guerra contra o capital depressa se degenerará, como
sempre ocorreu no passado, numa guerra contra a economia e contra a indústria, batalhando
em favor da preguiça, da incompetência e, finalmente, dos planos de confisco, que professam
ser idealistas, mas são, na verdade, uma subversão da honestidade comum. Acima de todas, a
justiça social é, provavelmente, a mais insalubre em sua prática de suprimir parcial ou
completamente a competição. Sem competição, é impossível cumprir o propósito da
verdadeira justiça — isto é, que todos receberão de acordo com suas obras. O princípio de
competição, como Hesíodo salientou há tempos, é fundamentado nas próprias raízes do
mundo; há algo na natureza das coisas que chama por uma verdadeira vitória e uma verdadeira
derrota. A competição é necessária para erguer o homem de sua indolência natural; sem
competir, a vida perde seu entusiasmo e seu vigor. Há somente, como Hesíodo continua a
dizer, dois tipos de competição: aquela que leva à guerra sangrenta e a outra que é a mãe do
empreendimento e das grandes realizações.

Logo, o verdadeiro conservador dedica-se à verdadeira individualidade,


isto é, o direito e o dever que homens e mulheres têm de serem eles
mesmos; o conservador busca a competição consciente, as diferentes
posições, classes e oportunidades, e uma vida com diversidade, ainda que
com riscos. Ele não busca um “individualismo” doutrinador que favorece o
egoísmo, a ambição privada ilícita e a ideia de que “os meios justificam os
fins”. O conservador combate tanto esses princípios quanto combate o
coletivismo sufocante. Ele acredita que a sociedade deve encorajar a
verdadeira individualidade e que as armas corretas contra o individualismo
cruel são a consciência privada e as boas constituições, e não a vigilância
política severa de nossa economia e da vida particular de cada indivíduo. O
conservador não é um ideólogo; isto é, não deseja a mais absoluta anarquia
moral e política, ou um “bem-estar estatal” oposto à diversidade individual.
Ele acredita, pelo contrário, que a sociedade americana estabelecida no
passado, na qual ambição e ordem pública harmonizavam-se em um
controle mútuo, apresenta a solução ao problema “indivíduo vs Estado”.

Não há sociedade que acabe de uma vez por todas com as reivindicações
conflitantes do governo organizado contra a ambição privada. O melhor a
esperar é uma sociedade na qual homens e mulheres reconheçam o
princípio geral de que naturezas superiores têm o direito de se desenvolver,
e que naturezas medianas têm o direito a viver com tranquilidade. Na
história de nosso país, o individualismo cruel já ameaçou derrubar esse
princípio. Mas esse tempo passou; e no presente, o perigo é de o Estado
reprimir a verdadeira individualidade em nome de uma “justiça social”
niveladora. Hoje, portanto, o conservador prudente procura mais uma vez
alcançar o equilíbrio ao apoiar, com toda a força a seu dispor, os direitos do
indivíduo contra as exigências arrogantes do Estado das massas.
CAPÍTULO 5
O Conservador
e a Família

“A origem das afeições públicas”, escreveu Burke, “é aprender a amar o


pequeno grupo ao qual pertencemos na sociedade”. Não sentiremos
nenhuma afeição por nosso país a menos que amemos aqueles que nos são
próximos. O conservador entende que a família é a fonte natural e o núcleo
da sociedade de bem. Ele está consciente de que o coletivismo aterrador
passa a dominar quando a família se deteriora, cuja essência é o principal
instrumento de instrução moral, educação de fundamentos e vida
econômica saudável. O amor torna a vida digna. A pessoa aprende a amar
com a família, e o amor se esvai quando a vida em família é comprometida.

Atualmente, forças poderosíssimas atuam para diminuir a influência da


família entre nós, e até mesmo para destruir a família para todos os
propósitos exceto a mera procriação. Algumas dessas forças são materiais e
não intencionais: certos aspectos do industrialismo moderno, que rompe
com a antiga união econômica da família; diversão e transporte baratos, que
encorajam os membros da família a passarem quase todo o seu tempo fora
do círculo familiar; escolas públicas se vendo no direito de tomar para si
uma parte considerável da instrução que dizia respeito à família. O
verdadeiro conservador procura modificar ou reverter essas tendências ao
lembrar que o amor da família é mais importante do que o ganho material, e
busca criar meios práticos para reconciliar a unidade familiar com as
exigências da vida moderna.

Por outro lado, determinadas forças hostis à família não são meramente
impessoais ou inconscientes, mas em parte deliberadas, e podem ser
contidas por ações inteligentes nas esferas sociais, educacionais e políticas.
A principal dessas forças sinistras é o desejo deliberado de fazer com que o
Estado político assuma para si praticamente todas as responsabilidades que
uma vez a família já deteve. Esse movimento é a forma mais minuciosa e
desastrosa de coletivismo. O fato de haver pessoas bem-intencionadas
defendendo esses ideais não os justifica. Todos sabemos do que o inferno
está cheio. O Dr. R. A. Nisbet, importante sociólogo, em sua obra Quest for
Community descreve o plano dos totalitários, nazistas e comunistas a fim de
destruir a família:

O totalitário astuto conhece e compreende bem o poder que os laços de sangue e a devoção
religiosa têm de manter vivos na população os valores e incentivos que podem, no futuro,
servir como alicerce de resistência. Dessa forma, se fez absolutamente necessário emancipar
cada membro da família, sobretudo os mais novos. Alcançou-se a alienação espiritual dos
laços familiares, e não só por meio de processos negativos como espionagem e delações, mas
também com o enfraquecimento dos alicerces consanguíneos e com a substituição dos papéis
sociais encarnados na estrutura familiar. As técnicas variaram. O mais essencial, porém, era a
fragmentação da família e de todo agrupamento que interferia entre o Estado de pessoas como
sociedade e pessoas como uma massa sem mente, sem alma e sem tradição. O que o totalitário
deve fazer para efetuar seu plano é perpetuar o vácuo espiritual e cultural.

George Orwell, em sua obra 1984, descreve as crianças de Londres sendo


ensinadas a espionar sistematicamente seus pais, e louvadas por causarem
sua destruição. Essa desintegração última do amor familiar e de todo tipo de
amor já é realidade nas nações dominadas pelos comunistas. E se a família
continuar a se deteriorar no restante do mundo, até mesmo a sociedade em
que vivemos poderá entrar em colapso.

Algumas das técnicas deliberadas ou quase deliberadas do Estado de


massas para minar a família são estas:

1. Tirar dos pais o direito de ensinar os próprios filhos por meio da


adoção estatal de teorias que prescrevem a “educação integral da
criança” em escolas do Estado, depreciando o ideal de inteligência e
dos direitos inatos dos pais.

2. Criar “organizações juvenis” para tirar os jovens da esfera familiar


em suas horas de lazer e doutriná-los na ideologia do Estado de
massas.

3. Abolir a herança da propriedade familiar por meio de impostos


confiscatórios de heranças ou mediante políticas de imposto de renda
que deixam uma pequena margem para a poupança familiar.
4. Incentivo planejado do divórcio, da “liberdade sexual” e
“desprivatização das mulheres” por meio de legislações positivas ou
propagandas oficiais, com o objetivo de enfraquecer os laços da
afeição dentro da família que oferecem uma forte barreira aos desejos
do Estado totalitário.

Ainda há outras formas em que a autoridade política é empregada para


transformar a família numa mera habitação — uma habitação frágil e
impessoal. O conservador se posiciona contra esses ataques deliberados à
família e permanece de pé mesmo diante dos assaltos menos deliberados da
vida moderna. O conservador sabe que para a família sobreviver, homens e
mulheres inteligentes, crentes de que a família é a grande força em favor do
bem, devem tomar contramedidas rápidas. Junto ao professor Pitirim
Sorokin, ele sabe que a família deve ser restaurada e reconstruída, e não
meramente louvada em termos vagos. Nas palavras do Dr. Sorokin:

A família [...] deve tornar-se uma união de corpos, almas, corações e mentes em um ‘nós’
coletivo. Sua função basilar, de inculcar profunda simpatia, compaixão, amor e lealdade em
seus membros, não apenas na relação um com o outro, mas com toda a humanidade, deve ser
restaurada e completamente aprofundada. Trata-se de uma realidade necessária porque
nenhuma outra agência pode cumprir essa função tão bem quanto a família comum. Essa
espécie de família se tornará a pedra angular para uma nova ordem social criativa.

Como sugere o Dr. Sorokin, o conservador inteligente simplesmente não


fica parado. Nesta era em particular, a tradição e as instituições
estabelecidas estão sendo fragmentadas por forças terríveis, e o conservador
precisará olhar para o futuro, assim como estudar o passado, se quiser
conservar o melhor de nossa herança. Ele deve restaurar a família a fim de
protegê-la da extinção; deve criar uma nova e melhor ordem social, não
cooperando com o processo cruel de coletivização social, mas infundindo
nova vida nas amáveis instituições da família, da igreja e da comunidade. A
família é a verdadeira comunidade voluntária, inspirada pelo amor e pelo
conhecimento comum. A única alternativa à família é o Estado totalitário,
governado por forças e poderes centralizadores.

O conservador é a favor de muitos tipos de liberdade. Ele apoia, por


exemplo, a liberdade política, sob constituições justas e equilibradas; a
liberdade econômica, sob as regras da moralidade; a liberdade intelectual,
equilibrada por um senso de responsabilidade intelectual. Há, contudo,
supostas “liberdades” que o conservador inteligente já conhece e considera
anárquicas e malévolas. Ele não reconhece nenhuma liberdade natural na
tomada de bens alheios, ou na subversão da lei e da ordem, ou na destruição
dos princípios morais que fundamentam a essência da verdadeira liberdade.
E ele nega a quem quer que seja, indivíduo ou corpo coletivo, o direito à
liberdade de quebrar os sensíveis laços de afeição e interesse que
fundamentam a família. Tal apetite não é liberdade, mas licenciosidade. Há
demandas sociais que simplesmente não fazem parte da liberdade ordenada,
mas, pelo contrário, negam a essência daquilo que significa ser
verdadeiramente livre: relegar o casamento a não mais que uma mera forma
legal de união sexual, isso se chegar a tanto; converter o homem e a mulher
num mero borrão, com funções e tarefas idênticas; “libertar” a criança da
influência de seus pais; abandonar os preceitos morais, cuja essência
constitui o acúmulo de sabedoria do povo e da nação, em prol de algum tipo
de “nova moralidade” coletivista.

A família é mais do que um simples arranjo operando em favor da


gratificação dos impulsos sexuais, e mais do que um mero instrumento
acidental de moradia. Acompanhando as palavras do Dr. Sorokin, “Mais
bem-sucedida do que qualquer outro grupo, a família transforma seus
membros em uma entidade única, com uma reserva comum de valores, com
alegrias e tristezas comuns, cooperação espontânea e sacrifício solícito”. A
família mantém à distância o coletivismo estéril. A família nos ensina o
significado do amor e do dever, e o que significa ser verdadeiramente
homem e verdadeiramente mulher. A família é o “pequeno grupo ao qual
pertencemos na sociedade”. O conservador sabe que sem a família, nada de
maior importância na cultura será preservado ou aprimorado. A família
tradicional — que, ao lado de outras realidades há muito instituídas, é
indispensável — nos firma nessas raízes, sem as quais seríamos todos
apenas pequenos átomos de humanidade solitária, destituídos de princípios
e à mercê do domínio de políticas e leis de ferro.
CAPÍTULO 6
O Conservador
e a Comunidade

O homem solitário, diz Aristóteles, é uma besta ou um deus. Visto que


poucos de nós somos deuses, vivemos em comunidades para que não nos
tornemos seres bestiais. A comunidade é um grande bem: possibilita a
civilização, o crescimento moral e, quando enfraquecida, não costuma ser
substituída pela liberdade anárquica, mas pelo coletivismo sufocante.
Aristóteles nos lembra de que somos seres sociáveis por natureza, que
sentem prazer na companhia de outras pessoas. Portanto, a pessoa que
rompe a verdadeira comunidade priva as demais de grande parte da
natureza humana.

Embora nós, americanos, sejamos por natureza amantes das liberdades


individuais e dos direitos privados, somos também uma nação notoriamente
amável e bem-sucedida em seu espírito de comunidade. Nossa cidadania,
nossa municipalidade e nossos governos distritais; nossas prósperas
associações voluntárias, nossas incontáveis fraternidades e instituições de
caridade: são essas as formas pelo desejo de uma verdadeira comunidade.
Tocqueville afirmou ter encontrado entre nós, mais do que na Europa, o
desejo genuíno de servir e promover a comunidade mais forte, apesar de
nossa tendência de nos mudarmos de um lugar para o outro. É a junção da
independência local com a proximidade e a associação voluntária que torna
possível aquilo que Orestes Brownson chamou de “democracia territorial”
nos Estados Unidos — isto é, o governo local livre, o oposto das
democracias centralizadas e fanáticas que se levantaram na Europa a partir
da Revolução Francesa.

Agora, em nosso século, o reformador social radical detesta a verdadeira


comunidade, e gostaria de ver a sociedade transformada à força em um
único molde rígido, caracterizado por uma administração central, ordens
sob decretos executivos, uniformidade de vida e erradicação de todas as
distinções pessoais e locais. O radical — especialmente o marxista — sabe
que a comunidade saudável é inimiga de seus planos, porque incentiva a
variedade de opiniões e costumes, abrigando todas as associações
voluntárias que se opõem ao despotismo centralizado. Portanto, o
doutrinador radical, uma vez no poder, procura eliminar o vigor da
comunidade local, como Hitler tentou fazer na Alemanha e como os
comunistas têm feito de forma assustadoramente minuciosa na Rússia e em
outros lugares.

Atualmente, o reformador radical não é o único inimigo da verdadeira


comunidade. Há grandes tendências cegas na tecnologia moderna e na vida
econômica que também ameaçam a comunidade tradicional: a centralização
da produção e da distribuição, o declínio dos padrões de vida rural, a
movimentação excessiva da população, a padronização do lazer e dos
costumes, o movimento bem-intencionado (apesar de errado) em muitas
paragens em prol da consolidação das funções políticas e beneficentes
locais em burocracias estatais e federais. Contra essas influências, não tão
diretamente malignas quanto as doutrinas políticas revolucionárias, mas
mais sutis que elas, o conservador inteligente deve lutar.

O verdadeiro conservador tem espírito público: ele acredita na


comunidade. Não quer dizer, no entanto, que ele seja algum tipo de
coletivista. O homem ou mulher de espírito público neste país acredita em
uma República, uma nação na qual quase tudo é praticado voluntariamente
por indivíduos ou grupos locais, para o benefício do todo. O coletivista,
pelo contrário, acredita no Estado de massas, uma dominação unitária
consolidada na qual a compulsão é a ordem última, e na qual todo aspecto
da vida é regulamentado por alguma espécie de corporação central, que,
embora seja teoricamente a favor do benefício geral, atua em prol de grupos
exclusivos e classes privilegiadas. Rompida a comunidade, o coletivismo
então usurpa suas funções, e o retorno à comunidade voluntária se torna
quase impossível.

Em uma comunidade genuína, as decisões que afetam mais diretamente a


vida dos cidadãos são tomadas por governanças locais e de forma
voluntária: a aplicação da justiça, da função da polícia, a manutenção das
estradas, dos edifícios públicos e dos benefícios distribuídos à comunidade,
a coleta de impostos, o gerenciamento das instituições de caridade e dos
hospitais, o estabelecimento de escolas, a supervisão do desenvolvimento
econômico. Algumas dessas funções são executadas por corpos políticos
locais e outras por associações privadas. Enquanto se mantiverem sob
administrações locais e debaixo de uma aceitação geral dos cidadãos, essas
decisões de fato formarão uma comunidade saudável. Mas, se
negligenciadas e usurpadas, passarem para as mãos de uma autoridade
centralizada, a comunidade estará sob grande perigo — e não só a
comunidade, mas também os direitos individuais e o bem-estar social. Tudo
o que há de benéfico e prudente na democracia moderna só é possível
quando por meio de um senso comunitário vital. Se, em nome de uma
“democracia” abstrata, as funções da comunidade forem atribuídas a uma
autoridade central, então o governo genuíno gerido sob o consentimento dos
indivíduos governados abrirá caminho para um aparelhamento impessoal e
para um processo de padronização hostil à liberdade e à dignidade humana.

As influências que tornam a comunidade saudável ainda são fortes nos


EUA. Temos mais organizações voluntárias do que qualquer outra nação;
costumamos ser zelosos por nossos direitos locais. Temos uma estrutura
constitucional que coloca muitos impedimentos no caminho do reformador
radical que deseja transformar a sociedade em uma massa amorfa. No
entanto, não podemos ser complacentes. Podemos perder nossa comunidade
se ignorarmos a realidade.

É bastante tentador e cômodo permitir que o poder centralizado assuma o


fardo que necessariamente acompanha os privilégios da comunidade. Para
escapar das exigências dos impostos locais, toleramos a crescente mudança
nos custos escolares, nas melhorias públicas, nas cobranças por parte das
instituições de caridade e até mesmo nas funções de polícia do Estado e da
administração pública. De certo modo, já estamos trilhando esse caminho
faz tempo. Nas primeiras fases desse processo, pode parecer que a maioria
dos benefícios da comunidade permanece retida, ainda que suas
responsabilidades, há muito desfrutadas, sejam transferidas para os ombros
de outra entidade. Talvez décadas ou gerações passem até que as
consequências dessa entrega de direitos e deveres sejam completamente
sentidas. Contudo, qualquer um com o mínimo de conhecimento histórico
pode prever as consequências desse processo se não for controlado. Albert
Jay Nock, em seu livro Memoirs of a Superfluous Man [Memórias de um
Homem Supérfluo], indicou o curso natural dos eventos:
Maior centralização, burocracia crescente; poder estatal e fé no poder do Estado cada vez
maiores, poder social e fé no poder social cada vez menores; o Estado absorve uma proporção
continuamente maior da renda nacional; produção decadente; o Estado, em consequência
disso, controla ‘indústrias essenciais’, uma após a outra, gerindo-as com corrupção,
ineficiência e paternalismo cada vez maiores, e finalmente lança mão de um sistema de
trabalho forçado. Então, em algum momento deste processo, uma colisão dos interesses do
Estado, no mínimo tão abrangente e violenta quanto aquela que ocorreu em 1914, resultará em
uma desorganização industrial e financeira severa demais para a frágil estrutura social
suportar; e, a partir disso, o Estado será deixado à ‘morte do maquinário enferrujado’ e às
eventuais forças anônimas da dissolução.

Além do mais, posso dizer que essa desintegração da comunidade e seu


controle por uma autoridade centralizada geralmente acompanham
proporcionalmente a deterioração da cultura e da moralidade, virtudes que
parecem florescer apenas quando a comunidade ensina os padrões da
civilização e da decência.

Ora, uma nação não é mais forte do que as várias pequenas comunidades
que a compõem. Uma administração centralizada, ou um grupo de
governantes selecionados e servidores públicos, ainda que bem-
intencionados e devidamente preparados, não podem conferir justiça,
prosperidade, paz e boa conduta à massa de homens e mulheres privados de
suas responsabilidades e instituições tradicionais. Esse experimento já foi
aplicado antes, de forma notável na Roma antiga, e foi um desastre. É o
desempenho de nossos deveres que nos ensina a responsabilidade, a
prudência, a eficiência, a caridade e a moralidade. Se outra pessoa assume
esses deveres, ela é forçada a carregá-los, ou então atrofiamos, socialmente
e moralmente, pela falta de seu exercício. E o corpo burocrático que assume
essas responsabilidades sociais que até então não lhe competiam não
permanece diligente e com as faculdades mentais sãs por muito tempo. A
sociedade vigente é quem recruta seus governantes e servidores públicos;
eles não escaparão da corrupção e da indolência se vivem em um período de
comunidades desintegradas.

Sem dúvida, por vezes é cansativo trabalhar na diretoria de escolas


locais, ou ter de participar de reuniões organizadas por instituições de
caridade, ou pagar por melhorias regionais com os fundos locais, ou
diminuir o crime por meio de reformas presenciais. Mas se esses deveres e
responsabilidades forem passados da comunidade para alguma agência
centralizada, em pouco tempo a comunidade deixará de existir. E se um dia
todos os povos civilizados se virem na necessidade de tomar uma forma de
ação conjunta, voltaremos aos dias do “Bom Selvagem”: nos encontraremos
oprimidos, ao invés de em uma época de coletivismo. A princípio, essa
nova dominação pode parecer benéfica, mas não será eficiente nem pacífica
após o decorrer de alguns anos.

O conservador inteligente, portanto, cumpre seu dever perante a


comunidade — sua cidade, seu país, seu negócio, sua posição civil, sua
união, seu grupo na igreja, seu corpo profissional, sua escola ou
universidade e seu fundo de caridade. Tudo isso faz parte da verdadeira
comunidade. O conservador não acredita que cumpriu seu dever como
cidadão se meramente votou em favor de legislações positivas, formuladas
com o propósito de manter um corpo burocrático distante executando as
funções de todas essas associações vitais. A comunidade é essencial à
liberdade, aos direitos individuais e à composição integral da ordem social e
civil. Sem isso, homens e mulheres são rebaixados a uma posição inferior à
humana — ou serão como as bestas solitárias da frase de Aristóteles, ou se
tornarão a massa servil do Estado unitário. O conservador não se posiciona
como o anarquista, desprezando seus deveres para com o próximo. O
conservador não propõe trocar seu patrimônio que é a comunidade pela
Utopia centralizada.
CAPÍTULO 7
O Conservador e
o Governo Justo

Jefferson chamou o governo de um mal necessário. A maioria dos


americanos, porém, nunca acreditou nisso de fato; e aos olhos dos
conservadores em geral, o governo é um bem necessário — enquanto for
justo, constitucional, equilibrado e restrito. A justiça, a ordem e a liberdade
dependem de um equilíbrio satisfatório entre a autoridade governamental e
os direitos individuais. Em tempos de anarquia, o conservador inteligente
procura dar apoio às reivindicações do governo justo; em tempos de
centralização implacável e consolidação do poder político, o conservador
inteligente permanece em defesa do indivíduo contra o Estado. Em nossa
era e aqui nos EUA, a última tendência está em vigor, de forma que o
conservador americano atualmente procura restringir a influência das
agências governamentais, mas não apoiar a autoridade política.

Nos anos entre a efetivação da independência americana e a adoção da


Constituição Federal, os problemas eram diferentes. A Confederação
Americana estava sob o perigo de desmoronar e sua autoridade poderia cair
nas mão de aventureiros, facções radicais ou poderes estrangeiros. Nossa
Constituição Federal, a qual o Sir Henry Maine chamou de a grande
realização política dos tempos modernos, foi estruturada visando pôr um
fim a esse perigo; e essa Constituição, com pequenas alterações, desde
então tem ajudado imensamente a conservar nossa liberdade ordenada.

O governo justo raramente é uma criação rápida de pessoas habilidosas:


pelo contrário, é a consequência de um crescimento lento, a experiência de
uma nação sob a Providência. Daí então é que o reformador vigoroso pode
acelerar esse progresso ou, se proceder mal, ferir a Constituição de uma
nação. Contudo, na maior parte das vezes, as instituições sólidas de
qualquer nação são o produto da experiência histórica. Trata-se de uma
verdade acerca dos Estados Unidos da América, embora nossa Constituição
pareça, em um primeiro momento, ter sido elaborada no espaço de alguns
meses na Filadélfia. Ora, nossa Constituição Federal, assim como as
constituições originais de nossos vários estados, foi originada sobre um
século e meio de experiência colonial e prática de governo. Por trás dela
estão mais de seiscentos anos de experiência inglesa, embora o legado todo
da civilização clássica e cristã tenha contribuído para nossas ideias de
justiça na constituição. O entendimento judaico de moralidade; a ideia
romana de lei; o conceito cristão de dignidade humana: os criadores de
nossa Constituição tinham tudo isso em mente. Homens fortes, piedosos e
práticos, muitos deles intelectuais, os Fundadores da República não
pretendiam tirar da cartola uma constituição para os EUA. Eles
simplesmente expressaram formalmente a experiência histórica e os
preceitos morais da civilização e da terra à qual pertenciam. Eles estavam
orgulhosos por criar uma nova nação, mas também foram humildes perante
a sabedoria de nossos antepassados. Na obra O Federalista, talvez a melhor
expressão do estadismo prático dos tempos modernos, Madison, Hamilton e
Jay se valeram do conteúdo da história e da experiência inglesa e colonial
para suas provas e documentos. Em sua obra Defense of the Constitutions
[Em Defesa das Constituições], John Adams revisou o curso da política a
partir dos primeiros estados gregos até o século XVIII, explicando que o
governo americano era um desenvolvimento prudente, tendo por defesa o
ensino de muitos séculos; e quando o reformador francês Condorcet louvou
os americanos por terem criado algo completamente novo sobre princípios
abstratos, Adams escreveu: ”Tolice! Tolice!”, uma vez que John Adams,
assim como a maioria dos outros Fundadores da República, sabia que o
único governo realmente justo é aquele que cresce a partir da experiência
moral e social de uma nação.

Em nossos dias, o governo britânico e o governo americano são os


exemplos mais bem-sucedidos de governo justo. O governo britânico
parece estar passando por transformações profundas e sutis, consequência
de afastar-se de toda autoridade e entregá-la nas mãos do Parlamento ou do
serviço civil. O governo americano, no entanto, apesar do aumento das
atividades federais, permanece visivelmente nos propósitos dos Pais
Fundadores: a essência de nossa Constituição tem sobrevivido às brigas
partidárias de seis gerações. No geral, temos nos abstido dos ajustes
presunçosos com uma forma de governo que funciona bem: não somos
ideólogos ou filósofos de botequim, afligidos pela desilusão de que nossa
racionalidade privada e mesquinha é superior à experiência da nação. O
apego ao nosso princípio federal (Constituição que reconcilia Estado e
direitos locais com a união em prol da segurança comum) dominou o
pensamento de nossos principais estadistas: Calhoun ou Webster, Lincoln
ou Douglas. A interpretação da Constituição, ou do ideal da política
prudente, varia amplamente; mas a afeição pelos conceitos gerais que
contextualizam nosso governo permanece constante.

Hoje, no entanto, certas mudanças sociais, econômicas e militares, e os


argumentos de uma escola de intelectuais que prefere a consolidação às
liberdades locais e individuais, desafiam todos os alicerces de nossa
estrutura constitucional. Alguns nos dizem que nossa experiência histórica é
obsoleta. O professor Hartz, de Harvard, insiste que “ao invés de recapturar
nosso passado, devemos transcendê-lo. Assim como a criança que está em
transição para a adolescência, não há como os EUA voltarem para casa”. E
o professor Hofstadter, de Columbia, nos diz que “As bases tradicionais
estão em plena transformação na sociedade corporativa e consolidada que
exige responsabilidade, coesão, centralização e planejamento
internacional”. Eles, entre outros, deixam implícito que todo o conjunto de
princípios morais, legados filosóficos e estabelecimentos constitucionais
sobre os quais nossa sociedade está alicerçada devem ser substituídos por
uma nova dominação. O conservador inteligente, no entanto, nega essas
ideias e com o professor Rossiter, de Cornell, afirma: “Os americanos
podem por fim escutar os conselhos de seus profundos filósofos e adotar
uma teoria política que dê mais atenção a grupos, classes, opiniões públicas,
poderes e elites, leis positivas, administrações públicas e outras realidades
dos EUA do século XX. No entanto, parece seguro predizer que o povo,
que ocasionalmente se mostra mais sábio do que seus filósofos, pensará
sobre a comunidade política pela perspectiva dos direitos inalienáveis, da
soberania popular, do consentimento, do constitucionalismo, da divisão e
separação dos poderes, da moralidade e do governo limitado. A teoria
política da Revolução Americana, uma teoria de liberdade ética e ordenada,
continua sendo a tradição política do povo americano”.

Aqueles que se inclinam ao último ponto de vista precisam entender


claramente o que são os princípios centrais do governo já consolidado nos
EUA. Acredito que duas ideias centrais tomaram forma em nossa estrutura
política, desde os tempos coloniais até o presente:
1. A crença de que homens e mulheres têm o direito natural de tomar
suas próprias decisões na maioria das situações da vida; assim, os
poderes do governo são devidamente definidos e delimitados. O
governo justo deve assegurar a todos os direitos individuais que
possibilitam a ordem social e civil. Quando usurpa esses direitos
individuais, o governo deixa de ser justo. Sempre haverá um debate
sobre exatamente onde os direitos individuais acabam e onde os
interesses públicos começam. O pressuposto americano é o de que o
cidadão entrega sua confiança ao Estado, isto é, à autoridade local,
estadual ou federal apenas porque tais poderes são necessários ao bem-
estar comum. A teoria americana tem sustentado que a autoridade
moral e política reside no indivíduo sob o governo de Deus, e não em
um Estado abstrato. Portanto, o povo confere ao Estado alguns poderes
porque estes são necessários à defesa comum e à conveniência, e
permanece atento ao exercício dessas forças.

2. A crença de que a nossa República deveria ser aquilo que Orestes


Brownson chamou de “democracia territorial”, isto é, uma nação
caracterizada pela concessão do poder governamental sobretudo às
autoridades locais e estaduais; o poder só é delegado ao governo
federal. Isso é democracia limitada, “filtrada”, um mundo distante do
aparelhamento e da democracia irrestrita de Rousseau e dos
revolucionários franceses. Temos sido democratas somente no sentido
de acreditar que as preocupações comuns do povo devem ser
consideradas, na maioria das situações, sob poderes locais; que as
decisões públicas devem ser tomadas pela livre vontade dos cidadãos,
encontrando-se em uma escala humana. Jamais abraçamos a teoria de
que uma democracia centralizada, sem limitações constitucionais,
possa ser um governo justo e livre. Nosso governo tem funcionado
bem porque suas políticas são planejadas e estruturadas por pequenos
grupos individuais que fazem escolhas locais e assim influenciam a
ação nacional por meio de representantes constituídos. Nosso governo
tem sido um governo justo e livre por causa de seu elaborado sistema
de freios e contrapesos, que geralmente impede maiorias intolerantes
ou minorias egoístas de impor sua vontade sobre a nação. Temos
deliberadamente nos abstido de concentrar poder na capital nacional
ou no Executivo — ainda que, a partir de uma lenta sucessão de
eventos, agora tenham se estabelecido em Washington encargos tão
pesados com os quais nem mesmo o presidente ou o congresso
consegue lidar de maneira adequada. Jamais abraçamos a ilusão de que
indivíduos ou pequenos grupos, agindo a partir de um centro político,
podem administrar de forma benéfica as preocupações e problemas de
comunidades locais e de indivíduos.

Os Estados Unidos permanecem modelo de justiça, ordem e liberdade


perante seus aliados ao redor do mundo, pois cuidam dos direitos naturais
de cada indivíduo e se preocupam com a representatividade do governo
federal (e não centralizador). Acredito que seja perigoso demais alterar os
alicerces deste edifício alicerçado tão bem. As nações são como árvores:
não devemos cortar suas raízes, embora possamos podar seus ramos.

Sinceramente, duvido que as pessoas que nos exortam a transcender


nossas tradições políticas realmente entendam as consequências de alterar
radicalmente as suposições e instituições sobre as quais um governo bem-
sucedido se fundamenta. Ao “transcender” nossas complexas tradições e
constituições, derivadas da fé cristã e da experiência social e civil da
história inglesa e americana, pessoas assim logo se encontrariam
confrontadas pela necessidade de reconhecer ou estabelecer algum conjunto
alternativo de tradições e constituições. Contudo, esses reformadores
radicais não apresentam nenhum conjunto de tradições e constituições. A
maioria deles agora rejeita o marxismo; eles têm consciência, em alguma
medida, das deficiências do racionalismo e do positivismo antigo, e ficam
um tanto envergonhados quanto ao socialismo. Eles próprios começaram
mesmo a confessar a insuficiência da doutrina progressista. No entanto,
esses mesmos radicais têm preconceitos contra nossa democracia territorial
já estabelecida. Falam sobre planejamento, centralização, unificação e com
isso querem dizer que gostariam de criar algum tipo de elite de
centralizadores e planejadores, provavelmente governada pelas vagas
aspirações do “socialismo democrático”.

A humanidade, porém, não vive ou morre pelas especulações do


“socialismo democrático”. A pessoa que respeita a experiência histórica de
seu país prefere o diabo conhecido ao diabo desconhecido. Ela não está
disposta a varrer um corpo de instituições e crenças que nos serviu bem em
troca de algum novo tipo de opiniões predominantes e leis inomináveis por
seus próprios legisladores. O sistema político americano tem preservado
diante do povo americano um alto grau de justiça, ordem e liberdade, talvez
em níveis maiores do que em qualquer outra nação, com a possível exceção
da Grã-Bretanha. Podemos julgar um governo pelos seus frutos. Nosso
sistema político tem sido evidentemente frutífero. E o reformador social
prudente, acredito eu, fará suas mudanças conforme essa tradição política,
revitalizando as antigas constituições. Não há para onde fugir, pois sua
única alternativa seria varrer todas as peças do tabuleiro. O problema é que
então ele não estaria jogando o mesmo jogo ou reformando a mesma nação.
Ele não estaria, é plausível dizer, tratando o povo como uma união de seres
humanos civilizados.
CAPÍTULO 8
O Conservador e
a Propriedade Privada

Talvez nenhum lema político simplista tenha causado tanto estrago em


nosso tempo quanto a falsa ideia de que haja um conflito entre os “direitos
humanos e os direitos à propriedade”: visão popularizada nos EUA por
Franklin Roosevelt. Todos os direitos são direitos humanos. Tanto do ponto
de vista da lei quanto do ponto de vista da ética, animais, plantas e objetos
inanimados não têm direitos. Somente homens e mulheres têm direitos. A
“propriedade” por si só não tem direitos ou privilégios, afinal não é
humana. O que se quer dizer com a expressão “direitos à propriedade” é, na
verdade, o direito que o ser humano tem de possuir ou adquirir
propriedades. Os direitos à propriedade são direitos humanos, e estão, de
fato, entre os mais importantes. Não há oposição entre os direitos humanos
e os direitos à propriedade privada. Caso surja, o conflito será entre o
direito humano de possuir e adquirir propriedades e algum outro direito
humano real ou fingido.

Nenhum princípio na política inglesa ou americana é melhor estabelecido


do que o respeito pelos direitos de ter e adquirir uma propriedade privada.
O governo representativo surgiu a partir da reivindicação feita por donos de
propriedade de que tinham o direito de serem consultados pelas autoridades
políticas caso suas propriedades viessem a ser taxadas: essa foi a origem da
representação popular na Europa, e a Câmara dos Comuns do Reino Unido
é nada mais que o melhor exemplo do desenvolvimento de tais direitos. Nos
EUA, na noite da Guerra de Independência, o principal clamor dos Patriotas
consistia em reivindicar que a propriedade deles estava sendo taxada sem
representação. Nos EUA, assim como na Inglaterra, quase todos
concordaram que homens e mulheres têm três direitos fundamentais: o
direito à vida, o direito à liberdade e o direito à propriedade privada.
Entendia-se que esses três direitos conferiam coordenação e
interdependência, uma vez que a liberdade, e até mesmo a vida, não poderia
ser assegurada a menos que a propriedade privada fosse garantida. O
esboço original da Declaração de Independência proclamava que a
humanidade havia sido imbuída naturalmente dos direitos à vida, à
liberdade e à propriedade; a expressão “busca da felicidade” substituiu a
palavra “propriedade” somente na revisão feita por Jefferson, e a intenção
era ampliar, ao invés de negar, os direitos à propriedade, estes inalienáveis.

Os direitos à propriedade privada, portanto, são direitos antigos e


essencialmente humanos. A menos que a propriedade seja garantida, não
pode haver vida civilizada; porque sem o direito de ter aquilo que a pessoa
possui e de poder aumentar seu patrimônio, não pode haver lazer, nem
melhoria material, nem cultura digna deste nome. Numa condição de
anarquia, em que a propriedade de todos está à mercê de um depredador
forte e cruel, homens e mulheres se tornam como Caim: suas mãos se
voltam contra todos e as mãos de todos se voltam contra eles. A vida
básica, e até mesmo uma forma de liberdade rudimentar, eventualmente
pode ser possível em um Estado de anarquia; mas só é possível enquanto
homens e mulheres viverem em um Estado primitivo. A existência da
propriedade, acima das posses pessoais mais básicas, é possível apenas
quando alguma forma de ordem política garante que o indivíduo conseguirá
manter aquilo que é seu. Na verdade, até mesmo os selvagens reconhecem
os direitos à propriedade, ainda que de forma rudimentar. Um dos poucos
pontos sobre o qual quase todos os teóricos políticos têm concordado, em
quase todas as épocas, é que o governo foi criado para proteger os direitos à
propriedade: Hobbes e Locke, Rousseau e John Adams estão juntos nesse
ponto.

“A propriedade é roubo”, disse o anarquista Proudhon. No entanto,


nenhum estudioso sério da sociedade concordaria com ele; e, neste ponto,
dificilmente algum radical do século XX defenderia que a propriedade
como tal é prejudicial. Os radicais não desejam abolir a propriedade; o
objetivo deles, ao invés disso, é transferir a propriedade privada de seus
proprietários para o domínio do Estado ou do coletivo. Se a propriedade não
existisse, a vida civilizada não poderia existir, e uma vez que a propriedade
existe, alguém deve possuí-la, controlá-la, protegê-la e expandi-la. O radical
diz que a propriedade deve ser possuída, controlada, protegida e aumentada
por algum corpo coletivo — nos tempos modernos, comumente pela
autoridade política central. O conservador, ao contrário, diz que a
propriedade deve ser controlada, protegida e aumentada por indivíduos e
por associações voluntárias.
No alvorecer da existência social, boa parte das propriedades era
controlada não por indivíduos, mas por comunidades; pela pequena vila,
tribo ou clã. Em algumas partes do mundo, as antigas formas coletivas de
propriedade ainda sobrevivem; e onde essas instituições primitivas ainda
subsistem, o conservador não tem o intuito de atrapalhá-las, a fim de não
romper o antigo costume de pessoas simples sem fornecer um substituto
adequado para seus usos e costumes. Mas no mundo ocidental de hoje, e na
maioria das sociedades civilizadas, a propriedade privada suplanta
proporcionalmente a propriedade coletiva conforme homens e mulheres têm
se tornado mais civilizados e as sociedades têm progredido culturalmente e
materialmente.

A propriedade privada não é um mal que aflige pessoas sofisticadas, mas,


pelo contrário, é um grande bem. Sir Henry Maine, em sua obra Village
Communities, comenta: “Ninguém tem liberdade para atacar várias
propriedades e ao mesmo tempo dizer que valoriza a civilização. A história
de ambas as coisas não pode ser desassociada”. A instituição de várias
propriedades — isto é, a propriedade privada — tem sido um dos
instrumentos mais poderosos para ensinar responsabilidade a homens e
mulheres, fornecendo motivos para a integridade, apoiando a religião e a
cultura geral, elevando a humanidade acima do mero trabalho pesado,
dando-nos a possibilidade de pensar e liberdade para agir com moderação e
prudência. Há vantagens que persuadiram homens e mulheres a
abandonarem a instituição primitiva da propriedade coletiva em favor da
instituição civilizadora da propriedade privada: ser capaz de manter os
frutos do próprio trabalho; ser capaz de testemunhar o próprio esforço
tornar-se permanente; ser capaz de legar sua propriedade para a própria
posteridade; ser capaz de se erguer da condição natural de pobreza extrema
para a segurança da realização permanente; ter algo que é de fato seu. A
existência da propriedade privada implica que alguns homens e algumas
mulheres serão mais ricos do que outros, é verdade; mas se não existisse
propriedade privada, não seríamos todos ricos: ao invés disso, seríamos
todos pobres. A manutenção coletiva da propriedade é uma marca de
sociedades pobres nas quais há pouca propriedade e pouco progresso. “A
menos que estejamos dispostos a afirmar que a civilização é um grande
erro”, Paul Elmer More escreveu, “... a menos que nosso progresso material
seja ao todo um grande erro, devemos admitir, para nossa tristeza ou para
nossa alegria, que as tentativas por parte do governo ou de instituições de
ignorar a desigualdade podem impedir o movimento de progresso ou
retroceder o mundo ao barbarismo temporário, mas certamente não serão a
causa de maior e mais ampla felicidade”.

A instituição da propriedade privada está enraizada na desigualdade; mas


os homens, embora igualmente morais, não são iguais em todos os aspectos.
Tentar torná-los iguais destruindo a posse privada prejudicaria a natureza
dos mais fortes e mais vigorosos, mas sem ajudar a natureza dos mais
fracos e menos favorecidos.

A propriedade privada, se entendida e empregada corretamente, não é a


causa do materialismo flagrante na sociedade. Muito pelo contrário: diante
do Estado moderno em que a propriedade privada (com exceções
insignificantes) foi abolida, a União Soviética é a mais materialista de todas
as sociedades que já existiu, e tem orgulho de seu materialismo. As
civilizações de notória realização espiritual e material, nos tempos antigos e
modernos, sempre foram e são marcadas por um forte apego à propriedade
privada. “A pessoa estremece de pensar sobre a mortalha desoladora de
ansiedade e fúria do materialismo destrutivo que cairia sobre a sociedade”,
More continua (e, aliás, Paul Elmer More, um dos americanos mais
verdadeiramente civilizados, era um moralista austero e um pensador
cristão devoto), “se as leis fossem alteradas com o propósito de transferir os
direitos predominantes da propriedade adquirida para o trabalho pelo qual é
conquistada. Ora, quando assegurada, a propriedade pode ser o meio para
um fim; do contrário, será um fim em si mesma”. Junto com More, o
conservador inteligente valoriza a propriedade não meramente por ela
mesma, mas muito mais por causa da cultura e da alta ordem social e civil
que a propriedade privada fomenta. A propriedade privada nunca foi tão
garantida quanto na Inglaterra Vitoriana: e, apesar de suas falhas, foi a
sociedade de maior realização moral, intelectual e material. A propriedade
privada raramente ficou mais desprotegida do que na Rússia Soviética — e
poucos serão os sãos a tentarem defender a cultura comunista hoje. O lazer,
base da cultura, floresce em uma sociedade apegada à propriedade privada,
mas é condenado em uma sociedade dedicada ao materialismo, como a dos
soviéticos. Os comunistas destroem a propriedade privada, com todos os
seus direitos e deveres, mas a substituem pela busca por materialismos mais
intensa do que o amor pela riqueza atribuído às economias “capitalistas”
(isto é, detentoras de propriedade privada).

Um dos principais argumentos dos coletivistas modernos consiste em


dizer que se a humanidade abolisse a propriedade privada, aboliria a
opressão, a desigualdade e a injustiça. Na verdade, os coletivistas defendem
que essa reforma aboliria o pecado, pressupondo-o como nascituro da posse
privada e da desigualdade econômica. Quando chegam ao poder, no
entanto, as teorias coletivistas são confrontadas com o fato desconfortável
de que nenhuma sociedade pode existir sem propriedade, e que algumas
pessoas em particular, tanto em uma sociedade livre quanto em uma
sociedade coletivista, devem governar essa propriedade e alocar sua
distribuição.

Em uma sociedade livre, essa propriedade é controlada por uma multidão


de indivíduos, e nenhum deles é poderoso o suficiente para entronizar sua
própria vontade sobre a maioria. Alguns dos que possuem propriedades são
vigorosos autodidatas; outros são bastiões de riquezas herdadas; outros são
humildes e desconhecidos proprietários de uma casa, de um pequeno
negócio e de algumas ações. Essa variedade torna a sociedade interessante,
assegura a competição benéfica e impede oligarcas miseráveis de ditar às
massas. Em uma sociedade coletivista, por outro lado, essa propriedade é
controlada por pequenos laços de gerentes, comissários, muito mais
poderosos e normalmente bem menos escrupulosos do que qualquer
empreendedor milionário. A propriedade não deixou de existir; ela só
mudou de administração, e a dominação coletivista é mais pungente e muito
mais desigual do que a antiga dominação da propriedade privada. Em
resumo, a propriedade privada é essencial à liberdade. Homens e mulheres
precisam comer; se, contudo, forem economicamente dependentes de um
único mestre, tornam-se escravos dele. Na dominação coletivista, o Estado
é o único mestre e não tolera dissidência. Em nome da igualdade, o
coletivista estabelece uma ordem política e econômica que sujeita uma
grande massa de indivíduos impotentes à vontade e ao capricho de uma
nova elite gerenciadora. Enquanto a propriedade privada sobreviver e
permanecer saudável, a dominação coletivista não conseguirá se
estabelecer. Mas quando a posse privada da propriedade é abolida, torna-se
praticamente impossível manter a menor resistência à tirania. A propriedade
privada é, em alguma medida, um fim em si mesma, mas também um meio
para a cultura e para a liberdade.

Agora, se o conservador não hesita em afirmar os direitos positivos da


propriedade privada, também não deixa de reconhecer que a propriedade
carrega consigo responsabilidades. O conservador se junta a Ruskin e
afirma: “Embora se saiba e se declare que o pobre não tem direito à
propriedade do rico, também quero que se faça conhecido e se manifeste
que o rico não tem direito à propriedade do pobre”. O conservador acredita
que cabe à consciência particular, aos tribunais e ao governo sempre vigiar
para proteger os direitos de cada pessoa e de cada classe. Não é a riqueza
por si que o conservador respeita, mas os direitos à propriedade, seja
grande, seja pequena. Boa parte da população detém posses pequenas, e
sem estas, as maiores estariam em perigo. O conservador suspeita da
consolidação econômica, do monopólio e daquilo que se pode chamar de
“coletivismo privado”. O rico tem direitos não porque é rico, mas porque é
uma pessoa, um ser humano; e ao proteger sua riqueza, todas as demais
posses menores também são protegidas.

Sim, a propriedade contém seus deveres. Na visão cristã, a propriedade é


outorgada a indivíduos para que possam servir a Deus e o próximo
dispondo a propriedade para bom uso. Homens e mulheres donos de
propriedade têm o dever moral de manifestar caridade, prudência e
simplicidade. E visto que a posse sempre encoraja nossas tendências
naturais em direção ao orgulho, à presunção, à indiferença e à indolência, os
detentores de riquezas de todas as gerações precisam ser lembrados do
dever de usar sua propriedade com generosidade e caridade. O Estado
eventualmente pode agir para restringir o rico arrogante, assim como pode
agir para refrear o pobre cobiçoso, mas é a Providência, junto com as forças
privadas, que cria a propriedade. O Estado não criou a propriedade; ao
invés disso, é seu guardião constituído. Quando o Estado abandona seu
papel de protetor e assume um papel para o qual não foi projetado — o
papel de mestre e alocador de propriedades —, então o conservador luta
para confinar a autoridade política dentro de seus limites corretos. O
Estado, o conservador pensa, deve interferir nos direitos à propriedade já
estabelecidos somente em tempos de grande emergência, e então somente
para aquilo que é um bem geral inquestionável. Ao apelar à consciência
individual e à opinião pública, e não à autoridade política, o conservador
procura lembrar ao dono de propriedade tanto seus deveres quanto seus
direitos naturais.
CAPÍTULO 9
O Conservador
e o Poder

É provável que nenhum outro aforismo político seja tão citado hoje
quanto a observação de Lord Acton, que disse: “o poder tende a corromper,
e o poder absoluto corrompe de forma absoluta”. No entanto, as barreiras
contra a concentração de poder — poder político e poder econômico — são
cada vez mais reduzidas em nosso tempo, em quase todo o mundo, com
pouco protesto efetivo. O conservador, que tem a intenção de preservar a
ordem, a justiça e a liberdade, faz o que pode para lembrar o mundo
moderno da verdade quanto à afirmação de Acton, e manter as restrições
sobre o poder arbitrário que distinguem a sociedade livre da sociedade
servil.

O protesto dos colonos resultou na Guerra de Independência dos Estados


Unidos. Eles afirmavam que o Parlamento estava usurpando para si os
poderes que até então estavam reservados às colônias. O documento O
Federalista, principal contribuição americana à literatura política, é
permeado pela convicção de que o poder deve ser restringido, limitado,
refreado, contido em equilíbrio. Em essência, a Constituição Federal é o
instrumento para restringir e equilibrar o poder político: os poderes dos
governos federais e estatais, os poderes da autoridade política e dos
cidadãos, os poderes do executivo, legislativo e judiciário. O entendimento
prático do problema de poder, manifestado por estadistas americanos como
John Adams e James Madison, deixou sua marca em nossas instituições até
hoje.

Politicamente falando, o poder é a habilidade de fazer aquilo que deseja,


independentemente da vontade das pessoas ao seu redor e do seu próximo.
É déspota o Estado no qual o indivíduo ou um pequeno grupo é capaz de
dominar sem freios as vontades de seus companheiros, não importando se é
chamado de “monárquico”, “aristocrático” ou “democrático”. A sociedade
entra em anarquia quando cada indivíduo reivindica ser o poder para si
mesmo. A anarquia nunca dura muito, sendo intolerável a todos e contrária
ao fato inescapável de que alguns são mais fortes e mais sagazes do que
outros. Na anarquia, a tirania e a oligarquia, nas quais o poder é
monopolizado por alguns, sempre desfrutam sucesso. O conservador
procura limitar e equilibrar o poder político para que a anarquia e a tirania
não consigam se erguer. Homens e mulheres, porém, em todas as eras, são
tentados a desconsiderar as limitações sobre o poder em favor de alguma
fictícia vantagem temporária. É característico do radical pensar sobre o
poder como uma força para o bem, mas só enquanto estiver em suas mãos.
Em nome da liberdade, os revolucionários franceses e russos aboliram as
antigas restrições sobre o poder. Este, contudo, jamais pode ser abolido,
pois sempre se encontra sob o controle de alguém — na França, no final do
século XVIII, e na Rússia, no começo do século XX, o poder que os
revolucionários consideravam opressivo nas mãos do antigo regime tornou-
se por vezes igualmente tirânico nas mãos dos novos mestres radicais, que
aboliram restrições ao poder que as monarquias francesa e russa jamais
haviam ousado alterar.

Em certo grau, quase todos desejam poder; e para alguns, o desejo por
poder é luxúria e presunção. Nenhuma paixão é mais poderosa do que essa.
O marxismo erra ao exagerar a importância da motivação econômica na
sociedade. De fato, a maioria dos homens e das mulheres deseja posses
materiais, porém muitos são mais afeiçoados pelo poder do que pelas
riquezas. A riqueza se mantém no centro das aquisições humanas porque
geralmente significa poder. O conservador, olhando para a natureza humana
como um misto de bem e mal, por vezes alguém capaz de elevada nobreza,
mas sempre de alguma forma defeituosa, sabe que a sede de poder entre nós
jamais será saciada. Independentemente da prosperidade ou da igualdade e
desigualdade entre homens e mulheres, todos sempre buscarão o poder. Ao
aceitar esse triste fato, o conservador procura limitar o apetite por poder por
meio da instrução ética e de boas leis.

Se a propriedade privada fosse simplesmente abolida, insistem alguns


reformadores radicais, então a humanidade seria feliz: porque a
propriedade, argumentam eles, é a raiz de todos os males. Se o privilégio
social fosse simplesmente abolido, afirmam outros reformadores radicais,
então a humanidade seria emancipada da inveja e da ambição injusta;
porque o privilégio, eles pensam, é a fonte da desumanidade para com o
próximo. Essas eram as noções que tendiam a dominar a era progressista do
século passado, e que ainda permanecem influentes, embora falaciosas. O
inescrupuloso busca a propriedade não tanto por sua essência, mas por
causa do poder que normalmente a propriedade confere. O inescrupuloso
busca o privilégio muito mais por causa do poder do que por mera
ostentação. Se elementos já característicos da civilização ocidental como a
propriedade privada, o privilégio particular e todas as velhas motivações
para a integridade e incentivos à diligência fossem abolidos amanhã, o feroz
atrito entre o homem e o seu próximo ainda persistiria. Na verdade, essa
mesma abolição provavelmente causaria ainda mais fúria, pois é quando tão
só o poder permanece como prêmio à ambição que então será desejado com
maior ardor e buscado com profunda crueldade. E, repito, ninguém jamais
conseguirá abolir o poder. Assim como a energia, o poder não se dissipa,
mas meramente muda de forma.

No terrível romance 1984, George Orwell descreve uma sociedade não


mais distante que uma geração de nossa era, na qual a única gratificação
restante para as naturezas mais fortes e mais talentosas é a posse do poder.
A religião se foi; o privilégio, no sentido antigo, se foi; a propriedade
privada se foi; o aprendizado liberal se foi; a vida familiar se foi; a arte se
foi; a filosofia se foi; o contentamento simples se foi. E, ainda assim,
permanece a feroz motivação para o sucesso, isto é, a fome de poder.
Naquela sociedade, ainda há uma sensação de prazer: a sensação de pisar
para sempre no ser humano. E os mestres daquela sociedade apreciam tanto
essa sensação que a consideram uma compensação mais do que suficiente
para tudo o que foi perdido.

Este é o triunfo do impulso diabólico, a ascendência do Orgulho, a


indulgência da vontade de dominar o próximo que o ensino cristão sempre
procurou subjugar. Mas o quadro apresentado por Orwell não é mera
fantasia. Temos visto nos últimos quarenta anos a realização desse regime
horrível em grande parte do mundo. Um membro socialista do Parlamento,
que voltou de uma visita à nação da Polônia, declarou recentemente que
havia presenciado na Polônia Soviética o cumprimento literal da fantasia de
Orwell. Todas as antigas restrições de poder foram abolidas, bem como
todas as velhas motivações para a integridade. O resultado foi uma
sociedade à parte em que o governo mais déspota do século XVIII era
superficialmente liberal. Todos os lemas humanitários dos comunistas não
tiveram peso quando colocados na balança contra o poder puro. Entre um
povo que, como os americanos, estava acostumado há muito tempo com
restrições e equilíbrios praticamente inconscientes — a ponto de quase
esquecerem que controles e restrições do tipo existem — há uma tendência
perigosa de negligenciar o grave problema do poder. Boa vontade, reformas
econômicas e lemas liberais podem remediar todas as doenças herdadas
pela carne, argumenta o doutrinador progressista; e muitos americanos,
protegidos pelos costumes nacionais e por constituições sólidas contra os
riscos mais extremos da busca por poder, aceitam esses argumentos sem
muitos questionamentos. Dessa maneira, por exemplo, nossa política
internacional tende a se degenerar em mera generosidade econômica —
apropriação após apropriação em favor da assistência material para “países
subdesenvolvidos”, ou recursos repletos de boas intenções, acompanhados
de assistência técnica, voltados aos líderes da Ásia e da África, na crença de
que se batalharem para subir ao padrão de vida americano, a desordem
interna e a hostilidade internacional abrirão caminho para uma sociedade de
bem.

Apesar disso, há casos em que a assistência material direcionada a outras


nações pode trazer benefícios consideráveis. Mas presumir que a mera
reforma econômica por si só é capaz de levar paz às nações significa
ignorar todo o velho problema relacionado ao poder. E esse problema, mais
cedo ou mais tarde, se recusará a ser ignorado. Isso acontece porque o
ganho econômico não é o maior desejo da maioria dos estadistas ou da
maioria das nações. Prestígio, glória e especialmente o poder são motivos
mais fortes. Em nações razoavelmente prósperas, sacrificar um pouco de
prosperidade em favor de grande poder parece frequentemente valer a pena:
dessa forma, Hitler com sucesso persuadiu os alemães a substituir a
manteiga por armas. Entre as nações profundamente afundadas na pobreza,
a possibilidade de verdadeira e duradoura melhoria na condição material é
tão remota que estas quase sempre abandonam prontamente essa dolorosa
batalha em favor da emocionante busca por poder.

Nesse aspecto os soviéticos se mostram mais espertos do que nós.


Porque, embora os comunistas professem o “materialismo dialético” e o
engrandecimento material das massas, na realidade os mestres da Rússia
Soviética sempre fazem um jogo cruel de poder, cujo desejo é a dominação,
e não a prosperidade universal. Eles sabem como aproveitar o antigo apetite
pelo domínio das populações. Prometemos dez vezes mais assistência
econômica aos “países subdesenvolvidos” do que os russos; entregamos
cem vezes mais do que prometemos; e ainda não temos sucesso em nossa
competição contra a trama comunista na Ásia e na África. Isso porque os
russos têm jogado o jogo do poder, enquanto temos inocentemente
praticado o materialismo que os russos pregam. E uma vez que os vigorosos
anseiam mais por poder do que por riquezas, os soviéticos têm evocado
intensas reações na natureza humana que nós, americanos, por vezes
ignoramos.

Agora, o conservador reflexivo não recomenda que modelemos nossa


conduta de acordo com as tramas soviéticas, ainda que bem-sucedidas. Ele
não acredita que o incentivo inescrupuloso da fome por poder seja uma
tática legítima de interesse nacional, mas percebe que não podemos nos dar
ao luxo de ignorar as antigas inclinações do coração humano, não obstante
na política internacional ou na política nacional. Homens e mulheres
desejam prestígio, glória, poder: muito bem, aceite o fato e tente direcionar
esse anseio para formas de justiça, de ordem e de liberdade. O poder, se
corretamente nutrido, limitado e canalizado, é o meio pelo qual se pode
alcançar todas as melhorias necessárias. Em si mesmo, o poder não é moral
ou imoral: tudo depende dos motivos pelos quais o poder é empregado e das
instituições que fiscalizam seu abuso. Tratar outras nações como se o único
desejo delas fosse material é insultá-las profundamente; e ainda que aceitem
nossa ajuda sob tais circunstâncias, estas se ofenderão com nossa
presunção, ou se valerão de nossa assistência para jogar seu próprio jogo de
poder. Contudo, quando corretamente refreado e equilibrado, o poder é
respeitado e admirado; o exercício do poder irrestrito e sem escrúpulos é
temido e invejado; mas o poder negligenciado é desprezado. Essas
considerações, acredita o conservador, deveriam influenciar nossa política
externa.

E nossa política doméstica também deveria ser governada por um


verdadeiro entendimento da natureza do poder. Homens e mulheres não são
naturalmente bons. Pelo contrário, o bem e o mal estão interligados por
natureza; e quando o bem predomina, normalmente predomina pela virtude
da imitação, do hábito e da obediência a leis justas. Se extintos os costumes,
as decências e as leis de antigamente — independentemente de quão
generosa e humanitária for a justificativa —, a frágil vantagem do bem
sobre o mal pode ser contornada e o antigo desejo por poder solto para
então colocar em prática sua antiga corrupção. As restrições constitucionais,
os direitos dos estados, o governo independente e local, os limites impostos
sobre a autoridade executiva, a interpretação rígida das leis: todos esses
instrumentos que servem para limitar e equilibrar o poder por vezes
parecem antiquados e perturbadores, particularmente em uma era de rápida
expansão econômica. O impulso do doutrinador progressista é varrer essas
barreiras para então praticar sua reforma.

A natureza humana, no entanto, também é antiquada e perturbadora; e


quando os usos e costumes das providências constitucionais que
controlaram a ordem, a justiça e a liberdade entre nós nesses três séculos
são desconsiderados, surge todo tipo de problema e discórdia, raramente
antecipado pelo doutrinador progressista. O problema de fixar a
responsabilidade na união gigante; o problema de fixar a responsabilidade
na corporação gigante; a dificuldade de reconciliar o planejamento em uma
grande escala com a falibilidade de qualquer intelecto humano — esses e
muitos outros dilemas estão bastante relacionados ao apetite humano por
poder e ao princípio conservador de que é melhor não fazer algo do que por
meios que possam colocar em perigo toda a complexa ordem social e civil.
A ordem, a justiça e a liberdade não são produtos da natureza; pelo
contrário, são artifícios humanos elaborados e desenvolvidos lenta e
dolorosamente a partir da experiência de muitas gerações. A ordem, a
justiça e a liberdade não toleram que o poder se liberte de suas antigas
algemas. Seria difícil ter uma energia tão forte que fosse capaz de
transformar o mundo em algo novo, e não a usar; mas ainda mais difícil é
restaurar o equilíbrio de influências a que damos o nome de sociedade livre.
CAPÍTULO 10
O Conservador
e a Educação

Para o conservador inteligente, o propósito da educação é claro:


desenvolver as faculdades mentais e morais do indivíduo, para o seu
próprio bem. Agora, esse processo de cultivar a mente e a consciência de
jovens (aqui falo da educação no sentido de “educação escolar”, embora
seja bem verdade que a educação autodidata deveria continuar durante a
maior parte da vida do homem ou da mulher) tem certos propósitos
menores e benefícios secundários. Um desses propósitos menores é instruir
os jovens nas crenças e costumes que possibilitam a ordem social e civil
decente. Outro desses objetivos menores é inculcar certas habilidades e
aptidões que ajudarão os mais novos quando estes se tornarem adultos.
Ainda outro é o desenvolvimento de hábitos de sociabilidade, isto é, ensinar
meninos e meninas a participar de forma natural na sociedade. E ainda há
outros propósitos e benefícios.

Apesar de tudo, os conservadores não se esquecem daquele objetivo


essencial e do principal benefício da educação formal, que é criar pessoas
inteligentes e boas. Por si mesmas, as escolas não podem criá-las. A família
e a comunidade exercem influência direta sobre as inclinações naturais ou a
falta delas nos jovens, sobre o fato de serem sábios ou tolos, bons ou maus.
As escolas, contudo, ajudam no processo. E se negligenciarem essa função
primária em favor de mecanismos vagos como “atividades em grupo”,
“desenvolvimento da personalidade”, “aprender fazendo” ou “absorver boas
maneiras em sociedade”, logo essas mesmas instituições se tornarão
ambientes prejudiciais.

O conservador sempre pensa primeiro no ser humano individual. O que é


ruim para indivíduos é ruim para a sociedade. Caso a maioria dos homens e
mulheres seja relativamente boa e inteligente, a sociedade em que vivem
não será má. Portanto — especialmente nesta hora em que Ortega y Gasset
chama de “era das massas” este tempo em que a padronização de várias
formas de coletivismo ameaçam todo o conceito de verdadeira
personalidade individual — o conservador nunca deixa de enfatizar que a
escola existe primariamente para ajudar a melhorar o entendimento e a
moral dignos de pessoas comuns. A escola não é meramente uma
instituição de custódia que mantém crianças em um cativeiro tolerável
enquanto seus pais estão ocupados em qualquer outro lugar. Tampouco é
um lugar onde jovens aprendem como ganhar dinheiro para o futuro. Nem é
a escola um simples meio de doutrinação para determinada atitude social
aprovada. Não, a escola é muito mais importante: trata-se de uma
instituição que tem por objetivo transmitir disciplinas intelectuais e morais
sólidas à nova geração. O conservador não teme o abuso da palavra
“disciplina”. Sem disciplina, homens e mulheres desperdiçam a vida em
injúrias e em ociosidade. A melhor forma de disciplina é a disciplina
própria; a autodisciplina mental e ética é o que as escolas tentam transmitir
aos alunos.

Aos olhos do radical moderno, porém, fiel a seus próprios princípios


basilares, a educação formal é algo bem diferente daquilo que o
conservador imagina. Para o radical — comunista, fascista, socialista, ou
qualquer tipo de ideólogo radical — a escola é um instrumento de poder. É
um meio de endoutrinar o jovem com o que o radical acredita ser o
conceito de boa sociedade. Na opinião do radical, a escola existe para
trabalhar em prol da “sociedade”, e não primariamente em favor do
indivíduo. E o estudioso, na opinião do radical, não deve perder seu tempo
buscando a Verdade, mas, pelo contrário, lhe cabe pregar doutrinas
socialmente aprovadas aos jovens, ou avançar a luta de classes, ou planejar
um mundo melhor. O radical pensa na escola como um meio de melhorar,
ou ao menos de mudar, a sociedade como um todo. Para o radical moderno,
a simples ideia de encorajar o desenvolvimento de talentos particulares pelo
puro caráter privado é incômoda. Ele pensa na escola como um meio de
avançar em direção a alguma forma de coletivismo. Os olhos do radical
moderno só conseguem enxergar as árvores, mas não a floresta. A pessoa
privada e seus argumentos pouco importam para ele; as massas amorfas são
tudo.

Agora, é claro que existem pessoas de visões políticas radicais entre nós
hoje que não abraçam a teoria radical da educação que descrevi acima. Mas
estes são radicais inconsistentes, bem como existem conservadores
inconsistentes. Ora, se o único objeto real da vida é o melhoramento
material das massas, hipoteticamente alcançado pela igualdade de
condições, então não há razão para encorajar o desenvolvimento da forte
opinião privada e da rígida mente individual. O coletivismo não requer
fortes personalidades e um alto nível de cultura particular, mas
conformidade inquestionável aos dogmas seculares do coletivismo. Os
educadores radicais mais consistentes e diretos, como o professor Theodore
Brameld, confessam essa verdade e nos exortam a converter as escolas em
dispositivos de propaganda para o ensino de doutrinas em que “todo mundo
pertence a todo mundo” e de que uma pessoa é tão boa quanto a outra, ou
talvez um pouco melhor. Muito francamente, autodenominam-se
Reconstrucionistas Sociais — educadores que colocariam as escolas para
construir uma nova sociedade coletivista. Educando a juventude e
implantando nas crianças suas crenças, lealdades e o apego emulado por
doutrinas coletivistas, eles pretendem romper com todas as antigas crenças
e fidelidades. Se tivessem a oportunidade, alguns deles diriam que “a
religião da democracia” deveria substituir as convicções religiosas nas quais
quase todas as escolas tiveram origem. Eles não querem intelectos
reverentes ou inquisitivos, mas mentes submissas e uniformes.

Quando teorias ruins como essas são apresentadas ao público americano


com roupagens feias, o público prontamente as rejeita. Mas o público
americano ainda não rejeitou algo mais sutil, menos distinguível e — a
longo prazo — talvez tão perigoso quanto outras teorias: as mais recentes
ideias pedagógicas de John Dewey. Embora Dewey misture bom senso e
falácias em suas teorias, as falácias tornaram-se praticamente o dogma
educacional oficial de nosso país, enquanto o bom senso ou foi esquecido,
ou perdeu seu significado por circunstâncias sociais modificadas. Dewey
queria que as escolas públicas se tornassem o meio de tornar a população
americana homogênea. Hostil à religião tradicional (embora às vezes
fizesse algum tipo de elogio), Dewey esperava que o secularismo radical e
agressivo nas escolas tomasse o lugar dos conceitos religiosos que
fundaram a moral e política americanas. Hostil às obras da imaginação mais
elevada, propôs substituir os estudos literários e as disciplinas intelectuais
que haviam dado à educação americana seu sólido caráter por metodologias
de “esforço em grupo” e “aprender fazendo”.
As teorias e a influência de Dewey não podem ser examinadas em
detalhe aqui; não faz muito, contudo, que foram criticadas com inteligência
por Canon Bernard Iddings Bell, pelo professor Arthur Bestor, pelo Sr.
Mortimer Smith, pelo Sr. Albert Lynd, pelo Dr. Gordon Keith Chalmers,
entre outros. O que desejo fazer, porém, é indicar a postura que o
conservador inteligente deve tomar diante da educação formal. O
conservador inteligente combina disposição de preservar com habilidade de
reformar. E, a bem da verdade, nossas escolas precisam de reforma o mais
rápido possível. Apesar de todo o diálogo sobre “a educação em prol da
democracia”, esses radicais parecem educar em favor da submissão em
massa — a enfadonha doutrinação secular substitui a mente inquiridora. A
República não sobreviverá com cidadãos incapazes de apreender ideias
gerais, ou mesmo indispostos à leitura e à escrita. O fracasso de nossas
escolas — e em certa medida, de nossas faculdades e universidades — nos
trouxe exatamente até essa transição. Atualmente, muitos universitários não
são capazes de escrever tão bem uma simples carta quanto um aluno do
sexto ano a teria escrito há cinquenta anos.

Assim, o conservador acredita que precisamos falar menos sobre


“dinâmicas de grupo” e “reconstrução social” em nossas escolas, e fazer
mais para restaurar as velhas e indispensáveis disciplinas como leitura,
escrita, matemática, ciências, literatura imaginativa e história. O
conservador acredita que precisamos trazer de volta disciplinas essenciais e
definitivas e abolir matérias vagas e superficiais como “estudos sociais”
(ministrado como um curso amorfo e independente) e “comunicações”. Ele
acredita que nossas faculdades e universidades poderiam se beneficiar com
a volta de um aprendizado mais humano — com as verdadeiras
Humanidades, disciplinas criadas para ensinar compreensão ética e
desenvolver a imaginação elevada. Nossas instituições de ensino precisam
se redimir do vocacionalismo excessivo, da equivocada ânsia de atrair
alunos para dar a todos um diploma, mas sem educação e com falsas
especializações.

Certa vez, Alfred North Whitehead observou que o antigo filósofo


ansiava por ensinar sabedoria, enquanto o professor moderno deseja ensinar
unicamente fatos. Fatos isolados, pensa o conservador, não constituem
educação; e sentimentos vagos, “atitudes sociais aprovadas” têm relação
ainda menor com o verdadeiro processo educacional. Afinal, a República
requer cidadania dotada do conhecimento da sabedoria de nossos ancestrais
e respeito por esse saber; a República exige uma cidadania dotada com a
habilidade de formar opiniões e fazer julgamentos. E para tornar-se
verdadeiramente humana a pessoa precisa compreender as mais puras
disciplinas da mente, pois estas fazem dela um ser racional. O sistema
“educacional” que nem mesmo isso faz não é educativo, e não passa de um
aparelho de propaganda a serviço do Estado.

Aliado aos escolásticos medievais o conservador é da opinião de que nós,


modernos, somos anões sobre os ombros de gigantes — capazes de
enxergar mais longe do que nossos antepassados somente porque nos
apoiamos no grande volume e na enorme força de suas realizações. Se
rejeitarmos a sabedoria de nossos ancestrais, cairemos no fosso da
ignorância. Qualquer um que seja ignorante das antigas disciplinas que
ainda incluem princípios éticos e encorajam a imaginação ordenada afunda
em declínio cultural e permanece desprotegido dos sagazes ataques em
bando dos manipuladores inescrupulosos.

Entretanto, apesar de todas essas falhas na educação americana do século


XX, o conservador sabe que nosso sistema ainda carrega alguns méritos
consideráveis. Com notável presença entre essas virtudes estão a
diversidade e a competição que ainda sobrevivem entre nossas instituições
educacionais. Não temos apenas escolas públicas, mas um grande número
de escolas privadas e de escolas apoiadas por igrejas — e os conservadores
aprovam essa saudável variedade. Discípulos de Dewey, como o Dr. James
Conant, nos encorajam a eliminar qualquer instituto educacional privado ou
paroquial e forçar toda a população a um modelo comum de escolarização,
completamente secularizado e com a intenção de “ensinar democracia”.

O conservador se opõe a essas propostas arrogantes. Ao contrário, pensa


que somos privilegiados por escapar da influência mortificante da
uniformidade no processo educacional. O conservador se alegra com o fato
de não termos só universidades públicas, mas também universidades
particulares já há muito fundadas e dotadas de boa reputação, centenas de
faculdades patrocinadas por igrejas, oportunidade para experimentos e
liberdade de escolha entre professores e alunos. Se deseja vitalidade
intelectual e originalidade, a nação deve encorajar essa diversidade; se
quiser permanecer estagnada e moldada pelo secularismo, no entanto, a
nação abraçará o design uniformizador de Dewey e Conant.

Toda centralização é suspeita aos olhos do conservador; e a centralização


da estrutura educacional é uma das formas mais perigosas de centralização.
É com hostilidade ferrenha, então, que o conservador vê propostas de
subvenções federais às escolas públicas. O conservador sabe que quem paga
o violinista é quem dita o tom; e, além disso, a educação é mais robusta
quando apoiada pelo esforço local. A única informação de fato valiosa
extraída da Conferência de Educação da Casa Branca, em 1955, foi a
conclusão de que nenhum estado da União era capaz de assumir suas
próprias responsabilidades educacionais. Cidadãos comuns, comunidades
locais e os vários estados, o conservador sabe, são os melhores juízes das
necessidades e dos interesses educacionais de sua região. Quando
confrontado com propostas de consolidação e unificação, o conservador é
sensato e logo suspeita que nas entrelinhas dessas ofertas está o “Grande
Design” de alguém para empregar a escola como ferramenta a fim de virar a
sociedade do avesso. Mas o conservador não quer virar a sociedade do
avesso. Ele acredita que abusar das escolas com esse propósito é o mesmo
que corromper a educação, cuja função natural é conservadora, no melhor
sentido da palavra: isto é, a educação formal conserva o melhor do que foi
ensinado e escrito e descoberto no passado, e por meio de uma disciplina
regular nos ensina a nos guiarmos pela luz da sabedoria de nossos
antepassados.

Um amigo escocês me escreveu sobre as noções confusas que


amaldiçoam a nossa era: “As pessoas parecem aceitar premissas que foram
rejeitadas pelos sábios ao longo de todas as eras, e há um horrendo e
sinistro estrondo no ar como de incontáveis cavalos no topo do penhasco
em Gadara”. Todos os bons lugares e pessoas de bem estão sendo
sacrificados, prossegue ele, “não debaixo de uma malignidade franca, mas
sob uma hipocrisia insuportavelmente enganosa”. A hipocrisia
insuportavelmente enganosa caracteriza muito do que ocorre com a
educação entre nós nos dias atuais. A reforma conservadora precisa
urgentemente retornar aos pensamentos ordenados e corretos, e restaurar
disciplinas honráveis na educação. E o primeiro passo nessa reforma é
reconhecer o princípio basilar de que a educação é destinada para a
elevação da mente e a consciência individual. O propósito da educação não
é ser um brinquedo nas mãos dos doutrinadores radicais, muito menos uma
grande farsa que proporcione lucro e prestígio ao que o Sr. David Riesman
chama de “a rede de patrocínio do Teachers College da Universidade
Columbia”. O conservador respeita as obras do intelecto; já o radical de
nossa era parece estar presunçosamente satisfeito com a hipocrisia e com a
propaganda.
CAPÍTULO 11
Permanência
e Mudança

A definição mais viva para conservador é a de Ambrose Bierce,


encontrada em sua obra Dicionário do Diabo: “Conservador: substantivo.
Estadista enamorado com males existentes, distinto do progressista, que
deseja substituí-lo por outros do seu próprio pensamento”. O conservador
verdadeiramente representa o sentimento de simpatia pelo passado, forças
de permanência na sociedade; o progressista representa o sentimento de
glória no futuro, forças de mudança na sociedade. Uma vez que é o
progressista que deseja a mudança radical da ordem existente, naturalmente
é mais ativo do que o conservador. Naturalmente é o progressista que
escreve panfletos polêmicos e organiza movimentos de massas; o
conservador, ao menos quando motivado por medo de mudanças radicais ou
alarmado pela decadência de sua sociedade, tende a confiar nas forças
poderosas e estáveis do costume e do hábito. É essa tendência que deu a
John Stuart Mill a justificativa para chamar os conservadores de “o partido
estúpido”. Logo, Lord Silverbridge, no romance de Trollope, The Duke’s
Children, diz a seu pai, o Duque de Omnium, a título de desculpa por ter
aderido ao Partido Conservador: “Se comparado a outros homens, sei que
sou um tolo. Talvez seja por saber disso que sou conservador. Os radicais
sempre dizem que para ser conservador a pessoa precisa ser tola. Então o
tolo deve ser conservador”. Porém, quando o conservador inteligente é
levado a sério em seus pensamentos e ações, com frequência consegue se
mover com poder surpreendente contra seus adversários radicais e
progressistas. Cícero durante a dissolução da República Romana, Falkland
nas Guerras Civis Inglesas, Burke na era da Revolução Francesa e John
Adams nos primeiros anos de nossa República são exemplos deste poder. E
hoje atuam com esse mesmo propósito os conservadores americanos que
acordaram para a terrível ameaça do Estado totalitário.

Existem conservadores estúpidos, assim como existem progressistas e


radicais estúpidos; mas de fato os conservadores não formam o “partido
estúpido”. Dizem que “conservadorismo é diversão”. O conservador
acredita que a vida, apesar de todas as suas aflições, é boa; e acredita que a
sociedade americana, apesar de todos os seus defeitos, é sólida em seu
âmago. Portanto, ao desfrutar a vida e nossas antigas instituições, o
conservador não partilha do frenético desejo radical de reinventar a roda.
Ele não acredita que o nosso seja o pior dos mundos, nem que haverá um
mundo perfeito na Terra. Os conservadores formam o partido estúpido
somente no sentido de que radicais são o partido neurótico: isto é, se alguns
conservadores são enfadonhos e complacentes, alguns radicais, pelo
contrário, são meramente histéricos e descontentes — Os homens que
foram a Davi na Caverna de Adulão. “Naturalmente”, o falecido professor
F. J. C. Hearnshaw certa vez escreveu, “para o conservador é suficiente que
ele apenas se sente e pense, ou talvez simplesmente se sente”.

Burke comparava o conservador inglês de sua época ao vasto gado


pastando sob os carvalhos ingleses, silencioso e aparentemente estúpido
quando comparado com a miríade de gafanhotos radicais gorjeando nos
prados ao redor deles; mas quando a verdadeira força é colocada à prova,
acrescentava ele, os gafanhotos são como nada se comparados ao gado
conservador. A realidade permanece a mesma. Um grande número de
conservadores agora percebe que não será suficiente meramente sentar-se;
eles também precisam pensar e agir. E, acredito eu, esses mesmos
conservadores podem agir com propósito.

O fator estupidez é uma das principais acusações contra os conservadores


— embora normalmente se queira dizer com isso que os conservadores não
acreditam que esquemas abstratos de leis positivas e encontros em massa
possam tornar nosso mundo um paraíso. Outra acusação frequente contra os
conservadores é taxá-los de opositores do Progresso. E essa acusação tem
tanto fundamento quanto a primeira: isto é, há certa justificativa, embora
superficial; mas quando os verdadeiros princípios primordiais do
conservadorismo são examinados, chega-se à conclusão de que o
conservador inteligente é grosseira e erroneamente interpretado por seus
críticos radicais.

O conservador não se opõe ao progresso por pura e simplesmente se


opor, apesar de duvidar muito de que exista força tal como um Progresso
místico, com P maiúsculo e redondo, operando no mundo. Geralmente,
quando a sociedade progride em alguns aspectos, cai em outros. O
conservador sabe que qualquer sociedade saudável contém dois elementos,
o que Coleridge chamou de Permanência e sua Progressão.

A Permanência em uma sociedade é formada por aqueles valores e


interesses duradouros que nos dão estabilidade e continuidade; sem
Permanência, as fontes do grande abismo são rompidas, e a sociedade cai
em anarquia. A Progressão em uma sociedade é o espírito e o corpo de
talentos que nos instam à reforma prudente e melhora; sem essa Progressão,
com o povo estagnado, a sociedade cai na letargia egípcia ou peruana.
Portanto, o conservador inteligente se esforça para reconciliar as
reivindicações de Permanência e as reivindicações de Progressão. Ele
acredita que o progressista e o radical, cegos às reivindicações justas de
Permanência, colocam em perigo toda a grande herança legada por nossos
ancestrais em uma tentativa precipitada de nos conceder um futuro
duvidoso de suposta felicidade universal. Em suma, o conservador é a favor
do progresso racional e moderado; ele se opõe ao culto do Progresso, que
presume que qualquer coisa nova seja necessariamente melhor do que tudo
que é antigo.

O conservador pensa que a mudança é essencial para uma boa sociedade.


Assim como o corpo humano repõe tecidos velhos por outros novos, o
corpo político deve descartar, de tempos em tempos, algumas de suas velhas
práticas e assumir determinadas inovações benéficas. O corpo que parou de
se renovar começou a morrer. Mas para o corpo ser saudável, a mudança
deve ser contínua e harmoniosa com a forma e natureza do corpo; ao
contrário, a mudança produz um inchaço monstruoso, um câncer que
devora seu hospedeiro. O conservador cuida para que nada na sociedade
seja completamente antigo, mas também nada absolutamente novo. Esse é o
meio de conservar nossa sociedade, assim como é o meio de conservação
do nosso corpo físico.

No entanto, quanto à mudança e sua natureza que a sociedade requer,


depende do espírito da época e das condições peculiares dos meios sociais
abordados. Uma das falhas mais habituais do radical é defender de imediato
mudanças perigosas no exato momento em que a mudança gradativa e
moderada já começou. Assim foi na Revolução Francesa: como Tocqueville
escreveu para a sua nação, “No meio da escadaria, nos lançamos da janela
para chegarmos ao chão mais depressa”. O conservador considera perigosa
qualquer mudança que signifique uma ruptura abrupta com os interesses e
usos já estabelecidos. No entanto, ele também defende que, se sua
existência for inevitável, essa mudança precisa alcançar benefícios reais e
deve resultar do esforço voluntário de muitos indivíduos e associações, e
não imposta pela presunção de alguma autoridade centralizadora. Os
Estados Unidos mudaram grandemente desde a fundação da República:
algumas dessas mudanças serviram para o bem e outras para o mal. Mas um
dos principais méritos do nosso país é o de não amarmos a mudança pelo
simples fato de mudar. Nossa prosperidade e tranquilidade são o resultado
proporcional ao fato de que sempre tentamos conciliar o melhor da antiga
ordem com as melhorias propostas por nossa inventividade. Nossa mudança
tem sido operada pelo trabalho não do Grande Design de alguém, mas pelos
esforços independentes de muitos homens e mulheres trabalhando de forma
prudente.

O conservador, porém, sabe que certas realidades importantíssimas são


imutáveis, e afirma que é perigoso demais mexer com aquilo que
provavelmente não pode ser melhorado. Grosso modo, ele não acredita que
possamos mudar a natureza humana para melhor; há um só tipo de melhora
na natureza humana, e esta é a melhoria interna — homens e mulheres se
aprimorando na esfera particular. O conservador não crê que possamos
melhorar os Dez Mandamentos como um guia para a virtude, nem que
sejamos capazes de criar a partir do nada uma forma de governo mais
adequada ao nosso temperamento nacional. Em suma, o conservador
acredita que as grandes descobertas na moral e na política já foram feitas;
faremos bem em aplicar essas verdades, ao invés de buscarmos vagamente
por uma nova dispensação. O conservador concorda com Burke, que há
mais de um século e meio respondeu àqueles que no século XVIII
defendiam uma nova moralidade e uma nova política: “Sabemos que não há
novas descobertas, e cremos que nenhuma descoberta deve ser feita na
moralidade, nem nos grandes princípios de governo, nem nas ideias de
liberdade, compreendidas bem antes de nascermos e assim continuarão a
existir depois que o túmulo tiver selado nossa presunção e a sepultura
silenciosa houver imposto sua lei sobre nossa petulante loquacidade”.
Se tivermos de escolher entre os dois, a Permanência é mais importante
do que a Progressão. Entre uma instituição tradicional e já conhecida por
funcionar razoavelmente bem e uma instituição personalizada e de
qualidades desconhecidas, é mais sábio preferir a antiga e já testada à nova
e não testada. Randolph de Roanoke bradou diante de uma Câmara dos
Representantes assustada: “Senhores, encontrei a pedra filosofal! Eis no que
consiste: jamais, não sem o maior acinte, perturbar algo que esteja em
repouso”. O elaborado tecido que convém chamarmos de ordem social e
civil — o complexo de hábitos morais, estabelecimentos políticos, direito
consuetudinário e meios econômicos — foi erigido ao longo de muitos
séculos por um processo doloroso e trabalhoso de tentativa e erro. É o
resultado dos filtros de sabedoria, “da democracia dos mortos”, das
opiniões ponderadas e da experiência de muitas gerações colocada na
balança. Se abolirmos esse edifício, dificilmente conseguiremos reconstruí-
lo. A ordem estabelecida que temos funciona; não temos certeza de que
uma nova ordem, tratada apenas na imaginação, funcionaria. E não temos o
direito de usar a sociedade como se fosse um brinquedo; o direito de
milhões de viventes e de milhões que ainda nascerão está em jogo aqui.
Então, repito, quando a escolha a ser feita se mostra clara, é sábio preferir a
Permanência à Progressão.

Mas geralmente não é necessário fazer essa escolha. Por vezes temos em
mãos o poder de combinar progressão moderada e mensurada com as
vantagens presentes na sociedade estabelecida. O conservador prudente não
se esquece do dever de unir-se à disposição de preservar a habilidade de
reformar. O caráter conservador americano permitiu que crescêssemos de
alguns milhões de pessoas em colônias na Costa Atlântica para uma grande
nação de 180 milhões de habitantes, que se estende do Ártico ao Caribe e
das bases na África às bases na Coreia. Trata-se de progresso genuíno, mas
dentro dos moldes da tradição. Ao realizar esse progresso, temos
preservado a moral e as instituições sociais com as quais nossa República
começou de maneira quase intacta. Esse é o ideal conservador da relação
satisfatória entre permanência e mudança. Os grandes princípios perduram;
é apenas sua aplicação que se altera.

Canon Bernard Iddings Bell, uma geração atrás — quando quase todos
que queriam ser à la mode se autodenominavam progressistas — estabelece
uma descrição precisa e impiedosa do progressismo moderno que conheço:

Para ser breve, o progressista é alguém que acredita que o ser humano é bom e confiável por
natureza, e que tem certeza de que tudo vai melhorar pela mera passagem do tempo, basta
livrarmos nossa vida dos tristes desajustes sociais provocados por antigas perversidades que, é
claro, não existem mais. Evidentemente, o progressista é aquele que pode libertar a mente
humana das inibições da religião sobrenatural. O progressista acredita que o homem é um
sujeito nobre sem alma e como tal certamente reterá para si as mais sublimes criações da
cultura como uma espécie de subproduto do autointeresse esclarecido, ou, como diria o
grosseiro, do fato de “ficar com um olho no peixe e outro no gato”. Na educação, o
progressista olha com admiração “o bebê humano intocado” e procura instruí-lo não com as
disciplinas necessárias, mas sim deixando-o fazer o que quiser. Na política, acredita que terá o
maior bem social possível se der seu voto de confiança a todos e sempre direcionar as políticas
públicas de acordo com essa confiança.

Já basta do progressista. O conservador é um ser muito diferente. O


conservador sabe que não nasceu ontem. Ele está ciente de que todos os
benefícios de nossa complexa civilização são o resultado do frágil engenho
de muitas gerações, criação de esforços, esmeros e sacrifícios. Não é “por
mero lapso de tempo” que tudo fica cada vez melhor; quando as coisas
melhoram, é porque homens e mulheres conscienciosos, trabalhando dentro
da estrutura da tradição, têm lutado bravamente contra o mal e a preguiça.
O progresso, embora muito raro na História, é real, mas é obra do artifício,
da engenhosidade e da prudência humana, e não um maquinário
automático. E o progresso só é possível se finalmente empreendido em
bases seguras de permanência.
CAPÍTULO 12
O que é a
República?

A palavra “república” significa elementos públicos, a comunidade, o


bem-estar geral em moldes políticos. A ideia de República se encontra no
coração do pensamento conservador americano. Não mais conhecemos a
monarquia desde 1776, e sempre suspeitamos da “democracia pura” — isto
é, do governo das massas, sem defesas constitucionais, sem proteção para
as minorias e sem instituições representativas. Como Calhoun disse, nosso
governo é, obviamente, uma República, uma democracia constitucional,
contrária à democracia absoluta; e […] a teoria que a considera um governo
da mera maioria numérica baseia-se em um equívoco grosseiro e
infundado”.

O objetivo do Estado coletivista é abolir as classes, as associações


voluntárias e os direitos individuais, engolindo todos no borrão sem forma
da “vontade geral” e da absoluta igualdade de condições — a igualdade,
isto é, de todos, exceto do conluio que regulamenta o Estado. O objetivo da
República, ao contrário, tem sido reconciliar classes, proteger associações
voluntárias e nutrir direitos individuais. Não reconhecemos qualquer
“vontade geral”, mas apenas a vontade de cidadãos privados e grupos
legítimos. Não buscamos igualdade de condição, mas apenas igualdade de
direitos legais — o princípio clássico de justiça, de que “cada um recebe o
que lhe cabe por direito”.

Para os americanos, a boa comunidade significa o estado em que homens


e mulheres podem seguir seu próprio caminho, sujeitos apenas aos ditames
da moralidade e das regulamentações necessárias para a administração da
justiça. Reservamos aos indivíduos um vasto corpo de direitos, conferimos
aos governos locais e estaduais os poderes necessários para a manutenção
da ordem e para o cumprimento de deveres que nenhum indivíduo ou
associação voluntária pode realizar, delegamos ao nosso governo federal
não mais que alguns poderes explícitos, que tratam de questões além da
competência geral dos estados. E embora esse arranjo original de direitos e
poderes tenha sido alterado em certa medida desde a fundação da nossa
República, em geral, essas teorias de direito e responsabilidade ainda
prevalecem entre nós, e continuamos a acreditar que a República justa é
uma comunidade na qual todo o possível é deixado nas mãos da
administração privada e local; e na qual o Estado, longe de destruir classes
e associações voluntárias e direitos individuais, as protege e as respeita.

A maioria de nós nunca caiu no erro de acreditar que “comunidade”


significa “coletivismo”. Pode-se dizer que nossa liberdade e prosperidade
compartilhadas têm sido nutridas por uma salutar negligência da noção de
soberania central absoluta. Essa casta conservadora original de nossas
políticas não partiu de nós. Não fomos encantados pela falácia de que a
vontade do povo é a vontade de Deus: para nós, pelo contrário, a República
de sucesso é marcada pela sólida segurança contra a vontade e contra o
apetite de maiorias temporárias e irracionais.

Em suma, nossa República é um complexo de liberdades individuais e


locais. Seu grande mérito não tem sido a igualdade, mas a liberdade. Ainda
assim, há sinais de que a afeição pública por essa República e o ato de
compreendê-la estão diminuindo em nossos dias. Por vezes parece que nos
aproximamos da condição em que Cícero encontrou a República Romana
em sua época. Ele descreveu aquela decadente comunidade em seu tratado
intitulado A República:

Muito antes da nossa própria era, os costumes de nossos ancestrais moldaram homens
admiráveis, e por sua vez estes eminentes defenderam os meios e as instituições de seus
antecessores. Entretanto, nossa época herdou a República como uma bela pintura de dias já
passados, cujas cores já desbotam com a idade; e nossa geração não só se negou a restaurar as
cores da pintura, mas também não preservou sua forma e seus elementos. Para o que nos
servem, hoje, os caminhos antigos nos quais a comunidade, eles perguntam, foi fundada? Nós
os vemos tão perdidos no esquecimento que não são meramente figuras negligenciadas, mas
esquecidas. E o que tenho a dizer sobre os homens? Nossos costumes pereceram por falta de
homens que se levantassem em sua defesa, e agora somos chamados a prestar contas, para que
sejamos acusados de crimes capitais, compelidos a defender nossa própria causa. Com nossos
vícios, ao invés de sorte, retemos a palavra “república” muito depois de termos perdido a
realidade.

Para que nós, americanos, também não retenhamos apenas a palavra


“república”, mas não a realidade, precisamos realizar o dever conservador
de restaurar em nossa geração a compreensão de liberdade e ordem que tem
expressado e encorajado nosso teor nacional. Esse é um dos principais
objetivos deste pequeno livro.

Hoje, quando muitos usam a palavra “liberdade”, usam-na no sentido dos


revolucionários franceses: liberdade da tradição, de instituições sociais
estabelecidas, de crenças religiosas, de responsabilidades e deveres
inalienáveis. Mas não era nesse sentido que os Fundadores da nossa
República compreendiam a liberdade. Para eles, a liberdade e a ordem não
eram opostas; ao contrário, eles sabiam que não se pode ter liberdade
duradoura sem ordem, e que não pode haver nenhuma ordem justa sem um
alto nível de liberdade individual. É essa compreensão de liberdade que
devemos restaurar, se desejamos que nossa República dure.

O conservador se esforça para preservar elementos antigos e grandiosos.


Ele se esforça por preservar as tradições religiosas e morais que nos elevam
acima das bestas. O conservador se esforça por preservar o legado da
civilização ocidental, a sabedoria dos nossos antepassados, que nos fazem
mais do que bárbaros. E ele se esforça para preservar a ordem social civil,
política e econômica que foi desenvolvida por meio da experiência e da
tentativa de muitas gerações, e que nos confere uma medida tolerável de
justiça, ordem e liberdade. No presente século, o conservador é
particularmente zeloso em preservar a liberdade. Não nos expomos nem à
carestia nem à anarquia. Estamos, contudo, em perigo quase iminente de
perder as liberdades que nos tornam verdadeiramente humanos. Portanto, o
conservador moderno tende a enfatizar as reivindicações de liberdade, ainda
que em outra época precisasse enfatizar as reivindicações de caridade e
responsabilidade. E, caso se mantenha fiel aos seus próprios princípios, o
conservador não se esquece de que a liberdade sempre está unida à
responsabilidade.

Nos capítulos anteriores, falei o mínimo sobre economia política,


sobretudo porque creio que a economia tem sido enfatizada demais em
nossa geração. Não acredito que a grande disputa no mundo moderno seja
simplesmente entre duas teorias econômicas, o “socialismo” e o
“capitalismo”, como Bernard Shaw tentou convencer as mulheres na
geração passada. Não, mas creio que a verdadeira luta seja entre a
sociedade tradicional, com sua herança religiosa, moral e política, e o
coletivismo (representado por qualquer outro nome) com sua paixão por
reduzir a humanidade a uma mera massa amorfa de produtores e
consumidores idênticos. Em resumo, embora haja muito mais envolvido
nessa luta do que meras questões de lucro, salários e gestão, hoje somos
ameaçados por um coletivismo econômico, o qual, se triunfar entre nós,
dará fim não apenas a uma economia livre, mas a todo tipo de liberdade.
Portanto, acredito que valha a pena escrever um pouco sobre as
necessidades de liberdade econômica.

Sem liberdade econômica, torna-se inviável manter qualquer outra esfera


de liberdade. A República é mais importante do que qualquer sistema
econômico especial, e ainda assim a perdurará sem uma economia
substancialmente livre. Existem duas principais razões por que — dadas as
condições atuais dos EUA e nossas instituições políticas — a liberdade
econômica é essencial à preservação da liberdade em geral: para a liberdade
intelectual, para as liberdades civis, para o governo representativo, para a
liberdade de caráter privado. Em primeiro lugar, é porque homens e
mulheres só podem desfrutar liberdades externas se não estiverem sujeitos a
nenhum mestre único e absoluto de sua subsistência. A segunda é que a
integridade comum exige recompensas comuns, e isso falta na economia
coletivista (chamada de “capitalista” ou “consumista” ou “socialista”, ou o
que for), ou seja, faltam as velhas motivações para a integridade, as antigas
razões para uma conduta responsável.

Antes de tudo, algumas palavras sobre a primeira motivação. Homens e


mulheres precisam comer. Se dependentes de um poder solitário ou de um
único indivíduo para sua subsistência, significa que são escravos. Esses
homens e essas mulheres só poderão atuar na esfera prática se debaixo da
influência desse mestre. Se o mestre é o Estado, não há alternativa:
precisarão obedecer, ou viverão de vento. E o Estado, por sua
impessoalidade, é um mestre muito mais severo, mais desprovido de
caridade e generosidade do que qualquer senhor feudal.

Dizer que o Estado “democrático” não priva liberdades é brincar com as


palavras. O Estado democrático, assim como qualquer outra estrutura, é
gerido por indivíduos, com as mesmas falhas herdadas por toda a
humanidade, especialmente a tendência de se perder por poder.
Supor que o Estado em massa sempre será justo e generoso com seus
escravos é supor que talvez exista, em todos os níveis, uma classe de reis-
filósofos superior à fragilidade humana, purgada da luxúria, da inveja e da
ambição mesquinha. Mas nos EUA de hoje não temos tal classe; na
verdade, por vezes parece que nossa sociedade faz o que pode para abolir
esse sentido de responsabilidade herdada e de grande honra que compensa a
sociedade patriarcal ou feudal por sua falta de liberdade individual. É mais
provável que, como sugere George Santayana, seríamos súditos de uma
série de oligarcas esquálidos, desprovidos de um grande senso de
responsabilidade. A República teria perecido.

Agora, algumas palavras sobre a segunda razão. A maioria das pessoas


não age, e não pode agir, em consideração ao bem-estar geral. Em qualquer
economia, nossa natureza indolente e orgulhosa exige incentivos. Alguns
sempre agirão por altruísmo, mas não serão numerosos o suficiente para
sustentar a economia moderna, uma vez que os antigos incentivos de
avanço, ganho e aquisição de propriedade foram subtraídos. Essa triste
verdade brilhou sobre a mente dos socialistas mais sérios na Inglaterra,
desanimados com as falhas de sua própria criação, levando-os a diálogos
sinistros sobre “novos incentivos” — recompensas e punições.

Para que haja a preservação de qualquer tipo de liberdade, a economia


deve ser consideravelmente livre. Repito que muitas discussões populares
sobre questões econômicas são obsoletas, pois, especialmente nos EUA,
fundamentam-se no pressuposto de que ainda vivemos nas condições do
século XIX, caracterizado pela pressão popular sobre o suprimento
alimentício. Mas os problemas reais do século XX são diferentes das
dificuldades do século XIX, sobretudo na esfera econômica e em alguns
pontos mais difíceis de abordar. O dever conservador é reconciliar a
liberdade individual com as reivindicações da tecnologia moderna e tentar
humanizar uma era em que o consumismo consome o consumidor.

O triunfo da tecnologia, embora tenha resolvido problemas materiais na


presente era americana, criou novos problemas. Mas não precisamos
continuar marchando, como se impulsionados por algum destino inevitável,
em direção a uma completa coletivização da vida econômica, o ideal
socialista do século XIX, já desmascarado. Não podemos mais nos dar ao
luxo de nos curvar diante da ideologia. Pensar é um processo doloroso, mas
somente por meio do pensamento a ideologia pode ser controlada; nenhum
ideólogo jamais foi derrotado em seu próprio terreno, exceto por outro
ideólogo. É vão apelar para uma “liberdade” teórica do século XIX. E ainda
pior é supor que por simplesmente repetir as palavras “liberdade”,
“democracia” e “progresso”, consegue-se reconciliar um sistema de
consolidação econômica impessoal com as antigas liberdades pessoais de
nossa civilização. Aquele que Sidney Hook chama de “liberal ritualista”
parece pensar que tudo o que temos de fazer para manter nossa liberdade é
continuar reclamando e ignorar que estamos perdendo nossa liberdade. No
entanto, muitos desses mesmos liberais ritualistas aplaudem os próprios
processos econômicos e sociais que estão reduzindo o domínio da
liberdade. Espero que os conservadores façam mais do que isso.

Não podemos simplesmente nos entregar à corrente dos eventos,


aplicando a solução pragmática de analisar cada caso a partir de méritos
passageiros. As políticas atuais tendem diretamente ao estabelecimento de
um coletivismo econômico, sob um nome ou outro, hostil à República.
Certas medidas de tributação, por exemplo, mais notórias na Grã-Bretanha,
mas diferindo apenas em grau nos EUA, operam para destruir a empresa
privada na antiga acepção do termo, para abolir a herança de propriedade e
o senso de responsabilidade que a acompanha, a fim de substituir em longo
prazo a compulsão estatal pelas antigas motivações a favor da integridade.

Parece haver pouca reflexão de peso sobre as consequências de manter


impostos sobre heranças em sua taxa atual. No entanto, agora constituem
confisco e são um imposto sobre o capital, e não uma contribuição
voluntária da renda para a manutenção da República. Uma sociedade tão
rica como a nossa pode se permitir tolerar homens e mulheres ricos — e
pode se dar ao luxo de encorajar, de fato, o legado e a herança de grandes
propriedades. Nenhuma instituição social faz mais para desenvolver uma
liderança decente e um senso de responsabilidade do que a herança de
grandes propriedades e dos deveres que as acompanham.

Tocqueville, observando há 125 anos a hostilidade americana em relação


à riqueza herdada, observou que grandes fortunas conferem benefícios de
muitos tipos a toda a sociedade — na liderança, no incentivo às Artes, no
apoio às Letras, na criação de novos empreendimentos —, enquanto uma
infinidade de competências mesquinhas, dos farrapos às riquezas e de volta
aos farrapos em uma única geração, encoraja apenas a arrogância e o gasto
de riquezas em ostentações evanescentes e confortos carnais. Não estou
sugerindo que o remédio para todos os nossos males esteja na revogação do
imposto sobre heranças. Apenas afirmo que precisamos repensar sobre
problemas dessa natureza e libertar nossa mente dos lemas ideológicos.

Uma vez que a riqueza herdada vem acompanhada de responsabilidades


para com a comunidade, o mesmo acontece com as velhas disciplinas de
poupança e economia, aprimoramento pessoal e propriedade privada.
Alguns dos americanos mais inteligentes, em todas as classes e ocupações,
agora estão cientes da ameaça que representa a irresponsabilidade na vida
econômica, que logo se comunica com a vida política: a irresponsabilidade
dos gerentes de grandes corporações, a irresponsabilidade dos funcionários
públicos detentores de breve autoridade sobre a qual há pouca restrição, a
irresponsabilidade de sindicalistas que ascendem a posições elevadas
sobretudo mediante as artes da demagogia.

A República não dura para sempre com o capital moral e social de seus
antecessores. O senso de responsabilidade é produzido por lições severas,
pelo risco individual e pela responsabilidade privada, pela educação
humanizadora, por princípios religiosos, por direitos e deveres herdados. A
República cujos líderes são como moscas de verão não pode esperar obter
integridade diante do povo, uma vez privada das antigas motivações para a
integridade. Essa mesma instituição republicana se voltará em desespero ao
administrador-herói, à figura nebulosa em algum lugar no cume — e, no
final, o mesmo administrador-herói não estará mais lá, e não mais será
encontrado.

Não só o processo de consolidação econômica e o funcionamento do


direito positivo que diminuem o sentido de responsabilidade pela guarda da
liberdade ordenada na República. Outras medidas, mais tecnológicas do que
diretamente políticas, operam para fazer do homem um servidor-máquina,
com muita ociosidade, mas pouco lazer verdadeiro, livre no sentido de que
ninguém o oprime diretamente, mas servil no sentido de que foi privado dos
velhos interesses e esperanças da vida — falhando em se desenvolver,
permanece perpétua criança. No equilíbrio atual dos Estados Unidos da
América pode parecer que proporcionamos às massas uma grande medida
de prosperidade econômica, mas sob quase nenhum custo de liberdade.
Penso, porém, no que esta República e todo o mundo se transformarão
daqui a cinquenta anos.

Não sendo debatedores de quinta série, os conservadores não apresentam


soluções fáceis e simplistas para todos esses descontentamentos. O
conservador apenas afirma que o primeiro passo para curar uma doença é
diagnosticá-la corretamente. Proponho que de nenhuma outra forma
encontraremos a felicidade pessoal senão mediante o esforço, e digo que o
trabalho servil, embora economicamente lucrativo, é inconciliável com a
liberdade social. Junto de John Henry Newman, em sua resposta a Sir
Robert Peel há mais de um século, não ofereço nenhuma nova ideologia,
mas apelo para os princípios da moral e da política já conhecidos da
humanidade há muito tempo. “Não estou propondo medidas, mas expondo
uma falácia e resistindo a um fingimento. Que reine o benthamismo, se os
homens não tiverem aspirações; mas não lhes diga que sejam românticos
para então os consolar com a glória”.

Afinal, a liberdade é uma aspiração romântica, desejada com seriedade


apenas por uma minoria de homens e mulheres. (As aspirações românticas,
devo acrescentar, são o que fazem a vida valer a pena). Apenas uma minoria
sente claramente o chamado da responsabilidade. No entanto, perdida essa
liberdade e essa responsabilidade, a liberdade comum e a segurança das
grandes massas desvanecem na esfera econômica e política. Alguns entre
nós não desejam ser consolados com as glórias do Admirável Mundo Novo.
A economia política teve seu início na obra de filósofos que, quaisquer que
fossem suas deficiências, estavam preocupados sobretudo com a extensão
da liberdade. A economia política prova estar em decadência quando não
chega a ser melhor do que um pedido de desculpas depois de reduzir
homens e mulheres a uma condição de servilismo próspero.

O sucesso da República dos Estados Unidos e a preservação de nossas


antigas liberdades foram alcançados em parte pela aversão nacional a
separar a teoria da prudência. Nenhuma outra sociedade teve problemas tão
complexos quanto os nossos, mas nenhuma antes da nossa era teve tamanha
riqueza de conhecimento disponível e tamanha margem econômica para a
resolução de problemas. A análise do real significado de liberdade e o
exame da natureza da responsabilidade estão à disposição do povo
americano, custando não mais que um pouco de nosso tempo ocioso. No
entanto, mesmo tendo isso em vista, muitos de nós parecem preferir vagar
irracionalmente pela letargia do Diabo, operando maquinários
supervisionados por comissários.

Progressistas e radicais não nos oferecem solução para nossas grandes


dificuldades: ou se contentam em acompanhar a corrente dos
acontecimentos, ou nos conclamam a remar mais rápido que a correnteza,
aquilo que eles próprios chamam de Progresso, a qual o conservador
conhece pelo nome de Decadência. Embora os progressistas e radicais
tenham se esquecido do significado de República, os conservadores, que
não nasceram ontem, sabem que homens e mulheres têm livre-arbítrio. Uma
República morre apenas quando seus cidadãos negligenciam a sabedoria de
seus ancestrais e os métodos da correta razão. Há mais conservadores entre
nós do que bons homens em Sodoma; e acredito que, se Deus quiser, os
conservadores ainda hão de prevalecer.

Um dos mais eloquentes pensadores do conservadorismo americano foi


uma mulher, Agnes Repplier. A senhorita Repplier não pretendia trocar a
realidade da República dos EUA por alguma utopia dos coletivistas. Por
amar seu país, escreveu: “Se o patriotismo se tornar uma emoção
expansivamente benevolente de modo a tornar os homens dispostos a viver
e morrer por algo concreto como um rei ou um país, não teremos mais nada
ao que recorrer, exceto ao amor sexual, que mesmo sendo um forte desejo
individual, ainda assim carece de amplitude e escopo de propósito. O amor
sexual deixou Troia em chamas, mas não edificou Roma, nem garantiu a
Carta Magna, nem formou a Constituição dos Estados Unidos”. O amor da
República protege todos os nossos outros amores. Tamanho amor vale o
sacrifício.
Índice de Nomes

A
Acton, Lord - Capítulo 9
Adams, John - Capítulos 1, 2, 3, 7, 8, 9 e 11
Alfredo, Rei - Capítulo 2
Aristóteles - Capítulos 4 e 6

B
Babbitt, Irving - Capítulo 4
Bell, Bernard Iddings - Capítulos 10 e 11
Bentham, Jeremy - Capítulo 3
Bierce, Ambrose - Capítulo 11
Brameld, Theodore - Capítulo 10
Brownson, Orestes - Capítulos 2, 6 e 7
Burke, Edmund - Introdução, Capítulos 1 e 2

C
Calhoun, John C. - Capítulo 2
Chesterton, G. K. - Capítulos 1 e 2
Cícero - Capítulos 11 e 12
Coleridge, S. T. - Capítulo 11
Conant, James - Capítulo 11
Condorcet, Marquês de - Capítulo 7
D
Dewey, John - Capítulo 10

F
Falkland, Lord - Capítulo 1
Freud, Sigmund - Capítulo 3

G
Godwin, William - Capítulo 4

H
Hamilton, Alexander - Capítulo 1
Hartz, Louis - Capítulo 7
Hearnshaw, F. J. C. - Capítulo 11
Hegel, W. F. - Capítulo 4
Hitler, Adolf - Capítulo 6 e 9
Hodgskin, Thomas - Capítulo 4
Hofstadter, Richard - Capítulo 7
Hogg, Quintin - Capítulo 2
Hook, Sidney - Capítulo 12

J
Jay, John
Jeferson, Thomas - Capítulos 2, 7 e 8

L
Lincoln, Abraham - Introdução, Capítulos 2 e 7
M
Madison, James - Capítulos 1, 2 7 e 9
Maine, Sir Henry - Capítulos 7 e 8
Marx, Karl - Capítulos 1 e 3
Mill, John Stuart - Capítulo 11
More, Paul Elmer - Capítulo 8

N
Newman, John Henry, Cardeal - Capítulo 12
Nisbet, R. A. - Capítulo 5
Nock, Albert Jay - Capítulo 6

O
Ortega y Gasset, José - Capítulo 10
Orwell, George - Capítulo 5

P
Peel, Sir Robert - Capítulo 12
Percy de Newcastle, Lord - Capítulo 2
Proudhon, P.J. - Capítulo 8

R
Randolph de Roanoke, John - Capítulo 2
Repplier, Agnes - Capítulo 12
Riesman, David - Capítulo 10
Roosevelt, Franklin D. - Capítulo 8
Rossiter, Clinton - Capítulo 7
Rousseau, J.-J. - Capítulos 7 e 8
Ruskin, John - Capítulo 8

S
Santayana, George - Introdução e Capítulo 12
Shaw, George Bernard - Introdução
Sorokin, Pitirim - Capítulo 5
Spencer, Herbert - Capítulo 4

T
Tocqueville, Alexis de - Capítulos 1, 6 e 12
Toynbee, Arnold - Capítulo 2
Trollope, Anthony - Capítulo 11

V
Voegelin, Eric - Introdução e Capítulo 2
Table of Contents
Créditos & Direitos
Sumário
Introdução
1 - A Essência do Conservadorismo
2 - O Conservador e a Fé Religiosa
3 - O Conservador e a Consciência
4 - O Conservador e a Individualidade
5 - O Conservador e a Família
6 - O Conservador e a Comunidade
7 - O Conservador e o Governo Justo
8 - O Conservador e a Propriedade Privada
9 - O Conservador e o Poder
10 - O Conservador e a Educação
11 - Permanência e Mudança
12 - O que é a República?
Índice de Nomes

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