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A. The attorneys for each party put forth verbal arguments instead of filing written briefs.
B. They make it mandatory for appellate courts to hear the testimony of witnesses.
C. The decision of the appellate court is binding on lower courts.
D. The complete transcript of trial court proceedings is offered by the defendant directly to the jury.
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D. It is mandatory for the Supreme Court to hear all appeals that come before it.
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7. In the federal courts,the executive officer is called a .
A. bailiff
B. magistrate
C. marshal
D. sheriff
8. laws are those that state how parties are to go forward with filing civil actions and how these
actions are to be tried.
A. Long-arm
B. Substantive
C. Case
D. Procedural
A. defendant
B. prosecutor
C. claimant
D. plaintiff
11. The chief function of the court is to interpret and apply laws from any source to a givensituation.
True False
True False
13. Appellate courts conduct the original trial of cases.
True False
True False
True False
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16. A chief officer is known as a judge in a state court of record as well as in a federal court.
True False
17. The written request that begins a civil suit is called a summon.
True False
True False
19. In a small claims court, there is no jury and a judge tries the case.
True False
20. Describe the procedure for filing a suit in a small claims court.
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Henrique! Acho que você é um excellente menino, uma flôr! E digo-lhe
mais: hei de proteger os seus negocios com Dona Estella...
Fallando assim, tinha-lhe tomado as mãos e affagava-as.
—Olhe, continuou, acariciando-o sempre; não se metta com
donzellas, entende?... São o diabo! Por dá cá aquella palha fica um
homem em apuros! agora quanto ás outras, papo com ellas! Não mande
nenhuma ao vigario, nem lhe dôa a cabeça, porque, no fim de contas, nas
circumstancias de Dona Estella, é até um grande serviço que você lhe
faz! Meu rico amiguinho, quando uma mulher já passou dos trinta e pilha
a geito um rapazito da sua idade, é como se descobrisse oiro em pó!
sabe-lhe a gaitas! Fique então sabendo de que não é só a ella que você
faz o obsequio, mas tambem ao marido: quanto mais escovar-lhe você a
mulher, melhor ella ficará de genio, e por conseguinte melhor será para o
pobre homem, coitado! que tem já bastante com que se aborrecer lá por
baixo, com os seus negocios, e precisa de um pouco de descanço quando
volta do serviço e mette-se em casa! Escove-a, escove-a! que a porá
macia que nem velludo! O que é preciso é muito juizinho, percebe? Não
faça outra criançada como a de hoje e continue para diante, não só com
ella, mas com todas as que lhe cahirem debaixo da aza! Vá passando!
menos as de casa aberta, que isso é perigoso por causa das molestias;
nem tão pouco donzellas! Não se metta com a Zulmira! E creia que lhe
fallo assim, porque sou seu amigo, porque o acho sympathico, porque o
acho bonito!
E acarinhou-o tão vivamente d'esta vez, que o estudante, fugindo-lhe
das mãos, affastou-se com um gesto de repugnancia e desprezo,
emquanto o velho lhe dizia em voz comprimida:
—Olha! Espera! Vem cá! Você é desconfiado!...
III
IV
Meia hora depois, quando João Romão se vio menos occupado, foi ter
com o sujeito que o procurava e assentou-se defronte d'elle, cahindo de
fadiga, mas sem se queixar, nem se lhe trahir na physionomia o menor
symptoma de cansaço.
—Você vem da parte do Machucas? perguntou-lhe. Elle fallou-me de
um homem que sabe calçar pedra, lascar fogo e fazer lagedo...
—Sou eu.
—Estava empregado n'outra pedreira?
—Estava e estou. Na de São Diogo, mas desgostei-me d'ella e quero
passar adiante.
—Quanto lhe dão lá?
—Setenta mil réis.
—Oh! Isso é um disparate!
—Não trabalho por menos...
—Eu, o maior ordenado que faço é de cincoenta.
—Cincoenta ganha um macaqueiro...
—Ora! tenho ahi muitos trabalhadores de lagedo por esse preço!
—Duvido que prestem! Aposto a mão direita em como o senhor não
encontra por cincoenta mil réis quem dirija a broca, pese a polvora e
lasque fogo, sem lhe estragar a pedra e sem fazer desastres!
—Sim, mas setenta mil réis é um ordenado impossivel!
—N'esse caso vou como vim... Fica o dito por não dito!
—Setenta mil réis é muito dinheiro!...
—Cá por mim, entendo que vale a pena pagar mais um pouco a um
trabalhador bom, do que estar a soffrer desastres, como o que soffreu sua
pedreira a semana passada! Não fallando na vida do pobre de Christo que
ficou debaixo da pedra!
—Ah! O Machucas fallou-lhe no desastre?
—Contou-m'o, sim senhor, e o desastre não aconteceria se o homem
soubesse fazer o serviço!
—Mas setenta mil réis é impossivel. Desça um pouco!
—Por menos não me serve... E escusamos de gastar palavras!
—Você conhece a pedreira?
—Nunca a vi de perto, mas quiz me parecer que é boa. De longe
cheirou-me a granito.
—Espere um instante.
João Romão deu um pulo á venda, deixou algumas ordens, enterrou
um chapéo na cabeça e voltou a ter com o outro.
—Ande a ver! gritou-lhe da porta do frege, que a pouco e pouco se
esvaziara de todo.
O cavouqueiro pagou doze vintens pelo seu almoço e acompanhou-o
em silencio.
Atravessaram o cortiço.
A labutação continuava. As lavadeiras tinham já ido almoçar e tinham
voltado de novo para o trabalho. Agora estavam todas de chapéo de
palha, apezar das toldas que se armaram. Um calor de caustico mordia-
lhes os toutiços em brasa e scintillantes de suor. Um estado febril
apoderava se d'ellas n'aquelle rescaldo; aquella digestão feita ao sol
fermentava-lhes o sangue. A Machona altercava com uma preta que fôra
reclamar um par de meias e destrocar uma camisa; a Augusta, muito
molle sobre a sua taboa de lavar, parecia derreter-se como cebo; a
Leocadia largava de vez em quando a roupa e o sabão para coçar as
comichões do quadril e das virilhas, assanhadas pelo mormaço; a Bruxa
monologava, resmungando n'uma insistencia de idiota, ao lado da
Marcianna que, com o seu typo de mulata velha, um cachimbo ao canto
da bocca, cantava toadas monotonas do sertão:
«Maricas tá marimbando.
Maricas tá marimbando,
Na passage do riacho
Maricas tá marimbando.»
V
No dia seguinte, com effeito, ali pelas sete da manhã, quando o
cortiço fervia já na costumada labutação, Jeronymo apresentou-se junto
com a mulher, para tomarem conta da casinha alugada na vespera.
A mulher chamava-se Piedade de Jesus; teria trinta annos, boa
estatura, carne ampla e rija, cabellos fortes de um castanho fulvo, dentes
pouco alvos, mas solidos e perfeitos, cara cheia, physionomia aberta; um
todo de bonhomia toleirona, desabotoando-lhe pelos olhos e pela bocca
numa sympathica expressão de honestidade simples e natural.
Vieram ambos á boléa da andorinha que lhes carregou os trens. Ella
trazia uma saia de sarja roxa, cabeção branco de panninho de algodão e
na cabeça um lenço vermelho de alcobaça; o marido a mesma roupa do
dia anterior.
E os dois apearam-se muito atrapalhados com os objectos que não
confiaram dos homens da carroça; Jeronymo abraçado a duas
formidaveis mangas de vidro, das primitivas, d'essas em que se podia á
vontade enfiar uma perna; e a Piedade atracada com um velho relogio de
parede e com uma grande trouxa de santos e palmas bentas. E assim
atravessaram o pateo da estalagem, entre os commentarios e os olhares
curiosos dos antigos moradores, que nunca viam sem uma pontinha de
desconfiança os inquilinos novos que surgiam.
—O que será este pedaço d'homem? indagou a Machona da sua
visinha de tina, a Augusta Carne-molle.
—A modos, respondeu esta, que vem pr'a trabalhar na pedreira. Elle
hontem andou por lá um rôr de tempo com o João Romão.
—Aquella mulher que entrou junto será casada com elle?
—E de crer.
—Ella me parece gente das ilhas.
—Elles o que têm é muito bons trastes de seu! interveio a Leocadia.
Uma cama que deve de ser um regalo e um toucador com um espelho
maior do que aquella peneira!
—E a commoda, você vio, nhá Leocadia? perguntou Florinda,
gritando para ser ouvida, porque entre ella e a outra estavam a Bruxa e a
velha Marcianna.
—Vi. Rico traste!
—E o oratorio, então? Muito bonito!...
—Vi tambem. E obra de capricho. Não! elles, sejam lá quem fôr, são
gente arranjada... Isso não se lhes póde negar!
—Se são bons ou máos só com o tempo se saberá!... arriscou Dona
Isabel.
—Quem vê cara não vê corações ... sentenciou o triste Albino,
suspirando.
—Mas o numero 35 não estava occupado por aquelle homem muito
amarello que fazia charutos?... inquirio Augusta.
—Estava, confirmou a mulher do ferreiro, a Leocadia, porém creio
que arribou, devendo não sei quanto, e o João Romão então esvaziou-lhe
hontem a casa e tomou conta do que era d'elle.
É! accudio a Machona; hontem, pelo cahir das duas da tarde, o
Romão andava ahi as voltas com os cacarecos do charuteiro. Quem sabe,
se o pobre homem não levou a breca, como succedeu aquel'outro que
trabalhava de ourives?
—Não! Este creio que está vivo...
—O que lhe digo é que aquelle numero 35 tem máo agouro! Eu cá por
mim não o queria nem de graça! Foi lá que morreu a Maricas do Farjão!
Tres horas depois, Jeronymo e Piedade achavam-se installados e
dispunham-se a comer o almoço, que a mulher preparara o melhor e o
mais depressa que poude. Elle contava aviar até á noite uma infinidade
de coisas, para poder começar a trabalhar logo no dia seguinte.
Era tão methodico e tão bom como trabalhador quanto o era como
homem.
Jeronymo viéra da terra, com a mulher e uma filhinha ainda pequena,
tentar a vida no Brazil, na qualidade de colono de um fazendeiro, em
cuja fazenda moirejou durante dois annos, sem nunca levantar a cabeça,
e donde afinal se retirou de mãos vazias e com grande birra pela lavoura
brasileira. Para continuar a servir na roça tinha que sujeitar-se a
emparelhar com os negros escravos e viver com elles no mesmo meio
degradante, encurralado como uma besta, sem aspirações, nem futuro,
trabalhando eternamente para outro.
Não quiz. Resolveu abandonar de vez semelhante estupor de vida e
atirar-se para a côrte, onde, diziam-lhe patricios, todo o homem bem
disposto encontrava furo. E, com effeito, mal chegou, devorado de
necessidades e privações, metteu-se a quebrar pedra n'uma pedreira,
mediante um miseravel salario. A sua existencia continuava dura e
precaria; a mulher já então lavava e engommava, mas com pequena
freguezia e mal paga. O que os dois faziam chegava-lhes apenas para não
morrer de fome e pagar o quarto da estalagem.
Jeronymo, porém, era perseverante, observador e dotado de certa
habilidade. Em poucos mezes se apoderava do seu novo officio e, de
quebrador de pedra, passou logo a fazer parallelepipedos; e depois foi se
ageitando com o prumo e com a esquadria e metteu-se a fazer lagedos; e
finalmente, á força de dedicação pelo serviço, tornou-se tão bom como
os melhores trabalhadores de pedreira e a ter salario igual ao d'elles.
Dentro de dois annos, distinguia-se tanto entre os companheiros, que o
patrão o converteu n'uma especie de contra-mestre e elevou-lhe o
ordenado a setenta mil réis.
Mas não foram só o seu zelo e a sua habilidade o que o pôz assim
para a frente; duas outras coisas contribuiram muito para isso: a força de
touro que o tornava respeitado e temido por todo o pessoal dos
trabalhadores, como ainda, e talvez principalmente, a grande seriedade
do seu caracter e a pureza austera dos seus costumes. Era homem de uma
honestidade a toda a prova e de uma primitiva simplicidade no seu modo
de viver. Sahia de casa para o serviço e do serviço para a casa, onde
nunca ninguem o vira com a mulher senão em boa paz; traziam a filhinha
sempre limpa e bem alimentada, e, tanto um como o outro, eram sempre
os primeiros á hora do trabalho. Aos domingos iam ás vezes á missa ou,
á tarde, ao passeio publico; n'essas occasiões, elle punha uma camisa
engommada, calçava sapatos e enfiava um paletó; ella o seu vestido de
ver a Deus, os seus oiros trazidos da terra, que nunca tinham ido ao
monte de soccorro, máo grado as difficuldades com que os dois lutaram
a principio no Brazil.
Piedade merecia bem o seu homem, muito diligente, sadia, honesta,
forte, bem acommodada com tudo e com todos, trabalhando de sol a sol
e dando sempre tão boas contas da obrigação, que os seus freguezes de
roupa, apezar d'aquella mudança para Botafogo, não a deixaram quasi
todos.
Jeronymo, ainda na cidade nova, logo que principiara a ganhar
melhor, fizéra-se irmão de uma ordem terceira e tratára de ir pondo
alguma coisinha de parte. Metteu a filha num collegio, «que a queria
com outro saber que não elle, a quem os paes não mandaram ensinar
nada.» Por ultimo, no cortiço em que então moravam, a sua casinha era a
mais decente, a mais respeitada e a mais confortavel; porém, com a
morte do seu patrão e com uma reforma estupida que os successores
d'este realisaram em todo o serviço da pedreira, o colono desgostou-se
d'ella e resolveu passar para outra.
Foi então que lhe indicaram a do João Romão, que, depois do desastre
do seu melhor empregado, andava justamente á procura de um homem
nas condições de Jeronymo.
Tomou conta da direcção de todo o serviço, e em boa hora o fez,
porque dia a dia a sua influencia se foi sentindo no progresso do
trabalho. Com o seu exemplo os companheiros tornavam-se igualmente
serios e zelosos. Elle não admittia relaxamentos, nem podia consentir
que um preguiçoso se demorasse ali tomando o logar de quem precisava
ganhar o pão. E alterou o pessoal da pedreira, despedio alguns
trabalhadores, admittio novos, augmentou o ordenado dos que ficaram,
estabelecendo-lhes novas obrigações e reformando tudo para melhor. No
fim de dois mezes já o vendeiro esfregava as mãos de contente e via,
radiante, quanto lucrara com a acquisição de Jeronymo; tanto assim que
estava disposto a augmentar-lhe o ordenado para conserval-o em sua
companhia, «Valia a pena! Aquelle homem era um achado precioso!
Abençoado fosse o Machucas que lh'o enviára!» E começou a distinguil-
o e respeital-o como não fazia a ninguem.
O prestigio e a consideração que Jeronymo gosava entre os moradores
da outra estalagem d'onde vinha, foi a pouco e pouco se reproduzindo
entre os seus novos companheiros de cortiço. Ao cabo de algum tempo
era consultado e ouvido, quando qualquer questão difficil os
preoccupava. Descobriam-se defronte d'elle, como defronte de um
superior; até o proprio Alexandre abrira uma excepção nos seus habitos e
fazia-lhe uma ligeira continencia com a mão no boné, ao atravessar o
pateo, todo fardado, por occasião de vir ou de ir para o serviço. Os dois
caixeiros da venda, o Domingos e o Manoel, tinham enthusiasmo por
elle. «Aquelle é que devia ser o patrão, diziam. É um homem sério e
destemido! Com aquelle ninguem brinca!» E, sempre que a Piedade de
Jesus ia lá a taverna fazer as suas compras, a fazenda que lhe davam era
bem escolhida, bem medida ou bem pezada. Muitas lavadeiras tomavam
inveja d'ella, mas Piedade era de natural tão bom e bemfazejo que não
dava por isso e a maledicencia murchava antes de amadurecer.
Jeronymo acordava todos os dias ás quatro horas da manhã, fazia
antes dos outros a sua lavagem á bica do pateo, soccava-se depois com
uma boa palangana de caldo de unto, acompanhada de um pão de quatro;
e, em mangas de camisa de riscado, a cabeça ao vento, os grossos pés
sem meias mettidos em um formidavel par de chinellos de couro crú,
seguia para a pedreira.
A sua picareta era para os companheiros o toque de reunir. Aquella
ferramenta movida por um pulso de Hercules valia bem os clarins de um
regimento tocando alvorada. Ao seu retinir vibrante surgiam do chaos
opalino das neblinas vultos côr de cinza, que lá iam, como sombras,
galgando a montanha, para cavar na pedra o pão-nosso de cada dia. E,
quando o sol desfechava sobre o pincaro da rocha os seus primeiros
raios, já encontrava de pé, a bater-se contra o gigante de granito, aquelle
misero grupo de obscuros batalhadores.
Jeronymo só voltava á casa ao descahir da tarde, morto de fome e de
fadiga. A mulher preparava-lhe sempre para o jantar alguma das comidas
da terra d'elles. E ali, n'aquella estreita salinha, socegada e humilde,
gosavam os dois, ao lado um do outro, a paz feliz dos simples, o
voluptuoso prazer do descanso após um dia inteiro de canceiras ao sol. E,
defronte do candieiro de kerosene, conversavam sobre a sua vida e sobre
a sua Marianita, a filhinha que estava no collegio e que só os visitava aos
domingos e dias santos.
Depois, até ás horas de dormir, que nunca passavam das nove, elle
tomava a sua guitarra e ia para defronte da porta, junto com a mulher,
dedilhar os fados da sua terra. Era n'esses momentos que dava plena
expansão ás saudades da patria, com aquellas cantigas melancolicas em
que a sua alma de desterrado voava das zonas abrazadas da America para
as aldeias tristes da sua infancia.
E o canto d'aquella guitarra estrangeira era um lamento choroso e
dolorido, eram vozes magoadas, mais tristes do que uma oração em alto
mar, quando a tempestade agita as negras azas homicidas, e as gaivotas
doidejam assanhadas, cortando a treva com os seus gemidos presagos,
tontas como se estivessem fechadas dentro de uma abobada de chumbo.
VI
Amanhecera um domingo alegre no cortiço, um bom dia de abril.
Muita luz e pouco calor.
As tinas estavam abandonadas; os córadoiros despidos. Taboleiros e
taboleiros de roupa engommada sahiam das casinhas, carregados na
maior parte pelos filhos das proprias lavadeiras que se mostravam agora
quasi todas de fato limpo; os casaquinhos brancos avultavam por cima
das saias de chita de côr. Desprezaram-se os grandes chapéos de palha e
os aventaes de aniagem; agora as portuguezas tinham na cabeça um
lenço novo de ramagens vistosas e as brazileiras haviam penteado o
cabello e pregado nos cachos negros um ramalhete de dois vintens;
aquellas traçavam no hombro chales de lã vermelha, e estas de crochet,
de um amarello desbotado. Viam-se homens de corpo nú, jogando a
placa, com grande algazarra. Um grupo de italianos, assentado debaixo
de uma arvore, conversava ruidosamente, fumando cachimbo. Mulheres
ensaboavam os filhos pequenos debaixo da bica, muito zangadas, a
darem-lhe murros, a praguejar, e as crianças berravam, de olhos
fechados, esperneando. A casa da Machona estava n'um reboliço, porque
a familia ia sahir a passeio; a velha gritava, gritava Nênêm, gritava o
Agostinho. De muitas outras sahiam cantos ou sons de instrumentos;
ouviam-se harmonicas e ouviam-se guitarras, cuja discreta melodia era
de vez em quando interrompida por um ronco forte de trombone.
Os papagaios pareciam tambem mais alegres com o domingo e
lançavam das gaiolas phrases inteiras, entre gargalhadas e assobios. Á
porta de diversos commodos, trabalhadores descansavam, de calça limpa
e camisa de meia lavada, assentados em cadeira, lendo e soletrando
jornaes ou livros; um declamava em voz alta versos d'«Os Luziadas»,
com um empenho feroz, que o punha rouco. Transparecia n'elles o prazer
da roupa mudada depois de uma semana no corpo. As casinhas
fumegavam um cheiro bom de refogados de carne fresca, fervendo ao
fogo. Do sobrado do Miranda só as duas ultimas janellas já estavam
abertas e, pela escada que descia para o quintal, passava uma criada
carregando baldes de agoas servidas. Sentia-se n'aquella quietação do dia
inutil a falta do resfolegar afflicto das machinas da visinhança, com que
todos estavam habituados. Para além do solitario capinzal do fundo a
pedreira parecia dormir em paz o seu somno de pedra; mas, em
compensação, o movimento era agora extraordinario á frente da
estalagem e á entrada da venda. Muitas lavadeiras tinham ido para o
portão, olhar quem passava; ao lado d'ellas o Albino, vestido de branco,
com o seu lenço engommado ao pescoço, entretinha-se a chupar balas de
assucar, que comprara ali mesmo ao taboleiro de um baleiro freguez do
cortiço.
Dentro da taverna, os martellos de vinho branco, os copos de cerveja
nacional e os dois vintens de paraty ou laranginha succediam-se por cima
do balcão, passando das mãos do Domingos e do Manoel para as mãos
ávidas dos operarios e dos trabalhadores, que os recebiam com
estrondosas exclamações de pandega. A Izaura, que fôra n'um pulo
tomar o seu primeiro capilé, via-se tonta com os apalpões que lhe davam.
Leonor não tinha um instante de socego, saltando de um lado para outro,
com uma agilidade de mono, a fugir dos punhos callosos dos
cavouqueiros que, entre risadas, tentavam agarral-a; e insistia na sua
ameaça do costume: «que se queixava ao juiz de orfe!» mas não se ia
embora, porque defronte da venda viera estacionar um homem que
tocava cinco instrumentos ao mesmo tempo, com um acompanhamento
desafinado de bombo, pratos e guizos.
Eram apenas oito horas e já muita gente comia e palavreava na casa
de pasto ao lado da venda. João Romão, de roupa mudada como os
outros, mas sempre em mangas de camisa, apparecia de espaço a espaço,
servindo os commensaes; e a Bertoleza, sempre suja e tisnada, sempre
sem domingo nem dia santo, lá estava ao fogão, mexendo as panellas e
enchendo os pratos.
Um acontecimento, porém, veio revolucionar alegremente toda
aquella confederação da estalagem. Foi a chegada da Rita Bahiana, que
voltava depois de uma ausencia de mezes, durante a qual só déra noticias
suas nas occasiões de pagar o aluguel do commodo.
Vinha acompanhada por um moleque, que trazia na cabeça um
enorme samburá carregado de compras feitas no mercado; um grande
peixe espiava por entre folhas de alface com o seu olhar embaciado e
triste, contrastando com as risonhas côres dos rabanetes, das cenouras e
das talhadas de abobora vermelha.
—Põe isso tudo ahi n'essa porta. Ahi no numero 9, pequeno! gritou
ella ao moleque, indicando-lhe a sua casa, e depois pagou-lhe o carreto.
—Podes ir embora, carapeta!
Desde que do portão a bisparam na rua, levantou-se logo um côro de
saudações.
—Olha! quem ahi vem!
—Olé! Bravo! É a Rita Bahiana!
—Já te faziamos morta e enterrada!
—E não é que o demo da mulata está cada vez mais sacudida?...
—Então, coisa ruim! por onde andaste atirando esses quartos?
—D'esta vez a coisa foi de esticar, hein?!
Rita havia parado em meio do pateo.
Cercavam-na homens, mulheres e crianças; todos queriam novas
d'ella. Não vinha em trajo de domingo; trazia casaquinho branco, uma
saia que lhe deixava ver o pé sem meia n'um chinello de polimento com
enfeites de marroquim de diversas côres. No seu farto cabello, crespo e
reluzente, puxado sobre a nuca, havia um molho de manjericão e um
pedaço de baunilha espetado por um gancho. E toda ella respirava o
asseio das brazileiras e um odor sensual de trevos e plantas aromaticas.
Irrequieta, saracoteando o atrevido e rijo quadril bahiano, respondia para
a direita e para a esquerda, pondo á mostra um fio de dentes claros e
brilhantes que enriqueciam a sua physionomia com um realce fascinador.
Acudio quasi todo o cortiço para recebel-a. Choveram abraços e as
chufas do bom acolhimento.
Por onde andara aquelle diabo, que não apparecia para mais de tres
mezes?
—Ora, nem me falles, coração! Sabe? pagode de roça! Que hei de
fazer? é a minha cachaça velha!...
—Mas onde estiveste tu enterrada tanto tempo, creatura?
—Em Jacarepaguá.
—Com quem?
—Com o Firmo...
—Oh! Ainda dura isso?
—Cala a bocca! A coisa agora é seria!
—Qual! Quem mesmo? tu? Passa fóra!
—Paixões da Rita! exclamou o Bruno com uma risada. Uma por
anno! Não contando as miudas!
—Não! isso é que não! Quando estou com um homem não olho p'ra
outro!
Leocadia, que era perdida pela mulata, saltára-lhe ao pescoço ao
primeiro encontro, e agora, defronte d'ella, com as mãos nas cadeiras, os
olhos humidos de commoção, rindo, sem se fartar de vel-a, fazia-lhe
perguntas sobre perguntas:
—Mas porque não te mettes tu logo por uma vez com o Firmo?
porque não te casas com elle?
—Casar? protestou a Rita. N'essa não cáe a filha de meu pae! Casar?
livra! Para que? para arranjar captiveiro? Um marido é peior que o diabo;
pensa logo que a gente é escrava! Nada! qual! Deus te livre! Não ha
como viver cada um senhor e dono do que é seu!
E sacudio todo o corpo n'um movimento de desdem que lhe era
peculiar.
—Olha só que peste! considerou Augusta, rindo, muito molle, na sua
honestidade preguiçosa.
Esta tambem achava infinita graça na Rita Bahiana e seria capaz de
levar um dia inteiro a vel-a dansar o chorado.
Florinda ajudava á mãe a preparar o almoço, quando lhe cheirou que
chegara a mulata, e veio logo correndo, a rir-se desde longe, cahir-lhe
nos braços. A propria Marcianna, de seu natural sempre triste e mettida
comsigo, appareceu á janella, para saudal-a. A das Dôres, com as saias
arrepanhadas no quadril e uma toalha por cima amarrada pela parte de
traz e servindo de avental, o cabello ainda por pentear, mas entrouxado
no alto da cabeça, abandonou a limpeza que fazia em casa e veio ter com
a Rita, para dar-lhe uma palmada e gritar-lhe no nariz:
—D'esta vez tomaste um fartão, hein, mulata assanhada?...
E, ambas a cahirem de riso, abraçaram-se em intimidade de amigas,
que não têm segredos de amor uma para a outra.
A Bruxa veio em silencio apertar a mão de Rita e retirou-se logo.
—Olha a feiticeira! bradou esta ultima, batendo no hombro da idiota.
Que diabo você tanto reza, tia Paula? Eu quero que você me dê um
feitiço para prender meu homem!
E tinha uma phrase para cada um que se aproximasse. Ao ver Dona
Isabel, que appareceu toda cerimoniosa na sua saia da missa e com o seu
velho chale de Macáo, abraçou-a e pedio-lhe uma pitada, que a senhora
recusou, resmungando:
—Sae d'ahi, diabo!
—Cadê Pombinha? perguntou a mulata.
Mas, nessa occasião, Pombinha acabava justamente de sahir de casa,
muito bonita e asseiada com um vestido novo de setineta. As mãos
occupadas com o livro de rezas, o lenço e a sombrinha.
—Ah! Como está chique! exclamou a Rita, meneando a cabeça. É
mesmo uma flor!—E logo que Pombinha se pôz ao seu alcance, abraçou-
lhe a cintura e deu-lhe um beijo.—O João Costa se não te fizer feliz
como os anjos sou capaz de abrir-lhe o casco com o salto do chinello!
Juro pelos cabellos do meu homem!—E depois, tornando-se séria,
perguntou muito em voz baixa á Dona Isabel:—Já veio?...—ao que a
velha respondeu negativamente com um desconsolado e mudo abanar de
orelhas.
O circumspecto Alexandre, sem querer declinar da sua gravidade,
pois que estava fardado e prompto para sahir, contentou-se em fazer com
a mão um cumprimento á mulata, ao qual retrucou esta com uma
continencia militar e uma gargalhada que o desconcertaram.
Iam fazer commentarios sobre o caso, mas a Rita, voltando-se para o
outro lado, gritou:
—Olha o velho Liborio! Como está cada vez mais duro!... Não se
entrega por nada o demonio do judeu!
E correu para o lugar, onde estava, aquecendo-se ao bello sol de abril,
um octogenário, secco, que parecia mumificado pela idade, a fumar n'um
resto de cachimbo, cujo pipo desapparecia na sua bocca já sem labios.
—Ê! ê! fez elle, quando a mulata se approximou.
—Então? perguntou Rita, abaixando-se para tocar-lhe no hombro.
Quando é o nosso negocio?... Mas você ha de deixar-me primeiro abrir o
bahuzinho de folha!...
Liborio rio-se com as gengivas, tentando apalpar as coxas da Bahiana,
por caçoada, affectando luxuria.
Todos acharam graça n'esta pantominice do velhinho, e então, a
mulata, para completar a brincadeira, deu uma volta entufando as saias e