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Test Bank for Cengage Advantage Books Law for Business 18th

Edition by Ashcroft and Ashcroft ISBN 1133587615 9781133587613


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CHAPTER 2--COURTS AND COURT PROCEDURE
Student:

1. Which of the following is true of statutes?

A. They are worded to apply to every situation that may arise.


B. They are unwritten ratifications of legislative authority.
C. They are less general than constitutions.
D. They are a source of law that is considered as secondary authority.

2. Which of the following is true of special federal courts?

A. They have unlimited authority and command.


B. They have jurisdiction limited by Congress.
C. They are the largest class of federal courts.
D. They are also known as courts of appeals.

3. Which of the following is true of appeals made to higher courts?

A. The attorneys for each party put forth verbal arguments instead of filing written briefs.
B. They make it mandatory for appellate courts to hear the testimony of witnesses.
C. The decision of the appellate court is binding on lower courts.
D. The complete transcript of trial court proceedings is offered by the defendant directly to the jury.

4. Which of the following statements is true of federal district courts?

A. They are also known as special federal courts.


B. They are the smallest class of federal courts.
C. They lack jurisdiction over civil suits that arise under treaties.
D. They hear all criminal cases that involve a violation of federal law.

5. Which of the following is true of the United States Supreme Court?


1
A. It has original control in cases that are based on a federal law or a treaty.
B. It has appellate jurisdiction in cases based on the U.S. Constitution.
C. It has the sole power to establish inferior courts.

2
D. It is mandatory for the Supreme Court to hear all appeals that come before it.

6. Which of the following is true of trial courts?

A. They lack jurisdiction over criminal offenses against the state.


B. They are the highest courts of authority in the United States.
C. They are also known as inferior courts.
D. They handle cases that are first instituted in them.

3
7. In the federal courts,the executive officer is called a .

A. bailiff
B. magistrate
C. marshal
D. sheriff

8. laws are those that state how parties are to go forward with filing civil actions and how these
actions are to be tried.

A. Long-arm
B. Substantive
C. Case
D. Procedural

9. The individual against whom a case is filed is called the .

A. defendant
B. prosecutor
C. claimant
D. plaintiff

10. Which of the following is true of a jury trial procedure?

A. The jury is selected before an opening statement is made by the attorney.


B. The defendant's opening statement is presented before the plaintiff's.
C. The jury has the sole power to determine the points of law.
D. The responsibility of the jury is to prove facts to support the petition’s allegations.

11. The chief function of the court is to interpret and apply laws from any source to a givensituation.

True False

12. The location where a case is to be tried is known as a venue.

True False
13. Appellate courts conduct the original trial of cases.

True False

14. Appellate courts include courts of appeals and supreme courts.

True False

15. Probate courts handle divorce and child custody cases.

True False

4
16. A chief officer is known as a judge in a state court of record as well as in a federal court.

True False

17. The written request that begins a civil suit is called a summon.

True False

18. It is simpler to file a suit in a court of record than in an inferior court.

True False

19. In a small claims court, there is no jury and a judge tries the case.

True False

20. Describe the procedure for filing a suit in a small claims court.

5
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Henrique! Acho que você é um excellente menino, uma flôr! E digo-lhe
mais: hei de proteger os seus negocios com Dona Estella...
Fallando assim, tinha-lhe tomado as mãos e affagava-as.
—Olhe, continuou, acariciando-o sempre; não se metta com
donzellas, entende?... São o diabo! Por dá cá aquella palha fica um
homem em apuros! agora quanto ás outras, papo com ellas! Não mande
nenhuma ao vigario, nem lhe dôa a cabeça, porque, no fim de contas, nas
circumstancias de Dona Estella, é até um grande serviço que você lhe
faz! Meu rico amiguinho, quando uma mulher já passou dos trinta e pilha
a geito um rapazito da sua idade, é como se descobrisse oiro em pó!
sabe-lhe a gaitas! Fique então sabendo de que não é só a ella que você
faz o obsequio, mas tambem ao marido: quanto mais escovar-lhe você a
mulher, melhor ella ficará de genio, e por conseguinte melhor será para o
pobre homem, coitado! que tem já bastante com que se aborrecer lá por
baixo, com os seus negocios, e precisa de um pouco de descanço quando
volta do serviço e mette-se em casa! Escove-a, escove-a! que a porá
macia que nem velludo! O que é preciso é muito juizinho, percebe? Não
faça outra criançada como a de hoje e continue para diante, não só com
ella, mas com todas as que lhe cahirem debaixo da aza! Vá passando!
menos as de casa aberta, que isso é perigoso por causa das molestias;
nem tão pouco donzellas! Não se metta com a Zulmira! E creia que lhe
fallo assim, porque sou seu amigo, porque o acho sympathico, porque o
acho bonito!
E acarinhou-o tão vivamente d'esta vez, que o estudante, fugindo-lhe
das mãos, affastou-se com um gesto de repugnancia e desprezo,
emquanto o velho lhe dizia em voz comprimida:
—Olha! Espera! Vem cá! Você é desconfiado!...

III

Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os


olhos, mas a sua infinidade de portas e janellas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormio de uma assentada sete
horas de chumbo. Como que se sentia ainda na indolencia da neblina as
derradeiras notas da ultima guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se
á luz loira e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em
terra alheia.
A roupa lavada, que ficára de vespera nos córadoiros, humedecia o ar
e punha-lhe um fartum acre de sabão ordinario. As pedras do chão,
esbranquiçadas no logar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo
anil, mostravam uma pallidez grisalha e triste, feita de accumulações de
espumas seccas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de somno;
ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas;
pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as chicaras a tilintar; o
cheiro quente do café aquecia, supplantando todos os outros; trocavam-
se de janella para janella as primeiras palavras, os bons dias; reatavam-se
conversas interrompidas á noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá
de dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não
andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de
vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de
gallos, cacarejar de gallinhas. De alguns quartos sabiam mulheres que
vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os loiros, á
semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-
se á luz nova do dia.
D'ahi a pouco, em volta das bicas era um zum-zum crescente; uma
agglomeração tumultuosa de machos e femeas. Uns, após outros,
lavavam a cara, incommodamente, debaixo do fio d'agoa que escorria da
altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres
precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-
lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que ellas despiam,
suspendendo o cabello todo para o alto do casco; os homens, esses não se
preoccupavam em não molhar o pello, ao contrario mettiam a cabeça
bem debaixo da agoa e esfregavam com força as ventas e as barbas,
fossando e fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas não
descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sahir
sem treguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as
calças ou as saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá ir,
despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da
estalagem ou no recanto das hortas.
O rumor crescia, condensando-se; o zum-zum de todos os dias
accentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruido
compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras na
venda; ensarilhavam-se discussões e resingas; ouviam-se gargalhadas e
pragas; já se não fallava, gritava-se. Sentia-se n'aquella fermentação
sanguinea, n'aquella gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os
pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de
existir, a triumphante satisfação de respirar sobre a terra.
Da porta da venda que dava para o cortiço iam e vinham como
formigas, fazendo compras.
Duas janellas do Miranda abriram-se. Appareceu n'uma a Izaura, que
se dispunha a começar a limpeza da casa.
—Nhá Dunga! gritou ella para baixo, a sacudir um panno de mesa; se
você tem cús-cús de milho hoje, bata na porta, ouvio?
A Leonor surgio logo tambem, enfiando curiosa a carapinha por entre
o pescoço e o hombro da mulata.
O padeiro entrou na estalagem, com a sua grande cesta á cabeça e o
seu banco de páo fechado debaixo do braço, e foi estacionar em meio do
pateo, a espera dos freguezes, pousando a canastra sobre o cavallete que
elle armou promptamente. Em breve estava cercado por uma nuvem de
gente. As crianças adulavam-no, e, á proporção que cada mulher ou cada
homem recebia o pão, disparava para casa com este abraçado contra o
peito. Uma vacca, seguida por um bezerro amordaçado, ia, tilintando
tristemente o seu chocalho, de porta em porta, guiada por um homem
carregado de vasilhame de folha.
O zum-zum chegava ao seu apogeu. A fabrica de massas italianas, ali
mesmo da visinhança, começou a trabalhar, engrossando o barulho com
o seu arfar monotono de machina a vapor. As corridas até á venda
reproduziam-se, transformando-se n'um verminar constante de
formigueiro assanhado. Agora, no logar das bicas apinhavam-se latas de
todos os feitios, sobresahindo as de kerozene com um braço de madeira
em cima; sentia-se o trapejar da agoa cahindo na folha. Algumas
lavadeiras enchiam já as suas tinas; outras estendiam nos córadoiros a
roupa que ficára de molho. Principiava o trabalho. Rompiam das
gargantas os fados portuguezes e as modinhas brasileiras. Um carroção
de lixo entrou com grande barulho de rodas na pedra, seguido de uma
algazarra medonha algaraviada pelo carroceiro contra o burro.
E, durante muito tempo, fez-se um vae-vem de mercadores.
Appareceram os taboleiros de carne fresca e outros de tripas e fatos de
boi; só não vinham hortaliças, porque havia muitas hortas no cortiço.
Vieram os ruidosos mascates, com as suas latas de quinquilharia, com as
suas caixas de candieiros e objectos de vidro e com o seu fornecimento
de caçarolas e chocolateiras de folha de Flandres. Cada vendedor tinha o
seu modo especial de apregoar, destacando-se o homem das sardinhas,
com as cestas do peixe dependuradas, á moda de balança, de um páo que
elle trazia ao hombro. Nada mais foi preciso do que o seu primeiro
guincho estridente e guttural para surgirem logo, como por encanto, uma
enorme variedade de gatos, que vieram correndo acercar-se d'elle com
grande familiaridade, roçando-se-lhe nas pernas arregaçadas e miando
supplicantemente. O sardinheiro os affastava com o pé, emquanto vendia
o seu peixe á porta das casinhas, mas os bichanos não desistiam e
continuavam a implorar, arranhando os cestos que o homem
cuidadosamente tapava mal servia ao freguez. Para ver-se livre por um
instante dos importunos era necessario atirar para bem longe um
punhado de sardinhas, sobre o qual se precipitava logo, aos pulos, o
grupo dos pedinchões.
A primeira que se pôz a lavar foi a Leandra, por alcunha a
«Machona», portugueza feroz, berradora, pulsos cabelludos e grossos,
anca de animal do campo. Tinha duas filhas, uma casada e separada do
marido, Anna das Dores, a quem só chamavam a «das Dores» e outra
donzella ainda, a Nênêm, e mais um filho, o Agostinho, menino levado
dos diabos, que gritava tanto ou melhor que a mãe. A das Dores morava
em sua casinha á parte, mas toda a familia habitava no cortiço.
Ninguem ali sabia ao certo se a Machona era viuva ou desquitada; os
filhos não se pareciam uns com os outros. A das Dores, sim, affirmavam
que fôra casada e que largára o marido para metter-se com um homem do
commercio; e que este, retirando-se para a terra e não querendo soltal-a
ao desamparo, deixara o socio em seu logar. Teria vinte e cinco annos.
Nênêm desesete. Espigada, franzina e forte, com uma prôazinha de
orgulho da sua virgindade, escapando como enguia por entre os dedos
dos rapazes que a queriam sem ser para casar. Engommava bem e sabia
fazer roupa branca de homem com muita perfeição.
Ao lado da Leandra foi collocar-se á sua tina a Augusta Carne Molle,
brasileira, branca, mulher de Alexandre, um mulato de quarenta annos,
soldado de policia, pernostico, de grande bigode preto, queixo sempre
escanhoado e um luxo de calças brancas emgommadas e botões limpos
na farda, quando estava de serviço. Tambem tinham filhos, mas ainda
pequenos, e um dos quaes, a Jujú, vivia na cidade com a madrinha que se
encarregava d'ella. Esta madrinha era uma cocote de trinta mil réis para
cima, a Léonie, com sobrado na cidade. Procedencia franceza.
Alexandre, em casa, á hora de descanso, nos seus chinellos e na sua
camisa desabotoada, era muito chão com os companheiros de estalagem,
conversava, ria e brincava, mas envergando o uniforme, encerando o
bigode e empunhando a sua chibata, com que tinha o costume de fustigar
as calças de brim, ninguem mais lhe via os dentes e então a todos fallava
tezo e por cima do hombro. A mulher, a quem elle só dava tu quando não
estava fardado, era de uma honestidade proverbial no cortiço,
honestidade sem merito, porque vinha da indolencia do seu
temperamento e não do arbitrio do seu caracter.
Junto d'ella pôz-se a trabalhar a Leocadia, mulher de um ferreiro
chamado Bruno, portugueza pequena e socada, de carnes duras, com
uma fama terrivel de leviana entre as suas visinhas.
Seguia-se a Paula, uma cabocla velha, meio idiota, a quem
respeitavam todos pelas virtudes de que só ella dispunha para benzer
erysipelas e cortar febres por meio de rezas e feitiçarias. Era
extremamente feia, grossa, triste, com olhos desvairados, dentes cortados
á navalha, formando ponta, como dentes de cão, cabellos lisos,
escorridos e ainda retintos apezar da idade. Chamavam-lhe «Bruxa.»
Depois seguiam-se a Marciana e mais a sua filha Florinda. A
primeira, mulata antiga, muita séria e asseada em exagero: a sua casa
estava sempre humida das consecutivas lavagens. Em lhe apanhando o
máo humor punha-se logo a espanar, a varrer febrilmente, e, quando a
raiva era grande, corria a buscar um balde d'agua e descarregava-o com
furia pelo chão da sala. A filha tinha quinze annos, a pelle de um moreno
quente, beiços sensuaes, bonitos dentes, olhos luxuriosos de macaca.
Toda ella estava a pedir homem, mas sustentava ainda a sua virgindade e
não cedia, nem á mão de Deus Padre, aos rógos de João Romão, que a
desejava apanhar a troco de pequenas concessões na medida e no peso
das compras que Florinda fazia diariamente á venda.
Depois via-se a velha Isabel, isto é, Dona Isabel, porque ali na
estalagem lhe dispensavam todos certa consideração, privilegiada pelas
suas maneiras graves de pessoa que já teve tratamento: uma pobre
mulher comida de desgostos. Fôra casada com o dono de uma casa de
chapéos, que quebrou e suicidou-se, deixando-lhe uma filha muito
doentinha e fraca, a quem Isabel sacrificou tudo para educar, dando-lhe
mestre até de francez. Tinha uma cara macilenta de velha portugueza
devota, que já foi gorda, bochechas molles de pellangas rechupadas, que
lhe pendiam dos cantos da bocca como saquinhos vazios; fios negros no
queixo, olhos castanhos, sempre chorosos e engolidos pelas palpebras.
Puxava em bandós sobre as fontes o escasso cabello grisalho untado de
oleo de amendoas doces. Quando sahia á rua punha um eterno vestido de
seda preta, achamalotada, cuja saia não fazia rugas, e um chale
encarnado que lhe dava a todo o corpo um feitio pyramidal. Da sua
passada grandeza só lhe ficára uma caixa de rapé de oiro, na qual a
inconsolavel senhora pitadeava agora, suspirando a cada pitada.
A filha era a flôr do cortiço. Chamavam-lhe Pombinha, Bonita, posto
que enfermiça e nervosa ao ultimo ponto; loira, muito pallida, com uns
modos de menina de boa familia. A mãe não lhe permittia lavar, nem
engommar, mesmo porque o medico o prohibira expressamente.
Tinha o seu noivo, o João da Costa, moço do commercio, estimado do
patrão e dos collegas, com muito futuro, e que a adorava e conhecia
desde pequenita; mas Dona Isabel não queria que o casamento se fizesse
já. É que Pombinha, orçando aliás pelos dezoito annos, não tinha ainda
pago á natureza o cruento tributo da puberdade, apezar do zelo da velha e
dos sacrificios que esta fazia para cumprir á risca as prescripções do
medico e não faltar á filha o menor desvelo. No emtanto, coitadas!
d'aquelle casamento dependia a felicidade de ambas, porque o Costa,
bem empregado como se achava em casa de um tio seu, de quem mais
tarde havia de ser socio, tencionava, logo que mudasse de estado,
restituil-as ao seu primitivo circulo social. A pobre velha desesperava-se
com o facto e pedia a Deus, todas as noites, antes de dormir, que as
protegesse e conferisse á filha uma graça tão simples que elle fazia, sem
distincção de merecimento, a quantas raparigas havia pelo mundo; mas, a
despeito de tamanho empenho, por coisa nenhuma d'esta vida consentiria
que a sua pequena casasse antes de «ser mulher», como dizia ella. E
«que deixassem lá fallar o doutor, entendia que não era decente, nem
tinha geito, dar homem a uma moça que ainda não fora visitada pelas
regras! Não! Antes vel-a solteira toda a vida e ficarem ambas curtindo
para sempre aquelle inferno da estalagem!»
Lá no cortiço estavam todos a par d'esta historia: não era segredo para
ninguem. E não se passava um dia que não interrogassem duas e tres
vezes á velha com estas phrases:
—Então? já veio?
—Porque não tenta os banhos de mar?
—Porque não chama outro medico?
—Eu, se fosse a senhora, casava-os assim mesmo!
A velha respondia dizendo que a felicidade não se fizera para ella. E
suspirava resignada.
Quando o Costa apparecia depois da sua obrigação para visitar a
noiva, os moradores da estalagem cumprimentavam-no em silencio com
um respeitoso ar de lastima e piedade, empenhados tacitamente por
aquelle caiporismo, contra o qual não valiam nem mesmo as virtudes da
Bruxa.
Pombinha era muito querida por toda aquella gente. Era quem lhe
escrevia as cartas; quem em geral fazia o rol para as lavadeiras; quem
tirava as contas; quem lia o jornal para os que quizessem ouvir.
Presavam-na com muito respeito e davam-lhe presentes, o que lhe
permittia certo luxo relativo. Andava sempre de botinas ou sapatinhos
com meias de côr, seu vestido de chita engommado; tinha as suas
joiazinhas para sahir á rua, e, aos domingos, quem a encontrasse á missa
na egreja de São João Baptista, não seria capaz de desconfiar que ella
morava em cortiço.
Fechava a fila das primeiras lavadeiras, o Albino, um sujeito
afeminado, fraco, côr de espargo cozido e com um cabellinho castanho,
deslavado e pobre, que lhe cahia, n'uma só linha, até ao pescocinho
molle e fino. Era lavadeiro e vivia sempre entre as mulheres, com quem
já estava tão familiarisado que ellas o tratavam como a uma pessoa do
mesmo sexo; em presença d'elle fallavam de coisas que não exporiam em
presença de outro homem; faziam-no até confidente dos seus amores e
das suas infidelidades, com uma franqueza que o não revoltava, nem
commovia. Quando um casal brigava ou duas amigas se disputavam, era
sempre Albino quem tratava de reconcilial-os, exhortando as mulheres á
concordia. D'antes encarregava-se de cobrar o rol das collegas, por
amabilidade; mas uma vez, indo a uma republica de estudantes, deram-
lhe lá, ninguem sabia porque, uma duzia de bolos, e o pobre diabo jurou
então, entre lagrimas e soluços, que nunca mais se incumbiria de receber
os róes.
E d'ahi em diante, com effeito, não arredava os pésinhos do cortiço, a
não ser nos dias de carnaval, em que ia, vestido de dansarina, passear á
tarde pelas ruas e á noite dansar nos bailes dos theatros. Tinha verdadeira
paixão por esse divertimento; ajuntava dinheiro durante o anno para
gastar todo com a mascarada. E ninguem o encontrava, domingo ou dia
de semana, lavando ou descansando, que não estivesse com a sua calça
branca engommada, a sua camisa limpa, um lenço ao pescoço, e,
amarrado á cinta, um avental que lhe cahia sobre as pernas como uma
saia. Não fumava, não bebia espiritos e trazia sempre as mãos geladas e
humidas.
N'aquella manhã levantára-se ainda um pouco mais languido que de
costume, porque passára mal a noite. A velha, Isabel, que lhe ficava ao
lado esquerdo, ouvindo-o suspirar com insistencia, perguntou-lhe o que
tinha.
Ah! muita molleza de corpo e uma pontada no vazio que o não
deixava!
A velha receitou diversos remedios, e ficaram os dois, no meio de
toda aquella vida, a fallar tristemente sobre molestias.
E, emquanto, no resto da fileira, a Machona, a Augusta, a Leocadia, a
Bruxa, a Marciana e sua filha, conversavam de tina a tina, berrando e
quasi sem se ouvirem, a voz um tanto cansada já pelo serviço, defronte
d'ellas, separado pelos giráos, formava-se um novo renque de lavadeiras,
que acudiam de fóra, carregadas de trouxas, e iam ruidosamente tomando
logar ao lado umas das outras, entre uma agitação sem tregoas, onde se
não distinguia o que era galhofa e o que era briga. Uma a uma
occupavam-se todas as tinas. E de todos os casulos do cortiço sahiam
homens para as suas obrigações. Por uma porta que havia ao fundo da
estalagem desappareciam os trabalhadores da pedreira, donde vinha
agora o retinir dos alviões e das picaretas. O Miranda, de calças de brim,
chapéo alto e sobrecasaca preta, passou lá fóra, em caminho para o
armazem, acompanhado pelo Henrique que ia para as aulas. O
Alexandre, que estivera de serviço essa madrugada, entrou solemne,
atravessou o pateo, sem fallar a ninguem, nem mesmo á mulher, e
recolheu-se á casa, para dormir. Um grupo de mascates, o Delporto, o
Pompéo, o Francesco e o Andréa, armado cada qual com a sua grande
caixa de bugigangas, sahio para a perigrinação de todos os dias,
altercando e praguejando em italiano.
Um rapazito de paletó entrou da rua e foi perguntar á Machona pela
inhá Rita.
—A Rita Bahiana? Sei cá! Faz amanhã oito dias que ella arribou!
A Leocadia explicou logo que a mulata estava com certeza de
pandega com o Firmo.
—Que Firmo? interrogou Augusta.
—Aquelle cabravasco que se mettia ás vezes ahi com ella. Diz que é
torneiro.
—Ella mudou-se? perguntou o pequeno.
—Não, disse a Machona; o quarto está fechado, mas a mulata tem
coisas lá. Você o que queria?
—Vinha buscar uma roupa que está com ella.
—Não sei, filho, pergunta na venda ao João Romão, que talvez te
possa dizer alguma coisa.
—Ali?
—Sim, pequeno, n'aquella porta, onde a preta do taboleiro está
vendendo! Ó diabo! olha que pizas a boneca de anil! Já se vio que sorte?
Parece que não vê onde piza este raio de criança!
E, notando que o filho, o Agostinho, se approximava para tomar o
logar do outro que já se ia:—Sahe d'ahi, tu tambem, peste! Já principias
na reinação de todos os dias? Vem para cá, que levas! Mas, é verdade,
que fazes tu que não vaes regar a horta do Commendador?
—Elle disse hontem que eu agora fosse á tarde, que era melhor.
—Ah! E amanhã, não te esqueças, recebe os dois mil réis, que é fim
do mez. Olha! Vae lá dentro e diz a Nênêm que te entregue a roupa que
veio hontem á noite.
O pequeno afastou-se de carreira, e ella lhe gritou na pista.—E que
não ponha o refogado no fogo sem eu ter lá ido!
Uma conversa cerrada travára-se no resto da fila de lavadeiras a
respeito da Rita Bahiana.
—É doida mesmo!... censurava Augusta. Metter-se na pandega sem
dar conta da roupa que lhe entregaram... Assim ha de ficar sem um
freguez...
—Aquella não endireita mais!... Cada vez fica até mais assanhada!...
Parece que tem fogo no rabo! Póde haver o serviço que houver,
apparecendo pagode, vae tudo pr'o lado! Olha o que sahio o anno
passado com a festa da Penha!...
—Então agora, com este mulato, o Firmo, é uma pouca vergonha!
Est'ro dia, pois você não vio? levaram ahi n'uma bebedeira, a dansar e
cantar á viola, que nem sei o que parecia! Deus te livre!
—Para tudo ha horas e ha dias!...
—Para a Rita todos os dias são dias santos! A questão é apparecer
quem puxe por ella!
—Ainda assim não é má creatura... Tirante o defeito da vadiagem...
—Bom coração tem ella, até de mais, que não guarda um vintém pr'o
dia d'amanhã. Parece que o dinheiro lhe faz comichão no corpo!
—Depois é que são ellas!... O João Romão já lhe não fia!
—Pois olhe que a Rita lhe tem enchido bem as mãos; quando ella tem
dinheiro é porque o gasta mesmo!
E as lavadeiras não se calavam, sempre a esfregar, e a bater, e a torcer
camisas e ceroulas, esfogueadas já pelo exercicio. Ao passo que, em
torno da sua tagarelice, o cortiço se enbandeirava todo de roupa
molhada, donde o sol tirava scintillações de prata.
Estavam em dezembro e o dia era ardente. A grama dos córadoiros
tinha reflexos esmeraldinos; as paredes que davam frente ao nascente,
caiadinhas de novo, reverberavam illuminadas, offuscando a vista. Em
uma das janellas da sala de jantar do Miranda, Dona Estella e Zulmira,
ambas vestidas de claro e ambas a limarem as unhas, conversavam em
voz surda, indifferentes á agitação que ia lá em baixo, muito esquecidas
na sua tranquillidade de entes felizes.
Entretanto, agora o maior movimento era na venda á entrada da
estalagem. Davam nove horas e os operarios das fabricas chegavam-se
para o almoço. Ao balcão o Domingos e o Manoel não tinham mãos a
medir com a criadagem da visinhança; os embrulhos de papel amarello
succediam-se, e o dinheiro pingava sem intermittencia dentro da gaveta.
—Meio kilo de arroz!
—Um tostão de assucar!
—Uma garrafa de vinagre!
—Dois martellos de vinho!
—Dois vintens de fumo!
—Quatro de sabão!
E os gritos confundiam-se numa mistura de vozes de todos os tons.
Ouviam-se protestos entre os compradores:
—Me avie, seu Domingos! Eu deixei a comida no fogo!
—O peste! dá cá as batatas, que eu tenho mais o que fazer!
—Seu Manoel, não me demore essa manteiga!
Ao lado, na casinha de pasto, a Bertoleza, de saias arrepanhadas no
quadril, o cachaço grosso e negro, reluzindo de suor, ia e vinha de uma
panella á outra, fazendo pratos, que João Romão levava de carreira aos
trabalhadores assentados num compartimento junto. Admittira-se um
novo caixeiro, só para o frege, e o rapaz, a cada commensal que ia
chegando, recitava, em tom cantado e estridente, a sua interminavel lista
das comidas que havia. Um cheiro forte de azeite frito predominava. O
paraty circulava por todas as mezas, e cada caneca de café, de louça
espessa, erguia um vulcão de fumo tresandando a milho queimado. Uma
algazarra medonha, em que ninguem se entendia! Crusavam-se
conversas em todas as direcções, discutia-se a berros, com valentes
punhados sobre as mesas. E sempre a sahir, e sempre a entrar gente, e os
que sahiam, depois d'aquella comesaina grossa, iam radiantes de
contentamento, com a barriga bem cheia, a arrotar.
N'um banco de páo tosco, que existia do lado de fóra, junto á parede e
perto da venda, um homem, de calça e camisa de zuarte, chinellos de
couro crú, esperava, havia já uma boa hora, para fallar com o vendeiro.
Era um portuguez de seus trinta e cinco a quarenta annos, alto,
espadaúdo, barbas asperas, cabellos pretos e mal tratados cahindo-lhe
sobre a testa, por debaixo de um chapéo de feltro ordinario; pescoço de
touro e cara de Hercules, na qual os olhos todavia, humildes como os
olhos de um boi de canga, exprimiam tranquilla bondade.
—Então ainda não se póde fallar ao homem? perguntou elle, indo ao
balcão entender-se com o Domingos.
—O patrão está agora muito occupado. Espere!
—Mas são quasi dez horas e estou com um gole de café no estomago!
—Volte logo!
—Moro na cidade nova. É um estirão d'aqui!
O caixeiro gritou então para a cozinha, sem interromper o que fazia:
—O homem que ahi está, seu João, diz que se vae embora!
—Elle que espere um pouco, que já lhe fallo! respondeu o vendeiro
no meio de uma carreira. Diga-lhe que não vá!
—Mas é que ainda não almocei e estou aqui a tinir!... observou o
hercules com a sua voz grossa e sonora.
—Ó filho, almoce ahi mesmo! Aqui o que não falta é de comer. Já
podia estar aviado!
—Pois vá lá! resolveu o homemzarrão, sahindo da venda para entrar
na casa de pasto, onde os que lá se achavam o receberam com ar curioso,
medindo-o da cabeça aos pés, como faziam sempre com todos os que ahi
se apresentavam pela primeira vez.
E assentou-se a uma das mezinhas, vindo logo o caixeiro cantar-lhe a
lista dos pratos.
—Traga lá o pescado com batatas e venha um martello de vinho.
—Quer verde ou virgem?
—Venha o verde; mas anda com isso, filho, que já não vem sem
tempo!

IV

Meia hora depois, quando João Romão se vio menos occupado, foi ter
com o sujeito que o procurava e assentou-se defronte d'elle, cahindo de
fadiga, mas sem se queixar, nem se lhe trahir na physionomia o menor
symptoma de cansaço.
—Você vem da parte do Machucas? perguntou-lhe. Elle fallou-me de
um homem que sabe calçar pedra, lascar fogo e fazer lagedo...
—Sou eu.
—Estava empregado n'outra pedreira?
—Estava e estou. Na de São Diogo, mas desgostei-me d'ella e quero
passar adiante.
—Quanto lhe dão lá?
—Setenta mil réis.
—Oh! Isso é um disparate!
—Não trabalho por menos...
—Eu, o maior ordenado que faço é de cincoenta.
—Cincoenta ganha um macaqueiro...
—Ora! tenho ahi muitos trabalhadores de lagedo por esse preço!
—Duvido que prestem! Aposto a mão direita em como o senhor não
encontra por cincoenta mil réis quem dirija a broca, pese a polvora e
lasque fogo, sem lhe estragar a pedra e sem fazer desastres!
—Sim, mas setenta mil réis é um ordenado impossivel!
—N'esse caso vou como vim... Fica o dito por não dito!
—Setenta mil réis é muito dinheiro!...
—Cá por mim, entendo que vale a pena pagar mais um pouco a um
trabalhador bom, do que estar a soffrer desastres, como o que soffreu sua
pedreira a semana passada! Não fallando na vida do pobre de Christo que
ficou debaixo da pedra!
—Ah! O Machucas fallou-lhe no desastre?
—Contou-m'o, sim senhor, e o desastre não aconteceria se o homem
soubesse fazer o serviço!
—Mas setenta mil réis é impossivel. Desça um pouco!
—Por menos não me serve... E escusamos de gastar palavras!
—Você conhece a pedreira?
—Nunca a vi de perto, mas quiz me parecer que é boa. De longe
cheirou-me a granito.
—Espere um instante.
João Romão deu um pulo á venda, deixou algumas ordens, enterrou
um chapéo na cabeça e voltou a ter com o outro.
—Ande a ver! gritou-lhe da porta do frege, que a pouco e pouco se
esvaziara de todo.
O cavouqueiro pagou doze vintens pelo seu almoço e acompanhou-o
em silencio.
Atravessaram o cortiço.
A labutação continuava. As lavadeiras tinham já ido almoçar e tinham
voltado de novo para o trabalho. Agora estavam todas de chapéo de
palha, apezar das toldas que se armaram. Um calor de caustico mordia-
lhes os toutiços em brasa e scintillantes de suor. Um estado febril
apoderava se d'ellas n'aquelle rescaldo; aquella digestão feita ao sol
fermentava-lhes o sangue. A Machona altercava com uma preta que fôra
reclamar um par de meias e destrocar uma camisa; a Augusta, muito
molle sobre a sua taboa de lavar, parecia derreter-se como cebo; a
Leocadia largava de vez em quando a roupa e o sabão para coçar as
comichões do quadril e das virilhas, assanhadas pelo mormaço; a Bruxa
monologava, resmungando n'uma insistencia de idiota, ao lado da
Marcianna que, com o seu typo de mulata velha, um cachimbo ao canto
da bocca, cantava toadas monotonas do sertão:

«Maricas tá marimbando.
Maricas tá marimbando,
Na passage do riacho
Maricas tá marimbando.»

A Florinda, alegre, perfeitamente bem com o rigor do sol, a rebolar


sem fadigas, assobiava os chorados e lundús que se tocavam na
estalagem, e junto d'ella, a melancolica senhora Dona Isabel suspirava,
esfregando a sua roupa dentro da tina, automaticamente, como um
condemnado a trabalhar no presidio; ao passo que o Albino,
saracoteando os seus quadris pobres de homem lymphatico, batia na
taboa um par de calças, no rhythmo cadenciado e miudo de um
cozinheiro a bater bifes. O corpo tremia-lhe todo, e elle, de vez em
quando, suspendia o lenço do pescoço para enxugar a fronte, e então um
gemido suspirado subia-lhe aos labios.
Da casinha numero 8 vinha um falsete agudo, mas afinado. Era a das
Dores que principiava o seu serviço; não sabia engommar sem cantar. No
numero 7 Nênêm cantarolava em tom muito mais baixo; e de um dos
quartos do fundo da estalagem sahia de espaço a espaço uma nota aspera
de trombone.
O vendeiro, ao passar por detrás de Florinda, que no momento
apanhava roupa do chão, ferrou-lhe uma palmada na parte do corpo
então mais em evidencia.
—Não bula, hein?!... gritou ella, rapido, erguendo-se teza.
E, dando com João Romão:—Eu logo vi! Leva implicando aqui com a
gente e depois, vae-se comprar na venda, o safado rouba no peso! Diabo
do gallego! Eu não te quero, sabe?
O vendeiro soltou-lhe nova palmada com mais força e fugio, porque
ella se armára com um regador cheio d'agoa.
—Vem p'ra cá, se és capaz! Diabo da peste!
João Romão já se havia afastado com o cavouqueiro.
—O senhor tem aqui muita gente!... observou-lhe este.
—Oh! fez o outro, sacudindo os hombros, r disse depois com
empafia:—Houvesse mais cem quartos que estariam cheios! Mas é tudo
gente séria! Não ha chinfrins n'esta estalagem; se apparece uma rusga, eu
chego, e tudo acaba logo! Nunca nos entrou cá a policia, nem nunca la
deixaremos entrar! E olhe que se divertem bem com as suas violas! Tudo
gente muito boa!
Tinham chegado ao fim do pateo do cortiço e, depois de transporem
uma porta que se fechava com um pezo amarrado a uma corda, acharam-
se no capinzal que havia antes da pedreira.
—Vamos por aqui mesmo que é mais perto, aconselhou o vendeiro.
E os dois, em vez de procurarem a estrada, atravessaram o capim
quente e trescalante.
Meio dia em ponto. O sol estava a pino; tudo reverberava á luz
irreconciliavel de dezembro, n'um dia sem nuvens. A pedreira, em que
ella batia de chapa em cima, cegava olhada de frente. Era preciso
martyrisar a vista para descobrir as nuances da pedra; nada mais que uma
grande mancha branca e luminosa, terminando pela parte de baixo no
chão coberto de cascalho miudo, que ao longe produzia o effeito de um
betume cinzento, e pela parte de cima na espessura compacta do
arvoredo, onde se não distinguiam outros tons mais do que nodoas
negras, bem negras, sobre o verde-escuro.
Á proporção que os dois se aproximavam da imponente pedreira, o
terreno ia-se tornando mais e mais cascalhudo; os sapatos enfarinhavam-
se de uma poeira clara. Mais adiante, por aqui e por ali, havia muitas
carroças, algumas em movimento, puxadas a burro e cheias de calhaus
partidos; outras já promptas para seguir, a espera do animal, e outras
enfim com os braços para o ar, como se acabassem de ser despejadas
n'aquelle instante. Homens labutavam.
Á esquerda, por cima de um vestigio de rio, que parecia ter sido
bebido de um trago por aquelle sol sedento, havia uma ponte de taboas,
onde tres pequenos, quasi nús, conversavam assentados, sem fazer
sombra, illuminados a prumo pelo sol do meio dia. Para adiante, na
mesma direcção, corria um vasto telheiro, velho e sujo, firmado sobre
columnas de pedra tosca; ahi muitos portuguezes trabalhavam de
canteiro, ao barulho metallico do picão que feria o granito. Logo em
seguida, surgia uma officina de ferreiro, toda atravancada de destroços e
objectos quebrados, entre os quaes avultavam rodas de carro; em volta da
bigorna dois homens, de corpo nú, banhados de suor e alumiados de
vermelho como dous diabos, martellavam cadenciosamente sobre um
pedaço de ferro em brasa; e ali mesmo, perto d'elles, a forja escancarava
uma guela infernal, d'onde sahiam pequenas linguas de fogo, irrequietas
e gulosas.
João Romão parou á entrada da officina e gritou para um dos
ferreiros:
—Ó Bruno! Não se esqueça do varal da lanterna do portão!
Os dois homens suspenderam por um instante o trabalho.
—Já lá fui ver, respondeu o Bruno. Não vale a pena concertal-o; está
todo comido de ferrugem! Faz se-lhe um novo, que é melhor!
—Pois veja lá isso, que a lanterna está a cahir!
E o vendeiro seguio adiante com o outro, emquanto atrás recomeçava
o martellar sobre a bigorna.
Em seguida via-se uma miseravel estrebaria, cheia de capim secco e
excremento de bestas, com logar para meia duzia de animaes. Estava
deserta, mas, no vivo fartum exhalado de lá, sentia-se que fora habitada
ainda aquella noite. Havia depois um deposito de madeiras, servindo ao
mesmo tempo de officina de carpinteiro, tendo á porta troncos d'arvore,
alguns já cerrados, muitas taboas empilhadas, restos de cavernas e
mastros de navio.
D'ahi á pedreira restavam apenas uns cincoenta passos e o chão era já
todo coberto por uma farinha de pedra moida que sujava como a cal.
Aqui, ali, por toda a parte, encontravam-se trabalhadores, uns ao sol,
outros debaixo de pequenas barracas feitas de lona ou de folhas de
palmeira. De um lado cunhavam pedra cantando; de outro a quebravam a
picareta; de outro afeiçoavam lagedos a ponta de picão; mais adiante
faziam parallelepipedos a escopro e macete. E todo aquelle retimtim de
ferramentas, e o martellar da forja, e o côro dos que lá em cima
brocavam a rocha para lançar-lhe fogo, e a surda zuada ao longe, que
vinha do cortiço, como de uma aldeia alarmada; tudo dava a idéa de uma
actividade feroz, de uma luta de vingança e de odio. Aquelles homens
gottejantes de suor, bebedos de calor, desvairados de insolação, a
quebrarem, a espicaçarem, a torturarem a pedra, pareciam um punhado
de demonios revoltados na sua impotencia contra o impassivel gigante
que os contemplava com desprezo, imperturbavel a todos os golpes e a
todos os tiros que lhe desfechavam no dorso, deixando sem um gemido
que lhe abrissem as entranhas de granito.
O membrudo cavouqueiro havia chegado á fralda do orgulhoso
monstro de pedra; tinha-o cara a cara, medio-o de alto abaixo, arrogante,
n'um desafio surdo.
A pedreira mostrava n'esse ponto de vista o seu lado mais imponente.
Descomposta, com o escalavrado flanco exposto ao sol, erguia-se
altaneira e desassombrada, affrontando o céo, muito ingreme, lisa,
escaldante e cheia de cordas que mesquinhamente lhe escorriam pela
cyclopica nudez com um effeito de teias de aranha. Em certos logares,
muito alto do chão, lhe haviam espetado alfinetes de ferro, amparando,
sobre um precipicio, miseraveis taboas que, vistas cá de baixo, pareciam
palitos, mas em cima das quaes uns atrevidos pigmêos de forma humana
equilibravam-se, desfechando golpes de picareta contra o gigante.
O cavouqueiro meneou a cabeça com ar de lastima. O seu gesto
desaprovava todo aquelle serviço.
—Veja lá! disse elle, apontando para certo ponto da rocha. Olhe
pr'aquillo! Sua gente tem ido ás cegas no trabalho d'esta pedreira!
Deviam atacal-a justamente por aquel'outro lado, para não contrariar os
veios da pedra. Esta parte aqui é toda granito, é a melhor! Pois olhe só o
que elles têm tirado de lá—umas lascas, uns calháos que não servem
para nada! É uma dôr de coração ver estragar assim uma peça tão boa!
Agora o que hão de fazer d'essa cascalhada que ahi está senão macacos?
E brada aos céos, creia! ter pedra d'esta ordem para empregal-a em
macacos!
O vendeiro escutava-o em silencio, apertando os beiços, aborrecido
com a idéa d'aquelle prejuizo.
—Uma porcaria de serviço! continuou o outro. Ali onde está aquelle
homem é que deviam ter feito a broca, porque a explosão punha abaixo
toda esta aba que é separada por um veio. Mas quem tem ahi o senhor
capaz de fazer isso? Ninguem; porque é preciso um empregado que saiba
o que faz; que, se a polvora não fôr muito bem medida, nem só não se
abre o veio, como ainda succede ao trabalhador o mesmo que succedeu
ao outro! É preciso conhecer muito bem o trabalho para se poder tirar
partido vantajoso d'esta pedreira! Boa é ella, mas não nas mãos em que
está! É muito perigosa nas explosões; é muito em pé! Quem lhe lascar
fogo não póde fugir senão para cima pela corda, e se o sujeito não fôr
fino leva-o o demo! Sou eu quem o diz!
E depois de uma pausa, acrescentou, tomando na sua mão, grossa
como o proprio cascalho, um parallelipipedo que estava no chão:—Que
digo eu?! Cá está! Macacos de granito! Isto até é uma coisa que estes
burros deviam esconder por vergonha!
Acompanhando a pedreira pelo lado direito e seguindo-a na volta que
ella dava depois, formando um angulo obtuso, é que se via quanto era
grande. Suava-se bem antes de chegar ao seu limite com a matta.
—Que mina de dinheiro!... dizia o homemzarrão, parando
enthusiasmado defronte do novo panno de rocha viva que se desdobrava
na presença d'elle.
—Toda esta parte que se segue agora, declarou João Romão ainda não
é minha.
E continuaram a andar para diante.
D'este lado multiplicavam-se as barraquinhas; os macaqueiros
trabalhavam á sombra d'ellas, indifferentes áquelles dois. Viam-se
panellas ao fogo, sobre quatro pedras, ao ar livre, e rapazitos tratando do
jantar dos paes. De mulher nem signal. De vez em quando, na penumbra
de um ensombro de lona, dava-se com um grupo de homens, comendo de
cocaras defronte uns dos outros, uma sardinha na mão esquerda, um pão
na direita, ao lado de uma garrafa d'agua.
—Sempre o mesmo serviço mal feito e mal dirigido!... resmungou o
cavouqueiro.
Entretanto, a mesma actividade parecia reinar por toda a parte. Mas, lá
no fim, debaixo dos bambus que marcavam o limite da pedreira, alguns
trabalhadores dormiam á sombra, de papo para o ar, a barba espetando
para o alto, o pescoço entumecido de cordoveias grossas como enxarcias
de navio, a bocca aberta, a respiração forte e tranquilla de animal sadio,
n'um feliz e plethorico resfolgar de besta cansada.
—Que relaxamento! resmungou de novo o cavouqueiro. Tudo isto
está a reclamar um homem tezo que olhe a sério para o serviço!
—Eu nada tenho que ver com este lado! observou Romão.
—Mas lá da sua banda hão de fazer o mesmo! Olaré!
—Abusam, porque tenho de olhar pelo negocio lá fora...
—Commigo aqui é que elles não fariam cera. Isso juro eu! Entendo
que o empregado deve ser bem pago, ter para a sua comida á farta, o seu
gole de vinho, mas que deve fazer serviço que se veja, ou, então, rua!
Rua, que não falta por ahi quem queira ganhar dinheiro! Auctorise-me a
olhar por elles e verá!
—O diabo e que você quer setenta mil réis... suspirou João Romão.
—Ah! nem menos um real!... Mas commigo aqui ha de ver o que lhe
faço entrar pr'algibeira! Temos cá muita gente que não precisa de estar.
Para que tanto macaqueiro, por exemplo? Aquillo é serviço para
descanço; é serviço de criança! Em vez de todas aquellas lesmas, pagas
talvez a trinta mil reis...
—É justamente quanto lhes dou.
—... melhor seria tomar dois bons trabalhadores de cincoenta, que
fazem o dobro do que fazem aquelles monos e que podem servir para
outras coisas! Parece que nunca trabalharam! Olhe, é já a terceira vez
que aquelle que alli está deixa cahir o escopro! Com effeito!
João Romão ficou calado, a scismar, emquanto voltavam. Vinham
ambos pensativos.
—E você, se eu o tomar, disse depois o vendeiro, muda-se cá para
estalagem?
—Naturalmente! não hei de ficar lá na cidade nova, tendo o serviço
aqui!...
—E a comida, forneço-a eu?...
—Isso é que a mulher é quem a faz; mas as compras sahem-lhe da
venda...
—Pois está fechado o negocio! deliberou João Romão, convencido de
que não podia, por economia, dispensar um homem d'aquelles. E pensou
lá de si para si: «Os meus setenta mil reis voltar-me-hão á gaveta. Tudo
me fica em casa!»
—Então estamos entendidos?...
—Estamos entendidos!
—Posso amanhã fazer a mudança?
—Hoje mesmo, se quizer; tenho um commodo que lhe ha de calhar. É
o numero 35. Vou mostrar-lh'o.
E, aligeirando o passo, penetraram na estrada do capinzal com
direcção ao fundo do cortiço.
—Ah! é verdade! como você se chama?
—Jeronymo, para o servir.
—Servir a Deus. Sua mulher lava?
—É lavadeira, sim senhor.
—Bem, precisamos ver-lhe uma tina.
E o vendeiro empurrou a porta do fundo da estalagem, d'onde
escapou, como de uma panella fervendo que se destapa, uma baforada
quente, vozeria tresandante á fermentação de suores e roupa ensaboada
seccando ao sol.

V
No dia seguinte, com effeito, ali pelas sete da manhã, quando o
cortiço fervia já na costumada labutação, Jeronymo apresentou-se junto
com a mulher, para tomarem conta da casinha alugada na vespera.
A mulher chamava-se Piedade de Jesus; teria trinta annos, boa
estatura, carne ampla e rija, cabellos fortes de um castanho fulvo, dentes
pouco alvos, mas solidos e perfeitos, cara cheia, physionomia aberta; um
todo de bonhomia toleirona, desabotoando-lhe pelos olhos e pela bocca
numa sympathica expressão de honestidade simples e natural.
Vieram ambos á boléa da andorinha que lhes carregou os trens. Ella
trazia uma saia de sarja roxa, cabeção branco de panninho de algodão e
na cabeça um lenço vermelho de alcobaça; o marido a mesma roupa do
dia anterior.
E os dois apearam-se muito atrapalhados com os objectos que não
confiaram dos homens da carroça; Jeronymo abraçado a duas
formidaveis mangas de vidro, das primitivas, d'essas em que se podia á
vontade enfiar uma perna; e a Piedade atracada com um velho relogio de
parede e com uma grande trouxa de santos e palmas bentas. E assim
atravessaram o pateo da estalagem, entre os commentarios e os olhares
curiosos dos antigos moradores, que nunca viam sem uma pontinha de
desconfiança os inquilinos novos que surgiam.
—O que será este pedaço d'homem? indagou a Machona da sua
visinha de tina, a Augusta Carne-molle.
—A modos, respondeu esta, que vem pr'a trabalhar na pedreira. Elle
hontem andou por lá um rôr de tempo com o João Romão.
—Aquella mulher que entrou junto será casada com elle?
—E de crer.
—Ella me parece gente das ilhas.
—Elles o que têm é muito bons trastes de seu! interveio a Leocadia.
Uma cama que deve de ser um regalo e um toucador com um espelho
maior do que aquella peneira!
—E a commoda, você vio, nhá Leocadia? perguntou Florinda,
gritando para ser ouvida, porque entre ella e a outra estavam a Bruxa e a
velha Marcianna.
—Vi. Rico traste!
—E o oratorio, então? Muito bonito!...
—Vi tambem. E obra de capricho. Não! elles, sejam lá quem fôr, são
gente arranjada... Isso não se lhes póde negar!
—Se são bons ou máos só com o tempo se saberá!... arriscou Dona
Isabel.
—Quem vê cara não vê corações ... sentenciou o triste Albino,
suspirando.
—Mas o numero 35 não estava occupado por aquelle homem muito
amarello que fazia charutos?... inquirio Augusta.
—Estava, confirmou a mulher do ferreiro, a Leocadia, porém creio
que arribou, devendo não sei quanto, e o João Romão então esvaziou-lhe
hontem a casa e tomou conta do que era d'elle.
É! accudio a Machona; hontem, pelo cahir das duas da tarde, o
Romão andava ahi as voltas com os cacarecos do charuteiro. Quem sabe,
se o pobre homem não levou a breca, como succedeu aquel'outro que
trabalhava de ourives?
—Não! Este creio que está vivo...
—O que lhe digo é que aquelle numero 35 tem máo agouro! Eu cá por
mim não o queria nem de graça! Foi lá que morreu a Maricas do Farjão!
Tres horas depois, Jeronymo e Piedade achavam-se installados e
dispunham-se a comer o almoço, que a mulher preparara o melhor e o
mais depressa que poude. Elle contava aviar até á noite uma infinidade
de coisas, para poder começar a trabalhar logo no dia seguinte.
Era tão methodico e tão bom como trabalhador quanto o era como
homem.
Jeronymo viéra da terra, com a mulher e uma filhinha ainda pequena,
tentar a vida no Brazil, na qualidade de colono de um fazendeiro, em
cuja fazenda moirejou durante dois annos, sem nunca levantar a cabeça,
e donde afinal se retirou de mãos vazias e com grande birra pela lavoura
brasileira. Para continuar a servir na roça tinha que sujeitar-se a
emparelhar com os negros escravos e viver com elles no mesmo meio
degradante, encurralado como uma besta, sem aspirações, nem futuro,
trabalhando eternamente para outro.
Não quiz. Resolveu abandonar de vez semelhante estupor de vida e
atirar-se para a côrte, onde, diziam-lhe patricios, todo o homem bem
disposto encontrava furo. E, com effeito, mal chegou, devorado de
necessidades e privações, metteu-se a quebrar pedra n'uma pedreira,
mediante um miseravel salario. A sua existencia continuava dura e
precaria; a mulher já então lavava e engommava, mas com pequena
freguezia e mal paga. O que os dois faziam chegava-lhes apenas para não
morrer de fome e pagar o quarto da estalagem.
Jeronymo, porém, era perseverante, observador e dotado de certa
habilidade. Em poucos mezes se apoderava do seu novo officio e, de
quebrador de pedra, passou logo a fazer parallelepipedos; e depois foi se
ageitando com o prumo e com a esquadria e metteu-se a fazer lagedos; e
finalmente, á força de dedicação pelo serviço, tornou-se tão bom como
os melhores trabalhadores de pedreira e a ter salario igual ao d'elles.
Dentro de dois annos, distinguia-se tanto entre os companheiros, que o
patrão o converteu n'uma especie de contra-mestre e elevou-lhe o
ordenado a setenta mil réis.
Mas não foram só o seu zelo e a sua habilidade o que o pôz assim
para a frente; duas outras coisas contribuiram muito para isso: a força de
touro que o tornava respeitado e temido por todo o pessoal dos
trabalhadores, como ainda, e talvez principalmente, a grande seriedade
do seu caracter e a pureza austera dos seus costumes. Era homem de uma
honestidade a toda a prova e de uma primitiva simplicidade no seu modo
de viver. Sahia de casa para o serviço e do serviço para a casa, onde
nunca ninguem o vira com a mulher senão em boa paz; traziam a filhinha
sempre limpa e bem alimentada, e, tanto um como o outro, eram sempre
os primeiros á hora do trabalho. Aos domingos iam ás vezes á missa ou,
á tarde, ao passeio publico; n'essas occasiões, elle punha uma camisa
engommada, calçava sapatos e enfiava um paletó; ella o seu vestido de
ver a Deus, os seus oiros trazidos da terra, que nunca tinham ido ao
monte de soccorro, máo grado as difficuldades com que os dois lutaram
a principio no Brazil.
Piedade merecia bem o seu homem, muito diligente, sadia, honesta,
forte, bem acommodada com tudo e com todos, trabalhando de sol a sol
e dando sempre tão boas contas da obrigação, que os seus freguezes de
roupa, apezar d'aquella mudança para Botafogo, não a deixaram quasi
todos.
Jeronymo, ainda na cidade nova, logo que principiara a ganhar
melhor, fizéra-se irmão de uma ordem terceira e tratára de ir pondo
alguma coisinha de parte. Metteu a filha num collegio, «que a queria
com outro saber que não elle, a quem os paes não mandaram ensinar
nada.» Por ultimo, no cortiço em que então moravam, a sua casinha era a
mais decente, a mais respeitada e a mais confortavel; porém, com a
morte do seu patrão e com uma reforma estupida que os successores
d'este realisaram em todo o serviço da pedreira, o colono desgostou-se
d'ella e resolveu passar para outra.
Foi então que lhe indicaram a do João Romão, que, depois do desastre
do seu melhor empregado, andava justamente á procura de um homem
nas condições de Jeronymo.
Tomou conta da direcção de todo o serviço, e em boa hora o fez,
porque dia a dia a sua influencia se foi sentindo no progresso do
trabalho. Com o seu exemplo os companheiros tornavam-se igualmente
serios e zelosos. Elle não admittia relaxamentos, nem podia consentir
que um preguiçoso se demorasse ali tomando o logar de quem precisava
ganhar o pão. E alterou o pessoal da pedreira, despedio alguns
trabalhadores, admittio novos, augmentou o ordenado dos que ficaram,
estabelecendo-lhes novas obrigações e reformando tudo para melhor. No
fim de dois mezes já o vendeiro esfregava as mãos de contente e via,
radiante, quanto lucrara com a acquisição de Jeronymo; tanto assim que
estava disposto a augmentar-lhe o ordenado para conserval-o em sua
companhia, «Valia a pena! Aquelle homem era um achado precioso!
Abençoado fosse o Machucas que lh'o enviára!» E começou a distinguil-
o e respeital-o como não fazia a ninguem.
O prestigio e a consideração que Jeronymo gosava entre os moradores
da outra estalagem d'onde vinha, foi a pouco e pouco se reproduzindo
entre os seus novos companheiros de cortiço. Ao cabo de algum tempo
era consultado e ouvido, quando qualquer questão difficil os
preoccupava. Descobriam-se defronte d'elle, como defronte de um
superior; até o proprio Alexandre abrira uma excepção nos seus habitos e
fazia-lhe uma ligeira continencia com a mão no boné, ao atravessar o
pateo, todo fardado, por occasião de vir ou de ir para o serviço. Os dois
caixeiros da venda, o Domingos e o Manoel, tinham enthusiasmo por
elle. «Aquelle é que devia ser o patrão, diziam. É um homem sério e
destemido! Com aquelle ninguem brinca!» E, sempre que a Piedade de
Jesus ia lá a taverna fazer as suas compras, a fazenda que lhe davam era
bem escolhida, bem medida ou bem pezada. Muitas lavadeiras tomavam
inveja d'ella, mas Piedade era de natural tão bom e bemfazejo que não
dava por isso e a maledicencia murchava antes de amadurecer.
Jeronymo acordava todos os dias ás quatro horas da manhã, fazia
antes dos outros a sua lavagem á bica do pateo, soccava-se depois com
uma boa palangana de caldo de unto, acompanhada de um pão de quatro;
e, em mangas de camisa de riscado, a cabeça ao vento, os grossos pés
sem meias mettidos em um formidavel par de chinellos de couro crú,
seguia para a pedreira.
A sua picareta era para os companheiros o toque de reunir. Aquella
ferramenta movida por um pulso de Hercules valia bem os clarins de um
regimento tocando alvorada. Ao seu retinir vibrante surgiam do chaos
opalino das neblinas vultos côr de cinza, que lá iam, como sombras,
galgando a montanha, para cavar na pedra o pão-nosso de cada dia. E,
quando o sol desfechava sobre o pincaro da rocha os seus primeiros
raios, já encontrava de pé, a bater-se contra o gigante de granito, aquelle
misero grupo de obscuros batalhadores.
Jeronymo só voltava á casa ao descahir da tarde, morto de fome e de
fadiga. A mulher preparava-lhe sempre para o jantar alguma das comidas
da terra d'elles. E ali, n'aquella estreita salinha, socegada e humilde,
gosavam os dois, ao lado um do outro, a paz feliz dos simples, o
voluptuoso prazer do descanso após um dia inteiro de canceiras ao sol. E,
defronte do candieiro de kerosene, conversavam sobre a sua vida e sobre
a sua Marianita, a filhinha que estava no collegio e que só os visitava aos
domingos e dias santos.
Depois, até ás horas de dormir, que nunca passavam das nove, elle
tomava a sua guitarra e ia para defronte da porta, junto com a mulher,
dedilhar os fados da sua terra. Era n'esses momentos que dava plena
expansão ás saudades da patria, com aquellas cantigas melancolicas em
que a sua alma de desterrado voava das zonas abrazadas da America para
as aldeias tristes da sua infancia.
E o canto d'aquella guitarra estrangeira era um lamento choroso e
dolorido, eram vozes magoadas, mais tristes do que uma oração em alto
mar, quando a tempestade agita as negras azas homicidas, e as gaivotas
doidejam assanhadas, cortando a treva com os seus gemidos presagos,
tontas como se estivessem fechadas dentro de uma abobada de chumbo.

VI
Amanhecera um domingo alegre no cortiço, um bom dia de abril.
Muita luz e pouco calor.
As tinas estavam abandonadas; os córadoiros despidos. Taboleiros e
taboleiros de roupa engommada sahiam das casinhas, carregados na
maior parte pelos filhos das proprias lavadeiras que se mostravam agora
quasi todas de fato limpo; os casaquinhos brancos avultavam por cima
das saias de chita de côr. Desprezaram-se os grandes chapéos de palha e
os aventaes de aniagem; agora as portuguezas tinham na cabeça um
lenço novo de ramagens vistosas e as brazileiras haviam penteado o
cabello e pregado nos cachos negros um ramalhete de dois vintens;
aquellas traçavam no hombro chales de lã vermelha, e estas de crochet,
de um amarello desbotado. Viam-se homens de corpo nú, jogando a
placa, com grande algazarra. Um grupo de italianos, assentado debaixo
de uma arvore, conversava ruidosamente, fumando cachimbo. Mulheres
ensaboavam os filhos pequenos debaixo da bica, muito zangadas, a
darem-lhe murros, a praguejar, e as crianças berravam, de olhos
fechados, esperneando. A casa da Machona estava n'um reboliço, porque
a familia ia sahir a passeio; a velha gritava, gritava Nênêm, gritava o
Agostinho. De muitas outras sahiam cantos ou sons de instrumentos;
ouviam-se harmonicas e ouviam-se guitarras, cuja discreta melodia era
de vez em quando interrompida por um ronco forte de trombone.
Os papagaios pareciam tambem mais alegres com o domingo e
lançavam das gaiolas phrases inteiras, entre gargalhadas e assobios. Á
porta de diversos commodos, trabalhadores descansavam, de calça limpa
e camisa de meia lavada, assentados em cadeira, lendo e soletrando
jornaes ou livros; um declamava em voz alta versos d'«Os Luziadas»,
com um empenho feroz, que o punha rouco. Transparecia n'elles o prazer
da roupa mudada depois de uma semana no corpo. As casinhas
fumegavam um cheiro bom de refogados de carne fresca, fervendo ao
fogo. Do sobrado do Miranda só as duas ultimas janellas já estavam
abertas e, pela escada que descia para o quintal, passava uma criada
carregando baldes de agoas servidas. Sentia-se n'aquella quietação do dia
inutil a falta do resfolegar afflicto das machinas da visinhança, com que
todos estavam habituados. Para além do solitario capinzal do fundo a
pedreira parecia dormir em paz o seu somno de pedra; mas, em
compensação, o movimento era agora extraordinario á frente da
estalagem e á entrada da venda. Muitas lavadeiras tinham ido para o
portão, olhar quem passava; ao lado d'ellas o Albino, vestido de branco,
com o seu lenço engommado ao pescoço, entretinha-se a chupar balas de
assucar, que comprara ali mesmo ao taboleiro de um baleiro freguez do
cortiço.
Dentro da taverna, os martellos de vinho branco, os copos de cerveja
nacional e os dois vintens de paraty ou laranginha succediam-se por cima
do balcão, passando das mãos do Domingos e do Manoel para as mãos
ávidas dos operarios e dos trabalhadores, que os recebiam com
estrondosas exclamações de pandega. A Izaura, que fôra n'um pulo
tomar o seu primeiro capilé, via-se tonta com os apalpões que lhe davam.
Leonor não tinha um instante de socego, saltando de um lado para outro,
com uma agilidade de mono, a fugir dos punhos callosos dos
cavouqueiros que, entre risadas, tentavam agarral-a; e insistia na sua
ameaça do costume: «que se queixava ao juiz de orfe!» mas não se ia
embora, porque defronte da venda viera estacionar um homem que
tocava cinco instrumentos ao mesmo tempo, com um acompanhamento
desafinado de bombo, pratos e guizos.
Eram apenas oito horas e já muita gente comia e palavreava na casa
de pasto ao lado da venda. João Romão, de roupa mudada como os
outros, mas sempre em mangas de camisa, apparecia de espaço a espaço,
servindo os commensaes; e a Bertoleza, sempre suja e tisnada, sempre
sem domingo nem dia santo, lá estava ao fogão, mexendo as panellas e
enchendo os pratos.
Um acontecimento, porém, veio revolucionar alegremente toda
aquella confederação da estalagem. Foi a chegada da Rita Bahiana, que
voltava depois de uma ausencia de mezes, durante a qual só déra noticias
suas nas occasiões de pagar o aluguel do commodo.
Vinha acompanhada por um moleque, que trazia na cabeça um
enorme samburá carregado de compras feitas no mercado; um grande
peixe espiava por entre folhas de alface com o seu olhar embaciado e
triste, contrastando com as risonhas côres dos rabanetes, das cenouras e
das talhadas de abobora vermelha.
—Põe isso tudo ahi n'essa porta. Ahi no numero 9, pequeno! gritou
ella ao moleque, indicando-lhe a sua casa, e depois pagou-lhe o carreto.
—Podes ir embora, carapeta!
Desde que do portão a bisparam na rua, levantou-se logo um côro de
saudações.
—Olha! quem ahi vem!
—Olé! Bravo! É a Rita Bahiana!
—Já te faziamos morta e enterrada!
—E não é que o demo da mulata está cada vez mais sacudida?...
—Então, coisa ruim! por onde andaste atirando esses quartos?
—D'esta vez a coisa foi de esticar, hein?!
Rita havia parado em meio do pateo.
Cercavam-na homens, mulheres e crianças; todos queriam novas
d'ella. Não vinha em trajo de domingo; trazia casaquinho branco, uma
saia que lhe deixava ver o pé sem meia n'um chinello de polimento com
enfeites de marroquim de diversas côres. No seu farto cabello, crespo e
reluzente, puxado sobre a nuca, havia um molho de manjericão e um
pedaço de baunilha espetado por um gancho. E toda ella respirava o
asseio das brazileiras e um odor sensual de trevos e plantas aromaticas.
Irrequieta, saracoteando o atrevido e rijo quadril bahiano, respondia para
a direita e para a esquerda, pondo á mostra um fio de dentes claros e
brilhantes que enriqueciam a sua physionomia com um realce fascinador.
Acudio quasi todo o cortiço para recebel-a. Choveram abraços e as
chufas do bom acolhimento.
Por onde andara aquelle diabo, que não apparecia para mais de tres
mezes?
—Ora, nem me falles, coração! Sabe? pagode de roça! Que hei de
fazer? é a minha cachaça velha!...
—Mas onde estiveste tu enterrada tanto tempo, creatura?
—Em Jacarepaguá.
—Com quem?
—Com o Firmo...
—Oh! Ainda dura isso?
—Cala a bocca! A coisa agora é seria!
—Qual! Quem mesmo? tu? Passa fóra!
—Paixões da Rita! exclamou o Bruno com uma risada. Uma por
anno! Não contando as miudas!
—Não! isso é que não! Quando estou com um homem não olho p'ra
outro!
Leocadia, que era perdida pela mulata, saltára-lhe ao pescoço ao
primeiro encontro, e agora, defronte d'ella, com as mãos nas cadeiras, os
olhos humidos de commoção, rindo, sem se fartar de vel-a, fazia-lhe
perguntas sobre perguntas:
—Mas porque não te mettes tu logo por uma vez com o Firmo?
porque não te casas com elle?
—Casar? protestou a Rita. N'essa não cáe a filha de meu pae! Casar?
livra! Para que? para arranjar captiveiro? Um marido é peior que o diabo;
pensa logo que a gente é escrava! Nada! qual! Deus te livre! Não ha
como viver cada um senhor e dono do que é seu!
E sacudio todo o corpo n'um movimento de desdem que lhe era
peculiar.
—Olha só que peste! considerou Augusta, rindo, muito molle, na sua
honestidade preguiçosa.
Esta tambem achava infinita graça na Rita Bahiana e seria capaz de
levar um dia inteiro a vel-a dansar o chorado.
Florinda ajudava á mãe a preparar o almoço, quando lhe cheirou que
chegara a mulata, e veio logo correndo, a rir-se desde longe, cahir-lhe
nos braços. A propria Marcianna, de seu natural sempre triste e mettida
comsigo, appareceu á janella, para saudal-a. A das Dôres, com as saias
arrepanhadas no quadril e uma toalha por cima amarrada pela parte de
traz e servindo de avental, o cabello ainda por pentear, mas entrouxado
no alto da cabeça, abandonou a limpeza que fazia em casa e veio ter com
a Rita, para dar-lhe uma palmada e gritar-lhe no nariz:
—D'esta vez tomaste um fartão, hein, mulata assanhada?...
E, ambas a cahirem de riso, abraçaram-se em intimidade de amigas,
que não têm segredos de amor uma para a outra.
A Bruxa veio em silencio apertar a mão de Rita e retirou-se logo.
—Olha a feiticeira! bradou esta ultima, batendo no hombro da idiota.
Que diabo você tanto reza, tia Paula? Eu quero que você me dê um
feitiço para prender meu homem!
E tinha uma phrase para cada um que se aproximasse. Ao ver Dona
Isabel, que appareceu toda cerimoniosa na sua saia da missa e com o seu
velho chale de Macáo, abraçou-a e pedio-lhe uma pitada, que a senhora
recusou, resmungando:
—Sae d'ahi, diabo!
—Cadê Pombinha? perguntou a mulata.
Mas, nessa occasião, Pombinha acabava justamente de sahir de casa,
muito bonita e asseiada com um vestido novo de setineta. As mãos
occupadas com o livro de rezas, o lenço e a sombrinha.
—Ah! Como está chique! exclamou a Rita, meneando a cabeça. É
mesmo uma flor!—E logo que Pombinha se pôz ao seu alcance, abraçou-
lhe a cintura e deu-lhe um beijo.—O João Costa se não te fizer feliz
como os anjos sou capaz de abrir-lhe o casco com o salto do chinello!
Juro pelos cabellos do meu homem!—E depois, tornando-se séria,
perguntou muito em voz baixa á Dona Isabel:—Já veio?...—ao que a
velha respondeu negativamente com um desconsolado e mudo abanar de
orelhas.
O circumspecto Alexandre, sem querer declinar da sua gravidade,
pois que estava fardado e prompto para sahir, contentou-se em fazer com
a mão um cumprimento á mulata, ao qual retrucou esta com uma
continencia militar e uma gargalhada que o desconcertaram.
Iam fazer commentarios sobre o caso, mas a Rita, voltando-se para o
outro lado, gritou:
—Olha o velho Liborio! Como está cada vez mais duro!... Não se
entrega por nada o demonio do judeu!
E correu para o lugar, onde estava, aquecendo-se ao bello sol de abril,
um octogenário, secco, que parecia mumificado pela idade, a fumar n'um
resto de cachimbo, cujo pipo desapparecia na sua bocca já sem labios.
—Ê! ê! fez elle, quando a mulata se approximou.
—Então? perguntou Rita, abaixando-se para tocar-lhe no hombro.
Quando é o nosso negocio?... Mas você ha de deixar-me primeiro abrir o
bahuzinho de folha!...
Liborio rio-se com as gengivas, tentando apalpar as coxas da Bahiana,
por caçoada, affectando luxuria.
Todos acharam graça n'esta pantominice do velhinho, e então, a
mulata, para completar a brincadeira, deu uma volta entufando as saias e

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