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edlçOo

Coleção Primeiros Passos

Discurso Sobre a Poesia Dramática O que é Comunicação Poética


Denis niderot D . Pignatari

Fragmentos de uma Poética do O que é Leitura


Fogo Maria Helena Martins
Gaston Bachelard
O que é Lingüística
Obras Escolhidas vol. I Eni P . Orlandi
Ensaios sobre literatura e história
da cultura O que é Literatura
Walter Benjamin Marisa Lajolo

O Rumor da Iingua O que é Poesia


Roland Banhes Fernando Paixão

Sade, Foutier, Loyola O que é Retórica


Roland Banhes Tereza Lúcia Halliday

Sobre Poetas e Poesia O que é Semiótica


T. S. Eliot Lucia Santaella

Teoria da Poesia Concreta


Textos críticos e manifestos
1950-1960
A. Campos, H . Campos e
D . Pignatari
Antônio Houaiss

O QUE É
LÍNGUA
2~ edição

editora brasiliense
O QUE É UMA LÍNGUA-
À PRIMEIRA AUDIÇÃO

É um conjunto de sons e ruídos, combinados, com os I.X


quais um ser humano, o falante, transmite a outro ou outros
seres humanos, o ouvinte ou os ouvintes, o que está na sua
mente - emoções, sentimentos, vontades, ordens, apelos,
idéias, raciocínios, argumentos e combinações de tudo isso.
(Na prática doméstica, não raro há falantes que fazem isso com
animais de sua estima e convívio, obtendo ótimos resultados
para o que quer.)
Um enorme número de espécies animais também se
intercomunica com sons e ruídos: mas até agora não conse-
guimos ver nesse seu sistema de intercomunicação senão
alguma coisa remotamente comparável a uma língua. Sabe-
mos que certos bichos - os cães, por exemplo, mas não só
eles - 'marcam' seu território com o cheiro de sua urina ou
corpo; que as abelhas, volteando, transmitem vibrações às
semelhantes, dando direção de locais em que há abundância
de pólen; que o atrito das antenas das formigas (e insetos afins)
constitui uma troca de informações sobre locais e fontes de
8 Antônio Houaiss

alimentos; que, pelo canto ou pios ou pipilos, um sem-número


de aves garantem sua sociabilidade e gregariedade. E não se
pára nisso: com certos chimpanzés (que jamais o fazem entre
si espontaneamente) pesquisadores devotados já lograram
estabelecer 'diálogos' em linguagem de mudos (com cartões,
cores, gestos) com um número notável de 'frases' - o mesmo
ocorrendo com uma certa gorila, cuja sociabilidade e efusão
com seu amestrador e seus visitantes humanos, através de
gestos, eram 'absolutamente' humanas ...
Dizem os especialistas nessa matéria que um certo tipo
de golfinho, por exemplo, emite cerca de 500 'mensagens'
sonoras diferentes entre si, com 500 sons ou ruídos básicos
diferentes, com o que se localizam, dizem se estão bem, dizem
se há abundância de alimento onde estão, dizem se há perigo,
se estão contentes, se súgerem encontro dos dois grupos,
dizem onde estão, como se encontrarem, dizem até se estão
comendo bem, que tipo de comida, se corrente, se excepcio-
nalmente boa, se as águas são limpas, se o local é ideal para
romances, quero dizer, para a reprodução. É claramente uma
linguagem sonora, às vezes a milhas marítimas de distância,
por meio de ultra-sons e ultra-ruídos ...
Se quisermos buscar comparações, poderemos - fora
do reino animal - entrar no vegetal e dizer, por exemplo, que
as casuarinas· mandam para o 'diabo as outras plantas que
tentarem viver à sua sombra, tal como o fazem os eucaliptos,
em cujos bosques artificiais plantados pelo homem não vice-
jam nem outras plantas, nem pássaros, aves ou animais em
geral. Esses dois exemplos (que poderiam ser multiplicados
por mil} alargam o conceito de linguagem, que pode ser mais
dilatado ainda: os estudiosos de terrenos e rochas e minérios
e sedimentos cedo descobriram que a presença"de alguns é a
certeza da presença próxima de outros e a certeza da ausência
de outros. A razão, o raciocínio humano, estabelece assim
vínculos 'intercomunicantes' entre tudo e todos. Isso é funda-
O que é Língua 9

mento remoto e, ao mesmo tempo, imediato das linguagens e


das linguagens humanas.
De fato, os seres humanos usamos de várias linguagens,
todas ligadas aos nossos sentidos, aos nossos sensos, todas,
por isso, de percepção sensorial - que, em última instância,
se unem num sistema geral de percepção que permite - aos
carentes de um ou mais ·sentidos - compensar, vicariar (é o
termo) , a carência. O tato é talvez a mais forte linguagem erótica
entre nós. O olfato é talvez a mais forte linguagem alimentar. A
visão é fonte das linguagens gráficas, pictóricas, escultóricas
(glípticas) , coreográficas. A audição é fonte da linguagem
musical, rítmica, ginástica. Combinadas, as linguagens podem
enriquecer-se reciprocamente. No cinema - a mais recente
delas - pode-se juntar quase todas, mesmo, se quisermos,
todas - é mera questão de audácia criadora.
Mas a audição e a fenação - essa capacidad~ que temos
de emitir sons e ruídos voluntariamente por via essencialmente
bucal - realizam a linguagem humana por excelência e exclu-
. siva dos seres humanos. É verdade que, embora excelente,
não lhe basta, tanto assim que, mesmo usando dela coin o
máximo de eficácia e de beleza, não dispensa jamais as outras
linguagens, a tal ponto que vive à cata de novas outras .

••••••
O QUE É UMA LÍNGUA

Por contraste com todas as linguagens sonoras animais,


o homem crê - e não há muita razão até agora para duvidar
disso - que sua língua é diferente de todas as demais. .
Primeiro: ela revela um traço básico extremamente ines-
parável: somos seres capazes de emitir sons e ruídos bucais
com uma espantosa riqueza de gamas ou variedades de altura,
intensidade, timbre, modulação, mora, modo de produção, de
articulação, de ressonância. Entretanto, temos - qualquer que
seja a língua considerada - uma extrema restrição quantitativa
de sons e-ruídos em cada uma de nossas línguas: estas variam
entre pouco mais de 20 a pouco mais de 40 (é claro que,
consoante forem os critérios de aferição e exame, os números
podem variar, mas numa ordem de grandeza sempre peque-
níssima em relação à capacidade humana) . ·
Segundo: esse número reduzido de sons e ruídos de
cada língua, combinados, pode tornar possível um número
extremamente alto de combinações, a primeira das quais é a
silaba- um, dois ou mais sons (e/ou ruídos) emitidos num só
sopro (oú impulso) . Notar que com dois sons apenas - a e b,
O que é Lfngua 11

por hipótese -, pode-se ter, no mínimo, as seguintes snabas:


a, ab, ba, bab (e, mais, em certas línguas, abb, bba - mas não
posso duplicar o a, pois isso 'gerará' duas snabas, quando
estou cogitando de uma só - veja aba ou baa ou mesmo aab) .
Se, porém, forem três os sons -a, b e r, por hipótese-, posso
ter, no mínimo, a, ab, ba, bab, ar, ra, rar, abr, bar, barb, bra,
arb, rab. A fecundidade desse sistema é tal que 'gera' - em
qualquer língua - autolimitações: há quase sempre um núme-
ro reduzido de sons que podem ser base de sílaba, contra um
número maior de sons e ruídos que podem ser acompanhantes
da base. Além dessa poderosa limitação, há uma segunda:
cada língua 'consagra' - institucionaliza, internaliza, aceita,
admite - certas combinações de sons e ruídos na formação
de uma sílaba sua, mas não certas outras combinações. O
japonês, por exemplo, só 'aceita' sílabas constituídas de uma
vogal final : meu saudoso amigo embaixador Araújo Castro
tinha o privilégio (em conseqüência dessa regra) de lá ser -
com todas as pompas e circunstâncias - Kasuturu (pois a
vogal u é a 'universal de apoio' quando a sílaba, no estrangei-
rismo, não a tem própria... ).

•a
14 Antônio Houaiss

de mão; mas se eu disser a você a pata quebrou I a- · pa-ta-ke- ·


u
brow I ou um palerma me disse I -pa-àler-ma-mi- ·di-si I , os
três pas são, em cadeia falada, distinguidos com recursos tais
que você (e eu) possamos saber que num caso I paI é o
instrumento, noutro é parte de pata I àpa-ta I , um pé ou perna
de animal (ou de 'mesa' ou 'afim') , noutro ainda I paI é parte
de palerma I pa- ' ler-maj, um 'bobo', um 'idiota', um 'imbecil '.
Cada língua desenvolve, na parte sonora do seu sistema
de cadeia falada, elementos diferenciadores ou caracterizado-
res das funções de certas sílabas de maneira tal que os 'senti-
dos' não fiquem obscuros - isto é, não entendidos - ou
ambíguos- isto é, entendidos de dois (ou mais) modos.
Esses recursos são - como já dito antes - de várias
naturezas, de língua para língua, não raro ocorrendo que a
existência numa língua de um exclui a de outro ou outros e não
raro, também, ocorrendo que a existência de vários faça que a
de alguns não tenha valor distintivo ou diferencial. O chamado
acento intensivo (esforço dinâmico maior que se põe numa
sílaba em relação a outra ou outras anteriores ou posteriores
co'm que se possa, assim, distinguir uma série como sábia,
sabia e sabiá, ou lápide e lapide, ou válido e valido etc.), o
chamado acento tonal (com que certas línguas, na Ásia ou na
África, de preferência, distinguem dois, três, n sentidos ·numa
só sílaba como mi ou ma ou em dissílabos ou trissílabos etc. ,
mercê de uma variação tonal numa delas), o chamado acento
qualitativo (com que, através de uma variação de timbre de uma
mesma vogal de um grupo de sílabas, se distinguem sentidos,
algo semelhavável ao que ocorre em português com sopro [ô
fechado, substantivo] e sopro [o aberto, flexão verbal]) , o
chamado acento quantitativo (com que, num grupo de sílabas
semelhante, distingo dois sentidos- e, assim, duas palavras
- com fazer mora, demorar, na pronúncia de uma vogal o
tempo de sua emissão em relação à simétrica do outro grupo
O que é Língua 15

comparável) , os chamados acentos demarcatórios com que,


por exemplo, caracterizo em certas línguas o início de palavras,
noutras, o fim, noutras, o meio, tais acentos, ern suma, são
recursos explicitadores de uma forma de relação entre cadeia
fonética ou sonora, propriamente dita, e a cadeia de sentidos,
que, sendo-lhe como que colateral, não se articula, não se
conecta, não se f;lntrosa paralelamente. O estudo das diferen-
tes cadeias faladas das línguas do mundo revela que há limites
para o uso deles: limites em cada língua, limites no conjunto
das línguas, como que ressaltando - de novo - que sua
concomitância numa só língua seria exorbitância e afrontaria a
'economia' da língua e a potência internalizadora dos seus
usuários.

••• •••
...
O UNIVERSO VERBAL

A partir do momento em que, adquirindo no trato vivo do


meu viver uma língua, internalizo a relação água : 'líquido potá-
vel que é bom de beber' (ou qualquer outra de tal tipo) , vou
poder ir além, refazendo (porque já feitas por outros, anterior-
mente) novas relações, verdadeiras razões combágua : 'líquido
potável' :: comida: 'sólido mastigável e digerível':: flor : 'elemen-
to de planta que antecipa fruto': :... A partir do momento em que
internalizo hoje: 'neste dia que estou vivendo', abro minhas
potencialidades ou virtualidades para amanhã, ontem, anteon-
tem, trasanteontem, no dia 4, no futuro, daqui a mil anos, há
tempos .. . Apreendo e aprendo a estabelecer contínuos de
significações afins ou do mesmo padrão, como aprendo, pa-
ralelamente, a grupar significantes, isto é, formas afins formal-
mente (é proposital a reiteração), a saber, ou a do tipo can-
to/cantas/canta/cantamos/cantais/cantam/cantava/cantavas I
cantava/cantávamos/cantáveis/cantavam/cantei/cantaste/cantou/
cantamos/cantastes/cantaram/. .. , ou a do tipo cantor/cantoria/
cantada/cantador/cantadeira/cantatriz/cantável/descante/
encanto/encantar/encantador/encantável/recantar... , ou a do
O que é Língua 21

tipo cofre/caixa/boceta/escrínío/receptáculo/teca/... Breve, che-


go a um conjunto mais ou menos rico de relações, razões ou
associações em que, com uma palavra presente, sou capaz de
desencadear uma série de palavras ausentes, mas associadas
entre si, não só no meu espírito, senão que também no espírito
do ouvinte - pois revertemos nossas situações, de ouvinte a
falante, de falante a ouvinte.
Outro tipo de relação é quando - por hipótese- tenho
presentes apenas palavras como moça-rapaz-o-a-ama e vejo
que, com elas, posso dizer a moça ama o rapaz e, examinando
bem a frase, vejo que ela pode significar o mesmo que o rapaz
ama a moça : essa ambigüidade, possível, isto é, não obrigató-
ria em todos os usuários de nossa língua (ou de língua com-
parável} , pode ser desfeita se eu disser a moça ama ao rapaz,
à moça ama o rapaz, ao rapaz ama a moça , ama ela a moça o
rapaz, ama ela a moça ao rapaz. Vejo, com efeito, que, confor-
me for a ordem das palavras, certas palavras estabelecedoras
de meras relações e, em certos casos, a mera pausa ou
entonação entre as palavras, tudo isso, seja, uma mera asso-
ciação de palavras pode mudar de significado ou de sentido
ou de função, numa delas ou no conjunto delas. Vemos mais,
vemos que certos conjuntos parciais 'comandam' o conjunto
mesmo: a moça e o rapaz ama não é possível (pelo menos num
certo nível de formalização da língua), mas sim a moça e o
rapaz amam. Eis exemplos, dentre outros, antes sugeridos, das
regras ou gramáticas de uma língua.
Enquanto as regras da cadeia sonora têm suas limitações
- pelo número de sons e ruídos básicos e pelas limitações
combinatórias -, enquanto as regras da gramática têm um
número limitado, constituindo também um sistema cerrado ou
fechado, de tal modo que se admite que a alteração de uma
regra tem conseqüências no sistema delas, enquanto isso aí
" ocorre, as palavras não têm número limitado nem limitável: uma
22 Antônio Houaiss

língua pode ter duas mil, três mil cem mil palavras - e cada
falante dessa língua pode contentar-se (ou bastar-se, ou resig-
nar-se) com uma parte desse estoque de palavras, segundo
for o meio em que viva, o que faça e como o faça. Por isso,
costuma-se dizer que o conjunto de palavras - ou o léxico, ou
o vocabulário, ou o dicionário etc. - de uma língua é aberto,
porque, com o tempo, tanto pode ocorrer que algumas de suas
palavras desapareçam (ou deixem de ser usadas) quanto pode
ocorrer que algumas palavras nasçam ou sejam criadas ou
sejam tomadas de empréstimo de outras línguas.
Se tomo como objeto de observação uma palavra como
(por exemplo) azul e a ponho numa cadeia falada, verei que
seus limites fónicos são indecisos ou imprecisos: o azul faz-me
sonhar Iwa-' zul-faj-mi-so- ' qnhar I , este azul é forte Iex-tya-
, zu-le- 'for-ti I , dum lápis azul preciso Id u-' la-pi-za- ' zul-pre-
, si-zu I, se for azul ou preto I si-fo-ra- ' zu-low-ápre-tu I : noto
que no primeiro caso, I wa-' zull , no segundo, I tya-' zu-le I, no
terceiro, I za- ' zulj e no quarto, Ira-' zu-low j. os seus limites
fónicos são difusos; e noto mais que, em frases como o azul
pode-oferecer vários matizes (azul=cor) , o azul me dá vontade
de voar (azul=céu). mergulhei naquele azul imaculado
(azul = mar) , também o significado, se não é difuso, é pelo
menos flutuante, cond icionado, dependente do contexto (das
palavras) e da situação (dos interlocutores) . Isso me permite
dizer que, tanto na cadeia fónica quanto na cadeía sígnica, os
'limites' da palavra são imprecisos, o que me permite dizer que
a 'palavra', como tal, é difusa, imprecisa, indelimitada, havendo
até quem diga que ela não existe: o que haveria seria apenas
ur:n núcleo fónico e um núcleo sígnico associados. Ademais,
há línguas em que sequer há um núcleo fónico compactamente
falando, como no árabe, em que, por exemplo, k-1-b : 'cão
genérico' é al-kalb 'o cão, um cão', kleb 'cães', kalbeyn 'dois
cães' e por aí afora. Num nível mais alto de generalização, o
O que é Língua 23

homem não tem podido dispensar nem o conceito nem a


prática da palavra : 'palavra', graças ao que pode organizar
escritas, dicionários, enciclopédias e corporificações em geral
de uma língua. Como tudo no universo, as palavras, ao se
relacionarem, concedem entre si algo de si mesmas, perdendo
cada uma e ganhando - e sendo por isso mais elas mesmas .

••
•• ••
-

DESDE QUANDO FALAMOS?

Do ponto de vista da aquisição individual, é claro para


qualquer observador corrente - qualquer mamãe, ou papai,
qualquer irmãzinha, ou irmãozinho, qualquer tia, ou tio, qual-
quer babá, ou ... babau - que a criança começa a atentar na
voz dos adultos muito cedo, cedo identifica a de quem mais a
assiste, quase sempre, até certo grande passado da espécie,
a da mãe: Virgílio, o poeta latino, disse: "começa, criancinha, a
reconhecer tua mãe pelo riso "-:-- que cedo começa a balbuciar,
num blablablá que busca arremedar as falas que ouve.
Se se leva em conta que cedo, já pelos dois anos, a
criança domina o arcabouço .fundamental de sua língua, apesar
da estupenda complexidade de qualquer língua, não é de
estranhar que nos consideremos - em face de todos os outros
animais intercomunicantes pelos sons - como inatamente
dotados para a fala, para uma língua, para a língua. Há hoje em
dia uma escola lingüística e psicolingüística que não vacila em
afirmar que temos, com o instinto da linguagem, um aparelho
ou órgão da fala ou mesmo língua.
De fato, apesar de os lábios terem funções ligadas à
mastigação, de a língua ser fundamental nisso, o mesmo se
O que é Língua 25

dizendo dos dentes, das gengivas, da úvula, do palato, apesar


de os pulmões serem, com a traquéia-artéria, a garganta, a
glote, a epiglote (e, mesmo, as chamadas cordas vocais), as
o
fossas nasais, as narinas (e o seu revestimento, nariz, com a
olfação) órgãos da respiração, o fato é que no ser humano são
tão cedo postos·a serviço da fonação - que é, de certo modo,
prerrequisito da fala como língua -, que fica claro que, se não
existem em nós com essa função precípua, cedo passaram a
ter também essa função. Mas os requin~es de comandos e
recepção e percepção psíquicos concomitantes com essa
função são tais que, então, a hipótese de uma aptidão inata se
faz quase incontestável.
A internalização de uma língua é um fato óbvio, regular- ,
1
mente sem maiores dificuldades aparentes: nas sociedades '
ditas primitivas ou, mais simplesmente, nas sociedades ágra-
fas (isto é, sem escrita) ou, mais simplesmente ainda, nos ~,
segmentos sociais ágrafos mesmo.das sociedades modernas
mais requintadamente gráficas, sem haver escolas, sem haver
professores, sem haver alunos, sem haver instrução institucio-
nalizada, as crianças, pela mera inserção progressiya na vida
do grupo a que pertence, vai dominando sua língua, internali-
za-lhe as regras e, cedo, entre 12-13 anos, é adulto na sua
língua: pratica todas as regras ou gramáticas que todos prati-
cam, sabe todas as palavras que todos sabem e tende a ter
uma visão do mundo, um fazer do mundo e um saber do
mundo como todos do seu mundo .

...
•• ••
MAS, NO TEMPO, DESDE QUANDO
FALAMOS?

Não há razão para que pensemos que falamos apenas


de um certo tempo relativamente Ct.Jrto para cá, digamos, do
tempo bíblico para cá. Tudo milita em favor da hipótese de que
falamos, pelo menos, a partir do Homo sapiens, que existiu
entre 120-60 mil anos atrás, se levarmos em conta que o
chamado aparelho fonador çjesse homem já estava afeiçoado
para emitir quaisquer sons que se emitem nas línguas presen-
tes e nas que, do passado, deixaram registres gráficos. Mas os
estudos antrópicos- relativos ao homem- e anatómicos não
se satisfazem, a tal respeito, com a hipótese do Homo sapiens ,
admitindo que o chamado Homo habilis, de entre 2.000-800 mil
anos atrás, continuado pelo Homo erectus, de 1.200-200 mil
anos atrás, antecessor do Homo sapiens, com o chamado
homem de Neanderthal, já estivessem aptos, no essencial, a
uma fonação riquíssima, se comparada à dos primatas em
geral, graças à chamada estação (postura) erecta, tão clara já
no Homo habi/is, que, liberando-lhe os braços e mãos das
dependências da locomoção, passou a ter um instrumento de
O que é Língua 27

pesquisa já demandado por seu psiquismo e que iria, reversi-


vamente, requintar suas faculdades psíquicas: tudo leva a crer
que já estavam atingidos os requisitos da língua - uma forte
capacidade relacional da mente e uma rica matização da fena-
ção.
Essa hipótese de largo espectro temporal tem que ser
pensada com levar em conta 1) que todas as línguas estudadas
pelo homem até hoje são desenvolvimento, nõ tempo, de
línguas anteriores, e 2) que jamais se pôde admitir que, de certo
remoto tempo para cá, tenha havido seres humanos que não
falassem. Com dados como tais, retorna sempre a velha ques-
tão - sobretudo intensamente especulada no século XVIII -
de saber se tivemos, no mais remoto passado linguageiro elo
homem, uma só língua, dita adâmica, de que saíram várias
línguas, ditas babélicas, ou se não tivemos uma língua adâmica
- caso em que a diversidade estrutural das línguas poderia
explicar-se por grupos de diferentes origens iniciais. Neste
caso, o instinto da língua - a que nos referimos antes -
ter-se-ia manifestado em diferentes grupos do genus ou gênero
Homo , que teriam criado, em lugares vários e tempos vários,
os troncos iniciais das diversas línguas do mundo.
O quadro demográfico do Homo é ponto de referência
necessário: o Homo erectus já existiria na Terra, por volta de 1
milhão e 500 mil anos atrás, com uma população de 1 milhão
de indivíduos. Entre 10-8 mil anos atrás, apenas, o Homo
sapiens teria atingido a ordem de grandeza de 10 milhões de
indivíduos, num processo de aumento lentíssimo, como se vê.
Daí por diante - com as plenitudes industriais, agrárias e
agropastoris do neolítico- o aumento populacional passou a
ser progressivamente explosivo: 50 milhões de humanos há
8-7 mil anos, 400-500 milhões de pessoas no ano O (isto é, há
menos de 2 mil anos), 1.000 milhões (ou 1 bilhão) por 1810,
5.000 milhões (ou 5 bilhões) em 1987 e 10.000 milhões (ou 10
bilhões) no futuro ano de 2028.
28 Antônio Houaiss

"/ A expansão do homem sobre a Terra é a expansão das


línguas sobre a Terra: num longo primeiro processo, ter-se-á
feito por cissiparição, até quando atingimos os 1O milhões, há
1o mil anos ; num segundo processo (não excludente da con-
tinuação do anterior, em vários pontos da Terra) , a expansão
ter -se-á feito por difusão (pacífica, ou já quase bélica e preda-
tória}, quando, a partir dos 50 milhões, há 8-7 mil anos (seja,
7-5 mil antes de Cristo), a expansão (sem excluir os processos
anteriores) se fez dominantemente predatória, homicida, geno-
cida, escravizadora e - compensatoriamente - 'civilizatória'
-, mercê de sociedades hierarquicamente organizadas, com
progressiva exploração do homem pelo homem, transformada,
nos tempos mais recentes, em exploração de povos por povos,
mas de forma 'civilizada'.
Se algum dia se provar que o tipo de estruturação lingua-
geira universal do duplo siste[Tla de articulação é o só possível
para uma língua propriamente dita, então ter-se-á que admitir
que tenha havido sempre línguas de diferentes genealogias ou
linhagens. Caso contrário- que, por enquanto, é o que parece
dominante no pensamento dos estudiosos (embora fujam em
confessá-lo} -, então, temos que admitir que no início houve
uma só língua de uma só horda (clã, tribo, grupo, linhagem)
• humana. Esta, através dos ·tempos, foi - por saturação da
capacidade própria de reproduzir-se - objeto de cissiparição
- de divisão em dois grupos. Esse processo teria sido o da
1l hominização da Terra por um longo lapso de tempo, como
1 ' admitimos como primeiro momento do processo geral.
Um grupo, uma língua, cissiparição, dois grupos e, ao
cabo de certo tempo, sem intercomunicação entre os dois
grupos, duas línguas não intercomunicantes. É que toda língua
é história, e história é mudança, e característica da essência da
história é a modificação com o tempo. É também característica
da internalização de uma língua que, no trato vivo e contínuo
com a mesma, não tomemos conhecimento das modificações
O que é Língua 29

que vai tendo e que são incorporadas imperceptivarT)ente por


todos os talantes dela. Na prática, os falantes e os ouvintes não
têm consciência de que há, está havendo, sempre, modifica-
ções em sua lfngua - maiores ou menores, mais lentas ou
mais rápidas.

••• •••
A EXPANSÃO DAS LÍNGUAS:
UM ESQUEMA IDEAL

A antropologia - o estudo do ser humano em suas


características globais, inclusive mesológicas, por oposição ou
contraste com os seres vivos não humanos, em sua escala
crescente de complexificação - e, em especial, a paleoantro-
pologia - o estudo dos seres humanos tais como documen-
tados por fósseis de uns quantos milhões de anos para cá na
linhagem dos primatas - são especialmente fascinantes por
serem trabalho a um tempo de campo e de gabinete, com
dados concretos e dados subjetivos cuja comparação só se
faz possível e rica de hipóteses e explicações se dentro de um
conceito inequívoco de evoluçáo - evolução das espécies,
isto é, de que cada uma se pode modificar com o tempo e de
que umas emergem de outras, extinguindo-se algumas e crian-
do-se outras perpetuamente.
Há razões para admitir que certas espécies desenvolve-
ram aptidões não apenas diferentes, mas até próprias ou quase
exclusivas. Os primatas- ou pelo menos a sua grande maioria
- tenderam para a gregariedade, a via arborícola, a alimenta-
O que é Língua 31

ção frugívora. Um sem-número 'tentou' traços tendentes à


postura erecta, que lhe abriria diferentes habitats (montanha,
planície, selva, savana, campina, cerrado) , diferentes ativida-
des (coleta, manuseio, afeiçoamento) e, aguçando-lhe a capa-
cidade manual exploratória e gregária, lhe aguçaria a capaci-
dade de intercomunicação sonora, graças exatamente à postu-
ra erecta, que iria capacitar o seu aparelho deglutidor a conti-
nuar a ser concomitantemente respiratório e concomitante-
mente fonador. O primata que preencheu todos esses traços é
que tem o nome Homo na classificação zoológica, isto é,
'homem' em latim (que incluía, como em português, 'homens'
stricto sensu e 'mulheres' e seus filhos e ascendentes e des-
cendentes).
A Homo a classificação referida agrega - para caracteri-
zar certas mudanças e 'estabilizações' nele havidas ao longo
de 2 milhões de anos - habi/is, num primeiro momento,
erectus,-num segundo, e sapiens , num terceiro, com um sa-
piens sapiens , num quarto (e, parece, desnecessário). Na
realidade, já antes com Homo habi/is, a liberação das mãos de
sua função basicamente locomotora dera a Homo dois instru-
mentos finamente sensíveis para pegar, tatear, empunhar, ma-
nipular, digitar, dedilhar, introduzir, pinçar, coçar, acari ciar,
esfregar, polir, limpar e mil coisas mais, sem contar o fato de
que, prolongando esses dois instrumentos, pOde usar de ins-
trumentos outros por ele achados e logo inventados - paus,
ossos, pedras, blocos, varas, massas, maças, alavancas - e
imagine - lenta e continuamente - o mais. Essa 'conquista'
não parece fazer sentido se só: o ser que a 'buscou' ou o ser
em que isso 'ocorreu' devia pertencer a grupo em que certas
aptidões sensórias, certas aptidões mentais, certas faculdades
de percepção, de comunicação, de vida gregária, certas ne-
cessidades alimentares, certa vocação de procura vinham nele
sendo mais cultivadas que em seus congêneres. Assim, quan-
do o primeiro casal, o primeiro clã daí gerado apareceu na
32 Antônio Houaiss

paisagem terrestre, alguns traços devem - concomitantemen-


te -ter aparecido.
Esse primata revelou - logo - uma capacidade alimen-
tar gregária: em lugar de fazer como os outros - adultos ou
quase adultos (os infantes deviam ir ao colo, nas costas) que,
à medida que achavam algo de comer, o consumiam -, estes
inovadores passaram a coleta~, trazendo nos braços ou, já, em
'recipientes' naturais improvisados, os produtos do seu traba-
lho, para, gregariamente, a) consumi-lo e, quando excedente
das necessidades imediatas, b) elaborá-lo, a fim de, acaso,
prevenir-s·e de carências possíveis: o círculo de consumo
assim formado usou da língua inaugural - que, obviamente,
superava todas as formas anteriores da intercomunicação,
pois é quando se atingem os universais da cadeia sonora e da !•

cadeia mentada. É provável que esse evento - o brotar dessa


faculdade de intercomunicação dentro dessa forma de regula-
ção - seja único na história da Terra e nunca mais se tenha
reiterado -, mas se tenha mantido através da transmissã0 da
sociabilidade e das culturas.
Admitir que essa faculdade 'nova', tornada - digamos -
instinto da fala ou da língua ou órgão próprio, é admitir que a)
seu repontar tenha, no início, ocorrido em várias emergências,
com 'traços' iguais ou com 'traços' diferentes, ou que b) seu
repontar tenha, no início, constituído, a certos títulos compara-
tivos, tal superioridade de sobrevivência, que assim a 'vitória'
biológica de Homo estaria assegurada: gregariedade (esforço
concentrado, trabalho colativo, potência factora, potência tau-
tora) + língua (matização Identificadora e organizadora do
universo físico circundante, retentiva mnemónica dessa mati-
zaÇão graças à organização 'económica' da cadeia falada, com
seu segundo sistema de sinalização, dobro verbal da sinaliza-
ção objetiva das coisas e eventos do real externo) .
É possível que o evento que estamos considerando - a
emergência da primeira língua - não tenha sido concomitante
O que é Língua
~

com Homo ; é possível que em lugar de ser com ele, tenha sido
nele, alguns muitos {ou poucos) milhares de anos depois: mas,
no clã em que isso terá ocorrido- ou nos clãs -, -a supe-
rioridade de sobrevivência desses 'mutantes' terá sido tal que,
na competição, os 'mudos' terão tendido a desaparecer. O fat
é que, a partir de 'então' , não terá havido língua que não tenha
provindo de língua preexistente.

·, . .
.. • •
- ~-
~--=--__./
UM 'TEMPO' DIFERENTE

O pensamento humano se acostumou durante muitos e


muitos milênios com duas noções aproximativas - a do nú-
mero e a do tempo -, enlaçadas entre si, na prática cotidiana,
a partir de não se sabe quando.
Se o leitor se detiver sobre os números - os nomes dos
números - em português, verá que são vulgares, populares,
vivos, da gente do comum e de desde cedo na língua, na boca,
diária, das pessoas que vivem o dia-a-dia do fazer, do dizer, do
trocar, do consumir, um/uma, dois/duas, três, quatro, cinco,
seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze/quatorze,
quinze, dezasseis/dezasseis, dezassete/dezassete, dezoi-
to/dezóito, dezenove/dezanove, vinte, vinte e um ... trinta, trinta
e um ... quarenta, cinqüenta, sessenta, setenta, oitenta, noven-
ta, cem, cento e um ... duzentos/as, trezentos/as, quatrocen-
tos/as, quinhentos/as, seiscentos/as, setecentos/as, oitocen-
tos/as, novecentos/as, mil, dois/duas mil ... cem mil, novecen-
tos e noventa e nove mif·novecentos e noventa e nove, um
milhão - perdão! um milhão, não - uro conto (=uma conta-
gem exaustiva, como que se chegando o último número ... ),
como que a insinuar que a partir daí-há que contar outro conto.
O que é Língua 35

Pois, com efeito, os números a p·artir de um milhão, inclusive,


são cultismos introduzidos ou forjados na língua portuguesa (e
nas línguas modernas de cultura) a partir do século XIV-XV.
Mas, se recuarmos no tempo, na Idade Média e mesmo~ entre
o povo sem aprendizado básico, veremos que coletivos quan-
tificadores como muito, quantidade, porção, punhado, multi-
dão são bem mais freqüentes.
Para a mensuração/quantificação do tempo o mesmo se
vem dando: há tempos, há muitos e muitos anos, no tempo da
carocha, no tempo da carochinha, outrora, no passado, quan-
do os bichos talavam etc. etc., com uma imprecisão quantitati-
va que só não espanta, porque não se precisava dela.
No Ocidente, na área do conhécimento e do saber letra-
do, a questão calendária e cronológica ficou - explícita ou
implicitamente - cifrada à cronologia bíblica. Para Júlio Africa-
no, no século III d.C., o mundo (criado em sete-seis dias por
Deus) havia sido iniciado 5.500 anos antes de Cristo; o monge
egípcio Panodoro, pouco depois, admitia-o em 5.493 antes de
Cristo; no século Vil, eruditos constantinopolitanos davam-no
de 5.509 a.C.; Scalfgero, no século XVI, dava-o como, apenas,
de 3.950 a.C.; mas a mais prestigiosa precisão foi a do arcebis-
po de Armagh (Irlanda), J. Usher, que lhe deu 4.400 anos a.C.,
por 1648. Sobre esta última, o tempo passou e não se lhe
levantaram objeções ou contestações. Que, em crescendo,
. começaram a lavrar no curso do século XIX, por várias ciências
então emergentes, como a arqueologia, a paleontologia, a
geologia, a estratigrafia e, enfim, a teoria da evolução, que -
nascentes todas - começaram a ser coonestadas entre si.
Cedo, milênio passou a ser uma ordem de grandeza pequena,
· mesmo com relação às coisas humanas, que, naqueles assun-
tos, é de notável 'modernidade': admitindo, como aqui admiti-
mos, que Homo é realmente o primeiro homem (gregário,
trabalhador, falante, inovador), nossa escala temporal vai, hu-

••
mana, a urri máximo de 2 milhões de anos .

•• ••
A CISSIPARIÇÃO ANTES
DA DIFUSÃO

Se reduzfssimos cada milênio - mil anos! - a um


centímetro - um centésimo de um metro! - a idade da Terra
seria representada por uma fita de 4 mil e 600 metros. A era
geológica mais recente da Terra - em que apareceu Homo -
corresponde aos 3-2 metros finais. A emergência de Homo , aos
2 metros finais. A invenção da escrita ocorreu nos 7-6 centíme-
tros finais, da História, dita em sentido estrito, a que se conta a
si mesma e nos conta a nós mesmos, graças à escrita; tudo,
antes, em termos humanos, chamamos Pré-História, que, co- ·
mo não tinha escrita, mas tinha - imperecedouros - pedras
e ossos documentais e um milagre natural, a fossilização - a
transformação quase em mineral de certos objetos orgânicos
que normalmente teriam desaparecido - , tem de ser 'lida'
através desses documentos: 'lendo-os', dividimos essa Pré-
História em dois momentos (pelo menos), o paleolítico -
período da pedra velha ou lascada, mas não polida - e
neolítico - período da pedra polida. O primeiro ocupa os
O que é Língua 37

195-185 centímetros iniciais, o segundo, os 15-1 O centímetros


finais.
Há razões para crer- pelo menos até agora- que Homo
emergiu na África. austral, 2 milhões-1 milhão e 800 mil anos
atrás; já há 1 milhão e 500 mil anos 'chegou' à China, através
da Europa. A Oceania e a América foram de hominização
recente (mais ou menos depois dos 30 mil anos finais ou
atuais) .
Admitimos acima que, por cissiparição- acarretada pelo
aumento, precário embOFa, do grupo, de tal arte que a logística
da sobrevivência do grupo não pudesse bastar-se, exigindo a
divisão 'heróica' do grupo para direções ignoradas -, num
ecúmeno (região potencialmente habitável} praticamente ines-
gotável, o homem se tenha expandido. Foi, entretanto, uma
expansão extremamente lenta e precária, pois o seu 'rendimen-
to' (a multiplicação dos homens) foi extremamente lento, como
o prova a demografia retrospectiva acima delineada. Isso leva-
nos a admitir que um número inestimável, incalculável, de (
cissíparos tenha desaparecido sem continuidade, já que o
homem atingiu uma população da ordem de grandeza de 1O
milhões de pessoas somente há 10-8 mil anos atrás (1 0-8
centímetros finais de nossa escala figurada} .

•a
••••
O ÔNUS DA HOMINIZAÇÃO

Essas projeções são precárias, porque lineares e abstra-


tas, e levariam a absurdos números altos, só no processo de
cissiparição. Seja como for, parece assentada a hipótese de 1O
milhões de homens por volta de 10 mil a.p. (antes do presente).
Ver-se-á, assim, que para muitos estudiosos a sobrevivência
da espécie humana é tida como sua 'vitória biológica'. Nesse
então, já em vários pontos da Terra a sedentarização começa
a ser um fato, como o é a agricultura, o pastoreio (o cão já está
hominizado e é ser integrado com ele em sociedade, nômade
ou sedentária), a cerâmica, o aldeamento, a irrigação, as 'artes'
visuais da pintura e da escultura, cosmogonias, religiões, rituais
de mortos, práticas mágicas, e - quiçá como preâmbulo de
um novo uso muito próspero em breve futuro para cada língua
- a literatura avant la /ettre, a literatura antes da littera, que por
sua vez prenuncia a maior revolução linguageira até hoje reali-
zada pelo homem, a escrita. Tratar-se-ia, já então, de um
desenvolvimento humano desnivelado, desigual, assimétrico,
da história dos homens, como decorrência inelutável do isola-
mento dos .grupos humanos ao longo de toda a evolução
multimilenar anterior.
O que é Língua 39

O segundo processo da expansão humana começa en-


tão, quando, através da difusão cultural e já não, necessaria-
mente, a cissiparição, as 'conquistas' tecnológicas de certos
grupos passam a outros, instaurando-se a troca de excedentes
entre os grupos, o mercado. Desde o início, essa troca de
excedentes foi, concomitantemente, troca de palavras, tão
cedo, em cada língua, o enlace do significante com o significa-
do com o referente - noutros termos, do vocábulo sonoro com
a idéia a ele associado com a coisa ligada a ambos - foi ·
internalizada como 'natural'.
A partir do momento em que a expansão deixou de ser
necessariamente feita por cissiparição, deve ter havido uma
relativa 'parada' no estado geral das línguas sobre a Terra. Com
1O milhões de indivíduos, subdivididos em grupos médios de
1.000 a 500 indivíduos (entre os grandes e os pequenos grupos
dessa relativa modernidade, já que para os inícios do primeiro
momento do processo temos que admitir grupos de até 40
indivíduos - como os há nos meios vestigiais do paleolítico
no mundo moderno, e no Brasil), tínhamos então cerca de 20
mi!" línguas - no provável ápice do processo diferenciador. A
difusão não acarretou, necessariamente, a multiplicação nem
dos grupos nem das línguas, entre os limites dos 1o milhões e
dos 50 milhões, há 8-7 mil anos. Já nesse então começam a
emergir nas áreas mais densas do mundo-povoado os traços
distintivos de sociedades novas - os chamados impérios
arcaicos. v·
Tratava-se, com os impérios arcaicos, de processo civí-\
lizatório - predatório, homicida, genocida, escravizador e
guerreiro-, o que demandava uma organização social inova-
dora, com classes diferentemente usufrutuárias da produção e
diferentemente engajadas no processo produtor. A tecnologia
então atingida é fonte de um saber acumulado: o saber acu-
mulado precisa ser preservado: nasce a literatura dita oral, com
recursos mnemOnicos que se consagrarão nas futuras literatu-
40 Antônio Houaiss

ras escritas - isotopias ou igualdades fonéticas (rimas, alite-


rações, cognatismos, reiterações, ritmos, estrofes, versos, ver-
sículos etc.) , isossemias ou igualdades de sentido (paralelis-
mos, refrães, estribilhos, anexins, sapiências, fórmulas - má-
gicas, encantatórias, curativas etc.). SociEjdades eminente-
mente hierárquicas, cedo divinizam a pessoa do chefe e sua
famnia, mercê de duas seções eminentes do processo socie-
tário - a dos clérigos e a dos guerreiros, os que preservam e
transmitem (e não raro fossilizam) o saber e os que expandem
a civilização, cobrando o preço sobre os bens rapinados e as
benesses disseminadas.
Desde então, num crescendo que é moderníssimo -
entre o. século XV e o presente -, o processo civilizatório
multiplicou, explosivamente, o homem (matando-o, paralela-
mente, em quantidades impensáveis nos quase dois milhões
de anos anteriores) ; multiplicando os saberes e fazeres, e
liquidando, progressivamente, as línguas - reduzidas, hoje, a
entre 4 e 1O mil línguas, segundo os critéiros de sua caracteri-
zação e, assim, de sua contagem e delimitação territorral.

•a
••••
O CIMENTO HUMANO

Nesse processo complexo, o que talvez mais ressalte é


o cimento da identidade, em oposição ao corrosivo da diferen-
cialidade, numa correlação estreitíssima com o processo lin-
guageiro- e tão estreita que não se encontrará outra que com
ela possa competir. A identidade foi a forma física e espiritual
;. por que cada grupo enfrentou o futuro, com três- digamos-
princípios básicos: 1) nós somos nós, porque nos falamos e
nos entendemos, 2) porque, ad~mais, nos defendjjmos em
comum, com nossas práticas, tanto da morte, quanto da fome,
da sede, das intempéries, dos animais, dos vegetais, nocivos,
e 3) porque, sabemos, nós sabemos defender-nos, pois sabe-
mos que o que não é nós nem nosso pode ser, quase sempre
nos é nocivo. Num ecúmeno potencial praticamente infinito,
sermos nós foi - durante um larguíssimo lapso de tempo- a
mera suspeita de que havia os outros, aqueles, eles, os que
presuntivamente seriam, eram nocivos. O processo de difusão
- milênios e milênios depois-, criando relações exteriores de
escambo, foi amenizando esse pânico universal arcaico e
enraizado, mas o processo civilizatório não fez senão recrudes-
42 Antônio Houaiss

cê-lo. Nenhum medo arcaico como esse - fonte de coesões,


de solidariedade, de amparo recíproco, de nações e, concomi-
tantemente, fonte de nacionalismos, nazismos, fascismos e
totalitarismos - superou os valores éticos com que o homem
tem buscado unir-se para a esperança da edificação de um
bem comum . Não é surpresa que nações bem cimentadas -
mas extensas, e, assim, necessariamente com índices mais ou
menos ricos de diferencialidades - tendam a explodir em
reivindicações e atritos tópicos, a quaisquer momentos em que
as carências, de qualquer natureza, se manifestem mais do que
as abundâncias.
Tenhamos presente, para consideração do tópico que a
seguir leremos, que as grandes organizações políticas impe-
riais, desde a mais remota antiguidade, se cimentaram sobre a
difusão de uma língua sobre inúmeras línguas, muitas das
quais têm desaparecido exatamente por causa desse fenôme-
no. Isso deve ter ocorrido na China, na Índia, com Roma, pom
a Inglaterra, com Portugal, com a Espanha, com os Países
Baixos mesmos, com a França, com a Rússia, com o Brasil -
cujo processo civilizatório foi acompanhado, sem exceção, de
glotocídios, isto é, de matanças de línguas, já cruenta, já
incruentamente, já com sangue, já sem sangue .

••••••
QUANTAS LÍNGUAS
HÁ HOJE EM DIA?

Não há uma só resposta para a questão. Consoante for


o nível de aprofundamento que se dê à questão, poder-se-á ler
em duas obras informativamente idôneas que a Índia (como
subcontinente) tem 100 ou 1.615 línguas; que Angola tem sete
como 63 línguas; que a União Soviética tem 35 como 119,
como a China tem 23 como mais de 150 línguas. Não raro,
dir-se-á que o Brasil é urt:~a nação unilíngüe - de uma língua
só - ou uma nação multilíngüe - com cerca de 150 lfnguas .
. No caso do Brasil, por exemplo, no número maior estarão
incluídas as línguas de coiOnias estrangeiras emigrad~s para o
Brasil e ainda não assimiladas lingüisticamente - caso que
exemplifica um dos aspectos apenas do problema da enume-
ração das lfnguas, pois o outro é o da enumeração das línguas
apenas brasmcas e o terceiro das línguas amerfndias com
presença no Brasil.
O critério mais genericamente seguido para considerar
duas variedades linguageiras como duas línguas é o da inter-
comunicação. Se os usuários das duas variedades - ainda
44 Antônio Houaiss

que normalmente afastados - se ~ompreendem reciproca-


mente sem grande esforço, a presunção é de que se trate da
mesma língua, sendo as variedades tomadas como dialetos da
mesma língua. É o que, de certo modo, ocorre com o galego
em relação ao português (e reciprocamente, é óbvio) . Mas, no
mundo moderno, com a intensificação do processo de cultu-
ralização linguageira através do ensino, há um número cres-
cente de indivfduo.s que se tornam aptos a ente.nder outras
línguas genealogicamente afins, mesmo quando não as te-
nham aprendido ou estudado. Desse modo, parte-se do pres-
suposto de que aptidões pessoais, variáveis na captação de
línguas estrangeiras, não são critérios aceitáveis para a sepa-
ração de línguas. De outro lado, na grande maioria dos casos,
os fronteiriços de duas lff!guas, mesmo quando não genealo-
. gicamente afins, costumam desenvolver uma espécie de dia-
lato ou de crioulo que lhes permita a intercomunicação oral
·praticamente fácil, para enfrentarem os imperativos do convívio
intermitente ou freqüente, sem recurso a uma só das duas
línguas ou a uma terceira. No universo da oralidade, isto é, das
línguas não escritas ou dos indivíduos falantes de línguas
escritas mas sem recurso a estas, as situações de contigüidade
territorial e física são, assim, em geral resolvidas. Isso quer dizer
que, de duas línguas contíguas nas franjas, os usuários dos
seus núcleos centrais, quando se defrontam episodicamente,
não estão aptos para a intercomunicação.
Vão aqui dois tipos de estimativas, um, maximalista,
outro, minimalista, para as línguas do mundo atual: América do
Norte- 52/87; América do Sul e Antilhas - 253/320; Europa
- 38/67; Ásia- 870/2.450; Oceania - 700/3.200, e África -
1.200/3.100 - donde os totais 3.113 (mínimo) e 11 .224 (máxi-
mo) .

• •
•• ••
UM POUCO DE NOMENCLATURA

Há uns poucos substantivos ligados à noção de 'língua'


que convém aqui fixar para as nossas consideraçõ~s a seguir:
língua, dialeto, subdialeto, co-dialeto, estrato, substrato, supe-
restrato, adstrato, gíria, variante, linguajar, crioulo, tronco, ra-
mo, grupo, famma. Essa relação pode ser muito aumentada,
mas complicará o nível a que devemos limitar-nos, para nos
entendermos.
Embora todos saibamos que linguagem (fr. langage, ing.
language , it. linguaggio , esp. lenguaje) seja derivado do lat.
lingua (port. língua, fr. langue , - ing. tongue -, it. lingua , esp.
língua) , o fato é que com o primeiro designamos algo mais
abrangente do que com o segundo: a linguagem é um fenO-
mano .geral dos homens, e tão geral que - por equivalerem
aos elementos físicos e mentais com que os homens se inter-
comunicam - é empregada figuradamente para com quais-
quer outros seres vivos que não apenas homens - a lingua-
gem das abelhas, dos macacos, dos vacuns, dos cães etc.,
sem falar de códigos inter-humanos como a linguagem das
flores (com que se namorou num passado não remoto) , a
46 Antônio Houaiss

linguagem dos dedos (com que os operadores de bolsa arris-


cam milhões), a linguagem das fumaças, das buzinas, sem
falar da semafórica, telegráfica, semiótica médica e que sei eu.
Já com lfngua designamos, pelo menos, 1) o órgão que na
nossa boca (e, analogicamente, na boca de um sem-número
de animais, bichos, bestas, alimárias etc.) nos ajuda a mastigar
e deglutir, 2) nos permite, por sua forma, compará-lo a algo,
como um trecho de terreno, e dizer que em certa região há
'línguas' de terra que ...; 3) nos permite modular ou modelar os
sons e ruídos com que falamos (e, supomos que, em outros
animais, os ajuda a emitir sons e ruídos com que se comuni-
cam) , 4) nos permite distinguir entre homens e povos o fato de
que estes, ao usarem da língua3, o façam de forma distintiva,
porque com ela cada povo emite, ao falar, os sons admitidos
no seu modo próprio de falar: essa lfngua3 +4 é a que, dominan-
temente, nos interessa aqui.
Mas o fato é que, a partir de certo momento da história,
as línguas puderam, em alguns casos, atingir um número de
usuários e numa extensão tão maiores que antes, que, em
conseqüência, a 'mesma' lfngua - isto é, preservando-se a
intercomunicação entre os seus usuários - a 'mesma' lfngua
acusou diferenças de formas e de sentidos de entre os lugares
em que era falada. Neste momento vive-se 'esse' transito, cujo
início foi num passado remoto: os nossos desgraçadfssimos
ianomâmis falam uma só língua, mas, dispersos como povo
da floresta em pequenas aldeias de 30 a 60 (ou pouco mais)
ianomâmis, acusam diferença de sua mesma lfngua quando de
aldeias mais distantes e menos convivE!ntes. A esse processo
de diferenciação - horizontal - damos o nome de dialetação,
tomando cada grupo e área diferencial entre si como dialeto
(nome grego que os gregos, já pelo século IV a.C., usavam
para distinguir esse fenômeno dentro do grego comum daque-
le então) .
O que é Lfngua 47

Mas a evolução humana tem criado grupos profissionais


que, para seus fins profissionais, convivem entre si por muitas
horas do dia, criando, assim, para mais rápido e específico
entendimento do que fazem, certas palavras e seus sentidos e
modos de dizê-los que se diferenciam, segundo as profissões.
Ora, criam-se assim, também, dialetos: mas como estes po-
dem coexistir praticamente no/mesmo espaço (em diferentes
andares de um edifício, por exemplo) , essa diferenciação dia-
letal é dita vertical.
Em quaisquer desses dois casos, emprega-se por vezes
o vocábulo subdialeto para designar matizes diferenciais den-
tro de cada dialeto. Já co-dialeto é de emprego mais raro:
ocorre, por exemplo, dizer que o galego e o português são
co-dialetos, no sentido de que, originalmente desenvolvidos
num mesmo pequeno território com iguais características, co-
meçaram a expandir-se, passando a ter diferenças dialetais-
mas quais diferentes de qual? A resposta - impossível - foi
co-dialeto.
O leitor estará notando que sigo palavra a palavra os
substantivos propostos de início; assim, continuemos: estrato,
substrato, superestrato, adstrato são conceitos ligados ao di-
fusionismo linguageiro: quando duas (ou mais) línguas passa-
ram a influenciar-se reciprocamente, seus elementos comuns
de uma origem só foram (são) considerados estratos; mas, se
de origem não comum, são considerados com um prefixo
superpositivo ou sotopositivo: rio português, por exemplo,
além do estrato latino (ou melhor, românico) , pode-se admitir
um superestrato germânico, outro, árabe, outros, das línguas
românicas (castelhano, provençal, catalão, francês, italiano) ,
das línguas coloniais (asiáticas, ameríndias, africanas) , das
línguas imperiais (inglês, alemão, russo), das línguas culturais
(latim - cfe novo -, grego, o largo e~pectro do chamado latim
científico) ; e pode-se admitir um substrato, das línguas existen-
tes anteriormente nos lugares em que o latim conquistador veio
48 Antônio Houaiss

a prevalecer, chamado, por isso, pré-romano (no caso das


línguas românicas da península ibérica, substratos ditos pré-
romanos, ibéricos e às vezes até bascos/vascos/vasconga-
dos/euscades- o que, no fundo, é o mesmo) .
Adstratos são, assim, influências recíprocas de línguas
contíguas ou fronteiriças, situação que deve ter principiado -
suavissimamente - num passado muito remoto e que se vem
intensificando com o passar dos tempos; baste-nos considerar
que, até poucas décadas atrás, a 'contigüidade' era um fenô-
meno geográfico, que passou a gráfico e hoje é hertziano ...
Se nas formas ágrafas das línguas do passado remoto,
de sociedades pouco diferenciadas (sem diferenças de clas-
ses, sem divisão do trabalho, sem grande número de usuários,
sem grandes extensões físicas entre eles, mas com grande .
dependência recíproca para a sobrevivência), não nos é lícito
ver variedades notáveis de uso da mesma língua, nas línguas
das sociedades complexas, crescentemente complexas, de 1O
mil anos para esta parte, se reconhecem gírias - modos de
dizer e de criar ou de empregar palavras para uso de subgru-
pos, não raro até marginais ou criminosos Oargões) - ou
meramente variantes, isto é, modelizações de uso de uma
língua que, não extensivas, se desenvolvem por distanciamen-
tos horizontais ou verticais; chega-se, enfim, aos linguajares,
formas de dizer correspondentes a diferenças particulares den-
tre diferenças dialetais, menos extensas (o linguajar carioca se
distingue do dialeto fluminense que se distingue do dialeto do
sudeste que se distingue do dialeto sulista brasileiro).
No mundo moderno desenvolveram-se línguas ditas
crioulos, que vêm tomando importância crescente no mundo
das relações sociais, comerciais, de inserção de comunidades
quase-marginais no universo dos intercâmbios int!'lrnacionais:
são, em geral, formas dialetais de uma(s) língua(s) de conquis-
tadores, assimiladas por povos dependentes ou conquistados
que tenham perdido sua língua, tornando-as, assim, 'sua' lín-
O que é Lfngua 49

gua entre povos dependentes e de línguas diferentes. Os


pidgins (basicamente, business {english]), são exemplos mais
adaptados ao comércio entre povos coloniais de línguas ditas
étnicas.
No mundo moderno, a partir do momento em que os
estudos lingüísticos se desenvolveram no século XIX como
gramática comparativa e como gramática histórica e como
gramática histórico-comparativa, a classificação genealógica
das línguas- baseada na depreensão de equivalências mór-
ficas e semânticas e morfossemãnticas entre palavras e grupos
de palavras de duas ou mais línguas diferentes, mas graças a
isso geneticamente, isto é, genealogicamente, isto é, com
origem comum e evolução própria mas exibidora dessa comu-
nidade de origem -, a partir de então a classificação genealó-
gica das línguas passou a _gozar de um alto estatuto de credi-
. bilidade, de cientificidade. E que tal tipo de classificação, quan-
do fundamentadamente estabelecida, superava as controvér-
sias que podiam ser geradas por classificações impressionis-
tas - como eram, por vezes, as classificações estruturais do
tipo de línguas flexionais; línguas monossilábicas, línguas to-
nais, línguas aglutinantes, línguas sintéticas, línguas analíticas
- classificações essas ainda correntes, mas só válidas quan-
-do acompanhadas de rica matização do sentido em que são
tomadas.
Na base, pois, das classificações genealógicas, admite-
se que um tronco seja a forma presumidamente mais recuada
de línguas que tenham uma só origem tanto quanto possível
bem estabelecida com base no passado, seja ele documentá-
vel, seja apenas hipoteticamente reconstituído; que r.amos se-
jam derivações do tronco, com duas ou mais línguas mais afios
historicamente entre si (o indo-europeu é um tronco com vários
ramos, um dos quais é o ítalo-céltico, que por sua vez se
dicotomizou entre os sub-ramos itálico e céltico; o itálico, por
exemplo, se dividiu em várias línguas, como o asco, o úmbrio,
50 Antônio Houaiss

o latim, que, este, especialmente afortunado, é a fonte da famma


românica, em que entram o francês, o espanhol, o italiano, o
rético, o romeno, o sarda, o catalão, o provençal, o galego-por-
tuguês) .

••• •••
UM COTEJO: PASSADO-PRESENTE

Se tomarmos os dois extremos de eixo do homem lingua-


geiro, teremos - no presente - dois estados de língua (de
base oral) : o primitivo (primitivíssimo) e o presente (muito
desigual, tanto, que nos seja permitido levar em consideração,
aqui, só - por exemplo- o inglês).
O estado de língua primitivo é normalmente caracterizado
por um número restrito de usuários (entre- digamos- 40 a
200) ; é de aquisição societal ou sociétária (aí ou então não se
aprende a língua, porque não há escolas, nem professores,
nem alunos, ainda inúteis à organização social) ; é língua mini-
mamente diferenciada entre os usuários (todos os 'adultos' -
a partir dos 12-13 anos de idade, e não falemos de excepcio-
nais, se os há, nem prematuros nem tardios - se identificam
na luta pela sobrevivência), tanto nas gramáticas, quanto no
léxico; todos os usuários têm, na memória, internalizados todas
as regras, todos os fonemas, todas as palavras, todos os
saberes do clã ou grupo ou unidade coletiva; essa unidade
coletiva é - possivelmente, mais, provavelmente - de forte
tendência às mudanças, na diacronia, com intensas modifica-
52 Antônio Houaiss

ções linguageiras, no sistema de sons, de formas, de sentidos,


com criações e perdas de palavras, mas jamais toma conheci-
. menta disso, tanto como indivíduo quanto como grupo - há,
nisso, que levar em conta que 'isso' que se chama, psicologi-
camente, tempo; hoje em dia, é tão denso e tão intenso que-
figurativamente- um ano de hoje em dia valia (só?) dez anos
de então - como conjunto de vivências, existências, essên-
cias, experiências, inteligências, exigências, fluências e ... ên-
cias idas, vividas, vivíveis, vivituras. A quantificação e qualifica-
ção desse estado de língua primitivo se deve ter encorpado
lentamente, com um tendencial crescente à assimetria de re-
cursos linguageiros, no uso pelo menos, de tal modo q·ue
muitas unidades grupais se foram mantendo no estado inicial,
enquanto outras, poucas, se iam inovando e enriquecendo de
formas e conteúdos.
Antes do estado de língua presente exemplificado pelo
do inglês, a humanidade experimentou um sem-número de
estados de língua intermediários, quase todos dos quais ainda
presentes em meio às mais de 1O mil línguas existentes hoje
em dia, todas, relativamente, mais, ou menos, 'modernas' -
no estoque das palavras, no número de usuários, mais, ou
menos, capazes de aceder a esse estoque.
O estado presente do inglês mostra-nos que tem como
usuários algo como 1.000 milhões (1 bilhão) de indivíduos, 300
milhões dos quais são vernáculos (isto é, nascidos 'dentro' do
inglês), 700 milhões que usam do inglês como segunda língua,
de 'cultura', para negócios, conhecimento e aprendizado, de
ciências e técnicas inacessíveis a eles se por meio das respec-
tivas línguas, ágrafas ou de baixo desenvolvimento gráfico; é,
o inglês, por isso, de aprendizado institucionalizado universal-
mente, mercê de grandes redes de escolas, professores e
alunos; é enormemente diferenciado (dentro de espantosa
unidade) em dialetos ágrafos ou cultos horizontais e um núme-
ro ponderável de dialetos verticais; seus usuários, todos, são
O que é Lfngua 53

senhores parciais dessa sua língua, aumentando, mais, ou


menos, seu senhorio na dependência do acesso a fontes de
referência, leituras, audições e teleaudições; seus usuários, em
função do estudo sistemático da língua, têm dela um domínio
prático em função também do cabedal teórico aprendido,
permanentemente reciclado em grande fração dos usuários; a
líng!Ja serve-lhes num espectro largo de usos, práticos, dialo-
gais, especulativos, científicos, técnicos, filosóficos, lúdicos,
em situações formais, informais, hedonísticas, emocionais,
sentimentais, racionais, irracionais, fortemente marcadas, na
esteira de sementes quase estéreis disso tudo no estado de
língua primitivo.

••• •••
CLASSIFICAÇÃO DAS LÍNGUAS:
ESTADO ATUAL

A chamada lingüística românica, por exemplo, é objeto


hoje em dia de controvérsias de pormenor, relevantes que
sejam, mas que se integram num conjunto harmónico de fatos
gerais que não se contestam , ainda que possam ser aprofun-
dados e consolidados. Não se contesta a validade de seus
estudos, pesquisas e conclusões, no que se refere, em conjun-
to, ao estabelecimento das origens e evolução das línguas
românicas, isto é, as 'nascidas' na Europa em decorrência da
evolução oral do latim dos conquistadores romanos, nos con-
fins do mundo europeu, onde apareceram, no 'seu' Ocidente,
línguas dessa proveniência, ficando uma só isolada nessa
compactação, o romeno, que também não é objeto de dúvida
quanto à sua romanicidade. Esse modelo, quando estudado,
teve grande facilidade de erguer-se graças ao fato de que o
latim teve documentação escrita a partir do século III a.C.,
continuando a ser escrito praticamente até hoje, pelo menos
para certos fins, embora tenha deixado de ser falado como
latim comum, na România conquistada, já pelo século IV-V
O que é Língua 55

d.C., a partir de quando se admite a existência do românico,


desde os inícios diferenciados dos feudos europeus.
Como a documentação das formas românicas, isto é, já
não latinas, se faz cedo (mais ou menos no século VII-VIII d.C.)
no latim cartorial , e como as línguas ou dialetos românicos
começam a ter estatuto escrito mais ou menos a partir de então
(o francês, por exemplo, já no século IX, o português, por
exemplo, só no século XIII), a tarefa da lingüística românica foi,
assim, graças à documentação escrita, muito mais fácil do que
outra genealogia, a do indo-europeu.
Mas ainda assim o indo-europeu se apresenta como
forma de conhecimento muito mais documentado, se compa-
rado com a de outros troncos. O tronco banto, por exemplo,
na África, é exemplo de como a falta de documentação escrita
no passado cria dificuldades para a classificação genealógica
banta na sua historicidade, embora não pairem dúvidas quanto
à sua vinculação comum e afinidades.
Comparado ao românico, o indo-europeu era (e é) mais
complexo, pois enquanto no românico a origem (o latim) era
ricamente documentada, como o foram , em grande parte, as
fases de sua evolução, no caso do indo-europeu chegava-se,
pela reconstituição comparativa, a uma língua totalmente hipo-
tética, muitas vezes com fases intermediár'ias também hipoté-
ticas e sem documentação gráfica. É verdade que, para o latim,
se a documentação era inequívoca (quando inequívoca) , mais
não recuava senão a pouco mais do século III a.C., enquanto
que para o indo-europeu o recuo vai para algo como o Vil-VI
milênio a.p.
Hoje em dia, com certo grau de certeza ou de alta proba-
bilidade genealógica, podem-se propor os seguintes troncos
ou grupos: 1) o indo-europeu, 2) o camito-semítico-cuchítico,
mais sinteticamente, o camito-semítico, 3) o dravídico e, mais
4) as línguas aglutinantes, 5) as línguas tonais asiáticas, 6) as
línguas da África negra, 7) o malaio-polinésio e o cmer, e 8) as
56 Antônio Houaiss

línguas da Oceania, a cujo conjunto adjungiremos 9) algo


sobre os pidgins e crioulos.
O planisfério esquemático deste livrinho busca dar conta
dessa distribuição atual, contemporânea. Mas não leva em
conta, por subentendê-la, que o continente americano e o
australiano são, hoje em dia, de quatro ou cinco línguas de
cultura (o inglês, o espanhol, o português, o francês e o
neerlandês), enquanto que a Austrália e a Nova Zelândia são
apenas do inglês - fatos esses que se ligam a uma extrema
modernidade, os últimos quatro séculos.

O indo-europeu

Ocupa larga extensão, suas línguas são faladas - com


seus prolongamentos, na África (inglês, francês, português,
neerlandês) e na Oceania (Austrália e Nova Zelândia, com o
inglês) e na América- pela metade da humanidade.
No indo-europeu se incluem (sem considerações quanto
às intermediações históricas) 1) a família das línguas ditas
latinas ou românicas, 2) a das línguas germânicas, 3) a das
línguas célticas, 4) a das línguas eslavas, 5) o grego, 6) o
albanês, 7) o armênio, 8) o cigano, 9) as línguas bálticas, 1O) o
indo-irânico (subdividido em a) línguas iranianas e b) línguas
índicas) e 11) o tocariano, morto sem descendência.
Note-se que, de logo, cobrem povos de forte diferencia-
ção étnica ou racial (sem conotação de valor), cujo espectro
temporal, relembremos, vai de 7-6 mil anos a.p.
O que as caracteriza são, grosso modb, sistemas flexio-
nais, mais ou menos ricos, com declinações (nomes, prono-
mes), conjungações (verbo), categorias de número (singular,
dual, plural) , um menor conjunto de palavras de forma fixa
O que é Língua 57

(advérbios, preposições, posposições, conjunções) -sendo


as flexões expressas de regra como desinências terminais.
. Das famílias indo-européias, em primeiro ou segundo
grau de descendência, já foram referidas acima as latinas ou
românicas. As germânicas incluem o inglês, o alemão, o neer-
landês, o africanar, o alsaciano, as línguas escandinavas
(danês ou dinamarquês, norueguês, sueco, islandês, feroês) e
o íidiche (eixado basicamente no alemão) . As línguas célticas,
que tiveram no passado uma extensão geográfica muito maior,
compreendem o bretão, o irlandês, o galês, o escocês. As
línguas eslavas incluem t> russo, o bielorrusso, o ucraniano, o
búlgaro, o esloveno, o servo-croata, o tcheco, o eslovaco, o
polaco. As línguas bálticas são o letão e o lituano. O albanês é
língua sobrevivente, de estatuto genealógico diretamente en-
troncado ao indo-europeu, mas falado por pequeno número de
usuários, estabelecidos desde alta antiguidade na atual Albâ-
nia, com rebentos no território de Kosovo, na Iugoslávia, e
emigrantes em países vários do Mediterrâneo e nos EE.UU. da
América. ·
O grego, embora espacialmente limitado à Grécia, hoje
em dia - mal grado a expansão que teve, por momentos, com
o império de Alexandre Magno e a cultura e civilização helenís-
ticas - é uma das línguas mais gloriosas dentre todas, graças ·
a uma cultura escrita a partir de 3.500 anos a.p. e ao floresci-
mento literário, poético (Homero, Safo) , dramatúrgico (Ésquilo,
Sófocles, Eurípides) , filosófico (Platão, Aristóteles) , do século
Vl .ao III a.C. De certo modo, sua influência sobre o latim foi
culturalmente relevante, possibilitando a emergência de um
latim científico (em grande parte fundado sobre o léxico grego) ,
com que grande parte da neologia científica do mundo moder-
no vem sendo forjada.
O armênio ou armeniano - cujos nacionais se dizem hay,
donde o nome do país, Hayasdan, e da língua, o hayeren -,
embora isolado como o albanês ou o grego no universo
58 Antônio Houaiss

indo-europeu, acusa, entretanto, afinidades com o grego e com


o irânico ou persa.
O cigano -língua de uma população nomádica, errante,
de cerca de 3 milhões de indivíduos- teria advindo da Índia
setentrional, donde teriam emigrado no século V d.C. em dois
ramos, o egiptano, pelo Egito, e o da Europa central - os
gypsies na Inglaterra, gitanos na Espanha.
As línguas bálticas, a que já nos referimos, são o letão e
o lituano, de 3 e 4 milhões, resgectivamente, e tidas como
estruturalmente mais próximas do indo-europeu. Até o século
XVIII, o velho prussiano, também língua báltica, foi falado (e
escrito), tendo desde então entrado no rol das línguas mortas.
O indo-irânico deve ter-se cindido em irânico e índico
muito cedo, ficando o irânico entre o índico (Índia adentro), a
leste, e os ramos indo-europeus, a oeste. O nome nacional do
irânico, como língua, é farsi, do mesmo étimo de parsi, base
do nome clássico Pérsia. Os partas da Antiguidade eram da
mesma origem, pelo menos lingüística. No Irã presente há
importantes minorias de língua turca - azeris (base do Az.er-
baidjão), turcomenos (base da Turcomênia, a leste do mar
Cáspio), casgai (de perto de Chiraz) : daí, evitar-se o termo
· iraniano, cabível como etnOnimo (nome nacional do povo)
extensivo, preferindo-se o glotOnimo farsi/parsi/persa. São
desse grupo irânico, além do farsi ou persa atual, o asseta, o
curdo, o tadjique, o baluche e o pastu, todos situados no Irã,
mas com transbordamentos em todas as fronteiras. Islamiza-
dos no século VIII d.C., convertidos a partir de então da religião
zende (de Zoroastro), incorporaram ao persa um grande nú-
mero de palavras árabes (e o árabe, por sua vez, incorporou
um bom número de palavras persas), num trato cultural de
duas línguas históricas de grande pujança literária.
O índico - como designação geral das línguas indo-eu-
ropéias da í_ndia - ocupa grande parte do subcontinente
O que é Língua 59

indiano, cuja parte meridional é sobretudo de línguas dravfdi-


cas. Do ponto de vista oficial, administrativo, a Índia, a União
Indiana, tem treze grandes línguas, com mais cerca de 50,
faladas por mais de 100 mil usuários cada uma. Mas a esse
número relativamente pequeno,. acrescentam-se, para mino-
rias de forte historicidade, algo como entre 1.200 a 1.600
línguas outras, não intercomunicantes. Fora da União Indiana,
são línguas relevantes do mesmo tronco índico o urdu - no
Paquistão -, o bengali - em Bangladesh -, o nepalí - no
Nepal - e o cingalês - no Ceilão, isto é, Sri Lanka -, cada
um dos quais têm variantes não raro reputáveis como línguas
autOnomas.
A mais antiga língua indo-européia da Índia, por conse-
guinte, do índico, parece ser o védico, falado por árias nOma-
des pelo 11 milênio a.C. O sânscrito, cujo esplendor literário se.
situa entre 1.soo ·e 300 a.C., serviu de fonte documental por
excelência para a teoria histórico-comparativa de que emergiu
a reconstituição do indo-europeu de base. A partir da decadên-
cia do sânscrito, os chamados prácritos começaram a preva-
lecer como línguas faladas, de tal modo que o sânscrito só
pOde manter o seu estatuto moderno de língua oficial (não a
língua oficial) na União Indiana graças ao seu brilhante acervo
de tradição cultural escrita e a uma minoria muito cultivada de
hindus que o preservam, cultivam e protegem. Como outras
línguas indo-européias da Índia, são relevantes o pandjabi, o
caximiro, o hindi, o criia, o marati, o gujarati ou gujerati, o sindi.
O hindi, computado com o urdu (de alfabeto árabe) Ountos, são
chamados hindustani), com o pandjabi e o gujàrati, conta cerca
de 370 milhões de usários, para mais, caso em que é a terceira
ou quarta língua do mundo, em termos de número de usuários
(após o chinês, o inglês e, eventualmente, o espanhol) .
60 Antônio Houaiss
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O que é Língua 61

O camito-semítico-cuchítico

Trata-se de um tronco de denominação recente, tirado de


Sem e Cam (Cham), filhos de Noé; já Kush, Couch, Kouch (e
outras variantes gráficas) seria filho de Cam, teria vivido ao sul
do Egito antigo e dado seu nome à Etiópia e regiões circunja-
centes pelos captas, os antigos egípcios. Há, assim, aí, agru-
pados, três subtroncos ou subgrupos, o semítico, o camítico e
o cuchítico - desde a África do norte até as fronteiras do Irã,
tocando, para o sul, a África negra, de que uma das línguas, o
hauçá, é em geral relacionada com esta famnia.
O semita primitivo, do VIl-VI milênio a.p., é assim contem-
porâneo do indo-europeu primitivo - na hipótese mais aceita
entre os lingüistas histórico-comparatistas. De sua cissiparição
e difusão e dialetação, na Ásia menor e península arábica,
dialetos vários, alguns dos quais se alçaram a línguas históri-
cas relevantes, entraram na história, como o árabe, o hebraico,
o aramaico - este, que foi a língua de Cristo, é ainda falado
por alguns milhares de sírios ao norte de Damasco.
As línguas semíticas apresentam, em geral, um sistema
de consoantes muito rico e diferenciado- havendo-as 'puras',
'enfáticas', 'aspiradas', 'guturais', 'uvulares'. As palavras têm,
em geral, uma base dita triliteral, triconsonântica; de tal arte que
tanto as flexões como certas derivações se formam 'entre' as
três consoantes de base, com elementos prefixados e/ou sufi-
xados. Categorias de gênero (masculino e feminino), de núme-
ro (singular, dual, plural) , declinações e conjugações permitem
presumir certa sistemática estrutural anterior ao semita e ao
indo-europeu.
O islamismo fez do árabe - língua semítica da península
arábica- uma língua hoje falada por cerca de 160 milhões de
usuários, mas com influência, através da religião, sobre cerca
de um bilhão de crentes. Língua de alta literatura do século VIII
62 Antônio Houaiss

ao XV d.C., com séculos subseqüentes ditos obscuros, assis-


te, a partir dos fins do século XIX, a um renascer literário e
científico, que vai em crescendo.
A expansão do árabe através do lslam ('submissão' a
Deus) levou-o a ter uma grande territorialidade, que se acom-
panha de dialetação - em dois ramos, os dialetos do oriente
(mashreq) e os da África do norte (maghreb 'ocidente'). Os
séculos obscuros tenderam a afastar mais e mais os dialetos,
o que a modernidade tem buscado superar, com o incremento
de um árabe comum escolar calcado sobre o árabe corãnico
- do Corão ou Alcorão, livro sagrado do lslam, ditado pelo seu
profeta, Maomé, no século VIl d.C. -; tornado cada vez mais
eficaz tanto na língua escrita quanto na língua falada e nos
meios eletrônicos de comunicação de massa, com audiência
e televidência pan-arábica.
Note-se que o maltês é uma língua provinda do árabe:
com efeito, expulsos da Sicnia em 1250, instalando-se na ilha
de Malta, os árabes tiveram dialetação própria que, no entanto,
não o distanciou do árabe da Tunísia, embora tenha absorvido
no léxico um bom contingente de italianismos e, mais recente-
mente, de anglicismos. O maltês é - fato único na arabofonia
- escrito em caracteres latinos.
O hebraico é tipicamente semítico, com um sistema con -
sonantal muito comparável ao árabe (tendo, ademais, o /p/ e o
/v/, desconhecidos do árabe) , com raízes lexicais basicamente
triconsenãnticas, ademais de uma estrutura gramatical compa-
rável. Mas sua antiguidade documental é muito anterior à do
árabe, por 1.500 a.C., bem como sua releyãncia espiritual,
como povo e língua criadores do monoteísmo - de que
brotaram o cristianismo e o islamismo, monoteístas. É, entre-
tanto, digno de realce o fato de que o hebraico sempre foi a
língua de um povo só (muito ao contrário do árabe) , que ao
longo da história esteve a ponto de desaparecer, só sobrevi-
vendo, parece, graças a ser um/o 'povo do Livro', que lhe foi o
O que é Língua 63

cimento nacional mesmo quando perdeu território e língua. O


hebraico, que chegou a ter quase o estatuto de língua morta, é
hoje a língua nacional oficial de Israel (juntamente com o árabe,
para a população palestina) - realizando algo sem preceden-
tes na história da humanidade, a ressurreição de sua língua
(obviamente, mercê de traços modernizadores) .
No semítico incluem-se ainda línguas que foram da Assí-
ria, da Babilónia, de Canaã, de Ugarit, da Fenícia, de Cartago,
bem como o amárico, língua oficial da Etiópia contemporânea,
assim como o tigrenha, também da Etiópia, e o gueze, língua
litúrgica da igreja cr-istã etíope, talvez a base semítica de outras
línguas etíopes atuais.
O camítico compreende as línguas berberes da atualida-
de, assim como o egípcio antigo, o copta. As línguas berberes,
que acusam certas analogias gramaticais com o semita, acu-
sam também diferenças, sobretudo quando se descartam ca-
racterísticas que podem ser atribuídas à forte pressão arabizan-
te que sofreu há séculos e a quem vem resistindo. As línguas
berberes são o cabila, o chauí, o rifenho ou tamazite e o
tamacheque, a língua dos tuaregues ou 'homens azuis' do
Saara.
Por fim, dentre as cuchíticas, do chamado Corno da
África, há que citar o somali, o atar e o gala ou oromo, pelo
menos.

As ·línguas dravídicas

São quatro línguas principais do subcontinente indiano,


na sua parte meridional, muito aparentadas estrutural e lexical-
mente entre si: o tamul, o teluga, o malaialame e o canada (dito
também canara) . Há outras menos importantes, como o cuí, o
gonde, cada uma com menos de 5 milhões de usuários em
64 Antônio Houaiss

declínio. Há uma língua supostamente dravídica, isolada, no


norte da Índia, o brauí, em meio a línguas indo-européias. Isso
coonesta a hipótese de que as línguas dravídicas existiam na
Índia antes das migrações indo-européias. Mas certos elemen-
tos estruturais das línguas dravídicas também permitem supor
que sejam um sub-ramo precoce da cissiparição ou difusão do
indo-europeu.

As línguas aglutinantes

Sem valor necessariamente genealógico, são chamadas


línguas aglutinantes as que ajuntam ao radical , sucessivamen-
te, certos sufixos ou desinências que desempenham funções
categoriais ou derivativas. Sua relativa homogeneidade, po-
rém, permite suspeitar-lhes certa origem comum, que em últi-
ma análise as incluiria em troncos mais primevos ainda. Como
aglutinantes, ressaltemos o turco, o finês ou finlandês, o hún-
garo, o basco, o japonês, o coreano, o mongol e, de um modo
geral, as línguas ame~índias .

As línguas turcas

Cobrem uma superfície considerável, desde a Europa até


a bacia do Lena, no nordeste da Sibéria. As línguas turcas
compreendem o turco da Turquia, o azeri, do Azerbaidjão,
quatro línguas das repúblicas soviéticas da Ásia central - ·o
turcomeno, o usbeque, o quirguise e o cazaque. O turcomeno
está também no Irã. No sul d.o mar Arai acha-se uma língua que
lhe é muito próxima, o caracalpaque, assim como no Sinkiang
chinês há o uigur, que transborda adentro das fronteiras sovié-
O que é Lfngua 65

ticas. Enfim, entre o Volga e os Urais há o tchuvache, o tatar, o


basquir e nos confins do Lena o iacute. Ademais, numerosos
encraves túrcicos há no mar Negro e no Cáucaso, bem como
nas montanhas do Altai. Salvo pequenas exceções, tais línguas
constituem um conjunto homogêneo comparável, dizem, ao
das línguas românicas.

As línguas fino-ugrianas

As línguas fino-ugrianas são o finês e o húngaro, com


origens que devem deslocar-se para o oeste dos Urais. Os
húngaros só vieram a estabelecer-se nas margens do Danúbio
pelo século IX d.C. , enquanto os fineses e os estonianos se
dirigiam rumo do noroeste. É provável que os lapões, de físico
muito diferente, tenham adquirido uma língua urálica, que con-
servam até hoje. Os samoiedas emigraram para a Sibéria, onde
perduram algumas dezenas de milhares. Há ainda um número
não pequeno de minorias, ao longo do Volga, como os mor-
dves, os comis, os maris ou tcheremissos, os udmurtes - que
em conjunto são em torno de 3-4 milhões.

O basco

O basco coostitui no Ocidente europeu - provavelmente


em concerto com o etrusco, na Itália, morto - um povo de
espantosa resistência à assimilação, ante os falares da Espa-
nha e os da França. Acusa, como é de esperar, diferenças
dialetais. Acusa também estruturas análogas às das línguas
fino-ugrianas ou às caucasianas. Rico de caracteres pouco
correntes, seu sistema de numeração, por exemplo, é vigesi-
Antônio Houaiss

mal: para dizer 267, por exemplo, dir-se-á 'trezes vezes vinte e
sete'.

O japonês

Com mais de 100 milhões de usuários, o japon~s é, nesta


altura, língua de um dos povos·mais desenvolvidos do mundo.
Língua aglutinante, sua estrutura a aparenta ao turco, finlandês
e outras línguas aglutinantes. Com notação gráfica - ideográ-
fica - chinesa, já pelo século IX a.C. o Japão desenvolveu
sistemas próprios de grafação, de tal modo que o kanji -
ideograma chinês e por isso em número mnemonicamente
excessivo- se reduziu a 1.850, com cerca de 800 essenciais,
seguindo-se-lhe a produção de um silabário - o hiragana -
com cerca de 51 signos ou sinais, acompanhado de outro -
o catacana - usado para palavras estrangeiras recentes ou
nomes próprios em geral, estrangeiros. As condições de pres-
tígio material e cultural podem fazer do japonês uma língua de
brilho internacional, embora a divulgação do inglês, para fins
de comércio e relações exteriores, esteja tendendo a pôr o
japonês, como língua, na posição de necessitada do concurso
do inglês.

O mongol

As línguas mongóis são provindas, ao que tudo permite


crer, de dialetações do calca, em número de 25, faladas por
pouco mais de 3 milhões de usuários, na República Popular da
Mongólia e com transbordamentos na China e na U.R.S.S. -
nesta, com os buriatas - mais ou menos 300 mil - e o
O que é Língua 67

calmuco - mais ou menos 200 mil. Como língua altaica, tem


ainda clara relação com o turco, guardando também uma rica
harominização vocálica (a presença de uma 'qualidade' em
certa vogal da palavra- às vezes, da frase~ contamina todas
as demais vogais da unidade em causa).
Aglutinante também, o coreano acusa pouca diferença
entre o do norte e o do sul - apesar da separação política
existente a partir de 1945. No norte, grata-se a língua com o
alfabeto hangul desde o século XV, enquanto o sul pratica
também os caracteres chineses. É certo o parentesco do
coreano com o japonês - mas é notável a separação lexical.
·o coreano apresenta particularismos dignos de realce que
tornam o estudo da língua por estrangeiros muito difícil, como
é, por exemplo, o fato de que o verbo muda em função do grau
de respeitabilidade do que fala, daquele a quem fala e daquele
de quem fala.

As línguas amerínd'ias

No século XV deviam ser faladas entre 200-250 línguas


na América do Norte, entre 150-200 no México à América
Central e entre 1.100-1 .300 na América do Sul e Antilhas. A
população global seria entre 30-15 milhões. Hoje, nos EE.UU.
da América reconhece-se a existência de 800 mil indígenas, 250
mil dos quais continuam falando seus idiomas de origem,
sendo mais importantes, porque falados por mais de 1O mil
pessoas, o grupo algonquim (com o cree e o ojíbua), dois
grupos siús (o cheroqui e. o daoot;:i), além do navajo e do
esquimó. Restam na América Central umas trinta línguas ame-
ríndias e no México pelo menos vinte (maia, nauatle etc.), nove
das quais faladas por mais de 100 mil pessoas cada uma. Na
América do Sul, além do quíchua/quêchua. (7 milhões) e do
68 Antônio Houaiss

aimara (3 milhões), restam algo ·como 150 línguas faladas por


4 milhões de pessoas, línguas do grupo aruaque/arauaque, do
grupo caraíbajcaribe, do grupo tu pi-guarani e do grupo jê (sem
considerar as - até agora - isoladas), havendo entre as
brasílicas algumas faladas por poucas dezenas de pessoas.

As línguas tonais asiáticas

Quanto ao número de usuários, as línguas tonais da Ásia


quase emparelham com o indo-europeu. O predomínio nesse
grupo é do chinês, a que se seguem as línguas do grupo tai, o
vietnamita e as línguas do grupo tibeto-birmano. Embora ainda
não estabelecido sem dúvidas o seu parentesco, marcam-se
por uma base monossilábica e um sistema tonal muito carac-
terístico.
· Na China, o chamado chinês mandarino, dito, também,
peq1,1inês, língua dos hans (a etnia maioritária) ou chinês co-
mum, é vernáculo de 300 milhões de indivíduos e falado por
mais 700 milhões como segunda língua, havendo um número
cada vez mais reduzido de indivíduos que só falam línguas
próprias (100 milhões, estimativamente) . Se os caracteres chi-
neses de base ideográfica criam certas dificuldades de apren-
dizado maiores que os alfabetos fonográficos, oferecem, em
contrapartida, a possibilidade de os usuários entenderem as
mensagens escritas, porque podem ser 'lidas' nas demais
línguas da China - o que muito contribuiu para a relativa
unidade política e cultural do país.
O tibetano é falado dos limites do Paquistão à Birmânia.
A sua dialetação foi tão forte que, não raro, embora reconhe-
cendo-se-lhe origem comum, a intercomunicação nesses_dia-
latos não se dá ou se dá com dificuldades. Falado por 6-7
milhões de pessoas, só pouco mais de 2 milhões vivem no
O que é Língua 69

Tibé. No Sutão, de população em maioria tibetana, a língua (ou


dialeto) nacional é o jonca, falado por 900 mil indivíduos. No
Nepal há importante minoria tibetana, mas a língua oficial ar, já
referida, é o nepali, indo-européia. Na União Indiana há cerca
de 350 mil tibetanos, já aí radicadós há muito, já refugiados
políticos em conflito com o governo central da China.
O birmanês ou birmane é falado por cerca de 25 milhões
de súditos da Birmânia, cuja população é de cerca de 40
milhões de pessoas. O birmane e o tibetano são de parentesco
inequívoco, mas nas montanhas há minorias de línguas várias,
. muitas das quais ágrafas. A União Indiana reconhece alguns
estados ou regiões como unidos, com línguas birmanas de
origem, mas próprias, como o carém, o chim (em sentido
próprio, não no de 'chinês') e o cachim - todos com intensa
dialetação.
Na Tailândia - terra dos tais, como pessoas e como
línguas -, o tai não só é a mais relevante língua do grupo tai,
senão que, admitidamente, a base das outras línguas do grupo:
o laosiano, ,de Laos, o tchuang/juang/zuang (falado por 11
milhões nas províncias chinesas de Guankxi e de lunan) .
O vietnamita é, após o chinês, a mais falada das línguas
tonais asiáticas - cerca de 60 milhões. O norte faz uso de seis
tons, enquanto o sul os reduz a cinco. Escrito em caracteres
latinos desde o século XVIII, por ação de missionários católi-
cos, tem rica literatura, que espelha bem a resistência de seu
povo ante hegemonias históricas como a chinesa, a francesa,
a norte-americana.

As línguas da África negra

A África, em especial a África negra, é teatro de dois tristes


privilégios: por 1950, Alfred Sauvy, o grande demógrafo, esti-
70 Antônio Houaiss

mava em 800 milhões o déficit populacional da África, se não


tivesse sido saqueada pela escravização ; hoje em dia, acusa
entre 1.500-3.500 línguas, num mosaico que em grande parte
derivou do jogo de poder das potências coloniais, a partir do
século XV e em especial no curso dos séculos XIX e XX (até,
mais ou menos, 1960) . Essa pulverização lingüística não quer
dizer indignificação linguageira - pois não é o número de
usuários que define a 'qualidade' de uma língua. Mas, na
medida em que nenhuma língua africana póde ser alçada a
grande língua de cultura (por motivos essencialmente políti-
cos) , na mesma medida a África teve suas línguas, e respecti-
vos povos, sotopostos às dos colonizadores : o português, o
inglês, o francês, o neerlandês e, num passado anterior, o
árabe, sem referência ao espanhol no norte da África, que iria
abocanhar terras americanas e mais além, e sem referência ao
camítico e ao semítico, que afinal de contas recuam num
passado muito remoto.
As línguas bantas são faladas por mais de 120 milhões
de indivíduos. Constituem essas línguas cerca de metade das
línguas faladas na África, ocupando quase toda a parte meri-
dional do continente, salvo parte da República da África do Sul
e da Namíbia. As mais importantes dessas línguas são o suaíle
(18 milhões), língua oficial da Tanzânia, com fortes diferenças
dialetais, como o quiunguja, em Zanzibar, o quinvita, o como-
rês; vem a seguir o quirundi, com a variante quiniaruanda (mais
de 8 milhões), em Ruanda e no Burundi; o luganda (4 milhões) ,
uma das línguas principais de Uganda. Mais para o sul são
bantas o zulu (mais de 5 milhões) , na República da África do
Sul e no Zimbábue. Acrescentem-se o xosa, as línguas ngunis,
as línguas hotentotes, o soto, o lesoto, o quimbundo (3 milhões
em Angola), o tchiluba, o nianja, o bembe, o lingala, o quicon-
go.
O que é Língua . 71

Já fizemos referência às principais línguas do Corno da


África, cuchíticas, como o gala, o somali, o afar, à parte o
américa (semítico) .
O peule, falado por cerca de 13 milhões, deve provir do
egípcio antigo e ocupa grande parte do Sael, dentre os quais
há os tuculeres (adaptação afrancesada do topónimo Tekrur),
peules mestiçados com negros. Pulo, fulbê, fulfulbê são nomes
dialetais ou de línguas do peule que, apesar de regionalizações
tendentes à dialetação, guarda notável uniformidade relativa.
O uolofe se faz modernamente a língua por excelência da
intercomunicação dos senegaleses ; embora vernácula de dois
milhões apenas, é usada por um grande percentual da popu-
lação do Senegal.
As línguas mandês gravitam em torno do Mali. As princi-
pais são o bambara, o diúla, o sussu/suçu, o mandinga, o
saracolê ou soninca - conjunto com cerca de 7 milhões de
usuários.
As línguas voltaicas incluem o mossi/moci (3 milhões) e
o senufo.
No golfo da Guiné - da Libéria ao delta do Níger - estão
mais de 100 línguas de forte uso tonal, entre as quais o cru (1
milhão e 200 mil usuários) , as línguas cuís (só elas, cerca de
40) , na Costa do Marfim e na Nigéria. Para além da Costa do
Marfim, direção sul, há o achanti/axanti, o anhi, o baulê. Mais
para leste, há as línguas do sul da Nigéria, em que o ioruba
sobressai, falado por cerca de 17 milhões, o ibo (9 milhões) .
No delta do Níger, há o efique e o ibibio, mais conhecido como
calabar (4 milhões) , de intenso uso tonal. O bamileque, enfim,
marca a fronteira entre os bantos e as línguas do golfo da
Guiné.
Entre a Nigéria e o Quênia e a Etiópia, do domínio banto,
ao sul, ao deserto, ao norte, há um mosaico de línguas tal, que ,
não se lhe pôde, até hoje, compor um quadro descritivo apro-
ximadamente satisfatório. Línguas de pequenos continentes de
72 Antônio Houaiss

usuários, de baixo v~lor cultural (até agora, pelo menos), nelas


se nota o sango, um como que pidgin ou crioulo, que se vem
implantando como língua veicular na República Centro-Africa-
na e adjacências.
Por fim, cumpre referir o hauçá, falado por mais de 26
milhões de usuários do norte da Nigéria ao Níger, que, como
língua veicular sobretudo de comércio, chega à Costa do
Marfim e mesmo à África equatorial. Sua irradiação cultural
incorpora-lhe cada vez mais usuários, fazendo-a uma das
cinco línguas da .África negra mais importantes. São em maioria
muçulmanos, mas já abandonaram o alfabeto árabe, que até
este século foi usado na sua imprensa cotidiana.

O malaio-polinésio e o cn:a.er

As entre 140-280 línguas do grupo malaio-polinésio co-


brem uma superfície considerável do globo, da ilha de Mada-
gascar até as ilhas da Polinésia. Incluem línguas nacionais,
como a da Indonésia, da Malásia, das Filipinas, de Cingapura,
com minorias em Formosa, no Vietname, na ilha chinesa de
Hainan, na ilha de Guam. São mais de 220 milhões de falantes,
cerca de 150 milhões dos quais na Indonésia, 40 milhões nas
Filipinas, 7 milhões em Madagascar, 6 milhões na Malásia e
Cingapura. Na Polinésia há, ademais, 580 mil usuários. Em
curtos traços, consideram-se a seguir as mais importantes, do
ponto de vista quantitativo.
A Indonésia conta, com efeito, com o indonésio (1 00
milhões), ademais de uma dezenas de línguas fortemente
aparentadas com ele, como o javanês, o sundanês, o bataque,
o minancabau, o mandurês, o balinês. Além de terem prefixos
e sufixos, são línguas de infixos.
O que é Língua 73

O tagaloque é a lín~ua oficiàl das Filipinas, dito também,


por isso, pilipino. Ainda do grupo malaio, conta com outras
línguas no arquipélago, como o vasaiano (12 milhões), o iloca-
no (4 milhões), o cebuano, o bical ou papango.
As línguas polinésias - um conjunto pobre de usuários,
como já dito - conta com línguas como o maori, na Nova
Zelândia, e o havaiano, que estão extinguindo-se, ao lado de
numerosas outras, que preservam, apesar da insularidade,
relativa unidade.
O cmer, língua do Cambodja, embora despiste até hoje
os lingüistas quanto à sua genealogia, parece ter parentesco
com o mon, como grupo mon-cmer, e atinge mais do que 11
milhões de falantes, 7 dos quais do cmer.

As línguas da Oceania

As línguas melanésias, faladas no arquipélago da Mela-


nésia (em grego por 'ilhas negras, isto é, povoadas por negros')
e na Micronésia (em grego, por 'ilhas pequenas'), registram 1
milhão de falantes, com 1.050-1.500 línguas, o que lhes dá
médias de 1.000 a 666 usuários por língua.
Os papuas vivem em maioria na Nova Guiné. Para uma
população de cerca de 3 milhões de indivíduos (não computa-
dos os integrados à Indonésia, no lrian) , há entre 620 a 970
línguas.
As línguas aborígines australianas são hoje faladas por
cerca de 50 mil remanescentes; essas línguas - antes da
extinção - vêm sendo estud!'idas com desvelo pelos lingüistas
australianos. Subsistem cerca de 230 línguas (cada uma das
quais com uma média de 2,2 dialetos), com média de 216
usuários por língua - num estado de coisas presuntivamente
muito primitivo.
74 Antônio Houaiss

Pidgins e crioulos
Têm em comum o fato de se haverem erigido como
línguas para a comunicação entre pessoas de origem diversa
do ponto de vista linguageiro. Mas o pidgln o é entre pessoas
. que conservam sua língua original, constituindo, assim, uma
'segunda' língua do usuário, enquanto o crioulo substitui a
língua ou línguas de origem das populações que o adotam. Há
na África o pidgin particularmente dito, o fanacado e o songa,
já antes referido; nas Novas Hébridas, o bichalamar (do portu-
guês bicho do mar, nome de uma holotúria ou pepino-do-mar,
objeto de intenso comércio com os chineses, no século XVIII ,
devoradores glutões dessa espécie então abundante nos ma-
res da área) se desenvolveu para vincular pescadores que
falavam aí mais de 100 línguas diferentes.
Como crioulos, registre-se o de base portuguesa em
Malaca, o papiamento, de base espanhola, nas Antilhas neer-
landesas; o sango, da República Centro-Africana, corri base
em várias línguas africanas, o haitiano (7 milhões) , de base
francesa, os crioulos também de base francesa das ilhas da
Reunião, Maurício, Seychelles, o crioulo de São Tomé e Prín-
cipe, Cabo Verde e Guiné-Bissau, de base portuguesa .

••••••
,_

EM BUSCA DO PASSADO

A lição do método usado na comparação das línguas


românicas e na reconstituição do indo-europeu animou muitos
lingüistas, já desde o século passado, a tentarem ampliar as
ambições comparatistas e reconstituidoras das línguas do
passado. Com o indo-europeu e o semítico admite-se, para
cada um, que se tenha recuado a cerca de 8-6 mil a.p. - o que,
de qualquer modo, é quas13 atual, se admitirmos - como se
nos impõe- há no mínimo 120-100 mil anos ou no máximo
1.800-1.500 mil anos já falamos.
Em princípio, não se busca contestar, para esse fim, o
quadro descritivo do planisfério lingüístico do mundo presente,
com as genealogias ou afinidades trancais, grupais ou setoriais
referidas. Quer-se, ao contrário, comparar elementos caracte-
rísticos -em geral, palavras ou itens lexicais, às vezes formas
(morfemas), às vezes sentidos (semantemas), às vezes ambos
(morfossemantemas) - de cada tronco ou grupo ou famma,
com o que possa parecer mais afim ou comparável em outros
troncos, grupos ou famnias tidos até o presente como autOno-
. mos, ou, pelo menos, de difícil conexão genealógica.
76 Antônio Houaiss

Os lingüistas soviéticos vêm sendo, na modernidade, os


mais empenhados nessa direção, que já contamina pesquisa-
dores de outros países.
Assim, fala-se de um protonostático (prato-, grego, 'pri-
meiro' e -nostático, derivado de nostos 'retorno' 'a pátria co-
mum'), que seria a matriz do indo-europeu, de um cartevliano,
do dravídico, do altaico, do urálico e de um afro-asiático - o
que situaria o nosso recuo há algo como 17-15 mil anos.
Paralelamente, um nexo entre o protonostático e o caucasiano,
de um lado, cortt o proto-austronésio, de outro, recuar-nos-ia
há 22-20 mil anos, dando uma origem comum a. línguas da
Oceania, do Vietname, do Cambodja e do .Laos, além de outras.
Ademais, nexos se estabelecem entre o tronco tonal
asiático, o caucasiano e o protonostático. Enfim, o nosso jê
brasnico (de povos que vieram para a América, inaugurais
como um todo, entre 30-15 mil anos atrás, na última grande
glaciação, que teria permitido a travessia a pé do estreito de
Behring) se vincularia ao protonostático, levando-nos a algo
eventualmente anterior a 30 mil anos, nas auroras de uma
protopátria ou protomundo - refazendo a velha intuição, nou-
tra escala temporal, da língua adâmica e das línguas babélicas,
estas oriundas daquela.
Já agora, porém, a busca do passado linguageiro -
dentro, basicamente; da mesma metodologia - leva-nos a
admitir que estejamos chegando à 'língua comum' de Homo
sapiens, esse nosso gentil antepassado que, entre 120-100 mil
anos, era capaz, anatômica, fisiológica e psicologicamente, de
emitir quaisquer sons de quaisquer línguas hoje existentes e-
muito mais - revelar por seus rusticíssimos artefatos que o
germe dos mais complexos engenhos - físicos e mentais -
havia sido atingido. Mas por que não havia sido atingido há
1.800-1.500 mil anos, com o advento de Homo? Esperemos
que a resposta - probabilfssima - nos venha a ser dada em
O que é Língua 77

breve futuro - pois o esforço de conhecer vence barreiras


impensáveis.
Levar-se-á, para esse esforço, em muita conta o fato de
que, na escalada de Homo, o erectus chegou a ter uma popu-
lação de 1 milhão de indivíduos já há 1 milhão e 500 mil anos,
população essa que aumentou tão lentamente que só atingiu
10 milhões de indivíduos há 10 mil anos (apenas). Quantos
seríamos a 100 mil anos? Cinco-três milhões, 3-2 milhões? Se
então inaugural, a 'língua comum' poder-se-ia impor aos 'mu-
dos', pela enorme superioridade daqueles sobre estes? Mas
não seria o caso de a 'inauguração' ter sido primeva?

••
•• ••
'

MEMÓRIA E ESCRITA

De 1Omil anos a.p. para cá, as línguas parece começarem


a ser insuficientes para o progresso humano. O imenso esforço
material instrumental do homem- condição para poder domi-
nar a natureza, para dela tirar os bens materiais com que
multiplicar-se e sustentar sua 'vitória biológica' já esboçada
demograficamente com uma população que se faz 'visível' na
paisagem e, acaso, 'convivível', atingidos que são 10 milhões
de seres humanos - passa então a ser um imenso esforço de
memória. Deve ter havido um como sentimento ou prática
social de que o grupo já não se fazia capaz em tudo, por não •
poder armazenar e multiplicar, concomitantemente, os bens
espirituais ·a imateriais com que se comunicava, criava suas
explicações para o meio em que vivia, como nele brotara,
donde por ventura viera, que elementos lhe haviam sido favo-
ráveis, que outros seres lhe houveram sido benéficos, como
fazê-los agir beneficamente, como tornar os alimentos mais
nutrientes no corpo e- já então, pelo menos havia algo cómo
50 mil anos antes - a alma ou o espírito ou o duo.
Esse trânsito deve ter atacado duas frentes, concomitan-
temente, a frente verbal e a frente icônico-simbólica. A frente
O que é Língua 79

verbal se concretizou no fato de que, em quase todos os


grupos, uns poucos dotados de mais memória retentiva foram
sendo chamados para armazenarem os bens espirituais -
relatos, autos, anexins, contos, fórmulas, encantamentos, can-
tos, quase sempre com recursos mnemotécnicos istotópicos,
como rimas, aliterações, repetições, refrães, cognatismos etc.
Todo um clero foi-se assim erguendo com o monopólio da grei,
a serviço da nova ordem social, que se fazia mais clara, por
sua alta rentabilidadggeral : de qoordenadora, paratáctica, dis-
tritutiva e igualitária, transitava quase inexoravelmente para
uma ordem subordinativa, hipotáctica, acumuladora e libertária
para o ápice da pirâmide assim organizada- capaz, por uma
inovação técnica prodigiosamente rentável, a guerra (o ferro se
faz praticável 3 mil anos a.p., apenas) , de multiplicar, quando
ganha, a ~cumulação , fonte por sua vez de inovações criado-
ras.
Essa memória assim construída chegou a auges de bens
imateriais, pelo que se pode depreender de alguns povos que
tiveram o registro desses bens na forma paralela que estava
sendo buscada: não poucos povos da Terra começaram a
marcar sua imensa produção cerâmica tipicamente neolítica
com traços, desenhos, grafemas, símbolos, ícones, esque-
mas, que, pouco a pouco, iam mostrando que, se uma linha
sinuosa, ondulada, dizia do mar, uma angulada podia dizer das
grutas e/ou das montanhas. Daí, poder-sa-ía - e se fez -
transitar para 'peixes' 'trazidos do mar' 'para a montanha mátría
ou pátria', com pintar idéias, isto é, píctogramas de 'peixes',
'ondas', 'montanhas'. Daí também se pOde transitar para for-
mas mais econOmícas de pintar os pictogramas, desenhando
apenas o traço relevante do mesmo, reduzindo-o a uma idéia
descarnada do mesmo, o ideograma. Deste, mais cedo ou
mais tarde, se chegou ao grande achado maior: se se pudera
chegar à idéia contida nas palavras, poder-sa-ía - e se fez -
chegar aos sons que encapsulavam a idéia. Chegava-se, as-
80 Antônio Houaiss

sim, àquela forma mais existencial dos sons das línguas, a


sOaba, inventando-se os silabários. Se, pois, chegamos, numa
língua que tivesse, como o espanhol, cinco vogais, a cinco
sinais, quaisquer, mas entre si cedo conexos, poderia ser
apresentada a série pa-pe-pi-po-pu, com cinco outros a série
ma-me-mi-mo-mu etc .. Daí o passo - que houve- de simpli-
ficar as séries, em duas direções: ou omitindo as vogais, que,
poucas, se subentenderiam - solução semftica, até hoje,
desde 6 mil anos a.p. - ou desglosando em cada traço silábico
uma parte para a vogal e outra para a consoante. O que
fizemos, linhas acima; foi esquematizar o processo. Na realida-
de histórica, alfabetos inteiros foram passados - com seus
vícios, que sempre tiveram - para outros povos os adaptarem,
aperfeiçoando-os ou viciando-os a seu modo, até hoje, quando
temos um número básico de trinta, se tanto, alfabetos.
Montados nesse engenho gráfico, certas línguas pude-
ram eternizar entes anteriores ao engenho, como os poemas
sascríticos e védicos, como a Bíblia, como a l/fada e a Odisséia,
para nos limitarmos aos casos mais conspícuos, além dos
poemas pré-corânicos dos árabes.
Mas aqui o que nos importa - a serviço do alfabeto - é
ressaltar que com ele a palavra, volátil, pôde permanecer, com
conseqüências estupendas, a escrita e a ordem alfabética.
Esse monstrinho - o alfabeto - gerava um novo caos, com
a imensidão do material armazenado, mas gerava também a
solução do caos, a ordem alfabética.
Ao novo caos já a ele nos referimos. Se pouca influência
a escrita terá tido - mas teve - na regulação e estrutura das
línguas, teve-a imensa na quantidade e qualidade lexical das
línguas que acederam à escrita. A concretização da memória
humana tornou acessível, a cada presente, o saber e o fazer
anteriores, permitindo que cada futuro acumulasse o passado
- abrindo hOrizontes que a memória social puramente fisioló-
gica jamais atingiria. É quase certo que, por exemplo, o chinês,
O que é Língua 81

o japônes, o tibetano, o sânscrito e o hindi e o urdu, o hebraico,


o árabe, o grego, o latim - após um milênio de escrita -
passaram qas 3 mil palavras da fase ágrafa, para em torno de
15-20 mil da literatura oral institucionalizada, para 50-60 mil da
literatura escrita. E, como que confirmando os limites da me-
mória nua, os vernáculos finimedievais que emergiram na
Europa - românicos ou anglo-saxônicos ou eslavos ou ger-
mânicos -, com seus 3 mil vocábulos pré-literários, em menos
de meio milênio de escrita, ao influxo da tradição literária
latino-grega e greco-bizantina, acedem aos 50 mil vocábulos.
Essa explosão se fizera no seio das chamadas 'línguas
históricas', designação daquelas poucas línguas que haviam
conquistado o estatuto escrito e criado uma literatura, por
oposição às muitíssimas outras que não chegaram àquele
estatuto. Com essas línguas e seus acervos vocabulares tiouve
uma fantástica floração do conhecimento e práticas humanos,
em si mesmos ciências e técnicas que, entretanto, viveram sua
grande parte confinadas nas suas possibilidades, virtualidades
e potencialidades, na medida em que o acesso a esses ac.ervos
escritos - ditos, no Ocidente, cl~ss i cos, para com o grego, o
latim, o hebraico e o árabe - e modernos, para com as línguas
históricas finimedievais, ficaram confinados a 20./o das respec-
tivas populações (quanto à escrita e à leitura, mas não quanto
à audição, fonte até então da relativa, relativíssima, 'democra-
tização' do saber assim transmitido) .
Ao fim do século XVIII , após a primeira Revolução indu~
trial e após a Revolução francesa, a humanidade, que não tinha
mais do que seis mil anos sob o signo da palavra escrita, teve
duas explosões paralelas: a explosão da literatação, a reboque
da explosão da divisão do trabalho físico e mental.
Somos oriundos de duas profissões, se tanto, ab origine :
a de viver e a de sobreviver. No fim da chamada Antiguidade
clássica, o homem já contava com cirqüenta. Nosso padre
Rafael Bluteau registra no seu vócabulário latino-português,
82 Antônio Houaiss

por 1712, cerca de noventa. Comte, em meados do século


passado, chegava a pouco mais de quatrocentas. O relatório
que a U.N.E.S.C.O. publicou sobre as profissões e ciências e
técnicas existentes no mundo, em 1963, acusava já vinte e
quatro mil, que hoje devem ser trinta mil. O grave era que, quase
todas, só podem ser exercidas por pessoas que, chegadas aos
15-16 anos, já têm nelas investidas um mínimo de quinze mil
horas de estudos institucionalizados. O Brasil está com 9 a 10
milhões de seres, de até 15-16 anos, que não sabem que há
escolas e com cerca de 70% até essa faixa etária que têm neles
investidos um máximo de mil horas. Que país será este?
O descobrimento, pelos fins do século XV e inícios do
século XVI , de que a ordem alfabética - usada pela primeira
vez, mais ou menos fantasiosamente, para ordenar os 18
capítulos da Odisséia pelos eruditos alexandrinos - podia ser
a salvação da ordem em meio ao caos suscitado pela procria-
ção progressiva das palavras, ordenando-as, primeiro, em A,
dentro de A, em aa, dentro da seqüência, em a-b-c, foi um
passo que permitiu que a civilização escrita não se afogasse
em si mesma, retornando a uma fase como que pré-gráfica,
que se esgotou, praticamente, no curso deste século XX, de
novo saturando a memória humana. O advento da cibernética
e da computação, manejando de forma incomparavelmente
mais expedita qualquer classificação - desde Aristóteles, len-
ta, apesar da ordem alfabética, de dois mil anos depois - abre
de novo os horizontes de nossa memória.
Os homens das línguas de cultura avançada, graças a um
aprendizado especializado (embora inconsciente e internaliza-
do} , 'dominam' os 400 mil para mais vocábulos delas graças a
um senhorio que vai, 1) da retentiva mnemónica nua e crua de
algo como 3-8 mil palavras, 2} a uma capacidade de entender
algo como mais 3-5 mil vocábulos que não pertencem ao seu
uso ativo, mas que 'captam' quando ouvidos ou lidos, 3} a um
saber consultar obras de referência (sem as quais não há língua
O que é Língua 83

de cultura de ponta), como dicionários e enciclopédias e léxi-


cos e glossários e afins, basicamente alfabéticos, 4) a um saber
consultar especialistas de áreas ainda não acessíveis grafica-
mente, para, por fim, 5) a um saber que há saberes que não
pode saber mais que sabe que há quem os saiba. É aí que os
horizontes ciber[léticos se abrem para o homem de já hoje e
seguramente amanhã, se soubermos, por ora, pelos próximos
dois milhões de anos, sobreviver, superando as nossas crises
- que amanhã iremos reputar mazelinhas oriundas da sede de
poder. . \..
Uma língua, as línguas, as linguagens - embora negati~
vamente cultivadas pelos homens em certas estruturas e con-
junturas histórico-sociais - são o instrumento por excelência
da humanização do homem pelo homem.
Rio de Janeiro, 8 de agosto de 1990

••
•• ••
Sobre o autór
ANTONIO HOUAISS foi professor, diplomata e desde sempre
. lexicógrafo (com vários dicionários publicados, além de redator-chefe
das duas mais modernas enciclopédias brasileiras, a Delta-Larousse
e a Mirador Internacional) . Autor de estudos críticos e lingüísticos, tem
também incursões em outras áreas (política, gastronomia, ensaística
social) . É membro da Academia Brasileira de Filologia e da Academia
Brasileira de Letras. Desde 1986 elabora, com um grupo de trabalho,
um grande dicionário da língua portuguesa para a Academia Brasileira
de Letras. Nascido em 1915, em Copacabana, espera não ultrapassar
este século, mas sempre trabalhando .. .

Ca ro leitor:
As opiniões expressas neste livro são as do autor,
podem não ser as suas. Caso você ache que vale a
pena escrever um outro livro sobre o mesmo tema,
nós estamos dispostos a estudar sua publicação
com o mesmo título como " segunda visão " .

••••••
1980/1990- chegando aos 250 títulos

mais de 6 milhões de exemplares vendidos


••

Quem melhor que Antonio Houaiss para nos


apresentar o vasto mundo da linguagem?
Filólogo, tradutor, crítico literário, Houaiss é
um homem que faz do estudo e do manejo
das palavras seu ofício cotidiano. Neste livro
ele nos fala da origem das línguas, de suas
respectivas ramificações ao longo da. história
e das funções e importâncias da invenção
distintiva da raça humana. Com a classe do
mestre.

Áreas de interesse: Antropologia, História e


Literatura.

iP ISBN: 85-11 -01235

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