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6 Conduzir uma entrevista de face a face Janine Barbor A pesquisa por entrevista ¢ um modo de investigacao cujo emunciado en conta dificuldades especificas. Pelo fato de terse largamente expandido em uma diversidade de aborclagens sociol6gicas, hoje a entrevista nao parece mais distintiva de uma corrente de pesquisa particular. Sens usos se multiplicaram €, em-um bom mimero de pesquisas, « entrevista tornou-se ume referencia padrio, suposta a prestar contas de modalidades de coleta dos materiais que, de fato, mostram-se muito heterogencos. F dificil, no quadro limitado de um capitulo, apreséntar a diversidade dos usos da entrevista ¢ esclarecer os debates parti- cularmente vivos suscitados". Trata-se especialmente de propor uma maneita de construir uma pastura de pesquisador na entrevista de face a face, tornado explicitas as consideragoes te6ricas que sustentam esta postura, ¢ de explorat suas consequencias praticas A postura do pesquisador e a dupla “fiiagao” da entrevista A postara do pesquisador na entrevista de face a facc foi frequentemente abordada em referéncia a uma dupla “filiagdo”. A da psicologia clinita, primel- ramente, com 0s princtpios do client-centered-intervuew, formulados por Catl Rogers. Rompendo com a pratica do interrogatorio clinico que visa a recen- sear junto ao paciente os dados julgados necessdrios ao estabelecimento de um 37. Visas abs oferecer sobre este pont recursos imporantes,notadamente DEMAZIERES,D. & DURAR, C Analyser les envetiens biographiques Paris: Nathan, 1987. Por outro lado, o etude das reacors concemindo a obra coledivaditgida por Pierre Bourtleu (La mistre de monde. Paris: Le Seu, 1993 [Petrapols: Vozes, 9, ed, 2012] da ums apanhado das implicacoestedrieas quanto 0 uso da encevista, 38, A referéncia a Carl Rogers impts-se apés a publicagio, na American Journal of Solology, de seu ati initalado "The, nondirective method a8 a technique for social reseneeh", vol. 50,n. 4, 1945, p. 279-283, 10 diagnostico, tatava-se doravante, para o terapeuta, de construir as condicoes mais ajustadas a fim de tomar o paciente ativo na explotagao dos problemas dos quais ele era acometido. F construindo un "espelho verbal”, manifestando a sew paciente uma atencio positiva ¢ incondicional, provando empatia, que 0 terapeuta deve permitit-The 0 acesso “A sua propria verdade". A referencia aos principios da entrevista rogerianos contribuiu para equipar wtilmente a postura do entrevistador. No entanto, € comparando os dois tipos de entrevistas que as facetas, bem particulares, da entrevista sociolégica aparece. Enquanto a telagdo erapeatica € iniciada a pedico do paciente, na pesquisa socialigica & 6 pesquisadar que provoca o encontro. Assim procedendo, ele deve prepatar verdadeiras estratégias de interesse, notadamente para obter 0 consentimento do entrevistado, © pesquisador dleve igualmenie construir 0 quadro de um cr contro que, como ainda o veremos, nao tem nacta de aniilogo com o dispositive calocado ao redor do gabiniete médico do terapeuta. Contrariamente a0 esque- ma da cura, a entrevista sociol6gica se inscreve, alias, em uma gestio do tempo Timitado, ¢ o pesquisadlor deverd organizar, o mais frequentemente io espago de uum wnico encontro, a coleta de um material denso. Ele sera canfrontado com luma tensto maior entre deixar o entrevistado explorar a sua guisa o tema que Ihe € proposto e tornar a enquadra-lo, se ele parece afastar-se demasiadamente do tema, Pois « entrevista socioldgica nao persegue uma finalidade terapeutica, ‘mas um objetivo de pesquisa determinado. I para tanto o entrevistaclor devera estar equipado de insitumentos espeetficos. A postura do pesquisador tem igualmente sido abordada em referéneia a uma segunda filiagdo da entrevista: a das grandes pesquisas sociais que, no final do século XIX, se dedicaran, na Europa & nos Estados Unidos, as condigdes de vida dos pobres citadinos. Rompendo com a tradigao do inter- rogatorio social pelo qual o observador *visitava” os-pobres em companthia de um representante da ordem, a fim de avaliar suas condigdes de higiene ¢ suas praticas educativas, a pesquisa social deslocow-se na direcio das formas de interrogagio mais abertas. Q consentimento dos pesquisados impds-se, 1a onde a coercéo reinava. E concedendo aos pesquisados um papel mais ativo nna definigao do sentido que eles davam as suas praticas, a entrevista surgi como um instrumento mais ajustado que o interrogatorio para obter informa- ges nao falsificadas. Mas a pesquisa social permancceu longamente ancorada hhuma perspectiva bastante descritiva e os princfpios da entrevista sociolégica foram pouco formalizados, inclusive pela primeira Fscola de Chicago que fez deles um uso intensivo™, 39. Estas evolugoes forsin anallsadas novadamente na obra recente de Daniel Cefsi: Lengudte de teitain. Paris: La Decouverte, 2003. A postura do pesquisadoy na perspectiva indiva S10 os promotores da Grounded Theory que, exn ruptura com 0 modelo Hi potético-dedutivo, vao formular os principios da perspectiva indutiva na qual se ancora a abordagem da postura do pesquisador que aqui desenvolveremos®. Contrariamente 20 raciocinio hipotético-dedutivo segundo o qual a pesquisa se desenvolve por etapas sucessivas (formulacao de hipéteses, coleta de infer- ‘magdes, validacao), a postura indutiva responde a uma dinamica de idas ¢ vi das, de ajustamentos constantes entre 2 formutacia das hipotescs de pesquisa, fa elaboragao das categorias conceituais, a andlise ¢ a acumulagdo progressiza dos dados oriundos do campo de pesquisa, Pata os defensores da postura ind- Liva, 6 impossivel definir @ priori o mtimero e as cargeteristicas dos pesquisados a selecionar para as entrevistas. © principio a reter € o da amostragem tedrica. Na escolha das pessoas a entzevistar, 0 pesquisador nao esta em busca de uma representatividade no sentido estatistico; ele busca antes identificar e explorar & medida da acumulagao dos dados e do trabalho de andlise, as situades contras- tadas que vao Ihe permitir arquitetar wm quadro te6rice. Nesta dtica, « pesquisa sce desloca a medida que cadkt nova situacéo explorada produz um conjunto de elementos pertinentes & andlise. A pesquisa para, ao panto de saturacito, quando fos dados novos nao parecem mais inflectir o quadto tedrico progressivamente elaborado. Seguindo estes desenvolvimentos, doravante 0 pesquisador podera apoiar-se em wm conjunto de principios suscetiveis de orientar suas pratices. Falta, no entanto, dotar este pesquisador de instrumentes que Ihe permitiréo abordar concretamente seu campo de pesquisa e conduzir suas entrevistas. Trt- ta-se entao ce evitar uin duplo perigo. ‘A postura do pesquisador: evitar um duplo perigo Urge evitar, de umn lado, 0 melodologismo que, frequentemente guiado pela preocupacao de neutralizar as obliquidades ligadas ao contexto de enuniciagio © 4 posigdo do pesquisador'', levar a prescricao de praticas dificilmente com- pativels com este modo de investigacdo. Planificar estritamente o quadro de um encontro, montar o caderno de encargos dos temas a escolher, focalizar nna mattiz técnica de cada uma de suas intervengdes revela-se contraproduce- te quando o pesquisador deve empenhar-se em tornar 0 pesquisado ativo € a 440, Os nabalhos apotando-se em uina postoralndtiva se eferem o mus frequentemente a0 text0 Stundador" de Anselm Strauss e Barney Glaser: The Discovery of Grounded Theory ~ Strecegies or Qualitative Resench, Chiengo: Aldine, 1987 41. Esta preocupacao com a neutraizaglo das obliquidades fot prospectada, notadamente, por 4 Jean Poupart (Discourse cents autour del scerfcie des entteticns de recherche", Stooge te cites val. 25,0. 2, 1993, p 93-130) € Loic Blondiaux ("invention des sondages opiniew riiques et interrogations méthodologiques (1935-1950)". Rene Prancatse de Seteme experienc Lf 6, 1941, pe 736-780), Pate Compemrecempremnonre ree cexplorar progressivamente as perspectivas emergentes, Por outro lado teata-se, em nome da critica ao metodologismo, de evitar enclausurar o diseurso sobre ‘entrevista em uma perspectiva relacional e experiencial na qual o pesquisador calejado, evocando a irredutibilidade das condigdes do'campo € a natureza.es- pecifica de cada objeto de pesquisa, simplesmente empenha-se em dispensar aos nnovigos conselhos baseados em uma pratica sempre considerada singular. As formas de generalizacdo se limitam entao em afirmar a primazia das qualidades “humanas” do pesquisador nas interagdes do face a face e em acentuar a expe- riencia de campo como o unico modo de aquisicao de uma habilidade (savoir- faire) toda pessoal. Abordaremos a postura do pesquisador como um conjunto estavel e coerente de instrumentos ¢ de priticas mobilizaveis para cada pesqui- sa: da defini¢ao do quadro da entrevista a sua preparagio e ao seu desenrolar, Ajustar e negociar: a definigao do quadto da entrevista Apresentar-se ¢ apresentar seu objeto de estudo, conseguir o consentimento do pesquiisado ou fixar o lugar ¢ momento do encontro: nos diferentes esti- gios da pesquisa por entrevista, a Tinguagem do ajustamento e a linguagem da negociagdo progressivamente se impuseram na qualificacao da postura do pes- quisador. Examinemos algumas destas operagoes. Apresentar sua postura e tornar seu objeto de estudo apresentavel ‘A maneira de apresentarse depende das modalidades de contato com os pesquisidos. Fstas podem ser muito diversas. Podemos distinguir 0s contatos feitos, notadamente, quando 0 pesquisador e o pesquisado compartilham um determinado grau de proximidade, Esta proximidade é vinculada, por exemplo, 420 fato de eles se encontrarem em ugares que constituem, para 0 pesquisador, locais de observacées etnogrificas, Neste quadro, a entrevista se inscreve em uma dinamica particular, em continuidade de uma copresenca””. Abordaremos aqui a situagao na qual o contato ¢ feito, a0 contrério, com um grau de distancia importante entre pesquisador e pesquisado: quando, por exemtplo, o pesqpnisa- dor tenta marcar um encontro, por telefone, com uma pessoa da qual ele € até entio totalmente desconhecido ¢ sem poder prevalecer-se de qualquer vineulo. Alguns manuais tentaram montar 0 caderno dos encargos que 0 pesquisador deveria entao preencher para fornecer a0 pesquisado todas as informagbes re- queridas a fim de obter seu acordo para um encontro: Bom dia! Eu me chamo... Sou estudante de... Trabalho sobre... Gosta- ria de falar-lhe de... Obviamente, a entrevista sera confidencial.. Seu nome nio seri... A entrevista deve durar em tomo de... Ela sera grava- dda, mas voee pode... Vocé aceitaria,.? 42, Reenviamos aqui obra de Stéphane Benud e Florence Weber! Gulde de Penquée de tera Pars, La Découverte, 2003, Podemos ficar impressionados com o grande formalismo desta apresenta- 40. Como se a auséncla de interconhecimento prévio levasse (ou reduzissc] © pesquisador a usar um procedimento padronizado para fazer contato com 0 pesquisado, Se, desde as primeiras palavras, 0 pesquisado consegue entrever ‘0 motivo de um conwite, todos os elementos de um caderno de encargos nie precisam ser apresentados de cara, O acordo do pesquisado sobre o prinetpio da entrevista nao supde uma adesio imediata a todas as modalidades da pesquisa, ¢ sgeralmente sera mais ficil introduzir a eventualidade de uma gravacao somente a partir do momento em que o acordo for consentido ¢ a relacao da pesquisa for bem-compreendida. Assim, desde o contato feito, o pesquisador deverd tentar engajar um intercambio com o pesquisado, Para tanto, ele pode antecipar as questoes que necessariamente vem mente do pesquisado, notadamente: 0 “Por que eu?” O pesquisador pode tentar personalizar a expeetativa do entrevistado as vezes sob a base de fracos indicios: “Eu o estou contatando porque encontre: suias coordenadas no site/internet da associacio de fulano. ~ Voce est engajacle na... Eu sou sociélogo e gostaria de falar com vocé sobre...” No entanto, todas as razées de contatar 0 pesquisado nao seriam igualimente apresentaveis, da mesma forma que a apresentagao de todo objeto de estido nao transcorterla necessaria: ‘mente de forma evidente. Far-se-ia necessétio ajusté-las, Assit, em minha pes: quisa sobre o impacto dos processos sobre as praticas dos profissionais da sade, a fim de nao induzir um discurso reativo (de nao construir eu mestaa 0 objeto ‘que pretendia estudar), optei por fazer contato com médicos, falando de wm estudo sobre as transformagdes das condigoes de trabalho em sua profisso”, Fazer frente as “propostas de recusa” de entrevista Desde 0 momento em que um pesquisado € identificado dentre as “pessoas a contatar”, o pesquisador deve empenhar-se a fim de obter seu consentimento. Nao conseguindo, ele podera tentar esclarecer as razbes ou as circunstancias de sua recusa, engajando o intercambio. De fato, os individuos nao séo inter- cambidveis ¢ as recusas de entrevista podem recobrir situagoes particulares @ propésito do objeto da pesquisa", Mas importante, desde o intcio, que 0 pes- 45. Esta escolha apolava-se igualmente em wma andlise rica des métodos empregados em wm bois mimero de ttabalhos que forjaram o conceito de “medicina defensiva® para prestar comtas das reagoes dos medicos dlante dos processes judiciais nos Estados Unidos. Cf. BARBOT, J & FILLION, F. “La medicine defensive critique d'un concept & success”. Sciences Sociales et Santé, vol, 24, u. 2, 2006, p. 1-33. + BARBOT, J. "Soigner en siwaton de risque judi Responsabilté médicale et telus de transfusion”, Revue Frangalse de Science Politique vol. 8.1.6, 2008, p. 985-1 014. 44, Poderiamos reenviar ao trabalho de Gérard Mauger que, apolando-se em sua pesquisa junio aos jovens das cidades, analison ag recusas de entrevista interpretadas por ele como tana Inanelra dos jovens maignecesstados de fugir de uma situagdo de quase exame que, ase olhos, Consit a entrevista CEnqueter en milieu popu”, Gendses, a. 6, 1991, p. 325-149). Em outra 06 quisador nde considere muito precipitadamente encontrar-se diante de umia re- ccusa, da parte do pesquisado, Embora existam sinais que nao enganam (quando alguém desliga 0 telefone na cara, ou poe o pesquisador porte alora), © mais frequentemente 08 pesquisados mais sinalizam propostas de recusa que recusas categoricas. Quando o tom permanece cordial, diante de um “ew nio accedito poder Ihe aportar alguma coisa”, “tudo isso nao serve pra nada”, “O que me acrescenta sua pesquisa?”, o pesquisador nunca deve abandonar este intercam- bio. E se uma proposta de recusa se confirmar, ¢ q pesquisador no conseguir exercer tim papel ativo nesta confirmagao? Vale lembrar que, em sua proposta de recusa,a pesquisado frequentemente fornece elementos de informacoes que permitem a0 pesquisador ganhar um novo impulso. Assim ocorre, por exeni- plo, nos enuntclados frequentes atraves dos quiais as pessoas evidenciam nao ter “competéncia para falar de..”, que é melhor “dinigit-se a...” (tal sindicato, tal associacao, tal perito). Estes enunciados podem ser facilmente conttariados, O pesquisador deve tentar entdo convencer 0 pesquisado: “O que me interessa realmente € saber como os médicos vivem cotidianamente em um hospita a vida cotidiana das pessoas no hospital que me interessa...” etc. O pesquisador faz assitn compreender que ele nado situa as “competéncias” on uma escala su cial, ou em wma alternativa entre os que sabem e os que ndo sabem, mas que 0 pesquisado dispoe, para dizé-lo naturalmente, do tipo de competéncias requeri- das pela pesquisa. Se nem sempre ele consegue convencer 0 pesquisado a acci- tar a entrevista, o pesquisador sempre acaba dispondo de matéria para melhor compreender a recusa do pesquisado. Por isso ele nao deve sentir-se petrificado @ priori diante da inconveniéncia de dever insistir: a entrevista sociologica é uma forma de investigagao inabitual, ¢ & no intercambio com 0 pesquisada que 0 pesquisador poderd precisar methor sua natureza, Alis, as propostas de rect- sasio de ordem muito diversa, ¢ as maneiras de insistir igualmente, Assim, em outros casos, diante de um pesquisado reticente e que nao “dispde de tempo", € frequentemente insistindo que o pesquisador testard certas qualidades que acabain tornando-se decisivas aos olhos do pesquisado (convicgao, tenacidade, engajamento). Entdo, insistir ou nao insistit? A nao insisténcia nao deve mas- carar, a pretexto de respeito, a condescendéncia social ou a falta de habilidade do pesquisador. A insistencia igualmente nunca deve servir-se, a pretexto de cxplicitacao, da moralizagao do pesquisado ow das estracégias de intimidacao, Negociar o quadro do encontro Uma vez a entrevista aceita, o pesquisador, outorgando, por principio, ao pesquisado, a liberdade de fixar o quadro do encontto, o orienta de modo fle- Fergie, Mai Dinionesateleeo un .vecusa de entrevista de unr paiguinea a maneita com a qual o segiento da psiquiatia, representada pelo pesqulsedo,abords o liyar ‘da sociologia no discurso sobre w doenca mental (*Le psychiatre, le sociologue et la Loulanger: analyse dun rfus de terrain’. Genéses, n. 58, 2005, p. 98-112), 7 nivel na ditecao das opxoes que the parece mais adaptadas, Desde o primero conlato, © pesquisador evitard, com efeito, formular prescricdes sobre 0 lugar, ahora e a curagéo da entrevista, Eniretanto, ele deve empenhar-se a fim de demonstrar ao pesquisado uma certa dispomibilidade e para torné-lo ativo na organizacto do encontro; ele manifestara suas preferencias no ajustamento das datas ¢ dos locais do enconteo, E este sentido que damos ao verbo negociar. O quadto da entrevista e mais particularmente o lugar ¢ 0 momento do encontro influenciam efetivamente na relagao que vai se estabelecer entre o pesquisadar e © pesquisado ¢, portanto, na natureza dos matetiais recothidos, Estes elementos foram objeto de imimeras investigacées, notadamente no dominio da psicologia experimental, Um estudo de Blanchet, frequentemente citado, abordou o efeito do lugar do encontro sobre a produgao diseursiva da erianga®. Nesse estudo, criangas sorteadas ao acaso foram divididas em trés grupos ¢ entrevistadas, undo um protocolo estrito, em trés espagos escolares diferentes: na sala de aula, no gabinete médica e no patio de recreagao, O mesmo pesquisador Ihes tinha pedido que falassem de sua rela¢ao com a escola, empreganda rigorosamente as mesmas instrugées formais os mesmos estimulos. Os resultados mostraram di- ferencas importantes tanto na quantidade das falas recolhidas quanto nos temas abordados ¢ na estrutura dos discursos, Foi igualmente feita a demonstracio do impacto do momento da entrevista sobre as conversas recolhidas, Para a Socio- logia ¢ inutil trabalhar na obsessio das obliquidades; uma situagio de pesquisa nao persegue o mesmo objetivo que um protocolo experimental visando a ava- liar o impacto de um fator pela tentativa de neutralizacao dos que participan nna definicao da situacdo. No entanto, o pesquisador nio pode fazer economia de uma reflexto, a partir de sev objeto de estudo singular, sobre o conjunto de coergdes que pesam sobre o ato de assumir a palavra do pesquisado ou favore- ccem a enunciacdo e sobre as condigSes materiais € morais do encontro*. Negociar o local da entrevista: como tornar-se “convidado” ‘Uma vez delimitas suas preferéncias, como o entrevistador poderia negociat © quad do encontro? Imimeros sao os entrevistadores iniciantes que realizam entrevistas em cafés indicados pelos entrevistadas, por nao terem sabido nego- iar outros locais. Fazendo das tripas coracdo, cles veem no café urn lugar ins- tautandlo em si uma familiaridade propfeia ao desbloqueio das falas. Esta expec- tativa se revela frequentemente decepcionante: o lugar mostra-se barulento, as 45, Pesquisa eltula at oba de miferéneie de Alain Blanchet © Anne Gotman: Langue et iméthades: Yentreten. Paris: Nethun, 1992, p. 63-64 [*Collection 128") 46, Michael Polls snalisa aseim © que @ levow a entrevistar pessoas, fugidas dos campos de concentzacio, em wm hotel parisiense, antes que no domiciio delas ow em seu escriério dt ole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (La gestion de Pndkeible", Actes de la Recherche ev Sciences Sociales, n. 62-63, 1986, p. 30-53) 108 | f F ' Interrupgdes regulates, as entrevistas curtas e superfciais, a gravacio eventual de qualidade mediocre. Por estas razbes, 0 pesquisadar nao deve permanecer Passivo quando o entrevistado direciona a escolha para um lugar que nao The convém. Tomemos, por exemplo, este intereambio fom um enteevistado que, ap6s aceitar 0 principio da entrevista, coloca-se de bom grado "a disposigao" do ‘entrevistador Entrevistado: "Onde voce deseja fazer isso?” Entrevistador: “Diga-me o que melhor the convém..." Entreyistado: “Eu poderia vir ao seu escritério?” Entrevistador: "Se assim o preferir.., mas ea também posso me destocar, para um local onde ficariamos mais a vontade”. Poderiamos entender, aqui, que @ preferéncia dé entrevistador se encami- nha na direcdo de um encontro na casa do entrevistado. Talvez o entrevistadot nto disponha de um escritério, ou o divida com outros colegas. Ou talvez es- time que, considerando o teor da pesquisa, seu esctitério nio seja 0 local mais propicio para realizar uma entrevista: all o entrevistado pode nao sentir-se a vontade ao evocar aspectos intimos dle sua vida, sentir-se intimidado pelo local ou, a0 contratio, interpelado pela pobreza da decoracao e pela desorelem que ali reina. O entrevistador, além disso, pode julgar que seria interessante, para sua pesquisa, observar o quadro de vida do entrevistado, Ao inves de propor-lhe de ‘ara 0 desejo de ira sua casa, no entanto, o entrevistador pode oferecer ao entre- vistado um conjunto de elementos que o levarao naturalmente ~ se ele 0 desejar € se tiver a possibilidade ~ a ele mesmo fazer-Ihe esta proposta, O entrevistador facia entdo figura de convidado, antes que de intruso. Neste exemplo, nota-se igualmente que ao indicar suas preferéncias, o entrevistador nfo as justifica por conveniéncias pessoais, mas pelas qualidades esperadas da relagio ("ficarfamos mais @ vontade”). Assim, negociando o quadro do encontro, 0 entrevistador continua definindo a natureza particular da relacao que pretende estabelecer com o entrevistado. Negociar a duracao da entrevista: exemplo de um entrevistado sobrecarregado Em indmeros casos, 0 ponto miais sensivel da negociagao diz respeito a du- ragio ida entrevista, Assim, por exemplo, em minka pesquisa sobre a judiciari- zagio dos servicos de satide, 0s médicos hospitalares éram encontrados em seu local de wabalho, Apés aceitar, sem entusiasmo, o prinefpio da entrevista, vim. médico, chefe de servigo, propos que eu entrasse em contato com sua secretitia, A qual cle passaria as instrugoes necessarias: Entrevistado: "De quanto tempo vocé precisa?” on Entrevistador: "Isso depende de voee... ¢ verdade que isso pode levar tem- po... geralmence, com seus colegas, isso nunca durow menos que uma hora as vezes até mais... mas isso depende realmente de voce” Entrevistado: “Ora (71). Entio pedirei a minha secretaria que encontre wma ‘jana, no final da manha... ou, antes, pelas 20 horas... se voce ainda traba tha... as 20 horas?” Entrevistador: “20 horas, sem divida é methor.. estaremos mais & vouta- de... 20 horas ou até mesmo mais tarde... para mi esti Stimo' E evidente que a questéo “De quanto tempo voce precisa?” nao indica, aqui, ‘uma grande disponibilidade do entrevistado. Para tanto, teria o entrevistador itt teresse dle minimizar o tempo da entrevista com o risco de ser dispensado aps alguns minutos? Definindo o tempo como ajustével a dispontbitidade do entre- vistado, o entrevistador evoca claramente a duracdo da entrevista. Ele nde a evoos como uma coergio imposta do exterior, mas enquanto experiéncia vivida com outro entrevistado de mesma condigdo. Ele coloca em epigrafe o interesse apotta do a sua pesquisa por colegas supostamnente ocupados em igual medida que seu nova entrevistado. Por outro lado, propondo a “janela” das 20 horas, 0 médico parecia desafiar 0 sociélogo ao inscreve-lo numa perspectiva,frequentemente en contrada em ambiente médico, que, de um lado, opse os médicos que “nao tém hora marcada para encenar o expediente” e, de outro, a equipe administrativa extremamente exigida, mas cujo engajamento permanece circunserito aos hord- ros de abertura e fechamento dos escritérios. Neste caso, a escolha desta “Jancla” reenviava A preocupagao de responder ao desafio feito pelo entrevista Prepacar a entrevista, preparar-se para a entrevista Preparar a entrevista, no caso da postura indutiva, € construir instrumen- tos que integrario, ao longo de toda a pesquisa, as perspectivas oriundas do campo pesquisado e a elaboragao progressiva do quadro de anise, Preparar a entrevista € também construir instrumentos de pesquisa que sejam validos para qualquer entrevistado (ou para o maior nimero dente eles), € considerar a en- trevista com “aquele entrevistado la” (entrevistado singularizavel) A grade de entrevista: um instrumento hibrido ¢ evolutivo (Os manuais de metodologia se posicionaram a favor ou contra o uso de uma grade ou de um guia de entrevista. Os promotores da grade encontraram nela ‘uma maneira de explicitar os procedimentos de coleia de informacdes ¢ de ates- tar assim a eientificidade da postura qualitativa ~ apresentando-a entéo muito feequentemente como um instrumento relativamente estitico. Os detratores da ‘grade preveniram o jiesquisador contra os perigos de sua utilizacao: esta corren- x0 | | | | \ do o risco de desnaturar a relacao com 0 entrevistada, fechando-o incidlenta mente em vim modo de investigegao de tipo pergunta/vesposta. A natuneza ¢ 0 usos da grade precisam, pois, ser clavificados. A grade de entrevista no é uma recensao de questoes pré-formatadas, destinadas, 4 semelhanga do questionario ou da entrevista dirctiva, a serem aplicadss como tais aos entrevistados. Ela também nao é um instrumento congelado que o pesquisador utilizaré ao longo de toda a sua pesquisa. A grade de entrevista ¢ um instrumento hibrida através do qual 0 entrevistador articula diferentes questées. Estas nao sto formuladas “para” ou “como se” devessem ser aplicadas ao entrevisiado. A grade de en- revista, alias, ¢ um instrumento evolutive no qual algumas questoes presentes no inicio da pesquisa serdo progressivamente relegadas, enquanto que outras suygirdo ou a ela incorporar-se-ao, Assimn, € importante guardar na memdria as principais evolucoes da grade, enquanto constittiem as rasttos dos avangos significatives da pesquisa. Um bom mimero de pequenos deslocamentos, no entanto, dissipa-se-4, sem com isso invalidar a cientificidade da postura, ja- mais podemos "prestar contas” da pesquisa por entrevisia, como na abordagem quantitativa, exponda o questionario que estrururou, de uma ponta a outra, a coleta de dados: a grade de entrevista acompanha a exploragio progressiva de uum campo de pesquisa ¢ integra simulianeamente os conhecimentos gute dele se otiginaram cexemplo Na pesquisa que realize’ com Nicolas Dodie, em tomo da eparacto dos dramas saniaros, a grade de entrees ~ destinata acs pts le changae traces pelo hor Imonio de eescment exttvo non anos de 1960" ol progresivamente corse sob uma forma esseniaimente temstice, No tex da pesquisa, el pesca Lin Conjunto de terns: elagao lo pesquis com as “assbingoes, com as mecas", amas miias" com ox seer" de contamina, com o “process ea acto fui tie, com a “indenieaga",aotadamente. Cady um desis tense epee dos pos de quesioesQurstcs de peaqs, iinet, questo tentatvs suctslvs de formulae das aposts socilepiss pando em onno do tema, Tatas de questoes do pesqunadon formtada em tana lnguagem que tne ¢ propria. Quests pres tn seg, qe win a tradair cada toma na experiéncia cnercla ds pesos enon teas avian sid dentficads een parte explrados antes vealzaio das prlietras enaevisas. Fo caso do tema “senciagoes™Inspnd em mes tebalos fnteriores, ota jt estara organiza eo um sonjunto de sestoes de pesdue 50- trea aleada do engeoment iltant, ome a forinas de soliaredade presents He reenseot iguatmente quesioes praca: © pesquisdo conbecia as assolagoes? Qua? Quando? Onde? Como re tia sio eolochdo em contato com els? Exes esses inham sido pens com tevendo” ser poses tos pesulsas, hs peraitira abet‘ leque das tocalidades possives de ancoragenn do tea ma Desienets das pessoas Outtosrernasforsra send acrescentads progessvanente E o caso da relagto dos pats de criangasflecidas po doenga de Cretsllat Jakob com a questdo da “indenizaeno™. Em 1993, apés os prineizos exames no quadre © peal impettaclo pelos pals de crlancas flecidas,o Estado efetiva- indenioar, em nome da solidartedade nacional, as familias aingidas pelo “draita™ Se 0 ema da indenizagao nfo fot colocade de cara em nossa grade de frirevista, sem ddvida em aafo de una reserva em abordar uma questéo jalgeds “Gelicada’. Esta reserva testemoha, por si mesina, as LensDes moras que cerca ¢ tema. € desde as primeitasentrevistas da pesquisa que se impord a necessidade de ‘exploras a questio da indenizagio e o lugar singular que cla ocupa na experisncia das Innsilis, Forjarse-s entaa wma maneiea de engajar esta exploracso, mesino quand sta nfo € espantancnmente abort pelo pesquisado. “Estes tratamentos foram contaminados pelo prfon [Partieula proteica infeccioss _que esturia na ovigem da encelalopatia esponjosa ('N.T], responsive! pela doenga de Creutzfeldt-Jakob- cles provecarai, 8 época, a morte de 114 criangas, jovens ¢ adul tos, Apos dezessete anos de instruc, um processo penal fo instaurado em Paris, em 2008, Cl. DODIER, N. & BARBOT, J "Identification et tentatives de réparation d'un Grame médical au sein dum collectif de parents”. Léconomie morate de ta répavation des prude Hes a Vactivite médicale, Rapport Cermes-Mire/Drees, 2008, p. 77-114. * BARBOT, ). & FILLION, &. “La dynamique des victims ~ Reconfiguration des formes engagement associail visé-vis du monde médical”. Sociologie et Societés, vol. 39, un 1, 2007, p. 217-247. Aiinstrugao de partida buscar 0 bom ajustamento Ao longo da entrevista, as melhores questdes so sempre as que vito ins- crever-se na linha daquilo que disse 0 pesquisado. No entanto, 0 pesquisador deve prestar uma atengio particular a formulacdo da instrugao de partida, Esta maven a entrada na entrevista, ¢ assume frequentemente a forma de uma simples indicagao: *Gostaria que voce me falasse sobre...” Se a qualidade da instructo de partida nao reenvia a um julgamento ex cathedra, 6 pesquisador pode disper de alguns pontos de referencia para antecipar os efeitos que poceria produzir tal ou tal formullacgo sobre a dinamica da entrevista. Assim, as instragGes estreites cottem o risco de implicar respostas curtas e actuais. Comecat uma pesquist, por exemplo, pela questao: “Com que idade voce parou de estudat?”, pode sv- gerir ao pesquisado que a entrevista vai se desenrolar sob a forma de perguntal resposta, As instrucdes demasiadamente largas ou excessivamente impessoais cocrem o risco de deixar o pesquisado perplexo e inferiorizado. As instrugoes sugestivas, propondo 20 pesquisado uma interpretacao do mundo, produzer: frequentemente artefates. Em men trabalho sobre a judiciarizarao dos services de satide, iniciar as entrevistas junto aos médicos anestesistas por “Gostaria que voce me falasse da maneira com a quil a escalacia dos processos contra os iné- dicos modificon stias préticas?”, teria sugerido simultanesmente ao pesquisado que a escalada dos processos cra uma realidade — e que ele podia associar-The legitinamente as translormacdes de suas praticas. As instragdes igualmente nao: devem submeter 20 pesquisado questoes de pesquisa ou colocé-lo em posicde m de validar conceitos sociologicos (“Gostaria que voce me contasse como seu en- {gajamento militante aumentou sen prestigio social”). Determinadas instragies demasiadamente incisivas podem provocar respostas curtas € defensivas. Em Les ficelles du métier (As artionannhas do officio) Howard Becker explica assim ter escolhido, no quaciro de sua pesquisa sobre os furmantes de marijuana, urna ins- trugio comecando por como (“[..] voce se tornot um fumante de marijuana") antes que FoR Qut". Segundo Becker, o rongut corria o risco de 0 pesquisado elaborar respostas defensivas (a conduta em questo podenca ser objeto de wma avaliacio negativa), a0 passo que 0 Cono engajava o pesquisado a desenvalver ‘mais largamente as circunstancias que o levaram a esta pratica. Se o pesquisado dispde, portanto, de algumas referéncias, a qualidade da instructo de partida no pode ser avaliada senao em estreita ligagao com 0 objeto da pesquisa, e de seul exarne junto aos pesquisados, . Preparatr-se para a entrevista com “aquele entrevistado Id” Na pesquisa por entrevista, pode ocorrer que determinados entrevistados sejam — ou se tornem —singularizados. £ 0 caso quando eles ocupam = ou ocu- param — posigdes publicamente discemniveis: eles foram presidentes de associa- Ao, fizeram as midias falar deles ete. A preparacao da entrevista supde entio que uma informacio precisa seja recolhida, a montante, concernindo os entre- vistados, a fim de identificar temas espectficos a serem eventualmente aborda- dos na entrevista, ou para que o entrevistador nao seja desacreditado ao dar-se conta, em tempo real, de caracteristicas que poderiam ser previamente conheci- das por todo pesquisador sério ¢ bern-informado. Em determinados contextos de pesquisa, os pesquisados podem igualmente tornar-se singularizaveis através da propria progressio da pesquisa’ trata-se, por exemplo, destes personagens tidos pelos outros como problematicos, cujas interverigoes sao relatadas em di- ferentes episédios ou em anedotas reproduzidas de entrevista em entrevista esta forma acaba-se por assim dizer engajando uma dindmica interna no corpus das entrevistas. SitaacSes deste tipo sao igualmente frecuentes quando a pesqui- sa por entrevista ¢ articulada com outros modos de investigacio (observacdes ‘etnograicas, trabalhos sobre corpus de documentos). A atencao distribuida do pesquisador ‘Teata-se agora de abordar a postura do pesqnisador no desenrolar da entre- vista. O pesquisador, ao longo de toda a entrevista, deve estar atento ¢ dispensar ao entrevistado uma escuta ¢ uma disponibilidade importante, fazer interven- 60s ajustadas, gerir 0 tempo da entrevista, organizar a coleta material das in- 47, BECKER, H. Les filles du metier ~ Comment condtire sa recherche en sciences sociales. Paris: La Découverte, 2002 formagdes. Com a nogao de atengéo distribuida, exploraremos a maneira com a qual o entrevistador articula estas diferentes linhas de trabalho, A disponibilidade do pesquisador nao passa de wna qualidade humana E devidlo ao fato do trabatho do pesquisador operar-se em diferentes linhas que a atencao por ele mobilizada ao longo da entrevista se torna importante; esta ¢ também a razio pela qual ele frequentemente conclu seu trabalho um tanto quanto esgotado. Neste contexto, a disponibilidade que o entrevistador pode testemunhar ao entrevistado nao é unicamente uma “qualidade humana" da qual disporia ou nao, € que poderia, se for o caso, ser objeto de um traba- tho sobre si. Esta disponibilidade fundamenta-se também na implementacio de wm dispositivo que vai “torné-lo” disponivel, permitindo-Ihe apresentar-se ao enirevistado como ouvinte. A isso denominamos atencao distribuida. Neste Aispositivo, o entrevistador munir-se-4 de um bloco de natas, de um material le sravacao, de uma grade ce entrevista, Ble ajusta estes suportes segunda as ca- racteristicas do encontro e, quando se trata de introduzir um objeto na situacao, deve empenhar-se para doté-lo de um sentido que participe da definigéo de sua relacao com o entrevistado, A grade de entrevista é sem civida 0 suporte cuja utilizacao parece imporse mais, Aconselliz-se memorizar bem esta grade, co- nhecer perfeitamente seu teor, a fim de visualizar como o discurso do entrcvista- do a percorre, Em alguns casos, a presenga mesma da grade no é necesséria a0 longo da entrevista, Ein outros casos, 0 entrevistador pode querer apresentar-se com algumas anotaces, a fim, por exemplo, de atestar a seriedade da postura junto a um entrevistado que ¢ visitado em seu local de trabalho. No entanto, a leitura da instrucao de partida e a consulta regular apoiada na grade devem ser evitadas: elas dao a impressao ao entrevistado que se trata de um questionario, que © script da entrevista jé esta estabelecido, que seu desenrolar ¢ assumido pelo entrevistador, portanto, ja planificado. O entevistado assume entao o lugar do “respondente” ¢ mergulha num ritmo perguntas/respostas incompativel com a entrevista sociol6gica, da forma como a abordamos. ‘As necessidades da gravacao Na maioria dos casos, a gravagdo da entrevista € indispensével, as simples anotacdes apresentando varios limites. A anotacao intensiva por parte do entte- vistador pode parecer monopolizadora, levando frequentemente o entrevistado a ditar-the literalmente suas falas. E possivel, por outta lado, sublinhar a carac- teristica seletiva da anotacao. Diante da impossibilidade, para o pesquisador, de apreender a quantidade ¢ a heterogeneidade cas informagoes que Ihe sto liberadas durante a entrevista, ele tia, em tempo real, as que The parecem mais pertinentes, Ele mobiliza entao seus conhecimentos dispontveis, as hipteses provisérias que em wn memento da pesquisa pade estabelecer, dotando-os as- on | i sim de uma consistencia particular, A anotaglo apresenta igualmente um carter aproximativo. O entrevistadlor as vezes anota ideias, oriundas de operagoes de traducio em uma linguagem sociolégica ainda nao estabilizada nem valida Ble as vezes apreende de maneira incompleta os termos usados pelo entrevista- do, sem poder inserevé-tos precisamente em um contexto de enunciagao, em um encadeamento especifico do discurso do entrevistado, cuja pertinéncia talvez surja apenas no final da andlise. Enfim, as simples anotagées tormam impossivel © etorno ao material bruto: este esta irremediavelmente perdido. O trabalho de seleco, as operacdes de traducdes efetiaclas mostram-se entio hneversiveis E 0 entrevigtador guarda frequentemente a lembranca confusa das conversas tidas por tal ou tal entrevistacto, malcompreendido no momento, ou julzacas pouco interessantes, que ele “deixou escapulir”, mas que ele teria, a0 longo da entrevista, desejado questionar novamente. A gravacao da entrevista constitu, portanto, um ponto de apoio essencial na andlise dos materiais recolhidos e 1a conducdo da entrevista. Desde as primeiras entrevistas, as rettansctigdes sito titeis para avaliar a pertinéncia da grade c enriquecé-la. Flas consticuem igual- mente um instrument para o sociélogo, em periodo de lormacio e mesino pata além dele, para avaliar e melhorar suas priticas, Introduzir wm objeto na situacdo A introducao de wm material de gravacio suscita s vezes mais inquietagao a0 entrevistador que ao entrevistado. O entrevistador se inquieta quando dota © material de gravagdo de uma capacidade de desvelar o carater artificial da situagao, de (ornat visivel a assimetria da relacio, de alterar a relagae de con- fianca do entrevistado, de comprometer sua capacidade de entrar numa relagiio de confidencia, Ele se inquieta igualmente quando, conhiecendo @ imporiancia da gravacao, ele mesmo sobrevaloriza a presena do material, verificando as ve. 2es repetidamente ao longo da pesquisa que “tudo se encaminha perfeitamente bem’. A presenga do material deve frequentemente ser desdramatizada simulta- neamente para 0 entrevistado ¢ para 0 entrevistador. Urge dotar este material de uum sentido que permita introduzir sua presenca e geri-la da melhor forma, Tra- tase, ao mesmo tempo, de obter o consentimenta do entrevistado, lembrando as gatantias de anonimato e de confiabilidade da pesquisa, mas também expli cando claramente ¢ positivamente a funcao do gravaclor na relagao da pesquisa. 0 gravador pode ser apresentado por aquilo que ele: um “auxilio-memoria”, um instrumento que nao tem por vocagio ser “ouvido por outros” (éerceirys potencialmente ameagadores), mas que encarna a vontade do entrevistador de estar realmente a escuta do entrevistado, O gravador nao deve ser simplesmente aceite pelo entievistado porque o entrevistador enunca garantias contra seus uusos abusivos, mas porque ete entende o sentido de sua presenga, no seio de um dispositivo de atencao distribufda: “E importante, para mim, porque assim ‘posso escuté-lo melhor, ¢ isso nos deixa mais a vontade.” Aanotagio: organizar referéncias Mesmo quando entrevista € gravada, ¢ stil fazer anotac6es. Estas ano:a- (bes mio 12m por vocagao reparar as falhas técnicas do material de gravacio, Tentando registrar melhor o que o entievistado fala. A anotacao, no quadro da entrevista gravada, também nao ¢ uma atividade intensiva de escrita, Ela € um instrumento prectsamente concebido, fazendo parte do dispositive de atencio distibutda, As anotades sio destinadas a servir de pontos de apoio ao enteevis- tador na condugao da entrevista. As anotagdes se apresentam entio sob a forma de datas mencionadas em uma cronologia de termos colocados em epigrate, reenviando as falas obscuras ou impressionantes tidas pelo entrevistado para evocar uma anedota, qualificar priticas, interpretar acontecimentos, Trata-se, para o entrevistador, de organizar no papel algumas referencias que lhe perral- tirdo seguir 0 fio condutor de uma narracao complexa ¢ apontar os elementos suscetiveis cle ser objeto de estimulos. O entrevistador atento a nao interromper © entrevistado por intervengies sisteméticas e intempestivas guarda assim em reserva 0s pontos sobre os quats tenta ganhar novo félego quando a palavta se estanca, perde {6lego, para, on quando o entrevistado se afasta demastade- mente do tema, se satura, se repete. Entretanto, em alguns casos, as referéncias constitafdas acabam tornando-se inditeis: 0 entrevistado, por si mesmo, acaba explorando e clarificanco uma conversa que o entrevistador, inictalmente, 2 havia percebido como obscura. Em outros casos, as eferéncias precisam sex hie~ rarquizacas, em funcéo da dinamica da entrevista ¢ da gestdo as vezes apertada do tempo do encontto. A entrevista em vias de realizarse A entrevista @ uma interagao social na qual, como em qualquer outra inte acho social, entra em cena um conjunto de elementos heteréclitos suscetiveis dle oriemtar seu curso (imprevistos, incidentes etc.). Os desenvolvimentos que seguem incidiao somente sobre a exploragao da “caixa de ferramentas” que 0 entrevisiador geralmente é levado a utilizar ~na dupla dtica de seguir o entrevis- tado, mas também (e por que nao?), de interpeli-to. Técnicas para seguir o entrevistado A esciita ativa, 0 estimulo, o siléncio sio as técnicas prediletas do entrevis tador. Elas Ite permitem seguir 0 entrevistado. Seguir 0 entrevistado é acomp: nlutlo no descobramento de sua narracio e de suas opinioes. Seguit 0 entre- vistado € empenhar-se na compreensio dos elementos que ele julga pertinentes para dar um sentido @ uma situagao, para interpretar os aconteciments, para formular as expectativas, Seguir o entrevistaclo supoe um grau de abertura im portance do entrevistador a tndo aquilo que 0 entrevistado poderé mobilizar 6 ! i | . em seu discurso, O entrevistador frequentemente pode conceder-se o risco de deixar o entrevistado distanciar-se do tema, digressionar; antes que perder, em enquadrando-o, desenvolvimentos que poderiam progressivamente revelat-se perlinentes. Seguir o entrevistado, portanto, supée uma forma de engajamento bem particular do eatrevistador. Se ele intervém muito poucd ao longo da entre- vista, privilepiando o silencio as intervengoes precipitadas, o entrevistador pode no estar nem passivo nem acuado. Algumas formas de intervencdes (08 “hum, umn” ¢ 0s “sim-sim") 4s vezes parecem ilustrar de forma caricatural a postura do ouvinte que tranquiliza 0 entrevistado sobre o fato dele responder bem as expectativas da envevista, O entrevistador dispoe, entretanto, de um leque mais largo de téenicas de intervencées que Ihe permitem gerir os ritmos da entrevista, As intervengées no verbais exercem assim um papel importante e podem fee- ‘quentemente substituir vantajosamente uma fala desajeitaca. Meneios de cabe- «a, atengao acentuadla, isos compartilhiados indicam uma presenca do entrevis- taclor que contribui ativamente na manutengao da mobilizagao do entrevistado. entrevistador, por outro lado, deve busear uma formagdo quanto a diversida- de das intervengoes verbais. O imperativo nao € puramente formal: cada técnica ver efetivamente pontuar o intercambio de maneita diferente, colocando em epigrafe certas falas, ou acentuando determinados efeitos de dramatizacao. Variacoes tteis para manter @ atencao Nao se trata aqui de fazer o inventirio das técnicas de intervengdes, alias, largamente documentadas, mas de ilustrar algumas nuangas, Assim, classica- mente fala-se de repeticao em eco quando o entrevistador repete as ttimas pa- lavras pronunciadas pelo entrevistado. A repeticdo em eco é particularmente apropriada quando o entrevistado se detém em uma frase, como que absorte pelo que acaba de dizer: “Esta situagao foi realmente diftcil..”, diz 0 entrevis- tado, como para concluit um desenvolvimento que nao houve; “dll toma o entrevistador, em forma de eco, Fala-se ainda de reflexo personatizado para descrever a intervengo que, para 0 entrevistador, consiste em formular © que foi dito, engajando o entrevistado a desenvolver mais precisamente sua fala: “Para vocé, o [ato que... era...” Quando o entrevistador tenta fazer uma reformulacao das falas do entrevistado, frequentemente ele deve usar termos proximos aos empregados pelo entrevistado. Ele poderia retomar os termos par- icularmente fortes, voluntariamente pejorativos ou grosseitos do entrevistado: ‘Voce pensava que ele era um cretino, $6 porque nao tinha..." O entrevistador deve evitar introduzir brutalmente um vocabulério manifestamente diferente daquele do entrevistado, Inttoduzindo tepentinamente texmnos técnicos, ele igualmente pareceré adotar um ponto de vista saliente: “O que voce quer dizer, Eexatamente que...", diz 0 entrevistador, como para traduzir os termos julgados desajeitados ou imprecisos do entrevistado em termos que ele julga mais ajus- "re tados. Propondo ao entrevistado de validar suas interpretagoes sociolégicas, 0 cenurevistador aptesenta igualmente provas de deslize. Mas se deve adaptar-se a0 vocabulario do entrevistado, o entrevistador nio tem porque simplesmente adoté-lo, isto €, insinuar que este vocabulanio lhe pertence. Fala-se igualmente de intervencoes espethadas quando o entrevistador se apota, para formmular seu estimulo, nao mais nas falas do entrevistado, inas na informagao nao verbal que acompanhott suas falas. Durante a entrevista, o entrevistado emite um conjunte de indicacoes, para além dos proprios termos, através do tom por ele emprega- do, das mimicas, dos gestos. Aqui, ele parece marcar sua desaprovacao; acola provar diversdo, assumir um ar irdnico, agitar-se ow sentit-se pouco A vontade A intervencdo espelhada consiste, para 0 entrevistador, em mostrar que ele per: cebeu estas manifestacdes, ¢ que ele encoraja o entrevistado a explicé-las: “Voce info me parecia estar completamente de acordo com isso...”, “Esta situacao nao ime pateceu deixé-lo a vontade...", poderia sugerir entao o entrevistador. ‘Ajustar as intervencoes aos ritmos da entrevista Estas técnicas de intervengdes formam a caixa de ferramentas permitindo que 0 entrevistador mantenha a atengao do entrevistado; elas lever ajustat= -se estreitamente aos titmos da entrevista e 20 mesmo tempo contribuir para impulsiond-la. 4 entrevista efetivamente se desenrola ema diferentes rites. E possivel, aids, observar estes ritimos em sua retranscricao. Assim, nao rato, a en- trevista inicia, apés a introducio pelo entrevistador da instrucao de partida, por un mondlogo do entrevistado, entrecortado por algumas intervengoes do entre- vistadlor (repetigaes em eco, reflexo personalizado etc.). Durante esta sequéncia de exploracdo aprofundada do tema pelo entrevistado, o entrevistador intervém no fio condutor do discurso do entrevistado, ¢ anota alguns pontos de referén- cia, Uma vez 0 discurso esgotado, por estimar que o entrevistado afastou-se demasiadamente do tema, o entrevistador poderd escolher, no memento opor- tuno, retornar ao que foi dito, mobilizando seus pontos de referencia (*Ainda ha pouco voce dizia que...”), ou introduzir um tema da grade inexplorado, re- correndo a uma nova instrugdo (“Existem também, acredito, associacdes que se mobilizaratn ao redor disso..."): instrucao iniciando potencialmente umta nova fase da explicacdo e consagtando o estatuto dos temas da grade como pontos de passagem obrigatorios da entrevista Ungiria interpetar o entrevistado? Durante a entrevista, 0 principio da naturalidade benevolence frequente- mente langow deivida sobre certos tipos de intervengdes do entrevistador. A pos- tura do entrevistador exigiria que ele renunciasse a toda contradicéio do entre- vistado? Estaria, pois, a expressao de qualquer forma de desacordo proscrita, por maior que seja oMAmperativo de compreensdio? Mostrar surpresa diante das falas do entrevistado nao significa necessariamente adorar um ponto de vista sobressalente, Interpelar ¢ igualmente querer compreender melhor. A forma de interpelagao, a sequencia de intervencdes ha qual ela se exerce, o (om adotado € a atitude corporal do enitevisiador (modesto, interessado) exercem aqui um papel determinante, Assim, quando a relagdo de pesquisa ¢ bem-estabelecida, € quando 0 entrevistado ja explorou "8 sua guisa” um conjunto de temas, 0 entre vistador pode apotat-se nesta experiéncia comum da entrevista para immplementar outras formas de intervencdes ¢ estabelecer intercAmbios mais estreitos. 1850 nao significa dizer, no entanto, que a entrevista se transforme numa discussie ordinatia na qual entrevistador e entrevistado trocam doravante seus pontos de vista. O entrevistador continua, mas sob outra forma, @ aprafundar e ponto de vista do enttevistado. Para tanto, ele pode referit-se a existénicia de contravérsias ‘ou de posicdes contrastadas ao redor dle uma questo, como forma de levar 0 en~ trevistado a um posicionamento mais nitido. O entrevistador nao se posiciona aqui como atbitro das colocagdes em presenca de algueém; ele simplesmente faz~ se testemunha daquilo que vin ou ouviu ao longo de sua pesquisa, Fle submete suas observagges (anonimamente) ao cntrevistado ¢ o estimula, se 0 desejar, @ comenté-las: "Eu encontret pessoas que me diziam que elas...” As falas io entrevistado sao assim aproximadas és de outro entrevistado, ¢ os intercémbios, acabam participando da construgio de um espaco das comparacées internas aa corpus Uma abordagem etnografica dos tempos do encontro No caso da pesquisa por entrevista, encontro € @ sequencia etogralica pertinente para a anilise. Existem, em diferentes casos, difercates tempos no encontro do entrevistador com o ennevistado: am tempo antes da entrevista, 0 tempo da entrevista, e um tempo apés a entrevista. O entrevistador deve retletir sobre a dindmica temporal na qual se perfila cada encontro. Ele deve posicionar- -se diante do estatuto que ele acorda as falas do entrevistado ao longo destes, diferentes tempos. O sequenciamento do encontro © sequenciamento do encontro em geral ¢ estreitamente vinewlado a inteo- dugio do material de gravacao: sew inicio e sew fim contribuindo por assim dizer na definigao0, aos olhos do entrevistaco, da propria entrevista. Mas, para além do proprio impacto da presenca do material, os tempos do encontra sio frequen- temente condicionados por um conjunto de fatores sociais e circunstancias lo- ‘ais, Assim, por exemplo, quando um pesquisador marca wim encontro com um. conselheiro municipal em seu escritério na prefeitura, na segunda-feira, das 10 a5 11 horas, ele pode esperar que o tempo do encontro se sobreponha estreita- mente ao da entrevista, Em contrapartida, quando um encontro ocorre com um) recém-aposentade, em seu domicilio, no inicio da tarde, ¢ provavel que o tempo do encontro ultrapasse largamente o da entrevista. Se ele nao necessita buscar a qualquer preco planificar a priori estes tempos, a organizi-los, 0 entrevistador, sabendo que estes tempos existem, ¢ levado a prestar contas disso de diferen-! tes maneiras. Primeiramente em sta organizagdo material: é preferivel que 0 entrevistador se reserve uma margem de manobra no campo de pesquisa, a fim de evitar o atraso de uma entrevista ou para fazer frente, ao contrério do que se esperava, a um convite de acompanhar a diseussto de um entrevistado que enfienta uma agenda lotada. A entrevista nao deve, portanto, inscrever-se em. uma gestio excessivamente fechada no planejamento do entrevistador: se tm encontro ¢ inviabilizado, outro deve estar programado “na sequéncia”, Alig, 0 entrevistador, antecipando determinadas caracteristicas co encontro, pode con- siderar tfuenciae na onganizacio de seu sequenciamento, investir cada tempo de wina dinamica particular na construgdo da relacto com o entrevistado ¢ na coleta dos materiais. ‘Antes daa entrevista: Nao é a entrevista? Na pesquisa sobre 0 horménio de ctescimento, por exenaplo, o mesmo ce- nario retornava regularmente: a entrevista era marcacla em domicilio do entre- vistado, e em varias regides da Franca, para as quais eu me deslacava em trem € 0 entrevistado vinha buscar-me de carro na estacéo. O trajeto de carro com 0 entrevisiado, desde o inicio da pesquisa, impds-se como uma sequéncia partict- lar de encontro que precisou ser considerado. Uma vingem de carro nto é, em muitos casos, nem o higar nem 0 momento mais ajustado para se iniciar uma entrevista. A atengao do motorista é mobilizada pelas demandas da estrada, « sitaagao nao propicia para uma conversa “face a face", e nestas eircumstancias torna-se diffcil cle introduzir um material de gravacio. Assim 0 entrevistador pode nao ter interesse em favorecer a entrada rapida no tempo da entrevista, na exploragio profimda do tema que esté no coracio do encontro. Ele pode entao tirar pattico deste trajeto percorrido de carro estabelecendo uma série de inter cambios destinados a instaurar um clima de: escuta e discemir as caractertsticas soviais da pesquisa, Estes intercambios sempre dlevem permanecer informais. Nao se trata de aproveitar-se da viagem para preencher a “ficha identificadora” do entrevistado antes da entrevista!®. Estes intercambios sio frequentemente cincunstanciados, Com tal entrevistado, nés evocamos, ao deixar 0 estaciona- 48, Fa “icha identificadorn” nem por iso € proscrts, © enteevistador, em anexo & sa grade die entrevista, paderi tr listad enjunto dss caractevatcas soclals que desea recolher na site do encontco Cidade do enirevistada, soa proissa ci.). Muito frequenternente, &x.o final da, temtrevisia que ele verificar, colocando questors dretas a0 entrevstada, que estas informagses foram slitentermente preczadas: "Woes me havi ido que eta prolessor?", "Wack nso éorigindlo da regio?” et mento da estagio de trem, os engarrafamentos no centro X..., que nao tem “nada ‘comparavel aos de Paris, evidentemente!”, me diz 0 entrevistado, Eu concordo imediatamente ¢ actescento que tornou-se “simplesmente impossivel” desco- arse de carro em Pais. Segundo o entrevistado, os engarrafamentos na cidade X... estio ligados & “politica do novo prefeito da cidade que...". Naquela ocasiao compreendi que o entrevistado era professor aposentado, que ele sempre esteve engajacdo nas diferentes associagoes locais e que ele estimava, enquanto cida- dio, ter “sta palavra a dizer..." Estes intercambios preparam simultaneamente © tempo da entrevista e produzem elementos titeis a anélise. Apés @ entrevista: O momento da verdade? Raramente o entcontro termina no momento em que entrevistador ¢ en- trevistado concordam com o faro de que a entrevista acabou, que “tudo foi exaustivamente dito sobre o tema”, e que o gravador ¢ desligado. O encontro pode estender-se por um tempo mais ou menos longo: se alguns entrevistados conduzem simplesmente o entrevistador & porta de seus escritérios, outros the propoem um café, ou o Tevam a estagio... ApOS 0 encontro, a relago entre entre- vistador e enirevistado se transforma. Ambos t@m a impressao cle que a tensto desfez-se, que um novo espaco de discussio se abrin, O que concluir disso? Que a entrevista foi um engodo? Que a presenea do gravador, longe de ser invistvel, condicionou de uma ponta & outta o discurso de entrevistado? Que enfim a palavra correu solta? Que a mascara caiu? Qual estaruco atribuir as conver- aqui fugir da alternativa frequentemente evocada entre ‘dissimulacdo ¢ revelacao”, para abordar a questio da ar- ticula¢ao entre o tempo da entrevista e 0 tempo apos a entrevista, Desta forma pode-se considerar que o fim da entrevista (simbolizado pelo desligamento do gravador) pode provocar uma oscilagio nos discursos do entrevistado entre en- ‘gajamento piiblico ¢ familiaridade. Pelo fato desta oscilagao ser frequentemente limitada as questdes particulares, ela € reveladora da posicao que o entrevistado adota diante delas. Assim, por exemplo, alguns entrevistados poderio evocar a0 longo da entrevista, de forma nuancada, as diferencas que os opdem a outros atores engajados “numa causa comum". Apos a entrevista, em contrapartida, eles poderao mostrar-se muito prolixos, criticando-as ou tornando-as ridiculas, Nao terfamos razio em ver nisso, de um lado, hipocrisia e, de outro, a ma festagao de uma verdade, A unidade pertinente para a anzlise sera constituida das duas sequéncias de enunciagao que traduzem a existéneia de uma tensio entre o que ¢ vivido pela pessoa como uma coercto de concordancia piiblica entre pessoas atingidas por um mesmo infortinio e a existencia de divergéncias de visdes sobre a maneira de gerir este inforuinio, Assim, 0 entrevistador ~ ja ambientado — poder investir o tempo posterior'a entrevista como um momento propicio para retornar aos elementos sobre os quais ele teria sentido a entrevista criat constrangimentos; nao com o objetivo de emboscar o entrevistado, mas a fim de explorar com ele aquilo que nas condigaes de ciwunciagde tornava uma questio dificil de ser tratada. Da retranscri¢ao ao didrio de campo E pelo fato de o encontro ser a sequeneia etnografica pertinente a analise ‘que 0 material coletado ao longo da entrevista nao se reduz a retranscri¢ao da entrevista gravada, Se a retranscri¢io € uina pega maior do corpus de dados oriundos da entrevista, esta deve ser completada por uina série de observagoes registtadas no didrio de campo do entrevistador. Estas observagoes contemplarao simultaneamente a descrigao dos locais, a ambiéncia da encontro, a atitude do entrevistado, mas igualiente os intercdmbios que ocotreram antes ¢ depois da entrevista. Em seu diario de campo o entrevistador ter igualmente guardado ‘em meméria a maneira como 6 coniato foi feito com cada entrevistado. A infor- miagao podera ser dui, notadamente no caso dos entievistados por “fala-escuta”, para interrogar a presenga e a natureza das redes de atores assitn representados Em seu diario de campo o entrevistador tera, enfim, escrito os intercambios (cor reios, comunicagdes Celefonicas etc.) que houveram no momento da tomada de coniato inicial e que, para alguns teriam culininado na accitacdo do encontro, € na recusa pata outros. Ele devers snotar enfim, neste caso, as promessas feitas a cada entrevistado, concernindo a comunicacio dos resultados da pesquisa, ‘A postuta do entrevistador nao pode ser abordada através do prisma estreito do metodotogismo que, em nome da cientificidade da pesquisa, tenta neutralizat as obliquidades adotando procedimentos padronizados. Ela também ndo pode set abotdada através de uma perspectiva relacional ¢ experiencial que, ex nome da irvedutibilidade das situagées de campo e de uina habilidade (savoir-faire) sempre considerada singular, buscaria afastar-se de todas as formas de gene- ralizagao ¢ de enquadramento. A postura do entrevistador, da forma como a abordamos, reenvia a adogao de uma perspectiva te6rica claramente expiieitada, da qual decorre um conjunto coerente ¢ estavel de instrumentos ¢ de praticas imobilizveis em cada entrevista, Nos evidenciamos assim a maneira com a qual a adogao dos principios da perspectiva indutiva molda a postura do entrevis- tador aos diferentes estagios da pesquisa de campo, e a forma dle analisé-la. O entrevistador nao ¢ o executor de um procedimento de pesquisa pré-formatada, mas, de fato, ator de uma pesquisa que, a0 longo das entrevistas, faz evoluir seus quadros de andlise. Na conclusao destes desenvolvimentos, resta saber “quem” pode endossar a postura do pesquisador neste modo de investigacdo particu- lar. Como considerar a questo da delegagéo na pesquisa por entrevista? Na pesquisa por questionério, a diviséo das tarefas é fundada na separagao estrita das diferentes etapas da pesquisa: somente apos sta finalizacao o questionatio “administrado” em grande quantidade pelos pesquisadores. A pesquisa’por | entrevista, numa perspectiva indutiva, repousa sobre uma forma de organizayéo do campo de pesquisa e da teotia totalmente diferente. A postura do entrevista. dor, por essa razdo, seria indissociavel caquela do pesquisador? As modalidades de distribuigdo dos papéis e das competéncias no quadro da pesquisa por entve- vista ainda hoje demandam largas explicitacoes. m0

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