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1.

COLABORADORES NACIONAIS

1.2

CONFLITOS DE LEIS DO TRABALHO NO ESPAÇO

ARNALDO SÜSSEKIND

SUMÁRIO: 1. Normas internacionais -2 . Direito brasileiro: 2.1 Conside­


rações preliminares; 2.2 Capacidade das partes, modalidade e forma do
contrato de trabalho; 2.3 Execução e cessação do contrato de trabalho; 2.4
Situações especiais: técnicos estrangeiros, serviços de engenharia no exte­
rior e empresa binacional de Itaipu.

1. Normas internacionais

O Código de Direito Internacional Privado (Código de Bustamante), adotado


pelos Estados americanos na reunião de Havana de 1928, com o objetivo de dis­
ciplinar a solução dos conflitos de leis entre os países que a ratificaram, classifica
as normas jurídicas nas seguintes categorias:
“I - as que se aplicam às pessoas em virtude do seu domicílio ou da sua
nacionalidade e as seguem ainda que se mudem para outro país - denominadas
pessoas ou de ordem pública interna;
II - as que obrigam, por igual, a todos os que residem no território, sejam
ou não nacionais - denominadas territoriais, locais ou de ordem pública inter­
nacional;
III - as que se aplicam somente mediante a expressão, a interpretação ou a
presunção da vontade das partes ou de alguma delas - denominadas voluntárias,
supletórias ou de ordem privada” (art. 3.°).
E esse Código, que foi ratificado pelo Brasil, prescreve que as leis de aciden­
tes do trabalho e proteção social ao trabalhador são de natureza territorial (art.
198). A expressão “proteção social ao trabalhador”, como têm acentuado a dou­
trina e a jurisprudência, concerne às normas cogentes do Direito do Trabalho e
aos sistemas da Previdência Social.
A nacionalidade dos navios e das aeronaves e, como corolário, o direito apli­
cável a seus tripulantes foram igualm ente disciplinados pelo Código de
Bustamante:
“Art. 274. A nacionalidade dos navios prova-se pela patente de navegação e
a certidão do registro e tem a bandeira como sinal distintivo aparente.”
“Art. 279. Sujeitam-se, também, à lei do pavilhão os poderes e obrigações do
capital e a responsabilidade dos proprietários e armadores, pelos seus atos.”
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“Art. 281. As obrigações dos oficiais e gente do mar (tripulação marítima) e


a ordem interna do navio subordinam-se à lei do pavilhão.”
“Art. 282. As precedentes disposições deste capítulo aplicam-se também às
aeronaves.”
Quanto ao direito judiciário, o Código estabelece;
“Art. 314. A lei de cada Estado contratante determina a competência dos
tribunais, assim como a sua organização, as formas de processo e a execução das
sentenças e os recursos contra suas decisões.”
“Art. 316. A competência ratione loci subordina-se, na ordem das relações
internacionais, à lei do Estado contratante que a estabelece.”
“Art. 323. Fora dos casos de submissão expressa ou tácita e salvo o direito
local em contrário, será juiz competente, para o exercício de ações pessoais, o do
lugar do cumprimento da obrigação, e, na sua falta, o do domicílio do réu ou,
subsidiariamente, o da sua residência.”
Em 1937, o Instituto de Direito Internacional, reunido em Luxemburgo,
elaborou minucioso projeto atinente aos conflitos de leis em matéria de contrato
de trabalho, estatuindo, entre outras disposições, que as questões de capacidade
devem ser resolvidas pela lei pessoal de cada uma das partes, sob reserva das
normas proibitivas e das regras de polícia da legislação do país onde o contrato
se executa (art. 1.°); no caso de menores e mulheres casadas, a lei do local de
execução deve ser aplicável, ressalvado ao respectivo representante legal ou ao
marido o direito de manifestar oposição baseada na lei pessoal (art. cit.); a
forma do contrato de trabalho deve submeter-se à lex loci actus, respeitadas,
porém, as exigências peculiares de forma em vigor no país de execução (art.
3.°); as causas legais de rupturas do contrato são as determinadas pela lei do
local de execução (art. 6.°); as questões relativas à navegação marítima, fluvial
e aérea constituem objeto de disposições especiais.1 Vinte anos depois, o II
Congresso Internacional de Direitos do Trabalho, realizado em Genebra, con­
cluiu que a lei do local de execução de trabalho (lex loci excutionis) deve ser
aplicada “como princípio de solução” dos mencionados conflitos, respeitadas
as seguintes “exceções necessárias”: I) a lei da sede da empresa deve ser aplica­
da ao trabalhador contratado no respectivo território para realizar serviços oca­
sionais ou temporários em outro país, ou, intermitentemente, nos dois territó­
rios; II) a lei do país onde está matriculado o navio ou a aeronave deve ser
aplicada aos seus tripulantes.2
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobretudo nas suas conven­
ções sobre a previdência social, tem indicado que a lei nacional aplicada é a do

(1) OIT, “Les conflits de lois em matière de droit du travail” - Rapport géneral”, Genebra,
p. 110.
(2) “Actes du deuxième Congrés International de Droit de Travail”, Genebra, 1961.
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local da prestação de serviços.3No tocante aos tripulantes da Marinha Mercante,


da OIT, adotadas desde 1926, indicam a aplicação da lei do país onde o navio está
matriculado - matrícula que dá direito ao uso do respectivo pavilhão - quanto aos
direitos sociais-trabalhistas dos integrantes dessa categoria profissional.
Quanto aos trabalhadores migrantes, recrutados e/ou contratados num país
para a prestação de serviços no território que os vai acolher, a Convenção 97, de
1949, lhes assegura “um tratamento não menos favorável” do que o aplicado aos
nacionais do lugar da execução do trabalho (art. 6.°, n. 1), enquanto que a Con­
venção 143, de 1975, se refere à igualdade de tratamento em matéria de emprego
e profissão, seguridade social, direitos sindicais etc. entre o imigrante e o traba­
lhador nacional (art. 10).

2. Direito brasileiro

2.1 Considerações preliminares

O disposto no caput do art. 9.° da LICC, segundo o qual “para qualificar e reger
as obrigações aplicar-se-á a lei do país em que se constituíram”, poderia ensejar a
conclusão de que as obrigações ajustadas no estrangeiro deveriam ser reguladas
pela respectiva legislação, mesmo que tivessem execução em nosso território. Essa
regra, entretanto, é excepcionada pelo preceituado no art. 17 da mesma Lei:
“As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de
vontade, não terão eficácia no Brasil quando ofenderem a soberania nacional, a
ordem pública e os bons costumes.”
Ora, algumas das normas legais de proteção ao trabalho são de direito públi­
co, portanto de ordem pública; outras, embora de direito privado, são cogentes ou
de ordem pública. Mas existem disposições relativas ao contrato de trabalho des­
tituídas do caráter de ordem pública. Daí por que cumpre distinguir, no que tange
ao conflito de leis, as três fases da relação de emprego: constituição, execução e
cessação. E, se a lex loci executionis prevalece com pequenas exceções nas duas
últimas fases, ela só é aplicável em certas situações quanto à capacidade dos
contratantes e à forma do contrato.

2.2 Capacidade das partes, modalidade e forma do contrato de trabalho

A Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro dispõe:


“Art. l.° A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras
sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de
família.”

(3) V. nosso livro Tratados ratificados pelo Brasil, Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1981,
p. 311 et seq.
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“Art. 9.° Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país, em


que se constituírem.
§ 1.° Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de
forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangei­
ra quanto aos requisitos extrínsicos do ato.
§ 2.° A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em
que residir o proponente.”
Todavia, como assinalamos, leis e atos estatais, assim como cláusulas contra­
tuais não têm eficácia no Brasil quando afrontarem a soberania nacional, a ordem
pública e os bons costumes.

2.3 Execução e cessação do contrato de trabalho

O campo de atuação do Direito Internacional Privado se amplia, cada


vez mais, com a multiplicação das empresas transnacionais, alcançando maior
relevo os conflitos espaciais de leis no que tange e à cessação dos contratos de
trabalho.
O contrato de trabalho é de trato sucessivo e, normalmente, celebrado por
prazo indeterminado. Está sujeito, por isso, a reiteradas novações. Como assina­
lou Batiffol, que foi o relator do precitado congresso de 1957, a legislação compa­
rada, a doutrina e a jurisprudência têm consagrado, com pequenas exceções,
a lex loci executionis como princípio cardeal para a solução dos conflitos de
leis trabalhistas no espaço, nas fases da execução e da cessação do contrato de
trabalho.4
O princípio da não-discriminação, que irradia a igualdade de direitos entre
nacionais e estrangeiros vinculados ao mesmo estabelecimento, fundamenta o
generalizado apelo à lei do lugar da prestação de serviços. Paul Durand e Jaussaud
são categóricos a respeito: “A competência reconhecida à lex loci executionis
apresenta a grande vantagem de unificar o regime das relações de trabalho, pois
que a lei local já determina as regras administrativas de polícia do trabalho. Ela
permite, enfim, que se submeta às mesmas regras o pessoal de um mesmo estabe­
lecimento”.5Por outro lado, como ponderou o mencionado II Congresso Interna­
cional de Direito do Trabalho, “o empregador tem interesse em uniformizar o
tratamento do seu pessoal local; o trabalhador tem interesse na aplicação de uma
legislação sobre a qual poderá mais facilmente se informar, porquanto ela corres­
ponde ao estabelecimento permanente. Estes motivos levaram uma parte impor­
tante da doutrina contemporânea a propor como elemento decisivo o local onde o
trabalhador exerce sua atividade. As decisões que aplicaram a lei do lugar de
execução são numerosas, podendo-se concluir que a jurisprudência está franca­

(4) Les conflits de lois em matière de contrats, Paris : Dalloz, 1938, p. 263.
(5) Traite de droit du travail, Paris : Dalloz, 1947, vol. I, p. 211-212.
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mente orientada neste sentido”.6 E os comentadores da Lei de Introdução ao Có­


digo Civil brasileiro afirmam que a lex loci executionis prevalece na regência dos
contratos de trabalho.7
Destarte, em se tratando de norma de ordem pública, não pode prevalecer a
disposição contratual em contrário, seja a lei do local do contrato, seja a lei da
nacionalidade comum dos contratantes. Contudo, cláusulas mais favoráveis ao
empregado transferido de país podem ser asseguradas no contrato, embora, em
determinadas situações, fundamentem o apelo à isonomia, por parte de em­
pregados que exerçam funções idênticas ou análogas, com base no princípio
da não-discriminação, especialmente em relação aos salários (arts. 358 e 461
da CLT).
A súmula de jurisprudência uniforme do TST, constante do seu Enunciado
207, consagrou o princípio da territorialidade; mas não referiu às exceções
concernentes à matéria examinada no item B desta Seção, nem a certas modalida­
des da prestação de serviços. A lei do país onde estiver matriculado o navio e a
aeronave, aplicável aos respectivos tripulantes não constitui, propriamente, uma
exceção àquele princípio, porque, por ficção legal, esses meios de transporte são
considerados estabelecimentos móveis da empresa cuja nacionalidade resulta do
seu registro.8
As exceções, nem sempre de fácil aferição, dizem respeito à prestação de
serviços caracteristicamente transitórios ou ocasionais em outro país que não o
do estabelecimento a que o empregado está vinculado ou, ainda, de forma inter­
mitente nos dois países. Tanto o aludido Congresso de Genebra (1957), como de
Zagreb (1971), recomendaram que nessas hipóteses aplicável será a lei de domi­
cílio do estabelecimento ao qual estiver subordinado o empregado.9 Mais do que
a duração do serviço transitório, afígura-se-nos relevantes: a) a forma da designa­
ção, com a predeterminação da transitoriedade do serviço; b) a natureza do traba­

(6) “Actes...”, cit., p. 348.


(7) Pontes de Miranda (Tratado de direito internacional privado, Rio de Janeiro : Freitas
Bastos, 1935, vol. II, p. 246); Eduardo Espínola e Espínola Filho (Lei de introdução
ao direito civil comentada, Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1943, vol. II, p. 608), e
Oscar Tenório (Direito internacional privado, Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1960,
n. 512).
<8) O Congresso de Genebra concluiu: “A competência da lei da sede social se estende
aos empregados ocasionais ou temporariamente no estrangeiro e ao viajante do co­
mércio que não tem vínculo fixo no país estrangeiro onde exerce sua atividade”, sendo
mister distinguir “o empregado que está, de fato, ligado à sede central da empresa e
aquele que trabalha, de maneira exclusiva e permanente, junto a uma filial ou sucursal
da empresa, caso em que a lei aplicável será a da sede da filial ou sucursal”
(“Actes...”, cit., p. 350).
(9) Os projetos desses Protocolos foram elaborados por Délio Maranhão e o autor deste
livro.
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lho, que há de ser compatível com a provisoriedade predeterminada; c) a circuns­


tância de permanecer o empregado juridicamente vinculado ao estabelecimento
que o enviou para prestar tais serviços no exterior.

2.4 Situações especiais: técnicos estrangeiros, serviços de engenharia no


exterior e empresa binacional de Itaipu

Leis nacionais e tratados internacionais vigoram em nosso País dispondo


sobre situações consideradas especiais.
Em face do que estatui o Dec.-lei 691, de 1969, os contratos de técnicos
estrangeiros domiciliados ou residentes no exterior, para execução, em caráter
provisório, de serviços especializados no Brasil, com estipulação de salários em
moeda de outro país, serão obrigatoriamente celebrados por prazo determinado e
prorrogáveis sempre a termo, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 451 a 453
da CLT, o sistema concernente ao FGTS e a legislação sobre a participação nos
lucros da empresa.
O trabalhador contratado no Brasil, ao ser transferido de empresa brasileira,
para prestar serviço de engenharia (inclusive consultoria, projetos, gerenciamen­
to e congêneres) no exterior, desde que por período superior a 90 dias, fica sujeito
às disposições da Lei 7.064, de 1982. O trabalhador assim transferido ficará, ou
continuará, vinculado à Previdência Social brasileira, ao FGTS e ao PIS/Pasep,
sendo-lhe aplicável a legislação brasileira de proteção ao trabalho quando mais
favorável do que o sistema local “no conjunto de normas e em relação cada ma­
téria”. Após dois anos de permanência no exterior, será facultado ao empregado
gozar férias anuais em nosso País, cabendo à empresa o custeio da viagem. O art.
7.° da lei relaciona os casos em que o retomo de trabalhador pode ser decidido por
ele ou pela empresa.
Os direitos sociais-trabalhistas dos empregados da empresa binacional Itaipu,
pertencentes à Eletrobras, do Brasil, e a Ande, do Paraguai, assim como das que
trabalham para a empresa por ela contratadas, são objeto de dois Protocolos
firmados e ratificados pelos governos dos dois países, após aprovação dos seus
Congressos Nacionais.10 Para reduzir ao mínimo a ocorrência de conflitos de
leis, esses atos internacionais estipularam algumas normas uniformes diretas,
porquanto nenhum dos princípios consagrados pelo Direito Internacional Priva­
do ensejaria solução adequada, tendo em vista que, nas áreas correspondentes ao
condomínio territorial de fato, operam homens de várias nacionalidades e má­
quinas pertencentes a empresas sediadas nos dois países, independentemente da
fronteira geográfica traçada pelos tratados vigentes. O próprio rio Paraná, em
cujo leito corre a linha fronteiriça, foi desviado para a construção da barragem.
Em conseqüência, três regras básicas foram adotadas pelos dois Protocolos: 1)

(10) Lineamientos de derecho dei trabajo, Buenos Aires : TEA, 1956, p. 79.
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aplicação da lei do lugar de celebração do contrato de trabalho às questões de


capacidade e identificação profissional dos trabalhadores, de formalidades e prova
do contrato e, bem assim, as relacionadas com sistemas cujo funcionamento
dependa de órgãos sindicais ou administrativos nacionais; 2) aplicação de nor­
mas uniformes especiais às hipóteses expressamente contempladas por elas; 3)
aplicação de normas mais favoráveis, consideradas no conjunto para cada maté­
ria, às questões referentes ao contrato de trabalho que não estejam sujeitas aos
dois princípios anteriores.

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