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Os Arquivos Brasileiros de Nutricao Uma Revisao So
Os Arquivos Brasileiros de Nutricao Uma Revisao So
net/publication/26359238
Article in Cadernos de saúde pública / Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública · April 1999
DOI: 10.1590/S0102-311X1999000200015 · Source: DOAJ
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All content following this page was uploaded by FRANCISCO DE ASSIS GUEDES DE Vasconcelos on 22 March 2016.
1 De p a rtamento de Nu t r i ç ã o, Abstract This study re v i ews 209 original articles published in the journal Arq u i vos Bra s i l e i ro s
Ce n t ro de Ciências da Saúde, de Nutrição (1944/1968), a periodical edited by Josué de Ca s t ro, p h y s i c i a n , specialist in nutri-
Un i versidade Fe d e ral
de San ta Ca t a r i n a . tion, and founder-director of the Institute of Nutrition at the University of Brazil (now the Feder-
Campus Un i versitário – al Un i versity of Rio de Ja n e i ro ) . Our methodology was based on quantitative and qualitative
Tr i n d a d e , Fl o r i a n ó p o l i s ,S C
a n a l y s e s , aimed at summarizing both the topic itself and the authors’ b a c k g ro u n d s . Re s u l t s
8 8 0 4 0 - 9 0 0 , Bra s i l .
showed that 134 of the articles (64%) adopted a biological perspective to nutrition, mostly focus-
ing on laboratory research concerning the chemical composition and nutritional value of Brazil-
ian foodstuffs. On the other hand, 75 articles (36%) took a social perspective , testifying to the
first efforts by Brazilian nutritional ex p e rts to create and improve specific methodological tools
for investigating our population’s nutritional conditions, thereby helping to consolidate the field
of nutrition in the country.
Key words Nut r it i o n ; History of Nutrition; Serial Publications; Periodicals
Resumo Este trabalho consiste em uma revisão de 209 artigos originais publicados pelos A rq u i-
vos Bra s i l e i ros de Nu t ri ç ã o ( 1 9 4 4 / 1 9 6 8 ) , um periódico editado pelo médico-nutrólogo Josué de
Castro, d i re t o r-fundador do Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil (atual Un i ve r s i d a d e
Fe d e ral do Rio de Ja n e i ro ) . A metodologia utilizada baseou-se na realização de uma análise
q u a n t i - q u a l i t a t i va , buscando sumariar tanto os conteúdos temáticos abord a d o s , como o perf i l
dos autores dos art i g o s . Os resultados deste estudo re ve l a m , por um lado, que 134 destes art i g o s
(64%) foram inseridos dentro da perspectiva biológica da nutrição e corre s p o n d e m , na maioria,
a pesquisas laboratoriais sobre a composição química e o valor nutricional de alimentos nacio-
nais. Por outro lado, a análise dos 75 artigos (36%) incluídos na perspectiva social atesta o esfor-
ço dos primeiros nutrólogos bra s i l e i ros em construir e aperfeiçoar os instrumentos metodológi-
cos específicos para investigar as condições nutricionais de nossa população, bem como em con-
tribuir para a consolidação do campo da nutrição no Brasil.
Palavras-chave Nut r iç ã o ; História da Nutrição; Publicações Seriadas; Periódicos
a revista pre s t a va homenagem a uma pessoa modo, os artigos categorizados dentro da pers-
notável dentro do cenário universal ou nacio- pectiva biológica originam-se e/ou atendem às
nal da nutrição; 2 a) Editorial, onde os dirigen- finalidades de três das quatro seções organiza-
tes da revista apre s e n t a vam abordagens con- tivas do então Inub: a Seção de Pesquisas Bio-
j u n t u rais sobre os mais diversificados temas; lógicas, a Seção de Patologia da Nutrição e, de
3a) Artigos Originais, que foram objetos de nos- c e rta forma, a Seção de Educação Alimentar.
sa reflexão; 4a) Recentes Aquisições da Nutro- Igualmente, os artigos categorizados dentro da
logia, composta por resenhas dos artigos pu- p e r s p e c t i va social originam-se e/ou atendem
blicados na Nutrition Reviews, quase sempre a às finalidades da Seção de Pesquisas Econômi-
seção mais extensa do periódico; 5 a) Re s e n h a c o - Sociais da re f e rida instituição (Arq u i vo s
Nacional de Nu t ri ç ã o, composta por resenhas Brasileiros de Nutrição, 1946:71-73).
de artigos e de outras modalidades de publica- Em seguida, na tentativa de garantir inteli-
ções editadas no Brasil; 6a) Transcrições, com- gibilidade à nossa análise, os artigos da pers-
posta por artigos publicados anteriormente em pectiva biológica foram classificados em qua-
o u t ros periódicos; 7a) Cursos e Co n f e r ê n c i a s, t ro campos disciplinares ou temáticos da nu-
onde são apresentadas breves informações, re- trição: nutrição básica e experimental; ciência
sumos, programas, agendas e/ou currículos de e tecnologia de alimentos; nutrição clínica (in-
eventos científicos, e 8a) Notas e In f o rm a ç õ e s, c l u i n d o f is i ol ogia, patologia e dietoterapia) e
a p resentação de rel e as e s s o b re uma miscelâ- n u t rição e dietética. De forma semelhante, os
nea de temas relacionados ao campo da nutri- a rtigos da perspectiva social foram classifica-
ção. Tais seções, com exceção das três últimas, dos em outros cinco campos disciplinares ou
m a n t i ve ram-se sem alteração do pri m e i ro ao temáticos da nutrição: avaliação nutricional de
último volume do periódico. populações; política e planejamento em ali-
A opção por investigar apenas a seção Arti- mentação e nutrição; epidemiologia nutricio-
gos Originais dos Arquivos representa, antes de nal; determinantes do estado nutricional de
t u d o, um re c o rte metodológico, uma via de populações e educação nutricional. Tal classifi-
aproximação para melhores aprofundamento e cação corresponde a um constructo metodoló-
c o m p reensão sobre a produção científica em gico que estabelecemos baseados na atual con-
nutrição, ao longo do extenso período analisa- f o rmação desses campos disciplinares ou te-
do. máticos no interior da nutrição.
Cada artigo original (nossa unidade de aná- Os resultados desse estudo são apre s e n t a-
lise) foi examinado conforme um roteiro de in- dos sob a forma de tabelas de distribuição de
vestigação construído para possibilitar tanto a f reqüência dos atributos inve s t i g a d o s. Assim,
análise quantitativa e de categorização dos ar- p a ra cada um destes atri b u t o s, foi constru í d o
tigos por volume editado, como a análise das um índice descri t i vo (número de artigos por
c a racterísticas dos autores envo l v i d o s. De s s a volume; número de artigos por natureza da
forma, além da elaboração de listagem dos 209 pesquisa e volume; número de páginas por ar-
artigos, conforme normas bibliográficas (nome tigo; número de autores por artigo; apresenta-
de autores, ano, título, nome do periódico, vo- ção de referências bibliográficas por natureza
l u m e, número, páginas inicial e final e mês), da pesquisa; vínculo institucional do(s) au-
cada artigo foi categorizado de acordo com os tor(es) por artigo; identidade profissional do
seguintes atributos: número de autores; núme- autor principal por artigo etc.), que será anali-
ro de páginas; apresentação de referências bi- sado na seqüência de apresentação dos resul-
bliográficas e outras condições de publicação tados.
definidas pelo periódico; vínculo institucional
e identidade profissional do(s) autor(es); natu-
reza da pesquisa que serviu de base para o arti- A trajetória dos A rq u ivos Brasileiros de
go e conteúdo temático abordado. Nutrição: volumes, número de artigos,
Na seqüência dos procedimentos metodo- periodicidade e direção
lógicos adotados, os artigos foram categoriza-
dos dentro de duas modalidades de estudos: A Tabela 1 apresenta a distribuição dos 209 ar-
investigações de natureza biológica (que cha- tigos originais analisados conforme o volume,
maremos de perspectiva biológica) e investiga- bem como a indicação do ano e o cri t é rio de
ções de natureza social (que chamaremos de p e riodicidade de circulação da revista. Me-
p e r s p e c t i va social). A ri g o r, tal pro c e d i m e n t o diante a análise do índice número de art i g o s
foi adotado procurando-se seguir tanto as fina- por vo l u m e, observa-se que, ao longo do eixo
l i d a d e s, como a estru t u ra de organização do longitudinal de edição da revista (1944 a 1968),
In u b, idealizadas por Josué de Ca s t ro. De s s e f o ram publicados, em média, 8,7 artigos por
Tabela 2
Distribuição dos artigos originais publicados nos Arquivos Brasileiros de Nutrição segundo o número de artigos
e o número de páginas por natureza da pesquisa (biológica ou social) e volume (ano) do periódico, 1944-1968.
1 (1944) 5 3 8 49 28 77
2 (1946) 1 2 3 16 55 71
3 (1947) 6 – 6 149 – 149
4 (1947) 9 1 10 149 7 156
5 (1948) 6 – 6 216 – 216
6 (1949) 9 5 14 152 60 212
7 (1950) 6 5 11 122 96 218
8 (1951) 5 5 10 178 146 324
9 (1953) 4 1 5 78 22 100
10 (1954) 3 1 4 74 35 109
11 (1955) 1 1 2 8 36 44
12 (1956) 2 – 2 43 – 43
13 (1957) 3 – 3 34 – 34
14 (1958) 6 – 6 94 – 94
15 (1959) 4 5 9 36 99 135
16 (1960) 5 7 12 68 118 186
17 (1961) 5 4 9 63 85 148
18 (1962) 5 6 11 60 121 181
19 (1963) 12 6 18 150 122 272
20 (1964) 5 5 10 56 111 167
21 (1965) 10 5 15 117 65 182
22 (1966) 6 6 12 75 93 168
23 (1967) 9 4 13 140 42 182
24 (1968) 7 3 10 72 57 129
Total 134 75 209 2.199 1.398 3.597
% (64,0) (36,0) (100,0) (61,0) (39,0) (100,0)
rais, a um momento de grande mobilização so- c), que perfazem um total de 150 páginas; os de
cial no País (movimento das Ligas Ca m p o n e- Moura-Campos et al. (1951a e b), que perfazem
sas; movimentos urbanos pelas reformas de ba- um total de 104 páginas; e os de Orsini (1947a,
se, incluindo a reforma agrária etc.) e que c u l- b), com 92 páginas.
mina no golpe militar de março de 1964 (Alen- Em relação à distribuição do índice apre-
car et al., 1979; Azevêdo, 1982; Vieira, 1983). sentação de referências bibliográficas por na-
Na Tabela 3, encontra-se a distribuição do tureza da pesquisa, observamos que 68 (32,5%)
índice número de páginas por artigo, utilizado dos 209 artigos publicados não apresentam re-
aqui como um dos demonstra t i vos da inexis- ferências bibliográficas; destes, 40 (58,8%) são
tência de rigidez nos critérios ou condições de da perspectiva social e 28 (41,2%), da perspec-
publicação do periódico. Na distribuição desse tiva biológica. Além dessas evidências, obser-
índice, observou-se uma média de cerca de 17, vamos que muitos dos artigos com referências
um mínimo de quatro e um máximo de 64 pá- bibliográficas não as apresentam dentro das
ginas por art i g o. Apesar de a grande maiori a normas indicadas pelos Arquivos (Index Medi-
dos artigos estar abaixo de 25 páginas, obser- cus). Na seqüência de análise dos aspectos das
vamos que o não-estabelecimento de um limi- condições re d a t o riais que contribuem para a
te máximo de páginas por artigo fez com que demonstração do rigor metodológico da revis-
os Arquivos publicassem verdadeiros tratados ta, observamos que os artigos da perspectiva
de fisiopatologia nutricional ou de ciência e biológica, em sua ampla maioria, encontram-
tecnologia de alimentos, a exemplo de alguns se dentro da estrutura básica tradicional de pu-
artigos, como os de Siqueira & Vogel (1948a, b, blicações periódicas (introdução, metodologia,
resultados, conclusões, referências, resumos), artigo (considerada aqui formação básica), to-
enquanto os artigos da perspectiva social ape- mamos como referência apenas os 88 autore s
nas em sua minoria seguem essa estrutura. principais (excluídos os três autores institucio-
nais). Apesar da falta de informações acerca da
formação básica de boa parcela destes autores,
Os autores dos A rq u iv o s: identidade o que limita bastante a análise desse índice, a
profissional, vínculo institucional distribuição dos dados obtidos é a seguinte: 39
e outras características (44,3%) dos autores são médicos; oito (9,1%)
são químicos ou farm a c ê u t i c o - b i o q u í m i c o s ;
Na Tabela 4, apresentamos os dados da distri- cinco (5,7%) são nutricionistas; três (3,4%) são
buição do índice número de autores por artigo, engenheiros agrônomos; três (3,4%) são médi-
onde se observa que 123 (58,9%) dos art i g o s cos ve t e ri n á rios; um é assistente social; um é
são de autoria individual; 50 (23,9%) são de au- economista; seis são autores estrangeiros (con-
t o ria dupla; 33 (15,8%) são assinados por três vidados especiais dos diretores da revista) e de
ou mais autores e 3 (1,4%), por autores institu- 22 (25,0%) não obtivemos informações. Pode-
cionais. se afirmar, portanto, que o perfil do autor dos
Os 209 artigos originais publicados nos Ar- Arquivos apresenta as seguintes características:
quivos são assinados por um total de 134 dife- homem, médico-nutrólogo, inserido na pers-
rentes autore s, 91 dos quais foram considera- p e c t i va biológica da nutri ç ã o. Ca ra c t e r í s t i c a s
dos autores principais (primeiro nome, no ca- que, apesar da incorporação de novos elemen-
so de mais de um autor) e 43, autores secundá- t o s, permanecem hegemônicas ao longo da
rios ou colaboradores. Para a construção do ín- trajetória da revista.
dice identidade profissional do(s) autor(es) por De acordo com o índice vínculo institucio-
nal do(s) autor (es) por artigo, os resultados ob-
servados para os 209 artigos originais foram os
Tabela 3 seguintes: 95 (45,5%) são assinados por autores
vinculados ao Inub; 38 (18,2%), por autores vin-
Distribuição dos artigos originais publicados nos Arquivos Brasileiros de Nutrição culados a outras instituições localizadas no Rio
segundo o número de páginas por artigo, 1944-1968. de Janeiro, quase sempre com forte articulação
com o grupo de pesquisadores dos Arquivos (a
N o de páginas n % % acumulado exemplo do Se rviço de Alimentação da Pre v i-
dência Social – Saps – e da Comissão Nacional
4 a 10 77 36,8 36,8
de Alimentação – CNA –, instituições também
11 a 20 79 37,8 74,6
idealizadas por Josué de Castro) (Coimbra et al.,
21 a 30 23 11,0 85,6
1982; L’ Ab b a t e, 1988); 45 (21,5%), por autore s
31 a 40 20 9,6 95,2
vinculados a órgãos da Un i versidade de São
41 a 50 5 2,4 97,6
Paulo (USP) e de outras instituições deste Esta-
51 a 64 5 2,4 100,0
do; e 31 (14,8%), por autores vinculados a insti-
Total 209 100,0 –
tuições de outros estados bra s i l e i ros (Ba h i a ,
Minas Ge ra i s, Alagoas e Pernambuco), a insti-
tuições internacionais (Organização para a Ali-
mentação e Agricultura – FAO – e Organização
Tabela 4 Mundial da Saúde – OMS) e alguns não identifi-
cados. Dessa forma, às características do perfil
Distribuição dos artigos originais publicados nos Arquivos Brasileiros de Nutrição do autor dos Arquivos apontadas acima, acres-
segundo o número de autores por artigo, 1944-1968. centamos: estar vinculado ao Inub e residir no
Rio de Janeiro. Características estas que se jus-
N o de autores n % tificam tanto pelo papel desempenhado pela ci-
dade do Rio de Janeiro (Distrito Federal na épo-
1 123 58,9
ca; centro político-intelectual; centro concen-
2 50 23,9
trador de três das seis escolas de nutrição exis-
3 24 11,5
tentes até então no País e sede das pri n c i p a i s
4 5 2,4
agências estatais da política de alimentação e
5 3 1,4
n u t rição), quanto pelo papel desempenhado
10 1 0,5
pelo grupo de médicos nutrólogos do Inub na-
Institucional 3 1,4
quele período da trajetória de consolidação do
Total 209 100,0
campo da nutrição no Brasil (Co i m b ra et al.,
1982; L’Abbate, 1982; Bosi, 1988).
Tabela 5
Relação dos vinte principais autores dos artigos originais publicados nos Arquivos Brasileiros de Nutrição segundo
formação básica, vínculo institucional, campo disciplinar e número absoluto e percentual de artigos publicados
em relação ao total, 1944-1968.
* Inub: Instituto de Nutrição da Universidade de Brasília; CNA: Comissão Nacional de Alimentação; USP: Universidade
de São Paulo; Saps: Serviço de Alimentação da Previdência Social; Ascofam: Associação Mundial de Luta contra
a Fome; DS: Departamento de Saúde; DSP: Departamento de Saúde Pública; Ufal: Universidade Federal de Alagoas.
A Tabela 5 apresenta a relação dos vinte cos nutrólogos nordestinos Jamesson Ferreira
principais autores de acordo com o número de Lima (Associação Mundial de Luta Contra a Fo-
a rtigos publicados, constituindo-se em uma me – Ascofam/PE), Thales de Azevedo (Depar-
síntese do perfil de autoria discutido nesta se- tamento de Saúde – DS/Bahia), Orlando Para-
ção. Observa-se que os químicos Emília Pech- him (De p a rtamento de Saúde Pública – DSP/
nik e Luiz Ribeiro Gu i m a r ã e s, técnicos da Se- PE) e Nabuco Lopes (Un i versidade Fe d e ral de
ção de Pesquisas Biológicas do In u b, lidera m Alagoas – Ufal/AL), todos vinculados à pers-
em pri m e i ro e segundo lugare s, re s p e c t i va- pectiva social.
mente, a lista de publicações. Os médicos nu- O fato de a cientista Emília Pechnick (na
trólogos do Inub Pe d ro Bo rg e s, Rubens de Si- condição de mulher e de química) ocupar, de
queira e Hélio Vecchio Alves Maurício, que no forma isolada, o primeiro lugar da lista de pu-
decorrer do corte longitudinal 1944-1968 reve- blicações é tão surpreendente e esclare c e d o r,
zaram-se nos cargos de secretário, redator e di- quanto contrário a algumas constatações que
retor do periódico, ocupam os postos de tercei- temos apontado até aqui. Por um lado, indica
ro, quarto e quinto lugare s, re s p e c t i va m e n t e. um certo rompimento com as teses de que a
Os cientistas da USP Franklin A. de Mo u ra constituição do campo da nutrição no Bra s i l
Ca m p o s, Paschoal Mu c c i o l o, I. S. Schneider e tenha sido “d em a rc ada por um espaço de luta
José Eduardo Dutra de Oliveira, todos vincula- c o m p e t i t i va pelo monopólio da autoridade
dos à perspectiva biológica, assumem os pos- científica” (Bourdieu, 1994:131) entre os gêne-
tos de sétimo, oitavo, 11o e 13o lugares, respec- ros masculino e feminino (Sa n t o s, 1988; Pra-
t i va m e n t e. Josué de Ca s t ro, em razão de seu do, 1993; Bosi, 1995; Lima, 1997). Sem dúvida,
papel na criação e direção da revista e na traje- a existência dos 42 artigos assinados pela quí-
tória de constituição do campo da nutrição no mica Emília Pechnik nos volumes 2 ao 24 da
Brasil, neste caso, ostenta apenas a 12 a p o s i- revista indica que, apesar de majori t á ria, a
ção. Destacamos, ainda, a presença dos médi- presença do gênero masculino na trajetória da
constituição deste campo não é uma condição cados. Estes artigos, frutos de pesquisas labo-
e xc l u s i va. Por outro lado, reforça as teses da ratoriais (análises químico-bromatológicas ou
i m p o rtância da química, considerada como ensaios biológico-experimentais), têm como
uma das disciplinas-matriz na conform a ç ã o ponto comum a utilização de métodos de de-
deste campo, tanto no cenário universal, co- terminação do valor nutricional dos alimentos
mo no Brasil (Chaves, 1978; Lima, 1997; Maga- n a c i o n a i s. Sendo assim, abordam a composi-
lhães, 1997). ção químico-nutricional, o valor calórico, o teor
Além dos vinte autores listados, é pre c i s o vitamínico e/ou o teor mineral dos mais diver-
f a zer referência a um grupo que emerge ape- sificados alimentos brasileiros, dos mais tradi-
nas a partir dos anos 60, denotando uma certa cionais (feijão preto, farinha de mandioca, tri-
a b e rt u ra dos Arq u ivo s p a ra a publicação da go, milho, leite, laranjas, manga etc.) aos mais
p rodução científica de outras especialidades exóticos (buriti, tucumã, pupunha, óleo de pa-
que entra vam em jogo na contra d i t ó ria dinâ- tauá, pinhão, mucunã, macambira, sururu etc.).
mica de competição e interação que se estabe- Josué de Ca s t ro assina dois artigos do campo
lecia na tra j e t ó ria de consolidação do campo temático em questão, um no qual são re ve l a-
da nutrição no Brasil. Assim, Enilda Lins da dos os resultados químico-analíticos de ali-
Cruz Go u veia (Saps/RJ) e Ma ria de Lourd e s mentos bárbaros do sertão nordestino (Castro
Mello (Sesi/MG) foram as duas pri m e i ras nu- et al., 1947), e outro que apresenta o valor nu-
t ricionistas a publicarem nos Arq u ivo s, cada tritivo da mistura de milho com leite (Castro &
uma assinando um artigo dentro da perspecti- Pechnik, 1951).
va social (Gouveia, 1960; Mello, 1960). A partir Esse fato representa um dos exemplos que
de então, outras nutricionistas passaram a as- nos ajudam a atestar que não existiam frontei-
sinar artigos dentro das duas perspectivas que ras rígidas entre as duas perspectivas inve s t i-
i n ve s t i g a m o s, a exemplo de Lieselotte H. Or- gadas, nem tampouco entre campos temáticos
nellas (Escola de Enfermagem da Universidade ou disciplinares dentro de uma mesma pers-
do Brasil – UB), de Neuza Therezinha Rezende p e c t i va. V á rios autores dos Arq u ivo s c i rc u l a m
Cavalcante (Inub), de Mirtila C. Araújo (Inub) e entre as duas perspectivas e entre os distintos
de Gilda Linhares Mello (Inub). Referimos ain- campos temáticos existentes no interior de ca-
da a entrada em cena do médico pernambuca- da uma delas, ocorrendo, inclusive, tentativas
no Nelson Chave s, fundador do Instituto e do concretas de conexão entre o biológico e o so-
Curso de Nutrição da Universidade Federal de cial, a exemplo de artigo incluído nessa temáti-
Pernambuco, que, entre 1963 e 1964, assina dois ca (Pechnik et al., 1950), no qual os autore s
a rtigos naquele peri ó d i c o. Fato que, a nosso apresentam os resultados de uma investigação
ver, significa mais um reforço à perspectiva bio- s o b re a castanha-do-pará, investigação esta
lógica, particularmente às disciplinas fisiologia composta por um detalhado estudo econômi-
e endocrinologia, também consideradas disci- co-social da produção e por um ensaio bioló-
plinas-matriz na conformação do campo da nu- g ic o - e x p e rimental do valor nutricional deste
trição no Brasil (Lima, 1997; Magalhães, 1997). produto.
A temática tecnologia dos alimentos apare-
ce em segundo lugar dentro da perspectiva
A perspectiva biológica: dos métodos biológica, em 35 (26,1%) dos artigos publica-
de determinação do valor nutricional dos. Trata-se da única temática alheia aos pes-
aos métodos de industrialização quisadores do Inub, uma vez que quase a tota-
dos alimentos lidade destes artigos são oriundos de pesquisa-
d o res do Estado de São Pa u l o. Paschoal Mu c-
Nesta seção, passaremos à análise do conteúdo ciolo e I. S. Schneider, da Faculdade de Medici-
temático dos 134 artigos incluídos na perspec- na Ve t e ri n á ria da USP, são os dois pri n c i p a i s
t i va biológica da nutri ç ã o, dentro dos quatro a u t o res dessa linha, cujos artigos abordam os
campos temáticos ou disciplinares em que es- mais diversificados temas ligados à industriali-
tes foram categorizados. zação de alimentos (métodos de processamen-
A temática nutrição básica e experimental, to, de enriquecimento, de conservação, de em-
l i d e rada pelos químicos Emília Pechnik, Lu i z balagem, de controle de qualidade etc.). Em-
Ribeiro Guimarães e José Maria Chaves, da Se- bora apareça, de forma bastante tímida, desde
ção de Pesquisas Biológicas do In u b, e pelo 1947, esta temática só teve uma melhor expres-
médico Franklin A. de Moura Campos, do De- são numérica a partir de 1954.
partamento de Fisiologia da Faculdade de Me- A temática nutrição clínica aparece em ter-
dicina da USP, detém a hegemonia dos tra b a- ceiro lugar, com 25 (18,7%) artigos publicados.
lhos desta linha, com 61 (45,5%) artigos publi- Os médicos Rubens de Siqueira, Hélio de Sou-
za Luz, Clementino Fraga Filho (da Seção de uso de métodos antro p o m é t ri c o s, clínicos, la-
Patologia da Nu t rição do Inub), José Ed u a rd o b o ra t o ri a i s, dietéticos, demográficos e sócio-
Dutra de Oliveira e Demosthenes Orsini (da Fa- econômicos para a realização de diagnósticos
culdade de Medicina da USP) são os principais nutricionais de comunidades), foram incluídos
autores dessa linha, cujo auge de produção ve- 21 (28,0%) dos artigos, destacando-se:
rificou-se no período de 1947 a 1953, com 16 • Nove artigos sobre consumo alimentar, uti-
(64,0%) artigos. Os artigos desta área abordam lizando distintas modalidades de inquéri t o s
aspectos de fisiologia, patologia e dietoterapia; dietéticos. Tais artigos, publicados do primeiro
originaram-se de pesquisas do tipo experimen- ao último volume da revista, demonstram que,
tal (ensaios biológicos) e estudos de casos (en- após o inquérito pioneiro: As condições de vida
saios clínicos), tratando dos mais diversos te- das classes operárias no Recife, realizado por Jo-
mas, tais como semiótica das hipovitaminoses; sué de Castro em 1933 (Castro, 1935), esta mo-
metabolismo basal; dietoterapia em diabetes, dalidade de inve s t i g a ç ã o, além de apri m o ra r-
disfunções hepáticas e gastrectomias e padro- se enquanto instrumental básico de pesquisa
nização de dietas hospitalares. d e n t ro da perspectiva social da nutri ç ã o, ga-
A temática nutrição e dietética aparece em nhou adeptos em todo o país, a exemplo das
último lugar, em 13 (9,7%) dos artigos publica- pesquisas realizadas pelos médicos nutrólogos
dos. Os artigos desta linha abordam temas re- Orlando Parahim e Jamesson Ferreira Lima, em
lacionados a aspectos do planejamento e ad- Pernambuco; Thales de Azevedo, na Bahia; Os-
ministração de serviços de alimentação, da téc- waldo Costa e Rubem de Siqueira, no Rio de Ja-
nica dietética e culinária e da dietética propria- neiro; Domingos Lopes e Benedito Philadélpho
mente dita. Quase a totalidade destes art i g o s Siqueira, em Minas Gerais; Nabuco Lopes, em
(92,0%) foram publicados entre 1959 a 1968 e Alagoas, e Walter Silva, no Rio Grande do Norte.
versam, em sua maioria, sobre o planejamento • Oito artigos sobre avaliação nutricional ba-
da alimentação de grupos militares (exérc i t o, seada em métodos antropométricos, clínicos e
marinha e aeronáutica). Entre os seus autores, sócio-econômicos. Ressalte-se que tais avalia-
destacamos os médicos nutrólogos Pedro Bor- ções clínico-antropométricas tiveram como di-
ges, Hélio Vecchio A. Maurício e Irma Fioravan- re t ri zes comuns: a população em idade esco-
ti (Seção de Pesquisas Ec o n ô m i c o - Sociais do lar; algum critério de estratificação sócio-eco-
Inub); Geraldo Francisco Maldonado (Saps) e a nômica desta população; a utilização de proce-
nutricionista Lieselotte H. Ornellas (Escola de dimentos estatísticos na amostragem e análise
Enfermagem da UB). dos dados e resultados apontando melhore s
Em síntese, através dos conhecimentos ob- perfis antropométrico-nutricionais entre os es-
jetivos produzidos por estas pesquisas labora- colares com maior poder aquisitivo. Estes arti-
toriais e ensaios biotecnológicos sobre a com- gos, publicados entre 1949 a 1968, são assina-
posição e o metabolismo dos alimentos; sobre dos pelos médicos nutrólogos Josué de Castro,
os métodos de industrialização e enri q u e c i- Walter Silva, Pedro Bo rg e s, Thales de Aze ve d o,
mento dos alimentos e sobre os modern o s Irma Fioravanti, Nabuco Lopes e Geraldo Fran-
p rincípios da dietética e da dietotera p i a , o s cisco Maldonado.
médicos nutrólogos vinculados aos Arq u ivo s No campo temático Política e Planejamen-
c o n s t ru í ram uma importante base cognitiva to em Alimentação e Nutrição, foram incluídos
p a ra a legitimidade da tese, atribuída a Jo s u é 20 (26,7%) dos art i g o s. Esta temática emerg e
de Castro, de que “a partir de uma alimentação em setembro de 1947, a partir de um artigo de
ra c i o n a l , seria possível valorizar a ra ç a ,c o n s- Walter Si l va que apresenta uma abord a g e m
truir o homem bra s i l e i ro e forjar a nação” (Li- teórica sobre os três grupos de fatores a serem
ma, 1997; Magalhães, 1997:79). c o n s i d e rados na formulação de uma política
alimentar para o Brasil (disponibilidade de ali-
mentos, poder aquisitivo e capacidade de sele-
A perspectiva social: da eugenia através ção de alimentos). A articulação destes três
da alimentação racional à indústria g rupos de fatores apontados por Si l va (1947),
alimentar no combate à fome no nosso entender, caminhará para a formula-
ção da matriz teórico-conceitual sobre a pro-
Os 75 artigos incluídos na perspectiva social da blemática alimentar e nutricional bra s i l e i ra ,
nutrição foram categorizados dentro dos cinco que unificará os intelectuais do campo da nu-
campos temáticos ou disciplinares que discuti- trição em torno do seu criador, Josué de Castro
remos a seguir. (Lima, 1997; Magalhães, 1997). Ainda, no nosso
No campo temático Aval i ação Nu t r i c i o n a l e n t e n d e r, implicitamente, através do re f e ri d o
de Po p u l a ç õ e s (que compreendemos como o artigo (Silva, 1947), os médicos nutrólogos vin-
culados aos Arquivos buscavam gerar consen- t rição protéico-calórica (DPC), de autoria dos
so e legitimidade para a regulamentação da médicos Irma Fioravanti e Nelson Chaves, que
Comissão Nacional de Alimentação (CNA), tratam, respectivamente, de um estudo de pre-
agência criada em 1945, mas que só passaria a valência sobre DPC hospitalar e de uma prele-
o p e ra r, efetiva m e n t e, a partir de 1951, com o ção conferida pelo pro f e s s o r, abordando as-
retorno de Getúlio Vargas à Presidência da Re- pectos epidemiológicos desta carência nutri-
pública (L’Abbate, 1982). Aliás, a maioria des- cional no Nordeste; c) um artigo sobre hipovi-
tes artigos são de natureza teórico-conceitual, taminose A, de autoria de Thales de Aze ve d o ;
a p resentando enfoques e propostas políticas t rata-se de uma curta revisão bibliográfica,
sobre temas emergentes em determinadas con- a p resentando alguns dados sobre a pre va l ê n-
j u n t u ra s. Como exemplo, podemos apontar o cia desta carência nutricional na Bahia.
artigo Plano de política alimentar na Amazônia No campo temático Ed uc ação Nutricional,
(Castro, 1951), um relatório técnico, no qual Jo- foram classificados sete (9,3%) dos artigos, en-
sué de Castro, dentro da abordagem geográfi- tretanto apenas três são especificamente fiéis a
co-ecológica que caracterizará a sua obra (Ma- este campo disciplinar: uma extensa re v i s ã o
galhães, 1997; Lima, 1997), já àquela época, su- bibliográfica sobre a temática educação nutri-
geria a implantação de medidas de intervenção cional no Brasil (à época denominada Ed u c a-
a l i m e n t a r- n u t ricional visando ao desenvo l v i- ção Alimentar), publicada em 1951 pelo oficial
mento e c on ôm ic o s u st e nt ável para aquela re- médico do exército e nutrólogo Walter José dos
gião brasileira, que estava em evidência desde Santos; um relato da experiência da nutri c i o-
o início da Segunda Guerra Mundial. Destaca- nista Ma ria de Lourdes Mello (Sesi/MG) em
mos a publicação, no período 1961-1963, de educação alimentar para menores trabalhado-
cinco artigos apresentando propostas de pro- res e um esboço de projeto de pesquisa sobre
dução, abastecimento de alimentos e de refor- tabus e hábitos alimentares no Brasil, de auto-
ma agrária (Ma u r í c i o, 1961; Fe r re i ra-Lima & ria do economista Souza Ba r ros (Se s i / A s c o-
Ba n c ov s k y, 1962 e 1963; Fe r re i ra Lima et al., fam). Os quatro demais estão relacionados à
1962; Salomão & Gomes da Silva, 1963), quan- f o rmação de recursos humanos (nutri c i o n i s-
do o Brasil inteiro, part i c u l a rmente a re g i ã o tas, médicos, tecnólogos de alimentos e veteri-
Nordeste, vivenciava uma intensa mobilização n á rios), sendo incluídos neste grupo por ser
dos trabalhadores rurais com a criação das Li- esta a temática mais semelhante. Nesse aspec-
gas Camponesas e dos Sindicatos Rurais (Aze- t o, é importante registar que esses tra b a l h o s
v ê d o, 1982). De s t a c a m o s, ainda, no período acerca da formação de recursos humanos, pu-
1951-1968, a publicação de quatro artigos abor- blicados a partir de 1963, parecem datar o acir-
dando a questão da mere n d a e sc ol a r; a nosso ramento da discussão em torno da demarcação
ver, foram importantes veículos de difusão das dos campos de saber, de competência e de po-
idéias em torno da utilidade da política nacio- der entre os profissionais (especialidades) do
nal de alimentação escolar, implantada no Bra- campo da nutrição. Nesse sentido, em 1963, foi
sil, no decorrer dos anos 50, a partir dos progra- publicado um artigo sobre tecnologia de ali-
mas internacionais de ajuda alimentar (Coim- mentos na formação do veterinário (Mucciolo,
b ra et al., 1982). E, finalmente, os artigos que 1963); a revista re l a t i va ao pri m e i ro semestre
prenunciavam o futuro envolvimento que teria de 1966 publicou um artigo sobre o ensino de
a indústria de alimentos na formulação e con- nutrição para estudantes de Medicina (Dutra-
dução da política de alimentação e nutrição do de-Oliveira, 1966) e, ainda no segundo semes-
País no pós-1964. t re de 1966 e em 1967, foram publicados dois
No campo temático Ep id em i ol ogia Nu t r i- artigos sobre a formação do profissional nutri-
c i o n a l (que compreendemos como o estudo cionista (Cavalcante, 1966, 1967).
das doenças nutricionais em uma determinada No campo temático Determinantes do Esta-
população), foram identificados apenas sete do Nutricional de Populações, foram incluídos
(9,3%) dos art i g o s, sendo: a) quatro sobre bó- 20 (26,7%) dos artigos. Apesar de implícito nos
cio endêmico, publicados entre 1944 a 1959, a rtigos da perspectiva social desde 1944, este
o riginados das atividades desenvolvidas pelo campo temático só ganhou especificidade a
então De p a rtamento Nacional de Sa ú d e, que p a rtir de 1950 e expressão numérica nos anos
relatam estudos de pre valência entre escola- 60. Os artigos nele incluídos, de natureza teóri-
res ou apresentam revisões sobre prevalência, co-conceitual, tratam das concepções ou pon-
á reas e n d ê m i c a s, profilaxia e tratamento da tos de vista de distintos autores acerca da gê-
doença. Seus autores são os médicos Álva ro n e s e, re p rodução e conseqüências da pro b l e-
Lobo Leite Pereira, Amílcar Barca Pellon, Wal- mática alimentar e nutricional no Brasil. Esta
ter Si l va e Pe d ro Bo rges; b) dois sobre desnu- politização observada nos artigos ao longo da
série histórica 1944-1968, a nosso ver, pode ser p ro m ovam atividades que visem aumentar as
atribuída à articulação de distintos elementos disponibilidades de alimentos de alto valor nu-
na tra j e t ó ria dos intelectuais vinculados aos tritivo” (Costa & Silva, 1946:16-17).
Arq u ivo s, tais como a maior liberdade de ex- Entre 1959 a 1963, a discussão assumiu no-
p ressão que, gra d a t i va m e n t e, foi sendo am- vos contornos, ampliando-se o debate em tor-
pliada no País a partir da queda do Estado No- no dos determinantes demográficos, econômi-
vo; a incorporação de novas concepções cientí- co-sociais e estruturais, particularmente sobre
ficas e filosóficas, a exemplo, entre outra s, da reforma agrária, produção e abastecimento de
teoria do círculo vicioso da pobreza e da doen- alimentos, conforme apontamos anteriormen-
ça no início dos anos 50 (Braga & Paula, 1981); te. Além disso, é preciso registrar que: a) a par-
das teorias do subdesenvolvimento-desenvol- tir de 1959, com a adesão de novos médicos
vimento a partir de meados dos anos 50 (Man- m i l i t a res à nutrologia ( Jair de Matos Mo n t e-
tega, 1985) e do discurso preventivista dos anos d ôn i o, José João Barbosa e Ge raldo Fra n c i s c o
60 (Arouca, 1975) e, finalmente, a maior auto- Maldonado), começaram a ser publicados arti-
nomia que o campo da nutrição foi conquis- gos sobre nutrição nas forças armadas e b) em
tando no interior do espaço acadêmico (nas 1961 foi publicado um relatório técnico sobre a
universidades e em outras instituições de ensi- atuação, no Brasil, do programa Al im e ntos pa-
no e pesquisa), do espaço político-institucio- ra a Paz, desenvolvido pelo governo norte-ame-
nal (nas agências e instituições estatais vincu- ri c a n o, prenunciando o assistencialismo ali-
ladas à política s ocial de alimentação e nutri- mentar que vigoraria no País no pós-64 (Coim-
ção) e no seio da sociedade civil (Co i m b ra et bra et al., 1982; L’Abbate, 1982).
al., 1982; L’ Ab b a t e, 1982; Natal, 1982). Assim Por fim, entre 1964 e 1968, a discussão cen-
como nos demais, este campo temático tam- tral girou em torno dos temas desenvolvimen-
bém reflete aspectos das conjunturas específi- to econômico, população, alimentação, tecno-
cas em que os artigos foram produzidos e di- logia e, pri n c i p a l m e n t e, sobre o papel da in-
fundidos pelos Arquivos. d ú s t ria alimentar no combate à fome (Orn e l-
Nesse sentido, é preciso atentar para a las, 1965).
emergência de temas específicos em determi-
nados cortes transversais da trajetória da revis-
ta. En t re 1944 a 1955, permanecia em evidên- Considerações finais
cia a tese da ignorância alimentar do povo bra-
sileiro, presente em todas as camadas sociais, A opção metodológica adotada neste estudo –
embora com certas distinções de classe social a realização de uma investigação sistemati-
(Parahim, 1944; Siqueira, 1950). Po rt a n t o, tor- zada baseada em princípios da meta-análise
n a va-se fundamental a sedutora proposta da ( Greenland, 1987; Jenicek, 1989; Riegelman &
“a l im e nt ação ra c i o n a l , como fundamento da Hirsch, 1992; Jones, 1993; Thacker, 1993; Esco-
vida e condição precípua de saúde, eugenia e bar, 1994), buscando sumariar aspectos quan-
progresso” (Parahim, 1944:23), legitimadora da ti-qualitativos dos artigos originais publicados
constituição do campo da nutrição e da educa- nos Arq u ivos Bra s i l e i ros de Nutrição –, apesar
ção alimentar como um dos seus instru m e n- de demonstrar-se eficiente na consecução dos
tais básicos (Lima, 1997). Observa-se que a te- o b j e t i vos a que nos pro p u s e m o s, apre s e n t a
se do mal de fome e não de raça, formulada por também as suas limitações. Em primeiro lugar,
Josué de Castro nos anos 30 – sua forma de in- é preciso destacar que o nosso olhar debruçou-
terlocução com os cientistas de outros campos se apenas sobre uma das seções da estru t u ra
disciplinares que, à época, procuravam desfo- i n t e rna de organização do periódico (a seção
car da questão biológica para a questão sócio- de artigos originais), o que não nos autoriza a
cultural o preconceito de clima (meio) e de ra- tirar conclusões sobre a trajetória desta publi-
ça que se tinha sobre o povo bra s i l e i ro (Lima, cação científica como um todo. Em segundo
1997; Magalhães, 1997) –, continuava, nos anos lugar, é preciso registrar que, embora acredite-
44-55, ecoando entre os intelectuais do campo mos que os artigos publicados nos Arquivos se-
da nutrição. Entretanto, nesse mesmo contex- jam representativos do que foi produzido e di-
to, outras teses foram sobrepondo-se a essa an- fundido no campo da nutrição ao longo da sé-
t e ri o r, a exemplo da linha que concluía que a rie histórica 1944-1968, a inexistência de estu-
questão alimentar estava “mais na dependên- dos acerca da produção difundida em outra s
cia do poder aquisitivo que de outro fator qual- publicações científicas contemporâneas ao pe-
quer e, na impossibilidade de agir sobre o salá- riódico (os Arquivos Brasileiros de Medicina, a
r i o, impõe-se que os serviços de saúde pública, Revista Brasileira de Medicina, os Arquivos Bra-
ao lado das atividades de educação alimentar, sileiros de Endocrinologia e Metabologia, os Ar-
Agradecimentos
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