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Juros Entrevista Europa Outubro 2023

Entre inflação Peter Villax fala sobre Conheça o impacto Publicação Mensal

e recessão, o BCE os desafios e as soluções da nova lei 474


Portugal
exame.pt espera para ver nas empresas familiares dos dados €5 (Continente)
474 outubro 2023
A N A F I G U E I R E D O  C O M O E L A Q U E R V I R A R A PÁ G I N A N A A LT I C E

A N A F IG UE IR E DO
C OM O E L A Q U E R V I RAR
A PÁ GI N A N A AL T I CE
Aos 48 anos, a presidente e CEO de uma das maiores empresas nacionais enfrenta a polémica
da “Operação Picoas” e foca-se no negócio, que continua a crescer. Uma longa conversa sobre
o caso em investigação, o setor, o País e como liderar em tempos conturbados
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As condições concretas de utilização e outros fatores poderão fazer variar os valores apresentados. Para mais
informações consulte www.peugeot.pt.
Exame
Nº474 . 10/23
38
NEGÓCIOS DE FAMÍLIA
Entrevista ao presidente da
Associação das Empresas Familiares,
Peter Villax, na celebração
dos 25 anos da organização
LUÍS BARRA

10
A NOVA HISTÓRIA DA ALTICE
Na ressaca do escândalo da

JOSÉ CARLOS CARVALHO


“Operação Picoas”, Ana Figueiredo,
CEO e presidente da Altice Portugal,
fala à EXAME como a empresa está
a lidar com isso e como quer virar a
página e centrar-se no negócio

. Enter . Micro . Macro . Exit . Opinião


6 32 56 92 30
DE LÁ DE FORA OLÁ, VALVERDE REVOLUÇÃO GARRAFEIRA PEDRO AFONSO
Portugal está cada vez mais O Valverde Santar marca DOS DADOS O projeto Santar
A AMBIÇÃO
A eurodeputada Maria
QUE TEMOS
na mira dos investidores o início da marca como Vila Jardim Wines DE CONSTRUIR
estrangeiros, ocupando grupo da Graça Carvalho explica em destaque
o 6º lugar no índice a importância da nova
de atratividade 44 Lei dos Dados 96 88
MADEIRA SEM TRAVÃO DESPORTIVO SOUMODIP SARKAR
8 O imobiliário continua 64 E ELÉTRICO PARA QUÊ?
O ADEUS A TEODORA a crescer a um ritmo É O FIM DA SUBIDA? Testámos o Skoda Enyaq
Uma mulher independente, alucinante na “Pérola O BCE anunciou nova na versão coupé
rigorosa e firme. Teodora do Atlântico” subida da taxa diretora, no e contamos-lhe tudo
Cardoso morreu aos mês passado, mas agora sobre este elétrico, que
81 anos, e Portugal perdeu 48 é esperada uma pausa dá gosto conduzir
uma referência na economia longa nas mexidas
UVAS A PORCOS
Filipa Pato usa porcos para
recuperar vinhas velhas 82 98
“GIRL TALK IS BACK” DESASSOSSEGOS
de Baga E EMOÇÕES
Emília Vieira, CEO
da Casa de Investimentos, As nossas sugestões
50
e Rita Piçarra, ex-CFO de leitura passam pelos
PARABÉNS, LEICA! mercados financeiros
da Microsoft Portugal,
Reportagem na fábrica
A nossa capa falam sobre a importância e pelas memórias
Destaque para a entrevista da marca alemã,
de as mulheres serem de Eduardo Catroga
conduzida por Tiago Freire, há 50 anos em Portugal
numa capa desenhada
donas do seu dinheiro
por Edgar Antunes e com e investimentos
fotografia de Luís Barra

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 3
E Editorial

Proprietária/Editora:
TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.
Sede: Avenida Jacques Delors, Edifício Inovação 3.1
Espaço nº 511/512 2740-122 Porto Salvo.
NIPC: 514674520
Gerência da TRUST IN NEWS: Luís Delgado e Cláudia Serra Campos
POR Composição do Capital da Entidade Proprietária: 10 000,00 euros
TIAGO FREIRE Principal acionista: Luís Delgado (100%)

Diretor

Exame
www.exame.pt
Revista Mensal

Diretor Tiago Freire


Redação Cesaltina Pinto, Clara Teixeira, Margarida Vaqueiro Lopes
(editora), Marta Marques Silva, Nuno Aguiar, Paulo M. Santos e Rui Barroso
Arte Edgar Antunes (editor)
Infografia Manuela Tomé

Mais Teodoras
Revisão Rui Carvalho e Teresa Machado
Colaboradores de revisão Margarida Robalo e Sónia Graça
Secretariado Sofia Vicente (direção) e Ana Paula Figueiredo
REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS COMERCIAIS
Avenida Jacques Delors, Edifício Inovação 3.1
Espaço nº 511/512 2740-122 Porto Salvo
Tel.: 21 870 5000
Delegação Norte: Rua Santos Pousada 441- sala 206/208, 4000-486 Porto

O
Telefone: 22 099 0052
nome fora do sentava, porque conjugava al- Marketing e Publicidade
Vânia Delgado (diretora) vdelgado@trustinnews.pt
comum per- gumas dessas suas melhores Marketing
Joana Hipólito (gestora de marca) jhipolito@trustinnews.pt
mitia-lhe características: conhecimen- Publicidade
ser imedia- to técnico, frontalidade sem Tel.: 21 870 5000
Manuel Geraldes (diretor coordenador de publicidade)
tamente re- conflitualidade gratuita, in- mgeraldes@trustinnews.pt
Mariana Jesus (gestora de marca) mjesus@trustinnews.pt
conhecida apenas por uma dependência e um sentido de Rita Roseiro (gestora de marca) rroseiro@trustinnews.pt
palavra, “Teodora”. Teodora missão pública. Tiago Garrido (gestor de marca) tgarrido@trustinnews.pt
Florbela Figueiras (assistente comercial Lisboa) ffigueiras@trustinnews.pt
Cardoso, a economista que ga- Teve, naturalmente, atritos Elisabete Anacleto (assistente comercial Lisboa) eanacleto@trustinnews.pt
Delegação Norte – Tel.: 22 099 0052
nhou protagonismo sobretudo com este ou aquele governante, Margarida Vasconcelos (gestora de marca) mvasconvelos@trustinnews.pt
Digital e Parcerias
com a criação do Conselho das mas nunca deixou o ego tomar Hugo Lourenço Furão (coordenador) hfurao@trustinnews.pt
Finanças Públicas, deixou-nos conta e desequilibrar as suas Branded Content
Carolina Almeida (coordenadora) cmalmeida@trustinnews.pt
aos 81 anos. Autocrítica e insa- funções. E, num País radical- Tecnologias de Informação
João Mendes (diretor)
tisfeita, talvez não conseguisse mente encostado aos partidos Produção, Circulação
admiti-lo, mas devemos dizê- – ainda mais nas pessoas com Vasco Fernandez (diretor)
Pedro Guilhermino (coordenador de produção)
-lo: partiu com a missão cum- protagonismo público e me- Nuno Carvalho, Nuno Gonçalves e Paulo Duarte (produtores)
Isabel Anton (coordenadora de circulação)
prida e com um grande exem- diático –, nunca ficou marcada Assinaturas
Helena Matoso (coordenadora de assinaturas)
plo dado a todos nós. por ser deste ou daquele. Era, Serviço de apoio ao assinante. Tel.: 21 870 5050 (Dias úteis das 9h às 19h)
Foram vários os fatores que simplesmente, por aquilo que Custo de chamada para a rede fixa, de acordo com o seu tarifário
apoiocliente@trustinnews.pt
a distinguiram. Uma voz na lhe parecia ser a verdade – con- Impressão Lisgráfica – Estrada de São Marcos n.º 27
São Marcos – 2735-521 Cacém
economia, quando as mulhe- vicção que lhe vinha do estudo, Distribuição VASP – MLP, Media Logistics Park, Quinta do Grajal,
res ainda eram uma vista rara da análise e da experiência. Venda Seca, 2739-511, Agualva-Cacém, Tel.: 21 433 7000
Pontos de Venda contactcenter@vasp.pt
nessa área; um cuidado técni- Teodora Cardoso faz-nos Tel.: 808 206 545 – Fax: 808 206 133
Tiragem 5 500 exemplares. Registo na ERC
co e um bom senso à prova de falta, como falta nos faz que com o n.º 113 709, de 14/04/1989
Depósito Legal n.º 24 202/89
bala, e uma dedicação à causa tenhamos mais figuras destas, Estatuto Editorial disponível em visao.sapo.pt/
pública, que, apesar do reco- que sejam excelentes e sérias informacaopermanente/2018-01-01-Estatuto-editorial-da-EXAME
“A TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL, LDA. não é responsável pelo
nhecimento que lhe trouxe, nos seus campos, que culti- conteúdo dos anúncios nem pela exatidão das características
e propriedades dos produtos e/ou bens anunciados. As respetivas
nunca resvalou para a vaida- vem mais o conhecimento que veracidade e conformidade com a realidade são da integral
de ou para tentações de poder o protagonismo, que sirvam o e exclusiva responsabilidade dos anunciantes e agências
ou empresas publicitárias.” Interdita a reprodução, mesmo parcial,
e de protagonismo excessivo. País e as suas instituições, de de textos, fotografias ou ilustrações sob quaisquer meios e para
quaisquer fins, inclusive comerciais.
Todo o seu caminho, como forma serena e sem alardes,
a própria o admitiu, foi feito resistindo aos cantos de se-
tendo em vista a autossufi- reia dos holofotes mediáticos.
ciência e a independência. Que o seu exemplo seja
Quando assumiu o desafio de apontado nas universidades e
criar o Conselho das Finan- sirva de inspiração para toda
ças Públicas, encontrou um a sociedade. Precisamos mui-
dos fatos que melhor lhe as- to disso. E

4 . EXAM E . OUTUBRO 2023


Enter
EXAME

NOTÍCIAS . FOCO

MAIS INVESTIMENTO ESTRANGEIRO


Portugal recebeu, no ano passado, um total de 248 projetos de investimento direto estrangeiro
(IDE), tornando-se o sexto país europeu mais atrativo para este tipo de investimento, segundo
o EY Attractiveness Survey. As tecnologias de informação, serviços às empresas e vendas
e marketing são os setores que mais captam a atenção dos investidores externos
Texto Paulo M. Santos

99
Número de projetos
36
Número de projetos
4,2%
Peso total de
73%
Dos investidores inquiridos
estrangeiros de tecnologias alemães de IDE que vieram Portugal na captação desejam investir em
de informação que para Portugal, no ano de IDE em toda a Portugal ao longo do
apostaram em Portugal no passado. A Alemanha é o Europa. Em 2018, esta próximo ano, mais seis
ano passado, 76 dos quais maior investidor em percentagem pontos percentuais do que
estabeleceram-se, pela território nacional, ascendia a apenas a média de intenções de
primeira vez, no nosso país ultrapassando os EUA 1,2% investir na Europa

SUBIDA DE DOIS LUGARES Portugal passou de


oitavo para o sexto
lugar no ranking de
países europeus que

29%
2º atraem mais IDE.
Reino Unido A França continua
929 a ser o país que mais
-6% projetos capta para
Dos investidores consideram 10º
que Portugal está acima da
o seu território
Irlanda
média europeia em termos 184 9º
de disponibilidade e 8º
21% Bélgica
qualidade de talento no Polónia
mercado de trabalho 234
-4% 237
3º 23%
Alemanha
1º 832
6º França -1%
1 259

6,4%
Portugal
3%
248 5º
24%

Itália Turquia
4º 321
Percentagem que Portugal Espanha
243
representa nos postos de 17% 22%
324
trabalho criados, em toda -10%
a Europa, por projetos
de IDE

6 . EXAM E . OUTUBRO 2023


NA MENTE DOS
INVESTIDORES Quais os fatores-chave em que
A sua empresa tem planos para
expandir ou reforçar a atividade na
Cerca de dois terços dos investidores a Europa deveria apostar, para
Europa, ao longo do próximo ano? inquiridos admitem que poderão fazer manter ou reforçar a sua atratividade?
investimentos em países europeus
Apoiar a inovação e a indústria de alta tecnologia 26%
67% Apoiar as pequenas e médias empresas 23%
2023
53% Permitir que a regulamentação acompanhe o avanço
2022 tecnológico e outras disrupções 20%
40%
2021 As três maiores prioridades para investir
27% em 2023 são?
2020
Liquidez nos mercados financeiros 28%

Created
from theby popcornarts
Noun Project
Resiliência dos mercados domésticos 26%
Políticas de sustentabilidade e de combate
às alterações climáticas 25%
EM RECUPERAÇÃO
A Europa recebeu, no ano passado, quase
seis mil novos projetos de investimento
direto estrangeiro, mais 1% do que no
ano anterior, mas ainda 7% menos do que
em 2019, antes da pandemia, criando um EUROPA
total de 343 mil novos postos de trabalho INVESTE…
NA EUROPA
A grande maioria dos investimentos
Número Postos estrangeiros feitos em países
de projetos de trabalho europeus é oriunda de outros países
2010 3 758 147 357 europeus. Já em termos individuais,
2011 3 909 158 036 os EUA são o país que mais projetos EUA
coloca em solo europeu 21%
2012 3 797 170 434
2013 3 957 166 283
2014 4 448 186 348 Outros
2015 5 083 217 666 6% Europa
China
2016 6 041 272 625 60% 4%
2017 6 653 353 469
2018 6 356 275 955 Coreia Japão
2019 6 412 274 935 do Sul
Austrália 3%
2020 5 578 213 536 1% Índia
1% Canadá
2021 5 877 394 280 2%
2022 5 962 343 634
2%

INFLAÇÃO E JUROS ALTOS TRAVAM IDE


Questionados sobre quais os maiores riscos existentes na Europa
que teriam impacto na decisão de investir no continente europeu,
os empresários elegem a elevada inflação e a subida das taxas de juro

45%
40%
36% 35% 34%
29% 28% 28%
Mercado Dificuldades 22%
Inflação Subida de trabalho com as Crescimento Subida Persistência
Subida das e impacto da dívida em certas cadeias de económico Guerra dos custos dos efeitos
taxas de juro na procura pública regiões abastecimento reduzido na Ucrânia da energia da pandemia
Fonte EY Attractiveness Survey Infografia MT/EXAME

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 7
Enter

T
eodora Cardo- Aí assumiu a responsabili-
so nasceu em dade de criar e dirigir uma or-
Estremoz, filha ganização independente, que
única e tardia, permitisse escrutinar tecnica-
de pai comerci- mente a evolução das contas
ante e de mãe doméstica. Aos 3 públicas nacionais. Foi isso que
anos, a família vem para Lisboa. fez, insistindo em ter membros
Teodora afirmou-se, desde sem- internacionais de elevada com-
pre, uma aluna exemplar, tendo petência na equipa, garantindo
à sua frente o caminho das Letras sempre uma imagem de inde-
ou das Ciências. Acaba por esco- pendência e de rigor técnico,
lher a área da Economia, quando em todos os momentos, mesmo
se deixou seduzir pelas matemá- aqueles em que os pareceres do
ticas, no final do liceu, como re- CFP causavam mais embaraço
latou numa entrevista ao Jornal e incómodo aos governantes.
de Negócios, em 2007. É dessa Saiu da instituição quando esta
altura outra área que lhe seria já estava consolidada, em 2019,
muito útil, a aprendizagem do e foi sucedida por Nazaré da
Inglês, numa geração predomi- Costa Cabral.
nantemente de raiz francófona. Além destes cargos, teve in-
Licenciou-se em Economia, tervenção direta em vários dos-
pelo Instituto Superior de Ciên- siers fundamentais: fez parte,
cias Económicas e Financeiras, nos anos 80, da negociação dos
e o seu primeiro emprego foi na termos da intervenção do FMI
Gulbenkian, na área de investi- em Portugal e, no seio do BdP,
gação económica. Esteve aí du- participou em vários projetos,
rante cinco anos. Em 1973, entra nomeadamente na elaboração
para o Banco de Portugal (BdP), a da Lei Orgânica do Banco Cen-
convite de Ernâni Lopes, seu co- tral (1975) e na reformulação
lega de curso. Era mais um sinal geral das estatísticas monetári-
de que seria precursora em vári- as (1976-1977).
as coisas. Numa instituição com No momento da sua morte,
poucas mulheres, foi a primeira as homenagens foram incontá-
a usar calças no trabalho e não veis, destacando-se as do Con-
a costumeira bata, conforme re- selho das Finanças Públicas, do
latou na já citada entrevista. En- Banco de Portugal, do governo
trou como técnica do Departa- e do Presidente da República.
mento de Estatística e Estudos Este, que atribuiu a Teodora
Económicos, que veio a dirigir. Cardoso a segunda distinção
TIAGO MIRANDA

Esteve nessas funções até 1992, do Estado português, lembrou


como coordenadora do núcleo “a economista reconhecida e
de Economia Monetária, direto- respeitada, com uma vida dedi-
ra de Departamento e consultora cada ao País, com elevado senti-
da administração. Nesse ano, sai do de missão e plena dedicação
do BdP para os quadros do BPI, TEODORA CARDOSO 19422023 à causa pública, nos anos mais
onde foi consultora da adminis- recentes com relevância nas fi-
tração até 2008. Regressa então
ao BdP como membro do conse- INDEPENDÊNCIA nanças públicas”.
Com uma vida pessoal re-
lho de administração e firma-se
como a primeira mulher a fazê-
-lo. No BdP fica até 2012, quando
E COMPETÊNCIA servada e na qual encontrava
descontração na música, nos
livros e nos filmes, assumia ain-
Morreu em setembro aquela que nos fica como
arranca a faceta pela qual acaba da desfrutar da companhia das
por ficar mais conhecida, a cri- uma figura incontornável da economia e das políticas plantas e dos cães (desde que
ação do Conselho das Finanças públicas nacionais. Relembramos uma vida fossem independentes, como
Públicas (CFP). dedicada ao conhecimento e ao serviço do País ela gostava de dizer). E

8 . EXAM E . OUTUBRO 2023


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Entrevista

ANA FIGUEIREDO
“ESTA CASA
JÁ PASSOU
POR OUTROS
CHOQUES.
IREMOS
RESISTIR”
No rescaldo da “Operação Picoas”, que investiga
a alegada corrupção envolvendo executivos e até
um dos fundadores da Altice, a CEO e presidente
da empresa em Portugal quebra o silêncio. Numa
extensa entrevista, aborda o polémico caso,
o momento do setor, o seu estilo de liderança
e a economia do País. E deixa uma mensagem:
a consolidação nas telecomunicações é inevitável
Texto Tiago Freire Fotografia Luís Barra

1 0 . EXAM E . OUTUBRO 2023


OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 11
Entrevista

Q
Qual foi o impacto deste último abalo
da “Operação Picoas” sobre a empresa
e sobre si?
É, de facto, uma situação que estamos a en-
carar com grande nível de seriedade e que
implicou tomarmos uma série de medidas,
que tornámos públicas: seja de reavaliação
dos fornecedores, afastamento de alguns
executivos da companhia não apenas em
Portugal mas também noutras geografias;
e temos, neste momento, ainda uma audi-
toria interna a decorrer, liderada por enti-
dades internacionais credenciadas. Acho
que esta empresa, e esta casa, que conheço
DE VOLTA A CASA
muito bem porque já estou cá há 20 anos –
> NOME
apesar de ter estado fora nos últimos oito Ana Figueiredo
anos –, tem uns fundamentos muito sóli-
dos. Anunciei, em fevereiro, o plano estraté- > V I DA
gico da empresa, definimos para onde que- Nascida em Lisboa, em 1974,
remos caminhar e, apesar dos abalos, esses Ana Figueiredo é licenciada em
planos são feitos para conseguirem manter- Administração e Gestão de Empresas,
-se mesmo apesar dos obstáculos. Apesar pelo Instituto Superior de Economia
dos impactos, muito mediáticos, que têm e Gestão (ISEG), e tem um MBA pela que é salvaguardar os interesses dos nos-
sempre um reflexo, isso não nos afasta do Universidade Católica e Nova Business sos stakeholders, dos colaboradores obvia-
School (Lisbon MBA). A primeira
nosso plano e do nosso curso. Reforça-nos mente, mas fundamentalmente dos nossos
experiência profissional foi em 1996,
a coesão dentro da equipa, de querer fazer clientes, que são a nossa métrica e o nosso
como estagiária na Portugal Telecom,
e de sermos bem-sucedidos. Se olhar para antecessora da Altice Portugal padrão. E, aí, acho que estamos totalmente
os resultados de como fechámos o mês de descansados.
julho – que foi quando ocorreu o evento –, > CARREIRA
o mês de agosto e como eu vejo a evolução Em 1999 entrou para a Galp como Imagino que, nesse caso, o desafio tenha
do mês de setembro, a nossa performance auditora, a que se seguiu a consultora sido interno, de motivar as pessoas, focá-
continua robusta, acelerámos em alguns EY, de 2001 a 2003. É nesse ano que -las e não deixar que o ruído as desfoque.
KPI (key performance indicators) opera- vai para a PT, da qual não mais saiu. Houve muito ruído mediático e, se nos fo-
cionais, e isso obviamente vai ter um reflexo Desempenhou vários cargos e, entre cássemos só no ruído mediático, parecia
positivo na performance financeira. E, na 2016 e 2018, foi responsável pela área que a empresa era um Titanic. Dois ou três
interna de auditoria do grupo, mudan-
semana passada, anunciámos algumas no- dias depois, reuni todos os colaboradores,
do-se para a Suíça. Já na República
vidades que já estavam a ser trabalhadas há uns presencialmente, outros remotamente,
Dominicana liderou a operação local
muito tempo. Não nos afastamos do nosso da Altice, com sucesso. Regressa a e disse: é óbvio que é um tema sério, sobre
rumo e de para onde queremos ir. É óbvio Portugal em 2022, assumindo, em abril o qual consideramos estar a tomar todas as
que são momentos de resiliência, em que desse ano, o cargo de CEO da Altice medidas necessárias, e iremos reforçar, se
eu, como líder, tenho de manter a equipa Portugal, que passou recentemente for preciso, algumas medidas, mas devemos
mobilizada, focada no que é importante, a acumular com o de presidente estar mobilizados e focados, porque a nos-

1 2 . EXAM E . OUTUBRO 2023


e que penso que até foi referida pelo MP
e pela PGR: a empresa é lesada, tínhamos
relação com alguns fornecedores, que nos
prestaram serviços ou bens necessários
para a nossa atividade; depois, obviamen-
te há um conjunto de outras entidades,
acionistas ou não, que provavelmente ou
alegadamente praticaram um conjunto de
crimes, seja fraude fiscal, branqueamento
de capitais ou crimes de corrupção relati-
vamente aos nossos funcionários ou exe-
cutivos. A minha perspetiva aqui é: quem
deve investigar e julgar são as entidades
competentes. A mim, compete-me gerir
esta empresa. Não julgo ninguém. Agora,
obviamente, afirmámo-lo como grupo e
afirmo-o como líder: é um virar de pági-
na, e este tipo de situações, no caso de se
comprovarem verdadeiras, não pode vir a
ocorrer. E, mais uma vez, estamos a tomar
medidas para que não ocorram.

Como correu o roadshow junto dos in-


vestidores? Que tipo de perguntas foram
colocadas? Foram questões concretas so-
bre a performance financeira e menos
sobre estados de alma?
Muito poucas perguntas sobre o caso,
muito mais sobre como víamos o futuro
e a performance. Perguntas diferentes en-
tre Portugal e França, obviamente. Portu-
gal acaba por ser a operação que melhor
performance tem na Europa, não no grupo
Altice, mas se eu comparar com as minhas
congéneres europeias, nós crescemos na
receita, no EBITDA, uma geração de cash
sa guerra é lá fora, na rua, com os nossos flow… mais uma vez, voltamos aos funda-
competidores. E esta casa também já passou mentais, que estão muito bem definidos,
por outros choques ou alterações; portanto, A mim compete- e temos sido muito bem-sucedidos a con-
iremos resistir. Quando os fundamentais de -me gerir esta trariar algumas contrariedades em termos
uma empresa e os drivers de negócio estão empresa. Não julgo de contexto. Houve muito menos pergun-
acertados, alinhados, e somos bem-suce- tas sobre a performance de Portugal – foi
didos nos mesmos – o que prova a nossa ninguém. Agora, mais sobre como vamos suportar esse cres-
performance nos últimos dois meses –, te- obviamente, cimento de futuro. Acho que, nestas inves-
mos de estar descansados. E focados no que afirmámo-lo como tors calls, não há muitos estados de alma
é importante. [risos].
grupo e afirmo-o
Patrick Drahi, sobre este tema, disse que como líder: é um O que é que o senhor Drahi lhe pediu
se sentia enganado e desiludido, entre virar de página, para esta nova fase, em que, no fundo, é
outras coisas. E a Ana, o que sentiu? preciso ter, mais do que nunca, uma pes-
[Silêncio] Em algumas matérias, obvia- e este tipo de soa de total confiança à frente da Altice
mente, surpresa. Mas acho que temos de situações, no caso Portugal?
deixar a investigação correr. Tudo, até ago- de se comprovarem Basicamente, para continuarmos a fazer,
ra, são alegados indícios ou alegadas sus- do ponto de vista de performance, o que
peitas. E as pessoas têm direito à sua defesa. verdadeiras, não estamos a fazer. E, se pudermos acelerar,
Há uma coisa que eu gostaria de salientar pode vir a ocorrer” acelerar. Para o investidor, é muito simples:

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 13
Entrevista

ou crescemos ou reestruturamos. Não há


outra via. Para a equipa de gestão, temos
de encontrar sempre novas formas de nos
reinventarmos ou continuarmos a ser sus-
tentáveis na rentabilidade. Como lhe disse,
não alterei nada do plano que tinha ao ní-
vel de estratégia. Definimos metas de longo
prazo. Há uma coisa que eu consigo con-
trolar: a nossa performance e a capacidade
de competir com os nossos concorrentes
e como vamos responder à entrada de um
novo operador no mercado, no próximo
ano. Isso podemos controlar, ser mais efi-
cientes, mais ágeis, encontrar novas formas
de negócio, diversificar o nosso portefólio
de produtos e serviços para contrariar al-
gumas tendências… Mas há uma coisa que
eu não consigo controlar: a evolução da
investigação que está a ser feita por parte
do MP. A minha preocupação é, no fundo,
fazer um ringfencing em redor do que vai
correr, colaborar nessa investigação, e que-
remos total transparência. Talvez a primei-
ra coisa que o Patrick me pediu, além de,
obviamente, manter a operação saudável,
sustentável e na senda do crescimento, foi
a recuperação de reputação. A reputação da
Altice enquanto acionista está obviamente
impactada, e, portanto, há uma reparação
que tem de ser feita e uma dissociação que
o próprio Patrick também fez.

Neste momento, é presidente, CEO e creio


que ainda mantém os Recursos Huma-
nos. Isso foi por alguma razão especial?
É uma questão de tempo? E não é dema-
siado para uma pessoa só?
Primeiro, fiz a remodelação para substitu-
ir um colega meu que foi suspenso, e es-
sas funções reportavam a mim. Segundo,
também não tinha feito nenhuma remo-
delação na comissão executiva e achei que, forma rápida e, portanto, nesta fase inicial
neste novo ciclo, era necessário. Isto não e de transição, acho que é importante man-
tem que ver com a capacidade das pessoas A minha ter. Numa fase mais estrutural, não faz sen-
que saíram, tem meramente que ver com o preocupação tido e, obviamente, tentarei entregar isto à
que é necessário em termos de perfil para pessoa com o perfil certo.
o novo ciclo que começa. E para a mobili- é fazer um
zação que temos de ter após a “Operação ringfencing Tem um background vasto na área da au-
Picoas”. Neste novo ciclo, não pretendo fi- em redor ditoria e, portanto, este caso da “Opera-
car com os RH – tenho outras áreas que me ção Picoas” até lhe deve ter tocado de for-
reportam diretamente, como a comunica- do que vai correr, ma diferente. Ia perguntar-lhe se, sobre
ção externa e institucional –, mas também colaborar nessa esta auditoria interna, há alguma previ-
achei que, neste momento, era importan- investigação, são para estar concluída?
te manter este pelouro comigo. É um mo- Como venho de um background de au-
mento em que o líder tem de estar presen- e queremos total ditoria, devo dizer-lhe que a pior coisa
te, tem de estar próximo, tem de atuar de transparência” que se pode perguntar a uma auditora é

1 4 . EXAM E . OUTUBRO 2023


MARCA PORTUGAL
FORÇA E REPUTAÇÃO 2023
AUTO-AVALIAÇÃO PORTUGAL
(Fonte: 20.000 cidadãos)
GLOBAL Cidadãos Estudantes 3URÀVVLRQDLV Investidores Emigrantes

IMAGEM DO PAÍS 2023 vs '22 vs '21 2023 vs ‘22 vs ‘21 2023 vs ‘22 vs ‘21 2023 vs ‘22 vs ‘21 2023 vs ‘22 vs ‘21 2023 vs ‘22 vs ‘21

FORÇA E REPUTAÇÃO 62,5 -0,2 -0,8 61,3 -0,8 -2,4 63,7 -1,3 -2,1 64,1 0,5 -0,5 62,6 0,4 0,5 60,8 0,3 0,6

Notoriedade e Familiaridade 100,0 0,0 0,0 100,0 0,0 0,0 100,0 0,0 0,0 100,0 0,0 0,0 100,0 0,0 0,0 100,0 0,0 0,0

Admiração 64,1 -1,2 -3,5 64,7 -1,7 -6,6 69,2 -2,9 -7,6 64,8 0,3 0,6 57,2 -1,7 -0,2 64,5 -0,1 -3,6

&RQÀDQoD 60,2 0,4 -0,7 62,0 -0,3 -4,7 68,1 -0,9 -4,2 60,5 3,2 2,9 55,4 -0,4 0,2 54,9 0,5 2,4

Ambiente Político 42,5 -4,0 -5,3 36,2 -5,3 -7,8 38,3 -8,1 -13,3 46,2 -4,5 -6,2 44,1 -0,5 0,6 47,8 -1,4 0,1

Ambiente Económico 51,9 -2,0 -5,0 54,3 -2,8 -9,6 56,7 -4,9 -8,5 52,7 -0,7 -4,1 48,3 1,4 2,3 47,6 -3,2 -5,0

Governo e Ética 45,8 -0,7 2,4 38,8 -1,8 7,6 50,4 -3,4 -2,0 47,1 0,5 5,0 45,8 1,3 1,1 47,0 -0,3 0,2

Liderança e Visão 48,0 -1,2 -2,7 42,5 -4,2 -12,7 50,6 -1,9 -0,4 50,7 0,5 -3,0 48,9 -0,5 0,6 47,2 0,1 1,8

Qualidade de Produtos e Serviços 65,1 -0,6 -3,2 64,6 0,4 -2,6 64,5 -4,2 -8,2 66,4 0,4 -2,5 66,3 0,0 -2,3 63,7 0,2 -0,2

Inovação e Diferenciação 63,5 0,6 0,6 63,9 0,9 0,6 65,0 -0,8 -0,1 67,6 0,5 -0,4 66,7 0,1 0,2 54,1 2,2 2,7

Estilo de Vida e Ambiente Social 67,6 -0,7 -1,8 64,1 -0,7 -3,7 69,9 -2,3 -5,0 68,8 -1,1 -1,7 71,6 -0,4 -1,5 63,7 1,0 2,7

Educação e Tecnologia 64,4 0,8 2,9 61,2 0,3 2,5 68,8 1,5 5,3 68,0 0,2 2,7 67,5 0,4 0,7 56,5 1,5 3,3

Segurança e Apoio Médico 53,8 -1,0 -7,8 51,5 -1,9 -12,9 55,2 -3,1 -10,9 55,5 -0,1 -9,7 56,1 -0,1 -5,2 50,5 0,0 -0,1

Valores, Cultura e Tradições 86,5 0,0 0,1 88,0 -0,1 0,8 82,4 1,8 5,2 86,5 0,2 -2,1 86,9 -0,3 -2,0 88,8 -1,7 -1,3

Beleza 86,2 0,7 1,2 87,6 0,3 2,5 81,9 1,5 2,9 86,4 0,5 0,6 86,4 0,9 1,2 88,6 0,4 -1,3

Exposição e Comunicação Internacional 55,2 2,5 4,9 54,4 4,0 7,4 50,3 1,8 6,7 58,3 1,7 2,9 57,5 2,8 3,9 55,4 2,1 3,7

Relevância Internacional 45,2 3,7 5,5 46,3 0,1 0,8 48,5 4,4 6,7 46,1 6,6 7,4 43,0 3,7 7,6 42,3 3,6 4,8

AVALIAÇÃO EXTERNA PORTUGAL


(Fonte: 25 países)
GLOBAL Cidadãos Estudantes 3URÀVVLRQDLV Investidores Emigrantes

IMAGEM DO PAÍS 2023 vs '22 vs '21 2023 vs ‘22 vs ‘21 2023 vs ‘22 vs ‘21 2023 vs ‘22 vs ‘21 2023 vs ‘22 vs ‘21 2023 vs ‘22 vs ‘21

FORÇA E REPUTAÇÃO 60,1 2,2 3,1 59,4 1,5 1,8 59,3 2,1 3,7 60,0 3,1 3,7 57,9 2,3 3,0 64,0 2,2 3,1

Notoriedade e Familiaridade 65,6 1,6 1,9 60,2 0,5 -1,0 63,2 3,1 6,0 68,1 1,9 2,1 66,4 1,1 0,6 70,0 1,5 1,6

Admiração 63,5 1,9 2,8 63,3 1,1 3,2 63,1 2,8 8,0 62,8 2,1 1,5 61,0 1,2 -1,2 67,2 2,2 2,7

&RQÀDQoD 64,2 1,4 3,4 62,8 0,3 1,1 65,6 5,6 9,3 64,4 0,8 3,2 60,2 -1,0 -0,8 68,1 1,2 4,0

Ambiente Político 61,0 4,3 6,7 61,5 1,4 3,7 62,7 4,1 5,3 59,3 7,9 9,6 55,6 7,1 10,5 65,8 1,2 4,2

Ambiente Económico 54,4 3,3 3,3 55,4 3,8 4,1 57,8 2,1 3,3 52,2 4,1 3,6 49,8 4,4 4,9 56,6 2,3 0,4

Governo e Ética 56,9 2,9 3,6 56,6 1,3 -2,1 58,3 3,5 2,7 55,6 5,6 6,8 50,7 3,1 6,7 63,2 1,0 3,9

Liderança e Visão 52,2 3,7 4,5 55,1 0,1 -1,9 54,4 2,2 3,7 49,0 4,2 5,5 47,4 5,3 5,8 55,3 6,6 9,5

Qualidade de Produtos e Serviços 60,4 0,7 0,4 61,7 0,3 0,1 60,5 0,0 0,7 56,7 0,8 0,3 56,1 1,4 1,6 66,9 0,8 -0,8

Inovação e Diferenciação 49,8 2,9 3,8 49,0 2,2 2,1 50,9 4,5 6,9 46,9 3,6 4,0 43,9 1,3 2,6 58,4 2,7 3,4

Estilo de Vida e Ambiente Social 75,9 0,9 0,8 75,5 -0,4 -2,6 68,6 1,6 2,7 78,5 1,0 0,7 77,3 0,6 0,6 79,7 1,9 2,8

Educação e Tecnologia 60,0 3,0 3,5 53,9 3,8 3,5 62,0 0,1 0,5 64,3 4,2 5,2 61,5 2,6 4,3 58,5 4,2 4,2

Segurança e Apoio Médico 57,9 1,7 2,4 56,6 2,6 4,1 57,2 1,1 2,3 58,8 1,2 1,5 58,6 0,8 1,2 58,1 2,7 2,9

Valores, Cultura e Tradições 77,2 1,7 2,6 77,4 2,3 3,2 68,7 0,4 2,1 80,6 2,7 2,9 78,2 0,8 2,4 80,9 2,1 2,5

Beleza 81,3 0,6 1,0 80,3 0,7 2,2 75,1 0,7 2,9 82,5 0,8 0,1 81,7 0,5 -0,8 87,0 0,3 0,4

Exposição e Comunicação Internacional 41,9 2,8 5,5 40,2 2,9 7,5 40,0 0,8 1,2 42,9 4,5 7,4 41,4 3,3 6,3 45,1 2,6 5,0

Relevância Internacional 39,3 2,4 2,8 40,1 0,9 1,2 40,8 0,3 1,6 37,0 4,2 4,4 35,8 4,2 3,4 42,6 2,3 3,6

CALENDÁRIO: JAN-JUN 2023

100-80 EXCELENTE 79-70 ROBUSTO 69-60 MODERADO 59-40 VULNERÁVEL 39-0 FRACO

Metodologia desenvolvida de acordo com as normas ISO20671 e ISO10668.


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Entrevista

quando é que ela vai terminar, que sente


logo que está a ser pressionada. A investi-
gação é complexa, ainda por cima porque
não envolve só a jurisdição portuguesa. E,
às vezes, as normas são diferentes. O que
anunciámos aos nossos investidores foi que
gostaríamos de ter resultados preliminares
na próxima investors call, que será em me-
ados de novembro. Gostaríamos de ter já,
provavelmente, enquadrado o que podem
ser os impactos ou os factos que possam
ser apurados, dos quais não tenhamos co-
nhecimento de momento; segundo, tam-
bém não vamos esperar pela auditoria
para tomar medidas, mas teremos de im-
plementar medidas adicionais no âmbito
da conclusão dos trabalhos. Gostaríamos,
naturalmente, de ter resultados o mais rá-
pido possível. Mas apontámos para a pró-
xima investors call porque é importante
também essa transparência, que queremos
trabalhar com todos os stakeholders. Nós
não queremos condicionar. Queremos que
seja feito um trabalho rigoroso, detalhado,
minucioso, mas também não queremos
conclusões daqui a dois anos. Eu digo-lhe
novembro e, possivelmente, daqui a dois
meses vai perguntar-me quais são as con-
clusões [risos]. Mas temos de deixar o tra-
balho ser feito. Temos de não pressionar em
termos de tempo, que é algo do interesse
de todos. E, do meu, é o apuramento cabal
dos factos para podermos tomar todas as
medidas que seja preciso tomar.

Como se vira a página, depois disto?


É o foco na operação, na meta. E foco na- vatizados – aliás, entrei pela primeira vez
quilo que melhor sabemos fazer, que é en- aqui em 1996, como trainee. Estávamos na
genharia, tecnologia, e foco nos nossos cli- fase da privatização com as OPV. Tínhamos
entes. O primeiro foco que temos de ter é a golden share do Estado, tínhamos uma
no mercado e nos nossos clientes, para po- estrutura acionista que foi mudando… no
dermos trazer inovações que os clientes es- final do dia, passados 27 anos, cá continu-
tão a pedir, para mantermos a liderança que A reputação amos à frente do nosso negócio, tentando
temos neste mercado, e que não queremos da Altice ser disruptivos e encontrar caminhos para
perder. Foco na satisfação dos clientes. Con- nos reinventarmos. E o que mais nos deve
tinuar a investir naquilo que consideramos enquanto congratular e o que eu não vejo nos média –
relevante. Temos feito esse percurso, de co- acionista está e acho que não é feito esse reconhecimento
locar Portugal no mapa do desenvolvimen- obviamente – é que, se for comparar a operação da Tele-
to tecnológico através da Altice Labs; e, ob- fónica em Espanha, da Orange em França, a
viamente, mais emergencial, temos planos impactada da Deutsche, a da Telecom Italia… nós somos
de negócio que queremos que sejam bem- e, portanto, há a empresa que melhor performance tem. E
-sucedidos. Nestes 20 anos, já passámos por uma reparação todos eles foram incumbentes, como foi a
muita coisa. Eu já passei por uma OPA, por MEO ou a PT, no seu tempo, mas temos é de
um spin-off, passámos por mudanças de es- que tem de ser estar ocupados e não preocupados.
trutura acionista, e cá estamos. Fomos pri- feita” Quando assumiu as suas novas funções,

1 6 . EXAM E . OUTUBRO 2023


O QUE ESTÁ vamos fazer este rejuvenescimento, saben-
do que existe um gap ali na geração dos 30
EM CAUSA NA e existem menos pessoas abaixo dos 30? E,
“OPERAÇÃO depois, há menos jovens a ingressar no mer-
PICOAS” cado de trabalho. Isso é sobretudo relevante
numa empresa de inovação tecnológica. Nós
Indícios apontam para que tanto temos estado permanentemente inquietos.
a empresa como o Estado tenham Acho que esse é um grande desafio. Como
sido lesados em milhões de euros convivem cinco gerações numa empresa,
como aproveitamos conhecimento, como
transferimos para os mais novos, como nos
Decorria o mês de julho quando estalou o mantemos atrativos para trabalharem con-
escândalo, com buscas em todo o País, num nosco e como é que damos espaço para irem
movimento que as autoridades batizaram crescendo? Quando estamos fora, há coisas
de “Operação Picoas”. Em causa estavam que vemos de forma diferente ao olharmos
indícios de corrupção, com o favorecimento
para o País. E acho que, às vezes, não nos
de pessoas com ligações a acionistas e
damos conta das coisas boas que temos. Não
administradores da Altice, nomeadamente
em Portugal. Estas pessoas terão sido favo- somos assim tão maus nalgumas coisas, mas
recidas com vendas e contratos celebrados, também não somos os melhores do mun-
lesando a própria empresa e o Estado. do como achamos, noutras. Mas entre o 8 e
De acordo com o Departamento Central o 80, há 72 números, e Portugal não apro-
de Investigação e Ação Penal (DCIAP) do veita o que tem de bom, a centralidade ao
Ministério Público, a operação desencade- nível mundial, geograficamente. Lisboa é a
ada a 13 de julho, que levou inicialmente a capital mais próxima de África, da Améri-
três detenções, implicou cerca de 90 buscas ca Latina, dos EUA… temos uma capacida-
domiciliárias e não domiciliárias, entre as de de conectar povos que é muito natural;
quais instalações de empresas e escritórios
e não aproveitamos de forma eficaz a nossa
de advogados em vários pontos do País.
diáspora e os portugueses que temos espa-
Em causa está, alegadamente, uma
“viciação do processo decisório do Grupo lhados pelo mundo, muitos deles em car-
Altice, em sede de contratação, com gos bastante importantes em muitos países.
práticas lesivas das próprias empresas Portanto, penso que há, aqui, um desafio de
daquele grupo e da concorrência”, que rejuvenescimento.
apontam para corrupção privada na forma
ativa e passiva. As autoridades destacam O negócio tem vindo a correr bem em
ainda que, ao nível fiscal, o Estado terá sido termos de resultados, segundo me diz.
defraudado numa verba “superior a 100 Quanto deste vem de vendas ao exte-
dentro de uma empresa onde já está há milhões de euros”. rior e quais são os grandes contributos
A investigação indica também a existência
muito tempo, mas também com tempo para isso? Venda de equipamentos? Al-
de indícios de “aproveitamento abusivo
fora, que empresa encontrou? Houve al- tice Labs?
da taxação reduzida aplicada em sede de
guma coisa que a tenha surpreendido? IRC na Zona Franca da Madeira” através da Temos várias áreas. Naquilo que é core tel-
Nesta empresa, somos um pouco o reflexo domiciliação fiscal fictícia de pessoas e em- co, estamos a crescer cerca de 5% – quando
do País, e uma coisa que eu senti quando presas. Entende o MP que terão também a Altice comprou esta empresa, crescia 6%
regressei a Portugal, talvez por vir de um sido usadas sociedades offshore, indiciando ao ano. E isto tanto no segmento B2B (em-
país muito jovem, com 50% da população os crimes de branqueamento e falsificação. presarial) como B2C (particular). Isto tudo
abaixo dos 30 anos… isso muda tudo. O di- Entre os detidos estava Armando Pereira, está circunscrito ao mercado português. Por
namismo, a desorganização e o caos nas cofundador do grupo Altice. Alexandre Fon- outro lado, a nossa unidade que tem esse
ruas, até… Portanto, reconheci muita gen- seca, na altura presidente da Altice Portugal, cariz exportador é a Altice Labs, que fechou
te, mas é óbvio que estamos todos mais ve- suspendeu as suas funções e, apesar de o ano de 2022 com aproximadamente €300
suspeitas surgidas na comunicação social,
lhos. E acho que um dos grandes desafios milhões de receita. Desses €300 milhões,
não foi constituído arguido. Durante as
das empresas portuguesas como a nossa é cerca de 80% são para o mercado exterior.
investigações, vários responsáveis da Altice
o rejuvenescimento dos seus quadros, por- Portugal ficaram com funções suspensas, Uma parte exporta para outras operações
que, se olharmos num horizonte a dez anos, e, entretanto, houve uma recomposição da do grupo – França, EUA –, mas também
possivelmente a grande parte dos quadros comissão executiva, com novos membros tem um mercado fora dessas operações do
das grandes empresas e dos grandes grupos e Ana Figueiredo a acumular os cargos de grupo, nomeadamente, também herdámos
económicos portugueses reforma-se. Como CEO e presidente. muito do que era o footprint da antiga PT.

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 17
Entrevista

Ou seja, já vendíamos tecnologia para países gital interna, por forma a conseguir baixar
africanos e para o Brasil. A Altice Labs vende o cost of service e tornar a nossa interação
equipamento, fiber optics, em que temos com os clientes cada vez mais digital. O que
vantagens competitivas mundiais, e a Altice procuramos também é diversificar, mesmo
Labs é, mundialmente, reconhecida nessa no setor de consumo, aventurarmo-nos na
matéria do ponto de vista da qualidade. São energia e complementamos a nossa ope-
também áreas em que temos maior número ração de telco com a operação energética,
de patentes registadas ao nível internacio- dando, vá, um 6 P aos nossos clientes. Há
nal. A Altice Labs permite aquilo que a par- outra coisa que também temos como nosso
te core telco não permite. Se portugal não melhor ativo, que é a nossa base de clien-
crescer em população… nós já somos líderes tes. Alguma pessoa, em algum momento, foi
com 42% ou 44% de market share tanto na nosso cliente, e esse tem sido o nosso grande
parte residencial como na parte móvel; por- ativo e também na manutenção de quota de
tanto, não há muito mais por onde crescer. mercado e crescimento do ponto de vista de
E a população também não cresce. Pode ha- receita. Tendo este conhecimento dos nos-
ver maior consumo, e o que temos tentado sos clientes, estamos também a explorar ou-
é a maior sinergia de produtos. Portanto, a tras sinergias com serviços complementa-
Altice Labs permite que não fiquemos cir- res que podemos oferecer. A energia foi um
cunscritos ao mercado português. Desen- caso, o MEO Care – um conjunto de serviços
volvemos tecnologia que pode ter o mundo que oferecemos dentro e fora de casa –, que
como limite e, neste momento, a Altice Labs lançámos já eu cá estava. Depois, há uma
exporta, destes 80%, para mais de 60 países terceira componente que também trabalha-
e para os cinco continentes. mos, que é a Altice Labs. Se pudermos ven-
der os routers que os clientes MEO têm em
É verdade que aquilo que está a crescer sua casa para todo o mundo, criamos aqui
mais é o segmento de negócio e interna- um potencial de receita enorme e, com isso,
cional? Os drivers vão continuar a ser estamos a colocar tecnologia portuguesa lá
esses? fora, e, muitas vezes, os componentes desses
Penso que, no consumo, ainda temos um produtos são também vindos de indústria
caminho. E, até com a oferta que lançámos portuguesa. Essa é uma componente inter-
de 10 GB, estamos a preparar a infraestru- nacional. Uma outra é a Geodésia, aprovei-
tura daquilo que, hoje, pode parecer uma tando o facto de termos conhecimento no
autoestrada grande demais, mas que, no roll-out de fibra ótica – e havendo alguns
futuro, eventualmente, pode ser pequena. países nesse caminho, como é o caso da
Lembro-me quando lançámos a nossa ofer- Alemanha e do Reino Unido –, utilizar esse
ta de convergência, o M4O, há 12 anos, lan- conhecimento para podermos ganhar con-
çámos com 100 MB, e era extraordinário… O tratos. Isso permite diversificar, obviamente.
que procuramos sempre é colocar, desen-
volver soluções e serviços em cima dessas Como se concilia esta dificuldade, que as Como venho
plataformas. Acho que a aposta no 5G pode operadoras têm estado a sentir, de conse- de um
trazer, tanto para o segmento empresarial guir uma rentabilidade superior com as
como para o de consumo, soluções que nos necessidades de investimento? background
permitam crescimento de receita. Senão, One million-dollar question. O que temos de auditoria,
não fazíamos o investimento, naturalmen- feito é diversificar o nosso portefólio, como devo dizer-lhe
te. As competências digitais dos portugue- a questão da Altice Labs, de que falámos
ses têm vindo a aumentar, e ainda somos há pouco… algo que esta indústria tem fei- que a pior coisa
um País que está atrás da média europeia. to também é olhar para a sua estrutura de que se pode
E acredito que, com a evolução da literacia custos e tentar baixar aquilo a que chama- perguntar
digital, vamos trazer mais consumidores mos cost of service, sem degradar a quali-
para este mercado. Havendo mais consu- dade de serviço. Uma terceira componen- a uma auditora
mo, conseguiremos monetizar as nossas te que as telcos também têm usado nesta é quando é que
infraestruturas. Isso é uma vertente. E criar indústria é a venda de ativos não core e, ela vai terminar,
uma experiência cada vez mais digital para por outro lado, uma quarta componente é
nossos clientes, também do lado do nosso que os operadores estão mais disponíveis que sente logo
modelo operacional. Estamos ainda a fazer para fazer coinvestimentos. Portanto, te- que está a ser
um processo grande de transformação di- mos vendido os nossos ativos “não-core” pressionada”
1 8 . EXAM E . OUTUBRO 2023
para libertar cash flow para investir naqui-
lo que é qualidade de serviço, moderni-
zação das nossa plataformas e mantendo
infraestruturas que são críticas para nós e
diferenciadoras em termos de competitivi-
dade. Mas há algo que vamos ter de fazer,
sim ou sim – e o que nos tem impedido de
o fazer é a regulação, sobretudo a europeia
– que é consolidação. Não vai haver forma.
Somos indústria de capital intensivo e so-
mos indústria de escala. Nenhum país com
dez milhões de habitantes comporta cin-
co, sete ou dez operadoras. Alguma coisa se
vai perder no final do dia: ou qualidade de
serviço ou capacidade de investimento em
redes de última geração. Se as operadoras
de telecomunicação ao nível mundial não
conseguirem rentabilizar o 5G, provavel-
mente estarão menos disponíveis para in-
vestir no 6G. E, portanto, há um prejuízo
para todos, para a sociedade e para o de-
senvolvimento socioeconómico da Europa.
Na Europa, temos um problema, porque
efetivamente somos um mercado extrema-
mente fragmentado. Se eu comparar um
mercado de 300 milhões de habitantes na
Europa com 300 milhões de habitantes nos
EUA… nos EUA, temos quatro operadores.
Aqui, temos talvez 40. Vários movimentos
de consolidação têm sido obstaculizados
pelas instituições. Porque não é possível
compaginar o investimento que é preciso
fazer para cumprir metas europeias com
o custo de capital, que é cada vez maior,
e não se perspetiva uma diminuição. Por
isso é que fiz parte de um grupo de CEO
que teve uma reunião, em junho, com al-
guns comissários europeus, a Margrethe
Vestager, e também com o Thierry Breton,
em que estavam representadas a Orange, a
Vodafone, a Telecom Itália…

Isto é um grupo em que estão basicamen-


te ex-incumbentes, não é?
Ex-incumbentes e a Vodafone como con-
vidada, sim. E, no fundo, tivemos uma
reunião para sensibilizar sobre o que são
as nossas grandes dificuldades e desafi-
os, porque, além de metas regulatórias de
cumprimento de cobertura e transição di-
gital, o tráfego da nossa rede cresce a dois
dígitos, que é cerca de 30% ao ano. Isto é a
mesma coisa do que ter uma autoestrada
Lisboa-Porto e todos os anos ter de adici-
onar faixas. Pode chegar a um momento
em que já não tenho terra para expropriar.

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 19
Entrevista

E este tráfego é originado essencialmente


pelas big tech e os chamados OTT (distri-
buidores de conteúdos pela internet, como
a Netflix), 60% a 70% desse tráfego. Talvez
devesse haver aqui um contributo no in-
vestimento por parte destes players, que
depois não são objeto do mesmo nível de
regulação. Por exemplo, eu compito com
o WhatsApp, mas se o WhatsApp não fun-
cionar bem, e se for cliente MEO, o cliente
vai refilar com a MEO. Mas o WhatsApp
não tem de ter relação com a Anacom, não
tem de reportar números, não tem dever de
cobertura e, portanto, beneficia da boa es-
trutura que existe. E isto cria uma despro-
porção do ponto de vista de competição.
Quando as pessoas dizem que a voz está a
decrescer, a verdade é que decresce a voz
tradicional, mas aumenta a voz via dados.
Isto onera, do ponto de vista de tráfego, a
minha rede. Portanto, temos recorrido a
tecnologia para conseguir minimizar esse
investimento. Mas queremos trabalhar com
essas big tech, nós não somos contra elas.
Aliás, as Telecom beneficiam muito do seu
crescimento. Senão, ninguém queria usar
1 ou 2 GB. Mas, neste momento, está a ser
bastante oneroso esse crescimento de trá-
fego, e estamos a trabalhar com eles para
reduzir o volume de tráfego que, às vezes,
é também lixo. No entanto, respondendo
à sua pergunta, penso que passa essenci-
almente por consolidação. A consolidação
não é porque o setor não queira, ela tem
sido objeto de não aprovação – creio que,
em 2016, houve uma tentativa não apro- Essa consolidação faz sentido no espa-
vada –, mas tem havido concentração de ço europeu. E em Portugal? Temos três
pequenos operadores. grandes operadores, vai entrar mais um…
Temos uma operação em curso, que é a
Os argumentos são quase sempre os da consolidação da Nowo com a Vodafone,
concorrência... mas é um player pequenino. Penso que
Eu entendo isso. Mas, quando lançámos o Mas há algo o mercado português não tem capacida-
M4O, o que é que esse pacote tinha? O va- que vamos ter de para ter quatro operadores. O mercado
lor do pacote era de €79,99. Tinha 100 MB, de fazer, sim ou americano tem quatro operadores para 300
e o tráfego que lhe dávamos nos cartões era milhões de habitantes. E, em algumas áre-
diminuto, talvez uns 2 GB. Dávamos mui- sim – e o que nos as, sobretudo na componente residencial,
tos minutos mas pouco tráfego. O mesmo tem impedido não há tanta sobreposição como aqui em
pacote, hoje, custa à volta de €60 e, em vez de o fazer Portugal. O que acho que a Europa tem de
de 100 MB, dá-lhe 500 MB e dá-lhe três ve- entender é o que é importante para a sus-
zes mais ou quatro vezes mais tráfego em é a regulação, tentabilidade do seu ambiente económico,
móvel. Aqui, prova-se que há concorrência. sobretudo e que sustenta o seu ambiente social. E o
Portanto, não me parece que haja preocupa- a europeia ambiente social da Europa, com uma po-
ção a esse nível. Por exemplo, em 2020, tor- pulação tão envelhecida, precisa de uma
námo-nos líderes em televisão, que não éra- – que é economia saudável e de players que atuem
mos, o que prova que havia concorrência. consolidação” à escala mundial. E a Europa tem perdido

20 . EXAM E . OUTUBRO 2023


Vamos ter um novo player no mercado, estar o abismo. Temos de tentar estar com
no próximo ano (a Digi), e foi um pro- um olho no presente mas olhos no futuro
cesso atribulado. Vai entrar com me- também. Queremos ser a empresa líder em
nos obrigações, usa as redes existentes… telecomunicações, queremos ser empresa
Compreende os argumentos utilizados tecnológica de referência e queremos ob-
para que essas condições fossem criadas? viamente ser a que tem melhor qualidade
Não compreendo, porque parte de uma de serviço. Se é isso que queremos, então o
premissa de que não há concorrência nes- que está a acontecer no mercado? Os meus
te mercado e, como já falámos, acho que clientes mudam todos os dias, uns envelhe-
este é um mercado competitivo. O segun- cem, outros são mais novos e chegam ao
do tema é que não valoriza quem cá está, mercado. E os decisores são cada vez mais
o investimento, quem está há décadas a in- jovens. Os miúdos com 2 anos estão a ver
vestir no País, quem, como nós, leva fibra um tablet com bonecos. Os meus sobri-
ótica às ilhas – ainda nesta semana anun- nhos de 7 anos não sabem o nome de um
ciámos a conclusão da cobertura 100% fi- canal de televisão. Não conseguem enten-
bra da ilha do Corvo. Provavelmente, esse der o conceito de canal, mas entendem o
novo player não está interessado na ilha do conceito de conteúdo. Hoje, o decisor já é
Corvo, está interessado nos grandes centros diferente do de há uns anos. O negócio tem
urbanos e, possivelmente, vai para a faixa de se transformar para se tornar mais sus-
litoral e para as grandes cidades. Portanto, tentável. É como podar as árvores, para elas
acho que não houve essa valorização e esse ficarem mais frondosas na primavera e no
reconhecimento. Porque ao criar regras de verão. Na inovação, os nossos engenheiros
jogo diferentes, eu vou onerar os que cá es- são extremamente curiosos [risos]. E, vol-
tão. No fundo, é óbvio que entendo que haja tando à Altice Labs, nós temos uma parte
necessidade de baixar barreiras à entrada, de business unit; e há outra componente
mas partimos de uma premissa errada e que é “deixem lá experimentar o que seja”
não valorizamos quem cá está. E estamos a [risos]. Só têm é de, ao final de uns anos,
passar a mensagem de que não vale a pena ter um produto viável que eu possa comer-
investir no País a longo prazo. No final, di- cializar. Acho que, de fora, as pessoas co-
go-lhe: este pequenos players ou acabam nhecem mal esta empresa. Primeiro, esta
consolidados ou não têm sustentabilidade. empresa tem um grande orgulho na sua
capacidade tecnológica e na engenharia. E
Como se concilia o ímpeto de transfor- a maior parte das pessoas que cá está nem
mação sem causar instabilidade nas pes- se deve lembrar da parte pública. Temos
soas? E como se mantém esse ímpeto de uma ânsia de fazer coisas novas. Sempre
isso. Nós queremos empresas portuguesas inovação com o legado tão histórico que tivemos Portugal no nome e sempre tive-
grandes para poderem ser globais. A Eu- esta empresa tem? mos consciência de que temos de fazer algo
ropa também precisa de ter mais empre- Bom, algumas transformações eram ne- que nunca foi feito para o País ou mesmo
sas globais. E, no campo da tecnologia, se cessárias. Quando se chega a uma empre- ao nível mundial. Por isso, há um ADN de
eu fizer uma lista dessas big tech, não te- sa para fazer um turn-around, é um ou sim que eu, como líder, beneficio. Ele já existe.
nho nenhuma europeia. Temos america- ou sim. Ou se transforma ou se morre. Va- Tenho é de o ir alimentando, porque é isto
nas e chinesas. Portanto, temos de perce- mos comparar as empresas à nossa vida. que galvaniza muito esta empresa. Depois,
ber quais as indústrias fundamentais para Nós atingimos zonas de conforto, depois há um orgulho muito grande nesta empre-
suportar esse modelo económico e social, estamos demasiado confortáveis, depois sa. Portanto, no início perguntou-me o que
e acho que o setor energético, as Telecom e procuramos novos desafios. Isso talvez mais me custou neste processo todo. Não
as infraestruturas são fundamentais para as aconteça mais numa fase de crescimento, gostamos de ver o nosso nome assim re-
sociedades modernas. Nós não queremos mas passamos da escola para a universi- tratado na comunicação social. Sentimos
benefícios, queremos que seja entendida a dade, depois para o mercado de trabalho… esta empresa como nossa, como sendo par-
relevância e que seja criado o contexto para é normal. Isto não é transformação para te dela. Somos nós que construímos esta
se continuar a investir. Para que a Europa, causar disrupção, por si. Mas acho que nos empresa, estamos cá há mais de 20 anos e
que em alguns momentos esteve na van- devemos questionar, e isso é trabalho do sentimos muito orgulho. Portanto, às ve-
guarda, não fique para trás. Depois, fica- líder, que deve também questionar o seu zes temos de canalizar este sentimento…
mos surpreendidos porque um fabricante statu quo. Se estiver sempre a olhar para vamos fazer mais, melhor e com mais al-
chinês aparece e é espetacular, mas temos é o retrovisor porque estou muito contente cance. Acho que é assim que se dinamiza
de criar as condições para criar um cluster. com o que fiz, não vejo que, à frente, pode esta casa.

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 21
Entrevista

Como olha para a economia portuguesa?


De uma forma mais estrutural, acho que
a economia do País tem alguns equívocos.
Choques externos sempre vamos ter, em
termos históricos podemos ver isso. Uma
economia muito mais global, e Portugal
sendo uma economia exposta e com uma
indústria muito exposta a qualquer tipo de
soluço ao nível global, com o Turismo… te-
mos de construir uma economia resiliente a
estes choques. E, portanto, repito, acho que
temos de ir aos nossos fundamentais. Temo-
-los bem definidos ou não? Precisamos de
redefinir a nossa economia e centrarmo-nos
naquilo em que podemos ser bons, nos ati-
vos que temos e que podemos potenciar. Há
países que muito claramente assumem que
querem ser bons nesta indústria, naquela ou
naquela. E, depois, criam todo um ecossis-
tema, desde a forma como financiam isso à
forma como se alimentam do ponto de vista
de talento, que alinham todos os seus alicer-
ces. Nós, às vezes, estamos ao sabor do im-
proviso. Somos ótimos nisso, mas o impro-
viso não é suficiente para alguns choques
que possam vir do ponto de vista externo.
Portanto, considero que nos está a fazer falta
uma economia mais dinâmica, com maio-
res empresas, com grandes grupos econó-
micos, há muito escrutínio – e bem! –, mas
as pequenas empresas têm de se tornar mé-
dias, as médias, grandes e as grandes, glo-
bais. E, enquanto criarmos obstáculos a que
as empresas possam crescer e desenvolver-
-se no espaço nacional, e que depois se pos-
sam internacionalizar, enquanto acharmos
que isso é mau… Nós não podemos viver
somente de PME. Queremos investimento,
queremos empresas que cumpram com os
requisitos fiscais, que cumpram regulamen-
tos, que arrastem todos os seus fornecedores
para que cumpram regras e standards naci- Penso que olhado sempre com desconfiança. Mas pen-
onais e internacionais. Se queremos mão de o mercado so que, em Portugal, não valorizamos a me-
obra qualificada, bem paga, bem remunera- português não ritocracia, a capacidade de empreender, de
da… os salários que são pagos nas empresas investir. Quem investe toma risco. É mais
médias e grandes são muito diferentes de tem capacidade fácil ser empregado por conta de outrém,
numa PME. para ter quatro ter o meu ordenado no final do dia e pronto.
operadores. Acho que vivemos também de uma visão de
Considera que ainda estamos na fase em empresa, da imagem que havia antes do 25
que não gostamos de empresas grandes? O mercado de Abril, de que o empresário é algo menos
Às vezes, parece que nem gostamos muito americano tem bom. E acho que tem que ver também com
de empresários e de sucesso… quatro operadores a intervenção do Estado na economia. Eu
Acho que, culturalmente, ainda estamos defendo que deve haver menos intervenção.
aí. Um self-made man nos EUA é um herói para 300 milhões Deve estar para supervisionar, para regu-
nacional. Um self-made man português é de habitantes” lar, para ver se não há desequilíbrios, mas

2 2 . EXAM E . OUTUBRO 2023


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IXWXURVD
Entrevista

o Estado também beneficia de haver uma o envelhecimento da população, a Seguran-


economia pujante. Porque, no final do dia, ça Social… E, depois, é definir claramente
há mais empresas a pagar impostos, mais o que Portugal quer ser. Quando eu tenho
contribuintes a contribuir, e isso permite de explicar um plano de negócios, tenho de
canalizar recursos para as coisas que são a explicar o que quero ser. Nós temos um País
função do Estado, como a Educação, a Saúde fantástico, que facilmente atrai estrangeiros,
e a Justiça... Vejo com alguma preocupação que tem condições naturais para o fazer; e
a evolução da economia portuguesa. Há fa- temos as condições naturais para atrair in-
tores com os quais não estamos a lidar. Não vestimento que vem deslocalizado se calhar
estamos a lidar com a questão do envelhe- do Centro ou do Norte da europa. E, depois,
cimento de uma forma pragmática, e isso temos a facilidade de nos darmos bem com
vai, e já está, a afetar a produtividade da eco- todos os povos. Mas, se olharmos para a es-
nomia. E sabemos que ela já não é incrível. trutura da nossa economia, não podemos
Temos um desequilíbrio de nível de quali- Precisamos pensar num futuro radioso. Acho que não
ficação e de nível salarial. Nós formamos as de redefinir nos orgulha enquanto portugueses pensar-
gerações mais bem qualificadas, mas depois mos que, se calhar, 40% da população tem
não temos emprego para elas. Eu formo ci- a nossa economia um rendimento que pode ser considerado
entistas, mas depois não tenho empresas e centrarmo- de pobreza. E que baixamos esse nível de
para os absorver. Portanto, ou eu promovo -nos naquilo em pobreza através de mecanismos assistenci-
a criação de empresas que absorvam esse alistas. Isto não é suportável a longo prazo.
talento e que possam pagar salários compe- que podemos
titivos, ou capturo investimento estrangeiro ser bons, nos Não há uma mudança estrutural...
e deslocando empresas para aqui. Porque ativos que temos Não há. E acho que isso se faz com mais e
isso pode levar também a fuga de mão de melhor economia, empresas saudáveis que
obra muito qualificada, o que agrava uma e que podemos possam ser parceiras nesse desenvolvimen-
série de problemas que temos: a natalidade, potenciar” to económico. E que o Estado, obviamente,

2 4 . EXAM E . OUTUBRO 2023


Entrevista

regule, fiscalize e que se ocupe das tarefas


fundamentais. Nós precisamos de seguran-
ça, precisamos de saúde e obviamente de
educação. Para mim, isso é o fundamental.
Como vivi num país subdesenvolvido, dou
muita relevância a estes três pontos, que
são fundamentais.

Queria voltar aos seus tempos de tenis-


ta, para lhe perguntar, enquanto gestora,
que tipo de tenista é? É um daqueles mais
ativos e a querer impor o ritmo de jogo
ou é mais conservadora e adaptável ao
adversário que tem pela frente?
Quando jogava ténis, tinha um estilo mais
proativo e de assumir a liderança e de ter a
coragem de dar o passo em frente.

Tentava provocar o que ia acontecer?


Sim, porque assim também sentia que po-
dia controlar o jogo e a estratégia de jogo.
E tinha ferramentas para fazer isso. É ób-
vio que, dependendo do oponente, às ve-
zes temos de recuar e ser mais defensivos.
Temos de ser suficientemente adaptativos.
Acho que tenho esse primeiro estilo que es-
tava a descrever, mas também consigo ter
a capacidade de me adaptar a um contex-
to, entender esse contexto, perceber o que
é necessário, para depois montar a melhor
equipa, a melhor estratégia e mobilizar as
pessoas.

Na tomada de decisão, é uma pessoa mais


instintiva ou mais racional?
Sou fundamentalmente analítica e raci-
onal por natureza. Mas há momentos em
que tem de se ter por base a emoção, com
base no gut feeling daquilo que é necessário
no momento. Às vezes, perante a necessi-
dade de tomar uma decisão rápida, não há
hipótese de montar um ficheiro Excel, olhar -me para a trincheira. Em alguns momen-
para todas as variáveis; é necessário ter esse Sou fundamental- tos, é importante eles sentirem que o líder
instinto e decidir. E encontrar o lado racio- mente analítica está lá ao seu lado, sente as suas dores e que
nal dentro da decisão instintiva, perceber está ali para os ajudar a resolver problemas
o que acho que vai ser importante naquele e racional por no dia a dia. Esse é o lado do instinto, mas
momento. Por exemplo, quando, na Repú- natureza. Mas com a racionalidade de saber que uma em-
blica Dominicana, ficámos dois dias sem há momentos em presa é feita de pessoas e são elas que me
comunicações, a minha decisão instintiva fazem ser diferente dos concorrentes.
imediata foi criar um gabinete de crise e or- que tem de se ter
ganizar a equipa. E a primeira coisa que fiz por base a emoção. Tem tempo para si, para a sua vida fora
foi estar com a equipa. O meu instinto daqui?
Tenho de ter. Primeiro, porque há uma coi-
Foi para a trincheira. leva-me para sa fundamental para mim. Como faço des-
Fui para a trincheira. O meu instinto leva- a trincheira” porto desde os 5 anos, eu tenho de o fazer.

26 . EXAM E . OUTUBRO 2023


Entrevista

Fico muito irritada se não faço desporto, é por semana em que volto a jogar. Lá está,
uma coisa que adoro. E, obviamente, estar com aquele meu instinto de que ainda tenho
com os meus amigos e com a minha família 15 anos e conseguia controlar mais os pon-
também é fundamental. É importante esse tos e, agoro, tenho de estar mais adaptativa,
tempo, termos os nossos momentos, estar- ouvindo o corpo e percebendo que, se ca-
mos sozinhos também. Dada a minha fun- lhar, a minha mente queria fazer uma coisa
ção, lido com muitas pessoas, muitas inte- mas o meu braço amanhã vai queixar-se.
rações de telemóvel, de WhatsApp, pessoas
a entrarem pelo gabinete. E eu gosto de estar A sua primeira experiência profissional
sozinha. Tenho o privilégio de ter uma pro- foi aqui, nesta empresa, quando saiu da
priedade no Alentejo e, quando posso, fujo universidade. O que gostaria de dizer a
para lá, para ouvir as ovelhas. Olhar para a essa Ana de 1996, se pudesse agora falar
Natureza dá uma sensação de mindfulness, com ela?
estarmos conscientes de que somos peque- Essa pergunta é interessante. Diria a essa
nos e de que os problemas que temos – por Ana para, no fundo, confiar nos seus ins-
muito relevantes que possam parecer – ga- tintos, ter a coragem de aceitar desafios e de
nham irrelevância perante a Natureza. Tento Tenho fazer coisas novas. E de acreditar que, man-
ter esses momentos porque acho que são o privilégio tendo um conjunto de princípios e ética de
importantes. É importante sair, estar fora, de ter uma trabalho, o resultado pode não vir no curto
ter outras perspetivas, viajar também, ver prazo mas vem no médio/longo prazo. Diria
outros mundos e culturas. propriedade isso. Porque a Ana que entrou aqui tinha 21
no Alentejo anos, e os jovens são normalmente impaci-
E ainda vai jogando ténis? e, quando posso, entes e apressados por natureza. E também
Menos do que gostaria. Até porque os meus que se rodeasse de bons mentores ao longo
colegas todos estão a mudar-se para o padel fujo para lá, para da sua carreira, que vão dar bons conselhos.
[risos]. Mas tento, religiosamente, ter um dia ouvir as ovelhas” Ouvi-los e aprender com eles. E

2 8 . EXAM E . OUTUBRO 2023


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© 2022 KPMG Portugal – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., sociedade anónima portuguesa e membro da rede
global KPMG, composta por firmas membro independentes associadas com a KPMG International Limited, uma sociedade
inglesa de responsabilidade limitada por garantia. Todos os direitos reservados.
Opinião
POR
PEDRO AFONSO

A ambição que
temos de construir
Para que a expressão “ambição” não seja
vazia, o que deve estar lá dentro? Comecemos
por consistência, disciplina, busca de sucesso,
confiança e criatividade > CEO da VINCI Energies Portugal

L
e mb ro - me, step at a time, inspirando-se é diferente de pessoa para pes- 5. CRIATIVIDADE
como se fos- em desenvolver uma melhor soa. É difícil afirmar que há o Muitas vezes, alguns estu-
se hoje, do versão de si próprio, enquan- bom ou o mau sucesso. Ou en- dantes universitários per-
momento em to corredor-amador. A tese é tão o pequeno ou o grande su- guntam-me se gosto mais de
que um clien- a de que a consistência é de- cesso. O sucesso é assegurar- empresas com mais discipli-
te, durante uma apresentação terminante na transformação mos que cumprimos, antes de na ou com mais criatividade.
corporativa a vários parceiros, das nossas capacidades, para mais, connosco próprios. Neste A disciplina e a criatividade
disse a seguinte frase: “A ambi- potenciarmos o nosso poten- sentido, se entrego a mim pró- não são antagónicas, mas an-
ção, desde que controlada pela cial e atingir a excelência em prio o compromisso de evoluir tes faces diferentes da mes-
ética, é um excelente valor.” qualquer domínio. Faz depois – como pessoa ou profissional ma moeda. Uma organização
A ambição de fazer aconte- o paralelo com esta forma de –, então esse compromisso em que a disciplina não exis-
cer coisas – muitas ou poucas estar, em contexto organizacio- deve ser visível na forma como te tem habitualmente menos
– também não escolhe idade. nal, para o desenvolvimento de desenho a agenda, como entre- meios, recursos e até dispo-
Temos jovens com espírito de pessoas – do indivíduo e depois go o meu tempo a cada tema nibilidade para permitir que
pessoas mais velhas, e temos do coletivo, da organização –, da vida. a criatividade se evidencie.
pessoas mais velhas com es- tendo em vista o compromis- Quase sempre, o método ga-
pírito jovem, sem tempo para so de gerar confiança e atingir 4. CONFIANÇA nha à anarquia. Equipas com
fazer mais. Ao longo de anos de resultados consistentes de lon- Um valor complexo de entre- um nível adequado de disci-
execução na vida das empresas go prazo. gar, uma vez que demora uma plina e organização tendem a
fui constatando que a capaci- vida a construir, e pode ruir libertar tempo e disponibili-
dade de fazer acontecer não é 2. DISCIPLINA em 10 segundos. É aquele valor dade mental – e meios – para
condicionada pela nossa ida- A disciplina começa pela dis- que, para ser de verdade, tem a inovação e criatividade.
de, mas sim pela nossa vonta- ciplina do próprio – em vez da de ter três coisas alinhadas: o A consistência permite-
de. A ambição, quando existe, disciplina dos outros. A disci- que sentimos, o que dizemos e -nos desenvolver uma me-
tem de se ver e de se sentir. Não plina, só por si – como um fim o que fazemos precisam de es- lhor versão de nós próprios.
chega dizer que se é ambicio- em si mesmo –, tem um valor tar no mesmo comprimento de A disciplina permite assegu-
so, nem individualmente, nem limitado. Já a disciplina como onda [alinhados]. A consistên- rar que somos capazes de, no
coletivamente. A ambição tem uma ferramenta – ou um valor cia e a disciplina deste alinha- longo prazo, progredir. A cria-
de se ver em ações e comporta- de comportamento humano –, mento são muito desafiantes. tividade é essencial no empre-
mentos, que são consequência que nos permite ser autodisci- Ainda não há muito tempo – endedorismo que nos falta, e
de um sistema mental que se plinados, é um conceito muito aconteceu comigo –, um colega o sucesso é conseguir – de
vai desenvolvendo ao longo da poderoso. Disciplina é diferen- ouviu-me dizer algo em rela- forma visível e quantificada
vida. Alguns valores, compor- te de obediência, e mais dife- ção a um tema que não condiz – entregar o que nos propo-
tamentos ou decisões delibera- rente ainda de obediência cega com o que sinto, nem com o mos. A ética – individual, com
das podem contribuir melhor [um tema a desenvolver com que faço quando confrontado enorme impacto no coletivo –
para desenvolvermos pessoas, profundidade um dia destes…]. com esse assunto. Fiquei tran- deve ser o elemento charneira
organizações e sociedades mais quilo, porque o que senti e o para “controlar a ambição”.
ambiciosas: 3. SUCESSO que fiz estavam lá: bastou pe- Esta é a ambição que te-
Ter sucesso não é ter potencial dir desculpa, corrigir a palavra, mos de construir, em vez de
1. CONSISTÊNCIA para ter sucesso. Ter sucesso é e seguir em frente. A confiança apenas se falar.
O meu amigo Pedro Veloso – entregar – fazer acontecer –, de consistente é a alavanca para a Esta é a ambição em que
empreendedor – escreveu The forma visível e factual, aquilo a construção de uma robusta re- acredito. Esta é a ambição que
Power of Consistency: one que nos propomos. O sucesso putação. nos falta! E

30 . EXAM E . OUTUBRO 2023


CONTEÚDO
PATROCINADO

É NA PREVENÇÃO
QUE ESTÁ O FUTURO
Atualmente, tanto gestores como empre- existe a valorização de resíduos/subprodu- Pessoas. A iniciativa inclui diversos bene-
sas percecionam a prevenção e a segu- tos de outras indústrias, assim como da fícios, como um cartão de descontos para
rança como pilares fundamentais em própria indústria (incorporação de 80% a todos os trabalhadores e familiares em es-
qualquer negócio. Esta visão reflete-se 90%). Esta unidade incorpora uma estação tabelecimentos locais, oferta de kits bebé
num propósito maior que vai muito além de tratamento de águas industriais (ETA- a todas as futuras mães, gratificações de
do mero cumprimento da legislação, é RI) e um forno contínuo mais eficiente, do assiduidade, acompanhamentos médicos
um fator essencial e que se encontra di- mais tecnologicamente avançado, já com semanais, e ainda a realização de eventos
retamente ligado à Sustentabilidade e ao pré-instalação de sistema para hidrogénio. motivacionais todos os meses.
sucesso das empresas e das suas Pessoas.
Consciente da especial importância da EDENRED PORTUGAL, S.A  CATEGORIA Nesta terceira edição do Prémio Inovação
prevenção e da gestão de risco em con- PATRIMÓNIO em Prevenção, destacam-se ainda as em-
texto empresarial, a Ageas Seguros, mar- A Edenred Portugal, S.A, foi reconhecida na presas que receberam uma menção hon-
ca do Grupo Ageas Portugal, investe, categoria Património pelo seu trabalho de rosa, como a Sociedade de Empreitadas
anualmente, no Prémio Inovação em desenvolvimento de um conjunto de ini- e Trabalhos Hidráulicos S.A, de Queijas,
Prevenção, que tem o propósito de pre- ciativas de proteção do seu negócio, quer na categoria Ambiente, e a PRK Atlantic
miar as melhores práticas empresariais, ao nível da segurança das suas instalações Hotel Lisboa S.A. e PHC – Software, S.A,
incentivando o tecido empresarial portu- e ativos, quer ao nível de cibersegurança. ambas de Lisboa, na categoria Pessoas.
guês a uma cultura de Prevenção – com- Como exemplo, evidencia-se a elaboração
portamento mais seguro e preventivo de um plano de continuidade de negócio, a Acreditar no futuro é apostar na preven-
quer ao nível de acidentes, quer ao nível aposta na cibersegurança e na proteção de ção e na segurança e é com este compro-
de uma cultura de maior segurança para instalações e, ainda, a constante manuten- misso em mente que a Ageas Seguros, em
as Pessoas, Património e Ambiente. ção preventiva e corretiva do edifício. conjunto com a Exame, abraçam esta ini-
Com mais 40 candidaturas do que no ano ciativa, desde a primeira edição, lançada
anterior, a 3.ª edição da iniciativa ascendeu TWINTEX  INDÚSTRIA DE CONFECÇÕES, em 2020, comprometendo-se a dar palco
a mais de 160 candidaturas recebidas, com LIMITADA  CATEGORIA PESSOAS a histórias de sucesso, que inspirem ou-
a maioria das empresas a pertencer ao setor A empresa da região do Fundão lançou um tras empresas a seguirem o mesmo cami-
do fabrico e do comércio. Registou-se, ainda, projeto de Responsabilidade Social, para nho. Prevenir comprova-se ser uma gestão
uma percentagem de adesão bastante signi- todos os seus Colaboradores e familiares, mais eficiente de negócios e com impacto
ficativa de empresas do norte de Portugal, no qual é visível a importância e o cuida- no retorno direto de resultados de natureza
mas houve adesão um pouco por todo o país. do da entidade para com as suas Pessoas diversa, desde índices motivacionais e de
De modo a continuar a inspirar para a im- e que lhe valeu a distinção na categoria produtividade, a financeiros.
plementação de boas práticas, a Ageas Se-
guros relembra os três vencedores e projetos
que se evidenciaram durante a 3.ª edição do
Prémio Inovação em Prevenção deste ano:

GRESTEL, PRODUTOS CERÂMICOS, S.A. 


MELHOR PROJETO DE AMBIENTE
A empresa de fabrico de artigos de uso do-
méstico de faiança, porcelana e grés fino,
desenvolveu um projeto com o objetivo
de potenciar os conceitos de Economia
Circular, Sustentabilidade e de Eficiência
Energética na indústria de louça utilitária.
Destaca-se, assim, a criação da unidade
Ecogrés – Cerâmica Ecológica, em copro-
moção com a Universidade de Aveiro, onde Finalistas da 3.ª edição do Prémio Inovação em Prevenção
Micro
EXAME

E M PRESAS . N EGÓCIOS . G ESTÃO

3 2 . EXAM E . OUTUBRO 2023


DE CASA REAL
A HOTEL DE LUXO
A Casa das Fidalgas, até agora propriedade da família dos duques
de Bragança, renasceu como Hotel Valverde Santar depois de um investimento
de oito milhões de euros. Um projeto de luxo, com um serviço quase
irrepreensível e uma arma secreta nos tempos que correm: o silêncio envolvente
Texto Margarida Vaqueiro Lopes

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 33
Micro

O
Os mais desatentos passarão, sem gran-
de dificuldade, pela grande casa senhori-
al que agora responde por Hotel Valverde
Santar mas que até há poucos meses era a
conhecida [dos locais] por Casa das Fidal-
gas. Uma propriedade que, consta, rece-
beu o nome graças a três irmãs que lá vi-
veram durante muitos anos. A ausência de
descendentes diretos em várias gerações
da família acabaria por colocar a casa e os
sete hectares de terreno nas mãos da Casa
de Bragança, mais concretamente de D.
Miguel de Bragança, irmão de D. Duarte
Pio e último residente da casa.
A fachada discreta que se vê na estra-
da principal de Santar, freguesia de Nelas,
em plena região vitivinícola do Dão, es-
conde uma imponente construção onde

BRUNO BARBOSA
escadarias, colunas de granito, tetos al-
tos, soalhos encerados e pinturas a óleo se
vão revelando em frente dos nossos olhos.
“Estava muito degradada, muito degrada-
da”, dir-nos-á Pedro Mendes Leal, CEO do Hotel Valverde, na Avenida da Liberdade,
grupo Valverde. que abriria portas em 2014 e cuja marca
Mendes Leal gosta pouco de holofo- chegou agora ao Dão.
tes, mas na hotelaria não há quem não Antes desta dedicação quase exclusiva
o conheça. O empresário foi responsável O alargamento à hotelaria – Mendes Leal detém ainda o
pela abertura do Bairro Alto Hotel – que da marca antigo Veneza Hotel, que abrirá em breve
construiu em sociedade com Tavares da com outra marca e está quase a inaugurar
Silva, cuja família é hoje proprietária úni- permite um novo projeto no Porto –, o empresário
ca –, projeto do qual se desligou em 2009 e consistência dedicou-se com sucesso à gestão de par-
unidade à qual nunca mais voltou. “Nun- e conquistar ques de estacionamento, tendo sido CEO
ca mais. Custou-me muito desfazer-me da Emparque (agora Empark) durante
da minha parte mas, por razões de negó- recursos duas décadas. Mas, diz, a hotelaria era
cio, teve de ser”, conta à EXAME, à enor- humanos” quase uma inevitabilidade. Filho de João
me mesa de refeições do Valverde Santar, Mendes Leal, um dos mais proeminentes
inaugurado este verão. À nossa frente es- Pedro Mendes Leal diretores hoteleiros do País, Pedro cresceu
CEO do Valverde
tão umas pataniscas com arroz de feijão, em unidades que lhe deixaram a semente
que acompanham com vinhos Santar Vila que hoje quer claramente fazer germinar
Jardim – dos quais falamos umas páginas em várias regiões do País.
mais à frente. O Valverde Hotel, que entretanto já
O negócio que fez Pedro vender a sua duplicou o número de quartos e cujo res-
quota no Bairro Alto Hotel foi a aposta no taurante tem sido distinguido pela crítica

3 4 . EXAM E . OUTUBRO 2023


25%
Neste caso concreto, à vontade latente
de Pedro – sempre atento a oportunidades
de negócio – juntou-se uma iniciativa de
alguns amigos que lhe chamou a atenção.
Várias famílias da região de Santar, pro-
prietárias de casas senhoriais e dos res-
petivos jardins, decidiram juntar-se para
Casa de Bragança tornar esses espaços exteriores visitáveis,
Dom Duarte e Dom Miguel com o intuito de atrair mais pessoas. Com
de Bragança são sócios do Valverde a ajuda do paisagista espanhol Fernando

BRUNO BARBOSA
Santar, devido à cedência Caruncho, nasceu um projeto do qual hoje
da propriedade
também faz parte o Valverde Santar – que

8
surge assim como a unidade hoteleira de
luxo que dá resposta à tentativa de requa-
lificação da região.
E é também das vinhas presentes nos
vários jardins que compõem o Santar Vila
Jardim que nascem as referências com o
mesmo nome, que privilegiam as castas
autóctones e que têm ajudado a elevar a

MILHÕES
notoriedade do Dão.

PORQUÊ SANTAR?
Investimento
“Eu gosto da região. E naturalmente hou-
O projeto representa um investimento
ve aqui uma oportunidade”, resume o CEO
global de €8 milhões e usufruiu de €1,9
milhões em fundos comunitários do agora grupo Valverde. Ainda que só haja
duas unidades a operar sob a marca, o res-

21
ponsável não afasta o surgimento de novos
projetos para juntar ao portefólio. A oportu-
nidade era a Casa das Fidalgas que, devido à
BRUNO BARBOSA

sua sumptuosidade e à exigência de inves-


timento para manutenção, se foi degradan-
do até estar com graves problemas estrutu-
rais. Tal como em todos os outros projetos,
nacional, é o único da capital portuguesa Pedro Mendes Leal reuniu sócios – apesar
a pertencer à exclusiva rede Relais & Châ- Quartos e suítes de ser sempre ele a ficar com a maioria – e
teaux, uma espécie de grupo de elite da O hotel de charme não deverá avançou sem medos. “O investimento global
hospitalidade em redor do mundo. Cha- aumentar o número de quartos ronda os oito milhões de euros, sendo que
ma-se Valverde em honra do rio Valver- e quer ser uma oferta de elevada a casa e a propriedade representam quase
de, o mesmo que corria pelo vale que deu qualidade na região dois milhões desse valor”, explicou o res-

325
lugar à Avenida da Liberdade. Consta que ponsável. O que significa que a Casa de Bra-
no século XII era esse curso de água que gança, sócia de Mendes Leal neste projeto,
alimentava as chamadas hortas de Valver- detém uma posição de aproximadamente
de, que abasteciam a cidade. 25%. Houve também “um importante in-
O crescimento da marca para Santar centivo por parte do COMPETE 2020, que
acontece de forma orgânica, e pela liga- nos apoiou através do FEDER” no âmbito
ção que o empresário já tinha à região, de do Sistema de Incentivos à Inovação Em-
onde é natural parte da família. “O alar- presarial, que resultou num apoio de €1,9
gamento da marca permite consistência
e conquistar recursos humanos”, refere
ainda Mendes Leal. “Faz sentido, como
euros milhões. O restante capital foi garantido por
Pedro Mendes Leal e um conjunto de outros
sócios minoritários.
Preço por noite
marca, crescer e estabelecer-se com coe- A diária, com alojamento e pequeno- “Mantivemos praticamente todo o re-
rência e solidez, o que facilita também -almoço, começa atualmente nos €325 cheio da casa, o que resultou num espó-
pensar na nossa estratégia numa lógica por quarto. É possível que o preço suba lio maravilhoso”, continua o responsável
de serviço” de excelência. com o aumento da procura enquanto olha de relance para a enorme

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 35
Micro

estante a abarrotar de livros com edições


antiquíssimas e muitas delas raras. Ocupa
toda a parede da sala de jantar, e é um dos OS PROJETOS
ex-líbris do Hotel. Mas entre as relíquias VALVERDE
herdadas da Casa de Bragança estão tam-
bém contadores, altares, telas com motivos O grupo dá sinais de querer
mais ou menos religiosos – consoante a di- tornar-se um incontornável
visão –, armários, mesas, cadeiras ou can- player da hotelaria no País
deeiros que nos vão contando histórias de
tantos habitantes e visitantes deste espaço.
> VALVERDE LISBOA
Os restauros e a decoração de interio-
res ficaram, tal como no Valverde Lisboa,
Abriu em 2014, duplicou o número
a cargo do atelier Bastir, sob a tutela do seu de quartos em 2020 e tem garantido
líder, José Pedro Vieira. O trabalho minu- distinções nacionais e internacionais
cioso de pesquisa e a atenção ao detalhe e tanto em termos de alojamento como
à iluminação fazem deste hotel um lugar de restauração. A localização privilegia-
em que muito facilmente nos sentimos em da na Avenida da Liberdade faz desta
casa, com recantos confortáveis e discretos. unidade uma importante montra para o
O facto de ter apenas 21 quartos e suítes faz [agora] grupo, com 48 quartos e suítes.
com que seja fácil encontrar lugares vazios
> VALVERDE SANTAR
para se estar, seja no jardim, na enorme
varanda com vista para uma imensidão de Inaugurado em julho deste ano, tem 21
verde, nas várias salas com sofás e poltronas quartos e suítes, jardins e vinha própria.
ou mesmo no miradouro que nos espera no Quer distinguir-se pelos serviços de
topo da vinha – e que convida a piqueni- bem-estar e pela integração na comu-
ques, à prática de yoga ou somente a um nidade que o rodeia. É um convite ao
momento de contemplação. descanso e à tranquilidade longe das
Encontramos, no dia seguinte, a sem- grandes cidades.
pre muito enérgica COO do grupo Valver-
> VALVERDE ACADEMY
de, Adélia Carvalho, a passarinhar por entre
salas, de telefone e pilhas de papéis em riste Nasce após a Covid-19 com o objetivo
e a responder a inúmeras solicitações sem de recrutar pessoas que queiram ter
largar o seu já costumeiro sorriso. Adélia é contacto com a hotelaria. Permite aos a contratar. Enquanto isso, o staff mais an-
peça fundamental nos projetos de Mendes trainees experimentar a área do front tigo – portanto, aquele que ali está desde
Leal: foi ela a escolhida para a direção do office, estar à porta, acompanhar o julho – vai assegurando um serviço que difi-
Bairro Alto Hotel no início dos anos 2000 cliente ao restaurante… Já formou mais cilmente tem falhas. Os elementos das equi-
– a EXAME contou, aliás, a sua história na de 40 jovens e tudo aponta para que pas já passaram por Lisboa para aprender,
edição de março deste ano – e seguiu de lá continue a crescer, respondendo às e alguns dos alunos da Valverde Academy
para continuar ao leme do Valverde Lisboa. necessidades do grupo e do setor. (um projeto iniciado por Adélia Carvalho
Em Santar, a direção é de Luís Santos, mas > BOLSA ADÉLIA CARVALHO
para formar jovens que tenham interesse
em época de abertura – o hotel foi oficial- no setor da hospitalidade) já estiveram em
mente inaugurado no final de julho – todas A COO do grupo Valverde, que só se Santar. Não é difícil encontrar, também, ele-
as mãos experientes são necessárias. O que licenciou depois de muitos anos a mentos da equipa de Lisboa nos espaços do
significa que Adélia tem dividido o seu tem- trabalhar no setor, achou que era im- novo Valverde, a partilhar experiência e a
po entre Lisboa e o Dão para garantir que portante permitir aos seus funcionários fazer os últimos ajustes.
não há qualquer falha no cumprimento dos um percurso idêntico, se for essa a sua
seus exigentes padrões de qualidade. vontade. Nasceu este ano, e é atribuída, O PRIVILÉGIO DO TEMPO
Durante estes dias, a tarefa que tem ocu- através de um processo de candidatura Aqui, há duas coisas que se destacam: o si-
e seleção, a quem estiver disponível
pado a agenda dos responsáveis é a contra- lêncio e o abrandamento imediato do tem-
dentro da equipa do grupo Valverde. O
tação de pessoal para garantir o serviço. po. De manhã, são o chilrear dos passari-
vencedor tem de mostrar vontade de
Se nas grandes cidades já é algo complexo, estudar, continuando a trabalhar, num
nhos e o repicar dos sinos que marcam a
“imagine no Interior do País”, atira Adélia. regime de part-time ou outro. Tem de hora certa os únicos sons que acompanham
Aqui o passa-palavra é o melhor cartão de escolher um curso numa área relacio- o pequeno-almoço ou um recomendado
visita e vão continuando a aparecer pes- nada com a hotelaria, ou gestão pura, passeio pelos jardins. Até as vozes das con-
soas que ouviram dizer que o Valverde está ou comunicação ou recursos humanos. versas dos hóspedes em nosso redor soam

36 . EXAM E . OUTUBRO 2023


Um lugar para cada momento do dia
Um pic-nic no jardim, um passeio nas vinhas,
descansar num cadeirão ou dar umas braçadas

BRUNO BARBOSA
JOEE WONG
BRUNO BARBOSA

BRUNO BARBOSA

mais baixas. Por outro lado, a tranquilidade Mendes Leal no início da nossa conversa.
do staff – e o ritmo com que as pessoas de Para o CEO do Valverde, a sua presença não
Santar levam a vida, ao sabor do que manda pode nunca ofuscar o trabalho que é feito
a Natureza e não do que parecem mandar pela equipa que, em redor da nossa mesa e
as cidades – reduz também o passo dos que Não são pelas divisões do hotel, faz com que a ex-
vieram até aqui para passar uns dias. as pessoas periência de quem passa por aqui seja es-
Entre a piscina exterior aquecida, o SPA, pecial. É por isso, justifica, que prefere ser
a piscina interior ou as diversas atividades mas as parco em palavras enquanto espera que os
que podem ter lugar em redor da proprie- instituições projetos que desenvolve falem por si. E se,
dade, é fácil esquecer que há ponteiros de que têm até agora, Mendes Leal tem surpreendido
relógio a girar rápida e ininterruptamente. pelas apostas nem sempre óbvias e pela ele-
Claro que convém lembrar a hora da reser- de valer vada qualidade do que oferece – que se tem
va no restaurante Memórias, onde o chefe por si” traduzido também num negócio com ele-
Luís Almeida, natural de Viseu e com cartas vada solidez –, o responsável deixa antever,
dadas em alguns renomados restaurantes Pedro Mendes Leal com um brilho nos olhos, que pode não fi-
CEO do Valverde
internacionais, dá à gastronomia portu- car por aqui no que a projetos diferentes diz
guesa o palco que ela merece. Sem grandes respeito. “Mas isso fica para depois”, atira
invenções, mas com uma técnica elegante com uma gargalhada. “Assim que houver
e cuidada, privilegia os ingredientes da re- novidades, conto-lhe. Mas agora vou traba-
gião e muitos deles crescem em redor do lhar para as poder ter”, diz sem acrescentar
Valverde Santar. outra palavra e abandonando a sala com um
“Não são as pessoas, mas as instituições, sorriso divertido.
que têm de valer por si”, dir-nos-ia Pedro Haverá outro Valverde à espreita? E

OUTUBRO 2023 . EXAM E . 37


Micro

PETER VILLAX / Presidente da Associação das Empresas Familiares

“O que lidera
a prosperidade
de um País
é o seu trabalho”
O presidente da Associação de Empresas Familiares
falou à EXAME sobre os desafios – e as soluções
– que o País e as empresas enfrentam, no arranque
das comemorações do 25º aniversário da AEF
Texto Margarida Vaqueiro Lopes Fotografia José Carlos Carvalho

A
redução de impostos é iniciativas, que querem ajudar a pensar o
desejável, admite Peter tecido empresarial e o País, com um con-
Villax, mas não é a solu- gresso que já tem a presença confirmada
ção mágica para um País de Marcelo Rebelo de Sousa e do ministro
mais próspero. O CEO da da Economia, António Costa Silva.
Mediceus e chairman da Bionova Capital
for Health, que preside também à Associ- As empresas familiares continuam a ter
ação de Empresas Familiares, acredita que muito peso no nosso país, mas, por ve-
o sucesso de Portugal passa pela simplifi- zes, parece que há uma dissociação en-
cação das leis e pelo aumento da previsi- tre o que elas fazem e o que as pessoas
bilidade jurídica, pela melhoria da gestão pensam delas – que são pequenas, pouco
dos dinheiros públicos e pelo aumento da relevantes… No entanto, temos exemplos
eficácia dos serviços e ainda pela capaci- como a Delta e a Jerónimo Martins, que
dade de o Governo olhar para as empresas estão entre as maiores e as melhores de
como parceiros, e não como adversários, Portugal. Sente esta dissociação? Mas temos empresas como a Bial...
reconhecendo as que melhor pagam, cres- Falou da Delta, que é a empresa familiar Ainda não cheguei à Bial ou à Hovione [ri-
cem e as que mais inovam. portuguesa com a melhor comunicação, sos], que não são características das em-
Muitas delas, recorda, são organizações não apenas como empresa familiar mas presas familiares portuguesas, as quais
familiares, que recorrentemente dão pro- também como empresa de excelência. efetivamente costumam estar em setores
vas de resiliência, agilidade e capacidade Afirma-se enquanto empresa familiar com bastante tradicionais, e isso tem que ver
de inovação, sobretudo em tempos de cri- orgulho de o ser. Sobre a dissociação... As com a necessidade de capital. Quando
se. No arranque das comemorações dos 25 empresas familiares não se dão a conhecer. eu começo uma empresa, se recorrer ao
anos da Associação de Empresas Famili- Normalmente os respetivos gestores não capital da família, consigo arrancar com
ares (AEF), Peter Villax quer o executivo gostam de falar com a comunicação social, uma empresa muito mais facilmente. Isso
e as empresas a trabalhar juntos, rumo a e como não gostam, não aprendem a falar é comum em setores tradicionais. Mas vol-
um crescimento sustentado do PIB de, pelo com ela. Portanto, a imagem que existe na tando à dissociação: a Jerónimo Martins é
menos, 4%. “Se a Irlanda consegue, nós opinião pública é multifacetada: a empresa claramente vista como uma empresa fami-
também conseguimos, porque o aumen- familiar é a mercearia da esquina, que tem liar, a Sonae também – são ambas dirigidas
to do PIB é a solução, não para todos, mas lá o pai, a mãe e o filho; é a PME do Norte por filhos de grandes presidentes. Nenhum
para grande parte dos nossos problemas e ou de qualquer distrito do Interior do País, deles fundador, mas tanto o eng. Belmiro
do mal-estar, que temos no País”, garante. que está a crescer, que opera num setor não Azevedo como o sr. Alexandre Soares dos
No final deste mês, a 19 e 20 de outubro, necessariamente de tecnologia, mas, pelo Santos transformaram as empresas, que já
a AEF dá o pontapé de saída num ano de contrário, num setor tradicional... existiam, em colossos.

38 . EXAM E . OUTUBRO 2023


Curiosamente, ambos falavam mais à co- grande objetivo é o longo prazo, portan-
municação social do que os sucessores... to, com ou sem associação, elas teriam
E o Belmiro de Azevedo muitíssimo bem. continuado [risos]. Na realidade, o que
O Alexandre Soares dos Santos era muito trouxemos nestes 25 anos foi uma voz!
Normalmente, interventivo, já o Belmiro de Azevedo não E juntámo-las. É tão importante fazer o
os gestores era tão confrontacional, mas ambos eram networking.
muito interventivos, e os filhos dos dois
de empresas não aparecem na comunicação social – o É difícil juntá-las?
familiares que é uma opção legítima. Defendo que Não, de todo. É fácil, porque elas gostam
não gostam devem aparecer e que devem comunicar, de se juntar, e nós organizamos imensas
porque comunicar uma empresa familiar iniciativas para tornar isso uma realida-
de falar com é muitíssimo importante. de. Ora, a iniciativa com maior sucesso
a comunicação é a Next In Line [um grupo de pessoas,
social” Peter tem tentado comunicar as empre- composto pelos jovens na linha de suces-
sas familiares, e a AEF está quase a cele- são das empresas associadas]. Há cerca de
brar 25 anos. O que não teria acontecido, dez anos, passámos a acolher vogais da
no País, se a AEF não existisse? direção, na casa dos 30 anos. Hoje em dia,
Em primeiro lugar, as empresas familia- temos na direção uma maioria de jovens.
res são extremamente resilientes. O seu Eu próprio tenho de pensar na minha su-

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 39
Micro

cessão, é importantíssimo. E dei a esses


jovens na direção, àqueles que daqui a
uns anos vão estar a dirigir a empresa
familiar, carta-branca para a dinamiza-
ção... Nessas iniciativas, as Next In Line,
eu nunca estou presente.

Mas a AEF tem mais iniciativas para as


associadas.
Trouxemos formação para os membros
das empresas familiares, aconselhamen-
to, aproximação aos consultores... Isto
traz à sucessão a questão do governan-
ce. E aqui temos o Governo da Sociedade
e o Governo da Família – por isso é que
usamos governance, em inglês [risos]. É
que a família também precisa de governo,
porque tem de interagir com a empresa,
que é uma dimensão grande, complexa,
com vida própria. Quando temos uma
empresa na fase do fundador, o gover-
nance é íntimo, porque é o fundador que
gere a empresa e a família. Quando a em-
presa cresce, é fundamental existir esta
governance. Tem de haver canais e regras
de comunicação, em que os membros da
família têm de perceber que são, acima
de tudo acionistas, e não patrões. Patrão
é um conceito antiquado. São precisos ór-
gãos, de um lado e do outro, para as coisas
se organizarem e tudo fluir como deve.
Portanto, trouxemos uma espécie de for-
malização do processo de interação entre
os acionistas da empresa, e entre eles e a
administração. Digo-lhe, as famílias que Porque a sucessão, às vezes, é tão difícil
começaram a organizar-se há mais tempo nas empresas familiares? Hoje, já se olha
são as que sobrevivem melhor. Temos um para esta questão de forma diferente?
caso que eu acompanhei, pessoalmente, Numa família, a sucessão tem aspetos emo-
que é o da Vista Alegre... cionais, importantíssimos. Quem vai ser A complexidade
o sucessor? O filho, o sobrinho, o neto? É e a incerteza
Que já não é uma empresa familiar há complicado. Para se conseguir uma sucessão
vários anos... tranquila, é preciso tirar a emoção da ques- das leis são
Correto. Nos anos 1990, eu ia às assem- tão. Primeiro passo: ter uma cultura de méri- dos principais
bleias gerais (AG) da Vista Alegre para to, que têm de ser os pais a incutir aos filhos. obstáculos ao
aprender o que não se deve fazer e, efeti- Se for o fundador a fazê-lo, 90% do trabalho
vamente, ela deixou de ser uma empresa fica feito. Por exemplo: o Bernard Arnault, da funcionamento
familiar, porque os acionistas não se sou- LVMH, tem cinco filhos, e todos têm capaci- das empresas”
beram organizar. Só se encontravam nas dade para suceder ao pai e, atualmente, têm
AG, e estas eram longas horas de grande todos cargos elevadíssimos. Tendo em con-
discussão com um escrivão do notário ta que é a maior empresa da Europa, com a
a anotar tudo. Aprendi que as decisões maior capitalização bolsista, esses cinco não
têm de ser tomadas antes da AG e que estão nos lugares onde estão se não fossem
tem de haver uma comunicação enorme muito bons. Aí a cultura de mérito não vai
entre os acionistas, e entre estes e a ad- ajudar, porque são todos ótimos [risos], mas
ministração. normalmente há um que se distingue e a cul-

4 0 . EXAM E . OUTUBRO 2023


Então, porque perdemos esta agilidade? orientadas pela sua ideologia, que podem
Ah, Margarida, isto é uma entrevista e não ter um efeito negativo, mas isso é prerro-
uma sessão de psicanálise [risos], mas res- gativa de um governo democraticamente
pondo-lhe assim: a maior oportunidade eleito. Porém, os projetos económicos e os
que o poder político perdeu na fase da Co- projetos de investimento demoram anos a
vid-19 foi não ter aproveitado para fazer re- desenvolver e a rentabilizar. Portanto, se
formas da Administração. Foi claramente alterar as regras, o governo está a dizer a
uma oportunidade perdida, porque é nas um setor para não fazer nada, porque não
crises que se podem mudar todas as regras saberá com que linhas se cose para o ano.
da operação. Aqueles que pensam de ma-
neira diferente – e eu penso de maneira di- Como as empresas podem fazer “lobby”
ferente! – têm de dizer que há sempre forma para que isso se altere?
de fazer melhor. E o facto de termos sem- Aqui estou eu a falar do problema! Não lhe
pre feito da mesma maneira não é justifica- chamo lobby, chamo-lhe comunicação.
ção para não mudar. Mas indo um pouco à Não vale a pena estar a dizer que precisa-
psicanálise: temos um sistema político, em mos de impostos mais baixos. É óbvio que
Portugal, que é obra do 25 de Abril, e que toda a gente quer menos impostos, sempre,
está predicado numa coisa muito impor- mas temos de pagar pelos erros do passa-
tante: evitar repetições do Estado Novo. Ou do e ter as contas certas, e o governo está
seja: dividir o poder, atomizar o poder e a a fazer um ótimo trabalho nessa área. O
autoridade para que ninguém tenha poder dinheiro não estica. Agora, devemos con-
e autoridade. Por isso é que temos minis- centrar-nos nas condições que o governo
tros que se queixam da Lei. Caminhámos deve criar para que consigamos investir,
para soluções que evitam situações de po- trabalhar, empregar, produzir, exportar
der pessoal, para um nível tão extremo que de forma previsível. E aí vamos começar
perdemos a eficácia. a resolver o problema de um PIB baixo, de
um crescimento anémico.
Estamos de acordo, porém, sobre como
a democracia é incrível... Para termos uma economia mais saudável?
Sim! Até ao tutano! O que nós queremos é um País mais próspe-
ro. O que lidera a prosperidade de um País é
Mas também temos visto a força da pres- o trabalho, e o mais produtivo é o trabalho
são social a condicionar decisões políticas, organizado em empresas. Quanto maiores,
precisamente porque vivemos em demo- mais produtivas são, porque têm mais eco-
tura ajuda. Depois, o processo de sucessão cracia. De que forma é que esta instabili- nomias de escala. Em termos políticos, ou-
deve ser, idealmente, longo. O melhor exem- dade afeta as empresas e o investimento? vimos falar muito da importância das PME.
plo de sucessão que eu conheço, em Portu- A complexidade e a incerteza das leis são Porquê? Porque dão mais votos. São 100 mil.
gal, é o da Bial, quando António [Portela] ti- dos principais obstáculos ao funcionamen- Mas as grandes empresas é que são o motor
nha 36 anos e Luís [Portela] o nomeia CEO, to das empresas. Há setores económicos, económico do País, porque levam as PME
numa altura em que o próprio Luís ainda era nomeadamente o imobiliário e urbanismo, atrás como prestadoras de serviços. Temos
bastante jovem. E isso permite, se as coisas em que nem os especialistas, ilustres juris- de deixar que as microempresas sejam, um
não correrem bem, intervir. Não foi preciso, tas, se conseguem entender. E isto porque dia, pequenas, depois médias e depois gran-
o processo correu bastante bem. há um emaranhado legal ao nível nacional des. Em Portugal, a maioria das grandes em-
e ao nível municipal, e depois ainda há a presas é familiar. Portanto, nós, governo e
As empresas portuguesas – muitas fami- questão do ambiente. Resultado: é muitís- empresas, temos de juntar as mãos e criar
liares – demonstraram, durante a pande- simo difícil investir. Depois, se o governo condições para fazer crescer o PIB susten-
mia, para falarmos da crise mais recen- altera repetida e sustentadamente as regras tadamente. 4% ao ano, pelo menos! Se a Ir-
te, muita resiliência mas também muita do arrendamento ou da habitação, aqueles landa consegue, nós também conseguimos,
agilidade. O próprio executivo revelou ter que constroem casas não sabem se o vão porque o aumento do PIB é a solução, não
grande agilidade em várias áreas. fazer, porque desconhecem se e quando é para todos, mas para grande parte dos nos-
Quando há situações de emergência, te- que as regras, que determinam os seus cál- sos problemas e do mal-estar que temos no
mos uma agilidade extraordinária... Hou- culos iniciais do retorno sobre investimen- País. Há indicadores muito positivos, de um
ve vários casos, durante a pandemia, em to, vão mudar. Não estou a falar do aspeto grande desenvolvimento social – mortalida-
que eu até trocava mensagens de What- ideológico! Isso é outra dimensão. O go- de infantil, esperança média de vida, segu-
sApp com membros do governo. verno pode adotar determinadas medidas, rança –, mas temos este mal-estar, que tem

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 41
Micro

que ver com este PIB, com setores como a


Justiça, a Saúde e a Educação, que não con-
seguem dar resposta aos portugueses.

Não parece ser só falta de dinheiro, até


porque os orçamentos para algumas des-
sas áreas têm sido reforçados, como o SNS.
O problema não é a falta de dinheiro. Va-
mos parar de dar mais dinheiro e vamos
passar a geri-lo melhor! Na Educação, não
podemos obrigar os professores a fazer
centenas de quilómetros para irem traba-
lhar. Não faz sentido.

Então, o que podem as empresas fazer


para incentivar estas mudanças?
Primeiro, é lançar a mensagem – que é o
que estamos aqui a fazer hoje [risos]. Va-
mos trabalhar em conjunto e falar daquilo
que vai incrementar o investimento, o em-
prego e a exportações, que é a certeza legal.
Saneiem as leis.

São precisos canais mais diretos para fa-


lar com o governo?
Os canais existem, somos muito bem re-
cebidos. O problema é transformar a pa-
lavra em ação. Continuando: simplifiquem
as leis, porque quando há ineficácia jurídi-
ca, como a que temos no nosso país, o ges-
tor parte para um negócio com uma base
inicial de desconfiança. Não é assim que
se fazem negócios. Têm de ser feitos numa nada para estancar essa sangria! O governo
base de confiança. Se eu tivesse a certeza da julga que o Plano de Recuperação e Resi-
eficácia dos tribunais, conseguia fazer ne- liência (PRR) é a solução. O PRR é muitís-
gócios muito mais depressa. Depois, temos simo bem-vindo, mas temos de assegurar
de melhorar a gestão dos dinheiros públi- Devíamos um ambiente favorável para o PRR vingar.
cos. E isto é claramente um recado para o conseguir subir [...] Custou dinheiro formar esses jovens, nas
SNS, que é um dos maiores fatores de co- nossas ótimas universidades públicas. Per-
esão nacional. É importantíssimo. Gostava salários, não demos esse investimento e estamos a con-
de ter um SNS para 100% da população – a pela escassez na tribuir para a riqueza de outros países em
ADSE tem mil milhões de euros no banco, profissão mas concorrência connosco. Não conseguimos
o SNS não... Devíamos pensar nisto. produzir mais, porque nos faltam as pessoas
pelo aumento altamente qualificadas. Há certos setores em
O mesmo deve ser aplicado à Educação, de negócio, que que os ordenados sobem, como na infor-
como já referiu, e, aliás, à Administração me permite ter mática, por via da escassez de pessoas. Eu,
Pública no geral. Mas queria aproveitar para ter bons profissionais, vou ter de redu-
para lhe perguntar outra coisa, antes de mais margem, zir as minhas margens de comercialização –
terminarmos. Como travamos a saída do mais lucro logo, estou a enfraquecer a minha empresa,
País de tantos portugueses qualificados? e, logo, pagar e devia poder aumentar preços, mas, para
É uma sangria. Os baixos salários que paga- manter ou aumentar a competitividade, não
mos em Portugal fazem com que os jovens melhor” posso, logo vou reduzir a minha rentabilida-
altamente qualificados partam para ganha- de. Nós devíamos conseguir subir salários,
rem o dobro ou o triplo. Não podemos con- não pela escassez na profissão mas pelo au-
tinuar a pagar os baixos salários que paga- mento de negócio, que me permite ter mais
mos. De novo, não vemos o governo a fazer margem, mais lucro e, logo, pagar melhor. E

4 2 . EXAM E . OUTUBRO 2023


Micro

MERCADO

Madeira:
sem travão
no imobiliário
A JLL expandiu a sua presença no mercado
nacional e inaugurou a mais recente loja em pleno
centro do Funchal. Um mercado que já é o quarto
mais caro do País e cuja dinâmica os responsáveis
políticos garantem que não irão refrear
Texto Marta Marques Silva

É
mais um ponto no ma- tugal, acredita que a tendência não esta- consultores e mediadores –, mas que é na
pa-mundo que cobre a rá esgotada: “É um mercado que vem de habitação que residem as principais ex-
parede lavada do novo níveis de preços mais baixos e, portanto, pectativas: “Onde sinto uma maior vonta-
escritório da JLL. A bi- poderá existir ainda alguma margem para de de investir por parte dos nossos clien-
centenária empresa de subir”, salientando que, na última década, tes é no residencial. Pela escassez de novos
construção e imobiliário, que tem sede praticamente não se construiu na Madeira projetos, mas também pela vontade, não
em Chicago, chegou este mês à Madeira, – “É um mal nacional”. só do mercado doméstico, mas também
seduzida por um mercado dinâmico, que Esta é a 8ª loja da marca em Portu- do mercado internacional, de investir em
não foge à tendência do continente. O úl- gal, cinco das quais foram inaugura- imobiliário residencial na Madeira.”
timo ano foi de recordes absolutos, tan- das desde o início de 2021, à medida Uma procura alavancada nos últimos
to em número de fogos vendidos quan- que a empresa alargava a sua aposta a um anos pelo boom turístico na região. Eleita,
to em valor. O preço do metro quadrado mercado residencial em ebulição. A imo- em 2022, pelo 8º ano consecutivo, como
nesta Região Autónoma atingiu, no pri- biliária, que tem representação física em Melhor Destino Insular do Mundo, pelos
meiro trimestre do ano, os €1 582, supe- Lisboa, Porto, Cascais, Oeiras, Comporta, World Travel Awards, a região atingiu, em
rado apenas pelas áreas metropolitanas Algarve e, agora, também em pleno cen- 2017, o recorde de dormidas que, nesse
de Lisboa e Porto e pelo Algarve. Ainda tro do Funchal, assume que haverá uma ano, superou os 8,3 milhões – subiu 43%
assim, Pedro Lancastre, CEO da JLL Por- aposta em projetos turísticos – enquanto em dez anos. À pressão do turismo, com

4 4 . EXAM E . OUTUBRO 2023


NÚMERO DE FOGOS VENDIDOS VS. CONSTRUÍDOS reflexo na promoção de projetos de hote-
laria e no investimento para alojamento
4 500 2 374 523 local – que o presidente do Governo Re-
4 000 Nº médio de Nº médio de gional da Madeira garante ser para manter
3 500 fogos vendidos fogos concluídos
–, somam-se os estrangeiros que aqui pro-
por ano por ano
3 000
curam residência, e o retorno de emigran-
2 500
2 000
tes, nomeadamente, vindos da Venezuela.
1 500 As graves crises – económica, políti-
1 000 ca, financeira e de segurança – que atin-
500 giram, nos últimos anos, aquele país trou-
0 xeram muitos madeirenses de volta a casa,
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022
e também os seus descendentes. Entre a
4 142 população estrangeira que estabeleceu re-
NÚMERO DE FOGOS VENDIDOS NOVOS E USADOS Fogos vendidos
em 2022 sidência na Madeira após 2010, 23% vie-
Peso do números de fogos novos vendidos no total de fogos +16% vs. 2021 ram da Venezuela, seguidos por britâni-
55% 57% 47% 42% 38% 32% 27% 25% 27% 24% 19% 21% 18% 19% cos, brasileiros, alemães e italianos; 18%
4 500
tinham mais de 65 anos. Mas o mercado
4 000
3 500 internacional representou, em 2022, ape-
3 000 nas 9% do total de casas vendidas, e 15%
2 500 do seu valor – o que é, ainda assim, um
2 000 salto de 300% face ao peso que tinha no
1 500
1 000
ano que precedeu a pandemia (4%).
500 O pulo maior registado nos valores
0 transacionados face à proporção que os
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022
estrangeiros têm no número de imóveis
vendidos sugere um cliente com recursos
VALOR DOS FOGOS REPRESENTATIVIDADE financeiros, que procura as localizações
VENDIDOS NA MADEIRA DOS ESTRANGEIROS ímpares da ilha e a excelência na constru-
EM MILHARES DE EUROS NA AQUISIÇÃO DE CASA ção. Esta é, aliás, uma das razões que justi-
1 000 000 841 469 ficam também a aposta da JLL neste terri-
2019 2020 2021 2022
800 000 tório: “A JLL está presente onde o produto
Valor imobiliário tem qualidade e a qualidade do
600 000
imobiliário novo que está a ser feito aqui é
400 000
5% 7% 8% 15%
317 653 simplesmente incrível. Tem padrões mui-
GETTYIMAGES

179 121 to superiores ao que temos no continen-


200 000
4% 5% 6% 9% te. Obviamente que esta oferta não pode
0 ser barata”, refere a Head of Residential
2009 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 2022 Número
da imobiliária, Patrícia Barão. Para Joana
Fonseca, Head of Strategic Consultancy &
CARATERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO QUE ENTROU NA MADEIRA APÓS 2010
Research, a qualificação da oferta que vai
ESTRUTURA MOTIVOS TOP 5 chegar ao mercado nos próximos anos, a
ETÁRIA DA ENTRADA NACIONALIDADE par do desequilíbrio entre a oferta e a pro-
Educação cura, deverá continuar a suportar os pre-
Acima dos 65 anos Trabalho Itália ços, tendo o valor do metro quadrado cres-
18%
Alemanha cido mais de 30% desde 2019.
Outros A mesma responsável não descarta o
Brasil impacto do atual contexto económico –
25-64 anos Reunificação familiar com a subida da inflação e das taxas de
Reino Unido juro –, o que conduz a uma natural retra-
Estabelecer residência ção da procura. Face ao período homólo-
+ Venezuela go, o número de casas vendidas caiu 12%
Retorno de emigrantes
15-24 anos 23% no primeiro trimestre deste ano – e 5% em
47% valor. No entanto, em cadeia, quando com-
<15 anos
parado com o último trimestre de 2022, as
Fonte JLL e INE MT/EXAME
vendas avançaram 7%, em número e 8%

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 45
Micro

GETTYIMAGES
em valor. “Há um ajustamento que con- de rentabilidade para os proprietários: “Na em cima da tributação que já existia, é um
sideramos perfeitamente natural, na Ma- Madeira, os imóveis afetos ao alojamento desastre. Nós não vamos aplicar estas me-
deira e no País como um todo. Hoje quem local aumentaram cerca de mil unidades, didas aqui no Funchal. Julgo que na região
compra são as pessoas com mais capacida- só este ano. Não é possível existir uma res- também será esse o caminho.”
de económica e com menor tendência para posta com esta dimensão por parte da ho- Miguel Albuquerque confirma: “So-
recurso ao crédito, ou ao crédito total.” telaria. A opção mais imediata é aproveitar mos contra a interferência do Estado no
o stock já existente, que permite rentabili- mercado de arrendamento e no mercado
MERCADO LIVRE dades maiores para os seus proprietários, imobiliário. Somos contra o excesso de tri-
Apesar da conjuntura, foram vendidos 4 o que atrai pessoas para a sua aquisição, butação sobre as transações imobiliárias
142 fogos na Madeira em 2022, no valor aumentando o preço.” e sobre todas as componentes do inves-
total de €841 milhões – mais 16% e 38%, Uma dinâmica onde os responsáveis timento imobiliário. E, por conseguinte,
respetivamente, face ao ano anterior – e políticos da região não querem interferir. entendemos que a falta de habitação em
Pedro Calado, presidente da Associação de Na condição de presidente da Câmara Mu- Portugal não resulta da prosperidade do
Municípios da Região da Madeira, assegu- nicipal do Funchal, Pedro Calado assegu- setor imobiliário, nem do alojamento lo-
ra que há espaço para mais crescimento. ra: “Não vamos acabar com o alojamento cal, resulta de uma insuficiência do Estado
“Só no setor do Funchal, temos previsto, local, nem de perto nem de longe.” Sus- em colocar casas acessíveis no mercado.”
nos próximos quatro a cinco anos, um tenta que, das dez freguesias que com- Diz, por isso, que as recentes medidas de
crescimento muito acentuado, em todos põem o concelho do Funchal, apenas uma controlo do mercado imobiliário apresen-
os segmentos. Não só no segmento mé- tem um rácio, de número de alojamen- tadas pelo executivos de António Costa –
dio, médio/alto, mas também no segmen- tos sobre o número de fogos residenciais, como o fim dos vistos Gold, os limites à
to mais baixo, criando oportunidades para superior a 25%, ficando a média abaixo atualização dos preços de arrendamento,
os jovens e jovens casais, com rendimen- dos 7%, além do importante papel que novas licenças de alojamento local mais
tos mais baixos.” este segmento tem desempenhado na re- restritas ou a sua tributação adicional –
Paulo Pereira, presidente da Ordem qualificação urbanística, nomeadamente não serão replicadas na Madeira. “Neste
dos Economistas da Madeira, salienta que do centro histórico, e do impacto econó- momento, o que nos interessa é manter
o imobiliário é um ativo de preservação de mico na região. “Há centenas de famílias o crescimento do imobiliário, que espe-
valor face ao impacto da inflação na des- com postos de trabalho que estão criados ramos que atinja os €1 000 milhões este
valorização da moeda, além do importante e constituídos no alojamento local. Acho ano, e que contribua para o maior PIB al-
papel que tem desempenhado em termos que esta tributação acrescida, de mais 15% guma vez registado na região.” E

4 6 . EXAM E . OUTUBRO 2023


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Micro

F I L I PA PAT O & W I L L I A M W O U T E R S

Os vinhos
puros da agricultura
biodinâmica
É no meio do campo, que se sente feliz. A engenheira química,
que se tornou enóloga e viticultora, quer também ser agricultora,
contribuindo para a biodiversidade e a harmonia entre terra
e cosmos. Dá nova vida às vinhas velhas e recupera as castas
tradicionais da região, onde a Baga é rainha
Texto Cesaltina Pinto Fotografia Lucília Monteiro

F
ilipa Pato colhe uma uva nos conduz, num pequeno todo-o-terre-
de um cacho e prova: “Hu- no, por entre as suas pequenas parcelas
uummm! Já estão boas. de vinha, que, distribuídas, aqui e ali,
Esta baga, criada desta somam já, no total, cerca de 20 hectares.
forma, tem um aroma e Cada vez mais apostada em fomentar
uma fruta fantásticos. Neste ano, a pro- a biodiversidade, conta como usa “o ver-
dução até é boa. Vamos começar a vindi- gueiro”, “um ótimo antifúngico”, para atar
mar já para a semana. Amadureceu mui- a videira ou fazer infusão para aplicar na
to cedo...” Estávamos na segunda semana vinha; como utiliza os rebentos de cana,
de agosto, quando a fomos encontrar nas que, por passarem por entre as rochas, ali
leiras de vinhas velhas, em Casal Comba, têm muito silício; como pretende “plantar
Bairrada, numa zona que fica apenas a 15 aveia, porque é boa para tirar a grama”, ou
km do mar. A folha da videira apresentava recolher muitas sementes, como o funcho,
um aspeto esbranquiçado. “Pusemos, por que hão de ter utilidade. “Uso muitas in-
causa do calor, um caulino, uma espécie de fusões de várias plantas. Dá mais trabalho,
pó talco, que funciona como protetor solar. mas costumo dizer que fazer biodinâmica ná-las. Fazem uma boa descava. Assim, o
Por isso é que estão brancas”, explica. Nada é como fazer um estrela Michelin: tem de solo não ganha frechas, e as videiras ficam
de pesticidas, herbicidas ou inseticidas in- haver um mise en place, a preparação an- mais protegidas das doenças. Além disso,
dustriais, portanto. tes da aplicação”. Depois da vindima, vai comem as ervas à volta, mas não comem
O que impera aqui é a agricultura bi- mesmo plantar favas e tremoços. “Estou a as cepas.”
odinâmica, um modo de produção agrí- plantar também figueiras e macieiras tra- O barulho do motor de um pequeno
cola, fundada pelo cientista austro-ale- dicionais, até porque os porquinhos tam- trator anuncia a chegada do João, “o ma-
mão Rudolf Steiner, no início do século bém gostam muito de maçãs”, diz, com nager dos porquinhos”. Vem deitar água
XX. Neste processo, a exploração agrícola enorme entusiasmo. nos bebedouros, que também servem de
deve ser autossustentável, proveniente da E os porquinhos – assim mesmo, com banheira. E é vê-los a rebolarem-se, fazen-
harmonia do solo, das plantas e dos ani- diminutivo, porque são pequenos – ali es- do lama. Filipa até fez um curso de pro-
mais, conjugados com os ciclos da terra e tão, felizes, a focinhar na terra, e ela a olhá- dução de leitão, para melhor cuidar deles.
do cosmos e usando recursos da própria -los, embevecida e divertida. “Tenho vári- São já uma dúzia. Os brancos são um cru-
zona geográfica. “Reparem, esta videira as famílias de porquinhos. Como veem, o zamento de vietnamita com bísaro da re-
sobe pela oliveira. Estamos a plantar cada solo está supermobilizado, até parece que gião, precisamente para serem pequenos.
vez mais oliveiras, nestas vinhas velhas. passou aqui um trator.” Num solo com ar- Os pretos são bísaros serranos. Duas porcas
Estão a ver aí as camadas de argila cal- gila calcária, compacto e duro, difícil de estão grávidas, o que significa que a famí-
cária? É fantástico. Também há por aqui cavar, o focinhar dos porquinhos ganha à lia vai aumentar. Também andam por ali
algumas nogueiras, porque os pássaros enxada. “Como não conseguem focinhar ovelhas e a estas juntar-se-ão uma vaca e
as apanham, e são eles que fazem a se- mais do que dez centímetros, não afetam um boi. “É uma forma de limpar e purifi-
menteira”, descreve Filipa Pato, enquanto as raízes das videiras e até ajudam a oxige- car. Os terrenos que tenho comprado, até

4 8 . EXAM E . OUTUBRO 2023


nasceu quando eu e o William [Wouters]
começámos a fazer vinho juntos, a partir
de 2006. Conhecemo-nos no Brasil, onde
há aquela expressão “nooossa!”. E como
era o nosso vinho, assim ficou”, diz, en-
tre gargalhadas. “Uma parcela com 6 mil
metros dá aí uns 800, 900 kgs, cerca de
500 garrafas. Cada uma pode chegar aos
€200. Um bocado caro, mas já viu o tra-
balho manual que é? Ao lado, o terreno
era de uma senhora que nos pediu, neste
ano, para cuidarmos da vinha. Então, te-
mos agora de fazer os cinco anos de con-
versão exigida para a agricultura biodinâ-
mica. Algumas destas uvas são usadas para
o Dinâmica tinto”.
William Wouters, o marido e sócio bel-
ga, era um chef sommelier. Tinha um res-
taurante wine-bar na Bélgica. Foi lá que
Filipa provou os vinhos produzidos em bi-
odinâmica e concluiu que tinham “mais
alma e identidade”. Como engenheira quí-
mica, no inicio foi cética, mas aderiu ao
processo, porque “viu que funcionava”.
William vendeu o restaurante, investiu
na Bairrada e assim nasceu a Filipa Pato
& William Wouters. Não sendo o Baga um
vinho fácil de entender – “porque precisa
de ser harmonizado com a comida certa:
bife, caça ou cogumelos” –, apostaram nos
nichos de conhecedores. E não estão a dar-
-se mal. “Há já cinco anos que vendemos o
vinho por reservas antecipadas. Não temos
o suficiente para o mercado. Em janeiro,
rateamos a nossa produção pelos clientes”,
“Uma parcela Bical, a Cercial, a Maria-Gomes e o Arin- reforça. Em Portugal, fica apenas 10%, pois
com 6 mil metros to. “Prefiro manter este património, que é 90% vai para exportação, principalmente
espetacular. Estas são as castas que simbo- para os EUA, onde têm nove importado-
faz aí uns 800, lizam o terroir daqui, que dão caráter dife- res. Neste ano, começou a vender para a
900 kgs, cerca renciador a tudo o resto. Além disso, a Baga Argentina e Colômbia.
de 500 garrafas. em vinhas velhas é realmente melhor.” Em Óis do Bairro, William ainda toma
Estamos já numa outra leira de vinha. conta da cozinha, preparando o repasto
Cada uma pode Por aqui, fruto da pobreza da região, em para os clientes que os visitam. É também
chegar aos €200” que a única riqueza era um quinhão de ter- nessa casa que habitam, com larga vista
ra, as parcelas são sempre muito pequenas para as colinas do Caramulo, que separam
e estreitas, difícil de industrializar, porque a Bairrada do Dão. Até aqui, o negócio pa-
é mais nessa perspetiva.” Amante da vida eram sucessivamente divididas para a he- gou as contas. Agora, talvez comece a dar
no campo, Filipa quer ser mais agricultora rança dos filhos. “Esta estava abandonada, lucro, pois os maiores investimentos estão
do que viticultora ou enóloga. era uma selva de videiras e arbustos. É pre- feitos. E, por estes dias, é na adega do avô,
Aos 48 anos, a filha do conceituado filoxérica. Recuperámo-la e, desde 2015, a 7 km dali, que o casal faz o balanço do
produtor de vinhos, Luis Pato, natural da que fazemos um só vinho dela, muito es- trabalho do ano. “A qualidade, em geral,
Bairrada, está totalmente empenhada na pecial”, conta Filipa. Esse vinho muito es- foi ótima. As vinhas velhas de Baga foram
recuperação das castas da região. Auto- pecial é o Nossa Missão, porque, além de apanhadas em muito bom estado de ma-
nomizou-se do pai e começou a comprar ter merecido 96 pontos na escala de Robert turação, apesar de as chuvas terem chega-
vinhas velhas e abandonadas. Nos tintos, Parker – um dos mais celebrados críticos do mais cedo.” Será caso para se abrir um
só trabalha com Baga. Nos brancos, usa a de vinhos –, tem um valor afetivo. “O Nossa espumante bem fresquinho. E

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 49
Micro

LEICA

Foram-se
os alemães, ficaram
os portugueses
O percurso de Pedro Oliveira, que entrou como estagiário curricular
e ascendeu à administração, é um bom testemunho de como
a unidade produtiva da marca alemã em Famalicão tem evoluído
nestes 50 anos. À herança de “rigor e tradição” juntou-se “inovação
e desenvolvimento” das novas gerações. Maior conquista: o rótulo
“made in Portugal” nos binóculos e miras telescópicas
Texto Cesaltina Pinto Fotografia Lucília Monteiro

Q
uando Pedro Olivei- A coisa foi tão marcante, que nunca
ra entrou pela pri- mais se esqueceu da data. Nem da primei-
meira vez na Leica, ra sensação que teve: “Ei pá, nem chove cá
em Famalicão, para dentro, nem há sol nem vento…”, pensou.
um estágio curricu- “Foi um choque grande e positivo, porque
lar, sentiu que “tinha chegado ao paraí- era muito menos duro do que a realidade
so”. Tinha 23 anos e uma licenciatura em a que estava habituado. Isso deu-me um
Engenharia de Materiais da Universidade imput diferente.” E alguma incapacidade
do Minho. Mas, tão importante quanto para perceber porque raio havia ali colegas
isso, levava na bagagem “uma experiên- a queixarem-se de algumas situações labo-
cia de vida enorme”. Natural de Cabecei- rais, como confessou. Porque este foi o seu
ras de Basto, que traça a fronteira entre o “primeiro emprego com ótimas condições
Minho e Trás-os-Montes, o jovem Pedro de trabalho”.
vivia “num mundo rural” e “num am- Em 2000, esta empresa já contava 27 fotográfica portátil de pequeno formato,
biente duro”. Filho de comerciante, teve anos de presença em Portugal – este ano criada, em 1923, pela dupla Oskar Barnack
de trabalhar e estudar ao mesmo tempo, comemora o seu 50º aniversário. De uma (corpo) e Max Berek (lente), que todos am-
ainda mais quando o pai ficou doente. pequena unidade para montar microscó- bicionavam.
“Estava habituado a andar de sol a pios, em 1973, passou a montar integral- Depois da devastação originada pela
sol, com o meu pai, a carregar caixas mente, em 1977, a Leica R3, assim como II Guerra Mundial, a construção da Lei-
de melões e sacos de castanhas e bata- binóculos. Nesta altura, tinha 180 empre- ca passou, em 1952, a ser feita no Canadá.
tas. A vida de comerciante é lidar com gados e a marca desta máquina fotográfica Foi no início da década de 70 que os três
o público em geral, com reclamações a andava na boca de toda a gente, impulsi- netos de Ernest Leitz, que há mais de dez
toda a hora. A linguagem é rude e bruta onada pela criação, em 1947, da Magnum, anos tinham assumido a gestão da empre-
e, por isso, eu também era um bocado a primeira agência fotográfica do mundo, sa, começaram a procurar uma alternativa
bruto”, conta à EXAME, num dos largos lançada por grandes fotógrafos profissio- na Europa. Os custos na indústria alemã
corredores da fábrica, o agora diretor- nais, como Henri Cartier-Bresson, Robert estavam no auge e muitas empresas opta-
-executivo e administrador da unidade Capa, David Seymour e George Rodger. Ali- vam por deslocalizar recursos, poupando
produtiva da marca alemã em Portugal. ás, a empresa alemã que a concebeu, com nos custos de produção. Procuravam “um
“Estava na vender melões quando me li- sede em Wetzlar, ainda nem se chamava país de mão de obra barata” e que tivesse
garam para vir à entrevista. Carreguei- Leica, mas Leitz, o nome de um dos sócios, “qualificação, competência e capacidade”
-os logo na camioneta, fui para Cabe- Ernest Leitz, mecânico. Só em 1986 é que a para trabalhos finos, minuciosos e de gran-
ceiras de Basto, tomei um banho rápido, empresa, fundada em 1849, pelo também de precisão.
vesti-me e vim para Famalicão. Era uma mecânico Carl Kellner como instituto óti- Entre a instabilidade dos países de
quinta-feira e comecei a trabalhar na se- co para produzir lentes de grande precisão Leste e o país pacífico, trabalhador e bem-
gunda-feira seguinte, 3 de abril do ano para óculos e microscópios, é que assume -mandado da ditadura que encontraram
2000, às 7h15.” a designação de Leica, a marca da câmara em Portugal, a escolha era óbvia. E o Nor-

5 0 . EXAM E . OUTUBRO 2023


vistoso para a época, símbolo dos “fachos”
ricos que os novos tempos queriam com-
bater. A história que se conta é que, num
desses dias, Koch foi alvo de um atentado
a tiro, e uma bala atravessou as janelas do
carro. Saiu ileso, mas ficou assustado. E o
investimento da Leica em Famalicão tre-
meu. Koch teve carta-branca da casa-mãe
para abandonar o País, mas reuniu a equi-
pa e disse que ficava se tivesse o apoio de
todos. Teve, e ficou, sem mais incidentes.
Esta foi a história que o jovem Pedro
Oliveira ouviu contar na empresa. Quando
lá chegou, em 2000, a fábrica já tinha três
pavilhões, o mais recente todo dedicado à
ótica. Mas ele foi trabalhar para a galvano-
plastia, nos tratamentos de superfície. Teve
“sorte”, porque, logo a seguir, a casa-mãe
decidiu transferir tecnologia e o que antes
era feito em outsourcing na Alemanha pas-
sou a ser feito em Portugal: a cromagem.
“Foi um grande projeto. Depois investimos
e inovámos bastante em novos materiais,
como o magnésio, que fomos pioneiros a
introduzir nos tratamentos. Rapidamente
cresci nessa área”, recorda. “Pouco depois,
passei a liderar a área de tratamento de su-
perfície.” Seguiu-se a liderança da área de
mecânica, substituindo o responsável que,
entretanto, se aposentou. “Tinha 27 anos e
geria uma equipa de 150 pessoas.”
Foi, então, que deu azo à sua veia de
líder. Sem papas na língua, Pedro Olivei-
te tinha já a sua comunidade alemã, im- ra ousou discordar “da estratégia de or-
portante para fazer crescer uma família: o ganização de produção” que estava a ser
Colégio Alemão era já uma instituição bem seguida. “Hoje, considero que foi um ato
alicerçada e até missas se rezavam na lín- de coragem”, diz. “Lembro-me de dizer ao
Transformámos gua germânica. Em Famalicão, encontra- administrador que uma empresa de exce-
uma unidade ram as pessoas certas, imbuídas do espírito lência como esta devia seguir um caminho
fabril do setor têxtil e, sobretudo, do traba- diferente. Porque, face ao setup dos nossos
produtiva lho miudinho e paciente das empresas de produtos, aquela organização não iria ser
num centro relojoaria, como A Boa Reguladora, ou das a mais eficiente para ter os resultados que
de competências oficinas de filigrana. queríamos. E, se não acreditava naquele
Obrigados, em 1973, a ter um parceiro caminho, não seria a pessoa certa para es-
de uma marca, local, os alemães encontraram no Banco tar à frente dessa área, a fazer coisas com as
de produtos Espírito Santo o abrigo ideal, o qual assu- quais não acreditava. Teria de ser cínico…”
e processos que miu 8% da sociedade criada. Mas depressa Abdicou de tudo. “Saí no início de
o curso da história fez com que a situa- 2006. Fui para Torres Vedras, para uma
são benchmarks ção política em Portugal mudasse. Ao 25 empresa familiar, que procurava alguém
mundiais. de Abril de 1974 seguiram-se anos de ins- para transformar e modernizar os proces-
É disso que nos tabilidade política e alguns eventos mais sos organizacionais. Fiquei como diretor de
violentos, sobretudo no Norte do País. Wol- qualidade e ambiente, totalmente ligado
orgulhamos” fgang Koch, engenheiro, era o emissário à gestão daquela empresa.” Sol de pouca
Pedro Oliveira
dos acionistas alemães e responsável pela dura, pois, no final desse mesmo ano, foi
Administrador da Leica Portugal fábrica. Vivia no Porto e deslocava-se dia- “com orgulho” que recebeu o convite para
riamente a Famalicão num Mercedes, carro regressar. “Foi o reconhecimento de que

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 51
Micro

o que contestei não tinha dado resultado.


Voltei para a ótica, uma área completa-
mente diferente, que estava numa fase de VEM AÍ UM
turbulência e de difícil gestão, muito dura TELEMÓVEL LEICA?
e com muitos desafios.”
Não tardou a que os acionistas alemães Apesar do assalto do digital,
apostassem nele. E que o convidassem a as máquinas fotográficas
passar um ano na Alemanha a fazer con- analógicas voltaram
sultoria interna. Voltou como diretor de a ganhar mercado
produção e para substituir “o alemão que
cá estava, em fim de carreira, e que que- Nos primeiros anos da viragem do século,
ria regressar à Alemanha”. Era já o final o negócio das máquinas fotográficas Leica,
de 2009 e, cerca de um ano depois, Pe- na sua versão analógica, foi seriamente
dro Oliveira foi nomeado para o conse- abalado pela introdução das máquinas
lho de administração da Leica – Aparelhos digitais. Nessa altura, a sede, na Alemanha,
de Precisão Ótica, a designação da versão atravessou dificuldades financeiras, e tudo
esteve em causa. Na verdade, conta o
portuguesa da marca alemã. “Fui um ad-
administrador Pedro Oliveira, “a Leica até foi
ministrador extremamente novo.” Ainda
a primeira a produzir uma máquina digital,
hoje é: tem 47 anos e a responsabilida- em 1996”. Mas foi cedo demais: “Não havia
de sobre a atividade global de operações ainda infraestrutura para os cartões SD,
da empresa, bem como o seu desenvol- era uma máquina extremamente cara e só
vimento estratégico. Participou, aliás, na alguns laboratórios, hospitais e centros de
reconfiguração das novas instalações, que pesquisa a financiavam como um equipa-
os levou, em 2013, do centro de Famalicão mento.” O fenómeno foi entendido como zia: ‘Sim e também se come de faca e garfo.
para a zona industrial, um investimento “uma moda” e, de certa forma, abandona- E até temos guardanapos!’ Lembro-me de
de €22,5 milhões. do. Nada mais errado. Depois da saída de colegas que vieram cá com a esposa visitar
Mas, como “os alemães têm o princípio alguns acionistas, é Andreas Kaufmann que farmácias, hospitais, escolas, e só depois
assume o controlo e aposta novamente no
dos quatro olhos: sempre poder repartido disseram: ‘É seguro, podemos ir.’”
digital. “A partir de 2009, com a sucessora
e dois decisores”, Pedro Oliveira partilha a Longe vão esses tempos e Laurinda Sil-
da M8, aí já uma full frame totalmente
administração com Vítor Freitas, formado digital, lançámos uma compacta, já com va que o diga. Com 45 anos de casa e 66 de
em Gestão, que supervisiona a área finan- zoom fixo. Fomos, então, uma empresa vida, é uma das mais antigas trabalhadoras.
ceira e os recursos humanos. Também tem que entrou tardiamente no digital, mas que Começou na ótica com os chefes alemães e
47 anos, mas é meia dúzia de meses mais recuperou ao ponto de passar a ser líder hoje, já na logística, tem um bem português,
velho do que Pedro Oliveira. “Temos mui- novamente.” Ao mesmo tempo, cresceram com apenas 27 anos. João Gomes, licenciado
ta autonomia. E desde que o resultado seja na ótica de observação, diversificando em Gestão e mestre em Gestão das Organi-
bom, continuaremos a ter.” áreas, e reafirmaram o investimento em zações, tem o desafio de liderar um proje-
Portugal, com a expansão para novas insta- to de reformulação e otimização dos arma-
DOS ALEMÃES AO “MADE IN PORTUGAL” lações. E se as vendas globais de máquinas zéns. Daqui sai, todas as sextas-feiras, um
fotográficas têm descido, e perdido terreno
A ascensão deste estagiário curricular Pedro camião carregado de componentes e peças
para os telemóveis, a Leica, em contra-
Oliveira até à administração acompanha o com destino à Alemanha, para que lá sejam
ciclo, tem aumentado o seu volume de
progresso de autonomia que a fábrica por- vendas, que “ainda é o maior contribuidor montadas as Leica, que continuam “made in
tuguesa foi conquistando no contexto do das receitas”. Curiosamente à conta das Germany”. Mas o maior orgulho é fazer as
grupo alemão. “Quando vim para a Leica, analógicas, que “custam milhares de euros” guias de transporte do produto acabado com
havia ainda aqui uns 15 alemães a traba- e cuja compra pode ter “seis meses de o rótulo “made in Portugal”, que se lê nos
lhar: na gestão, na administração e nas áreas espera”. Na mira estão agora parcerias com binóculos e miras telescópicas, e que repre-
técnicas. A administração era alemã. Todas as marcas de telemóveis. Depois de uma senta cerca de 50% da atividade desta fábrica.
as áreas, à exceção da mecânica, que teve tentativa, entretanto abandonada, com a “Conquistámos para Portugal muita
sempre um chefe português, eram lidera- Huawei, é a Xiaomi o interlocutor. “O driver propriedade intelectual”, explica o ges-
das por alemães. Com o tempo, foram sendo era encontrarmos um parceiro que fosse tor. “Começámos a planear e a otimizar,
tecnologicamente evoluído” e a “expertise”
substituídos por portugueses. E se antes os a desenvolver processos de fabrico e tec-
está com os chineses. “É uma situação
portugueses eram meros executantes, hoje nologia, a adquirir competências na área
win-win”, considera Pedro Oliveira. E se a
já não. Somos uma fábrica 100% portugue- Leica já começa a entrar nas lazer TV, com das compras, do planeamento e em todas
sa”, diz, com orgulho. ecrãs gigantes, também já tem equipas a as áreas transversais à organização. Hoje,
Recorda, divertido: “Ainda apanhei al- trabalhar num possível telemóvel Leica. A temos capacidade de desenvolvimento in-
guns que antes de virem me telefonavam a ser montado em Portugal? “Quem sabe, terno do produto, de processos tecnológi-
perguntar se havia farmácias e tal. E eu di- um dia… Podemos sempre sonhar.” cos e até de fazer serviço de assistência ao

5 2 . EXAM E . OUTUBRO 2023


Uma administração jovem
Pedro Oliveira e Vítor Freitas, ambos com
47 anos, asseguram, com grande autonomia,
a gestão da fábrica de Famalicão

“Temos cerca de 500 fornecedores: desde


parafusos, embalagens, etiquetas. Até 2010,
era 100% importação e zero fornecedores na-
cionais. Compramos cerca de 40 milhões/
ano, no mundo inteiro, muito nos Estados
Unidos, Europa, Ásia. Agora, 25% das nossas
compras são feitas cá. Já compramos cerca
de dez milhões de euros, essencialmente na
metalomecânica, o que mostra como o te-
cido empresarial português também se de-
senvolveu.”
O toque de saída, às 15h45, anuncia o fim
do turno dos que entraram às 7h da manhã.
Os horários continuam a ser alemães. Fica
ainda o turno das 7h30 às 16h15, embora
haja setores que não param. Há uma hora de
intervalo, sendo 45 minutos para o almoço
servido na cantina, para os 800 trabalhado-
res atuais, e 15 minutos para pausa do café.
São mais mulheres do que homens, ou não
fossem elas mais pacientes e com dedos mais
delicados, algo que se exige para montar pe-
ças de precisão.
cliente em alguns produtos que distribu- A Leica em Portugal parece, assim, ter Quantos deles recebem o ordenado mí-
ímos pelo mundo inteiro”, descreve. “Te- reunido o melhor dos dois mundos, jun- nimo? “Ninguém. O nosso ordenado mais
mos feito, aqui dentro, um investimento tando “dois grandes valores: um totalmen- baixo são €815. É muito pouco, mas é o pro-
enorme. Transformámos uma unidade te relacionado com a herança de know- blema do nosso país. Acabamos de anunciar
que era meramente produtiva, que re- -how, precisão, rigor, solidez, tradição, que um prémio extra de €850 para cada um. Uma
cebia os planos de produção do que era vem de há 50 anos; e o outro de inovação, distribuição de lucros que fazemos há dez
criado na casa-mãe, numa que desenvol- desenvolvimento e crescimento, que vêm anos consecutivos e cujo valor depende dos
ve propriedade intelectual.” E conquista- das novas gerações”. Sublinha o gestor: resultados”, frisa o administrador. Nestes 50
ram competências que “há meia dúzia de “Trabalhamos muito o acompanhamento anos de presença em Portugal, os acionistas
anos só estavam na Alemanha”, como o da sucessão e as áreas de competência. Por alemães terão investido cá cerca de 70 milhões
desenvolvimento de produto ao nível do isso, vai ver muitas pessoas com cabelos de euros, 40 dos quais nos últimos dez anos.
design mecânico, ótico e eletrónico, espe- brancos e pessoas muito jovens, em muitas No ano passado, a unidade de Famalicão – a
cializando-se na criação própria na ótica atividades. E há bastantes equipamentos única que resta fora da Alemanha – faturou
de observação, uma área em crescimento, que são muito mais velhos do que a Leica €82 milhões (de exportação), para um volu-
sobretudo com a massificação e cada vez em Portugal e outros que são o último grito me total da casa-mãe de quase €500 milhões.
mais sofisticação dos telemóveis. da tecnologia.” Ainda são os ordenados baixos que mais
Ou seja, se “no início, o trabalhador E foi isso que vimos, efetivamente, du- pesam na permanência do investimento
era pago para executar e não para pen- rante os milhares de passos que fizemos estrangeiro em Portugal? “Já não só, mas
sar, nem ninguém lhe pedia opinião, nem para percorrer as quatro grandes áreas também. É inevitável. Desengane-se quem
ele sentia necessidade de questionar por- da produção: a ótica, onde se produzem pensar que é só por causa do talento e da
que fazia assim”, hoje é, ele próprio, “um vários componentes; a mecânica, que faz nossa capacidade de desenrasque. É também
planeador da sua tarefa e tem de aportar anéis e carcaças; a eletrónica, que de- porque os custos operacionais são compe-
ao seu trabalho a sua capacidade intelec- senvolve o produto; e a montagem, que titivos.” E porque, face à concorrência que
tual”. Obviamente que continuam a ter monta os subgrupos. Vimos como se tra- pode vir do Leste, ainda garantimos “esta-
executantes, mas já acrescentaram “uma balha “quase 200 tipos de vidro”, como bilidade geopolítica”.
capacidade intelectual muitíssimo eleva- se faz o cálculo ótico (“uma das grandes Pedro Oliveira despede-se e continua no
da, mesmo no posicionamento perante competências da casa”), capaz de desen- seu ritmo acelerado, para que tudo esteja im-
o grupo”. Pedro Oliveira ostenta os seus volver sistemas de elevada performance. pecável quando, dentro de dias, receber a fa-
trunfos: “Transformámos uma unidade “Temos objetivas que continuam a ser as mília Kaufmann (principal acionista da em-
produtiva num centro de competências mais compactas do mundo e com me- presa), para assinalar os 50 anos de presença
de uma marca, de produtos e processos lhor rendimento. Somos a única fábrica em Portugal. O “sonho” de se “reformar aos
que são benchmarks mundiais. É disso em Portugal a produzir ótica de precisão”, 45” foi adiado. Porque manter o “paraíso”
que nos orgulhamos.” assegura o nosso guia. continua a dar muito trabalho. E

OUTUBRO 2023 . EXAM E . 53


Micro

A V I D A P O U C O S E C R E TA D A S M A R C A S

Do “Nipplegate”
ao nome da fruta
Nas marcas e nos negócios, as motivações nem sempre
são as mais óbvias. Duas histórias sobre uma ideia nascida
da necessidade e sobre a necessidade de mudar o nome
de uma fruta, para não ferir suscetibilidades
Texto João Barros

O YOUTUBE E O MAMILO O KIWI ERA


DA JANET JACKSON COMUNISTA?

O YouTube nasce oficialmente Antes de 1959, os kiwis


a 14 de fevereiro de 2005, eram conhecidos como
quando Chad Hurley, Steve “groselha chinesa”.
Chen e Jawed Karim – que se O nome não é sur-
conheceram quando trabalha- preendente, pois o fru-
vam na PayPal – registaram to é originário da China,
o domínio youtube.com. tendo sido introduzido
O primeiro vídeo do YouTu- na Nova Zelândia,
be, intitulado Me at the zoo, em 1904, país que o
foi publicado a 24 de abril de tornou mundialmente
2005 (ou a 23 de abril, se famoso.
for considerado fuso horário Os produtores neoze-
PDT). Mostra o cofundador landeses resolveram
Jawed Karim no Zoológico mudar o nome, que
de San Diego, e ainda pode provém da ave nacio-
ser visto na plataforma. nal do País, para dis-
Exatamente de acordo sociar o fruto do país
com Jawed Karim, o comunista, durante a
YouTube foi inspirado pela guerra fria.
dificuldade de encontrar O nome é das variáveis
vídeos online sobre a atuação mais importantes na
de Janet Jackson e Justin formação da identi-
Timberlake na Super Bowl, dade de uma marca e,
onde foi exposto um mamilo independentemente
da cantora. da nossa opinião, os
À boa maneira norte-america- produtores neozelan-
na, o caso, que ficou conhecido deses mostraram que
como Nipplegate, até deu ori- tinham essa cons-
gem a um documentário, para ciência.
tentar descobrir se a situação Basta reparar que,
tinha sido ou não programada. ainda hoje, boa parte
Atualmente, o YouTube é a das pessoas acha que
rede de partilha de vídeos o fruto é originário da
mais popular do mundo, com Nova Zelândia. E
mais de 4 mil milhões de
vídeos visualizados por dia.
E, sim, consegue encontrar
diversos vídeos com a “A Vida Pouco Secreta das Marcas”
resulta de uma parceria com a Rádio
atuação que, ao que tudo
Radar 97.8 FM. Todos os episódios podem
indica, precipitou a criação ser ouvidos em radarlisboa.fm/podcasts/
desta famosa marca.E ou nas principais plataformas de podcast

5 4 . EXAM E . OUTUBRO 2023


Macro
EXAME

ECONOMIA . TENDÊNCIAS . SOCIEDADE

A REVOLUÇÃO
DO CONHECIMENTO:
TODOS OS DADOS
NUM SÓ SÍTIO
A nova Lei dos Dados entrou em vigor em setembro, e a Comissão
Europeia prevê que gere €270 000 milhões de PIB adicional, em 2028.
Maria da Graça Carvalho foi relatora deste e de outros documentos
que visam colocar a Europa na dianteira do digital. À EXAME,
a eurodeputada fala das novas possibilidades e do caminho
normativo que tem sido trilhado
Texto Marta Marques Silva Fotografia Marcos Borga

5 6 . EXAM E . OUTUBRO 2023


OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 57
Macro

É
É a mais recente peça do puzzle legislati-
vo que quer colocar a Europa na diantei-
ra da economia digital. Publicado em ju-
nho deste ano, o Data Act entrou em vigor
em setembro, mas só produzirá efeitos em
maio de 2025. Até lá, empresas e Estados
têm 20 meses para se adaptarem a uma
nova lógica, que tem como principais no-
vidades a definição da propriedade dos
dados – será que poderá vender os seus
dados no futuro? – e a criação de repositó-
rios comuns, e agregados a nível setorial,
para benefício da investigação e inovação.
O documento – cujas normas deverão
gerar €270 000 milhões de PIB adicional,
em 2028, prevê a Comissão Europeia –
surge na senda de um pacote legislativo
alargado, que materializa a estratégia da
política comum para a “Década Digital da
Europa”. O seu início foi proclamado por
Ursula von der Leyen, durante o primeiro
discurso do estado da União Europeia, em
2020, com o objetivo de atingir a “sobe-
rania digital e tecnológica” do bloco, em
2030. Desde então, o digital tem sido uma Ilustrativa de ambos foi a recente aqui-
componente central no esforço legislativo sição de sete supercomputadores para a
da Comissão, que, no último ano, publi- Europa – um dos quais, inaugurado este
cou o Regulamento dos Mercados Digitais mês de setembro, em Portugal –, ao abri-
e o Regulamento dos Serviços Digitais, a Não entrámos no go da Empresa Comum Europeia para a
lei do regulamento geral, que dá forma à pormenor, que depois Computação de Alto Desempenho, um
estratégia digital para 2030, e agora a Lei programa conjunto entre a UE, países
dos Dados. Prestes a ser ultimado está ain- deve ser gerido europeus e parceiros privados. A inicia-
da o documento que irá reger o desen- por contratos. Mas tiva é estratégica para a soberania digi-
volvimento e a aplicação da Inteligência os dados têm valor, tal europeia, mas, paradoxalmente, estas
Artificial na Europa. Um espaço digital se- máquinas, capazes de processar 10 000
guro, respeitador dos direitos fundamen- e podemos cedê-los biliões de cálculos por segundo, tiveram
tais, aberto, disputável e equitativo, um face a contrapartidas de ser adquiridas fora do bloco. “Existiam
conjunto de valores que está na genéti- económicas” muito poucos fornecedores europeus com
ca deste rol de normas, que não esconde capacidade para apresentarem propostas.
também os objetivos económicos e sugere Maria da Graça Carvalho Percebemos que teríamos de comprar es-
preocupações de segurança geopolítica. Eurodeputada tes supercomputadores fora da Europa”.

5 8 . EXAM E . OUTUBRO 2023


MARIA DA GRAÇA CARVALHO / Eurodeputada
“ESTA TENDÊNCIA DE SE LEGISLAR É ALGO QUE DEVIA
SER REFREADO AO NÍVEL DA UNIÃO EUROPEIA”
Prestes a ultimar a lei europeia da Inteligência Artificial, a eurodeputada garante que o documento não irá
impor barreiras desnecessárias à inovação, mas reconhece que na Europa a burocracia é como a entropia
– “parece que nasce”

Esta Lei dos Dados estabelece a inovação diz respeito…


base para a futura Lei da Inteli- Temos uma boa prestação na
gência Artificial… Ciência, fruto de uma política
Sim, a Inteligência Artificial (IA) consistente nessa área ao longo
vive dos dados. Sem uma base dos últimos 30 anos. Mas o
de dados com grande dimensão resto da sociedade não fez o
e harmonizada é muito difícil ter mesmo trabalho do que o setor
IA. A base são os dados. do Ensino Superior e da Ciência.
Continuamos a ter um ecos-
Temos ouvido autoridades sistema muito pouco amigo da
na matéria a alertar para os inovação, por várias razões, e
perigos da IA… Quais serão as muitas delas têm que ver com
principais preocupações do as mesmas razões pelas quais
regulador? não conseguimos atrair investi-
A Europa tem sido muito cau- mento. Temos um sistema fiscal
telosa – possivelmente, a dado pouco competitivo, um sistema
momento, até demasiado –, e é de Justiça muito demorado e
importante não criarmos barreiras temos muita burocracia. Há
à inovação. Esta lei terá uma base licenciamentos muito comple-
de princípios éticos muito forte. presidente Dellors que existe tento retirar a burocracia desne- xos e, portanto, a economia não
Claro que a IA – como o nuclear ou um grupo de alto nível junto do cessária, mas ela aparece. É algo se desenvolve. É terrível para
a genética –, se for mal utilizada, presidente da Comissão euro- que parece que nasce, como a Portugal. Temos um país muito
pode ter consequências, mas os peia sobre Ética na Ciência e nas entropia. E quando as leis chegam dependente do investimento
benefícios são enormes. A IA já Novas Tecnologias. Algo a que a cada um dos Estados-membros, público e dos fundos europeus,
existe desde os anos 50. Fui aluna o presidente Barroso também as regras multiplicam-se, porque e um setor privado ainda muito
do Técnico e tive um professor deu muita atenção. E é isso que na aplicação da regra criam-se débil, porque lhe faltam estas
que já era uma barra em IA. Fazia é preciso assegurar e deixar outras regras. É assim nos licen- condições de contexto.
sistemas de IA para o tráfego espaço para que se desenvolva ciamentos, nos regulamentos;
aéreo no aeroporto de Lisboa, isto o máximo possível, para o bem há muita burocracia e, grande O diagnóstico está feito, há
nos anos 80. Não é algo novo. O da Humanidade. parte desta, desnecessária. Esta muito tempo…
que aumentou exponencialmente tendência de se legislar é algo Há muito tempo…
foi a capacidade de processa- Corremos o risco de refrear que devia ser refreado ao nível da
mento, a quantidade de dados a a inovação ao introduzirmos UE. Acho que a Europa se devia Já teve experiência governa-
que temos acesso e a capacidade barreiras regulatórias? centrar nas grandes questões e tiva… Porque não se passa do
de armazenamento. Portanto, Os princípios éticos não são deixar as pequenas para a livre diagnóstico para a prática?
tornou-se uma ferramenta muito contrários à inovação. Se bem decisão da sociedade. No AI Act, Precisamos de governos com
potente. Pode ajudar-nos muito aplicados, até podem ser um mo- a ética, no Data Act, os grandes alguma duração; e de governos
na saúde, no nosso dia a dia, nas tor de inovação, porque fornecem princípios, da propriedade e da que tenham a coragem de fazer
empresas. Em todas as áreas, a IA um caminho. A ética é catalisado- partilha de dados. a mudança estrutural que se
vai ser uma grande ajuda. ra. No que a indústria tem razão impõe. As reformas necessárias
não está tanto relacionado com as É uma pessoa profundamente são conhecidas e é urgente
A principal preocupação será, questões éticas mas com a buro- ligada à Ciência e Inovação, fazê-las, porque, caso contrá-
portanto, impor limites éticos? cracia desnecessária, pois, muitas tem um largo currículo nessa rio, temos um Portugal adiado
Sim, tal como acontece na vezes, há esta tendência de se matéria. Afirmou recentemente e as pessoas a emigrarem,
genética, no nuclear e em todas legislar muito ao nível da União que Portugal continua a ter uma principalmente quem tem mais
as áreas da saúde. Desde o Europeia. Sempre que possível, “prestação sofrível”, no que à capacidades.

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 59
Macro

DÉCADA DIGITAL
Maria da Graça Carvalho é eurodeputada, DA EUROPA coisas”, ou a capacidade de ligar objetos,
eleita pelo PSD, e uma das relatoras de quotidianos – como veículos, eletrodo-
grande parte destes documentos. Em con- Objetivos do Plano de Transição mésticos, edifícios ou até roupa e acessó-

90%
versa com a EXAME, afirma que a Euro- Digital europeu até 2030 rios – em rede, capaz de reunir e transmi-
pa perdeu grande parte da sua cultura de tir dados. Já cunhados como petróleo do
produção, “em geral, mas particularmen- século XXI, os dados são a matéria-prima
te no digital, que é dominado pelos blocos desta nova sociedade do conhecimento,
fora da Europa. E, se temos a ambição de alavancada pelo desenvolvimento da In-
ser líderes mundiais na área digital, temos teligência Artificial, e por uma parte da
de ter essa capacidade de construir”. moldura normativa europeia há muito
A Comissão Europeia acabou por in- aguardada.
troduzir neste pacote incentivos à in- Entre as principais novidades, o Data
Empresas
vestigação científica para a produção de Act define a questão da propriedade: “De
Até 2030, três em cada quatro empresas
supercomputadores “dentro de portas” europeias deverão usar serviços início, antes de sair esta legislação, existia
e assume querer reduzir a dependên- de computação em nuvem, de megadados um conflito. Pense na aviação, por exem-
cia digital face aos EUA e à China. Mais e de Inteligência Artificial; mais de 90% plo: os dados [produzidos pelo avião] são
“musculado” é o Chips Act, aprovado em das PME deverão atingir, pelo menos, da Airbus ou são da companhia aérea?”

20
abril deste ano, que prevê o investimen- o nível básico de intensidade digital O princípio adotado tem sido coerente ao
to de €43 000 milhões para fomentar a longo da estratégia digital europeia – os
produção e o desenvolvimento de micro- dados são de quem os produz, ou seja, “de
processadores em território europeu, ale- quem está a utilizar. Portanto, aqui, são
gando os recentes constrangimentos das da companhia aérea”. Com os necessários
cadeias de produção e de fornecimento, limites reclamados pelos grandes produ-
cujos efeitos ainda se fazem sentir. Para tores, nomeadamente de maquinaria, à
isso, “tem de haver matérias-primas, e proteção da propriedade industrial. “Ti-
algumas delas são matérias-primas críti-
cas, e tem de haver know-how”, aponta
a relatora. “Há pouco tempo, encontrei-
MILHÕES nham receio que fosse possível, por enge-
nharia dedutiva, descobrir os desenhos de
fabricação.” Já os dados do seu automóvel
Qualificações
-me com uma pessoa que esteve presente Pelo menos 80% de todos os adultos serão seus, e não do fabricante. O que lhe
no início da estratégia de Taiwan para os deverão possuir competências digitais permitirá, a prazo, poder dirigir-se a qual-
microprocessadores. Não aconteceu por básicas e deverá haver 20 milhões quer mecânico, e não forçosamente di-

20%
acaso eles serem um dos líderes do mer- de especialistas em TIC a trabalhar na UE retamente à marca, e entregar-lhe os da-
cado de microprocessadores. Existiu uma dos do seu veículo. Ou, na área da saúde,
estratégia, que começou pela capacitação a possibilidade de levar consigo todos os
dos seus investigadores”, enviados para as seus dados médicos e de partilhá-los com
melhores universidades norte-america- qualquer profissional da área que enten-
nas, britânicas e europeias, nas respetivas da. Significa isto que, no futuro, será pos-
áreas. Além dos fundos europeus. “Tem sível vender os seus dados? “Ah sim. Não
de existir uma estratégia em toda a cadeia entrámos no pormenor, que depois deve
de valor, para que seja possível a produção Infraestruturas ser gerido por contratos. Mas os seus da-
ser feita cá e sermos líderes de mercado, A Europa deverá produzir 20% dos têm valor, e poderá cedê-los com con-
que é importantíssimo neste momento.” dos semicondutores de ponta e sustentá- trapartidas económicas.”

100%
veis, fabricados ao nível mundial Mas se uma vez definida a propriedade
A PEÇA QUE FALTAVA dos dados está aberto um mercado poten-
No centro de toda esta cadeia de valor es- cial, já uma verdadeira economia dos da-
tão os dados. Estima-se que, só nos últi- dos, capaz de gerar a vantagem competiti-
mos dois anos, tenhamos gerado 90% dos va da inovação e do conhecimento, só será
dados existentes no mundo, a um ritmo possível a partir de dados agregados. A lei
atual de 2,5 triliões de bytes de dados pro- prevê-o: um repositório comum de dados
duzidos por dia – 80% dos quais não es- setoriais, disponível para instituições de
tarão a ser utilizados. Um fluxo gigante Serviços públicos
investigação e algumas instituições públi-
de informação, alimentado por redes so- Até 2030, todos os serviços públicos cas, mediante a área de atuação, como seja
ciais, motores de pesquisa, pela digitaliza- essenciais deverão estar disponíveis a saúde pública ou a prevenção de aciden-
ção de negócios e serviços, mas também, online; todos os cidadãos terão acesso aos tes e catástrofes naturais. Para isso, estão
cada vez mais, pela chamada “internet das respetivos registos médicos eletrónicos agora a ser gerados os regulamentos seto-

60 . EXAM E . OUTUBRO 2023


Macro

riais – o da área da saúde, entretanto, já foi dominantes, não podem ter o mercado fe-
publicado –, numa tentativa de harmoni- chado. (…) Estão a surgir empresas mais pe-
zar procedimentos e a respetiva compati- quenas na área da nuvem, principalmente
bilização dos dados. “Um dos objetivos é francesas e alemãs, mas não só, e temos de
que as regras sejam harmonizadas, para Temos criar as condições para que elas cresçam.”
que haja um repositório único para cada de aprender Livre concorrência ou protecionismo? A
um dos setores. Porque a ideia é termos eurodeputada defende que o caminho é de
uma facilidade de partilha de dados. Não com quem alianças – “temos de aprender com quem
só no País mas também a nível europeu.” já fez. Com já fez. Com protecionismo vamos andar
Central nesta lei é ainda a questão do o protecionismo muito devagar e não sei se chegamos lá”.
alojamento dos dados. Maria da Graça Car- Já quanto às questões de segurança geopo-
valho nota que 85% dos dados europeus vamos andar lítica, reconhece que “alguns colegas têm
estão armazenados em três grandes em- muito devagar, essa preocupação”, mas, pessoalmente,
presas, “todas elas norte-americanas” – e não sei se descarta essa visão. “Vejo os EUA como
Google, Microsoft e Amazon. Ora, a partir um aliado e, num mundo digitalizado, o
de maio de 2025, será mais fácil mudar de chegamos lá” facto de os dados não estarem armazena-
fornecedor. O documento elimina a possi- Maria da Graça Carvalho
dos na Europa, para mim, não constitui um
bilidade de cobrar uma taxa de saída – tal Eurodeputada
problema.” Anui, no entanto, ao facto de
como acontece hoje –, assim como a impo- também as políticas poderem mudar – “e
sição de quaisquer barreiras artificiais aos nessa altura, se as políticas mudarem, te-
princípios da livre concorrência. “Além de remos de atuar”. E

6 2 . EXAM E . OUTUBRO 2023


O Euroticket
agora
é Edenred

Uma só marca, todos os benefícios.


A partir de agora, os benefícios Euroticket passam a chamar-se
Edenred. Todas as soluções para melhorar a proposta de valor para
o colaborador, com a confiança da empresa líder em benefícios
extrassalariais. Vales sociais para alimentação, infância, educação,
saúde e apoio social. Fáceis de gerir, com benefícios fiscais para
empresas e colaboradores e associados a vantagens Enrich connections.
adicionais exclusivas. For good.
Macro

P O L Í T I C A M O N E TÁ R I A

Entre
a inflação
e a recessão,
BCE espera
para ver
A tendência de aumento de preços
não dá sinais convincentes
de ceder, mas os alarmes
soam cada vez mais alto
– e a contestação política
– nas principais economias
do bloco. A esta
quadratura do círculo,
o BCE responde com
juros recorde e possível
travão nas subidas
Texto Marta Marques Silva

O
dilema não é exclusivo que a inflação – ou a recessão – dite o ca- em -0,5%. A taxa de juro das operações
do Banco Central Euro- minho. Sem excluir novas subidas de ju- principais de refinanciamento, que forne-
peu (BCE). Um pouco ros, o BCE afirmou que, “com base na atu- cem liquidez ao sistema bancário, passa
por todo o mundo, os al avaliação, o Conselho do BCE considera para 4,5%, enquanto a taxa de facilida-
bancos centrais deba- que as taxas de juro diretoras atingiram os de permanente de cedência de liquidez,
tem-se com a questão how much is too níveis que – se forem mantidos, durante que oferece crédito overnight aos ban-
much? Para já, a instituição liderada por um período suficientemente longo – da- cos, aumenta para 4,75% – todas acima
Christine Lagarde parece depositar espe- rão um contributo substancial para o re- dos anteriores máximos históricos, em
ranças no tratamento de choque a que torno atempado da inflação ao objetivo”. 2001, quando os responsáveis pela fixa-
submeteu as economias do euro, no úl- Em conferência de Imprensa, Lagar- ção de juros subiram os custos dos em-
timo ano, à medida que os responsáveis de reconheceu a existência de divisões no préstimos para fazer aumentar o valor do
políticos pedem “cautela e caldos de gali- seio do Conselho, embora garanta que a recém-lançado euro.
nha”, sob pena de se estar a matar o “paci- decisão de aumentar os juros em 0,25% A espelhar a existência de opiniões di-
ente” com o excesso de terapêutica. A re- foi suportada por “uma maioria sólida”. vergentes no seio do Conselho, alguns mi-
união de setembro trouxe nova subida de Com esta última subida, a taxa de depó- nistros das Finanças reagiram com críticas.
juros, a décima consecutiva, para o valor sito do BCE, que é paga sobre os depó- “Já é suficiente!”. A exclamação pertence
mais elevado, desde o lançamento da mo- sitos dos bancos comerciais, ascende aos ao ministro das Finanças francês, Bruno
eda única, em 1999, e assim deverá ser até 4% – quando há apenas 15 meses estava Le Maire, numa reação à chegada para a

64 . EXAM E . OUTUBRO 2023


JUROS NUNCA FORAM TÃO ALTOS
Evolução mensal da taxa de depósito do BCE (%)
4
3,5
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
0,5

JAN 1999 SET 2023


Fonte: Banco Central da Alemanha

EURODÓLAR PRESSIONADO
Evolução da cotação mensal do euro-dólar
2

1,5

1
GETTYIMAGES

0,5

01102004 20092023
Fonte: Yahoo Finance

reunião, que contou com os homólogos da -ministra e chefe da economia espanhola,


Zona Euro e Christine Lagarde. O respon- Nadia Calviño, que acolheu a reunião em
sável francês disse acreditar que a Europa Santiago de Compostela, evitou reparos
Está a ser está no “caminho certo para se reduzir a mais diretos, mas expressou o desejo de
sinalizada uma inflação”, mas acrescentou que o atual ní- que o BCE não volte a subir os juros: “Es-
pausa prolongada, vel de 4% é “muito elevado” – observações pero que eles acertem [nas decisões]. (…)
que sugerem uma paciência limitada, face Do ponto de vista nacional, também espero
mas é uma ao aparente apetite de os decisores políti- que parem por aqui, porque a nossa taxa
pausa com baixa cos mais agressivos continuarem a aumen- de inflação já está bastante baixa.” Posições
convicção. (…) tar as taxas, se necessário. Já em Itália, o públicas que parecem não ter eco à porta
líder da Liga e vice-primeiro-ministro, fechada, já que, à saída, Lagarde garantiu
Não existe uma Matteo Salvini, foi mais aberto nas críti- que “não houve contestação”.
declaração de vitória cas, afirmando que “Lagarde está a viver Se, por um lado, o impacto no cresci-
sobre a inflação” em Marte”, enquanto, em Portugal, Medina mento económico preocupa os políticos,
recorda já ter anunciado “que um aumen- por outro, a recente decisão do BCE sugere
Mark Wall to das taxas seria um risco maior para o que, para já, a taxa de inflação continua a
Economista do Deutsche Bank progresso da economia”. A vice-primeira- ser a principal fonte de alarme do regu-

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 65
Macro

12 INFLAÇÃO PERMANECE
LONGE DO OBJETIVO DOS 2%
10
Evolução mensal da taxa de inflação na Zona Euro

8 QTAXA DE INFLAÇÃO NA ZONA EURO


QTAXA DE INFLAÇÃO NA ZONA EURO, EXCLUINDO
BENS ALIMENTARES E ENERGIA
6

2
JAN 2000 AGO 2023
Fonte: Comissão Europeia

lador, em detrimento de uma recessão – CORTES SÓ EM 2024 do de um novo aumento parece ser alto.
risco, aliás, refletido naquilo que apelidou Para a maioria dos 70 economistas con- Um em cada cinco especialistas conside-
de uma “revisão significativa em baixa” sultados pela Reuters, esta terá sido a úl- ra, no entanto, a probabilidade de haver
das previsões de crescimento até 2025. tima subida das taxas de juro por parte do uma subida adicional ainda neste ano, se
As estimativas dos especialistas do BCE BCE, que as deixará inalteradas até, pelo o crescimento dos salários e o nível de in-
apontam para um crescimento de 0,7%, menos, julho de 2024. “Poderá demorar flação não derem sinais de abrandamento
neste ano, o que fica abaixo dos 0,9% das algum tempo até que o BCE a descreva até dezembro.
previsões de junho. Já em 2024 e 2025, como tal, mas 4% será provavelmente a A nova vaga na subida dos preços da
a economia europeia deverá crescer 1% e taxa terminal”, comentava Mark Wall, energia pode baralhar as contas do BCE,
1,5%, respetivamente, aquém das anteri- economista-chefe do Deutsche Bank, em que, num cenário alternativo, vê a inflação
ores estimativas de 1,5% e 1,6%. declarações à agência, alegando que o far- escalar mais 0,7 e 0,5 pontos percentuais,
Isto num momento em que crescem em 2024 e 2025, respetivamente, por conta
os sinais de apreensão nas principais eco- da fatura energética. Note-se que o preço
nomias do euro, com Alemanha, França, do barril de crude bateu, em setembro, a
Espanha e Itália a registarem uma con- barreira dos $95, máximos de 10 meses,
tração da atividade no setor dos serviços, em resposta à decisão russa e saudita de es-
em agosto, apesar do forte contributo do tenderem os cortes voluntários na produ-
Turismo nas economias mais a sul. Já na ção até ao final do ano. Citado pelo Politico,
Alemanha – que deverá ser o único país Mark Wall, economista do Deutsche Bank,
da moeda única a contrair em 2023 –, a referia que “está a ser sinalizada uma pausa
produção industrial, fortemente expos- prolongada, mas é uma pausa com baixa
ta às exportações, tem sido severamen- convicção. (…) Não existe uma declaração
te atingida com a redução da procura de vitória sobre a inflação”.
global, nomeadamente por parte No cenário central, os econo-
da China. Não obstante os alar- mistas do BCE reveem ligeira-
mes, Lagarde considera que o mente em baixa a trajetória
bloco está a atravessar um longo da subida de preços, exclu-
período de “crescimento muito indo os produtos energéti-
lento”, e não uma recessão, e cos e alimentares, para uma
diz estar “confiante” de que o média de 5,1% em 2023, 2,9%
crescimento irá acelerar, no em 2024 e 2,2% em 2025. Já a
próximo ano. taxa de inflação global é re-

66 . EXAM E . OUTUBRO 2023


Macro

GETTYIMAGES
vista em alta, para 2023 e 2024, e em bai- por Christine Lagarde, que voltou a apelar pesam as perspetivas de um crescimento
xa relativamente a 2025, para 5,6%, 3,2% à supressão destas, sob pena de intensifi- económico frágil, pressionado pelo au-
e 2,1%, respetivamente. carem as pressões inflacionistas a médio mento dos custos dos combustíveis e pela
Se o consenso do mercado não anteci- prazo, o que “exigiria uma resposta ainda elevada exposição à desaceleração da pro-
pa grandes probabilidades de ocorrer um mais forte da política monetária”. cura chinesa. Já após a última decisão do
novo aumento de juros ainda neste ano, BCE, a Reserva Federal norte-americana
também não prevê um primeiro corte das TEMPOS DIFÍCEIS decidiu deixar inalterada a taxa de juro no
taxas antes do segundo semestre de 2024. Há um ténue equilíbrio de forças, em que intervalo de 5,25% a 5,5% e reviu em alta
“Um corte antecipado implicaria o resva- pesam também as perspetivas do merca- as perspetivas de crescimento para 2023 e
lar para uma recessão significativa, e esse do. Em reação ao último aumento de ju- 2024. Jerome Powell sinalizou ainda a pos-
não é o nosso cenário-base”, notava o res- ros, o euro caiu para $1,064, o valor mais sibilidade de mais um aumento das taxas
ponsável pela análise macroeconómica do baixo registado desde março. A fraqueza de juro, até dezembro, e respetiva manu-
Intesa Sanpaolo, Luca Mezzomo, em decla- do euro torna as importações do bloco em tenção no valor mais elevado em 22 anos
rações à Reuters. Para isso têm contribuí- moeda estrangeira mais caras, ampliando por um período mais alargado. A taxa de
do as políticas orçamentais de apoio social, os efeitos da inflação. “Isto é o mercado a inflação é mais baixa nos EUA, 3,7% em
que têm procurado amortecer o fardo da dizer ao BCE que está a apertar demasiado agosto, quando comparada com a Europa,
inflação e das elevadas taxas de juro. Uma e que estas subidas são contraproducen- embora tenha acelerado pelo segundo mês
semana após a última subida de juros, Fer- tes”, comentava nas redes sociais Robin consecutivo – 3,2% em julho.
nando Medina apresentava ao País o mais Brooks, economista no Instituto de Finan- Com as forças G no máximo, a política
recente pacote de ajuda, desta vez dirigido ças Internacionais, uma associação global monetária das principais economias entrou
aos mutuários de crédito à habitação e que da indústria financeira. numa nova fase. Após o sprint inicial – com
inclui, entre outras medidas, um indexante Enquanto atualmente o dólar oferece um ano de subidas consecutivas das taxas
no valor de 70% da taxa Euribor. As me- uma combinação única de fundamentos de juro –, é agora tempo de testar a força
didas de apoio orçamental têm merecido económicos sólidos, taxas de juro elevadas e a resiliência dos blocos. Nas palavras de
reparos por parte da instituição liderada e qualidades de ativo-refúgio, sobre o euro Lagarde: “Os tempos difíceis são agora”. E

6 8 . EXAM E . OUTUBRO 2023


DOSS I Ê PRO M OCI O N A L ES PECI A L A DVOGA DOS | A B E RTU RA

TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
CHEGOU À ADVOCACIA
O cenário jurídico está a mudar, fruto da evolução da sociedade e da automação digital a que nenhum sector de atividade
consegue escapar. Os desafios são imensos, desde a atração de talento à inteligência artificial generativa, mas os escritórios
de advocacia estão a mostrar a sua capacidade de reinvenção.

inanças, mercado vironmental, Social and Go- dado provas da sua capaci- o onboarding de candidatos

F de capitais, cor-
porações, tran-
sações, litígios,
vernance). Ano após ano, os
desafios escalaram no univer-
so da advocacia, já que, além
dade de inovação também no
domínio tecnológico. E aqui
tem contado com a parceria
estrangeiros a empregos em
Portugal e que alia de forma
inovadora as áreas da advoca-
família, crime, proprieda- dos aspetos legais que têm de das chamadas legaltech, ge- cia e da tecnologia. Ou ainda
de intelectual e tecnologia, dominar, juntaram-se ago- ralmente startups (pequenas o exemplo da Contractuall,
sector público, real estate, ra “novos mundos”, que têm empresas) que usam tecno- uma plataforma que desbu-
eis algumas das muitas áreas necessariamente de acom- logia e software para apoiar rocratiza a realização de con-
de expertise das sociedades panhar, sob pena de ficarem o sector jurídico. As áreas de tratos, ou da LegalVision, uma
de advogados nos dias de para trás na oferta que dispo- intervenção são inúmeras, e solução all-in-one que per-
hoje. Áreas mais ou menos nibilizam ao mercado, às em- vão desde a desburocratização mite ganhos de produtivida-
tradicionais, a que se junta- presas e aos cidadãos. de processos até à contrata- de com a automatização dos
ram nos últimos anos, fruto ção de profissionais. Veja-se processos jurídicos (de forma
da modernidade, outros do- LEGALTECH CONQUISTA o exemplo, entre muitos ou- adaptada a cada gabinete de
mínios, como a ciberseguran- ESPAÇO tros que já existem no merca- advocacia). A plataforma cria
ça, inteligência artificial, ma- Tradicionalmente conotada do português, da Move, uma formulários personalizados
chine learning, e-commerce, como uma área conservadora, legaltech nacional que lançou que automatizam o processo,
proteção de dados ou ainda a atividade de advocacia, e o uma plataforma que facilita a desde a recolha à validação e
políticas como as ESG (En- sector jurídico em geral, tem seleção, contratação, gestão e à garantia de informação ne-

70 . EXAM E . OUTUBRO 2023


cessária em cada processo ju- te, é a tecnologia que está a em plataformas virtuais. sas a reformularem as suas
rídico. impulsionar essas mudan- próprias estratégias de ne-
Em Portugal existe, inclusiva- ças. Um relatório internacio- CENÁRIO INTERNACIONAL gócio, adaptando-se às con-
mente, a Aliança Portuguesa nal recente diz que 76% dos Globalmente, o sector jurídi- dicionantes de mercado e aos
de Legaltech (www.legaltech. profissionais jurídicos citam co também tem sido impac- temas que estão na ordem do
pt/), uma entidade que apoia, a tecnologia como um dos tado pelas crises mundiais, dia, entre os quais segurança
por exemplo, advogados e de- principais impulsionado- económicas ou não, como cibernética, legislação labo-
partamentos jurídicos na sua res da mudança. E a auto- aconteceu no auge do perío- ral e falências. Aliás, o ABA
transformação digital. mação é uma das emergen- do covid. A título de exem- Journal relata que os head-
No plano internacional, con- tes formas através das quais plo, o Peer Monitor Econo- hunters da área têm procu-
cretamente em Barcelona, os profissionais estão a usar mic Index Report (PMI), da rado particularmente ad-
nasceu também o Global Le- a tecnologia para se torna- Thomson Reuters (um índice vogados especializados em
galTech Hub (GLTH), um hub rem mais eficientes. Espe- de desempenho do mercado falências, com as pesquisas
internacional que tem como ra-se que num futuro próxi- de escritórios de advocacia de advogados corporativos
missão acelerar a transforma- mo documentos, pesquisas, que utiliza dados em tempo a aumentar 81% em 10 anos.
ção digital no campo jurídico. análises, transcrições tornem real extraídos dos principais Internacionalmente, outra
Entre os seus associados estão os processos automatizados. escritórios de advocacia dos das constatações no sector é
o Banco Sabadell, a KPMG, a Uma pesquisa da ABA (Ame- Estados Unidos e dos prin- que o trabalho pro bono con-
Cuatrecasas e Uría e a Uni- rican Bar Association) mos- cipais mercados internacio- tinua a crescer, como refere
versidade de Barcelona, as- trou que 10% dos advogados nais), constatou que em um relatório de 2022 do Pro-
sim como outras instituições. confirmaram que os seus es- 2020, em plena pandemia de Bono Institute. O número de
A realidade é que a “parceria” critórios já usam ferramentas covid-19, a procura por ser- empresas com parceiros pro
entre tecnologia e jurídico ca- de inteligência artificial (IA). viços jurídicos caiu quase 6% bono atingiu o nível mais alto
minha para uma aproximação E também 36% dos advoga- em relação ao ano anterior. de todos os tempos e os re-
cada vez maior. Aliás, um re- dos afirmaram que as ferra- O relatório mostrou que as sultados do estudo mostra-
latório da The Valley, datado mentas de IA serão dominan- áreas de prática com pior ram que o advogado médio
de abril deste ano, conclui que tes nos próximos cinco anos. desempenho foram o imo- gasta por ano o que seriam
a tecnologia jurídica é uma Mas a crescente dependência biliário, com uma queda de 60 horas faturáveis em traba-
das tendências para este ano. da tecnologia também acar- 12,2%, trabalho tributário, lho pro bono. De acordo com
Os custos mais reduzidos, a reta riscos acrescidos, como com menos 9,1%, conten- este organismo, o número
maior flexibilidade para ad- destaca a referida associa- cioso, menos 7,5%, e traba- total de horas pro bono tem
vogados e clientes e o melhor ção ao revelar que 26% das lho corporativo, com menos registado um aumento cons-
controlo das operações pare- empresas participantes num 5,5%. Cenário que levou os tante desde 2015: 4,2 milhões
cem ser pontos a favor. Relatório Técnico Legal de escritórios de advocacia das de horas em 2015 para 5,4
2019 sofreram uma viola- pequenas às grandes empre- milhões em 2020.
TENDÊNCIAS JURÍDICAS ção de segurança cibernéti-
A SEGUIR ca. Aliás, têm sido vários os
À semelhança de outros sec- escritórios de advocacia alvo
tores profissionais, também de ataques de ransomware,
no plano jurídico emergem em alguns casos com as in-
algumas tendências impor- formações dos clientes ex-
tantes a acompanhar de 2023 postas online. Por tudo isto,
a 2025. As sociedades de ad- constata-se que as violações
vogados colocaram de lado a de dados são um risco poten-
abordagem tradicionalmente cial associado a esta mudan-
cautelosa em relação às mu- ça tecnológica a que o sector
danças, em parte porque são deve estar atento. A par das
cada vez mais as alterações alterações que tem provoca-
ao statu quo vigente. Os es- do na forma como os advoga-
pecialistas apontam várias dos trabalham, a tecnologia
tendências para os próximos também está a mudar a for-
anos, com a certeza de que o ma como o próprio público
espaço jurídico está a mudar interage com o sistema jurí-
rapidamente e que, em par- dico, cada vez mais assente

OUTUBRO 202233 . EXAM E . 71


OUTUBRO 20
DOSS I Ê PRO M OCI O N A L ES PEC I A L A DVOGA DOS | CASO D E S U CESSO

SUPORTE JURÍDICO AOS NEGÓCIOS


LUSOBRASILEIROS

R
econhecida por
prémios brasilei-
ros e internacio-
nais, Brasil Salo-
mão traça oportunidades de
negócios, desenvolve atendi-
mento multidisciplinar e apri-
mora soluções jurídicas aos
seus clientes – estabelecendo
uma ponte segura entre o Bra-
sil e o mercado europeu a par-
tir de Portugal.
Com 54 anos de história e 10 Marcelo Salomão Fernando Senise Gabriel Prata
unidades no Brasil, o escri-
tório Brasil Salomão atua há
cinco anos em Portugal, após cado português e europeu. tribuíram para a abertura das Direito da Universidade de
a instalação das suas unidades Para Gabriel Prata, advogado unidades, como a estabilidade Lisboa (FDUL). E acrescenta
no país – em Lisboa e no Porto. e sócio responsável pela uni- política e económica, o facto que “é crescente a quantida-
A rota para o mercado euro- dade Brasil Salomão em São de Portugal ser membro da de de investidores brasileiros
peu seguiu as diretrizes de um Paulo [e mestre em Tributa- Comunidade Europeia, a re- em Portugal e a fazer negó-
plano estratégico de expansão ção Internacional pela Queen cetividade aos brasileiros e os cios entre os dois países. É
internacional. Atualmente, as Mary (Universidade de Lon- incentivos fiscais e financeiros uma tendência irreversível”,
unidades portuguesas atuam dres) e em Direito Tributário para pessoas singulares e cole- destaca. Por sua vez, Marcelo
nas áreas de direito societário, pela PUC/SP], “o escritório tivas, entre outros. Salomão, sócio presidente da
imobiliário, contratual, fiscal, propicia uma visão conjuga- Fernando Senise, sócio gestor Brasil Salomão, mestre em Di-
laboral, imigração e prestam da das jurisdições portuguesa dos escritórios Brasil Salomão reito Tributário pela PUC-SP
orientação jurídica abrangen- e brasileira e com isso conse- em Portugal, esclarece que e presidente do Lide Portugal,
te, visando oferecer atendi- gue assessorar os seus clientes os serviços prestados dão su- refere que a intenção é ofere-
mento personalizado para as brasileiros nas suas necessida- porte integral aos investido- cer para investidores interna-
mais variadas procuras jurí- des em Portugal e em toda a res brasileiros em Portugal, cionais todo o know-how de
dicas, com soluções específi- Europa, sem perder de vista além de assessorar empresá- experiências no mercado bra-
cas para cada tipo de negócio. eventuais reflexos jurídicos rios portugueses que procu- sileiro e, para os brasileiros, a
Tem uma equipa formada de no Brasil”. Essa atuação mul- ram fazer negócios no Bra- segurança de uma assessoria
mais de 200 advogados nos tinacional foi projetada para- sil. “Aproveitamos a presença presencial, lado a lado, tam-
dois países. Trata-se de um lelamente aos efeitos da glo- do escritório Brasil Salomão bém na Europa. “Vemos as
escritório full service e que, balização e à intensa relação em todo o território nacional nossas unidades em Portugal
como exemplo da sua atuação entre Brasil e Portugal, após brasileiro para garantir tam- como uma porta para empre-
reconhecida no Brasil, presta mapeamento de uma rede de bém aos investidores portu- sários nos dois mercados, que
suporte a investidores e a em- negócios para empresários gueses e europeus segurança são expoentes no cenário in-
presários portugueses e euro- brasileiros. Com essa visão, o jurídica, plena perceção da ternacional.” O jurista, que
peus de forma geral, que já te- escritório Brasil Salomão deci- legislação local e compatibi- também é advogado no Bra-
nham ou pretendam levar os diu instalar-se definitivamente lização cultural entre os dois sil e em Portugal, destaca ain-
seus negócios para o mercado em Portugal. A localização es- países”, explica Senise, que é da que o crescimento da base
brasileiro, bem como a em- tratégica do país foi um ponto advogado no Brasil e em Por- portuguesa é um dos princi-
preendedores brasileiros que inicial atrativo, mas uma série tugal, com licenciatura reco- pais pilares do planeamento
veem o real potencial do mer- de condições e sinergias con- nhecida pela Faculdade de estratégico do escritório.

7 2 . EXAM E . OUTUBRO 2023


DOSS I Ê PRO M OCI O N A L ES PEC I A L A DVOGA DOS | O PI N I ÃO

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
JURÍDICA PORTUGUESA JAI

urgente a imple- lei não pode ser brasileira.

É mentação de uma
inteligência arti-
ficial articulada,
Nos EUA e países da Europa
(Espanha, incluída), a JAI já
está à frente em aprendiza-
exclusiva do mundo jurídi- gem computacional jurídica,
co português (JAI). Portu- com ROSS, LawGeex, Kira,
gal é conhecido pela redun- Neota Logic, Henchman, etc.
dância legislativa. Um tema é Precisamos de articular, no
tratado em leis de diferentes nosso território jurídico, toda
áreas. Exemplo: o branquea- a informação e de dar forma-
mento de capitais aparece em ção aos colaboradores dos ju-
direito fiscal, criminal, civil ristas e a estes, para saberem
e bancário. Outro exemplo, como se colocam as questões
quando notificado, a quem à AI. Formar engenheiros de
dirigir-me, legislação, sen- prompt. Mas é uma batalha
tenças sobre o tema. Com a na qual a nossa Ordem talvez
prolificação legislativa apa- nos possa ajudar.
receram nas grandes cidades A JAI que a TMA&CC procura
profissionais do direito que precisa de personalizar res-
se dedicam a áreas definidas. postas, criar avatares jurídi-
Não é raro, em julgamentos e cos dos membros da nossa
em negociações de contratos, equipa; nós, humanos, cor-
comparecerem equipas mul- rigimos e melhoramos o tra-
tidisciplinares. A JAI facilita- balho final. O futuro é este.
ria a articulação. Túlio Machado Araújo, da TMA&CC – Sociedade de Advogados RL Sem termos JAI perpetua-se
Na TMA&CC, no diálogo com a desarticulação legislativa
a JAI, estamos na fase da e de jurisprudência e a fal-
aprendizagem de engenha- de formulários, sentenças e Obtida a informação, cada ta de produtividade. Além
ria de prompt (formulador de leis: https://www.pgdlisboa. um de nós tem uma perso- da qualidade, precisamos de
questões à JAI), para simpli- pt/leis/lei_main.php, https:// nalidade própria, que nos di- rapidez. Daqui a necessida-
ficar a intervenção humana diariodarepublica.pt/dr/ ferencia. Dentro dela temos a de de criar a pessoa digital,
no final. Por outro lado, au- home e http://www.dgsi.pt/. nossa zona de conforto. Diz- a somar à pessoa singular (a
mentou a exigência na velo- Mas nós não carecemos de -se: onde há dois advogados, pessoa humana) e à pessoa
cidade de respostas jurídicas motores de busca. há quatro pareceres diferen- coletiva (empresas e institui-
fundamentadas e específicas. Precisamos de uma JAI que tes. Mas gostar de ler o gran- ções). É necessária uma pes-
Já não conseguimos respon- auxilie os profissionais a de tribuno romano Túlio Cí- soa digital responsável pelos
der com a urgência que nos articular toda a informação, cero não é querer plagiá-lo. seus atos. A sua aprendiza-
exigem. Memória humana e externa e interna, dos nos- Na TMA&CC começamos gem computacional decor-
velocidade a ler e escrever são sos escritórios, trabalhos an- pelo ChatGPT (já desatualiza- re de si e do seu engenheiro
limitadas. A novidade legisla- tigos, memórias passadas e do, dados de setembro 2021) de prompt, e não do criador
tiva é diária. Ao “pedirmos” a situação presente, perso- para o esqueleto base de um da JAI.
à JAI para minutar um texto, nalizar ao utilizador, anteci- contrato, um parecer, uma Finalmente, haverá que ar-
vemo-lo a ser escrito em se- par, ajudar a corrigir textos e petição. Já ultrapassámos a ticular as leis da robótica e
gundos, à nossa frente. documentação de suporte e fase em que a AI respondia as necessidades jurídicas de
Para testar a quantidade de automatizar procedimentos “deve consultar um jurista”; defesa de atos ilícitos. JAI es-
informação, acede-se a sites internos. criamos abas de prompt e a tamos atrasados.

74 . EXAM E . OUTUBRO 2023


CANDIDATURAS ABERTAS

2023’24

PORTUCALENSE
BUSINESS SCHOOL
Inspiring Your Career.
Pós-Graduações Formações Aplicadas Curso de Preparação Avançada

Direito Bancário e Os Direitos das Crianças Admissão ao CEJ –


Direito dos Valores e as Responsabilidades Ingresso nos Tribunais
Mobiliários Parentais Administrativos e Fiscais
5 meses | híbrido | pós-laboral 1 mês | online | pós-laboral 2 meses | online | diurno

Transportes de Registos e Notariado


Mercadorias
[parceria com APAT]
42 horas | online | pós-laboral upt.pt
ingresso@upt.pt
7 meses | online | pós-laboral (+351) 225 572 222/3
Direito do Trabalho
[parceria com NCN&PMF
Sociedade de Advogados]

16 horas | online | pós-laboral


DOSS I Ê PRO M OCI O N A L ES PEC I A L A DVOGA DOS | O PI N I ÃO

O DIREITO ADMINISTRATIVO
E A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
m dos âmbitos do capaz de “pensar” como um

U direito adminis-
trativo consiste
na regulação das
ser humano, consegue, nas
decisões administrativas que
venha a tomar, assegurar os
relações entre a Administra- princípios basilares da rela-
ção Pública e os particulares ção entre uma Administra-
(sejam pessoas singulares ou ção Pública democrática e os
pessoas coletivas). Desde o particulares que com a mes-
aparecimento do direito ad- ma interagem, como sejam
ministrativo, após a Revolu- os princípios da igualdade,
ção Francesa, que o mesmo da não discriminação, da im-
se tem vindo a adaptar à evo- parcialidade, da proporcio-
lução própria de cada tempo nalidade e da transparência
histórico. Neste nosso tempo (seguramente que será tare-
temos uma realidade incon- fa desafiante a criação de al-
tornável com a qual o direito goritmos que, a todo o mo-
administrativo vai ter de vi- mento, salvaguardem estes
ver e conviver: a inteligência princípios). Outra dimensão
artificial (IA). E se há ramo interessante prende-se com
do direito no qual o algorit- o controlo (administrativo e
mo convida a uma reflexão judicial) das decisões toma-
séria o direito administrati- das pela IA, que se podem
José Luis Esquível, advogado
vo é seguramente um deles. reportar à questão de saber
Basta pensarmos que as de- como se desenha o modelo
cisões da Administração Pú- de impugnação e de recurso
blica no futuro (e em alguns gula que modelo de IA deve de que, neste caso, não existe das decisões administrativas
casos já no presente) são to- a Administração Pública uti- uma relação formal de hie- tomadas pela IA. Recorde-se
madas pela IA. Esta realidade lizar. Na medida em que a IA rarquia, de competência de- que a justiça administrativa
coloca questões relevantes e possa participar ou mesmo legada que permita o con- ao longo da história já conhe-
de resposta não necessaria- criar decisões administrati- trolo ou a supervisão efetiva ceu vários modelos, e uma
mente fácil ou imediata. É vas, uma base legal inexis- da prática de tal ato. Outra justiça administrativa para a
certo que o impacto da IA tente ou deficiente tem, no particularidade da IA reside IA ou até moldada pela pró-
no direito administrativo plano do direito administra- no facto de a Administração pria IA, a que poderíamos
depende, naturalmente, do tivo, uma consequência ime- Pública (na quase totalidade chamar “justiça do algoritmo
sistema de IA utilizado, uma diata e fatal: a ilegalidade da dos casos) ter acesso à mes- ou da engenharia informáti-
vez que existem sistemas decisão administrativa to- ma através de parceiros pri- ca”, deixa pelo menos a dúvi-
de IA de raciocínio simpli- mada pela IA. Outro ângulo vados, que concebem, forne- da de saber se o ser humano
ficado, mas existem outros de análise prende-se com a cem e mantêm soluções de não deve já ponderar, no que
mais complexos, com ca- posição da IA no quadro da IA, o que gera aquilo a que ao direito administrativo diz
pacidade de aprendizagem organização da Administra- poderemos chamar de “ati- respeito, uma “reserva admi-
e de elaboração de soluções ção Pública. Não sendo a IA vidade administrativa fora da nistrativa humana” dentro da
não predefinidas. Regendo- um funcionário da Adminis- Administração Pública”, com qual a IA não pode entrar.
-se a Administração Pública tração Pública, sempre que a todos os riscos que tal pode Admirável e estimulante o
pelo princípio da legalidade, mesma produza uma decisão comportar, por melhores, tempo em que vivemos.
cabe saber como se articula a administrativa a situação as- mais seguros e mais redun-
IA com este princípio, desde semelha-se àquilo que algu- dantes que sejam as soluções
logo porque à data de hoje a ma doutrina chama de “de- que alojam a IA. Um quarto
legislação não prevê nem re- legação de facto”, com a nota desafio está em saber se a IA,

76 . EXAM E . OUTUBRO 2023


DOSS I Ê PRO M OCI O N A L ES PEC I A L A DVOGA DOS | O PI N I ÃO

RSA PREPARADA PARA O FUTURO


om a crescente sensibilidade. avançados, que permitem, nientes de entidades externas

C evolução tecno-
lógica, a socieda-
de exige cada vez
Porém, há que reconhecer
os benefícios efetivos na uti-
lização destas ferramentas.
por exemplo, a pesquisa de
doutrina e jurisprudência,
a elaboração e revisão de
intervenientes nos processos
e aplica recursos de automa-
ção que proporcionam gan-
mais soluções simplificadas Recursos anteriormente alo- instrumentos contratuais, a hos significativos em produ-
e rápidas. No sector jurídi- cados à realização de tarefas análise documental em pro- tividade e controlo, de forma
co, em especial, também se simples e segura. Permite, por
torna premente acompanhar exemplo, que as notificações
esta evolução, sobretudo re- constantes do Citius e do Sitaf
lativamente a processos e sejam automaticamente dis-
procedimentos, e acompa- tribuídas.
nhar o mercado na sua ve- Está em soft opening na RSA
locidade, sob pena de perda um programa de gestão de co-
de competitividade e de agi- nhecimento que permitirá o
lidade. acesso a vários documentos.
Paradoxalmente, com o cres- Através deste programa se-
cimento dos meios tecno- rão ainda fornecidas minutas
lógicos surgem ameaças a preenchidas automaticamen-
valores vitais, como é o da te com os dados do cliente em
confidencialidade. A ado- questão. Já no seguimento da
ção de medidas de cariz tec- Lei n.º 93/2021, de 20 de de-
nológico, em concreto nas zembro, foi implementado na
sociedades de advogados, RSA o chamado Whistlebot,
implica, obrigatoriamente, que facilita o acesso a canais
à implementação de fortes de denúncia. Além disto, a
medidas de segurança, que RSA participa e apoia diversas
garantam a proteção dos da- conferências que fomentam o
dos de clientes e informação debate relativo às novas tec-
dos processos. nologias e IA, procurando es-
Rita Montalvão,
Inerente a esta evolução tar sempre na vanguarda den-
managing partner da RSA – Raposo Subtil e Associados
tecnológica, a inteligência tro do seu sector profissional
artificial (IA) tem, paula- quanto a estas matérias. A
tinamente, ocupado maior IA deve ser vista como uma
terreno em muitas áreas. repetitivas são hoje alocados cessos de due D«diligence, oportunidade, pela mudança
Existe, no entanto, alguma a outras de maior comple- a análise da viabilidade de que provocará no mercado,
desconfiança dirigida à IA, xidade intelectual ou com sucesso pela via contenciosa abrindo portas a sociedades
nomeadamente no sector maior foco na relação com o e até mesmo chatbots. com menor peso em recur-
jurídico. A regulação destas cliente e nas suas necessida- Na RSA são já muitas as ini- sos humanos.
tecnologias, nomeadamen- des. ciativas tecnológicas e de A RSA mantém, no entan-
te da IA, deve ser tida como A “eficiência de processos” automação adotadas que fa- to, a consciência de que um
prioritária, de modo que a é o maior dos benefícios da cilitam o trabalho dos seus excelente advogado vai mais
sua utilização seja feita de evolução tecnológica reco- profissionais, aumentando além de um texto gerado por
forma responsável, ética e nhecido e alcançado nos úl- a sua eficácia e eficiência. um algoritmo preditivo avan-
segura. A prudência e as re- timos anos. O programa de software ju- çado, continuando a destacar
gras de ética e deontológicas No sector jurídico a IA tem, rídico utilizado diariamen- as capacidades humanas de
impedem que estes instru- cautelosamente, criado raí- te na RSA por todos os seus empatia, confiança, equilí-
mentos sejam utilizados com zes, existindo já escritórios colaboradores, cada vez mais brio e justeza dos seus pro-
a mesma abertura, por com- de advocacia em Portugal sofisticado, possibilita a inte- fissionais, que serão sempre
paração com áreas de menor com sistemas de automação gração de informações prove- insubstituíveis.

78 . EXAM E . OUTUBRO 2023


D O S S I Ê P R O M O C I O N A L E S P E C I A L A D V O G A D O S | O P I N I Ã O / PA I N E L D E N O T Í C I A S

INOVAÇÕES PLATAFORMA ONLINE PERMITE


CELEBRAR CONTRATOS
TECNOLÓGICAS A inovação tecnológica no sector jurídico chegou ao domínio dos

NAS RELAÇÕES contratos com um novo projeto centrado numa plataforma online
que permite celebrar qualquer tipo de contrato criado por advogados.

COM EMPRESAS Designa-se Contractuall e permite, de forma prática e rápida, celebrar


contratos, desde contratos de arrendamento a contratos de trabalho,
comodato, compra ou venda de veículos, entre outros, através de

A
inovação tecnológica é um aspeto fundamental da minutas personalizáveis e com assinatura digital.
estratégia de uma organização virada para o futuro e O utilizador tem apenas de selecionar o contrato do seu interesse
a relação advogado-empresa passa, necessariamente, no site da empresa e ativar as cláusulas que se enquadram no seu
pelo crescente recurso a tecnologia. A prestação de
caso específico para personalizar as áreas que pretende, garantindo
serviços jurídicos com recurso a tecnologia proporciona, entre
a adequação do contrato às necessidades das partes envolvidas.
outros aspetos, ganhos de
A plataforma oferece a flexibilidade de escolher entre a assinatura
eficiência, elevados padrões
de qualidade, otimização de digital ou impressa, de acordo com as preferências do utilizador. As
processos e de custos, com cláusulas disponíveis são inúmeras, tal como as variantes do mesmo
claros benefícios para os clientes contrato, o que possibilita criar contratos exclusivos para cada caso.
e libertação dos advogados para De acordo com os responsáveis da plataforma, as minutas são
tarefas de maior complexidade desenvolvidas por advogados, garantindo a legalidade do documento.
e valor acrescentado. Esta é já Porém, a celebração de um contrato na Contractuall não dispensa a
uma realidade e uma aposta Mónica Moreira, managing consulta de um advogado, particularmente nos casos mais complexos.
clara para a CTSU, em linha partner da CTSU, a Deloitte A criação da empresa foi motivada pela necessidade de celebrar
com a rede internacional legal practice
em que nos inserimos. Neste contratos, a maioria deles com cláusulas complexas, com que as
sentido, dispomos de um conjunto de ferramentas tecnológicas, pessoas se deparam ao longo da vida, bem como reduzir a morosidade
nomeadamente de gestão do conhecimento (KM), de análise e os custos envolvidos nestes processos. A Contractuall procurou
documental para due diligence (o Kira – software patenteado que desenvolver uma solução que ajudasse a resolver estes problemas.
identifica, extrai e analisa conteúdos em contratos e documentos O facto de permitir ativar várias cláusulas torna a experiência
com grande eficiência), de automatização de contratos e personalizável e mais transparente, já que ficam definidas as
documentos com base em modelos, entre outras, que proporcionam obrigações e os direitos de cada parte envolvida no contrato. Por
os referidos ganhos. Dispomos igualmente de soluções inovadoras
exemplo, ao emprestar um imóvel a um amigo, existem inúmeras
que envolvem o uso de tecnologia de forma interativa com os nossos
combinações possíveis de cláusulas, permitindo a criação de um
clientes e que lhes permitem, por exemplo, ter acesso direto às
principais informações e ao estado atual de diferentes processos, tais contrato quase único para cada situação. Em contratos como o de
como processos judiciais, contratos e a documentação societária, arrendamento, a plataforma pode ainda submeter fotos da habitação
bem como soluções de apoio aos departamentos jurídicos e como anexo. No documento fica claro o que cada um tem de fazer e as
de compliance internos das empresas. Em complemento às suas penalizações em caso de incumprimento.
inovações e soluções tecnológicas já mencionadas, a inteligência
artificial generativa será, naturalmente, um dos maiores desafios
e oportunidades no futuro da prestação de serviços jurídicos. É
fundamental o acompanhamento da evolução desta tecnologia, que
será seguramente um acelerador das transformações já em curso na
relação entre os advogados e as empresas e na definição do perfil
de competências do advogado do futuro, afetando cadeias de valor,
custos, gestão de riscos e ofertas de serviços. O facto de, na CTSU,
nos inserirmos numa rede internacional com presença global e com
uma aposta clara em inovação e tecnologia permite-nos ter uma
equipa focada na identificação de soluções, no investimento em
novas ferramentas e ofertas de serviços suportadas em tecnologia
e no acompanhamento próximo dos todos os temas relacionados
com os desafios e oportunidades da inteligência artificial generativa.
D O S S I Ê P R O M O C I O N A L E S P E C I A L A D V O G A D O S | PA I N E L D E N O T Í C I A S

ABREU CATÓLICA NEXT, DIREITO COM FUNDAÇÃO PLMJ


REFORÇA FORMAÇÃO AVANÇADA É MECENAS DO
EQUIPA DE No atual cenário, em que as inovações e as alterações legislativas ocorrem
NOVO CAM DA
ASSOCIADOS a um ritmo vertiginoso e a evolução económica e social desafia continua- GULBENKIAN
mente o Direito, a formação avançada (seja através de pós-graduações,
cursos, seminários ou conferências) constitui uma etapa cada vez mais
relevante no percurso de um jurista. Esta é a visão de Miguel Correia, pro-
fessor auxiliar da Faculdade de Direito da Católica e coordenador do Ensino
Pós-Graduado (Católica Next). A Católica Next é a formação avançada
da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da UCP, na qual são disponi-
bilizados diversos programas que respondem às exigências do mercado
em matérias fundamentais do conhecimento jurídico, quer em domínios
mais especializados, quer em diversas áreas complementares. A pensar A PLMJ, sociedade de
advogados, e a Fundação PLMJ
A Abreu Advogados anunciou a nas necessidades de adaptação dos profissionais de Direito aos atuais
são os novos mecenas do novo
promoção de sete advogados requisitos do mercado, entre os quais especialização, internacionalização
Centro de Arte Moderna (CAM)
estagiários a associados, depois e multidisciplinaridade, a Católica Next disponibiliza aos seus alunos um da Gulbenkian, que tem abertura
de terem concluído com suces- plano curricular diversificado, internacional e cada vez mais interdisciplinar. prevista para o próximo ano. As
so o programa de estágio. Com “A escola está firmemente comprometida com a oferta de conteúdos ino- duas entidades assinaram um
esta nova ronda de promoções vadores que acompanhem as transformações societais e os desafios que protocolo formalizado por Bruno
a sociedade dá continuidade elas colocam ao Direito”, esclarece Miguel Correia. Assim, e em linha com Ferreira, managing partner
a uma política de aposta nas esta visão, a oferta de ensino pós-graduado na Escola de Lisboa da Facul- da PLMJ, Eduardo Nogueira
novas gerações e em alguns dade de Direito da UCP é múltipla e diversa, materializando-se atualmente Pinto, presidente executivo da
dos mais promissores talentos num leque abrangente de cursos de pós-graduação e cursos intensivos. Fundação PLMJ, Nuno Ferreira
da advocacia nacional. Os mais Um desses exemplos é a pós-graduação em Doing Business in Emerging Morgado, do conselho de
administração da Fundação
recentes associados cumpriram, Markets, com início marcado para o próximo mês de outubro. Durante mais
PLMJ, António Feijó, presidente
ao longo dos últimos dois anos, de 100 horas, aborda as questões jurídicas e práticas relacionadas com o
do conselho de administração da
o programa de estágio da Abreu investimento em economias emergentes, com o objetivo de fornecer aos Fundação Calouste Gulbenkian,
Advogados, onde tiveram opor- participantes uma perspetiva integrada sobre os desafios e oportunidades e Guilherme d’Oliveira Martins,
tunidade de trabalhar em várias que essas economias encerram. A par desta pós-graduação, a Católica administrador da Gulbenkian.
áreas de prática e sectores, com Next disponibiliza também uma lista de outros cursos, como Contencioso O managing partner da PLMJ
um acompanhamento persona- Contratual, Mediação e Arbitragem; Contencioso Tributário; Crime e Impos- afirmou que “foi com muita
lizado e num modelo pensado tos; Corporate Finance; Direito Aduaneiro Europeu; Direito da Energia; Di- honra e orgulho que recebemos
para potenciar o desenvolvi- reito Marítimo; Direito da Saúde; Direito das Sociedades Comerciais; Direito o convite da Fundação Calouste
mento das competências técni- do Desporto; Direito e Prática da Contratação Pública; Direito do Imobiliário; Gulbenkian para estarmos
cas e pessoais de cada um. Fiscalidade; Gaming Law and Sports Betting, e Valor Aduaneiro. entre os mecenas fundadores
do novo CAM, que é o maior
Paralelamente, a Abreu Ad- Em parceria com a Católica Lisbon School of Business and Economics, a
projeto cultural do país em
vogados está a desenvolver Católica Next disponibiliza também formação nas áreas de Corporate Go-
várias décadas e eleva a
a campanha de recrutamento vernance e ESG e EU Digital Markets. O target desta panóplia de formações cidade e Portugal para um
para os estágios “People like é composto sobretudo por profissionais que desejam uma formação sólida novo patamar do ponto de
you”, apostando na atração de em Direito que lhes permita complementar a sua formação de base, atua- vista da programação cultural,
diferentes perfis de advogados lizando-se e especializando-se nas áreas que o mercado presentemente além do projeto arquitetónico
que contribuem para o sector mais valoriza, explica o coordenador da formação avançada da Escola de absolutamente extraordinário”.
com novas perspetivas e conhe- Lisboa da Faculdade de Direito da UCP. Também o presidente executivo
cimento para os temas que vão da PLMJ destacou o papel
marcar a agenda dos serviços vital que a Fundação Calouste
jurídicos dos próximos anos. Gulbenkian desempenha
nos domínios da arte, do
Para além desta campanha, a
conhecimento e da ciência, e
sociedade de advogados tem
este protocolo está também
planeada uma série de ini- intrinsecamente ligado à história
ciativas dirigidas aos jovens da PLMJ, “que há mais de 20
talentos estudantes de Direito. anos criou a Fundação PLMJ,
São os casos do Challenge Day elegendo a cultura como foco da
e do Open Day. sua atividade mecenática”.

80 . EXAM E . OUTUBRO 2023


Potencie a sua
CUATRECASAS DINAMIZA
INOVAÇÃO NO SECTOR JURÍDICO
carreira
Pós-Graduações em Direito
Direito Administrativo
Direito Aduaneiro Internacional
Direito da Moda – Fashion Law
Direito da Saúde
Direito das Sociedades
Comerciais
O programa Cuatrecasas Acelera já ajudou mais de 40 startups a Direito do Trabalho e da
desenvolverem os seus negócios, e este ano, na sua oitava edição, voltou Segurança Social
a selecionar seis projetos centrados nos sectores Fintech, Healthtech, Direito dos Valores Mobiliários
Energy e Deeptech. Trata-se de uma iniciativa anual para descobrir
e Direito Bancário
novos projetos e testar tecnologias que permitam, em colaboração com
a Cuatrecasas, conceber, cocriar e desenvolver pilotos relacionados com Direito e Tecnologia
os desafios de negócio que as sociedades de advogados enfrentam Direito Imobiliário
atualmente. As escolhidas foram BeSplink (Portugal), Emily.ai,
Polyrewards, SAI, Therminer e Tokencity (todas de Espanha). Este ano Direito Intelectual
foram recebidas mais de 90 candidaturas procedentes de Espanha, Interdisciplinar em
Portugal e América Latina, e, como já ocorreu no ano passado, uma das Direitos Humanos
startups selecionadas pelo júri para participar no programa é portuguesa.
Com o foco na inteligência artificial generativa, os projetos selecionados
Negociação,
tiveram de responder a grandes desafios: maximizar o conhecimento Mediação e
coletivo dentro da Cuatrecasas, fomentar a produtividade e a eficiência Resolução de
no sector jurídico através de sistemas de automatização, desenvolver Conflitos
soluções que permitam a digitalização da relação e melhorar a Organização oe
colaboração com o cliente para fomentar o customer engagement. Gestão no
“Continuamos a ver um aumento da maturidade das startups que se Futebol
candidatam ao nosso programa. Foi tremendamente difícil escolher as Profissional
Profissiona
al
seis, mas estamos muito entusiasmados com as selecionadas. O foco
que pusemos em IA generativa também nos proporcionou um conjunto
de startups diferentes”, afirmou Francesc Muñoz, CIO da Cuatrecasas.
As startups selecionadas reunir-se-ão em Madrid, em novembro, para
participar nos bootcamps previstos para esta edição. Aí começarão
a trabalhar para acelerar e potenciar o crescimento dos projetos
juntamente com os mentores jurídicos, tanto de negócio como
tecnológicos, que os acompanharão ao longo dos quatro meses de
duração do programa. Durante este período, os empreendedores
validarão e estabelecerão as estratégias de crescimento dos projetos,
além de participarem em sessões de simulação de negociação e de
identificarem os aspetos jurídicos que, derivados da aplicação das
tecnologias disruptivas, podem ser utilizados para fomentar esse
crescimento.
O programa Cuatrecasas Acelera conta também com a colaboração de
representantes internacionais de venture capital, CEO de empresas de
renome a nível global e peritos com grandes trajetórias no sector das Saiba mais
startups, com os quais estas poderão também aprofundar relevantes fd.porto.ucp.pt
questões jurídicas e empresariais e tratar assuntos do âmbito dos
negócios tão relevantes como compliance, cibersegurança, growth
hacking, UX/UI design, fundraising e finanças, comunicação e vendas
ou cultura empresarial.

Candidaturas
candidaturas.porto@ucp.pt
939 450 000 / 939 450 012
Macro

INVESTIMENTO

G rl
Talk D E BATE . R E F L EXÃO

O dinheiro não compra tudo,


mas é fundamental para
garantir tempo, tranquilidade
e, acima de tudo, liberdade para
se tomar decisões. Emília Vieira
e Rita Piçarra, duas mulheres
que dedicaram a vida a investir
– por motivos diferentes
–, falaram da importância
de enfrentar o medo e de
como a literacia financeira
é fundamental
Texto Margarida Vaqueiro Lopes
Fotografia José Carlos Carvalho

A
s mulheres, que há sé-
culos ficam responsáveis
pela gestão dos orçamen-
tos familiares, perdem
toda a confiança quando
há montantes maiores envolvidos em ope-
rações. Mais avessas ao risco e com o peso
de uma cultura, que ainda vê com maus
olhos mulheres que sabem muito de di-
nheiro, em Portugal, 72,7% admitem só ter
conhecimentos básicos de literacia finan-
ceira. Um número preocupante, sobretu-
do se tivermos em conta que “elas ganham
menos do que os homens, vivem por mais
tempo, os períodos de licença de materni-
dade não contam para efeitos de reforma e MADAM C.J. > ORÇAMENTOS E CORAGEM

ficam muito limitadas [em termos de de- WALKER Sarah Breedlove foi a pri-
cisão e de liberdade], em situação de di- meira na família a nascer em
vórcio, por exemplo”, atira Emília Vieira. Sabe quem foi liberdade, pouco depois da
A responsável pela Casa de Investimen- a primeira mulher abolição da escravatura nos
tos é uma ativista da literacia financeira. negra milionária EUA. Tornar-se-ia Madam C.J.
Única mulher à frente de uma gestora de dos EUA? Walker por casamento, e mi-
ativos em Portugal, faz questão de ir a es- lionária por dedicação e muito

8 2 . EXAM E . OUTUBRO 2023


13% 6%
19%
75%
Confiantes ao selecionar
investimentos
Confiantes na gestão Apenas uma pequena
Em média, o salário do saldo bancário percentagem se consi- Taxa de poupança
bruto das mulheres A maioria das mulheres dera capaz de selecionar dos portugueses é duas
é 13% mais baixo do que sente-se confiante para investimento, vezes inferior à da média
o dos homens, na UE gerir o seu saldo bancário a longo prazo europeia: 13,9%

trabalho. Órfã aos 7 anos, cabelos das mulheres Walker, lançou a sua marca deviam ter. Foi uma impor-
começou aos 10 a fazer lim- negras. Madam C.J. Walker e empregou milhares de tante filantropa e ativista,
pezas ou a ser lavadeira. No aprendeu na empresa e mulheres que vendiam dando nome a bolsas de
início do século XX, passou com os irmãos barbeiros, e para si. Ensinou-as a fazer estudo e a prémios. A
a trabalhar para a marca criou a própria fórmula de orçamentos, poupanças e a marca, então detida pela
Poro Company, como agen- produtos de cuidado para montar os próprios negóci- tetraneta, foi comprada pela
te de vendas – fundada por os cabelos das congéneres. os, para alcançar a liberdade gigante Sundial Brands,
Anne Malone, comerci- Com a ajuda do marido, o financeira que acreditava em 2013, e continua a ser
alizava produtos para os publicitário Charles Joseph que todas as mulheres comercializada.

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 83
Macro

EMÍLIA
VIEIRA
> CARGO
Cofundadora, chairman e CEO
da Casa de Investimentos

> V I DA
Entre 1995 e 2010, lecionou
e prestou consultoria, na área
da Engenharia Financeira
Quantitativa, e trabalhou com
instituições financeiras
de topo, em todo o mundo.
É a única mulher em Portugal
à frente de uma gestora
de ativos e tem-se destacado – e aos quais esperava chegar aos 50. “Sem-
pelo trabalho em prol pre que invisto tenho medo, mas invisto na
da literacia financeira. Vive em mesma”, atira com uma gargalhada. Em
Braga, tem uma filha e uma imobiliário, em ações, em produtos que
energia inesgotável. conheça bem e lhe deem segurança. “Aci-
ma de tudo, o segredo está em entender
Sempre aquilo em que estamos a investir”, avisa.
que invisto Para isso, é preciso ler, perguntar, pe-
tenho medo, dir informação a quem mais sabe – “cui-
dado, existe muita gente a falar de literacia
mas invisto financeira em Portugal sem saber do que
na mesma” fala”, alerta Emília. Há que olhar para as
taxas de rentabilidade e para os resultados
Rita Piçarra ao longo dos anos e tomar decisões infor-
RITA PIÇARRA Ex-CFO da Microsoft Portugal madas, sem ir apenas atrás do que dizem
os bancos, ou os amigos ou os familiares.
> CARGO
Ex-CFO da Microsoft Portugal A conversa entre as duas executivas,
colas falar com os mais novos, para ten- que durou mais de uma hora e, mais uma
> V I DA tar reduzir os níveis de desconhecimento vez, aconteceu no Martinhal Chiado, par-
Licenciou-se no ISCAL, e de desinformação. E salienta que os in- ceiro da EXAME nesta iniciativa, vai estar
passou pela Deloitte, mas foi vestimentos feitos por mulheres são, por em breve disponível na versão completa no
na Microsoft que fez carreira norma, mais rentáveis – tal como são mais nosso site. Para já, guarde estes dois conse-
internacional, tendo vivido seguras as contas que os homens detêm lhos: prepare a reforma com uma poupança
em cinco países. Reformou- em conjunto com elas, mostram alguns da- (feita de investimento), que lhe garanta a
se, aos 44 anos, por opção, dos vindos dos EUA, ou as rentabilidades rentabilidade e a tranquilidade necessárias
antecipando em seis anos
de empresas do S&P geridas por senhoras. para tomar decisões, e procure inspiração
o seu objetivo maior: ganhar
“Tenho imenso medo”, admite, por seu nas pessoas que admira e que gostava de ser.
dinheiro suficiente para não ter
de trabalhar até à idade legal lado, Rita Piçarra. A ex-CFO da Microsoft Como a Rita, que decidiu deixar de partilhar
da reforma. Emigrou, poupou Portugal tem estado sob os holofotes, de- o seu tempo com uma empresa, porque fez
e investiu, e agora pretende pois de ter anunciado que iria parar de tra- uma série de escolhas que lho permitiram.
usar o seu tempo como balhar aos 44 anos, por ter atingido os ob- “E tudo pode começar com uma poupança
bem lhe apetecer. jetivos financeiros a que se tinha proposto de 2% do salário!”, sublinham. E

8 4 . EXAM E . OUTUBRO 2023


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Entre inflação
e recessão, o BCE
Entrevista
Peter Villax fala sobre
os desafios e as soluções
Europa
Conheça o impacto
da nova lei
Outubro 2023
Publicação Mensal

474
Portugal
A NOVA
NOVA CORRIDA
CORR
ORRRIDA ESPACIAL
REVOLUÇÃO
RE UÇ
ÇÃO
O EM M
ES
MARCHA:
ARCH
HA: NOVOS
OVOS
VOS
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S MATERIA
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os 48 anos,, a presidente
daa “Operação
p e CEO de um
p ç Picoas” e foca-se no neg
o caso em investigação,
uma das maiores empresas nacionais

g ç o setor
g
negócio,
acionais enfrenta a polémica
r. Uma longa
que continua a crescer.
setor, o País e como liderar em tempos
p
g conversa sobre
p conturbados
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EM TRÂNSITO

VÂNIA SILVA JOANA MONIZ


Head of Marketing Diretora de Clientes Empresa
& Communications e membro do Comité Executivo

D.R.
da Mercer Portugal da Allianz
www.linkedin.com/ www.linkedin.com/
TA L E N T O E M AÇ ÃO in/vania-filipa-silva/ in/joana-moniz-52575b143
Licenciada em Ciências da Joana Moniz integrou a

Lítio com Comunicação, frequentou o


Programa Avançado de Marke-
Allianz, em 2004, e desem-
penhou diversas funções,

nova liderança ting para Executivos da Católica


Lisbon School of Business &
Economics. Com vasta expe-
com responsabilidade por
mercados de vários países
e áreas funcionais. Em 2021,
Emanuel Proença é o primeiro português riência na área da Comunicação, ocupou o cargo de global head
a liderar a Savannah Resources Vânia Silva juntou-se à Marsh of Long Tail MidCorp Business
Texto Margarida Vaqueiro Lopes Portugal em 2006, enquanto na Allianz SE. Desde o mês
assistente de Marketing & Co- passado que assume o papel

A
municação. Quatro anos depois, de responsável por esta nova
empresa responsável pelo desenvolvimen-
foi nomeada responsável desta área criada na Allianz Portugal,
to do Projeto Lítio do Barroso tem na lide-
área e agora assume a mesma integrando também o comité
rança, desde o passado dia 18 de setembro, função na Mercer. executivo da seguradora.
o português Emanuel Proença. Licenciado
em Engenharia Industrial e com um MBA
no INSEAD, Proença é especialista na transição energética
na mobilidade. O executivo tem um bom historial de gestão
da transformação e crescimento em setores, que incluem a
produção e desenvolvimento do mercado de combustíveis ver-
des, eletrificação da mobilidade, coberturas de risco, logística
e retalho de combustíveis líquidos, bem como a digitalização.
Até agora, e durante os últimos sete anos, ocupou o cargo de
TANIA SALGUERO PEDRO RIBEIRO
presidente-executivo dos negócios industriais da PRIO e sem- COO e diretora de Transformação Diretor de Marketing
pre se mostrou um defensor da aceleração da transição ener- do BNP Paribas Portugal e e Vendas do Grupo Vila Galé
gética. Em comunicado enviado às redações, o novo CEO da Espanha www.linkedin.com/
www.linkedin.com/ in/pedroribeiro3/
Savannah, que sucede a Dale Ferguson no cargo, diz-se muito
in/taniasalguero/ Pedro Ribeiro foi, até recen-
motivado com o desafio. “Estou entusiasmado por me juntar à
Engenheira industrial, é cer- temente, diretor comercial
Savannah como CEO, para ajudar a empresa a atingir o objeti- tificada em Metodologias da na Dom Pedro Hotels & Golf
vo de se tornar um produtor responsável de lítio em Portugal Qualidade, Coach Ontológico e Collection, rede em que
e um elemento fundamental da cadeia de valor das baterias Estudos de Alta Gestão. Iniciou anteriormente tinha também
de lítio e da mobilidade elétrica, em rápido crescimento na a sua carreira na Allianz Insu- liderado o departamento de
Europa”, explica. “Estou satisfeito com a qualidade do projeto rance (Colômbia), em 1998, e, Vendas e Marketing do Dom
e a robustez do trabalho realizado até ao momento, mas estou em 2009, juntou-se à BNP Pa- Pedro Laguna, no Brasil, e a
ciente de que o projeto preocupa algumas partes interessa- ribas Cardif Colômbia, na qual área de vendas em Portugal.
das. Por isso, no meu mandato, empenhar-me-ei em que o chegou a deputy CEO. Desde Formado em Gestão Hoteleira,
entendimento entre as partes envolvidas seja uma prioridade, 2021 que é COO Regional para acumula várias distinções ao
a Latam da BNP Paribas Cardif. longo da carreira. Assumiu, no
à medida que aceleramos um projeto que será essencial para
Agora, passa a responsável por mês passado, a função de di-
o desenvolvimento da região, para a capacidade de atração de
toda a área operacional, de IT e retor de Marketing e Vendas do
valor para o País e para a aceleração de uma transição ener- de organização da BNP Paribas grupo nacional, que continua a
gética responsável e muito necessária à Europa e ao mundo”, Cardif, no mercado ibérico. crescer dentro e fora do País.
afirma Emanuel Proença. E

86 . EXAM E . OUTUBRO 2023


Opinião
POR
SOUMODIP SARKAR

Para quê?
Uma reflexão acerca do nosso desejo e dos esforços atuais
para viver mais tempo ou até atingir a imortalidade. Mesmo
que a atingíssemos, quais os custos do desaparecimento
da “escassez do tempo”?

> Professor catedrático,


Universidade de Évora

E
stou sentado
num quar-
os ricos, que até tem um nome:
biohacking. O que me levou a
O que estamos surge depois. A morte é o gran-
de nivelador, o destino que nos
to de hotel perguntar: porquê? Não porque a fazer com espera a todos, independente-
no Algarve, ele (ou qualquer um de nós) a nossa vida mente da riqueza, estatuto ou
a pensar no
que devo escrever para este
possa querer viver para sem-
pre, mas o que estamos a fazer
atual para lhe realização. Viver para sempre
significa escapar deste destino,
mês. Como sempre, há mui- com a nossa vida atual para lhe dar significado enganar o jogo cósmico e de-
tas ideias concorrentes. Nor- dar significado suficiente para suficiente para clarar-se seu mestre. Mas esse
malmente, os meus escritos
relacionam-se com a minha
desejar ter uma vida muito mais
longa, e até mesmo a imortali-
desejar ter uma desejo de controlo sobre a nos-
sa mortalidade é um reflexo de
área de interesse em investi- dade? Vou então neste ensaio vida muito uma vida plenamente vivida,
gação, que é tipicamente sobre divergir um pouco mais, e ir a mais longa, ou é um sintoma de uma vida
o crescimento e a estratégia de
empresas, startups e inovação.
uma questão mais fundamen-
tal, talvez. Aqui vai...
e até mesmo não totalmente compreendida?
O medo da morte muitas vezes
Ocasionalmente, os meus lei- A busca pela imortalida- a imortalidade? ofusca a questão mais premen-
tores mais atentos podem no- de é tão antiga quanto a pró- te: Qual é a qualidade da vida
tar que me desvio para temas pria Humanidade, frequente- que tão ansiosamente procura-
mais sociais, incluindo, recen- mente entrelaçada no tecido mos estender? O que estamos
temente, uma reflexão sobre o dos nossos mitos e religiões. Sócrates, o filósofo grego anti- a fazer que é tão importante e
que significa, para uma nação, O desejo de viver para sem- go, corria pelas ruas de Atenas satisfatório, para nós, para de-
ter uma estratégia. Aí, pergun- pre cativa-nos, tentando-nos perguntando às pessoas qual a sejarmos mais disso?
tei (de forma algo hesitante) com a promessa de eterna ju- maneira correta de viver. De- À medida que navegamos
qual é a estratégia de Portugal ventude, sabedoria infinita e safiava as noções convencio- nas complexidades da existên-
em relação à imigração, pois um cronograma para realizar nais de sucesso e moralidade, cia diária, com cada dia por ve-
não vejo evidências disso, mas todos os sonhos. Mas com os de forma a instigar um exa- zes repleto de escolhas e opor-
preocupo-me com as implica- avanços científicos tornando a me mais profundo da exis- tunidades, encontramo-nos,
ções a longo prazo para o País. extensão da vida humana não tência humana. Tal como Só- alguns de nós, a questionar o
Curiosamente, lembrei-me apenas possível mas provável, crates, talvez nos devêssemos propósito de tudo isso. Cor-
de um artigo que li esta manhã devemos fazer uma pausa para perguntar não apenas quanto remos atrás do sucesso (ou de
sobre como um bilionário da perguntar: Porque queremos tempo queremos viver, mas publicações, no caso dos in-
tecnologia, que vendeu a sua viver tanto tempo? como queremos viver. vestigadores), acumulamos ri-
empresa, agora tem uma nova É interessante notar que a O desejo de longevidade queza material e procuramos
missão: viver para sempre. Faz questão sobre o significado e o muitas vezes vem do medo da relacionamentos, talvez na es-
parte duma nova moda entre propósito da vida não é nova. morte e do desconhecido que perança de que essas coisas da-

88 . EXAM E . OUTUBRO 2023


GETTYIMAGES

rão significado às nossas vidas. ao adicionar-lhe mais anos? Se lutamos para encon-
No entanto, mesmo quando es- A quantidade de vida não trar um propósito nas nossas
ses objetivos são alcançados, se traduz automaticamente vidas finitas, a perspetiva de
um sentimento de vazio mui- em qualidade de vida. A ironia viver para sempre apresenta
tas vezes permanece. A intrin- da condição humana é que as um dilema existencial ainda
cada conexão entre motiva- nossas limitações muitas vezes maior. Uma vida infinita exigi-
ção, satisfação e a busca pelo definem-nos mais do que as ria um propósito infinito, uma
sucesso forma a espinha dor- nossas capacidades. A escas- busca interminável por signi-
sal da nossa experiência huma- sez de tempo alimenta o nosso ficado que poderia levar-nos
na e é muitas vezes o que nos impulso para alcançar, amar às profundezas do desespero
dá “propósito”. O sucesso, em e criar. Saber que temos ape- existencial. O filósofo Albert
todas as suas formas ‒ sejam nas um tempo limitado para Camus postulou que a questão
vitórias menores ou grandes deixar a nossa marca obriga- Se a vida que fundamental da filosofia é se a
realizações ‒, atende ao nosso -nos a agir, a fazer cada dia atualmente vida vale a pena ser vivida. Se
desejo inato por satisfação. contar. Um cronograma infi- vivemos se sente estendermos essa vida indefi-
Esta sede de triunfo e a sa- nito poderia aliviar-nos dessa nidamente, também estende-
tisfação resultante geram um urgência, substituindo a emo- insatisfatória, mos o seu valor, ou diminuí-
ciclo contínuo e insaciável de ção da realização pelo tédio da o que esperamos mo-lo? Mas o mais importante
anseio por gratificação. eterna monotonia. Numa vida ganhar ao ‒ o que estamos a fazer com
Se a vida que atualmente sem fim, o que nos motivaria a a vida que temos, ainda que
vivemos se sente insatisfató- levantar todos os dias e a en- adicionar-lhe seja curta, para querer mais
ria, o que esperamos ganhar frentar o mundo? anos? do mesmo?! E

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 89
Exit
EXAME

LAZER . CONSUMO

ACELERAR ATÉ AO FIM DO ANO


No arranque do último trimestre do ano, selecionámos uma série de acessórios,
para tornar os seus tempos livres em momentos ainda mais desejáveis.
Porque o equilíbrio entre trabalho e lazer nunca foi tão importante
Texto Margarida Vaqueiro Lopes e Edgar Freitas Antunes

Great sound
Sem fios e com um autonomia
de reprodução de 30 horas,
estes Marshall II ANC garantem
a qualidade de som da marca
icónica, numa caixa muito Em caso
pequenina. Funcionam através
de bluetooth, têm opção de emergência
de cancelamento de ruído ativo
Um best-seller internacional, o Wave+ possui todas as
e desempenho aprimorado para
ferramentas essenciais do original, com a adição de
cortar o ruído do vento. Estes
cortadores de fio, duráveis e substituíveis. Todas as 18
fones intraouvidos são uma
ferramentas podem ser abertas e bloqueadas, de forma
opção perfeita para quem precisa
rápida e conveniente, para realizar qualquer tarefa. Muitas
de bloquear sons ambiente
dessas ferramentas são acessíveis externamente, pelo que
e ter o máximo de concentração,
pode usá-las quando a multiferramenta estiver dobrada e
sem qualquer distração.
fechada. O clipe de bolso compatível é vendido separadamente.

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9 0 . EXAM E . OUTUBRO 2023


O melhor brinquedo
do mundo
Ative o modo silêncio. Concentre-se. Tire todos os
obstáculos da sua frente e… volte a entreter-se com
o melhor brinquedo do mundo, enquanto constrói a
BMW M 1000 RR da Lego. Um modelo à escala 1:5
que chega repleto de funções autênticas, incluindo
uma caixa de velocidades funcional de 3 velocidades
(+ ponto-morto), corrente de transmissão e motor
em linha de 4 pistões. Depois, é acelerar até à
estante onde a vai colocar em exposição!

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Proteção máxima
A moto aí ao lado pode ser da Lego, mas a proteção nunca é demais.
O RACE-R PRO GP é o melhor capacete integral de corrida para
motociclistas do mercado – pelo menos é o que dizem as estatísticas.
O perfil aerodinâmico deste capacete foi desenvolvido com a ajuda
de simulações computadorizadas e validado em túnel de vento. E não
importa a velocidade a que vá: o capacete não se mexe, graças aos
forros internos que garantem um ajuste ideal. O interior removível
é adequado para lavagem na máquina e tem sistema “EasyFit”:
conforto ideal para ciclistas que usam óculos, máscara, e com viseiras
óticas de classe 1 com espessura variável, sem distorção visual. Vem
também equipado com sistema de liberação rápida da viseira, para
permitir a sua rápida desmontagem.

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Uma lenda reinventada


No ano em que a fábrica da Leica em Portugal celebra meio
século de existência, parece uma boa ideia sugerir uma
das melhores produções da marca alemã. A nova máquina
fotográfica monocromática M11 da Leica é uma atualização
significativa da sua antecessora: com 256 GB de memória
interna e mais 20 megapixels de resolução, consegue produzir
fotografias a preto e branco que não vão deixar adivinhar
se é um amador ou um profissional.

A partir de €7900
www.leica-camera.com

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 91
Exit

GARRAFEIRA MEMÓRIAS
COLLECTION
O Dão que 2019

junta famílias
> R E G I ÃO
Dão

> O N D E E N CO N T R Á  LO ?
No site do produtor,
O projeto Santar Vila Jardim Wines nasce por €52 a garrafa
da junção de várias famílias, que reuniram
esforços para revitalizar e valorizar a região. > O VINHO
O resultado são três vinhos muito curiosos Assim que o cheiramos,
percebemos que o queremos
Texto Margarida Vaqueiro Lopes experimentar daqui a muito
mais tempo: frutos vermelhos,
algum couro, ligeiros aromas

É
sob nuvens Tudo começou com o vinho vegetais. Na boca, destaque
carregadas Memórias – agora Memórias de para a madeira impecavel-
e o chilrear Santar Collection –, que Pedro mente integrada e para um
ligeiro fumado, mas com tani-
animado dos de Vasconcellos e Souza fez, pela
nos persistentes. Perfeito para
pássaros que primeira vez, com uvas de uma
pratos bem condimentados,
nos sentamos à mesa com Pe- parcela muito particular e pe- como guisados ou estufados.
dro de Vasconcellos e Souza, o quenina do jardim da casa de Final de boca longo, equilibra-
enólogo do projeto Santar Vila família, a dos Condes de Santar do e muito saboroso, com
Jardim Wines. Com o jardim e Magalhães. O projeto, explica à um ligeiro e interessante
da Casa dos Condes de Santar EXAME, era acima de tudo uma toque a pimenta.
e Magalhães aos nossos pés e atividade da família. Produzido
o enorme cão Merlot a passear a partir da casta Merlot, “foi > N OTAÇ ÃO
com um desinteresse que se feito e vinificado pelos ne- AA
reflete na cauda irrequieta, fa- tos”, por vontade da mãe de
zemos uma breve viagem pela Pedro, que gostava que os
história de uma ideia que uniu mais novos percebessem
as famílias Ibérico Nogueira, como se faz perdurar a
Vasconcellos e Souza, e Carun- Natureza.
cho, além da Santa Casa da Mi- Hoje, o Memórias
sericórdia de Santar. Collection é o topo de
Aquilo que começou por gama do projeto Santar
ser uma união de jardins – to- Vila Jardim, que agrega
das as grandes casas senhoriais as várias vinhas presen-
tinham um, e os desta pequena tes nos jardins senho-
vila do concelho de Nelas são riais, já aqui referidas,
particularmente bonitos, com bem como as do agora
inspirações em vários mode-
los europeus – transformou-
Criámos uma escala
-se num projeto de vinhos, que
inspirada nas
acaba por contar a história das
famílias. Os jardins, agora liga-
agências de rating.
dos graças ao trabalho de Fer- Boas provas!
nando e de Francisco Carun-
> N OTAÇ ÃO
cho, estão abertos a todos os
AAA ..........................................Fabuloso
que quiserem visitá-los (mas AA ........................................ Muito bom
não estranhe se encontrar os A .......................................................... Bom
proprietários a dar um mergu- BBB .................................... Satisfatório
lho na piscina ou a conversar à BB .................................................... Mau
volta da mesa). C ............................................... Não beba!

9 2 . EXAM E . OUTUBRO 2023


CONTEÚDO
PATROCINADO

MOMENTOS ÚNICOS
DE PRAZER
Quem está na Quinta Vale D. Maria e saboreia os seus
vinhos sente, de perto, como é bom viver o Douro

É fácil descrever o prazer que e mulheres que se deslocam,


dá andar por ali, naquelas ter- todos os anos, para a vindi-
ras de montanha agora pinta- ma, num trabalho árduo rea-
das com as cores de outono, lizado às primeiras horas da
enquanto as folhas das videiras manhã para evitar os efeitos
vão perdendo o seu verde vivo do calor habitualmente ex-
e ganhando os tons amarelos, cessivo da região, nas pessoas
vermelhos e castanhos quentes e também nas uvas. Depois,
de uma paisagem que se prepa- são escolhidas antes de serem
ra para a chegada do inverno. pisadas a pé, durante horas,
Um pouco por todo o lado das em lagares de granito, num
terras do Douro ainda há gen- processo de origem centenar
te a apanhar as uvas para as em que os açucares das uvas
levar para as adegas, já que é vão sendo transformados len-
preciso assegurar que toda a ri- tamente em álcool, e o vinho
queza contida nos seus bagos é vai sendo enriquecido com
transformada em vinho, pro- os componentes das pelícu-
duto distinto da Região e, tal- las. As destinadas à produção
vez, a sua principal riqueza. É do Quinta Vale D. Maria tin- momento mais apropriado de e procurou representar todo o
isso que acontece também na to 2019 tiveram origem em 10 maturação, cada uma das suas potencial de qualidade e dis-
Quinta Vale Dona Maria, em- hectares de vinhas velhas com parcelas foi vindimada à mão. tinção da colheita de 2019. É
presa que produz Vinhos do mais de 60 anos onde se en- um Quinta Vale D. Maria tinto
Douro e do Porto no Vale do contram plantadas 41 castas, VINHO LONGO com grande riqueza aromáti-
rio Torto, um dos afluentes do um field blend, entre outras, E PERSISTENTE ca, onde se salientam notas de
grande rio que cruza o norte de de Rufete, Tinta Amarela, Tin- Os vinhos de cada talhão es- fruta silvestre, framboesa, ce-
Portugal. Fica na estrada que ta Francisca, Sousão, Touriga tagiaram, em separado, du- reja madura e bosque. A boca
sobe em direção a S. João da Franca e a Tinta Roriz. Após rante 21 meses em barricas é concentrada e elegante, com
Pesqueira, a partir da seduto- um ano fresco, que permi- de carvalho francês até à al- estrutura e frescura, num tinto
ra estrada marginal ao rio Dou- tiu que a maturação das uvas tura da composição do lote fi- longo e persistente que expres-
ro, que liga a Régua ao Pinhão. decorresse de forma lenta e a nal, que decorreu cerca de um sa bem o seu terroir. Deve ser
data da vindima ocorresse no mês antes do engarrafamento servido a 16-18ºC no copo e é
UMA PAISAGEM boa companhia para pratos de
SURPREENDENTE carnes vermelhas, como uma
Para observar mais de perto posta, um bife com pimenta
os vales ornamentados por com esparregado e batata frita
videiras alinhadas pelas cur- ou uma vitela assada no for-
Seja responsável. Beba com moderação

vas de nível das encostas, ou no com grelos. No final, apro-


distribuídas em patamares, e veite e vá apreciando o último
alguns bosques e olivais, vale copo de vinho na companhia
a pena sair para descobrir a de um queijo seco, por exem-
propriedade, já que é, por si só, plo um queijo velho de S. Mi-
também bela, única e mesmo guel ou de um Manchego com
surpreendente por tudo o que muito tempo de cura. Faça-o
se consegue descobrir quan- bem devagar, porque é assim
do lá se está. Ali as uvas são que as coisas boas devem ser
colhidas à mão, por homens apreciadas.
Exit

MEMÓRIAS MEMÓRIAS Hotel Valverde Santar (Casa das


TINTO 2020 BRANCO 2022 Fidalgas) e as do Solar da Nossa
Senhora da Piedade. Utilizan-
> R E G I ÃO > R E G I ÃO do sobretudo castas autóctones
Dão Dão e com um cuidado especial na
expressão do terroir do Dão, o
> ONDE > ONDE
enólogo responsável por este
E N CO N T R Á  LO E N CO N T R Á  LO ?
projeto salienta as “caracterís-
Agora Santar Vila Jardim Vai encontrá-lo com o
Reserva Tinto, no site do nome Santar Vila Jardim ticas únicas, em termos orga-
produtor, por €17,50 a Branco, no site do produtor, noléticos” desta região. “Quer
garrafa. por €10,50 a garrafa o branco quer o tinto têm uma
frescura… Há zonas em que não
> O VINHO > O VINHO conseguimos encontrar isto, o
Os aromas muito vegetais e Muitas flores e frescura que permite vinhos muito ele-
a terra remetem para um vi- no nariz, onde a Malvasia- gantes, muito frescos. O enve-
nho fresco e elegante. Os ta- -Fina faz o seu trabalho, lhecimento é espetacular”, diz
ninos, ainda algo presentes, com os aromas típicos
em jeito de explicação.
fazem adivinhar um bom desta casta a ligarem bem
Depois de ter passado por
envelhecimento – pode com as notas de madeira.
beber-se agora, mas daqui Com bastante estrutura,
França e pela África do Sul, e
a quatro ou cinco anos é um vinho saboroso e de ter lançado a Herdade do
deverá estar ainda muito crocante, com a acidez Freixo, no Alentejo – projeto
interessante. Com sabor típica do Dão, que do qual se desligaria em 2016
a compotas de frutos poderá estar um na- –, Pedro não quer sair do Dão
vermelhos, pede um dinha evidenciada. e pretende apenas que o San-
prato de carne tipica- tar Vila Jardim se consolide
mente português a > N OTAÇ ÃO enquanto projeto, produzindo
acompanhar. A não mais de 40 mil garrafas por
ano e garantindo uma qualida-
> N OTAÇ ÃO
de superior a cada colheita.
A
As uvas das várias proprie-
dades, explica, dão agora ori-
gem a três referências distintas:
o Memórias de Santar Collection
deixou de ser exclusivo da famí-
lia Vasconcellos e Souza e é pro-
duzido com uvas Merlot e Tou-
riga-Nacional, provenientes da
Casa de Santar e Magalhães e do
Jardim dos Linhares, enquanto
o Memórias Branco é produzi-
do essencialmente com uvas do
jardim da Magnólia e é um blend
de Encruzado e Malvasia-Fina. O
Memórias Tinto Reserva, por seu
lado, usa sobretudo as vinhas do
jardim das Fidalgas, e junta Tou-
riga-Nacional, Alfrocheiro-Preto
e Alicante Bouchet.
“Um vinho sem história
não é nada”, dir-nos-á Pedro
em jeito de resumo. “O Memó-
rias é um projeto de memórias
tristes e boas, e de muita sa-
tisfação.” Algo que, espera, se
sente a cada golo. E

94 . EXAM E . OUTUBRO 2023


A Girl Talk é uma rubrica da revista EXAME que pretende trazer
mais mulheres para a discussão de temas económicos e da
atualidade, e que, para além de ter lugar cativo na revista, ganhou
ainda o seu espaço em formato podcast e videocast.

ASSISTIR:

A SS I S TA E M E X A M E . P T

OIÇA EM :
Exit

S KO D A E N YA Q I V C O U P É R S

Mais elétrico e desportivo


O Enyaq ganha uma versão coupé com tração integral e um caráter irreverente.
Um Skoda elétrico para quem é mais dado aos prazeres da condução
Texto Paulo M. Santos

A
venda de carros elétricos da corrida. Enquanto algumas vão lan-
continua a subir de for- çando mais modelos, outras optam
ma sustentada, um pou- por alargar a gama dos veículos
co por todo o mundo. Na já existentes e com provas dadas.
Europa, um dos princi- É o caso da Skoda que, depois de
pais motores deste novo mercado, estes apresentar o Enyaq, o seu pri-
veículos já representaram 15,1% das ven- meiro SUV 100%, criou agora a
das de carros novos em julho deste ano, versão coupé, que integra um
mais cinco pontos percentuais do que em modelo RS, a insígnia despor-
igual período de 2022. Nesse mesmo mês, tiva da marca.
as vendas de elétricos ultrapassaram, pela A avaliar pelos dados de
primeira vez, as de carros a gasóleo. vendas, a solução parece estar
O mercado está agora a consolidar-se a dar frutos. Em abril, o Enyaq
e nenhuma das marcas quer ficar de fora foi o quarto modelo 100% elétrico

9 6 . EXAM E . OUTUBRO 2023


mais vendido na Europa, logo atrás do suspensão adaptativa, que permite con-
Tesla Model Y e dos VW iD.4 e iD.3. trolar o veículo através dos vários modos
A versão coupé distingue-se logo pelo HABITÁCULO de condução que disponibiliza. Para além
seu perfil mais dinâmico, com o tejadilho a
descer de uma forma muito mais acentua-
E ESPAÇO DIGITAL dos modos Eco, Comfort, Normal e Sport,
que já existiam nas outras versões, o RS
da na zona traseira, o que consegue reduzir O Enyaq RS vem bem dotado apresenta também o Traction, que ativa a
bastante a resistência ao ar. Já o Enyaq Cou- de equipamento de série e com tração integral e nos permite circular com
pé iV RS, concebido com base na platafor- bastante espaço interior, apesar este modelo em estradas de terra batida,
ma MEB do Grupo Volkswagen, a mesma do formato coupé quase como se estivéssemos no asfalto.
que equipa os VW iD.4 e iD.5 ou o Audi Q4 Em relação à autonomia, a marca
e-Tron, surge ainda com a grelha transpa- anuncia um total 474 km em ciclo com-
rente, a que a Skoda chamou Cristal Face. binado, para uma bateria de 82 kWh. Pela
No interior, o destaque vai para os bancos nossa experiência, o Enyaq Coupé RS não
e volante desportivos e alguns pormeno- foge muito desse valor. Numa viagem de
res de revestimento em fibra de carbono. 320 km conseguimos chegar ao destino
Já em tudo o resto, o habitáculo não di- ainda com 140 km de autonomia, num
fere muito da versão “normal” do Enyaq. percurso que envolveu estradas nacionais,
A versão Coupé RS do Enyaq está dotada de zonas urbanas e autoestrada. No total, fi-
uma bateria de 82 kWh que alimenta dois zemos uma média de 100 km/hora e não
> TECNOLOGIA
motores elétricos, estando o principal ins- passámos dos 120 km/hora na autoestra-
talado no eixo traseiro e que consegue uma Através do ecrã digital de grandes da, com um consumo médio de 17kWh.
potência de 204 cavalos. O segundo mo- dimensões conseguimos aceder a pra- Médias que foram apenas possíveis com
tor, com 109 cavalos, está no eixo da fren- ticamente todo o sistema de informa- o ar condicionado desligado. Assim que o
te, o que garante tração integral ao veículo. ção e entretenimento. Existem alguns ligámos, o computador de bordo baixou
Quando conjugados, os dois conseguem botões físicos para aceder rapidamente a autonomia prevista em menos 70 km,
debitar um total de 299 cavalos, e fazem a algumas das principais funções com a bateria carregada a 100%.
deste o modelo de estrada mais potente até O Coupé RS permite carregamentos
hoje construído pela Skoda. até 135 kWh em corrente contínua, o que
Para “aguentar” toda esta cavalagem, facilita levar a bateria dos 10% aos 80% em
o Enyaq Coupé RS vem equipado com apenas 29 minutos. Já em corrente alter-
nada, onde o máximo de potência é de 11
kWh, o mesmo carregamento leva cerca
de oito horas.
Um dos grandes trunfos da marca
A bateria de 82 Skoda tem sido a boa relação entre pre-
kWh permite ao > ESPAÇO ço, qualidade e nível de equipamento de
Enyaq Coupé Com o tejadilho mais baixo, os lugares
série que os seus veículos oferecem. E o
Enyaq não é exceção. Esta versão tem um
RS atingir uma traseiros perdem um pouco de altura, preço base de 53 mil euros, que, com o
autonomia de mas nem por isso deixam de conseguir
albergar três adultos de forma confortá-
respetivo IVA, sobe para os 65 mil euros,
474 km, em ciclo vel, o que se deve, em grande parte, ao
mas vem de série com bancos aqueci-
dos com controlo independente, banco
combinado muito espaço que existe para as pernas.
do condutor ajustável eletronicamente e
Já a mala perde cerca de 15 litros de
volumetria, um valor algo insignificante com várias memórias, carregamento de
para uma capacidade total de 570 litros telemóvel por indução, sistema de trava-
gem de emergência com reação a peões,
> VIDRO Cruise Control adaptativo, leitura de sinais
de trânsito, câmara traseira, detetor de
Apesar dos materiais refle- fadiga do condutor, entre muitos outros.
tores usados no vidro do
Tudo conjugado, este Skoda torna-se um
tejadilho, nos dias de calor
modelo bastante interessante para quem
este material não é dos mais
funcionais, obrigando a está a pensar em trocar o seu carro com
circular quase sempre com o motor a combustão por um 100% elétrico
ar condicionado ligado, o que que permite aliar um cariz desportivo ao
sacrifica a autonomia espaço e conforto de um SUV familiar. E

OUTUBRO 20 2 3 . EXAM E . 97
Exit

E S TA N T E

Desassossegos,
reflexões e emoções
Texto Rui Barroso

BLOQUEIOS E
DESASSOSSEGOS UMA BOLSA
Uma conversa sobre
DE RAZÕES
os problemas estruturais E EMOÇÕES
da economia portuguesa Um guia sobre as forças
que influenciam
Num tom coloquial, Luís os mercados financeiros
Valadares Tavares e João
César das Neves passaram a li- UM POUCO Neste manual, os profes-
vro as reflexões sobre as ambi- DE CORAÇÃO sores do ISCTE, Emanuel
ções e os bloqueios do País. Os Leão e Ricardo Barradas, ana-
autores fazem um diagnóstico PODE FAZER lisam os fatores que influen-
da economia nacional e apon- A DIFERENÇA ciam os mercados financei- AS VIVÊNCIAS
tam possíveis soluções para ros e demonstram que nem
que Portugal possa fazer pro-
Os resultados sempre a razão prevalece. O E REFLEXÕES
gressos nos rendimentos dos de se liderar com livro está organizado em duas DE CATROGA
trabalhadores, nas infraestru- criatividade e propósito partes. A primeira, explicita
As memórias do gestor
turas, na saúde, na educação as forças que fazem mover o
e nas finanças públicas. Para John Baird e Edward Sulli- preços das ações, obrigações e e antigo ministro
isso, defendem que é necessá- van são executive coaches do mercado cambial e dá ain- de Cavaco Silva
rio resolver bloqueios não só no e, ao longo das suas carreiras, da pistas sobre como construir
Estado mas também na produ- já viram gestores com carac- uma carteira de ativos. A se- Vivências, projetos empre-
tividade, lei laboral e mercado terísticas muito semelhan- gunda, é mais técnica e inci- sariais e missões cívicas.
de capitais. O livro conta com tes terem resultados opostos. de sobre a forma de calcular e Neste livro, Eduardo Catroga
um prefácio de Marques Men- No meio das competências de tirar partido dos rácios de ava- recorda as experiências mais
des e também com uma entre- gestão, técnicas e do estilo de liação e os indicadores que se marcantes naqueles campos,
vista aos economistas, condu- comunicação há um grande devem ter debaixo de olho. desde os tempos em que era
zida por Nicolau Santos. detalhe que pode fazer a dife- TÍTULO: Mercados financeiros
estudante até à passagem pela
TÍTULO: Portugal: Porquê
rença: liderar com o coração. – emoção e razão CUF e pela EDP, passando pelas
o País do Salário Abaixo Os autores mencionam casos missões como ministro das Fi-
AUTORES: Emanuel Leão
de Mil Euros? de empresas que tiveram sor- e Ricardo Barradas
nanças e na elaboração do pro-
AUTOR: Luís Valadares Tavares
tes distintas, devido ao estilo EDITORA: Edições Sílabo
grama de governo do PSD, du-
e João César das Neves de liderança dos seus CEO, e, PVP: €21,00 rante a intervenção da troika.
EDITORA: DOM QUIXOTE
no meio do que defendem ser O gestor de 80 anos recorda os
PVP: €16,60 uma crise de liderança, deixam episódios mais marcantes do
pistas sobre como se pode usar seu percurso académico e pro-
mais o coração na liderança e fissional e deixa algumas refle-
de que forma isso pode melho- xões sobre os grandes desafios
rar os resultados das empresas. nas áreas da política, economia
TÍTULO: Liderar com Coração
e gestão.
AUTORES: John Baird TÍTULO: Gestão, Política e Economia
e Edward Sullivan AUTOR: Eduardo Catroga
EDITORA: Vogais EDITORA: Bertrand
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98 . EXAM E . OUTUBRO 2023


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