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A INDEPENDENCIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 99 10. Parte significativa dessa produgao desenvolvia-se tendo o marxismo por campo de referéncia ou dialogando criticamente com seus pressupos- tos. Nao devemos esquecer também o prestigio adquirido desde a década de 1960 pelas versdes keynesianas da teoria do desenvolvimento, que con- feriam grande importancia a esfera do Estado, como agente privilegiado no fomento de um projeto nacional. Estas foram razdes importantes, embora certamente nao exclusivas, pelas quais os temas de histéria econémica ga- nhavam no periodo grande visibilidade, atribuindo-se ao seu esclarecimen- to a capacidade de iluminar aspectos fundamentais da dinamica politica. E indispensével mencionar aqui, embora nao se encontre rigorosamen- te no campo da produgao historiogr4fica, uma obra que se inseriu de forma vigorosa na encruzilhada.desses diversos caminhos: 0 ensaio notével com que Florestan Fernandes fez a ponte entre as tradigdes do ensaismo ¢ as da academia, nas quais medrara de forma persistente a idéia da Revo- lugdo.'"° Dos varios significados atribuidos ao conceito de Revolugdo Burguesa no pensamento marxista, Florestan reteve o de processo de longa dura- go, configurando a construgao da ordem social e politica indispensavel ao desenvolvimento do capitalismo. Essa perspectiva aproximava-o da ver- tente gramsciana, com a qual compartilhava também a idéia de Revolucio Passiva, ou Revolugao “pelo alto”. Encarando a peculiaridade da formagao social brasileira, Florestan Fer- nandes entendeu, nesse livro, a Revolug&o Burguesa no Brasil como ciclo JA cumprido, a despeito de resultar em um pafs reiteradamente autoritario, que exclufa a maioria de seu povo do mercado e da vida politica. No brilhante capftulo dedicado & Independéncia, dos mais refinados exer- ‘cicios tedricos da ciéncia social brasileira, ecoava a pol@mica que empol- gava 0s historiadores na forma de um esforco herctileo para dar conta, de forma dialética, dos fermentos de mudanca presentes na conjuntura politi- ca da Independéncia ¢ dos movimentos empreendidos pelas forgas conser vadoras para reinventar as idéias ¢ as praticas em que se expressava a domi- nagao politica, impedindo que a Revolugao se realizasse em sua plenitude ™ No Rio de Janciro se produziram obras fundamentais sobre a administragao colonial e sobre asatividades comesciais e financeiras da Corte. Ver Buldlia Maria Lahmeyer Lobo. Adminis tragio colonial luso-espankola nas Américas, Rio de Janeiro: Cia Brasileira de Artes Gréficas, 1952 ¢ Histéria do Rio de Janeiro (do capital comercial ao capital industrial e financeiro). Rio de Janciro: IBMEC 1978; Histéria da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IBMEC, 1977, Maria Barbara Levy Levy. Historia financeira do Brasil colonial. Rio de Jancito: 1BMEC, 1979, Sobre a produgio para o mercado interno, ver Maria Yedda Leite Linhares. Historia da agricultura brasileira: combates ¢controvérsias. Sao Paulo: Brasiliense, 1981. °° Florestan Fernandes. A revolugao burguesa no Brasil, Rio de Jancito: Zahar, 1974, Sobre Florestan Fernandes, ver Maria Arminda do Nascimento Arruda & Sylvia Gemignani Garcia. Florestan Fernandes, mestre de ociologia moderna. Brasilia: Paralelo 15, 2003. 100 WILMA PERES COSTA transformadora,"" Assumindo a Independéncia como etapa necessiria da Revolugiio Burguesa, Florestan aproximava-se da posi¢io defendida por Fernando Novais € distanciava-se tanto da jnterpretagao de Maria Odila como da de Emilia Viotti ao reafirmar a positividade do liberalisme como horizonte ideolégico © utépico na constructo do Estado brasileiro. Em diregdo oposta emergia, j4 na propria década de 1970, uma linha frontalmente critica aos USOS da idéia de Revolugio na historiografia brasi- leita. Nessa visio, a idéia de Revolugaio aparecia como mito a ser descons- truido, como estratégia reiteradamente utilizada pelas correntes conserva- doras para encobrir 0 autoritarismo entranhado da sociedade brasileira. A farsa de uma Revolugio que encobria uma contra-revolucao (0 golpe de 1964) projetava-se como insight para desqualificar, radicalmente, os marcos tidos por tradicionais da Hist6ria Politica. Centrando interesse na hist6ria social, os adeptos dessa corrente tendiam a se afastar progressivamente dos temas caros @ Hist6ria Econémica.!”2 Em outros citculos, entretanto, 2 histéria econémica vivia perfodo de grande produtividade, parte do qual trouxe contribuigées relevantes para ‘a Historiografia da Independéncia. A critica ¢ a revisao dos paradigmas se desenvolveu em campo temati- co demarcado pelos trabalhos de Caio Prado Junior ¢ pelos estudos produ- zidos pela Ccpal, particularmente 0s de Celso Furtado." O debate com 4 interpretagao furtadiana encontrou sua forma pioncira nos trabalhos de José Jobson Arruda, que, mediante cuidadosa pesquisa empirica, princi- palmente das Balangas de Comércio, combateu com &xito a idéia de uma estagnagio econémica na conjuntura da emancipacao politica.'* _ 111 Florestan Fernandes. Op. cit., capitulo 3. v2 Flees uma das matrizes da critica ao proprio campo da historia politica c da emergéncia de esforgos no sentido de uma “histéria dos vencidos”, com forte acento na experiencia das classes aubalternas ¢ dos excluidos sociais. Paralelamente, desenvolvia-se também a erftica “jos eatudos sobre o liberalism, feitos sob a égide do ‘mangismo. Ver Maria Stella Martins Faoceeni. Ae voltas de um parafuso”, pp. 7-20: sobre ecricie, do conceito de Revolugio ver Carlos Alberto Vesentini. “A fulguragio recortente”, PP- 21-34, ambos em Tudo ¢ Histéria, Cademos de Pesquisa, 2. Sao Paulo: Brasiliense, 1978. 113 Foca vertente foi importante também para foonecet umsnaico DARA comparagio das diver- ses experigneias latino-americanas. Para um trabalho cepalino de grande influéncia para a snilige das independéncias latino-americanas ver O- ‘Gunkel & Pedro Paz, op. cit. Para uma visto comparada ver Celso Furtado, La economia Tatinoamericana — formacién historica y ‘problemas contemporsnens. México: Siglo XXL 1971. Referéncia importante nesse debate foi Fees Jado Manuel Cardoso de Mello, onde este se vale de Caio Prado Jtinior para «horse a exitiea do pensamento cepalino, Joie Manuel Cardoso de Mello. © capitalismo cate Sto Paulo: Brasiliense, 1984. Especificamente sobre # Independéncia, ver Ronaldo Mares dos Santos. O rascunko da nacio: formario, augee naam da econornia colonial. Dou- aege, Campinas: Unicamp/instituto de Economia, 1985, Ver também o prosseguimento Ga discussao em “Mercantilizagao, decadéncia & Gominéncia’ in: Tamas Smreesényi &J.R, Capa, Historia econdnica do Perfodo Colonial Sio Paulo. Hucitec-Fapesp, 1996, pp. 67-77. se Ay bases dessa discussio haviam sido langadas em sua tse de doutoramento de 1972, an- ce ormente citada, Para um desenvolvimento esclarecedor veh J. Jobson Arruda, “A produ- 4 INDEPENDENGIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 101 ‘or outro lado, os trabalhos de pesquisa e os avancos teéricos tendiam a por crescentemente em questiic as polaridades politicas apresentadas por Caio Prado Junior, que opunham “fazendeiros” a “comerciantes” e, de forma bastante linear, “nacionais” e “portugueses”. Os estudos tendiam a criticar um acento, tido por excessivo, na dindmica exportadora ¢ chama- va a atengo para o conhecimento insuficiente dos sctores mercantis, e da produgSo agricola voltada para o mercado interno, particularmente nas re- gides que se encontravam articuladas 20 mercado da Corte. Um importante conjunto de investigagées, consolidadas em teses acadé- micas, alargou 0 conhecimento sobre 0 mundo da economia e dos negécios, esmiugando o jogo de interesses que se desenvolveu a partir do esta- belecimento da Corte na América, contribuindo para esclarecer a dinami- 2 ccondmica e politica do processo de independéncia ¢ da construgio do Estado Nacional..Os temas dos trabalhos incidiam sobre pontos-chave da economia colonial no século XVIII e avangavam para a historia econdmi- ca do século XIX. Todos eles se indagavam, de certa forma, sobre as con- tnuidades e rupturas no plano da administragao ptiblica, das associagées de interesses, da acumulagao de riqueza." Muitos dos trabalhos que emergiram dessas indagagoes convergiam nao apenas para a identificagdo de um dinamismo econémico muito maior na conjuntura da Independéncia do que 0 suposto por Furtado, como na én- fase insuficiente que teria sido atribuida até €ntao aos circuitos mercantis internos, notadamente os ancorados na economia de abastecimento da Corte ¢ a0 espago de articulagao de interesses que se descnvolviam a sombra do Estado (cargos, tributag&o, contratos).'16 Se eee sfoccon6micaja circulacdo, asfinangas ¢ as flutuagéesecondmicas”, in: Maria Beatriz Nizza da Silva, O Império Luso Brasileiro, 1750-1822. Lisboa: Estampa, 1986, pp. 85-211 “ssa linha interpretativa ganhava forga, pot um lado, entre os trabalhos orientados por Maria Odila da Silva Dias. As principais referéncias sio um ‘conjunto de trabalhos desenvol- vido no final dos anos 1970, embora os dois tiltimos sé tenham sido publicados recente- mente: Aleir Lenharo. Politica e negécios: 0 comercio de abastecimentos do Rio de Janeiro (1808- 18:1). Mestrado. Séo Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras c Ciéncias Humanas, Univers dade de Sio Paulo, 1978; Lenita Menezes Martinho. Organizagiio do trabalho e relagies sociais ‘x0 interior das firmas comerciais do Rio de Janeiro na ‘brimeira metade do século XIX. Mestrado. Sao Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Humanas, Universidade de Sao Paulo, 877; Riva Gorenstein. Enraizamento de intereses mercantis portugueses na regiao centro-sul do Brasil, 1808-1822: uma contribuigéio ao estudo do processo de estruturagtio da sociedade de independén- Gz, Sio Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Humanas, Universidade de Sao Paulo, 1978, Destes, o trabalho de Lenharo se destaca pelo csforgo em delinear uma nova Pesspectiva para a correlagao de forgas politicas no processo deindependéncia, tematizandoa peculiaridade da insereao politica da capitania (provincia) de Sio Paulo, “Wer Junia Ferreira Furtado. Homens de neghcio: a interiorixagao da metrépole e do comércio nas Mss setecentistas. Doutorado. Sao Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Humanas, Universidade de Sao Paulo, 1996. Paula Porta Santos Fernandes, Elites dirigentes € projeto Seconal :a formazio de um corpo de funciondrias do Estado no Brasil. Doutorado, Sto Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras ¢ Ciéncias Humanas, Universidade de Si Paulo, 2000, 102, WILMA PERES COSTA A pOLiTiIcsA COMO CONSTRUGAO? o EsTADO A inflexio notéria sofrida pela teméatica da Revolugao em meados dos anos 1970 veio acompanhada por ume renovagao dos referenciais da his- toria politica, tendéncia que s© aprofundou a partir do fim da ditadura mi- litar, A necessidade de compreender os fundamentos mais profundes do autoritarismo ¢ 4 complexidade do processo de redemocratizagao do Pais foram alguns dos vetores importantes desse movimento, mas ele emergia também de insatisfagdes que SC manifestavam 10 interior dos proprios paradigmas tedricos em gue o debate estivera colocado nos anos 1970. O fendmeno manifestou-se em parte pela jncorporagao de perspectivas que advinham do campo da Ciéncia Politica. Exemplo disso foi 0 grande pres- tigio, no campo do marxismo, das ane! ses inspiradas no pensamento de Antonio Gramsci, pelo relevo que estas atribufam & especificidade da es- fera politica; simultaneamente, operava-se @ reciclagem do paradigma weberiano nas Teorias da Construgao do Estado,"”” matizado pela forte influéncia do campo universitario norte-americano. Na historiografia brasileira sobre © século XIX, um dos trabalhos mais marcantes dessa safra foi a tese de doutoramento de José Murilo de Car- valho,"® que explorava @ partir das Teorias da Construcas do Estado e da Teoria das Elites, alguns dos temas caros & historiografia tradicional (a relagdo entre a forma monarquica © @ manutengao da unidade politica do Império Brasileiro, & comparagao entre 08 processos politicos 0a América hispanica © na América portuguesa). A perspectiva da “construgio” do Estado aparecia, NEsse momento, como uma via para ultrapassar dico- tomias postas por UM debate classico do ensaismo politico prasileiro. Ero uma das polaridades, representada pelo ensaio cléssico de Nestor Duarte, sustentava-se que 4 reiterada precedéncia dos interesses privados, enrai- zados no mundo agrario, sobre a esfera publica era um trago persistente da organizagao social brasileira, posi¢ao representada pelo trabalho de Nes- tor Duarte. No outro extremo a obra de Raimundo Faoro rornara-s¢ Uma referéncia pela anfase atribuida & onipresenga, 20 Jongo da hist6ria brasi- leira, de uma maquina estatal purocratizada € de um estamento que vivia a sombra de seus interesses. Enraizada nas tradigdes ibéricas, cla se pet 11? Ver Charles Tilly. The Formation of National Sates in Western Burabe- Princeton: Princeton University Press, 1975. cit jipge de doutorado de José Muito de Carvalho, defendida na Universidade de Stanford ee 1974, Elites and State Building ot ‘imperial Brasil, dew origem 2 dues publicagoes A Gonstrugo da Ordem e Teatro de ‘Sombras, a Pottca Imperial, oust Sivulgagho brasileira se deu go longo dos anos 1980. A INDEPENDENGIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 103 petuava na vida social ¢ politica brasileira sufocando a organizagao aut6- noma da nacio.'"? Buscando dar encaminhamento origin: reposto, José Murilo de Carvalho recolocou uma antiga questao em novos moldes. A questao, especialmente cara a Varnhagen, era a da unidade tet- ‘irotial e politica obtida pela América portuguesa no processo de emanci- pacgdo politica vis-a-vis a fragmentagdo que veio a caracterizar a América espanhola. O foco principal dessa diferenca — a possibilidade de conser- var a unidade no processo de emancipacgao politica ¢ de defendé-la ante 2 longa quadra de pulsdes: centrifugas que a ela se seguiram, foi colocado por José Murilo na formagao das elites intelectuais que conduziram a In- dependéncia e os primeiros passos da formagiio do Estado Nacional. A socializagio comum na Universidade de Coimbra, 0 predominio de uma yisio forjada nos quadros da magistratura teria propiciado a essas elites uma homogeneidade desconhecida em outros paises da América Ibérica, gando-lhes uma visio de conjunto capaz de operar em oposigao &s violen- tas foroas centrifugas emanadas principalmente dos grandes proprietarios tettitoriais. Essa perspectiva de longa duracao, focada na idéia de conti- nuidade no plano da “formacio das elites”, combinava-se com uma Ders- pectiva de curta duragio, no plano da “eonstrugio do Estado”. Este nao estava enraizado no passado colonial, produtor, sobretudo de pulsdes cen- trifugas © desagregadoras, mas em um “processo de acumulagio primitiva do poder” que teria se desenrolado a partir de 1837 © se completado em 4950.Na linha das Teorias da Construgko do Estado, José Murilo de Carvalho apontava os aspectos extrativos e 0s processos que teriam con- ferido eficdcia & consolidago do centro politico por sobre as pulsdes cen- trffugas das elites regionais. Além disso, buscava reconstituir os principais mecanismos de fomento de uma elite politica e de uma burocracia de Es- tado capaz de fazer funcionar um sistema politico complexo, do qual a Coroa ¢ o Poder Moderador constituiam a pcga-chave. Em orientagio metodolégica distinta, mas também focalizando o tema da consolidagao do centro politico, o trabalho de Ilmar Rohloff de Mattos cornou-se outra referéncia marcante do debate sobre a construgao do Es- tado brasileiro no século XIX. José Murilo de Carvalho associara @ unida- de territorial brasileira & especificidade da socializagio de uma clite que al a este enigma miiltiplas vezes aaa eaorganizagio politica nacional. Rio de Janeiro: CEN, 1939; ‘poder. Porto Alegre: Globo, 1959 (re-editada em versio srpliada em 1972), Outra versio da do debate, desta feita na discussio do catiter patrimonial qe astado ¢ do papel desempenhado pela Guarda Nacional, ver Fernando Uricoechea. 0 Misotauro Imperial. Rio de Jancito: Paze Terra, 1978. José Mutilo de Carvalho, Elites and State Building in Imperial Braxil. Doutorado. Universida- de de Stanford, 1974. © Nestor Duarte. A ordem privada Raymundo Faoro, Os donas do 104 WILMA PERES COSTA precedia 0 Estado Nacional € presidia os passos iniciais de sua fundagao. Em diregio distinta, Ilmar Rohloff de Mattos procurava entender a emer- géncia dos agentes politicos 2 partir dos conflitos de interesses presentes na provincia do Rio de Janeiro ¢ nos seus desdobramentos a partir do proprio movimento de emancipagio politica. Nesse lugar politico priviie- giado, por ter sido palco de um. desenvolvimento material ¢ de uma cultu- ra politica peculiares, o autor encontra 4 formagdo simultanea do centro politico e de sua classe dirigente. Ao estudar essa classe, valendo-se do instrumental gramsciano, cle buscou conferir densidade historiografica a0 tema da luta de classes, explorando-o em suas interfaces econdmicas, so- ciais, politicas ¢ culturais." A analise de Rohloff de Mattos procurava estudar ao mesmo tempo as dimensdes de continuidade entre as estrucuras que Se haviam institufdo no Rio de Janeiro a partir da vinda da Corte € as situagGes novas que se desen- volveram com a expansio da agricultura cafecira e sua inter-relacdo com 0 mundo dos negécios do Rio de Janeiro. A “recunhagem da moeda colonial”, met&fora com que cle procura recobrir esse processo, indica 0 esforgo em dar conta de amalgama do “velho” ¢ do “novo” no processo de Independéncia. Visto da perspectiva da formagio de uma classe dirigente, 0 processo de cons- trugao do Estado aparece distanciado da idéia de heranga ou legado ¢ real- cado no seu contetido de invengao politica ¢ de construgao de instrumentos de consenso ¢ de coergio. O trabalho reconstr6i, nesses tormos, a emergén- cia ¢ a agio do “grupo saquarema”, micleo do Partido Conservador do Rio de Janeiro, como processo de construgao de uma hegemonia, isto €, em termos gramscianos, 2 capacidade de ultrapassar a mera preponderancia eco- ndmica para produzir condigbes de diregéo intelectual moral. TRAFICO NEGREIRO E CONSTRUGAO DO EsTADO Ainda na perspectiva da construgio do Estado, mas de forma distinta dos autores precedentes, Luiz Felipe de Alencastro veio a propor novo referencial espacial ¢ analitico para o entendimento do processo de eman- cipagdo politica € da formagio do Estado brasileiro. Sua andlise estabele- cou uma fecunda interlocugio critica com a interpretagao furtadiana e com todas as outras que visualizaram, na crisc do Sistema Colonial, uma con- versio automatica do Brasil independente ao campo da hegemonia inglesa. ‘A caracteristica principal dessa interpretagao foi a de ter colocado os circuitos do trdfico negreiro (¢ os interesses aglutinados em toro dele) no ceme do entendimento da scparagao politica e da estruturagio do Estado EE Ee 12° Timer Robloff de Mattos. 0 sempo soquarema. Doutorado. Sao Paulo: Faculdade de Filosofia, Tiers c Cstenties Fimmoenas, Universidade de Sto Paulo, 1985. A INDEPENDENGIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 105 brasileiro que a cla se seguiu. A pega estratégica para 0 entendimento do processo econdmico € politico da emancipagaio repousa, para 0 autor, no peso atribuido & autonomizacao dos interesses ligados ao trafico africano ante os controles metropolitanos © os do emergente Estado brasileiro in- dependente. Perseguindo ume tendéncia de autonomizagio da matriz es- pacial afro-americana presente desde o século XVII, esse autor tem de- monstrado a importancia de se levar em consideragao as teias de interesse que sc desenvolvem cntre as Areas de produgac escravista do territério ame- ticano ¢ as areas de fornecimento de escravos da costa africana. A persistén- cia e cfescente autonomia dessa teia de interesses, cuja inteligibilidade s6 pode ser apreendida a partir do Império portugués no seu conjunto, € con- siderada como indispensavel para compreender a forga e a eficdcia com que atuaram, na conjuntura da Independéncia, os grupos interessados na reiteragio do tréfico e da escraviddo. A agdo dessas forgas (capazes mes- mo de fazer face, por décadas, @ pressao inglesa) ¢ @ compreensao das bases materiais em que se assentava seria o vetot mais relevante para a unificagao territorial brasileira. Assim, cle se diferencia do debate em cur so sobre as dimensdes “internas” ou “externas” das transformagdes em curso, introduzindo uma espécie de “fronteira invisivel” na formacao do Estado Nacional, onde a extraterritorialidade do mercado de trabalho apa- recia como elemento estratégico do acordo das elites em torno da monar- quia unitdria. Essa andlise introduz também uma varidvel probleméatica para oesquema interpretativo de Fernando Novais, para quem 9 controle metro- politano do trdfico era elemento definidor do Antigo Sistema Colonial. Para Alencastro, as raizes do Império Brasileiro do século XIX mergu- jhavam em um subsistema encravado no interior do Império Portugués. Nesse sentido, o Estado Monérquico tinha viabilidade na medida em que pudesse manter ¢ defender sua matriz espacial extraterritorial. Dessc modo ele se diferencia tanto da idéia de “persisténcia” colonial, na forma da “interiorizagio da metropole”, quanto da “crise do sistema colonial” como formulada classicamente por Fernando Novais.'* ee 12 Luiz Felipe de de Alencastro, La trite négritre ex Punité nationale brésilienne. Revue Francaise @ Histoire d’AuuretMer. Pati,» 244]5, 1979; 0 fardo dos bacharéis, owas Estudos Cebrap, Sao Paulo, 19, 1987; Le comtnerce des vioants: trait desclaves et “pax lusitana” dans PAdlentique Sud, Doutoramento. Paris: Univ, de Paris X, 1986, Ver também a exposigao de sua posigio em José Geraldo Vinci de Moraes & José Marcio Rego, Gomversas com historiado- ves Drasifeiras. Sao Paulo: Bd. 34, 2002, pp. 239-62, Mais reeentemente 0 auiot Et avangado arise do period colonial, enfatizando a importincia da superagio de matrizes espaciais fides pot anacrdnicas, que pressupunham para 0 conjunto da ‘América portuguesa, uma aaridoidade que s6 seria visivel na segunda metade do século XVIII O trato dos viventes. eer: Companhia das Letras, 2000, Nesse easo, referencial importante é a incorpora- cao e desenvolvimento das teses de C. R. Boxer. 0 Império Colonial Portugués (1415-1825). Fsbo ad. [1969] e dade de ouro do Brasil. Dores de erescimento de una ‘sociedade colonial. 1* cd. (brasileira). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. 106 WILMA PBRES COSTA Novos DESAFIOS DA HISTORIA ECONOMICA? DESCONSTRUINDO A CRISE DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL Procurando entender as razdes do crescente prestigio da histéria politi- == nos anos 1980, Maria Helena Capelato jndicou os movimentos que se desenrolavam na sociedade brasileira nesse perfodo, coro importantes serores dessa mudanga de enfoque. Segundo sua avaliagio, “Nos anos 1960-1970, 0 deslocamento da revolugao para as rebelides polfticas ¢ cul- corsis produziu um tipo de revisto historiogréfica que acabou privilegian- do os estudos sobre 08 movimentos sociais, grupos minoritérios e cultura. Nos anos 1980, a substituigio da revolugao pela democracia fez que as arengdes se voltassem para a historia politica, Se o tema da revolugao sascitou um estudo aprofundado das estruturas © relagdes econémicas © sociais, 0 tema da democracia pressupoe conhecimento mais aprofundado do mundo da politica”."* A mengao € esclarecedora, mas 4 sua ultima parte deve ser incorporada com ressalvas, pois nao parece ter havido uma Simples alternancia do foco da cconomia para o da politica. O breve ma amento expresso nas paginas anteriores é bem indicativo disso, j4 que ‘os estudos sobre a dinamica da vida material como jluminadora da esfera dos interesses continuaram a ser produzidos com abundancia ¢ qualidade. Ao longo da década de 1990, 0 debate econdmico ganhou novo alento a partir de um conjunto de estudos que se jrradiava do Rio de Janeiro, enfocando as transformagoes econémicas € sociais de final do século XVIIE ¢ das primeiras décadas do século XIX. Esses estudos, que s¢ caracteri- zam por sua coeréncia teérica € rigor empirico, puscavam polemizar tanto com o paradigma cepalino (Furtado), como com @ interpretagao hist6rica sesociada A lideranga intelectual caiopradiana, especialmente na vertente associada a0 trabalho de Fernando Novais. O cerne da critica assentava- se na énfase, tida por excessiva, que as tradigées caiopradiana © cepalina haviam depositado no carater extrovertido da economia colonial ¢, con- seqiientemente, @ centralidade que haviam atribuido 4 idéia de Crise do Sistema Colonial como vetor explicativo da emancipagao politica.’ Re- visitando algumas vertentes do debate que se configurara em 1972, as pesquisas dessa linha procuraram chamar a atencao para @ importancia da > Maria Helena Rolim Capelato. Historia Politica, Estudos Historices, 16, 1996, Historiografia, pp. 161-75. .< FP: bAthos marcantes dessa tendéncia sto LR. Fragoso. Homens de grossa aventirt: oh, rae pet lierarauia na priga mercanil do Rig delanciro, (1790-1830). Rio de Jancito: Arquivo Nacional, 1992; J- L. R. Fragoso & Manolo Florentino. 0 arcatsmo como projet. Mercado ailéntico, sociedade agraria ¢ elite mercantil no Rio de Janeiro (1790-1840). Rio de Janeiro: Diadorim, 1993. A INDEPENDENCIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA, 107 dimensio endégena (interna 4 Colénia) da acumulagao de capital, bem como para a ancestralidade do enraizamento, no territério da América por- tuguesa, de poderosos interesses mercantis, envolvendo principalmente o comércio de abastecimento e o trdfico de escravos e 0 seu desdobramento em tedes de longo alcance." Essa énfase vinha convergir em parte para os resultados apresentados pela linha desenvolvida pelos orientandos de Maria Odila da Silva Dias, combatendo a idéia de uma polarizagao entre interesses “agrarios” e “mercantis” (¢ em decorréncia, “brasileiros” © “por- tugueses”). Vistos desse modo, os interesses mercantis nao poderiam scr pensados como estando “em oposig&io” aos grandes proprictarios territo- tiais, nem como “externos” & colénia. A notavel contribuicdo que essas pesquisas trouxeram para a compre- ensio da dinamica da vida material no processo de independéncia expres- sou-se em uma inspiracdo para novos estudos, que investigassem a impor- tincia eo vigor das formas internas de acumulagao nas distintas partes do Brasil." No que se refere & indagacao que tem fornecido a linha de nossa reflexao historiografica, as permanéncias e rupturas no processo de emancipacao politica, os desdobramentos dessa interpretacao no campo da histéria politica encaminharam-se decididamente para o plano da conti- nuidade: embora dotados de capacidade de acumulagio endégena, a agao desses poderosos grupos de interesse durante 0 processo de emancipacao politica, teria se inclinado decididamente para o prolongamento dos valo- tes ¢ das priticas politicas arcaicas na dinamica do Brasil independente. Enfatizando fortemente as permanéncias (¢ mesmo as re-invengdes do atraso), alguns membros dessa corrente sublinham uma continuidade dos elementos ¢ da légica do Antigo Regime, ao longo do século XIX, esten- dendo-se pelo menos até 1856, Em exposigio recente de seus pressupostos de investigacao, 0 questio- namento do valor heuristico da polaridade metrépole/colénia veio a ad- quitir uma coloragio extremada: a prépria negacao de uma especificidade do estatuto colonial, diluida em uma perspectiva de conjunto do Império portugués. Nessa perspectiva, subsumidos a idéia de “economia do bem comum”, os mecanismos politicos de concentragao de riqueza (monopé- 25 Manolo Florentino, Em costas negras: uma histéria do trfico de escravas entre a Africa e 0 Rio de Janeiro, séculos XVII e XIX. So Paulo: Companhia das Letras, 1997. Para uma interlocugo critica ver, José Jobson “O sentido da Colénia. Revisitando a crise do antigo sistema colonial no Brasil (1780-1830)”, in: José Tengarrinha (org.). Histéria de Portugal. Bauru, SP-Portugal: Edusc-Edunesp-Instituto Camdes, 2000, pp. 167-87, "S Um painel sintético das abordagens dessa linha de re-interpretacio da dinamica colonial do século XVIII se encontra em Joo Fragoso; Maria Fernanda Baptista Bicalho & Maria de Fatima Silva Gouvéa (org,). O Antigo Regime nos trépicos:a dindmica imperial portaguesa (séculos XVE-XVIH). Rio de Janeiro: Civilizagao Brasileira, 2001, 108 WILMA PERES COSTA lios, mercés), as redes clientelisticas € os afranjos institucionais sao pensa- dos como comuns a0 conjunto do Império, estendendo para a América portuguesa hipdteses de investigag3o que tém estado muito ativas na his- toriografia atualmente produzida em Portugal.'?” O ponto é evidentemente polémico, e tem suscitado interpretagdes di- vergentes. Dentre estas é relevante apontar os trabalhos que buscam re- pensar as bases materiais dos conflitos politicos da era da Independéncia.'* O ESPAGO PUBLIGO: AMPLIAGAO DA ESFERA DA POLITICA Por diversos caminhos, 0 jnteresse renovado pela historia politica tem suscitado também o afastamento de interpretagées lineares das determi- nagdes econémicas, em favor de esforgos alentados de pesquisa empfrica gue permitam qualificar 0 campo contraditério dos interesses, dos confli- tos politicos e das linguagens em que se expressatam. O desprestigio das versdes lineares ¢ mecanicistas do marxismo teve, nesse campo, efeito salutar, no sentido em que 0 universo dos fatos politicos passava a Ser pensado como objeto dotado de luz propria, Ao mesmo tempo, as relagdes ae 127 Referéncia bésica desse debate tem sido o trabalho do historiador portugues Valentim Alexandse, Os sentidos do Império, que rejcita a andlise de Femando Novais (ede toda a finhagem que remonta a Caio Prado) com base em ampla pesquisa documencal. Igualmen- te importante tem sido a reperoussio dos estudos sobre a ‘administracio do Império portu- gqués como os de Maria Catarina Santos & Anténio Manue! Hespanha. “Os poderes num Tmpério Ocedinico”, in: José Mattoso (dir), Ant6nio Manve! Hespanha (coord). Historia de Pongal. O Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1993, pp. 395-413, Ver também Jorge Miguel Viens cadrcira. Estrutura industrial eo mercado colonial, Portugal ¢ Brasil 1780-1830. Lisbo Difel, 1994 © Os homens de negocio da praca de Lishoa de Pombal ao vintism? (1755-1822): diferencagao, repraduga eidentificagao de wm grupo social. Doutorado, Universidade Nova de Chasen 1995, Os pressupostos do grupo se encontram explicitados em Joke Fragoso; Maria ‘de Pasiona de Silva Gouvéa & Maria Fernanda Baptista Biealho, Bases da materialidade ¢ da governabilidade no TImpéric: uma leitura do Brasil Colonia) Penélope, Lisboa, 2000, n° 23. aoeea Remanda B. Bicalho.A cidade ¢ 0 Império. O Rio de Janeiro no stvio XVII Rio de Janciro: Civilizagao Brasileira, 2003; Maria de Fatima S. Gouyés, Redes de poder na Amé- Tica poreuguese: 0 caso dos homens bons do Rio de Janeiro, 1790-1822, Revista Brasifeira de Historia, vol. 18, n° 36, 1998, pp. 297-330. 128 Bm perspectiva distinta, cnfatizando os conflites de interesses © SY expresso na esfera politica ver Cecilia Helena de Salles Oliveira, A asticia bern), ado, trabalho que focaliza os Poe ye ceondmicos ¢ suas distintas formas de traducio politica, com forte énfase nos averjaoe entre ae facgdes © nas descontinuidades ¢ também Emilio Carlos Rodriguez Lopen, Um ectudo sobre manifestaiespoliicas na Cortedo Rio de Janeiro, 1808/1822, Mestrado. Sig Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras ¢ Cigneias Humans, Universidade de Sao Paulo, 3000, Ainda no campo do conflito ver Gladys Sabina Ribeiro, A liberdade em construed; a esndadenacionalconflitesantiluitanas no Primeiro Reinado, Rio de Janeiro: Relume Dumaré, iron c Gladys Sabina Ribeiro. As noites das garrafadas: uma histbria entre 9S dos conflitos antilusitanos e raciais na Corte do Rio de Janeiro. ‘Luso-Brazilian Review, 37:2 iaverne), pp. 39-74. Ver também ‘Théo Lobarinhas Pifieito. “Os Simples Gomissdrias”: neqoriantesepoltieas no Brasil Império, Doutorado, Niter6i Universidade Federal Fluminense, 2002. A INDEPENDENGIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 109 entre a esfera da vida material e as da dinamica politica deixavam de ser concebidas como dadas, para ser encaradas como problemas de investiga- ¢ao, a serem tratados no plano da pesquisa documental e da singularidade das experiéncias histéricas.'* O esforgo de preciso ¢ de qualificagio dos objetos tem-se manifestado vigorosamente, no caso da historiografia da Independéncia, na notavel contribuigio que os estudos de histéria cultural tém oferecido para a am- pliagio do escopo do que tradicionalmente se entendia como “esfera da politica”, € que se confinava 20 campo do exercicio direto do poder ou da representacio politica institucionalizada. Inspirando-se em parte no vigor que estes temas vém assumindo na historiografia européia, tém-se multi- plicado os estudos que se dedicam a compreender o espaco do exercicio da politica como construgio da esfera ptiblica, fazendo emergir 0 conteti- do politico complexe contido na esfera da cultura. Estudos sobre os inte- lectuais ¢ suas carreiras, sobre a produgio e circulagao de livros € jornais, sobre as conexdes entre o mundo dos letrados e o dos iletrados tém reve- lado a multiplicidade de espagos de exerefcio da politica. Essas contribui- gées tem apresentado enfoques novos para o estudo de aspectos relevan- tes da cultura politica da Independéncia, ao mesmo tempo que tém dado novas perspectivas para o estudo das correntes de pensamento presentes naquela quadra politica." _ Essa frente de pesquisa tem permitido também langar novos olhares sobre a Ilustracéo Portuguesa, enfatizando o programa de reformas que empolgou importantes setores da politica metropolitana no final do século XVI, no esforco de repensar o Império Lusitano, ¢ 0 papel dos dominies ultramarinos no seu interior. Esses estudos tém focalizado sobretudo os anos que antecederam a migracao da Corte, ¢ as varias linhas de forga em. presenga na América durante o perfodo joanino."! A elevagio dos domf- nios americanos 4 condigdo de Reino Unido, e a complexificagao do cam- "9 Deve-se mencionar aqui a relevancia das sugestées de pesquisas contidas em Pierre Rosanvallon. Le moment Guixot. Paris: Gallimard, 1985; L’Etat en France de 1789 & nos jours. Paris: Seuil, 1990 e La démocracie inackrote. Histoire de la sowveranité du peuple en France. Paris: Gallimard, 2000. Ver uma sintese de suas posiges em Por uma histéria conceitual do politico, Revista Brasileira de Histérin, Sio Paulo: Anpub-Contexto, vol. 15, n° 30, 1995. 4" Luts C. Villalta, Reformismo ilustrado, censura e praticas de leitura: uses do livro na América por- tuguesa, Doutorado. So Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Univer~ sidade de Sao Paulo, 1999; Renato Lopes Leite. Republicanos e libertdrios. Pensadores no Rio de Jantiro (1822). Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira, 2000. Ana Rosa Cloclet da Silva. Construgio da Nagi e escraviddo no pensamento de José Bonifécio: 1783-1823. Mestrado. Cam- pinas: Unicamp, 1997 ¢ Inventando a Nagito. Intelectuais ilustrades eestadistas luso-brasileiros no ripiisealo do Antigo Regime Portugués: 1750-1822, Doutorado. Campinas: Unicamp, 2000. "3 Ver Andréa Slemian. O dificil aprendixado da politica na Corte do Rio de Janeiro (1808-1824). Mestrado, Sao Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras ¢ Ciéneias Humanas, Universidade de Sio Paulo, 2000; e Jurandir Malerba, A Corte no exilio; civilizagao ¢ poder no Brasil as vésperas da Iadependéncia, S30 Paulo: Companhia das Letras, 2000. 110 WILMA PERES COSTA po das escolhas polfticas propiciados por esse processo tem sido hoje ava- liados como temas estratégicos para compreender os conflitos € as esco- Ihas politicas da geragao da Independéncia. Um dos produtos mais origi- nais dessa perspectiva de andlise, pela forma criativa como trabaiha a di- mensao utépica na produgao de alternativas politicas, é a cuidadosa re- constituigio histérica produzida por Maria de Lourdes Viana Lyra sobre as metamorfoses do conceito de Império na trajet6ria da Tlustragao portu- guiesa € sobre as polissemias que ele veio @ assumir na América portugue- sa, travejado pelo horizonte politico do Reino Unido.'* Perspectivas estimulantes tém-se verificado também nos estudos que procuram iluminar aspectos do debate politico da Independéncia, a partir do papel da imprensa ¢ de sua importéncia na condensagio dos vocabula- rios politicos." A tendéncia tem precursores importantes na década de 1970" e tem produzido estudos de grande qualidade sobre a imprensa, em andlises de conjunto,"* mas também nos estudos centrados na curta duragio ¢ em trabalhos monograficos sobre 6rgaos especificos.'* Neste ee 112 Maria de Lourdes Viana Lyra, A utopia do poderaso império. Rio de Janeivo: Serre Letras, 1994. Vor também Ana Rosa Cloctet da Silva. Consirugo da Nagio zescravidlaa no pensamento ve Tove Bonifieio: 1783-1823. Campinas: Editora da Unicamp/Centro de Memoria, 1999 € Throenando a Nato. Intelectuais ilusirados e estadistas luso-brasileros no oreptisculo do Antigo Regime Portugués: 1750-1822, Doutorado, Campinas: Deparamente de Histéria, Unicamp, aoe ox também Laicia Maria Bastos Neves. Corcundas, constitucionais ¢ pés-de-chamnbo: a ‘altura politica da Independencia (1820-1822). Rio de Jancixe: Revan-Faperj, 2002. 133 Yer Jodo Paulo G. Pimenta. Estado enago no fin dos impérias béricos 0 Prata, 1808-1828. Sie Paulo: Hucitee, 2002. sot eo Arnaldo Daraya Contier. Ideologia dominante om Sao Paulo através dos periédicos (1827- 1835) etudo do vocablério politico, Sao Paulo, 1972.¢ Maria Beats Nizza da Silva. Formas de representagito politica na tpoca da Independencia: 1820-1823, Brasilia: Camara dos Deputados, Centro de Documentagdo ¢ Informagio, Coordenasio de Publicagbes, 1988; Movimento constitucional eseparatismo no Brasil (1821-1823). Lisboa: Horizonte, 1988. 13s Para importante estudo de conjunto ver Marco Morel. [a formation espace publicmoderne 1 Ria de Janciro (1820-1840): opinion, acteurs etsociabiltt, Doutorado Universidade de Paris 1, oe: Haein eimprnsa. Rio de Jancio: Ueri/IFCH, 1998 e, em parceriarom Mariana Monteiro Jie Button, Palaora, Imagem e Poder. surgimento da imprensa no Brasi do séeulo XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2008. Trabalhos recentes tém enfocado também o papel da imprensa, em niliges sobreacurta duragio. Ver Isabel Lustosa. Insulios impresos -4 007 dos jornalistas ne Independencia (1821 1823). S20 Paulo: Companhia das Letras, 2000, Liicia Bastos Pereira das Neves. Op, cit; Maria do Socorro Ferraz Barbose. Libernis ¢ Liberni~ Doutorado. Séo Paulo: Universidade de So Paulo, 1991. Sobse os liberais, ver também Cecilia Helena de Salles Oliveira. A asticia liberal, op. cit. 136 Aqui também os estudos de Maria Beatriz Nizza da Silva foram pioneitos, Ver A primeira igazeta da Babia: Tdade d Ouro do Brasil Sio Pal: Cultrix, 1978. Ver também Marco Morel. Cirpriano Baraia na Sentinela da Liberdade, Salvador ‘Academia de Letras da Bahia-Assem- ida Legistativa do Estado da Bahia, 2001; Antonio Carlos Amador Gil. Projetos de Estado no “aloorecer do Império: Sentinela da Liberdade e Typhis Pernambucano: a formulagio de uin projeto “paomatrugio do Esindo. Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1991; Geraldo Martires Coelho, Anarguistas, demagogasedissidentes: a imprense liberal no Pard de 1822, Belém: Cejup 1993. \ INDEPENDENCIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILBIRA iil aspecto, € indispensavel mencionar 0 rico volume de ensaios interpretati- yos que acompanhou @ edigao fac-similar do jornal Correia Braziliense, wm dos mais importantes formadores de opiniao 20 longo do processo de eman- cipacao politica.” De modo cortelato, na mesma interface, tem-se Te- novado o interesse pela Magonaria, nao apenas no Rio de Janeiro, mas também em suas expressoes regionais."* Como desdobramento importante dessa convergéncia entre as esferas da politica ¢ da cultura, deve-sc indicar 0 surgimento de diversos estudos sobre o campo das representagoes. As festas, 28 ceriménias publicas, as formas artisticas, tm sido aspectos revisitados pelos pesquisadores, tanto nos estudos de época, como nas polissemias € mutagées das formas de incorporagzo da Independéncia no imaginério coletivo."? A NAGAO COMO CONSTRUGAO! MOSAICO O impulso mais recente recebido pelo debate historiografico sobre a emancipagao politica conecta-se @ movimentos que tém afetado a econe- mia global ¢ a entidade que tem sido a forma prioritaria de organizagao politica das comunidades humanas desde 6 século XIX: 0 Estado Nacio- nal. Um dos aspectos mais notérios desse fendmeno, sentido nas tiltimas décadas, € a crescente perda da capacidade regulatéria dos Estados Na- cionais sobre os fluxos financeiros que operam em ambito planetario, te- tirando da entidade estatal muito daquilo que @ tcoria keynesiana (¢ a filosofia politica) lhe haviam atribuido como possibilidade de fomentar pro- oe 1s Flipélito José da Costa ¢ 0 Gosrcio Brasifiense. Estudos. Sao Paulo: Imprensa Oficial-Correio Bruiliense-Labjor Unicamp, 2002, vol. XXX ‘Avg esta publicagao, 08 estudos mais ae gobre 0 coma cram 05 dc Carlos Rizaini, Hips ito da Costa e o Correio Brassiliense, S80 Paulo: Nacional, 1957 e Mecenas Dourado. ‘Hipélito José da Costa eo Correia Brasiienss 2vols. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1957. ww Bene Tavela Colveci. A snagonaria gaia no séetle XIX, Passo Fundo: Ediupf, 1998 Ale~ vnde Mansur Barata. Magonaria, sociabilidade i Indepenciinca (Brasil, 1790-1822). Doutorae do. Campinas: Unicamp, 2000; Celso Jaloro ‘Geile Jr. A magonaria baiana e sua histéria. Si sadon P&CA Ba, 2000. Ver também Marco More}, Sociabilidades entre luzes ¢ sombras: apontamentos para o estudo histérico das raconarias da primeira metade do sécule XIX. Pindos Histbricos, Rio de Janeiro, n° 28, 2001. 11 Ver Maria de Lourdes Viana Lyra. Meméria da Independéncia: marcos ¢ representagdes Ye poieas- Revista Brasileira de Historia, ol, 15,5" 12pm, 473-206, 1995; Joao P. Furtado.O ‘manta de Penelope: historia, miro ¢ meméria de Tnconfdeacia Mineira de 1788-89. Sio Paulo: Companhia das Letras, 2002; Iara Lis Carvalho Souza, Patria coroada. O Brasil como corpe polio autGnomo (1780-1831). Sao Paulo: Fedivora da Unesp, 1999. Sobre as mutagbes de pole na comemoragao da Independencia ver Noe Freire Sandes. Op. cit Liana Ruth Bergstein, Da imagem retérica:a quesiao da 1 ve dade na pintara de Pedro Américo no Brasil aera ta. S20 Paulo, 1998 Thais Nivia de Lima Fonsee’, Da infitmia ao altar da patria smeméria e rapresentacaes da inconfidencia mincira ¢ “de Tiradentes. Sio Paulo, 2001 ¢ Cecilia Tetena de Salles Oliveira. “Bspetdcula do Ypiranga”, ch 112 WILMA PERES COSTA gresso econémico e¢ produzir ordem social. Outro trago que tem desafiado a reflexao dos intelectuais e homens politicos € 0 reaparecimento, no ce- nério internacional, de manifestagdes de cunho nacionalista associadas & violéncia étnica. Se, com freqiiéncia preocupante, as agGes violentas tém partido dos Estados contra minorias no interior dos seus territérios, nfo tém sido incomuns as agdes contra instituigdes do Estado de direito, por minorias que reivindicam autonomia politica, @ pretexto das suas diferen- cas étnicas, lingitisticas ¢ religiosas. As manifestagdes mais contundentes tém-sc originado no Leste curopeu, a partir do desmoronamento do Im- pério Soviético ¢ da fragmentagio da Tugoslavia, ¢ no Médio Oriente, mas nao tém deixado imunes os paises europeus mais desenvolvidos. Nestes, © processo parece pér em causa a propria viabilidade da Unificagao Euro- péia, como entidade politica em que as nagdes encontrassem uma repre- sentatividade capaz de se coadunar com uma ordem estavel."” Uma idéia cara ao pensamento politico de esquerda, a da progressiva superagao do nacionalismo de contetido étnico-cultural pelo nacionalismo de tipo efvico (0 plebiscito cotidiano de Renan) vem sendo negada pelo noticidrio politi- co.'# A todos estes movimentos nao é estranho o fato de que os efeitos das transformagées em curso tém corrido paralelo & exacerbagao da xeno- fobia ¢ da vocacdo imperial no Estado nacional hegemdnico, os Estados Unidos da América do Norte. A contundéncia das mudangas tem-se revelado um desafio a todas as tradigdes tedricas que se empenhavam em interpretagdes de grande al- cance sobre 0 capitalismo e o seu devir. Elas tm atingido o marxismo de modo frontal, nio apenas porque seu epicentro se encontra no esfacela- mento do chamado “socialismo real”, mas porque ela faz re-emergira “ques- tio nacional”, tema caro aos debates marxistas do inicio do século XX, que a politica stalinista supés poder suplantar. Grandes transformagées € ctises da teoria costumam ser momentos fecundos para a disciplina hist6- tica. Elas tém suscitado, por isso mesmo, reflexdes de grande profundida- de nas quais a natureza ea hist6ria do fendmeno nacional tém recebido olhares renovados.'” ual 140 Paca uma interessante andlise dessa discussio, permeada pelo posicionamento dos histo- tiadores, ver Elias Palti. La nacién como problema — Los historiadores y la cuestién nacional. México: Fondo de Cultura Econémica, 2003 Lt Ver José Ramén Recalde. La construccién de las naciones. Madti: Siglo XX1, 1982, 142 Para uma viso panoramica do debate, ver Gil Delannoi & Pierre-André Taguieff (org.). ‘Toorias de! Nacionalismo, Barcelona-Buenos Aires-México: Paidés, 1993. Referéncias que permanecem sendo revisitadas na polémica atual sio José Ramén Recalde, op. cit; Emest Geliner. Nardes e nacionatismo, Lisboa: Gradiva, 1983; Benedict Anderson. Nagao e consctén- dia nacional, Si0 Paulo: Atica, 1989; Eric J. Hobsbawm. Nagdes ¢ nacionalismos desde 1780: programa, mito, realidade, Rio de Janeito: Paz Terra, 1990; Anthony Smith. Las teorfas del nacionalismo. Barcelona: Peninsula, 1976. A INDEPENDENGIA NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 113 Embora nao seja este o lugar para explorar as variadas dimens6es heu- risticas das grandes transformagdes aqui apontadas, penso que é relevante identificd-las como contexto de uma renovasao do interesse pelo tema da nag&o como fato politico ¢ como problema historiografico. Um dos efeitos mais notorios tem sido o de estimular a reflexio sobre as particularidades historicas das nagdes da América, seja no que se refere & dimenséo etno- cultural, seja no que toca a dimensio cfvica do nacionalismo.'* No caso da historiografia brasileira na qual sempre foi grande a permea- bilidade da temética da Independéncia a reflexao de carater identitario, 0 debate historiografico conecta-s¢ com 0s questionamentos sobre as for mas econdmicas, politicas ¢ culturais de insergo. da nagao brasileira em um contexto mundial em rapida transformagao. Nossas referéncias ¢ rai- nes ibéricas, africanas, latino-americanas, nosso mosaico de diversidades étnicas € regionais tém sido estimulos que se desdobram em diversas pos- sibilidades abertas A investigacao. Por outro lado, ac mesmo tempo que 4 questo da relagio entre as “partes” ¢ 0 “todo” ganha nova urgéncia, cla o faz em contextos que obrigam a desconstruir € refazer idéias anterior- mente assentes, como as de “centro” ¢ “periferia”, ou a da inevitabilida- de histética de nossa unidade territorial e politica. Esse modo de conceber a temética tem buscado pensar 0 processo de emancipacao politica como momento crucial de um processo de transformagao das identidades coleti- vas preexistentes € de suas miltiplas formas de politizagao. A nogio de identidades poltticas coletivas tem, desse modo, operado como chave para construcio de hipéteses fecundas de pesquisa, pois tem favorecido a pro- blematizagao das “relagdes entre as partes ¢ 0 todo” € a recuperagio da operacionalidade empfrica da idéia de crise do sistema colonial. Seu nexo _ ve Anélises de grande repercussio na reflexio americana slo de Jack Greene, Negotiated ‘Authorities, Essays in Colonial Political and Constitutional History. Charlottesville e Londres: University Prose of Vieginia, 1994; Anthony Pagden. The Uncertainties of Empire: Essays in Torin and Ibero-American Intellectual History. Brookfield, Vts Ashgate Pub. Co., 1994 ¢ Anthony Pagden (ed.). Facing Each Other: The World's Perception of Europe and Europe’ Paraption ofthe World, Aidershot, Hampshire, Great Brtain-Burlington, Ve: Ashgate/Variorum, 2000. Vor também Anthony Pagden & Nicolas Canny (org). Colonial Identities in the Atlantic World, 1500-1800, Princeton: Princeton University Press, 1987. Dos estudos produzidos na América Latina, a grande referéncia tem sido os trabalhos de José Carlos Chiaramonte, Ver especialmente Ciudades, provincia, Estados: origenes dela nacién argentina (1800-1846), Buenos ‘kes Ariel, 1997, “Formas de identidad politica en el Rio de la Plata lucgo de 1910”, in: Bo- ‘otis del Instituto de Historia Argentina y Americana «Dr. E. Ravagnanin”, 3° Serie n° 1, 1° sem. 1989, “El federalismo argentino en la primera mitad del siglo XIX”, in: Marcelo Carmag- nani (ong. Federatismos latinoamericanos: Méxice, Brasil, Argentina. México, DF: Fondo de Cultura Econémica, 1993. + Q goneeito deve muito as formulagdes de José Carlos Chiaramonte, em: “Formas de identidad politica on el Rio de fa Plata luego de 1810", in: Bolen del Instituto de Historia Argentina y “Americana «Dr, Emilio Ravignani»”, 3 série, n° 1, Buenos Aires, 1989. 114 WILMA PERES COSTA comum € 0 acento sobre a dimensio construida € multifacetada da nacio- alidade brasileira e a busca de mediagdes pelas quais ela possa set perce- bida pela pesquisa historiografica- = Assim, a crise do Antigo Sistema Co- lonial, entendida como dimensao particular da crise do Antigo Regime, € apreendida por meio das praticas dos agentes sociais que as viveram, ten- do em conta que “a crise nao aparece > consciéncia dos homens como modelo em vias de esgotamento, mas Como percepgao da perda da opera- cionalidade de formas consagradas de reiteragio da vida social. [.. .] € na busca de alternativas que 4 crise se manifesta, é nela que adquire efetiva vigéncia”. Fssas inquictagdes convidam a renovacao de paradigmas, mas também a refazer trajetorias © reciclar matrizes tedricas que apontem para inter- pretagdes de Jargo espectro, mesmo quando materializadas em. estudos sobre temas pontuais. Em metéfora das mais felizes, {stvan Janesé, profi- cuo peregrine dessas novas sendas, referiu-se a nacionalidade brasileira como um “mosaico”, sublinhando simultancamente @ sua feicao, compési- ta e seu carater de artefato, de coisa operosamente construfda.""* Essa perspectiva impoe uma nova maneira de conceber a crise do siste- ma colonial, pois ela aparece materializada em uma miriade de manifesta- des socials, apontando para & importancia do estudo de suas expressdes no plano do cotidiano e das formas de sociabilidade, bem como para as ouangas contidas na esfera da mutagio dos vocabularios politicos. Revol- vendo terreno semeado por Caio Prado Junior com os jnstrumentos dessa nova histéria politica, @ exploragio das formas de sociabilidade permite observar modos como @ crise afetava de modo diferenciado os estratos sociais distintos. A politizagio das identidades étnicas € © universo de pré- ticas dos homens livres ¢ pobres incorporamese assim ao mosaico, media- das pelas diferengas sociais ¢ regionais. A sinalizagao da crise do sistema no plano das praticas assinala-se, nessa interpretagao, pela emergéncia de uma nova cultura politica, em contraste com a que havia sido dominante vis A necessidade dessa operacionalidade empitica vinba sendo sentida desde 0 proprio est" elecimento desse paradigms, VeF por meemplo Francisco Faleén & Limar Maxtor: “Oo processo de Independencia no Rio de ‘anciro”, in: Carlos Guilherme Mora, 1822: dimen- ses, pp 292-340. Gs teuvdn Jancs6 & Joo Paulo Garrido Pimene. «pegas de um mosaieo: apontamentos pare cyendo da unidade nacional brasileira”, in: 1 ae Guilnerme Mota (org) Viqgem incomplea- 3 experiéncia brasileira (1500-2000). srormagao: istéias. Sao Paulo: Senac, 2000 Ver, tam bem, Istvin Jancs6, “A constragdo dos econ nacionais na América Latina, aponrarsent® para o estudo do Império come ‘Projetc” in: Tanmés Samareesényi & Jose Roberto do Amaral Lapa. Historia econdnica da Tndependencia edo Império. Sao Paul: Hlucitec-Fapesp, 1996;Na savin contra 0 Império. Histéria do ensaio de sedigao de 1798. Sio Paulo: Hucivec, 1996 € Tdentidadespoliticas coletoas no desdobramento cada dato Sistema Colonial (1798-1822 ). MAMI] Sienpésio Nacional de Hist6ria/Anpuhs 1998, Recife: Universidade Federal de Pernambuco (impresso)- A INDEPENDENCIA NA HISTORIOGRAFIA BR ASILEIRA 115 no absolutismo ilustrado, confinada ao universo das elites. A cultura politi- ca que emerge 1 crise tem ainda os Jetrados por portadores, mas estes aparecem a0 lado (¢ em relagdo com) homens de categoria social inferior A relagdo entre as camadas letradas © as nao letradas torna-s¢ estratégica para compreender as novas formas de mobilizagao politica.” Por outro lado, enfatizando a jdéia da articulagao entre a crise do siste- ma colonial articulada & crise do Antigo Regime, Istvan Jancs6 tem enfati- zado nela 0 efeito diversificado nas diversas abrangéncias do sistema: 0 Império Portugués em seu conjunto, 4S distintas partes da América portu- guesa, as distintas esferas de organizacao do poder (0 plano local, o plane das capitanias/provincias, 0 plano Jon vice-reinos). Percebida dessa ma acira, sublinhando & transformagao das formas ge sociabilidade ¢ dos mo- dos de agio politica, essa linha procur combinar a idéia da Independéncia como processo de longa duragio, quando visto em seu conjunto, com 2 jdentificagao de distintas temporalidades da manifestagao da crise, no pla- no das partes do Lmpério. F aqui que 0 conceito de identidades politicas coletivas revela sua fecundidade, a0 sublinhar que Tea) @. instauragao do Estado brasileiro se d4 em meio & coexisténcia, nO interior do que fora anteriormente @ América portuguesa, de'miltiplas identidades politicas, cada qual expressando crajetérias coletivas que, reconhecendo-se partici ares, balizam. alternativas de seu futuro. Essas identidades polfticas cole- tivas sintetizavam, cada qual & sua manceira, 0 passado, 0 presente € 0 futuro das comunidades humanas em cujo interior cram engendradas, cujas ofga- nicidades expressavam € cujos furures projetavam. Nesse sentido, cada qual referia-se 2 alguma realidade e a algum projeto de tipo nacional.” ‘A idéia de identidades politicas coletivas pressupoe ¢ incorpora 2 dind- mica dos conflitos, pois concebe tais identidades em construgao balizada por alteridades que sao também miiltiplas & dinamicas. A vantagem dessa perspectiva tem sido a de permitir pensat © process de emancipagao po- Iitica ao arrepio da visao tradicional (a partir do Rio de Janeiro e de sua jrradiagao), mas também suplantar © horizonte que conforma seu Opasto (0 estudo das manifestagoes regionais de um fenémeno pensado como univoco), © que se busca, aquis € compreender as “partes” em sua com- plexidade propria e, a0 mesmo tempo, nas alteridades que 4 cada momen- ——— vo Yon Janes6. “A sedugao da liberdade” in emando Novais (dic). Histéria da vida prio dena Brasil, Sio Paulo: Companbi das Lens 1997, vol. 1, pp. 388-437 (Cotidiane © vida privada na América portuguesa). AS possibilidades teércas abertas por o8 perspectiva tem Pcetado estudos sobre temas anteriorments ‘pouco estudados, como & 0 c280 da insergao prablemética dos homens livres © pobres nas milicias ens Forgas armadas profissionais. Ver vexempio no artigo de Luiz Geraldo Silva Negros patriotas. Racac identidade social na formasdo do Estado nagao (Pemambueos F970.1830)", in: Istvan Jancsé (O¥E.) Brasil: for- nag do Estado eda naga, Sto Pavilo-Livk “Hucitec-Fapesp-Unijui, 2003 vu Totvdn Jancs6 &¢ Jodo Paulo Garrido Pimensa- Degas de um mosaice. ..”) pp. 131-2 116 WILMA PERES GOSTA to a pratica politica enfatizava. Desse modo, concomitantemente com a “viragem” pela qual “consquistadores/colonizadores” tornavam-se “colo- nos”, processava-se uma alquimia complexa de alteridades “[.. .] Assim é que os colonos de Gio Paulo reconheceram-se como paulistas, mas por aqueles outros dos dominios do Rei de Espanha com quem se defronta- vam, eram percebidos, antes de tudo, como portugueses, € era assim que se sabiam diante dos espanhdis. Portanto, ser paulista, pernambucano ou bahiense significava ser portugués, ainda que se tratasse de uma forma diferenciada de sé-lo. O que interessa ressaltar aqui, € concomitante emergéncia de trés diferencas. A primeira € aquela que distinguia um por tugués da América (p. ex: um baiense) de todos que nao fossem portugue- ses (holandeses, franceses, espanhéis). A segunda, simulténea com a ante rior, € a que lhe permitia distinguir-se, ao bahiense, de outros portugueses (p. ex: do reinol, do paulista). Finalmente, uma terceira diferenga é a que distingue, entre os portugueses, aqueles que sao americanos dos que no partilham essa condigio”."° Esse novo paradigma historiogréfico tem suscitado uma nova safra de trabalhos sobre a Independéncia nas “partes” do Brasil, atentando para as especificidades da dinamica politica em cada uma delas, nao apenas no que se refere As temporalidades diversas, mas também as dindmicas dis- tintas dos conflitos de classes ¢ das variéveis de carater identitério.'° ‘Ao mesmo tempo, a idéia de uma dinamica propria as “partes” permite lancar uma nova luz sobre as articulagées dos processos que s¢ desenrola- vam concomitantemente em Portugal ¢ no Reino do Brasil ¢ 0 cardter mutante dos horizontes politicos no desenrolar da crise. A perspectiva tem possibilitado langar uma luz nova sobre episédios bastante estudados ¢ renovar a interpretagio de temas consagrados tanto no desenrolar da rup- tura com Portugal, como, posteriormente, na consolidagao do Estado.’ a 10 “Jgevin Janes & Jodo Paulo Gartido Pimenta. “Pegas de um mosaico. .”, pp. 136-7 15) Dantes oe tabalhos que nascem desta perspectiva ver Roberta Giannubilo Stumpf. Filho: se vane, ameriaanos e portuguese: identidadescoletvas na enpitenia das Minas Gerais (1763- 1792), Mestrado, Sto Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras ¢ Ciéncias Humanas, Universi- sac ade Sto Paulo, 2001; Thomas Wisiak. A “Nagéo partida ao meio": tendéncias politicas na sae cncanieda Inplri luso-braslero (1821-23), Mestrado. Sio Paulo: Faculdade de Filoso- fia, Letras ¢ Ciéncias Humanas, Universidade de Sto Paulo, 2001; Denis Anténio de Mendonga Bemnatdes, O patriotism constitucional: Pernambuco, 1820-1822. Doutorado, Sto pats: Peeuldade de Filosofia, Letras ¢ Cigncias Humanas, Universidade de Sto Paulo, PaO. Pasa umn trabalho pioneio em perspectiva convergente ver Marcus Joaquim Maciel D Carsalho. Hegemony and Rebelion in Pernambuco Brasil), 1821-1835, Doutorado, University of Illinois at Urbana-Champaign, 1989. 151 Ver, por exemplo, Mércia Regina Berbel. A nagdo como artefato:deputados do Bresilnas Cortes portuguesas, 1821. 1822. Sto Paulo: Hucivee-Fapesp, 1999, onde a autora procura comPrcen- jer a dindmica das varias identidades politicas em conflito nas Cortes portuguesas, desconstruindo uma interpretagio que gozava de grande consenso: a de que a TupHura se

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