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(VJ Estratégia CONCURSOS Aula 00 DST CRI en CR oir ie nee Creo) Professor: Ricardo Vale \CION cI Prof* Nadia / Prof. AULA 00 INTRODUCAO AO DIREITO INTERNACIONAL Introducao ao Direito Internacional .. 1 - Conceito de Di 2 - Origens do Direito Internacional 3 - A criacdo das norm: 4 - Caracteristicas da Sociedade Internacional. 5 - Carter Juridico do Direito Internacional 6 - Fundamento do Direito Internacional 7 - Tendéncias Evolutivas do Direito Internacional 8 - Direito Internacional - Coexisténcia, Cooperacao e Sol Fontes do Direito Internacional 1 - Fontes Formais X Fontes Materiais: 2- O art, 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justia: 3 - Tratados internacionai: 5 - Principios Gerais de Dire’ 6- Jurisprudéncia e Doutrina: 7- Outras fontes de DIP: Lista de Questées . Gabarito ... www.estrategiaconcursos.com.br 1de69 eS TS Prof* Nadia/ Prof. R Ola, pessoal! Tudo bem? E sempre muito bom estar aqui com vocés. Meu nome é Ricardo Vale e, desde 2009, sou professor de Direito Internacional Publico e Direito Internacional Privado. Minha missao, aqui, seré guiar-Ihes, da maneira mais objetiva possivel, rumo a aprovacéo na Magistratura Federal. O assunto é extenso, mas é plenamente possivel que vocé o entenda de maneira bem tranquila. Pelo que vocé podera ver, 0 concurso da Magistratura Federal cobra conhecimentos de Direito Internacional Publico e de Direito Internacional Privado. A programacéio do nosso curso é a seguinte: Assunto Data ‘Aula 00 _| Direito Internacional Publico. Conceito. Fontes. Principios. | 410/05. ‘Aula 01 Direito dos Tratados. (Parte 1) 17/05 Aula 02 Direito dos Tratados. (Parte 2) 24/05 Aula 03 ‘Sujeitos de DIP: Estados. Imunidade a Jurisdigao 31/05 Estadual. Responsabilidade Internacional. ‘Aula 04 ‘Sujeitos de DIP: Organizacées Internacionais. Tribunal | 07/06 Penal Internacional. ‘Aula 05 Nacionalidade: Estatuto do Estrangeiro; Estatuto da 14/06 Igualdade. Asilo Politico. ‘Aula 06 Direito Comunitério. Formas de integracao. Mercado 21/06 Comum do Sul. Caracteristicas. Elementos institucionais. Protocolo de Assuncao. Protocolo de Ouro Preto. Protocolo de Olivos. ‘Aula 07 | Conflitos Internacionais. Meios de solugo. Diplomaticos, | 29/06 politicos e jurisdicionais. Cortes internacionais. Dominio Publico Internacional. Mar. Aguas interiores. Mar territorial. Zona contigua. Zona econémica. Plataforma continental. Alto-mar. Rios internacionais. Espaco aéreo. Principios elementares. Normas convencionais. Nacionalidade das aeronaves. Espaco extra-atmosférico. ‘Aula 08 _ | Protecdo Internacional dos Direitos Humanos. Declaracao | 05/07 Universal dos Direitos Humanos. Direitos civis, politicos, econémicos e culturais. Mecanismos de implementacao. Nogées gerais. ‘Aula 09 Direito Internacional Privado brasileiro. Fontes, Conflito | 12/07 de leis no espaco. Normas indiretas. Qualificacéo prévia. Elemento de conexao. Reenvio. Prova. Direito estrangeiro. Interpretacdo. Aplicacdo. Excecdes & aplicagdo. Processo internacional. Competéncia jurisdicional nas relacdes juridicas com elemento estrangeiro. Cartas rogatérias. Homologacao de sentencas estrangeiras. www.estrategiaconcursos.com.br 2de69 mee TS Prof* Nadia/ Prof. R ‘Aula 10 Contratos internacionais. Cldusulas tipicas. Protocolo de | 19/07 Las Lends. Prestago de Alimentos no Estrangeiro. Nosso curso terd centenas de questées, todas elas comentadas. £ praticando que vocé conseguira levar todo 0 conhecimento para sua meméria de longo prazo e, assim, ter um excelente resultado no dia da prova. Abragos, Ricardo e Nadia “O segredo do sucesso é a constancia no objetivo”. www.estrategiaconcursos.co 3de69 eS oS —— == Prof* Nadia/ Prof. R roducao ao Direito Internacional “Nao podemos tomar uma posicdo perante o Direito sem antes termos tomado uma posicéo perante Deus, 0 Homem e 0 Universo.” (Francois Geny) 1 - Conceito de Direito Internacional Para Celso D. de Albuquerque Mello, a cada sociedade corresponde um determinado sistema juridico.! A sociedade internacional corresponde, portanto, o Direito Internacional. Por maiores que sejam as diferengas entre a ordem juridica interna e a ordem internacional, n&o se pode negar a presenga de um arcabougo juridico que rege a vida e as relagées internacionais. E a esse conjunto de normas juridicas (principios e regras) que denominamos Direito Internacional. © conceito de Direito Internacional ndo é estatico; ao contrario, ele evolui com © passar dos tempos, na medida em que também evolui a sociedade internacional. O Direito e a sociedade esto, afinal, em permanente interacdo, condicionando-se reciprocamente. Durante muito tempo, considerou-se que a sociedade internacional era composta apenas por Estados. Nesse contexto, 0 Direito Internacional era visto como 0 “conjunto de regras que determina os respectivos direitos e deveres dos Estados em suas relagdes mutuas”.’ A sociedade internacional, todavia, evoluiu consideravelmente, em especial ao longo do século XX, tornando-se, inegavelmente, mais complexa. Além dos Estados, passaram a influenciar a dindmica das relagées internacionais varios outros atores internacionais, como as organizacées internacionais, as ONGs, as empresas transnacionais e até mesmo os individuos.’ O comércio internacional, os investimentos internacionais, 0 desenvolvimento dos transportes e das telecomunicagées foram fendmenos que intensificaram ainda mais as relacées internacionais e aprofundaram a globalizacdo econémica, cultural, social politica. Os Estados e os povos est&o, em virtude da globalizagdo, muito mais préximos uns dos outros. Alguns temas tornaram-se, justamente em virtude * MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Publico, 1° volume, 11a edigao. Ed. Renovar, 1997, pp. 41. ? MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Puiblico, 1° volume, 11a edico. Ed. Renovar, 1997, pp. 63. Citagdo do autor francés Paul Fauchille. 3 Mais & frente em nosso curso, estudaremos sobre a respeito da diferenca entre atores internacionais e sujeitos de direito internacional. www.estrategiaconcursos.com.br Ade 69 mee TL == Prof* Nadia/ Prof. R dessa proximidade, o centro das preocupagdes da humanidade, tais como meio ambiente, protecdo aos direitos fundamentais e terrorismo. Nesse novo contexto, 0 conceito de Direito Internacional se amplia. Nao mais abrange apenas regras, mas também principios. N&o mais se limita a regular as relagées internacionais, mas passa a reger as relacdes entre todos os atores internacionais. Seu leque de preocupacées se torna abrangente: longe de versar apenas sobre a guerra e paz (como em suas origens), passa a tratar dos mais diversos temas do interesse comum da humanidade. E bastante atual a definic&o de Celso Mello, para quem o Direito Internacional "€ 0 conjunto de normas que regula as relacées externas dos atores que compéem a sociedade internacional”.* Mais completa, todavia, é a definic&o trazida pelo Prof. Valério Mazzuoli®: “O Direito Internacional pode ser conceituado como 0 conjunto de principios e regras juridicas (costumeiras e convencionais) que disciplinam e regem a atuagao e a conduta da sociedade internacional (formada pelos Estados, pelas organizacées internacionais e também pelos individuos), visando alcangar as metas comuns da humanidade e, em ultima andlise, a paz, a seguranca e a estabilidade das relagdes internacionais”. Em nossa opiniao, 0 conceito apresentado por Mazzuoli é o melhor de todos, pois busca abarcar as fontes normativas (principios e regras juridicas), os sujeitos de Direito Internacional (Estados, organizacées internacionais e individuos) e as matérias reguladas pela ordem juridica internacional (“metas comuns da humanidade”). Trata-se de visio moderna, que ilustra perfeitamente o atual papel do Direito Internacional na dinamica das relagdes internacionais. S&o varias as perspectivas sob as quais se pode analisar a sociedade internacional: perspectivas politica, cultural, militar, econémica e social. A perspectiva juridica é uma delas, no menos importante que as outras. Conforme ensina Malcolm Shaw, 0 Direito é 0 elemento que une os membros de uma sociedade em torno de um conjunto de valores em comum. Ele (0 Direito) ira refletir, em certa medida, as ideias e as preocupacées da sociedade dentro da qual opera.® * MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Publico, 1° volume, 11a ‘0. Ed. Renovar, 1997, pp. 63. °MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Publico, 4° ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pp. 55. “SHAW, Malcolm N. Direito Internacional. Sao Paulo: Ed. Martins Fontes, 2010. pp.1-2. www.estrategiaconcursos.com.br 5de69 eS « TS Prof* Nadia/ Prof. R Com 0 Direito Internacional n&o serd diferente. Ao regular a sociedade internacional, ele reflete as grandes preocupagées da humanidade: protegio ao meio ambiente, seguranga climatica, manutengdo da paz e seguranga internacionais, crimes transnacionais, relagdes econémicas internacionais (comércio internacional, cooperacao monetaria), dentre outras. 0 Direito Internacional se ocupardé de todas essas questées, as quais, em virtude de sua complexidade, ndo podem ser enfrentadas por nenhum Estado, isoladamente considerado. Desse modo, além de buscar a convivéncia harmoniosa entre os membros da sociedade internacional, 0 Direito Internacional regularé os temas de interesse comum da humanidade. E facil perceber como surge o direito internacional! Imaginemos um pequeno agrupamento humano vivendo isoladamente do mundo em situagdo primitiva. Seguindo a maxima “ubis societas, ibi jus” ’, surgem normas que regulam as relagées sociais, econémicas e politicas entre esses individuos. Entretanto, nesse mesmo mundo imaginario, ha outros agrupamentos humanos que vive isoladamente, os quais também s&o regulados por ordenamentos juridicos proprios. Aj 6 que nés nos perguntamos: 0 que ocorrera quando for rompida a situacdo de isolamento em que vive cada um desses agrupamentos humanos? O que ocorreré quando um tiver contato com o outro? Quando for rompida a situacdo de isolamento, esses grupos precisaréo conviver em harmonia. Assim, haveré a necessidade de que seja criada uma ordem juridica destinada a regular a relagdo entre eles, sem a qual estariamos diante de uma situacéio em que imperaria o desequilibrio e 0 caos. Transpondo esse exemplo para a sociedade internacional, percebe-se que cada Estado possui seu ordenamento juridico proprio, sem prejuizo de um ordenamento juridico internacional, competente para regular a sociedade internacional. 2 - Origens do Direito Internacional 2.1 - Surgimento do Direito Internacional 0 Direito Internacional, enquanto regulador da sociedade internacional, nao & uma criag&o recente. 7 “ubis societas ibi jus” é expressio latina que significa que onde houver uma sociedade (agrupamento humane) haveré uma ordem juridica, isto é, haverd o di www.estrategiaconcursos.com.br 6 de69 ee TS = Prof* Nadia/ Prof. R Malcolm Shaw observa que certos elementos basicos do Direito Internacional j podem ser observados na Antiguidade, dos quais sao exemplos o tratado celebrado entre Lagash e Umma (por volta de 2100 A.C) e 0 tratado entre Ramsés II (faraé do Egito) e o rei dos hititas.’ Na Antiguidade, porém, a nogio de “sociedade internacional” era bastante incipiente e limitada. As relages internacionais eram limitadas, geografica e culturalmente. Na Grécia, 0 embriéo do que hoje pode ser chamado de Direito Internacional regulava t&o-somente as relacdes entre cidades-Estado. Nao existiam, afinal, Estados modernos conforme concebemos hoje. O desenvolvimento da noggo de “sociedade internacional” pode ser identificado com maior preciso entre os romanos. Foi no Ambito do direito romano que se cunhou a expressao jus gentium (“direito das gentes"). Enquanto o jus civile regia aplicava-se entre os cidaddo romanos, o jus gentium se aplicava as relagdes entre os cidadaos romanos e os estrangeiros ou entre os estrangeiros. Com o passar dos anos, o jus gentium acabou suplantando o jus civile, tornando-se o direito comum a todo o Império Romano. Na Idade Média, também se identificam elementos embriondrios do Direito Internacional. Cita-se, nesse sentido, 0 cardter supranacional do direito canénico (que evidenciava a autoridade suprema da Igreja) e o desenvolvimento de cédigos comerciais e maritimos (que, embora fossem expressdes do direito interno, evidenciavam o incremento das relagdes internacionais).? Pode-se afirmar, entretanto, que foi na Idade Moderna (1453-1789) que o Direito Internacional se consolidou enquanto ciéncia auténoma. A Reforma Protestante e as guerras religiosas que @ seguiram ("Guerra dos Trinta Anos”) minaram o poder da Igreja Catélica e fortaleceram os Estados nacionais. Os Tratados de Westphalia (1648) colocaram um fim a Guerra dos Trinta Anos e consolidaram um sistema interestatal, langando as bases do moderno Direito Internacional. Consolidou-se uma ordem internacional baseada na soberania dos Estados, em contraposic&o aquela que baseava-se na supremacia religiosa. Os Estados se tornaram, assim, os grandes protagonistas da vida internacional. Nos seus primérdios, 0 Direito Internacional se preocupava, em esséncia, com a guerra e a paz entre as nacées. Era, assim, um “direito da guerra”. Hugo Grécio, considerado por muitos o “pai” do direito internacional, escreveu obra denominada “De jure belli ac pacis" (“direito da guerra e da paz). ° SHAW, Malcolm N. Direito Internacional. Sao Paulo: Ed. Martins Fontes, 2010. pp.12 - 16. * SHAW, Malcolm N. Direito Internacional. Sao Paulo: Ed. Martins Fontes, 2010. pp. 16 - 19. www.estrategiaconcursos.com.br 7de69 mee TS \CIONA GIs Prof* Nadia/ Prof. R A expresso “direito das gentes" foi a primeira empregada para se referir & regulagdo da sociedade internacional. Jeremy Bentham (1780) foi quem cunhou a expressio “Direito Internacional”, em sua obra “An Introduction to the principles of moral and legislation". Usava ele a express&o “international law" com o objetivo de afirmar a existéncia de um direito “entre as nacdes’, um direito “entre Estados”. Ao longo do século XX, a expressdo “Direito Internacional” foi substituindo a antiga expressao “direito das gentes”. Hoje, a terminologia “Direito Internacional” j4 no & mais adequada, uma vez que este nao se trata apenas de um direito interestatal (direito “entre Estados). Com a evolug&o da sociedade internacional, outros sujeitos também participam da criago e aplicago das normas internacionais, como é 0 caso das organizacdes internacionais e dos individuos. Em razéio disso, parece-nos que, nos dias atuais, a expressdo “direito das gentes” ganha forca, sendo sua utiliza&o plenamente adequada. 3 - Acriagdo das normas internacionais A criagéio das normas internacionais, obrigatérias para os Estados, é explicada a partir de duas grandes teorias: o jusnaturalismo e 0 positivismo. Os primeiros pensadores do Direito Internacional, Francisco de Vitéria (1480- 1546) e Francisco Suarez (1548-1617) eram jusnaturalistas. Assim também 0 era Hugo Grécio (1583-1645), considerado por muitos o “pai” do Direito Internacional, que escreveu obra sobre a guerra e a paz entre as nacées. No pensamento jusnaturalista, havia limites 4 vontade do Estado (“soberania limitada”). Num primeiro momento, as limitagdes estavam na “lei ina”; posteriormente, na razio humana ou em consideragdes de justica. Desse modo, para os jusnaturalistas, existia algo acima da vontade dos Estados: 0 “direito natural”. 0 positivismo no Direito Internacional ganha forga com Bynkershoek (1673- 1743)", que abandonou a ideia de direito natural de Hugo Grécio. Do inicio do * Cornélio Von Bynkershoek (1673 - 1743), holandés, foi o precursor da escola Positivista no direito internacional. £ muito conhecido por ter definido a extensao do mar territorial como sendo a distancia de um “tiro de canhao”. www.estrategiaconcursos.com.br Bde69 mee TS Prof* Nadia/ Prof. R século XVIII até 0 inicio do século XX, 0 positivismo prevaleceu como explicago para a criag3o das normas internacionais. Segundo os positivistas, apenas seriam relevantes aqueles fenémenos que pudessem ser empiricamente comprovados em uma investigac&o cientifica. Tinha um viés pratico: buscava verificar como os acontecimentos tal como ocorriam e discutir os problemas que surgissem.'* Nesse sentido, para os positivistas, apenas as normas criadas pelos Estados eram reais. Nao existiriam, para eles, normas alheias a vontade dos Estados. O Direito Internacional, na vis&o positivista, seria 0 conjunto de normas criadas pelos Estados para reger suas relagdes. O Caso Létus, julgado pela Corte Permanente de Justica Internacional (CPJI) em 1927 foi a expresséo maxima do positivismo no Direito Internacional. Em um breve resumo, o que aconteceu foi o seguinte. Embarcagio francesa (S.S Létus) colidiu com um barco turco (Bouz Kourt) em alto mar, 0 qual partiu-se em dois. Os franceses se esforcaram para salvar os marinheiros turcos. Morreram 8 marinheiros turcos; 10 marinheiros foram salvos. A embarcacéo francesa (S.S Létus) seguiu sua viagem até Constantinopla. O comandante francés foi preso pelas autoridades turcas. A Franca recorreu & CPJI, alegando que n&o haveria norma de direito internacional que permitisse que 0 comandante da embarcacao francesa fosse julgado pelas autoridades turcas. O acidente, afinal, teria ocorrido em alto mar, fora da jurisdicéo da Turquia. A CPJI, ao examinar a controvérsia, concluiu que as restri¢ées impostas 4 independéncia dos Estados no s&o presumidas. Em outras palavras, ndo se poderia presumir que a Turquia nao poderia processar e julgar o francés pelo ilicito ocorrido em alto mar. Assim, a legislagao turca (que autorizava esse julgamento) deveria ser obedecida, a no ser que houvesse norma expressa de direito internacional impedindo 0 julgamento. Segundo a CPJI, nao se pode presumir que exista uma norma limitando a independéncia do Estado. Na metade do século XX, 0 pensamento jusnaturalista voltou a influenciar a criag&o das normas internacionais. O positivismo enfraqueceu-se, em especial em virtude das criticas sofridas. A maior delas é a de que nao havia limites & vontade dos Estados, o que evidenciava um conceito absoluto de soberania. Modernamente, ha que se considerar um conceito de “soberania relativa”. A vontade dos Estados é limitada por normas superiores, que se impdem a toda a sociedade internacional. Surge a nog&o de normas “jus cogens", assim denominadas as normas imperativas de direito internacional geral, da qual * SHAW, Malcolm N. Direito Internacional. Sao Paulo: Ed. Martins Fontes, 2010. pp.21. www.estrategiaconcursos.com.br 9 de 69 mee TS \CION) GIs Prof* Nadia/ Prof. R nenhuma derrogag&o é possivel. Trata-se de normas t&o importantes que vinculam todos os Estados, independentemente do seu consentimento. Um exemplo de norma jus cogens € a proibigéo da escravidao. Dois Estados jamais poderiam celebrar um tratado autorizando o trafico de escravos; caso 0 fizessem, esse tratado seria nulo de pleno direito. Observe que uma visdo positivista do Direito Internacional é incompativel com o novo momento da sociedade internacional. E inegavel que existem normas que sao dotadas de uma carga axiolégica to elevada que irdo vincular toda os sujeitos de Direito Internacional. A visdo jusnaturalista também causa repercussées no direito interno dos Estados. Exemplo disso é a visio que se tem, hoje, acerca do Poder Constituinte Originario ("poder de elaborar uma nova Constituigéo"). Durante muito tempo, o Poder Constituinte Originario foi visto como sendo ilimitado. Atualmente, essa visio n&o mais se sustenta. Autores como o Prof. Canotilho reconhecem que o Poder Constituinte Origindrio deverd observar'”: a) "padrées e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciéncia juridica geral da comunidade e, nesta medida, considerados como vontade do povo"; b) “principios de justica que, independentemente de sua configuracao, s&0 compreendides como limites da liberdade e onipoténcia do poder constituinte”. ©) "principios de direito internacional (principio da independéncia, principio da autodeterminagao, principio da observancia de direitos humanos)”. Atualmente, a producéio das normas internacionais ndo é mais apenas uma exclusividade dos Estados. Ao contrério, hé uma multiplicagdo das fontes normativas (“descentralizagéo normativa”). Varias organizacées internacionais ja podem, por vontade prépria e independentemente dos Estados, produzir normas internacionais. Como exemplo, cito as Recomendacées da OIT, que sé adotadas diretamente por essa organizaco internacional. Hora DE raticar! * CANOTILHO, J). Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituicao. 7a Almedina: 2003, pp. 81. www.estrategiaconcursos.com.br 10 cle 69 wee lS Ol — 1. (Consultor Legislative - Camara dos Deputados - 2014) 0 internacional piblico surgiu na Idade Moderna, como dis juridica subsididria ao poder absolutista dos soberanos europeus e do Estado nacional moderno, a partir de estudos sobre direitos referentes a guerra e a paz entre as nagées. Comentarios: 0 direito internacional se consolidou como ciéncia moderna durante a Idade Moderna. Um dos grandes marcos para o direito internacional foi a celebracao dos Tratados de Westphalia, que foram a base de uma ordem juridica internacional fundada na soberania dos Estados. Hugo Grécio é considerado o “pai” do direito internacional, tendo desenvolvido estudos sobre a guerra e paz entre as nagées. Questo correta. 2. (Consultor Legislativo - Camara dos Deputados - 2014) Entre os holandeses precursores do di internacional, destaca-se Corn: Von Bienkershoek, que propés a célebre teoria da bala de canhao como critério para definir a extensdo do poder dos reis em relagdo ao mar adjacente. Comentarios: Cornélio Von Bynkershoek é conhecido por ter definido a extenséo do mar territorial como sendo a distancia de um tiro de canhao. Questo correta. 4 - Caracteristicas da Sociedade Internacional 4.1 - Comunidade Internacional X Sociedade Internacional Conforme j4 comentamos, o direito internacional é responsavel pela regulagao da sociedade internacional. Ao ler 0 texto de alguns tratados, todavia, percebe-se que é bastante comum a utilizaco do termo comunidade internacional. Sera que existe alguma diferenca entre sociedade internacional e comunidade internacional? Sim. A doutrina aponta que ha diferencas relevantes entre sociedade internacional e comunidade internacional. Quando se diz “comunidade internacional”, a referéncia que se faz € a existéncia de lagos espontaneos que ligam os Estados em torno de objetivos em comum. Em uma comunidade internacional, o comprometimento entre os seus membros € profundo e sua www.estrategiaconcursos.com.br 11 de 69 cior GIST Prof* Nadia/ Prof. R origem é natural. Eles permanecem unidos apesar de tudo aquilo que os separa. J& a expressdo “sociedade internacional” se refere a uma ligacéo entre os Estados que encontra fundamento na vontade de cada um deles. Nao hd um vinculo espontaneo que os liga; é a necessidade de cooperacéio que os une em torno de objetivos comuns. Na sociedade internacional, 0 comprometimento entre os seus membros é superficial (existe uma “relag&o de suportabilidade” entre eles). Sua formacao € voluntéria e refletida, ou seja, € producéo da vontade dos seus membros, que se unem com uma finalidade especifica. Os membros de uma sociedade internacional permanecem separados apesar de tudo o que os une. Em raz&o de tudo isso, a doutrina majoritéria afirma que ainda nao é possivel falar-se na existéncia de uma comunidade internacional, em que pese esta expressdo estar consagrada no texto de alguns tratados. Segundo esse pensamento, o mais apropriado é dizer que existe, na atualidade, uma sociedade internacional na qual convivem diversos atores internacionais. 4.2 - Caracteristicas da Sociedade Internacional A sociedade internacional é 0 meio onde se desenvolve o Direito Internacional. Por isso, & fundamental estudd-la, entendendo quais séo as suas caracteristicas. Premissa essencial nesse estudo é saber que a sociedade internacional, assim como 0 Direito, nao é estatica. Seu surgimento remonta a Antiguidade, época em que nem mesmo existia um “sistema de Estados’. Desde entéo, a sociedade internacional se modificou bastante, e junto com ela o Direito Internacional. A atual sociedade internacional tem como uma de suas principais caracteristicas a complexidade. A globalizagao levou a um aprofundamento das relages internacionais e, com isso, aumentou a dinamica da sociedade internacional, tendo surgido diversos novos atores no plano global. Até 0 inicio do século XX, a sociedade internacional era meramente interestatal; hoje, ha ampla atuacao, no cenario internacional, de Organizacées Internacionais, Organizagdes N&o-Governamentais, empresas transnacionais e até mesmo individuos. www.estrategiaconcursos.com.br 12 de 69 me 8 ——————— Prof* Nadia/ Prof. R Nesse cenério, percebe-se que nao hd existe um poder centralizado e universal ao qual se subordinem os Estados. Ao contrario, os Estados sao dotados de soberania, isto é, no encontram nenhum poder acima de si mesmos. A soberania esta intimamente relacionada ao principio da igualdade formal entre os Estados. Por estarem todos os Estados em pé de igualdade (ainda que apenas formal) no plano internacional, diz-se que a sociedade internacional é descentralizada e horizontal, marcada pela coordenacdo de interesses. Percebe-se nitidamente que essa realidade é diametralmente oposta aquela do direito interno, em que predomina uma relac&o de verticalidade do Estado para com seus “stditos”, marcada pela subordinac&o de interesses. A sociedade internacional é também universal e heterogénea. Ela abrange 0 mundo todo, sendo composta por atores com caracteristicas bem diversas uns dos outros (aspectos econémicos, politicos, sociais). Hé Estados com grande poder econémico; outros, com graves problemas de pobreza. Assim, em que pese a existéncia de uma igualdade formal entre os Estados soberanos, percebe-se que impera uma desigualdade de fato entre eles. Uma interessante reflexéo feita pelo Prof. Valério Mazzuoli ao estudar as caracteristicas da ordem juridica internacional foi se perguntar como é possivel falar em ordem juridica em um sistema de normas incapaz de centralizar 0 poder. Serd que, mesmo a sociedade internacional sendo descentralizada, existe um ordenamento juridico internacional? A resposta é positiva. Uma sociedade internacional descentralizada e horizontal, na qual predominam as relacdes de coordenagdo, ndo impede a existéncia de principios e normas de conduta no relacionamento entre os atores internacionais. Portanto, é possivel afirmar que existe sim uma ordem juridica internacional, embora dotada de certas peculiaridades que a diferenciam da ordem juridica interna dos Estados. Mas quais seriam essas caracteristicas peculiares da ordem juridica internacional? A primeira delas é que ndo existe um Poder Legislativo universal. Ao contrario, so os préprios Estados e Organizagées Internacionais que, por meio do consentimento, elaboram as normas internacionais (tratados). Veja sé: no ordenamento juridico internacional, os mesmos sujeitos que criam as normas sdo os destinatarios destas. +8 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Puiblico, 4° ed. Sao Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pp. 43- 45. www.estrategiaconcursos.com.br 13 de 69 mE « TS —— Prof* Nadia/ Prof. R No atual contexto internacional, percebe-se, ainda, que ha uma multiplicagao de fontes normativas, com diversas instancias internacionais com capacidade para a elaboracdo de normas juridicas. Tal fenémeno é decorréncia da institucionalizagao do direito internacional, que encontra nas organizagées internacionais o ambiente ideal para o relacionamento interestatal. 0 resultado € 0 surgimento de diversos subsistemas juridicos (econémico, ambiental, humanista, financeiro, militar), cada um destes como uma légica de funcionamento distinta e muitas vezes antag6nica." Pode-se dizer que trata-se de um processo de fragmentagao do direito internacional. A segunda caracteristica é a inexisténcia de um Poder Judiciério universal, com jurisdicéo automética sobre os Estados. Nesse sentido, é correto afirmar que um Estado somente ird se submeter jurisdigéo de uma Corte Internacional ou mesmo de um tribunal arbitral caso manifeste favoravelmente seu consentimento. Nas palavras de Rezek, “o Estado soberano, no plano internacional, nao é originalmente jurisdicionavel perante corte alguma.” * Em que pese a impossibilidade de um Estado se submeter compulsoriamente a um tribunal internacional sem ter manifestado seu prévio consentimento, verifica-se, na atualidade, que uma das tendéncias do direito internacional contemporaneo € a multiplicagao das instancias de solugao de conflitos. Com efeito, existem hoje diversas cortes internacionais, seja em 4mbito global ou regional, dentre as quais citamos a Corte Internacional de Justica, © Tribunal sobre o Direito do Mar, o Org&o de Apelagdo da OMC, a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A multiplicacdo de instancias de solugdo de conflitos revela um grau crescente de jurisdicionalizagao do direito internacional. Ainda quanto a tribunais internacionais, é importante assinalar que, modernamente, existe a possibilidade de que individuos possam peticionar perante algumas cortes internacionais, assim como serem julgados. E possivel, por exemplo, que um individuo possa apresentar uma peticéo diretamente 4 Corte Europeia de Direitos Humanos. Ou, ento, o individuo pode ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional (corte com cardter permanente) em virtude de haver praticado crimes de guerra, crimes contra a humanidade, crime de genocidio ou crime de agresséo. Trata-se da * VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Publico, Sao Paulo: Saraiva, 2009, pp. 7- 12. 35"no estudarmos em aula posterior sobre a competéncia contenciosa da CJ, veremos em detalhes como funciona a submisséo de um Estado a jurisdicSo da CI). 8 REZEK, Francisco. Direito Internacional Publico: curso elementar, 11° Ed, rev. e atual. Sao Paulo: Saraiva, 2008, pp. 1 - 6. www.estrategiaconcursos.com.br 14 dle 69 mee « TS —— Prof* Nadia/ Prof. R possibilidade de criminalizagdo supranacional de condutas que viclam gravemente valores essenciais 8 sociedade internacional. A terceira caracteristica da ordem juridica internacional é que esta se reveste de cardter obrigatério. Como veremos mais a frente, ha quem argumente que © direito internacional néo se reveste de cardter obrigatério, nao possuindo meios efetivos de sancdo. Trata-se de um argumento usado por aqueles que negam o cardter juridico do direito internacional, os quais também advogam que a inexisténcia de um Poder Legislativo universal e de um Poder Judiciério com jurisdig&0 compulséria impedem a existéncia de uma ordem juridica internacional. De forma alguma podemos concordar com os que pensam dessa maneira. O direito internacional possui, sim, meios de sangao. 5 - Carater Juridico do ito Internacional 5.1 — A negacio do Direito Internacional E bastante difundida a ideia de que o Direito Internacional ndo tem carater juridico. Ao se analisar as relagées internacionais, por exemplo, é comum que autores estabelecam a distingo entre a ordem juridica interna e uma suposta anarquia internacional. Muito comum, nesse sentido, a descricao das relacdes internacionais como sendo 0 “estado de guerra de todos contra todos” (estado de natureza de Hobbes). ‘7 Os negadores do Direito Internacional podem ser dividides em dois grandes grupos: os negadores praticos e os negadores tedricos"®. a) Negadores praticos: Esse grupo é representado por autores como Espinosa, Adolf Lasson, Ludwig Gumplowicz e Lundstedt. Eles negam a existéncia do Direito Internacional. Nesse sentido, temos os seguintes argumentos: - Espinosa: Os Estados viveriam em “estado de natureza” e os tratados no teriam qualquer valor quando fossem contrérios aos seus interesses. - Adolf Lasson: O Direito Internacional seria apenas uma mera relacdo de forsa. "JUNIOR, Alberto do Amaral. Curso de Direito Internacional Publico, Sa ediczo, S30 Paulo: Editora Atlas, 2015, pp. 1-8. * MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Ptiblico, 1° volume, 11a 10. Ed. Renovar, 1997, pp. 97-101. www.estrategiaconcursos.com.br 15 dle 69 meee SS —— = Prof* Nadia/ Prof. R Também considera que o Direito Internacional & mera relacéo de forca, uma vez que nao existiria um sistema coercitivo semelhante ao do Estado para impor suas normas. - Lundstedt: Considerava que os Estados agiam na sua vida particular apenas em razéo de interesses particulares. Nao existiria © Direito Internacional em virtude de n&o existir um Poder Legislativo, um Poder Judicidrio e€ um aparelho coercitivo internacionais. b) Negadores teéricos: Reconhecem a existéncia de normas internacionais, mas n&o as consideram normas juridicas. Dentre os principais representantes dessa corrente, est&o John Austin e Julio Binder. Para John Austin, as normas internacionais néo teriam natureza juridica; ao contrario, suas normas seriam apenas uma moral positivada. Apresentava Austin os seguintes argumentos: - A sociedade internacional é desorganizada, uma vez que nao hd um “superior politico”. Para ele, 0 Direito sé existe quando ha comandos acompanhados de sangées. Como nao ha um “superior politico” na sociedade internacional andrquica, n&o_existiriam sang@es e, portanto, as normas ndo teriam natureza juridica. - As normas internacionais emanam da opinido publica e, em virtude disso, seriam “leis morais” ou de mera cortesia. = Por serem aplicadas na pratica, as normas internacionais sd fruto da moral positiva. Apresentadas as visdes dos negadores préticos e teéricos do Direito Internacional, passaremos a contestd-las a seguir. Comecemos, ent&o, mencionando uma histéria da mitologia grega: a histéria do “Tonel das Danaides’ As danaides eram filhas do rei Danao que, por terem matado os seus maridos na noite do casamento, foram condenadas a passar a sua existéncia enchendo com dgua um tonel sem fundo. Em razao disso, a expressio “tonel das danaides” (“danaidum dolium”) é utilizada para se referir aquele trabalho infinito que, por mais que seja feito, nao traz resultados. E aquele trabalho que nunea termina, por maior que seja 0 esforso. Pois bem. Defender a existéncia e a juridicidade do Direito Internacional parece ser o permanente “danaidum dolium” dos internacionalistas. E € isso 0 que faremos a seguir, apresentando todos os argumentos para que vocé www.estrategiaconcursos.com.br 16 cle 69 mE «_ TS —— = \CION) GIs Prof* Nadia/ Prof. R consiga defender que o Direito Internacional existe e € dotado de forca juridica. 5.2 - Por que o Direito Internacional € dotado de juridicidade e, portanto, é obrigatério? E verdade que o Direito Interno tem notérias diferengas em relag&o ao Direito Internacional. Vejamos quais so elas: a) No Direito Interno, hd um érgdo especifico para a elaboracéo das normas juridicas (Poder Legislativo). No ambito internacional, isso ndo existe. Conforme j4 comentamos, nao existe um Poder Legislativo universal. b) No Direito Interno, hd uma estrutura de tribunais, hierarquicamente organizados, com jurisdicéo compulséria. Nao existe, porém, um Poder Judicidrio universal. Existem, de fato, varios Tribunais internacionais, mas eles ndo detém jurisdigSo compulséria. Em outras palavras, os Estados somente irdo se submeter a jurisdigao de tribunais internacionais se manifestarem sua vontade nesse sentido. ¢) No Direito Interno, ha um Poder Executive (governo) com o monopélio do uso legitimo da fora. E o que Austin chamava de “superior politico”. No Direito Internacional, por outro lado, néo hé uma entidade dotada de poder de governo ou um sistema unificado de sangdes semelhante ao do direito interno.” Essas distingdes, todavia, n&o séo suficientes para que se sustente a ideia de que 0 Direito Internacional nao existe ou que nao tem natureza juridica. Foi-se 0 tempo em que se pensava na existéncia de uma sociedade internacional anarquica. A existéncia do Direito néo demanda, necessariamente, a existéncia de um “superior politico”. Para que o Direito exista, é necessdrio apenas uma sociedade politicamente organizada na qual os membros reconhecam a obrigatoriedade das normas. Embora nao haja um Poder Legislativo universal, as normas internacionais existem, séo vdlidas e produzem efeitos juridicos, uma vez que séo efetivamente respeitadas pelos sujeitos de direito internacional. _Nesse sentido, afirma Malcolm Shaw que, ao contrdrio da crenga popular, "os Estados * SHAW, Malcolm N. Direito Internacional. Sao Paulo: Ed. Martins Fontes, 2010. pp.3-5. www.estrategiaconcursos.com.br 17 de 69 wee SS — Prof* Nadia/ Prof. R efetivamente observam o direito internacional, e as violagdes séo relativamente raras’.”° Cabe destacar que os Estados respeitam o direito internacional porque assim o querem; é inegdvel, nesse sentido, que as normas internacionais conferem estabilidade ¢ previsibilidade ao sistema. Para Celso Mello, citando Louis Henken”!: a) Os Estados somente violam 0 DIP quando a vantagem disto é maior do que o custo dentro da “contexto de sua politica exterior”. b) Os Estados precisam ter confianga dos demais Estados para realizarem a sua prépria politica externa, dai ser necessério que respeitem o DIP. c) Hé interesse dos Estados em manterem as relacées internacionais dentro de certa ordem. ) Os Estados tém medo de represélias e, por isso, respeitam o DIP. €) Os Estados obedecem ao DIP por “hébito e imitacéo”. Por ébvio, ha violagdes ao direito internacional, mas estas nao retiram o seu carter juridico. Trazendo a quest&o para o 4mbito do direito interno, podemos refletir. Quantas vezes por dia séo descumpridas leis e até mesmo a Constituic&o no interior de um Estado? Quantas vezes alguém que comete um crime fica impune? Tenho certeza de que vocé respondeu que sao inuimeras as, vezes. E nem por isso alguém se atreve a dizer que nao ha ordem juridica no direito interno. A maior critica ao Direito Internacional é, sem duivida, a de que suas violagdes no s&o passiveis de sang&o ou que suas sangdes nao sdo efetivas. Esses argumentos s&o totalmente improcedentes. O Direito Internacional possui, sim, sangées, das mais variadas espécies. 0 direito internacional tem vivido modificagdes importantes e, nos ultimos tempos, seu poder de sang&o tem cada vez mais aumentado. As sangées existem, embora descentralizadas e implementadas pelos préprios Estados. Reflexdo interessante sobre o tema nos traz o Prof. Marcelo Dias Varella: “O direito internacional humanitério jé justificou a ingeréncia militar em diversos Estados, acusados de violé-lo, com a prisdo dos governantes, a exemplo do Iraque, de Ruanda, do Congo, entre * SHAW, Malcolm N. Direito Internacional. So Paulo: Ed. Martins Fontes, 2010. pp.6-10. * MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Publico, 1° volume, 11a 10. Ed. Renovar, 1997, pp. 71. www.estrategiaconcursos.com.br 18 cle 69 wee nS —— \CION) GIs Prof* Nadia/ Prof. R muitos outros. No conflito da Ex-Iuguslévia, por exemplo, houve a dissolugéo do Estado, com a separacao das regides em conflito, criando-se Estados novos. Até mesmo a Constitui¢éo da Bésnia- Herzegovina foi proposta pela sociedade internacional. No direito internacional econémico, a Organizagéo Mundial do Comércio tem forca politica suficiente para ordenar a mudanca das normas internas de um Estado ou mesmo da prépria Constituigéo, sob pena de autorizar retaliagdes econémicas importantes. Que ramo do direito_interno_ tem como sang&o a deposigéo de um Governo, a dissolucéo de um Estado ou a mudanca da Constituic&o? A critica da falta de efetividade do direito é, portanto, infundada.” [grifo nosso] Para aqueles que dizem que as sangées néo sdo efetivas, poderiamos ainda dizer, conforme explica muito bem Celso Mello que “o Direito Penal néo deixa de existir porque as suas sangées deixam de ser aplicadas”. ®® Conforme ja comentamos, a existéncia do Direito independe das sangées. A sancao é um elemento externo ao Direito; 0 que caracteriza 0 Direito, nesse sentido, é a possibilidade de sangao pelo descumprimento de suas normas. ona De raticar! 3. | (PGFN - 2003) No momento atual, o Direito Internacional Publico ainda nao dispée de meios efetivos de sancdo. Comentarios: direito internacional ptiblico, no momento atual, j4 dispde sim de meios efetivos de sang&o. Exemplo disso so as intervengdes armadas autorizadas pelo Conselho da Segurancga da ONU e as retaliacdes comerciais autorizadas pela OMC. Questo errada. 4. (PGFN - 2003) A auséncia de um Poder Legislativo universal, bem assim de um Judiciério internacional com jurisdigd0 compulséria, sio alguns dos argumentos utilizados pelos negadores do direito internacional para falar da auséncia de carater juridico do direito das gentes. Comentarios: ® MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Piblico, 1° volume, 11a edigio. Ed. Renovar, 1997, pp. 97-101, www.estrategiaconcursos.com.br 19 cle 69 mE TS — Dizer que no existe um Poder Legislative e um Poder Judicidrio com jurisdig&o compulséria sobre os Estados é um argumento daqueles que dizem que o direito internacional é desprovido de carater juridico. Questéio correta. 5. (Consultor Legislativo Senado Federal / 2002) As relacées juridicas entre os Estados, no contexto de uma sociedade juridica internacional descentralizada desenvolvem-se de forma horizontal e coordenada. Comentarios: A sociedade internacional é descentralizada, predominando a coordenagio e a horizontalidade das relacdes internacionais. Questo correta. 6. (AGU - 2009) No Direito Internacional, ha muito tempo, existem as cortes que atuam para a solucdo de conflitos entre os Estados, como € 0 caso da Corte Internacional de Justica. Entretanto, ha fato inédito, no Direito Internacional, quanto a criminalizagdo supranacional de determinadas condutas, com a criacgdo do TPI, tribunal ad hoc destinado 4 punic’o de pessoas que pratiquem, em periodo de paz ou de guerra, qualquer crime contra individuos. Comentarios: A questo traz varias afirmagées corretas. No entanto, seu erro esté em dizer que o Tribunal Penal Internacional (TPI) é um tribunal “ad hoc”. Na verdade, trata-se de corte internacional de cardter permanente. Questdo errada. 7. (OAB - 2009.2) Em Direito Internacional Publico, ha um governo central, que possui soberania sobre todas as nacées. Comentarios: A sociedade internacional é descentralizada, n&o existindo um poder superior que se imponha sobre todos os Estados. Questo errada. 6 - Fundamento do Direito Internacional Quando se fala em fundamento do direito internacional puiblico, o que se busca saber é por qual raz&o a ordem juridica internacional é obrigatéria. Ou, dito de outra forma, em que se apoia a validade do ordenamento juridico internacional. www.estrategiaconcursos.com.br 20 de 69 \CION) GIs Prof* Nadia/ Prof. R A preocupagao, aqui, no esta em avaliar como as normas internacionais séo criadas, mas sim em explicar 0 porqué de sua obrigatoriedade. Busca-se avaliar, desse modo, 0 valor intrinseco das normas, isto é, aquilo que faz com que elas sejam vinculantes para a sociedade internacional. © fundamento do direito internacional publico é explicado por duas correntes doutrindrias divergentes: a doutrina voluntarista (subjetivista) e a doutrina objetivista. 6.1 - Doutrina voluntarista: A doutrina voluntarista (de indole subjetivista) defende que o fundamento do direito internacional é a vontade dos Estados. Assim, a ordem juridica internacional é obrigatéria porque os Estados manifestaram livremente sua vontade em a ela se submeter. Modernamente, considerando-se que a sociedade internacional néo 6 apenas uma “sociedade de Estados”, pode-se afirmar que o voluntarismo repousa na vontade de Estados e organizagées internacionais, ambos considerados sujeitos de direito internacional e dotados de capacidade para celebrar tratados. A perspectiva voluntarista ndo abrange apenas os tratados internacionais, mas também os costumes. Os costumes, embora nao sejam expressamente aceitos pelos Estados, recebem uma aceitagao tacita. Nesse sentido, também representam os costumes uma manifestagaio de vontade dos Estados. A doutrina voluntarista identifica-se com o positivismo juridico, Todo voluntarista sera, necessariamente, um positivista. Os positivistas acreditam, afinal, que no ha normas alheias @ vontade do Estado. Ressalte-se, todavia, que nem todo positivista seré voluntarista. Dentro da corrente voluntarista, foram desenvolvidas diferentes teorias: a) Teoria da autolimitagéo do Estado: Foi desenvolvida por Georg Jellinek. Para ele, a vontade de cada Estado individualmente considerada 6 que determina a obrigatoriedade das normas internacionais. O Estado nao pode, assim, estar submetido a nenhuma outra vontade que nao seja a dele propria. Sua vontade é absoluta. Ha alguns problemas nessa visdo, que geram verdadeiras contradicBes. Ora, se é a vontade estatal que cria a obrigacéio, essa obrigaco poderia ser unilateralmente desfeita pela mesma vontade. Em termos praticos, 0 www.estrategiaconcursos.com.br 21 de 69 mee ————

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