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A Profecia, Conto III

Eles já estavam ali há algum tempo. Os velhos Anciões tinham os rostos molhados por suor, pois a
fadiga não cansava-lhes apenas o corpo, como também a mente. Além disso, o medo e a dúvida pairava sobre
o coração de cada um deles, o que era por si só um fardo pesado.
O lugar não era nem um pouco agradável: eles entraram numa caverna profunda, tão profunda que
conduzia-lhes diretamente para os antigos pilares da Terra; a escuridão era total, mas mesmo nestes locais
aonde nem Sol nem Lua podem penetrar, existe um relampejo de vida; o ar, era totalmente irrespirável,
envenenado pela maldade que estava à espreita, pútrido por causa das atrocidades cometidas naquele buraco
imundo.
Como os velhos Druidas, Conhecedores do Carvalho, seres tão puros e sagrados chegaram ao ponto
crítico de adentrar em um local tão profano? Simples: a única esperança de que seus ensinamentos
sobrevivam aos novos tempos paira sobre este local, mais especificamente sobre uma “semente”.
Fergus, o Senhor da Aurora, ia á frente, vestido com roupas leves e brancas, e trazendo um cajado
iluminado, que guiava o caminho naquele mar de escuridão. Atrás dele, seguiam lado á lado, quatro outros
Druidas: Mider, o Pilar da Terra, empunhando a Espada da Fúria e vestido com a Armadura Inquebrável; Lir,
das Palavras Sábias, vestido com um manto azul, trazia em suas mãos um cálice de prata, preenchido com
água pura e sagrada; Finn, do Fogo Sagrado, vestido com um robe vermelho e trazendo em mãos uma pedra
de rubi, era o mais severo de todos pois sabia que algo muito desagradável estava à sua espera naqueles túneis
fétidos; Creidhne, o Senhor do Vento, vinha caminhando serenamente, vestido em roupas leves feitas de pura
seda. Ele estava feliz, porque em suas mãos trazia um incenso perfumado que a qualquer hora seria aceso para
perfumar e principalmente purificar o ambiente.
E eram juntos que este grupo de Anciões do Tempo Antigo, penetravam nas entranhas da terra para
verificar à fundo as profecias previstas por Cormac, o Fiel. Segundo o sábio grão-mestre, um Grande Mal
nascera e teria que ser combatido, mas a única arma de que dispunham estava em forma de uma pequena
“semente”.
O caminho da caverna era tortuoso e por causa do doentio odor que vinha de seu interior, cada passo
dado, custava-lhes uma difícil luta. Estavam ali há uma hora? Duas horas, três horas – dias ou semanas, quem
pode saber? Mais relevante que isso: quanto mais dessa tortura eles terão que agüentar, ou conseguirão
suportar? E foi nestes pensamentos desesperados que eles tiveram a primeira de muitas surpresas.
Vindo há poucos metros à frente, eles ouviram um chiado: baixo, porém agudo e horripilante. Depois
do chiado inicial, vieram vários outros, chiados borbulhantes, horrorosos, assustadores e cheios de maldade.
Sem dúvida um Grande Mal estava à espreita.
Fergus, com o seu cajado iluminado, tentou iluminar a área da qual havia vindo o aterrador barulho.
Porém, a pura luz foi barrada por algo, composto de uma escuridão maligna demais para ser traspassada.
Mider, com uma coragem repentina, ergueu sua Espada da Fúria e armando um golpe saltou sobre a criatura
asquerosa. Mais rápida que um relâmpago a criatura escura, que mais tarde seria chamada de Lolth pelos
Povos Escuros, atingiu o Pilar da Terra, no tórax, partindo em pedaços a Armadura Inquebrável.
Os outros três, alarmados pelo misterioso poder da criatura, recuaram.
Finn, há uma certa distância, recitou antigos encantamentos poderosos e de suas mãos, uma chama
vermelha surg iu, indo em direção á criatura. A chama mágica, que mais parecia uma serpente de fogo, foi de
encontro com o ser com uma velocidade sobrenatural. Para espanto de todos, a chama tocou a carapaça
asquerosa da besta sem causar-lhe quaisquer danos. Isso era impossível. Existia entre o céu e a terra, carapaça
que resistisse ao poder do fogo? Essa fora a única criatura residente na Terra durante a Idade Média, que
resistira à um ataque tão fulminante do Fogo Sagrado.
Os outros dois Anciões, Lir e Creidhne, definitivamente apavorados resolveram recuar, e dando às
costas aos companheiros e ao Grande Mal, correram.
A bes ta maligna, num salto repentino, atacou com uma espécie de ferrão a perna de Fergus. Tentando
aparar o ataque munido de seu cajado, o Senhor da Aurora , teve a sua perna incapacitada, tamanha a
ferocidade do ataque inimigo que lançou para longe o cajado.
Ainda caído no chão, e com o peito ardendo devido á um veneno incrivelmente forte, Milder fez um
esforço titânico para se levantar apoiado em sua espada. Com os olhos fechados por causa do medo de morrer,
ele não viu quando a besta maldita jorrou algo pútrido e ácido sobre Finn, que nada fez, senão gritar de dor.
Aquele grito ecoou em todo túnel, dando um alerta do que estava acontecendo naqueles subterrâneos.
Fergus, incapaz de se levantar por causa da imensa sangria na perna direita, lutava para conseguir
alcançar o seu cajado. Porém, para azar do Senhor da Aurora, a escuridão era completa e o caos era total.
Quando Mider finalmente abriu os seus olhos, não podia ter visto algo mais aterrador: a escuridão. A
sua situação era péssima: afinal, ele estava com o corpo escoriado, estava desamparado e principalmente

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indefeso. Forçando os olhos, o Pilar da Terra viu há alguns metros de si mesmo, a criatura tão temida. Porém,
a escuridão que o Grande Mal emanava era tanta que era impossível descrever uma forma verdadeira para
aquele ser.

Quando notou que um dos invasores havia se levantado, Lolth a Grande Aranha, deu um salto e foi
de encontro com o pobre humano. Porém, aquele humano causava-lhe receio pois ele trazia uma arma. Mas
de que adiantaria uma arma na mão de tão simples criatura? E foi com estes pensamentos que o Grande Mal
atacou com toda a sua fúria aquele ínfimo ser. Fergus, muito escoriado conseguiu diferenciar entre as
sombras, aquilo que se aproximava, por isso num último esforço ele arremeteu-se contra o Grande Mal.
Deliciando-se com a coragem daquelas criaturas, Lolth engajou-se numa feroz batalha contra o Senhor da
Aurora.
Revigorado sabe-se lá como, Mider aproveitou a distração do inimigo para seguir caminho para mais
fundo do que ele já se encontrava, restando portanto, apenas Finn e Fergus contra aquele ser.
Finn, com o robe vermelho arruinado, devido ao ataque ácido de Lolth e com a pele e os olhos
ardendo em chamas, levantou-se afim de sacrificar-se para destruir a criatura. Ele tateou o chão, até que
encontrou o cajado de Fergus. Evocando a força do Fogo Sagrado, Finn criou uma grande chama que ardeu na
ponta do cajado. Aquela chama , chama de esperança iluminou o ambiente revelando a verdade : não havia
mais ninguém naquele local desolado, exceto o Senhor da Aurora e o Grande Mal que já haviam se engajado
em uma incrível batalha.
Lutando com todas as suas forças, Fergus tateou seu cinto, á procura da Adaga Branca, encontrando-
a logo em seguida. Lolth, rindo-se do esforço daquele ínfimo ser, investiu contra ele usando todo o seu poder.
Porém, para azar do Grande Mal, Fergus achara a Adaga Branca e segurou-a com as duas mãos com a ponta
para cima; e assim, Lolth com o impulso de sua própria disposição maligna, num esforço muito maior do que
qualquer outro já realizado na Terra, jogou-se contra a pequena lâmina. A Adaga penetrou cada vez mais
profundamente no corpo negro da besta.
Fergus sentia que o combate estava quase vencido, quando deu -se conta que o líquido que escorria
do ferimento de Lolth era corrosivo e a Adaga Branca estava quase totalmente enferrujada. Lutando para
resistir às dores causadas pela penetração daquela lâmina em seu corpo, o Grande Mal persistia e ainda
pressionava o ousado humano contra a parede.
Finn, tendo conhecimento da péssima situação a qual passava o Conselho dos Druidas e seu amigo o
Senhor da Aurora, resolveu fazer algo. Deixando de lado o cajado no qual acendera a chama, e recitando
palavras em um dialeto há muito caído no esquecimento, ele evocou O Machado do Fogo, uma arma grande e
poderosa o suficiente para destruir o Grande Mal.
Após alguns instantes, a Adaga Branca já havia sido completamente corroída pelo sangue corrosivo
da besta e a angústia de Lolth havia finalmente terminado. Desesperado, Fergus o último portador da luz pura,
tentava fazer algo para evitar o inevitável. Foi então, que surpreendidos, Fergus e Lolth viram um grande fogo
se aproximar, na verdade uma arma fervente ... era Finn, segurando O Grande Fogo.
Com um golpe certeiro, o Fogo Sagrado cravou a lâmina do Machado do Fogo no meio do corpo do
Grande Mal. Urrando, Lolth pela primeira vez recuou. Ela soltara Fergus e com um salto fugira para a
salvação que o escuro poderia lhe proporcionar momentaneamente.
Cansados e machucados, Finn e Fergus sentaram-se para tentar recuperar-se não só dos danos físicos,
como também do abalo mental causado pelo confronto com aquela besta maligna.
“Você está bem Senhor da Aurora? – perguntou Finn, cansando-se ainda mais de apenas pronunciar
palavras.”
“Sinto-me pesado e temeroso. A esperança fugiu de mim quando batalhei com aquela besta! Mas tenho
que te agradecer Fogo Sagrado, afinal, você me salvou da morte certa.”
Repentinamente, o diálogo de ambos foi interromp ido por um grito. Um grito alto, grave e
principalmente doloroso, vindo de algum lugar daqueles túneis imundos. Então, houve um tilintar de aço
batendo contra aço e outro grito: desta vez, um grito mais agudo, na verdade um grito de morte.
“Mider! – gritaram os dois Druidas de uma só vez.”
Fergus, tomando o seu cajado, fez uma luz branca e pura acender para iluminar o ambiente. Olhando-se
mutuamente e avaliando as chances de ambos conseguirem sair dali, eles balançaram a cabeça negativamente
em sinal de desaprovação.
“Não há mais esperança Fergus? – perguntou preocupado Finn.”
“Sem Milder, quem é que poderá resgatar O Herdeiro, senão eu ou você?”
“Talvez Lir e Creidhne, afinal eles se retiraram para buscar reforços, não foi? ”

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“Não! Eles foram covardes ao fugir, e de qualquer maneira agora não há esperança, já que Milder
tombou. E olhe bem para nós! Eu estou incapaz de dar um passo sequer, você está com a pele destruída e
com um veneno poderoso correndo em seu sangue. Você ainda tem esperanças de sobreviver?”
Não houve resposta, repentinamente Finn emudecera. Era verdade que Lolth envenenara o Fogo
Sagrado, pois seu olhar era doloroso agora, e o pobre Druida esforçava-se para respirar.
“Ainda há esperanças! – esforçou-se para dizer o pobre Ancião em seus últimos momentos de vida – O
veneno que percorre minhas veias vai me matar. Mas lute, e traga vida para a Terra novamente! – e
dizendo isso, o Fogo Sagrado tombou.”
E foi assim, que sem esperanças e na mais comp leta solidão, Fergus adormeceu.

Há horas, que sangrando Mider seguira aquele caminho escuro, se embrenhando cada vez mais nas trevas
e sombras daqueles túneis malditos. Do seu rosto, gotejava suor, do seu ferimento na barriga, jorrava sangue.
Ele estava só, à procura d’O Herdeiro, naquele túnel saído de um pesadelo sem fim: um lugar fétido,
escuro e perigoso. Sem esperanças, ele seguia o caminho, ouvindo os gritos de dor de seus companheiros,
vindos da superfície.
O Pilar da Terra passou por tantos corredores e passagens que nem se lembrava mais do caminho de
volta. Ele se embrenhava cada vez mais naquele caminho tortuoso, quando a ínfima chama de esperança
finalmente acendeu-se com força em seu coração. Num corredor próximo, como outro qualquer, pairava a
esperança – uma forte luz pura emanava daquela passagem. Com força e energia revigoradas, Mider
esqueceu-se de todos os problemas e correndo para a origem da luz, deparou-se com uma pequena criança.
“A ‘semente da salvação’ – exclamou o pobre Druida, completamente fascinado pelo brilho do pequeno
ser.”
Ele estava sobre o manto branco de Cormac, o Fiel, o grão-mestre, Àquele que Traz Paz. E ela era linda:
tinha curtos cabelos loiros como o ouro, era branco como a neve e tinha olhos azuis como o mais limpo céu.
Mas o que mais espantava, era a sua pureza e o brilho que dele saía, que comovia desde Guerreiros rancorosos
até o mais resistente e antigo carvalho da Idade Média.
Mider ajoelhou-se e contemplou a pequena criança ainda mais de perto. Arthur, como viria a ser chamado
mais tarde, riu -se graciosamente e engatinhando aproximou-se do velho Ancião. Tentando colocar-se em pé, a
criança de pouca idade tocou a ferida mortal d’O Pilar da Terra, que imediatamente cicatrizou-se. Para
espanto de Mider, ele sentiu toda a sua força e vida revigorando.
Tomando a criança no colo, ele guardou a Espada da Fúria e começou a longa caminhada que teria para
voltar até a superfície com O Herdeiro.

Horas se pas saram, e apesar de estar caminhando a largos passos, Mider não cansou-se nem um pouco, o
que estranhou, afinal era uma longa subida e ele agora carregava um fardo muito importante, mas ao mesmo
tempo leve. Mas ele sabia bem qual era o motivo para isso: Arthur com sua eterna pureza e inocência,
revigorava não só o corpo, como também o espírito e mente daqueles que a ele se aliavam, e além disso, os
próprios deuses q ueriam que aquele garoto se tornasse um homem.
E foi neste ritmo de caminhada tranqüila que Mider e Arthur perceberam a aproximação do local da
batalha, pois ele estava iluminado com uma luz branca e pura, o que animou ainda mais, se isso era possível,
ao Pilar da Terra e seu fardo.
Apressando ainda mais o passo, ele virou o corredor e viu no chão, Fergus e Finn caídos. Não era
possível que todos os seus companheiros tivessem tombado durante a batalha, seria? Entris tecendo-se, ele
ajoelhou-se e ainda com a criança no colo chorou-se da situação de seus companheiros. Porém, quando a sua
lágrima tocou o chão, o Senhor da Aurora abriu os olhos com uma expressão de satisfação.
“Não é que em meio à tanta tormenta, um sonho bom me aparece? – indagou Fergus, agora levantando-
se.”
“Felizmente isso não é um sonho meu companheiro. E alegro-me em revê-lo como também em contar-lhe
que tenho em meus braços O Herdeiro.”
Não acreditando em tais revelações, Fergus forçou a vista para ter certeza de que ainda não estava
dormindo, ou se não estava sob efeito de algum feitiço ou veneno.
“Tome-o em seus braços, e sinta a sua bondade e pureza! – disse confiante Mider.”
E desta vez realmente confiante, o Senhor da Aurora tomou a criança em seu colo e quase
imediatamente, todos os seus machucados, dores, aflições e medos abandonaram-no, dando lugar à coragem e
vida.

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“ ‘E virá ao mundo a esperança! Uma semente de vida! Arthur, O Herdeiro’ disse Cormac certa vez, e
finalmente sua profecia se concretizou.”
E dizendo isso, Fergus, Mider e Arthur subiram para chegar á uma superfície novamente tranqüila e
pacífica. O horror de Lolth finalmente fora deixado para trás!

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