You are on page 1of 30
4.1. Metodologia da Pesquisa Empirica Falar de metadologia da pesquisa empfrica € falar dos processos ¢ dos instru- mentos de trabalho, dos procedimentos tedricos & implementagtio dos disposi- tivos téenicos, a que recorrem os socidlogos para conhecer ¢ dar a conhecer & realidade social. Esta definigio generalista, embora pouco precisa, tem & van- tagem de incluir as diferentes modalidades de procug@o de conhecimento ~ a pesquisa cientifica mas também a resposta a pediddos variados feitos pelas insti- tuigdes aos profissionais da sociologia. Pedidos esses de que sto exemplo son- dagens, diagnésticos, planos de desenvolvimento, anélises com objectivos de intervencio em diferentes localidades ou em empresas ¢ outras organizagies. As questdes que sio objecto de pesquisa em sociologia so também muitas ‘eres as que preocupam as pessoas, ou as instituigdes em geral. Porque é que persistem nas sociedades contempordneas tantas assimettias e h4 quem tenha acesso a todos 0s bens e outros deles se véem excluidos? Porque ha violencia nos estfdios de futebol? Porque € que sendo o custo da frequéncia universitéria, nas escolas publicas, relativamente baixo, continvamos a ter em Portugal uma percentagem de licenciados to baixa relativamente & média europeia? Mas nao s6 0s problemas, que todos podem considerar como problemas, si objecto de investigagio sociol6gica. HA outras interrogagées aparentemente, mais banais, cuja procura de explicagtio, andlise e pesquisa so susceptiveis de nos elucidar acerca da sociedade em que vivemos, suas regras ¢ modalidades de funcionamento, Porque & nas nossas sociedades as pessoas tem 0 hibito de se casat? Porque é que quando viajamos num transporte piblico no nos parece bean que algntém, que nao conhecemos, olhe fixamente para in6s? Porque € que acordar mal disposto nfo nos di direito a sair de casa © agredir a primeita pessoa que vemos 1a rua? Fstas, e muitas outias questées, podem constituir pretextos pare a pesquisa empirica. Outras constitvem-se a partir de pedidos directamente veiculados polas insttuigdes. Importa saber, por exemplo, como diminuir o insucesso esco- lar, Necessita-se do conhecimento de aspectos da tealidade social local para a elaboragiio do plano director municipal de uma autarquia, Pretende-se proceder 0 realojamento de pessoas a viver em bairros degradados. Pesquisas, estu- dos parciais, anflises e diagnésticos podem ser encomendados por diversas entidades. Neste capitulo procura-se indicar, exemplificando, os processos, os métodos € as técnicas, que & costume utilizar para investigar, ¢ produzir conhecimento, sobie a realidade social. Mas convém, desde jé, distinguir entre pesquisa cient fica e resposta a pedidos mais centrados, ‘A pesquisa cientifica tem como objective a producio de conhecimento aprofu dado e sistemético sobre uma dada realidade do mundo fisico, psfquico ou social, Hi através da pesquisa que se renovam conhecimentos ou se produzem 93 194 novos conhecimentos, se enriquecem os q ou se processam as descobertas. iadros conceptuais das disciplinas Muitas vezes a realidade estudada no muda, mas ao mudar o nosso olhar sobre cela descobrem-se outras relagdes e, por vezes, outras reatidades, O que sepata as teorias de Newton das de Einstein, nfo € a mudanga no mundo fisico, mas justamente 0s novos horizontes que sobre ele o olhar de Einstein nos abriv. Essa nova mancita de encarar 0 mundo fisico, essas novas relagdes que o cien- tista estabelecen entre 0 espago e tempo, nasceram da conjungao sempre fatima entre teoria © pesquisa, Um provesso que se estabelece no inicio com a formu- lacdo de uma pergunta do pode aparecer senfo no quadro de um conjunto anterior de teorias € concepgdes sobre 0 mundo. Se nfo se sabe no se pode perguntar, se no se pergunta nfo se pode saber nada de novo. Do processo da pesquisa cientifica fazem parte 0 conjunto de mecanismos te6ricos, conceptuais, metodoldgicos e técnicos que se desencadeiam A procura da resposta para a pergunta que foi formulada. Através da metodologia da pesquisa empirica a pergunta inicial comega a ser transformada em questées, hipdteses mais precisas. Desenha-se um caminho que permite aferir sc as hipdteses estabelecidas se podem confirmar ou infirmar, poe-se em acgfo um conjunto de técnicas que depende da problemética e-do trajecto definidos, “Todos os bons mantis de metodologia costumam prevenir os seus utilizadores de um uso cego, tipo receita, dos seus ensinamentos. Procura-se quase sempre mostrar, através da ilustragao, que o caminho da pesquisa se faz caminhand. E que, pata que a jornada chegue ao fim com éxito, se torna necessétio mais do que a aplicagio rigorosa dos métodos e das técnicas, a pesquisa seja encarada como um proceso reflexivo. Isto é, que se trata sobretudo de reflectir a cada passo sobre os diferentes momentos ¢ decisées tomadas ¢ nunca de aplicar ‘mecanicamente um procedimento ou uma técnica, Cada modelo de pesquisa é tinico, A inspiragao que se pode buscar através das ilustragdes dos manuais & sobretudo vélida para comparar problemas & estratégias de solugao mais do que para a repetigtio de procedimentos. No percurso da investigagto, por outro lado, embora se procure respeitar 0 desenho inicial surgem sempre problemas novos, nao previstos, que exigem solugles especifices. Enfim, os possiveis eros na pesquisa raras vezes se encon- tram nos procedimentos técnicos. Na maior parte dos casos, eles situamn-se na prépria estratégia de investigagao, nas escolhas feitas, nas relagdes estabelecidas. A imagem da descoberta cientifica associada a alguém que se levanta de repente da banheira gritando “enreka” € hoje uma pilida caricatura, Nao tanto porque os cientistas nfo possam ter inspiragées stbitas ou solugdes para diivi- das que os atormentam nos mais inusitados Jocais. Mas mais porque a esta velha imagem se tendew a associar uma ideia sobre a pesquisa que nao é de todo realista. Nenhuma decisao sobre unt novo passo a dar surge do rasgo inspi- rado de um génio, sem um longo e demorado processo de trabalho. & desse processo, e das suas especificidades no dominio da sociologia, que trata este capitulo sobre a metodologia da pesquisa empitica. Falémos até aqui de problemas da pesquisa cientifica. Mas disse-se atts que os sociélogos eram também solicitados a responder, através dos s {0s, a pedidos mais delimitados ou centrados, por parte de diversas entidades. conhecimet ‘ais pedidos implicam que se desenvolvam procedimentos de pesquisa empitica, isto 6, métodos e técnicas para conhecer aspectos da realidade social envolvidos nesses pedidos. Mas nilo se trata necessariamente de pesquisa cien- tifica que, como se disse, tem objectivos particulares. Ela exige ritmos, disponi- bilidades e enquadramentos institucionais especificos. Costuma, als, falar-se em investigagdo fundamental e investigacio aplicada quando se protende distin- gir entre uma ¢ outra forma de produgo de conhecimento, mas no 36 a dis- lingéo € menos nftida do que parece, como ela incapaz de separar o que 6 cientifico do que 0 nio A resposta aos pedidos referidos faz. parte, logicamente, do dominio da apli- cagiio de conhecimentos. O que no quer dizer que quando se aplica niio se enriquega e aprofunde o patriménio da respectiva disciplina cientifica. Os exemplos que se seguem mostram como a interacgao entre pesquisa cientffica, pedidos e necessidades sociais so susceptiveis de contribuir quer para 0 avango do conhecimento de uma forma global, quer para uma melhor per~ cepcao das questées soci Qualquer pessoa se dé conta que nos sitimos anos ha aspectos da realidade social que mudam a ritmo vertiginoso. Uma das especificidades da sociologia reside, também, no facto de o objecto mudar incessantemente gerando necessi- dades de conhecimento que nfo sio acompanhados pelos ritmos, sempre mais lentos, da sua produgio. Pedidos da natureza dos indicados acima tomnamt-se, apesar de tudo, cada vex mais frequentes, porque cacia vez. mais se compreende que para intervir sobre a realidade social & necessério conhecé-la. B cada ver. mais se entende, igual- mente, que este conhecimento no € um exercicio fécil muito menos que se faga de uma ver por todas. Verdades que alguns pensam adquiridas para sempre io desmentidas ot pelo menos relativizadas por acontecimentos posteriores ‘Medidas que se tomam com as melhores intengdes tém resultados inesperados, pot vezes, mesmo, perversos, Nos tempos mais recentes os conhecimentos disponibilizados pelas ciéncias sociais tornaram-se crescentemente parte constitutiva da realidade social. Nin- guém imagina hoje eleigSes sem sondagens. Elas fazem parte integrante do proceso eleitoral das sociedades democréticas. Os partidos trabatham em fun- fo tanto delas como das eleigdes. Nao raras vezes se vé que hi efeitos que se produzem nas eleigdes que t&m a yer com as préprias sondagens. O sentido do volo real € susceptivel, mesmo, de ser influenciado pela sondagem. possivel ppensar-se em votar num partido, nio tanto porque se goste dele mas, por exem- plo, como forma de impedir um outro de aleangar 0 poder, Se a sondagem for mais favordivel a0 primeiro pode-se desistir da estratégia defensiva e votar naquele que realinente se prefere. somes ws AKA BERAVENTE, ALF Costa, FL, Macnano, M,C Neves, Do Outro lado da Becola, op. ct As sondagens siio elaboradas por um conjunto de profissionais que tém uma formagio de base na érea das cincias socisis, Convocam 0 dominio de um conjunto de técnicas estatisticas e de amostragem, Quantos, ¢ onde inquiti, para tornar os resultados da sondagem representativos do universo dos votantes? Mas exigem também um conhecimento das préprias condigées de observagiio. Se 0 voto € secreto como garantir a fiabilidade da sondagem? Em que condigées inquiir? E como interpretar os resultados das abstengées? E 0 que dizer acerca dos indecisos? Que sectores sociais se mostram mais inseguros quanto A naturcza do scu voto? Que razdes terdo para o fazer? Nfo se trata ape- nas de fazer contas ou aplicar modelos ja testados noutras situagées. Executar uma sondagem exige também 0 conhecimento dos mecanismos sociais, neste caso, dos que mais podem jogar na escolha politica. HA medidas, como se disse, que so tomadas com a methor das intengdes © cujos resultados ficam muito aquém dos esperados, O exemplo da escolatidade gratuita e obrigatéria ilustra esta distincia. Ninguém duvida que esta medida, assumicla num conjunto de pafses, se destinava a promover a real igualdade de. ‘oportunidades. As pesquisas levadas a cabo na sequéncia da sua criagdio, e apés alguns anos vieram demonstrat, porém, que os mecanismos de selecgio social sio mais complexos. Nao basta ir escola, € preciso ter sucesso escolar, Para cle contribuem um conjunto de factores pouco visiveis que ndo tm a ver apenas, nem sobretudo, com as chamadas capacidades mentais. Estar ou no familiatizado com o ambiente escolar, ter acesso a livros em casa, estdo entre os elementos eventual mente decisivos. As competéncias que intimeras criangas adquirem fora da escola, na rua, por exemplo, niio sio valorizadas dentro da escola. Todos conhe- cemos criangas sobredotadas para a lita pela sobrevivéncia, para um sem, riimero de inteligentes formas de fidar com a sua realidade, mas subdotadas para as competéncias que sio exigidas numa sala de aula, A intervengiio sobre estas realidades exige um conhecimento profundo dos diferentes processos ¢ agentes envolvidos. Nao se trata de problemas que pos: sam ser resolvidos nem s6 pelos directamente envolvidos, os alunos, nem s6 pelos pais, nem s6 pela escola, ou pelos professores, nem s6 pelas instituigées estatais que se ocupam do ensino, Pesquisas realizadas neste dominio tém seve- lado a complexidade desses processos sem contudo deixarem de apontar safdas € formas de intervengao! O insucesso escolar tem efeitos de arrastamento e de blogueio de oportunidades de mobilidade social. Por outtas palavras, € um dos importantes factores da manutengio das desigualdades, Perceber as miltiplas condigées que o geram € obviamente tarefa importante, Contribui-se para 0 conhecimento dos com- plexos mecanismos sociais que operam nas sociedades contemporsineas. Criam. -se condigées pata uma eventual intervengdo, de forma a que os objectives implicitos nas medidas destinadas a promover a igualdade de oportunidades possam ficar mais préximos da coneretizagio. Procurou-se mostrar a selagio que se pode estabelecer entre procuras sociais & alargamento do campo do conhecimento cientifico, Aquelas colocam questées implicam, nas suas vertentes mais produtivas, a extenséo do conhecimento cientifico a novas problemaéticas. Este alargamento proporciona, por sua vez, a elaboragiio de novas e mais adequadas condigées de resposta. ALLL Estratégias de investigagio Embora classificagdes desta natureza sejam sempre um pouco atbiteérias, & necessério distinguir 0 que considerdmos serem diferentes ldgicas ou estraté- gias de investigagio. A distingio fundamenta-se no uso preferencial ou domi- nante de certas técnicas, na nalureza dos objectivas da pesquisa e na origem da propria investigagdio. 5 possivel identificar trés tipos de estratégia ou de légicas de investigagio. ‘A primeira pode ser designada por Iégica “extensiva” pelo facto de se caracte- rizar pelo uso dominante de téenicas quantitativas, O inquérito por questionstio, &, nestes casos, 0 instrumento de recolha de informagio usado prefe- rencialmente, a par de técnicas auxiliares de outro tipo. Da légica extensiva fazem parte um conjunto muito variado de procedimentos. Se pretendemos conhecer caracteristicas de uma populagéo ou problemética, ou se pretendermos conhecer as opinides de um conjunto determinado de indivi ‘duos para podermos a partir delas generalizar para um universo mais alargado, utilizamos meios de recotha de informagio de Ambito extensivo. Por exemplo, se quisermos caractetizar 0 perfil s6cio-profissional, a estrutura dos grupos domésticos, as praticas quanto & natalidade ou nupcialidade, de uma determi- nada populagdo, faz sentido recorrer as estatfstic: isolando o perfodo, a regifio ¢ as varidveis que mais nos interessam, ofici Estudamos certas caracteristicas desse conjumlo de individuos. Mas também acontece, ¢ & isso muito frequente, querer saber as opiniGes dessa popul propésito do Ieque mais variado de questbes ~ valores sobre as diversas dimen- ses relevantes da vida social, representagdes priticas face & escolaridade, face 20 trabalho, face & vida urbana, face & politica, ete Ainda € possfvel escolher um grupo determinado, 08 jovens por exemplo, ou os idosos, ¢ construir uma bateria de interrogagSes que nos paregam pertinentes. A partir da constrago de uma amostra aplicam-se inquéritos por questionério © generaliza-se pata o universo em estudo as opinides assim recolhidas. Com limites ¢ virtualidades que & frente serio mais explicitadas, a abordagem extensiva tem a vantagem, como 0 préprio nome indica, de permitir 0 conheci- mento em extensio de fenémenos, probleméticas ou earacteristicas de uma populagiio. A padronizagio das perguntas, prévia ¢ intencionalmente cons. truida, permite que se aplique a um conjunto de individuos representativos do uuniverso este tipo de inguérito e que se generalizem as conclusées. 9 198 No contexto desta légica de investigago usam-se quase sempre também técni- cas que nao sio de carécter extensivo. Blaboram-se, muitas vezes, entrevistas, antes de consteuir questionétios, utiliza-se a andlise de contetido para perceber © sentido de certas respostas. Mas, globalmente, quer pelos objectivos, quer pela natureza dominante dos instrumentos de recotha de informagio utiizacos, considera-se esta uma légica especitica A segunda estratégia de investigagio que é possivel identificar caracteriza-se por ser “intensiva”. Trata-se de analisar em profundidade as caracteristicas, as opinides, uma problemética relativa a uma populagdo determinada, segundo varios Angulos e pontos de vista. O que se perde em extens4o our numa I6gica de representatividade ganha-se na intensividade da andlise, Privilegia-se a abordagem directa das pessoas nos seus préprios contextos de interacedo, através da obser vagto participante ou nao, ulilizam-se entrevistas de iferente tipo, analisam-se documentos variados referentes 20 presente ou a0 passado, Fazem-se estudos de caso, monogratias, isolam-se probleméticas que se estudam intensivamente, © método biogréfico é outra das modalidades de pesquisa intensiva, Procura.se através de entrevistas de hist6rias de vida perceber de que forma uma experién- cia singular esté associada 20 contexto social envolvente. Conseguc-se reconhe- cer, através destas descigdes, o sentido subjectivo que os actores attibuem as suas aogdes € as estratégias que elaboram face as condigées estruturantes em que decorre 0 seu ciclo de vida, Este tipo de abordagem é largamente aplicado. Toma-se de particular interesse quando aplicado a um sector especffico da populagio, por exemplo, um grupo profissional, ou uma geraga ‘Também nesta Iégica de pesquisa tendemn a ser utilizadas téenicas nfo s6 quali- tativas como quantitativas ou extensivas, como 0 inquétito por questionétio. Mas € sempre dominante a Igica da abordagem moltilateral e intensiva do objecto de pesquisa definido, A terceira I6gica que importa identificar, a légica da investigagio-accao, dis igue-se das anteriores, sobretudo, pela natureza do pedido que dé origem & investigagdo. Na verdade € cada vez mais frequente os cientistas sociais serem chamados a participar em projectos de intervengéo directa. Sao notmalmente trabalhos de equipas multidisciplinares. Pode ser-se chamado a elaborar planos de desenvolvimento regional , a elaborar diagnésticos sobre as condigbes de vida de sectores da populagao excluidos ou desfavorecidos sobre os quais se procura intervir, ete, O grau de envolvimento directo dos investigadores € vatiado, podendo ir desde o pedido de diagndstico da situagio até & patticipagio nos processos de intervengio do princfpio ao fim dos projectos. As técnicas utilizadas, nestes casos, so muito diversas, desde as extensivas as intensivas © que torna esta Iégica de investigagdo especifica so 0s objectivos de apli cago mais directa dos conhecimentos produzidos. Tal especificidade tem implicagées quer na estratégia de investigacio, quer na organizagio dos tempos, quet no faseamento da pesquisa, que nio so apenas dependentes dos ritmos da investigagao da propria. Depois de um primeito momento de aproxima tante entre reflexdo e acgiio. 0 a0 terreno, desencadeia-se umn vai e vem co 4.1.2 Procedimentos e fases da pesquisa s passos que se seguem para a realizagao de uma pesquisa empitica sao relati- vamente padronizéveis, apesar da diversidade das estratégias atrés enunciada. Eles compreendem: 1) a definigo de um problema, ou de uma questiio de par- tida; 2) uma fase exploratéria de consulta de fontes € de primeiro contacto com ‘© problema na sua dimens#o empfrica; 3) define-se a problematica, as hipdteses efou um modelo de anilise; 4) decidem-se os métodos e as técnicas de recotha de informagao a privilegiar; 5) entra-se na fase de observagio sistematica & reoolha da informagao; 6) analisam-se os resultados; 6) interpreta-se a si ficdncia dos resultados face &s questdes de partida e retiram-se conelustes | Este processo acompanhado por um movimento global que se pode identificar em trés palavras chave ~ ruptura, construgéo, constatagio. Vamos ver mais detalhadamente cada uma das fases indicadas. 4.1.2.1 Definigao da questo de partida e fase exploratéria © momento da definigdo da questi de partida esté intimamente Tigado a fase explorat6ria, Vamos tratar destes dois momentos de forma associada, Comega-se por definir 0 que se pretende investigar, ou responde-se a um pedido neste sentido, Quando se trata do primeito caso desde logo se podem colocar alguns problemas. A tendéncia habitual, sobretudo quando se trata de traballios de estudantes ou de investigadores pouco experientes, é para definir questes muito abrangentes ¢ inexequiveis, Ow entdo so as préprias instituigdes que fazem pedidos tio genéticos que o investigador tem de delimitar e retrabalhar 0 pedido formuilado. Exemplo de uma questio mal colocada a partir da qual seria impossivel comecat: como melhorar @ qualidade de vida na cidade, Comege-se logo por dever questionar: melhorar a qualidade de vida para quem’? Os critérios de qualidade de vida dependem de imimeras factotes, a comegar pela propria definigdio de qualidade de vida. O que pata uns pode ser sinénimo de qualidade para outros pode nfio ser. As condigdes de vida de partida dos habitantes da cidade sio tdo diferencindas que tornam estes patamares distintos. Em alguns casos qualidade significard ter minimos dignos de sobrevivencia. Garantidos ‘que estio esses minimos, noutros casos, qualidade pode significar acesso a bens culturais, sossego, 2onas de lazer, usufruto efectivo dos equipamentos que wna grande cidade é capaz de proporeionar. ee Vcr R. Quy et LY. Ccosiesnous, Manuel de Recherche em Sciences ‘Societe, Pais, Dono, 1985; M. Gravirz , Méthodes des Sciences Sectales, Pats Dalz, 1993, 9 €; A Santos Siva e 4. Mapu zane Puro, (Org) detdo- Toga das Cléncls Socias, Port, Ed. Afrontamento, 1987 20 Parece necessiio entio recolocar a questo de outra forma, Pode entender-se que © que se pretende & saber 0 que 0s cidadios desejariam ver melhorado na sua cidade ou nas suas teas especificas de residéncia, para permitir aos decisores politicos locais tragar prioridades na implementacdo de polticas adequadas. A questo transforma-se ento. Que tipo de condigdes de habitagio, de equipa mentos sociais (jardins, creches, espacos de lazer, espacos para estacionar) de transportes e rede vidria, de equipamentos culturais (museus, teatros, cinemas), locais de consumo e sociabilidade, desejariam os habitantes ver eriadas ou methoradas? Percebe-se que se estivermos a falar de uma grande cidade esta questo de partida ainda teria de ser mais delimitada, Haveria certamente de se restringir o seu Ambito a um tipo mais especificado de equipamentos ou circuns- crever o universo da populagio a observar. E necessévio, portanto, fazer um twa batho de especificagao a partir de um pedido ou de uma ideia vaga. AA questo de partida deve ser clara, exequivel e pestinente Clara porque se deve ficar a saber em que sentido exacto se ditige a investi- gagio. Uma pergunta do tipo “o que leva as pessoas a viver em grandes cidades” tem implicito um conjanto outro de questées de ordem civilizacional inrespondiveis no quadro de uma sé pesquisa. Outta questo equfvoca seria, por exemplo, partir da ideia que se queria estudar a emancipagio das mulheres. 0 fenémeno € to vasto, ¢ tem tantas facetas, que seria necesstio detimité-lo, quanto muito @ um perfodo, a um tipo de movirnento, ou a aspectos espectticos desse proceso. Exequivel, porgue tem de haver equilfbrio entre as condigdes disponiveis para investigar e 0 objecto especffico que se define. HA trabalhos claramente irrea- lizéveis em prazos pouco dilatados. © exemplo que se dew acima sobre quali dade de vida na cidade, se niio fosse muito delimitado, exigitia uma pesquisa prolongadissima e com equipas numerosas, Pertinente, porque hé questées que, além de mal formuladas de inicio, podem ser inatingiveis pela via da investigagao. Uma pergunta do tipo “qual é a finali- dade da vida em sociedade” remete, por exemplo, para questdes de ordem filoséfica imposstveis de esclatecer através de uma investigagao sociol6gica, Este processo de delimitago das questées de partida comega a clarificar-se na fase exploratéria, Inicia-se geralmente com uma ideia vaga que se vai pre- cisando & medida que se avanga. A fase exploratéria consiste no momento em que se inicia a recolha de informagio sobre o tema genérico da pesquisa e se iniciam os primeiros contactos directos. A informagao recolhida pode ser muito diversa—dados estatsticos, bibliografia diversa, informacio teérica, resultados de pesquisas feitas sobre 0 mesmo assunto ou temas afins. Os primeiros contae- tos com o terreno podem ser entrevistas a especialistas, ou pessoas bem colo- cadlas nas instituigdes, ou mesmo até a alguns individuos sobre os quais recaia a investigacio, E uma fase decisiva para a efectividade da pesquisa. Nesta fase comega o processo de ruptura com o senso comum de que se falou no primeiro capftulo. ‘Todos temos ideias pré-concebidas sobre um tema, O contexto social em que fomos socializados ¢ 0 estilo de vida que nos é mais familiar torna-nos mais permedveis a entender certos aspectos da vida social e nfo outros. Em relagio & vida na cidade, por exemplo, & certo que podemos viver 0 nosso ciclo de vida sem sequer nos eruzarmos com certas realidades ou certas condigdes de habitagdo de ocupagio do espago urbano. Vé-las de longe, ndo € 0 mesmo que vivé-las. E’ mesmo quando se vé de perto pode ndio se entender 0 que se ve, Mas {jd basta, por vezes, fazer um percurso de autocarro por determinadas zonas da ‘cidade para se perceber que nela habitam e convivem pessoas com condigdes de vida de ocupagio do espago urbano muito diferenciadas, Ora na fase exploratéria da pesquisa, quer pelas leituras teéricas, quer pela andlise dos dados disponiveis, quer pelos primeiros contactos directos come- cam a substituir-se as nogies iniciais por outras. O que significa que a ruptura com 0 senso comum nao se fiz no vazio mas sim através de um olhar cada ver, mais informado sobre a questéo inicial, Paradoxalmente, ganha-se distancia a partir de um mergulho na teoria e na realidade que se quer estudar. Se este processo for correctamente desencadeado, quase sempre se tende a reformular a questo de partida, Continuando com 0 exemplo da qualidade de vida na cidade, torna-se decisiva a abordagem de muitos dos trabalhos realizados no ambito da sociologia ‘urbana. O contacto € as enttevistas com autarcas de determinados pelouros, ou de certas juntas de freguesia, € susceptivel de, além de delimitar, reorientar por completo a questi inicial Um exemplo que nos parece interessante ¢ que envolve outros aspectos da questo de partida surgiu numa pesquisa sobre o fado no bairro de Alfama', Os investigadores iniciaram a fase exploratétia, entre outros procedimentos, com primeitos contacts com © tereno, Deslocaram-se a Alfama € realizaram as primeiras entrevistas exploratérias. Os primeiros informantes, pessoas com responsabilidade nas associagdes recreativas locais, insistiam, no infcio, na ideia de que jf no havia quem cantasse fado amador no bsitro de Alfama. Iss0 era dantes, diziam. Num primeiro momento tais afirmagdes nao deixavam de provocar alguma perplexidade aos investigadores. Na verdade parecia-lhes que andavam 4 procura de um objecto que jé nfo existia. Que fazer? Esta perplexi- dade inicial, associada & persisténcia, ndo deixou de se tomar extremamente ttl para a pesquisa, F que ao fim de algum tempo jé cram os mesmos informantes que 08 introduziam nas sessGes de fado gue, na realidade, nfo s6 existiam, como constitufam aspecto importante da idades e convivios locais. As declaragdes iniciais deviam ser entendidas como a reserva que 08 “observados” sentem necessidade de por em acgo quando sto abordados do exterior por alguém em quem nao depositam ainda confianga, B que, para esses habitantes de Alfama, a imagem do fado estaria associada a outres (boémia, vidas obscuras,...) que nao Ihes pareciam positivamente conotadas, A denegagio ini- cial da existéncia do fado amador fazia parte da transmissio de uma imagem do baitro que se queria apresentar ao “forasteiro”, Nos momentos iniciais os inves saciabi ASSESS © Anrémo Tasso 08 Costs Batis DAS Dawes Guerasino, 0 Tedgica « 0 Contrast, 0 Fado no Bairro de Alfana, Lisboa, Publi cagaes Dom Quite, 1984, 201 202 tigadores eram ainda personagens pouco familiares, ¢ a cles se queria dar a ver ‘uma Alfama impoluta e asséptica. A fase exploratéria permite assim recolocar, como neste cso, a pergunta i cial, Por um Jado, se no tivessem persistido os investigadores julgatiam ter ficado sem questo de partida ¢ sem objecto. Por outro lado, o facto de estarem atentos & idcia veiculads atrés de que a pesquisa é, fundamentalmente, um Proceso reflexivo, permitiu-thes avangar. E que cada equivoco, cada pista aparentemente falsa, ganha novo sentido quando criticamente interrogada, EB revela-nos outros aspectos menos visfveis, nomeadamente, os problemas espectficos relacionados com as interacgdes que se estabelecem entre obser- vador ¢ observado. Problemas que deram lugar, de resto, a uma jé extensa bibliografia 4.1.2.2 Definigéo da problemética, das hipéteses e do modelo de anslise Da fase exploratéria e de uma primeira abordagem das teorias € do “terreno” parte-se para o que alguns autores designam por definiga0 da problemética ou, para outros, a preciso do problema da pesquisa, Sobre estes momentos, cruciais na maioria das pesquisas cientificas, seria pre- ciso um debate longo, Limitemo-nos aqui a esbogar, com 0 auxilio de alguns exemplos e de forma simplificada, as quesiées mais relevantes. Do que se trata nesta fase € fondamentalmente de clatificar 0 que se pretende estudar, que relagdes pertinemtes estabelecer entre conceitos, e de comegar a decidir um camino que oriente a recolha de informacio. Da fase exploratoria \erd resultado um enquadramento te6rico global. Para dar exemplos, sobre a uestio da qualidade de vida na cidade ter-se-4 ficaclo nessa fase familiarizado com teorias sobre a apropriagio do espaco urbano, Esta aproximagao ters aju ado a encontrar relagdes entre conceitos ¢ tentativas de explicagio para as diferentes modalidades de ocupagio ou usufruto do espago urbano. A precisio dos conceitos, a identificagio das suas diferentes dimensdes, é tarefa aqui essencial. I preciso definir melhor, por exemplo, que tipo de actividades podem estar subsumidas na ideia de ocupagtio do espago urbano; ou precisar abrangéncia da ideia de area de residéncia (bairro, conjunto de prédios?); ou ainda 0 gue se quer incluir em condigées objectivas de vida e atitude © que pode contribuir para uma determinada ocupagio do espago urbano? Ou para delimitar ainda mais as questées, o que é que & susceptivel de influenciar a preferéncia da utilizagao deste ov daquele equipamento social, desta ou daquela forma de lazer na area de residéneia? Seré que no se pode estabelecer uma relacio entre a ocupagio desses espacos e contextos de insergio na vida social, 0s ritmos de ocupagao e de actividade profissional, as idades da populagto resi dente? B ser que o que pensam os individuos sobre esses espagos, bem como 8 suas atitudes, contribuem também para a sua diferente utilizag&o? ‘A procura de uma respe sta a estas questies constitui o primeiro passo da cons- trugio da problemética, j& que eshogamos uma eventual relagiio explicativa, a testar, entre ocupagio do espago urbano e condigoes de vida e atitudes da popu- lagi, Podemos circunscrever ainda mais a questo e estabelecer que vamos estudar a forma como os habitantes de certos bairros da cidade ocupam a sua zona de residéncia. O que pensam sobre a forma como utitizam ou gostariam de utilizar esse espago. Que opinides tém acerca do ambiente do bairro, do estado de con- servagio dos equipamentos, dos jardins existentes (ou no existentes), ete. Como jovens, pais com criangas em idade pré-escolar ¢ escolar, idosos, e/ou familias ¢ individuos de diferentes classes sociais usam ¢ encaram a localidade fem que moramn. Se seguissemos por esta via estarfamos a privilegiar uma abordagem, a definir uma problemética, isto € um caminho especffico para orientar a recolha da informagao, Podiamos definir algumas hipsteses. Admititfamos, por exemplo, ‘que 08 grupos de idade se posicionassem de forma diferente face & utilizagio do cespago. Efou que a condigio perante o trabalho também pudesse contribuir para essa utilizagéio, Ou ainda que as atitudes e valores pudessem ter os seus efeitos. Mas, 86 a titulo indicative, podfamos tambéin seguir por outta via. Hé varios autores que tém salientado a importancia do que se convencionou chamar dife- rentes estilos de vida, Estes diferentes estilos de vida podem ser explicados por certas regularidades. Isto 6, a partilha do mesmo nivel de instrugtio ¢ do mesmo volume de capital econémico, por exemplo, pode contribuir para aproximar as preferéncias de certos individuos. P. Bourdiew mostrou que os consumos cultu- rais, as formas de lazer, a relagéo com o desporto, ¢ até os consumos alimenta- es, como jé foi indicado noutro capitulo, podem aproximar e simultaneamente istinguir grupos de individuos e caracterizar estilos de vida. Este tipo de abordagem fornece outros contributos para 0 nosso exemplo. Para cerlos grupos sociais, asseguradas que estiio algumas condigdes bésicas de qualidade nos locais de residéncia, ganha importincin a existéncia de equipa- ‘mentos globais como cinemas, bares, discotecas. Ganha peso a l6gica do uso cosmopolita da cidade. Ja no estamos agora 6 a definir a problemética e a estabelecer algumas hipéteses, mas também a comegar o trabalho de construgéo de modalidades de anédlise. Continua o trabalho de rupiura com as pré-nagGes iniciais, comega-se simultaneamente a construgio do desenho espectfico da pesquisa, as relagtes a estabelecer: Faz, sentido determo-nos 1m pouco ainda nessa questo, Quando consideramos uma relagio entre duas ocorréncias podemos fazé-lo de duas maneiras, Ou s6 conseguimos determinar que elas ocorrem simultaneamente ~ estamos a falat entéio de conelagio. Ou consideramos que se verifica também uma relagéo de causalidade entre elas. Por exemplo, os médicos sabem que se pode estabelecer uma correlagao entre fumar e, a prazo, poder contrair cancro de pulmo, A cor 203 208 relagdo entre as duas varidveis € significativa ¢ tem sido largamente reconfir- mada, Mas na verdade os mecanismos biolégicos dessa causalidade ainda nto foram inteiramente clatificados. Sabe-se que & assim, Mas nfo se sabe exacta- mente como nem porque. Neste caso 0 facto de os mecanismos da causalidade io estarem inteiramente determinados, parece pouco relevante pata 0 domfnio do comportamento face ao tabaco. A correlagao estabelece uma probabilidade "Ho alta que se pereebe que consumir tabaco é certamente um risco. Mas no plano estritamente cientifico este exemplo, e poderiam ser dados muitos outros, revela que estabelecer relagdes de causalidade no 6 um exercicio fécil B importante combater assim a tendéneia para transformar apressadamente cor- relagGes em causalidades, e atribui a estas um funcionamento mecanico, No dominio das cigncias sociais ainda € mais improvivel identificar uma causa ‘inica para a explicagfo de um fenémeno. Procura-se sempre identificar de forma consistente e com abordagens multilaterais o que pode contribuir para uma determinada ocorréncia, sem fechar as possibilidades de explicago ao uni- verso circunsctito de uina tinica relagao causal Pode dizer-se, por exemplo, que € consistente e tem sido largamente confi mada a relagflo que se estabelece entre insucesso escolar dos filhos ¢ baixos niveis de instrugio dos pais. Mas € perigoso esgotar a problemética do insucesso na identificagao desta correlagdo. B que se o fizermos ignoramos todo tum outro conjunto de varidveis que interferem nas probleméticas envolvidas na aprendizagem e no interesse por cla ~ relago com a escola e com os profes- sores, questées pedagégicas, oportunidades objectivas de vida, valores, ete. A explicagdo a partir de uma s6 variével pode ser eémoda mas normalmente esconde mais do que ilumi a. Nas abordagens extensivas 0 estudo das correlagdes e de relagdes de causali- dade esté mais padronizado. Distingue-se, por exemplo, entre vatidveis depen- dentes e independentes. Dizemos que uma varidvel é dependente, quando é ela que se altera mediante 0 efeito de causalidade produzido por outra, No exemplo acima, s¢ considerdssemos que se pode estabelecer uma relagiio de causalidade, dirfamos que o insucesso escolar dos filhos era a variavel dependente que podia ser explicada pela varidvel independente grau de instrugio dos pais, O sentido da relagio de causalidade é 0 que determina a diferenga entre varia vel dependente ¢ independente, Uma varidvel dependente numa pesquisa dada pode tornar-se, noutra, a varidvel independente e vice-versa. O insucesso esco lar, para prolongar 0 exemplo, constitui por seu tumo factor negative para a “obtengio de empregos qualificados A construgio das relagdes pertinentes entre conceitos ¢ varjéveis pade configu rar-se de forma mais sistematica, através de um modelo de anélise. Nem sempre tal modelizagio esta presente ou é possivel. Como dissemos atris, estes momentos nalgumas pesquises empiticas esto mais contraidos no tempo, nowtras so mais dilatados, Noutras ainda é jé a pre- Senge no terreno em observacio directa ou participante que contribui para a a) claboragio dos modelos de andlise, para a configuragio mais sistematica das interrogagdes. 4.1.23 Seleccio e aplicagiio dos instrumentos de observacio ¢ recolha de informagiio Depois da definigéio da problemética e das hipéteses chega a hora de decidir uc técnicas aplicar. Relembrando 0 que foi dito attés sobre as estratégias de investigagao, neste momento jf esté claro, mediante os passos ¢ os condiciona- ‘mentos iniciais, se se trata de uma abordagem extensiva, intensiva, de uma in- vestigagdio-acco ou de uma combinatéria de algumas delas. O que em princf- pio ajuda a definir quais sio as técnicas preferenciais, ‘Seguindo o exemplo que temos vindo a utilizar sobre as condigées de ocupa- ‘gio do espago urbano e admitindo que um conjunto de passos tinha j4 sido dado, poderia ser Gtil comparat dois baitros com caracteristicas diferentes. Isso nfo permitiria certamente generalizar para 0 conjunto da cidade, mas 0 tra- balho de comparagio sistemético dar-nos-ia provavelmente informagées inte- ressantes, Parece simples dizer “escother bairros com cat jcas diferentes”. Mas de que caracteristicas estamos a falar? De condigdes de habitabilidade? Da mor- fologia do espaco e da distribuigdo dos equipamentos? Da sua antiguidade, do seu prestigio social? Ou das condigoes de vida das pessoas que o babitam? Cedo se entenderia que a homogeneidade de caracteristicas de um bairro ou da populagio que o habita so questées dlificeis de definir. Terfamos de estabele- cer critérios, em Fungo do que mais nos interessasse investigar, e depois entto seleccionar 0 enfoque espectfico. $6 depois de tomadas estas decisdes se estaria em condiges de definir 0 nosso campo de observaveis, isto é quem & que aspectos da realidadle inguitir. E quais as téenicas de recolha de infor- magao @ utilizar, Caso se confirmasse o interesse da aplicagdo de um inquésito por questiondtio, seria necessévio certamente definir 0 universe dos inquiridos. ‘Toda a populagio? Um sector especifico — jovens, idosos, homens ¢ mulheres activos? Depois de definido esse universo, podfamos ou néo, dependendo da sua dimensio e caracteristicas, construir uma amostra, A realizagio de algu- mas entrevistas contribuiria para a definigdio das perguntas a incluir no ques- tionétio, Definido © guido de perguntas, seria conveniente realizar um pré- -teste, para garantir que elas estavam bem elaboradas, exam compreensiveis, concisas, claras. mi Demos uma pélida imagem do conjunto de passos que esto envolvidos nesta fase de selecgfo das técnicas a aplicar numa pesquisa apenas com o objectivo de chamar a atengiio, de forma exemplificativa e répida, para alguns dos pro- cedimentos e problemas que se colocam, 1 Jose Manus Visas, “Telenoveles", Socilegin Problems e Prices, n° 2 198, 205 4.1.2.4 Andlise das informagies recothidas, significdincia e conclusses objectivo da pesquisa é responder & questo ou questdes de partida, Neste sentido foi definida « problemstica e foram tragadas as hipdteses, A andlise dos resultados destina-se assim a verificar se as informagées recolhidas correspon dem &s hipéteses definidas. E 0 que se chama o processo de verificacio empirica. Na verdade, toda a pesquisa tende a levantar um conjunto de proble- ‘mas ou questdes ndo previstas no infcio, Estes séo geralmente os aspectos mais enriquecedores ¢ estimulantes da investigagiio. © momento de anélise das infor- -mag6es recolhidas € assim também a altura ideal para interpretar efeitos ines- perados, rever eventualmente as hip6teses. As conclusdes, o balango dos ensinamentos proporcionados por todo 0 processo de pesquisa, devem incluir a intexpretagdo das questées colocadas, esperadas ou inesperadas. O contributo da pesquisa para o esclarecimento da problemética mais vasta em que esté inserida @ questio de partida constitui o momento final da investigago. Trata-se, por outras palavras, da anélise da significancia dos resultados da pesquisa, ‘Um tltimo exemplo para tomar contacto com a questo da andlise dos resulta dos da pesquisa e simultaneamente com a utilizagio da técnica da entrevista, Que efeitos de sentido pode produzir nos telespectadores a telenovela brasileira? Seré que este tipo de programa afecta a maneira de pensar on os comportamentos das pessoas? Fas “mensagens” inscritas na telenovela serio elas percebidas ou recebidas da mesma maneira por todos os que a véem? Partindo de interrogagées deste tipo um socidlogo decidiu debragar-se sobre a temiética da recepcfo das telenovelas, H4 mais de 15 anos atrés o aparecimento © inicio da vulgarizago destes programas suscitou alguma discussfo, Havia quem se insurgisse, de tim ponto de vista moralista, contra o contetido de alguns dos seus episddios. Outros pensavam que a exibigéo de telenovelas, sobretuco das brasileiras, produziria eventualmente efeitos positivos no plano da liberal- izacdo dos costumes. Tal discussio tomava a pesquisa sobre este tema ainda mais aliciante, Segundo uma das teses mais difundidas a propésito dos efeitos dos meios de comunicagio de massa, eles produziriam efeitos de homogeneizagdo e as men- ‘sagens tenderiam a ser recebidas de forma semelhante por diferentes receptores, Isto 6 tudo se passa, nesta perspectiva, com se os gostos pudessem ser estandartizados ¢ os particularismos culturais desaparecessem, No contexto das sociedades urbanas, em que se supde os individuos estarem culturalmente desentaizados, essa tendéncia assumiria, ainda segundo os mesmos autores, maior saligncia, O investigador partia de pressupostos urn pouco diferentes. A problematizagio das teorias referidas conduzia-o a colocar outras hipéteses. Na sua éptica, a existéncia de efeitos ideolégicos produzidos pelos media, neste caso pelas telenovelas, nio devia ser 0 nico factor a ter em conta na recepgao de sentido, ‘sto é, na maneira como cada telespectador encara, pensa e digere 0 que vé. As es condigées de existéncia, os valores e representagdes que cada telespectador tem, (ero certamente também algum efeito no préprio processo de recepgao, © que se pensa contribui para decifar de forma especffica o que se ve. ‘A pesquisa foi entdo estraturada de modo a poder captar a forma como era “cecebida” a telenovela. A entrevista niio directiva foi a técnica de recolha de informagio escolhida, Os entrevistados, ¢ de acordo com a problematizagio (eérica atrés enunciada, pertenciam a diferentes grupos s6cio-profissionais, tinham graus de instrugio e idades diversas, vivian ou em meio urbano ou em ‘meio rural e pertenciam aos dois sexos. Nas entrevistas os inquitidos eram con- vvidados a promunciarem-se sobre as caracterfsticas das diferentes personagens, sobre a trama narrativa, sobre 0 grau de verosimilhanga que pateciam assumir as situages encenadas, ete, A aplicagio da entrevista nao directiva tina como objectivo permitir que os entrevistados se promunciassem o mais liveemente possivel a partir das sugestées feitas no infcio. Desta forma dava-se possibili- dade ao entrevistado de organizar o seu préprio discurso, permitindo # visibiti- dade mais ffeil da forma como aparecem associadas opinides, preferencias, rejeigées. Poi utilizada a técnica de andlise de contettdo para sistematizar a informagao recolhida, A anflise dos resultados revelow aspectos interessantes, Na verdade, entre ‘outras questies, pareceu clara a existéncia de diferengas na apreciagtio das personagens. Personagens sccundérias e desvalorizadas para uns eram centrais e valorizadas por outros. Aspectos que para certos entrevistados eram vero: simeis para outros pareciam completamente fantasiosos. A multiplicidade das Jejturas ern inegavel. Diferengas de idade, de sexo, de grau de instrugio, de ocupagio associavam-se # essas diferengas de leitura, patecendo contribuir para explicé-les. ‘Tudo se passava como se houvesse um reforgo da propria ideologia de pat ‘On, por outras palavras, e para dar um exeinplo, os que apreciavam uma per sonagem com comportamentos ditos “moderos” eram os que & partida estariam disponiveis para defender posigdes do mesmo tipo. Tratava-se assim ais de efeitos de “reconhecimento” do que efeitos de homogeneizacio, ‘Também se verificou na andlise dos resultados que a novela pode produzir rea- lidade. Para cortos sectores soviais os enredos da telenovela “traduzem’” e “sto a realidade das coisas. Isto acontece, sobretudo, quando a distancia social entre espectadores personagens da telenovela é grande, As encenagdes da vida da alta burguesia, por exemplo, so susceptiveis de serem, para alguns, tomadas como reprodugées inteiramente figis da realidade. Em conclusio, terfamos assim t1és aspectos a satienter. Em primeiro lugar, as mensagens nfo so recebidas da mesma maneira: as telenovelas tém efeitos diferenciados para espectadores diferenciados. Fm segundo lugar, pela sua ampla divulgagio, podem também funcionar como difusores de modelos de comportamento ¢ de valores para ceitos grupos sociais, podendo ter alguns efeitos de alargamento desses mesmos comportamentos ¢ valores. Em terceito SE EET TEESE EO TEI 207 208 lugar, as telenovelas podem funcionar como produtoras de realidade, pois aju- dam a consttuir conviogdes sobre modos de vida distantes ou fora do horizonte de visibitidade do receptor. Regressando & questio inicial, a andlise dos resultados permitin ao investigador, por um lado, a confirmagao de hipsteses de partida, ndo deixando no entanto de sugetir pistas novas e de levantar outtos problemas, Relembre-se que 0s passos enuinciados nem sempre podem ser respeitados com 4 compartimentagio indicada, ‘Tratou-se, aqui, mais de indicar, através de alguns exemplos, problemas que se colocam em diferentes fases da pesquisa sem que se Ihes possa atribuir, na reatidade, am momento de surgimento tinico © preciso. Os métodos e as téenicas ndlo tém todos, também, 0 mesmo grau de tigidez na sua aplicagto, Quando se utiliza 0 inquétito por questiondtio, no contexto de uma Idgica extensiva de investigagdo, a questo do faseamento torna-se mais importante, Na verdade, apés a claboragao final do modelo do inquérito, com todas as perguitas definitivamente estahelecidas, e ja depois de um pré-teste, entra-se na fase de aplicagao € no se pode voltar atrés. Este tipo de técnica € exigente em matéria de recursos humanos e financeiros, o que torna mais pesada a responsabilidade da elaboracao do préprio questionario, Em contrapartida, hé técnicas mais flexiveis, que permitem corvecgdes e inflexdes de sentido ao longo do proprio processo de observagio, ¢ dio ainda a possibilidade de seguir por novas pistas entretanto surgidas. 6 0 caso da obser- ‘vagio partieipante, como & fremte se veré melhor © que parece importante, em todo 0 caso, ndo é tanto um faseamento estito, que pode até ndo fazer sentido, mas mais facto de se por em acgfio os disposi- tivos criticos disponfveis ao longo de todo o processo da pesquisa. E frequente que se proceda num vai e vem permanente de perguntas sobre o que se pretende na verdade saber, ou sobre o significado de novas questées surgidas, € que se regresse com fiequéncia as questdes colocadas no inicio. O mergulho que se dé nia realidade empftica, no momento da observago, € normalmente produtor de contacto com grande quantidade de informegio. Esta s6 se toma relevante ‘quando so recolocadas as perguntas iniciais, ¢ relembrados os passos ante riores, Por outro lado, a adequacao parece ser a palavra chave a ter em conta qualquer ‘que seja a estratégia de investigago em que se esté envolvido. Nao faz sentido utilizar uma logica extensiva quando se pretende informago mais profunda, Ou lilizar entrevistas em profundidade quando se trata de recolher grandes quanti- dades de informagio sobre aspectos mais genéricos. Todas as técnicas de recolha de informagio tém as sua virtwalidades e os seus limites, € 0 que inte- ressa é saber fazer uso delas de forma adequada aos objectivos da pesquisa. Ao limite, 0 melhor € usé-las todas ou quase todas, no quadro da uma mesma pesquisa. Nem sempre se conseguem reunir, & claro, condigbes préticas para isso, psa Um ciltimo exemplo contribuiré para verificar a utiidade do uso de vétins téeni- cas. No quadro de um projecto de investigagao-acgaio numa localidade fre {quente estarmos perante situagées de uso miitiplo das técnicas de investigagio. Pode ser necessério, desde logo, fazer uin inquérite por questiondtio, sobretudo quando se desconhecem as caracterfsticas da populagdo. Mas a realizagao de entrevistas em profundidade a diferentes sectors ¢ a presenga no terreno com observagfio sistemitica séo técnicas que se podem ou devem também desen- cadeat, No quadro de um projecto deste tipo — iniciado em 1991 — decidiu-se fazer de inquétito por questionério, Um dos muitos aspectos inquiridos rela- cionava-se com o interesse na criago de ui equipamento social onde estariam inclufdas ATL (Actividades de ‘Tempos Livres) para as eriangas em idade esco- Jar, As respostas revelavam que a iniciativa, caso se concretizasse, seria muito bem recebida. A maioria esmagadora das familias com filhos naguelas condi- ges mostravam interesse em que eles viessem a frequentar as ATL. Mas um grupo particular de respostas merecen a nossa atengio. Dizia respeito aos que declaravam que, fora do horério escolar, costumavam deixar os seus filhos com familiares proximos. Como havia um mimero significativo de casos de famtlias binucleares, tal resposta nao era estranha, Bstranho pareceu set, de inicio, que mesmo estes tivessem intengio, na sua maioria, de levar os seus fihos a fre- quentar também as ATL. Seria que, apesar dos fracos rendimentos, esta popu- ago estaria disposta a pagar, muito cmbora a baixos custos, um servigo que tina & partida garantido de graga no quadro familias? © contacto com o terreno e a5 entrevistas permitiram esclarecer a estranheza inicial. Por um lado, alguinas familias achavam preferivel a frequéncia das ATL. pelos seus filhos por razdes de carécter pedagdgico. Estava mais.ineorporada do que seria de esperar & partida a ideia de que as ATL proporcionavam uma aprendizagem importante que se repercutitia positivamente no sucesso escolar das criangas. B ainda que seja desejavel estar com a famflia avaliave-se essa vantagem como ultrapassada por outras, Por outro lado, no caso em que eram as mies de familia que cuidavam das criangas depois da escola, a frequéncia os seus filhos nas ATL liberté-las-ia para o trabalho fora de casa. Assim, a ‘adesio a este equipamento era também avaliada no quadro de uma estratégia de futuro reforgo da economia familiar Este tipo de informagiio, isto é, as razdes que levavam 0 grupo de pais a respon- det desta maneira, nfo seria possiveis de compreender através do inquérito por questionirio. $6 as entrevistas € 0 contacto com 0 terreno o permitiam, Mas, por outto lado, se 0 inguérito nfo tivesse sido feito, pouco on nada se poderia saber sobre a adesio da poptlago no seu conjunto 2 iniciativa das ‘ATL, O que quer dizer que as técnicas de recolha de informagfo tendem a com pletar-se, tendem a iluminar diferentes aspectos no quadro da problemética abordada. Depois de ter dado uma ideia global de problemas de pesquisa, passemos & classificagéo mais precisa das técnicas, ds suas virtualidades e limites. 209 A Clessfespa0 uilizads pode ser encontrads Jodo Feeina 0: ALvero4 José Mapuneita. Past, A imestigacao nas CBacine Socinis, Lisboa, Eaitorial Proseng, 1980 > Cf, ALAIW BLaNeiEr et “Anne Coman, 'engudte et 05 méihodes: L'Butetien, Paris, Nathan Université, 1992 e ainda R. GitoLONE © B. Marston, O Inquérta, Teoria e Prtica, Ova, Cota Etro, 1992 4.1.3. Classificagiio das técnicas de pesquisa em ciéncias sociais As téenicas de recolha ¢ tratamento de informago empitiea sio instrumentos operatétios precisos e transmissfveis, que podem ser usados independentemente da especificidade do objecto ou das hipsteses de uma investigagéo particular, A classificagio das técnicas constitui sempre exereicio relativamente arbitréio, porque depende da perspectiva escolhida para as seleccionar e distinguir Optmos por explicitar, brevemente, uma das classificagdes que tem jd créditos Firmagios no campo das Ciéncias Saciais em Portugal, A primeira distingio a realizar separa técnicas documentais de téenicas no documentais. Os documentos relevantes ¢ analiséveis sto muito variados, Pode tratar-se de documentos eseritos ~ arquivos piiblicos ¢ privados, cartas, imprensa, estatfsti- cas oficiais, etc, ~ ou documentos nfo escritos ~ cinema, televisfio, gravagbes, fotografia, pintura, etc, Costuma distinguir-se também entre técnicas clissicas — que propiciam uma anilise qualitativa em profundidade ~ ¢ modernas, de base quantitativa e exten- siva. As ditimas podem ainda ser subdivididas em andlise semAntica quantita- tiva e andlise de contetido, A andlise semantica quantitativa caracteriza-se por estudar 0 vocabulétio dos textos por processos estatfsticos de forma a analisar 68 estilos. A anélise de contetido procura agrapar significagées, ¢ nao vocdbu- los, € € em prine{pio, aplicével a um leque variadissimo de mensagens. Lembra-se aqui o exemplo dado atras da pesquisa sobre a recepgio das teleno- velas, em que esta técnica foi utilizada, A andlise de contetido conheceu nos ‘Gtimos anos um enorme impulso, sendo hoje possivel recensear imensos tipos particulares do uso desta técnica — andlise por entrevista, anélise temética, anilise proporcional do discurso, anélise de relagdes por oposigiio, andlise por cachos?, A anilise de contetido funciona ainda como técnica auxiliar de outras técnicas. B frequente utilizé-Ja nas perguntas aberias de um inquérito por questionétio para analisar as signifieagdes de respostas em que o inquirido foi convidado a expressar a sua opinito livremente. Das técnicas nao documentais fazem parte a observagdo patticipante, a exper Inentaglo ¢ a observagio nfo-participante. Quanto & observagéo participante pode dizer-se que ela se caracteriza pela pre- senge continuada do observador no “terreno” ou junto do grupo a observar Demos ja exemplos da utilizagio desta técnica, nomeadamente quando se falou da pesquisa sobre 0 fado em Alfama, As virtualidades e limites desta técnica siio indicados no Quadro n° 12, A experimentagio € pouco utilizada em sociologia. Ela nasceu e desenvolveu- ‘se nas ciéncias da natureza e € hoje muito uiitizada na psicologia experimental Catecteriza-se pela cringao de situagies antficiais em que se procura simular situagées viviveis na realidade, A observaciio sistemdtica das reac mulos provocados nos sujeitos sobre os quais recai a experiéncia constitui 0 instrumento principal desta técnica, que utiliza grupos de controlo com fins comparativos. A observagio nfo participante inclui um leque muito variado de téenicas. Em primeiro lugar, envolve as entrevistas, que se definem como procedimentos de recolha de informagio que utilizam a forma de comunicago verbal, Podem identificar-se varios tipos de entrevista, (QUADRO 11 (Classitiengio das téenicas de pesquisa em 1.1) Clfssieas | 12. semtatiea 1) Deeumeniais | 1.2) Modemas quantcativa 12.2) Andlie de conteido, 2.1) Observagio patticipante 2.2) Experimentagio 23.1.1) Ciiea | 2.3.1) Entevisias 23.12) Em | 2.3) observagio 2.32)"Testes profundidade ‘to panicipante | 233)Inquérito 23.1.3) Contrada por questionsrio A entrevista clinica tem fins terapéuticos ¢ € utilizada no quadro da psiquiatria € da psicologia. O entrevistaco fata livremente e, em geral, € sua a iniciativa da abordagem deste ou daquele tema, A cntrevista em profundidade tem por objectivo analisar as opiniGes dos indivi. duos sobre diferentes dimensdes da vida social consideradas pertinentes para pesquisa, Neste sentido, € mesmo que ela seja no dircctiva, os temas suscitados sto normalmente da iniciativa do investigador. Como se veré no Quedo 12, a sua ‘vantagem consiste essencialmente na possibilidade de poder a partir dela captar sentido das acgées socials, Tende a ser uma das técnicas mais divulgadas, também porque néo envolve custos financeiros tio elevados como 0 inguérito por ques- tionétio, No entanto, para se poder extrait das entrevistas em profundidade todo o seu rico potencial de informacto, € necessério trabalho drduo e demorado. ‘As entrevistas podem ainda ser directivas, semi-dircetivas ou nito directivas. Esta identificagdo gradualista da directividade tem a ver com o grau de determi nagio prévia das perguntas. O guido pode ser relativamente rigido e as pergun- 212 tas estruturadas pelo investigador de acordo com uma ordem e uma légica pre- cisas, como é 0 caso da entrevista directiva. No caso da niio directiva, convida- -se 0 entrevistado a organizar o seu préprio discurso de forma livre a partir do proposto. Foi esta a técnica utilizada, e brevemente explicada, na investi- agi sobre as telenovelas mencionada atrds ten Alguns autores consideram que as hist6rias de vida séo um tipo espeetfico de entrevistas em profundidade, Os entrevistados so aqui convidados a falar sobre 18 sua experigncia e trajectéria de vida, de forma livre. Quando ates se falow sobre estratégias intensivas de investigago deixou-se referencia a esta téori A entrevista centrada caracteriza-se por se dirigit a uma temética mais espect- fica, Ao restringit fortemente 0 tema sobre o qual o entrevistado € solicitado a falar permite-se maior possibilidade de generalizagto. 0s tesies visam 0 conhecimento do comportamento do sujeito em face de uma prova a que & submetido. Sao susceptiveis de quantificagio & permitem com- parar diferentes individuos sujeitos & mesma aplicag#o. Os exemplos tipicos desta técnica sfo os testes de inteligencia e de personalidade. Geralmente sto tilizados pela psicologia e peta psiquiatria. Finalmente o inquérito por questionério é dos instrumentos mais wilizados pela sociologia e outras disciplinas do campo das ciéncias sociais. Exemplificaram- se alguns dos seus possiveis usos. Mencionaram-se também as possibilidades ‘que esta técnica encerra de andlise extensiva e de generalizagio das infor- mages recolhidas, No Quadro 12 salientam-se igualmente alguns dos seus lim- ites. Os questionérios podem ser auto-administrados ou de administragéo indirecta. No primeiro caso € 0 proprio individuo que preenche a sua resposta com ou sem a presenga do entrevistador, Nos questionétios de adininistragao indirecta as perguntas sfio formutadas pelo inquiridor ¢ as respostas so, também por ele, registadas. Esta técnica caractetiza-se por conter uma série de perguntas, que pode ser vasta, segundo forma e ordem previamente estabelecidas. & possivel incluir perguntas fechadas — em que o inquirido tem de optar entre uma lista tipifi- cada de respostas ~ © porguntas abertas ~ em que o inquiride pode responder livremente. Em geral a tendéncia, sobretudo quando se pretende abranger um grande mimero de individuos, é de predominarem as perguntas fechadas, que petmitem normalizar a informagao obtida ¢ fazer apuramentos por computa- dor. As perguntas abertas tém a vantagem de tornar menos tigidificadas as respostas mas, em conirapartida, Ievantam problemas dificeis de classificago e codificacao 0 facto de as perguntas serem padronizadas permite a codificagao das respostas ® facilita a possibilidade da aplicagdo de instrumentos de medida, De forma simplifieada, podemos imaginar que a cada resposta € susceptivel de ser atribufdo um valor, que pode retraduzirse num ntimero. Cada modalidade de resposta, a aceitagaio on discordancia desta ou daquela opinido, é entio contabi- lizada e telacionada com outras varidveis como a idade, a profissio ou 0 sexo dos inquitidos, Através de técnicas estatisticas procede-se a0 cruzamento das vatidiveis, Estes cruzamentos, que podem ser multiplos, dependem das relagGes consideradas pertinentes na pesquisa, como atrés ja foi indicado. Verificar-se-é assim se & possivel estabelecer correlagdes entre varidveis. Ba construgdo de uma amostra representativa do universo que se pretende estu- dar que permite a aplicagio do questionério a um conjunto de individuos, qual, mesmo sendo numeroso, & sempre bem menor do que a populagio total abrangida pela pesquisa, Recorre-se a diferentes téenicas de amostragem, desenvolvidas pelas cada vez mais sofisticadas téonicas estatisticas, mas tam- Fh entee ouwos, J. béi facilitadas pela expansdo do uso dos computadores. As suas caracterist podem ser consultadas em bibliografia especializada’ QUADRO 12 Auta © J. M. Preto, ‘A Inesigagdo nas Ciénclas Sociis, opt as ‘Vietuatidades e limites de algumas téenicas usadas na pesquisa socilégiea Vantagens Limites Inguétito por questiondvio Euirevita Andfise docimental | 1) Toma possfvel a recolha de informagdes sobre rane nimero de individvos. 2)Permite comparagses precises entre as ces postas dos inquridos. 3)Possibilita a generalizagio dos resultados da mostra totalidade da populagto. 1) Pemnite aprofundamento da percepgf0 do sen ido que as pessoas alsibuem 2s suas acgses 2) Tomas flexivel porque 0 contacto directo per- rite explictago das perguntas das respostas 1) Pode traduzit-se em informagio diversa de acordo com a5 caractersticas do documento, (Quer sobre informago muito abrangente (sta- Uticas, por ex.), quer sobre informagto em profunilidade (emas especficos) 1) material rocolhido pode set superficial, {A padionizagio das perguntas nfo permite cap- tar diferengas de opinigo signtieativas ou sub- tis entee os ingutidos. 2) As respostes podem dizer respeito mais co que fas pessoas dizem que pensam do que #0 que cfectivamente pensar. |) menos til para efeetivar genecalizagses. (© que se ganha em profundidade perde-se em extensividade, 2) Implicainteracp6es directs. As respostas podern ser condicionadas pela propria situagfo da entee vista, Bstes efeitos dever ser tides em com | ty Depende-se das fontes que existem e da sua melhor om pior qualidade, verosimilhanga, 1e- presentatividede, ee 2) A quantidade de informaglo recolhida € em geral enorme e disersa, o que exige ratemento ce andlise mais demorados. Pesquisa de terreno fobservagao partci- ente) 1) Garante uma informnasio sicae profunda, 2)Permite flexibilidade ao investigador porque Ihe torna possivel mudar de estatégia e seguir roves pstas que-gparecem, 1)S6 pode ser utilizada para estudar pequenos ‘grupos on com ades 2) Levanta diticuldades de generalizngio, 213 24 4.2, Contributos Sociais da Sociologia 42.1 Sociologia, sociedade ¢ reflexividade A sociologia € uma ciéneia social. A especificidade da sua perspectiva enquanto disciplina cientifica, bem como alguns dos principais contetidos subs- nntivos do seu trabalho € dos conhecimentos produzidos, constitufram 0 object dos capftulos anteriores. Vamos agora olhar a sociologia enquanto prética social Sob este Angulo, a sociologia, como de resto qualquer outra ciéneia ou outro ramo do saber, pode ser vista pelo lado dos agentes sociais que a praticam ~ 08 socidlogos ¢ 08 utilizadores do conhecimento sociolégico -, ov pelo con- junto de instituigées que a suportam e reproduzem — universidades, centros de investigacao, revistas, bibliografia € outros instrumentos de divulgagdio ~ ou, ainda, pelo lado dos impactes sociais da prética sociol6gica Olhar a sociologia como prética social implica, portanto, olhar para os seus contributos sociais ¢ para o que fazem os sociélogos, principais protagonistas da disciplina. A sociologia, e como ela as restantes ciéneias sociais, estudam uma realidade de caracterlsticas préprias, em parte para 0 carécter da disciplina, O facto de ter como objecto de andlise a reatidade social a que 0 proprio sociélogo também pertence, coloca-Ihe alguns problemas epistemol6gicos © metodolégicos. Mas coloca-the, além disso, problemas dé ordem moral ¢ de ordem social muito importantes. Trabalhando sobre as pessoas ¢ as relagdes que estabelecem entre si, 0 socid- Jogo produz conhecimentos que podem afectar a vida dessas pessoas. Isso acontece porque as sociedades humanas possuem capacidades “reflexivas”, isto 6, sto capazes de pensar sobre si pr6prias € de aprender com as suas experién- cias e com os conhecimentos que os especialistas vao produzindo acerca delas. Esses conhecimentos (a que poderfamos acrescentar outros tipos de informagéio ‘que as pessoas integram cada vez mais nas suas referéncias ¢ utilizam nos seus cdlculos) so recursos que os agentes sociais utilizam nas suas priticas. O que pode acontecer mais ou menos intencionalmente. Por exemplo, uma instituigio que encomenda um estudo de caracterizagao, de sondagem, de avaliago ou de qualquer outro tipo a um socidlogo ou a umn grupo de sociélogos, normalmente terd intengio de wilizar esse estudo nas suas decisGes. Mas uin cidadiio comum que, por exemplo, comega a comprar livros aos filhos desde muito cedo, farni- liarizando-os precocemente com tais instramentos, porque a tal foi aconse- Ihado, suponhamos, por um colega de trabalho, ou por um funciondrio do fifan- tério, estar a incorporar inconscientemente na sua prética conhecimentos que resultaram de estudos sociol6gicos sobre a escola e 0 sucesso escolat, cujos resultados j& se difundiram e passaram a integrar as préticas ¢ o patriménio de conhecimentos comuns de muitas pessoas. 0s efeitos dos produtos-conhecimento da sociologia sobre a propria sociedade conduzem 0s socidlogos a tomar especiais cautelas. Embora nvio possam con- trolat, em absoluto, as utilizagdes finais dadas aos seus trabalhos, compete-Ihes nfo se alhearem completamente de tais utilizagées, responsabilizando-se, até ‘onde thes for possivel, pela defesa das pessoas ¢ dos tecidos sociais que est- dam ¢ pela preservagao do rigor cientifico dos trabalhos que realizam e pela setiedade das préticas deles decorrentes. Mais dificil, porém, € evitar certas dis- torgdes do sentido das descobertas, dos conceitos ¢ teorias cientificas uma vez divulgados e generalizados. Mas ainda neste caso, 0 combate a tais distorgées, pelo afinamento da pesquisa e pela respectiva andlise critica, & uma tarefa per~ manente da sociologia. Quando falamos de “andlise critica” estamos a tocar num ponto central da uti lizagio do conhecimento sociolégico. Estamos a referir-nos a um prinefpio fun- damental da sociologia: 0 que as pessoas dizem, fazem © pensam depende da sua posigo & condigto social; de igual forma, as instituigées sociais produzem. reproduzem fenémenos e contextos que s6 podem ser compreendidos em fungio das estruturas sociais. Logo, para compreender as pessoas & 0 que pen sam, dizem ¢ fazem, tal como para compreender o funcionamento das institu- igdes, as suas regras, os seus recursos ¢ as suas I6gicas, € preciso referi-las ao sistema social em que se inserem, Compreender as priticas, as representagées, as instituigdes e os papéis sociais em fungio do sistema de relagdes que constitui a sociedade, isto , reconduzir 0 que 0s agentes sociais (colectivos ou individuais) dizem, pensam e fazem & sua posigio social, logo aos seus interesses, saberes ¢ recursos, tal 6 um dos princi pais contributos sociais da sociologia, de que a sociedade pode beneficiar, Augusto Comte (1789-1857) foi quem primeiro usou termo “sociologia”, referindo-se-Ihe como o vértice da pirdmide das ci€ncias positivas, pois que ela viria a melhorar decisivamente a sociedade, elevando-a ao estédio “positive” Hoje em dia dificilmente algém poderia tomar & letra a ambiglio de Comte. ‘Mas a sociologia mantém, de facto, a ambigiio de contribuir para a resolugao de problemas sociais. Alids, uma boa parte da maior ou menor atengio que a sociologia dé, em cada momento, aos varios temas de investigagao, tem a ver com a prépria importén- ‘cia que a sociedade vai atribuindo a cada um dos seus problemas, Natural- mente, a ciéncia tem 0s seus pr6prios ritmos e uma I6gica relativamente aut6- ‘noma, que Ihe permite 0 desenvolvimento das suas problematicas especificas de forma descoincidente com a “agenda social”, cada vez mais marcada pela agenda criada pelos meios de comunicagao social, Mas estes tendem, de qual- ‘quer forma, a questionar a ciéncia ¢ a estimular @ sua imaginagio. Outro tanto o fazem os “movimentos sociais” (¢ também certas organizagées), confrontados com necessidade de resolver na préticn os problemas que Jhes ao origem, ou de alcangar objectives que se propéem. Por isso, ov, simples- mente, porque os seus processos de constituigio € os seus mecanismos de fun ais "A. propos ene prablena sociale pro Dern sosilégico vor Peter Berger, Perspectvas Socio igias, Pewpolis, Vozes, 1986, a relagio 216 cionamento oferecem experiéncias extremamente estimulantes © cutiosas, os movimentos sociais confrontam ¢ questionam a sociologia, sugerindo-lhe novos caminhos de interrogagiio e pesquisa Para referir exemplos j@ abordados em capitulos anteriores, 6 natural que questées como a do desenvolvimento desigual, da fome, da pobreza, da guerra, do ambiente, da etnicidade, das novas formas de organizagio familiar, da dis- Uuibuigto do poder, das transformagées na organizagio do espago e das activi- dades econdmicas, ou outros ainda, como a criminalidade, a droga, ou qualquer ‘outro, concitem esforgos particulares por parte da sociologia. A sociologia, porém, nio aborda os problemas como o fazem os actores leigos, Para o comum das pessoas, mesmo aquelas que incorporarain no seu saber ele- mentos sociolégicos, 0 problema social define-se geralmente a partir de uma visio parcial, influenciada, em parte, pela sua posigdo social. A sociologia aborda os problemas sociais transformando-os em “problemas sociolégicos” ! Quer isto dizer que procura ver para além das definigées que as pessoas nor- malmente dio, ao mesmo tempo que procura reconduzit cada uma dessas definigdes ~ transformando-as em objecto de andlise sociolégica ~ ao sistema completo de relagdes cm que se insere, quer dizer, As dindmicas ¢ estraturas sociais mais vastas. Quer dizer, procura explicar o social pelo social, ao tentar perceber cada situago concreta em fungéio das pertengas a sistemas de relagdes sociais mais complexos. Assim, na andlise de um problema, interessa 4 sociologia compreendé-lo & explicé-to ¢ nfo, como fazem geralmente as outras pessoas, emitir juizos de valor ou produzir vises marcadas por ideologias (sistemas de ideias associadas a interesses panticulares ov de grupo). A ruptura com as ideologias e as erengas falsas ou parcelares nunca esta defi- nitivamente conclufda, Na verdade, o facto de tratar com problemas que inte- ressam a toda a gente, 08 quais sfio controversos e provocam disputas, introduz # controvérsia na propria sociologia. Mas, ao contratio do que acontece mais Beralinente, no campo sociolégico existe consciéneia das razSes dos debates e das discuss6es, pelo que se controlam, de alguma forma, os limites e as fronteiras entre a parte dos discursos que tem valor cientifico ¢ aquela que nfo otem, Em que aspectos fundamentais contribui a sociologia para cumprir um papel social itil? Do nosso ponto de vista, si varios esses aspectos alguns deles tém mesmo grande importéncia no mando moderno. No fundamental so os seguintes 08 principais tipos de contributos: + Uma melhor compreensdo da vida social. 0 homem s6 existe enquanto social. Mesino a mais individualista das ideologias s6 se desenvolve em determinadas condigdes sociais, Muitas das coisas que se passam so produtos da vida social. A compreenséo dos sistemas sociais é decisiva, assim, particularmente em momentos de mudanga tio répida como o que Vivemos actualmente e quando 0s problemas que se colocam as pessoas € as sociedades exigem intervengées que, por mais informadas, tenham maiotes hipéteses de sucesso, Ao introduzir na explicagao dos fendmenos aquilo que 0 socislogo norte: americano C. Wright Mills! apetidou de “imaginagio sociolégica’, isto é, uma perspectiva que considere a diversidade cultural ¢ hist6rica das sociedades humanas, a sociologia contribui pata a critica das formas exis- tentes de sociedade ¢ abre, assim, 0 caminho para a construgio colectiva de formas mais justas de organizagao social. Tivemos um exemplo deste contributo quando falémos, entre outras coisas, do desenvolvimento da ideia de “democracia industrial” ou dos possiveis contributos das novas tecnologias para a solugio do problema ambiental (capftulo 2.2). ‘Ao estimular a critica social e, também, a0 longo do seu traballo de acumu- lagio de conhecimentos sobre a vida em sociedade, a sociologia desmistfica preconceitos, combate falsas crencas ¢ o obscurantisme. Os exemplos desta conttibuigdo foram abundantes ao longo deste curso, Relembremos, apenas, 1 desmistificagio da ideia de “crise da Familia”, a identificagdio dos principais factores de produgo do insucesso escolar (capitulo 2.4), a dentincia da anipulagtio das diferengas étnicas de forma a produzir diferengas soc (capitulo 2.3), ou a utilizago de crengas religiosas para fins politicos (capt tulo 2.1), para apenas citar alguns dos miiltiplos exemplos posstveis. A sociologia oferece a possibilidade de olhar os problemas ¢ os fen6- ‘menos a partir de diversos pontos de vista, por vezes antagénicos, ¢ com preender como esses pontos de vista se formam e porque so diferentes, Testemunho disso dao as pessoas cuja profissdo se liga ao trabalho com cortos grapos desfavorecidos, como os marginais, os toxicodependentes ou certos grupos pobres. $6 com a capacidade da sociologia para interpre- tar universos socioculturais diferentes & possivel, na verdade, avangar no combate a tais problemas e reintegrar socialmente as pessoas e os grupos {que sc encontram em sittagdes probleméticas, Isto porque a consciéncia caitica ¢ a competéncia téenica da sociologia Ihe permite niio apenas pene- {rar nos universos de tais grupos, mas também perceber de que forma 0 sistema social, no seu funcionamento, produz. tais problemas ¢ de que forma terd de ser corrigido para os resolver; Ao descobrit, sistematizar, classificar, ordenar ¢ clarificar conhecimentos formagées sobre os sistemas sociais, a sociologia ajuda a tomar cons- des que nfo 0 eram. Na verdade, nés néo temos consciéncia de grande parte das coisas que fazemos ou que vemos fazer. Isso deve-se a ‘um conjunto de factores, de que se destaca a complexidade dos sistemas soviais, cientes teal Numi contexto de globalizagio das sociedades este problema torna-se mais, importante. Cada pessoa ot grupo de pessoas no pode ter consciéncia de todos os dados que afectam as suns vidas, Da ciGncia espera-se um contributo para Heh C. Wren Mus, A Inaginesio Socialis, ‘Rio de Janeizo, Zahar Ei lores, 198, a 28 a reconstrugéo do sistema completo de relagdes que tome mais cons cientes as razdes para fazermos 0 que fazemos, Mas a nao-consciéncia no resulta apenas da complexidade dos sistemas e da infinita multipli dade de factores que influenciam as préticas e as representagdes sociai Os interesses provocam também desconhecimento, na medida em que seleccionam 0 visivel ¢ distorcem as imagens. Ao restituir uma imagem “objectiva” da realidade, a sociologia contribui para cl torgées provocadas pelas ideologias. Uin caso especifico deste contributo de explicitaglo & ra realidades nio-conscientes passa pela elucidagao das relagdes entre as prdticas as instituigdes. Estas, pelo seu peso, pela sua durabilidade e pela sua I6gica auténoma tendem a aparecer aos actores como exteriores as suas préticas, Na verdade, porém, as instituigdes sto feitas pela repetigfio sistemitica de actividades mais ou menos semelhantes, las facilitam a vida social na medida em que constituem uma espécie de “meméria colee tiva” a tespeito da maneita de fazer as diversas coisas que devem ser feitas, a qual € incorporada em cada agente particular que, wma vez socia- lizado na norma institucional, a toma como um dado “objectivo” e exte~ rior, Ao relembrar que a instituigo © a norma s6 existem na medida em ‘que 08 actores as pralicam ¢ reproduzem, a sociologia facilita 0 esforgo de inovagiio social; As acgées tm, geralmente, consequéncias pretendidas, mas tém também consequéncias nao pretendidas. Por exemplo, uma inovagao tecnolégica pode visar a redugio de custos ou a protecgio do ambiente, Mas pode provocar, sem o desejar, desemprego. No mando moderno, em répida mudanga, € cada vez mais presente a necessidade de diagnosticar e prognos- ticar, com o maior rigor possivel, as determinantes sociais ¢ institucionais das acgdes. O diagnéstico o prognéstico ciemificamente informados so decisivos, alids, para afrontar os grandes problemas que as sociedades terdo que superar. Cada vez mais, também, tais diagndsticos e prognésti- cos terdo de levar em linha de conta aspectos explfcitos ¢ nfo explicitos das situagiies e consequéncias pretendidas e nfo pretendidas das acgées. Cada vez mais as ciéncias sociais, e a sociologia em particular, sergio, pois, chamadas a realizar estudos de caracterizagiio, avalingao e prospec- io em que assentardio ou de que beneficiario as politicas e os movimen: tos sociais, Por fim, deve ser considerados os contributos da sociologia para outras cigncias sociais. A realidade social pode ser olhada de diferentes perspec tivas, a que correspondem diferentes ciéncias sociais. A compreensio dessa realidade exige, por isso, o contribute de todas as ciéncias. Assim, por tin lado, cresce a tendéncia pata desenvolver a inter estudo € na andtise do social. Mas, para além disso, verifica-se uma cres- iplinaridacle no cente incorporagto da perspectiva sociolégica, que concede a primazia as relagdes e 2 interaccao social, noutras ciéncias. O progressivo abandono da perspectiva economicista na economia é exemplo desta tendéncia. EERIE Quando falamos dos contributos sociais da sociologia, hi que ter sempre pre sentes Us fentagées biisicas. A primeira é a da notoriedade, A segunda é a da presunglo, A tercelia é a desconcentiagio. A medida que cresce a visibilidade da sociologia ¢ 0 sen prestigio, cresce a solicitagio da intervengto de socisto ‘20s, Este processo € concomitante com a afimagio do poder comunicacional dos media, os quais solicitam, com frequéneia, a opiniao de sociélogos no sen- tido de, comentando os mais diversos temas, elucidar os respectivos contornos sociolégicos. O perigo, neste plano, consiste na tentagiio de, a partir do estatuto profissional, algumas pessoas debitarem opinides a respeito de assuntos para os quais néo tm especial preparagao sociolégica, quer dizer, que néo estudaram com 0 rigor caracteristico da ciéncia, segundo perigo é, porém, bem mais importante. Consiste na presungio de que a sociologia possa ter respostas e solugdes “milagrosas” para todos os pro- lemas. Como acontece com todas as ciéncias, nfo apenas o processo de produgio de conhecimentos em sociologia é complexo ¢ sempre incompleto, ‘como 1 aplicabilidade dos conhecimentos adquitidos nfo € imediata. Além disso, devendo responsabilizar-se pela utilizagio dos seus produtos, o socislogo no se substitui aos outros agentes na constructo da sociedade ¢ na conducio da mudanga social. A sociologia dé um contributo, porventura decisive, mas esse vai no sentido de auxiliar os agentes, dotados do poder de agir,¢ nfo de os substituir, Quando esses agentes solicitam explicitamente a contribuigto profissional dos sociélogos, rartmente t@m consciéncia da morosidade ¢ complexidade do processo de producto de conhecimentos sociolégicos. ‘Tendem, pois, a pres- sionar no sentido de obter respostas mais rapidamente do“que elas sfio pos: siveis. Assim se manifesta o perigo da desconcentragio em relaglo aos procedi- ‘mentos cientificos e técnicos que informam o trabalho sociol6gico, no sentido de, mesmo a custa da qualidade, serem satisfeitos acriticamente os desejos de rapidez de quem encomenda tum servigo & sociologia. 42.2. Desenvolvimento e profissionalizagdo da sociologia em Portugal Os servigos solicitados & sociologia so servigos (ou conselhos) profissionais. Quer dizer, so altamente qualificados, assentes num estudo prolongado ¢ num treino intelectual especifico ¢ especializado ¢ so fornecidos a troco de uma remuneragéo. A preparagao pata 0 exercicio da profissio 6 oficialmente certfi- cada (pelas escolas que fornecem as ficenciaturas) € 0s soci6logos profissionais possuem as suas associagSes, que visam garantir a sua organizagio, gacantir a elevagao dos padrdes cognitivos, técnicos e deontolégicos do exercicio profis- sional da sociologia e promover 0 set reconhecimento, Em Portugal o grupo profissional dos socidlogos esté numa fase de grande crescimento e afirmagio. Mas est4, ainda, em proceso de sedimentagio ¢ con- solidagiio. Tal deve-se ao atraso com que sociologia se implantou no nosso 2109 pafs. Durante 0 regime ditatorial anterior a0 25 de Abril a limitada —e mesino assim desde muito pouco tempo antes — a um ped nticleo de investigadores pioneitos, esforgados em burlar a politica obscuran- tista do regime fascista, Eles estavam, quase todos, agrupados no que hoje 0 Instituto de Ciéncins Sociais da Universidade de Lisboa, A disciplina s6 com a democracia se pode organizar e crescer logia estava la-se que, nos nossos dias, exergam a profissao de socidlogos em Portugal pessoas. Nao se conhecem precisamente as principais caracte- risticas sociogeéficas € as insergGes profissionais de todas. No entanto, existe alguns testemunhos representativos do trabalho que os socidlogos fazem, 0 que nos permite analisar aquelas insergbes. Durante a organizagio do 1] Congreso Portugués de Sociologia, realizado pela Associngio Portuguesa de Sociologia em Fevereiro de 1992, foi feito o registo de algumas dimensées do perfil de cerca de oitocentos socislogos, os quais constituem uma muito boa amostra da profissio. Mais de 60% dos patti no I Congresso Portugués de Sociologia eram mulheres. Predominavam as camadas jovens, jé que 40,5% tinham menos de 24 anos, 19,1% tinham entre 25 e 29 anos, 23,8% entre 30 € 39 anas, 12,34 entre 40 € 49 e apenas 44% ais de 50 anos. O distrito de Lisboa, onde ele se realizou, era a residéncia de mais de 50% dos participantes no Congtesso. No entanto, verifica-se uma dis- tibuigao pelo territ6rio nacional que abrange jé todos os distritos, prineipal- mente 0 Porto (onde resitiiam 12%) e Coimbra (4%). A docéneia é ainda uma das principais aplicagées profissionais exercidas pelos socidlogos, quer no ensino superior (33,2%), quer no secundério (5,6%) quer, ainda, no primério (8,3%). No entanio, verifica-se j& a existéncia de uma rela- tiva multiplicidade de papeis profissionais, com 34,6% dos socidlogos a exer- cerem actividades cientificas € técnicas nfo docentes, 3,2% de directores quadros dirigentes € 15,1% com outras profissdes. As instituigdes onde trabalhavam os sociélogos presentes no II Congreso Portugués de Sociologia etam © ensino e investigegio universitéria (31,8%), centros de investigecdo nfo universities (3%), escolas superiores de educagio e ensino politécnico (7,7%), ensino superior privado (2,5%), ensino primatio, secundario ¢ outro (6,5%), empresas de servigos (8.4%), empresas industriais (2,7%), administrago pliblica (11,6%), servigos piiblicos (8.8%), autarquias (13,5%) e outros (3,5%). Os diversos papéis profissionais exercem-se, pois, em diversos contextos in: tuctonais, que vio das empresas € organizagGes até ao ensito € investigagao, passando pelas autarquias e actividades ligadas ao desenvolvimento regional, & cultura € comunicacao e & administragio pablica e polfticas sociais, Nas empresas e organizagdes os socidlogos trabalham, mais frequentemente, em freas como a gesto de recursos humanos, a formagao profissional, a moni- toragem da introdugao de novas tecnologias e © planeamento € condugio da mucanga organizacional, a implementagao e acompanhamento de novas formas de organizagio do ttabalho, a ge rneamento estratégico e, ainda, 0 marketing e relagaes piblicas. da qualidade, a cultura de empresa, o pla- Nas autarquias e organismos ligadas as desenvolvimento regional os socistogos podem desenvolver tarefas relacionadas com o planeamento regional ¢ local, 0 planeamento e intervengao urbanistica, a animagao local, a reabilitagio urban tica e do ambiente, a protecgio civil, os projects de desenvolvimento regional ¢ local, o ensino e a protecgaio social e, ainda, como agentes de desenvolvi- mento. Na firea da cultura € comunicacao os socistogos podem ser responséveis por actividades de animagio cultural, de requalificagio e protecgo do patriménio, de gestio da cultura ¢ das politicas culturais, de marketing e publicidade, de comunicagio empresarial, de comunicagao social ou nas actividades edlitoriis. Quando trabalham na administragao publica ou em organismos ligados politicas sociais, os socislogos podem ocupar-se em projectos de luta contra @ pobreza e a exclusiio social, na reinsergio social de ex-presidisrios, no ensino & na administragio escolar, na satide € na administragao hospitalar, no emprego © formagio profissional, na avaliagiio de projectos ¢ programas de politica social e em projectos de intervengio multicultural Finalmente, os socidlogos trabalham, com frequéncia, no ensino € na formagio, na investigagio cientifica, em empresas de estudos ¢ projectos, em gabinetes de estudos € planeamento, em sondagens ¢ estudos de mercado, na producdo de estatisticas e na andlise de dados e, ainda, em projectos diversos de invest agtio-acgilo. ‘Aos principais tipos de contribuigdes gerais que enuncidémos acima, outras se podem referir num plano mais profissional!. Por exemplo, as que resultam da particular capacidade relacional e competéncia negocial dos sociélogos, das ‘competéncias pedagdgicas que desenvolveram e dos seus conhecimentos metodolégicos tanto no uso de técnicas quantitativas como qui vvas ¢ intensivas, Nao obstante a juventude da sociologia em Portugal, os socislogos portugueses, juntamente com colegas das outras ciéneias sociais com os quais tender ai ‘grar cada vez. mais equipas pluridisciplinares, realizaram um trabalho notével. ‘Tal esforgo ditigiu-se, antes do mais, para a reprodugiio alargada da profissto e, depois, para a pesquisa sobre a realidade portuguesa, ja razoavelmente conhecida. Por fim, em anos mais recentes, para além da continuagio dos dois processos anteriores, os socidlogos tém vindo a dedicar alguma atengio & sua organizagao profissional © principal instrumento de reprodugo alargada da profissio sfio as Ticencia- taras de sociologia. A primeira que se organizou ein Portugal, em 1974, foi a do Instituto Superior de Cigneias do Trabalho e da Empresa, Depois foram criadas novas licenciaturas na Universidade de Evora (1979), na Universidade Nova de Lisboa (1979), na Universidade do Porto (1985), na Universidade da Beira "A este propésito ver Ai Mio Fisbio Dx Costa? Pemeano Luts Maciaoo & anes. VALINE (ras), Experitncis ¢ Papéis Pro: Aissonnis de Soctitoges. 'APS, Secgho do Campo Pi fissional, Lisa, 1950. a * © conti desta com cogGes ents dsponfeel ata 85 6a publicagio das acts dos Congressos. CL. Vis, A Sociologia € a Socedae Portuguese na Viragern do ‘Secale (2 vols}, Lishoa, Ei torial Fagmestes, 1990 € atios, Extra Seciais Desenvolvinenta, Lisbon, Ediorial Pragmenos¢ Aso 0 limo, reelizado em vila do Cone em 1993, de tembsm ovigern 8 pobliast0 es ates, con halo iano 20 do préprio Encontro: Dindwicas Culuras, Cie ania € Desonvolsineato Local, APS, Lisboa, 199, mm Interior (1986), na Universidade de Coimbra (1988), no Instituto Superior de Cincias Sociais e Politicas (1988) € na Universidade do Minho (1989). Gene- ralizou-se, entretanto, a presenga de disciplinas de introdugao & sociologia nos curiculos de licenciaturas de muitas outras éteas cientificas. Estes sfo, tam- bém, indicadores da crescente solicitagao social de contribuigdes da disciplina, © trabalho de descoberta da realidade social portuguesa tem tradugio material nos intimeros relatérios de pesquisa produzidos, numa quantidade aprecisvel de livros publicados, na edigao regular de cerca de seis revistas € na produgéo abundante de teses de licenciatura, mestrado e doutoramento, Mas a maior demonstragio do esforgo feito a este nivel consiste no nimero de comunicagdes nos Congressos Portugueses de Sociologia, de que jé se realizaram dois, 0 primeiro em 1988 ¢ 0 segundo em 1992, No primeiro Congresso foram tea zadas mais de 75 comunieagdes, ao passo que no segundo se realizaram cerca de 130, quase todas elas no seguimento de pesquisas sobre a realidade por- tugnesa! Para além dos congressos, organizados pela Associagio Portuguesa de Socio- logia, esta organiza outras acgies de debate cientifico ¢ sobre os problemas da profissio’. Universidades, centros de estudos ¢ associagdes cientificas e profi sionais tém igualmente organizado intmeros congressos, colquies, encontros, conferéncias, entre uma multiplicidade de actividades que véo dando, a par das publicagées que dai resultam, piblico testemunho do trabalho cienttfico feito pela sociologia, ao mesmo tempo que reuncm socislogos para reflectirem sobre ‘0s problemas ca sua eiéncia € da sua profissto, ‘A Associagio Portuguesa de Sociologia, com os seus perto de 750 associados, tem naturalmente um papel central na organizagao profissional dos sociélogos, nomeadamente através das actividades da sua Seogaio do Campo Profissionel, Foram essas actividades que deram origem ao Cédigo Deontolégico aprovado no Congresso de 1992, pelo qual 0s sociélogos voluntariamente se regem. ‘A maior presenga de socidlogos na sociedade portuguesa, que se associa 20 crescimento do niimero de alunos nas diversas licenciaturas, a dindmica de crescimento da pesquisa ¢ do debete cientifico, o aumento do niimero de publi- ‘cages, uma maior presenga de socislogos nos 6rgiios de comunicagio de mas- a5, a maior participagto dos socidlogos nas organizagées ¢ nas instituigées desempenhando miiltiplos papéis profissionais, so factores que se traduzirio no crescimento da visibilidade da sociologia € dos seus contributos, os quais Por sua vez sero vertidos em novos instramenios que a sociedade possui para ‘asi propria e para lidar com os seus problemas. se pen

You might also like